universidade federal da paraÍba centro de ciÊncias … · maria da luz olegário, coorientadora,...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA E ENSINO LEITURA E RELAÇÕES DE GÊNERO: AS DISCURSIVIDADES DOS(AS) EDUCADORES(AS) NAS MEDIAÇÕES DE PRÁTICAS LEITORAS GILVA VASCONCELOS DA SILVA MATOS João Pessoa 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIacuteBA

CENTRO DE CIEcircNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM LINGUIacuteSTICA E ENSINO

LEITURA E RELACcedilOtildeES DE GEcircNERO AS DISCURSIVIDADES DOS(AS)

EDUCADORES(AS) NAS MEDIACcedilOtildeES DE PRAacuteTICAS LEITORAS

GILVA VASCONCELOS DA SILVA MATOS

Joatildeo Pessoa

2014

GILVA VASCONCELOS DA SILVA MATOS

LEITURA E RELACcedilOtildeES DE GEcircNERO AS DISCURSIVIDADES DOS(AS)

EDUCADORES(AS) NAS MEDIACcedilOtildeES DE PRAacuteTICAS LEITORAS

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica e Ensino da

Universidade Federal da Paraiacuteba como

requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de

mestra pelo Mestrado Profissional em

Linguiacutestica e Ensino

Orientador Prof Dr Onireves Monteiro da

Costa

Coorientadora Profordf Dra Maria da Luz

Olegaacuterio

Joatildeo Pessoa

2014

GILVA VASCONCELOS DA SILVA MATOS

LEITURA E RELACcedilOtildeES DE GEcircNERO AS DISCURSIVIDADES DOS (AS)

EDUCADORES (AS) NAS MEDIACcedilOtildeES DE PRAacuteTICAS LEITORAS

Dissertaccedilatildeo avaliada em ____________

BANCA EXAMINADORA

Prof Dr Onireves Monteiro da Costa (UFCG)

(orientador)

Profordf Dra Maria da Luz Olegaacuterio (UFCG)

(coorientadora)

Profordf Dra Maria de Nazareacute Tavares Zenaide (UFPB)

(examinadora)

Profordf Dra Eliane Ferraz Alves (UFPB)

(examinadora)

Profordf Dra Alvanira Lucia de Barros (UFCG)

(suplente)

Joatildeo Pessoa

2014

Dedico este trabalho a todas as mulheres

militantes agravequelas que deixam ao mundo o

legado de por amarem o suficiente a vida

desejam reinventaacute-la

AGRADECIMENTOS

Sou profundamente grata a todosas aquelesas que deram de alguma forma sua

contribuiccedilatildeo para que esta pesquisa fosse realizada Reconheccedilo e aqui me cabe demonstrar

que esta conquista tem um dar de matildeos que me permitiu aclarar questotildees e seguir diante dos

momentos de tensatildeo que emergem no trajeto das obrigaccedilotildees acadecircmicas

Primeiro e sobretudo agradeccedilo a Deus pelo esconderijo no Altiacutessimo pela

serenidade emanada dos seus braccedilos

Especialmente agradeccedilo ao meu orientador querido Prof Dr Onireves porque me

acolheu do alto de sua sabedoria e grandeza humana permanentemente me incentivando

tornando tudo mais significativo e leve

Agrave profordf Dra Maria da Luz Olegaacuterio coorientadora que carrega no nome o que me

ofertou quando mais precisei ndash visatildeo luminosa sendo docilmente criteriosa no compartilhar

de seu conhecimento

Agradeccedilo agrave profordf Dra Maria de Nazareacute Tavares Zenaide por suas saacutebias colaboraccedilotildees

ao participar da banca examinadora de defesa deste trabalho Seu olhar arguto trouxe a

grandeza de quem labuta por uma escola em que os Direitos Humanos encontrem assentos

Agradeccedilo agrave profordf Dra Eliane Ferraz Alves por compor criteriosamente a banca

examinadora de defesa deste trabalho

Agrave admiraacutevel profordf da UNEB Nadja Nunes muito obrigada Sua grandeza perdura em

minhas memoacuterias de aprendiz Haacute um vazio de sua presenccedila na composiccedilatildeo para a banca de

exame de defesa mas compreendendo os percalccedilos do impedimento saiba que natildeo haacute

ausecircncia onde se ministrou um ethos Mire por ti tenho gratidatildeo pela vida inteira

Agradeccedilo agrave profordf Dra Juliene Pedrosa coordenadora deste mestrado referecircncia de

zelo profissional

Agradeccedilo agrave escola TRAVESSIA e seus sujeitos pesquisados por tanta abertura e

respeito com o meu trabalho

Aos meus pais Manuel (in memoriam) e Elisa agradeccedilo pelo amor pelas liccedilotildees de

vida pelas narrativas dos sonhos

Aos meus filhos Pablo Ravi e Lucas que me fazem amar amiuacutede obrigada Os trecircs

compotildeem parte da magia de minha vida pelo segredo de ninar pela becircnccedilatildeo de colos

pacificados Cada um eacute unicamente um cacircntico novo tesouros

A Robert pela vida partilhada enlaccedilada em afetos obrigada

Aosagraves irmatildeosatildes em especial Didi que me nutre com fraternidade amorosa e

incondicional devo-lhe muito

Obrigada deputada estadual Gilma Germano pela propositura de leis de suma

importacircncia para a garantia dos direitos das mulheres

Agradeccedilo ao amigo de infacircncia Iranmil pela liccedilatildeo de enfrentamento agrave homofobia pela

companhia na literatura por falar muito e rir tanto

Agrave Socircnia Maria por me ofertar ao longo dos anos amizade das mais leves e alegres

regrada a risos companheirismo e adoccedilatildeo fraterna

Aosagraves colegas do mestrado em especial Adnilda e Leandro que satildeo tatildeo solidaacuterios e

inteligentes tambeacutem agradeccedilo

Aos meus alunos e alunas com quem aprendi muito

Ao meu chefe o diretor do CECAPRO Prof Giovanny Lima pelo estiacutemulo agraves minhas

buscas pelo conhecimento pelo compromisso com a educaccedilatildeo

Agrave Inecircs Caminha ex-chefe eterna liccedilatildeo de competecircncia e bondade

Agrave competente secretaacuteria do CECAPRO Adilsa Gadelha pelo que tambeacutem sabe ser

amiga

Agrave secretaacuteria do MPLE Vera Lima por sempre e tanto atender respeitosa e

competentemente

Lembrou-se de que em adolescente procurara

um destino e escolhera cantar Como parte de

sua educaccedilatildeo facilmente lhe arranjaram um

bom professor Mas cantava mal ela mesma o

sabia e seu pai amante de oacuteperas fingira natildeo

notar que ela cantava mal Mas houve um

momento em que ela comeccedilou a chorar O

professor perguntara-lhe o que tinha - Eacute que

eu tenho medo de de de de cantar bem []

(LISPECTOR 1979 p 157)

RESUMO

As importantes conquistas efetivadas pelas lutas feministas e pela pauta

reivindicatoacuteria dos Direitos Humanos que problematizam a construccedilatildeo social de gecircnero tecircm

na escola espaccedilo dos mais importantes para o debate promotor da equidade de gecircnero Esta

pesquisa se estrutura pela interface entre as praacuteticas leitoras na escola e a promoccedilatildeo desse

debate e se propotildee a analisar as discursividades dosas educadoresas como mediadoresas de

leituras acerca das relaccedilotildees de gecircnero Para este direcionamento discursivo o estudo move-se

teoricamente na concepccedilatildeo de leitura em Soares (2001 2011) Orlandi (2008) e Silva E T

(2009 2011) nos estudos feministas contemporacircneos (LOURO 2012) (COSTA 2009) nas

reflexotildees trazidas pela Anaacutelise de Discurso (ORLANDI 2012 POSSENTI 2009) e nas

contribuiccedilotildees foucaultianas sobre poder e subjetividade (FOUCAULT 2004a 2004b 2004c

2011 2012) A investigaccedilatildeo de natureza qualitativa regida por princiacutepios analiacuteticos tem

como loacutecus uma escola do Ensino Fundamental da Rede Puacuteblica de Joatildeo Pessoa-PB na

realizaccedilatildeo de seu projeto de leitura Foram adotados como procedimentos metodoloacutegicos para

geraccedilatildeo dos dados a anaacutelise do documento do projeto de leitura observaccedilotildees de aulas anaacutelise

do material de leitura utilizado nesses eventos dos relatos de diaacutelogos com osas

educadoresas e da aplicaccedilatildeo de questionaacuterio E conforme anaacutelise dos resultados do conjunto

dos instrumentos investigativos o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero natildeo perpassa pela

instacircncia do projeto de leitura da escola nem nas vozes docentes perscrutadas

Palavras-chave Leitura Gecircnero Discurso Praacuteticas discursivas Direitos Humanos

ABSTRACT

The important achievements of feminist struggles and the Human Rights agenda

which discuss the social construction of gender find at school an important space for the

debate that promotes gender equality This piece of research focuses reading practices at

school and the promotion of this debate aiming at analyzing the discourses of (male and

female) teachers as reading mediators on gender relations As its theoretical framework this

study considers the definition of reading proposed by Soares (2001 2011) Orlandi (2008)

and Silva E T (2009 2011) contemporary feminist studies (LOURO 2012 COSTA 2009

PISCITELLI 2002) reflections proposed in the field of Discourse Analysis (POSSENTI

2009) and the foucauldian discussions on power and subjectivity (FOUCAULT 2004a

2004b 2004c 2011 2012) This qualitative investigation has as its locus a public primary

school in the city of Joatildeo Pessoa ndash PB while developing its reading project Data

wasgenerated from the analysis of the reading project document lesson observations reading

material used in the sessions reports by the teachers and a questionnaire The results indicate

that the debate concerning gender relations does not emerge in the reading project activities or

the teachersrsquo voices studied

Keywords Reading Gender Discourse Discursive practices Human rights

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 10

1 OS PRESSUPOSTOS TEOacuteRICO-METODOLOacuteGICOS DA PESQUISA 25

11 Entrevendo os sujeitos o loacutecus os jogos de verdade 25

12 Por onde falam e de onde olham osas educadoresas os instrumentos de

investigaccedilatildeo 27

2 OS APORTES TEOacuteRICOS QUE MOVEM A INVESTIGACcedilAtildeO 29

21 Gecircnero Discurso e Direitos Humanos 29

22 Feminismo poder e educaccedilatildeo 39

23 A leitura no Brasil em retratos 51

24 O sujeito da leitura na Anaacutelise do Discurso 64

25 Os processos de significaccedilatildeo e subjetivaccedilatildeo a leitura como praacutetica social 69

26 A leitura como mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de identidades 72

3 ANAacuteLISE DOS RESULTADOS INVESTIGATIVOS 82

31 O Documento-fundador o natildeo dito significando 82

32 O acervo bibliotecaacuterio dos paradidaacuteticos estantes que enunciam 87

33 Os relatos as subjetividades os jogos discursivos 89

34 O questionaacuterio e outros relatos entrelaccedilando discursividades 92

35 As aulas o sujeito-leitor o campo de gecircnero e as relaccedilotildees de poder 113

4 A ACcedilAtildeO PROPOSITORA INSERCcedilAtildeO TEMAacuteTICA DE GEcircNERO PELA

VIA DA LEITURA 125

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 136

REFEREcircNCIAS 142

APEcircNDICE 150

10

INTRODUCcedilAtildeO

A Gecircnese da pesquisa como (entre)veio o desejo

Movida pelo interesse entre leitura e relaccedilotildees de gecircnero investigo com este trabalho

as discursividades dosas educadoresas como mediadoresas de leituras frente ao debate

sobre a equidade de gecircnero Esta accedilatildeo investigativa se daacute em uma escola do Ensino

Fundamental da Rede Puacuteblica de Joatildeo Pessoa - PB que executa um projeto de leitura em sua

biblioteca em um dia especiacutefico a sexta-feira fato provavelmente responsaacutevel pela

nomeaccedilatildeo da atividade a CestaSexta Literaacuteria

Os passos dados para a construccedilatildeo desta pesquisa possuem histoacuteria imagens

memoacuterias esquecimentos desejos uma gecircnese Debruccedilo-me agora sobre essa gecircnese E creio

que duas imagens armazenadas por mim nas andanccedilas escolares satildeo possivelmente

fundadoras-mor de meu objeto de pesquisa Elas entre tantas imagens que se ofertam como

leituras propiacutecias agraves reflexotildees sobre o debate da equidade de gecircnero na escola satildeo frugais em

minhas memoacuterias de educadora de mulher Chegaram em contingecircncias especiais e se

tornaram efeitos encarnados no sentido que o poeta Fernando Pessoa diz que irrompem

provocaccedilotildees Foram por mim guardadas em um momento de inquietaccedilatildeo em que me

debruccedilava sobre qual tema me aticcedilaria profundamente para estudar neste mestrado E de

forma providencial e diligente estas imagens me (s)acudiram a alma quando as registrei

pegaram-me pela matildeo e me levaram a uma itineracircncia na qual satildeo debulhados saberes

poderes palavras ordens accedilotildees discursivas de outros sobre mim que me fazem estar quem

estou Mais do que isto as imagens levaram-me mesmo que medrosamente a um desejo

profundo de discutir a construccedilatildeo das diferenccedilas as discursividades docentes acerca do

feminismo as relaccedilotildees de gecircnero e o lugar da escola como espaccedilo de debate e de construccedilatildeo

de equidade

E foi assim que vivi a experiecircncia de registraacute-las Envolta pelo meu interesse

profissional de pensar a leitura como importante instrumento na formaccedilatildeo discente descobri

um trabalho em escolas da zona rural de um municiacutepio paraibano realizado por uma ONG

muito bem conceituado Pensei que poderia render um bom estudo avaliar como as histoacuterias

contadas naqueles espaccedilos poderiam funcionar como instrumento de mediaccedilatildeo na construccedilatildeo

das identidades de gecircneros na problematizaccedilatildeo de papeacuteis socialmente construiacutedos

Discordando de minha orientaccedilatildeo acadecircmica que via com dificuldade a distacircncia

entre minha morada e meu objeto de estudo natildeo me incomodou o fato de viajar para me

11

enveredar na pesquisa Muito pelo contraacuterio achei que em verdade estaria ali menina leitora

que fui em uma casa de pais analfabetos onde livros eram objetos rariacutessimos por quem eu

nutria a paixatildeo visceral Viajei para ver crianccedilas que liam movida quem sabe por um desejo

de me visitar naquela roda de leitura Na roda a vida seria salva com a imaginaccedilatildeo aticcedilada

Na roda seria quem sou na interaccedilatildeo das leituras Ao certo fui buscar narrativas que me

narrariam ou em uma confluecircncia com o que diz Albuquerque Juacutenior (2007) iria simular o

germe de novas existecircncias novos modos de subjetivaccedilatildeo Embrenhei-me por essa busca

levando o fasciacutenio pelo campo de gecircnero aonde for aspirando ao meu interesse de escrevente

dispersa aticcedilada pelo ldquofogo que vem da paixatildeo que consome que lanccedila paixatildeo pelo devirrdquo

tatildeo bem-dita na prescriccedilatildeo vertiginosa de Albuquerque Juacutenior (2007)

Em minha primeira visita na unidade escolar referida era veacutespera do Dia das Matildees e

o foco na roda da leitura trazia textos sobre a mulher-matildee Imagens essencialistas da mulher

eram sumariamente expostas por poder gerar vidas ldquoela eacute paciente sensiacutevel dedicada e

zelosardquo Essa construccedilatildeo discursiva era traccedilada naquela roda de leitura para e com crianccedilas de

forma inclusive a se ignorar a jaacute instalada e reorganizada nova composiccedilatildeo das famiacutelias Isso

me gerou desconforto ldquoo gecircnero eacute o destino Natildeo haveria outra trajetoacuteriardquo (SAFFIOTI

2001) Mas naquela roda circulou um fato que marcou ainda mais minha tarde jaacute quente

climaticamente Surge depois de alguns minutos de iniacutecio de aula sala adentro um pai

levando seu filho pequeno pela matildeo O homem visivelmente abatido veio partilhar o recente

drama pessoal no qual estava mergulhado que em funccedilatildeo das proporccedilotildees espaciais da

comunidade jaacute parecia ser de conhecimento de todosas a ex-companheira e matildee de seu filho

fora embora com o amante O pai bem jovem expressou ali uma uniacutevoca e velha leitura a de

que ele e seu filho foram traiacutedos de que aquela mulher natildeo prestava A presenccedila daquele

genitor ali descontrolado soou-me de forma vertiginosa E ele teceu uma imagem da ex-

mulher agrave frente de todosas e de seu filho como a de quem natildeo possuiacutea nenhuma dignidade

Um discurso machista e essencialista era debulhado com os requintes de uma alma cega pela

ferida do abandono Em puacuteblico ali se construiacutea um lugar para as mulheres que decidem

partir as que rejeitam o papel que lhes eacute destinado ficar em casa embora o lar desmorone E

a crianccedila mesmo enlaccedilada pela condiccedilatildeo de filho em um misto de profunda dor e decepccedilatildeo

reproduzia com movimentos de cabeccedila toda uma narrativa demonizadora da mulher Os

acenos de cabeccedila agrave voz do pai refletiam possivelmente um sim agrave formaccedilatildeo discursiva de um

lar alicerccedilado aos moldes machistas patriarcais

Aquela cena me levou agrave dor do peso de um mundo em que a iniquidade de gecircnero

ainda estilhaccedilava seu poder nos olhos de um menininho choroso carregado pela matildeo de um

12

pai que arrastava consigo machismo e furor No final entre os burburinhos dosas

coleguinhas que diziam entre outras coisas ldquoA matildee de Felipe (esse eacute um nome fictiacutecio) eacute

ruim ainda bem que a minha natildeo me abandonourdquo eu ouvi a professora em uma tentativa

desajeitada de compensar a dor daquela crianccedila intervir e dizer que se ele tinha uma matildee

ruim em compensaccedilatildeo contava com um pai bom um heroacutei Essa educadora talvez sem

refletir sobre o efeito de sua interferecircncia sobre o jogo de verdade que a impulsiona

posicionou-se como aquela que tem a responsabilidade de oferecer respostas e o fez de um

lugar de autoridade do qual reproduziu significativamente os estereoacutetipos de gecircnero O seu

posicionamento se traduziu para mim como a delineaccedilatildeo discursiva de papeacuteis alicerccedilados aos

moldes androcecircntricos e por conseguinte produtor da iniquidade de gecircnero Isto me

impactou pois mesmo que sejam ressoadas corriqueiramente as construccedilotildees discursivas da

hegemonia machista natildeo haacute como natildeo buscar da escola o afinamento com a contra-

hegemonia que os avanccedilos feministas asseguram A ausecircncia deste afinamento eacute um descuido

com os direitos humanos das mulheres e precisa ser inquirida pelo menos para os amantes da

educaccedilatildeo libertaacuteria

Saiacute dali convicta de que aquele loacutecus natildeo poderia ser mais apropriado para a

pesquisa Aquela considerada trageacutedia emocional que circulava nas bocas pelo lugar inteiro

precisaria ser omitida em meu estudo por obedecer ao princiacutepio do anonimato evitando

expor inclusive uma crianccedila Mas pensar as relaccedilotildees de gecircnero e desconsiderar a forccedila

daquela imagem e da formaccedilatildeo discursiva que ali reinava seria ser negligente com o tema

com o trabalho Resolvi guardar a imagem falar sobre ela mas procurar outro campo

empiacuterico

Alguns dias depois voltei a conversar com a professora sobre aquele episoacutedio Agora

jaacute natildeo sob o efeito do impacto da cena do primeiro encontro fui incisiva e lhe inquiri sobre a

construccedilatildeo social dos papeacuteis sobre a desigual maneira de se constituir discursivamente

sujeitos e a responsabilidade da escola em formar para a igualdade de direitos de homens e

mulheres Ela me disse que toda a sua conduccedilatildeo estava de acordo com os princiacutepios cristatildeos

defendidos pela escola para os quais a mulher deve ser submissa nascer para se doar agrave

famiacutelia e o que fizera a matildee de F era abominaacutevel negava a ldquoessecircnciardquo feminina A despeito

da laicidade do Estado brasileiro o que implica em tese a negaccedilatildeo da formulaccedilatildeo de regras e

estrateacutegias que levem a enunciados dessa natureza a professora ocupa sua posiccedilatildeo

institucional e embandeira uma verdade forjada em discursos alicerccedilados em princiacutepios da feacute

cristatilde turvada por machismo e hierarquia de gecircnero

13

Em um gesto decisivo procurei outra escola para efetivar minha pesquisa O Dia das

Matildees jaacute havia se passado e ali presenciei mais um momento indicativo de que os sentidos

afiados dos quais fala Louro (2012) eacute um imperativo eacutetico para que se pense nas muralhas que

a escola precisa transpor para deslegitimar ordens sexistas androcecircntricas Assisti em uma

manhatilde em meio ao barulho comum de um intervalo nas escolas um pai se dirigir agrave diretora

falando alto por dois motivos queria que sua voz ultrapassasse o som da zoada do alunado e

estava pronto a mostrar sua firmeza sua forccedila em alto som Ele exigiu explicaccedilotildees desta

profissional sobre o que fora ensinado ao seu filho na festa das matildees tendo em vista que o

aluno expressou vontade de colaborar com as atividades domeacutesticas em casa A gestora

pacientemente explicou-lhe que apenas no momento das homenagens expuseram a reflexatildeo de

que meninos tambeacutem podem e devem ajudar as matildees nas tarefas domeacutesticas considerando

que estas ficam sobrecarregadas costumeiramente O homem retrucou ameaccedilando retirar o

filho da escola se mais uma vez a instituiccedilatildeo quisesse ensinar agrave crianccedila a virar uma

ldquomariquinhardquo Ali eu e ela tentamos dialogar com este pai enfatizando a importacircncia dos

direitos iguais para homens e mulheres do valor da contribuiccedilatildeo para a famiacutelia do trabalho de

todosas e que a concepccedilatildeo dele eacute infundada machista e preconceituosa Em vatildeo O homem

foi agrave escola soacute para bradar seu entendimento do que significa ser macho O que a instituiccedilatildeo

pensa a respeito natildeo lhe interessava

De novo senti o peso de um mundo fortemente assimeacutetrico forjado em conceitos

essencialistas Meu interesse pela problematizaccedilatildeo das iniquidades de gecircnero no chatildeo da

escola me seduziu de vez pensei com que produccedilatildeo de verdade osas trabalhadoresas da

educaccedilatildeo tecircm se movido (ou estariam presos) no enfrentamento destes embates corriqueiros

Escolhi ali mais uma vez por onde iria meu caminho investigativo

Estes dois momentos nas escolas em que experimentei cenas impactantes na

marcaccedilatildeo da assimetria de gecircnero perpassadas em voz docente e de membros familiares

conforme jaacute pontuei foram nodais para a minha decisatildeo de ter em foco essas relaccedilotildees no

espaccedilo escolar como objeto de estudo Mas deveras fui sendo seduzida pela ideia de

problematizar as assimetrias de gecircnero logo cedo na minha casa cheia de meninos

ldquotreinadosrdquo para conquistar espaccedilos enquanto que eu e minhas irmatildes eacuteramos ldquoadestradasrdquo

para o casamento como tantas mulheres de minha geraccedilatildeo e anteriores a ela Rezamos na

cartilha que a nossa formaccedilatildeo discursiva ordenava Filhos lar sexualidade reprimida redoma

sacrifiacutecios em nome de modelos de ldquofelicidaderdquo Modelos cujo formato tem cores

consistecircncia e sons androcecircntricos Tudo aquilo natildeo era escolha ou no dizer de Michel

14

Foucault (2004a 2004b 2012) a margem de liberdade era estreitiacutessima Era o poder

alicerccedilando as relaccedilotildees imbricado na instituiccedilatildeo famiacutelia

Onde haacute poder haacute resistecircncia diz esse pensador francecircs todavia |E os estudos no

campo de gecircnero como enunciados de resistecircncia chegaram-me Com eles chegaram os

compassos que desfazem os essencialismos Em suas vertiginosas paragens os

(des)compassos que explicitam o surdo combate entre o que se vecirc seu enredamento e o que

se diz como bem pontua Albuquerque Juacutenior (2007) E em um processo vital acostumei-me

com esse campo de estudo a afiar os meus sentidos muito embora agraves vezes fiquem

embaccedilados por uma memoacuteria discursiva que se desloca conflitando identidades que me

vestem e com as quais me perco e me acho Nos estudos poacutes-estruturalistas entendi meus

sujeitos dispersos a heterogeneidade discursiva que me faz ser tantas com verdades mil que

fazem viver dentro de mim todas as vidas do poema de Cora Coralina (1983) a cabocla

velha acocorada a que benze e a que reza a lavadeira do Rio Vermelho com seu cheiro

gostoso a mulher suada corrida vive dentro de mim a mulher cozinheira pimenta e cebola

panela de barro mas corro levando a mulher devoradora de fastfood Vive dentro de mim a

mulher roceira enxerto da terra meio casmurra vive a mulher urbana imersa no caos do

tracircnsito enredada nas redes sociais E o que faccedilo com tantas vidas Certamente com os

estudos de gecircnero posso desejar vecirc-las em seus processos de subjetivaccedilatildeo em um mundo

plural mas hegemocircnico global movente instantacircneo liacutequido que pode desfazer verdades

ldquoquebrando a gaiolardquo do essencialismo como propotildeem os Estudos Culturais

Decerto que sempre se constituiu para mim como ato de seduccedilatildeo o garimpar das

subjetividades que se fazem em meio a jogos de verdade como demonstra Foucault (2004a

2004b 2004c 2004d 2012) Ultimamente todavia perscrutar nossosas mestresas sem as

pequenas pretensotildees de quem desvenda descobre o oculto como nos adverte o filoacutesofo

francecircs mas pensando nas histoacutericas condiccedilotildees de produccedilotildees de suas subjetividades

constituiacutea-se mais fortemente como desejo e apreensatildeo Minha apreensatildeo de pesquisar modos

de subjetivaccedilatildeo de professora se dava pela frequecircncia com que vinha registrando os

enunciados da categoria que descrevia com muito pesar a atuaccedilatildeo profissional salas lotadas

baixos salaacuterios perda de autoridade violecircncia desinteresse dosas discentes sentimentos de

desvalorizaccedilatildeo frustraccedilotildees enfim uma homogeneidade de queixas perpassando as vozes

dosas educadoresas Obviamente as precaacuterias condiccedilotildees de trabalho justificam os dolorosos

enunciados dosas trabalhadoresas da educaccedilatildeo Essesas profissionais se natildeo se inserem na

militacircncia na defesa de poliacuteticas puacuteblicas voltadas para a educaccedilatildeo de qualidade no ativismo

poliacutetico na busca pelas praacuteticas de liberdade pelas teacutecnicas de ajuste da relaccedilatildeo de si para

15

consigo um ethos que repousam em uma eacutetica do inconformismo do autodomiacutenio

(FOUCAULT 2004a) tornam o repertoacuterio enunciativo bem marcado por insatisfaccedilatildeo Como

a militacircncia eacute pouca sobram a lamuacuteria e a vitimizaccedilatildeo em um paiacutes com vergonhoso histoacuterico

de baixo investimento na educaccedilatildeo puacuteblica

Ainda assim paradoxalmente minha apreensatildeo se misturava ao desejo de me

debruccedilar sobre as subjetividades dessesas profissionais Pegava-me indagando quais satildeo

face aos efeitos produzidos pelas tecnologias oficiais essas concebidas aqui na concepccedilatildeo

foucaultiana como os instrumentos que proporcionam formaccedilotildees assimilaccedilotildees de ordens as

aprendizagens que tecircm assimilado osas educadoresas Como os debates sobre sexualidade e

gecircnero trazidos pela rede discursiva das diretrizes da educaccedilatildeo brasileira como a Lei de

Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional - LDBEN-96 os Paracircmetros Curriculares Nacionais

(PCNs 1997) faziam-se presentes entre elesas Essas questotildees me instigavam E me

instigaram mais quando pensei a interface discursividadeleituragecircnero

Retornando agrave seduccedilatildeo pela problematizaccedilatildeo da iniquidade de gecircnero fui sendo

seduzida ainda em deacutecadas de atividade como professora em sala de aula Laacute lecionando em

niacuteveis diversos (fundamental meacutedio e superior) procurei sempre trazer agrave tona a constituiccedilatildeo

discursiva da construccedilatildeo social de gecircnero Sentia-me cumpridora de minha missatildeo como

educadora quando a minha praacutetica pedagoacutegica contribuiacutea com a reflexatildeo que aponta para a

necessidade de construirmos um mundo para todas as pessoas Uma utopia e como utopia

natildeo morre move-se Estaacute aqui comigo Estaacute aqui quando olho nossas estatiacutesticas estuacutepidas

que falam de uma violecircncia diaacuteria contra mulheres contra homossexuais contra o constituiacutedo

como diferente Estaacute aqui comigo a utopia de abolir esta violecircncia simboacutelica cantada em

diversos ritmos encarnada em uma musicalidade que embala corpos e mentes com pesadas

imagens degradantes nas quais somos apenas ldquoas mulheres frutas fiu-fiu cachorras sirigaitas

piriguetes popozudas coisificadas lepolapizadasrdquo

No surgimento deste mestrado profissional entatildeo em meus percursos sobre o tema

olhei para a escola especialmente rememorando aquelas duas cujas imagens retive como

disseminadoras e reprodutoras de hierarquia de gecircneros Olhei para suas bibliotecas ou a

ausecircncia delas seussuas professoresas seus regimes de verdade e articulei a problemaacutetica

de que forma as praacuteticas discursivas que constroem sentidos nos enunciados dos (as)

educadores (as) como mediadores (as) de leitura contemplam o debate sobre a equidade de

gecircnero Com a elaboraccedilatildeo desta questatildeo tentei responder ainda agraves inquietaccedilotildees que vivi nos

debates com professoresas durante as formaccedilotildees continuadas executadas pelo CECAPRO

Centro de Capacitaccedilatildeo dos Professores [professoras] onde atuo profissionalmente Da

16

memoacuteria daqueles debates levantei indagaccedilotildees a me sustentar o tema entre elas que leituras

fazem as vozes educadoras sobre a construccedilatildeo discursiva dos sujeitos O que dizem as vozes

leitoras Voltei entatildeo meu interesse para o chatildeo da escola lugar de livros de paredes

riscadas de brincadeiras de canccedilotildees de namoros de sexualidade de conflitos de poder de

rejeiccedilotildees aos que fragilizam o discurso sexista excludente lugar de leitura de formaccedilatildeo e

debate Voltei meu interesse para a escola lugar de tanto mas natildeo para todos os seus lugares

uma esfera de atuaccedilatildeo dessa instituiccedilatildeo pareceu-me de extrema pertinecircncia para entrecruzar

com o debate que objetivei traccedilar a esfera da leitura E considerando a leitura em uma

perspectiva discursiva busquei no entrecruzamento dessa com o debate acerca das relaccedilotildees

de gecircnero meu interesse meu desejo

Apoacutes tecer a gecircnese que propiciou a confecccedilatildeo do presente processo investigativo

farei a partir de agora a apresentaccedilatildeo das demais partes do trabalho feito que passo a realizar

fazendo uso ainda da primeira pessoa do discurso no singular Faccedilo isso em consonacircncia com

a epistemologia feminista que entende o quatildeo as interlocuccedilotildees com autoresas satildeo

cooperativas em uma accedilatildeo investigativa seja de qual porte for mas assume a proposta de

inscriccedilatildeo da natildeo neutralidade do sujeito Sem a ilusatildeo ao certo de que se eacute oa donoa do

dizer conforme pontua a Anaacutelise do Discurso

Como o desejo vira pesquisa

Mas biblioteca num lugar como esse Para quecirc Para o Nogueira ler um romance

de mecircs em mecircs Uma literatura desgraccedilada []

(RAMOS 1978 p83)

Emblemaacutetica esta construccedilatildeo literaacuteria de Graciliano Ramos em Satildeo Bernardo

(1978) construccedilatildeo que situa quem a lecirc o quanto os valores capitalistas opotildeem-se agrave edificaccedilatildeo

de um espaccedilo que privilegie a democratizaccedilatildeo do saber e atraveacutes dessa provavelmente a

praacutetica do letramento emancipador Vale ressaltar todavia que falo aqui de letramento

emancipador concebido em sintonia com o olhar de Soares (2011) como a accedilatildeo leitora que

encoraja a reflexatildeo criacutetica sobre a ordem social uma accedilatildeo que ultrapassa o domiacutenio da

tecnologia do saber ler e escrever faz uso dela incorporando-a a seu viver A autora ao

inscrever diacronicamente os viacutenculos sobre liacutengua escrita sociedade e cultura apregoa o

17

termo alfabetismo1 como oposiccedilatildeo ao do costumeiro uso analfabeto E o faz provocando uma

reflexatildeo sobre as regras codificadas da linguagem

O fato de que sejam correntes na liacutengua os substantivos que negam- analfabetismo e

analfabeto satildeo formados pelo prefixo grego a(n) que envolve a ideia de negaccedilatildeo ndash e

de que cause estranheza o substantivo que afirma alfabetismo e ainda de que natildeo

se tenha um substantivo que afirme o contraacuterio de analfabeto eacute como bem

hipotetiza Silva um fenocircmeno semacircntico significativo porque conhecemos bem e

haacute muito lsquoo estado ou condiccedilatildeo de analfabetorsquo ndash sempre nos foi necessaacuteria uma

palavra para designar este estado ou condiccedilatildeo - e temos usado sem nenhuma

estranheza o termo analfabetismo (SOARES 2011 p 29)

Uma nova realidade social com a ampliaccedilatildeo do acesso agrave escola nas uacuteltimas deacutecadas

e com o processo de industrializaccedilatildeo no Paiacutes provoca uma demanda por maior inserccedilatildeo da

liacutengua escrita que gesta a concepccedilatildeo teoacuterica do letramento Um conceito que em princiacutepio

trouxe muito equiacutevoco com a dissociabilidade que se instaurou para alguns entre os

fenocircmenos da alfabetizaccedilatildeo e do letramento Fenocircmenos de naturezas diferentes mas

indissociaacuteveis e interdependentes que implicam habilidades competecircncias e procedimentos

diferenciados de ensino Questatildeo poreacutem que natildeo seraacute tratada aqui em funccedilatildeo do limite a que

se propotildee este trabalho qual seja investigar a constituiccedilatildeo de efeitos de sentidos na

discursividade dosas educadoresas tendo como foco o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero

perpassado nas praacuteticas leitoras dessesas profissionais

E mesmo sem querer engrossar as fileiras dos que lamentam pelos altos iacutendices do

fraacutegil desempenho dosas educandos brasileirosas em provas de leitura detectados em

Programa Internacional de Avaliaccedilatildeo de Estudantes - PISA e nos relatos corriqueiros de

educadoresas e familiares natildeo eacute possiacutevel deixar de reconhecer que este eacute um dos noacutes do Paiacutes

na faceta Satildeo Bernardina que possui Metaforicamente essa obra pode conduzir leitoresas

aos iacutengremes caminhos de um Brasil com abissais desigualdades sociais e que tal qual Paulo

Honoacuterio o narrador-personagem eacute tambeacutem injusto violento e opressor por descuidar de seu

povo Descuida de seu povo entre tantas evidecircncias pela negaccedilatildeo da garantia efetiva de

direitos fundamentais como o de uma educaccedilatildeo de qualidade e que seja emancipadora (cf

FREIRE 1999 2002) Eacute possiacutevel ver pelos caminhos de Satildeo Bernardo e pelos (des)caminhos

das escolas puacuteblicas brasileiras as professoras Madalenas amantes do saber dos livros e do

ser humano lutando contra a loacutegica de um sistema social excludente Nessa militacircncia a

leitura seguramente eacute um dos instrumentos que podem viabilizar a luta por mudanccedilas

1 Em nota a autora explica a atualizaccedilatildeo do termo por letramento tendecircncia confirmada pela dicionarizaccedilatildeo

somente em 2001 do termo

18

sociais tendo em vista que pode suscitar as reflexotildees acerca da ordem discursiva (cf

ABREU 2007 apud PINA DA MATTA VEIGA 2012)

De qual leitura todavia falo quando penso aqui na validaccedilatildeo desta como algo

significativo para a vida capaz de suscitar reflexotildees instigantes e desconstrutoras de uma

ordem social Penso em uma leitura que seja prazerosa como nos lembra Rubem Alves

(2004) citando Melanie Kleim o professor [e professora] no ato de ler eacute o seio bom por isso

leitura eacute maternagem Penso tambeacutem em uma leitura que seja experiecircncia no sentido que

Larrosa (2004) daacute ao ato de ler como transformador vinculador das praacuteticas da liberdade da

plenitude do ldquoexistenterdquo Com todo cuidado para evitar ainda os messianismos as

sacralizaccedilotildees Soares (2001) falo ainda de leitura que seja lenha para o fogo da cidadania que

trace as veredas para o campo da garantia dos direitos humanos tocando um instrumento

coacutesmico de muitas melodias que ldquoacordem consciecircncias de homens [e de mulheres] e

adormeccedilam crianccedilasrdquo no sentido drummoniano de se engajar a arte tatildeo meloacutedico quanto

emblemaacutetico na sua ceacutelebre Canccedilatildeo Amiga de 1983

E partindo do desejo de problematizar sobre os efeitos catastroacuteficos dos altos iacutendices

de iletrismo e do analfabetismo no Brasil e sobre qual tem sido o olhar da escola para o

enfrentamento de uma histoacuterica educaccedilatildeo sexista e discriminatoacuteria (LOURO 2012 PEDRO

PINSKY 2003) eacute que se foi delineando este trabalho Delineando-se movido na concepccedilatildeo

de leitura como componente constitutivo das formas de sociabilidade e dos jogos sociais

(ORLANDI 2008 SILVA 2011) nas discussotildees foucaultinas sobre a constituiccedilatildeo do sujeito

e praacuteticas de subjetivaccedilatildeo (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2012) aleacutem de movido em

contribuiccedilotildees de estudos feministas (LOURO 2012) Delineando-se para responder agrave

questatildeo-problema que considera os avanccedilos conquistados pelas lutas feministas e a tensa

disputa que se instala entre tais conquistas e as assimetrias de gecircnero no espaccedilo escolar e

assim eacute proposta eacute contemplado o debate sobre a equidade de gecircnero perpassado nas vozes

educadoras em suas praacuteticas leitoras

Essa questatildeo parte de premissas fatuais que me inquietam e me levam a

problematizar os imaginaacuterios2 inferiorizantes da mulher operam no espaccedilo escolar de que

forma quando a este lugar chegam avanccedilos significativos das diretrizes do Conselho Nacional

de Educaccedilatildeo ndash CNE- pontuando a desconstruccedilatildeo dessa praacutetica Seria este debate ignorado ou

pensado sobre traccedilos negativos Outra questatildeo que me instiga a problematizar eacute a de que

teriam os(as) docentes a concepccedilatildeo de que uma escola democraacutetica prima essencialmente pelo

2Imaginaacuterios aqui na acepccedilatildeo dada por Castoriadis (1982) enquanto rede de sentidos sistema de crenccedilas que

legitima a ordem social em vigor

19

respeito e dignidade de todosas e de que as praacuteticas pedagoacutegicas tecircm constituiacutedo sujeitos

diferentes e desiguais em direitos Ademais qual o comprometimento manifesto pelas

praacuteticas pedagoacutegicas dessesas educadoresas para evidenciar suas intenccedilotildees de superar velhas

estruturas estariam usando a leitura como instrumento constituinte e conformante dos

sujeitos para mediar reflexotildees atinentes agrave construccedilatildeo de uma escola democraacutetica inclusiva e

natildeo-sexista

Considerando desse modo que a pergunta problema possui como eixo centralizador

a atenccedilatildeo que as praacuteticas leitoras da escola dispensam ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero

refletidas pelas praacuteticas discursivas docentes eacute objetivo geral deste trabalho analisar as

discursividades que produzem sentidos nos enunciados de educadoresas como mediadores

(as) de leituras frente ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero no projeto CestaSexta Literaacuteria

em uma escola da Rede de Ensino Municipal de Joatildeo Pessoa

Para apoiar essa investigaccedilatildeo que perspectiva observar a vinculaccedilatildeo da leitura como

forte pilar na construccedilatildeo de um mundo mais justo e na desconstruccedilatildeo de imaginaacuterios que

inferiorizam a mulher que criam uma ordem androcecircntrica heteronormatizadora e

excludente vinculaccedilatildeo essa mediatizada nas vozes dos educadores(as) compete-me traccedilar

como objetivos especiacuteficos (i) examinar se na proposta do projeto de leitura da CestaSexta

Literaacuteria expresso em seu documento ocorre seleccedilatildeo de temas que abordem questotildees

voltadas para as poliacuteticas educacionais de gecircnero (ii) investigar se os textos utilizados pelo

projeto nas aulas de leitura observadas contemplam praacuteticas discursivas que produzam

sentidos atinentes agraves questotildees de gecircnero (iii) problematizar efeitos de sentidos que perpassam

pelos relatos docentes e pelo questionaacuterio instrumentos aplicados junto agravesaos educadoresas

expressando as posiccedilotildees de sujeito dosas entrevistadosas acerca das relaccedilotildees de gecircnero em

momentos de interaccedilatildeo na praacutetica leitora (iv) contribuir com reflexotildees que sistematizem

estrateacutegias que propiciem a intervenccedilatildeo e transformaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica na perspectiva

da construccedilatildeo da equidade de gecircnero

Por ser a escola a instituiccedilatildeo responsaacutevel pela aquisiccedilatildeo de saberes e competecircncias

no plano da formalidade e que esta tem no ensino da leitura uma de suas funccedilotildees cruciais

pesquisar o ato de ler na escola eacute de muita relevacircncia a despeito de este tema sumamente jaacute

ter sido explorado Tal questatildeo jaacute fez com que muitosas teoacutericosas e estudiososas de

diversas aacutereas se debruccedilassem a estudaacute-lo a quantidade de livros artigos teses e dissertaccedilotildees

sobre o ato de ler e suas implicaccedilotildees satildeo magnacircnimas Paulo Freire (1988) Ezequiel

Theodoro da Silva (2009 2011) Magda Soares (2001) Antunes (2009) Orlandi (2008) entre

tantosas outrosas importantes teoacutericosas jaacute teceram suas consideraccedilotildees sobre a leitura que

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aqui encheriam paacuteginas Haveraacute o que dizer mais Parece que natildeo para quem desconsidera

que o inusitado visita a dinacircmica do ato de ler em um contexto escolar com frequecircncia Mas

para quem deseja olhar para as praacuteticas pedagoacutegicas com olhos novos olhos de quem eacute capaz

de se indignar e de natildeo perder de vistas a utopia sempre agrave vista na faceta Madalena de cada

um haacute sempre o que se dizer no chatildeo da escola leitora ou natildeo leitora E eacute em busca deste

dizer sobre ler que me enceta o desejo de ver como educadora que sou homens e mulheres

em processos de libertaccedilatildeo desconstruindo ldquoverdadesrdquo aprendendo com e pela leitura a

refletir sobre seus lugares no mundo que me ponho

E assim compreendendo a leitura como espaccedilo de produccedilatildeo e de reproduccedilatildeo de

significados sociais e objetivando analisar de que forma educadoresas estatildeo forjando

construccedilotildees acerca das identidades de gecircnero em suas praacuteticas leitoras eacute que se desenha a

importacircncia desta pesquisa Isso se justifica porque entre as funccedilotildees da leitura deve estar a

de viabilizar as problematizaccedilotildees que faccedilam leitoresas despertarem para a cidadania ativa o

protagonismo e a autonomia Esses aqui entendidos em uma perspectiva que traduza a

autonomia financeira profissional e pessoal das pessoas e a sua busca pelo ativismo poliacutetico

que expressa consciecircncia de lugar no mundo

E estudar as discursividades que perpassam o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero

mediatizadas pelas leituras no espaccedilo escolar eacute desejar averiguar se este instrumento de

aprendizado estaacute sendo usado para desmantelar as assimetrias de poder entre homens e

mulheres em um espaccedilo formador Eacute desejar averiguar enfim se este instrumento estaacute sendo

amparo para questionar estereoacutetipos e verdades cristalizadas naturalizadas em torno de

construccedilotildees de identidades de gecircnero Obviamente que essa eacute uma das possibilidades de

utilizaccedilatildeo da leitura se este instrumento na escola estiver em consonacircncia com as diretrizes

educacionais que concebem a importacircncia de se fazer da instituiccedilatildeo um espaccedilo democraacutetico

Um espaccedilo em que se faccedila fluir o respeito agrave alteridade agrave compreensatildeo de que a identidade e a

diferenccedila satildeo produzidas discursivamente e que tecircm a ver com a atribuiccedilatildeo de sentidos ao

mundo social e com a disputa e luta em torno dessa atribuiccedilatildeo (SILVA 2012) A leitura nessa

perspectiva problematizadora tem a estrateacutegia de ir aleacutem das ldquobenevolentesrdquo declaraccedilotildees de

toleracircncia com o outro com o diferente Ela tem em seu centro a percepccedilatildeo de que as

identidades satildeo sujeitas a uma historicizaccedilatildeo radical processo que deve lanccedilar luz agraves

reflexotildees que transformam o diferente em exterior abjeto (HALL 2011) Nessa dimensatildeo a

leitura faz parte de um projeto poliacutetico que intenta viabilizar a criacutetica da construccedilatildeo da

identidade e da diferenccedila evidenciando o quanto elas satildeo estrategicamente produzidas

fundadoras Conceber adequadamente a fundaccedilatildeo do outro pode desenredar a forma fechada

21

redutora de interpretaccedilotildees a que esse eacute reduzido E a leitura pode ter uma funccedilatildeo fulcral nesse

processo de reflexatildeo quando pensada estrategicamente para isso accedilatildeo relevante para a

contribuiccedilatildeo com a feitura da escola como palco em que a assimetria de tratamentos eacute

combatida em seu lugar haacute a poliacutetica de respeito pelos Direitos Humanos (DH doravante)

O princiacutepio da dignidade dispensado a todas as pessoas conforme preconizam os DH

em muitos de seus documentos (cartas convenccedilotildees estatutos declaraccedilotildees) e nosso

ordenamento juriacutedico maior a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 eacute reclamante contumaz de um

olhar pedagoacutegico que discuta as diferenccedilas a construccedilatildeo das identidades de gecircnero e da

alteridade E na escola soam e ressoam documentos que abordam poliacuteticas da diversidade

cultural sexual e da equidade de gecircnero Mas de que forma o debate chega em um mundo em

que emerge uma globalizaccedilatildeo iacutempar de informaccedilotildees velozes instantacircneas onde se discutem

identidades culturais e desconstruccedilatildeo de paradigmas de comportamentos em meio aos

pensamentos hegemocircnicos Chegaraacute esbarrando em construccedilotildees sociais dosas fazedoresas

da educaccedilatildeo que se apresentariam cristalizadas essencializadas fixas Como tem por fim

assentado na agenda da escola o debate acerca das relaccedilotildees de gecircnero Qual eacute o seu regime de

verdade no sentido foucaultiano de pensar a formaccedilatildeo discursiva como o loacutecus onde

arbitrariamente satildeo determinados os sentidos de um discurso Os muros escolares satildeo

atravessados de que modo pelo debate que provoca as reflexotildees sobre a produccedilatildeo do

diferente Satildeo indagaccedilotildees como essas que me conduzem agrave execuccedilatildeo deste trabalho Isso

merece meu olhar merece porque para que falemos de dignidade precisamos atentar para a

condiccedilatildeo feminina ainda envolta por iniquidade expressa na esfera profissional poliacutetica e

pessoal E para que falemos de dignidade precisamos respeitar as manifestaccedilotildees de desejos e

performances de outras interlocuccedilotildees de outras subjetividades que devem ser reconhecidas

como legiacutetimas

O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero impulsionado pelo ativismo poliacutetico do

coletivo de mulheres chega e deve ser ampliado porque vale pleitear que o princiacutepio da

igualdade formal e material entre homens e mulheres tenha seu cumprimento auferido

Igualdade essa que estaacute distante de ser conquistada muito embora menos longe do que jaacute

esteve no longo caminho rumo agrave construccedilatildeo da cidadania feminina Ainda eacute fato haacute menos

mulheres nas instacircncias de poderes do que deveria no Brasil de acordo com dados do

Anuaacuterio das Mulheres Brasileiras (DIEESE 2011) elas satildeo mais da metade da populaccedilatildeo (51

3) e do eleitorado estatildeo entretanto sub-representadas nas esferas de poder Satildeo 11 no

Congresso Nacional natildeo chegam a 20 nos niacuteveis mais elevados do Poder Executivo No

Judiciaacuterio nas universidades e empresas privadas ocupam apenas 20 das chefias Eacute tambeacutem

22

outro oacutebice agrave igualdade de gecircnero a preocupante materializaccedilatildeo do machismo em forma de

agressatildeo agraves mulheres Conforme ainda os dados do referido Anuaacuterio uma em cada cinco

brasileira jaacute sofreu algum tipo de violecircncia domeacutestica por parte de um homem Das violecircncias

perfiladas nem todas satildeo computadas Haacute a cultura do medo e da vergonha da sua condiccedilatildeo

de viacutetima que impede que a mulher denuncie seu agressor e mesmo havendo campanhas e

aparato legal que mobilizam a denuacutencia da violecircncia contra a mulher ainda se fala em

subnotificaccedilatildeo dos dados De fora fica ainda a costumeiramente natildeo computada a intangiacutevel

violecircncia simboacutelica termo que tomo de empreacutestimo de Bordieu (2012) que fala da

sedimentaccedilatildeo de um consciente androcecircntrico em homens e mulheres alimentando

iniquidades Esta violecircncia natildeo estaacute em estatiacutesticas mas deixa sequelas profundas em suas

viacutetimas fazendo muitas mulheres carregarem em si sentimentos de impotecircncia mutilaccedilatildeo e

subalternidade

A escola tem o fio do poder que costura e regulamenta normas e mudanccedilas que

disciplinam comportamentos hegemonias (PEREIRA 2005) Mas o poder natildeo eacute estanque

fixo haacute neste espaccedilo como em todos os outros lugar para a resistecircncia e a contra-hegemonia

(FOUCAULT 2012) E de que forma tecircm chegado os discursos que problematizam as

mudanccedilas que advogam os movimentos de mulheres e fazem ressoar seu desejo de

desmantelar de descosturar as assimetrias de gecircnero Como a leitura e as vozes escolares

ressoam o que regula a valente marcha feminista que pode contribuir com o combate agrave

violecircncia domeacutestica com o empoderamento das mulheres e dar visibilidade agrave iniquidade de

gecircnero de forma refrataacuteria Acolhendo seus passos Como a leitura e as vozes escolares

abordam a temaacutetica das identidades e da diferenccedila datildeo centralidade e a discutem como

questatildeo de poliacutetica Estas questotildees imbricam-se e com elas penso a linguagem no campo da

discursividade da construccedilatildeo dos jogos de poder da constituiccedilatildeo de sentidos verdades e

subjetivaccedilotildees (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2012) o que eacute sempre um desafio

instigante para oa educadora Essa temaacutetica eacute premente sendo assim Haacute uma expectativa de

que seja sedimentado o aprendizado de que as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo estatildeo sempre inseridas

em contextos e processos socialmente estruturados legitimando naturalizando e retificando

hegemonias mas tambeacutem sofrendo transformaccedilotildees

Para que o direcionamento discursivo levantado pela questatildeo norteadora satisfaccedila

aos objetivos a que me proponho este estudo move-se teoricamente na concepccedilatildeo

sociointeracionista de leitura e faz uma interface com a Anaacutelise do Discurso AD doravante

tendo como referecircncia o trabalho de Orlandi (2008) sobre leitura que se pauta na perspectiva

da Escola francesa dessa disciplina Trabalho com a concepccedilatildeo de leitura na perspectiva de

23

que ler eacute mais do que decodificar (SOARES 2011) Ler eacute envolver-se com praacuteticas culturais

(MOITA LOPES 2002) que fortalecem a sedimentaccedilatildeo do valor da cidadania que pressupotildee

efetivaccedilatildeo de direitos e deveres para todos Ler entatildeo deixa de ser uma atitude passiva

fechada tradutora decodificadora em que se busca a ldquoverdaderdquo produzida peloa autora ou

pelo texto se se quiser ser positivista ou estruturalista A leitura que me interessa aqui se

ancora na perspectiva interacionista que concebe o aspecto sociocultural e cognitivo da

linguagem e como tal o texto eacute processo e natildeo produto A leitura eacute uma atividade situada

que reflete uma relaccedilatildeo dialoacutegica (cf BAKHTIN 1995) ou seja uma relaccedilatildeo na qual se

estabelecem refraccedilotildees entre autor-leitor-texto e contexto Essa perspectiva expressa um

rompimento com o modelo formalista ou historicista e tem havido um esforccedilo por parte dos

oacutergatildeos responsaacuteveis pelas poliacuteticas de formulaccedilatildeo das diretrizes escolares para implementaacute-la

no seio escolar Os Paracircmetros Curriculares Nacionais (PCNs-1997) refletem essa intenccedilatildeo

os textos satildeo defendidos em sua diversificaccedilatildeo e na defesa da construccedilatildeo de competecircncias

linguiacutesticas com desenvolvimento da habilidade leitora e escritora que ultrapasse a mera

decodificaccedilatildeo no processo de ensino aprendizagem

Por este trabalho buscar uma interface entre a linguagem como praacutetica social e as

relaccedilotildees de gecircnero perscrutadas nas vozes docentes em atividades de leitura propostas pela

escola tambeacutem lhe eacute pertinente a abordagem das formas de constituiccedilatildeo da subjetividade

(FOUCAULT 2004a 2004b 2004d) Estou ainda me movendo pelos estudos da criacutetica

feminista dos estudos poacutes-estruturalistas de gecircnero na contemporaneidade que buscam a

negaccedilatildeo de quaisquer resquiacutecios de uma base essencialista para a formaccedilatildeo das identidades

(LOURO 2012 SILVA 2012) ao tempo que questionam as hierarquias entre o masculino e

o feminino a ordem androcecircntrica heteronormativa e etnocecircntrica Eacute desse olhar que me

sirvo para diante do que pontuam os Estudos Culturais consonantes agrave construccedilatildeo das

identidades como cambiantes heterogecircneas transitivas construiacutedas e reconstruiacutedas social e

discursivamente refletir sobre as implicaccedilotildees de se ler no espaccedilo escolar Refletir atentando

para o discurso pedagoacutegico que daacute sentido agraves diferenccedilas entre meninos e meninas agraves relaccedilotildees

de gecircnero E eacute desse olhar que tambeacutem me sirvo para aprender sobre a consciecircncia de gecircnero

e sobre o desafio da aprendizagem de transformar os jogos de verdade que impotildeem relaccedilotildees

assimeacutetricas Eacute isto o que me enreda neste trabalho

Articulo esta dissertaccedilatildeo em partes que se estruturam assim a introduccedilatildeo na qual

consta a contextualizaccedilatildeo da temaacutetica focalizada com a sua gecircnese a apresentaccedilatildeo do

problema dos objetivos da justificativa e dos pressupostos teoacutericos que embasaram a

pesquisa

24

No capiacutetulo 1 exponho as estrateacutegias metodoloacutegicas com as quais me vali para que o

direcionamento discursivo apresentado que eacute a investigaccedilatildeo das discursividades docentes em

leitura e gecircnero satisfizesse aos objetivos a que me propus construir para este estudo

No capiacutetulo 2 pontuo uma justificativa do campo teoacuterico apresentando estudos de

autoresas utilizadosas bem como pontuo o cruzamento entre a instacircncia da leitura e o debate

sobre as relaccedilotildees de gecircnero sustentado por reflexotildees atinentes aos Direitos Humanos ao

feminismo ao poder agrave educaccedilatildeo e aos modos de subjetivaccedilatildeo

No capiacutetulo 3 discorro sobre a anaacutelise das praacuteticas discursivas dosas educadoresas

perscrutadas pela trajetoacuteria analiacutetica que fiz cujo procedimento para geraccedilatildeo de dados teve os

seguintes instrumentos investigativos o documento do projeto de leitura os relatos dosas

educadoresas que foram gerados em conversas quando de minhas visitaccedilotildees agrave escola um

questionaacuterio aplicado com nove participantes do projeto de leitura da escola e a observaccedilatildeo

de aulas dos textos utilizados nesses eventos e levantamento dos textos paradidaacuteticos

presentes na biblioteca escolar que se refiram agrave temaacutetica de gecircnero

No capiacutetulo 4 atinente agrave perspectiva interventiva propositora que tem este mestrado

profissional desenvolvo reflexotildees que intencionam contribuir para a inserccedilatildeo temaacutetica de

gecircnero pela via da leitura na escola em que a pesquisa foi realizada Faccedilo ao final deste

capiacutetulo sugestotildees de atividades de ensino enfocando o olhar sobre as relaccedilotildees de gecircnero

Por uacuteltimo apresento as consideraccedilotildees finais com as quais objetivo amarrar os fios

tecidos ao longo do trabalho considerando os conteuacutedos enfocados e reforccedilando a defesa de

se inserir o debate acerca das relaccedilotildees de gecircnero pela via da leitura na escola

problematizando os modelos de feminilidade e masculinidade na defesa da dignidade de

todas as pessoas

25

1 OS PRESSUPOSTOS TEOacuteRICO-METODOLOacuteGICOS DA PESQUISA

11 Entrevendo os sujeitos o loacutecus os jogos de verdade

Partindo do entendimento de que a pesquisa a que me proponho realizar que eacute a

anaacutelise de praacuteticas discursivas de docentes sobre as relaccedilotildees de gecircnero como mediadoresas

de leituras exige um dispositivo analiacutetico busco nos procedimentos da AD de filiaccedilatildeo

francesa como nas reflexotildees foucaultianas sobre praacuteticas de subjetivaccedilatildeo e poder nas

reflexotildees poacutes-estruturalistas sobre gecircnero e na perspectiva sociointeracionista sobre leitura

um apoio teoacuterico-metodoloacutegico Nesse sentido estou imbuiacuteda do propoacutesito de percorrer essa

investigaccedilatildeo conforme as diretrizes desse caminho investigativo considerando que natildeo haacute o

sentido ldquoverdadeirordquo mas o real do sentido em sua materialidade linguiacutestica e histoacuterica

(ORLANDI 2012) Estou tambeacutem imbuiacuteda do intento de que com este dispositivo natildeo

vislumbro trabalhar em uma perspectiva de neutralidade tendo em vista que concebo a

pesquisa com base nas praacuteticas discursivas focada nos estudos feministas e nas relaccedilotildees de

gecircnero sob a oacutetica do interesse do engajamento poliacutetico (ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2007

LOURO 2012)

Essas condiccedilotildees refletem o que as problematizaccedilotildees levantadas pelo feminismo no

tocante agrave loacutegica de se fazer ciecircncia tradicional com seus postulados de estabilidades e

categorizaccedilotildees trouxeram Trouxeram a descrenccedila de que entre as palavras e as coisas existe

uma homologia que se diz exatamente o que se vecirc (ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2007

POSSENTI 2009) Antes os estudos de gecircnero de base poacutes-estruturalista explicitam que haacute

uma invenccedilatildeo do que eacute sermos mulhereshomens de que haacute uma invenccedilatildeo do que eacute sermos

meninos e meninas de diversas classes diversos tempos etnias e orientaccedilatildeo sexual

construiacuteda discursivamente E a reflexatildeo sobre o que nos tornamos como seres gendrados e

em que poderemos vir a ser como seres que se descobrem gendrados empodera-nos como

investigadores de desaprendizagens pela possibilidade de conhecimento de jogos de verdades

(FABRIacuteCIO 2006)

Os estudos de gecircnero como uma via que se oferece para o entendimento das relaccedilotildees

assimeacutetricas entre os sexos explicitam ainda o atravessamento pelo poder institucionalizado

que confere historicamente o domiacutenio do masculino Lugares diferentes no mundo chegam a

homens e mulheres por um conjunto de accedilotildees formadoras constituiacutedas discursivamente por

siacutembolos culturais institucionalizaccedilotildees e modos de subjetivaccedilatildeo que constituem relaccedilotildees

assimeacutetricas com o corpo com a sexualidade e afetividades para os sujeitos sociais Refletir

26

sob esta perspectiva me faz desejar perceber meu entorno olhando a linguagem a cultura e as

instituiccedilotildees sob a oacutetica do interesse na construccedilatildeo dos processos sociais E o olhar do

feminismo deveras trouxe novas lentes sobre a pesquisa cientiacutefica Louro (2012) pontua que

uma das caracteriacutesticas relevantes dessa epistemologia diz respeito agrave forma como as

estudiosas empenham-se em responder questotildees atinentes agraves suas realidades aos seus campos

de interesses mescladas natildeo como vozes anocircnimas de seu objeto de estudo mas como vozes

que de modo provocativo posicionam-se histoacuterica e culturalmente imiscuindo objetivamente

subjetividades E eacute com este entendimento que intenciono subsiacutedios para um estudo sobre a

discursividade em uma interface com a oacutetica das relaccedilotildees de gecircnero e da leitura sob o crivo

de um convite a examinar ordens morais e estruturas de legitimaccedilatildeo

Esta investigaccedilatildeo de natureza qualitativa regida por princiacutepios analiacuteticos foi

conforme jaacute exposto concebida para ser realizada em uma escola da Rede de Ensino

Municipal de Joatildeo Pessoa - PB cuja identificaccedilatildeo seraacute preservada A preservaccedilatildeo deve-se agrave

consonacircncia com um mecanismo de proteccedilatildeo o anonimato como compromisso eacutetico

possiacutevel conforme Spink e Menegon (1999) embora salientem as autoras este ponto de

vista natildeo seja paciacutefico Para minha compreensatildeo eacute uma proteccedilatildeo exceccedilatildeo se daacute quando os

sujeitos manifestam o contraacuterio o que natildeo foi o caso Assim o sendo para a identificaccedilatildeo

deste espaccedilo pesquisado resolvi denominaacute-lo de escola TRAVESSIA Esse batismo traduz

meu olhar para o ambiente de ensino-aprendizagem alimentado na esperanccedila freireana pelo

inacabamento em noacutes educadores seres humanos Mesmo emparedadosas eacute preciso pensar

nas travessias Da mesma forma que o campo pesquisado tem um nome fictiacutecio os sujeitos

participantes desta investigaccedilatildeo tambeacutem foram denominados ficticiamente

Essa unidade educacional funciona nos dois periacuteodos com turmas do 6ordm ao 9ordm ano

em um preacutedio construiacutedo haacute menos de dez anos Possui 385 discentes e 25 docentes eacute

composta por dez salas de aula sala de artes laboratoacuterio de informaacutetica laboratoacuterio de

ciecircncias auditoacuterio biblioteca quadra poliesportiva quadra de vocirclei secretaria diretoria sala

de especialistas sala de professores refeitoacuterio e banheiros com padratildeo de acessibilidade

A pesquisa qualitativa na educaccedilatildeo tem centrado seu foco noa educadora vai

buscar sua colaboraccedilatildeo preocupar-se com suas histoacuterias e formaccedilatildeo (GHEDIN FRANCO

2008) Nessa dimensatildeo eacute possiacutevel olhar a realidade na perspectiva doa professora e natildeo

apenas sobre elea Este processo investigativo que tem como objeto as discursividades na

escola acerca das relaccedilotildees de gecircnero mediadas no projeto de leitura tem alinhamento

metodoloacutegico com esta perspectiva de pesquisa e possui como participantes osas

professoresas que integram o tal projeto Foi escolhido o corpo docente do turno vespertino

27

em funccedilatildeo de ajuste com minha disponibilidade de horaacuterio A coordenaccedilatildeo do projeto eacute de

responsabilidade de uma professora readaptada que tem formaccedilatildeo de arte-educadora Esta

profissional segundo me relatou articula trabalhos apoiando osas docentes integrantes do

projeto aleacutem de efetivar atividades literaacuterias e artiacutesticas em datas comemorativas na escola

12 Por onde falam e de onde olham osas educadoresas os instrumentos de investigaccedilatildeo

A composiccedilatildeo dos instrumentos selecionados para a investigaccedilatildeo desta pesquisa eacute

constituiacuteda por diversos procedimentos para geraccedilatildeo de dados Consta de um questionaacuterio

aplicado no periacuteodo de 09 de setembro a 28 de outubro de 2013 a nove educadoresas

envolvidosas com o projeto de leitura da escola TRAVESSIA o CestaSexta Literaacuteria

Adotei tambeacutem como instrumento de investigaccedilatildeo os relatos de diaacutelogos com educadoresas

gerados quando de minhas visitaccedilotildees agrave escola que se deram de 05 de setembro a 28 de

outubro de 2013 Construiacute notas de campo para registrar minhas vivecircncias naquele espaccedilo

perscrutando as vozes daqueles sujeitos pesquisados Satildeo tambeacutem composiccedilatildeo deste conjunto

de instrumentos investigativos as observaccedilotildees de quatro aulas de leitura e de texto utilizado

nestes eventos que ocorreram entre 4 e 11 de julho de 2014 A anaacutelise do documento do

projeto de leitura no tocante aos seus objetivos e metodologia bem como o levantamento de

quais livros paradidaacuteticos da biblioteca tratam da temaacutetica em tela satildeo outras formas

geradoras de dados desta pesquisa Esse levantamento do conjunto de instrumentos foi

elaborado em um processo no qual atentei para que a construccedilatildeo dos mesmos lembrando

Foucault (2004a 2004b 2012) objetivasse natildeo apontar se um enunciado eacute verdadeiro ou

falso enquanto discurso mas situar historicamente a produccedilatildeo desses

O questionaacuterio foi elaborado com treze questotildees objetivas por uma necessidade de

se ajustar agraves premecircncias do tempo mas promovendo espaccedilo para a complementaccedilatildeo de

respostas abertas considerando que outras leituras poderatildeo existir As questotildees formuladas

neste instrumento investigativo versando conforme apecircndice A entre outros toacutepicos acerca

da importacircncia da leitura para a escola sobre se a formaccedilatildeo continuada estaacute contribuindo no

preparo para uma praacutetica pedagoacutegica que contemple a equidade de gecircnero acerca de qual

espaccedilo deve haver no curriacuteculo escolar sobre a histoacuteria social da mulher e ainda qual tem sido

o comportamento doa educadora ao lidar com manifestaccedilotildees de violecircncia de gecircnero

objetivam proporcionar anaacutelises das respostas segundo os pressupostos da AD

Essa disciplina mediante a articulaccedilatildeo liacutengua e histoacuteria descreve e analisa os

sentidos que produzimos socialmente considera assim que o sujeito eacute um efeito da linguagem

28

como praacutetica social E eacute com esta perspectiva que objetivo perceber os efeitos de sentidos as

ideias circulantes e produzidas pelos sujeitos envolvidos nas questotildees do instrumento

questionaacuterio como nos demais procedimentos que compotildeem o campo empiacuterico desta

investigaccedilatildeo as aulas os diaacutelogos o documento a ausecircncia de obras temaacuteticas no acervo

bibliotecaacuterio Lanccedilar matildeo desse amparo teoacuterico me faz buscar formulaccedilotildees epistemoloacutegicas

como o discurso o interdiscurso as formaccedilotildees discursivas entre outras construccedilotildees de

linguagem como fustigaccedilatildeo que possibilita ver ldquopelardquo opacidade da linguagem Por esses

vieses interessa-me natildeo em conceber uma ldquoverdaderdquo a qual terei o poder de ldquodesvendaacute-lardquo

conforme ressalva Foucault (1995 2004a 2004b 2012) mas procuro agrave luz do que me

fornece a AD refletir e inquirir sobre as condiccedilotildees de produccedilotildees ldquodo dito e o natildeo ditordquo

29

2 OS APORTES TEOacuteRICOS QUE MOVEM A INVESTIGACcedilAtildeO

21 Gecircnero Discurso e Direitos Humanos

Uma indagaccedilatildeo que se desdobrava em outras se fez presente em minhas elaboraccedilotildees

sobre a temaacutetica em foco afinal por que buscar na roda de leitura de uma escola fios que

relacionem letramento e o debate sobre a construccedilatildeo social de gecircnero Qual o sentido de se

entrelaccedilar estas duas instacircncias discursivas Natildeo bastaria ler para contribuir com a construccedilatildeo

de uma formaccedilatildeo humana e eacutetica uma formaccedilatildeo cidadatilde na qual se capacitariam todos e todas

para serem protagonistas do projeto de sociedade em que convivem O exerciacutecio da leitura

natildeo estimula o ato de pensar Esta mera sacralizaccedilatildeo da praacutetica leitora tatildeo disseminada por

leigosas e ateacute leitoresas ignora que ler eacute um ato poliacutetico (FREIRE 1988) Ignora que ler eacute

uma praacutetica discursiva implica accedilotildees seleccedilotildees escolhas linguagens contextos variedades

de produccedilotildees sociais (SPINK FREZZA 1999) E que desse modo como praacutetica discursiva

na acepccedilatildeo foucaultina (FOUCAULT 2011) que eacute a tomada de empreacutestimo neste trabalho

conceituada como os dizeres que ganham corpos teacutecnicos em instituiccedilotildees em esquemas de

comportamentos em formas pedagoacutegicas a accedilatildeo de ler deve primar por reflexotildees que exijam

engajamento direcionamento afinal como esse filoacutesofo afirma

[] em toda sociedade a produccedilatildeo do discurso eacute ao mesmo tempo controlada

selecionada organizada e redistribuiacuteda por certo nuacutemero de procedimentos que tecircm

por funccedilatildeo conjurar seus poderes e perigos dominar seu acontecimento aleatoacuterio

esquivar sua pesada e temiacutevel materialidade (FOUCAULT 2011 p 8-9)

Conforme esse pensador francecircs para este controle haacute a fabricaccedilatildeo de certos

procedimentos de exclusatildeo social apoiados sobre uma base institucional Esta tem como

reforccedilo todo um conjunto de praacuteticas dentre as quais estatildeo a medicina a pedagogia a

sexualidade a prisatildeo relacionadas agrave vontade de verdade como um mecanismo de delimitaccedilatildeo

e de controle do discurso Ao trazer estas consideraccedilotildees de Foucault para o debate sobre as

relaccedilotildees de gecircnero que se processam na instituiccedilatildeo escolar fruto de avanccedilos consolidados

pelas lutas feministas contra uma visatildeo androcecircntrica de mundo percebo a relevacircncia das

contribuiccedilotildees do filoacutesofo que inscreve o discurso como praacutetica e como luta na constituiccedilatildeo

dos sujeitos Segundo o autor ldquo[] ndash isto a histoacuteria natildeo cessa de nos ensinar - o discurso natildeo

eacute simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominaccedilatildeo mas aquilo por que

pelo que se luta o poder do qual queremos apoderarrdquo (FOUCAULT 2012 p 10)

30

Diferente de uma visatildeo que simplifica este conceito os pressupostos foucaultinos

pontuam que o discurso existe para constituir ldquocoisasrdquo ldquorealidadesrdquo segundo regras histoacutericas

especiacuteficas de tempo e espaccedilo E esse entendimento deve ser uma das forccedilas que oa analista

do discurso poderaacute dispor como baliza face ao desafio que sua tarefa se apresenta seu

trabalho natildeo eacute ldquodescobrir coisas intocadas inteiras verdadesrdquo Seu trabalho prima por chegar

agrave complexidade das praacuteticas discursivas e natildeo discursivas que emergem em um enredo de

enunciados que se cruzam no interior de campos discursivos Seu trabalho como evidencia

Fisher (2013) ocupa-se de multiplicidades de coisas ditas de enunciaccedilotildees de posiccedilotildees de

sujeito de relaccedilotildees de poder implicadas num certo campo de saber

Nessa direccedilatildeo para efetuar uma interface que pense as discursividades das vozes

docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero em praacuteticas leitoras na escola objeto desse trabalho

as reflexotildees foucaultianas no que diz respeito agraves posiccedilotildees de sujeito satildeo nodais Com essa

perspectiva pode ser assumida a multiplicaccedilatildeo do tema do sujeito operaccedilatildeo cara a Foucault

(1995 2004a 2004b 2004c 2012) que conduz a caminhos mais fecundos para que o sujeito

seja pensado a sua dispersatildeo Assim diante de um conjunto de enunciaccedilotildees dentro de um

campo discursivo natildeo cabe um sujeito ldquounificanterdquo soberano origem de seu dizer Haacute um

sujeito que precisa ser visto em seu status em seu acircmbito institucional investido de alguma

autoridade imbuiacutedo de certas regras histoacutericas

Isto posto cabe-me adentrar em reflexotildees usando a concepccedilatildeo de dispersatildeo do

sujeito inicialmente pensando sobre qual tem sido a subjetivaccedilatildeo construiacuteda na escola pela

perspectiva dosas docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero estatildeo estesas obedecendo a que

regime de verdade Quais tecircm sido as reflexotildees acerca das ldquocoisas ditasrdquo sabe-se que elas se

entranham das dinacircmicas de poder e saber Sabe-se que emanam de praacuteticas discursivas e natildeo

discursivas atravessadas pelo poder Dar conta dessas relaccedilotildees eacute um legado foucaultiano

complexo aacuterduo e instigante que me inspira trazer para a delineaccedilatildeo acerca das

discursividades suscitadas pelo debate das relaccedilotildees de gecircnero na escola que ao fim e ao

cabo eacute um chamamento do discurso dos DH como pauta reivindicatoacuteria que eacute

E como reivindicaccedilotildees morais que satildeo esses direitos assegura Piovesan (2005)

nascem quando devem e podem nascer Essa autora pontua que os DH em sua concepccedilatildeo

contemporacircnea compotildeem a nossa racionalidade de resistecircncia na medida em que traduzem

processos que abrem e consolidam espaccedilos de luta pela dignidade humana Pautados pela

gramaacutetica da inclusatildeo esses direitos que natildeo satildeo um dado mas um construiacutedo (PIOVESAN

2005) devem adentrar o espaccedilo escolar como um imperativo eacutetico-poliacutetico-social que eacute

capaz de enfrentar um legado discriminatoacuterio que tem negado o respeito agrave diversidade sexual

31

cultural e humana o que eacute um atentado agrave premissa da garantia da dignidade de todas as

pessoas

Para o assentamento do debate sobre os postulados dos DH no acircmbito da escola natildeo

nos falta amparo legal positivado Eacute com o entendimento da nodal importacircncia desses direitos

na e para a esfera escolar e considerando o arcabouccedilo legal que dispotildee sobre a educaccedilatildeo a

Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos de 1948 a Declaraccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas sobre

a Educaccedilatildeo e Formaccedilatildeo em Direitos Humanos (RESOLUCcedilAtildeO A661372011) a

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (Lei

93941996) o Programa Mundial de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos (PMEDH 2005204) O

Programa Nacional de Direitos Humanos (PNEDH2006) e as diretrizes nacionais emanadas

pelo Conselho Nacional de Educaccedilatildeo CNE bem como outros documentos que o Conselho

Nacional de Educaccedilatildeo publica a Resoluccedilatildeo nordm 12012 estabelecendo diretrizes nacionais para

a educaccedilatildeo em Direitos Humanos Esse instrumento em seu artigo 3ordm trata da finalidade

dessa educaccedilatildeo a mudanccedila e a transformaccedilatildeo social fundamentando-se para isto nos

princiacutepios da dignidade humana da igualdade de direitos do reconhecimento e valorizaccedilatildeo

das diferenccedilas e das diversidades da laicidade do Estado da democracia na educaccedilatildeo da

transversalidade vivecircncia globalidade e sustentabilidade socioambiental

Conforme a Resoluccedilatildeo nordm 12012 os sistemas de ensino deveratildeo ter planejamento e

accedilotildees que zelem por tais princiacutepios incluindo-os nas formaccedilotildees iniciais e continuada de

profissionais das diferentes aacutereas de conhecimento como tambeacutem de todo aparato estrutural

da escola Nesse sentido a resoluccedilatildeo se traduz como um poderoso instrumento de inclusatildeo

social Ela eacute aliada na problematizaccedilatildeo de uma estrutural desigualdade social poliacutetica e

econocircmica que viola cotidianamente direitos de grupos vulneraacuteveis ndash pobres negrosas

mulheres homossexuais iacutendiosias ndash Eacute aliada no combate agraves grandes deficiecircncias da

democracia brasileira que repousa em uma deficiente cultura de direitos a despeito de

avanccedilos poacutes processo de redemocratizaccedilatildeo do paiacutes

No tocante agraves questotildees de gecircnero agrave produccedilatildeo de praacuteticas discursivas que ocultam o

protagonismo dos sujeitos que fragilizam a hegemonia masculina heterossexual cristatilde e

branca e a inserccedilatildeo desse debate no seio escolar como forma de assegurar o combate agrave

historicamente construiacuteda educaccedilatildeo sexista e discriminatoacuteria eacute vaacutelido observar os

mecanismos enunciativos que constituem o olhar sobre o discurso que propotildee o

enfrentamento da iniquidade E um desses mecanismos trata-se dos Paracircmetros Curriculares

Nacionais (PCNs) criados em 1997 que muito embora a existecircncia desses documentos natildeo

garanta sua implantaccedilatildeo eles satildeo amplamente difundidos e recomendados pelo Ministeacuterio da

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Educaccedilatildeo e Cultura (MEC) Eacute vaacutelido desse modo atentar para esta forma de comunicaccedilatildeo-

poder porque as discursividades que circulam incorrem de resultado de promessas de uma

escola como instituiccedilatildeo democraacutetica o que nos remete agrave intricada relaccedilatildeo discurso e poder

(FOUCAULT 2012) E parece bastante oportuno refletir sobre a emissatildeo de documentos

supostamente avanccedilados no debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero indagando sobre qual

processo de subjetivaccedilatildeo e instauraccedilotildees de verdade estaacute sendo ali operacionalizado

Eacute possiacutevel detectar que a discussatildeo sobre as relaccedilotildees de gecircnero consta de forma

tiacutemida e superficial entre as paacuteginas 144-146 dos PCNs referentes agraves quatro primeiras seacuteries

da educaccedilatildeo Fundamental Assim eram denominados os anos escolares agrave eacutepoca da publicaccedilatildeo

destes documentos Essa inserccedilatildeo temaacutetica eacute composta como toacutepico dentro do tema

transversal Orientaccedilatildeo Sexual que integra o volume 10 da coleccedilatildeo dos PCNs Mas laacute nas

raacutepidas paacuteginas estaacute o conceito de gecircnero e o objetivo que permeia o debate

A discussatildeo sobre relaccedilotildees de gecircnero tem como objetivo combater relaccedilotildees

autoritaacuterias questionar a rigidez dos padrotildees de conduta estabelecidos para homens

e mulheres e apontar sua transformaccedilatildeo A flexibilizaccedilatildeo dos padrotildees visa permitir a

expressatildeo de potencialidades existentes em cada ser humano que satildeo dificultadas

pelos estereoacutetipos de gecircnero Como exemplo comum pode-se lembrar a repressatildeo de

sensibilidade intuiccedilatildeo e meiguice nos meninos e objetividade e agressividade nas

meninas As diferenccedilas natildeo devem ficar aprisionadas em padrotildees preestabelecidos

mas apontando para a equidade entre os sexos (BRASIL 2013 p 144-146)

As relaccedilotildees de gecircnero integram a abordagem feita pelos PCNs tambeacutem para as seacuteries

finais do ensino fundamental como parte dos conteuacutedos dos temas transversais Na

perspectiva para estes anos finais os PCNs indicam a leitura e a anaacutelise de notiacutecias e de obra

literaacuteria como estrateacutegia para abordar a temaacutetica sobre gecircnero perpassada pelo conjunto das

disciplinas Os recursos indicados nos documentos para a exploraccedilatildeo desta temaacutetica se

constituem de formas oportunas para trataacute-lo especialmente a anaacutelise de notiacutecias

considerando que face a uma visatildeo de mundo em que predominam valores machistas e

patriarcais uma cultura eminentemente androcecircntrica apesar da resistecircncia feminista as

notiacutecias devem se constituir como repletas de exemplos de assimetrias de gecircnero

A apresentaccedilatildeo do conceito de gecircnero pelos PCNs todavia se daacute sem uma

fundamentaccedilatildeo criacutetica sustentada pela teoria feminista em um momento em que este conceito

passa por uma efervescecircncia que redimensiona e amplia sua abordagem O conceito de gecircnero

surge com o intento de analisar a subordinaccedilatildeo da mulher ao homem de modo relacional e faz

parte de debates de vaacuterios momentos do movimento feminista O gecircnero como categoria de

anaacutelise passou a ser mais utilizado apoacutes a publicaccedilatildeo do texto de Joan W Scott (1995) Nesse

33

trabalho a autora retoma a diferenccedila entre sexo e gecircnero articulando a noccedilatildeo de poder com a

qual propotildee que gecircnero eacute um elemento constitutivo das relaccedilotildees sociais construiacutedas sobre as

diferenccedilas percebidas entre os sexos sendo ele um primeiro modo de dar significado agraves

relaccedilotildees de poder

De acordo com Piscitelli (2002) o conceito de gecircnero mesmo jaacute tendo sido

utilizado foi marcado a partir da conceitualizaccedilatildeo de Gayle Rubin (1975 apud PISCITELLI

2002 p 4) que definiu o sistema sexogecircnero estabelecendo uma dicotomia em que gecircnero

seria a construccedilatildeo social e sexo seria o que eacute determinado biologicamente Essa perspectiva da

feminista trouxe conforme Piscitelli entusiasmo

Entre as (os) acadecircmicasos que dialogam com as discussotildees feministas o conceito

de gecircnero foi abraccedilado com entusiasmo uma vez que foi considerado um avanccedilo

significativo em relaccedilatildeo agraves possibilidades analiacuteticas oferecidas pela categoria

lsquomulherrsquo Essa categoria passou a ser quase execrada por uma geraccedilatildeo para a qual o

binocircmio feminismomulher parece ter se tornado siacutembolos de enfoques passados

(PISCITELLI 2002 p 1)

Haacute todavia apontado por Piscitelli (2002) um contexto de questionamentos sobre

esse conceito de gecircnero que evidencia uma nova ecircnfase na utilizaccedilatildeo da categoria mulher A

autora evidencia vaacuterias discussotildees em torno dessa questatildeo pontuadas por feministas que

criticam a dicotomia culturanatureza sexogecircnero traccedilos da conceituaccedilatildeo primeira do termo

O sistema dual que caracteriza e universaliza o conceito eacute criticado pelas feministas radicais

que assumem o debate desconstruindo o binocircmio sexogecircnero trazendo agrave reflexatildeo a

inexistecircncia de uma identidade global fixa que obscurece ou subordina todas as outras Uma

reelaboraccedilatildeo teoacuterica e pendular que emerge nitidamente das poliacuteticas da diferenccedila sobre o

conceito de gecircnero fortalece a luta das mulheres em seu caraacuteter de diversidade

A rejeiccedilatildeo aos pressupostos universalistas que a dicotomia sexogecircnero traduz tem se

avolumado e garantido um avanccedilo no debate sobre a luta pelo fim da opressatildeo e subordinaccedilatildeo

da mulher ao homem Sardenberg (2002) enfatiza que as criacuteticas realizadas ao conceito de

gecircnero debatem as diferenccedilas em consonacircncia com a base poacutes-estruturalista e

desconstrutivista que as sustenta e atendem a pauta reivindicatoacuteria de mulheres leacutesbicas

negras e do Terceiro Mundo A feminista sem deixar de resguardar a relevacircncia teoacuterica e

poliacutetica da concepccedilatildeo primeira de gecircnero ressalta a importacircncia das questotildees trazidas pelas

correntes desconstrucionistas Apropria-se esta estudiosa do feminismo do conceito de

corpos gendrados e desfaz a dicotomia sexogecircnero explicando que as identidades de gecircnero

e subjetividade satildeo natildeo imateriais e descorporificadas Ela ao falar de identidades e

34

subjetividades corporificadas aponta para uma direccedilatildeo que dialoga com as teorizaccedilotildees poacutes-

estruturalistas e a importacircncia dos marcadores sociais para essas que veem mais do que

sujeitos homens e mulheres em suas abordagens Veem seres de diferentes etnias classes

geraccedilotildees profissotildees lugares seres cindidos muacuteltiplos natildeo-fixos em suas identidades

imersos que satildeo pela torrencial poacutes-modernidade e seus signos multiculturalismo

globalizaccedilatildeo e informaccedilatildeo acelerada

Louro (2012) ao discutir o caro conceito para os estudos feministas historiciza as

accedilotildees desse coletivo situando a chamada ldquoSegunda Ondardquo como a que propiciou o

desenvolvimento do termo

Seraacute no desdobramento da assim denominada lsquoSegunda Ondarsquo ndash aquela que se inicia

no final da deacutecada de 1960 ndash que o feminismo aleacutem das preocupaccedilotildees sociais e

poliacuteticas iraacute se voltar para as construccedilotildees propriamente teoacutericas No acircmbito do

debate que a partir de entatildeo se trava entre estudiosas e militantes de um lado e seus

criacuteticos ou suas criacuteticas de outro seraacute engendrado e problematizado o conceito de

gecircnero (LOURO 2012 p 19)

Evidenciando a contribuiccedilatildeo que a emergecircncia do conceito de gecircnero propicia ao

movimento feminista Louro (2012) traz o discurso da invisibilidade no qual esse coletivo

esteve imerso em forma de segregaccedilatildeo poliacutetica e social Muito embora afirme essa autora

mulheres da classe trabalhadora e camponesas jaacute ocupassem atividades no mundo do trabalho

em faacutebricas oficinas lavouras Atividades essas ocupadas em condiccedilotildees de subalternidade

frente aos homens considerando os cargos que ocupavam e atividades consideradas

secundaacuterias e ligadas agraves funccedilotildees ldquonaturalizadasrdquo como femininas a assistecircncia e a educaccedilatildeo

Essas questotildees aleacutem da ausecircncia das mulheres em espaccedilos de poder como nos das ciecircncias e

das artes diz Louro (2012) ocupavam as reivindicaccedilotildees das mulheres de luta contra a

opressatildeo de gecircnero

No que tange ao conceito de gecircnero como diferencial desconstrutor da discursividade

que permeia explicaccedilotildees deterministas bioloacutegicas para as desigualdades sociais entre homens

e mulheres Louro (2012) aduz que

Eacute necessaacuterio demonstrar que natildeo satildeo propriamente as caracteriacutesticas sexuais mas eacute a

forma como essas caracteriacutesticas satildeo representadas ou valorizadas aquilo que se diz

ou pensa sobre elas que vai construir efetivamente o que eacute feminino ou masculino

em uma dada sociedade e em um dado momento histoacuterico Para que se compreenda

o lugar e as relaccedilotildees de homens e mulheres numa sociedade importa observar natildeo

exatamente seus sexos mas sim tudo que socialmente se construiu sobre os sexos

O debate vai se construir entatildeo atraveacutes de uma nova linguagem na qual gecircnero seraacute

um conceito fundamental (LOURO 2012 p 25)

35

Eacute na direccedilatildeo dos estudos poacutes-estruturalistas que Louro (2012) constroacutei suas reflexotildees

sobre gecircnero debatendo a construccedilatildeo discursiva das diferenccedilas uma das tocircnicas do

pensamento Esta autora evidencia o quanto estudiososas e militantes ligadosas agraves questotildees

eacutetnicas e leacutesbicas tecircm contribuiacutedo para a reflexatildeo sobre praacuteticas poliacuteticas e educativas que

contemplem as diferenccedilas Essa discursividade tem provocado nos estudos feministas uma

implosatildeo das caracteriacutesticas iniciais que satildeo marcadas por uma construccedilatildeo teoacuterica conduzida

por mulheres brancas heterossexuais urbanas e de classe meacutedias Para a autora os estudos

feministas estatildeo sendo oxigenados quando problematizados e desestabilizados desse modo

Entendo entatildeo que as seculares construccedilotildees sociais que subjugam e inferiorizam

mulheres e as que impotildeem exclusatildeo e violecircncia na construccedilatildeo das diferenccedilas sob uma loacutegica

androcecircntrica heteronormatizadora e discriminatoacuteria satildeo muralhas que tecircm sido

problematizadas pelas contribuiccedilotildees afirmativas da pauta dos DH pelos estudos feministas e

pelas contribuiccedilotildees de estudos sobre as relaccedilotildees de poder os quais jaacute foram por mim

referidos Estas questotildees podem estar balizadas no acesso agrave leitura como mediaccedilatildeo e praacutetica

discursiva que suscita o combate da iniquidade de gecircnero como tambeacutem jaacute foi dito Ocorre

amiuacutede mesmo entre osas que natildeo satildeo leitoresas uma valorizaccedilatildeo generalizada do ato de

ler que o naturaliza e o sacraliza As propagandas sobre leitura satildeo veiculadas com esta

dimensatildeo o que fez Souza (2009 p 4) entre outrosas autoresas estudaacute-las e evidenciando o

quanto se camufla o objeto da leitura daquilo que se lecirc indagar ldquoA leitura de todo e qualquer

texto emancipa o sujeitordquo Natildeo eacute preciso ir muito longe para que percebamos que se as

escolas natildeo leem a pedagogia do letramento da vida e da diversidade de infacircncias se natildeo leem

e aplicam o que recomendam as diretrizes2009 do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo - CNE

que apontam para garantir uma formaccedilatildeo plena como ser humano histoacuterico integral social

eacutetico de diferentes linguagens e identidades coletivas e individuais a leitura que se faz

efetivamente natildeo eacute emancipadora Ela pode divertir dar prazer colaborar com o domiacutenio do

coacutedigo em suas variedades linguiacutesticas mas natildeo emancipa Isso pode ser averiguado pelo

olhar de Arroyo (2011) que aborda o quanto a desenfreada busca para o domiacutenio de

capacidades sequenciadas para atender as expectativas de avaliaccedilotildees como a Provinha-Brasil

tem sido danosa

Na praacutetica o direito ao reconhecimento agrave cultura e ao conjunto de potencialidades

humanas que carregamos desde crianccedila vai se perdendo em nome do domiacutenio de

capacidades de letramento e numeramento [] A professora seraacute julgada e

condenada se sua turma natildeo se sair bem na Provinha-Brasil de Letramento Fica

pouco estiacutemulo e espaccedilo para dedicar tempo e energias para a formaccedilatildeo plena das

crianccedilas ateacute nos limites e potencialidades do letramento (ARROYO 2011 p 220)

36

Eacute pertinente pensar portanto como estatildeo sendo formadosas como estatildeo lendo na

instacircncia escolar meninos e meninas leem para se emancipar Leem para problematizar uma

ordem social excludente Leem para debater o que a pauta reivindicatoacuteria dos DH como

movimento que se firma na defesa de um mundo mais justo e igual tem alicerccedilado A

Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo (CONAE) realizada em 2010 direciona em seu

documento final que deve haver a inserccedilatildeo das temaacuteticas dos DH nos Projetos Poliacuteticos

Pedagoacutegicos (PPP) e no novo modelo de gestatildeo e avaliaccedilatildeo (CONAE 2010 p 162-163) Haacute

portanto um papel construiacutedo para a instituiccedilatildeo escolar no enfrentamento de violaccedilotildees desses

direitos

Produtora reprodutora e difusora de conhecimentos a escola eacute uma instituiccedilatildeo social

que pode conforme o seu aparato normativo engendrar as relaccedilotildees mais justas e equacircnimes

Ateacute entatildeo todavia deste lugar no dizer de Louro (2012) largamente tecircm sido gestadas as

diferenccedilas como a representaccedilatildeo de um desvio da normalidade Na visatildeo da referida autora

Desde seus iniacutecios a instituiccedilatildeo escolar exerceu uma accedilatildeo distintiva Ela se

incumbiu de separar os sujeitos ndash tornando aqueles que nela entravam distintos dos

outros os que a ela natildeo tinham acesso [] A escola que nos foi legada pela

sociedade ocidental moderna comeccedilou por separar adultos de crianccedilas catoacutelicos e

protestantes Ela tambeacutem se fez diferente para os ricos e para os pobres e ela

imediatamente separou os meninos das meninas (LOURO 2012 p 64)

Eacute possiacutevel perceber entatildeo o quanto as relaccedilotildees de gecircnero e a produccedilatildeo negativa das

diferenccedilas satildeo alimentadas nos bancos escolares moldando fabricando sujeitos seres

distintos de diferentes classes etnias idades distintos tambeacutem em direitos e deveres Nesses

moldes essa praacutetica pedagoacutegica tem inquietado osas ativistas e defensoresas dos DH E

efeito de mobilizaccedilotildees a educaccedilatildeo inclusiva voltada para uma cultura de paz e de respeito a

esses direitos emerge Dos tantos pactos internacionais e acordos como accedilatildeo de resistecircncia

diante da violaccedilatildeo do direito agrave dignidade humana podem ser extraiacutedos instrumentos juriacutedicos

importantes para municiar osas educadoresas em suas atividades acadecircmicas caso se

comprometam com a bandeira da educaccedilatildeo como loacutecus para a promoccedilatildeo da defesa de uma

sociedade para todas as pessoas

Inteirar-se da forccedila articulatoacuteria dos movimentos sociais embandeirados com a

defesa dos DH eacute relevante para a instacircncia educacional afinal a escola ressoa as vozes e eacute

uma voz que segundo regras histoacutericas implementa hegemonia e contra-hegemonia

conforme Zenaide (2008) Das articulaccedilotildees poliacuteticas dos movimentos emergem marcos legais

que datildeo sustentaccedilatildeo agraves lutas por cidadania Um desses documentos importantes do leque de

instrumentos universais e regionais que evidenciam accedilotildees pautadas na defesa do DH foi uma

37

conquista do movimento feminista com a aprovaccedilatildeo na Assembleia da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas (ONU) em 1979 da Convenccedilatildeo sobre a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de

Discriminaccedilatildeo contra a Mulher Este instrumento traduz o reconhecimento das necessidades

especiacuteficas das mulheres garantindo a igualdade entre homens e mulheres nas esferas

poliacutetica econocircmica social e familiar Outro importante documento no sentido da defesa dos

direitos das mulheres eacute a Convenccedilatildeo Interamericana para Prevenir e Erradicar a Violecircncia

contra a Mulher de 1994 Essa construccedilatildeo desafia um dos males enfrentados cotidianamente

pelas mulheres das mais diversas esferas sociais e culturais eacute o da violecircncia domeacutestica A

ONU adotou em 1999 o Protocolo Facultativo agrave convenccedilatildeo regional que autoriza ao

CEDAW ndash Comitecirc para a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de Discriminaccedilatildeo contra a Mulher

- o recebimento de queixas individuais O Brasil ratificou o protocolo o que significa mais

garantia de direitos agraves brasileiras viacutetimas de violecircncia domeacutestica acesso agrave justiccedila

internacional

Na deacutecada de 1990 os movimentos de mulheres articularam em niacuteveis regionais e

internacionais profiacutecuos acontecimentos poliacuteticos em prol de garantia de seus direitos Em

1993 a Conferecircncia Direitos Humanos de Viena estabelece que os direitos das mulheres satildeo

parte inalienaacuteveis dos DH universais e devem ser protegidos pelos Estados atraveacutes da

promoccedilatildeo de leis e de poliacuteticas puacuteblicas efetivas A Conferecircncia Internacional sobre

Populaccedilatildeo e Desenvolvimento (CIPD) realizada no Cairo em 1994 vem garantir que os

direitos sexuais e reprodutivos passem a ser assumidos como DH reconhecendo o papel

central da sexualidade A IV Conferecircncia Mundial da Mulher realizada em Pequim em 1995

aprovou uma Plataforma de Accedilatildeo reforccedilando o plano da Accedilatildeo de Cairo O debate sobre o

aborto amplia-se em bases soacutelidas eacute apontado como um grave problema de sauacutede puacuteblica e a

descriminalizaccedilatildeo dessa praacutetica ganha foco

Dentre os processos organizativos pela constituiccedilatildeo de forccedilas democraacuteticas os

movimentos de mulheres constituem-se em um expoente de militacircncia Pedro e Pinsky (2003)

relatam o processo de conquista da cidadania feminina que se ainda estaacute longe de ser plena

muito mais longe estaacute de um tempo em que agraves mulheres soacute lhes cabia o espaccedilo domeacutestico

De simples lsquocostela de Adatildeo agrave conquista da cidadania plena eacute uma longa trajetoacuteria

ainda natildeo completada pelas mulheres Mesmo no Ocidente onde o avanccedilo eacute maior e

a subordinaccedilatildeo social tem se reduzido sensivelmente elas ainda sofrem com a

violecircncia salaacuterios menores preconceitos de diversos tipos Que diraacute em paiacuteses

africanos ou islacircmicos em que satildeo vistas como apecircndice do homem na melhor das

hipoacuteteses Contudo relendo as paacuteginas deste texto podemos avaliar o quanto jaacute

avanccedilamos Que as vaacuterias vitoacuterias obtidas sirvam-nos de inspiraccedilatildeo para as lutas

futurasrsquo (PEDRO PINSKY 2003 p 304)

38

Se os avanccedilos logrados pela luta feminista mudaram estilo de vida de mulheres eacute

inconteste que ainda sob o jugo da violecircncia seja simboacutelica ou fiacutesica o machismo e o

patriarcalismo deixam seus tentaacuteculos em uma contiacutenua tensatildeo pelo poder (FOUCAULT

2004a 2012) Conforme Louro (2012) a escola pode atestar isso uma cultura ainda

dominante impregnada de estereoacutetipos valores e conteuacutedos sexistas eacute o que olhos atentos

veem Nas palavras da autora

Os sentidos precisam estar afiados para que sejamos capazes de ver ouvir sentir as

muacuteltiplas formas de constituiccedilatildeo dos sujeitos implicados na concepccedilatildeo na

organizaccedilatildeo e no fazer cotidiano escolar O olhar precisa esquadrinhar as paredes

percorrer os corredores e salas deter-se nas pessoas nos seus gestos suas roupas eacute

preciso perceber os sons as falas as sinetas e os silecircncios eacute necessaacuterio sentir as

cadecircncias e os ritmos marcando os movimentos de adultos e crianccedilas Atentaas aos

pequenos indiacutecios veremos que ateacute mesmo o tempo e o espaccedilo da escola natildeo satildeo

distribuiacutedos nem usados ndash portanto natildeo satildeo concebidos do mesmo modo por todas

as pessoas (LOURO 2012 p 63)

Afiar os sentidos para que possamos enxergar os construtos sociais de

performatividades de gecircneros que produzem meninas doces quietas aplicadas submissas e

meninos inquietos agressivos ldquomaisrdquo inteligentes Afiar os sentidos para que possamos olhar

sob o crivo dos estudos de gecircnero que encontram amparo em uma legislaccedilatildeo escolar

conquistada recentemente apoacutes intensa mobilizaccedilatildeo nacional para a criaccedilatildeo do Programa

Nacional em Direitos Humanos em 1993

A emersatildeo das poliacuteticas de valorizaccedilatildeo dos DH como aacuterea transdisciplinar e que

deve estar presente na escola desde a mais tenra idade do aluno ateacute os cursos de poacutes-

graduaccedilatildeo apresenta-se como um instrumento para a desconstruccedilatildeo de uma poliacutetica

educacional sexista e machista O Plano Nacional de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos

(PNEDH) criado em 2006 e revisado em 2006 pelo MEC Ministeacuterio da Justiccedila e Secretaria

Especial dos Direitos Humanos vem fortalecer o princiacutepio da igualdade e da dignidade de

todo ser humano E a escola eacute um espaccedilo privilegiado para que a crianccedila iniciando seu

processo de socializaccedilatildeo aprenda a conviver com caros princiacutepios Daiacute a importacircncia de se

desenvolver no interior dos espaccedilos escolares pontua Zenaide (2008) accedilotildees programaacuteticas

que deem mais materialidade agrave educaccedilatildeo agravequela que respeite e defenda os DH Dentre essas

accedilotildees vale citar

Elaborar e organizar propostas curriculares que contemplem a diversidade cultural

nas suas diferentes especificidades com a inclusatildeo de temaacuteticas relativas a gecircnero

identidade de gecircnero raccedila e etnia religiatildeo orientaccedilatildeo sexual pessoas com

deficiecircncias [] bem como trabalhar todas as formas de discriminaccedilatildeo e violaccedilotildees

de direitos na interface dos componentes curriculares (BRASIL 2006 p 24-25)

39

Um paiacutes historicamente violador dos DH como o Brasil possui uma diacutevida social

enorme com sua populaccedilatildeo vitimada No que diz respeito agraves violaccedilotildees acerca das identidades

de gecircnero seus instrumentos juriacutedicos conquistados recentemente que possuem a ideia

basilar do respeito agrave dignidade humana precisam ser prementemente cumpridos Essa eacute uma

condiccedilatildeo para que o Brasil promova cidadania a todas as pessoas reinventando novas formas

de se constituir sujeitos cauterizando as feridas machistas homofoacutebicas discriminadoras

Esse agenciamento cultural pode e deve ser gestado alimentado e sustentado por praacuteticas

escolares considerando que satildeo promessas da escola a autonomia o aprendizado de si do

outro o respeito agraves diferenccedilas Conforme Zenaide (2008) entre tantos marcos protetivos para

a construccedilatildeo de uma educaccedilatildeo inclusiva e natildeo sexista que sustentam largamente as promessas

de uma escola para todas as pessoas a Declaraccedilatildeo Mundial sobre Educaccedilatildeo para Todos de

1990 eacute um deles Em seu artigo 3ordm este documento explicita a premecircncia de combater a

assimetria entre homens e mulheres

[] a prioridade mais urgente eacute melhorar a qualidade e garantir o acesso agrave educaccedilatildeo

para meninas e mulheres e superar todos os obstaacuteculos que impedem sua

participaccedilatildeo no processo educativo Os preconceitos e estereoacutetipos de qualquer

natureza devem ser eliminados da educaccedilatildeo (ZENAIDE 2008 p 243)

Apoacutes as reflexotildees atinentes agrave fundamentaccedilatildeo da importacircncia do compromisso do

Estado brasileiro na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas educacionais que respaldem a

garantia da efetivaccedilatildeo dos DH na esfera escolar no que diz respeito agrave equidade de gecircnero irei

discutir no proacuteximo toacutepico como a educaccedilatildeo e o feminismo satildeo esteios para tal efetivaccedilatildeo

Satildeo esteios porque podem propor problematizar as instacircncias os espaccedilos de poder propor

novas formas de subjetivaccedilatildeo formas essas que tecircm historicamente construiacutedo um

enfrentamento agrave interdiccedilatildeo da equidade de gecircnero

22 Feminismo poder e educaccedilatildeo

Uma vez ou outra sempre mais raramente lembrava a galinha que se recortara

contra o ar agrave beira do telhado prestes a anunciar Nesses momentos enchia os

pulmotildees com ar impuro da cozinha e se fosse dado agraves fecircmeas cantar ela natildeo

cantaria mas ficaria muito mais contente

(LISPECTOR 1991 p 46)

A condiccedilatildeo feminina mesmo aos olhos desatentos aparece na linha mestra da obra

clariceana As complexas e ricas criaccedilotildees da autora com Ana Carla Catarina Joana

Macabeacutea Virgiacutenia entre tantas personagens jovens maduras velhas natildeo cedem todavia

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lugar a um mero denuncismo da ordem machista que violentamente imersa mulheres em uma

sociedade feita para os que cantam como os galos A inserccedilatildeo portanto de um trecho de um

dos seus contos Uma galinha (LF1991) neste toacutepico do trabalho natildeo eacute um jeito de chamar

ao destrinchamento da ligaccedilatildeo da escritora com o feminismo fato que ela em diversos

depoimentos sabiamente negou Mas eacute uma forma de dizer que a condiccedilatildeo feminina sem

liberdade e voz emaranhada na densa complexidade psicoloacutegica das personagens clariceanas

perspectiva anguacutestia e violecircncia latentes um mundo portanto que precisa ser desaprisionado

que precisa ser desmantelado E isto a despeito de sua insistecircncia em natildeo ser feminista

expressa feminismo que Clarice constroacutei tatildeo bem com suas mulheres quando lhes daacute o grito

o canto ou quando lhes retira

Neste conto a condiccedilatildeo feminina de subjugada estaacute metaforizada na figura de uma

galinha que apenas nasce e morre cumprindo apaticamente um papel como pontua Bedasee

(1999) Sem canto sem habilidade para a luta valorizada apenas pela sua funccedilatildeo reprodutora

[ Mamatildee mamatildee natildeo mate mais a galinha ela pocircs um ovo G45] este ser que natildeo conta

consigo como o galo conta com sua crista natildeo traduziria uma bandeira de desaprisionamento

dessa ordem proposta pela teoria dos gecircneros Neste conto em que a galinha em fuga eacute

capturada por um homem [ o rapaz poreacutem era um caccedilador adormecido E por mais iacutenfima

que fosse a presa o grito de conquista havia soado ndash G44] natildeo teriacuteamos a preocupaccedilatildeo com

os imemoraacuteveis papeacuteis sociais

Entendendo Clarice que desejou a literatura maior do que as bandeiras maior do que

teses sem uma ldquofunccedilatildeordquo que a aprisione mas relembrando aqui Antonio Cacircndido (1965)

indago esta escritura que apresenta um cotidiano que encerra mulheres em um espaccedilo

domeacutestico violentador natildeo seria uma forma extraordinaacuteria de aticcedilar a transcendecircncia das

servidotildees com a perspectiva que temos de ver na trama clariceana o natildeo-conformismo como

uma ordem Possivelmente A condiccedilatildeo feminina de oprimida exceccedilatildeo a pouquiacutessimas

personagens perpassa pelas mulheres solitaacuterias e servis de Clarice trancadas no lar lacradas

para a vida que natildeo reagem Por que ela natildeo reage cadecirc um pouco de fibra Natildeo ela eacute doce

e obediente (HE41) Haacute nesta ficccedilatildeo um fio que liga as mulheres denunciando um

apagamento social vivido por elas que evidencia feminismo nesta literatura

Por seu turno natildeo na ficccedilatildeo mas na poliacutetica e engajada nos diversos movimentos

sociais outras fizeram feminismos naquele contexto de meados do seacuteculo XX em que

efervesceu a luta pelos direitos das mulheres E a histoacuterica luta das mulheres em prol dos seus

direitos e na caminhada pela cidadania plena que comeccedilou a ser preparada em momentos e

seacuteculos anteriores traduz uma resistecircncia agrave domesticaccedilatildeo social das mais expressivas na

41

histoacuteria da humanidade Esta resistecircncia pode me remeter a inuacutemeros pensadores que se

vinculam ao ideaacuterio da busca pela liberdade mas o pensamento de Michel Foucault no que

tange agraves consideraccedilotildees em sua obra sobre o polo subjetividade e verdade parece-me ser de

muita propriedade Tema caro ao filoacutesofo francecircs que categoriza ter sido este o seu problema

Esse sempre foi na realidade o meu problema embora eu tenha formulado o plano

dessa reflexatildeo de uma maneira um pouco diferente Procurei saber como o sujeito

humano entrava nos jogos de verdade tivessem estes a forma de uma ciecircncia ou se

referissem a um modelo cientiacutefico ou fossem como os encontrados nas instituiccedilotildees

ou nas praacuteticas de controle (FOUCAULT 2004a p 264)

As formas de se constituir sujeito satildeo decerto tema caro tambeacutem ao coletivo de

mulheres Embora as questotildees feministas natildeo tenham aparecido no leque de problematizaccedilotildees

do autor conforme nos atesta Rago (2008) esse coletivo pode ter como instrumento de luta

em sua histoacuterica e processual conquista por liberdade e cidadania as reflexotildees foucaultianas

atinentes aos processos de subjetivaccedilatildeo e da premecircncia de se constituir um novo sujeito eacutetico

a partir de praacuteticas de liberdade (cf FOUCAULT 2004a) A leitura desses processos eacute nodal

para a transformaccedilatildeo social que objetiva construir o feminismo pela importacircncia que tem

para esse autor a histoacuteria da constituiccedilatildeo do sujeito na perspectiva das praacuteticas de si Essas

conforme a retomada que o filoacutesofo daacute no debate proposto pela Antiguidade grega sobre tais

teacutecnicas satildeo concebidas como uma maneira de se relacionar consigo mesmo para se elaborar

para atuar individual e socialmente de forma eacutetica respeitosa e consciente O cuidar de si

visa atraveacutes de teacutecnicas de meditaccedilatildeo de aconselhamentos instalar a harmonia entre atos e

palavras instalar a subjetivaccedilatildeo pelo conhecimento de si eacute enfim um ethos que propotildee uma

dimensatildeo ativa do sujeito uma fruiccedilatildeo de si

[] eacute impossiacutevel suspeitar que haja uma certa impossibilidade de constituir hoje

uma eacutetica do eu quando talvez seja uma tarefa urgente fundamental politicamente

indispensaacutevel se for verdade que afinal natildeo haacute outro ponto primeiro e uacuteltimo de

resistecircncia ao poder poliacutetico senatildeo na relaccedilatildeo de si para consigo (FOUCAULT

2004a p 234)

Dimensatildeo essa que ao coletivo de mulheres imerso em um processo de busca por

libertaccedilatildeo pode se constituir como basilar Eacute basilar se considerarmos que da leitura das

reflexotildees foucaultianas acerca dos processos de constituiccedilatildeo das subjetividades pode-se

extrair o debate que destaca a desnaturalizaccedilatildeo do sujeito da construccedilatildeo de si as formas de

sujeiccedilatildeo coercitivas no social Essas uacuteltimas por exemplo se trazidas agrave luz dos estudos

feministas apontam modelos de feminilidade impostos pela dominaccedilatildeo classista e sexista

42

desconstruiacutedos e recusados pela militacircncia desse movimento social A refutaccedilatildeo do amor

materno como um sentimento inerente agrave condiccedilatildeo de mulher por exemplo eacute uma das

desnaturalizaccedilotildees que foram articuladas pelos coletivos de mulheres Atributos como o da

docilidade inerente da tendecircncia agrave castidade sexual da domesticidade da inaptidatildeo para

determinados labores da constituiccedilatildeo fiacutesica e emocional como fraacutegil tambeacutem satildeo construccedilotildees

sociais que a mobilizaccedilatildeo feminista tem posto em evidecircncia negando-as Enfim um

mergulho nessa perspectiva temaacutetica oferece ao coletivo de mulheres um vasto leque de

teorizaccedilotildees que o subsidiam politicamente com operadores que lhe aclaram questotildees Uma

delas eacute poder recusar o que somos (FOUCAULT 2012) E a recusa se daacute quando sabemos

que teacutecnica atacar conhecer por quais jogos de verdade homens e mulheres potildeem-se a se

constituiacuterem sujeitos a obedecerem a que regras de sujeiccedilatildeo

Pensar em regras de sujeiccedilotildees na linha foucaultiana eacute tarefa meticulosa ardil que

exige coragem para ver Ao coletivo de mulheres fazer reflexotildees enfaticamente sobre tais

regras sobre os processos sociais de subjetivaccedilatildeo com os modos coercitivos de se constituir

mulher eacute pertinente eacute mobilizador de praacuteticas de liberdades das transformaccedilotildees que este

precisa engendrar E isto pode ser feito afiando-se os sentidos para os pilares culturais que lhe

satildeo configurados como sonhos como verdades em formaccedilotildees discursivas apresentadas desde

a mais tenra infacircncia O casamento por exemplo eacute um deles O matrimocircnio em regra tem

iniacutecio com um pedido formalizado por um homem agrave famiacutelia da mulher para um contrato

social no qual a cerimocircnia em si jaacute oferece um ensaio do que traduz a uniatildeo matrimonial a

dependecircncia social emocional da mulher Costumeiramente na nossa cultura ocidental

cristatilde a noiva entra na igreja conduzida pela matildeo de um homem (pai parente) para ser

entregue a outro o noivo o traje dela tradicionalmente eacute branco simbolizando ldquopureza de

virgemrdquo mesmo que a castidade natildeo lhe seja mais exigida Toda a ritualiacutestica da cerimocircnia

compotildee uma ideia de pertencimento do feminino pelo masculino compotildee uma ideia de

dependecircncia eacute ela quem adota em seu registro de identidade o nome do marido tendo que

alterar seus documentos de solteira Soacute bem recentemente a obrigatoriedade de tal inserccedilatildeo foi

abolida O ritual que costuma agradar agraves mulheres de uma forma bem generalizada por mais

que inove com mudanccedilas em arranjos familiares e nas condiccedilotildees sociais de produccedilatildeo do

mesmo eacute marcado pela imagem de que a mulher que casa eacute a feliz O simboacutelico ato do

lanccedilamento do bouquecirc (ou mais recentemente outros objetos como os sapinhos de peluacutecia os

santos Antocircnios) pode vestir a ideia de que a felicidade estaacute em angariar um dono Assim se

justifica ver os gestos atleacuteticos que fazem as solteiras presentes movendo-se brava e

43

histericamente para conseguirem agarrar tais objetos que a noiva lanccedila em sinal de que

sendo a premiada seraacute a proacutexima a realizar o sonho de casar

Que poder natildeo haacute na adoccedilatildeo de um nome nos jogos que fazem a ideia do

pertencimento O poder onde natildeo o haacute E esse eacute outro veio no olhar do pensador

(FOUCAULT 2012) que pode correr com e perpassar pelos interesses e pelas investigaccedilotildees

das mulheres que lutam por praacuteticas de liberdade que se vinculam ao debate proposto pela

teoria de gecircnero como estrateacutegia para desmantelar assimetrias para se pensar em resistecircncias

O poder em sua dimensatildeo relacional onipresente e capilar evocada pelo filoacutesofo constitui-

se como instacircncia de compreensatildeo basilar das formas de relaccedilotildees sociais

Quero dizer que nas relaccedilotildees humanas quaisquer que sejam elas - quer se trate de

comunicar verbalmente como o fazemos agora ou se trate de relaccedilotildees amorosas

institucionais ou econocircmicas - o poder estaacute sempre presente quero dizer a relaccedilatildeo

em que cada um procura dirigir a conduta do outro Satildeo portanto relaccedilotildees que se

podem encontrar em diferentes niacuteveis sob diferentes formas essas relaccedilotildees de poder

satildeo moacuteveis ou seja podem se modificar natildeo satildeo dadas de uma vez por todas

(FOUCAULT 2004a p 276)

Haacute uma discussatildeo trazida pelo pensamento foucaultiano sobre o poder na qual

repousa natildeo uma teoria geral deste mas a ideia de que a sua existecircncia natildeo emana de um

determinado ponto apenas em aparelho de Estado ou em formato de leis Existe o poder

conforme Foucault (2012) concebe dando-se como feixe de relaccedilatildeo organizado e

piramidalizado Este entendimento atrela-se ao da resistecircncia como possibilidade e esta

adverte o filoacutesofo tem que ser inventiva moacutevel tatildeo produtiva quanto o poder Pensar em

resistecircncia e estrateacutegias para o enfrentamento de relaccedilotildees marcadas por domiacutenio eacute accedilatildeo que

deve interessar ao debate proposto pelos movimentos sociais em especial os coletivos que

perseguem a equidade de gecircnero Aqui vale trazer uma ponderaccedilatildeo feita por Foucault (2004a)

na qual ele ressalva insistir sobretudo nas praacuteticas de liberdade mais do que nos processos de

libertaccedilatildeo a despeito da importacircncia desses que satildeo condiccedilotildees poliacuteticas ou histoacutericas para

aquelas O filoacutesofo afirma que tais processos natildeo satildeo por eles proacuteprios definidores dessas

praacuteticas as quais se constituem de um problema eacutetico Problema eacutetico com o qual se deparam

mulheres imersas em processos de liberaccedilatildeo neste contexto histoacuterico-cultural que

recrudesceu em meados do seacuteculo XX onde irromperam estudos de gecircnero e feminismos

trazendo enfaticamente a pauta do empoderamento para as mulheres Esse aqui entendido

como o processo pelo qual indiviacuteduos e comunidades angariam recursos que lhes permitam

ter voz visibilidade poder de agenda nos temas que afetam suas vidas

44

Empoderar-se eacute enfim gestar em si mudanccedilas de performances que perpassam pelo

rompimento de modelos que enclausuram a mulher Historicamente subjugada ensinada a

depender a ser princesa salva adormecida mas acordada com o beijo dos contos infantis

difiacutecil natildeo ter medo de dar certo Na epiacutegrafe deste trabalho uma personagem clariceana

Joana traz agrave tona a temaacutetica do medo como condiccedilatildeo feminina Como uma segunda pele o

medo segura mulheres em direccedilatildeo de carros de cargos e de vidas trancafiando-as

Obviamente que nos novos contornos sociais nos quais a rua eacute espaccedilo conquistado pelo

feminino cada vez mais os medos vatildeo se arrefecendo tornando-se mais leves amenos

vencidos

Os estudos de gecircnero agrave luz do pensamento poacutes-estruturalista trouxeram a relevacircncia

de se refletir sobre modos de subjetivaccedilatildeo novas relaccedilotildees de poder jogos de verdade tudo

muito atinente com as contribuiccedilotildees teoacutericas foucaultianas e significativo para a militacircncia

poliacutetica encetada por feministas Pensando com Foucault (2004a 2012) sobre o poder desse

modo articulo nexos entre a preocupaccedilatildeo eacutetica com o cuidado de si as praacuteticas de liberdade

e a efetivaccedilatildeo de direitos que vem em lutas por libertaccedilatildeo em caminhadas que escavam

cidadania A luta das mulheres pela implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que lhes garantam o

direito ao aborto agrave sexualidade livre por exemplo traduz resistecircncia que vem com o

conhecimento de si com o conhecimento de seu lugar no mundo Os movimentos das

mulheres em luta pela construccedilatildeo de suas liberdades tecircm perfilado as liccedilotildees foucaultianas de

rede ligadas ao poder luta libertaccedilatildeo mobilizaccedilatildeo estaacutegios de comandos resistecircncia

A ideia de circularidade do poder de seu funcionamento em malhas onde os

indiviacuteduos natildeo soacute circulam mas estatildeo sempre em posiccedilatildeo de exercer um poder e de sofrer sua

accedilatildeo eacute oportuna entatildeo A premissa que permite que assim se pense pode estar identificada

nas reflexotildees abrangentes do autor sobre o poder

Acredito que natildeo pode haver sociedade sem relaccedilotildees de poder se elas forem

entendidas como estrateacutegias atraveacutes das quais indiviacuteduos tentam conduzir

determinar a conduta dos outros O problema natildeo eacute portanto tentar dissolvecirc-las na

utopia de uma comunicaccedilatildeo perfeitamente transparente mas se imporem regras de

direito teacutecnicas de gestatildeo e tambeacutem a moral o ethos a praacutetica de si que permitiratildeo

nesses jogos de poder jogar com o miacutenimo possiacutevel de dominaccedilatildeo (FOUCAULT

2004a p 284)

E por ser historicamente construiacutedo discursivamente tramado por estar no campo

social das resistecircncias muacuteltiplas (dos jeitinhos agraves chantagens e agraves mobilizaccedilotildees) das

mulheres o poder pode ser desconstruiacutedo ser ativado reformulado As relaccedilotildees de poder diz

ainda o pensador francecircs (FOUCAULT 1995 2012) intricam-se pelo menos de certa forma

45

com sujeitos livres Um poder soacute se exerce quando eacute possiacutevel minimamente haver

resistecircncias pelo menos estrateacutegias para alterar o quadro Esse autor fala em estados de

dominaccedilatildeo nos quais a violecircncia se constitui como a absoluta impossibilidade de se resistir

ao poder havendo o domiacutenio total do dominador Diferentemente dos estaacutegios de violecircncia

as relaccedilotildees de poder possuem um enfrentamento constante e perpeacutetuo que garante o potencial

de revolta

Assim tambeacutem percebe Louro (2012) e dialoga com o filoacutesofo francecircs acerca dessas

relaccedilotildees A autora utilizando-se da discussatildeo sobre o controle disciplinar que perpassa os

escritos foucaultianos que falam das engenhosas estrateacutegias desenvolvidas pelas instituiccedilotildees

estrateacutegias que satildeo nichos de produccedilotildees discursivas de gecircneros de sujeitos disciplinados

regulados instituiacutedos discute a capilaridade do poder

Homens e mulheres certamente natildeo satildeo construiacutedos apenas atraveacutes de mecanismos

de repressatildeo ou censura eles e elas se fazem tambeacutem atraveacutes de praacuteticas e relaccedilotildees

que instituem gestos modos de ser e estar no mundo formas de falar e de agir

condutas e posturas apropriadas (e usualmente diversas) Os gecircneros se produzem

portanto nas e pelas relaccedilotildees de poder (LOURO 2012 p48)

Louro (2012) sob o crivo das reflexotildees foucaultianas acerca dos modos de

subjetivaccedilatildeo insere uma possibilidade de debate sobre as relaccedilotildees de poder que perpassam as

identidades de gecircnero no esteio do campo da educaccedilatildeo A autora traz a questatildeo de que sob as

lentes do filoacutesofo cabem olhares acerca da ldquonormalizaccedilatildeo da conduta dos meninos e meninas

a produccedilatildeo dos saberes sobre a sexualidade e os corpos as taacuteticas e as tecnologias que

garantem o ldquogovernordquo e o ldquoautogovernordquo dos sujeitosrdquo E eacute com essa direccedilatildeo que esta

estudiosa do feminismo caminha na e pela escola instigando aosas educadoresas agrave afiaccedilatildeo

dos sentidos para que essesas percebam a construccedilatildeo escolar das diferenccedilas das

desigualdades do poder para que observem as praacuteticas femininas educativas e as

representaccedilotildees docentes do magisteacuterio

Os caminhos teoacutericos de Louro (2012) deixam as marcas de quem dialoga com o

pensamento de Foucault (2004c 2004d 2011 2012) no tocante agrave importacircncia que possuem

as instituiccedilotildees como aparelho disciplinador reprodutor ou transformador da sociedade para

ambos A autora discute o aparelhamento da escola na formaccedilatildeo de uma cultura sexista que

difunde estereoacutetipos de gecircnero institui diferenccedilas e modelos Ela enfim alerta osas

educadores sobre a importacircncia da ocupaccedilatildeo deste espaccedilo como instacircncia poliacutetica

46

A linguagem as taacuteticas de organizaccedilatildeo e de classificaccedilatildeo os distintos

procedimentos das disciplinas escolares satildeo todos campos de um exerciacutecio

(desigual) de poder Curriacuteculos regulamentos instrumentos de avaliaccedilotildees e

ordenamento dividem hierarquizam subordinam legitimam ou desqualificam os

sujeitos [] (LOURO 2012 p 72)

Com efeito o processo de subjetivaccedilatildeo se daacute tambeacutem e significativamente na escola

que natildeo soacute transmite conhecimentos mas fabrica sujeitos conforme acordam os estudiosos

acima referendados Esse processo eacute flexionado por dispositivos entendidos esses conforme

Foucault (2012) como um conjunto heterogecircneo que engloba discursos instituiccedilotildees que

formam feixes em um tranccedilado com os quais natildeo se familiariza facilmente Louro (2012) por

isso faz a convocaccedilatildeo com muita propriedade ao ato de ldquoafiar os sentidosrdquo Afiar os sentidos

e apreender no campo da linguagem a forccedila da transmissatildeo e constituiccedilatildeo de sentidos que esta

articula que molda e produz eacute um compromisso de quem concebe a educaccedilatildeo em um campo

eminentemente poliacutetico um lugar para se desbravar cotidianamente

Fisher (2013) eacute uma das estudiosas do campo da Educaccedilatildeo que se posiciona assim

Essa autora trabalha conceitos como os de enunciado praacutetica discursiva sujeito do discurso

relacionados agrave teoria do discurso objetivando evidenciar a importacircncia desse arcabouccedilo para

as pesquisas que se propotildeem a investigar discursos de educadoresas A complexa e

diversificada obra de Michel Foucault eacute explorada pela educadora em pontos estrateacutegicos para

uma interface discurso e educaccedilatildeo Para isto a autora estabelece inicialmente um marco entre

as concepccedilotildees de linguagem a que se vincula agrave ideia de representaccedilatildeo de intencionalidade

na qual o analista ldquodescobrerdquo o que estaacute por traacutes das cortinas porque o discurso eacute interpretado

como um conjunto de signos que pode revelar a ldquoverdaderdquo E a concepccedilatildeo de linguagem que

se apresenta como constituidora interrogativa discursiva construtora de realidades sociais A

pesquisadora demonstra entender que a concepccedilatildeo com a qual Foucault evidencia vinculaccedilatildeo

eacute a que interroga a linguagem

Evocar os conceitos foucaultianos objetivando uma reflexatildeo acerca da importacircncia

desses em pesquisas no campo da educaccedilatildeo eacute uma estrateacutegia vaacutelida que oa analista de

discurso pode lanccedilar matildeo Esse direcionamento que exige uma interrogaccedilatildeo da linguagem

sobre a sua natildeo-transparecircncia e sobre seus processos de produccedilatildeo daacute-se com o esforccedilo de

conforme a AD natildeo buscar explicaccedilotildees lineares de causa e efeito ou mesmo interpretaccedilotildees

ideoloacutegicas simplistas ambas reducionistas e harmonizadoras de uma realidade mais

complexa (FISHER 2013)

A percepccedilatildeo da belicosidade da realidade que eacute atravessada por lutas em torno da

imposiccedilatildeo de sentidos (FOUCAULT 2011 2012) eacute uma postura que traduz uma capacidade

47

investigativa doa analista que deve ser inquiridora ldquoPor que isto eacute dito aqui desse modo

nesta situaccedilatildeo e natildeo em outro tempo e lugar de forma diferenterdquo Nesse sentido Fisher

(2013) dialoga com o filoacutesofo pontuando acerca da constituiccedilatildeo do sujeito para esse teoacuterico

Para a foucaultiana esse pensador multiplica o sujeito a pergunta ldquoquem falardquo desdobra-se

em muitas outras qual o status do enunciador Em que campo de saber se insere Qual seu

lugar institucional [] Com formulaccedilotildees dessa natureza a ideia de discurso como

ldquoexpressatildeo de algo traduccedilatildeo de alguma coisa que estaria em outro lugar talvez em um

sujeito algo que preexiste agrave proacutepria palavra eacute desfeita Em seu lugar pontuam os autores

referendados os atos enunciativos se inscrevem no interior de formaccedilotildees discursivas que

irrompem segundo regime de verdade levando-nos a obedecer a um conjunto de regras dadas

historicamente

As liccedilotildees foucaultinas acima referidas referendadas por Fisher (2013) satildeo

pertinentes para uma contribuiccedilatildeo no presente estudo tendo em vista que a temaacutetica em foco

desta pesquisa encontra nessas reflexotildees do pensador elementos que subsidiam esta

investigaccedilatildeo Um desses elementos eacute a inquiriccedilatildeo da ideia de verdade uniacutevoca por apontar

essa categoria como uma produccedilatildeo histoacuterica e social farta de jogos de poder E a escola eacute

uma instacircncia disciplinar e reguladora de comportamentos amarrada agrave produccedilatildeo de verdades

ao poder-saber pedagoacutegico que se efetua em praacuteticas discursivas ditando regras negando-as

coibindo-as policiando incitando fabricando sujeitos (cf FOUCAULT 2011 2012) Desse

modo inquiro sobre como as praacuteticas discursivas garimpadas no processo de investigaccedilatildeo

irrompem e sob quais condiccedilotildees neste estudo O que haacute nas bocas e nas mentes na experiecircncia

de aprendizagem das praacuteticas leitoras O que desejam os olhos de quem semeia leitura e os

olhos de quem lecirc As discursividades dessesas semeadoresas alicerccedilam-se e movem-se por

quais olhares sobre as relaccedilotildees de gecircnero e de sexualidade que perpassam livros textos

corredores banheiros cochichos desabafos canccedilotildees confissotildees Elas estatildeo explosivamente

presentes como bem atenta Foucault (1985) quando afirma haver em torno do sexo uma

verdadeira explosatildeo discursiva

Seria inexato dizer que a instituiccedilatildeo pedagoacutegica impocircs um silecircncio geral ao sexo das

crianccedilas e adolescentes Pelo contraacuterio desde o seacuteculo XVIII ela concentrou as

formas do discurso no tema estabeleceu pontos de implantaccedilatildeo diferentes codificou

os conteuacutedos e qualificou os locutores Falar dos sexos das crianccedilas fazer com que

falem dele os educadores os meacutedicos os administradores e os pais Ou entatildeo falar

de sexo com as crianccedilas fazer falarem elas mesmas encerraacute-las em uma teia de

discurso que ora se dirigem a elas ora falam delas impondo-lhes conhecimento

canocircnicos ou formando a partir delas um saber que lhes escapa ndash tudo isso permite

vincular a intensificaccedilatildeo dos poderes agrave multiplicaccedilatildeo do discurso (FOUCAULT

1985 p 32)

48

E a despeito de toda dinacircmica social e histoacuterica que tem alterado a percepccedilatildeo dos

jogos dos prazeres e poderes que tem inquirido pensamentos hegemocircnicos acerca da

sexualidade das relaccedilotildees de identidades de gecircnero descontruindo paradigmas como e quais

satildeo as faacutebulas indispensaacuteveis os veios discursivos apreendidos e presentificados na escola em

foco Os pensamentos de Foucault (2004a 2004c 2004d 2011 2012) contribuiacuteram

decisivamente para uma atitude de estranhamento das instituiccedilotildees contribuiacuteram para

caracterizar o discurso pedagoacutegico como um dos que estaacute relacionado agraves praacuteticas de poder e

domesticaccedilatildeo que tem em sua base relaccedilotildees assimeacutetricas Este pensador desse modo daacute

elementos importantes para a compreensatildeo de que natildeo existe verdade que natildeo seja produzida

em relaccedilotildees de poder Estes elementos estatildeo na imersatildeo do entendimento de que a

compreensatildeo dos processos de subjetivaccedilatildeo e das praacuteticas discursivas pode estar a serviccedilo de

uma busca por uma transformaccedilatildeo substancial do que somos e o que poderemos ser em um

mundo marcado pela belicosidade constituiacutedo por discursos

No que concerne a essa busca Rago (1998) pontua o encontro entre o feminismo e o

pensamento de Michel Foucault no lastro do debate sobre a constituiccedilatildeo do sujeito e o quanto

isso potencializa as transformaccedilotildees que precisam ser operadas para que sejam consolidadas as

mudanccedilas sociais e culturais que o coletivo de mulheres pleiteia A autora fala da participaccedilatildeo

do movimento feminista na ldquoampla criacutetica cultural desconstrutivistardquo e acentua o quanto as

propostas deste movimento tecircm produzido uma criacutetica contundente ao modo de produccedilatildeo do

conhecimento cientiacutefico e que isto se deve entre outros motivos ao abrigo que o pensamento

deste coletivo encontra nos postulados dos pensadores poacutes-modernos Os estudos feministas

propotildeem um olhar para a existecircncia do sujeito cindido construiacutedo na e pela linguagem como

efeito das determinaccedilotildees culturais inserido em complexas relaccedilotildees de poder Este olhar tem

consonacircncia com as reflexotildees de Foucault (2004d p 195) especialmente no que se refere ao

empreendimento do autor na construccedilatildeo de uma hermenecircutica de si

Uma histoacuteria que natildeo seria aquela do que poderia existir de verdadeiro nos

conhecimentos mas sim uma anaacutelise dos lsquojogos de verdadersquo dos jogos do

verdadeiro e do falso atraveacutes dos quais o ser se constitui historicamente como

experiecircncia ou seja como podendo e devendo ser pensado Por meio de quais jogos

de verdade o homem se pocircs a pensar o seu ser proacuteprio ao se perceber como louco ao

se olhar como doente ao refletir sobre si mesmo como ser vivo falante e

trabalhador ao se julgar e se punir como criminoso Atraveacutes de quais jogos de

verdade o ser humano se reconheceu como homem de desejo (FOUCAULT

2004d p 195)

Esta construccedilatildeo de si perpassa e enriquece a luta feminista em suas problematizaccedilotildees

acerca das praacuteticas de si colocando em jogo os criteacuterios de modelos femininos naturalizados

49

o modo de sujeiccedilatildeo com que as mulheres se relacionam com tais modelos E nas palavras do

pensador francecircs (FOUCAULT 2004c p 244) haacute uma intenccedilatildeo de beleza no conhecimento

saber para ser Ser o artesatildeo de sua proacutepria beleza Saber para governar a proacutepria vida ldquopara

lhe dar a forma mais bela possiacutevel (aos olhos dos outros de si mesmo e das geraccedilotildees futuras

[]rdquo Nesse sentido podemos dizer que as problematizaccedilotildees foucaultianas acerca das relaccedilotildees

sujeitoverdade e a constituiccedilatildeo da experiecircncia de si satildeo pertinentes ao pensamento feminista

que sob estas referecircncias encontra fios enovelados para uma desconstruccedilatildeo de fabricadas

verdades

Foucault (2004a 2012) que afirma natildeo ser possiacutevel sociedade sem relaccedilotildees de

poder tece os possiacuteveis instrumentos de jogar com o miacutenimo de dominaccedilatildeo regras de direito

a praacutetica de si teacutecnicas racionais de governo o eacutethos O poder de resistecircncia das mulheres

atesta isto Nas palavras de Saffioti (2001) a posiccedilatildeo vitimista impede a ressignificaccedilatildeo das

relaccedilotildees de poder ou seja

[] Em outros termos a postura vitimista eacute tambeacutem essencialista social uma vez

que o gecircnero eacute o destino Na concepccedilatildeo flexiacutevel aqui exposta natildeo haacute lugar para

qualquer essencialismo seja bioloacutegico ou social Cabe frisar que a categoria

histoacuterica gecircnero natildeo constitui uma camisa de forccedila natildeo prescrevendo por

conseguinte um destino inexoraacutevel Eacute loacutegico que o gecircnero traz em si um destino

Todavia cada ser humano ndash homem ou mulher desfruta de certa liberdade para

escolher a trajetoacuteria a descrever (SAFFIOTI 2001 p 125)

Desde sua implantaccedilatildeo o domiacutenio masculino conforme Saffioti (2001) estaacute sendo

resistido por mulheres ao longo da histoacuteria da humanidade Mas o Seacuteculo XX carrega a marca

de ter sido o grande momento de transformaccedilotildees conquistadas por militantes A histoacuteria de

luta das mulheres no Brasil e em niacutevel mundial vem segundo Costa (2009) registrando

mudanccedilas ldquona velocidade da luzrdquo A autora resgata na historiografia do movimento feminista

uma dinacircmica que vai do sufragista do seacuteculo XIX passando pelas deacutecadas de sessenta e

setenta com suas reivindicaccedilotildees proacuteprias e contextuais ateacute os novos desafios que se

apresentam perenemente Ela faz este percurso buscando dar conta das mudanccedilas pelos quais

passaram as lutas feministas ora eufoacuterico ora fraacutegil o movimento natildeo para segundo o olhar

perspicaz da estudiosa que vecirc como uma demonstraccedilatildeo de forccedila da atuaccedilatildeo das mulheres de

luta a construccedilatildeo de documentos como o Plano Nacional de Poliacuteticas Puacuteblicas para as

Mulheres e da I Conferecircncia Nacional de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres

50

Ateacute chegar aiacute foi um longo e muitas vezes tortuoso caminho de mudanccedilas dilemas

enfrentamentos ajustes derrotas e tambeacutem vitoacuterias O feminismo enfrentou o

autoritarismo da ditadura militar construindo novos espaccedilos puacuteblicos democraacuteticos

ao mesmo tempo em que se rebelava contra o autoritarismo patriarcal presente na

famiacutelia na escola nos espaccedilos de trabalho e tambeacutem no estado Descobriu que natildeo

era impossiacutevel manter a autonomia ideoloacutegica e organizativa e interagir com os

partidos poliacuteticos com os sindicatos com outros movimentos sociais com o Estado

e ateacute com organismos supranacionais Rompeu fronteiras criando em especial

novos espaccedilos de interlocuccedilatildeo e atuaccedilatildeo possibilitando florescer de novas praacuteticas

novas iniciativas e identidades feministas (COSTA 2009 p 75)

Do momento que Costa redigiu essa historiografia em 2004 jaacute foram realizadas

mais duas conferecircncias nacionais em 2007 e 2011 respectivamente articulando e

fortalecendo a caminhada das mulheres por sua emancipaccedilatildeo Emancipaccedilatildeo que se constroacutei

em um longo e penoso percurso mas perseguindo a utopia da cidadania plena mulheres

feministas avanccedilam E um dos sinais claros de que avanccedilam foi traccedilado por Pinsky (2012)

Esta autora formulou recentemente um retrato do processo histoacuterico das imagens femininas

em duas vertentes o modelo riacutegido e o modelo flexiacutevel No modelo riacutegido eacute anunciada uma

imagem de mulher que em regra encampa um papel a ela ldquonaturalizado e destinadordquo a

castidade a docilidade a domesticidade a moralidade a maternidade a renuacutencia agrave vida

proacutepria e ao prazer de ser de si O nome a alma e o corpo dessa mulher submetida aos riacutegidos

padrotildees sociais possuem um dono o masculino Com as devidas interferecircncias das questotildees

sociais e de classe em regra agrave mulher restava-lhe o ldquoreinadordquo da submissatildeo da

invisibilidade de uma experiecircncia de si que a fazia possuiacuteda por outrem

As lutas e conquistas feministas flexibilizaram esse modelo passaram a ocupar

cargos nunca dantes imaginados Isto alterou a ordem discursiva reconfigurou modelos

familiares rediscutiu papeacuteis Natildeo ainda em condiccedilatildeo de igualdade obviamente as mulheres

possuem mais grilhotildees e desafios do que deveriam Conhececirc-los no sentido foucaultiano de

saber como se constituem eacute empoderar-se E esse eacute um desafio que deve ser abrangido pelo

tracircnsito da diversidade da construccedilatildeo dos contornos das identidades e diferenccedilas ligadas

como sistema de significaccedilatildeo (SILVA 2012) Entre mulheres haacute construccedilatildeo de sentidos

diversificados sobre leacutesbicas natildeo-leacutesbicas negras brancas de classes sociais distintas de

diferentes etnias e com diversidade etaacuteria Nesse sentido os estudos de gecircnero se apresentam

como um campo instigante para desmantelar para problematizar a construccedilatildeo social do que eacute

ser homem e do que eacute ser mulher

A proposta de estudo aqui colocada toma enfim as problematizaccedilotildees foucaultianas e

as das estudiosas feministas acerca dos sujeitos dos discursos e suas marcas histoacutericas como

referecircncia para averiguar de que modo as discursividades revelam o que atravessa os muros

51

escolares em termos de vozes docentes e textos sobre gecircnero Essas problematizaccedilotildees que

expressam a concepccedilatildeo de discurso como praacutetica como trama nas teias da linguagem como

movimento de produccedilatildeo de sentidos inserido na histoacuteria e na memoacuteria coletiva expressam o

poder que como concebe o pensador francecircs (cf FOUCAULT 2012) natildeo eacute um mal em si Eacute

um lugar estrategicamente decisivo onde se encontram as relaccedilotildees de forccedilas que influenciam

corpos atitudes discursos enfim a produccedilatildeo das subjetividades

Discutir essas relaccedilotildees eacute buscar desestabilizar as categorias construiacutedas concebendo

gecircnero como discurso que se inscreve em significados poliacuteticos e culturais Apropriar-se

conforme jaacute foi referido dessa constituiccedilatildeo reflexiva pode significar para as lutas feministas

uma valiosa maneira de pensar os jogos de verdades com os quais essas se enredam E por

pensaacute-los poder desconstruiacute-los

Apoacutes discorrer sobre o feminismo a constituiccedilatildeo de subjetividades que tecircm como

referecircncia procedimentos de controle de discursos em uma perspectiva foucaultiana

(FOUCAULT 2011) farei uma incursatildeo sobre o ato de ler e suas implicaccedilotildees poliacuteticas como

praacutetica discursiva que eacute tradutora de uma forma de saber poder

23 A leitura no Brasil em retratos

Nesta parte considero importante pontuar no trabalho um breve panorama da leitura

no Brasil baseado esse em resultado apresentado pela 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos do

Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2012) Procuro utilizar alguns dados da pesquisa

perpassando por uma reflexatildeo acerca dos processos de produccedilatildeo da leitura (como leem osas

brasileirosas por que (natildeo) leem o que desejam ler quem propicia a leitura enfim que

tratamento o Estado brasileiro daacute agrave leitura Perpasso tambeacutem pelos dados refletindo como

esses podem ser reverberados pelo presente trabalho

Asseverado como um paiacutes que lecirc pouco segundo indicadores que avaliam estes

dados o Brasil eacute farto em pesquisas que se debruccedilam sobre a leitura Eacute magnacircnima a

produccedilatildeo de textos e eventos que se propotildeem a tratar da complexa questatildeo da leitura de seus

oacutebices funccedilotildees relevacircncias E deveras a reflexatildeo sobre a leitura possui importacircncia crucial

para que possamos adotar praacuteticas poliacuteticas que reparem os equiacutevocos de sermos um paiacutes que

pouco lecirc Esta reflexatildeo se atrelada agrave da escola como instacircncia responsaacutevel pela formaccedilatildeo

leitora eacute de extrema pertinecircncia pelo atribuiacutedo papel que essa instituiccedilatildeo possui na formaccedilatildeo

doa leitora

52

Um dos estudiosos da temaacutetica Silva (2011) vem criticando as pesquisas

educacionais brasileiras voltadas agrave problemaacutetica da leitura afirmando que precisamos

construir melhores inqueacuteritos sobre a accedilatildeo de ler Esse autor fala em crise assegura que natildeo

possuiacutemos uma tradiccedilatildeo de leitores temos por outro lado cifras altiacutessimas de analfabetismo

como barreira para a experiecircncia mais soacutelida com a praacutetica leitora Temos ainda conforme

Silva peacutessimas poliacuteticas de livros parcas e natildeo elucidativas pesquisas sobre o problema

enfim ele levanta a problemaacutetica da leitura como inquietante fonte de preocupaccedilatildeo para o

paiacutes

Por seu turno nas duas uacuteltimas deacutecadas por exemplo foram divulgadas pelo

Instituto Proacute-Livro trecircs ediccedilotildees da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil a primeira em

2000 a segunda em 2008 e a terceira em 2012 que satildeo resultados sobre o comportamento

leitor doa brasileiroa O que em tese se busca a cada ediccedilatildeo segundo os objetivos da

pesquisa ldquoeacute contribuir para que esses estudos possibilitem avaliar e orientar poliacuteticas puacuteblicas

e accedilotildees do governo organizaccedilotildees natildeo governamentais e entidades do livro voltadas a

melhoria dos indicadores de leitura e acesso ao livro no Brasilrdquo (AMORIM 2008 p 26)

Diante dos indicadores publicados que vecircm em forma de tabelas quadros e graacuteficos

comparativos levantados por uma metodologiaamostra com pesquisa quantitativa de opiniatildeo

com aplicaccedilatildeo de questionaacuterio e entrevistas presenciais realizadas nos domiciacutelios tendo

como universo da pesquisa a populaccedilatildeo brasileira residente com cinco anos ou mais

alfabetizada ou natildeo muito se tem a avaliar Muito se tem a avaliar a despeito das criacuteticas que

as ediccedilotildees da pesquisa tecircm recebido a exemplo de Sousa (2008) que traz a problematizaccedilatildeo

acerca do criteacuterio utilizado pelo estudo para conceituar o leitor e o natildeo-leitor

Interessa-me aqui retomar especificamente o criteacuterio adotado para definir o leitor e o

natildeo-leitor para efeito da pesquisa o leitor foi considerado aquele que lsquodeclarou ter

lido pelo menos 1 livro nos uacuteltimos trecircs mesesrsquo e o natildeo-leitor aquele que lsquodeclarou

natildeo ter lido nenhum livro nos uacuteltimos trecircs meses (ainda que tenha lido

ocasionalmente ou em outros meses do ano)rsquo (SOUSA 2008 p 5)

A autora que perscruta o discurso sobre leitura em uma pesquisa com discentes e

docentes envolta em um conceito que abrange o ato de ler para aleacutem da quantificaccedilatildeo de

suportes evidencia o quanto este aspecto indica uma limitaccedilatildeo ao conceito de leitor e natildeo

leitor e revela o nexo mercadoloacutegico que a pesquisa possui tem como patrocinador o mercado

do livro

A aplicabilidade de uma pesquisa do porte de Retratos de Leitura fomenta sempre

questionamentos e isso eacute bom Tais questionamentos traduzem tambeacutem a existecircncia de toda

53

uma diversidade de posicionamentos a respeito da leitura Diversidade que Possenti (2009) agrave

luz das concepccedilotildees da AD pontua em um ensaio no qual propotildee reflexotildees sobre a leitura

advindas das concepccedilotildees apresentadas por estudiosos Satildeo inquietantes segundo esse autor

as teses apresentadas em congressos na miacutedia e em estudos sobre leituras e no seu foco

especiacutefico nos editoriais da ALB - Associaccedilatildeo Brasileira de Leitura Haacute olhares que

expressam uma posiccedilatildeo tradicional no trato com a leitura e em seu contraponto haacute outros

posicionamentos que decorrem de uma vinculaccedilatildeo com o relativismo cultural Sendo assim

haacute criteacuterios que primam pela negaccedilatildeo de qualquer objetividade independentemente do sujeito

o que viabiliza a ideia de que tudo seria linguagem que constroacutei conforme eacute a filosofia do

relativismo Nesse veio o que eacute leitura e se oa brasileiroa lecirc e lecirc bem vai depender de onde

se fala e se enxerga Por sua vez haacute criteacuterios que salientam um olhar mais valorativo sobre a

leitura o que Possenti (2009) diz fazer as chamadas teses defendidas pelos tradicionais Para

esses haacute um modelo que considera que a leitura eacute um bem em si independentemente de ser

entendida como praacutetica histoacuterico- social

Confrontando as teses que circulam acerca da leitura Possenti (2009) evidencia por

exemplo que no que diz respeito agrave questatildeo sobre se o a brasileiroa lecirc ou natildeo o suficiente haacute

uma controveacutersia arriscada Isso se daacute porque os tradicionais restringem o conceito do que eacute

leitura limitando a accedilatildeo de ler basicamente ao livro e atrelado ao cacircnon o que eacute um erro

porque haacute pesquisas que revelam mais textos e suportes fazendo parte do cotidiano de leitura

de outros considerados natildeo leitores Por seu turno o discurso que lhes opotildee exposto

massivamente nos boletins e textos da ALB encobre que as leituras retratadas no paiacutes ainda

que mais ampliadas do que vistas pelo discurso dos tradicionais ainda satildeo indesejaacuteveis em

termos quantitativos o que fazem o autor natildeo ser otimista quando em voga estaacute esta anaacutelise

Genericamente pode-se dizer que a tese mais clara e repetidamente defendida nos

textos da ALB eacute que natildeo se conhece a realidade da leitura no Brasil Outra tese que

parece ser adotada eacute a de que haacute indicaccedilotildees que permitiriam dizer que a situaccedilatildeo eacute

bem melhor do que (ainda) se pensa [] O perigo aparente dessa tese eacute que ela

corre o risco de ser lida assim (temo ter presenciado esta reaccedilatildeo numa das mesas

redondas de que participei no mesmo COLE) se natildeo lemos tatildeo pouco como se

costuma dizer se se diz que lemos tatildeo pouco como efeito de uma concepccedilatildeo muito

estreita de leitura o resultado eacute que analisando alguns dados e alterando a

concepccedilatildeo de leitura pode-se dizer que a situaccedilatildeo eacute boa ou pelo menos natildeo eacute ruim

Logo se adivinha eu imagino que natildeo adoto essa tese (POSSENTI2009 p 25)

Em vez de adotar facilmente teses esse analista procura caracterizar os postulados

que datildeo corpo aos dois discursos que circulam e produzem sentidos sobre leitura Entre eles

estatildeo ideias de que os sujeitos leitores satildeo mais criacuteticos defendidos pelos tradicionalistas Em

54

um contraponto os textos da ALB revelam uma desconstruccedilatildeo da ideia de que ler eacute assegurar

pessoas criacuteticas por mostrar que a leitura tem sido mais objeto de dominaccedilatildeo do que de

libertaccedilatildeo das pessoas Neste jogo Possenti (2009) vislumbra o quanto a despeito do controle

e da distribuiccedilatildeo social dessa praacutetica exercidos pelas instituiccedilotildees como a escola e a Igreja haacute

contra-leituras Assim entre incompatibilidades e confrontos questotildees ligadas agrave praacutetica

leitora problematizam o prazer de ler a importacircncia deste ato e a relativizaccedilatildeo do que seria

uma boa obra Eacute problematizada por este analista do discurso a leitura como praacutetica social

que responde aos aspectos culturais sociais e histoacutericos evidenciando que ler natildeo eacute

essencialmente um bem em si

E a AD pontua a instrumentalizaccedilatildeo dessa ideia quando nos fornece reflexotildees

atinentes agrave importacircncia de que natildeo se lecirc isoladamente haacute sempre textos eivados de discursos

que se cruzam Essa disciplina contribui ainda para a ldquodessacralizaccedilatildeordquo da leitura quando vecirc a

opacidade da linguagem as palavras natildeo remetem agraves coisas E a historicidade ressonando nos

modos de significaccedilatildeo do discurso sobre leitura eacute o que parece interessar agrave AD que se exime

do papel de aacuterbitro no que se refere agrave leitura adequada Importando-se com os percursos com

o movimento que o leitor faz para ler como ler como suas leituras natildeo satildeo individuais

reflexos que satildeo da histoacuteria a que pertencem

Assim posto parece-me razoaacutevel registrar os dados da pesquisa natildeo como um

vaticiacutenio mas como uma das verdades feitas entre os especialistas que se debruccedilaram diante

dos dados da 2ordf ediccedilatildeo (2008) com o intuito de apreender como estes enxergam os sentidos

da leitura na sociedade brasileira Consensual entre esses eacute o olhar de que continua piacutefio o

desempenho doa leitorano paiacutes natildeo obstante os avanccedilos que se registram nos Retratos

Amorim (2008) fala em duas revelaccedilotildees importantes se atentarmos para os resultados da

pesquisa

A primeira delas eacute que natildeo daacute para negar que tem havido avanccedilos nos uacuteltimos anos e

que os brasileiros estatildeo lendo mais Ou pelo menos um pouco mais Em seguida

uma constataccedilatildeo que natildeo chega a negar a afirmativa anterior e muito menos a tirar o

brilho que porventura ela possa conter o Paiacutes estaacute longe de ser uma naccedilatildeo de

cidadatildeo leitores e haacute muito chatildeo pela frente ateacute que se chegue laacute (AMORIM 2008

p 15)

Esta constataccedilatildeo soacute reafirma o que se divulga intuitiva e empiricamente o Estado

brasileiro natildeo considera suficientemente a questatildeo da educaccedilatildeo e da leitura como estrateacutegica

para se construir um paiacutes melhor com mais igualdade e participaccedilatildeo criacutetica na construccedilatildeo da

democracia social Em uma cultura grafocecircntrica a condiccedilatildeo leitora eacute senha valiosa e

55

intransferiacutevel para a fonte de conhecimento para o prazer e a atuaccedilatildeo como protagonista de

sua histoacuteria de vida Obviamente que a leitura aqui abordada natildeo eacute no sentido de uma

entidade fechada descontextualizada essencialista nem meramente decodificadora Sem

deixar entretanto de considerar o tropeccedilo que significa o analfabetismo a leitura que abordo

fala de uma interaccedilatildeo leitor-texto-contexto com uma atribuiccedilatildeo de motivar formar e

assegurar reflexotildees atinentes aos DH aos valores que propiciem a construccedilatildeo de um mundo

para todos Eacute a leitura como praacutetica sociocultural problematizadora das relaccedilotildees de poder

que intento abordar

Werthein (2008) lanccedila luzes sobre a questatildeo abordando uma heranccedila histoacuterica que

explica tantos percalccedilos e descaminhos na praacutetica da leitura

A histoacuteria do Brasil explica em parte sua deficiecircncia educacional O Paiacutes viveu 322

anos como colocircnia de Portugal Nesse territoacuterio onde existe um paiacutes era tudo

proibido Natildeo havia imprensa natildeo existiam escolas muito menos universidades O

comeacutercio era feito unicamente com Lisboa E os raros estudantes da eacutepoca tiveram

de viajar para a capital do Impeacuterio para buscar instruccedilatildeo em Coimbra Foram

pouquiacutessimos A imprensa surgiu no Paiacutes por intermeacutedio de dois caminhos opostos

Em 1808 Dom Joatildeo VI criou a imprensa reacutegia oficial enquanto na mesma eacutepoca

em Londres comeccedilou a ser editado em portuguecircs o Correio Brasiliense que

chegava ao Rio como contrabando Sua circulaccedilatildeo era proibida (WERTHEIN 2008

p 42)

Este quadro evidencia o quanto os colonizadores portugueses relegavam a colocircnia a

uma situaccedilatildeo de ignoracircncia que emperrou em muito o processo de letramento cultural da terra

brasilis Aos colonizadores soacute interessavam a exploraccedilatildeo de nossas riquezas Os portugueses

se comportavam como grandes predadores do territoacuterio levando madeira ouro diamantes e

accediluacutecar Com um contingente populacional constituiacutedo de negros africanos que para caacute vieram

trabalhar como escravos de elementos autoacutectones os iacutendios de diversas tribos que sofreram

severo processo de dizimaccedilatildeo e de imigrantes europeus e japoneses este territoacuterio se formou

mesticcedila e ignorantemente Um povo mesticcedilo formado de um mosaico cultural com a

hegemonia eurocecircntrica eacute um povo que acumulou uma histoacuteria de deficiecircncia educacional

que soacute recentemente tem sido reduzida

Incompatiacutevel com suas riquezas naturais com as transiccedilotildees poliacuteticas que traziam os

avanccedilos do processo de industrializaccedilatildeo do paiacutes esta deficiecircncia educacional comeccedila a ser

combalida e expande-se o processo de democratizaccedilatildeo escolar do paiacutes que inicia o seacuteculo XX

com poucas escolas chegando aosagraves filhosas dos trabalhadoresas brasileirosas A qualidade

dessas escolas eacute sempre uma dura realidade os investimentos na educaccedilatildeo brasileira foram

perenemente piacutefios muito abaixo do que deveriam e poderiam Povo mal educado eacute povo que

56

natildeo rompe as abissais diferenccedilas sociais a escola puacuteblica no Brasil forma mal e cria um

ciacuterculo que aprisiona aquele por quem nela passa Aprenderaacute pouco aprenderaacute mal e natildeo

poderaacute disputar em um mercado competitivo A escola eacute entatildeo categoricamente instrumento

de perpetuaccedilatildeo da desigualdade social parco aprendizado parcas chances de mexer com a

estrutura da piracircmide social (GUIMARAtildeES-IOSIF 2009)

Werthein (2008) aduz a relaccedilatildeo entre privileacutegios educacionais apenas para membros

da elite econocircmica agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo como forma de impedir a cidadania do povo As

relaccedilotildees de poder e saber satildeo histoacutericas poliacuteticas Um determinado sentido dado agrave instruccedilatildeo

acadecircmica possui mecanismos de sua produccedilatildeo Garcez (2008) faz uma referecircncia importante

de um dado extraiacutedo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil como significativo para

pontuar que a condiccedilatildeo de ser leitora estaacute afetada por sua inscriccedilatildeo no social A autora

destaca esta relaccedilatildeo embasada no dado de que

[] 85 dos natildeo-leitores nunca foram presenteados com livros na infacircncia

enquanto que no universo dos considerados leitores 51 receberam livros como

presente Outra informaccedilatildeo importante diz respeito agraves praacuteticas familiares de leitura

Dos lares natildeo-leitores 63 dos informantes nunca viram os pais lendo

Considerando que a pesquisa revela que a maior influecircncia para a formaccedilatildeo da

leitura vem dos pais (principalmente das matildees) esse dado eacute ainda mais significativo

(GARCEZ 2008 p 69)

Dados significativos que pontuam o valor do alicerce familiar para a formaccedilatildeo leitora

dos sujeitos ao tempo em que me faz ponderar sobre a importacircncia da cultura como elemento

que mobiliza saberes poderes (des)construccedilotildees de identidades Eacute do pensamento de Hall

(2011) que me valho para afirmar que as identidades satildeo forjadas nas relaccedilotildees com a cultura

que vivenciamos e que no seio dela se encontram forccedilas propulsoras de transformaccedilotildees

como tambeacutem forccedilas mantedoras de uma ordem social Cabe-me assim levar em consideraccedilatildeo

que a infacircncia eacute uma referecircncia construiacuteda sociohistoacuterica e culturalmente na qual agraves crianccedilas

se ensina a ocupaccedilatildeo de lugares na sociedade condicionando-lhes agraves identidades de gecircnero e

isto se faz com o esteio de elementos da cultura

A leitura eacute um desses elementos culturais com os quais se fabricam identidades E

calccedilada na informaccedilatildeo da relevacircncia da matildee na formaccedilatildeo leitora conforme os dados da

pesquisa em tela cabe-me pensar o quanto a evocaccedilatildeo destas referecircncias tem nexo para minha

reflexatildeo Possui nexo porque inscrevo com ele a importacircncia da defesa de uma praacutetica leitora

com uma dimensatildeo eacutetica problematizadora de um mundo que cria assimetrias de gecircnero para

que matildees alimentem discursivamente leituras que fortaleccedilam praacuteticas de liberdade de almas

de consciecircncias Ademais esse jaacute referendado elemento da pesquisa o indicador das matildees

57

como as principais responsaacuteveis pela formaccedilatildeo leitora dosas filhosas reforccedila a necessidade

de se refletir sobre a carga de um processo cultural ativo e dialoacutegico no qual essas mulheres

transmitem valores identidades de gecircnero e comportamentos aos agraves filhosas Eacute imperativo

refletirmos se aspiramos por uma nova ordem social aplainada pela equidade de gecircnero

sobre o que embalam como ninam contam cantam e leem essas matildees Que leitoresas

formam aquelas que historicamente tem perpassado por uma condiccedilatildeo de subalternidade por

uma condiccedilatildeo opressora por uma educaccedilatildeo que viabiliza a sua sub-representaccedilatildeo nos espaccedilos

do poder Que leitoresas irrompem das ldquobarras da saia da matildeerdquo do seu colo da sua

influecircncia de sujeito que lecirc Que leitoras enfim satildeo aquelas que precisam de leituras que

libertem

Historicamente subjugada a mulher eacute a narradora que influencia contagens E

paradoxalmente faz contagens em livros histoacuterias canccedilotildees filmes desenhos animados

enfim em todo um artefato cultural que reforccedila padrotildees androcecircntricos Desmantelar essa

cadeia de histoacuterias contadas por oprimidas que produzem e reproduzem modelos opressores

me parece uma oportuna estrateacutegia poliacutetica da luta feminista e que osas estudiososas que

analisam a 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2008)

deixaram passar ao largo em suas anaacutelises natildeo atentando para a vulnerabilidade do dado

Esses dados entretanto satildeo relevantes deveras para a importacircncia da observaccedilatildeo na

elaboraccedilatildeo de um projeto de leitura na escola com o intento de investigar as discursividades

em torno do ato de ler se daacute a reconstruccedilatildeo de contos de textos problematizados agrave luz da

teoria de gecircnero Haacute e quais satildeo enfim as estrateacutegias para subverter a posiccedilatildeo desigual e

subordinada das mulheres em artefatos culturais que seratildeo por elas usados para formar

leitoresas Esse fio conduz um dos nossos interesses no foco temaacutetico aqui desenvolvido

No que se refere agraves poliacuteticas puacuteblicas de incentivo agrave leitura Laacutezaro e Beauchamp

(2008) discorrem sobre as diretrizes para o fortalecimento das poliacuteticas de leituras contidas

no Plano de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo ndash PDE Satildeo accedilotildees que partem de uma

consideraccedilatildeo sistecircmica da educaccedilatildeo que por meio de instrumentos de avaliaccedilotildees identifica

fragilidades e constroacutei poliacuteticas para o enfrentamento de indicadores deficitaacuterios Satildeo citados

como exemplos de accedilotildees do PDE a introduccedilatildeo da Provinha Brasil o Sistema Universidade

Aberta do Brasil ndash UAB- que tem permitido ampla poliacutetica de formaccedilatildeo dos professores tanto

inicial como continuada atraveacutes da articulaccedilatildeo universidades e municiacutepios O Programa

Nacional do Livro Didaacutetico (PNLD) que a cada ano se amplia eacute mais uma das accedilotildees

implementadas pelo Governo Federal atraveacutes do PDE com o intuito de democratizar o

acesso aos diversos bens culturais e o incremento agrave leitura

58

Esse conjunto de accedilotildees entretanto estaacute longe de transformar o Brasil em um paiacutes de

leitores Haacute apesar dos inegaacuteveis avanccedilos nas uacuteltimas deacutecadas com o amplo acesso agrave escola

em vaacuterios niacuteveis um grande deacuteficit educacional que em muito compromete a formaccedilatildeo

leitora dosas brasileiros e brasileiras o que demanda muito a ser feito E o paiacutes ainda opta por

natildeo investir suficiente ou adequadamente no enfrentamento de crocircnico quadro Laacutezaro e

Beauchamp (2008) pontuam o quanto eacute necessaacuterio que haja mais investimentos por parte do

Poder Puacuteblico mais articulaccedilatildeo de outras poliacuteticas puacuteblicas que ampliem o acesso da

populaccedilatildeo ao livro promovam o valor da leitura formem mediadoresas de leituras na escola

e fora dela e tornem o livro um produto mais acessiacutevel aos niacuteveis de renda da populaccedilatildeo

Laacutezaro e Beauchamp (2008) trabalham com os dados da pesquisa para discutir a

importacircncia da relaccedilatildeo entre a escola o acesso agrave leitura a formaccedilatildeo de leitoresas e as accedilotildees

que possam ampliar e fortalecer as praacuteticas leitoras no Paiacutes A funccedilatildeo central da escola na

constituiccedilatildeo doa leitora eacute um dado do qual a pesquisa trata

A pesquisa evidencia que eacute a escola quem faz o Brasil ler O Brasil estaacute estudando e

eacute a partir da escola que os brasileiros entram em contato com o processo da leitura e

por meio dela acessam os livros independentemente de sua classe social []

Depois da matildee a professora eacute a principal incentivadora da leitura confirmando o

papel central da escola [] Eacute na escola que se lecirc mais os mais jovens leem mais e eacute

na infacircncia que se forma o leitor Entretanto depois da escola o brasileiro lecirc menos

A escola natildeo estaacute formando o leitor mas dando acesso agrave leitura A praacutetica da leitura

continua sendo um privileacutegio de classe (LAacuteZARO BEAUCHAMP 2008 p 73)

Outros indicadores de leitura apresentados pela pesquisa que me trazem reflexotildees

pertinentes dizem respeito agrave revelaccedilatildeo de que a escola eacute responsaacutevel pela existecircncia de mais

leitores mas que por sua vez um percentual significativo dos alunos afirmam que leem por

imposiccedilatildeo da instituiccedilatildeo Esse dado estaacute presente tanto em famiacutelias com maior poder

aquisitivo quanto na de baixo poder 44 dos alunos da rede privada afirmaram ter como

motivaccedilatildeo para a leitura a exigecircncia da escola enquanto que 46 dos da rede puacuteblica tambeacutem

deram a mesma razatildeo para o ato de ler Isso nos faz considerar que os projetos de leituras de

uma forma geral natildeo satildeo cativantes natildeo tecircm sido exitosos no sentido de atrair o alunado para

a leitura Eacute tanto que depois da escola lecirc-se menos conforme resultado da pesquisa Tais

revelaccedilotildees pontuam a reflexatildeo de que garantir o acesso agrave escola eacute necessaacuterio e isto estaacute sendo

feito mas o fomento agrave leitura precisa ser suscitado Isto passa necessariamente por accedilotildees

pedagoacutegicas que contemplem o interesse de quem lecirc accedilotildees que traduzam planejamento

compromisso empenho formaccedilatildeo leitora de quem promove as accedilotildees pedagoacutegicas No poema

59

Iniciaccedilatildeo Literaacuteria Drummond condena a mediaccedilatildeo improacutepria de quem traz leituras que natildeo

semeiam prazer

Leituras Leituras

Como quem diz navios Sair pelo mundo

Voando na capa vermelha de Juacutelio Verne

Mas por que me deram para livro escolar

A cultura dos campos de Assis Brasil

O mundo eacute soacute fosfatos lotes de 25 hectares

Soja-fumo-alfafa-batata-doce-mandioca

Pastos de cria pastos de engorda

Se algum dia eu for rei baixarei um decreto

Condenando esse Assis a ler sua obra (ANDRADE 1983 p 601)

O prazer da leitura parece ser entre todosas osas estudiosos da temaacutetica o

pressuposto de tudo o mais Rubem Alves (2011) afirma que toda aprendizagem comeccedila com

um pedido se natildeo houver um pedido a aprendizagem natildeo acontece E o prazer de ler

segundo o escritor tem ligaccedilatildeo profunda com a forma que os textos chegam aos olhos e

ouvidos da crianccedila

Assim quem ensina a ler isto eacute aquele que lecirc para os seus alunos tenham prazer no

texto tem de ser um artista Soacute deveria ser estabelecida nas escolas a praacutetica dos

ldquoconcertos de leitura Se haacute concertos de muacutesica erudita por que natildeo concertos de

leitura Ouvindo os alunos experimentaratildeo o prazer de ler (ALVES 2011 p 56)

Sem este encantamento natildeo teremos leitoresas mas alunosas forccediladosas a cumprir

tarefas lendo para responder questotildees lendo sem escolherem os textos muitos delesas

desconexadosas de seus interesses E conforme Failla (2008 p 104) a escola e a famiacutelia

precisam ser autorreflexivas ldquoEm geral se diz que a crianccedila e o jovem natildeo leem e natildeo gostam

de ler Natildeo se diz que elas natildeo foram conquistadas ou estimuladas para ler mas a elas se

atribui sem mediaccedilatildeo que natildeo gostam de ler []rdquo O foco passa a ser uma condiccedilatildeo ldquonaturalrdquo

do jovem ou da crianccedila deixando-se de lado o contexto e as pessoas do entorno deles que

poderiam contribuir substancialmente com o desenvolvimento do prazer pela leitura Este eacute

um aspecto tratado pela ediccedilatildeo em tela da pesquisa Retratos do Brasil que contribui com as

reflexotildees desta pesquisa acerca da leitura na escola e me faz olhar para as motivaccedilotildees que

perpassam a existecircncia dos projetos de leitura da escola brasileira eacute um professor leitor que o

aluno enxerga quando esse profissional desenvolve essas praacuteticas O projeto atende a

interesse acerca de temas considerados envolventes pela comunidade escolar Satildeo projetos

para compor obrigaccedilotildees acadecircmicas ou estatildeo imbuiacutedos de motivaccedilotildees intersubjetivas

60

Contemplam quais atividades preacute-textuais A pesquisa traz dados que abordam preocupaccedilotildees

fundamentais nesse sentido Pode haver com tais referecircncias a suposiccedilatildeo de que a escola natildeo

tem formado leitores para a vida inteira considerando que decresce o nuacutemero de leitores

adultos o que faz pensar que as praacuteticas de leituras tecircm sido pouco sedutoras das quais o natildeo

estudante procura se livrar assim que ultrapassa os muros da escola Parecem necessaacuterias

accedilotildees de promoccedilatildeo agrave leitura que a liguem verdadeiramente agrave vida e tornem os materiais de

leitura mais proacuteximos dos alunos pontua Failla (2008)

Haacute debates percorrendo academias e ambientes de estudo acerca das

problematizaccedilotildees sobre a leitura A evocaccedilatildeo desse debate eacute sempre profiacutecua Profiacutecua e

cabiacutevel na escola uma das instacircncias responsaacuteveis pela sua produccedilatildeo Agrave escola cabe

sistematizar pedagogicamente suas praacuteticas leitoras de modo que deveria como ldquopatildeo diaacuteriordquo

assegurar de forma substanciosa a leitura fomentadora da cidadania que soacute vem se

mergulharmos em aacuteguas profundas das tramas sociais Mas digamos ldquopatildeordquo no sentido

religioso do tom pela necessidade e assiduidade do alimento dialogando com uma reflexatildeo

de Antunes (2009 p 204) ldquoassim como a igreja eacute lugar de oraccedilatildeo o estaacutedio eacute lugar de jogo a

escola eacute lugar de leiturardquo Na defesa das funccedilotildees da leitura no espaccedilo escolar a autora pontua

dentre essas a primordial garantia de acesso agrave escrita o que eacute de extrema importacircncia Em

uma cultura de tradiccedilatildeo grafocecircntrica como a nossa haacute sem duacutevida uma valorizaccedilatildeo dos

aspectos positivos da escrita e a leitura eacute parte da relaccedilatildeo intriacutenseca para a aquisiccedilatildeo de todo

arcabouccedilo artiacutestico-cientiacutefico e cultural veiculado pela escrita Entatildeo conforme a autora a

leitura eacute o passaporte o promotor das funccedilotildees de ampliar o conhecimento a capacidade de

analisar de refletir de acessar agraves novas informaccedilotildees e bens culturais ao prazer esteacutetico a

novas formas de expressatildeo enfim de interagir socialmente entre outras habilidades que a

escrita oferece

Entretanto considerando os deficitaacuterios indicadores de leitura que o Paiacutes

historicamente apresenta estamos longe da produccedilatildeo de uma escola fomentadora

vigorosamente de uma praacutetica leitora consistente Um paiacutes de leitoresas criacuteticosas parece ser

uma miragem a desfilar no deserto da vontade poliacutetica de nossos governantes que insistem

em disponibilizar parcos recursos financeiros mesmo quando sob os holofotes constroem

vasta legalidade na vitrine do papel propondo uma educaccedilatildeo emancipadora de qualidade A

Lei nordm 12244 de 2010 por exemplo exige que todas as escolas puacuteblicas ou privadas ateacute

2020 possuam bibliotecas em suas instalaccedilotildees fiacutesicas Seria esta uma ldquolei mortardquo mais um

ordenamento brasileiro que natildeo ldquopegardquo A considerar o levantamento feito pelo movimento

Todos pela Educaccedilatildeo com base em dados cedidos pelo Instituto Nacional de Estudos e

61

Pesquisas Educacionais Aniacutesio Teixeira(Inep)2013 haacute um trabalho grande a ser efetivado

que pode sim deixar a norma na vala das tantas que natildeo satildeo cumpridas O Brasil precisa

construir 39 bibliotecas por dia nos proacuteximos sete anos para cumprir a lei A defasagem total

do paiacutes eacute de 128 mil bibliotecas Embora o nuacutemero relativo agrave falta de bibliotecas inclua todas

as redes de ensino eacute nas escolas puacuteblicas que o problema se concentra Nas redes municipal

estadual e federal eacute preciso construir 113269 unidades Falo aqui da construccedilatildeo das sedes

todavia eacute de conhecimento puacuteblico que a manutenccedilatildeo e funcionamento desses equipamentos

demanda maiores investimentos do poder puacuteblico

A criaccedilatildeo da lei todavia independentemente de seu fiel cumprimento por parte das

instituiccedilotildees escolares jaacute eacute um sinal de que se revela um novo tempo em que se olha com mais

atenccedilatildeo para a importacircncia dos espaccedilos propiacutecios agrave leitura Haacute anos natildeo era comum nem

obrigatoacuterio que toda escola possuiacutesse em seu projeto arquitetocircnico bibliotecas e espaccedilos para

leitura construiacuteam-se e reformavam-se escolas sem a preocupaccedilatildeo com este ambiente E

assim se vecirc que haacute no deserto das poliacuteticas puacuteblicas em prol de uma educaccedilatildeo emancipadora

oaacutesis Isto pode ser evidenciado nos uacuteltimos indicadores de leitura no Brasil com a 3ordf ediccedilatildeo

(2012) da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil conforme jaacute referenciado neste trabalho na

qual haacute indicaccedilatildeo de que os brasileiros estatildeo lendo mais E precisamos mirar nossos oaacutesis

mostraacute-los haacute milhares de projetos de leitura sendo executados neste paiacutes Afinal a leitura

pelo seu poder de emersatildeo e imersatildeo poder de fazer com que homens e mulheres se

enunciem de capacitaacute-loslas a interagir em condiccedilotildees mais iguais porque podem ser

conhecedoresas de seus lugares no mundo eacute de nodal importacircncia nas transformaccedilotildees que

precisam ser operadas por esses sujeitos

Por sua vez Marques Neto (2008) evidencia a crenccedila de que o Brasil caminha no

sentido de construir e efetivar poliacuteticas puacuteblicas na aacuterea do livro e da leitura O autor cita o

Plano Nacional do Livro e Leitura - PNLL criado em 2006 como marco de coesatildeo e

estrateacutegia na garantia do direito essencial das pessoas agrave informaccedilatildeo e ao acesso ao

conhecimento

Entendo que o Brasil por intermeacutedio da uniatildeo fundamental de accedilotildees do Ministeacuterio

da Cultura e da Educaccedilatildeo criando o PNLL chegou nos uacuteltimos quatro anos a um

novo patamar desvelou um novo tempo histoacuterico sob determinadas circunstacircncias

para que logremos conquistar uma poliacutetica de Estado para o livro a leitura as

bibliotecas (MARQUES NETO 2008 p 130)

A importacircncia de equipamento como a biblioteca para a formaccedilatildeo do leitor eacute um

dado que natildeo se pode desconsiderar tendo em vista que as condiccedilotildees sociais de grande

62

parcela da populaccedilatildeo inviabilizam a aquisiccedilatildeo de suportes como livros revistas jornais etc

Torna-se central entatildeo o papel da biblioteca como instrumento para o acesso democraacutetico agrave

leitura aos menos favorecidos economicamente Um dado da pesquisa foi desalentador nesse

sentido 75 dos informantes anunciaram que natildeo possuem o haacutebito de frequentar

bibliotecas 17 usam ocasionalmente e 10 frequentam Esse eacute um dado inconcebiacutevel com

o que conceitua o PNLL ser funccedilatildeo deste equipamento

Um dinacircmico polo difusor de informaccedilatildeo e cultura centro de educaccedilatildeo continuada

nuacutecleo de lazer e entretenimento estimulando a criaccedilatildeo e a fruiccedilatildeo dos mais

diversificados bens artiacutesticos-culturais para isso devem estar sintonizadas comas

tecnologias de informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo suportes e linguagens promovendo a

interaccedilatildeo maacutexima entre os livros e esse universo que seduz as atuais geraccedilotildees

(MARQUES NETO 2008 p 133)

Para que esse dinacircmico polo difusor de informaccedilatildeo e cultura possa ser um

equipamento eficaz o profissional responsaacutevel por sua gestatildeo e organizaccedilatildeo o bibliotecaacuterio

precisa avanccedilar em conquistas de mais habilidade Para Silva (2011) em regra esse

profissional eacute um exiacutemio conhecedor das normas de catalogaccedilatildeo das leis que regem a

instalaccedilatildeo de bibliotecas das fichas de empreacutestimos de livros De leitura revela o professor

natildeo eacute a regra que haja por parte desse profissional conhecimento interesse e projetos de

incentivo agrave leitura juntamente com a comunidade escolar

No que diz respeito aos dados pontuados pela pesquisa acerca da realidade brasileira

das bibliotecas esses podem ser subsiacutedio para uma reflexatildeo sobre o valor do equipamento

para a consolidaccedilatildeo de uma praacutetica leitora Um dos aspectos que merecem reflexatildeo eacute sobre

quem estaacute apto para gerenciar este equipamento Na escola em que a pesquisa eacute realizada por

exemplo tais quais nas demais da rede municipal de ensino e em muitas pelo paiacutes afora os

responsaacuteveis pela biblioteca costumam ser professoresas readaptadosas nem sempre com

domiacutenio profissional para atuar na aacuterea o que evidencia mais uma fragilidade do poder

puacuteblico com a educaccedilatildeo e a cultura brasileira

Com a 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil o Paiacutes tem em matildeos um

diagnoacutestico que possibilita a construccedilatildeo de uma agenda para as poliacuteticas puacuteblicas do livro e de

leitores Vale ressaltar todavia que por esta pesquisa considerar a leitura no suporte livro

como criteacuterio para testificar a condiccedilatildeo leitora do brasileiroa conforme jaacute pontuado aqui

natildeo contemplou suficientemente as novas praacuteticas de leitura que advecircm das tecnologias da

informaccedilatildeo E eacute indubitaacutevel que esta omissatildeo desconsidera um fenocircmeno civilizatoacuterio

importante que tem alterado significativamente comportamentos de pessoas de todas as

63

esferas sociais em escala mundial como eacute o da leitura no espaccedilo cibercultural A imersatildeo do

mundo no uso das tecnologias da informaccedilatildeo que com seus dispositivos virtuais interligam a

comunicaccedilatildeo da sociedade disseminam informaccedilotildees em tempo real e possibilitam a troca

compartilhada de conhecimento democratizando saberes haacutebitos comportamentos tem

provocado mudanccedilas econocircmicas sociais poliacuteticas culturais E essas mudanccedilas seguramente

tecircm afetado tambeacutem as escolas Os dispositivos tecnoloacutegicos em pouco mais de duas

deacutecadas presentes em celulares tablets computadores como uma segunda pele chegam agraves

matildeos e aos olhos de discentes e docentes alterando as praacuteticas sociais de leituras podendo

promover eventos de letramento

A despeito de este natildeo ser objeto deste estudo e de natildeo ter pretensotildees de avaliar

quatildeo profundas satildeo as transformaccedilotildees que a sociedade experimenta a partir dessa nova matriz

cultural eacute relevante ponderar que a escola precisa caminhar responsavelmente com esta

realidade desafiadora que lhe trazem as tecnologias da informaccedilatildeo Como natildeo considerar que

sob pena de comprometer resultados positivos no processo ensino-aprendizagem eacute dever

dosas educadoresas atentar para o modo e os textos que circulam pela escola repleta que

estaacute de nativos digitais Como natildeo considerar ainda que sob pena de que essesas estejam

sendo negligentes com a problematizaccedilatildeo da discursividade docente devem atentar para o que

anda sendo lido na virtualidade nossa de cada dia estampada nas telas

Enfim considerando o papel da escola na formaccedilatildeo doa leitora e o quanto os vaacuterios

suportes e miacutedias satildeo importantes na perspectiva de democratizaccedilatildeo do acesso aos diversos

bens culturais vale destacar que a leitura conforme analistas do discurso natildeo eacute um bem em

si mas que pode se apresentar como lugar estrateacutegico na formaccedilatildeo de um povo para a sua

emancipaccedilatildeo poliacutetica e social Obviamente isso ocorre entre outras razotildees se a leitura for

concebida em uma perspectiva interacionista que leve em consideraccedilatildeo os interesses da

comunidade escolar e reflexotildees atinentes sobre a linguagem em uso Desse modo a agenda de

promoccedilatildeo do letramento para aleacutem do acesso aos suportes e do domiacutenio da tecnologia deve

se constituir prementemente como uma pauta reivindicatoacuteria que envolva educadoresas

gestoresas e demais atoresatrizes sociais

Apoacutes as reflexotildees atinentes agraves descriccedilotildees sobre leitura elaboradas por estudiososas

tendo essesas essencialmente se pautado em uma ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no

Brasil farei uma incursatildeo no proacuteximo toacutepico sobre como a Anaacutelise do Discurso daacute o foco

nas vozes dosas educadores acerca do debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero trazido por uma

das instacircncias culturais da escola a da leitura

64

24 O sujeito da leitura na Anaacutelise do Discurso

O projeto de Michel Pecirccheux de uma teoria natildeo subjetiva da leitura eacute uma das

sustentaccedilotildees da defesa de Possenti (2009) de que a AD eacute uma das poucas aacutereas de

conhecimento que tem condiccedilotildees de reivindicar para si o pronunciamento sobre a leitura O

intento do analista francecircs que chegou a postular a ldquoanaacutelise automaacutetica do discursordquo eacute fruto

entre outros de uma nova concepccedilatildeo de liacutengua nos anos sessenta gestada pelo

Estruturalismo e com bastante efervescecircncia na academia francesa Com essa concepccedilatildeo que

atravessava as reflexotildees sobre a linguagem natildeo mais concebendo liacutengua como um coacutedigo que

condensa informaccedilatildeo a quem o conhece conforme a perspectiva saussuriana Pecirccheux

estrutura a noccedilatildeo de discurso Estrutura entendendo este como um ponto intermediaacuterio entre

linguagem e ideologia Esse legado epistemoloacutegico surge em um contexto sociopoliacutetico

francecircs de insurreiccedilatildeo popular de inquietaccedilotildees poliacuteticas A AD eacute pensada nessa atmosfera

como uma disciplina que daacute conta de amalgamar as praacuteticas poliacuteticas e a concepccedilatildeo de

ciecircncias sociais que emerge naquele cenaacuterio (cf SANTOS 2013)

Desalojando os estatutos positivistas ocupam lugares essenciais nas postulaccedilotildees de

Pecirccheux (2012) a subjetividade a ideologia as lutas de classe Assim articula-se a AD em

uma abordagem transdisciplinar com aacutereas como a psicanaacutelise o materialismo dialeacutetico e a

linguiacutestica com as quais entrelaccedila um novo olhar sobre a liacutengua o sujeito e a histoacuteria na

produccedilatildeo de sentidos Esse novo olhar enxerta nos estudos sobre a linguagem a reflexatildeo de

que a leitura natildeo era a leitura de um texto enquanto texto Concebido discursivamente o texto

deve ser tomado como um artefato cultural e linguiacutestico que tem existecircncia na exterioridade

linguiacutestica no social o que interfere em sua circularidade e interpretaccedilatildeo (FERNANDES

2008)

Processam-se nas fases pelas quais passa a AD noccedilotildees como sujeito discursivo

condiccedilotildees de produccedilotildees e formaccedilatildeo discursiva Esses conceitos vatildeo consolidando as reflexotildees

que este campo teoacuterico intenta para dar conta de suas inquietaccedilotildees acerca dos estudos sobre a

linguagem e as transformaccedilotildees sociais que insurgem naquele contexto poliacutetico Uma das

accedilotildees da AD estaacute pautada na teorizaccedilatildeo sobre as restriccedilotildees que o discurso sofre Nesse

sentido Possenti (2009 p 11) pontua o quanto a AD tem como objetivo explicitar as

estrateacutegias e restriccedilotildees de leitura lsquoUm discurso natildeo circula em qualquer lugar natildeo toma

livremente uma forma geneacuterica qualquer e natildeo pode ser interpretado de qualquer maneira por

qualquer umrdquo Restriccedilotildees essas que datildeo aoagrave analista do discurso a incumbecircncia de atentar

para o enunciado em sua historicidade em suas condiccedilotildees de produccedilatildeo e circulaccedilatildeo em seus

65

efeitos de verdade Sendo assim a leitura de um texto conforme as bases conceituais da AD

prima pela observacircncia de sua historicidade prima pela observacircncia para dar conta dos

percursos de quem lecirc e como lecirc que prescinde destes nortes De acordo com Possenti (2009)

[] Aprendemos a nunca ler um texto isoladamente (natildeo se faz anaacutelise de discurso

de um texto) a nunca ler um texto considerando apenas seu material verbal

(aprendemos a relacionaacute-lo a seu exterior) a nunca tratar a linguagem como se fosse

transparente (aprendemos a supor sempre que a interpretaccedilatildeo eacute um trabalho jaacute que

as palavras natildeo remetem jamais agraves coisas e natildeo tecircm sentido uniacutevocos) a nunca

supor que o texto (ou mesmo vaacuterios) fornece todas as condiccedilotildees de sua leitura

(aprendemos sempre a supor que mesmo no domiacutenio textual ou ateacute mesmo no do

enunciado mais restrito eacute necessaacuterio acionar mais de um fator relevante ndash considerar

os pressupostos a intertextualidade etc) (POSSENTI 2009 p 14)

Da defesa de uma teoria natildeo subjetiva da leitura sustentada pela AD podemos

depreender que nossos horizontes de pesquisas da linguagem na esfera da leitura devem

ultrapassar a materialidade linguiacutestica A AD nos convida a uma dimensatildeo da linguagem em

seu uso em sua discursividade contemplando as praacuteticas socioculturais por ela perpassadas

Trata-se na abertura dessa via de descrever e interpretar a existecircncia de enunciados e suas

produccedilotildees em determinados lugares e espaccedilos integrando discursos cujas existecircncias

apontam para alguma coisa em curso tal que ldquoa palavra discurso etimologicamente tem em

si a ideia de curso de percurso de correr por de movimento O discurso eacute assim palavra em

movimento praacutetica de linguagem com o estudo do discurso observa-se o homem falandordquo

(ORLANDI 2008 p 15)

Em curso e que segundo ainda essa autora analisaacute-los implica interpretar as praacuteticas

discursivas dos sujeitos abordar as manifestaccedilotildees de linguagem problematizando-as ldquoo que

produzem os sujeitos falantes e leitores Podem esses deixar de perceber que satildeo sujeitos agrave

linguagem a seus equiacutevocos sua opacidade Com essas indagaccedilotildees Orlandi (2012) discorre

como este campo transdisciplinar contribui com o trabalho com a linguagem para que

possamos sem ilusionismos ldquoao menos sermos capazes de uma relaccedilatildeo menos ingecircnua com a

linguagemrdquo Haacute em sua explanaccedilatildeo sobre princiacutepios e procedimentos da AD uma

preocupaccedilatildeo em evidenciar o quanto o trabalho com a linguagem perpassa por incompletudes

por subjetividades por pluralidade de sentidos por histoacuterias nos fazendo entender que haacute

movecircncias mas ldquoos sentidos estatildeo sempre administrados natildeo estatildeo soltosrdquo Os sentidos

materializados por linguagem verbal ou natildeo verbal natildeo satildeo imanentes fixos produzidos que

satildeo por uma pluralidade de discursos que se entrecruzam advindos de condiccedilotildees socio-

histoacutericas e ideoloacutegicas de produccedilatildeo Nessa direccedilatildeo Pecirccheux (2012) vincula os sentidos das

palavras agraves formaccedilotildees ideoloacutegicas de quem as usa afirmando que

66

O sentido de uma palavra de uma expressatildeo de uma proposiccedilatildeo etc natildeo existe lsquoem

si mesmorsquo [] mas ao contraacuterio eacute determinado pelas posiccedilotildees ideoloacutegicas

colocadas em jogo no processo soacutecio-histoacuterico no qual as palavras expressotildees e

proposiccedilotildees satildeo produzidas (PEcircCHEUX 2012 p 190)

A construccedilatildeo do quadro teoacuterico metodoloacutegico desse estudo partiu entatildeo do

pressuposto de que a linguagem natildeo se daacute como evidencia ela se oferece como lugar de

descoberta (cf ORLANDI 2012) O reconhecimento de que a linguagem natildeo eacute transparente

pressupotildee o exerciacutecio constante de querer ver aleacutem da materialidade textual rompendo as

estruturas linguiacutesticas para chegar ao discurso buscando vestiacutegios equiacutevocos e interdiccedilotildees

dispersotildees caminhos que natildeo queiram ldquo[] atravessar o texto para encontrar um sentido do

outro lado A questatildeo que ela coloca eacute como este texto significa Haacute aiacute um deslocamento jaacute

pronunciado pelos formalistas russos onde a questatildeo a ser respondida natildeo eacute lsquoo quecircrsquo mas lsquoo

comordquo (ORLANDI 2012 p 17)

Nesse esteio a formulaccedilatildeo deste objeto de estudo que problematiza a discursividade

dosas docentes frente ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero em praacuteticas leitoras busca

assumindo o ponto de vista de umuma analista de discurso verificar a compreensatildeo da

apariccedilatildeo dos enunciados daqueles sujeitos discursivos Apoiado na AD esse estudo pontua a

importacircncia das reflexotildees acerca do discurso e sua vinculaccedilatildeo com o poder das reflexotildees

acerca das posiccedilotildees dos sujeitos envolvidos da opacidade da linguagem que por sua marca

poliacutetica torna-a incapaz dizer e fazer ver tais como satildeo as coisas Assim face aos

questionamentos acerca de como andam as problematizaccedilotildees sobre o que podem meninos e

meninas na esfera escolar em termos de equidade de gecircnero vale observar o lugar histoacuterico

social de onde os enunciadores determinam seus discursos Vale inquirir sobre as vozes que

integram o sujeito discursivo aqui diferenciando esse sujeito do da linguiacutestica geral que aduz

a um sujeito falante homogecircneo dono de seu dizer Na perspectiva da AD o sujeito eacute

constituiacutedo por polifonia noccedilatildeo cunhada de Mikhail Bakhtin que traccedila o entrecruzamento de

discursos como marca do sujeito Ele e suas vozes que ressoam que silenciam falam

reproduzem esquecem explicitam implicitam direta ou indiretamente na materialidade

linguiacutestica Constituiacutedo que eacute entre o eu e o outro decorrente da interaccedilatildeo social o lugar do

sujeito natildeo eacute vazio mas preenchido por aquilo que Pecirccheux (2012) chamou de forma sujeito

(cf SANTOS 2013)

A identificaccedilatildeo dessa constituiccedilatildeo heterogecircnea do sujeito trazida pelos estudos poacutes-

estruturalistas eacute de muita valia para as reflexotildees sobre a linguagem como praacutetica social uma

vez que os enunciados apontam para um lugar-sujeito Apontam que o sujeito discursivo eacute

67

plural atravessado de vozes moventes que se deslocam e se transformam inscrevendo-se em

formaccedilotildees discursivas Por seu turno a compreensatildeo do conceito de formaccedilatildeo discursiva

trabalhado tanto por Foucault (2011) como por Pecirccheux (2012) eacute imprescindiacutevel para oa

analista do discurso uma vez que este conceito explicita como cada objeto do discurso tem na

formaccedilatildeo discursiva a sua regra de apariccedilatildeo tem o engendramento dos jogos de poder Assim

eacute possiacutevel que haja compreensatildeo das histoacutericas condiccedilotildees de produccedilotildees que permitem

veicular o que dizer em determinado espaccedilo social conforme nos mostra Foucault (1995)

Trata-se de compreender o enunciado na estreiteza e singularidade de sua situaccedilatildeo

de determinar as condiccedilotildees de sua existecircncia de fixar seus limites da forma mais

justa de estabelecer suas correlaccedilotildees com os outros enunciados a que pode estar

ligado de mostrar que outras formas de enunciaccedilatildeo exclui (FOUCAULT 1995 p

31)

Isto posto fica evidenciado o quanto o trabalho para oa analista do discurso com os

olhos na noccedilatildeo de formaccedilatildeo discursiva potildee em jogo princiacutepios que evocam a apreensatildeo de

sentidos gestada pela memoacuteria discursiva Essa dimensionada pela AD como um espaccedilo de

memoacuteria coletiva que permite a inscriccedilatildeo dos sujeitos em um corpo soacutecio-histoacuterico-cultural eacute

tambeacutem crucial na compreensatildeo da construccedilatildeo da materialidade discursiva E para pocircr em

jogo os princiacutepios que evocam a apreensatildeo de sentidos se faz necessaacuterio fazer aparecer os

movimentos inacabados que a formaccedilatildeo discursiva implica Movimentos que mostram que

no tecido social da discursividade os enunciados satildeo acontecimentos que tecem

continuidades e descontinuidades dizeres exteriores e anteriores diferentes tipos de discursos

que coexistem aparecem e desaparecem dispersando-se formando-se e transformando-se de

modo complexo ao tempo que integram as formaccedilotildees discursivas (cf FOUCAULT 2012)

Essa integraccedilatildeo espelha a heterogeneidade proacutepria agrave formaccedilatildeo social onde coexistem forccedilas

diferentes plurais Isto explica segundo Fernandes (2008) enunciados estruturalmente

semelhantes significando diferentes discursos decorrentes da inscriccedilatildeo ideoloacutegica desses

enunciados

Nesse sentido os estudos poacutes-estruturalistas trazem conforme Pereira (2005) o

discurso para o centro das atenccedilotildees e afirmam que a linguagem natildeo eacute propriamente uma

representaccedilatildeo da realidade feita pelos sujeitos mas eacute constituidora dos sujeitos e da realidade

A linguagem eacute concebida nessa perspectiva como um loacutecus ativo dinacircmico e enredado por

relaccedilotildees de poder E o discurso concebido como um tipo de sentido um efeito de sentido uma

posiccedilatildeo que se materializa na liacutengua embora natildeo mantenha uma relaccedilatildeo biuniacutevoca com ela

(POSSENTI 2009) A linguagem entatildeo no esteio poacutes-estruturalista natildeo eacute apenas um meio

68

de transmitir ideias ou significados mas eacute a instacircncia em que se constroem os sentidos que

atribuiacutemos ao mundo e a noacutes mesmos dentro de uma pluralidade de sentidos

Fernandes (2008) trata do discurso como accedilatildeo social e reforccedila na linha de Orlandi

(2012) o quanto os discursos estatildeo implicados com a interpretaccedilatildeo dos sujeitos as condiccedilotildees

histoacuterico-sociais de sua produccedilatildeo e a histoacuteria Instacircncias essas que os discursos ldquonatildeo fixos

moventesrdquo e que fazem esses acompanharem as transformaccedilotildees sociais e poliacuteticas pelas quais

passam o mundo Essas consideraccedilotildees permitem aduzir o quanto a liacutengua se insere na histoacuteria

mediando-a e a constituindo gestando sentidos sentidos esses produzidos face aos lugares

ocupados pelos sujeitos em interlocuccedilatildeo

No que concerne agrave relaccedilatildeo sujeito e enunciado Fernandes (2008 p 28) pontua a

percepccedilatildeo da polifonia como elemento importante para a compreensatildeo do sujeito discursivo

ldquo[] requer compreender quais satildeo as vozes sociais que se fazem presentes em sua vozrdquo

(FERNANDES 2008 p 28) entrecruzada que eacute de diferentes discursos considerando que

natildeo haacute sujeito homogecircneo em decorrecircncia de sua interaccedilatildeo na sociedade Esse autor traz

tambeacutem relaccedilotildees entre o sujeito e a linguagem relaccedilotildees de base psicanalista cuja perspectiva

incide em um sujeito cindido descentrado considerando que

Sempre sob as palavras outras palavras satildeo ditas O sujeito tem a ilusatildeo de ser o

centro de seu dizer pensa exercer o controle dos sentidos do que fala mas

desconhece que a exterioridade estaacute no interior do sujeito em seu discurso estaacute o

lsquooutrorsquo compreendido como exterioridade social (FERNANDES 2008 p 29-30)

De posse de categorias analiacuteticas caras agrave AD como a formaccedilatildeo discursiva e o

descentramento do sujeito categorias discursivas que dialogam com formulaccedilotildees

foucaultianas a saber ldquonatildeo haacute enunciado que natildeo suponha outros natildeo haacute nenhum que natildeo

tenha em torno de si um campo de coexistecircnciasrdquo (FOUCAULT 1995 p 114) reflito sobre o

esteio que permite pensar as vozes escolares Nesse sentido todo enunciado eacute uma reacuteplica a

outros enunciados Com esse marco teoacuterico o debate sobre leitura e as relaccedilotildees de gecircnero que

atravessam as vozes escolares eacute compreendido como um espaccedilo de luta hegemocircnica como

praacutetica social Esta entendida como um conjunto de atividades humanas que engendram tanto

as condiccedilotildees de produccedilatildeo dos discursos quanto as condiccedilotildees de existecircncia de uma sociedade

(SPINK MENEGON 1999) eacute uma de minhas bases de discussatildeo do proacuteximo toacutepico que

envolve a importacircncia da praacutetica da leitura na escola como praacutetica social

69

25 Os processos de significaccedilatildeo e subjetivaccedilatildeo a leitura como praacutetica social

Sobre a praacutetica da leitura na escola eacute notaacutevel deveras que esta eacute mateacuteria instigante e

apreciada por tantos estudiosos da educaccedilatildeo (FREIRE 1988 2002) (SILVA E T 2009

2011) (SOARES 2001 2011) (ANTUNES 2009) do socioconstrucionismo (MOITA

LOPES 2002) da Anaacutelise do Discurso (POSSENTI 2009 ORLANDI 2008) entre outros

que se ater sobre o tema eacute se deparar com incontaacuteveis e fecundas pesquisas Isto me instiga a

pensar que muito jaacute foi dito Entretanto face agrave complexa questatildeo eacute sempre desafiador

imersoa na proacutepria realidade profissional problematizar a praacutetica pedagoacutegica imbuiacutedoa de

um desejo pelo inacabado E mover-se na problematizaccedilatildeo da leitura em uma interface

temaacutetica com gecircnero tendo como aporte teoacuterico as reflexotildees instigadas pela AD acerca da

leitura que a trata em uma perspectiva discursiva eacute enveredar por um desafio que atrai Vale

pensando assim inquirir de que forma a leitura tem participado dos processos de subjetivaccedilatildeo

quais satildeo enfim as verdades veiculadas pelas praacuteticas leitoras Dizendo na sintonia com a

AD os discursos sobre as relaccedilotildees de gecircnero estatildeo inscritos em uma determinada formaccedilatildeo

discursiva e operam constituindo que subjetividades segundo os campos do que eacute possiacutevel

pensar dizer julgar fazer na praacutetica leitora desenvolvida

Orlandi (2008) postulando os pressupostos teoacutericos da AD traz pontos cruciais para

uma accedilatildeo problematizadora com a leitura A autora faz referecircncias aos muacuteltiplos modos de

leitura (do ato de decodificar estrita aprendizagem formal de aprender a ler e escrever agrave

atribuiccedilatildeo de sentidos) dependendo cada acepccedilatildeo de seu modo de produccedilatildeo A analista

trabalha a concepccedilatildeo de leitura como um processo complexo no qual para as muacuteltiplas

determinaccedilotildees de sentidos que lhe envolvem exigem-se mais habilidades do que o

imediatismo da accedilatildeo de ler

Quando se lecirc considera-se natildeo apenas o que estaacute dito mas tambeacutem o que estaacute

impliacutecito aquilo que tambeacutem natildeo estaacute dito mas estaacute significando E o que natildeo estaacute

dito pode ser de vaacuterias maneiras o que natildeo estaacute dito mas que de certa forma

sustenta o que estaacute dito o que estaacute suposto para que se entenda o que estaacute dito

aquilo a que o que estaacute dito se opotildee outras maneiras diferentes de se dizer o que se

disse e que significa com nuances distintas etc (ORLANDI 2008 p 11)

Eacute instigante o olhar de Orlandi (2008) para que se pense no que natildeo eacute visiacutevel no

texto mesmo que o constitua como forma de assumir uma perspectiva discursiva sobre

leitura Dessa perspectiva concebe-se o pensamento acerca da produccedilatildeo da leitura como parte

do processo de instauraccedilatildeo de sentidos as especificidades e histoacuteria do sujeito-leitor satildeo

70

atentadas O fato de que tanto o sujeito quanto os sentidos satildeo determinados historicamente

tambeacutem faz parte das preocupaccedilotildees doa analista Tambeacutem satildeo preocupaccedilotildees doa analista a

noccedilatildeo de que os modos e efeitos de leitura de cada eacutepoca tecircm relaccedilatildeo iacutentima com a nossa

produtividade intelectual Eacute nesse sentido a ideia de referecircncia agrave historicidade agraves condiccedilotildees

de produccedilatildeo de leitura com a compreensatildeo dos jogos de poder entre os sujeitos e as

instituiccedilotildees que determinam como lemos que parece perseguir a AD eacute o que assegura Orlandi

(2008) Eacute da leitura como processo que interessa a esse campo de estudo da linguagem o

texto desse modo natildeo eacute um produto que conteacutem uma informaccedilatildeo pronta para ser ldquolidardquo eacute

um artefato cultural unidade complexa de significaccedilatildeo cujo crescimento natildeo ldquoeacute soacute para a

frente relacionando-se com o que ele natildeo eacuterdquo uma vez que o espaccedilo simboacutelico (os impliacutecitos)

entre enunciados efetivamente realizados eacute constitutivo do texto bem como sua relaccedilatildeo com

outros textosrdquo (ORLANDI 2008 p 46)

Como disciplina que se propotildee conhecer os mecanismos de processos de

significaccedilatildeo a AD trata da interaccedilatildeo da leitura na escola acolhendo a ideia foucaultiana de

que diferentes formas de poder produzem diferentes formas de individualidades e diferentes

sujeitosndashleitores Atentar para esta construccedilatildeo pode ser uma forma de evitar reducionismos de

limitar leitura agrave expressatildeo verbal de natildeo considerar o conhecimento preacutevio do aluno entre

outros

[] se sabemos portanto que haacute essa constituiccedilatildeo histoacuterica do sujeito na sua relaccedilatildeo

com a linguagem (logo com a leitura) e se sabemos que ideologicamente o sujeito

leitor se apresenta como esse sujeito capaz da livre determinaccedilatildeo dos sentidos ao

mesmo tempo em que eacute um sujeito submetido agraves regras das instituiccedilotildees como agir

na escola em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo do sujeito- leitor Ou mais simplesmente dada a

configuraccedilatildeo histoacuterica do sujeito-leitor produzido pela sociedade capitalista como

trabalhar com a relaccedilatildeo entre leitura parafraacutestica - leitura polissecircmica (ORLANDI

2008 p 50)

Orlandi (2008) trata dos processos de significaccedilatildeo de leitura na escola considerando

que eacute de grande relevacircncia que esta praacutetica seja desenvolvida tendo uma metodologia de

ensino consequente que explicite os espessos processos de produccedilatildeo de sentido

historicamente determinados ldquoA transparecircncia dos sentidos que brotam de um texto eacute

aparente e tanto quem ensina quanto quem aprende a ler deve procurar conhecer os

mecanismos que aiacute estatildeo jogando (ORLANDI 2008 p42)

Por seu turno Moita Lopes (2002) envolto com as teorias socioconstrucionistas do

discurso e das identidades sociais pontua a importacircncia de em contextos institucionais e em

especial em eventos de leituras atentarmos ldquopara o que fazemos com os outros no mundo por

71

meio da linguagemrdquo (MOITA LOPES 2002 p 14) Este autor se diz atraiacutedo tanto quanto o

mundo acadecircmico pelo papel constitutivo do discurso na construccedilatildeo de quem somos como

sujeitos que aprendem a ser quem satildeo discursivamente Esta perspectiva teoacuterica com a qual o

estudioso se move para refletir sobre as praacuteticas de letramento nas escolas eacute de suma

perspicaacutecia porque pontua por uma ampla aposta na consciecircncia do que faz a leitura eacute uma

praacutetica social E assim concebida como praacutetica social cuida que homens e mulheres

leitoresas natildeo satildeo produtos de um vaacutecuo social trazem suas marcas sociohistoacutericas

engendram-se por condiccedilotildees de construccedilotildees discursivas

Ler eacute legitimar ou questionar identidades eacute nessa direccedilatildeo de entendimento que

caminha Moita Lopes (2002) Direccedilatildeo pela qual vou porque tambeacutem defendo agrave luz de um

olhar socioconstrucionista que eacute com e pela leitura mediadosas pelas narrativas que dela

fazemos que construiacutemos um repertoacuterio de quem somos e de quais satildeo nossas accedilotildees sociais

Nesse sentido os processos formadores de identidades que satildeo dialoacutegicos e constitutivos pela

linguagem merecem a acuidade do olhar do agente de letramento Merecem pelas

possibilidades discursivas que esse sujeito pode construir no tocante agrave reflexatildeo acerca da

condiccedilatildeo humana de sujeito-forma (cf PEcircCHEUX 2012)

Haacute nas reflexotildees trazidas por Moita Lopes (2002) a busca pela desnaturalizaccedilatildeo do

senso comum eivado que eacute este de narrativas nas quais as identidades satildeo homogecircneas

hegemonicamente heterossexuais e brancas E este propoacutesito problematizador pode fecundar e

estar assegurado pela loacutegica da inserccedilatildeo de praacutetica de letramento

Argumenta-se que as histoacuterias contadas funcionam como pacotes de conhecimento

sobre como agir no mundo (Jordan 1989) ecoando discursos a que os alunos satildeo

expostos na miacutedia na famiacutelia etc Com base no potencial que as histoacuterias tecircm de

envolver as pessoas em reflexatildeo sobre a vida social considera-se a importacircncia de

permitir que outras histoacuterias sobre outros tipos de identidades adentrem a sala de

aula ao mesmo tempo que se promove o uso de sistemas de coerecircncia que

desnaturalize o senso comumrdquo (MOITA LOPES 2002 p 20-21)

Desnaturalizar o senso comum eacute desdobrar processos de subjetivaccedilatildeo dos quais as

leituras tecircm participado obedecendo a regras histoacutericas legitimadoras No processo de

legitimaccedilatildeo de leituras a escola eacute uma das instituiccedilotildees em que circula a leitura crivada pelo

olhar de um especialista o professor respaldada em um livro didaacutetico adotado em um

processo bem verticalizado Esta tem sido uma praacutetica redutora considerando estudos que

evidenciam o grau de comprometimento das obras com a negaccedilatildeo de que o sujeito discursivo

eacute plural atravessado de vozes moventes que se deslocam e se transformam inscrevendo-se

em formaccedilotildees discursivas As inquietaccedilotildees trazidas por Moita Lopes (2002) vatildeo na direccedilatildeo de

72

problematizar a circulaccedilatildeo e produccedilatildeo das leituras com esta direccedilatildeo redutora Esse autor traz

outras bases aos modelos legitimados ampliando a natureza multifacetal de seres humanos a

ser lida discutida Para isto vaticina o estudioso o advento das mudanccedilas bruscas deste iniacutecio

de milecircnio com o caudaloso acesso agraves tecnologias da informaccedilatildeo que expotildeem um mundo

plural e muacuteltiplo eacute um adendo a esta questatildeo

Eacute curioso ver que a miacutedia eletrocircnica que evidencia a chamada Globalizaccedilatildeo ao

mesmo tempo em que aproxima o mundo incorrendo no perigo de homogeneizaacute-lo

colabora para que percebamos a diferenccedila de que somos feitos e as desigualdades e

contradiccedilotildees sociais sob as quais vivemos Essas percepccedilotildees tecircm alterado como

nunca a concepccedilatildeo homogecircnea de identidade social e tecircm levado a nos entendermos

como heterogecircneos e ao mesmo tempo fragmentados e construiacutedos com praacuteticas

discursivas situadas na histoacuteria na cultura e na instituiccedilatildeo (MOITA LOPES 2002

p 15-16)

Somam-se a este olhar socioconstrucionista sobre leitura como praacutetica social que

contempla uma accedilatildeo de ler proficuamente ajustada aos postulados dos DH no que diz respeito

agrave defesa de um mundo plural as contribuiccedilotildees da AD Orlandi (2008) pontua a leitura numa

relaccedilatildeo de historicidade de modos de relaccedilatildeo de trabalho e de produccedilatildeo de sentidos Ler e

compreender na perspectiva trabalhada por esta analista natildeo se traduz em atribuir sentidos

mas conhecer os mecanismos pelos quais se potildee em jogo um determinado processo de

significaccedilatildeo

Os sentidos natildeo nascem ab initio Satildeo criados Satildeo construiacutedos em confrontos de

relaccedilotildees que satildeo soacutecio-historicamente fundadas e permeadas pelas relaccedilotildees de poder

com seus jogos imaginaacuterios Tudo isso tendo como pano de fundo e ponto de

chegada quase que inevitavelmente as instituiccedilotildees Os sentidos em suma satildeo

produzidos (ORLANDI 2012 p 83)

26 A leitura como mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de identidades

Apoacutes as consideraccedilotildees acerca dos dispositivos teoacutericos que apoiam esta anaacutelise os

quais me remetem agrave ideia de que o sujeito da leitura e do discurso eacute um sujeito histoacuterico que

fala a partir de condiccedilotildees especiacuteficas de enunciaccedilatildeo cabe pensar sobre a leitura como

produtora e reprodutora de discurso e sobre a importacircncia desse entendimento para um

trabalho no espaccedilo escolar que perspective angariar reflexotildees acerca de processos de

subjetivaccedilatildeo Em minhas buscas para levantamento de um estado da arte que contribuiacutesse

teoricamente com essa perspectiva encontrei produccedilotildees acadecircmicas que atrelavam leituras

subjetividades discursividades e relaccedilotildees de gecircneros no espaccedilo escolar bem pertinentes

Alguns relatos aqui pontuados vatildeo ao encontro das consideraccedilotildees por mim tecidas colhidas

73

pelos pressupostos teoacutericos jaacute aqui tratados tendo sido inclusive uacuteteis na confecccedilatildeo dos

instrumentos investigativos e de suas anaacutelises para este trabalho

Larrosa (2004) problematiza o ato de ler sob o crivo vinculador deste ato agraves praacuteticas

de liberdade O autor em um ensaio intitulado ldquoLeitura e metamorfoserdquo ao analisar o poema

O leitor de Rilke trata da experiecircncia da leitura em sua dimensatildeo complexa e de plenitude do

existente leitura que transforma que transfigura que torna o leitor um outro Larrosa (2004)

ao se debruccedilar sobre a poesia existencial e metalinguiacutestica de Rilke nega a pessoalidade do

leitor cravando sua dispersatildeo Isto fica demonstrado segundo o ensaiacutesta no seguinte verso

ldquoQuem o conhece este que baixou seu rosto de um ser ateacute um segundo serrdquo(RILKE 1908

apud LARROSA 2004 p 97) Para Larrosa (2004) o poeta trabalha com o movimento do

olhar descrito no poema como o movimento que delineia conversotildees apropriaccedilotildees de

mudanccedilas Assim o leitor que se curva entrega-se aprende a ver de outra maneira e eacute

desconhecido entatildeo ateacute por sua matildee como pode ser visto no segundo quarteto do poema a

saber ldquoNem sequer sua matildee estaria segurase ele eacute aquele que ali lecirc algo mergulhadoem

sua sombrardquo (RILKE 1908 apud LARROSA 2004 p 97) eacute o leitor que angaria olhos

daacutedivos traccedilos alterados para sempre Haacute uma forccedila poeacutetica na imagem do leitor em

silecircncio curvado despersonalizado e por fim transformado da qual Larrosa (2004) se

apropria para trazer uma reflexatildeo em cima do que significa um mundo pronto administrado e

acabado quando ldquotopadordquo por leitores Eacute dessa leitura cujo sentido eacute o de experiecircncia da

reconstruccedilatildeo das travessias diante de um mundo hostil e pronto que a leitura para esse autor

inscreve-se

Alicerccedilado em uma visatildeo de leitura como praacutetica social situada Moita Lopes (2002)

ressalta a accedilatildeo constitutiva do discurso na construccedilatildeo da vida social aprendemos a nos tornar

o que somos com base em fatores sociais e histoacutericos constituiacutedos discursivamente Esse

autor direcionou pesquisas com as praacuteticas de letramento coordenando experiecircncias de

investigaccedilatildeo sobre praacuteticas discursivas em escola puacuteblica do Rio de Janeiro objetivando

investigar a relaccedilatildeo entre texto e formaccedilatildeo de identidade na esfera pedagoacutegica

especificamente a sala-de-aula

Dentre os espaccedilos institucionais em que atuamos a escola tem sido continuamente

apontada como um dos mais importantes na construccedilatildeo de quem somos ou dessa

fragmentaccedilatildeo identitaacuteria Eacute um dos primeiros espaccedilos sociais a que a crianccedila tem

acesso longe da vigilacircncia da famiacutelia a outros modos de ser humano diferentes

daqueles do mundo relativamente homogeneizado da famiacutelia Ou seja eacute na escola

que em geral a crianccedila se expotildee pela primeira vez agraves diferenccedilas que nos constituem

e que portanto representam as primeiras ameaccedilas ao mundo da famiacutelia (MOITA

LOPES 2002 p 17)

74

Como integrante da equipe de pesquisa coordenada pelo autor acima referendado

Santos (2002) categoriza que leitura eacute um fenocircmeno cultural em que as pessoas constroem

sentidos em interaccedilatildeo com outras

[] ler eacute uma accedilatildeo social na qual estatildeo envolvidos a negociaccedilatildeo o

compartilhamento a construccedilatildeo de significados entre leitores e textos Isto eacute a

leitura eacute uma accedilatildeo social porque implica a procura do significado mediado pelo

discurso escrito entre dois sujeitos sociais principais o leitor e o autor situados

soacutecio-historicamente (SANTOS 2002 p 159)

Em consonacircncia com o olhar de Moita Lopes Santos (2002) percebe a leitura como

uma praacutetica social considerando que os significados construiacutedos pelos sujeitos-leitores

refletem o contexto social imediato no qual estatildeo localizados como tambeacutem o mundo social

mais amplo que situa esses contextos Conceber a leitura nessa perspectiva eacute tarefa que exige

do mediador a percepccedilatildeo de que haacute sempre em eventos de leitura uma indeterminaccedilatildeo de

significados em funccedilatildeo da pluralidade de contextos e sujeitos

Coimbra (2002) objetivando refletir as bases discursivas que constroem social e

assimetricamente meninos e meninas utiliza a visatildeo de discurso como forma de accedilatildeo no

mundo e aborda a importacircncia do contexto escolar para a formaccedilatildeo das identidades sociais

Essa professora alinhada com os estudos de Moita Lopes e diante da indagaccedilatildeo sobre qual

seria a forma em que ela e alunosas estariam construindo a identidade social de gecircnero da

mulher em uma escola puacuteblica no Rio de Janeiro propotildee-se a refutar uma visatildeo de mundo

essencialista

Adoto uma visatildeo de discurso como uma forma de accedilatildeo no mundo e um meio pelo

qual nossa cultura e nossas identidades satildeo constituiacutedas e definidas Como diz Moita

Lopes (1998) as identidades natildeo estatildeo nos indiviacuteduos mas emergem nas interaccedilotildees

entre os indiviacuteduos agindo em praacuteticas discursivas particulares nas quais estatildeo

posicionados [] Da mesma forma o comportamento diferenciado de gecircnero natildeo

existe naturalmente como parte essencial do indiviacuteduo Ele eacute tambeacutem construiacutedo na

interaccedilatildeo social (COIMBRA 2002 p 210)

Para refutar o essencialismo esse aqui entendido na perspectiva que lhe datildeo os

Estudos Culturais como uma percepccedilatildeo de mundo que atribui aos seres humanos marcas

universais imutaacuteveis e pertencentes ao indiviacuteduo naturalmente (HALL 2011 SILVA 2012)

Coimbra lanccedila matildeo dos estudos sobre gecircnero adotados por Louro que concebem gecircnero

como um sistema de relaccedilotildees de poder calcado nas estruturas sociais o que possibilita a

reflexatildeo sobre o quanto as praacuteticas discursivas sustentam a primazia masculina

75

[] a visatildeo essencialista enfatiza as caracteriacutesticas bioloacutegicas e reduz a importacircncia

do contexto soacutecio-histoacuterico naturalizando o poder do homem e as desigualdades

social e econocircmica estabelecidas entre os gecircneros masculino e feminino Isto eacute as

desigualdades satildeo percebidas como consequecircncias naturais e inevitaacuteveis da natureza

bioloacutegica das mulheres e dos homens e natildeo satildeo entendidas como historicamente

construiacutedas e modificaacuteveis (LOURO apud COIMBRA 2002 p 212)

Por considerar a escola elemento reprodutor ou transformador da sociedade porque

veicula enquadramento vontade imposta ao outro sobre seus corpos construccedilatildeo de estigmas

de silecircncios estereoacutetipos e exclusotildees ou porque veicula emersatildeo de vozes que desejam

escuta diaacutelogo e respeito em um sinal de resistecircncia Silva A L G (2009) trata da produccedilatildeo

de sentidos nesse espaccedilo Essa autora chama a atenccedilatildeo para as demandas sociais na

contemporaneidade sobre corporeidade sexualidade e identidade de gecircnero na escola

demandas que traduzem um mundo cambiante vertiginoso movente pleno de

questionamentos que tem nos deixado atocircnitos e sem respostas em seu dizer Sem respostas

ldquoprontasrdquo melhor seria dito porque no cotidiano escolar nos deparamos com uma cultura

que a despeito de ser marcada pela pluralidade reflete a disseminaccedilatildeo da

heteronormatividade da diferenccedila como desvio e de padrotildees de comportamentos para

meninos e meninas Haacute um conjunto de conteuacutedos cognitivos e simboacutelicos que selecionados

sob efeito de didatizaccedilotildees atravessam segundo (SILVA A L G 2009) os muros e

instrumentos escolares engendrando liccedilotildees de corpos disciplinados normalizados E dessas

liccedilotildees questiona a pedagoga qual o lugar do outro nas relaccedilotildees escolares enfim como

meninos e meninas satildeo educadosas

Carvalho (2003) nessa direccedilatildeo fala das experimentaccedilotildees com praacuteticas pedagoacutegicas

problematizadoras do modelo que institui a iniquidade de gecircnero Essa educadora procura

responder sobre as questotildees de gecircnero salientando a importacircncia da luta das mulheres

educadoras por sistematizaccedilotildees de estrateacutegias de intervenccedilatildeo nas atividades e no curriacuteculo

escolar para o desenvolvimento da consciecircncia de gecircnero Essa eacute uma tendecircncia que segue o

olhar militante de um feminismo que se manifesta e se fortalece a cada dia mas que precisa

dar passos marcantes no debate escolar sobre as formas de subjetivaccedilatildeo de ser homem e ser

mulher

A escola tem ferrolhos fortes na trava para o novo para o desmantelo das

assimetrias a despeito de guardado em armaacuterios e prateleiras das instituiccedilotildees muitas vezes

estaacute todo um ordenamento da legislaccedilatildeo educacional que institui avanccedilos na conquista de

uma escola que respeite a pluralidade cultural e a dignidade humana Carvalho (2003) fala

atraveacutes de seu envolvimento com a temaacutetica das relaccedilotildees de gecircnero na educaccedilatildeo do

76

caminhar que se esboccedila na escola de um processo de desconstruccedilatildeo de uma visatildeo e divisatildeo

de mundo androcecircntrica Fruto possivelmente a autora afirma do ativismo de algunsmas

educadoresas

[] Eacute plausiacutevel supor que o reconhecimento das diferenccedilas de gecircnero inicialmente

invisiacuteveis ou natildeo problemaacuteticas jaacute seja o resultado da problematizaccedilatildeo propiciada

pela oficina No contexto escolar apontam problemas como filas atividades e

brincadeiras separadas por sexo violecircncia na sala de aula e no recreio problema de

higiene e limpeza da escola manifestaccedilotildees da sexualidade na preacute-adolescecircncia e

adolescecircncia (brincadeiras sexuais gravidez precoce discriminaccedilatildeo dos

homossexuais) e das dificuldades das professoras de trabalharem com Orientaccedilatildeo

sexual (CARVALHO 2003 p 72)

O fazer pedagoacutegico trama produccedilotildees de sentidos que satildeo construiacutedas em praacuteticas

discursivas em gestos e olhares que muito dizem sobre os corpos e a sexualidade no

cotidiano escolar Rollemberg (2002) adotando a perspectiva socioconstrucionista do

discurso estuda como osas professoresas constroem sua identidade social e profissional por

meio de suas narrativas de vida A autora reforccedila a ideia de que o discurso tambeacutem determina

e eacute determinado por contextos socioculturais especiacuteficos nos quais esses sujeitos atuam e de

que esses sujeitos possuem naturezas multifacetadas

O professor ou professora eacute tambeacutem homem mulher marido esposa pai matildee

filho filha segue determinada religiatildeo tem suas crenccedilas sua visatildeo de mundo

ocupa certa posiccedilatildeo social e enfim torna-se professor na interaccedilatildeo desse mosaico de

diferentes traccedilos que o constituem Seu discurso reflete entatildeo essa natureza

multifacetada e nas diversas praacuteticas discursivas nas quais se envolvem os

professores vatildeo se reconstruindo como tais (ROLLEMBERG 2002 p 251)

Em artigo que discorre sobre uma investigaccedilatildeo feita em escola na qual leciona

Rollemberg (2002) aborda a construccedilatildeo social do discurso e da identidade profissional dos

educadoresas entrecortada por identidade de gecircnero A autora aborda as relaccedilotildees de poder

que se estabelecem em contextos sociais e culturais que forjam que moldam seres diferentes

com posiccedilotildees assimeacutetricas socialmente Ao tratar dos traccedilos de gecircnero o estudo de

Rollemberg adota tambeacutem a visatildeo processual das identidades e as tem como natildeo-fixas natildeo-

imutaacuteveis natildeo-estaacuteticas construiacutedas discursiva e socialmente

Cruz (2012) ao discorrer sobre a utilizaccedilatildeo do texto literaacuterio descarta

veementemente a noccedilatildeo de ler como decifrar palavras e questiona sobre o modo de

apropriaccedilatildeo desse texto por parte da escola A autora fala de seus fracassos com atividades de

leituras procurando explicaacute-los entre tantos lastros pelo processo de interlocuccedilatildeo na leitura

77

de textos para a qual o leitora eacute construtora e natildeo apenas receptora de um significado

global para o texto

Foi com essa consciecircncia (que eacute um aprendizado) que passei a analisar a relaccedilatildeo

existente entre leitor o texto o autor e a realidade que circunda todos Essa anaacutelise

me fez perceber que o docente (no caso eu) elaborava as atividades do seu ponto de

vista sem conversar e portanto sem conhecer a partir das falas dos alunos o modo

como eles se apropriavam dos textos literaacuterios e a relaccedilatildeo que eles tinham com o

mundo da leitura Essa ausecircncia de diaacutelogo entre as partes estimulava o desinteresse

dos alunos e a reproduccedilatildeo de leituras mecanizadas que soacute serviam para

cumprimento de tarefas obrigatoacuterias (CRUZ 2012 p 161)

Ao discutir por sua vez o papel de mediadora da leitura pela escola Bastos (2012)

remonta agrave histoacuteria dessa praacutetica no Brasil tratando de uma heranccedila natildeo leitora onde haacute a

rarefaccedilatildeo e esgarccedilamento da praacutetica que sedimenta a justificativa de professoresas para o

distanciamento do livro falta de tempo condiccedilotildees financeiras Esta autora dessacraliza o ato

de ler falando de leituras na relaccedilatildeo leitortextocontexto

A relaccedilatildeo leitortexto soacute tem sentido se houver compreensatildeo do que e para que se lecirc

O papel da escola nesse processo eacute perigoso porque tanto ela pode formar um leitor

criacutetico e assim libertaacute-lo dos preceitos ideoloacutegicos o que seria o ideal como

conduzi-lo para o extremo oposto acorrentando-o agrave ideologia dominante que ao

iludir cria falsos valores (BASTOS 2012 p 194)

Nesse sentido a autora supracitada tece comentaacuterios que satildeo intrincados com a

percepccedilatildeo de formaccedilatildeo discursiva da AD como um conjunto de formas reguladas

atravessando leituras postuladas E que agrave escola que se pretende inclusiva e democraacutetica

cabe ser mediadora de leitura em uma perspectiva que aposte na consciecircncia de que a leitura eacute

produtora e reprodutora de sentidos Bastos (2012) reforccedila uma ideia que lanccedila uma instigante

reflexatildeo sobre os que observam de forma mais questionadora o corrente sentido de leitura

Por fim e talvez mais importante assumir tambeacutem que para grande parte da

populaccedilatildeo a leitura natildeo representa um gecircnero de primeira necessidade e portanto

pode viver sem ela e pouco ou nada tem a ver com a presenccedila ou ausecircncia de prazer

esteacutetico (BASTOS 2012 p 194-195)

No que tange agrave importacircncia das condiccedilotildees sociais de produccedilatildeo e de acesso agrave leitura

Soares (2001) oferece uma importante contribuiccedilatildeo sobre o tema a leitura natildeo existe em um

vaacutecuo em atos isolados e universalizantes Ela estaacute engendrada em relaccedilotildees socialmente

construiacutedas favorecendo o fato de que a interaccedilatildeo seja uma marca do ato de ler Assim ler

tem diferentes valores para as classes sociais para as diferentes etnias e culturas A autora

analisa atraveacutes de resultados de pesquisas com entrevistados de diferentes extratos sociais o

78

quanto ler corresponde a diferentes expectativas Para a classe dominante por exemplo ler

relaciona-se a lazer a prazer agrave ampliaccedilatildeo de horizontes de conhecimentos Por seu turno as

classes dominadas veem na leitura uma funccedilatildeo utilitaacuteria de acesso ao mundo do trabalho agrave

garantia da sobrevivecircncia

No tocante agrave importacircncia dos estudos de gecircnero as reflexotildees de Aras e Cunha (2011)

acerca das divisotildees no mundo de trabalho entre homens e mulheres satildeo pertinentes Essas

autoras pontuam que ao analisarem as relaccedilotildees de gecircnero no magisteacuterio em um curso de

capacitaccedilatildeo para professores e professoras da Rede Estadual de Ensino da Bahia o PROLE

constataram que as mulheres enfrentam uma dificuldade de conciliar tarefas tendo em vista

que se dividem entre a casa e o trabalho de modo extenuante o que revela uma exploraccedilatildeo

nas relaccedilotildees de gecircnero As autoras citam uma pesquisa jaacute um pouco antiga mas que dadas as

proporccedilotildees com que os dados se alteram deve ainda traduzir um quadro bem representativo

da realidade atual Segundo pesquisa feita por Aguiar (2004 apud ARAS CUNHA 2011 p

45) durante a semana a jornada diaacuteria da mulher eacute de 502 minutos 5 maior que a do

homem que trabalha 480 minutos No fim de semana a diferenccedila eacute ainda maior enquanto a

carga masculina eacute de 201 minutos a da mulher eacute de 326 ou seja 62 maior Se a mulher for

matildee este iacutendice cresce ainda mais mesmo que tenha quem a ajude Esses dados e demais

outros revelados pelas autoras refletem uma cultura que molda um lugar para a mulher o

espaccedilo privado e que mesmo tendo estaacute avanccedilado em conquistas sociais que a potildeem no

espaccedilo puacuteblico haacute uma cultura machista que oprime as mulheres trabalhadoras dando-lhes

um papel central na administraccedilatildeo da vida familiar na educaccedilatildeo dos filhos nas tarefas

ldquonaturalizadasrdquo como femininas Aras e Cunha (2011) avaliam o quanto os estudos de gecircnero

constroem bases importantes para a reflexatildeo desse sistema desmantelando as assimetrias no

interior da famiacutelia

Por sua vez Sardenberg e Suzarte (2011) discutem a importacircncia da perscruta dos

sujeitos que se encontram nas escolas ouvindo o que ressoam suas vozes As autoras

refletem a partir de relatos de grupos de mulheres pertencentes agraves camadas populares sobre a

representaccedilatildeo da educaccedilatildeo escolar como perspectiva de empoderamento para os membros

desses grupos As feministas perpassam por questotildees que mostram as representaccedilotildees do

espaccedilo escolar como lugar de esperanccedila e liberdade oportunidade de se emancipar social e

individualmente de prover-se de ldquoum novo instrumental de conhecer e atuar ou ateacute mesmo

de transformar-se

Buscar ressonacircncia das praacuteticas discursivas dosas docentes nas atividades de leitura

realizadas por estesas eacute um trabalho que exige o afiar de sentidos ao qual Louro (2012) se

79

refere Haacute qual espaccedilo nas praacuteticas de leitura nas falas e histoacuterias disseminado para a

discussatildeo da equidade de gecircnero trazida pelo movimento de mulheres e movimentos que

apregoam o respeito agraves diversidades A pesquisadora dos estudos feministas aponta a

importacircncia de buscar uma reflexatildeo que pontue o lugar da escola na construccedilatildeo de um ideaacuterio

de respeito agraves diferenccedilas e agrave alteridade

Portanto se admitimos que a escola natildeo apenas transmite conhecimentos nem

mesmo apenas os produz mas que ela tambeacutem fabrica sujeitos produz identidades

eacutetnicas de gecircnero de classe se reconhecemos que essas identidades estatildeo sendo

produzidas atraveacutes de relaccedilotildees de desigualdade se admitimos que a escola estaacute

intrinsecamente comprometida com a manutenccedilatildeo de uma sociedade dividida e que

faz isso cotidianamente com nossa participaccedilatildeo e omissatildeo se acreditamos que a

praacutetica escolar eacute historicamente contingente e que eacute uma praacutetica poliacutetica isto eacute que

se transforma e pode ser subvertida e por fim se natildeo nos sentimos confortaacuteveis com

essas divisotildees sociais entatildeo certamente encontramos justificativas natildeo apenas para

observar mas especialmente para tentar interferir na continuidade dessas

desigualdades (LOURO 2012 p 89)

E a leitura efetivamente pode ser um instrumento que propicie este ideaacuterio Mas

cabe sempre inquirir que textos circulam nestes espaccedilos regulando modos de subjetivaccedilatildeo da

comunidade escolar No que se refere agrave presenccedila substancial do livro didaacutetico no cotidiano

escolar como um dos principais instrumentos manuseados por docentes e discentes eacute

importante a anaacutelise desse material em seu aspecto poliacutetico e cultural Considerando os

comportamentos sociais que tecircm sido construiacutedos acerca da imagem masculina e feminina

veiculados pelos livros didaacuteticos Marques (2009) assevera que as representaccedilotildees do lugar

social do homem e da mulher ainda satildeo bem demarcadas pelas forccedilas patriarcais e hierarquia

de gecircneros A autora debruccedilou-se entre outros sobre os resultados de uma exaustiva pesquisa

realizada por uma comissatildeo instituiacuteda pelo MEC em 1991 para analisar 80 coleccedilotildees de

Estudos Sociais da 1ordf agrave 4ordf seacuterie E conforme Marques (2009) foram observadas fortes

tendecircncias de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo de conteuacutedos que evidenciam modelos que atestam

papeacuteis sociais para homens e mulheres minados de preconceitos estereoacutetipos e enganosos

quando a imagem da famiacutelia e a da escola eacute a de que vivem isentas de conflitos A autora

revela o quanto o livro didaacutetico discrimina a mulher restringindo o seu universo ao espaccedilo

domeacutestico As imagens como construccedilotildees sociais possuem historicidade na sua posiccedilatildeo A

naturalizaccedilatildeo da divisatildeo sexual dos papeacuteis sociais incorre em uma posiccedilatildeo de imobilidade

social tendo em vista a cristalizaccedilatildeo de modelos o pai provedor e a matildee cuidadora Ele o

homem aparece envolto em leituras trabalho fornecendo agrave famiacutelia sustento e lazer ela a

mulher em funccedilotildees que a limitam agrave casa o que ocasiona a ideia de alienaccedilatildeo

80

Marques (2009) salienta o quanto a emergecircncia dos movimentos de mulheres por sua

cidadania plena a despeito de sua forccedila social natildeo encontra visibilidade nos livros didaacuteticos

Estes equiacutevocos todavia satildeo verificados hoje como natildeo mais representativos

substancialmente dos livros didaacuteticos e paradidaacuteticos fruto de um ativismo dos movimentos

de mulheres que terminou pressionando editoras secretarias estaduais e municipais no sentido

de envidar esforccedilos para que se repense o uso deste instrumento de modo mais criacutetico

Considerando o caraacuteter mercadoloacutegico do livro didaacutetico Marques (2009) salienta o quanto a

formaccedilatildeo doa professora para a escolha do material didaacutetico e sua mediaccedilatildeo com os textos eacute

de relevacircncia inconteste O risco de reproduzirmos discursos e representaccedilotildees machistas e

patriarcais eacute inerente aoagrave educadora imersoa que estaacute ainda em uma sociedade que produz

uma submissatildeo feminina O processo de construccedilatildeo das imagens e textos que povoam uma

subalternidade feminina eacute o que deve ser trabalhado pelo profissional atinente agraves questotildees de

gecircnero

Nesse sentido Louro (2012) ao avaliar o quanto o material didaacutetico eacute reprodutor e

produtor de discurso veiculador de diferenccedilas traz uma reflexatildeo sobre a construccedilatildeo escolar

das representaccedilotildees que segregam

Os livros didaacuteticos e os paradidaacuteticos tecircm sido objeto de vaacuterias investigaccedilotildees que

neles examinam as representaccedilotildees dos gecircneros dos grupos eacutetnicos das classes

sociais Muitas dessas anaacutelises tecircm apontado para a concepccedilatildeo de dois mundos

distintos ainda apresentam a concepccedilatildeo de dois mundos distintos (um mundo

puacuteblico masculino e um mundo domeacutestico feminino) ou para a indicaccedilatildeo de

atividades caracteriacutesticas de homens e atividades de mulheres Tambeacutem tem

observado a representaccedilatildeo da famiacutelia tiacutepica construiacuteda de um pai e uma matildee e

usualmente dois filhos um menino e uma menina (LOURO 2012 p 68)

A relevacircncia dos estudos acima referendados se faz perceber porque esses atrelam a

construccedilatildeo social do discurso em um espaccedilo que se constitui como centro de construccedilatildeo e

exerciacutecio de poder que eacute a escola E ao mesmo tempo em que enseja a reflexatildeo de que em sua

dinacircmica interna essa instituiccedilatildeo cria a possibilidade de processos de contra-hegemonia Eacute

percebida tambeacutem a relevacircncia dos estudos que estruturam uma interface discursividade

leitura e gecircnero na escola por estes propiciarem reflexotildees perspicazes Reflexotildees essas que

satildeo consonantes com o pensamento de Carvalho (2003) quando esta pedagoga militante do

feminismo afirma que das relaccedilotildees de gecircnero natildeo se pode tomar distacircncia ldquo[] de forma

impliacutecita estruturam o trabalho escolar as relaccedilotildees entre docentes e discentes e constituem

as identidades profissionais e pessoaisrdquo (CARVALHO 2003 p 77) Isto se daacute porque na sala

de aula nos curriacuteculos nas relaccedilotildees interpessoais nos conteuacutedos abordados ou natildeo

81

abordados haacute um campo de luta refletindo que a escola estaacute inserida em relaccedilotildees histoacutericas

mediadas e construiacutedas por discursos

Nesse sentido reitero o quatildeo os relatos acima extraiacutedos em sua maioria de um

contexto social que tece leitura em cotidianos na escola satildeo uacuteteis empreacutestimos para esta

anaacutelise considerando que os trabalhos apresentados versam sobre toacutepicos afins ao aqui

desenvolvido relaccedilotildees de gecircnero preconceitos construccedilatildeo de identidades pontuados em

ambiente de leitura

82

3 ANAacuteLISE DOS RESULTADOS INVESTIGATIVOS

O entendimento de que a abordagem de uma pesquisa exige um processo de revisatildeo

e reorganizaccedilatildeo de accedilotildees eacute importante na concepccedilatildeo de um trabalho Essa percepccedilatildeo eacute

consoante com a perspectiva da epistemologia feminista que entende a realidade como um

fenocircmeno histoacuterico cultural e dinacircmico (LOURO 2012 COSTA 2009) E meus passos na

direccedilatildeo e dentro da escola se constituiacuteram de inuacutemeras articulaccedilotildees de accedilotildees com as quais

tracei um norte investigativo objetivando fazer deste estudo algo profiacutecuo ordenado que

perspective contribuir com reflexotildees atinentes agrave educaccedilatildeo como praacutetica emancipadora

problematizadora de modos de subjetivaccedilatildeo

Dando prosseguimento ao rito comum a um processo de investigaccedilatildeo construiacute um

diaacutelogo preacutevio com a direccedilatildeocorpo teacutecnico com osas professoresas e a coordenadora do

projeto agravesaos quais foram explicados o procedimento e os objetivos da pesquisa ao tempo

em que foi solicitada a anuecircncia para sua aplicaccedilatildeo Como a dissertaccedilatildeo deste mestrado possui

caraacuteter interventivo foi explicada agrave equipe tambeacutem sobre a possibilidade de construccedilatildeo de

uma accedilatildeo propositora de trabalho apresentada por esta pesquisadora como fruto da

investigaccedilatildeo desenvolvida Esta informaccedilatildeo foi bem acolhida pela coordenaccedilatildeo do projeto

receptiva agrave possibilidade de crescimento de aprendizado e desejosa de aperfeiccediloar o trabalho

com a leitura pelo menos assim se manifestou

31 O Documento-fundador o natildeo dito significando

Logo nos primeiros contatos com osas integrantes da pesquisa que em consonacircncia

com as pactuadas regras do anonimato precisam aqui ser denominadosas ficticiamente

solicitei informaccedilotildees sobre o projeto de leitura instrumento de anaacutelise para aquele momento

O surgimento tempo de execuccedilatildeo seu formato documentaccedilatildeo criteacuterios para escolha de

textos entre outras indagaccedilotildees foram solicitadas Quando solicitei uma coacutepia do projeto agrave sua

coordenadora Diana cujo tempo de atuaccedilatildeo profissional eacute de 18 anos tive como resposta a

condiccedilatildeo de que o texto seria disponibilizado para que eu o conhecesse mas natildeo poderia

constar como anexo em meu trabalho por respeito ao acordado pacto do anonimato Aceitei a

condiccedilatildeo mesmo argumentando que o problema da identificaccedilatildeo do projeto seria resolvido

com o corte da parte que o identificasse A coordenadora relutou Isto me fez pensar no

campo discursivo mais amplo que eacute a negaccedilatildeo do texto possivelmente nele haveria o que natildeo

83

pode ser visto haveria a ausecircncia do dizer melhor Entendi a sonegaccedilatildeo do texto como a

tentativa de natildeo fazer aparecer o seu pouco labor

E constatei deveras isso quando o documento me chegou agraves matildeos depois de algumas

visitas em que o solicitara Observei que conforme o texto o projeto natildeo fora pensado para

discutir a leitura em sua funccedilatildeo social mais ampla Sem intencionar desqualificar o trabalho

daquela escola natildeo tive como deixar de ver pouca expressatildeo de conhecimento das funccedilotildees da

leitura naquele material Havia ali a mera proposta de decodificaccedilatildeo no lugar do letramento a

tarefa feita para cumprir obrigaccedilatildeo Natildeo estavam pontuados temas problematizando a

implantaccedilatildeo da defesa dos DH nem nenhum tema transversal proposto pelos PCNs constando

como ponto de exploraccedilatildeo no projeto de leitura muito menos o desta pesquisa As relaccedilotildees de

gecircnero conforme averiguei naquele material investigativo natildeo encontram assento no projeto

de leitura a CestaSexta Literaacuteria E eacute sobre isto que discorrerei agora analisando o referido

material como um dos procedimentos geradores de dados desta pesquisa que o eacute

O documento que eacute apresentado agrave Secretaria Municipal da Educaccedilatildeo - SEDEC- em

regra eacute uma exigecircncia deste oacutergatildeo como preacute-requisito para que osas professoresas

readaptadosas que exercem funccedilatildeo em biblioteca justifiquem sua permanecircncia na escola

Essesas profissionais precisam demonstrar estar vinculadosas agraves unidades escolares e

desenvolvendo trabalho pedagoacutegico a fim de assegurarem a manutenccedilatildeo da gratificaccedilatildeo

docente que perderiam caso saiacutessem da funccedilatildeo de professoresas e do espaccedilo escolar

Observar como esse documento eacute articulado e seu comprometimento com o que se

propotildee a fazer me remeteu a um compromisso eacutetico com o qual desejo afirmar aqui que natildeo

tenho a palavra final sobre do que necessariamente se deve constituir um trabalho desta

natureza mas faccedilo minhas leituras minhas anaacutelises E nessas leituras que natildeo poderiam ser

soacute minhas em uma perpeacutetua dialogia com Freire (1988 2002) Moita Lopes (2002) Foucault

(2011) Orlandi (2008) e com tantosas outrosas estudiososas e natildeo estudiososas

compreendo que eacute preciso supor que um texto nunca fornece todas as condiccedilotildees de sua leitura

(POSSENTI 2009)

Assim leio o documento do projeto de leitura da escola buscando sua

intertextualidade suas condiccedilotildees de produccedilatildeo seus ditos e natildeo-ditos Penso entatildeo sobre seu

nascedouro quem o produziu e por que o fez Procurei observar se aquele documento

expressava interesse pedagoacutegico intersubjetivo ou a exigecircncia da SEDEC teria sido a causa da

sua elaboraccedilatildeo ou seja motivaccedilatildeo externa administrativa E me interessei pelo que existe e

natildeo existe ali dizendo da realidade social que o produziu quem observa sua confecccedilatildeo sua

aplicaccedilatildeo ou natildeo-aplicaccedilatildeo A SEDEC exige uma produccedilatildeo acadecircmica mas o impacto da

84

execuccedilatildeo desta tarefa na atividade escolar parece natildeo ser devidamente acompanhado Essa

questatildeo jaacute me envereda para uma reflexatildeo sobre poliacutetica puacuteblica de gestatildeo educacional que

natildeo eacute de competecircncia desta pesquisa mas que ao fim e ao cabo faz sentido explorar tal

inquietaccedilatildeo pela relaccedilatildeo que haacute entre o labor do projeto e sua existecircncia e aplicaccedilatildeo

As indagaccedilotildees que produzi diante daquele documento eram sustentadas por uma

intenccedilatildeo de observar inicialmente se a tocircnica do projeto concebia a leitura como uma praacutetica

cultural natildeo neutra inserida nas relaccedilotildees de poder Se enfim era concebida como campo de

disputa espaccedilo de poder Afastando-se da defesa da leitura como tese unicamente advogo a

da leitura como utopia semeada por olhos de quem ama e faz educaccedilatildeo porque luta por

praacutetica de liberdade como defendeu Paulo Freire ao longo de sua vida e obra E a leitura

nessa perspectiva faz da educaccedilatildeo o ponto amoroso em que Hanna Arendt diz dever ser nas

palavras da autora ldquoa educaccedilatildeo eacute o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante

para assumirmos a responsabilidade por ele e com tal gesto salvaacute-lo da ruiacutena que seria

inevitaacutevel natildeo fosse a renovaccedilatildeo e a vinda dos novos e dos jovensrdquo (ARENDT 2009 p 247)

Sem querer mais uma vez reforccedilo desfazer do trabalho realizado na escola

TRAVESSIA natildeo posso omitir que enxerguei que aquele documento natildeo dizia desse

compromisso propalado pelos pensadores acima E assim o concebo quando olho a vaguidatildeo

com que ele se veste no que diz respeito aos seus objetivos e procedimentos metodoloacutegicos

Obviamente natildeo posso restringir a praacutetica leitora do projeto ao que estaacute marcado no referido

documento Sem relaccedilotildees ingecircnuas com a linguagem como propotildee a AD que afirma com

Orlandi (2008) que quando se lecirc considera-se natildeo o que estaacute dito mas tambeacutem o que estaacute

impliacutecito entre o que eacute feito e proposto existe o caminho do exequiacutevel que eacute atropelado

muitas vezes por adversas condiccedilotildees de trabalhos

E precisei atentar para o que aquele projeto anuncia fazer observando suas

articulaccedilotildees entre objetivos accedilotildees metodologia No tocante a essas articulaccedilotildees natildeo constam

ali explicitadas entre seus objetivos as temaacuteticas transversais recomendadas pelos PCNs

muito menos a de gecircnero Assim considerando que os sentidos de um texto passam por outros

textos o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero natildeo contemplado nas vozes perscrutadas

anteriormente em meus primeiros contatos com os sujeitos pesquisados ressoava sua

ausecircncia ali tambeacutem E da leitura daquele documento extrai que natildeo haacute a presenccedila do tema

proposto por esta pesquisa para inquiriccedilatildeo estaacute todavia posto ali como objetivo geral do

projeto desenvolver o gosto pela leitura escrita e arte visando agrave construccedilatildeo de uma

identidade poeacutetica formaccedilatildeo de cidadatildeos reflexivos e leitores autocircnomos

85

Atrelada agrave minha questatildeo problema natildeo adentrei para a investigaccedilatildeo do que seria

essa identidade poeacutetica que jaacute tem outra nuance investigativa Mas o toacutepico a formaccedilatildeo de

cidadatildeos [cidadatildes] reflexivos[as] entranha-se com meu objeto de pesquisa e indaguei como a

AD indaga como isso significa para aquela unidade escolar pressionada por uma instacircncia

administrativa a produzir um documento e um trabalho Como significa para aquela

educadora a formaccedilatildeo de uma cidadania reflexiva mediada por praacuteticas leitoras A efetivaccedilatildeo

disso passa necessariamente por textos lidos selecionados apresentados sob diversos

suportes imersos em escolhas que expressem comprometimento com os problemas sociais

com a construccedilatildeo dos processos que debatem tais problemas vinculados aos interesses dosas

leitoresas Natildeo pude saber entretanto por este documento quais seriam os textos

selecionados para a empreitada de trabalhar a formaccedilatildeo cidadatilde pois natildeo havia nas referecircncias

bibliograacuteficas do mesmo indicaccedilatildeo alguma de como as aulas seriam subsidiadas em termos de

textos Esta omissatildeo pode indicar que para aleacutem da sonegaccedilatildeo desta informaccedilatildeo anunciar

negligecircncia pode haver mais sentidos nesta ausecircncia

Aleacutem daquilo que eacute dito analisar discursos eacute tambeacutem atentar para o que natildeo eacute dito

que conforme a AD nos silecircncios nas interdiccedilotildees haacute formas especiacuteficas dos sujeitos

construiacuterem significados E haacute naquele documento uma ausecircncia de dito significando um

evento discursivo no qual a produccedilatildeo as relaccedilotildees de poder a circulaccedilatildeo dos textos e seu jogo

discursivo natildeo estatildeo explicitados quem produz o debate da formaccedilatildeo cidadatilde e como o produz

natildeo se consegue saber atraveacutes de textos elencados E o ato de ler como praacutetica adotada pela

escola natildeo dispensa um planejamento criterioso no qual se saiba o que se vai ler o porquecirc se

vai ler quando se vai ler mesmo que a seleccedilatildeo dos textos deva ser flexiacutevel para ajustes Isso

se deve fazer para que se evite uma praacutetica riacutegida e impositiva haacute uma realidade dinacircmica

que deve ser contemplada com espaccedilo para a inserccedilatildeo de leituras que possam emergir em

consonacircncia com interesses advindos da comunidade escolar Daiacute ser compreensiacutevel que natildeo

haja uma seleccedilatildeo de textos consagradamente fechada mas sua ausecircncia pode estar indicando

na direccedilatildeo de que as accedilotildees do projeto estatildeo passando ao largo de uma leitura norteada

imbuiacuteda de uma accedilatildeo poliacutetica criteriosamente edificada

Esta constataccedilatildeo ficou mais evidenciada quando observei os objetivos especiacuteficos

(OE) do referido documento Haacute uma quantidade elevada desses (sete) os quais natildeo cumprem

devidamente a funccedilatildeo de pormenorizar as accedilotildees que se pretendem alcanccedilar de forma a

estabelecer estreita relaccedilatildeo com o descrito nos objetivos gerais no que diz respeito agrave

competecircncia da formaccedilatildeo de cidadatildeos [cidadatildes] Considerei a princiacutepio redutor selecionar

unicamente o texto literaacuterio para compor os OE do trabalho E eacute o primeiro que estaacute elencado

86

Diversificar a leitura com textos literaacuterios previamente selecionados Eleger este gecircnero e

deixar de fora pelo menos eacute o que natildeo estaacute explicitado uma gama de formas discursivas que

perpassam o cotidiano escolar eacute desconsiderar o sujeito-leitor e seu lugar social eacute

desconsiderar que a sala-de-aula eacute um espaccedilo complexo onde subjetividades marcadas por

lugares sociais distintos possuem interesses iacutempares Esta eleiccedilatildeo portanto eacute redutora Por

mais que haja razotildees profiacutecuas para se trabalhar a literatura na escola pela presenccedila de

categorias no texto literaacuterio como as da experiecircncia esteacutetica da ludicidade do estranhamento

da subjetividade do aguccedilamento da criatividade do aticcedilamento da imaginaccedilatildeo haacute um

equiacutevoco em eleger apenas o literaacuterio como texto para ser trabalhado Esta escolha tambeacutem

vai na contramatildeo do que recomendam os PCNs (BRASIL 2001 p 36) que apontam para a

pertinecircncia de que a escola promova em seus estudos uma variedade de gecircneros tendo o

literaacuterio como mais um deles

O equiacutevoco da confecccedilatildeo do documento eacute perceptiacutevel tambeacutem por natildeo ser visto ao

longo do seu texto o apontamento de temaacutetica que tenha relaccedilatildeo com a formaccedilatildeo da

cidadania A formaccedilatildeo de cidadatildeos[cidadatildes] reflexivos[as] que o projeto de leitura da escola

aponta em seus objetivos gerais passa por uma contemplaccedilatildeo de leituras que natildeo estaacute ali

desenhada Sem escavar temas que estatildeo na invisibilidade na superficialidade naturalizados e

distantes dos propoacutesitos da pauta reivindicatoacuteria dos DH esse pretenso sujeito reflexivo eacute

mera ornamentaccedilatildeo de projetos de leituras As secretarias de Educaccedilatildeo das escolas puacuteblicas

brasileiras sabem que eacute tarefa hercuacutelea construir leitoresas criacuteticosas e que um dos entraves a

isso estaacute na maacutequina do poder puacuteblico despreparada desequipada para proporcionar

condiccedilotildees favoraacuteveis agrave praacutetica leitora Isto pode ser visto pela inoperacircncia de natildeo fazerem

com que seusuas educadoresas sejam bonsboas leitoresas para que de forma competente

possam atuar como agentes de letramento Assim sem o devido compromisso com a leitura

demonstram estar esses oacutergatildeos administrativos quando engavetam projetos de leituras

anualmente solicitando novos a cada ano letivo sem acompanhar suas feituras que em regra

se diz por aiacute satildeo sem esmeros cumprindo tarefa administrativa como me pareceu este na

escola TRAVESSIA

A fragilizaccedilatildeo com que se organiza o projeto eacute notaacutevel ainda quando se busca em sua

metodologia a articulaccedilatildeo das accedilotildees que promovem os passos que objetivam propor a

formaccedilatildeo da cidadania reflexiva Entre as accedilotildees propostas que constam de oficinas de leitura

escrita de artes de imagens destinadas a alunosas do 6ordm ao 9ordm ano ocorridas em salas e na

biblioteca haacute como enunciado metodoloacutegico que haveraacute planejamento mensal para a seleccedilatildeo

de textos e das dinacircmicas voltado para um contexto relevante para a vida pessoal e social

87

Primeiramente natildeo se esclarece exatamente o que seria este contexto relevante a expressatildeo eacute

vaga Depois chamou-me atenccedilatildeo o quanto a expressatildeo tema foi citada vagamente por

diversas vezes [] explorando o imaginaacuterio e as referecircncias que os alunos tecircm sobre os

temas textuais Natildeo haacute entretanto evidecircncia alguma de quais textos e temas seratildeo

trabalhados Esta inexatidatildeo me fez enxergar impropriedade na proposiccedilatildeo Em uma das

atividades propostas assim aparece levantar as referecircncias que os alunos tecircm sobre os temas

dos textos E de novo quais textos e temas conforme a redaccedilatildeo do projeto natildeo foi possiacutevel

levantaacute-los naquele documento Outra vez haacute uma frase solta compondo o texto Sequer uma

referecircncia aos temas transversais propostos pelos PCNs foi feita Mas no natildeo-dito acerca de

uma tarefa que eacute propositura da escola que deveria atuar pela exiacutemia preocupaccedilatildeo de

contribuir deveras com a construccedilatildeo de uma leitora ativoa a questatildeo-problema por mim

levantada nesta pesquisa foi respondida na leitura do documento Verifiquei deveras que

considerando o que estaacute posto ali por aquele texto-fundador natildeo se contempla o debate sobre

a equidade de gecircnero no projeto de leitura da escola TRAVESSIA

32 O acervo bibliotecaacuterio dos paradidaacuteticos estantes que enunciam

E como travessias natildeo se fazem sem caminhadas caminhei mais pela escola em

busca de perscrutar o que anunciam as vozes docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero na via da

leitura Caminhei contornando em alguns momentos e espaccedilos a anguacutestia pela percepccedilatildeo da

ausecircncia do desejo nosas fazedoresas da educaccedilatildeo por uma leitura como praacutetica social que

construa significados e proponha novos modos de subjetivaccedilatildeo Contornando sem receita

(ningueacutem eacute portador de saiacutedas solitaacuterias) nem elixir nem liccedilotildees nem textos prontos Apenas

escutando sentindo entendendo que a constituiccedilatildeo de uma alunoa leitora pode desaguar em

um mar de ativismo social em um mar que desemaranhe a promoccedilatildeo de um sujeito criacutetico

arguitivo reflexivo natildeo apenas pelo que se lecirc mas de qual lugar e para que se lecirc Para isso

deve haver uma dimensatildeo eacutetica no ato de ler natildeo meramente teacutecnica como costuma grassar

nas escolas pouco afeitas a pensar a leitura de modo perquisitivo Esta dimensatildeo eacutetica natildeo se

semeia em escola assolada por pragmatismo que natildeo ama a educaccedilatildeo essa dimensatildeo

conforme Arendt (2009) anuncia tem no amor a medida de nossos compromissos Eacute

dimensatildeo que abarca decisatildeo poliacutetica eacute escolha pela salvaccedilatildeo pela convicccedilatildeo do

inacabamento freireano (FREIRE1999)

Muito brevemente fui percebendo entatildeo que na escola TRAVESSIA as relaccedilotildees de

gecircnero natildeo perpassavam como debate proposto pelo seu referido projeto de leitura E outra

88

comprovaccedilatildeo disso foi aferida pela consulta que fiz do acervo da biblioteca especificamente

no que se refere agraves obras paradidaacuteticas que satildeo as selecionadas para investigaccedilatildeo em termos

de levantamento natildeo propriamente de anaacutelise dos textos neste estudo Em uma pequena

prateleira havia alguns livros tive o cuidado de ler suas fichas catalograacuteficas e identifiquei

que em nenhum deles tematizava-se gecircnero Conforme ainda me respondeu a coordenadora

do projeto de leitura nas listas de livros da biblioteca natildeo estava disponibilizada nenhuma

obra pelo menos que fosse de seu conhecimento que tratasse da temaacutetica de gecircnero

Indaguei-lhe se alguma educadora ou alunoa jaacute havia manifestado o interesse de procurar

obras com esta temaacutetica Respondeu-me que natildeo

E de fato parece natildeo haver uma existecircncia farta de textos publicados para a

literatura infanto-juvenil trazendo o foco especiacutefico no tema das relaccedilotildees de gecircnero em uma

perspectiva de resistecircncia de oferta de um olhar desconstrutor de formas de se constituir

subjetividades masculinas e femininas Existem obras como A bolsa amarela de Lygia

Bojunga Nunes (2003) Faca sem ponta e galinha sem peacute de Ruth Rocha (2008) e outras

poucas no universo literaacuterio infanto-juvenil brasileiro que enfocam a temaacutetica de gecircnero e

que poderiam estar entre os parcos livros daquele espaccedilo-leitor mas natildeo estatildeo

Mesmo assim a ausecircncia de obras que tratem das iniquidades de gecircnero agrave luz de sua

problematizaccedilatildeo por si soacute natildeo eacute referecircncia de que natildeo haacute a temaacutetica em tela naquele espaccedilo

Ademais a ausecircncia de obras emblemaacuteticas que pontuem o debate proacute-equidade natildeo eacute oacutebice

para que se olhe a questatildeo do alto das indicaccedilotildees das diretrizes educacionais que propotildeem o

desmantelo das assimetrias de gecircnero Para isto basta que se problematizem as leituras de todo

um artefato cultural com sentidos que sedimentam um imaginaacuterio inferiorizante da mulher e

constroem o diferente como abjeto Basta natildeo silenciar diante de artefatos que circulam

construindo sentidos e configurando infacircncias e adolescecircncias prensadas em estereoacutetipos de

gecircnero Estes artefatos circulam socialmente e podem ser lidos como a AD pontua indagar

natildeo o que o texto significa mas como significa

Os sentidos segundo essa disciplina natildeo satildeo fixos natildeo existem em si mesmos

mesmo que sejam administrados (PEcircCHEUX 2012) A escola por isto deve olhar com

atenccedilatildeo todo artefato que lhe chega e o que ela produz como uma forma de militar pela

construccedilatildeo de uma praacutetica de liberdade na qual homens e mulheres desfamiliarizam-se com

as incontaacuteveis narrativas que cruzam suas heterogecircneas formaccedilotildees discursivas Se isto natildeo faz

parte do cotidiano das praacuteticas leitoras dosas educadoresas assimilado como uma questatildeo

poliacutetica uma questatildeo de resistecircncia assimilado aleacutem do que propotildee cursos de formaccedilatildeo de

nada adiantam obras construiacutedas agrave luz da teoria de gecircnero postas em um acervo bibliotecaacuterio

89

De toda sorte a ausecircncia de textos que evoquem leituras militantes fala de uma presenccedila natildeo-

dita fala de um vazio preenchido por uma leitura descomprometida com a pauta

reivindicatoacuteria dos direitos das mulheres e dos direitos da populaccedilatildeo LGBT (leacutesbicas gays

bissexuais travestis transexuais e transgecircneros)

33 Os relatos as subjetividades os jogos discursivos

Nos percalccedilos da travessia na escola verifiquei tambeacutem por outros modos conforme

propus como empiria desta pesquisa que ali natildeo se dava visibilidade ao debate sobre as

relaccedilotildees de gecircnero Comprovei isso ainda pelos depoimentos de educadoresas que em vaacuterios

momentos nos diaacutelogos que tivemos ressaltaram perceber a ausecircncia do tema mesmo

reconhecido por alguns a sua relevacircncia para a construccedilatildeo da cidadania plena Houve registros

orais disso por parte de profissional da biblioteca e de demais educadoresas os quais irei

descrevecirc-los ao longo deste capiacutetulo por consideraacute-los relevantes para a anaacutelise Um desses

registros se deu no relato proferido pela professora Denise que entre as tarefas de emprestar

e guardar livros aquela profissional relatou-me que guarda assiduamente aleacutem de livros

histoacuterias de vida de alunosalunas desabafando sobre conflitos

Denise que estaacute na TRAVESSIA haacute seis anos atesta que haacute naquela unidade escolar

muitos problemas ligados agrave questatildeo da sexualidade da identidade da violecircncia de gecircnero e

domeacutestica Ouvi atentamente a ecircnfase que deu na violecircncia domeacutestica trazida de casa por

meninos e meninas que para esta profissional provoca-lhes ansiedade e revolta Daquela

informante extrai que acirrados conflitos de natureza de gecircnero vividos por aquele grupo de

crianccedilas e adolescentes satildeo como que despejados ali Assim compreendi ser quando lhe

indaguei acerca de accedilotildees para o enfrentamento desses conflitos e afora os atendimentos pelos

especialistas o que eacute tiacutepico e corriqueiro ela me respondeu que natildeo se faz mais nada naquele

espaccedilo Esse nada esteve como resposta referente agrave indagaccedilatildeo que lhe fiz pontuando se o

projeto de leitura natildeo trabalhava especificamente em forma de debates com textos que

evocassem reflexotildees socializaccedilatildeo envolvimento com as famiacutelias e enfrentamento dessas

questotildees

A cada momento no chatildeo da escola natildeo me passava incoacutelume a presenccedila tatildeo

avassaladora de conflitos envolvendo violecircncia de gecircnero reveladas pelas praacuteticas discursivas

de outrosas informantes desta pesquisa Em uma de minhas visitas agrave escola todavia em 4 de

outubro2013 registrei um relato que me fez refletir com mais ecircnfase sobre as relaccedilotildees de

poder como praacuteticas integrantes do cotidiano em grande extensatildeo Esta reflexatildeo se deu

90

quando dialoguei com Rosa professora de Inglecircs haacute vinte anos Soliacutecita em me atender a

educadora revelou por diversas vezes o desejo de desabafar mas expressando sinceridade

mesmo que me chocasse E falou enfaticamente a partir de um status conservador que rejeita

os estudos e as bandeiras dos DH as ideias sobre sexualidade e gecircnero defendidas por

ldquoeducadoresas modernosrdquo por achar que o mundo bom em seu dizer ldquoeacute aquele onde

existem regras moral repressatildeo E que isto parece querer acabarrdquo

Para Rosa as tecnologias enunciativas que propotildeem uma nova ordem de reflexatildeo e

comportamento eacute uma desordem um mal Natildeo exatamente com essas palavras mas trazendo

este sentido respondeu-me a docente quando lhe indaguei acerca da inserccedilatildeo do debate dobre

gecircnero respaldada nas questotildees trazidas pela legislaccedilatildeo educacional Seu olhar aposta na

repressatildeo no silecircncio em especial agraves garotas que estatildeo muito soltas a seu ver Esta

informante sem o menor embaraccedilo relatou-me que a escola vivia momentos difiacuteceis com

uma explosatildeo da sexualidade da sua juventude e que isso era efeito da falta ldquode freiordquo Para

sustentar suas ideias relatou-me um fato haviam recentemente passado por uma experiecircncia

dificiacutelima com a depressatildeo de uma jovem que se autoflagelou (cortando o corpo em vaacuterias

partes) depois de ter tido sua imagem exposta publicamente em rede social quando fez sexo

com vaacuterios garotos e permitiu que eles filmassem o ato O comportamento da aluna opinou a

educadora foi muito vulgar rendeu-lhe depressatildeo chacota desonra preocupaccedilotildees para a

famiacutelia

Da discursividade de Rosa emanava rigidez de comportamento repressatildeo inclusive

fazendo a defesa do controle dos corpos pela instituiccedilatildeo Sem nenhum ressentimento de estar

errada nem extemporacircnea esta docente assumiu que se preocupava veementemente com as

roupas as danccedilas os comportamentos das meninas que a seu ver eram consideradas como

ldquoassanhadinhas perdidasrdquo Sua vigilacircncia acreditava esta informante era o melhor para a

escola E de forma diferenciada dirigia o controle a meninos e meninas para elas os

cuidados eram focados na sexualidade com relaccedilatildeo aos garotos a vida social deles como um

todo tinha sua apreensatildeo Aos meninos preocupaccedilotildees de natureza diferente eram por ela

dispensadas cuidados com as drogas o aprendizado a violecircncia a marginalidade Agraves

questotildees ligadas agrave sexualidade e ao corpo dos garotos havia um silecircncio um natildeo dito

permissivo da parte dela como se soacute a eles lhes coubesse o direito de viver seus desejos

sexuais

Ao ouvir a apropriaccedilatildeo do discurso da construccedilatildeo das desigualdades de gecircnero

naquela voz educadora veio-me pela memoacuteria discursiva agrave lembranccedila o discriminador dito

popular ldquosegure sua cabrita que meu bode estaacute soltordquo O ditado que trata assimetricamente

91

homens e mulheres veio-me [meu bode estaacute solto] pelo silecircncio permissivo da educadora agrave

ordem machista quanto ao que podem os meninos satildeo livres E veio-me [segure sua cabrita]

pela fala dela quanto agrave ordem repressiva do que natildeo podem as meninas precisam de

cabrestos Tatildeo iniacutequo esse dito poderia ser pronunciado por aquela voz educadora para

sintetizar seu olhar insensiacutevel agraves questotildees trazidas pelos campos dos estudos de gecircnero Um

olhar de uma educadora turvado de preconceito machista em meio a toda uma

problematizaccedilatildeo que o coletivo de mulheres tenta construir sobre igualdade de direitos eacute um

olhar que destoa com praacuteticas de liberdade e aduz com a indagaccedilatildeo de Foucault no tocante agrave

regulaccedilatildeo dos comportamentos entre outras instituiccedilotildees pela escola

O que eacute afinal um sistema de ensino senatildeo uma ritualizaccedilatildeo da palavra senatildeo uma

qualificaccedilatildeo e uma fixaccedilatildeo de papeacuteis para os sujeitos que falam senatildeo a constituiccedilatildeo

de um grupo doutrinaacuterio ao menos difuso senatildeo uma distribuiccedilatildeo e uma apropriaccedilatildeo

do discurso com seus poderes e seus saberes [] (FOUCAULT 2011 p 44-45)

Na consonacircncia com o que diz Foucault (2011) os depoimentos de Rosa podem ser

vistos como os que se apropriam de um discurso que se arvora no papel de controlar sujeitos

pautados no poder institucional escolar E mesmo quando este poder passa a ser enxertado por

outra ordem discursiva que abala pilares conservadores a educadora eacute refrataacuteria agrave nova

ordem e defende o controle da doutrina da coerccedilatildeo de comportamentos tachando as alunas

que se lanccedilam nas descobertas da sexualidade como vulgares Isso fez com que ela fosse

redutora no olhar que dirigiu agrave menina de sua histoacuteria viacutetima do machismo de um grupo de

colegas ainda eacute a condenada pela autoridade escolar Indaguei-lhe o que fizeram com os

meninos que expuseram a garota Sua resposta anunciou um conservadorismo atravessado por

gecircnero

- Foram chamados na direccedilatildeo advertidos Mas satildeo homens

Homens que usam mulheres humilham-nas expotildeem-nas A ressalva pontuada pela

materialidade linguiacutestica da conjunccedilatildeo adversativa mas no enunciado de Rosa reforccedila seu

olhar segregacionista machista seu status de sujeito que anuncia de um lugar conservador

ldquoMas satildeo homensrdquo eacute o enunciado campo para o natildeo dito brotar nada lhes pega mal na

instacircncia da sexualidade assim subjaz um discurso assimeacutetrico de gecircnero naquela voz Na

concepccedilatildeo daquela educadora ser homem eacute um atributo para a libertinagem aleacutem do direito agrave

liberdade

92

Percebi ali que passando ao largo de um debate que contemple problematizar

preconceitos machistas assimetrias de gecircneros alguns profissionais aleacutem de Rosa lidam de

forma tensa e iniacutequa com o despertar da sexualidade dessesas jovens especialmente na

representaccedilatildeo dos papeacuteis do masculino e do feminino Vale todavia fazer o registro de que

osas colaboradoresas observadosas e entrevistadosas natildeo podem ser vistos como

vilotildeesvilatildes nem portadoresas de verdades ou falsidades mas como sujeitos que se engrenam

em poderes e saberes culturas comportamentos disciplinados historicamente dados por isso

passiacuteveis de movecircncias de transformaccedilotildees

34 O questionaacuterio e outros relatos entrelaccedilando discursividades

E ainda sequenciando a explanaccedilatildeo do campo empiacuterico que faz parte desta pesquisa

pontuo que averiguei o quanto o projeto de leitura era desvinculado de uma problematizaccedilatildeo

sobre as relaccedilotildees de gecircnero com base na anaacutelise das respostas do questionaacuterio aplicado junto

agravesaos educadoresas Aqui farei o entrelaccedilamento da anaacutelise dos resultados deste instrumento

com mais relatos que geraram dados para este estudo

Como um dos pontos do processo investigativo recorri agrave aplicaccedilatildeo do questionaacuterio

com osas demais educadoresas envolvidosas com o projeto com o propoacutesito de avaliar

como a accedilatildeo leitora eacute apreendida por outros sujeitos considerando que inicialmente apenas

trabalhei com a coordenaccedilatildeo do projeto A aplicaccedilatildeo deste instrumento foi solicitada depois

de alguns diaacutelogos com membros da equipe pedagoacutegica da escola agrave Diana coordenadora do

projeto de leitura que de forma bastante soliacutecita concordou disponibilizando-se para

colaborar e recebeu em matildeos dez coacutepias do questionaacuterio para distribuir com educadoresas

integrantes do trabalho ali desenvolvido Anteriormente jaacute havia feito o convite aosagraves

professoresas para que participassem da pesquisa assegurando-lhes o respeito ao anonimato

caso assim o desejassem Dos dez instrumentos entregues apenas de um natildeo houve a

devolutiva o que me fez ter a colaboraccedilatildeo de um nuacutemero satisfatoacuterio considerando o total de

professoresas na instacircncia educacional em tela envolvidosas com o referido projeto

Para esse instrumento investigativo foram articulados enunciados pensando na

contribuiccedilatildeo para as reflexotildees que preciso construir considerando que o sujeito fala sempre a

partir de especiacuteficas posiccedilotildees histoacutericas e culturais de praacuteticas descontiacutenuas que se cruzam

se desconhecem se justapotildeem enfim que natildeo se pode apreendecirc-las de forma objetiva e

neutra (cf FOUCAULT 2011 2012) Vale ressalvar entatildeo de que a interaccedilatildeo que eacute feita com

as respostas dadas no documento investigativo natildeo pode ser vaticinada como uma revelaccedilatildeo

93

objetiva do real se assim o fosse natildeo estaria partilhando com a perspectiva foucaultiana

como tambeacutem com a da criacutetica feminista poacutes-estruturalista as quais concebem que a verdade

eacute uma produccedilatildeo discursiva histoacuterica e social o que indica que natildeo haacute a verdade mas haacute a que

prevalece

No tocante agrave aplicaccedilatildeo do questionaacuterio ouvi dosas respondentes em contatos

fortuitos que as questotildees formuladas foram bem interessantes A qualificaccedilatildeo de interessante

pelo que assimilei deveu-se agraves formulaccedilotildees que fizeram com que osas educadoresas

informantes refletissem sobre as suas praacuteticas discursivas Guiei-me para a confecccedilatildeo deste

instrumento investigativo entre outras pelas reflexotildees que o Poacutes-Estruturalismo traz em

termos de abrir caminhos para se pensar a realidade pontuando uma poliacutetica de

problematizaccedilatildeo da diferenccedila racial eacutetnica e de gecircnero As questotildees levantadas no

instrumento investigativo foram elaboradas considerando tambeacutem o norte interrogativo de que

se havia tal poliacutetica no que se refere agraves questotildees de gecircnero adentrado o espaccedilo escolar

E desse modo considerando que apoacutes a inserccedilatildeo da temaacutetica de gecircnero nas duas

uacuteltimas deacutecadas por meio tambeacutem de elementos enunciativos oficiais como os PCNs (1997) e

a LDBEN-96 que indicam o respeito agrave diversidade e agrave igualdade de direitos fui investigar

com este instrumento se oa educadora estava sendo formadoa para atuar (ou natildeo) por uma

sociedade em que as assimetrias de gecircnero fossem combatidas Por seu turno trazendo a

interface temaacutetica de gecircnero com a perspectiva da leitura discursiva na qual ler eacute mais do que

decodificar eacute se inscrever socialmente procurei elaborar questatildeo que pontuasse como a

leitura se desenvolvia no projeto

Busquei enfim enunciados que tratassem das discursividades docentes referentes agrave

construccedilatildeo social do gecircnero e agrave leitura como praacutetica social Assim os propus

1 O que a leitura significa para a escola expressada atraveacutes do seu projeto A

CestaSexta Literaacuteria (marque ateacute trecircs principais questotildees)

1a ( ) Instrumento de ajuda na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo

1b ( ) Uma atividade prazerosa

1c ( ) A escola natildeo valoriza a leitura

1d ( ) A escola valoriza pouco a leitura

1e ( ) Um estiacutemulo agraves transformaccedilotildees sociais

Outra __________________________________

Trecircs enunciados foram sumamente considerados 1a 1c e 1e instrumento de ajuda

na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo a escola natildeo valoriza a leitura e o de que eacute um estiacutemulo agraves

transformaccedilotildees sociais Chamou-me atenccedilatildeo a marcaccedilatildeo de que a escola natildeo valoriza a leitura

94

(1c) por tudo o que essa praacutetica pode significar marcado no uacuteltimo item possibilidade de

mudanccedilas sociais Tambeacutem a ausecircncia de marcaccedilatildeo no enunciado que vecirc na leitura uma

atividade prazerosa (1b) eacute um indicativo que incita reflexotildees considerando que a formaccedilatildeo

doa leitora tem vinculaccedilatildeo profunda com o prazer de ler E estas reflexotildees me trazem agrave

lembranccedila a informaccedilatildeo da 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil na qual eacute

pontuada a problemaacutetica de que a escola brasileira natildeo sedimenta a leitura oferece o acesso

mas natildeo sabe semear o prazer pelo ato de ler Segundo indicadores da pesquisa aqui os

rememorando 44 dos alunos da rede privada e 46 da puacuteblica afirmaram ter como

motivaccedilatildeo para a leitura a exigecircncia da escola Com as reflexotildees que a natildeo-marcaccedilatildeo do

enunciado 1b suscita vieram-me agrave lembranccedila tambeacutem Carlos Drummond de Andrade

(1983) e Rubem Alves (2004) quando esses aticcedilam poeticamente o desejo pelos requintes do

mergulho nas deliacutecias das leituras natildeo-obrigatoacuterias das que nascem da fome de ler da fome

de aticcedilar a imaginaccedilatildeo as reflexotildees que podem advir de uma leitura fecunda

Esse enunciado natildeo marcado pelosas educadoresas pontua uma denuacutencia de

desvalor pela escola a uma de suas eleitas funccedilotildees formadoras a da leitura Decerto que isto

reflete todo o descaso que o poder puacuteblico historicamente tem feito em termos de poliacuteticas

voltadas ao estiacutemulo agrave leitura agrave valorizaccedilatildeo da educaccedilatildeo Haacute uma heranccedila de deficiecircncia

educacional da qual soacute recentemente se tem cuidado natildeo ainda o suficiente ainda de modo

piacutefio melhor dizendo mas despontam investimentos maiores do que jaacute houve Investimentos

piacutefios ou natildeo investimentos Este eacute um legado que tatildeo bem lembra Werthein (2008) ao citar

as relaccedilotildees de poder-saber pertencentes agrave elite econocircmica brasileira que se instruiacutea na

Europa agrave eacutepoca do Brasil Colocircnia enquanto que ao povo lhe era negado o direito agrave escola

Quando o acesso agrave educaccedilatildeo puacuteblica se torna realidade a qualidade natildeo faz parte desta

conquista Disto se sabe a estrutura que a educaccedilatildeo puacuteblica oferta aos seus usuaacuterios em

termos de praacuteticas leitoras eacute deficitaacuteria As salas de aulas lotadas os pequenos acervos as

escolhas dos livros com os criteacuterios mercadoloacutegicos agrave frente os parcos recursos tecnoloacutegicos

para facilitarem animaccedilotildees adequadas a pouca reflexibilidade das famiacutelias quanto agrave leitura

em casa entre tantas outras satildeo condiccedilotildees que educadoresas elencam como obstaacuteculos a uma

experiecircncia prazerosa com a leitura

As condiccedilotildees limitadoras acima elencadas natildeo foram extraiacutedas pelas respostas ao

questionaacuterio Foram informaccedilotildees que obtive em diaacutelogo com a professora Mari em uma das

minhas visitas agrave escola (diaacuterio de campo13set2013) Apoacutes esta me informar sobre a

ausecircncia da temaacutetica de gecircnero em suas praacuteticas indaguei-lhe se natildeo considerava pertinente

trabalhar com textos que abordassem a violecircncia de gecircnero Fiz a pergunta tendo em vista o

95

que anunciam Carvalho (2003) e Louro (2012) no tocante agrave percepccedilatildeo dessas estudiosas de

que natildeo haacute distacircncia da temaacutetica ela eacute entranhada no espaccedilo escolar fabricando sujeitos

Educadoresas tecircm desse modo a possibilidade de contribuir reflexivamente sobre que

construccedilatildeo discursiva se faz com esses sujeitos reforccedilam preconceitos e estereoacutetipos de

gecircnero ou garantem o direito a esses de uma digna imagem de si Natildeo haacute neutralidade o

tempo todo somos tramados por linguagem que nos moldam

E para suscitar este debate as diretrizes educacionais inclusivas como as

positivadas em Resoluccedilatildeo 0112 no PNDH nos PCNs e na LDB satildeo aportes que chegam

ocupando gavetas escolares e atenccedilatildeo em eventos de formaccedilotildees continuadas mas se estas

estatildeo incorporadas nas praacuteticas discursivas dosas fazedoresas da educaccedilatildeo eacute outra questatildeo E

foi isso que ali atestei na entrevista com Mari a professora de Liacutengua Portuguesa suas

inquietaccedilotildees evidenciaram a lacuna entre as tecnologias oficiais por ela conhecidas e a sua

praacutetica discursiva Agrave minha indagaccedilatildeo acerca da necessidade de trabalhar para uma

consciecircncia de gecircnero sem titubear ela me respondeu

- Dou-me por satisfeita quando faccedilo meus alunos [e alunas] lerem O que leem natildeo

faz parte de minhas expectativas

Mais um enunciado que destrincha que carrega frustraccedilotildees profissionais de vozes

emparedadas pelos muros escolares de um sistema educacional feito para engessar

mobilizaccedilatildeo social ressoou ali Investimentos parcos na educaccedilatildeo puacuteblica que resultam em

peacutessimas condiccedilotildees de trabalhos minguaram as expectativas de uma mulher ainda jovem com

poucos anos de formada que parece entender o quanto a leitura pode propiciar criticidade o

que leem soou em sua voz com forccedila com tom de importacircncia Mas isso depende de suas

vinculaccedilotildees com accedilotildees poliacuteticas como remete Freire (2002) com accedilotildees planejadas como

indicam estudiososas da leitura e daacute trabalho propocirc-las naquele ambiente tatildeo hostil agrave leitura

aos olhos de Mari E ela abriu matildeo disso confessamente

Natildeo pude deixar de suspeitar de que talvez sem estar protegida pelo anonimato

aquela educadora que me disse natildeo ser do quadro efetivo dosas servidoresas por isto natildeo se

sentia segura para fazer criacuteticas agrave educaccedilatildeo na rede municipal natildeo tivesse tido a coragem de

se expor tatildeo cruamente Expocircs-se e trouxe agraves vistas uma das piores chagas da escola puacuteblica

brasileira a de que a leitura natildeo tem o lugar que deveria conforme Antunes (2009) anuncia

lugar de destaque de centro de alimento de patildeo diaacuterio Na contramatildeo de investimentos

intelectuais e financeiros em letramento tocircnica educacional das uacuteltimas deacutecadas Mari se

96

contentava com a mera decodificaccedilatildeo com a leitura que poderia promover ao maacuteximo oa

estudante aagrave trabalhadora natildeo aagrave cidadatildeoatilde Haacute uma relaccedilatildeo entre esta tocircnica de

descompromisso dito em escola paraibana ressoada pelo que pontua Bastos (2012) em outro

espaccedilo do territoacuterio brasileiro o baiano de que a escola precisa cumprir sua funccedilatildeo social e

atrair para o ato de ler este grupo de excluiacutedo para quem a leitura natildeo eacute gecircnero de primeira

necessidade

Retornando ao questionaacuterio tambeacutem respondido por esta informante na segunda

questatildeo deste instrumento objetivei inquirir sobre o que se lecirc avaliando quais conteuacutedos

eram promovidos pelo projeto

2 O projeto de leitura estimula a reflexatildeo sobre temas como racismo preconceitos

Direitos Humanos

( ) sim ( ) natildeo

Apesar de destoante com o que apresenta o documento do projeto de leitura que

conforme jaacute referido natildeo evidencia trabalhar temas atinentes aos DH das nove respostas a

esta questatildeo sete percebem a presenccedila de temas no projeto de leitura que focam reflexotildees

com tais temaacuteticas Na formulaccedilatildeo do enunciado foi pontuado o racismo e de forma

generalizada a expressatildeo preconceitos inviabilizando melhor percepccedilatildeo do que consta como

defesa dos DH Mas na questatildeo seguinte a de nuacutemero trecircs articulei a especiacutefica questatildeo das

relaccedilotildees de gecircnero interessada em averiguar qual o comprometimento da escola por seus

propoacutesitos educacionais e poliacuteticos especificamente em seu projeto de leitura com o campo

de gecircnero

3 O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero estaacute incorporado nas leituras do projeto

( ) sim ( ) natildeo

Marque as explicaccedilotildees para a resposta anterior

3a ( ) As questotildees de gecircnero satildeo pouco exploradas

3b ( ) Eacute explorada com frequecircncia a temaacutetica pautada que estaacute em uma poliacutetica

escolar de engajamento no combate agraves assimetrias de gecircnero

3c ( ) Ainda natildeo houve oportunidade para inserir este tema no projeto de leitura

3d ( ) O projeto daacute visibilidade aos modos como os estereoacutetipos satildeo alicerccedilados e

como muitas leituras reforccedilam os padrotildees sexistas presentes na sociedade

( ) outra ____________________________

97

As respostas da segunda questatildeo foram quase totalizadoras de que haacute a existecircncia de

um estiacutemulo agraves reflexotildees pertinentes agraves temaacuteticas dos DH pelo projeto de leitura desenvolvido

na escola Quanto agrave terceira todosas nove respondentes afirmaram que natildeo haacute a incorporaccedilatildeo

temaacutetica de gecircnero nas leituras feitas pelo projeto e por conseguinte marcaram a proposiccedilatildeo

3c O cruzamento da anaacutelise dessas duas questotildees pode evidenciar o quanto debater gecircnero

parece ser mais aacutespero menos necessaacuterio do que enveredar por outros caminhos que os DH

embandeiram Esta dissociaccedilatildeo chamou-me atenccedilatildeo e me fez refletir quanto esta temaacutetica

passa ao largo de accedilotildees de leitura em um momento em que se discute recontar textos agrave luz de

teorias de gecircnero respaldada a recontagem na militacircncia do coletivo de mulheres que deseja

ver desconstruiacutedas imagens que as fragilizam

O debate conforme responderam osas educadoresas natildeo aparece no projeto de

leitura assim pode natildeo estar incorporado sistematicamente como accedilatildeo poliacutetica de resistecircncia

relembrando o dito por Foucault (2004a 2012) Em um dos meus diaacutelogos com a

coordenadora do projeto na visita de 28 de setembro de 2013 fazendo inquiriccedilotildees sobre a

percepccedilatildeo dela quanto ao conceito de gecircnero das obras presentes no espaccedilo da biblioteca

acerca desse campo obtive de mais uma informante desta pesquisa que natildeo havia obra ali

com esta perspectiva Este tema precisaria ser inserido passava ao largo o foco nas relaccedilotildees

de gecircnero Falou-me que ao selecionar textos natildeo traz este olhar previamente Quando lhe

indaguei como via a omissatildeo da temaacutetica respondeu-me

- Percebo a omissatildeo agora com sua presenccedila que faz sentido discutir gecircnero Mas

como faccedilo isto Quais textos devem ser trabalhados

E eu lhe escutei sem entender como esta educadora natildeo atentaria que subjaz em regra

nos diversos gecircneros textuais um olhar construtor de gecircnero Haacute olhares sobre mulheres

negras brancas jovens idosas de classes e etnias diferentes nos quais subjazem nos gecircneros

textuais a iniquidade de gecircnero social Plasmada em letras de muacutesicas livros didaacuteticos

paradidaacuteticos canccedilotildees histoacuterias piadas publicidades mateacuterias jornaliacutesticas cantadas enfim

sob os mais diversos formatos haacute a temaacutetica de gecircnero Indaguei-lhe se acharia que a

ausecircncia de textos especiacuteficos para o enfrentamento agrave iniquidade de gecircnero poderia mesmo

ser oacutebice para a exploraccedilatildeo da temaacutetica considerando que ela estaacute no imaginaacuterio social de

alguma forma precisando ser desconstruiacuteda Ela foi sincera e confessou que natildeo atentava para

a presenccedila da temaacutetica perpassando em tantos gecircneros textuais A invisibilidade da violecircncia

de gecircnero deu sinais naquele depoimento De modo letaacutergico natildeo sendo contemplada em

98

leituras escolares nem vista em textos que fazem parte do cotidiano das prateleiras de

bibliotecas dos aparelhos de som e das mochilas escolares a invisibilidade fazia acenos pelos

sentidos que aquela educadora concedia ao ato de ler

O ato de ler natildeo se esgota em livros bibliotecas professoresas escolas Nascem de

olhos que veem que planejam que seduzem Silva (2011) aduz que as praacuteticas de leitura

escolar natildeo podem nascer do acaso nem do autoritarismo de tarefas mas de uma programaccedilatildeo

envolvente E isto perpassa essencialmente por uma formaccedilatildeo que privilegie praacuteticas de

liberdade consciecircncia da importacircncia de uma construccedilatildeo coletiva do lugar de si e do outro no

mundo que nos cerca Dessa formaccedilatildeo o poder puacuteblico tem dito se preocupar Eacute com o que

parecem concordar osas entrevistadosas diante da seguinte questatildeo

4 Vocecirc acredita que a formaccedilatildeo recebida pelo (a) educador (a) tanto em niacutevel

inicial quanto na continuada tem preparado o (a) profissional para uma praacutetica

pedagoacutegica que contemple a equidade de gecircnero no espaccedilo escolar

( ) sim ( ) natildeo

Essa questatildeo objetivou perceber de que forma as poliacuteticas puacuteblicas de formaccedilatildeo

inicial e continuada satildeo percebidas Eacute algo que merece a atenccedilatildeo ser averiguado seriam essas

formaccedilotildees proficientes excessivamente teoacutericas de que modo essas praacuteticas discursivas

equipam essesas profissionais para impactar suas atuaccedilotildees Investigar o que de fato tem

atravessado os discursos das formaccedilotildees e ressoado no chatildeo da escola nos modos de

subjetivaccedilatildeo dessesas professoresas leitoresas eacute de uma pertinecircncia tamanha para quem se

envolve com a educaccedilatildeo como praacutetica de liberdade no sentido foucaultiano Dizendo de outro

modo eacute salutar buscar se haacute verdades novas atinentes ao que propotildeem os DH sobre a

equidade de gecircnero sobre a desconstruccedilatildeo da constituiccedilatildeo do diferente enunciadas pelos

formadores em curso de capacitaccedilatildeo e nas formaccedilotildees iniciais e quais tecircm sido seus efeitos

Com a aplicaccedilatildeo da quarta questatildeo pude avaliar como satildeo afetadas as relaccedilotildees de gecircnero pela

ingestatildeo do debate pelas tecnologias formadoras E de fato a totalidade dosas respondentes

afirmou que recebe uma formaccedilatildeo que capacita que contempla o debate sobre a construccedilatildeo

das diferenccedilas e a equidade de gecircnero no espaccedilo escolar

Entre todavia o recebimento de uma formaccedilatildeo capaz de problematizar as

assimetrias de gecircnero e a implementaccedilatildeo por parte dessesas educadoresas de uma praacutetica

discursiva que lhes capacite romper com uma memoacuteria discursiva que interdita uma condiccedilatildeo

de vida sem subalternidades existem seacuteculos de jogos de verdade nos quais os processos de

subjetivaccedilatildeo transigem segundo regras histoacutericas Satildeo jogos que perpassam doutrinas

99

pedagoacutegicas sustentando uma superioridade intelectual dos homens por isto destinando

lugares distintos para homens e mulheres (o puacuteblico aos homens o privado agraves mulheres)

Satildeo jogos de verdade que destinam comportamentos diferenciados aos sexos constituindo o

gecircnero sustentando a inferioridade feminina a construccedilatildeo da diferenccedila do padratildeo

heterossexual como desvio como patologia entre tantos outros jogos de verdade

E as regras histoacutericas hoje consideram lentamente uma ordem discursiva que se

desenha na qual as muralhas androcecircntricas sofrem o abalo de uma atuaccedilatildeo poliacutetica do

coletivo de mulheres e do LGBT que se empoderam com o ativismo autoral por respeito agraves

diferenccedilas Pude constar isto em uma visitaccedilatildeo que fiz agrave escola em 24 de outubro de 2013 Em

diaacutelogo com Elisa uma professora com 15 anos de atuaccedilatildeo profissional no qual lhe indaguei

sobre sua percepccedilatildeo acerca da presenccedila das relaccedilotildees de gecircnero no cotidiano escolar acerca da

vinculaccedilatildeo (ou natildeo) entre suas praacuteticas leitoras e estas questotildees Muito rapidamente ela se

posicionou como uma conservadora e se disse escandalizada com as transformaccedilotildees sociais

que via emergir em termos de comportamentos sexuais inclusive ali na escola Ouvi um

desabafo inusitado desta informante que presenciou uma cena de beijos entre duas

adolescentes

- Natildeo vejo a hora de sair desta escola Aqui todos satildeo danados E as meninas nem se

falam Peguei duas aos beijos fui intervir e ouvi da menina

- Taacute com preconceito eacute professora

A narrativa daquela educadora me marcou e lhe indaguei se ela achava que estava

com preconceito conforme lhe indagou a menina Respondeu que sim pois sendo beijos entre

casais heterossexuais tambeacutem reprimiria o ato mas natildeo ficaria tatildeo aborrecida como ficou Fiz

a Elisa mais indagaccedilotildees inquirindo sobre o efeito das formaccedilotildees acadecircmicas pelas quais ela

tem passado Ela pareceu-me marcha por lugares onde soam ritmos diferentes E com suas

respostas fui remetida ao que diz Orlandi (2008) acerca do entrecruzamento de vozes que

torna o sujeito heterogecircneo e das condiccedilotildees de produccedilotildees do discurso que permitem

enunciados diferentes em determinados espaccedilos sociais Mesmo se dizendo refrataacuteria agraves

mudanccedilas Elisa disse aprovar as formaccedilotildees continuadas que ensinam a lidar com as

diferenccedilas apesar de natildeo conseguir concordar com o que escuta e vecirc

- Nas formaccedilotildees continuadas ateacute entendo a questatildeo do respeito mesmo sem

concordar ateacute entendo Mas quando presencio uma cena como a do beijo das meninas em

puacuteblico daacute um nojo acho uma falta de respeito natildeo concordo

100

E como demonstrou natildeo concordar Sua ecircnfase agrave cena me fez pensar no quanto

provavelmente o beijo das duas garotas consideradas desviantes lhe foi claramente chocante

mas natildeo menos e natildeo tatildeo claro foi chocante a ela o tom reivindicativo com o qual a aluna se

apoderou para evocar da professora uma postura mais reflexiva mais apropriada a sua funccedilatildeo

A desviante aos olhos de Elisa pode ter lhe lembrado de que para ser educadora ela deveria

estar atinente agraves novas poliacuteticas educacionais deveria ter postura de respeito agrave liberdade de

afeto seja de que maneira for Haacute o dever ao respeito agraves diferenccedilas assegurado legalmente

parece ter dito a menina ao lhe indagar sobre preconceito

Elisa segundo me informou caiu em si natildeo se sentia preparada para atuar ali

mesmo que se esforccedilasse para assimilar as diretrizes de uma escola inclusiva democraacutetica

natildeo discriminatoacuteria Essa professora se depara com formaccedilotildees discursivas conflitantes e entre

suas verdades e o que a escola deseja construir aos moldes de ser inclusiva angustia-se O

recrudescimento do constituiacutedo diferente que empoderado natildeo aceita ser abjeto (HALL

2011) e reivindica direitos pocircs em evidecircncia isto causando-lhe transtorno Uma firmeza da

menina desviante foi o estopim para gerar na professora a vontade de abandonar aquela

escola para natildeo ter que se desfazer de uma formaccedilatildeo discursiva cristalizadora de identidades

Formaccedilatildeo que talvez natildeo tenha lhe permitido enxergar amiuacutede toda sorte de preconceitos

insultos e ofensas vividos por outrosas desviantes tirando-lhes o chatildeo tirando-lhes da escola

Agora era o seu chatildeo que lhe fora retirado por um gesto de afirmaccedilatildeo de identidade de

altivez de peleja pela desconstruccedilatildeo de verdades

Restaria querer buscar outro chatildeo mais soacutelido mais firme na crosta essencialista

Mas para qual escola iria Mesmo timidamente o discurso da defesa da diversidade cultural

sexual e da equidade de direitos eacute um campo de luta que surge amparado em legislaccedilatildeo

educacional e em formaccedilotildees continuadas dispensadas aosagraves educadoresas Embora de forma

amena tangencial surge Eacute o contraponto a uma ordem conservadora de uma perspectiva

essencialista discriminadora que se faz surgir em praacuteticas discursivas instigadoras de

problematizaccedilotildees da iniquidade de gecircnero Acerca da presenccedila desse contraponto na escola

TRAVESSIA quis saber interrogando sobre as poliacuteticas educacionais no direcionamento do

que pode o menino e a menina toacutepico da quinta questatildeo

5 As poliacuteticas educacionais comprometem a equidade de gecircnero O que pode o

menino e o que pode a menina

( ) sim ( ) natildeo

101

5a ( ) natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e

meninas

5b ( ) comprometem pouco porque a escola atua pela igualdade de tratamento

5c ( ) ainda comprometem muito porque a escola dispensa tratamento desigual

5d ( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que

satildeo naturalmente desiguais

Osas respondentes demonstraram natildeo perceber que a escola trata fortemente

desigual a ambos Em nenhuma resposta houve a marcaccedilatildeo para o enunciado 5c o qual

afirma que as poliacuteticas educacionais ainda comprometem a equidade de gecircnero Por sua vez a

negaccedilatildeo de que haacute discriminaccedilatildeo foi bem marcada pela maioria dos respondentes

5a ( ) natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e

meninas

Haacute uma coerecircncia interna na marcaccedilatildeo dessas respostas quando relacionado o

conjunto de todas as quatro proposiccedilotildees considerando que com a ausecircncia absoluta por parte

de todos os respondentes de marcaccedilatildeo com o enunciado a seguir haacute a indicaccedilatildeo de que osas

respondentes buscam negar ranccedilos essencialistas nas suas formaccedilotildees discursivas

5d ( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que

satildeo naturalmente desiguais

O que me leva a assim pensar eacute a consideraccedilatildeo de que em nenhuma das respostas

houve marcaccedilatildeo na propositura acima indicada (5d Osas colaboradoresas da pesquisa

parecem querer evidenciar crer que natildeo somos homens e mulheres naturalmente desiguais

Somos ao contraacuterio construiacutedos desiguais detentores em princiacutepio de direitos iguais e a

escola parece querer respeitar esta conquista que eacute relativamente recente Parece mas

estabelecendo um diaacutelogo com vozes informantes desta pesquisa como as de Rosa e Elisa

por exemplo nem chega a parecer suas vozes carregam enunciados visivelmente

sedimentados na assimetria essencialista

Por sua vez com o enunciado da sexta questatildeo que intenciona captar de que forma a

escola tem participado dos processos de subjetivaccedilatildeo intervindo nas construccedilotildees de gecircnero

das crianccedilas e adolescentes foram evidenciados resultados que mostram possibilidades bem

reveladoras de olhares essencialistas Seguem a questatildeo e seus resultados

102

6 Quando meninos e meninas demonstram comportamentos ldquoconsideradosrdquo como

natildeo apropriados para seu sexo qual a leitura feita

6a ( ) Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras de cada

crianccedila

6b ( ) Haacute um sentimento de decepccedilatildeo algo estaacute errado

6c ( ) Procuro redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo

Outro _______________________________

Apenas dois tipos de respostas foram marcadas Unicamente uma pontuaccedilatildeo para a

proposiccedilatildeo 6a que anuncia Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras

de cada crianccedila Esta percepccedilatildeo solitaacuteria vai ao encontro de um olhar que aceita

problematizar padrotildees hegemocircnicos aceita contrariar jogos de poder que reproduzem

estigmatizaccedilotildees discriminaccedilotildees sexistas assimetrias de gecircnero Por seu turno oito dosas

nove colaboradoresas disseram que procuram redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo

(6c) Uma indicaccedilatildeo de que raciocinam por uma loacutegica essencialista dual homogeinizante

normalanormal Uma loacutegica que exclui os que rompem com os padrotildees identitaacuterios de

gecircnero e mesmo que evite expocirc-los constrangecirc-los natildeo os aceita tenta enquadraacute-los Satildeo os

saberes-poderes que permitem o governo de sujeitos por outros os processos de subjetivaccedilatildeo

sendo instaurados por verdades veiculadas pelas instituiccedilotildees

O poder funciona e se exerce em rede Nas suas malhas os indiviacuteduos natildeo soacute

circulam mas estatildeo sempre em posiccedilatildeo de exercer este poder e de sofrer sua accedilatildeo

nunca satildeo o alvo inerte ou consentido do poder satildeo sempre centros de transmissatildeo

Em outros termos o poder natildeo se aplica aos indiviacuteduos passa por eles

(FOUCAULT 2012 p 45)

Para corroborar a afirmaccedilatildeo de Foucault (2012) que fala deste poder dispersado

localizado pelo pensador nas relaccedilotildees sociais como um todo retorno aos fragmentos retirados

dessa pesquisa refletindo sobre o poder em sua dimensatildeo relacional A quase totalidade dosas

educadoresas vigiada possivelmente pelos olhares de pais direccedilatildeo colegas por enunciados

que circulam em documentos escolares em formaccedilotildees e cursos posiciona-se dubiamente

concebe a polaridade fixa dos gecircneros exerce entatildeo o poder de redirecionar o interesse do

considerado desviante Mas natildeo expotildee quem a contraria Estariam sendo desestimulados

essesas colaboradoresas pelas bandeiras anti-homofoacutebicas Bom sinal para o ativismo

poliacutetico da populaccedilatildeo LGBT que historicamente sofre as agruras do preconceito e da

discriminaccedilatildeo confrontando isto com o que reza um dos princiacutepios do Plano Nacional da

Promoccedilatildeo da Cidadania e dos Direitos Humanos de LGBT lanccedilado em 2009 ldquoUm Estado

Democraacutetico de Direito natildeo pode aceitar praacuteticas sociais e institucionais que criminalizam

103

estigmatizam e marginalizam as pessoas por motivo de sexo orientaccedilatildeo sexual eou

identidade de gecircnerordquo (Secretaria Especial dos Direitos Humanos 2009 p11)

Com os sentidos afiados em confluecircncia com o olhar de Louro (2012) um passeio

pela escola e pelas respostas apresentadas neste instrumento de investigaccedilatildeo revelam o quanto

praacuteticas escolares expressam uma constituiccedilatildeo discursiva com fixaccedilatildeo de comportamentos

adequados para meninos e meninas Ora rechaccedilando ora respaldando o fato eacute que os modelos

socialmente valorizados ainda satildeo os que estereotipam meninas como fraacutegeis esforccediladas e

meninos como inteligentes fortes Isso resulta em confronto em fabricaccedilotildees de estereoacutetipos

Para a elaboraccedilatildeo da seacutetima questatildeo que possui este elo busquei reflexotildees no pensamento de

Foucault (2004a 2004c) quando esse propotildee o cuidado de si as praacuteticas que constituem uma

subjetividade eacutetica Penso que a defesa de uma vigilacircncia sobre construccedilotildees discursivas que

fabricam mulheres objetos coisificadas veiculadas em toda sorte de artefato cultural deve ser

constituiacuteda se o rompimento com esse modelo eacute desejado E considero a ausecircncia desta

vigilacircncia por parte dosas educadoresas como uma lacuna que impede a quebra substancial

com um paradigma machista Eacute esse paradigma que permite uma praacutetica discursiva dos

homens em fazer as inuacutemeras piadas sobre loura as incontaacuteveis formas de estereotipar as

mulheres no que se refere a sua intelectualidade a sua atribuiacuteda inabililidade para dirigir para

exercer certas profissotildees relacionando grosseiramente beleza agrave burrice enfim formas

conflituosas de se perceber um ao outro fazem parte de um repertoacuterio que resolvi imprimir em

minhas inquiriccedilotildees

7 Como mediadora de leitura vocecirc interfere diante de uma expressatildeo de

preconceito uma expressatildeo de conflitos entre olhares de meninos e de meninas

7a ( ) pouco eacute natural a disputa

7b ( ) interfiro sempre sou contraacuterio (a) a qualquer manifestaccedilatildeo de

discriminaccedilatildeo

7c ( ) Natildeo haacute como interferir sempre nossa demanda eacute intensa

As respostas foram incisivamente favoraacuteveis agrave intervenccedilatildeo A marcaccedilatildeo da totalidade

dosas respondentes para o enunciado 7b parece indicar que na contramatildeo de ser

inadequadamente omisso diante de discriminaccedilatildeo ningueacutem deseja estar embora possa

paradoxalmente direcionar comportamentos conforme anunciado pelas respostas da questatildeo

6c Natildeo haveria aiacute a manifestaccedilatildeo de que se natildeo aceitamos uma nova ordem de interesses por

parte de crianccedilas conforme enunciado da sexta questatildeo que soacute obteve uma marcaccedilatildeo eacute

104

porque natildeo duvidamos do que tenha sido naturalizado construiacutedo discursivamente como o

outro o diferente

Estas dissonacircncias entre interferir em manifestaccedilotildees de preconceitos e construir

possibilidades de exercer controle sobre o outro o desviante da pressuposta normalidade

mesmo que de forma discreta podem estar expressando modos de subjetivaccedilatildeo nos quais

sujeitos expostos agraves diversas formaccedilotildees discursivas assimilam mudanccedilas ordens interesses

Em outros momentos todavia retecircm-se com perspectivas essencialistas que osas impedem

de apropriar-se do que recomendam as tecnologias oficiais no tocante por exemplo ao

respeito agrave diversidade humana aos conhecimentos dos processos de construccedilatildeo do diferente

como o outro o abjeto Osas educadoresas expressam entatildeo em muitas tentativas de quebra

de paradigmas que os jogos por verdades se datildeo de modo processual refletem lutas poderes

e resistecircncias dispersando e replicando vozes

Considerando a importacircncia de buscar inquiriccedilatildeo sobre o fenocircmeno da violecircncia

domeacutestica contra a mulher como uma das mazelas sociais que as vitimiza cotidianamente

sob as mais diferentes formas de massacre fiacutesica simboacutelica psicoloacutegica moral patrimonial

na oitava questatildeo resolvi inquirir sobre como este fenocircmeno eacute percebido pelosas

educadoresas envolvidosas no estudo Assim propus o enunciado

8 No tocante agrave violecircncia contra a mulher segundo o Mapa da Violecircncia 2012 o

Brasil ocupa a 7ordf colocaccedilatildeo em um ranking de 84 paiacuteses O que em sua opiniatildeo

explica a existecircncia deste fenocircmeno Marque mais de uma questatildeo caso queira

8a ( ) Formaccedilatildeo cultural

8b ( ) Haacute pessoas naturalmente violentas

8c ( ) Natildeo sei

8d ( ) O ciuacuteme o consumo de drogas o divoacutercio e natildeo saber lidar com traiccedilatildeo

8e ( )O desemprego crise financeira e pobreza

Outra ______________________

Nesta proposiccedilatildeo as respostas foram diversificadas foi marcado inclusive o

enunciado que afirma desconhecer as razotildees (8c) A questatildeo em aberto natildeo foi aproveitada

por nenhuma respondente Mas em sua maioria essesas (seis dosas nove) relacionaram o

fenocircmeno da violecircncia contra a mulher como algo que tem causa na formaccedilatildeo cultural Eacute

importante que se atente como alguns enunciados marcados podem estar evidenciando o

quanto a problemaacutetica carrega alguns mitos sobre as suas provaacuteveis causas Observando por

exemplo a marcaccedilatildeo isolada para o toacutepico 8e que faz nexo causal entre a violecircncia e a crise

econocircmica como pensar que a violecircncia estaacute ligada agraves dificuldades dessa ordem quando em

105

todas as classes sociais se registram ocorrecircncias Haacute maneiras diferentes de encarar as

agressividades em funccedilatildeo de tabus entre outros subterfuacutegios mas mulheres pertencentes a

todas as posiccedilotildees da piracircmide social satildeo viacutetimas de violecircncia conforme atestam inuacutemeras

pesquisas (SAFFIOTI 2001)

A evidecircncia de que o entendimento sobre as causas da violecircncia foi redutor estaacute

tambeacutem na marcaccedilatildeo isolada da proposiccedilatildeo 8d afinal estas causas apontadas estatildeo indicando

que o estopim estourou pelo aumento do stress pela perda do autocontrole (SAFFIOTI

MUNHOS 1994) mas em verdade haacute algo maior que impulsiona a agressatildeo encontra

apenas as brechas em quaisquer desculpas Em verdade eacute costumeira a confusatildeo entre causas

e motivaccedilotildees da violecircncia aquelas satildeo mais sistecircmicas e as motivaccedilotildees mais localizadas

ocasionadas por situaccedilotildees diversas como stress uso de entorpecentes etc

Considero importante atentar para o fato de que se a maioria respondeu perceber

vinculaccedilatildeo entre a violecircncia e a formaccedilatildeo cultural talvez por presenciar tantas cenas de

violecircncia de gecircnero e escutar narrativas feitas por alunosas acerca das dores maternas e

fraternas provocadas pela violecircncia domeacutestica deveria estar a escola propondo a brigada

anti-violecircncia pelo vieacutes da cultura Mas nenhuma respondente posicionou-se assim no espaccedilo

deixado em branco no questionaacuterio com o fim de possibilitar a expressatildeo de reflexotildees tambeacutem

nessa direccedilatildeo

A violecircncia contra a mulher tem vinculaccedilatildeo em uma cultura machista patriarcal

sedimentada milenarmente Buscar compreendecirc-la no campo dos estudos de gecircnero seria

oportuno para a escola porque poderia ser evidenciada o quanto a educaccedilatildeo dispensada a

meninos e meninas de forma diferenciada na qual se passam valores que sustentam olhar

para as mulheres que as inferioriza eacute possivelmente forte construto que alimenta uma cultura

machista E essa credencia agrave banalizaccedilatildeo do fenocircmeno da violecircncia Basta que se lembre dos

ditados populares que grassam (jaacute grassaram bem mais) nas bocas ldquoMulher eacute que nem bife

quanto mais apanha melhor ficardquo para que se atente o quanto haacute a naturalizaccedilatildeo do

fenocircmeno Esse dito eacute soacute um entre tantos nos imaginaacuterios sociais que fabricam a ideia de que

violentar mulheres faz parte eacute permitido

E satildeo por esses imaginaacuterios sociais que o Relatoacuterio Final da Comissatildeo Parlamentar

Mista de Inqueacuterito ndash CPMI - da Violecircncia contra a Mulher do Congresso Nacional entregue

em julho de 2013 aponta iacutendices alarmantes fala de femiciacutedio e coloca como uma

necessidade premente a da superaccedilatildeo deste mal

106

A curva ascendente do femiciacutedio a permanecircncia de altos padrotildees de violecircncia contra

mulheres e a toleracircncia estatal detectada tanto por pesquisas estudos e relatoacuterios

nacionais e internacionais quanto pelos trabalhos desta CPMI estatildeo a demonstrar a

necessidade urgente de mudanccedilas legais e culturais em nossa sociedade Conforme

mostra a pesquisa intitulada Mapa da Violecircncia homiciacutedios de mulheres mais de 92

mil mulheres foram assassinadas no Brasil nos uacuteltimos trinta anos 43 mil delas soacute

na uacuteltima deacutecada (BRASIL 2013 p 8)

A violecircncia contra a mulher eacute um fenocircmeno bastante complexo com raiacutezes fincadas

em solos de culturas machistas amparada em um Estado historicamente omisso na promoccedilatildeo

do direito a uma vida sem violecircncia para as mulheres Esse fenocircmeno que esteve na

invisibilidade social encoberto por muito tempo erroneamente sustentado pelo direito ao

instituto da privacidade entre parceiros tendo inclusive um aparato popular que os abrigava

de vexames e intervenccedilotildees ldquoEm briga de marido e mulher natildeo se mete a colherrdquo teve

recentemente a intervenccedilatildeo do Estado brasileiro com a Lei 113402006 a Maria da Penha

Esse instrumento juriacutedico se apresenta como um dos mais avanccedilados amparo legal para o

enfrentamento da questatildeo Natildeo se muda todavia cultura com golpe de lei haacute muito a ser

feito em termos de estrutura do judiciaacuterio brasileiro (ampliaccedilatildeo do nuacutemero de varas de

juizados especiais de Casas Abrigo de DEAMS - Delegacias Especializadas de Atendimento

agrave Mulher - funcionando em regime de plantatildeo capacitaccedilatildeo dos juristas) para que a lei passe a

ser um ordenamento juriacutedico que vigore como deve efetivamente sendo aplicado de forma

preventiva educativa e punitiva

E a escola no que diz respeito a formar para a equidade de gecircnero e para a cultura da

paz eacute espaccedilo fundamental que pode se ofertar no semeio desta colheita Importante portanto

a denuacutencia que osas respondentes fizeram da atuaccedilatildeo piacutefia da unidade escolar em tela no

tocante ao papel que a instituiccedilatildeo deve ter como importante instrumento no combate agrave

violecircncia domeacutestica contra a mulher Satildeo muitas as respostas (oito das nove) que afirmaram

pouco operar a escola neste sentido Assim se constituiu a nona questatildeo

9 Para vocecirc a escola atenta para sua importacircncia como espaccedilo de enfrentamento agrave

questatildeo

( ) sim ( ) natildeo ( ) sim mas de forma insignificante

A escola TRAVESSIA conforme percebem aqueles que dela fazem parte e

seguramente presenciam depoimentos e cenas que datildeo conta do mal da violecircncia contra a

mulher como o que grassa pouco opera no enfrentamento deste problema Esse mal que

sendo uma violaccedilatildeo dos direitos humanos das mulheres eacute um flagelo uma ameaccedila agrave

107

Democracia agrave paz agrave justiccedila deve portanto ter a escola envolvida em sua prevenccedilatildeo

eliminaccedilatildeo e enfrentamento Natildeo haacute como esta instituiccedilatildeo ser indiferente ao caminho sem

volta que as marchas feministas vecircm construindo especialmente nas uacuteltimas deacutecadas com

grandes avanccedilos dados pelos seus gritos ecoados nas bandeiras dos DH positivados em

forma de lei especiacutefica que penaliza a violecircncia contra a mulher e em diretrizes educacionais

que propotildeem a equidade de gecircnero

Como instacircncia de poder atravessada por praacuteticas discursivas natildeo neutras

legitimadora de ordem social por meio de suas ldquoverdadesrdquo fabricadas a escola propaga em

tese sua missatildeo fundamental como a de formar seres humanos eacuteticos conscientes de sua

igualdade de direitos por seus propoacutesitos e pela obrigatoriedade legal que se desenha com o

advento da poacutes-modernidade Mas na praacutetica sua missatildeo tem eacute instituiacutedo a segregaccedilatildeo

atraveacutes do controle disciplinar domesticando corpos e mentes (LOURO 2012)

Nesse sentido a promoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de enfrentamento agrave violecircncia de

gecircnero eacute uma realidade de resistecircncia que daacute sinais tiacutemidos no chatildeo da escola mas daacute sinais

Cabe aosagraves fazedores da educaccedilatildeo acolhecirc-los Sua contribuiccedilatildeo ao debate que estranha

sentidos essencializados pode ser significativa considerando que os muros escolares racham

com o advento da globalizaccedilatildeo e dos avanccedilos tecnoloacutegicos disseminando informaccedilatildeo

instantaneamente Satildeo inuacutemeros os recursos educativos que podem amparar a discussatildeo

reportagens filmes peccedilas teatrais programas de TV de raacutedio diaacutelogos que circulam em salas

de aula entre outros Obviamente que esses recursos na maioria esmagadora das escolas

puacuteblicas brasileiras natildeo satildeo inteiramente disponibilizados e na escola TRAVESSIA natildeo eacute

diferente Haacute laacute escassez de textos e de demais instrumentos que permitam um trabalho bem

amparado percebida em minhas visitaccedilotildees Mas isso natildeo pode se constituir como oacutebice total

haacute sempre formas de propor o debate em um mundo plural que existe e deseja se firmar Por

onde andamos e estamos haacute sujeitos em interlocuccedilatildeo trazendo presentes vozes sociais de

onde emanam efeitos de sentidos sobre papeacuteis construiacutedos

Elaborei questatildeo especiacutefica sobre qual o olhar a escola evidencia ter atraveacutes de seu

projeto de leitura para um dos melhores instrumentos juriacutedicos em niacutevel mundial de

enfrentamento do combate agrave violecircncia domeacutestica a Lei Maria da Penha Esse ordenamento

juriacutedico que segundo pesquisa do Instituto AvonIPSOS (2011) eacute um marco legal

amplamente conhecido e poderia estar sendo pontuado no ambiente escolar de modo a

semear a cultura da paz e do respeito agraves mulheres Assim mobilizei a deacutecima questatildeo desse

instrumento

108

10 A Lei Maria da Penha como avanccedilado instrumento juriacutedico no enfrentamento da

violecircncia contra a mulher ganha que espaccedilo no projeto de leitura

10a ( ) Nunca foi citada

10b ( ) Existe na biblioteca

10c ( ) Jaacute trabalhamos com ela

As respostas obtidas indicam sintonia com a nona proposiccedilatildeo na qual se pontuou

que a problemaacutetica da violecircncia domeacutestica contra a mulher natildeo encontra a importacircncia que

lhe eacute devida Todosas colaboradoresas responderam na deacutecima questatildeo que a lei nunca foi

citada (10a) Natildeo que o ordenamento juriacutedico tenha que ter referecircncia obrigatoacuteria nas leituras

da escola mas face a sua popularidade e pertinecircncia inclusive havendo versatildeo deste em

cordel o que facilitaria sua divulgaccedilatildeo poderia constar como uma das leituras feitas e

referidas de forma direta ou indireta Poderia porque a escola eacute espaccedilo formador tem papel

estruturante em accedilotildees que podem semear reflexotildees individuais e coletivas pela construccedilatildeo da

cultura da paz A educaccedilatildeo tensionando conflito e vozes pode ser constituiacutedo como espaccedilo

fecundo de organizaccedilatildeo pela emancipaccedilatildeo de oprimidos[as] (FREIRE 2002) Nesta acepccedilatildeo

a lei pode chegar a todas as crianccedilas e adolescentes pela instacircncia da escola como um sulco

no muro da iniquidade de gecircnero mostrando-se em sua consistecircncia preventiva e punitiva

como um aprendizado um oacutebice agrave violecircncia domeacutestica

Natildeo bastaraacute todavia conhecer o ordenamento juriacutedico para que se coiacuteba a violecircncia

O enfrentamento desse fenocircmeno perpassa pela construccedilatildeo de novas formas de subjetivaccedilatildeo

nas quais o direito a uma vida sem violecircncia agraves mulheres seja efetivamente garantido e

assegurado pela condiccedilatildeo humana destas A escola deve ser um baluarte na colaboraccedilatildeo dessa

praacutetica para isso por ela precisam perpassar debates caros ao tema inquirindo sobre qual

posicionamento tem tido a instituiccedilatildeo quanto agrave construccedilatildeo e desconstruccedilatildeo de hegemonias

tem reforccedilado ou questionado as assimetrias de gecircnero

Na escola TRAVESSIA pude constatar haacute um tangenciamento do debate acerca das

relaccedilotildees de gecircnero percebido pelas discursividades de seusuas educadoresas como

mediadores de leituras Uma anaacutelise desse tangenciamento pode pontuar uma reflexatildeo que

perspectiva com um debate proposto por Foucault (2011) na linha do que satildeo as conjunturas

histoacutericas e socioculturais que permitem os jogos de verdades Se haacute a positivaccedilatildeo da lei na

sociedade brasileira e ela pode ser contemplada como legado de mobilizaccedilatildeo haacute todavia a

ausecircncia de seu debate em instacircncias escolares como a da escola TRAVESSIA E isso pode

ser contemplado como um legado de controle social no qual a eliminaccedilatildeo das discriminaccedilotildees

das violecircncias dos confrontos eacute significativamente negada silenciada mesmo que estejam

109

postas tecnologias que a discutam O rompimento desse controle que silencia lutas eacute uma

tarefa que oa intelectual oa educadora pode desejar construir lembrando aquilo que

Foucault (2004a 2004c 2012) pontua as pessoas podem ser mais felizes mais livres As

pessoas natildeo satildeo aprisionadas pelo poder elas podem modificar sua dominaccedilatildeo Isso evoca a

recusa do que satildeo despertada pela consciecircncia do que lhes disseram ldquoNingueacutem entraraacute na

ordem do discurso se natildeo satisfizer a certas exigecircncias ou se natildeo for de iniacutecio qualificado

para fazecirc-lordquo (FOUCAULT 2011)

E que ordem de discurso adentra a escola TRAVESSIA produzindo efeitos de

sentidos postos pela ausecircncia do debate sobre as hierarquias de gecircnero Adentra conforme

depoimentos de educadoresas ali escutadosas a da pouca reflexibilidade sobre o campo de

gecircnero a do adormecimento para a noccedilatildeo de estrateacutegias que enfrentem o poder androcecircntrico

Uma das formas de resistecircncia a esse poder se daacute pelo ato desbravador do conhecimento dos

processos discursivos que constituem as subjetividades que constituem as verdades ditas

sobre homens e sobre mulheres Satildeo passos na caminhada pela emancipaccedilatildeo A leitura pode

ser constituiacuteda com esta linhagem e ser mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de

identidades na ressignificaccedilatildeo de leituras eivadas de identidades socialmente construiacutedas pela

subalternidade da mulher Nessa direccedilatildeo Moita Lopes (2003) traz a tecitura com que a

linguagem nos constroacutei e corrobora com a ideia de resistecircncia

A percepccedilatildeo do discurso como construccedilatildeo social coloca as pessoas como

participantes nos processos de construccedilatildeo de significado na sociedade e portanto

inclui a possibilidade de permitir posiccedilotildees de resistecircncia em relaccedilatildeo a discursos

hegemocircnicos isto eacute o poder natildeo eacute tomado como monoliacutetico e as identidades sociais

natildeo fixas (MOITA LOPES 2003 p 55)

Nesse sentido por conceber a importacircncia do conhecimento dos processos histoacutericos

emancipatoacuterios como o das lutas sociais e em especial a esse trabalho o do movimento

feminista foi elaborada questatildeo que objetivava perpassar pelas reflexotildees acerca da histoacuteria

social das mulheres As histoacuterias dos homens estatildeo aiacute onipresentes ocupando o tempo todo

todo espaccedilo Mas a histoacuteria social das mulheres natildeo eacute significativamente contada natildeo consta

nos curriacuteculos natildeo eacute devidamente estudada Isso possivelmente contribui para trazecirc-las na

invisibilidade considerando que os seus processos histoacutericos de subordinaccedilatildeo ao masculino

suas exclusotildees dos campos poliacuteticos cientiacuteficos artiacutesticos enfim ainda natildeo satildeo devidamente

estudados A histoacuteria de luta pela emancipaccedilatildeo social das mulheres eacute entretanto uma das

mais bem vividas experiecircncias que atestam o poder da mobilizaccedilatildeo social e mereceria estar

110

entre as preocupaccedilotildees da escola e no projeto de leitura Desejei saber como esta questatildeo era

percebida pelosas informantes e elaborei o deacutecimo primeiro questionamento

11 Que lugar deve ocupar a histoacuteria de emancipaccedilatildeo da mulher no curriacuteculo

escolar e no projeto

11a ( ) Haacute sentido em trazer a histoacuteria social das mulheres como tema nos

curriacuteculos escolares

11b ( ) Apoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas

memoacuterias ocultadas e inferiorizadas

11c ( ) O conteuacutedo sobre o coletivo das mulheres tem espaccedilo mas temos pouca

carga horaacuteria para exploraacute-lo mais

11d ( ) Natildeo temos como inserir mais conteuacutedo na grade curricular nem acho

importante

Aqui natildeo houve ressalvas para a defesa na quase totalidade das respostas (sete das

nove) da implementaccedilatildeo da histoacuteria das mulheres como forma de resgate de si no debate

escolar Natildeo houve marcaccedilatildeo para o enunciado 11 d A questatildeo 11b foi bem pontuada entatildeo

ldquoApoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas memoacuterias ocultadas e

inferiorizadasrdquo Eacute como um reconhecimento de que o processo de aprendizagem de uma

desnaturalizaccedilatildeo da desigualdade entre homens e mulheres passa pelo conhecimento da

histoacuteria que as excluiu e da sua inclusatildeo pela luta Foucault (2004c) auxilia nesse sentido

quando nos traz a pertinecircncia do conhecimento e a compreensatildeo da relevacircncia do papel do

intelectual

[] e que podemos mostrar agraves pessoas que elas satildeo muito mais livres do que

pensam que elas tomam por verdadeiros por evidentes certos temas fabricados em

um momento particular da histoacuteria e que essa pretensa evidecircncia pode ser criticada

e destruiacuteda O papel do intelectual eacute mudar alguma coisa no pensamento das

pessoas (FOUCAULT 2004c p 295)

Uma pretensatildeo bem ponderada E que em alguns outros momentos o filoacutesofo se

retrai desta posiccedilatildeo de ldquomostrarrdquo caminhos ao outro (FOUCAULT 2004e) Mas a histoacuteria de

luta das mulheres por sua emancipaccedilatildeo social eacute um caminho que merece ser mostrado Papel

que osas educadoresas podem cumprir percebendo-se como sujeitos agrave linguagem agrave

aprendizagem de ordens discursivas e se resistirem promotores das mudanccedilas que a

educaccedilatildeo pode constituir Papel que o movimento feminista com intelectuais e ativistas

parece ter cumprido com propriedade A atuaccedilatildeo desse movimento solicitada na 12ordf questatildeo

assim foi angariada

111

12 Emita sua opiniatildeo a respeito do movimento feminista Marque ateacute duas

respostas

12a ( ) fornece ferramentas conceituais que possibilita melhor percepccedilatildeo da

opressatildeo agrave mulher

12b ( ) propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso eacute

bom

12c ( ) propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso natildeo

eacute

bom

12d ( ) eacute um movimento com muito radicalismo

A unanimidade de valorizaccedilatildeo desta praacutetica discursiva quase imperou desta vez As

proposiccedilotildees 12a e 12b as quais veem com olhos respeitosos o movimento foram as

marcaccedilotildees de oito colaboradoresas Apenas uma resposta considerou o radicalismo do

movimento sua marca talvez por pressupor que as mulheres militantes propotildeem mudanccedilas

que ferem uma construiacuteda e disciplinada essecircncia feminina Os movimentos feministas

propotildeem radicalizar a desnaturalizaccedilatildeo de um mundo construiacutedo em pilares desiguais e

injustos um mundo calccedilado em machismo em violecircncia contra a mulher Radicalizar a

desnaturalizaccedilatildeo deste mundo eacute bom nodal conforme concordaram os que marcaram os

enunciados 12a e 12b Por seu turno ningueacutem marcou que isto natildeo seria bom conforme

enuncia o 12c

A uacuteltima questatildeo do instrumento investigativo versou sobre a consciecircncia do valor

histoacuterico e simboacutelico que tem o Dia Internacional da Mulher Neste enunciado foi deixada

uma questatildeo em aberto com espaccedilo para que osas colaboradoresas pudessem expressar

opiniotildees que ampliassem o conteuacutedo do enunciado o 13 a cuja visatildeo da mulher perpassa por

questotildees generalistas simplistas

13 O projeto de leitura costuma vincular alguma programaccedilatildeo agraves datas

comemorativas

( )sim ( ) natildeo

Caso sim qual o teor do dia 8 de marccedilo como Dia Internacional da Mulher O que

se faz na data ou o que se pretende fazer

13a ( ) Ressaltam-se as qualidades da mulher eacute um dia em que ela eacute intensamente

valorizada entrega de flores poemas cartazes pela escola

13b ( ) outros Especifique_____________________

Todas as marcaccedilotildees apontaram para a 13a ou seja dia de demonstrar homenagens

E o que se homenageia Em regra por meio da publicidade e de outras praacuteticas discursivas

112

circulam imagens que narram e constituem mulheres com identidades ldquonaturaisrdquo dotadas de

habilidades tantas expressas em forma de doaccedilatildeo de cuidados e tantas outras construccedilotildees

dignas de serem presenteadas Batons perfumes flores entre outros satildeo apetrechos que

acompanham imagens que circulam representando o 8 de marccedilo como o Dia Internacional da

Mulher A publicidade que opera com o objetivo de reafirmar valores convencimentos

haacutebitos desfocou a perspectiva de luta de memoacuteria de caminhada por direitos implementada

pelo movimento O teor eacute outro o do consumo Agraves mulheres flores em seu dia Se nos

demais os papeacuteis sexuais exalam o perfume da iniquidade de gecircnero que murchem as flores

Eacute o tempo ainda da formataccedilatildeo que murcha da presenccedila de vozes que falam de um lugar

social o do consumo guiado pelos interesses capitalistas ou o do apagamento da luta das

mulheres por sua cidadania guiado pelos interesses machistas E com esses instala-se o

comportamento de tirar o foco das bandeiras feministas que ergueram o 8 de marccedilo tiram o

foco e semeiam verdades como as de que se valoriza a mulher com perfumes dias de beleza

de spas de corpos sarados ritualizados para uma beleza homogecircnea com tempo de validade

e condiccedilotildees de uso

Nesta questatildeo nenhuma resposta ultrapassou a marcaccedilatildeo de um x nenhum

enunciado a preencher o espaccedilo vazio adentrando todosas respondentes pela perspectiva do

senso comum das comerciais e banais homenagens agraves mulheres Esta ausecircncia de percepccedilatildeo

pelo menos evidenciada pelo que natildeo foi dito que significa conforme pontua a AD por parte

dosas educadoresas para o Dia Internacional da Mulher pode estar revelando um desvalor

para as brigadas que precisam ser armadas naquela seara O 8 de marccedilo eacute data de flores natildeo

pelo que as mulheres satildeo em termos de construccedilotildees essencialistas mas pelo que lutam para

ser livres O 8 de marccedilo eacute dia de memoacuteria de luta sobretudo pelo que as mulheres ainda

precisam assegurar para que possam ter o comando de suas vidas nas matildeos dando ou natildeo

essas em pedidos de casamento Haacute desse modo mais uma maneira de homenagear as

mulheres que eacute pela saudaccedilatildeo na luta na grandeza de fazer uma nova histoacuteria que natildeo foi

dita nas respostas daquelesas respondentes E este silecircncio pode estar ressoando como um

ldquoadeus agraves armasrdquo ou melhor como um natildeo agraves armas O natildeo uso das armas por parte de

quem tem uma responsabilidade social com os marcos legislativos educacionais com a

adoccedilatildeo de praacuteticas de si que osas faccedila zelar por um ethos pela cultura da paz e pela bandeira

da inclusatildeo evidencia uma cristalizaccedilatildeo das identidades uma naturalizaccedilatildeo da construccedilatildeo da

diferenccedila um descompromisso social com a cidadania plena da mulher

Ali na escola TRAVESSIA percebi entatildeo com as leituras das anaacutelises dos

instrumentos investigativos aplicados que o processo de fortalecimento da cidadania da

113

mulher natildeo encontra a guarida nos olhos de quem trabalha com a leitura comprometendo o

ato poliacutetico de ler Natildeo eacute uma trilha faacutecil eacute bom reconhecer atravessar no cotidiano escolar

um oceano de discursos que constroem imagens da mulher que as inferioriza que tingem o

diferente com cores da negaccedilatildeo e desejar atuar para desconstruir tais imagens Os pais e matildees

aparecem para contestar mudanccedilas contestar desconstruccedilotildees de papeacuteis socialmente

instituiacutedos como naquelas cenas que vivi e narrei quando construiacute a gecircnese desta pesquisa

Mas oa educadora tem um chamado para ficar na trincheira por uma brigada que inclua que

emancipe que torne a escola reflexiva atraente a todas as pessoas independentemente de

etnia de orientaccedilatildeo sexual de condiccedilatildeo social Pelo menos esse chamado estaacute sendo

evocado segundo as regras histoacuterias de um tempo que se desenha novo com uma

programaccedilatildeo na qual os jogos de verdades possuem malhas que se abrem para sujeitos de

direitos mesmo que lentamente conquistados

35 As aulas o sujeito-leitor o campo de gecircnero e as relaccedilotildees de poder

Por reorganizaccedilotildees das accedilotildees em funccedilatildeo de vaacuterias suspensotildees de aulas de leitura

pelo projeto entre outras intercorrecircncias deixei a etapa de observaccedilatildeo de aulas para o reiniacutecio

das aulas do 2ordm semestre de 2014 Planejei esta accedilatildeo atentando para o papel central dosas

educadoresas na conduccedilatildeo do debate por sua posiccedilatildeo de liacuteder na interaccedilatildeo relacional e por

serem esses os sujeitos desta pesquisa E assisti agraves aulas das professoras Jacqueline e Luacutecia

cujos nomes satildeo fictiacutecios como todos os outros e que possuem respectivamente oito e vinte

anos de formadas Em ambas houve uma receptividade agradaacutevel mas irei relatar minha

experiecircncia apenas nas aulas de Jacqueline por entendecirc-las mais significativa para o estudo

Assim as considero porque esta professora instigada possivelmente pelos desafios de alguns

instantes de conversas nos quais muito ouvi fez uma tentativa improvisada de dialogar com o

tema em tela

No preluacutedio dessas aulas que se deram em 11 de julho de 2014 no turno vespertino

a professora Jacqueline que me atendeu na biblioteca da escola em um horaacuterio reservado para

isto mostrou-se soliacutecita receosa e muito determinada a demonstrar sua anguacutestia suas

inquietaccedilotildees com a escolha profissional que fez

- Escolhi ser professora desde pequena Era meu sonho Mas a realidade eacute um

pesadelo Quando chega o momento de entrar na sala de aula eu me arrependo desta

escolha Tenho uma filha de 1 ano e seis meses e peccedilo a Deus todo dia que a livre desta

profissatildeo

114

A professora conduziu-me com sua fala pela escola como quem apresenta um

depoacutesito de problemas sem lugar para sonhos para a edificaccedilatildeo da autonomia Ali era o

reduto das queixas narrado por uma voz que soacute lamenta Jacqueline debulhou uma a uma as

lamentaccedilotildees que impregnam aquele ambiente Ouvi um rosaacuterio de desespero de exaustatildeo de

descontrole de pacircnico ateacute de criacuteticas ao ECA - Estatuto da Crianccedila e do Adolescente - que

estava na iminecircncia de completar 24 anos de criaccedilatildeo e que segundo ela ateacute hoje natildeo sabe o

bem que fez a sociedade a existecircncia desse ordenamento juriacutedico As criacuteticas saiacuteram do ECA

agraves peacutessimas condiccedilotildees de trabalho agraves famiacutelias que a seu ver satildeo irresponsaacuteveis Essas

segundo a informante soacute visitam as escolas quando seus benefiacutecios sociais estatildeo ameaccedilados

sobrecarregando a instituiccedilatildeo com deveres que satildeo delas Jaqueline estava disposta a relatar

sobre o peso de ser docente Informou-me que guarda as lembranccedilas das coisas lindas sobre a

educaccedilatildeo ditas por Paulo Freire pelos[as] professores[as] da universidade mas ali dentro da

escola nada que ouviu serve aplica-se

- Somos impotentes Soacute um ou outro aluno daacute sentido ao nosso trabalho Vivemos na

sala de aula o aacutepice do desinteresse e desrespeito e isto eacute terriacutevel Tem horas que natildeo

acredito que estou vivendo isto

Ouvi aquele depoimento atenta e dolorosamente Mas inseri um toacutepico novo o

motivo da observaccedilatildeo daquela aula buscar o nexo temaacutetico das leituras feitas ali O tom da

desmotivaccedilatildeo do sentimento de impotecircncia continuou fazendo parte dos enunciados da profordf

Jaqueline

- Ler aqui eacute complicado professora Natildeo temos recursos nem interesse por parte

dos[as] alunos[as] que soacute querem bagunccedilar

- O que vocecirc preparou para a aula de hoje Indaguei-lhe Ela me disse que iria pedir

para eles escreverem sobre as feacuterias sobre a copa de 2014 Insisti sobre o que leriam disse-

me que algum texto do livro didaacutetico Perguntei-lhe se soacute liam os textos dos livros didaacuteticos

respondeu-me que quase sempre Um retorno agraves aulas sem planejamento sem a municcedilatildeo de

um texto novo produzido por fatos recentes vindo de suportes diferentes com uma

professora que iria improvisar qualquer leitura pareceu-me o retrato de um descaso

profissional bem niacutetido Sem buscar condenaccedilotildees pessoais puxo um fio do novelo da

educaccedilatildeo puacuteblica brasileira que com seus parcos investimentos faz poliacuteticas pobres para

115

pobres cerceando o direito desses agrave cidadania plena agrave emancipaccedilatildeo social Essa professora eacute

mais um elo da cadeia do descuido que envolve a escola puacuteblica brasileira

Depois de ouvi-la muito provoquei o diaacutelogo sobre a interface gecircnero e leitura

Jacqueline falou de gecircnero dos meios de comunicaccedilatildeo de massa influenciando

comportamentos sendo aliados ldquona abertura de mentesrdquo em suas palavras Mas a abertura de

mentes a seu ver resume-se agrave toleracircncia com o diferente estava sempre afirmando que

respeita ldquoas sapatonasrdquo assim se referindo agraves duas meninas que tinham um relacionamento

amoroso e que tentavam assumir isso na escola mas soacute respeitava natildeo aceitava ldquoaquilo natildeo

era normal e era constrangedorrdquo em suas palavras O pronunciamento desta professora

evidenciando uma construccedilatildeo naturalizada das identidades de gecircnero ainda foi acompanhado

por gestos de face e matildeos que transmitiam uma repugnacircncia pela orientaccedilatildeo sexual natildeo

normatizada

Naquela entrevista com as expressotildees preconceituosas de Jaqueline em nomear as

garotas homossexuais de forma pejorativa e com seus gestos de repulsa agraves manifestaccedilotildees de

afeto das garotas fui levada a compreender uma resposta massiva dada pelo questionaacuterio

quando indaguei acerca do posicionamento dosas educadoresas diante de manifestaccedilotildees de

interesse que contrariassem o normalizado Ali tanto quanto no questionaacuterio o desafio de

adotar um olhar reflexivo que problematize as construccedilotildees sociais que estereotipam

comportamentos e orientaccedilotildees sexuais ainda natildeo foi suficientemente alcanccedilado

Conversamos Toca o sinal para a entrada da aula A nossa interaccedilatildeo gerou nela algo

que teve um impulso e se dirigiu agrave prateleira de livros Chega-me com cinco volumes do guia

da Crianccedila Cidadatilde uma publicaccedilatildeo do UNICEF que eacute uma coleccedilatildeo com temas referentes agrave

cidadania O volume trazido pela professora Jaqueline eacute ldquoConvivendo com meninos e

meninasrdquo de autoria de Gwenaeumllle Boulet et al (2005) Tal documento eacute um encarte pequeno

com 54 paacuteginas cujo foco eacute o tratamento da questatildeo de gecircnero A existecircncia deste texto ali

me causou surpresa considerando que em outra etapa desta pesquisa fui informada pela

servidora que exerce a funccedilatildeo de bibliotecaacuteria ali de que nada havia naquele espaccedilo sobre esta

temaacutetica Mas Jacqueline meses depois desta informaccedilatildeo encontrou e parecia encontrar um

sentido em seu uso agora

ldquo- Jaacute que vocecirc estaacute aqui e pesquisa este tema vamos ver em que daacute hoje ler este

livro Mudei minha aula natildeo gosto de discutir estas questotildees mas agora me deu vontaderdquondash

Expressou-se assim a professora

116

Senti o risco do improviso e do artificialismo da aula que caiacutea ali de forma ex-

temporacircnea fruto de um confesso acaso Refleti ao mesmo tempo o quanto as brigadas por

uma defesa da equidade de gecircnero satildeo tambeacutem em forma de tecircnues mudanccedilas que chegam

chegam troteando Houve com minha presenccedila uma provocaccedilatildeo um encorajamento ao tema

tambeacutem jaacute por inuacutemeras vezes estimulado conforme eacute de conhecimento dosas educadoresas

da rede de ensino municipal atraveacutes de projetos acadecircmicos produzidos pela SEDEC como

os que refletem sobre a questatildeo do Bullying da violecircncia contra a mulher entre outros

A questatildeo eacute semear cuidar e perseverar Ali aos olhos de Jaqueline natildeo me parecia

haver um jardim a receber cuidados Seu semblante angustiado ao se deparar com o toque de

entrada para a sala de aula parecia o de quem natildeo levava sementes nem flores Havia um

solo jaacute pronunciado como aacuterido como infeacutertil nas palavras de uma professora que me disse

rezar protegendo sua filha do mal de ser educadora A turma era a do 6ordm ano A com alunosas

de faixa etaacuteria entre 12-13 anos Estavam presentes 18 alunosas naquela sala que receberam

cinco exemplares para serem lidos o que torna considero uma leitura dificultosa

inadequada A professora sem explicar bem a divisatildeo do material propocircs um ciacuterculo A

acuacutestica da sala era comprometida com ventiladores barulhentos e adolescentes inquietosas

Depois de um tempo ela conseguiu iniciar o trabalho e pediu a leitura do livro Joatildeo este eacute

um nome fictiacutecio tanto quanto os dos demais alunosas aqui referidosas a partir de entatildeo

afirma que natildeo quer ler ainda justificando sua negaccedilatildeo

- Natildeo jaacute sei ler pra que ficar lendo

A mestra pacientemente responde

- Joatildeo todo dia se aprende algo novo com a leitura

Atualizei ali o olhar para a 2ordf ediccedilatildeo da Pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO

PROacute-LIVRO 2008) quando essa pontua sobre quatildeo pode natildeo ser gecircnero de primeira

necessidade a leitura para crianccedilas que natildeo veem pais lendo que natildeo encontram ambiente

propiacutecio para o ato de ler A baixa escolaridade das famiacutelias daquelesas alunosas certamente

propicia pouca frequecircncia da leitura em suas casas o que compromete o estiacutemulo familiar agrave

leitura Para aquele aluno o ato de ler eacute mero instrumento decodificador que como ele jaacute

domina a sua teacutecnica despreza as outras funccedilotildees da leitura A professora deu atenccedilatildeo a Joatildeo

dando-lhe uma resposta concisa sobre o valor dessa praacutetica Mas senti falta de mais Senti

117

falta de uma defesa da leitura que mobilizasse a turma Seria um momento propiacutecio para a

educadora inquirir questotildees acerca do prazer (ou desprazer) de ler

Como quem tem pressa como quem natildeo tem espaccedilo para mergulhar aquela

educadora volta a conduzir a aula Pediu aosagraves alunosas para lerem trechos em voz alta

indagou algo e nem esperou o resultado da resposta jaacute retomou ao texto Minha presenccedila

pode ter lanccedilado sobre ela ansiedade desejo de mostrar que tinha o controle disciplinar do

evento E talvez para ela a permissatildeo e o estiacutemulo agrave palavra gerasse debate e esse o

tumulto as conversas paralelas Mas em determinados momentos a explosatildeo de inquietude

dosas alunosas fragilizava seu jaacute tecircnue controle Olhei a professora contendo ira

envergonhada cheia de medo de explodir com aquelesas alunosas acuada segundo suas

proacuteprias palavras pelo ECA Esse ordenamento diferentemente de ser visto como um

instrumento juriacutedico avanccedilado na garantia de direitos era considerado como o responsaacutevel

por aquele espiacuterito de rebeldia nas vidas das crianccedilas e dosas adolescentes Jacqueline natildeo se

conteve e veio ateacute perto de mim desabafando

- Depois do ECA somos barrados [a] de termos autoridade com eles[as] E natildeo tem

estatuto de professor[a] nada nos protege

Acuada assim ela disse se sentir E sem perceber que lhe faltava autoridade natildeo pela

existecircncia do ECA mas pelo desgoverno de uma educaccedilatildeo puacuteblica precaacuteria engrossou o coro

de vozes que ressoaram dosas seusas colegas Vozes essas por mim anteriormente colhidas

naquela tarde nos momentos que permaneci na sala dosas professoresas ouvindo-osas

Acuada e sem sentir prazer pelo que faz Observando Jacqueline lendo usando toda sua

potencialidade vocal repetindo frases pedindo silecircncio estabeleci um elo com uma resposta

no instrumento investigativo aplicado em outubro de 2013 o questionaacuterio Um dado ali

pontuado por vaacuterios colaboradoresas indicando a ausecircncia de marcaccedilatildeo da leitura como

atividade de prazer (vide primeira questatildeo do instrumento) torna-se tatildeo palpaacutevel naquela sala

Como afirmar prazer na praacutetica leitora quando a voz doa mestrea se esvai em meio agrave gritaria

correria e desinteresse Muito hostil ler assim ela me diz

- Tem professor que ainda mente que eacute hipoacutecrita que diz que isso eacute bom Que faz

seus[as] alunos[as] lerem Esses[as] meninos[as] tornam o ato de ler um desprazer Preparo

tudo com carinho quando chega aqui tomo raiva de mim mesma por ainda insistir

Acompanhar Jacqueline naquela tarde em suas aulas foi passear por falas nas quais o

lugar da leitura na escola era o da farsa do engodo De modo exaustivo ela fala de exaustatildeo

118

de desesperanccedila e de tristeza porque disse acreditar que ali estava ldquoa chave das mudanccedilas que

precisam ser feitasrdquo nas suas palavras E sua discursividade era a da desesperanccedila se haacute a

chave nem haacute a porta na dialogia com Drummond em Joseacute (1983) A leitura era difiacutecil

naquela escola Mesmo assim a mestra comeccedila a trazer problematizaccedilotildees acerca das questotildees

de gecircnero Pede uma opiniatildeo agrave turma sobre um trecho do guia que aborda diferenccedilas entre

meninos e meninas ldquoNoacutes meninas somos sensiacuteveis fraacutegeis E os meninos satildeo uns brutos

[]rdquo(BOULET 2005 p 11) expressando com gritos

- Menina eacute diferente de menino Em quecirc Leiam isso na paacutegina 11 Vocecircs

concordam

As respostas saiacuteram em forma de gritos

- Satildeo umas taradas as meninas

- Aqui tem menina que natildeo aguenta nem o vento deste ventilador toda fraquinha

- Eacute sim satildeo fracas Satildeo iguais a Neymar caem por tudo

- Satildeo umas chatas umas metidas umas piriguetes

Poucos disseram que natildeo nenhum olhar de respeito agraves meninas que responderam

com vaias Imaginei que ela iria procurar problematizar esses enunciados Mas trouxe outro

toacutepico colhido rapidamente do guia que faz uma abordagem pontual das questotildees de gecircnero

entabulando esta outra questatildeo

- Algueacutem aqui aceitaria ser amigo[a] de um gay

Impressionou-me o tom de desatenccedilatildeo agrave problemaacutetica de gecircnero por Jaqueline O que

foi dito por ela ao indagar sobre se algueacutem seria amigo de um gay carrega muito de seu

preconceito Ela sedimentou um olhar que constitui o outro o segregacionado o diferente e

inferiorizado Por que algueacutem teria que aceitar ser amigoa de um gay A relaccedilatildeo natildeo seria a

de se aceitaria ou natildeo a amizade de pessoas E ali o que eacute dito por ela sobre as relaccedilotildees de

gecircnero alicerccedilam estereoacutetipos datildeo invisibilidade ao fenocircmeno da violecircncia aos processos de

construccedilatildeo do diferente (SILVA 2012) Uma praacutetica discursiva que se potildee na contramatildeo dos

interesses de uma escola para todas as pessoas como advogam os DH ali percebi

A professora ouviu da turma um sonoro natildeo E sem atentar possivelmente para o

quanto seu olhar nega uma brigada vigilante anti-sexista anti-homofoacutebica e de respeito aos

direitos das crianccedilas e adolescentes proposta por organismos mundiais e nacionais amparada

119

por marcos legais protetivos natildeo atentou para a sonoridade negativa da turma para um mundo

inclusivo Mas retrucou

- Quer dizer que vocecircs deixariam ele [sic] no isolamento

Um menino de nome Pedro disse que sim que merece sofrer ficar isolado quem

desobedece ao que Deus criou

-E Deus criou homem e mulher professora - Reforccedilou o garoto

Ela respondeu que sim Assumiu uma postura criacionista essencialista Muito

embora tenha salientado que mesmo sendo um desvio uma afronta ao que Deus determinou

essas pessoas merecem ser respeitadas Jeacutessica uma menina muito inquieta considerada

conforme Jacqueline ldquopior do que os meninosrdquo em termos de inquietaccedilatildeo agressivamente

respondeu

- Respeitar boiola professora Respeito natildeo

Jaqueline natildeo retrucou Aquela aluna me parecia sem eco Todas as falas em sua

direccedilatildeo eram no sentido de fazecirc-la ficar quieta A menina demonstrava uma agressividade

para com todosas colegas indiferenccedila agrave aula e desrespeito agrave professora

- Vocecirc eacute louca eacute Respeitar boiola ndash Dirigiu-se agrave Jacqueline respondendo-lhe pela

defesa que a professora fez do dever de todosas ao respeito aos considerados desviantes

Sem economias essa aluna iniciou um turno de xingamentos de imitaccedilotildees grotescas

de como os gays falam andam e gesticulam levando a turma a rir e constrangendo a

professora Desistindo de enfrentaacute-la natildeo sei se por medo de criar mais confronto com a aluna

ou se por consentir manifestaccedilotildees de escaacuternio e homofoacutebicas Jacqueline natildeo exortou a aluna

redirecionou a aula solicitando a volta ao texto E indicando desconhecer por completo o guia

sai procurando o que ler salteando paacuteginas em busca do que explorar Premida pelo tempo

pelo barulho da sala acha trechos aleatoriamente e os ler pede opiniatildeo do grupo e sem

conseguir instigar o interesse da turma que se lanccedila em brincadeiras culpa a todosas pela

eterna balbuacuterdia e descompromisso com o ato de debater

120

Por muitos momentos observei a agitaccedilatildeo da professora diante do texto e da turma

Seu ambiente de trabalho se traduzia como uma violecircncia ao ato de ler a balbuacuterdia dosas

alunosas inviabilizava a mais elementar concentraccedilatildeo que a leitura requer para que haja a

fluecircncia das ideias a capacidade de retecirc-las de trocaacute-las Em polvorosa a turma ao tempo

que respondia a algo pontuado pelo texto desligava-se dele completamente mergulhando em

outros mundos outros textos tatildeo diacutespares ao proposto Parecia natildeo haver naquele espaccedilo por

alguns instantes a presenccedila de um texto em matildeos a presenccedila de uma mestra E ela competia

com a desordem agitando-se gritando muito

Em contraste com aquele cenaacuterio de mestra sem maestria sem calmaria sem rumo

resgatei uma imagem beliacutessima trazida por Larrosa (2004) com a sua leitura do jaacute referido

poema O Leitor de Rilke A construccedilatildeo poeacutetica desse autor debulha jaacute em seus versos

iniciais a imagem de um ser tomado possuiacutedo arrebatado pelo ato de ler ldquoQuem o conhece

a este que jaacute baixou seu rosto de um ser ateacute um segundo ser a quem apenas o veloz passar

das paacuteginas plenas agraves vezes interrompe com violecircnciardquo O enfrentamento da obra que se daacute

com o rosto abaixado eacute a garantia da transformaccedilatildeo A obra quer quietude o autor diz que

ldquoapenas o veloz passar das paacuteginasrdquo traz a inquietaccedilatildeo Oa leitora poeticamente possui as

marcas da quietude da liquidez da transformaccedilatildeo nas palavras de Larrosa

O texto esse segundo ser no qual o leitor submerge estaacute empapado da sombra do

leitor A palavra alematilde eacute Getrankts e poderia ser traduzida por embriagada ou

porembebido[] O texto entatildeo tambeacutem perdeu sua estabilidade sua solidez e seu

controle sobre si mesmo ao estar impregnado dessa sombra liacutequida e embriagadora

que o leitor [a] derramou sobre ele A sombra do leitor [a] tem algo da fluidez dos

liacutequidos O texto por sua parte eacute permeaacutevel a esses liacutequidos uma vez que se deixa

empapar e embriagar por eles Ambos satildeo liacutequidos e podem misturar-se entre si E o

texto uma vez liquefeito embriagado e desmaternado agora pode ser o elemento

em que o leitor pode submergir para emergir transformado o elemento liacutequido da

metamorfose (LARROSA 2004 p 108)

A experiecircncia da leitura na poesia de Rilke e na interpretaccedilatildeo que Larrosa (2004)

empresta a esta obra eacute a experiecircncia da conversatildeo essa aqui natildeo eacute vista como aspiraccedilatildeo ao

divino mas agrave substancialidade de si da plenitude da saiacuteda do ordinaacuterio da

despersonalizaccedilatildeo ldquoQuem o conhecerdquo Haacute por conseguinte observando a aula de leitura

ministrada por Jaqueline uma distacircncia astronocircmica entre o leitor da poesia rilkeana e osas

leitoresas daquela sala de aula Satildeo contextos histoacutericos distintos com diferentes grupos

sociais que resultam em entregas e natildeo entregas agrave leitura Parece que a sala de aula inquieta e

desgovernada programada pelo poder-escola mesmo que anuncie a importacircncia da entrega

para a leitura natildeo propicia as condiccedilotildees para isto Haacute um controle por parte desse poder que

121

cria regras nas quais se gera o impedimento para que a relaccedilatildeo complexa de abandonar-se pela

interpretaccedilatildeo de obras de textos de discursos para inquietar mundos prontos seja efetivada

Ler entatildeo na escola puacuteblica em tela e em tantas outras construiacutedas com a mesma

mesquinharia na faceta Paulo Honorina de nossos gestores puacuteblicos no trato com a educaccedilatildeo

eacute estar sob a tutela de uma atividade que controla e disciplina o natildeo ler

E o ler na sala de Jaqueline dizia do natildeo ler Assim entendi tambeacutem quando

observei a cena em que trecircs alunos que sentavam juntos folheavam o guia passando as

paacuteginas sem deleite algum mesmo este contendo bastante ilustraccedilotildees Um deles disse agrave

professora que ler aquilo ldquoera um sacordquo Ela foi raacutepida em me justificar a opiniatildeo do garoto

- Aqueles satildeo influenciados pela religiatildeo natildeo gostam de nada natildeo aceitam os

homossexuais nem que a mulher se iguale ao homem Satildeo do contra

Jaqueline demonstrou entatildeo entender pouco o que disse o aluno E dividida entre

alunosas que representavam o fundamentalismo religioso e expressavam rigidez de papeacuteis

acerca de identidades de gecircnero entre outrosas que expressavam um olhar assimeacutetrico para

as relaccedilotildees de gecircnero levadosas pelo senso comum e ainda por voz solitaacuteria que afirmou

defender a liberdade de cada um de ser quem quer como a de Viacutetor um paulistano receacutem-

chegado agrave Paraiacuteba Jacqueline posicionou-se E o fez premida pelo discurso da toleracircncia ao

diferente Uma ressonacircncia assumida por ela das suas interaccedilotildees com discursos de

formadores nos eventos de formaccedilatildeo continuada dos quais participa na Rede Municipal de

Ensino Diversas formaccedilotildees discursivas circundavam naquele espaccedilo impingindo a marca de

quatildeo heterogecircneas e fragmentadas satildeo as identidades sociais construiacutedas em praacuteticas

discursivas regradas historicamente Enxergaacute-las e tecirc-las como processos de construccedilotildees nos

quais somos premidos eacute em tese pensar fora do autoritarismo O ato de ler pode estar a serviccedilo

de exercitarmos o pensamento nesta perspectiva o que poderaacute promover o encontro com o

outro com disposiccedilatildeo para o diaacutelogo Mas este ato natildeo pode fugir de sua instacircncia poliacutetica

natildeo pode se dar sem angariar as formaccedilotildees discursivas que determinam verdades apagando e

dando sentidos conforme pontua Foucault [] ldquovivemos em uma sociedade que produz e faz

circular discursos que funcionam como verdade que passam por tal e que deteacutem por este

motivo poderes especiacuteficosrdquo (FOUCAULT 2012 p 231) Esta eacute tarefa para os que brigam os

que vivem em permanente posiccedilatildeo de lutadores

Natildeo sei se instigada pelo nosso diaacutelogo antes da aula a professora trouxe a tocircnica da

violecircncia contra a mulher perguntando se algueacutem ali achava certo um homem agredir uma

122

mulher A pergunta me pareceu ingecircnua simplista que expressa possivelmente a

desorganizaccedilatildeo de Jaqueline por improvisar uma aula em um tema que natildeo parece lhe

fascinar As respostas vieram de forma apressadas e uniacutessonas por um natildeo agrave agressatildeo agrave

mulher Ela elogiou o grupo propagando uma cultura de paz reforccedilando que ningueacutem deve

bater em ningueacutemrdquo Chamou-me atenccedilatildeo a voz fraacutegil de uma menina que trouxe o

ordenamento juriacutedico como justificativa para o impedimento agrave violecircncia contra a mulher

- Natildeo pode professora por causa da Maria da Penha

Jacqueline demonstrou gostar desta resposta da garota e falou rapidamente da Lei

1134006 pontuando para a turma ldquoeacute a Maria da Penha que bota os homens que batem em

mulher na cadeiardquo Chamou-me atenccedilatildeo ainda o fato natildeo visto pela professora de que a aluna

natildeo encontrou um oacutebice para a violecircncia contra a mulher na dignidade humana dessa no seu

direito a uma vida sem agressotildees e sim em uma lei Mas a demonstraccedilatildeo de conhecimento do

ordenamento juriacutedico pela menina deixou a professora satisfeita Uma outra aluna indagou-

lhe

- Quem foi professora Maria da Penha

A docente Jaqueline natildeo soube dizer exatamente soacute respondeu que Maria da Penha eacute

uma mulher que sofreu violecircncia domeacutestica Perdeu a oportunidade de narrar uma histoacuteria

exemplar de luta contra a impunidade a este mal que grassa em tantos lares ao tempo em que

evidenciou um comprometimento em sua formaccedilatildeo intelectual Seu desconhecimento

considerando a relevacircncia que a farmacecircutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes

possui como siacutembolo de luta para o enfrentamento da violecircncia contra a mulher demonstrou

fragilidade de formaccedilatildeo profissional Maria da Penha vitimada pela violecircncia com duas

tentativas de assassinato por Marco Antonio Heredia Viveros agrave eacutepoca seu marido lutou

bravamente contra a impunidade a esse crime Por sua obstinaccedilatildeo durante longos anos travou

uma longa batalha no poder Judiciaacuterio e evitou a impunidade de Marco conseguindo levar

sua denuacutencia agrave Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organizaccedilatildeo dos

Estados Americanos) que determinou medidas do Estado brasileiro pela puniccedilatildeo ao ex-

marido e reparaccedilatildeo agrave viacutetima A visibilidade da violecircncia contra a mulher ganhou em Maria da

Penha um baluarte que a fez homenageada com o nome da Lei 1134006 Suas apariccedilotildees na

123

miacutedia em especial nas comemoraccedilotildees alusivas ao Dia Internacional da Mulher deveriam ser

outro fator que favorecesse o conhecimento da cearense pela professora Jaqueline

O tema da violecircncia contra a mulher instigou a turma a falar e muitosas alunosas

disseram conhecer mulheres viacutetimas de violecircncia ningueacutem disse que isto fazia parte da

realidade familiar mas da de uma vizinha de uma conhecida Jacqueline natildeo aproveitou a

discussatildeo para trazer reflexotildees sobre as causas desse fenocircmeno dar visibilidade agrave questatildeo

cultural que sustenta a assimetria entre homens e mulheres e discorrer sobre a importacircncia da

lei E mesmo diante de enunciados de meninos dizendo que deveria existir a lei para os

homens tambeacutem o que implica uma incoerecircncia a professora se esquivou de aprofundar o

debate Um debate que seria oportuno considerando que a violecircncia contra homens eacute um

fenocircmeno cultural de baixiacutessima incidecircncia o que em tese natildeo justifica a existecircncia de uma

lei para a proteccedilatildeo dos homens

A aula natildeo havia acabado ainda mas o focirclego da professora sim Como quem paga

alta penitecircncia olhou muito para o reloacutegio enfim sentou-se exaurida ao meu lado e

timidamente me pediu uma opiniatildeo sobre seu desempenho pedagoacutegico Tive zelo para natildeo

parecer dona da verdade e pontuei algo para ela Iniciando pela criacutetica ao improviso Abordei

tambeacutem com a educadora o quanto o lidar com texto em sala de aula em uma perspectiva

discursiva permite a quebra da ilusatildeo de que haacute uma leitura boa e certa para um texto na qual

o professor seria o inteacuterprete legiacutetimo E que a postura dela de natildeo ouvir as respostas dosas

alunosas em alguns momentos evidenciava talvez para ela a crenccedila de que as respostas da

turma estariam fora do campo do verdadeiro Falei tambeacutem do desejo de ver a temaacutetica ser

vivenciada com esmero por respeito ao princiacutepio da dignidade humana de todas as pessoas e

por considerar que para que se engendrem reflexotildees plurais e que se olhem mais

apuradamente as assimetrias de gecircnero desmantelando-nas as construccedilotildees discursivas

precisam fazer parte de um ethos Precisam fazer parte de uma brigada pela defesa de uma

escola inclusiva para todosas e isto natildeo nasce aleatoriamente nem sem suor Novos sujeitos

precisam nascer ou no dizer foucaultiano (FOUCAULT 2004a 2004b 2004c 2012) novos

modos de subjetivaccedilatildeo Jaqueline ponderou que estava disposta a aprender mas de algumas

coisas natildeo abriria matildeo O que ela e tantosas natildeo abrem matildeo poderaacute continuar impedindo a

responsabilidade da escola em construir caminhos para novos sujeitos com a eliminaccedilatildeo de

praacuteticas discriminatoacuterias sexistas homofoacutebicas

A aula acabou e eu tomei emprestado o material usado em sala para analisaacute-lo

conforme tracei em um dos objetivos deste trabalho E muito embora este natildeo seja um

material programado para fazer parte de suas aulas como jaacute pontuei aqui por sua escolha ter

124

sido notoriamente casual aleatoacuteria foi ele o subsiacutedio do evento e eacute um dos textos presentes

na escola que poderaacute ser lido outras vezes Voltei agrave biblioteca e perguntei agrave Denise a

responsaacutevel por aquele espaccedilo que foi uma das participantes da pesquisa se aquele texto o

ldquoGuia da Crianccedila Cidadatilde ndash Convivendo com meninas e meninosrdquo (BOULET 2005) jaacute fazia

parte do acervo bibliotecaacuterio quando de minhas visitaccedilotildees na outra etapa desta pesquisa Ela

me informou que natildeo aqueles volumes tinham sido uma aquisiccedilatildeo no final do ano realizada

pela coordenadora do projeto de leitura

O material usado um guia eacute um gecircnero textual que tem como caracteriacutestica pontuar

concisamente informaccedilotildees para nortear leitoresas acerca de algo E com esse natildeo foi

diferente o material utilizado naquela aula eacute um texto com muita ilustraccedilatildeo em uma

linguagem acessiacutevel e com historinhas apresentadas em trecircs capiacutetulos As narrativas abordam

relacionamentos entre meninos e meninas problematizando a construccedilatildeo das diferenccedilas

atraveacutes de toacutepicos como o interesse dos meninos por baleacute a ocupaccedilatildeo das mulheres no

mercado de trabalho as meninas poderem tomar agrave frente nas manifestaccedilotildees de afeto entre

outros papeacuteis sociais questionados Satildeo toacutepicos interessantes que se organizados

reflexivamente poderiam render uma aula mais significativa

O guia todavia eacute uma produccedilatildeo do UNICEF jaacute com uma certa defasagem em

relaccedilatildeo aos avanccedilos conquistados pelas mulheres no tocante agraves garantias juriacutedicas como as

Leis 1203409 (BRASIL 2009) que prevecirc a obrigatoriedade do preenchimento de vagas por

mulheres em cada partido e a Maria da Penha que combate agrave violecircncia contra a mulher

Outros avanccedilos angariados pelo coletivo feminista natildeo poderiam tambeacutem estar contemplados

ali no que diz respeito agraves mobilizaccedilotildees sociais como as construccedilotildees das conferecircncias entre

outros Assim eacute uma leitura que mobiliza o interesse pelo combate agrave violecircncia de gecircnero tem

seu valor mas precisaria estar melhor articulada e atualizada Esse eacute um trabalho doa

fazedora da educaccedilatildeo que deve entrar em sala carregando leituras catadas angariadas

escolhidas criteriosamente o que natildeo foi o caso da aula em tela na qual a mestra pareceu

carregar um guia sem ser guiada por ele

125

4 A ACcedilAtildeO PROPOSITORA INSERCcedilAtildeO TEMAacuteTICA DE GEcircNERO PELA VIA DA

LEITURA

Apoacutes discorrer acerca do trajeto desta pesquisa objetivando costurar os fios traccedilados

ao longo de sua constituiccedilatildeo cabe-me tomar a direccedilatildeo de apresentar nesta parte do estudo

uma proposta de sistematizaccedilatildeo de estrateacutegias que poderatildeo ser adotadas pelo projeto de leitura

da escola TRAVESSIA Isso se deve porque este mestrado que possui uma diretriz

profissional estaacute sendo desenvolvido de modo a permitir uma accedilatildeo interventiva na praacutetica

docente de seus cursistas o que se traduz como compromisso e luta com o fazer pedagoacutegico

aos quais bendigo

E com base no que angariei em termos de anaacutelises das discursividades de

educadoresas como mediadores(as) de leituras cabe-me propor a inserccedilatildeo do debate sobre as

relaccedilotildees de gecircnero no projeto de leitura da escola TRAVESSIA Faccedilo assim por conceber que

a leitura ali vivenciada percebida em diversos momentos desta pesquisa natildeo demonstrou

contemplar a temaacutetica da equidade de gecircnero E a ausecircncia desta contemplaccedilatildeo eacute considero

um oacutebice para a formaccedilatildeo de cidadatildeosatildes reflexivosas que eacute um dos objetivos propostos no

documento do referido projeto de leitura da escola

Desse modo e em respeito agrave pauta reivindicatoacuteria dos DH das mulheres da populaccedilatildeo

LGBT e de toda uma legislaccedilatildeo educacional que trata da inclusatildeo como um direito de todas as

pessoas agrave dignidade humana proponho que haja o empenho pela implementaccedilatildeo do debate da

equidade de gecircnero na escola TRAVESSIA por via da leitura Sendo concebida esta via

como uma praacutetica social que pode contribuir significativamente com as mudanccedilas sociais e

culturais que precisam ser construiacutedas (MOITA LOPES 2002 ORLANDI 2008) eacute preciso

que nela seja investido um olhar mais reflexivo Para isto eacute crucial que a escola repense o

lugar da leitura centralizando-a norteando esta praacutetica por reflexotildees e estudos frequentes

entre osas professoresas envolvidosas com o projeto CestaSexta literaacuteria Tais reflexotildees e

estudos devem estar subsidiando a vigilacircncia dos agentes de leitura sobre o que leem e

propotildeem como leitura no projeto atentando assim para os modos como se alicerccedilam

estereoacutetipos para os modos como se alicerccedilam verdades Tais reflexotildees e estudos devem estar

subsidiando a vigilacircncia dos agentes de leitura sobre o que leem e propotildeem como leitura no

projeto atentando assim para os modos como se alicerccedilam estereoacutetipos para os modos como

se alicerccedilam verdades A vigilacircncia sobre os modos de conceber a leitura tem razatildeo de ser

quando se considera o que a AD atraveacutes de Possenti (2009) postula em si natildeo eacute a leitura um

bem E como tal natildeo deve ser sacralizada natildeo pode tambeacutem ser mateacuteria de improviso de

mero cumprimento de tarefa sem planejamento criterioso e sabor

126

A formaccedilatildeo de leitoresas pressupotildee estudo pressupotildee concernir com o que se

acolhe Heidegger (apud LARROSA 2004 p 110) investe na importacircncia do ato de ler

debruccedilando-se na etimologia do termo

A etimologia de ler como recorda Heidegger remete a recolher a colher a

colecionar a coletar Leitura lectio liccedilatildeo e tambeacutem e-leiccedilatildeo se-leccedilatildeo co-leccedilatildeo co-

lheita Heidegger mostra como o legein grego relaciona-se com o leger latino e com

o alematildeo lesen em seu sentido primitivo de um ldquopocircr abaixo e pocircr diante de que se

reuacutene a si mesmo e recolhe outras coisasrdquo Esse pocircr eacute um juntar e um com-pocircr []

E aleacutem disso como indica o alematildeo lesen um coletar ou um re-coletar um co-lher

ou um re-colher a colheita de espigas (Ahren-lese) recolhe o fruto do solo A

vindima (Trauben-lese) colhe as bagas da videira Por isso o juntar e pocircr diante natildeo

eacute um juntar qualquer coisa de qualquer maneira natildeo eacute um mero amontoar mas

implica uma busca e uma escolha previamente determinada por um colocar dentre

por um colocar sob um teto por um preservar ou abrigar (HEIDEGGER apud

LARROSA 2004 p 110)

Haacute uma ideia de abrigamento de incorporaccedilatildeo com a definiccedilatildeo do termo que sugere

alimento a leitura como o patildeo diaacuterio que nutre defendida por Antunes (2009) E eacute com essa

ideia que advogo quatildeo a formaccedilatildeo de leitoresas eacute tarefa de extrema responsabilidade

pressupotildee condiccedilotildees adequadas de produccedilatildeo do ato de ler que envolve a disponibilidade do

acervo do espaccedilo adequado bem como as condiccedilotildees intersubjetivas como o desejo o

conhecimento o prazer por parte de quem propotildee a leitura A formaccedilatildeo de leitoresas eacute ato

seacuterio ultrapassa formar para a mera classificaccedilatildeo para o mero valorar de coisas eacute no dizer

de Larrosa (2004) ato que possibilita deixar aparecer o existente em sua plenitude atraveacutes da

experiecircncia do lanccedilar-se

E qual se lanccedilar haacute na leitura proposta pela profordf Jaqueline com poucos livros em

muitas matildeos desprotegida pelo Estado com um fastio intelectual leitor por um tema que

aparece nas formaccedilotildees continuadas segundo me informou mas desaparece na sua praacutetica

discursiva Haacute um lanccedilar-se Haacute eacute um hiato entre os sujeitos que escutam mudanccedilas

anunciadas nas formaccedilotildees entre os sujeitos que leem e natildeo assimilam essas leituras O

percurso formativo dessa profissional como dos outros sujeitos desta pesquisa eacute o de um

sujeito refrataacuterio agraves mudanccedilas propostas nas tecnologias enunciativas nas praacuteticas leitoras que

instiguem reflexotildees sobre a constituiccedilatildeo de identidades Nesse sentido recorro a Noacutevoa

A formaccedilatildeo eacute algo que pertence ao proacuteprio sujeito e se inscreve num processo de ser

(nossas vidas e experiecircncias nosso passado etc) e num processo de ir sendo (nossos

projetos nossa ideia de futura [] Eacute uma conquista feita com muitas ajudas dos

mestres dos livros das aulas dos computadores Mas depende sempre de um

trabalho pessoal Ningueacutem forma ningueacutem Cada um forma-se sozinho (NOacuteVOA

2001 p 15)

127

No trabalho de formaccedilatildeo interior levantado por Noacutevoa que eacute de extrema

importacircncia estatildeo as lembranccedilas foucaultianas das praacuteticas de si (FOUCAULT 2004a

2004b 2004c) as que fazem os sujeitos acordarem para seus desejos atentarem para relaccedilotildees

consigo com seus cuidados mas que permitem o olhar em torno o olhar para as construccedilotildees

sociais de si e do outroa Daiacute poderaacute vir a condiccedilatildeo de ser leitora de ser lanccediladora

Cuidando de si mas amparadoa pelo Estado satildeo por praacuteticas de libertaccedilatildeo e de liberdade que

osas intelectuais e professoresas poderatildeo ter a vitalidade necessaacuteria para formar e ser

leitora E aqui de novo a Literatura de Graciliano Ramos me acolhe com Madalena lutando

chorosamente contra o opressor Paulo Honoacuterio e sendo vencida Acode-me para que eu possa

propagar solitariamente natildeo haacute saiacuteda Agreste eacute a alma de Paulo Honoacuterio

Conheci que Madalena era boa em demasia mas natildeo conheci tudo de uma vez Ela

se revelou pouco a pouco e nunca se revelou inteiramente A culpa foi minha ou

antes a culpa foi desta vida agreste que me deu uma alma agreste (RAMOS 1978

p 92)

Como agreste eacute o coraccedilatildeo de uma sala de aula sem livros sem sonhadoresas sem

leitoresas Fiz esse rodeio por outras paragens para reafirmar que as estrateacutegias para se

formar leitoresas satildeo meticulosas exigem accedilotildees inventivas que mobilizem a ultrapassagem

aos muros da escola fazendo a chamada ao Poder Puacuteblico Mas para isso eacute preciso professora

que escolha natildeo chorar como o fez Madalena Ao agente de letramento resta-lhe organizar-se

politicamente e especialmente se enxerga na leitura um cunho libertaacuterio como me afirmou

Jaqueline minutos antes de entrar na sala de aula e afirmam tantosas outrosas

educadoresas resta-lhe lanccedilar matildeo de artefatos culturais que fomentem reflexotildees

propositoras da construccedilatildeo de novas formas de subjetivaccedilatildeo de empoderamento social de

grupos minoritaacuterios entre outras formas de experimentar vivecircncias

Eacute uma luta por espaccedilo formar leitora E como luta natildeo se daacute sem investimento sem

desarticulaccedilotildees e articulaccedilotildees de olhares Natildeo se daacute sem mobilizaccedilotildees internas e externas ao

acircmbito da esfera escolar por isso que aqui me cabe atravessar o olhar indo da escola agrave

SEDEC e inquirir desse oacutergatildeo sobre suas responsabilidades poliacutetico-administrativas A

educaccedilatildeo do municiacutepio precisa repensar uma forma de estar gestando maior compromisso e

seriedade com as suas poliacuteticas educacionais no que se refere agrave responsabilidade de formar

leitoresas A produccedilatildeo de projetos de leitura natildeo pode ser tarefa de cunho meramente

administrativo sem o acompanhamento devido pelo pedagoacutegico Uma professora

readaptadoa portanto soacute deve propor e coordenar projeto de leitura se houver nelea as

128

favoraacuteveis condiccedilotildees para isso biblioteca escolar natildeo pode ser lugar para assegurar a

manutenccedilatildeo de gratificaccedilatildeo docente natildeo pode ser espaccedilo onde apenas se emprestam livros

sem a preocupaccedilatildeo com um trabalho profiacutecuo para o estiacutemulo agrave leitura Haacute o Plano Nacional

de Livro e Leitura ndash PNLL que reivindica a esse espaccedilo o seu lugar de dinacircmico polo difusor

de informaccedilatildeo e cultura para isso o profissional que fica agrave frente desse oacutergatildeo precisa avanccedilar

em conquistas por mais habilidade A responsabilidade da SEDEC com osas readaptadosas

natildeo pode se restringir agrave exigecircncia com a confecccedilatildeo de um projeto de leitura no papel mas em

formaacute-losas para que exerccedilam com maestria a funccedilatildeo de agente de letramentos

Pensar entatildeo e ainda em um aperfeiccediloamento com o trabalho de leitura na escola

TRAVESSIA eacute tambeacutem sair dos muros daquele espaccedilo e provocar os gabinetes e o interesse

do Poder Puacuteblico da Rede de Educaccedilatildeo Municipal de Joatildeo Pessoa para o implemento de

melhorias na formaccedilatildeo continuada por ela oferecida Como propositora das formaccedilotildees

continuadas a SEDEC deve se questionar sobre a qualidade dessas avaliando seus impactos

nas praacuteticas docentes As formaccedilotildees continuadas natildeo podem ser inoacutecuas incapazes de fazer

com que seusuas educadoresas impactem suas praacuteticas educativas com o que lhes satildeo

ministradosas nos eventos de formaccedilatildeo Para isto essas praacuteticas precisam estar municiadas de

reflexotildees permanentes acerca de seus jogos de verdades de suas operacionalidades do seu

formato das accedilotildees conectadas com a realidade da sala de aula acerca enfim dos seus efeitos

sobre as praacuteticas discursivas dos seus docentes

Dentre as preocupaccedilotildees que a escola TRAVESSIA deve ter para que possa

aperfeiccediloar seu trabalho com a leitura pode estar tambeacutem a de proporcionar o envolvimento

da participaccedilatildeo familiar nas praacuteticas leitoras A matildee jaacute foi aqui pontuado pelas anaacutelises dos

resultados da pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2011) tem papel

inquestionaacutevel na influecircncia da formaccedilatildeo leitora A famiacutelia a despeito das dificuldades de

ajuste com tempo precisa ser estimulada a se envolver com as temaacuteticas e accedilotildees leitoras

desenvolvidas pela escola natildeo soacute atraveacutes das tarefas domeacutesticas dosas filhosas mas vindo agrave

escola para ler produzir textos para elesas participar dos eventos leitores Haacute matildees pais

avocircoacutes tiosas e irmatildeosas talentosos nos lares que podem contribuir com o trabalho de

leitura nas escolas atuando como contadoresas de histoacuterias como atoresatrizes em peccedilas

teatrais entre outras atividades

Reconheccedilo satildeo deveras hercuacuteleas as responsabilidades que o poder puacuteblico precisa

implementar para assegurar as mudanccedilas que a sociedade brasileira tem como direito em

termos de educaccedilatildeo de qualidade Satildeo inuacutemeras e histoacutericas as queixas de educandosas e

educadoresas sobre o ensino que o Estado brasileiro oferta agrave populaccedilatildeo e no que diz respeito

129

agrave praacutetica leitora pela escola elencam com frequecircncia como pontos negativos textos impostos

pouco acervo condiccedilotildees inadequadas de espaccedilo leitura para cumprir obrigaccedilatildeo A escola

precisa olhar com respeito tais queixas crocircnicas de seusuas educadoresas enxergar suas

vozes dispostas a aprender a aprender e aceitar o desafio de ser inventiva para resistir ao

poder como Foucault (2012) ressalta E em se tratando de poder institucional como tem sido

avassalador o poder puacuteblico do descaso com a educaccedilatildeo brasileira Tatildeo devastador a ponto de

fazer com que pensar em propor estrateacutegias interventivas em uma de suas instacircncias de

trabalho seja tatildeo sedutor quanto frustrante para mim e para educadoresas das escolas

puacuteblicas do Paiacutes Como ser inventivo diante dos limites estruturais que se apresentam face agraves

tentativas de desenvolvimento de um bom trabalho A realidade das salas superlotadas e dos

parcos recursos em termos de filmes de acervos literaacuterios musicais e demais artefatos

culturais aqui jaacute referendados comprometem a qualidade de um trabalho com a leitura

expondo o quanto o direito agrave educaccedilatildeo de qualidade estaacute sendo violado

Mas pior ficaraacute se natildeo se propuser Vou tentar pela vitalidade que haacute nos gestos de

tentar e por importar ter a leitura em pauta despertar interesse por ela saber de onde se lecirc

perscrutar por qual controle se lecirc Importa formar leitores que afiem os sentidos reflitam

sobre o estar no mundo para que possam no dizer de Freire (1999 p 124) conceber a

possibilidade do inacabamento humano ldquoa raiz mais profunda da politicidade da educaccedilatildeo se

acha na educabilidade mesma do ser humano que se fundamenta na sua natureza inacabada e

da qual se tornou conscienterdquo A leitura pode ser sem sacralizaccedilotildees uma porta para as buscas

de si foucaultianas e para a consciecircncia freireana

Convencida disto encaminho propostas de atividades de leituras de viacutedeos sites e

filmes para aprimorar as reflexotildees acerca da temaacutetica Faccedilo isto sem a menor pretensatildeo de

demonstrar possuir foacutermula nem verdade alguma nem achando que o que proponho eacute

novidade pois creio que apesar das condiccedilotildees adversas em muitos contextos escolares o

trabalho com a leitura tem sido pautado em uma perspectiva discursiva com objetivos

emancipatoacuterios libertaacuterios E o que me compete fazer neste momento satildeo esboccedilos para uma

reflexatildeo que norteie a praacutetica leitora do CestaSexta Literaacuteria Ciente sou todavia de que

profiacutecuo eacute que se faccedilam estudos coletivos reforccedilados nas coordenaccedilotildees pedagoacutegicas com

muito diaacutelogo e participaccedilatildeo dosas educadoresas ouvindo as famiacutelias os educandosas para

que haja o fortalecimento de ideias e aprendizado coletivo

Ciente sou ainda todavia de que respalda a todosas educadorasas no sentido de

reivindicar e fazer as mudanccedilas que precisam ser efetivadas a chegada de mais uma

tecnologia enunciativa como promessa de mudanccedilas O Senado Federal aprovou em julho

130

deste o novo Plano Nacional da Educaccedilatildeo - PNE cujo teor traz o compromisso firmado pelo

Governo brasileiro atraveacutes de suas poliacuteticas puacuteblicas para o enfrentamento da gravidade que

acomete a educaccedilatildeo brasileira Satildeo promessas em formato de diretrizes e metas a serem

cumpridas ateacute 2024 promessas que soacute poderatildeo ser alcanccediladas se esta tecnologia enunciativa

for concebida e acolhida como Plano de Estado mais do que Plano de Governo

Que sejamos osas santosas fazedoresas da mudanccedila que a educaccedilatildeo brasileira

precisa experimentar para sair de seu estado crocircnico de adoecimento A santidade nos

convoca a rezar aqui o sentido dessa accedilatildeo eacute para aleacutem da busca do sagrado conforme

estabelece esse Plano e um arcabouccedilo da legislaccedilatildeo educacional pela fundamental poliacutetica de

valorizaccedilatildeo global do magisteacuterio a qual implica simultaneamente a formaccedilatildeo profissional

inicial as condiccedilotildees de trabalho salaacuterio e carreira e a formaccedilatildeo continuada Que a reza natildeo

seja silenciosa apenas nem solitaacuteria pois seraacute inoacutecua e que conflua para o que diz o novo

PNE no sentido de que eacute preciso criar condiccedilotildees para que os professores possam vislumbrar

perspectivas de crescimento profissional e de continuidade de seu processo de formaccedilatildeo

(BRASIL 2014) Quem sabe assim o rosaacuterio de lamentaccedilotildees monotemaacuteticas que osas

educadoresas arrastam em seus enunciados natildeo mude de tom surgindo a sonoridade da luta

da paixatildeo e do sonho tatildeo (en)cantada por Chico Buarque de Holanda ldquoAi quero uma

lembranccedila eu quero uma esperanccedila A tua primavera

Apoacutes fazer uma ressalva ao PNE receacutem-chegado retorno agrave reflexatildeo sobre a

semeadura na escola em tela apresentando agrave guisa de sugestatildeo algumas recomendaccedilotildees que

podem ser incorporadas pela organizaccedilatildeo do projeto a CestaSexta Literaacuteria Nesse sentido

cabe aos organizadores do projeto de leitura da escola TRAVESSIA

1) Considerar a fragilidade com que o projeto de leitura se apresenta evidenciada

natildeo soacute pela ausecircncia da temaacutetica de gecircnero e de temas transversais propostos

pelos PCNs como tambeacutem pela ausecircncia de uma fluente organizaccedilatildeo entre as

accedilotildees propostas sua metodologia e seus objetivos e buscar construir uma

reformulaccedilatildeo do projeto Eacute necessaacuterio que este inclua em seus propoacutesitos uma

exposiccedilatildeo clara de temas trabalhados para que haja a relaccedilatildeo desses com a

formaccedilatildeo cidadatilde pelo projeto defendida

2) Construir para o referido projeto uma metodologia dialoacutegica e participativa

havendo a explicitaccedilatildeo dos recursos teacutecnicos adequados aos objetivos propostos

que contribuam para uma educaccedilatildeo natildeo-sexista natildeo discriminadora A sua

metodologia deve ser constituiacuteda de momentos formativos com o corpo docente e

131

gestor a fim de que as accedilotildees sejam elaboradas por uma equipe multidisciplinar

que elabore monitore e avalie todo o processo

3) Apresentar uma bibliografia envolvente e criteriosamente levantada como

tambeacutem uma seleta apresentaccedilatildeo de filmes e de artefatos culturais como canccedilotildees

entre outros objetivando ressignificar a realidade a partir desses instrumentos

Considero oportuno sugerir que a escola procure desenvolver dentro de suas

possibilidades praacuteticas leitoras incrementadas por encenaccedilotildees de peccedilas teatrais

jogos varais com a presenccedila de contadoresas de histoacuterias por exibiccedilatildeo de

filmes que a depender do estilo da peliacutecula pode sofrer cortes em cenas para que

apenas elas sejam estudadas considerando que nem toda narrativa atrai Haacute

programas de televisatildeo e capiacutetulos de novelas que podem ser objetos de anaacutelises

como tambeacutem determinadas leituras circuladas nas redes sociais podem estar

propiciando reflexotildees atinentes agrave valorizaccedilatildeo da dignidade humana

4) Proporcionar realizaccedilotildees de atividades educativas como oficinas palestras e

debates com a inserccedilatildeo da temaacutetica da equidade de gecircnero Para isso deve se

nortear com a discussatildeo de questotildees geradoras que podem ser conforme

pontuadas pelo curso de Gecircnero e Diversidade na Escola ndashGDE- (2009)3 assim

levantadas Como as relaccedilotildees de gecircnero aparecem no cotidiano escolar Haacute cenas

de violecircncia de gecircnero na escola O que educadoresas podem fazer neste

momento A discriminaccedilatildeo de gecircnero ainda coloca as mulheres em desvantagem

em diversas situaccedilotildees sociais Haacute o agravamento da desvantagem quando essa se

une agrave discriminaccedilatildeo eacutetnico-racial Qual a responsabilidade da escola e dos

educadores na garantia do direito de cada pessoa de ter uma justa imagem de si e

de ser tratado com dignidade Educadores e educadoras tecircm a possibilidade de

reforccedilar preconceitos e estereoacutetipos de gecircnero A escola institui sujeitos a partir

de um modelo Este modelo eacute branco masculino heterossexual e todas as pessoas

que natildeo se encaixam nele satildeo o outro que eacute reiteradamente tratado como inferior

estranho diferente Isso tem mudado Caso sim com base em que se sustenta esta

mudanccedila Em todas as classes sociais as mulheres satildeo viacutetimas de violecircncia

(fiacutesica simboacutelica psicoloacutegica moral e sexual) e enfrentam dificuldades de acesso

ao trabalho agrave geraccedilatildeo de renda e agrave participaccedilatildeo na vida poliacutetica Haacute letras de

3As perguntas apresentadas foram adaptadas a partir da leitura do livro intitulado ldquoGecircnero e Diversidade na

Escola Formaccedilatildeo de professorases em gecircnero orientaccedilatildeo sexual e relaccedilotildees eacutetnico-raciaisrdquo Este livro foi

utilizado como Livro de Conteuacutedo para o Curso Gecircnero e Diversidade na Escola (GDE) da Universidade

Federal da Paraiacuteba na modalidade a distacircncia

132

muacutesicas que vinculam a imagem da mulher ao escaacuternio agrave exploraccedilatildeo sexual e agrave

violecircncia fiacutesica e simboacutelica Isto se constitui como algo com que o projeto de

leitura deve se preocupar

5) Vivenciar a praacutetica leitora acompanhada de accedilotildees inventivas dinacircmicas ler

silenciosamente ler grupalmente ler atraveacutes das contaccedilotildees de histoacuterias que

devem ser estimuladas ler para encenar para debater ler para ler Isso pode ser

melhor realizado com a organizaccedilatildeo de grupos pequenos o que eacute um grande

desafio para a instituiccedilatildeo

6) Criar agendas com as quais se trabalhe a leitura em uma perspectiva dinacircmica

expondo temas ao longo do ano letivo acompanhado de artefato cultural para o

debate com recursos como obras cinematograacuteficas literaacuterias imagens feiras

participaccedilatildeo dosas alunosas em eventos culturais que porventura estejam sendo

realizados na cidade

7) Adotar para anaacutelise se possiacutevel as leituras abaixo sugeridas

SUGESTOtildeES DE LEITURAS

Bibliografia teoacuterica

AUAD Daniela Educar meninas e meninos relaccedilotildees de gecircnero na escola Satildeo

Paulo Contexto 2006 96 p

BRASIL Gecircnero e diversidade na escola formaccedilatildeo de professoresas em Gecircnero

Orientaccedilatildeo Sexual e Relaccedilotildees Eacutetnicos-Raciais Livro de Conteuacutedo versatildeo 2009 ndash

Rio de Janeiro CEPESC Brasiacutelia SPM 2009

LOURO Guacira Lopes Gecircnero sexualidade e educaccedilatildeo uma perspectiva poacutes-

estruturalista 14 ed Petroacutepolis RJ Vozes 2012

SILVA Tomaz Tadeu da Identidade e diferenccedila a perspectiva dos Estudos

Culturais 10 ed Petroacutepolis RJ Vozes 2011

ZENAIDE Maria de Nazareacute Tavares SILVA Margarida Socircnia Marinho do Monte

Plano de Accedilatildeo em Educaccedilatildeo em e para Direitos Humanos na Educaccedilatildeo baacutesica In

Direitos humanos capacitaccedilatildeo de educadores Joatildeo Pessoa editora

UniversitaacuteriaUFPB 2008 v 2

Bibliografia literaacuteria

BOJUNGA Lygia Sapato de salto Rio de Janeiro Casa Lygia Bojunga 2006

_____ A bolsa amarela 33 ed Rio de Janeiro Casa Lygia Bojunga 2003

133

BRAZ Juacutelio Emiacutelio Anjos no aquaacuterio Ilustraccedilotildees de Andreacutea Ramos 20 ed Satildeo

Paulo Atual 2009

LEITE Maacutercia Oliacutevia tem dois papais Ilustraccedilotildees de Taline Schubach Satildeo Paulo

Companhia das Letrinhas 2010

MACHADO Ana Maria A princesa que escolhia Ilustraccedilotildees de Graccedila Lima Rio

de Janeiro Nova Fronteira 2006

ROCHA Ruth Faca sem ponta galinha sem peacute Ilustraccedilotildees de Suppa Satildeo Paulo

Moderna 2009

SIMPATIA Tiatildeo A lei Maria da Penha em cordel ndash Fortaleza XX 2012

SOUZA Flaacutevio de Priacutencipes e princesas sapos e lagartos histoacuterias modernas de

tempos antigos Ilustraccedilotildees de Paulo Ricardo Dantas 6 ed Satildeo Paulo FTD 1996

_____ Homem natildeo chora Ilustraccedilotildees de Riba Tavares Belo Horizonte Formato

Editorial 1994

TORERO Joseacute Roberto PIMENTA Marcus Aurelius Chapeuzinhos coloridos

Rio de Janeiro Objetiva 2010

VIEIRA Isabel E agora matildee 2 ed Satildeo Paulo Moderna 2002

ZIRALDO Coisas de menina histoacuterias que revelam o que eacute ser menina

maluquinha Satildeo Paulo Globo 2008

SUGESTOtildeES DE FILMES

Minha Vida em Cor-de-Rosa (Mavieen rose) eacute um filme dirigido pelo belga Alain

Berliner e lanccedilado em1997 Trata-se da histoacuteria de um menino chamado Ludovic que

imagina que deveria ter nascido menina O filme mostra os preconceitos que a personagem

principal e seus familiares enfrentam em relaccedilatildeo a sua identidade de gecircnero

Garotos natildeo choram (EUA 1999 Kimberly Peirce) Assunto predominante

sexualidade identidade sexual e de gecircnero atraveacutes da experiecircncia de uma transgecircnero

violecircncia EUA

Geraccedilatildeo Roubada (Austraacutelia 2002 Phillip Noyce) Assunto predominante

Opressatildeo cultural e situaccedilatildeo feminina

Iacuteris (Inglaterra 2001 Richard Eyre) Narra a trajetoacuteria biograacutefica de Iacuteris Murdoch

escritora e filoacutesofa inglesa sua relaccedilatildeo com os homens e seu casamento ateacute a morte por

Alzheimer em 1999

134

Beleza Americana (EUA 1999 Sam Mendes) Assunto predominante relaccedilatildeo

conjugal gecircnero e sexualidade no conflito de geraccedilotildees homofobia

Billy Eliot (Reino Unido 2000 Stephen Daldry) Assunto predominante Gecircnero e

classe identidade sexual danccedila (um garoto faz ballet)

Chocolate (EUA 2000 Lasse Hallstroumlm) Assunto predominante gecircnero

sexualidade e amor relaccedilatildeo matildee e filha descobertas transgressotildees

Delicada atraccedilatildeo (Inglaterra 1996 Hettie Macdonald) Assunto predominante

juventude e sexualidade masculina homoerotismo

Eternamente Pagu (Brasil 1987 Norma Bengell) Narra a trajetoacuteria biograacutefica e

poliacutetica de Pagu e outras personalidades da eacutepoca como Oswald de Andrade e Tarsila do

Amaral

Frida (EUA 2002 Julie Taymor) Assunto predominante biografia da artista Frida

Khalo amor relaccedilatildeo homem-mulher homoerotismo feminino

SUGESTOtildeES DE SITES PARA VISITAR

EDUCACcedilAtildeO ON LINE

httpeducacaoonline ndash Com uma busca na palavra gecircnero encontraraacute textos

acessiacuteveis sobre diversos temas educacionais

REVISTA GEcircNERO ndash (UFF ndash Universidade Federal Fluminense) ndash

httpwwweditorauffbr

Cadernos Pagu

httpwwwscielophpscript=sciserialampIng=ptamppid=0104-8333ampnrm=iso

Revista Estudos Feministas

httpwwwscielophpscript=sciserialampIng=ptamppid=0104-8333ampnrm=iso

SUGESTOtildeES MARCOS LEGISLATIVOS DE DOCUMENTOS

Lei11340 07082006 Cria mecanismos para coibir a violecircncia domeacutestica e

familiar contra a mulher nos termos do art 226 da Constituiccedilatildeo Federal da Convenccedilatildeo sobre

a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de Discriminaccedilatildeo contra as Mulheres e da Convenccedilatildeo

135

Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violecircncia contra a Mulher Disponiacutevel

emlthttpwwwplanaltogovbrCcivil 03 Ato2004-2006Lei11340htmgtAcesso em 26

jun 2013

BRASIL Plano Nacional de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos Brasiacutelia

SEDHMJMECUNESCO 2007

136

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Eacute assim A gente pede para ele fazer cara de malvadeza de ruindade de valentia

Aiacute justo quando a cara dele estaacute mais medonha a gente mostra um espelho para

ele Acontece na hora Ele vira aquele que ele vecirc no espelho

(ROSA 1986 p 255)

Este trecho da ficccedilatildeo roseana soa-me como mais um fio das aacuteguas profundas do rio

que flui das conversaccedilotildees de (Rio)baldo e trazecirc-lo para abrir as consideraccedilotildees finais deste

trabalho parece-me oportuno Parece-me porque com esta construccedilatildeo literaacuteria de um ser no

espelho gestando imagens para si que seratildeo e vecircm dos outros pelas palavras e pela

ocularidade refletimos sobre a importacircncia da discursividade como o que nos encarna o que

nos vivifica o que nos constitui Haacute no espelho da obra roseana (ROSA 1986) a marca da

memoacuteria discursiva do outro que nos envereda a marca de que o poder eacute tecido nas praacuteticas

sociais e enunciado em praacuteticas discursivas que operam em noacutes um modo de subjetivaccedilatildeo

ldquo[] Aiacute justo quando a cara dele estaacute mais medonha a gente mostra um espelho para ele

Acontece na hora Ele vira aquele que ele vecirc no espelho []rdquo O espelho dado pelo outro

opera a virada que nos torna mutantes crentes no que vemos no que nos dizem Esta imagem

do espelho na fala de Riobaldo algo que natildeo eacute ldquonovidadeirordquo na ficccedilatildeo literaacuteria reflete

deveras o quanto a construccedilatildeo social da realidade estaacute imersa e constituiacuteda na trama da

linguagem E eacute por isso uma imagem cara que pode ser confluente com o pensamento

foucaultiano (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2004c 2004d 2012) no tocante ao interesse

do filoacutesofo de propor o exerciacutecio da suspeita do que somos e como nos tornamos quem

somos para quem sabe podermos recusar o que somos

Nesse caminho observando o cuidado alertado por Gallo (2008) para que se evite

enxergar tons novidadeiros e se tente ldquocolonizarrdquo pensamentos ter tomado de empreacutestimos as

reflexotildees de Foucault para esta pesquisa constituiu-se como um desafio instigante e vaacutelido As

contribuiccedilotildees do pensador mobilizadas aqui foram as atinentes aos processos de subjetivaccedilatildeo

da construccedilatildeo da verdade e do poder esse em suas formas de assimetria piramidalizadas

fabricadas pelo Estado e instituiccedilotildees como a familiar a religiosa e a escolar A articulaccedilatildeo de

tal empreacutestimo teve sua razatildeo de ser por esta pesquisa conforme evidenciada ter tido como

objetivo empreender reflexotildees acerca das relaccedilotildees de gecircnero perpassadas pelas constituiccedilotildees

discursivas dosas educadoresas como mediadoresas de leitura E a voz do pensador francecircs

levada a esse debate fez-me corroborar com a ideia de que o sujeito natildeo eacute uma substacircncia

137

pronta ele eacute forma que se faz e se refaz determinada por regras soacutecio-histoacutericas Foucault

(2004b) postula sujeitos que se esvanecem

Penso efetivamente que natildeo haacute um sujeito soberano fundador uma forma universal

de sujeito que poderiacuteamos encontrar em todos os lugares Penso pelo contraacuterio que o

sujeito se constitui atraveacutes das praacuteticas de sujeiccedilatildeo ou de maneira mais autocircnoma

atraveacutes das praacuteticas de liberaccedilatildeo de liberdade como na Antiguidade a partir de um

certo nuacutemero de regras de estilos de convenccedilotildees que podemos encontrar no meio

cultural (FOUCAULT 2004b p 291)

E tal postulaccedilatildeo viabiliza reflexotildees de que constituiacutedas discursivamente tramadas

por linguagens essas formas de subjetivaccedilatildeo satildeo moventes materiais dispersas falam de um

lugar institucional anunciando memoacuterias discursivas A importacircncia desse entendimento para

esta pesquisa se mostrou entre outras pela razatildeo de que com a concepccedilatildeo de que haacute

produccedilotildees histoacutericas de subjetividades e de que essas vivem em luta conforme evidencia

Foucault (2012) esta investigaccedilatildeo pocircde atentar para as instacircncias das resistecircncias Pocircde

atentar para as mobilizaccedilotildees que se intercruzam contra o naturalizado o instituiacutedo como

verdadeiro o que eacute controlado disciplinado para que possam ser problematizadas novas

formas de se constituiacuterem sujeitos

Desse modo posso dizer que haacute percebido por este estudo a possibilidade de

entrecruzar olhares foucaultianos sobre modos de subjetivaccedilatildeo e a marcha das mulheres por

um mundo com sujeitos eacuteticos que apregoem a igualdade o direito e a conquista de uma

praacutetica de liberdade para que se trace o desejo por um ethos E um ethos que incita a busca de

si o reinventar-se o desfamiliarizar-se eacute um fio no novelo que os feminismos e todos os

movimentos sociais que objetivam problematizar formaccedilotildees discursivas com seus poderes e

saberes podem ter como experiecircncia como aprendizado Com essa praacutetica homens e

mulheres constituem a beleza de serem artesatildeos de si como pontua Foucault (2004a 2004c)

Mas esta natildeo eacute uma busca sem lutas Desmantelar as invenccedilotildees os jogos de verdade recusar

o que somos por conseguinte eacute tarefa que passa pelo que se perscruta pelo que se elege para

ler ouvir falar partilhar acreditar desacreditar defender atacar enfim eacute tarefa que passa

por atentar para a dimensatildeo discursiva da construccedilatildeo da realidade

Com essa referida dimensatildeo discursiva na qual os sujeitos se inserem produtos e

produtores de sentidos (MOITA LOPES 2002 ORLANDI 2008 POSSENTI 2009) e sem

pretender oferecer a uacuteltima palavra nem onde haacute a verdade busquei entatildeo verificar o modo

como a educaccedilatildeo puacuteblica municipal na escola TRAVESSIA produz efeitos de sentidos com

suas praacuteticas leitoras Para isto investiguei as condiccedilotildees histoacutericas de produccedilatildeo dessas

138

praacuteticas perpassando pelas discursividades docentes procurei ouvir educadoresas conhecer

o projeto de leitura da instituiccedilatildeo seu documento fundador perscrutar o que move e dinamiza

o referido projeto saber do acervo da biblioteca do que ali teria ou natildeo referente ao debate

sobre gecircnero Em um clima de receptividade calorosa estive na escola observando aulas e

seus textos aplicando questionaacuterio fazendo diaacuterio de campo perscrutando as vozes que

conduzem o trabalho com leitura na escola com a perspectiva de perceber o que

comportariam as praacuteticas leitoras suscitadas

E as anaacutelises dos resultados dessas investigaccedilotildees jaacute citadas paulatinamente ao longo

do trajeto em que foram aplicados os instrumentos de investigaccedilatildeo apontaram que o debate

acerca das relaccedilotildees de gecircnero tatildeo atinente com a pauta reivindicatoacuteria dos DH natildeo era

contemplado pelo projeto de leitura da escola Assim o percebi quando examinei o documento

constituinte do projeto de leitura da CestaSexta Literaacuteria no qual natildeo se apresenta na

organizaccedilatildeo dos propoacutesitos das accedilotildees da bibliografia e da metodologia desse instrumento a

promoccedilatildeo de uma praacutetica leitora apontando para o respeito agraves diferenccedilas agrave concepccedilatildeo de um

mundo plural e ao combate a uma ordem androcecircntrica Natildeo eacute evidenciado a partir das

referecircncias do documento que a leitura acolhida lanccedilada proposta suscitada pelo projeto

CestaSexta literaacuteria esteja alicerccedilada nas intenccedilotildees de debater as relaccedilotildees de gecircnero Assim o

sendo a escola democraacutetica e inclusiva atinente ao que preconizam os postulados dos DH

natildeo estaacute sendo engendrada pela linha mestra da leitura Por sua vez no tocante agrave produccedilatildeo do

referido instrumento esse se apresenta com outras fragilidades entre elas a de natildeo amarrar

devidamente seus nexos temaacuteticos sobre quais leituras e temas estaratildeo compondo a praacutetica

leitora Haacute um silenciamento quanto agraves inserccedilotildees temaacuteticas seja de que natureza for Natildeo se

sabe entatildeo quais relaccedilotildees de saber e poder estaratildeo sendo colocadas para afirmar o que o

projeto diz perspectivar formar cidadatildeo[a]

Percebi ainda a natildeo problematizaccedilatildeo das relaccedilotildees de gecircnero na CestaSexta Literaacuteria

quando fiz o levantamento do acervo da biblioteca na primeira etapa da pesquisa As

prateleiras no que se refere agraves obras paradidaacuteticas essas as escolhidas para ser investigadas

natildeo acomodavam tiacutetulos com essa perspectiva assim me disse a responsaacutevel por aquele

espaccedilo assim averiguei tambeacutem com a leitura das fichas catalograacuteficas dos poucos volumes

presentes na biblioteca naquele periacuteodo investigado

Investiguei ainda se os textos utilizados pelo projeto nas aulas de leitura observadas

contemplavam praacuteticas discursivas que produziam sentidos atinentes agraves questotildees de gecircnero e

constatei que natildeo havia uma seleccedilatildeo de textos com a temaacutetica de gecircnero por parte dosas

educadoresas Exceccedilatildeo se deu em uma situaccedilatildeo atiacutepica na qual a professora Jaqueline trouxe

139

improvisadamente a temaacutetica pela leitura de um texto provocada segundo ela pela minha

presenccedila ali

No chatildeo da escola Travessia constatei apoacutes percorrer seus espaccedilos haacute as marcas de

que sua leitura natildeo problematiza a produccedilatildeo e a reproduccedilatildeo da iniquidade de gecircnero E outra

forma de verificar a ausecircncia dessa problematizaccedilatildeo foi pela perscruta dos relatos docentes e

pela anaacutelise das respostas do questionaacuterio lhes aplicado Pude perceber nas anaacutelises que fiz

das respostas daquele instrumento o quanto a constituiccedilatildeo das subjetividades dosas

colaboradoresas expressa olhares que segregam que estigmatizam o diferente que natildeo

percebem os jogos discursivos dos quais fazem parte Fiz a leitura com base em anaacutelise de

algumas das respostas desse instrumento de que emana dosas colaboradoresas uma

formaccedilatildeo discursiva reproduzindo e produzindo a iniquidade de gecircnero a reproduccedilatildeo de

regras e valores que elegem uma visatildeo androcecircntrica e heterossexual traccedilando para os que

natildeo pertencem a este modelo o estigma de diferente de abjeto passiacutevel de ser enquadrado

Assim o demonstraram aquela maioria de colaboradoresas da pesquisa quando expressaram a

intenccedilatildeo de ingerir em interesse de desviantes conforme apresenta a anaacutelise da sexta questatildeo

do instrumento de investigaccedilatildeo

Nas anaacutelises dos relatos dosas colaboradoresas deste estudo ficaram evidecircncias dos

limites com que se deparam essesas profissionais na propositura de um trabalho reflexivo

com a leitura A lamuacuteria e a desesperanccedila acompanhavam a praacutetica de ler minada por parcos

recursos e muita desmotivaccedilatildeo Uma praacutetica que precisa ser repensada pois em muitos

momentos essa traz a marca atraveacutes de enunciados dosas educadoresas da natildeo

contemplaccedilatildeo de importantes debates como os da violecircncia domeacutestica contra a mulher da

iniquidade de gecircnero e de outros temas atinentes agraves postulaccedilotildees dos DH Esse silenciamento

temaacutetico traduz o quanto pode estar reduzido o espaccedilo interacional da leitura como o lugar da

anti-hegemonia da desconstruccedilatildeo do olhar totalitaacuterio para o outro e isso precisa ser

repensado

A natildeo-contemplaccedilatildeo do debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero foi ainda percebida nas

aulas observadas Nelas a despeito do esforccedilo da professora para se pronunciar sobre o tema

esse natildeo assentava com o olhar da mestra repousante em uma formaccedilatildeo discursiva

essencialista E a profordf Jaqueline demonstrou-se conflitante em turbulecircncia entre suas

incursotildees pelas formaccedilotildees continuadas ofertadas pela SEDEC anunciando o respeito agrave

pluralidade cultural e agrave diversidade humana e o olhar da mestra construiacutedo inventado para a

natildeo-aceitaccedilatildeo ao diferente tingindo esse com as cores da negaccedilatildeo (SILVA 2012) As

discursividades daquelas aulas foram minadas por olhares redutores para o diferente por

140

ausecircncia de contemplaccedilatildeo de como a linguagem constitui modelos de feminilidade modelos

de masculinidades e o quanto represa a vida

Presumo que isto se registra face agrave ausecircncia do cabal cumprimento do que anunciam

as tecnologias enunciativas sobre educaccedilatildeo como as do PPP da LDB do PNEDH as dos

PCNs a Resoluccedilatildeo 0112 Esses marcos educativos instituem o debate propositivo da

inclusatildeo do respeito agrave diversidade humana e sexual e da defesa inconteste de princiacutepios como

o da dignidade humana no curriacuteculo escolar mas natildeo marcaram efetivamente as poliacuteticas

educacionais vividas na escola Tais tecnologias postas que satildeo recentemente elaboradas eacute de

se anuir provavelmente que mesmo que ocupem gavetas escolares e discursos de

formadores que ressoaram em alguns momentos nas vozes perscrutadas natildeo poderiam

impactar formaccedilotildees discursivas secularmente construiacutedas alicerccediladas ainda pelo poder-

escola E se esbarram conflitantemente em seacuteculos de internalizaccedilatildeo de um modelo

essencialista androcecircntrico e heteronormativo

Por esta razatildeo eacute preciso que da e para a escola erga-se uma brigada contra a

violecircncia de gecircnero E por assim entender propus com a construccedilatildeo do capiacutetulo 4 desta

dissertaccedilatildeo que haja a implementaccedilatildeo de praacuteticas discursivas no projeto de leitura da escola

com o propoacutesito de eliminar o silenciamento da temaacutetica de gecircnero na CestaSexta Literaacuteria

A cesta que eacute utilizada nas aulas de leitura carregando livros precisa transportar artefatos

culturais que suscitem debates pela reinvenccedilatildeo da vida pela reinvenccedilatildeo do trato entre os

homens e as mulheres balizados na dignidade de todosas Agrave escola TRAVESSIA propus

entatildeo como me solicita o cunho interventivo desse mestrado para seus cursistas que

atravesse seu vazio temaacutetico de gecircnero

Eacute preciso que a travessia desse vazio temaacutetico seja feita A escola por meio do seu

projeto de leitura pode e deve evocar a visibilidade para as iniquidades de gecircnero para o

enfrentamento da violecircncia domeacutestica contra as mulheres e para as suas lutas por

emancipaccedilatildeo social Haacute nas discursividades docentes investigadas linguagens em uso que

demonstram invisibilidade a essas questotildees Convivem com esses enunciados

paradoxalmente em alguns momentos vozes docentes que expressam desejar incorporar do

uso das tecnologias oficiais trabalhadas em formaccedilotildees continuadas conforme informaccedilatildeo em

questionaacuterio (vide questatildeo 4) e a efetivaccedilatildeo de suas experiecircncias de suas vivecircncias

profissionais Assim constatei no diaacutelogo que tive com a educadora Elisa atravessado por

uma leitura essencialista da realidade no tocante agrave identidade dos sujeitos que a faz desejar

sair da escola para natildeo ter que presenciar meninas se beijando

141

Por fim vejo como necessaacuteria a inserccedilatildeo temaacutetica das relaccedilotildees de gecircnero porque as

leituras evocadas pelosas docentes foram percebidas como as que rezavam a cartilha da

toleracircncia agrave diversidade cultural e humana sem questionar as relaccedilotildees de poder e os processos

de diferenciaccedilatildeo Esses que produzem as identidades e as diferenccedilas natildeo sendo questionados

conforme nos sugerem os Estudos Culturais acabam mesmo que frente a um arcabouccedilo de

legislaccedilatildeo educacional que propotildee uma educaccedilatildeo inclusiva e o respeito agrave dignidade humana

repousando no que Silva (2012) pontua como a produccedilatildeo de novas dicotomias a do

dominante tolerante e do dominado tolerado

Ao fim ainda pontuo que a omissatildeo perscrutada nas vozes docentes de uma

problematizaccedilatildeo que perpasse o projeto de leitura indagando-lhe os mecanismos que ativam

as fixaccedilotildees de identidades os estereoacutetipos de gecircnero pela via da leitura eacute algo que contribui

com o modelo de construir subjetivaccedilotildees disciplinadas diferentes e desiguais Isso demanda

da escola TRAVESSIA se deseja atravessar seus limites o desafio de envidar esforccedilos no

sentido de promover o rompimento com esse modelo de ler Sem o enfrentamento deste

desafio a escola natildeo estaraacute gestando utopias o que eacute enfadonho e tristonho

142

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150

APEcircNDICE A ndash QUESTIONAacuteRIO

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIacuteBA

CENTRO DE CIEcircNCIAS LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM LINGUIacuteSTICA E ENSINO

MESTRADO PROFISSIONAL EM LINGUIacuteSTICA E ENSINO

Prezados (as) colegas

Como aluna regular do mestrado profissional em Linguiacutestica e Ensino pelo Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica e Ensino PROLING da UFPB desenvolvo uma pesquisa cujas bases conceituais

norteiam-se pela concepccedilatildeo de linguagem como praacutetica discursiva e que tem como objeto de anaacutelise um

entrecruzamento entre as representaccedilotildees de gecircnero e as praacuteticas leitoras na escola concebidas pelos educadores

Solicito dessa escola a colaboraccedilatildeo no sentido de que seu corpo docente envolvido com praacuteticas leitoras

responda a este questionaacuterio que eacute o ponto de partida para outros diaacutelogos com o objetivo de contribuir para

uma reflexatildeo sobre a temaacutetica presente

QUESTIONAacuteRIO

Considerando sua experiecircncia como leitora e sua praacutetica pedagoacutegica especialmente no projeto de

leitura desenvolvido pela escola responda por gentileza agraves seguintes questotildees

Perfil sociodemograacutefico

Sexo ( ) feminino ( ) masculino

Tempo de formado ( ) de 1 a 10 anos( ) de 11 a 21( ) de 21 a 31( ) 32 ou mais

Idade ( ) de 21 a 31 ( ) 31 a 41( ) 41 a 51( ) 51 a 61( ) 62 ou mais

Titulaccedilatildeo( ) superior ( ) Especializaccedilatildeo ( ) mestrado ( ) doutorado

1) O que a leitura significa para a escola expressada atraveacutes do seu projeto de leitura (marque ateacute trecircs

questotildees enumerando-as por ordem de importacircncia)

( ) Instrumento de ajuda na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo

( ) Uma atividade prazerosa

( ) A escola natildeo valoriza a leitura

( ) A escola valoriza pouco a leitura

( ) Um estiacutemulo agraves transformaccedilotildees sociais

( ) Outra _______________

2) O projeto de leitura estimula a reflexatildeo sobre temas como racismo preconceitos Direitos Humanos

( ) sim ( ) natildeo

3) O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero estaacute incorporado nas leituras do projeto

( ) sim ( ) natildeo

151

Marque as explicaccedilotildees para a resposta anterior

( ) As questotildees de gecircnero satildeo pouco exploradas

( ) Eacute explorada com frequecircncia a temaacutetica pautada que estaacute em uma poliacutetica escolar de engajamento no

combate agraves assimetrias de gecircnero

( ) Ainda natildeo houve oportunidade para inserir este tema em nosso projeto de leitura

( ) O projeto daacute visibilidade aos modos como os estereoacutetipos satildeo alicerccedilados e como muitas leituras reforccedilam

os padrotildees sexistas presentes na sociedade

( ) Outra _______________

4) Vocecirc acredita que a formaccedilatildeo recebida pelo (a) educador (a) tanto em niacutevel inicial quanto na continuada tem

preparado o (a) profissional para uma praacutetica pedagoacutegica que contemple a igualdade no espaccedilo escolar

( ) sim ( ) natildeo

5) As poliacuteticas educacionais comprometem a equidade de gecircnero O que pode o menino e o que pode a menina

no espaccedilo escolar

( ) Natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e meninas

( ) Comprometem pouco porque a escola atua pela igualdade de tratamento

( ) Ainda comprometem muito porque a escola dispensa tratamento desigual

( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que satildeo naturalmente desiguais

6) Quando meninos e meninas demonstram comportamentos ldquoconsideradosrdquo como natildeo apropriados para seu

sexo qual a leitura feita

( ) Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras de cada crianccedila

( ) Haacute um sentimento de decepccedilatildeo algo estaacute errado

( ) Procuro redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo

7) Como mediador (a) de leitura vocecirc interfere diante de uma expressatildeo de preconceito uma expressatildeo de

conflitos entre olhares de meninos e de meninas

( ) Pouco eacute natural a disputa

( ) Interfiro sempre sou contraacuterio (a) a qualquer manifestaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo

( ) Natildeo haacute como interferir sempre nossa demanda eacute intensa

8) No tocante agrave violecircncia contra a mulher o Brasil em um ranking de 84 paiacuteses ocupa a 7ordf posiccedilatildeo sendo a

Paraiacuteba um dos Estados da Federaccedilatildeo mais violentos tambeacutem com a 7ordf colocaccedilatildeo E Joatildeo Pessoa sua

capital eacute a 2ordf mais violenta (CEBELA Mapa da Violecircncia 2012) O que em sua opiniatildeo explica a existecircncia

deste fenocircmeno

( ) Formaccedilatildeo cultural

( ) Haacute pessoas naturalmente violentas

( ) Natildeo sei

( ) O ciuacuteme o consumo de drogas o divoacutercio e natildeo saber lidar com traiccedilatildeo

( ) Outra ______________

9) Para vocecirc a escola atenta para sua importacircncia como espaccedilo de enfrentamento agrave questatildeo

( ) sim ( ) natildeo ( ) sim mas de forma insignificante

10) A Lei Maria da Penha como avanccedilado instrumento juriacutedico no enfrentamento da questatildeo ganha que

espaccedilo no projeto de leitura

( ) Nunca foi citada

( ) Existe na biblioteca

( ) Jaacute trabalhamos com ela

152

11) Que lugar deve ocupar a histoacuteria de emancipaccedilatildeo da mulher no curriacuteculo escolar e no projeto

( ) Haacute sentido em trazer a histoacuteria social das mulheres como tema nos curriacuteculos escolares

( ) Apoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas memoacuterias ocultadas e inferiorizadas

( ) O conteuacutedo sobre o coletivo das mulheres tem espaccedilo mas temos pouca carga horaacuteria para exploraacute-lo mais

( ) Natildeo temos como inserir mais conteuacutedo na grade curricular nem acho importante

12) Emita sua opiniatildeo a respeito do movimento feminista

( ) Propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso eacute bom

( ) Propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso natildeo eacute bom

( ) Eacute um movimento com muito radicalismo

( ) Fornece ferramentas conceituais que possibilita melhor percepccedilatildeo da opressatildeo agravemulher

13) O projeto de leitura costuma vincular alguma programaccedilatildeo agraves datas comemorativas

( ) sim ( ) natildeo

Caso sim qual o teor do dia 8 de marccedilo como Dia Internacional da Mulher O que se faz na data ou o que se

pretende fazer

( ) Eacute um dia em que ela eacute intensamente valorizada entrega de flores poemas cartazes pela escola

( ) Eacute um dia com pouca reflexatildeo sobre a luta feminista

( ) Outra _______________

____________________________________________________

Gilva Vasconcelos da Silva Matos

GILVA VASCONCELOS DA SILVA MATOS

LEITURA E RELACcedilOtildeES DE GEcircNERO AS DISCURSIVIDADES DOS(AS)

EDUCADORES(AS) NAS MEDIACcedilOtildeES DE PRAacuteTICAS LEITORAS

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica e Ensino da

Universidade Federal da Paraiacuteba como

requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de

mestra pelo Mestrado Profissional em

Linguiacutestica e Ensino

Orientador Prof Dr Onireves Monteiro da

Costa

Coorientadora Profordf Dra Maria da Luz

Olegaacuterio

Joatildeo Pessoa

2014

GILVA VASCONCELOS DA SILVA MATOS

LEITURA E RELACcedilOtildeES DE GEcircNERO AS DISCURSIVIDADES DOS (AS)

EDUCADORES (AS) NAS MEDIACcedilOtildeES DE PRAacuteTICAS LEITORAS

Dissertaccedilatildeo avaliada em ____________

BANCA EXAMINADORA

Prof Dr Onireves Monteiro da Costa (UFCG)

(orientador)

Profordf Dra Maria da Luz Olegaacuterio (UFCG)

(coorientadora)

Profordf Dra Maria de Nazareacute Tavares Zenaide (UFPB)

(examinadora)

Profordf Dra Eliane Ferraz Alves (UFPB)

(examinadora)

Profordf Dra Alvanira Lucia de Barros (UFCG)

(suplente)

Joatildeo Pessoa

2014

Dedico este trabalho a todas as mulheres

militantes agravequelas que deixam ao mundo o

legado de por amarem o suficiente a vida

desejam reinventaacute-la

AGRADECIMENTOS

Sou profundamente grata a todosas aquelesas que deram de alguma forma sua

contribuiccedilatildeo para que esta pesquisa fosse realizada Reconheccedilo e aqui me cabe demonstrar

que esta conquista tem um dar de matildeos que me permitiu aclarar questotildees e seguir diante dos

momentos de tensatildeo que emergem no trajeto das obrigaccedilotildees acadecircmicas

Primeiro e sobretudo agradeccedilo a Deus pelo esconderijo no Altiacutessimo pela

serenidade emanada dos seus braccedilos

Especialmente agradeccedilo ao meu orientador querido Prof Dr Onireves porque me

acolheu do alto de sua sabedoria e grandeza humana permanentemente me incentivando

tornando tudo mais significativo e leve

Agrave profordf Dra Maria da Luz Olegaacuterio coorientadora que carrega no nome o que me

ofertou quando mais precisei ndash visatildeo luminosa sendo docilmente criteriosa no compartilhar

de seu conhecimento

Agradeccedilo agrave profordf Dra Maria de Nazareacute Tavares Zenaide por suas saacutebias colaboraccedilotildees

ao participar da banca examinadora de defesa deste trabalho Seu olhar arguto trouxe a

grandeza de quem labuta por uma escola em que os Direitos Humanos encontrem assentos

Agradeccedilo agrave profordf Dra Eliane Ferraz Alves por compor criteriosamente a banca

examinadora de defesa deste trabalho

Agrave admiraacutevel profordf da UNEB Nadja Nunes muito obrigada Sua grandeza perdura em

minhas memoacuterias de aprendiz Haacute um vazio de sua presenccedila na composiccedilatildeo para a banca de

exame de defesa mas compreendendo os percalccedilos do impedimento saiba que natildeo haacute

ausecircncia onde se ministrou um ethos Mire por ti tenho gratidatildeo pela vida inteira

Agradeccedilo agrave profordf Dra Juliene Pedrosa coordenadora deste mestrado referecircncia de

zelo profissional

Agradeccedilo agrave escola TRAVESSIA e seus sujeitos pesquisados por tanta abertura e

respeito com o meu trabalho

Aos meus pais Manuel (in memoriam) e Elisa agradeccedilo pelo amor pelas liccedilotildees de

vida pelas narrativas dos sonhos

Aos meus filhos Pablo Ravi e Lucas que me fazem amar amiuacutede obrigada Os trecircs

compotildeem parte da magia de minha vida pelo segredo de ninar pela becircnccedilatildeo de colos

pacificados Cada um eacute unicamente um cacircntico novo tesouros

A Robert pela vida partilhada enlaccedilada em afetos obrigada

Aosagraves irmatildeosatildes em especial Didi que me nutre com fraternidade amorosa e

incondicional devo-lhe muito

Obrigada deputada estadual Gilma Germano pela propositura de leis de suma

importacircncia para a garantia dos direitos das mulheres

Agradeccedilo ao amigo de infacircncia Iranmil pela liccedilatildeo de enfrentamento agrave homofobia pela

companhia na literatura por falar muito e rir tanto

Agrave Socircnia Maria por me ofertar ao longo dos anos amizade das mais leves e alegres

regrada a risos companheirismo e adoccedilatildeo fraterna

Aosagraves colegas do mestrado em especial Adnilda e Leandro que satildeo tatildeo solidaacuterios e

inteligentes tambeacutem agradeccedilo

Aos meus alunos e alunas com quem aprendi muito

Ao meu chefe o diretor do CECAPRO Prof Giovanny Lima pelo estiacutemulo agraves minhas

buscas pelo conhecimento pelo compromisso com a educaccedilatildeo

Agrave Inecircs Caminha ex-chefe eterna liccedilatildeo de competecircncia e bondade

Agrave competente secretaacuteria do CECAPRO Adilsa Gadelha pelo que tambeacutem sabe ser

amiga

Agrave secretaacuteria do MPLE Vera Lima por sempre e tanto atender respeitosa e

competentemente

Lembrou-se de que em adolescente procurara

um destino e escolhera cantar Como parte de

sua educaccedilatildeo facilmente lhe arranjaram um

bom professor Mas cantava mal ela mesma o

sabia e seu pai amante de oacuteperas fingira natildeo

notar que ela cantava mal Mas houve um

momento em que ela comeccedilou a chorar O

professor perguntara-lhe o que tinha - Eacute que

eu tenho medo de de de de cantar bem []

(LISPECTOR 1979 p 157)

RESUMO

As importantes conquistas efetivadas pelas lutas feministas e pela pauta

reivindicatoacuteria dos Direitos Humanos que problematizam a construccedilatildeo social de gecircnero tecircm

na escola espaccedilo dos mais importantes para o debate promotor da equidade de gecircnero Esta

pesquisa se estrutura pela interface entre as praacuteticas leitoras na escola e a promoccedilatildeo desse

debate e se propotildee a analisar as discursividades dosas educadoresas como mediadoresas de

leituras acerca das relaccedilotildees de gecircnero Para este direcionamento discursivo o estudo move-se

teoricamente na concepccedilatildeo de leitura em Soares (2001 2011) Orlandi (2008) e Silva E T

(2009 2011) nos estudos feministas contemporacircneos (LOURO 2012) (COSTA 2009) nas

reflexotildees trazidas pela Anaacutelise de Discurso (ORLANDI 2012 POSSENTI 2009) e nas

contribuiccedilotildees foucaultianas sobre poder e subjetividade (FOUCAULT 2004a 2004b 2004c

2011 2012) A investigaccedilatildeo de natureza qualitativa regida por princiacutepios analiacuteticos tem

como loacutecus uma escola do Ensino Fundamental da Rede Puacuteblica de Joatildeo Pessoa-PB na

realizaccedilatildeo de seu projeto de leitura Foram adotados como procedimentos metodoloacutegicos para

geraccedilatildeo dos dados a anaacutelise do documento do projeto de leitura observaccedilotildees de aulas anaacutelise

do material de leitura utilizado nesses eventos dos relatos de diaacutelogos com osas

educadoresas e da aplicaccedilatildeo de questionaacuterio E conforme anaacutelise dos resultados do conjunto

dos instrumentos investigativos o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero natildeo perpassa pela

instacircncia do projeto de leitura da escola nem nas vozes docentes perscrutadas

Palavras-chave Leitura Gecircnero Discurso Praacuteticas discursivas Direitos Humanos

ABSTRACT

The important achievements of feminist struggles and the Human Rights agenda

which discuss the social construction of gender find at school an important space for the

debate that promotes gender equality This piece of research focuses reading practices at

school and the promotion of this debate aiming at analyzing the discourses of (male and

female) teachers as reading mediators on gender relations As its theoretical framework this

study considers the definition of reading proposed by Soares (2001 2011) Orlandi (2008)

and Silva E T (2009 2011) contemporary feminist studies (LOURO 2012 COSTA 2009

PISCITELLI 2002) reflections proposed in the field of Discourse Analysis (POSSENTI

2009) and the foucauldian discussions on power and subjectivity (FOUCAULT 2004a

2004b 2004c 2011 2012) This qualitative investigation has as its locus a public primary

school in the city of Joatildeo Pessoa ndash PB while developing its reading project Data

wasgenerated from the analysis of the reading project document lesson observations reading

material used in the sessions reports by the teachers and a questionnaire The results indicate

that the debate concerning gender relations does not emerge in the reading project activities or

the teachersrsquo voices studied

Keywords Reading Gender Discourse Discursive practices Human rights

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 10

1 OS PRESSUPOSTOS TEOacuteRICO-METODOLOacuteGICOS DA PESQUISA 25

11 Entrevendo os sujeitos o loacutecus os jogos de verdade 25

12 Por onde falam e de onde olham osas educadoresas os instrumentos de

investigaccedilatildeo 27

2 OS APORTES TEOacuteRICOS QUE MOVEM A INVESTIGACcedilAtildeO 29

21 Gecircnero Discurso e Direitos Humanos 29

22 Feminismo poder e educaccedilatildeo 39

23 A leitura no Brasil em retratos 51

24 O sujeito da leitura na Anaacutelise do Discurso 64

25 Os processos de significaccedilatildeo e subjetivaccedilatildeo a leitura como praacutetica social 69

26 A leitura como mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de identidades 72

3 ANAacuteLISE DOS RESULTADOS INVESTIGATIVOS 82

31 O Documento-fundador o natildeo dito significando 82

32 O acervo bibliotecaacuterio dos paradidaacuteticos estantes que enunciam 87

33 Os relatos as subjetividades os jogos discursivos 89

34 O questionaacuterio e outros relatos entrelaccedilando discursividades 92

35 As aulas o sujeito-leitor o campo de gecircnero e as relaccedilotildees de poder 113

4 A ACcedilAtildeO PROPOSITORA INSERCcedilAtildeO TEMAacuteTICA DE GEcircNERO PELA

VIA DA LEITURA 125

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 136

REFEREcircNCIAS 142

APEcircNDICE 150

10

INTRODUCcedilAtildeO

A Gecircnese da pesquisa como (entre)veio o desejo

Movida pelo interesse entre leitura e relaccedilotildees de gecircnero investigo com este trabalho

as discursividades dosas educadoresas como mediadoresas de leituras frente ao debate

sobre a equidade de gecircnero Esta accedilatildeo investigativa se daacute em uma escola do Ensino

Fundamental da Rede Puacuteblica de Joatildeo Pessoa - PB que executa um projeto de leitura em sua

biblioteca em um dia especiacutefico a sexta-feira fato provavelmente responsaacutevel pela

nomeaccedilatildeo da atividade a CestaSexta Literaacuteria

Os passos dados para a construccedilatildeo desta pesquisa possuem histoacuteria imagens

memoacuterias esquecimentos desejos uma gecircnese Debruccedilo-me agora sobre essa gecircnese E creio

que duas imagens armazenadas por mim nas andanccedilas escolares satildeo possivelmente

fundadoras-mor de meu objeto de pesquisa Elas entre tantas imagens que se ofertam como

leituras propiacutecias agraves reflexotildees sobre o debate da equidade de gecircnero na escola satildeo frugais em

minhas memoacuterias de educadora de mulher Chegaram em contingecircncias especiais e se

tornaram efeitos encarnados no sentido que o poeta Fernando Pessoa diz que irrompem

provocaccedilotildees Foram por mim guardadas em um momento de inquietaccedilatildeo em que me

debruccedilava sobre qual tema me aticcedilaria profundamente para estudar neste mestrado E de

forma providencial e diligente estas imagens me (s)acudiram a alma quando as registrei

pegaram-me pela matildeo e me levaram a uma itineracircncia na qual satildeo debulhados saberes

poderes palavras ordens accedilotildees discursivas de outros sobre mim que me fazem estar quem

estou Mais do que isto as imagens levaram-me mesmo que medrosamente a um desejo

profundo de discutir a construccedilatildeo das diferenccedilas as discursividades docentes acerca do

feminismo as relaccedilotildees de gecircnero e o lugar da escola como espaccedilo de debate e de construccedilatildeo

de equidade

E foi assim que vivi a experiecircncia de registraacute-las Envolta pelo meu interesse

profissional de pensar a leitura como importante instrumento na formaccedilatildeo discente descobri

um trabalho em escolas da zona rural de um municiacutepio paraibano realizado por uma ONG

muito bem conceituado Pensei que poderia render um bom estudo avaliar como as histoacuterias

contadas naqueles espaccedilos poderiam funcionar como instrumento de mediaccedilatildeo na construccedilatildeo

das identidades de gecircneros na problematizaccedilatildeo de papeacuteis socialmente construiacutedos

Discordando de minha orientaccedilatildeo acadecircmica que via com dificuldade a distacircncia

entre minha morada e meu objeto de estudo natildeo me incomodou o fato de viajar para me

11

enveredar na pesquisa Muito pelo contraacuterio achei que em verdade estaria ali menina leitora

que fui em uma casa de pais analfabetos onde livros eram objetos rariacutessimos por quem eu

nutria a paixatildeo visceral Viajei para ver crianccedilas que liam movida quem sabe por um desejo

de me visitar naquela roda de leitura Na roda a vida seria salva com a imaginaccedilatildeo aticcedilada

Na roda seria quem sou na interaccedilatildeo das leituras Ao certo fui buscar narrativas que me

narrariam ou em uma confluecircncia com o que diz Albuquerque Juacutenior (2007) iria simular o

germe de novas existecircncias novos modos de subjetivaccedilatildeo Embrenhei-me por essa busca

levando o fasciacutenio pelo campo de gecircnero aonde for aspirando ao meu interesse de escrevente

dispersa aticcedilada pelo ldquofogo que vem da paixatildeo que consome que lanccedila paixatildeo pelo devirrdquo

tatildeo bem-dita na prescriccedilatildeo vertiginosa de Albuquerque Juacutenior (2007)

Em minha primeira visita na unidade escolar referida era veacutespera do Dia das Matildees e

o foco na roda da leitura trazia textos sobre a mulher-matildee Imagens essencialistas da mulher

eram sumariamente expostas por poder gerar vidas ldquoela eacute paciente sensiacutevel dedicada e

zelosardquo Essa construccedilatildeo discursiva era traccedilada naquela roda de leitura para e com crianccedilas de

forma inclusive a se ignorar a jaacute instalada e reorganizada nova composiccedilatildeo das famiacutelias Isso

me gerou desconforto ldquoo gecircnero eacute o destino Natildeo haveria outra trajetoacuteriardquo (SAFFIOTI

2001) Mas naquela roda circulou um fato que marcou ainda mais minha tarde jaacute quente

climaticamente Surge depois de alguns minutos de iniacutecio de aula sala adentro um pai

levando seu filho pequeno pela matildeo O homem visivelmente abatido veio partilhar o recente

drama pessoal no qual estava mergulhado que em funccedilatildeo das proporccedilotildees espaciais da

comunidade jaacute parecia ser de conhecimento de todosas a ex-companheira e matildee de seu filho

fora embora com o amante O pai bem jovem expressou ali uma uniacutevoca e velha leitura a de

que ele e seu filho foram traiacutedos de que aquela mulher natildeo prestava A presenccedila daquele

genitor ali descontrolado soou-me de forma vertiginosa E ele teceu uma imagem da ex-

mulher agrave frente de todosas e de seu filho como a de quem natildeo possuiacutea nenhuma dignidade

Um discurso machista e essencialista era debulhado com os requintes de uma alma cega pela

ferida do abandono Em puacuteblico ali se construiacutea um lugar para as mulheres que decidem

partir as que rejeitam o papel que lhes eacute destinado ficar em casa embora o lar desmorone E

a crianccedila mesmo enlaccedilada pela condiccedilatildeo de filho em um misto de profunda dor e decepccedilatildeo

reproduzia com movimentos de cabeccedila toda uma narrativa demonizadora da mulher Os

acenos de cabeccedila agrave voz do pai refletiam possivelmente um sim agrave formaccedilatildeo discursiva de um

lar alicerccedilado aos moldes machistas patriarcais

Aquela cena me levou agrave dor do peso de um mundo em que a iniquidade de gecircnero

ainda estilhaccedilava seu poder nos olhos de um menininho choroso carregado pela matildeo de um

12

pai que arrastava consigo machismo e furor No final entre os burburinhos dosas

coleguinhas que diziam entre outras coisas ldquoA matildee de Felipe (esse eacute um nome fictiacutecio) eacute

ruim ainda bem que a minha natildeo me abandonourdquo eu ouvi a professora em uma tentativa

desajeitada de compensar a dor daquela crianccedila intervir e dizer que se ele tinha uma matildee

ruim em compensaccedilatildeo contava com um pai bom um heroacutei Essa educadora talvez sem

refletir sobre o efeito de sua interferecircncia sobre o jogo de verdade que a impulsiona

posicionou-se como aquela que tem a responsabilidade de oferecer respostas e o fez de um

lugar de autoridade do qual reproduziu significativamente os estereoacutetipos de gecircnero O seu

posicionamento se traduziu para mim como a delineaccedilatildeo discursiva de papeacuteis alicerccedilados aos

moldes androcecircntricos e por conseguinte produtor da iniquidade de gecircnero Isto me

impactou pois mesmo que sejam ressoadas corriqueiramente as construccedilotildees discursivas da

hegemonia machista natildeo haacute como natildeo buscar da escola o afinamento com a contra-

hegemonia que os avanccedilos feministas asseguram A ausecircncia deste afinamento eacute um descuido

com os direitos humanos das mulheres e precisa ser inquirida pelo menos para os amantes da

educaccedilatildeo libertaacuteria

Saiacute dali convicta de que aquele loacutecus natildeo poderia ser mais apropriado para a

pesquisa Aquela considerada trageacutedia emocional que circulava nas bocas pelo lugar inteiro

precisaria ser omitida em meu estudo por obedecer ao princiacutepio do anonimato evitando

expor inclusive uma crianccedila Mas pensar as relaccedilotildees de gecircnero e desconsiderar a forccedila

daquela imagem e da formaccedilatildeo discursiva que ali reinava seria ser negligente com o tema

com o trabalho Resolvi guardar a imagem falar sobre ela mas procurar outro campo

empiacuterico

Alguns dias depois voltei a conversar com a professora sobre aquele episoacutedio Agora

jaacute natildeo sob o efeito do impacto da cena do primeiro encontro fui incisiva e lhe inquiri sobre a

construccedilatildeo social dos papeacuteis sobre a desigual maneira de se constituir discursivamente

sujeitos e a responsabilidade da escola em formar para a igualdade de direitos de homens e

mulheres Ela me disse que toda a sua conduccedilatildeo estava de acordo com os princiacutepios cristatildeos

defendidos pela escola para os quais a mulher deve ser submissa nascer para se doar agrave

famiacutelia e o que fizera a matildee de F era abominaacutevel negava a ldquoessecircnciardquo feminina A despeito

da laicidade do Estado brasileiro o que implica em tese a negaccedilatildeo da formulaccedilatildeo de regras e

estrateacutegias que levem a enunciados dessa natureza a professora ocupa sua posiccedilatildeo

institucional e embandeira uma verdade forjada em discursos alicerccedilados em princiacutepios da feacute

cristatilde turvada por machismo e hierarquia de gecircnero

13

Em um gesto decisivo procurei outra escola para efetivar minha pesquisa O Dia das

Matildees jaacute havia se passado e ali presenciei mais um momento indicativo de que os sentidos

afiados dos quais fala Louro (2012) eacute um imperativo eacutetico para que se pense nas muralhas que

a escola precisa transpor para deslegitimar ordens sexistas androcecircntricas Assisti em uma

manhatilde em meio ao barulho comum de um intervalo nas escolas um pai se dirigir agrave diretora

falando alto por dois motivos queria que sua voz ultrapassasse o som da zoada do alunado e

estava pronto a mostrar sua firmeza sua forccedila em alto som Ele exigiu explicaccedilotildees desta

profissional sobre o que fora ensinado ao seu filho na festa das matildees tendo em vista que o

aluno expressou vontade de colaborar com as atividades domeacutesticas em casa A gestora

pacientemente explicou-lhe que apenas no momento das homenagens expuseram a reflexatildeo de

que meninos tambeacutem podem e devem ajudar as matildees nas tarefas domeacutesticas considerando

que estas ficam sobrecarregadas costumeiramente O homem retrucou ameaccedilando retirar o

filho da escola se mais uma vez a instituiccedilatildeo quisesse ensinar agrave crianccedila a virar uma

ldquomariquinhardquo Ali eu e ela tentamos dialogar com este pai enfatizando a importacircncia dos

direitos iguais para homens e mulheres do valor da contribuiccedilatildeo para a famiacutelia do trabalho de

todosas e que a concepccedilatildeo dele eacute infundada machista e preconceituosa Em vatildeo O homem

foi agrave escola soacute para bradar seu entendimento do que significa ser macho O que a instituiccedilatildeo

pensa a respeito natildeo lhe interessava

De novo senti o peso de um mundo fortemente assimeacutetrico forjado em conceitos

essencialistas Meu interesse pela problematizaccedilatildeo das iniquidades de gecircnero no chatildeo da

escola me seduziu de vez pensei com que produccedilatildeo de verdade osas trabalhadoresas da

educaccedilatildeo tecircm se movido (ou estariam presos) no enfrentamento destes embates corriqueiros

Escolhi ali mais uma vez por onde iria meu caminho investigativo

Estes dois momentos nas escolas em que experimentei cenas impactantes na

marcaccedilatildeo da assimetria de gecircnero perpassadas em voz docente e de membros familiares

conforme jaacute pontuei foram nodais para a minha decisatildeo de ter em foco essas relaccedilotildees no

espaccedilo escolar como objeto de estudo Mas deveras fui sendo seduzida pela ideia de

problematizar as assimetrias de gecircnero logo cedo na minha casa cheia de meninos

ldquotreinadosrdquo para conquistar espaccedilos enquanto que eu e minhas irmatildes eacuteramos ldquoadestradasrdquo

para o casamento como tantas mulheres de minha geraccedilatildeo e anteriores a ela Rezamos na

cartilha que a nossa formaccedilatildeo discursiva ordenava Filhos lar sexualidade reprimida redoma

sacrifiacutecios em nome de modelos de ldquofelicidaderdquo Modelos cujo formato tem cores

consistecircncia e sons androcecircntricos Tudo aquilo natildeo era escolha ou no dizer de Michel

14

Foucault (2004a 2004b 2012) a margem de liberdade era estreitiacutessima Era o poder

alicerccedilando as relaccedilotildees imbricado na instituiccedilatildeo famiacutelia

Onde haacute poder haacute resistecircncia diz esse pensador francecircs todavia |E os estudos no

campo de gecircnero como enunciados de resistecircncia chegaram-me Com eles chegaram os

compassos que desfazem os essencialismos Em suas vertiginosas paragens os

(des)compassos que explicitam o surdo combate entre o que se vecirc seu enredamento e o que

se diz como bem pontua Albuquerque Juacutenior (2007) E em um processo vital acostumei-me

com esse campo de estudo a afiar os meus sentidos muito embora agraves vezes fiquem

embaccedilados por uma memoacuteria discursiva que se desloca conflitando identidades que me

vestem e com as quais me perco e me acho Nos estudos poacutes-estruturalistas entendi meus

sujeitos dispersos a heterogeneidade discursiva que me faz ser tantas com verdades mil que

fazem viver dentro de mim todas as vidas do poema de Cora Coralina (1983) a cabocla

velha acocorada a que benze e a que reza a lavadeira do Rio Vermelho com seu cheiro

gostoso a mulher suada corrida vive dentro de mim a mulher cozinheira pimenta e cebola

panela de barro mas corro levando a mulher devoradora de fastfood Vive dentro de mim a

mulher roceira enxerto da terra meio casmurra vive a mulher urbana imersa no caos do

tracircnsito enredada nas redes sociais E o que faccedilo com tantas vidas Certamente com os

estudos de gecircnero posso desejar vecirc-las em seus processos de subjetivaccedilatildeo em um mundo

plural mas hegemocircnico global movente instantacircneo liacutequido que pode desfazer verdades

ldquoquebrando a gaiolardquo do essencialismo como propotildeem os Estudos Culturais

Decerto que sempre se constituiu para mim como ato de seduccedilatildeo o garimpar das

subjetividades que se fazem em meio a jogos de verdade como demonstra Foucault (2004a

2004b 2004c 2004d 2012) Ultimamente todavia perscrutar nossosas mestresas sem as

pequenas pretensotildees de quem desvenda descobre o oculto como nos adverte o filoacutesofo

francecircs mas pensando nas histoacutericas condiccedilotildees de produccedilotildees de suas subjetividades

constituiacutea-se mais fortemente como desejo e apreensatildeo Minha apreensatildeo de pesquisar modos

de subjetivaccedilatildeo de professora se dava pela frequecircncia com que vinha registrando os

enunciados da categoria que descrevia com muito pesar a atuaccedilatildeo profissional salas lotadas

baixos salaacuterios perda de autoridade violecircncia desinteresse dosas discentes sentimentos de

desvalorizaccedilatildeo frustraccedilotildees enfim uma homogeneidade de queixas perpassando as vozes

dosas educadoresas Obviamente as precaacuterias condiccedilotildees de trabalho justificam os dolorosos

enunciados dosas trabalhadoresas da educaccedilatildeo Essesas profissionais se natildeo se inserem na

militacircncia na defesa de poliacuteticas puacuteblicas voltadas para a educaccedilatildeo de qualidade no ativismo

poliacutetico na busca pelas praacuteticas de liberdade pelas teacutecnicas de ajuste da relaccedilatildeo de si para

15

consigo um ethos que repousam em uma eacutetica do inconformismo do autodomiacutenio

(FOUCAULT 2004a) tornam o repertoacuterio enunciativo bem marcado por insatisfaccedilatildeo Como

a militacircncia eacute pouca sobram a lamuacuteria e a vitimizaccedilatildeo em um paiacutes com vergonhoso histoacuterico

de baixo investimento na educaccedilatildeo puacuteblica

Ainda assim paradoxalmente minha apreensatildeo se misturava ao desejo de me

debruccedilar sobre as subjetividades dessesas profissionais Pegava-me indagando quais satildeo

face aos efeitos produzidos pelas tecnologias oficiais essas concebidas aqui na concepccedilatildeo

foucaultiana como os instrumentos que proporcionam formaccedilotildees assimilaccedilotildees de ordens as

aprendizagens que tecircm assimilado osas educadoresas Como os debates sobre sexualidade e

gecircnero trazidos pela rede discursiva das diretrizes da educaccedilatildeo brasileira como a Lei de

Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional - LDBEN-96 os Paracircmetros Curriculares Nacionais

(PCNs 1997) faziam-se presentes entre elesas Essas questotildees me instigavam E me

instigaram mais quando pensei a interface discursividadeleituragecircnero

Retornando agrave seduccedilatildeo pela problematizaccedilatildeo da iniquidade de gecircnero fui sendo

seduzida ainda em deacutecadas de atividade como professora em sala de aula Laacute lecionando em

niacuteveis diversos (fundamental meacutedio e superior) procurei sempre trazer agrave tona a constituiccedilatildeo

discursiva da construccedilatildeo social de gecircnero Sentia-me cumpridora de minha missatildeo como

educadora quando a minha praacutetica pedagoacutegica contribuiacutea com a reflexatildeo que aponta para a

necessidade de construirmos um mundo para todas as pessoas Uma utopia e como utopia

natildeo morre move-se Estaacute aqui comigo Estaacute aqui quando olho nossas estatiacutesticas estuacutepidas

que falam de uma violecircncia diaacuteria contra mulheres contra homossexuais contra o constituiacutedo

como diferente Estaacute aqui comigo a utopia de abolir esta violecircncia simboacutelica cantada em

diversos ritmos encarnada em uma musicalidade que embala corpos e mentes com pesadas

imagens degradantes nas quais somos apenas ldquoas mulheres frutas fiu-fiu cachorras sirigaitas

piriguetes popozudas coisificadas lepolapizadasrdquo

No surgimento deste mestrado profissional entatildeo em meus percursos sobre o tema

olhei para a escola especialmente rememorando aquelas duas cujas imagens retive como

disseminadoras e reprodutoras de hierarquia de gecircneros Olhei para suas bibliotecas ou a

ausecircncia delas seussuas professoresas seus regimes de verdade e articulei a problemaacutetica

de que forma as praacuteticas discursivas que constroem sentidos nos enunciados dos (as)

educadores (as) como mediadores (as) de leitura contemplam o debate sobre a equidade de

gecircnero Com a elaboraccedilatildeo desta questatildeo tentei responder ainda agraves inquietaccedilotildees que vivi nos

debates com professoresas durante as formaccedilotildees continuadas executadas pelo CECAPRO

Centro de Capacitaccedilatildeo dos Professores [professoras] onde atuo profissionalmente Da

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memoacuteria daqueles debates levantei indagaccedilotildees a me sustentar o tema entre elas que leituras

fazem as vozes educadoras sobre a construccedilatildeo discursiva dos sujeitos O que dizem as vozes

leitoras Voltei entatildeo meu interesse para o chatildeo da escola lugar de livros de paredes

riscadas de brincadeiras de canccedilotildees de namoros de sexualidade de conflitos de poder de

rejeiccedilotildees aos que fragilizam o discurso sexista excludente lugar de leitura de formaccedilatildeo e

debate Voltei meu interesse para a escola lugar de tanto mas natildeo para todos os seus lugares

uma esfera de atuaccedilatildeo dessa instituiccedilatildeo pareceu-me de extrema pertinecircncia para entrecruzar

com o debate que objetivei traccedilar a esfera da leitura E considerando a leitura em uma

perspectiva discursiva busquei no entrecruzamento dessa com o debate acerca das relaccedilotildees

de gecircnero meu interesse meu desejo

Apoacutes tecer a gecircnese que propiciou a confecccedilatildeo do presente processo investigativo

farei a partir de agora a apresentaccedilatildeo das demais partes do trabalho feito que passo a realizar

fazendo uso ainda da primeira pessoa do discurso no singular Faccedilo isso em consonacircncia com

a epistemologia feminista que entende o quatildeo as interlocuccedilotildees com autoresas satildeo

cooperativas em uma accedilatildeo investigativa seja de qual porte for mas assume a proposta de

inscriccedilatildeo da natildeo neutralidade do sujeito Sem a ilusatildeo ao certo de que se eacute oa donoa do

dizer conforme pontua a Anaacutelise do Discurso

Como o desejo vira pesquisa

Mas biblioteca num lugar como esse Para quecirc Para o Nogueira ler um romance

de mecircs em mecircs Uma literatura desgraccedilada []

(RAMOS 1978 p83)

Emblemaacutetica esta construccedilatildeo literaacuteria de Graciliano Ramos em Satildeo Bernardo

(1978) construccedilatildeo que situa quem a lecirc o quanto os valores capitalistas opotildeem-se agrave edificaccedilatildeo

de um espaccedilo que privilegie a democratizaccedilatildeo do saber e atraveacutes dessa provavelmente a

praacutetica do letramento emancipador Vale ressaltar todavia que falo aqui de letramento

emancipador concebido em sintonia com o olhar de Soares (2011) como a accedilatildeo leitora que

encoraja a reflexatildeo criacutetica sobre a ordem social uma accedilatildeo que ultrapassa o domiacutenio da

tecnologia do saber ler e escrever faz uso dela incorporando-a a seu viver A autora ao

inscrever diacronicamente os viacutenculos sobre liacutengua escrita sociedade e cultura apregoa o

17

termo alfabetismo1 como oposiccedilatildeo ao do costumeiro uso analfabeto E o faz provocando uma

reflexatildeo sobre as regras codificadas da linguagem

O fato de que sejam correntes na liacutengua os substantivos que negam- analfabetismo e

analfabeto satildeo formados pelo prefixo grego a(n) que envolve a ideia de negaccedilatildeo ndash e

de que cause estranheza o substantivo que afirma alfabetismo e ainda de que natildeo

se tenha um substantivo que afirme o contraacuterio de analfabeto eacute como bem

hipotetiza Silva um fenocircmeno semacircntico significativo porque conhecemos bem e

haacute muito lsquoo estado ou condiccedilatildeo de analfabetorsquo ndash sempre nos foi necessaacuteria uma

palavra para designar este estado ou condiccedilatildeo - e temos usado sem nenhuma

estranheza o termo analfabetismo (SOARES 2011 p 29)

Uma nova realidade social com a ampliaccedilatildeo do acesso agrave escola nas uacuteltimas deacutecadas

e com o processo de industrializaccedilatildeo no Paiacutes provoca uma demanda por maior inserccedilatildeo da

liacutengua escrita que gesta a concepccedilatildeo teoacuterica do letramento Um conceito que em princiacutepio

trouxe muito equiacutevoco com a dissociabilidade que se instaurou para alguns entre os

fenocircmenos da alfabetizaccedilatildeo e do letramento Fenocircmenos de naturezas diferentes mas

indissociaacuteveis e interdependentes que implicam habilidades competecircncias e procedimentos

diferenciados de ensino Questatildeo poreacutem que natildeo seraacute tratada aqui em funccedilatildeo do limite a que

se propotildee este trabalho qual seja investigar a constituiccedilatildeo de efeitos de sentidos na

discursividade dosas educadoresas tendo como foco o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero

perpassado nas praacuteticas leitoras dessesas profissionais

E mesmo sem querer engrossar as fileiras dos que lamentam pelos altos iacutendices do

fraacutegil desempenho dosas educandos brasileirosas em provas de leitura detectados em

Programa Internacional de Avaliaccedilatildeo de Estudantes - PISA e nos relatos corriqueiros de

educadoresas e familiares natildeo eacute possiacutevel deixar de reconhecer que este eacute um dos noacutes do Paiacutes

na faceta Satildeo Bernardina que possui Metaforicamente essa obra pode conduzir leitoresas

aos iacutengremes caminhos de um Brasil com abissais desigualdades sociais e que tal qual Paulo

Honoacuterio o narrador-personagem eacute tambeacutem injusto violento e opressor por descuidar de seu

povo Descuida de seu povo entre tantas evidecircncias pela negaccedilatildeo da garantia efetiva de

direitos fundamentais como o de uma educaccedilatildeo de qualidade e que seja emancipadora (cf

FREIRE 1999 2002) Eacute possiacutevel ver pelos caminhos de Satildeo Bernardo e pelos (des)caminhos

das escolas puacuteblicas brasileiras as professoras Madalenas amantes do saber dos livros e do

ser humano lutando contra a loacutegica de um sistema social excludente Nessa militacircncia a

leitura seguramente eacute um dos instrumentos que podem viabilizar a luta por mudanccedilas

1 Em nota a autora explica a atualizaccedilatildeo do termo por letramento tendecircncia confirmada pela dicionarizaccedilatildeo

somente em 2001 do termo

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sociais tendo em vista que pode suscitar as reflexotildees acerca da ordem discursiva (cf

ABREU 2007 apud PINA DA MATTA VEIGA 2012)

De qual leitura todavia falo quando penso aqui na validaccedilatildeo desta como algo

significativo para a vida capaz de suscitar reflexotildees instigantes e desconstrutoras de uma

ordem social Penso em uma leitura que seja prazerosa como nos lembra Rubem Alves

(2004) citando Melanie Kleim o professor [e professora] no ato de ler eacute o seio bom por isso

leitura eacute maternagem Penso tambeacutem em uma leitura que seja experiecircncia no sentido que

Larrosa (2004) daacute ao ato de ler como transformador vinculador das praacuteticas da liberdade da

plenitude do ldquoexistenterdquo Com todo cuidado para evitar ainda os messianismos as

sacralizaccedilotildees Soares (2001) falo ainda de leitura que seja lenha para o fogo da cidadania que

trace as veredas para o campo da garantia dos direitos humanos tocando um instrumento

coacutesmico de muitas melodias que ldquoacordem consciecircncias de homens [e de mulheres] e

adormeccedilam crianccedilasrdquo no sentido drummoniano de se engajar a arte tatildeo meloacutedico quanto

emblemaacutetico na sua ceacutelebre Canccedilatildeo Amiga de 1983

E partindo do desejo de problematizar sobre os efeitos catastroacuteficos dos altos iacutendices

de iletrismo e do analfabetismo no Brasil e sobre qual tem sido o olhar da escola para o

enfrentamento de uma histoacuterica educaccedilatildeo sexista e discriminatoacuteria (LOURO 2012 PEDRO

PINSKY 2003) eacute que se foi delineando este trabalho Delineando-se movido na concepccedilatildeo

de leitura como componente constitutivo das formas de sociabilidade e dos jogos sociais

(ORLANDI 2008 SILVA 2011) nas discussotildees foucaultinas sobre a constituiccedilatildeo do sujeito

e praacuteticas de subjetivaccedilatildeo (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2012) aleacutem de movido em

contribuiccedilotildees de estudos feministas (LOURO 2012) Delineando-se para responder agrave

questatildeo-problema que considera os avanccedilos conquistados pelas lutas feministas e a tensa

disputa que se instala entre tais conquistas e as assimetrias de gecircnero no espaccedilo escolar e

assim eacute proposta eacute contemplado o debate sobre a equidade de gecircnero perpassado nas vozes

educadoras em suas praacuteticas leitoras

Essa questatildeo parte de premissas fatuais que me inquietam e me levam a

problematizar os imaginaacuterios2 inferiorizantes da mulher operam no espaccedilo escolar de que

forma quando a este lugar chegam avanccedilos significativos das diretrizes do Conselho Nacional

de Educaccedilatildeo ndash CNE- pontuando a desconstruccedilatildeo dessa praacutetica Seria este debate ignorado ou

pensado sobre traccedilos negativos Outra questatildeo que me instiga a problematizar eacute a de que

teriam os(as) docentes a concepccedilatildeo de que uma escola democraacutetica prima essencialmente pelo

2Imaginaacuterios aqui na acepccedilatildeo dada por Castoriadis (1982) enquanto rede de sentidos sistema de crenccedilas que

legitima a ordem social em vigor

19

respeito e dignidade de todosas e de que as praacuteticas pedagoacutegicas tecircm constituiacutedo sujeitos

diferentes e desiguais em direitos Ademais qual o comprometimento manifesto pelas

praacuteticas pedagoacutegicas dessesas educadoresas para evidenciar suas intenccedilotildees de superar velhas

estruturas estariam usando a leitura como instrumento constituinte e conformante dos

sujeitos para mediar reflexotildees atinentes agrave construccedilatildeo de uma escola democraacutetica inclusiva e

natildeo-sexista

Considerando desse modo que a pergunta problema possui como eixo centralizador

a atenccedilatildeo que as praacuteticas leitoras da escola dispensam ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero

refletidas pelas praacuteticas discursivas docentes eacute objetivo geral deste trabalho analisar as

discursividades que produzem sentidos nos enunciados de educadoresas como mediadores

(as) de leituras frente ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero no projeto CestaSexta Literaacuteria

em uma escola da Rede de Ensino Municipal de Joatildeo Pessoa

Para apoiar essa investigaccedilatildeo que perspectiva observar a vinculaccedilatildeo da leitura como

forte pilar na construccedilatildeo de um mundo mais justo e na desconstruccedilatildeo de imaginaacuterios que

inferiorizam a mulher que criam uma ordem androcecircntrica heteronormatizadora e

excludente vinculaccedilatildeo essa mediatizada nas vozes dos educadores(as) compete-me traccedilar

como objetivos especiacuteficos (i) examinar se na proposta do projeto de leitura da CestaSexta

Literaacuteria expresso em seu documento ocorre seleccedilatildeo de temas que abordem questotildees

voltadas para as poliacuteticas educacionais de gecircnero (ii) investigar se os textos utilizados pelo

projeto nas aulas de leitura observadas contemplam praacuteticas discursivas que produzam

sentidos atinentes agraves questotildees de gecircnero (iii) problematizar efeitos de sentidos que perpassam

pelos relatos docentes e pelo questionaacuterio instrumentos aplicados junto agravesaos educadoresas

expressando as posiccedilotildees de sujeito dosas entrevistadosas acerca das relaccedilotildees de gecircnero em

momentos de interaccedilatildeo na praacutetica leitora (iv) contribuir com reflexotildees que sistematizem

estrateacutegias que propiciem a intervenccedilatildeo e transformaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica na perspectiva

da construccedilatildeo da equidade de gecircnero

Por ser a escola a instituiccedilatildeo responsaacutevel pela aquisiccedilatildeo de saberes e competecircncias

no plano da formalidade e que esta tem no ensino da leitura uma de suas funccedilotildees cruciais

pesquisar o ato de ler na escola eacute de muita relevacircncia a despeito de este tema sumamente jaacute

ter sido explorado Tal questatildeo jaacute fez com que muitosas teoacutericosas e estudiososas de

diversas aacutereas se debruccedilassem a estudaacute-lo a quantidade de livros artigos teses e dissertaccedilotildees

sobre o ato de ler e suas implicaccedilotildees satildeo magnacircnimas Paulo Freire (1988) Ezequiel

Theodoro da Silva (2009 2011) Magda Soares (2001) Antunes (2009) Orlandi (2008) entre

tantosas outrosas importantes teoacutericosas jaacute teceram suas consideraccedilotildees sobre a leitura que

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aqui encheriam paacuteginas Haveraacute o que dizer mais Parece que natildeo para quem desconsidera

que o inusitado visita a dinacircmica do ato de ler em um contexto escolar com frequecircncia Mas

para quem deseja olhar para as praacuteticas pedagoacutegicas com olhos novos olhos de quem eacute capaz

de se indignar e de natildeo perder de vistas a utopia sempre agrave vista na faceta Madalena de cada

um haacute sempre o que se dizer no chatildeo da escola leitora ou natildeo leitora E eacute em busca deste

dizer sobre ler que me enceta o desejo de ver como educadora que sou homens e mulheres

em processos de libertaccedilatildeo desconstruindo ldquoverdadesrdquo aprendendo com e pela leitura a

refletir sobre seus lugares no mundo que me ponho

E assim compreendendo a leitura como espaccedilo de produccedilatildeo e de reproduccedilatildeo de

significados sociais e objetivando analisar de que forma educadoresas estatildeo forjando

construccedilotildees acerca das identidades de gecircnero em suas praacuteticas leitoras eacute que se desenha a

importacircncia desta pesquisa Isso se justifica porque entre as funccedilotildees da leitura deve estar a

de viabilizar as problematizaccedilotildees que faccedilam leitoresas despertarem para a cidadania ativa o

protagonismo e a autonomia Esses aqui entendidos em uma perspectiva que traduza a

autonomia financeira profissional e pessoal das pessoas e a sua busca pelo ativismo poliacutetico

que expressa consciecircncia de lugar no mundo

E estudar as discursividades que perpassam o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero

mediatizadas pelas leituras no espaccedilo escolar eacute desejar averiguar se este instrumento de

aprendizado estaacute sendo usado para desmantelar as assimetrias de poder entre homens e

mulheres em um espaccedilo formador Eacute desejar averiguar enfim se este instrumento estaacute sendo

amparo para questionar estereoacutetipos e verdades cristalizadas naturalizadas em torno de

construccedilotildees de identidades de gecircnero Obviamente que essa eacute uma das possibilidades de

utilizaccedilatildeo da leitura se este instrumento na escola estiver em consonacircncia com as diretrizes

educacionais que concebem a importacircncia de se fazer da instituiccedilatildeo um espaccedilo democraacutetico

Um espaccedilo em que se faccedila fluir o respeito agrave alteridade agrave compreensatildeo de que a identidade e a

diferenccedila satildeo produzidas discursivamente e que tecircm a ver com a atribuiccedilatildeo de sentidos ao

mundo social e com a disputa e luta em torno dessa atribuiccedilatildeo (SILVA 2012) A leitura nessa

perspectiva problematizadora tem a estrateacutegia de ir aleacutem das ldquobenevolentesrdquo declaraccedilotildees de

toleracircncia com o outro com o diferente Ela tem em seu centro a percepccedilatildeo de que as

identidades satildeo sujeitas a uma historicizaccedilatildeo radical processo que deve lanccedilar luz agraves

reflexotildees que transformam o diferente em exterior abjeto (HALL 2011) Nessa dimensatildeo a

leitura faz parte de um projeto poliacutetico que intenta viabilizar a criacutetica da construccedilatildeo da

identidade e da diferenccedila evidenciando o quanto elas satildeo estrategicamente produzidas

fundadoras Conceber adequadamente a fundaccedilatildeo do outro pode desenredar a forma fechada

21

redutora de interpretaccedilotildees a que esse eacute reduzido E a leitura pode ter uma funccedilatildeo fulcral nesse

processo de reflexatildeo quando pensada estrategicamente para isso accedilatildeo relevante para a

contribuiccedilatildeo com a feitura da escola como palco em que a assimetria de tratamentos eacute

combatida em seu lugar haacute a poliacutetica de respeito pelos Direitos Humanos (DH doravante)

O princiacutepio da dignidade dispensado a todas as pessoas conforme preconizam os DH

em muitos de seus documentos (cartas convenccedilotildees estatutos declaraccedilotildees) e nosso

ordenamento juriacutedico maior a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 eacute reclamante contumaz de um

olhar pedagoacutegico que discuta as diferenccedilas a construccedilatildeo das identidades de gecircnero e da

alteridade E na escola soam e ressoam documentos que abordam poliacuteticas da diversidade

cultural sexual e da equidade de gecircnero Mas de que forma o debate chega em um mundo em

que emerge uma globalizaccedilatildeo iacutempar de informaccedilotildees velozes instantacircneas onde se discutem

identidades culturais e desconstruccedilatildeo de paradigmas de comportamentos em meio aos

pensamentos hegemocircnicos Chegaraacute esbarrando em construccedilotildees sociais dosas fazedoresas

da educaccedilatildeo que se apresentariam cristalizadas essencializadas fixas Como tem por fim

assentado na agenda da escola o debate acerca das relaccedilotildees de gecircnero Qual eacute o seu regime de

verdade no sentido foucaultiano de pensar a formaccedilatildeo discursiva como o loacutecus onde

arbitrariamente satildeo determinados os sentidos de um discurso Os muros escolares satildeo

atravessados de que modo pelo debate que provoca as reflexotildees sobre a produccedilatildeo do

diferente Satildeo indagaccedilotildees como essas que me conduzem agrave execuccedilatildeo deste trabalho Isso

merece meu olhar merece porque para que falemos de dignidade precisamos atentar para a

condiccedilatildeo feminina ainda envolta por iniquidade expressa na esfera profissional poliacutetica e

pessoal E para que falemos de dignidade precisamos respeitar as manifestaccedilotildees de desejos e

performances de outras interlocuccedilotildees de outras subjetividades que devem ser reconhecidas

como legiacutetimas

O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero impulsionado pelo ativismo poliacutetico do

coletivo de mulheres chega e deve ser ampliado porque vale pleitear que o princiacutepio da

igualdade formal e material entre homens e mulheres tenha seu cumprimento auferido

Igualdade essa que estaacute distante de ser conquistada muito embora menos longe do que jaacute

esteve no longo caminho rumo agrave construccedilatildeo da cidadania feminina Ainda eacute fato haacute menos

mulheres nas instacircncias de poderes do que deveria no Brasil de acordo com dados do

Anuaacuterio das Mulheres Brasileiras (DIEESE 2011) elas satildeo mais da metade da populaccedilatildeo (51

3) e do eleitorado estatildeo entretanto sub-representadas nas esferas de poder Satildeo 11 no

Congresso Nacional natildeo chegam a 20 nos niacuteveis mais elevados do Poder Executivo No

Judiciaacuterio nas universidades e empresas privadas ocupam apenas 20 das chefias Eacute tambeacutem

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outro oacutebice agrave igualdade de gecircnero a preocupante materializaccedilatildeo do machismo em forma de

agressatildeo agraves mulheres Conforme ainda os dados do referido Anuaacuterio uma em cada cinco

brasileira jaacute sofreu algum tipo de violecircncia domeacutestica por parte de um homem Das violecircncias

perfiladas nem todas satildeo computadas Haacute a cultura do medo e da vergonha da sua condiccedilatildeo

de viacutetima que impede que a mulher denuncie seu agressor e mesmo havendo campanhas e

aparato legal que mobilizam a denuacutencia da violecircncia contra a mulher ainda se fala em

subnotificaccedilatildeo dos dados De fora fica ainda a costumeiramente natildeo computada a intangiacutevel

violecircncia simboacutelica termo que tomo de empreacutestimo de Bordieu (2012) que fala da

sedimentaccedilatildeo de um consciente androcecircntrico em homens e mulheres alimentando

iniquidades Esta violecircncia natildeo estaacute em estatiacutesticas mas deixa sequelas profundas em suas

viacutetimas fazendo muitas mulheres carregarem em si sentimentos de impotecircncia mutilaccedilatildeo e

subalternidade

A escola tem o fio do poder que costura e regulamenta normas e mudanccedilas que

disciplinam comportamentos hegemonias (PEREIRA 2005) Mas o poder natildeo eacute estanque

fixo haacute neste espaccedilo como em todos os outros lugar para a resistecircncia e a contra-hegemonia

(FOUCAULT 2012) E de que forma tecircm chegado os discursos que problematizam as

mudanccedilas que advogam os movimentos de mulheres e fazem ressoar seu desejo de

desmantelar de descosturar as assimetrias de gecircnero Como a leitura e as vozes escolares

ressoam o que regula a valente marcha feminista que pode contribuir com o combate agrave

violecircncia domeacutestica com o empoderamento das mulheres e dar visibilidade agrave iniquidade de

gecircnero de forma refrataacuteria Acolhendo seus passos Como a leitura e as vozes escolares

abordam a temaacutetica das identidades e da diferenccedila datildeo centralidade e a discutem como

questatildeo de poliacutetica Estas questotildees imbricam-se e com elas penso a linguagem no campo da

discursividade da construccedilatildeo dos jogos de poder da constituiccedilatildeo de sentidos verdades e

subjetivaccedilotildees (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2012) o que eacute sempre um desafio

instigante para oa educadora Essa temaacutetica eacute premente sendo assim Haacute uma expectativa de

que seja sedimentado o aprendizado de que as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo estatildeo sempre inseridas

em contextos e processos socialmente estruturados legitimando naturalizando e retificando

hegemonias mas tambeacutem sofrendo transformaccedilotildees

Para que o direcionamento discursivo levantado pela questatildeo norteadora satisfaccedila

aos objetivos a que me proponho este estudo move-se teoricamente na concepccedilatildeo

sociointeracionista de leitura e faz uma interface com a Anaacutelise do Discurso AD doravante

tendo como referecircncia o trabalho de Orlandi (2008) sobre leitura que se pauta na perspectiva

da Escola francesa dessa disciplina Trabalho com a concepccedilatildeo de leitura na perspectiva de

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que ler eacute mais do que decodificar (SOARES 2011) Ler eacute envolver-se com praacuteticas culturais

(MOITA LOPES 2002) que fortalecem a sedimentaccedilatildeo do valor da cidadania que pressupotildee

efetivaccedilatildeo de direitos e deveres para todos Ler entatildeo deixa de ser uma atitude passiva

fechada tradutora decodificadora em que se busca a ldquoverdaderdquo produzida peloa autora ou

pelo texto se se quiser ser positivista ou estruturalista A leitura que me interessa aqui se

ancora na perspectiva interacionista que concebe o aspecto sociocultural e cognitivo da

linguagem e como tal o texto eacute processo e natildeo produto A leitura eacute uma atividade situada

que reflete uma relaccedilatildeo dialoacutegica (cf BAKHTIN 1995) ou seja uma relaccedilatildeo na qual se

estabelecem refraccedilotildees entre autor-leitor-texto e contexto Essa perspectiva expressa um

rompimento com o modelo formalista ou historicista e tem havido um esforccedilo por parte dos

oacutergatildeos responsaacuteveis pelas poliacuteticas de formulaccedilatildeo das diretrizes escolares para implementaacute-la

no seio escolar Os Paracircmetros Curriculares Nacionais (PCNs-1997) refletem essa intenccedilatildeo

os textos satildeo defendidos em sua diversificaccedilatildeo e na defesa da construccedilatildeo de competecircncias

linguiacutesticas com desenvolvimento da habilidade leitora e escritora que ultrapasse a mera

decodificaccedilatildeo no processo de ensino aprendizagem

Por este trabalho buscar uma interface entre a linguagem como praacutetica social e as

relaccedilotildees de gecircnero perscrutadas nas vozes docentes em atividades de leitura propostas pela

escola tambeacutem lhe eacute pertinente a abordagem das formas de constituiccedilatildeo da subjetividade

(FOUCAULT 2004a 2004b 2004d) Estou ainda me movendo pelos estudos da criacutetica

feminista dos estudos poacutes-estruturalistas de gecircnero na contemporaneidade que buscam a

negaccedilatildeo de quaisquer resquiacutecios de uma base essencialista para a formaccedilatildeo das identidades

(LOURO 2012 SILVA 2012) ao tempo que questionam as hierarquias entre o masculino e

o feminino a ordem androcecircntrica heteronormativa e etnocecircntrica Eacute desse olhar que me

sirvo para diante do que pontuam os Estudos Culturais consonantes agrave construccedilatildeo das

identidades como cambiantes heterogecircneas transitivas construiacutedas e reconstruiacutedas social e

discursivamente refletir sobre as implicaccedilotildees de se ler no espaccedilo escolar Refletir atentando

para o discurso pedagoacutegico que daacute sentido agraves diferenccedilas entre meninos e meninas agraves relaccedilotildees

de gecircnero E eacute desse olhar que tambeacutem me sirvo para aprender sobre a consciecircncia de gecircnero

e sobre o desafio da aprendizagem de transformar os jogos de verdade que impotildeem relaccedilotildees

assimeacutetricas Eacute isto o que me enreda neste trabalho

Articulo esta dissertaccedilatildeo em partes que se estruturam assim a introduccedilatildeo na qual

consta a contextualizaccedilatildeo da temaacutetica focalizada com a sua gecircnese a apresentaccedilatildeo do

problema dos objetivos da justificativa e dos pressupostos teoacutericos que embasaram a

pesquisa

24

No capiacutetulo 1 exponho as estrateacutegias metodoloacutegicas com as quais me vali para que o

direcionamento discursivo apresentado que eacute a investigaccedilatildeo das discursividades docentes em

leitura e gecircnero satisfizesse aos objetivos a que me propus construir para este estudo

No capiacutetulo 2 pontuo uma justificativa do campo teoacuterico apresentando estudos de

autoresas utilizadosas bem como pontuo o cruzamento entre a instacircncia da leitura e o debate

sobre as relaccedilotildees de gecircnero sustentado por reflexotildees atinentes aos Direitos Humanos ao

feminismo ao poder agrave educaccedilatildeo e aos modos de subjetivaccedilatildeo

No capiacutetulo 3 discorro sobre a anaacutelise das praacuteticas discursivas dosas educadoresas

perscrutadas pela trajetoacuteria analiacutetica que fiz cujo procedimento para geraccedilatildeo de dados teve os

seguintes instrumentos investigativos o documento do projeto de leitura os relatos dosas

educadoresas que foram gerados em conversas quando de minhas visitaccedilotildees agrave escola um

questionaacuterio aplicado com nove participantes do projeto de leitura da escola e a observaccedilatildeo

de aulas dos textos utilizados nesses eventos e levantamento dos textos paradidaacuteticos

presentes na biblioteca escolar que se refiram agrave temaacutetica de gecircnero

No capiacutetulo 4 atinente agrave perspectiva interventiva propositora que tem este mestrado

profissional desenvolvo reflexotildees que intencionam contribuir para a inserccedilatildeo temaacutetica de

gecircnero pela via da leitura na escola em que a pesquisa foi realizada Faccedilo ao final deste

capiacutetulo sugestotildees de atividades de ensino enfocando o olhar sobre as relaccedilotildees de gecircnero

Por uacuteltimo apresento as consideraccedilotildees finais com as quais objetivo amarrar os fios

tecidos ao longo do trabalho considerando os conteuacutedos enfocados e reforccedilando a defesa de

se inserir o debate acerca das relaccedilotildees de gecircnero pela via da leitura na escola

problematizando os modelos de feminilidade e masculinidade na defesa da dignidade de

todas as pessoas

25

1 OS PRESSUPOSTOS TEOacuteRICO-METODOLOacuteGICOS DA PESQUISA

11 Entrevendo os sujeitos o loacutecus os jogos de verdade

Partindo do entendimento de que a pesquisa a que me proponho realizar que eacute a

anaacutelise de praacuteticas discursivas de docentes sobre as relaccedilotildees de gecircnero como mediadoresas

de leituras exige um dispositivo analiacutetico busco nos procedimentos da AD de filiaccedilatildeo

francesa como nas reflexotildees foucaultianas sobre praacuteticas de subjetivaccedilatildeo e poder nas

reflexotildees poacutes-estruturalistas sobre gecircnero e na perspectiva sociointeracionista sobre leitura

um apoio teoacuterico-metodoloacutegico Nesse sentido estou imbuiacuteda do propoacutesito de percorrer essa

investigaccedilatildeo conforme as diretrizes desse caminho investigativo considerando que natildeo haacute o

sentido ldquoverdadeirordquo mas o real do sentido em sua materialidade linguiacutestica e histoacuterica

(ORLANDI 2012) Estou tambeacutem imbuiacuteda do intento de que com este dispositivo natildeo

vislumbro trabalhar em uma perspectiva de neutralidade tendo em vista que concebo a

pesquisa com base nas praacuteticas discursivas focada nos estudos feministas e nas relaccedilotildees de

gecircnero sob a oacutetica do interesse do engajamento poliacutetico (ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2007

LOURO 2012)

Essas condiccedilotildees refletem o que as problematizaccedilotildees levantadas pelo feminismo no

tocante agrave loacutegica de se fazer ciecircncia tradicional com seus postulados de estabilidades e

categorizaccedilotildees trouxeram Trouxeram a descrenccedila de que entre as palavras e as coisas existe

uma homologia que se diz exatamente o que se vecirc (ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2007

POSSENTI 2009) Antes os estudos de gecircnero de base poacutes-estruturalista explicitam que haacute

uma invenccedilatildeo do que eacute sermos mulhereshomens de que haacute uma invenccedilatildeo do que eacute sermos

meninos e meninas de diversas classes diversos tempos etnias e orientaccedilatildeo sexual

construiacuteda discursivamente E a reflexatildeo sobre o que nos tornamos como seres gendrados e

em que poderemos vir a ser como seres que se descobrem gendrados empodera-nos como

investigadores de desaprendizagens pela possibilidade de conhecimento de jogos de verdades

(FABRIacuteCIO 2006)

Os estudos de gecircnero como uma via que se oferece para o entendimento das relaccedilotildees

assimeacutetricas entre os sexos explicitam ainda o atravessamento pelo poder institucionalizado

que confere historicamente o domiacutenio do masculino Lugares diferentes no mundo chegam a

homens e mulheres por um conjunto de accedilotildees formadoras constituiacutedas discursivamente por

siacutembolos culturais institucionalizaccedilotildees e modos de subjetivaccedilatildeo que constituem relaccedilotildees

assimeacutetricas com o corpo com a sexualidade e afetividades para os sujeitos sociais Refletir

26

sob esta perspectiva me faz desejar perceber meu entorno olhando a linguagem a cultura e as

instituiccedilotildees sob a oacutetica do interesse na construccedilatildeo dos processos sociais E o olhar do

feminismo deveras trouxe novas lentes sobre a pesquisa cientiacutefica Louro (2012) pontua que

uma das caracteriacutesticas relevantes dessa epistemologia diz respeito agrave forma como as

estudiosas empenham-se em responder questotildees atinentes agraves suas realidades aos seus campos

de interesses mescladas natildeo como vozes anocircnimas de seu objeto de estudo mas como vozes

que de modo provocativo posicionam-se histoacuterica e culturalmente imiscuindo objetivamente

subjetividades E eacute com este entendimento que intenciono subsiacutedios para um estudo sobre a

discursividade em uma interface com a oacutetica das relaccedilotildees de gecircnero e da leitura sob o crivo

de um convite a examinar ordens morais e estruturas de legitimaccedilatildeo

Esta investigaccedilatildeo de natureza qualitativa regida por princiacutepios analiacuteticos foi

conforme jaacute exposto concebida para ser realizada em uma escola da Rede de Ensino

Municipal de Joatildeo Pessoa - PB cuja identificaccedilatildeo seraacute preservada A preservaccedilatildeo deve-se agrave

consonacircncia com um mecanismo de proteccedilatildeo o anonimato como compromisso eacutetico

possiacutevel conforme Spink e Menegon (1999) embora salientem as autoras este ponto de

vista natildeo seja paciacutefico Para minha compreensatildeo eacute uma proteccedilatildeo exceccedilatildeo se daacute quando os

sujeitos manifestam o contraacuterio o que natildeo foi o caso Assim o sendo para a identificaccedilatildeo

deste espaccedilo pesquisado resolvi denominaacute-lo de escola TRAVESSIA Esse batismo traduz

meu olhar para o ambiente de ensino-aprendizagem alimentado na esperanccedila freireana pelo

inacabamento em noacutes educadores seres humanos Mesmo emparedadosas eacute preciso pensar

nas travessias Da mesma forma que o campo pesquisado tem um nome fictiacutecio os sujeitos

participantes desta investigaccedilatildeo tambeacutem foram denominados ficticiamente

Essa unidade educacional funciona nos dois periacuteodos com turmas do 6ordm ao 9ordm ano

em um preacutedio construiacutedo haacute menos de dez anos Possui 385 discentes e 25 docentes eacute

composta por dez salas de aula sala de artes laboratoacuterio de informaacutetica laboratoacuterio de

ciecircncias auditoacuterio biblioteca quadra poliesportiva quadra de vocirclei secretaria diretoria sala

de especialistas sala de professores refeitoacuterio e banheiros com padratildeo de acessibilidade

A pesquisa qualitativa na educaccedilatildeo tem centrado seu foco noa educadora vai

buscar sua colaboraccedilatildeo preocupar-se com suas histoacuterias e formaccedilatildeo (GHEDIN FRANCO

2008) Nessa dimensatildeo eacute possiacutevel olhar a realidade na perspectiva doa professora e natildeo

apenas sobre elea Este processo investigativo que tem como objeto as discursividades na

escola acerca das relaccedilotildees de gecircnero mediadas no projeto de leitura tem alinhamento

metodoloacutegico com esta perspectiva de pesquisa e possui como participantes osas

professoresas que integram o tal projeto Foi escolhido o corpo docente do turno vespertino

27

em funccedilatildeo de ajuste com minha disponibilidade de horaacuterio A coordenaccedilatildeo do projeto eacute de

responsabilidade de uma professora readaptada que tem formaccedilatildeo de arte-educadora Esta

profissional segundo me relatou articula trabalhos apoiando osas docentes integrantes do

projeto aleacutem de efetivar atividades literaacuterias e artiacutesticas em datas comemorativas na escola

12 Por onde falam e de onde olham osas educadoresas os instrumentos de investigaccedilatildeo

A composiccedilatildeo dos instrumentos selecionados para a investigaccedilatildeo desta pesquisa eacute

constituiacuteda por diversos procedimentos para geraccedilatildeo de dados Consta de um questionaacuterio

aplicado no periacuteodo de 09 de setembro a 28 de outubro de 2013 a nove educadoresas

envolvidosas com o projeto de leitura da escola TRAVESSIA o CestaSexta Literaacuteria

Adotei tambeacutem como instrumento de investigaccedilatildeo os relatos de diaacutelogos com educadoresas

gerados quando de minhas visitaccedilotildees agrave escola que se deram de 05 de setembro a 28 de

outubro de 2013 Construiacute notas de campo para registrar minhas vivecircncias naquele espaccedilo

perscrutando as vozes daqueles sujeitos pesquisados Satildeo tambeacutem composiccedilatildeo deste conjunto

de instrumentos investigativos as observaccedilotildees de quatro aulas de leitura e de texto utilizado

nestes eventos que ocorreram entre 4 e 11 de julho de 2014 A anaacutelise do documento do

projeto de leitura no tocante aos seus objetivos e metodologia bem como o levantamento de

quais livros paradidaacuteticos da biblioteca tratam da temaacutetica em tela satildeo outras formas

geradoras de dados desta pesquisa Esse levantamento do conjunto de instrumentos foi

elaborado em um processo no qual atentei para que a construccedilatildeo dos mesmos lembrando

Foucault (2004a 2004b 2012) objetivasse natildeo apontar se um enunciado eacute verdadeiro ou

falso enquanto discurso mas situar historicamente a produccedilatildeo desses

O questionaacuterio foi elaborado com treze questotildees objetivas por uma necessidade de

se ajustar agraves premecircncias do tempo mas promovendo espaccedilo para a complementaccedilatildeo de

respostas abertas considerando que outras leituras poderatildeo existir As questotildees formuladas

neste instrumento investigativo versando conforme apecircndice A entre outros toacutepicos acerca

da importacircncia da leitura para a escola sobre se a formaccedilatildeo continuada estaacute contribuindo no

preparo para uma praacutetica pedagoacutegica que contemple a equidade de gecircnero acerca de qual

espaccedilo deve haver no curriacuteculo escolar sobre a histoacuteria social da mulher e ainda qual tem sido

o comportamento doa educadora ao lidar com manifestaccedilotildees de violecircncia de gecircnero

objetivam proporcionar anaacutelises das respostas segundo os pressupostos da AD

Essa disciplina mediante a articulaccedilatildeo liacutengua e histoacuteria descreve e analisa os

sentidos que produzimos socialmente considera assim que o sujeito eacute um efeito da linguagem

28

como praacutetica social E eacute com esta perspectiva que objetivo perceber os efeitos de sentidos as

ideias circulantes e produzidas pelos sujeitos envolvidos nas questotildees do instrumento

questionaacuterio como nos demais procedimentos que compotildeem o campo empiacuterico desta

investigaccedilatildeo as aulas os diaacutelogos o documento a ausecircncia de obras temaacuteticas no acervo

bibliotecaacuterio Lanccedilar matildeo desse amparo teoacuterico me faz buscar formulaccedilotildees epistemoloacutegicas

como o discurso o interdiscurso as formaccedilotildees discursivas entre outras construccedilotildees de

linguagem como fustigaccedilatildeo que possibilita ver ldquopelardquo opacidade da linguagem Por esses

vieses interessa-me natildeo em conceber uma ldquoverdaderdquo a qual terei o poder de ldquodesvendaacute-lardquo

conforme ressalva Foucault (1995 2004a 2004b 2012) mas procuro agrave luz do que me

fornece a AD refletir e inquirir sobre as condiccedilotildees de produccedilotildees ldquodo dito e o natildeo ditordquo

29

2 OS APORTES TEOacuteRICOS QUE MOVEM A INVESTIGACcedilAtildeO

21 Gecircnero Discurso e Direitos Humanos

Uma indagaccedilatildeo que se desdobrava em outras se fez presente em minhas elaboraccedilotildees

sobre a temaacutetica em foco afinal por que buscar na roda de leitura de uma escola fios que

relacionem letramento e o debate sobre a construccedilatildeo social de gecircnero Qual o sentido de se

entrelaccedilar estas duas instacircncias discursivas Natildeo bastaria ler para contribuir com a construccedilatildeo

de uma formaccedilatildeo humana e eacutetica uma formaccedilatildeo cidadatilde na qual se capacitariam todos e todas

para serem protagonistas do projeto de sociedade em que convivem O exerciacutecio da leitura

natildeo estimula o ato de pensar Esta mera sacralizaccedilatildeo da praacutetica leitora tatildeo disseminada por

leigosas e ateacute leitoresas ignora que ler eacute um ato poliacutetico (FREIRE 1988) Ignora que ler eacute

uma praacutetica discursiva implica accedilotildees seleccedilotildees escolhas linguagens contextos variedades

de produccedilotildees sociais (SPINK FREZZA 1999) E que desse modo como praacutetica discursiva

na acepccedilatildeo foucaultina (FOUCAULT 2011) que eacute a tomada de empreacutestimo neste trabalho

conceituada como os dizeres que ganham corpos teacutecnicos em instituiccedilotildees em esquemas de

comportamentos em formas pedagoacutegicas a accedilatildeo de ler deve primar por reflexotildees que exijam

engajamento direcionamento afinal como esse filoacutesofo afirma

[] em toda sociedade a produccedilatildeo do discurso eacute ao mesmo tempo controlada

selecionada organizada e redistribuiacuteda por certo nuacutemero de procedimentos que tecircm

por funccedilatildeo conjurar seus poderes e perigos dominar seu acontecimento aleatoacuterio

esquivar sua pesada e temiacutevel materialidade (FOUCAULT 2011 p 8-9)

Conforme esse pensador francecircs para este controle haacute a fabricaccedilatildeo de certos

procedimentos de exclusatildeo social apoiados sobre uma base institucional Esta tem como

reforccedilo todo um conjunto de praacuteticas dentre as quais estatildeo a medicina a pedagogia a

sexualidade a prisatildeo relacionadas agrave vontade de verdade como um mecanismo de delimitaccedilatildeo

e de controle do discurso Ao trazer estas consideraccedilotildees de Foucault para o debate sobre as

relaccedilotildees de gecircnero que se processam na instituiccedilatildeo escolar fruto de avanccedilos consolidados

pelas lutas feministas contra uma visatildeo androcecircntrica de mundo percebo a relevacircncia das

contribuiccedilotildees do filoacutesofo que inscreve o discurso como praacutetica e como luta na constituiccedilatildeo

dos sujeitos Segundo o autor ldquo[] ndash isto a histoacuteria natildeo cessa de nos ensinar - o discurso natildeo

eacute simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominaccedilatildeo mas aquilo por que

pelo que se luta o poder do qual queremos apoderarrdquo (FOUCAULT 2012 p 10)

30

Diferente de uma visatildeo que simplifica este conceito os pressupostos foucaultinos

pontuam que o discurso existe para constituir ldquocoisasrdquo ldquorealidadesrdquo segundo regras histoacutericas

especiacuteficas de tempo e espaccedilo E esse entendimento deve ser uma das forccedilas que oa analista

do discurso poderaacute dispor como baliza face ao desafio que sua tarefa se apresenta seu

trabalho natildeo eacute ldquodescobrir coisas intocadas inteiras verdadesrdquo Seu trabalho prima por chegar

agrave complexidade das praacuteticas discursivas e natildeo discursivas que emergem em um enredo de

enunciados que se cruzam no interior de campos discursivos Seu trabalho como evidencia

Fisher (2013) ocupa-se de multiplicidades de coisas ditas de enunciaccedilotildees de posiccedilotildees de

sujeito de relaccedilotildees de poder implicadas num certo campo de saber

Nessa direccedilatildeo para efetuar uma interface que pense as discursividades das vozes

docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero em praacuteticas leitoras na escola objeto desse trabalho

as reflexotildees foucaultianas no que diz respeito agraves posiccedilotildees de sujeito satildeo nodais Com essa

perspectiva pode ser assumida a multiplicaccedilatildeo do tema do sujeito operaccedilatildeo cara a Foucault

(1995 2004a 2004b 2004c 2012) que conduz a caminhos mais fecundos para que o sujeito

seja pensado a sua dispersatildeo Assim diante de um conjunto de enunciaccedilotildees dentro de um

campo discursivo natildeo cabe um sujeito ldquounificanterdquo soberano origem de seu dizer Haacute um

sujeito que precisa ser visto em seu status em seu acircmbito institucional investido de alguma

autoridade imbuiacutedo de certas regras histoacutericas

Isto posto cabe-me adentrar em reflexotildees usando a concepccedilatildeo de dispersatildeo do

sujeito inicialmente pensando sobre qual tem sido a subjetivaccedilatildeo construiacuteda na escola pela

perspectiva dosas docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero estatildeo estesas obedecendo a que

regime de verdade Quais tecircm sido as reflexotildees acerca das ldquocoisas ditasrdquo sabe-se que elas se

entranham das dinacircmicas de poder e saber Sabe-se que emanam de praacuteticas discursivas e natildeo

discursivas atravessadas pelo poder Dar conta dessas relaccedilotildees eacute um legado foucaultiano

complexo aacuterduo e instigante que me inspira trazer para a delineaccedilatildeo acerca das

discursividades suscitadas pelo debate das relaccedilotildees de gecircnero na escola que ao fim e ao

cabo eacute um chamamento do discurso dos DH como pauta reivindicatoacuteria que eacute

E como reivindicaccedilotildees morais que satildeo esses direitos assegura Piovesan (2005)

nascem quando devem e podem nascer Essa autora pontua que os DH em sua concepccedilatildeo

contemporacircnea compotildeem a nossa racionalidade de resistecircncia na medida em que traduzem

processos que abrem e consolidam espaccedilos de luta pela dignidade humana Pautados pela

gramaacutetica da inclusatildeo esses direitos que natildeo satildeo um dado mas um construiacutedo (PIOVESAN

2005) devem adentrar o espaccedilo escolar como um imperativo eacutetico-poliacutetico-social que eacute

capaz de enfrentar um legado discriminatoacuterio que tem negado o respeito agrave diversidade sexual

31

cultural e humana o que eacute um atentado agrave premissa da garantia da dignidade de todas as

pessoas

Para o assentamento do debate sobre os postulados dos DH no acircmbito da escola natildeo

nos falta amparo legal positivado Eacute com o entendimento da nodal importacircncia desses direitos

na e para a esfera escolar e considerando o arcabouccedilo legal que dispotildee sobre a educaccedilatildeo a

Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos de 1948 a Declaraccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas sobre

a Educaccedilatildeo e Formaccedilatildeo em Direitos Humanos (RESOLUCcedilAtildeO A661372011) a

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (Lei

93941996) o Programa Mundial de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos (PMEDH 2005204) O

Programa Nacional de Direitos Humanos (PNEDH2006) e as diretrizes nacionais emanadas

pelo Conselho Nacional de Educaccedilatildeo CNE bem como outros documentos que o Conselho

Nacional de Educaccedilatildeo publica a Resoluccedilatildeo nordm 12012 estabelecendo diretrizes nacionais para

a educaccedilatildeo em Direitos Humanos Esse instrumento em seu artigo 3ordm trata da finalidade

dessa educaccedilatildeo a mudanccedila e a transformaccedilatildeo social fundamentando-se para isto nos

princiacutepios da dignidade humana da igualdade de direitos do reconhecimento e valorizaccedilatildeo

das diferenccedilas e das diversidades da laicidade do Estado da democracia na educaccedilatildeo da

transversalidade vivecircncia globalidade e sustentabilidade socioambiental

Conforme a Resoluccedilatildeo nordm 12012 os sistemas de ensino deveratildeo ter planejamento e

accedilotildees que zelem por tais princiacutepios incluindo-os nas formaccedilotildees iniciais e continuada de

profissionais das diferentes aacutereas de conhecimento como tambeacutem de todo aparato estrutural

da escola Nesse sentido a resoluccedilatildeo se traduz como um poderoso instrumento de inclusatildeo

social Ela eacute aliada na problematizaccedilatildeo de uma estrutural desigualdade social poliacutetica e

econocircmica que viola cotidianamente direitos de grupos vulneraacuteveis ndash pobres negrosas

mulheres homossexuais iacutendiosias ndash Eacute aliada no combate agraves grandes deficiecircncias da

democracia brasileira que repousa em uma deficiente cultura de direitos a despeito de

avanccedilos poacutes processo de redemocratizaccedilatildeo do paiacutes

No tocante agraves questotildees de gecircnero agrave produccedilatildeo de praacuteticas discursivas que ocultam o

protagonismo dos sujeitos que fragilizam a hegemonia masculina heterossexual cristatilde e

branca e a inserccedilatildeo desse debate no seio escolar como forma de assegurar o combate agrave

historicamente construiacuteda educaccedilatildeo sexista e discriminatoacuteria eacute vaacutelido observar os

mecanismos enunciativos que constituem o olhar sobre o discurso que propotildee o

enfrentamento da iniquidade E um desses mecanismos trata-se dos Paracircmetros Curriculares

Nacionais (PCNs) criados em 1997 que muito embora a existecircncia desses documentos natildeo

garanta sua implantaccedilatildeo eles satildeo amplamente difundidos e recomendados pelo Ministeacuterio da

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Educaccedilatildeo e Cultura (MEC) Eacute vaacutelido desse modo atentar para esta forma de comunicaccedilatildeo-

poder porque as discursividades que circulam incorrem de resultado de promessas de uma

escola como instituiccedilatildeo democraacutetica o que nos remete agrave intricada relaccedilatildeo discurso e poder

(FOUCAULT 2012) E parece bastante oportuno refletir sobre a emissatildeo de documentos

supostamente avanccedilados no debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero indagando sobre qual

processo de subjetivaccedilatildeo e instauraccedilotildees de verdade estaacute sendo ali operacionalizado

Eacute possiacutevel detectar que a discussatildeo sobre as relaccedilotildees de gecircnero consta de forma

tiacutemida e superficial entre as paacuteginas 144-146 dos PCNs referentes agraves quatro primeiras seacuteries

da educaccedilatildeo Fundamental Assim eram denominados os anos escolares agrave eacutepoca da publicaccedilatildeo

destes documentos Essa inserccedilatildeo temaacutetica eacute composta como toacutepico dentro do tema

transversal Orientaccedilatildeo Sexual que integra o volume 10 da coleccedilatildeo dos PCNs Mas laacute nas

raacutepidas paacuteginas estaacute o conceito de gecircnero e o objetivo que permeia o debate

A discussatildeo sobre relaccedilotildees de gecircnero tem como objetivo combater relaccedilotildees

autoritaacuterias questionar a rigidez dos padrotildees de conduta estabelecidos para homens

e mulheres e apontar sua transformaccedilatildeo A flexibilizaccedilatildeo dos padrotildees visa permitir a

expressatildeo de potencialidades existentes em cada ser humano que satildeo dificultadas

pelos estereoacutetipos de gecircnero Como exemplo comum pode-se lembrar a repressatildeo de

sensibilidade intuiccedilatildeo e meiguice nos meninos e objetividade e agressividade nas

meninas As diferenccedilas natildeo devem ficar aprisionadas em padrotildees preestabelecidos

mas apontando para a equidade entre os sexos (BRASIL 2013 p 144-146)

As relaccedilotildees de gecircnero integram a abordagem feita pelos PCNs tambeacutem para as seacuteries

finais do ensino fundamental como parte dos conteuacutedos dos temas transversais Na

perspectiva para estes anos finais os PCNs indicam a leitura e a anaacutelise de notiacutecias e de obra

literaacuteria como estrateacutegia para abordar a temaacutetica sobre gecircnero perpassada pelo conjunto das

disciplinas Os recursos indicados nos documentos para a exploraccedilatildeo desta temaacutetica se

constituem de formas oportunas para trataacute-lo especialmente a anaacutelise de notiacutecias

considerando que face a uma visatildeo de mundo em que predominam valores machistas e

patriarcais uma cultura eminentemente androcecircntrica apesar da resistecircncia feminista as

notiacutecias devem se constituir como repletas de exemplos de assimetrias de gecircnero

A apresentaccedilatildeo do conceito de gecircnero pelos PCNs todavia se daacute sem uma

fundamentaccedilatildeo criacutetica sustentada pela teoria feminista em um momento em que este conceito

passa por uma efervescecircncia que redimensiona e amplia sua abordagem O conceito de gecircnero

surge com o intento de analisar a subordinaccedilatildeo da mulher ao homem de modo relacional e faz

parte de debates de vaacuterios momentos do movimento feminista O gecircnero como categoria de

anaacutelise passou a ser mais utilizado apoacutes a publicaccedilatildeo do texto de Joan W Scott (1995) Nesse

33

trabalho a autora retoma a diferenccedila entre sexo e gecircnero articulando a noccedilatildeo de poder com a

qual propotildee que gecircnero eacute um elemento constitutivo das relaccedilotildees sociais construiacutedas sobre as

diferenccedilas percebidas entre os sexos sendo ele um primeiro modo de dar significado agraves

relaccedilotildees de poder

De acordo com Piscitelli (2002) o conceito de gecircnero mesmo jaacute tendo sido

utilizado foi marcado a partir da conceitualizaccedilatildeo de Gayle Rubin (1975 apud PISCITELLI

2002 p 4) que definiu o sistema sexogecircnero estabelecendo uma dicotomia em que gecircnero

seria a construccedilatildeo social e sexo seria o que eacute determinado biologicamente Essa perspectiva da

feminista trouxe conforme Piscitelli entusiasmo

Entre as (os) acadecircmicasos que dialogam com as discussotildees feministas o conceito

de gecircnero foi abraccedilado com entusiasmo uma vez que foi considerado um avanccedilo

significativo em relaccedilatildeo agraves possibilidades analiacuteticas oferecidas pela categoria

lsquomulherrsquo Essa categoria passou a ser quase execrada por uma geraccedilatildeo para a qual o

binocircmio feminismomulher parece ter se tornado siacutembolos de enfoques passados

(PISCITELLI 2002 p 1)

Haacute todavia apontado por Piscitelli (2002) um contexto de questionamentos sobre

esse conceito de gecircnero que evidencia uma nova ecircnfase na utilizaccedilatildeo da categoria mulher A

autora evidencia vaacuterias discussotildees em torno dessa questatildeo pontuadas por feministas que

criticam a dicotomia culturanatureza sexogecircnero traccedilos da conceituaccedilatildeo primeira do termo

O sistema dual que caracteriza e universaliza o conceito eacute criticado pelas feministas radicais

que assumem o debate desconstruindo o binocircmio sexogecircnero trazendo agrave reflexatildeo a

inexistecircncia de uma identidade global fixa que obscurece ou subordina todas as outras Uma

reelaboraccedilatildeo teoacuterica e pendular que emerge nitidamente das poliacuteticas da diferenccedila sobre o

conceito de gecircnero fortalece a luta das mulheres em seu caraacuteter de diversidade

A rejeiccedilatildeo aos pressupostos universalistas que a dicotomia sexogecircnero traduz tem se

avolumado e garantido um avanccedilo no debate sobre a luta pelo fim da opressatildeo e subordinaccedilatildeo

da mulher ao homem Sardenberg (2002) enfatiza que as criacuteticas realizadas ao conceito de

gecircnero debatem as diferenccedilas em consonacircncia com a base poacutes-estruturalista e

desconstrutivista que as sustenta e atendem a pauta reivindicatoacuteria de mulheres leacutesbicas

negras e do Terceiro Mundo A feminista sem deixar de resguardar a relevacircncia teoacuterica e

poliacutetica da concepccedilatildeo primeira de gecircnero ressalta a importacircncia das questotildees trazidas pelas

correntes desconstrucionistas Apropria-se esta estudiosa do feminismo do conceito de

corpos gendrados e desfaz a dicotomia sexogecircnero explicando que as identidades de gecircnero

e subjetividade satildeo natildeo imateriais e descorporificadas Ela ao falar de identidades e

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subjetividades corporificadas aponta para uma direccedilatildeo que dialoga com as teorizaccedilotildees poacutes-

estruturalistas e a importacircncia dos marcadores sociais para essas que veem mais do que

sujeitos homens e mulheres em suas abordagens Veem seres de diferentes etnias classes

geraccedilotildees profissotildees lugares seres cindidos muacuteltiplos natildeo-fixos em suas identidades

imersos que satildeo pela torrencial poacutes-modernidade e seus signos multiculturalismo

globalizaccedilatildeo e informaccedilatildeo acelerada

Louro (2012) ao discutir o caro conceito para os estudos feministas historiciza as

accedilotildees desse coletivo situando a chamada ldquoSegunda Ondardquo como a que propiciou o

desenvolvimento do termo

Seraacute no desdobramento da assim denominada lsquoSegunda Ondarsquo ndash aquela que se inicia

no final da deacutecada de 1960 ndash que o feminismo aleacutem das preocupaccedilotildees sociais e

poliacuteticas iraacute se voltar para as construccedilotildees propriamente teoacutericas No acircmbito do

debate que a partir de entatildeo se trava entre estudiosas e militantes de um lado e seus

criacuteticos ou suas criacuteticas de outro seraacute engendrado e problematizado o conceito de

gecircnero (LOURO 2012 p 19)

Evidenciando a contribuiccedilatildeo que a emergecircncia do conceito de gecircnero propicia ao

movimento feminista Louro (2012) traz o discurso da invisibilidade no qual esse coletivo

esteve imerso em forma de segregaccedilatildeo poliacutetica e social Muito embora afirme essa autora

mulheres da classe trabalhadora e camponesas jaacute ocupassem atividades no mundo do trabalho

em faacutebricas oficinas lavouras Atividades essas ocupadas em condiccedilotildees de subalternidade

frente aos homens considerando os cargos que ocupavam e atividades consideradas

secundaacuterias e ligadas agraves funccedilotildees ldquonaturalizadasrdquo como femininas a assistecircncia e a educaccedilatildeo

Essas questotildees aleacutem da ausecircncia das mulheres em espaccedilos de poder como nos das ciecircncias e

das artes diz Louro (2012) ocupavam as reivindicaccedilotildees das mulheres de luta contra a

opressatildeo de gecircnero

No que tange ao conceito de gecircnero como diferencial desconstrutor da discursividade

que permeia explicaccedilotildees deterministas bioloacutegicas para as desigualdades sociais entre homens

e mulheres Louro (2012) aduz que

Eacute necessaacuterio demonstrar que natildeo satildeo propriamente as caracteriacutesticas sexuais mas eacute a

forma como essas caracteriacutesticas satildeo representadas ou valorizadas aquilo que se diz

ou pensa sobre elas que vai construir efetivamente o que eacute feminino ou masculino

em uma dada sociedade e em um dado momento histoacuterico Para que se compreenda

o lugar e as relaccedilotildees de homens e mulheres numa sociedade importa observar natildeo

exatamente seus sexos mas sim tudo que socialmente se construiu sobre os sexos

O debate vai se construir entatildeo atraveacutes de uma nova linguagem na qual gecircnero seraacute

um conceito fundamental (LOURO 2012 p 25)

35

Eacute na direccedilatildeo dos estudos poacutes-estruturalistas que Louro (2012) constroacutei suas reflexotildees

sobre gecircnero debatendo a construccedilatildeo discursiva das diferenccedilas uma das tocircnicas do

pensamento Esta autora evidencia o quanto estudiososas e militantes ligadosas agraves questotildees

eacutetnicas e leacutesbicas tecircm contribuiacutedo para a reflexatildeo sobre praacuteticas poliacuteticas e educativas que

contemplem as diferenccedilas Essa discursividade tem provocado nos estudos feministas uma

implosatildeo das caracteriacutesticas iniciais que satildeo marcadas por uma construccedilatildeo teoacuterica conduzida

por mulheres brancas heterossexuais urbanas e de classe meacutedias Para a autora os estudos

feministas estatildeo sendo oxigenados quando problematizados e desestabilizados desse modo

Entendo entatildeo que as seculares construccedilotildees sociais que subjugam e inferiorizam

mulheres e as que impotildeem exclusatildeo e violecircncia na construccedilatildeo das diferenccedilas sob uma loacutegica

androcecircntrica heteronormatizadora e discriminatoacuteria satildeo muralhas que tecircm sido

problematizadas pelas contribuiccedilotildees afirmativas da pauta dos DH pelos estudos feministas e

pelas contribuiccedilotildees de estudos sobre as relaccedilotildees de poder os quais jaacute foram por mim

referidos Estas questotildees podem estar balizadas no acesso agrave leitura como mediaccedilatildeo e praacutetica

discursiva que suscita o combate da iniquidade de gecircnero como tambeacutem jaacute foi dito Ocorre

amiuacutede mesmo entre osas que natildeo satildeo leitoresas uma valorizaccedilatildeo generalizada do ato de

ler que o naturaliza e o sacraliza As propagandas sobre leitura satildeo veiculadas com esta

dimensatildeo o que fez Souza (2009 p 4) entre outrosas autoresas estudaacute-las e evidenciando o

quanto se camufla o objeto da leitura daquilo que se lecirc indagar ldquoA leitura de todo e qualquer

texto emancipa o sujeitordquo Natildeo eacute preciso ir muito longe para que percebamos que se as

escolas natildeo leem a pedagogia do letramento da vida e da diversidade de infacircncias se natildeo leem

e aplicam o que recomendam as diretrizes2009 do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo - CNE

que apontam para garantir uma formaccedilatildeo plena como ser humano histoacuterico integral social

eacutetico de diferentes linguagens e identidades coletivas e individuais a leitura que se faz

efetivamente natildeo eacute emancipadora Ela pode divertir dar prazer colaborar com o domiacutenio do

coacutedigo em suas variedades linguiacutesticas mas natildeo emancipa Isso pode ser averiguado pelo

olhar de Arroyo (2011) que aborda o quanto a desenfreada busca para o domiacutenio de

capacidades sequenciadas para atender as expectativas de avaliaccedilotildees como a Provinha-Brasil

tem sido danosa

Na praacutetica o direito ao reconhecimento agrave cultura e ao conjunto de potencialidades

humanas que carregamos desde crianccedila vai se perdendo em nome do domiacutenio de

capacidades de letramento e numeramento [] A professora seraacute julgada e

condenada se sua turma natildeo se sair bem na Provinha-Brasil de Letramento Fica

pouco estiacutemulo e espaccedilo para dedicar tempo e energias para a formaccedilatildeo plena das

crianccedilas ateacute nos limites e potencialidades do letramento (ARROYO 2011 p 220)

36

Eacute pertinente pensar portanto como estatildeo sendo formadosas como estatildeo lendo na

instacircncia escolar meninos e meninas leem para se emancipar Leem para problematizar uma

ordem social excludente Leem para debater o que a pauta reivindicatoacuteria dos DH como

movimento que se firma na defesa de um mundo mais justo e igual tem alicerccedilado A

Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo (CONAE) realizada em 2010 direciona em seu

documento final que deve haver a inserccedilatildeo das temaacuteticas dos DH nos Projetos Poliacuteticos

Pedagoacutegicos (PPP) e no novo modelo de gestatildeo e avaliaccedilatildeo (CONAE 2010 p 162-163) Haacute

portanto um papel construiacutedo para a instituiccedilatildeo escolar no enfrentamento de violaccedilotildees desses

direitos

Produtora reprodutora e difusora de conhecimentos a escola eacute uma instituiccedilatildeo social

que pode conforme o seu aparato normativo engendrar as relaccedilotildees mais justas e equacircnimes

Ateacute entatildeo todavia deste lugar no dizer de Louro (2012) largamente tecircm sido gestadas as

diferenccedilas como a representaccedilatildeo de um desvio da normalidade Na visatildeo da referida autora

Desde seus iniacutecios a instituiccedilatildeo escolar exerceu uma accedilatildeo distintiva Ela se

incumbiu de separar os sujeitos ndash tornando aqueles que nela entravam distintos dos

outros os que a ela natildeo tinham acesso [] A escola que nos foi legada pela

sociedade ocidental moderna comeccedilou por separar adultos de crianccedilas catoacutelicos e

protestantes Ela tambeacutem se fez diferente para os ricos e para os pobres e ela

imediatamente separou os meninos das meninas (LOURO 2012 p 64)

Eacute possiacutevel perceber entatildeo o quanto as relaccedilotildees de gecircnero e a produccedilatildeo negativa das

diferenccedilas satildeo alimentadas nos bancos escolares moldando fabricando sujeitos seres

distintos de diferentes classes etnias idades distintos tambeacutem em direitos e deveres Nesses

moldes essa praacutetica pedagoacutegica tem inquietado osas ativistas e defensoresas dos DH E

efeito de mobilizaccedilotildees a educaccedilatildeo inclusiva voltada para uma cultura de paz e de respeito a

esses direitos emerge Dos tantos pactos internacionais e acordos como accedilatildeo de resistecircncia

diante da violaccedilatildeo do direito agrave dignidade humana podem ser extraiacutedos instrumentos juriacutedicos

importantes para municiar osas educadoresas em suas atividades acadecircmicas caso se

comprometam com a bandeira da educaccedilatildeo como loacutecus para a promoccedilatildeo da defesa de uma

sociedade para todas as pessoas

Inteirar-se da forccedila articulatoacuteria dos movimentos sociais embandeirados com a

defesa dos DH eacute relevante para a instacircncia educacional afinal a escola ressoa as vozes e eacute

uma voz que segundo regras histoacutericas implementa hegemonia e contra-hegemonia

conforme Zenaide (2008) Das articulaccedilotildees poliacuteticas dos movimentos emergem marcos legais

que datildeo sustentaccedilatildeo agraves lutas por cidadania Um desses documentos importantes do leque de

instrumentos universais e regionais que evidenciam accedilotildees pautadas na defesa do DH foi uma

37

conquista do movimento feminista com a aprovaccedilatildeo na Assembleia da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas (ONU) em 1979 da Convenccedilatildeo sobre a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de

Discriminaccedilatildeo contra a Mulher Este instrumento traduz o reconhecimento das necessidades

especiacuteficas das mulheres garantindo a igualdade entre homens e mulheres nas esferas

poliacutetica econocircmica social e familiar Outro importante documento no sentido da defesa dos

direitos das mulheres eacute a Convenccedilatildeo Interamericana para Prevenir e Erradicar a Violecircncia

contra a Mulher de 1994 Essa construccedilatildeo desafia um dos males enfrentados cotidianamente

pelas mulheres das mais diversas esferas sociais e culturais eacute o da violecircncia domeacutestica A

ONU adotou em 1999 o Protocolo Facultativo agrave convenccedilatildeo regional que autoriza ao

CEDAW ndash Comitecirc para a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de Discriminaccedilatildeo contra a Mulher

- o recebimento de queixas individuais O Brasil ratificou o protocolo o que significa mais

garantia de direitos agraves brasileiras viacutetimas de violecircncia domeacutestica acesso agrave justiccedila

internacional

Na deacutecada de 1990 os movimentos de mulheres articularam em niacuteveis regionais e

internacionais profiacutecuos acontecimentos poliacuteticos em prol de garantia de seus direitos Em

1993 a Conferecircncia Direitos Humanos de Viena estabelece que os direitos das mulheres satildeo

parte inalienaacuteveis dos DH universais e devem ser protegidos pelos Estados atraveacutes da

promoccedilatildeo de leis e de poliacuteticas puacuteblicas efetivas A Conferecircncia Internacional sobre

Populaccedilatildeo e Desenvolvimento (CIPD) realizada no Cairo em 1994 vem garantir que os

direitos sexuais e reprodutivos passem a ser assumidos como DH reconhecendo o papel

central da sexualidade A IV Conferecircncia Mundial da Mulher realizada em Pequim em 1995

aprovou uma Plataforma de Accedilatildeo reforccedilando o plano da Accedilatildeo de Cairo O debate sobre o

aborto amplia-se em bases soacutelidas eacute apontado como um grave problema de sauacutede puacuteblica e a

descriminalizaccedilatildeo dessa praacutetica ganha foco

Dentre os processos organizativos pela constituiccedilatildeo de forccedilas democraacuteticas os

movimentos de mulheres constituem-se em um expoente de militacircncia Pedro e Pinsky (2003)

relatam o processo de conquista da cidadania feminina que se ainda estaacute longe de ser plena

muito mais longe estaacute de um tempo em que agraves mulheres soacute lhes cabia o espaccedilo domeacutestico

De simples lsquocostela de Adatildeo agrave conquista da cidadania plena eacute uma longa trajetoacuteria

ainda natildeo completada pelas mulheres Mesmo no Ocidente onde o avanccedilo eacute maior e

a subordinaccedilatildeo social tem se reduzido sensivelmente elas ainda sofrem com a

violecircncia salaacuterios menores preconceitos de diversos tipos Que diraacute em paiacuteses

africanos ou islacircmicos em que satildeo vistas como apecircndice do homem na melhor das

hipoacuteteses Contudo relendo as paacuteginas deste texto podemos avaliar o quanto jaacute

avanccedilamos Que as vaacuterias vitoacuterias obtidas sirvam-nos de inspiraccedilatildeo para as lutas

futurasrsquo (PEDRO PINSKY 2003 p 304)

38

Se os avanccedilos logrados pela luta feminista mudaram estilo de vida de mulheres eacute

inconteste que ainda sob o jugo da violecircncia seja simboacutelica ou fiacutesica o machismo e o

patriarcalismo deixam seus tentaacuteculos em uma contiacutenua tensatildeo pelo poder (FOUCAULT

2004a 2012) Conforme Louro (2012) a escola pode atestar isso uma cultura ainda

dominante impregnada de estereoacutetipos valores e conteuacutedos sexistas eacute o que olhos atentos

veem Nas palavras da autora

Os sentidos precisam estar afiados para que sejamos capazes de ver ouvir sentir as

muacuteltiplas formas de constituiccedilatildeo dos sujeitos implicados na concepccedilatildeo na

organizaccedilatildeo e no fazer cotidiano escolar O olhar precisa esquadrinhar as paredes

percorrer os corredores e salas deter-se nas pessoas nos seus gestos suas roupas eacute

preciso perceber os sons as falas as sinetas e os silecircncios eacute necessaacuterio sentir as

cadecircncias e os ritmos marcando os movimentos de adultos e crianccedilas Atentaas aos

pequenos indiacutecios veremos que ateacute mesmo o tempo e o espaccedilo da escola natildeo satildeo

distribuiacutedos nem usados ndash portanto natildeo satildeo concebidos do mesmo modo por todas

as pessoas (LOURO 2012 p 63)

Afiar os sentidos para que possamos enxergar os construtos sociais de

performatividades de gecircneros que produzem meninas doces quietas aplicadas submissas e

meninos inquietos agressivos ldquomaisrdquo inteligentes Afiar os sentidos para que possamos olhar

sob o crivo dos estudos de gecircnero que encontram amparo em uma legislaccedilatildeo escolar

conquistada recentemente apoacutes intensa mobilizaccedilatildeo nacional para a criaccedilatildeo do Programa

Nacional em Direitos Humanos em 1993

A emersatildeo das poliacuteticas de valorizaccedilatildeo dos DH como aacuterea transdisciplinar e que

deve estar presente na escola desde a mais tenra idade do aluno ateacute os cursos de poacutes-

graduaccedilatildeo apresenta-se como um instrumento para a desconstruccedilatildeo de uma poliacutetica

educacional sexista e machista O Plano Nacional de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos

(PNEDH) criado em 2006 e revisado em 2006 pelo MEC Ministeacuterio da Justiccedila e Secretaria

Especial dos Direitos Humanos vem fortalecer o princiacutepio da igualdade e da dignidade de

todo ser humano E a escola eacute um espaccedilo privilegiado para que a crianccedila iniciando seu

processo de socializaccedilatildeo aprenda a conviver com caros princiacutepios Daiacute a importacircncia de se

desenvolver no interior dos espaccedilos escolares pontua Zenaide (2008) accedilotildees programaacuteticas

que deem mais materialidade agrave educaccedilatildeo agravequela que respeite e defenda os DH Dentre essas

accedilotildees vale citar

Elaborar e organizar propostas curriculares que contemplem a diversidade cultural

nas suas diferentes especificidades com a inclusatildeo de temaacuteticas relativas a gecircnero

identidade de gecircnero raccedila e etnia religiatildeo orientaccedilatildeo sexual pessoas com

deficiecircncias [] bem como trabalhar todas as formas de discriminaccedilatildeo e violaccedilotildees

de direitos na interface dos componentes curriculares (BRASIL 2006 p 24-25)

39

Um paiacutes historicamente violador dos DH como o Brasil possui uma diacutevida social

enorme com sua populaccedilatildeo vitimada No que diz respeito agraves violaccedilotildees acerca das identidades

de gecircnero seus instrumentos juriacutedicos conquistados recentemente que possuem a ideia

basilar do respeito agrave dignidade humana precisam ser prementemente cumpridos Essa eacute uma

condiccedilatildeo para que o Brasil promova cidadania a todas as pessoas reinventando novas formas

de se constituir sujeitos cauterizando as feridas machistas homofoacutebicas discriminadoras

Esse agenciamento cultural pode e deve ser gestado alimentado e sustentado por praacuteticas

escolares considerando que satildeo promessas da escola a autonomia o aprendizado de si do

outro o respeito agraves diferenccedilas Conforme Zenaide (2008) entre tantos marcos protetivos para

a construccedilatildeo de uma educaccedilatildeo inclusiva e natildeo sexista que sustentam largamente as promessas

de uma escola para todas as pessoas a Declaraccedilatildeo Mundial sobre Educaccedilatildeo para Todos de

1990 eacute um deles Em seu artigo 3ordm este documento explicita a premecircncia de combater a

assimetria entre homens e mulheres

[] a prioridade mais urgente eacute melhorar a qualidade e garantir o acesso agrave educaccedilatildeo

para meninas e mulheres e superar todos os obstaacuteculos que impedem sua

participaccedilatildeo no processo educativo Os preconceitos e estereoacutetipos de qualquer

natureza devem ser eliminados da educaccedilatildeo (ZENAIDE 2008 p 243)

Apoacutes as reflexotildees atinentes agrave fundamentaccedilatildeo da importacircncia do compromisso do

Estado brasileiro na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas educacionais que respaldem a

garantia da efetivaccedilatildeo dos DH na esfera escolar no que diz respeito agrave equidade de gecircnero irei

discutir no proacuteximo toacutepico como a educaccedilatildeo e o feminismo satildeo esteios para tal efetivaccedilatildeo

Satildeo esteios porque podem propor problematizar as instacircncias os espaccedilos de poder propor

novas formas de subjetivaccedilatildeo formas essas que tecircm historicamente construiacutedo um

enfrentamento agrave interdiccedilatildeo da equidade de gecircnero

22 Feminismo poder e educaccedilatildeo

Uma vez ou outra sempre mais raramente lembrava a galinha que se recortara

contra o ar agrave beira do telhado prestes a anunciar Nesses momentos enchia os

pulmotildees com ar impuro da cozinha e se fosse dado agraves fecircmeas cantar ela natildeo

cantaria mas ficaria muito mais contente

(LISPECTOR 1991 p 46)

A condiccedilatildeo feminina mesmo aos olhos desatentos aparece na linha mestra da obra

clariceana As complexas e ricas criaccedilotildees da autora com Ana Carla Catarina Joana

Macabeacutea Virgiacutenia entre tantas personagens jovens maduras velhas natildeo cedem todavia

40

lugar a um mero denuncismo da ordem machista que violentamente imersa mulheres em uma

sociedade feita para os que cantam como os galos A inserccedilatildeo portanto de um trecho de um

dos seus contos Uma galinha (LF1991) neste toacutepico do trabalho natildeo eacute um jeito de chamar

ao destrinchamento da ligaccedilatildeo da escritora com o feminismo fato que ela em diversos

depoimentos sabiamente negou Mas eacute uma forma de dizer que a condiccedilatildeo feminina sem

liberdade e voz emaranhada na densa complexidade psicoloacutegica das personagens clariceanas

perspectiva anguacutestia e violecircncia latentes um mundo portanto que precisa ser desaprisionado

que precisa ser desmantelado E isto a despeito de sua insistecircncia em natildeo ser feminista

expressa feminismo que Clarice constroacutei tatildeo bem com suas mulheres quando lhes daacute o grito

o canto ou quando lhes retira

Neste conto a condiccedilatildeo feminina de subjugada estaacute metaforizada na figura de uma

galinha que apenas nasce e morre cumprindo apaticamente um papel como pontua Bedasee

(1999) Sem canto sem habilidade para a luta valorizada apenas pela sua funccedilatildeo reprodutora

[ Mamatildee mamatildee natildeo mate mais a galinha ela pocircs um ovo G45] este ser que natildeo conta

consigo como o galo conta com sua crista natildeo traduziria uma bandeira de desaprisionamento

dessa ordem proposta pela teoria dos gecircneros Neste conto em que a galinha em fuga eacute

capturada por um homem [ o rapaz poreacutem era um caccedilador adormecido E por mais iacutenfima

que fosse a presa o grito de conquista havia soado ndash G44] natildeo teriacuteamos a preocupaccedilatildeo com

os imemoraacuteveis papeacuteis sociais

Entendendo Clarice que desejou a literatura maior do que as bandeiras maior do que

teses sem uma ldquofunccedilatildeordquo que a aprisione mas relembrando aqui Antonio Cacircndido (1965)

indago esta escritura que apresenta um cotidiano que encerra mulheres em um espaccedilo

domeacutestico violentador natildeo seria uma forma extraordinaacuteria de aticcedilar a transcendecircncia das

servidotildees com a perspectiva que temos de ver na trama clariceana o natildeo-conformismo como

uma ordem Possivelmente A condiccedilatildeo feminina de oprimida exceccedilatildeo a pouquiacutessimas

personagens perpassa pelas mulheres solitaacuterias e servis de Clarice trancadas no lar lacradas

para a vida que natildeo reagem Por que ela natildeo reage cadecirc um pouco de fibra Natildeo ela eacute doce

e obediente (HE41) Haacute nesta ficccedilatildeo um fio que liga as mulheres denunciando um

apagamento social vivido por elas que evidencia feminismo nesta literatura

Por seu turno natildeo na ficccedilatildeo mas na poliacutetica e engajada nos diversos movimentos

sociais outras fizeram feminismos naquele contexto de meados do seacuteculo XX em que

efervesceu a luta pelos direitos das mulheres E a histoacuterica luta das mulheres em prol dos seus

direitos e na caminhada pela cidadania plena que comeccedilou a ser preparada em momentos e

seacuteculos anteriores traduz uma resistecircncia agrave domesticaccedilatildeo social das mais expressivas na

41

histoacuteria da humanidade Esta resistecircncia pode me remeter a inuacutemeros pensadores que se

vinculam ao ideaacuterio da busca pela liberdade mas o pensamento de Michel Foucault no que

tange agraves consideraccedilotildees em sua obra sobre o polo subjetividade e verdade parece-me ser de

muita propriedade Tema caro ao filoacutesofo francecircs que categoriza ter sido este o seu problema

Esse sempre foi na realidade o meu problema embora eu tenha formulado o plano

dessa reflexatildeo de uma maneira um pouco diferente Procurei saber como o sujeito

humano entrava nos jogos de verdade tivessem estes a forma de uma ciecircncia ou se

referissem a um modelo cientiacutefico ou fossem como os encontrados nas instituiccedilotildees

ou nas praacuteticas de controle (FOUCAULT 2004a p 264)

As formas de se constituir sujeito satildeo decerto tema caro tambeacutem ao coletivo de

mulheres Embora as questotildees feministas natildeo tenham aparecido no leque de problematizaccedilotildees

do autor conforme nos atesta Rago (2008) esse coletivo pode ter como instrumento de luta

em sua histoacuterica e processual conquista por liberdade e cidadania as reflexotildees foucaultianas

atinentes aos processos de subjetivaccedilatildeo e da premecircncia de se constituir um novo sujeito eacutetico

a partir de praacuteticas de liberdade (cf FOUCAULT 2004a) A leitura desses processos eacute nodal

para a transformaccedilatildeo social que objetiva construir o feminismo pela importacircncia que tem

para esse autor a histoacuteria da constituiccedilatildeo do sujeito na perspectiva das praacuteticas de si Essas

conforme a retomada que o filoacutesofo daacute no debate proposto pela Antiguidade grega sobre tais

teacutecnicas satildeo concebidas como uma maneira de se relacionar consigo mesmo para se elaborar

para atuar individual e socialmente de forma eacutetica respeitosa e consciente O cuidar de si

visa atraveacutes de teacutecnicas de meditaccedilatildeo de aconselhamentos instalar a harmonia entre atos e

palavras instalar a subjetivaccedilatildeo pelo conhecimento de si eacute enfim um ethos que propotildee uma

dimensatildeo ativa do sujeito uma fruiccedilatildeo de si

[] eacute impossiacutevel suspeitar que haja uma certa impossibilidade de constituir hoje

uma eacutetica do eu quando talvez seja uma tarefa urgente fundamental politicamente

indispensaacutevel se for verdade que afinal natildeo haacute outro ponto primeiro e uacuteltimo de

resistecircncia ao poder poliacutetico senatildeo na relaccedilatildeo de si para consigo (FOUCAULT

2004a p 234)

Dimensatildeo essa que ao coletivo de mulheres imerso em um processo de busca por

libertaccedilatildeo pode se constituir como basilar Eacute basilar se considerarmos que da leitura das

reflexotildees foucaultianas acerca dos processos de constituiccedilatildeo das subjetividades pode-se

extrair o debate que destaca a desnaturalizaccedilatildeo do sujeito da construccedilatildeo de si as formas de

sujeiccedilatildeo coercitivas no social Essas uacuteltimas por exemplo se trazidas agrave luz dos estudos

feministas apontam modelos de feminilidade impostos pela dominaccedilatildeo classista e sexista

42

desconstruiacutedos e recusados pela militacircncia desse movimento social A refutaccedilatildeo do amor

materno como um sentimento inerente agrave condiccedilatildeo de mulher por exemplo eacute uma das

desnaturalizaccedilotildees que foram articuladas pelos coletivos de mulheres Atributos como o da

docilidade inerente da tendecircncia agrave castidade sexual da domesticidade da inaptidatildeo para

determinados labores da constituiccedilatildeo fiacutesica e emocional como fraacutegil tambeacutem satildeo construccedilotildees

sociais que a mobilizaccedilatildeo feminista tem posto em evidecircncia negando-as Enfim um

mergulho nessa perspectiva temaacutetica oferece ao coletivo de mulheres um vasto leque de

teorizaccedilotildees que o subsidiam politicamente com operadores que lhe aclaram questotildees Uma

delas eacute poder recusar o que somos (FOUCAULT 2012) E a recusa se daacute quando sabemos

que teacutecnica atacar conhecer por quais jogos de verdade homens e mulheres potildeem-se a se

constituiacuterem sujeitos a obedecerem a que regras de sujeiccedilatildeo

Pensar em regras de sujeiccedilotildees na linha foucaultiana eacute tarefa meticulosa ardil que

exige coragem para ver Ao coletivo de mulheres fazer reflexotildees enfaticamente sobre tais

regras sobre os processos sociais de subjetivaccedilatildeo com os modos coercitivos de se constituir

mulher eacute pertinente eacute mobilizador de praacuteticas de liberdades das transformaccedilotildees que este

precisa engendrar E isto pode ser feito afiando-se os sentidos para os pilares culturais que lhe

satildeo configurados como sonhos como verdades em formaccedilotildees discursivas apresentadas desde

a mais tenra infacircncia O casamento por exemplo eacute um deles O matrimocircnio em regra tem

iniacutecio com um pedido formalizado por um homem agrave famiacutelia da mulher para um contrato

social no qual a cerimocircnia em si jaacute oferece um ensaio do que traduz a uniatildeo matrimonial a

dependecircncia social emocional da mulher Costumeiramente na nossa cultura ocidental

cristatilde a noiva entra na igreja conduzida pela matildeo de um homem (pai parente) para ser

entregue a outro o noivo o traje dela tradicionalmente eacute branco simbolizando ldquopureza de

virgemrdquo mesmo que a castidade natildeo lhe seja mais exigida Toda a ritualiacutestica da cerimocircnia

compotildee uma ideia de pertencimento do feminino pelo masculino compotildee uma ideia de

dependecircncia eacute ela quem adota em seu registro de identidade o nome do marido tendo que

alterar seus documentos de solteira Soacute bem recentemente a obrigatoriedade de tal inserccedilatildeo foi

abolida O ritual que costuma agradar agraves mulheres de uma forma bem generalizada por mais

que inove com mudanccedilas em arranjos familiares e nas condiccedilotildees sociais de produccedilatildeo do

mesmo eacute marcado pela imagem de que a mulher que casa eacute a feliz O simboacutelico ato do

lanccedilamento do bouquecirc (ou mais recentemente outros objetos como os sapinhos de peluacutecia os

santos Antocircnios) pode vestir a ideia de que a felicidade estaacute em angariar um dono Assim se

justifica ver os gestos atleacuteticos que fazem as solteiras presentes movendo-se brava e

43

histericamente para conseguirem agarrar tais objetos que a noiva lanccedila em sinal de que

sendo a premiada seraacute a proacutexima a realizar o sonho de casar

Que poder natildeo haacute na adoccedilatildeo de um nome nos jogos que fazem a ideia do

pertencimento O poder onde natildeo o haacute E esse eacute outro veio no olhar do pensador

(FOUCAULT 2012) que pode correr com e perpassar pelos interesses e pelas investigaccedilotildees

das mulheres que lutam por praacuteticas de liberdade que se vinculam ao debate proposto pela

teoria de gecircnero como estrateacutegia para desmantelar assimetrias para se pensar em resistecircncias

O poder em sua dimensatildeo relacional onipresente e capilar evocada pelo filoacutesofo constitui-

se como instacircncia de compreensatildeo basilar das formas de relaccedilotildees sociais

Quero dizer que nas relaccedilotildees humanas quaisquer que sejam elas - quer se trate de

comunicar verbalmente como o fazemos agora ou se trate de relaccedilotildees amorosas

institucionais ou econocircmicas - o poder estaacute sempre presente quero dizer a relaccedilatildeo

em que cada um procura dirigir a conduta do outro Satildeo portanto relaccedilotildees que se

podem encontrar em diferentes niacuteveis sob diferentes formas essas relaccedilotildees de poder

satildeo moacuteveis ou seja podem se modificar natildeo satildeo dadas de uma vez por todas

(FOUCAULT 2004a p 276)

Haacute uma discussatildeo trazida pelo pensamento foucaultiano sobre o poder na qual

repousa natildeo uma teoria geral deste mas a ideia de que a sua existecircncia natildeo emana de um

determinado ponto apenas em aparelho de Estado ou em formato de leis Existe o poder

conforme Foucault (2012) concebe dando-se como feixe de relaccedilatildeo organizado e

piramidalizado Este entendimento atrela-se ao da resistecircncia como possibilidade e esta

adverte o filoacutesofo tem que ser inventiva moacutevel tatildeo produtiva quanto o poder Pensar em

resistecircncia e estrateacutegias para o enfrentamento de relaccedilotildees marcadas por domiacutenio eacute accedilatildeo que

deve interessar ao debate proposto pelos movimentos sociais em especial os coletivos que

perseguem a equidade de gecircnero Aqui vale trazer uma ponderaccedilatildeo feita por Foucault (2004a)

na qual ele ressalva insistir sobretudo nas praacuteticas de liberdade mais do que nos processos de

libertaccedilatildeo a despeito da importacircncia desses que satildeo condiccedilotildees poliacuteticas ou histoacutericas para

aquelas O filoacutesofo afirma que tais processos natildeo satildeo por eles proacuteprios definidores dessas

praacuteticas as quais se constituem de um problema eacutetico Problema eacutetico com o qual se deparam

mulheres imersas em processos de liberaccedilatildeo neste contexto histoacuterico-cultural que

recrudesceu em meados do seacuteculo XX onde irromperam estudos de gecircnero e feminismos

trazendo enfaticamente a pauta do empoderamento para as mulheres Esse aqui entendido

como o processo pelo qual indiviacuteduos e comunidades angariam recursos que lhes permitam

ter voz visibilidade poder de agenda nos temas que afetam suas vidas

44

Empoderar-se eacute enfim gestar em si mudanccedilas de performances que perpassam pelo

rompimento de modelos que enclausuram a mulher Historicamente subjugada ensinada a

depender a ser princesa salva adormecida mas acordada com o beijo dos contos infantis

difiacutecil natildeo ter medo de dar certo Na epiacutegrafe deste trabalho uma personagem clariceana

Joana traz agrave tona a temaacutetica do medo como condiccedilatildeo feminina Como uma segunda pele o

medo segura mulheres em direccedilatildeo de carros de cargos e de vidas trancafiando-as

Obviamente que nos novos contornos sociais nos quais a rua eacute espaccedilo conquistado pelo

feminino cada vez mais os medos vatildeo se arrefecendo tornando-se mais leves amenos

vencidos

Os estudos de gecircnero agrave luz do pensamento poacutes-estruturalista trouxeram a relevacircncia

de se refletir sobre modos de subjetivaccedilatildeo novas relaccedilotildees de poder jogos de verdade tudo

muito atinente com as contribuiccedilotildees teoacutericas foucaultianas e significativo para a militacircncia

poliacutetica encetada por feministas Pensando com Foucault (2004a 2012) sobre o poder desse

modo articulo nexos entre a preocupaccedilatildeo eacutetica com o cuidado de si as praacuteticas de liberdade

e a efetivaccedilatildeo de direitos que vem em lutas por libertaccedilatildeo em caminhadas que escavam

cidadania A luta das mulheres pela implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que lhes garantam o

direito ao aborto agrave sexualidade livre por exemplo traduz resistecircncia que vem com o

conhecimento de si com o conhecimento de seu lugar no mundo Os movimentos das

mulheres em luta pela construccedilatildeo de suas liberdades tecircm perfilado as liccedilotildees foucaultianas de

rede ligadas ao poder luta libertaccedilatildeo mobilizaccedilatildeo estaacutegios de comandos resistecircncia

A ideia de circularidade do poder de seu funcionamento em malhas onde os

indiviacuteduos natildeo soacute circulam mas estatildeo sempre em posiccedilatildeo de exercer um poder e de sofrer sua

accedilatildeo eacute oportuna entatildeo A premissa que permite que assim se pense pode estar identificada

nas reflexotildees abrangentes do autor sobre o poder

Acredito que natildeo pode haver sociedade sem relaccedilotildees de poder se elas forem

entendidas como estrateacutegias atraveacutes das quais indiviacuteduos tentam conduzir

determinar a conduta dos outros O problema natildeo eacute portanto tentar dissolvecirc-las na

utopia de uma comunicaccedilatildeo perfeitamente transparente mas se imporem regras de

direito teacutecnicas de gestatildeo e tambeacutem a moral o ethos a praacutetica de si que permitiratildeo

nesses jogos de poder jogar com o miacutenimo possiacutevel de dominaccedilatildeo (FOUCAULT

2004a p 284)

E por ser historicamente construiacutedo discursivamente tramado por estar no campo

social das resistecircncias muacuteltiplas (dos jeitinhos agraves chantagens e agraves mobilizaccedilotildees) das

mulheres o poder pode ser desconstruiacutedo ser ativado reformulado As relaccedilotildees de poder diz

ainda o pensador francecircs (FOUCAULT 1995 2012) intricam-se pelo menos de certa forma

45

com sujeitos livres Um poder soacute se exerce quando eacute possiacutevel minimamente haver

resistecircncias pelo menos estrateacutegias para alterar o quadro Esse autor fala em estados de

dominaccedilatildeo nos quais a violecircncia se constitui como a absoluta impossibilidade de se resistir

ao poder havendo o domiacutenio total do dominador Diferentemente dos estaacutegios de violecircncia

as relaccedilotildees de poder possuem um enfrentamento constante e perpeacutetuo que garante o potencial

de revolta

Assim tambeacutem percebe Louro (2012) e dialoga com o filoacutesofo francecircs acerca dessas

relaccedilotildees A autora utilizando-se da discussatildeo sobre o controle disciplinar que perpassa os

escritos foucaultianos que falam das engenhosas estrateacutegias desenvolvidas pelas instituiccedilotildees

estrateacutegias que satildeo nichos de produccedilotildees discursivas de gecircneros de sujeitos disciplinados

regulados instituiacutedos discute a capilaridade do poder

Homens e mulheres certamente natildeo satildeo construiacutedos apenas atraveacutes de mecanismos

de repressatildeo ou censura eles e elas se fazem tambeacutem atraveacutes de praacuteticas e relaccedilotildees

que instituem gestos modos de ser e estar no mundo formas de falar e de agir

condutas e posturas apropriadas (e usualmente diversas) Os gecircneros se produzem

portanto nas e pelas relaccedilotildees de poder (LOURO 2012 p48)

Louro (2012) sob o crivo das reflexotildees foucaultianas acerca dos modos de

subjetivaccedilatildeo insere uma possibilidade de debate sobre as relaccedilotildees de poder que perpassam as

identidades de gecircnero no esteio do campo da educaccedilatildeo A autora traz a questatildeo de que sob as

lentes do filoacutesofo cabem olhares acerca da ldquonormalizaccedilatildeo da conduta dos meninos e meninas

a produccedilatildeo dos saberes sobre a sexualidade e os corpos as taacuteticas e as tecnologias que

garantem o ldquogovernordquo e o ldquoautogovernordquo dos sujeitosrdquo E eacute com essa direccedilatildeo que esta

estudiosa do feminismo caminha na e pela escola instigando aosas educadoresas agrave afiaccedilatildeo

dos sentidos para que essesas percebam a construccedilatildeo escolar das diferenccedilas das

desigualdades do poder para que observem as praacuteticas femininas educativas e as

representaccedilotildees docentes do magisteacuterio

Os caminhos teoacutericos de Louro (2012) deixam as marcas de quem dialoga com o

pensamento de Foucault (2004c 2004d 2011 2012) no tocante agrave importacircncia que possuem

as instituiccedilotildees como aparelho disciplinador reprodutor ou transformador da sociedade para

ambos A autora discute o aparelhamento da escola na formaccedilatildeo de uma cultura sexista que

difunde estereoacutetipos de gecircnero institui diferenccedilas e modelos Ela enfim alerta osas

educadores sobre a importacircncia da ocupaccedilatildeo deste espaccedilo como instacircncia poliacutetica

46

A linguagem as taacuteticas de organizaccedilatildeo e de classificaccedilatildeo os distintos

procedimentos das disciplinas escolares satildeo todos campos de um exerciacutecio

(desigual) de poder Curriacuteculos regulamentos instrumentos de avaliaccedilotildees e

ordenamento dividem hierarquizam subordinam legitimam ou desqualificam os

sujeitos [] (LOURO 2012 p 72)

Com efeito o processo de subjetivaccedilatildeo se daacute tambeacutem e significativamente na escola

que natildeo soacute transmite conhecimentos mas fabrica sujeitos conforme acordam os estudiosos

acima referendados Esse processo eacute flexionado por dispositivos entendidos esses conforme

Foucault (2012) como um conjunto heterogecircneo que engloba discursos instituiccedilotildees que

formam feixes em um tranccedilado com os quais natildeo se familiariza facilmente Louro (2012) por

isso faz a convocaccedilatildeo com muita propriedade ao ato de ldquoafiar os sentidosrdquo Afiar os sentidos

e apreender no campo da linguagem a forccedila da transmissatildeo e constituiccedilatildeo de sentidos que esta

articula que molda e produz eacute um compromisso de quem concebe a educaccedilatildeo em um campo

eminentemente poliacutetico um lugar para se desbravar cotidianamente

Fisher (2013) eacute uma das estudiosas do campo da Educaccedilatildeo que se posiciona assim

Essa autora trabalha conceitos como os de enunciado praacutetica discursiva sujeito do discurso

relacionados agrave teoria do discurso objetivando evidenciar a importacircncia desse arcabouccedilo para

as pesquisas que se propotildeem a investigar discursos de educadoresas A complexa e

diversificada obra de Michel Foucault eacute explorada pela educadora em pontos estrateacutegicos para

uma interface discurso e educaccedilatildeo Para isto a autora estabelece inicialmente um marco entre

as concepccedilotildees de linguagem a que se vincula agrave ideia de representaccedilatildeo de intencionalidade

na qual o analista ldquodescobrerdquo o que estaacute por traacutes das cortinas porque o discurso eacute interpretado

como um conjunto de signos que pode revelar a ldquoverdaderdquo E a concepccedilatildeo de linguagem que

se apresenta como constituidora interrogativa discursiva construtora de realidades sociais A

pesquisadora demonstra entender que a concepccedilatildeo com a qual Foucault evidencia vinculaccedilatildeo

eacute a que interroga a linguagem

Evocar os conceitos foucaultianos objetivando uma reflexatildeo acerca da importacircncia

desses em pesquisas no campo da educaccedilatildeo eacute uma estrateacutegia vaacutelida que oa analista de

discurso pode lanccedilar matildeo Esse direcionamento que exige uma interrogaccedilatildeo da linguagem

sobre a sua natildeo-transparecircncia e sobre seus processos de produccedilatildeo daacute-se com o esforccedilo de

conforme a AD natildeo buscar explicaccedilotildees lineares de causa e efeito ou mesmo interpretaccedilotildees

ideoloacutegicas simplistas ambas reducionistas e harmonizadoras de uma realidade mais

complexa (FISHER 2013)

A percepccedilatildeo da belicosidade da realidade que eacute atravessada por lutas em torno da

imposiccedilatildeo de sentidos (FOUCAULT 2011 2012) eacute uma postura que traduz uma capacidade

47

investigativa doa analista que deve ser inquiridora ldquoPor que isto eacute dito aqui desse modo

nesta situaccedilatildeo e natildeo em outro tempo e lugar de forma diferenterdquo Nesse sentido Fisher

(2013) dialoga com o filoacutesofo pontuando acerca da constituiccedilatildeo do sujeito para esse teoacuterico

Para a foucaultiana esse pensador multiplica o sujeito a pergunta ldquoquem falardquo desdobra-se

em muitas outras qual o status do enunciador Em que campo de saber se insere Qual seu

lugar institucional [] Com formulaccedilotildees dessa natureza a ideia de discurso como

ldquoexpressatildeo de algo traduccedilatildeo de alguma coisa que estaria em outro lugar talvez em um

sujeito algo que preexiste agrave proacutepria palavra eacute desfeita Em seu lugar pontuam os autores

referendados os atos enunciativos se inscrevem no interior de formaccedilotildees discursivas que

irrompem segundo regime de verdade levando-nos a obedecer a um conjunto de regras dadas

historicamente

As liccedilotildees foucaultinas acima referidas referendadas por Fisher (2013) satildeo

pertinentes para uma contribuiccedilatildeo no presente estudo tendo em vista que a temaacutetica em foco

desta pesquisa encontra nessas reflexotildees do pensador elementos que subsidiam esta

investigaccedilatildeo Um desses elementos eacute a inquiriccedilatildeo da ideia de verdade uniacutevoca por apontar

essa categoria como uma produccedilatildeo histoacuterica e social farta de jogos de poder E a escola eacute

uma instacircncia disciplinar e reguladora de comportamentos amarrada agrave produccedilatildeo de verdades

ao poder-saber pedagoacutegico que se efetua em praacuteticas discursivas ditando regras negando-as

coibindo-as policiando incitando fabricando sujeitos (cf FOUCAULT 2011 2012) Desse

modo inquiro sobre como as praacuteticas discursivas garimpadas no processo de investigaccedilatildeo

irrompem e sob quais condiccedilotildees neste estudo O que haacute nas bocas e nas mentes na experiecircncia

de aprendizagem das praacuteticas leitoras O que desejam os olhos de quem semeia leitura e os

olhos de quem lecirc As discursividades dessesas semeadoresas alicerccedilam-se e movem-se por

quais olhares sobre as relaccedilotildees de gecircnero e de sexualidade que perpassam livros textos

corredores banheiros cochichos desabafos canccedilotildees confissotildees Elas estatildeo explosivamente

presentes como bem atenta Foucault (1985) quando afirma haver em torno do sexo uma

verdadeira explosatildeo discursiva

Seria inexato dizer que a instituiccedilatildeo pedagoacutegica impocircs um silecircncio geral ao sexo das

crianccedilas e adolescentes Pelo contraacuterio desde o seacuteculo XVIII ela concentrou as

formas do discurso no tema estabeleceu pontos de implantaccedilatildeo diferentes codificou

os conteuacutedos e qualificou os locutores Falar dos sexos das crianccedilas fazer com que

falem dele os educadores os meacutedicos os administradores e os pais Ou entatildeo falar

de sexo com as crianccedilas fazer falarem elas mesmas encerraacute-las em uma teia de

discurso que ora se dirigem a elas ora falam delas impondo-lhes conhecimento

canocircnicos ou formando a partir delas um saber que lhes escapa ndash tudo isso permite

vincular a intensificaccedilatildeo dos poderes agrave multiplicaccedilatildeo do discurso (FOUCAULT

1985 p 32)

48

E a despeito de toda dinacircmica social e histoacuterica que tem alterado a percepccedilatildeo dos

jogos dos prazeres e poderes que tem inquirido pensamentos hegemocircnicos acerca da

sexualidade das relaccedilotildees de identidades de gecircnero descontruindo paradigmas como e quais

satildeo as faacutebulas indispensaacuteveis os veios discursivos apreendidos e presentificados na escola em

foco Os pensamentos de Foucault (2004a 2004c 2004d 2011 2012) contribuiacuteram

decisivamente para uma atitude de estranhamento das instituiccedilotildees contribuiacuteram para

caracterizar o discurso pedagoacutegico como um dos que estaacute relacionado agraves praacuteticas de poder e

domesticaccedilatildeo que tem em sua base relaccedilotildees assimeacutetricas Este pensador desse modo daacute

elementos importantes para a compreensatildeo de que natildeo existe verdade que natildeo seja produzida

em relaccedilotildees de poder Estes elementos estatildeo na imersatildeo do entendimento de que a

compreensatildeo dos processos de subjetivaccedilatildeo e das praacuteticas discursivas pode estar a serviccedilo de

uma busca por uma transformaccedilatildeo substancial do que somos e o que poderemos ser em um

mundo marcado pela belicosidade constituiacutedo por discursos

No que concerne a essa busca Rago (1998) pontua o encontro entre o feminismo e o

pensamento de Michel Foucault no lastro do debate sobre a constituiccedilatildeo do sujeito e o quanto

isso potencializa as transformaccedilotildees que precisam ser operadas para que sejam consolidadas as

mudanccedilas sociais e culturais que o coletivo de mulheres pleiteia A autora fala da participaccedilatildeo

do movimento feminista na ldquoampla criacutetica cultural desconstrutivistardquo e acentua o quanto as

propostas deste movimento tecircm produzido uma criacutetica contundente ao modo de produccedilatildeo do

conhecimento cientiacutefico e que isto se deve entre outros motivos ao abrigo que o pensamento

deste coletivo encontra nos postulados dos pensadores poacutes-modernos Os estudos feministas

propotildeem um olhar para a existecircncia do sujeito cindido construiacutedo na e pela linguagem como

efeito das determinaccedilotildees culturais inserido em complexas relaccedilotildees de poder Este olhar tem

consonacircncia com as reflexotildees de Foucault (2004d p 195) especialmente no que se refere ao

empreendimento do autor na construccedilatildeo de uma hermenecircutica de si

Uma histoacuteria que natildeo seria aquela do que poderia existir de verdadeiro nos

conhecimentos mas sim uma anaacutelise dos lsquojogos de verdadersquo dos jogos do

verdadeiro e do falso atraveacutes dos quais o ser se constitui historicamente como

experiecircncia ou seja como podendo e devendo ser pensado Por meio de quais jogos

de verdade o homem se pocircs a pensar o seu ser proacuteprio ao se perceber como louco ao

se olhar como doente ao refletir sobre si mesmo como ser vivo falante e

trabalhador ao se julgar e se punir como criminoso Atraveacutes de quais jogos de

verdade o ser humano se reconheceu como homem de desejo (FOUCAULT

2004d p 195)

Esta construccedilatildeo de si perpassa e enriquece a luta feminista em suas problematizaccedilotildees

acerca das praacuteticas de si colocando em jogo os criteacuterios de modelos femininos naturalizados

49

o modo de sujeiccedilatildeo com que as mulheres se relacionam com tais modelos E nas palavras do

pensador francecircs (FOUCAULT 2004c p 244) haacute uma intenccedilatildeo de beleza no conhecimento

saber para ser Ser o artesatildeo de sua proacutepria beleza Saber para governar a proacutepria vida ldquopara

lhe dar a forma mais bela possiacutevel (aos olhos dos outros de si mesmo e das geraccedilotildees futuras

[]rdquo Nesse sentido podemos dizer que as problematizaccedilotildees foucaultianas acerca das relaccedilotildees

sujeitoverdade e a constituiccedilatildeo da experiecircncia de si satildeo pertinentes ao pensamento feminista

que sob estas referecircncias encontra fios enovelados para uma desconstruccedilatildeo de fabricadas

verdades

Foucault (2004a 2012) que afirma natildeo ser possiacutevel sociedade sem relaccedilotildees de

poder tece os possiacuteveis instrumentos de jogar com o miacutenimo de dominaccedilatildeo regras de direito

a praacutetica de si teacutecnicas racionais de governo o eacutethos O poder de resistecircncia das mulheres

atesta isto Nas palavras de Saffioti (2001) a posiccedilatildeo vitimista impede a ressignificaccedilatildeo das

relaccedilotildees de poder ou seja

[] Em outros termos a postura vitimista eacute tambeacutem essencialista social uma vez

que o gecircnero eacute o destino Na concepccedilatildeo flexiacutevel aqui exposta natildeo haacute lugar para

qualquer essencialismo seja bioloacutegico ou social Cabe frisar que a categoria

histoacuterica gecircnero natildeo constitui uma camisa de forccedila natildeo prescrevendo por

conseguinte um destino inexoraacutevel Eacute loacutegico que o gecircnero traz em si um destino

Todavia cada ser humano ndash homem ou mulher desfruta de certa liberdade para

escolher a trajetoacuteria a descrever (SAFFIOTI 2001 p 125)

Desde sua implantaccedilatildeo o domiacutenio masculino conforme Saffioti (2001) estaacute sendo

resistido por mulheres ao longo da histoacuteria da humanidade Mas o Seacuteculo XX carrega a marca

de ter sido o grande momento de transformaccedilotildees conquistadas por militantes A histoacuteria de

luta das mulheres no Brasil e em niacutevel mundial vem segundo Costa (2009) registrando

mudanccedilas ldquona velocidade da luzrdquo A autora resgata na historiografia do movimento feminista

uma dinacircmica que vai do sufragista do seacuteculo XIX passando pelas deacutecadas de sessenta e

setenta com suas reivindicaccedilotildees proacuteprias e contextuais ateacute os novos desafios que se

apresentam perenemente Ela faz este percurso buscando dar conta das mudanccedilas pelos quais

passaram as lutas feministas ora eufoacuterico ora fraacutegil o movimento natildeo para segundo o olhar

perspicaz da estudiosa que vecirc como uma demonstraccedilatildeo de forccedila da atuaccedilatildeo das mulheres de

luta a construccedilatildeo de documentos como o Plano Nacional de Poliacuteticas Puacuteblicas para as

Mulheres e da I Conferecircncia Nacional de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres

50

Ateacute chegar aiacute foi um longo e muitas vezes tortuoso caminho de mudanccedilas dilemas

enfrentamentos ajustes derrotas e tambeacutem vitoacuterias O feminismo enfrentou o

autoritarismo da ditadura militar construindo novos espaccedilos puacuteblicos democraacuteticos

ao mesmo tempo em que se rebelava contra o autoritarismo patriarcal presente na

famiacutelia na escola nos espaccedilos de trabalho e tambeacutem no estado Descobriu que natildeo

era impossiacutevel manter a autonomia ideoloacutegica e organizativa e interagir com os

partidos poliacuteticos com os sindicatos com outros movimentos sociais com o Estado

e ateacute com organismos supranacionais Rompeu fronteiras criando em especial

novos espaccedilos de interlocuccedilatildeo e atuaccedilatildeo possibilitando florescer de novas praacuteticas

novas iniciativas e identidades feministas (COSTA 2009 p 75)

Do momento que Costa redigiu essa historiografia em 2004 jaacute foram realizadas

mais duas conferecircncias nacionais em 2007 e 2011 respectivamente articulando e

fortalecendo a caminhada das mulheres por sua emancipaccedilatildeo Emancipaccedilatildeo que se constroacutei

em um longo e penoso percurso mas perseguindo a utopia da cidadania plena mulheres

feministas avanccedilam E um dos sinais claros de que avanccedilam foi traccedilado por Pinsky (2012)

Esta autora formulou recentemente um retrato do processo histoacuterico das imagens femininas

em duas vertentes o modelo riacutegido e o modelo flexiacutevel No modelo riacutegido eacute anunciada uma

imagem de mulher que em regra encampa um papel a ela ldquonaturalizado e destinadordquo a

castidade a docilidade a domesticidade a moralidade a maternidade a renuacutencia agrave vida

proacutepria e ao prazer de ser de si O nome a alma e o corpo dessa mulher submetida aos riacutegidos

padrotildees sociais possuem um dono o masculino Com as devidas interferecircncias das questotildees

sociais e de classe em regra agrave mulher restava-lhe o ldquoreinadordquo da submissatildeo da

invisibilidade de uma experiecircncia de si que a fazia possuiacuteda por outrem

As lutas e conquistas feministas flexibilizaram esse modelo passaram a ocupar

cargos nunca dantes imaginados Isto alterou a ordem discursiva reconfigurou modelos

familiares rediscutiu papeacuteis Natildeo ainda em condiccedilatildeo de igualdade obviamente as mulheres

possuem mais grilhotildees e desafios do que deveriam Conhececirc-los no sentido foucaultiano de

saber como se constituem eacute empoderar-se E esse eacute um desafio que deve ser abrangido pelo

tracircnsito da diversidade da construccedilatildeo dos contornos das identidades e diferenccedilas ligadas

como sistema de significaccedilatildeo (SILVA 2012) Entre mulheres haacute construccedilatildeo de sentidos

diversificados sobre leacutesbicas natildeo-leacutesbicas negras brancas de classes sociais distintas de

diferentes etnias e com diversidade etaacuteria Nesse sentido os estudos de gecircnero se apresentam

como um campo instigante para desmantelar para problematizar a construccedilatildeo social do que eacute

ser homem e do que eacute ser mulher

A proposta de estudo aqui colocada toma enfim as problematizaccedilotildees foucaultianas e

as das estudiosas feministas acerca dos sujeitos dos discursos e suas marcas histoacutericas como

referecircncia para averiguar de que modo as discursividades revelam o que atravessa os muros

51

escolares em termos de vozes docentes e textos sobre gecircnero Essas problematizaccedilotildees que

expressam a concepccedilatildeo de discurso como praacutetica como trama nas teias da linguagem como

movimento de produccedilatildeo de sentidos inserido na histoacuteria e na memoacuteria coletiva expressam o

poder que como concebe o pensador francecircs (cf FOUCAULT 2012) natildeo eacute um mal em si Eacute

um lugar estrategicamente decisivo onde se encontram as relaccedilotildees de forccedilas que influenciam

corpos atitudes discursos enfim a produccedilatildeo das subjetividades

Discutir essas relaccedilotildees eacute buscar desestabilizar as categorias construiacutedas concebendo

gecircnero como discurso que se inscreve em significados poliacuteticos e culturais Apropriar-se

conforme jaacute foi referido dessa constituiccedilatildeo reflexiva pode significar para as lutas feministas

uma valiosa maneira de pensar os jogos de verdades com os quais essas se enredam E por

pensaacute-los poder desconstruiacute-los

Apoacutes discorrer sobre o feminismo a constituiccedilatildeo de subjetividades que tecircm como

referecircncia procedimentos de controle de discursos em uma perspectiva foucaultiana

(FOUCAULT 2011) farei uma incursatildeo sobre o ato de ler e suas implicaccedilotildees poliacuteticas como

praacutetica discursiva que eacute tradutora de uma forma de saber poder

23 A leitura no Brasil em retratos

Nesta parte considero importante pontuar no trabalho um breve panorama da leitura

no Brasil baseado esse em resultado apresentado pela 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos do

Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2012) Procuro utilizar alguns dados da pesquisa

perpassando por uma reflexatildeo acerca dos processos de produccedilatildeo da leitura (como leem osas

brasileirosas por que (natildeo) leem o que desejam ler quem propicia a leitura enfim que

tratamento o Estado brasileiro daacute agrave leitura Perpasso tambeacutem pelos dados refletindo como

esses podem ser reverberados pelo presente trabalho

Asseverado como um paiacutes que lecirc pouco segundo indicadores que avaliam estes

dados o Brasil eacute farto em pesquisas que se debruccedilam sobre a leitura Eacute magnacircnima a

produccedilatildeo de textos e eventos que se propotildeem a tratar da complexa questatildeo da leitura de seus

oacutebices funccedilotildees relevacircncias E deveras a reflexatildeo sobre a leitura possui importacircncia crucial

para que possamos adotar praacuteticas poliacuteticas que reparem os equiacutevocos de sermos um paiacutes que

pouco lecirc Esta reflexatildeo se atrelada agrave da escola como instacircncia responsaacutevel pela formaccedilatildeo

leitora eacute de extrema pertinecircncia pelo atribuiacutedo papel que essa instituiccedilatildeo possui na formaccedilatildeo

doa leitora

52

Um dos estudiosos da temaacutetica Silva (2011) vem criticando as pesquisas

educacionais brasileiras voltadas agrave problemaacutetica da leitura afirmando que precisamos

construir melhores inqueacuteritos sobre a accedilatildeo de ler Esse autor fala em crise assegura que natildeo

possuiacutemos uma tradiccedilatildeo de leitores temos por outro lado cifras altiacutessimas de analfabetismo

como barreira para a experiecircncia mais soacutelida com a praacutetica leitora Temos ainda conforme

Silva peacutessimas poliacuteticas de livros parcas e natildeo elucidativas pesquisas sobre o problema

enfim ele levanta a problemaacutetica da leitura como inquietante fonte de preocupaccedilatildeo para o

paiacutes

Por seu turno nas duas uacuteltimas deacutecadas por exemplo foram divulgadas pelo

Instituto Proacute-Livro trecircs ediccedilotildees da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil a primeira em

2000 a segunda em 2008 e a terceira em 2012 que satildeo resultados sobre o comportamento

leitor doa brasileiroa O que em tese se busca a cada ediccedilatildeo segundo os objetivos da

pesquisa ldquoeacute contribuir para que esses estudos possibilitem avaliar e orientar poliacuteticas puacuteblicas

e accedilotildees do governo organizaccedilotildees natildeo governamentais e entidades do livro voltadas a

melhoria dos indicadores de leitura e acesso ao livro no Brasilrdquo (AMORIM 2008 p 26)

Diante dos indicadores publicados que vecircm em forma de tabelas quadros e graacuteficos

comparativos levantados por uma metodologiaamostra com pesquisa quantitativa de opiniatildeo

com aplicaccedilatildeo de questionaacuterio e entrevistas presenciais realizadas nos domiciacutelios tendo

como universo da pesquisa a populaccedilatildeo brasileira residente com cinco anos ou mais

alfabetizada ou natildeo muito se tem a avaliar Muito se tem a avaliar a despeito das criacuteticas que

as ediccedilotildees da pesquisa tecircm recebido a exemplo de Sousa (2008) que traz a problematizaccedilatildeo

acerca do criteacuterio utilizado pelo estudo para conceituar o leitor e o natildeo-leitor

Interessa-me aqui retomar especificamente o criteacuterio adotado para definir o leitor e o

natildeo-leitor para efeito da pesquisa o leitor foi considerado aquele que lsquodeclarou ter

lido pelo menos 1 livro nos uacuteltimos trecircs mesesrsquo e o natildeo-leitor aquele que lsquodeclarou

natildeo ter lido nenhum livro nos uacuteltimos trecircs meses (ainda que tenha lido

ocasionalmente ou em outros meses do ano)rsquo (SOUSA 2008 p 5)

A autora que perscruta o discurso sobre leitura em uma pesquisa com discentes e

docentes envolta em um conceito que abrange o ato de ler para aleacutem da quantificaccedilatildeo de

suportes evidencia o quanto este aspecto indica uma limitaccedilatildeo ao conceito de leitor e natildeo

leitor e revela o nexo mercadoloacutegico que a pesquisa possui tem como patrocinador o mercado

do livro

A aplicabilidade de uma pesquisa do porte de Retratos de Leitura fomenta sempre

questionamentos e isso eacute bom Tais questionamentos traduzem tambeacutem a existecircncia de toda

53

uma diversidade de posicionamentos a respeito da leitura Diversidade que Possenti (2009) agrave

luz das concepccedilotildees da AD pontua em um ensaio no qual propotildee reflexotildees sobre a leitura

advindas das concepccedilotildees apresentadas por estudiosos Satildeo inquietantes segundo esse autor

as teses apresentadas em congressos na miacutedia e em estudos sobre leituras e no seu foco

especiacutefico nos editoriais da ALB - Associaccedilatildeo Brasileira de Leitura Haacute olhares que

expressam uma posiccedilatildeo tradicional no trato com a leitura e em seu contraponto haacute outros

posicionamentos que decorrem de uma vinculaccedilatildeo com o relativismo cultural Sendo assim

haacute criteacuterios que primam pela negaccedilatildeo de qualquer objetividade independentemente do sujeito

o que viabiliza a ideia de que tudo seria linguagem que constroacutei conforme eacute a filosofia do

relativismo Nesse veio o que eacute leitura e se oa brasileiroa lecirc e lecirc bem vai depender de onde

se fala e se enxerga Por sua vez haacute criteacuterios que salientam um olhar mais valorativo sobre a

leitura o que Possenti (2009) diz fazer as chamadas teses defendidas pelos tradicionais Para

esses haacute um modelo que considera que a leitura eacute um bem em si independentemente de ser

entendida como praacutetica histoacuterico- social

Confrontando as teses que circulam acerca da leitura Possenti (2009) evidencia por

exemplo que no que diz respeito agrave questatildeo sobre se o a brasileiroa lecirc ou natildeo o suficiente haacute

uma controveacutersia arriscada Isso se daacute porque os tradicionais restringem o conceito do que eacute

leitura limitando a accedilatildeo de ler basicamente ao livro e atrelado ao cacircnon o que eacute um erro

porque haacute pesquisas que revelam mais textos e suportes fazendo parte do cotidiano de leitura

de outros considerados natildeo leitores Por seu turno o discurso que lhes opotildee exposto

massivamente nos boletins e textos da ALB encobre que as leituras retratadas no paiacutes ainda

que mais ampliadas do que vistas pelo discurso dos tradicionais ainda satildeo indesejaacuteveis em

termos quantitativos o que fazem o autor natildeo ser otimista quando em voga estaacute esta anaacutelise

Genericamente pode-se dizer que a tese mais clara e repetidamente defendida nos

textos da ALB eacute que natildeo se conhece a realidade da leitura no Brasil Outra tese que

parece ser adotada eacute a de que haacute indicaccedilotildees que permitiriam dizer que a situaccedilatildeo eacute

bem melhor do que (ainda) se pensa [] O perigo aparente dessa tese eacute que ela

corre o risco de ser lida assim (temo ter presenciado esta reaccedilatildeo numa das mesas

redondas de que participei no mesmo COLE) se natildeo lemos tatildeo pouco como se

costuma dizer se se diz que lemos tatildeo pouco como efeito de uma concepccedilatildeo muito

estreita de leitura o resultado eacute que analisando alguns dados e alterando a

concepccedilatildeo de leitura pode-se dizer que a situaccedilatildeo eacute boa ou pelo menos natildeo eacute ruim

Logo se adivinha eu imagino que natildeo adoto essa tese (POSSENTI2009 p 25)

Em vez de adotar facilmente teses esse analista procura caracterizar os postulados

que datildeo corpo aos dois discursos que circulam e produzem sentidos sobre leitura Entre eles

estatildeo ideias de que os sujeitos leitores satildeo mais criacuteticos defendidos pelos tradicionalistas Em

54

um contraponto os textos da ALB revelam uma desconstruccedilatildeo da ideia de que ler eacute assegurar

pessoas criacuteticas por mostrar que a leitura tem sido mais objeto de dominaccedilatildeo do que de

libertaccedilatildeo das pessoas Neste jogo Possenti (2009) vislumbra o quanto a despeito do controle

e da distribuiccedilatildeo social dessa praacutetica exercidos pelas instituiccedilotildees como a escola e a Igreja haacute

contra-leituras Assim entre incompatibilidades e confrontos questotildees ligadas agrave praacutetica

leitora problematizam o prazer de ler a importacircncia deste ato e a relativizaccedilatildeo do que seria

uma boa obra Eacute problematizada por este analista do discurso a leitura como praacutetica social

que responde aos aspectos culturais sociais e histoacutericos evidenciando que ler natildeo eacute

essencialmente um bem em si

E a AD pontua a instrumentalizaccedilatildeo dessa ideia quando nos fornece reflexotildees

atinentes agrave importacircncia de que natildeo se lecirc isoladamente haacute sempre textos eivados de discursos

que se cruzam Essa disciplina contribui ainda para a ldquodessacralizaccedilatildeordquo da leitura quando vecirc a

opacidade da linguagem as palavras natildeo remetem agraves coisas E a historicidade ressonando nos

modos de significaccedilatildeo do discurso sobre leitura eacute o que parece interessar agrave AD que se exime

do papel de aacuterbitro no que se refere agrave leitura adequada Importando-se com os percursos com

o movimento que o leitor faz para ler como ler como suas leituras natildeo satildeo individuais

reflexos que satildeo da histoacuteria a que pertencem

Assim posto parece-me razoaacutevel registrar os dados da pesquisa natildeo como um

vaticiacutenio mas como uma das verdades feitas entre os especialistas que se debruccedilaram diante

dos dados da 2ordf ediccedilatildeo (2008) com o intuito de apreender como estes enxergam os sentidos

da leitura na sociedade brasileira Consensual entre esses eacute o olhar de que continua piacutefio o

desempenho doa leitorano paiacutes natildeo obstante os avanccedilos que se registram nos Retratos

Amorim (2008) fala em duas revelaccedilotildees importantes se atentarmos para os resultados da

pesquisa

A primeira delas eacute que natildeo daacute para negar que tem havido avanccedilos nos uacuteltimos anos e

que os brasileiros estatildeo lendo mais Ou pelo menos um pouco mais Em seguida

uma constataccedilatildeo que natildeo chega a negar a afirmativa anterior e muito menos a tirar o

brilho que porventura ela possa conter o Paiacutes estaacute longe de ser uma naccedilatildeo de

cidadatildeo leitores e haacute muito chatildeo pela frente ateacute que se chegue laacute (AMORIM 2008

p 15)

Esta constataccedilatildeo soacute reafirma o que se divulga intuitiva e empiricamente o Estado

brasileiro natildeo considera suficientemente a questatildeo da educaccedilatildeo e da leitura como estrateacutegica

para se construir um paiacutes melhor com mais igualdade e participaccedilatildeo criacutetica na construccedilatildeo da

democracia social Em uma cultura grafocecircntrica a condiccedilatildeo leitora eacute senha valiosa e

55

intransferiacutevel para a fonte de conhecimento para o prazer e a atuaccedilatildeo como protagonista de

sua histoacuteria de vida Obviamente que a leitura aqui abordada natildeo eacute no sentido de uma

entidade fechada descontextualizada essencialista nem meramente decodificadora Sem

deixar entretanto de considerar o tropeccedilo que significa o analfabetismo a leitura que abordo

fala de uma interaccedilatildeo leitor-texto-contexto com uma atribuiccedilatildeo de motivar formar e

assegurar reflexotildees atinentes aos DH aos valores que propiciem a construccedilatildeo de um mundo

para todos Eacute a leitura como praacutetica sociocultural problematizadora das relaccedilotildees de poder

que intento abordar

Werthein (2008) lanccedila luzes sobre a questatildeo abordando uma heranccedila histoacuterica que

explica tantos percalccedilos e descaminhos na praacutetica da leitura

A histoacuteria do Brasil explica em parte sua deficiecircncia educacional O Paiacutes viveu 322

anos como colocircnia de Portugal Nesse territoacuterio onde existe um paiacutes era tudo

proibido Natildeo havia imprensa natildeo existiam escolas muito menos universidades O

comeacutercio era feito unicamente com Lisboa E os raros estudantes da eacutepoca tiveram

de viajar para a capital do Impeacuterio para buscar instruccedilatildeo em Coimbra Foram

pouquiacutessimos A imprensa surgiu no Paiacutes por intermeacutedio de dois caminhos opostos

Em 1808 Dom Joatildeo VI criou a imprensa reacutegia oficial enquanto na mesma eacutepoca

em Londres comeccedilou a ser editado em portuguecircs o Correio Brasiliense que

chegava ao Rio como contrabando Sua circulaccedilatildeo era proibida (WERTHEIN 2008

p 42)

Este quadro evidencia o quanto os colonizadores portugueses relegavam a colocircnia a

uma situaccedilatildeo de ignoracircncia que emperrou em muito o processo de letramento cultural da terra

brasilis Aos colonizadores soacute interessavam a exploraccedilatildeo de nossas riquezas Os portugueses

se comportavam como grandes predadores do territoacuterio levando madeira ouro diamantes e

accediluacutecar Com um contingente populacional constituiacutedo de negros africanos que para caacute vieram

trabalhar como escravos de elementos autoacutectones os iacutendios de diversas tribos que sofreram

severo processo de dizimaccedilatildeo e de imigrantes europeus e japoneses este territoacuterio se formou

mesticcedila e ignorantemente Um povo mesticcedilo formado de um mosaico cultural com a

hegemonia eurocecircntrica eacute um povo que acumulou uma histoacuteria de deficiecircncia educacional

que soacute recentemente tem sido reduzida

Incompatiacutevel com suas riquezas naturais com as transiccedilotildees poliacuteticas que traziam os

avanccedilos do processo de industrializaccedilatildeo do paiacutes esta deficiecircncia educacional comeccedila a ser

combalida e expande-se o processo de democratizaccedilatildeo escolar do paiacutes que inicia o seacuteculo XX

com poucas escolas chegando aosagraves filhosas dos trabalhadoresas brasileirosas A qualidade

dessas escolas eacute sempre uma dura realidade os investimentos na educaccedilatildeo brasileira foram

perenemente piacutefios muito abaixo do que deveriam e poderiam Povo mal educado eacute povo que

56

natildeo rompe as abissais diferenccedilas sociais a escola puacuteblica no Brasil forma mal e cria um

ciacuterculo que aprisiona aquele por quem nela passa Aprenderaacute pouco aprenderaacute mal e natildeo

poderaacute disputar em um mercado competitivo A escola eacute entatildeo categoricamente instrumento

de perpetuaccedilatildeo da desigualdade social parco aprendizado parcas chances de mexer com a

estrutura da piracircmide social (GUIMARAtildeES-IOSIF 2009)

Werthein (2008) aduz a relaccedilatildeo entre privileacutegios educacionais apenas para membros

da elite econocircmica agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo como forma de impedir a cidadania do povo As

relaccedilotildees de poder e saber satildeo histoacutericas poliacuteticas Um determinado sentido dado agrave instruccedilatildeo

acadecircmica possui mecanismos de sua produccedilatildeo Garcez (2008) faz uma referecircncia importante

de um dado extraiacutedo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil como significativo para

pontuar que a condiccedilatildeo de ser leitora estaacute afetada por sua inscriccedilatildeo no social A autora

destaca esta relaccedilatildeo embasada no dado de que

[] 85 dos natildeo-leitores nunca foram presenteados com livros na infacircncia

enquanto que no universo dos considerados leitores 51 receberam livros como

presente Outra informaccedilatildeo importante diz respeito agraves praacuteticas familiares de leitura

Dos lares natildeo-leitores 63 dos informantes nunca viram os pais lendo

Considerando que a pesquisa revela que a maior influecircncia para a formaccedilatildeo da

leitura vem dos pais (principalmente das matildees) esse dado eacute ainda mais significativo

(GARCEZ 2008 p 69)

Dados significativos que pontuam o valor do alicerce familiar para a formaccedilatildeo leitora

dos sujeitos ao tempo em que me faz ponderar sobre a importacircncia da cultura como elemento

que mobiliza saberes poderes (des)construccedilotildees de identidades Eacute do pensamento de Hall

(2011) que me valho para afirmar que as identidades satildeo forjadas nas relaccedilotildees com a cultura

que vivenciamos e que no seio dela se encontram forccedilas propulsoras de transformaccedilotildees

como tambeacutem forccedilas mantedoras de uma ordem social Cabe-me assim levar em consideraccedilatildeo

que a infacircncia eacute uma referecircncia construiacuteda sociohistoacuterica e culturalmente na qual agraves crianccedilas

se ensina a ocupaccedilatildeo de lugares na sociedade condicionando-lhes agraves identidades de gecircnero e

isto se faz com o esteio de elementos da cultura

A leitura eacute um desses elementos culturais com os quais se fabricam identidades E

calccedilada na informaccedilatildeo da relevacircncia da matildee na formaccedilatildeo leitora conforme os dados da

pesquisa em tela cabe-me pensar o quanto a evocaccedilatildeo destas referecircncias tem nexo para minha

reflexatildeo Possui nexo porque inscrevo com ele a importacircncia da defesa de uma praacutetica leitora

com uma dimensatildeo eacutetica problematizadora de um mundo que cria assimetrias de gecircnero para

que matildees alimentem discursivamente leituras que fortaleccedilam praacuteticas de liberdade de almas

de consciecircncias Ademais esse jaacute referendado elemento da pesquisa o indicador das matildees

57

como as principais responsaacuteveis pela formaccedilatildeo leitora dosas filhosas reforccedila a necessidade

de se refletir sobre a carga de um processo cultural ativo e dialoacutegico no qual essas mulheres

transmitem valores identidades de gecircnero e comportamentos aos agraves filhosas Eacute imperativo

refletirmos se aspiramos por uma nova ordem social aplainada pela equidade de gecircnero

sobre o que embalam como ninam contam cantam e leem essas matildees Que leitoresas

formam aquelas que historicamente tem perpassado por uma condiccedilatildeo de subalternidade por

uma condiccedilatildeo opressora por uma educaccedilatildeo que viabiliza a sua sub-representaccedilatildeo nos espaccedilos

do poder Que leitoresas irrompem das ldquobarras da saia da matildeerdquo do seu colo da sua

influecircncia de sujeito que lecirc Que leitoras enfim satildeo aquelas que precisam de leituras que

libertem

Historicamente subjugada a mulher eacute a narradora que influencia contagens E

paradoxalmente faz contagens em livros histoacuterias canccedilotildees filmes desenhos animados

enfim em todo um artefato cultural que reforccedila padrotildees androcecircntricos Desmantelar essa

cadeia de histoacuterias contadas por oprimidas que produzem e reproduzem modelos opressores

me parece uma oportuna estrateacutegia poliacutetica da luta feminista e que osas estudiososas que

analisam a 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2008)

deixaram passar ao largo em suas anaacutelises natildeo atentando para a vulnerabilidade do dado

Esses dados entretanto satildeo relevantes deveras para a importacircncia da observaccedilatildeo na

elaboraccedilatildeo de um projeto de leitura na escola com o intento de investigar as discursividades

em torno do ato de ler se daacute a reconstruccedilatildeo de contos de textos problematizados agrave luz da

teoria de gecircnero Haacute e quais satildeo enfim as estrateacutegias para subverter a posiccedilatildeo desigual e

subordinada das mulheres em artefatos culturais que seratildeo por elas usados para formar

leitoresas Esse fio conduz um dos nossos interesses no foco temaacutetico aqui desenvolvido

No que se refere agraves poliacuteticas puacuteblicas de incentivo agrave leitura Laacutezaro e Beauchamp

(2008) discorrem sobre as diretrizes para o fortalecimento das poliacuteticas de leituras contidas

no Plano de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo ndash PDE Satildeo accedilotildees que partem de uma

consideraccedilatildeo sistecircmica da educaccedilatildeo que por meio de instrumentos de avaliaccedilotildees identifica

fragilidades e constroacutei poliacuteticas para o enfrentamento de indicadores deficitaacuterios Satildeo citados

como exemplos de accedilotildees do PDE a introduccedilatildeo da Provinha Brasil o Sistema Universidade

Aberta do Brasil ndash UAB- que tem permitido ampla poliacutetica de formaccedilatildeo dos professores tanto

inicial como continuada atraveacutes da articulaccedilatildeo universidades e municiacutepios O Programa

Nacional do Livro Didaacutetico (PNLD) que a cada ano se amplia eacute mais uma das accedilotildees

implementadas pelo Governo Federal atraveacutes do PDE com o intuito de democratizar o

acesso aos diversos bens culturais e o incremento agrave leitura

58

Esse conjunto de accedilotildees entretanto estaacute longe de transformar o Brasil em um paiacutes de

leitores Haacute apesar dos inegaacuteveis avanccedilos nas uacuteltimas deacutecadas com o amplo acesso agrave escola

em vaacuterios niacuteveis um grande deacuteficit educacional que em muito compromete a formaccedilatildeo

leitora dosas brasileiros e brasileiras o que demanda muito a ser feito E o paiacutes ainda opta por

natildeo investir suficiente ou adequadamente no enfrentamento de crocircnico quadro Laacutezaro e

Beauchamp (2008) pontuam o quanto eacute necessaacuterio que haja mais investimentos por parte do

Poder Puacuteblico mais articulaccedilatildeo de outras poliacuteticas puacuteblicas que ampliem o acesso da

populaccedilatildeo ao livro promovam o valor da leitura formem mediadoresas de leituras na escola

e fora dela e tornem o livro um produto mais acessiacutevel aos niacuteveis de renda da populaccedilatildeo

Laacutezaro e Beauchamp (2008) trabalham com os dados da pesquisa para discutir a

importacircncia da relaccedilatildeo entre a escola o acesso agrave leitura a formaccedilatildeo de leitoresas e as accedilotildees

que possam ampliar e fortalecer as praacuteticas leitoras no Paiacutes A funccedilatildeo central da escola na

constituiccedilatildeo doa leitora eacute um dado do qual a pesquisa trata

A pesquisa evidencia que eacute a escola quem faz o Brasil ler O Brasil estaacute estudando e

eacute a partir da escola que os brasileiros entram em contato com o processo da leitura e

por meio dela acessam os livros independentemente de sua classe social []

Depois da matildee a professora eacute a principal incentivadora da leitura confirmando o

papel central da escola [] Eacute na escola que se lecirc mais os mais jovens leem mais e eacute

na infacircncia que se forma o leitor Entretanto depois da escola o brasileiro lecirc menos

A escola natildeo estaacute formando o leitor mas dando acesso agrave leitura A praacutetica da leitura

continua sendo um privileacutegio de classe (LAacuteZARO BEAUCHAMP 2008 p 73)

Outros indicadores de leitura apresentados pela pesquisa que me trazem reflexotildees

pertinentes dizem respeito agrave revelaccedilatildeo de que a escola eacute responsaacutevel pela existecircncia de mais

leitores mas que por sua vez um percentual significativo dos alunos afirmam que leem por

imposiccedilatildeo da instituiccedilatildeo Esse dado estaacute presente tanto em famiacutelias com maior poder

aquisitivo quanto na de baixo poder 44 dos alunos da rede privada afirmaram ter como

motivaccedilatildeo para a leitura a exigecircncia da escola enquanto que 46 dos da rede puacuteblica tambeacutem

deram a mesma razatildeo para o ato de ler Isso nos faz considerar que os projetos de leituras de

uma forma geral natildeo satildeo cativantes natildeo tecircm sido exitosos no sentido de atrair o alunado para

a leitura Eacute tanto que depois da escola lecirc-se menos conforme resultado da pesquisa Tais

revelaccedilotildees pontuam a reflexatildeo de que garantir o acesso agrave escola eacute necessaacuterio e isto estaacute sendo

feito mas o fomento agrave leitura precisa ser suscitado Isto passa necessariamente por accedilotildees

pedagoacutegicas que contemplem o interesse de quem lecirc accedilotildees que traduzam planejamento

compromisso empenho formaccedilatildeo leitora de quem promove as accedilotildees pedagoacutegicas No poema

59

Iniciaccedilatildeo Literaacuteria Drummond condena a mediaccedilatildeo improacutepria de quem traz leituras que natildeo

semeiam prazer

Leituras Leituras

Como quem diz navios Sair pelo mundo

Voando na capa vermelha de Juacutelio Verne

Mas por que me deram para livro escolar

A cultura dos campos de Assis Brasil

O mundo eacute soacute fosfatos lotes de 25 hectares

Soja-fumo-alfafa-batata-doce-mandioca

Pastos de cria pastos de engorda

Se algum dia eu for rei baixarei um decreto

Condenando esse Assis a ler sua obra (ANDRADE 1983 p 601)

O prazer da leitura parece ser entre todosas osas estudiosos da temaacutetica o

pressuposto de tudo o mais Rubem Alves (2011) afirma que toda aprendizagem comeccedila com

um pedido se natildeo houver um pedido a aprendizagem natildeo acontece E o prazer de ler

segundo o escritor tem ligaccedilatildeo profunda com a forma que os textos chegam aos olhos e

ouvidos da crianccedila

Assim quem ensina a ler isto eacute aquele que lecirc para os seus alunos tenham prazer no

texto tem de ser um artista Soacute deveria ser estabelecida nas escolas a praacutetica dos

ldquoconcertos de leitura Se haacute concertos de muacutesica erudita por que natildeo concertos de

leitura Ouvindo os alunos experimentaratildeo o prazer de ler (ALVES 2011 p 56)

Sem este encantamento natildeo teremos leitoresas mas alunosas forccediladosas a cumprir

tarefas lendo para responder questotildees lendo sem escolherem os textos muitos delesas

desconexadosas de seus interesses E conforme Failla (2008 p 104) a escola e a famiacutelia

precisam ser autorreflexivas ldquoEm geral se diz que a crianccedila e o jovem natildeo leem e natildeo gostam

de ler Natildeo se diz que elas natildeo foram conquistadas ou estimuladas para ler mas a elas se

atribui sem mediaccedilatildeo que natildeo gostam de ler []rdquo O foco passa a ser uma condiccedilatildeo ldquonaturalrdquo

do jovem ou da crianccedila deixando-se de lado o contexto e as pessoas do entorno deles que

poderiam contribuir substancialmente com o desenvolvimento do prazer pela leitura Este eacute

um aspecto tratado pela ediccedilatildeo em tela da pesquisa Retratos do Brasil que contribui com as

reflexotildees desta pesquisa acerca da leitura na escola e me faz olhar para as motivaccedilotildees que

perpassam a existecircncia dos projetos de leitura da escola brasileira eacute um professor leitor que o

aluno enxerga quando esse profissional desenvolve essas praacuteticas O projeto atende a

interesse acerca de temas considerados envolventes pela comunidade escolar Satildeo projetos

para compor obrigaccedilotildees acadecircmicas ou estatildeo imbuiacutedos de motivaccedilotildees intersubjetivas

60

Contemplam quais atividades preacute-textuais A pesquisa traz dados que abordam preocupaccedilotildees

fundamentais nesse sentido Pode haver com tais referecircncias a suposiccedilatildeo de que a escola natildeo

tem formado leitores para a vida inteira considerando que decresce o nuacutemero de leitores

adultos o que faz pensar que as praacuteticas de leituras tecircm sido pouco sedutoras das quais o natildeo

estudante procura se livrar assim que ultrapassa os muros da escola Parecem necessaacuterias

accedilotildees de promoccedilatildeo agrave leitura que a liguem verdadeiramente agrave vida e tornem os materiais de

leitura mais proacuteximos dos alunos pontua Failla (2008)

Haacute debates percorrendo academias e ambientes de estudo acerca das

problematizaccedilotildees sobre a leitura A evocaccedilatildeo desse debate eacute sempre profiacutecua Profiacutecua e

cabiacutevel na escola uma das instacircncias responsaacuteveis pela sua produccedilatildeo Agrave escola cabe

sistematizar pedagogicamente suas praacuteticas leitoras de modo que deveria como ldquopatildeo diaacuteriordquo

assegurar de forma substanciosa a leitura fomentadora da cidadania que soacute vem se

mergulharmos em aacuteguas profundas das tramas sociais Mas digamos ldquopatildeordquo no sentido

religioso do tom pela necessidade e assiduidade do alimento dialogando com uma reflexatildeo

de Antunes (2009 p 204) ldquoassim como a igreja eacute lugar de oraccedilatildeo o estaacutedio eacute lugar de jogo a

escola eacute lugar de leiturardquo Na defesa das funccedilotildees da leitura no espaccedilo escolar a autora pontua

dentre essas a primordial garantia de acesso agrave escrita o que eacute de extrema importacircncia Em

uma cultura de tradiccedilatildeo grafocecircntrica como a nossa haacute sem duacutevida uma valorizaccedilatildeo dos

aspectos positivos da escrita e a leitura eacute parte da relaccedilatildeo intriacutenseca para a aquisiccedilatildeo de todo

arcabouccedilo artiacutestico-cientiacutefico e cultural veiculado pela escrita Entatildeo conforme a autora a

leitura eacute o passaporte o promotor das funccedilotildees de ampliar o conhecimento a capacidade de

analisar de refletir de acessar agraves novas informaccedilotildees e bens culturais ao prazer esteacutetico a

novas formas de expressatildeo enfim de interagir socialmente entre outras habilidades que a

escrita oferece

Entretanto considerando os deficitaacuterios indicadores de leitura que o Paiacutes

historicamente apresenta estamos longe da produccedilatildeo de uma escola fomentadora

vigorosamente de uma praacutetica leitora consistente Um paiacutes de leitoresas criacuteticosas parece ser

uma miragem a desfilar no deserto da vontade poliacutetica de nossos governantes que insistem

em disponibilizar parcos recursos financeiros mesmo quando sob os holofotes constroem

vasta legalidade na vitrine do papel propondo uma educaccedilatildeo emancipadora de qualidade A

Lei nordm 12244 de 2010 por exemplo exige que todas as escolas puacuteblicas ou privadas ateacute

2020 possuam bibliotecas em suas instalaccedilotildees fiacutesicas Seria esta uma ldquolei mortardquo mais um

ordenamento brasileiro que natildeo ldquopegardquo A considerar o levantamento feito pelo movimento

Todos pela Educaccedilatildeo com base em dados cedidos pelo Instituto Nacional de Estudos e

61

Pesquisas Educacionais Aniacutesio Teixeira(Inep)2013 haacute um trabalho grande a ser efetivado

que pode sim deixar a norma na vala das tantas que natildeo satildeo cumpridas O Brasil precisa

construir 39 bibliotecas por dia nos proacuteximos sete anos para cumprir a lei A defasagem total

do paiacutes eacute de 128 mil bibliotecas Embora o nuacutemero relativo agrave falta de bibliotecas inclua todas

as redes de ensino eacute nas escolas puacuteblicas que o problema se concentra Nas redes municipal

estadual e federal eacute preciso construir 113269 unidades Falo aqui da construccedilatildeo das sedes

todavia eacute de conhecimento puacuteblico que a manutenccedilatildeo e funcionamento desses equipamentos

demanda maiores investimentos do poder puacuteblico

A criaccedilatildeo da lei todavia independentemente de seu fiel cumprimento por parte das

instituiccedilotildees escolares jaacute eacute um sinal de que se revela um novo tempo em que se olha com mais

atenccedilatildeo para a importacircncia dos espaccedilos propiacutecios agrave leitura Haacute anos natildeo era comum nem

obrigatoacuterio que toda escola possuiacutesse em seu projeto arquitetocircnico bibliotecas e espaccedilos para

leitura construiacuteam-se e reformavam-se escolas sem a preocupaccedilatildeo com este ambiente E

assim se vecirc que haacute no deserto das poliacuteticas puacuteblicas em prol de uma educaccedilatildeo emancipadora

oaacutesis Isto pode ser evidenciado nos uacuteltimos indicadores de leitura no Brasil com a 3ordf ediccedilatildeo

(2012) da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil conforme jaacute referenciado neste trabalho na

qual haacute indicaccedilatildeo de que os brasileiros estatildeo lendo mais E precisamos mirar nossos oaacutesis

mostraacute-los haacute milhares de projetos de leitura sendo executados neste paiacutes Afinal a leitura

pelo seu poder de emersatildeo e imersatildeo poder de fazer com que homens e mulheres se

enunciem de capacitaacute-loslas a interagir em condiccedilotildees mais iguais porque podem ser

conhecedoresas de seus lugares no mundo eacute de nodal importacircncia nas transformaccedilotildees que

precisam ser operadas por esses sujeitos

Por sua vez Marques Neto (2008) evidencia a crenccedila de que o Brasil caminha no

sentido de construir e efetivar poliacuteticas puacuteblicas na aacuterea do livro e da leitura O autor cita o

Plano Nacional do Livro e Leitura - PNLL criado em 2006 como marco de coesatildeo e

estrateacutegia na garantia do direito essencial das pessoas agrave informaccedilatildeo e ao acesso ao

conhecimento

Entendo que o Brasil por intermeacutedio da uniatildeo fundamental de accedilotildees do Ministeacuterio

da Cultura e da Educaccedilatildeo criando o PNLL chegou nos uacuteltimos quatro anos a um

novo patamar desvelou um novo tempo histoacuterico sob determinadas circunstacircncias

para que logremos conquistar uma poliacutetica de Estado para o livro a leitura as

bibliotecas (MARQUES NETO 2008 p 130)

A importacircncia de equipamento como a biblioteca para a formaccedilatildeo do leitor eacute um

dado que natildeo se pode desconsiderar tendo em vista que as condiccedilotildees sociais de grande

62

parcela da populaccedilatildeo inviabilizam a aquisiccedilatildeo de suportes como livros revistas jornais etc

Torna-se central entatildeo o papel da biblioteca como instrumento para o acesso democraacutetico agrave

leitura aos menos favorecidos economicamente Um dado da pesquisa foi desalentador nesse

sentido 75 dos informantes anunciaram que natildeo possuem o haacutebito de frequentar

bibliotecas 17 usam ocasionalmente e 10 frequentam Esse eacute um dado inconcebiacutevel com

o que conceitua o PNLL ser funccedilatildeo deste equipamento

Um dinacircmico polo difusor de informaccedilatildeo e cultura centro de educaccedilatildeo continuada

nuacutecleo de lazer e entretenimento estimulando a criaccedilatildeo e a fruiccedilatildeo dos mais

diversificados bens artiacutesticos-culturais para isso devem estar sintonizadas comas

tecnologias de informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo suportes e linguagens promovendo a

interaccedilatildeo maacutexima entre os livros e esse universo que seduz as atuais geraccedilotildees

(MARQUES NETO 2008 p 133)

Para que esse dinacircmico polo difusor de informaccedilatildeo e cultura possa ser um

equipamento eficaz o profissional responsaacutevel por sua gestatildeo e organizaccedilatildeo o bibliotecaacuterio

precisa avanccedilar em conquistas de mais habilidade Para Silva (2011) em regra esse

profissional eacute um exiacutemio conhecedor das normas de catalogaccedilatildeo das leis que regem a

instalaccedilatildeo de bibliotecas das fichas de empreacutestimos de livros De leitura revela o professor

natildeo eacute a regra que haja por parte desse profissional conhecimento interesse e projetos de

incentivo agrave leitura juntamente com a comunidade escolar

No que diz respeito aos dados pontuados pela pesquisa acerca da realidade brasileira

das bibliotecas esses podem ser subsiacutedio para uma reflexatildeo sobre o valor do equipamento

para a consolidaccedilatildeo de uma praacutetica leitora Um dos aspectos que merecem reflexatildeo eacute sobre

quem estaacute apto para gerenciar este equipamento Na escola em que a pesquisa eacute realizada por

exemplo tais quais nas demais da rede municipal de ensino e em muitas pelo paiacutes afora os

responsaacuteveis pela biblioteca costumam ser professoresas readaptadosas nem sempre com

domiacutenio profissional para atuar na aacuterea o que evidencia mais uma fragilidade do poder

puacuteblico com a educaccedilatildeo e a cultura brasileira

Com a 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil o Paiacutes tem em matildeos um

diagnoacutestico que possibilita a construccedilatildeo de uma agenda para as poliacuteticas puacuteblicas do livro e de

leitores Vale ressaltar todavia que por esta pesquisa considerar a leitura no suporte livro

como criteacuterio para testificar a condiccedilatildeo leitora do brasileiroa conforme jaacute pontuado aqui

natildeo contemplou suficientemente as novas praacuteticas de leitura que advecircm das tecnologias da

informaccedilatildeo E eacute indubitaacutevel que esta omissatildeo desconsidera um fenocircmeno civilizatoacuterio

importante que tem alterado significativamente comportamentos de pessoas de todas as

63

esferas sociais em escala mundial como eacute o da leitura no espaccedilo cibercultural A imersatildeo do

mundo no uso das tecnologias da informaccedilatildeo que com seus dispositivos virtuais interligam a

comunicaccedilatildeo da sociedade disseminam informaccedilotildees em tempo real e possibilitam a troca

compartilhada de conhecimento democratizando saberes haacutebitos comportamentos tem

provocado mudanccedilas econocircmicas sociais poliacuteticas culturais E essas mudanccedilas seguramente

tecircm afetado tambeacutem as escolas Os dispositivos tecnoloacutegicos em pouco mais de duas

deacutecadas presentes em celulares tablets computadores como uma segunda pele chegam agraves

matildeos e aos olhos de discentes e docentes alterando as praacuteticas sociais de leituras podendo

promover eventos de letramento

A despeito de este natildeo ser objeto deste estudo e de natildeo ter pretensotildees de avaliar

quatildeo profundas satildeo as transformaccedilotildees que a sociedade experimenta a partir dessa nova matriz

cultural eacute relevante ponderar que a escola precisa caminhar responsavelmente com esta

realidade desafiadora que lhe trazem as tecnologias da informaccedilatildeo Como natildeo considerar que

sob pena de comprometer resultados positivos no processo ensino-aprendizagem eacute dever

dosas educadoresas atentar para o modo e os textos que circulam pela escola repleta que

estaacute de nativos digitais Como natildeo considerar ainda que sob pena de que essesas estejam

sendo negligentes com a problematizaccedilatildeo da discursividade docente devem atentar para o que

anda sendo lido na virtualidade nossa de cada dia estampada nas telas

Enfim considerando o papel da escola na formaccedilatildeo doa leitora e o quanto os vaacuterios

suportes e miacutedias satildeo importantes na perspectiva de democratizaccedilatildeo do acesso aos diversos

bens culturais vale destacar que a leitura conforme analistas do discurso natildeo eacute um bem em

si mas que pode se apresentar como lugar estrateacutegico na formaccedilatildeo de um povo para a sua

emancipaccedilatildeo poliacutetica e social Obviamente isso ocorre entre outras razotildees se a leitura for

concebida em uma perspectiva interacionista que leve em consideraccedilatildeo os interesses da

comunidade escolar e reflexotildees atinentes sobre a linguagem em uso Desse modo a agenda de

promoccedilatildeo do letramento para aleacutem do acesso aos suportes e do domiacutenio da tecnologia deve

se constituir prementemente como uma pauta reivindicatoacuteria que envolva educadoresas

gestoresas e demais atoresatrizes sociais

Apoacutes as reflexotildees atinentes agraves descriccedilotildees sobre leitura elaboradas por estudiososas

tendo essesas essencialmente se pautado em uma ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no

Brasil farei uma incursatildeo no proacuteximo toacutepico sobre como a Anaacutelise do Discurso daacute o foco

nas vozes dosas educadores acerca do debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero trazido por uma

das instacircncias culturais da escola a da leitura

64

24 O sujeito da leitura na Anaacutelise do Discurso

O projeto de Michel Pecirccheux de uma teoria natildeo subjetiva da leitura eacute uma das

sustentaccedilotildees da defesa de Possenti (2009) de que a AD eacute uma das poucas aacutereas de

conhecimento que tem condiccedilotildees de reivindicar para si o pronunciamento sobre a leitura O

intento do analista francecircs que chegou a postular a ldquoanaacutelise automaacutetica do discursordquo eacute fruto

entre outros de uma nova concepccedilatildeo de liacutengua nos anos sessenta gestada pelo

Estruturalismo e com bastante efervescecircncia na academia francesa Com essa concepccedilatildeo que

atravessava as reflexotildees sobre a linguagem natildeo mais concebendo liacutengua como um coacutedigo que

condensa informaccedilatildeo a quem o conhece conforme a perspectiva saussuriana Pecirccheux

estrutura a noccedilatildeo de discurso Estrutura entendendo este como um ponto intermediaacuterio entre

linguagem e ideologia Esse legado epistemoloacutegico surge em um contexto sociopoliacutetico

francecircs de insurreiccedilatildeo popular de inquietaccedilotildees poliacuteticas A AD eacute pensada nessa atmosfera

como uma disciplina que daacute conta de amalgamar as praacuteticas poliacuteticas e a concepccedilatildeo de

ciecircncias sociais que emerge naquele cenaacuterio (cf SANTOS 2013)

Desalojando os estatutos positivistas ocupam lugares essenciais nas postulaccedilotildees de

Pecirccheux (2012) a subjetividade a ideologia as lutas de classe Assim articula-se a AD em

uma abordagem transdisciplinar com aacutereas como a psicanaacutelise o materialismo dialeacutetico e a

linguiacutestica com as quais entrelaccedila um novo olhar sobre a liacutengua o sujeito e a histoacuteria na

produccedilatildeo de sentidos Esse novo olhar enxerta nos estudos sobre a linguagem a reflexatildeo de

que a leitura natildeo era a leitura de um texto enquanto texto Concebido discursivamente o texto

deve ser tomado como um artefato cultural e linguiacutestico que tem existecircncia na exterioridade

linguiacutestica no social o que interfere em sua circularidade e interpretaccedilatildeo (FERNANDES

2008)

Processam-se nas fases pelas quais passa a AD noccedilotildees como sujeito discursivo

condiccedilotildees de produccedilotildees e formaccedilatildeo discursiva Esses conceitos vatildeo consolidando as reflexotildees

que este campo teoacuterico intenta para dar conta de suas inquietaccedilotildees acerca dos estudos sobre a

linguagem e as transformaccedilotildees sociais que insurgem naquele contexto poliacutetico Uma das

accedilotildees da AD estaacute pautada na teorizaccedilatildeo sobre as restriccedilotildees que o discurso sofre Nesse

sentido Possenti (2009 p 11) pontua o quanto a AD tem como objetivo explicitar as

estrateacutegias e restriccedilotildees de leitura lsquoUm discurso natildeo circula em qualquer lugar natildeo toma

livremente uma forma geneacuterica qualquer e natildeo pode ser interpretado de qualquer maneira por

qualquer umrdquo Restriccedilotildees essas que datildeo aoagrave analista do discurso a incumbecircncia de atentar

para o enunciado em sua historicidade em suas condiccedilotildees de produccedilatildeo e circulaccedilatildeo em seus

65

efeitos de verdade Sendo assim a leitura de um texto conforme as bases conceituais da AD

prima pela observacircncia de sua historicidade prima pela observacircncia para dar conta dos

percursos de quem lecirc e como lecirc que prescinde destes nortes De acordo com Possenti (2009)

[] Aprendemos a nunca ler um texto isoladamente (natildeo se faz anaacutelise de discurso

de um texto) a nunca ler um texto considerando apenas seu material verbal

(aprendemos a relacionaacute-lo a seu exterior) a nunca tratar a linguagem como se fosse

transparente (aprendemos a supor sempre que a interpretaccedilatildeo eacute um trabalho jaacute que

as palavras natildeo remetem jamais agraves coisas e natildeo tecircm sentido uniacutevocos) a nunca

supor que o texto (ou mesmo vaacuterios) fornece todas as condiccedilotildees de sua leitura

(aprendemos sempre a supor que mesmo no domiacutenio textual ou ateacute mesmo no do

enunciado mais restrito eacute necessaacuterio acionar mais de um fator relevante ndash considerar

os pressupostos a intertextualidade etc) (POSSENTI 2009 p 14)

Da defesa de uma teoria natildeo subjetiva da leitura sustentada pela AD podemos

depreender que nossos horizontes de pesquisas da linguagem na esfera da leitura devem

ultrapassar a materialidade linguiacutestica A AD nos convida a uma dimensatildeo da linguagem em

seu uso em sua discursividade contemplando as praacuteticas socioculturais por ela perpassadas

Trata-se na abertura dessa via de descrever e interpretar a existecircncia de enunciados e suas

produccedilotildees em determinados lugares e espaccedilos integrando discursos cujas existecircncias

apontam para alguma coisa em curso tal que ldquoa palavra discurso etimologicamente tem em

si a ideia de curso de percurso de correr por de movimento O discurso eacute assim palavra em

movimento praacutetica de linguagem com o estudo do discurso observa-se o homem falandordquo

(ORLANDI 2008 p 15)

Em curso e que segundo ainda essa autora analisaacute-los implica interpretar as praacuteticas

discursivas dos sujeitos abordar as manifestaccedilotildees de linguagem problematizando-as ldquoo que

produzem os sujeitos falantes e leitores Podem esses deixar de perceber que satildeo sujeitos agrave

linguagem a seus equiacutevocos sua opacidade Com essas indagaccedilotildees Orlandi (2012) discorre

como este campo transdisciplinar contribui com o trabalho com a linguagem para que

possamos sem ilusionismos ldquoao menos sermos capazes de uma relaccedilatildeo menos ingecircnua com a

linguagemrdquo Haacute em sua explanaccedilatildeo sobre princiacutepios e procedimentos da AD uma

preocupaccedilatildeo em evidenciar o quanto o trabalho com a linguagem perpassa por incompletudes

por subjetividades por pluralidade de sentidos por histoacuterias nos fazendo entender que haacute

movecircncias mas ldquoos sentidos estatildeo sempre administrados natildeo estatildeo soltosrdquo Os sentidos

materializados por linguagem verbal ou natildeo verbal natildeo satildeo imanentes fixos produzidos que

satildeo por uma pluralidade de discursos que se entrecruzam advindos de condiccedilotildees socio-

histoacutericas e ideoloacutegicas de produccedilatildeo Nessa direccedilatildeo Pecirccheux (2012) vincula os sentidos das

palavras agraves formaccedilotildees ideoloacutegicas de quem as usa afirmando que

66

O sentido de uma palavra de uma expressatildeo de uma proposiccedilatildeo etc natildeo existe lsquoem

si mesmorsquo [] mas ao contraacuterio eacute determinado pelas posiccedilotildees ideoloacutegicas

colocadas em jogo no processo soacutecio-histoacuterico no qual as palavras expressotildees e

proposiccedilotildees satildeo produzidas (PEcircCHEUX 2012 p 190)

A construccedilatildeo do quadro teoacuterico metodoloacutegico desse estudo partiu entatildeo do

pressuposto de que a linguagem natildeo se daacute como evidencia ela se oferece como lugar de

descoberta (cf ORLANDI 2012) O reconhecimento de que a linguagem natildeo eacute transparente

pressupotildee o exerciacutecio constante de querer ver aleacutem da materialidade textual rompendo as

estruturas linguiacutesticas para chegar ao discurso buscando vestiacutegios equiacutevocos e interdiccedilotildees

dispersotildees caminhos que natildeo queiram ldquo[] atravessar o texto para encontrar um sentido do

outro lado A questatildeo que ela coloca eacute como este texto significa Haacute aiacute um deslocamento jaacute

pronunciado pelos formalistas russos onde a questatildeo a ser respondida natildeo eacute lsquoo quecircrsquo mas lsquoo

comordquo (ORLANDI 2012 p 17)

Nesse esteio a formulaccedilatildeo deste objeto de estudo que problematiza a discursividade

dosas docentes frente ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero em praacuteticas leitoras busca

assumindo o ponto de vista de umuma analista de discurso verificar a compreensatildeo da

apariccedilatildeo dos enunciados daqueles sujeitos discursivos Apoiado na AD esse estudo pontua a

importacircncia das reflexotildees acerca do discurso e sua vinculaccedilatildeo com o poder das reflexotildees

acerca das posiccedilotildees dos sujeitos envolvidos da opacidade da linguagem que por sua marca

poliacutetica torna-a incapaz dizer e fazer ver tais como satildeo as coisas Assim face aos

questionamentos acerca de como andam as problematizaccedilotildees sobre o que podem meninos e

meninas na esfera escolar em termos de equidade de gecircnero vale observar o lugar histoacuterico

social de onde os enunciadores determinam seus discursos Vale inquirir sobre as vozes que

integram o sujeito discursivo aqui diferenciando esse sujeito do da linguiacutestica geral que aduz

a um sujeito falante homogecircneo dono de seu dizer Na perspectiva da AD o sujeito eacute

constituiacutedo por polifonia noccedilatildeo cunhada de Mikhail Bakhtin que traccedila o entrecruzamento de

discursos como marca do sujeito Ele e suas vozes que ressoam que silenciam falam

reproduzem esquecem explicitam implicitam direta ou indiretamente na materialidade

linguiacutestica Constituiacutedo que eacute entre o eu e o outro decorrente da interaccedilatildeo social o lugar do

sujeito natildeo eacute vazio mas preenchido por aquilo que Pecirccheux (2012) chamou de forma sujeito

(cf SANTOS 2013)

A identificaccedilatildeo dessa constituiccedilatildeo heterogecircnea do sujeito trazida pelos estudos poacutes-

estruturalistas eacute de muita valia para as reflexotildees sobre a linguagem como praacutetica social uma

vez que os enunciados apontam para um lugar-sujeito Apontam que o sujeito discursivo eacute

67

plural atravessado de vozes moventes que se deslocam e se transformam inscrevendo-se em

formaccedilotildees discursivas Por seu turno a compreensatildeo do conceito de formaccedilatildeo discursiva

trabalhado tanto por Foucault (2011) como por Pecirccheux (2012) eacute imprescindiacutevel para oa

analista do discurso uma vez que este conceito explicita como cada objeto do discurso tem na

formaccedilatildeo discursiva a sua regra de apariccedilatildeo tem o engendramento dos jogos de poder Assim

eacute possiacutevel que haja compreensatildeo das histoacutericas condiccedilotildees de produccedilotildees que permitem

veicular o que dizer em determinado espaccedilo social conforme nos mostra Foucault (1995)

Trata-se de compreender o enunciado na estreiteza e singularidade de sua situaccedilatildeo

de determinar as condiccedilotildees de sua existecircncia de fixar seus limites da forma mais

justa de estabelecer suas correlaccedilotildees com os outros enunciados a que pode estar

ligado de mostrar que outras formas de enunciaccedilatildeo exclui (FOUCAULT 1995 p

31)

Isto posto fica evidenciado o quanto o trabalho para oa analista do discurso com os

olhos na noccedilatildeo de formaccedilatildeo discursiva potildee em jogo princiacutepios que evocam a apreensatildeo de

sentidos gestada pela memoacuteria discursiva Essa dimensionada pela AD como um espaccedilo de

memoacuteria coletiva que permite a inscriccedilatildeo dos sujeitos em um corpo soacutecio-histoacuterico-cultural eacute

tambeacutem crucial na compreensatildeo da construccedilatildeo da materialidade discursiva E para pocircr em

jogo os princiacutepios que evocam a apreensatildeo de sentidos se faz necessaacuterio fazer aparecer os

movimentos inacabados que a formaccedilatildeo discursiva implica Movimentos que mostram que

no tecido social da discursividade os enunciados satildeo acontecimentos que tecem

continuidades e descontinuidades dizeres exteriores e anteriores diferentes tipos de discursos

que coexistem aparecem e desaparecem dispersando-se formando-se e transformando-se de

modo complexo ao tempo que integram as formaccedilotildees discursivas (cf FOUCAULT 2012)

Essa integraccedilatildeo espelha a heterogeneidade proacutepria agrave formaccedilatildeo social onde coexistem forccedilas

diferentes plurais Isto explica segundo Fernandes (2008) enunciados estruturalmente

semelhantes significando diferentes discursos decorrentes da inscriccedilatildeo ideoloacutegica desses

enunciados

Nesse sentido os estudos poacutes-estruturalistas trazem conforme Pereira (2005) o

discurso para o centro das atenccedilotildees e afirmam que a linguagem natildeo eacute propriamente uma

representaccedilatildeo da realidade feita pelos sujeitos mas eacute constituidora dos sujeitos e da realidade

A linguagem eacute concebida nessa perspectiva como um loacutecus ativo dinacircmico e enredado por

relaccedilotildees de poder E o discurso concebido como um tipo de sentido um efeito de sentido uma

posiccedilatildeo que se materializa na liacutengua embora natildeo mantenha uma relaccedilatildeo biuniacutevoca com ela

(POSSENTI 2009) A linguagem entatildeo no esteio poacutes-estruturalista natildeo eacute apenas um meio

68

de transmitir ideias ou significados mas eacute a instacircncia em que se constroem os sentidos que

atribuiacutemos ao mundo e a noacutes mesmos dentro de uma pluralidade de sentidos

Fernandes (2008) trata do discurso como accedilatildeo social e reforccedila na linha de Orlandi

(2012) o quanto os discursos estatildeo implicados com a interpretaccedilatildeo dos sujeitos as condiccedilotildees

histoacuterico-sociais de sua produccedilatildeo e a histoacuteria Instacircncias essas que os discursos ldquonatildeo fixos

moventesrdquo e que fazem esses acompanharem as transformaccedilotildees sociais e poliacuteticas pelas quais

passam o mundo Essas consideraccedilotildees permitem aduzir o quanto a liacutengua se insere na histoacuteria

mediando-a e a constituindo gestando sentidos sentidos esses produzidos face aos lugares

ocupados pelos sujeitos em interlocuccedilatildeo

No que concerne agrave relaccedilatildeo sujeito e enunciado Fernandes (2008 p 28) pontua a

percepccedilatildeo da polifonia como elemento importante para a compreensatildeo do sujeito discursivo

ldquo[] requer compreender quais satildeo as vozes sociais que se fazem presentes em sua vozrdquo

(FERNANDES 2008 p 28) entrecruzada que eacute de diferentes discursos considerando que

natildeo haacute sujeito homogecircneo em decorrecircncia de sua interaccedilatildeo na sociedade Esse autor traz

tambeacutem relaccedilotildees entre o sujeito e a linguagem relaccedilotildees de base psicanalista cuja perspectiva

incide em um sujeito cindido descentrado considerando que

Sempre sob as palavras outras palavras satildeo ditas O sujeito tem a ilusatildeo de ser o

centro de seu dizer pensa exercer o controle dos sentidos do que fala mas

desconhece que a exterioridade estaacute no interior do sujeito em seu discurso estaacute o

lsquooutrorsquo compreendido como exterioridade social (FERNANDES 2008 p 29-30)

De posse de categorias analiacuteticas caras agrave AD como a formaccedilatildeo discursiva e o

descentramento do sujeito categorias discursivas que dialogam com formulaccedilotildees

foucaultianas a saber ldquonatildeo haacute enunciado que natildeo suponha outros natildeo haacute nenhum que natildeo

tenha em torno de si um campo de coexistecircnciasrdquo (FOUCAULT 1995 p 114) reflito sobre o

esteio que permite pensar as vozes escolares Nesse sentido todo enunciado eacute uma reacuteplica a

outros enunciados Com esse marco teoacuterico o debate sobre leitura e as relaccedilotildees de gecircnero que

atravessam as vozes escolares eacute compreendido como um espaccedilo de luta hegemocircnica como

praacutetica social Esta entendida como um conjunto de atividades humanas que engendram tanto

as condiccedilotildees de produccedilatildeo dos discursos quanto as condiccedilotildees de existecircncia de uma sociedade

(SPINK MENEGON 1999) eacute uma de minhas bases de discussatildeo do proacuteximo toacutepico que

envolve a importacircncia da praacutetica da leitura na escola como praacutetica social

69

25 Os processos de significaccedilatildeo e subjetivaccedilatildeo a leitura como praacutetica social

Sobre a praacutetica da leitura na escola eacute notaacutevel deveras que esta eacute mateacuteria instigante e

apreciada por tantos estudiosos da educaccedilatildeo (FREIRE 1988 2002) (SILVA E T 2009

2011) (SOARES 2001 2011) (ANTUNES 2009) do socioconstrucionismo (MOITA

LOPES 2002) da Anaacutelise do Discurso (POSSENTI 2009 ORLANDI 2008) entre outros

que se ater sobre o tema eacute se deparar com incontaacuteveis e fecundas pesquisas Isto me instiga a

pensar que muito jaacute foi dito Entretanto face agrave complexa questatildeo eacute sempre desafiador

imersoa na proacutepria realidade profissional problematizar a praacutetica pedagoacutegica imbuiacutedoa de

um desejo pelo inacabado E mover-se na problematizaccedilatildeo da leitura em uma interface

temaacutetica com gecircnero tendo como aporte teoacuterico as reflexotildees instigadas pela AD acerca da

leitura que a trata em uma perspectiva discursiva eacute enveredar por um desafio que atrai Vale

pensando assim inquirir de que forma a leitura tem participado dos processos de subjetivaccedilatildeo

quais satildeo enfim as verdades veiculadas pelas praacuteticas leitoras Dizendo na sintonia com a

AD os discursos sobre as relaccedilotildees de gecircnero estatildeo inscritos em uma determinada formaccedilatildeo

discursiva e operam constituindo que subjetividades segundo os campos do que eacute possiacutevel

pensar dizer julgar fazer na praacutetica leitora desenvolvida

Orlandi (2008) postulando os pressupostos teoacutericos da AD traz pontos cruciais para

uma accedilatildeo problematizadora com a leitura A autora faz referecircncias aos muacuteltiplos modos de

leitura (do ato de decodificar estrita aprendizagem formal de aprender a ler e escrever agrave

atribuiccedilatildeo de sentidos) dependendo cada acepccedilatildeo de seu modo de produccedilatildeo A analista

trabalha a concepccedilatildeo de leitura como um processo complexo no qual para as muacuteltiplas

determinaccedilotildees de sentidos que lhe envolvem exigem-se mais habilidades do que o

imediatismo da accedilatildeo de ler

Quando se lecirc considera-se natildeo apenas o que estaacute dito mas tambeacutem o que estaacute

impliacutecito aquilo que tambeacutem natildeo estaacute dito mas estaacute significando E o que natildeo estaacute

dito pode ser de vaacuterias maneiras o que natildeo estaacute dito mas que de certa forma

sustenta o que estaacute dito o que estaacute suposto para que se entenda o que estaacute dito

aquilo a que o que estaacute dito se opotildee outras maneiras diferentes de se dizer o que se

disse e que significa com nuances distintas etc (ORLANDI 2008 p 11)

Eacute instigante o olhar de Orlandi (2008) para que se pense no que natildeo eacute visiacutevel no

texto mesmo que o constitua como forma de assumir uma perspectiva discursiva sobre

leitura Dessa perspectiva concebe-se o pensamento acerca da produccedilatildeo da leitura como parte

do processo de instauraccedilatildeo de sentidos as especificidades e histoacuteria do sujeito-leitor satildeo

70

atentadas O fato de que tanto o sujeito quanto os sentidos satildeo determinados historicamente

tambeacutem faz parte das preocupaccedilotildees doa analista Tambeacutem satildeo preocupaccedilotildees doa analista a

noccedilatildeo de que os modos e efeitos de leitura de cada eacutepoca tecircm relaccedilatildeo iacutentima com a nossa

produtividade intelectual Eacute nesse sentido a ideia de referecircncia agrave historicidade agraves condiccedilotildees

de produccedilatildeo de leitura com a compreensatildeo dos jogos de poder entre os sujeitos e as

instituiccedilotildees que determinam como lemos que parece perseguir a AD eacute o que assegura Orlandi

(2008) Eacute da leitura como processo que interessa a esse campo de estudo da linguagem o

texto desse modo natildeo eacute um produto que conteacutem uma informaccedilatildeo pronta para ser ldquolidardquo eacute

um artefato cultural unidade complexa de significaccedilatildeo cujo crescimento natildeo ldquoeacute soacute para a

frente relacionando-se com o que ele natildeo eacuterdquo uma vez que o espaccedilo simboacutelico (os impliacutecitos)

entre enunciados efetivamente realizados eacute constitutivo do texto bem como sua relaccedilatildeo com

outros textosrdquo (ORLANDI 2008 p 46)

Como disciplina que se propotildee conhecer os mecanismos de processos de

significaccedilatildeo a AD trata da interaccedilatildeo da leitura na escola acolhendo a ideia foucaultiana de

que diferentes formas de poder produzem diferentes formas de individualidades e diferentes

sujeitosndashleitores Atentar para esta construccedilatildeo pode ser uma forma de evitar reducionismos de

limitar leitura agrave expressatildeo verbal de natildeo considerar o conhecimento preacutevio do aluno entre

outros

[] se sabemos portanto que haacute essa constituiccedilatildeo histoacuterica do sujeito na sua relaccedilatildeo

com a linguagem (logo com a leitura) e se sabemos que ideologicamente o sujeito

leitor se apresenta como esse sujeito capaz da livre determinaccedilatildeo dos sentidos ao

mesmo tempo em que eacute um sujeito submetido agraves regras das instituiccedilotildees como agir

na escola em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo do sujeito- leitor Ou mais simplesmente dada a

configuraccedilatildeo histoacuterica do sujeito-leitor produzido pela sociedade capitalista como

trabalhar com a relaccedilatildeo entre leitura parafraacutestica - leitura polissecircmica (ORLANDI

2008 p 50)

Orlandi (2008) trata dos processos de significaccedilatildeo de leitura na escola considerando

que eacute de grande relevacircncia que esta praacutetica seja desenvolvida tendo uma metodologia de

ensino consequente que explicite os espessos processos de produccedilatildeo de sentido

historicamente determinados ldquoA transparecircncia dos sentidos que brotam de um texto eacute

aparente e tanto quem ensina quanto quem aprende a ler deve procurar conhecer os

mecanismos que aiacute estatildeo jogando (ORLANDI 2008 p42)

Por seu turno Moita Lopes (2002) envolto com as teorias socioconstrucionistas do

discurso e das identidades sociais pontua a importacircncia de em contextos institucionais e em

especial em eventos de leituras atentarmos ldquopara o que fazemos com os outros no mundo por

71

meio da linguagemrdquo (MOITA LOPES 2002 p 14) Este autor se diz atraiacutedo tanto quanto o

mundo acadecircmico pelo papel constitutivo do discurso na construccedilatildeo de quem somos como

sujeitos que aprendem a ser quem satildeo discursivamente Esta perspectiva teoacuterica com a qual o

estudioso se move para refletir sobre as praacuteticas de letramento nas escolas eacute de suma

perspicaacutecia porque pontua por uma ampla aposta na consciecircncia do que faz a leitura eacute uma

praacutetica social E assim concebida como praacutetica social cuida que homens e mulheres

leitoresas natildeo satildeo produtos de um vaacutecuo social trazem suas marcas sociohistoacutericas

engendram-se por condiccedilotildees de construccedilotildees discursivas

Ler eacute legitimar ou questionar identidades eacute nessa direccedilatildeo de entendimento que

caminha Moita Lopes (2002) Direccedilatildeo pela qual vou porque tambeacutem defendo agrave luz de um

olhar socioconstrucionista que eacute com e pela leitura mediadosas pelas narrativas que dela

fazemos que construiacutemos um repertoacuterio de quem somos e de quais satildeo nossas accedilotildees sociais

Nesse sentido os processos formadores de identidades que satildeo dialoacutegicos e constitutivos pela

linguagem merecem a acuidade do olhar do agente de letramento Merecem pelas

possibilidades discursivas que esse sujeito pode construir no tocante agrave reflexatildeo acerca da

condiccedilatildeo humana de sujeito-forma (cf PEcircCHEUX 2012)

Haacute nas reflexotildees trazidas por Moita Lopes (2002) a busca pela desnaturalizaccedilatildeo do

senso comum eivado que eacute este de narrativas nas quais as identidades satildeo homogecircneas

hegemonicamente heterossexuais e brancas E este propoacutesito problematizador pode fecundar e

estar assegurado pela loacutegica da inserccedilatildeo de praacutetica de letramento

Argumenta-se que as histoacuterias contadas funcionam como pacotes de conhecimento

sobre como agir no mundo (Jordan 1989) ecoando discursos a que os alunos satildeo

expostos na miacutedia na famiacutelia etc Com base no potencial que as histoacuterias tecircm de

envolver as pessoas em reflexatildeo sobre a vida social considera-se a importacircncia de

permitir que outras histoacuterias sobre outros tipos de identidades adentrem a sala de

aula ao mesmo tempo que se promove o uso de sistemas de coerecircncia que

desnaturalize o senso comumrdquo (MOITA LOPES 2002 p 20-21)

Desnaturalizar o senso comum eacute desdobrar processos de subjetivaccedilatildeo dos quais as

leituras tecircm participado obedecendo a regras histoacutericas legitimadoras No processo de

legitimaccedilatildeo de leituras a escola eacute uma das instituiccedilotildees em que circula a leitura crivada pelo

olhar de um especialista o professor respaldada em um livro didaacutetico adotado em um

processo bem verticalizado Esta tem sido uma praacutetica redutora considerando estudos que

evidenciam o grau de comprometimento das obras com a negaccedilatildeo de que o sujeito discursivo

eacute plural atravessado de vozes moventes que se deslocam e se transformam inscrevendo-se

em formaccedilotildees discursivas As inquietaccedilotildees trazidas por Moita Lopes (2002) vatildeo na direccedilatildeo de

72

problematizar a circulaccedilatildeo e produccedilatildeo das leituras com esta direccedilatildeo redutora Esse autor traz

outras bases aos modelos legitimados ampliando a natureza multifacetal de seres humanos a

ser lida discutida Para isto vaticina o estudioso o advento das mudanccedilas bruscas deste iniacutecio

de milecircnio com o caudaloso acesso agraves tecnologias da informaccedilatildeo que expotildeem um mundo

plural e muacuteltiplo eacute um adendo a esta questatildeo

Eacute curioso ver que a miacutedia eletrocircnica que evidencia a chamada Globalizaccedilatildeo ao

mesmo tempo em que aproxima o mundo incorrendo no perigo de homogeneizaacute-lo

colabora para que percebamos a diferenccedila de que somos feitos e as desigualdades e

contradiccedilotildees sociais sob as quais vivemos Essas percepccedilotildees tecircm alterado como

nunca a concepccedilatildeo homogecircnea de identidade social e tecircm levado a nos entendermos

como heterogecircneos e ao mesmo tempo fragmentados e construiacutedos com praacuteticas

discursivas situadas na histoacuteria na cultura e na instituiccedilatildeo (MOITA LOPES 2002

p 15-16)

Somam-se a este olhar socioconstrucionista sobre leitura como praacutetica social que

contempla uma accedilatildeo de ler proficuamente ajustada aos postulados dos DH no que diz respeito

agrave defesa de um mundo plural as contribuiccedilotildees da AD Orlandi (2008) pontua a leitura numa

relaccedilatildeo de historicidade de modos de relaccedilatildeo de trabalho e de produccedilatildeo de sentidos Ler e

compreender na perspectiva trabalhada por esta analista natildeo se traduz em atribuir sentidos

mas conhecer os mecanismos pelos quais se potildee em jogo um determinado processo de

significaccedilatildeo

Os sentidos natildeo nascem ab initio Satildeo criados Satildeo construiacutedos em confrontos de

relaccedilotildees que satildeo soacutecio-historicamente fundadas e permeadas pelas relaccedilotildees de poder

com seus jogos imaginaacuterios Tudo isso tendo como pano de fundo e ponto de

chegada quase que inevitavelmente as instituiccedilotildees Os sentidos em suma satildeo

produzidos (ORLANDI 2012 p 83)

26 A leitura como mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de identidades

Apoacutes as consideraccedilotildees acerca dos dispositivos teoacutericos que apoiam esta anaacutelise os

quais me remetem agrave ideia de que o sujeito da leitura e do discurso eacute um sujeito histoacuterico que

fala a partir de condiccedilotildees especiacuteficas de enunciaccedilatildeo cabe pensar sobre a leitura como

produtora e reprodutora de discurso e sobre a importacircncia desse entendimento para um

trabalho no espaccedilo escolar que perspective angariar reflexotildees acerca de processos de

subjetivaccedilatildeo Em minhas buscas para levantamento de um estado da arte que contribuiacutesse

teoricamente com essa perspectiva encontrei produccedilotildees acadecircmicas que atrelavam leituras

subjetividades discursividades e relaccedilotildees de gecircneros no espaccedilo escolar bem pertinentes

Alguns relatos aqui pontuados vatildeo ao encontro das consideraccedilotildees por mim tecidas colhidas

73

pelos pressupostos teoacutericos jaacute aqui tratados tendo sido inclusive uacuteteis na confecccedilatildeo dos

instrumentos investigativos e de suas anaacutelises para este trabalho

Larrosa (2004) problematiza o ato de ler sob o crivo vinculador deste ato agraves praacuteticas

de liberdade O autor em um ensaio intitulado ldquoLeitura e metamorfoserdquo ao analisar o poema

O leitor de Rilke trata da experiecircncia da leitura em sua dimensatildeo complexa e de plenitude do

existente leitura que transforma que transfigura que torna o leitor um outro Larrosa (2004)

ao se debruccedilar sobre a poesia existencial e metalinguiacutestica de Rilke nega a pessoalidade do

leitor cravando sua dispersatildeo Isto fica demonstrado segundo o ensaiacutesta no seguinte verso

ldquoQuem o conhece este que baixou seu rosto de um ser ateacute um segundo serrdquo(RILKE 1908

apud LARROSA 2004 p 97) Para Larrosa (2004) o poeta trabalha com o movimento do

olhar descrito no poema como o movimento que delineia conversotildees apropriaccedilotildees de

mudanccedilas Assim o leitor que se curva entrega-se aprende a ver de outra maneira e eacute

desconhecido entatildeo ateacute por sua matildee como pode ser visto no segundo quarteto do poema a

saber ldquoNem sequer sua matildee estaria segurase ele eacute aquele que ali lecirc algo mergulhadoem

sua sombrardquo (RILKE 1908 apud LARROSA 2004 p 97) eacute o leitor que angaria olhos

daacutedivos traccedilos alterados para sempre Haacute uma forccedila poeacutetica na imagem do leitor em

silecircncio curvado despersonalizado e por fim transformado da qual Larrosa (2004) se

apropria para trazer uma reflexatildeo em cima do que significa um mundo pronto administrado e

acabado quando ldquotopadordquo por leitores Eacute dessa leitura cujo sentido eacute o de experiecircncia da

reconstruccedilatildeo das travessias diante de um mundo hostil e pronto que a leitura para esse autor

inscreve-se

Alicerccedilado em uma visatildeo de leitura como praacutetica social situada Moita Lopes (2002)

ressalta a accedilatildeo constitutiva do discurso na construccedilatildeo da vida social aprendemos a nos tornar

o que somos com base em fatores sociais e histoacutericos constituiacutedos discursivamente Esse

autor direcionou pesquisas com as praacuteticas de letramento coordenando experiecircncias de

investigaccedilatildeo sobre praacuteticas discursivas em escola puacuteblica do Rio de Janeiro objetivando

investigar a relaccedilatildeo entre texto e formaccedilatildeo de identidade na esfera pedagoacutegica

especificamente a sala-de-aula

Dentre os espaccedilos institucionais em que atuamos a escola tem sido continuamente

apontada como um dos mais importantes na construccedilatildeo de quem somos ou dessa

fragmentaccedilatildeo identitaacuteria Eacute um dos primeiros espaccedilos sociais a que a crianccedila tem

acesso longe da vigilacircncia da famiacutelia a outros modos de ser humano diferentes

daqueles do mundo relativamente homogeneizado da famiacutelia Ou seja eacute na escola

que em geral a crianccedila se expotildee pela primeira vez agraves diferenccedilas que nos constituem

e que portanto representam as primeiras ameaccedilas ao mundo da famiacutelia (MOITA

LOPES 2002 p 17)

74

Como integrante da equipe de pesquisa coordenada pelo autor acima referendado

Santos (2002) categoriza que leitura eacute um fenocircmeno cultural em que as pessoas constroem

sentidos em interaccedilatildeo com outras

[] ler eacute uma accedilatildeo social na qual estatildeo envolvidos a negociaccedilatildeo o

compartilhamento a construccedilatildeo de significados entre leitores e textos Isto eacute a

leitura eacute uma accedilatildeo social porque implica a procura do significado mediado pelo

discurso escrito entre dois sujeitos sociais principais o leitor e o autor situados

soacutecio-historicamente (SANTOS 2002 p 159)

Em consonacircncia com o olhar de Moita Lopes Santos (2002) percebe a leitura como

uma praacutetica social considerando que os significados construiacutedos pelos sujeitos-leitores

refletem o contexto social imediato no qual estatildeo localizados como tambeacutem o mundo social

mais amplo que situa esses contextos Conceber a leitura nessa perspectiva eacute tarefa que exige

do mediador a percepccedilatildeo de que haacute sempre em eventos de leitura uma indeterminaccedilatildeo de

significados em funccedilatildeo da pluralidade de contextos e sujeitos

Coimbra (2002) objetivando refletir as bases discursivas que constroem social e

assimetricamente meninos e meninas utiliza a visatildeo de discurso como forma de accedilatildeo no

mundo e aborda a importacircncia do contexto escolar para a formaccedilatildeo das identidades sociais

Essa professora alinhada com os estudos de Moita Lopes e diante da indagaccedilatildeo sobre qual

seria a forma em que ela e alunosas estariam construindo a identidade social de gecircnero da

mulher em uma escola puacuteblica no Rio de Janeiro propotildee-se a refutar uma visatildeo de mundo

essencialista

Adoto uma visatildeo de discurso como uma forma de accedilatildeo no mundo e um meio pelo

qual nossa cultura e nossas identidades satildeo constituiacutedas e definidas Como diz Moita

Lopes (1998) as identidades natildeo estatildeo nos indiviacuteduos mas emergem nas interaccedilotildees

entre os indiviacuteduos agindo em praacuteticas discursivas particulares nas quais estatildeo

posicionados [] Da mesma forma o comportamento diferenciado de gecircnero natildeo

existe naturalmente como parte essencial do indiviacuteduo Ele eacute tambeacutem construiacutedo na

interaccedilatildeo social (COIMBRA 2002 p 210)

Para refutar o essencialismo esse aqui entendido na perspectiva que lhe datildeo os

Estudos Culturais como uma percepccedilatildeo de mundo que atribui aos seres humanos marcas

universais imutaacuteveis e pertencentes ao indiviacuteduo naturalmente (HALL 2011 SILVA 2012)

Coimbra lanccedila matildeo dos estudos sobre gecircnero adotados por Louro que concebem gecircnero

como um sistema de relaccedilotildees de poder calcado nas estruturas sociais o que possibilita a

reflexatildeo sobre o quanto as praacuteticas discursivas sustentam a primazia masculina

75

[] a visatildeo essencialista enfatiza as caracteriacutesticas bioloacutegicas e reduz a importacircncia

do contexto soacutecio-histoacuterico naturalizando o poder do homem e as desigualdades

social e econocircmica estabelecidas entre os gecircneros masculino e feminino Isto eacute as

desigualdades satildeo percebidas como consequecircncias naturais e inevitaacuteveis da natureza

bioloacutegica das mulheres e dos homens e natildeo satildeo entendidas como historicamente

construiacutedas e modificaacuteveis (LOURO apud COIMBRA 2002 p 212)

Por considerar a escola elemento reprodutor ou transformador da sociedade porque

veicula enquadramento vontade imposta ao outro sobre seus corpos construccedilatildeo de estigmas

de silecircncios estereoacutetipos e exclusotildees ou porque veicula emersatildeo de vozes que desejam

escuta diaacutelogo e respeito em um sinal de resistecircncia Silva A L G (2009) trata da produccedilatildeo

de sentidos nesse espaccedilo Essa autora chama a atenccedilatildeo para as demandas sociais na

contemporaneidade sobre corporeidade sexualidade e identidade de gecircnero na escola

demandas que traduzem um mundo cambiante vertiginoso movente pleno de

questionamentos que tem nos deixado atocircnitos e sem respostas em seu dizer Sem respostas

ldquoprontasrdquo melhor seria dito porque no cotidiano escolar nos deparamos com uma cultura

que a despeito de ser marcada pela pluralidade reflete a disseminaccedilatildeo da

heteronormatividade da diferenccedila como desvio e de padrotildees de comportamentos para

meninos e meninas Haacute um conjunto de conteuacutedos cognitivos e simboacutelicos que selecionados

sob efeito de didatizaccedilotildees atravessam segundo (SILVA A L G 2009) os muros e

instrumentos escolares engendrando liccedilotildees de corpos disciplinados normalizados E dessas

liccedilotildees questiona a pedagoga qual o lugar do outro nas relaccedilotildees escolares enfim como

meninos e meninas satildeo educadosas

Carvalho (2003) nessa direccedilatildeo fala das experimentaccedilotildees com praacuteticas pedagoacutegicas

problematizadoras do modelo que institui a iniquidade de gecircnero Essa educadora procura

responder sobre as questotildees de gecircnero salientando a importacircncia da luta das mulheres

educadoras por sistematizaccedilotildees de estrateacutegias de intervenccedilatildeo nas atividades e no curriacuteculo

escolar para o desenvolvimento da consciecircncia de gecircnero Essa eacute uma tendecircncia que segue o

olhar militante de um feminismo que se manifesta e se fortalece a cada dia mas que precisa

dar passos marcantes no debate escolar sobre as formas de subjetivaccedilatildeo de ser homem e ser

mulher

A escola tem ferrolhos fortes na trava para o novo para o desmantelo das

assimetrias a despeito de guardado em armaacuterios e prateleiras das instituiccedilotildees muitas vezes

estaacute todo um ordenamento da legislaccedilatildeo educacional que institui avanccedilos na conquista de

uma escola que respeite a pluralidade cultural e a dignidade humana Carvalho (2003) fala

atraveacutes de seu envolvimento com a temaacutetica das relaccedilotildees de gecircnero na educaccedilatildeo do

76

caminhar que se esboccedila na escola de um processo de desconstruccedilatildeo de uma visatildeo e divisatildeo

de mundo androcecircntrica Fruto possivelmente a autora afirma do ativismo de algunsmas

educadoresas

[] Eacute plausiacutevel supor que o reconhecimento das diferenccedilas de gecircnero inicialmente

invisiacuteveis ou natildeo problemaacuteticas jaacute seja o resultado da problematizaccedilatildeo propiciada

pela oficina No contexto escolar apontam problemas como filas atividades e

brincadeiras separadas por sexo violecircncia na sala de aula e no recreio problema de

higiene e limpeza da escola manifestaccedilotildees da sexualidade na preacute-adolescecircncia e

adolescecircncia (brincadeiras sexuais gravidez precoce discriminaccedilatildeo dos

homossexuais) e das dificuldades das professoras de trabalharem com Orientaccedilatildeo

sexual (CARVALHO 2003 p 72)

O fazer pedagoacutegico trama produccedilotildees de sentidos que satildeo construiacutedas em praacuteticas

discursivas em gestos e olhares que muito dizem sobre os corpos e a sexualidade no

cotidiano escolar Rollemberg (2002) adotando a perspectiva socioconstrucionista do

discurso estuda como osas professoresas constroem sua identidade social e profissional por

meio de suas narrativas de vida A autora reforccedila a ideia de que o discurso tambeacutem determina

e eacute determinado por contextos socioculturais especiacuteficos nos quais esses sujeitos atuam e de

que esses sujeitos possuem naturezas multifacetadas

O professor ou professora eacute tambeacutem homem mulher marido esposa pai matildee

filho filha segue determinada religiatildeo tem suas crenccedilas sua visatildeo de mundo

ocupa certa posiccedilatildeo social e enfim torna-se professor na interaccedilatildeo desse mosaico de

diferentes traccedilos que o constituem Seu discurso reflete entatildeo essa natureza

multifacetada e nas diversas praacuteticas discursivas nas quais se envolvem os

professores vatildeo se reconstruindo como tais (ROLLEMBERG 2002 p 251)

Em artigo que discorre sobre uma investigaccedilatildeo feita em escola na qual leciona

Rollemberg (2002) aborda a construccedilatildeo social do discurso e da identidade profissional dos

educadoresas entrecortada por identidade de gecircnero A autora aborda as relaccedilotildees de poder

que se estabelecem em contextos sociais e culturais que forjam que moldam seres diferentes

com posiccedilotildees assimeacutetricas socialmente Ao tratar dos traccedilos de gecircnero o estudo de

Rollemberg adota tambeacutem a visatildeo processual das identidades e as tem como natildeo-fixas natildeo-

imutaacuteveis natildeo-estaacuteticas construiacutedas discursiva e socialmente

Cruz (2012) ao discorrer sobre a utilizaccedilatildeo do texto literaacuterio descarta

veementemente a noccedilatildeo de ler como decifrar palavras e questiona sobre o modo de

apropriaccedilatildeo desse texto por parte da escola A autora fala de seus fracassos com atividades de

leituras procurando explicaacute-los entre tantos lastros pelo processo de interlocuccedilatildeo na leitura

77

de textos para a qual o leitora eacute construtora e natildeo apenas receptora de um significado

global para o texto

Foi com essa consciecircncia (que eacute um aprendizado) que passei a analisar a relaccedilatildeo

existente entre leitor o texto o autor e a realidade que circunda todos Essa anaacutelise

me fez perceber que o docente (no caso eu) elaborava as atividades do seu ponto de

vista sem conversar e portanto sem conhecer a partir das falas dos alunos o modo

como eles se apropriavam dos textos literaacuterios e a relaccedilatildeo que eles tinham com o

mundo da leitura Essa ausecircncia de diaacutelogo entre as partes estimulava o desinteresse

dos alunos e a reproduccedilatildeo de leituras mecanizadas que soacute serviam para

cumprimento de tarefas obrigatoacuterias (CRUZ 2012 p 161)

Ao discutir por sua vez o papel de mediadora da leitura pela escola Bastos (2012)

remonta agrave histoacuteria dessa praacutetica no Brasil tratando de uma heranccedila natildeo leitora onde haacute a

rarefaccedilatildeo e esgarccedilamento da praacutetica que sedimenta a justificativa de professoresas para o

distanciamento do livro falta de tempo condiccedilotildees financeiras Esta autora dessacraliza o ato

de ler falando de leituras na relaccedilatildeo leitortextocontexto

A relaccedilatildeo leitortexto soacute tem sentido se houver compreensatildeo do que e para que se lecirc

O papel da escola nesse processo eacute perigoso porque tanto ela pode formar um leitor

criacutetico e assim libertaacute-lo dos preceitos ideoloacutegicos o que seria o ideal como

conduzi-lo para o extremo oposto acorrentando-o agrave ideologia dominante que ao

iludir cria falsos valores (BASTOS 2012 p 194)

Nesse sentido a autora supracitada tece comentaacuterios que satildeo intrincados com a

percepccedilatildeo de formaccedilatildeo discursiva da AD como um conjunto de formas reguladas

atravessando leituras postuladas E que agrave escola que se pretende inclusiva e democraacutetica

cabe ser mediadora de leitura em uma perspectiva que aposte na consciecircncia de que a leitura eacute

produtora e reprodutora de sentidos Bastos (2012) reforccedila uma ideia que lanccedila uma instigante

reflexatildeo sobre os que observam de forma mais questionadora o corrente sentido de leitura

Por fim e talvez mais importante assumir tambeacutem que para grande parte da

populaccedilatildeo a leitura natildeo representa um gecircnero de primeira necessidade e portanto

pode viver sem ela e pouco ou nada tem a ver com a presenccedila ou ausecircncia de prazer

esteacutetico (BASTOS 2012 p 194-195)

No que tange agrave importacircncia das condiccedilotildees sociais de produccedilatildeo e de acesso agrave leitura

Soares (2001) oferece uma importante contribuiccedilatildeo sobre o tema a leitura natildeo existe em um

vaacutecuo em atos isolados e universalizantes Ela estaacute engendrada em relaccedilotildees socialmente

construiacutedas favorecendo o fato de que a interaccedilatildeo seja uma marca do ato de ler Assim ler

tem diferentes valores para as classes sociais para as diferentes etnias e culturas A autora

analisa atraveacutes de resultados de pesquisas com entrevistados de diferentes extratos sociais o

78

quanto ler corresponde a diferentes expectativas Para a classe dominante por exemplo ler

relaciona-se a lazer a prazer agrave ampliaccedilatildeo de horizontes de conhecimentos Por seu turno as

classes dominadas veem na leitura uma funccedilatildeo utilitaacuteria de acesso ao mundo do trabalho agrave

garantia da sobrevivecircncia

No tocante agrave importacircncia dos estudos de gecircnero as reflexotildees de Aras e Cunha (2011)

acerca das divisotildees no mundo de trabalho entre homens e mulheres satildeo pertinentes Essas

autoras pontuam que ao analisarem as relaccedilotildees de gecircnero no magisteacuterio em um curso de

capacitaccedilatildeo para professores e professoras da Rede Estadual de Ensino da Bahia o PROLE

constataram que as mulheres enfrentam uma dificuldade de conciliar tarefas tendo em vista

que se dividem entre a casa e o trabalho de modo extenuante o que revela uma exploraccedilatildeo

nas relaccedilotildees de gecircnero As autoras citam uma pesquisa jaacute um pouco antiga mas que dadas as

proporccedilotildees com que os dados se alteram deve ainda traduzir um quadro bem representativo

da realidade atual Segundo pesquisa feita por Aguiar (2004 apud ARAS CUNHA 2011 p

45) durante a semana a jornada diaacuteria da mulher eacute de 502 minutos 5 maior que a do

homem que trabalha 480 minutos No fim de semana a diferenccedila eacute ainda maior enquanto a

carga masculina eacute de 201 minutos a da mulher eacute de 326 ou seja 62 maior Se a mulher for

matildee este iacutendice cresce ainda mais mesmo que tenha quem a ajude Esses dados e demais

outros revelados pelas autoras refletem uma cultura que molda um lugar para a mulher o

espaccedilo privado e que mesmo tendo estaacute avanccedilado em conquistas sociais que a potildeem no

espaccedilo puacuteblico haacute uma cultura machista que oprime as mulheres trabalhadoras dando-lhes

um papel central na administraccedilatildeo da vida familiar na educaccedilatildeo dos filhos nas tarefas

ldquonaturalizadasrdquo como femininas Aras e Cunha (2011) avaliam o quanto os estudos de gecircnero

constroem bases importantes para a reflexatildeo desse sistema desmantelando as assimetrias no

interior da famiacutelia

Por sua vez Sardenberg e Suzarte (2011) discutem a importacircncia da perscruta dos

sujeitos que se encontram nas escolas ouvindo o que ressoam suas vozes As autoras

refletem a partir de relatos de grupos de mulheres pertencentes agraves camadas populares sobre a

representaccedilatildeo da educaccedilatildeo escolar como perspectiva de empoderamento para os membros

desses grupos As feministas perpassam por questotildees que mostram as representaccedilotildees do

espaccedilo escolar como lugar de esperanccedila e liberdade oportunidade de se emancipar social e

individualmente de prover-se de ldquoum novo instrumental de conhecer e atuar ou ateacute mesmo

de transformar-se

Buscar ressonacircncia das praacuteticas discursivas dosas docentes nas atividades de leitura

realizadas por estesas eacute um trabalho que exige o afiar de sentidos ao qual Louro (2012) se

79

refere Haacute qual espaccedilo nas praacuteticas de leitura nas falas e histoacuterias disseminado para a

discussatildeo da equidade de gecircnero trazida pelo movimento de mulheres e movimentos que

apregoam o respeito agraves diversidades A pesquisadora dos estudos feministas aponta a

importacircncia de buscar uma reflexatildeo que pontue o lugar da escola na construccedilatildeo de um ideaacuterio

de respeito agraves diferenccedilas e agrave alteridade

Portanto se admitimos que a escola natildeo apenas transmite conhecimentos nem

mesmo apenas os produz mas que ela tambeacutem fabrica sujeitos produz identidades

eacutetnicas de gecircnero de classe se reconhecemos que essas identidades estatildeo sendo

produzidas atraveacutes de relaccedilotildees de desigualdade se admitimos que a escola estaacute

intrinsecamente comprometida com a manutenccedilatildeo de uma sociedade dividida e que

faz isso cotidianamente com nossa participaccedilatildeo e omissatildeo se acreditamos que a

praacutetica escolar eacute historicamente contingente e que eacute uma praacutetica poliacutetica isto eacute que

se transforma e pode ser subvertida e por fim se natildeo nos sentimos confortaacuteveis com

essas divisotildees sociais entatildeo certamente encontramos justificativas natildeo apenas para

observar mas especialmente para tentar interferir na continuidade dessas

desigualdades (LOURO 2012 p 89)

E a leitura efetivamente pode ser um instrumento que propicie este ideaacuterio Mas

cabe sempre inquirir que textos circulam nestes espaccedilos regulando modos de subjetivaccedilatildeo da

comunidade escolar No que se refere agrave presenccedila substancial do livro didaacutetico no cotidiano

escolar como um dos principais instrumentos manuseados por docentes e discentes eacute

importante a anaacutelise desse material em seu aspecto poliacutetico e cultural Considerando os

comportamentos sociais que tecircm sido construiacutedos acerca da imagem masculina e feminina

veiculados pelos livros didaacuteticos Marques (2009) assevera que as representaccedilotildees do lugar

social do homem e da mulher ainda satildeo bem demarcadas pelas forccedilas patriarcais e hierarquia

de gecircneros A autora debruccedilou-se entre outros sobre os resultados de uma exaustiva pesquisa

realizada por uma comissatildeo instituiacuteda pelo MEC em 1991 para analisar 80 coleccedilotildees de

Estudos Sociais da 1ordf agrave 4ordf seacuterie E conforme Marques (2009) foram observadas fortes

tendecircncias de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo de conteuacutedos que evidenciam modelos que atestam

papeacuteis sociais para homens e mulheres minados de preconceitos estereoacutetipos e enganosos

quando a imagem da famiacutelia e a da escola eacute a de que vivem isentas de conflitos A autora

revela o quanto o livro didaacutetico discrimina a mulher restringindo o seu universo ao espaccedilo

domeacutestico As imagens como construccedilotildees sociais possuem historicidade na sua posiccedilatildeo A

naturalizaccedilatildeo da divisatildeo sexual dos papeacuteis sociais incorre em uma posiccedilatildeo de imobilidade

social tendo em vista a cristalizaccedilatildeo de modelos o pai provedor e a matildee cuidadora Ele o

homem aparece envolto em leituras trabalho fornecendo agrave famiacutelia sustento e lazer ela a

mulher em funccedilotildees que a limitam agrave casa o que ocasiona a ideia de alienaccedilatildeo

80

Marques (2009) salienta o quanto a emergecircncia dos movimentos de mulheres por sua

cidadania plena a despeito de sua forccedila social natildeo encontra visibilidade nos livros didaacuteticos

Estes equiacutevocos todavia satildeo verificados hoje como natildeo mais representativos

substancialmente dos livros didaacuteticos e paradidaacuteticos fruto de um ativismo dos movimentos

de mulheres que terminou pressionando editoras secretarias estaduais e municipais no sentido

de envidar esforccedilos para que se repense o uso deste instrumento de modo mais criacutetico

Considerando o caraacuteter mercadoloacutegico do livro didaacutetico Marques (2009) salienta o quanto a

formaccedilatildeo doa professora para a escolha do material didaacutetico e sua mediaccedilatildeo com os textos eacute

de relevacircncia inconteste O risco de reproduzirmos discursos e representaccedilotildees machistas e

patriarcais eacute inerente aoagrave educadora imersoa que estaacute ainda em uma sociedade que produz

uma submissatildeo feminina O processo de construccedilatildeo das imagens e textos que povoam uma

subalternidade feminina eacute o que deve ser trabalhado pelo profissional atinente agraves questotildees de

gecircnero

Nesse sentido Louro (2012) ao avaliar o quanto o material didaacutetico eacute reprodutor e

produtor de discurso veiculador de diferenccedilas traz uma reflexatildeo sobre a construccedilatildeo escolar

das representaccedilotildees que segregam

Os livros didaacuteticos e os paradidaacuteticos tecircm sido objeto de vaacuterias investigaccedilotildees que

neles examinam as representaccedilotildees dos gecircneros dos grupos eacutetnicos das classes

sociais Muitas dessas anaacutelises tecircm apontado para a concepccedilatildeo de dois mundos

distintos ainda apresentam a concepccedilatildeo de dois mundos distintos (um mundo

puacuteblico masculino e um mundo domeacutestico feminino) ou para a indicaccedilatildeo de

atividades caracteriacutesticas de homens e atividades de mulheres Tambeacutem tem

observado a representaccedilatildeo da famiacutelia tiacutepica construiacuteda de um pai e uma matildee e

usualmente dois filhos um menino e uma menina (LOURO 2012 p 68)

A relevacircncia dos estudos acima referendados se faz perceber porque esses atrelam a

construccedilatildeo social do discurso em um espaccedilo que se constitui como centro de construccedilatildeo e

exerciacutecio de poder que eacute a escola E ao mesmo tempo em que enseja a reflexatildeo de que em sua

dinacircmica interna essa instituiccedilatildeo cria a possibilidade de processos de contra-hegemonia Eacute

percebida tambeacutem a relevacircncia dos estudos que estruturam uma interface discursividade

leitura e gecircnero na escola por estes propiciarem reflexotildees perspicazes Reflexotildees essas que

satildeo consonantes com o pensamento de Carvalho (2003) quando esta pedagoga militante do

feminismo afirma que das relaccedilotildees de gecircnero natildeo se pode tomar distacircncia ldquo[] de forma

impliacutecita estruturam o trabalho escolar as relaccedilotildees entre docentes e discentes e constituem

as identidades profissionais e pessoaisrdquo (CARVALHO 2003 p 77) Isto se daacute porque na sala

de aula nos curriacuteculos nas relaccedilotildees interpessoais nos conteuacutedos abordados ou natildeo

81

abordados haacute um campo de luta refletindo que a escola estaacute inserida em relaccedilotildees histoacutericas

mediadas e construiacutedas por discursos

Nesse sentido reitero o quatildeo os relatos acima extraiacutedos em sua maioria de um

contexto social que tece leitura em cotidianos na escola satildeo uacuteteis empreacutestimos para esta

anaacutelise considerando que os trabalhos apresentados versam sobre toacutepicos afins ao aqui

desenvolvido relaccedilotildees de gecircnero preconceitos construccedilatildeo de identidades pontuados em

ambiente de leitura

82

3 ANAacuteLISE DOS RESULTADOS INVESTIGATIVOS

O entendimento de que a abordagem de uma pesquisa exige um processo de revisatildeo

e reorganizaccedilatildeo de accedilotildees eacute importante na concepccedilatildeo de um trabalho Essa percepccedilatildeo eacute

consoante com a perspectiva da epistemologia feminista que entende a realidade como um

fenocircmeno histoacuterico cultural e dinacircmico (LOURO 2012 COSTA 2009) E meus passos na

direccedilatildeo e dentro da escola se constituiacuteram de inuacutemeras articulaccedilotildees de accedilotildees com as quais

tracei um norte investigativo objetivando fazer deste estudo algo profiacutecuo ordenado que

perspective contribuir com reflexotildees atinentes agrave educaccedilatildeo como praacutetica emancipadora

problematizadora de modos de subjetivaccedilatildeo

Dando prosseguimento ao rito comum a um processo de investigaccedilatildeo construiacute um

diaacutelogo preacutevio com a direccedilatildeocorpo teacutecnico com osas professoresas e a coordenadora do

projeto agravesaos quais foram explicados o procedimento e os objetivos da pesquisa ao tempo

em que foi solicitada a anuecircncia para sua aplicaccedilatildeo Como a dissertaccedilatildeo deste mestrado possui

caraacuteter interventivo foi explicada agrave equipe tambeacutem sobre a possibilidade de construccedilatildeo de

uma accedilatildeo propositora de trabalho apresentada por esta pesquisadora como fruto da

investigaccedilatildeo desenvolvida Esta informaccedilatildeo foi bem acolhida pela coordenaccedilatildeo do projeto

receptiva agrave possibilidade de crescimento de aprendizado e desejosa de aperfeiccediloar o trabalho

com a leitura pelo menos assim se manifestou

31 O Documento-fundador o natildeo dito significando

Logo nos primeiros contatos com osas integrantes da pesquisa que em consonacircncia

com as pactuadas regras do anonimato precisam aqui ser denominadosas ficticiamente

solicitei informaccedilotildees sobre o projeto de leitura instrumento de anaacutelise para aquele momento

O surgimento tempo de execuccedilatildeo seu formato documentaccedilatildeo criteacuterios para escolha de

textos entre outras indagaccedilotildees foram solicitadas Quando solicitei uma coacutepia do projeto agrave sua

coordenadora Diana cujo tempo de atuaccedilatildeo profissional eacute de 18 anos tive como resposta a

condiccedilatildeo de que o texto seria disponibilizado para que eu o conhecesse mas natildeo poderia

constar como anexo em meu trabalho por respeito ao acordado pacto do anonimato Aceitei a

condiccedilatildeo mesmo argumentando que o problema da identificaccedilatildeo do projeto seria resolvido

com o corte da parte que o identificasse A coordenadora relutou Isto me fez pensar no

campo discursivo mais amplo que eacute a negaccedilatildeo do texto possivelmente nele haveria o que natildeo

83

pode ser visto haveria a ausecircncia do dizer melhor Entendi a sonegaccedilatildeo do texto como a

tentativa de natildeo fazer aparecer o seu pouco labor

E constatei deveras isso quando o documento me chegou agraves matildeos depois de algumas

visitas em que o solicitara Observei que conforme o texto o projeto natildeo fora pensado para

discutir a leitura em sua funccedilatildeo social mais ampla Sem intencionar desqualificar o trabalho

daquela escola natildeo tive como deixar de ver pouca expressatildeo de conhecimento das funccedilotildees da

leitura naquele material Havia ali a mera proposta de decodificaccedilatildeo no lugar do letramento a

tarefa feita para cumprir obrigaccedilatildeo Natildeo estavam pontuados temas problematizando a

implantaccedilatildeo da defesa dos DH nem nenhum tema transversal proposto pelos PCNs constando

como ponto de exploraccedilatildeo no projeto de leitura muito menos o desta pesquisa As relaccedilotildees de

gecircnero conforme averiguei naquele material investigativo natildeo encontram assento no projeto

de leitura a CestaSexta Literaacuteria E eacute sobre isto que discorrerei agora analisando o referido

material como um dos procedimentos geradores de dados desta pesquisa que o eacute

O documento que eacute apresentado agrave Secretaria Municipal da Educaccedilatildeo - SEDEC- em

regra eacute uma exigecircncia deste oacutergatildeo como preacute-requisito para que osas professoresas

readaptadosas que exercem funccedilatildeo em biblioteca justifiquem sua permanecircncia na escola

Essesas profissionais precisam demonstrar estar vinculadosas agraves unidades escolares e

desenvolvendo trabalho pedagoacutegico a fim de assegurarem a manutenccedilatildeo da gratificaccedilatildeo

docente que perderiam caso saiacutessem da funccedilatildeo de professoresas e do espaccedilo escolar

Observar como esse documento eacute articulado e seu comprometimento com o que se

propotildee a fazer me remeteu a um compromisso eacutetico com o qual desejo afirmar aqui que natildeo

tenho a palavra final sobre do que necessariamente se deve constituir um trabalho desta

natureza mas faccedilo minhas leituras minhas anaacutelises E nessas leituras que natildeo poderiam ser

soacute minhas em uma perpeacutetua dialogia com Freire (1988 2002) Moita Lopes (2002) Foucault

(2011) Orlandi (2008) e com tantosas outrosas estudiososas e natildeo estudiososas

compreendo que eacute preciso supor que um texto nunca fornece todas as condiccedilotildees de sua leitura

(POSSENTI 2009)

Assim leio o documento do projeto de leitura da escola buscando sua

intertextualidade suas condiccedilotildees de produccedilatildeo seus ditos e natildeo-ditos Penso entatildeo sobre seu

nascedouro quem o produziu e por que o fez Procurei observar se aquele documento

expressava interesse pedagoacutegico intersubjetivo ou a exigecircncia da SEDEC teria sido a causa da

sua elaboraccedilatildeo ou seja motivaccedilatildeo externa administrativa E me interessei pelo que existe e

natildeo existe ali dizendo da realidade social que o produziu quem observa sua confecccedilatildeo sua

aplicaccedilatildeo ou natildeo-aplicaccedilatildeo A SEDEC exige uma produccedilatildeo acadecircmica mas o impacto da

84

execuccedilatildeo desta tarefa na atividade escolar parece natildeo ser devidamente acompanhado Essa

questatildeo jaacute me envereda para uma reflexatildeo sobre poliacutetica puacuteblica de gestatildeo educacional que

natildeo eacute de competecircncia desta pesquisa mas que ao fim e ao cabo faz sentido explorar tal

inquietaccedilatildeo pela relaccedilatildeo que haacute entre o labor do projeto e sua existecircncia e aplicaccedilatildeo

As indagaccedilotildees que produzi diante daquele documento eram sustentadas por uma

intenccedilatildeo de observar inicialmente se a tocircnica do projeto concebia a leitura como uma praacutetica

cultural natildeo neutra inserida nas relaccedilotildees de poder Se enfim era concebida como campo de

disputa espaccedilo de poder Afastando-se da defesa da leitura como tese unicamente advogo a

da leitura como utopia semeada por olhos de quem ama e faz educaccedilatildeo porque luta por

praacutetica de liberdade como defendeu Paulo Freire ao longo de sua vida e obra E a leitura

nessa perspectiva faz da educaccedilatildeo o ponto amoroso em que Hanna Arendt diz dever ser nas

palavras da autora ldquoa educaccedilatildeo eacute o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante

para assumirmos a responsabilidade por ele e com tal gesto salvaacute-lo da ruiacutena que seria

inevitaacutevel natildeo fosse a renovaccedilatildeo e a vinda dos novos e dos jovensrdquo (ARENDT 2009 p 247)

Sem querer mais uma vez reforccedilo desfazer do trabalho realizado na escola

TRAVESSIA natildeo posso omitir que enxerguei que aquele documento natildeo dizia desse

compromisso propalado pelos pensadores acima E assim o concebo quando olho a vaguidatildeo

com que ele se veste no que diz respeito aos seus objetivos e procedimentos metodoloacutegicos

Obviamente natildeo posso restringir a praacutetica leitora do projeto ao que estaacute marcado no referido

documento Sem relaccedilotildees ingecircnuas com a linguagem como propotildee a AD que afirma com

Orlandi (2008) que quando se lecirc considera-se natildeo o que estaacute dito mas tambeacutem o que estaacute

impliacutecito entre o que eacute feito e proposto existe o caminho do exequiacutevel que eacute atropelado

muitas vezes por adversas condiccedilotildees de trabalhos

E precisei atentar para o que aquele projeto anuncia fazer observando suas

articulaccedilotildees entre objetivos accedilotildees metodologia No tocante a essas articulaccedilotildees natildeo constam

ali explicitadas entre seus objetivos as temaacuteticas transversais recomendadas pelos PCNs

muito menos a de gecircnero Assim considerando que os sentidos de um texto passam por outros

textos o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero natildeo contemplado nas vozes perscrutadas

anteriormente em meus primeiros contatos com os sujeitos pesquisados ressoava sua

ausecircncia ali tambeacutem E da leitura daquele documento extrai que natildeo haacute a presenccedila do tema

proposto por esta pesquisa para inquiriccedilatildeo estaacute todavia posto ali como objetivo geral do

projeto desenvolver o gosto pela leitura escrita e arte visando agrave construccedilatildeo de uma

identidade poeacutetica formaccedilatildeo de cidadatildeos reflexivos e leitores autocircnomos

85

Atrelada agrave minha questatildeo problema natildeo adentrei para a investigaccedilatildeo do que seria

essa identidade poeacutetica que jaacute tem outra nuance investigativa Mas o toacutepico a formaccedilatildeo de

cidadatildeos [cidadatildes] reflexivos[as] entranha-se com meu objeto de pesquisa e indaguei como a

AD indaga como isso significa para aquela unidade escolar pressionada por uma instacircncia

administrativa a produzir um documento e um trabalho Como significa para aquela

educadora a formaccedilatildeo de uma cidadania reflexiva mediada por praacuteticas leitoras A efetivaccedilatildeo

disso passa necessariamente por textos lidos selecionados apresentados sob diversos

suportes imersos em escolhas que expressem comprometimento com os problemas sociais

com a construccedilatildeo dos processos que debatem tais problemas vinculados aos interesses dosas

leitoresas Natildeo pude saber entretanto por este documento quais seriam os textos

selecionados para a empreitada de trabalhar a formaccedilatildeo cidadatilde pois natildeo havia nas referecircncias

bibliograacuteficas do mesmo indicaccedilatildeo alguma de como as aulas seriam subsidiadas em termos de

textos Esta omissatildeo pode indicar que para aleacutem da sonegaccedilatildeo desta informaccedilatildeo anunciar

negligecircncia pode haver mais sentidos nesta ausecircncia

Aleacutem daquilo que eacute dito analisar discursos eacute tambeacutem atentar para o que natildeo eacute dito

que conforme a AD nos silecircncios nas interdiccedilotildees haacute formas especiacuteficas dos sujeitos

construiacuterem significados E haacute naquele documento uma ausecircncia de dito significando um

evento discursivo no qual a produccedilatildeo as relaccedilotildees de poder a circulaccedilatildeo dos textos e seu jogo

discursivo natildeo estatildeo explicitados quem produz o debate da formaccedilatildeo cidadatilde e como o produz

natildeo se consegue saber atraveacutes de textos elencados E o ato de ler como praacutetica adotada pela

escola natildeo dispensa um planejamento criterioso no qual se saiba o que se vai ler o porquecirc se

vai ler quando se vai ler mesmo que a seleccedilatildeo dos textos deva ser flexiacutevel para ajustes Isso

se deve fazer para que se evite uma praacutetica riacutegida e impositiva haacute uma realidade dinacircmica

que deve ser contemplada com espaccedilo para a inserccedilatildeo de leituras que possam emergir em

consonacircncia com interesses advindos da comunidade escolar Daiacute ser compreensiacutevel que natildeo

haja uma seleccedilatildeo de textos consagradamente fechada mas sua ausecircncia pode estar indicando

na direccedilatildeo de que as accedilotildees do projeto estatildeo passando ao largo de uma leitura norteada

imbuiacuteda de uma accedilatildeo poliacutetica criteriosamente edificada

Esta constataccedilatildeo ficou mais evidenciada quando observei os objetivos especiacuteficos

(OE) do referido documento Haacute uma quantidade elevada desses (sete) os quais natildeo cumprem

devidamente a funccedilatildeo de pormenorizar as accedilotildees que se pretendem alcanccedilar de forma a

estabelecer estreita relaccedilatildeo com o descrito nos objetivos gerais no que diz respeito agrave

competecircncia da formaccedilatildeo de cidadatildeos [cidadatildes] Considerei a princiacutepio redutor selecionar

unicamente o texto literaacuterio para compor os OE do trabalho E eacute o primeiro que estaacute elencado

86

Diversificar a leitura com textos literaacuterios previamente selecionados Eleger este gecircnero e

deixar de fora pelo menos eacute o que natildeo estaacute explicitado uma gama de formas discursivas que

perpassam o cotidiano escolar eacute desconsiderar o sujeito-leitor e seu lugar social eacute

desconsiderar que a sala-de-aula eacute um espaccedilo complexo onde subjetividades marcadas por

lugares sociais distintos possuem interesses iacutempares Esta eleiccedilatildeo portanto eacute redutora Por

mais que haja razotildees profiacutecuas para se trabalhar a literatura na escola pela presenccedila de

categorias no texto literaacuterio como as da experiecircncia esteacutetica da ludicidade do estranhamento

da subjetividade do aguccedilamento da criatividade do aticcedilamento da imaginaccedilatildeo haacute um

equiacutevoco em eleger apenas o literaacuterio como texto para ser trabalhado Esta escolha tambeacutem

vai na contramatildeo do que recomendam os PCNs (BRASIL 2001 p 36) que apontam para a

pertinecircncia de que a escola promova em seus estudos uma variedade de gecircneros tendo o

literaacuterio como mais um deles

O equiacutevoco da confecccedilatildeo do documento eacute perceptiacutevel tambeacutem por natildeo ser visto ao

longo do seu texto o apontamento de temaacutetica que tenha relaccedilatildeo com a formaccedilatildeo da

cidadania A formaccedilatildeo de cidadatildeos[cidadatildes] reflexivos[as] que o projeto de leitura da escola

aponta em seus objetivos gerais passa por uma contemplaccedilatildeo de leituras que natildeo estaacute ali

desenhada Sem escavar temas que estatildeo na invisibilidade na superficialidade naturalizados e

distantes dos propoacutesitos da pauta reivindicatoacuteria dos DH esse pretenso sujeito reflexivo eacute

mera ornamentaccedilatildeo de projetos de leituras As secretarias de Educaccedilatildeo das escolas puacuteblicas

brasileiras sabem que eacute tarefa hercuacutelea construir leitoresas criacuteticosas e que um dos entraves a

isso estaacute na maacutequina do poder puacuteblico despreparada desequipada para proporcionar

condiccedilotildees favoraacuteveis agrave praacutetica leitora Isto pode ser visto pela inoperacircncia de natildeo fazerem

com que seusuas educadoresas sejam bonsboas leitoresas para que de forma competente

possam atuar como agentes de letramento Assim sem o devido compromisso com a leitura

demonstram estar esses oacutergatildeos administrativos quando engavetam projetos de leituras

anualmente solicitando novos a cada ano letivo sem acompanhar suas feituras que em regra

se diz por aiacute satildeo sem esmeros cumprindo tarefa administrativa como me pareceu este na

escola TRAVESSIA

A fragilizaccedilatildeo com que se organiza o projeto eacute notaacutevel ainda quando se busca em sua

metodologia a articulaccedilatildeo das accedilotildees que promovem os passos que objetivam propor a

formaccedilatildeo da cidadania reflexiva Entre as accedilotildees propostas que constam de oficinas de leitura

escrita de artes de imagens destinadas a alunosas do 6ordm ao 9ordm ano ocorridas em salas e na

biblioteca haacute como enunciado metodoloacutegico que haveraacute planejamento mensal para a seleccedilatildeo

de textos e das dinacircmicas voltado para um contexto relevante para a vida pessoal e social

87

Primeiramente natildeo se esclarece exatamente o que seria este contexto relevante a expressatildeo eacute

vaga Depois chamou-me atenccedilatildeo o quanto a expressatildeo tema foi citada vagamente por

diversas vezes [] explorando o imaginaacuterio e as referecircncias que os alunos tecircm sobre os

temas textuais Natildeo haacute entretanto evidecircncia alguma de quais textos e temas seratildeo

trabalhados Esta inexatidatildeo me fez enxergar impropriedade na proposiccedilatildeo Em uma das

atividades propostas assim aparece levantar as referecircncias que os alunos tecircm sobre os temas

dos textos E de novo quais textos e temas conforme a redaccedilatildeo do projeto natildeo foi possiacutevel

levantaacute-los naquele documento Outra vez haacute uma frase solta compondo o texto Sequer uma

referecircncia aos temas transversais propostos pelos PCNs foi feita Mas no natildeo-dito acerca de

uma tarefa que eacute propositura da escola que deveria atuar pela exiacutemia preocupaccedilatildeo de

contribuir deveras com a construccedilatildeo de uma leitora ativoa a questatildeo-problema por mim

levantada nesta pesquisa foi respondida na leitura do documento Verifiquei deveras que

considerando o que estaacute posto ali por aquele texto-fundador natildeo se contempla o debate sobre

a equidade de gecircnero no projeto de leitura da escola TRAVESSIA

32 O acervo bibliotecaacuterio dos paradidaacuteticos estantes que enunciam

E como travessias natildeo se fazem sem caminhadas caminhei mais pela escola em

busca de perscrutar o que anunciam as vozes docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero na via da

leitura Caminhei contornando em alguns momentos e espaccedilos a anguacutestia pela percepccedilatildeo da

ausecircncia do desejo nosas fazedoresas da educaccedilatildeo por uma leitura como praacutetica social que

construa significados e proponha novos modos de subjetivaccedilatildeo Contornando sem receita

(ningueacutem eacute portador de saiacutedas solitaacuterias) nem elixir nem liccedilotildees nem textos prontos Apenas

escutando sentindo entendendo que a constituiccedilatildeo de uma alunoa leitora pode desaguar em

um mar de ativismo social em um mar que desemaranhe a promoccedilatildeo de um sujeito criacutetico

arguitivo reflexivo natildeo apenas pelo que se lecirc mas de qual lugar e para que se lecirc Para isso

deve haver uma dimensatildeo eacutetica no ato de ler natildeo meramente teacutecnica como costuma grassar

nas escolas pouco afeitas a pensar a leitura de modo perquisitivo Esta dimensatildeo eacutetica natildeo se

semeia em escola assolada por pragmatismo que natildeo ama a educaccedilatildeo essa dimensatildeo

conforme Arendt (2009) anuncia tem no amor a medida de nossos compromissos Eacute

dimensatildeo que abarca decisatildeo poliacutetica eacute escolha pela salvaccedilatildeo pela convicccedilatildeo do

inacabamento freireano (FREIRE1999)

Muito brevemente fui percebendo entatildeo que na escola TRAVESSIA as relaccedilotildees de

gecircnero natildeo perpassavam como debate proposto pelo seu referido projeto de leitura E outra

88

comprovaccedilatildeo disso foi aferida pela consulta que fiz do acervo da biblioteca especificamente

no que se refere agraves obras paradidaacuteticas que satildeo as selecionadas para investigaccedilatildeo em termos

de levantamento natildeo propriamente de anaacutelise dos textos neste estudo Em uma pequena

prateleira havia alguns livros tive o cuidado de ler suas fichas catalograacuteficas e identifiquei

que em nenhum deles tematizava-se gecircnero Conforme ainda me respondeu a coordenadora

do projeto de leitura nas listas de livros da biblioteca natildeo estava disponibilizada nenhuma

obra pelo menos que fosse de seu conhecimento que tratasse da temaacutetica de gecircnero

Indaguei-lhe se alguma educadora ou alunoa jaacute havia manifestado o interesse de procurar

obras com esta temaacutetica Respondeu-me que natildeo

E de fato parece natildeo haver uma existecircncia farta de textos publicados para a

literatura infanto-juvenil trazendo o foco especiacutefico no tema das relaccedilotildees de gecircnero em uma

perspectiva de resistecircncia de oferta de um olhar desconstrutor de formas de se constituir

subjetividades masculinas e femininas Existem obras como A bolsa amarela de Lygia

Bojunga Nunes (2003) Faca sem ponta e galinha sem peacute de Ruth Rocha (2008) e outras

poucas no universo literaacuterio infanto-juvenil brasileiro que enfocam a temaacutetica de gecircnero e

que poderiam estar entre os parcos livros daquele espaccedilo-leitor mas natildeo estatildeo

Mesmo assim a ausecircncia de obras que tratem das iniquidades de gecircnero agrave luz de sua

problematizaccedilatildeo por si soacute natildeo eacute referecircncia de que natildeo haacute a temaacutetica em tela naquele espaccedilo

Ademais a ausecircncia de obras emblemaacuteticas que pontuem o debate proacute-equidade natildeo eacute oacutebice

para que se olhe a questatildeo do alto das indicaccedilotildees das diretrizes educacionais que propotildeem o

desmantelo das assimetrias de gecircnero Para isto basta que se problematizem as leituras de todo

um artefato cultural com sentidos que sedimentam um imaginaacuterio inferiorizante da mulher e

constroem o diferente como abjeto Basta natildeo silenciar diante de artefatos que circulam

construindo sentidos e configurando infacircncias e adolescecircncias prensadas em estereoacutetipos de

gecircnero Estes artefatos circulam socialmente e podem ser lidos como a AD pontua indagar

natildeo o que o texto significa mas como significa

Os sentidos segundo essa disciplina natildeo satildeo fixos natildeo existem em si mesmos

mesmo que sejam administrados (PEcircCHEUX 2012) A escola por isto deve olhar com

atenccedilatildeo todo artefato que lhe chega e o que ela produz como uma forma de militar pela

construccedilatildeo de uma praacutetica de liberdade na qual homens e mulheres desfamiliarizam-se com

as incontaacuteveis narrativas que cruzam suas heterogecircneas formaccedilotildees discursivas Se isto natildeo faz

parte do cotidiano das praacuteticas leitoras dosas educadoresas assimilado como uma questatildeo

poliacutetica uma questatildeo de resistecircncia assimilado aleacutem do que propotildee cursos de formaccedilatildeo de

nada adiantam obras construiacutedas agrave luz da teoria de gecircnero postas em um acervo bibliotecaacuterio

89

De toda sorte a ausecircncia de textos que evoquem leituras militantes fala de uma presenccedila natildeo-

dita fala de um vazio preenchido por uma leitura descomprometida com a pauta

reivindicatoacuteria dos direitos das mulheres e dos direitos da populaccedilatildeo LGBT (leacutesbicas gays

bissexuais travestis transexuais e transgecircneros)

33 Os relatos as subjetividades os jogos discursivos

Nos percalccedilos da travessia na escola verifiquei tambeacutem por outros modos conforme

propus como empiria desta pesquisa que ali natildeo se dava visibilidade ao debate sobre as

relaccedilotildees de gecircnero Comprovei isso ainda pelos depoimentos de educadoresas que em vaacuterios

momentos nos diaacutelogos que tivemos ressaltaram perceber a ausecircncia do tema mesmo

reconhecido por alguns a sua relevacircncia para a construccedilatildeo da cidadania plena Houve registros

orais disso por parte de profissional da biblioteca e de demais educadoresas os quais irei

descrevecirc-los ao longo deste capiacutetulo por consideraacute-los relevantes para a anaacutelise Um desses

registros se deu no relato proferido pela professora Denise que entre as tarefas de emprestar

e guardar livros aquela profissional relatou-me que guarda assiduamente aleacutem de livros

histoacuterias de vida de alunosalunas desabafando sobre conflitos

Denise que estaacute na TRAVESSIA haacute seis anos atesta que haacute naquela unidade escolar

muitos problemas ligados agrave questatildeo da sexualidade da identidade da violecircncia de gecircnero e

domeacutestica Ouvi atentamente a ecircnfase que deu na violecircncia domeacutestica trazida de casa por

meninos e meninas que para esta profissional provoca-lhes ansiedade e revolta Daquela

informante extrai que acirrados conflitos de natureza de gecircnero vividos por aquele grupo de

crianccedilas e adolescentes satildeo como que despejados ali Assim compreendi ser quando lhe

indaguei acerca de accedilotildees para o enfrentamento desses conflitos e afora os atendimentos pelos

especialistas o que eacute tiacutepico e corriqueiro ela me respondeu que natildeo se faz mais nada naquele

espaccedilo Esse nada esteve como resposta referente agrave indagaccedilatildeo que lhe fiz pontuando se o

projeto de leitura natildeo trabalhava especificamente em forma de debates com textos que

evocassem reflexotildees socializaccedilatildeo envolvimento com as famiacutelias e enfrentamento dessas

questotildees

A cada momento no chatildeo da escola natildeo me passava incoacutelume a presenccedila tatildeo

avassaladora de conflitos envolvendo violecircncia de gecircnero reveladas pelas praacuteticas discursivas

de outrosas informantes desta pesquisa Em uma de minhas visitas agrave escola todavia em 4 de

outubro2013 registrei um relato que me fez refletir com mais ecircnfase sobre as relaccedilotildees de

poder como praacuteticas integrantes do cotidiano em grande extensatildeo Esta reflexatildeo se deu

90

quando dialoguei com Rosa professora de Inglecircs haacute vinte anos Soliacutecita em me atender a

educadora revelou por diversas vezes o desejo de desabafar mas expressando sinceridade

mesmo que me chocasse E falou enfaticamente a partir de um status conservador que rejeita

os estudos e as bandeiras dos DH as ideias sobre sexualidade e gecircnero defendidas por

ldquoeducadoresas modernosrdquo por achar que o mundo bom em seu dizer ldquoeacute aquele onde

existem regras moral repressatildeo E que isto parece querer acabarrdquo

Para Rosa as tecnologias enunciativas que propotildeem uma nova ordem de reflexatildeo e

comportamento eacute uma desordem um mal Natildeo exatamente com essas palavras mas trazendo

este sentido respondeu-me a docente quando lhe indaguei acerca da inserccedilatildeo do debate dobre

gecircnero respaldada nas questotildees trazidas pela legislaccedilatildeo educacional Seu olhar aposta na

repressatildeo no silecircncio em especial agraves garotas que estatildeo muito soltas a seu ver Esta

informante sem o menor embaraccedilo relatou-me que a escola vivia momentos difiacuteceis com

uma explosatildeo da sexualidade da sua juventude e que isso era efeito da falta ldquode freiordquo Para

sustentar suas ideias relatou-me um fato haviam recentemente passado por uma experiecircncia

dificiacutelima com a depressatildeo de uma jovem que se autoflagelou (cortando o corpo em vaacuterias

partes) depois de ter tido sua imagem exposta publicamente em rede social quando fez sexo

com vaacuterios garotos e permitiu que eles filmassem o ato O comportamento da aluna opinou a

educadora foi muito vulgar rendeu-lhe depressatildeo chacota desonra preocupaccedilotildees para a

famiacutelia

Da discursividade de Rosa emanava rigidez de comportamento repressatildeo inclusive

fazendo a defesa do controle dos corpos pela instituiccedilatildeo Sem nenhum ressentimento de estar

errada nem extemporacircnea esta docente assumiu que se preocupava veementemente com as

roupas as danccedilas os comportamentos das meninas que a seu ver eram consideradas como

ldquoassanhadinhas perdidasrdquo Sua vigilacircncia acreditava esta informante era o melhor para a

escola E de forma diferenciada dirigia o controle a meninos e meninas para elas os

cuidados eram focados na sexualidade com relaccedilatildeo aos garotos a vida social deles como um

todo tinha sua apreensatildeo Aos meninos preocupaccedilotildees de natureza diferente eram por ela

dispensadas cuidados com as drogas o aprendizado a violecircncia a marginalidade Agraves

questotildees ligadas agrave sexualidade e ao corpo dos garotos havia um silecircncio um natildeo dito

permissivo da parte dela como se soacute a eles lhes coubesse o direito de viver seus desejos

sexuais

Ao ouvir a apropriaccedilatildeo do discurso da construccedilatildeo das desigualdades de gecircnero

naquela voz educadora veio-me pela memoacuteria discursiva agrave lembranccedila o discriminador dito

popular ldquosegure sua cabrita que meu bode estaacute soltordquo O ditado que trata assimetricamente

91

homens e mulheres veio-me [meu bode estaacute solto] pelo silecircncio permissivo da educadora agrave

ordem machista quanto ao que podem os meninos satildeo livres E veio-me [segure sua cabrita]

pela fala dela quanto agrave ordem repressiva do que natildeo podem as meninas precisam de

cabrestos Tatildeo iniacutequo esse dito poderia ser pronunciado por aquela voz educadora para

sintetizar seu olhar insensiacutevel agraves questotildees trazidas pelos campos dos estudos de gecircnero Um

olhar de uma educadora turvado de preconceito machista em meio a toda uma

problematizaccedilatildeo que o coletivo de mulheres tenta construir sobre igualdade de direitos eacute um

olhar que destoa com praacuteticas de liberdade e aduz com a indagaccedilatildeo de Foucault no tocante agrave

regulaccedilatildeo dos comportamentos entre outras instituiccedilotildees pela escola

O que eacute afinal um sistema de ensino senatildeo uma ritualizaccedilatildeo da palavra senatildeo uma

qualificaccedilatildeo e uma fixaccedilatildeo de papeacuteis para os sujeitos que falam senatildeo a constituiccedilatildeo

de um grupo doutrinaacuterio ao menos difuso senatildeo uma distribuiccedilatildeo e uma apropriaccedilatildeo

do discurso com seus poderes e seus saberes [] (FOUCAULT 2011 p 44-45)

Na consonacircncia com o que diz Foucault (2011) os depoimentos de Rosa podem ser

vistos como os que se apropriam de um discurso que se arvora no papel de controlar sujeitos

pautados no poder institucional escolar E mesmo quando este poder passa a ser enxertado por

outra ordem discursiva que abala pilares conservadores a educadora eacute refrataacuteria agrave nova

ordem e defende o controle da doutrina da coerccedilatildeo de comportamentos tachando as alunas

que se lanccedilam nas descobertas da sexualidade como vulgares Isso fez com que ela fosse

redutora no olhar que dirigiu agrave menina de sua histoacuteria viacutetima do machismo de um grupo de

colegas ainda eacute a condenada pela autoridade escolar Indaguei-lhe o que fizeram com os

meninos que expuseram a garota Sua resposta anunciou um conservadorismo atravessado por

gecircnero

- Foram chamados na direccedilatildeo advertidos Mas satildeo homens

Homens que usam mulheres humilham-nas expotildeem-nas A ressalva pontuada pela

materialidade linguiacutestica da conjunccedilatildeo adversativa mas no enunciado de Rosa reforccedila seu

olhar segregacionista machista seu status de sujeito que anuncia de um lugar conservador

ldquoMas satildeo homensrdquo eacute o enunciado campo para o natildeo dito brotar nada lhes pega mal na

instacircncia da sexualidade assim subjaz um discurso assimeacutetrico de gecircnero naquela voz Na

concepccedilatildeo daquela educadora ser homem eacute um atributo para a libertinagem aleacutem do direito agrave

liberdade

92

Percebi ali que passando ao largo de um debate que contemple problematizar

preconceitos machistas assimetrias de gecircneros alguns profissionais aleacutem de Rosa lidam de

forma tensa e iniacutequa com o despertar da sexualidade dessesas jovens especialmente na

representaccedilatildeo dos papeacuteis do masculino e do feminino Vale todavia fazer o registro de que

osas colaboradoresas observadosas e entrevistadosas natildeo podem ser vistos como

vilotildeesvilatildes nem portadoresas de verdades ou falsidades mas como sujeitos que se engrenam

em poderes e saberes culturas comportamentos disciplinados historicamente dados por isso

passiacuteveis de movecircncias de transformaccedilotildees

34 O questionaacuterio e outros relatos entrelaccedilando discursividades

E ainda sequenciando a explanaccedilatildeo do campo empiacuterico que faz parte desta pesquisa

pontuo que averiguei o quanto o projeto de leitura era desvinculado de uma problematizaccedilatildeo

sobre as relaccedilotildees de gecircnero com base na anaacutelise das respostas do questionaacuterio aplicado junto

agravesaos educadoresas Aqui farei o entrelaccedilamento da anaacutelise dos resultados deste instrumento

com mais relatos que geraram dados para este estudo

Como um dos pontos do processo investigativo recorri agrave aplicaccedilatildeo do questionaacuterio

com osas demais educadoresas envolvidosas com o projeto com o propoacutesito de avaliar

como a accedilatildeo leitora eacute apreendida por outros sujeitos considerando que inicialmente apenas

trabalhei com a coordenaccedilatildeo do projeto A aplicaccedilatildeo deste instrumento foi solicitada depois

de alguns diaacutelogos com membros da equipe pedagoacutegica da escola agrave Diana coordenadora do

projeto de leitura que de forma bastante soliacutecita concordou disponibilizando-se para

colaborar e recebeu em matildeos dez coacutepias do questionaacuterio para distribuir com educadoresas

integrantes do trabalho ali desenvolvido Anteriormente jaacute havia feito o convite aosagraves

professoresas para que participassem da pesquisa assegurando-lhes o respeito ao anonimato

caso assim o desejassem Dos dez instrumentos entregues apenas de um natildeo houve a

devolutiva o que me fez ter a colaboraccedilatildeo de um nuacutemero satisfatoacuterio considerando o total de

professoresas na instacircncia educacional em tela envolvidosas com o referido projeto

Para esse instrumento investigativo foram articulados enunciados pensando na

contribuiccedilatildeo para as reflexotildees que preciso construir considerando que o sujeito fala sempre a

partir de especiacuteficas posiccedilotildees histoacutericas e culturais de praacuteticas descontiacutenuas que se cruzam

se desconhecem se justapotildeem enfim que natildeo se pode apreendecirc-las de forma objetiva e

neutra (cf FOUCAULT 2011 2012) Vale ressalvar entatildeo de que a interaccedilatildeo que eacute feita com

as respostas dadas no documento investigativo natildeo pode ser vaticinada como uma revelaccedilatildeo

93

objetiva do real se assim o fosse natildeo estaria partilhando com a perspectiva foucaultiana

como tambeacutem com a da criacutetica feminista poacutes-estruturalista as quais concebem que a verdade

eacute uma produccedilatildeo discursiva histoacuterica e social o que indica que natildeo haacute a verdade mas haacute a que

prevalece

No tocante agrave aplicaccedilatildeo do questionaacuterio ouvi dosas respondentes em contatos

fortuitos que as questotildees formuladas foram bem interessantes A qualificaccedilatildeo de interessante

pelo que assimilei deveu-se agraves formulaccedilotildees que fizeram com que osas educadoresas

informantes refletissem sobre as suas praacuteticas discursivas Guiei-me para a confecccedilatildeo deste

instrumento investigativo entre outras pelas reflexotildees que o Poacutes-Estruturalismo traz em

termos de abrir caminhos para se pensar a realidade pontuando uma poliacutetica de

problematizaccedilatildeo da diferenccedila racial eacutetnica e de gecircnero As questotildees levantadas no

instrumento investigativo foram elaboradas considerando tambeacutem o norte interrogativo de que

se havia tal poliacutetica no que se refere agraves questotildees de gecircnero adentrado o espaccedilo escolar

E desse modo considerando que apoacutes a inserccedilatildeo da temaacutetica de gecircnero nas duas

uacuteltimas deacutecadas por meio tambeacutem de elementos enunciativos oficiais como os PCNs (1997) e

a LDBEN-96 que indicam o respeito agrave diversidade e agrave igualdade de direitos fui investigar

com este instrumento se oa educadora estava sendo formadoa para atuar (ou natildeo) por uma

sociedade em que as assimetrias de gecircnero fossem combatidas Por seu turno trazendo a

interface temaacutetica de gecircnero com a perspectiva da leitura discursiva na qual ler eacute mais do que

decodificar eacute se inscrever socialmente procurei elaborar questatildeo que pontuasse como a

leitura se desenvolvia no projeto

Busquei enfim enunciados que tratassem das discursividades docentes referentes agrave

construccedilatildeo social do gecircnero e agrave leitura como praacutetica social Assim os propus

1 O que a leitura significa para a escola expressada atraveacutes do seu projeto A

CestaSexta Literaacuteria (marque ateacute trecircs principais questotildees)

1a ( ) Instrumento de ajuda na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo

1b ( ) Uma atividade prazerosa

1c ( ) A escola natildeo valoriza a leitura

1d ( ) A escola valoriza pouco a leitura

1e ( ) Um estiacutemulo agraves transformaccedilotildees sociais

Outra __________________________________

Trecircs enunciados foram sumamente considerados 1a 1c e 1e instrumento de ajuda

na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo a escola natildeo valoriza a leitura e o de que eacute um estiacutemulo agraves

transformaccedilotildees sociais Chamou-me atenccedilatildeo a marcaccedilatildeo de que a escola natildeo valoriza a leitura

94

(1c) por tudo o que essa praacutetica pode significar marcado no uacuteltimo item possibilidade de

mudanccedilas sociais Tambeacutem a ausecircncia de marcaccedilatildeo no enunciado que vecirc na leitura uma

atividade prazerosa (1b) eacute um indicativo que incita reflexotildees considerando que a formaccedilatildeo

doa leitora tem vinculaccedilatildeo profunda com o prazer de ler E estas reflexotildees me trazem agrave

lembranccedila a informaccedilatildeo da 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil na qual eacute

pontuada a problemaacutetica de que a escola brasileira natildeo sedimenta a leitura oferece o acesso

mas natildeo sabe semear o prazer pelo ato de ler Segundo indicadores da pesquisa aqui os

rememorando 44 dos alunos da rede privada e 46 da puacuteblica afirmaram ter como

motivaccedilatildeo para a leitura a exigecircncia da escola Com as reflexotildees que a natildeo-marcaccedilatildeo do

enunciado 1b suscita vieram-me agrave lembranccedila tambeacutem Carlos Drummond de Andrade

(1983) e Rubem Alves (2004) quando esses aticcedilam poeticamente o desejo pelos requintes do

mergulho nas deliacutecias das leituras natildeo-obrigatoacuterias das que nascem da fome de ler da fome

de aticcedilar a imaginaccedilatildeo as reflexotildees que podem advir de uma leitura fecunda

Esse enunciado natildeo marcado pelosas educadoresas pontua uma denuacutencia de

desvalor pela escola a uma de suas eleitas funccedilotildees formadoras a da leitura Decerto que isto

reflete todo o descaso que o poder puacuteblico historicamente tem feito em termos de poliacuteticas

voltadas ao estiacutemulo agrave leitura agrave valorizaccedilatildeo da educaccedilatildeo Haacute uma heranccedila de deficiecircncia

educacional da qual soacute recentemente se tem cuidado natildeo ainda o suficiente ainda de modo

piacutefio melhor dizendo mas despontam investimentos maiores do que jaacute houve Investimentos

piacutefios ou natildeo investimentos Este eacute um legado que tatildeo bem lembra Werthein (2008) ao citar

as relaccedilotildees de poder-saber pertencentes agrave elite econocircmica brasileira que se instruiacutea na

Europa agrave eacutepoca do Brasil Colocircnia enquanto que ao povo lhe era negado o direito agrave escola

Quando o acesso agrave educaccedilatildeo puacuteblica se torna realidade a qualidade natildeo faz parte desta

conquista Disto se sabe a estrutura que a educaccedilatildeo puacuteblica oferta aos seus usuaacuterios em

termos de praacuteticas leitoras eacute deficitaacuteria As salas de aulas lotadas os pequenos acervos as

escolhas dos livros com os criteacuterios mercadoloacutegicos agrave frente os parcos recursos tecnoloacutegicos

para facilitarem animaccedilotildees adequadas a pouca reflexibilidade das famiacutelias quanto agrave leitura

em casa entre tantas outras satildeo condiccedilotildees que educadoresas elencam como obstaacuteculos a uma

experiecircncia prazerosa com a leitura

As condiccedilotildees limitadoras acima elencadas natildeo foram extraiacutedas pelas respostas ao

questionaacuterio Foram informaccedilotildees que obtive em diaacutelogo com a professora Mari em uma das

minhas visitas agrave escola (diaacuterio de campo13set2013) Apoacutes esta me informar sobre a

ausecircncia da temaacutetica de gecircnero em suas praacuteticas indaguei-lhe se natildeo considerava pertinente

trabalhar com textos que abordassem a violecircncia de gecircnero Fiz a pergunta tendo em vista o

95

que anunciam Carvalho (2003) e Louro (2012) no tocante agrave percepccedilatildeo dessas estudiosas de

que natildeo haacute distacircncia da temaacutetica ela eacute entranhada no espaccedilo escolar fabricando sujeitos

Educadoresas tecircm desse modo a possibilidade de contribuir reflexivamente sobre que

construccedilatildeo discursiva se faz com esses sujeitos reforccedilam preconceitos e estereoacutetipos de

gecircnero ou garantem o direito a esses de uma digna imagem de si Natildeo haacute neutralidade o

tempo todo somos tramados por linguagem que nos moldam

E para suscitar este debate as diretrizes educacionais inclusivas como as

positivadas em Resoluccedilatildeo 0112 no PNDH nos PCNs e na LDB satildeo aportes que chegam

ocupando gavetas escolares e atenccedilatildeo em eventos de formaccedilotildees continuadas mas se estas

estatildeo incorporadas nas praacuteticas discursivas dosas fazedoresas da educaccedilatildeo eacute outra questatildeo E

foi isso que ali atestei na entrevista com Mari a professora de Liacutengua Portuguesa suas

inquietaccedilotildees evidenciaram a lacuna entre as tecnologias oficiais por ela conhecidas e a sua

praacutetica discursiva Agrave minha indagaccedilatildeo acerca da necessidade de trabalhar para uma

consciecircncia de gecircnero sem titubear ela me respondeu

- Dou-me por satisfeita quando faccedilo meus alunos [e alunas] lerem O que leem natildeo

faz parte de minhas expectativas

Mais um enunciado que destrincha que carrega frustraccedilotildees profissionais de vozes

emparedadas pelos muros escolares de um sistema educacional feito para engessar

mobilizaccedilatildeo social ressoou ali Investimentos parcos na educaccedilatildeo puacuteblica que resultam em

peacutessimas condiccedilotildees de trabalhos minguaram as expectativas de uma mulher ainda jovem com

poucos anos de formada que parece entender o quanto a leitura pode propiciar criticidade o

que leem soou em sua voz com forccedila com tom de importacircncia Mas isso depende de suas

vinculaccedilotildees com accedilotildees poliacuteticas como remete Freire (2002) com accedilotildees planejadas como

indicam estudiososas da leitura e daacute trabalho propocirc-las naquele ambiente tatildeo hostil agrave leitura

aos olhos de Mari E ela abriu matildeo disso confessamente

Natildeo pude deixar de suspeitar de que talvez sem estar protegida pelo anonimato

aquela educadora que me disse natildeo ser do quadro efetivo dosas servidoresas por isto natildeo se

sentia segura para fazer criacuteticas agrave educaccedilatildeo na rede municipal natildeo tivesse tido a coragem de

se expor tatildeo cruamente Expocircs-se e trouxe agraves vistas uma das piores chagas da escola puacuteblica

brasileira a de que a leitura natildeo tem o lugar que deveria conforme Antunes (2009) anuncia

lugar de destaque de centro de alimento de patildeo diaacuterio Na contramatildeo de investimentos

intelectuais e financeiros em letramento tocircnica educacional das uacuteltimas deacutecadas Mari se

96

contentava com a mera decodificaccedilatildeo com a leitura que poderia promover ao maacuteximo oa

estudante aagrave trabalhadora natildeo aagrave cidadatildeoatilde Haacute uma relaccedilatildeo entre esta tocircnica de

descompromisso dito em escola paraibana ressoada pelo que pontua Bastos (2012) em outro

espaccedilo do territoacuterio brasileiro o baiano de que a escola precisa cumprir sua funccedilatildeo social e

atrair para o ato de ler este grupo de excluiacutedo para quem a leitura natildeo eacute gecircnero de primeira

necessidade

Retornando ao questionaacuterio tambeacutem respondido por esta informante na segunda

questatildeo deste instrumento objetivei inquirir sobre o que se lecirc avaliando quais conteuacutedos

eram promovidos pelo projeto

2 O projeto de leitura estimula a reflexatildeo sobre temas como racismo preconceitos

Direitos Humanos

( ) sim ( ) natildeo

Apesar de destoante com o que apresenta o documento do projeto de leitura que

conforme jaacute referido natildeo evidencia trabalhar temas atinentes aos DH das nove respostas a

esta questatildeo sete percebem a presenccedila de temas no projeto de leitura que focam reflexotildees

com tais temaacuteticas Na formulaccedilatildeo do enunciado foi pontuado o racismo e de forma

generalizada a expressatildeo preconceitos inviabilizando melhor percepccedilatildeo do que consta como

defesa dos DH Mas na questatildeo seguinte a de nuacutemero trecircs articulei a especiacutefica questatildeo das

relaccedilotildees de gecircnero interessada em averiguar qual o comprometimento da escola por seus

propoacutesitos educacionais e poliacuteticos especificamente em seu projeto de leitura com o campo

de gecircnero

3 O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero estaacute incorporado nas leituras do projeto

( ) sim ( ) natildeo

Marque as explicaccedilotildees para a resposta anterior

3a ( ) As questotildees de gecircnero satildeo pouco exploradas

3b ( ) Eacute explorada com frequecircncia a temaacutetica pautada que estaacute em uma poliacutetica

escolar de engajamento no combate agraves assimetrias de gecircnero

3c ( ) Ainda natildeo houve oportunidade para inserir este tema no projeto de leitura

3d ( ) O projeto daacute visibilidade aos modos como os estereoacutetipos satildeo alicerccedilados e

como muitas leituras reforccedilam os padrotildees sexistas presentes na sociedade

( ) outra ____________________________

97

As respostas da segunda questatildeo foram quase totalizadoras de que haacute a existecircncia de

um estiacutemulo agraves reflexotildees pertinentes agraves temaacuteticas dos DH pelo projeto de leitura desenvolvido

na escola Quanto agrave terceira todosas nove respondentes afirmaram que natildeo haacute a incorporaccedilatildeo

temaacutetica de gecircnero nas leituras feitas pelo projeto e por conseguinte marcaram a proposiccedilatildeo

3c O cruzamento da anaacutelise dessas duas questotildees pode evidenciar o quanto debater gecircnero

parece ser mais aacutespero menos necessaacuterio do que enveredar por outros caminhos que os DH

embandeiram Esta dissociaccedilatildeo chamou-me atenccedilatildeo e me fez refletir quanto esta temaacutetica

passa ao largo de accedilotildees de leitura em um momento em que se discute recontar textos agrave luz de

teorias de gecircnero respaldada a recontagem na militacircncia do coletivo de mulheres que deseja

ver desconstruiacutedas imagens que as fragilizam

O debate conforme responderam osas educadoresas natildeo aparece no projeto de

leitura assim pode natildeo estar incorporado sistematicamente como accedilatildeo poliacutetica de resistecircncia

relembrando o dito por Foucault (2004a 2012) Em um dos meus diaacutelogos com a

coordenadora do projeto na visita de 28 de setembro de 2013 fazendo inquiriccedilotildees sobre a

percepccedilatildeo dela quanto ao conceito de gecircnero das obras presentes no espaccedilo da biblioteca

acerca desse campo obtive de mais uma informante desta pesquisa que natildeo havia obra ali

com esta perspectiva Este tema precisaria ser inserido passava ao largo o foco nas relaccedilotildees

de gecircnero Falou-me que ao selecionar textos natildeo traz este olhar previamente Quando lhe

indaguei como via a omissatildeo da temaacutetica respondeu-me

- Percebo a omissatildeo agora com sua presenccedila que faz sentido discutir gecircnero Mas

como faccedilo isto Quais textos devem ser trabalhados

E eu lhe escutei sem entender como esta educadora natildeo atentaria que subjaz em regra

nos diversos gecircneros textuais um olhar construtor de gecircnero Haacute olhares sobre mulheres

negras brancas jovens idosas de classes e etnias diferentes nos quais subjazem nos gecircneros

textuais a iniquidade de gecircnero social Plasmada em letras de muacutesicas livros didaacuteticos

paradidaacuteticos canccedilotildees histoacuterias piadas publicidades mateacuterias jornaliacutesticas cantadas enfim

sob os mais diversos formatos haacute a temaacutetica de gecircnero Indaguei-lhe se acharia que a

ausecircncia de textos especiacuteficos para o enfrentamento agrave iniquidade de gecircnero poderia mesmo

ser oacutebice para a exploraccedilatildeo da temaacutetica considerando que ela estaacute no imaginaacuterio social de

alguma forma precisando ser desconstruiacuteda Ela foi sincera e confessou que natildeo atentava para

a presenccedila da temaacutetica perpassando em tantos gecircneros textuais A invisibilidade da violecircncia

de gecircnero deu sinais naquele depoimento De modo letaacutergico natildeo sendo contemplada em

98

leituras escolares nem vista em textos que fazem parte do cotidiano das prateleiras de

bibliotecas dos aparelhos de som e das mochilas escolares a invisibilidade fazia acenos pelos

sentidos que aquela educadora concedia ao ato de ler

O ato de ler natildeo se esgota em livros bibliotecas professoresas escolas Nascem de

olhos que veem que planejam que seduzem Silva (2011) aduz que as praacuteticas de leitura

escolar natildeo podem nascer do acaso nem do autoritarismo de tarefas mas de uma programaccedilatildeo

envolvente E isto perpassa essencialmente por uma formaccedilatildeo que privilegie praacuteticas de

liberdade consciecircncia da importacircncia de uma construccedilatildeo coletiva do lugar de si e do outro no

mundo que nos cerca Dessa formaccedilatildeo o poder puacuteblico tem dito se preocupar Eacute com o que

parecem concordar osas entrevistadosas diante da seguinte questatildeo

4 Vocecirc acredita que a formaccedilatildeo recebida pelo (a) educador (a) tanto em niacutevel

inicial quanto na continuada tem preparado o (a) profissional para uma praacutetica

pedagoacutegica que contemple a equidade de gecircnero no espaccedilo escolar

( ) sim ( ) natildeo

Essa questatildeo objetivou perceber de que forma as poliacuteticas puacuteblicas de formaccedilatildeo

inicial e continuada satildeo percebidas Eacute algo que merece a atenccedilatildeo ser averiguado seriam essas

formaccedilotildees proficientes excessivamente teoacutericas de que modo essas praacuteticas discursivas

equipam essesas profissionais para impactar suas atuaccedilotildees Investigar o que de fato tem

atravessado os discursos das formaccedilotildees e ressoado no chatildeo da escola nos modos de

subjetivaccedilatildeo dessesas professoresas leitoresas eacute de uma pertinecircncia tamanha para quem se

envolve com a educaccedilatildeo como praacutetica de liberdade no sentido foucaultiano Dizendo de outro

modo eacute salutar buscar se haacute verdades novas atinentes ao que propotildeem os DH sobre a

equidade de gecircnero sobre a desconstruccedilatildeo da constituiccedilatildeo do diferente enunciadas pelos

formadores em curso de capacitaccedilatildeo e nas formaccedilotildees iniciais e quais tecircm sido seus efeitos

Com a aplicaccedilatildeo da quarta questatildeo pude avaliar como satildeo afetadas as relaccedilotildees de gecircnero pela

ingestatildeo do debate pelas tecnologias formadoras E de fato a totalidade dosas respondentes

afirmou que recebe uma formaccedilatildeo que capacita que contempla o debate sobre a construccedilatildeo

das diferenccedilas e a equidade de gecircnero no espaccedilo escolar

Entre todavia o recebimento de uma formaccedilatildeo capaz de problematizar as

assimetrias de gecircnero e a implementaccedilatildeo por parte dessesas educadoresas de uma praacutetica

discursiva que lhes capacite romper com uma memoacuteria discursiva que interdita uma condiccedilatildeo

de vida sem subalternidades existem seacuteculos de jogos de verdade nos quais os processos de

subjetivaccedilatildeo transigem segundo regras histoacutericas Satildeo jogos que perpassam doutrinas

99

pedagoacutegicas sustentando uma superioridade intelectual dos homens por isto destinando

lugares distintos para homens e mulheres (o puacuteblico aos homens o privado agraves mulheres)

Satildeo jogos de verdade que destinam comportamentos diferenciados aos sexos constituindo o

gecircnero sustentando a inferioridade feminina a construccedilatildeo da diferenccedila do padratildeo

heterossexual como desvio como patologia entre tantos outros jogos de verdade

E as regras histoacutericas hoje consideram lentamente uma ordem discursiva que se

desenha na qual as muralhas androcecircntricas sofrem o abalo de uma atuaccedilatildeo poliacutetica do

coletivo de mulheres e do LGBT que se empoderam com o ativismo autoral por respeito agraves

diferenccedilas Pude constar isto em uma visitaccedilatildeo que fiz agrave escola em 24 de outubro de 2013 Em

diaacutelogo com Elisa uma professora com 15 anos de atuaccedilatildeo profissional no qual lhe indaguei

sobre sua percepccedilatildeo acerca da presenccedila das relaccedilotildees de gecircnero no cotidiano escolar acerca da

vinculaccedilatildeo (ou natildeo) entre suas praacuteticas leitoras e estas questotildees Muito rapidamente ela se

posicionou como uma conservadora e se disse escandalizada com as transformaccedilotildees sociais

que via emergir em termos de comportamentos sexuais inclusive ali na escola Ouvi um

desabafo inusitado desta informante que presenciou uma cena de beijos entre duas

adolescentes

- Natildeo vejo a hora de sair desta escola Aqui todos satildeo danados E as meninas nem se

falam Peguei duas aos beijos fui intervir e ouvi da menina

- Taacute com preconceito eacute professora

A narrativa daquela educadora me marcou e lhe indaguei se ela achava que estava

com preconceito conforme lhe indagou a menina Respondeu que sim pois sendo beijos entre

casais heterossexuais tambeacutem reprimiria o ato mas natildeo ficaria tatildeo aborrecida como ficou Fiz

a Elisa mais indagaccedilotildees inquirindo sobre o efeito das formaccedilotildees acadecircmicas pelas quais ela

tem passado Ela pareceu-me marcha por lugares onde soam ritmos diferentes E com suas

respostas fui remetida ao que diz Orlandi (2008) acerca do entrecruzamento de vozes que

torna o sujeito heterogecircneo e das condiccedilotildees de produccedilotildees do discurso que permitem

enunciados diferentes em determinados espaccedilos sociais Mesmo se dizendo refrataacuteria agraves

mudanccedilas Elisa disse aprovar as formaccedilotildees continuadas que ensinam a lidar com as

diferenccedilas apesar de natildeo conseguir concordar com o que escuta e vecirc

- Nas formaccedilotildees continuadas ateacute entendo a questatildeo do respeito mesmo sem

concordar ateacute entendo Mas quando presencio uma cena como a do beijo das meninas em

puacuteblico daacute um nojo acho uma falta de respeito natildeo concordo

100

E como demonstrou natildeo concordar Sua ecircnfase agrave cena me fez pensar no quanto

provavelmente o beijo das duas garotas consideradas desviantes lhe foi claramente chocante

mas natildeo menos e natildeo tatildeo claro foi chocante a ela o tom reivindicativo com o qual a aluna se

apoderou para evocar da professora uma postura mais reflexiva mais apropriada a sua funccedilatildeo

A desviante aos olhos de Elisa pode ter lhe lembrado de que para ser educadora ela deveria

estar atinente agraves novas poliacuteticas educacionais deveria ter postura de respeito agrave liberdade de

afeto seja de que maneira for Haacute o dever ao respeito agraves diferenccedilas assegurado legalmente

parece ter dito a menina ao lhe indagar sobre preconceito

Elisa segundo me informou caiu em si natildeo se sentia preparada para atuar ali

mesmo que se esforccedilasse para assimilar as diretrizes de uma escola inclusiva democraacutetica

natildeo discriminatoacuteria Essa professora se depara com formaccedilotildees discursivas conflitantes e entre

suas verdades e o que a escola deseja construir aos moldes de ser inclusiva angustia-se O

recrudescimento do constituiacutedo diferente que empoderado natildeo aceita ser abjeto (HALL

2011) e reivindica direitos pocircs em evidecircncia isto causando-lhe transtorno Uma firmeza da

menina desviante foi o estopim para gerar na professora a vontade de abandonar aquela

escola para natildeo ter que se desfazer de uma formaccedilatildeo discursiva cristalizadora de identidades

Formaccedilatildeo que talvez natildeo tenha lhe permitido enxergar amiuacutede toda sorte de preconceitos

insultos e ofensas vividos por outrosas desviantes tirando-lhes o chatildeo tirando-lhes da escola

Agora era o seu chatildeo que lhe fora retirado por um gesto de afirmaccedilatildeo de identidade de

altivez de peleja pela desconstruccedilatildeo de verdades

Restaria querer buscar outro chatildeo mais soacutelido mais firme na crosta essencialista

Mas para qual escola iria Mesmo timidamente o discurso da defesa da diversidade cultural

sexual e da equidade de direitos eacute um campo de luta que surge amparado em legislaccedilatildeo

educacional e em formaccedilotildees continuadas dispensadas aosagraves educadoresas Embora de forma

amena tangencial surge Eacute o contraponto a uma ordem conservadora de uma perspectiva

essencialista discriminadora que se faz surgir em praacuteticas discursivas instigadoras de

problematizaccedilotildees da iniquidade de gecircnero Acerca da presenccedila desse contraponto na escola

TRAVESSIA quis saber interrogando sobre as poliacuteticas educacionais no direcionamento do

que pode o menino e a menina toacutepico da quinta questatildeo

5 As poliacuteticas educacionais comprometem a equidade de gecircnero O que pode o

menino e o que pode a menina

( ) sim ( ) natildeo

101

5a ( ) natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e

meninas

5b ( ) comprometem pouco porque a escola atua pela igualdade de tratamento

5c ( ) ainda comprometem muito porque a escola dispensa tratamento desigual

5d ( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que

satildeo naturalmente desiguais

Osas respondentes demonstraram natildeo perceber que a escola trata fortemente

desigual a ambos Em nenhuma resposta houve a marcaccedilatildeo para o enunciado 5c o qual

afirma que as poliacuteticas educacionais ainda comprometem a equidade de gecircnero Por sua vez a

negaccedilatildeo de que haacute discriminaccedilatildeo foi bem marcada pela maioria dos respondentes

5a ( ) natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e

meninas

Haacute uma coerecircncia interna na marcaccedilatildeo dessas respostas quando relacionado o

conjunto de todas as quatro proposiccedilotildees considerando que com a ausecircncia absoluta por parte

de todos os respondentes de marcaccedilatildeo com o enunciado a seguir haacute a indicaccedilatildeo de que osas

respondentes buscam negar ranccedilos essencialistas nas suas formaccedilotildees discursivas

5d ( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que

satildeo naturalmente desiguais

O que me leva a assim pensar eacute a consideraccedilatildeo de que em nenhuma das respostas

houve marcaccedilatildeo na propositura acima indicada (5d Osas colaboradoresas da pesquisa

parecem querer evidenciar crer que natildeo somos homens e mulheres naturalmente desiguais

Somos ao contraacuterio construiacutedos desiguais detentores em princiacutepio de direitos iguais e a

escola parece querer respeitar esta conquista que eacute relativamente recente Parece mas

estabelecendo um diaacutelogo com vozes informantes desta pesquisa como as de Rosa e Elisa

por exemplo nem chega a parecer suas vozes carregam enunciados visivelmente

sedimentados na assimetria essencialista

Por sua vez com o enunciado da sexta questatildeo que intenciona captar de que forma a

escola tem participado dos processos de subjetivaccedilatildeo intervindo nas construccedilotildees de gecircnero

das crianccedilas e adolescentes foram evidenciados resultados que mostram possibilidades bem

reveladoras de olhares essencialistas Seguem a questatildeo e seus resultados

102

6 Quando meninos e meninas demonstram comportamentos ldquoconsideradosrdquo como

natildeo apropriados para seu sexo qual a leitura feita

6a ( ) Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras de cada

crianccedila

6b ( ) Haacute um sentimento de decepccedilatildeo algo estaacute errado

6c ( ) Procuro redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo

Outro _______________________________

Apenas dois tipos de respostas foram marcadas Unicamente uma pontuaccedilatildeo para a

proposiccedilatildeo 6a que anuncia Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras

de cada crianccedila Esta percepccedilatildeo solitaacuteria vai ao encontro de um olhar que aceita

problematizar padrotildees hegemocircnicos aceita contrariar jogos de poder que reproduzem

estigmatizaccedilotildees discriminaccedilotildees sexistas assimetrias de gecircnero Por seu turno oito dosas

nove colaboradoresas disseram que procuram redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo

(6c) Uma indicaccedilatildeo de que raciocinam por uma loacutegica essencialista dual homogeinizante

normalanormal Uma loacutegica que exclui os que rompem com os padrotildees identitaacuterios de

gecircnero e mesmo que evite expocirc-los constrangecirc-los natildeo os aceita tenta enquadraacute-los Satildeo os

saberes-poderes que permitem o governo de sujeitos por outros os processos de subjetivaccedilatildeo

sendo instaurados por verdades veiculadas pelas instituiccedilotildees

O poder funciona e se exerce em rede Nas suas malhas os indiviacuteduos natildeo soacute

circulam mas estatildeo sempre em posiccedilatildeo de exercer este poder e de sofrer sua accedilatildeo

nunca satildeo o alvo inerte ou consentido do poder satildeo sempre centros de transmissatildeo

Em outros termos o poder natildeo se aplica aos indiviacuteduos passa por eles

(FOUCAULT 2012 p 45)

Para corroborar a afirmaccedilatildeo de Foucault (2012) que fala deste poder dispersado

localizado pelo pensador nas relaccedilotildees sociais como um todo retorno aos fragmentos retirados

dessa pesquisa refletindo sobre o poder em sua dimensatildeo relacional A quase totalidade dosas

educadoresas vigiada possivelmente pelos olhares de pais direccedilatildeo colegas por enunciados

que circulam em documentos escolares em formaccedilotildees e cursos posiciona-se dubiamente

concebe a polaridade fixa dos gecircneros exerce entatildeo o poder de redirecionar o interesse do

considerado desviante Mas natildeo expotildee quem a contraria Estariam sendo desestimulados

essesas colaboradoresas pelas bandeiras anti-homofoacutebicas Bom sinal para o ativismo

poliacutetico da populaccedilatildeo LGBT que historicamente sofre as agruras do preconceito e da

discriminaccedilatildeo confrontando isto com o que reza um dos princiacutepios do Plano Nacional da

Promoccedilatildeo da Cidadania e dos Direitos Humanos de LGBT lanccedilado em 2009 ldquoUm Estado

Democraacutetico de Direito natildeo pode aceitar praacuteticas sociais e institucionais que criminalizam

103

estigmatizam e marginalizam as pessoas por motivo de sexo orientaccedilatildeo sexual eou

identidade de gecircnerordquo (Secretaria Especial dos Direitos Humanos 2009 p11)

Com os sentidos afiados em confluecircncia com o olhar de Louro (2012) um passeio

pela escola e pelas respostas apresentadas neste instrumento de investigaccedilatildeo revelam o quanto

praacuteticas escolares expressam uma constituiccedilatildeo discursiva com fixaccedilatildeo de comportamentos

adequados para meninos e meninas Ora rechaccedilando ora respaldando o fato eacute que os modelos

socialmente valorizados ainda satildeo os que estereotipam meninas como fraacutegeis esforccediladas e

meninos como inteligentes fortes Isso resulta em confronto em fabricaccedilotildees de estereoacutetipos

Para a elaboraccedilatildeo da seacutetima questatildeo que possui este elo busquei reflexotildees no pensamento de

Foucault (2004a 2004c) quando esse propotildee o cuidado de si as praacuteticas que constituem uma

subjetividade eacutetica Penso que a defesa de uma vigilacircncia sobre construccedilotildees discursivas que

fabricam mulheres objetos coisificadas veiculadas em toda sorte de artefato cultural deve ser

constituiacuteda se o rompimento com esse modelo eacute desejado E considero a ausecircncia desta

vigilacircncia por parte dosas educadoresas como uma lacuna que impede a quebra substancial

com um paradigma machista Eacute esse paradigma que permite uma praacutetica discursiva dos

homens em fazer as inuacutemeras piadas sobre loura as incontaacuteveis formas de estereotipar as

mulheres no que se refere a sua intelectualidade a sua atribuiacuteda inabililidade para dirigir para

exercer certas profissotildees relacionando grosseiramente beleza agrave burrice enfim formas

conflituosas de se perceber um ao outro fazem parte de um repertoacuterio que resolvi imprimir em

minhas inquiriccedilotildees

7 Como mediadora de leitura vocecirc interfere diante de uma expressatildeo de

preconceito uma expressatildeo de conflitos entre olhares de meninos e de meninas

7a ( ) pouco eacute natural a disputa

7b ( ) interfiro sempre sou contraacuterio (a) a qualquer manifestaccedilatildeo de

discriminaccedilatildeo

7c ( ) Natildeo haacute como interferir sempre nossa demanda eacute intensa

As respostas foram incisivamente favoraacuteveis agrave intervenccedilatildeo A marcaccedilatildeo da totalidade

dosas respondentes para o enunciado 7b parece indicar que na contramatildeo de ser

inadequadamente omisso diante de discriminaccedilatildeo ningueacutem deseja estar embora possa

paradoxalmente direcionar comportamentos conforme anunciado pelas respostas da questatildeo

6c Natildeo haveria aiacute a manifestaccedilatildeo de que se natildeo aceitamos uma nova ordem de interesses por

parte de crianccedilas conforme enunciado da sexta questatildeo que soacute obteve uma marcaccedilatildeo eacute

104

porque natildeo duvidamos do que tenha sido naturalizado construiacutedo discursivamente como o

outro o diferente

Estas dissonacircncias entre interferir em manifestaccedilotildees de preconceitos e construir

possibilidades de exercer controle sobre o outro o desviante da pressuposta normalidade

mesmo que de forma discreta podem estar expressando modos de subjetivaccedilatildeo nos quais

sujeitos expostos agraves diversas formaccedilotildees discursivas assimilam mudanccedilas ordens interesses

Em outros momentos todavia retecircm-se com perspectivas essencialistas que osas impedem

de apropriar-se do que recomendam as tecnologias oficiais no tocante por exemplo ao

respeito agrave diversidade humana aos conhecimentos dos processos de construccedilatildeo do diferente

como o outro o abjeto Osas educadoresas expressam entatildeo em muitas tentativas de quebra

de paradigmas que os jogos por verdades se datildeo de modo processual refletem lutas poderes

e resistecircncias dispersando e replicando vozes

Considerando a importacircncia de buscar inquiriccedilatildeo sobre o fenocircmeno da violecircncia

domeacutestica contra a mulher como uma das mazelas sociais que as vitimiza cotidianamente

sob as mais diferentes formas de massacre fiacutesica simboacutelica psicoloacutegica moral patrimonial

na oitava questatildeo resolvi inquirir sobre como este fenocircmeno eacute percebido pelosas

educadoresas envolvidosas no estudo Assim propus o enunciado

8 No tocante agrave violecircncia contra a mulher segundo o Mapa da Violecircncia 2012 o

Brasil ocupa a 7ordf colocaccedilatildeo em um ranking de 84 paiacuteses O que em sua opiniatildeo

explica a existecircncia deste fenocircmeno Marque mais de uma questatildeo caso queira

8a ( ) Formaccedilatildeo cultural

8b ( ) Haacute pessoas naturalmente violentas

8c ( ) Natildeo sei

8d ( ) O ciuacuteme o consumo de drogas o divoacutercio e natildeo saber lidar com traiccedilatildeo

8e ( )O desemprego crise financeira e pobreza

Outra ______________________

Nesta proposiccedilatildeo as respostas foram diversificadas foi marcado inclusive o

enunciado que afirma desconhecer as razotildees (8c) A questatildeo em aberto natildeo foi aproveitada

por nenhuma respondente Mas em sua maioria essesas (seis dosas nove) relacionaram o

fenocircmeno da violecircncia contra a mulher como algo que tem causa na formaccedilatildeo cultural Eacute

importante que se atente como alguns enunciados marcados podem estar evidenciando o

quanto a problemaacutetica carrega alguns mitos sobre as suas provaacuteveis causas Observando por

exemplo a marcaccedilatildeo isolada para o toacutepico 8e que faz nexo causal entre a violecircncia e a crise

econocircmica como pensar que a violecircncia estaacute ligada agraves dificuldades dessa ordem quando em

105

todas as classes sociais se registram ocorrecircncias Haacute maneiras diferentes de encarar as

agressividades em funccedilatildeo de tabus entre outros subterfuacutegios mas mulheres pertencentes a

todas as posiccedilotildees da piracircmide social satildeo viacutetimas de violecircncia conforme atestam inuacutemeras

pesquisas (SAFFIOTI 2001)

A evidecircncia de que o entendimento sobre as causas da violecircncia foi redutor estaacute

tambeacutem na marcaccedilatildeo isolada da proposiccedilatildeo 8d afinal estas causas apontadas estatildeo indicando

que o estopim estourou pelo aumento do stress pela perda do autocontrole (SAFFIOTI

MUNHOS 1994) mas em verdade haacute algo maior que impulsiona a agressatildeo encontra

apenas as brechas em quaisquer desculpas Em verdade eacute costumeira a confusatildeo entre causas

e motivaccedilotildees da violecircncia aquelas satildeo mais sistecircmicas e as motivaccedilotildees mais localizadas

ocasionadas por situaccedilotildees diversas como stress uso de entorpecentes etc

Considero importante atentar para o fato de que se a maioria respondeu perceber

vinculaccedilatildeo entre a violecircncia e a formaccedilatildeo cultural talvez por presenciar tantas cenas de

violecircncia de gecircnero e escutar narrativas feitas por alunosas acerca das dores maternas e

fraternas provocadas pela violecircncia domeacutestica deveria estar a escola propondo a brigada

anti-violecircncia pelo vieacutes da cultura Mas nenhuma respondente posicionou-se assim no espaccedilo

deixado em branco no questionaacuterio com o fim de possibilitar a expressatildeo de reflexotildees tambeacutem

nessa direccedilatildeo

A violecircncia contra a mulher tem vinculaccedilatildeo em uma cultura machista patriarcal

sedimentada milenarmente Buscar compreendecirc-la no campo dos estudos de gecircnero seria

oportuno para a escola porque poderia ser evidenciada o quanto a educaccedilatildeo dispensada a

meninos e meninas de forma diferenciada na qual se passam valores que sustentam olhar

para as mulheres que as inferioriza eacute possivelmente forte construto que alimenta uma cultura

machista E essa credencia agrave banalizaccedilatildeo do fenocircmeno da violecircncia Basta que se lembre dos

ditados populares que grassam (jaacute grassaram bem mais) nas bocas ldquoMulher eacute que nem bife

quanto mais apanha melhor ficardquo para que se atente o quanto haacute a naturalizaccedilatildeo do

fenocircmeno Esse dito eacute soacute um entre tantos nos imaginaacuterios sociais que fabricam a ideia de que

violentar mulheres faz parte eacute permitido

E satildeo por esses imaginaacuterios sociais que o Relatoacuterio Final da Comissatildeo Parlamentar

Mista de Inqueacuterito ndash CPMI - da Violecircncia contra a Mulher do Congresso Nacional entregue

em julho de 2013 aponta iacutendices alarmantes fala de femiciacutedio e coloca como uma

necessidade premente a da superaccedilatildeo deste mal

106

A curva ascendente do femiciacutedio a permanecircncia de altos padrotildees de violecircncia contra

mulheres e a toleracircncia estatal detectada tanto por pesquisas estudos e relatoacuterios

nacionais e internacionais quanto pelos trabalhos desta CPMI estatildeo a demonstrar a

necessidade urgente de mudanccedilas legais e culturais em nossa sociedade Conforme

mostra a pesquisa intitulada Mapa da Violecircncia homiciacutedios de mulheres mais de 92

mil mulheres foram assassinadas no Brasil nos uacuteltimos trinta anos 43 mil delas soacute

na uacuteltima deacutecada (BRASIL 2013 p 8)

A violecircncia contra a mulher eacute um fenocircmeno bastante complexo com raiacutezes fincadas

em solos de culturas machistas amparada em um Estado historicamente omisso na promoccedilatildeo

do direito a uma vida sem violecircncia para as mulheres Esse fenocircmeno que esteve na

invisibilidade social encoberto por muito tempo erroneamente sustentado pelo direito ao

instituto da privacidade entre parceiros tendo inclusive um aparato popular que os abrigava

de vexames e intervenccedilotildees ldquoEm briga de marido e mulher natildeo se mete a colherrdquo teve

recentemente a intervenccedilatildeo do Estado brasileiro com a Lei 113402006 a Maria da Penha

Esse instrumento juriacutedico se apresenta como um dos mais avanccedilados amparo legal para o

enfrentamento da questatildeo Natildeo se muda todavia cultura com golpe de lei haacute muito a ser

feito em termos de estrutura do judiciaacuterio brasileiro (ampliaccedilatildeo do nuacutemero de varas de

juizados especiais de Casas Abrigo de DEAMS - Delegacias Especializadas de Atendimento

agrave Mulher - funcionando em regime de plantatildeo capacitaccedilatildeo dos juristas) para que a lei passe a

ser um ordenamento juriacutedico que vigore como deve efetivamente sendo aplicado de forma

preventiva educativa e punitiva

E a escola no que diz respeito a formar para a equidade de gecircnero e para a cultura da

paz eacute espaccedilo fundamental que pode se ofertar no semeio desta colheita Importante portanto

a denuacutencia que osas respondentes fizeram da atuaccedilatildeo piacutefia da unidade escolar em tela no

tocante ao papel que a instituiccedilatildeo deve ter como importante instrumento no combate agrave

violecircncia domeacutestica contra a mulher Satildeo muitas as respostas (oito das nove) que afirmaram

pouco operar a escola neste sentido Assim se constituiu a nona questatildeo

9 Para vocecirc a escola atenta para sua importacircncia como espaccedilo de enfrentamento agrave

questatildeo

( ) sim ( ) natildeo ( ) sim mas de forma insignificante

A escola TRAVESSIA conforme percebem aqueles que dela fazem parte e

seguramente presenciam depoimentos e cenas que datildeo conta do mal da violecircncia contra a

mulher como o que grassa pouco opera no enfrentamento deste problema Esse mal que

sendo uma violaccedilatildeo dos direitos humanos das mulheres eacute um flagelo uma ameaccedila agrave

107

Democracia agrave paz agrave justiccedila deve portanto ter a escola envolvida em sua prevenccedilatildeo

eliminaccedilatildeo e enfrentamento Natildeo haacute como esta instituiccedilatildeo ser indiferente ao caminho sem

volta que as marchas feministas vecircm construindo especialmente nas uacuteltimas deacutecadas com

grandes avanccedilos dados pelos seus gritos ecoados nas bandeiras dos DH positivados em

forma de lei especiacutefica que penaliza a violecircncia contra a mulher e em diretrizes educacionais

que propotildeem a equidade de gecircnero

Como instacircncia de poder atravessada por praacuteticas discursivas natildeo neutras

legitimadora de ordem social por meio de suas ldquoverdadesrdquo fabricadas a escola propaga em

tese sua missatildeo fundamental como a de formar seres humanos eacuteticos conscientes de sua

igualdade de direitos por seus propoacutesitos e pela obrigatoriedade legal que se desenha com o

advento da poacutes-modernidade Mas na praacutetica sua missatildeo tem eacute instituiacutedo a segregaccedilatildeo

atraveacutes do controle disciplinar domesticando corpos e mentes (LOURO 2012)

Nesse sentido a promoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de enfrentamento agrave violecircncia de

gecircnero eacute uma realidade de resistecircncia que daacute sinais tiacutemidos no chatildeo da escola mas daacute sinais

Cabe aosagraves fazedores da educaccedilatildeo acolhecirc-los Sua contribuiccedilatildeo ao debate que estranha

sentidos essencializados pode ser significativa considerando que os muros escolares racham

com o advento da globalizaccedilatildeo e dos avanccedilos tecnoloacutegicos disseminando informaccedilatildeo

instantaneamente Satildeo inuacutemeros os recursos educativos que podem amparar a discussatildeo

reportagens filmes peccedilas teatrais programas de TV de raacutedio diaacutelogos que circulam em salas

de aula entre outros Obviamente que esses recursos na maioria esmagadora das escolas

puacuteblicas brasileiras natildeo satildeo inteiramente disponibilizados e na escola TRAVESSIA natildeo eacute

diferente Haacute laacute escassez de textos e de demais instrumentos que permitam um trabalho bem

amparado percebida em minhas visitaccedilotildees Mas isso natildeo pode se constituir como oacutebice total

haacute sempre formas de propor o debate em um mundo plural que existe e deseja se firmar Por

onde andamos e estamos haacute sujeitos em interlocuccedilatildeo trazendo presentes vozes sociais de

onde emanam efeitos de sentidos sobre papeacuteis construiacutedos

Elaborei questatildeo especiacutefica sobre qual o olhar a escola evidencia ter atraveacutes de seu

projeto de leitura para um dos melhores instrumentos juriacutedicos em niacutevel mundial de

enfrentamento do combate agrave violecircncia domeacutestica a Lei Maria da Penha Esse ordenamento

juriacutedico que segundo pesquisa do Instituto AvonIPSOS (2011) eacute um marco legal

amplamente conhecido e poderia estar sendo pontuado no ambiente escolar de modo a

semear a cultura da paz e do respeito agraves mulheres Assim mobilizei a deacutecima questatildeo desse

instrumento

108

10 A Lei Maria da Penha como avanccedilado instrumento juriacutedico no enfrentamento da

violecircncia contra a mulher ganha que espaccedilo no projeto de leitura

10a ( ) Nunca foi citada

10b ( ) Existe na biblioteca

10c ( ) Jaacute trabalhamos com ela

As respostas obtidas indicam sintonia com a nona proposiccedilatildeo na qual se pontuou

que a problemaacutetica da violecircncia domeacutestica contra a mulher natildeo encontra a importacircncia que

lhe eacute devida Todosas colaboradoresas responderam na deacutecima questatildeo que a lei nunca foi

citada (10a) Natildeo que o ordenamento juriacutedico tenha que ter referecircncia obrigatoacuteria nas leituras

da escola mas face a sua popularidade e pertinecircncia inclusive havendo versatildeo deste em

cordel o que facilitaria sua divulgaccedilatildeo poderia constar como uma das leituras feitas e

referidas de forma direta ou indireta Poderia porque a escola eacute espaccedilo formador tem papel

estruturante em accedilotildees que podem semear reflexotildees individuais e coletivas pela construccedilatildeo da

cultura da paz A educaccedilatildeo tensionando conflito e vozes pode ser constituiacutedo como espaccedilo

fecundo de organizaccedilatildeo pela emancipaccedilatildeo de oprimidos[as] (FREIRE 2002) Nesta acepccedilatildeo

a lei pode chegar a todas as crianccedilas e adolescentes pela instacircncia da escola como um sulco

no muro da iniquidade de gecircnero mostrando-se em sua consistecircncia preventiva e punitiva

como um aprendizado um oacutebice agrave violecircncia domeacutestica

Natildeo bastaraacute todavia conhecer o ordenamento juriacutedico para que se coiacuteba a violecircncia

O enfrentamento desse fenocircmeno perpassa pela construccedilatildeo de novas formas de subjetivaccedilatildeo

nas quais o direito a uma vida sem violecircncia agraves mulheres seja efetivamente garantido e

assegurado pela condiccedilatildeo humana destas A escola deve ser um baluarte na colaboraccedilatildeo dessa

praacutetica para isso por ela precisam perpassar debates caros ao tema inquirindo sobre qual

posicionamento tem tido a instituiccedilatildeo quanto agrave construccedilatildeo e desconstruccedilatildeo de hegemonias

tem reforccedilado ou questionado as assimetrias de gecircnero

Na escola TRAVESSIA pude constatar haacute um tangenciamento do debate acerca das

relaccedilotildees de gecircnero percebido pelas discursividades de seusuas educadoresas como

mediadores de leituras Uma anaacutelise desse tangenciamento pode pontuar uma reflexatildeo que

perspectiva com um debate proposto por Foucault (2011) na linha do que satildeo as conjunturas

histoacutericas e socioculturais que permitem os jogos de verdades Se haacute a positivaccedilatildeo da lei na

sociedade brasileira e ela pode ser contemplada como legado de mobilizaccedilatildeo haacute todavia a

ausecircncia de seu debate em instacircncias escolares como a da escola TRAVESSIA E isso pode

ser contemplado como um legado de controle social no qual a eliminaccedilatildeo das discriminaccedilotildees

das violecircncias dos confrontos eacute significativamente negada silenciada mesmo que estejam

109

postas tecnologias que a discutam O rompimento desse controle que silencia lutas eacute uma

tarefa que oa intelectual oa educadora pode desejar construir lembrando aquilo que

Foucault (2004a 2004c 2012) pontua as pessoas podem ser mais felizes mais livres As

pessoas natildeo satildeo aprisionadas pelo poder elas podem modificar sua dominaccedilatildeo Isso evoca a

recusa do que satildeo despertada pela consciecircncia do que lhes disseram ldquoNingueacutem entraraacute na

ordem do discurso se natildeo satisfizer a certas exigecircncias ou se natildeo for de iniacutecio qualificado

para fazecirc-lordquo (FOUCAULT 2011)

E que ordem de discurso adentra a escola TRAVESSIA produzindo efeitos de

sentidos postos pela ausecircncia do debate sobre as hierarquias de gecircnero Adentra conforme

depoimentos de educadoresas ali escutadosas a da pouca reflexibilidade sobre o campo de

gecircnero a do adormecimento para a noccedilatildeo de estrateacutegias que enfrentem o poder androcecircntrico

Uma das formas de resistecircncia a esse poder se daacute pelo ato desbravador do conhecimento dos

processos discursivos que constituem as subjetividades que constituem as verdades ditas

sobre homens e sobre mulheres Satildeo passos na caminhada pela emancipaccedilatildeo A leitura pode

ser constituiacuteda com esta linhagem e ser mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de

identidades na ressignificaccedilatildeo de leituras eivadas de identidades socialmente construiacutedas pela

subalternidade da mulher Nessa direccedilatildeo Moita Lopes (2003) traz a tecitura com que a

linguagem nos constroacutei e corrobora com a ideia de resistecircncia

A percepccedilatildeo do discurso como construccedilatildeo social coloca as pessoas como

participantes nos processos de construccedilatildeo de significado na sociedade e portanto

inclui a possibilidade de permitir posiccedilotildees de resistecircncia em relaccedilatildeo a discursos

hegemocircnicos isto eacute o poder natildeo eacute tomado como monoliacutetico e as identidades sociais

natildeo fixas (MOITA LOPES 2003 p 55)

Nesse sentido por conceber a importacircncia do conhecimento dos processos histoacutericos

emancipatoacuterios como o das lutas sociais e em especial a esse trabalho o do movimento

feminista foi elaborada questatildeo que objetivava perpassar pelas reflexotildees acerca da histoacuteria

social das mulheres As histoacuterias dos homens estatildeo aiacute onipresentes ocupando o tempo todo

todo espaccedilo Mas a histoacuteria social das mulheres natildeo eacute significativamente contada natildeo consta

nos curriacuteculos natildeo eacute devidamente estudada Isso possivelmente contribui para trazecirc-las na

invisibilidade considerando que os seus processos histoacutericos de subordinaccedilatildeo ao masculino

suas exclusotildees dos campos poliacuteticos cientiacuteficos artiacutesticos enfim ainda natildeo satildeo devidamente

estudados A histoacuteria de luta pela emancipaccedilatildeo social das mulheres eacute entretanto uma das

mais bem vividas experiecircncias que atestam o poder da mobilizaccedilatildeo social e mereceria estar

110

entre as preocupaccedilotildees da escola e no projeto de leitura Desejei saber como esta questatildeo era

percebida pelosas informantes e elaborei o deacutecimo primeiro questionamento

11 Que lugar deve ocupar a histoacuteria de emancipaccedilatildeo da mulher no curriacuteculo

escolar e no projeto

11a ( ) Haacute sentido em trazer a histoacuteria social das mulheres como tema nos

curriacuteculos escolares

11b ( ) Apoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas

memoacuterias ocultadas e inferiorizadas

11c ( ) O conteuacutedo sobre o coletivo das mulheres tem espaccedilo mas temos pouca

carga horaacuteria para exploraacute-lo mais

11d ( ) Natildeo temos como inserir mais conteuacutedo na grade curricular nem acho

importante

Aqui natildeo houve ressalvas para a defesa na quase totalidade das respostas (sete das

nove) da implementaccedilatildeo da histoacuteria das mulheres como forma de resgate de si no debate

escolar Natildeo houve marcaccedilatildeo para o enunciado 11 d A questatildeo 11b foi bem pontuada entatildeo

ldquoApoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas memoacuterias ocultadas e

inferiorizadasrdquo Eacute como um reconhecimento de que o processo de aprendizagem de uma

desnaturalizaccedilatildeo da desigualdade entre homens e mulheres passa pelo conhecimento da

histoacuteria que as excluiu e da sua inclusatildeo pela luta Foucault (2004c) auxilia nesse sentido

quando nos traz a pertinecircncia do conhecimento e a compreensatildeo da relevacircncia do papel do

intelectual

[] e que podemos mostrar agraves pessoas que elas satildeo muito mais livres do que

pensam que elas tomam por verdadeiros por evidentes certos temas fabricados em

um momento particular da histoacuteria e que essa pretensa evidecircncia pode ser criticada

e destruiacuteda O papel do intelectual eacute mudar alguma coisa no pensamento das

pessoas (FOUCAULT 2004c p 295)

Uma pretensatildeo bem ponderada E que em alguns outros momentos o filoacutesofo se

retrai desta posiccedilatildeo de ldquomostrarrdquo caminhos ao outro (FOUCAULT 2004e) Mas a histoacuteria de

luta das mulheres por sua emancipaccedilatildeo social eacute um caminho que merece ser mostrado Papel

que osas educadoresas podem cumprir percebendo-se como sujeitos agrave linguagem agrave

aprendizagem de ordens discursivas e se resistirem promotores das mudanccedilas que a

educaccedilatildeo pode constituir Papel que o movimento feminista com intelectuais e ativistas

parece ter cumprido com propriedade A atuaccedilatildeo desse movimento solicitada na 12ordf questatildeo

assim foi angariada

111

12 Emita sua opiniatildeo a respeito do movimento feminista Marque ateacute duas

respostas

12a ( ) fornece ferramentas conceituais que possibilita melhor percepccedilatildeo da

opressatildeo agrave mulher

12b ( ) propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso eacute

bom

12c ( ) propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso natildeo

eacute

bom

12d ( ) eacute um movimento com muito radicalismo

A unanimidade de valorizaccedilatildeo desta praacutetica discursiva quase imperou desta vez As

proposiccedilotildees 12a e 12b as quais veem com olhos respeitosos o movimento foram as

marcaccedilotildees de oito colaboradoresas Apenas uma resposta considerou o radicalismo do

movimento sua marca talvez por pressupor que as mulheres militantes propotildeem mudanccedilas

que ferem uma construiacuteda e disciplinada essecircncia feminina Os movimentos feministas

propotildeem radicalizar a desnaturalizaccedilatildeo de um mundo construiacutedo em pilares desiguais e

injustos um mundo calccedilado em machismo em violecircncia contra a mulher Radicalizar a

desnaturalizaccedilatildeo deste mundo eacute bom nodal conforme concordaram os que marcaram os

enunciados 12a e 12b Por seu turno ningueacutem marcou que isto natildeo seria bom conforme

enuncia o 12c

A uacuteltima questatildeo do instrumento investigativo versou sobre a consciecircncia do valor

histoacuterico e simboacutelico que tem o Dia Internacional da Mulher Neste enunciado foi deixada

uma questatildeo em aberto com espaccedilo para que osas colaboradoresas pudessem expressar

opiniotildees que ampliassem o conteuacutedo do enunciado o 13 a cuja visatildeo da mulher perpassa por

questotildees generalistas simplistas

13 O projeto de leitura costuma vincular alguma programaccedilatildeo agraves datas

comemorativas

( )sim ( ) natildeo

Caso sim qual o teor do dia 8 de marccedilo como Dia Internacional da Mulher O que

se faz na data ou o que se pretende fazer

13a ( ) Ressaltam-se as qualidades da mulher eacute um dia em que ela eacute intensamente

valorizada entrega de flores poemas cartazes pela escola

13b ( ) outros Especifique_____________________

Todas as marcaccedilotildees apontaram para a 13a ou seja dia de demonstrar homenagens

E o que se homenageia Em regra por meio da publicidade e de outras praacuteticas discursivas

112

circulam imagens que narram e constituem mulheres com identidades ldquonaturaisrdquo dotadas de

habilidades tantas expressas em forma de doaccedilatildeo de cuidados e tantas outras construccedilotildees

dignas de serem presenteadas Batons perfumes flores entre outros satildeo apetrechos que

acompanham imagens que circulam representando o 8 de marccedilo como o Dia Internacional da

Mulher A publicidade que opera com o objetivo de reafirmar valores convencimentos

haacutebitos desfocou a perspectiva de luta de memoacuteria de caminhada por direitos implementada

pelo movimento O teor eacute outro o do consumo Agraves mulheres flores em seu dia Se nos

demais os papeacuteis sexuais exalam o perfume da iniquidade de gecircnero que murchem as flores

Eacute o tempo ainda da formataccedilatildeo que murcha da presenccedila de vozes que falam de um lugar

social o do consumo guiado pelos interesses capitalistas ou o do apagamento da luta das

mulheres por sua cidadania guiado pelos interesses machistas E com esses instala-se o

comportamento de tirar o foco das bandeiras feministas que ergueram o 8 de marccedilo tiram o

foco e semeiam verdades como as de que se valoriza a mulher com perfumes dias de beleza

de spas de corpos sarados ritualizados para uma beleza homogecircnea com tempo de validade

e condiccedilotildees de uso

Nesta questatildeo nenhuma resposta ultrapassou a marcaccedilatildeo de um x nenhum

enunciado a preencher o espaccedilo vazio adentrando todosas respondentes pela perspectiva do

senso comum das comerciais e banais homenagens agraves mulheres Esta ausecircncia de percepccedilatildeo

pelo menos evidenciada pelo que natildeo foi dito que significa conforme pontua a AD por parte

dosas educadoresas para o Dia Internacional da Mulher pode estar revelando um desvalor

para as brigadas que precisam ser armadas naquela seara O 8 de marccedilo eacute data de flores natildeo

pelo que as mulheres satildeo em termos de construccedilotildees essencialistas mas pelo que lutam para

ser livres O 8 de marccedilo eacute dia de memoacuteria de luta sobretudo pelo que as mulheres ainda

precisam assegurar para que possam ter o comando de suas vidas nas matildeos dando ou natildeo

essas em pedidos de casamento Haacute desse modo mais uma maneira de homenagear as

mulheres que eacute pela saudaccedilatildeo na luta na grandeza de fazer uma nova histoacuteria que natildeo foi

dita nas respostas daquelesas respondentes E este silecircncio pode estar ressoando como um

ldquoadeus agraves armasrdquo ou melhor como um natildeo agraves armas O natildeo uso das armas por parte de

quem tem uma responsabilidade social com os marcos legislativos educacionais com a

adoccedilatildeo de praacuteticas de si que osas faccedila zelar por um ethos pela cultura da paz e pela bandeira

da inclusatildeo evidencia uma cristalizaccedilatildeo das identidades uma naturalizaccedilatildeo da construccedilatildeo da

diferenccedila um descompromisso social com a cidadania plena da mulher

Ali na escola TRAVESSIA percebi entatildeo com as leituras das anaacutelises dos

instrumentos investigativos aplicados que o processo de fortalecimento da cidadania da

113

mulher natildeo encontra a guarida nos olhos de quem trabalha com a leitura comprometendo o

ato poliacutetico de ler Natildeo eacute uma trilha faacutecil eacute bom reconhecer atravessar no cotidiano escolar

um oceano de discursos que constroem imagens da mulher que as inferioriza que tingem o

diferente com cores da negaccedilatildeo e desejar atuar para desconstruir tais imagens Os pais e matildees

aparecem para contestar mudanccedilas contestar desconstruccedilotildees de papeacuteis socialmente

instituiacutedos como naquelas cenas que vivi e narrei quando construiacute a gecircnese desta pesquisa

Mas oa educadora tem um chamado para ficar na trincheira por uma brigada que inclua que

emancipe que torne a escola reflexiva atraente a todas as pessoas independentemente de

etnia de orientaccedilatildeo sexual de condiccedilatildeo social Pelo menos esse chamado estaacute sendo

evocado segundo as regras histoacuterias de um tempo que se desenha novo com uma

programaccedilatildeo na qual os jogos de verdades possuem malhas que se abrem para sujeitos de

direitos mesmo que lentamente conquistados

35 As aulas o sujeito-leitor o campo de gecircnero e as relaccedilotildees de poder

Por reorganizaccedilotildees das accedilotildees em funccedilatildeo de vaacuterias suspensotildees de aulas de leitura

pelo projeto entre outras intercorrecircncias deixei a etapa de observaccedilatildeo de aulas para o reiniacutecio

das aulas do 2ordm semestre de 2014 Planejei esta accedilatildeo atentando para o papel central dosas

educadoresas na conduccedilatildeo do debate por sua posiccedilatildeo de liacuteder na interaccedilatildeo relacional e por

serem esses os sujeitos desta pesquisa E assisti agraves aulas das professoras Jacqueline e Luacutecia

cujos nomes satildeo fictiacutecios como todos os outros e que possuem respectivamente oito e vinte

anos de formadas Em ambas houve uma receptividade agradaacutevel mas irei relatar minha

experiecircncia apenas nas aulas de Jacqueline por entendecirc-las mais significativa para o estudo

Assim as considero porque esta professora instigada possivelmente pelos desafios de alguns

instantes de conversas nos quais muito ouvi fez uma tentativa improvisada de dialogar com o

tema em tela

No preluacutedio dessas aulas que se deram em 11 de julho de 2014 no turno vespertino

a professora Jacqueline que me atendeu na biblioteca da escola em um horaacuterio reservado para

isto mostrou-se soliacutecita receosa e muito determinada a demonstrar sua anguacutestia suas

inquietaccedilotildees com a escolha profissional que fez

- Escolhi ser professora desde pequena Era meu sonho Mas a realidade eacute um

pesadelo Quando chega o momento de entrar na sala de aula eu me arrependo desta

escolha Tenho uma filha de 1 ano e seis meses e peccedilo a Deus todo dia que a livre desta

profissatildeo

114

A professora conduziu-me com sua fala pela escola como quem apresenta um

depoacutesito de problemas sem lugar para sonhos para a edificaccedilatildeo da autonomia Ali era o

reduto das queixas narrado por uma voz que soacute lamenta Jacqueline debulhou uma a uma as

lamentaccedilotildees que impregnam aquele ambiente Ouvi um rosaacuterio de desespero de exaustatildeo de

descontrole de pacircnico ateacute de criacuteticas ao ECA - Estatuto da Crianccedila e do Adolescente - que

estava na iminecircncia de completar 24 anos de criaccedilatildeo e que segundo ela ateacute hoje natildeo sabe o

bem que fez a sociedade a existecircncia desse ordenamento juriacutedico As criacuteticas saiacuteram do ECA

agraves peacutessimas condiccedilotildees de trabalho agraves famiacutelias que a seu ver satildeo irresponsaacuteveis Essas

segundo a informante soacute visitam as escolas quando seus benefiacutecios sociais estatildeo ameaccedilados

sobrecarregando a instituiccedilatildeo com deveres que satildeo delas Jaqueline estava disposta a relatar

sobre o peso de ser docente Informou-me que guarda as lembranccedilas das coisas lindas sobre a

educaccedilatildeo ditas por Paulo Freire pelos[as] professores[as] da universidade mas ali dentro da

escola nada que ouviu serve aplica-se

- Somos impotentes Soacute um ou outro aluno daacute sentido ao nosso trabalho Vivemos na

sala de aula o aacutepice do desinteresse e desrespeito e isto eacute terriacutevel Tem horas que natildeo

acredito que estou vivendo isto

Ouvi aquele depoimento atenta e dolorosamente Mas inseri um toacutepico novo o

motivo da observaccedilatildeo daquela aula buscar o nexo temaacutetico das leituras feitas ali O tom da

desmotivaccedilatildeo do sentimento de impotecircncia continuou fazendo parte dos enunciados da profordf

Jaqueline

- Ler aqui eacute complicado professora Natildeo temos recursos nem interesse por parte

dos[as] alunos[as] que soacute querem bagunccedilar

- O que vocecirc preparou para a aula de hoje Indaguei-lhe Ela me disse que iria pedir

para eles escreverem sobre as feacuterias sobre a copa de 2014 Insisti sobre o que leriam disse-

me que algum texto do livro didaacutetico Perguntei-lhe se soacute liam os textos dos livros didaacuteticos

respondeu-me que quase sempre Um retorno agraves aulas sem planejamento sem a municcedilatildeo de

um texto novo produzido por fatos recentes vindo de suportes diferentes com uma

professora que iria improvisar qualquer leitura pareceu-me o retrato de um descaso

profissional bem niacutetido Sem buscar condenaccedilotildees pessoais puxo um fio do novelo da

educaccedilatildeo puacuteblica brasileira que com seus parcos investimentos faz poliacuteticas pobres para

115

pobres cerceando o direito desses agrave cidadania plena agrave emancipaccedilatildeo social Essa professora eacute

mais um elo da cadeia do descuido que envolve a escola puacuteblica brasileira

Depois de ouvi-la muito provoquei o diaacutelogo sobre a interface gecircnero e leitura

Jacqueline falou de gecircnero dos meios de comunicaccedilatildeo de massa influenciando

comportamentos sendo aliados ldquona abertura de mentesrdquo em suas palavras Mas a abertura de

mentes a seu ver resume-se agrave toleracircncia com o diferente estava sempre afirmando que

respeita ldquoas sapatonasrdquo assim se referindo agraves duas meninas que tinham um relacionamento

amoroso e que tentavam assumir isso na escola mas soacute respeitava natildeo aceitava ldquoaquilo natildeo

era normal e era constrangedorrdquo em suas palavras O pronunciamento desta professora

evidenciando uma construccedilatildeo naturalizada das identidades de gecircnero ainda foi acompanhado

por gestos de face e matildeos que transmitiam uma repugnacircncia pela orientaccedilatildeo sexual natildeo

normatizada

Naquela entrevista com as expressotildees preconceituosas de Jaqueline em nomear as

garotas homossexuais de forma pejorativa e com seus gestos de repulsa agraves manifestaccedilotildees de

afeto das garotas fui levada a compreender uma resposta massiva dada pelo questionaacuterio

quando indaguei acerca do posicionamento dosas educadoresas diante de manifestaccedilotildees de

interesse que contrariassem o normalizado Ali tanto quanto no questionaacuterio o desafio de

adotar um olhar reflexivo que problematize as construccedilotildees sociais que estereotipam

comportamentos e orientaccedilotildees sexuais ainda natildeo foi suficientemente alcanccedilado

Conversamos Toca o sinal para a entrada da aula A nossa interaccedilatildeo gerou nela algo

que teve um impulso e se dirigiu agrave prateleira de livros Chega-me com cinco volumes do guia

da Crianccedila Cidadatilde uma publicaccedilatildeo do UNICEF que eacute uma coleccedilatildeo com temas referentes agrave

cidadania O volume trazido pela professora Jaqueline eacute ldquoConvivendo com meninos e

meninasrdquo de autoria de Gwenaeumllle Boulet et al (2005) Tal documento eacute um encarte pequeno

com 54 paacuteginas cujo foco eacute o tratamento da questatildeo de gecircnero A existecircncia deste texto ali

me causou surpresa considerando que em outra etapa desta pesquisa fui informada pela

servidora que exerce a funccedilatildeo de bibliotecaacuteria ali de que nada havia naquele espaccedilo sobre esta

temaacutetica Mas Jacqueline meses depois desta informaccedilatildeo encontrou e parecia encontrar um

sentido em seu uso agora

ldquo- Jaacute que vocecirc estaacute aqui e pesquisa este tema vamos ver em que daacute hoje ler este

livro Mudei minha aula natildeo gosto de discutir estas questotildees mas agora me deu vontaderdquondash

Expressou-se assim a professora

116

Senti o risco do improviso e do artificialismo da aula que caiacutea ali de forma ex-

temporacircnea fruto de um confesso acaso Refleti ao mesmo tempo o quanto as brigadas por

uma defesa da equidade de gecircnero satildeo tambeacutem em forma de tecircnues mudanccedilas que chegam

chegam troteando Houve com minha presenccedila uma provocaccedilatildeo um encorajamento ao tema

tambeacutem jaacute por inuacutemeras vezes estimulado conforme eacute de conhecimento dosas educadoresas

da rede de ensino municipal atraveacutes de projetos acadecircmicos produzidos pela SEDEC como

os que refletem sobre a questatildeo do Bullying da violecircncia contra a mulher entre outros

A questatildeo eacute semear cuidar e perseverar Ali aos olhos de Jaqueline natildeo me parecia

haver um jardim a receber cuidados Seu semblante angustiado ao se deparar com o toque de

entrada para a sala de aula parecia o de quem natildeo levava sementes nem flores Havia um

solo jaacute pronunciado como aacuterido como infeacutertil nas palavras de uma professora que me disse

rezar protegendo sua filha do mal de ser educadora A turma era a do 6ordm ano A com alunosas

de faixa etaacuteria entre 12-13 anos Estavam presentes 18 alunosas naquela sala que receberam

cinco exemplares para serem lidos o que torna considero uma leitura dificultosa

inadequada A professora sem explicar bem a divisatildeo do material propocircs um ciacuterculo A

acuacutestica da sala era comprometida com ventiladores barulhentos e adolescentes inquietosas

Depois de um tempo ela conseguiu iniciar o trabalho e pediu a leitura do livro Joatildeo este eacute

um nome fictiacutecio tanto quanto os dos demais alunosas aqui referidosas a partir de entatildeo

afirma que natildeo quer ler ainda justificando sua negaccedilatildeo

- Natildeo jaacute sei ler pra que ficar lendo

A mestra pacientemente responde

- Joatildeo todo dia se aprende algo novo com a leitura

Atualizei ali o olhar para a 2ordf ediccedilatildeo da Pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO

PROacute-LIVRO 2008) quando essa pontua sobre quatildeo pode natildeo ser gecircnero de primeira

necessidade a leitura para crianccedilas que natildeo veem pais lendo que natildeo encontram ambiente

propiacutecio para o ato de ler A baixa escolaridade das famiacutelias daquelesas alunosas certamente

propicia pouca frequecircncia da leitura em suas casas o que compromete o estiacutemulo familiar agrave

leitura Para aquele aluno o ato de ler eacute mero instrumento decodificador que como ele jaacute

domina a sua teacutecnica despreza as outras funccedilotildees da leitura A professora deu atenccedilatildeo a Joatildeo

dando-lhe uma resposta concisa sobre o valor dessa praacutetica Mas senti falta de mais Senti

117

falta de uma defesa da leitura que mobilizasse a turma Seria um momento propiacutecio para a

educadora inquirir questotildees acerca do prazer (ou desprazer) de ler

Como quem tem pressa como quem natildeo tem espaccedilo para mergulhar aquela

educadora volta a conduzir a aula Pediu aosagraves alunosas para lerem trechos em voz alta

indagou algo e nem esperou o resultado da resposta jaacute retomou ao texto Minha presenccedila

pode ter lanccedilado sobre ela ansiedade desejo de mostrar que tinha o controle disciplinar do

evento E talvez para ela a permissatildeo e o estiacutemulo agrave palavra gerasse debate e esse o

tumulto as conversas paralelas Mas em determinados momentos a explosatildeo de inquietude

dosas alunosas fragilizava seu jaacute tecircnue controle Olhei a professora contendo ira

envergonhada cheia de medo de explodir com aquelesas alunosas acuada segundo suas

proacuteprias palavras pelo ECA Esse ordenamento diferentemente de ser visto como um

instrumento juriacutedico avanccedilado na garantia de direitos era considerado como o responsaacutevel

por aquele espiacuterito de rebeldia nas vidas das crianccedilas e dosas adolescentes Jacqueline natildeo se

conteve e veio ateacute perto de mim desabafando

- Depois do ECA somos barrados [a] de termos autoridade com eles[as] E natildeo tem

estatuto de professor[a] nada nos protege

Acuada assim ela disse se sentir E sem perceber que lhe faltava autoridade natildeo pela

existecircncia do ECA mas pelo desgoverno de uma educaccedilatildeo puacuteblica precaacuteria engrossou o coro

de vozes que ressoaram dosas seusas colegas Vozes essas por mim anteriormente colhidas

naquela tarde nos momentos que permaneci na sala dosas professoresas ouvindo-osas

Acuada e sem sentir prazer pelo que faz Observando Jacqueline lendo usando toda sua

potencialidade vocal repetindo frases pedindo silecircncio estabeleci um elo com uma resposta

no instrumento investigativo aplicado em outubro de 2013 o questionaacuterio Um dado ali

pontuado por vaacuterios colaboradoresas indicando a ausecircncia de marcaccedilatildeo da leitura como

atividade de prazer (vide primeira questatildeo do instrumento) torna-se tatildeo palpaacutevel naquela sala

Como afirmar prazer na praacutetica leitora quando a voz doa mestrea se esvai em meio agrave gritaria

correria e desinteresse Muito hostil ler assim ela me diz

- Tem professor que ainda mente que eacute hipoacutecrita que diz que isso eacute bom Que faz

seus[as] alunos[as] lerem Esses[as] meninos[as] tornam o ato de ler um desprazer Preparo

tudo com carinho quando chega aqui tomo raiva de mim mesma por ainda insistir

Acompanhar Jacqueline naquela tarde em suas aulas foi passear por falas nas quais o

lugar da leitura na escola era o da farsa do engodo De modo exaustivo ela fala de exaustatildeo

118

de desesperanccedila e de tristeza porque disse acreditar que ali estava ldquoa chave das mudanccedilas que

precisam ser feitasrdquo nas suas palavras E sua discursividade era a da desesperanccedila se haacute a

chave nem haacute a porta na dialogia com Drummond em Joseacute (1983) A leitura era difiacutecil

naquela escola Mesmo assim a mestra comeccedila a trazer problematizaccedilotildees acerca das questotildees

de gecircnero Pede uma opiniatildeo agrave turma sobre um trecho do guia que aborda diferenccedilas entre

meninos e meninas ldquoNoacutes meninas somos sensiacuteveis fraacutegeis E os meninos satildeo uns brutos

[]rdquo(BOULET 2005 p 11) expressando com gritos

- Menina eacute diferente de menino Em quecirc Leiam isso na paacutegina 11 Vocecircs

concordam

As respostas saiacuteram em forma de gritos

- Satildeo umas taradas as meninas

- Aqui tem menina que natildeo aguenta nem o vento deste ventilador toda fraquinha

- Eacute sim satildeo fracas Satildeo iguais a Neymar caem por tudo

- Satildeo umas chatas umas metidas umas piriguetes

Poucos disseram que natildeo nenhum olhar de respeito agraves meninas que responderam

com vaias Imaginei que ela iria procurar problematizar esses enunciados Mas trouxe outro

toacutepico colhido rapidamente do guia que faz uma abordagem pontual das questotildees de gecircnero

entabulando esta outra questatildeo

- Algueacutem aqui aceitaria ser amigo[a] de um gay

Impressionou-me o tom de desatenccedilatildeo agrave problemaacutetica de gecircnero por Jaqueline O que

foi dito por ela ao indagar sobre se algueacutem seria amigo de um gay carrega muito de seu

preconceito Ela sedimentou um olhar que constitui o outro o segregacionado o diferente e

inferiorizado Por que algueacutem teria que aceitar ser amigoa de um gay A relaccedilatildeo natildeo seria a

de se aceitaria ou natildeo a amizade de pessoas E ali o que eacute dito por ela sobre as relaccedilotildees de

gecircnero alicerccedilam estereoacutetipos datildeo invisibilidade ao fenocircmeno da violecircncia aos processos de

construccedilatildeo do diferente (SILVA 2012) Uma praacutetica discursiva que se potildee na contramatildeo dos

interesses de uma escola para todas as pessoas como advogam os DH ali percebi

A professora ouviu da turma um sonoro natildeo E sem atentar possivelmente para o

quanto seu olhar nega uma brigada vigilante anti-sexista anti-homofoacutebica e de respeito aos

direitos das crianccedilas e adolescentes proposta por organismos mundiais e nacionais amparada

119

por marcos legais protetivos natildeo atentou para a sonoridade negativa da turma para um mundo

inclusivo Mas retrucou

- Quer dizer que vocecircs deixariam ele [sic] no isolamento

Um menino de nome Pedro disse que sim que merece sofrer ficar isolado quem

desobedece ao que Deus criou

-E Deus criou homem e mulher professora - Reforccedilou o garoto

Ela respondeu que sim Assumiu uma postura criacionista essencialista Muito

embora tenha salientado que mesmo sendo um desvio uma afronta ao que Deus determinou

essas pessoas merecem ser respeitadas Jeacutessica uma menina muito inquieta considerada

conforme Jacqueline ldquopior do que os meninosrdquo em termos de inquietaccedilatildeo agressivamente

respondeu

- Respeitar boiola professora Respeito natildeo

Jaqueline natildeo retrucou Aquela aluna me parecia sem eco Todas as falas em sua

direccedilatildeo eram no sentido de fazecirc-la ficar quieta A menina demonstrava uma agressividade

para com todosas colegas indiferenccedila agrave aula e desrespeito agrave professora

- Vocecirc eacute louca eacute Respeitar boiola ndash Dirigiu-se agrave Jacqueline respondendo-lhe pela

defesa que a professora fez do dever de todosas ao respeito aos considerados desviantes

Sem economias essa aluna iniciou um turno de xingamentos de imitaccedilotildees grotescas

de como os gays falam andam e gesticulam levando a turma a rir e constrangendo a

professora Desistindo de enfrentaacute-la natildeo sei se por medo de criar mais confronto com a aluna

ou se por consentir manifestaccedilotildees de escaacuternio e homofoacutebicas Jacqueline natildeo exortou a aluna

redirecionou a aula solicitando a volta ao texto E indicando desconhecer por completo o guia

sai procurando o que ler salteando paacuteginas em busca do que explorar Premida pelo tempo

pelo barulho da sala acha trechos aleatoriamente e os ler pede opiniatildeo do grupo e sem

conseguir instigar o interesse da turma que se lanccedila em brincadeiras culpa a todosas pela

eterna balbuacuterdia e descompromisso com o ato de debater

120

Por muitos momentos observei a agitaccedilatildeo da professora diante do texto e da turma

Seu ambiente de trabalho se traduzia como uma violecircncia ao ato de ler a balbuacuterdia dosas

alunosas inviabilizava a mais elementar concentraccedilatildeo que a leitura requer para que haja a

fluecircncia das ideias a capacidade de retecirc-las de trocaacute-las Em polvorosa a turma ao tempo

que respondia a algo pontuado pelo texto desligava-se dele completamente mergulhando em

outros mundos outros textos tatildeo diacutespares ao proposto Parecia natildeo haver naquele espaccedilo por

alguns instantes a presenccedila de um texto em matildeos a presenccedila de uma mestra E ela competia

com a desordem agitando-se gritando muito

Em contraste com aquele cenaacuterio de mestra sem maestria sem calmaria sem rumo

resgatei uma imagem beliacutessima trazida por Larrosa (2004) com a sua leitura do jaacute referido

poema O Leitor de Rilke A construccedilatildeo poeacutetica desse autor debulha jaacute em seus versos

iniciais a imagem de um ser tomado possuiacutedo arrebatado pelo ato de ler ldquoQuem o conhece

a este que jaacute baixou seu rosto de um ser ateacute um segundo ser a quem apenas o veloz passar

das paacuteginas plenas agraves vezes interrompe com violecircnciardquo O enfrentamento da obra que se daacute

com o rosto abaixado eacute a garantia da transformaccedilatildeo A obra quer quietude o autor diz que

ldquoapenas o veloz passar das paacuteginasrdquo traz a inquietaccedilatildeo Oa leitora poeticamente possui as

marcas da quietude da liquidez da transformaccedilatildeo nas palavras de Larrosa

O texto esse segundo ser no qual o leitor submerge estaacute empapado da sombra do

leitor A palavra alematilde eacute Getrankts e poderia ser traduzida por embriagada ou

porembebido[] O texto entatildeo tambeacutem perdeu sua estabilidade sua solidez e seu

controle sobre si mesmo ao estar impregnado dessa sombra liacutequida e embriagadora

que o leitor [a] derramou sobre ele A sombra do leitor [a] tem algo da fluidez dos

liacutequidos O texto por sua parte eacute permeaacutevel a esses liacutequidos uma vez que se deixa

empapar e embriagar por eles Ambos satildeo liacutequidos e podem misturar-se entre si E o

texto uma vez liquefeito embriagado e desmaternado agora pode ser o elemento

em que o leitor pode submergir para emergir transformado o elemento liacutequido da

metamorfose (LARROSA 2004 p 108)

A experiecircncia da leitura na poesia de Rilke e na interpretaccedilatildeo que Larrosa (2004)

empresta a esta obra eacute a experiecircncia da conversatildeo essa aqui natildeo eacute vista como aspiraccedilatildeo ao

divino mas agrave substancialidade de si da plenitude da saiacuteda do ordinaacuterio da

despersonalizaccedilatildeo ldquoQuem o conhecerdquo Haacute por conseguinte observando a aula de leitura

ministrada por Jaqueline uma distacircncia astronocircmica entre o leitor da poesia rilkeana e osas

leitoresas daquela sala de aula Satildeo contextos histoacutericos distintos com diferentes grupos

sociais que resultam em entregas e natildeo entregas agrave leitura Parece que a sala de aula inquieta e

desgovernada programada pelo poder-escola mesmo que anuncie a importacircncia da entrega

para a leitura natildeo propicia as condiccedilotildees para isto Haacute um controle por parte desse poder que

121

cria regras nas quais se gera o impedimento para que a relaccedilatildeo complexa de abandonar-se pela

interpretaccedilatildeo de obras de textos de discursos para inquietar mundos prontos seja efetivada

Ler entatildeo na escola puacuteblica em tela e em tantas outras construiacutedas com a mesma

mesquinharia na faceta Paulo Honorina de nossos gestores puacuteblicos no trato com a educaccedilatildeo

eacute estar sob a tutela de uma atividade que controla e disciplina o natildeo ler

E o ler na sala de Jaqueline dizia do natildeo ler Assim entendi tambeacutem quando

observei a cena em que trecircs alunos que sentavam juntos folheavam o guia passando as

paacuteginas sem deleite algum mesmo este contendo bastante ilustraccedilotildees Um deles disse agrave

professora que ler aquilo ldquoera um sacordquo Ela foi raacutepida em me justificar a opiniatildeo do garoto

- Aqueles satildeo influenciados pela religiatildeo natildeo gostam de nada natildeo aceitam os

homossexuais nem que a mulher se iguale ao homem Satildeo do contra

Jaqueline demonstrou entatildeo entender pouco o que disse o aluno E dividida entre

alunosas que representavam o fundamentalismo religioso e expressavam rigidez de papeacuteis

acerca de identidades de gecircnero entre outrosas que expressavam um olhar assimeacutetrico para

as relaccedilotildees de gecircnero levadosas pelo senso comum e ainda por voz solitaacuteria que afirmou

defender a liberdade de cada um de ser quem quer como a de Viacutetor um paulistano receacutem-

chegado agrave Paraiacuteba Jacqueline posicionou-se E o fez premida pelo discurso da toleracircncia ao

diferente Uma ressonacircncia assumida por ela das suas interaccedilotildees com discursos de

formadores nos eventos de formaccedilatildeo continuada dos quais participa na Rede Municipal de

Ensino Diversas formaccedilotildees discursivas circundavam naquele espaccedilo impingindo a marca de

quatildeo heterogecircneas e fragmentadas satildeo as identidades sociais construiacutedas em praacuteticas

discursivas regradas historicamente Enxergaacute-las e tecirc-las como processos de construccedilotildees nos

quais somos premidos eacute em tese pensar fora do autoritarismo O ato de ler pode estar a serviccedilo

de exercitarmos o pensamento nesta perspectiva o que poderaacute promover o encontro com o

outro com disposiccedilatildeo para o diaacutelogo Mas este ato natildeo pode fugir de sua instacircncia poliacutetica

natildeo pode se dar sem angariar as formaccedilotildees discursivas que determinam verdades apagando e

dando sentidos conforme pontua Foucault [] ldquovivemos em uma sociedade que produz e faz

circular discursos que funcionam como verdade que passam por tal e que deteacutem por este

motivo poderes especiacuteficosrdquo (FOUCAULT 2012 p 231) Esta eacute tarefa para os que brigam os

que vivem em permanente posiccedilatildeo de lutadores

Natildeo sei se instigada pelo nosso diaacutelogo antes da aula a professora trouxe a tocircnica da

violecircncia contra a mulher perguntando se algueacutem ali achava certo um homem agredir uma

122

mulher A pergunta me pareceu ingecircnua simplista que expressa possivelmente a

desorganizaccedilatildeo de Jaqueline por improvisar uma aula em um tema que natildeo parece lhe

fascinar As respostas vieram de forma apressadas e uniacutessonas por um natildeo agrave agressatildeo agrave

mulher Ela elogiou o grupo propagando uma cultura de paz reforccedilando que ningueacutem deve

bater em ningueacutemrdquo Chamou-me atenccedilatildeo a voz fraacutegil de uma menina que trouxe o

ordenamento juriacutedico como justificativa para o impedimento agrave violecircncia contra a mulher

- Natildeo pode professora por causa da Maria da Penha

Jacqueline demonstrou gostar desta resposta da garota e falou rapidamente da Lei

1134006 pontuando para a turma ldquoeacute a Maria da Penha que bota os homens que batem em

mulher na cadeiardquo Chamou-me atenccedilatildeo ainda o fato natildeo visto pela professora de que a aluna

natildeo encontrou um oacutebice para a violecircncia contra a mulher na dignidade humana dessa no seu

direito a uma vida sem agressotildees e sim em uma lei Mas a demonstraccedilatildeo de conhecimento do

ordenamento juriacutedico pela menina deixou a professora satisfeita Uma outra aluna indagou-

lhe

- Quem foi professora Maria da Penha

A docente Jaqueline natildeo soube dizer exatamente soacute respondeu que Maria da Penha eacute

uma mulher que sofreu violecircncia domeacutestica Perdeu a oportunidade de narrar uma histoacuteria

exemplar de luta contra a impunidade a este mal que grassa em tantos lares ao tempo em que

evidenciou um comprometimento em sua formaccedilatildeo intelectual Seu desconhecimento

considerando a relevacircncia que a farmacecircutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes

possui como siacutembolo de luta para o enfrentamento da violecircncia contra a mulher demonstrou

fragilidade de formaccedilatildeo profissional Maria da Penha vitimada pela violecircncia com duas

tentativas de assassinato por Marco Antonio Heredia Viveros agrave eacutepoca seu marido lutou

bravamente contra a impunidade a esse crime Por sua obstinaccedilatildeo durante longos anos travou

uma longa batalha no poder Judiciaacuterio e evitou a impunidade de Marco conseguindo levar

sua denuacutencia agrave Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organizaccedilatildeo dos

Estados Americanos) que determinou medidas do Estado brasileiro pela puniccedilatildeo ao ex-

marido e reparaccedilatildeo agrave viacutetima A visibilidade da violecircncia contra a mulher ganhou em Maria da

Penha um baluarte que a fez homenageada com o nome da Lei 1134006 Suas apariccedilotildees na

123

miacutedia em especial nas comemoraccedilotildees alusivas ao Dia Internacional da Mulher deveriam ser

outro fator que favorecesse o conhecimento da cearense pela professora Jaqueline

O tema da violecircncia contra a mulher instigou a turma a falar e muitosas alunosas

disseram conhecer mulheres viacutetimas de violecircncia ningueacutem disse que isto fazia parte da

realidade familiar mas da de uma vizinha de uma conhecida Jacqueline natildeo aproveitou a

discussatildeo para trazer reflexotildees sobre as causas desse fenocircmeno dar visibilidade agrave questatildeo

cultural que sustenta a assimetria entre homens e mulheres e discorrer sobre a importacircncia da

lei E mesmo diante de enunciados de meninos dizendo que deveria existir a lei para os

homens tambeacutem o que implica uma incoerecircncia a professora se esquivou de aprofundar o

debate Um debate que seria oportuno considerando que a violecircncia contra homens eacute um

fenocircmeno cultural de baixiacutessima incidecircncia o que em tese natildeo justifica a existecircncia de uma

lei para a proteccedilatildeo dos homens

A aula natildeo havia acabado ainda mas o focirclego da professora sim Como quem paga

alta penitecircncia olhou muito para o reloacutegio enfim sentou-se exaurida ao meu lado e

timidamente me pediu uma opiniatildeo sobre seu desempenho pedagoacutegico Tive zelo para natildeo

parecer dona da verdade e pontuei algo para ela Iniciando pela criacutetica ao improviso Abordei

tambeacutem com a educadora o quanto o lidar com texto em sala de aula em uma perspectiva

discursiva permite a quebra da ilusatildeo de que haacute uma leitura boa e certa para um texto na qual

o professor seria o inteacuterprete legiacutetimo E que a postura dela de natildeo ouvir as respostas dosas

alunosas em alguns momentos evidenciava talvez para ela a crenccedila de que as respostas da

turma estariam fora do campo do verdadeiro Falei tambeacutem do desejo de ver a temaacutetica ser

vivenciada com esmero por respeito ao princiacutepio da dignidade humana de todas as pessoas e

por considerar que para que se engendrem reflexotildees plurais e que se olhem mais

apuradamente as assimetrias de gecircnero desmantelando-nas as construccedilotildees discursivas

precisam fazer parte de um ethos Precisam fazer parte de uma brigada pela defesa de uma

escola inclusiva para todosas e isto natildeo nasce aleatoriamente nem sem suor Novos sujeitos

precisam nascer ou no dizer foucaultiano (FOUCAULT 2004a 2004b 2004c 2012) novos

modos de subjetivaccedilatildeo Jaqueline ponderou que estava disposta a aprender mas de algumas

coisas natildeo abriria matildeo O que ela e tantosas natildeo abrem matildeo poderaacute continuar impedindo a

responsabilidade da escola em construir caminhos para novos sujeitos com a eliminaccedilatildeo de

praacuteticas discriminatoacuterias sexistas homofoacutebicas

A aula acabou e eu tomei emprestado o material usado em sala para analisaacute-lo

conforme tracei em um dos objetivos deste trabalho E muito embora este natildeo seja um

material programado para fazer parte de suas aulas como jaacute pontuei aqui por sua escolha ter

124

sido notoriamente casual aleatoacuteria foi ele o subsiacutedio do evento e eacute um dos textos presentes

na escola que poderaacute ser lido outras vezes Voltei agrave biblioteca e perguntei agrave Denise a

responsaacutevel por aquele espaccedilo que foi uma das participantes da pesquisa se aquele texto o

ldquoGuia da Crianccedila Cidadatilde ndash Convivendo com meninas e meninosrdquo (BOULET 2005) jaacute fazia

parte do acervo bibliotecaacuterio quando de minhas visitaccedilotildees na outra etapa desta pesquisa Ela

me informou que natildeo aqueles volumes tinham sido uma aquisiccedilatildeo no final do ano realizada

pela coordenadora do projeto de leitura

O material usado um guia eacute um gecircnero textual que tem como caracteriacutestica pontuar

concisamente informaccedilotildees para nortear leitoresas acerca de algo E com esse natildeo foi

diferente o material utilizado naquela aula eacute um texto com muita ilustraccedilatildeo em uma

linguagem acessiacutevel e com historinhas apresentadas em trecircs capiacutetulos As narrativas abordam

relacionamentos entre meninos e meninas problematizando a construccedilatildeo das diferenccedilas

atraveacutes de toacutepicos como o interesse dos meninos por baleacute a ocupaccedilatildeo das mulheres no

mercado de trabalho as meninas poderem tomar agrave frente nas manifestaccedilotildees de afeto entre

outros papeacuteis sociais questionados Satildeo toacutepicos interessantes que se organizados

reflexivamente poderiam render uma aula mais significativa

O guia todavia eacute uma produccedilatildeo do UNICEF jaacute com uma certa defasagem em

relaccedilatildeo aos avanccedilos conquistados pelas mulheres no tocante agraves garantias juriacutedicas como as

Leis 1203409 (BRASIL 2009) que prevecirc a obrigatoriedade do preenchimento de vagas por

mulheres em cada partido e a Maria da Penha que combate agrave violecircncia contra a mulher

Outros avanccedilos angariados pelo coletivo feminista natildeo poderiam tambeacutem estar contemplados

ali no que diz respeito agraves mobilizaccedilotildees sociais como as construccedilotildees das conferecircncias entre

outros Assim eacute uma leitura que mobiliza o interesse pelo combate agrave violecircncia de gecircnero tem

seu valor mas precisaria estar melhor articulada e atualizada Esse eacute um trabalho doa

fazedora da educaccedilatildeo que deve entrar em sala carregando leituras catadas angariadas

escolhidas criteriosamente o que natildeo foi o caso da aula em tela na qual a mestra pareceu

carregar um guia sem ser guiada por ele

125

4 A ACcedilAtildeO PROPOSITORA INSERCcedilAtildeO TEMAacuteTICA DE GEcircNERO PELA VIA DA

LEITURA

Apoacutes discorrer acerca do trajeto desta pesquisa objetivando costurar os fios traccedilados

ao longo de sua constituiccedilatildeo cabe-me tomar a direccedilatildeo de apresentar nesta parte do estudo

uma proposta de sistematizaccedilatildeo de estrateacutegias que poderatildeo ser adotadas pelo projeto de leitura

da escola TRAVESSIA Isso se deve porque este mestrado que possui uma diretriz

profissional estaacute sendo desenvolvido de modo a permitir uma accedilatildeo interventiva na praacutetica

docente de seus cursistas o que se traduz como compromisso e luta com o fazer pedagoacutegico

aos quais bendigo

E com base no que angariei em termos de anaacutelises das discursividades de

educadoresas como mediadores(as) de leituras cabe-me propor a inserccedilatildeo do debate sobre as

relaccedilotildees de gecircnero no projeto de leitura da escola TRAVESSIA Faccedilo assim por conceber que

a leitura ali vivenciada percebida em diversos momentos desta pesquisa natildeo demonstrou

contemplar a temaacutetica da equidade de gecircnero E a ausecircncia desta contemplaccedilatildeo eacute considero

um oacutebice para a formaccedilatildeo de cidadatildeosatildes reflexivosas que eacute um dos objetivos propostos no

documento do referido projeto de leitura da escola

Desse modo e em respeito agrave pauta reivindicatoacuteria dos DH das mulheres da populaccedilatildeo

LGBT e de toda uma legislaccedilatildeo educacional que trata da inclusatildeo como um direito de todas as

pessoas agrave dignidade humana proponho que haja o empenho pela implementaccedilatildeo do debate da

equidade de gecircnero na escola TRAVESSIA por via da leitura Sendo concebida esta via

como uma praacutetica social que pode contribuir significativamente com as mudanccedilas sociais e

culturais que precisam ser construiacutedas (MOITA LOPES 2002 ORLANDI 2008) eacute preciso

que nela seja investido um olhar mais reflexivo Para isto eacute crucial que a escola repense o

lugar da leitura centralizando-a norteando esta praacutetica por reflexotildees e estudos frequentes

entre osas professoresas envolvidosas com o projeto CestaSexta literaacuteria Tais reflexotildees e

estudos devem estar subsidiando a vigilacircncia dos agentes de leitura sobre o que leem e

propotildeem como leitura no projeto atentando assim para os modos como se alicerccedilam

estereoacutetipos para os modos como se alicerccedilam verdades Tais reflexotildees e estudos devem estar

subsidiando a vigilacircncia dos agentes de leitura sobre o que leem e propotildeem como leitura no

projeto atentando assim para os modos como se alicerccedilam estereoacutetipos para os modos como

se alicerccedilam verdades A vigilacircncia sobre os modos de conceber a leitura tem razatildeo de ser

quando se considera o que a AD atraveacutes de Possenti (2009) postula em si natildeo eacute a leitura um

bem E como tal natildeo deve ser sacralizada natildeo pode tambeacutem ser mateacuteria de improviso de

mero cumprimento de tarefa sem planejamento criterioso e sabor

126

A formaccedilatildeo de leitoresas pressupotildee estudo pressupotildee concernir com o que se

acolhe Heidegger (apud LARROSA 2004 p 110) investe na importacircncia do ato de ler

debruccedilando-se na etimologia do termo

A etimologia de ler como recorda Heidegger remete a recolher a colher a

colecionar a coletar Leitura lectio liccedilatildeo e tambeacutem e-leiccedilatildeo se-leccedilatildeo co-leccedilatildeo co-

lheita Heidegger mostra como o legein grego relaciona-se com o leger latino e com

o alematildeo lesen em seu sentido primitivo de um ldquopocircr abaixo e pocircr diante de que se

reuacutene a si mesmo e recolhe outras coisasrdquo Esse pocircr eacute um juntar e um com-pocircr []

E aleacutem disso como indica o alematildeo lesen um coletar ou um re-coletar um co-lher

ou um re-colher a colheita de espigas (Ahren-lese) recolhe o fruto do solo A

vindima (Trauben-lese) colhe as bagas da videira Por isso o juntar e pocircr diante natildeo

eacute um juntar qualquer coisa de qualquer maneira natildeo eacute um mero amontoar mas

implica uma busca e uma escolha previamente determinada por um colocar dentre

por um colocar sob um teto por um preservar ou abrigar (HEIDEGGER apud

LARROSA 2004 p 110)

Haacute uma ideia de abrigamento de incorporaccedilatildeo com a definiccedilatildeo do termo que sugere

alimento a leitura como o patildeo diaacuterio que nutre defendida por Antunes (2009) E eacute com essa

ideia que advogo quatildeo a formaccedilatildeo de leitoresas eacute tarefa de extrema responsabilidade

pressupotildee condiccedilotildees adequadas de produccedilatildeo do ato de ler que envolve a disponibilidade do

acervo do espaccedilo adequado bem como as condiccedilotildees intersubjetivas como o desejo o

conhecimento o prazer por parte de quem propotildee a leitura A formaccedilatildeo de leitoresas eacute ato

seacuterio ultrapassa formar para a mera classificaccedilatildeo para o mero valorar de coisas eacute no dizer

de Larrosa (2004) ato que possibilita deixar aparecer o existente em sua plenitude atraveacutes da

experiecircncia do lanccedilar-se

E qual se lanccedilar haacute na leitura proposta pela profordf Jaqueline com poucos livros em

muitas matildeos desprotegida pelo Estado com um fastio intelectual leitor por um tema que

aparece nas formaccedilotildees continuadas segundo me informou mas desaparece na sua praacutetica

discursiva Haacute um lanccedilar-se Haacute eacute um hiato entre os sujeitos que escutam mudanccedilas

anunciadas nas formaccedilotildees entre os sujeitos que leem e natildeo assimilam essas leituras O

percurso formativo dessa profissional como dos outros sujeitos desta pesquisa eacute o de um

sujeito refrataacuterio agraves mudanccedilas propostas nas tecnologias enunciativas nas praacuteticas leitoras que

instiguem reflexotildees sobre a constituiccedilatildeo de identidades Nesse sentido recorro a Noacutevoa

A formaccedilatildeo eacute algo que pertence ao proacuteprio sujeito e se inscreve num processo de ser

(nossas vidas e experiecircncias nosso passado etc) e num processo de ir sendo (nossos

projetos nossa ideia de futura [] Eacute uma conquista feita com muitas ajudas dos

mestres dos livros das aulas dos computadores Mas depende sempre de um

trabalho pessoal Ningueacutem forma ningueacutem Cada um forma-se sozinho (NOacuteVOA

2001 p 15)

127

No trabalho de formaccedilatildeo interior levantado por Noacutevoa que eacute de extrema

importacircncia estatildeo as lembranccedilas foucaultianas das praacuteticas de si (FOUCAULT 2004a

2004b 2004c) as que fazem os sujeitos acordarem para seus desejos atentarem para relaccedilotildees

consigo com seus cuidados mas que permitem o olhar em torno o olhar para as construccedilotildees

sociais de si e do outroa Daiacute poderaacute vir a condiccedilatildeo de ser leitora de ser lanccediladora

Cuidando de si mas amparadoa pelo Estado satildeo por praacuteticas de libertaccedilatildeo e de liberdade que

osas intelectuais e professoresas poderatildeo ter a vitalidade necessaacuteria para formar e ser

leitora E aqui de novo a Literatura de Graciliano Ramos me acolhe com Madalena lutando

chorosamente contra o opressor Paulo Honoacuterio e sendo vencida Acode-me para que eu possa

propagar solitariamente natildeo haacute saiacuteda Agreste eacute a alma de Paulo Honoacuterio

Conheci que Madalena era boa em demasia mas natildeo conheci tudo de uma vez Ela

se revelou pouco a pouco e nunca se revelou inteiramente A culpa foi minha ou

antes a culpa foi desta vida agreste que me deu uma alma agreste (RAMOS 1978

p 92)

Como agreste eacute o coraccedilatildeo de uma sala de aula sem livros sem sonhadoresas sem

leitoresas Fiz esse rodeio por outras paragens para reafirmar que as estrateacutegias para se

formar leitoresas satildeo meticulosas exigem accedilotildees inventivas que mobilizem a ultrapassagem

aos muros da escola fazendo a chamada ao Poder Puacuteblico Mas para isso eacute preciso professora

que escolha natildeo chorar como o fez Madalena Ao agente de letramento resta-lhe organizar-se

politicamente e especialmente se enxerga na leitura um cunho libertaacuterio como me afirmou

Jaqueline minutos antes de entrar na sala de aula e afirmam tantosas outrosas

educadoresas resta-lhe lanccedilar matildeo de artefatos culturais que fomentem reflexotildees

propositoras da construccedilatildeo de novas formas de subjetivaccedilatildeo de empoderamento social de

grupos minoritaacuterios entre outras formas de experimentar vivecircncias

Eacute uma luta por espaccedilo formar leitora E como luta natildeo se daacute sem investimento sem

desarticulaccedilotildees e articulaccedilotildees de olhares Natildeo se daacute sem mobilizaccedilotildees internas e externas ao

acircmbito da esfera escolar por isso que aqui me cabe atravessar o olhar indo da escola agrave

SEDEC e inquirir desse oacutergatildeo sobre suas responsabilidades poliacutetico-administrativas A

educaccedilatildeo do municiacutepio precisa repensar uma forma de estar gestando maior compromisso e

seriedade com as suas poliacuteticas educacionais no que se refere agrave responsabilidade de formar

leitoresas A produccedilatildeo de projetos de leitura natildeo pode ser tarefa de cunho meramente

administrativo sem o acompanhamento devido pelo pedagoacutegico Uma professora

readaptadoa portanto soacute deve propor e coordenar projeto de leitura se houver nelea as

128

favoraacuteveis condiccedilotildees para isso biblioteca escolar natildeo pode ser lugar para assegurar a

manutenccedilatildeo de gratificaccedilatildeo docente natildeo pode ser espaccedilo onde apenas se emprestam livros

sem a preocupaccedilatildeo com um trabalho profiacutecuo para o estiacutemulo agrave leitura Haacute o Plano Nacional

de Livro e Leitura ndash PNLL que reivindica a esse espaccedilo o seu lugar de dinacircmico polo difusor

de informaccedilatildeo e cultura para isso o profissional que fica agrave frente desse oacutergatildeo precisa avanccedilar

em conquistas por mais habilidade A responsabilidade da SEDEC com osas readaptadosas

natildeo pode se restringir agrave exigecircncia com a confecccedilatildeo de um projeto de leitura no papel mas em

formaacute-losas para que exerccedilam com maestria a funccedilatildeo de agente de letramentos

Pensar entatildeo e ainda em um aperfeiccediloamento com o trabalho de leitura na escola

TRAVESSIA eacute tambeacutem sair dos muros daquele espaccedilo e provocar os gabinetes e o interesse

do Poder Puacuteblico da Rede de Educaccedilatildeo Municipal de Joatildeo Pessoa para o implemento de

melhorias na formaccedilatildeo continuada por ela oferecida Como propositora das formaccedilotildees

continuadas a SEDEC deve se questionar sobre a qualidade dessas avaliando seus impactos

nas praacuteticas docentes As formaccedilotildees continuadas natildeo podem ser inoacutecuas incapazes de fazer

com que seusuas educadoresas impactem suas praacuteticas educativas com o que lhes satildeo

ministradosas nos eventos de formaccedilatildeo Para isto essas praacuteticas precisam estar municiadas de

reflexotildees permanentes acerca de seus jogos de verdades de suas operacionalidades do seu

formato das accedilotildees conectadas com a realidade da sala de aula acerca enfim dos seus efeitos

sobre as praacuteticas discursivas dos seus docentes

Dentre as preocupaccedilotildees que a escola TRAVESSIA deve ter para que possa

aperfeiccediloar seu trabalho com a leitura pode estar tambeacutem a de proporcionar o envolvimento

da participaccedilatildeo familiar nas praacuteticas leitoras A matildee jaacute foi aqui pontuado pelas anaacutelises dos

resultados da pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2011) tem papel

inquestionaacutevel na influecircncia da formaccedilatildeo leitora A famiacutelia a despeito das dificuldades de

ajuste com tempo precisa ser estimulada a se envolver com as temaacuteticas e accedilotildees leitoras

desenvolvidas pela escola natildeo soacute atraveacutes das tarefas domeacutesticas dosas filhosas mas vindo agrave

escola para ler produzir textos para elesas participar dos eventos leitores Haacute matildees pais

avocircoacutes tiosas e irmatildeosas talentosos nos lares que podem contribuir com o trabalho de

leitura nas escolas atuando como contadoresas de histoacuterias como atoresatrizes em peccedilas

teatrais entre outras atividades

Reconheccedilo satildeo deveras hercuacuteleas as responsabilidades que o poder puacuteblico precisa

implementar para assegurar as mudanccedilas que a sociedade brasileira tem como direito em

termos de educaccedilatildeo de qualidade Satildeo inuacutemeras e histoacutericas as queixas de educandosas e

educadoresas sobre o ensino que o Estado brasileiro oferta agrave populaccedilatildeo e no que diz respeito

129

agrave praacutetica leitora pela escola elencam com frequecircncia como pontos negativos textos impostos

pouco acervo condiccedilotildees inadequadas de espaccedilo leitura para cumprir obrigaccedilatildeo A escola

precisa olhar com respeito tais queixas crocircnicas de seusuas educadoresas enxergar suas

vozes dispostas a aprender a aprender e aceitar o desafio de ser inventiva para resistir ao

poder como Foucault (2012) ressalta E em se tratando de poder institucional como tem sido

avassalador o poder puacuteblico do descaso com a educaccedilatildeo brasileira Tatildeo devastador a ponto de

fazer com que pensar em propor estrateacutegias interventivas em uma de suas instacircncias de

trabalho seja tatildeo sedutor quanto frustrante para mim e para educadoresas das escolas

puacuteblicas do Paiacutes Como ser inventivo diante dos limites estruturais que se apresentam face agraves

tentativas de desenvolvimento de um bom trabalho A realidade das salas superlotadas e dos

parcos recursos em termos de filmes de acervos literaacuterios musicais e demais artefatos

culturais aqui jaacute referendados comprometem a qualidade de um trabalho com a leitura

expondo o quanto o direito agrave educaccedilatildeo de qualidade estaacute sendo violado

Mas pior ficaraacute se natildeo se propuser Vou tentar pela vitalidade que haacute nos gestos de

tentar e por importar ter a leitura em pauta despertar interesse por ela saber de onde se lecirc

perscrutar por qual controle se lecirc Importa formar leitores que afiem os sentidos reflitam

sobre o estar no mundo para que possam no dizer de Freire (1999 p 124) conceber a

possibilidade do inacabamento humano ldquoa raiz mais profunda da politicidade da educaccedilatildeo se

acha na educabilidade mesma do ser humano que se fundamenta na sua natureza inacabada e

da qual se tornou conscienterdquo A leitura pode ser sem sacralizaccedilotildees uma porta para as buscas

de si foucaultianas e para a consciecircncia freireana

Convencida disto encaminho propostas de atividades de leituras de viacutedeos sites e

filmes para aprimorar as reflexotildees acerca da temaacutetica Faccedilo isto sem a menor pretensatildeo de

demonstrar possuir foacutermula nem verdade alguma nem achando que o que proponho eacute

novidade pois creio que apesar das condiccedilotildees adversas em muitos contextos escolares o

trabalho com a leitura tem sido pautado em uma perspectiva discursiva com objetivos

emancipatoacuterios libertaacuterios E o que me compete fazer neste momento satildeo esboccedilos para uma

reflexatildeo que norteie a praacutetica leitora do CestaSexta Literaacuteria Ciente sou todavia de que

profiacutecuo eacute que se faccedilam estudos coletivos reforccedilados nas coordenaccedilotildees pedagoacutegicas com

muito diaacutelogo e participaccedilatildeo dosas educadoresas ouvindo as famiacutelias os educandosas para

que haja o fortalecimento de ideias e aprendizado coletivo

Ciente sou ainda todavia de que respalda a todosas educadorasas no sentido de

reivindicar e fazer as mudanccedilas que precisam ser efetivadas a chegada de mais uma

tecnologia enunciativa como promessa de mudanccedilas O Senado Federal aprovou em julho

130

deste o novo Plano Nacional da Educaccedilatildeo - PNE cujo teor traz o compromisso firmado pelo

Governo brasileiro atraveacutes de suas poliacuteticas puacuteblicas para o enfrentamento da gravidade que

acomete a educaccedilatildeo brasileira Satildeo promessas em formato de diretrizes e metas a serem

cumpridas ateacute 2024 promessas que soacute poderatildeo ser alcanccediladas se esta tecnologia enunciativa

for concebida e acolhida como Plano de Estado mais do que Plano de Governo

Que sejamos osas santosas fazedoresas da mudanccedila que a educaccedilatildeo brasileira

precisa experimentar para sair de seu estado crocircnico de adoecimento A santidade nos

convoca a rezar aqui o sentido dessa accedilatildeo eacute para aleacutem da busca do sagrado conforme

estabelece esse Plano e um arcabouccedilo da legislaccedilatildeo educacional pela fundamental poliacutetica de

valorizaccedilatildeo global do magisteacuterio a qual implica simultaneamente a formaccedilatildeo profissional

inicial as condiccedilotildees de trabalho salaacuterio e carreira e a formaccedilatildeo continuada Que a reza natildeo

seja silenciosa apenas nem solitaacuteria pois seraacute inoacutecua e que conflua para o que diz o novo

PNE no sentido de que eacute preciso criar condiccedilotildees para que os professores possam vislumbrar

perspectivas de crescimento profissional e de continuidade de seu processo de formaccedilatildeo

(BRASIL 2014) Quem sabe assim o rosaacuterio de lamentaccedilotildees monotemaacuteticas que osas

educadoresas arrastam em seus enunciados natildeo mude de tom surgindo a sonoridade da luta

da paixatildeo e do sonho tatildeo (en)cantada por Chico Buarque de Holanda ldquoAi quero uma

lembranccedila eu quero uma esperanccedila A tua primavera

Apoacutes fazer uma ressalva ao PNE receacutem-chegado retorno agrave reflexatildeo sobre a

semeadura na escola em tela apresentando agrave guisa de sugestatildeo algumas recomendaccedilotildees que

podem ser incorporadas pela organizaccedilatildeo do projeto a CestaSexta Literaacuteria Nesse sentido

cabe aos organizadores do projeto de leitura da escola TRAVESSIA

1) Considerar a fragilidade com que o projeto de leitura se apresenta evidenciada

natildeo soacute pela ausecircncia da temaacutetica de gecircnero e de temas transversais propostos

pelos PCNs como tambeacutem pela ausecircncia de uma fluente organizaccedilatildeo entre as

accedilotildees propostas sua metodologia e seus objetivos e buscar construir uma

reformulaccedilatildeo do projeto Eacute necessaacuterio que este inclua em seus propoacutesitos uma

exposiccedilatildeo clara de temas trabalhados para que haja a relaccedilatildeo desses com a

formaccedilatildeo cidadatilde pelo projeto defendida

2) Construir para o referido projeto uma metodologia dialoacutegica e participativa

havendo a explicitaccedilatildeo dos recursos teacutecnicos adequados aos objetivos propostos

que contribuam para uma educaccedilatildeo natildeo-sexista natildeo discriminadora A sua

metodologia deve ser constituiacuteda de momentos formativos com o corpo docente e

131

gestor a fim de que as accedilotildees sejam elaboradas por uma equipe multidisciplinar

que elabore monitore e avalie todo o processo

3) Apresentar uma bibliografia envolvente e criteriosamente levantada como

tambeacutem uma seleta apresentaccedilatildeo de filmes e de artefatos culturais como canccedilotildees

entre outros objetivando ressignificar a realidade a partir desses instrumentos

Considero oportuno sugerir que a escola procure desenvolver dentro de suas

possibilidades praacuteticas leitoras incrementadas por encenaccedilotildees de peccedilas teatrais

jogos varais com a presenccedila de contadoresas de histoacuterias por exibiccedilatildeo de

filmes que a depender do estilo da peliacutecula pode sofrer cortes em cenas para que

apenas elas sejam estudadas considerando que nem toda narrativa atrai Haacute

programas de televisatildeo e capiacutetulos de novelas que podem ser objetos de anaacutelises

como tambeacutem determinadas leituras circuladas nas redes sociais podem estar

propiciando reflexotildees atinentes agrave valorizaccedilatildeo da dignidade humana

4) Proporcionar realizaccedilotildees de atividades educativas como oficinas palestras e

debates com a inserccedilatildeo da temaacutetica da equidade de gecircnero Para isso deve se

nortear com a discussatildeo de questotildees geradoras que podem ser conforme

pontuadas pelo curso de Gecircnero e Diversidade na Escola ndashGDE- (2009)3 assim

levantadas Como as relaccedilotildees de gecircnero aparecem no cotidiano escolar Haacute cenas

de violecircncia de gecircnero na escola O que educadoresas podem fazer neste

momento A discriminaccedilatildeo de gecircnero ainda coloca as mulheres em desvantagem

em diversas situaccedilotildees sociais Haacute o agravamento da desvantagem quando essa se

une agrave discriminaccedilatildeo eacutetnico-racial Qual a responsabilidade da escola e dos

educadores na garantia do direito de cada pessoa de ter uma justa imagem de si e

de ser tratado com dignidade Educadores e educadoras tecircm a possibilidade de

reforccedilar preconceitos e estereoacutetipos de gecircnero A escola institui sujeitos a partir

de um modelo Este modelo eacute branco masculino heterossexual e todas as pessoas

que natildeo se encaixam nele satildeo o outro que eacute reiteradamente tratado como inferior

estranho diferente Isso tem mudado Caso sim com base em que se sustenta esta

mudanccedila Em todas as classes sociais as mulheres satildeo viacutetimas de violecircncia

(fiacutesica simboacutelica psicoloacutegica moral e sexual) e enfrentam dificuldades de acesso

ao trabalho agrave geraccedilatildeo de renda e agrave participaccedilatildeo na vida poliacutetica Haacute letras de

3As perguntas apresentadas foram adaptadas a partir da leitura do livro intitulado ldquoGecircnero e Diversidade na

Escola Formaccedilatildeo de professorases em gecircnero orientaccedilatildeo sexual e relaccedilotildees eacutetnico-raciaisrdquo Este livro foi

utilizado como Livro de Conteuacutedo para o Curso Gecircnero e Diversidade na Escola (GDE) da Universidade

Federal da Paraiacuteba na modalidade a distacircncia

132

muacutesicas que vinculam a imagem da mulher ao escaacuternio agrave exploraccedilatildeo sexual e agrave

violecircncia fiacutesica e simboacutelica Isto se constitui como algo com que o projeto de

leitura deve se preocupar

5) Vivenciar a praacutetica leitora acompanhada de accedilotildees inventivas dinacircmicas ler

silenciosamente ler grupalmente ler atraveacutes das contaccedilotildees de histoacuterias que

devem ser estimuladas ler para encenar para debater ler para ler Isso pode ser

melhor realizado com a organizaccedilatildeo de grupos pequenos o que eacute um grande

desafio para a instituiccedilatildeo

6) Criar agendas com as quais se trabalhe a leitura em uma perspectiva dinacircmica

expondo temas ao longo do ano letivo acompanhado de artefato cultural para o

debate com recursos como obras cinematograacuteficas literaacuterias imagens feiras

participaccedilatildeo dosas alunosas em eventos culturais que porventura estejam sendo

realizados na cidade

7) Adotar para anaacutelise se possiacutevel as leituras abaixo sugeridas

SUGESTOtildeES DE LEITURAS

Bibliografia teoacuterica

AUAD Daniela Educar meninas e meninos relaccedilotildees de gecircnero na escola Satildeo

Paulo Contexto 2006 96 p

BRASIL Gecircnero e diversidade na escola formaccedilatildeo de professoresas em Gecircnero

Orientaccedilatildeo Sexual e Relaccedilotildees Eacutetnicos-Raciais Livro de Conteuacutedo versatildeo 2009 ndash

Rio de Janeiro CEPESC Brasiacutelia SPM 2009

LOURO Guacira Lopes Gecircnero sexualidade e educaccedilatildeo uma perspectiva poacutes-

estruturalista 14 ed Petroacutepolis RJ Vozes 2012

SILVA Tomaz Tadeu da Identidade e diferenccedila a perspectiva dos Estudos

Culturais 10 ed Petroacutepolis RJ Vozes 2011

ZENAIDE Maria de Nazareacute Tavares SILVA Margarida Socircnia Marinho do Monte

Plano de Accedilatildeo em Educaccedilatildeo em e para Direitos Humanos na Educaccedilatildeo baacutesica In

Direitos humanos capacitaccedilatildeo de educadores Joatildeo Pessoa editora

UniversitaacuteriaUFPB 2008 v 2

Bibliografia literaacuteria

BOJUNGA Lygia Sapato de salto Rio de Janeiro Casa Lygia Bojunga 2006

_____ A bolsa amarela 33 ed Rio de Janeiro Casa Lygia Bojunga 2003

133

BRAZ Juacutelio Emiacutelio Anjos no aquaacuterio Ilustraccedilotildees de Andreacutea Ramos 20 ed Satildeo

Paulo Atual 2009

LEITE Maacutercia Oliacutevia tem dois papais Ilustraccedilotildees de Taline Schubach Satildeo Paulo

Companhia das Letrinhas 2010

MACHADO Ana Maria A princesa que escolhia Ilustraccedilotildees de Graccedila Lima Rio

de Janeiro Nova Fronteira 2006

ROCHA Ruth Faca sem ponta galinha sem peacute Ilustraccedilotildees de Suppa Satildeo Paulo

Moderna 2009

SIMPATIA Tiatildeo A lei Maria da Penha em cordel ndash Fortaleza XX 2012

SOUZA Flaacutevio de Priacutencipes e princesas sapos e lagartos histoacuterias modernas de

tempos antigos Ilustraccedilotildees de Paulo Ricardo Dantas 6 ed Satildeo Paulo FTD 1996

_____ Homem natildeo chora Ilustraccedilotildees de Riba Tavares Belo Horizonte Formato

Editorial 1994

TORERO Joseacute Roberto PIMENTA Marcus Aurelius Chapeuzinhos coloridos

Rio de Janeiro Objetiva 2010

VIEIRA Isabel E agora matildee 2 ed Satildeo Paulo Moderna 2002

ZIRALDO Coisas de menina histoacuterias que revelam o que eacute ser menina

maluquinha Satildeo Paulo Globo 2008

SUGESTOtildeES DE FILMES

Minha Vida em Cor-de-Rosa (Mavieen rose) eacute um filme dirigido pelo belga Alain

Berliner e lanccedilado em1997 Trata-se da histoacuteria de um menino chamado Ludovic que

imagina que deveria ter nascido menina O filme mostra os preconceitos que a personagem

principal e seus familiares enfrentam em relaccedilatildeo a sua identidade de gecircnero

Garotos natildeo choram (EUA 1999 Kimberly Peirce) Assunto predominante

sexualidade identidade sexual e de gecircnero atraveacutes da experiecircncia de uma transgecircnero

violecircncia EUA

Geraccedilatildeo Roubada (Austraacutelia 2002 Phillip Noyce) Assunto predominante

Opressatildeo cultural e situaccedilatildeo feminina

Iacuteris (Inglaterra 2001 Richard Eyre) Narra a trajetoacuteria biograacutefica de Iacuteris Murdoch

escritora e filoacutesofa inglesa sua relaccedilatildeo com os homens e seu casamento ateacute a morte por

Alzheimer em 1999

134

Beleza Americana (EUA 1999 Sam Mendes) Assunto predominante relaccedilatildeo

conjugal gecircnero e sexualidade no conflito de geraccedilotildees homofobia

Billy Eliot (Reino Unido 2000 Stephen Daldry) Assunto predominante Gecircnero e

classe identidade sexual danccedila (um garoto faz ballet)

Chocolate (EUA 2000 Lasse Hallstroumlm) Assunto predominante gecircnero

sexualidade e amor relaccedilatildeo matildee e filha descobertas transgressotildees

Delicada atraccedilatildeo (Inglaterra 1996 Hettie Macdonald) Assunto predominante

juventude e sexualidade masculina homoerotismo

Eternamente Pagu (Brasil 1987 Norma Bengell) Narra a trajetoacuteria biograacutefica e

poliacutetica de Pagu e outras personalidades da eacutepoca como Oswald de Andrade e Tarsila do

Amaral

Frida (EUA 2002 Julie Taymor) Assunto predominante biografia da artista Frida

Khalo amor relaccedilatildeo homem-mulher homoerotismo feminino

SUGESTOtildeES DE SITES PARA VISITAR

EDUCACcedilAtildeO ON LINE

httpeducacaoonline ndash Com uma busca na palavra gecircnero encontraraacute textos

acessiacuteveis sobre diversos temas educacionais

REVISTA GEcircNERO ndash (UFF ndash Universidade Federal Fluminense) ndash

httpwwweditorauffbr

Cadernos Pagu

httpwwwscielophpscript=sciserialampIng=ptamppid=0104-8333ampnrm=iso

Revista Estudos Feministas

httpwwwscielophpscript=sciserialampIng=ptamppid=0104-8333ampnrm=iso

SUGESTOtildeES MARCOS LEGISLATIVOS DE DOCUMENTOS

Lei11340 07082006 Cria mecanismos para coibir a violecircncia domeacutestica e

familiar contra a mulher nos termos do art 226 da Constituiccedilatildeo Federal da Convenccedilatildeo sobre

a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de Discriminaccedilatildeo contra as Mulheres e da Convenccedilatildeo

135

Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violecircncia contra a Mulher Disponiacutevel

emlthttpwwwplanaltogovbrCcivil 03 Ato2004-2006Lei11340htmgtAcesso em 26

jun 2013

BRASIL Plano Nacional de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos Brasiacutelia

SEDHMJMECUNESCO 2007

136

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Eacute assim A gente pede para ele fazer cara de malvadeza de ruindade de valentia

Aiacute justo quando a cara dele estaacute mais medonha a gente mostra um espelho para

ele Acontece na hora Ele vira aquele que ele vecirc no espelho

(ROSA 1986 p 255)

Este trecho da ficccedilatildeo roseana soa-me como mais um fio das aacuteguas profundas do rio

que flui das conversaccedilotildees de (Rio)baldo e trazecirc-lo para abrir as consideraccedilotildees finais deste

trabalho parece-me oportuno Parece-me porque com esta construccedilatildeo literaacuteria de um ser no

espelho gestando imagens para si que seratildeo e vecircm dos outros pelas palavras e pela

ocularidade refletimos sobre a importacircncia da discursividade como o que nos encarna o que

nos vivifica o que nos constitui Haacute no espelho da obra roseana (ROSA 1986) a marca da

memoacuteria discursiva do outro que nos envereda a marca de que o poder eacute tecido nas praacuteticas

sociais e enunciado em praacuteticas discursivas que operam em noacutes um modo de subjetivaccedilatildeo

ldquo[] Aiacute justo quando a cara dele estaacute mais medonha a gente mostra um espelho para ele

Acontece na hora Ele vira aquele que ele vecirc no espelho []rdquo O espelho dado pelo outro

opera a virada que nos torna mutantes crentes no que vemos no que nos dizem Esta imagem

do espelho na fala de Riobaldo algo que natildeo eacute ldquonovidadeirordquo na ficccedilatildeo literaacuteria reflete

deveras o quanto a construccedilatildeo social da realidade estaacute imersa e constituiacuteda na trama da

linguagem E eacute por isso uma imagem cara que pode ser confluente com o pensamento

foucaultiano (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2004c 2004d 2012) no tocante ao interesse

do filoacutesofo de propor o exerciacutecio da suspeita do que somos e como nos tornamos quem

somos para quem sabe podermos recusar o que somos

Nesse caminho observando o cuidado alertado por Gallo (2008) para que se evite

enxergar tons novidadeiros e se tente ldquocolonizarrdquo pensamentos ter tomado de empreacutestimos as

reflexotildees de Foucault para esta pesquisa constituiu-se como um desafio instigante e vaacutelido As

contribuiccedilotildees do pensador mobilizadas aqui foram as atinentes aos processos de subjetivaccedilatildeo

da construccedilatildeo da verdade e do poder esse em suas formas de assimetria piramidalizadas

fabricadas pelo Estado e instituiccedilotildees como a familiar a religiosa e a escolar A articulaccedilatildeo de

tal empreacutestimo teve sua razatildeo de ser por esta pesquisa conforme evidenciada ter tido como

objetivo empreender reflexotildees acerca das relaccedilotildees de gecircnero perpassadas pelas constituiccedilotildees

discursivas dosas educadoresas como mediadoresas de leitura E a voz do pensador francecircs

levada a esse debate fez-me corroborar com a ideia de que o sujeito natildeo eacute uma substacircncia

137

pronta ele eacute forma que se faz e se refaz determinada por regras soacutecio-histoacutericas Foucault

(2004b) postula sujeitos que se esvanecem

Penso efetivamente que natildeo haacute um sujeito soberano fundador uma forma universal

de sujeito que poderiacuteamos encontrar em todos os lugares Penso pelo contraacuterio que o

sujeito se constitui atraveacutes das praacuteticas de sujeiccedilatildeo ou de maneira mais autocircnoma

atraveacutes das praacuteticas de liberaccedilatildeo de liberdade como na Antiguidade a partir de um

certo nuacutemero de regras de estilos de convenccedilotildees que podemos encontrar no meio

cultural (FOUCAULT 2004b p 291)

E tal postulaccedilatildeo viabiliza reflexotildees de que constituiacutedas discursivamente tramadas

por linguagens essas formas de subjetivaccedilatildeo satildeo moventes materiais dispersas falam de um

lugar institucional anunciando memoacuterias discursivas A importacircncia desse entendimento para

esta pesquisa se mostrou entre outras pela razatildeo de que com a concepccedilatildeo de que haacute

produccedilotildees histoacutericas de subjetividades e de que essas vivem em luta conforme evidencia

Foucault (2012) esta investigaccedilatildeo pocircde atentar para as instacircncias das resistecircncias Pocircde

atentar para as mobilizaccedilotildees que se intercruzam contra o naturalizado o instituiacutedo como

verdadeiro o que eacute controlado disciplinado para que possam ser problematizadas novas

formas de se constituiacuterem sujeitos

Desse modo posso dizer que haacute percebido por este estudo a possibilidade de

entrecruzar olhares foucaultianos sobre modos de subjetivaccedilatildeo e a marcha das mulheres por

um mundo com sujeitos eacuteticos que apregoem a igualdade o direito e a conquista de uma

praacutetica de liberdade para que se trace o desejo por um ethos E um ethos que incita a busca de

si o reinventar-se o desfamiliarizar-se eacute um fio no novelo que os feminismos e todos os

movimentos sociais que objetivam problematizar formaccedilotildees discursivas com seus poderes e

saberes podem ter como experiecircncia como aprendizado Com essa praacutetica homens e

mulheres constituem a beleza de serem artesatildeos de si como pontua Foucault (2004a 2004c)

Mas esta natildeo eacute uma busca sem lutas Desmantelar as invenccedilotildees os jogos de verdade recusar

o que somos por conseguinte eacute tarefa que passa pelo que se perscruta pelo que se elege para

ler ouvir falar partilhar acreditar desacreditar defender atacar enfim eacute tarefa que passa

por atentar para a dimensatildeo discursiva da construccedilatildeo da realidade

Com essa referida dimensatildeo discursiva na qual os sujeitos se inserem produtos e

produtores de sentidos (MOITA LOPES 2002 ORLANDI 2008 POSSENTI 2009) e sem

pretender oferecer a uacuteltima palavra nem onde haacute a verdade busquei entatildeo verificar o modo

como a educaccedilatildeo puacuteblica municipal na escola TRAVESSIA produz efeitos de sentidos com

suas praacuteticas leitoras Para isto investiguei as condiccedilotildees histoacutericas de produccedilatildeo dessas

138

praacuteticas perpassando pelas discursividades docentes procurei ouvir educadoresas conhecer

o projeto de leitura da instituiccedilatildeo seu documento fundador perscrutar o que move e dinamiza

o referido projeto saber do acervo da biblioteca do que ali teria ou natildeo referente ao debate

sobre gecircnero Em um clima de receptividade calorosa estive na escola observando aulas e

seus textos aplicando questionaacuterio fazendo diaacuterio de campo perscrutando as vozes que

conduzem o trabalho com leitura na escola com a perspectiva de perceber o que

comportariam as praacuteticas leitoras suscitadas

E as anaacutelises dos resultados dessas investigaccedilotildees jaacute citadas paulatinamente ao longo

do trajeto em que foram aplicados os instrumentos de investigaccedilatildeo apontaram que o debate

acerca das relaccedilotildees de gecircnero tatildeo atinente com a pauta reivindicatoacuteria dos DH natildeo era

contemplado pelo projeto de leitura da escola Assim o percebi quando examinei o documento

constituinte do projeto de leitura da CestaSexta Literaacuteria no qual natildeo se apresenta na

organizaccedilatildeo dos propoacutesitos das accedilotildees da bibliografia e da metodologia desse instrumento a

promoccedilatildeo de uma praacutetica leitora apontando para o respeito agraves diferenccedilas agrave concepccedilatildeo de um

mundo plural e ao combate a uma ordem androcecircntrica Natildeo eacute evidenciado a partir das

referecircncias do documento que a leitura acolhida lanccedilada proposta suscitada pelo projeto

CestaSexta literaacuteria esteja alicerccedilada nas intenccedilotildees de debater as relaccedilotildees de gecircnero Assim o

sendo a escola democraacutetica e inclusiva atinente ao que preconizam os postulados dos DH

natildeo estaacute sendo engendrada pela linha mestra da leitura Por sua vez no tocante agrave produccedilatildeo do

referido instrumento esse se apresenta com outras fragilidades entre elas a de natildeo amarrar

devidamente seus nexos temaacuteticos sobre quais leituras e temas estaratildeo compondo a praacutetica

leitora Haacute um silenciamento quanto agraves inserccedilotildees temaacuteticas seja de que natureza for Natildeo se

sabe entatildeo quais relaccedilotildees de saber e poder estaratildeo sendo colocadas para afirmar o que o

projeto diz perspectivar formar cidadatildeo[a]

Percebi ainda a natildeo problematizaccedilatildeo das relaccedilotildees de gecircnero na CestaSexta Literaacuteria

quando fiz o levantamento do acervo da biblioteca na primeira etapa da pesquisa As

prateleiras no que se refere agraves obras paradidaacuteticas essas as escolhidas para ser investigadas

natildeo acomodavam tiacutetulos com essa perspectiva assim me disse a responsaacutevel por aquele

espaccedilo assim averiguei tambeacutem com a leitura das fichas catalograacuteficas dos poucos volumes

presentes na biblioteca naquele periacuteodo investigado

Investiguei ainda se os textos utilizados pelo projeto nas aulas de leitura observadas

contemplavam praacuteticas discursivas que produziam sentidos atinentes agraves questotildees de gecircnero e

constatei que natildeo havia uma seleccedilatildeo de textos com a temaacutetica de gecircnero por parte dosas

educadoresas Exceccedilatildeo se deu em uma situaccedilatildeo atiacutepica na qual a professora Jaqueline trouxe

139

improvisadamente a temaacutetica pela leitura de um texto provocada segundo ela pela minha

presenccedila ali

No chatildeo da escola Travessia constatei apoacutes percorrer seus espaccedilos haacute as marcas de

que sua leitura natildeo problematiza a produccedilatildeo e a reproduccedilatildeo da iniquidade de gecircnero E outra

forma de verificar a ausecircncia dessa problematizaccedilatildeo foi pela perscruta dos relatos docentes e

pela anaacutelise das respostas do questionaacuterio lhes aplicado Pude perceber nas anaacutelises que fiz

das respostas daquele instrumento o quanto a constituiccedilatildeo das subjetividades dosas

colaboradoresas expressa olhares que segregam que estigmatizam o diferente que natildeo

percebem os jogos discursivos dos quais fazem parte Fiz a leitura com base em anaacutelise de

algumas das respostas desse instrumento de que emana dosas colaboradoresas uma

formaccedilatildeo discursiva reproduzindo e produzindo a iniquidade de gecircnero a reproduccedilatildeo de

regras e valores que elegem uma visatildeo androcecircntrica e heterossexual traccedilando para os que

natildeo pertencem a este modelo o estigma de diferente de abjeto passiacutevel de ser enquadrado

Assim o demonstraram aquela maioria de colaboradoresas da pesquisa quando expressaram a

intenccedilatildeo de ingerir em interesse de desviantes conforme apresenta a anaacutelise da sexta questatildeo

do instrumento de investigaccedilatildeo

Nas anaacutelises dos relatos dosas colaboradoresas deste estudo ficaram evidecircncias dos

limites com que se deparam essesas profissionais na propositura de um trabalho reflexivo

com a leitura A lamuacuteria e a desesperanccedila acompanhavam a praacutetica de ler minada por parcos

recursos e muita desmotivaccedilatildeo Uma praacutetica que precisa ser repensada pois em muitos

momentos essa traz a marca atraveacutes de enunciados dosas educadoresas da natildeo

contemplaccedilatildeo de importantes debates como os da violecircncia domeacutestica contra a mulher da

iniquidade de gecircnero e de outros temas atinentes agraves postulaccedilotildees dos DH Esse silenciamento

temaacutetico traduz o quanto pode estar reduzido o espaccedilo interacional da leitura como o lugar da

anti-hegemonia da desconstruccedilatildeo do olhar totalitaacuterio para o outro e isso precisa ser

repensado

A natildeo-contemplaccedilatildeo do debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero foi ainda percebida nas

aulas observadas Nelas a despeito do esforccedilo da professora para se pronunciar sobre o tema

esse natildeo assentava com o olhar da mestra repousante em uma formaccedilatildeo discursiva

essencialista E a profordf Jaqueline demonstrou-se conflitante em turbulecircncia entre suas

incursotildees pelas formaccedilotildees continuadas ofertadas pela SEDEC anunciando o respeito agrave

pluralidade cultural e agrave diversidade humana e o olhar da mestra construiacutedo inventado para a

natildeo-aceitaccedilatildeo ao diferente tingindo esse com as cores da negaccedilatildeo (SILVA 2012) As

discursividades daquelas aulas foram minadas por olhares redutores para o diferente por

140

ausecircncia de contemplaccedilatildeo de como a linguagem constitui modelos de feminilidade modelos

de masculinidades e o quanto represa a vida

Presumo que isto se registra face agrave ausecircncia do cabal cumprimento do que anunciam

as tecnologias enunciativas sobre educaccedilatildeo como as do PPP da LDB do PNEDH as dos

PCNs a Resoluccedilatildeo 0112 Esses marcos educativos instituem o debate propositivo da

inclusatildeo do respeito agrave diversidade humana e sexual e da defesa inconteste de princiacutepios como

o da dignidade humana no curriacuteculo escolar mas natildeo marcaram efetivamente as poliacuteticas

educacionais vividas na escola Tais tecnologias postas que satildeo recentemente elaboradas eacute de

se anuir provavelmente que mesmo que ocupem gavetas escolares e discursos de

formadores que ressoaram em alguns momentos nas vozes perscrutadas natildeo poderiam

impactar formaccedilotildees discursivas secularmente construiacutedas alicerccediladas ainda pelo poder-

escola E se esbarram conflitantemente em seacuteculos de internalizaccedilatildeo de um modelo

essencialista androcecircntrico e heteronormativo

Por esta razatildeo eacute preciso que da e para a escola erga-se uma brigada contra a

violecircncia de gecircnero E por assim entender propus com a construccedilatildeo do capiacutetulo 4 desta

dissertaccedilatildeo que haja a implementaccedilatildeo de praacuteticas discursivas no projeto de leitura da escola

com o propoacutesito de eliminar o silenciamento da temaacutetica de gecircnero na CestaSexta Literaacuteria

A cesta que eacute utilizada nas aulas de leitura carregando livros precisa transportar artefatos

culturais que suscitem debates pela reinvenccedilatildeo da vida pela reinvenccedilatildeo do trato entre os

homens e as mulheres balizados na dignidade de todosas Agrave escola TRAVESSIA propus

entatildeo como me solicita o cunho interventivo desse mestrado para seus cursistas que

atravesse seu vazio temaacutetico de gecircnero

Eacute preciso que a travessia desse vazio temaacutetico seja feita A escola por meio do seu

projeto de leitura pode e deve evocar a visibilidade para as iniquidades de gecircnero para o

enfrentamento da violecircncia domeacutestica contra as mulheres e para as suas lutas por

emancipaccedilatildeo social Haacute nas discursividades docentes investigadas linguagens em uso que

demonstram invisibilidade a essas questotildees Convivem com esses enunciados

paradoxalmente em alguns momentos vozes docentes que expressam desejar incorporar do

uso das tecnologias oficiais trabalhadas em formaccedilotildees continuadas conforme informaccedilatildeo em

questionaacuterio (vide questatildeo 4) e a efetivaccedilatildeo de suas experiecircncias de suas vivecircncias

profissionais Assim constatei no diaacutelogo que tive com a educadora Elisa atravessado por

uma leitura essencialista da realidade no tocante agrave identidade dos sujeitos que a faz desejar

sair da escola para natildeo ter que presenciar meninas se beijando

141

Por fim vejo como necessaacuteria a inserccedilatildeo temaacutetica das relaccedilotildees de gecircnero porque as

leituras evocadas pelosas docentes foram percebidas como as que rezavam a cartilha da

toleracircncia agrave diversidade cultural e humana sem questionar as relaccedilotildees de poder e os processos

de diferenciaccedilatildeo Esses que produzem as identidades e as diferenccedilas natildeo sendo questionados

conforme nos sugerem os Estudos Culturais acabam mesmo que frente a um arcabouccedilo de

legislaccedilatildeo educacional que propotildee uma educaccedilatildeo inclusiva e o respeito agrave dignidade humana

repousando no que Silva (2012) pontua como a produccedilatildeo de novas dicotomias a do

dominante tolerante e do dominado tolerado

Ao fim ainda pontuo que a omissatildeo perscrutada nas vozes docentes de uma

problematizaccedilatildeo que perpasse o projeto de leitura indagando-lhe os mecanismos que ativam

as fixaccedilotildees de identidades os estereoacutetipos de gecircnero pela via da leitura eacute algo que contribui

com o modelo de construir subjetivaccedilotildees disciplinadas diferentes e desiguais Isso demanda

da escola TRAVESSIA se deseja atravessar seus limites o desafio de envidar esforccedilos no

sentido de promover o rompimento com esse modelo de ler Sem o enfrentamento deste

desafio a escola natildeo estaraacute gestando utopias o que eacute enfadonho e tristonho

142

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150

APEcircNDICE A ndash QUESTIONAacuteRIO

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIacuteBA

CENTRO DE CIEcircNCIAS LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM LINGUIacuteSTICA E ENSINO

MESTRADO PROFISSIONAL EM LINGUIacuteSTICA E ENSINO

Prezados (as) colegas

Como aluna regular do mestrado profissional em Linguiacutestica e Ensino pelo Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica e Ensino PROLING da UFPB desenvolvo uma pesquisa cujas bases conceituais

norteiam-se pela concepccedilatildeo de linguagem como praacutetica discursiva e que tem como objeto de anaacutelise um

entrecruzamento entre as representaccedilotildees de gecircnero e as praacuteticas leitoras na escola concebidas pelos educadores

Solicito dessa escola a colaboraccedilatildeo no sentido de que seu corpo docente envolvido com praacuteticas leitoras

responda a este questionaacuterio que eacute o ponto de partida para outros diaacutelogos com o objetivo de contribuir para

uma reflexatildeo sobre a temaacutetica presente

QUESTIONAacuteRIO

Considerando sua experiecircncia como leitora e sua praacutetica pedagoacutegica especialmente no projeto de

leitura desenvolvido pela escola responda por gentileza agraves seguintes questotildees

Perfil sociodemograacutefico

Sexo ( ) feminino ( ) masculino

Tempo de formado ( ) de 1 a 10 anos( ) de 11 a 21( ) de 21 a 31( ) 32 ou mais

Idade ( ) de 21 a 31 ( ) 31 a 41( ) 41 a 51( ) 51 a 61( ) 62 ou mais

Titulaccedilatildeo( ) superior ( ) Especializaccedilatildeo ( ) mestrado ( ) doutorado

1) O que a leitura significa para a escola expressada atraveacutes do seu projeto de leitura (marque ateacute trecircs

questotildees enumerando-as por ordem de importacircncia)

( ) Instrumento de ajuda na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo

( ) Uma atividade prazerosa

( ) A escola natildeo valoriza a leitura

( ) A escola valoriza pouco a leitura

( ) Um estiacutemulo agraves transformaccedilotildees sociais

( ) Outra _______________

2) O projeto de leitura estimula a reflexatildeo sobre temas como racismo preconceitos Direitos Humanos

( ) sim ( ) natildeo

3) O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero estaacute incorporado nas leituras do projeto

( ) sim ( ) natildeo

151

Marque as explicaccedilotildees para a resposta anterior

( ) As questotildees de gecircnero satildeo pouco exploradas

( ) Eacute explorada com frequecircncia a temaacutetica pautada que estaacute em uma poliacutetica escolar de engajamento no

combate agraves assimetrias de gecircnero

( ) Ainda natildeo houve oportunidade para inserir este tema em nosso projeto de leitura

( ) O projeto daacute visibilidade aos modos como os estereoacutetipos satildeo alicerccedilados e como muitas leituras reforccedilam

os padrotildees sexistas presentes na sociedade

( ) Outra _______________

4) Vocecirc acredita que a formaccedilatildeo recebida pelo (a) educador (a) tanto em niacutevel inicial quanto na continuada tem

preparado o (a) profissional para uma praacutetica pedagoacutegica que contemple a igualdade no espaccedilo escolar

( ) sim ( ) natildeo

5) As poliacuteticas educacionais comprometem a equidade de gecircnero O que pode o menino e o que pode a menina

no espaccedilo escolar

( ) Natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e meninas

( ) Comprometem pouco porque a escola atua pela igualdade de tratamento

( ) Ainda comprometem muito porque a escola dispensa tratamento desigual

( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que satildeo naturalmente desiguais

6) Quando meninos e meninas demonstram comportamentos ldquoconsideradosrdquo como natildeo apropriados para seu

sexo qual a leitura feita

( ) Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras de cada crianccedila

( ) Haacute um sentimento de decepccedilatildeo algo estaacute errado

( ) Procuro redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo

7) Como mediador (a) de leitura vocecirc interfere diante de uma expressatildeo de preconceito uma expressatildeo de

conflitos entre olhares de meninos e de meninas

( ) Pouco eacute natural a disputa

( ) Interfiro sempre sou contraacuterio (a) a qualquer manifestaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo

( ) Natildeo haacute como interferir sempre nossa demanda eacute intensa

8) No tocante agrave violecircncia contra a mulher o Brasil em um ranking de 84 paiacuteses ocupa a 7ordf posiccedilatildeo sendo a

Paraiacuteba um dos Estados da Federaccedilatildeo mais violentos tambeacutem com a 7ordf colocaccedilatildeo E Joatildeo Pessoa sua

capital eacute a 2ordf mais violenta (CEBELA Mapa da Violecircncia 2012) O que em sua opiniatildeo explica a existecircncia

deste fenocircmeno

( ) Formaccedilatildeo cultural

( ) Haacute pessoas naturalmente violentas

( ) Natildeo sei

( ) O ciuacuteme o consumo de drogas o divoacutercio e natildeo saber lidar com traiccedilatildeo

( ) Outra ______________

9) Para vocecirc a escola atenta para sua importacircncia como espaccedilo de enfrentamento agrave questatildeo

( ) sim ( ) natildeo ( ) sim mas de forma insignificante

10) A Lei Maria da Penha como avanccedilado instrumento juriacutedico no enfrentamento da questatildeo ganha que

espaccedilo no projeto de leitura

( ) Nunca foi citada

( ) Existe na biblioteca

( ) Jaacute trabalhamos com ela

152

11) Que lugar deve ocupar a histoacuteria de emancipaccedilatildeo da mulher no curriacuteculo escolar e no projeto

( ) Haacute sentido em trazer a histoacuteria social das mulheres como tema nos curriacuteculos escolares

( ) Apoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas memoacuterias ocultadas e inferiorizadas

( ) O conteuacutedo sobre o coletivo das mulheres tem espaccedilo mas temos pouca carga horaacuteria para exploraacute-lo mais

( ) Natildeo temos como inserir mais conteuacutedo na grade curricular nem acho importante

12) Emita sua opiniatildeo a respeito do movimento feminista

( ) Propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso eacute bom

( ) Propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso natildeo eacute bom

( ) Eacute um movimento com muito radicalismo

( ) Fornece ferramentas conceituais que possibilita melhor percepccedilatildeo da opressatildeo agravemulher

13) O projeto de leitura costuma vincular alguma programaccedilatildeo agraves datas comemorativas

( ) sim ( ) natildeo

Caso sim qual o teor do dia 8 de marccedilo como Dia Internacional da Mulher O que se faz na data ou o que se

pretende fazer

( ) Eacute um dia em que ela eacute intensamente valorizada entrega de flores poemas cartazes pela escola

( ) Eacute um dia com pouca reflexatildeo sobre a luta feminista

( ) Outra _______________

____________________________________________________

Gilva Vasconcelos da Silva Matos

GILVA VASCONCELOS DA SILVA MATOS

LEITURA E RELACcedilOtildeES DE GEcircNERO AS DISCURSIVIDADES DOS (AS)

EDUCADORES (AS) NAS MEDIACcedilOtildeES DE PRAacuteTICAS LEITORAS

Dissertaccedilatildeo avaliada em ____________

BANCA EXAMINADORA

Prof Dr Onireves Monteiro da Costa (UFCG)

(orientador)

Profordf Dra Maria da Luz Olegaacuterio (UFCG)

(coorientadora)

Profordf Dra Maria de Nazareacute Tavares Zenaide (UFPB)

(examinadora)

Profordf Dra Eliane Ferraz Alves (UFPB)

(examinadora)

Profordf Dra Alvanira Lucia de Barros (UFCG)

(suplente)

Joatildeo Pessoa

2014

Dedico este trabalho a todas as mulheres

militantes agravequelas que deixam ao mundo o

legado de por amarem o suficiente a vida

desejam reinventaacute-la

AGRADECIMENTOS

Sou profundamente grata a todosas aquelesas que deram de alguma forma sua

contribuiccedilatildeo para que esta pesquisa fosse realizada Reconheccedilo e aqui me cabe demonstrar

que esta conquista tem um dar de matildeos que me permitiu aclarar questotildees e seguir diante dos

momentos de tensatildeo que emergem no trajeto das obrigaccedilotildees acadecircmicas

Primeiro e sobretudo agradeccedilo a Deus pelo esconderijo no Altiacutessimo pela

serenidade emanada dos seus braccedilos

Especialmente agradeccedilo ao meu orientador querido Prof Dr Onireves porque me

acolheu do alto de sua sabedoria e grandeza humana permanentemente me incentivando

tornando tudo mais significativo e leve

Agrave profordf Dra Maria da Luz Olegaacuterio coorientadora que carrega no nome o que me

ofertou quando mais precisei ndash visatildeo luminosa sendo docilmente criteriosa no compartilhar

de seu conhecimento

Agradeccedilo agrave profordf Dra Maria de Nazareacute Tavares Zenaide por suas saacutebias colaboraccedilotildees

ao participar da banca examinadora de defesa deste trabalho Seu olhar arguto trouxe a

grandeza de quem labuta por uma escola em que os Direitos Humanos encontrem assentos

Agradeccedilo agrave profordf Dra Eliane Ferraz Alves por compor criteriosamente a banca

examinadora de defesa deste trabalho

Agrave admiraacutevel profordf da UNEB Nadja Nunes muito obrigada Sua grandeza perdura em

minhas memoacuterias de aprendiz Haacute um vazio de sua presenccedila na composiccedilatildeo para a banca de

exame de defesa mas compreendendo os percalccedilos do impedimento saiba que natildeo haacute

ausecircncia onde se ministrou um ethos Mire por ti tenho gratidatildeo pela vida inteira

Agradeccedilo agrave profordf Dra Juliene Pedrosa coordenadora deste mestrado referecircncia de

zelo profissional

Agradeccedilo agrave escola TRAVESSIA e seus sujeitos pesquisados por tanta abertura e

respeito com o meu trabalho

Aos meus pais Manuel (in memoriam) e Elisa agradeccedilo pelo amor pelas liccedilotildees de

vida pelas narrativas dos sonhos

Aos meus filhos Pablo Ravi e Lucas que me fazem amar amiuacutede obrigada Os trecircs

compotildeem parte da magia de minha vida pelo segredo de ninar pela becircnccedilatildeo de colos

pacificados Cada um eacute unicamente um cacircntico novo tesouros

A Robert pela vida partilhada enlaccedilada em afetos obrigada

Aosagraves irmatildeosatildes em especial Didi que me nutre com fraternidade amorosa e

incondicional devo-lhe muito

Obrigada deputada estadual Gilma Germano pela propositura de leis de suma

importacircncia para a garantia dos direitos das mulheres

Agradeccedilo ao amigo de infacircncia Iranmil pela liccedilatildeo de enfrentamento agrave homofobia pela

companhia na literatura por falar muito e rir tanto

Agrave Socircnia Maria por me ofertar ao longo dos anos amizade das mais leves e alegres

regrada a risos companheirismo e adoccedilatildeo fraterna

Aosagraves colegas do mestrado em especial Adnilda e Leandro que satildeo tatildeo solidaacuterios e

inteligentes tambeacutem agradeccedilo

Aos meus alunos e alunas com quem aprendi muito

Ao meu chefe o diretor do CECAPRO Prof Giovanny Lima pelo estiacutemulo agraves minhas

buscas pelo conhecimento pelo compromisso com a educaccedilatildeo

Agrave Inecircs Caminha ex-chefe eterna liccedilatildeo de competecircncia e bondade

Agrave competente secretaacuteria do CECAPRO Adilsa Gadelha pelo que tambeacutem sabe ser

amiga

Agrave secretaacuteria do MPLE Vera Lima por sempre e tanto atender respeitosa e

competentemente

Lembrou-se de que em adolescente procurara

um destino e escolhera cantar Como parte de

sua educaccedilatildeo facilmente lhe arranjaram um

bom professor Mas cantava mal ela mesma o

sabia e seu pai amante de oacuteperas fingira natildeo

notar que ela cantava mal Mas houve um

momento em que ela comeccedilou a chorar O

professor perguntara-lhe o que tinha - Eacute que

eu tenho medo de de de de cantar bem []

(LISPECTOR 1979 p 157)

RESUMO

As importantes conquistas efetivadas pelas lutas feministas e pela pauta

reivindicatoacuteria dos Direitos Humanos que problematizam a construccedilatildeo social de gecircnero tecircm

na escola espaccedilo dos mais importantes para o debate promotor da equidade de gecircnero Esta

pesquisa se estrutura pela interface entre as praacuteticas leitoras na escola e a promoccedilatildeo desse

debate e se propotildee a analisar as discursividades dosas educadoresas como mediadoresas de

leituras acerca das relaccedilotildees de gecircnero Para este direcionamento discursivo o estudo move-se

teoricamente na concepccedilatildeo de leitura em Soares (2001 2011) Orlandi (2008) e Silva E T

(2009 2011) nos estudos feministas contemporacircneos (LOURO 2012) (COSTA 2009) nas

reflexotildees trazidas pela Anaacutelise de Discurso (ORLANDI 2012 POSSENTI 2009) e nas

contribuiccedilotildees foucaultianas sobre poder e subjetividade (FOUCAULT 2004a 2004b 2004c

2011 2012) A investigaccedilatildeo de natureza qualitativa regida por princiacutepios analiacuteticos tem

como loacutecus uma escola do Ensino Fundamental da Rede Puacuteblica de Joatildeo Pessoa-PB na

realizaccedilatildeo de seu projeto de leitura Foram adotados como procedimentos metodoloacutegicos para

geraccedilatildeo dos dados a anaacutelise do documento do projeto de leitura observaccedilotildees de aulas anaacutelise

do material de leitura utilizado nesses eventos dos relatos de diaacutelogos com osas

educadoresas e da aplicaccedilatildeo de questionaacuterio E conforme anaacutelise dos resultados do conjunto

dos instrumentos investigativos o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero natildeo perpassa pela

instacircncia do projeto de leitura da escola nem nas vozes docentes perscrutadas

Palavras-chave Leitura Gecircnero Discurso Praacuteticas discursivas Direitos Humanos

ABSTRACT

The important achievements of feminist struggles and the Human Rights agenda

which discuss the social construction of gender find at school an important space for the

debate that promotes gender equality This piece of research focuses reading practices at

school and the promotion of this debate aiming at analyzing the discourses of (male and

female) teachers as reading mediators on gender relations As its theoretical framework this

study considers the definition of reading proposed by Soares (2001 2011) Orlandi (2008)

and Silva E T (2009 2011) contemporary feminist studies (LOURO 2012 COSTA 2009

PISCITELLI 2002) reflections proposed in the field of Discourse Analysis (POSSENTI

2009) and the foucauldian discussions on power and subjectivity (FOUCAULT 2004a

2004b 2004c 2011 2012) This qualitative investigation has as its locus a public primary

school in the city of Joatildeo Pessoa ndash PB while developing its reading project Data

wasgenerated from the analysis of the reading project document lesson observations reading

material used in the sessions reports by the teachers and a questionnaire The results indicate

that the debate concerning gender relations does not emerge in the reading project activities or

the teachersrsquo voices studied

Keywords Reading Gender Discourse Discursive practices Human rights

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 10

1 OS PRESSUPOSTOS TEOacuteRICO-METODOLOacuteGICOS DA PESQUISA 25

11 Entrevendo os sujeitos o loacutecus os jogos de verdade 25

12 Por onde falam e de onde olham osas educadoresas os instrumentos de

investigaccedilatildeo 27

2 OS APORTES TEOacuteRICOS QUE MOVEM A INVESTIGACcedilAtildeO 29

21 Gecircnero Discurso e Direitos Humanos 29

22 Feminismo poder e educaccedilatildeo 39

23 A leitura no Brasil em retratos 51

24 O sujeito da leitura na Anaacutelise do Discurso 64

25 Os processos de significaccedilatildeo e subjetivaccedilatildeo a leitura como praacutetica social 69

26 A leitura como mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de identidades 72

3 ANAacuteLISE DOS RESULTADOS INVESTIGATIVOS 82

31 O Documento-fundador o natildeo dito significando 82

32 O acervo bibliotecaacuterio dos paradidaacuteticos estantes que enunciam 87

33 Os relatos as subjetividades os jogos discursivos 89

34 O questionaacuterio e outros relatos entrelaccedilando discursividades 92

35 As aulas o sujeito-leitor o campo de gecircnero e as relaccedilotildees de poder 113

4 A ACcedilAtildeO PROPOSITORA INSERCcedilAtildeO TEMAacuteTICA DE GEcircNERO PELA

VIA DA LEITURA 125

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 136

REFEREcircNCIAS 142

APEcircNDICE 150

10

INTRODUCcedilAtildeO

A Gecircnese da pesquisa como (entre)veio o desejo

Movida pelo interesse entre leitura e relaccedilotildees de gecircnero investigo com este trabalho

as discursividades dosas educadoresas como mediadoresas de leituras frente ao debate

sobre a equidade de gecircnero Esta accedilatildeo investigativa se daacute em uma escola do Ensino

Fundamental da Rede Puacuteblica de Joatildeo Pessoa - PB que executa um projeto de leitura em sua

biblioteca em um dia especiacutefico a sexta-feira fato provavelmente responsaacutevel pela

nomeaccedilatildeo da atividade a CestaSexta Literaacuteria

Os passos dados para a construccedilatildeo desta pesquisa possuem histoacuteria imagens

memoacuterias esquecimentos desejos uma gecircnese Debruccedilo-me agora sobre essa gecircnese E creio

que duas imagens armazenadas por mim nas andanccedilas escolares satildeo possivelmente

fundadoras-mor de meu objeto de pesquisa Elas entre tantas imagens que se ofertam como

leituras propiacutecias agraves reflexotildees sobre o debate da equidade de gecircnero na escola satildeo frugais em

minhas memoacuterias de educadora de mulher Chegaram em contingecircncias especiais e se

tornaram efeitos encarnados no sentido que o poeta Fernando Pessoa diz que irrompem

provocaccedilotildees Foram por mim guardadas em um momento de inquietaccedilatildeo em que me

debruccedilava sobre qual tema me aticcedilaria profundamente para estudar neste mestrado E de

forma providencial e diligente estas imagens me (s)acudiram a alma quando as registrei

pegaram-me pela matildeo e me levaram a uma itineracircncia na qual satildeo debulhados saberes

poderes palavras ordens accedilotildees discursivas de outros sobre mim que me fazem estar quem

estou Mais do que isto as imagens levaram-me mesmo que medrosamente a um desejo

profundo de discutir a construccedilatildeo das diferenccedilas as discursividades docentes acerca do

feminismo as relaccedilotildees de gecircnero e o lugar da escola como espaccedilo de debate e de construccedilatildeo

de equidade

E foi assim que vivi a experiecircncia de registraacute-las Envolta pelo meu interesse

profissional de pensar a leitura como importante instrumento na formaccedilatildeo discente descobri

um trabalho em escolas da zona rural de um municiacutepio paraibano realizado por uma ONG

muito bem conceituado Pensei que poderia render um bom estudo avaliar como as histoacuterias

contadas naqueles espaccedilos poderiam funcionar como instrumento de mediaccedilatildeo na construccedilatildeo

das identidades de gecircneros na problematizaccedilatildeo de papeacuteis socialmente construiacutedos

Discordando de minha orientaccedilatildeo acadecircmica que via com dificuldade a distacircncia

entre minha morada e meu objeto de estudo natildeo me incomodou o fato de viajar para me

11

enveredar na pesquisa Muito pelo contraacuterio achei que em verdade estaria ali menina leitora

que fui em uma casa de pais analfabetos onde livros eram objetos rariacutessimos por quem eu

nutria a paixatildeo visceral Viajei para ver crianccedilas que liam movida quem sabe por um desejo

de me visitar naquela roda de leitura Na roda a vida seria salva com a imaginaccedilatildeo aticcedilada

Na roda seria quem sou na interaccedilatildeo das leituras Ao certo fui buscar narrativas que me

narrariam ou em uma confluecircncia com o que diz Albuquerque Juacutenior (2007) iria simular o

germe de novas existecircncias novos modos de subjetivaccedilatildeo Embrenhei-me por essa busca

levando o fasciacutenio pelo campo de gecircnero aonde for aspirando ao meu interesse de escrevente

dispersa aticcedilada pelo ldquofogo que vem da paixatildeo que consome que lanccedila paixatildeo pelo devirrdquo

tatildeo bem-dita na prescriccedilatildeo vertiginosa de Albuquerque Juacutenior (2007)

Em minha primeira visita na unidade escolar referida era veacutespera do Dia das Matildees e

o foco na roda da leitura trazia textos sobre a mulher-matildee Imagens essencialistas da mulher

eram sumariamente expostas por poder gerar vidas ldquoela eacute paciente sensiacutevel dedicada e

zelosardquo Essa construccedilatildeo discursiva era traccedilada naquela roda de leitura para e com crianccedilas de

forma inclusive a se ignorar a jaacute instalada e reorganizada nova composiccedilatildeo das famiacutelias Isso

me gerou desconforto ldquoo gecircnero eacute o destino Natildeo haveria outra trajetoacuteriardquo (SAFFIOTI

2001) Mas naquela roda circulou um fato que marcou ainda mais minha tarde jaacute quente

climaticamente Surge depois de alguns minutos de iniacutecio de aula sala adentro um pai

levando seu filho pequeno pela matildeo O homem visivelmente abatido veio partilhar o recente

drama pessoal no qual estava mergulhado que em funccedilatildeo das proporccedilotildees espaciais da

comunidade jaacute parecia ser de conhecimento de todosas a ex-companheira e matildee de seu filho

fora embora com o amante O pai bem jovem expressou ali uma uniacutevoca e velha leitura a de

que ele e seu filho foram traiacutedos de que aquela mulher natildeo prestava A presenccedila daquele

genitor ali descontrolado soou-me de forma vertiginosa E ele teceu uma imagem da ex-

mulher agrave frente de todosas e de seu filho como a de quem natildeo possuiacutea nenhuma dignidade

Um discurso machista e essencialista era debulhado com os requintes de uma alma cega pela

ferida do abandono Em puacuteblico ali se construiacutea um lugar para as mulheres que decidem

partir as que rejeitam o papel que lhes eacute destinado ficar em casa embora o lar desmorone E

a crianccedila mesmo enlaccedilada pela condiccedilatildeo de filho em um misto de profunda dor e decepccedilatildeo

reproduzia com movimentos de cabeccedila toda uma narrativa demonizadora da mulher Os

acenos de cabeccedila agrave voz do pai refletiam possivelmente um sim agrave formaccedilatildeo discursiva de um

lar alicerccedilado aos moldes machistas patriarcais

Aquela cena me levou agrave dor do peso de um mundo em que a iniquidade de gecircnero

ainda estilhaccedilava seu poder nos olhos de um menininho choroso carregado pela matildeo de um

12

pai que arrastava consigo machismo e furor No final entre os burburinhos dosas

coleguinhas que diziam entre outras coisas ldquoA matildee de Felipe (esse eacute um nome fictiacutecio) eacute

ruim ainda bem que a minha natildeo me abandonourdquo eu ouvi a professora em uma tentativa

desajeitada de compensar a dor daquela crianccedila intervir e dizer que se ele tinha uma matildee

ruim em compensaccedilatildeo contava com um pai bom um heroacutei Essa educadora talvez sem

refletir sobre o efeito de sua interferecircncia sobre o jogo de verdade que a impulsiona

posicionou-se como aquela que tem a responsabilidade de oferecer respostas e o fez de um

lugar de autoridade do qual reproduziu significativamente os estereoacutetipos de gecircnero O seu

posicionamento se traduziu para mim como a delineaccedilatildeo discursiva de papeacuteis alicerccedilados aos

moldes androcecircntricos e por conseguinte produtor da iniquidade de gecircnero Isto me

impactou pois mesmo que sejam ressoadas corriqueiramente as construccedilotildees discursivas da

hegemonia machista natildeo haacute como natildeo buscar da escola o afinamento com a contra-

hegemonia que os avanccedilos feministas asseguram A ausecircncia deste afinamento eacute um descuido

com os direitos humanos das mulheres e precisa ser inquirida pelo menos para os amantes da

educaccedilatildeo libertaacuteria

Saiacute dali convicta de que aquele loacutecus natildeo poderia ser mais apropriado para a

pesquisa Aquela considerada trageacutedia emocional que circulava nas bocas pelo lugar inteiro

precisaria ser omitida em meu estudo por obedecer ao princiacutepio do anonimato evitando

expor inclusive uma crianccedila Mas pensar as relaccedilotildees de gecircnero e desconsiderar a forccedila

daquela imagem e da formaccedilatildeo discursiva que ali reinava seria ser negligente com o tema

com o trabalho Resolvi guardar a imagem falar sobre ela mas procurar outro campo

empiacuterico

Alguns dias depois voltei a conversar com a professora sobre aquele episoacutedio Agora

jaacute natildeo sob o efeito do impacto da cena do primeiro encontro fui incisiva e lhe inquiri sobre a

construccedilatildeo social dos papeacuteis sobre a desigual maneira de se constituir discursivamente

sujeitos e a responsabilidade da escola em formar para a igualdade de direitos de homens e

mulheres Ela me disse que toda a sua conduccedilatildeo estava de acordo com os princiacutepios cristatildeos

defendidos pela escola para os quais a mulher deve ser submissa nascer para se doar agrave

famiacutelia e o que fizera a matildee de F era abominaacutevel negava a ldquoessecircnciardquo feminina A despeito

da laicidade do Estado brasileiro o que implica em tese a negaccedilatildeo da formulaccedilatildeo de regras e

estrateacutegias que levem a enunciados dessa natureza a professora ocupa sua posiccedilatildeo

institucional e embandeira uma verdade forjada em discursos alicerccedilados em princiacutepios da feacute

cristatilde turvada por machismo e hierarquia de gecircnero

13

Em um gesto decisivo procurei outra escola para efetivar minha pesquisa O Dia das

Matildees jaacute havia se passado e ali presenciei mais um momento indicativo de que os sentidos

afiados dos quais fala Louro (2012) eacute um imperativo eacutetico para que se pense nas muralhas que

a escola precisa transpor para deslegitimar ordens sexistas androcecircntricas Assisti em uma

manhatilde em meio ao barulho comum de um intervalo nas escolas um pai se dirigir agrave diretora

falando alto por dois motivos queria que sua voz ultrapassasse o som da zoada do alunado e

estava pronto a mostrar sua firmeza sua forccedila em alto som Ele exigiu explicaccedilotildees desta

profissional sobre o que fora ensinado ao seu filho na festa das matildees tendo em vista que o

aluno expressou vontade de colaborar com as atividades domeacutesticas em casa A gestora

pacientemente explicou-lhe que apenas no momento das homenagens expuseram a reflexatildeo de

que meninos tambeacutem podem e devem ajudar as matildees nas tarefas domeacutesticas considerando

que estas ficam sobrecarregadas costumeiramente O homem retrucou ameaccedilando retirar o

filho da escola se mais uma vez a instituiccedilatildeo quisesse ensinar agrave crianccedila a virar uma

ldquomariquinhardquo Ali eu e ela tentamos dialogar com este pai enfatizando a importacircncia dos

direitos iguais para homens e mulheres do valor da contribuiccedilatildeo para a famiacutelia do trabalho de

todosas e que a concepccedilatildeo dele eacute infundada machista e preconceituosa Em vatildeo O homem

foi agrave escola soacute para bradar seu entendimento do que significa ser macho O que a instituiccedilatildeo

pensa a respeito natildeo lhe interessava

De novo senti o peso de um mundo fortemente assimeacutetrico forjado em conceitos

essencialistas Meu interesse pela problematizaccedilatildeo das iniquidades de gecircnero no chatildeo da

escola me seduziu de vez pensei com que produccedilatildeo de verdade osas trabalhadoresas da

educaccedilatildeo tecircm se movido (ou estariam presos) no enfrentamento destes embates corriqueiros

Escolhi ali mais uma vez por onde iria meu caminho investigativo

Estes dois momentos nas escolas em que experimentei cenas impactantes na

marcaccedilatildeo da assimetria de gecircnero perpassadas em voz docente e de membros familiares

conforme jaacute pontuei foram nodais para a minha decisatildeo de ter em foco essas relaccedilotildees no

espaccedilo escolar como objeto de estudo Mas deveras fui sendo seduzida pela ideia de

problematizar as assimetrias de gecircnero logo cedo na minha casa cheia de meninos

ldquotreinadosrdquo para conquistar espaccedilos enquanto que eu e minhas irmatildes eacuteramos ldquoadestradasrdquo

para o casamento como tantas mulheres de minha geraccedilatildeo e anteriores a ela Rezamos na

cartilha que a nossa formaccedilatildeo discursiva ordenava Filhos lar sexualidade reprimida redoma

sacrifiacutecios em nome de modelos de ldquofelicidaderdquo Modelos cujo formato tem cores

consistecircncia e sons androcecircntricos Tudo aquilo natildeo era escolha ou no dizer de Michel

14

Foucault (2004a 2004b 2012) a margem de liberdade era estreitiacutessima Era o poder

alicerccedilando as relaccedilotildees imbricado na instituiccedilatildeo famiacutelia

Onde haacute poder haacute resistecircncia diz esse pensador francecircs todavia |E os estudos no

campo de gecircnero como enunciados de resistecircncia chegaram-me Com eles chegaram os

compassos que desfazem os essencialismos Em suas vertiginosas paragens os

(des)compassos que explicitam o surdo combate entre o que se vecirc seu enredamento e o que

se diz como bem pontua Albuquerque Juacutenior (2007) E em um processo vital acostumei-me

com esse campo de estudo a afiar os meus sentidos muito embora agraves vezes fiquem

embaccedilados por uma memoacuteria discursiva que se desloca conflitando identidades que me

vestem e com as quais me perco e me acho Nos estudos poacutes-estruturalistas entendi meus

sujeitos dispersos a heterogeneidade discursiva que me faz ser tantas com verdades mil que

fazem viver dentro de mim todas as vidas do poema de Cora Coralina (1983) a cabocla

velha acocorada a que benze e a que reza a lavadeira do Rio Vermelho com seu cheiro

gostoso a mulher suada corrida vive dentro de mim a mulher cozinheira pimenta e cebola

panela de barro mas corro levando a mulher devoradora de fastfood Vive dentro de mim a

mulher roceira enxerto da terra meio casmurra vive a mulher urbana imersa no caos do

tracircnsito enredada nas redes sociais E o que faccedilo com tantas vidas Certamente com os

estudos de gecircnero posso desejar vecirc-las em seus processos de subjetivaccedilatildeo em um mundo

plural mas hegemocircnico global movente instantacircneo liacutequido que pode desfazer verdades

ldquoquebrando a gaiolardquo do essencialismo como propotildeem os Estudos Culturais

Decerto que sempre se constituiu para mim como ato de seduccedilatildeo o garimpar das

subjetividades que se fazem em meio a jogos de verdade como demonstra Foucault (2004a

2004b 2004c 2004d 2012) Ultimamente todavia perscrutar nossosas mestresas sem as

pequenas pretensotildees de quem desvenda descobre o oculto como nos adverte o filoacutesofo

francecircs mas pensando nas histoacutericas condiccedilotildees de produccedilotildees de suas subjetividades

constituiacutea-se mais fortemente como desejo e apreensatildeo Minha apreensatildeo de pesquisar modos

de subjetivaccedilatildeo de professora se dava pela frequecircncia com que vinha registrando os

enunciados da categoria que descrevia com muito pesar a atuaccedilatildeo profissional salas lotadas

baixos salaacuterios perda de autoridade violecircncia desinteresse dosas discentes sentimentos de

desvalorizaccedilatildeo frustraccedilotildees enfim uma homogeneidade de queixas perpassando as vozes

dosas educadoresas Obviamente as precaacuterias condiccedilotildees de trabalho justificam os dolorosos

enunciados dosas trabalhadoresas da educaccedilatildeo Essesas profissionais se natildeo se inserem na

militacircncia na defesa de poliacuteticas puacuteblicas voltadas para a educaccedilatildeo de qualidade no ativismo

poliacutetico na busca pelas praacuteticas de liberdade pelas teacutecnicas de ajuste da relaccedilatildeo de si para

15

consigo um ethos que repousam em uma eacutetica do inconformismo do autodomiacutenio

(FOUCAULT 2004a) tornam o repertoacuterio enunciativo bem marcado por insatisfaccedilatildeo Como

a militacircncia eacute pouca sobram a lamuacuteria e a vitimizaccedilatildeo em um paiacutes com vergonhoso histoacuterico

de baixo investimento na educaccedilatildeo puacuteblica

Ainda assim paradoxalmente minha apreensatildeo se misturava ao desejo de me

debruccedilar sobre as subjetividades dessesas profissionais Pegava-me indagando quais satildeo

face aos efeitos produzidos pelas tecnologias oficiais essas concebidas aqui na concepccedilatildeo

foucaultiana como os instrumentos que proporcionam formaccedilotildees assimilaccedilotildees de ordens as

aprendizagens que tecircm assimilado osas educadoresas Como os debates sobre sexualidade e

gecircnero trazidos pela rede discursiva das diretrizes da educaccedilatildeo brasileira como a Lei de

Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional - LDBEN-96 os Paracircmetros Curriculares Nacionais

(PCNs 1997) faziam-se presentes entre elesas Essas questotildees me instigavam E me

instigaram mais quando pensei a interface discursividadeleituragecircnero

Retornando agrave seduccedilatildeo pela problematizaccedilatildeo da iniquidade de gecircnero fui sendo

seduzida ainda em deacutecadas de atividade como professora em sala de aula Laacute lecionando em

niacuteveis diversos (fundamental meacutedio e superior) procurei sempre trazer agrave tona a constituiccedilatildeo

discursiva da construccedilatildeo social de gecircnero Sentia-me cumpridora de minha missatildeo como

educadora quando a minha praacutetica pedagoacutegica contribuiacutea com a reflexatildeo que aponta para a

necessidade de construirmos um mundo para todas as pessoas Uma utopia e como utopia

natildeo morre move-se Estaacute aqui comigo Estaacute aqui quando olho nossas estatiacutesticas estuacutepidas

que falam de uma violecircncia diaacuteria contra mulheres contra homossexuais contra o constituiacutedo

como diferente Estaacute aqui comigo a utopia de abolir esta violecircncia simboacutelica cantada em

diversos ritmos encarnada em uma musicalidade que embala corpos e mentes com pesadas

imagens degradantes nas quais somos apenas ldquoas mulheres frutas fiu-fiu cachorras sirigaitas

piriguetes popozudas coisificadas lepolapizadasrdquo

No surgimento deste mestrado profissional entatildeo em meus percursos sobre o tema

olhei para a escola especialmente rememorando aquelas duas cujas imagens retive como

disseminadoras e reprodutoras de hierarquia de gecircneros Olhei para suas bibliotecas ou a

ausecircncia delas seussuas professoresas seus regimes de verdade e articulei a problemaacutetica

de que forma as praacuteticas discursivas que constroem sentidos nos enunciados dos (as)

educadores (as) como mediadores (as) de leitura contemplam o debate sobre a equidade de

gecircnero Com a elaboraccedilatildeo desta questatildeo tentei responder ainda agraves inquietaccedilotildees que vivi nos

debates com professoresas durante as formaccedilotildees continuadas executadas pelo CECAPRO

Centro de Capacitaccedilatildeo dos Professores [professoras] onde atuo profissionalmente Da

16

memoacuteria daqueles debates levantei indagaccedilotildees a me sustentar o tema entre elas que leituras

fazem as vozes educadoras sobre a construccedilatildeo discursiva dos sujeitos O que dizem as vozes

leitoras Voltei entatildeo meu interesse para o chatildeo da escola lugar de livros de paredes

riscadas de brincadeiras de canccedilotildees de namoros de sexualidade de conflitos de poder de

rejeiccedilotildees aos que fragilizam o discurso sexista excludente lugar de leitura de formaccedilatildeo e

debate Voltei meu interesse para a escola lugar de tanto mas natildeo para todos os seus lugares

uma esfera de atuaccedilatildeo dessa instituiccedilatildeo pareceu-me de extrema pertinecircncia para entrecruzar

com o debate que objetivei traccedilar a esfera da leitura E considerando a leitura em uma

perspectiva discursiva busquei no entrecruzamento dessa com o debate acerca das relaccedilotildees

de gecircnero meu interesse meu desejo

Apoacutes tecer a gecircnese que propiciou a confecccedilatildeo do presente processo investigativo

farei a partir de agora a apresentaccedilatildeo das demais partes do trabalho feito que passo a realizar

fazendo uso ainda da primeira pessoa do discurso no singular Faccedilo isso em consonacircncia com

a epistemologia feminista que entende o quatildeo as interlocuccedilotildees com autoresas satildeo

cooperativas em uma accedilatildeo investigativa seja de qual porte for mas assume a proposta de

inscriccedilatildeo da natildeo neutralidade do sujeito Sem a ilusatildeo ao certo de que se eacute oa donoa do

dizer conforme pontua a Anaacutelise do Discurso

Como o desejo vira pesquisa

Mas biblioteca num lugar como esse Para quecirc Para o Nogueira ler um romance

de mecircs em mecircs Uma literatura desgraccedilada []

(RAMOS 1978 p83)

Emblemaacutetica esta construccedilatildeo literaacuteria de Graciliano Ramos em Satildeo Bernardo

(1978) construccedilatildeo que situa quem a lecirc o quanto os valores capitalistas opotildeem-se agrave edificaccedilatildeo

de um espaccedilo que privilegie a democratizaccedilatildeo do saber e atraveacutes dessa provavelmente a

praacutetica do letramento emancipador Vale ressaltar todavia que falo aqui de letramento

emancipador concebido em sintonia com o olhar de Soares (2011) como a accedilatildeo leitora que

encoraja a reflexatildeo criacutetica sobre a ordem social uma accedilatildeo que ultrapassa o domiacutenio da

tecnologia do saber ler e escrever faz uso dela incorporando-a a seu viver A autora ao

inscrever diacronicamente os viacutenculos sobre liacutengua escrita sociedade e cultura apregoa o

17

termo alfabetismo1 como oposiccedilatildeo ao do costumeiro uso analfabeto E o faz provocando uma

reflexatildeo sobre as regras codificadas da linguagem

O fato de que sejam correntes na liacutengua os substantivos que negam- analfabetismo e

analfabeto satildeo formados pelo prefixo grego a(n) que envolve a ideia de negaccedilatildeo ndash e

de que cause estranheza o substantivo que afirma alfabetismo e ainda de que natildeo

se tenha um substantivo que afirme o contraacuterio de analfabeto eacute como bem

hipotetiza Silva um fenocircmeno semacircntico significativo porque conhecemos bem e

haacute muito lsquoo estado ou condiccedilatildeo de analfabetorsquo ndash sempre nos foi necessaacuteria uma

palavra para designar este estado ou condiccedilatildeo - e temos usado sem nenhuma

estranheza o termo analfabetismo (SOARES 2011 p 29)

Uma nova realidade social com a ampliaccedilatildeo do acesso agrave escola nas uacuteltimas deacutecadas

e com o processo de industrializaccedilatildeo no Paiacutes provoca uma demanda por maior inserccedilatildeo da

liacutengua escrita que gesta a concepccedilatildeo teoacuterica do letramento Um conceito que em princiacutepio

trouxe muito equiacutevoco com a dissociabilidade que se instaurou para alguns entre os

fenocircmenos da alfabetizaccedilatildeo e do letramento Fenocircmenos de naturezas diferentes mas

indissociaacuteveis e interdependentes que implicam habilidades competecircncias e procedimentos

diferenciados de ensino Questatildeo poreacutem que natildeo seraacute tratada aqui em funccedilatildeo do limite a que

se propotildee este trabalho qual seja investigar a constituiccedilatildeo de efeitos de sentidos na

discursividade dosas educadoresas tendo como foco o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero

perpassado nas praacuteticas leitoras dessesas profissionais

E mesmo sem querer engrossar as fileiras dos que lamentam pelos altos iacutendices do

fraacutegil desempenho dosas educandos brasileirosas em provas de leitura detectados em

Programa Internacional de Avaliaccedilatildeo de Estudantes - PISA e nos relatos corriqueiros de

educadoresas e familiares natildeo eacute possiacutevel deixar de reconhecer que este eacute um dos noacutes do Paiacutes

na faceta Satildeo Bernardina que possui Metaforicamente essa obra pode conduzir leitoresas

aos iacutengremes caminhos de um Brasil com abissais desigualdades sociais e que tal qual Paulo

Honoacuterio o narrador-personagem eacute tambeacutem injusto violento e opressor por descuidar de seu

povo Descuida de seu povo entre tantas evidecircncias pela negaccedilatildeo da garantia efetiva de

direitos fundamentais como o de uma educaccedilatildeo de qualidade e que seja emancipadora (cf

FREIRE 1999 2002) Eacute possiacutevel ver pelos caminhos de Satildeo Bernardo e pelos (des)caminhos

das escolas puacuteblicas brasileiras as professoras Madalenas amantes do saber dos livros e do

ser humano lutando contra a loacutegica de um sistema social excludente Nessa militacircncia a

leitura seguramente eacute um dos instrumentos que podem viabilizar a luta por mudanccedilas

1 Em nota a autora explica a atualizaccedilatildeo do termo por letramento tendecircncia confirmada pela dicionarizaccedilatildeo

somente em 2001 do termo

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sociais tendo em vista que pode suscitar as reflexotildees acerca da ordem discursiva (cf

ABREU 2007 apud PINA DA MATTA VEIGA 2012)

De qual leitura todavia falo quando penso aqui na validaccedilatildeo desta como algo

significativo para a vida capaz de suscitar reflexotildees instigantes e desconstrutoras de uma

ordem social Penso em uma leitura que seja prazerosa como nos lembra Rubem Alves

(2004) citando Melanie Kleim o professor [e professora] no ato de ler eacute o seio bom por isso

leitura eacute maternagem Penso tambeacutem em uma leitura que seja experiecircncia no sentido que

Larrosa (2004) daacute ao ato de ler como transformador vinculador das praacuteticas da liberdade da

plenitude do ldquoexistenterdquo Com todo cuidado para evitar ainda os messianismos as

sacralizaccedilotildees Soares (2001) falo ainda de leitura que seja lenha para o fogo da cidadania que

trace as veredas para o campo da garantia dos direitos humanos tocando um instrumento

coacutesmico de muitas melodias que ldquoacordem consciecircncias de homens [e de mulheres] e

adormeccedilam crianccedilasrdquo no sentido drummoniano de se engajar a arte tatildeo meloacutedico quanto

emblemaacutetico na sua ceacutelebre Canccedilatildeo Amiga de 1983

E partindo do desejo de problematizar sobre os efeitos catastroacuteficos dos altos iacutendices

de iletrismo e do analfabetismo no Brasil e sobre qual tem sido o olhar da escola para o

enfrentamento de uma histoacuterica educaccedilatildeo sexista e discriminatoacuteria (LOURO 2012 PEDRO

PINSKY 2003) eacute que se foi delineando este trabalho Delineando-se movido na concepccedilatildeo

de leitura como componente constitutivo das formas de sociabilidade e dos jogos sociais

(ORLANDI 2008 SILVA 2011) nas discussotildees foucaultinas sobre a constituiccedilatildeo do sujeito

e praacuteticas de subjetivaccedilatildeo (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2012) aleacutem de movido em

contribuiccedilotildees de estudos feministas (LOURO 2012) Delineando-se para responder agrave

questatildeo-problema que considera os avanccedilos conquistados pelas lutas feministas e a tensa

disputa que se instala entre tais conquistas e as assimetrias de gecircnero no espaccedilo escolar e

assim eacute proposta eacute contemplado o debate sobre a equidade de gecircnero perpassado nas vozes

educadoras em suas praacuteticas leitoras

Essa questatildeo parte de premissas fatuais que me inquietam e me levam a

problematizar os imaginaacuterios2 inferiorizantes da mulher operam no espaccedilo escolar de que

forma quando a este lugar chegam avanccedilos significativos das diretrizes do Conselho Nacional

de Educaccedilatildeo ndash CNE- pontuando a desconstruccedilatildeo dessa praacutetica Seria este debate ignorado ou

pensado sobre traccedilos negativos Outra questatildeo que me instiga a problematizar eacute a de que

teriam os(as) docentes a concepccedilatildeo de que uma escola democraacutetica prima essencialmente pelo

2Imaginaacuterios aqui na acepccedilatildeo dada por Castoriadis (1982) enquanto rede de sentidos sistema de crenccedilas que

legitima a ordem social em vigor

19

respeito e dignidade de todosas e de que as praacuteticas pedagoacutegicas tecircm constituiacutedo sujeitos

diferentes e desiguais em direitos Ademais qual o comprometimento manifesto pelas

praacuteticas pedagoacutegicas dessesas educadoresas para evidenciar suas intenccedilotildees de superar velhas

estruturas estariam usando a leitura como instrumento constituinte e conformante dos

sujeitos para mediar reflexotildees atinentes agrave construccedilatildeo de uma escola democraacutetica inclusiva e

natildeo-sexista

Considerando desse modo que a pergunta problema possui como eixo centralizador

a atenccedilatildeo que as praacuteticas leitoras da escola dispensam ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero

refletidas pelas praacuteticas discursivas docentes eacute objetivo geral deste trabalho analisar as

discursividades que produzem sentidos nos enunciados de educadoresas como mediadores

(as) de leituras frente ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero no projeto CestaSexta Literaacuteria

em uma escola da Rede de Ensino Municipal de Joatildeo Pessoa

Para apoiar essa investigaccedilatildeo que perspectiva observar a vinculaccedilatildeo da leitura como

forte pilar na construccedilatildeo de um mundo mais justo e na desconstruccedilatildeo de imaginaacuterios que

inferiorizam a mulher que criam uma ordem androcecircntrica heteronormatizadora e

excludente vinculaccedilatildeo essa mediatizada nas vozes dos educadores(as) compete-me traccedilar

como objetivos especiacuteficos (i) examinar se na proposta do projeto de leitura da CestaSexta

Literaacuteria expresso em seu documento ocorre seleccedilatildeo de temas que abordem questotildees

voltadas para as poliacuteticas educacionais de gecircnero (ii) investigar se os textos utilizados pelo

projeto nas aulas de leitura observadas contemplam praacuteticas discursivas que produzam

sentidos atinentes agraves questotildees de gecircnero (iii) problematizar efeitos de sentidos que perpassam

pelos relatos docentes e pelo questionaacuterio instrumentos aplicados junto agravesaos educadoresas

expressando as posiccedilotildees de sujeito dosas entrevistadosas acerca das relaccedilotildees de gecircnero em

momentos de interaccedilatildeo na praacutetica leitora (iv) contribuir com reflexotildees que sistematizem

estrateacutegias que propiciem a intervenccedilatildeo e transformaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica na perspectiva

da construccedilatildeo da equidade de gecircnero

Por ser a escola a instituiccedilatildeo responsaacutevel pela aquisiccedilatildeo de saberes e competecircncias

no plano da formalidade e que esta tem no ensino da leitura uma de suas funccedilotildees cruciais

pesquisar o ato de ler na escola eacute de muita relevacircncia a despeito de este tema sumamente jaacute

ter sido explorado Tal questatildeo jaacute fez com que muitosas teoacutericosas e estudiososas de

diversas aacutereas se debruccedilassem a estudaacute-lo a quantidade de livros artigos teses e dissertaccedilotildees

sobre o ato de ler e suas implicaccedilotildees satildeo magnacircnimas Paulo Freire (1988) Ezequiel

Theodoro da Silva (2009 2011) Magda Soares (2001) Antunes (2009) Orlandi (2008) entre

tantosas outrosas importantes teoacutericosas jaacute teceram suas consideraccedilotildees sobre a leitura que

20

aqui encheriam paacuteginas Haveraacute o que dizer mais Parece que natildeo para quem desconsidera

que o inusitado visita a dinacircmica do ato de ler em um contexto escolar com frequecircncia Mas

para quem deseja olhar para as praacuteticas pedagoacutegicas com olhos novos olhos de quem eacute capaz

de se indignar e de natildeo perder de vistas a utopia sempre agrave vista na faceta Madalena de cada

um haacute sempre o que se dizer no chatildeo da escola leitora ou natildeo leitora E eacute em busca deste

dizer sobre ler que me enceta o desejo de ver como educadora que sou homens e mulheres

em processos de libertaccedilatildeo desconstruindo ldquoverdadesrdquo aprendendo com e pela leitura a

refletir sobre seus lugares no mundo que me ponho

E assim compreendendo a leitura como espaccedilo de produccedilatildeo e de reproduccedilatildeo de

significados sociais e objetivando analisar de que forma educadoresas estatildeo forjando

construccedilotildees acerca das identidades de gecircnero em suas praacuteticas leitoras eacute que se desenha a

importacircncia desta pesquisa Isso se justifica porque entre as funccedilotildees da leitura deve estar a

de viabilizar as problematizaccedilotildees que faccedilam leitoresas despertarem para a cidadania ativa o

protagonismo e a autonomia Esses aqui entendidos em uma perspectiva que traduza a

autonomia financeira profissional e pessoal das pessoas e a sua busca pelo ativismo poliacutetico

que expressa consciecircncia de lugar no mundo

E estudar as discursividades que perpassam o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero

mediatizadas pelas leituras no espaccedilo escolar eacute desejar averiguar se este instrumento de

aprendizado estaacute sendo usado para desmantelar as assimetrias de poder entre homens e

mulheres em um espaccedilo formador Eacute desejar averiguar enfim se este instrumento estaacute sendo

amparo para questionar estereoacutetipos e verdades cristalizadas naturalizadas em torno de

construccedilotildees de identidades de gecircnero Obviamente que essa eacute uma das possibilidades de

utilizaccedilatildeo da leitura se este instrumento na escola estiver em consonacircncia com as diretrizes

educacionais que concebem a importacircncia de se fazer da instituiccedilatildeo um espaccedilo democraacutetico

Um espaccedilo em que se faccedila fluir o respeito agrave alteridade agrave compreensatildeo de que a identidade e a

diferenccedila satildeo produzidas discursivamente e que tecircm a ver com a atribuiccedilatildeo de sentidos ao

mundo social e com a disputa e luta em torno dessa atribuiccedilatildeo (SILVA 2012) A leitura nessa

perspectiva problematizadora tem a estrateacutegia de ir aleacutem das ldquobenevolentesrdquo declaraccedilotildees de

toleracircncia com o outro com o diferente Ela tem em seu centro a percepccedilatildeo de que as

identidades satildeo sujeitas a uma historicizaccedilatildeo radical processo que deve lanccedilar luz agraves

reflexotildees que transformam o diferente em exterior abjeto (HALL 2011) Nessa dimensatildeo a

leitura faz parte de um projeto poliacutetico que intenta viabilizar a criacutetica da construccedilatildeo da

identidade e da diferenccedila evidenciando o quanto elas satildeo estrategicamente produzidas

fundadoras Conceber adequadamente a fundaccedilatildeo do outro pode desenredar a forma fechada

21

redutora de interpretaccedilotildees a que esse eacute reduzido E a leitura pode ter uma funccedilatildeo fulcral nesse

processo de reflexatildeo quando pensada estrategicamente para isso accedilatildeo relevante para a

contribuiccedilatildeo com a feitura da escola como palco em que a assimetria de tratamentos eacute

combatida em seu lugar haacute a poliacutetica de respeito pelos Direitos Humanos (DH doravante)

O princiacutepio da dignidade dispensado a todas as pessoas conforme preconizam os DH

em muitos de seus documentos (cartas convenccedilotildees estatutos declaraccedilotildees) e nosso

ordenamento juriacutedico maior a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 eacute reclamante contumaz de um

olhar pedagoacutegico que discuta as diferenccedilas a construccedilatildeo das identidades de gecircnero e da

alteridade E na escola soam e ressoam documentos que abordam poliacuteticas da diversidade

cultural sexual e da equidade de gecircnero Mas de que forma o debate chega em um mundo em

que emerge uma globalizaccedilatildeo iacutempar de informaccedilotildees velozes instantacircneas onde se discutem

identidades culturais e desconstruccedilatildeo de paradigmas de comportamentos em meio aos

pensamentos hegemocircnicos Chegaraacute esbarrando em construccedilotildees sociais dosas fazedoresas

da educaccedilatildeo que se apresentariam cristalizadas essencializadas fixas Como tem por fim

assentado na agenda da escola o debate acerca das relaccedilotildees de gecircnero Qual eacute o seu regime de

verdade no sentido foucaultiano de pensar a formaccedilatildeo discursiva como o loacutecus onde

arbitrariamente satildeo determinados os sentidos de um discurso Os muros escolares satildeo

atravessados de que modo pelo debate que provoca as reflexotildees sobre a produccedilatildeo do

diferente Satildeo indagaccedilotildees como essas que me conduzem agrave execuccedilatildeo deste trabalho Isso

merece meu olhar merece porque para que falemos de dignidade precisamos atentar para a

condiccedilatildeo feminina ainda envolta por iniquidade expressa na esfera profissional poliacutetica e

pessoal E para que falemos de dignidade precisamos respeitar as manifestaccedilotildees de desejos e

performances de outras interlocuccedilotildees de outras subjetividades que devem ser reconhecidas

como legiacutetimas

O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero impulsionado pelo ativismo poliacutetico do

coletivo de mulheres chega e deve ser ampliado porque vale pleitear que o princiacutepio da

igualdade formal e material entre homens e mulheres tenha seu cumprimento auferido

Igualdade essa que estaacute distante de ser conquistada muito embora menos longe do que jaacute

esteve no longo caminho rumo agrave construccedilatildeo da cidadania feminina Ainda eacute fato haacute menos

mulheres nas instacircncias de poderes do que deveria no Brasil de acordo com dados do

Anuaacuterio das Mulheres Brasileiras (DIEESE 2011) elas satildeo mais da metade da populaccedilatildeo (51

3) e do eleitorado estatildeo entretanto sub-representadas nas esferas de poder Satildeo 11 no

Congresso Nacional natildeo chegam a 20 nos niacuteveis mais elevados do Poder Executivo No

Judiciaacuterio nas universidades e empresas privadas ocupam apenas 20 das chefias Eacute tambeacutem

22

outro oacutebice agrave igualdade de gecircnero a preocupante materializaccedilatildeo do machismo em forma de

agressatildeo agraves mulheres Conforme ainda os dados do referido Anuaacuterio uma em cada cinco

brasileira jaacute sofreu algum tipo de violecircncia domeacutestica por parte de um homem Das violecircncias

perfiladas nem todas satildeo computadas Haacute a cultura do medo e da vergonha da sua condiccedilatildeo

de viacutetima que impede que a mulher denuncie seu agressor e mesmo havendo campanhas e

aparato legal que mobilizam a denuacutencia da violecircncia contra a mulher ainda se fala em

subnotificaccedilatildeo dos dados De fora fica ainda a costumeiramente natildeo computada a intangiacutevel

violecircncia simboacutelica termo que tomo de empreacutestimo de Bordieu (2012) que fala da

sedimentaccedilatildeo de um consciente androcecircntrico em homens e mulheres alimentando

iniquidades Esta violecircncia natildeo estaacute em estatiacutesticas mas deixa sequelas profundas em suas

viacutetimas fazendo muitas mulheres carregarem em si sentimentos de impotecircncia mutilaccedilatildeo e

subalternidade

A escola tem o fio do poder que costura e regulamenta normas e mudanccedilas que

disciplinam comportamentos hegemonias (PEREIRA 2005) Mas o poder natildeo eacute estanque

fixo haacute neste espaccedilo como em todos os outros lugar para a resistecircncia e a contra-hegemonia

(FOUCAULT 2012) E de que forma tecircm chegado os discursos que problematizam as

mudanccedilas que advogam os movimentos de mulheres e fazem ressoar seu desejo de

desmantelar de descosturar as assimetrias de gecircnero Como a leitura e as vozes escolares

ressoam o que regula a valente marcha feminista que pode contribuir com o combate agrave

violecircncia domeacutestica com o empoderamento das mulheres e dar visibilidade agrave iniquidade de

gecircnero de forma refrataacuteria Acolhendo seus passos Como a leitura e as vozes escolares

abordam a temaacutetica das identidades e da diferenccedila datildeo centralidade e a discutem como

questatildeo de poliacutetica Estas questotildees imbricam-se e com elas penso a linguagem no campo da

discursividade da construccedilatildeo dos jogos de poder da constituiccedilatildeo de sentidos verdades e

subjetivaccedilotildees (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2012) o que eacute sempre um desafio

instigante para oa educadora Essa temaacutetica eacute premente sendo assim Haacute uma expectativa de

que seja sedimentado o aprendizado de que as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo estatildeo sempre inseridas

em contextos e processos socialmente estruturados legitimando naturalizando e retificando

hegemonias mas tambeacutem sofrendo transformaccedilotildees

Para que o direcionamento discursivo levantado pela questatildeo norteadora satisfaccedila

aos objetivos a que me proponho este estudo move-se teoricamente na concepccedilatildeo

sociointeracionista de leitura e faz uma interface com a Anaacutelise do Discurso AD doravante

tendo como referecircncia o trabalho de Orlandi (2008) sobre leitura que se pauta na perspectiva

da Escola francesa dessa disciplina Trabalho com a concepccedilatildeo de leitura na perspectiva de

23

que ler eacute mais do que decodificar (SOARES 2011) Ler eacute envolver-se com praacuteticas culturais

(MOITA LOPES 2002) que fortalecem a sedimentaccedilatildeo do valor da cidadania que pressupotildee

efetivaccedilatildeo de direitos e deveres para todos Ler entatildeo deixa de ser uma atitude passiva

fechada tradutora decodificadora em que se busca a ldquoverdaderdquo produzida peloa autora ou

pelo texto se se quiser ser positivista ou estruturalista A leitura que me interessa aqui se

ancora na perspectiva interacionista que concebe o aspecto sociocultural e cognitivo da

linguagem e como tal o texto eacute processo e natildeo produto A leitura eacute uma atividade situada

que reflete uma relaccedilatildeo dialoacutegica (cf BAKHTIN 1995) ou seja uma relaccedilatildeo na qual se

estabelecem refraccedilotildees entre autor-leitor-texto e contexto Essa perspectiva expressa um

rompimento com o modelo formalista ou historicista e tem havido um esforccedilo por parte dos

oacutergatildeos responsaacuteveis pelas poliacuteticas de formulaccedilatildeo das diretrizes escolares para implementaacute-la

no seio escolar Os Paracircmetros Curriculares Nacionais (PCNs-1997) refletem essa intenccedilatildeo

os textos satildeo defendidos em sua diversificaccedilatildeo e na defesa da construccedilatildeo de competecircncias

linguiacutesticas com desenvolvimento da habilidade leitora e escritora que ultrapasse a mera

decodificaccedilatildeo no processo de ensino aprendizagem

Por este trabalho buscar uma interface entre a linguagem como praacutetica social e as

relaccedilotildees de gecircnero perscrutadas nas vozes docentes em atividades de leitura propostas pela

escola tambeacutem lhe eacute pertinente a abordagem das formas de constituiccedilatildeo da subjetividade

(FOUCAULT 2004a 2004b 2004d) Estou ainda me movendo pelos estudos da criacutetica

feminista dos estudos poacutes-estruturalistas de gecircnero na contemporaneidade que buscam a

negaccedilatildeo de quaisquer resquiacutecios de uma base essencialista para a formaccedilatildeo das identidades

(LOURO 2012 SILVA 2012) ao tempo que questionam as hierarquias entre o masculino e

o feminino a ordem androcecircntrica heteronormativa e etnocecircntrica Eacute desse olhar que me

sirvo para diante do que pontuam os Estudos Culturais consonantes agrave construccedilatildeo das

identidades como cambiantes heterogecircneas transitivas construiacutedas e reconstruiacutedas social e

discursivamente refletir sobre as implicaccedilotildees de se ler no espaccedilo escolar Refletir atentando

para o discurso pedagoacutegico que daacute sentido agraves diferenccedilas entre meninos e meninas agraves relaccedilotildees

de gecircnero E eacute desse olhar que tambeacutem me sirvo para aprender sobre a consciecircncia de gecircnero

e sobre o desafio da aprendizagem de transformar os jogos de verdade que impotildeem relaccedilotildees

assimeacutetricas Eacute isto o que me enreda neste trabalho

Articulo esta dissertaccedilatildeo em partes que se estruturam assim a introduccedilatildeo na qual

consta a contextualizaccedilatildeo da temaacutetica focalizada com a sua gecircnese a apresentaccedilatildeo do

problema dos objetivos da justificativa e dos pressupostos teoacutericos que embasaram a

pesquisa

24

No capiacutetulo 1 exponho as estrateacutegias metodoloacutegicas com as quais me vali para que o

direcionamento discursivo apresentado que eacute a investigaccedilatildeo das discursividades docentes em

leitura e gecircnero satisfizesse aos objetivos a que me propus construir para este estudo

No capiacutetulo 2 pontuo uma justificativa do campo teoacuterico apresentando estudos de

autoresas utilizadosas bem como pontuo o cruzamento entre a instacircncia da leitura e o debate

sobre as relaccedilotildees de gecircnero sustentado por reflexotildees atinentes aos Direitos Humanos ao

feminismo ao poder agrave educaccedilatildeo e aos modos de subjetivaccedilatildeo

No capiacutetulo 3 discorro sobre a anaacutelise das praacuteticas discursivas dosas educadoresas

perscrutadas pela trajetoacuteria analiacutetica que fiz cujo procedimento para geraccedilatildeo de dados teve os

seguintes instrumentos investigativos o documento do projeto de leitura os relatos dosas

educadoresas que foram gerados em conversas quando de minhas visitaccedilotildees agrave escola um

questionaacuterio aplicado com nove participantes do projeto de leitura da escola e a observaccedilatildeo

de aulas dos textos utilizados nesses eventos e levantamento dos textos paradidaacuteticos

presentes na biblioteca escolar que se refiram agrave temaacutetica de gecircnero

No capiacutetulo 4 atinente agrave perspectiva interventiva propositora que tem este mestrado

profissional desenvolvo reflexotildees que intencionam contribuir para a inserccedilatildeo temaacutetica de

gecircnero pela via da leitura na escola em que a pesquisa foi realizada Faccedilo ao final deste

capiacutetulo sugestotildees de atividades de ensino enfocando o olhar sobre as relaccedilotildees de gecircnero

Por uacuteltimo apresento as consideraccedilotildees finais com as quais objetivo amarrar os fios

tecidos ao longo do trabalho considerando os conteuacutedos enfocados e reforccedilando a defesa de

se inserir o debate acerca das relaccedilotildees de gecircnero pela via da leitura na escola

problematizando os modelos de feminilidade e masculinidade na defesa da dignidade de

todas as pessoas

25

1 OS PRESSUPOSTOS TEOacuteRICO-METODOLOacuteGICOS DA PESQUISA

11 Entrevendo os sujeitos o loacutecus os jogos de verdade

Partindo do entendimento de que a pesquisa a que me proponho realizar que eacute a

anaacutelise de praacuteticas discursivas de docentes sobre as relaccedilotildees de gecircnero como mediadoresas

de leituras exige um dispositivo analiacutetico busco nos procedimentos da AD de filiaccedilatildeo

francesa como nas reflexotildees foucaultianas sobre praacuteticas de subjetivaccedilatildeo e poder nas

reflexotildees poacutes-estruturalistas sobre gecircnero e na perspectiva sociointeracionista sobre leitura

um apoio teoacuterico-metodoloacutegico Nesse sentido estou imbuiacuteda do propoacutesito de percorrer essa

investigaccedilatildeo conforme as diretrizes desse caminho investigativo considerando que natildeo haacute o

sentido ldquoverdadeirordquo mas o real do sentido em sua materialidade linguiacutestica e histoacuterica

(ORLANDI 2012) Estou tambeacutem imbuiacuteda do intento de que com este dispositivo natildeo

vislumbro trabalhar em uma perspectiva de neutralidade tendo em vista que concebo a

pesquisa com base nas praacuteticas discursivas focada nos estudos feministas e nas relaccedilotildees de

gecircnero sob a oacutetica do interesse do engajamento poliacutetico (ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2007

LOURO 2012)

Essas condiccedilotildees refletem o que as problematizaccedilotildees levantadas pelo feminismo no

tocante agrave loacutegica de se fazer ciecircncia tradicional com seus postulados de estabilidades e

categorizaccedilotildees trouxeram Trouxeram a descrenccedila de que entre as palavras e as coisas existe

uma homologia que se diz exatamente o que se vecirc (ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2007

POSSENTI 2009) Antes os estudos de gecircnero de base poacutes-estruturalista explicitam que haacute

uma invenccedilatildeo do que eacute sermos mulhereshomens de que haacute uma invenccedilatildeo do que eacute sermos

meninos e meninas de diversas classes diversos tempos etnias e orientaccedilatildeo sexual

construiacuteda discursivamente E a reflexatildeo sobre o que nos tornamos como seres gendrados e

em que poderemos vir a ser como seres que se descobrem gendrados empodera-nos como

investigadores de desaprendizagens pela possibilidade de conhecimento de jogos de verdades

(FABRIacuteCIO 2006)

Os estudos de gecircnero como uma via que se oferece para o entendimento das relaccedilotildees

assimeacutetricas entre os sexos explicitam ainda o atravessamento pelo poder institucionalizado

que confere historicamente o domiacutenio do masculino Lugares diferentes no mundo chegam a

homens e mulheres por um conjunto de accedilotildees formadoras constituiacutedas discursivamente por

siacutembolos culturais institucionalizaccedilotildees e modos de subjetivaccedilatildeo que constituem relaccedilotildees

assimeacutetricas com o corpo com a sexualidade e afetividades para os sujeitos sociais Refletir

26

sob esta perspectiva me faz desejar perceber meu entorno olhando a linguagem a cultura e as

instituiccedilotildees sob a oacutetica do interesse na construccedilatildeo dos processos sociais E o olhar do

feminismo deveras trouxe novas lentes sobre a pesquisa cientiacutefica Louro (2012) pontua que

uma das caracteriacutesticas relevantes dessa epistemologia diz respeito agrave forma como as

estudiosas empenham-se em responder questotildees atinentes agraves suas realidades aos seus campos

de interesses mescladas natildeo como vozes anocircnimas de seu objeto de estudo mas como vozes

que de modo provocativo posicionam-se histoacuterica e culturalmente imiscuindo objetivamente

subjetividades E eacute com este entendimento que intenciono subsiacutedios para um estudo sobre a

discursividade em uma interface com a oacutetica das relaccedilotildees de gecircnero e da leitura sob o crivo

de um convite a examinar ordens morais e estruturas de legitimaccedilatildeo

Esta investigaccedilatildeo de natureza qualitativa regida por princiacutepios analiacuteticos foi

conforme jaacute exposto concebida para ser realizada em uma escola da Rede de Ensino

Municipal de Joatildeo Pessoa - PB cuja identificaccedilatildeo seraacute preservada A preservaccedilatildeo deve-se agrave

consonacircncia com um mecanismo de proteccedilatildeo o anonimato como compromisso eacutetico

possiacutevel conforme Spink e Menegon (1999) embora salientem as autoras este ponto de

vista natildeo seja paciacutefico Para minha compreensatildeo eacute uma proteccedilatildeo exceccedilatildeo se daacute quando os

sujeitos manifestam o contraacuterio o que natildeo foi o caso Assim o sendo para a identificaccedilatildeo

deste espaccedilo pesquisado resolvi denominaacute-lo de escola TRAVESSIA Esse batismo traduz

meu olhar para o ambiente de ensino-aprendizagem alimentado na esperanccedila freireana pelo

inacabamento em noacutes educadores seres humanos Mesmo emparedadosas eacute preciso pensar

nas travessias Da mesma forma que o campo pesquisado tem um nome fictiacutecio os sujeitos

participantes desta investigaccedilatildeo tambeacutem foram denominados ficticiamente

Essa unidade educacional funciona nos dois periacuteodos com turmas do 6ordm ao 9ordm ano

em um preacutedio construiacutedo haacute menos de dez anos Possui 385 discentes e 25 docentes eacute

composta por dez salas de aula sala de artes laboratoacuterio de informaacutetica laboratoacuterio de

ciecircncias auditoacuterio biblioteca quadra poliesportiva quadra de vocirclei secretaria diretoria sala

de especialistas sala de professores refeitoacuterio e banheiros com padratildeo de acessibilidade

A pesquisa qualitativa na educaccedilatildeo tem centrado seu foco noa educadora vai

buscar sua colaboraccedilatildeo preocupar-se com suas histoacuterias e formaccedilatildeo (GHEDIN FRANCO

2008) Nessa dimensatildeo eacute possiacutevel olhar a realidade na perspectiva doa professora e natildeo

apenas sobre elea Este processo investigativo que tem como objeto as discursividades na

escola acerca das relaccedilotildees de gecircnero mediadas no projeto de leitura tem alinhamento

metodoloacutegico com esta perspectiva de pesquisa e possui como participantes osas

professoresas que integram o tal projeto Foi escolhido o corpo docente do turno vespertino

27

em funccedilatildeo de ajuste com minha disponibilidade de horaacuterio A coordenaccedilatildeo do projeto eacute de

responsabilidade de uma professora readaptada que tem formaccedilatildeo de arte-educadora Esta

profissional segundo me relatou articula trabalhos apoiando osas docentes integrantes do

projeto aleacutem de efetivar atividades literaacuterias e artiacutesticas em datas comemorativas na escola

12 Por onde falam e de onde olham osas educadoresas os instrumentos de investigaccedilatildeo

A composiccedilatildeo dos instrumentos selecionados para a investigaccedilatildeo desta pesquisa eacute

constituiacuteda por diversos procedimentos para geraccedilatildeo de dados Consta de um questionaacuterio

aplicado no periacuteodo de 09 de setembro a 28 de outubro de 2013 a nove educadoresas

envolvidosas com o projeto de leitura da escola TRAVESSIA o CestaSexta Literaacuteria

Adotei tambeacutem como instrumento de investigaccedilatildeo os relatos de diaacutelogos com educadoresas

gerados quando de minhas visitaccedilotildees agrave escola que se deram de 05 de setembro a 28 de

outubro de 2013 Construiacute notas de campo para registrar minhas vivecircncias naquele espaccedilo

perscrutando as vozes daqueles sujeitos pesquisados Satildeo tambeacutem composiccedilatildeo deste conjunto

de instrumentos investigativos as observaccedilotildees de quatro aulas de leitura e de texto utilizado

nestes eventos que ocorreram entre 4 e 11 de julho de 2014 A anaacutelise do documento do

projeto de leitura no tocante aos seus objetivos e metodologia bem como o levantamento de

quais livros paradidaacuteticos da biblioteca tratam da temaacutetica em tela satildeo outras formas

geradoras de dados desta pesquisa Esse levantamento do conjunto de instrumentos foi

elaborado em um processo no qual atentei para que a construccedilatildeo dos mesmos lembrando

Foucault (2004a 2004b 2012) objetivasse natildeo apontar se um enunciado eacute verdadeiro ou

falso enquanto discurso mas situar historicamente a produccedilatildeo desses

O questionaacuterio foi elaborado com treze questotildees objetivas por uma necessidade de

se ajustar agraves premecircncias do tempo mas promovendo espaccedilo para a complementaccedilatildeo de

respostas abertas considerando que outras leituras poderatildeo existir As questotildees formuladas

neste instrumento investigativo versando conforme apecircndice A entre outros toacutepicos acerca

da importacircncia da leitura para a escola sobre se a formaccedilatildeo continuada estaacute contribuindo no

preparo para uma praacutetica pedagoacutegica que contemple a equidade de gecircnero acerca de qual

espaccedilo deve haver no curriacuteculo escolar sobre a histoacuteria social da mulher e ainda qual tem sido

o comportamento doa educadora ao lidar com manifestaccedilotildees de violecircncia de gecircnero

objetivam proporcionar anaacutelises das respostas segundo os pressupostos da AD

Essa disciplina mediante a articulaccedilatildeo liacutengua e histoacuteria descreve e analisa os

sentidos que produzimos socialmente considera assim que o sujeito eacute um efeito da linguagem

28

como praacutetica social E eacute com esta perspectiva que objetivo perceber os efeitos de sentidos as

ideias circulantes e produzidas pelos sujeitos envolvidos nas questotildees do instrumento

questionaacuterio como nos demais procedimentos que compotildeem o campo empiacuterico desta

investigaccedilatildeo as aulas os diaacutelogos o documento a ausecircncia de obras temaacuteticas no acervo

bibliotecaacuterio Lanccedilar matildeo desse amparo teoacuterico me faz buscar formulaccedilotildees epistemoloacutegicas

como o discurso o interdiscurso as formaccedilotildees discursivas entre outras construccedilotildees de

linguagem como fustigaccedilatildeo que possibilita ver ldquopelardquo opacidade da linguagem Por esses

vieses interessa-me natildeo em conceber uma ldquoverdaderdquo a qual terei o poder de ldquodesvendaacute-lardquo

conforme ressalva Foucault (1995 2004a 2004b 2012) mas procuro agrave luz do que me

fornece a AD refletir e inquirir sobre as condiccedilotildees de produccedilotildees ldquodo dito e o natildeo ditordquo

29

2 OS APORTES TEOacuteRICOS QUE MOVEM A INVESTIGACcedilAtildeO

21 Gecircnero Discurso e Direitos Humanos

Uma indagaccedilatildeo que se desdobrava em outras se fez presente em minhas elaboraccedilotildees

sobre a temaacutetica em foco afinal por que buscar na roda de leitura de uma escola fios que

relacionem letramento e o debate sobre a construccedilatildeo social de gecircnero Qual o sentido de se

entrelaccedilar estas duas instacircncias discursivas Natildeo bastaria ler para contribuir com a construccedilatildeo

de uma formaccedilatildeo humana e eacutetica uma formaccedilatildeo cidadatilde na qual se capacitariam todos e todas

para serem protagonistas do projeto de sociedade em que convivem O exerciacutecio da leitura

natildeo estimula o ato de pensar Esta mera sacralizaccedilatildeo da praacutetica leitora tatildeo disseminada por

leigosas e ateacute leitoresas ignora que ler eacute um ato poliacutetico (FREIRE 1988) Ignora que ler eacute

uma praacutetica discursiva implica accedilotildees seleccedilotildees escolhas linguagens contextos variedades

de produccedilotildees sociais (SPINK FREZZA 1999) E que desse modo como praacutetica discursiva

na acepccedilatildeo foucaultina (FOUCAULT 2011) que eacute a tomada de empreacutestimo neste trabalho

conceituada como os dizeres que ganham corpos teacutecnicos em instituiccedilotildees em esquemas de

comportamentos em formas pedagoacutegicas a accedilatildeo de ler deve primar por reflexotildees que exijam

engajamento direcionamento afinal como esse filoacutesofo afirma

[] em toda sociedade a produccedilatildeo do discurso eacute ao mesmo tempo controlada

selecionada organizada e redistribuiacuteda por certo nuacutemero de procedimentos que tecircm

por funccedilatildeo conjurar seus poderes e perigos dominar seu acontecimento aleatoacuterio

esquivar sua pesada e temiacutevel materialidade (FOUCAULT 2011 p 8-9)

Conforme esse pensador francecircs para este controle haacute a fabricaccedilatildeo de certos

procedimentos de exclusatildeo social apoiados sobre uma base institucional Esta tem como

reforccedilo todo um conjunto de praacuteticas dentre as quais estatildeo a medicina a pedagogia a

sexualidade a prisatildeo relacionadas agrave vontade de verdade como um mecanismo de delimitaccedilatildeo

e de controle do discurso Ao trazer estas consideraccedilotildees de Foucault para o debate sobre as

relaccedilotildees de gecircnero que se processam na instituiccedilatildeo escolar fruto de avanccedilos consolidados

pelas lutas feministas contra uma visatildeo androcecircntrica de mundo percebo a relevacircncia das

contribuiccedilotildees do filoacutesofo que inscreve o discurso como praacutetica e como luta na constituiccedilatildeo

dos sujeitos Segundo o autor ldquo[] ndash isto a histoacuteria natildeo cessa de nos ensinar - o discurso natildeo

eacute simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominaccedilatildeo mas aquilo por que

pelo que se luta o poder do qual queremos apoderarrdquo (FOUCAULT 2012 p 10)

30

Diferente de uma visatildeo que simplifica este conceito os pressupostos foucaultinos

pontuam que o discurso existe para constituir ldquocoisasrdquo ldquorealidadesrdquo segundo regras histoacutericas

especiacuteficas de tempo e espaccedilo E esse entendimento deve ser uma das forccedilas que oa analista

do discurso poderaacute dispor como baliza face ao desafio que sua tarefa se apresenta seu

trabalho natildeo eacute ldquodescobrir coisas intocadas inteiras verdadesrdquo Seu trabalho prima por chegar

agrave complexidade das praacuteticas discursivas e natildeo discursivas que emergem em um enredo de

enunciados que se cruzam no interior de campos discursivos Seu trabalho como evidencia

Fisher (2013) ocupa-se de multiplicidades de coisas ditas de enunciaccedilotildees de posiccedilotildees de

sujeito de relaccedilotildees de poder implicadas num certo campo de saber

Nessa direccedilatildeo para efetuar uma interface que pense as discursividades das vozes

docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero em praacuteticas leitoras na escola objeto desse trabalho

as reflexotildees foucaultianas no que diz respeito agraves posiccedilotildees de sujeito satildeo nodais Com essa

perspectiva pode ser assumida a multiplicaccedilatildeo do tema do sujeito operaccedilatildeo cara a Foucault

(1995 2004a 2004b 2004c 2012) que conduz a caminhos mais fecundos para que o sujeito

seja pensado a sua dispersatildeo Assim diante de um conjunto de enunciaccedilotildees dentro de um

campo discursivo natildeo cabe um sujeito ldquounificanterdquo soberano origem de seu dizer Haacute um

sujeito que precisa ser visto em seu status em seu acircmbito institucional investido de alguma

autoridade imbuiacutedo de certas regras histoacutericas

Isto posto cabe-me adentrar em reflexotildees usando a concepccedilatildeo de dispersatildeo do

sujeito inicialmente pensando sobre qual tem sido a subjetivaccedilatildeo construiacuteda na escola pela

perspectiva dosas docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero estatildeo estesas obedecendo a que

regime de verdade Quais tecircm sido as reflexotildees acerca das ldquocoisas ditasrdquo sabe-se que elas se

entranham das dinacircmicas de poder e saber Sabe-se que emanam de praacuteticas discursivas e natildeo

discursivas atravessadas pelo poder Dar conta dessas relaccedilotildees eacute um legado foucaultiano

complexo aacuterduo e instigante que me inspira trazer para a delineaccedilatildeo acerca das

discursividades suscitadas pelo debate das relaccedilotildees de gecircnero na escola que ao fim e ao

cabo eacute um chamamento do discurso dos DH como pauta reivindicatoacuteria que eacute

E como reivindicaccedilotildees morais que satildeo esses direitos assegura Piovesan (2005)

nascem quando devem e podem nascer Essa autora pontua que os DH em sua concepccedilatildeo

contemporacircnea compotildeem a nossa racionalidade de resistecircncia na medida em que traduzem

processos que abrem e consolidam espaccedilos de luta pela dignidade humana Pautados pela

gramaacutetica da inclusatildeo esses direitos que natildeo satildeo um dado mas um construiacutedo (PIOVESAN

2005) devem adentrar o espaccedilo escolar como um imperativo eacutetico-poliacutetico-social que eacute

capaz de enfrentar um legado discriminatoacuterio que tem negado o respeito agrave diversidade sexual

31

cultural e humana o que eacute um atentado agrave premissa da garantia da dignidade de todas as

pessoas

Para o assentamento do debate sobre os postulados dos DH no acircmbito da escola natildeo

nos falta amparo legal positivado Eacute com o entendimento da nodal importacircncia desses direitos

na e para a esfera escolar e considerando o arcabouccedilo legal que dispotildee sobre a educaccedilatildeo a

Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos de 1948 a Declaraccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas sobre

a Educaccedilatildeo e Formaccedilatildeo em Direitos Humanos (RESOLUCcedilAtildeO A661372011) a

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (Lei

93941996) o Programa Mundial de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos (PMEDH 2005204) O

Programa Nacional de Direitos Humanos (PNEDH2006) e as diretrizes nacionais emanadas

pelo Conselho Nacional de Educaccedilatildeo CNE bem como outros documentos que o Conselho

Nacional de Educaccedilatildeo publica a Resoluccedilatildeo nordm 12012 estabelecendo diretrizes nacionais para

a educaccedilatildeo em Direitos Humanos Esse instrumento em seu artigo 3ordm trata da finalidade

dessa educaccedilatildeo a mudanccedila e a transformaccedilatildeo social fundamentando-se para isto nos

princiacutepios da dignidade humana da igualdade de direitos do reconhecimento e valorizaccedilatildeo

das diferenccedilas e das diversidades da laicidade do Estado da democracia na educaccedilatildeo da

transversalidade vivecircncia globalidade e sustentabilidade socioambiental

Conforme a Resoluccedilatildeo nordm 12012 os sistemas de ensino deveratildeo ter planejamento e

accedilotildees que zelem por tais princiacutepios incluindo-os nas formaccedilotildees iniciais e continuada de

profissionais das diferentes aacutereas de conhecimento como tambeacutem de todo aparato estrutural

da escola Nesse sentido a resoluccedilatildeo se traduz como um poderoso instrumento de inclusatildeo

social Ela eacute aliada na problematizaccedilatildeo de uma estrutural desigualdade social poliacutetica e

econocircmica que viola cotidianamente direitos de grupos vulneraacuteveis ndash pobres negrosas

mulheres homossexuais iacutendiosias ndash Eacute aliada no combate agraves grandes deficiecircncias da

democracia brasileira que repousa em uma deficiente cultura de direitos a despeito de

avanccedilos poacutes processo de redemocratizaccedilatildeo do paiacutes

No tocante agraves questotildees de gecircnero agrave produccedilatildeo de praacuteticas discursivas que ocultam o

protagonismo dos sujeitos que fragilizam a hegemonia masculina heterossexual cristatilde e

branca e a inserccedilatildeo desse debate no seio escolar como forma de assegurar o combate agrave

historicamente construiacuteda educaccedilatildeo sexista e discriminatoacuteria eacute vaacutelido observar os

mecanismos enunciativos que constituem o olhar sobre o discurso que propotildee o

enfrentamento da iniquidade E um desses mecanismos trata-se dos Paracircmetros Curriculares

Nacionais (PCNs) criados em 1997 que muito embora a existecircncia desses documentos natildeo

garanta sua implantaccedilatildeo eles satildeo amplamente difundidos e recomendados pelo Ministeacuterio da

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Educaccedilatildeo e Cultura (MEC) Eacute vaacutelido desse modo atentar para esta forma de comunicaccedilatildeo-

poder porque as discursividades que circulam incorrem de resultado de promessas de uma

escola como instituiccedilatildeo democraacutetica o que nos remete agrave intricada relaccedilatildeo discurso e poder

(FOUCAULT 2012) E parece bastante oportuno refletir sobre a emissatildeo de documentos

supostamente avanccedilados no debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero indagando sobre qual

processo de subjetivaccedilatildeo e instauraccedilotildees de verdade estaacute sendo ali operacionalizado

Eacute possiacutevel detectar que a discussatildeo sobre as relaccedilotildees de gecircnero consta de forma

tiacutemida e superficial entre as paacuteginas 144-146 dos PCNs referentes agraves quatro primeiras seacuteries

da educaccedilatildeo Fundamental Assim eram denominados os anos escolares agrave eacutepoca da publicaccedilatildeo

destes documentos Essa inserccedilatildeo temaacutetica eacute composta como toacutepico dentro do tema

transversal Orientaccedilatildeo Sexual que integra o volume 10 da coleccedilatildeo dos PCNs Mas laacute nas

raacutepidas paacuteginas estaacute o conceito de gecircnero e o objetivo que permeia o debate

A discussatildeo sobre relaccedilotildees de gecircnero tem como objetivo combater relaccedilotildees

autoritaacuterias questionar a rigidez dos padrotildees de conduta estabelecidos para homens

e mulheres e apontar sua transformaccedilatildeo A flexibilizaccedilatildeo dos padrotildees visa permitir a

expressatildeo de potencialidades existentes em cada ser humano que satildeo dificultadas

pelos estereoacutetipos de gecircnero Como exemplo comum pode-se lembrar a repressatildeo de

sensibilidade intuiccedilatildeo e meiguice nos meninos e objetividade e agressividade nas

meninas As diferenccedilas natildeo devem ficar aprisionadas em padrotildees preestabelecidos

mas apontando para a equidade entre os sexos (BRASIL 2013 p 144-146)

As relaccedilotildees de gecircnero integram a abordagem feita pelos PCNs tambeacutem para as seacuteries

finais do ensino fundamental como parte dos conteuacutedos dos temas transversais Na

perspectiva para estes anos finais os PCNs indicam a leitura e a anaacutelise de notiacutecias e de obra

literaacuteria como estrateacutegia para abordar a temaacutetica sobre gecircnero perpassada pelo conjunto das

disciplinas Os recursos indicados nos documentos para a exploraccedilatildeo desta temaacutetica se

constituem de formas oportunas para trataacute-lo especialmente a anaacutelise de notiacutecias

considerando que face a uma visatildeo de mundo em que predominam valores machistas e

patriarcais uma cultura eminentemente androcecircntrica apesar da resistecircncia feminista as

notiacutecias devem se constituir como repletas de exemplos de assimetrias de gecircnero

A apresentaccedilatildeo do conceito de gecircnero pelos PCNs todavia se daacute sem uma

fundamentaccedilatildeo criacutetica sustentada pela teoria feminista em um momento em que este conceito

passa por uma efervescecircncia que redimensiona e amplia sua abordagem O conceito de gecircnero

surge com o intento de analisar a subordinaccedilatildeo da mulher ao homem de modo relacional e faz

parte de debates de vaacuterios momentos do movimento feminista O gecircnero como categoria de

anaacutelise passou a ser mais utilizado apoacutes a publicaccedilatildeo do texto de Joan W Scott (1995) Nesse

33

trabalho a autora retoma a diferenccedila entre sexo e gecircnero articulando a noccedilatildeo de poder com a

qual propotildee que gecircnero eacute um elemento constitutivo das relaccedilotildees sociais construiacutedas sobre as

diferenccedilas percebidas entre os sexos sendo ele um primeiro modo de dar significado agraves

relaccedilotildees de poder

De acordo com Piscitelli (2002) o conceito de gecircnero mesmo jaacute tendo sido

utilizado foi marcado a partir da conceitualizaccedilatildeo de Gayle Rubin (1975 apud PISCITELLI

2002 p 4) que definiu o sistema sexogecircnero estabelecendo uma dicotomia em que gecircnero

seria a construccedilatildeo social e sexo seria o que eacute determinado biologicamente Essa perspectiva da

feminista trouxe conforme Piscitelli entusiasmo

Entre as (os) acadecircmicasos que dialogam com as discussotildees feministas o conceito

de gecircnero foi abraccedilado com entusiasmo uma vez que foi considerado um avanccedilo

significativo em relaccedilatildeo agraves possibilidades analiacuteticas oferecidas pela categoria

lsquomulherrsquo Essa categoria passou a ser quase execrada por uma geraccedilatildeo para a qual o

binocircmio feminismomulher parece ter se tornado siacutembolos de enfoques passados

(PISCITELLI 2002 p 1)

Haacute todavia apontado por Piscitelli (2002) um contexto de questionamentos sobre

esse conceito de gecircnero que evidencia uma nova ecircnfase na utilizaccedilatildeo da categoria mulher A

autora evidencia vaacuterias discussotildees em torno dessa questatildeo pontuadas por feministas que

criticam a dicotomia culturanatureza sexogecircnero traccedilos da conceituaccedilatildeo primeira do termo

O sistema dual que caracteriza e universaliza o conceito eacute criticado pelas feministas radicais

que assumem o debate desconstruindo o binocircmio sexogecircnero trazendo agrave reflexatildeo a

inexistecircncia de uma identidade global fixa que obscurece ou subordina todas as outras Uma

reelaboraccedilatildeo teoacuterica e pendular que emerge nitidamente das poliacuteticas da diferenccedila sobre o

conceito de gecircnero fortalece a luta das mulheres em seu caraacuteter de diversidade

A rejeiccedilatildeo aos pressupostos universalistas que a dicotomia sexogecircnero traduz tem se

avolumado e garantido um avanccedilo no debate sobre a luta pelo fim da opressatildeo e subordinaccedilatildeo

da mulher ao homem Sardenberg (2002) enfatiza que as criacuteticas realizadas ao conceito de

gecircnero debatem as diferenccedilas em consonacircncia com a base poacutes-estruturalista e

desconstrutivista que as sustenta e atendem a pauta reivindicatoacuteria de mulheres leacutesbicas

negras e do Terceiro Mundo A feminista sem deixar de resguardar a relevacircncia teoacuterica e

poliacutetica da concepccedilatildeo primeira de gecircnero ressalta a importacircncia das questotildees trazidas pelas

correntes desconstrucionistas Apropria-se esta estudiosa do feminismo do conceito de

corpos gendrados e desfaz a dicotomia sexogecircnero explicando que as identidades de gecircnero

e subjetividade satildeo natildeo imateriais e descorporificadas Ela ao falar de identidades e

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subjetividades corporificadas aponta para uma direccedilatildeo que dialoga com as teorizaccedilotildees poacutes-

estruturalistas e a importacircncia dos marcadores sociais para essas que veem mais do que

sujeitos homens e mulheres em suas abordagens Veem seres de diferentes etnias classes

geraccedilotildees profissotildees lugares seres cindidos muacuteltiplos natildeo-fixos em suas identidades

imersos que satildeo pela torrencial poacutes-modernidade e seus signos multiculturalismo

globalizaccedilatildeo e informaccedilatildeo acelerada

Louro (2012) ao discutir o caro conceito para os estudos feministas historiciza as

accedilotildees desse coletivo situando a chamada ldquoSegunda Ondardquo como a que propiciou o

desenvolvimento do termo

Seraacute no desdobramento da assim denominada lsquoSegunda Ondarsquo ndash aquela que se inicia

no final da deacutecada de 1960 ndash que o feminismo aleacutem das preocupaccedilotildees sociais e

poliacuteticas iraacute se voltar para as construccedilotildees propriamente teoacutericas No acircmbito do

debate que a partir de entatildeo se trava entre estudiosas e militantes de um lado e seus

criacuteticos ou suas criacuteticas de outro seraacute engendrado e problematizado o conceito de

gecircnero (LOURO 2012 p 19)

Evidenciando a contribuiccedilatildeo que a emergecircncia do conceito de gecircnero propicia ao

movimento feminista Louro (2012) traz o discurso da invisibilidade no qual esse coletivo

esteve imerso em forma de segregaccedilatildeo poliacutetica e social Muito embora afirme essa autora

mulheres da classe trabalhadora e camponesas jaacute ocupassem atividades no mundo do trabalho

em faacutebricas oficinas lavouras Atividades essas ocupadas em condiccedilotildees de subalternidade

frente aos homens considerando os cargos que ocupavam e atividades consideradas

secundaacuterias e ligadas agraves funccedilotildees ldquonaturalizadasrdquo como femininas a assistecircncia e a educaccedilatildeo

Essas questotildees aleacutem da ausecircncia das mulheres em espaccedilos de poder como nos das ciecircncias e

das artes diz Louro (2012) ocupavam as reivindicaccedilotildees das mulheres de luta contra a

opressatildeo de gecircnero

No que tange ao conceito de gecircnero como diferencial desconstrutor da discursividade

que permeia explicaccedilotildees deterministas bioloacutegicas para as desigualdades sociais entre homens

e mulheres Louro (2012) aduz que

Eacute necessaacuterio demonstrar que natildeo satildeo propriamente as caracteriacutesticas sexuais mas eacute a

forma como essas caracteriacutesticas satildeo representadas ou valorizadas aquilo que se diz

ou pensa sobre elas que vai construir efetivamente o que eacute feminino ou masculino

em uma dada sociedade e em um dado momento histoacuterico Para que se compreenda

o lugar e as relaccedilotildees de homens e mulheres numa sociedade importa observar natildeo

exatamente seus sexos mas sim tudo que socialmente se construiu sobre os sexos

O debate vai se construir entatildeo atraveacutes de uma nova linguagem na qual gecircnero seraacute

um conceito fundamental (LOURO 2012 p 25)

35

Eacute na direccedilatildeo dos estudos poacutes-estruturalistas que Louro (2012) constroacutei suas reflexotildees

sobre gecircnero debatendo a construccedilatildeo discursiva das diferenccedilas uma das tocircnicas do

pensamento Esta autora evidencia o quanto estudiososas e militantes ligadosas agraves questotildees

eacutetnicas e leacutesbicas tecircm contribuiacutedo para a reflexatildeo sobre praacuteticas poliacuteticas e educativas que

contemplem as diferenccedilas Essa discursividade tem provocado nos estudos feministas uma

implosatildeo das caracteriacutesticas iniciais que satildeo marcadas por uma construccedilatildeo teoacuterica conduzida

por mulheres brancas heterossexuais urbanas e de classe meacutedias Para a autora os estudos

feministas estatildeo sendo oxigenados quando problematizados e desestabilizados desse modo

Entendo entatildeo que as seculares construccedilotildees sociais que subjugam e inferiorizam

mulheres e as que impotildeem exclusatildeo e violecircncia na construccedilatildeo das diferenccedilas sob uma loacutegica

androcecircntrica heteronormatizadora e discriminatoacuteria satildeo muralhas que tecircm sido

problematizadas pelas contribuiccedilotildees afirmativas da pauta dos DH pelos estudos feministas e

pelas contribuiccedilotildees de estudos sobre as relaccedilotildees de poder os quais jaacute foram por mim

referidos Estas questotildees podem estar balizadas no acesso agrave leitura como mediaccedilatildeo e praacutetica

discursiva que suscita o combate da iniquidade de gecircnero como tambeacutem jaacute foi dito Ocorre

amiuacutede mesmo entre osas que natildeo satildeo leitoresas uma valorizaccedilatildeo generalizada do ato de

ler que o naturaliza e o sacraliza As propagandas sobre leitura satildeo veiculadas com esta

dimensatildeo o que fez Souza (2009 p 4) entre outrosas autoresas estudaacute-las e evidenciando o

quanto se camufla o objeto da leitura daquilo que se lecirc indagar ldquoA leitura de todo e qualquer

texto emancipa o sujeitordquo Natildeo eacute preciso ir muito longe para que percebamos que se as

escolas natildeo leem a pedagogia do letramento da vida e da diversidade de infacircncias se natildeo leem

e aplicam o que recomendam as diretrizes2009 do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo - CNE

que apontam para garantir uma formaccedilatildeo plena como ser humano histoacuterico integral social

eacutetico de diferentes linguagens e identidades coletivas e individuais a leitura que se faz

efetivamente natildeo eacute emancipadora Ela pode divertir dar prazer colaborar com o domiacutenio do

coacutedigo em suas variedades linguiacutesticas mas natildeo emancipa Isso pode ser averiguado pelo

olhar de Arroyo (2011) que aborda o quanto a desenfreada busca para o domiacutenio de

capacidades sequenciadas para atender as expectativas de avaliaccedilotildees como a Provinha-Brasil

tem sido danosa

Na praacutetica o direito ao reconhecimento agrave cultura e ao conjunto de potencialidades

humanas que carregamos desde crianccedila vai se perdendo em nome do domiacutenio de

capacidades de letramento e numeramento [] A professora seraacute julgada e

condenada se sua turma natildeo se sair bem na Provinha-Brasil de Letramento Fica

pouco estiacutemulo e espaccedilo para dedicar tempo e energias para a formaccedilatildeo plena das

crianccedilas ateacute nos limites e potencialidades do letramento (ARROYO 2011 p 220)

36

Eacute pertinente pensar portanto como estatildeo sendo formadosas como estatildeo lendo na

instacircncia escolar meninos e meninas leem para se emancipar Leem para problematizar uma

ordem social excludente Leem para debater o que a pauta reivindicatoacuteria dos DH como

movimento que se firma na defesa de um mundo mais justo e igual tem alicerccedilado A

Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo (CONAE) realizada em 2010 direciona em seu

documento final que deve haver a inserccedilatildeo das temaacuteticas dos DH nos Projetos Poliacuteticos

Pedagoacutegicos (PPP) e no novo modelo de gestatildeo e avaliaccedilatildeo (CONAE 2010 p 162-163) Haacute

portanto um papel construiacutedo para a instituiccedilatildeo escolar no enfrentamento de violaccedilotildees desses

direitos

Produtora reprodutora e difusora de conhecimentos a escola eacute uma instituiccedilatildeo social

que pode conforme o seu aparato normativo engendrar as relaccedilotildees mais justas e equacircnimes

Ateacute entatildeo todavia deste lugar no dizer de Louro (2012) largamente tecircm sido gestadas as

diferenccedilas como a representaccedilatildeo de um desvio da normalidade Na visatildeo da referida autora

Desde seus iniacutecios a instituiccedilatildeo escolar exerceu uma accedilatildeo distintiva Ela se

incumbiu de separar os sujeitos ndash tornando aqueles que nela entravam distintos dos

outros os que a ela natildeo tinham acesso [] A escola que nos foi legada pela

sociedade ocidental moderna comeccedilou por separar adultos de crianccedilas catoacutelicos e

protestantes Ela tambeacutem se fez diferente para os ricos e para os pobres e ela

imediatamente separou os meninos das meninas (LOURO 2012 p 64)

Eacute possiacutevel perceber entatildeo o quanto as relaccedilotildees de gecircnero e a produccedilatildeo negativa das

diferenccedilas satildeo alimentadas nos bancos escolares moldando fabricando sujeitos seres

distintos de diferentes classes etnias idades distintos tambeacutem em direitos e deveres Nesses

moldes essa praacutetica pedagoacutegica tem inquietado osas ativistas e defensoresas dos DH E

efeito de mobilizaccedilotildees a educaccedilatildeo inclusiva voltada para uma cultura de paz e de respeito a

esses direitos emerge Dos tantos pactos internacionais e acordos como accedilatildeo de resistecircncia

diante da violaccedilatildeo do direito agrave dignidade humana podem ser extraiacutedos instrumentos juriacutedicos

importantes para municiar osas educadoresas em suas atividades acadecircmicas caso se

comprometam com a bandeira da educaccedilatildeo como loacutecus para a promoccedilatildeo da defesa de uma

sociedade para todas as pessoas

Inteirar-se da forccedila articulatoacuteria dos movimentos sociais embandeirados com a

defesa dos DH eacute relevante para a instacircncia educacional afinal a escola ressoa as vozes e eacute

uma voz que segundo regras histoacutericas implementa hegemonia e contra-hegemonia

conforme Zenaide (2008) Das articulaccedilotildees poliacuteticas dos movimentos emergem marcos legais

que datildeo sustentaccedilatildeo agraves lutas por cidadania Um desses documentos importantes do leque de

instrumentos universais e regionais que evidenciam accedilotildees pautadas na defesa do DH foi uma

37

conquista do movimento feminista com a aprovaccedilatildeo na Assembleia da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas (ONU) em 1979 da Convenccedilatildeo sobre a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de

Discriminaccedilatildeo contra a Mulher Este instrumento traduz o reconhecimento das necessidades

especiacuteficas das mulheres garantindo a igualdade entre homens e mulheres nas esferas

poliacutetica econocircmica social e familiar Outro importante documento no sentido da defesa dos

direitos das mulheres eacute a Convenccedilatildeo Interamericana para Prevenir e Erradicar a Violecircncia

contra a Mulher de 1994 Essa construccedilatildeo desafia um dos males enfrentados cotidianamente

pelas mulheres das mais diversas esferas sociais e culturais eacute o da violecircncia domeacutestica A

ONU adotou em 1999 o Protocolo Facultativo agrave convenccedilatildeo regional que autoriza ao

CEDAW ndash Comitecirc para a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de Discriminaccedilatildeo contra a Mulher

- o recebimento de queixas individuais O Brasil ratificou o protocolo o que significa mais

garantia de direitos agraves brasileiras viacutetimas de violecircncia domeacutestica acesso agrave justiccedila

internacional

Na deacutecada de 1990 os movimentos de mulheres articularam em niacuteveis regionais e

internacionais profiacutecuos acontecimentos poliacuteticos em prol de garantia de seus direitos Em

1993 a Conferecircncia Direitos Humanos de Viena estabelece que os direitos das mulheres satildeo

parte inalienaacuteveis dos DH universais e devem ser protegidos pelos Estados atraveacutes da

promoccedilatildeo de leis e de poliacuteticas puacuteblicas efetivas A Conferecircncia Internacional sobre

Populaccedilatildeo e Desenvolvimento (CIPD) realizada no Cairo em 1994 vem garantir que os

direitos sexuais e reprodutivos passem a ser assumidos como DH reconhecendo o papel

central da sexualidade A IV Conferecircncia Mundial da Mulher realizada em Pequim em 1995

aprovou uma Plataforma de Accedilatildeo reforccedilando o plano da Accedilatildeo de Cairo O debate sobre o

aborto amplia-se em bases soacutelidas eacute apontado como um grave problema de sauacutede puacuteblica e a

descriminalizaccedilatildeo dessa praacutetica ganha foco

Dentre os processos organizativos pela constituiccedilatildeo de forccedilas democraacuteticas os

movimentos de mulheres constituem-se em um expoente de militacircncia Pedro e Pinsky (2003)

relatam o processo de conquista da cidadania feminina que se ainda estaacute longe de ser plena

muito mais longe estaacute de um tempo em que agraves mulheres soacute lhes cabia o espaccedilo domeacutestico

De simples lsquocostela de Adatildeo agrave conquista da cidadania plena eacute uma longa trajetoacuteria

ainda natildeo completada pelas mulheres Mesmo no Ocidente onde o avanccedilo eacute maior e

a subordinaccedilatildeo social tem se reduzido sensivelmente elas ainda sofrem com a

violecircncia salaacuterios menores preconceitos de diversos tipos Que diraacute em paiacuteses

africanos ou islacircmicos em que satildeo vistas como apecircndice do homem na melhor das

hipoacuteteses Contudo relendo as paacuteginas deste texto podemos avaliar o quanto jaacute

avanccedilamos Que as vaacuterias vitoacuterias obtidas sirvam-nos de inspiraccedilatildeo para as lutas

futurasrsquo (PEDRO PINSKY 2003 p 304)

38

Se os avanccedilos logrados pela luta feminista mudaram estilo de vida de mulheres eacute

inconteste que ainda sob o jugo da violecircncia seja simboacutelica ou fiacutesica o machismo e o

patriarcalismo deixam seus tentaacuteculos em uma contiacutenua tensatildeo pelo poder (FOUCAULT

2004a 2012) Conforme Louro (2012) a escola pode atestar isso uma cultura ainda

dominante impregnada de estereoacutetipos valores e conteuacutedos sexistas eacute o que olhos atentos

veem Nas palavras da autora

Os sentidos precisam estar afiados para que sejamos capazes de ver ouvir sentir as

muacuteltiplas formas de constituiccedilatildeo dos sujeitos implicados na concepccedilatildeo na

organizaccedilatildeo e no fazer cotidiano escolar O olhar precisa esquadrinhar as paredes

percorrer os corredores e salas deter-se nas pessoas nos seus gestos suas roupas eacute

preciso perceber os sons as falas as sinetas e os silecircncios eacute necessaacuterio sentir as

cadecircncias e os ritmos marcando os movimentos de adultos e crianccedilas Atentaas aos

pequenos indiacutecios veremos que ateacute mesmo o tempo e o espaccedilo da escola natildeo satildeo

distribuiacutedos nem usados ndash portanto natildeo satildeo concebidos do mesmo modo por todas

as pessoas (LOURO 2012 p 63)

Afiar os sentidos para que possamos enxergar os construtos sociais de

performatividades de gecircneros que produzem meninas doces quietas aplicadas submissas e

meninos inquietos agressivos ldquomaisrdquo inteligentes Afiar os sentidos para que possamos olhar

sob o crivo dos estudos de gecircnero que encontram amparo em uma legislaccedilatildeo escolar

conquistada recentemente apoacutes intensa mobilizaccedilatildeo nacional para a criaccedilatildeo do Programa

Nacional em Direitos Humanos em 1993

A emersatildeo das poliacuteticas de valorizaccedilatildeo dos DH como aacuterea transdisciplinar e que

deve estar presente na escola desde a mais tenra idade do aluno ateacute os cursos de poacutes-

graduaccedilatildeo apresenta-se como um instrumento para a desconstruccedilatildeo de uma poliacutetica

educacional sexista e machista O Plano Nacional de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos

(PNEDH) criado em 2006 e revisado em 2006 pelo MEC Ministeacuterio da Justiccedila e Secretaria

Especial dos Direitos Humanos vem fortalecer o princiacutepio da igualdade e da dignidade de

todo ser humano E a escola eacute um espaccedilo privilegiado para que a crianccedila iniciando seu

processo de socializaccedilatildeo aprenda a conviver com caros princiacutepios Daiacute a importacircncia de se

desenvolver no interior dos espaccedilos escolares pontua Zenaide (2008) accedilotildees programaacuteticas

que deem mais materialidade agrave educaccedilatildeo agravequela que respeite e defenda os DH Dentre essas

accedilotildees vale citar

Elaborar e organizar propostas curriculares que contemplem a diversidade cultural

nas suas diferentes especificidades com a inclusatildeo de temaacuteticas relativas a gecircnero

identidade de gecircnero raccedila e etnia religiatildeo orientaccedilatildeo sexual pessoas com

deficiecircncias [] bem como trabalhar todas as formas de discriminaccedilatildeo e violaccedilotildees

de direitos na interface dos componentes curriculares (BRASIL 2006 p 24-25)

39

Um paiacutes historicamente violador dos DH como o Brasil possui uma diacutevida social

enorme com sua populaccedilatildeo vitimada No que diz respeito agraves violaccedilotildees acerca das identidades

de gecircnero seus instrumentos juriacutedicos conquistados recentemente que possuem a ideia

basilar do respeito agrave dignidade humana precisam ser prementemente cumpridos Essa eacute uma

condiccedilatildeo para que o Brasil promova cidadania a todas as pessoas reinventando novas formas

de se constituir sujeitos cauterizando as feridas machistas homofoacutebicas discriminadoras

Esse agenciamento cultural pode e deve ser gestado alimentado e sustentado por praacuteticas

escolares considerando que satildeo promessas da escola a autonomia o aprendizado de si do

outro o respeito agraves diferenccedilas Conforme Zenaide (2008) entre tantos marcos protetivos para

a construccedilatildeo de uma educaccedilatildeo inclusiva e natildeo sexista que sustentam largamente as promessas

de uma escola para todas as pessoas a Declaraccedilatildeo Mundial sobre Educaccedilatildeo para Todos de

1990 eacute um deles Em seu artigo 3ordm este documento explicita a premecircncia de combater a

assimetria entre homens e mulheres

[] a prioridade mais urgente eacute melhorar a qualidade e garantir o acesso agrave educaccedilatildeo

para meninas e mulheres e superar todos os obstaacuteculos que impedem sua

participaccedilatildeo no processo educativo Os preconceitos e estereoacutetipos de qualquer

natureza devem ser eliminados da educaccedilatildeo (ZENAIDE 2008 p 243)

Apoacutes as reflexotildees atinentes agrave fundamentaccedilatildeo da importacircncia do compromisso do

Estado brasileiro na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas educacionais que respaldem a

garantia da efetivaccedilatildeo dos DH na esfera escolar no que diz respeito agrave equidade de gecircnero irei

discutir no proacuteximo toacutepico como a educaccedilatildeo e o feminismo satildeo esteios para tal efetivaccedilatildeo

Satildeo esteios porque podem propor problematizar as instacircncias os espaccedilos de poder propor

novas formas de subjetivaccedilatildeo formas essas que tecircm historicamente construiacutedo um

enfrentamento agrave interdiccedilatildeo da equidade de gecircnero

22 Feminismo poder e educaccedilatildeo

Uma vez ou outra sempre mais raramente lembrava a galinha que se recortara

contra o ar agrave beira do telhado prestes a anunciar Nesses momentos enchia os

pulmotildees com ar impuro da cozinha e se fosse dado agraves fecircmeas cantar ela natildeo

cantaria mas ficaria muito mais contente

(LISPECTOR 1991 p 46)

A condiccedilatildeo feminina mesmo aos olhos desatentos aparece na linha mestra da obra

clariceana As complexas e ricas criaccedilotildees da autora com Ana Carla Catarina Joana

Macabeacutea Virgiacutenia entre tantas personagens jovens maduras velhas natildeo cedem todavia

40

lugar a um mero denuncismo da ordem machista que violentamente imersa mulheres em uma

sociedade feita para os que cantam como os galos A inserccedilatildeo portanto de um trecho de um

dos seus contos Uma galinha (LF1991) neste toacutepico do trabalho natildeo eacute um jeito de chamar

ao destrinchamento da ligaccedilatildeo da escritora com o feminismo fato que ela em diversos

depoimentos sabiamente negou Mas eacute uma forma de dizer que a condiccedilatildeo feminina sem

liberdade e voz emaranhada na densa complexidade psicoloacutegica das personagens clariceanas

perspectiva anguacutestia e violecircncia latentes um mundo portanto que precisa ser desaprisionado

que precisa ser desmantelado E isto a despeito de sua insistecircncia em natildeo ser feminista

expressa feminismo que Clarice constroacutei tatildeo bem com suas mulheres quando lhes daacute o grito

o canto ou quando lhes retira

Neste conto a condiccedilatildeo feminina de subjugada estaacute metaforizada na figura de uma

galinha que apenas nasce e morre cumprindo apaticamente um papel como pontua Bedasee

(1999) Sem canto sem habilidade para a luta valorizada apenas pela sua funccedilatildeo reprodutora

[ Mamatildee mamatildee natildeo mate mais a galinha ela pocircs um ovo G45] este ser que natildeo conta

consigo como o galo conta com sua crista natildeo traduziria uma bandeira de desaprisionamento

dessa ordem proposta pela teoria dos gecircneros Neste conto em que a galinha em fuga eacute

capturada por um homem [ o rapaz poreacutem era um caccedilador adormecido E por mais iacutenfima

que fosse a presa o grito de conquista havia soado ndash G44] natildeo teriacuteamos a preocupaccedilatildeo com

os imemoraacuteveis papeacuteis sociais

Entendendo Clarice que desejou a literatura maior do que as bandeiras maior do que

teses sem uma ldquofunccedilatildeordquo que a aprisione mas relembrando aqui Antonio Cacircndido (1965)

indago esta escritura que apresenta um cotidiano que encerra mulheres em um espaccedilo

domeacutestico violentador natildeo seria uma forma extraordinaacuteria de aticcedilar a transcendecircncia das

servidotildees com a perspectiva que temos de ver na trama clariceana o natildeo-conformismo como

uma ordem Possivelmente A condiccedilatildeo feminina de oprimida exceccedilatildeo a pouquiacutessimas

personagens perpassa pelas mulheres solitaacuterias e servis de Clarice trancadas no lar lacradas

para a vida que natildeo reagem Por que ela natildeo reage cadecirc um pouco de fibra Natildeo ela eacute doce

e obediente (HE41) Haacute nesta ficccedilatildeo um fio que liga as mulheres denunciando um

apagamento social vivido por elas que evidencia feminismo nesta literatura

Por seu turno natildeo na ficccedilatildeo mas na poliacutetica e engajada nos diversos movimentos

sociais outras fizeram feminismos naquele contexto de meados do seacuteculo XX em que

efervesceu a luta pelos direitos das mulheres E a histoacuterica luta das mulheres em prol dos seus

direitos e na caminhada pela cidadania plena que comeccedilou a ser preparada em momentos e

seacuteculos anteriores traduz uma resistecircncia agrave domesticaccedilatildeo social das mais expressivas na

41

histoacuteria da humanidade Esta resistecircncia pode me remeter a inuacutemeros pensadores que se

vinculam ao ideaacuterio da busca pela liberdade mas o pensamento de Michel Foucault no que

tange agraves consideraccedilotildees em sua obra sobre o polo subjetividade e verdade parece-me ser de

muita propriedade Tema caro ao filoacutesofo francecircs que categoriza ter sido este o seu problema

Esse sempre foi na realidade o meu problema embora eu tenha formulado o plano

dessa reflexatildeo de uma maneira um pouco diferente Procurei saber como o sujeito

humano entrava nos jogos de verdade tivessem estes a forma de uma ciecircncia ou se

referissem a um modelo cientiacutefico ou fossem como os encontrados nas instituiccedilotildees

ou nas praacuteticas de controle (FOUCAULT 2004a p 264)

As formas de se constituir sujeito satildeo decerto tema caro tambeacutem ao coletivo de

mulheres Embora as questotildees feministas natildeo tenham aparecido no leque de problematizaccedilotildees

do autor conforme nos atesta Rago (2008) esse coletivo pode ter como instrumento de luta

em sua histoacuterica e processual conquista por liberdade e cidadania as reflexotildees foucaultianas

atinentes aos processos de subjetivaccedilatildeo e da premecircncia de se constituir um novo sujeito eacutetico

a partir de praacuteticas de liberdade (cf FOUCAULT 2004a) A leitura desses processos eacute nodal

para a transformaccedilatildeo social que objetiva construir o feminismo pela importacircncia que tem

para esse autor a histoacuteria da constituiccedilatildeo do sujeito na perspectiva das praacuteticas de si Essas

conforme a retomada que o filoacutesofo daacute no debate proposto pela Antiguidade grega sobre tais

teacutecnicas satildeo concebidas como uma maneira de se relacionar consigo mesmo para se elaborar

para atuar individual e socialmente de forma eacutetica respeitosa e consciente O cuidar de si

visa atraveacutes de teacutecnicas de meditaccedilatildeo de aconselhamentos instalar a harmonia entre atos e

palavras instalar a subjetivaccedilatildeo pelo conhecimento de si eacute enfim um ethos que propotildee uma

dimensatildeo ativa do sujeito uma fruiccedilatildeo de si

[] eacute impossiacutevel suspeitar que haja uma certa impossibilidade de constituir hoje

uma eacutetica do eu quando talvez seja uma tarefa urgente fundamental politicamente

indispensaacutevel se for verdade que afinal natildeo haacute outro ponto primeiro e uacuteltimo de

resistecircncia ao poder poliacutetico senatildeo na relaccedilatildeo de si para consigo (FOUCAULT

2004a p 234)

Dimensatildeo essa que ao coletivo de mulheres imerso em um processo de busca por

libertaccedilatildeo pode se constituir como basilar Eacute basilar se considerarmos que da leitura das

reflexotildees foucaultianas acerca dos processos de constituiccedilatildeo das subjetividades pode-se

extrair o debate que destaca a desnaturalizaccedilatildeo do sujeito da construccedilatildeo de si as formas de

sujeiccedilatildeo coercitivas no social Essas uacuteltimas por exemplo se trazidas agrave luz dos estudos

feministas apontam modelos de feminilidade impostos pela dominaccedilatildeo classista e sexista

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desconstruiacutedos e recusados pela militacircncia desse movimento social A refutaccedilatildeo do amor

materno como um sentimento inerente agrave condiccedilatildeo de mulher por exemplo eacute uma das

desnaturalizaccedilotildees que foram articuladas pelos coletivos de mulheres Atributos como o da

docilidade inerente da tendecircncia agrave castidade sexual da domesticidade da inaptidatildeo para

determinados labores da constituiccedilatildeo fiacutesica e emocional como fraacutegil tambeacutem satildeo construccedilotildees

sociais que a mobilizaccedilatildeo feminista tem posto em evidecircncia negando-as Enfim um

mergulho nessa perspectiva temaacutetica oferece ao coletivo de mulheres um vasto leque de

teorizaccedilotildees que o subsidiam politicamente com operadores que lhe aclaram questotildees Uma

delas eacute poder recusar o que somos (FOUCAULT 2012) E a recusa se daacute quando sabemos

que teacutecnica atacar conhecer por quais jogos de verdade homens e mulheres potildeem-se a se

constituiacuterem sujeitos a obedecerem a que regras de sujeiccedilatildeo

Pensar em regras de sujeiccedilotildees na linha foucaultiana eacute tarefa meticulosa ardil que

exige coragem para ver Ao coletivo de mulheres fazer reflexotildees enfaticamente sobre tais

regras sobre os processos sociais de subjetivaccedilatildeo com os modos coercitivos de se constituir

mulher eacute pertinente eacute mobilizador de praacuteticas de liberdades das transformaccedilotildees que este

precisa engendrar E isto pode ser feito afiando-se os sentidos para os pilares culturais que lhe

satildeo configurados como sonhos como verdades em formaccedilotildees discursivas apresentadas desde

a mais tenra infacircncia O casamento por exemplo eacute um deles O matrimocircnio em regra tem

iniacutecio com um pedido formalizado por um homem agrave famiacutelia da mulher para um contrato

social no qual a cerimocircnia em si jaacute oferece um ensaio do que traduz a uniatildeo matrimonial a

dependecircncia social emocional da mulher Costumeiramente na nossa cultura ocidental

cristatilde a noiva entra na igreja conduzida pela matildeo de um homem (pai parente) para ser

entregue a outro o noivo o traje dela tradicionalmente eacute branco simbolizando ldquopureza de

virgemrdquo mesmo que a castidade natildeo lhe seja mais exigida Toda a ritualiacutestica da cerimocircnia

compotildee uma ideia de pertencimento do feminino pelo masculino compotildee uma ideia de

dependecircncia eacute ela quem adota em seu registro de identidade o nome do marido tendo que

alterar seus documentos de solteira Soacute bem recentemente a obrigatoriedade de tal inserccedilatildeo foi

abolida O ritual que costuma agradar agraves mulheres de uma forma bem generalizada por mais

que inove com mudanccedilas em arranjos familiares e nas condiccedilotildees sociais de produccedilatildeo do

mesmo eacute marcado pela imagem de que a mulher que casa eacute a feliz O simboacutelico ato do

lanccedilamento do bouquecirc (ou mais recentemente outros objetos como os sapinhos de peluacutecia os

santos Antocircnios) pode vestir a ideia de que a felicidade estaacute em angariar um dono Assim se

justifica ver os gestos atleacuteticos que fazem as solteiras presentes movendo-se brava e

43

histericamente para conseguirem agarrar tais objetos que a noiva lanccedila em sinal de que

sendo a premiada seraacute a proacutexima a realizar o sonho de casar

Que poder natildeo haacute na adoccedilatildeo de um nome nos jogos que fazem a ideia do

pertencimento O poder onde natildeo o haacute E esse eacute outro veio no olhar do pensador

(FOUCAULT 2012) que pode correr com e perpassar pelos interesses e pelas investigaccedilotildees

das mulheres que lutam por praacuteticas de liberdade que se vinculam ao debate proposto pela

teoria de gecircnero como estrateacutegia para desmantelar assimetrias para se pensar em resistecircncias

O poder em sua dimensatildeo relacional onipresente e capilar evocada pelo filoacutesofo constitui-

se como instacircncia de compreensatildeo basilar das formas de relaccedilotildees sociais

Quero dizer que nas relaccedilotildees humanas quaisquer que sejam elas - quer se trate de

comunicar verbalmente como o fazemos agora ou se trate de relaccedilotildees amorosas

institucionais ou econocircmicas - o poder estaacute sempre presente quero dizer a relaccedilatildeo

em que cada um procura dirigir a conduta do outro Satildeo portanto relaccedilotildees que se

podem encontrar em diferentes niacuteveis sob diferentes formas essas relaccedilotildees de poder

satildeo moacuteveis ou seja podem se modificar natildeo satildeo dadas de uma vez por todas

(FOUCAULT 2004a p 276)

Haacute uma discussatildeo trazida pelo pensamento foucaultiano sobre o poder na qual

repousa natildeo uma teoria geral deste mas a ideia de que a sua existecircncia natildeo emana de um

determinado ponto apenas em aparelho de Estado ou em formato de leis Existe o poder

conforme Foucault (2012) concebe dando-se como feixe de relaccedilatildeo organizado e

piramidalizado Este entendimento atrela-se ao da resistecircncia como possibilidade e esta

adverte o filoacutesofo tem que ser inventiva moacutevel tatildeo produtiva quanto o poder Pensar em

resistecircncia e estrateacutegias para o enfrentamento de relaccedilotildees marcadas por domiacutenio eacute accedilatildeo que

deve interessar ao debate proposto pelos movimentos sociais em especial os coletivos que

perseguem a equidade de gecircnero Aqui vale trazer uma ponderaccedilatildeo feita por Foucault (2004a)

na qual ele ressalva insistir sobretudo nas praacuteticas de liberdade mais do que nos processos de

libertaccedilatildeo a despeito da importacircncia desses que satildeo condiccedilotildees poliacuteticas ou histoacutericas para

aquelas O filoacutesofo afirma que tais processos natildeo satildeo por eles proacuteprios definidores dessas

praacuteticas as quais se constituem de um problema eacutetico Problema eacutetico com o qual se deparam

mulheres imersas em processos de liberaccedilatildeo neste contexto histoacuterico-cultural que

recrudesceu em meados do seacuteculo XX onde irromperam estudos de gecircnero e feminismos

trazendo enfaticamente a pauta do empoderamento para as mulheres Esse aqui entendido

como o processo pelo qual indiviacuteduos e comunidades angariam recursos que lhes permitam

ter voz visibilidade poder de agenda nos temas que afetam suas vidas

44

Empoderar-se eacute enfim gestar em si mudanccedilas de performances que perpassam pelo

rompimento de modelos que enclausuram a mulher Historicamente subjugada ensinada a

depender a ser princesa salva adormecida mas acordada com o beijo dos contos infantis

difiacutecil natildeo ter medo de dar certo Na epiacutegrafe deste trabalho uma personagem clariceana

Joana traz agrave tona a temaacutetica do medo como condiccedilatildeo feminina Como uma segunda pele o

medo segura mulheres em direccedilatildeo de carros de cargos e de vidas trancafiando-as

Obviamente que nos novos contornos sociais nos quais a rua eacute espaccedilo conquistado pelo

feminino cada vez mais os medos vatildeo se arrefecendo tornando-se mais leves amenos

vencidos

Os estudos de gecircnero agrave luz do pensamento poacutes-estruturalista trouxeram a relevacircncia

de se refletir sobre modos de subjetivaccedilatildeo novas relaccedilotildees de poder jogos de verdade tudo

muito atinente com as contribuiccedilotildees teoacutericas foucaultianas e significativo para a militacircncia

poliacutetica encetada por feministas Pensando com Foucault (2004a 2012) sobre o poder desse

modo articulo nexos entre a preocupaccedilatildeo eacutetica com o cuidado de si as praacuteticas de liberdade

e a efetivaccedilatildeo de direitos que vem em lutas por libertaccedilatildeo em caminhadas que escavam

cidadania A luta das mulheres pela implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que lhes garantam o

direito ao aborto agrave sexualidade livre por exemplo traduz resistecircncia que vem com o

conhecimento de si com o conhecimento de seu lugar no mundo Os movimentos das

mulheres em luta pela construccedilatildeo de suas liberdades tecircm perfilado as liccedilotildees foucaultianas de

rede ligadas ao poder luta libertaccedilatildeo mobilizaccedilatildeo estaacutegios de comandos resistecircncia

A ideia de circularidade do poder de seu funcionamento em malhas onde os

indiviacuteduos natildeo soacute circulam mas estatildeo sempre em posiccedilatildeo de exercer um poder e de sofrer sua

accedilatildeo eacute oportuna entatildeo A premissa que permite que assim se pense pode estar identificada

nas reflexotildees abrangentes do autor sobre o poder

Acredito que natildeo pode haver sociedade sem relaccedilotildees de poder se elas forem

entendidas como estrateacutegias atraveacutes das quais indiviacuteduos tentam conduzir

determinar a conduta dos outros O problema natildeo eacute portanto tentar dissolvecirc-las na

utopia de uma comunicaccedilatildeo perfeitamente transparente mas se imporem regras de

direito teacutecnicas de gestatildeo e tambeacutem a moral o ethos a praacutetica de si que permitiratildeo

nesses jogos de poder jogar com o miacutenimo possiacutevel de dominaccedilatildeo (FOUCAULT

2004a p 284)

E por ser historicamente construiacutedo discursivamente tramado por estar no campo

social das resistecircncias muacuteltiplas (dos jeitinhos agraves chantagens e agraves mobilizaccedilotildees) das

mulheres o poder pode ser desconstruiacutedo ser ativado reformulado As relaccedilotildees de poder diz

ainda o pensador francecircs (FOUCAULT 1995 2012) intricam-se pelo menos de certa forma

45

com sujeitos livres Um poder soacute se exerce quando eacute possiacutevel minimamente haver

resistecircncias pelo menos estrateacutegias para alterar o quadro Esse autor fala em estados de

dominaccedilatildeo nos quais a violecircncia se constitui como a absoluta impossibilidade de se resistir

ao poder havendo o domiacutenio total do dominador Diferentemente dos estaacutegios de violecircncia

as relaccedilotildees de poder possuem um enfrentamento constante e perpeacutetuo que garante o potencial

de revolta

Assim tambeacutem percebe Louro (2012) e dialoga com o filoacutesofo francecircs acerca dessas

relaccedilotildees A autora utilizando-se da discussatildeo sobre o controle disciplinar que perpassa os

escritos foucaultianos que falam das engenhosas estrateacutegias desenvolvidas pelas instituiccedilotildees

estrateacutegias que satildeo nichos de produccedilotildees discursivas de gecircneros de sujeitos disciplinados

regulados instituiacutedos discute a capilaridade do poder

Homens e mulheres certamente natildeo satildeo construiacutedos apenas atraveacutes de mecanismos

de repressatildeo ou censura eles e elas se fazem tambeacutem atraveacutes de praacuteticas e relaccedilotildees

que instituem gestos modos de ser e estar no mundo formas de falar e de agir

condutas e posturas apropriadas (e usualmente diversas) Os gecircneros se produzem

portanto nas e pelas relaccedilotildees de poder (LOURO 2012 p48)

Louro (2012) sob o crivo das reflexotildees foucaultianas acerca dos modos de

subjetivaccedilatildeo insere uma possibilidade de debate sobre as relaccedilotildees de poder que perpassam as

identidades de gecircnero no esteio do campo da educaccedilatildeo A autora traz a questatildeo de que sob as

lentes do filoacutesofo cabem olhares acerca da ldquonormalizaccedilatildeo da conduta dos meninos e meninas

a produccedilatildeo dos saberes sobre a sexualidade e os corpos as taacuteticas e as tecnologias que

garantem o ldquogovernordquo e o ldquoautogovernordquo dos sujeitosrdquo E eacute com essa direccedilatildeo que esta

estudiosa do feminismo caminha na e pela escola instigando aosas educadoresas agrave afiaccedilatildeo

dos sentidos para que essesas percebam a construccedilatildeo escolar das diferenccedilas das

desigualdades do poder para que observem as praacuteticas femininas educativas e as

representaccedilotildees docentes do magisteacuterio

Os caminhos teoacutericos de Louro (2012) deixam as marcas de quem dialoga com o

pensamento de Foucault (2004c 2004d 2011 2012) no tocante agrave importacircncia que possuem

as instituiccedilotildees como aparelho disciplinador reprodutor ou transformador da sociedade para

ambos A autora discute o aparelhamento da escola na formaccedilatildeo de uma cultura sexista que

difunde estereoacutetipos de gecircnero institui diferenccedilas e modelos Ela enfim alerta osas

educadores sobre a importacircncia da ocupaccedilatildeo deste espaccedilo como instacircncia poliacutetica

46

A linguagem as taacuteticas de organizaccedilatildeo e de classificaccedilatildeo os distintos

procedimentos das disciplinas escolares satildeo todos campos de um exerciacutecio

(desigual) de poder Curriacuteculos regulamentos instrumentos de avaliaccedilotildees e

ordenamento dividem hierarquizam subordinam legitimam ou desqualificam os

sujeitos [] (LOURO 2012 p 72)

Com efeito o processo de subjetivaccedilatildeo se daacute tambeacutem e significativamente na escola

que natildeo soacute transmite conhecimentos mas fabrica sujeitos conforme acordam os estudiosos

acima referendados Esse processo eacute flexionado por dispositivos entendidos esses conforme

Foucault (2012) como um conjunto heterogecircneo que engloba discursos instituiccedilotildees que

formam feixes em um tranccedilado com os quais natildeo se familiariza facilmente Louro (2012) por

isso faz a convocaccedilatildeo com muita propriedade ao ato de ldquoafiar os sentidosrdquo Afiar os sentidos

e apreender no campo da linguagem a forccedila da transmissatildeo e constituiccedilatildeo de sentidos que esta

articula que molda e produz eacute um compromisso de quem concebe a educaccedilatildeo em um campo

eminentemente poliacutetico um lugar para se desbravar cotidianamente

Fisher (2013) eacute uma das estudiosas do campo da Educaccedilatildeo que se posiciona assim

Essa autora trabalha conceitos como os de enunciado praacutetica discursiva sujeito do discurso

relacionados agrave teoria do discurso objetivando evidenciar a importacircncia desse arcabouccedilo para

as pesquisas que se propotildeem a investigar discursos de educadoresas A complexa e

diversificada obra de Michel Foucault eacute explorada pela educadora em pontos estrateacutegicos para

uma interface discurso e educaccedilatildeo Para isto a autora estabelece inicialmente um marco entre

as concepccedilotildees de linguagem a que se vincula agrave ideia de representaccedilatildeo de intencionalidade

na qual o analista ldquodescobrerdquo o que estaacute por traacutes das cortinas porque o discurso eacute interpretado

como um conjunto de signos que pode revelar a ldquoverdaderdquo E a concepccedilatildeo de linguagem que

se apresenta como constituidora interrogativa discursiva construtora de realidades sociais A

pesquisadora demonstra entender que a concepccedilatildeo com a qual Foucault evidencia vinculaccedilatildeo

eacute a que interroga a linguagem

Evocar os conceitos foucaultianos objetivando uma reflexatildeo acerca da importacircncia

desses em pesquisas no campo da educaccedilatildeo eacute uma estrateacutegia vaacutelida que oa analista de

discurso pode lanccedilar matildeo Esse direcionamento que exige uma interrogaccedilatildeo da linguagem

sobre a sua natildeo-transparecircncia e sobre seus processos de produccedilatildeo daacute-se com o esforccedilo de

conforme a AD natildeo buscar explicaccedilotildees lineares de causa e efeito ou mesmo interpretaccedilotildees

ideoloacutegicas simplistas ambas reducionistas e harmonizadoras de uma realidade mais

complexa (FISHER 2013)

A percepccedilatildeo da belicosidade da realidade que eacute atravessada por lutas em torno da

imposiccedilatildeo de sentidos (FOUCAULT 2011 2012) eacute uma postura que traduz uma capacidade

47

investigativa doa analista que deve ser inquiridora ldquoPor que isto eacute dito aqui desse modo

nesta situaccedilatildeo e natildeo em outro tempo e lugar de forma diferenterdquo Nesse sentido Fisher

(2013) dialoga com o filoacutesofo pontuando acerca da constituiccedilatildeo do sujeito para esse teoacuterico

Para a foucaultiana esse pensador multiplica o sujeito a pergunta ldquoquem falardquo desdobra-se

em muitas outras qual o status do enunciador Em que campo de saber se insere Qual seu

lugar institucional [] Com formulaccedilotildees dessa natureza a ideia de discurso como

ldquoexpressatildeo de algo traduccedilatildeo de alguma coisa que estaria em outro lugar talvez em um

sujeito algo que preexiste agrave proacutepria palavra eacute desfeita Em seu lugar pontuam os autores

referendados os atos enunciativos se inscrevem no interior de formaccedilotildees discursivas que

irrompem segundo regime de verdade levando-nos a obedecer a um conjunto de regras dadas

historicamente

As liccedilotildees foucaultinas acima referidas referendadas por Fisher (2013) satildeo

pertinentes para uma contribuiccedilatildeo no presente estudo tendo em vista que a temaacutetica em foco

desta pesquisa encontra nessas reflexotildees do pensador elementos que subsidiam esta

investigaccedilatildeo Um desses elementos eacute a inquiriccedilatildeo da ideia de verdade uniacutevoca por apontar

essa categoria como uma produccedilatildeo histoacuterica e social farta de jogos de poder E a escola eacute

uma instacircncia disciplinar e reguladora de comportamentos amarrada agrave produccedilatildeo de verdades

ao poder-saber pedagoacutegico que se efetua em praacuteticas discursivas ditando regras negando-as

coibindo-as policiando incitando fabricando sujeitos (cf FOUCAULT 2011 2012) Desse

modo inquiro sobre como as praacuteticas discursivas garimpadas no processo de investigaccedilatildeo

irrompem e sob quais condiccedilotildees neste estudo O que haacute nas bocas e nas mentes na experiecircncia

de aprendizagem das praacuteticas leitoras O que desejam os olhos de quem semeia leitura e os

olhos de quem lecirc As discursividades dessesas semeadoresas alicerccedilam-se e movem-se por

quais olhares sobre as relaccedilotildees de gecircnero e de sexualidade que perpassam livros textos

corredores banheiros cochichos desabafos canccedilotildees confissotildees Elas estatildeo explosivamente

presentes como bem atenta Foucault (1985) quando afirma haver em torno do sexo uma

verdadeira explosatildeo discursiva

Seria inexato dizer que a instituiccedilatildeo pedagoacutegica impocircs um silecircncio geral ao sexo das

crianccedilas e adolescentes Pelo contraacuterio desde o seacuteculo XVIII ela concentrou as

formas do discurso no tema estabeleceu pontos de implantaccedilatildeo diferentes codificou

os conteuacutedos e qualificou os locutores Falar dos sexos das crianccedilas fazer com que

falem dele os educadores os meacutedicos os administradores e os pais Ou entatildeo falar

de sexo com as crianccedilas fazer falarem elas mesmas encerraacute-las em uma teia de

discurso que ora se dirigem a elas ora falam delas impondo-lhes conhecimento

canocircnicos ou formando a partir delas um saber que lhes escapa ndash tudo isso permite

vincular a intensificaccedilatildeo dos poderes agrave multiplicaccedilatildeo do discurso (FOUCAULT

1985 p 32)

48

E a despeito de toda dinacircmica social e histoacuterica que tem alterado a percepccedilatildeo dos

jogos dos prazeres e poderes que tem inquirido pensamentos hegemocircnicos acerca da

sexualidade das relaccedilotildees de identidades de gecircnero descontruindo paradigmas como e quais

satildeo as faacutebulas indispensaacuteveis os veios discursivos apreendidos e presentificados na escola em

foco Os pensamentos de Foucault (2004a 2004c 2004d 2011 2012) contribuiacuteram

decisivamente para uma atitude de estranhamento das instituiccedilotildees contribuiacuteram para

caracterizar o discurso pedagoacutegico como um dos que estaacute relacionado agraves praacuteticas de poder e

domesticaccedilatildeo que tem em sua base relaccedilotildees assimeacutetricas Este pensador desse modo daacute

elementos importantes para a compreensatildeo de que natildeo existe verdade que natildeo seja produzida

em relaccedilotildees de poder Estes elementos estatildeo na imersatildeo do entendimento de que a

compreensatildeo dos processos de subjetivaccedilatildeo e das praacuteticas discursivas pode estar a serviccedilo de

uma busca por uma transformaccedilatildeo substancial do que somos e o que poderemos ser em um

mundo marcado pela belicosidade constituiacutedo por discursos

No que concerne a essa busca Rago (1998) pontua o encontro entre o feminismo e o

pensamento de Michel Foucault no lastro do debate sobre a constituiccedilatildeo do sujeito e o quanto

isso potencializa as transformaccedilotildees que precisam ser operadas para que sejam consolidadas as

mudanccedilas sociais e culturais que o coletivo de mulheres pleiteia A autora fala da participaccedilatildeo

do movimento feminista na ldquoampla criacutetica cultural desconstrutivistardquo e acentua o quanto as

propostas deste movimento tecircm produzido uma criacutetica contundente ao modo de produccedilatildeo do

conhecimento cientiacutefico e que isto se deve entre outros motivos ao abrigo que o pensamento

deste coletivo encontra nos postulados dos pensadores poacutes-modernos Os estudos feministas

propotildeem um olhar para a existecircncia do sujeito cindido construiacutedo na e pela linguagem como

efeito das determinaccedilotildees culturais inserido em complexas relaccedilotildees de poder Este olhar tem

consonacircncia com as reflexotildees de Foucault (2004d p 195) especialmente no que se refere ao

empreendimento do autor na construccedilatildeo de uma hermenecircutica de si

Uma histoacuteria que natildeo seria aquela do que poderia existir de verdadeiro nos

conhecimentos mas sim uma anaacutelise dos lsquojogos de verdadersquo dos jogos do

verdadeiro e do falso atraveacutes dos quais o ser se constitui historicamente como

experiecircncia ou seja como podendo e devendo ser pensado Por meio de quais jogos

de verdade o homem se pocircs a pensar o seu ser proacuteprio ao se perceber como louco ao

se olhar como doente ao refletir sobre si mesmo como ser vivo falante e

trabalhador ao se julgar e se punir como criminoso Atraveacutes de quais jogos de

verdade o ser humano se reconheceu como homem de desejo (FOUCAULT

2004d p 195)

Esta construccedilatildeo de si perpassa e enriquece a luta feminista em suas problematizaccedilotildees

acerca das praacuteticas de si colocando em jogo os criteacuterios de modelos femininos naturalizados

49

o modo de sujeiccedilatildeo com que as mulheres se relacionam com tais modelos E nas palavras do

pensador francecircs (FOUCAULT 2004c p 244) haacute uma intenccedilatildeo de beleza no conhecimento

saber para ser Ser o artesatildeo de sua proacutepria beleza Saber para governar a proacutepria vida ldquopara

lhe dar a forma mais bela possiacutevel (aos olhos dos outros de si mesmo e das geraccedilotildees futuras

[]rdquo Nesse sentido podemos dizer que as problematizaccedilotildees foucaultianas acerca das relaccedilotildees

sujeitoverdade e a constituiccedilatildeo da experiecircncia de si satildeo pertinentes ao pensamento feminista

que sob estas referecircncias encontra fios enovelados para uma desconstruccedilatildeo de fabricadas

verdades

Foucault (2004a 2012) que afirma natildeo ser possiacutevel sociedade sem relaccedilotildees de

poder tece os possiacuteveis instrumentos de jogar com o miacutenimo de dominaccedilatildeo regras de direito

a praacutetica de si teacutecnicas racionais de governo o eacutethos O poder de resistecircncia das mulheres

atesta isto Nas palavras de Saffioti (2001) a posiccedilatildeo vitimista impede a ressignificaccedilatildeo das

relaccedilotildees de poder ou seja

[] Em outros termos a postura vitimista eacute tambeacutem essencialista social uma vez

que o gecircnero eacute o destino Na concepccedilatildeo flexiacutevel aqui exposta natildeo haacute lugar para

qualquer essencialismo seja bioloacutegico ou social Cabe frisar que a categoria

histoacuterica gecircnero natildeo constitui uma camisa de forccedila natildeo prescrevendo por

conseguinte um destino inexoraacutevel Eacute loacutegico que o gecircnero traz em si um destino

Todavia cada ser humano ndash homem ou mulher desfruta de certa liberdade para

escolher a trajetoacuteria a descrever (SAFFIOTI 2001 p 125)

Desde sua implantaccedilatildeo o domiacutenio masculino conforme Saffioti (2001) estaacute sendo

resistido por mulheres ao longo da histoacuteria da humanidade Mas o Seacuteculo XX carrega a marca

de ter sido o grande momento de transformaccedilotildees conquistadas por militantes A histoacuteria de

luta das mulheres no Brasil e em niacutevel mundial vem segundo Costa (2009) registrando

mudanccedilas ldquona velocidade da luzrdquo A autora resgata na historiografia do movimento feminista

uma dinacircmica que vai do sufragista do seacuteculo XIX passando pelas deacutecadas de sessenta e

setenta com suas reivindicaccedilotildees proacuteprias e contextuais ateacute os novos desafios que se

apresentam perenemente Ela faz este percurso buscando dar conta das mudanccedilas pelos quais

passaram as lutas feministas ora eufoacuterico ora fraacutegil o movimento natildeo para segundo o olhar

perspicaz da estudiosa que vecirc como uma demonstraccedilatildeo de forccedila da atuaccedilatildeo das mulheres de

luta a construccedilatildeo de documentos como o Plano Nacional de Poliacuteticas Puacuteblicas para as

Mulheres e da I Conferecircncia Nacional de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres

50

Ateacute chegar aiacute foi um longo e muitas vezes tortuoso caminho de mudanccedilas dilemas

enfrentamentos ajustes derrotas e tambeacutem vitoacuterias O feminismo enfrentou o

autoritarismo da ditadura militar construindo novos espaccedilos puacuteblicos democraacuteticos

ao mesmo tempo em que se rebelava contra o autoritarismo patriarcal presente na

famiacutelia na escola nos espaccedilos de trabalho e tambeacutem no estado Descobriu que natildeo

era impossiacutevel manter a autonomia ideoloacutegica e organizativa e interagir com os

partidos poliacuteticos com os sindicatos com outros movimentos sociais com o Estado

e ateacute com organismos supranacionais Rompeu fronteiras criando em especial

novos espaccedilos de interlocuccedilatildeo e atuaccedilatildeo possibilitando florescer de novas praacuteticas

novas iniciativas e identidades feministas (COSTA 2009 p 75)

Do momento que Costa redigiu essa historiografia em 2004 jaacute foram realizadas

mais duas conferecircncias nacionais em 2007 e 2011 respectivamente articulando e

fortalecendo a caminhada das mulheres por sua emancipaccedilatildeo Emancipaccedilatildeo que se constroacutei

em um longo e penoso percurso mas perseguindo a utopia da cidadania plena mulheres

feministas avanccedilam E um dos sinais claros de que avanccedilam foi traccedilado por Pinsky (2012)

Esta autora formulou recentemente um retrato do processo histoacuterico das imagens femininas

em duas vertentes o modelo riacutegido e o modelo flexiacutevel No modelo riacutegido eacute anunciada uma

imagem de mulher que em regra encampa um papel a ela ldquonaturalizado e destinadordquo a

castidade a docilidade a domesticidade a moralidade a maternidade a renuacutencia agrave vida

proacutepria e ao prazer de ser de si O nome a alma e o corpo dessa mulher submetida aos riacutegidos

padrotildees sociais possuem um dono o masculino Com as devidas interferecircncias das questotildees

sociais e de classe em regra agrave mulher restava-lhe o ldquoreinadordquo da submissatildeo da

invisibilidade de uma experiecircncia de si que a fazia possuiacuteda por outrem

As lutas e conquistas feministas flexibilizaram esse modelo passaram a ocupar

cargos nunca dantes imaginados Isto alterou a ordem discursiva reconfigurou modelos

familiares rediscutiu papeacuteis Natildeo ainda em condiccedilatildeo de igualdade obviamente as mulheres

possuem mais grilhotildees e desafios do que deveriam Conhececirc-los no sentido foucaultiano de

saber como se constituem eacute empoderar-se E esse eacute um desafio que deve ser abrangido pelo

tracircnsito da diversidade da construccedilatildeo dos contornos das identidades e diferenccedilas ligadas

como sistema de significaccedilatildeo (SILVA 2012) Entre mulheres haacute construccedilatildeo de sentidos

diversificados sobre leacutesbicas natildeo-leacutesbicas negras brancas de classes sociais distintas de

diferentes etnias e com diversidade etaacuteria Nesse sentido os estudos de gecircnero se apresentam

como um campo instigante para desmantelar para problematizar a construccedilatildeo social do que eacute

ser homem e do que eacute ser mulher

A proposta de estudo aqui colocada toma enfim as problematizaccedilotildees foucaultianas e

as das estudiosas feministas acerca dos sujeitos dos discursos e suas marcas histoacutericas como

referecircncia para averiguar de que modo as discursividades revelam o que atravessa os muros

51

escolares em termos de vozes docentes e textos sobre gecircnero Essas problematizaccedilotildees que

expressam a concepccedilatildeo de discurso como praacutetica como trama nas teias da linguagem como

movimento de produccedilatildeo de sentidos inserido na histoacuteria e na memoacuteria coletiva expressam o

poder que como concebe o pensador francecircs (cf FOUCAULT 2012) natildeo eacute um mal em si Eacute

um lugar estrategicamente decisivo onde se encontram as relaccedilotildees de forccedilas que influenciam

corpos atitudes discursos enfim a produccedilatildeo das subjetividades

Discutir essas relaccedilotildees eacute buscar desestabilizar as categorias construiacutedas concebendo

gecircnero como discurso que se inscreve em significados poliacuteticos e culturais Apropriar-se

conforme jaacute foi referido dessa constituiccedilatildeo reflexiva pode significar para as lutas feministas

uma valiosa maneira de pensar os jogos de verdades com os quais essas se enredam E por

pensaacute-los poder desconstruiacute-los

Apoacutes discorrer sobre o feminismo a constituiccedilatildeo de subjetividades que tecircm como

referecircncia procedimentos de controle de discursos em uma perspectiva foucaultiana

(FOUCAULT 2011) farei uma incursatildeo sobre o ato de ler e suas implicaccedilotildees poliacuteticas como

praacutetica discursiva que eacute tradutora de uma forma de saber poder

23 A leitura no Brasil em retratos

Nesta parte considero importante pontuar no trabalho um breve panorama da leitura

no Brasil baseado esse em resultado apresentado pela 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos do

Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2012) Procuro utilizar alguns dados da pesquisa

perpassando por uma reflexatildeo acerca dos processos de produccedilatildeo da leitura (como leem osas

brasileirosas por que (natildeo) leem o que desejam ler quem propicia a leitura enfim que

tratamento o Estado brasileiro daacute agrave leitura Perpasso tambeacutem pelos dados refletindo como

esses podem ser reverberados pelo presente trabalho

Asseverado como um paiacutes que lecirc pouco segundo indicadores que avaliam estes

dados o Brasil eacute farto em pesquisas que se debruccedilam sobre a leitura Eacute magnacircnima a

produccedilatildeo de textos e eventos que se propotildeem a tratar da complexa questatildeo da leitura de seus

oacutebices funccedilotildees relevacircncias E deveras a reflexatildeo sobre a leitura possui importacircncia crucial

para que possamos adotar praacuteticas poliacuteticas que reparem os equiacutevocos de sermos um paiacutes que

pouco lecirc Esta reflexatildeo se atrelada agrave da escola como instacircncia responsaacutevel pela formaccedilatildeo

leitora eacute de extrema pertinecircncia pelo atribuiacutedo papel que essa instituiccedilatildeo possui na formaccedilatildeo

doa leitora

52

Um dos estudiosos da temaacutetica Silva (2011) vem criticando as pesquisas

educacionais brasileiras voltadas agrave problemaacutetica da leitura afirmando que precisamos

construir melhores inqueacuteritos sobre a accedilatildeo de ler Esse autor fala em crise assegura que natildeo

possuiacutemos uma tradiccedilatildeo de leitores temos por outro lado cifras altiacutessimas de analfabetismo

como barreira para a experiecircncia mais soacutelida com a praacutetica leitora Temos ainda conforme

Silva peacutessimas poliacuteticas de livros parcas e natildeo elucidativas pesquisas sobre o problema

enfim ele levanta a problemaacutetica da leitura como inquietante fonte de preocupaccedilatildeo para o

paiacutes

Por seu turno nas duas uacuteltimas deacutecadas por exemplo foram divulgadas pelo

Instituto Proacute-Livro trecircs ediccedilotildees da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil a primeira em

2000 a segunda em 2008 e a terceira em 2012 que satildeo resultados sobre o comportamento

leitor doa brasileiroa O que em tese se busca a cada ediccedilatildeo segundo os objetivos da

pesquisa ldquoeacute contribuir para que esses estudos possibilitem avaliar e orientar poliacuteticas puacuteblicas

e accedilotildees do governo organizaccedilotildees natildeo governamentais e entidades do livro voltadas a

melhoria dos indicadores de leitura e acesso ao livro no Brasilrdquo (AMORIM 2008 p 26)

Diante dos indicadores publicados que vecircm em forma de tabelas quadros e graacuteficos

comparativos levantados por uma metodologiaamostra com pesquisa quantitativa de opiniatildeo

com aplicaccedilatildeo de questionaacuterio e entrevistas presenciais realizadas nos domiciacutelios tendo

como universo da pesquisa a populaccedilatildeo brasileira residente com cinco anos ou mais

alfabetizada ou natildeo muito se tem a avaliar Muito se tem a avaliar a despeito das criacuteticas que

as ediccedilotildees da pesquisa tecircm recebido a exemplo de Sousa (2008) que traz a problematizaccedilatildeo

acerca do criteacuterio utilizado pelo estudo para conceituar o leitor e o natildeo-leitor

Interessa-me aqui retomar especificamente o criteacuterio adotado para definir o leitor e o

natildeo-leitor para efeito da pesquisa o leitor foi considerado aquele que lsquodeclarou ter

lido pelo menos 1 livro nos uacuteltimos trecircs mesesrsquo e o natildeo-leitor aquele que lsquodeclarou

natildeo ter lido nenhum livro nos uacuteltimos trecircs meses (ainda que tenha lido

ocasionalmente ou em outros meses do ano)rsquo (SOUSA 2008 p 5)

A autora que perscruta o discurso sobre leitura em uma pesquisa com discentes e

docentes envolta em um conceito que abrange o ato de ler para aleacutem da quantificaccedilatildeo de

suportes evidencia o quanto este aspecto indica uma limitaccedilatildeo ao conceito de leitor e natildeo

leitor e revela o nexo mercadoloacutegico que a pesquisa possui tem como patrocinador o mercado

do livro

A aplicabilidade de uma pesquisa do porte de Retratos de Leitura fomenta sempre

questionamentos e isso eacute bom Tais questionamentos traduzem tambeacutem a existecircncia de toda

53

uma diversidade de posicionamentos a respeito da leitura Diversidade que Possenti (2009) agrave

luz das concepccedilotildees da AD pontua em um ensaio no qual propotildee reflexotildees sobre a leitura

advindas das concepccedilotildees apresentadas por estudiosos Satildeo inquietantes segundo esse autor

as teses apresentadas em congressos na miacutedia e em estudos sobre leituras e no seu foco

especiacutefico nos editoriais da ALB - Associaccedilatildeo Brasileira de Leitura Haacute olhares que

expressam uma posiccedilatildeo tradicional no trato com a leitura e em seu contraponto haacute outros

posicionamentos que decorrem de uma vinculaccedilatildeo com o relativismo cultural Sendo assim

haacute criteacuterios que primam pela negaccedilatildeo de qualquer objetividade independentemente do sujeito

o que viabiliza a ideia de que tudo seria linguagem que constroacutei conforme eacute a filosofia do

relativismo Nesse veio o que eacute leitura e se oa brasileiroa lecirc e lecirc bem vai depender de onde

se fala e se enxerga Por sua vez haacute criteacuterios que salientam um olhar mais valorativo sobre a

leitura o que Possenti (2009) diz fazer as chamadas teses defendidas pelos tradicionais Para

esses haacute um modelo que considera que a leitura eacute um bem em si independentemente de ser

entendida como praacutetica histoacuterico- social

Confrontando as teses que circulam acerca da leitura Possenti (2009) evidencia por

exemplo que no que diz respeito agrave questatildeo sobre se o a brasileiroa lecirc ou natildeo o suficiente haacute

uma controveacutersia arriscada Isso se daacute porque os tradicionais restringem o conceito do que eacute

leitura limitando a accedilatildeo de ler basicamente ao livro e atrelado ao cacircnon o que eacute um erro

porque haacute pesquisas que revelam mais textos e suportes fazendo parte do cotidiano de leitura

de outros considerados natildeo leitores Por seu turno o discurso que lhes opotildee exposto

massivamente nos boletins e textos da ALB encobre que as leituras retratadas no paiacutes ainda

que mais ampliadas do que vistas pelo discurso dos tradicionais ainda satildeo indesejaacuteveis em

termos quantitativos o que fazem o autor natildeo ser otimista quando em voga estaacute esta anaacutelise

Genericamente pode-se dizer que a tese mais clara e repetidamente defendida nos

textos da ALB eacute que natildeo se conhece a realidade da leitura no Brasil Outra tese que

parece ser adotada eacute a de que haacute indicaccedilotildees que permitiriam dizer que a situaccedilatildeo eacute

bem melhor do que (ainda) se pensa [] O perigo aparente dessa tese eacute que ela

corre o risco de ser lida assim (temo ter presenciado esta reaccedilatildeo numa das mesas

redondas de que participei no mesmo COLE) se natildeo lemos tatildeo pouco como se

costuma dizer se se diz que lemos tatildeo pouco como efeito de uma concepccedilatildeo muito

estreita de leitura o resultado eacute que analisando alguns dados e alterando a

concepccedilatildeo de leitura pode-se dizer que a situaccedilatildeo eacute boa ou pelo menos natildeo eacute ruim

Logo se adivinha eu imagino que natildeo adoto essa tese (POSSENTI2009 p 25)

Em vez de adotar facilmente teses esse analista procura caracterizar os postulados

que datildeo corpo aos dois discursos que circulam e produzem sentidos sobre leitura Entre eles

estatildeo ideias de que os sujeitos leitores satildeo mais criacuteticos defendidos pelos tradicionalistas Em

54

um contraponto os textos da ALB revelam uma desconstruccedilatildeo da ideia de que ler eacute assegurar

pessoas criacuteticas por mostrar que a leitura tem sido mais objeto de dominaccedilatildeo do que de

libertaccedilatildeo das pessoas Neste jogo Possenti (2009) vislumbra o quanto a despeito do controle

e da distribuiccedilatildeo social dessa praacutetica exercidos pelas instituiccedilotildees como a escola e a Igreja haacute

contra-leituras Assim entre incompatibilidades e confrontos questotildees ligadas agrave praacutetica

leitora problematizam o prazer de ler a importacircncia deste ato e a relativizaccedilatildeo do que seria

uma boa obra Eacute problematizada por este analista do discurso a leitura como praacutetica social

que responde aos aspectos culturais sociais e histoacutericos evidenciando que ler natildeo eacute

essencialmente um bem em si

E a AD pontua a instrumentalizaccedilatildeo dessa ideia quando nos fornece reflexotildees

atinentes agrave importacircncia de que natildeo se lecirc isoladamente haacute sempre textos eivados de discursos

que se cruzam Essa disciplina contribui ainda para a ldquodessacralizaccedilatildeordquo da leitura quando vecirc a

opacidade da linguagem as palavras natildeo remetem agraves coisas E a historicidade ressonando nos

modos de significaccedilatildeo do discurso sobre leitura eacute o que parece interessar agrave AD que se exime

do papel de aacuterbitro no que se refere agrave leitura adequada Importando-se com os percursos com

o movimento que o leitor faz para ler como ler como suas leituras natildeo satildeo individuais

reflexos que satildeo da histoacuteria a que pertencem

Assim posto parece-me razoaacutevel registrar os dados da pesquisa natildeo como um

vaticiacutenio mas como uma das verdades feitas entre os especialistas que se debruccedilaram diante

dos dados da 2ordf ediccedilatildeo (2008) com o intuito de apreender como estes enxergam os sentidos

da leitura na sociedade brasileira Consensual entre esses eacute o olhar de que continua piacutefio o

desempenho doa leitorano paiacutes natildeo obstante os avanccedilos que se registram nos Retratos

Amorim (2008) fala em duas revelaccedilotildees importantes se atentarmos para os resultados da

pesquisa

A primeira delas eacute que natildeo daacute para negar que tem havido avanccedilos nos uacuteltimos anos e

que os brasileiros estatildeo lendo mais Ou pelo menos um pouco mais Em seguida

uma constataccedilatildeo que natildeo chega a negar a afirmativa anterior e muito menos a tirar o

brilho que porventura ela possa conter o Paiacutes estaacute longe de ser uma naccedilatildeo de

cidadatildeo leitores e haacute muito chatildeo pela frente ateacute que se chegue laacute (AMORIM 2008

p 15)

Esta constataccedilatildeo soacute reafirma o que se divulga intuitiva e empiricamente o Estado

brasileiro natildeo considera suficientemente a questatildeo da educaccedilatildeo e da leitura como estrateacutegica

para se construir um paiacutes melhor com mais igualdade e participaccedilatildeo criacutetica na construccedilatildeo da

democracia social Em uma cultura grafocecircntrica a condiccedilatildeo leitora eacute senha valiosa e

55

intransferiacutevel para a fonte de conhecimento para o prazer e a atuaccedilatildeo como protagonista de

sua histoacuteria de vida Obviamente que a leitura aqui abordada natildeo eacute no sentido de uma

entidade fechada descontextualizada essencialista nem meramente decodificadora Sem

deixar entretanto de considerar o tropeccedilo que significa o analfabetismo a leitura que abordo

fala de uma interaccedilatildeo leitor-texto-contexto com uma atribuiccedilatildeo de motivar formar e

assegurar reflexotildees atinentes aos DH aos valores que propiciem a construccedilatildeo de um mundo

para todos Eacute a leitura como praacutetica sociocultural problematizadora das relaccedilotildees de poder

que intento abordar

Werthein (2008) lanccedila luzes sobre a questatildeo abordando uma heranccedila histoacuterica que

explica tantos percalccedilos e descaminhos na praacutetica da leitura

A histoacuteria do Brasil explica em parte sua deficiecircncia educacional O Paiacutes viveu 322

anos como colocircnia de Portugal Nesse territoacuterio onde existe um paiacutes era tudo

proibido Natildeo havia imprensa natildeo existiam escolas muito menos universidades O

comeacutercio era feito unicamente com Lisboa E os raros estudantes da eacutepoca tiveram

de viajar para a capital do Impeacuterio para buscar instruccedilatildeo em Coimbra Foram

pouquiacutessimos A imprensa surgiu no Paiacutes por intermeacutedio de dois caminhos opostos

Em 1808 Dom Joatildeo VI criou a imprensa reacutegia oficial enquanto na mesma eacutepoca

em Londres comeccedilou a ser editado em portuguecircs o Correio Brasiliense que

chegava ao Rio como contrabando Sua circulaccedilatildeo era proibida (WERTHEIN 2008

p 42)

Este quadro evidencia o quanto os colonizadores portugueses relegavam a colocircnia a

uma situaccedilatildeo de ignoracircncia que emperrou em muito o processo de letramento cultural da terra

brasilis Aos colonizadores soacute interessavam a exploraccedilatildeo de nossas riquezas Os portugueses

se comportavam como grandes predadores do territoacuterio levando madeira ouro diamantes e

accediluacutecar Com um contingente populacional constituiacutedo de negros africanos que para caacute vieram

trabalhar como escravos de elementos autoacutectones os iacutendios de diversas tribos que sofreram

severo processo de dizimaccedilatildeo e de imigrantes europeus e japoneses este territoacuterio se formou

mesticcedila e ignorantemente Um povo mesticcedilo formado de um mosaico cultural com a

hegemonia eurocecircntrica eacute um povo que acumulou uma histoacuteria de deficiecircncia educacional

que soacute recentemente tem sido reduzida

Incompatiacutevel com suas riquezas naturais com as transiccedilotildees poliacuteticas que traziam os

avanccedilos do processo de industrializaccedilatildeo do paiacutes esta deficiecircncia educacional comeccedila a ser

combalida e expande-se o processo de democratizaccedilatildeo escolar do paiacutes que inicia o seacuteculo XX

com poucas escolas chegando aosagraves filhosas dos trabalhadoresas brasileirosas A qualidade

dessas escolas eacute sempre uma dura realidade os investimentos na educaccedilatildeo brasileira foram

perenemente piacutefios muito abaixo do que deveriam e poderiam Povo mal educado eacute povo que

56

natildeo rompe as abissais diferenccedilas sociais a escola puacuteblica no Brasil forma mal e cria um

ciacuterculo que aprisiona aquele por quem nela passa Aprenderaacute pouco aprenderaacute mal e natildeo

poderaacute disputar em um mercado competitivo A escola eacute entatildeo categoricamente instrumento

de perpetuaccedilatildeo da desigualdade social parco aprendizado parcas chances de mexer com a

estrutura da piracircmide social (GUIMARAtildeES-IOSIF 2009)

Werthein (2008) aduz a relaccedilatildeo entre privileacutegios educacionais apenas para membros

da elite econocircmica agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo como forma de impedir a cidadania do povo As

relaccedilotildees de poder e saber satildeo histoacutericas poliacuteticas Um determinado sentido dado agrave instruccedilatildeo

acadecircmica possui mecanismos de sua produccedilatildeo Garcez (2008) faz uma referecircncia importante

de um dado extraiacutedo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil como significativo para

pontuar que a condiccedilatildeo de ser leitora estaacute afetada por sua inscriccedilatildeo no social A autora

destaca esta relaccedilatildeo embasada no dado de que

[] 85 dos natildeo-leitores nunca foram presenteados com livros na infacircncia

enquanto que no universo dos considerados leitores 51 receberam livros como

presente Outra informaccedilatildeo importante diz respeito agraves praacuteticas familiares de leitura

Dos lares natildeo-leitores 63 dos informantes nunca viram os pais lendo

Considerando que a pesquisa revela que a maior influecircncia para a formaccedilatildeo da

leitura vem dos pais (principalmente das matildees) esse dado eacute ainda mais significativo

(GARCEZ 2008 p 69)

Dados significativos que pontuam o valor do alicerce familiar para a formaccedilatildeo leitora

dos sujeitos ao tempo em que me faz ponderar sobre a importacircncia da cultura como elemento

que mobiliza saberes poderes (des)construccedilotildees de identidades Eacute do pensamento de Hall

(2011) que me valho para afirmar que as identidades satildeo forjadas nas relaccedilotildees com a cultura

que vivenciamos e que no seio dela se encontram forccedilas propulsoras de transformaccedilotildees

como tambeacutem forccedilas mantedoras de uma ordem social Cabe-me assim levar em consideraccedilatildeo

que a infacircncia eacute uma referecircncia construiacuteda sociohistoacuterica e culturalmente na qual agraves crianccedilas

se ensina a ocupaccedilatildeo de lugares na sociedade condicionando-lhes agraves identidades de gecircnero e

isto se faz com o esteio de elementos da cultura

A leitura eacute um desses elementos culturais com os quais se fabricam identidades E

calccedilada na informaccedilatildeo da relevacircncia da matildee na formaccedilatildeo leitora conforme os dados da

pesquisa em tela cabe-me pensar o quanto a evocaccedilatildeo destas referecircncias tem nexo para minha

reflexatildeo Possui nexo porque inscrevo com ele a importacircncia da defesa de uma praacutetica leitora

com uma dimensatildeo eacutetica problematizadora de um mundo que cria assimetrias de gecircnero para

que matildees alimentem discursivamente leituras que fortaleccedilam praacuteticas de liberdade de almas

de consciecircncias Ademais esse jaacute referendado elemento da pesquisa o indicador das matildees

57

como as principais responsaacuteveis pela formaccedilatildeo leitora dosas filhosas reforccedila a necessidade

de se refletir sobre a carga de um processo cultural ativo e dialoacutegico no qual essas mulheres

transmitem valores identidades de gecircnero e comportamentos aos agraves filhosas Eacute imperativo

refletirmos se aspiramos por uma nova ordem social aplainada pela equidade de gecircnero

sobre o que embalam como ninam contam cantam e leem essas matildees Que leitoresas

formam aquelas que historicamente tem perpassado por uma condiccedilatildeo de subalternidade por

uma condiccedilatildeo opressora por uma educaccedilatildeo que viabiliza a sua sub-representaccedilatildeo nos espaccedilos

do poder Que leitoresas irrompem das ldquobarras da saia da matildeerdquo do seu colo da sua

influecircncia de sujeito que lecirc Que leitoras enfim satildeo aquelas que precisam de leituras que

libertem

Historicamente subjugada a mulher eacute a narradora que influencia contagens E

paradoxalmente faz contagens em livros histoacuterias canccedilotildees filmes desenhos animados

enfim em todo um artefato cultural que reforccedila padrotildees androcecircntricos Desmantelar essa

cadeia de histoacuterias contadas por oprimidas que produzem e reproduzem modelos opressores

me parece uma oportuna estrateacutegia poliacutetica da luta feminista e que osas estudiososas que

analisam a 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2008)

deixaram passar ao largo em suas anaacutelises natildeo atentando para a vulnerabilidade do dado

Esses dados entretanto satildeo relevantes deveras para a importacircncia da observaccedilatildeo na

elaboraccedilatildeo de um projeto de leitura na escola com o intento de investigar as discursividades

em torno do ato de ler se daacute a reconstruccedilatildeo de contos de textos problematizados agrave luz da

teoria de gecircnero Haacute e quais satildeo enfim as estrateacutegias para subverter a posiccedilatildeo desigual e

subordinada das mulheres em artefatos culturais que seratildeo por elas usados para formar

leitoresas Esse fio conduz um dos nossos interesses no foco temaacutetico aqui desenvolvido

No que se refere agraves poliacuteticas puacuteblicas de incentivo agrave leitura Laacutezaro e Beauchamp

(2008) discorrem sobre as diretrizes para o fortalecimento das poliacuteticas de leituras contidas

no Plano de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo ndash PDE Satildeo accedilotildees que partem de uma

consideraccedilatildeo sistecircmica da educaccedilatildeo que por meio de instrumentos de avaliaccedilotildees identifica

fragilidades e constroacutei poliacuteticas para o enfrentamento de indicadores deficitaacuterios Satildeo citados

como exemplos de accedilotildees do PDE a introduccedilatildeo da Provinha Brasil o Sistema Universidade

Aberta do Brasil ndash UAB- que tem permitido ampla poliacutetica de formaccedilatildeo dos professores tanto

inicial como continuada atraveacutes da articulaccedilatildeo universidades e municiacutepios O Programa

Nacional do Livro Didaacutetico (PNLD) que a cada ano se amplia eacute mais uma das accedilotildees

implementadas pelo Governo Federal atraveacutes do PDE com o intuito de democratizar o

acesso aos diversos bens culturais e o incremento agrave leitura

58

Esse conjunto de accedilotildees entretanto estaacute longe de transformar o Brasil em um paiacutes de

leitores Haacute apesar dos inegaacuteveis avanccedilos nas uacuteltimas deacutecadas com o amplo acesso agrave escola

em vaacuterios niacuteveis um grande deacuteficit educacional que em muito compromete a formaccedilatildeo

leitora dosas brasileiros e brasileiras o que demanda muito a ser feito E o paiacutes ainda opta por

natildeo investir suficiente ou adequadamente no enfrentamento de crocircnico quadro Laacutezaro e

Beauchamp (2008) pontuam o quanto eacute necessaacuterio que haja mais investimentos por parte do

Poder Puacuteblico mais articulaccedilatildeo de outras poliacuteticas puacuteblicas que ampliem o acesso da

populaccedilatildeo ao livro promovam o valor da leitura formem mediadoresas de leituras na escola

e fora dela e tornem o livro um produto mais acessiacutevel aos niacuteveis de renda da populaccedilatildeo

Laacutezaro e Beauchamp (2008) trabalham com os dados da pesquisa para discutir a

importacircncia da relaccedilatildeo entre a escola o acesso agrave leitura a formaccedilatildeo de leitoresas e as accedilotildees

que possam ampliar e fortalecer as praacuteticas leitoras no Paiacutes A funccedilatildeo central da escola na

constituiccedilatildeo doa leitora eacute um dado do qual a pesquisa trata

A pesquisa evidencia que eacute a escola quem faz o Brasil ler O Brasil estaacute estudando e

eacute a partir da escola que os brasileiros entram em contato com o processo da leitura e

por meio dela acessam os livros independentemente de sua classe social []

Depois da matildee a professora eacute a principal incentivadora da leitura confirmando o

papel central da escola [] Eacute na escola que se lecirc mais os mais jovens leem mais e eacute

na infacircncia que se forma o leitor Entretanto depois da escola o brasileiro lecirc menos

A escola natildeo estaacute formando o leitor mas dando acesso agrave leitura A praacutetica da leitura

continua sendo um privileacutegio de classe (LAacuteZARO BEAUCHAMP 2008 p 73)

Outros indicadores de leitura apresentados pela pesquisa que me trazem reflexotildees

pertinentes dizem respeito agrave revelaccedilatildeo de que a escola eacute responsaacutevel pela existecircncia de mais

leitores mas que por sua vez um percentual significativo dos alunos afirmam que leem por

imposiccedilatildeo da instituiccedilatildeo Esse dado estaacute presente tanto em famiacutelias com maior poder

aquisitivo quanto na de baixo poder 44 dos alunos da rede privada afirmaram ter como

motivaccedilatildeo para a leitura a exigecircncia da escola enquanto que 46 dos da rede puacuteblica tambeacutem

deram a mesma razatildeo para o ato de ler Isso nos faz considerar que os projetos de leituras de

uma forma geral natildeo satildeo cativantes natildeo tecircm sido exitosos no sentido de atrair o alunado para

a leitura Eacute tanto que depois da escola lecirc-se menos conforme resultado da pesquisa Tais

revelaccedilotildees pontuam a reflexatildeo de que garantir o acesso agrave escola eacute necessaacuterio e isto estaacute sendo

feito mas o fomento agrave leitura precisa ser suscitado Isto passa necessariamente por accedilotildees

pedagoacutegicas que contemplem o interesse de quem lecirc accedilotildees que traduzam planejamento

compromisso empenho formaccedilatildeo leitora de quem promove as accedilotildees pedagoacutegicas No poema

59

Iniciaccedilatildeo Literaacuteria Drummond condena a mediaccedilatildeo improacutepria de quem traz leituras que natildeo

semeiam prazer

Leituras Leituras

Como quem diz navios Sair pelo mundo

Voando na capa vermelha de Juacutelio Verne

Mas por que me deram para livro escolar

A cultura dos campos de Assis Brasil

O mundo eacute soacute fosfatos lotes de 25 hectares

Soja-fumo-alfafa-batata-doce-mandioca

Pastos de cria pastos de engorda

Se algum dia eu for rei baixarei um decreto

Condenando esse Assis a ler sua obra (ANDRADE 1983 p 601)

O prazer da leitura parece ser entre todosas osas estudiosos da temaacutetica o

pressuposto de tudo o mais Rubem Alves (2011) afirma que toda aprendizagem comeccedila com

um pedido se natildeo houver um pedido a aprendizagem natildeo acontece E o prazer de ler

segundo o escritor tem ligaccedilatildeo profunda com a forma que os textos chegam aos olhos e

ouvidos da crianccedila

Assim quem ensina a ler isto eacute aquele que lecirc para os seus alunos tenham prazer no

texto tem de ser um artista Soacute deveria ser estabelecida nas escolas a praacutetica dos

ldquoconcertos de leitura Se haacute concertos de muacutesica erudita por que natildeo concertos de

leitura Ouvindo os alunos experimentaratildeo o prazer de ler (ALVES 2011 p 56)

Sem este encantamento natildeo teremos leitoresas mas alunosas forccediladosas a cumprir

tarefas lendo para responder questotildees lendo sem escolherem os textos muitos delesas

desconexadosas de seus interesses E conforme Failla (2008 p 104) a escola e a famiacutelia

precisam ser autorreflexivas ldquoEm geral se diz que a crianccedila e o jovem natildeo leem e natildeo gostam

de ler Natildeo se diz que elas natildeo foram conquistadas ou estimuladas para ler mas a elas se

atribui sem mediaccedilatildeo que natildeo gostam de ler []rdquo O foco passa a ser uma condiccedilatildeo ldquonaturalrdquo

do jovem ou da crianccedila deixando-se de lado o contexto e as pessoas do entorno deles que

poderiam contribuir substancialmente com o desenvolvimento do prazer pela leitura Este eacute

um aspecto tratado pela ediccedilatildeo em tela da pesquisa Retratos do Brasil que contribui com as

reflexotildees desta pesquisa acerca da leitura na escola e me faz olhar para as motivaccedilotildees que

perpassam a existecircncia dos projetos de leitura da escola brasileira eacute um professor leitor que o

aluno enxerga quando esse profissional desenvolve essas praacuteticas O projeto atende a

interesse acerca de temas considerados envolventes pela comunidade escolar Satildeo projetos

para compor obrigaccedilotildees acadecircmicas ou estatildeo imbuiacutedos de motivaccedilotildees intersubjetivas

60

Contemplam quais atividades preacute-textuais A pesquisa traz dados que abordam preocupaccedilotildees

fundamentais nesse sentido Pode haver com tais referecircncias a suposiccedilatildeo de que a escola natildeo

tem formado leitores para a vida inteira considerando que decresce o nuacutemero de leitores

adultos o que faz pensar que as praacuteticas de leituras tecircm sido pouco sedutoras das quais o natildeo

estudante procura se livrar assim que ultrapassa os muros da escola Parecem necessaacuterias

accedilotildees de promoccedilatildeo agrave leitura que a liguem verdadeiramente agrave vida e tornem os materiais de

leitura mais proacuteximos dos alunos pontua Failla (2008)

Haacute debates percorrendo academias e ambientes de estudo acerca das

problematizaccedilotildees sobre a leitura A evocaccedilatildeo desse debate eacute sempre profiacutecua Profiacutecua e

cabiacutevel na escola uma das instacircncias responsaacuteveis pela sua produccedilatildeo Agrave escola cabe

sistematizar pedagogicamente suas praacuteticas leitoras de modo que deveria como ldquopatildeo diaacuteriordquo

assegurar de forma substanciosa a leitura fomentadora da cidadania que soacute vem se

mergulharmos em aacuteguas profundas das tramas sociais Mas digamos ldquopatildeordquo no sentido

religioso do tom pela necessidade e assiduidade do alimento dialogando com uma reflexatildeo

de Antunes (2009 p 204) ldquoassim como a igreja eacute lugar de oraccedilatildeo o estaacutedio eacute lugar de jogo a

escola eacute lugar de leiturardquo Na defesa das funccedilotildees da leitura no espaccedilo escolar a autora pontua

dentre essas a primordial garantia de acesso agrave escrita o que eacute de extrema importacircncia Em

uma cultura de tradiccedilatildeo grafocecircntrica como a nossa haacute sem duacutevida uma valorizaccedilatildeo dos

aspectos positivos da escrita e a leitura eacute parte da relaccedilatildeo intriacutenseca para a aquisiccedilatildeo de todo

arcabouccedilo artiacutestico-cientiacutefico e cultural veiculado pela escrita Entatildeo conforme a autora a

leitura eacute o passaporte o promotor das funccedilotildees de ampliar o conhecimento a capacidade de

analisar de refletir de acessar agraves novas informaccedilotildees e bens culturais ao prazer esteacutetico a

novas formas de expressatildeo enfim de interagir socialmente entre outras habilidades que a

escrita oferece

Entretanto considerando os deficitaacuterios indicadores de leitura que o Paiacutes

historicamente apresenta estamos longe da produccedilatildeo de uma escola fomentadora

vigorosamente de uma praacutetica leitora consistente Um paiacutes de leitoresas criacuteticosas parece ser

uma miragem a desfilar no deserto da vontade poliacutetica de nossos governantes que insistem

em disponibilizar parcos recursos financeiros mesmo quando sob os holofotes constroem

vasta legalidade na vitrine do papel propondo uma educaccedilatildeo emancipadora de qualidade A

Lei nordm 12244 de 2010 por exemplo exige que todas as escolas puacuteblicas ou privadas ateacute

2020 possuam bibliotecas em suas instalaccedilotildees fiacutesicas Seria esta uma ldquolei mortardquo mais um

ordenamento brasileiro que natildeo ldquopegardquo A considerar o levantamento feito pelo movimento

Todos pela Educaccedilatildeo com base em dados cedidos pelo Instituto Nacional de Estudos e

61

Pesquisas Educacionais Aniacutesio Teixeira(Inep)2013 haacute um trabalho grande a ser efetivado

que pode sim deixar a norma na vala das tantas que natildeo satildeo cumpridas O Brasil precisa

construir 39 bibliotecas por dia nos proacuteximos sete anos para cumprir a lei A defasagem total

do paiacutes eacute de 128 mil bibliotecas Embora o nuacutemero relativo agrave falta de bibliotecas inclua todas

as redes de ensino eacute nas escolas puacuteblicas que o problema se concentra Nas redes municipal

estadual e federal eacute preciso construir 113269 unidades Falo aqui da construccedilatildeo das sedes

todavia eacute de conhecimento puacuteblico que a manutenccedilatildeo e funcionamento desses equipamentos

demanda maiores investimentos do poder puacuteblico

A criaccedilatildeo da lei todavia independentemente de seu fiel cumprimento por parte das

instituiccedilotildees escolares jaacute eacute um sinal de que se revela um novo tempo em que se olha com mais

atenccedilatildeo para a importacircncia dos espaccedilos propiacutecios agrave leitura Haacute anos natildeo era comum nem

obrigatoacuterio que toda escola possuiacutesse em seu projeto arquitetocircnico bibliotecas e espaccedilos para

leitura construiacuteam-se e reformavam-se escolas sem a preocupaccedilatildeo com este ambiente E

assim se vecirc que haacute no deserto das poliacuteticas puacuteblicas em prol de uma educaccedilatildeo emancipadora

oaacutesis Isto pode ser evidenciado nos uacuteltimos indicadores de leitura no Brasil com a 3ordf ediccedilatildeo

(2012) da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil conforme jaacute referenciado neste trabalho na

qual haacute indicaccedilatildeo de que os brasileiros estatildeo lendo mais E precisamos mirar nossos oaacutesis

mostraacute-los haacute milhares de projetos de leitura sendo executados neste paiacutes Afinal a leitura

pelo seu poder de emersatildeo e imersatildeo poder de fazer com que homens e mulheres se

enunciem de capacitaacute-loslas a interagir em condiccedilotildees mais iguais porque podem ser

conhecedoresas de seus lugares no mundo eacute de nodal importacircncia nas transformaccedilotildees que

precisam ser operadas por esses sujeitos

Por sua vez Marques Neto (2008) evidencia a crenccedila de que o Brasil caminha no

sentido de construir e efetivar poliacuteticas puacuteblicas na aacuterea do livro e da leitura O autor cita o

Plano Nacional do Livro e Leitura - PNLL criado em 2006 como marco de coesatildeo e

estrateacutegia na garantia do direito essencial das pessoas agrave informaccedilatildeo e ao acesso ao

conhecimento

Entendo que o Brasil por intermeacutedio da uniatildeo fundamental de accedilotildees do Ministeacuterio

da Cultura e da Educaccedilatildeo criando o PNLL chegou nos uacuteltimos quatro anos a um

novo patamar desvelou um novo tempo histoacuterico sob determinadas circunstacircncias

para que logremos conquistar uma poliacutetica de Estado para o livro a leitura as

bibliotecas (MARQUES NETO 2008 p 130)

A importacircncia de equipamento como a biblioteca para a formaccedilatildeo do leitor eacute um

dado que natildeo se pode desconsiderar tendo em vista que as condiccedilotildees sociais de grande

62

parcela da populaccedilatildeo inviabilizam a aquisiccedilatildeo de suportes como livros revistas jornais etc

Torna-se central entatildeo o papel da biblioteca como instrumento para o acesso democraacutetico agrave

leitura aos menos favorecidos economicamente Um dado da pesquisa foi desalentador nesse

sentido 75 dos informantes anunciaram que natildeo possuem o haacutebito de frequentar

bibliotecas 17 usam ocasionalmente e 10 frequentam Esse eacute um dado inconcebiacutevel com

o que conceitua o PNLL ser funccedilatildeo deste equipamento

Um dinacircmico polo difusor de informaccedilatildeo e cultura centro de educaccedilatildeo continuada

nuacutecleo de lazer e entretenimento estimulando a criaccedilatildeo e a fruiccedilatildeo dos mais

diversificados bens artiacutesticos-culturais para isso devem estar sintonizadas comas

tecnologias de informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo suportes e linguagens promovendo a

interaccedilatildeo maacutexima entre os livros e esse universo que seduz as atuais geraccedilotildees

(MARQUES NETO 2008 p 133)

Para que esse dinacircmico polo difusor de informaccedilatildeo e cultura possa ser um

equipamento eficaz o profissional responsaacutevel por sua gestatildeo e organizaccedilatildeo o bibliotecaacuterio

precisa avanccedilar em conquistas de mais habilidade Para Silva (2011) em regra esse

profissional eacute um exiacutemio conhecedor das normas de catalogaccedilatildeo das leis que regem a

instalaccedilatildeo de bibliotecas das fichas de empreacutestimos de livros De leitura revela o professor

natildeo eacute a regra que haja por parte desse profissional conhecimento interesse e projetos de

incentivo agrave leitura juntamente com a comunidade escolar

No que diz respeito aos dados pontuados pela pesquisa acerca da realidade brasileira

das bibliotecas esses podem ser subsiacutedio para uma reflexatildeo sobre o valor do equipamento

para a consolidaccedilatildeo de uma praacutetica leitora Um dos aspectos que merecem reflexatildeo eacute sobre

quem estaacute apto para gerenciar este equipamento Na escola em que a pesquisa eacute realizada por

exemplo tais quais nas demais da rede municipal de ensino e em muitas pelo paiacutes afora os

responsaacuteveis pela biblioteca costumam ser professoresas readaptadosas nem sempre com

domiacutenio profissional para atuar na aacuterea o que evidencia mais uma fragilidade do poder

puacuteblico com a educaccedilatildeo e a cultura brasileira

Com a 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil o Paiacutes tem em matildeos um

diagnoacutestico que possibilita a construccedilatildeo de uma agenda para as poliacuteticas puacuteblicas do livro e de

leitores Vale ressaltar todavia que por esta pesquisa considerar a leitura no suporte livro

como criteacuterio para testificar a condiccedilatildeo leitora do brasileiroa conforme jaacute pontuado aqui

natildeo contemplou suficientemente as novas praacuteticas de leitura que advecircm das tecnologias da

informaccedilatildeo E eacute indubitaacutevel que esta omissatildeo desconsidera um fenocircmeno civilizatoacuterio

importante que tem alterado significativamente comportamentos de pessoas de todas as

63

esferas sociais em escala mundial como eacute o da leitura no espaccedilo cibercultural A imersatildeo do

mundo no uso das tecnologias da informaccedilatildeo que com seus dispositivos virtuais interligam a

comunicaccedilatildeo da sociedade disseminam informaccedilotildees em tempo real e possibilitam a troca

compartilhada de conhecimento democratizando saberes haacutebitos comportamentos tem

provocado mudanccedilas econocircmicas sociais poliacuteticas culturais E essas mudanccedilas seguramente

tecircm afetado tambeacutem as escolas Os dispositivos tecnoloacutegicos em pouco mais de duas

deacutecadas presentes em celulares tablets computadores como uma segunda pele chegam agraves

matildeos e aos olhos de discentes e docentes alterando as praacuteticas sociais de leituras podendo

promover eventos de letramento

A despeito de este natildeo ser objeto deste estudo e de natildeo ter pretensotildees de avaliar

quatildeo profundas satildeo as transformaccedilotildees que a sociedade experimenta a partir dessa nova matriz

cultural eacute relevante ponderar que a escola precisa caminhar responsavelmente com esta

realidade desafiadora que lhe trazem as tecnologias da informaccedilatildeo Como natildeo considerar que

sob pena de comprometer resultados positivos no processo ensino-aprendizagem eacute dever

dosas educadoresas atentar para o modo e os textos que circulam pela escola repleta que

estaacute de nativos digitais Como natildeo considerar ainda que sob pena de que essesas estejam

sendo negligentes com a problematizaccedilatildeo da discursividade docente devem atentar para o que

anda sendo lido na virtualidade nossa de cada dia estampada nas telas

Enfim considerando o papel da escola na formaccedilatildeo doa leitora e o quanto os vaacuterios

suportes e miacutedias satildeo importantes na perspectiva de democratizaccedilatildeo do acesso aos diversos

bens culturais vale destacar que a leitura conforme analistas do discurso natildeo eacute um bem em

si mas que pode se apresentar como lugar estrateacutegico na formaccedilatildeo de um povo para a sua

emancipaccedilatildeo poliacutetica e social Obviamente isso ocorre entre outras razotildees se a leitura for

concebida em uma perspectiva interacionista que leve em consideraccedilatildeo os interesses da

comunidade escolar e reflexotildees atinentes sobre a linguagem em uso Desse modo a agenda de

promoccedilatildeo do letramento para aleacutem do acesso aos suportes e do domiacutenio da tecnologia deve

se constituir prementemente como uma pauta reivindicatoacuteria que envolva educadoresas

gestoresas e demais atoresatrizes sociais

Apoacutes as reflexotildees atinentes agraves descriccedilotildees sobre leitura elaboradas por estudiososas

tendo essesas essencialmente se pautado em uma ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no

Brasil farei uma incursatildeo no proacuteximo toacutepico sobre como a Anaacutelise do Discurso daacute o foco

nas vozes dosas educadores acerca do debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero trazido por uma

das instacircncias culturais da escola a da leitura

64

24 O sujeito da leitura na Anaacutelise do Discurso

O projeto de Michel Pecirccheux de uma teoria natildeo subjetiva da leitura eacute uma das

sustentaccedilotildees da defesa de Possenti (2009) de que a AD eacute uma das poucas aacutereas de

conhecimento que tem condiccedilotildees de reivindicar para si o pronunciamento sobre a leitura O

intento do analista francecircs que chegou a postular a ldquoanaacutelise automaacutetica do discursordquo eacute fruto

entre outros de uma nova concepccedilatildeo de liacutengua nos anos sessenta gestada pelo

Estruturalismo e com bastante efervescecircncia na academia francesa Com essa concepccedilatildeo que

atravessava as reflexotildees sobre a linguagem natildeo mais concebendo liacutengua como um coacutedigo que

condensa informaccedilatildeo a quem o conhece conforme a perspectiva saussuriana Pecirccheux

estrutura a noccedilatildeo de discurso Estrutura entendendo este como um ponto intermediaacuterio entre

linguagem e ideologia Esse legado epistemoloacutegico surge em um contexto sociopoliacutetico

francecircs de insurreiccedilatildeo popular de inquietaccedilotildees poliacuteticas A AD eacute pensada nessa atmosfera

como uma disciplina que daacute conta de amalgamar as praacuteticas poliacuteticas e a concepccedilatildeo de

ciecircncias sociais que emerge naquele cenaacuterio (cf SANTOS 2013)

Desalojando os estatutos positivistas ocupam lugares essenciais nas postulaccedilotildees de

Pecirccheux (2012) a subjetividade a ideologia as lutas de classe Assim articula-se a AD em

uma abordagem transdisciplinar com aacutereas como a psicanaacutelise o materialismo dialeacutetico e a

linguiacutestica com as quais entrelaccedila um novo olhar sobre a liacutengua o sujeito e a histoacuteria na

produccedilatildeo de sentidos Esse novo olhar enxerta nos estudos sobre a linguagem a reflexatildeo de

que a leitura natildeo era a leitura de um texto enquanto texto Concebido discursivamente o texto

deve ser tomado como um artefato cultural e linguiacutestico que tem existecircncia na exterioridade

linguiacutestica no social o que interfere em sua circularidade e interpretaccedilatildeo (FERNANDES

2008)

Processam-se nas fases pelas quais passa a AD noccedilotildees como sujeito discursivo

condiccedilotildees de produccedilotildees e formaccedilatildeo discursiva Esses conceitos vatildeo consolidando as reflexotildees

que este campo teoacuterico intenta para dar conta de suas inquietaccedilotildees acerca dos estudos sobre a

linguagem e as transformaccedilotildees sociais que insurgem naquele contexto poliacutetico Uma das

accedilotildees da AD estaacute pautada na teorizaccedilatildeo sobre as restriccedilotildees que o discurso sofre Nesse

sentido Possenti (2009 p 11) pontua o quanto a AD tem como objetivo explicitar as

estrateacutegias e restriccedilotildees de leitura lsquoUm discurso natildeo circula em qualquer lugar natildeo toma

livremente uma forma geneacuterica qualquer e natildeo pode ser interpretado de qualquer maneira por

qualquer umrdquo Restriccedilotildees essas que datildeo aoagrave analista do discurso a incumbecircncia de atentar

para o enunciado em sua historicidade em suas condiccedilotildees de produccedilatildeo e circulaccedilatildeo em seus

65

efeitos de verdade Sendo assim a leitura de um texto conforme as bases conceituais da AD

prima pela observacircncia de sua historicidade prima pela observacircncia para dar conta dos

percursos de quem lecirc e como lecirc que prescinde destes nortes De acordo com Possenti (2009)

[] Aprendemos a nunca ler um texto isoladamente (natildeo se faz anaacutelise de discurso

de um texto) a nunca ler um texto considerando apenas seu material verbal

(aprendemos a relacionaacute-lo a seu exterior) a nunca tratar a linguagem como se fosse

transparente (aprendemos a supor sempre que a interpretaccedilatildeo eacute um trabalho jaacute que

as palavras natildeo remetem jamais agraves coisas e natildeo tecircm sentido uniacutevocos) a nunca

supor que o texto (ou mesmo vaacuterios) fornece todas as condiccedilotildees de sua leitura

(aprendemos sempre a supor que mesmo no domiacutenio textual ou ateacute mesmo no do

enunciado mais restrito eacute necessaacuterio acionar mais de um fator relevante ndash considerar

os pressupostos a intertextualidade etc) (POSSENTI 2009 p 14)

Da defesa de uma teoria natildeo subjetiva da leitura sustentada pela AD podemos

depreender que nossos horizontes de pesquisas da linguagem na esfera da leitura devem

ultrapassar a materialidade linguiacutestica A AD nos convida a uma dimensatildeo da linguagem em

seu uso em sua discursividade contemplando as praacuteticas socioculturais por ela perpassadas

Trata-se na abertura dessa via de descrever e interpretar a existecircncia de enunciados e suas

produccedilotildees em determinados lugares e espaccedilos integrando discursos cujas existecircncias

apontam para alguma coisa em curso tal que ldquoa palavra discurso etimologicamente tem em

si a ideia de curso de percurso de correr por de movimento O discurso eacute assim palavra em

movimento praacutetica de linguagem com o estudo do discurso observa-se o homem falandordquo

(ORLANDI 2008 p 15)

Em curso e que segundo ainda essa autora analisaacute-los implica interpretar as praacuteticas

discursivas dos sujeitos abordar as manifestaccedilotildees de linguagem problematizando-as ldquoo que

produzem os sujeitos falantes e leitores Podem esses deixar de perceber que satildeo sujeitos agrave

linguagem a seus equiacutevocos sua opacidade Com essas indagaccedilotildees Orlandi (2012) discorre

como este campo transdisciplinar contribui com o trabalho com a linguagem para que

possamos sem ilusionismos ldquoao menos sermos capazes de uma relaccedilatildeo menos ingecircnua com a

linguagemrdquo Haacute em sua explanaccedilatildeo sobre princiacutepios e procedimentos da AD uma

preocupaccedilatildeo em evidenciar o quanto o trabalho com a linguagem perpassa por incompletudes

por subjetividades por pluralidade de sentidos por histoacuterias nos fazendo entender que haacute

movecircncias mas ldquoos sentidos estatildeo sempre administrados natildeo estatildeo soltosrdquo Os sentidos

materializados por linguagem verbal ou natildeo verbal natildeo satildeo imanentes fixos produzidos que

satildeo por uma pluralidade de discursos que se entrecruzam advindos de condiccedilotildees socio-

histoacutericas e ideoloacutegicas de produccedilatildeo Nessa direccedilatildeo Pecirccheux (2012) vincula os sentidos das

palavras agraves formaccedilotildees ideoloacutegicas de quem as usa afirmando que

66

O sentido de uma palavra de uma expressatildeo de uma proposiccedilatildeo etc natildeo existe lsquoem

si mesmorsquo [] mas ao contraacuterio eacute determinado pelas posiccedilotildees ideoloacutegicas

colocadas em jogo no processo soacutecio-histoacuterico no qual as palavras expressotildees e

proposiccedilotildees satildeo produzidas (PEcircCHEUX 2012 p 190)

A construccedilatildeo do quadro teoacuterico metodoloacutegico desse estudo partiu entatildeo do

pressuposto de que a linguagem natildeo se daacute como evidencia ela se oferece como lugar de

descoberta (cf ORLANDI 2012) O reconhecimento de que a linguagem natildeo eacute transparente

pressupotildee o exerciacutecio constante de querer ver aleacutem da materialidade textual rompendo as

estruturas linguiacutesticas para chegar ao discurso buscando vestiacutegios equiacutevocos e interdiccedilotildees

dispersotildees caminhos que natildeo queiram ldquo[] atravessar o texto para encontrar um sentido do

outro lado A questatildeo que ela coloca eacute como este texto significa Haacute aiacute um deslocamento jaacute

pronunciado pelos formalistas russos onde a questatildeo a ser respondida natildeo eacute lsquoo quecircrsquo mas lsquoo

comordquo (ORLANDI 2012 p 17)

Nesse esteio a formulaccedilatildeo deste objeto de estudo que problematiza a discursividade

dosas docentes frente ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero em praacuteticas leitoras busca

assumindo o ponto de vista de umuma analista de discurso verificar a compreensatildeo da

apariccedilatildeo dos enunciados daqueles sujeitos discursivos Apoiado na AD esse estudo pontua a

importacircncia das reflexotildees acerca do discurso e sua vinculaccedilatildeo com o poder das reflexotildees

acerca das posiccedilotildees dos sujeitos envolvidos da opacidade da linguagem que por sua marca

poliacutetica torna-a incapaz dizer e fazer ver tais como satildeo as coisas Assim face aos

questionamentos acerca de como andam as problematizaccedilotildees sobre o que podem meninos e

meninas na esfera escolar em termos de equidade de gecircnero vale observar o lugar histoacuterico

social de onde os enunciadores determinam seus discursos Vale inquirir sobre as vozes que

integram o sujeito discursivo aqui diferenciando esse sujeito do da linguiacutestica geral que aduz

a um sujeito falante homogecircneo dono de seu dizer Na perspectiva da AD o sujeito eacute

constituiacutedo por polifonia noccedilatildeo cunhada de Mikhail Bakhtin que traccedila o entrecruzamento de

discursos como marca do sujeito Ele e suas vozes que ressoam que silenciam falam

reproduzem esquecem explicitam implicitam direta ou indiretamente na materialidade

linguiacutestica Constituiacutedo que eacute entre o eu e o outro decorrente da interaccedilatildeo social o lugar do

sujeito natildeo eacute vazio mas preenchido por aquilo que Pecirccheux (2012) chamou de forma sujeito

(cf SANTOS 2013)

A identificaccedilatildeo dessa constituiccedilatildeo heterogecircnea do sujeito trazida pelos estudos poacutes-

estruturalistas eacute de muita valia para as reflexotildees sobre a linguagem como praacutetica social uma

vez que os enunciados apontam para um lugar-sujeito Apontam que o sujeito discursivo eacute

67

plural atravessado de vozes moventes que se deslocam e se transformam inscrevendo-se em

formaccedilotildees discursivas Por seu turno a compreensatildeo do conceito de formaccedilatildeo discursiva

trabalhado tanto por Foucault (2011) como por Pecirccheux (2012) eacute imprescindiacutevel para oa

analista do discurso uma vez que este conceito explicita como cada objeto do discurso tem na

formaccedilatildeo discursiva a sua regra de apariccedilatildeo tem o engendramento dos jogos de poder Assim

eacute possiacutevel que haja compreensatildeo das histoacutericas condiccedilotildees de produccedilotildees que permitem

veicular o que dizer em determinado espaccedilo social conforme nos mostra Foucault (1995)

Trata-se de compreender o enunciado na estreiteza e singularidade de sua situaccedilatildeo

de determinar as condiccedilotildees de sua existecircncia de fixar seus limites da forma mais

justa de estabelecer suas correlaccedilotildees com os outros enunciados a que pode estar

ligado de mostrar que outras formas de enunciaccedilatildeo exclui (FOUCAULT 1995 p

31)

Isto posto fica evidenciado o quanto o trabalho para oa analista do discurso com os

olhos na noccedilatildeo de formaccedilatildeo discursiva potildee em jogo princiacutepios que evocam a apreensatildeo de

sentidos gestada pela memoacuteria discursiva Essa dimensionada pela AD como um espaccedilo de

memoacuteria coletiva que permite a inscriccedilatildeo dos sujeitos em um corpo soacutecio-histoacuterico-cultural eacute

tambeacutem crucial na compreensatildeo da construccedilatildeo da materialidade discursiva E para pocircr em

jogo os princiacutepios que evocam a apreensatildeo de sentidos se faz necessaacuterio fazer aparecer os

movimentos inacabados que a formaccedilatildeo discursiva implica Movimentos que mostram que

no tecido social da discursividade os enunciados satildeo acontecimentos que tecem

continuidades e descontinuidades dizeres exteriores e anteriores diferentes tipos de discursos

que coexistem aparecem e desaparecem dispersando-se formando-se e transformando-se de

modo complexo ao tempo que integram as formaccedilotildees discursivas (cf FOUCAULT 2012)

Essa integraccedilatildeo espelha a heterogeneidade proacutepria agrave formaccedilatildeo social onde coexistem forccedilas

diferentes plurais Isto explica segundo Fernandes (2008) enunciados estruturalmente

semelhantes significando diferentes discursos decorrentes da inscriccedilatildeo ideoloacutegica desses

enunciados

Nesse sentido os estudos poacutes-estruturalistas trazem conforme Pereira (2005) o

discurso para o centro das atenccedilotildees e afirmam que a linguagem natildeo eacute propriamente uma

representaccedilatildeo da realidade feita pelos sujeitos mas eacute constituidora dos sujeitos e da realidade

A linguagem eacute concebida nessa perspectiva como um loacutecus ativo dinacircmico e enredado por

relaccedilotildees de poder E o discurso concebido como um tipo de sentido um efeito de sentido uma

posiccedilatildeo que se materializa na liacutengua embora natildeo mantenha uma relaccedilatildeo biuniacutevoca com ela

(POSSENTI 2009) A linguagem entatildeo no esteio poacutes-estruturalista natildeo eacute apenas um meio

68

de transmitir ideias ou significados mas eacute a instacircncia em que se constroem os sentidos que

atribuiacutemos ao mundo e a noacutes mesmos dentro de uma pluralidade de sentidos

Fernandes (2008) trata do discurso como accedilatildeo social e reforccedila na linha de Orlandi

(2012) o quanto os discursos estatildeo implicados com a interpretaccedilatildeo dos sujeitos as condiccedilotildees

histoacuterico-sociais de sua produccedilatildeo e a histoacuteria Instacircncias essas que os discursos ldquonatildeo fixos

moventesrdquo e que fazem esses acompanharem as transformaccedilotildees sociais e poliacuteticas pelas quais

passam o mundo Essas consideraccedilotildees permitem aduzir o quanto a liacutengua se insere na histoacuteria

mediando-a e a constituindo gestando sentidos sentidos esses produzidos face aos lugares

ocupados pelos sujeitos em interlocuccedilatildeo

No que concerne agrave relaccedilatildeo sujeito e enunciado Fernandes (2008 p 28) pontua a

percepccedilatildeo da polifonia como elemento importante para a compreensatildeo do sujeito discursivo

ldquo[] requer compreender quais satildeo as vozes sociais que se fazem presentes em sua vozrdquo

(FERNANDES 2008 p 28) entrecruzada que eacute de diferentes discursos considerando que

natildeo haacute sujeito homogecircneo em decorrecircncia de sua interaccedilatildeo na sociedade Esse autor traz

tambeacutem relaccedilotildees entre o sujeito e a linguagem relaccedilotildees de base psicanalista cuja perspectiva

incide em um sujeito cindido descentrado considerando que

Sempre sob as palavras outras palavras satildeo ditas O sujeito tem a ilusatildeo de ser o

centro de seu dizer pensa exercer o controle dos sentidos do que fala mas

desconhece que a exterioridade estaacute no interior do sujeito em seu discurso estaacute o

lsquooutrorsquo compreendido como exterioridade social (FERNANDES 2008 p 29-30)

De posse de categorias analiacuteticas caras agrave AD como a formaccedilatildeo discursiva e o

descentramento do sujeito categorias discursivas que dialogam com formulaccedilotildees

foucaultianas a saber ldquonatildeo haacute enunciado que natildeo suponha outros natildeo haacute nenhum que natildeo

tenha em torno de si um campo de coexistecircnciasrdquo (FOUCAULT 1995 p 114) reflito sobre o

esteio que permite pensar as vozes escolares Nesse sentido todo enunciado eacute uma reacuteplica a

outros enunciados Com esse marco teoacuterico o debate sobre leitura e as relaccedilotildees de gecircnero que

atravessam as vozes escolares eacute compreendido como um espaccedilo de luta hegemocircnica como

praacutetica social Esta entendida como um conjunto de atividades humanas que engendram tanto

as condiccedilotildees de produccedilatildeo dos discursos quanto as condiccedilotildees de existecircncia de uma sociedade

(SPINK MENEGON 1999) eacute uma de minhas bases de discussatildeo do proacuteximo toacutepico que

envolve a importacircncia da praacutetica da leitura na escola como praacutetica social

69

25 Os processos de significaccedilatildeo e subjetivaccedilatildeo a leitura como praacutetica social

Sobre a praacutetica da leitura na escola eacute notaacutevel deveras que esta eacute mateacuteria instigante e

apreciada por tantos estudiosos da educaccedilatildeo (FREIRE 1988 2002) (SILVA E T 2009

2011) (SOARES 2001 2011) (ANTUNES 2009) do socioconstrucionismo (MOITA

LOPES 2002) da Anaacutelise do Discurso (POSSENTI 2009 ORLANDI 2008) entre outros

que se ater sobre o tema eacute se deparar com incontaacuteveis e fecundas pesquisas Isto me instiga a

pensar que muito jaacute foi dito Entretanto face agrave complexa questatildeo eacute sempre desafiador

imersoa na proacutepria realidade profissional problematizar a praacutetica pedagoacutegica imbuiacutedoa de

um desejo pelo inacabado E mover-se na problematizaccedilatildeo da leitura em uma interface

temaacutetica com gecircnero tendo como aporte teoacuterico as reflexotildees instigadas pela AD acerca da

leitura que a trata em uma perspectiva discursiva eacute enveredar por um desafio que atrai Vale

pensando assim inquirir de que forma a leitura tem participado dos processos de subjetivaccedilatildeo

quais satildeo enfim as verdades veiculadas pelas praacuteticas leitoras Dizendo na sintonia com a

AD os discursos sobre as relaccedilotildees de gecircnero estatildeo inscritos em uma determinada formaccedilatildeo

discursiva e operam constituindo que subjetividades segundo os campos do que eacute possiacutevel

pensar dizer julgar fazer na praacutetica leitora desenvolvida

Orlandi (2008) postulando os pressupostos teoacutericos da AD traz pontos cruciais para

uma accedilatildeo problematizadora com a leitura A autora faz referecircncias aos muacuteltiplos modos de

leitura (do ato de decodificar estrita aprendizagem formal de aprender a ler e escrever agrave

atribuiccedilatildeo de sentidos) dependendo cada acepccedilatildeo de seu modo de produccedilatildeo A analista

trabalha a concepccedilatildeo de leitura como um processo complexo no qual para as muacuteltiplas

determinaccedilotildees de sentidos que lhe envolvem exigem-se mais habilidades do que o

imediatismo da accedilatildeo de ler

Quando se lecirc considera-se natildeo apenas o que estaacute dito mas tambeacutem o que estaacute

impliacutecito aquilo que tambeacutem natildeo estaacute dito mas estaacute significando E o que natildeo estaacute

dito pode ser de vaacuterias maneiras o que natildeo estaacute dito mas que de certa forma

sustenta o que estaacute dito o que estaacute suposto para que se entenda o que estaacute dito

aquilo a que o que estaacute dito se opotildee outras maneiras diferentes de se dizer o que se

disse e que significa com nuances distintas etc (ORLANDI 2008 p 11)

Eacute instigante o olhar de Orlandi (2008) para que se pense no que natildeo eacute visiacutevel no

texto mesmo que o constitua como forma de assumir uma perspectiva discursiva sobre

leitura Dessa perspectiva concebe-se o pensamento acerca da produccedilatildeo da leitura como parte

do processo de instauraccedilatildeo de sentidos as especificidades e histoacuteria do sujeito-leitor satildeo

70

atentadas O fato de que tanto o sujeito quanto os sentidos satildeo determinados historicamente

tambeacutem faz parte das preocupaccedilotildees doa analista Tambeacutem satildeo preocupaccedilotildees doa analista a

noccedilatildeo de que os modos e efeitos de leitura de cada eacutepoca tecircm relaccedilatildeo iacutentima com a nossa

produtividade intelectual Eacute nesse sentido a ideia de referecircncia agrave historicidade agraves condiccedilotildees

de produccedilatildeo de leitura com a compreensatildeo dos jogos de poder entre os sujeitos e as

instituiccedilotildees que determinam como lemos que parece perseguir a AD eacute o que assegura Orlandi

(2008) Eacute da leitura como processo que interessa a esse campo de estudo da linguagem o

texto desse modo natildeo eacute um produto que conteacutem uma informaccedilatildeo pronta para ser ldquolidardquo eacute

um artefato cultural unidade complexa de significaccedilatildeo cujo crescimento natildeo ldquoeacute soacute para a

frente relacionando-se com o que ele natildeo eacuterdquo uma vez que o espaccedilo simboacutelico (os impliacutecitos)

entre enunciados efetivamente realizados eacute constitutivo do texto bem como sua relaccedilatildeo com

outros textosrdquo (ORLANDI 2008 p 46)

Como disciplina que se propotildee conhecer os mecanismos de processos de

significaccedilatildeo a AD trata da interaccedilatildeo da leitura na escola acolhendo a ideia foucaultiana de

que diferentes formas de poder produzem diferentes formas de individualidades e diferentes

sujeitosndashleitores Atentar para esta construccedilatildeo pode ser uma forma de evitar reducionismos de

limitar leitura agrave expressatildeo verbal de natildeo considerar o conhecimento preacutevio do aluno entre

outros

[] se sabemos portanto que haacute essa constituiccedilatildeo histoacuterica do sujeito na sua relaccedilatildeo

com a linguagem (logo com a leitura) e se sabemos que ideologicamente o sujeito

leitor se apresenta como esse sujeito capaz da livre determinaccedilatildeo dos sentidos ao

mesmo tempo em que eacute um sujeito submetido agraves regras das instituiccedilotildees como agir

na escola em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo do sujeito- leitor Ou mais simplesmente dada a

configuraccedilatildeo histoacuterica do sujeito-leitor produzido pela sociedade capitalista como

trabalhar com a relaccedilatildeo entre leitura parafraacutestica - leitura polissecircmica (ORLANDI

2008 p 50)

Orlandi (2008) trata dos processos de significaccedilatildeo de leitura na escola considerando

que eacute de grande relevacircncia que esta praacutetica seja desenvolvida tendo uma metodologia de

ensino consequente que explicite os espessos processos de produccedilatildeo de sentido

historicamente determinados ldquoA transparecircncia dos sentidos que brotam de um texto eacute

aparente e tanto quem ensina quanto quem aprende a ler deve procurar conhecer os

mecanismos que aiacute estatildeo jogando (ORLANDI 2008 p42)

Por seu turno Moita Lopes (2002) envolto com as teorias socioconstrucionistas do

discurso e das identidades sociais pontua a importacircncia de em contextos institucionais e em

especial em eventos de leituras atentarmos ldquopara o que fazemos com os outros no mundo por

71

meio da linguagemrdquo (MOITA LOPES 2002 p 14) Este autor se diz atraiacutedo tanto quanto o

mundo acadecircmico pelo papel constitutivo do discurso na construccedilatildeo de quem somos como

sujeitos que aprendem a ser quem satildeo discursivamente Esta perspectiva teoacuterica com a qual o

estudioso se move para refletir sobre as praacuteticas de letramento nas escolas eacute de suma

perspicaacutecia porque pontua por uma ampla aposta na consciecircncia do que faz a leitura eacute uma

praacutetica social E assim concebida como praacutetica social cuida que homens e mulheres

leitoresas natildeo satildeo produtos de um vaacutecuo social trazem suas marcas sociohistoacutericas

engendram-se por condiccedilotildees de construccedilotildees discursivas

Ler eacute legitimar ou questionar identidades eacute nessa direccedilatildeo de entendimento que

caminha Moita Lopes (2002) Direccedilatildeo pela qual vou porque tambeacutem defendo agrave luz de um

olhar socioconstrucionista que eacute com e pela leitura mediadosas pelas narrativas que dela

fazemos que construiacutemos um repertoacuterio de quem somos e de quais satildeo nossas accedilotildees sociais

Nesse sentido os processos formadores de identidades que satildeo dialoacutegicos e constitutivos pela

linguagem merecem a acuidade do olhar do agente de letramento Merecem pelas

possibilidades discursivas que esse sujeito pode construir no tocante agrave reflexatildeo acerca da

condiccedilatildeo humana de sujeito-forma (cf PEcircCHEUX 2012)

Haacute nas reflexotildees trazidas por Moita Lopes (2002) a busca pela desnaturalizaccedilatildeo do

senso comum eivado que eacute este de narrativas nas quais as identidades satildeo homogecircneas

hegemonicamente heterossexuais e brancas E este propoacutesito problematizador pode fecundar e

estar assegurado pela loacutegica da inserccedilatildeo de praacutetica de letramento

Argumenta-se que as histoacuterias contadas funcionam como pacotes de conhecimento

sobre como agir no mundo (Jordan 1989) ecoando discursos a que os alunos satildeo

expostos na miacutedia na famiacutelia etc Com base no potencial que as histoacuterias tecircm de

envolver as pessoas em reflexatildeo sobre a vida social considera-se a importacircncia de

permitir que outras histoacuterias sobre outros tipos de identidades adentrem a sala de

aula ao mesmo tempo que se promove o uso de sistemas de coerecircncia que

desnaturalize o senso comumrdquo (MOITA LOPES 2002 p 20-21)

Desnaturalizar o senso comum eacute desdobrar processos de subjetivaccedilatildeo dos quais as

leituras tecircm participado obedecendo a regras histoacutericas legitimadoras No processo de

legitimaccedilatildeo de leituras a escola eacute uma das instituiccedilotildees em que circula a leitura crivada pelo

olhar de um especialista o professor respaldada em um livro didaacutetico adotado em um

processo bem verticalizado Esta tem sido uma praacutetica redutora considerando estudos que

evidenciam o grau de comprometimento das obras com a negaccedilatildeo de que o sujeito discursivo

eacute plural atravessado de vozes moventes que se deslocam e se transformam inscrevendo-se

em formaccedilotildees discursivas As inquietaccedilotildees trazidas por Moita Lopes (2002) vatildeo na direccedilatildeo de

72

problematizar a circulaccedilatildeo e produccedilatildeo das leituras com esta direccedilatildeo redutora Esse autor traz

outras bases aos modelos legitimados ampliando a natureza multifacetal de seres humanos a

ser lida discutida Para isto vaticina o estudioso o advento das mudanccedilas bruscas deste iniacutecio

de milecircnio com o caudaloso acesso agraves tecnologias da informaccedilatildeo que expotildeem um mundo

plural e muacuteltiplo eacute um adendo a esta questatildeo

Eacute curioso ver que a miacutedia eletrocircnica que evidencia a chamada Globalizaccedilatildeo ao

mesmo tempo em que aproxima o mundo incorrendo no perigo de homogeneizaacute-lo

colabora para que percebamos a diferenccedila de que somos feitos e as desigualdades e

contradiccedilotildees sociais sob as quais vivemos Essas percepccedilotildees tecircm alterado como

nunca a concepccedilatildeo homogecircnea de identidade social e tecircm levado a nos entendermos

como heterogecircneos e ao mesmo tempo fragmentados e construiacutedos com praacuteticas

discursivas situadas na histoacuteria na cultura e na instituiccedilatildeo (MOITA LOPES 2002

p 15-16)

Somam-se a este olhar socioconstrucionista sobre leitura como praacutetica social que

contempla uma accedilatildeo de ler proficuamente ajustada aos postulados dos DH no que diz respeito

agrave defesa de um mundo plural as contribuiccedilotildees da AD Orlandi (2008) pontua a leitura numa

relaccedilatildeo de historicidade de modos de relaccedilatildeo de trabalho e de produccedilatildeo de sentidos Ler e

compreender na perspectiva trabalhada por esta analista natildeo se traduz em atribuir sentidos

mas conhecer os mecanismos pelos quais se potildee em jogo um determinado processo de

significaccedilatildeo

Os sentidos natildeo nascem ab initio Satildeo criados Satildeo construiacutedos em confrontos de

relaccedilotildees que satildeo soacutecio-historicamente fundadas e permeadas pelas relaccedilotildees de poder

com seus jogos imaginaacuterios Tudo isso tendo como pano de fundo e ponto de

chegada quase que inevitavelmente as instituiccedilotildees Os sentidos em suma satildeo

produzidos (ORLANDI 2012 p 83)

26 A leitura como mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de identidades

Apoacutes as consideraccedilotildees acerca dos dispositivos teoacutericos que apoiam esta anaacutelise os

quais me remetem agrave ideia de que o sujeito da leitura e do discurso eacute um sujeito histoacuterico que

fala a partir de condiccedilotildees especiacuteficas de enunciaccedilatildeo cabe pensar sobre a leitura como

produtora e reprodutora de discurso e sobre a importacircncia desse entendimento para um

trabalho no espaccedilo escolar que perspective angariar reflexotildees acerca de processos de

subjetivaccedilatildeo Em minhas buscas para levantamento de um estado da arte que contribuiacutesse

teoricamente com essa perspectiva encontrei produccedilotildees acadecircmicas que atrelavam leituras

subjetividades discursividades e relaccedilotildees de gecircneros no espaccedilo escolar bem pertinentes

Alguns relatos aqui pontuados vatildeo ao encontro das consideraccedilotildees por mim tecidas colhidas

73

pelos pressupostos teoacutericos jaacute aqui tratados tendo sido inclusive uacuteteis na confecccedilatildeo dos

instrumentos investigativos e de suas anaacutelises para este trabalho

Larrosa (2004) problematiza o ato de ler sob o crivo vinculador deste ato agraves praacuteticas

de liberdade O autor em um ensaio intitulado ldquoLeitura e metamorfoserdquo ao analisar o poema

O leitor de Rilke trata da experiecircncia da leitura em sua dimensatildeo complexa e de plenitude do

existente leitura que transforma que transfigura que torna o leitor um outro Larrosa (2004)

ao se debruccedilar sobre a poesia existencial e metalinguiacutestica de Rilke nega a pessoalidade do

leitor cravando sua dispersatildeo Isto fica demonstrado segundo o ensaiacutesta no seguinte verso

ldquoQuem o conhece este que baixou seu rosto de um ser ateacute um segundo serrdquo(RILKE 1908

apud LARROSA 2004 p 97) Para Larrosa (2004) o poeta trabalha com o movimento do

olhar descrito no poema como o movimento que delineia conversotildees apropriaccedilotildees de

mudanccedilas Assim o leitor que se curva entrega-se aprende a ver de outra maneira e eacute

desconhecido entatildeo ateacute por sua matildee como pode ser visto no segundo quarteto do poema a

saber ldquoNem sequer sua matildee estaria segurase ele eacute aquele que ali lecirc algo mergulhadoem

sua sombrardquo (RILKE 1908 apud LARROSA 2004 p 97) eacute o leitor que angaria olhos

daacutedivos traccedilos alterados para sempre Haacute uma forccedila poeacutetica na imagem do leitor em

silecircncio curvado despersonalizado e por fim transformado da qual Larrosa (2004) se

apropria para trazer uma reflexatildeo em cima do que significa um mundo pronto administrado e

acabado quando ldquotopadordquo por leitores Eacute dessa leitura cujo sentido eacute o de experiecircncia da

reconstruccedilatildeo das travessias diante de um mundo hostil e pronto que a leitura para esse autor

inscreve-se

Alicerccedilado em uma visatildeo de leitura como praacutetica social situada Moita Lopes (2002)

ressalta a accedilatildeo constitutiva do discurso na construccedilatildeo da vida social aprendemos a nos tornar

o que somos com base em fatores sociais e histoacutericos constituiacutedos discursivamente Esse

autor direcionou pesquisas com as praacuteticas de letramento coordenando experiecircncias de

investigaccedilatildeo sobre praacuteticas discursivas em escola puacuteblica do Rio de Janeiro objetivando

investigar a relaccedilatildeo entre texto e formaccedilatildeo de identidade na esfera pedagoacutegica

especificamente a sala-de-aula

Dentre os espaccedilos institucionais em que atuamos a escola tem sido continuamente

apontada como um dos mais importantes na construccedilatildeo de quem somos ou dessa

fragmentaccedilatildeo identitaacuteria Eacute um dos primeiros espaccedilos sociais a que a crianccedila tem

acesso longe da vigilacircncia da famiacutelia a outros modos de ser humano diferentes

daqueles do mundo relativamente homogeneizado da famiacutelia Ou seja eacute na escola

que em geral a crianccedila se expotildee pela primeira vez agraves diferenccedilas que nos constituem

e que portanto representam as primeiras ameaccedilas ao mundo da famiacutelia (MOITA

LOPES 2002 p 17)

74

Como integrante da equipe de pesquisa coordenada pelo autor acima referendado

Santos (2002) categoriza que leitura eacute um fenocircmeno cultural em que as pessoas constroem

sentidos em interaccedilatildeo com outras

[] ler eacute uma accedilatildeo social na qual estatildeo envolvidos a negociaccedilatildeo o

compartilhamento a construccedilatildeo de significados entre leitores e textos Isto eacute a

leitura eacute uma accedilatildeo social porque implica a procura do significado mediado pelo

discurso escrito entre dois sujeitos sociais principais o leitor e o autor situados

soacutecio-historicamente (SANTOS 2002 p 159)

Em consonacircncia com o olhar de Moita Lopes Santos (2002) percebe a leitura como

uma praacutetica social considerando que os significados construiacutedos pelos sujeitos-leitores

refletem o contexto social imediato no qual estatildeo localizados como tambeacutem o mundo social

mais amplo que situa esses contextos Conceber a leitura nessa perspectiva eacute tarefa que exige

do mediador a percepccedilatildeo de que haacute sempre em eventos de leitura uma indeterminaccedilatildeo de

significados em funccedilatildeo da pluralidade de contextos e sujeitos

Coimbra (2002) objetivando refletir as bases discursivas que constroem social e

assimetricamente meninos e meninas utiliza a visatildeo de discurso como forma de accedilatildeo no

mundo e aborda a importacircncia do contexto escolar para a formaccedilatildeo das identidades sociais

Essa professora alinhada com os estudos de Moita Lopes e diante da indagaccedilatildeo sobre qual

seria a forma em que ela e alunosas estariam construindo a identidade social de gecircnero da

mulher em uma escola puacuteblica no Rio de Janeiro propotildee-se a refutar uma visatildeo de mundo

essencialista

Adoto uma visatildeo de discurso como uma forma de accedilatildeo no mundo e um meio pelo

qual nossa cultura e nossas identidades satildeo constituiacutedas e definidas Como diz Moita

Lopes (1998) as identidades natildeo estatildeo nos indiviacuteduos mas emergem nas interaccedilotildees

entre os indiviacuteduos agindo em praacuteticas discursivas particulares nas quais estatildeo

posicionados [] Da mesma forma o comportamento diferenciado de gecircnero natildeo

existe naturalmente como parte essencial do indiviacuteduo Ele eacute tambeacutem construiacutedo na

interaccedilatildeo social (COIMBRA 2002 p 210)

Para refutar o essencialismo esse aqui entendido na perspectiva que lhe datildeo os

Estudos Culturais como uma percepccedilatildeo de mundo que atribui aos seres humanos marcas

universais imutaacuteveis e pertencentes ao indiviacuteduo naturalmente (HALL 2011 SILVA 2012)

Coimbra lanccedila matildeo dos estudos sobre gecircnero adotados por Louro que concebem gecircnero

como um sistema de relaccedilotildees de poder calcado nas estruturas sociais o que possibilita a

reflexatildeo sobre o quanto as praacuteticas discursivas sustentam a primazia masculina

75

[] a visatildeo essencialista enfatiza as caracteriacutesticas bioloacutegicas e reduz a importacircncia

do contexto soacutecio-histoacuterico naturalizando o poder do homem e as desigualdades

social e econocircmica estabelecidas entre os gecircneros masculino e feminino Isto eacute as

desigualdades satildeo percebidas como consequecircncias naturais e inevitaacuteveis da natureza

bioloacutegica das mulheres e dos homens e natildeo satildeo entendidas como historicamente

construiacutedas e modificaacuteveis (LOURO apud COIMBRA 2002 p 212)

Por considerar a escola elemento reprodutor ou transformador da sociedade porque

veicula enquadramento vontade imposta ao outro sobre seus corpos construccedilatildeo de estigmas

de silecircncios estereoacutetipos e exclusotildees ou porque veicula emersatildeo de vozes que desejam

escuta diaacutelogo e respeito em um sinal de resistecircncia Silva A L G (2009) trata da produccedilatildeo

de sentidos nesse espaccedilo Essa autora chama a atenccedilatildeo para as demandas sociais na

contemporaneidade sobre corporeidade sexualidade e identidade de gecircnero na escola

demandas que traduzem um mundo cambiante vertiginoso movente pleno de

questionamentos que tem nos deixado atocircnitos e sem respostas em seu dizer Sem respostas

ldquoprontasrdquo melhor seria dito porque no cotidiano escolar nos deparamos com uma cultura

que a despeito de ser marcada pela pluralidade reflete a disseminaccedilatildeo da

heteronormatividade da diferenccedila como desvio e de padrotildees de comportamentos para

meninos e meninas Haacute um conjunto de conteuacutedos cognitivos e simboacutelicos que selecionados

sob efeito de didatizaccedilotildees atravessam segundo (SILVA A L G 2009) os muros e

instrumentos escolares engendrando liccedilotildees de corpos disciplinados normalizados E dessas

liccedilotildees questiona a pedagoga qual o lugar do outro nas relaccedilotildees escolares enfim como

meninos e meninas satildeo educadosas

Carvalho (2003) nessa direccedilatildeo fala das experimentaccedilotildees com praacuteticas pedagoacutegicas

problematizadoras do modelo que institui a iniquidade de gecircnero Essa educadora procura

responder sobre as questotildees de gecircnero salientando a importacircncia da luta das mulheres

educadoras por sistematizaccedilotildees de estrateacutegias de intervenccedilatildeo nas atividades e no curriacuteculo

escolar para o desenvolvimento da consciecircncia de gecircnero Essa eacute uma tendecircncia que segue o

olhar militante de um feminismo que se manifesta e se fortalece a cada dia mas que precisa

dar passos marcantes no debate escolar sobre as formas de subjetivaccedilatildeo de ser homem e ser

mulher

A escola tem ferrolhos fortes na trava para o novo para o desmantelo das

assimetrias a despeito de guardado em armaacuterios e prateleiras das instituiccedilotildees muitas vezes

estaacute todo um ordenamento da legislaccedilatildeo educacional que institui avanccedilos na conquista de

uma escola que respeite a pluralidade cultural e a dignidade humana Carvalho (2003) fala

atraveacutes de seu envolvimento com a temaacutetica das relaccedilotildees de gecircnero na educaccedilatildeo do

76

caminhar que se esboccedila na escola de um processo de desconstruccedilatildeo de uma visatildeo e divisatildeo

de mundo androcecircntrica Fruto possivelmente a autora afirma do ativismo de algunsmas

educadoresas

[] Eacute plausiacutevel supor que o reconhecimento das diferenccedilas de gecircnero inicialmente

invisiacuteveis ou natildeo problemaacuteticas jaacute seja o resultado da problematizaccedilatildeo propiciada

pela oficina No contexto escolar apontam problemas como filas atividades e

brincadeiras separadas por sexo violecircncia na sala de aula e no recreio problema de

higiene e limpeza da escola manifestaccedilotildees da sexualidade na preacute-adolescecircncia e

adolescecircncia (brincadeiras sexuais gravidez precoce discriminaccedilatildeo dos

homossexuais) e das dificuldades das professoras de trabalharem com Orientaccedilatildeo

sexual (CARVALHO 2003 p 72)

O fazer pedagoacutegico trama produccedilotildees de sentidos que satildeo construiacutedas em praacuteticas

discursivas em gestos e olhares que muito dizem sobre os corpos e a sexualidade no

cotidiano escolar Rollemberg (2002) adotando a perspectiva socioconstrucionista do

discurso estuda como osas professoresas constroem sua identidade social e profissional por

meio de suas narrativas de vida A autora reforccedila a ideia de que o discurso tambeacutem determina

e eacute determinado por contextos socioculturais especiacuteficos nos quais esses sujeitos atuam e de

que esses sujeitos possuem naturezas multifacetadas

O professor ou professora eacute tambeacutem homem mulher marido esposa pai matildee

filho filha segue determinada religiatildeo tem suas crenccedilas sua visatildeo de mundo

ocupa certa posiccedilatildeo social e enfim torna-se professor na interaccedilatildeo desse mosaico de

diferentes traccedilos que o constituem Seu discurso reflete entatildeo essa natureza

multifacetada e nas diversas praacuteticas discursivas nas quais se envolvem os

professores vatildeo se reconstruindo como tais (ROLLEMBERG 2002 p 251)

Em artigo que discorre sobre uma investigaccedilatildeo feita em escola na qual leciona

Rollemberg (2002) aborda a construccedilatildeo social do discurso e da identidade profissional dos

educadoresas entrecortada por identidade de gecircnero A autora aborda as relaccedilotildees de poder

que se estabelecem em contextos sociais e culturais que forjam que moldam seres diferentes

com posiccedilotildees assimeacutetricas socialmente Ao tratar dos traccedilos de gecircnero o estudo de

Rollemberg adota tambeacutem a visatildeo processual das identidades e as tem como natildeo-fixas natildeo-

imutaacuteveis natildeo-estaacuteticas construiacutedas discursiva e socialmente

Cruz (2012) ao discorrer sobre a utilizaccedilatildeo do texto literaacuterio descarta

veementemente a noccedilatildeo de ler como decifrar palavras e questiona sobre o modo de

apropriaccedilatildeo desse texto por parte da escola A autora fala de seus fracassos com atividades de

leituras procurando explicaacute-los entre tantos lastros pelo processo de interlocuccedilatildeo na leitura

77

de textos para a qual o leitora eacute construtora e natildeo apenas receptora de um significado

global para o texto

Foi com essa consciecircncia (que eacute um aprendizado) que passei a analisar a relaccedilatildeo

existente entre leitor o texto o autor e a realidade que circunda todos Essa anaacutelise

me fez perceber que o docente (no caso eu) elaborava as atividades do seu ponto de

vista sem conversar e portanto sem conhecer a partir das falas dos alunos o modo

como eles se apropriavam dos textos literaacuterios e a relaccedilatildeo que eles tinham com o

mundo da leitura Essa ausecircncia de diaacutelogo entre as partes estimulava o desinteresse

dos alunos e a reproduccedilatildeo de leituras mecanizadas que soacute serviam para

cumprimento de tarefas obrigatoacuterias (CRUZ 2012 p 161)

Ao discutir por sua vez o papel de mediadora da leitura pela escola Bastos (2012)

remonta agrave histoacuteria dessa praacutetica no Brasil tratando de uma heranccedila natildeo leitora onde haacute a

rarefaccedilatildeo e esgarccedilamento da praacutetica que sedimenta a justificativa de professoresas para o

distanciamento do livro falta de tempo condiccedilotildees financeiras Esta autora dessacraliza o ato

de ler falando de leituras na relaccedilatildeo leitortextocontexto

A relaccedilatildeo leitortexto soacute tem sentido se houver compreensatildeo do que e para que se lecirc

O papel da escola nesse processo eacute perigoso porque tanto ela pode formar um leitor

criacutetico e assim libertaacute-lo dos preceitos ideoloacutegicos o que seria o ideal como

conduzi-lo para o extremo oposto acorrentando-o agrave ideologia dominante que ao

iludir cria falsos valores (BASTOS 2012 p 194)

Nesse sentido a autora supracitada tece comentaacuterios que satildeo intrincados com a

percepccedilatildeo de formaccedilatildeo discursiva da AD como um conjunto de formas reguladas

atravessando leituras postuladas E que agrave escola que se pretende inclusiva e democraacutetica

cabe ser mediadora de leitura em uma perspectiva que aposte na consciecircncia de que a leitura eacute

produtora e reprodutora de sentidos Bastos (2012) reforccedila uma ideia que lanccedila uma instigante

reflexatildeo sobre os que observam de forma mais questionadora o corrente sentido de leitura

Por fim e talvez mais importante assumir tambeacutem que para grande parte da

populaccedilatildeo a leitura natildeo representa um gecircnero de primeira necessidade e portanto

pode viver sem ela e pouco ou nada tem a ver com a presenccedila ou ausecircncia de prazer

esteacutetico (BASTOS 2012 p 194-195)

No que tange agrave importacircncia das condiccedilotildees sociais de produccedilatildeo e de acesso agrave leitura

Soares (2001) oferece uma importante contribuiccedilatildeo sobre o tema a leitura natildeo existe em um

vaacutecuo em atos isolados e universalizantes Ela estaacute engendrada em relaccedilotildees socialmente

construiacutedas favorecendo o fato de que a interaccedilatildeo seja uma marca do ato de ler Assim ler

tem diferentes valores para as classes sociais para as diferentes etnias e culturas A autora

analisa atraveacutes de resultados de pesquisas com entrevistados de diferentes extratos sociais o

78

quanto ler corresponde a diferentes expectativas Para a classe dominante por exemplo ler

relaciona-se a lazer a prazer agrave ampliaccedilatildeo de horizontes de conhecimentos Por seu turno as

classes dominadas veem na leitura uma funccedilatildeo utilitaacuteria de acesso ao mundo do trabalho agrave

garantia da sobrevivecircncia

No tocante agrave importacircncia dos estudos de gecircnero as reflexotildees de Aras e Cunha (2011)

acerca das divisotildees no mundo de trabalho entre homens e mulheres satildeo pertinentes Essas

autoras pontuam que ao analisarem as relaccedilotildees de gecircnero no magisteacuterio em um curso de

capacitaccedilatildeo para professores e professoras da Rede Estadual de Ensino da Bahia o PROLE

constataram que as mulheres enfrentam uma dificuldade de conciliar tarefas tendo em vista

que se dividem entre a casa e o trabalho de modo extenuante o que revela uma exploraccedilatildeo

nas relaccedilotildees de gecircnero As autoras citam uma pesquisa jaacute um pouco antiga mas que dadas as

proporccedilotildees com que os dados se alteram deve ainda traduzir um quadro bem representativo

da realidade atual Segundo pesquisa feita por Aguiar (2004 apud ARAS CUNHA 2011 p

45) durante a semana a jornada diaacuteria da mulher eacute de 502 minutos 5 maior que a do

homem que trabalha 480 minutos No fim de semana a diferenccedila eacute ainda maior enquanto a

carga masculina eacute de 201 minutos a da mulher eacute de 326 ou seja 62 maior Se a mulher for

matildee este iacutendice cresce ainda mais mesmo que tenha quem a ajude Esses dados e demais

outros revelados pelas autoras refletem uma cultura que molda um lugar para a mulher o

espaccedilo privado e que mesmo tendo estaacute avanccedilado em conquistas sociais que a potildeem no

espaccedilo puacuteblico haacute uma cultura machista que oprime as mulheres trabalhadoras dando-lhes

um papel central na administraccedilatildeo da vida familiar na educaccedilatildeo dos filhos nas tarefas

ldquonaturalizadasrdquo como femininas Aras e Cunha (2011) avaliam o quanto os estudos de gecircnero

constroem bases importantes para a reflexatildeo desse sistema desmantelando as assimetrias no

interior da famiacutelia

Por sua vez Sardenberg e Suzarte (2011) discutem a importacircncia da perscruta dos

sujeitos que se encontram nas escolas ouvindo o que ressoam suas vozes As autoras

refletem a partir de relatos de grupos de mulheres pertencentes agraves camadas populares sobre a

representaccedilatildeo da educaccedilatildeo escolar como perspectiva de empoderamento para os membros

desses grupos As feministas perpassam por questotildees que mostram as representaccedilotildees do

espaccedilo escolar como lugar de esperanccedila e liberdade oportunidade de se emancipar social e

individualmente de prover-se de ldquoum novo instrumental de conhecer e atuar ou ateacute mesmo

de transformar-se

Buscar ressonacircncia das praacuteticas discursivas dosas docentes nas atividades de leitura

realizadas por estesas eacute um trabalho que exige o afiar de sentidos ao qual Louro (2012) se

79

refere Haacute qual espaccedilo nas praacuteticas de leitura nas falas e histoacuterias disseminado para a

discussatildeo da equidade de gecircnero trazida pelo movimento de mulheres e movimentos que

apregoam o respeito agraves diversidades A pesquisadora dos estudos feministas aponta a

importacircncia de buscar uma reflexatildeo que pontue o lugar da escola na construccedilatildeo de um ideaacuterio

de respeito agraves diferenccedilas e agrave alteridade

Portanto se admitimos que a escola natildeo apenas transmite conhecimentos nem

mesmo apenas os produz mas que ela tambeacutem fabrica sujeitos produz identidades

eacutetnicas de gecircnero de classe se reconhecemos que essas identidades estatildeo sendo

produzidas atraveacutes de relaccedilotildees de desigualdade se admitimos que a escola estaacute

intrinsecamente comprometida com a manutenccedilatildeo de uma sociedade dividida e que

faz isso cotidianamente com nossa participaccedilatildeo e omissatildeo se acreditamos que a

praacutetica escolar eacute historicamente contingente e que eacute uma praacutetica poliacutetica isto eacute que

se transforma e pode ser subvertida e por fim se natildeo nos sentimos confortaacuteveis com

essas divisotildees sociais entatildeo certamente encontramos justificativas natildeo apenas para

observar mas especialmente para tentar interferir na continuidade dessas

desigualdades (LOURO 2012 p 89)

E a leitura efetivamente pode ser um instrumento que propicie este ideaacuterio Mas

cabe sempre inquirir que textos circulam nestes espaccedilos regulando modos de subjetivaccedilatildeo da

comunidade escolar No que se refere agrave presenccedila substancial do livro didaacutetico no cotidiano

escolar como um dos principais instrumentos manuseados por docentes e discentes eacute

importante a anaacutelise desse material em seu aspecto poliacutetico e cultural Considerando os

comportamentos sociais que tecircm sido construiacutedos acerca da imagem masculina e feminina

veiculados pelos livros didaacuteticos Marques (2009) assevera que as representaccedilotildees do lugar

social do homem e da mulher ainda satildeo bem demarcadas pelas forccedilas patriarcais e hierarquia

de gecircneros A autora debruccedilou-se entre outros sobre os resultados de uma exaustiva pesquisa

realizada por uma comissatildeo instituiacuteda pelo MEC em 1991 para analisar 80 coleccedilotildees de

Estudos Sociais da 1ordf agrave 4ordf seacuterie E conforme Marques (2009) foram observadas fortes

tendecircncias de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo de conteuacutedos que evidenciam modelos que atestam

papeacuteis sociais para homens e mulheres minados de preconceitos estereoacutetipos e enganosos

quando a imagem da famiacutelia e a da escola eacute a de que vivem isentas de conflitos A autora

revela o quanto o livro didaacutetico discrimina a mulher restringindo o seu universo ao espaccedilo

domeacutestico As imagens como construccedilotildees sociais possuem historicidade na sua posiccedilatildeo A

naturalizaccedilatildeo da divisatildeo sexual dos papeacuteis sociais incorre em uma posiccedilatildeo de imobilidade

social tendo em vista a cristalizaccedilatildeo de modelos o pai provedor e a matildee cuidadora Ele o

homem aparece envolto em leituras trabalho fornecendo agrave famiacutelia sustento e lazer ela a

mulher em funccedilotildees que a limitam agrave casa o que ocasiona a ideia de alienaccedilatildeo

80

Marques (2009) salienta o quanto a emergecircncia dos movimentos de mulheres por sua

cidadania plena a despeito de sua forccedila social natildeo encontra visibilidade nos livros didaacuteticos

Estes equiacutevocos todavia satildeo verificados hoje como natildeo mais representativos

substancialmente dos livros didaacuteticos e paradidaacuteticos fruto de um ativismo dos movimentos

de mulheres que terminou pressionando editoras secretarias estaduais e municipais no sentido

de envidar esforccedilos para que se repense o uso deste instrumento de modo mais criacutetico

Considerando o caraacuteter mercadoloacutegico do livro didaacutetico Marques (2009) salienta o quanto a

formaccedilatildeo doa professora para a escolha do material didaacutetico e sua mediaccedilatildeo com os textos eacute

de relevacircncia inconteste O risco de reproduzirmos discursos e representaccedilotildees machistas e

patriarcais eacute inerente aoagrave educadora imersoa que estaacute ainda em uma sociedade que produz

uma submissatildeo feminina O processo de construccedilatildeo das imagens e textos que povoam uma

subalternidade feminina eacute o que deve ser trabalhado pelo profissional atinente agraves questotildees de

gecircnero

Nesse sentido Louro (2012) ao avaliar o quanto o material didaacutetico eacute reprodutor e

produtor de discurso veiculador de diferenccedilas traz uma reflexatildeo sobre a construccedilatildeo escolar

das representaccedilotildees que segregam

Os livros didaacuteticos e os paradidaacuteticos tecircm sido objeto de vaacuterias investigaccedilotildees que

neles examinam as representaccedilotildees dos gecircneros dos grupos eacutetnicos das classes

sociais Muitas dessas anaacutelises tecircm apontado para a concepccedilatildeo de dois mundos

distintos ainda apresentam a concepccedilatildeo de dois mundos distintos (um mundo

puacuteblico masculino e um mundo domeacutestico feminino) ou para a indicaccedilatildeo de

atividades caracteriacutesticas de homens e atividades de mulheres Tambeacutem tem

observado a representaccedilatildeo da famiacutelia tiacutepica construiacuteda de um pai e uma matildee e

usualmente dois filhos um menino e uma menina (LOURO 2012 p 68)

A relevacircncia dos estudos acima referendados se faz perceber porque esses atrelam a

construccedilatildeo social do discurso em um espaccedilo que se constitui como centro de construccedilatildeo e

exerciacutecio de poder que eacute a escola E ao mesmo tempo em que enseja a reflexatildeo de que em sua

dinacircmica interna essa instituiccedilatildeo cria a possibilidade de processos de contra-hegemonia Eacute

percebida tambeacutem a relevacircncia dos estudos que estruturam uma interface discursividade

leitura e gecircnero na escola por estes propiciarem reflexotildees perspicazes Reflexotildees essas que

satildeo consonantes com o pensamento de Carvalho (2003) quando esta pedagoga militante do

feminismo afirma que das relaccedilotildees de gecircnero natildeo se pode tomar distacircncia ldquo[] de forma

impliacutecita estruturam o trabalho escolar as relaccedilotildees entre docentes e discentes e constituem

as identidades profissionais e pessoaisrdquo (CARVALHO 2003 p 77) Isto se daacute porque na sala

de aula nos curriacuteculos nas relaccedilotildees interpessoais nos conteuacutedos abordados ou natildeo

81

abordados haacute um campo de luta refletindo que a escola estaacute inserida em relaccedilotildees histoacutericas

mediadas e construiacutedas por discursos

Nesse sentido reitero o quatildeo os relatos acima extraiacutedos em sua maioria de um

contexto social que tece leitura em cotidianos na escola satildeo uacuteteis empreacutestimos para esta

anaacutelise considerando que os trabalhos apresentados versam sobre toacutepicos afins ao aqui

desenvolvido relaccedilotildees de gecircnero preconceitos construccedilatildeo de identidades pontuados em

ambiente de leitura

82

3 ANAacuteLISE DOS RESULTADOS INVESTIGATIVOS

O entendimento de que a abordagem de uma pesquisa exige um processo de revisatildeo

e reorganizaccedilatildeo de accedilotildees eacute importante na concepccedilatildeo de um trabalho Essa percepccedilatildeo eacute

consoante com a perspectiva da epistemologia feminista que entende a realidade como um

fenocircmeno histoacuterico cultural e dinacircmico (LOURO 2012 COSTA 2009) E meus passos na

direccedilatildeo e dentro da escola se constituiacuteram de inuacutemeras articulaccedilotildees de accedilotildees com as quais

tracei um norte investigativo objetivando fazer deste estudo algo profiacutecuo ordenado que

perspective contribuir com reflexotildees atinentes agrave educaccedilatildeo como praacutetica emancipadora

problematizadora de modos de subjetivaccedilatildeo

Dando prosseguimento ao rito comum a um processo de investigaccedilatildeo construiacute um

diaacutelogo preacutevio com a direccedilatildeocorpo teacutecnico com osas professoresas e a coordenadora do

projeto agravesaos quais foram explicados o procedimento e os objetivos da pesquisa ao tempo

em que foi solicitada a anuecircncia para sua aplicaccedilatildeo Como a dissertaccedilatildeo deste mestrado possui

caraacuteter interventivo foi explicada agrave equipe tambeacutem sobre a possibilidade de construccedilatildeo de

uma accedilatildeo propositora de trabalho apresentada por esta pesquisadora como fruto da

investigaccedilatildeo desenvolvida Esta informaccedilatildeo foi bem acolhida pela coordenaccedilatildeo do projeto

receptiva agrave possibilidade de crescimento de aprendizado e desejosa de aperfeiccediloar o trabalho

com a leitura pelo menos assim se manifestou

31 O Documento-fundador o natildeo dito significando

Logo nos primeiros contatos com osas integrantes da pesquisa que em consonacircncia

com as pactuadas regras do anonimato precisam aqui ser denominadosas ficticiamente

solicitei informaccedilotildees sobre o projeto de leitura instrumento de anaacutelise para aquele momento

O surgimento tempo de execuccedilatildeo seu formato documentaccedilatildeo criteacuterios para escolha de

textos entre outras indagaccedilotildees foram solicitadas Quando solicitei uma coacutepia do projeto agrave sua

coordenadora Diana cujo tempo de atuaccedilatildeo profissional eacute de 18 anos tive como resposta a

condiccedilatildeo de que o texto seria disponibilizado para que eu o conhecesse mas natildeo poderia

constar como anexo em meu trabalho por respeito ao acordado pacto do anonimato Aceitei a

condiccedilatildeo mesmo argumentando que o problema da identificaccedilatildeo do projeto seria resolvido

com o corte da parte que o identificasse A coordenadora relutou Isto me fez pensar no

campo discursivo mais amplo que eacute a negaccedilatildeo do texto possivelmente nele haveria o que natildeo

83

pode ser visto haveria a ausecircncia do dizer melhor Entendi a sonegaccedilatildeo do texto como a

tentativa de natildeo fazer aparecer o seu pouco labor

E constatei deveras isso quando o documento me chegou agraves matildeos depois de algumas

visitas em que o solicitara Observei que conforme o texto o projeto natildeo fora pensado para

discutir a leitura em sua funccedilatildeo social mais ampla Sem intencionar desqualificar o trabalho

daquela escola natildeo tive como deixar de ver pouca expressatildeo de conhecimento das funccedilotildees da

leitura naquele material Havia ali a mera proposta de decodificaccedilatildeo no lugar do letramento a

tarefa feita para cumprir obrigaccedilatildeo Natildeo estavam pontuados temas problematizando a

implantaccedilatildeo da defesa dos DH nem nenhum tema transversal proposto pelos PCNs constando

como ponto de exploraccedilatildeo no projeto de leitura muito menos o desta pesquisa As relaccedilotildees de

gecircnero conforme averiguei naquele material investigativo natildeo encontram assento no projeto

de leitura a CestaSexta Literaacuteria E eacute sobre isto que discorrerei agora analisando o referido

material como um dos procedimentos geradores de dados desta pesquisa que o eacute

O documento que eacute apresentado agrave Secretaria Municipal da Educaccedilatildeo - SEDEC- em

regra eacute uma exigecircncia deste oacutergatildeo como preacute-requisito para que osas professoresas

readaptadosas que exercem funccedilatildeo em biblioteca justifiquem sua permanecircncia na escola

Essesas profissionais precisam demonstrar estar vinculadosas agraves unidades escolares e

desenvolvendo trabalho pedagoacutegico a fim de assegurarem a manutenccedilatildeo da gratificaccedilatildeo

docente que perderiam caso saiacutessem da funccedilatildeo de professoresas e do espaccedilo escolar

Observar como esse documento eacute articulado e seu comprometimento com o que se

propotildee a fazer me remeteu a um compromisso eacutetico com o qual desejo afirmar aqui que natildeo

tenho a palavra final sobre do que necessariamente se deve constituir um trabalho desta

natureza mas faccedilo minhas leituras minhas anaacutelises E nessas leituras que natildeo poderiam ser

soacute minhas em uma perpeacutetua dialogia com Freire (1988 2002) Moita Lopes (2002) Foucault

(2011) Orlandi (2008) e com tantosas outrosas estudiososas e natildeo estudiososas

compreendo que eacute preciso supor que um texto nunca fornece todas as condiccedilotildees de sua leitura

(POSSENTI 2009)

Assim leio o documento do projeto de leitura da escola buscando sua

intertextualidade suas condiccedilotildees de produccedilatildeo seus ditos e natildeo-ditos Penso entatildeo sobre seu

nascedouro quem o produziu e por que o fez Procurei observar se aquele documento

expressava interesse pedagoacutegico intersubjetivo ou a exigecircncia da SEDEC teria sido a causa da

sua elaboraccedilatildeo ou seja motivaccedilatildeo externa administrativa E me interessei pelo que existe e

natildeo existe ali dizendo da realidade social que o produziu quem observa sua confecccedilatildeo sua

aplicaccedilatildeo ou natildeo-aplicaccedilatildeo A SEDEC exige uma produccedilatildeo acadecircmica mas o impacto da

84

execuccedilatildeo desta tarefa na atividade escolar parece natildeo ser devidamente acompanhado Essa

questatildeo jaacute me envereda para uma reflexatildeo sobre poliacutetica puacuteblica de gestatildeo educacional que

natildeo eacute de competecircncia desta pesquisa mas que ao fim e ao cabo faz sentido explorar tal

inquietaccedilatildeo pela relaccedilatildeo que haacute entre o labor do projeto e sua existecircncia e aplicaccedilatildeo

As indagaccedilotildees que produzi diante daquele documento eram sustentadas por uma

intenccedilatildeo de observar inicialmente se a tocircnica do projeto concebia a leitura como uma praacutetica

cultural natildeo neutra inserida nas relaccedilotildees de poder Se enfim era concebida como campo de

disputa espaccedilo de poder Afastando-se da defesa da leitura como tese unicamente advogo a

da leitura como utopia semeada por olhos de quem ama e faz educaccedilatildeo porque luta por

praacutetica de liberdade como defendeu Paulo Freire ao longo de sua vida e obra E a leitura

nessa perspectiva faz da educaccedilatildeo o ponto amoroso em que Hanna Arendt diz dever ser nas

palavras da autora ldquoa educaccedilatildeo eacute o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante

para assumirmos a responsabilidade por ele e com tal gesto salvaacute-lo da ruiacutena que seria

inevitaacutevel natildeo fosse a renovaccedilatildeo e a vinda dos novos e dos jovensrdquo (ARENDT 2009 p 247)

Sem querer mais uma vez reforccedilo desfazer do trabalho realizado na escola

TRAVESSIA natildeo posso omitir que enxerguei que aquele documento natildeo dizia desse

compromisso propalado pelos pensadores acima E assim o concebo quando olho a vaguidatildeo

com que ele se veste no que diz respeito aos seus objetivos e procedimentos metodoloacutegicos

Obviamente natildeo posso restringir a praacutetica leitora do projeto ao que estaacute marcado no referido

documento Sem relaccedilotildees ingecircnuas com a linguagem como propotildee a AD que afirma com

Orlandi (2008) que quando se lecirc considera-se natildeo o que estaacute dito mas tambeacutem o que estaacute

impliacutecito entre o que eacute feito e proposto existe o caminho do exequiacutevel que eacute atropelado

muitas vezes por adversas condiccedilotildees de trabalhos

E precisei atentar para o que aquele projeto anuncia fazer observando suas

articulaccedilotildees entre objetivos accedilotildees metodologia No tocante a essas articulaccedilotildees natildeo constam

ali explicitadas entre seus objetivos as temaacuteticas transversais recomendadas pelos PCNs

muito menos a de gecircnero Assim considerando que os sentidos de um texto passam por outros

textos o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero natildeo contemplado nas vozes perscrutadas

anteriormente em meus primeiros contatos com os sujeitos pesquisados ressoava sua

ausecircncia ali tambeacutem E da leitura daquele documento extrai que natildeo haacute a presenccedila do tema

proposto por esta pesquisa para inquiriccedilatildeo estaacute todavia posto ali como objetivo geral do

projeto desenvolver o gosto pela leitura escrita e arte visando agrave construccedilatildeo de uma

identidade poeacutetica formaccedilatildeo de cidadatildeos reflexivos e leitores autocircnomos

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Atrelada agrave minha questatildeo problema natildeo adentrei para a investigaccedilatildeo do que seria

essa identidade poeacutetica que jaacute tem outra nuance investigativa Mas o toacutepico a formaccedilatildeo de

cidadatildeos [cidadatildes] reflexivos[as] entranha-se com meu objeto de pesquisa e indaguei como a

AD indaga como isso significa para aquela unidade escolar pressionada por uma instacircncia

administrativa a produzir um documento e um trabalho Como significa para aquela

educadora a formaccedilatildeo de uma cidadania reflexiva mediada por praacuteticas leitoras A efetivaccedilatildeo

disso passa necessariamente por textos lidos selecionados apresentados sob diversos

suportes imersos em escolhas que expressem comprometimento com os problemas sociais

com a construccedilatildeo dos processos que debatem tais problemas vinculados aos interesses dosas

leitoresas Natildeo pude saber entretanto por este documento quais seriam os textos

selecionados para a empreitada de trabalhar a formaccedilatildeo cidadatilde pois natildeo havia nas referecircncias

bibliograacuteficas do mesmo indicaccedilatildeo alguma de como as aulas seriam subsidiadas em termos de

textos Esta omissatildeo pode indicar que para aleacutem da sonegaccedilatildeo desta informaccedilatildeo anunciar

negligecircncia pode haver mais sentidos nesta ausecircncia

Aleacutem daquilo que eacute dito analisar discursos eacute tambeacutem atentar para o que natildeo eacute dito

que conforme a AD nos silecircncios nas interdiccedilotildees haacute formas especiacuteficas dos sujeitos

construiacuterem significados E haacute naquele documento uma ausecircncia de dito significando um

evento discursivo no qual a produccedilatildeo as relaccedilotildees de poder a circulaccedilatildeo dos textos e seu jogo

discursivo natildeo estatildeo explicitados quem produz o debate da formaccedilatildeo cidadatilde e como o produz

natildeo se consegue saber atraveacutes de textos elencados E o ato de ler como praacutetica adotada pela

escola natildeo dispensa um planejamento criterioso no qual se saiba o que se vai ler o porquecirc se

vai ler quando se vai ler mesmo que a seleccedilatildeo dos textos deva ser flexiacutevel para ajustes Isso

se deve fazer para que se evite uma praacutetica riacutegida e impositiva haacute uma realidade dinacircmica

que deve ser contemplada com espaccedilo para a inserccedilatildeo de leituras que possam emergir em

consonacircncia com interesses advindos da comunidade escolar Daiacute ser compreensiacutevel que natildeo

haja uma seleccedilatildeo de textos consagradamente fechada mas sua ausecircncia pode estar indicando

na direccedilatildeo de que as accedilotildees do projeto estatildeo passando ao largo de uma leitura norteada

imbuiacuteda de uma accedilatildeo poliacutetica criteriosamente edificada

Esta constataccedilatildeo ficou mais evidenciada quando observei os objetivos especiacuteficos

(OE) do referido documento Haacute uma quantidade elevada desses (sete) os quais natildeo cumprem

devidamente a funccedilatildeo de pormenorizar as accedilotildees que se pretendem alcanccedilar de forma a

estabelecer estreita relaccedilatildeo com o descrito nos objetivos gerais no que diz respeito agrave

competecircncia da formaccedilatildeo de cidadatildeos [cidadatildes] Considerei a princiacutepio redutor selecionar

unicamente o texto literaacuterio para compor os OE do trabalho E eacute o primeiro que estaacute elencado

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Diversificar a leitura com textos literaacuterios previamente selecionados Eleger este gecircnero e

deixar de fora pelo menos eacute o que natildeo estaacute explicitado uma gama de formas discursivas que

perpassam o cotidiano escolar eacute desconsiderar o sujeito-leitor e seu lugar social eacute

desconsiderar que a sala-de-aula eacute um espaccedilo complexo onde subjetividades marcadas por

lugares sociais distintos possuem interesses iacutempares Esta eleiccedilatildeo portanto eacute redutora Por

mais que haja razotildees profiacutecuas para se trabalhar a literatura na escola pela presenccedila de

categorias no texto literaacuterio como as da experiecircncia esteacutetica da ludicidade do estranhamento

da subjetividade do aguccedilamento da criatividade do aticcedilamento da imaginaccedilatildeo haacute um

equiacutevoco em eleger apenas o literaacuterio como texto para ser trabalhado Esta escolha tambeacutem

vai na contramatildeo do que recomendam os PCNs (BRASIL 2001 p 36) que apontam para a

pertinecircncia de que a escola promova em seus estudos uma variedade de gecircneros tendo o

literaacuterio como mais um deles

O equiacutevoco da confecccedilatildeo do documento eacute perceptiacutevel tambeacutem por natildeo ser visto ao

longo do seu texto o apontamento de temaacutetica que tenha relaccedilatildeo com a formaccedilatildeo da

cidadania A formaccedilatildeo de cidadatildeos[cidadatildes] reflexivos[as] que o projeto de leitura da escola

aponta em seus objetivos gerais passa por uma contemplaccedilatildeo de leituras que natildeo estaacute ali

desenhada Sem escavar temas que estatildeo na invisibilidade na superficialidade naturalizados e

distantes dos propoacutesitos da pauta reivindicatoacuteria dos DH esse pretenso sujeito reflexivo eacute

mera ornamentaccedilatildeo de projetos de leituras As secretarias de Educaccedilatildeo das escolas puacuteblicas

brasileiras sabem que eacute tarefa hercuacutelea construir leitoresas criacuteticosas e que um dos entraves a

isso estaacute na maacutequina do poder puacuteblico despreparada desequipada para proporcionar

condiccedilotildees favoraacuteveis agrave praacutetica leitora Isto pode ser visto pela inoperacircncia de natildeo fazerem

com que seusuas educadoresas sejam bonsboas leitoresas para que de forma competente

possam atuar como agentes de letramento Assim sem o devido compromisso com a leitura

demonstram estar esses oacutergatildeos administrativos quando engavetam projetos de leituras

anualmente solicitando novos a cada ano letivo sem acompanhar suas feituras que em regra

se diz por aiacute satildeo sem esmeros cumprindo tarefa administrativa como me pareceu este na

escola TRAVESSIA

A fragilizaccedilatildeo com que se organiza o projeto eacute notaacutevel ainda quando se busca em sua

metodologia a articulaccedilatildeo das accedilotildees que promovem os passos que objetivam propor a

formaccedilatildeo da cidadania reflexiva Entre as accedilotildees propostas que constam de oficinas de leitura

escrita de artes de imagens destinadas a alunosas do 6ordm ao 9ordm ano ocorridas em salas e na

biblioteca haacute como enunciado metodoloacutegico que haveraacute planejamento mensal para a seleccedilatildeo

de textos e das dinacircmicas voltado para um contexto relevante para a vida pessoal e social

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Primeiramente natildeo se esclarece exatamente o que seria este contexto relevante a expressatildeo eacute

vaga Depois chamou-me atenccedilatildeo o quanto a expressatildeo tema foi citada vagamente por

diversas vezes [] explorando o imaginaacuterio e as referecircncias que os alunos tecircm sobre os

temas textuais Natildeo haacute entretanto evidecircncia alguma de quais textos e temas seratildeo

trabalhados Esta inexatidatildeo me fez enxergar impropriedade na proposiccedilatildeo Em uma das

atividades propostas assim aparece levantar as referecircncias que os alunos tecircm sobre os temas

dos textos E de novo quais textos e temas conforme a redaccedilatildeo do projeto natildeo foi possiacutevel

levantaacute-los naquele documento Outra vez haacute uma frase solta compondo o texto Sequer uma

referecircncia aos temas transversais propostos pelos PCNs foi feita Mas no natildeo-dito acerca de

uma tarefa que eacute propositura da escola que deveria atuar pela exiacutemia preocupaccedilatildeo de

contribuir deveras com a construccedilatildeo de uma leitora ativoa a questatildeo-problema por mim

levantada nesta pesquisa foi respondida na leitura do documento Verifiquei deveras que

considerando o que estaacute posto ali por aquele texto-fundador natildeo se contempla o debate sobre

a equidade de gecircnero no projeto de leitura da escola TRAVESSIA

32 O acervo bibliotecaacuterio dos paradidaacuteticos estantes que enunciam

E como travessias natildeo se fazem sem caminhadas caminhei mais pela escola em

busca de perscrutar o que anunciam as vozes docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero na via da

leitura Caminhei contornando em alguns momentos e espaccedilos a anguacutestia pela percepccedilatildeo da

ausecircncia do desejo nosas fazedoresas da educaccedilatildeo por uma leitura como praacutetica social que

construa significados e proponha novos modos de subjetivaccedilatildeo Contornando sem receita

(ningueacutem eacute portador de saiacutedas solitaacuterias) nem elixir nem liccedilotildees nem textos prontos Apenas

escutando sentindo entendendo que a constituiccedilatildeo de uma alunoa leitora pode desaguar em

um mar de ativismo social em um mar que desemaranhe a promoccedilatildeo de um sujeito criacutetico

arguitivo reflexivo natildeo apenas pelo que se lecirc mas de qual lugar e para que se lecirc Para isso

deve haver uma dimensatildeo eacutetica no ato de ler natildeo meramente teacutecnica como costuma grassar

nas escolas pouco afeitas a pensar a leitura de modo perquisitivo Esta dimensatildeo eacutetica natildeo se

semeia em escola assolada por pragmatismo que natildeo ama a educaccedilatildeo essa dimensatildeo

conforme Arendt (2009) anuncia tem no amor a medida de nossos compromissos Eacute

dimensatildeo que abarca decisatildeo poliacutetica eacute escolha pela salvaccedilatildeo pela convicccedilatildeo do

inacabamento freireano (FREIRE1999)

Muito brevemente fui percebendo entatildeo que na escola TRAVESSIA as relaccedilotildees de

gecircnero natildeo perpassavam como debate proposto pelo seu referido projeto de leitura E outra

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comprovaccedilatildeo disso foi aferida pela consulta que fiz do acervo da biblioteca especificamente

no que se refere agraves obras paradidaacuteticas que satildeo as selecionadas para investigaccedilatildeo em termos

de levantamento natildeo propriamente de anaacutelise dos textos neste estudo Em uma pequena

prateleira havia alguns livros tive o cuidado de ler suas fichas catalograacuteficas e identifiquei

que em nenhum deles tematizava-se gecircnero Conforme ainda me respondeu a coordenadora

do projeto de leitura nas listas de livros da biblioteca natildeo estava disponibilizada nenhuma

obra pelo menos que fosse de seu conhecimento que tratasse da temaacutetica de gecircnero

Indaguei-lhe se alguma educadora ou alunoa jaacute havia manifestado o interesse de procurar

obras com esta temaacutetica Respondeu-me que natildeo

E de fato parece natildeo haver uma existecircncia farta de textos publicados para a

literatura infanto-juvenil trazendo o foco especiacutefico no tema das relaccedilotildees de gecircnero em uma

perspectiva de resistecircncia de oferta de um olhar desconstrutor de formas de se constituir

subjetividades masculinas e femininas Existem obras como A bolsa amarela de Lygia

Bojunga Nunes (2003) Faca sem ponta e galinha sem peacute de Ruth Rocha (2008) e outras

poucas no universo literaacuterio infanto-juvenil brasileiro que enfocam a temaacutetica de gecircnero e

que poderiam estar entre os parcos livros daquele espaccedilo-leitor mas natildeo estatildeo

Mesmo assim a ausecircncia de obras que tratem das iniquidades de gecircnero agrave luz de sua

problematizaccedilatildeo por si soacute natildeo eacute referecircncia de que natildeo haacute a temaacutetica em tela naquele espaccedilo

Ademais a ausecircncia de obras emblemaacuteticas que pontuem o debate proacute-equidade natildeo eacute oacutebice

para que se olhe a questatildeo do alto das indicaccedilotildees das diretrizes educacionais que propotildeem o

desmantelo das assimetrias de gecircnero Para isto basta que se problematizem as leituras de todo

um artefato cultural com sentidos que sedimentam um imaginaacuterio inferiorizante da mulher e

constroem o diferente como abjeto Basta natildeo silenciar diante de artefatos que circulam

construindo sentidos e configurando infacircncias e adolescecircncias prensadas em estereoacutetipos de

gecircnero Estes artefatos circulam socialmente e podem ser lidos como a AD pontua indagar

natildeo o que o texto significa mas como significa

Os sentidos segundo essa disciplina natildeo satildeo fixos natildeo existem em si mesmos

mesmo que sejam administrados (PEcircCHEUX 2012) A escola por isto deve olhar com

atenccedilatildeo todo artefato que lhe chega e o que ela produz como uma forma de militar pela

construccedilatildeo de uma praacutetica de liberdade na qual homens e mulheres desfamiliarizam-se com

as incontaacuteveis narrativas que cruzam suas heterogecircneas formaccedilotildees discursivas Se isto natildeo faz

parte do cotidiano das praacuteticas leitoras dosas educadoresas assimilado como uma questatildeo

poliacutetica uma questatildeo de resistecircncia assimilado aleacutem do que propotildee cursos de formaccedilatildeo de

nada adiantam obras construiacutedas agrave luz da teoria de gecircnero postas em um acervo bibliotecaacuterio

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De toda sorte a ausecircncia de textos que evoquem leituras militantes fala de uma presenccedila natildeo-

dita fala de um vazio preenchido por uma leitura descomprometida com a pauta

reivindicatoacuteria dos direitos das mulheres e dos direitos da populaccedilatildeo LGBT (leacutesbicas gays

bissexuais travestis transexuais e transgecircneros)

33 Os relatos as subjetividades os jogos discursivos

Nos percalccedilos da travessia na escola verifiquei tambeacutem por outros modos conforme

propus como empiria desta pesquisa que ali natildeo se dava visibilidade ao debate sobre as

relaccedilotildees de gecircnero Comprovei isso ainda pelos depoimentos de educadoresas que em vaacuterios

momentos nos diaacutelogos que tivemos ressaltaram perceber a ausecircncia do tema mesmo

reconhecido por alguns a sua relevacircncia para a construccedilatildeo da cidadania plena Houve registros

orais disso por parte de profissional da biblioteca e de demais educadoresas os quais irei

descrevecirc-los ao longo deste capiacutetulo por consideraacute-los relevantes para a anaacutelise Um desses

registros se deu no relato proferido pela professora Denise que entre as tarefas de emprestar

e guardar livros aquela profissional relatou-me que guarda assiduamente aleacutem de livros

histoacuterias de vida de alunosalunas desabafando sobre conflitos

Denise que estaacute na TRAVESSIA haacute seis anos atesta que haacute naquela unidade escolar

muitos problemas ligados agrave questatildeo da sexualidade da identidade da violecircncia de gecircnero e

domeacutestica Ouvi atentamente a ecircnfase que deu na violecircncia domeacutestica trazida de casa por

meninos e meninas que para esta profissional provoca-lhes ansiedade e revolta Daquela

informante extrai que acirrados conflitos de natureza de gecircnero vividos por aquele grupo de

crianccedilas e adolescentes satildeo como que despejados ali Assim compreendi ser quando lhe

indaguei acerca de accedilotildees para o enfrentamento desses conflitos e afora os atendimentos pelos

especialistas o que eacute tiacutepico e corriqueiro ela me respondeu que natildeo se faz mais nada naquele

espaccedilo Esse nada esteve como resposta referente agrave indagaccedilatildeo que lhe fiz pontuando se o

projeto de leitura natildeo trabalhava especificamente em forma de debates com textos que

evocassem reflexotildees socializaccedilatildeo envolvimento com as famiacutelias e enfrentamento dessas

questotildees

A cada momento no chatildeo da escola natildeo me passava incoacutelume a presenccedila tatildeo

avassaladora de conflitos envolvendo violecircncia de gecircnero reveladas pelas praacuteticas discursivas

de outrosas informantes desta pesquisa Em uma de minhas visitas agrave escola todavia em 4 de

outubro2013 registrei um relato que me fez refletir com mais ecircnfase sobre as relaccedilotildees de

poder como praacuteticas integrantes do cotidiano em grande extensatildeo Esta reflexatildeo se deu

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quando dialoguei com Rosa professora de Inglecircs haacute vinte anos Soliacutecita em me atender a

educadora revelou por diversas vezes o desejo de desabafar mas expressando sinceridade

mesmo que me chocasse E falou enfaticamente a partir de um status conservador que rejeita

os estudos e as bandeiras dos DH as ideias sobre sexualidade e gecircnero defendidas por

ldquoeducadoresas modernosrdquo por achar que o mundo bom em seu dizer ldquoeacute aquele onde

existem regras moral repressatildeo E que isto parece querer acabarrdquo

Para Rosa as tecnologias enunciativas que propotildeem uma nova ordem de reflexatildeo e

comportamento eacute uma desordem um mal Natildeo exatamente com essas palavras mas trazendo

este sentido respondeu-me a docente quando lhe indaguei acerca da inserccedilatildeo do debate dobre

gecircnero respaldada nas questotildees trazidas pela legislaccedilatildeo educacional Seu olhar aposta na

repressatildeo no silecircncio em especial agraves garotas que estatildeo muito soltas a seu ver Esta

informante sem o menor embaraccedilo relatou-me que a escola vivia momentos difiacuteceis com

uma explosatildeo da sexualidade da sua juventude e que isso era efeito da falta ldquode freiordquo Para

sustentar suas ideias relatou-me um fato haviam recentemente passado por uma experiecircncia

dificiacutelima com a depressatildeo de uma jovem que se autoflagelou (cortando o corpo em vaacuterias

partes) depois de ter tido sua imagem exposta publicamente em rede social quando fez sexo

com vaacuterios garotos e permitiu que eles filmassem o ato O comportamento da aluna opinou a

educadora foi muito vulgar rendeu-lhe depressatildeo chacota desonra preocupaccedilotildees para a

famiacutelia

Da discursividade de Rosa emanava rigidez de comportamento repressatildeo inclusive

fazendo a defesa do controle dos corpos pela instituiccedilatildeo Sem nenhum ressentimento de estar

errada nem extemporacircnea esta docente assumiu que se preocupava veementemente com as

roupas as danccedilas os comportamentos das meninas que a seu ver eram consideradas como

ldquoassanhadinhas perdidasrdquo Sua vigilacircncia acreditava esta informante era o melhor para a

escola E de forma diferenciada dirigia o controle a meninos e meninas para elas os

cuidados eram focados na sexualidade com relaccedilatildeo aos garotos a vida social deles como um

todo tinha sua apreensatildeo Aos meninos preocupaccedilotildees de natureza diferente eram por ela

dispensadas cuidados com as drogas o aprendizado a violecircncia a marginalidade Agraves

questotildees ligadas agrave sexualidade e ao corpo dos garotos havia um silecircncio um natildeo dito

permissivo da parte dela como se soacute a eles lhes coubesse o direito de viver seus desejos

sexuais

Ao ouvir a apropriaccedilatildeo do discurso da construccedilatildeo das desigualdades de gecircnero

naquela voz educadora veio-me pela memoacuteria discursiva agrave lembranccedila o discriminador dito

popular ldquosegure sua cabrita que meu bode estaacute soltordquo O ditado que trata assimetricamente

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homens e mulheres veio-me [meu bode estaacute solto] pelo silecircncio permissivo da educadora agrave

ordem machista quanto ao que podem os meninos satildeo livres E veio-me [segure sua cabrita]

pela fala dela quanto agrave ordem repressiva do que natildeo podem as meninas precisam de

cabrestos Tatildeo iniacutequo esse dito poderia ser pronunciado por aquela voz educadora para

sintetizar seu olhar insensiacutevel agraves questotildees trazidas pelos campos dos estudos de gecircnero Um

olhar de uma educadora turvado de preconceito machista em meio a toda uma

problematizaccedilatildeo que o coletivo de mulheres tenta construir sobre igualdade de direitos eacute um

olhar que destoa com praacuteticas de liberdade e aduz com a indagaccedilatildeo de Foucault no tocante agrave

regulaccedilatildeo dos comportamentos entre outras instituiccedilotildees pela escola

O que eacute afinal um sistema de ensino senatildeo uma ritualizaccedilatildeo da palavra senatildeo uma

qualificaccedilatildeo e uma fixaccedilatildeo de papeacuteis para os sujeitos que falam senatildeo a constituiccedilatildeo

de um grupo doutrinaacuterio ao menos difuso senatildeo uma distribuiccedilatildeo e uma apropriaccedilatildeo

do discurso com seus poderes e seus saberes [] (FOUCAULT 2011 p 44-45)

Na consonacircncia com o que diz Foucault (2011) os depoimentos de Rosa podem ser

vistos como os que se apropriam de um discurso que se arvora no papel de controlar sujeitos

pautados no poder institucional escolar E mesmo quando este poder passa a ser enxertado por

outra ordem discursiva que abala pilares conservadores a educadora eacute refrataacuteria agrave nova

ordem e defende o controle da doutrina da coerccedilatildeo de comportamentos tachando as alunas

que se lanccedilam nas descobertas da sexualidade como vulgares Isso fez com que ela fosse

redutora no olhar que dirigiu agrave menina de sua histoacuteria viacutetima do machismo de um grupo de

colegas ainda eacute a condenada pela autoridade escolar Indaguei-lhe o que fizeram com os

meninos que expuseram a garota Sua resposta anunciou um conservadorismo atravessado por

gecircnero

- Foram chamados na direccedilatildeo advertidos Mas satildeo homens

Homens que usam mulheres humilham-nas expotildeem-nas A ressalva pontuada pela

materialidade linguiacutestica da conjunccedilatildeo adversativa mas no enunciado de Rosa reforccedila seu

olhar segregacionista machista seu status de sujeito que anuncia de um lugar conservador

ldquoMas satildeo homensrdquo eacute o enunciado campo para o natildeo dito brotar nada lhes pega mal na

instacircncia da sexualidade assim subjaz um discurso assimeacutetrico de gecircnero naquela voz Na

concepccedilatildeo daquela educadora ser homem eacute um atributo para a libertinagem aleacutem do direito agrave

liberdade

92

Percebi ali que passando ao largo de um debate que contemple problematizar

preconceitos machistas assimetrias de gecircneros alguns profissionais aleacutem de Rosa lidam de

forma tensa e iniacutequa com o despertar da sexualidade dessesas jovens especialmente na

representaccedilatildeo dos papeacuteis do masculino e do feminino Vale todavia fazer o registro de que

osas colaboradoresas observadosas e entrevistadosas natildeo podem ser vistos como

vilotildeesvilatildes nem portadoresas de verdades ou falsidades mas como sujeitos que se engrenam

em poderes e saberes culturas comportamentos disciplinados historicamente dados por isso

passiacuteveis de movecircncias de transformaccedilotildees

34 O questionaacuterio e outros relatos entrelaccedilando discursividades

E ainda sequenciando a explanaccedilatildeo do campo empiacuterico que faz parte desta pesquisa

pontuo que averiguei o quanto o projeto de leitura era desvinculado de uma problematizaccedilatildeo

sobre as relaccedilotildees de gecircnero com base na anaacutelise das respostas do questionaacuterio aplicado junto

agravesaos educadoresas Aqui farei o entrelaccedilamento da anaacutelise dos resultados deste instrumento

com mais relatos que geraram dados para este estudo

Como um dos pontos do processo investigativo recorri agrave aplicaccedilatildeo do questionaacuterio

com osas demais educadoresas envolvidosas com o projeto com o propoacutesito de avaliar

como a accedilatildeo leitora eacute apreendida por outros sujeitos considerando que inicialmente apenas

trabalhei com a coordenaccedilatildeo do projeto A aplicaccedilatildeo deste instrumento foi solicitada depois

de alguns diaacutelogos com membros da equipe pedagoacutegica da escola agrave Diana coordenadora do

projeto de leitura que de forma bastante soliacutecita concordou disponibilizando-se para

colaborar e recebeu em matildeos dez coacutepias do questionaacuterio para distribuir com educadoresas

integrantes do trabalho ali desenvolvido Anteriormente jaacute havia feito o convite aosagraves

professoresas para que participassem da pesquisa assegurando-lhes o respeito ao anonimato

caso assim o desejassem Dos dez instrumentos entregues apenas de um natildeo houve a

devolutiva o que me fez ter a colaboraccedilatildeo de um nuacutemero satisfatoacuterio considerando o total de

professoresas na instacircncia educacional em tela envolvidosas com o referido projeto

Para esse instrumento investigativo foram articulados enunciados pensando na

contribuiccedilatildeo para as reflexotildees que preciso construir considerando que o sujeito fala sempre a

partir de especiacuteficas posiccedilotildees histoacutericas e culturais de praacuteticas descontiacutenuas que se cruzam

se desconhecem se justapotildeem enfim que natildeo se pode apreendecirc-las de forma objetiva e

neutra (cf FOUCAULT 2011 2012) Vale ressalvar entatildeo de que a interaccedilatildeo que eacute feita com

as respostas dadas no documento investigativo natildeo pode ser vaticinada como uma revelaccedilatildeo

93

objetiva do real se assim o fosse natildeo estaria partilhando com a perspectiva foucaultiana

como tambeacutem com a da criacutetica feminista poacutes-estruturalista as quais concebem que a verdade

eacute uma produccedilatildeo discursiva histoacuterica e social o que indica que natildeo haacute a verdade mas haacute a que

prevalece

No tocante agrave aplicaccedilatildeo do questionaacuterio ouvi dosas respondentes em contatos

fortuitos que as questotildees formuladas foram bem interessantes A qualificaccedilatildeo de interessante

pelo que assimilei deveu-se agraves formulaccedilotildees que fizeram com que osas educadoresas

informantes refletissem sobre as suas praacuteticas discursivas Guiei-me para a confecccedilatildeo deste

instrumento investigativo entre outras pelas reflexotildees que o Poacutes-Estruturalismo traz em

termos de abrir caminhos para se pensar a realidade pontuando uma poliacutetica de

problematizaccedilatildeo da diferenccedila racial eacutetnica e de gecircnero As questotildees levantadas no

instrumento investigativo foram elaboradas considerando tambeacutem o norte interrogativo de que

se havia tal poliacutetica no que se refere agraves questotildees de gecircnero adentrado o espaccedilo escolar

E desse modo considerando que apoacutes a inserccedilatildeo da temaacutetica de gecircnero nas duas

uacuteltimas deacutecadas por meio tambeacutem de elementos enunciativos oficiais como os PCNs (1997) e

a LDBEN-96 que indicam o respeito agrave diversidade e agrave igualdade de direitos fui investigar

com este instrumento se oa educadora estava sendo formadoa para atuar (ou natildeo) por uma

sociedade em que as assimetrias de gecircnero fossem combatidas Por seu turno trazendo a

interface temaacutetica de gecircnero com a perspectiva da leitura discursiva na qual ler eacute mais do que

decodificar eacute se inscrever socialmente procurei elaborar questatildeo que pontuasse como a

leitura se desenvolvia no projeto

Busquei enfim enunciados que tratassem das discursividades docentes referentes agrave

construccedilatildeo social do gecircnero e agrave leitura como praacutetica social Assim os propus

1 O que a leitura significa para a escola expressada atraveacutes do seu projeto A

CestaSexta Literaacuteria (marque ateacute trecircs principais questotildees)

1a ( ) Instrumento de ajuda na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo

1b ( ) Uma atividade prazerosa

1c ( ) A escola natildeo valoriza a leitura

1d ( ) A escola valoriza pouco a leitura

1e ( ) Um estiacutemulo agraves transformaccedilotildees sociais

Outra __________________________________

Trecircs enunciados foram sumamente considerados 1a 1c e 1e instrumento de ajuda

na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo a escola natildeo valoriza a leitura e o de que eacute um estiacutemulo agraves

transformaccedilotildees sociais Chamou-me atenccedilatildeo a marcaccedilatildeo de que a escola natildeo valoriza a leitura

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(1c) por tudo o que essa praacutetica pode significar marcado no uacuteltimo item possibilidade de

mudanccedilas sociais Tambeacutem a ausecircncia de marcaccedilatildeo no enunciado que vecirc na leitura uma

atividade prazerosa (1b) eacute um indicativo que incita reflexotildees considerando que a formaccedilatildeo

doa leitora tem vinculaccedilatildeo profunda com o prazer de ler E estas reflexotildees me trazem agrave

lembranccedila a informaccedilatildeo da 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil na qual eacute

pontuada a problemaacutetica de que a escola brasileira natildeo sedimenta a leitura oferece o acesso

mas natildeo sabe semear o prazer pelo ato de ler Segundo indicadores da pesquisa aqui os

rememorando 44 dos alunos da rede privada e 46 da puacuteblica afirmaram ter como

motivaccedilatildeo para a leitura a exigecircncia da escola Com as reflexotildees que a natildeo-marcaccedilatildeo do

enunciado 1b suscita vieram-me agrave lembranccedila tambeacutem Carlos Drummond de Andrade

(1983) e Rubem Alves (2004) quando esses aticcedilam poeticamente o desejo pelos requintes do

mergulho nas deliacutecias das leituras natildeo-obrigatoacuterias das que nascem da fome de ler da fome

de aticcedilar a imaginaccedilatildeo as reflexotildees que podem advir de uma leitura fecunda

Esse enunciado natildeo marcado pelosas educadoresas pontua uma denuacutencia de

desvalor pela escola a uma de suas eleitas funccedilotildees formadoras a da leitura Decerto que isto

reflete todo o descaso que o poder puacuteblico historicamente tem feito em termos de poliacuteticas

voltadas ao estiacutemulo agrave leitura agrave valorizaccedilatildeo da educaccedilatildeo Haacute uma heranccedila de deficiecircncia

educacional da qual soacute recentemente se tem cuidado natildeo ainda o suficiente ainda de modo

piacutefio melhor dizendo mas despontam investimentos maiores do que jaacute houve Investimentos

piacutefios ou natildeo investimentos Este eacute um legado que tatildeo bem lembra Werthein (2008) ao citar

as relaccedilotildees de poder-saber pertencentes agrave elite econocircmica brasileira que se instruiacutea na

Europa agrave eacutepoca do Brasil Colocircnia enquanto que ao povo lhe era negado o direito agrave escola

Quando o acesso agrave educaccedilatildeo puacuteblica se torna realidade a qualidade natildeo faz parte desta

conquista Disto se sabe a estrutura que a educaccedilatildeo puacuteblica oferta aos seus usuaacuterios em

termos de praacuteticas leitoras eacute deficitaacuteria As salas de aulas lotadas os pequenos acervos as

escolhas dos livros com os criteacuterios mercadoloacutegicos agrave frente os parcos recursos tecnoloacutegicos

para facilitarem animaccedilotildees adequadas a pouca reflexibilidade das famiacutelias quanto agrave leitura

em casa entre tantas outras satildeo condiccedilotildees que educadoresas elencam como obstaacuteculos a uma

experiecircncia prazerosa com a leitura

As condiccedilotildees limitadoras acima elencadas natildeo foram extraiacutedas pelas respostas ao

questionaacuterio Foram informaccedilotildees que obtive em diaacutelogo com a professora Mari em uma das

minhas visitas agrave escola (diaacuterio de campo13set2013) Apoacutes esta me informar sobre a

ausecircncia da temaacutetica de gecircnero em suas praacuteticas indaguei-lhe se natildeo considerava pertinente

trabalhar com textos que abordassem a violecircncia de gecircnero Fiz a pergunta tendo em vista o

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que anunciam Carvalho (2003) e Louro (2012) no tocante agrave percepccedilatildeo dessas estudiosas de

que natildeo haacute distacircncia da temaacutetica ela eacute entranhada no espaccedilo escolar fabricando sujeitos

Educadoresas tecircm desse modo a possibilidade de contribuir reflexivamente sobre que

construccedilatildeo discursiva se faz com esses sujeitos reforccedilam preconceitos e estereoacutetipos de

gecircnero ou garantem o direito a esses de uma digna imagem de si Natildeo haacute neutralidade o

tempo todo somos tramados por linguagem que nos moldam

E para suscitar este debate as diretrizes educacionais inclusivas como as

positivadas em Resoluccedilatildeo 0112 no PNDH nos PCNs e na LDB satildeo aportes que chegam

ocupando gavetas escolares e atenccedilatildeo em eventos de formaccedilotildees continuadas mas se estas

estatildeo incorporadas nas praacuteticas discursivas dosas fazedoresas da educaccedilatildeo eacute outra questatildeo E

foi isso que ali atestei na entrevista com Mari a professora de Liacutengua Portuguesa suas

inquietaccedilotildees evidenciaram a lacuna entre as tecnologias oficiais por ela conhecidas e a sua

praacutetica discursiva Agrave minha indagaccedilatildeo acerca da necessidade de trabalhar para uma

consciecircncia de gecircnero sem titubear ela me respondeu

- Dou-me por satisfeita quando faccedilo meus alunos [e alunas] lerem O que leem natildeo

faz parte de minhas expectativas

Mais um enunciado que destrincha que carrega frustraccedilotildees profissionais de vozes

emparedadas pelos muros escolares de um sistema educacional feito para engessar

mobilizaccedilatildeo social ressoou ali Investimentos parcos na educaccedilatildeo puacuteblica que resultam em

peacutessimas condiccedilotildees de trabalhos minguaram as expectativas de uma mulher ainda jovem com

poucos anos de formada que parece entender o quanto a leitura pode propiciar criticidade o

que leem soou em sua voz com forccedila com tom de importacircncia Mas isso depende de suas

vinculaccedilotildees com accedilotildees poliacuteticas como remete Freire (2002) com accedilotildees planejadas como

indicam estudiososas da leitura e daacute trabalho propocirc-las naquele ambiente tatildeo hostil agrave leitura

aos olhos de Mari E ela abriu matildeo disso confessamente

Natildeo pude deixar de suspeitar de que talvez sem estar protegida pelo anonimato

aquela educadora que me disse natildeo ser do quadro efetivo dosas servidoresas por isto natildeo se

sentia segura para fazer criacuteticas agrave educaccedilatildeo na rede municipal natildeo tivesse tido a coragem de

se expor tatildeo cruamente Expocircs-se e trouxe agraves vistas uma das piores chagas da escola puacuteblica

brasileira a de que a leitura natildeo tem o lugar que deveria conforme Antunes (2009) anuncia

lugar de destaque de centro de alimento de patildeo diaacuterio Na contramatildeo de investimentos

intelectuais e financeiros em letramento tocircnica educacional das uacuteltimas deacutecadas Mari se

96

contentava com a mera decodificaccedilatildeo com a leitura que poderia promover ao maacuteximo oa

estudante aagrave trabalhadora natildeo aagrave cidadatildeoatilde Haacute uma relaccedilatildeo entre esta tocircnica de

descompromisso dito em escola paraibana ressoada pelo que pontua Bastos (2012) em outro

espaccedilo do territoacuterio brasileiro o baiano de que a escola precisa cumprir sua funccedilatildeo social e

atrair para o ato de ler este grupo de excluiacutedo para quem a leitura natildeo eacute gecircnero de primeira

necessidade

Retornando ao questionaacuterio tambeacutem respondido por esta informante na segunda

questatildeo deste instrumento objetivei inquirir sobre o que se lecirc avaliando quais conteuacutedos

eram promovidos pelo projeto

2 O projeto de leitura estimula a reflexatildeo sobre temas como racismo preconceitos

Direitos Humanos

( ) sim ( ) natildeo

Apesar de destoante com o que apresenta o documento do projeto de leitura que

conforme jaacute referido natildeo evidencia trabalhar temas atinentes aos DH das nove respostas a

esta questatildeo sete percebem a presenccedila de temas no projeto de leitura que focam reflexotildees

com tais temaacuteticas Na formulaccedilatildeo do enunciado foi pontuado o racismo e de forma

generalizada a expressatildeo preconceitos inviabilizando melhor percepccedilatildeo do que consta como

defesa dos DH Mas na questatildeo seguinte a de nuacutemero trecircs articulei a especiacutefica questatildeo das

relaccedilotildees de gecircnero interessada em averiguar qual o comprometimento da escola por seus

propoacutesitos educacionais e poliacuteticos especificamente em seu projeto de leitura com o campo

de gecircnero

3 O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero estaacute incorporado nas leituras do projeto

( ) sim ( ) natildeo

Marque as explicaccedilotildees para a resposta anterior

3a ( ) As questotildees de gecircnero satildeo pouco exploradas

3b ( ) Eacute explorada com frequecircncia a temaacutetica pautada que estaacute em uma poliacutetica

escolar de engajamento no combate agraves assimetrias de gecircnero

3c ( ) Ainda natildeo houve oportunidade para inserir este tema no projeto de leitura

3d ( ) O projeto daacute visibilidade aos modos como os estereoacutetipos satildeo alicerccedilados e

como muitas leituras reforccedilam os padrotildees sexistas presentes na sociedade

( ) outra ____________________________

97

As respostas da segunda questatildeo foram quase totalizadoras de que haacute a existecircncia de

um estiacutemulo agraves reflexotildees pertinentes agraves temaacuteticas dos DH pelo projeto de leitura desenvolvido

na escola Quanto agrave terceira todosas nove respondentes afirmaram que natildeo haacute a incorporaccedilatildeo

temaacutetica de gecircnero nas leituras feitas pelo projeto e por conseguinte marcaram a proposiccedilatildeo

3c O cruzamento da anaacutelise dessas duas questotildees pode evidenciar o quanto debater gecircnero

parece ser mais aacutespero menos necessaacuterio do que enveredar por outros caminhos que os DH

embandeiram Esta dissociaccedilatildeo chamou-me atenccedilatildeo e me fez refletir quanto esta temaacutetica

passa ao largo de accedilotildees de leitura em um momento em que se discute recontar textos agrave luz de

teorias de gecircnero respaldada a recontagem na militacircncia do coletivo de mulheres que deseja

ver desconstruiacutedas imagens que as fragilizam

O debate conforme responderam osas educadoresas natildeo aparece no projeto de

leitura assim pode natildeo estar incorporado sistematicamente como accedilatildeo poliacutetica de resistecircncia

relembrando o dito por Foucault (2004a 2012) Em um dos meus diaacutelogos com a

coordenadora do projeto na visita de 28 de setembro de 2013 fazendo inquiriccedilotildees sobre a

percepccedilatildeo dela quanto ao conceito de gecircnero das obras presentes no espaccedilo da biblioteca

acerca desse campo obtive de mais uma informante desta pesquisa que natildeo havia obra ali

com esta perspectiva Este tema precisaria ser inserido passava ao largo o foco nas relaccedilotildees

de gecircnero Falou-me que ao selecionar textos natildeo traz este olhar previamente Quando lhe

indaguei como via a omissatildeo da temaacutetica respondeu-me

- Percebo a omissatildeo agora com sua presenccedila que faz sentido discutir gecircnero Mas

como faccedilo isto Quais textos devem ser trabalhados

E eu lhe escutei sem entender como esta educadora natildeo atentaria que subjaz em regra

nos diversos gecircneros textuais um olhar construtor de gecircnero Haacute olhares sobre mulheres

negras brancas jovens idosas de classes e etnias diferentes nos quais subjazem nos gecircneros

textuais a iniquidade de gecircnero social Plasmada em letras de muacutesicas livros didaacuteticos

paradidaacuteticos canccedilotildees histoacuterias piadas publicidades mateacuterias jornaliacutesticas cantadas enfim

sob os mais diversos formatos haacute a temaacutetica de gecircnero Indaguei-lhe se acharia que a

ausecircncia de textos especiacuteficos para o enfrentamento agrave iniquidade de gecircnero poderia mesmo

ser oacutebice para a exploraccedilatildeo da temaacutetica considerando que ela estaacute no imaginaacuterio social de

alguma forma precisando ser desconstruiacuteda Ela foi sincera e confessou que natildeo atentava para

a presenccedila da temaacutetica perpassando em tantos gecircneros textuais A invisibilidade da violecircncia

de gecircnero deu sinais naquele depoimento De modo letaacutergico natildeo sendo contemplada em

98

leituras escolares nem vista em textos que fazem parte do cotidiano das prateleiras de

bibliotecas dos aparelhos de som e das mochilas escolares a invisibilidade fazia acenos pelos

sentidos que aquela educadora concedia ao ato de ler

O ato de ler natildeo se esgota em livros bibliotecas professoresas escolas Nascem de

olhos que veem que planejam que seduzem Silva (2011) aduz que as praacuteticas de leitura

escolar natildeo podem nascer do acaso nem do autoritarismo de tarefas mas de uma programaccedilatildeo

envolvente E isto perpassa essencialmente por uma formaccedilatildeo que privilegie praacuteticas de

liberdade consciecircncia da importacircncia de uma construccedilatildeo coletiva do lugar de si e do outro no

mundo que nos cerca Dessa formaccedilatildeo o poder puacuteblico tem dito se preocupar Eacute com o que

parecem concordar osas entrevistadosas diante da seguinte questatildeo

4 Vocecirc acredita que a formaccedilatildeo recebida pelo (a) educador (a) tanto em niacutevel

inicial quanto na continuada tem preparado o (a) profissional para uma praacutetica

pedagoacutegica que contemple a equidade de gecircnero no espaccedilo escolar

( ) sim ( ) natildeo

Essa questatildeo objetivou perceber de que forma as poliacuteticas puacuteblicas de formaccedilatildeo

inicial e continuada satildeo percebidas Eacute algo que merece a atenccedilatildeo ser averiguado seriam essas

formaccedilotildees proficientes excessivamente teoacutericas de que modo essas praacuteticas discursivas

equipam essesas profissionais para impactar suas atuaccedilotildees Investigar o que de fato tem

atravessado os discursos das formaccedilotildees e ressoado no chatildeo da escola nos modos de

subjetivaccedilatildeo dessesas professoresas leitoresas eacute de uma pertinecircncia tamanha para quem se

envolve com a educaccedilatildeo como praacutetica de liberdade no sentido foucaultiano Dizendo de outro

modo eacute salutar buscar se haacute verdades novas atinentes ao que propotildeem os DH sobre a

equidade de gecircnero sobre a desconstruccedilatildeo da constituiccedilatildeo do diferente enunciadas pelos

formadores em curso de capacitaccedilatildeo e nas formaccedilotildees iniciais e quais tecircm sido seus efeitos

Com a aplicaccedilatildeo da quarta questatildeo pude avaliar como satildeo afetadas as relaccedilotildees de gecircnero pela

ingestatildeo do debate pelas tecnologias formadoras E de fato a totalidade dosas respondentes

afirmou que recebe uma formaccedilatildeo que capacita que contempla o debate sobre a construccedilatildeo

das diferenccedilas e a equidade de gecircnero no espaccedilo escolar

Entre todavia o recebimento de uma formaccedilatildeo capaz de problematizar as

assimetrias de gecircnero e a implementaccedilatildeo por parte dessesas educadoresas de uma praacutetica

discursiva que lhes capacite romper com uma memoacuteria discursiva que interdita uma condiccedilatildeo

de vida sem subalternidades existem seacuteculos de jogos de verdade nos quais os processos de

subjetivaccedilatildeo transigem segundo regras histoacutericas Satildeo jogos que perpassam doutrinas

99

pedagoacutegicas sustentando uma superioridade intelectual dos homens por isto destinando

lugares distintos para homens e mulheres (o puacuteblico aos homens o privado agraves mulheres)

Satildeo jogos de verdade que destinam comportamentos diferenciados aos sexos constituindo o

gecircnero sustentando a inferioridade feminina a construccedilatildeo da diferenccedila do padratildeo

heterossexual como desvio como patologia entre tantos outros jogos de verdade

E as regras histoacutericas hoje consideram lentamente uma ordem discursiva que se

desenha na qual as muralhas androcecircntricas sofrem o abalo de uma atuaccedilatildeo poliacutetica do

coletivo de mulheres e do LGBT que se empoderam com o ativismo autoral por respeito agraves

diferenccedilas Pude constar isto em uma visitaccedilatildeo que fiz agrave escola em 24 de outubro de 2013 Em

diaacutelogo com Elisa uma professora com 15 anos de atuaccedilatildeo profissional no qual lhe indaguei

sobre sua percepccedilatildeo acerca da presenccedila das relaccedilotildees de gecircnero no cotidiano escolar acerca da

vinculaccedilatildeo (ou natildeo) entre suas praacuteticas leitoras e estas questotildees Muito rapidamente ela se

posicionou como uma conservadora e se disse escandalizada com as transformaccedilotildees sociais

que via emergir em termos de comportamentos sexuais inclusive ali na escola Ouvi um

desabafo inusitado desta informante que presenciou uma cena de beijos entre duas

adolescentes

- Natildeo vejo a hora de sair desta escola Aqui todos satildeo danados E as meninas nem se

falam Peguei duas aos beijos fui intervir e ouvi da menina

- Taacute com preconceito eacute professora

A narrativa daquela educadora me marcou e lhe indaguei se ela achava que estava

com preconceito conforme lhe indagou a menina Respondeu que sim pois sendo beijos entre

casais heterossexuais tambeacutem reprimiria o ato mas natildeo ficaria tatildeo aborrecida como ficou Fiz

a Elisa mais indagaccedilotildees inquirindo sobre o efeito das formaccedilotildees acadecircmicas pelas quais ela

tem passado Ela pareceu-me marcha por lugares onde soam ritmos diferentes E com suas

respostas fui remetida ao que diz Orlandi (2008) acerca do entrecruzamento de vozes que

torna o sujeito heterogecircneo e das condiccedilotildees de produccedilotildees do discurso que permitem

enunciados diferentes em determinados espaccedilos sociais Mesmo se dizendo refrataacuteria agraves

mudanccedilas Elisa disse aprovar as formaccedilotildees continuadas que ensinam a lidar com as

diferenccedilas apesar de natildeo conseguir concordar com o que escuta e vecirc

- Nas formaccedilotildees continuadas ateacute entendo a questatildeo do respeito mesmo sem

concordar ateacute entendo Mas quando presencio uma cena como a do beijo das meninas em

puacuteblico daacute um nojo acho uma falta de respeito natildeo concordo

100

E como demonstrou natildeo concordar Sua ecircnfase agrave cena me fez pensar no quanto

provavelmente o beijo das duas garotas consideradas desviantes lhe foi claramente chocante

mas natildeo menos e natildeo tatildeo claro foi chocante a ela o tom reivindicativo com o qual a aluna se

apoderou para evocar da professora uma postura mais reflexiva mais apropriada a sua funccedilatildeo

A desviante aos olhos de Elisa pode ter lhe lembrado de que para ser educadora ela deveria

estar atinente agraves novas poliacuteticas educacionais deveria ter postura de respeito agrave liberdade de

afeto seja de que maneira for Haacute o dever ao respeito agraves diferenccedilas assegurado legalmente

parece ter dito a menina ao lhe indagar sobre preconceito

Elisa segundo me informou caiu em si natildeo se sentia preparada para atuar ali

mesmo que se esforccedilasse para assimilar as diretrizes de uma escola inclusiva democraacutetica

natildeo discriminatoacuteria Essa professora se depara com formaccedilotildees discursivas conflitantes e entre

suas verdades e o que a escola deseja construir aos moldes de ser inclusiva angustia-se O

recrudescimento do constituiacutedo diferente que empoderado natildeo aceita ser abjeto (HALL

2011) e reivindica direitos pocircs em evidecircncia isto causando-lhe transtorno Uma firmeza da

menina desviante foi o estopim para gerar na professora a vontade de abandonar aquela

escola para natildeo ter que se desfazer de uma formaccedilatildeo discursiva cristalizadora de identidades

Formaccedilatildeo que talvez natildeo tenha lhe permitido enxergar amiuacutede toda sorte de preconceitos

insultos e ofensas vividos por outrosas desviantes tirando-lhes o chatildeo tirando-lhes da escola

Agora era o seu chatildeo que lhe fora retirado por um gesto de afirmaccedilatildeo de identidade de

altivez de peleja pela desconstruccedilatildeo de verdades

Restaria querer buscar outro chatildeo mais soacutelido mais firme na crosta essencialista

Mas para qual escola iria Mesmo timidamente o discurso da defesa da diversidade cultural

sexual e da equidade de direitos eacute um campo de luta que surge amparado em legislaccedilatildeo

educacional e em formaccedilotildees continuadas dispensadas aosagraves educadoresas Embora de forma

amena tangencial surge Eacute o contraponto a uma ordem conservadora de uma perspectiva

essencialista discriminadora que se faz surgir em praacuteticas discursivas instigadoras de

problematizaccedilotildees da iniquidade de gecircnero Acerca da presenccedila desse contraponto na escola

TRAVESSIA quis saber interrogando sobre as poliacuteticas educacionais no direcionamento do

que pode o menino e a menina toacutepico da quinta questatildeo

5 As poliacuteticas educacionais comprometem a equidade de gecircnero O que pode o

menino e o que pode a menina

( ) sim ( ) natildeo

101

5a ( ) natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e

meninas

5b ( ) comprometem pouco porque a escola atua pela igualdade de tratamento

5c ( ) ainda comprometem muito porque a escola dispensa tratamento desigual

5d ( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que

satildeo naturalmente desiguais

Osas respondentes demonstraram natildeo perceber que a escola trata fortemente

desigual a ambos Em nenhuma resposta houve a marcaccedilatildeo para o enunciado 5c o qual

afirma que as poliacuteticas educacionais ainda comprometem a equidade de gecircnero Por sua vez a

negaccedilatildeo de que haacute discriminaccedilatildeo foi bem marcada pela maioria dos respondentes

5a ( ) natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e

meninas

Haacute uma coerecircncia interna na marcaccedilatildeo dessas respostas quando relacionado o

conjunto de todas as quatro proposiccedilotildees considerando que com a ausecircncia absoluta por parte

de todos os respondentes de marcaccedilatildeo com o enunciado a seguir haacute a indicaccedilatildeo de que osas

respondentes buscam negar ranccedilos essencialistas nas suas formaccedilotildees discursivas

5d ( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que

satildeo naturalmente desiguais

O que me leva a assim pensar eacute a consideraccedilatildeo de que em nenhuma das respostas

houve marcaccedilatildeo na propositura acima indicada (5d Osas colaboradoresas da pesquisa

parecem querer evidenciar crer que natildeo somos homens e mulheres naturalmente desiguais

Somos ao contraacuterio construiacutedos desiguais detentores em princiacutepio de direitos iguais e a

escola parece querer respeitar esta conquista que eacute relativamente recente Parece mas

estabelecendo um diaacutelogo com vozes informantes desta pesquisa como as de Rosa e Elisa

por exemplo nem chega a parecer suas vozes carregam enunciados visivelmente

sedimentados na assimetria essencialista

Por sua vez com o enunciado da sexta questatildeo que intenciona captar de que forma a

escola tem participado dos processos de subjetivaccedilatildeo intervindo nas construccedilotildees de gecircnero

das crianccedilas e adolescentes foram evidenciados resultados que mostram possibilidades bem

reveladoras de olhares essencialistas Seguem a questatildeo e seus resultados

102

6 Quando meninos e meninas demonstram comportamentos ldquoconsideradosrdquo como

natildeo apropriados para seu sexo qual a leitura feita

6a ( ) Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras de cada

crianccedila

6b ( ) Haacute um sentimento de decepccedilatildeo algo estaacute errado

6c ( ) Procuro redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo

Outro _______________________________

Apenas dois tipos de respostas foram marcadas Unicamente uma pontuaccedilatildeo para a

proposiccedilatildeo 6a que anuncia Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras

de cada crianccedila Esta percepccedilatildeo solitaacuteria vai ao encontro de um olhar que aceita

problematizar padrotildees hegemocircnicos aceita contrariar jogos de poder que reproduzem

estigmatizaccedilotildees discriminaccedilotildees sexistas assimetrias de gecircnero Por seu turno oito dosas

nove colaboradoresas disseram que procuram redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo

(6c) Uma indicaccedilatildeo de que raciocinam por uma loacutegica essencialista dual homogeinizante

normalanormal Uma loacutegica que exclui os que rompem com os padrotildees identitaacuterios de

gecircnero e mesmo que evite expocirc-los constrangecirc-los natildeo os aceita tenta enquadraacute-los Satildeo os

saberes-poderes que permitem o governo de sujeitos por outros os processos de subjetivaccedilatildeo

sendo instaurados por verdades veiculadas pelas instituiccedilotildees

O poder funciona e se exerce em rede Nas suas malhas os indiviacuteduos natildeo soacute

circulam mas estatildeo sempre em posiccedilatildeo de exercer este poder e de sofrer sua accedilatildeo

nunca satildeo o alvo inerte ou consentido do poder satildeo sempre centros de transmissatildeo

Em outros termos o poder natildeo se aplica aos indiviacuteduos passa por eles

(FOUCAULT 2012 p 45)

Para corroborar a afirmaccedilatildeo de Foucault (2012) que fala deste poder dispersado

localizado pelo pensador nas relaccedilotildees sociais como um todo retorno aos fragmentos retirados

dessa pesquisa refletindo sobre o poder em sua dimensatildeo relacional A quase totalidade dosas

educadoresas vigiada possivelmente pelos olhares de pais direccedilatildeo colegas por enunciados

que circulam em documentos escolares em formaccedilotildees e cursos posiciona-se dubiamente

concebe a polaridade fixa dos gecircneros exerce entatildeo o poder de redirecionar o interesse do

considerado desviante Mas natildeo expotildee quem a contraria Estariam sendo desestimulados

essesas colaboradoresas pelas bandeiras anti-homofoacutebicas Bom sinal para o ativismo

poliacutetico da populaccedilatildeo LGBT que historicamente sofre as agruras do preconceito e da

discriminaccedilatildeo confrontando isto com o que reza um dos princiacutepios do Plano Nacional da

Promoccedilatildeo da Cidadania e dos Direitos Humanos de LGBT lanccedilado em 2009 ldquoUm Estado

Democraacutetico de Direito natildeo pode aceitar praacuteticas sociais e institucionais que criminalizam

103

estigmatizam e marginalizam as pessoas por motivo de sexo orientaccedilatildeo sexual eou

identidade de gecircnerordquo (Secretaria Especial dos Direitos Humanos 2009 p11)

Com os sentidos afiados em confluecircncia com o olhar de Louro (2012) um passeio

pela escola e pelas respostas apresentadas neste instrumento de investigaccedilatildeo revelam o quanto

praacuteticas escolares expressam uma constituiccedilatildeo discursiva com fixaccedilatildeo de comportamentos

adequados para meninos e meninas Ora rechaccedilando ora respaldando o fato eacute que os modelos

socialmente valorizados ainda satildeo os que estereotipam meninas como fraacutegeis esforccediladas e

meninos como inteligentes fortes Isso resulta em confronto em fabricaccedilotildees de estereoacutetipos

Para a elaboraccedilatildeo da seacutetima questatildeo que possui este elo busquei reflexotildees no pensamento de

Foucault (2004a 2004c) quando esse propotildee o cuidado de si as praacuteticas que constituem uma

subjetividade eacutetica Penso que a defesa de uma vigilacircncia sobre construccedilotildees discursivas que

fabricam mulheres objetos coisificadas veiculadas em toda sorte de artefato cultural deve ser

constituiacuteda se o rompimento com esse modelo eacute desejado E considero a ausecircncia desta

vigilacircncia por parte dosas educadoresas como uma lacuna que impede a quebra substancial

com um paradigma machista Eacute esse paradigma que permite uma praacutetica discursiva dos

homens em fazer as inuacutemeras piadas sobre loura as incontaacuteveis formas de estereotipar as

mulheres no que se refere a sua intelectualidade a sua atribuiacuteda inabililidade para dirigir para

exercer certas profissotildees relacionando grosseiramente beleza agrave burrice enfim formas

conflituosas de se perceber um ao outro fazem parte de um repertoacuterio que resolvi imprimir em

minhas inquiriccedilotildees

7 Como mediadora de leitura vocecirc interfere diante de uma expressatildeo de

preconceito uma expressatildeo de conflitos entre olhares de meninos e de meninas

7a ( ) pouco eacute natural a disputa

7b ( ) interfiro sempre sou contraacuterio (a) a qualquer manifestaccedilatildeo de

discriminaccedilatildeo

7c ( ) Natildeo haacute como interferir sempre nossa demanda eacute intensa

As respostas foram incisivamente favoraacuteveis agrave intervenccedilatildeo A marcaccedilatildeo da totalidade

dosas respondentes para o enunciado 7b parece indicar que na contramatildeo de ser

inadequadamente omisso diante de discriminaccedilatildeo ningueacutem deseja estar embora possa

paradoxalmente direcionar comportamentos conforme anunciado pelas respostas da questatildeo

6c Natildeo haveria aiacute a manifestaccedilatildeo de que se natildeo aceitamos uma nova ordem de interesses por

parte de crianccedilas conforme enunciado da sexta questatildeo que soacute obteve uma marcaccedilatildeo eacute

104

porque natildeo duvidamos do que tenha sido naturalizado construiacutedo discursivamente como o

outro o diferente

Estas dissonacircncias entre interferir em manifestaccedilotildees de preconceitos e construir

possibilidades de exercer controle sobre o outro o desviante da pressuposta normalidade

mesmo que de forma discreta podem estar expressando modos de subjetivaccedilatildeo nos quais

sujeitos expostos agraves diversas formaccedilotildees discursivas assimilam mudanccedilas ordens interesses

Em outros momentos todavia retecircm-se com perspectivas essencialistas que osas impedem

de apropriar-se do que recomendam as tecnologias oficiais no tocante por exemplo ao

respeito agrave diversidade humana aos conhecimentos dos processos de construccedilatildeo do diferente

como o outro o abjeto Osas educadoresas expressam entatildeo em muitas tentativas de quebra

de paradigmas que os jogos por verdades se datildeo de modo processual refletem lutas poderes

e resistecircncias dispersando e replicando vozes

Considerando a importacircncia de buscar inquiriccedilatildeo sobre o fenocircmeno da violecircncia

domeacutestica contra a mulher como uma das mazelas sociais que as vitimiza cotidianamente

sob as mais diferentes formas de massacre fiacutesica simboacutelica psicoloacutegica moral patrimonial

na oitava questatildeo resolvi inquirir sobre como este fenocircmeno eacute percebido pelosas

educadoresas envolvidosas no estudo Assim propus o enunciado

8 No tocante agrave violecircncia contra a mulher segundo o Mapa da Violecircncia 2012 o

Brasil ocupa a 7ordf colocaccedilatildeo em um ranking de 84 paiacuteses O que em sua opiniatildeo

explica a existecircncia deste fenocircmeno Marque mais de uma questatildeo caso queira

8a ( ) Formaccedilatildeo cultural

8b ( ) Haacute pessoas naturalmente violentas

8c ( ) Natildeo sei

8d ( ) O ciuacuteme o consumo de drogas o divoacutercio e natildeo saber lidar com traiccedilatildeo

8e ( )O desemprego crise financeira e pobreza

Outra ______________________

Nesta proposiccedilatildeo as respostas foram diversificadas foi marcado inclusive o

enunciado que afirma desconhecer as razotildees (8c) A questatildeo em aberto natildeo foi aproveitada

por nenhuma respondente Mas em sua maioria essesas (seis dosas nove) relacionaram o

fenocircmeno da violecircncia contra a mulher como algo que tem causa na formaccedilatildeo cultural Eacute

importante que se atente como alguns enunciados marcados podem estar evidenciando o

quanto a problemaacutetica carrega alguns mitos sobre as suas provaacuteveis causas Observando por

exemplo a marcaccedilatildeo isolada para o toacutepico 8e que faz nexo causal entre a violecircncia e a crise

econocircmica como pensar que a violecircncia estaacute ligada agraves dificuldades dessa ordem quando em

105

todas as classes sociais se registram ocorrecircncias Haacute maneiras diferentes de encarar as

agressividades em funccedilatildeo de tabus entre outros subterfuacutegios mas mulheres pertencentes a

todas as posiccedilotildees da piracircmide social satildeo viacutetimas de violecircncia conforme atestam inuacutemeras

pesquisas (SAFFIOTI 2001)

A evidecircncia de que o entendimento sobre as causas da violecircncia foi redutor estaacute

tambeacutem na marcaccedilatildeo isolada da proposiccedilatildeo 8d afinal estas causas apontadas estatildeo indicando

que o estopim estourou pelo aumento do stress pela perda do autocontrole (SAFFIOTI

MUNHOS 1994) mas em verdade haacute algo maior que impulsiona a agressatildeo encontra

apenas as brechas em quaisquer desculpas Em verdade eacute costumeira a confusatildeo entre causas

e motivaccedilotildees da violecircncia aquelas satildeo mais sistecircmicas e as motivaccedilotildees mais localizadas

ocasionadas por situaccedilotildees diversas como stress uso de entorpecentes etc

Considero importante atentar para o fato de que se a maioria respondeu perceber

vinculaccedilatildeo entre a violecircncia e a formaccedilatildeo cultural talvez por presenciar tantas cenas de

violecircncia de gecircnero e escutar narrativas feitas por alunosas acerca das dores maternas e

fraternas provocadas pela violecircncia domeacutestica deveria estar a escola propondo a brigada

anti-violecircncia pelo vieacutes da cultura Mas nenhuma respondente posicionou-se assim no espaccedilo

deixado em branco no questionaacuterio com o fim de possibilitar a expressatildeo de reflexotildees tambeacutem

nessa direccedilatildeo

A violecircncia contra a mulher tem vinculaccedilatildeo em uma cultura machista patriarcal

sedimentada milenarmente Buscar compreendecirc-la no campo dos estudos de gecircnero seria

oportuno para a escola porque poderia ser evidenciada o quanto a educaccedilatildeo dispensada a

meninos e meninas de forma diferenciada na qual se passam valores que sustentam olhar

para as mulheres que as inferioriza eacute possivelmente forte construto que alimenta uma cultura

machista E essa credencia agrave banalizaccedilatildeo do fenocircmeno da violecircncia Basta que se lembre dos

ditados populares que grassam (jaacute grassaram bem mais) nas bocas ldquoMulher eacute que nem bife

quanto mais apanha melhor ficardquo para que se atente o quanto haacute a naturalizaccedilatildeo do

fenocircmeno Esse dito eacute soacute um entre tantos nos imaginaacuterios sociais que fabricam a ideia de que

violentar mulheres faz parte eacute permitido

E satildeo por esses imaginaacuterios sociais que o Relatoacuterio Final da Comissatildeo Parlamentar

Mista de Inqueacuterito ndash CPMI - da Violecircncia contra a Mulher do Congresso Nacional entregue

em julho de 2013 aponta iacutendices alarmantes fala de femiciacutedio e coloca como uma

necessidade premente a da superaccedilatildeo deste mal

106

A curva ascendente do femiciacutedio a permanecircncia de altos padrotildees de violecircncia contra

mulheres e a toleracircncia estatal detectada tanto por pesquisas estudos e relatoacuterios

nacionais e internacionais quanto pelos trabalhos desta CPMI estatildeo a demonstrar a

necessidade urgente de mudanccedilas legais e culturais em nossa sociedade Conforme

mostra a pesquisa intitulada Mapa da Violecircncia homiciacutedios de mulheres mais de 92

mil mulheres foram assassinadas no Brasil nos uacuteltimos trinta anos 43 mil delas soacute

na uacuteltima deacutecada (BRASIL 2013 p 8)

A violecircncia contra a mulher eacute um fenocircmeno bastante complexo com raiacutezes fincadas

em solos de culturas machistas amparada em um Estado historicamente omisso na promoccedilatildeo

do direito a uma vida sem violecircncia para as mulheres Esse fenocircmeno que esteve na

invisibilidade social encoberto por muito tempo erroneamente sustentado pelo direito ao

instituto da privacidade entre parceiros tendo inclusive um aparato popular que os abrigava

de vexames e intervenccedilotildees ldquoEm briga de marido e mulher natildeo se mete a colherrdquo teve

recentemente a intervenccedilatildeo do Estado brasileiro com a Lei 113402006 a Maria da Penha

Esse instrumento juriacutedico se apresenta como um dos mais avanccedilados amparo legal para o

enfrentamento da questatildeo Natildeo se muda todavia cultura com golpe de lei haacute muito a ser

feito em termos de estrutura do judiciaacuterio brasileiro (ampliaccedilatildeo do nuacutemero de varas de

juizados especiais de Casas Abrigo de DEAMS - Delegacias Especializadas de Atendimento

agrave Mulher - funcionando em regime de plantatildeo capacitaccedilatildeo dos juristas) para que a lei passe a

ser um ordenamento juriacutedico que vigore como deve efetivamente sendo aplicado de forma

preventiva educativa e punitiva

E a escola no que diz respeito a formar para a equidade de gecircnero e para a cultura da

paz eacute espaccedilo fundamental que pode se ofertar no semeio desta colheita Importante portanto

a denuacutencia que osas respondentes fizeram da atuaccedilatildeo piacutefia da unidade escolar em tela no

tocante ao papel que a instituiccedilatildeo deve ter como importante instrumento no combate agrave

violecircncia domeacutestica contra a mulher Satildeo muitas as respostas (oito das nove) que afirmaram

pouco operar a escola neste sentido Assim se constituiu a nona questatildeo

9 Para vocecirc a escola atenta para sua importacircncia como espaccedilo de enfrentamento agrave

questatildeo

( ) sim ( ) natildeo ( ) sim mas de forma insignificante

A escola TRAVESSIA conforme percebem aqueles que dela fazem parte e

seguramente presenciam depoimentos e cenas que datildeo conta do mal da violecircncia contra a

mulher como o que grassa pouco opera no enfrentamento deste problema Esse mal que

sendo uma violaccedilatildeo dos direitos humanos das mulheres eacute um flagelo uma ameaccedila agrave

107

Democracia agrave paz agrave justiccedila deve portanto ter a escola envolvida em sua prevenccedilatildeo

eliminaccedilatildeo e enfrentamento Natildeo haacute como esta instituiccedilatildeo ser indiferente ao caminho sem

volta que as marchas feministas vecircm construindo especialmente nas uacuteltimas deacutecadas com

grandes avanccedilos dados pelos seus gritos ecoados nas bandeiras dos DH positivados em

forma de lei especiacutefica que penaliza a violecircncia contra a mulher e em diretrizes educacionais

que propotildeem a equidade de gecircnero

Como instacircncia de poder atravessada por praacuteticas discursivas natildeo neutras

legitimadora de ordem social por meio de suas ldquoverdadesrdquo fabricadas a escola propaga em

tese sua missatildeo fundamental como a de formar seres humanos eacuteticos conscientes de sua

igualdade de direitos por seus propoacutesitos e pela obrigatoriedade legal que se desenha com o

advento da poacutes-modernidade Mas na praacutetica sua missatildeo tem eacute instituiacutedo a segregaccedilatildeo

atraveacutes do controle disciplinar domesticando corpos e mentes (LOURO 2012)

Nesse sentido a promoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de enfrentamento agrave violecircncia de

gecircnero eacute uma realidade de resistecircncia que daacute sinais tiacutemidos no chatildeo da escola mas daacute sinais

Cabe aosagraves fazedores da educaccedilatildeo acolhecirc-los Sua contribuiccedilatildeo ao debate que estranha

sentidos essencializados pode ser significativa considerando que os muros escolares racham

com o advento da globalizaccedilatildeo e dos avanccedilos tecnoloacutegicos disseminando informaccedilatildeo

instantaneamente Satildeo inuacutemeros os recursos educativos que podem amparar a discussatildeo

reportagens filmes peccedilas teatrais programas de TV de raacutedio diaacutelogos que circulam em salas

de aula entre outros Obviamente que esses recursos na maioria esmagadora das escolas

puacuteblicas brasileiras natildeo satildeo inteiramente disponibilizados e na escola TRAVESSIA natildeo eacute

diferente Haacute laacute escassez de textos e de demais instrumentos que permitam um trabalho bem

amparado percebida em minhas visitaccedilotildees Mas isso natildeo pode se constituir como oacutebice total

haacute sempre formas de propor o debate em um mundo plural que existe e deseja se firmar Por

onde andamos e estamos haacute sujeitos em interlocuccedilatildeo trazendo presentes vozes sociais de

onde emanam efeitos de sentidos sobre papeacuteis construiacutedos

Elaborei questatildeo especiacutefica sobre qual o olhar a escola evidencia ter atraveacutes de seu

projeto de leitura para um dos melhores instrumentos juriacutedicos em niacutevel mundial de

enfrentamento do combate agrave violecircncia domeacutestica a Lei Maria da Penha Esse ordenamento

juriacutedico que segundo pesquisa do Instituto AvonIPSOS (2011) eacute um marco legal

amplamente conhecido e poderia estar sendo pontuado no ambiente escolar de modo a

semear a cultura da paz e do respeito agraves mulheres Assim mobilizei a deacutecima questatildeo desse

instrumento

108

10 A Lei Maria da Penha como avanccedilado instrumento juriacutedico no enfrentamento da

violecircncia contra a mulher ganha que espaccedilo no projeto de leitura

10a ( ) Nunca foi citada

10b ( ) Existe na biblioteca

10c ( ) Jaacute trabalhamos com ela

As respostas obtidas indicam sintonia com a nona proposiccedilatildeo na qual se pontuou

que a problemaacutetica da violecircncia domeacutestica contra a mulher natildeo encontra a importacircncia que

lhe eacute devida Todosas colaboradoresas responderam na deacutecima questatildeo que a lei nunca foi

citada (10a) Natildeo que o ordenamento juriacutedico tenha que ter referecircncia obrigatoacuteria nas leituras

da escola mas face a sua popularidade e pertinecircncia inclusive havendo versatildeo deste em

cordel o que facilitaria sua divulgaccedilatildeo poderia constar como uma das leituras feitas e

referidas de forma direta ou indireta Poderia porque a escola eacute espaccedilo formador tem papel

estruturante em accedilotildees que podem semear reflexotildees individuais e coletivas pela construccedilatildeo da

cultura da paz A educaccedilatildeo tensionando conflito e vozes pode ser constituiacutedo como espaccedilo

fecundo de organizaccedilatildeo pela emancipaccedilatildeo de oprimidos[as] (FREIRE 2002) Nesta acepccedilatildeo

a lei pode chegar a todas as crianccedilas e adolescentes pela instacircncia da escola como um sulco

no muro da iniquidade de gecircnero mostrando-se em sua consistecircncia preventiva e punitiva

como um aprendizado um oacutebice agrave violecircncia domeacutestica

Natildeo bastaraacute todavia conhecer o ordenamento juriacutedico para que se coiacuteba a violecircncia

O enfrentamento desse fenocircmeno perpassa pela construccedilatildeo de novas formas de subjetivaccedilatildeo

nas quais o direito a uma vida sem violecircncia agraves mulheres seja efetivamente garantido e

assegurado pela condiccedilatildeo humana destas A escola deve ser um baluarte na colaboraccedilatildeo dessa

praacutetica para isso por ela precisam perpassar debates caros ao tema inquirindo sobre qual

posicionamento tem tido a instituiccedilatildeo quanto agrave construccedilatildeo e desconstruccedilatildeo de hegemonias

tem reforccedilado ou questionado as assimetrias de gecircnero

Na escola TRAVESSIA pude constatar haacute um tangenciamento do debate acerca das

relaccedilotildees de gecircnero percebido pelas discursividades de seusuas educadoresas como

mediadores de leituras Uma anaacutelise desse tangenciamento pode pontuar uma reflexatildeo que

perspectiva com um debate proposto por Foucault (2011) na linha do que satildeo as conjunturas

histoacutericas e socioculturais que permitem os jogos de verdades Se haacute a positivaccedilatildeo da lei na

sociedade brasileira e ela pode ser contemplada como legado de mobilizaccedilatildeo haacute todavia a

ausecircncia de seu debate em instacircncias escolares como a da escola TRAVESSIA E isso pode

ser contemplado como um legado de controle social no qual a eliminaccedilatildeo das discriminaccedilotildees

das violecircncias dos confrontos eacute significativamente negada silenciada mesmo que estejam

109

postas tecnologias que a discutam O rompimento desse controle que silencia lutas eacute uma

tarefa que oa intelectual oa educadora pode desejar construir lembrando aquilo que

Foucault (2004a 2004c 2012) pontua as pessoas podem ser mais felizes mais livres As

pessoas natildeo satildeo aprisionadas pelo poder elas podem modificar sua dominaccedilatildeo Isso evoca a

recusa do que satildeo despertada pela consciecircncia do que lhes disseram ldquoNingueacutem entraraacute na

ordem do discurso se natildeo satisfizer a certas exigecircncias ou se natildeo for de iniacutecio qualificado

para fazecirc-lordquo (FOUCAULT 2011)

E que ordem de discurso adentra a escola TRAVESSIA produzindo efeitos de

sentidos postos pela ausecircncia do debate sobre as hierarquias de gecircnero Adentra conforme

depoimentos de educadoresas ali escutadosas a da pouca reflexibilidade sobre o campo de

gecircnero a do adormecimento para a noccedilatildeo de estrateacutegias que enfrentem o poder androcecircntrico

Uma das formas de resistecircncia a esse poder se daacute pelo ato desbravador do conhecimento dos

processos discursivos que constituem as subjetividades que constituem as verdades ditas

sobre homens e sobre mulheres Satildeo passos na caminhada pela emancipaccedilatildeo A leitura pode

ser constituiacuteda com esta linhagem e ser mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de

identidades na ressignificaccedilatildeo de leituras eivadas de identidades socialmente construiacutedas pela

subalternidade da mulher Nessa direccedilatildeo Moita Lopes (2003) traz a tecitura com que a

linguagem nos constroacutei e corrobora com a ideia de resistecircncia

A percepccedilatildeo do discurso como construccedilatildeo social coloca as pessoas como

participantes nos processos de construccedilatildeo de significado na sociedade e portanto

inclui a possibilidade de permitir posiccedilotildees de resistecircncia em relaccedilatildeo a discursos

hegemocircnicos isto eacute o poder natildeo eacute tomado como monoliacutetico e as identidades sociais

natildeo fixas (MOITA LOPES 2003 p 55)

Nesse sentido por conceber a importacircncia do conhecimento dos processos histoacutericos

emancipatoacuterios como o das lutas sociais e em especial a esse trabalho o do movimento

feminista foi elaborada questatildeo que objetivava perpassar pelas reflexotildees acerca da histoacuteria

social das mulheres As histoacuterias dos homens estatildeo aiacute onipresentes ocupando o tempo todo

todo espaccedilo Mas a histoacuteria social das mulheres natildeo eacute significativamente contada natildeo consta

nos curriacuteculos natildeo eacute devidamente estudada Isso possivelmente contribui para trazecirc-las na

invisibilidade considerando que os seus processos histoacutericos de subordinaccedilatildeo ao masculino

suas exclusotildees dos campos poliacuteticos cientiacuteficos artiacutesticos enfim ainda natildeo satildeo devidamente

estudados A histoacuteria de luta pela emancipaccedilatildeo social das mulheres eacute entretanto uma das

mais bem vividas experiecircncias que atestam o poder da mobilizaccedilatildeo social e mereceria estar

110

entre as preocupaccedilotildees da escola e no projeto de leitura Desejei saber como esta questatildeo era

percebida pelosas informantes e elaborei o deacutecimo primeiro questionamento

11 Que lugar deve ocupar a histoacuteria de emancipaccedilatildeo da mulher no curriacuteculo

escolar e no projeto

11a ( ) Haacute sentido em trazer a histoacuteria social das mulheres como tema nos

curriacuteculos escolares

11b ( ) Apoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas

memoacuterias ocultadas e inferiorizadas

11c ( ) O conteuacutedo sobre o coletivo das mulheres tem espaccedilo mas temos pouca

carga horaacuteria para exploraacute-lo mais

11d ( ) Natildeo temos como inserir mais conteuacutedo na grade curricular nem acho

importante

Aqui natildeo houve ressalvas para a defesa na quase totalidade das respostas (sete das

nove) da implementaccedilatildeo da histoacuteria das mulheres como forma de resgate de si no debate

escolar Natildeo houve marcaccedilatildeo para o enunciado 11 d A questatildeo 11b foi bem pontuada entatildeo

ldquoApoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas memoacuterias ocultadas e

inferiorizadasrdquo Eacute como um reconhecimento de que o processo de aprendizagem de uma

desnaturalizaccedilatildeo da desigualdade entre homens e mulheres passa pelo conhecimento da

histoacuteria que as excluiu e da sua inclusatildeo pela luta Foucault (2004c) auxilia nesse sentido

quando nos traz a pertinecircncia do conhecimento e a compreensatildeo da relevacircncia do papel do

intelectual

[] e que podemos mostrar agraves pessoas que elas satildeo muito mais livres do que

pensam que elas tomam por verdadeiros por evidentes certos temas fabricados em

um momento particular da histoacuteria e que essa pretensa evidecircncia pode ser criticada

e destruiacuteda O papel do intelectual eacute mudar alguma coisa no pensamento das

pessoas (FOUCAULT 2004c p 295)

Uma pretensatildeo bem ponderada E que em alguns outros momentos o filoacutesofo se

retrai desta posiccedilatildeo de ldquomostrarrdquo caminhos ao outro (FOUCAULT 2004e) Mas a histoacuteria de

luta das mulheres por sua emancipaccedilatildeo social eacute um caminho que merece ser mostrado Papel

que osas educadoresas podem cumprir percebendo-se como sujeitos agrave linguagem agrave

aprendizagem de ordens discursivas e se resistirem promotores das mudanccedilas que a

educaccedilatildeo pode constituir Papel que o movimento feminista com intelectuais e ativistas

parece ter cumprido com propriedade A atuaccedilatildeo desse movimento solicitada na 12ordf questatildeo

assim foi angariada

111

12 Emita sua opiniatildeo a respeito do movimento feminista Marque ateacute duas

respostas

12a ( ) fornece ferramentas conceituais que possibilita melhor percepccedilatildeo da

opressatildeo agrave mulher

12b ( ) propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso eacute

bom

12c ( ) propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso natildeo

eacute

bom

12d ( ) eacute um movimento com muito radicalismo

A unanimidade de valorizaccedilatildeo desta praacutetica discursiva quase imperou desta vez As

proposiccedilotildees 12a e 12b as quais veem com olhos respeitosos o movimento foram as

marcaccedilotildees de oito colaboradoresas Apenas uma resposta considerou o radicalismo do

movimento sua marca talvez por pressupor que as mulheres militantes propotildeem mudanccedilas

que ferem uma construiacuteda e disciplinada essecircncia feminina Os movimentos feministas

propotildeem radicalizar a desnaturalizaccedilatildeo de um mundo construiacutedo em pilares desiguais e

injustos um mundo calccedilado em machismo em violecircncia contra a mulher Radicalizar a

desnaturalizaccedilatildeo deste mundo eacute bom nodal conforme concordaram os que marcaram os

enunciados 12a e 12b Por seu turno ningueacutem marcou que isto natildeo seria bom conforme

enuncia o 12c

A uacuteltima questatildeo do instrumento investigativo versou sobre a consciecircncia do valor

histoacuterico e simboacutelico que tem o Dia Internacional da Mulher Neste enunciado foi deixada

uma questatildeo em aberto com espaccedilo para que osas colaboradoresas pudessem expressar

opiniotildees que ampliassem o conteuacutedo do enunciado o 13 a cuja visatildeo da mulher perpassa por

questotildees generalistas simplistas

13 O projeto de leitura costuma vincular alguma programaccedilatildeo agraves datas

comemorativas

( )sim ( ) natildeo

Caso sim qual o teor do dia 8 de marccedilo como Dia Internacional da Mulher O que

se faz na data ou o que se pretende fazer

13a ( ) Ressaltam-se as qualidades da mulher eacute um dia em que ela eacute intensamente

valorizada entrega de flores poemas cartazes pela escola

13b ( ) outros Especifique_____________________

Todas as marcaccedilotildees apontaram para a 13a ou seja dia de demonstrar homenagens

E o que se homenageia Em regra por meio da publicidade e de outras praacuteticas discursivas

112

circulam imagens que narram e constituem mulheres com identidades ldquonaturaisrdquo dotadas de

habilidades tantas expressas em forma de doaccedilatildeo de cuidados e tantas outras construccedilotildees

dignas de serem presenteadas Batons perfumes flores entre outros satildeo apetrechos que

acompanham imagens que circulam representando o 8 de marccedilo como o Dia Internacional da

Mulher A publicidade que opera com o objetivo de reafirmar valores convencimentos

haacutebitos desfocou a perspectiva de luta de memoacuteria de caminhada por direitos implementada

pelo movimento O teor eacute outro o do consumo Agraves mulheres flores em seu dia Se nos

demais os papeacuteis sexuais exalam o perfume da iniquidade de gecircnero que murchem as flores

Eacute o tempo ainda da formataccedilatildeo que murcha da presenccedila de vozes que falam de um lugar

social o do consumo guiado pelos interesses capitalistas ou o do apagamento da luta das

mulheres por sua cidadania guiado pelos interesses machistas E com esses instala-se o

comportamento de tirar o foco das bandeiras feministas que ergueram o 8 de marccedilo tiram o

foco e semeiam verdades como as de que se valoriza a mulher com perfumes dias de beleza

de spas de corpos sarados ritualizados para uma beleza homogecircnea com tempo de validade

e condiccedilotildees de uso

Nesta questatildeo nenhuma resposta ultrapassou a marcaccedilatildeo de um x nenhum

enunciado a preencher o espaccedilo vazio adentrando todosas respondentes pela perspectiva do

senso comum das comerciais e banais homenagens agraves mulheres Esta ausecircncia de percepccedilatildeo

pelo menos evidenciada pelo que natildeo foi dito que significa conforme pontua a AD por parte

dosas educadoresas para o Dia Internacional da Mulher pode estar revelando um desvalor

para as brigadas que precisam ser armadas naquela seara O 8 de marccedilo eacute data de flores natildeo

pelo que as mulheres satildeo em termos de construccedilotildees essencialistas mas pelo que lutam para

ser livres O 8 de marccedilo eacute dia de memoacuteria de luta sobretudo pelo que as mulheres ainda

precisam assegurar para que possam ter o comando de suas vidas nas matildeos dando ou natildeo

essas em pedidos de casamento Haacute desse modo mais uma maneira de homenagear as

mulheres que eacute pela saudaccedilatildeo na luta na grandeza de fazer uma nova histoacuteria que natildeo foi

dita nas respostas daquelesas respondentes E este silecircncio pode estar ressoando como um

ldquoadeus agraves armasrdquo ou melhor como um natildeo agraves armas O natildeo uso das armas por parte de

quem tem uma responsabilidade social com os marcos legislativos educacionais com a

adoccedilatildeo de praacuteticas de si que osas faccedila zelar por um ethos pela cultura da paz e pela bandeira

da inclusatildeo evidencia uma cristalizaccedilatildeo das identidades uma naturalizaccedilatildeo da construccedilatildeo da

diferenccedila um descompromisso social com a cidadania plena da mulher

Ali na escola TRAVESSIA percebi entatildeo com as leituras das anaacutelises dos

instrumentos investigativos aplicados que o processo de fortalecimento da cidadania da

113

mulher natildeo encontra a guarida nos olhos de quem trabalha com a leitura comprometendo o

ato poliacutetico de ler Natildeo eacute uma trilha faacutecil eacute bom reconhecer atravessar no cotidiano escolar

um oceano de discursos que constroem imagens da mulher que as inferioriza que tingem o

diferente com cores da negaccedilatildeo e desejar atuar para desconstruir tais imagens Os pais e matildees

aparecem para contestar mudanccedilas contestar desconstruccedilotildees de papeacuteis socialmente

instituiacutedos como naquelas cenas que vivi e narrei quando construiacute a gecircnese desta pesquisa

Mas oa educadora tem um chamado para ficar na trincheira por uma brigada que inclua que

emancipe que torne a escola reflexiva atraente a todas as pessoas independentemente de

etnia de orientaccedilatildeo sexual de condiccedilatildeo social Pelo menos esse chamado estaacute sendo

evocado segundo as regras histoacuterias de um tempo que se desenha novo com uma

programaccedilatildeo na qual os jogos de verdades possuem malhas que se abrem para sujeitos de

direitos mesmo que lentamente conquistados

35 As aulas o sujeito-leitor o campo de gecircnero e as relaccedilotildees de poder

Por reorganizaccedilotildees das accedilotildees em funccedilatildeo de vaacuterias suspensotildees de aulas de leitura

pelo projeto entre outras intercorrecircncias deixei a etapa de observaccedilatildeo de aulas para o reiniacutecio

das aulas do 2ordm semestre de 2014 Planejei esta accedilatildeo atentando para o papel central dosas

educadoresas na conduccedilatildeo do debate por sua posiccedilatildeo de liacuteder na interaccedilatildeo relacional e por

serem esses os sujeitos desta pesquisa E assisti agraves aulas das professoras Jacqueline e Luacutecia

cujos nomes satildeo fictiacutecios como todos os outros e que possuem respectivamente oito e vinte

anos de formadas Em ambas houve uma receptividade agradaacutevel mas irei relatar minha

experiecircncia apenas nas aulas de Jacqueline por entendecirc-las mais significativa para o estudo

Assim as considero porque esta professora instigada possivelmente pelos desafios de alguns

instantes de conversas nos quais muito ouvi fez uma tentativa improvisada de dialogar com o

tema em tela

No preluacutedio dessas aulas que se deram em 11 de julho de 2014 no turno vespertino

a professora Jacqueline que me atendeu na biblioteca da escola em um horaacuterio reservado para

isto mostrou-se soliacutecita receosa e muito determinada a demonstrar sua anguacutestia suas

inquietaccedilotildees com a escolha profissional que fez

- Escolhi ser professora desde pequena Era meu sonho Mas a realidade eacute um

pesadelo Quando chega o momento de entrar na sala de aula eu me arrependo desta

escolha Tenho uma filha de 1 ano e seis meses e peccedilo a Deus todo dia que a livre desta

profissatildeo

114

A professora conduziu-me com sua fala pela escola como quem apresenta um

depoacutesito de problemas sem lugar para sonhos para a edificaccedilatildeo da autonomia Ali era o

reduto das queixas narrado por uma voz que soacute lamenta Jacqueline debulhou uma a uma as

lamentaccedilotildees que impregnam aquele ambiente Ouvi um rosaacuterio de desespero de exaustatildeo de

descontrole de pacircnico ateacute de criacuteticas ao ECA - Estatuto da Crianccedila e do Adolescente - que

estava na iminecircncia de completar 24 anos de criaccedilatildeo e que segundo ela ateacute hoje natildeo sabe o

bem que fez a sociedade a existecircncia desse ordenamento juriacutedico As criacuteticas saiacuteram do ECA

agraves peacutessimas condiccedilotildees de trabalho agraves famiacutelias que a seu ver satildeo irresponsaacuteveis Essas

segundo a informante soacute visitam as escolas quando seus benefiacutecios sociais estatildeo ameaccedilados

sobrecarregando a instituiccedilatildeo com deveres que satildeo delas Jaqueline estava disposta a relatar

sobre o peso de ser docente Informou-me que guarda as lembranccedilas das coisas lindas sobre a

educaccedilatildeo ditas por Paulo Freire pelos[as] professores[as] da universidade mas ali dentro da

escola nada que ouviu serve aplica-se

- Somos impotentes Soacute um ou outro aluno daacute sentido ao nosso trabalho Vivemos na

sala de aula o aacutepice do desinteresse e desrespeito e isto eacute terriacutevel Tem horas que natildeo

acredito que estou vivendo isto

Ouvi aquele depoimento atenta e dolorosamente Mas inseri um toacutepico novo o

motivo da observaccedilatildeo daquela aula buscar o nexo temaacutetico das leituras feitas ali O tom da

desmotivaccedilatildeo do sentimento de impotecircncia continuou fazendo parte dos enunciados da profordf

Jaqueline

- Ler aqui eacute complicado professora Natildeo temos recursos nem interesse por parte

dos[as] alunos[as] que soacute querem bagunccedilar

- O que vocecirc preparou para a aula de hoje Indaguei-lhe Ela me disse que iria pedir

para eles escreverem sobre as feacuterias sobre a copa de 2014 Insisti sobre o que leriam disse-

me que algum texto do livro didaacutetico Perguntei-lhe se soacute liam os textos dos livros didaacuteticos

respondeu-me que quase sempre Um retorno agraves aulas sem planejamento sem a municcedilatildeo de

um texto novo produzido por fatos recentes vindo de suportes diferentes com uma

professora que iria improvisar qualquer leitura pareceu-me o retrato de um descaso

profissional bem niacutetido Sem buscar condenaccedilotildees pessoais puxo um fio do novelo da

educaccedilatildeo puacuteblica brasileira que com seus parcos investimentos faz poliacuteticas pobres para

115

pobres cerceando o direito desses agrave cidadania plena agrave emancipaccedilatildeo social Essa professora eacute

mais um elo da cadeia do descuido que envolve a escola puacuteblica brasileira

Depois de ouvi-la muito provoquei o diaacutelogo sobre a interface gecircnero e leitura

Jacqueline falou de gecircnero dos meios de comunicaccedilatildeo de massa influenciando

comportamentos sendo aliados ldquona abertura de mentesrdquo em suas palavras Mas a abertura de

mentes a seu ver resume-se agrave toleracircncia com o diferente estava sempre afirmando que

respeita ldquoas sapatonasrdquo assim se referindo agraves duas meninas que tinham um relacionamento

amoroso e que tentavam assumir isso na escola mas soacute respeitava natildeo aceitava ldquoaquilo natildeo

era normal e era constrangedorrdquo em suas palavras O pronunciamento desta professora

evidenciando uma construccedilatildeo naturalizada das identidades de gecircnero ainda foi acompanhado

por gestos de face e matildeos que transmitiam uma repugnacircncia pela orientaccedilatildeo sexual natildeo

normatizada

Naquela entrevista com as expressotildees preconceituosas de Jaqueline em nomear as

garotas homossexuais de forma pejorativa e com seus gestos de repulsa agraves manifestaccedilotildees de

afeto das garotas fui levada a compreender uma resposta massiva dada pelo questionaacuterio

quando indaguei acerca do posicionamento dosas educadoresas diante de manifestaccedilotildees de

interesse que contrariassem o normalizado Ali tanto quanto no questionaacuterio o desafio de

adotar um olhar reflexivo que problematize as construccedilotildees sociais que estereotipam

comportamentos e orientaccedilotildees sexuais ainda natildeo foi suficientemente alcanccedilado

Conversamos Toca o sinal para a entrada da aula A nossa interaccedilatildeo gerou nela algo

que teve um impulso e se dirigiu agrave prateleira de livros Chega-me com cinco volumes do guia

da Crianccedila Cidadatilde uma publicaccedilatildeo do UNICEF que eacute uma coleccedilatildeo com temas referentes agrave

cidadania O volume trazido pela professora Jaqueline eacute ldquoConvivendo com meninos e

meninasrdquo de autoria de Gwenaeumllle Boulet et al (2005) Tal documento eacute um encarte pequeno

com 54 paacuteginas cujo foco eacute o tratamento da questatildeo de gecircnero A existecircncia deste texto ali

me causou surpresa considerando que em outra etapa desta pesquisa fui informada pela

servidora que exerce a funccedilatildeo de bibliotecaacuteria ali de que nada havia naquele espaccedilo sobre esta

temaacutetica Mas Jacqueline meses depois desta informaccedilatildeo encontrou e parecia encontrar um

sentido em seu uso agora

ldquo- Jaacute que vocecirc estaacute aqui e pesquisa este tema vamos ver em que daacute hoje ler este

livro Mudei minha aula natildeo gosto de discutir estas questotildees mas agora me deu vontaderdquondash

Expressou-se assim a professora

116

Senti o risco do improviso e do artificialismo da aula que caiacutea ali de forma ex-

temporacircnea fruto de um confesso acaso Refleti ao mesmo tempo o quanto as brigadas por

uma defesa da equidade de gecircnero satildeo tambeacutem em forma de tecircnues mudanccedilas que chegam

chegam troteando Houve com minha presenccedila uma provocaccedilatildeo um encorajamento ao tema

tambeacutem jaacute por inuacutemeras vezes estimulado conforme eacute de conhecimento dosas educadoresas

da rede de ensino municipal atraveacutes de projetos acadecircmicos produzidos pela SEDEC como

os que refletem sobre a questatildeo do Bullying da violecircncia contra a mulher entre outros

A questatildeo eacute semear cuidar e perseverar Ali aos olhos de Jaqueline natildeo me parecia

haver um jardim a receber cuidados Seu semblante angustiado ao se deparar com o toque de

entrada para a sala de aula parecia o de quem natildeo levava sementes nem flores Havia um

solo jaacute pronunciado como aacuterido como infeacutertil nas palavras de uma professora que me disse

rezar protegendo sua filha do mal de ser educadora A turma era a do 6ordm ano A com alunosas

de faixa etaacuteria entre 12-13 anos Estavam presentes 18 alunosas naquela sala que receberam

cinco exemplares para serem lidos o que torna considero uma leitura dificultosa

inadequada A professora sem explicar bem a divisatildeo do material propocircs um ciacuterculo A

acuacutestica da sala era comprometida com ventiladores barulhentos e adolescentes inquietosas

Depois de um tempo ela conseguiu iniciar o trabalho e pediu a leitura do livro Joatildeo este eacute

um nome fictiacutecio tanto quanto os dos demais alunosas aqui referidosas a partir de entatildeo

afirma que natildeo quer ler ainda justificando sua negaccedilatildeo

- Natildeo jaacute sei ler pra que ficar lendo

A mestra pacientemente responde

- Joatildeo todo dia se aprende algo novo com a leitura

Atualizei ali o olhar para a 2ordf ediccedilatildeo da Pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO

PROacute-LIVRO 2008) quando essa pontua sobre quatildeo pode natildeo ser gecircnero de primeira

necessidade a leitura para crianccedilas que natildeo veem pais lendo que natildeo encontram ambiente

propiacutecio para o ato de ler A baixa escolaridade das famiacutelias daquelesas alunosas certamente

propicia pouca frequecircncia da leitura em suas casas o que compromete o estiacutemulo familiar agrave

leitura Para aquele aluno o ato de ler eacute mero instrumento decodificador que como ele jaacute

domina a sua teacutecnica despreza as outras funccedilotildees da leitura A professora deu atenccedilatildeo a Joatildeo

dando-lhe uma resposta concisa sobre o valor dessa praacutetica Mas senti falta de mais Senti

117

falta de uma defesa da leitura que mobilizasse a turma Seria um momento propiacutecio para a

educadora inquirir questotildees acerca do prazer (ou desprazer) de ler

Como quem tem pressa como quem natildeo tem espaccedilo para mergulhar aquela

educadora volta a conduzir a aula Pediu aosagraves alunosas para lerem trechos em voz alta

indagou algo e nem esperou o resultado da resposta jaacute retomou ao texto Minha presenccedila

pode ter lanccedilado sobre ela ansiedade desejo de mostrar que tinha o controle disciplinar do

evento E talvez para ela a permissatildeo e o estiacutemulo agrave palavra gerasse debate e esse o

tumulto as conversas paralelas Mas em determinados momentos a explosatildeo de inquietude

dosas alunosas fragilizava seu jaacute tecircnue controle Olhei a professora contendo ira

envergonhada cheia de medo de explodir com aquelesas alunosas acuada segundo suas

proacuteprias palavras pelo ECA Esse ordenamento diferentemente de ser visto como um

instrumento juriacutedico avanccedilado na garantia de direitos era considerado como o responsaacutevel

por aquele espiacuterito de rebeldia nas vidas das crianccedilas e dosas adolescentes Jacqueline natildeo se

conteve e veio ateacute perto de mim desabafando

- Depois do ECA somos barrados [a] de termos autoridade com eles[as] E natildeo tem

estatuto de professor[a] nada nos protege

Acuada assim ela disse se sentir E sem perceber que lhe faltava autoridade natildeo pela

existecircncia do ECA mas pelo desgoverno de uma educaccedilatildeo puacuteblica precaacuteria engrossou o coro

de vozes que ressoaram dosas seusas colegas Vozes essas por mim anteriormente colhidas

naquela tarde nos momentos que permaneci na sala dosas professoresas ouvindo-osas

Acuada e sem sentir prazer pelo que faz Observando Jacqueline lendo usando toda sua

potencialidade vocal repetindo frases pedindo silecircncio estabeleci um elo com uma resposta

no instrumento investigativo aplicado em outubro de 2013 o questionaacuterio Um dado ali

pontuado por vaacuterios colaboradoresas indicando a ausecircncia de marcaccedilatildeo da leitura como

atividade de prazer (vide primeira questatildeo do instrumento) torna-se tatildeo palpaacutevel naquela sala

Como afirmar prazer na praacutetica leitora quando a voz doa mestrea se esvai em meio agrave gritaria

correria e desinteresse Muito hostil ler assim ela me diz

- Tem professor que ainda mente que eacute hipoacutecrita que diz que isso eacute bom Que faz

seus[as] alunos[as] lerem Esses[as] meninos[as] tornam o ato de ler um desprazer Preparo

tudo com carinho quando chega aqui tomo raiva de mim mesma por ainda insistir

Acompanhar Jacqueline naquela tarde em suas aulas foi passear por falas nas quais o

lugar da leitura na escola era o da farsa do engodo De modo exaustivo ela fala de exaustatildeo

118

de desesperanccedila e de tristeza porque disse acreditar que ali estava ldquoa chave das mudanccedilas que

precisam ser feitasrdquo nas suas palavras E sua discursividade era a da desesperanccedila se haacute a

chave nem haacute a porta na dialogia com Drummond em Joseacute (1983) A leitura era difiacutecil

naquela escola Mesmo assim a mestra comeccedila a trazer problematizaccedilotildees acerca das questotildees

de gecircnero Pede uma opiniatildeo agrave turma sobre um trecho do guia que aborda diferenccedilas entre

meninos e meninas ldquoNoacutes meninas somos sensiacuteveis fraacutegeis E os meninos satildeo uns brutos

[]rdquo(BOULET 2005 p 11) expressando com gritos

- Menina eacute diferente de menino Em quecirc Leiam isso na paacutegina 11 Vocecircs

concordam

As respostas saiacuteram em forma de gritos

- Satildeo umas taradas as meninas

- Aqui tem menina que natildeo aguenta nem o vento deste ventilador toda fraquinha

- Eacute sim satildeo fracas Satildeo iguais a Neymar caem por tudo

- Satildeo umas chatas umas metidas umas piriguetes

Poucos disseram que natildeo nenhum olhar de respeito agraves meninas que responderam

com vaias Imaginei que ela iria procurar problematizar esses enunciados Mas trouxe outro

toacutepico colhido rapidamente do guia que faz uma abordagem pontual das questotildees de gecircnero

entabulando esta outra questatildeo

- Algueacutem aqui aceitaria ser amigo[a] de um gay

Impressionou-me o tom de desatenccedilatildeo agrave problemaacutetica de gecircnero por Jaqueline O que

foi dito por ela ao indagar sobre se algueacutem seria amigo de um gay carrega muito de seu

preconceito Ela sedimentou um olhar que constitui o outro o segregacionado o diferente e

inferiorizado Por que algueacutem teria que aceitar ser amigoa de um gay A relaccedilatildeo natildeo seria a

de se aceitaria ou natildeo a amizade de pessoas E ali o que eacute dito por ela sobre as relaccedilotildees de

gecircnero alicerccedilam estereoacutetipos datildeo invisibilidade ao fenocircmeno da violecircncia aos processos de

construccedilatildeo do diferente (SILVA 2012) Uma praacutetica discursiva que se potildee na contramatildeo dos

interesses de uma escola para todas as pessoas como advogam os DH ali percebi

A professora ouviu da turma um sonoro natildeo E sem atentar possivelmente para o

quanto seu olhar nega uma brigada vigilante anti-sexista anti-homofoacutebica e de respeito aos

direitos das crianccedilas e adolescentes proposta por organismos mundiais e nacionais amparada

119

por marcos legais protetivos natildeo atentou para a sonoridade negativa da turma para um mundo

inclusivo Mas retrucou

- Quer dizer que vocecircs deixariam ele [sic] no isolamento

Um menino de nome Pedro disse que sim que merece sofrer ficar isolado quem

desobedece ao que Deus criou

-E Deus criou homem e mulher professora - Reforccedilou o garoto

Ela respondeu que sim Assumiu uma postura criacionista essencialista Muito

embora tenha salientado que mesmo sendo um desvio uma afronta ao que Deus determinou

essas pessoas merecem ser respeitadas Jeacutessica uma menina muito inquieta considerada

conforme Jacqueline ldquopior do que os meninosrdquo em termos de inquietaccedilatildeo agressivamente

respondeu

- Respeitar boiola professora Respeito natildeo

Jaqueline natildeo retrucou Aquela aluna me parecia sem eco Todas as falas em sua

direccedilatildeo eram no sentido de fazecirc-la ficar quieta A menina demonstrava uma agressividade

para com todosas colegas indiferenccedila agrave aula e desrespeito agrave professora

- Vocecirc eacute louca eacute Respeitar boiola ndash Dirigiu-se agrave Jacqueline respondendo-lhe pela

defesa que a professora fez do dever de todosas ao respeito aos considerados desviantes

Sem economias essa aluna iniciou um turno de xingamentos de imitaccedilotildees grotescas

de como os gays falam andam e gesticulam levando a turma a rir e constrangendo a

professora Desistindo de enfrentaacute-la natildeo sei se por medo de criar mais confronto com a aluna

ou se por consentir manifestaccedilotildees de escaacuternio e homofoacutebicas Jacqueline natildeo exortou a aluna

redirecionou a aula solicitando a volta ao texto E indicando desconhecer por completo o guia

sai procurando o que ler salteando paacuteginas em busca do que explorar Premida pelo tempo

pelo barulho da sala acha trechos aleatoriamente e os ler pede opiniatildeo do grupo e sem

conseguir instigar o interesse da turma que se lanccedila em brincadeiras culpa a todosas pela

eterna balbuacuterdia e descompromisso com o ato de debater

120

Por muitos momentos observei a agitaccedilatildeo da professora diante do texto e da turma

Seu ambiente de trabalho se traduzia como uma violecircncia ao ato de ler a balbuacuterdia dosas

alunosas inviabilizava a mais elementar concentraccedilatildeo que a leitura requer para que haja a

fluecircncia das ideias a capacidade de retecirc-las de trocaacute-las Em polvorosa a turma ao tempo

que respondia a algo pontuado pelo texto desligava-se dele completamente mergulhando em

outros mundos outros textos tatildeo diacutespares ao proposto Parecia natildeo haver naquele espaccedilo por

alguns instantes a presenccedila de um texto em matildeos a presenccedila de uma mestra E ela competia

com a desordem agitando-se gritando muito

Em contraste com aquele cenaacuterio de mestra sem maestria sem calmaria sem rumo

resgatei uma imagem beliacutessima trazida por Larrosa (2004) com a sua leitura do jaacute referido

poema O Leitor de Rilke A construccedilatildeo poeacutetica desse autor debulha jaacute em seus versos

iniciais a imagem de um ser tomado possuiacutedo arrebatado pelo ato de ler ldquoQuem o conhece

a este que jaacute baixou seu rosto de um ser ateacute um segundo ser a quem apenas o veloz passar

das paacuteginas plenas agraves vezes interrompe com violecircnciardquo O enfrentamento da obra que se daacute

com o rosto abaixado eacute a garantia da transformaccedilatildeo A obra quer quietude o autor diz que

ldquoapenas o veloz passar das paacuteginasrdquo traz a inquietaccedilatildeo Oa leitora poeticamente possui as

marcas da quietude da liquidez da transformaccedilatildeo nas palavras de Larrosa

O texto esse segundo ser no qual o leitor submerge estaacute empapado da sombra do

leitor A palavra alematilde eacute Getrankts e poderia ser traduzida por embriagada ou

porembebido[] O texto entatildeo tambeacutem perdeu sua estabilidade sua solidez e seu

controle sobre si mesmo ao estar impregnado dessa sombra liacutequida e embriagadora

que o leitor [a] derramou sobre ele A sombra do leitor [a] tem algo da fluidez dos

liacutequidos O texto por sua parte eacute permeaacutevel a esses liacutequidos uma vez que se deixa

empapar e embriagar por eles Ambos satildeo liacutequidos e podem misturar-se entre si E o

texto uma vez liquefeito embriagado e desmaternado agora pode ser o elemento

em que o leitor pode submergir para emergir transformado o elemento liacutequido da

metamorfose (LARROSA 2004 p 108)

A experiecircncia da leitura na poesia de Rilke e na interpretaccedilatildeo que Larrosa (2004)

empresta a esta obra eacute a experiecircncia da conversatildeo essa aqui natildeo eacute vista como aspiraccedilatildeo ao

divino mas agrave substancialidade de si da plenitude da saiacuteda do ordinaacuterio da

despersonalizaccedilatildeo ldquoQuem o conhecerdquo Haacute por conseguinte observando a aula de leitura

ministrada por Jaqueline uma distacircncia astronocircmica entre o leitor da poesia rilkeana e osas

leitoresas daquela sala de aula Satildeo contextos histoacutericos distintos com diferentes grupos

sociais que resultam em entregas e natildeo entregas agrave leitura Parece que a sala de aula inquieta e

desgovernada programada pelo poder-escola mesmo que anuncie a importacircncia da entrega

para a leitura natildeo propicia as condiccedilotildees para isto Haacute um controle por parte desse poder que

121

cria regras nas quais se gera o impedimento para que a relaccedilatildeo complexa de abandonar-se pela

interpretaccedilatildeo de obras de textos de discursos para inquietar mundos prontos seja efetivada

Ler entatildeo na escola puacuteblica em tela e em tantas outras construiacutedas com a mesma

mesquinharia na faceta Paulo Honorina de nossos gestores puacuteblicos no trato com a educaccedilatildeo

eacute estar sob a tutela de uma atividade que controla e disciplina o natildeo ler

E o ler na sala de Jaqueline dizia do natildeo ler Assim entendi tambeacutem quando

observei a cena em que trecircs alunos que sentavam juntos folheavam o guia passando as

paacuteginas sem deleite algum mesmo este contendo bastante ilustraccedilotildees Um deles disse agrave

professora que ler aquilo ldquoera um sacordquo Ela foi raacutepida em me justificar a opiniatildeo do garoto

- Aqueles satildeo influenciados pela religiatildeo natildeo gostam de nada natildeo aceitam os

homossexuais nem que a mulher se iguale ao homem Satildeo do contra

Jaqueline demonstrou entatildeo entender pouco o que disse o aluno E dividida entre

alunosas que representavam o fundamentalismo religioso e expressavam rigidez de papeacuteis

acerca de identidades de gecircnero entre outrosas que expressavam um olhar assimeacutetrico para

as relaccedilotildees de gecircnero levadosas pelo senso comum e ainda por voz solitaacuteria que afirmou

defender a liberdade de cada um de ser quem quer como a de Viacutetor um paulistano receacutem-

chegado agrave Paraiacuteba Jacqueline posicionou-se E o fez premida pelo discurso da toleracircncia ao

diferente Uma ressonacircncia assumida por ela das suas interaccedilotildees com discursos de

formadores nos eventos de formaccedilatildeo continuada dos quais participa na Rede Municipal de

Ensino Diversas formaccedilotildees discursivas circundavam naquele espaccedilo impingindo a marca de

quatildeo heterogecircneas e fragmentadas satildeo as identidades sociais construiacutedas em praacuteticas

discursivas regradas historicamente Enxergaacute-las e tecirc-las como processos de construccedilotildees nos

quais somos premidos eacute em tese pensar fora do autoritarismo O ato de ler pode estar a serviccedilo

de exercitarmos o pensamento nesta perspectiva o que poderaacute promover o encontro com o

outro com disposiccedilatildeo para o diaacutelogo Mas este ato natildeo pode fugir de sua instacircncia poliacutetica

natildeo pode se dar sem angariar as formaccedilotildees discursivas que determinam verdades apagando e

dando sentidos conforme pontua Foucault [] ldquovivemos em uma sociedade que produz e faz

circular discursos que funcionam como verdade que passam por tal e que deteacutem por este

motivo poderes especiacuteficosrdquo (FOUCAULT 2012 p 231) Esta eacute tarefa para os que brigam os

que vivem em permanente posiccedilatildeo de lutadores

Natildeo sei se instigada pelo nosso diaacutelogo antes da aula a professora trouxe a tocircnica da

violecircncia contra a mulher perguntando se algueacutem ali achava certo um homem agredir uma

122

mulher A pergunta me pareceu ingecircnua simplista que expressa possivelmente a

desorganizaccedilatildeo de Jaqueline por improvisar uma aula em um tema que natildeo parece lhe

fascinar As respostas vieram de forma apressadas e uniacutessonas por um natildeo agrave agressatildeo agrave

mulher Ela elogiou o grupo propagando uma cultura de paz reforccedilando que ningueacutem deve

bater em ningueacutemrdquo Chamou-me atenccedilatildeo a voz fraacutegil de uma menina que trouxe o

ordenamento juriacutedico como justificativa para o impedimento agrave violecircncia contra a mulher

- Natildeo pode professora por causa da Maria da Penha

Jacqueline demonstrou gostar desta resposta da garota e falou rapidamente da Lei

1134006 pontuando para a turma ldquoeacute a Maria da Penha que bota os homens que batem em

mulher na cadeiardquo Chamou-me atenccedilatildeo ainda o fato natildeo visto pela professora de que a aluna

natildeo encontrou um oacutebice para a violecircncia contra a mulher na dignidade humana dessa no seu

direito a uma vida sem agressotildees e sim em uma lei Mas a demonstraccedilatildeo de conhecimento do

ordenamento juriacutedico pela menina deixou a professora satisfeita Uma outra aluna indagou-

lhe

- Quem foi professora Maria da Penha

A docente Jaqueline natildeo soube dizer exatamente soacute respondeu que Maria da Penha eacute

uma mulher que sofreu violecircncia domeacutestica Perdeu a oportunidade de narrar uma histoacuteria

exemplar de luta contra a impunidade a este mal que grassa em tantos lares ao tempo em que

evidenciou um comprometimento em sua formaccedilatildeo intelectual Seu desconhecimento

considerando a relevacircncia que a farmacecircutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes

possui como siacutembolo de luta para o enfrentamento da violecircncia contra a mulher demonstrou

fragilidade de formaccedilatildeo profissional Maria da Penha vitimada pela violecircncia com duas

tentativas de assassinato por Marco Antonio Heredia Viveros agrave eacutepoca seu marido lutou

bravamente contra a impunidade a esse crime Por sua obstinaccedilatildeo durante longos anos travou

uma longa batalha no poder Judiciaacuterio e evitou a impunidade de Marco conseguindo levar

sua denuacutencia agrave Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organizaccedilatildeo dos

Estados Americanos) que determinou medidas do Estado brasileiro pela puniccedilatildeo ao ex-

marido e reparaccedilatildeo agrave viacutetima A visibilidade da violecircncia contra a mulher ganhou em Maria da

Penha um baluarte que a fez homenageada com o nome da Lei 1134006 Suas apariccedilotildees na

123

miacutedia em especial nas comemoraccedilotildees alusivas ao Dia Internacional da Mulher deveriam ser

outro fator que favorecesse o conhecimento da cearense pela professora Jaqueline

O tema da violecircncia contra a mulher instigou a turma a falar e muitosas alunosas

disseram conhecer mulheres viacutetimas de violecircncia ningueacutem disse que isto fazia parte da

realidade familiar mas da de uma vizinha de uma conhecida Jacqueline natildeo aproveitou a

discussatildeo para trazer reflexotildees sobre as causas desse fenocircmeno dar visibilidade agrave questatildeo

cultural que sustenta a assimetria entre homens e mulheres e discorrer sobre a importacircncia da

lei E mesmo diante de enunciados de meninos dizendo que deveria existir a lei para os

homens tambeacutem o que implica uma incoerecircncia a professora se esquivou de aprofundar o

debate Um debate que seria oportuno considerando que a violecircncia contra homens eacute um

fenocircmeno cultural de baixiacutessima incidecircncia o que em tese natildeo justifica a existecircncia de uma

lei para a proteccedilatildeo dos homens

A aula natildeo havia acabado ainda mas o focirclego da professora sim Como quem paga

alta penitecircncia olhou muito para o reloacutegio enfim sentou-se exaurida ao meu lado e

timidamente me pediu uma opiniatildeo sobre seu desempenho pedagoacutegico Tive zelo para natildeo

parecer dona da verdade e pontuei algo para ela Iniciando pela criacutetica ao improviso Abordei

tambeacutem com a educadora o quanto o lidar com texto em sala de aula em uma perspectiva

discursiva permite a quebra da ilusatildeo de que haacute uma leitura boa e certa para um texto na qual

o professor seria o inteacuterprete legiacutetimo E que a postura dela de natildeo ouvir as respostas dosas

alunosas em alguns momentos evidenciava talvez para ela a crenccedila de que as respostas da

turma estariam fora do campo do verdadeiro Falei tambeacutem do desejo de ver a temaacutetica ser

vivenciada com esmero por respeito ao princiacutepio da dignidade humana de todas as pessoas e

por considerar que para que se engendrem reflexotildees plurais e que se olhem mais

apuradamente as assimetrias de gecircnero desmantelando-nas as construccedilotildees discursivas

precisam fazer parte de um ethos Precisam fazer parte de uma brigada pela defesa de uma

escola inclusiva para todosas e isto natildeo nasce aleatoriamente nem sem suor Novos sujeitos

precisam nascer ou no dizer foucaultiano (FOUCAULT 2004a 2004b 2004c 2012) novos

modos de subjetivaccedilatildeo Jaqueline ponderou que estava disposta a aprender mas de algumas

coisas natildeo abriria matildeo O que ela e tantosas natildeo abrem matildeo poderaacute continuar impedindo a

responsabilidade da escola em construir caminhos para novos sujeitos com a eliminaccedilatildeo de

praacuteticas discriminatoacuterias sexistas homofoacutebicas

A aula acabou e eu tomei emprestado o material usado em sala para analisaacute-lo

conforme tracei em um dos objetivos deste trabalho E muito embora este natildeo seja um

material programado para fazer parte de suas aulas como jaacute pontuei aqui por sua escolha ter

124

sido notoriamente casual aleatoacuteria foi ele o subsiacutedio do evento e eacute um dos textos presentes

na escola que poderaacute ser lido outras vezes Voltei agrave biblioteca e perguntei agrave Denise a

responsaacutevel por aquele espaccedilo que foi uma das participantes da pesquisa se aquele texto o

ldquoGuia da Crianccedila Cidadatilde ndash Convivendo com meninas e meninosrdquo (BOULET 2005) jaacute fazia

parte do acervo bibliotecaacuterio quando de minhas visitaccedilotildees na outra etapa desta pesquisa Ela

me informou que natildeo aqueles volumes tinham sido uma aquisiccedilatildeo no final do ano realizada

pela coordenadora do projeto de leitura

O material usado um guia eacute um gecircnero textual que tem como caracteriacutestica pontuar

concisamente informaccedilotildees para nortear leitoresas acerca de algo E com esse natildeo foi

diferente o material utilizado naquela aula eacute um texto com muita ilustraccedilatildeo em uma

linguagem acessiacutevel e com historinhas apresentadas em trecircs capiacutetulos As narrativas abordam

relacionamentos entre meninos e meninas problematizando a construccedilatildeo das diferenccedilas

atraveacutes de toacutepicos como o interesse dos meninos por baleacute a ocupaccedilatildeo das mulheres no

mercado de trabalho as meninas poderem tomar agrave frente nas manifestaccedilotildees de afeto entre

outros papeacuteis sociais questionados Satildeo toacutepicos interessantes que se organizados

reflexivamente poderiam render uma aula mais significativa

O guia todavia eacute uma produccedilatildeo do UNICEF jaacute com uma certa defasagem em

relaccedilatildeo aos avanccedilos conquistados pelas mulheres no tocante agraves garantias juriacutedicas como as

Leis 1203409 (BRASIL 2009) que prevecirc a obrigatoriedade do preenchimento de vagas por

mulheres em cada partido e a Maria da Penha que combate agrave violecircncia contra a mulher

Outros avanccedilos angariados pelo coletivo feminista natildeo poderiam tambeacutem estar contemplados

ali no que diz respeito agraves mobilizaccedilotildees sociais como as construccedilotildees das conferecircncias entre

outros Assim eacute uma leitura que mobiliza o interesse pelo combate agrave violecircncia de gecircnero tem

seu valor mas precisaria estar melhor articulada e atualizada Esse eacute um trabalho doa

fazedora da educaccedilatildeo que deve entrar em sala carregando leituras catadas angariadas

escolhidas criteriosamente o que natildeo foi o caso da aula em tela na qual a mestra pareceu

carregar um guia sem ser guiada por ele

125

4 A ACcedilAtildeO PROPOSITORA INSERCcedilAtildeO TEMAacuteTICA DE GEcircNERO PELA VIA DA

LEITURA

Apoacutes discorrer acerca do trajeto desta pesquisa objetivando costurar os fios traccedilados

ao longo de sua constituiccedilatildeo cabe-me tomar a direccedilatildeo de apresentar nesta parte do estudo

uma proposta de sistematizaccedilatildeo de estrateacutegias que poderatildeo ser adotadas pelo projeto de leitura

da escola TRAVESSIA Isso se deve porque este mestrado que possui uma diretriz

profissional estaacute sendo desenvolvido de modo a permitir uma accedilatildeo interventiva na praacutetica

docente de seus cursistas o que se traduz como compromisso e luta com o fazer pedagoacutegico

aos quais bendigo

E com base no que angariei em termos de anaacutelises das discursividades de

educadoresas como mediadores(as) de leituras cabe-me propor a inserccedilatildeo do debate sobre as

relaccedilotildees de gecircnero no projeto de leitura da escola TRAVESSIA Faccedilo assim por conceber que

a leitura ali vivenciada percebida em diversos momentos desta pesquisa natildeo demonstrou

contemplar a temaacutetica da equidade de gecircnero E a ausecircncia desta contemplaccedilatildeo eacute considero

um oacutebice para a formaccedilatildeo de cidadatildeosatildes reflexivosas que eacute um dos objetivos propostos no

documento do referido projeto de leitura da escola

Desse modo e em respeito agrave pauta reivindicatoacuteria dos DH das mulheres da populaccedilatildeo

LGBT e de toda uma legislaccedilatildeo educacional que trata da inclusatildeo como um direito de todas as

pessoas agrave dignidade humana proponho que haja o empenho pela implementaccedilatildeo do debate da

equidade de gecircnero na escola TRAVESSIA por via da leitura Sendo concebida esta via

como uma praacutetica social que pode contribuir significativamente com as mudanccedilas sociais e

culturais que precisam ser construiacutedas (MOITA LOPES 2002 ORLANDI 2008) eacute preciso

que nela seja investido um olhar mais reflexivo Para isto eacute crucial que a escola repense o

lugar da leitura centralizando-a norteando esta praacutetica por reflexotildees e estudos frequentes

entre osas professoresas envolvidosas com o projeto CestaSexta literaacuteria Tais reflexotildees e

estudos devem estar subsidiando a vigilacircncia dos agentes de leitura sobre o que leem e

propotildeem como leitura no projeto atentando assim para os modos como se alicerccedilam

estereoacutetipos para os modos como se alicerccedilam verdades Tais reflexotildees e estudos devem estar

subsidiando a vigilacircncia dos agentes de leitura sobre o que leem e propotildeem como leitura no

projeto atentando assim para os modos como se alicerccedilam estereoacutetipos para os modos como

se alicerccedilam verdades A vigilacircncia sobre os modos de conceber a leitura tem razatildeo de ser

quando se considera o que a AD atraveacutes de Possenti (2009) postula em si natildeo eacute a leitura um

bem E como tal natildeo deve ser sacralizada natildeo pode tambeacutem ser mateacuteria de improviso de

mero cumprimento de tarefa sem planejamento criterioso e sabor

126

A formaccedilatildeo de leitoresas pressupotildee estudo pressupotildee concernir com o que se

acolhe Heidegger (apud LARROSA 2004 p 110) investe na importacircncia do ato de ler

debruccedilando-se na etimologia do termo

A etimologia de ler como recorda Heidegger remete a recolher a colher a

colecionar a coletar Leitura lectio liccedilatildeo e tambeacutem e-leiccedilatildeo se-leccedilatildeo co-leccedilatildeo co-

lheita Heidegger mostra como o legein grego relaciona-se com o leger latino e com

o alematildeo lesen em seu sentido primitivo de um ldquopocircr abaixo e pocircr diante de que se

reuacutene a si mesmo e recolhe outras coisasrdquo Esse pocircr eacute um juntar e um com-pocircr []

E aleacutem disso como indica o alematildeo lesen um coletar ou um re-coletar um co-lher

ou um re-colher a colheita de espigas (Ahren-lese) recolhe o fruto do solo A

vindima (Trauben-lese) colhe as bagas da videira Por isso o juntar e pocircr diante natildeo

eacute um juntar qualquer coisa de qualquer maneira natildeo eacute um mero amontoar mas

implica uma busca e uma escolha previamente determinada por um colocar dentre

por um colocar sob um teto por um preservar ou abrigar (HEIDEGGER apud

LARROSA 2004 p 110)

Haacute uma ideia de abrigamento de incorporaccedilatildeo com a definiccedilatildeo do termo que sugere

alimento a leitura como o patildeo diaacuterio que nutre defendida por Antunes (2009) E eacute com essa

ideia que advogo quatildeo a formaccedilatildeo de leitoresas eacute tarefa de extrema responsabilidade

pressupotildee condiccedilotildees adequadas de produccedilatildeo do ato de ler que envolve a disponibilidade do

acervo do espaccedilo adequado bem como as condiccedilotildees intersubjetivas como o desejo o

conhecimento o prazer por parte de quem propotildee a leitura A formaccedilatildeo de leitoresas eacute ato

seacuterio ultrapassa formar para a mera classificaccedilatildeo para o mero valorar de coisas eacute no dizer

de Larrosa (2004) ato que possibilita deixar aparecer o existente em sua plenitude atraveacutes da

experiecircncia do lanccedilar-se

E qual se lanccedilar haacute na leitura proposta pela profordf Jaqueline com poucos livros em

muitas matildeos desprotegida pelo Estado com um fastio intelectual leitor por um tema que

aparece nas formaccedilotildees continuadas segundo me informou mas desaparece na sua praacutetica

discursiva Haacute um lanccedilar-se Haacute eacute um hiato entre os sujeitos que escutam mudanccedilas

anunciadas nas formaccedilotildees entre os sujeitos que leem e natildeo assimilam essas leituras O

percurso formativo dessa profissional como dos outros sujeitos desta pesquisa eacute o de um

sujeito refrataacuterio agraves mudanccedilas propostas nas tecnologias enunciativas nas praacuteticas leitoras que

instiguem reflexotildees sobre a constituiccedilatildeo de identidades Nesse sentido recorro a Noacutevoa

A formaccedilatildeo eacute algo que pertence ao proacuteprio sujeito e se inscreve num processo de ser

(nossas vidas e experiecircncias nosso passado etc) e num processo de ir sendo (nossos

projetos nossa ideia de futura [] Eacute uma conquista feita com muitas ajudas dos

mestres dos livros das aulas dos computadores Mas depende sempre de um

trabalho pessoal Ningueacutem forma ningueacutem Cada um forma-se sozinho (NOacuteVOA

2001 p 15)

127

No trabalho de formaccedilatildeo interior levantado por Noacutevoa que eacute de extrema

importacircncia estatildeo as lembranccedilas foucaultianas das praacuteticas de si (FOUCAULT 2004a

2004b 2004c) as que fazem os sujeitos acordarem para seus desejos atentarem para relaccedilotildees

consigo com seus cuidados mas que permitem o olhar em torno o olhar para as construccedilotildees

sociais de si e do outroa Daiacute poderaacute vir a condiccedilatildeo de ser leitora de ser lanccediladora

Cuidando de si mas amparadoa pelo Estado satildeo por praacuteticas de libertaccedilatildeo e de liberdade que

osas intelectuais e professoresas poderatildeo ter a vitalidade necessaacuteria para formar e ser

leitora E aqui de novo a Literatura de Graciliano Ramos me acolhe com Madalena lutando

chorosamente contra o opressor Paulo Honoacuterio e sendo vencida Acode-me para que eu possa

propagar solitariamente natildeo haacute saiacuteda Agreste eacute a alma de Paulo Honoacuterio

Conheci que Madalena era boa em demasia mas natildeo conheci tudo de uma vez Ela

se revelou pouco a pouco e nunca se revelou inteiramente A culpa foi minha ou

antes a culpa foi desta vida agreste que me deu uma alma agreste (RAMOS 1978

p 92)

Como agreste eacute o coraccedilatildeo de uma sala de aula sem livros sem sonhadoresas sem

leitoresas Fiz esse rodeio por outras paragens para reafirmar que as estrateacutegias para se

formar leitoresas satildeo meticulosas exigem accedilotildees inventivas que mobilizem a ultrapassagem

aos muros da escola fazendo a chamada ao Poder Puacuteblico Mas para isso eacute preciso professora

que escolha natildeo chorar como o fez Madalena Ao agente de letramento resta-lhe organizar-se

politicamente e especialmente se enxerga na leitura um cunho libertaacuterio como me afirmou

Jaqueline minutos antes de entrar na sala de aula e afirmam tantosas outrosas

educadoresas resta-lhe lanccedilar matildeo de artefatos culturais que fomentem reflexotildees

propositoras da construccedilatildeo de novas formas de subjetivaccedilatildeo de empoderamento social de

grupos minoritaacuterios entre outras formas de experimentar vivecircncias

Eacute uma luta por espaccedilo formar leitora E como luta natildeo se daacute sem investimento sem

desarticulaccedilotildees e articulaccedilotildees de olhares Natildeo se daacute sem mobilizaccedilotildees internas e externas ao

acircmbito da esfera escolar por isso que aqui me cabe atravessar o olhar indo da escola agrave

SEDEC e inquirir desse oacutergatildeo sobre suas responsabilidades poliacutetico-administrativas A

educaccedilatildeo do municiacutepio precisa repensar uma forma de estar gestando maior compromisso e

seriedade com as suas poliacuteticas educacionais no que se refere agrave responsabilidade de formar

leitoresas A produccedilatildeo de projetos de leitura natildeo pode ser tarefa de cunho meramente

administrativo sem o acompanhamento devido pelo pedagoacutegico Uma professora

readaptadoa portanto soacute deve propor e coordenar projeto de leitura se houver nelea as

128

favoraacuteveis condiccedilotildees para isso biblioteca escolar natildeo pode ser lugar para assegurar a

manutenccedilatildeo de gratificaccedilatildeo docente natildeo pode ser espaccedilo onde apenas se emprestam livros

sem a preocupaccedilatildeo com um trabalho profiacutecuo para o estiacutemulo agrave leitura Haacute o Plano Nacional

de Livro e Leitura ndash PNLL que reivindica a esse espaccedilo o seu lugar de dinacircmico polo difusor

de informaccedilatildeo e cultura para isso o profissional que fica agrave frente desse oacutergatildeo precisa avanccedilar

em conquistas por mais habilidade A responsabilidade da SEDEC com osas readaptadosas

natildeo pode se restringir agrave exigecircncia com a confecccedilatildeo de um projeto de leitura no papel mas em

formaacute-losas para que exerccedilam com maestria a funccedilatildeo de agente de letramentos

Pensar entatildeo e ainda em um aperfeiccediloamento com o trabalho de leitura na escola

TRAVESSIA eacute tambeacutem sair dos muros daquele espaccedilo e provocar os gabinetes e o interesse

do Poder Puacuteblico da Rede de Educaccedilatildeo Municipal de Joatildeo Pessoa para o implemento de

melhorias na formaccedilatildeo continuada por ela oferecida Como propositora das formaccedilotildees

continuadas a SEDEC deve se questionar sobre a qualidade dessas avaliando seus impactos

nas praacuteticas docentes As formaccedilotildees continuadas natildeo podem ser inoacutecuas incapazes de fazer

com que seusuas educadoresas impactem suas praacuteticas educativas com o que lhes satildeo

ministradosas nos eventos de formaccedilatildeo Para isto essas praacuteticas precisam estar municiadas de

reflexotildees permanentes acerca de seus jogos de verdades de suas operacionalidades do seu

formato das accedilotildees conectadas com a realidade da sala de aula acerca enfim dos seus efeitos

sobre as praacuteticas discursivas dos seus docentes

Dentre as preocupaccedilotildees que a escola TRAVESSIA deve ter para que possa

aperfeiccediloar seu trabalho com a leitura pode estar tambeacutem a de proporcionar o envolvimento

da participaccedilatildeo familiar nas praacuteticas leitoras A matildee jaacute foi aqui pontuado pelas anaacutelises dos

resultados da pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2011) tem papel

inquestionaacutevel na influecircncia da formaccedilatildeo leitora A famiacutelia a despeito das dificuldades de

ajuste com tempo precisa ser estimulada a se envolver com as temaacuteticas e accedilotildees leitoras

desenvolvidas pela escola natildeo soacute atraveacutes das tarefas domeacutesticas dosas filhosas mas vindo agrave

escola para ler produzir textos para elesas participar dos eventos leitores Haacute matildees pais

avocircoacutes tiosas e irmatildeosas talentosos nos lares que podem contribuir com o trabalho de

leitura nas escolas atuando como contadoresas de histoacuterias como atoresatrizes em peccedilas

teatrais entre outras atividades

Reconheccedilo satildeo deveras hercuacuteleas as responsabilidades que o poder puacuteblico precisa

implementar para assegurar as mudanccedilas que a sociedade brasileira tem como direito em

termos de educaccedilatildeo de qualidade Satildeo inuacutemeras e histoacutericas as queixas de educandosas e

educadoresas sobre o ensino que o Estado brasileiro oferta agrave populaccedilatildeo e no que diz respeito

129

agrave praacutetica leitora pela escola elencam com frequecircncia como pontos negativos textos impostos

pouco acervo condiccedilotildees inadequadas de espaccedilo leitura para cumprir obrigaccedilatildeo A escola

precisa olhar com respeito tais queixas crocircnicas de seusuas educadoresas enxergar suas

vozes dispostas a aprender a aprender e aceitar o desafio de ser inventiva para resistir ao

poder como Foucault (2012) ressalta E em se tratando de poder institucional como tem sido

avassalador o poder puacuteblico do descaso com a educaccedilatildeo brasileira Tatildeo devastador a ponto de

fazer com que pensar em propor estrateacutegias interventivas em uma de suas instacircncias de

trabalho seja tatildeo sedutor quanto frustrante para mim e para educadoresas das escolas

puacuteblicas do Paiacutes Como ser inventivo diante dos limites estruturais que se apresentam face agraves

tentativas de desenvolvimento de um bom trabalho A realidade das salas superlotadas e dos

parcos recursos em termos de filmes de acervos literaacuterios musicais e demais artefatos

culturais aqui jaacute referendados comprometem a qualidade de um trabalho com a leitura

expondo o quanto o direito agrave educaccedilatildeo de qualidade estaacute sendo violado

Mas pior ficaraacute se natildeo se propuser Vou tentar pela vitalidade que haacute nos gestos de

tentar e por importar ter a leitura em pauta despertar interesse por ela saber de onde se lecirc

perscrutar por qual controle se lecirc Importa formar leitores que afiem os sentidos reflitam

sobre o estar no mundo para que possam no dizer de Freire (1999 p 124) conceber a

possibilidade do inacabamento humano ldquoa raiz mais profunda da politicidade da educaccedilatildeo se

acha na educabilidade mesma do ser humano que se fundamenta na sua natureza inacabada e

da qual se tornou conscienterdquo A leitura pode ser sem sacralizaccedilotildees uma porta para as buscas

de si foucaultianas e para a consciecircncia freireana

Convencida disto encaminho propostas de atividades de leituras de viacutedeos sites e

filmes para aprimorar as reflexotildees acerca da temaacutetica Faccedilo isto sem a menor pretensatildeo de

demonstrar possuir foacutermula nem verdade alguma nem achando que o que proponho eacute

novidade pois creio que apesar das condiccedilotildees adversas em muitos contextos escolares o

trabalho com a leitura tem sido pautado em uma perspectiva discursiva com objetivos

emancipatoacuterios libertaacuterios E o que me compete fazer neste momento satildeo esboccedilos para uma

reflexatildeo que norteie a praacutetica leitora do CestaSexta Literaacuteria Ciente sou todavia de que

profiacutecuo eacute que se faccedilam estudos coletivos reforccedilados nas coordenaccedilotildees pedagoacutegicas com

muito diaacutelogo e participaccedilatildeo dosas educadoresas ouvindo as famiacutelias os educandosas para

que haja o fortalecimento de ideias e aprendizado coletivo

Ciente sou ainda todavia de que respalda a todosas educadorasas no sentido de

reivindicar e fazer as mudanccedilas que precisam ser efetivadas a chegada de mais uma

tecnologia enunciativa como promessa de mudanccedilas O Senado Federal aprovou em julho

130

deste o novo Plano Nacional da Educaccedilatildeo - PNE cujo teor traz o compromisso firmado pelo

Governo brasileiro atraveacutes de suas poliacuteticas puacuteblicas para o enfrentamento da gravidade que

acomete a educaccedilatildeo brasileira Satildeo promessas em formato de diretrizes e metas a serem

cumpridas ateacute 2024 promessas que soacute poderatildeo ser alcanccediladas se esta tecnologia enunciativa

for concebida e acolhida como Plano de Estado mais do que Plano de Governo

Que sejamos osas santosas fazedoresas da mudanccedila que a educaccedilatildeo brasileira

precisa experimentar para sair de seu estado crocircnico de adoecimento A santidade nos

convoca a rezar aqui o sentido dessa accedilatildeo eacute para aleacutem da busca do sagrado conforme

estabelece esse Plano e um arcabouccedilo da legislaccedilatildeo educacional pela fundamental poliacutetica de

valorizaccedilatildeo global do magisteacuterio a qual implica simultaneamente a formaccedilatildeo profissional

inicial as condiccedilotildees de trabalho salaacuterio e carreira e a formaccedilatildeo continuada Que a reza natildeo

seja silenciosa apenas nem solitaacuteria pois seraacute inoacutecua e que conflua para o que diz o novo

PNE no sentido de que eacute preciso criar condiccedilotildees para que os professores possam vislumbrar

perspectivas de crescimento profissional e de continuidade de seu processo de formaccedilatildeo

(BRASIL 2014) Quem sabe assim o rosaacuterio de lamentaccedilotildees monotemaacuteticas que osas

educadoresas arrastam em seus enunciados natildeo mude de tom surgindo a sonoridade da luta

da paixatildeo e do sonho tatildeo (en)cantada por Chico Buarque de Holanda ldquoAi quero uma

lembranccedila eu quero uma esperanccedila A tua primavera

Apoacutes fazer uma ressalva ao PNE receacutem-chegado retorno agrave reflexatildeo sobre a

semeadura na escola em tela apresentando agrave guisa de sugestatildeo algumas recomendaccedilotildees que

podem ser incorporadas pela organizaccedilatildeo do projeto a CestaSexta Literaacuteria Nesse sentido

cabe aos organizadores do projeto de leitura da escola TRAVESSIA

1) Considerar a fragilidade com que o projeto de leitura se apresenta evidenciada

natildeo soacute pela ausecircncia da temaacutetica de gecircnero e de temas transversais propostos

pelos PCNs como tambeacutem pela ausecircncia de uma fluente organizaccedilatildeo entre as

accedilotildees propostas sua metodologia e seus objetivos e buscar construir uma

reformulaccedilatildeo do projeto Eacute necessaacuterio que este inclua em seus propoacutesitos uma

exposiccedilatildeo clara de temas trabalhados para que haja a relaccedilatildeo desses com a

formaccedilatildeo cidadatilde pelo projeto defendida

2) Construir para o referido projeto uma metodologia dialoacutegica e participativa

havendo a explicitaccedilatildeo dos recursos teacutecnicos adequados aos objetivos propostos

que contribuam para uma educaccedilatildeo natildeo-sexista natildeo discriminadora A sua

metodologia deve ser constituiacuteda de momentos formativos com o corpo docente e

131

gestor a fim de que as accedilotildees sejam elaboradas por uma equipe multidisciplinar

que elabore monitore e avalie todo o processo

3) Apresentar uma bibliografia envolvente e criteriosamente levantada como

tambeacutem uma seleta apresentaccedilatildeo de filmes e de artefatos culturais como canccedilotildees

entre outros objetivando ressignificar a realidade a partir desses instrumentos

Considero oportuno sugerir que a escola procure desenvolver dentro de suas

possibilidades praacuteticas leitoras incrementadas por encenaccedilotildees de peccedilas teatrais

jogos varais com a presenccedila de contadoresas de histoacuterias por exibiccedilatildeo de

filmes que a depender do estilo da peliacutecula pode sofrer cortes em cenas para que

apenas elas sejam estudadas considerando que nem toda narrativa atrai Haacute

programas de televisatildeo e capiacutetulos de novelas que podem ser objetos de anaacutelises

como tambeacutem determinadas leituras circuladas nas redes sociais podem estar

propiciando reflexotildees atinentes agrave valorizaccedilatildeo da dignidade humana

4) Proporcionar realizaccedilotildees de atividades educativas como oficinas palestras e

debates com a inserccedilatildeo da temaacutetica da equidade de gecircnero Para isso deve se

nortear com a discussatildeo de questotildees geradoras que podem ser conforme

pontuadas pelo curso de Gecircnero e Diversidade na Escola ndashGDE- (2009)3 assim

levantadas Como as relaccedilotildees de gecircnero aparecem no cotidiano escolar Haacute cenas

de violecircncia de gecircnero na escola O que educadoresas podem fazer neste

momento A discriminaccedilatildeo de gecircnero ainda coloca as mulheres em desvantagem

em diversas situaccedilotildees sociais Haacute o agravamento da desvantagem quando essa se

une agrave discriminaccedilatildeo eacutetnico-racial Qual a responsabilidade da escola e dos

educadores na garantia do direito de cada pessoa de ter uma justa imagem de si e

de ser tratado com dignidade Educadores e educadoras tecircm a possibilidade de

reforccedilar preconceitos e estereoacutetipos de gecircnero A escola institui sujeitos a partir

de um modelo Este modelo eacute branco masculino heterossexual e todas as pessoas

que natildeo se encaixam nele satildeo o outro que eacute reiteradamente tratado como inferior

estranho diferente Isso tem mudado Caso sim com base em que se sustenta esta

mudanccedila Em todas as classes sociais as mulheres satildeo viacutetimas de violecircncia

(fiacutesica simboacutelica psicoloacutegica moral e sexual) e enfrentam dificuldades de acesso

ao trabalho agrave geraccedilatildeo de renda e agrave participaccedilatildeo na vida poliacutetica Haacute letras de

3As perguntas apresentadas foram adaptadas a partir da leitura do livro intitulado ldquoGecircnero e Diversidade na

Escola Formaccedilatildeo de professorases em gecircnero orientaccedilatildeo sexual e relaccedilotildees eacutetnico-raciaisrdquo Este livro foi

utilizado como Livro de Conteuacutedo para o Curso Gecircnero e Diversidade na Escola (GDE) da Universidade

Federal da Paraiacuteba na modalidade a distacircncia

132

muacutesicas que vinculam a imagem da mulher ao escaacuternio agrave exploraccedilatildeo sexual e agrave

violecircncia fiacutesica e simboacutelica Isto se constitui como algo com que o projeto de

leitura deve se preocupar

5) Vivenciar a praacutetica leitora acompanhada de accedilotildees inventivas dinacircmicas ler

silenciosamente ler grupalmente ler atraveacutes das contaccedilotildees de histoacuterias que

devem ser estimuladas ler para encenar para debater ler para ler Isso pode ser

melhor realizado com a organizaccedilatildeo de grupos pequenos o que eacute um grande

desafio para a instituiccedilatildeo

6) Criar agendas com as quais se trabalhe a leitura em uma perspectiva dinacircmica

expondo temas ao longo do ano letivo acompanhado de artefato cultural para o

debate com recursos como obras cinematograacuteficas literaacuterias imagens feiras

participaccedilatildeo dosas alunosas em eventos culturais que porventura estejam sendo

realizados na cidade

7) Adotar para anaacutelise se possiacutevel as leituras abaixo sugeridas

SUGESTOtildeES DE LEITURAS

Bibliografia teoacuterica

AUAD Daniela Educar meninas e meninos relaccedilotildees de gecircnero na escola Satildeo

Paulo Contexto 2006 96 p

BRASIL Gecircnero e diversidade na escola formaccedilatildeo de professoresas em Gecircnero

Orientaccedilatildeo Sexual e Relaccedilotildees Eacutetnicos-Raciais Livro de Conteuacutedo versatildeo 2009 ndash

Rio de Janeiro CEPESC Brasiacutelia SPM 2009

LOURO Guacira Lopes Gecircnero sexualidade e educaccedilatildeo uma perspectiva poacutes-

estruturalista 14 ed Petroacutepolis RJ Vozes 2012

SILVA Tomaz Tadeu da Identidade e diferenccedila a perspectiva dos Estudos

Culturais 10 ed Petroacutepolis RJ Vozes 2011

ZENAIDE Maria de Nazareacute Tavares SILVA Margarida Socircnia Marinho do Monte

Plano de Accedilatildeo em Educaccedilatildeo em e para Direitos Humanos na Educaccedilatildeo baacutesica In

Direitos humanos capacitaccedilatildeo de educadores Joatildeo Pessoa editora

UniversitaacuteriaUFPB 2008 v 2

Bibliografia literaacuteria

BOJUNGA Lygia Sapato de salto Rio de Janeiro Casa Lygia Bojunga 2006

_____ A bolsa amarela 33 ed Rio de Janeiro Casa Lygia Bojunga 2003

133

BRAZ Juacutelio Emiacutelio Anjos no aquaacuterio Ilustraccedilotildees de Andreacutea Ramos 20 ed Satildeo

Paulo Atual 2009

LEITE Maacutercia Oliacutevia tem dois papais Ilustraccedilotildees de Taline Schubach Satildeo Paulo

Companhia das Letrinhas 2010

MACHADO Ana Maria A princesa que escolhia Ilustraccedilotildees de Graccedila Lima Rio

de Janeiro Nova Fronteira 2006

ROCHA Ruth Faca sem ponta galinha sem peacute Ilustraccedilotildees de Suppa Satildeo Paulo

Moderna 2009

SIMPATIA Tiatildeo A lei Maria da Penha em cordel ndash Fortaleza XX 2012

SOUZA Flaacutevio de Priacutencipes e princesas sapos e lagartos histoacuterias modernas de

tempos antigos Ilustraccedilotildees de Paulo Ricardo Dantas 6 ed Satildeo Paulo FTD 1996

_____ Homem natildeo chora Ilustraccedilotildees de Riba Tavares Belo Horizonte Formato

Editorial 1994

TORERO Joseacute Roberto PIMENTA Marcus Aurelius Chapeuzinhos coloridos

Rio de Janeiro Objetiva 2010

VIEIRA Isabel E agora matildee 2 ed Satildeo Paulo Moderna 2002

ZIRALDO Coisas de menina histoacuterias que revelam o que eacute ser menina

maluquinha Satildeo Paulo Globo 2008

SUGESTOtildeES DE FILMES

Minha Vida em Cor-de-Rosa (Mavieen rose) eacute um filme dirigido pelo belga Alain

Berliner e lanccedilado em1997 Trata-se da histoacuteria de um menino chamado Ludovic que

imagina que deveria ter nascido menina O filme mostra os preconceitos que a personagem

principal e seus familiares enfrentam em relaccedilatildeo a sua identidade de gecircnero

Garotos natildeo choram (EUA 1999 Kimberly Peirce) Assunto predominante

sexualidade identidade sexual e de gecircnero atraveacutes da experiecircncia de uma transgecircnero

violecircncia EUA

Geraccedilatildeo Roubada (Austraacutelia 2002 Phillip Noyce) Assunto predominante

Opressatildeo cultural e situaccedilatildeo feminina

Iacuteris (Inglaterra 2001 Richard Eyre) Narra a trajetoacuteria biograacutefica de Iacuteris Murdoch

escritora e filoacutesofa inglesa sua relaccedilatildeo com os homens e seu casamento ateacute a morte por

Alzheimer em 1999

134

Beleza Americana (EUA 1999 Sam Mendes) Assunto predominante relaccedilatildeo

conjugal gecircnero e sexualidade no conflito de geraccedilotildees homofobia

Billy Eliot (Reino Unido 2000 Stephen Daldry) Assunto predominante Gecircnero e

classe identidade sexual danccedila (um garoto faz ballet)

Chocolate (EUA 2000 Lasse Hallstroumlm) Assunto predominante gecircnero

sexualidade e amor relaccedilatildeo matildee e filha descobertas transgressotildees

Delicada atraccedilatildeo (Inglaterra 1996 Hettie Macdonald) Assunto predominante

juventude e sexualidade masculina homoerotismo

Eternamente Pagu (Brasil 1987 Norma Bengell) Narra a trajetoacuteria biograacutefica e

poliacutetica de Pagu e outras personalidades da eacutepoca como Oswald de Andrade e Tarsila do

Amaral

Frida (EUA 2002 Julie Taymor) Assunto predominante biografia da artista Frida

Khalo amor relaccedilatildeo homem-mulher homoerotismo feminino

SUGESTOtildeES DE SITES PARA VISITAR

EDUCACcedilAtildeO ON LINE

httpeducacaoonline ndash Com uma busca na palavra gecircnero encontraraacute textos

acessiacuteveis sobre diversos temas educacionais

REVISTA GEcircNERO ndash (UFF ndash Universidade Federal Fluminense) ndash

httpwwweditorauffbr

Cadernos Pagu

httpwwwscielophpscript=sciserialampIng=ptamppid=0104-8333ampnrm=iso

Revista Estudos Feministas

httpwwwscielophpscript=sciserialampIng=ptamppid=0104-8333ampnrm=iso

SUGESTOtildeES MARCOS LEGISLATIVOS DE DOCUMENTOS

Lei11340 07082006 Cria mecanismos para coibir a violecircncia domeacutestica e

familiar contra a mulher nos termos do art 226 da Constituiccedilatildeo Federal da Convenccedilatildeo sobre

a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de Discriminaccedilatildeo contra as Mulheres e da Convenccedilatildeo

135

Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violecircncia contra a Mulher Disponiacutevel

emlthttpwwwplanaltogovbrCcivil 03 Ato2004-2006Lei11340htmgtAcesso em 26

jun 2013

BRASIL Plano Nacional de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos Brasiacutelia

SEDHMJMECUNESCO 2007

136

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Eacute assim A gente pede para ele fazer cara de malvadeza de ruindade de valentia

Aiacute justo quando a cara dele estaacute mais medonha a gente mostra um espelho para

ele Acontece na hora Ele vira aquele que ele vecirc no espelho

(ROSA 1986 p 255)

Este trecho da ficccedilatildeo roseana soa-me como mais um fio das aacuteguas profundas do rio

que flui das conversaccedilotildees de (Rio)baldo e trazecirc-lo para abrir as consideraccedilotildees finais deste

trabalho parece-me oportuno Parece-me porque com esta construccedilatildeo literaacuteria de um ser no

espelho gestando imagens para si que seratildeo e vecircm dos outros pelas palavras e pela

ocularidade refletimos sobre a importacircncia da discursividade como o que nos encarna o que

nos vivifica o que nos constitui Haacute no espelho da obra roseana (ROSA 1986) a marca da

memoacuteria discursiva do outro que nos envereda a marca de que o poder eacute tecido nas praacuteticas

sociais e enunciado em praacuteticas discursivas que operam em noacutes um modo de subjetivaccedilatildeo

ldquo[] Aiacute justo quando a cara dele estaacute mais medonha a gente mostra um espelho para ele

Acontece na hora Ele vira aquele que ele vecirc no espelho []rdquo O espelho dado pelo outro

opera a virada que nos torna mutantes crentes no que vemos no que nos dizem Esta imagem

do espelho na fala de Riobaldo algo que natildeo eacute ldquonovidadeirordquo na ficccedilatildeo literaacuteria reflete

deveras o quanto a construccedilatildeo social da realidade estaacute imersa e constituiacuteda na trama da

linguagem E eacute por isso uma imagem cara que pode ser confluente com o pensamento

foucaultiano (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2004c 2004d 2012) no tocante ao interesse

do filoacutesofo de propor o exerciacutecio da suspeita do que somos e como nos tornamos quem

somos para quem sabe podermos recusar o que somos

Nesse caminho observando o cuidado alertado por Gallo (2008) para que se evite

enxergar tons novidadeiros e se tente ldquocolonizarrdquo pensamentos ter tomado de empreacutestimos as

reflexotildees de Foucault para esta pesquisa constituiu-se como um desafio instigante e vaacutelido As

contribuiccedilotildees do pensador mobilizadas aqui foram as atinentes aos processos de subjetivaccedilatildeo

da construccedilatildeo da verdade e do poder esse em suas formas de assimetria piramidalizadas

fabricadas pelo Estado e instituiccedilotildees como a familiar a religiosa e a escolar A articulaccedilatildeo de

tal empreacutestimo teve sua razatildeo de ser por esta pesquisa conforme evidenciada ter tido como

objetivo empreender reflexotildees acerca das relaccedilotildees de gecircnero perpassadas pelas constituiccedilotildees

discursivas dosas educadoresas como mediadoresas de leitura E a voz do pensador francecircs

levada a esse debate fez-me corroborar com a ideia de que o sujeito natildeo eacute uma substacircncia

137

pronta ele eacute forma que se faz e se refaz determinada por regras soacutecio-histoacutericas Foucault

(2004b) postula sujeitos que se esvanecem

Penso efetivamente que natildeo haacute um sujeito soberano fundador uma forma universal

de sujeito que poderiacuteamos encontrar em todos os lugares Penso pelo contraacuterio que o

sujeito se constitui atraveacutes das praacuteticas de sujeiccedilatildeo ou de maneira mais autocircnoma

atraveacutes das praacuteticas de liberaccedilatildeo de liberdade como na Antiguidade a partir de um

certo nuacutemero de regras de estilos de convenccedilotildees que podemos encontrar no meio

cultural (FOUCAULT 2004b p 291)

E tal postulaccedilatildeo viabiliza reflexotildees de que constituiacutedas discursivamente tramadas

por linguagens essas formas de subjetivaccedilatildeo satildeo moventes materiais dispersas falam de um

lugar institucional anunciando memoacuterias discursivas A importacircncia desse entendimento para

esta pesquisa se mostrou entre outras pela razatildeo de que com a concepccedilatildeo de que haacute

produccedilotildees histoacutericas de subjetividades e de que essas vivem em luta conforme evidencia

Foucault (2012) esta investigaccedilatildeo pocircde atentar para as instacircncias das resistecircncias Pocircde

atentar para as mobilizaccedilotildees que se intercruzam contra o naturalizado o instituiacutedo como

verdadeiro o que eacute controlado disciplinado para que possam ser problematizadas novas

formas de se constituiacuterem sujeitos

Desse modo posso dizer que haacute percebido por este estudo a possibilidade de

entrecruzar olhares foucaultianos sobre modos de subjetivaccedilatildeo e a marcha das mulheres por

um mundo com sujeitos eacuteticos que apregoem a igualdade o direito e a conquista de uma

praacutetica de liberdade para que se trace o desejo por um ethos E um ethos que incita a busca de

si o reinventar-se o desfamiliarizar-se eacute um fio no novelo que os feminismos e todos os

movimentos sociais que objetivam problematizar formaccedilotildees discursivas com seus poderes e

saberes podem ter como experiecircncia como aprendizado Com essa praacutetica homens e

mulheres constituem a beleza de serem artesatildeos de si como pontua Foucault (2004a 2004c)

Mas esta natildeo eacute uma busca sem lutas Desmantelar as invenccedilotildees os jogos de verdade recusar

o que somos por conseguinte eacute tarefa que passa pelo que se perscruta pelo que se elege para

ler ouvir falar partilhar acreditar desacreditar defender atacar enfim eacute tarefa que passa

por atentar para a dimensatildeo discursiva da construccedilatildeo da realidade

Com essa referida dimensatildeo discursiva na qual os sujeitos se inserem produtos e

produtores de sentidos (MOITA LOPES 2002 ORLANDI 2008 POSSENTI 2009) e sem

pretender oferecer a uacuteltima palavra nem onde haacute a verdade busquei entatildeo verificar o modo

como a educaccedilatildeo puacuteblica municipal na escola TRAVESSIA produz efeitos de sentidos com

suas praacuteticas leitoras Para isto investiguei as condiccedilotildees histoacutericas de produccedilatildeo dessas

138

praacuteticas perpassando pelas discursividades docentes procurei ouvir educadoresas conhecer

o projeto de leitura da instituiccedilatildeo seu documento fundador perscrutar o que move e dinamiza

o referido projeto saber do acervo da biblioteca do que ali teria ou natildeo referente ao debate

sobre gecircnero Em um clima de receptividade calorosa estive na escola observando aulas e

seus textos aplicando questionaacuterio fazendo diaacuterio de campo perscrutando as vozes que

conduzem o trabalho com leitura na escola com a perspectiva de perceber o que

comportariam as praacuteticas leitoras suscitadas

E as anaacutelises dos resultados dessas investigaccedilotildees jaacute citadas paulatinamente ao longo

do trajeto em que foram aplicados os instrumentos de investigaccedilatildeo apontaram que o debate

acerca das relaccedilotildees de gecircnero tatildeo atinente com a pauta reivindicatoacuteria dos DH natildeo era

contemplado pelo projeto de leitura da escola Assim o percebi quando examinei o documento

constituinte do projeto de leitura da CestaSexta Literaacuteria no qual natildeo se apresenta na

organizaccedilatildeo dos propoacutesitos das accedilotildees da bibliografia e da metodologia desse instrumento a

promoccedilatildeo de uma praacutetica leitora apontando para o respeito agraves diferenccedilas agrave concepccedilatildeo de um

mundo plural e ao combate a uma ordem androcecircntrica Natildeo eacute evidenciado a partir das

referecircncias do documento que a leitura acolhida lanccedilada proposta suscitada pelo projeto

CestaSexta literaacuteria esteja alicerccedilada nas intenccedilotildees de debater as relaccedilotildees de gecircnero Assim o

sendo a escola democraacutetica e inclusiva atinente ao que preconizam os postulados dos DH

natildeo estaacute sendo engendrada pela linha mestra da leitura Por sua vez no tocante agrave produccedilatildeo do

referido instrumento esse se apresenta com outras fragilidades entre elas a de natildeo amarrar

devidamente seus nexos temaacuteticos sobre quais leituras e temas estaratildeo compondo a praacutetica

leitora Haacute um silenciamento quanto agraves inserccedilotildees temaacuteticas seja de que natureza for Natildeo se

sabe entatildeo quais relaccedilotildees de saber e poder estaratildeo sendo colocadas para afirmar o que o

projeto diz perspectivar formar cidadatildeo[a]

Percebi ainda a natildeo problematizaccedilatildeo das relaccedilotildees de gecircnero na CestaSexta Literaacuteria

quando fiz o levantamento do acervo da biblioteca na primeira etapa da pesquisa As

prateleiras no que se refere agraves obras paradidaacuteticas essas as escolhidas para ser investigadas

natildeo acomodavam tiacutetulos com essa perspectiva assim me disse a responsaacutevel por aquele

espaccedilo assim averiguei tambeacutem com a leitura das fichas catalograacuteficas dos poucos volumes

presentes na biblioteca naquele periacuteodo investigado

Investiguei ainda se os textos utilizados pelo projeto nas aulas de leitura observadas

contemplavam praacuteticas discursivas que produziam sentidos atinentes agraves questotildees de gecircnero e

constatei que natildeo havia uma seleccedilatildeo de textos com a temaacutetica de gecircnero por parte dosas

educadoresas Exceccedilatildeo se deu em uma situaccedilatildeo atiacutepica na qual a professora Jaqueline trouxe

139

improvisadamente a temaacutetica pela leitura de um texto provocada segundo ela pela minha

presenccedila ali

No chatildeo da escola Travessia constatei apoacutes percorrer seus espaccedilos haacute as marcas de

que sua leitura natildeo problematiza a produccedilatildeo e a reproduccedilatildeo da iniquidade de gecircnero E outra

forma de verificar a ausecircncia dessa problematizaccedilatildeo foi pela perscruta dos relatos docentes e

pela anaacutelise das respostas do questionaacuterio lhes aplicado Pude perceber nas anaacutelises que fiz

das respostas daquele instrumento o quanto a constituiccedilatildeo das subjetividades dosas

colaboradoresas expressa olhares que segregam que estigmatizam o diferente que natildeo

percebem os jogos discursivos dos quais fazem parte Fiz a leitura com base em anaacutelise de

algumas das respostas desse instrumento de que emana dosas colaboradoresas uma

formaccedilatildeo discursiva reproduzindo e produzindo a iniquidade de gecircnero a reproduccedilatildeo de

regras e valores que elegem uma visatildeo androcecircntrica e heterossexual traccedilando para os que

natildeo pertencem a este modelo o estigma de diferente de abjeto passiacutevel de ser enquadrado

Assim o demonstraram aquela maioria de colaboradoresas da pesquisa quando expressaram a

intenccedilatildeo de ingerir em interesse de desviantes conforme apresenta a anaacutelise da sexta questatildeo

do instrumento de investigaccedilatildeo

Nas anaacutelises dos relatos dosas colaboradoresas deste estudo ficaram evidecircncias dos

limites com que se deparam essesas profissionais na propositura de um trabalho reflexivo

com a leitura A lamuacuteria e a desesperanccedila acompanhavam a praacutetica de ler minada por parcos

recursos e muita desmotivaccedilatildeo Uma praacutetica que precisa ser repensada pois em muitos

momentos essa traz a marca atraveacutes de enunciados dosas educadoresas da natildeo

contemplaccedilatildeo de importantes debates como os da violecircncia domeacutestica contra a mulher da

iniquidade de gecircnero e de outros temas atinentes agraves postulaccedilotildees dos DH Esse silenciamento

temaacutetico traduz o quanto pode estar reduzido o espaccedilo interacional da leitura como o lugar da

anti-hegemonia da desconstruccedilatildeo do olhar totalitaacuterio para o outro e isso precisa ser

repensado

A natildeo-contemplaccedilatildeo do debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero foi ainda percebida nas

aulas observadas Nelas a despeito do esforccedilo da professora para se pronunciar sobre o tema

esse natildeo assentava com o olhar da mestra repousante em uma formaccedilatildeo discursiva

essencialista E a profordf Jaqueline demonstrou-se conflitante em turbulecircncia entre suas

incursotildees pelas formaccedilotildees continuadas ofertadas pela SEDEC anunciando o respeito agrave

pluralidade cultural e agrave diversidade humana e o olhar da mestra construiacutedo inventado para a

natildeo-aceitaccedilatildeo ao diferente tingindo esse com as cores da negaccedilatildeo (SILVA 2012) As

discursividades daquelas aulas foram minadas por olhares redutores para o diferente por

140

ausecircncia de contemplaccedilatildeo de como a linguagem constitui modelos de feminilidade modelos

de masculinidades e o quanto represa a vida

Presumo que isto se registra face agrave ausecircncia do cabal cumprimento do que anunciam

as tecnologias enunciativas sobre educaccedilatildeo como as do PPP da LDB do PNEDH as dos

PCNs a Resoluccedilatildeo 0112 Esses marcos educativos instituem o debate propositivo da

inclusatildeo do respeito agrave diversidade humana e sexual e da defesa inconteste de princiacutepios como

o da dignidade humana no curriacuteculo escolar mas natildeo marcaram efetivamente as poliacuteticas

educacionais vividas na escola Tais tecnologias postas que satildeo recentemente elaboradas eacute de

se anuir provavelmente que mesmo que ocupem gavetas escolares e discursos de

formadores que ressoaram em alguns momentos nas vozes perscrutadas natildeo poderiam

impactar formaccedilotildees discursivas secularmente construiacutedas alicerccediladas ainda pelo poder-

escola E se esbarram conflitantemente em seacuteculos de internalizaccedilatildeo de um modelo

essencialista androcecircntrico e heteronormativo

Por esta razatildeo eacute preciso que da e para a escola erga-se uma brigada contra a

violecircncia de gecircnero E por assim entender propus com a construccedilatildeo do capiacutetulo 4 desta

dissertaccedilatildeo que haja a implementaccedilatildeo de praacuteticas discursivas no projeto de leitura da escola

com o propoacutesito de eliminar o silenciamento da temaacutetica de gecircnero na CestaSexta Literaacuteria

A cesta que eacute utilizada nas aulas de leitura carregando livros precisa transportar artefatos

culturais que suscitem debates pela reinvenccedilatildeo da vida pela reinvenccedilatildeo do trato entre os

homens e as mulheres balizados na dignidade de todosas Agrave escola TRAVESSIA propus

entatildeo como me solicita o cunho interventivo desse mestrado para seus cursistas que

atravesse seu vazio temaacutetico de gecircnero

Eacute preciso que a travessia desse vazio temaacutetico seja feita A escola por meio do seu

projeto de leitura pode e deve evocar a visibilidade para as iniquidades de gecircnero para o

enfrentamento da violecircncia domeacutestica contra as mulheres e para as suas lutas por

emancipaccedilatildeo social Haacute nas discursividades docentes investigadas linguagens em uso que

demonstram invisibilidade a essas questotildees Convivem com esses enunciados

paradoxalmente em alguns momentos vozes docentes que expressam desejar incorporar do

uso das tecnologias oficiais trabalhadas em formaccedilotildees continuadas conforme informaccedilatildeo em

questionaacuterio (vide questatildeo 4) e a efetivaccedilatildeo de suas experiecircncias de suas vivecircncias

profissionais Assim constatei no diaacutelogo que tive com a educadora Elisa atravessado por

uma leitura essencialista da realidade no tocante agrave identidade dos sujeitos que a faz desejar

sair da escola para natildeo ter que presenciar meninas se beijando

141

Por fim vejo como necessaacuteria a inserccedilatildeo temaacutetica das relaccedilotildees de gecircnero porque as

leituras evocadas pelosas docentes foram percebidas como as que rezavam a cartilha da

toleracircncia agrave diversidade cultural e humana sem questionar as relaccedilotildees de poder e os processos

de diferenciaccedilatildeo Esses que produzem as identidades e as diferenccedilas natildeo sendo questionados

conforme nos sugerem os Estudos Culturais acabam mesmo que frente a um arcabouccedilo de

legislaccedilatildeo educacional que propotildee uma educaccedilatildeo inclusiva e o respeito agrave dignidade humana

repousando no que Silva (2012) pontua como a produccedilatildeo de novas dicotomias a do

dominante tolerante e do dominado tolerado

Ao fim ainda pontuo que a omissatildeo perscrutada nas vozes docentes de uma

problematizaccedilatildeo que perpasse o projeto de leitura indagando-lhe os mecanismos que ativam

as fixaccedilotildees de identidades os estereoacutetipos de gecircnero pela via da leitura eacute algo que contribui

com o modelo de construir subjetivaccedilotildees disciplinadas diferentes e desiguais Isso demanda

da escola TRAVESSIA se deseja atravessar seus limites o desafio de envidar esforccedilos no

sentido de promover o rompimento com esse modelo de ler Sem o enfrentamento deste

desafio a escola natildeo estaraacute gestando utopias o que eacute enfadonho e tristonho

142

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIacuteBA

CENTRO DE CIEcircNCIAS LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM LINGUIacuteSTICA E ENSINO

MESTRADO PROFISSIONAL EM LINGUIacuteSTICA E ENSINO

Prezados (as) colegas

Como aluna regular do mestrado profissional em Linguiacutestica e Ensino pelo Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica e Ensino PROLING da UFPB desenvolvo uma pesquisa cujas bases conceituais

norteiam-se pela concepccedilatildeo de linguagem como praacutetica discursiva e que tem como objeto de anaacutelise um

entrecruzamento entre as representaccedilotildees de gecircnero e as praacuteticas leitoras na escola concebidas pelos educadores

Solicito dessa escola a colaboraccedilatildeo no sentido de que seu corpo docente envolvido com praacuteticas leitoras

responda a este questionaacuterio que eacute o ponto de partida para outros diaacutelogos com o objetivo de contribuir para

uma reflexatildeo sobre a temaacutetica presente

QUESTIONAacuteRIO

Considerando sua experiecircncia como leitora e sua praacutetica pedagoacutegica especialmente no projeto de

leitura desenvolvido pela escola responda por gentileza agraves seguintes questotildees

Perfil sociodemograacutefico

Sexo ( ) feminino ( ) masculino

Tempo de formado ( ) de 1 a 10 anos( ) de 11 a 21( ) de 21 a 31( ) 32 ou mais

Idade ( ) de 21 a 31 ( ) 31 a 41( ) 41 a 51( ) 51 a 61( ) 62 ou mais

Titulaccedilatildeo( ) superior ( ) Especializaccedilatildeo ( ) mestrado ( ) doutorado

1) O que a leitura significa para a escola expressada atraveacutes do seu projeto de leitura (marque ateacute trecircs

questotildees enumerando-as por ordem de importacircncia)

( ) Instrumento de ajuda na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo

( ) Uma atividade prazerosa

( ) A escola natildeo valoriza a leitura

( ) A escola valoriza pouco a leitura

( ) Um estiacutemulo agraves transformaccedilotildees sociais

( ) Outra _______________

2) O projeto de leitura estimula a reflexatildeo sobre temas como racismo preconceitos Direitos Humanos

( ) sim ( ) natildeo

3) O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero estaacute incorporado nas leituras do projeto

( ) sim ( ) natildeo

151

Marque as explicaccedilotildees para a resposta anterior

( ) As questotildees de gecircnero satildeo pouco exploradas

( ) Eacute explorada com frequecircncia a temaacutetica pautada que estaacute em uma poliacutetica escolar de engajamento no

combate agraves assimetrias de gecircnero

( ) Ainda natildeo houve oportunidade para inserir este tema em nosso projeto de leitura

( ) O projeto daacute visibilidade aos modos como os estereoacutetipos satildeo alicerccedilados e como muitas leituras reforccedilam

os padrotildees sexistas presentes na sociedade

( ) Outra _______________

4) Vocecirc acredita que a formaccedilatildeo recebida pelo (a) educador (a) tanto em niacutevel inicial quanto na continuada tem

preparado o (a) profissional para uma praacutetica pedagoacutegica que contemple a igualdade no espaccedilo escolar

( ) sim ( ) natildeo

5) As poliacuteticas educacionais comprometem a equidade de gecircnero O que pode o menino e o que pode a menina

no espaccedilo escolar

( ) Natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e meninas

( ) Comprometem pouco porque a escola atua pela igualdade de tratamento

( ) Ainda comprometem muito porque a escola dispensa tratamento desigual

( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que satildeo naturalmente desiguais

6) Quando meninos e meninas demonstram comportamentos ldquoconsideradosrdquo como natildeo apropriados para seu

sexo qual a leitura feita

( ) Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras de cada crianccedila

( ) Haacute um sentimento de decepccedilatildeo algo estaacute errado

( ) Procuro redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo

7) Como mediador (a) de leitura vocecirc interfere diante de uma expressatildeo de preconceito uma expressatildeo de

conflitos entre olhares de meninos e de meninas

( ) Pouco eacute natural a disputa

( ) Interfiro sempre sou contraacuterio (a) a qualquer manifestaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo

( ) Natildeo haacute como interferir sempre nossa demanda eacute intensa

8) No tocante agrave violecircncia contra a mulher o Brasil em um ranking de 84 paiacuteses ocupa a 7ordf posiccedilatildeo sendo a

Paraiacuteba um dos Estados da Federaccedilatildeo mais violentos tambeacutem com a 7ordf colocaccedilatildeo E Joatildeo Pessoa sua

capital eacute a 2ordf mais violenta (CEBELA Mapa da Violecircncia 2012) O que em sua opiniatildeo explica a existecircncia

deste fenocircmeno

( ) Formaccedilatildeo cultural

( ) Haacute pessoas naturalmente violentas

( ) Natildeo sei

( ) O ciuacuteme o consumo de drogas o divoacutercio e natildeo saber lidar com traiccedilatildeo

( ) Outra ______________

9) Para vocecirc a escola atenta para sua importacircncia como espaccedilo de enfrentamento agrave questatildeo

( ) sim ( ) natildeo ( ) sim mas de forma insignificante

10) A Lei Maria da Penha como avanccedilado instrumento juriacutedico no enfrentamento da questatildeo ganha que

espaccedilo no projeto de leitura

( ) Nunca foi citada

( ) Existe na biblioteca

( ) Jaacute trabalhamos com ela

152

11) Que lugar deve ocupar a histoacuteria de emancipaccedilatildeo da mulher no curriacuteculo escolar e no projeto

( ) Haacute sentido em trazer a histoacuteria social das mulheres como tema nos curriacuteculos escolares

( ) Apoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas memoacuterias ocultadas e inferiorizadas

( ) O conteuacutedo sobre o coletivo das mulheres tem espaccedilo mas temos pouca carga horaacuteria para exploraacute-lo mais

( ) Natildeo temos como inserir mais conteuacutedo na grade curricular nem acho importante

12) Emita sua opiniatildeo a respeito do movimento feminista

( ) Propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso eacute bom

( ) Propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso natildeo eacute bom

( ) Eacute um movimento com muito radicalismo

( ) Fornece ferramentas conceituais que possibilita melhor percepccedilatildeo da opressatildeo agravemulher

13) O projeto de leitura costuma vincular alguma programaccedilatildeo agraves datas comemorativas

( ) sim ( ) natildeo

Caso sim qual o teor do dia 8 de marccedilo como Dia Internacional da Mulher O que se faz na data ou o que se

pretende fazer

( ) Eacute um dia em que ela eacute intensamente valorizada entrega de flores poemas cartazes pela escola

( ) Eacute um dia com pouca reflexatildeo sobre a luta feminista

( ) Outra _______________

____________________________________________________

Gilva Vasconcelos da Silva Matos

Dedico este trabalho a todas as mulheres

militantes agravequelas que deixam ao mundo o

legado de por amarem o suficiente a vida

desejam reinventaacute-la

AGRADECIMENTOS

Sou profundamente grata a todosas aquelesas que deram de alguma forma sua

contribuiccedilatildeo para que esta pesquisa fosse realizada Reconheccedilo e aqui me cabe demonstrar

que esta conquista tem um dar de matildeos que me permitiu aclarar questotildees e seguir diante dos

momentos de tensatildeo que emergem no trajeto das obrigaccedilotildees acadecircmicas

Primeiro e sobretudo agradeccedilo a Deus pelo esconderijo no Altiacutessimo pela

serenidade emanada dos seus braccedilos

Especialmente agradeccedilo ao meu orientador querido Prof Dr Onireves porque me

acolheu do alto de sua sabedoria e grandeza humana permanentemente me incentivando

tornando tudo mais significativo e leve

Agrave profordf Dra Maria da Luz Olegaacuterio coorientadora que carrega no nome o que me

ofertou quando mais precisei ndash visatildeo luminosa sendo docilmente criteriosa no compartilhar

de seu conhecimento

Agradeccedilo agrave profordf Dra Maria de Nazareacute Tavares Zenaide por suas saacutebias colaboraccedilotildees

ao participar da banca examinadora de defesa deste trabalho Seu olhar arguto trouxe a

grandeza de quem labuta por uma escola em que os Direitos Humanos encontrem assentos

Agradeccedilo agrave profordf Dra Eliane Ferraz Alves por compor criteriosamente a banca

examinadora de defesa deste trabalho

Agrave admiraacutevel profordf da UNEB Nadja Nunes muito obrigada Sua grandeza perdura em

minhas memoacuterias de aprendiz Haacute um vazio de sua presenccedila na composiccedilatildeo para a banca de

exame de defesa mas compreendendo os percalccedilos do impedimento saiba que natildeo haacute

ausecircncia onde se ministrou um ethos Mire por ti tenho gratidatildeo pela vida inteira

Agradeccedilo agrave profordf Dra Juliene Pedrosa coordenadora deste mestrado referecircncia de

zelo profissional

Agradeccedilo agrave escola TRAVESSIA e seus sujeitos pesquisados por tanta abertura e

respeito com o meu trabalho

Aos meus pais Manuel (in memoriam) e Elisa agradeccedilo pelo amor pelas liccedilotildees de

vida pelas narrativas dos sonhos

Aos meus filhos Pablo Ravi e Lucas que me fazem amar amiuacutede obrigada Os trecircs

compotildeem parte da magia de minha vida pelo segredo de ninar pela becircnccedilatildeo de colos

pacificados Cada um eacute unicamente um cacircntico novo tesouros

A Robert pela vida partilhada enlaccedilada em afetos obrigada

Aosagraves irmatildeosatildes em especial Didi que me nutre com fraternidade amorosa e

incondicional devo-lhe muito

Obrigada deputada estadual Gilma Germano pela propositura de leis de suma

importacircncia para a garantia dos direitos das mulheres

Agradeccedilo ao amigo de infacircncia Iranmil pela liccedilatildeo de enfrentamento agrave homofobia pela

companhia na literatura por falar muito e rir tanto

Agrave Socircnia Maria por me ofertar ao longo dos anos amizade das mais leves e alegres

regrada a risos companheirismo e adoccedilatildeo fraterna

Aosagraves colegas do mestrado em especial Adnilda e Leandro que satildeo tatildeo solidaacuterios e

inteligentes tambeacutem agradeccedilo

Aos meus alunos e alunas com quem aprendi muito

Ao meu chefe o diretor do CECAPRO Prof Giovanny Lima pelo estiacutemulo agraves minhas

buscas pelo conhecimento pelo compromisso com a educaccedilatildeo

Agrave Inecircs Caminha ex-chefe eterna liccedilatildeo de competecircncia e bondade

Agrave competente secretaacuteria do CECAPRO Adilsa Gadelha pelo que tambeacutem sabe ser

amiga

Agrave secretaacuteria do MPLE Vera Lima por sempre e tanto atender respeitosa e

competentemente

Lembrou-se de que em adolescente procurara

um destino e escolhera cantar Como parte de

sua educaccedilatildeo facilmente lhe arranjaram um

bom professor Mas cantava mal ela mesma o

sabia e seu pai amante de oacuteperas fingira natildeo

notar que ela cantava mal Mas houve um

momento em que ela comeccedilou a chorar O

professor perguntara-lhe o que tinha - Eacute que

eu tenho medo de de de de cantar bem []

(LISPECTOR 1979 p 157)

RESUMO

As importantes conquistas efetivadas pelas lutas feministas e pela pauta

reivindicatoacuteria dos Direitos Humanos que problematizam a construccedilatildeo social de gecircnero tecircm

na escola espaccedilo dos mais importantes para o debate promotor da equidade de gecircnero Esta

pesquisa se estrutura pela interface entre as praacuteticas leitoras na escola e a promoccedilatildeo desse

debate e se propotildee a analisar as discursividades dosas educadoresas como mediadoresas de

leituras acerca das relaccedilotildees de gecircnero Para este direcionamento discursivo o estudo move-se

teoricamente na concepccedilatildeo de leitura em Soares (2001 2011) Orlandi (2008) e Silva E T

(2009 2011) nos estudos feministas contemporacircneos (LOURO 2012) (COSTA 2009) nas

reflexotildees trazidas pela Anaacutelise de Discurso (ORLANDI 2012 POSSENTI 2009) e nas

contribuiccedilotildees foucaultianas sobre poder e subjetividade (FOUCAULT 2004a 2004b 2004c

2011 2012) A investigaccedilatildeo de natureza qualitativa regida por princiacutepios analiacuteticos tem

como loacutecus uma escola do Ensino Fundamental da Rede Puacuteblica de Joatildeo Pessoa-PB na

realizaccedilatildeo de seu projeto de leitura Foram adotados como procedimentos metodoloacutegicos para

geraccedilatildeo dos dados a anaacutelise do documento do projeto de leitura observaccedilotildees de aulas anaacutelise

do material de leitura utilizado nesses eventos dos relatos de diaacutelogos com osas

educadoresas e da aplicaccedilatildeo de questionaacuterio E conforme anaacutelise dos resultados do conjunto

dos instrumentos investigativos o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero natildeo perpassa pela

instacircncia do projeto de leitura da escola nem nas vozes docentes perscrutadas

Palavras-chave Leitura Gecircnero Discurso Praacuteticas discursivas Direitos Humanos

ABSTRACT

The important achievements of feminist struggles and the Human Rights agenda

which discuss the social construction of gender find at school an important space for the

debate that promotes gender equality This piece of research focuses reading practices at

school and the promotion of this debate aiming at analyzing the discourses of (male and

female) teachers as reading mediators on gender relations As its theoretical framework this

study considers the definition of reading proposed by Soares (2001 2011) Orlandi (2008)

and Silva E T (2009 2011) contemporary feminist studies (LOURO 2012 COSTA 2009

PISCITELLI 2002) reflections proposed in the field of Discourse Analysis (POSSENTI

2009) and the foucauldian discussions on power and subjectivity (FOUCAULT 2004a

2004b 2004c 2011 2012) This qualitative investigation has as its locus a public primary

school in the city of Joatildeo Pessoa ndash PB while developing its reading project Data

wasgenerated from the analysis of the reading project document lesson observations reading

material used in the sessions reports by the teachers and a questionnaire The results indicate

that the debate concerning gender relations does not emerge in the reading project activities or

the teachersrsquo voices studied

Keywords Reading Gender Discourse Discursive practices Human rights

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 10

1 OS PRESSUPOSTOS TEOacuteRICO-METODOLOacuteGICOS DA PESQUISA 25

11 Entrevendo os sujeitos o loacutecus os jogos de verdade 25

12 Por onde falam e de onde olham osas educadoresas os instrumentos de

investigaccedilatildeo 27

2 OS APORTES TEOacuteRICOS QUE MOVEM A INVESTIGACcedilAtildeO 29

21 Gecircnero Discurso e Direitos Humanos 29

22 Feminismo poder e educaccedilatildeo 39

23 A leitura no Brasil em retratos 51

24 O sujeito da leitura na Anaacutelise do Discurso 64

25 Os processos de significaccedilatildeo e subjetivaccedilatildeo a leitura como praacutetica social 69

26 A leitura como mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de identidades 72

3 ANAacuteLISE DOS RESULTADOS INVESTIGATIVOS 82

31 O Documento-fundador o natildeo dito significando 82

32 O acervo bibliotecaacuterio dos paradidaacuteticos estantes que enunciam 87

33 Os relatos as subjetividades os jogos discursivos 89

34 O questionaacuterio e outros relatos entrelaccedilando discursividades 92

35 As aulas o sujeito-leitor o campo de gecircnero e as relaccedilotildees de poder 113

4 A ACcedilAtildeO PROPOSITORA INSERCcedilAtildeO TEMAacuteTICA DE GEcircNERO PELA

VIA DA LEITURA 125

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 136

REFEREcircNCIAS 142

APEcircNDICE 150

10

INTRODUCcedilAtildeO

A Gecircnese da pesquisa como (entre)veio o desejo

Movida pelo interesse entre leitura e relaccedilotildees de gecircnero investigo com este trabalho

as discursividades dosas educadoresas como mediadoresas de leituras frente ao debate

sobre a equidade de gecircnero Esta accedilatildeo investigativa se daacute em uma escola do Ensino

Fundamental da Rede Puacuteblica de Joatildeo Pessoa - PB que executa um projeto de leitura em sua

biblioteca em um dia especiacutefico a sexta-feira fato provavelmente responsaacutevel pela

nomeaccedilatildeo da atividade a CestaSexta Literaacuteria

Os passos dados para a construccedilatildeo desta pesquisa possuem histoacuteria imagens

memoacuterias esquecimentos desejos uma gecircnese Debruccedilo-me agora sobre essa gecircnese E creio

que duas imagens armazenadas por mim nas andanccedilas escolares satildeo possivelmente

fundadoras-mor de meu objeto de pesquisa Elas entre tantas imagens que se ofertam como

leituras propiacutecias agraves reflexotildees sobre o debate da equidade de gecircnero na escola satildeo frugais em

minhas memoacuterias de educadora de mulher Chegaram em contingecircncias especiais e se

tornaram efeitos encarnados no sentido que o poeta Fernando Pessoa diz que irrompem

provocaccedilotildees Foram por mim guardadas em um momento de inquietaccedilatildeo em que me

debruccedilava sobre qual tema me aticcedilaria profundamente para estudar neste mestrado E de

forma providencial e diligente estas imagens me (s)acudiram a alma quando as registrei

pegaram-me pela matildeo e me levaram a uma itineracircncia na qual satildeo debulhados saberes

poderes palavras ordens accedilotildees discursivas de outros sobre mim que me fazem estar quem

estou Mais do que isto as imagens levaram-me mesmo que medrosamente a um desejo

profundo de discutir a construccedilatildeo das diferenccedilas as discursividades docentes acerca do

feminismo as relaccedilotildees de gecircnero e o lugar da escola como espaccedilo de debate e de construccedilatildeo

de equidade

E foi assim que vivi a experiecircncia de registraacute-las Envolta pelo meu interesse

profissional de pensar a leitura como importante instrumento na formaccedilatildeo discente descobri

um trabalho em escolas da zona rural de um municiacutepio paraibano realizado por uma ONG

muito bem conceituado Pensei que poderia render um bom estudo avaliar como as histoacuterias

contadas naqueles espaccedilos poderiam funcionar como instrumento de mediaccedilatildeo na construccedilatildeo

das identidades de gecircneros na problematizaccedilatildeo de papeacuteis socialmente construiacutedos

Discordando de minha orientaccedilatildeo acadecircmica que via com dificuldade a distacircncia

entre minha morada e meu objeto de estudo natildeo me incomodou o fato de viajar para me

11

enveredar na pesquisa Muito pelo contraacuterio achei que em verdade estaria ali menina leitora

que fui em uma casa de pais analfabetos onde livros eram objetos rariacutessimos por quem eu

nutria a paixatildeo visceral Viajei para ver crianccedilas que liam movida quem sabe por um desejo

de me visitar naquela roda de leitura Na roda a vida seria salva com a imaginaccedilatildeo aticcedilada

Na roda seria quem sou na interaccedilatildeo das leituras Ao certo fui buscar narrativas que me

narrariam ou em uma confluecircncia com o que diz Albuquerque Juacutenior (2007) iria simular o

germe de novas existecircncias novos modos de subjetivaccedilatildeo Embrenhei-me por essa busca

levando o fasciacutenio pelo campo de gecircnero aonde for aspirando ao meu interesse de escrevente

dispersa aticcedilada pelo ldquofogo que vem da paixatildeo que consome que lanccedila paixatildeo pelo devirrdquo

tatildeo bem-dita na prescriccedilatildeo vertiginosa de Albuquerque Juacutenior (2007)

Em minha primeira visita na unidade escolar referida era veacutespera do Dia das Matildees e

o foco na roda da leitura trazia textos sobre a mulher-matildee Imagens essencialistas da mulher

eram sumariamente expostas por poder gerar vidas ldquoela eacute paciente sensiacutevel dedicada e

zelosardquo Essa construccedilatildeo discursiva era traccedilada naquela roda de leitura para e com crianccedilas de

forma inclusive a se ignorar a jaacute instalada e reorganizada nova composiccedilatildeo das famiacutelias Isso

me gerou desconforto ldquoo gecircnero eacute o destino Natildeo haveria outra trajetoacuteriardquo (SAFFIOTI

2001) Mas naquela roda circulou um fato que marcou ainda mais minha tarde jaacute quente

climaticamente Surge depois de alguns minutos de iniacutecio de aula sala adentro um pai

levando seu filho pequeno pela matildeo O homem visivelmente abatido veio partilhar o recente

drama pessoal no qual estava mergulhado que em funccedilatildeo das proporccedilotildees espaciais da

comunidade jaacute parecia ser de conhecimento de todosas a ex-companheira e matildee de seu filho

fora embora com o amante O pai bem jovem expressou ali uma uniacutevoca e velha leitura a de

que ele e seu filho foram traiacutedos de que aquela mulher natildeo prestava A presenccedila daquele

genitor ali descontrolado soou-me de forma vertiginosa E ele teceu uma imagem da ex-

mulher agrave frente de todosas e de seu filho como a de quem natildeo possuiacutea nenhuma dignidade

Um discurso machista e essencialista era debulhado com os requintes de uma alma cega pela

ferida do abandono Em puacuteblico ali se construiacutea um lugar para as mulheres que decidem

partir as que rejeitam o papel que lhes eacute destinado ficar em casa embora o lar desmorone E

a crianccedila mesmo enlaccedilada pela condiccedilatildeo de filho em um misto de profunda dor e decepccedilatildeo

reproduzia com movimentos de cabeccedila toda uma narrativa demonizadora da mulher Os

acenos de cabeccedila agrave voz do pai refletiam possivelmente um sim agrave formaccedilatildeo discursiva de um

lar alicerccedilado aos moldes machistas patriarcais

Aquela cena me levou agrave dor do peso de um mundo em que a iniquidade de gecircnero

ainda estilhaccedilava seu poder nos olhos de um menininho choroso carregado pela matildeo de um

12

pai que arrastava consigo machismo e furor No final entre os burburinhos dosas

coleguinhas que diziam entre outras coisas ldquoA matildee de Felipe (esse eacute um nome fictiacutecio) eacute

ruim ainda bem que a minha natildeo me abandonourdquo eu ouvi a professora em uma tentativa

desajeitada de compensar a dor daquela crianccedila intervir e dizer que se ele tinha uma matildee

ruim em compensaccedilatildeo contava com um pai bom um heroacutei Essa educadora talvez sem

refletir sobre o efeito de sua interferecircncia sobre o jogo de verdade que a impulsiona

posicionou-se como aquela que tem a responsabilidade de oferecer respostas e o fez de um

lugar de autoridade do qual reproduziu significativamente os estereoacutetipos de gecircnero O seu

posicionamento se traduziu para mim como a delineaccedilatildeo discursiva de papeacuteis alicerccedilados aos

moldes androcecircntricos e por conseguinte produtor da iniquidade de gecircnero Isto me

impactou pois mesmo que sejam ressoadas corriqueiramente as construccedilotildees discursivas da

hegemonia machista natildeo haacute como natildeo buscar da escola o afinamento com a contra-

hegemonia que os avanccedilos feministas asseguram A ausecircncia deste afinamento eacute um descuido

com os direitos humanos das mulheres e precisa ser inquirida pelo menos para os amantes da

educaccedilatildeo libertaacuteria

Saiacute dali convicta de que aquele loacutecus natildeo poderia ser mais apropriado para a

pesquisa Aquela considerada trageacutedia emocional que circulava nas bocas pelo lugar inteiro

precisaria ser omitida em meu estudo por obedecer ao princiacutepio do anonimato evitando

expor inclusive uma crianccedila Mas pensar as relaccedilotildees de gecircnero e desconsiderar a forccedila

daquela imagem e da formaccedilatildeo discursiva que ali reinava seria ser negligente com o tema

com o trabalho Resolvi guardar a imagem falar sobre ela mas procurar outro campo

empiacuterico

Alguns dias depois voltei a conversar com a professora sobre aquele episoacutedio Agora

jaacute natildeo sob o efeito do impacto da cena do primeiro encontro fui incisiva e lhe inquiri sobre a

construccedilatildeo social dos papeacuteis sobre a desigual maneira de se constituir discursivamente

sujeitos e a responsabilidade da escola em formar para a igualdade de direitos de homens e

mulheres Ela me disse que toda a sua conduccedilatildeo estava de acordo com os princiacutepios cristatildeos

defendidos pela escola para os quais a mulher deve ser submissa nascer para se doar agrave

famiacutelia e o que fizera a matildee de F era abominaacutevel negava a ldquoessecircnciardquo feminina A despeito

da laicidade do Estado brasileiro o que implica em tese a negaccedilatildeo da formulaccedilatildeo de regras e

estrateacutegias que levem a enunciados dessa natureza a professora ocupa sua posiccedilatildeo

institucional e embandeira uma verdade forjada em discursos alicerccedilados em princiacutepios da feacute

cristatilde turvada por machismo e hierarquia de gecircnero

13

Em um gesto decisivo procurei outra escola para efetivar minha pesquisa O Dia das

Matildees jaacute havia se passado e ali presenciei mais um momento indicativo de que os sentidos

afiados dos quais fala Louro (2012) eacute um imperativo eacutetico para que se pense nas muralhas que

a escola precisa transpor para deslegitimar ordens sexistas androcecircntricas Assisti em uma

manhatilde em meio ao barulho comum de um intervalo nas escolas um pai se dirigir agrave diretora

falando alto por dois motivos queria que sua voz ultrapassasse o som da zoada do alunado e

estava pronto a mostrar sua firmeza sua forccedila em alto som Ele exigiu explicaccedilotildees desta

profissional sobre o que fora ensinado ao seu filho na festa das matildees tendo em vista que o

aluno expressou vontade de colaborar com as atividades domeacutesticas em casa A gestora

pacientemente explicou-lhe que apenas no momento das homenagens expuseram a reflexatildeo de

que meninos tambeacutem podem e devem ajudar as matildees nas tarefas domeacutesticas considerando

que estas ficam sobrecarregadas costumeiramente O homem retrucou ameaccedilando retirar o

filho da escola se mais uma vez a instituiccedilatildeo quisesse ensinar agrave crianccedila a virar uma

ldquomariquinhardquo Ali eu e ela tentamos dialogar com este pai enfatizando a importacircncia dos

direitos iguais para homens e mulheres do valor da contribuiccedilatildeo para a famiacutelia do trabalho de

todosas e que a concepccedilatildeo dele eacute infundada machista e preconceituosa Em vatildeo O homem

foi agrave escola soacute para bradar seu entendimento do que significa ser macho O que a instituiccedilatildeo

pensa a respeito natildeo lhe interessava

De novo senti o peso de um mundo fortemente assimeacutetrico forjado em conceitos

essencialistas Meu interesse pela problematizaccedilatildeo das iniquidades de gecircnero no chatildeo da

escola me seduziu de vez pensei com que produccedilatildeo de verdade osas trabalhadoresas da

educaccedilatildeo tecircm se movido (ou estariam presos) no enfrentamento destes embates corriqueiros

Escolhi ali mais uma vez por onde iria meu caminho investigativo

Estes dois momentos nas escolas em que experimentei cenas impactantes na

marcaccedilatildeo da assimetria de gecircnero perpassadas em voz docente e de membros familiares

conforme jaacute pontuei foram nodais para a minha decisatildeo de ter em foco essas relaccedilotildees no

espaccedilo escolar como objeto de estudo Mas deveras fui sendo seduzida pela ideia de

problematizar as assimetrias de gecircnero logo cedo na minha casa cheia de meninos

ldquotreinadosrdquo para conquistar espaccedilos enquanto que eu e minhas irmatildes eacuteramos ldquoadestradasrdquo

para o casamento como tantas mulheres de minha geraccedilatildeo e anteriores a ela Rezamos na

cartilha que a nossa formaccedilatildeo discursiva ordenava Filhos lar sexualidade reprimida redoma

sacrifiacutecios em nome de modelos de ldquofelicidaderdquo Modelos cujo formato tem cores

consistecircncia e sons androcecircntricos Tudo aquilo natildeo era escolha ou no dizer de Michel

14

Foucault (2004a 2004b 2012) a margem de liberdade era estreitiacutessima Era o poder

alicerccedilando as relaccedilotildees imbricado na instituiccedilatildeo famiacutelia

Onde haacute poder haacute resistecircncia diz esse pensador francecircs todavia |E os estudos no

campo de gecircnero como enunciados de resistecircncia chegaram-me Com eles chegaram os

compassos que desfazem os essencialismos Em suas vertiginosas paragens os

(des)compassos que explicitam o surdo combate entre o que se vecirc seu enredamento e o que

se diz como bem pontua Albuquerque Juacutenior (2007) E em um processo vital acostumei-me

com esse campo de estudo a afiar os meus sentidos muito embora agraves vezes fiquem

embaccedilados por uma memoacuteria discursiva que se desloca conflitando identidades que me

vestem e com as quais me perco e me acho Nos estudos poacutes-estruturalistas entendi meus

sujeitos dispersos a heterogeneidade discursiva que me faz ser tantas com verdades mil que

fazem viver dentro de mim todas as vidas do poema de Cora Coralina (1983) a cabocla

velha acocorada a que benze e a que reza a lavadeira do Rio Vermelho com seu cheiro

gostoso a mulher suada corrida vive dentro de mim a mulher cozinheira pimenta e cebola

panela de barro mas corro levando a mulher devoradora de fastfood Vive dentro de mim a

mulher roceira enxerto da terra meio casmurra vive a mulher urbana imersa no caos do

tracircnsito enredada nas redes sociais E o que faccedilo com tantas vidas Certamente com os

estudos de gecircnero posso desejar vecirc-las em seus processos de subjetivaccedilatildeo em um mundo

plural mas hegemocircnico global movente instantacircneo liacutequido que pode desfazer verdades

ldquoquebrando a gaiolardquo do essencialismo como propotildeem os Estudos Culturais

Decerto que sempre se constituiu para mim como ato de seduccedilatildeo o garimpar das

subjetividades que se fazem em meio a jogos de verdade como demonstra Foucault (2004a

2004b 2004c 2004d 2012) Ultimamente todavia perscrutar nossosas mestresas sem as

pequenas pretensotildees de quem desvenda descobre o oculto como nos adverte o filoacutesofo

francecircs mas pensando nas histoacutericas condiccedilotildees de produccedilotildees de suas subjetividades

constituiacutea-se mais fortemente como desejo e apreensatildeo Minha apreensatildeo de pesquisar modos

de subjetivaccedilatildeo de professora se dava pela frequecircncia com que vinha registrando os

enunciados da categoria que descrevia com muito pesar a atuaccedilatildeo profissional salas lotadas

baixos salaacuterios perda de autoridade violecircncia desinteresse dosas discentes sentimentos de

desvalorizaccedilatildeo frustraccedilotildees enfim uma homogeneidade de queixas perpassando as vozes

dosas educadoresas Obviamente as precaacuterias condiccedilotildees de trabalho justificam os dolorosos

enunciados dosas trabalhadoresas da educaccedilatildeo Essesas profissionais se natildeo se inserem na

militacircncia na defesa de poliacuteticas puacuteblicas voltadas para a educaccedilatildeo de qualidade no ativismo

poliacutetico na busca pelas praacuteticas de liberdade pelas teacutecnicas de ajuste da relaccedilatildeo de si para

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consigo um ethos que repousam em uma eacutetica do inconformismo do autodomiacutenio

(FOUCAULT 2004a) tornam o repertoacuterio enunciativo bem marcado por insatisfaccedilatildeo Como

a militacircncia eacute pouca sobram a lamuacuteria e a vitimizaccedilatildeo em um paiacutes com vergonhoso histoacuterico

de baixo investimento na educaccedilatildeo puacuteblica

Ainda assim paradoxalmente minha apreensatildeo se misturava ao desejo de me

debruccedilar sobre as subjetividades dessesas profissionais Pegava-me indagando quais satildeo

face aos efeitos produzidos pelas tecnologias oficiais essas concebidas aqui na concepccedilatildeo

foucaultiana como os instrumentos que proporcionam formaccedilotildees assimilaccedilotildees de ordens as

aprendizagens que tecircm assimilado osas educadoresas Como os debates sobre sexualidade e

gecircnero trazidos pela rede discursiva das diretrizes da educaccedilatildeo brasileira como a Lei de

Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional - LDBEN-96 os Paracircmetros Curriculares Nacionais

(PCNs 1997) faziam-se presentes entre elesas Essas questotildees me instigavam E me

instigaram mais quando pensei a interface discursividadeleituragecircnero

Retornando agrave seduccedilatildeo pela problematizaccedilatildeo da iniquidade de gecircnero fui sendo

seduzida ainda em deacutecadas de atividade como professora em sala de aula Laacute lecionando em

niacuteveis diversos (fundamental meacutedio e superior) procurei sempre trazer agrave tona a constituiccedilatildeo

discursiva da construccedilatildeo social de gecircnero Sentia-me cumpridora de minha missatildeo como

educadora quando a minha praacutetica pedagoacutegica contribuiacutea com a reflexatildeo que aponta para a

necessidade de construirmos um mundo para todas as pessoas Uma utopia e como utopia

natildeo morre move-se Estaacute aqui comigo Estaacute aqui quando olho nossas estatiacutesticas estuacutepidas

que falam de uma violecircncia diaacuteria contra mulheres contra homossexuais contra o constituiacutedo

como diferente Estaacute aqui comigo a utopia de abolir esta violecircncia simboacutelica cantada em

diversos ritmos encarnada em uma musicalidade que embala corpos e mentes com pesadas

imagens degradantes nas quais somos apenas ldquoas mulheres frutas fiu-fiu cachorras sirigaitas

piriguetes popozudas coisificadas lepolapizadasrdquo

No surgimento deste mestrado profissional entatildeo em meus percursos sobre o tema

olhei para a escola especialmente rememorando aquelas duas cujas imagens retive como

disseminadoras e reprodutoras de hierarquia de gecircneros Olhei para suas bibliotecas ou a

ausecircncia delas seussuas professoresas seus regimes de verdade e articulei a problemaacutetica

de que forma as praacuteticas discursivas que constroem sentidos nos enunciados dos (as)

educadores (as) como mediadores (as) de leitura contemplam o debate sobre a equidade de

gecircnero Com a elaboraccedilatildeo desta questatildeo tentei responder ainda agraves inquietaccedilotildees que vivi nos

debates com professoresas durante as formaccedilotildees continuadas executadas pelo CECAPRO

Centro de Capacitaccedilatildeo dos Professores [professoras] onde atuo profissionalmente Da

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memoacuteria daqueles debates levantei indagaccedilotildees a me sustentar o tema entre elas que leituras

fazem as vozes educadoras sobre a construccedilatildeo discursiva dos sujeitos O que dizem as vozes

leitoras Voltei entatildeo meu interesse para o chatildeo da escola lugar de livros de paredes

riscadas de brincadeiras de canccedilotildees de namoros de sexualidade de conflitos de poder de

rejeiccedilotildees aos que fragilizam o discurso sexista excludente lugar de leitura de formaccedilatildeo e

debate Voltei meu interesse para a escola lugar de tanto mas natildeo para todos os seus lugares

uma esfera de atuaccedilatildeo dessa instituiccedilatildeo pareceu-me de extrema pertinecircncia para entrecruzar

com o debate que objetivei traccedilar a esfera da leitura E considerando a leitura em uma

perspectiva discursiva busquei no entrecruzamento dessa com o debate acerca das relaccedilotildees

de gecircnero meu interesse meu desejo

Apoacutes tecer a gecircnese que propiciou a confecccedilatildeo do presente processo investigativo

farei a partir de agora a apresentaccedilatildeo das demais partes do trabalho feito que passo a realizar

fazendo uso ainda da primeira pessoa do discurso no singular Faccedilo isso em consonacircncia com

a epistemologia feminista que entende o quatildeo as interlocuccedilotildees com autoresas satildeo

cooperativas em uma accedilatildeo investigativa seja de qual porte for mas assume a proposta de

inscriccedilatildeo da natildeo neutralidade do sujeito Sem a ilusatildeo ao certo de que se eacute oa donoa do

dizer conforme pontua a Anaacutelise do Discurso

Como o desejo vira pesquisa

Mas biblioteca num lugar como esse Para quecirc Para o Nogueira ler um romance

de mecircs em mecircs Uma literatura desgraccedilada []

(RAMOS 1978 p83)

Emblemaacutetica esta construccedilatildeo literaacuteria de Graciliano Ramos em Satildeo Bernardo

(1978) construccedilatildeo que situa quem a lecirc o quanto os valores capitalistas opotildeem-se agrave edificaccedilatildeo

de um espaccedilo que privilegie a democratizaccedilatildeo do saber e atraveacutes dessa provavelmente a

praacutetica do letramento emancipador Vale ressaltar todavia que falo aqui de letramento

emancipador concebido em sintonia com o olhar de Soares (2011) como a accedilatildeo leitora que

encoraja a reflexatildeo criacutetica sobre a ordem social uma accedilatildeo que ultrapassa o domiacutenio da

tecnologia do saber ler e escrever faz uso dela incorporando-a a seu viver A autora ao

inscrever diacronicamente os viacutenculos sobre liacutengua escrita sociedade e cultura apregoa o

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termo alfabetismo1 como oposiccedilatildeo ao do costumeiro uso analfabeto E o faz provocando uma

reflexatildeo sobre as regras codificadas da linguagem

O fato de que sejam correntes na liacutengua os substantivos que negam- analfabetismo e

analfabeto satildeo formados pelo prefixo grego a(n) que envolve a ideia de negaccedilatildeo ndash e

de que cause estranheza o substantivo que afirma alfabetismo e ainda de que natildeo

se tenha um substantivo que afirme o contraacuterio de analfabeto eacute como bem

hipotetiza Silva um fenocircmeno semacircntico significativo porque conhecemos bem e

haacute muito lsquoo estado ou condiccedilatildeo de analfabetorsquo ndash sempre nos foi necessaacuteria uma

palavra para designar este estado ou condiccedilatildeo - e temos usado sem nenhuma

estranheza o termo analfabetismo (SOARES 2011 p 29)

Uma nova realidade social com a ampliaccedilatildeo do acesso agrave escola nas uacuteltimas deacutecadas

e com o processo de industrializaccedilatildeo no Paiacutes provoca uma demanda por maior inserccedilatildeo da

liacutengua escrita que gesta a concepccedilatildeo teoacuterica do letramento Um conceito que em princiacutepio

trouxe muito equiacutevoco com a dissociabilidade que se instaurou para alguns entre os

fenocircmenos da alfabetizaccedilatildeo e do letramento Fenocircmenos de naturezas diferentes mas

indissociaacuteveis e interdependentes que implicam habilidades competecircncias e procedimentos

diferenciados de ensino Questatildeo poreacutem que natildeo seraacute tratada aqui em funccedilatildeo do limite a que

se propotildee este trabalho qual seja investigar a constituiccedilatildeo de efeitos de sentidos na

discursividade dosas educadoresas tendo como foco o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero

perpassado nas praacuteticas leitoras dessesas profissionais

E mesmo sem querer engrossar as fileiras dos que lamentam pelos altos iacutendices do

fraacutegil desempenho dosas educandos brasileirosas em provas de leitura detectados em

Programa Internacional de Avaliaccedilatildeo de Estudantes - PISA e nos relatos corriqueiros de

educadoresas e familiares natildeo eacute possiacutevel deixar de reconhecer que este eacute um dos noacutes do Paiacutes

na faceta Satildeo Bernardina que possui Metaforicamente essa obra pode conduzir leitoresas

aos iacutengremes caminhos de um Brasil com abissais desigualdades sociais e que tal qual Paulo

Honoacuterio o narrador-personagem eacute tambeacutem injusto violento e opressor por descuidar de seu

povo Descuida de seu povo entre tantas evidecircncias pela negaccedilatildeo da garantia efetiva de

direitos fundamentais como o de uma educaccedilatildeo de qualidade e que seja emancipadora (cf

FREIRE 1999 2002) Eacute possiacutevel ver pelos caminhos de Satildeo Bernardo e pelos (des)caminhos

das escolas puacuteblicas brasileiras as professoras Madalenas amantes do saber dos livros e do

ser humano lutando contra a loacutegica de um sistema social excludente Nessa militacircncia a

leitura seguramente eacute um dos instrumentos que podem viabilizar a luta por mudanccedilas

1 Em nota a autora explica a atualizaccedilatildeo do termo por letramento tendecircncia confirmada pela dicionarizaccedilatildeo

somente em 2001 do termo

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sociais tendo em vista que pode suscitar as reflexotildees acerca da ordem discursiva (cf

ABREU 2007 apud PINA DA MATTA VEIGA 2012)

De qual leitura todavia falo quando penso aqui na validaccedilatildeo desta como algo

significativo para a vida capaz de suscitar reflexotildees instigantes e desconstrutoras de uma

ordem social Penso em uma leitura que seja prazerosa como nos lembra Rubem Alves

(2004) citando Melanie Kleim o professor [e professora] no ato de ler eacute o seio bom por isso

leitura eacute maternagem Penso tambeacutem em uma leitura que seja experiecircncia no sentido que

Larrosa (2004) daacute ao ato de ler como transformador vinculador das praacuteticas da liberdade da

plenitude do ldquoexistenterdquo Com todo cuidado para evitar ainda os messianismos as

sacralizaccedilotildees Soares (2001) falo ainda de leitura que seja lenha para o fogo da cidadania que

trace as veredas para o campo da garantia dos direitos humanos tocando um instrumento

coacutesmico de muitas melodias que ldquoacordem consciecircncias de homens [e de mulheres] e

adormeccedilam crianccedilasrdquo no sentido drummoniano de se engajar a arte tatildeo meloacutedico quanto

emblemaacutetico na sua ceacutelebre Canccedilatildeo Amiga de 1983

E partindo do desejo de problematizar sobre os efeitos catastroacuteficos dos altos iacutendices

de iletrismo e do analfabetismo no Brasil e sobre qual tem sido o olhar da escola para o

enfrentamento de uma histoacuterica educaccedilatildeo sexista e discriminatoacuteria (LOURO 2012 PEDRO

PINSKY 2003) eacute que se foi delineando este trabalho Delineando-se movido na concepccedilatildeo

de leitura como componente constitutivo das formas de sociabilidade e dos jogos sociais

(ORLANDI 2008 SILVA 2011) nas discussotildees foucaultinas sobre a constituiccedilatildeo do sujeito

e praacuteticas de subjetivaccedilatildeo (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2012) aleacutem de movido em

contribuiccedilotildees de estudos feministas (LOURO 2012) Delineando-se para responder agrave

questatildeo-problema que considera os avanccedilos conquistados pelas lutas feministas e a tensa

disputa que se instala entre tais conquistas e as assimetrias de gecircnero no espaccedilo escolar e

assim eacute proposta eacute contemplado o debate sobre a equidade de gecircnero perpassado nas vozes

educadoras em suas praacuteticas leitoras

Essa questatildeo parte de premissas fatuais que me inquietam e me levam a

problematizar os imaginaacuterios2 inferiorizantes da mulher operam no espaccedilo escolar de que

forma quando a este lugar chegam avanccedilos significativos das diretrizes do Conselho Nacional

de Educaccedilatildeo ndash CNE- pontuando a desconstruccedilatildeo dessa praacutetica Seria este debate ignorado ou

pensado sobre traccedilos negativos Outra questatildeo que me instiga a problematizar eacute a de que

teriam os(as) docentes a concepccedilatildeo de que uma escola democraacutetica prima essencialmente pelo

2Imaginaacuterios aqui na acepccedilatildeo dada por Castoriadis (1982) enquanto rede de sentidos sistema de crenccedilas que

legitima a ordem social em vigor

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respeito e dignidade de todosas e de que as praacuteticas pedagoacutegicas tecircm constituiacutedo sujeitos

diferentes e desiguais em direitos Ademais qual o comprometimento manifesto pelas

praacuteticas pedagoacutegicas dessesas educadoresas para evidenciar suas intenccedilotildees de superar velhas

estruturas estariam usando a leitura como instrumento constituinte e conformante dos

sujeitos para mediar reflexotildees atinentes agrave construccedilatildeo de uma escola democraacutetica inclusiva e

natildeo-sexista

Considerando desse modo que a pergunta problema possui como eixo centralizador

a atenccedilatildeo que as praacuteticas leitoras da escola dispensam ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero

refletidas pelas praacuteticas discursivas docentes eacute objetivo geral deste trabalho analisar as

discursividades que produzem sentidos nos enunciados de educadoresas como mediadores

(as) de leituras frente ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero no projeto CestaSexta Literaacuteria

em uma escola da Rede de Ensino Municipal de Joatildeo Pessoa

Para apoiar essa investigaccedilatildeo que perspectiva observar a vinculaccedilatildeo da leitura como

forte pilar na construccedilatildeo de um mundo mais justo e na desconstruccedilatildeo de imaginaacuterios que

inferiorizam a mulher que criam uma ordem androcecircntrica heteronormatizadora e

excludente vinculaccedilatildeo essa mediatizada nas vozes dos educadores(as) compete-me traccedilar

como objetivos especiacuteficos (i) examinar se na proposta do projeto de leitura da CestaSexta

Literaacuteria expresso em seu documento ocorre seleccedilatildeo de temas que abordem questotildees

voltadas para as poliacuteticas educacionais de gecircnero (ii) investigar se os textos utilizados pelo

projeto nas aulas de leitura observadas contemplam praacuteticas discursivas que produzam

sentidos atinentes agraves questotildees de gecircnero (iii) problematizar efeitos de sentidos que perpassam

pelos relatos docentes e pelo questionaacuterio instrumentos aplicados junto agravesaos educadoresas

expressando as posiccedilotildees de sujeito dosas entrevistadosas acerca das relaccedilotildees de gecircnero em

momentos de interaccedilatildeo na praacutetica leitora (iv) contribuir com reflexotildees que sistematizem

estrateacutegias que propiciem a intervenccedilatildeo e transformaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica na perspectiva

da construccedilatildeo da equidade de gecircnero

Por ser a escola a instituiccedilatildeo responsaacutevel pela aquisiccedilatildeo de saberes e competecircncias

no plano da formalidade e que esta tem no ensino da leitura uma de suas funccedilotildees cruciais

pesquisar o ato de ler na escola eacute de muita relevacircncia a despeito de este tema sumamente jaacute

ter sido explorado Tal questatildeo jaacute fez com que muitosas teoacutericosas e estudiososas de

diversas aacutereas se debruccedilassem a estudaacute-lo a quantidade de livros artigos teses e dissertaccedilotildees

sobre o ato de ler e suas implicaccedilotildees satildeo magnacircnimas Paulo Freire (1988) Ezequiel

Theodoro da Silva (2009 2011) Magda Soares (2001) Antunes (2009) Orlandi (2008) entre

tantosas outrosas importantes teoacutericosas jaacute teceram suas consideraccedilotildees sobre a leitura que

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aqui encheriam paacuteginas Haveraacute o que dizer mais Parece que natildeo para quem desconsidera

que o inusitado visita a dinacircmica do ato de ler em um contexto escolar com frequecircncia Mas

para quem deseja olhar para as praacuteticas pedagoacutegicas com olhos novos olhos de quem eacute capaz

de se indignar e de natildeo perder de vistas a utopia sempre agrave vista na faceta Madalena de cada

um haacute sempre o que se dizer no chatildeo da escola leitora ou natildeo leitora E eacute em busca deste

dizer sobre ler que me enceta o desejo de ver como educadora que sou homens e mulheres

em processos de libertaccedilatildeo desconstruindo ldquoverdadesrdquo aprendendo com e pela leitura a

refletir sobre seus lugares no mundo que me ponho

E assim compreendendo a leitura como espaccedilo de produccedilatildeo e de reproduccedilatildeo de

significados sociais e objetivando analisar de que forma educadoresas estatildeo forjando

construccedilotildees acerca das identidades de gecircnero em suas praacuteticas leitoras eacute que se desenha a

importacircncia desta pesquisa Isso se justifica porque entre as funccedilotildees da leitura deve estar a

de viabilizar as problematizaccedilotildees que faccedilam leitoresas despertarem para a cidadania ativa o

protagonismo e a autonomia Esses aqui entendidos em uma perspectiva que traduza a

autonomia financeira profissional e pessoal das pessoas e a sua busca pelo ativismo poliacutetico

que expressa consciecircncia de lugar no mundo

E estudar as discursividades que perpassam o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero

mediatizadas pelas leituras no espaccedilo escolar eacute desejar averiguar se este instrumento de

aprendizado estaacute sendo usado para desmantelar as assimetrias de poder entre homens e

mulheres em um espaccedilo formador Eacute desejar averiguar enfim se este instrumento estaacute sendo

amparo para questionar estereoacutetipos e verdades cristalizadas naturalizadas em torno de

construccedilotildees de identidades de gecircnero Obviamente que essa eacute uma das possibilidades de

utilizaccedilatildeo da leitura se este instrumento na escola estiver em consonacircncia com as diretrizes

educacionais que concebem a importacircncia de se fazer da instituiccedilatildeo um espaccedilo democraacutetico

Um espaccedilo em que se faccedila fluir o respeito agrave alteridade agrave compreensatildeo de que a identidade e a

diferenccedila satildeo produzidas discursivamente e que tecircm a ver com a atribuiccedilatildeo de sentidos ao

mundo social e com a disputa e luta em torno dessa atribuiccedilatildeo (SILVA 2012) A leitura nessa

perspectiva problematizadora tem a estrateacutegia de ir aleacutem das ldquobenevolentesrdquo declaraccedilotildees de

toleracircncia com o outro com o diferente Ela tem em seu centro a percepccedilatildeo de que as

identidades satildeo sujeitas a uma historicizaccedilatildeo radical processo que deve lanccedilar luz agraves

reflexotildees que transformam o diferente em exterior abjeto (HALL 2011) Nessa dimensatildeo a

leitura faz parte de um projeto poliacutetico que intenta viabilizar a criacutetica da construccedilatildeo da

identidade e da diferenccedila evidenciando o quanto elas satildeo estrategicamente produzidas

fundadoras Conceber adequadamente a fundaccedilatildeo do outro pode desenredar a forma fechada

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redutora de interpretaccedilotildees a que esse eacute reduzido E a leitura pode ter uma funccedilatildeo fulcral nesse

processo de reflexatildeo quando pensada estrategicamente para isso accedilatildeo relevante para a

contribuiccedilatildeo com a feitura da escola como palco em que a assimetria de tratamentos eacute

combatida em seu lugar haacute a poliacutetica de respeito pelos Direitos Humanos (DH doravante)

O princiacutepio da dignidade dispensado a todas as pessoas conforme preconizam os DH

em muitos de seus documentos (cartas convenccedilotildees estatutos declaraccedilotildees) e nosso

ordenamento juriacutedico maior a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 eacute reclamante contumaz de um

olhar pedagoacutegico que discuta as diferenccedilas a construccedilatildeo das identidades de gecircnero e da

alteridade E na escola soam e ressoam documentos que abordam poliacuteticas da diversidade

cultural sexual e da equidade de gecircnero Mas de que forma o debate chega em um mundo em

que emerge uma globalizaccedilatildeo iacutempar de informaccedilotildees velozes instantacircneas onde se discutem

identidades culturais e desconstruccedilatildeo de paradigmas de comportamentos em meio aos

pensamentos hegemocircnicos Chegaraacute esbarrando em construccedilotildees sociais dosas fazedoresas

da educaccedilatildeo que se apresentariam cristalizadas essencializadas fixas Como tem por fim

assentado na agenda da escola o debate acerca das relaccedilotildees de gecircnero Qual eacute o seu regime de

verdade no sentido foucaultiano de pensar a formaccedilatildeo discursiva como o loacutecus onde

arbitrariamente satildeo determinados os sentidos de um discurso Os muros escolares satildeo

atravessados de que modo pelo debate que provoca as reflexotildees sobre a produccedilatildeo do

diferente Satildeo indagaccedilotildees como essas que me conduzem agrave execuccedilatildeo deste trabalho Isso

merece meu olhar merece porque para que falemos de dignidade precisamos atentar para a

condiccedilatildeo feminina ainda envolta por iniquidade expressa na esfera profissional poliacutetica e

pessoal E para que falemos de dignidade precisamos respeitar as manifestaccedilotildees de desejos e

performances de outras interlocuccedilotildees de outras subjetividades que devem ser reconhecidas

como legiacutetimas

O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero impulsionado pelo ativismo poliacutetico do

coletivo de mulheres chega e deve ser ampliado porque vale pleitear que o princiacutepio da

igualdade formal e material entre homens e mulheres tenha seu cumprimento auferido

Igualdade essa que estaacute distante de ser conquistada muito embora menos longe do que jaacute

esteve no longo caminho rumo agrave construccedilatildeo da cidadania feminina Ainda eacute fato haacute menos

mulheres nas instacircncias de poderes do que deveria no Brasil de acordo com dados do

Anuaacuterio das Mulheres Brasileiras (DIEESE 2011) elas satildeo mais da metade da populaccedilatildeo (51

3) e do eleitorado estatildeo entretanto sub-representadas nas esferas de poder Satildeo 11 no

Congresso Nacional natildeo chegam a 20 nos niacuteveis mais elevados do Poder Executivo No

Judiciaacuterio nas universidades e empresas privadas ocupam apenas 20 das chefias Eacute tambeacutem

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outro oacutebice agrave igualdade de gecircnero a preocupante materializaccedilatildeo do machismo em forma de

agressatildeo agraves mulheres Conforme ainda os dados do referido Anuaacuterio uma em cada cinco

brasileira jaacute sofreu algum tipo de violecircncia domeacutestica por parte de um homem Das violecircncias

perfiladas nem todas satildeo computadas Haacute a cultura do medo e da vergonha da sua condiccedilatildeo

de viacutetima que impede que a mulher denuncie seu agressor e mesmo havendo campanhas e

aparato legal que mobilizam a denuacutencia da violecircncia contra a mulher ainda se fala em

subnotificaccedilatildeo dos dados De fora fica ainda a costumeiramente natildeo computada a intangiacutevel

violecircncia simboacutelica termo que tomo de empreacutestimo de Bordieu (2012) que fala da

sedimentaccedilatildeo de um consciente androcecircntrico em homens e mulheres alimentando

iniquidades Esta violecircncia natildeo estaacute em estatiacutesticas mas deixa sequelas profundas em suas

viacutetimas fazendo muitas mulheres carregarem em si sentimentos de impotecircncia mutilaccedilatildeo e

subalternidade

A escola tem o fio do poder que costura e regulamenta normas e mudanccedilas que

disciplinam comportamentos hegemonias (PEREIRA 2005) Mas o poder natildeo eacute estanque

fixo haacute neste espaccedilo como em todos os outros lugar para a resistecircncia e a contra-hegemonia

(FOUCAULT 2012) E de que forma tecircm chegado os discursos que problematizam as

mudanccedilas que advogam os movimentos de mulheres e fazem ressoar seu desejo de

desmantelar de descosturar as assimetrias de gecircnero Como a leitura e as vozes escolares

ressoam o que regula a valente marcha feminista que pode contribuir com o combate agrave

violecircncia domeacutestica com o empoderamento das mulheres e dar visibilidade agrave iniquidade de

gecircnero de forma refrataacuteria Acolhendo seus passos Como a leitura e as vozes escolares

abordam a temaacutetica das identidades e da diferenccedila datildeo centralidade e a discutem como

questatildeo de poliacutetica Estas questotildees imbricam-se e com elas penso a linguagem no campo da

discursividade da construccedilatildeo dos jogos de poder da constituiccedilatildeo de sentidos verdades e

subjetivaccedilotildees (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2012) o que eacute sempre um desafio

instigante para oa educadora Essa temaacutetica eacute premente sendo assim Haacute uma expectativa de

que seja sedimentado o aprendizado de que as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo estatildeo sempre inseridas

em contextos e processos socialmente estruturados legitimando naturalizando e retificando

hegemonias mas tambeacutem sofrendo transformaccedilotildees

Para que o direcionamento discursivo levantado pela questatildeo norteadora satisfaccedila

aos objetivos a que me proponho este estudo move-se teoricamente na concepccedilatildeo

sociointeracionista de leitura e faz uma interface com a Anaacutelise do Discurso AD doravante

tendo como referecircncia o trabalho de Orlandi (2008) sobre leitura que se pauta na perspectiva

da Escola francesa dessa disciplina Trabalho com a concepccedilatildeo de leitura na perspectiva de

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que ler eacute mais do que decodificar (SOARES 2011) Ler eacute envolver-se com praacuteticas culturais

(MOITA LOPES 2002) que fortalecem a sedimentaccedilatildeo do valor da cidadania que pressupotildee

efetivaccedilatildeo de direitos e deveres para todos Ler entatildeo deixa de ser uma atitude passiva

fechada tradutora decodificadora em que se busca a ldquoverdaderdquo produzida peloa autora ou

pelo texto se se quiser ser positivista ou estruturalista A leitura que me interessa aqui se

ancora na perspectiva interacionista que concebe o aspecto sociocultural e cognitivo da

linguagem e como tal o texto eacute processo e natildeo produto A leitura eacute uma atividade situada

que reflete uma relaccedilatildeo dialoacutegica (cf BAKHTIN 1995) ou seja uma relaccedilatildeo na qual se

estabelecem refraccedilotildees entre autor-leitor-texto e contexto Essa perspectiva expressa um

rompimento com o modelo formalista ou historicista e tem havido um esforccedilo por parte dos

oacutergatildeos responsaacuteveis pelas poliacuteticas de formulaccedilatildeo das diretrizes escolares para implementaacute-la

no seio escolar Os Paracircmetros Curriculares Nacionais (PCNs-1997) refletem essa intenccedilatildeo

os textos satildeo defendidos em sua diversificaccedilatildeo e na defesa da construccedilatildeo de competecircncias

linguiacutesticas com desenvolvimento da habilidade leitora e escritora que ultrapasse a mera

decodificaccedilatildeo no processo de ensino aprendizagem

Por este trabalho buscar uma interface entre a linguagem como praacutetica social e as

relaccedilotildees de gecircnero perscrutadas nas vozes docentes em atividades de leitura propostas pela

escola tambeacutem lhe eacute pertinente a abordagem das formas de constituiccedilatildeo da subjetividade

(FOUCAULT 2004a 2004b 2004d) Estou ainda me movendo pelos estudos da criacutetica

feminista dos estudos poacutes-estruturalistas de gecircnero na contemporaneidade que buscam a

negaccedilatildeo de quaisquer resquiacutecios de uma base essencialista para a formaccedilatildeo das identidades

(LOURO 2012 SILVA 2012) ao tempo que questionam as hierarquias entre o masculino e

o feminino a ordem androcecircntrica heteronormativa e etnocecircntrica Eacute desse olhar que me

sirvo para diante do que pontuam os Estudos Culturais consonantes agrave construccedilatildeo das

identidades como cambiantes heterogecircneas transitivas construiacutedas e reconstruiacutedas social e

discursivamente refletir sobre as implicaccedilotildees de se ler no espaccedilo escolar Refletir atentando

para o discurso pedagoacutegico que daacute sentido agraves diferenccedilas entre meninos e meninas agraves relaccedilotildees

de gecircnero E eacute desse olhar que tambeacutem me sirvo para aprender sobre a consciecircncia de gecircnero

e sobre o desafio da aprendizagem de transformar os jogos de verdade que impotildeem relaccedilotildees

assimeacutetricas Eacute isto o que me enreda neste trabalho

Articulo esta dissertaccedilatildeo em partes que se estruturam assim a introduccedilatildeo na qual

consta a contextualizaccedilatildeo da temaacutetica focalizada com a sua gecircnese a apresentaccedilatildeo do

problema dos objetivos da justificativa e dos pressupostos teoacutericos que embasaram a

pesquisa

24

No capiacutetulo 1 exponho as estrateacutegias metodoloacutegicas com as quais me vali para que o

direcionamento discursivo apresentado que eacute a investigaccedilatildeo das discursividades docentes em

leitura e gecircnero satisfizesse aos objetivos a que me propus construir para este estudo

No capiacutetulo 2 pontuo uma justificativa do campo teoacuterico apresentando estudos de

autoresas utilizadosas bem como pontuo o cruzamento entre a instacircncia da leitura e o debate

sobre as relaccedilotildees de gecircnero sustentado por reflexotildees atinentes aos Direitos Humanos ao

feminismo ao poder agrave educaccedilatildeo e aos modos de subjetivaccedilatildeo

No capiacutetulo 3 discorro sobre a anaacutelise das praacuteticas discursivas dosas educadoresas

perscrutadas pela trajetoacuteria analiacutetica que fiz cujo procedimento para geraccedilatildeo de dados teve os

seguintes instrumentos investigativos o documento do projeto de leitura os relatos dosas

educadoresas que foram gerados em conversas quando de minhas visitaccedilotildees agrave escola um

questionaacuterio aplicado com nove participantes do projeto de leitura da escola e a observaccedilatildeo

de aulas dos textos utilizados nesses eventos e levantamento dos textos paradidaacuteticos

presentes na biblioteca escolar que se refiram agrave temaacutetica de gecircnero

No capiacutetulo 4 atinente agrave perspectiva interventiva propositora que tem este mestrado

profissional desenvolvo reflexotildees que intencionam contribuir para a inserccedilatildeo temaacutetica de

gecircnero pela via da leitura na escola em que a pesquisa foi realizada Faccedilo ao final deste

capiacutetulo sugestotildees de atividades de ensino enfocando o olhar sobre as relaccedilotildees de gecircnero

Por uacuteltimo apresento as consideraccedilotildees finais com as quais objetivo amarrar os fios

tecidos ao longo do trabalho considerando os conteuacutedos enfocados e reforccedilando a defesa de

se inserir o debate acerca das relaccedilotildees de gecircnero pela via da leitura na escola

problematizando os modelos de feminilidade e masculinidade na defesa da dignidade de

todas as pessoas

25

1 OS PRESSUPOSTOS TEOacuteRICO-METODOLOacuteGICOS DA PESQUISA

11 Entrevendo os sujeitos o loacutecus os jogos de verdade

Partindo do entendimento de que a pesquisa a que me proponho realizar que eacute a

anaacutelise de praacuteticas discursivas de docentes sobre as relaccedilotildees de gecircnero como mediadoresas

de leituras exige um dispositivo analiacutetico busco nos procedimentos da AD de filiaccedilatildeo

francesa como nas reflexotildees foucaultianas sobre praacuteticas de subjetivaccedilatildeo e poder nas

reflexotildees poacutes-estruturalistas sobre gecircnero e na perspectiva sociointeracionista sobre leitura

um apoio teoacuterico-metodoloacutegico Nesse sentido estou imbuiacuteda do propoacutesito de percorrer essa

investigaccedilatildeo conforme as diretrizes desse caminho investigativo considerando que natildeo haacute o

sentido ldquoverdadeirordquo mas o real do sentido em sua materialidade linguiacutestica e histoacuterica

(ORLANDI 2012) Estou tambeacutem imbuiacuteda do intento de que com este dispositivo natildeo

vislumbro trabalhar em uma perspectiva de neutralidade tendo em vista que concebo a

pesquisa com base nas praacuteticas discursivas focada nos estudos feministas e nas relaccedilotildees de

gecircnero sob a oacutetica do interesse do engajamento poliacutetico (ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2007

LOURO 2012)

Essas condiccedilotildees refletem o que as problematizaccedilotildees levantadas pelo feminismo no

tocante agrave loacutegica de se fazer ciecircncia tradicional com seus postulados de estabilidades e

categorizaccedilotildees trouxeram Trouxeram a descrenccedila de que entre as palavras e as coisas existe

uma homologia que se diz exatamente o que se vecirc (ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2007

POSSENTI 2009) Antes os estudos de gecircnero de base poacutes-estruturalista explicitam que haacute

uma invenccedilatildeo do que eacute sermos mulhereshomens de que haacute uma invenccedilatildeo do que eacute sermos

meninos e meninas de diversas classes diversos tempos etnias e orientaccedilatildeo sexual

construiacuteda discursivamente E a reflexatildeo sobre o que nos tornamos como seres gendrados e

em que poderemos vir a ser como seres que se descobrem gendrados empodera-nos como

investigadores de desaprendizagens pela possibilidade de conhecimento de jogos de verdades

(FABRIacuteCIO 2006)

Os estudos de gecircnero como uma via que se oferece para o entendimento das relaccedilotildees

assimeacutetricas entre os sexos explicitam ainda o atravessamento pelo poder institucionalizado

que confere historicamente o domiacutenio do masculino Lugares diferentes no mundo chegam a

homens e mulheres por um conjunto de accedilotildees formadoras constituiacutedas discursivamente por

siacutembolos culturais institucionalizaccedilotildees e modos de subjetivaccedilatildeo que constituem relaccedilotildees

assimeacutetricas com o corpo com a sexualidade e afetividades para os sujeitos sociais Refletir

26

sob esta perspectiva me faz desejar perceber meu entorno olhando a linguagem a cultura e as

instituiccedilotildees sob a oacutetica do interesse na construccedilatildeo dos processos sociais E o olhar do

feminismo deveras trouxe novas lentes sobre a pesquisa cientiacutefica Louro (2012) pontua que

uma das caracteriacutesticas relevantes dessa epistemologia diz respeito agrave forma como as

estudiosas empenham-se em responder questotildees atinentes agraves suas realidades aos seus campos

de interesses mescladas natildeo como vozes anocircnimas de seu objeto de estudo mas como vozes

que de modo provocativo posicionam-se histoacuterica e culturalmente imiscuindo objetivamente

subjetividades E eacute com este entendimento que intenciono subsiacutedios para um estudo sobre a

discursividade em uma interface com a oacutetica das relaccedilotildees de gecircnero e da leitura sob o crivo

de um convite a examinar ordens morais e estruturas de legitimaccedilatildeo

Esta investigaccedilatildeo de natureza qualitativa regida por princiacutepios analiacuteticos foi

conforme jaacute exposto concebida para ser realizada em uma escola da Rede de Ensino

Municipal de Joatildeo Pessoa - PB cuja identificaccedilatildeo seraacute preservada A preservaccedilatildeo deve-se agrave

consonacircncia com um mecanismo de proteccedilatildeo o anonimato como compromisso eacutetico

possiacutevel conforme Spink e Menegon (1999) embora salientem as autoras este ponto de

vista natildeo seja paciacutefico Para minha compreensatildeo eacute uma proteccedilatildeo exceccedilatildeo se daacute quando os

sujeitos manifestam o contraacuterio o que natildeo foi o caso Assim o sendo para a identificaccedilatildeo

deste espaccedilo pesquisado resolvi denominaacute-lo de escola TRAVESSIA Esse batismo traduz

meu olhar para o ambiente de ensino-aprendizagem alimentado na esperanccedila freireana pelo

inacabamento em noacutes educadores seres humanos Mesmo emparedadosas eacute preciso pensar

nas travessias Da mesma forma que o campo pesquisado tem um nome fictiacutecio os sujeitos

participantes desta investigaccedilatildeo tambeacutem foram denominados ficticiamente

Essa unidade educacional funciona nos dois periacuteodos com turmas do 6ordm ao 9ordm ano

em um preacutedio construiacutedo haacute menos de dez anos Possui 385 discentes e 25 docentes eacute

composta por dez salas de aula sala de artes laboratoacuterio de informaacutetica laboratoacuterio de

ciecircncias auditoacuterio biblioteca quadra poliesportiva quadra de vocirclei secretaria diretoria sala

de especialistas sala de professores refeitoacuterio e banheiros com padratildeo de acessibilidade

A pesquisa qualitativa na educaccedilatildeo tem centrado seu foco noa educadora vai

buscar sua colaboraccedilatildeo preocupar-se com suas histoacuterias e formaccedilatildeo (GHEDIN FRANCO

2008) Nessa dimensatildeo eacute possiacutevel olhar a realidade na perspectiva doa professora e natildeo

apenas sobre elea Este processo investigativo que tem como objeto as discursividades na

escola acerca das relaccedilotildees de gecircnero mediadas no projeto de leitura tem alinhamento

metodoloacutegico com esta perspectiva de pesquisa e possui como participantes osas

professoresas que integram o tal projeto Foi escolhido o corpo docente do turno vespertino

27

em funccedilatildeo de ajuste com minha disponibilidade de horaacuterio A coordenaccedilatildeo do projeto eacute de

responsabilidade de uma professora readaptada que tem formaccedilatildeo de arte-educadora Esta

profissional segundo me relatou articula trabalhos apoiando osas docentes integrantes do

projeto aleacutem de efetivar atividades literaacuterias e artiacutesticas em datas comemorativas na escola

12 Por onde falam e de onde olham osas educadoresas os instrumentos de investigaccedilatildeo

A composiccedilatildeo dos instrumentos selecionados para a investigaccedilatildeo desta pesquisa eacute

constituiacuteda por diversos procedimentos para geraccedilatildeo de dados Consta de um questionaacuterio

aplicado no periacuteodo de 09 de setembro a 28 de outubro de 2013 a nove educadoresas

envolvidosas com o projeto de leitura da escola TRAVESSIA o CestaSexta Literaacuteria

Adotei tambeacutem como instrumento de investigaccedilatildeo os relatos de diaacutelogos com educadoresas

gerados quando de minhas visitaccedilotildees agrave escola que se deram de 05 de setembro a 28 de

outubro de 2013 Construiacute notas de campo para registrar minhas vivecircncias naquele espaccedilo

perscrutando as vozes daqueles sujeitos pesquisados Satildeo tambeacutem composiccedilatildeo deste conjunto

de instrumentos investigativos as observaccedilotildees de quatro aulas de leitura e de texto utilizado

nestes eventos que ocorreram entre 4 e 11 de julho de 2014 A anaacutelise do documento do

projeto de leitura no tocante aos seus objetivos e metodologia bem como o levantamento de

quais livros paradidaacuteticos da biblioteca tratam da temaacutetica em tela satildeo outras formas

geradoras de dados desta pesquisa Esse levantamento do conjunto de instrumentos foi

elaborado em um processo no qual atentei para que a construccedilatildeo dos mesmos lembrando

Foucault (2004a 2004b 2012) objetivasse natildeo apontar se um enunciado eacute verdadeiro ou

falso enquanto discurso mas situar historicamente a produccedilatildeo desses

O questionaacuterio foi elaborado com treze questotildees objetivas por uma necessidade de

se ajustar agraves premecircncias do tempo mas promovendo espaccedilo para a complementaccedilatildeo de

respostas abertas considerando que outras leituras poderatildeo existir As questotildees formuladas

neste instrumento investigativo versando conforme apecircndice A entre outros toacutepicos acerca

da importacircncia da leitura para a escola sobre se a formaccedilatildeo continuada estaacute contribuindo no

preparo para uma praacutetica pedagoacutegica que contemple a equidade de gecircnero acerca de qual

espaccedilo deve haver no curriacuteculo escolar sobre a histoacuteria social da mulher e ainda qual tem sido

o comportamento doa educadora ao lidar com manifestaccedilotildees de violecircncia de gecircnero

objetivam proporcionar anaacutelises das respostas segundo os pressupostos da AD

Essa disciplina mediante a articulaccedilatildeo liacutengua e histoacuteria descreve e analisa os

sentidos que produzimos socialmente considera assim que o sujeito eacute um efeito da linguagem

28

como praacutetica social E eacute com esta perspectiva que objetivo perceber os efeitos de sentidos as

ideias circulantes e produzidas pelos sujeitos envolvidos nas questotildees do instrumento

questionaacuterio como nos demais procedimentos que compotildeem o campo empiacuterico desta

investigaccedilatildeo as aulas os diaacutelogos o documento a ausecircncia de obras temaacuteticas no acervo

bibliotecaacuterio Lanccedilar matildeo desse amparo teoacuterico me faz buscar formulaccedilotildees epistemoloacutegicas

como o discurso o interdiscurso as formaccedilotildees discursivas entre outras construccedilotildees de

linguagem como fustigaccedilatildeo que possibilita ver ldquopelardquo opacidade da linguagem Por esses

vieses interessa-me natildeo em conceber uma ldquoverdaderdquo a qual terei o poder de ldquodesvendaacute-lardquo

conforme ressalva Foucault (1995 2004a 2004b 2012) mas procuro agrave luz do que me

fornece a AD refletir e inquirir sobre as condiccedilotildees de produccedilotildees ldquodo dito e o natildeo ditordquo

29

2 OS APORTES TEOacuteRICOS QUE MOVEM A INVESTIGACcedilAtildeO

21 Gecircnero Discurso e Direitos Humanos

Uma indagaccedilatildeo que se desdobrava em outras se fez presente em minhas elaboraccedilotildees

sobre a temaacutetica em foco afinal por que buscar na roda de leitura de uma escola fios que

relacionem letramento e o debate sobre a construccedilatildeo social de gecircnero Qual o sentido de se

entrelaccedilar estas duas instacircncias discursivas Natildeo bastaria ler para contribuir com a construccedilatildeo

de uma formaccedilatildeo humana e eacutetica uma formaccedilatildeo cidadatilde na qual se capacitariam todos e todas

para serem protagonistas do projeto de sociedade em que convivem O exerciacutecio da leitura

natildeo estimula o ato de pensar Esta mera sacralizaccedilatildeo da praacutetica leitora tatildeo disseminada por

leigosas e ateacute leitoresas ignora que ler eacute um ato poliacutetico (FREIRE 1988) Ignora que ler eacute

uma praacutetica discursiva implica accedilotildees seleccedilotildees escolhas linguagens contextos variedades

de produccedilotildees sociais (SPINK FREZZA 1999) E que desse modo como praacutetica discursiva

na acepccedilatildeo foucaultina (FOUCAULT 2011) que eacute a tomada de empreacutestimo neste trabalho

conceituada como os dizeres que ganham corpos teacutecnicos em instituiccedilotildees em esquemas de

comportamentos em formas pedagoacutegicas a accedilatildeo de ler deve primar por reflexotildees que exijam

engajamento direcionamento afinal como esse filoacutesofo afirma

[] em toda sociedade a produccedilatildeo do discurso eacute ao mesmo tempo controlada

selecionada organizada e redistribuiacuteda por certo nuacutemero de procedimentos que tecircm

por funccedilatildeo conjurar seus poderes e perigos dominar seu acontecimento aleatoacuterio

esquivar sua pesada e temiacutevel materialidade (FOUCAULT 2011 p 8-9)

Conforme esse pensador francecircs para este controle haacute a fabricaccedilatildeo de certos

procedimentos de exclusatildeo social apoiados sobre uma base institucional Esta tem como

reforccedilo todo um conjunto de praacuteticas dentre as quais estatildeo a medicina a pedagogia a

sexualidade a prisatildeo relacionadas agrave vontade de verdade como um mecanismo de delimitaccedilatildeo

e de controle do discurso Ao trazer estas consideraccedilotildees de Foucault para o debate sobre as

relaccedilotildees de gecircnero que se processam na instituiccedilatildeo escolar fruto de avanccedilos consolidados

pelas lutas feministas contra uma visatildeo androcecircntrica de mundo percebo a relevacircncia das

contribuiccedilotildees do filoacutesofo que inscreve o discurso como praacutetica e como luta na constituiccedilatildeo

dos sujeitos Segundo o autor ldquo[] ndash isto a histoacuteria natildeo cessa de nos ensinar - o discurso natildeo

eacute simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominaccedilatildeo mas aquilo por que

pelo que se luta o poder do qual queremos apoderarrdquo (FOUCAULT 2012 p 10)

30

Diferente de uma visatildeo que simplifica este conceito os pressupostos foucaultinos

pontuam que o discurso existe para constituir ldquocoisasrdquo ldquorealidadesrdquo segundo regras histoacutericas

especiacuteficas de tempo e espaccedilo E esse entendimento deve ser uma das forccedilas que oa analista

do discurso poderaacute dispor como baliza face ao desafio que sua tarefa se apresenta seu

trabalho natildeo eacute ldquodescobrir coisas intocadas inteiras verdadesrdquo Seu trabalho prima por chegar

agrave complexidade das praacuteticas discursivas e natildeo discursivas que emergem em um enredo de

enunciados que se cruzam no interior de campos discursivos Seu trabalho como evidencia

Fisher (2013) ocupa-se de multiplicidades de coisas ditas de enunciaccedilotildees de posiccedilotildees de

sujeito de relaccedilotildees de poder implicadas num certo campo de saber

Nessa direccedilatildeo para efetuar uma interface que pense as discursividades das vozes

docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero em praacuteticas leitoras na escola objeto desse trabalho

as reflexotildees foucaultianas no que diz respeito agraves posiccedilotildees de sujeito satildeo nodais Com essa

perspectiva pode ser assumida a multiplicaccedilatildeo do tema do sujeito operaccedilatildeo cara a Foucault

(1995 2004a 2004b 2004c 2012) que conduz a caminhos mais fecundos para que o sujeito

seja pensado a sua dispersatildeo Assim diante de um conjunto de enunciaccedilotildees dentro de um

campo discursivo natildeo cabe um sujeito ldquounificanterdquo soberano origem de seu dizer Haacute um

sujeito que precisa ser visto em seu status em seu acircmbito institucional investido de alguma

autoridade imbuiacutedo de certas regras histoacutericas

Isto posto cabe-me adentrar em reflexotildees usando a concepccedilatildeo de dispersatildeo do

sujeito inicialmente pensando sobre qual tem sido a subjetivaccedilatildeo construiacuteda na escola pela

perspectiva dosas docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero estatildeo estesas obedecendo a que

regime de verdade Quais tecircm sido as reflexotildees acerca das ldquocoisas ditasrdquo sabe-se que elas se

entranham das dinacircmicas de poder e saber Sabe-se que emanam de praacuteticas discursivas e natildeo

discursivas atravessadas pelo poder Dar conta dessas relaccedilotildees eacute um legado foucaultiano

complexo aacuterduo e instigante que me inspira trazer para a delineaccedilatildeo acerca das

discursividades suscitadas pelo debate das relaccedilotildees de gecircnero na escola que ao fim e ao

cabo eacute um chamamento do discurso dos DH como pauta reivindicatoacuteria que eacute

E como reivindicaccedilotildees morais que satildeo esses direitos assegura Piovesan (2005)

nascem quando devem e podem nascer Essa autora pontua que os DH em sua concepccedilatildeo

contemporacircnea compotildeem a nossa racionalidade de resistecircncia na medida em que traduzem

processos que abrem e consolidam espaccedilos de luta pela dignidade humana Pautados pela

gramaacutetica da inclusatildeo esses direitos que natildeo satildeo um dado mas um construiacutedo (PIOVESAN

2005) devem adentrar o espaccedilo escolar como um imperativo eacutetico-poliacutetico-social que eacute

capaz de enfrentar um legado discriminatoacuterio que tem negado o respeito agrave diversidade sexual

31

cultural e humana o que eacute um atentado agrave premissa da garantia da dignidade de todas as

pessoas

Para o assentamento do debate sobre os postulados dos DH no acircmbito da escola natildeo

nos falta amparo legal positivado Eacute com o entendimento da nodal importacircncia desses direitos

na e para a esfera escolar e considerando o arcabouccedilo legal que dispotildee sobre a educaccedilatildeo a

Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos de 1948 a Declaraccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas sobre

a Educaccedilatildeo e Formaccedilatildeo em Direitos Humanos (RESOLUCcedilAtildeO A661372011) a

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (Lei

93941996) o Programa Mundial de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos (PMEDH 2005204) O

Programa Nacional de Direitos Humanos (PNEDH2006) e as diretrizes nacionais emanadas

pelo Conselho Nacional de Educaccedilatildeo CNE bem como outros documentos que o Conselho

Nacional de Educaccedilatildeo publica a Resoluccedilatildeo nordm 12012 estabelecendo diretrizes nacionais para

a educaccedilatildeo em Direitos Humanos Esse instrumento em seu artigo 3ordm trata da finalidade

dessa educaccedilatildeo a mudanccedila e a transformaccedilatildeo social fundamentando-se para isto nos

princiacutepios da dignidade humana da igualdade de direitos do reconhecimento e valorizaccedilatildeo

das diferenccedilas e das diversidades da laicidade do Estado da democracia na educaccedilatildeo da

transversalidade vivecircncia globalidade e sustentabilidade socioambiental

Conforme a Resoluccedilatildeo nordm 12012 os sistemas de ensino deveratildeo ter planejamento e

accedilotildees que zelem por tais princiacutepios incluindo-os nas formaccedilotildees iniciais e continuada de

profissionais das diferentes aacutereas de conhecimento como tambeacutem de todo aparato estrutural

da escola Nesse sentido a resoluccedilatildeo se traduz como um poderoso instrumento de inclusatildeo

social Ela eacute aliada na problematizaccedilatildeo de uma estrutural desigualdade social poliacutetica e

econocircmica que viola cotidianamente direitos de grupos vulneraacuteveis ndash pobres negrosas

mulheres homossexuais iacutendiosias ndash Eacute aliada no combate agraves grandes deficiecircncias da

democracia brasileira que repousa em uma deficiente cultura de direitos a despeito de

avanccedilos poacutes processo de redemocratizaccedilatildeo do paiacutes

No tocante agraves questotildees de gecircnero agrave produccedilatildeo de praacuteticas discursivas que ocultam o

protagonismo dos sujeitos que fragilizam a hegemonia masculina heterossexual cristatilde e

branca e a inserccedilatildeo desse debate no seio escolar como forma de assegurar o combate agrave

historicamente construiacuteda educaccedilatildeo sexista e discriminatoacuteria eacute vaacutelido observar os

mecanismos enunciativos que constituem o olhar sobre o discurso que propotildee o

enfrentamento da iniquidade E um desses mecanismos trata-se dos Paracircmetros Curriculares

Nacionais (PCNs) criados em 1997 que muito embora a existecircncia desses documentos natildeo

garanta sua implantaccedilatildeo eles satildeo amplamente difundidos e recomendados pelo Ministeacuterio da

32

Educaccedilatildeo e Cultura (MEC) Eacute vaacutelido desse modo atentar para esta forma de comunicaccedilatildeo-

poder porque as discursividades que circulam incorrem de resultado de promessas de uma

escola como instituiccedilatildeo democraacutetica o que nos remete agrave intricada relaccedilatildeo discurso e poder

(FOUCAULT 2012) E parece bastante oportuno refletir sobre a emissatildeo de documentos

supostamente avanccedilados no debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero indagando sobre qual

processo de subjetivaccedilatildeo e instauraccedilotildees de verdade estaacute sendo ali operacionalizado

Eacute possiacutevel detectar que a discussatildeo sobre as relaccedilotildees de gecircnero consta de forma

tiacutemida e superficial entre as paacuteginas 144-146 dos PCNs referentes agraves quatro primeiras seacuteries

da educaccedilatildeo Fundamental Assim eram denominados os anos escolares agrave eacutepoca da publicaccedilatildeo

destes documentos Essa inserccedilatildeo temaacutetica eacute composta como toacutepico dentro do tema

transversal Orientaccedilatildeo Sexual que integra o volume 10 da coleccedilatildeo dos PCNs Mas laacute nas

raacutepidas paacuteginas estaacute o conceito de gecircnero e o objetivo que permeia o debate

A discussatildeo sobre relaccedilotildees de gecircnero tem como objetivo combater relaccedilotildees

autoritaacuterias questionar a rigidez dos padrotildees de conduta estabelecidos para homens

e mulheres e apontar sua transformaccedilatildeo A flexibilizaccedilatildeo dos padrotildees visa permitir a

expressatildeo de potencialidades existentes em cada ser humano que satildeo dificultadas

pelos estereoacutetipos de gecircnero Como exemplo comum pode-se lembrar a repressatildeo de

sensibilidade intuiccedilatildeo e meiguice nos meninos e objetividade e agressividade nas

meninas As diferenccedilas natildeo devem ficar aprisionadas em padrotildees preestabelecidos

mas apontando para a equidade entre os sexos (BRASIL 2013 p 144-146)

As relaccedilotildees de gecircnero integram a abordagem feita pelos PCNs tambeacutem para as seacuteries

finais do ensino fundamental como parte dos conteuacutedos dos temas transversais Na

perspectiva para estes anos finais os PCNs indicam a leitura e a anaacutelise de notiacutecias e de obra

literaacuteria como estrateacutegia para abordar a temaacutetica sobre gecircnero perpassada pelo conjunto das

disciplinas Os recursos indicados nos documentos para a exploraccedilatildeo desta temaacutetica se

constituem de formas oportunas para trataacute-lo especialmente a anaacutelise de notiacutecias

considerando que face a uma visatildeo de mundo em que predominam valores machistas e

patriarcais uma cultura eminentemente androcecircntrica apesar da resistecircncia feminista as

notiacutecias devem se constituir como repletas de exemplos de assimetrias de gecircnero

A apresentaccedilatildeo do conceito de gecircnero pelos PCNs todavia se daacute sem uma

fundamentaccedilatildeo criacutetica sustentada pela teoria feminista em um momento em que este conceito

passa por uma efervescecircncia que redimensiona e amplia sua abordagem O conceito de gecircnero

surge com o intento de analisar a subordinaccedilatildeo da mulher ao homem de modo relacional e faz

parte de debates de vaacuterios momentos do movimento feminista O gecircnero como categoria de

anaacutelise passou a ser mais utilizado apoacutes a publicaccedilatildeo do texto de Joan W Scott (1995) Nesse

33

trabalho a autora retoma a diferenccedila entre sexo e gecircnero articulando a noccedilatildeo de poder com a

qual propotildee que gecircnero eacute um elemento constitutivo das relaccedilotildees sociais construiacutedas sobre as

diferenccedilas percebidas entre os sexos sendo ele um primeiro modo de dar significado agraves

relaccedilotildees de poder

De acordo com Piscitelli (2002) o conceito de gecircnero mesmo jaacute tendo sido

utilizado foi marcado a partir da conceitualizaccedilatildeo de Gayle Rubin (1975 apud PISCITELLI

2002 p 4) que definiu o sistema sexogecircnero estabelecendo uma dicotomia em que gecircnero

seria a construccedilatildeo social e sexo seria o que eacute determinado biologicamente Essa perspectiva da

feminista trouxe conforme Piscitelli entusiasmo

Entre as (os) acadecircmicasos que dialogam com as discussotildees feministas o conceito

de gecircnero foi abraccedilado com entusiasmo uma vez que foi considerado um avanccedilo

significativo em relaccedilatildeo agraves possibilidades analiacuteticas oferecidas pela categoria

lsquomulherrsquo Essa categoria passou a ser quase execrada por uma geraccedilatildeo para a qual o

binocircmio feminismomulher parece ter se tornado siacutembolos de enfoques passados

(PISCITELLI 2002 p 1)

Haacute todavia apontado por Piscitelli (2002) um contexto de questionamentos sobre

esse conceito de gecircnero que evidencia uma nova ecircnfase na utilizaccedilatildeo da categoria mulher A

autora evidencia vaacuterias discussotildees em torno dessa questatildeo pontuadas por feministas que

criticam a dicotomia culturanatureza sexogecircnero traccedilos da conceituaccedilatildeo primeira do termo

O sistema dual que caracteriza e universaliza o conceito eacute criticado pelas feministas radicais

que assumem o debate desconstruindo o binocircmio sexogecircnero trazendo agrave reflexatildeo a

inexistecircncia de uma identidade global fixa que obscurece ou subordina todas as outras Uma

reelaboraccedilatildeo teoacuterica e pendular que emerge nitidamente das poliacuteticas da diferenccedila sobre o

conceito de gecircnero fortalece a luta das mulheres em seu caraacuteter de diversidade

A rejeiccedilatildeo aos pressupostos universalistas que a dicotomia sexogecircnero traduz tem se

avolumado e garantido um avanccedilo no debate sobre a luta pelo fim da opressatildeo e subordinaccedilatildeo

da mulher ao homem Sardenberg (2002) enfatiza que as criacuteticas realizadas ao conceito de

gecircnero debatem as diferenccedilas em consonacircncia com a base poacutes-estruturalista e

desconstrutivista que as sustenta e atendem a pauta reivindicatoacuteria de mulheres leacutesbicas

negras e do Terceiro Mundo A feminista sem deixar de resguardar a relevacircncia teoacuterica e

poliacutetica da concepccedilatildeo primeira de gecircnero ressalta a importacircncia das questotildees trazidas pelas

correntes desconstrucionistas Apropria-se esta estudiosa do feminismo do conceito de

corpos gendrados e desfaz a dicotomia sexogecircnero explicando que as identidades de gecircnero

e subjetividade satildeo natildeo imateriais e descorporificadas Ela ao falar de identidades e

34

subjetividades corporificadas aponta para uma direccedilatildeo que dialoga com as teorizaccedilotildees poacutes-

estruturalistas e a importacircncia dos marcadores sociais para essas que veem mais do que

sujeitos homens e mulheres em suas abordagens Veem seres de diferentes etnias classes

geraccedilotildees profissotildees lugares seres cindidos muacuteltiplos natildeo-fixos em suas identidades

imersos que satildeo pela torrencial poacutes-modernidade e seus signos multiculturalismo

globalizaccedilatildeo e informaccedilatildeo acelerada

Louro (2012) ao discutir o caro conceito para os estudos feministas historiciza as

accedilotildees desse coletivo situando a chamada ldquoSegunda Ondardquo como a que propiciou o

desenvolvimento do termo

Seraacute no desdobramento da assim denominada lsquoSegunda Ondarsquo ndash aquela que se inicia

no final da deacutecada de 1960 ndash que o feminismo aleacutem das preocupaccedilotildees sociais e

poliacuteticas iraacute se voltar para as construccedilotildees propriamente teoacutericas No acircmbito do

debate que a partir de entatildeo se trava entre estudiosas e militantes de um lado e seus

criacuteticos ou suas criacuteticas de outro seraacute engendrado e problematizado o conceito de

gecircnero (LOURO 2012 p 19)

Evidenciando a contribuiccedilatildeo que a emergecircncia do conceito de gecircnero propicia ao

movimento feminista Louro (2012) traz o discurso da invisibilidade no qual esse coletivo

esteve imerso em forma de segregaccedilatildeo poliacutetica e social Muito embora afirme essa autora

mulheres da classe trabalhadora e camponesas jaacute ocupassem atividades no mundo do trabalho

em faacutebricas oficinas lavouras Atividades essas ocupadas em condiccedilotildees de subalternidade

frente aos homens considerando os cargos que ocupavam e atividades consideradas

secundaacuterias e ligadas agraves funccedilotildees ldquonaturalizadasrdquo como femininas a assistecircncia e a educaccedilatildeo

Essas questotildees aleacutem da ausecircncia das mulheres em espaccedilos de poder como nos das ciecircncias e

das artes diz Louro (2012) ocupavam as reivindicaccedilotildees das mulheres de luta contra a

opressatildeo de gecircnero

No que tange ao conceito de gecircnero como diferencial desconstrutor da discursividade

que permeia explicaccedilotildees deterministas bioloacutegicas para as desigualdades sociais entre homens

e mulheres Louro (2012) aduz que

Eacute necessaacuterio demonstrar que natildeo satildeo propriamente as caracteriacutesticas sexuais mas eacute a

forma como essas caracteriacutesticas satildeo representadas ou valorizadas aquilo que se diz

ou pensa sobre elas que vai construir efetivamente o que eacute feminino ou masculino

em uma dada sociedade e em um dado momento histoacuterico Para que se compreenda

o lugar e as relaccedilotildees de homens e mulheres numa sociedade importa observar natildeo

exatamente seus sexos mas sim tudo que socialmente se construiu sobre os sexos

O debate vai se construir entatildeo atraveacutes de uma nova linguagem na qual gecircnero seraacute

um conceito fundamental (LOURO 2012 p 25)

35

Eacute na direccedilatildeo dos estudos poacutes-estruturalistas que Louro (2012) constroacutei suas reflexotildees

sobre gecircnero debatendo a construccedilatildeo discursiva das diferenccedilas uma das tocircnicas do

pensamento Esta autora evidencia o quanto estudiososas e militantes ligadosas agraves questotildees

eacutetnicas e leacutesbicas tecircm contribuiacutedo para a reflexatildeo sobre praacuteticas poliacuteticas e educativas que

contemplem as diferenccedilas Essa discursividade tem provocado nos estudos feministas uma

implosatildeo das caracteriacutesticas iniciais que satildeo marcadas por uma construccedilatildeo teoacuterica conduzida

por mulheres brancas heterossexuais urbanas e de classe meacutedias Para a autora os estudos

feministas estatildeo sendo oxigenados quando problematizados e desestabilizados desse modo

Entendo entatildeo que as seculares construccedilotildees sociais que subjugam e inferiorizam

mulheres e as que impotildeem exclusatildeo e violecircncia na construccedilatildeo das diferenccedilas sob uma loacutegica

androcecircntrica heteronormatizadora e discriminatoacuteria satildeo muralhas que tecircm sido

problematizadas pelas contribuiccedilotildees afirmativas da pauta dos DH pelos estudos feministas e

pelas contribuiccedilotildees de estudos sobre as relaccedilotildees de poder os quais jaacute foram por mim

referidos Estas questotildees podem estar balizadas no acesso agrave leitura como mediaccedilatildeo e praacutetica

discursiva que suscita o combate da iniquidade de gecircnero como tambeacutem jaacute foi dito Ocorre

amiuacutede mesmo entre osas que natildeo satildeo leitoresas uma valorizaccedilatildeo generalizada do ato de

ler que o naturaliza e o sacraliza As propagandas sobre leitura satildeo veiculadas com esta

dimensatildeo o que fez Souza (2009 p 4) entre outrosas autoresas estudaacute-las e evidenciando o

quanto se camufla o objeto da leitura daquilo que se lecirc indagar ldquoA leitura de todo e qualquer

texto emancipa o sujeitordquo Natildeo eacute preciso ir muito longe para que percebamos que se as

escolas natildeo leem a pedagogia do letramento da vida e da diversidade de infacircncias se natildeo leem

e aplicam o que recomendam as diretrizes2009 do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo - CNE

que apontam para garantir uma formaccedilatildeo plena como ser humano histoacuterico integral social

eacutetico de diferentes linguagens e identidades coletivas e individuais a leitura que se faz

efetivamente natildeo eacute emancipadora Ela pode divertir dar prazer colaborar com o domiacutenio do

coacutedigo em suas variedades linguiacutesticas mas natildeo emancipa Isso pode ser averiguado pelo

olhar de Arroyo (2011) que aborda o quanto a desenfreada busca para o domiacutenio de

capacidades sequenciadas para atender as expectativas de avaliaccedilotildees como a Provinha-Brasil

tem sido danosa

Na praacutetica o direito ao reconhecimento agrave cultura e ao conjunto de potencialidades

humanas que carregamos desde crianccedila vai se perdendo em nome do domiacutenio de

capacidades de letramento e numeramento [] A professora seraacute julgada e

condenada se sua turma natildeo se sair bem na Provinha-Brasil de Letramento Fica

pouco estiacutemulo e espaccedilo para dedicar tempo e energias para a formaccedilatildeo plena das

crianccedilas ateacute nos limites e potencialidades do letramento (ARROYO 2011 p 220)

36

Eacute pertinente pensar portanto como estatildeo sendo formadosas como estatildeo lendo na

instacircncia escolar meninos e meninas leem para se emancipar Leem para problematizar uma

ordem social excludente Leem para debater o que a pauta reivindicatoacuteria dos DH como

movimento que se firma na defesa de um mundo mais justo e igual tem alicerccedilado A

Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo (CONAE) realizada em 2010 direciona em seu

documento final que deve haver a inserccedilatildeo das temaacuteticas dos DH nos Projetos Poliacuteticos

Pedagoacutegicos (PPP) e no novo modelo de gestatildeo e avaliaccedilatildeo (CONAE 2010 p 162-163) Haacute

portanto um papel construiacutedo para a instituiccedilatildeo escolar no enfrentamento de violaccedilotildees desses

direitos

Produtora reprodutora e difusora de conhecimentos a escola eacute uma instituiccedilatildeo social

que pode conforme o seu aparato normativo engendrar as relaccedilotildees mais justas e equacircnimes

Ateacute entatildeo todavia deste lugar no dizer de Louro (2012) largamente tecircm sido gestadas as

diferenccedilas como a representaccedilatildeo de um desvio da normalidade Na visatildeo da referida autora

Desde seus iniacutecios a instituiccedilatildeo escolar exerceu uma accedilatildeo distintiva Ela se

incumbiu de separar os sujeitos ndash tornando aqueles que nela entravam distintos dos

outros os que a ela natildeo tinham acesso [] A escola que nos foi legada pela

sociedade ocidental moderna comeccedilou por separar adultos de crianccedilas catoacutelicos e

protestantes Ela tambeacutem se fez diferente para os ricos e para os pobres e ela

imediatamente separou os meninos das meninas (LOURO 2012 p 64)

Eacute possiacutevel perceber entatildeo o quanto as relaccedilotildees de gecircnero e a produccedilatildeo negativa das

diferenccedilas satildeo alimentadas nos bancos escolares moldando fabricando sujeitos seres

distintos de diferentes classes etnias idades distintos tambeacutem em direitos e deveres Nesses

moldes essa praacutetica pedagoacutegica tem inquietado osas ativistas e defensoresas dos DH E

efeito de mobilizaccedilotildees a educaccedilatildeo inclusiva voltada para uma cultura de paz e de respeito a

esses direitos emerge Dos tantos pactos internacionais e acordos como accedilatildeo de resistecircncia

diante da violaccedilatildeo do direito agrave dignidade humana podem ser extraiacutedos instrumentos juriacutedicos

importantes para municiar osas educadoresas em suas atividades acadecircmicas caso se

comprometam com a bandeira da educaccedilatildeo como loacutecus para a promoccedilatildeo da defesa de uma

sociedade para todas as pessoas

Inteirar-se da forccedila articulatoacuteria dos movimentos sociais embandeirados com a

defesa dos DH eacute relevante para a instacircncia educacional afinal a escola ressoa as vozes e eacute

uma voz que segundo regras histoacutericas implementa hegemonia e contra-hegemonia

conforme Zenaide (2008) Das articulaccedilotildees poliacuteticas dos movimentos emergem marcos legais

que datildeo sustentaccedilatildeo agraves lutas por cidadania Um desses documentos importantes do leque de

instrumentos universais e regionais que evidenciam accedilotildees pautadas na defesa do DH foi uma

37

conquista do movimento feminista com a aprovaccedilatildeo na Assembleia da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas (ONU) em 1979 da Convenccedilatildeo sobre a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de

Discriminaccedilatildeo contra a Mulher Este instrumento traduz o reconhecimento das necessidades

especiacuteficas das mulheres garantindo a igualdade entre homens e mulheres nas esferas

poliacutetica econocircmica social e familiar Outro importante documento no sentido da defesa dos

direitos das mulheres eacute a Convenccedilatildeo Interamericana para Prevenir e Erradicar a Violecircncia

contra a Mulher de 1994 Essa construccedilatildeo desafia um dos males enfrentados cotidianamente

pelas mulheres das mais diversas esferas sociais e culturais eacute o da violecircncia domeacutestica A

ONU adotou em 1999 o Protocolo Facultativo agrave convenccedilatildeo regional que autoriza ao

CEDAW ndash Comitecirc para a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de Discriminaccedilatildeo contra a Mulher

- o recebimento de queixas individuais O Brasil ratificou o protocolo o que significa mais

garantia de direitos agraves brasileiras viacutetimas de violecircncia domeacutestica acesso agrave justiccedila

internacional

Na deacutecada de 1990 os movimentos de mulheres articularam em niacuteveis regionais e

internacionais profiacutecuos acontecimentos poliacuteticos em prol de garantia de seus direitos Em

1993 a Conferecircncia Direitos Humanos de Viena estabelece que os direitos das mulheres satildeo

parte inalienaacuteveis dos DH universais e devem ser protegidos pelos Estados atraveacutes da

promoccedilatildeo de leis e de poliacuteticas puacuteblicas efetivas A Conferecircncia Internacional sobre

Populaccedilatildeo e Desenvolvimento (CIPD) realizada no Cairo em 1994 vem garantir que os

direitos sexuais e reprodutivos passem a ser assumidos como DH reconhecendo o papel

central da sexualidade A IV Conferecircncia Mundial da Mulher realizada em Pequim em 1995

aprovou uma Plataforma de Accedilatildeo reforccedilando o plano da Accedilatildeo de Cairo O debate sobre o

aborto amplia-se em bases soacutelidas eacute apontado como um grave problema de sauacutede puacuteblica e a

descriminalizaccedilatildeo dessa praacutetica ganha foco

Dentre os processos organizativos pela constituiccedilatildeo de forccedilas democraacuteticas os

movimentos de mulheres constituem-se em um expoente de militacircncia Pedro e Pinsky (2003)

relatam o processo de conquista da cidadania feminina que se ainda estaacute longe de ser plena

muito mais longe estaacute de um tempo em que agraves mulheres soacute lhes cabia o espaccedilo domeacutestico

De simples lsquocostela de Adatildeo agrave conquista da cidadania plena eacute uma longa trajetoacuteria

ainda natildeo completada pelas mulheres Mesmo no Ocidente onde o avanccedilo eacute maior e

a subordinaccedilatildeo social tem se reduzido sensivelmente elas ainda sofrem com a

violecircncia salaacuterios menores preconceitos de diversos tipos Que diraacute em paiacuteses

africanos ou islacircmicos em que satildeo vistas como apecircndice do homem na melhor das

hipoacuteteses Contudo relendo as paacuteginas deste texto podemos avaliar o quanto jaacute

avanccedilamos Que as vaacuterias vitoacuterias obtidas sirvam-nos de inspiraccedilatildeo para as lutas

futurasrsquo (PEDRO PINSKY 2003 p 304)

38

Se os avanccedilos logrados pela luta feminista mudaram estilo de vida de mulheres eacute

inconteste que ainda sob o jugo da violecircncia seja simboacutelica ou fiacutesica o machismo e o

patriarcalismo deixam seus tentaacuteculos em uma contiacutenua tensatildeo pelo poder (FOUCAULT

2004a 2012) Conforme Louro (2012) a escola pode atestar isso uma cultura ainda

dominante impregnada de estereoacutetipos valores e conteuacutedos sexistas eacute o que olhos atentos

veem Nas palavras da autora

Os sentidos precisam estar afiados para que sejamos capazes de ver ouvir sentir as

muacuteltiplas formas de constituiccedilatildeo dos sujeitos implicados na concepccedilatildeo na

organizaccedilatildeo e no fazer cotidiano escolar O olhar precisa esquadrinhar as paredes

percorrer os corredores e salas deter-se nas pessoas nos seus gestos suas roupas eacute

preciso perceber os sons as falas as sinetas e os silecircncios eacute necessaacuterio sentir as

cadecircncias e os ritmos marcando os movimentos de adultos e crianccedilas Atentaas aos

pequenos indiacutecios veremos que ateacute mesmo o tempo e o espaccedilo da escola natildeo satildeo

distribuiacutedos nem usados ndash portanto natildeo satildeo concebidos do mesmo modo por todas

as pessoas (LOURO 2012 p 63)

Afiar os sentidos para que possamos enxergar os construtos sociais de

performatividades de gecircneros que produzem meninas doces quietas aplicadas submissas e

meninos inquietos agressivos ldquomaisrdquo inteligentes Afiar os sentidos para que possamos olhar

sob o crivo dos estudos de gecircnero que encontram amparo em uma legislaccedilatildeo escolar

conquistada recentemente apoacutes intensa mobilizaccedilatildeo nacional para a criaccedilatildeo do Programa

Nacional em Direitos Humanos em 1993

A emersatildeo das poliacuteticas de valorizaccedilatildeo dos DH como aacuterea transdisciplinar e que

deve estar presente na escola desde a mais tenra idade do aluno ateacute os cursos de poacutes-

graduaccedilatildeo apresenta-se como um instrumento para a desconstruccedilatildeo de uma poliacutetica

educacional sexista e machista O Plano Nacional de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos

(PNEDH) criado em 2006 e revisado em 2006 pelo MEC Ministeacuterio da Justiccedila e Secretaria

Especial dos Direitos Humanos vem fortalecer o princiacutepio da igualdade e da dignidade de

todo ser humano E a escola eacute um espaccedilo privilegiado para que a crianccedila iniciando seu

processo de socializaccedilatildeo aprenda a conviver com caros princiacutepios Daiacute a importacircncia de se

desenvolver no interior dos espaccedilos escolares pontua Zenaide (2008) accedilotildees programaacuteticas

que deem mais materialidade agrave educaccedilatildeo agravequela que respeite e defenda os DH Dentre essas

accedilotildees vale citar

Elaborar e organizar propostas curriculares que contemplem a diversidade cultural

nas suas diferentes especificidades com a inclusatildeo de temaacuteticas relativas a gecircnero

identidade de gecircnero raccedila e etnia religiatildeo orientaccedilatildeo sexual pessoas com

deficiecircncias [] bem como trabalhar todas as formas de discriminaccedilatildeo e violaccedilotildees

de direitos na interface dos componentes curriculares (BRASIL 2006 p 24-25)

39

Um paiacutes historicamente violador dos DH como o Brasil possui uma diacutevida social

enorme com sua populaccedilatildeo vitimada No que diz respeito agraves violaccedilotildees acerca das identidades

de gecircnero seus instrumentos juriacutedicos conquistados recentemente que possuem a ideia

basilar do respeito agrave dignidade humana precisam ser prementemente cumpridos Essa eacute uma

condiccedilatildeo para que o Brasil promova cidadania a todas as pessoas reinventando novas formas

de se constituir sujeitos cauterizando as feridas machistas homofoacutebicas discriminadoras

Esse agenciamento cultural pode e deve ser gestado alimentado e sustentado por praacuteticas

escolares considerando que satildeo promessas da escola a autonomia o aprendizado de si do

outro o respeito agraves diferenccedilas Conforme Zenaide (2008) entre tantos marcos protetivos para

a construccedilatildeo de uma educaccedilatildeo inclusiva e natildeo sexista que sustentam largamente as promessas

de uma escola para todas as pessoas a Declaraccedilatildeo Mundial sobre Educaccedilatildeo para Todos de

1990 eacute um deles Em seu artigo 3ordm este documento explicita a premecircncia de combater a

assimetria entre homens e mulheres

[] a prioridade mais urgente eacute melhorar a qualidade e garantir o acesso agrave educaccedilatildeo

para meninas e mulheres e superar todos os obstaacuteculos que impedem sua

participaccedilatildeo no processo educativo Os preconceitos e estereoacutetipos de qualquer

natureza devem ser eliminados da educaccedilatildeo (ZENAIDE 2008 p 243)

Apoacutes as reflexotildees atinentes agrave fundamentaccedilatildeo da importacircncia do compromisso do

Estado brasileiro na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas educacionais que respaldem a

garantia da efetivaccedilatildeo dos DH na esfera escolar no que diz respeito agrave equidade de gecircnero irei

discutir no proacuteximo toacutepico como a educaccedilatildeo e o feminismo satildeo esteios para tal efetivaccedilatildeo

Satildeo esteios porque podem propor problematizar as instacircncias os espaccedilos de poder propor

novas formas de subjetivaccedilatildeo formas essas que tecircm historicamente construiacutedo um

enfrentamento agrave interdiccedilatildeo da equidade de gecircnero

22 Feminismo poder e educaccedilatildeo

Uma vez ou outra sempre mais raramente lembrava a galinha que se recortara

contra o ar agrave beira do telhado prestes a anunciar Nesses momentos enchia os

pulmotildees com ar impuro da cozinha e se fosse dado agraves fecircmeas cantar ela natildeo

cantaria mas ficaria muito mais contente

(LISPECTOR 1991 p 46)

A condiccedilatildeo feminina mesmo aos olhos desatentos aparece na linha mestra da obra

clariceana As complexas e ricas criaccedilotildees da autora com Ana Carla Catarina Joana

Macabeacutea Virgiacutenia entre tantas personagens jovens maduras velhas natildeo cedem todavia

40

lugar a um mero denuncismo da ordem machista que violentamente imersa mulheres em uma

sociedade feita para os que cantam como os galos A inserccedilatildeo portanto de um trecho de um

dos seus contos Uma galinha (LF1991) neste toacutepico do trabalho natildeo eacute um jeito de chamar

ao destrinchamento da ligaccedilatildeo da escritora com o feminismo fato que ela em diversos

depoimentos sabiamente negou Mas eacute uma forma de dizer que a condiccedilatildeo feminina sem

liberdade e voz emaranhada na densa complexidade psicoloacutegica das personagens clariceanas

perspectiva anguacutestia e violecircncia latentes um mundo portanto que precisa ser desaprisionado

que precisa ser desmantelado E isto a despeito de sua insistecircncia em natildeo ser feminista

expressa feminismo que Clarice constroacutei tatildeo bem com suas mulheres quando lhes daacute o grito

o canto ou quando lhes retira

Neste conto a condiccedilatildeo feminina de subjugada estaacute metaforizada na figura de uma

galinha que apenas nasce e morre cumprindo apaticamente um papel como pontua Bedasee

(1999) Sem canto sem habilidade para a luta valorizada apenas pela sua funccedilatildeo reprodutora

[ Mamatildee mamatildee natildeo mate mais a galinha ela pocircs um ovo G45] este ser que natildeo conta

consigo como o galo conta com sua crista natildeo traduziria uma bandeira de desaprisionamento

dessa ordem proposta pela teoria dos gecircneros Neste conto em que a galinha em fuga eacute

capturada por um homem [ o rapaz poreacutem era um caccedilador adormecido E por mais iacutenfima

que fosse a presa o grito de conquista havia soado ndash G44] natildeo teriacuteamos a preocupaccedilatildeo com

os imemoraacuteveis papeacuteis sociais

Entendendo Clarice que desejou a literatura maior do que as bandeiras maior do que

teses sem uma ldquofunccedilatildeordquo que a aprisione mas relembrando aqui Antonio Cacircndido (1965)

indago esta escritura que apresenta um cotidiano que encerra mulheres em um espaccedilo

domeacutestico violentador natildeo seria uma forma extraordinaacuteria de aticcedilar a transcendecircncia das

servidotildees com a perspectiva que temos de ver na trama clariceana o natildeo-conformismo como

uma ordem Possivelmente A condiccedilatildeo feminina de oprimida exceccedilatildeo a pouquiacutessimas

personagens perpassa pelas mulheres solitaacuterias e servis de Clarice trancadas no lar lacradas

para a vida que natildeo reagem Por que ela natildeo reage cadecirc um pouco de fibra Natildeo ela eacute doce

e obediente (HE41) Haacute nesta ficccedilatildeo um fio que liga as mulheres denunciando um

apagamento social vivido por elas que evidencia feminismo nesta literatura

Por seu turno natildeo na ficccedilatildeo mas na poliacutetica e engajada nos diversos movimentos

sociais outras fizeram feminismos naquele contexto de meados do seacuteculo XX em que

efervesceu a luta pelos direitos das mulheres E a histoacuterica luta das mulheres em prol dos seus

direitos e na caminhada pela cidadania plena que comeccedilou a ser preparada em momentos e

seacuteculos anteriores traduz uma resistecircncia agrave domesticaccedilatildeo social das mais expressivas na

41

histoacuteria da humanidade Esta resistecircncia pode me remeter a inuacutemeros pensadores que se

vinculam ao ideaacuterio da busca pela liberdade mas o pensamento de Michel Foucault no que

tange agraves consideraccedilotildees em sua obra sobre o polo subjetividade e verdade parece-me ser de

muita propriedade Tema caro ao filoacutesofo francecircs que categoriza ter sido este o seu problema

Esse sempre foi na realidade o meu problema embora eu tenha formulado o plano

dessa reflexatildeo de uma maneira um pouco diferente Procurei saber como o sujeito

humano entrava nos jogos de verdade tivessem estes a forma de uma ciecircncia ou se

referissem a um modelo cientiacutefico ou fossem como os encontrados nas instituiccedilotildees

ou nas praacuteticas de controle (FOUCAULT 2004a p 264)

As formas de se constituir sujeito satildeo decerto tema caro tambeacutem ao coletivo de

mulheres Embora as questotildees feministas natildeo tenham aparecido no leque de problematizaccedilotildees

do autor conforme nos atesta Rago (2008) esse coletivo pode ter como instrumento de luta

em sua histoacuterica e processual conquista por liberdade e cidadania as reflexotildees foucaultianas

atinentes aos processos de subjetivaccedilatildeo e da premecircncia de se constituir um novo sujeito eacutetico

a partir de praacuteticas de liberdade (cf FOUCAULT 2004a) A leitura desses processos eacute nodal

para a transformaccedilatildeo social que objetiva construir o feminismo pela importacircncia que tem

para esse autor a histoacuteria da constituiccedilatildeo do sujeito na perspectiva das praacuteticas de si Essas

conforme a retomada que o filoacutesofo daacute no debate proposto pela Antiguidade grega sobre tais

teacutecnicas satildeo concebidas como uma maneira de se relacionar consigo mesmo para se elaborar

para atuar individual e socialmente de forma eacutetica respeitosa e consciente O cuidar de si

visa atraveacutes de teacutecnicas de meditaccedilatildeo de aconselhamentos instalar a harmonia entre atos e

palavras instalar a subjetivaccedilatildeo pelo conhecimento de si eacute enfim um ethos que propotildee uma

dimensatildeo ativa do sujeito uma fruiccedilatildeo de si

[] eacute impossiacutevel suspeitar que haja uma certa impossibilidade de constituir hoje

uma eacutetica do eu quando talvez seja uma tarefa urgente fundamental politicamente

indispensaacutevel se for verdade que afinal natildeo haacute outro ponto primeiro e uacuteltimo de

resistecircncia ao poder poliacutetico senatildeo na relaccedilatildeo de si para consigo (FOUCAULT

2004a p 234)

Dimensatildeo essa que ao coletivo de mulheres imerso em um processo de busca por

libertaccedilatildeo pode se constituir como basilar Eacute basilar se considerarmos que da leitura das

reflexotildees foucaultianas acerca dos processos de constituiccedilatildeo das subjetividades pode-se

extrair o debate que destaca a desnaturalizaccedilatildeo do sujeito da construccedilatildeo de si as formas de

sujeiccedilatildeo coercitivas no social Essas uacuteltimas por exemplo se trazidas agrave luz dos estudos

feministas apontam modelos de feminilidade impostos pela dominaccedilatildeo classista e sexista

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desconstruiacutedos e recusados pela militacircncia desse movimento social A refutaccedilatildeo do amor

materno como um sentimento inerente agrave condiccedilatildeo de mulher por exemplo eacute uma das

desnaturalizaccedilotildees que foram articuladas pelos coletivos de mulheres Atributos como o da

docilidade inerente da tendecircncia agrave castidade sexual da domesticidade da inaptidatildeo para

determinados labores da constituiccedilatildeo fiacutesica e emocional como fraacutegil tambeacutem satildeo construccedilotildees

sociais que a mobilizaccedilatildeo feminista tem posto em evidecircncia negando-as Enfim um

mergulho nessa perspectiva temaacutetica oferece ao coletivo de mulheres um vasto leque de

teorizaccedilotildees que o subsidiam politicamente com operadores que lhe aclaram questotildees Uma

delas eacute poder recusar o que somos (FOUCAULT 2012) E a recusa se daacute quando sabemos

que teacutecnica atacar conhecer por quais jogos de verdade homens e mulheres potildeem-se a se

constituiacuterem sujeitos a obedecerem a que regras de sujeiccedilatildeo

Pensar em regras de sujeiccedilotildees na linha foucaultiana eacute tarefa meticulosa ardil que

exige coragem para ver Ao coletivo de mulheres fazer reflexotildees enfaticamente sobre tais

regras sobre os processos sociais de subjetivaccedilatildeo com os modos coercitivos de se constituir

mulher eacute pertinente eacute mobilizador de praacuteticas de liberdades das transformaccedilotildees que este

precisa engendrar E isto pode ser feito afiando-se os sentidos para os pilares culturais que lhe

satildeo configurados como sonhos como verdades em formaccedilotildees discursivas apresentadas desde

a mais tenra infacircncia O casamento por exemplo eacute um deles O matrimocircnio em regra tem

iniacutecio com um pedido formalizado por um homem agrave famiacutelia da mulher para um contrato

social no qual a cerimocircnia em si jaacute oferece um ensaio do que traduz a uniatildeo matrimonial a

dependecircncia social emocional da mulher Costumeiramente na nossa cultura ocidental

cristatilde a noiva entra na igreja conduzida pela matildeo de um homem (pai parente) para ser

entregue a outro o noivo o traje dela tradicionalmente eacute branco simbolizando ldquopureza de

virgemrdquo mesmo que a castidade natildeo lhe seja mais exigida Toda a ritualiacutestica da cerimocircnia

compotildee uma ideia de pertencimento do feminino pelo masculino compotildee uma ideia de

dependecircncia eacute ela quem adota em seu registro de identidade o nome do marido tendo que

alterar seus documentos de solteira Soacute bem recentemente a obrigatoriedade de tal inserccedilatildeo foi

abolida O ritual que costuma agradar agraves mulheres de uma forma bem generalizada por mais

que inove com mudanccedilas em arranjos familiares e nas condiccedilotildees sociais de produccedilatildeo do

mesmo eacute marcado pela imagem de que a mulher que casa eacute a feliz O simboacutelico ato do

lanccedilamento do bouquecirc (ou mais recentemente outros objetos como os sapinhos de peluacutecia os

santos Antocircnios) pode vestir a ideia de que a felicidade estaacute em angariar um dono Assim se

justifica ver os gestos atleacuteticos que fazem as solteiras presentes movendo-se brava e

43

histericamente para conseguirem agarrar tais objetos que a noiva lanccedila em sinal de que

sendo a premiada seraacute a proacutexima a realizar o sonho de casar

Que poder natildeo haacute na adoccedilatildeo de um nome nos jogos que fazem a ideia do

pertencimento O poder onde natildeo o haacute E esse eacute outro veio no olhar do pensador

(FOUCAULT 2012) que pode correr com e perpassar pelos interesses e pelas investigaccedilotildees

das mulheres que lutam por praacuteticas de liberdade que se vinculam ao debate proposto pela

teoria de gecircnero como estrateacutegia para desmantelar assimetrias para se pensar em resistecircncias

O poder em sua dimensatildeo relacional onipresente e capilar evocada pelo filoacutesofo constitui-

se como instacircncia de compreensatildeo basilar das formas de relaccedilotildees sociais

Quero dizer que nas relaccedilotildees humanas quaisquer que sejam elas - quer se trate de

comunicar verbalmente como o fazemos agora ou se trate de relaccedilotildees amorosas

institucionais ou econocircmicas - o poder estaacute sempre presente quero dizer a relaccedilatildeo

em que cada um procura dirigir a conduta do outro Satildeo portanto relaccedilotildees que se

podem encontrar em diferentes niacuteveis sob diferentes formas essas relaccedilotildees de poder

satildeo moacuteveis ou seja podem se modificar natildeo satildeo dadas de uma vez por todas

(FOUCAULT 2004a p 276)

Haacute uma discussatildeo trazida pelo pensamento foucaultiano sobre o poder na qual

repousa natildeo uma teoria geral deste mas a ideia de que a sua existecircncia natildeo emana de um

determinado ponto apenas em aparelho de Estado ou em formato de leis Existe o poder

conforme Foucault (2012) concebe dando-se como feixe de relaccedilatildeo organizado e

piramidalizado Este entendimento atrela-se ao da resistecircncia como possibilidade e esta

adverte o filoacutesofo tem que ser inventiva moacutevel tatildeo produtiva quanto o poder Pensar em

resistecircncia e estrateacutegias para o enfrentamento de relaccedilotildees marcadas por domiacutenio eacute accedilatildeo que

deve interessar ao debate proposto pelos movimentos sociais em especial os coletivos que

perseguem a equidade de gecircnero Aqui vale trazer uma ponderaccedilatildeo feita por Foucault (2004a)

na qual ele ressalva insistir sobretudo nas praacuteticas de liberdade mais do que nos processos de

libertaccedilatildeo a despeito da importacircncia desses que satildeo condiccedilotildees poliacuteticas ou histoacutericas para

aquelas O filoacutesofo afirma que tais processos natildeo satildeo por eles proacuteprios definidores dessas

praacuteticas as quais se constituem de um problema eacutetico Problema eacutetico com o qual se deparam

mulheres imersas em processos de liberaccedilatildeo neste contexto histoacuterico-cultural que

recrudesceu em meados do seacuteculo XX onde irromperam estudos de gecircnero e feminismos

trazendo enfaticamente a pauta do empoderamento para as mulheres Esse aqui entendido

como o processo pelo qual indiviacuteduos e comunidades angariam recursos que lhes permitam

ter voz visibilidade poder de agenda nos temas que afetam suas vidas

44

Empoderar-se eacute enfim gestar em si mudanccedilas de performances que perpassam pelo

rompimento de modelos que enclausuram a mulher Historicamente subjugada ensinada a

depender a ser princesa salva adormecida mas acordada com o beijo dos contos infantis

difiacutecil natildeo ter medo de dar certo Na epiacutegrafe deste trabalho uma personagem clariceana

Joana traz agrave tona a temaacutetica do medo como condiccedilatildeo feminina Como uma segunda pele o

medo segura mulheres em direccedilatildeo de carros de cargos e de vidas trancafiando-as

Obviamente que nos novos contornos sociais nos quais a rua eacute espaccedilo conquistado pelo

feminino cada vez mais os medos vatildeo se arrefecendo tornando-se mais leves amenos

vencidos

Os estudos de gecircnero agrave luz do pensamento poacutes-estruturalista trouxeram a relevacircncia

de se refletir sobre modos de subjetivaccedilatildeo novas relaccedilotildees de poder jogos de verdade tudo

muito atinente com as contribuiccedilotildees teoacutericas foucaultianas e significativo para a militacircncia

poliacutetica encetada por feministas Pensando com Foucault (2004a 2012) sobre o poder desse

modo articulo nexos entre a preocupaccedilatildeo eacutetica com o cuidado de si as praacuteticas de liberdade

e a efetivaccedilatildeo de direitos que vem em lutas por libertaccedilatildeo em caminhadas que escavam

cidadania A luta das mulheres pela implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que lhes garantam o

direito ao aborto agrave sexualidade livre por exemplo traduz resistecircncia que vem com o

conhecimento de si com o conhecimento de seu lugar no mundo Os movimentos das

mulheres em luta pela construccedilatildeo de suas liberdades tecircm perfilado as liccedilotildees foucaultianas de

rede ligadas ao poder luta libertaccedilatildeo mobilizaccedilatildeo estaacutegios de comandos resistecircncia

A ideia de circularidade do poder de seu funcionamento em malhas onde os

indiviacuteduos natildeo soacute circulam mas estatildeo sempre em posiccedilatildeo de exercer um poder e de sofrer sua

accedilatildeo eacute oportuna entatildeo A premissa que permite que assim se pense pode estar identificada

nas reflexotildees abrangentes do autor sobre o poder

Acredito que natildeo pode haver sociedade sem relaccedilotildees de poder se elas forem

entendidas como estrateacutegias atraveacutes das quais indiviacuteduos tentam conduzir

determinar a conduta dos outros O problema natildeo eacute portanto tentar dissolvecirc-las na

utopia de uma comunicaccedilatildeo perfeitamente transparente mas se imporem regras de

direito teacutecnicas de gestatildeo e tambeacutem a moral o ethos a praacutetica de si que permitiratildeo

nesses jogos de poder jogar com o miacutenimo possiacutevel de dominaccedilatildeo (FOUCAULT

2004a p 284)

E por ser historicamente construiacutedo discursivamente tramado por estar no campo

social das resistecircncias muacuteltiplas (dos jeitinhos agraves chantagens e agraves mobilizaccedilotildees) das

mulheres o poder pode ser desconstruiacutedo ser ativado reformulado As relaccedilotildees de poder diz

ainda o pensador francecircs (FOUCAULT 1995 2012) intricam-se pelo menos de certa forma

45

com sujeitos livres Um poder soacute se exerce quando eacute possiacutevel minimamente haver

resistecircncias pelo menos estrateacutegias para alterar o quadro Esse autor fala em estados de

dominaccedilatildeo nos quais a violecircncia se constitui como a absoluta impossibilidade de se resistir

ao poder havendo o domiacutenio total do dominador Diferentemente dos estaacutegios de violecircncia

as relaccedilotildees de poder possuem um enfrentamento constante e perpeacutetuo que garante o potencial

de revolta

Assim tambeacutem percebe Louro (2012) e dialoga com o filoacutesofo francecircs acerca dessas

relaccedilotildees A autora utilizando-se da discussatildeo sobre o controle disciplinar que perpassa os

escritos foucaultianos que falam das engenhosas estrateacutegias desenvolvidas pelas instituiccedilotildees

estrateacutegias que satildeo nichos de produccedilotildees discursivas de gecircneros de sujeitos disciplinados

regulados instituiacutedos discute a capilaridade do poder

Homens e mulheres certamente natildeo satildeo construiacutedos apenas atraveacutes de mecanismos

de repressatildeo ou censura eles e elas se fazem tambeacutem atraveacutes de praacuteticas e relaccedilotildees

que instituem gestos modos de ser e estar no mundo formas de falar e de agir

condutas e posturas apropriadas (e usualmente diversas) Os gecircneros se produzem

portanto nas e pelas relaccedilotildees de poder (LOURO 2012 p48)

Louro (2012) sob o crivo das reflexotildees foucaultianas acerca dos modos de

subjetivaccedilatildeo insere uma possibilidade de debate sobre as relaccedilotildees de poder que perpassam as

identidades de gecircnero no esteio do campo da educaccedilatildeo A autora traz a questatildeo de que sob as

lentes do filoacutesofo cabem olhares acerca da ldquonormalizaccedilatildeo da conduta dos meninos e meninas

a produccedilatildeo dos saberes sobre a sexualidade e os corpos as taacuteticas e as tecnologias que

garantem o ldquogovernordquo e o ldquoautogovernordquo dos sujeitosrdquo E eacute com essa direccedilatildeo que esta

estudiosa do feminismo caminha na e pela escola instigando aosas educadoresas agrave afiaccedilatildeo

dos sentidos para que essesas percebam a construccedilatildeo escolar das diferenccedilas das

desigualdades do poder para que observem as praacuteticas femininas educativas e as

representaccedilotildees docentes do magisteacuterio

Os caminhos teoacutericos de Louro (2012) deixam as marcas de quem dialoga com o

pensamento de Foucault (2004c 2004d 2011 2012) no tocante agrave importacircncia que possuem

as instituiccedilotildees como aparelho disciplinador reprodutor ou transformador da sociedade para

ambos A autora discute o aparelhamento da escola na formaccedilatildeo de uma cultura sexista que

difunde estereoacutetipos de gecircnero institui diferenccedilas e modelos Ela enfim alerta osas

educadores sobre a importacircncia da ocupaccedilatildeo deste espaccedilo como instacircncia poliacutetica

46

A linguagem as taacuteticas de organizaccedilatildeo e de classificaccedilatildeo os distintos

procedimentos das disciplinas escolares satildeo todos campos de um exerciacutecio

(desigual) de poder Curriacuteculos regulamentos instrumentos de avaliaccedilotildees e

ordenamento dividem hierarquizam subordinam legitimam ou desqualificam os

sujeitos [] (LOURO 2012 p 72)

Com efeito o processo de subjetivaccedilatildeo se daacute tambeacutem e significativamente na escola

que natildeo soacute transmite conhecimentos mas fabrica sujeitos conforme acordam os estudiosos

acima referendados Esse processo eacute flexionado por dispositivos entendidos esses conforme

Foucault (2012) como um conjunto heterogecircneo que engloba discursos instituiccedilotildees que

formam feixes em um tranccedilado com os quais natildeo se familiariza facilmente Louro (2012) por

isso faz a convocaccedilatildeo com muita propriedade ao ato de ldquoafiar os sentidosrdquo Afiar os sentidos

e apreender no campo da linguagem a forccedila da transmissatildeo e constituiccedilatildeo de sentidos que esta

articula que molda e produz eacute um compromisso de quem concebe a educaccedilatildeo em um campo

eminentemente poliacutetico um lugar para se desbravar cotidianamente

Fisher (2013) eacute uma das estudiosas do campo da Educaccedilatildeo que se posiciona assim

Essa autora trabalha conceitos como os de enunciado praacutetica discursiva sujeito do discurso

relacionados agrave teoria do discurso objetivando evidenciar a importacircncia desse arcabouccedilo para

as pesquisas que se propotildeem a investigar discursos de educadoresas A complexa e

diversificada obra de Michel Foucault eacute explorada pela educadora em pontos estrateacutegicos para

uma interface discurso e educaccedilatildeo Para isto a autora estabelece inicialmente um marco entre

as concepccedilotildees de linguagem a que se vincula agrave ideia de representaccedilatildeo de intencionalidade

na qual o analista ldquodescobrerdquo o que estaacute por traacutes das cortinas porque o discurso eacute interpretado

como um conjunto de signos que pode revelar a ldquoverdaderdquo E a concepccedilatildeo de linguagem que

se apresenta como constituidora interrogativa discursiva construtora de realidades sociais A

pesquisadora demonstra entender que a concepccedilatildeo com a qual Foucault evidencia vinculaccedilatildeo

eacute a que interroga a linguagem

Evocar os conceitos foucaultianos objetivando uma reflexatildeo acerca da importacircncia

desses em pesquisas no campo da educaccedilatildeo eacute uma estrateacutegia vaacutelida que oa analista de

discurso pode lanccedilar matildeo Esse direcionamento que exige uma interrogaccedilatildeo da linguagem

sobre a sua natildeo-transparecircncia e sobre seus processos de produccedilatildeo daacute-se com o esforccedilo de

conforme a AD natildeo buscar explicaccedilotildees lineares de causa e efeito ou mesmo interpretaccedilotildees

ideoloacutegicas simplistas ambas reducionistas e harmonizadoras de uma realidade mais

complexa (FISHER 2013)

A percepccedilatildeo da belicosidade da realidade que eacute atravessada por lutas em torno da

imposiccedilatildeo de sentidos (FOUCAULT 2011 2012) eacute uma postura que traduz uma capacidade

47

investigativa doa analista que deve ser inquiridora ldquoPor que isto eacute dito aqui desse modo

nesta situaccedilatildeo e natildeo em outro tempo e lugar de forma diferenterdquo Nesse sentido Fisher

(2013) dialoga com o filoacutesofo pontuando acerca da constituiccedilatildeo do sujeito para esse teoacuterico

Para a foucaultiana esse pensador multiplica o sujeito a pergunta ldquoquem falardquo desdobra-se

em muitas outras qual o status do enunciador Em que campo de saber se insere Qual seu

lugar institucional [] Com formulaccedilotildees dessa natureza a ideia de discurso como

ldquoexpressatildeo de algo traduccedilatildeo de alguma coisa que estaria em outro lugar talvez em um

sujeito algo que preexiste agrave proacutepria palavra eacute desfeita Em seu lugar pontuam os autores

referendados os atos enunciativos se inscrevem no interior de formaccedilotildees discursivas que

irrompem segundo regime de verdade levando-nos a obedecer a um conjunto de regras dadas

historicamente

As liccedilotildees foucaultinas acima referidas referendadas por Fisher (2013) satildeo

pertinentes para uma contribuiccedilatildeo no presente estudo tendo em vista que a temaacutetica em foco

desta pesquisa encontra nessas reflexotildees do pensador elementos que subsidiam esta

investigaccedilatildeo Um desses elementos eacute a inquiriccedilatildeo da ideia de verdade uniacutevoca por apontar

essa categoria como uma produccedilatildeo histoacuterica e social farta de jogos de poder E a escola eacute

uma instacircncia disciplinar e reguladora de comportamentos amarrada agrave produccedilatildeo de verdades

ao poder-saber pedagoacutegico que se efetua em praacuteticas discursivas ditando regras negando-as

coibindo-as policiando incitando fabricando sujeitos (cf FOUCAULT 2011 2012) Desse

modo inquiro sobre como as praacuteticas discursivas garimpadas no processo de investigaccedilatildeo

irrompem e sob quais condiccedilotildees neste estudo O que haacute nas bocas e nas mentes na experiecircncia

de aprendizagem das praacuteticas leitoras O que desejam os olhos de quem semeia leitura e os

olhos de quem lecirc As discursividades dessesas semeadoresas alicerccedilam-se e movem-se por

quais olhares sobre as relaccedilotildees de gecircnero e de sexualidade que perpassam livros textos

corredores banheiros cochichos desabafos canccedilotildees confissotildees Elas estatildeo explosivamente

presentes como bem atenta Foucault (1985) quando afirma haver em torno do sexo uma

verdadeira explosatildeo discursiva

Seria inexato dizer que a instituiccedilatildeo pedagoacutegica impocircs um silecircncio geral ao sexo das

crianccedilas e adolescentes Pelo contraacuterio desde o seacuteculo XVIII ela concentrou as

formas do discurso no tema estabeleceu pontos de implantaccedilatildeo diferentes codificou

os conteuacutedos e qualificou os locutores Falar dos sexos das crianccedilas fazer com que

falem dele os educadores os meacutedicos os administradores e os pais Ou entatildeo falar

de sexo com as crianccedilas fazer falarem elas mesmas encerraacute-las em uma teia de

discurso que ora se dirigem a elas ora falam delas impondo-lhes conhecimento

canocircnicos ou formando a partir delas um saber que lhes escapa ndash tudo isso permite

vincular a intensificaccedilatildeo dos poderes agrave multiplicaccedilatildeo do discurso (FOUCAULT

1985 p 32)

48

E a despeito de toda dinacircmica social e histoacuterica que tem alterado a percepccedilatildeo dos

jogos dos prazeres e poderes que tem inquirido pensamentos hegemocircnicos acerca da

sexualidade das relaccedilotildees de identidades de gecircnero descontruindo paradigmas como e quais

satildeo as faacutebulas indispensaacuteveis os veios discursivos apreendidos e presentificados na escola em

foco Os pensamentos de Foucault (2004a 2004c 2004d 2011 2012) contribuiacuteram

decisivamente para uma atitude de estranhamento das instituiccedilotildees contribuiacuteram para

caracterizar o discurso pedagoacutegico como um dos que estaacute relacionado agraves praacuteticas de poder e

domesticaccedilatildeo que tem em sua base relaccedilotildees assimeacutetricas Este pensador desse modo daacute

elementos importantes para a compreensatildeo de que natildeo existe verdade que natildeo seja produzida

em relaccedilotildees de poder Estes elementos estatildeo na imersatildeo do entendimento de que a

compreensatildeo dos processos de subjetivaccedilatildeo e das praacuteticas discursivas pode estar a serviccedilo de

uma busca por uma transformaccedilatildeo substancial do que somos e o que poderemos ser em um

mundo marcado pela belicosidade constituiacutedo por discursos

No que concerne a essa busca Rago (1998) pontua o encontro entre o feminismo e o

pensamento de Michel Foucault no lastro do debate sobre a constituiccedilatildeo do sujeito e o quanto

isso potencializa as transformaccedilotildees que precisam ser operadas para que sejam consolidadas as

mudanccedilas sociais e culturais que o coletivo de mulheres pleiteia A autora fala da participaccedilatildeo

do movimento feminista na ldquoampla criacutetica cultural desconstrutivistardquo e acentua o quanto as

propostas deste movimento tecircm produzido uma criacutetica contundente ao modo de produccedilatildeo do

conhecimento cientiacutefico e que isto se deve entre outros motivos ao abrigo que o pensamento

deste coletivo encontra nos postulados dos pensadores poacutes-modernos Os estudos feministas

propotildeem um olhar para a existecircncia do sujeito cindido construiacutedo na e pela linguagem como

efeito das determinaccedilotildees culturais inserido em complexas relaccedilotildees de poder Este olhar tem

consonacircncia com as reflexotildees de Foucault (2004d p 195) especialmente no que se refere ao

empreendimento do autor na construccedilatildeo de uma hermenecircutica de si

Uma histoacuteria que natildeo seria aquela do que poderia existir de verdadeiro nos

conhecimentos mas sim uma anaacutelise dos lsquojogos de verdadersquo dos jogos do

verdadeiro e do falso atraveacutes dos quais o ser se constitui historicamente como

experiecircncia ou seja como podendo e devendo ser pensado Por meio de quais jogos

de verdade o homem se pocircs a pensar o seu ser proacuteprio ao se perceber como louco ao

se olhar como doente ao refletir sobre si mesmo como ser vivo falante e

trabalhador ao se julgar e se punir como criminoso Atraveacutes de quais jogos de

verdade o ser humano se reconheceu como homem de desejo (FOUCAULT

2004d p 195)

Esta construccedilatildeo de si perpassa e enriquece a luta feminista em suas problematizaccedilotildees

acerca das praacuteticas de si colocando em jogo os criteacuterios de modelos femininos naturalizados

49

o modo de sujeiccedilatildeo com que as mulheres se relacionam com tais modelos E nas palavras do

pensador francecircs (FOUCAULT 2004c p 244) haacute uma intenccedilatildeo de beleza no conhecimento

saber para ser Ser o artesatildeo de sua proacutepria beleza Saber para governar a proacutepria vida ldquopara

lhe dar a forma mais bela possiacutevel (aos olhos dos outros de si mesmo e das geraccedilotildees futuras

[]rdquo Nesse sentido podemos dizer que as problematizaccedilotildees foucaultianas acerca das relaccedilotildees

sujeitoverdade e a constituiccedilatildeo da experiecircncia de si satildeo pertinentes ao pensamento feminista

que sob estas referecircncias encontra fios enovelados para uma desconstruccedilatildeo de fabricadas

verdades

Foucault (2004a 2012) que afirma natildeo ser possiacutevel sociedade sem relaccedilotildees de

poder tece os possiacuteveis instrumentos de jogar com o miacutenimo de dominaccedilatildeo regras de direito

a praacutetica de si teacutecnicas racionais de governo o eacutethos O poder de resistecircncia das mulheres

atesta isto Nas palavras de Saffioti (2001) a posiccedilatildeo vitimista impede a ressignificaccedilatildeo das

relaccedilotildees de poder ou seja

[] Em outros termos a postura vitimista eacute tambeacutem essencialista social uma vez

que o gecircnero eacute o destino Na concepccedilatildeo flexiacutevel aqui exposta natildeo haacute lugar para

qualquer essencialismo seja bioloacutegico ou social Cabe frisar que a categoria

histoacuterica gecircnero natildeo constitui uma camisa de forccedila natildeo prescrevendo por

conseguinte um destino inexoraacutevel Eacute loacutegico que o gecircnero traz em si um destino

Todavia cada ser humano ndash homem ou mulher desfruta de certa liberdade para

escolher a trajetoacuteria a descrever (SAFFIOTI 2001 p 125)

Desde sua implantaccedilatildeo o domiacutenio masculino conforme Saffioti (2001) estaacute sendo

resistido por mulheres ao longo da histoacuteria da humanidade Mas o Seacuteculo XX carrega a marca

de ter sido o grande momento de transformaccedilotildees conquistadas por militantes A histoacuteria de

luta das mulheres no Brasil e em niacutevel mundial vem segundo Costa (2009) registrando

mudanccedilas ldquona velocidade da luzrdquo A autora resgata na historiografia do movimento feminista

uma dinacircmica que vai do sufragista do seacuteculo XIX passando pelas deacutecadas de sessenta e

setenta com suas reivindicaccedilotildees proacuteprias e contextuais ateacute os novos desafios que se

apresentam perenemente Ela faz este percurso buscando dar conta das mudanccedilas pelos quais

passaram as lutas feministas ora eufoacuterico ora fraacutegil o movimento natildeo para segundo o olhar

perspicaz da estudiosa que vecirc como uma demonstraccedilatildeo de forccedila da atuaccedilatildeo das mulheres de

luta a construccedilatildeo de documentos como o Plano Nacional de Poliacuteticas Puacuteblicas para as

Mulheres e da I Conferecircncia Nacional de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres

50

Ateacute chegar aiacute foi um longo e muitas vezes tortuoso caminho de mudanccedilas dilemas

enfrentamentos ajustes derrotas e tambeacutem vitoacuterias O feminismo enfrentou o

autoritarismo da ditadura militar construindo novos espaccedilos puacuteblicos democraacuteticos

ao mesmo tempo em que se rebelava contra o autoritarismo patriarcal presente na

famiacutelia na escola nos espaccedilos de trabalho e tambeacutem no estado Descobriu que natildeo

era impossiacutevel manter a autonomia ideoloacutegica e organizativa e interagir com os

partidos poliacuteticos com os sindicatos com outros movimentos sociais com o Estado

e ateacute com organismos supranacionais Rompeu fronteiras criando em especial

novos espaccedilos de interlocuccedilatildeo e atuaccedilatildeo possibilitando florescer de novas praacuteticas

novas iniciativas e identidades feministas (COSTA 2009 p 75)

Do momento que Costa redigiu essa historiografia em 2004 jaacute foram realizadas

mais duas conferecircncias nacionais em 2007 e 2011 respectivamente articulando e

fortalecendo a caminhada das mulheres por sua emancipaccedilatildeo Emancipaccedilatildeo que se constroacutei

em um longo e penoso percurso mas perseguindo a utopia da cidadania plena mulheres

feministas avanccedilam E um dos sinais claros de que avanccedilam foi traccedilado por Pinsky (2012)

Esta autora formulou recentemente um retrato do processo histoacuterico das imagens femininas

em duas vertentes o modelo riacutegido e o modelo flexiacutevel No modelo riacutegido eacute anunciada uma

imagem de mulher que em regra encampa um papel a ela ldquonaturalizado e destinadordquo a

castidade a docilidade a domesticidade a moralidade a maternidade a renuacutencia agrave vida

proacutepria e ao prazer de ser de si O nome a alma e o corpo dessa mulher submetida aos riacutegidos

padrotildees sociais possuem um dono o masculino Com as devidas interferecircncias das questotildees

sociais e de classe em regra agrave mulher restava-lhe o ldquoreinadordquo da submissatildeo da

invisibilidade de uma experiecircncia de si que a fazia possuiacuteda por outrem

As lutas e conquistas feministas flexibilizaram esse modelo passaram a ocupar

cargos nunca dantes imaginados Isto alterou a ordem discursiva reconfigurou modelos

familiares rediscutiu papeacuteis Natildeo ainda em condiccedilatildeo de igualdade obviamente as mulheres

possuem mais grilhotildees e desafios do que deveriam Conhececirc-los no sentido foucaultiano de

saber como se constituem eacute empoderar-se E esse eacute um desafio que deve ser abrangido pelo

tracircnsito da diversidade da construccedilatildeo dos contornos das identidades e diferenccedilas ligadas

como sistema de significaccedilatildeo (SILVA 2012) Entre mulheres haacute construccedilatildeo de sentidos

diversificados sobre leacutesbicas natildeo-leacutesbicas negras brancas de classes sociais distintas de

diferentes etnias e com diversidade etaacuteria Nesse sentido os estudos de gecircnero se apresentam

como um campo instigante para desmantelar para problematizar a construccedilatildeo social do que eacute

ser homem e do que eacute ser mulher

A proposta de estudo aqui colocada toma enfim as problematizaccedilotildees foucaultianas e

as das estudiosas feministas acerca dos sujeitos dos discursos e suas marcas histoacutericas como

referecircncia para averiguar de que modo as discursividades revelam o que atravessa os muros

51

escolares em termos de vozes docentes e textos sobre gecircnero Essas problematizaccedilotildees que

expressam a concepccedilatildeo de discurso como praacutetica como trama nas teias da linguagem como

movimento de produccedilatildeo de sentidos inserido na histoacuteria e na memoacuteria coletiva expressam o

poder que como concebe o pensador francecircs (cf FOUCAULT 2012) natildeo eacute um mal em si Eacute

um lugar estrategicamente decisivo onde se encontram as relaccedilotildees de forccedilas que influenciam

corpos atitudes discursos enfim a produccedilatildeo das subjetividades

Discutir essas relaccedilotildees eacute buscar desestabilizar as categorias construiacutedas concebendo

gecircnero como discurso que se inscreve em significados poliacuteticos e culturais Apropriar-se

conforme jaacute foi referido dessa constituiccedilatildeo reflexiva pode significar para as lutas feministas

uma valiosa maneira de pensar os jogos de verdades com os quais essas se enredam E por

pensaacute-los poder desconstruiacute-los

Apoacutes discorrer sobre o feminismo a constituiccedilatildeo de subjetividades que tecircm como

referecircncia procedimentos de controle de discursos em uma perspectiva foucaultiana

(FOUCAULT 2011) farei uma incursatildeo sobre o ato de ler e suas implicaccedilotildees poliacuteticas como

praacutetica discursiva que eacute tradutora de uma forma de saber poder

23 A leitura no Brasil em retratos

Nesta parte considero importante pontuar no trabalho um breve panorama da leitura

no Brasil baseado esse em resultado apresentado pela 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos do

Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2012) Procuro utilizar alguns dados da pesquisa

perpassando por uma reflexatildeo acerca dos processos de produccedilatildeo da leitura (como leem osas

brasileirosas por que (natildeo) leem o que desejam ler quem propicia a leitura enfim que

tratamento o Estado brasileiro daacute agrave leitura Perpasso tambeacutem pelos dados refletindo como

esses podem ser reverberados pelo presente trabalho

Asseverado como um paiacutes que lecirc pouco segundo indicadores que avaliam estes

dados o Brasil eacute farto em pesquisas que se debruccedilam sobre a leitura Eacute magnacircnima a

produccedilatildeo de textos e eventos que se propotildeem a tratar da complexa questatildeo da leitura de seus

oacutebices funccedilotildees relevacircncias E deveras a reflexatildeo sobre a leitura possui importacircncia crucial

para que possamos adotar praacuteticas poliacuteticas que reparem os equiacutevocos de sermos um paiacutes que

pouco lecirc Esta reflexatildeo se atrelada agrave da escola como instacircncia responsaacutevel pela formaccedilatildeo

leitora eacute de extrema pertinecircncia pelo atribuiacutedo papel que essa instituiccedilatildeo possui na formaccedilatildeo

doa leitora

52

Um dos estudiosos da temaacutetica Silva (2011) vem criticando as pesquisas

educacionais brasileiras voltadas agrave problemaacutetica da leitura afirmando que precisamos

construir melhores inqueacuteritos sobre a accedilatildeo de ler Esse autor fala em crise assegura que natildeo

possuiacutemos uma tradiccedilatildeo de leitores temos por outro lado cifras altiacutessimas de analfabetismo

como barreira para a experiecircncia mais soacutelida com a praacutetica leitora Temos ainda conforme

Silva peacutessimas poliacuteticas de livros parcas e natildeo elucidativas pesquisas sobre o problema

enfim ele levanta a problemaacutetica da leitura como inquietante fonte de preocupaccedilatildeo para o

paiacutes

Por seu turno nas duas uacuteltimas deacutecadas por exemplo foram divulgadas pelo

Instituto Proacute-Livro trecircs ediccedilotildees da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil a primeira em

2000 a segunda em 2008 e a terceira em 2012 que satildeo resultados sobre o comportamento

leitor doa brasileiroa O que em tese se busca a cada ediccedilatildeo segundo os objetivos da

pesquisa ldquoeacute contribuir para que esses estudos possibilitem avaliar e orientar poliacuteticas puacuteblicas

e accedilotildees do governo organizaccedilotildees natildeo governamentais e entidades do livro voltadas a

melhoria dos indicadores de leitura e acesso ao livro no Brasilrdquo (AMORIM 2008 p 26)

Diante dos indicadores publicados que vecircm em forma de tabelas quadros e graacuteficos

comparativos levantados por uma metodologiaamostra com pesquisa quantitativa de opiniatildeo

com aplicaccedilatildeo de questionaacuterio e entrevistas presenciais realizadas nos domiciacutelios tendo

como universo da pesquisa a populaccedilatildeo brasileira residente com cinco anos ou mais

alfabetizada ou natildeo muito se tem a avaliar Muito se tem a avaliar a despeito das criacuteticas que

as ediccedilotildees da pesquisa tecircm recebido a exemplo de Sousa (2008) que traz a problematizaccedilatildeo

acerca do criteacuterio utilizado pelo estudo para conceituar o leitor e o natildeo-leitor

Interessa-me aqui retomar especificamente o criteacuterio adotado para definir o leitor e o

natildeo-leitor para efeito da pesquisa o leitor foi considerado aquele que lsquodeclarou ter

lido pelo menos 1 livro nos uacuteltimos trecircs mesesrsquo e o natildeo-leitor aquele que lsquodeclarou

natildeo ter lido nenhum livro nos uacuteltimos trecircs meses (ainda que tenha lido

ocasionalmente ou em outros meses do ano)rsquo (SOUSA 2008 p 5)

A autora que perscruta o discurso sobre leitura em uma pesquisa com discentes e

docentes envolta em um conceito que abrange o ato de ler para aleacutem da quantificaccedilatildeo de

suportes evidencia o quanto este aspecto indica uma limitaccedilatildeo ao conceito de leitor e natildeo

leitor e revela o nexo mercadoloacutegico que a pesquisa possui tem como patrocinador o mercado

do livro

A aplicabilidade de uma pesquisa do porte de Retratos de Leitura fomenta sempre

questionamentos e isso eacute bom Tais questionamentos traduzem tambeacutem a existecircncia de toda

53

uma diversidade de posicionamentos a respeito da leitura Diversidade que Possenti (2009) agrave

luz das concepccedilotildees da AD pontua em um ensaio no qual propotildee reflexotildees sobre a leitura

advindas das concepccedilotildees apresentadas por estudiosos Satildeo inquietantes segundo esse autor

as teses apresentadas em congressos na miacutedia e em estudos sobre leituras e no seu foco

especiacutefico nos editoriais da ALB - Associaccedilatildeo Brasileira de Leitura Haacute olhares que

expressam uma posiccedilatildeo tradicional no trato com a leitura e em seu contraponto haacute outros

posicionamentos que decorrem de uma vinculaccedilatildeo com o relativismo cultural Sendo assim

haacute criteacuterios que primam pela negaccedilatildeo de qualquer objetividade independentemente do sujeito

o que viabiliza a ideia de que tudo seria linguagem que constroacutei conforme eacute a filosofia do

relativismo Nesse veio o que eacute leitura e se oa brasileiroa lecirc e lecirc bem vai depender de onde

se fala e se enxerga Por sua vez haacute criteacuterios que salientam um olhar mais valorativo sobre a

leitura o que Possenti (2009) diz fazer as chamadas teses defendidas pelos tradicionais Para

esses haacute um modelo que considera que a leitura eacute um bem em si independentemente de ser

entendida como praacutetica histoacuterico- social

Confrontando as teses que circulam acerca da leitura Possenti (2009) evidencia por

exemplo que no que diz respeito agrave questatildeo sobre se o a brasileiroa lecirc ou natildeo o suficiente haacute

uma controveacutersia arriscada Isso se daacute porque os tradicionais restringem o conceito do que eacute

leitura limitando a accedilatildeo de ler basicamente ao livro e atrelado ao cacircnon o que eacute um erro

porque haacute pesquisas que revelam mais textos e suportes fazendo parte do cotidiano de leitura

de outros considerados natildeo leitores Por seu turno o discurso que lhes opotildee exposto

massivamente nos boletins e textos da ALB encobre que as leituras retratadas no paiacutes ainda

que mais ampliadas do que vistas pelo discurso dos tradicionais ainda satildeo indesejaacuteveis em

termos quantitativos o que fazem o autor natildeo ser otimista quando em voga estaacute esta anaacutelise

Genericamente pode-se dizer que a tese mais clara e repetidamente defendida nos

textos da ALB eacute que natildeo se conhece a realidade da leitura no Brasil Outra tese que

parece ser adotada eacute a de que haacute indicaccedilotildees que permitiriam dizer que a situaccedilatildeo eacute

bem melhor do que (ainda) se pensa [] O perigo aparente dessa tese eacute que ela

corre o risco de ser lida assim (temo ter presenciado esta reaccedilatildeo numa das mesas

redondas de que participei no mesmo COLE) se natildeo lemos tatildeo pouco como se

costuma dizer se se diz que lemos tatildeo pouco como efeito de uma concepccedilatildeo muito

estreita de leitura o resultado eacute que analisando alguns dados e alterando a

concepccedilatildeo de leitura pode-se dizer que a situaccedilatildeo eacute boa ou pelo menos natildeo eacute ruim

Logo se adivinha eu imagino que natildeo adoto essa tese (POSSENTI2009 p 25)

Em vez de adotar facilmente teses esse analista procura caracterizar os postulados

que datildeo corpo aos dois discursos que circulam e produzem sentidos sobre leitura Entre eles

estatildeo ideias de que os sujeitos leitores satildeo mais criacuteticos defendidos pelos tradicionalistas Em

54

um contraponto os textos da ALB revelam uma desconstruccedilatildeo da ideia de que ler eacute assegurar

pessoas criacuteticas por mostrar que a leitura tem sido mais objeto de dominaccedilatildeo do que de

libertaccedilatildeo das pessoas Neste jogo Possenti (2009) vislumbra o quanto a despeito do controle

e da distribuiccedilatildeo social dessa praacutetica exercidos pelas instituiccedilotildees como a escola e a Igreja haacute

contra-leituras Assim entre incompatibilidades e confrontos questotildees ligadas agrave praacutetica

leitora problematizam o prazer de ler a importacircncia deste ato e a relativizaccedilatildeo do que seria

uma boa obra Eacute problematizada por este analista do discurso a leitura como praacutetica social

que responde aos aspectos culturais sociais e histoacutericos evidenciando que ler natildeo eacute

essencialmente um bem em si

E a AD pontua a instrumentalizaccedilatildeo dessa ideia quando nos fornece reflexotildees

atinentes agrave importacircncia de que natildeo se lecirc isoladamente haacute sempre textos eivados de discursos

que se cruzam Essa disciplina contribui ainda para a ldquodessacralizaccedilatildeordquo da leitura quando vecirc a

opacidade da linguagem as palavras natildeo remetem agraves coisas E a historicidade ressonando nos

modos de significaccedilatildeo do discurso sobre leitura eacute o que parece interessar agrave AD que se exime

do papel de aacuterbitro no que se refere agrave leitura adequada Importando-se com os percursos com

o movimento que o leitor faz para ler como ler como suas leituras natildeo satildeo individuais

reflexos que satildeo da histoacuteria a que pertencem

Assim posto parece-me razoaacutevel registrar os dados da pesquisa natildeo como um

vaticiacutenio mas como uma das verdades feitas entre os especialistas que se debruccedilaram diante

dos dados da 2ordf ediccedilatildeo (2008) com o intuito de apreender como estes enxergam os sentidos

da leitura na sociedade brasileira Consensual entre esses eacute o olhar de que continua piacutefio o

desempenho doa leitorano paiacutes natildeo obstante os avanccedilos que se registram nos Retratos

Amorim (2008) fala em duas revelaccedilotildees importantes se atentarmos para os resultados da

pesquisa

A primeira delas eacute que natildeo daacute para negar que tem havido avanccedilos nos uacuteltimos anos e

que os brasileiros estatildeo lendo mais Ou pelo menos um pouco mais Em seguida

uma constataccedilatildeo que natildeo chega a negar a afirmativa anterior e muito menos a tirar o

brilho que porventura ela possa conter o Paiacutes estaacute longe de ser uma naccedilatildeo de

cidadatildeo leitores e haacute muito chatildeo pela frente ateacute que se chegue laacute (AMORIM 2008

p 15)

Esta constataccedilatildeo soacute reafirma o que se divulga intuitiva e empiricamente o Estado

brasileiro natildeo considera suficientemente a questatildeo da educaccedilatildeo e da leitura como estrateacutegica

para se construir um paiacutes melhor com mais igualdade e participaccedilatildeo criacutetica na construccedilatildeo da

democracia social Em uma cultura grafocecircntrica a condiccedilatildeo leitora eacute senha valiosa e

55

intransferiacutevel para a fonte de conhecimento para o prazer e a atuaccedilatildeo como protagonista de

sua histoacuteria de vida Obviamente que a leitura aqui abordada natildeo eacute no sentido de uma

entidade fechada descontextualizada essencialista nem meramente decodificadora Sem

deixar entretanto de considerar o tropeccedilo que significa o analfabetismo a leitura que abordo

fala de uma interaccedilatildeo leitor-texto-contexto com uma atribuiccedilatildeo de motivar formar e

assegurar reflexotildees atinentes aos DH aos valores que propiciem a construccedilatildeo de um mundo

para todos Eacute a leitura como praacutetica sociocultural problematizadora das relaccedilotildees de poder

que intento abordar

Werthein (2008) lanccedila luzes sobre a questatildeo abordando uma heranccedila histoacuterica que

explica tantos percalccedilos e descaminhos na praacutetica da leitura

A histoacuteria do Brasil explica em parte sua deficiecircncia educacional O Paiacutes viveu 322

anos como colocircnia de Portugal Nesse territoacuterio onde existe um paiacutes era tudo

proibido Natildeo havia imprensa natildeo existiam escolas muito menos universidades O

comeacutercio era feito unicamente com Lisboa E os raros estudantes da eacutepoca tiveram

de viajar para a capital do Impeacuterio para buscar instruccedilatildeo em Coimbra Foram

pouquiacutessimos A imprensa surgiu no Paiacutes por intermeacutedio de dois caminhos opostos

Em 1808 Dom Joatildeo VI criou a imprensa reacutegia oficial enquanto na mesma eacutepoca

em Londres comeccedilou a ser editado em portuguecircs o Correio Brasiliense que

chegava ao Rio como contrabando Sua circulaccedilatildeo era proibida (WERTHEIN 2008

p 42)

Este quadro evidencia o quanto os colonizadores portugueses relegavam a colocircnia a

uma situaccedilatildeo de ignoracircncia que emperrou em muito o processo de letramento cultural da terra

brasilis Aos colonizadores soacute interessavam a exploraccedilatildeo de nossas riquezas Os portugueses

se comportavam como grandes predadores do territoacuterio levando madeira ouro diamantes e

accediluacutecar Com um contingente populacional constituiacutedo de negros africanos que para caacute vieram

trabalhar como escravos de elementos autoacutectones os iacutendios de diversas tribos que sofreram

severo processo de dizimaccedilatildeo e de imigrantes europeus e japoneses este territoacuterio se formou

mesticcedila e ignorantemente Um povo mesticcedilo formado de um mosaico cultural com a

hegemonia eurocecircntrica eacute um povo que acumulou uma histoacuteria de deficiecircncia educacional

que soacute recentemente tem sido reduzida

Incompatiacutevel com suas riquezas naturais com as transiccedilotildees poliacuteticas que traziam os

avanccedilos do processo de industrializaccedilatildeo do paiacutes esta deficiecircncia educacional comeccedila a ser

combalida e expande-se o processo de democratizaccedilatildeo escolar do paiacutes que inicia o seacuteculo XX

com poucas escolas chegando aosagraves filhosas dos trabalhadoresas brasileirosas A qualidade

dessas escolas eacute sempre uma dura realidade os investimentos na educaccedilatildeo brasileira foram

perenemente piacutefios muito abaixo do que deveriam e poderiam Povo mal educado eacute povo que

56

natildeo rompe as abissais diferenccedilas sociais a escola puacuteblica no Brasil forma mal e cria um

ciacuterculo que aprisiona aquele por quem nela passa Aprenderaacute pouco aprenderaacute mal e natildeo

poderaacute disputar em um mercado competitivo A escola eacute entatildeo categoricamente instrumento

de perpetuaccedilatildeo da desigualdade social parco aprendizado parcas chances de mexer com a

estrutura da piracircmide social (GUIMARAtildeES-IOSIF 2009)

Werthein (2008) aduz a relaccedilatildeo entre privileacutegios educacionais apenas para membros

da elite econocircmica agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo como forma de impedir a cidadania do povo As

relaccedilotildees de poder e saber satildeo histoacutericas poliacuteticas Um determinado sentido dado agrave instruccedilatildeo

acadecircmica possui mecanismos de sua produccedilatildeo Garcez (2008) faz uma referecircncia importante

de um dado extraiacutedo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil como significativo para

pontuar que a condiccedilatildeo de ser leitora estaacute afetada por sua inscriccedilatildeo no social A autora

destaca esta relaccedilatildeo embasada no dado de que

[] 85 dos natildeo-leitores nunca foram presenteados com livros na infacircncia

enquanto que no universo dos considerados leitores 51 receberam livros como

presente Outra informaccedilatildeo importante diz respeito agraves praacuteticas familiares de leitura

Dos lares natildeo-leitores 63 dos informantes nunca viram os pais lendo

Considerando que a pesquisa revela que a maior influecircncia para a formaccedilatildeo da

leitura vem dos pais (principalmente das matildees) esse dado eacute ainda mais significativo

(GARCEZ 2008 p 69)

Dados significativos que pontuam o valor do alicerce familiar para a formaccedilatildeo leitora

dos sujeitos ao tempo em que me faz ponderar sobre a importacircncia da cultura como elemento

que mobiliza saberes poderes (des)construccedilotildees de identidades Eacute do pensamento de Hall

(2011) que me valho para afirmar que as identidades satildeo forjadas nas relaccedilotildees com a cultura

que vivenciamos e que no seio dela se encontram forccedilas propulsoras de transformaccedilotildees

como tambeacutem forccedilas mantedoras de uma ordem social Cabe-me assim levar em consideraccedilatildeo

que a infacircncia eacute uma referecircncia construiacuteda sociohistoacuterica e culturalmente na qual agraves crianccedilas

se ensina a ocupaccedilatildeo de lugares na sociedade condicionando-lhes agraves identidades de gecircnero e

isto se faz com o esteio de elementos da cultura

A leitura eacute um desses elementos culturais com os quais se fabricam identidades E

calccedilada na informaccedilatildeo da relevacircncia da matildee na formaccedilatildeo leitora conforme os dados da

pesquisa em tela cabe-me pensar o quanto a evocaccedilatildeo destas referecircncias tem nexo para minha

reflexatildeo Possui nexo porque inscrevo com ele a importacircncia da defesa de uma praacutetica leitora

com uma dimensatildeo eacutetica problematizadora de um mundo que cria assimetrias de gecircnero para

que matildees alimentem discursivamente leituras que fortaleccedilam praacuteticas de liberdade de almas

de consciecircncias Ademais esse jaacute referendado elemento da pesquisa o indicador das matildees

57

como as principais responsaacuteveis pela formaccedilatildeo leitora dosas filhosas reforccedila a necessidade

de se refletir sobre a carga de um processo cultural ativo e dialoacutegico no qual essas mulheres

transmitem valores identidades de gecircnero e comportamentos aos agraves filhosas Eacute imperativo

refletirmos se aspiramos por uma nova ordem social aplainada pela equidade de gecircnero

sobre o que embalam como ninam contam cantam e leem essas matildees Que leitoresas

formam aquelas que historicamente tem perpassado por uma condiccedilatildeo de subalternidade por

uma condiccedilatildeo opressora por uma educaccedilatildeo que viabiliza a sua sub-representaccedilatildeo nos espaccedilos

do poder Que leitoresas irrompem das ldquobarras da saia da matildeerdquo do seu colo da sua

influecircncia de sujeito que lecirc Que leitoras enfim satildeo aquelas que precisam de leituras que

libertem

Historicamente subjugada a mulher eacute a narradora que influencia contagens E

paradoxalmente faz contagens em livros histoacuterias canccedilotildees filmes desenhos animados

enfim em todo um artefato cultural que reforccedila padrotildees androcecircntricos Desmantelar essa

cadeia de histoacuterias contadas por oprimidas que produzem e reproduzem modelos opressores

me parece uma oportuna estrateacutegia poliacutetica da luta feminista e que osas estudiososas que

analisam a 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2008)

deixaram passar ao largo em suas anaacutelises natildeo atentando para a vulnerabilidade do dado

Esses dados entretanto satildeo relevantes deveras para a importacircncia da observaccedilatildeo na

elaboraccedilatildeo de um projeto de leitura na escola com o intento de investigar as discursividades

em torno do ato de ler se daacute a reconstruccedilatildeo de contos de textos problematizados agrave luz da

teoria de gecircnero Haacute e quais satildeo enfim as estrateacutegias para subverter a posiccedilatildeo desigual e

subordinada das mulheres em artefatos culturais que seratildeo por elas usados para formar

leitoresas Esse fio conduz um dos nossos interesses no foco temaacutetico aqui desenvolvido

No que se refere agraves poliacuteticas puacuteblicas de incentivo agrave leitura Laacutezaro e Beauchamp

(2008) discorrem sobre as diretrizes para o fortalecimento das poliacuteticas de leituras contidas

no Plano de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo ndash PDE Satildeo accedilotildees que partem de uma

consideraccedilatildeo sistecircmica da educaccedilatildeo que por meio de instrumentos de avaliaccedilotildees identifica

fragilidades e constroacutei poliacuteticas para o enfrentamento de indicadores deficitaacuterios Satildeo citados

como exemplos de accedilotildees do PDE a introduccedilatildeo da Provinha Brasil o Sistema Universidade

Aberta do Brasil ndash UAB- que tem permitido ampla poliacutetica de formaccedilatildeo dos professores tanto

inicial como continuada atraveacutes da articulaccedilatildeo universidades e municiacutepios O Programa

Nacional do Livro Didaacutetico (PNLD) que a cada ano se amplia eacute mais uma das accedilotildees

implementadas pelo Governo Federal atraveacutes do PDE com o intuito de democratizar o

acesso aos diversos bens culturais e o incremento agrave leitura

58

Esse conjunto de accedilotildees entretanto estaacute longe de transformar o Brasil em um paiacutes de

leitores Haacute apesar dos inegaacuteveis avanccedilos nas uacuteltimas deacutecadas com o amplo acesso agrave escola

em vaacuterios niacuteveis um grande deacuteficit educacional que em muito compromete a formaccedilatildeo

leitora dosas brasileiros e brasileiras o que demanda muito a ser feito E o paiacutes ainda opta por

natildeo investir suficiente ou adequadamente no enfrentamento de crocircnico quadro Laacutezaro e

Beauchamp (2008) pontuam o quanto eacute necessaacuterio que haja mais investimentos por parte do

Poder Puacuteblico mais articulaccedilatildeo de outras poliacuteticas puacuteblicas que ampliem o acesso da

populaccedilatildeo ao livro promovam o valor da leitura formem mediadoresas de leituras na escola

e fora dela e tornem o livro um produto mais acessiacutevel aos niacuteveis de renda da populaccedilatildeo

Laacutezaro e Beauchamp (2008) trabalham com os dados da pesquisa para discutir a

importacircncia da relaccedilatildeo entre a escola o acesso agrave leitura a formaccedilatildeo de leitoresas e as accedilotildees

que possam ampliar e fortalecer as praacuteticas leitoras no Paiacutes A funccedilatildeo central da escola na

constituiccedilatildeo doa leitora eacute um dado do qual a pesquisa trata

A pesquisa evidencia que eacute a escola quem faz o Brasil ler O Brasil estaacute estudando e

eacute a partir da escola que os brasileiros entram em contato com o processo da leitura e

por meio dela acessam os livros independentemente de sua classe social []

Depois da matildee a professora eacute a principal incentivadora da leitura confirmando o

papel central da escola [] Eacute na escola que se lecirc mais os mais jovens leem mais e eacute

na infacircncia que se forma o leitor Entretanto depois da escola o brasileiro lecirc menos

A escola natildeo estaacute formando o leitor mas dando acesso agrave leitura A praacutetica da leitura

continua sendo um privileacutegio de classe (LAacuteZARO BEAUCHAMP 2008 p 73)

Outros indicadores de leitura apresentados pela pesquisa que me trazem reflexotildees

pertinentes dizem respeito agrave revelaccedilatildeo de que a escola eacute responsaacutevel pela existecircncia de mais

leitores mas que por sua vez um percentual significativo dos alunos afirmam que leem por

imposiccedilatildeo da instituiccedilatildeo Esse dado estaacute presente tanto em famiacutelias com maior poder

aquisitivo quanto na de baixo poder 44 dos alunos da rede privada afirmaram ter como

motivaccedilatildeo para a leitura a exigecircncia da escola enquanto que 46 dos da rede puacuteblica tambeacutem

deram a mesma razatildeo para o ato de ler Isso nos faz considerar que os projetos de leituras de

uma forma geral natildeo satildeo cativantes natildeo tecircm sido exitosos no sentido de atrair o alunado para

a leitura Eacute tanto que depois da escola lecirc-se menos conforme resultado da pesquisa Tais

revelaccedilotildees pontuam a reflexatildeo de que garantir o acesso agrave escola eacute necessaacuterio e isto estaacute sendo

feito mas o fomento agrave leitura precisa ser suscitado Isto passa necessariamente por accedilotildees

pedagoacutegicas que contemplem o interesse de quem lecirc accedilotildees que traduzam planejamento

compromisso empenho formaccedilatildeo leitora de quem promove as accedilotildees pedagoacutegicas No poema

59

Iniciaccedilatildeo Literaacuteria Drummond condena a mediaccedilatildeo improacutepria de quem traz leituras que natildeo

semeiam prazer

Leituras Leituras

Como quem diz navios Sair pelo mundo

Voando na capa vermelha de Juacutelio Verne

Mas por que me deram para livro escolar

A cultura dos campos de Assis Brasil

O mundo eacute soacute fosfatos lotes de 25 hectares

Soja-fumo-alfafa-batata-doce-mandioca

Pastos de cria pastos de engorda

Se algum dia eu for rei baixarei um decreto

Condenando esse Assis a ler sua obra (ANDRADE 1983 p 601)

O prazer da leitura parece ser entre todosas osas estudiosos da temaacutetica o

pressuposto de tudo o mais Rubem Alves (2011) afirma que toda aprendizagem comeccedila com

um pedido se natildeo houver um pedido a aprendizagem natildeo acontece E o prazer de ler

segundo o escritor tem ligaccedilatildeo profunda com a forma que os textos chegam aos olhos e

ouvidos da crianccedila

Assim quem ensina a ler isto eacute aquele que lecirc para os seus alunos tenham prazer no

texto tem de ser um artista Soacute deveria ser estabelecida nas escolas a praacutetica dos

ldquoconcertos de leitura Se haacute concertos de muacutesica erudita por que natildeo concertos de

leitura Ouvindo os alunos experimentaratildeo o prazer de ler (ALVES 2011 p 56)

Sem este encantamento natildeo teremos leitoresas mas alunosas forccediladosas a cumprir

tarefas lendo para responder questotildees lendo sem escolherem os textos muitos delesas

desconexadosas de seus interesses E conforme Failla (2008 p 104) a escola e a famiacutelia

precisam ser autorreflexivas ldquoEm geral se diz que a crianccedila e o jovem natildeo leem e natildeo gostam

de ler Natildeo se diz que elas natildeo foram conquistadas ou estimuladas para ler mas a elas se

atribui sem mediaccedilatildeo que natildeo gostam de ler []rdquo O foco passa a ser uma condiccedilatildeo ldquonaturalrdquo

do jovem ou da crianccedila deixando-se de lado o contexto e as pessoas do entorno deles que

poderiam contribuir substancialmente com o desenvolvimento do prazer pela leitura Este eacute

um aspecto tratado pela ediccedilatildeo em tela da pesquisa Retratos do Brasil que contribui com as

reflexotildees desta pesquisa acerca da leitura na escola e me faz olhar para as motivaccedilotildees que

perpassam a existecircncia dos projetos de leitura da escola brasileira eacute um professor leitor que o

aluno enxerga quando esse profissional desenvolve essas praacuteticas O projeto atende a

interesse acerca de temas considerados envolventes pela comunidade escolar Satildeo projetos

para compor obrigaccedilotildees acadecircmicas ou estatildeo imbuiacutedos de motivaccedilotildees intersubjetivas

60

Contemplam quais atividades preacute-textuais A pesquisa traz dados que abordam preocupaccedilotildees

fundamentais nesse sentido Pode haver com tais referecircncias a suposiccedilatildeo de que a escola natildeo

tem formado leitores para a vida inteira considerando que decresce o nuacutemero de leitores

adultos o que faz pensar que as praacuteticas de leituras tecircm sido pouco sedutoras das quais o natildeo

estudante procura se livrar assim que ultrapassa os muros da escola Parecem necessaacuterias

accedilotildees de promoccedilatildeo agrave leitura que a liguem verdadeiramente agrave vida e tornem os materiais de

leitura mais proacuteximos dos alunos pontua Failla (2008)

Haacute debates percorrendo academias e ambientes de estudo acerca das

problematizaccedilotildees sobre a leitura A evocaccedilatildeo desse debate eacute sempre profiacutecua Profiacutecua e

cabiacutevel na escola uma das instacircncias responsaacuteveis pela sua produccedilatildeo Agrave escola cabe

sistematizar pedagogicamente suas praacuteticas leitoras de modo que deveria como ldquopatildeo diaacuteriordquo

assegurar de forma substanciosa a leitura fomentadora da cidadania que soacute vem se

mergulharmos em aacuteguas profundas das tramas sociais Mas digamos ldquopatildeordquo no sentido

religioso do tom pela necessidade e assiduidade do alimento dialogando com uma reflexatildeo

de Antunes (2009 p 204) ldquoassim como a igreja eacute lugar de oraccedilatildeo o estaacutedio eacute lugar de jogo a

escola eacute lugar de leiturardquo Na defesa das funccedilotildees da leitura no espaccedilo escolar a autora pontua

dentre essas a primordial garantia de acesso agrave escrita o que eacute de extrema importacircncia Em

uma cultura de tradiccedilatildeo grafocecircntrica como a nossa haacute sem duacutevida uma valorizaccedilatildeo dos

aspectos positivos da escrita e a leitura eacute parte da relaccedilatildeo intriacutenseca para a aquisiccedilatildeo de todo

arcabouccedilo artiacutestico-cientiacutefico e cultural veiculado pela escrita Entatildeo conforme a autora a

leitura eacute o passaporte o promotor das funccedilotildees de ampliar o conhecimento a capacidade de

analisar de refletir de acessar agraves novas informaccedilotildees e bens culturais ao prazer esteacutetico a

novas formas de expressatildeo enfim de interagir socialmente entre outras habilidades que a

escrita oferece

Entretanto considerando os deficitaacuterios indicadores de leitura que o Paiacutes

historicamente apresenta estamos longe da produccedilatildeo de uma escola fomentadora

vigorosamente de uma praacutetica leitora consistente Um paiacutes de leitoresas criacuteticosas parece ser

uma miragem a desfilar no deserto da vontade poliacutetica de nossos governantes que insistem

em disponibilizar parcos recursos financeiros mesmo quando sob os holofotes constroem

vasta legalidade na vitrine do papel propondo uma educaccedilatildeo emancipadora de qualidade A

Lei nordm 12244 de 2010 por exemplo exige que todas as escolas puacuteblicas ou privadas ateacute

2020 possuam bibliotecas em suas instalaccedilotildees fiacutesicas Seria esta uma ldquolei mortardquo mais um

ordenamento brasileiro que natildeo ldquopegardquo A considerar o levantamento feito pelo movimento

Todos pela Educaccedilatildeo com base em dados cedidos pelo Instituto Nacional de Estudos e

61

Pesquisas Educacionais Aniacutesio Teixeira(Inep)2013 haacute um trabalho grande a ser efetivado

que pode sim deixar a norma na vala das tantas que natildeo satildeo cumpridas O Brasil precisa

construir 39 bibliotecas por dia nos proacuteximos sete anos para cumprir a lei A defasagem total

do paiacutes eacute de 128 mil bibliotecas Embora o nuacutemero relativo agrave falta de bibliotecas inclua todas

as redes de ensino eacute nas escolas puacuteblicas que o problema se concentra Nas redes municipal

estadual e federal eacute preciso construir 113269 unidades Falo aqui da construccedilatildeo das sedes

todavia eacute de conhecimento puacuteblico que a manutenccedilatildeo e funcionamento desses equipamentos

demanda maiores investimentos do poder puacuteblico

A criaccedilatildeo da lei todavia independentemente de seu fiel cumprimento por parte das

instituiccedilotildees escolares jaacute eacute um sinal de que se revela um novo tempo em que se olha com mais

atenccedilatildeo para a importacircncia dos espaccedilos propiacutecios agrave leitura Haacute anos natildeo era comum nem

obrigatoacuterio que toda escola possuiacutesse em seu projeto arquitetocircnico bibliotecas e espaccedilos para

leitura construiacuteam-se e reformavam-se escolas sem a preocupaccedilatildeo com este ambiente E

assim se vecirc que haacute no deserto das poliacuteticas puacuteblicas em prol de uma educaccedilatildeo emancipadora

oaacutesis Isto pode ser evidenciado nos uacuteltimos indicadores de leitura no Brasil com a 3ordf ediccedilatildeo

(2012) da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil conforme jaacute referenciado neste trabalho na

qual haacute indicaccedilatildeo de que os brasileiros estatildeo lendo mais E precisamos mirar nossos oaacutesis

mostraacute-los haacute milhares de projetos de leitura sendo executados neste paiacutes Afinal a leitura

pelo seu poder de emersatildeo e imersatildeo poder de fazer com que homens e mulheres se

enunciem de capacitaacute-loslas a interagir em condiccedilotildees mais iguais porque podem ser

conhecedoresas de seus lugares no mundo eacute de nodal importacircncia nas transformaccedilotildees que

precisam ser operadas por esses sujeitos

Por sua vez Marques Neto (2008) evidencia a crenccedila de que o Brasil caminha no

sentido de construir e efetivar poliacuteticas puacuteblicas na aacuterea do livro e da leitura O autor cita o

Plano Nacional do Livro e Leitura - PNLL criado em 2006 como marco de coesatildeo e

estrateacutegia na garantia do direito essencial das pessoas agrave informaccedilatildeo e ao acesso ao

conhecimento

Entendo que o Brasil por intermeacutedio da uniatildeo fundamental de accedilotildees do Ministeacuterio

da Cultura e da Educaccedilatildeo criando o PNLL chegou nos uacuteltimos quatro anos a um

novo patamar desvelou um novo tempo histoacuterico sob determinadas circunstacircncias

para que logremos conquistar uma poliacutetica de Estado para o livro a leitura as

bibliotecas (MARQUES NETO 2008 p 130)

A importacircncia de equipamento como a biblioteca para a formaccedilatildeo do leitor eacute um

dado que natildeo se pode desconsiderar tendo em vista que as condiccedilotildees sociais de grande

62

parcela da populaccedilatildeo inviabilizam a aquisiccedilatildeo de suportes como livros revistas jornais etc

Torna-se central entatildeo o papel da biblioteca como instrumento para o acesso democraacutetico agrave

leitura aos menos favorecidos economicamente Um dado da pesquisa foi desalentador nesse

sentido 75 dos informantes anunciaram que natildeo possuem o haacutebito de frequentar

bibliotecas 17 usam ocasionalmente e 10 frequentam Esse eacute um dado inconcebiacutevel com

o que conceitua o PNLL ser funccedilatildeo deste equipamento

Um dinacircmico polo difusor de informaccedilatildeo e cultura centro de educaccedilatildeo continuada

nuacutecleo de lazer e entretenimento estimulando a criaccedilatildeo e a fruiccedilatildeo dos mais

diversificados bens artiacutesticos-culturais para isso devem estar sintonizadas comas

tecnologias de informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo suportes e linguagens promovendo a

interaccedilatildeo maacutexima entre os livros e esse universo que seduz as atuais geraccedilotildees

(MARQUES NETO 2008 p 133)

Para que esse dinacircmico polo difusor de informaccedilatildeo e cultura possa ser um

equipamento eficaz o profissional responsaacutevel por sua gestatildeo e organizaccedilatildeo o bibliotecaacuterio

precisa avanccedilar em conquistas de mais habilidade Para Silva (2011) em regra esse

profissional eacute um exiacutemio conhecedor das normas de catalogaccedilatildeo das leis que regem a

instalaccedilatildeo de bibliotecas das fichas de empreacutestimos de livros De leitura revela o professor

natildeo eacute a regra que haja por parte desse profissional conhecimento interesse e projetos de

incentivo agrave leitura juntamente com a comunidade escolar

No que diz respeito aos dados pontuados pela pesquisa acerca da realidade brasileira

das bibliotecas esses podem ser subsiacutedio para uma reflexatildeo sobre o valor do equipamento

para a consolidaccedilatildeo de uma praacutetica leitora Um dos aspectos que merecem reflexatildeo eacute sobre

quem estaacute apto para gerenciar este equipamento Na escola em que a pesquisa eacute realizada por

exemplo tais quais nas demais da rede municipal de ensino e em muitas pelo paiacutes afora os

responsaacuteveis pela biblioteca costumam ser professoresas readaptadosas nem sempre com

domiacutenio profissional para atuar na aacuterea o que evidencia mais uma fragilidade do poder

puacuteblico com a educaccedilatildeo e a cultura brasileira

Com a 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil o Paiacutes tem em matildeos um

diagnoacutestico que possibilita a construccedilatildeo de uma agenda para as poliacuteticas puacuteblicas do livro e de

leitores Vale ressaltar todavia que por esta pesquisa considerar a leitura no suporte livro

como criteacuterio para testificar a condiccedilatildeo leitora do brasileiroa conforme jaacute pontuado aqui

natildeo contemplou suficientemente as novas praacuteticas de leitura que advecircm das tecnologias da

informaccedilatildeo E eacute indubitaacutevel que esta omissatildeo desconsidera um fenocircmeno civilizatoacuterio

importante que tem alterado significativamente comportamentos de pessoas de todas as

63

esferas sociais em escala mundial como eacute o da leitura no espaccedilo cibercultural A imersatildeo do

mundo no uso das tecnologias da informaccedilatildeo que com seus dispositivos virtuais interligam a

comunicaccedilatildeo da sociedade disseminam informaccedilotildees em tempo real e possibilitam a troca

compartilhada de conhecimento democratizando saberes haacutebitos comportamentos tem

provocado mudanccedilas econocircmicas sociais poliacuteticas culturais E essas mudanccedilas seguramente

tecircm afetado tambeacutem as escolas Os dispositivos tecnoloacutegicos em pouco mais de duas

deacutecadas presentes em celulares tablets computadores como uma segunda pele chegam agraves

matildeos e aos olhos de discentes e docentes alterando as praacuteticas sociais de leituras podendo

promover eventos de letramento

A despeito de este natildeo ser objeto deste estudo e de natildeo ter pretensotildees de avaliar

quatildeo profundas satildeo as transformaccedilotildees que a sociedade experimenta a partir dessa nova matriz

cultural eacute relevante ponderar que a escola precisa caminhar responsavelmente com esta

realidade desafiadora que lhe trazem as tecnologias da informaccedilatildeo Como natildeo considerar que

sob pena de comprometer resultados positivos no processo ensino-aprendizagem eacute dever

dosas educadoresas atentar para o modo e os textos que circulam pela escola repleta que

estaacute de nativos digitais Como natildeo considerar ainda que sob pena de que essesas estejam

sendo negligentes com a problematizaccedilatildeo da discursividade docente devem atentar para o que

anda sendo lido na virtualidade nossa de cada dia estampada nas telas

Enfim considerando o papel da escola na formaccedilatildeo doa leitora e o quanto os vaacuterios

suportes e miacutedias satildeo importantes na perspectiva de democratizaccedilatildeo do acesso aos diversos

bens culturais vale destacar que a leitura conforme analistas do discurso natildeo eacute um bem em

si mas que pode se apresentar como lugar estrateacutegico na formaccedilatildeo de um povo para a sua

emancipaccedilatildeo poliacutetica e social Obviamente isso ocorre entre outras razotildees se a leitura for

concebida em uma perspectiva interacionista que leve em consideraccedilatildeo os interesses da

comunidade escolar e reflexotildees atinentes sobre a linguagem em uso Desse modo a agenda de

promoccedilatildeo do letramento para aleacutem do acesso aos suportes e do domiacutenio da tecnologia deve

se constituir prementemente como uma pauta reivindicatoacuteria que envolva educadoresas

gestoresas e demais atoresatrizes sociais

Apoacutes as reflexotildees atinentes agraves descriccedilotildees sobre leitura elaboradas por estudiososas

tendo essesas essencialmente se pautado em uma ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no

Brasil farei uma incursatildeo no proacuteximo toacutepico sobre como a Anaacutelise do Discurso daacute o foco

nas vozes dosas educadores acerca do debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero trazido por uma

das instacircncias culturais da escola a da leitura

64

24 O sujeito da leitura na Anaacutelise do Discurso

O projeto de Michel Pecirccheux de uma teoria natildeo subjetiva da leitura eacute uma das

sustentaccedilotildees da defesa de Possenti (2009) de que a AD eacute uma das poucas aacutereas de

conhecimento que tem condiccedilotildees de reivindicar para si o pronunciamento sobre a leitura O

intento do analista francecircs que chegou a postular a ldquoanaacutelise automaacutetica do discursordquo eacute fruto

entre outros de uma nova concepccedilatildeo de liacutengua nos anos sessenta gestada pelo

Estruturalismo e com bastante efervescecircncia na academia francesa Com essa concepccedilatildeo que

atravessava as reflexotildees sobre a linguagem natildeo mais concebendo liacutengua como um coacutedigo que

condensa informaccedilatildeo a quem o conhece conforme a perspectiva saussuriana Pecirccheux

estrutura a noccedilatildeo de discurso Estrutura entendendo este como um ponto intermediaacuterio entre

linguagem e ideologia Esse legado epistemoloacutegico surge em um contexto sociopoliacutetico

francecircs de insurreiccedilatildeo popular de inquietaccedilotildees poliacuteticas A AD eacute pensada nessa atmosfera

como uma disciplina que daacute conta de amalgamar as praacuteticas poliacuteticas e a concepccedilatildeo de

ciecircncias sociais que emerge naquele cenaacuterio (cf SANTOS 2013)

Desalojando os estatutos positivistas ocupam lugares essenciais nas postulaccedilotildees de

Pecirccheux (2012) a subjetividade a ideologia as lutas de classe Assim articula-se a AD em

uma abordagem transdisciplinar com aacutereas como a psicanaacutelise o materialismo dialeacutetico e a

linguiacutestica com as quais entrelaccedila um novo olhar sobre a liacutengua o sujeito e a histoacuteria na

produccedilatildeo de sentidos Esse novo olhar enxerta nos estudos sobre a linguagem a reflexatildeo de

que a leitura natildeo era a leitura de um texto enquanto texto Concebido discursivamente o texto

deve ser tomado como um artefato cultural e linguiacutestico que tem existecircncia na exterioridade

linguiacutestica no social o que interfere em sua circularidade e interpretaccedilatildeo (FERNANDES

2008)

Processam-se nas fases pelas quais passa a AD noccedilotildees como sujeito discursivo

condiccedilotildees de produccedilotildees e formaccedilatildeo discursiva Esses conceitos vatildeo consolidando as reflexotildees

que este campo teoacuterico intenta para dar conta de suas inquietaccedilotildees acerca dos estudos sobre a

linguagem e as transformaccedilotildees sociais que insurgem naquele contexto poliacutetico Uma das

accedilotildees da AD estaacute pautada na teorizaccedilatildeo sobre as restriccedilotildees que o discurso sofre Nesse

sentido Possenti (2009 p 11) pontua o quanto a AD tem como objetivo explicitar as

estrateacutegias e restriccedilotildees de leitura lsquoUm discurso natildeo circula em qualquer lugar natildeo toma

livremente uma forma geneacuterica qualquer e natildeo pode ser interpretado de qualquer maneira por

qualquer umrdquo Restriccedilotildees essas que datildeo aoagrave analista do discurso a incumbecircncia de atentar

para o enunciado em sua historicidade em suas condiccedilotildees de produccedilatildeo e circulaccedilatildeo em seus

65

efeitos de verdade Sendo assim a leitura de um texto conforme as bases conceituais da AD

prima pela observacircncia de sua historicidade prima pela observacircncia para dar conta dos

percursos de quem lecirc e como lecirc que prescinde destes nortes De acordo com Possenti (2009)

[] Aprendemos a nunca ler um texto isoladamente (natildeo se faz anaacutelise de discurso

de um texto) a nunca ler um texto considerando apenas seu material verbal

(aprendemos a relacionaacute-lo a seu exterior) a nunca tratar a linguagem como se fosse

transparente (aprendemos a supor sempre que a interpretaccedilatildeo eacute um trabalho jaacute que

as palavras natildeo remetem jamais agraves coisas e natildeo tecircm sentido uniacutevocos) a nunca

supor que o texto (ou mesmo vaacuterios) fornece todas as condiccedilotildees de sua leitura

(aprendemos sempre a supor que mesmo no domiacutenio textual ou ateacute mesmo no do

enunciado mais restrito eacute necessaacuterio acionar mais de um fator relevante ndash considerar

os pressupostos a intertextualidade etc) (POSSENTI 2009 p 14)

Da defesa de uma teoria natildeo subjetiva da leitura sustentada pela AD podemos

depreender que nossos horizontes de pesquisas da linguagem na esfera da leitura devem

ultrapassar a materialidade linguiacutestica A AD nos convida a uma dimensatildeo da linguagem em

seu uso em sua discursividade contemplando as praacuteticas socioculturais por ela perpassadas

Trata-se na abertura dessa via de descrever e interpretar a existecircncia de enunciados e suas

produccedilotildees em determinados lugares e espaccedilos integrando discursos cujas existecircncias

apontam para alguma coisa em curso tal que ldquoa palavra discurso etimologicamente tem em

si a ideia de curso de percurso de correr por de movimento O discurso eacute assim palavra em

movimento praacutetica de linguagem com o estudo do discurso observa-se o homem falandordquo

(ORLANDI 2008 p 15)

Em curso e que segundo ainda essa autora analisaacute-los implica interpretar as praacuteticas

discursivas dos sujeitos abordar as manifestaccedilotildees de linguagem problematizando-as ldquoo que

produzem os sujeitos falantes e leitores Podem esses deixar de perceber que satildeo sujeitos agrave

linguagem a seus equiacutevocos sua opacidade Com essas indagaccedilotildees Orlandi (2012) discorre

como este campo transdisciplinar contribui com o trabalho com a linguagem para que

possamos sem ilusionismos ldquoao menos sermos capazes de uma relaccedilatildeo menos ingecircnua com a

linguagemrdquo Haacute em sua explanaccedilatildeo sobre princiacutepios e procedimentos da AD uma

preocupaccedilatildeo em evidenciar o quanto o trabalho com a linguagem perpassa por incompletudes

por subjetividades por pluralidade de sentidos por histoacuterias nos fazendo entender que haacute

movecircncias mas ldquoos sentidos estatildeo sempre administrados natildeo estatildeo soltosrdquo Os sentidos

materializados por linguagem verbal ou natildeo verbal natildeo satildeo imanentes fixos produzidos que

satildeo por uma pluralidade de discursos que se entrecruzam advindos de condiccedilotildees socio-

histoacutericas e ideoloacutegicas de produccedilatildeo Nessa direccedilatildeo Pecirccheux (2012) vincula os sentidos das

palavras agraves formaccedilotildees ideoloacutegicas de quem as usa afirmando que

66

O sentido de uma palavra de uma expressatildeo de uma proposiccedilatildeo etc natildeo existe lsquoem

si mesmorsquo [] mas ao contraacuterio eacute determinado pelas posiccedilotildees ideoloacutegicas

colocadas em jogo no processo soacutecio-histoacuterico no qual as palavras expressotildees e

proposiccedilotildees satildeo produzidas (PEcircCHEUX 2012 p 190)

A construccedilatildeo do quadro teoacuterico metodoloacutegico desse estudo partiu entatildeo do

pressuposto de que a linguagem natildeo se daacute como evidencia ela se oferece como lugar de

descoberta (cf ORLANDI 2012) O reconhecimento de que a linguagem natildeo eacute transparente

pressupotildee o exerciacutecio constante de querer ver aleacutem da materialidade textual rompendo as

estruturas linguiacutesticas para chegar ao discurso buscando vestiacutegios equiacutevocos e interdiccedilotildees

dispersotildees caminhos que natildeo queiram ldquo[] atravessar o texto para encontrar um sentido do

outro lado A questatildeo que ela coloca eacute como este texto significa Haacute aiacute um deslocamento jaacute

pronunciado pelos formalistas russos onde a questatildeo a ser respondida natildeo eacute lsquoo quecircrsquo mas lsquoo

comordquo (ORLANDI 2012 p 17)

Nesse esteio a formulaccedilatildeo deste objeto de estudo que problematiza a discursividade

dosas docentes frente ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero em praacuteticas leitoras busca

assumindo o ponto de vista de umuma analista de discurso verificar a compreensatildeo da

apariccedilatildeo dos enunciados daqueles sujeitos discursivos Apoiado na AD esse estudo pontua a

importacircncia das reflexotildees acerca do discurso e sua vinculaccedilatildeo com o poder das reflexotildees

acerca das posiccedilotildees dos sujeitos envolvidos da opacidade da linguagem que por sua marca

poliacutetica torna-a incapaz dizer e fazer ver tais como satildeo as coisas Assim face aos

questionamentos acerca de como andam as problematizaccedilotildees sobre o que podem meninos e

meninas na esfera escolar em termos de equidade de gecircnero vale observar o lugar histoacuterico

social de onde os enunciadores determinam seus discursos Vale inquirir sobre as vozes que

integram o sujeito discursivo aqui diferenciando esse sujeito do da linguiacutestica geral que aduz

a um sujeito falante homogecircneo dono de seu dizer Na perspectiva da AD o sujeito eacute

constituiacutedo por polifonia noccedilatildeo cunhada de Mikhail Bakhtin que traccedila o entrecruzamento de

discursos como marca do sujeito Ele e suas vozes que ressoam que silenciam falam

reproduzem esquecem explicitam implicitam direta ou indiretamente na materialidade

linguiacutestica Constituiacutedo que eacute entre o eu e o outro decorrente da interaccedilatildeo social o lugar do

sujeito natildeo eacute vazio mas preenchido por aquilo que Pecirccheux (2012) chamou de forma sujeito

(cf SANTOS 2013)

A identificaccedilatildeo dessa constituiccedilatildeo heterogecircnea do sujeito trazida pelos estudos poacutes-

estruturalistas eacute de muita valia para as reflexotildees sobre a linguagem como praacutetica social uma

vez que os enunciados apontam para um lugar-sujeito Apontam que o sujeito discursivo eacute

67

plural atravessado de vozes moventes que se deslocam e se transformam inscrevendo-se em

formaccedilotildees discursivas Por seu turno a compreensatildeo do conceito de formaccedilatildeo discursiva

trabalhado tanto por Foucault (2011) como por Pecirccheux (2012) eacute imprescindiacutevel para oa

analista do discurso uma vez que este conceito explicita como cada objeto do discurso tem na

formaccedilatildeo discursiva a sua regra de apariccedilatildeo tem o engendramento dos jogos de poder Assim

eacute possiacutevel que haja compreensatildeo das histoacutericas condiccedilotildees de produccedilotildees que permitem

veicular o que dizer em determinado espaccedilo social conforme nos mostra Foucault (1995)

Trata-se de compreender o enunciado na estreiteza e singularidade de sua situaccedilatildeo

de determinar as condiccedilotildees de sua existecircncia de fixar seus limites da forma mais

justa de estabelecer suas correlaccedilotildees com os outros enunciados a que pode estar

ligado de mostrar que outras formas de enunciaccedilatildeo exclui (FOUCAULT 1995 p

31)

Isto posto fica evidenciado o quanto o trabalho para oa analista do discurso com os

olhos na noccedilatildeo de formaccedilatildeo discursiva potildee em jogo princiacutepios que evocam a apreensatildeo de

sentidos gestada pela memoacuteria discursiva Essa dimensionada pela AD como um espaccedilo de

memoacuteria coletiva que permite a inscriccedilatildeo dos sujeitos em um corpo soacutecio-histoacuterico-cultural eacute

tambeacutem crucial na compreensatildeo da construccedilatildeo da materialidade discursiva E para pocircr em

jogo os princiacutepios que evocam a apreensatildeo de sentidos se faz necessaacuterio fazer aparecer os

movimentos inacabados que a formaccedilatildeo discursiva implica Movimentos que mostram que

no tecido social da discursividade os enunciados satildeo acontecimentos que tecem

continuidades e descontinuidades dizeres exteriores e anteriores diferentes tipos de discursos

que coexistem aparecem e desaparecem dispersando-se formando-se e transformando-se de

modo complexo ao tempo que integram as formaccedilotildees discursivas (cf FOUCAULT 2012)

Essa integraccedilatildeo espelha a heterogeneidade proacutepria agrave formaccedilatildeo social onde coexistem forccedilas

diferentes plurais Isto explica segundo Fernandes (2008) enunciados estruturalmente

semelhantes significando diferentes discursos decorrentes da inscriccedilatildeo ideoloacutegica desses

enunciados

Nesse sentido os estudos poacutes-estruturalistas trazem conforme Pereira (2005) o

discurso para o centro das atenccedilotildees e afirmam que a linguagem natildeo eacute propriamente uma

representaccedilatildeo da realidade feita pelos sujeitos mas eacute constituidora dos sujeitos e da realidade

A linguagem eacute concebida nessa perspectiva como um loacutecus ativo dinacircmico e enredado por

relaccedilotildees de poder E o discurso concebido como um tipo de sentido um efeito de sentido uma

posiccedilatildeo que se materializa na liacutengua embora natildeo mantenha uma relaccedilatildeo biuniacutevoca com ela

(POSSENTI 2009) A linguagem entatildeo no esteio poacutes-estruturalista natildeo eacute apenas um meio

68

de transmitir ideias ou significados mas eacute a instacircncia em que se constroem os sentidos que

atribuiacutemos ao mundo e a noacutes mesmos dentro de uma pluralidade de sentidos

Fernandes (2008) trata do discurso como accedilatildeo social e reforccedila na linha de Orlandi

(2012) o quanto os discursos estatildeo implicados com a interpretaccedilatildeo dos sujeitos as condiccedilotildees

histoacuterico-sociais de sua produccedilatildeo e a histoacuteria Instacircncias essas que os discursos ldquonatildeo fixos

moventesrdquo e que fazem esses acompanharem as transformaccedilotildees sociais e poliacuteticas pelas quais

passam o mundo Essas consideraccedilotildees permitem aduzir o quanto a liacutengua se insere na histoacuteria

mediando-a e a constituindo gestando sentidos sentidos esses produzidos face aos lugares

ocupados pelos sujeitos em interlocuccedilatildeo

No que concerne agrave relaccedilatildeo sujeito e enunciado Fernandes (2008 p 28) pontua a

percepccedilatildeo da polifonia como elemento importante para a compreensatildeo do sujeito discursivo

ldquo[] requer compreender quais satildeo as vozes sociais que se fazem presentes em sua vozrdquo

(FERNANDES 2008 p 28) entrecruzada que eacute de diferentes discursos considerando que

natildeo haacute sujeito homogecircneo em decorrecircncia de sua interaccedilatildeo na sociedade Esse autor traz

tambeacutem relaccedilotildees entre o sujeito e a linguagem relaccedilotildees de base psicanalista cuja perspectiva

incide em um sujeito cindido descentrado considerando que

Sempre sob as palavras outras palavras satildeo ditas O sujeito tem a ilusatildeo de ser o

centro de seu dizer pensa exercer o controle dos sentidos do que fala mas

desconhece que a exterioridade estaacute no interior do sujeito em seu discurso estaacute o

lsquooutrorsquo compreendido como exterioridade social (FERNANDES 2008 p 29-30)

De posse de categorias analiacuteticas caras agrave AD como a formaccedilatildeo discursiva e o

descentramento do sujeito categorias discursivas que dialogam com formulaccedilotildees

foucaultianas a saber ldquonatildeo haacute enunciado que natildeo suponha outros natildeo haacute nenhum que natildeo

tenha em torno de si um campo de coexistecircnciasrdquo (FOUCAULT 1995 p 114) reflito sobre o

esteio que permite pensar as vozes escolares Nesse sentido todo enunciado eacute uma reacuteplica a

outros enunciados Com esse marco teoacuterico o debate sobre leitura e as relaccedilotildees de gecircnero que

atravessam as vozes escolares eacute compreendido como um espaccedilo de luta hegemocircnica como

praacutetica social Esta entendida como um conjunto de atividades humanas que engendram tanto

as condiccedilotildees de produccedilatildeo dos discursos quanto as condiccedilotildees de existecircncia de uma sociedade

(SPINK MENEGON 1999) eacute uma de minhas bases de discussatildeo do proacuteximo toacutepico que

envolve a importacircncia da praacutetica da leitura na escola como praacutetica social

69

25 Os processos de significaccedilatildeo e subjetivaccedilatildeo a leitura como praacutetica social

Sobre a praacutetica da leitura na escola eacute notaacutevel deveras que esta eacute mateacuteria instigante e

apreciada por tantos estudiosos da educaccedilatildeo (FREIRE 1988 2002) (SILVA E T 2009

2011) (SOARES 2001 2011) (ANTUNES 2009) do socioconstrucionismo (MOITA

LOPES 2002) da Anaacutelise do Discurso (POSSENTI 2009 ORLANDI 2008) entre outros

que se ater sobre o tema eacute se deparar com incontaacuteveis e fecundas pesquisas Isto me instiga a

pensar que muito jaacute foi dito Entretanto face agrave complexa questatildeo eacute sempre desafiador

imersoa na proacutepria realidade profissional problematizar a praacutetica pedagoacutegica imbuiacutedoa de

um desejo pelo inacabado E mover-se na problematizaccedilatildeo da leitura em uma interface

temaacutetica com gecircnero tendo como aporte teoacuterico as reflexotildees instigadas pela AD acerca da

leitura que a trata em uma perspectiva discursiva eacute enveredar por um desafio que atrai Vale

pensando assim inquirir de que forma a leitura tem participado dos processos de subjetivaccedilatildeo

quais satildeo enfim as verdades veiculadas pelas praacuteticas leitoras Dizendo na sintonia com a

AD os discursos sobre as relaccedilotildees de gecircnero estatildeo inscritos em uma determinada formaccedilatildeo

discursiva e operam constituindo que subjetividades segundo os campos do que eacute possiacutevel

pensar dizer julgar fazer na praacutetica leitora desenvolvida

Orlandi (2008) postulando os pressupostos teoacutericos da AD traz pontos cruciais para

uma accedilatildeo problematizadora com a leitura A autora faz referecircncias aos muacuteltiplos modos de

leitura (do ato de decodificar estrita aprendizagem formal de aprender a ler e escrever agrave

atribuiccedilatildeo de sentidos) dependendo cada acepccedilatildeo de seu modo de produccedilatildeo A analista

trabalha a concepccedilatildeo de leitura como um processo complexo no qual para as muacuteltiplas

determinaccedilotildees de sentidos que lhe envolvem exigem-se mais habilidades do que o

imediatismo da accedilatildeo de ler

Quando se lecirc considera-se natildeo apenas o que estaacute dito mas tambeacutem o que estaacute

impliacutecito aquilo que tambeacutem natildeo estaacute dito mas estaacute significando E o que natildeo estaacute

dito pode ser de vaacuterias maneiras o que natildeo estaacute dito mas que de certa forma

sustenta o que estaacute dito o que estaacute suposto para que se entenda o que estaacute dito

aquilo a que o que estaacute dito se opotildee outras maneiras diferentes de se dizer o que se

disse e que significa com nuances distintas etc (ORLANDI 2008 p 11)

Eacute instigante o olhar de Orlandi (2008) para que se pense no que natildeo eacute visiacutevel no

texto mesmo que o constitua como forma de assumir uma perspectiva discursiva sobre

leitura Dessa perspectiva concebe-se o pensamento acerca da produccedilatildeo da leitura como parte

do processo de instauraccedilatildeo de sentidos as especificidades e histoacuteria do sujeito-leitor satildeo

70

atentadas O fato de que tanto o sujeito quanto os sentidos satildeo determinados historicamente

tambeacutem faz parte das preocupaccedilotildees doa analista Tambeacutem satildeo preocupaccedilotildees doa analista a

noccedilatildeo de que os modos e efeitos de leitura de cada eacutepoca tecircm relaccedilatildeo iacutentima com a nossa

produtividade intelectual Eacute nesse sentido a ideia de referecircncia agrave historicidade agraves condiccedilotildees

de produccedilatildeo de leitura com a compreensatildeo dos jogos de poder entre os sujeitos e as

instituiccedilotildees que determinam como lemos que parece perseguir a AD eacute o que assegura Orlandi

(2008) Eacute da leitura como processo que interessa a esse campo de estudo da linguagem o

texto desse modo natildeo eacute um produto que conteacutem uma informaccedilatildeo pronta para ser ldquolidardquo eacute

um artefato cultural unidade complexa de significaccedilatildeo cujo crescimento natildeo ldquoeacute soacute para a

frente relacionando-se com o que ele natildeo eacuterdquo uma vez que o espaccedilo simboacutelico (os impliacutecitos)

entre enunciados efetivamente realizados eacute constitutivo do texto bem como sua relaccedilatildeo com

outros textosrdquo (ORLANDI 2008 p 46)

Como disciplina que se propotildee conhecer os mecanismos de processos de

significaccedilatildeo a AD trata da interaccedilatildeo da leitura na escola acolhendo a ideia foucaultiana de

que diferentes formas de poder produzem diferentes formas de individualidades e diferentes

sujeitosndashleitores Atentar para esta construccedilatildeo pode ser uma forma de evitar reducionismos de

limitar leitura agrave expressatildeo verbal de natildeo considerar o conhecimento preacutevio do aluno entre

outros

[] se sabemos portanto que haacute essa constituiccedilatildeo histoacuterica do sujeito na sua relaccedilatildeo

com a linguagem (logo com a leitura) e se sabemos que ideologicamente o sujeito

leitor se apresenta como esse sujeito capaz da livre determinaccedilatildeo dos sentidos ao

mesmo tempo em que eacute um sujeito submetido agraves regras das instituiccedilotildees como agir

na escola em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo do sujeito- leitor Ou mais simplesmente dada a

configuraccedilatildeo histoacuterica do sujeito-leitor produzido pela sociedade capitalista como

trabalhar com a relaccedilatildeo entre leitura parafraacutestica - leitura polissecircmica (ORLANDI

2008 p 50)

Orlandi (2008) trata dos processos de significaccedilatildeo de leitura na escola considerando

que eacute de grande relevacircncia que esta praacutetica seja desenvolvida tendo uma metodologia de

ensino consequente que explicite os espessos processos de produccedilatildeo de sentido

historicamente determinados ldquoA transparecircncia dos sentidos que brotam de um texto eacute

aparente e tanto quem ensina quanto quem aprende a ler deve procurar conhecer os

mecanismos que aiacute estatildeo jogando (ORLANDI 2008 p42)

Por seu turno Moita Lopes (2002) envolto com as teorias socioconstrucionistas do

discurso e das identidades sociais pontua a importacircncia de em contextos institucionais e em

especial em eventos de leituras atentarmos ldquopara o que fazemos com os outros no mundo por

71

meio da linguagemrdquo (MOITA LOPES 2002 p 14) Este autor se diz atraiacutedo tanto quanto o

mundo acadecircmico pelo papel constitutivo do discurso na construccedilatildeo de quem somos como

sujeitos que aprendem a ser quem satildeo discursivamente Esta perspectiva teoacuterica com a qual o

estudioso se move para refletir sobre as praacuteticas de letramento nas escolas eacute de suma

perspicaacutecia porque pontua por uma ampla aposta na consciecircncia do que faz a leitura eacute uma

praacutetica social E assim concebida como praacutetica social cuida que homens e mulheres

leitoresas natildeo satildeo produtos de um vaacutecuo social trazem suas marcas sociohistoacutericas

engendram-se por condiccedilotildees de construccedilotildees discursivas

Ler eacute legitimar ou questionar identidades eacute nessa direccedilatildeo de entendimento que

caminha Moita Lopes (2002) Direccedilatildeo pela qual vou porque tambeacutem defendo agrave luz de um

olhar socioconstrucionista que eacute com e pela leitura mediadosas pelas narrativas que dela

fazemos que construiacutemos um repertoacuterio de quem somos e de quais satildeo nossas accedilotildees sociais

Nesse sentido os processos formadores de identidades que satildeo dialoacutegicos e constitutivos pela

linguagem merecem a acuidade do olhar do agente de letramento Merecem pelas

possibilidades discursivas que esse sujeito pode construir no tocante agrave reflexatildeo acerca da

condiccedilatildeo humana de sujeito-forma (cf PEcircCHEUX 2012)

Haacute nas reflexotildees trazidas por Moita Lopes (2002) a busca pela desnaturalizaccedilatildeo do

senso comum eivado que eacute este de narrativas nas quais as identidades satildeo homogecircneas

hegemonicamente heterossexuais e brancas E este propoacutesito problematizador pode fecundar e

estar assegurado pela loacutegica da inserccedilatildeo de praacutetica de letramento

Argumenta-se que as histoacuterias contadas funcionam como pacotes de conhecimento

sobre como agir no mundo (Jordan 1989) ecoando discursos a que os alunos satildeo

expostos na miacutedia na famiacutelia etc Com base no potencial que as histoacuterias tecircm de

envolver as pessoas em reflexatildeo sobre a vida social considera-se a importacircncia de

permitir que outras histoacuterias sobre outros tipos de identidades adentrem a sala de

aula ao mesmo tempo que se promove o uso de sistemas de coerecircncia que

desnaturalize o senso comumrdquo (MOITA LOPES 2002 p 20-21)

Desnaturalizar o senso comum eacute desdobrar processos de subjetivaccedilatildeo dos quais as

leituras tecircm participado obedecendo a regras histoacutericas legitimadoras No processo de

legitimaccedilatildeo de leituras a escola eacute uma das instituiccedilotildees em que circula a leitura crivada pelo

olhar de um especialista o professor respaldada em um livro didaacutetico adotado em um

processo bem verticalizado Esta tem sido uma praacutetica redutora considerando estudos que

evidenciam o grau de comprometimento das obras com a negaccedilatildeo de que o sujeito discursivo

eacute plural atravessado de vozes moventes que se deslocam e se transformam inscrevendo-se

em formaccedilotildees discursivas As inquietaccedilotildees trazidas por Moita Lopes (2002) vatildeo na direccedilatildeo de

72

problematizar a circulaccedilatildeo e produccedilatildeo das leituras com esta direccedilatildeo redutora Esse autor traz

outras bases aos modelos legitimados ampliando a natureza multifacetal de seres humanos a

ser lida discutida Para isto vaticina o estudioso o advento das mudanccedilas bruscas deste iniacutecio

de milecircnio com o caudaloso acesso agraves tecnologias da informaccedilatildeo que expotildeem um mundo

plural e muacuteltiplo eacute um adendo a esta questatildeo

Eacute curioso ver que a miacutedia eletrocircnica que evidencia a chamada Globalizaccedilatildeo ao

mesmo tempo em que aproxima o mundo incorrendo no perigo de homogeneizaacute-lo

colabora para que percebamos a diferenccedila de que somos feitos e as desigualdades e

contradiccedilotildees sociais sob as quais vivemos Essas percepccedilotildees tecircm alterado como

nunca a concepccedilatildeo homogecircnea de identidade social e tecircm levado a nos entendermos

como heterogecircneos e ao mesmo tempo fragmentados e construiacutedos com praacuteticas

discursivas situadas na histoacuteria na cultura e na instituiccedilatildeo (MOITA LOPES 2002

p 15-16)

Somam-se a este olhar socioconstrucionista sobre leitura como praacutetica social que

contempla uma accedilatildeo de ler proficuamente ajustada aos postulados dos DH no que diz respeito

agrave defesa de um mundo plural as contribuiccedilotildees da AD Orlandi (2008) pontua a leitura numa

relaccedilatildeo de historicidade de modos de relaccedilatildeo de trabalho e de produccedilatildeo de sentidos Ler e

compreender na perspectiva trabalhada por esta analista natildeo se traduz em atribuir sentidos

mas conhecer os mecanismos pelos quais se potildee em jogo um determinado processo de

significaccedilatildeo

Os sentidos natildeo nascem ab initio Satildeo criados Satildeo construiacutedos em confrontos de

relaccedilotildees que satildeo soacutecio-historicamente fundadas e permeadas pelas relaccedilotildees de poder

com seus jogos imaginaacuterios Tudo isso tendo como pano de fundo e ponto de

chegada quase que inevitavelmente as instituiccedilotildees Os sentidos em suma satildeo

produzidos (ORLANDI 2012 p 83)

26 A leitura como mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de identidades

Apoacutes as consideraccedilotildees acerca dos dispositivos teoacutericos que apoiam esta anaacutelise os

quais me remetem agrave ideia de que o sujeito da leitura e do discurso eacute um sujeito histoacuterico que

fala a partir de condiccedilotildees especiacuteficas de enunciaccedilatildeo cabe pensar sobre a leitura como

produtora e reprodutora de discurso e sobre a importacircncia desse entendimento para um

trabalho no espaccedilo escolar que perspective angariar reflexotildees acerca de processos de

subjetivaccedilatildeo Em minhas buscas para levantamento de um estado da arte que contribuiacutesse

teoricamente com essa perspectiva encontrei produccedilotildees acadecircmicas que atrelavam leituras

subjetividades discursividades e relaccedilotildees de gecircneros no espaccedilo escolar bem pertinentes

Alguns relatos aqui pontuados vatildeo ao encontro das consideraccedilotildees por mim tecidas colhidas

73

pelos pressupostos teoacutericos jaacute aqui tratados tendo sido inclusive uacuteteis na confecccedilatildeo dos

instrumentos investigativos e de suas anaacutelises para este trabalho

Larrosa (2004) problematiza o ato de ler sob o crivo vinculador deste ato agraves praacuteticas

de liberdade O autor em um ensaio intitulado ldquoLeitura e metamorfoserdquo ao analisar o poema

O leitor de Rilke trata da experiecircncia da leitura em sua dimensatildeo complexa e de plenitude do

existente leitura que transforma que transfigura que torna o leitor um outro Larrosa (2004)

ao se debruccedilar sobre a poesia existencial e metalinguiacutestica de Rilke nega a pessoalidade do

leitor cravando sua dispersatildeo Isto fica demonstrado segundo o ensaiacutesta no seguinte verso

ldquoQuem o conhece este que baixou seu rosto de um ser ateacute um segundo serrdquo(RILKE 1908

apud LARROSA 2004 p 97) Para Larrosa (2004) o poeta trabalha com o movimento do

olhar descrito no poema como o movimento que delineia conversotildees apropriaccedilotildees de

mudanccedilas Assim o leitor que se curva entrega-se aprende a ver de outra maneira e eacute

desconhecido entatildeo ateacute por sua matildee como pode ser visto no segundo quarteto do poema a

saber ldquoNem sequer sua matildee estaria segurase ele eacute aquele que ali lecirc algo mergulhadoem

sua sombrardquo (RILKE 1908 apud LARROSA 2004 p 97) eacute o leitor que angaria olhos

daacutedivos traccedilos alterados para sempre Haacute uma forccedila poeacutetica na imagem do leitor em

silecircncio curvado despersonalizado e por fim transformado da qual Larrosa (2004) se

apropria para trazer uma reflexatildeo em cima do que significa um mundo pronto administrado e

acabado quando ldquotopadordquo por leitores Eacute dessa leitura cujo sentido eacute o de experiecircncia da

reconstruccedilatildeo das travessias diante de um mundo hostil e pronto que a leitura para esse autor

inscreve-se

Alicerccedilado em uma visatildeo de leitura como praacutetica social situada Moita Lopes (2002)

ressalta a accedilatildeo constitutiva do discurso na construccedilatildeo da vida social aprendemos a nos tornar

o que somos com base em fatores sociais e histoacutericos constituiacutedos discursivamente Esse

autor direcionou pesquisas com as praacuteticas de letramento coordenando experiecircncias de

investigaccedilatildeo sobre praacuteticas discursivas em escola puacuteblica do Rio de Janeiro objetivando

investigar a relaccedilatildeo entre texto e formaccedilatildeo de identidade na esfera pedagoacutegica

especificamente a sala-de-aula

Dentre os espaccedilos institucionais em que atuamos a escola tem sido continuamente

apontada como um dos mais importantes na construccedilatildeo de quem somos ou dessa

fragmentaccedilatildeo identitaacuteria Eacute um dos primeiros espaccedilos sociais a que a crianccedila tem

acesso longe da vigilacircncia da famiacutelia a outros modos de ser humano diferentes

daqueles do mundo relativamente homogeneizado da famiacutelia Ou seja eacute na escola

que em geral a crianccedila se expotildee pela primeira vez agraves diferenccedilas que nos constituem

e que portanto representam as primeiras ameaccedilas ao mundo da famiacutelia (MOITA

LOPES 2002 p 17)

74

Como integrante da equipe de pesquisa coordenada pelo autor acima referendado

Santos (2002) categoriza que leitura eacute um fenocircmeno cultural em que as pessoas constroem

sentidos em interaccedilatildeo com outras

[] ler eacute uma accedilatildeo social na qual estatildeo envolvidos a negociaccedilatildeo o

compartilhamento a construccedilatildeo de significados entre leitores e textos Isto eacute a

leitura eacute uma accedilatildeo social porque implica a procura do significado mediado pelo

discurso escrito entre dois sujeitos sociais principais o leitor e o autor situados

soacutecio-historicamente (SANTOS 2002 p 159)

Em consonacircncia com o olhar de Moita Lopes Santos (2002) percebe a leitura como

uma praacutetica social considerando que os significados construiacutedos pelos sujeitos-leitores

refletem o contexto social imediato no qual estatildeo localizados como tambeacutem o mundo social

mais amplo que situa esses contextos Conceber a leitura nessa perspectiva eacute tarefa que exige

do mediador a percepccedilatildeo de que haacute sempre em eventos de leitura uma indeterminaccedilatildeo de

significados em funccedilatildeo da pluralidade de contextos e sujeitos

Coimbra (2002) objetivando refletir as bases discursivas que constroem social e

assimetricamente meninos e meninas utiliza a visatildeo de discurso como forma de accedilatildeo no

mundo e aborda a importacircncia do contexto escolar para a formaccedilatildeo das identidades sociais

Essa professora alinhada com os estudos de Moita Lopes e diante da indagaccedilatildeo sobre qual

seria a forma em que ela e alunosas estariam construindo a identidade social de gecircnero da

mulher em uma escola puacuteblica no Rio de Janeiro propotildee-se a refutar uma visatildeo de mundo

essencialista

Adoto uma visatildeo de discurso como uma forma de accedilatildeo no mundo e um meio pelo

qual nossa cultura e nossas identidades satildeo constituiacutedas e definidas Como diz Moita

Lopes (1998) as identidades natildeo estatildeo nos indiviacuteduos mas emergem nas interaccedilotildees

entre os indiviacuteduos agindo em praacuteticas discursivas particulares nas quais estatildeo

posicionados [] Da mesma forma o comportamento diferenciado de gecircnero natildeo

existe naturalmente como parte essencial do indiviacuteduo Ele eacute tambeacutem construiacutedo na

interaccedilatildeo social (COIMBRA 2002 p 210)

Para refutar o essencialismo esse aqui entendido na perspectiva que lhe datildeo os

Estudos Culturais como uma percepccedilatildeo de mundo que atribui aos seres humanos marcas

universais imutaacuteveis e pertencentes ao indiviacuteduo naturalmente (HALL 2011 SILVA 2012)

Coimbra lanccedila matildeo dos estudos sobre gecircnero adotados por Louro que concebem gecircnero

como um sistema de relaccedilotildees de poder calcado nas estruturas sociais o que possibilita a

reflexatildeo sobre o quanto as praacuteticas discursivas sustentam a primazia masculina

75

[] a visatildeo essencialista enfatiza as caracteriacutesticas bioloacutegicas e reduz a importacircncia

do contexto soacutecio-histoacuterico naturalizando o poder do homem e as desigualdades

social e econocircmica estabelecidas entre os gecircneros masculino e feminino Isto eacute as

desigualdades satildeo percebidas como consequecircncias naturais e inevitaacuteveis da natureza

bioloacutegica das mulheres e dos homens e natildeo satildeo entendidas como historicamente

construiacutedas e modificaacuteveis (LOURO apud COIMBRA 2002 p 212)

Por considerar a escola elemento reprodutor ou transformador da sociedade porque

veicula enquadramento vontade imposta ao outro sobre seus corpos construccedilatildeo de estigmas

de silecircncios estereoacutetipos e exclusotildees ou porque veicula emersatildeo de vozes que desejam

escuta diaacutelogo e respeito em um sinal de resistecircncia Silva A L G (2009) trata da produccedilatildeo

de sentidos nesse espaccedilo Essa autora chama a atenccedilatildeo para as demandas sociais na

contemporaneidade sobre corporeidade sexualidade e identidade de gecircnero na escola

demandas que traduzem um mundo cambiante vertiginoso movente pleno de

questionamentos que tem nos deixado atocircnitos e sem respostas em seu dizer Sem respostas

ldquoprontasrdquo melhor seria dito porque no cotidiano escolar nos deparamos com uma cultura

que a despeito de ser marcada pela pluralidade reflete a disseminaccedilatildeo da

heteronormatividade da diferenccedila como desvio e de padrotildees de comportamentos para

meninos e meninas Haacute um conjunto de conteuacutedos cognitivos e simboacutelicos que selecionados

sob efeito de didatizaccedilotildees atravessam segundo (SILVA A L G 2009) os muros e

instrumentos escolares engendrando liccedilotildees de corpos disciplinados normalizados E dessas

liccedilotildees questiona a pedagoga qual o lugar do outro nas relaccedilotildees escolares enfim como

meninos e meninas satildeo educadosas

Carvalho (2003) nessa direccedilatildeo fala das experimentaccedilotildees com praacuteticas pedagoacutegicas

problematizadoras do modelo que institui a iniquidade de gecircnero Essa educadora procura

responder sobre as questotildees de gecircnero salientando a importacircncia da luta das mulheres

educadoras por sistematizaccedilotildees de estrateacutegias de intervenccedilatildeo nas atividades e no curriacuteculo

escolar para o desenvolvimento da consciecircncia de gecircnero Essa eacute uma tendecircncia que segue o

olhar militante de um feminismo que se manifesta e se fortalece a cada dia mas que precisa

dar passos marcantes no debate escolar sobre as formas de subjetivaccedilatildeo de ser homem e ser

mulher

A escola tem ferrolhos fortes na trava para o novo para o desmantelo das

assimetrias a despeito de guardado em armaacuterios e prateleiras das instituiccedilotildees muitas vezes

estaacute todo um ordenamento da legislaccedilatildeo educacional que institui avanccedilos na conquista de

uma escola que respeite a pluralidade cultural e a dignidade humana Carvalho (2003) fala

atraveacutes de seu envolvimento com a temaacutetica das relaccedilotildees de gecircnero na educaccedilatildeo do

76

caminhar que se esboccedila na escola de um processo de desconstruccedilatildeo de uma visatildeo e divisatildeo

de mundo androcecircntrica Fruto possivelmente a autora afirma do ativismo de algunsmas

educadoresas

[] Eacute plausiacutevel supor que o reconhecimento das diferenccedilas de gecircnero inicialmente

invisiacuteveis ou natildeo problemaacuteticas jaacute seja o resultado da problematizaccedilatildeo propiciada

pela oficina No contexto escolar apontam problemas como filas atividades e

brincadeiras separadas por sexo violecircncia na sala de aula e no recreio problema de

higiene e limpeza da escola manifestaccedilotildees da sexualidade na preacute-adolescecircncia e

adolescecircncia (brincadeiras sexuais gravidez precoce discriminaccedilatildeo dos

homossexuais) e das dificuldades das professoras de trabalharem com Orientaccedilatildeo

sexual (CARVALHO 2003 p 72)

O fazer pedagoacutegico trama produccedilotildees de sentidos que satildeo construiacutedas em praacuteticas

discursivas em gestos e olhares que muito dizem sobre os corpos e a sexualidade no

cotidiano escolar Rollemberg (2002) adotando a perspectiva socioconstrucionista do

discurso estuda como osas professoresas constroem sua identidade social e profissional por

meio de suas narrativas de vida A autora reforccedila a ideia de que o discurso tambeacutem determina

e eacute determinado por contextos socioculturais especiacuteficos nos quais esses sujeitos atuam e de

que esses sujeitos possuem naturezas multifacetadas

O professor ou professora eacute tambeacutem homem mulher marido esposa pai matildee

filho filha segue determinada religiatildeo tem suas crenccedilas sua visatildeo de mundo

ocupa certa posiccedilatildeo social e enfim torna-se professor na interaccedilatildeo desse mosaico de

diferentes traccedilos que o constituem Seu discurso reflete entatildeo essa natureza

multifacetada e nas diversas praacuteticas discursivas nas quais se envolvem os

professores vatildeo se reconstruindo como tais (ROLLEMBERG 2002 p 251)

Em artigo que discorre sobre uma investigaccedilatildeo feita em escola na qual leciona

Rollemberg (2002) aborda a construccedilatildeo social do discurso e da identidade profissional dos

educadoresas entrecortada por identidade de gecircnero A autora aborda as relaccedilotildees de poder

que se estabelecem em contextos sociais e culturais que forjam que moldam seres diferentes

com posiccedilotildees assimeacutetricas socialmente Ao tratar dos traccedilos de gecircnero o estudo de

Rollemberg adota tambeacutem a visatildeo processual das identidades e as tem como natildeo-fixas natildeo-

imutaacuteveis natildeo-estaacuteticas construiacutedas discursiva e socialmente

Cruz (2012) ao discorrer sobre a utilizaccedilatildeo do texto literaacuterio descarta

veementemente a noccedilatildeo de ler como decifrar palavras e questiona sobre o modo de

apropriaccedilatildeo desse texto por parte da escola A autora fala de seus fracassos com atividades de

leituras procurando explicaacute-los entre tantos lastros pelo processo de interlocuccedilatildeo na leitura

77

de textos para a qual o leitora eacute construtora e natildeo apenas receptora de um significado

global para o texto

Foi com essa consciecircncia (que eacute um aprendizado) que passei a analisar a relaccedilatildeo

existente entre leitor o texto o autor e a realidade que circunda todos Essa anaacutelise

me fez perceber que o docente (no caso eu) elaborava as atividades do seu ponto de

vista sem conversar e portanto sem conhecer a partir das falas dos alunos o modo

como eles se apropriavam dos textos literaacuterios e a relaccedilatildeo que eles tinham com o

mundo da leitura Essa ausecircncia de diaacutelogo entre as partes estimulava o desinteresse

dos alunos e a reproduccedilatildeo de leituras mecanizadas que soacute serviam para

cumprimento de tarefas obrigatoacuterias (CRUZ 2012 p 161)

Ao discutir por sua vez o papel de mediadora da leitura pela escola Bastos (2012)

remonta agrave histoacuteria dessa praacutetica no Brasil tratando de uma heranccedila natildeo leitora onde haacute a

rarefaccedilatildeo e esgarccedilamento da praacutetica que sedimenta a justificativa de professoresas para o

distanciamento do livro falta de tempo condiccedilotildees financeiras Esta autora dessacraliza o ato

de ler falando de leituras na relaccedilatildeo leitortextocontexto

A relaccedilatildeo leitortexto soacute tem sentido se houver compreensatildeo do que e para que se lecirc

O papel da escola nesse processo eacute perigoso porque tanto ela pode formar um leitor

criacutetico e assim libertaacute-lo dos preceitos ideoloacutegicos o que seria o ideal como

conduzi-lo para o extremo oposto acorrentando-o agrave ideologia dominante que ao

iludir cria falsos valores (BASTOS 2012 p 194)

Nesse sentido a autora supracitada tece comentaacuterios que satildeo intrincados com a

percepccedilatildeo de formaccedilatildeo discursiva da AD como um conjunto de formas reguladas

atravessando leituras postuladas E que agrave escola que se pretende inclusiva e democraacutetica

cabe ser mediadora de leitura em uma perspectiva que aposte na consciecircncia de que a leitura eacute

produtora e reprodutora de sentidos Bastos (2012) reforccedila uma ideia que lanccedila uma instigante

reflexatildeo sobre os que observam de forma mais questionadora o corrente sentido de leitura

Por fim e talvez mais importante assumir tambeacutem que para grande parte da

populaccedilatildeo a leitura natildeo representa um gecircnero de primeira necessidade e portanto

pode viver sem ela e pouco ou nada tem a ver com a presenccedila ou ausecircncia de prazer

esteacutetico (BASTOS 2012 p 194-195)

No que tange agrave importacircncia das condiccedilotildees sociais de produccedilatildeo e de acesso agrave leitura

Soares (2001) oferece uma importante contribuiccedilatildeo sobre o tema a leitura natildeo existe em um

vaacutecuo em atos isolados e universalizantes Ela estaacute engendrada em relaccedilotildees socialmente

construiacutedas favorecendo o fato de que a interaccedilatildeo seja uma marca do ato de ler Assim ler

tem diferentes valores para as classes sociais para as diferentes etnias e culturas A autora

analisa atraveacutes de resultados de pesquisas com entrevistados de diferentes extratos sociais o

78

quanto ler corresponde a diferentes expectativas Para a classe dominante por exemplo ler

relaciona-se a lazer a prazer agrave ampliaccedilatildeo de horizontes de conhecimentos Por seu turno as

classes dominadas veem na leitura uma funccedilatildeo utilitaacuteria de acesso ao mundo do trabalho agrave

garantia da sobrevivecircncia

No tocante agrave importacircncia dos estudos de gecircnero as reflexotildees de Aras e Cunha (2011)

acerca das divisotildees no mundo de trabalho entre homens e mulheres satildeo pertinentes Essas

autoras pontuam que ao analisarem as relaccedilotildees de gecircnero no magisteacuterio em um curso de

capacitaccedilatildeo para professores e professoras da Rede Estadual de Ensino da Bahia o PROLE

constataram que as mulheres enfrentam uma dificuldade de conciliar tarefas tendo em vista

que se dividem entre a casa e o trabalho de modo extenuante o que revela uma exploraccedilatildeo

nas relaccedilotildees de gecircnero As autoras citam uma pesquisa jaacute um pouco antiga mas que dadas as

proporccedilotildees com que os dados se alteram deve ainda traduzir um quadro bem representativo

da realidade atual Segundo pesquisa feita por Aguiar (2004 apud ARAS CUNHA 2011 p

45) durante a semana a jornada diaacuteria da mulher eacute de 502 minutos 5 maior que a do

homem que trabalha 480 minutos No fim de semana a diferenccedila eacute ainda maior enquanto a

carga masculina eacute de 201 minutos a da mulher eacute de 326 ou seja 62 maior Se a mulher for

matildee este iacutendice cresce ainda mais mesmo que tenha quem a ajude Esses dados e demais

outros revelados pelas autoras refletem uma cultura que molda um lugar para a mulher o

espaccedilo privado e que mesmo tendo estaacute avanccedilado em conquistas sociais que a potildeem no

espaccedilo puacuteblico haacute uma cultura machista que oprime as mulheres trabalhadoras dando-lhes

um papel central na administraccedilatildeo da vida familiar na educaccedilatildeo dos filhos nas tarefas

ldquonaturalizadasrdquo como femininas Aras e Cunha (2011) avaliam o quanto os estudos de gecircnero

constroem bases importantes para a reflexatildeo desse sistema desmantelando as assimetrias no

interior da famiacutelia

Por sua vez Sardenberg e Suzarte (2011) discutem a importacircncia da perscruta dos

sujeitos que se encontram nas escolas ouvindo o que ressoam suas vozes As autoras

refletem a partir de relatos de grupos de mulheres pertencentes agraves camadas populares sobre a

representaccedilatildeo da educaccedilatildeo escolar como perspectiva de empoderamento para os membros

desses grupos As feministas perpassam por questotildees que mostram as representaccedilotildees do

espaccedilo escolar como lugar de esperanccedila e liberdade oportunidade de se emancipar social e

individualmente de prover-se de ldquoum novo instrumental de conhecer e atuar ou ateacute mesmo

de transformar-se

Buscar ressonacircncia das praacuteticas discursivas dosas docentes nas atividades de leitura

realizadas por estesas eacute um trabalho que exige o afiar de sentidos ao qual Louro (2012) se

79

refere Haacute qual espaccedilo nas praacuteticas de leitura nas falas e histoacuterias disseminado para a

discussatildeo da equidade de gecircnero trazida pelo movimento de mulheres e movimentos que

apregoam o respeito agraves diversidades A pesquisadora dos estudos feministas aponta a

importacircncia de buscar uma reflexatildeo que pontue o lugar da escola na construccedilatildeo de um ideaacuterio

de respeito agraves diferenccedilas e agrave alteridade

Portanto se admitimos que a escola natildeo apenas transmite conhecimentos nem

mesmo apenas os produz mas que ela tambeacutem fabrica sujeitos produz identidades

eacutetnicas de gecircnero de classe se reconhecemos que essas identidades estatildeo sendo

produzidas atraveacutes de relaccedilotildees de desigualdade se admitimos que a escola estaacute

intrinsecamente comprometida com a manutenccedilatildeo de uma sociedade dividida e que

faz isso cotidianamente com nossa participaccedilatildeo e omissatildeo se acreditamos que a

praacutetica escolar eacute historicamente contingente e que eacute uma praacutetica poliacutetica isto eacute que

se transforma e pode ser subvertida e por fim se natildeo nos sentimos confortaacuteveis com

essas divisotildees sociais entatildeo certamente encontramos justificativas natildeo apenas para

observar mas especialmente para tentar interferir na continuidade dessas

desigualdades (LOURO 2012 p 89)

E a leitura efetivamente pode ser um instrumento que propicie este ideaacuterio Mas

cabe sempre inquirir que textos circulam nestes espaccedilos regulando modos de subjetivaccedilatildeo da

comunidade escolar No que se refere agrave presenccedila substancial do livro didaacutetico no cotidiano

escolar como um dos principais instrumentos manuseados por docentes e discentes eacute

importante a anaacutelise desse material em seu aspecto poliacutetico e cultural Considerando os

comportamentos sociais que tecircm sido construiacutedos acerca da imagem masculina e feminina

veiculados pelos livros didaacuteticos Marques (2009) assevera que as representaccedilotildees do lugar

social do homem e da mulher ainda satildeo bem demarcadas pelas forccedilas patriarcais e hierarquia

de gecircneros A autora debruccedilou-se entre outros sobre os resultados de uma exaustiva pesquisa

realizada por uma comissatildeo instituiacuteda pelo MEC em 1991 para analisar 80 coleccedilotildees de

Estudos Sociais da 1ordf agrave 4ordf seacuterie E conforme Marques (2009) foram observadas fortes

tendecircncias de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo de conteuacutedos que evidenciam modelos que atestam

papeacuteis sociais para homens e mulheres minados de preconceitos estereoacutetipos e enganosos

quando a imagem da famiacutelia e a da escola eacute a de que vivem isentas de conflitos A autora

revela o quanto o livro didaacutetico discrimina a mulher restringindo o seu universo ao espaccedilo

domeacutestico As imagens como construccedilotildees sociais possuem historicidade na sua posiccedilatildeo A

naturalizaccedilatildeo da divisatildeo sexual dos papeacuteis sociais incorre em uma posiccedilatildeo de imobilidade

social tendo em vista a cristalizaccedilatildeo de modelos o pai provedor e a matildee cuidadora Ele o

homem aparece envolto em leituras trabalho fornecendo agrave famiacutelia sustento e lazer ela a

mulher em funccedilotildees que a limitam agrave casa o que ocasiona a ideia de alienaccedilatildeo

80

Marques (2009) salienta o quanto a emergecircncia dos movimentos de mulheres por sua

cidadania plena a despeito de sua forccedila social natildeo encontra visibilidade nos livros didaacuteticos

Estes equiacutevocos todavia satildeo verificados hoje como natildeo mais representativos

substancialmente dos livros didaacuteticos e paradidaacuteticos fruto de um ativismo dos movimentos

de mulheres que terminou pressionando editoras secretarias estaduais e municipais no sentido

de envidar esforccedilos para que se repense o uso deste instrumento de modo mais criacutetico

Considerando o caraacuteter mercadoloacutegico do livro didaacutetico Marques (2009) salienta o quanto a

formaccedilatildeo doa professora para a escolha do material didaacutetico e sua mediaccedilatildeo com os textos eacute

de relevacircncia inconteste O risco de reproduzirmos discursos e representaccedilotildees machistas e

patriarcais eacute inerente aoagrave educadora imersoa que estaacute ainda em uma sociedade que produz

uma submissatildeo feminina O processo de construccedilatildeo das imagens e textos que povoam uma

subalternidade feminina eacute o que deve ser trabalhado pelo profissional atinente agraves questotildees de

gecircnero

Nesse sentido Louro (2012) ao avaliar o quanto o material didaacutetico eacute reprodutor e

produtor de discurso veiculador de diferenccedilas traz uma reflexatildeo sobre a construccedilatildeo escolar

das representaccedilotildees que segregam

Os livros didaacuteticos e os paradidaacuteticos tecircm sido objeto de vaacuterias investigaccedilotildees que

neles examinam as representaccedilotildees dos gecircneros dos grupos eacutetnicos das classes

sociais Muitas dessas anaacutelises tecircm apontado para a concepccedilatildeo de dois mundos

distintos ainda apresentam a concepccedilatildeo de dois mundos distintos (um mundo

puacuteblico masculino e um mundo domeacutestico feminino) ou para a indicaccedilatildeo de

atividades caracteriacutesticas de homens e atividades de mulheres Tambeacutem tem

observado a representaccedilatildeo da famiacutelia tiacutepica construiacuteda de um pai e uma matildee e

usualmente dois filhos um menino e uma menina (LOURO 2012 p 68)

A relevacircncia dos estudos acima referendados se faz perceber porque esses atrelam a

construccedilatildeo social do discurso em um espaccedilo que se constitui como centro de construccedilatildeo e

exerciacutecio de poder que eacute a escola E ao mesmo tempo em que enseja a reflexatildeo de que em sua

dinacircmica interna essa instituiccedilatildeo cria a possibilidade de processos de contra-hegemonia Eacute

percebida tambeacutem a relevacircncia dos estudos que estruturam uma interface discursividade

leitura e gecircnero na escola por estes propiciarem reflexotildees perspicazes Reflexotildees essas que

satildeo consonantes com o pensamento de Carvalho (2003) quando esta pedagoga militante do

feminismo afirma que das relaccedilotildees de gecircnero natildeo se pode tomar distacircncia ldquo[] de forma

impliacutecita estruturam o trabalho escolar as relaccedilotildees entre docentes e discentes e constituem

as identidades profissionais e pessoaisrdquo (CARVALHO 2003 p 77) Isto se daacute porque na sala

de aula nos curriacuteculos nas relaccedilotildees interpessoais nos conteuacutedos abordados ou natildeo

81

abordados haacute um campo de luta refletindo que a escola estaacute inserida em relaccedilotildees histoacutericas

mediadas e construiacutedas por discursos

Nesse sentido reitero o quatildeo os relatos acima extraiacutedos em sua maioria de um

contexto social que tece leitura em cotidianos na escola satildeo uacuteteis empreacutestimos para esta

anaacutelise considerando que os trabalhos apresentados versam sobre toacutepicos afins ao aqui

desenvolvido relaccedilotildees de gecircnero preconceitos construccedilatildeo de identidades pontuados em

ambiente de leitura

82

3 ANAacuteLISE DOS RESULTADOS INVESTIGATIVOS

O entendimento de que a abordagem de uma pesquisa exige um processo de revisatildeo

e reorganizaccedilatildeo de accedilotildees eacute importante na concepccedilatildeo de um trabalho Essa percepccedilatildeo eacute

consoante com a perspectiva da epistemologia feminista que entende a realidade como um

fenocircmeno histoacuterico cultural e dinacircmico (LOURO 2012 COSTA 2009) E meus passos na

direccedilatildeo e dentro da escola se constituiacuteram de inuacutemeras articulaccedilotildees de accedilotildees com as quais

tracei um norte investigativo objetivando fazer deste estudo algo profiacutecuo ordenado que

perspective contribuir com reflexotildees atinentes agrave educaccedilatildeo como praacutetica emancipadora

problematizadora de modos de subjetivaccedilatildeo

Dando prosseguimento ao rito comum a um processo de investigaccedilatildeo construiacute um

diaacutelogo preacutevio com a direccedilatildeocorpo teacutecnico com osas professoresas e a coordenadora do

projeto agravesaos quais foram explicados o procedimento e os objetivos da pesquisa ao tempo

em que foi solicitada a anuecircncia para sua aplicaccedilatildeo Como a dissertaccedilatildeo deste mestrado possui

caraacuteter interventivo foi explicada agrave equipe tambeacutem sobre a possibilidade de construccedilatildeo de

uma accedilatildeo propositora de trabalho apresentada por esta pesquisadora como fruto da

investigaccedilatildeo desenvolvida Esta informaccedilatildeo foi bem acolhida pela coordenaccedilatildeo do projeto

receptiva agrave possibilidade de crescimento de aprendizado e desejosa de aperfeiccediloar o trabalho

com a leitura pelo menos assim se manifestou

31 O Documento-fundador o natildeo dito significando

Logo nos primeiros contatos com osas integrantes da pesquisa que em consonacircncia

com as pactuadas regras do anonimato precisam aqui ser denominadosas ficticiamente

solicitei informaccedilotildees sobre o projeto de leitura instrumento de anaacutelise para aquele momento

O surgimento tempo de execuccedilatildeo seu formato documentaccedilatildeo criteacuterios para escolha de

textos entre outras indagaccedilotildees foram solicitadas Quando solicitei uma coacutepia do projeto agrave sua

coordenadora Diana cujo tempo de atuaccedilatildeo profissional eacute de 18 anos tive como resposta a

condiccedilatildeo de que o texto seria disponibilizado para que eu o conhecesse mas natildeo poderia

constar como anexo em meu trabalho por respeito ao acordado pacto do anonimato Aceitei a

condiccedilatildeo mesmo argumentando que o problema da identificaccedilatildeo do projeto seria resolvido

com o corte da parte que o identificasse A coordenadora relutou Isto me fez pensar no

campo discursivo mais amplo que eacute a negaccedilatildeo do texto possivelmente nele haveria o que natildeo

83

pode ser visto haveria a ausecircncia do dizer melhor Entendi a sonegaccedilatildeo do texto como a

tentativa de natildeo fazer aparecer o seu pouco labor

E constatei deveras isso quando o documento me chegou agraves matildeos depois de algumas

visitas em que o solicitara Observei que conforme o texto o projeto natildeo fora pensado para

discutir a leitura em sua funccedilatildeo social mais ampla Sem intencionar desqualificar o trabalho

daquela escola natildeo tive como deixar de ver pouca expressatildeo de conhecimento das funccedilotildees da

leitura naquele material Havia ali a mera proposta de decodificaccedilatildeo no lugar do letramento a

tarefa feita para cumprir obrigaccedilatildeo Natildeo estavam pontuados temas problematizando a

implantaccedilatildeo da defesa dos DH nem nenhum tema transversal proposto pelos PCNs constando

como ponto de exploraccedilatildeo no projeto de leitura muito menos o desta pesquisa As relaccedilotildees de

gecircnero conforme averiguei naquele material investigativo natildeo encontram assento no projeto

de leitura a CestaSexta Literaacuteria E eacute sobre isto que discorrerei agora analisando o referido

material como um dos procedimentos geradores de dados desta pesquisa que o eacute

O documento que eacute apresentado agrave Secretaria Municipal da Educaccedilatildeo - SEDEC- em

regra eacute uma exigecircncia deste oacutergatildeo como preacute-requisito para que osas professoresas

readaptadosas que exercem funccedilatildeo em biblioteca justifiquem sua permanecircncia na escola

Essesas profissionais precisam demonstrar estar vinculadosas agraves unidades escolares e

desenvolvendo trabalho pedagoacutegico a fim de assegurarem a manutenccedilatildeo da gratificaccedilatildeo

docente que perderiam caso saiacutessem da funccedilatildeo de professoresas e do espaccedilo escolar

Observar como esse documento eacute articulado e seu comprometimento com o que se

propotildee a fazer me remeteu a um compromisso eacutetico com o qual desejo afirmar aqui que natildeo

tenho a palavra final sobre do que necessariamente se deve constituir um trabalho desta

natureza mas faccedilo minhas leituras minhas anaacutelises E nessas leituras que natildeo poderiam ser

soacute minhas em uma perpeacutetua dialogia com Freire (1988 2002) Moita Lopes (2002) Foucault

(2011) Orlandi (2008) e com tantosas outrosas estudiososas e natildeo estudiososas

compreendo que eacute preciso supor que um texto nunca fornece todas as condiccedilotildees de sua leitura

(POSSENTI 2009)

Assim leio o documento do projeto de leitura da escola buscando sua

intertextualidade suas condiccedilotildees de produccedilatildeo seus ditos e natildeo-ditos Penso entatildeo sobre seu

nascedouro quem o produziu e por que o fez Procurei observar se aquele documento

expressava interesse pedagoacutegico intersubjetivo ou a exigecircncia da SEDEC teria sido a causa da

sua elaboraccedilatildeo ou seja motivaccedilatildeo externa administrativa E me interessei pelo que existe e

natildeo existe ali dizendo da realidade social que o produziu quem observa sua confecccedilatildeo sua

aplicaccedilatildeo ou natildeo-aplicaccedilatildeo A SEDEC exige uma produccedilatildeo acadecircmica mas o impacto da

84

execuccedilatildeo desta tarefa na atividade escolar parece natildeo ser devidamente acompanhado Essa

questatildeo jaacute me envereda para uma reflexatildeo sobre poliacutetica puacuteblica de gestatildeo educacional que

natildeo eacute de competecircncia desta pesquisa mas que ao fim e ao cabo faz sentido explorar tal

inquietaccedilatildeo pela relaccedilatildeo que haacute entre o labor do projeto e sua existecircncia e aplicaccedilatildeo

As indagaccedilotildees que produzi diante daquele documento eram sustentadas por uma

intenccedilatildeo de observar inicialmente se a tocircnica do projeto concebia a leitura como uma praacutetica

cultural natildeo neutra inserida nas relaccedilotildees de poder Se enfim era concebida como campo de

disputa espaccedilo de poder Afastando-se da defesa da leitura como tese unicamente advogo a

da leitura como utopia semeada por olhos de quem ama e faz educaccedilatildeo porque luta por

praacutetica de liberdade como defendeu Paulo Freire ao longo de sua vida e obra E a leitura

nessa perspectiva faz da educaccedilatildeo o ponto amoroso em que Hanna Arendt diz dever ser nas

palavras da autora ldquoa educaccedilatildeo eacute o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante

para assumirmos a responsabilidade por ele e com tal gesto salvaacute-lo da ruiacutena que seria

inevitaacutevel natildeo fosse a renovaccedilatildeo e a vinda dos novos e dos jovensrdquo (ARENDT 2009 p 247)

Sem querer mais uma vez reforccedilo desfazer do trabalho realizado na escola

TRAVESSIA natildeo posso omitir que enxerguei que aquele documento natildeo dizia desse

compromisso propalado pelos pensadores acima E assim o concebo quando olho a vaguidatildeo

com que ele se veste no que diz respeito aos seus objetivos e procedimentos metodoloacutegicos

Obviamente natildeo posso restringir a praacutetica leitora do projeto ao que estaacute marcado no referido

documento Sem relaccedilotildees ingecircnuas com a linguagem como propotildee a AD que afirma com

Orlandi (2008) que quando se lecirc considera-se natildeo o que estaacute dito mas tambeacutem o que estaacute

impliacutecito entre o que eacute feito e proposto existe o caminho do exequiacutevel que eacute atropelado

muitas vezes por adversas condiccedilotildees de trabalhos

E precisei atentar para o que aquele projeto anuncia fazer observando suas

articulaccedilotildees entre objetivos accedilotildees metodologia No tocante a essas articulaccedilotildees natildeo constam

ali explicitadas entre seus objetivos as temaacuteticas transversais recomendadas pelos PCNs

muito menos a de gecircnero Assim considerando que os sentidos de um texto passam por outros

textos o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero natildeo contemplado nas vozes perscrutadas

anteriormente em meus primeiros contatos com os sujeitos pesquisados ressoava sua

ausecircncia ali tambeacutem E da leitura daquele documento extrai que natildeo haacute a presenccedila do tema

proposto por esta pesquisa para inquiriccedilatildeo estaacute todavia posto ali como objetivo geral do

projeto desenvolver o gosto pela leitura escrita e arte visando agrave construccedilatildeo de uma

identidade poeacutetica formaccedilatildeo de cidadatildeos reflexivos e leitores autocircnomos

85

Atrelada agrave minha questatildeo problema natildeo adentrei para a investigaccedilatildeo do que seria

essa identidade poeacutetica que jaacute tem outra nuance investigativa Mas o toacutepico a formaccedilatildeo de

cidadatildeos [cidadatildes] reflexivos[as] entranha-se com meu objeto de pesquisa e indaguei como a

AD indaga como isso significa para aquela unidade escolar pressionada por uma instacircncia

administrativa a produzir um documento e um trabalho Como significa para aquela

educadora a formaccedilatildeo de uma cidadania reflexiva mediada por praacuteticas leitoras A efetivaccedilatildeo

disso passa necessariamente por textos lidos selecionados apresentados sob diversos

suportes imersos em escolhas que expressem comprometimento com os problemas sociais

com a construccedilatildeo dos processos que debatem tais problemas vinculados aos interesses dosas

leitoresas Natildeo pude saber entretanto por este documento quais seriam os textos

selecionados para a empreitada de trabalhar a formaccedilatildeo cidadatilde pois natildeo havia nas referecircncias

bibliograacuteficas do mesmo indicaccedilatildeo alguma de como as aulas seriam subsidiadas em termos de

textos Esta omissatildeo pode indicar que para aleacutem da sonegaccedilatildeo desta informaccedilatildeo anunciar

negligecircncia pode haver mais sentidos nesta ausecircncia

Aleacutem daquilo que eacute dito analisar discursos eacute tambeacutem atentar para o que natildeo eacute dito

que conforme a AD nos silecircncios nas interdiccedilotildees haacute formas especiacuteficas dos sujeitos

construiacuterem significados E haacute naquele documento uma ausecircncia de dito significando um

evento discursivo no qual a produccedilatildeo as relaccedilotildees de poder a circulaccedilatildeo dos textos e seu jogo

discursivo natildeo estatildeo explicitados quem produz o debate da formaccedilatildeo cidadatilde e como o produz

natildeo se consegue saber atraveacutes de textos elencados E o ato de ler como praacutetica adotada pela

escola natildeo dispensa um planejamento criterioso no qual se saiba o que se vai ler o porquecirc se

vai ler quando se vai ler mesmo que a seleccedilatildeo dos textos deva ser flexiacutevel para ajustes Isso

se deve fazer para que se evite uma praacutetica riacutegida e impositiva haacute uma realidade dinacircmica

que deve ser contemplada com espaccedilo para a inserccedilatildeo de leituras que possam emergir em

consonacircncia com interesses advindos da comunidade escolar Daiacute ser compreensiacutevel que natildeo

haja uma seleccedilatildeo de textos consagradamente fechada mas sua ausecircncia pode estar indicando

na direccedilatildeo de que as accedilotildees do projeto estatildeo passando ao largo de uma leitura norteada

imbuiacuteda de uma accedilatildeo poliacutetica criteriosamente edificada

Esta constataccedilatildeo ficou mais evidenciada quando observei os objetivos especiacuteficos

(OE) do referido documento Haacute uma quantidade elevada desses (sete) os quais natildeo cumprem

devidamente a funccedilatildeo de pormenorizar as accedilotildees que se pretendem alcanccedilar de forma a

estabelecer estreita relaccedilatildeo com o descrito nos objetivos gerais no que diz respeito agrave

competecircncia da formaccedilatildeo de cidadatildeos [cidadatildes] Considerei a princiacutepio redutor selecionar

unicamente o texto literaacuterio para compor os OE do trabalho E eacute o primeiro que estaacute elencado

86

Diversificar a leitura com textos literaacuterios previamente selecionados Eleger este gecircnero e

deixar de fora pelo menos eacute o que natildeo estaacute explicitado uma gama de formas discursivas que

perpassam o cotidiano escolar eacute desconsiderar o sujeito-leitor e seu lugar social eacute

desconsiderar que a sala-de-aula eacute um espaccedilo complexo onde subjetividades marcadas por

lugares sociais distintos possuem interesses iacutempares Esta eleiccedilatildeo portanto eacute redutora Por

mais que haja razotildees profiacutecuas para se trabalhar a literatura na escola pela presenccedila de

categorias no texto literaacuterio como as da experiecircncia esteacutetica da ludicidade do estranhamento

da subjetividade do aguccedilamento da criatividade do aticcedilamento da imaginaccedilatildeo haacute um

equiacutevoco em eleger apenas o literaacuterio como texto para ser trabalhado Esta escolha tambeacutem

vai na contramatildeo do que recomendam os PCNs (BRASIL 2001 p 36) que apontam para a

pertinecircncia de que a escola promova em seus estudos uma variedade de gecircneros tendo o

literaacuterio como mais um deles

O equiacutevoco da confecccedilatildeo do documento eacute perceptiacutevel tambeacutem por natildeo ser visto ao

longo do seu texto o apontamento de temaacutetica que tenha relaccedilatildeo com a formaccedilatildeo da

cidadania A formaccedilatildeo de cidadatildeos[cidadatildes] reflexivos[as] que o projeto de leitura da escola

aponta em seus objetivos gerais passa por uma contemplaccedilatildeo de leituras que natildeo estaacute ali

desenhada Sem escavar temas que estatildeo na invisibilidade na superficialidade naturalizados e

distantes dos propoacutesitos da pauta reivindicatoacuteria dos DH esse pretenso sujeito reflexivo eacute

mera ornamentaccedilatildeo de projetos de leituras As secretarias de Educaccedilatildeo das escolas puacuteblicas

brasileiras sabem que eacute tarefa hercuacutelea construir leitoresas criacuteticosas e que um dos entraves a

isso estaacute na maacutequina do poder puacuteblico despreparada desequipada para proporcionar

condiccedilotildees favoraacuteveis agrave praacutetica leitora Isto pode ser visto pela inoperacircncia de natildeo fazerem

com que seusuas educadoresas sejam bonsboas leitoresas para que de forma competente

possam atuar como agentes de letramento Assim sem o devido compromisso com a leitura

demonstram estar esses oacutergatildeos administrativos quando engavetam projetos de leituras

anualmente solicitando novos a cada ano letivo sem acompanhar suas feituras que em regra

se diz por aiacute satildeo sem esmeros cumprindo tarefa administrativa como me pareceu este na

escola TRAVESSIA

A fragilizaccedilatildeo com que se organiza o projeto eacute notaacutevel ainda quando se busca em sua

metodologia a articulaccedilatildeo das accedilotildees que promovem os passos que objetivam propor a

formaccedilatildeo da cidadania reflexiva Entre as accedilotildees propostas que constam de oficinas de leitura

escrita de artes de imagens destinadas a alunosas do 6ordm ao 9ordm ano ocorridas em salas e na

biblioteca haacute como enunciado metodoloacutegico que haveraacute planejamento mensal para a seleccedilatildeo

de textos e das dinacircmicas voltado para um contexto relevante para a vida pessoal e social

87

Primeiramente natildeo se esclarece exatamente o que seria este contexto relevante a expressatildeo eacute

vaga Depois chamou-me atenccedilatildeo o quanto a expressatildeo tema foi citada vagamente por

diversas vezes [] explorando o imaginaacuterio e as referecircncias que os alunos tecircm sobre os

temas textuais Natildeo haacute entretanto evidecircncia alguma de quais textos e temas seratildeo

trabalhados Esta inexatidatildeo me fez enxergar impropriedade na proposiccedilatildeo Em uma das

atividades propostas assim aparece levantar as referecircncias que os alunos tecircm sobre os temas

dos textos E de novo quais textos e temas conforme a redaccedilatildeo do projeto natildeo foi possiacutevel

levantaacute-los naquele documento Outra vez haacute uma frase solta compondo o texto Sequer uma

referecircncia aos temas transversais propostos pelos PCNs foi feita Mas no natildeo-dito acerca de

uma tarefa que eacute propositura da escola que deveria atuar pela exiacutemia preocupaccedilatildeo de

contribuir deveras com a construccedilatildeo de uma leitora ativoa a questatildeo-problema por mim

levantada nesta pesquisa foi respondida na leitura do documento Verifiquei deveras que

considerando o que estaacute posto ali por aquele texto-fundador natildeo se contempla o debate sobre

a equidade de gecircnero no projeto de leitura da escola TRAVESSIA

32 O acervo bibliotecaacuterio dos paradidaacuteticos estantes que enunciam

E como travessias natildeo se fazem sem caminhadas caminhei mais pela escola em

busca de perscrutar o que anunciam as vozes docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero na via da

leitura Caminhei contornando em alguns momentos e espaccedilos a anguacutestia pela percepccedilatildeo da

ausecircncia do desejo nosas fazedoresas da educaccedilatildeo por uma leitura como praacutetica social que

construa significados e proponha novos modos de subjetivaccedilatildeo Contornando sem receita

(ningueacutem eacute portador de saiacutedas solitaacuterias) nem elixir nem liccedilotildees nem textos prontos Apenas

escutando sentindo entendendo que a constituiccedilatildeo de uma alunoa leitora pode desaguar em

um mar de ativismo social em um mar que desemaranhe a promoccedilatildeo de um sujeito criacutetico

arguitivo reflexivo natildeo apenas pelo que se lecirc mas de qual lugar e para que se lecirc Para isso

deve haver uma dimensatildeo eacutetica no ato de ler natildeo meramente teacutecnica como costuma grassar

nas escolas pouco afeitas a pensar a leitura de modo perquisitivo Esta dimensatildeo eacutetica natildeo se

semeia em escola assolada por pragmatismo que natildeo ama a educaccedilatildeo essa dimensatildeo

conforme Arendt (2009) anuncia tem no amor a medida de nossos compromissos Eacute

dimensatildeo que abarca decisatildeo poliacutetica eacute escolha pela salvaccedilatildeo pela convicccedilatildeo do

inacabamento freireano (FREIRE1999)

Muito brevemente fui percebendo entatildeo que na escola TRAVESSIA as relaccedilotildees de

gecircnero natildeo perpassavam como debate proposto pelo seu referido projeto de leitura E outra

88

comprovaccedilatildeo disso foi aferida pela consulta que fiz do acervo da biblioteca especificamente

no que se refere agraves obras paradidaacuteticas que satildeo as selecionadas para investigaccedilatildeo em termos

de levantamento natildeo propriamente de anaacutelise dos textos neste estudo Em uma pequena

prateleira havia alguns livros tive o cuidado de ler suas fichas catalograacuteficas e identifiquei

que em nenhum deles tematizava-se gecircnero Conforme ainda me respondeu a coordenadora

do projeto de leitura nas listas de livros da biblioteca natildeo estava disponibilizada nenhuma

obra pelo menos que fosse de seu conhecimento que tratasse da temaacutetica de gecircnero

Indaguei-lhe se alguma educadora ou alunoa jaacute havia manifestado o interesse de procurar

obras com esta temaacutetica Respondeu-me que natildeo

E de fato parece natildeo haver uma existecircncia farta de textos publicados para a

literatura infanto-juvenil trazendo o foco especiacutefico no tema das relaccedilotildees de gecircnero em uma

perspectiva de resistecircncia de oferta de um olhar desconstrutor de formas de se constituir

subjetividades masculinas e femininas Existem obras como A bolsa amarela de Lygia

Bojunga Nunes (2003) Faca sem ponta e galinha sem peacute de Ruth Rocha (2008) e outras

poucas no universo literaacuterio infanto-juvenil brasileiro que enfocam a temaacutetica de gecircnero e

que poderiam estar entre os parcos livros daquele espaccedilo-leitor mas natildeo estatildeo

Mesmo assim a ausecircncia de obras que tratem das iniquidades de gecircnero agrave luz de sua

problematizaccedilatildeo por si soacute natildeo eacute referecircncia de que natildeo haacute a temaacutetica em tela naquele espaccedilo

Ademais a ausecircncia de obras emblemaacuteticas que pontuem o debate proacute-equidade natildeo eacute oacutebice

para que se olhe a questatildeo do alto das indicaccedilotildees das diretrizes educacionais que propotildeem o

desmantelo das assimetrias de gecircnero Para isto basta que se problematizem as leituras de todo

um artefato cultural com sentidos que sedimentam um imaginaacuterio inferiorizante da mulher e

constroem o diferente como abjeto Basta natildeo silenciar diante de artefatos que circulam

construindo sentidos e configurando infacircncias e adolescecircncias prensadas em estereoacutetipos de

gecircnero Estes artefatos circulam socialmente e podem ser lidos como a AD pontua indagar

natildeo o que o texto significa mas como significa

Os sentidos segundo essa disciplina natildeo satildeo fixos natildeo existem em si mesmos

mesmo que sejam administrados (PEcircCHEUX 2012) A escola por isto deve olhar com

atenccedilatildeo todo artefato que lhe chega e o que ela produz como uma forma de militar pela

construccedilatildeo de uma praacutetica de liberdade na qual homens e mulheres desfamiliarizam-se com

as incontaacuteveis narrativas que cruzam suas heterogecircneas formaccedilotildees discursivas Se isto natildeo faz

parte do cotidiano das praacuteticas leitoras dosas educadoresas assimilado como uma questatildeo

poliacutetica uma questatildeo de resistecircncia assimilado aleacutem do que propotildee cursos de formaccedilatildeo de

nada adiantam obras construiacutedas agrave luz da teoria de gecircnero postas em um acervo bibliotecaacuterio

89

De toda sorte a ausecircncia de textos que evoquem leituras militantes fala de uma presenccedila natildeo-

dita fala de um vazio preenchido por uma leitura descomprometida com a pauta

reivindicatoacuteria dos direitos das mulheres e dos direitos da populaccedilatildeo LGBT (leacutesbicas gays

bissexuais travestis transexuais e transgecircneros)

33 Os relatos as subjetividades os jogos discursivos

Nos percalccedilos da travessia na escola verifiquei tambeacutem por outros modos conforme

propus como empiria desta pesquisa que ali natildeo se dava visibilidade ao debate sobre as

relaccedilotildees de gecircnero Comprovei isso ainda pelos depoimentos de educadoresas que em vaacuterios

momentos nos diaacutelogos que tivemos ressaltaram perceber a ausecircncia do tema mesmo

reconhecido por alguns a sua relevacircncia para a construccedilatildeo da cidadania plena Houve registros

orais disso por parte de profissional da biblioteca e de demais educadoresas os quais irei

descrevecirc-los ao longo deste capiacutetulo por consideraacute-los relevantes para a anaacutelise Um desses

registros se deu no relato proferido pela professora Denise que entre as tarefas de emprestar

e guardar livros aquela profissional relatou-me que guarda assiduamente aleacutem de livros

histoacuterias de vida de alunosalunas desabafando sobre conflitos

Denise que estaacute na TRAVESSIA haacute seis anos atesta que haacute naquela unidade escolar

muitos problemas ligados agrave questatildeo da sexualidade da identidade da violecircncia de gecircnero e

domeacutestica Ouvi atentamente a ecircnfase que deu na violecircncia domeacutestica trazida de casa por

meninos e meninas que para esta profissional provoca-lhes ansiedade e revolta Daquela

informante extrai que acirrados conflitos de natureza de gecircnero vividos por aquele grupo de

crianccedilas e adolescentes satildeo como que despejados ali Assim compreendi ser quando lhe

indaguei acerca de accedilotildees para o enfrentamento desses conflitos e afora os atendimentos pelos

especialistas o que eacute tiacutepico e corriqueiro ela me respondeu que natildeo se faz mais nada naquele

espaccedilo Esse nada esteve como resposta referente agrave indagaccedilatildeo que lhe fiz pontuando se o

projeto de leitura natildeo trabalhava especificamente em forma de debates com textos que

evocassem reflexotildees socializaccedilatildeo envolvimento com as famiacutelias e enfrentamento dessas

questotildees

A cada momento no chatildeo da escola natildeo me passava incoacutelume a presenccedila tatildeo

avassaladora de conflitos envolvendo violecircncia de gecircnero reveladas pelas praacuteticas discursivas

de outrosas informantes desta pesquisa Em uma de minhas visitas agrave escola todavia em 4 de

outubro2013 registrei um relato que me fez refletir com mais ecircnfase sobre as relaccedilotildees de

poder como praacuteticas integrantes do cotidiano em grande extensatildeo Esta reflexatildeo se deu

90

quando dialoguei com Rosa professora de Inglecircs haacute vinte anos Soliacutecita em me atender a

educadora revelou por diversas vezes o desejo de desabafar mas expressando sinceridade

mesmo que me chocasse E falou enfaticamente a partir de um status conservador que rejeita

os estudos e as bandeiras dos DH as ideias sobre sexualidade e gecircnero defendidas por

ldquoeducadoresas modernosrdquo por achar que o mundo bom em seu dizer ldquoeacute aquele onde

existem regras moral repressatildeo E que isto parece querer acabarrdquo

Para Rosa as tecnologias enunciativas que propotildeem uma nova ordem de reflexatildeo e

comportamento eacute uma desordem um mal Natildeo exatamente com essas palavras mas trazendo

este sentido respondeu-me a docente quando lhe indaguei acerca da inserccedilatildeo do debate dobre

gecircnero respaldada nas questotildees trazidas pela legislaccedilatildeo educacional Seu olhar aposta na

repressatildeo no silecircncio em especial agraves garotas que estatildeo muito soltas a seu ver Esta

informante sem o menor embaraccedilo relatou-me que a escola vivia momentos difiacuteceis com

uma explosatildeo da sexualidade da sua juventude e que isso era efeito da falta ldquode freiordquo Para

sustentar suas ideias relatou-me um fato haviam recentemente passado por uma experiecircncia

dificiacutelima com a depressatildeo de uma jovem que se autoflagelou (cortando o corpo em vaacuterias

partes) depois de ter tido sua imagem exposta publicamente em rede social quando fez sexo

com vaacuterios garotos e permitiu que eles filmassem o ato O comportamento da aluna opinou a

educadora foi muito vulgar rendeu-lhe depressatildeo chacota desonra preocupaccedilotildees para a

famiacutelia

Da discursividade de Rosa emanava rigidez de comportamento repressatildeo inclusive

fazendo a defesa do controle dos corpos pela instituiccedilatildeo Sem nenhum ressentimento de estar

errada nem extemporacircnea esta docente assumiu que se preocupava veementemente com as

roupas as danccedilas os comportamentos das meninas que a seu ver eram consideradas como

ldquoassanhadinhas perdidasrdquo Sua vigilacircncia acreditava esta informante era o melhor para a

escola E de forma diferenciada dirigia o controle a meninos e meninas para elas os

cuidados eram focados na sexualidade com relaccedilatildeo aos garotos a vida social deles como um

todo tinha sua apreensatildeo Aos meninos preocupaccedilotildees de natureza diferente eram por ela

dispensadas cuidados com as drogas o aprendizado a violecircncia a marginalidade Agraves

questotildees ligadas agrave sexualidade e ao corpo dos garotos havia um silecircncio um natildeo dito

permissivo da parte dela como se soacute a eles lhes coubesse o direito de viver seus desejos

sexuais

Ao ouvir a apropriaccedilatildeo do discurso da construccedilatildeo das desigualdades de gecircnero

naquela voz educadora veio-me pela memoacuteria discursiva agrave lembranccedila o discriminador dito

popular ldquosegure sua cabrita que meu bode estaacute soltordquo O ditado que trata assimetricamente

91

homens e mulheres veio-me [meu bode estaacute solto] pelo silecircncio permissivo da educadora agrave

ordem machista quanto ao que podem os meninos satildeo livres E veio-me [segure sua cabrita]

pela fala dela quanto agrave ordem repressiva do que natildeo podem as meninas precisam de

cabrestos Tatildeo iniacutequo esse dito poderia ser pronunciado por aquela voz educadora para

sintetizar seu olhar insensiacutevel agraves questotildees trazidas pelos campos dos estudos de gecircnero Um

olhar de uma educadora turvado de preconceito machista em meio a toda uma

problematizaccedilatildeo que o coletivo de mulheres tenta construir sobre igualdade de direitos eacute um

olhar que destoa com praacuteticas de liberdade e aduz com a indagaccedilatildeo de Foucault no tocante agrave

regulaccedilatildeo dos comportamentos entre outras instituiccedilotildees pela escola

O que eacute afinal um sistema de ensino senatildeo uma ritualizaccedilatildeo da palavra senatildeo uma

qualificaccedilatildeo e uma fixaccedilatildeo de papeacuteis para os sujeitos que falam senatildeo a constituiccedilatildeo

de um grupo doutrinaacuterio ao menos difuso senatildeo uma distribuiccedilatildeo e uma apropriaccedilatildeo

do discurso com seus poderes e seus saberes [] (FOUCAULT 2011 p 44-45)

Na consonacircncia com o que diz Foucault (2011) os depoimentos de Rosa podem ser

vistos como os que se apropriam de um discurso que se arvora no papel de controlar sujeitos

pautados no poder institucional escolar E mesmo quando este poder passa a ser enxertado por

outra ordem discursiva que abala pilares conservadores a educadora eacute refrataacuteria agrave nova

ordem e defende o controle da doutrina da coerccedilatildeo de comportamentos tachando as alunas

que se lanccedilam nas descobertas da sexualidade como vulgares Isso fez com que ela fosse

redutora no olhar que dirigiu agrave menina de sua histoacuteria viacutetima do machismo de um grupo de

colegas ainda eacute a condenada pela autoridade escolar Indaguei-lhe o que fizeram com os

meninos que expuseram a garota Sua resposta anunciou um conservadorismo atravessado por

gecircnero

- Foram chamados na direccedilatildeo advertidos Mas satildeo homens

Homens que usam mulheres humilham-nas expotildeem-nas A ressalva pontuada pela

materialidade linguiacutestica da conjunccedilatildeo adversativa mas no enunciado de Rosa reforccedila seu

olhar segregacionista machista seu status de sujeito que anuncia de um lugar conservador

ldquoMas satildeo homensrdquo eacute o enunciado campo para o natildeo dito brotar nada lhes pega mal na

instacircncia da sexualidade assim subjaz um discurso assimeacutetrico de gecircnero naquela voz Na

concepccedilatildeo daquela educadora ser homem eacute um atributo para a libertinagem aleacutem do direito agrave

liberdade

92

Percebi ali que passando ao largo de um debate que contemple problematizar

preconceitos machistas assimetrias de gecircneros alguns profissionais aleacutem de Rosa lidam de

forma tensa e iniacutequa com o despertar da sexualidade dessesas jovens especialmente na

representaccedilatildeo dos papeacuteis do masculino e do feminino Vale todavia fazer o registro de que

osas colaboradoresas observadosas e entrevistadosas natildeo podem ser vistos como

vilotildeesvilatildes nem portadoresas de verdades ou falsidades mas como sujeitos que se engrenam

em poderes e saberes culturas comportamentos disciplinados historicamente dados por isso

passiacuteveis de movecircncias de transformaccedilotildees

34 O questionaacuterio e outros relatos entrelaccedilando discursividades

E ainda sequenciando a explanaccedilatildeo do campo empiacuterico que faz parte desta pesquisa

pontuo que averiguei o quanto o projeto de leitura era desvinculado de uma problematizaccedilatildeo

sobre as relaccedilotildees de gecircnero com base na anaacutelise das respostas do questionaacuterio aplicado junto

agravesaos educadoresas Aqui farei o entrelaccedilamento da anaacutelise dos resultados deste instrumento

com mais relatos que geraram dados para este estudo

Como um dos pontos do processo investigativo recorri agrave aplicaccedilatildeo do questionaacuterio

com osas demais educadoresas envolvidosas com o projeto com o propoacutesito de avaliar

como a accedilatildeo leitora eacute apreendida por outros sujeitos considerando que inicialmente apenas

trabalhei com a coordenaccedilatildeo do projeto A aplicaccedilatildeo deste instrumento foi solicitada depois

de alguns diaacutelogos com membros da equipe pedagoacutegica da escola agrave Diana coordenadora do

projeto de leitura que de forma bastante soliacutecita concordou disponibilizando-se para

colaborar e recebeu em matildeos dez coacutepias do questionaacuterio para distribuir com educadoresas

integrantes do trabalho ali desenvolvido Anteriormente jaacute havia feito o convite aosagraves

professoresas para que participassem da pesquisa assegurando-lhes o respeito ao anonimato

caso assim o desejassem Dos dez instrumentos entregues apenas de um natildeo houve a

devolutiva o que me fez ter a colaboraccedilatildeo de um nuacutemero satisfatoacuterio considerando o total de

professoresas na instacircncia educacional em tela envolvidosas com o referido projeto

Para esse instrumento investigativo foram articulados enunciados pensando na

contribuiccedilatildeo para as reflexotildees que preciso construir considerando que o sujeito fala sempre a

partir de especiacuteficas posiccedilotildees histoacutericas e culturais de praacuteticas descontiacutenuas que se cruzam

se desconhecem se justapotildeem enfim que natildeo se pode apreendecirc-las de forma objetiva e

neutra (cf FOUCAULT 2011 2012) Vale ressalvar entatildeo de que a interaccedilatildeo que eacute feita com

as respostas dadas no documento investigativo natildeo pode ser vaticinada como uma revelaccedilatildeo

93

objetiva do real se assim o fosse natildeo estaria partilhando com a perspectiva foucaultiana

como tambeacutem com a da criacutetica feminista poacutes-estruturalista as quais concebem que a verdade

eacute uma produccedilatildeo discursiva histoacuterica e social o que indica que natildeo haacute a verdade mas haacute a que

prevalece

No tocante agrave aplicaccedilatildeo do questionaacuterio ouvi dosas respondentes em contatos

fortuitos que as questotildees formuladas foram bem interessantes A qualificaccedilatildeo de interessante

pelo que assimilei deveu-se agraves formulaccedilotildees que fizeram com que osas educadoresas

informantes refletissem sobre as suas praacuteticas discursivas Guiei-me para a confecccedilatildeo deste

instrumento investigativo entre outras pelas reflexotildees que o Poacutes-Estruturalismo traz em

termos de abrir caminhos para se pensar a realidade pontuando uma poliacutetica de

problematizaccedilatildeo da diferenccedila racial eacutetnica e de gecircnero As questotildees levantadas no

instrumento investigativo foram elaboradas considerando tambeacutem o norte interrogativo de que

se havia tal poliacutetica no que se refere agraves questotildees de gecircnero adentrado o espaccedilo escolar

E desse modo considerando que apoacutes a inserccedilatildeo da temaacutetica de gecircnero nas duas

uacuteltimas deacutecadas por meio tambeacutem de elementos enunciativos oficiais como os PCNs (1997) e

a LDBEN-96 que indicam o respeito agrave diversidade e agrave igualdade de direitos fui investigar

com este instrumento se oa educadora estava sendo formadoa para atuar (ou natildeo) por uma

sociedade em que as assimetrias de gecircnero fossem combatidas Por seu turno trazendo a

interface temaacutetica de gecircnero com a perspectiva da leitura discursiva na qual ler eacute mais do que

decodificar eacute se inscrever socialmente procurei elaborar questatildeo que pontuasse como a

leitura se desenvolvia no projeto

Busquei enfim enunciados que tratassem das discursividades docentes referentes agrave

construccedilatildeo social do gecircnero e agrave leitura como praacutetica social Assim os propus

1 O que a leitura significa para a escola expressada atraveacutes do seu projeto A

CestaSexta Literaacuteria (marque ateacute trecircs principais questotildees)

1a ( ) Instrumento de ajuda na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo

1b ( ) Uma atividade prazerosa

1c ( ) A escola natildeo valoriza a leitura

1d ( ) A escola valoriza pouco a leitura

1e ( ) Um estiacutemulo agraves transformaccedilotildees sociais

Outra __________________________________

Trecircs enunciados foram sumamente considerados 1a 1c e 1e instrumento de ajuda

na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo a escola natildeo valoriza a leitura e o de que eacute um estiacutemulo agraves

transformaccedilotildees sociais Chamou-me atenccedilatildeo a marcaccedilatildeo de que a escola natildeo valoriza a leitura

94

(1c) por tudo o que essa praacutetica pode significar marcado no uacuteltimo item possibilidade de

mudanccedilas sociais Tambeacutem a ausecircncia de marcaccedilatildeo no enunciado que vecirc na leitura uma

atividade prazerosa (1b) eacute um indicativo que incita reflexotildees considerando que a formaccedilatildeo

doa leitora tem vinculaccedilatildeo profunda com o prazer de ler E estas reflexotildees me trazem agrave

lembranccedila a informaccedilatildeo da 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil na qual eacute

pontuada a problemaacutetica de que a escola brasileira natildeo sedimenta a leitura oferece o acesso

mas natildeo sabe semear o prazer pelo ato de ler Segundo indicadores da pesquisa aqui os

rememorando 44 dos alunos da rede privada e 46 da puacuteblica afirmaram ter como

motivaccedilatildeo para a leitura a exigecircncia da escola Com as reflexotildees que a natildeo-marcaccedilatildeo do

enunciado 1b suscita vieram-me agrave lembranccedila tambeacutem Carlos Drummond de Andrade

(1983) e Rubem Alves (2004) quando esses aticcedilam poeticamente o desejo pelos requintes do

mergulho nas deliacutecias das leituras natildeo-obrigatoacuterias das que nascem da fome de ler da fome

de aticcedilar a imaginaccedilatildeo as reflexotildees que podem advir de uma leitura fecunda

Esse enunciado natildeo marcado pelosas educadoresas pontua uma denuacutencia de

desvalor pela escola a uma de suas eleitas funccedilotildees formadoras a da leitura Decerto que isto

reflete todo o descaso que o poder puacuteblico historicamente tem feito em termos de poliacuteticas

voltadas ao estiacutemulo agrave leitura agrave valorizaccedilatildeo da educaccedilatildeo Haacute uma heranccedila de deficiecircncia

educacional da qual soacute recentemente se tem cuidado natildeo ainda o suficiente ainda de modo

piacutefio melhor dizendo mas despontam investimentos maiores do que jaacute houve Investimentos

piacutefios ou natildeo investimentos Este eacute um legado que tatildeo bem lembra Werthein (2008) ao citar

as relaccedilotildees de poder-saber pertencentes agrave elite econocircmica brasileira que se instruiacutea na

Europa agrave eacutepoca do Brasil Colocircnia enquanto que ao povo lhe era negado o direito agrave escola

Quando o acesso agrave educaccedilatildeo puacuteblica se torna realidade a qualidade natildeo faz parte desta

conquista Disto se sabe a estrutura que a educaccedilatildeo puacuteblica oferta aos seus usuaacuterios em

termos de praacuteticas leitoras eacute deficitaacuteria As salas de aulas lotadas os pequenos acervos as

escolhas dos livros com os criteacuterios mercadoloacutegicos agrave frente os parcos recursos tecnoloacutegicos

para facilitarem animaccedilotildees adequadas a pouca reflexibilidade das famiacutelias quanto agrave leitura

em casa entre tantas outras satildeo condiccedilotildees que educadoresas elencam como obstaacuteculos a uma

experiecircncia prazerosa com a leitura

As condiccedilotildees limitadoras acima elencadas natildeo foram extraiacutedas pelas respostas ao

questionaacuterio Foram informaccedilotildees que obtive em diaacutelogo com a professora Mari em uma das

minhas visitas agrave escola (diaacuterio de campo13set2013) Apoacutes esta me informar sobre a

ausecircncia da temaacutetica de gecircnero em suas praacuteticas indaguei-lhe se natildeo considerava pertinente

trabalhar com textos que abordassem a violecircncia de gecircnero Fiz a pergunta tendo em vista o

95

que anunciam Carvalho (2003) e Louro (2012) no tocante agrave percepccedilatildeo dessas estudiosas de

que natildeo haacute distacircncia da temaacutetica ela eacute entranhada no espaccedilo escolar fabricando sujeitos

Educadoresas tecircm desse modo a possibilidade de contribuir reflexivamente sobre que

construccedilatildeo discursiva se faz com esses sujeitos reforccedilam preconceitos e estereoacutetipos de

gecircnero ou garantem o direito a esses de uma digna imagem de si Natildeo haacute neutralidade o

tempo todo somos tramados por linguagem que nos moldam

E para suscitar este debate as diretrizes educacionais inclusivas como as

positivadas em Resoluccedilatildeo 0112 no PNDH nos PCNs e na LDB satildeo aportes que chegam

ocupando gavetas escolares e atenccedilatildeo em eventos de formaccedilotildees continuadas mas se estas

estatildeo incorporadas nas praacuteticas discursivas dosas fazedoresas da educaccedilatildeo eacute outra questatildeo E

foi isso que ali atestei na entrevista com Mari a professora de Liacutengua Portuguesa suas

inquietaccedilotildees evidenciaram a lacuna entre as tecnologias oficiais por ela conhecidas e a sua

praacutetica discursiva Agrave minha indagaccedilatildeo acerca da necessidade de trabalhar para uma

consciecircncia de gecircnero sem titubear ela me respondeu

- Dou-me por satisfeita quando faccedilo meus alunos [e alunas] lerem O que leem natildeo

faz parte de minhas expectativas

Mais um enunciado que destrincha que carrega frustraccedilotildees profissionais de vozes

emparedadas pelos muros escolares de um sistema educacional feito para engessar

mobilizaccedilatildeo social ressoou ali Investimentos parcos na educaccedilatildeo puacuteblica que resultam em

peacutessimas condiccedilotildees de trabalhos minguaram as expectativas de uma mulher ainda jovem com

poucos anos de formada que parece entender o quanto a leitura pode propiciar criticidade o

que leem soou em sua voz com forccedila com tom de importacircncia Mas isso depende de suas

vinculaccedilotildees com accedilotildees poliacuteticas como remete Freire (2002) com accedilotildees planejadas como

indicam estudiososas da leitura e daacute trabalho propocirc-las naquele ambiente tatildeo hostil agrave leitura

aos olhos de Mari E ela abriu matildeo disso confessamente

Natildeo pude deixar de suspeitar de que talvez sem estar protegida pelo anonimato

aquela educadora que me disse natildeo ser do quadro efetivo dosas servidoresas por isto natildeo se

sentia segura para fazer criacuteticas agrave educaccedilatildeo na rede municipal natildeo tivesse tido a coragem de

se expor tatildeo cruamente Expocircs-se e trouxe agraves vistas uma das piores chagas da escola puacuteblica

brasileira a de que a leitura natildeo tem o lugar que deveria conforme Antunes (2009) anuncia

lugar de destaque de centro de alimento de patildeo diaacuterio Na contramatildeo de investimentos

intelectuais e financeiros em letramento tocircnica educacional das uacuteltimas deacutecadas Mari se

96

contentava com a mera decodificaccedilatildeo com a leitura que poderia promover ao maacuteximo oa

estudante aagrave trabalhadora natildeo aagrave cidadatildeoatilde Haacute uma relaccedilatildeo entre esta tocircnica de

descompromisso dito em escola paraibana ressoada pelo que pontua Bastos (2012) em outro

espaccedilo do territoacuterio brasileiro o baiano de que a escola precisa cumprir sua funccedilatildeo social e

atrair para o ato de ler este grupo de excluiacutedo para quem a leitura natildeo eacute gecircnero de primeira

necessidade

Retornando ao questionaacuterio tambeacutem respondido por esta informante na segunda

questatildeo deste instrumento objetivei inquirir sobre o que se lecirc avaliando quais conteuacutedos

eram promovidos pelo projeto

2 O projeto de leitura estimula a reflexatildeo sobre temas como racismo preconceitos

Direitos Humanos

( ) sim ( ) natildeo

Apesar de destoante com o que apresenta o documento do projeto de leitura que

conforme jaacute referido natildeo evidencia trabalhar temas atinentes aos DH das nove respostas a

esta questatildeo sete percebem a presenccedila de temas no projeto de leitura que focam reflexotildees

com tais temaacuteticas Na formulaccedilatildeo do enunciado foi pontuado o racismo e de forma

generalizada a expressatildeo preconceitos inviabilizando melhor percepccedilatildeo do que consta como

defesa dos DH Mas na questatildeo seguinte a de nuacutemero trecircs articulei a especiacutefica questatildeo das

relaccedilotildees de gecircnero interessada em averiguar qual o comprometimento da escola por seus

propoacutesitos educacionais e poliacuteticos especificamente em seu projeto de leitura com o campo

de gecircnero

3 O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero estaacute incorporado nas leituras do projeto

( ) sim ( ) natildeo

Marque as explicaccedilotildees para a resposta anterior

3a ( ) As questotildees de gecircnero satildeo pouco exploradas

3b ( ) Eacute explorada com frequecircncia a temaacutetica pautada que estaacute em uma poliacutetica

escolar de engajamento no combate agraves assimetrias de gecircnero

3c ( ) Ainda natildeo houve oportunidade para inserir este tema no projeto de leitura

3d ( ) O projeto daacute visibilidade aos modos como os estereoacutetipos satildeo alicerccedilados e

como muitas leituras reforccedilam os padrotildees sexistas presentes na sociedade

( ) outra ____________________________

97

As respostas da segunda questatildeo foram quase totalizadoras de que haacute a existecircncia de

um estiacutemulo agraves reflexotildees pertinentes agraves temaacuteticas dos DH pelo projeto de leitura desenvolvido

na escola Quanto agrave terceira todosas nove respondentes afirmaram que natildeo haacute a incorporaccedilatildeo

temaacutetica de gecircnero nas leituras feitas pelo projeto e por conseguinte marcaram a proposiccedilatildeo

3c O cruzamento da anaacutelise dessas duas questotildees pode evidenciar o quanto debater gecircnero

parece ser mais aacutespero menos necessaacuterio do que enveredar por outros caminhos que os DH

embandeiram Esta dissociaccedilatildeo chamou-me atenccedilatildeo e me fez refletir quanto esta temaacutetica

passa ao largo de accedilotildees de leitura em um momento em que se discute recontar textos agrave luz de

teorias de gecircnero respaldada a recontagem na militacircncia do coletivo de mulheres que deseja

ver desconstruiacutedas imagens que as fragilizam

O debate conforme responderam osas educadoresas natildeo aparece no projeto de

leitura assim pode natildeo estar incorporado sistematicamente como accedilatildeo poliacutetica de resistecircncia

relembrando o dito por Foucault (2004a 2012) Em um dos meus diaacutelogos com a

coordenadora do projeto na visita de 28 de setembro de 2013 fazendo inquiriccedilotildees sobre a

percepccedilatildeo dela quanto ao conceito de gecircnero das obras presentes no espaccedilo da biblioteca

acerca desse campo obtive de mais uma informante desta pesquisa que natildeo havia obra ali

com esta perspectiva Este tema precisaria ser inserido passava ao largo o foco nas relaccedilotildees

de gecircnero Falou-me que ao selecionar textos natildeo traz este olhar previamente Quando lhe

indaguei como via a omissatildeo da temaacutetica respondeu-me

- Percebo a omissatildeo agora com sua presenccedila que faz sentido discutir gecircnero Mas

como faccedilo isto Quais textos devem ser trabalhados

E eu lhe escutei sem entender como esta educadora natildeo atentaria que subjaz em regra

nos diversos gecircneros textuais um olhar construtor de gecircnero Haacute olhares sobre mulheres

negras brancas jovens idosas de classes e etnias diferentes nos quais subjazem nos gecircneros

textuais a iniquidade de gecircnero social Plasmada em letras de muacutesicas livros didaacuteticos

paradidaacuteticos canccedilotildees histoacuterias piadas publicidades mateacuterias jornaliacutesticas cantadas enfim

sob os mais diversos formatos haacute a temaacutetica de gecircnero Indaguei-lhe se acharia que a

ausecircncia de textos especiacuteficos para o enfrentamento agrave iniquidade de gecircnero poderia mesmo

ser oacutebice para a exploraccedilatildeo da temaacutetica considerando que ela estaacute no imaginaacuterio social de

alguma forma precisando ser desconstruiacuteda Ela foi sincera e confessou que natildeo atentava para

a presenccedila da temaacutetica perpassando em tantos gecircneros textuais A invisibilidade da violecircncia

de gecircnero deu sinais naquele depoimento De modo letaacutergico natildeo sendo contemplada em

98

leituras escolares nem vista em textos que fazem parte do cotidiano das prateleiras de

bibliotecas dos aparelhos de som e das mochilas escolares a invisibilidade fazia acenos pelos

sentidos que aquela educadora concedia ao ato de ler

O ato de ler natildeo se esgota em livros bibliotecas professoresas escolas Nascem de

olhos que veem que planejam que seduzem Silva (2011) aduz que as praacuteticas de leitura

escolar natildeo podem nascer do acaso nem do autoritarismo de tarefas mas de uma programaccedilatildeo

envolvente E isto perpassa essencialmente por uma formaccedilatildeo que privilegie praacuteticas de

liberdade consciecircncia da importacircncia de uma construccedilatildeo coletiva do lugar de si e do outro no

mundo que nos cerca Dessa formaccedilatildeo o poder puacuteblico tem dito se preocupar Eacute com o que

parecem concordar osas entrevistadosas diante da seguinte questatildeo

4 Vocecirc acredita que a formaccedilatildeo recebida pelo (a) educador (a) tanto em niacutevel

inicial quanto na continuada tem preparado o (a) profissional para uma praacutetica

pedagoacutegica que contemple a equidade de gecircnero no espaccedilo escolar

( ) sim ( ) natildeo

Essa questatildeo objetivou perceber de que forma as poliacuteticas puacuteblicas de formaccedilatildeo

inicial e continuada satildeo percebidas Eacute algo que merece a atenccedilatildeo ser averiguado seriam essas

formaccedilotildees proficientes excessivamente teoacutericas de que modo essas praacuteticas discursivas

equipam essesas profissionais para impactar suas atuaccedilotildees Investigar o que de fato tem

atravessado os discursos das formaccedilotildees e ressoado no chatildeo da escola nos modos de

subjetivaccedilatildeo dessesas professoresas leitoresas eacute de uma pertinecircncia tamanha para quem se

envolve com a educaccedilatildeo como praacutetica de liberdade no sentido foucaultiano Dizendo de outro

modo eacute salutar buscar se haacute verdades novas atinentes ao que propotildeem os DH sobre a

equidade de gecircnero sobre a desconstruccedilatildeo da constituiccedilatildeo do diferente enunciadas pelos

formadores em curso de capacitaccedilatildeo e nas formaccedilotildees iniciais e quais tecircm sido seus efeitos

Com a aplicaccedilatildeo da quarta questatildeo pude avaliar como satildeo afetadas as relaccedilotildees de gecircnero pela

ingestatildeo do debate pelas tecnologias formadoras E de fato a totalidade dosas respondentes

afirmou que recebe uma formaccedilatildeo que capacita que contempla o debate sobre a construccedilatildeo

das diferenccedilas e a equidade de gecircnero no espaccedilo escolar

Entre todavia o recebimento de uma formaccedilatildeo capaz de problematizar as

assimetrias de gecircnero e a implementaccedilatildeo por parte dessesas educadoresas de uma praacutetica

discursiva que lhes capacite romper com uma memoacuteria discursiva que interdita uma condiccedilatildeo

de vida sem subalternidades existem seacuteculos de jogos de verdade nos quais os processos de

subjetivaccedilatildeo transigem segundo regras histoacutericas Satildeo jogos que perpassam doutrinas

99

pedagoacutegicas sustentando uma superioridade intelectual dos homens por isto destinando

lugares distintos para homens e mulheres (o puacuteblico aos homens o privado agraves mulheres)

Satildeo jogos de verdade que destinam comportamentos diferenciados aos sexos constituindo o

gecircnero sustentando a inferioridade feminina a construccedilatildeo da diferenccedila do padratildeo

heterossexual como desvio como patologia entre tantos outros jogos de verdade

E as regras histoacutericas hoje consideram lentamente uma ordem discursiva que se

desenha na qual as muralhas androcecircntricas sofrem o abalo de uma atuaccedilatildeo poliacutetica do

coletivo de mulheres e do LGBT que se empoderam com o ativismo autoral por respeito agraves

diferenccedilas Pude constar isto em uma visitaccedilatildeo que fiz agrave escola em 24 de outubro de 2013 Em

diaacutelogo com Elisa uma professora com 15 anos de atuaccedilatildeo profissional no qual lhe indaguei

sobre sua percepccedilatildeo acerca da presenccedila das relaccedilotildees de gecircnero no cotidiano escolar acerca da

vinculaccedilatildeo (ou natildeo) entre suas praacuteticas leitoras e estas questotildees Muito rapidamente ela se

posicionou como uma conservadora e se disse escandalizada com as transformaccedilotildees sociais

que via emergir em termos de comportamentos sexuais inclusive ali na escola Ouvi um

desabafo inusitado desta informante que presenciou uma cena de beijos entre duas

adolescentes

- Natildeo vejo a hora de sair desta escola Aqui todos satildeo danados E as meninas nem se

falam Peguei duas aos beijos fui intervir e ouvi da menina

- Taacute com preconceito eacute professora

A narrativa daquela educadora me marcou e lhe indaguei se ela achava que estava

com preconceito conforme lhe indagou a menina Respondeu que sim pois sendo beijos entre

casais heterossexuais tambeacutem reprimiria o ato mas natildeo ficaria tatildeo aborrecida como ficou Fiz

a Elisa mais indagaccedilotildees inquirindo sobre o efeito das formaccedilotildees acadecircmicas pelas quais ela

tem passado Ela pareceu-me marcha por lugares onde soam ritmos diferentes E com suas

respostas fui remetida ao que diz Orlandi (2008) acerca do entrecruzamento de vozes que

torna o sujeito heterogecircneo e das condiccedilotildees de produccedilotildees do discurso que permitem

enunciados diferentes em determinados espaccedilos sociais Mesmo se dizendo refrataacuteria agraves

mudanccedilas Elisa disse aprovar as formaccedilotildees continuadas que ensinam a lidar com as

diferenccedilas apesar de natildeo conseguir concordar com o que escuta e vecirc

- Nas formaccedilotildees continuadas ateacute entendo a questatildeo do respeito mesmo sem

concordar ateacute entendo Mas quando presencio uma cena como a do beijo das meninas em

puacuteblico daacute um nojo acho uma falta de respeito natildeo concordo

100

E como demonstrou natildeo concordar Sua ecircnfase agrave cena me fez pensar no quanto

provavelmente o beijo das duas garotas consideradas desviantes lhe foi claramente chocante

mas natildeo menos e natildeo tatildeo claro foi chocante a ela o tom reivindicativo com o qual a aluna se

apoderou para evocar da professora uma postura mais reflexiva mais apropriada a sua funccedilatildeo

A desviante aos olhos de Elisa pode ter lhe lembrado de que para ser educadora ela deveria

estar atinente agraves novas poliacuteticas educacionais deveria ter postura de respeito agrave liberdade de

afeto seja de que maneira for Haacute o dever ao respeito agraves diferenccedilas assegurado legalmente

parece ter dito a menina ao lhe indagar sobre preconceito

Elisa segundo me informou caiu em si natildeo se sentia preparada para atuar ali

mesmo que se esforccedilasse para assimilar as diretrizes de uma escola inclusiva democraacutetica

natildeo discriminatoacuteria Essa professora se depara com formaccedilotildees discursivas conflitantes e entre

suas verdades e o que a escola deseja construir aos moldes de ser inclusiva angustia-se O

recrudescimento do constituiacutedo diferente que empoderado natildeo aceita ser abjeto (HALL

2011) e reivindica direitos pocircs em evidecircncia isto causando-lhe transtorno Uma firmeza da

menina desviante foi o estopim para gerar na professora a vontade de abandonar aquela

escola para natildeo ter que se desfazer de uma formaccedilatildeo discursiva cristalizadora de identidades

Formaccedilatildeo que talvez natildeo tenha lhe permitido enxergar amiuacutede toda sorte de preconceitos

insultos e ofensas vividos por outrosas desviantes tirando-lhes o chatildeo tirando-lhes da escola

Agora era o seu chatildeo que lhe fora retirado por um gesto de afirmaccedilatildeo de identidade de

altivez de peleja pela desconstruccedilatildeo de verdades

Restaria querer buscar outro chatildeo mais soacutelido mais firme na crosta essencialista

Mas para qual escola iria Mesmo timidamente o discurso da defesa da diversidade cultural

sexual e da equidade de direitos eacute um campo de luta que surge amparado em legislaccedilatildeo

educacional e em formaccedilotildees continuadas dispensadas aosagraves educadoresas Embora de forma

amena tangencial surge Eacute o contraponto a uma ordem conservadora de uma perspectiva

essencialista discriminadora que se faz surgir em praacuteticas discursivas instigadoras de

problematizaccedilotildees da iniquidade de gecircnero Acerca da presenccedila desse contraponto na escola

TRAVESSIA quis saber interrogando sobre as poliacuteticas educacionais no direcionamento do

que pode o menino e a menina toacutepico da quinta questatildeo

5 As poliacuteticas educacionais comprometem a equidade de gecircnero O que pode o

menino e o que pode a menina

( ) sim ( ) natildeo

101

5a ( ) natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e

meninas

5b ( ) comprometem pouco porque a escola atua pela igualdade de tratamento

5c ( ) ainda comprometem muito porque a escola dispensa tratamento desigual

5d ( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que

satildeo naturalmente desiguais

Osas respondentes demonstraram natildeo perceber que a escola trata fortemente

desigual a ambos Em nenhuma resposta houve a marcaccedilatildeo para o enunciado 5c o qual

afirma que as poliacuteticas educacionais ainda comprometem a equidade de gecircnero Por sua vez a

negaccedilatildeo de que haacute discriminaccedilatildeo foi bem marcada pela maioria dos respondentes

5a ( ) natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e

meninas

Haacute uma coerecircncia interna na marcaccedilatildeo dessas respostas quando relacionado o

conjunto de todas as quatro proposiccedilotildees considerando que com a ausecircncia absoluta por parte

de todos os respondentes de marcaccedilatildeo com o enunciado a seguir haacute a indicaccedilatildeo de que osas

respondentes buscam negar ranccedilos essencialistas nas suas formaccedilotildees discursivas

5d ( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que

satildeo naturalmente desiguais

O que me leva a assim pensar eacute a consideraccedilatildeo de que em nenhuma das respostas

houve marcaccedilatildeo na propositura acima indicada (5d Osas colaboradoresas da pesquisa

parecem querer evidenciar crer que natildeo somos homens e mulheres naturalmente desiguais

Somos ao contraacuterio construiacutedos desiguais detentores em princiacutepio de direitos iguais e a

escola parece querer respeitar esta conquista que eacute relativamente recente Parece mas

estabelecendo um diaacutelogo com vozes informantes desta pesquisa como as de Rosa e Elisa

por exemplo nem chega a parecer suas vozes carregam enunciados visivelmente

sedimentados na assimetria essencialista

Por sua vez com o enunciado da sexta questatildeo que intenciona captar de que forma a

escola tem participado dos processos de subjetivaccedilatildeo intervindo nas construccedilotildees de gecircnero

das crianccedilas e adolescentes foram evidenciados resultados que mostram possibilidades bem

reveladoras de olhares essencialistas Seguem a questatildeo e seus resultados

102

6 Quando meninos e meninas demonstram comportamentos ldquoconsideradosrdquo como

natildeo apropriados para seu sexo qual a leitura feita

6a ( ) Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras de cada

crianccedila

6b ( ) Haacute um sentimento de decepccedilatildeo algo estaacute errado

6c ( ) Procuro redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo

Outro _______________________________

Apenas dois tipos de respostas foram marcadas Unicamente uma pontuaccedilatildeo para a

proposiccedilatildeo 6a que anuncia Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras

de cada crianccedila Esta percepccedilatildeo solitaacuteria vai ao encontro de um olhar que aceita

problematizar padrotildees hegemocircnicos aceita contrariar jogos de poder que reproduzem

estigmatizaccedilotildees discriminaccedilotildees sexistas assimetrias de gecircnero Por seu turno oito dosas

nove colaboradoresas disseram que procuram redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo

(6c) Uma indicaccedilatildeo de que raciocinam por uma loacutegica essencialista dual homogeinizante

normalanormal Uma loacutegica que exclui os que rompem com os padrotildees identitaacuterios de

gecircnero e mesmo que evite expocirc-los constrangecirc-los natildeo os aceita tenta enquadraacute-los Satildeo os

saberes-poderes que permitem o governo de sujeitos por outros os processos de subjetivaccedilatildeo

sendo instaurados por verdades veiculadas pelas instituiccedilotildees

O poder funciona e se exerce em rede Nas suas malhas os indiviacuteduos natildeo soacute

circulam mas estatildeo sempre em posiccedilatildeo de exercer este poder e de sofrer sua accedilatildeo

nunca satildeo o alvo inerte ou consentido do poder satildeo sempre centros de transmissatildeo

Em outros termos o poder natildeo se aplica aos indiviacuteduos passa por eles

(FOUCAULT 2012 p 45)

Para corroborar a afirmaccedilatildeo de Foucault (2012) que fala deste poder dispersado

localizado pelo pensador nas relaccedilotildees sociais como um todo retorno aos fragmentos retirados

dessa pesquisa refletindo sobre o poder em sua dimensatildeo relacional A quase totalidade dosas

educadoresas vigiada possivelmente pelos olhares de pais direccedilatildeo colegas por enunciados

que circulam em documentos escolares em formaccedilotildees e cursos posiciona-se dubiamente

concebe a polaridade fixa dos gecircneros exerce entatildeo o poder de redirecionar o interesse do

considerado desviante Mas natildeo expotildee quem a contraria Estariam sendo desestimulados

essesas colaboradoresas pelas bandeiras anti-homofoacutebicas Bom sinal para o ativismo

poliacutetico da populaccedilatildeo LGBT que historicamente sofre as agruras do preconceito e da

discriminaccedilatildeo confrontando isto com o que reza um dos princiacutepios do Plano Nacional da

Promoccedilatildeo da Cidadania e dos Direitos Humanos de LGBT lanccedilado em 2009 ldquoUm Estado

Democraacutetico de Direito natildeo pode aceitar praacuteticas sociais e institucionais que criminalizam

103

estigmatizam e marginalizam as pessoas por motivo de sexo orientaccedilatildeo sexual eou

identidade de gecircnerordquo (Secretaria Especial dos Direitos Humanos 2009 p11)

Com os sentidos afiados em confluecircncia com o olhar de Louro (2012) um passeio

pela escola e pelas respostas apresentadas neste instrumento de investigaccedilatildeo revelam o quanto

praacuteticas escolares expressam uma constituiccedilatildeo discursiva com fixaccedilatildeo de comportamentos

adequados para meninos e meninas Ora rechaccedilando ora respaldando o fato eacute que os modelos

socialmente valorizados ainda satildeo os que estereotipam meninas como fraacutegeis esforccediladas e

meninos como inteligentes fortes Isso resulta em confronto em fabricaccedilotildees de estereoacutetipos

Para a elaboraccedilatildeo da seacutetima questatildeo que possui este elo busquei reflexotildees no pensamento de

Foucault (2004a 2004c) quando esse propotildee o cuidado de si as praacuteticas que constituem uma

subjetividade eacutetica Penso que a defesa de uma vigilacircncia sobre construccedilotildees discursivas que

fabricam mulheres objetos coisificadas veiculadas em toda sorte de artefato cultural deve ser

constituiacuteda se o rompimento com esse modelo eacute desejado E considero a ausecircncia desta

vigilacircncia por parte dosas educadoresas como uma lacuna que impede a quebra substancial

com um paradigma machista Eacute esse paradigma que permite uma praacutetica discursiva dos

homens em fazer as inuacutemeras piadas sobre loura as incontaacuteveis formas de estereotipar as

mulheres no que se refere a sua intelectualidade a sua atribuiacuteda inabililidade para dirigir para

exercer certas profissotildees relacionando grosseiramente beleza agrave burrice enfim formas

conflituosas de se perceber um ao outro fazem parte de um repertoacuterio que resolvi imprimir em

minhas inquiriccedilotildees

7 Como mediadora de leitura vocecirc interfere diante de uma expressatildeo de

preconceito uma expressatildeo de conflitos entre olhares de meninos e de meninas

7a ( ) pouco eacute natural a disputa

7b ( ) interfiro sempre sou contraacuterio (a) a qualquer manifestaccedilatildeo de

discriminaccedilatildeo

7c ( ) Natildeo haacute como interferir sempre nossa demanda eacute intensa

As respostas foram incisivamente favoraacuteveis agrave intervenccedilatildeo A marcaccedilatildeo da totalidade

dosas respondentes para o enunciado 7b parece indicar que na contramatildeo de ser

inadequadamente omisso diante de discriminaccedilatildeo ningueacutem deseja estar embora possa

paradoxalmente direcionar comportamentos conforme anunciado pelas respostas da questatildeo

6c Natildeo haveria aiacute a manifestaccedilatildeo de que se natildeo aceitamos uma nova ordem de interesses por

parte de crianccedilas conforme enunciado da sexta questatildeo que soacute obteve uma marcaccedilatildeo eacute

104

porque natildeo duvidamos do que tenha sido naturalizado construiacutedo discursivamente como o

outro o diferente

Estas dissonacircncias entre interferir em manifestaccedilotildees de preconceitos e construir

possibilidades de exercer controle sobre o outro o desviante da pressuposta normalidade

mesmo que de forma discreta podem estar expressando modos de subjetivaccedilatildeo nos quais

sujeitos expostos agraves diversas formaccedilotildees discursivas assimilam mudanccedilas ordens interesses

Em outros momentos todavia retecircm-se com perspectivas essencialistas que osas impedem

de apropriar-se do que recomendam as tecnologias oficiais no tocante por exemplo ao

respeito agrave diversidade humana aos conhecimentos dos processos de construccedilatildeo do diferente

como o outro o abjeto Osas educadoresas expressam entatildeo em muitas tentativas de quebra

de paradigmas que os jogos por verdades se datildeo de modo processual refletem lutas poderes

e resistecircncias dispersando e replicando vozes

Considerando a importacircncia de buscar inquiriccedilatildeo sobre o fenocircmeno da violecircncia

domeacutestica contra a mulher como uma das mazelas sociais que as vitimiza cotidianamente

sob as mais diferentes formas de massacre fiacutesica simboacutelica psicoloacutegica moral patrimonial

na oitava questatildeo resolvi inquirir sobre como este fenocircmeno eacute percebido pelosas

educadoresas envolvidosas no estudo Assim propus o enunciado

8 No tocante agrave violecircncia contra a mulher segundo o Mapa da Violecircncia 2012 o

Brasil ocupa a 7ordf colocaccedilatildeo em um ranking de 84 paiacuteses O que em sua opiniatildeo

explica a existecircncia deste fenocircmeno Marque mais de uma questatildeo caso queira

8a ( ) Formaccedilatildeo cultural

8b ( ) Haacute pessoas naturalmente violentas

8c ( ) Natildeo sei

8d ( ) O ciuacuteme o consumo de drogas o divoacutercio e natildeo saber lidar com traiccedilatildeo

8e ( )O desemprego crise financeira e pobreza

Outra ______________________

Nesta proposiccedilatildeo as respostas foram diversificadas foi marcado inclusive o

enunciado que afirma desconhecer as razotildees (8c) A questatildeo em aberto natildeo foi aproveitada

por nenhuma respondente Mas em sua maioria essesas (seis dosas nove) relacionaram o

fenocircmeno da violecircncia contra a mulher como algo que tem causa na formaccedilatildeo cultural Eacute

importante que se atente como alguns enunciados marcados podem estar evidenciando o

quanto a problemaacutetica carrega alguns mitos sobre as suas provaacuteveis causas Observando por

exemplo a marcaccedilatildeo isolada para o toacutepico 8e que faz nexo causal entre a violecircncia e a crise

econocircmica como pensar que a violecircncia estaacute ligada agraves dificuldades dessa ordem quando em

105

todas as classes sociais se registram ocorrecircncias Haacute maneiras diferentes de encarar as

agressividades em funccedilatildeo de tabus entre outros subterfuacutegios mas mulheres pertencentes a

todas as posiccedilotildees da piracircmide social satildeo viacutetimas de violecircncia conforme atestam inuacutemeras

pesquisas (SAFFIOTI 2001)

A evidecircncia de que o entendimento sobre as causas da violecircncia foi redutor estaacute

tambeacutem na marcaccedilatildeo isolada da proposiccedilatildeo 8d afinal estas causas apontadas estatildeo indicando

que o estopim estourou pelo aumento do stress pela perda do autocontrole (SAFFIOTI

MUNHOS 1994) mas em verdade haacute algo maior que impulsiona a agressatildeo encontra

apenas as brechas em quaisquer desculpas Em verdade eacute costumeira a confusatildeo entre causas

e motivaccedilotildees da violecircncia aquelas satildeo mais sistecircmicas e as motivaccedilotildees mais localizadas

ocasionadas por situaccedilotildees diversas como stress uso de entorpecentes etc

Considero importante atentar para o fato de que se a maioria respondeu perceber

vinculaccedilatildeo entre a violecircncia e a formaccedilatildeo cultural talvez por presenciar tantas cenas de

violecircncia de gecircnero e escutar narrativas feitas por alunosas acerca das dores maternas e

fraternas provocadas pela violecircncia domeacutestica deveria estar a escola propondo a brigada

anti-violecircncia pelo vieacutes da cultura Mas nenhuma respondente posicionou-se assim no espaccedilo

deixado em branco no questionaacuterio com o fim de possibilitar a expressatildeo de reflexotildees tambeacutem

nessa direccedilatildeo

A violecircncia contra a mulher tem vinculaccedilatildeo em uma cultura machista patriarcal

sedimentada milenarmente Buscar compreendecirc-la no campo dos estudos de gecircnero seria

oportuno para a escola porque poderia ser evidenciada o quanto a educaccedilatildeo dispensada a

meninos e meninas de forma diferenciada na qual se passam valores que sustentam olhar

para as mulheres que as inferioriza eacute possivelmente forte construto que alimenta uma cultura

machista E essa credencia agrave banalizaccedilatildeo do fenocircmeno da violecircncia Basta que se lembre dos

ditados populares que grassam (jaacute grassaram bem mais) nas bocas ldquoMulher eacute que nem bife

quanto mais apanha melhor ficardquo para que se atente o quanto haacute a naturalizaccedilatildeo do

fenocircmeno Esse dito eacute soacute um entre tantos nos imaginaacuterios sociais que fabricam a ideia de que

violentar mulheres faz parte eacute permitido

E satildeo por esses imaginaacuterios sociais que o Relatoacuterio Final da Comissatildeo Parlamentar

Mista de Inqueacuterito ndash CPMI - da Violecircncia contra a Mulher do Congresso Nacional entregue

em julho de 2013 aponta iacutendices alarmantes fala de femiciacutedio e coloca como uma

necessidade premente a da superaccedilatildeo deste mal

106

A curva ascendente do femiciacutedio a permanecircncia de altos padrotildees de violecircncia contra

mulheres e a toleracircncia estatal detectada tanto por pesquisas estudos e relatoacuterios

nacionais e internacionais quanto pelos trabalhos desta CPMI estatildeo a demonstrar a

necessidade urgente de mudanccedilas legais e culturais em nossa sociedade Conforme

mostra a pesquisa intitulada Mapa da Violecircncia homiciacutedios de mulheres mais de 92

mil mulheres foram assassinadas no Brasil nos uacuteltimos trinta anos 43 mil delas soacute

na uacuteltima deacutecada (BRASIL 2013 p 8)

A violecircncia contra a mulher eacute um fenocircmeno bastante complexo com raiacutezes fincadas

em solos de culturas machistas amparada em um Estado historicamente omisso na promoccedilatildeo

do direito a uma vida sem violecircncia para as mulheres Esse fenocircmeno que esteve na

invisibilidade social encoberto por muito tempo erroneamente sustentado pelo direito ao

instituto da privacidade entre parceiros tendo inclusive um aparato popular que os abrigava

de vexames e intervenccedilotildees ldquoEm briga de marido e mulher natildeo se mete a colherrdquo teve

recentemente a intervenccedilatildeo do Estado brasileiro com a Lei 113402006 a Maria da Penha

Esse instrumento juriacutedico se apresenta como um dos mais avanccedilados amparo legal para o

enfrentamento da questatildeo Natildeo se muda todavia cultura com golpe de lei haacute muito a ser

feito em termos de estrutura do judiciaacuterio brasileiro (ampliaccedilatildeo do nuacutemero de varas de

juizados especiais de Casas Abrigo de DEAMS - Delegacias Especializadas de Atendimento

agrave Mulher - funcionando em regime de plantatildeo capacitaccedilatildeo dos juristas) para que a lei passe a

ser um ordenamento juriacutedico que vigore como deve efetivamente sendo aplicado de forma

preventiva educativa e punitiva

E a escola no que diz respeito a formar para a equidade de gecircnero e para a cultura da

paz eacute espaccedilo fundamental que pode se ofertar no semeio desta colheita Importante portanto

a denuacutencia que osas respondentes fizeram da atuaccedilatildeo piacutefia da unidade escolar em tela no

tocante ao papel que a instituiccedilatildeo deve ter como importante instrumento no combate agrave

violecircncia domeacutestica contra a mulher Satildeo muitas as respostas (oito das nove) que afirmaram

pouco operar a escola neste sentido Assim se constituiu a nona questatildeo

9 Para vocecirc a escola atenta para sua importacircncia como espaccedilo de enfrentamento agrave

questatildeo

( ) sim ( ) natildeo ( ) sim mas de forma insignificante

A escola TRAVESSIA conforme percebem aqueles que dela fazem parte e

seguramente presenciam depoimentos e cenas que datildeo conta do mal da violecircncia contra a

mulher como o que grassa pouco opera no enfrentamento deste problema Esse mal que

sendo uma violaccedilatildeo dos direitos humanos das mulheres eacute um flagelo uma ameaccedila agrave

107

Democracia agrave paz agrave justiccedila deve portanto ter a escola envolvida em sua prevenccedilatildeo

eliminaccedilatildeo e enfrentamento Natildeo haacute como esta instituiccedilatildeo ser indiferente ao caminho sem

volta que as marchas feministas vecircm construindo especialmente nas uacuteltimas deacutecadas com

grandes avanccedilos dados pelos seus gritos ecoados nas bandeiras dos DH positivados em

forma de lei especiacutefica que penaliza a violecircncia contra a mulher e em diretrizes educacionais

que propotildeem a equidade de gecircnero

Como instacircncia de poder atravessada por praacuteticas discursivas natildeo neutras

legitimadora de ordem social por meio de suas ldquoverdadesrdquo fabricadas a escola propaga em

tese sua missatildeo fundamental como a de formar seres humanos eacuteticos conscientes de sua

igualdade de direitos por seus propoacutesitos e pela obrigatoriedade legal que se desenha com o

advento da poacutes-modernidade Mas na praacutetica sua missatildeo tem eacute instituiacutedo a segregaccedilatildeo

atraveacutes do controle disciplinar domesticando corpos e mentes (LOURO 2012)

Nesse sentido a promoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de enfrentamento agrave violecircncia de

gecircnero eacute uma realidade de resistecircncia que daacute sinais tiacutemidos no chatildeo da escola mas daacute sinais

Cabe aosagraves fazedores da educaccedilatildeo acolhecirc-los Sua contribuiccedilatildeo ao debate que estranha

sentidos essencializados pode ser significativa considerando que os muros escolares racham

com o advento da globalizaccedilatildeo e dos avanccedilos tecnoloacutegicos disseminando informaccedilatildeo

instantaneamente Satildeo inuacutemeros os recursos educativos que podem amparar a discussatildeo

reportagens filmes peccedilas teatrais programas de TV de raacutedio diaacutelogos que circulam em salas

de aula entre outros Obviamente que esses recursos na maioria esmagadora das escolas

puacuteblicas brasileiras natildeo satildeo inteiramente disponibilizados e na escola TRAVESSIA natildeo eacute

diferente Haacute laacute escassez de textos e de demais instrumentos que permitam um trabalho bem

amparado percebida em minhas visitaccedilotildees Mas isso natildeo pode se constituir como oacutebice total

haacute sempre formas de propor o debate em um mundo plural que existe e deseja se firmar Por

onde andamos e estamos haacute sujeitos em interlocuccedilatildeo trazendo presentes vozes sociais de

onde emanam efeitos de sentidos sobre papeacuteis construiacutedos

Elaborei questatildeo especiacutefica sobre qual o olhar a escola evidencia ter atraveacutes de seu

projeto de leitura para um dos melhores instrumentos juriacutedicos em niacutevel mundial de

enfrentamento do combate agrave violecircncia domeacutestica a Lei Maria da Penha Esse ordenamento

juriacutedico que segundo pesquisa do Instituto AvonIPSOS (2011) eacute um marco legal

amplamente conhecido e poderia estar sendo pontuado no ambiente escolar de modo a

semear a cultura da paz e do respeito agraves mulheres Assim mobilizei a deacutecima questatildeo desse

instrumento

108

10 A Lei Maria da Penha como avanccedilado instrumento juriacutedico no enfrentamento da

violecircncia contra a mulher ganha que espaccedilo no projeto de leitura

10a ( ) Nunca foi citada

10b ( ) Existe na biblioteca

10c ( ) Jaacute trabalhamos com ela

As respostas obtidas indicam sintonia com a nona proposiccedilatildeo na qual se pontuou

que a problemaacutetica da violecircncia domeacutestica contra a mulher natildeo encontra a importacircncia que

lhe eacute devida Todosas colaboradoresas responderam na deacutecima questatildeo que a lei nunca foi

citada (10a) Natildeo que o ordenamento juriacutedico tenha que ter referecircncia obrigatoacuteria nas leituras

da escola mas face a sua popularidade e pertinecircncia inclusive havendo versatildeo deste em

cordel o que facilitaria sua divulgaccedilatildeo poderia constar como uma das leituras feitas e

referidas de forma direta ou indireta Poderia porque a escola eacute espaccedilo formador tem papel

estruturante em accedilotildees que podem semear reflexotildees individuais e coletivas pela construccedilatildeo da

cultura da paz A educaccedilatildeo tensionando conflito e vozes pode ser constituiacutedo como espaccedilo

fecundo de organizaccedilatildeo pela emancipaccedilatildeo de oprimidos[as] (FREIRE 2002) Nesta acepccedilatildeo

a lei pode chegar a todas as crianccedilas e adolescentes pela instacircncia da escola como um sulco

no muro da iniquidade de gecircnero mostrando-se em sua consistecircncia preventiva e punitiva

como um aprendizado um oacutebice agrave violecircncia domeacutestica

Natildeo bastaraacute todavia conhecer o ordenamento juriacutedico para que se coiacuteba a violecircncia

O enfrentamento desse fenocircmeno perpassa pela construccedilatildeo de novas formas de subjetivaccedilatildeo

nas quais o direito a uma vida sem violecircncia agraves mulheres seja efetivamente garantido e

assegurado pela condiccedilatildeo humana destas A escola deve ser um baluarte na colaboraccedilatildeo dessa

praacutetica para isso por ela precisam perpassar debates caros ao tema inquirindo sobre qual

posicionamento tem tido a instituiccedilatildeo quanto agrave construccedilatildeo e desconstruccedilatildeo de hegemonias

tem reforccedilado ou questionado as assimetrias de gecircnero

Na escola TRAVESSIA pude constatar haacute um tangenciamento do debate acerca das

relaccedilotildees de gecircnero percebido pelas discursividades de seusuas educadoresas como

mediadores de leituras Uma anaacutelise desse tangenciamento pode pontuar uma reflexatildeo que

perspectiva com um debate proposto por Foucault (2011) na linha do que satildeo as conjunturas

histoacutericas e socioculturais que permitem os jogos de verdades Se haacute a positivaccedilatildeo da lei na

sociedade brasileira e ela pode ser contemplada como legado de mobilizaccedilatildeo haacute todavia a

ausecircncia de seu debate em instacircncias escolares como a da escola TRAVESSIA E isso pode

ser contemplado como um legado de controle social no qual a eliminaccedilatildeo das discriminaccedilotildees

das violecircncias dos confrontos eacute significativamente negada silenciada mesmo que estejam

109

postas tecnologias que a discutam O rompimento desse controle que silencia lutas eacute uma

tarefa que oa intelectual oa educadora pode desejar construir lembrando aquilo que

Foucault (2004a 2004c 2012) pontua as pessoas podem ser mais felizes mais livres As

pessoas natildeo satildeo aprisionadas pelo poder elas podem modificar sua dominaccedilatildeo Isso evoca a

recusa do que satildeo despertada pela consciecircncia do que lhes disseram ldquoNingueacutem entraraacute na

ordem do discurso se natildeo satisfizer a certas exigecircncias ou se natildeo for de iniacutecio qualificado

para fazecirc-lordquo (FOUCAULT 2011)

E que ordem de discurso adentra a escola TRAVESSIA produzindo efeitos de

sentidos postos pela ausecircncia do debate sobre as hierarquias de gecircnero Adentra conforme

depoimentos de educadoresas ali escutadosas a da pouca reflexibilidade sobre o campo de

gecircnero a do adormecimento para a noccedilatildeo de estrateacutegias que enfrentem o poder androcecircntrico

Uma das formas de resistecircncia a esse poder se daacute pelo ato desbravador do conhecimento dos

processos discursivos que constituem as subjetividades que constituem as verdades ditas

sobre homens e sobre mulheres Satildeo passos na caminhada pela emancipaccedilatildeo A leitura pode

ser constituiacuteda com esta linhagem e ser mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de

identidades na ressignificaccedilatildeo de leituras eivadas de identidades socialmente construiacutedas pela

subalternidade da mulher Nessa direccedilatildeo Moita Lopes (2003) traz a tecitura com que a

linguagem nos constroacutei e corrobora com a ideia de resistecircncia

A percepccedilatildeo do discurso como construccedilatildeo social coloca as pessoas como

participantes nos processos de construccedilatildeo de significado na sociedade e portanto

inclui a possibilidade de permitir posiccedilotildees de resistecircncia em relaccedilatildeo a discursos

hegemocircnicos isto eacute o poder natildeo eacute tomado como monoliacutetico e as identidades sociais

natildeo fixas (MOITA LOPES 2003 p 55)

Nesse sentido por conceber a importacircncia do conhecimento dos processos histoacutericos

emancipatoacuterios como o das lutas sociais e em especial a esse trabalho o do movimento

feminista foi elaborada questatildeo que objetivava perpassar pelas reflexotildees acerca da histoacuteria

social das mulheres As histoacuterias dos homens estatildeo aiacute onipresentes ocupando o tempo todo

todo espaccedilo Mas a histoacuteria social das mulheres natildeo eacute significativamente contada natildeo consta

nos curriacuteculos natildeo eacute devidamente estudada Isso possivelmente contribui para trazecirc-las na

invisibilidade considerando que os seus processos histoacutericos de subordinaccedilatildeo ao masculino

suas exclusotildees dos campos poliacuteticos cientiacuteficos artiacutesticos enfim ainda natildeo satildeo devidamente

estudados A histoacuteria de luta pela emancipaccedilatildeo social das mulheres eacute entretanto uma das

mais bem vividas experiecircncias que atestam o poder da mobilizaccedilatildeo social e mereceria estar

110

entre as preocupaccedilotildees da escola e no projeto de leitura Desejei saber como esta questatildeo era

percebida pelosas informantes e elaborei o deacutecimo primeiro questionamento

11 Que lugar deve ocupar a histoacuteria de emancipaccedilatildeo da mulher no curriacuteculo

escolar e no projeto

11a ( ) Haacute sentido em trazer a histoacuteria social das mulheres como tema nos

curriacuteculos escolares

11b ( ) Apoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas

memoacuterias ocultadas e inferiorizadas

11c ( ) O conteuacutedo sobre o coletivo das mulheres tem espaccedilo mas temos pouca

carga horaacuteria para exploraacute-lo mais

11d ( ) Natildeo temos como inserir mais conteuacutedo na grade curricular nem acho

importante

Aqui natildeo houve ressalvas para a defesa na quase totalidade das respostas (sete das

nove) da implementaccedilatildeo da histoacuteria das mulheres como forma de resgate de si no debate

escolar Natildeo houve marcaccedilatildeo para o enunciado 11 d A questatildeo 11b foi bem pontuada entatildeo

ldquoApoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas memoacuterias ocultadas e

inferiorizadasrdquo Eacute como um reconhecimento de que o processo de aprendizagem de uma

desnaturalizaccedilatildeo da desigualdade entre homens e mulheres passa pelo conhecimento da

histoacuteria que as excluiu e da sua inclusatildeo pela luta Foucault (2004c) auxilia nesse sentido

quando nos traz a pertinecircncia do conhecimento e a compreensatildeo da relevacircncia do papel do

intelectual

[] e que podemos mostrar agraves pessoas que elas satildeo muito mais livres do que

pensam que elas tomam por verdadeiros por evidentes certos temas fabricados em

um momento particular da histoacuteria e que essa pretensa evidecircncia pode ser criticada

e destruiacuteda O papel do intelectual eacute mudar alguma coisa no pensamento das

pessoas (FOUCAULT 2004c p 295)

Uma pretensatildeo bem ponderada E que em alguns outros momentos o filoacutesofo se

retrai desta posiccedilatildeo de ldquomostrarrdquo caminhos ao outro (FOUCAULT 2004e) Mas a histoacuteria de

luta das mulheres por sua emancipaccedilatildeo social eacute um caminho que merece ser mostrado Papel

que osas educadoresas podem cumprir percebendo-se como sujeitos agrave linguagem agrave

aprendizagem de ordens discursivas e se resistirem promotores das mudanccedilas que a

educaccedilatildeo pode constituir Papel que o movimento feminista com intelectuais e ativistas

parece ter cumprido com propriedade A atuaccedilatildeo desse movimento solicitada na 12ordf questatildeo

assim foi angariada

111

12 Emita sua opiniatildeo a respeito do movimento feminista Marque ateacute duas

respostas

12a ( ) fornece ferramentas conceituais que possibilita melhor percepccedilatildeo da

opressatildeo agrave mulher

12b ( ) propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso eacute

bom

12c ( ) propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso natildeo

eacute

bom

12d ( ) eacute um movimento com muito radicalismo

A unanimidade de valorizaccedilatildeo desta praacutetica discursiva quase imperou desta vez As

proposiccedilotildees 12a e 12b as quais veem com olhos respeitosos o movimento foram as

marcaccedilotildees de oito colaboradoresas Apenas uma resposta considerou o radicalismo do

movimento sua marca talvez por pressupor que as mulheres militantes propotildeem mudanccedilas

que ferem uma construiacuteda e disciplinada essecircncia feminina Os movimentos feministas

propotildeem radicalizar a desnaturalizaccedilatildeo de um mundo construiacutedo em pilares desiguais e

injustos um mundo calccedilado em machismo em violecircncia contra a mulher Radicalizar a

desnaturalizaccedilatildeo deste mundo eacute bom nodal conforme concordaram os que marcaram os

enunciados 12a e 12b Por seu turno ningueacutem marcou que isto natildeo seria bom conforme

enuncia o 12c

A uacuteltima questatildeo do instrumento investigativo versou sobre a consciecircncia do valor

histoacuterico e simboacutelico que tem o Dia Internacional da Mulher Neste enunciado foi deixada

uma questatildeo em aberto com espaccedilo para que osas colaboradoresas pudessem expressar

opiniotildees que ampliassem o conteuacutedo do enunciado o 13 a cuja visatildeo da mulher perpassa por

questotildees generalistas simplistas

13 O projeto de leitura costuma vincular alguma programaccedilatildeo agraves datas

comemorativas

( )sim ( ) natildeo

Caso sim qual o teor do dia 8 de marccedilo como Dia Internacional da Mulher O que

se faz na data ou o que se pretende fazer

13a ( ) Ressaltam-se as qualidades da mulher eacute um dia em que ela eacute intensamente

valorizada entrega de flores poemas cartazes pela escola

13b ( ) outros Especifique_____________________

Todas as marcaccedilotildees apontaram para a 13a ou seja dia de demonstrar homenagens

E o que se homenageia Em regra por meio da publicidade e de outras praacuteticas discursivas

112

circulam imagens que narram e constituem mulheres com identidades ldquonaturaisrdquo dotadas de

habilidades tantas expressas em forma de doaccedilatildeo de cuidados e tantas outras construccedilotildees

dignas de serem presenteadas Batons perfumes flores entre outros satildeo apetrechos que

acompanham imagens que circulam representando o 8 de marccedilo como o Dia Internacional da

Mulher A publicidade que opera com o objetivo de reafirmar valores convencimentos

haacutebitos desfocou a perspectiva de luta de memoacuteria de caminhada por direitos implementada

pelo movimento O teor eacute outro o do consumo Agraves mulheres flores em seu dia Se nos

demais os papeacuteis sexuais exalam o perfume da iniquidade de gecircnero que murchem as flores

Eacute o tempo ainda da formataccedilatildeo que murcha da presenccedila de vozes que falam de um lugar

social o do consumo guiado pelos interesses capitalistas ou o do apagamento da luta das

mulheres por sua cidadania guiado pelos interesses machistas E com esses instala-se o

comportamento de tirar o foco das bandeiras feministas que ergueram o 8 de marccedilo tiram o

foco e semeiam verdades como as de que se valoriza a mulher com perfumes dias de beleza

de spas de corpos sarados ritualizados para uma beleza homogecircnea com tempo de validade

e condiccedilotildees de uso

Nesta questatildeo nenhuma resposta ultrapassou a marcaccedilatildeo de um x nenhum

enunciado a preencher o espaccedilo vazio adentrando todosas respondentes pela perspectiva do

senso comum das comerciais e banais homenagens agraves mulheres Esta ausecircncia de percepccedilatildeo

pelo menos evidenciada pelo que natildeo foi dito que significa conforme pontua a AD por parte

dosas educadoresas para o Dia Internacional da Mulher pode estar revelando um desvalor

para as brigadas que precisam ser armadas naquela seara O 8 de marccedilo eacute data de flores natildeo

pelo que as mulheres satildeo em termos de construccedilotildees essencialistas mas pelo que lutam para

ser livres O 8 de marccedilo eacute dia de memoacuteria de luta sobretudo pelo que as mulheres ainda

precisam assegurar para que possam ter o comando de suas vidas nas matildeos dando ou natildeo

essas em pedidos de casamento Haacute desse modo mais uma maneira de homenagear as

mulheres que eacute pela saudaccedilatildeo na luta na grandeza de fazer uma nova histoacuteria que natildeo foi

dita nas respostas daquelesas respondentes E este silecircncio pode estar ressoando como um

ldquoadeus agraves armasrdquo ou melhor como um natildeo agraves armas O natildeo uso das armas por parte de

quem tem uma responsabilidade social com os marcos legislativos educacionais com a

adoccedilatildeo de praacuteticas de si que osas faccedila zelar por um ethos pela cultura da paz e pela bandeira

da inclusatildeo evidencia uma cristalizaccedilatildeo das identidades uma naturalizaccedilatildeo da construccedilatildeo da

diferenccedila um descompromisso social com a cidadania plena da mulher

Ali na escola TRAVESSIA percebi entatildeo com as leituras das anaacutelises dos

instrumentos investigativos aplicados que o processo de fortalecimento da cidadania da

113

mulher natildeo encontra a guarida nos olhos de quem trabalha com a leitura comprometendo o

ato poliacutetico de ler Natildeo eacute uma trilha faacutecil eacute bom reconhecer atravessar no cotidiano escolar

um oceano de discursos que constroem imagens da mulher que as inferioriza que tingem o

diferente com cores da negaccedilatildeo e desejar atuar para desconstruir tais imagens Os pais e matildees

aparecem para contestar mudanccedilas contestar desconstruccedilotildees de papeacuteis socialmente

instituiacutedos como naquelas cenas que vivi e narrei quando construiacute a gecircnese desta pesquisa

Mas oa educadora tem um chamado para ficar na trincheira por uma brigada que inclua que

emancipe que torne a escola reflexiva atraente a todas as pessoas independentemente de

etnia de orientaccedilatildeo sexual de condiccedilatildeo social Pelo menos esse chamado estaacute sendo

evocado segundo as regras histoacuterias de um tempo que se desenha novo com uma

programaccedilatildeo na qual os jogos de verdades possuem malhas que se abrem para sujeitos de

direitos mesmo que lentamente conquistados

35 As aulas o sujeito-leitor o campo de gecircnero e as relaccedilotildees de poder

Por reorganizaccedilotildees das accedilotildees em funccedilatildeo de vaacuterias suspensotildees de aulas de leitura

pelo projeto entre outras intercorrecircncias deixei a etapa de observaccedilatildeo de aulas para o reiniacutecio

das aulas do 2ordm semestre de 2014 Planejei esta accedilatildeo atentando para o papel central dosas

educadoresas na conduccedilatildeo do debate por sua posiccedilatildeo de liacuteder na interaccedilatildeo relacional e por

serem esses os sujeitos desta pesquisa E assisti agraves aulas das professoras Jacqueline e Luacutecia

cujos nomes satildeo fictiacutecios como todos os outros e que possuem respectivamente oito e vinte

anos de formadas Em ambas houve uma receptividade agradaacutevel mas irei relatar minha

experiecircncia apenas nas aulas de Jacqueline por entendecirc-las mais significativa para o estudo

Assim as considero porque esta professora instigada possivelmente pelos desafios de alguns

instantes de conversas nos quais muito ouvi fez uma tentativa improvisada de dialogar com o

tema em tela

No preluacutedio dessas aulas que se deram em 11 de julho de 2014 no turno vespertino

a professora Jacqueline que me atendeu na biblioteca da escola em um horaacuterio reservado para

isto mostrou-se soliacutecita receosa e muito determinada a demonstrar sua anguacutestia suas

inquietaccedilotildees com a escolha profissional que fez

- Escolhi ser professora desde pequena Era meu sonho Mas a realidade eacute um

pesadelo Quando chega o momento de entrar na sala de aula eu me arrependo desta

escolha Tenho uma filha de 1 ano e seis meses e peccedilo a Deus todo dia que a livre desta

profissatildeo

114

A professora conduziu-me com sua fala pela escola como quem apresenta um

depoacutesito de problemas sem lugar para sonhos para a edificaccedilatildeo da autonomia Ali era o

reduto das queixas narrado por uma voz que soacute lamenta Jacqueline debulhou uma a uma as

lamentaccedilotildees que impregnam aquele ambiente Ouvi um rosaacuterio de desespero de exaustatildeo de

descontrole de pacircnico ateacute de criacuteticas ao ECA - Estatuto da Crianccedila e do Adolescente - que

estava na iminecircncia de completar 24 anos de criaccedilatildeo e que segundo ela ateacute hoje natildeo sabe o

bem que fez a sociedade a existecircncia desse ordenamento juriacutedico As criacuteticas saiacuteram do ECA

agraves peacutessimas condiccedilotildees de trabalho agraves famiacutelias que a seu ver satildeo irresponsaacuteveis Essas

segundo a informante soacute visitam as escolas quando seus benefiacutecios sociais estatildeo ameaccedilados

sobrecarregando a instituiccedilatildeo com deveres que satildeo delas Jaqueline estava disposta a relatar

sobre o peso de ser docente Informou-me que guarda as lembranccedilas das coisas lindas sobre a

educaccedilatildeo ditas por Paulo Freire pelos[as] professores[as] da universidade mas ali dentro da

escola nada que ouviu serve aplica-se

- Somos impotentes Soacute um ou outro aluno daacute sentido ao nosso trabalho Vivemos na

sala de aula o aacutepice do desinteresse e desrespeito e isto eacute terriacutevel Tem horas que natildeo

acredito que estou vivendo isto

Ouvi aquele depoimento atenta e dolorosamente Mas inseri um toacutepico novo o

motivo da observaccedilatildeo daquela aula buscar o nexo temaacutetico das leituras feitas ali O tom da

desmotivaccedilatildeo do sentimento de impotecircncia continuou fazendo parte dos enunciados da profordf

Jaqueline

- Ler aqui eacute complicado professora Natildeo temos recursos nem interesse por parte

dos[as] alunos[as] que soacute querem bagunccedilar

- O que vocecirc preparou para a aula de hoje Indaguei-lhe Ela me disse que iria pedir

para eles escreverem sobre as feacuterias sobre a copa de 2014 Insisti sobre o que leriam disse-

me que algum texto do livro didaacutetico Perguntei-lhe se soacute liam os textos dos livros didaacuteticos

respondeu-me que quase sempre Um retorno agraves aulas sem planejamento sem a municcedilatildeo de

um texto novo produzido por fatos recentes vindo de suportes diferentes com uma

professora que iria improvisar qualquer leitura pareceu-me o retrato de um descaso

profissional bem niacutetido Sem buscar condenaccedilotildees pessoais puxo um fio do novelo da

educaccedilatildeo puacuteblica brasileira que com seus parcos investimentos faz poliacuteticas pobres para

115

pobres cerceando o direito desses agrave cidadania plena agrave emancipaccedilatildeo social Essa professora eacute

mais um elo da cadeia do descuido que envolve a escola puacuteblica brasileira

Depois de ouvi-la muito provoquei o diaacutelogo sobre a interface gecircnero e leitura

Jacqueline falou de gecircnero dos meios de comunicaccedilatildeo de massa influenciando

comportamentos sendo aliados ldquona abertura de mentesrdquo em suas palavras Mas a abertura de

mentes a seu ver resume-se agrave toleracircncia com o diferente estava sempre afirmando que

respeita ldquoas sapatonasrdquo assim se referindo agraves duas meninas que tinham um relacionamento

amoroso e que tentavam assumir isso na escola mas soacute respeitava natildeo aceitava ldquoaquilo natildeo

era normal e era constrangedorrdquo em suas palavras O pronunciamento desta professora

evidenciando uma construccedilatildeo naturalizada das identidades de gecircnero ainda foi acompanhado

por gestos de face e matildeos que transmitiam uma repugnacircncia pela orientaccedilatildeo sexual natildeo

normatizada

Naquela entrevista com as expressotildees preconceituosas de Jaqueline em nomear as

garotas homossexuais de forma pejorativa e com seus gestos de repulsa agraves manifestaccedilotildees de

afeto das garotas fui levada a compreender uma resposta massiva dada pelo questionaacuterio

quando indaguei acerca do posicionamento dosas educadoresas diante de manifestaccedilotildees de

interesse que contrariassem o normalizado Ali tanto quanto no questionaacuterio o desafio de

adotar um olhar reflexivo que problematize as construccedilotildees sociais que estereotipam

comportamentos e orientaccedilotildees sexuais ainda natildeo foi suficientemente alcanccedilado

Conversamos Toca o sinal para a entrada da aula A nossa interaccedilatildeo gerou nela algo

que teve um impulso e se dirigiu agrave prateleira de livros Chega-me com cinco volumes do guia

da Crianccedila Cidadatilde uma publicaccedilatildeo do UNICEF que eacute uma coleccedilatildeo com temas referentes agrave

cidadania O volume trazido pela professora Jaqueline eacute ldquoConvivendo com meninos e

meninasrdquo de autoria de Gwenaeumllle Boulet et al (2005) Tal documento eacute um encarte pequeno

com 54 paacuteginas cujo foco eacute o tratamento da questatildeo de gecircnero A existecircncia deste texto ali

me causou surpresa considerando que em outra etapa desta pesquisa fui informada pela

servidora que exerce a funccedilatildeo de bibliotecaacuteria ali de que nada havia naquele espaccedilo sobre esta

temaacutetica Mas Jacqueline meses depois desta informaccedilatildeo encontrou e parecia encontrar um

sentido em seu uso agora

ldquo- Jaacute que vocecirc estaacute aqui e pesquisa este tema vamos ver em que daacute hoje ler este

livro Mudei minha aula natildeo gosto de discutir estas questotildees mas agora me deu vontaderdquondash

Expressou-se assim a professora

116

Senti o risco do improviso e do artificialismo da aula que caiacutea ali de forma ex-

temporacircnea fruto de um confesso acaso Refleti ao mesmo tempo o quanto as brigadas por

uma defesa da equidade de gecircnero satildeo tambeacutem em forma de tecircnues mudanccedilas que chegam

chegam troteando Houve com minha presenccedila uma provocaccedilatildeo um encorajamento ao tema

tambeacutem jaacute por inuacutemeras vezes estimulado conforme eacute de conhecimento dosas educadoresas

da rede de ensino municipal atraveacutes de projetos acadecircmicos produzidos pela SEDEC como

os que refletem sobre a questatildeo do Bullying da violecircncia contra a mulher entre outros

A questatildeo eacute semear cuidar e perseverar Ali aos olhos de Jaqueline natildeo me parecia

haver um jardim a receber cuidados Seu semblante angustiado ao se deparar com o toque de

entrada para a sala de aula parecia o de quem natildeo levava sementes nem flores Havia um

solo jaacute pronunciado como aacuterido como infeacutertil nas palavras de uma professora que me disse

rezar protegendo sua filha do mal de ser educadora A turma era a do 6ordm ano A com alunosas

de faixa etaacuteria entre 12-13 anos Estavam presentes 18 alunosas naquela sala que receberam

cinco exemplares para serem lidos o que torna considero uma leitura dificultosa

inadequada A professora sem explicar bem a divisatildeo do material propocircs um ciacuterculo A

acuacutestica da sala era comprometida com ventiladores barulhentos e adolescentes inquietosas

Depois de um tempo ela conseguiu iniciar o trabalho e pediu a leitura do livro Joatildeo este eacute

um nome fictiacutecio tanto quanto os dos demais alunosas aqui referidosas a partir de entatildeo

afirma que natildeo quer ler ainda justificando sua negaccedilatildeo

- Natildeo jaacute sei ler pra que ficar lendo

A mestra pacientemente responde

- Joatildeo todo dia se aprende algo novo com a leitura

Atualizei ali o olhar para a 2ordf ediccedilatildeo da Pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO

PROacute-LIVRO 2008) quando essa pontua sobre quatildeo pode natildeo ser gecircnero de primeira

necessidade a leitura para crianccedilas que natildeo veem pais lendo que natildeo encontram ambiente

propiacutecio para o ato de ler A baixa escolaridade das famiacutelias daquelesas alunosas certamente

propicia pouca frequecircncia da leitura em suas casas o que compromete o estiacutemulo familiar agrave

leitura Para aquele aluno o ato de ler eacute mero instrumento decodificador que como ele jaacute

domina a sua teacutecnica despreza as outras funccedilotildees da leitura A professora deu atenccedilatildeo a Joatildeo

dando-lhe uma resposta concisa sobre o valor dessa praacutetica Mas senti falta de mais Senti

117

falta de uma defesa da leitura que mobilizasse a turma Seria um momento propiacutecio para a

educadora inquirir questotildees acerca do prazer (ou desprazer) de ler

Como quem tem pressa como quem natildeo tem espaccedilo para mergulhar aquela

educadora volta a conduzir a aula Pediu aosagraves alunosas para lerem trechos em voz alta

indagou algo e nem esperou o resultado da resposta jaacute retomou ao texto Minha presenccedila

pode ter lanccedilado sobre ela ansiedade desejo de mostrar que tinha o controle disciplinar do

evento E talvez para ela a permissatildeo e o estiacutemulo agrave palavra gerasse debate e esse o

tumulto as conversas paralelas Mas em determinados momentos a explosatildeo de inquietude

dosas alunosas fragilizava seu jaacute tecircnue controle Olhei a professora contendo ira

envergonhada cheia de medo de explodir com aquelesas alunosas acuada segundo suas

proacuteprias palavras pelo ECA Esse ordenamento diferentemente de ser visto como um

instrumento juriacutedico avanccedilado na garantia de direitos era considerado como o responsaacutevel

por aquele espiacuterito de rebeldia nas vidas das crianccedilas e dosas adolescentes Jacqueline natildeo se

conteve e veio ateacute perto de mim desabafando

- Depois do ECA somos barrados [a] de termos autoridade com eles[as] E natildeo tem

estatuto de professor[a] nada nos protege

Acuada assim ela disse se sentir E sem perceber que lhe faltava autoridade natildeo pela

existecircncia do ECA mas pelo desgoverno de uma educaccedilatildeo puacuteblica precaacuteria engrossou o coro

de vozes que ressoaram dosas seusas colegas Vozes essas por mim anteriormente colhidas

naquela tarde nos momentos que permaneci na sala dosas professoresas ouvindo-osas

Acuada e sem sentir prazer pelo que faz Observando Jacqueline lendo usando toda sua

potencialidade vocal repetindo frases pedindo silecircncio estabeleci um elo com uma resposta

no instrumento investigativo aplicado em outubro de 2013 o questionaacuterio Um dado ali

pontuado por vaacuterios colaboradoresas indicando a ausecircncia de marcaccedilatildeo da leitura como

atividade de prazer (vide primeira questatildeo do instrumento) torna-se tatildeo palpaacutevel naquela sala

Como afirmar prazer na praacutetica leitora quando a voz doa mestrea se esvai em meio agrave gritaria

correria e desinteresse Muito hostil ler assim ela me diz

- Tem professor que ainda mente que eacute hipoacutecrita que diz que isso eacute bom Que faz

seus[as] alunos[as] lerem Esses[as] meninos[as] tornam o ato de ler um desprazer Preparo

tudo com carinho quando chega aqui tomo raiva de mim mesma por ainda insistir

Acompanhar Jacqueline naquela tarde em suas aulas foi passear por falas nas quais o

lugar da leitura na escola era o da farsa do engodo De modo exaustivo ela fala de exaustatildeo

118

de desesperanccedila e de tristeza porque disse acreditar que ali estava ldquoa chave das mudanccedilas que

precisam ser feitasrdquo nas suas palavras E sua discursividade era a da desesperanccedila se haacute a

chave nem haacute a porta na dialogia com Drummond em Joseacute (1983) A leitura era difiacutecil

naquela escola Mesmo assim a mestra comeccedila a trazer problematizaccedilotildees acerca das questotildees

de gecircnero Pede uma opiniatildeo agrave turma sobre um trecho do guia que aborda diferenccedilas entre

meninos e meninas ldquoNoacutes meninas somos sensiacuteveis fraacutegeis E os meninos satildeo uns brutos

[]rdquo(BOULET 2005 p 11) expressando com gritos

- Menina eacute diferente de menino Em quecirc Leiam isso na paacutegina 11 Vocecircs

concordam

As respostas saiacuteram em forma de gritos

- Satildeo umas taradas as meninas

- Aqui tem menina que natildeo aguenta nem o vento deste ventilador toda fraquinha

- Eacute sim satildeo fracas Satildeo iguais a Neymar caem por tudo

- Satildeo umas chatas umas metidas umas piriguetes

Poucos disseram que natildeo nenhum olhar de respeito agraves meninas que responderam

com vaias Imaginei que ela iria procurar problematizar esses enunciados Mas trouxe outro

toacutepico colhido rapidamente do guia que faz uma abordagem pontual das questotildees de gecircnero

entabulando esta outra questatildeo

- Algueacutem aqui aceitaria ser amigo[a] de um gay

Impressionou-me o tom de desatenccedilatildeo agrave problemaacutetica de gecircnero por Jaqueline O que

foi dito por ela ao indagar sobre se algueacutem seria amigo de um gay carrega muito de seu

preconceito Ela sedimentou um olhar que constitui o outro o segregacionado o diferente e

inferiorizado Por que algueacutem teria que aceitar ser amigoa de um gay A relaccedilatildeo natildeo seria a

de se aceitaria ou natildeo a amizade de pessoas E ali o que eacute dito por ela sobre as relaccedilotildees de

gecircnero alicerccedilam estereoacutetipos datildeo invisibilidade ao fenocircmeno da violecircncia aos processos de

construccedilatildeo do diferente (SILVA 2012) Uma praacutetica discursiva que se potildee na contramatildeo dos

interesses de uma escola para todas as pessoas como advogam os DH ali percebi

A professora ouviu da turma um sonoro natildeo E sem atentar possivelmente para o

quanto seu olhar nega uma brigada vigilante anti-sexista anti-homofoacutebica e de respeito aos

direitos das crianccedilas e adolescentes proposta por organismos mundiais e nacionais amparada

119

por marcos legais protetivos natildeo atentou para a sonoridade negativa da turma para um mundo

inclusivo Mas retrucou

- Quer dizer que vocecircs deixariam ele [sic] no isolamento

Um menino de nome Pedro disse que sim que merece sofrer ficar isolado quem

desobedece ao que Deus criou

-E Deus criou homem e mulher professora - Reforccedilou o garoto

Ela respondeu que sim Assumiu uma postura criacionista essencialista Muito

embora tenha salientado que mesmo sendo um desvio uma afronta ao que Deus determinou

essas pessoas merecem ser respeitadas Jeacutessica uma menina muito inquieta considerada

conforme Jacqueline ldquopior do que os meninosrdquo em termos de inquietaccedilatildeo agressivamente

respondeu

- Respeitar boiola professora Respeito natildeo

Jaqueline natildeo retrucou Aquela aluna me parecia sem eco Todas as falas em sua

direccedilatildeo eram no sentido de fazecirc-la ficar quieta A menina demonstrava uma agressividade

para com todosas colegas indiferenccedila agrave aula e desrespeito agrave professora

- Vocecirc eacute louca eacute Respeitar boiola ndash Dirigiu-se agrave Jacqueline respondendo-lhe pela

defesa que a professora fez do dever de todosas ao respeito aos considerados desviantes

Sem economias essa aluna iniciou um turno de xingamentos de imitaccedilotildees grotescas

de como os gays falam andam e gesticulam levando a turma a rir e constrangendo a

professora Desistindo de enfrentaacute-la natildeo sei se por medo de criar mais confronto com a aluna

ou se por consentir manifestaccedilotildees de escaacuternio e homofoacutebicas Jacqueline natildeo exortou a aluna

redirecionou a aula solicitando a volta ao texto E indicando desconhecer por completo o guia

sai procurando o que ler salteando paacuteginas em busca do que explorar Premida pelo tempo

pelo barulho da sala acha trechos aleatoriamente e os ler pede opiniatildeo do grupo e sem

conseguir instigar o interesse da turma que se lanccedila em brincadeiras culpa a todosas pela

eterna balbuacuterdia e descompromisso com o ato de debater

120

Por muitos momentos observei a agitaccedilatildeo da professora diante do texto e da turma

Seu ambiente de trabalho se traduzia como uma violecircncia ao ato de ler a balbuacuterdia dosas

alunosas inviabilizava a mais elementar concentraccedilatildeo que a leitura requer para que haja a

fluecircncia das ideias a capacidade de retecirc-las de trocaacute-las Em polvorosa a turma ao tempo

que respondia a algo pontuado pelo texto desligava-se dele completamente mergulhando em

outros mundos outros textos tatildeo diacutespares ao proposto Parecia natildeo haver naquele espaccedilo por

alguns instantes a presenccedila de um texto em matildeos a presenccedila de uma mestra E ela competia

com a desordem agitando-se gritando muito

Em contraste com aquele cenaacuterio de mestra sem maestria sem calmaria sem rumo

resgatei uma imagem beliacutessima trazida por Larrosa (2004) com a sua leitura do jaacute referido

poema O Leitor de Rilke A construccedilatildeo poeacutetica desse autor debulha jaacute em seus versos

iniciais a imagem de um ser tomado possuiacutedo arrebatado pelo ato de ler ldquoQuem o conhece

a este que jaacute baixou seu rosto de um ser ateacute um segundo ser a quem apenas o veloz passar

das paacuteginas plenas agraves vezes interrompe com violecircnciardquo O enfrentamento da obra que se daacute

com o rosto abaixado eacute a garantia da transformaccedilatildeo A obra quer quietude o autor diz que

ldquoapenas o veloz passar das paacuteginasrdquo traz a inquietaccedilatildeo Oa leitora poeticamente possui as

marcas da quietude da liquidez da transformaccedilatildeo nas palavras de Larrosa

O texto esse segundo ser no qual o leitor submerge estaacute empapado da sombra do

leitor A palavra alematilde eacute Getrankts e poderia ser traduzida por embriagada ou

porembebido[] O texto entatildeo tambeacutem perdeu sua estabilidade sua solidez e seu

controle sobre si mesmo ao estar impregnado dessa sombra liacutequida e embriagadora

que o leitor [a] derramou sobre ele A sombra do leitor [a] tem algo da fluidez dos

liacutequidos O texto por sua parte eacute permeaacutevel a esses liacutequidos uma vez que se deixa

empapar e embriagar por eles Ambos satildeo liacutequidos e podem misturar-se entre si E o

texto uma vez liquefeito embriagado e desmaternado agora pode ser o elemento

em que o leitor pode submergir para emergir transformado o elemento liacutequido da

metamorfose (LARROSA 2004 p 108)

A experiecircncia da leitura na poesia de Rilke e na interpretaccedilatildeo que Larrosa (2004)

empresta a esta obra eacute a experiecircncia da conversatildeo essa aqui natildeo eacute vista como aspiraccedilatildeo ao

divino mas agrave substancialidade de si da plenitude da saiacuteda do ordinaacuterio da

despersonalizaccedilatildeo ldquoQuem o conhecerdquo Haacute por conseguinte observando a aula de leitura

ministrada por Jaqueline uma distacircncia astronocircmica entre o leitor da poesia rilkeana e osas

leitoresas daquela sala de aula Satildeo contextos histoacutericos distintos com diferentes grupos

sociais que resultam em entregas e natildeo entregas agrave leitura Parece que a sala de aula inquieta e

desgovernada programada pelo poder-escola mesmo que anuncie a importacircncia da entrega

para a leitura natildeo propicia as condiccedilotildees para isto Haacute um controle por parte desse poder que

121

cria regras nas quais se gera o impedimento para que a relaccedilatildeo complexa de abandonar-se pela

interpretaccedilatildeo de obras de textos de discursos para inquietar mundos prontos seja efetivada

Ler entatildeo na escola puacuteblica em tela e em tantas outras construiacutedas com a mesma

mesquinharia na faceta Paulo Honorina de nossos gestores puacuteblicos no trato com a educaccedilatildeo

eacute estar sob a tutela de uma atividade que controla e disciplina o natildeo ler

E o ler na sala de Jaqueline dizia do natildeo ler Assim entendi tambeacutem quando

observei a cena em que trecircs alunos que sentavam juntos folheavam o guia passando as

paacuteginas sem deleite algum mesmo este contendo bastante ilustraccedilotildees Um deles disse agrave

professora que ler aquilo ldquoera um sacordquo Ela foi raacutepida em me justificar a opiniatildeo do garoto

- Aqueles satildeo influenciados pela religiatildeo natildeo gostam de nada natildeo aceitam os

homossexuais nem que a mulher se iguale ao homem Satildeo do contra

Jaqueline demonstrou entatildeo entender pouco o que disse o aluno E dividida entre

alunosas que representavam o fundamentalismo religioso e expressavam rigidez de papeacuteis

acerca de identidades de gecircnero entre outrosas que expressavam um olhar assimeacutetrico para

as relaccedilotildees de gecircnero levadosas pelo senso comum e ainda por voz solitaacuteria que afirmou

defender a liberdade de cada um de ser quem quer como a de Viacutetor um paulistano receacutem-

chegado agrave Paraiacuteba Jacqueline posicionou-se E o fez premida pelo discurso da toleracircncia ao

diferente Uma ressonacircncia assumida por ela das suas interaccedilotildees com discursos de

formadores nos eventos de formaccedilatildeo continuada dos quais participa na Rede Municipal de

Ensino Diversas formaccedilotildees discursivas circundavam naquele espaccedilo impingindo a marca de

quatildeo heterogecircneas e fragmentadas satildeo as identidades sociais construiacutedas em praacuteticas

discursivas regradas historicamente Enxergaacute-las e tecirc-las como processos de construccedilotildees nos

quais somos premidos eacute em tese pensar fora do autoritarismo O ato de ler pode estar a serviccedilo

de exercitarmos o pensamento nesta perspectiva o que poderaacute promover o encontro com o

outro com disposiccedilatildeo para o diaacutelogo Mas este ato natildeo pode fugir de sua instacircncia poliacutetica

natildeo pode se dar sem angariar as formaccedilotildees discursivas que determinam verdades apagando e

dando sentidos conforme pontua Foucault [] ldquovivemos em uma sociedade que produz e faz

circular discursos que funcionam como verdade que passam por tal e que deteacutem por este

motivo poderes especiacuteficosrdquo (FOUCAULT 2012 p 231) Esta eacute tarefa para os que brigam os

que vivem em permanente posiccedilatildeo de lutadores

Natildeo sei se instigada pelo nosso diaacutelogo antes da aula a professora trouxe a tocircnica da

violecircncia contra a mulher perguntando se algueacutem ali achava certo um homem agredir uma

122

mulher A pergunta me pareceu ingecircnua simplista que expressa possivelmente a

desorganizaccedilatildeo de Jaqueline por improvisar uma aula em um tema que natildeo parece lhe

fascinar As respostas vieram de forma apressadas e uniacutessonas por um natildeo agrave agressatildeo agrave

mulher Ela elogiou o grupo propagando uma cultura de paz reforccedilando que ningueacutem deve

bater em ningueacutemrdquo Chamou-me atenccedilatildeo a voz fraacutegil de uma menina que trouxe o

ordenamento juriacutedico como justificativa para o impedimento agrave violecircncia contra a mulher

- Natildeo pode professora por causa da Maria da Penha

Jacqueline demonstrou gostar desta resposta da garota e falou rapidamente da Lei

1134006 pontuando para a turma ldquoeacute a Maria da Penha que bota os homens que batem em

mulher na cadeiardquo Chamou-me atenccedilatildeo ainda o fato natildeo visto pela professora de que a aluna

natildeo encontrou um oacutebice para a violecircncia contra a mulher na dignidade humana dessa no seu

direito a uma vida sem agressotildees e sim em uma lei Mas a demonstraccedilatildeo de conhecimento do

ordenamento juriacutedico pela menina deixou a professora satisfeita Uma outra aluna indagou-

lhe

- Quem foi professora Maria da Penha

A docente Jaqueline natildeo soube dizer exatamente soacute respondeu que Maria da Penha eacute

uma mulher que sofreu violecircncia domeacutestica Perdeu a oportunidade de narrar uma histoacuteria

exemplar de luta contra a impunidade a este mal que grassa em tantos lares ao tempo em que

evidenciou um comprometimento em sua formaccedilatildeo intelectual Seu desconhecimento

considerando a relevacircncia que a farmacecircutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes

possui como siacutembolo de luta para o enfrentamento da violecircncia contra a mulher demonstrou

fragilidade de formaccedilatildeo profissional Maria da Penha vitimada pela violecircncia com duas

tentativas de assassinato por Marco Antonio Heredia Viveros agrave eacutepoca seu marido lutou

bravamente contra a impunidade a esse crime Por sua obstinaccedilatildeo durante longos anos travou

uma longa batalha no poder Judiciaacuterio e evitou a impunidade de Marco conseguindo levar

sua denuacutencia agrave Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organizaccedilatildeo dos

Estados Americanos) que determinou medidas do Estado brasileiro pela puniccedilatildeo ao ex-

marido e reparaccedilatildeo agrave viacutetima A visibilidade da violecircncia contra a mulher ganhou em Maria da

Penha um baluarte que a fez homenageada com o nome da Lei 1134006 Suas apariccedilotildees na

123

miacutedia em especial nas comemoraccedilotildees alusivas ao Dia Internacional da Mulher deveriam ser

outro fator que favorecesse o conhecimento da cearense pela professora Jaqueline

O tema da violecircncia contra a mulher instigou a turma a falar e muitosas alunosas

disseram conhecer mulheres viacutetimas de violecircncia ningueacutem disse que isto fazia parte da

realidade familiar mas da de uma vizinha de uma conhecida Jacqueline natildeo aproveitou a

discussatildeo para trazer reflexotildees sobre as causas desse fenocircmeno dar visibilidade agrave questatildeo

cultural que sustenta a assimetria entre homens e mulheres e discorrer sobre a importacircncia da

lei E mesmo diante de enunciados de meninos dizendo que deveria existir a lei para os

homens tambeacutem o que implica uma incoerecircncia a professora se esquivou de aprofundar o

debate Um debate que seria oportuno considerando que a violecircncia contra homens eacute um

fenocircmeno cultural de baixiacutessima incidecircncia o que em tese natildeo justifica a existecircncia de uma

lei para a proteccedilatildeo dos homens

A aula natildeo havia acabado ainda mas o focirclego da professora sim Como quem paga

alta penitecircncia olhou muito para o reloacutegio enfim sentou-se exaurida ao meu lado e

timidamente me pediu uma opiniatildeo sobre seu desempenho pedagoacutegico Tive zelo para natildeo

parecer dona da verdade e pontuei algo para ela Iniciando pela criacutetica ao improviso Abordei

tambeacutem com a educadora o quanto o lidar com texto em sala de aula em uma perspectiva

discursiva permite a quebra da ilusatildeo de que haacute uma leitura boa e certa para um texto na qual

o professor seria o inteacuterprete legiacutetimo E que a postura dela de natildeo ouvir as respostas dosas

alunosas em alguns momentos evidenciava talvez para ela a crenccedila de que as respostas da

turma estariam fora do campo do verdadeiro Falei tambeacutem do desejo de ver a temaacutetica ser

vivenciada com esmero por respeito ao princiacutepio da dignidade humana de todas as pessoas e

por considerar que para que se engendrem reflexotildees plurais e que se olhem mais

apuradamente as assimetrias de gecircnero desmantelando-nas as construccedilotildees discursivas

precisam fazer parte de um ethos Precisam fazer parte de uma brigada pela defesa de uma

escola inclusiva para todosas e isto natildeo nasce aleatoriamente nem sem suor Novos sujeitos

precisam nascer ou no dizer foucaultiano (FOUCAULT 2004a 2004b 2004c 2012) novos

modos de subjetivaccedilatildeo Jaqueline ponderou que estava disposta a aprender mas de algumas

coisas natildeo abriria matildeo O que ela e tantosas natildeo abrem matildeo poderaacute continuar impedindo a

responsabilidade da escola em construir caminhos para novos sujeitos com a eliminaccedilatildeo de

praacuteticas discriminatoacuterias sexistas homofoacutebicas

A aula acabou e eu tomei emprestado o material usado em sala para analisaacute-lo

conforme tracei em um dos objetivos deste trabalho E muito embora este natildeo seja um

material programado para fazer parte de suas aulas como jaacute pontuei aqui por sua escolha ter

124

sido notoriamente casual aleatoacuteria foi ele o subsiacutedio do evento e eacute um dos textos presentes

na escola que poderaacute ser lido outras vezes Voltei agrave biblioteca e perguntei agrave Denise a

responsaacutevel por aquele espaccedilo que foi uma das participantes da pesquisa se aquele texto o

ldquoGuia da Crianccedila Cidadatilde ndash Convivendo com meninas e meninosrdquo (BOULET 2005) jaacute fazia

parte do acervo bibliotecaacuterio quando de minhas visitaccedilotildees na outra etapa desta pesquisa Ela

me informou que natildeo aqueles volumes tinham sido uma aquisiccedilatildeo no final do ano realizada

pela coordenadora do projeto de leitura

O material usado um guia eacute um gecircnero textual que tem como caracteriacutestica pontuar

concisamente informaccedilotildees para nortear leitoresas acerca de algo E com esse natildeo foi

diferente o material utilizado naquela aula eacute um texto com muita ilustraccedilatildeo em uma

linguagem acessiacutevel e com historinhas apresentadas em trecircs capiacutetulos As narrativas abordam

relacionamentos entre meninos e meninas problematizando a construccedilatildeo das diferenccedilas

atraveacutes de toacutepicos como o interesse dos meninos por baleacute a ocupaccedilatildeo das mulheres no

mercado de trabalho as meninas poderem tomar agrave frente nas manifestaccedilotildees de afeto entre

outros papeacuteis sociais questionados Satildeo toacutepicos interessantes que se organizados

reflexivamente poderiam render uma aula mais significativa

O guia todavia eacute uma produccedilatildeo do UNICEF jaacute com uma certa defasagem em

relaccedilatildeo aos avanccedilos conquistados pelas mulheres no tocante agraves garantias juriacutedicas como as

Leis 1203409 (BRASIL 2009) que prevecirc a obrigatoriedade do preenchimento de vagas por

mulheres em cada partido e a Maria da Penha que combate agrave violecircncia contra a mulher

Outros avanccedilos angariados pelo coletivo feminista natildeo poderiam tambeacutem estar contemplados

ali no que diz respeito agraves mobilizaccedilotildees sociais como as construccedilotildees das conferecircncias entre

outros Assim eacute uma leitura que mobiliza o interesse pelo combate agrave violecircncia de gecircnero tem

seu valor mas precisaria estar melhor articulada e atualizada Esse eacute um trabalho doa

fazedora da educaccedilatildeo que deve entrar em sala carregando leituras catadas angariadas

escolhidas criteriosamente o que natildeo foi o caso da aula em tela na qual a mestra pareceu

carregar um guia sem ser guiada por ele

125

4 A ACcedilAtildeO PROPOSITORA INSERCcedilAtildeO TEMAacuteTICA DE GEcircNERO PELA VIA DA

LEITURA

Apoacutes discorrer acerca do trajeto desta pesquisa objetivando costurar os fios traccedilados

ao longo de sua constituiccedilatildeo cabe-me tomar a direccedilatildeo de apresentar nesta parte do estudo

uma proposta de sistematizaccedilatildeo de estrateacutegias que poderatildeo ser adotadas pelo projeto de leitura

da escola TRAVESSIA Isso se deve porque este mestrado que possui uma diretriz

profissional estaacute sendo desenvolvido de modo a permitir uma accedilatildeo interventiva na praacutetica

docente de seus cursistas o que se traduz como compromisso e luta com o fazer pedagoacutegico

aos quais bendigo

E com base no que angariei em termos de anaacutelises das discursividades de

educadoresas como mediadores(as) de leituras cabe-me propor a inserccedilatildeo do debate sobre as

relaccedilotildees de gecircnero no projeto de leitura da escola TRAVESSIA Faccedilo assim por conceber que

a leitura ali vivenciada percebida em diversos momentos desta pesquisa natildeo demonstrou

contemplar a temaacutetica da equidade de gecircnero E a ausecircncia desta contemplaccedilatildeo eacute considero

um oacutebice para a formaccedilatildeo de cidadatildeosatildes reflexivosas que eacute um dos objetivos propostos no

documento do referido projeto de leitura da escola

Desse modo e em respeito agrave pauta reivindicatoacuteria dos DH das mulheres da populaccedilatildeo

LGBT e de toda uma legislaccedilatildeo educacional que trata da inclusatildeo como um direito de todas as

pessoas agrave dignidade humana proponho que haja o empenho pela implementaccedilatildeo do debate da

equidade de gecircnero na escola TRAVESSIA por via da leitura Sendo concebida esta via

como uma praacutetica social que pode contribuir significativamente com as mudanccedilas sociais e

culturais que precisam ser construiacutedas (MOITA LOPES 2002 ORLANDI 2008) eacute preciso

que nela seja investido um olhar mais reflexivo Para isto eacute crucial que a escola repense o

lugar da leitura centralizando-a norteando esta praacutetica por reflexotildees e estudos frequentes

entre osas professoresas envolvidosas com o projeto CestaSexta literaacuteria Tais reflexotildees e

estudos devem estar subsidiando a vigilacircncia dos agentes de leitura sobre o que leem e

propotildeem como leitura no projeto atentando assim para os modos como se alicerccedilam

estereoacutetipos para os modos como se alicerccedilam verdades Tais reflexotildees e estudos devem estar

subsidiando a vigilacircncia dos agentes de leitura sobre o que leem e propotildeem como leitura no

projeto atentando assim para os modos como se alicerccedilam estereoacutetipos para os modos como

se alicerccedilam verdades A vigilacircncia sobre os modos de conceber a leitura tem razatildeo de ser

quando se considera o que a AD atraveacutes de Possenti (2009) postula em si natildeo eacute a leitura um

bem E como tal natildeo deve ser sacralizada natildeo pode tambeacutem ser mateacuteria de improviso de

mero cumprimento de tarefa sem planejamento criterioso e sabor

126

A formaccedilatildeo de leitoresas pressupotildee estudo pressupotildee concernir com o que se

acolhe Heidegger (apud LARROSA 2004 p 110) investe na importacircncia do ato de ler

debruccedilando-se na etimologia do termo

A etimologia de ler como recorda Heidegger remete a recolher a colher a

colecionar a coletar Leitura lectio liccedilatildeo e tambeacutem e-leiccedilatildeo se-leccedilatildeo co-leccedilatildeo co-

lheita Heidegger mostra como o legein grego relaciona-se com o leger latino e com

o alematildeo lesen em seu sentido primitivo de um ldquopocircr abaixo e pocircr diante de que se

reuacutene a si mesmo e recolhe outras coisasrdquo Esse pocircr eacute um juntar e um com-pocircr []

E aleacutem disso como indica o alematildeo lesen um coletar ou um re-coletar um co-lher

ou um re-colher a colheita de espigas (Ahren-lese) recolhe o fruto do solo A

vindima (Trauben-lese) colhe as bagas da videira Por isso o juntar e pocircr diante natildeo

eacute um juntar qualquer coisa de qualquer maneira natildeo eacute um mero amontoar mas

implica uma busca e uma escolha previamente determinada por um colocar dentre

por um colocar sob um teto por um preservar ou abrigar (HEIDEGGER apud

LARROSA 2004 p 110)

Haacute uma ideia de abrigamento de incorporaccedilatildeo com a definiccedilatildeo do termo que sugere

alimento a leitura como o patildeo diaacuterio que nutre defendida por Antunes (2009) E eacute com essa

ideia que advogo quatildeo a formaccedilatildeo de leitoresas eacute tarefa de extrema responsabilidade

pressupotildee condiccedilotildees adequadas de produccedilatildeo do ato de ler que envolve a disponibilidade do

acervo do espaccedilo adequado bem como as condiccedilotildees intersubjetivas como o desejo o

conhecimento o prazer por parte de quem propotildee a leitura A formaccedilatildeo de leitoresas eacute ato

seacuterio ultrapassa formar para a mera classificaccedilatildeo para o mero valorar de coisas eacute no dizer

de Larrosa (2004) ato que possibilita deixar aparecer o existente em sua plenitude atraveacutes da

experiecircncia do lanccedilar-se

E qual se lanccedilar haacute na leitura proposta pela profordf Jaqueline com poucos livros em

muitas matildeos desprotegida pelo Estado com um fastio intelectual leitor por um tema que

aparece nas formaccedilotildees continuadas segundo me informou mas desaparece na sua praacutetica

discursiva Haacute um lanccedilar-se Haacute eacute um hiato entre os sujeitos que escutam mudanccedilas

anunciadas nas formaccedilotildees entre os sujeitos que leem e natildeo assimilam essas leituras O

percurso formativo dessa profissional como dos outros sujeitos desta pesquisa eacute o de um

sujeito refrataacuterio agraves mudanccedilas propostas nas tecnologias enunciativas nas praacuteticas leitoras que

instiguem reflexotildees sobre a constituiccedilatildeo de identidades Nesse sentido recorro a Noacutevoa

A formaccedilatildeo eacute algo que pertence ao proacuteprio sujeito e se inscreve num processo de ser

(nossas vidas e experiecircncias nosso passado etc) e num processo de ir sendo (nossos

projetos nossa ideia de futura [] Eacute uma conquista feita com muitas ajudas dos

mestres dos livros das aulas dos computadores Mas depende sempre de um

trabalho pessoal Ningueacutem forma ningueacutem Cada um forma-se sozinho (NOacuteVOA

2001 p 15)

127

No trabalho de formaccedilatildeo interior levantado por Noacutevoa que eacute de extrema

importacircncia estatildeo as lembranccedilas foucaultianas das praacuteticas de si (FOUCAULT 2004a

2004b 2004c) as que fazem os sujeitos acordarem para seus desejos atentarem para relaccedilotildees

consigo com seus cuidados mas que permitem o olhar em torno o olhar para as construccedilotildees

sociais de si e do outroa Daiacute poderaacute vir a condiccedilatildeo de ser leitora de ser lanccediladora

Cuidando de si mas amparadoa pelo Estado satildeo por praacuteticas de libertaccedilatildeo e de liberdade que

osas intelectuais e professoresas poderatildeo ter a vitalidade necessaacuteria para formar e ser

leitora E aqui de novo a Literatura de Graciliano Ramos me acolhe com Madalena lutando

chorosamente contra o opressor Paulo Honoacuterio e sendo vencida Acode-me para que eu possa

propagar solitariamente natildeo haacute saiacuteda Agreste eacute a alma de Paulo Honoacuterio

Conheci que Madalena era boa em demasia mas natildeo conheci tudo de uma vez Ela

se revelou pouco a pouco e nunca se revelou inteiramente A culpa foi minha ou

antes a culpa foi desta vida agreste que me deu uma alma agreste (RAMOS 1978

p 92)

Como agreste eacute o coraccedilatildeo de uma sala de aula sem livros sem sonhadoresas sem

leitoresas Fiz esse rodeio por outras paragens para reafirmar que as estrateacutegias para se

formar leitoresas satildeo meticulosas exigem accedilotildees inventivas que mobilizem a ultrapassagem

aos muros da escola fazendo a chamada ao Poder Puacuteblico Mas para isso eacute preciso professora

que escolha natildeo chorar como o fez Madalena Ao agente de letramento resta-lhe organizar-se

politicamente e especialmente se enxerga na leitura um cunho libertaacuterio como me afirmou

Jaqueline minutos antes de entrar na sala de aula e afirmam tantosas outrosas

educadoresas resta-lhe lanccedilar matildeo de artefatos culturais que fomentem reflexotildees

propositoras da construccedilatildeo de novas formas de subjetivaccedilatildeo de empoderamento social de

grupos minoritaacuterios entre outras formas de experimentar vivecircncias

Eacute uma luta por espaccedilo formar leitora E como luta natildeo se daacute sem investimento sem

desarticulaccedilotildees e articulaccedilotildees de olhares Natildeo se daacute sem mobilizaccedilotildees internas e externas ao

acircmbito da esfera escolar por isso que aqui me cabe atravessar o olhar indo da escola agrave

SEDEC e inquirir desse oacutergatildeo sobre suas responsabilidades poliacutetico-administrativas A

educaccedilatildeo do municiacutepio precisa repensar uma forma de estar gestando maior compromisso e

seriedade com as suas poliacuteticas educacionais no que se refere agrave responsabilidade de formar

leitoresas A produccedilatildeo de projetos de leitura natildeo pode ser tarefa de cunho meramente

administrativo sem o acompanhamento devido pelo pedagoacutegico Uma professora

readaptadoa portanto soacute deve propor e coordenar projeto de leitura se houver nelea as

128

favoraacuteveis condiccedilotildees para isso biblioteca escolar natildeo pode ser lugar para assegurar a

manutenccedilatildeo de gratificaccedilatildeo docente natildeo pode ser espaccedilo onde apenas se emprestam livros

sem a preocupaccedilatildeo com um trabalho profiacutecuo para o estiacutemulo agrave leitura Haacute o Plano Nacional

de Livro e Leitura ndash PNLL que reivindica a esse espaccedilo o seu lugar de dinacircmico polo difusor

de informaccedilatildeo e cultura para isso o profissional que fica agrave frente desse oacutergatildeo precisa avanccedilar

em conquistas por mais habilidade A responsabilidade da SEDEC com osas readaptadosas

natildeo pode se restringir agrave exigecircncia com a confecccedilatildeo de um projeto de leitura no papel mas em

formaacute-losas para que exerccedilam com maestria a funccedilatildeo de agente de letramentos

Pensar entatildeo e ainda em um aperfeiccediloamento com o trabalho de leitura na escola

TRAVESSIA eacute tambeacutem sair dos muros daquele espaccedilo e provocar os gabinetes e o interesse

do Poder Puacuteblico da Rede de Educaccedilatildeo Municipal de Joatildeo Pessoa para o implemento de

melhorias na formaccedilatildeo continuada por ela oferecida Como propositora das formaccedilotildees

continuadas a SEDEC deve se questionar sobre a qualidade dessas avaliando seus impactos

nas praacuteticas docentes As formaccedilotildees continuadas natildeo podem ser inoacutecuas incapazes de fazer

com que seusuas educadoresas impactem suas praacuteticas educativas com o que lhes satildeo

ministradosas nos eventos de formaccedilatildeo Para isto essas praacuteticas precisam estar municiadas de

reflexotildees permanentes acerca de seus jogos de verdades de suas operacionalidades do seu

formato das accedilotildees conectadas com a realidade da sala de aula acerca enfim dos seus efeitos

sobre as praacuteticas discursivas dos seus docentes

Dentre as preocupaccedilotildees que a escola TRAVESSIA deve ter para que possa

aperfeiccediloar seu trabalho com a leitura pode estar tambeacutem a de proporcionar o envolvimento

da participaccedilatildeo familiar nas praacuteticas leitoras A matildee jaacute foi aqui pontuado pelas anaacutelises dos

resultados da pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2011) tem papel

inquestionaacutevel na influecircncia da formaccedilatildeo leitora A famiacutelia a despeito das dificuldades de

ajuste com tempo precisa ser estimulada a se envolver com as temaacuteticas e accedilotildees leitoras

desenvolvidas pela escola natildeo soacute atraveacutes das tarefas domeacutesticas dosas filhosas mas vindo agrave

escola para ler produzir textos para elesas participar dos eventos leitores Haacute matildees pais

avocircoacutes tiosas e irmatildeosas talentosos nos lares que podem contribuir com o trabalho de

leitura nas escolas atuando como contadoresas de histoacuterias como atoresatrizes em peccedilas

teatrais entre outras atividades

Reconheccedilo satildeo deveras hercuacuteleas as responsabilidades que o poder puacuteblico precisa

implementar para assegurar as mudanccedilas que a sociedade brasileira tem como direito em

termos de educaccedilatildeo de qualidade Satildeo inuacutemeras e histoacutericas as queixas de educandosas e

educadoresas sobre o ensino que o Estado brasileiro oferta agrave populaccedilatildeo e no que diz respeito

129

agrave praacutetica leitora pela escola elencam com frequecircncia como pontos negativos textos impostos

pouco acervo condiccedilotildees inadequadas de espaccedilo leitura para cumprir obrigaccedilatildeo A escola

precisa olhar com respeito tais queixas crocircnicas de seusuas educadoresas enxergar suas

vozes dispostas a aprender a aprender e aceitar o desafio de ser inventiva para resistir ao

poder como Foucault (2012) ressalta E em se tratando de poder institucional como tem sido

avassalador o poder puacuteblico do descaso com a educaccedilatildeo brasileira Tatildeo devastador a ponto de

fazer com que pensar em propor estrateacutegias interventivas em uma de suas instacircncias de

trabalho seja tatildeo sedutor quanto frustrante para mim e para educadoresas das escolas

puacuteblicas do Paiacutes Como ser inventivo diante dos limites estruturais que se apresentam face agraves

tentativas de desenvolvimento de um bom trabalho A realidade das salas superlotadas e dos

parcos recursos em termos de filmes de acervos literaacuterios musicais e demais artefatos

culturais aqui jaacute referendados comprometem a qualidade de um trabalho com a leitura

expondo o quanto o direito agrave educaccedilatildeo de qualidade estaacute sendo violado

Mas pior ficaraacute se natildeo se propuser Vou tentar pela vitalidade que haacute nos gestos de

tentar e por importar ter a leitura em pauta despertar interesse por ela saber de onde se lecirc

perscrutar por qual controle se lecirc Importa formar leitores que afiem os sentidos reflitam

sobre o estar no mundo para que possam no dizer de Freire (1999 p 124) conceber a

possibilidade do inacabamento humano ldquoa raiz mais profunda da politicidade da educaccedilatildeo se

acha na educabilidade mesma do ser humano que se fundamenta na sua natureza inacabada e

da qual se tornou conscienterdquo A leitura pode ser sem sacralizaccedilotildees uma porta para as buscas

de si foucaultianas e para a consciecircncia freireana

Convencida disto encaminho propostas de atividades de leituras de viacutedeos sites e

filmes para aprimorar as reflexotildees acerca da temaacutetica Faccedilo isto sem a menor pretensatildeo de

demonstrar possuir foacutermula nem verdade alguma nem achando que o que proponho eacute

novidade pois creio que apesar das condiccedilotildees adversas em muitos contextos escolares o

trabalho com a leitura tem sido pautado em uma perspectiva discursiva com objetivos

emancipatoacuterios libertaacuterios E o que me compete fazer neste momento satildeo esboccedilos para uma

reflexatildeo que norteie a praacutetica leitora do CestaSexta Literaacuteria Ciente sou todavia de que

profiacutecuo eacute que se faccedilam estudos coletivos reforccedilados nas coordenaccedilotildees pedagoacutegicas com

muito diaacutelogo e participaccedilatildeo dosas educadoresas ouvindo as famiacutelias os educandosas para

que haja o fortalecimento de ideias e aprendizado coletivo

Ciente sou ainda todavia de que respalda a todosas educadorasas no sentido de

reivindicar e fazer as mudanccedilas que precisam ser efetivadas a chegada de mais uma

tecnologia enunciativa como promessa de mudanccedilas O Senado Federal aprovou em julho

130

deste o novo Plano Nacional da Educaccedilatildeo - PNE cujo teor traz o compromisso firmado pelo

Governo brasileiro atraveacutes de suas poliacuteticas puacuteblicas para o enfrentamento da gravidade que

acomete a educaccedilatildeo brasileira Satildeo promessas em formato de diretrizes e metas a serem

cumpridas ateacute 2024 promessas que soacute poderatildeo ser alcanccediladas se esta tecnologia enunciativa

for concebida e acolhida como Plano de Estado mais do que Plano de Governo

Que sejamos osas santosas fazedoresas da mudanccedila que a educaccedilatildeo brasileira

precisa experimentar para sair de seu estado crocircnico de adoecimento A santidade nos

convoca a rezar aqui o sentido dessa accedilatildeo eacute para aleacutem da busca do sagrado conforme

estabelece esse Plano e um arcabouccedilo da legislaccedilatildeo educacional pela fundamental poliacutetica de

valorizaccedilatildeo global do magisteacuterio a qual implica simultaneamente a formaccedilatildeo profissional

inicial as condiccedilotildees de trabalho salaacuterio e carreira e a formaccedilatildeo continuada Que a reza natildeo

seja silenciosa apenas nem solitaacuteria pois seraacute inoacutecua e que conflua para o que diz o novo

PNE no sentido de que eacute preciso criar condiccedilotildees para que os professores possam vislumbrar

perspectivas de crescimento profissional e de continuidade de seu processo de formaccedilatildeo

(BRASIL 2014) Quem sabe assim o rosaacuterio de lamentaccedilotildees monotemaacuteticas que osas

educadoresas arrastam em seus enunciados natildeo mude de tom surgindo a sonoridade da luta

da paixatildeo e do sonho tatildeo (en)cantada por Chico Buarque de Holanda ldquoAi quero uma

lembranccedila eu quero uma esperanccedila A tua primavera

Apoacutes fazer uma ressalva ao PNE receacutem-chegado retorno agrave reflexatildeo sobre a

semeadura na escola em tela apresentando agrave guisa de sugestatildeo algumas recomendaccedilotildees que

podem ser incorporadas pela organizaccedilatildeo do projeto a CestaSexta Literaacuteria Nesse sentido

cabe aos organizadores do projeto de leitura da escola TRAVESSIA

1) Considerar a fragilidade com que o projeto de leitura se apresenta evidenciada

natildeo soacute pela ausecircncia da temaacutetica de gecircnero e de temas transversais propostos

pelos PCNs como tambeacutem pela ausecircncia de uma fluente organizaccedilatildeo entre as

accedilotildees propostas sua metodologia e seus objetivos e buscar construir uma

reformulaccedilatildeo do projeto Eacute necessaacuterio que este inclua em seus propoacutesitos uma

exposiccedilatildeo clara de temas trabalhados para que haja a relaccedilatildeo desses com a

formaccedilatildeo cidadatilde pelo projeto defendida

2) Construir para o referido projeto uma metodologia dialoacutegica e participativa

havendo a explicitaccedilatildeo dos recursos teacutecnicos adequados aos objetivos propostos

que contribuam para uma educaccedilatildeo natildeo-sexista natildeo discriminadora A sua

metodologia deve ser constituiacuteda de momentos formativos com o corpo docente e

131

gestor a fim de que as accedilotildees sejam elaboradas por uma equipe multidisciplinar

que elabore monitore e avalie todo o processo

3) Apresentar uma bibliografia envolvente e criteriosamente levantada como

tambeacutem uma seleta apresentaccedilatildeo de filmes e de artefatos culturais como canccedilotildees

entre outros objetivando ressignificar a realidade a partir desses instrumentos

Considero oportuno sugerir que a escola procure desenvolver dentro de suas

possibilidades praacuteticas leitoras incrementadas por encenaccedilotildees de peccedilas teatrais

jogos varais com a presenccedila de contadoresas de histoacuterias por exibiccedilatildeo de

filmes que a depender do estilo da peliacutecula pode sofrer cortes em cenas para que

apenas elas sejam estudadas considerando que nem toda narrativa atrai Haacute

programas de televisatildeo e capiacutetulos de novelas que podem ser objetos de anaacutelises

como tambeacutem determinadas leituras circuladas nas redes sociais podem estar

propiciando reflexotildees atinentes agrave valorizaccedilatildeo da dignidade humana

4) Proporcionar realizaccedilotildees de atividades educativas como oficinas palestras e

debates com a inserccedilatildeo da temaacutetica da equidade de gecircnero Para isso deve se

nortear com a discussatildeo de questotildees geradoras que podem ser conforme

pontuadas pelo curso de Gecircnero e Diversidade na Escola ndashGDE- (2009)3 assim

levantadas Como as relaccedilotildees de gecircnero aparecem no cotidiano escolar Haacute cenas

de violecircncia de gecircnero na escola O que educadoresas podem fazer neste

momento A discriminaccedilatildeo de gecircnero ainda coloca as mulheres em desvantagem

em diversas situaccedilotildees sociais Haacute o agravamento da desvantagem quando essa se

une agrave discriminaccedilatildeo eacutetnico-racial Qual a responsabilidade da escola e dos

educadores na garantia do direito de cada pessoa de ter uma justa imagem de si e

de ser tratado com dignidade Educadores e educadoras tecircm a possibilidade de

reforccedilar preconceitos e estereoacutetipos de gecircnero A escola institui sujeitos a partir

de um modelo Este modelo eacute branco masculino heterossexual e todas as pessoas

que natildeo se encaixam nele satildeo o outro que eacute reiteradamente tratado como inferior

estranho diferente Isso tem mudado Caso sim com base em que se sustenta esta

mudanccedila Em todas as classes sociais as mulheres satildeo viacutetimas de violecircncia

(fiacutesica simboacutelica psicoloacutegica moral e sexual) e enfrentam dificuldades de acesso

ao trabalho agrave geraccedilatildeo de renda e agrave participaccedilatildeo na vida poliacutetica Haacute letras de

3As perguntas apresentadas foram adaptadas a partir da leitura do livro intitulado ldquoGecircnero e Diversidade na

Escola Formaccedilatildeo de professorases em gecircnero orientaccedilatildeo sexual e relaccedilotildees eacutetnico-raciaisrdquo Este livro foi

utilizado como Livro de Conteuacutedo para o Curso Gecircnero e Diversidade na Escola (GDE) da Universidade

Federal da Paraiacuteba na modalidade a distacircncia

132

muacutesicas que vinculam a imagem da mulher ao escaacuternio agrave exploraccedilatildeo sexual e agrave

violecircncia fiacutesica e simboacutelica Isto se constitui como algo com que o projeto de

leitura deve se preocupar

5) Vivenciar a praacutetica leitora acompanhada de accedilotildees inventivas dinacircmicas ler

silenciosamente ler grupalmente ler atraveacutes das contaccedilotildees de histoacuterias que

devem ser estimuladas ler para encenar para debater ler para ler Isso pode ser

melhor realizado com a organizaccedilatildeo de grupos pequenos o que eacute um grande

desafio para a instituiccedilatildeo

6) Criar agendas com as quais se trabalhe a leitura em uma perspectiva dinacircmica

expondo temas ao longo do ano letivo acompanhado de artefato cultural para o

debate com recursos como obras cinematograacuteficas literaacuterias imagens feiras

participaccedilatildeo dosas alunosas em eventos culturais que porventura estejam sendo

realizados na cidade

7) Adotar para anaacutelise se possiacutevel as leituras abaixo sugeridas

SUGESTOtildeES DE LEITURAS

Bibliografia teoacuterica

AUAD Daniela Educar meninas e meninos relaccedilotildees de gecircnero na escola Satildeo

Paulo Contexto 2006 96 p

BRASIL Gecircnero e diversidade na escola formaccedilatildeo de professoresas em Gecircnero

Orientaccedilatildeo Sexual e Relaccedilotildees Eacutetnicos-Raciais Livro de Conteuacutedo versatildeo 2009 ndash

Rio de Janeiro CEPESC Brasiacutelia SPM 2009

LOURO Guacira Lopes Gecircnero sexualidade e educaccedilatildeo uma perspectiva poacutes-

estruturalista 14 ed Petroacutepolis RJ Vozes 2012

SILVA Tomaz Tadeu da Identidade e diferenccedila a perspectiva dos Estudos

Culturais 10 ed Petroacutepolis RJ Vozes 2011

ZENAIDE Maria de Nazareacute Tavares SILVA Margarida Socircnia Marinho do Monte

Plano de Accedilatildeo em Educaccedilatildeo em e para Direitos Humanos na Educaccedilatildeo baacutesica In

Direitos humanos capacitaccedilatildeo de educadores Joatildeo Pessoa editora

UniversitaacuteriaUFPB 2008 v 2

Bibliografia literaacuteria

BOJUNGA Lygia Sapato de salto Rio de Janeiro Casa Lygia Bojunga 2006

_____ A bolsa amarela 33 ed Rio de Janeiro Casa Lygia Bojunga 2003

133

BRAZ Juacutelio Emiacutelio Anjos no aquaacuterio Ilustraccedilotildees de Andreacutea Ramos 20 ed Satildeo

Paulo Atual 2009

LEITE Maacutercia Oliacutevia tem dois papais Ilustraccedilotildees de Taline Schubach Satildeo Paulo

Companhia das Letrinhas 2010

MACHADO Ana Maria A princesa que escolhia Ilustraccedilotildees de Graccedila Lima Rio

de Janeiro Nova Fronteira 2006

ROCHA Ruth Faca sem ponta galinha sem peacute Ilustraccedilotildees de Suppa Satildeo Paulo

Moderna 2009

SIMPATIA Tiatildeo A lei Maria da Penha em cordel ndash Fortaleza XX 2012

SOUZA Flaacutevio de Priacutencipes e princesas sapos e lagartos histoacuterias modernas de

tempos antigos Ilustraccedilotildees de Paulo Ricardo Dantas 6 ed Satildeo Paulo FTD 1996

_____ Homem natildeo chora Ilustraccedilotildees de Riba Tavares Belo Horizonte Formato

Editorial 1994

TORERO Joseacute Roberto PIMENTA Marcus Aurelius Chapeuzinhos coloridos

Rio de Janeiro Objetiva 2010

VIEIRA Isabel E agora matildee 2 ed Satildeo Paulo Moderna 2002

ZIRALDO Coisas de menina histoacuterias que revelam o que eacute ser menina

maluquinha Satildeo Paulo Globo 2008

SUGESTOtildeES DE FILMES

Minha Vida em Cor-de-Rosa (Mavieen rose) eacute um filme dirigido pelo belga Alain

Berliner e lanccedilado em1997 Trata-se da histoacuteria de um menino chamado Ludovic que

imagina que deveria ter nascido menina O filme mostra os preconceitos que a personagem

principal e seus familiares enfrentam em relaccedilatildeo a sua identidade de gecircnero

Garotos natildeo choram (EUA 1999 Kimberly Peirce) Assunto predominante

sexualidade identidade sexual e de gecircnero atraveacutes da experiecircncia de uma transgecircnero

violecircncia EUA

Geraccedilatildeo Roubada (Austraacutelia 2002 Phillip Noyce) Assunto predominante

Opressatildeo cultural e situaccedilatildeo feminina

Iacuteris (Inglaterra 2001 Richard Eyre) Narra a trajetoacuteria biograacutefica de Iacuteris Murdoch

escritora e filoacutesofa inglesa sua relaccedilatildeo com os homens e seu casamento ateacute a morte por

Alzheimer em 1999

134

Beleza Americana (EUA 1999 Sam Mendes) Assunto predominante relaccedilatildeo

conjugal gecircnero e sexualidade no conflito de geraccedilotildees homofobia

Billy Eliot (Reino Unido 2000 Stephen Daldry) Assunto predominante Gecircnero e

classe identidade sexual danccedila (um garoto faz ballet)

Chocolate (EUA 2000 Lasse Hallstroumlm) Assunto predominante gecircnero

sexualidade e amor relaccedilatildeo matildee e filha descobertas transgressotildees

Delicada atraccedilatildeo (Inglaterra 1996 Hettie Macdonald) Assunto predominante

juventude e sexualidade masculina homoerotismo

Eternamente Pagu (Brasil 1987 Norma Bengell) Narra a trajetoacuteria biograacutefica e

poliacutetica de Pagu e outras personalidades da eacutepoca como Oswald de Andrade e Tarsila do

Amaral

Frida (EUA 2002 Julie Taymor) Assunto predominante biografia da artista Frida

Khalo amor relaccedilatildeo homem-mulher homoerotismo feminino

SUGESTOtildeES DE SITES PARA VISITAR

EDUCACcedilAtildeO ON LINE

httpeducacaoonline ndash Com uma busca na palavra gecircnero encontraraacute textos

acessiacuteveis sobre diversos temas educacionais

REVISTA GEcircNERO ndash (UFF ndash Universidade Federal Fluminense) ndash

httpwwweditorauffbr

Cadernos Pagu

httpwwwscielophpscript=sciserialampIng=ptamppid=0104-8333ampnrm=iso

Revista Estudos Feministas

httpwwwscielophpscript=sciserialampIng=ptamppid=0104-8333ampnrm=iso

SUGESTOtildeES MARCOS LEGISLATIVOS DE DOCUMENTOS

Lei11340 07082006 Cria mecanismos para coibir a violecircncia domeacutestica e

familiar contra a mulher nos termos do art 226 da Constituiccedilatildeo Federal da Convenccedilatildeo sobre

a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de Discriminaccedilatildeo contra as Mulheres e da Convenccedilatildeo

135

Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violecircncia contra a Mulher Disponiacutevel

emlthttpwwwplanaltogovbrCcivil 03 Ato2004-2006Lei11340htmgtAcesso em 26

jun 2013

BRASIL Plano Nacional de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos Brasiacutelia

SEDHMJMECUNESCO 2007

136

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Eacute assim A gente pede para ele fazer cara de malvadeza de ruindade de valentia

Aiacute justo quando a cara dele estaacute mais medonha a gente mostra um espelho para

ele Acontece na hora Ele vira aquele que ele vecirc no espelho

(ROSA 1986 p 255)

Este trecho da ficccedilatildeo roseana soa-me como mais um fio das aacuteguas profundas do rio

que flui das conversaccedilotildees de (Rio)baldo e trazecirc-lo para abrir as consideraccedilotildees finais deste

trabalho parece-me oportuno Parece-me porque com esta construccedilatildeo literaacuteria de um ser no

espelho gestando imagens para si que seratildeo e vecircm dos outros pelas palavras e pela

ocularidade refletimos sobre a importacircncia da discursividade como o que nos encarna o que

nos vivifica o que nos constitui Haacute no espelho da obra roseana (ROSA 1986) a marca da

memoacuteria discursiva do outro que nos envereda a marca de que o poder eacute tecido nas praacuteticas

sociais e enunciado em praacuteticas discursivas que operam em noacutes um modo de subjetivaccedilatildeo

ldquo[] Aiacute justo quando a cara dele estaacute mais medonha a gente mostra um espelho para ele

Acontece na hora Ele vira aquele que ele vecirc no espelho []rdquo O espelho dado pelo outro

opera a virada que nos torna mutantes crentes no que vemos no que nos dizem Esta imagem

do espelho na fala de Riobaldo algo que natildeo eacute ldquonovidadeirordquo na ficccedilatildeo literaacuteria reflete

deveras o quanto a construccedilatildeo social da realidade estaacute imersa e constituiacuteda na trama da

linguagem E eacute por isso uma imagem cara que pode ser confluente com o pensamento

foucaultiano (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2004c 2004d 2012) no tocante ao interesse

do filoacutesofo de propor o exerciacutecio da suspeita do que somos e como nos tornamos quem

somos para quem sabe podermos recusar o que somos

Nesse caminho observando o cuidado alertado por Gallo (2008) para que se evite

enxergar tons novidadeiros e se tente ldquocolonizarrdquo pensamentos ter tomado de empreacutestimos as

reflexotildees de Foucault para esta pesquisa constituiu-se como um desafio instigante e vaacutelido As

contribuiccedilotildees do pensador mobilizadas aqui foram as atinentes aos processos de subjetivaccedilatildeo

da construccedilatildeo da verdade e do poder esse em suas formas de assimetria piramidalizadas

fabricadas pelo Estado e instituiccedilotildees como a familiar a religiosa e a escolar A articulaccedilatildeo de

tal empreacutestimo teve sua razatildeo de ser por esta pesquisa conforme evidenciada ter tido como

objetivo empreender reflexotildees acerca das relaccedilotildees de gecircnero perpassadas pelas constituiccedilotildees

discursivas dosas educadoresas como mediadoresas de leitura E a voz do pensador francecircs

levada a esse debate fez-me corroborar com a ideia de que o sujeito natildeo eacute uma substacircncia

137

pronta ele eacute forma que se faz e se refaz determinada por regras soacutecio-histoacutericas Foucault

(2004b) postula sujeitos que se esvanecem

Penso efetivamente que natildeo haacute um sujeito soberano fundador uma forma universal

de sujeito que poderiacuteamos encontrar em todos os lugares Penso pelo contraacuterio que o

sujeito se constitui atraveacutes das praacuteticas de sujeiccedilatildeo ou de maneira mais autocircnoma

atraveacutes das praacuteticas de liberaccedilatildeo de liberdade como na Antiguidade a partir de um

certo nuacutemero de regras de estilos de convenccedilotildees que podemos encontrar no meio

cultural (FOUCAULT 2004b p 291)

E tal postulaccedilatildeo viabiliza reflexotildees de que constituiacutedas discursivamente tramadas

por linguagens essas formas de subjetivaccedilatildeo satildeo moventes materiais dispersas falam de um

lugar institucional anunciando memoacuterias discursivas A importacircncia desse entendimento para

esta pesquisa se mostrou entre outras pela razatildeo de que com a concepccedilatildeo de que haacute

produccedilotildees histoacutericas de subjetividades e de que essas vivem em luta conforme evidencia

Foucault (2012) esta investigaccedilatildeo pocircde atentar para as instacircncias das resistecircncias Pocircde

atentar para as mobilizaccedilotildees que se intercruzam contra o naturalizado o instituiacutedo como

verdadeiro o que eacute controlado disciplinado para que possam ser problematizadas novas

formas de se constituiacuterem sujeitos

Desse modo posso dizer que haacute percebido por este estudo a possibilidade de

entrecruzar olhares foucaultianos sobre modos de subjetivaccedilatildeo e a marcha das mulheres por

um mundo com sujeitos eacuteticos que apregoem a igualdade o direito e a conquista de uma

praacutetica de liberdade para que se trace o desejo por um ethos E um ethos que incita a busca de

si o reinventar-se o desfamiliarizar-se eacute um fio no novelo que os feminismos e todos os

movimentos sociais que objetivam problematizar formaccedilotildees discursivas com seus poderes e

saberes podem ter como experiecircncia como aprendizado Com essa praacutetica homens e

mulheres constituem a beleza de serem artesatildeos de si como pontua Foucault (2004a 2004c)

Mas esta natildeo eacute uma busca sem lutas Desmantelar as invenccedilotildees os jogos de verdade recusar

o que somos por conseguinte eacute tarefa que passa pelo que se perscruta pelo que se elege para

ler ouvir falar partilhar acreditar desacreditar defender atacar enfim eacute tarefa que passa

por atentar para a dimensatildeo discursiva da construccedilatildeo da realidade

Com essa referida dimensatildeo discursiva na qual os sujeitos se inserem produtos e

produtores de sentidos (MOITA LOPES 2002 ORLANDI 2008 POSSENTI 2009) e sem

pretender oferecer a uacuteltima palavra nem onde haacute a verdade busquei entatildeo verificar o modo

como a educaccedilatildeo puacuteblica municipal na escola TRAVESSIA produz efeitos de sentidos com

suas praacuteticas leitoras Para isto investiguei as condiccedilotildees histoacutericas de produccedilatildeo dessas

138

praacuteticas perpassando pelas discursividades docentes procurei ouvir educadoresas conhecer

o projeto de leitura da instituiccedilatildeo seu documento fundador perscrutar o que move e dinamiza

o referido projeto saber do acervo da biblioteca do que ali teria ou natildeo referente ao debate

sobre gecircnero Em um clima de receptividade calorosa estive na escola observando aulas e

seus textos aplicando questionaacuterio fazendo diaacuterio de campo perscrutando as vozes que

conduzem o trabalho com leitura na escola com a perspectiva de perceber o que

comportariam as praacuteticas leitoras suscitadas

E as anaacutelises dos resultados dessas investigaccedilotildees jaacute citadas paulatinamente ao longo

do trajeto em que foram aplicados os instrumentos de investigaccedilatildeo apontaram que o debate

acerca das relaccedilotildees de gecircnero tatildeo atinente com a pauta reivindicatoacuteria dos DH natildeo era

contemplado pelo projeto de leitura da escola Assim o percebi quando examinei o documento

constituinte do projeto de leitura da CestaSexta Literaacuteria no qual natildeo se apresenta na

organizaccedilatildeo dos propoacutesitos das accedilotildees da bibliografia e da metodologia desse instrumento a

promoccedilatildeo de uma praacutetica leitora apontando para o respeito agraves diferenccedilas agrave concepccedilatildeo de um

mundo plural e ao combate a uma ordem androcecircntrica Natildeo eacute evidenciado a partir das

referecircncias do documento que a leitura acolhida lanccedilada proposta suscitada pelo projeto

CestaSexta literaacuteria esteja alicerccedilada nas intenccedilotildees de debater as relaccedilotildees de gecircnero Assim o

sendo a escola democraacutetica e inclusiva atinente ao que preconizam os postulados dos DH

natildeo estaacute sendo engendrada pela linha mestra da leitura Por sua vez no tocante agrave produccedilatildeo do

referido instrumento esse se apresenta com outras fragilidades entre elas a de natildeo amarrar

devidamente seus nexos temaacuteticos sobre quais leituras e temas estaratildeo compondo a praacutetica

leitora Haacute um silenciamento quanto agraves inserccedilotildees temaacuteticas seja de que natureza for Natildeo se

sabe entatildeo quais relaccedilotildees de saber e poder estaratildeo sendo colocadas para afirmar o que o

projeto diz perspectivar formar cidadatildeo[a]

Percebi ainda a natildeo problematizaccedilatildeo das relaccedilotildees de gecircnero na CestaSexta Literaacuteria

quando fiz o levantamento do acervo da biblioteca na primeira etapa da pesquisa As

prateleiras no que se refere agraves obras paradidaacuteticas essas as escolhidas para ser investigadas

natildeo acomodavam tiacutetulos com essa perspectiva assim me disse a responsaacutevel por aquele

espaccedilo assim averiguei tambeacutem com a leitura das fichas catalograacuteficas dos poucos volumes

presentes na biblioteca naquele periacuteodo investigado

Investiguei ainda se os textos utilizados pelo projeto nas aulas de leitura observadas

contemplavam praacuteticas discursivas que produziam sentidos atinentes agraves questotildees de gecircnero e

constatei que natildeo havia uma seleccedilatildeo de textos com a temaacutetica de gecircnero por parte dosas

educadoresas Exceccedilatildeo se deu em uma situaccedilatildeo atiacutepica na qual a professora Jaqueline trouxe

139

improvisadamente a temaacutetica pela leitura de um texto provocada segundo ela pela minha

presenccedila ali

No chatildeo da escola Travessia constatei apoacutes percorrer seus espaccedilos haacute as marcas de

que sua leitura natildeo problematiza a produccedilatildeo e a reproduccedilatildeo da iniquidade de gecircnero E outra

forma de verificar a ausecircncia dessa problematizaccedilatildeo foi pela perscruta dos relatos docentes e

pela anaacutelise das respostas do questionaacuterio lhes aplicado Pude perceber nas anaacutelises que fiz

das respostas daquele instrumento o quanto a constituiccedilatildeo das subjetividades dosas

colaboradoresas expressa olhares que segregam que estigmatizam o diferente que natildeo

percebem os jogos discursivos dos quais fazem parte Fiz a leitura com base em anaacutelise de

algumas das respostas desse instrumento de que emana dosas colaboradoresas uma

formaccedilatildeo discursiva reproduzindo e produzindo a iniquidade de gecircnero a reproduccedilatildeo de

regras e valores que elegem uma visatildeo androcecircntrica e heterossexual traccedilando para os que

natildeo pertencem a este modelo o estigma de diferente de abjeto passiacutevel de ser enquadrado

Assim o demonstraram aquela maioria de colaboradoresas da pesquisa quando expressaram a

intenccedilatildeo de ingerir em interesse de desviantes conforme apresenta a anaacutelise da sexta questatildeo

do instrumento de investigaccedilatildeo

Nas anaacutelises dos relatos dosas colaboradoresas deste estudo ficaram evidecircncias dos

limites com que se deparam essesas profissionais na propositura de um trabalho reflexivo

com a leitura A lamuacuteria e a desesperanccedila acompanhavam a praacutetica de ler minada por parcos

recursos e muita desmotivaccedilatildeo Uma praacutetica que precisa ser repensada pois em muitos

momentos essa traz a marca atraveacutes de enunciados dosas educadoresas da natildeo

contemplaccedilatildeo de importantes debates como os da violecircncia domeacutestica contra a mulher da

iniquidade de gecircnero e de outros temas atinentes agraves postulaccedilotildees dos DH Esse silenciamento

temaacutetico traduz o quanto pode estar reduzido o espaccedilo interacional da leitura como o lugar da

anti-hegemonia da desconstruccedilatildeo do olhar totalitaacuterio para o outro e isso precisa ser

repensado

A natildeo-contemplaccedilatildeo do debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero foi ainda percebida nas

aulas observadas Nelas a despeito do esforccedilo da professora para se pronunciar sobre o tema

esse natildeo assentava com o olhar da mestra repousante em uma formaccedilatildeo discursiva

essencialista E a profordf Jaqueline demonstrou-se conflitante em turbulecircncia entre suas

incursotildees pelas formaccedilotildees continuadas ofertadas pela SEDEC anunciando o respeito agrave

pluralidade cultural e agrave diversidade humana e o olhar da mestra construiacutedo inventado para a

natildeo-aceitaccedilatildeo ao diferente tingindo esse com as cores da negaccedilatildeo (SILVA 2012) As

discursividades daquelas aulas foram minadas por olhares redutores para o diferente por

140

ausecircncia de contemplaccedilatildeo de como a linguagem constitui modelos de feminilidade modelos

de masculinidades e o quanto represa a vida

Presumo que isto se registra face agrave ausecircncia do cabal cumprimento do que anunciam

as tecnologias enunciativas sobre educaccedilatildeo como as do PPP da LDB do PNEDH as dos

PCNs a Resoluccedilatildeo 0112 Esses marcos educativos instituem o debate propositivo da

inclusatildeo do respeito agrave diversidade humana e sexual e da defesa inconteste de princiacutepios como

o da dignidade humana no curriacuteculo escolar mas natildeo marcaram efetivamente as poliacuteticas

educacionais vividas na escola Tais tecnologias postas que satildeo recentemente elaboradas eacute de

se anuir provavelmente que mesmo que ocupem gavetas escolares e discursos de

formadores que ressoaram em alguns momentos nas vozes perscrutadas natildeo poderiam

impactar formaccedilotildees discursivas secularmente construiacutedas alicerccediladas ainda pelo poder-

escola E se esbarram conflitantemente em seacuteculos de internalizaccedilatildeo de um modelo

essencialista androcecircntrico e heteronormativo

Por esta razatildeo eacute preciso que da e para a escola erga-se uma brigada contra a

violecircncia de gecircnero E por assim entender propus com a construccedilatildeo do capiacutetulo 4 desta

dissertaccedilatildeo que haja a implementaccedilatildeo de praacuteticas discursivas no projeto de leitura da escola

com o propoacutesito de eliminar o silenciamento da temaacutetica de gecircnero na CestaSexta Literaacuteria

A cesta que eacute utilizada nas aulas de leitura carregando livros precisa transportar artefatos

culturais que suscitem debates pela reinvenccedilatildeo da vida pela reinvenccedilatildeo do trato entre os

homens e as mulheres balizados na dignidade de todosas Agrave escola TRAVESSIA propus

entatildeo como me solicita o cunho interventivo desse mestrado para seus cursistas que

atravesse seu vazio temaacutetico de gecircnero

Eacute preciso que a travessia desse vazio temaacutetico seja feita A escola por meio do seu

projeto de leitura pode e deve evocar a visibilidade para as iniquidades de gecircnero para o

enfrentamento da violecircncia domeacutestica contra as mulheres e para as suas lutas por

emancipaccedilatildeo social Haacute nas discursividades docentes investigadas linguagens em uso que

demonstram invisibilidade a essas questotildees Convivem com esses enunciados

paradoxalmente em alguns momentos vozes docentes que expressam desejar incorporar do

uso das tecnologias oficiais trabalhadas em formaccedilotildees continuadas conforme informaccedilatildeo em

questionaacuterio (vide questatildeo 4) e a efetivaccedilatildeo de suas experiecircncias de suas vivecircncias

profissionais Assim constatei no diaacutelogo que tive com a educadora Elisa atravessado por

uma leitura essencialista da realidade no tocante agrave identidade dos sujeitos que a faz desejar

sair da escola para natildeo ter que presenciar meninas se beijando

141

Por fim vejo como necessaacuteria a inserccedilatildeo temaacutetica das relaccedilotildees de gecircnero porque as

leituras evocadas pelosas docentes foram percebidas como as que rezavam a cartilha da

toleracircncia agrave diversidade cultural e humana sem questionar as relaccedilotildees de poder e os processos

de diferenciaccedilatildeo Esses que produzem as identidades e as diferenccedilas natildeo sendo questionados

conforme nos sugerem os Estudos Culturais acabam mesmo que frente a um arcabouccedilo de

legislaccedilatildeo educacional que propotildee uma educaccedilatildeo inclusiva e o respeito agrave dignidade humana

repousando no que Silva (2012) pontua como a produccedilatildeo de novas dicotomias a do

dominante tolerante e do dominado tolerado

Ao fim ainda pontuo que a omissatildeo perscrutada nas vozes docentes de uma

problematizaccedilatildeo que perpasse o projeto de leitura indagando-lhe os mecanismos que ativam

as fixaccedilotildees de identidades os estereoacutetipos de gecircnero pela via da leitura eacute algo que contribui

com o modelo de construir subjetivaccedilotildees disciplinadas diferentes e desiguais Isso demanda

da escola TRAVESSIA se deseja atravessar seus limites o desafio de envidar esforccedilos no

sentido de promover o rompimento com esse modelo de ler Sem o enfrentamento deste

desafio a escola natildeo estaraacute gestando utopias o que eacute enfadonho e tristonho

142

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APEcircNDICE A ndash QUESTIONAacuteRIO

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIacuteBA

CENTRO DE CIEcircNCIAS LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM LINGUIacuteSTICA E ENSINO

MESTRADO PROFISSIONAL EM LINGUIacuteSTICA E ENSINO

Prezados (as) colegas

Como aluna regular do mestrado profissional em Linguiacutestica e Ensino pelo Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica e Ensino PROLING da UFPB desenvolvo uma pesquisa cujas bases conceituais

norteiam-se pela concepccedilatildeo de linguagem como praacutetica discursiva e que tem como objeto de anaacutelise um

entrecruzamento entre as representaccedilotildees de gecircnero e as praacuteticas leitoras na escola concebidas pelos educadores

Solicito dessa escola a colaboraccedilatildeo no sentido de que seu corpo docente envolvido com praacuteticas leitoras

responda a este questionaacuterio que eacute o ponto de partida para outros diaacutelogos com o objetivo de contribuir para

uma reflexatildeo sobre a temaacutetica presente

QUESTIONAacuteRIO

Considerando sua experiecircncia como leitora e sua praacutetica pedagoacutegica especialmente no projeto de

leitura desenvolvido pela escola responda por gentileza agraves seguintes questotildees

Perfil sociodemograacutefico

Sexo ( ) feminino ( ) masculino

Tempo de formado ( ) de 1 a 10 anos( ) de 11 a 21( ) de 21 a 31( ) 32 ou mais

Idade ( ) de 21 a 31 ( ) 31 a 41( ) 41 a 51( ) 51 a 61( ) 62 ou mais

Titulaccedilatildeo( ) superior ( ) Especializaccedilatildeo ( ) mestrado ( ) doutorado

1) O que a leitura significa para a escola expressada atraveacutes do seu projeto de leitura (marque ateacute trecircs

questotildees enumerando-as por ordem de importacircncia)

( ) Instrumento de ajuda na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo

( ) Uma atividade prazerosa

( ) A escola natildeo valoriza a leitura

( ) A escola valoriza pouco a leitura

( ) Um estiacutemulo agraves transformaccedilotildees sociais

( ) Outra _______________

2) O projeto de leitura estimula a reflexatildeo sobre temas como racismo preconceitos Direitos Humanos

( ) sim ( ) natildeo

3) O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero estaacute incorporado nas leituras do projeto

( ) sim ( ) natildeo

151

Marque as explicaccedilotildees para a resposta anterior

( ) As questotildees de gecircnero satildeo pouco exploradas

( ) Eacute explorada com frequecircncia a temaacutetica pautada que estaacute em uma poliacutetica escolar de engajamento no

combate agraves assimetrias de gecircnero

( ) Ainda natildeo houve oportunidade para inserir este tema em nosso projeto de leitura

( ) O projeto daacute visibilidade aos modos como os estereoacutetipos satildeo alicerccedilados e como muitas leituras reforccedilam

os padrotildees sexistas presentes na sociedade

( ) Outra _______________

4) Vocecirc acredita que a formaccedilatildeo recebida pelo (a) educador (a) tanto em niacutevel inicial quanto na continuada tem

preparado o (a) profissional para uma praacutetica pedagoacutegica que contemple a igualdade no espaccedilo escolar

( ) sim ( ) natildeo

5) As poliacuteticas educacionais comprometem a equidade de gecircnero O que pode o menino e o que pode a menina

no espaccedilo escolar

( ) Natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e meninas

( ) Comprometem pouco porque a escola atua pela igualdade de tratamento

( ) Ainda comprometem muito porque a escola dispensa tratamento desigual

( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que satildeo naturalmente desiguais

6) Quando meninos e meninas demonstram comportamentos ldquoconsideradosrdquo como natildeo apropriados para seu

sexo qual a leitura feita

( ) Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras de cada crianccedila

( ) Haacute um sentimento de decepccedilatildeo algo estaacute errado

( ) Procuro redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo

7) Como mediador (a) de leitura vocecirc interfere diante de uma expressatildeo de preconceito uma expressatildeo de

conflitos entre olhares de meninos e de meninas

( ) Pouco eacute natural a disputa

( ) Interfiro sempre sou contraacuterio (a) a qualquer manifestaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo

( ) Natildeo haacute como interferir sempre nossa demanda eacute intensa

8) No tocante agrave violecircncia contra a mulher o Brasil em um ranking de 84 paiacuteses ocupa a 7ordf posiccedilatildeo sendo a

Paraiacuteba um dos Estados da Federaccedilatildeo mais violentos tambeacutem com a 7ordf colocaccedilatildeo E Joatildeo Pessoa sua

capital eacute a 2ordf mais violenta (CEBELA Mapa da Violecircncia 2012) O que em sua opiniatildeo explica a existecircncia

deste fenocircmeno

( ) Formaccedilatildeo cultural

( ) Haacute pessoas naturalmente violentas

( ) Natildeo sei

( ) O ciuacuteme o consumo de drogas o divoacutercio e natildeo saber lidar com traiccedilatildeo

( ) Outra ______________

9) Para vocecirc a escola atenta para sua importacircncia como espaccedilo de enfrentamento agrave questatildeo

( ) sim ( ) natildeo ( ) sim mas de forma insignificante

10) A Lei Maria da Penha como avanccedilado instrumento juriacutedico no enfrentamento da questatildeo ganha que

espaccedilo no projeto de leitura

( ) Nunca foi citada

( ) Existe na biblioteca

( ) Jaacute trabalhamos com ela

152

11) Que lugar deve ocupar a histoacuteria de emancipaccedilatildeo da mulher no curriacuteculo escolar e no projeto

( ) Haacute sentido em trazer a histoacuteria social das mulheres como tema nos curriacuteculos escolares

( ) Apoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas memoacuterias ocultadas e inferiorizadas

( ) O conteuacutedo sobre o coletivo das mulheres tem espaccedilo mas temos pouca carga horaacuteria para exploraacute-lo mais

( ) Natildeo temos como inserir mais conteuacutedo na grade curricular nem acho importante

12) Emita sua opiniatildeo a respeito do movimento feminista

( ) Propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso eacute bom

( ) Propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso natildeo eacute bom

( ) Eacute um movimento com muito radicalismo

( ) Fornece ferramentas conceituais que possibilita melhor percepccedilatildeo da opressatildeo agravemulher

13) O projeto de leitura costuma vincular alguma programaccedilatildeo agraves datas comemorativas

( ) sim ( ) natildeo

Caso sim qual o teor do dia 8 de marccedilo como Dia Internacional da Mulher O que se faz na data ou o que se

pretende fazer

( ) Eacute um dia em que ela eacute intensamente valorizada entrega de flores poemas cartazes pela escola

( ) Eacute um dia com pouca reflexatildeo sobre a luta feminista

( ) Outra _______________

____________________________________________________

Gilva Vasconcelos da Silva Matos

AGRADECIMENTOS

Sou profundamente grata a todosas aquelesas que deram de alguma forma sua

contribuiccedilatildeo para que esta pesquisa fosse realizada Reconheccedilo e aqui me cabe demonstrar

que esta conquista tem um dar de matildeos que me permitiu aclarar questotildees e seguir diante dos

momentos de tensatildeo que emergem no trajeto das obrigaccedilotildees acadecircmicas

Primeiro e sobretudo agradeccedilo a Deus pelo esconderijo no Altiacutessimo pela

serenidade emanada dos seus braccedilos

Especialmente agradeccedilo ao meu orientador querido Prof Dr Onireves porque me

acolheu do alto de sua sabedoria e grandeza humana permanentemente me incentivando

tornando tudo mais significativo e leve

Agrave profordf Dra Maria da Luz Olegaacuterio coorientadora que carrega no nome o que me

ofertou quando mais precisei ndash visatildeo luminosa sendo docilmente criteriosa no compartilhar

de seu conhecimento

Agradeccedilo agrave profordf Dra Maria de Nazareacute Tavares Zenaide por suas saacutebias colaboraccedilotildees

ao participar da banca examinadora de defesa deste trabalho Seu olhar arguto trouxe a

grandeza de quem labuta por uma escola em que os Direitos Humanos encontrem assentos

Agradeccedilo agrave profordf Dra Eliane Ferraz Alves por compor criteriosamente a banca

examinadora de defesa deste trabalho

Agrave admiraacutevel profordf da UNEB Nadja Nunes muito obrigada Sua grandeza perdura em

minhas memoacuterias de aprendiz Haacute um vazio de sua presenccedila na composiccedilatildeo para a banca de

exame de defesa mas compreendendo os percalccedilos do impedimento saiba que natildeo haacute

ausecircncia onde se ministrou um ethos Mire por ti tenho gratidatildeo pela vida inteira

Agradeccedilo agrave profordf Dra Juliene Pedrosa coordenadora deste mestrado referecircncia de

zelo profissional

Agradeccedilo agrave escola TRAVESSIA e seus sujeitos pesquisados por tanta abertura e

respeito com o meu trabalho

Aos meus pais Manuel (in memoriam) e Elisa agradeccedilo pelo amor pelas liccedilotildees de

vida pelas narrativas dos sonhos

Aos meus filhos Pablo Ravi e Lucas que me fazem amar amiuacutede obrigada Os trecircs

compotildeem parte da magia de minha vida pelo segredo de ninar pela becircnccedilatildeo de colos

pacificados Cada um eacute unicamente um cacircntico novo tesouros

A Robert pela vida partilhada enlaccedilada em afetos obrigada

Aosagraves irmatildeosatildes em especial Didi que me nutre com fraternidade amorosa e

incondicional devo-lhe muito

Obrigada deputada estadual Gilma Germano pela propositura de leis de suma

importacircncia para a garantia dos direitos das mulheres

Agradeccedilo ao amigo de infacircncia Iranmil pela liccedilatildeo de enfrentamento agrave homofobia pela

companhia na literatura por falar muito e rir tanto

Agrave Socircnia Maria por me ofertar ao longo dos anos amizade das mais leves e alegres

regrada a risos companheirismo e adoccedilatildeo fraterna

Aosagraves colegas do mestrado em especial Adnilda e Leandro que satildeo tatildeo solidaacuterios e

inteligentes tambeacutem agradeccedilo

Aos meus alunos e alunas com quem aprendi muito

Ao meu chefe o diretor do CECAPRO Prof Giovanny Lima pelo estiacutemulo agraves minhas

buscas pelo conhecimento pelo compromisso com a educaccedilatildeo

Agrave Inecircs Caminha ex-chefe eterna liccedilatildeo de competecircncia e bondade

Agrave competente secretaacuteria do CECAPRO Adilsa Gadelha pelo que tambeacutem sabe ser

amiga

Agrave secretaacuteria do MPLE Vera Lima por sempre e tanto atender respeitosa e

competentemente

Lembrou-se de que em adolescente procurara

um destino e escolhera cantar Como parte de

sua educaccedilatildeo facilmente lhe arranjaram um

bom professor Mas cantava mal ela mesma o

sabia e seu pai amante de oacuteperas fingira natildeo

notar que ela cantava mal Mas houve um

momento em que ela comeccedilou a chorar O

professor perguntara-lhe o que tinha - Eacute que

eu tenho medo de de de de cantar bem []

(LISPECTOR 1979 p 157)

RESUMO

As importantes conquistas efetivadas pelas lutas feministas e pela pauta

reivindicatoacuteria dos Direitos Humanos que problematizam a construccedilatildeo social de gecircnero tecircm

na escola espaccedilo dos mais importantes para o debate promotor da equidade de gecircnero Esta

pesquisa se estrutura pela interface entre as praacuteticas leitoras na escola e a promoccedilatildeo desse

debate e se propotildee a analisar as discursividades dosas educadoresas como mediadoresas de

leituras acerca das relaccedilotildees de gecircnero Para este direcionamento discursivo o estudo move-se

teoricamente na concepccedilatildeo de leitura em Soares (2001 2011) Orlandi (2008) e Silva E T

(2009 2011) nos estudos feministas contemporacircneos (LOURO 2012) (COSTA 2009) nas

reflexotildees trazidas pela Anaacutelise de Discurso (ORLANDI 2012 POSSENTI 2009) e nas

contribuiccedilotildees foucaultianas sobre poder e subjetividade (FOUCAULT 2004a 2004b 2004c

2011 2012) A investigaccedilatildeo de natureza qualitativa regida por princiacutepios analiacuteticos tem

como loacutecus uma escola do Ensino Fundamental da Rede Puacuteblica de Joatildeo Pessoa-PB na

realizaccedilatildeo de seu projeto de leitura Foram adotados como procedimentos metodoloacutegicos para

geraccedilatildeo dos dados a anaacutelise do documento do projeto de leitura observaccedilotildees de aulas anaacutelise

do material de leitura utilizado nesses eventos dos relatos de diaacutelogos com osas

educadoresas e da aplicaccedilatildeo de questionaacuterio E conforme anaacutelise dos resultados do conjunto

dos instrumentos investigativos o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero natildeo perpassa pela

instacircncia do projeto de leitura da escola nem nas vozes docentes perscrutadas

Palavras-chave Leitura Gecircnero Discurso Praacuteticas discursivas Direitos Humanos

ABSTRACT

The important achievements of feminist struggles and the Human Rights agenda

which discuss the social construction of gender find at school an important space for the

debate that promotes gender equality This piece of research focuses reading practices at

school and the promotion of this debate aiming at analyzing the discourses of (male and

female) teachers as reading mediators on gender relations As its theoretical framework this

study considers the definition of reading proposed by Soares (2001 2011) Orlandi (2008)

and Silva E T (2009 2011) contemporary feminist studies (LOURO 2012 COSTA 2009

PISCITELLI 2002) reflections proposed in the field of Discourse Analysis (POSSENTI

2009) and the foucauldian discussions on power and subjectivity (FOUCAULT 2004a

2004b 2004c 2011 2012) This qualitative investigation has as its locus a public primary

school in the city of Joatildeo Pessoa ndash PB while developing its reading project Data

wasgenerated from the analysis of the reading project document lesson observations reading

material used in the sessions reports by the teachers and a questionnaire The results indicate

that the debate concerning gender relations does not emerge in the reading project activities or

the teachersrsquo voices studied

Keywords Reading Gender Discourse Discursive practices Human rights

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 10

1 OS PRESSUPOSTOS TEOacuteRICO-METODOLOacuteGICOS DA PESQUISA 25

11 Entrevendo os sujeitos o loacutecus os jogos de verdade 25

12 Por onde falam e de onde olham osas educadoresas os instrumentos de

investigaccedilatildeo 27

2 OS APORTES TEOacuteRICOS QUE MOVEM A INVESTIGACcedilAtildeO 29

21 Gecircnero Discurso e Direitos Humanos 29

22 Feminismo poder e educaccedilatildeo 39

23 A leitura no Brasil em retratos 51

24 O sujeito da leitura na Anaacutelise do Discurso 64

25 Os processos de significaccedilatildeo e subjetivaccedilatildeo a leitura como praacutetica social 69

26 A leitura como mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de identidades 72

3 ANAacuteLISE DOS RESULTADOS INVESTIGATIVOS 82

31 O Documento-fundador o natildeo dito significando 82

32 O acervo bibliotecaacuterio dos paradidaacuteticos estantes que enunciam 87

33 Os relatos as subjetividades os jogos discursivos 89

34 O questionaacuterio e outros relatos entrelaccedilando discursividades 92

35 As aulas o sujeito-leitor o campo de gecircnero e as relaccedilotildees de poder 113

4 A ACcedilAtildeO PROPOSITORA INSERCcedilAtildeO TEMAacuteTICA DE GEcircNERO PELA

VIA DA LEITURA 125

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 136

REFEREcircNCIAS 142

APEcircNDICE 150

10

INTRODUCcedilAtildeO

A Gecircnese da pesquisa como (entre)veio o desejo

Movida pelo interesse entre leitura e relaccedilotildees de gecircnero investigo com este trabalho

as discursividades dosas educadoresas como mediadoresas de leituras frente ao debate

sobre a equidade de gecircnero Esta accedilatildeo investigativa se daacute em uma escola do Ensino

Fundamental da Rede Puacuteblica de Joatildeo Pessoa - PB que executa um projeto de leitura em sua

biblioteca em um dia especiacutefico a sexta-feira fato provavelmente responsaacutevel pela

nomeaccedilatildeo da atividade a CestaSexta Literaacuteria

Os passos dados para a construccedilatildeo desta pesquisa possuem histoacuteria imagens

memoacuterias esquecimentos desejos uma gecircnese Debruccedilo-me agora sobre essa gecircnese E creio

que duas imagens armazenadas por mim nas andanccedilas escolares satildeo possivelmente

fundadoras-mor de meu objeto de pesquisa Elas entre tantas imagens que se ofertam como

leituras propiacutecias agraves reflexotildees sobre o debate da equidade de gecircnero na escola satildeo frugais em

minhas memoacuterias de educadora de mulher Chegaram em contingecircncias especiais e se

tornaram efeitos encarnados no sentido que o poeta Fernando Pessoa diz que irrompem

provocaccedilotildees Foram por mim guardadas em um momento de inquietaccedilatildeo em que me

debruccedilava sobre qual tema me aticcedilaria profundamente para estudar neste mestrado E de

forma providencial e diligente estas imagens me (s)acudiram a alma quando as registrei

pegaram-me pela matildeo e me levaram a uma itineracircncia na qual satildeo debulhados saberes

poderes palavras ordens accedilotildees discursivas de outros sobre mim que me fazem estar quem

estou Mais do que isto as imagens levaram-me mesmo que medrosamente a um desejo

profundo de discutir a construccedilatildeo das diferenccedilas as discursividades docentes acerca do

feminismo as relaccedilotildees de gecircnero e o lugar da escola como espaccedilo de debate e de construccedilatildeo

de equidade

E foi assim que vivi a experiecircncia de registraacute-las Envolta pelo meu interesse

profissional de pensar a leitura como importante instrumento na formaccedilatildeo discente descobri

um trabalho em escolas da zona rural de um municiacutepio paraibano realizado por uma ONG

muito bem conceituado Pensei que poderia render um bom estudo avaliar como as histoacuterias

contadas naqueles espaccedilos poderiam funcionar como instrumento de mediaccedilatildeo na construccedilatildeo

das identidades de gecircneros na problematizaccedilatildeo de papeacuteis socialmente construiacutedos

Discordando de minha orientaccedilatildeo acadecircmica que via com dificuldade a distacircncia

entre minha morada e meu objeto de estudo natildeo me incomodou o fato de viajar para me

11

enveredar na pesquisa Muito pelo contraacuterio achei que em verdade estaria ali menina leitora

que fui em uma casa de pais analfabetos onde livros eram objetos rariacutessimos por quem eu

nutria a paixatildeo visceral Viajei para ver crianccedilas que liam movida quem sabe por um desejo

de me visitar naquela roda de leitura Na roda a vida seria salva com a imaginaccedilatildeo aticcedilada

Na roda seria quem sou na interaccedilatildeo das leituras Ao certo fui buscar narrativas que me

narrariam ou em uma confluecircncia com o que diz Albuquerque Juacutenior (2007) iria simular o

germe de novas existecircncias novos modos de subjetivaccedilatildeo Embrenhei-me por essa busca

levando o fasciacutenio pelo campo de gecircnero aonde for aspirando ao meu interesse de escrevente

dispersa aticcedilada pelo ldquofogo que vem da paixatildeo que consome que lanccedila paixatildeo pelo devirrdquo

tatildeo bem-dita na prescriccedilatildeo vertiginosa de Albuquerque Juacutenior (2007)

Em minha primeira visita na unidade escolar referida era veacutespera do Dia das Matildees e

o foco na roda da leitura trazia textos sobre a mulher-matildee Imagens essencialistas da mulher

eram sumariamente expostas por poder gerar vidas ldquoela eacute paciente sensiacutevel dedicada e

zelosardquo Essa construccedilatildeo discursiva era traccedilada naquela roda de leitura para e com crianccedilas de

forma inclusive a se ignorar a jaacute instalada e reorganizada nova composiccedilatildeo das famiacutelias Isso

me gerou desconforto ldquoo gecircnero eacute o destino Natildeo haveria outra trajetoacuteriardquo (SAFFIOTI

2001) Mas naquela roda circulou um fato que marcou ainda mais minha tarde jaacute quente

climaticamente Surge depois de alguns minutos de iniacutecio de aula sala adentro um pai

levando seu filho pequeno pela matildeo O homem visivelmente abatido veio partilhar o recente

drama pessoal no qual estava mergulhado que em funccedilatildeo das proporccedilotildees espaciais da

comunidade jaacute parecia ser de conhecimento de todosas a ex-companheira e matildee de seu filho

fora embora com o amante O pai bem jovem expressou ali uma uniacutevoca e velha leitura a de

que ele e seu filho foram traiacutedos de que aquela mulher natildeo prestava A presenccedila daquele

genitor ali descontrolado soou-me de forma vertiginosa E ele teceu uma imagem da ex-

mulher agrave frente de todosas e de seu filho como a de quem natildeo possuiacutea nenhuma dignidade

Um discurso machista e essencialista era debulhado com os requintes de uma alma cega pela

ferida do abandono Em puacuteblico ali se construiacutea um lugar para as mulheres que decidem

partir as que rejeitam o papel que lhes eacute destinado ficar em casa embora o lar desmorone E

a crianccedila mesmo enlaccedilada pela condiccedilatildeo de filho em um misto de profunda dor e decepccedilatildeo

reproduzia com movimentos de cabeccedila toda uma narrativa demonizadora da mulher Os

acenos de cabeccedila agrave voz do pai refletiam possivelmente um sim agrave formaccedilatildeo discursiva de um

lar alicerccedilado aos moldes machistas patriarcais

Aquela cena me levou agrave dor do peso de um mundo em que a iniquidade de gecircnero

ainda estilhaccedilava seu poder nos olhos de um menininho choroso carregado pela matildeo de um

12

pai que arrastava consigo machismo e furor No final entre os burburinhos dosas

coleguinhas que diziam entre outras coisas ldquoA matildee de Felipe (esse eacute um nome fictiacutecio) eacute

ruim ainda bem que a minha natildeo me abandonourdquo eu ouvi a professora em uma tentativa

desajeitada de compensar a dor daquela crianccedila intervir e dizer que se ele tinha uma matildee

ruim em compensaccedilatildeo contava com um pai bom um heroacutei Essa educadora talvez sem

refletir sobre o efeito de sua interferecircncia sobre o jogo de verdade que a impulsiona

posicionou-se como aquela que tem a responsabilidade de oferecer respostas e o fez de um

lugar de autoridade do qual reproduziu significativamente os estereoacutetipos de gecircnero O seu

posicionamento se traduziu para mim como a delineaccedilatildeo discursiva de papeacuteis alicerccedilados aos

moldes androcecircntricos e por conseguinte produtor da iniquidade de gecircnero Isto me

impactou pois mesmo que sejam ressoadas corriqueiramente as construccedilotildees discursivas da

hegemonia machista natildeo haacute como natildeo buscar da escola o afinamento com a contra-

hegemonia que os avanccedilos feministas asseguram A ausecircncia deste afinamento eacute um descuido

com os direitos humanos das mulheres e precisa ser inquirida pelo menos para os amantes da

educaccedilatildeo libertaacuteria

Saiacute dali convicta de que aquele loacutecus natildeo poderia ser mais apropriado para a

pesquisa Aquela considerada trageacutedia emocional que circulava nas bocas pelo lugar inteiro

precisaria ser omitida em meu estudo por obedecer ao princiacutepio do anonimato evitando

expor inclusive uma crianccedila Mas pensar as relaccedilotildees de gecircnero e desconsiderar a forccedila

daquela imagem e da formaccedilatildeo discursiva que ali reinava seria ser negligente com o tema

com o trabalho Resolvi guardar a imagem falar sobre ela mas procurar outro campo

empiacuterico

Alguns dias depois voltei a conversar com a professora sobre aquele episoacutedio Agora

jaacute natildeo sob o efeito do impacto da cena do primeiro encontro fui incisiva e lhe inquiri sobre a

construccedilatildeo social dos papeacuteis sobre a desigual maneira de se constituir discursivamente

sujeitos e a responsabilidade da escola em formar para a igualdade de direitos de homens e

mulheres Ela me disse que toda a sua conduccedilatildeo estava de acordo com os princiacutepios cristatildeos

defendidos pela escola para os quais a mulher deve ser submissa nascer para se doar agrave

famiacutelia e o que fizera a matildee de F era abominaacutevel negava a ldquoessecircnciardquo feminina A despeito

da laicidade do Estado brasileiro o que implica em tese a negaccedilatildeo da formulaccedilatildeo de regras e

estrateacutegias que levem a enunciados dessa natureza a professora ocupa sua posiccedilatildeo

institucional e embandeira uma verdade forjada em discursos alicerccedilados em princiacutepios da feacute

cristatilde turvada por machismo e hierarquia de gecircnero

13

Em um gesto decisivo procurei outra escola para efetivar minha pesquisa O Dia das

Matildees jaacute havia se passado e ali presenciei mais um momento indicativo de que os sentidos

afiados dos quais fala Louro (2012) eacute um imperativo eacutetico para que se pense nas muralhas que

a escola precisa transpor para deslegitimar ordens sexistas androcecircntricas Assisti em uma

manhatilde em meio ao barulho comum de um intervalo nas escolas um pai se dirigir agrave diretora

falando alto por dois motivos queria que sua voz ultrapassasse o som da zoada do alunado e

estava pronto a mostrar sua firmeza sua forccedila em alto som Ele exigiu explicaccedilotildees desta

profissional sobre o que fora ensinado ao seu filho na festa das matildees tendo em vista que o

aluno expressou vontade de colaborar com as atividades domeacutesticas em casa A gestora

pacientemente explicou-lhe que apenas no momento das homenagens expuseram a reflexatildeo de

que meninos tambeacutem podem e devem ajudar as matildees nas tarefas domeacutesticas considerando

que estas ficam sobrecarregadas costumeiramente O homem retrucou ameaccedilando retirar o

filho da escola se mais uma vez a instituiccedilatildeo quisesse ensinar agrave crianccedila a virar uma

ldquomariquinhardquo Ali eu e ela tentamos dialogar com este pai enfatizando a importacircncia dos

direitos iguais para homens e mulheres do valor da contribuiccedilatildeo para a famiacutelia do trabalho de

todosas e que a concepccedilatildeo dele eacute infundada machista e preconceituosa Em vatildeo O homem

foi agrave escola soacute para bradar seu entendimento do que significa ser macho O que a instituiccedilatildeo

pensa a respeito natildeo lhe interessava

De novo senti o peso de um mundo fortemente assimeacutetrico forjado em conceitos

essencialistas Meu interesse pela problematizaccedilatildeo das iniquidades de gecircnero no chatildeo da

escola me seduziu de vez pensei com que produccedilatildeo de verdade osas trabalhadoresas da

educaccedilatildeo tecircm se movido (ou estariam presos) no enfrentamento destes embates corriqueiros

Escolhi ali mais uma vez por onde iria meu caminho investigativo

Estes dois momentos nas escolas em que experimentei cenas impactantes na

marcaccedilatildeo da assimetria de gecircnero perpassadas em voz docente e de membros familiares

conforme jaacute pontuei foram nodais para a minha decisatildeo de ter em foco essas relaccedilotildees no

espaccedilo escolar como objeto de estudo Mas deveras fui sendo seduzida pela ideia de

problematizar as assimetrias de gecircnero logo cedo na minha casa cheia de meninos

ldquotreinadosrdquo para conquistar espaccedilos enquanto que eu e minhas irmatildes eacuteramos ldquoadestradasrdquo

para o casamento como tantas mulheres de minha geraccedilatildeo e anteriores a ela Rezamos na

cartilha que a nossa formaccedilatildeo discursiva ordenava Filhos lar sexualidade reprimida redoma

sacrifiacutecios em nome de modelos de ldquofelicidaderdquo Modelos cujo formato tem cores

consistecircncia e sons androcecircntricos Tudo aquilo natildeo era escolha ou no dizer de Michel

14

Foucault (2004a 2004b 2012) a margem de liberdade era estreitiacutessima Era o poder

alicerccedilando as relaccedilotildees imbricado na instituiccedilatildeo famiacutelia

Onde haacute poder haacute resistecircncia diz esse pensador francecircs todavia |E os estudos no

campo de gecircnero como enunciados de resistecircncia chegaram-me Com eles chegaram os

compassos que desfazem os essencialismos Em suas vertiginosas paragens os

(des)compassos que explicitam o surdo combate entre o que se vecirc seu enredamento e o que

se diz como bem pontua Albuquerque Juacutenior (2007) E em um processo vital acostumei-me

com esse campo de estudo a afiar os meus sentidos muito embora agraves vezes fiquem

embaccedilados por uma memoacuteria discursiva que se desloca conflitando identidades que me

vestem e com as quais me perco e me acho Nos estudos poacutes-estruturalistas entendi meus

sujeitos dispersos a heterogeneidade discursiva que me faz ser tantas com verdades mil que

fazem viver dentro de mim todas as vidas do poema de Cora Coralina (1983) a cabocla

velha acocorada a que benze e a que reza a lavadeira do Rio Vermelho com seu cheiro

gostoso a mulher suada corrida vive dentro de mim a mulher cozinheira pimenta e cebola

panela de barro mas corro levando a mulher devoradora de fastfood Vive dentro de mim a

mulher roceira enxerto da terra meio casmurra vive a mulher urbana imersa no caos do

tracircnsito enredada nas redes sociais E o que faccedilo com tantas vidas Certamente com os

estudos de gecircnero posso desejar vecirc-las em seus processos de subjetivaccedilatildeo em um mundo

plural mas hegemocircnico global movente instantacircneo liacutequido que pode desfazer verdades

ldquoquebrando a gaiolardquo do essencialismo como propotildeem os Estudos Culturais

Decerto que sempre se constituiu para mim como ato de seduccedilatildeo o garimpar das

subjetividades que se fazem em meio a jogos de verdade como demonstra Foucault (2004a

2004b 2004c 2004d 2012) Ultimamente todavia perscrutar nossosas mestresas sem as

pequenas pretensotildees de quem desvenda descobre o oculto como nos adverte o filoacutesofo

francecircs mas pensando nas histoacutericas condiccedilotildees de produccedilotildees de suas subjetividades

constituiacutea-se mais fortemente como desejo e apreensatildeo Minha apreensatildeo de pesquisar modos

de subjetivaccedilatildeo de professora se dava pela frequecircncia com que vinha registrando os

enunciados da categoria que descrevia com muito pesar a atuaccedilatildeo profissional salas lotadas

baixos salaacuterios perda de autoridade violecircncia desinteresse dosas discentes sentimentos de

desvalorizaccedilatildeo frustraccedilotildees enfim uma homogeneidade de queixas perpassando as vozes

dosas educadoresas Obviamente as precaacuterias condiccedilotildees de trabalho justificam os dolorosos

enunciados dosas trabalhadoresas da educaccedilatildeo Essesas profissionais se natildeo se inserem na

militacircncia na defesa de poliacuteticas puacuteblicas voltadas para a educaccedilatildeo de qualidade no ativismo

poliacutetico na busca pelas praacuteticas de liberdade pelas teacutecnicas de ajuste da relaccedilatildeo de si para

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consigo um ethos que repousam em uma eacutetica do inconformismo do autodomiacutenio

(FOUCAULT 2004a) tornam o repertoacuterio enunciativo bem marcado por insatisfaccedilatildeo Como

a militacircncia eacute pouca sobram a lamuacuteria e a vitimizaccedilatildeo em um paiacutes com vergonhoso histoacuterico

de baixo investimento na educaccedilatildeo puacuteblica

Ainda assim paradoxalmente minha apreensatildeo se misturava ao desejo de me

debruccedilar sobre as subjetividades dessesas profissionais Pegava-me indagando quais satildeo

face aos efeitos produzidos pelas tecnologias oficiais essas concebidas aqui na concepccedilatildeo

foucaultiana como os instrumentos que proporcionam formaccedilotildees assimilaccedilotildees de ordens as

aprendizagens que tecircm assimilado osas educadoresas Como os debates sobre sexualidade e

gecircnero trazidos pela rede discursiva das diretrizes da educaccedilatildeo brasileira como a Lei de

Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional - LDBEN-96 os Paracircmetros Curriculares Nacionais

(PCNs 1997) faziam-se presentes entre elesas Essas questotildees me instigavam E me

instigaram mais quando pensei a interface discursividadeleituragecircnero

Retornando agrave seduccedilatildeo pela problematizaccedilatildeo da iniquidade de gecircnero fui sendo

seduzida ainda em deacutecadas de atividade como professora em sala de aula Laacute lecionando em

niacuteveis diversos (fundamental meacutedio e superior) procurei sempre trazer agrave tona a constituiccedilatildeo

discursiva da construccedilatildeo social de gecircnero Sentia-me cumpridora de minha missatildeo como

educadora quando a minha praacutetica pedagoacutegica contribuiacutea com a reflexatildeo que aponta para a

necessidade de construirmos um mundo para todas as pessoas Uma utopia e como utopia

natildeo morre move-se Estaacute aqui comigo Estaacute aqui quando olho nossas estatiacutesticas estuacutepidas

que falam de uma violecircncia diaacuteria contra mulheres contra homossexuais contra o constituiacutedo

como diferente Estaacute aqui comigo a utopia de abolir esta violecircncia simboacutelica cantada em

diversos ritmos encarnada em uma musicalidade que embala corpos e mentes com pesadas

imagens degradantes nas quais somos apenas ldquoas mulheres frutas fiu-fiu cachorras sirigaitas

piriguetes popozudas coisificadas lepolapizadasrdquo

No surgimento deste mestrado profissional entatildeo em meus percursos sobre o tema

olhei para a escola especialmente rememorando aquelas duas cujas imagens retive como

disseminadoras e reprodutoras de hierarquia de gecircneros Olhei para suas bibliotecas ou a

ausecircncia delas seussuas professoresas seus regimes de verdade e articulei a problemaacutetica

de que forma as praacuteticas discursivas que constroem sentidos nos enunciados dos (as)

educadores (as) como mediadores (as) de leitura contemplam o debate sobre a equidade de

gecircnero Com a elaboraccedilatildeo desta questatildeo tentei responder ainda agraves inquietaccedilotildees que vivi nos

debates com professoresas durante as formaccedilotildees continuadas executadas pelo CECAPRO

Centro de Capacitaccedilatildeo dos Professores [professoras] onde atuo profissionalmente Da

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memoacuteria daqueles debates levantei indagaccedilotildees a me sustentar o tema entre elas que leituras

fazem as vozes educadoras sobre a construccedilatildeo discursiva dos sujeitos O que dizem as vozes

leitoras Voltei entatildeo meu interesse para o chatildeo da escola lugar de livros de paredes

riscadas de brincadeiras de canccedilotildees de namoros de sexualidade de conflitos de poder de

rejeiccedilotildees aos que fragilizam o discurso sexista excludente lugar de leitura de formaccedilatildeo e

debate Voltei meu interesse para a escola lugar de tanto mas natildeo para todos os seus lugares

uma esfera de atuaccedilatildeo dessa instituiccedilatildeo pareceu-me de extrema pertinecircncia para entrecruzar

com o debate que objetivei traccedilar a esfera da leitura E considerando a leitura em uma

perspectiva discursiva busquei no entrecruzamento dessa com o debate acerca das relaccedilotildees

de gecircnero meu interesse meu desejo

Apoacutes tecer a gecircnese que propiciou a confecccedilatildeo do presente processo investigativo

farei a partir de agora a apresentaccedilatildeo das demais partes do trabalho feito que passo a realizar

fazendo uso ainda da primeira pessoa do discurso no singular Faccedilo isso em consonacircncia com

a epistemologia feminista que entende o quatildeo as interlocuccedilotildees com autoresas satildeo

cooperativas em uma accedilatildeo investigativa seja de qual porte for mas assume a proposta de

inscriccedilatildeo da natildeo neutralidade do sujeito Sem a ilusatildeo ao certo de que se eacute oa donoa do

dizer conforme pontua a Anaacutelise do Discurso

Como o desejo vira pesquisa

Mas biblioteca num lugar como esse Para quecirc Para o Nogueira ler um romance

de mecircs em mecircs Uma literatura desgraccedilada []

(RAMOS 1978 p83)

Emblemaacutetica esta construccedilatildeo literaacuteria de Graciliano Ramos em Satildeo Bernardo

(1978) construccedilatildeo que situa quem a lecirc o quanto os valores capitalistas opotildeem-se agrave edificaccedilatildeo

de um espaccedilo que privilegie a democratizaccedilatildeo do saber e atraveacutes dessa provavelmente a

praacutetica do letramento emancipador Vale ressaltar todavia que falo aqui de letramento

emancipador concebido em sintonia com o olhar de Soares (2011) como a accedilatildeo leitora que

encoraja a reflexatildeo criacutetica sobre a ordem social uma accedilatildeo que ultrapassa o domiacutenio da

tecnologia do saber ler e escrever faz uso dela incorporando-a a seu viver A autora ao

inscrever diacronicamente os viacutenculos sobre liacutengua escrita sociedade e cultura apregoa o

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termo alfabetismo1 como oposiccedilatildeo ao do costumeiro uso analfabeto E o faz provocando uma

reflexatildeo sobre as regras codificadas da linguagem

O fato de que sejam correntes na liacutengua os substantivos que negam- analfabetismo e

analfabeto satildeo formados pelo prefixo grego a(n) que envolve a ideia de negaccedilatildeo ndash e

de que cause estranheza o substantivo que afirma alfabetismo e ainda de que natildeo

se tenha um substantivo que afirme o contraacuterio de analfabeto eacute como bem

hipotetiza Silva um fenocircmeno semacircntico significativo porque conhecemos bem e

haacute muito lsquoo estado ou condiccedilatildeo de analfabetorsquo ndash sempre nos foi necessaacuteria uma

palavra para designar este estado ou condiccedilatildeo - e temos usado sem nenhuma

estranheza o termo analfabetismo (SOARES 2011 p 29)

Uma nova realidade social com a ampliaccedilatildeo do acesso agrave escola nas uacuteltimas deacutecadas

e com o processo de industrializaccedilatildeo no Paiacutes provoca uma demanda por maior inserccedilatildeo da

liacutengua escrita que gesta a concepccedilatildeo teoacuterica do letramento Um conceito que em princiacutepio

trouxe muito equiacutevoco com a dissociabilidade que se instaurou para alguns entre os

fenocircmenos da alfabetizaccedilatildeo e do letramento Fenocircmenos de naturezas diferentes mas

indissociaacuteveis e interdependentes que implicam habilidades competecircncias e procedimentos

diferenciados de ensino Questatildeo poreacutem que natildeo seraacute tratada aqui em funccedilatildeo do limite a que

se propotildee este trabalho qual seja investigar a constituiccedilatildeo de efeitos de sentidos na

discursividade dosas educadoresas tendo como foco o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero

perpassado nas praacuteticas leitoras dessesas profissionais

E mesmo sem querer engrossar as fileiras dos que lamentam pelos altos iacutendices do

fraacutegil desempenho dosas educandos brasileirosas em provas de leitura detectados em

Programa Internacional de Avaliaccedilatildeo de Estudantes - PISA e nos relatos corriqueiros de

educadoresas e familiares natildeo eacute possiacutevel deixar de reconhecer que este eacute um dos noacutes do Paiacutes

na faceta Satildeo Bernardina que possui Metaforicamente essa obra pode conduzir leitoresas

aos iacutengremes caminhos de um Brasil com abissais desigualdades sociais e que tal qual Paulo

Honoacuterio o narrador-personagem eacute tambeacutem injusto violento e opressor por descuidar de seu

povo Descuida de seu povo entre tantas evidecircncias pela negaccedilatildeo da garantia efetiva de

direitos fundamentais como o de uma educaccedilatildeo de qualidade e que seja emancipadora (cf

FREIRE 1999 2002) Eacute possiacutevel ver pelos caminhos de Satildeo Bernardo e pelos (des)caminhos

das escolas puacuteblicas brasileiras as professoras Madalenas amantes do saber dos livros e do

ser humano lutando contra a loacutegica de um sistema social excludente Nessa militacircncia a

leitura seguramente eacute um dos instrumentos que podem viabilizar a luta por mudanccedilas

1 Em nota a autora explica a atualizaccedilatildeo do termo por letramento tendecircncia confirmada pela dicionarizaccedilatildeo

somente em 2001 do termo

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sociais tendo em vista que pode suscitar as reflexotildees acerca da ordem discursiva (cf

ABREU 2007 apud PINA DA MATTA VEIGA 2012)

De qual leitura todavia falo quando penso aqui na validaccedilatildeo desta como algo

significativo para a vida capaz de suscitar reflexotildees instigantes e desconstrutoras de uma

ordem social Penso em uma leitura que seja prazerosa como nos lembra Rubem Alves

(2004) citando Melanie Kleim o professor [e professora] no ato de ler eacute o seio bom por isso

leitura eacute maternagem Penso tambeacutem em uma leitura que seja experiecircncia no sentido que

Larrosa (2004) daacute ao ato de ler como transformador vinculador das praacuteticas da liberdade da

plenitude do ldquoexistenterdquo Com todo cuidado para evitar ainda os messianismos as

sacralizaccedilotildees Soares (2001) falo ainda de leitura que seja lenha para o fogo da cidadania que

trace as veredas para o campo da garantia dos direitos humanos tocando um instrumento

coacutesmico de muitas melodias que ldquoacordem consciecircncias de homens [e de mulheres] e

adormeccedilam crianccedilasrdquo no sentido drummoniano de se engajar a arte tatildeo meloacutedico quanto

emblemaacutetico na sua ceacutelebre Canccedilatildeo Amiga de 1983

E partindo do desejo de problematizar sobre os efeitos catastroacuteficos dos altos iacutendices

de iletrismo e do analfabetismo no Brasil e sobre qual tem sido o olhar da escola para o

enfrentamento de uma histoacuterica educaccedilatildeo sexista e discriminatoacuteria (LOURO 2012 PEDRO

PINSKY 2003) eacute que se foi delineando este trabalho Delineando-se movido na concepccedilatildeo

de leitura como componente constitutivo das formas de sociabilidade e dos jogos sociais

(ORLANDI 2008 SILVA 2011) nas discussotildees foucaultinas sobre a constituiccedilatildeo do sujeito

e praacuteticas de subjetivaccedilatildeo (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2012) aleacutem de movido em

contribuiccedilotildees de estudos feministas (LOURO 2012) Delineando-se para responder agrave

questatildeo-problema que considera os avanccedilos conquistados pelas lutas feministas e a tensa

disputa que se instala entre tais conquistas e as assimetrias de gecircnero no espaccedilo escolar e

assim eacute proposta eacute contemplado o debate sobre a equidade de gecircnero perpassado nas vozes

educadoras em suas praacuteticas leitoras

Essa questatildeo parte de premissas fatuais que me inquietam e me levam a

problematizar os imaginaacuterios2 inferiorizantes da mulher operam no espaccedilo escolar de que

forma quando a este lugar chegam avanccedilos significativos das diretrizes do Conselho Nacional

de Educaccedilatildeo ndash CNE- pontuando a desconstruccedilatildeo dessa praacutetica Seria este debate ignorado ou

pensado sobre traccedilos negativos Outra questatildeo que me instiga a problematizar eacute a de que

teriam os(as) docentes a concepccedilatildeo de que uma escola democraacutetica prima essencialmente pelo

2Imaginaacuterios aqui na acepccedilatildeo dada por Castoriadis (1982) enquanto rede de sentidos sistema de crenccedilas que

legitima a ordem social em vigor

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respeito e dignidade de todosas e de que as praacuteticas pedagoacutegicas tecircm constituiacutedo sujeitos

diferentes e desiguais em direitos Ademais qual o comprometimento manifesto pelas

praacuteticas pedagoacutegicas dessesas educadoresas para evidenciar suas intenccedilotildees de superar velhas

estruturas estariam usando a leitura como instrumento constituinte e conformante dos

sujeitos para mediar reflexotildees atinentes agrave construccedilatildeo de uma escola democraacutetica inclusiva e

natildeo-sexista

Considerando desse modo que a pergunta problema possui como eixo centralizador

a atenccedilatildeo que as praacuteticas leitoras da escola dispensam ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero

refletidas pelas praacuteticas discursivas docentes eacute objetivo geral deste trabalho analisar as

discursividades que produzem sentidos nos enunciados de educadoresas como mediadores

(as) de leituras frente ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero no projeto CestaSexta Literaacuteria

em uma escola da Rede de Ensino Municipal de Joatildeo Pessoa

Para apoiar essa investigaccedilatildeo que perspectiva observar a vinculaccedilatildeo da leitura como

forte pilar na construccedilatildeo de um mundo mais justo e na desconstruccedilatildeo de imaginaacuterios que

inferiorizam a mulher que criam uma ordem androcecircntrica heteronormatizadora e

excludente vinculaccedilatildeo essa mediatizada nas vozes dos educadores(as) compete-me traccedilar

como objetivos especiacuteficos (i) examinar se na proposta do projeto de leitura da CestaSexta

Literaacuteria expresso em seu documento ocorre seleccedilatildeo de temas que abordem questotildees

voltadas para as poliacuteticas educacionais de gecircnero (ii) investigar se os textos utilizados pelo

projeto nas aulas de leitura observadas contemplam praacuteticas discursivas que produzam

sentidos atinentes agraves questotildees de gecircnero (iii) problematizar efeitos de sentidos que perpassam

pelos relatos docentes e pelo questionaacuterio instrumentos aplicados junto agravesaos educadoresas

expressando as posiccedilotildees de sujeito dosas entrevistadosas acerca das relaccedilotildees de gecircnero em

momentos de interaccedilatildeo na praacutetica leitora (iv) contribuir com reflexotildees que sistematizem

estrateacutegias que propiciem a intervenccedilatildeo e transformaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica na perspectiva

da construccedilatildeo da equidade de gecircnero

Por ser a escola a instituiccedilatildeo responsaacutevel pela aquisiccedilatildeo de saberes e competecircncias

no plano da formalidade e que esta tem no ensino da leitura uma de suas funccedilotildees cruciais

pesquisar o ato de ler na escola eacute de muita relevacircncia a despeito de este tema sumamente jaacute

ter sido explorado Tal questatildeo jaacute fez com que muitosas teoacutericosas e estudiososas de

diversas aacutereas se debruccedilassem a estudaacute-lo a quantidade de livros artigos teses e dissertaccedilotildees

sobre o ato de ler e suas implicaccedilotildees satildeo magnacircnimas Paulo Freire (1988) Ezequiel

Theodoro da Silva (2009 2011) Magda Soares (2001) Antunes (2009) Orlandi (2008) entre

tantosas outrosas importantes teoacutericosas jaacute teceram suas consideraccedilotildees sobre a leitura que

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aqui encheriam paacuteginas Haveraacute o que dizer mais Parece que natildeo para quem desconsidera

que o inusitado visita a dinacircmica do ato de ler em um contexto escolar com frequecircncia Mas

para quem deseja olhar para as praacuteticas pedagoacutegicas com olhos novos olhos de quem eacute capaz

de se indignar e de natildeo perder de vistas a utopia sempre agrave vista na faceta Madalena de cada

um haacute sempre o que se dizer no chatildeo da escola leitora ou natildeo leitora E eacute em busca deste

dizer sobre ler que me enceta o desejo de ver como educadora que sou homens e mulheres

em processos de libertaccedilatildeo desconstruindo ldquoverdadesrdquo aprendendo com e pela leitura a

refletir sobre seus lugares no mundo que me ponho

E assim compreendendo a leitura como espaccedilo de produccedilatildeo e de reproduccedilatildeo de

significados sociais e objetivando analisar de que forma educadoresas estatildeo forjando

construccedilotildees acerca das identidades de gecircnero em suas praacuteticas leitoras eacute que se desenha a

importacircncia desta pesquisa Isso se justifica porque entre as funccedilotildees da leitura deve estar a

de viabilizar as problematizaccedilotildees que faccedilam leitoresas despertarem para a cidadania ativa o

protagonismo e a autonomia Esses aqui entendidos em uma perspectiva que traduza a

autonomia financeira profissional e pessoal das pessoas e a sua busca pelo ativismo poliacutetico

que expressa consciecircncia de lugar no mundo

E estudar as discursividades que perpassam o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero

mediatizadas pelas leituras no espaccedilo escolar eacute desejar averiguar se este instrumento de

aprendizado estaacute sendo usado para desmantelar as assimetrias de poder entre homens e

mulheres em um espaccedilo formador Eacute desejar averiguar enfim se este instrumento estaacute sendo

amparo para questionar estereoacutetipos e verdades cristalizadas naturalizadas em torno de

construccedilotildees de identidades de gecircnero Obviamente que essa eacute uma das possibilidades de

utilizaccedilatildeo da leitura se este instrumento na escola estiver em consonacircncia com as diretrizes

educacionais que concebem a importacircncia de se fazer da instituiccedilatildeo um espaccedilo democraacutetico

Um espaccedilo em que se faccedila fluir o respeito agrave alteridade agrave compreensatildeo de que a identidade e a

diferenccedila satildeo produzidas discursivamente e que tecircm a ver com a atribuiccedilatildeo de sentidos ao

mundo social e com a disputa e luta em torno dessa atribuiccedilatildeo (SILVA 2012) A leitura nessa

perspectiva problematizadora tem a estrateacutegia de ir aleacutem das ldquobenevolentesrdquo declaraccedilotildees de

toleracircncia com o outro com o diferente Ela tem em seu centro a percepccedilatildeo de que as

identidades satildeo sujeitas a uma historicizaccedilatildeo radical processo que deve lanccedilar luz agraves

reflexotildees que transformam o diferente em exterior abjeto (HALL 2011) Nessa dimensatildeo a

leitura faz parte de um projeto poliacutetico que intenta viabilizar a criacutetica da construccedilatildeo da

identidade e da diferenccedila evidenciando o quanto elas satildeo estrategicamente produzidas

fundadoras Conceber adequadamente a fundaccedilatildeo do outro pode desenredar a forma fechada

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redutora de interpretaccedilotildees a que esse eacute reduzido E a leitura pode ter uma funccedilatildeo fulcral nesse

processo de reflexatildeo quando pensada estrategicamente para isso accedilatildeo relevante para a

contribuiccedilatildeo com a feitura da escola como palco em que a assimetria de tratamentos eacute

combatida em seu lugar haacute a poliacutetica de respeito pelos Direitos Humanos (DH doravante)

O princiacutepio da dignidade dispensado a todas as pessoas conforme preconizam os DH

em muitos de seus documentos (cartas convenccedilotildees estatutos declaraccedilotildees) e nosso

ordenamento juriacutedico maior a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 eacute reclamante contumaz de um

olhar pedagoacutegico que discuta as diferenccedilas a construccedilatildeo das identidades de gecircnero e da

alteridade E na escola soam e ressoam documentos que abordam poliacuteticas da diversidade

cultural sexual e da equidade de gecircnero Mas de que forma o debate chega em um mundo em

que emerge uma globalizaccedilatildeo iacutempar de informaccedilotildees velozes instantacircneas onde se discutem

identidades culturais e desconstruccedilatildeo de paradigmas de comportamentos em meio aos

pensamentos hegemocircnicos Chegaraacute esbarrando em construccedilotildees sociais dosas fazedoresas

da educaccedilatildeo que se apresentariam cristalizadas essencializadas fixas Como tem por fim

assentado na agenda da escola o debate acerca das relaccedilotildees de gecircnero Qual eacute o seu regime de

verdade no sentido foucaultiano de pensar a formaccedilatildeo discursiva como o loacutecus onde

arbitrariamente satildeo determinados os sentidos de um discurso Os muros escolares satildeo

atravessados de que modo pelo debate que provoca as reflexotildees sobre a produccedilatildeo do

diferente Satildeo indagaccedilotildees como essas que me conduzem agrave execuccedilatildeo deste trabalho Isso

merece meu olhar merece porque para que falemos de dignidade precisamos atentar para a

condiccedilatildeo feminina ainda envolta por iniquidade expressa na esfera profissional poliacutetica e

pessoal E para que falemos de dignidade precisamos respeitar as manifestaccedilotildees de desejos e

performances de outras interlocuccedilotildees de outras subjetividades que devem ser reconhecidas

como legiacutetimas

O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero impulsionado pelo ativismo poliacutetico do

coletivo de mulheres chega e deve ser ampliado porque vale pleitear que o princiacutepio da

igualdade formal e material entre homens e mulheres tenha seu cumprimento auferido

Igualdade essa que estaacute distante de ser conquistada muito embora menos longe do que jaacute

esteve no longo caminho rumo agrave construccedilatildeo da cidadania feminina Ainda eacute fato haacute menos

mulheres nas instacircncias de poderes do que deveria no Brasil de acordo com dados do

Anuaacuterio das Mulheres Brasileiras (DIEESE 2011) elas satildeo mais da metade da populaccedilatildeo (51

3) e do eleitorado estatildeo entretanto sub-representadas nas esferas de poder Satildeo 11 no

Congresso Nacional natildeo chegam a 20 nos niacuteveis mais elevados do Poder Executivo No

Judiciaacuterio nas universidades e empresas privadas ocupam apenas 20 das chefias Eacute tambeacutem

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outro oacutebice agrave igualdade de gecircnero a preocupante materializaccedilatildeo do machismo em forma de

agressatildeo agraves mulheres Conforme ainda os dados do referido Anuaacuterio uma em cada cinco

brasileira jaacute sofreu algum tipo de violecircncia domeacutestica por parte de um homem Das violecircncias

perfiladas nem todas satildeo computadas Haacute a cultura do medo e da vergonha da sua condiccedilatildeo

de viacutetima que impede que a mulher denuncie seu agressor e mesmo havendo campanhas e

aparato legal que mobilizam a denuacutencia da violecircncia contra a mulher ainda se fala em

subnotificaccedilatildeo dos dados De fora fica ainda a costumeiramente natildeo computada a intangiacutevel

violecircncia simboacutelica termo que tomo de empreacutestimo de Bordieu (2012) que fala da

sedimentaccedilatildeo de um consciente androcecircntrico em homens e mulheres alimentando

iniquidades Esta violecircncia natildeo estaacute em estatiacutesticas mas deixa sequelas profundas em suas

viacutetimas fazendo muitas mulheres carregarem em si sentimentos de impotecircncia mutilaccedilatildeo e

subalternidade

A escola tem o fio do poder que costura e regulamenta normas e mudanccedilas que

disciplinam comportamentos hegemonias (PEREIRA 2005) Mas o poder natildeo eacute estanque

fixo haacute neste espaccedilo como em todos os outros lugar para a resistecircncia e a contra-hegemonia

(FOUCAULT 2012) E de que forma tecircm chegado os discursos que problematizam as

mudanccedilas que advogam os movimentos de mulheres e fazem ressoar seu desejo de

desmantelar de descosturar as assimetrias de gecircnero Como a leitura e as vozes escolares

ressoam o que regula a valente marcha feminista que pode contribuir com o combate agrave

violecircncia domeacutestica com o empoderamento das mulheres e dar visibilidade agrave iniquidade de

gecircnero de forma refrataacuteria Acolhendo seus passos Como a leitura e as vozes escolares

abordam a temaacutetica das identidades e da diferenccedila datildeo centralidade e a discutem como

questatildeo de poliacutetica Estas questotildees imbricam-se e com elas penso a linguagem no campo da

discursividade da construccedilatildeo dos jogos de poder da constituiccedilatildeo de sentidos verdades e

subjetivaccedilotildees (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2012) o que eacute sempre um desafio

instigante para oa educadora Essa temaacutetica eacute premente sendo assim Haacute uma expectativa de

que seja sedimentado o aprendizado de que as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo estatildeo sempre inseridas

em contextos e processos socialmente estruturados legitimando naturalizando e retificando

hegemonias mas tambeacutem sofrendo transformaccedilotildees

Para que o direcionamento discursivo levantado pela questatildeo norteadora satisfaccedila

aos objetivos a que me proponho este estudo move-se teoricamente na concepccedilatildeo

sociointeracionista de leitura e faz uma interface com a Anaacutelise do Discurso AD doravante

tendo como referecircncia o trabalho de Orlandi (2008) sobre leitura que se pauta na perspectiva

da Escola francesa dessa disciplina Trabalho com a concepccedilatildeo de leitura na perspectiva de

23

que ler eacute mais do que decodificar (SOARES 2011) Ler eacute envolver-se com praacuteticas culturais

(MOITA LOPES 2002) que fortalecem a sedimentaccedilatildeo do valor da cidadania que pressupotildee

efetivaccedilatildeo de direitos e deveres para todos Ler entatildeo deixa de ser uma atitude passiva

fechada tradutora decodificadora em que se busca a ldquoverdaderdquo produzida peloa autora ou

pelo texto se se quiser ser positivista ou estruturalista A leitura que me interessa aqui se

ancora na perspectiva interacionista que concebe o aspecto sociocultural e cognitivo da

linguagem e como tal o texto eacute processo e natildeo produto A leitura eacute uma atividade situada

que reflete uma relaccedilatildeo dialoacutegica (cf BAKHTIN 1995) ou seja uma relaccedilatildeo na qual se

estabelecem refraccedilotildees entre autor-leitor-texto e contexto Essa perspectiva expressa um

rompimento com o modelo formalista ou historicista e tem havido um esforccedilo por parte dos

oacutergatildeos responsaacuteveis pelas poliacuteticas de formulaccedilatildeo das diretrizes escolares para implementaacute-la

no seio escolar Os Paracircmetros Curriculares Nacionais (PCNs-1997) refletem essa intenccedilatildeo

os textos satildeo defendidos em sua diversificaccedilatildeo e na defesa da construccedilatildeo de competecircncias

linguiacutesticas com desenvolvimento da habilidade leitora e escritora que ultrapasse a mera

decodificaccedilatildeo no processo de ensino aprendizagem

Por este trabalho buscar uma interface entre a linguagem como praacutetica social e as

relaccedilotildees de gecircnero perscrutadas nas vozes docentes em atividades de leitura propostas pela

escola tambeacutem lhe eacute pertinente a abordagem das formas de constituiccedilatildeo da subjetividade

(FOUCAULT 2004a 2004b 2004d) Estou ainda me movendo pelos estudos da criacutetica

feminista dos estudos poacutes-estruturalistas de gecircnero na contemporaneidade que buscam a

negaccedilatildeo de quaisquer resquiacutecios de uma base essencialista para a formaccedilatildeo das identidades

(LOURO 2012 SILVA 2012) ao tempo que questionam as hierarquias entre o masculino e

o feminino a ordem androcecircntrica heteronormativa e etnocecircntrica Eacute desse olhar que me

sirvo para diante do que pontuam os Estudos Culturais consonantes agrave construccedilatildeo das

identidades como cambiantes heterogecircneas transitivas construiacutedas e reconstruiacutedas social e

discursivamente refletir sobre as implicaccedilotildees de se ler no espaccedilo escolar Refletir atentando

para o discurso pedagoacutegico que daacute sentido agraves diferenccedilas entre meninos e meninas agraves relaccedilotildees

de gecircnero E eacute desse olhar que tambeacutem me sirvo para aprender sobre a consciecircncia de gecircnero

e sobre o desafio da aprendizagem de transformar os jogos de verdade que impotildeem relaccedilotildees

assimeacutetricas Eacute isto o que me enreda neste trabalho

Articulo esta dissertaccedilatildeo em partes que se estruturam assim a introduccedilatildeo na qual

consta a contextualizaccedilatildeo da temaacutetica focalizada com a sua gecircnese a apresentaccedilatildeo do

problema dos objetivos da justificativa e dos pressupostos teoacutericos que embasaram a

pesquisa

24

No capiacutetulo 1 exponho as estrateacutegias metodoloacutegicas com as quais me vali para que o

direcionamento discursivo apresentado que eacute a investigaccedilatildeo das discursividades docentes em

leitura e gecircnero satisfizesse aos objetivos a que me propus construir para este estudo

No capiacutetulo 2 pontuo uma justificativa do campo teoacuterico apresentando estudos de

autoresas utilizadosas bem como pontuo o cruzamento entre a instacircncia da leitura e o debate

sobre as relaccedilotildees de gecircnero sustentado por reflexotildees atinentes aos Direitos Humanos ao

feminismo ao poder agrave educaccedilatildeo e aos modos de subjetivaccedilatildeo

No capiacutetulo 3 discorro sobre a anaacutelise das praacuteticas discursivas dosas educadoresas

perscrutadas pela trajetoacuteria analiacutetica que fiz cujo procedimento para geraccedilatildeo de dados teve os

seguintes instrumentos investigativos o documento do projeto de leitura os relatos dosas

educadoresas que foram gerados em conversas quando de minhas visitaccedilotildees agrave escola um

questionaacuterio aplicado com nove participantes do projeto de leitura da escola e a observaccedilatildeo

de aulas dos textos utilizados nesses eventos e levantamento dos textos paradidaacuteticos

presentes na biblioteca escolar que se refiram agrave temaacutetica de gecircnero

No capiacutetulo 4 atinente agrave perspectiva interventiva propositora que tem este mestrado

profissional desenvolvo reflexotildees que intencionam contribuir para a inserccedilatildeo temaacutetica de

gecircnero pela via da leitura na escola em que a pesquisa foi realizada Faccedilo ao final deste

capiacutetulo sugestotildees de atividades de ensino enfocando o olhar sobre as relaccedilotildees de gecircnero

Por uacuteltimo apresento as consideraccedilotildees finais com as quais objetivo amarrar os fios

tecidos ao longo do trabalho considerando os conteuacutedos enfocados e reforccedilando a defesa de

se inserir o debate acerca das relaccedilotildees de gecircnero pela via da leitura na escola

problematizando os modelos de feminilidade e masculinidade na defesa da dignidade de

todas as pessoas

25

1 OS PRESSUPOSTOS TEOacuteRICO-METODOLOacuteGICOS DA PESQUISA

11 Entrevendo os sujeitos o loacutecus os jogos de verdade

Partindo do entendimento de que a pesquisa a que me proponho realizar que eacute a

anaacutelise de praacuteticas discursivas de docentes sobre as relaccedilotildees de gecircnero como mediadoresas

de leituras exige um dispositivo analiacutetico busco nos procedimentos da AD de filiaccedilatildeo

francesa como nas reflexotildees foucaultianas sobre praacuteticas de subjetivaccedilatildeo e poder nas

reflexotildees poacutes-estruturalistas sobre gecircnero e na perspectiva sociointeracionista sobre leitura

um apoio teoacuterico-metodoloacutegico Nesse sentido estou imbuiacuteda do propoacutesito de percorrer essa

investigaccedilatildeo conforme as diretrizes desse caminho investigativo considerando que natildeo haacute o

sentido ldquoverdadeirordquo mas o real do sentido em sua materialidade linguiacutestica e histoacuterica

(ORLANDI 2012) Estou tambeacutem imbuiacuteda do intento de que com este dispositivo natildeo

vislumbro trabalhar em uma perspectiva de neutralidade tendo em vista que concebo a

pesquisa com base nas praacuteticas discursivas focada nos estudos feministas e nas relaccedilotildees de

gecircnero sob a oacutetica do interesse do engajamento poliacutetico (ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2007

LOURO 2012)

Essas condiccedilotildees refletem o que as problematizaccedilotildees levantadas pelo feminismo no

tocante agrave loacutegica de se fazer ciecircncia tradicional com seus postulados de estabilidades e

categorizaccedilotildees trouxeram Trouxeram a descrenccedila de que entre as palavras e as coisas existe

uma homologia que se diz exatamente o que se vecirc (ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2007

POSSENTI 2009) Antes os estudos de gecircnero de base poacutes-estruturalista explicitam que haacute

uma invenccedilatildeo do que eacute sermos mulhereshomens de que haacute uma invenccedilatildeo do que eacute sermos

meninos e meninas de diversas classes diversos tempos etnias e orientaccedilatildeo sexual

construiacuteda discursivamente E a reflexatildeo sobre o que nos tornamos como seres gendrados e

em que poderemos vir a ser como seres que se descobrem gendrados empodera-nos como

investigadores de desaprendizagens pela possibilidade de conhecimento de jogos de verdades

(FABRIacuteCIO 2006)

Os estudos de gecircnero como uma via que se oferece para o entendimento das relaccedilotildees

assimeacutetricas entre os sexos explicitam ainda o atravessamento pelo poder institucionalizado

que confere historicamente o domiacutenio do masculino Lugares diferentes no mundo chegam a

homens e mulheres por um conjunto de accedilotildees formadoras constituiacutedas discursivamente por

siacutembolos culturais institucionalizaccedilotildees e modos de subjetivaccedilatildeo que constituem relaccedilotildees

assimeacutetricas com o corpo com a sexualidade e afetividades para os sujeitos sociais Refletir

26

sob esta perspectiva me faz desejar perceber meu entorno olhando a linguagem a cultura e as

instituiccedilotildees sob a oacutetica do interesse na construccedilatildeo dos processos sociais E o olhar do

feminismo deveras trouxe novas lentes sobre a pesquisa cientiacutefica Louro (2012) pontua que

uma das caracteriacutesticas relevantes dessa epistemologia diz respeito agrave forma como as

estudiosas empenham-se em responder questotildees atinentes agraves suas realidades aos seus campos

de interesses mescladas natildeo como vozes anocircnimas de seu objeto de estudo mas como vozes

que de modo provocativo posicionam-se histoacuterica e culturalmente imiscuindo objetivamente

subjetividades E eacute com este entendimento que intenciono subsiacutedios para um estudo sobre a

discursividade em uma interface com a oacutetica das relaccedilotildees de gecircnero e da leitura sob o crivo

de um convite a examinar ordens morais e estruturas de legitimaccedilatildeo

Esta investigaccedilatildeo de natureza qualitativa regida por princiacutepios analiacuteticos foi

conforme jaacute exposto concebida para ser realizada em uma escola da Rede de Ensino

Municipal de Joatildeo Pessoa - PB cuja identificaccedilatildeo seraacute preservada A preservaccedilatildeo deve-se agrave

consonacircncia com um mecanismo de proteccedilatildeo o anonimato como compromisso eacutetico

possiacutevel conforme Spink e Menegon (1999) embora salientem as autoras este ponto de

vista natildeo seja paciacutefico Para minha compreensatildeo eacute uma proteccedilatildeo exceccedilatildeo se daacute quando os

sujeitos manifestam o contraacuterio o que natildeo foi o caso Assim o sendo para a identificaccedilatildeo

deste espaccedilo pesquisado resolvi denominaacute-lo de escola TRAVESSIA Esse batismo traduz

meu olhar para o ambiente de ensino-aprendizagem alimentado na esperanccedila freireana pelo

inacabamento em noacutes educadores seres humanos Mesmo emparedadosas eacute preciso pensar

nas travessias Da mesma forma que o campo pesquisado tem um nome fictiacutecio os sujeitos

participantes desta investigaccedilatildeo tambeacutem foram denominados ficticiamente

Essa unidade educacional funciona nos dois periacuteodos com turmas do 6ordm ao 9ordm ano

em um preacutedio construiacutedo haacute menos de dez anos Possui 385 discentes e 25 docentes eacute

composta por dez salas de aula sala de artes laboratoacuterio de informaacutetica laboratoacuterio de

ciecircncias auditoacuterio biblioteca quadra poliesportiva quadra de vocirclei secretaria diretoria sala

de especialistas sala de professores refeitoacuterio e banheiros com padratildeo de acessibilidade

A pesquisa qualitativa na educaccedilatildeo tem centrado seu foco noa educadora vai

buscar sua colaboraccedilatildeo preocupar-se com suas histoacuterias e formaccedilatildeo (GHEDIN FRANCO

2008) Nessa dimensatildeo eacute possiacutevel olhar a realidade na perspectiva doa professora e natildeo

apenas sobre elea Este processo investigativo que tem como objeto as discursividades na

escola acerca das relaccedilotildees de gecircnero mediadas no projeto de leitura tem alinhamento

metodoloacutegico com esta perspectiva de pesquisa e possui como participantes osas

professoresas que integram o tal projeto Foi escolhido o corpo docente do turno vespertino

27

em funccedilatildeo de ajuste com minha disponibilidade de horaacuterio A coordenaccedilatildeo do projeto eacute de

responsabilidade de uma professora readaptada que tem formaccedilatildeo de arte-educadora Esta

profissional segundo me relatou articula trabalhos apoiando osas docentes integrantes do

projeto aleacutem de efetivar atividades literaacuterias e artiacutesticas em datas comemorativas na escola

12 Por onde falam e de onde olham osas educadoresas os instrumentos de investigaccedilatildeo

A composiccedilatildeo dos instrumentos selecionados para a investigaccedilatildeo desta pesquisa eacute

constituiacuteda por diversos procedimentos para geraccedilatildeo de dados Consta de um questionaacuterio

aplicado no periacuteodo de 09 de setembro a 28 de outubro de 2013 a nove educadoresas

envolvidosas com o projeto de leitura da escola TRAVESSIA o CestaSexta Literaacuteria

Adotei tambeacutem como instrumento de investigaccedilatildeo os relatos de diaacutelogos com educadoresas

gerados quando de minhas visitaccedilotildees agrave escola que se deram de 05 de setembro a 28 de

outubro de 2013 Construiacute notas de campo para registrar minhas vivecircncias naquele espaccedilo

perscrutando as vozes daqueles sujeitos pesquisados Satildeo tambeacutem composiccedilatildeo deste conjunto

de instrumentos investigativos as observaccedilotildees de quatro aulas de leitura e de texto utilizado

nestes eventos que ocorreram entre 4 e 11 de julho de 2014 A anaacutelise do documento do

projeto de leitura no tocante aos seus objetivos e metodologia bem como o levantamento de

quais livros paradidaacuteticos da biblioteca tratam da temaacutetica em tela satildeo outras formas

geradoras de dados desta pesquisa Esse levantamento do conjunto de instrumentos foi

elaborado em um processo no qual atentei para que a construccedilatildeo dos mesmos lembrando

Foucault (2004a 2004b 2012) objetivasse natildeo apontar se um enunciado eacute verdadeiro ou

falso enquanto discurso mas situar historicamente a produccedilatildeo desses

O questionaacuterio foi elaborado com treze questotildees objetivas por uma necessidade de

se ajustar agraves premecircncias do tempo mas promovendo espaccedilo para a complementaccedilatildeo de

respostas abertas considerando que outras leituras poderatildeo existir As questotildees formuladas

neste instrumento investigativo versando conforme apecircndice A entre outros toacutepicos acerca

da importacircncia da leitura para a escola sobre se a formaccedilatildeo continuada estaacute contribuindo no

preparo para uma praacutetica pedagoacutegica que contemple a equidade de gecircnero acerca de qual

espaccedilo deve haver no curriacuteculo escolar sobre a histoacuteria social da mulher e ainda qual tem sido

o comportamento doa educadora ao lidar com manifestaccedilotildees de violecircncia de gecircnero

objetivam proporcionar anaacutelises das respostas segundo os pressupostos da AD

Essa disciplina mediante a articulaccedilatildeo liacutengua e histoacuteria descreve e analisa os

sentidos que produzimos socialmente considera assim que o sujeito eacute um efeito da linguagem

28

como praacutetica social E eacute com esta perspectiva que objetivo perceber os efeitos de sentidos as

ideias circulantes e produzidas pelos sujeitos envolvidos nas questotildees do instrumento

questionaacuterio como nos demais procedimentos que compotildeem o campo empiacuterico desta

investigaccedilatildeo as aulas os diaacutelogos o documento a ausecircncia de obras temaacuteticas no acervo

bibliotecaacuterio Lanccedilar matildeo desse amparo teoacuterico me faz buscar formulaccedilotildees epistemoloacutegicas

como o discurso o interdiscurso as formaccedilotildees discursivas entre outras construccedilotildees de

linguagem como fustigaccedilatildeo que possibilita ver ldquopelardquo opacidade da linguagem Por esses

vieses interessa-me natildeo em conceber uma ldquoverdaderdquo a qual terei o poder de ldquodesvendaacute-lardquo

conforme ressalva Foucault (1995 2004a 2004b 2012) mas procuro agrave luz do que me

fornece a AD refletir e inquirir sobre as condiccedilotildees de produccedilotildees ldquodo dito e o natildeo ditordquo

29

2 OS APORTES TEOacuteRICOS QUE MOVEM A INVESTIGACcedilAtildeO

21 Gecircnero Discurso e Direitos Humanos

Uma indagaccedilatildeo que se desdobrava em outras se fez presente em minhas elaboraccedilotildees

sobre a temaacutetica em foco afinal por que buscar na roda de leitura de uma escola fios que

relacionem letramento e o debate sobre a construccedilatildeo social de gecircnero Qual o sentido de se

entrelaccedilar estas duas instacircncias discursivas Natildeo bastaria ler para contribuir com a construccedilatildeo

de uma formaccedilatildeo humana e eacutetica uma formaccedilatildeo cidadatilde na qual se capacitariam todos e todas

para serem protagonistas do projeto de sociedade em que convivem O exerciacutecio da leitura

natildeo estimula o ato de pensar Esta mera sacralizaccedilatildeo da praacutetica leitora tatildeo disseminada por

leigosas e ateacute leitoresas ignora que ler eacute um ato poliacutetico (FREIRE 1988) Ignora que ler eacute

uma praacutetica discursiva implica accedilotildees seleccedilotildees escolhas linguagens contextos variedades

de produccedilotildees sociais (SPINK FREZZA 1999) E que desse modo como praacutetica discursiva

na acepccedilatildeo foucaultina (FOUCAULT 2011) que eacute a tomada de empreacutestimo neste trabalho

conceituada como os dizeres que ganham corpos teacutecnicos em instituiccedilotildees em esquemas de

comportamentos em formas pedagoacutegicas a accedilatildeo de ler deve primar por reflexotildees que exijam

engajamento direcionamento afinal como esse filoacutesofo afirma

[] em toda sociedade a produccedilatildeo do discurso eacute ao mesmo tempo controlada

selecionada organizada e redistribuiacuteda por certo nuacutemero de procedimentos que tecircm

por funccedilatildeo conjurar seus poderes e perigos dominar seu acontecimento aleatoacuterio

esquivar sua pesada e temiacutevel materialidade (FOUCAULT 2011 p 8-9)

Conforme esse pensador francecircs para este controle haacute a fabricaccedilatildeo de certos

procedimentos de exclusatildeo social apoiados sobre uma base institucional Esta tem como

reforccedilo todo um conjunto de praacuteticas dentre as quais estatildeo a medicina a pedagogia a

sexualidade a prisatildeo relacionadas agrave vontade de verdade como um mecanismo de delimitaccedilatildeo

e de controle do discurso Ao trazer estas consideraccedilotildees de Foucault para o debate sobre as

relaccedilotildees de gecircnero que se processam na instituiccedilatildeo escolar fruto de avanccedilos consolidados

pelas lutas feministas contra uma visatildeo androcecircntrica de mundo percebo a relevacircncia das

contribuiccedilotildees do filoacutesofo que inscreve o discurso como praacutetica e como luta na constituiccedilatildeo

dos sujeitos Segundo o autor ldquo[] ndash isto a histoacuteria natildeo cessa de nos ensinar - o discurso natildeo

eacute simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominaccedilatildeo mas aquilo por que

pelo que se luta o poder do qual queremos apoderarrdquo (FOUCAULT 2012 p 10)

30

Diferente de uma visatildeo que simplifica este conceito os pressupostos foucaultinos

pontuam que o discurso existe para constituir ldquocoisasrdquo ldquorealidadesrdquo segundo regras histoacutericas

especiacuteficas de tempo e espaccedilo E esse entendimento deve ser uma das forccedilas que oa analista

do discurso poderaacute dispor como baliza face ao desafio que sua tarefa se apresenta seu

trabalho natildeo eacute ldquodescobrir coisas intocadas inteiras verdadesrdquo Seu trabalho prima por chegar

agrave complexidade das praacuteticas discursivas e natildeo discursivas que emergem em um enredo de

enunciados que se cruzam no interior de campos discursivos Seu trabalho como evidencia

Fisher (2013) ocupa-se de multiplicidades de coisas ditas de enunciaccedilotildees de posiccedilotildees de

sujeito de relaccedilotildees de poder implicadas num certo campo de saber

Nessa direccedilatildeo para efetuar uma interface que pense as discursividades das vozes

docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero em praacuteticas leitoras na escola objeto desse trabalho

as reflexotildees foucaultianas no que diz respeito agraves posiccedilotildees de sujeito satildeo nodais Com essa

perspectiva pode ser assumida a multiplicaccedilatildeo do tema do sujeito operaccedilatildeo cara a Foucault

(1995 2004a 2004b 2004c 2012) que conduz a caminhos mais fecundos para que o sujeito

seja pensado a sua dispersatildeo Assim diante de um conjunto de enunciaccedilotildees dentro de um

campo discursivo natildeo cabe um sujeito ldquounificanterdquo soberano origem de seu dizer Haacute um

sujeito que precisa ser visto em seu status em seu acircmbito institucional investido de alguma

autoridade imbuiacutedo de certas regras histoacutericas

Isto posto cabe-me adentrar em reflexotildees usando a concepccedilatildeo de dispersatildeo do

sujeito inicialmente pensando sobre qual tem sido a subjetivaccedilatildeo construiacuteda na escola pela

perspectiva dosas docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero estatildeo estesas obedecendo a que

regime de verdade Quais tecircm sido as reflexotildees acerca das ldquocoisas ditasrdquo sabe-se que elas se

entranham das dinacircmicas de poder e saber Sabe-se que emanam de praacuteticas discursivas e natildeo

discursivas atravessadas pelo poder Dar conta dessas relaccedilotildees eacute um legado foucaultiano

complexo aacuterduo e instigante que me inspira trazer para a delineaccedilatildeo acerca das

discursividades suscitadas pelo debate das relaccedilotildees de gecircnero na escola que ao fim e ao

cabo eacute um chamamento do discurso dos DH como pauta reivindicatoacuteria que eacute

E como reivindicaccedilotildees morais que satildeo esses direitos assegura Piovesan (2005)

nascem quando devem e podem nascer Essa autora pontua que os DH em sua concepccedilatildeo

contemporacircnea compotildeem a nossa racionalidade de resistecircncia na medida em que traduzem

processos que abrem e consolidam espaccedilos de luta pela dignidade humana Pautados pela

gramaacutetica da inclusatildeo esses direitos que natildeo satildeo um dado mas um construiacutedo (PIOVESAN

2005) devem adentrar o espaccedilo escolar como um imperativo eacutetico-poliacutetico-social que eacute

capaz de enfrentar um legado discriminatoacuterio que tem negado o respeito agrave diversidade sexual

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cultural e humana o que eacute um atentado agrave premissa da garantia da dignidade de todas as

pessoas

Para o assentamento do debate sobre os postulados dos DH no acircmbito da escola natildeo

nos falta amparo legal positivado Eacute com o entendimento da nodal importacircncia desses direitos

na e para a esfera escolar e considerando o arcabouccedilo legal que dispotildee sobre a educaccedilatildeo a

Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos de 1948 a Declaraccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas sobre

a Educaccedilatildeo e Formaccedilatildeo em Direitos Humanos (RESOLUCcedilAtildeO A661372011) a

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (Lei

93941996) o Programa Mundial de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos (PMEDH 2005204) O

Programa Nacional de Direitos Humanos (PNEDH2006) e as diretrizes nacionais emanadas

pelo Conselho Nacional de Educaccedilatildeo CNE bem como outros documentos que o Conselho

Nacional de Educaccedilatildeo publica a Resoluccedilatildeo nordm 12012 estabelecendo diretrizes nacionais para

a educaccedilatildeo em Direitos Humanos Esse instrumento em seu artigo 3ordm trata da finalidade

dessa educaccedilatildeo a mudanccedila e a transformaccedilatildeo social fundamentando-se para isto nos

princiacutepios da dignidade humana da igualdade de direitos do reconhecimento e valorizaccedilatildeo

das diferenccedilas e das diversidades da laicidade do Estado da democracia na educaccedilatildeo da

transversalidade vivecircncia globalidade e sustentabilidade socioambiental

Conforme a Resoluccedilatildeo nordm 12012 os sistemas de ensino deveratildeo ter planejamento e

accedilotildees que zelem por tais princiacutepios incluindo-os nas formaccedilotildees iniciais e continuada de

profissionais das diferentes aacutereas de conhecimento como tambeacutem de todo aparato estrutural

da escola Nesse sentido a resoluccedilatildeo se traduz como um poderoso instrumento de inclusatildeo

social Ela eacute aliada na problematizaccedilatildeo de uma estrutural desigualdade social poliacutetica e

econocircmica que viola cotidianamente direitos de grupos vulneraacuteveis ndash pobres negrosas

mulheres homossexuais iacutendiosias ndash Eacute aliada no combate agraves grandes deficiecircncias da

democracia brasileira que repousa em uma deficiente cultura de direitos a despeito de

avanccedilos poacutes processo de redemocratizaccedilatildeo do paiacutes

No tocante agraves questotildees de gecircnero agrave produccedilatildeo de praacuteticas discursivas que ocultam o

protagonismo dos sujeitos que fragilizam a hegemonia masculina heterossexual cristatilde e

branca e a inserccedilatildeo desse debate no seio escolar como forma de assegurar o combate agrave

historicamente construiacuteda educaccedilatildeo sexista e discriminatoacuteria eacute vaacutelido observar os

mecanismos enunciativos que constituem o olhar sobre o discurso que propotildee o

enfrentamento da iniquidade E um desses mecanismos trata-se dos Paracircmetros Curriculares

Nacionais (PCNs) criados em 1997 que muito embora a existecircncia desses documentos natildeo

garanta sua implantaccedilatildeo eles satildeo amplamente difundidos e recomendados pelo Ministeacuterio da

32

Educaccedilatildeo e Cultura (MEC) Eacute vaacutelido desse modo atentar para esta forma de comunicaccedilatildeo-

poder porque as discursividades que circulam incorrem de resultado de promessas de uma

escola como instituiccedilatildeo democraacutetica o que nos remete agrave intricada relaccedilatildeo discurso e poder

(FOUCAULT 2012) E parece bastante oportuno refletir sobre a emissatildeo de documentos

supostamente avanccedilados no debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero indagando sobre qual

processo de subjetivaccedilatildeo e instauraccedilotildees de verdade estaacute sendo ali operacionalizado

Eacute possiacutevel detectar que a discussatildeo sobre as relaccedilotildees de gecircnero consta de forma

tiacutemida e superficial entre as paacuteginas 144-146 dos PCNs referentes agraves quatro primeiras seacuteries

da educaccedilatildeo Fundamental Assim eram denominados os anos escolares agrave eacutepoca da publicaccedilatildeo

destes documentos Essa inserccedilatildeo temaacutetica eacute composta como toacutepico dentro do tema

transversal Orientaccedilatildeo Sexual que integra o volume 10 da coleccedilatildeo dos PCNs Mas laacute nas

raacutepidas paacuteginas estaacute o conceito de gecircnero e o objetivo que permeia o debate

A discussatildeo sobre relaccedilotildees de gecircnero tem como objetivo combater relaccedilotildees

autoritaacuterias questionar a rigidez dos padrotildees de conduta estabelecidos para homens

e mulheres e apontar sua transformaccedilatildeo A flexibilizaccedilatildeo dos padrotildees visa permitir a

expressatildeo de potencialidades existentes em cada ser humano que satildeo dificultadas

pelos estereoacutetipos de gecircnero Como exemplo comum pode-se lembrar a repressatildeo de

sensibilidade intuiccedilatildeo e meiguice nos meninos e objetividade e agressividade nas

meninas As diferenccedilas natildeo devem ficar aprisionadas em padrotildees preestabelecidos

mas apontando para a equidade entre os sexos (BRASIL 2013 p 144-146)

As relaccedilotildees de gecircnero integram a abordagem feita pelos PCNs tambeacutem para as seacuteries

finais do ensino fundamental como parte dos conteuacutedos dos temas transversais Na

perspectiva para estes anos finais os PCNs indicam a leitura e a anaacutelise de notiacutecias e de obra

literaacuteria como estrateacutegia para abordar a temaacutetica sobre gecircnero perpassada pelo conjunto das

disciplinas Os recursos indicados nos documentos para a exploraccedilatildeo desta temaacutetica se

constituem de formas oportunas para trataacute-lo especialmente a anaacutelise de notiacutecias

considerando que face a uma visatildeo de mundo em que predominam valores machistas e

patriarcais uma cultura eminentemente androcecircntrica apesar da resistecircncia feminista as

notiacutecias devem se constituir como repletas de exemplos de assimetrias de gecircnero

A apresentaccedilatildeo do conceito de gecircnero pelos PCNs todavia se daacute sem uma

fundamentaccedilatildeo criacutetica sustentada pela teoria feminista em um momento em que este conceito

passa por uma efervescecircncia que redimensiona e amplia sua abordagem O conceito de gecircnero

surge com o intento de analisar a subordinaccedilatildeo da mulher ao homem de modo relacional e faz

parte de debates de vaacuterios momentos do movimento feminista O gecircnero como categoria de

anaacutelise passou a ser mais utilizado apoacutes a publicaccedilatildeo do texto de Joan W Scott (1995) Nesse

33

trabalho a autora retoma a diferenccedila entre sexo e gecircnero articulando a noccedilatildeo de poder com a

qual propotildee que gecircnero eacute um elemento constitutivo das relaccedilotildees sociais construiacutedas sobre as

diferenccedilas percebidas entre os sexos sendo ele um primeiro modo de dar significado agraves

relaccedilotildees de poder

De acordo com Piscitelli (2002) o conceito de gecircnero mesmo jaacute tendo sido

utilizado foi marcado a partir da conceitualizaccedilatildeo de Gayle Rubin (1975 apud PISCITELLI

2002 p 4) que definiu o sistema sexogecircnero estabelecendo uma dicotomia em que gecircnero

seria a construccedilatildeo social e sexo seria o que eacute determinado biologicamente Essa perspectiva da

feminista trouxe conforme Piscitelli entusiasmo

Entre as (os) acadecircmicasos que dialogam com as discussotildees feministas o conceito

de gecircnero foi abraccedilado com entusiasmo uma vez que foi considerado um avanccedilo

significativo em relaccedilatildeo agraves possibilidades analiacuteticas oferecidas pela categoria

lsquomulherrsquo Essa categoria passou a ser quase execrada por uma geraccedilatildeo para a qual o

binocircmio feminismomulher parece ter se tornado siacutembolos de enfoques passados

(PISCITELLI 2002 p 1)

Haacute todavia apontado por Piscitelli (2002) um contexto de questionamentos sobre

esse conceito de gecircnero que evidencia uma nova ecircnfase na utilizaccedilatildeo da categoria mulher A

autora evidencia vaacuterias discussotildees em torno dessa questatildeo pontuadas por feministas que

criticam a dicotomia culturanatureza sexogecircnero traccedilos da conceituaccedilatildeo primeira do termo

O sistema dual que caracteriza e universaliza o conceito eacute criticado pelas feministas radicais

que assumem o debate desconstruindo o binocircmio sexogecircnero trazendo agrave reflexatildeo a

inexistecircncia de uma identidade global fixa que obscurece ou subordina todas as outras Uma

reelaboraccedilatildeo teoacuterica e pendular que emerge nitidamente das poliacuteticas da diferenccedila sobre o

conceito de gecircnero fortalece a luta das mulheres em seu caraacuteter de diversidade

A rejeiccedilatildeo aos pressupostos universalistas que a dicotomia sexogecircnero traduz tem se

avolumado e garantido um avanccedilo no debate sobre a luta pelo fim da opressatildeo e subordinaccedilatildeo

da mulher ao homem Sardenberg (2002) enfatiza que as criacuteticas realizadas ao conceito de

gecircnero debatem as diferenccedilas em consonacircncia com a base poacutes-estruturalista e

desconstrutivista que as sustenta e atendem a pauta reivindicatoacuteria de mulheres leacutesbicas

negras e do Terceiro Mundo A feminista sem deixar de resguardar a relevacircncia teoacuterica e

poliacutetica da concepccedilatildeo primeira de gecircnero ressalta a importacircncia das questotildees trazidas pelas

correntes desconstrucionistas Apropria-se esta estudiosa do feminismo do conceito de

corpos gendrados e desfaz a dicotomia sexogecircnero explicando que as identidades de gecircnero

e subjetividade satildeo natildeo imateriais e descorporificadas Ela ao falar de identidades e

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subjetividades corporificadas aponta para uma direccedilatildeo que dialoga com as teorizaccedilotildees poacutes-

estruturalistas e a importacircncia dos marcadores sociais para essas que veem mais do que

sujeitos homens e mulheres em suas abordagens Veem seres de diferentes etnias classes

geraccedilotildees profissotildees lugares seres cindidos muacuteltiplos natildeo-fixos em suas identidades

imersos que satildeo pela torrencial poacutes-modernidade e seus signos multiculturalismo

globalizaccedilatildeo e informaccedilatildeo acelerada

Louro (2012) ao discutir o caro conceito para os estudos feministas historiciza as

accedilotildees desse coletivo situando a chamada ldquoSegunda Ondardquo como a que propiciou o

desenvolvimento do termo

Seraacute no desdobramento da assim denominada lsquoSegunda Ondarsquo ndash aquela que se inicia

no final da deacutecada de 1960 ndash que o feminismo aleacutem das preocupaccedilotildees sociais e

poliacuteticas iraacute se voltar para as construccedilotildees propriamente teoacutericas No acircmbito do

debate que a partir de entatildeo se trava entre estudiosas e militantes de um lado e seus

criacuteticos ou suas criacuteticas de outro seraacute engendrado e problematizado o conceito de

gecircnero (LOURO 2012 p 19)

Evidenciando a contribuiccedilatildeo que a emergecircncia do conceito de gecircnero propicia ao

movimento feminista Louro (2012) traz o discurso da invisibilidade no qual esse coletivo

esteve imerso em forma de segregaccedilatildeo poliacutetica e social Muito embora afirme essa autora

mulheres da classe trabalhadora e camponesas jaacute ocupassem atividades no mundo do trabalho

em faacutebricas oficinas lavouras Atividades essas ocupadas em condiccedilotildees de subalternidade

frente aos homens considerando os cargos que ocupavam e atividades consideradas

secundaacuterias e ligadas agraves funccedilotildees ldquonaturalizadasrdquo como femininas a assistecircncia e a educaccedilatildeo

Essas questotildees aleacutem da ausecircncia das mulheres em espaccedilos de poder como nos das ciecircncias e

das artes diz Louro (2012) ocupavam as reivindicaccedilotildees das mulheres de luta contra a

opressatildeo de gecircnero

No que tange ao conceito de gecircnero como diferencial desconstrutor da discursividade

que permeia explicaccedilotildees deterministas bioloacutegicas para as desigualdades sociais entre homens

e mulheres Louro (2012) aduz que

Eacute necessaacuterio demonstrar que natildeo satildeo propriamente as caracteriacutesticas sexuais mas eacute a

forma como essas caracteriacutesticas satildeo representadas ou valorizadas aquilo que se diz

ou pensa sobre elas que vai construir efetivamente o que eacute feminino ou masculino

em uma dada sociedade e em um dado momento histoacuterico Para que se compreenda

o lugar e as relaccedilotildees de homens e mulheres numa sociedade importa observar natildeo

exatamente seus sexos mas sim tudo que socialmente se construiu sobre os sexos

O debate vai se construir entatildeo atraveacutes de uma nova linguagem na qual gecircnero seraacute

um conceito fundamental (LOURO 2012 p 25)

35

Eacute na direccedilatildeo dos estudos poacutes-estruturalistas que Louro (2012) constroacutei suas reflexotildees

sobre gecircnero debatendo a construccedilatildeo discursiva das diferenccedilas uma das tocircnicas do

pensamento Esta autora evidencia o quanto estudiososas e militantes ligadosas agraves questotildees

eacutetnicas e leacutesbicas tecircm contribuiacutedo para a reflexatildeo sobre praacuteticas poliacuteticas e educativas que

contemplem as diferenccedilas Essa discursividade tem provocado nos estudos feministas uma

implosatildeo das caracteriacutesticas iniciais que satildeo marcadas por uma construccedilatildeo teoacuterica conduzida

por mulheres brancas heterossexuais urbanas e de classe meacutedias Para a autora os estudos

feministas estatildeo sendo oxigenados quando problematizados e desestabilizados desse modo

Entendo entatildeo que as seculares construccedilotildees sociais que subjugam e inferiorizam

mulheres e as que impotildeem exclusatildeo e violecircncia na construccedilatildeo das diferenccedilas sob uma loacutegica

androcecircntrica heteronormatizadora e discriminatoacuteria satildeo muralhas que tecircm sido

problematizadas pelas contribuiccedilotildees afirmativas da pauta dos DH pelos estudos feministas e

pelas contribuiccedilotildees de estudos sobre as relaccedilotildees de poder os quais jaacute foram por mim

referidos Estas questotildees podem estar balizadas no acesso agrave leitura como mediaccedilatildeo e praacutetica

discursiva que suscita o combate da iniquidade de gecircnero como tambeacutem jaacute foi dito Ocorre

amiuacutede mesmo entre osas que natildeo satildeo leitoresas uma valorizaccedilatildeo generalizada do ato de

ler que o naturaliza e o sacraliza As propagandas sobre leitura satildeo veiculadas com esta

dimensatildeo o que fez Souza (2009 p 4) entre outrosas autoresas estudaacute-las e evidenciando o

quanto se camufla o objeto da leitura daquilo que se lecirc indagar ldquoA leitura de todo e qualquer

texto emancipa o sujeitordquo Natildeo eacute preciso ir muito longe para que percebamos que se as

escolas natildeo leem a pedagogia do letramento da vida e da diversidade de infacircncias se natildeo leem

e aplicam o que recomendam as diretrizes2009 do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo - CNE

que apontam para garantir uma formaccedilatildeo plena como ser humano histoacuterico integral social

eacutetico de diferentes linguagens e identidades coletivas e individuais a leitura que se faz

efetivamente natildeo eacute emancipadora Ela pode divertir dar prazer colaborar com o domiacutenio do

coacutedigo em suas variedades linguiacutesticas mas natildeo emancipa Isso pode ser averiguado pelo

olhar de Arroyo (2011) que aborda o quanto a desenfreada busca para o domiacutenio de

capacidades sequenciadas para atender as expectativas de avaliaccedilotildees como a Provinha-Brasil

tem sido danosa

Na praacutetica o direito ao reconhecimento agrave cultura e ao conjunto de potencialidades

humanas que carregamos desde crianccedila vai se perdendo em nome do domiacutenio de

capacidades de letramento e numeramento [] A professora seraacute julgada e

condenada se sua turma natildeo se sair bem na Provinha-Brasil de Letramento Fica

pouco estiacutemulo e espaccedilo para dedicar tempo e energias para a formaccedilatildeo plena das

crianccedilas ateacute nos limites e potencialidades do letramento (ARROYO 2011 p 220)

36

Eacute pertinente pensar portanto como estatildeo sendo formadosas como estatildeo lendo na

instacircncia escolar meninos e meninas leem para se emancipar Leem para problematizar uma

ordem social excludente Leem para debater o que a pauta reivindicatoacuteria dos DH como

movimento que se firma na defesa de um mundo mais justo e igual tem alicerccedilado A

Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo (CONAE) realizada em 2010 direciona em seu

documento final que deve haver a inserccedilatildeo das temaacuteticas dos DH nos Projetos Poliacuteticos

Pedagoacutegicos (PPP) e no novo modelo de gestatildeo e avaliaccedilatildeo (CONAE 2010 p 162-163) Haacute

portanto um papel construiacutedo para a instituiccedilatildeo escolar no enfrentamento de violaccedilotildees desses

direitos

Produtora reprodutora e difusora de conhecimentos a escola eacute uma instituiccedilatildeo social

que pode conforme o seu aparato normativo engendrar as relaccedilotildees mais justas e equacircnimes

Ateacute entatildeo todavia deste lugar no dizer de Louro (2012) largamente tecircm sido gestadas as

diferenccedilas como a representaccedilatildeo de um desvio da normalidade Na visatildeo da referida autora

Desde seus iniacutecios a instituiccedilatildeo escolar exerceu uma accedilatildeo distintiva Ela se

incumbiu de separar os sujeitos ndash tornando aqueles que nela entravam distintos dos

outros os que a ela natildeo tinham acesso [] A escola que nos foi legada pela

sociedade ocidental moderna comeccedilou por separar adultos de crianccedilas catoacutelicos e

protestantes Ela tambeacutem se fez diferente para os ricos e para os pobres e ela

imediatamente separou os meninos das meninas (LOURO 2012 p 64)

Eacute possiacutevel perceber entatildeo o quanto as relaccedilotildees de gecircnero e a produccedilatildeo negativa das

diferenccedilas satildeo alimentadas nos bancos escolares moldando fabricando sujeitos seres

distintos de diferentes classes etnias idades distintos tambeacutem em direitos e deveres Nesses

moldes essa praacutetica pedagoacutegica tem inquietado osas ativistas e defensoresas dos DH E

efeito de mobilizaccedilotildees a educaccedilatildeo inclusiva voltada para uma cultura de paz e de respeito a

esses direitos emerge Dos tantos pactos internacionais e acordos como accedilatildeo de resistecircncia

diante da violaccedilatildeo do direito agrave dignidade humana podem ser extraiacutedos instrumentos juriacutedicos

importantes para municiar osas educadoresas em suas atividades acadecircmicas caso se

comprometam com a bandeira da educaccedilatildeo como loacutecus para a promoccedilatildeo da defesa de uma

sociedade para todas as pessoas

Inteirar-se da forccedila articulatoacuteria dos movimentos sociais embandeirados com a

defesa dos DH eacute relevante para a instacircncia educacional afinal a escola ressoa as vozes e eacute

uma voz que segundo regras histoacutericas implementa hegemonia e contra-hegemonia

conforme Zenaide (2008) Das articulaccedilotildees poliacuteticas dos movimentos emergem marcos legais

que datildeo sustentaccedilatildeo agraves lutas por cidadania Um desses documentos importantes do leque de

instrumentos universais e regionais que evidenciam accedilotildees pautadas na defesa do DH foi uma

37

conquista do movimento feminista com a aprovaccedilatildeo na Assembleia da Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas (ONU) em 1979 da Convenccedilatildeo sobre a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de

Discriminaccedilatildeo contra a Mulher Este instrumento traduz o reconhecimento das necessidades

especiacuteficas das mulheres garantindo a igualdade entre homens e mulheres nas esferas

poliacutetica econocircmica social e familiar Outro importante documento no sentido da defesa dos

direitos das mulheres eacute a Convenccedilatildeo Interamericana para Prevenir e Erradicar a Violecircncia

contra a Mulher de 1994 Essa construccedilatildeo desafia um dos males enfrentados cotidianamente

pelas mulheres das mais diversas esferas sociais e culturais eacute o da violecircncia domeacutestica A

ONU adotou em 1999 o Protocolo Facultativo agrave convenccedilatildeo regional que autoriza ao

CEDAW ndash Comitecirc para a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de Discriminaccedilatildeo contra a Mulher

- o recebimento de queixas individuais O Brasil ratificou o protocolo o que significa mais

garantia de direitos agraves brasileiras viacutetimas de violecircncia domeacutestica acesso agrave justiccedila

internacional

Na deacutecada de 1990 os movimentos de mulheres articularam em niacuteveis regionais e

internacionais profiacutecuos acontecimentos poliacuteticos em prol de garantia de seus direitos Em

1993 a Conferecircncia Direitos Humanos de Viena estabelece que os direitos das mulheres satildeo

parte inalienaacuteveis dos DH universais e devem ser protegidos pelos Estados atraveacutes da

promoccedilatildeo de leis e de poliacuteticas puacuteblicas efetivas A Conferecircncia Internacional sobre

Populaccedilatildeo e Desenvolvimento (CIPD) realizada no Cairo em 1994 vem garantir que os

direitos sexuais e reprodutivos passem a ser assumidos como DH reconhecendo o papel

central da sexualidade A IV Conferecircncia Mundial da Mulher realizada em Pequim em 1995

aprovou uma Plataforma de Accedilatildeo reforccedilando o plano da Accedilatildeo de Cairo O debate sobre o

aborto amplia-se em bases soacutelidas eacute apontado como um grave problema de sauacutede puacuteblica e a

descriminalizaccedilatildeo dessa praacutetica ganha foco

Dentre os processos organizativos pela constituiccedilatildeo de forccedilas democraacuteticas os

movimentos de mulheres constituem-se em um expoente de militacircncia Pedro e Pinsky (2003)

relatam o processo de conquista da cidadania feminina que se ainda estaacute longe de ser plena

muito mais longe estaacute de um tempo em que agraves mulheres soacute lhes cabia o espaccedilo domeacutestico

De simples lsquocostela de Adatildeo agrave conquista da cidadania plena eacute uma longa trajetoacuteria

ainda natildeo completada pelas mulheres Mesmo no Ocidente onde o avanccedilo eacute maior e

a subordinaccedilatildeo social tem se reduzido sensivelmente elas ainda sofrem com a

violecircncia salaacuterios menores preconceitos de diversos tipos Que diraacute em paiacuteses

africanos ou islacircmicos em que satildeo vistas como apecircndice do homem na melhor das

hipoacuteteses Contudo relendo as paacuteginas deste texto podemos avaliar o quanto jaacute

avanccedilamos Que as vaacuterias vitoacuterias obtidas sirvam-nos de inspiraccedilatildeo para as lutas

futurasrsquo (PEDRO PINSKY 2003 p 304)

38

Se os avanccedilos logrados pela luta feminista mudaram estilo de vida de mulheres eacute

inconteste que ainda sob o jugo da violecircncia seja simboacutelica ou fiacutesica o machismo e o

patriarcalismo deixam seus tentaacuteculos em uma contiacutenua tensatildeo pelo poder (FOUCAULT

2004a 2012) Conforme Louro (2012) a escola pode atestar isso uma cultura ainda

dominante impregnada de estereoacutetipos valores e conteuacutedos sexistas eacute o que olhos atentos

veem Nas palavras da autora

Os sentidos precisam estar afiados para que sejamos capazes de ver ouvir sentir as

muacuteltiplas formas de constituiccedilatildeo dos sujeitos implicados na concepccedilatildeo na

organizaccedilatildeo e no fazer cotidiano escolar O olhar precisa esquadrinhar as paredes

percorrer os corredores e salas deter-se nas pessoas nos seus gestos suas roupas eacute

preciso perceber os sons as falas as sinetas e os silecircncios eacute necessaacuterio sentir as

cadecircncias e os ritmos marcando os movimentos de adultos e crianccedilas Atentaas aos

pequenos indiacutecios veremos que ateacute mesmo o tempo e o espaccedilo da escola natildeo satildeo

distribuiacutedos nem usados ndash portanto natildeo satildeo concebidos do mesmo modo por todas

as pessoas (LOURO 2012 p 63)

Afiar os sentidos para que possamos enxergar os construtos sociais de

performatividades de gecircneros que produzem meninas doces quietas aplicadas submissas e

meninos inquietos agressivos ldquomaisrdquo inteligentes Afiar os sentidos para que possamos olhar

sob o crivo dos estudos de gecircnero que encontram amparo em uma legislaccedilatildeo escolar

conquistada recentemente apoacutes intensa mobilizaccedilatildeo nacional para a criaccedilatildeo do Programa

Nacional em Direitos Humanos em 1993

A emersatildeo das poliacuteticas de valorizaccedilatildeo dos DH como aacuterea transdisciplinar e que

deve estar presente na escola desde a mais tenra idade do aluno ateacute os cursos de poacutes-

graduaccedilatildeo apresenta-se como um instrumento para a desconstruccedilatildeo de uma poliacutetica

educacional sexista e machista O Plano Nacional de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos

(PNEDH) criado em 2006 e revisado em 2006 pelo MEC Ministeacuterio da Justiccedila e Secretaria

Especial dos Direitos Humanos vem fortalecer o princiacutepio da igualdade e da dignidade de

todo ser humano E a escola eacute um espaccedilo privilegiado para que a crianccedila iniciando seu

processo de socializaccedilatildeo aprenda a conviver com caros princiacutepios Daiacute a importacircncia de se

desenvolver no interior dos espaccedilos escolares pontua Zenaide (2008) accedilotildees programaacuteticas

que deem mais materialidade agrave educaccedilatildeo agravequela que respeite e defenda os DH Dentre essas

accedilotildees vale citar

Elaborar e organizar propostas curriculares que contemplem a diversidade cultural

nas suas diferentes especificidades com a inclusatildeo de temaacuteticas relativas a gecircnero

identidade de gecircnero raccedila e etnia religiatildeo orientaccedilatildeo sexual pessoas com

deficiecircncias [] bem como trabalhar todas as formas de discriminaccedilatildeo e violaccedilotildees

de direitos na interface dos componentes curriculares (BRASIL 2006 p 24-25)

39

Um paiacutes historicamente violador dos DH como o Brasil possui uma diacutevida social

enorme com sua populaccedilatildeo vitimada No que diz respeito agraves violaccedilotildees acerca das identidades

de gecircnero seus instrumentos juriacutedicos conquistados recentemente que possuem a ideia

basilar do respeito agrave dignidade humana precisam ser prementemente cumpridos Essa eacute uma

condiccedilatildeo para que o Brasil promova cidadania a todas as pessoas reinventando novas formas

de se constituir sujeitos cauterizando as feridas machistas homofoacutebicas discriminadoras

Esse agenciamento cultural pode e deve ser gestado alimentado e sustentado por praacuteticas

escolares considerando que satildeo promessas da escola a autonomia o aprendizado de si do

outro o respeito agraves diferenccedilas Conforme Zenaide (2008) entre tantos marcos protetivos para

a construccedilatildeo de uma educaccedilatildeo inclusiva e natildeo sexista que sustentam largamente as promessas

de uma escola para todas as pessoas a Declaraccedilatildeo Mundial sobre Educaccedilatildeo para Todos de

1990 eacute um deles Em seu artigo 3ordm este documento explicita a premecircncia de combater a

assimetria entre homens e mulheres

[] a prioridade mais urgente eacute melhorar a qualidade e garantir o acesso agrave educaccedilatildeo

para meninas e mulheres e superar todos os obstaacuteculos que impedem sua

participaccedilatildeo no processo educativo Os preconceitos e estereoacutetipos de qualquer

natureza devem ser eliminados da educaccedilatildeo (ZENAIDE 2008 p 243)

Apoacutes as reflexotildees atinentes agrave fundamentaccedilatildeo da importacircncia do compromisso do

Estado brasileiro na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas educacionais que respaldem a

garantia da efetivaccedilatildeo dos DH na esfera escolar no que diz respeito agrave equidade de gecircnero irei

discutir no proacuteximo toacutepico como a educaccedilatildeo e o feminismo satildeo esteios para tal efetivaccedilatildeo

Satildeo esteios porque podem propor problematizar as instacircncias os espaccedilos de poder propor

novas formas de subjetivaccedilatildeo formas essas que tecircm historicamente construiacutedo um

enfrentamento agrave interdiccedilatildeo da equidade de gecircnero

22 Feminismo poder e educaccedilatildeo

Uma vez ou outra sempre mais raramente lembrava a galinha que se recortara

contra o ar agrave beira do telhado prestes a anunciar Nesses momentos enchia os

pulmotildees com ar impuro da cozinha e se fosse dado agraves fecircmeas cantar ela natildeo

cantaria mas ficaria muito mais contente

(LISPECTOR 1991 p 46)

A condiccedilatildeo feminina mesmo aos olhos desatentos aparece na linha mestra da obra

clariceana As complexas e ricas criaccedilotildees da autora com Ana Carla Catarina Joana

Macabeacutea Virgiacutenia entre tantas personagens jovens maduras velhas natildeo cedem todavia

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lugar a um mero denuncismo da ordem machista que violentamente imersa mulheres em uma

sociedade feita para os que cantam como os galos A inserccedilatildeo portanto de um trecho de um

dos seus contos Uma galinha (LF1991) neste toacutepico do trabalho natildeo eacute um jeito de chamar

ao destrinchamento da ligaccedilatildeo da escritora com o feminismo fato que ela em diversos

depoimentos sabiamente negou Mas eacute uma forma de dizer que a condiccedilatildeo feminina sem

liberdade e voz emaranhada na densa complexidade psicoloacutegica das personagens clariceanas

perspectiva anguacutestia e violecircncia latentes um mundo portanto que precisa ser desaprisionado

que precisa ser desmantelado E isto a despeito de sua insistecircncia em natildeo ser feminista

expressa feminismo que Clarice constroacutei tatildeo bem com suas mulheres quando lhes daacute o grito

o canto ou quando lhes retira

Neste conto a condiccedilatildeo feminina de subjugada estaacute metaforizada na figura de uma

galinha que apenas nasce e morre cumprindo apaticamente um papel como pontua Bedasee

(1999) Sem canto sem habilidade para a luta valorizada apenas pela sua funccedilatildeo reprodutora

[ Mamatildee mamatildee natildeo mate mais a galinha ela pocircs um ovo G45] este ser que natildeo conta

consigo como o galo conta com sua crista natildeo traduziria uma bandeira de desaprisionamento

dessa ordem proposta pela teoria dos gecircneros Neste conto em que a galinha em fuga eacute

capturada por um homem [ o rapaz poreacutem era um caccedilador adormecido E por mais iacutenfima

que fosse a presa o grito de conquista havia soado ndash G44] natildeo teriacuteamos a preocupaccedilatildeo com

os imemoraacuteveis papeacuteis sociais

Entendendo Clarice que desejou a literatura maior do que as bandeiras maior do que

teses sem uma ldquofunccedilatildeordquo que a aprisione mas relembrando aqui Antonio Cacircndido (1965)

indago esta escritura que apresenta um cotidiano que encerra mulheres em um espaccedilo

domeacutestico violentador natildeo seria uma forma extraordinaacuteria de aticcedilar a transcendecircncia das

servidotildees com a perspectiva que temos de ver na trama clariceana o natildeo-conformismo como

uma ordem Possivelmente A condiccedilatildeo feminina de oprimida exceccedilatildeo a pouquiacutessimas

personagens perpassa pelas mulheres solitaacuterias e servis de Clarice trancadas no lar lacradas

para a vida que natildeo reagem Por que ela natildeo reage cadecirc um pouco de fibra Natildeo ela eacute doce

e obediente (HE41) Haacute nesta ficccedilatildeo um fio que liga as mulheres denunciando um

apagamento social vivido por elas que evidencia feminismo nesta literatura

Por seu turno natildeo na ficccedilatildeo mas na poliacutetica e engajada nos diversos movimentos

sociais outras fizeram feminismos naquele contexto de meados do seacuteculo XX em que

efervesceu a luta pelos direitos das mulheres E a histoacuterica luta das mulheres em prol dos seus

direitos e na caminhada pela cidadania plena que comeccedilou a ser preparada em momentos e

seacuteculos anteriores traduz uma resistecircncia agrave domesticaccedilatildeo social das mais expressivas na

41

histoacuteria da humanidade Esta resistecircncia pode me remeter a inuacutemeros pensadores que se

vinculam ao ideaacuterio da busca pela liberdade mas o pensamento de Michel Foucault no que

tange agraves consideraccedilotildees em sua obra sobre o polo subjetividade e verdade parece-me ser de

muita propriedade Tema caro ao filoacutesofo francecircs que categoriza ter sido este o seu problema

Esse sempre foi na realidade o meu problema embora eu tenha formulado o plano

dessa reflexatildeo de uma maneira um pouco diferente Procurei saber como o sujeito

humano entrava nos jogos de verdade tivessem estes a forma de uma ciecircncia ou se

referissem a um modelo cientiacutefico ou fossem como os encontrados nas instituiccedilotildees

ou nas praacuteticas de controle (FOUCAULT 2004a p 264)

As formas de se constituir sujeito satildeo decerto tema caro tambeacutem ao coletivo de

mulheres Embora as questotildees feministas natildeo tenham aparecido no leque de problematizaccedilotildees

do autor conforme nos atesta Rago (2008) esse coletivo pode ter como instrumento de luta

em sua histoacuterica e processual conquista por liberdade e cidadania as reflexotildees foucaultianas

atinentes aos processos de subjetivaccedilatildeo e da premecircncia de se constituir um novo sujeito eacutetico

a partir de praacuteticas de liberdade (cf FOUCAULT 2004a) A leitura desses processos eacute nodal

para a transformaccedilatildeo social que objetiva construir o feminismo pela importacircncia que tem

para esse autor a histoacuteria da constituiccedilatildeo do sujeito na perspectiva das praacuteticas de si Essas

conforme a retomada que o filoacutesofo daacute no debate proposto pela Antiguidade grega sobre tais

teacutecnicas satildeo concebidas como uma maneira de se relacionar consigo mesmo para se elaborar

para atuar individual e socialmente de forma eacutetica respeitosa e consciente O cuidar de si

visa atraveacutes de teacutecnicas de meditaccedilatildeo de aconselhamentos instalar a harmonia entre atos e

palavras instalar a subjetivaccedilatildeo pelo conhecimento de si eacute enfim um ethos que propotildee uma

dimensatildeo ativa do sujeito uma fruiccedilatildeo de si

[] eacute impossiacutevel suspeitar que haja uma certa impossibilidade de constituir hoje

uma eacutetica do eu quando talvez seja uma tarefa urgente fundamental politicamente

indispensaacutevel se for verdade que afinal natildeo haacute outro ponto primeiro e uacuteltimo de

resistecircncia ao poder poliacutetico senatildeo na relaccedilatildeo de si para consigo (FOUCAULT

2004a p 234)

Dimensatildeo essa que ao coletivo de mulheres imerso em um processo de busca por

libertaccedilatildeo pode se constituir como basilar Eacute basilar se considerarmos que da leitura das

reflexotildees foucaultianas acerca dos processos de constituiccedilatildeo das subjetividades pode-se

extrair o debate que destaca a desnaturalizaccedilatildeo do sujeito da construccedilatildeo de si as formas de

sujeiccedilatildeo coercitivas no social Essas uacuteltimas por exemplo se trazidas agrave luz dos estudos

feministas apontam modelos de feminilidade impostos pela dominaccedilatildeo classista e sexista

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desconstruiacutedos e recusados pela militacircncia desse movimento social A refutaccedilatildeo do amor

materno como um sentimento inerente agrave condiccedilatildeo de mulher por exemplo eacute uma das

desnaturalizaccedilotildees que foram articuladas pelos coletivos de mulheres Atributos como o da

docilidade inerente da tendecircncia agrave castidade sexual da domesticidade da inaptidatildeo para

determinados labores da constituiccedilatildeo fiacutesica e emocional como fraacutegil tambeacutem satildeo construccedilotildees

sociais que a mobilizaccedilatildeo feminista tem posto em evidecircncia negando-as Enfim um

mergulho nessa perspectiva temaacutetica oferece ao coletivo de mulheres um vasto leque de

teorizaccedilotildees que o subsidiam politicamente com operadores que lhe aclaram questotildees Uma

delas eacute poder recusar o que somos (FOUCAULT 2012) E a recusa se daacute quando sabemos

que teacutecnica atacar conhecer por quais jogos de verdade homens e mulheres potildeem-se a se

constituiacuterem sujeitos a obedecerem a que regras de sujeiccedilatildeo

Pensar em regras de sujeiccedilotildees na linha foucaultiana eacute tarefa meticulosa ardil que

exige coragem para ver Ao coletivo de mulheres fazer reflexotildees enfaticamente sobre tais

regras sobre os processos sociais de subjetivaccedilatildeo com os modos coercitivos de se constituir

mulher eacute pertinente eacute mobilizador de praacuteticas de liberdades das transformaccedilotildees que este

precisa engendrar E isto pode ser feito afiando-se os sentidos para os pilares culturais que lhe

satildeo configurados como sonhos como verdades em formaccedilotildees discursivas apresentadas desde

a mais tenra infacircncia O casamento por exemplo eacute um deles O matrimocircnio em regra tem

iniacutecio com um pedido formalizado por um homem agrave famiacutelia da mulher para um contrato

social no qual a cerimocircnia em si jaacute oferece um ensaio do que traduz a uniatildeo matrimonial a

dependecircncia social emocional da mulher Costumeiramente na nossa cultura ocidental

cristatilde a noiva entra na igreja conduzida pela matildeo de um homem (pai parente) para ser

entregue a outro o noivo o traje dela tradicionalmente eacute branco simbolizando ldquopureza de

virgemrdquo mesmo que a castidade natildeo lhe seja mais exigida Toda a ritualiacutestica da cerimocircnia

compotildee uma ideia de pertencimento do feminino pelo masculino compotildee uma ideia de

dependecircncia eacute ela quem adota em seu registro de identidade o nome do marido tendo que

alterar seus documentos de solteira Soacute bem recentemente a obrigatoriedade de tal inserccedilatildeo foi

abolida O ritual que costuma agradar agraves mulheres de uma forma bem generalizada por mais

que inove com mudanccedilas em arranjos familiares e nas condiccedilotildees sociais de produccedilatildeo do

mesmo eacute marcado pela imagem de que a mulher que casa eacute a feliz O simboacutelico ato do

lanccedilamento do bouquecirc (ou mais recentemente outros objetos como os sapinhos de peluacutecia os

santos Antocircnios) pode vestir a ideia de que a felicidade estaacute em angariar um dono Assim se

justifica ver os gestos atleacuteticos que fazem as solteiras presentes movendo-se brava e

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histericamente para conseguirem agarrar tais objetos que a noiva lanccedila em sinal de que

sendo a premiada seraacute a proacutexima a realizar o sonho de casar

Que poder natildeo haacute na adoccedilatildeo de um nome nos jogos que fazem a ideia do

pertencimento O poder onde natildeo o haacute E esse eacute outro veio no olhar do pensador

(FOUCAULT 2012) que pode correr com e perpassar pelos interesses e pelas investigaccedilotildees

das mulheres que lutam por praacuteticas de liberdade que se vinculam ao debate proposto pela

teoria de gecircnero como estrateacutegia para desmantelar assimetrias para se pensar em resistecircncias

O poder em sua dimensatildeo relacional onipresente e capilar evocada pelo filoacutesofo constitui-

se como instacircncia de compreensatildeo basilar das formas de relaccedilotildees sociais

Quero dizer que nas relaccedilotildees humanas quaisquer que sejam elas - quer se trate de

comunicar verbalmente como o fazemos agora ou se trate de relaccedilotildees amorosas

institucionais ou econocircmicas - o poder estaacute sempre presente quero dizer a relaccedilatildeo

em que cada um procura dirigir a conduta do outro Satildeo portanto relaccedilotildees que se

podem encontrar em diferentes niacuteveis sob diferentes formas essas relaccedilotildees de poder

satildeo moacuteveis ou seja podem se modificar natildeo satildeo dadas de uma vez por todas

(FOUCAULT 2004a p 276)

Haacute uma discussatildeo trazida pelo pensamento foucaultiano sobre o poder na qual

repousa natildeo uma teoria geral deste mas a ideia de que a sua existecircncia natildeo emana de um

determinado ponto apenas em aparelho de Estado ou em formato de leis Existe o poder

conforme Foucault (2012) concebe dando-se como feixe de relaccedilatildeo organizado e

piramidalizado Este entendimento atrela-se ao da resistecircncia como possibilidade e esta

adverte o filoacutesofo tem que ser inventiva moacutevel tatildeo produtiva quanto o poder Pensar em

resistecircncia e estrateacutegias para o enfrentamento de relaccedilotildees marcadas por domiacutenio eacute accedilatildeo que

deve interessar ao debate proposto pelos movimentos sociais em especial os coletivos que

perseguem a equidade de gecircnero Aqui vale trazer uma ponderaccedilatildeo feita por Foucault (2004a)

na qual ele ressalva insistir sobretudo nas praacuteticas de liberdade mais do que nos processos de

libertaccedilatildeo a despeito da importacircncia desses que satildeo condiccedilotildees poliacuteticas ou histoacutericas para

aquelas O filoacutesofo afirma que tais processos natildeo satildeo por eles proacuteprios definidores dessas

praacuteticas as quais se constituem de um problema eacutetico Problema eacutetico com o qual se deparam

mulheres imersas em processos de liberaccedilatildeo neste contexto histoacuterico-cultural que

recrudesceu em meados do seacuteculo XX onde irromperam estudos de gecircnero e feminismos

trazendo enfaticamente a pauta do empoderamento para as mulheres Esse aqui entendido

como o processo pelo qual indiviacuteduos e comunidades angariam recursos que lhes permitam

ter voz visibilidade poder de agenda nos temas que afetam suas vidas

44

Empoderar-se eacute enfim gestar em si mudanccedilas de performances que perpassam pelo

rompimento de modelos que enclausuram a mulher Historicamente subjugada ensinada a

depender a ser princesa salva adormecida mas acordada com o beijo dos contos infantis

difiacutecil natildeo ter medo de dar certo Na epiacutegrafe deste trabalho uma personagem clariceana

Joana traz agrave tona a temaacutetica do medo como condiccedilatildeo feminina Como uma segunda pele o

medo segura mulheres em direccedilatildeo de carros de cargos e de vidas trancafiando-as

Obviamente que nos novos contornos sociais nos quais a rua eacute espaccedilo conquistado pelo

feminino cada vez mais os medos vatildeo se arrefecendo tornando-se mais leves amenos

vencidos

Os estudos de gecircnero agrave luz do pensamento poacutes-estruturalista trouxeram a relevacircncia

de se refletir sobre modos de subjetivaccedilatildeo novas relaccedilotildees de poder jogos de verdade tudo

muito atinente com as contribuiccedilotildees teoacutericas foucaultianas e significativo para a militacircncia

poliacutetica encetada por feministas Pensando com Foucault (2004a 2012) sobre o poder desse

modo articulo nexos entre a preocupaccedilatildeo eacutetica com o cuidado de si as praacuteticas de liberdade

e a efetivaccedilatildeo de direitos que vem em lutas por libertaccedilatildeo em caminhadas que escavam

cidadania A luta das mulheres pela implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que lhes garantam o

direito ao aborto agrave sexualidade livre por exemplo traduz resistecircncia que vem com o

conhecimento de si com o conhecimento de seu lugar no mundo Os movimentos das

mulheres em luta pela construccedilatildeo de suas liberdades tecircm perfilado as liccedilotildees foucaultianas de

rede ligadas ao poder luta libertaccedilatildeo mobilizaccedilatildeo estaacutegios de comandos resistecircncia

A ideia de circularidade do poder de seu funcionamento em malhas onde os

indiviacuteduos natildeo soacute circulam mas estatildeo sempre em posiccedilatildeo de exercer um poder e de sofrer sua

accedilatildeo eacute oportuna entatildeo A premissa que permite que assim se pense pode estar identificada

nas reflexotildees abrangentes do autor sobre o poder

Acredito que natildeo pode haver sociedade sem relaccedilotildees de poder se elas forem

entendidas como estrateacutegias atraveacutes das quais indiviacuteduos tentam conduzir

determinar a conduta dos outros O problema natildeo eacute portanto tentar dissolvecirc-las na

utopia de uma comunicaccedilatildeo perfeitamente transparente mas se imporem regras de

direito teacutecnicas de gestatildeo e tambeacutem a moral o ethos a praacutetica de si que permitiratildeo

nesses jogos de poder jogar com o miacutenimo possiacutevel de dominaccedilatildeo (FOUCAULT

2004a p 284)

E por ser historicamente construiacutedo discursivamente tramado por estar no campo

social das resistecircncias muacuteltiplas (dos jeitinhos agraves chantagens e agraves mobilizaccedilotildees) das

mulheres o poder pode ser desconstruiacutedo ser ativado reformulado As relaccedilotildees de poder diz

ainda o pensador francecircs (FOUCAULT 1995 2012) intricam-se pelo menos de certa forma

45

com sujeitos livres Um poder soacute se exerce quando eacute possiacutevel minimamente haver

resistecircncias pelo menos estrateacutegias para alterar o quadro Esse autor fala em estados de

dominaccedilatildeo nos quais a violecircncia se constitui como a absoluta impossibilidade de se resistir

ao poder havendo o domiacutenio total do dominador Diferentemente dos estaacutegios de violecircncia

as relaccedilotildees de poder possuem um enfrentamento constante e perpeacutetuo que garante o potencial

de revolta

Assim tambeacutem percebe Louro (2012) e dialoga com o filoacutesofo francecircs acerca dessas

relaccedilotildees A autora utilizando-se da discussatildeo sobre o controle disciplinar que perpassa os

escritos foucaultianos que falam das engenhosas estrateacutegias desenvolvidas pelas instituiccedilotildees

estrateacutegias que satildeo nichos de produccedilotildees discursivas de gecircneros de sujeitos disciplinados

regulados instituiacutedos discute a capilaridade do poder

Homens e mulheres certamente natildeo satildeo construiacutedos apenas atraveacutes de mecanismos

de repressatildeo ou censura eles e elas se fazem tambeacutem atraveacutes de praacuteticas e relaccedilotildees

que instituem gestos modos de ser e estar no mundo formas de falar e de agir

condutas e posturas apropriadas (e usualmente diversas) Os gecircneros se produzem

portanto nas e pelas relaccedilotildees de poder (LOURO 2012 p48)

Louro (2012) sob o crivo das reflexotildees foucaultianas acerca dos modos de

subjetivaccedilatildeo insere uma possibilidade de debate sobre as relaccedilotildees de poder que perpassam as

identidades de gecircnero no esteio do campo da educaccedilatildeo A autora traz a questatildeo de que sob as

lentes do filoacutesofo cabem olhares acerca da ldquonormalizaccedilatildeo da conduta dos meninos e meninas

a produccedilatildeo dos saberes sobre a sexualidade e os corpos as taacuteticas e as tecnologias que

garantem o ldquogovernordquo e o ldquoautogovernordquo dos sujeitosrdquo E eacute com essa direccedilatildeo que esta

estudiosa do feminismo caminha na e pela escola instigando aosas educadoresas agrave afiaccedilatildeo

dos sentidos para que essesas percebam a construccedilatildeo escolar das diferenccedilas das

desigualdades do poder para que observem as praacuteticas femininas educativas e as

representaccedilotildees docentes do magisteacuterio

Os caminhos teoacutericos de Louro (2012) deixam as marcas de quem dialoga com o

pensamento de Foucault (2004c 2004d 2011 2012) no tocante agrave importacircncia que possuem

as instituiccedilotildees como aparelho disciplinador reprodutor ou transformador da sociedade para

ambos A autora discute o aparelhamento da escola na formaccedilatildeo de uma cultura sexista que

difunde estereoacutetipos de gecircnero institui diferenccedilas e modelos Ela enfim alerta osas

educadores sobre a importacircncia da ocupaccedilatildeo deste espaccedilo como instacircncia poliacutetica

46

A linguagem as taacuteticas de organizaccedilatildeo e de classificaccedilatildeo os distintos

procedimentos das disciplinas escolares satildeo todos campos de um exerciacutecio

(desigual) de poder Curriacuteculos regulamentos instrumentos de avaliaccedilotildees e

ordenamento dividem hierarquizam subordinam legitimam ou desqualificam os

sujeitos [] (LOURO 2012 p 72)

Com efeito o processo de subjetivaccedilatildeo se daacute tambeacutem e significativamente na escola

que natildeo soacute transmite conhecimentos mas fabrica sujeitos conforme acordam os estudiosos

acima referendados Esse processo eacute flexionado por dispositivos entendidos esses conforme

Foucault (2012) como um conjunto heterogecircneo que engloba discursos instituiccedilotildees que

formam feixes em um tranccedilado com os quais natildeo se familiariza facilmente Louro (2012) por

isso faz a convocaccedilatildeo com muita propriedade ao ato de ldquoafiar os sentidosrdquo Afiar os sentidos

e apreender no campo da linguagem a forccedila da transmissatildeo e constituiccedilatildeo de sentidos que esta

articula que molda e produz eacute um compromisso de quem concebe a educaccedilatildeo em um campo

eminentemente poliacutetico um lugar para se desbravar cotidianamente

Fisher (2013) eacute uma das estudiosas do campo da Educaccedilatildeo que se posiciona assim

Essa autora trabalha conceitos como os de enunciado praacutetica discursiva sujeito do discurso

relacionados agrave teoria do discurso objetivando evidenciar a importacircncia desse arcabouccedilo para

as pesquisas que se propotildeem a investigar discursos de educadoresas A complexa e

diversificada obra de Michel Foucault eacute explorada pela educadora em pontos estrateacutegicos para

uma interface discurso e educaccedilatildeo Para isto a autora estabelece inicialmente um marco entre

as concepccedilotildees de linguagem a que se vincula agrave ideia de representaccedilatildeo de intencionalidade

na qual o analista ldquodescobrerdquo o que estaacute por traacutes das cortinas porque o discurso eacute interpretado

como um conjunto de signos que pode revelar a ldquoverdaderdquo E a concepccedilatildeo de linguagem que

se apresenta como constituidora interrogativa discursiva construtora de realidades sociais A

pesquisadora demonstra entender que a concepccedilatildeo com a qual Foucault evidencia vinculaccedilatildeo

eacute a que interroga a linguagem

Evocar os conceitos foucaultianos objetivando uma reflexatildeo acerca da importacircncia

desses em pesquisas no campo da educaccedilatildeo eacute uma estrateacutegia vaacutelida que oa analista de

discurso pode lanccedilar matildeo Esse direcionamento que exige uma interrogaccedilatildeo da linguagem

sobre a sua natildeo-transparecircncia e sobre seus processos de produccedilatildeo daacute-se com o esforccedilo de

conforme a AD natildeo buscar explicaccedilotildees lineares de causa e efeito ou mesmo interpretaccedilotildees

ideoloacutegicas simplistas ambas reducionistas e harmonizadoras de uma realidade mais

complexa (FISHER 2013)

A percepccedilatildeo da belicosidade da realidade que eacute atravessada por lutas em torno da

imposiccedilatildeo de sentidos (FOUCAULT 2011 2012) eacute uma postura que traduz uma capacidade

47

investigativa doa analista que deve ser inquiridora ldquoPor que isto eacute dito aqui desse modo

nesta situaccedilatildeo e natildeo em outro tempo e lugar de forma diferenterdquo Nesse sentido Fisher

(2013) dialoga com o filoacutesofo pontuando acerca da constituiccedilatildeo do sujeito para esse teoacuterico

Para a foucaultiana esse pensador multiplica o sujeito a pergunta ldquoquem falardquo desdobra-se

em muitas outras qual o status do enunciador Em que campo de saber se insere Qual seu

lugar institucional [] Com formulaccedilotildees dessa natureza a ideia de discurso como

ldquoexpressatildeo de algo traduccedilatildeo de alguma coisa que estaria em outro lugar talvez em um

sujeito algo que preexiste agrave proacutepria palavra eacute desfeita Em seu lugar pontuam os autores

referendados os atos enunciativos se inscrevem no interior de formaccedilotildees discursivas que

irrompem segundo regime de verdade levando-nos a obedecer a um conjunto de regras dadas

historicamente

As liccedilotildees foucaultinas acima referidas referendadas por Fisher (2013) satildeo

pertinentes para uma contribuiccedilatildeo no presente estudo tendo em vista que a temaacutetica em foco

desta pesquisa encontra nessas reflexotildees do pensador elementos que subsidiam esta

investigaccedilatildeo Um desses elementos eacute a inquiriccedilatildeo da ideia de verdade uniacutevoca por apontar

essa categoria como uma produccedilatildeo histoacuterica e social farta de jogos de poder E a escola eacute

uma instacircncia disciplinar e reguladora de comportamentos amarrada agrave produccedilatildeo de verdades

ao poder-saber pedagoacutegico que se efetua em praacuteticas discursivas ditando regras negando-as

coibindo-as policiando incitando fabricando sujeitos (cf FOUCAULT 2011 2012) Desse

modo inquiro sobre como as praacuteticas discursivas garimpadas no processo de investigaccedilatildeo

irrompem e sob quais condiccedilotildees neste estudo O que haacute nas bocas e nas mentes na experiecircncia

de aprendizagem das praacuteticas leitoras O que desejam os olhos de quem semeia leitura e os

olhos de quem lecirc As discursividades dessesas semeadoresas alicerccedilam-se e movem-se por

quais olhares sobre as relaccedilotildees de gecircnero e de sexualidade que perpassam livros textos

corredores banheiros cochichos desabafos canccedilotildees confissotildees Elas estatildeo explosivamente

presentes como bem atenta Foucault (1985) quando afirma haver em torno do sexo uma

verdadeira explosatildeo discursiva

Seria inexato dizer que a instituiccedilatildeo pedagoacutegica impocircs um silecircncio geral ao sexo das

crianccedilas e adolescentes Pelo contraacuterio desde o seacuteculo XVIII ela concentrou as

formas do discurso no tema estabeleceu pontos de implantaccedilatildeo diferentes codificou

os conteuacutedos e qualificou os locutores Falar dos sexos das crianccedilas fazer com que

falem dele os educadores os meacutedicos os administradores e os pais Ou entatildeo falar

de sexo com as crianccedilas fazer falarem elas mesmas encerraacute-las em uma teia de

discurso que ora se dirigem a elas ora falam delas impondo-lhes conhecimento

canocircnicos ou formando a partir delas um saber que lhes escapa ndash tudo isso permite

vincular a intensificaccedilatildeo dos poderes agrave multiplicaccedilatildeo do discurso (FOUCAULT

1985 p 32)

48

E a despeito de toda dinacircmica social e histoacuterica que tem alterado a percepccedilatildeo dos

jogos dos prazeres e poderes que tem inquirido pensamentos hegemocircnicos acerca da

sexualidade das relaccedilotildees de identidades de gecircnero descontruindo paradigmas como e quais

satildeo as faacutebulas indispensaacuteveis os veios discursivos apreendidos e presentificados na escola em

foco Os pensamentos de Foucault (2004a 2004c 2004d 2011 2012) contribuiacuteram

decisivamente para uma atitude de estranhamento das instituiccedilotildees contribuiacuteram para

caracterizar o discurso pedagoacutegico como um dos que estaacute relacionado agraves praacuteticas de poder e

domesticaccedilatildeo que tem em sua base relaccedilotildees assimeacutetricas Este pensador desse modo daacute

elementos importantes para a compreensatildeo de que natildeo existe verdade que natildeo seja produzida

em relaccedilotildees de poder Estes elementos estatildeo na imersatildeo do entendimento de que a

compreensatildeo dos processos de subjetivaccedilatildeo e das praacuteticas discursivas pode estar a serviccedilo de

uma busca por uma transformaccedilatildeo substancial do que somos e o que poderemos ser em um

mundo marcado pela belicosidade constituiacutedo por discursos

No que concerne a essa busca Rago (1998) pontua o encontro entre o feminismo e o

pensamento de Michel Foucault no lastro do debate sobre a constituiccedilatildeo do sujeito e o quanto

isso potencializa as transformaccedilotildees que precisam ser operadas para que sejam consolidadas as

mudanccedilas sociais e culturais que o coletivo de mulheres pleiteia A autora fala da participaccedilatildeo

do movimento feminista na ldquoampla criacutetica cultural desconstrutivistardquo e acentua o quanto as

propostas deste movimento tecircm produzido uma criacutetica contundente ao modo de produccedilatildeo do

conhecimento cientiacutefico e que isto se deve entre outros motivos ao abrigo que o pensamento

deste coletivo encontra nos postulados dos pensadores poacutes-modernos Os estudos feministas

propotildeem um olhar para a existecircncia do sujeito cindido construiacutedo na e pela linguagem como

efeito das determinaccedilotildees culturais inserido em complexas relaccedilotildees de poder Este olhar tem

consonacircncia com as reflexotildees de Foucault (2004d p 195) especialmente no que se refere ao

empreendimento do autor na construccedilatildeo de uma hermenecircutica de si

Uma histoacuteria que natildeo seria aquela do que poderia existir de verdadeiro nos

conhecimentos mas sim uma anaacutelise dos lsquojogos de verdadersquo dos jogos do

verdadeiro e do falso atraveacutes dos quais o ser se constitui historicamente como

experiecircncia ou seja como podendo e devendo ser pensado Por meio de quais jogos

de verdade o homem se pocircs a pensar o seu ser proacuteprio ao se perceber como louco ao

se olhar como doente ao refletir sobre si mesmo como ser vivo falante e

trabalhador ao se julgar e se punir como criminoso Atraveacutes de quais jogos de

verdade o ser humano se reconheceu como homem de desejo (FOUCAULT

2004d p 195)

Esta construccedilatildeo de si perpassa e enriquece a luta feminista em suas problematizaccedilotildees

acerca das praacuteticas de si colocando em jogo os criteacuterios de modelos femininos naturalizados

49

o modo de sujeiccedilatildeo com que as mulheres se relacionam com tais modelos E nas palavras do

pensador francecircs (FOUCAULT 2004c p 244) haacute uma intenccedilatildeo de beleza no conhecimento

saber para ser Ser o artesatildeo de sua proacutepria beleza Saber para governar a proacutepria vida ldquopara

lhe dar a forma mais bela possiacutevel (aos olhos dos outros de si mesmo e das geraccedilotildees futuras

[]rdquo Nesse sentido podemos dizer que as problematizaccedilotildees foucaultianas acerca das relaccedilotildees

sujeitoverdade e a constituiccedilatildeo da experiecircncia de si satildeo pertinentes ao pensamento feminista

que sob estas referecircncias encontra fios enovelados para uma desconstruccedilatildeo de fabricadas

verdades

Foucault (2004a 2012) que afirma natildeo ser possiacutevel sociedade sem relaccedilotildees de

poder tece os possiacuteveis instrumentos de jogar com o miacutenimo de dominaccedilatildeo regras de direito

a praacutetica de si teacutecnicas racionais de governo o eacutethos O poder de resistecircncia das mulheres

atesta isto Nas palavras de Saffioti (2001) a posiccedilatildeo vitimista impede a ressignificaccedilatildeo das

relaccedilotildees de poder ou seja

[] Em outros termos a postura vitimista eacute tambeacutem essencialista social uma vez

que o gecircnero eacute o destino Na concepccedilatildeo flexiacutevel aqui exposta natildeo haacute lugar para

qualquer essencialismo seja bioloacutegico ou social Cabe frisar que a categoria

histoacuterica gecircnero natildeo constitui uma camisa de forccedila natildeo prescrevendo por

conseguinte um destino inexoraacutevel Eacute loacutegico que o gecircnero traz em si um destino

Todavia cada ser humano ndash homem ou mulher desfruta de certa liberdade para

escolher a trajetoacuteria a descrever (SAFFIOTI 2001 p 125)

Desde sua implantaccedilatildeo o domiacutenio masculino conforme Saffioti (2001) estaacute sendo

resistido por mulheres ao longo da histoacuteria da humanidade Mas o Seacuteculo XX carrega a marca

de ter sido o grande momento de transformaccedilotildees conquistadas por militantes A histoacuteria de

luta das mulheres no Brasil e em niacutevel mundial vem segundo Costa (2009) registrando

mudanccedilas ldquona velocidade da luzrdquo A autora resgata na historiografia do movimento feminista

uma dinacircmica que vai do sufragista do seacuteculo XIX passando pelas deacutecadas de sessenta e

setenta com suas reivindicaccedilotildees proacuteprias e contextuais ateacute os novos desafios que se

apresentam perenemente Ela faz este percurso buscando dar conta das mudanccedilas pelos quais

passaram as lutas feministas ora eufoacuterico ora fraacutegil o movimento natildeo para segundo o olhar

perspicaz da estudiosa que vecirc como uma demonstraccedilatildeo de forccedila da atuaccedilatildeo das mulheres de

luta a construccedilatildeo de documentos como o Plano Nacional de Poliacuteticas Puacuteblicas para as

Mulheres e da I Conferecircncia Nacional de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres

50

Ateacute chegar aiacute foi um longo e muitas vezes tortuoso caminho de mudanccedilas dilemas

enfrentamentos ajustes derrotas e tambeacutem vitoacuterias O feminismo enfrentou o

autoritarismo da ditadura militar construindo novos espaccedilos puacuteblicos democraacuteticos

ao mesmo tempo em que se rebelava contra o autoritarismo patriarcal presente na

famiacutelia na escola nos espaccedilos de trabalho e tambeacutem no estado Descobriu que natildeo

era impossiacutevel manter a autonomia ideoloacutegica e organizativa e interagir com os

partidos poliacuteticos com os sindicatos com outros movimentos sociais com o Estado

e ateacute com organismos supranacionais Rompeu fronteiras criando em especial

novos espaccedilos de interlocuccedilatildeo e atuaccedilatildeo possibilitando florescer de novas praacuteticas

novas iniciativas e identidades feministas (COSTA 2009 p 75)

Do momento que Costa redigiu essa historiografia em 2004 jaacute foram realizadas

mais duas conferecircncias nacionais em 2007 e 2011 respectivamente articulando e

fortalecendo a caminhada das mulheres por sua emancipaccedilatildeo Emancipaccedilatildeo que se constroacutei

em um longo e penoso percurso mas perseguindo a utopia da cidadania plena mulheres

feministas avanccedilam E um dos sinais claros de que avanccedilam foi traccedilado por Pinsky (2012)

Esta autora formulou recentemente um retrato do processo histoacuterico das imagens femininas

em duas vertentes o modelo riacutegido e o modelo flexiacutevel No modelo riacutegido eacute anunciada uma

imagem de mulher que em regra encampa um papel a ela ldquonaturalizado e destinadordquo a

castidade a docilidade a domesticidade a moralidade a maternidade a renuacutencia agrave vida

proacutepria e ao prazer de ser de si O nome a alma e o corpo dessa mulher submetida aos riacutegidos

padrotildees sociais possuem um dono o masculino Com as devidas interferecircncias das questotildees

sociais e de classe em regra agrave mulher restava-lhe o ldquoreinadordquo da submissatildeo da

invisibilidade de uma experiecircncia de si que a fazia possuiacuteda por outrem

As lutas e conquistas feministas flexibilizaram esse modelo passaram a ocupar

cargos nunca dantes imaginados Isto alterou a ordem discursiva reconfigurou modelos

familiares rediscutiu papeacuteis Natildeo ainda em condiccedilatildeo de igualdade obviamente as mulheres

possuem mais grilhotildees e desafios do que deveriam Conhececirc-los no sentido foucaultiano de

saber como se constituem eacute empoderar-se E esse eacute um desafio que deve ser abrangido pelo

tracircnsito da diversidade da construccedilatildeo dos contornos das identidades e diferenccedilas ligadas

como sistema de significaccedilatildeo (SILVA 2012) Entre mulheres haacute construccedilatildeo de sentidos

diversificados sobre leacutesbicas natildeo-leacutesbicas negras brancas de classes sociais distintas de

diferentes etnias e com diversidade etaacuteria Nesse sentido os estudos de gecircnero se apresentam

como um campo instigante para desmantelar para problematizar a construccedilatildeo social do que eacute

ser homem e do que eacute ser mulher

A proposta de estudo aqui colocada toma enfim as problematizaccedilotildees foucaultianas e

as das estudiosas feministas acerca dos sujeitos dos discursos e suas marcas histoacutericas como

referecircncia para averiguar de que modo as discursividades revelam o que atravessa os muros

51

escolares em termos de vozes docentes e textos sobre gecircnero Essas problematizaccedilotildees que

expressam a concepccedilatildeo de discurso como praacutetica como trama nas teias da linguagem como

movimento de produccedilatildeo de sentidos inserido na histoacuteria e na memoacuteria coletiva expressam o

poder que como concebe o pensador francecircs (cf FOUCAULT 2012) natildeo eacute um mal em si Eacute

um lugar estrategicamente decisivo onde se encontram as relaccedilotildees de forccedilas que influenciam

corpos atitudes discursos enfim a produccedilatildeo das subjetividades

Discutir essas relaccedilotildees eacute buscar desestabilizar as categorias construiacutedas concebendo

gecircnero como discurso que se inscreve em significados poliacuteticos e culturais Apropriar-se

conforme jaacute foi referido dessa constituiccedilatildeo reflexiva pode significar para as lutas feministas

uma valiosa maneira de pensar os jogos de verdades com os quais essas se enredam E por

pensaacute-los poder desconstruiacute-los

Apoacutes discorrer sobre o feminismo a constituiccedilatildeo de subjetividades que tecircm como

referecircncia procedimentos de controle de discursos em uma perspectiva foucaultiana

(FOUCAULT 2011) farei uma incursatildeo sobre o ato de ler e suas implicaccedilotildees poliacuteticas como

praacutetica discursiva que eacute tradutora de uma forma de saber poder

23 A leitura no Brasil em retratos

Nesta parte considero importante pontuar no trabalho um breve panorama da leitura

no Brasil baseado esse em resultado apresentado pela 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos do

Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2012) Procuro utilizar alguns dados da pesquisa

perpassando por uma reflexatildeo acerca dos processos de produccedilatildeo da leitura (como leem osas

brasileirosas por que (natildeo) leem o que desejam ler quem propicia a leitura enfim que

tratamento o Estado brasileiro daacute agrave leitura Perpasso tambeacutem pelos dados refletindo como

esses podem ser reverberados pelo presente trabalho

Asseverado como um paiacutes que lecirc pouco segundo indicadores que avaliam estes

dados o Brasil eacute farto em pesquisas que se debruccedilam sobre a leitura Eacute magnacircnima a

produccedilatildeo de textos e eventos que se propotildeem a tratar da complexa questatildeo da leitura de seus

oacutebices funccedilotildees relevacircncias E deveras a reflexatildeo sobre a leitura possui importacircncia crucial

para que possamos adotar praacuteticas poliacuteticas que reparem os equiacutevocos de sermos um paiacutes que

pouco lecirc Esta reflexatildeo se atrelada agrave da escola como instacircncia responsaacutevel pela formaccedilatildeo

leitora eacute de extrema pertinecircncia pelo atribuiacutedo papel que essa instituiccedilatildeo possui na formaccedilatildeo

doa leitora

52

Um dos estudiosos da temaacutetica Silva (2011) vem criticando as pesquisas

educacionais brasileiras voltadas agrave problemaacutetica da leitura afirmando que precisamos

construir melhores inqueacuteritos sobre a accedilatildeo de ler Esse autor fala em crise assegura que natildeo

possuiacutemos uma tradiccedilatildeo de leitores temos por outro lado cifras altiacutessimas de analfabetismo

como barreira para a experiecircncia mais soacutelida com a praacutetica leitora Temos ainda conforme

Silva peacutessimas poliacuteticas de livros parcas e natildeo elucidativas pesquisas sobre o problema

enfim ele levanta a problemaacutetica da leitura como inquietante fonte de preocupaccedilatildeo para o

paiacutes

Por seu turno nas duas uacuteltimas deacutecadas por exemplo foram divulgadas pelo

Instituto Proacute-Livro trecircs ediccedilotildees da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil a primeira em

2000 a segunda em 2008 e a terceira em 2012 que satildeo resultados sobre o comportamento

leitor doa brasileiroa O que em tese se busca a cada ediccedilatildeo segundo os objetivos da

pesquisa ldquoeacute contribuir para que esses estudos possibilitem avaliar e orientar poliacuteticas puacuteblicas

e accedilotildees do governo organizaccedilotildees natildeo governamentais e entidades do livro voltadas a

melhoria dos indicadores de leitura e acesso ao livro no Brasilrdquo (AMORIM 2008 p 26)

Diante dos indicadores publicados que vecircm em forma de tabelas quadros e graacuteficos

comparativos levantados por uma metodologiaamostra com pesquisa quantitativa de opiniatildeo

com aplicaccedilatildeo de questionaacuterio e entrevistas presenciais realizadas nos domiciacutelios tendo

como universo da pesquisa a populaccedilatildeo brasileira residente com cinco anos ou mais

alfabetizada ou natildeo muito se tem a avaliar Muito se tem a avaliar a despeito das criacuteticas que

as ediccedilotildees da pesquisa tecircm recebido a exemplo de Sousa (2008) que traz a problematizaccedilatildeo

acerca do criteacuterio utilizado pelo estudo para conceituar o leitor e o natildeo-leitor

Interessa-me aqui retomar especificamente o criteacuterio adotado para definir o leitor e o

natildeo-leitor para efeito da pesquisa o leitor foi considerado aquele que lsquodeclarou ter

lido pelo menos 1 livro nos uacuteltimos trecircs mesesrsquo e o natildeo-leitor aquele que lsquodeclarou

natildeo ter lido nenhum livro nos uacuteltimos trecircs meses (ainda que tenha lido

ocasionalmente ou em outros meses do ano)rsquo (SOUSA 2008 p 5)

A autora que perscruta o discurso sobre leitura em uma pesquisa com discentes e

docentes envolta em um conceito que abrange o ato de ler para aleacutem da quantificaccedilatildeo de

suportes evidencia o quanto este aspecto indica uma limitaccedilatildeo ao conceito de leitor e natildeo

leitor e revela o nexo mercadoloacutegico que a pesquisa possui tem como patrocinador o mercado

do livro

A aplicabilidade de uma pesquisa do porte de Retratos de Leitura fomenta sempre

questionamentos e isso eacute bom Tais questionamentos traduzem tambeacutem a existecircncia de toda

53

uma diversidade de posicionamentos a respeito da leitura Diversidade que Possenti (2009) agrave

luz das concepccedilotildees da AD pontua em um ensaio no qual propotildee reflexotildees sobre a leitura

advindas das concepccedilotildees apresentadas por estudiosos Satildeo inquietantes segundo esse autor

as teses apresentadas em congressos na miacutedia e em estudos sobre leituras e no seu foco

especiacutefico nos editoriais da ALB - Associaccedilatildeo Brasileira de Leitura Haacute olhares que

expressam uma posiccedilatildeo tradicional no trato com a leitura e em seu contraponto haacute outros

posicionamentos que decorrem de uma vinculaccedilatildeo com o relativismo cultural Sendo assim

haacute criteacuterios que primam pela negaccedilatildeo de qualquer objetividade independentemente do sujeito

o que viabiliza a ideia de que tudo seria linguagem que constroacutei conforme eacute a filosofia do

relativismo Nesse veio o que eacute leitura e se oa brasileiroa lecirc e lecirc bem vai depender de onde

se fala e se enxerga Por sua vez haacute criteacuterios que salientam um olhar mais valorativo sobre a

leitura o que Possenti (2009) diz fazer as chamadas teses defendidas pelos tradicionais Para

esses haacute um modelo que considera que a leitura eacute um bem em si independentemente de ser

entendida como praacutetica histoacuterico- social

Confrontando as teses que circulam acerca da leitura Possenti (2009) evidencia por

exemplo que no que diz respeito agrave questatildeo sobre se o a brasileiroa lecirc ou natildeo o suficiente haacute

uma controveacutersia arriscada Isso se daacute porque os tradicionais restringem o conceito do que eacute

leitura limitando a accedilatildeo de ler basicamente ao livro e atrelado ao cacircnon o que eacute um erro

porque haacute pesquisas que revelam mais textos e suportes fazendo parte do cotidiano de leitura

de outros considerados natildeo leitores Por seu turno o discurso que lhes opotildee exposto

massivamente nos boletins e textos da ALB encobre que as leituras retratadas no paiacutes ainda

que mais ampliadas do que vistas pelo discurso dos tradicionais ainda satildeo indesejaacuteveis em

termos quantitativos o que fazem o autor natildeo ser otimista quando em voga estaacute esta anaacutelise

Genericamente pode-se dizer que a tese mais clara e repetidamente defendida nos

textos da ALB eacute que natildeo se conhece a realidade da leitura no Brasil Outra tese que

parece ser adotada eacute a de que haacute indicaccedilotildees que permitiriam dizer que a situaccedilatildeo eacute

bem melhor do que (ainda) se pensa [] O perigo aparente dessa tese eacute que ela

corre o risco de ser lida assim (temo ter presenciado esta reaccedilatildeo numa das mesas

redondas de que participei no mesmo COLE) se natildeo lemos tatildeo pouco como se

costuma dizer se se diz que lemos tatildeo pouco como efeito de uma concepccedilatildeo muito

estreita de leitura o resultado eacute que analisando alguns dados e alterando a

concepccedilatildeo de leitura pode-se dizer que a situaccedilatildeo eacute boa ou pelo menos natildeo eacute ruim

Logo se adivinha eu imagino que natildeo adoto essa tese (POSSENTI2009 p 25)

Em vez de adotar facilmente teses esse analista procura caracterizar os postulados

que datildeo corpo aos dois discursos que circulam e produzem sentidos sobre leitura Entre eles

estatildeo ideias de que os sujeitos leitores satildeo mais criacuteticos defendidos pelos tradicionalistas Em

54

um contraponto os textos da ALB revelam uma desconstruccedilatildeo da ideia de que ler eacute assegurar

pessoas criacuteticas por mostrar que a leitura tem sido mais objeto de dominaccedilatildeo do que de

libertaccedilatildeo das pessoas Neste jogo Possenti (2009) vislumbra o quanto a despeito do controle

e da distribuiccedilatildeo social dessa praacutetica exercidos pelas instituiccedilotildees como a escola e a Igreja haacute

contra-leituras Assim entre incompatibilidades e confrontos questotildees ligadas agrave praacutetica

leitora problematizam o prazer de ler a importacircncia deste ato e a relativizaccedilatildeo do que seria

uma boa obra Eacute problematizada por este analista do discurso a leitura como praacutetica social

que responde aos aspectos culturais sociais e histoacutericos evidenciando que ler natildeo eacute

essencialmente um bem em si

E a AD pontua a instrumentalizaccedilatildeo dessa ideia quando nos fornece reflexotildees

atinentes agrave importacircncia de que natildeo se lecirc isoladamente haacute sempre textos eivados de discursos

que se cruzam Essa disciplina contribui ainda para a ldquodessacralizaccedilatildeordquo da leitura quando vecirc a

opacidade da linguagem as palavras natildeo remetem agraves coisas E a historicidade ressonando nos

modos de significaccedilatildeo do discurso sobre leitura eacute o que parece interessar agrave AD que se exime

do papel de aacuterbitro no que se refere agrave leitura adequada Importando-se com os percursos com

o movimento que o leitor faz para ler como ler como suas leituras natildeo satildeo individuais

reflexos que satildeo da histoacuteria a que pertencem

Assim posto parece-me razoaacutevel registrar os dados da pesquisa natildeo como um

vaticiacutenio mas como uma das verdades feitas entre os especialistas que se debruccedilaram diante

dos dados da 2ordf ediccedilatildeo (2008) com o intuito de apreender como estes enxergam os sentidos

da leitura na sociedade brasileira Consensual entre esses eacute o olhar de que continua piacutefio o

desempenho doa leitorano paiacutes natildeo obstante os avanccedilos que se registram nos Retratos

Amorim (2008) fala em duas revelaccedilotildees importantes se atentarmos para os resultados da

pesquisa

A primeira delas eacute que natildeo daacute para negar que tem havido avanccedilos nos uacuteltimos anos e

que os brasileiros estatildeo lendo mais Ou pelo menos um pouco mais Em seguida

uma constataccedilatildeo que natildeo chega a negar a afirmativa anterior e muito menos a tirar o

brilho que porventura ela possa conter o Paiacutes estaacute longe de ser uma naccedilatildeo de

cidadatildeo leitores e haacute muito chatildeo pela frente ateacute que se chegue laacute (AMORIM 2008

p 15)

Esta constataccedilatildeo soacute reafirma o que se divulga intuitiva e empiricamente o Estado

brasileiro natildeo considera suficientemente a questatildeo da educaccedilatildeo e da leitura como estrateacutegica

para se construir um paiacutes melhor com mais igualdade e participaccedilatildeo criacutetica na construccedilatildeo da

democracia social Em uma cultura grafocecircntrica a condiccedilatildeo leitora eacute senha valiosa e

55

intransferiacutevel para a fonte de conhecimento para o prazer e a atuaccedilatildeo como protagonista de

sua histoacuteria de vida Obviamente que a leitura aqui abordada natildeo eacute no sentido de uma

entidade fechada descontextualizada essencialista nem meramente decodificadora Sem

deixar entretanto de considerar o tropeccedilo que significa o analfabetismo a leitura que abordo

fala de uma interaccedilatildeo leitor-texto-contexto com uma atribuiccedilatildeo de motivar formar e

assegurar reflexotildees atinentes aos DH aos valores que propiciem a construccedilatildeo de um mundo

para todos Eacute a leitura como praacutetica sociocultural problematizadora das relaccedilotildees de poder

que intento abordar

Werthein (2008) lanccedila luzes sobre a questatildeo abordando uma heranccedila histoacuterica que

explica tantos percalccedilos e descaminhos na praacutetica da leitura

A histoacuteria do Brasil explica em parte sua deficiecircncia educacional O Paiacutes viveu 322

anos como colocircnia de Portugal Nesse territoacuterio onde existe um paiacutes era tudo

proibido Natildeo havia imprensa natildeo existiam escolas muito menos universidades O

comeacutercio era feito unicamente com Lisboa E os raros estudantes da eacutepoca tiveram

de viajar para a capital do Impeacuterio para buscar instruccedilatildeo em Coimbra Foram

pouquiacutessimos A imprensa surgiu no Paiacutes por intermeacutedio de dois caminhos opostos

Em 1808 Dom Joatildeo VI criou a imprensa reacutegia oficial enquanto na mesma eacutepoca

em Londres comeccedilou a ser editado em portuguecircs o Correio Brasiliense que

chegava ao Rio como contrabando Sua circulaccedilatildeo era proibida (WERTHEIN 2008

p 42)

Este quadro evidencia o quanto os colonizadores portugueses relegavam a colocircnia a

uma situaccedilatildeo de ignoracircncia que emperrou em muito o processo de letramento cultural da terra

brasilis Aos colonizadores soacute interessavam a exploraccedilatildeo de nossas riquezas Os portugueses

se comportavam como grandes predadores do territoacuterio levando madeira ouro diamantes e

accediluacutecar Com um contingente populacional constituiacutedo de negros africanos que para caacute vieram

trabalhar como escravos de elementos autoacutectones os iacutendios de diversas tribos que sofreram

severo processo de dizimaccedilatildeo e de imigrantes europeus e japoneses este territoacuterio se formou

mesticcedila e ignorantemente Um povo mesticcedilo formado de um mosaico cultural com a

hegemonia eurocecircntrica eacute um povo que acumulou uma histoacuteria de deficiecircncia educacional

que soacute recentemente tem sido reduzida

Incompatiacutevel com suas riquezas naturais com as transiccedilotildees poliacuteticas que traziam os

avanccedilos do processo de industrializaccedilatildeo do paiacutes esta deficiecircncia educacional comeccedila a ser

combalida e expande-se o processo de democratizaccedilatildeo escolar do paiacutes que inicia o seacuteculo XX

com poucas escolas chegando aosagraves filhosas dos trabalhadoresas brasileirosas A qualidade

dessas escolas eacute sempre uma dura realidade os investimentos na educaccedilatildeo brasileira foram

perenemente piacutefios muito abaixo do que deveriam e poderiam Povo mal educado eacute povo que

56

natildeo rompe as abissais diferenccedilas sociais a escola puacuteblica no Brasil forma mal e cria um

ciacuterculo que aprisiona aquele por quem nela passa Aprenderaacute pouco aprenderaacute mal e natildeo

poderaacute disputar em um mercado competitivo A escola eacute entatildeo categoricamente instrumento

de perpetuaccedilatildeo da desigualdade social parco aprendizado parcas chances de mexer com a

estrutura da piracircmide social (GUIMARAtildeES-IOSIF 2009)

Werthein (2008) aduz a relaccedilatildeo entre privileacutegios educacionais apenas para membros

da elite econocircmica agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo como forma de impedir a cidadania do povo As

relaccedilotildees de poder e saber satildeo histoacutericas poliacuteticas Um determinado sentido dado agrave instruccedilatildeo

acadecircmica possui mecanismos de sua produccedilatildeo Garcez (2008) faz uma referecircncia importante

de um dado extraiacutedo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil como significativo para

pontuar que a condiccedilatildeo de ser leitora estaacute afetada por sua inscriccedilatildeo no social A autora

destaca esta relaccedilatildeo embasada no dado de que

[] 85 dos natildeo-leitores nunca foram presenteados com livros na infacircncia

enquanto que no universo dos considerados leitores 51 receberam livros como

presente Outra informaccedilatildeo importante diz respeito agraves praacuteticas familiares de leitura

Dos lares natildeo-leitores 63 dos informantes nunca viram os pais lendo

Considerando que a pesquisa revela que a maior influecircncia para a formaccedilatildeo da

leitura vem dos pais (principalmente das matildees) esse dado eacute ainda mais significativo

(GARCEZ 2008 p 69)

Dados significativos que pontuam o valor do alicerce familiar para a formaccedilatildeo leitora

dos sujeitos ao tempo em que me faz ponderar sobre a importacircncia da cultura como elemento

que mobiliza saberes poderes (des)construccedilotildees de identidades Eacute do pensamento de Hall

(2011) que me valho para afirmar que as identidades satildeo forjadas nas relaccedilotildees com a cultura

que vivenciamos e que no seio dela se encontram forccedilas propulsoras de transformaccedilotildees

como tambeacutem forccedilas mantedoras de uma ordem social Cabe-me assim levar em consideraccedilatildeo

que a infacircncia eacute uma referecircncia construiacuteda sociohistoacuterica e culturalmente na qual agraves crianccedilas

se ensina a ocupaccedilatildeo de lugares na sociedade condicionando-lhes agraves identidades de gecircnero e

isto se faz com o esteio de elementos da cultura

A leitura eacute um desses elementos culturais com os quais se fabricam identidades E

calccedilada na informaccedilatildeo da relevacircncia da matildee na formaccedilatildeo leitora conforme os dados da

pesquisa em tela cabe-me pensar o quanto a evocaccedilatildeo destas referecircncias tem nexo para minha

reflexatildeo Possui nexo porque inscrevo com ele a importacircncia da defesa de uma praacutetica leitora

com uma dimensatildeo eacutetica problematizadora de um mundo que cria assimetrias de gecircnero para

que matildees alimentem discursivamente leituras que fortaleccedilam praacuteticas de liberdade de almas

de consciecircncias Ademais esse jaacute referendado elemento da pesquisa o indicador das matildees

57

como as principais responsaacuteveis pela formaccedilatildeo leitora dosas filhosas reforccedila a necessidade

de se refletir sobre a carga de um processo cultural ativo e dialoacutegico no qual essas mulheres

transmitem valores identidades de gecircnero e comportamentos aos agraves filhosas Eacute imperativo

refletirmos se aspiramos por uma nova ordem social aplainada pela equidade de gecircnero

sobre o que embalam como ninam contam cantam e leem essas matildees Que leitoresas

formam aquelas que historicamente tem perpassado por uma condiccedilatildeo de subalternidade por

uma condiccedilatildeo opressora por uma educaccedilatildeo que viabiliza a sua sub-representaccedilatildeo nos espaccedilos

do poder Que leitoresas irrompem das ldquobarras da saia da matildeerdquo do seu colo da sua

influecircncia de sujeito que lecirc Que leitoras enfim satildeo aquelas que precisam de leituras que

libertem

Historicamente subjugada a mulher eacute a narradora que influencia contagens E

paradoxalmente faz contagens em livros histoacuterias canccedilotildees filmes desenhos animados

enfim em todo um artefato cultural que reforccedila padrotildees androcecircntricos Desmantelar essa

cadeia de histoacuterias contadas por oprimidas que produzem e reproduzem modelos opressores

me parece uma oportuna estrateacutegia poliacutetica da luta feminista e que osas estudiososas que

analisam a 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2008)

deixaram passar ao largo em suas anaacutelises natildeo atentando para a vulnerabilidade do dado

Esses dados entretanto satildeo relevantes deveras para a importacircncia da observaccedilatildeo na

elaboraccedilatildeo de um projeto de leitura na escola com o intento de investigar as discursividades

em torno do ato de ler se daacute a reconstruccedilatildeo de contos de textos problematizados agrave luz da

teoria de gecircnero Haacute e quais satildeo enfim as estrateacutegias para subverter a posiccedilatildeo desigual e

subordinada das mulheres em artefatos culturais que seratildeo por elas usados para formar

leitoresas Esse fio conduz um dos nossos interesses no foco temaacutetico aqui desenvolvido

No que se refere agraves poliacuteticas puacuteblicas de incentivo agrave leitura Laacutezaro e Beauchamp

(2008) discorrem sobre as diretrizes para o fortalecimento das poliacuteticas de leituras contidas

no Plano de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo ndash PDE Satildeo accedilotildees que partem de uma

consideraccedilatildeo sistecircmica da educaccedilatildeo que por meio de instrumentos de avaliaccedilotildees identifica

fragilidades e constroacutei poliacuteticas para o enfrentamento de indicadores deficitaacuterios Satildeo citados

como exemplos de accedilotildees do PDE a introduccedilatildeo da Provinha Brasil o Sistema Universidade

Aberta do Brasil ndash UAB- que tem permitido ampla poliacutetica de formaccedilatildeo dos professores tanto

inicial como continuada atraveacutes da articulaccedilatildeo universidades e municiacutepios O Programa

Nacional do Livro Didaacutetico (PNLD) que a cada ano se amplia eacute mais uma das accedilotildees

implementadas pelo Governo Federal atraveacutes do PDE com o intuito de democratizar o

acesso aos diversos bens culturais e o incremento agrave leitura

58

Esse conjunto de accedilotildees entretanto estaacute longe de transformar o Brasil em um paiacutes de

leitores Haacute apesar dos inegaacuteveis avanccedilos nas uacuteltimas deacutecadas com o amplo acesso agrave escola

em vaacuterios niacuteveis um grande deacuteficit educacional que em muito compromete a formaccedilatildeo

leitora dosas brasileiros e brasileiras o que demanda muito a ser feito E o paiacutes ainda opta por

natildeo investir suficiente ou adequadamente no enfrentamento de crocircnico quadro Laacutezaro e

Beauchamp (2008) pontuam o quanto eacute necessaacuterio que haja mais investimentos por parte do

Poder Puacuteblico mais articulaccedilatildeo de outras poliacuteticas puacuteblicas que ampliem o acesso da

populaccedilatildeo ao livro promovam o valor da leitura formem mediadoresas de leituras na escola

e fora dela e tornem o livro um produto mais acessiacutevel aos niacuteveis de renda da populaccedilatildeo

Laacutezaro e Beauchamp (2008) trabalham com os dados da pesquisa para discutir a

importacircncia da relaccedilatildeo entre a escola o acesso agrave leitura a formaccedilatildeo de leitoresas e as accedilotildees

que possam ampliar e fortalecer as praacuteticas leitoras no Paiacutes A funccedilatildeo central da escola na

constituiccedilatildeo doa leitora eacute um dado do qual a pesquisa trata

A pesquisa evidencia que eacute a escola quem faz o Brasil ler O Brasil estaacute estudando e

eacute a partir da escola que os brasileiros entram em contato com o processo da leitura e

por meio dela acessam os livros independentemente de sua classe social []

Depois da matildee a professora eacute a principal incentivadora da leitura confirmando o

papel central da escola [] Eacute na escola que se lecirc mais os mais jovens leem mais e eacute

na infacircncia que se forma o leitor Entretanto depois da escola o brasileiro lecirc menos

A escola natildeo estaacute formando o leitor mas dando acesso agrave leitura A praacutetica da leitura

continua sendo um privileacutegio de classe (LAacuteZARO BEAUCHAMP 2008 p 73)

Outros indicadores de leitura apresentados pela pesquisa que me trazem reflexotildees

pertinentes dizem respeito agrave revelaccedilatildeo de que a escola eacute responsaacutevel pela existecircncia de mais

leitores mas que por sua vez um percentual significativo dos alunos afirmam que leem por

imposiccedilatildeo da instituiccedilatildeo Esse dado estaacute presente tanto em famiacutelias com maior poder

aquisitivo quanto na de baixo poder 44 dos alunos da rede privada afirmaram ter como

motivaccedilatildeo para a leitura a exigecircncia da escola enquanto que 46 dos da rede puacuteblica tambeacutem

deram a mesma razatildeo para o ato de ler Isso nos faz considerar que os projetos de leituras de

uma forma geral natildeo satildeo cativantes natildeo tecircm sido exitosos no sentido de atrair o alunado para

a leitura Eacute tanto que depois da escola lecirc-se menos conforme resultado da pesquisa Tais

revelaccedilotildees pontuam a reflexatildeo de que garantir o acesso agrave escola eacute necessaacuterio e isto estaacute sendo

feito mas o fomento agrave leitura precisa ser suscitado Isto passa necessariamente por accedilotildees

pedagoacutegicas que contemplem o interesse de quem lecirc accedilotildees que traduzam planejamento

compromisso empenho formaccedilatildeo leitora de quem promove as accedilotildees pedagoacutegicas No poema

59

Iniciaccedilatildeo Literaacuteria Drummond condena a mediaccedilatildeo improacutepria de quem traz leituras que natildeo

semeiam prazer

Leituras Leituras

Como quem diz navios Sair pelo mundo

Voando na capa vermelha de Juacutelio Verne

Mas por que me deram para livro escolar

A cultura dos campos de Assis Brasil

O mundo eacute soacute fosfatos lotes de 25 hectares

Soja-fumo-alfafa-batata-doce-mandioca

Pastos de cria pastos de engorda

Se algum dia eu for rei baixarei um decreto

Condenando esse Assis a ler sua obra (ANDRADE 1983 p 601)

O prazer da leitura parece ser entre todosas osas estudiosos da temaacutetica o

pressuposto de tudo o mais Rubem Alves (2011) afirma que toda aprendizagem comeccedila com

um pedido se natildeo houver um pedido a aprendizagem natildeo acontece E o prazer de ler

segundo o escritor tem ligaccedilatildeo profunda com a forma que os textos chegam aos olhos e

ouvidos da crianccedila

Assim quem ensina a ler isto eacute aquele que lecirc para os seus alunos tenham prazer no

texto tem de ser um artista Soacute deveria ser estabelecida nas escolas a praacutetica dos

ldquoconcertos de leitura Se haacute concertos de muacutesica erudita por que natildeo concertos de

leitura Ouvindo os alunos experimentaratildeo o prazer de ler (ALVES 2011 p 56)

Sem este encantamento natildeo teremos leitoresas mas alunosas forccediladosas a cumprir

tarefas lendo para responder questotildees lendo sem escolherem os textos muitos delesas

desconexadosas de seus interesses E conforme Failla (2008 p 104) a escola e a famiacutelia

precisam ser autorreflexivas ldquoEm geral se diz que a crianccedila e o jovem natildeo leem e natildeo gostam

de ler Natildeo se diz que elas natildeo foram conquistadas ou estimuladas para ler mas a elas se

atribui sem mediaccedilatildeo que natildeo gostam de ler []rdquo O foco passa a ser uma condiccedilatildeo ldquonaturalrdquo

do jovem ou da crianccedila deixando-se de lado o contexto e as pessoas do entorno deles que

poderiam contribuir substancialmente com o desenvolvimento do prazer pela leitura Este eacute

um aspecto tratado pela ediccedilatildeo em tela da pesquisa Retratos do Brasil que contribui com as

reflexotildees desta pesquisa acerca da leitura na escola e me faz olhar para as motivaccedilotildees que

perpassam a existecircncia dos projetos de leitura da escola brasileira eacute um professor leitor que o

aluno enxerga quando esse profissional desenvolve essas praacuteticas O projeto atende a

interesse acerca de temas considerados envolventes pela comunidade escolar Satildeo projetos

para compor obrigaccedilotildees acadecircmicas ou estatildeo imbuiacutedos de motivaccedilotildees intersubjetivas

60

Contemplam quais atividades preacute-textuais A pesquisa traz dados que abordam preocupaccedilotildees

fundamentais nesse sentido Pode haver com tais referecircncias a suposiccedilatildeo de que a escola natildeo

tem formado leitores para a vida inteira considerando que decresce o nuacutemero de leitores

adultos o que faz pensar que as praacuteticas de leituras tecircm sido pouco sedutoras das quais o natildeo

estudante procura se livrar assim que ultrapassa os muros da escola Parecem necessaacuterias

accedilotildees de promoccedilatildeo agrave leitura que a liguem verdadeiramente agrave vida e tornem os materiais de

leitura mais proacuteximos dos alunos pontua Failla (2008)

Haacute debates percorrendo academias e ambientes de estudo acerca das

problematizaccedilotildees sobre a leitura A evocaccedilatildeo desse debate eacute sempre profiacutecua Profiacutecua e

cabiacutevel na escola uma das instacircncias responsaacuteveis pela sua produccedilatildeo Agrave escola cabe

sistematizar pedagogicamente suas praacuteticas leitoras de modo que deveria como ldquopatildeo diaacuteriordquo

assegurar de forma substanciosa a leitura fomentadora da cidadania que soacute vem se

mergulharmos em aacuteguas profundas das tramas sociais Mas digamos ldquopatildeordquo no sentido

religioso do tom pela necessidade e assiduidade do alimento dialogando com uma reflexatildeo

de Antunes (2009 p 204) ldquoassim como a igreja eacute lugar de oraccedilatildeo o estaacutedio eacute lugar de jogo a

escola eacute lugar de leiturardquo Na defesa das funccedilotildees da leitura no espaccedilo escolar a autora pontua

dentre essas a primordial garantia de acesso agrave escrita o que eacute de extrema importacircncia Em

uma cultura de tradiccedilatildeo grafocecircntrica como a nossa haacute sem duacutevida uma valorizaccedilatildeo dos

aspectos positivos da escrita e a leitura eacute parte da relaccedilatildeo intriacutenseca para a aquisiccedilatildeo de todo

arcabouccedilo artiacutestico-cientiacutefico e cultural veiculado pela escrita Entatildeo conforme a autora a

leitura eacute o passaporte o promotor das funccedilotildees de ampliar o conhecimento a capacidade de

analisar de refletir de acessar agraves novas informaccedilotildees e bens culturais ao prazer esteacutetico a

novas formas de expressatildeo enfim de interagir socialmente entre outras habilidades que a

escrita oferece

Entretanto considerando os deficitaacuterios indicadores de leitura que o Paiacutes

historicamente apresenta estamos longe da produccedilatildeo de uma escola fomentadora

vigorosamente de uma praacutetica leitora consistente Um paiacutes de leitoresas criacuteticosas parece ser

uma miragem a desfilar no deserto da vontade poliacutetica de nossos governantes que insistem

em disponibilizar parcos recursos financeiros mesmo quando sob os holofotes constroem

vasta legalidade na vitrine do papel propondo uma educaccedilatildeo emancipadora de qualidade A

Lei nordm 12244 de 2010 por exemplo exige que todas as escolas puacuteblicas ou privadas ateacute

2020 possuam bibliotecas em suas instalaccedilotildees fiacutesicas Seria esta uma ldquolei mortardquo mais um

ordenamento brasileiro que natildeo ldquopegardquo A considerar o levantamento feito pelo movimento

Todos pela Educaccedilatildeo com base em dados cedidos pelo Instituto Nacional de Estudos e

61

Pesquisas Educacionais Aniacutesio Teixeira(Inep)2013 haacute um trabalho grande a ser efetivado

que pode sim deixar a norma na vala das tantas que natildeo satildeo cumpridas O Brasil precisa

construir 39 bibliotecas por dia nos proacuteximos sete anos para cumprir a lei A defasagem total

do paiacutes eacute de 128 mil bibliotecas Embora o nuacutemero relativo agrave falta de bibliotecas inclua todas

as redes de ensino eacute nas escolas puacuteblicas que o problema se concentra Nas redes municipal

estadual e federal eacute preciso construir 113269 unidades Falo aqui da construccedilatildeo das sedes

todavia eacute de conhecimento puacuteblico que a manutenccedilatildeo e funcionamento desses equipamentos

demanda maiores investimentos do poder puacuteblico

A criaccedilatildeo da lei todavia independentemente de seu fiel cumprimento por parte das

instituiccedilotildees escolares jaacute eacute um sinal de que se revela um novo tempo em que se olha com mais

atenccedilatildeo para a importacircncia dos espaccedilos propiacutecios agrave leitura Haacute anos natildeo era comum nem

obrigatoacuterio que toda escola possuiacutesse em seu projeto arquitetocircnico bibliotecas e espaccedilos para

leitura construiacuteam-se e reformavam-se escolas sem a preocupaccedilatildeo com este ambiente E

assim se vecirc que haacute no deserto das poliacuteticas puacuteblicas em prol de uma educaccedilatildeo emancipadora

oaacutesis Isto pode ser evidenciado nos uacuteltimos indicadores de leitura no Brasil com a 3ordf ediccedilatildeo

(2012) da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil conforme jaacute referenciado neste trabalho na

qual haacute indicaccedilatildeo de que os brasileiros estatildeo lendo mais E precisamos mirar nossos oaacutesis

mostraacute-los haacute milhares de projetos de leitura sendo executados neste paiacutes Afinal a leitura

pelo seu poder de emersatildeo e imersatildeo poder de fazer com que homens e mulheres se

enunciem de capacitaacute-loslas a interagir em condiccedilotildees mais iguais porque podem ser

conhecedoresas de seus lugares no mundo eacute de nodal importacircncia nas transformaccedilotildees que

precisam ser operadas por esses sujeitos

Por sua vez Marques Neto (2008) evidencia a crenccedila de que o Brasil caminha no

sentido de construir e efetivar poliacuteticas puacuteblicas na aacuterea do livro e da leitura O autor cita o

Plano Nacional do Livro e Leitura - PNLL criado em 2006 como marco de coesatildeo e

estrateacutegia na garantia do direito essencial das pessoas agrave informaccedilatildeo e ao acesso ao

conhecimento

Entendo que o Brasil por intermeacutedio da uniatildeo fundamental de accedilotildees do Ministeacuterio

da Cultura e da Educaccedilatildeo criando o PNLL chegou nos uacuteltimos quatro anos a um

novo patamar desvelou um novo tempo histoacuterico sob determinadas circunstacircncias

para que logremos conquistar uma poliacutetica de Estado para o livro a leitura as

bibliotecas (MARQUES NETO 2008 p 130)

A importacircncia de equipamento como a biblioteca para a formaccedilatildeo do leitor eacute um

dado que natildeo se pode desconsiderar tendo em vista que as condiccedilotildees sociais de grande

62

parcela da populaccedilatildeo inviabilizam a aquisiccedilatildeo de suportes como livros revistas jornais etc

Torna-se central entatildeo o papel da biblioteca como instrumento para o acesso democraacutetico agrave

leitura aos menos favorecidos economicamente Um dado da pesquisa foi desalentador nesse

sentido 75 dos informantes anunciaram que natildeo possuem o haacutebito de frequentar

bibliotecas 17 usam ocasionalmente e 10 frequentam Esse eacute um dado inconcebiacutevel com

o que conceitua o PNLL ser funccedilatildeo deste equipamento

Um dinacircmico polo difusor de informaccedilatildeo e cultura centro de educaccedilatildeo continuada

nuacutecleo de lazer e entretenimento estimulando a criaccedilatildeo e a fruiccedilatildeo dos mais

diversificados bens artiacutesticos-culturais para isso devem estar sintonizadas comas

tecnologias de informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo suportes e linguagens promovendo a

interaccedilatildeo maacutexima entre os livros e esse universo que seduz as atuais geraccedilotildees

(MARQUES NETO 2008 p 133)

Para que esse dinacircmico polo difusor de informaccedilatildeo e cultura possa ser um

equipamento eficaz o profissional responsaacutevel por sua gestatildeo e organizaccedilatildeo o bibliotecaacuterio

precisa avanccedilar em conquistas de mais habilidade Para Silva (2011) em regra esse

profissional eacute um exiacutemio conhecedor das normas de catalogaccedilatildeo das leis que regem a

instalaccedilatildeo de bibliotecas das fichas de empreacutestimos de livros De leitura revela o professor

natildeo eacute a regra que haja por parte desse profissional conhecimento interesse e projetos de

incentivo agrave leitura juntamente com a comunidade escolar

No que diz respeito aos dados pontuados pela pesquisa acerca da realidade brasileira

das bibliotecas esses podem ser subsiacutedio para uma reflexatildeo sobre o valor do equipamento

para a consolidaccedilatildeo de uma praacutetica leitora Um dos aspectos que merecem reflexatildeo eacute sobre

quem estaacute apto para gerenciar este equipamento Na escola em que a pesquisa eacute realizada por

exemplo tais quais nas demais da rede municipal de ensino e em muitas pelo paiacutes afora os

responsaacuteveis pela biblioteca costumam ser professoresas readaptadosas nem sempre com

domiacutenio profissional para atuar na aacuterea o que evidencia mais uma fragilidade do poder

puacuteblico com a educaccedilatildeo e a cultura brasileira

Com a 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil o Paiacutes tem em matildeos um

diagnoacutestico que possibilita a construccedilatildeo de uma agenda para as poliacuteticas puacuteblicas do livro e de

leitores Vale ressaltar todavia que por esta pesquisa considerar a leitura no suporte livro

como criteacuterio para testificar a condiccedilatildeo leitora do brasileiroa conforme jaacute pontuado aqui

natildeo contemplou suficientemente as novas praacuteticas de leitura que advecircm das tecnologias da

informaccedilatildeo E eacute indubitaacutevel que esta omissatildeo desconsidera um fenocircmeno civilizatoacuterio

importante que tem alterado significativamente comportamentos de pessoas de todas as

63

esferas sociais em escala mundial como eacute o da leitura no espaccedilo cibercultural A imersatildeo do

mundo no uso das tecnologias da informaccedilatildeo que com seus dispositivos virtuais interligam a

comunicaccedilatildeo da sociedade disseminam informaccedilotildees em tempo real e possibilitam a troca

compartilhada de conhecimento democratizando saberes haacutebitos comportamentos tem

provocado mudanccedilas econocircmicas sociais poliacuteticas culturais E essas mudanccedilas seguramente

tecircm afetado tambeacutem as escolas Os dispositivos tecnoloacutegicos em pouco mais de duas

deacutecadas presentes em celulares tablets computadores como uma segunda pele chegam agraves

matildeos e aos olhos de discentes e docentes alterando as praacuteticas sociais de leituras podendo

promover eventos de letramento

A despeito de este natildeo ser objeto deste estudo e de natildeo ter pretensotildees de avaliar

quatildeo profundas satildeo as transformaccedilotildees que a sociedade experimenta a partir dessa nova matriz

cultural eacute relevante ponderar que a escola precisa caminhar responsavelmente com esta

realidade desafiadora que lhe trazem as tecnologias da informaccedilatildeo Como natildeo considerar que

sob pena de comprometer resultados positivos no processo ensino-aprendizagem eacute dever

dosas educadoresas atentar para o modo e os textos que circulam pela escola repleta que

estaacute de nativos digitais Como natildeo considerar ainda que sob pena de que essesas estejam

sendo negligentes com a problematizaccedilatildeo da discursividade docente devem atentar para o que

anda sendo lido na virtualidade nossa de cada dia estampada nas telas

Enfim considerando o papel da escola na formaccedilatildeo doa leitora e o quanto os vaacuterios

suportes e miacutedias satildeo importantes na perspectiva de democratizaccedilatildeo do acesso aos diversos

bens culturais vale destacar que a leitura conforme analistas do discurso natildeo eacute um bem em

si mas que pode se apresentar como lugar estrateacutegico na formaccedilatildeo de um povo para a sua

emancipaccedilatildeo poliacutetica e social Obviamente isso ocorre entre outras razotildees se a leitura for

concebida em uma perspectiva interacionista que leve em consideraccedilatildeo os interesses da

comunidade escolar e reflexotildees atinentes sobre a linguagem em uso Desse modo a agenda de

promoccedilatildeo do letramento para aleacutem do acesso aos suportes e do domiacutenio da tecnologia deve

se constituir prementemente como uma pauta reivindicatoacuteria que envolva educadoresas

gestoresas e demais atoresatrizes sociais

Apoacutes as reflexotildees atinentes agraves descriccedilotildees sobre leitura elaboradas por estudiososas

tendo essesas essencialmente se pautado em uma ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no

Brasil farei uma incursatildeo no proacuteximo toacutepico sobre como a Anaacutelise do Discurso daacute o foco

nas vozes dosas educadores acerca do debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero trazido por uma

das instacircncias culturais da escola a da leitura

64

24 O sujeito da leitura na Anaacutelise do Discurso

O projeto de Michel Pecirccheux de uma teoria natildeo subjetiva da leitura eacute uma das

sustentaccedilotildees da defesa de Possenti (2009) de que a AD eacute uma das poucas aacutereas de

conhecimento que tem condiccedilotildees de reivindicar para si o pronunciamento sobre a leitura O

intento do analista francecircs que chegou a postular a ldquoanaacutelise automaacutetica do discursordquo eacute fruto

entre outros de uma nova concepccedilatildeo de liacutengua nos anos sessenta gestada pelo

Estruturalismo e com bastante efervescecircncia na academia francesa Com essa concepccedilatildeo que

atravessava as reflexotildees sobre a linguagem natildeo mais concebendo liacutengua como um coacutedigo que

condensa informaccedilatildeo a quem o conhece conforme a perspectiva saussuriana Pecirccheux

estrutura a noccedilatildeo de discurso Estrutura entendendo este como um ponto intermediaacuterio entre

linguagem e ideologia Esse legado epistemoloacutegico surge em um contexto sociopoliacutetico

francecircs de insurreiccedilatildeo popular de inquietaccedilotildees poliacuteticas A AD eacute pensada nessa atmosfera

como uma disciplina que daacute conta de amalgamar as praacuteticas poliacuteticas e a concepccedilatildeo de

ciecircncias sociais que emerge naquele cenaacuterio (cf SANTOS 2013)

Desalojando os estatutos positivistas ocupam lugares essenciais nas postulaccedilotildees de

Pecirccheux (2012) a subjetividade a ideologia as lutas de classe Assim articula-se a AD em

uma abordagem transdisciplinar com aacutereas como a psicanaacutelise o materialismo dialeacutetico e a

linguiacutestica com as quais entrelaccedila um novo olhar sobre a liacutengua o sujeito e a histoacuteria na

produccedilatildeo de sentidos Esse novo olhar enxerta nos estudos sobre a linguagem a reflexatildeo de

que a leitura natildeo era a leitura de um texto enquanto texto Concebido discursivamente o texto

deve ser tomado como um artefato cultural e linguiacutestico que tem existecircncia na exterioridade

linguiacutestica no social o que interfere em sua circularidade e interpretaccedilatildeo (FERNANDES

2008)

Processam-se nas fases pelas quais passa a AD noccedilotildees como sujeito discursivo

condiccedilotildees de produccedilotildees e formaccedilatildeo discursiva Esses conceitos vatildeo consolidando as reflexotildees

que este campo teoacuterico intenta para dar conta de suas inquietaccedilotildees acerca dos estudos sobre a

linguagem e as transformaccedilotildees sociais que insurgem naquele contexto poliacutetico Uma das

accedilotildees da AD estaacute pautada na teorizaccedilatildeo sobre as restriccedilotildees que o discurso sofre Nesse

sentido Possenti (2009 p 11) pontua o quanto a AD tem como objetivo explicitar as

estrateacutegias e restriccedilotildees de leitura lsquoUm discurso natildeo circula em qualquer lugar natildeo toma

livremente uma forma geneacuterica qualquer e natildeo pode ser interpretado de qualquer maneira por

qualquer umrdquo Restriccedilotildees essas que datildeo aoagrave analista do discurso a incumbecircncia de atentar

para o enunciado em sua historicidade em suas condiccedilotildees de produccedilatildeo e circulaccedilatildeo em seus

65

efeitos de verdade Sendo assim a leitura de um texto conforme as bases conceituais da AD

prima pela observacircncia de sua historicidade prima pela observacircncia para dar conta dos

percursos de quem lecirc e como lecirc que prescinde destes nortes De acordo com Possenti (2009)

[] Aprendemos a nunca ler um texto isoladamente (natildeo se faz anaacutelise de discurso

de um texto) a nunca ler um texto considerando apenas seu material verbal

(aprendemos a relacionaacute-lo a seu exterior) a nunca tratar a linguagem como se fosse

transparente (aprendemos a supor sempre que a interpretaccedilatildeo eacute um trabalho jaacute que

as palavras natildeo remetem jamais agraves coisas e natildeo tecircm sentido uniacutevocos) a nunca

supor que o texto (ou mesmo vaacuterios) fornece todas as condiccedilotildees de sua leitura

(aprendemos sempre a supor que mesmo no domiacutenio textual ou ateacute mesmo no do

enunciado mais restrito eacute necessaacuterio acionar mais de um fator relevante ndash considerar

os pressupostos a intertextualidade etc) (POSSENTI 2009 p 14)

Da defesa de uma teoria natildeo subjetiva da leitura sustentada pela AD podemos

depreender que nossos horizontes de pesquisas da linguagem na esfera da leitura devem

ultrapassar a materialidade linguiacutestica A AD nos convida a uma dimensatildeo da linguagem em

seu uso em sua discursividade contemplando as praacuteticas socioculturais por ela perpassadas

Trata-se na abertura dessa via de descrever e interpretar a existecircncia de enunciados e suas

produccedilotildees em determinados lugares e espaccedilos integrando discursos cujas existecircncias

apontam para alguma coisa em curso tal que ldquoa palavra discurso etimologicamente tem em

si a ideia de curso de percurso de correr por de movimento O discurso eacute assim palavra em

movimento praacutetica de linguagem com o estudo do discurso observa-se o homem falandordquo

(ORLANDI 2008 p 15)

Em curso e que segundo ainda essa autora analisaacute-los implica interpretar as praacuteticas

discursivas dos sujeitos abordar as manifestaccedilotildees de linguagem problematizando-as ldquoo que

produzem os sujeitos falantes e leitores Podem esses deixar de perceber que satildeo sujeitos agrave

linguagem a seus equiacutevocos sua opacidade Com essas indagaccedilotildees Orlandi (2012) discorre

como este campo transdisciplinar contribui com o trabalho com a linguagem para que

possamos sem ilusionismos ldquoao menos sermos capazes de uma relaccedilatildeo menos ingecircnua com a

linguagemrdquo Haacute em sua explanaccedilatildeo sobre princiacutepios e procedimentos da AD uma

preocupaccedilatildeo em evidenciar o quanto o trabalho com a linguagem perpassa por incompletudes

por subjetividades por pluralidade de sentidos por histoacuterias nos fazendo entender que haacute

movecircncias mas ldquoos sentidos estatildeo sempre administrados natildeo estatildeo soltosrdquo Os sentidos

materializados por linguagem verbal ou natildeo verbal natildeo satildeo imanentes fixos produzidos que

satildeo por uma pluralidade de discursos que se entrecruzam advindos de condiccedilotildees socio-

histoacutericas e ideoloacutegicas de produccedilatildeo Nessa direccedilatildeo Pecirccheux (2012) vincula os sentidos das

palavras agraves formaccedilotildees ideoloacutegicas de quem as usa afirmando que

66

O sentido de uma palavra de uma expressatildeo de uma proposiccedilatildeo etc natildeo existe lsquoem

si mesmorsquo [] mas ao contraacuterio eacute determinado pelas posiccedilotildees ideoloacutegicas

colocadas em jogo no processo soacutecio-histoacuterico no qual as palavras expressotildees e

proposiccedilotildees satildeo produzidas (PEcircCHEUX 2012 p 190)

A construccedilatildeo do quadro teoacuterico metodoloacutegico desse estudo partiu entatildeo do

pressuposto de que a linguagem natildeo se daacute como evidencia ela se oferece como lugar de

descoberta (cf ORLANDI 2012) O reconhecimento de que a linguagem natildeo eacute transparente

pressupotildee o exerciacutecio constante de querer ver aleacutem da materialidade textual rompendo as

estruturas linguiacutesticas para chegar ao discurso buscando vestiacutegios equiacutevocos e interdiccedilotildees

dispersotildees caminhos que natildeo queiram ldquo[] atravessar o texto para encontrar um sentido do

outro lado A questatildeo que ela coloca eacute como este texto significa Haacute aiacute um deslocamento jaacute

pronunciado pelos formalistas russos onde a questatildeo a ser respondida natildeo eacute lsquoo quecircrsquo mas lsquoo

comordquo (ORLANDI 2012 p 17)

Nesse esteio a formulaccedilatildeo deste objeto de estudo que problematiza a discursividade

dosas docentes frente ao debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero em praacuteticas leitoras busca

assumindo o ponto de vista de umuma analista de discurso verificar a compreensatildeo da

apariccedilatildeo dos enunciados daqueles sujeitos discursivos Apoiado na AD esse estudo pontua a

importacircncia das reflexotildees acerca do discurso e sua vinculaccedilatildeo com o poder das reflexotildees

acerca das posiccedilotildees dos sujeitos envolvidos da opacidade da linguagem que por sua marca

poliacutetica torna-a incapaz dizer e fazer ver tais como satildeo as coisas Assim face aos

questionamentos acerca de como andam as problematizaccedilotildees sobre o que podem meninos e

meninas na esfera escolar em termos de equidade de gecircnero vale observar o lugar histoacuterico

social de onde os enunciadores determinam seus discursos Vale inquirir sobre as vozes que

integram o sujeito discursivo aqui diferenciando esse sujeito do da linguiacutestica geral que aduz

a um sujeito falante homogecircneo dono de seu dizer Na perspectiva da AD o sujeito eacute

constituiacutedo por polifonia noccedilatildeo cunhada de Mikhail Bakhtin que traccedila o entrecruzamento de

discursos como marca do sujeito Ele e suas vozes que ressoam que silenciam falam

reproduzem esquecem explicitam implicitam direta ou indiretamente na materialidade

linguiacutestica Constituiacutedo que eacute entre o eu e o outro decorrente da interaccedilatildeo social o lugar do

sujeito natildeo eacute vazio mas preenchido por aquilo que Pecirccheux (2012) chamou de forma sujeito

(cf SANTOS 2013)

A identificaccedilatildeo dessa constituiccedilatildeo heterogecircnea do sujeito trazida pelos estudos poacutes-

estruturalistas eacute de muita valia para as reflexotildees sobre a linguagem como praacutetica social uma

vez que os enunciados apontam para um lugar-sujeito Apontam que o sujeito discursivo eacute

67

plural atravessado de vozes moventes que se deslocam e se transformam inscrevendo-se em

formaccedilotildees discursivas Por seu turno a compreensatildeo do conceito de formaccedilatildeo discursiva

trabalhado tanto por Foucault (2011) como por Pecirccheux (2012) eacute imprescindiacutevel para oa

analista do discurso uma vez que este conceito explicita como cada objeto do discurso tem na

formaccedilatildeo discursiva a sua regra de apariccedilatildeo tem o engendramento dos jogos de poder Assim

eacute possiacutevel que haja compreensatildeo das histoacutericas condiccedilotildees de produccedilotildees que permitem

veicular o que dizer em determinado espaccedilo social conforme nos mostra Foucault (1995)

Trata-se de compreender o enunciado na estreiteza e singularidade de sua situaccedilatildeo

de determinar as condiccedilotildees de sua existecircncia de fixar seus limites da forma mais

justa de estabelecer suas correlaccedilotildees com os outros enunciados a que pode estar

ligado de mostrar que outras formas de enunciaccedilatildeo exclui (FOUCAULT 1995 p

31)

Isto posto fica evidenciado o quanto o trabalho para oa analista do discurso com os

olhos na noccedilatildeo de formaccedilatildeo discursiva potildee em jogo princiacutepios que evocam a apreensatildeo de

sentidos gestada pela memoacuteria discursiva Essa dimensionada pela AD como um espaccedilo de

memoacuteria coletiva que permite a inscriccedilatildeo dos sujeitos em um corpo soacutecio-histoacuterico-cultural eacute

tambeacutem crucial na compreensatildeo da construccedilatildeo da materialidade discursiva E para pocircr em

jogo os princiacutepios que evocam a apreensatildeo de sentidos se faz necessaacuterio fazer aparecer os

movimentos inacabados que a formaccedilatildeo discursiva implica Movimentos que mostram que

no tecido social da discursividade os enunciados satildeo acontecimentos que tecem

continuidades e descontinuidades dizeres exteriores e anteriores diferentes tipos de discursos

que coexistem aparecem e desaparecem dispersando-se formando-se e transformando-se de

modo complexo ao tempo que integram as formaccedilotildees discursivas (cf FOUCAULT 2012)

Essa integraccedilatildeo espelha a heterogeneidade proacutepria agrave formaccedilatildeo social onde coexistem forccedilas

diferentes plurais Isto explica segundo Fernandes (2008) enunciados estruturalmente

semelhantes significando diferentes discursos decorrentes da inscriccedilatildeo ideoloacutegica desses

enunciados

Nesse sentido os estudos poacutes-estruturalistas trazem conforme Pereira (2005) o

discurso para o centro das atenccedilotildees e afirmam que a linguagem natildeo eacute propriamente uma

representaccedilatildeo da realidade feita pelos sujeitos mas eacute constituidora dos sujeitos e da realidade

A linguagem eacute concebida nessa perspectiva como um loacutecus ativo dinacircmico e enredado por

relaccedilotildees de poder E o discurso concebido como um tipo de sentido um efeito de sentido uma

posiccedilatildeo que se materializa na liacutengua embora natildeo mantenha uma relaccedilatildeo biuniacutevoca com ela

(POSSENTI 2009) A linguagem entatildeo no esteio poacutes-estruturalista natildeo eacute apenas um meio

68

de transmitir ideias ou significados mas eacute a instacircncia em que se constroem os sentidos que

atribuiacutemos ao mundo e a noacutes mesmos dentro de uma pluralidade de sentidos

Fernandes (2008) trata do discurso como accedilatildeo social e reforccedila na linha de Orlandi

(2012) o quanto os discursos estatildeo implicados com a interpretaccedilatildeo dos sujeitos as condiccedilotildees

histoacuterico-sociais de sua produccedilatildeo e a histoacuteria Instacircncias essas que os discursos ldquonatildeo fixos

moventesrdquo e que fazem esses acompanharem as transformaccedilotildees sociais e poliacuteticas pelas quais

passam o mundo Essas consideraccedilotildees permitem aduzir o quanto a liacutengua se insere na histoacuteria

mediando-a e a constituindo gestando sentidos sentidos esses produzidos face aos lugares

ocupados pelos sujeitos em interlocuccedilatildeo

No que concerne agrave relaccedilatildeo sujeito e enunciado Fernandes (2008 p 28) pontua a

percepccedilatildeo da polifonia como elemento importante para a compreensatildeo do sujeito discursivo

ldquo[] requer compreender quais satildeo as vozes sociais que se fazem presentes em sua vozrdquo

(FERNANDES 2008 p 28) entrecruzada que eacute de diferentes discursos considerando que

natildeo haacute sujeito homogecircneo em decorrecircncia de sua interaccedilatildeo na sociedade Esse autor traz

tambeacutem relaccedilotildees entre o sujeito e a linguagem relaccedilotildees de base psicanalista cuja perspectiva

incide em um sujeito cindido descentrado considerando que

Sempre sob as palavras outras palavras satildeo ditas O sujeito tem a ilusatildeo de ser o

centro de seu dizer pensa exercer o controle dos sentidos do que fala mas

desconhece que a exterioridade estaacute no interior do sujeito em seu discurso estaacute o

lsquooutrorsquo compreendido como exterioridade social (FERNANDES 2008 p 29-30)

De posse de categorias analiacuteticas caras agrave AD como a formaccedilatildeo discursiva e o

descentramento do sujeito categorias discursivas que dialogam com formulaccedilotildees

foucaultianas a saber ldquonatildeo haacute enunciado que natildeo suponha outros natildeo haacute nenhum que natildeo

tenha em torno de si um campo de coexistecircnciasrdquo (FOUCAULT 1995 p 114) reflito sobre o

esteio que permite pensar as vozes escolares Nesse sentido todo enunciado eacute uma reacuteplica a

outros enunciados Com esse marco teoacuterico o debate sobre leitura e as relaccedilotildees de gecircnero que

atravessam as vozes escolares eacute compreendido como um espaccedilo de luta hegemocircnica como

praacutetica social Esta entendida como um conjunto de atividades humanas que engendram tanto

as condiccedilotildees de produccedilatildeo dos discursos quanto as condiccedilotildees de existecircncia de uma sociedade

(SPINK MENEGON 1999) eacute uma de minhas bases de discussatildeo do proacuteximo toacutepico que

envolve a importacircncia da praacutetica da leitura na escola como praacutetica social

69

25 Os processos de significaccedilatildeo e subjetivaccedilatildeo a leitura como praacutetica social

Sobre a praacutetica da leitura na escola eacute notaacutevel deveras que esta eacute mateacuteria instigante e

apreciada por tantos estudiosos da educaccedilatildeo (FREIRE 1988 2002) (SILVA E T 2009

2011) (SOARES 2001 2011) (ANTUNES 2009) do socioconstrucionismo (MOITA

LOPES 2002) da Anaacutelise do Discurso (POSSENTI 2009 ORLANDI 2008) entre outros

que se ater sobre o tema eacute se deparar com incontaacuteveis e fecundas pesquisas Isto me instiga a

pensar que muito jaacute foi dito Entretanto face agrave complexa questatildeo eacute sempre desafiador

imersoa na proacutepria realidade profissional problematizar a praacutetica pedagoacutegica imbuiacutedoa de

um desejo pelo inacabado E mover-se na problematizaccedilatildeo da leitura em uma interface

temaacutetica com gecircnero tendo como aporte teoacuterico as reflexotildees instigadas pela AD acerca da

leitura que a trata em uma perspectiva discursiva eacute enveredar por um desafio que atrai Vale

pensando assim inquirir de que forma a leitura tem participado dos processos de subjetivaccedilatildeo

quais satildeo enfim as verdades veiculadas pelas praacuteticas leitoras Dizendo na sintonia com a

AD os discursos sobre as relaccedilotildees de gecircnero estatildeo inscritos em uma determinada formaccedilatildeo

discursiva e operam constituindo que subjetividades segundo os campos do que eacute possiacutevel

pensar dizer julgar fazer na praacutetica leitora desenvolvida

Orlandi (2008) postulando os pressupostos teoacutericos da AD traz pontos cruciais para

uma accedilatildeo problematizadora com a leitura A autora faz referecircncias aos muacuteltiplos modos de

leitura (do ato de decodificar estrita aprendizagem formal de aprender a ler e escrever agrave

atribuiccedilatildeo de sentidos) dependendo cada acepccedilatildeo de seu modo de produccedilatildeo A analista

trabalha a concepccedilatildeo de leitura como um processo complexo no qual para as muacuteltiplas

determinaccedilotildees de sentidos que lhe envolvem exigem-se mais habilidades do que o

imediatismo da accedilatildeo de ler

Quando se lecirc considera-se natildeo apenas o que estaacute dito mas tambeacutem o que estaacute

impliacutecito aquilo que tambeacutem natildeo estaacute dito mas estaacute significando E o que natildeo estaacute

dito pode ser de vaacuterias maneiras o que natildeo estaacute dito mas que de certa forma

sustenta o que estaacute dito o que estaacute suposto para que se entenda o que estaacute dito

aquilo a que o que estaacute dito se opotildee outras maneiras diferentes de se dizer o que se

disse e que significa com nuances distintas etc (ORLANDI 2008 p 11)

Eacute instigante o olhar de Orlandi (2008) para que se pense no que natildeo eacute visiacutevel no

texto mesmo que o constitua como forma de assumir uma perspectiva discursiva sobre

leitura Dessa perspectiva concebe-se o pensamento acerca da produccedilatildeo da leitura como parte

do processo de instauraccedilatildeo de sentidos as especificidades e histoacuteria do sujeito-leitor satildeo

70

atentadas O fato de que tanto o sujeito quanto os sentidos satildeo determinados historicamente

tambeacutem faz parte das preocupaccedilotildees doa analista Tambeacutem satildeo preocupaccedilotildees doa analista a

noccedilatildeo de que os modos e efeitos de leitura de cada eacutepoca tecircm relaccedilatildeo iacutentima com a nossa

produtividade intelectual Eacute nesse sentido a ideia de referecircncia agrave historicidade agraves condiccedilotildees

de produccedilatildeo de leitura com a compreensatildeo dos jogos de poder entre os sujeitos e as

instituiccedilotildees que determinam como lemos que parece perseguir a AD eacute o que assegura Orlandi

(2008) Eacute da leitura como processo que interessa a esse campo de estudo da linguagem o

texto desse modo natildeo eacute um produto que conteacutem uma informaccedilatildeo pronta para ser ldquolidardquo eacute

um artefato cultural unidade complexa de significaccedilatildeo cujo crescimento natildeo ldquoeacute soacute para a

frente relacionando-se com o que ele natildeo eacuterdquo uma vez que o espaccedilo simboacutelico (os impliacutecitos)

entre enunciados efetivamente realizados eacute constitutivo do texto bem como sua relaccedilatildeo com

outros textosrdquo (ORLANDI 2008 p 46)

Como disciplina que se propotildee conhecer os mecanismos de processos de

significaccedilatildeo a AD trata da interaccedilatildeo da leitura na escola acolhendo a ideia foucaultiana de

que diferentes formas de poder produzem diferentes formas de individualidades e diferentes

sujeitosndashleitores Atentar para esta construccedilatildeo pode ser uma forma de evitar reducionismos de

limitar leitura agrave expressatildeo verbal de natildeo considerar o conhecimento preacutevio do aluno entre

outros

[] se sabemos portanto que haacute essa constituiccedilatildeo histoacuterica do sujeito na sua relaccedilatildeo

com a linguagem (logo com a leitura) e se sabemos que ideologicamente o sujeito

leitor se apresenta como esse sujeito capaz da livre determinaccedilatildeo dos sentidos ao

mesmo tempo em que eacute um sujeito submetido agraves regras das instituiccedilotildees como agir

na escola em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo do sujeito- leitor Ou mais simplesmente dada a

configuraccedilatildeo histoacuterica do sujeito-leitor produzido pela sociedade capitalista como

trabalhar com a relaccedilatildeo entre leitura parafraacutestica - leitura polissecircmica (ORLANDI

2008 p 50)

Orlandi (2008) trata dos processos de significaccedilatildeo de leitura na escola considerando

que eacute de grande relevacircncia que esta praacutetica seja desenvolvida tendo uma metodologia de

ensino consequente que explicite os espessos processos de produccedilatildeo de sentido

historicamente determinados ldquoA transparecircncia dos sentidos que brotam de um texto eacute

aparente e tanto quem ensina quanto quem aprende a ler deve procurar conhecer os

mecanismos que aiacute estatildeo jogando (ORLANDI 2008 p42)

Por seu turno Moita Lopes (2002) envolto com as teorias socioconstrucionistas do

discurso e das identidades sociais pontua a importacircncia de em contextos institucionais e em

especial em eventos de leituras atentarmos ldquopara o que fazemos com os outros no mundo por

71

meio da linguagemrdquo (MOITA LOPES 2002 p 14) Este autor se diz atraiacutedo tanto quanto o

mundo acadecircmico pelo papel constitutivo do discurso na construccedilatildeo de quem somos como

sujeitos que aprendem a ser quem satildeo discursivamente Esta perspectiva teoacuterica com a qual o

estudioso se move para refletir sobre as praacuteticas de letramento nas escolas eacute de suma

perspicaacutecia porque pontua por uma ampla aposta na consciecircncia do que faz a leitura eacute uma

praacutetica social E assim concebida como praacutetica social cuida que homens e mulheres

leitoresas natildeo satildeo produtos de um vaacutecuo social trazem suas marcas sociohistoacutericas

engendram-se por condiccedilotildees de construccedilotildees discursivas

Ler eacute legitimar ou questionar identidades eacute nessa direccedilatildeo de entendimento que

caminha Moita Lopes (2002) Direccedilatildeo pela qual vou porque tambeacutem defendo agrave luz de um

olhar socioconstrucionista que eacute com e pela leitura mediadosas pelas narrativas que dela

fazemos que construiacutemos um repertoacuterio de quem somos e de quais satildeo nossas accedilotildees sociais

Nesse sentido os processos formadores de identidades que satildeo dialoacutegicos e constitutivos pela

linguagem merecem a acuidade do olhar do agente de letramento Merecem pelas

possibilidades discursivas que esse sujeito pode construir no tocante agrave reflexatildeo acerca da

condiccedilatildeo humana de sujeito-forma (cf PEcircCHEUX 2012)

Haacute nas reflexotildees trazidas por Moita Lopes (2002) a busca pela desnaturalizaccedilatildeo do

senso comum eivado que eacute este de narrativas nas quais as identidades satildeo homogecircneas

hegemonicamente heterossexuais e brancas E este propoacutesito problematizador pode fecundar e

estar assegurado pela loacutegica da inserccedilatildeo de praacutetica de letramento

Argumenta-se que as histoacuterias contadas funcionam como pacotes de conhecimento

sobre como agir no mundo (Jordan 1989) ecoando discursos a que os alunos satildeo

expostos na miacutedia na famiacutelia etc Com base no potencial que as histoacuterias tecircm de

envolver as pessoas em reflexatildeo sobre a vida social considera-se a importacircncia de

permitir que outras histoacuterias sobre outros tipos de identidades adentrem a sala de

aula ao mesmo tempo que se promove o uso de sistemas de coerecircncia que

desnaturalize o senso comumrdquo (MOITA LOPES 2002 p 20-21)

Desnaturalizar o senso comum eacute desdobrar processos de subjetivaccedilatildeo dos quais as

leituras tecircm participado obedecendo a regras histoacutericas legitimadoras No processo de

legitimaccedilatildeo de leituras a escola eacute uma das instituiccedilotildees em que circula a leitura crivada pelo

olhar de um especialista o professor respaldada em um livro didaacutetico adotado em um

processo bem verticalizado Esta tem sido uma praacutetica redutora considerando estudos que

evidenciam o grau de comprometimento das obras com a negaccedilatildeo de que o sujeito discursivo

eacute plural atravessado de vozes moventes que se deslocam e se transformam inscrevendo-se

em formaccedilotildees discursivas As inquietaccedilotildees trazidas por Moita Lopes (2002) vatildeo na direccedilatildeo de

72

problematizar a circulaccedilatildeo e produccedilatildeo das leituras com esta direccedilatildeo redutora Esse autor traz

outras bases aos modelos legitimados ampliando a natureza multifacetal de seres humanos a

ser lida discutida Para isto vaticina o estudioso o advento das mudanccedilas bruscas deste iniacutecio

de milecircnio com o caudaloso acesso agraves tecnologias da informaccedilatildeo que expotildeem um mundo

plural e muacuteltiplo eacute um adendo a esta questatildeo

Eacute curioso ver que a miacutedia eletrocircnica que evidencia a chamada Globalizaccedilatildeo ao

mesmo tempo em que aproxima o mundo incorrendo no perigo de homogeneizaacute-lo

colabora para que percebamos a diferenccedila de que somos feitos e as desigualdades e

contradiccedilotildees sociais sob as quais vivemos Essas percepccedilotildees tecircm alterado como

nunca a concepccedilatildeo homogecircnea de identidade social e tecircm levado a nos entendermos

como heterogecircneos e ao mesmo tempo fragmentados e construiacutedos com praacuteticas

discursivas situadas na histoacuteria na cultura e na instituiccedilatildeo (MOITA LOPES 2002

p 15-16)

Somam-se a este olhar socioconstrucionista sobre leitura como praacutetica social que

contempla uma accedilatildeo de ler proficuamente ajustada aos postulados dos DH no que diz respeito

agrave defesa de um mundo plural as contribuiccedilotildees da AD Orlandi (2008) pontua a leitura numa

relaccedilatildeo de historicidade de modos de relaccedilatildeo de trabalho e de produccedilatildeo de sentidos Ler e

compreender na perspectiva trabalhada por esta analista natildeo se traduz em atribuir sentidos

mas conhecer os mecanismos pelos quais se potildee em jogo um determinado processo de

significaccedilatildeo

Os sentidos natildeo nascem ab initio Satildeo criados Satildeo construiacutedos em confrontos de

relaccedilotildees que satildeo soacutecio-historicamente fundadas e permeadas pelas relaccedilotildees de poder

com seus jogos imaginaacuterios Tudo isso tendo como pano de fundo e ponto de

chegada quase que inevitavelmente as instituiccedilotildees Os sentidos em suma satildeo

produzidos (ORLANDI 2012 p 83)

26 A leitura como mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de identidades

Apoacutes as consideraccedilotildees acerca dos dispositivos teoacutericos que apoiam esta anaacutelise os

quais me remetem agrave ideia de que o sujeito da leitura e do discurso eacute um sujeito histoacuterico que

fala a partir de condiccedilotildees especiacuteficas de enunciaccedilatildeo cabe pensar sobre a leitura como

produtora e reprodutora de discurso e sobre a importacircncia desse entendimento para um

trabalho no espaccedilo escolar que perspective angariar reflexotildees acerca de processos de

subjetivaccedilatildeo Em minhas buscas para levantamento de um estado da arte que contribuiacutesse

teoricamente com essa perspectiva encontrei produccedilotildees acadecircmicas que atrelavam leituras

subjetividades discursividades e relaccedilotildees de gecircneros no espaccedilo escolar bem pertinentes

Alguns relatos aqui pontuados vatildeo ao encontro das consideraccedilotildees por mim tecidas colhidas

73

pelos pressupostos teoacutericos jaacute aqui tratados tendo sido inclusive uacuteteis na confecccedilatildeo dos

instrumentos investigativos e de suas anaacutelises para este trabalho

Larrosa (2004) problematiza o ato de ler sob o crivo vinculador deste ato agraves praacuteticas

de liberdade O autor em um ensaio intitulado ldquoLeitura e metamorfoserdquo ao analisar o poema

O leitor de Rilke trata da experiecircncia da leitura em sua dimensatildeo complexa e de plenitude do

existente leitura que transforma que transfigura que torna o leitor um outro Larrosa (2004)

ao se debruccedilar sobre a poesia existencial e metalinguiacutestica de Rilke nega a pessoalidade do

leitor cravando sua dispersatildeo Isto fica demonstrado segundo o ensaiacutesta no seguinte verso

ldquoQuem o conhece este que baixou seu rosto de um ser ateacute um segundo serrdquo(RILKE 1908

apud LARROSA 2004 p 97) Para Larrosa (2004) o poeta trabalha com o movimento do

olhar descrito no poema como o movimento que delineia conversotildees apropriaccedilotildees de

mudanccedilas Assim o leitor que se curva entrega-se aprende a ver de outra maneira e eacute

desconhecido entatildeo ateacute por sua matildee como pode ser visto no segundo quarteto do poema a

saber ldquoNem sequer sua matildee estaria segurase ele eacute aquele que ali lecirc algo mergulhadoem

sua sombrardquo (RILKE 1908 apud LARROSA 2004 p 97) eacute o leitor que angaria olhos

daacutedivos traccedilos alterados para sempre Haacute uma forccedila poeacutetica na imagem do leitor em

silecircncio curvado despersonalizado e por fim transformado da qual Larrosa (2004) se

apropria para trazer uma reflexatildeo em cima do que significa um mundo pronto administrado e

acabado quando ldquotopadordquo por leitores Eacute dessa leitura cujo sentido eacute o de experiecircncia da

reconstruccedilatildeo das travessias diante de um mundo hostil e pronto que a leitura para esse autor

inscreve-se

Alicerccedilado em uma visatildeo de leitura como praacutetica social situada Moita Lopes (2002)

ressalta a accedilatildeo constitutiva do discurso na construccedilatildeo da vida social aprendemos a nos tornar

o que somos com base em fatores sociais e histoacutericos constituiacutedos discursivamente Esse

autor direcionou pesquisas com as praacuteticas de letramento coordenando experiecircncias de

investigaccedilatildeo sobre praacuteticas discursivas em escola puacuteblica do Rio de Janeiro objetivando

investigar a relaccedilatildeo entre texto e formaccedilatildeo de identidade na esfera pedagoacutegica

especificamente a sala-de-aula

Dentre os espaccedilos institucionais em que atuamos a escola tem sido continuamente

apontada como um dos mais importantes na construccedilatildeo de quem somos ou dessa

fragmentaccedilatildeo identitaacuteria Eacute um dos primeiros espaccedilos sociais a que a crianccedila tem

acesso longe da vigilacircncia da famiacutelia a outros modos de ser humano diferentes

daqueles do mundo relativamente homogeneizado da famiacutelia Ou seja eacute na escola

que em geral a crianccedila se expotildee pela primeira vez agraves diferenccedilas que nos constituem

e que portanto representam as primeiras ameaccedilas ao mundo da famiacutelia (MOITA

LOPES 2002 p 17)

74

Como integrante da equipe de pesquisa coordenada pelo autor acima referendado

Santos (2002) categoriza que leitura eacute um fenocircmeno cultural em que as pessoas constroem

sentidos em interaccedilatildeo com outras

[] ler eacute uma accedilatildeo social na qual estatildeo envolvidos a negociaccedilatildeo o

compartilhamento a construccedilatildeo de significados entre leitores e textos Isto eacute a

leitura eacute uma accedilatildeo social porque implica a procura do significado mediado pelo

discurso escrito entre dois sujeitos sociais principais o leitor e o autor situados

soacutecio-historicamente (SANTOS 2002 p 159)

Em consonacircncia com o olhar de Moita Lopes Santos (2002) percebe a leitura como

uma praacutetica social considerando que os significados construiacutedos pelos sujeitos-leitores

refletem o contexto social imediato no qual estatildeo localizados como tambeacutem o mundo social

mais amplo que situa esses contextos Conceber a leitura nessa perspectiva eacute tarefa que exige

do mediador a percepccedilatildeo de que haacute sempre em eventos de leitura uma indeterminaccedilatildeo de

significados em funccedilatildeo da pluralidade de contextos e sujeitos

Coimbra (2002) objetivando refletir as bases discursivas que constroem social e

assimetricamente meninos e meninas utiliza a visatildeo de discurso como forma de accedilatildeo no

mundo e aborda a importacircncia do contexto escolar para a formaccedilatildeo das identidades sociais

Essa professora alinhada com os estudos de Moita Lopes e diante da indagaccedilatildeo sobre qual

seria a forma em que ela e alunosas estariam construindo a identidade social de gecircnero da

mulher em uma escola puacuteblica no Rio de Janeiro propotildee-se a refutar uma visatildeo de mundo

essencialista

Adoto uma visatildeo de discurso como uma forma de accedilatildeo no mundo e um meio pelo

qual nossa cultura e nossas identidades satildeo constituiacutedas e definidas Como diz Moita

Lopes (1998) as identidades natildeo estatildeo nos indiviacuteduos mas emergem nas interaccedilotildees

entre os indiviacuteduos agindo em praacuteticas discursivas particulares nas quais estatildeo

posicionados [] Da mesma forma o comportamento diferenciado de gecircnero natildeo

existe naturalmente como parte essencial do indiviacuteduo Ele eacute tambeacutem construiacutedo na

interaccedilatildeo social (COIMBRA 2002 p 210)

Para refutar o essencialismo esse aqui entendido na perspectiva que lhe datildeo os

Estudos Culturais como uma percepccedilatildeo de mundo que atribui aos seres humanos marcas

universais imutaacuteveis e pertencentes ao indiviacuteduo naturalmente (HALL 2011 SILVA 2012)

Coimbra lanccedila matildeo dos estudos sobre gecircnero adotados por Louro que concebem gecircnero

como um sistema de relaccedilotildees de poder calcado nas estruturas sociais o que possibilita a

reflexatildeo sobre o quanto as praacuteticas discursivas sustentam a primazia masculina

75

[] a visatildeo essencialista enfatiza as caracteriacutesticas bioloacutegicas e reduz a importacircncia

do contexto soacutecio-histoacuterico naturalizando o poder do homem e as desigualdades

social e econocircmica estabelecidas entre os gecircneros masculino e feminino Isto eacute as

desigualdades satildeo percebidas como consequecircncias naturais e inevitaacuteveis da natureza

bioloacutegica das mulheres e dos homens e natildeo satildeo entendidas como historicamente

construiacutedas e modificaacuteveis (LOURO apud COIMBRA 2002 p 212)

Por considerar a escola elemento reprodutor ou transformador da sociedade porque

veicula enquadramento vontade imposta ao outro sobre seus corpos construccedilatildeo de estigmas

de silecircncios estereoacutetipos e exclusotildees ou porque veicula emersatildeo de vozes que desejam

escuta diaacutelogo e respeito em um sinal de resistecircncia Silva A L G (2009) trata da produccedilatildeo

de sentidos nesse espaccedilo Essa autora chama a atenccedilatildeo para as demandas sociais na

contemporaneidade sobre corporeidade sexualidade e identidade de gecircnero na escola

demandas que traduzem um mundo cambiante vertiginoso movente pleno de

questionamentos que tem nos deixado atocircnitos e sem respostas em seu dizer Sem respostas

ldquoprontasrdquo melhor seria dito porque no cotidiano escolar nos deparamos com uma cultura

que a despeito de ser marcada pela pluralidade reflete a disseminaccedilatildeo da

heteronormatividade da diferenccedila como desvio e de padrotildees de comportamentos para

meninos e meninas Haacute um conjunto de conteuacutedos cognitivos e simboacutelicos que selecionados

sob efeito de didatizaccedilotildees atravessam segundo (SILVA A L G 2009) os muros e

instrumentos escolares engendrando liccedilotildees de corpos disciplinados normalizados E dessas

liccedilotildees questiona a pedagoga qual o lugar do outro nas relaccedilotildees escolares enfim como

meninos e meninas satildeo educadosas

Carvalho (2003) nessa direccedilatildeo fala das experimentaccedilotildees com praacuteticas pedagoacutegicas

problematizadoras do modelo que institui a iniquidade de gecircnero Essa educadora procura

responder sobre as questotildees de gecircnero salientando a importacircncia da luta das mulheres

educadoras por sistematizaccedilotildees de estrateacutegias de intervenccedilatildeo nas atividades e no curriacuteculo

escolar para o desenvolvimento da consciecircncia de gecircnero Essa eacute uma tendecircncia que segue o

olhar militante de um feminismo que se manifesta e se fortalece a cada dia mas que precisa

dar passos marcantes no debate escolar sobre as formas de subjetivaccedilatildeo de ser homem e ser

mulher

A escola tem ferrolhos fortes na trava para o novo para o desmantelo das

assimetrias a despeito de guardado em armaacuterios e prateleiras das instituiccedilotildees muitas vezes

estaacute todo um ordenamento da legislaccedilatildeo educacional que institui avanccedilos na conquista de

uma escola que respeite a pluralidade cultural e a dignidade humana Carvalho (2003) fala

atraveacutes de seu envolvimento com a temaacutetica das relaccedilotildees de gecircnero na educaccedilatildeo do

76

caminhar que se esboccedila na escola de um processo de desconstruccedilatildeo de uma visatildeo e divisatildeo

de mundo androcecircntrica Fruto possivelmente a autora afirma do ativismo de algunsmas

educadoresas

[] Eacute plausiacutevel supor que o reconhecimento das diferenccedilas de gecircnero inicialmente

invisiacuteveis ou natildeo problemaacuteticas jaacute seja o resultado da problematizaccedilatildeo propiciada

pela oficina No contexto escolar apontam problemas como filas atividades e

brincadeiras separadas por sexo violecircncia na sala de aula e no recreio problema de

higiene e limpeza da escola manifestaccedilotildees da sexualidade na preacute-adolescecircncia e

adolescecircncia (brincadeiras sexuais gravidez precoce discriminaccedilatildeo dos

homossexuais) e das dificuldades das professoras de trabalharem com Orientaccedilatildeo

sexual (CARVALHO 2003 p 72)

O fazer pedagoacutegico trama produccedilotildees de sentidos que satildeo construiacutedas em praacuteticas

discursivas em gestos e olhares que muito dizem sobre os corpos e a sexualidade no

cotidiano escolar Rollemberg (2002) adotando a perspectiva socioconstrucionista do

discurso estuda como osas professoresas constroem sua identidade social e profissional por

meio de suas narrativas de vida A autora reforccedila a ideia de que o discurso tambeacutem determina

e eacute determinado por contextos socioculturais especiacuteficos nos quais esses sujeitos atuam e de

que esses sujeitos possuem naturezas multifacetadas

O professor ou professora eacute tambeacutem homem mulher marido esposa pai matildee

filho filha segue determinada religiatildeo tem suas crenccedilas sua visatildeo de mundo

ocupa certa posiccedilatildeo social e enfim torna-se professor na interaccedilatildeo desse mosaico de

diferentes traccedilos que o constituem Seu discurso reflete entatildeo essa natureza

multifacetada e nas diversas praacuteticas discursivas nas quais se envolvem os

professores vatildeo se reconstruindo como tais (ROLLEMBERG 2002 p 251)

Em artigo que discorre sobre uma investigaccedilatildeo feita em escola na qual leciona

Rollemberg (2002) aborda a construccedilatildeo social do discurso e da identidade profissional dos

educadoresas entrecortada por identidade de gecircnero A autora aborda as relaccedilotildees de poder

que se estabelecem em contextos sociais e culturais que forjam que moldam seres diferentes

com posiccedilotildees assimeacutetricas socialmente Ao tratar dos traccedilos de gecircnero o estudo de

Rollemberg adota tambeacutem a visatildeo processual das identidades e as tem como natildeo-fixas natildeo-

imutaacuteveis natildeo-estaacuteticas construiacutedas discursiva e socialmente

Cruz (2012) ao discorrer sobre a utilizaccedilatildeo do texto literaacuterio descarta

veementemente a noccedilatildeo de ler como decifrar palavras e questiona sobre o modo de

apropriaccedilatildeo desse texto por parte da escola A autora fala de seus fracassos com atividades de

leituras procurando explicaacute-los entre tantos lastros pelo processo de interlocuccedilatildeo na leitura

77

de textos para a qual o leitora eacute construtora e natildeo apenas receptora de um significado

global para o texto

Foi com essa consciecircncia (que eacute um aprendizado) que passei a analisar a relaccedilatildeo

existente entre leitor o texto o autor e a realidade que circunda todos Essa anaacutelise

me fez perceber que o docente (no caso eu) elaborava as atividades do seu ponto de

vista sem conversar e portanto sem conhecer a partir das falas dos alunos o modo

como eles se apropriavam dos textos literaacuterios e a relaccedilatildeo que eles tinham com o

mundo da leitura Essa ausecircncia de diaacutelogo entre as partes estimulava o desinteresse

dos alunos e a reproduccedilatildeo de leituras mecanizadas que soacute serviam para

cumprimento de tarefas obrigatoacuterias (CRUZ 2012 p 161)

Ao discutir por sua vez o papel de mediadora da leitura pela escola Bastos (2012)

remonta agrave histoacuteria dessa praacutetica no Brasil tratando de uma heranccedila natildeo leitora onde haacute a

rarefaccedilatildeo e esgarccedilamento da praacutetica que sedimenta a justificativa de professoresas para o

distanciamento do livro falta de tempo condiccedilotildees financeiras Esta autora dessacraliza o ato

de ler falando de leituras na relaccedilatildeo leitortextocontexto

A relaccedilatildeo leitortexto soacute tem sentido se houver compreensatildeo do que e para que se lecirc

O papel da escola nesse processo eacute perigoso porque tanto ela pode formar um leitor

criacutetico e assim libertaacute-lo dos preceitos ideoloacutegicos o que seria o ideal como

conduzi-lo para o extremo oposto acorrentando-o agrave ideologia dominante que ao

iludir cria falsos valores (BASTOS 2012 p 194)

Nesse sentido a autora supracitada tece comentaacuterios que satildeo intrincados com a

percepccedilatildeo de formaccedilatildeo discursiva da AD como um conjunto de formas reguladas

atravessando leituras postuladas E que agrave escola que se pretende inclusiva e democraacutetica

cabe ser mediadora de leitura em uma perspectiva que aposte na consciecircncia de que a leitura eacute

produtora e reprodutora de sentidos Bastos (2012) reforccedila uma ideia que lanccedila uma instigante

reflexatildeo sobre os que observam de forma mais questionadora o corrente sentido de leitura

Por fim e talvez mais importante assumir tambeacutem que para grande parte da

populaccedilatildeo a leitura natildeo representa um gecircnero de primeira necessidade e portanto

pode viver sem ela e pouco ou nada tem a ver com a presenccedila ou ausecircncia de prazer

esteacutetico (BASTOS 2012 p 194-195)

No que tange agrave importacircncia das condiccedilotildees sociais de produccedilatildeo e de acesso agrave leitura

Soares (2001) oferece uma importante contribuiccedilatildeo sobre o tema a leitura natildeo existe em um

vaacutecuo em atos isolados e universalizantes Ela estaacute engendrada em relaccedilotildees socialmente

construiacutedas favorecendo o fato de que a interaccedilatildeo seja uma marca do ato de ler Assim ler

tem diferentes valores para as classes sociais para as diferentes etnias e culturas A autora

analisa atraveacutes de resultados de pesquisas com entrevistados de diferentes extratos sociais o

78

quanto ler corresponde a diferentes expectativas Para a classe dominante por exemplo ler

relaciona-se a lazer a prazer agrave ampliaccedilatildeo de horizontes de conhecimentos Por seu turno as

classes dominadas veem na leitura uma funccedilatildeo utilitaacuteria de acesso ao mundo do trabalho agrave

garantia da sobrevivecircncia

No tocante agrave importacircncia dos estudos de gecircnero as reflexotildees de Aras e Cunha (2011)

acerca das divisotildees no mundo de trabalho entre homens e mulheres satildeo pertinentes Essas

autoras pontuam que ao analisarem as relaccedilotildees de gecircnero no magisteacuterio em um curso de

capacitaccedilatildeo para professores e professoras da Rede Estadual de Ensino da Bahia o PROLE

constataram que as mulheres enfrentam uma dificuldade de conciliar tarefas tendo em vista

que se dividem entre a casa e o trabalho de modo extenuante o que revela uma exploraccedilatildeo

nas relaccedilotildees de gecircnero As autoras citam uma pesquisa jaacute um pouco antiga mas que dadas as

proporccedilotildees com que os dados se alteram deve ainda traduzir um quadro bem representativo

da realidade atual Segundo pesquisa feita por Aguiar (2004 apud ARAS CUNHA 2011 p

45) durante a semana a jornada diaacuteria da mulher eacute de 502 minutos 5 maior que a do

homem que trabalha 480 minutos No fim de semana a diferenccedila eacute ainda maior enquanto a

carga masculina eacute de 201 minutos a da mulher eacute de 326 ou seja 62 maior Se a mulher for

matildee este iacutendice cresce ainda mais mesmo que tenha quem a ajude Esses dados e demais

outros revelados pelas autoras refletem uma cultura que molda um lugar para a mulher o

espaccedilo privado e que mesmo tendo estaacute avanccedilado em conquistas sociais que a potildeem no

espaccedilo puacuteblico haacute uma cultura machista que oprime as mulheres trabalhadoras dando-lhes

um papel central na administraccedilatildeo da vida familiar na educaccedilatildeo dos filhos nas tarefas

ldquonaturalizadasrdquo como femininas Aras e Cunha (2011) avaliam o quanto os estudos de gecircnero

constroem bases importantes para a reflexatildeo desse sistema desmantelando as assimetrias no

interior da famiacutelia

Por sua vez Sardenberg e Suzarte (2011) discutem a importacircncia da perscruta dos

sujeitos que se encontram nas escolas ouvindo o que ressoam suas vozes As autoras

refletem a partir de relatos de grupos de mulheres pertencentes agraves camadas populares sobre a

representaccedilatildeo da educaccedilatildeo escolar como perspectiva de empoderamento para os membros

desses grupos As feministas perpassam por questotildees que mostram as representaccedilotildees do

espaccedilo escolar como lugar de esperanccedila e liberdade oportunidade de se emancipar social e

individualmente de prover-se de ldquoum novo instrumental de conhecer e atuar ou ateacute mesmo

de transformar-se

Buscar ressonacircncia das praacuteticas discursivas dosas docentes nas atividades de leitura

realizadas por estesas eacute um trabalho que exige o afiar de sentidos ao qual Louro (2012) se

79

refere Haacute qual espaccedilo nas praacuteticas de leitura nas falas e histoacuterias disseminado para a

discussatildeo da equidade de gecircnero trazida pelo movimento de mulheres e movimentos que

apregoam o respeito agraves diversidades A pesquisadora dos estudos feministas aponta a

importacircncia de buscar uma reflexatildeo que pontue o lugar da escola na construccedilatildeo de um ideaacuterio

de respeito agraves diferenccedilas e agrave alteridade

Portanto se admitimos que a escola natildeo apenas transmite conhecimentos nem

mesmo apenas os produz mas que ela tambeacutem fabrica sujeitos produz identidades

eacutetnicas de gecircnero de classe se reconhecemos que essas identidades estatildeo sendo

produzidas atraveacutes de relaccedilotildees de desigualdade se admitimos que a escola estaacute

intrinsecamente comprometida com a manutenccedilatildeo de uma sociedade dividida e que

faz isso cotidianamente com nossa participaccedilatildeo e omissatildeo se acreditamos que a

praacutetica escolar eacute historicamente contingente e que eacute uma praacutetica poliacutetica isto eacute que

se transforma e pode ser subvertida e por fim se natildeo nos sentimos confortaacuteveis com

essas divisotildees sociais entatildeo certamente encontramos justificativas natildeo apenas para

observar mas especialmente para tentar interferir na continuidade dessas

desigualdades (LOURO 2012 p 89)

E a leitura efetivamente pode ser um instrumento que propicie este ideaacuterio Mas

cabe sempre inquirir que textos circulam nestes espaccedilos regulando modos de subjetivaccedilatildeo da

comunidade escolar No que se refere agrave presenccedila substancial do livro didaacutetico no cotidiano

escolar como um dos principais instrumentos manuseados por docentes e discentes eacute

importante a anaacutelise desse material em seu aspecto poliacutetico e cultural Considerando os

comportamentos sociais que tecircm sido construiacutedos acerca da imagem masculina e feminina

veiculados pelos livros didaacuteticos Marques (2009) assevera que as representaccedilotildees do lugar

social do homem e da mulher ainda satildeo bem demarcadas pelas forccedilas patriarcais e hierarquia

de gecircneros A autora debruccedilou-se entre outros sobre os resultados de uma exaustiva pesquisa

realizada por uma comissatildeo instituiacuteda pelo MEC em 1991 para analisar 80 coleccedilotildees de

Estudos Sociais da 1ordf agrave 4ordf seacuterie E conforme Marques (2009) foram observadas fortes

tendecircncias de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo de conteuacutedos que evidenciam modelos que atestam

papeacuteis sociais para homens e mulheres minados de preconceitos estereoacutetipos e enganosos

quando a imagem da famiacutelia e a da escola eacute a de que vivem isentas de conflitos A autora

revela o quanto o livro didaacutetico discrimina a mulher restringindo o seu universo ao espaccedilo

domeacutestico As imagens como construccedilotildees sociais possuem historicidade na sua posiccedilatildeo A

naturalizaccedilatildeo da divisatildeo sexual dos papeacuteis sociais incorre em uma posiccedilatildeo de imobilidade

social tendo em vista a cristalizaccedilatildeo de modelos o pai provedor e a matildee cuidadora Ele o

homem aparece envolto em leituras trabalho fornecendo agrave famiacutelia sustento e lazer ela a

mulher em funccedilotildees que a limitam agrave casa o que ocasiona a ideia de alienaccedilatildeo

80

Marques (2009) salienta o quanto a emergecircncia dos movimentos de mulheres por sua

cidadania plena a despeito de sua forccedila social natildeo encontra visibilidade nos livros didaacuteticos

Estes equiacutevocos todavia satildeo verificados hoje como natildeo mais representativos

substancialmente dos livros didaacuteticos e paradidaacuteticos fruto de um ativismo dos movimentos

de mulheres que terminou pressionando editoras secretarias estaduais e municipais no sentido

de envidar esforccedilos para que se repense o uso deste instrumento de modo mais criacutetico

Considerando o caraacuteter mercadoloacutegico do livro didaacutetico Marques (2009) salienta o quanto a

formaccedilatildeo doa professora para a escolha do material didaacutetico e sua mediaccedilatildeo com os textos eacute

de relevacircncia inconteste O risco de reproduzirmos discursos e representaccedilotildees machistas e

patriarcais eacute inerente aoagrave educadora imersoa que estaacute ainda em uma sociedade que produz

uma submissatildeo feminina O processo de construccedilatildeo das imagens e textos que povoam uma

subalternidade feminina eacute o que deve ser trabalhado pelo profissional atinente agraves questotildees de

gecircnero

Nesse sentido Louro (2012) ao avaliar o quanto o material didaacutetico eacute reprodutor e

produtor de discurso veiculador de diferenccedilas traz uma reflexatildeo sobre a construccedilatildeo escolar

das representaccedilotildees que segregam

Os livros didaacuteticos e os paradidaacuteticos tecircm sido objeto de vaacuterias investigaccedilotildees que

neles examinam as representaccedilotildees dos gecircneros dos grupos eacutetnicos das classes

sociais Muitas dessas anaacutelises tecircm apontado para a concepccedilatildeo de dois mundos

distintos ainda apresentam a concepccedilatildeo de dois mundos distintos (um mundo

puacuteblico masculino e um mundo domeacutestico feminino) ou para a indicaccedilatildeo de

atividades caracteriacutesticas de homens e atividades de mulheres Tambeacutem tem

observado a representaccedilatildeo da famiacutelia tiacutepica construiacuteda de um pai e uma matildee e

usualmente dois filhos um menino e uma menina (LOURO 2012 p 68)

A relevacircncia dos estudos acima referendados se faz perceber porque esses atrelam a

construccedilatildeo social do discurso em um espaccedilo que se constitui como centro de construccedilatildeo e

exerciacutecio de poder que eacute a escola E ao mesmo tempo em que enseja a reflexatildeo de que em sua

dinacircmica interna essa instituiccedilatildeo cria a possibilidade de processos de contra-hegemonia Eacute

percebida tambeacutem a relevacircncia dos estudos que estruturam uma interface discursividade

leitura e gecircnero na escola por estes propiciarem reflexotildees perspicazes Reflexotildees essas que

satildeo consonantes com o pensamento de Carvalho (2003) quando esta pedagoga militante do

feminismo afirma que das relaccedilotildees de gecircnero natildeo se pode tomar distacircncia ldquo[] de forma

impliacutecita estruturam o trabalho escolar as relaccedilotildees entre docentes e discentes e constituem

as identidades profissionais e pessoaisrdquo (CARVALHO 2003 p 77) Isto se daacute porque na sala

de aula nos curriacuteculos nas relaccedilotildees interpessoais nos conteuacutedos abordados ou natildeo

81

abordados haacute um campo de luta refletindo que a escola estaacute inserida em relaccedilotildees histoacutericas

mediadas e construiacutedas por discursos

Nesse sentido reitero o quatildeo os relatos acima extraiacutedos em sua maioria de um

contexto social que tece leitura em cotidianos na escola satildeo uacuteteis empreacutestimos para esta

anaacutelise considerando que os trabalhos apresentados versam sobre toacutepicos afins ao aqui

desenvolvido relaccedilotildees de gecircnero preconceitos construccedilatildeo de identidades pontuados em

ambiente de leitura

82

3 ANAacuteLISE DOS RESULTADOS INVESTIGATIVOS

O entendimento de que a abordagem de uma pesquisa exige um processo de revisatildeo

e reorganizaccedilatildeo de accedilotildees eacute importante na concepccedilatildeo de um trabalho Essa percepccedilatildeo eacute

consoante com a perspectiva da epistemologia feminista que entende a realidade como um

fenocircmeno histoacuterico cultural e dinacircmico (LOURO 2012 COSTA 2009) E meus passos na

direccedilatildeo e dentro da escola se constituiacuteram de inuacutemeras articulaccedilotildees de accedilotildees com as quais

tracei um norte investigativo objetivando fazer deste estudo algo profiacutecuo ordenado que

perspective contribuir com reflexotildees atinentes agrave educaccedilatildeo como praacutetica emancipadora

problematizadora de modos de subjetivaccedilatildeo

Dando prosseguimento ao rito comum a um processo de investigaccedilatildeo construiacute um

diaacutelogo preacutevio com a direccedilatildeocorpo teacutecnico com osas professoresas e a coordenadora do

projeto agravesaos quais foram explicados o procedimento e os objetivos da pesquisa ao tempo

em que foi solicitada a anuecircncia para sua aplicaccedilatildeo Como a dissertaccedilatildeo deste mestrado possui

caraacuteter interventivo foi explicada agrave equipe tambeacutem sobre a possibilidade de construccedilatildeo de

uma accedilatildeo propositora de trabalho apresentada por esta pesquisadora como fruto da

investigaccedilatildeo desenvolvida Esta informaccedilatildeo foi bem acolhida pela coordenaccedilatildeo do projeto

receptiva agrave possibilidade de crescimento de aprendizado e desejosa de aperfeiccediloar o trabalho

com a leitura pelo menos assim se manifestou

31 O Documento-fundador o natildeo dito significando

Logo nos primeiros contatos com osas integrantes da pesquisa que em consonacircncia

com as pactuadas regras do anonimato precisam aqui ser denominadosas ficticiamente

solicitei informaccedilotildees sobre o projeto de leitura instrumento de anaacutelise para aquele momento

O surgimento tempo de execuccedilatildeo seu formato documentaccedilatildeo criteacuterios para escolha de

textos entre outras indagaccedilotildees foram solicitadas Quando solicitei uma coacutepia do projeto agrave sua

coordenadora Diana cujo tempo de atuaccedilatildeo profissional eacute de 18 anos tive como resposta a

condiccedilatildeo de que o texto seria disponibilizado para que eu o conhecesse mas natildeo poderia

constar como anexo em meu trabalho por respeito ao acordado pacto do anonimato Aceitei a

condiccedilatildeo mesmo argumentando que o problema da identificaccedilatildeo do projeto seria resolvido

com o corte da parte que o identificasse A coordenadora relutou Isto me fez pensar no

campo discursivo mais amplo que eacute a negaccedilatildeo do texto possivelmente nele haveria o que natildeo

83

pode ser visto haveria a ausecircncia do dizer melhor Entendi a sonegaccedilatildeo do texto como a

tentativa de natildeo fazer aparecer o seu pouco labor

E constatei deveras isso quando o documento me chegou agraves matildeos depois de algumas

visitas em que o solicitara Observei que conforme o texto o projeto natildeo fora pensado para

discutir a leitura em sua funccedilatildeo social mais ampla Sem intencionar desqualificar o trabalho

daquela escola natildeo tive como deixar de ver pouca expressatildeo de conhecimento das funccedilotildees da

leitura naquele material Havia ali a mera proposta de decodificaccedilatildeo no lugar do letramento a

tarefa feita para cumprir obrigaccedilatildeo Natildeo estavam pontuados temas problematizando a

implantaccedilatildeo da defesa dos DH nem nenhum tema transversal proposto pelos PCNs constando

como ponto de exploraccedilatildeo no projeto de leitura muito menos o desta pesquisa As relaccedilotildees de

gecircnero conforme averiguei naquele material investigativo natildeo encontram assento no projeto

de leitura a CestaSexta Literaacuteria E eacute sobre isto que discorrerei agora analisando o referido

material como um dos procedimentos geradores de dados desta pesquisa que o eacute

O documento que eacute apresentado agrave Secretaria Municipal da Educaccedilatildeo - SEDEC- em

regra eacute uma exigecircncia deste oacutergatildeo como preacute-requisito para que osas professoresas

readaptadosas que exercem funccedilatildeo em biblioteca justifiquem sua permanecircncia na escola

Essesas profissionais precisam demonstrar estar vinculadosas agraves unidades escolares e

desenvolvendo trabalho pedagoacutegico a fim de assegurarem a manutenccedilatildeo da gratificaccedilatildeo

docente que perderiam caso saiacutessem da funccedilatildeo de professoresas e do espaccedilo escolar

Observar como esse documento eacute articulado e seu comprometimento com o que se

propotildee a fazer me remeteu a um compromisso eacutetico com o qual desejo afirmar aqui que natildeo

tenho a palavra final sobre do que necessariamente se deve constituir um trabalho desta

natureza mas faccedilo minhas leituras minhas anaacutelises E nessas leituras que natildeo poderiam ser

soacute minhas em uma perpeacutetua dialogia com Freire (1988 2002) Moita Lopes (2002) Foucault

(2011) Orlandi (2008) e com tantosas outrosas estudiososas e natildeo estudiososas

compreendo que eacute preciso supor que um texto nunca fornece todas as condiccedilotildees de sua leitura

(POSSENTI 2009)

Assim leio o documento do projeto de leitura da escola buscando sua

intertextualidade suas condiccedilotildees de produccedilatildeo seus ditos e natildeo-ditos Penso entatildeo sobre seu

nascedouro quem o produziu e por que o fez Procurei observar se aquele documento

expressava interesse pedagoacutegico intersubjetivo ou a exigecircncia da SEDEC teria sido a causa da

sua elaboraccedilatildeo ou seja motivaccedilatildeo externa administrativa E me interessei pelo que existe e

natildeo existe ali dizendo da realidade social que o produziu quem observa sua confecccedilatildeo sua

aplicaccedilatildeo ou natildeo-aplicaccedilatildeo A SEDEC exige uma produccedilatildeo acadecircmica mas o impacto da

84

execuccedilatildeo desta tarefa na atividade escolar parece natildeo ser devidamente acompanhado Essa

questatildeo jaacute me envereda para uma reflexatildeo sobre poliacutetica puacuteblica de gestatildeo educacional que

natildeo eacute de competecircncia desta pesquisa mas que ao fim e ao cabo faz sentido explorar tal

inquietaccedilatildeo pela relaccedilatildeo que haacute entre o labor do projeto e sua existecircncia e aplicaccedilatildeo

As indagaccedilotildees que produzi diante daquele documento eram sustentadas por uma

intenccedilatildeo de observar inicialmente se a tocircnica do projeto concebia a leitura como uma praacutetica

cultural natildeo neutra inserida nas relaccedilotildees de poder Se enfim era concebida como campo de

disputa espaccedilo de poder Afastando-se da defesa da leitura como tese unicamente advogo a

da leitura como utopia semeada por olhos de quem ama e faz educaccedilatildeo porque luta por

praacutetica de liberdade como defendeu Paulo Freire ao longo de sua vida e obra E a leitura

nessa perspectiva faz da educaccedilatildeo o ponto amoroso em que Hanna Arendt diz dever ser nas

palavras da autora ldquoa educaccedilatildeo eacute o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante

para assumirmos a responsabilidade por ele e com tal gesto salvaacute-lo da ruiacutena que seria

inevitaacutevel natildeo fosse a renovaccedilatildeo e a vinda dos novos e dos jovensrdquo (ARENDT 2009 p 247)

Sem querer mais uma vez reforccedilo desfazer do trabalho realizado na escola

TRAVESSIA natildeo posso omitir que enxerguei que aquele documento natildeo dizia desse

compromisso propalado pelos pensadores acima E assim o concebo quando olho a vaguidatildeo

com que ele se veste no que diz respeito aos seus objetivos e procedimentos metodoloacutegicos

Obviamente natildeo posso restringir a praacutetica leitora do projeto ao que estaacute marcado no referido

documento Sem relaccedilotildees ingecircnuas com a linguagem como propotildee a AD que afirma com

Orlandi (2008) que quando se lecirc considera-se natildeo o que estaacute dito mas tambeacutem o que estaacute

impliacutecito entre o que eacute feito e proposto existe o caminho do exequiacutevel que eacute atropelado

muitas vezes por adversas condiccedilotildees de trabalhos

E precisei atentar para o que aquele projeto anuncia fazer observando suas

articulaccedilotildees entre objetivos accedilotildees metodologia No tocante a essas articulaccedilotildees natildeo constam

ali explicitadas entre seus objetivos as temaacuteticas transversais recomendadas pelos PCNs

muito menos a de gecircnero Assim considerando que os sentidos de um texto passam por outros

textos o debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero natildeo contemplado nas vozes perscrutadas

anteriormente em meus primeiros contatos com os sujeitos pesquisados ressoava sua

ausecircncia ali tambeacutem E da leitura daquele documento extrai que natildeo haacute a presenccedila do tema

proposto por esta pesquisa para inquiriccedilatildeo estaacute todavia posto ali como objetivo geral do

projeto desenvolver o gosto pela leitura escrita e arte visando agrave construccedilatildeo de uma

identidade poeacutetica formaccedilatildeo de cidadatildeos reflexivos e leitores autocircnomos

85

Atrelada agrave minha questatildeo problema natildeo adentrei para a investigaccedilatildeo do que seria

essa identidade poeacutetica que jaacute tem outra nuance investigativa Mas o toacutepico a formaccedilatildeo de

cidadatildeos [cidadatildes] reflexivos[as] entranha-se com meu objeto de pesquisa e indaguei como a

AD indaga como isso significa para aquela unidade escolar pressionada por uma instacircncia

administrativa a produzir um documento e um trabalho Como significa para aquela

educadora a formaccedilatildeo de uma cidadania reflexiva mediada por praacuteticas leitoras A efetivaccedilatildeo

disso passa necessariamente por textos lidos selecionados apresentados sob diversos

suportes imersos em escolhas que expressem comprometimento com os problemas sociais

com a construccedilatildeo dos processos que debatem tais problemas vinculados aos interesses dosas

leitoresas Natildeo pude saber entretanto por este documento quais seriam os textos

selecionados para a empreitada de trabalhar a formaccedilatildeo cidadatilde pois natildeo havia nas referecircncias

bibliograacuteficas do mesmo indicaccedilatildeo alguma de como as aulas seriam subsidiadas em termos de

textos Esta omissatildeo pode indicar que para aleacutem da sonegaccedilatildeo desta informaccedilatildeo anunciar

negligecircncia pode haver mais sentidos nesta ausecircncia

Aleacutem daquilo que eacute dito analisar discursos eacute tambeacutem atentar para o que natildeo eacute dito

que conforme a AD nos silecircncios nas interdiccedilotildees haacute formas especiacuteficas dos sujeitos

construiacuterem significados E haacute naquele documento uma ausecircncia de dito significando um

evento discursivo no qual a produccedilatildeo as relaccedilotildees de poder a circulaccedilatildeo dos textos e seu jogo

discursivo natildeo estatildeo explicitados quem produz o debate da formaccedilatildeo cidadatilde e como o produz

natildeo se consegue saber atraveacutes de textos elencados E o ato de ler como praacutetica adotada pela

escola natildeo dispensa um planejamento criterioso no qual se saiba o que se vai ler o porquecirc se

vai ler quando se vai ler mesmo que a seleccedilatildeo dos textos deva ser flexiacutevel para ajustes Isso

se deve fazer para que se evite uma praacutetica riacutegida e impositiva haacute uma realidade dinacircmica

que deve ser contemplada com espaccedilo para a inserccedilatildeo de leituras que possam emergir em

consonacircncia com interesses advindos da comunidade escolar Daiacute ser compreensiacutevel que natildeo

haja uma seleccedilatildeo de textos consagradamente fechada mas sua ausecircncia pode estar indicando

na direccedilatildeo de que as accedilotildees do projeto estatildeo passando ao largo de uma leitura norteada

imbuiacuteda de uma accedilatildeo poliacutetica criteriosamente edificada

Esta constataccedilatildeo ficou mais evidenciada quando observei os objetivos especiacuteficos

(OE) do referido documento Haacute uma quantidade elevada desses (sete) os quais natildeo cumprem

devidamente a funccedilatildeo de pormenorizar as accedilotildees que se pretendem alcanccedilar de forma a

estabelecer estreita relaccedilatildeo com o descrito nos objetivos gerais no que diz respeito agrave

competecircncia da formaccedilatildeo de cidadatildeos [cidadatildes] Considerei a princiacutepio redutor selecionar

unicamente o texto literaacuterio para compor os OE do trabalho E eacute o primeiro que estaacute elencado

86

Diversificar a leitura com textos literaacuterios previamente selecionados Eleger este gecircnero e

deixar de fora pelo menos eacute o que natildeo estaacute explicitado uma gama de formas discursivas que

perpassam o cotidiano escolar eacute desconsiderar o sujeito-leitor e seu lugar social eacute

desconsiderar que a sala-de-aula eacute um espaccedilo complexo onde subjetividades marcadas por

lugares sociais distintos possuem interesses iacutempares Esta eleiccedilatildeo portanto eacute redutora Por

mais que haja razotildees profiacutecuas para se trabalhar a literatura na escola pela presenccedila de

categorias no texto literaacuterio como as da experiecircncia esteacutetica da ludicidade do estranhamento

da subjetividade do aguccedilamento da criatividade do aticcedilamento da imaginaccedilatildeo haacute um

equiacutevoco em eleger apenas o literaacuterio como texto para ser trabalhado Esta escolha tambeacutem

vai na contramatildeo do que recomendam os PCNs (BRASIL 2001 p 36) que apontam para a

pertinecircncia de que a escola promova em seus estudos uma variedade de gecircneros tendo o

literaacuterio como mais um deles

O equiacutevoco da confecccedilatildeo do documento eacute perceptiacutevel tambeacutem por natildeo ser visto ao

longo do seu texto o apontamento de temaacutetica que tenha relaccedilatildeo com a formaccedilatildeo da

cidadania A formaccedilatildeo de cidadatildeos[cidadatildes] reflexivos[as] que o projeto de leitura da escola

aponta em seus objetivos gerais passa por uma contemplaccedilatildeo de leituras que natildeo estaacute ali

desenhada Sem escavar temas que estatildeo na invisibilidade na superficialidade naturalizados e

distantes dos propoacutesitos da pauta reivindicatoacuteria dos DH esse pretenso sujeito reflexivo eacute

mera ornamentaccedilatildeo de projetos de leituras As secretarias de Educaccedilatildeo das escolas puacuteblicas

brasileiras sabem que eacute tarefa hercuacutelea construir leitoresas criacuteticosas e que um dos entraves a

isso estaacute na maacutequina do poder puacuteblico despreparada desequipada para proporcionar

condiccedilotildees favoraacuteveis agrave praacutetica leitora Isto pode ser visto pela inoperacircncia de natildeo fazerem

com que seusuas educadoresas sejam bonsboas leitoresas para que de forma competente

possam atuar como agentes de letramento Assim sem o devido compromisso com a leitura

demonstram estar esses oacutergatildeos administrativos quando engavetam projetos de leituras

anualmente solicitando novos a cada ano letivo sem acompanhar suas feituras que em regra

se diz por aiacute satildeo sem esmeros cumprindo tarefa administrativa como me pareceu este na

escola TRAVESSIA

A fragilizaccedilatildeo com que se organiza o projeto eacute notaacutevel ainda quando se busca em sua

metodologia a articulaccedilatildeo das accedilotildees que promovem os passos que objetivam propor a

formaccedilatildeo da cidadania reflexiva Entre as accedilotildees propostas que constam de oficinas de leitura

escrita de artes de imagens destinadas a alunosas do 6ordm ao 9ordm ano ocorridas em salas e na

biblioteca haacute como enunciado metodoloacutegico que haveraacute planejamento mensal para a seleccedilatildeo

de textos e das dinacircmicas voltado para um contexto relevante para a vida pessoal e social

87

Primeiramente natildeo se esclarece exatamente o que seria este contexto relevante a expressatildeo eacute

vaga Depois chamou-me atenccedilatildeo o quanto a expressatildeo tema foi citada vagamente por

diversas vezes [] explorando o imaginaacuterio e as referecircncias que os alunos tecircm sobre os

temas textuais Natildeo haacute entretanto evidecircncia alguma de quais textos e temas seratildeo

trabalhados Esta inexatidatildeo me fez enxergar impropriedade na proposiccedilatildeo Em uma das

atividades propostas assim aparece levantar as referecircncias que os alunos tecircm sobre os temas

dos textos E de novo quais textos e temas conforme a redaccedilatildeo do projeto natildeo foi possiacutevel

levantaacute-los naquele documento Outra vez haacute uma frase solta compondo o texto Sequer uma

referecircncia aos temas transversais propostos pelos PCNs foi feita Mas no natildeo-dito acerca de

uma tarefa que eacute propositura da escola que deveria atuar pela exiacutemia preocupaccedilatildeo de

contribuir deveras com a construccedilatildeo de uma leitora ativoa a questatildeo-problema por mim

levantada nesta pesquisa foi respondida na leitura do documento Verifiquei deveras que

considerando o que estaacute posto ali por aquele texto-fundador natildeo se contempla o debate sobre

a equidade de gecircnero no projeto de leitura da escola TRAVESSIA

32 O acervo bibliotecaacuterio dos paradidaacuteticos estantes que enunciam

E como travessias natildeo se fazem sem caminhadas caminhei mais pela escola em

busca de perscrutar o que anunciam as vozes docentes acerca das relaccedilotildees de gecircnero na via da

leitura Caminhei contornando em alguns momentos e espaccedilos a anguacutestia pela percepccedilatildeo da

ausecircncia do desejo nosas fazedoresas da educaccedilatildeo por uma leitura como praacutetica social que

construa significados e proponha novos modos de subjetivaccedilatildeo Contornando sem receita

(ningueacutem eacute portador de saiacutedas solitaacuterias) nem elixir nem liccedilotildees nem textos prontos Apenas

escutando sentindo entendendo que a constituiccedilatildeo de uma alunoa leitora pode desaguar em

um mar de ativismo social em um mar que desemaranhe a promoccedilatildeo de um sujeito criacutetico

arguitivo reflexivo natildeo apenas pelo que se lecirc mas de qual lugar e para que se lecirc Para isso

deve haver uma dimensatildeo eacutetica no ato de ler natildeo meramente teacutecnica como costuma grassar

nas escolas pouco afeitas a pensar a leitura de modo perquisitivo Esta dimensatildeo eacutetica natildeo se

semeia em escola assolada por pragmatismo que natildeo ama a educaccedilatildeo essa dimensatildeo

conforme Arendt (2009) anuncia tem no amor a medida de nossos compromissos Eacute

dimensatildeo que abarca decisatildeo poliacutetica eacute escolha pela salvaccedilatildeo pela convicccedilatildeo do

inacabamento freireano (FREIRE1999)

Muito brevemente fui percebendo entatildeo que na escola TRAVESSIA as relaccedilotildees de

gecircnero natildeo perpassavam como debate proposto pelo seu referido projeto de leitura E outra

88

comprovaccedilatildeo disso foi aferida pela consulta que fiz do acervo da biblioteca especificamente

no que se refere agraves obras paradidaacuteticas que satildeo as selecionadas para investigaccedilatildeo em termos

de levantamento natildeo propriamente de anaacutelise dos textos neste estudo Em uma pequena

prateleira havia alguns livros tive o cuidado de ler suas fichas catalograacuteficas e identifiquei

que em nenhum deles tematizava-se gecircnero Conforme ainda me respondeu a coordenadora

do projeto de leitura nas listas de livros da biblioteca natildeo estava disponibilizada nenhuma

obra pelo menos que fosse de seu conhecimento que tratasse da temaacutetica de gecircnero

Indaguei-lhe se alguma educadora ou alunoa jaacute havia manifestado o interesse de procurar

obras com esta temaacutetica Respondeu-me que natildeo

E de fato parece natildeo haver uma existecircncia farta de textos publicados para a

literatura infanto-juvenil trazendo o foco especiacutefico no tema das relaccedilotildees de gecircnero em uma

perspectiva de resistecircncia de oferta de um olhar desconstrutor de formas de se constituir

subjetividades masculinas e femininas Existem obras como A bolsa amarela de Lygia

Bojunga Nunes (2003) Faca sem ponta e galinha sem peacute de Ruth Rocha (2008) e outras

poucas no universo literaacuterio infanto-juvenil brasileiro que enfocam a temaacutetica de gecircnero e

que poderiam estar entre os parcos livros daquele espaccedilo-leitor mas natildeo estatildeo

Mesmo assim a ausecircncia de obras que tratem das iniquidades de gecircnero agrave luz de sua

problematizaccedilatildeo por si soacute natildeo eacute referecircncia de que natildeo haacute a temaacutetica em tela naquele espaccedilo

Ademais a ausecircncia de obras emblemaacuteticas que pontuem o debate proacute-equidade natildeo eacute oacutebice

para que se olhe a questatildeo do alto das indicaccedilotildees das diretrizes educacionais que propotildeem o

desmantelo das assimetrias de gecircnero Para isto basta que se problematizem as leituras de todo

um artefato cultural com sentidos que sedimentam um imaginaacuterio inferiorizante da mulher e

constroem o diferente como abjeto Basta natildeo silenciar diante de artefatos que circulam

construindo sentidos e configurando infacircncias e adolescecircncias prensadas em estereoacutetipos de

gecircnero Estes artefatos circulam socialmente e podem ser lidos como a AD pontua indagar

natildeo o que o texto significa mas como significa

Os sentidos segundo essa disciplina natildeo satildeo fixos natildeo existem em si mesmos

mesmo que sejam administrados (PEcircCHEUX 2012) A escola por isto deve olhar com

atenccedilatildeo todo artefato que lhe chega e o que ela produz como uma forma de militar pela

construccedilatildeo de uma praacutetica de liberdade na qual homens e mulheres desfamiliarizam-se com

as incontaacuteveis narrativas que cruzam suas heterogecircneas formaccedilotildees discursivas Se isto natildeo faz

parte do cotidiano das praacuteticas leitoras dosas educadoresas assimilado como uma questatildeo

poliacutetica uma questatildeo de resistecircncia assimilado aleacutem do que propotildee cursos de formaccedilatildeo de

nada adiantam obras construiacutedas agrave luz da teoria de gecircnero postas em um acervo bibliotecaacuterio

89

De toda sorte a ausecircncia de textos que evoquem leituras militantes fala de uma presenccedila natildeo-

dita fala de um vazio preenchido por uma leitura descomprometida com a pauta

reivindicatoacuteria dos direitos das mulheres e dos direitos da populaccedilatildeo LGBT (leacutesbicas gays

bissexuais travestis transexuais e transgecircneros)

33 Os relatos as subjetividades os jogos discursivos

Nos percalccedilos da travessia na escola verifiquei tambeacutem por outros modos conforme

propus como empiria desta pesquisa que ali natildeo se dava visibilidade ao debate sobre as

relaccedilotildees de gecircnero Comprovei isso ainda pelos depoimentos de educadoresas que em vaacuterios

momentos nos diaacutelogos que tivemos ressaltaram perceber a ausecircncia do tema mesmo

reconhecido por alguns a sua relevacircncia para a construccedilatildeo da cidadania plena Houve registros

orais disso por parte de profissional da biblioteca e de demais educadoresas os quais irei

descrevecirc-los ao longo deste capiacutetulo por consideraacute-los relevantes para a anaacutelise Um desses

registros se deu no relato proferido pela professora Denise que entre as tarefas de emprestar

e guardar livros aquela profissional relatou-me que guarda assiduamente aleacutem de livros

histoacuterias de vida de alunosalunas desabafando sobre conflitos

Denise que estaacute na TRAVESSIA haacute seis anos atesta que haacute naquela unidade escolar

muitos problemas ligados agrave questatildeo da sexualidade da identidade da violecircncia de gecircnero e

domeacutestica Ouvi atentamente a ecircnfase que deu na violecircncia domeacutestica trazida de casa por

meninos e meninas que para esta profissional provoca-lhes ansiedade e revolta Daquela

informante extrai que acirrados conflitos de natureza de gecircnero vividos por aquele grupo de

crianccedilas e adolescentes satildeo como que despejados ali Assim compreendi ser quando lhe

indaguei acerca de accedilotildees para o enfrentamento desses conflitos e afora os atendimentos pelos

especialistas o que eacute tiacutepico e corriqueiro ela me respondeu que natildeo se faz mais nada naquele

espaccedilo Esse nada esteve como resposta referente agrave indagaccedilatildeo que lhe fiz pontuando se o

projeto de leitura natildeo trabalhava especificamente em forma de debates com textos que

evocassem reflexotildees socializaccedilatildeo envolvimento com as famiacutelias e enfrentamento dessas

questotildees

A cada momento no chatildeo da escola natildeo me passava incoacutelume a presenccedila tatildeo

avassaladora de conflitos envolvendo violecircncia de gecircnero reveladas pelas praacuteticas discursivas

de outrosas informantes desta pesquisa Em uma de minhas visitas agrave escola todavia em 4 de

outubro2013 registrei um relato que me fez refletir com mais ecircnfase sobre as relaccedilotildees de

poder como praacuteticas integrantes do cotidiano em grande extensatildeo Esta reflexatildeo se deu

90

quando dialoguei com Rosa professora de Inglecircs haacute vinte anos Soliacutecita em me atender a

educadora revelou por diversas vezes o desejo de desabafar mas expressando sinceridade

mesmo que me chocasse E falou enfaticamente a partir de um status conservador que rejeita

os estudos e as bandeiras dos DH as ideias sobre sexualidade e gecircnero defendidas por

ldquoeducadoresas modernosrdquo por achar que o mundo bom em seu dizer ldquoeacute aquele onde

existem regras moral repressatildeo E que isto parece querer acabarrdquo

Para Rosa as tecnologias enunciativas que propotildeem uma nova ordem de reflexatildeo e

comportamento eacute uma desordem um mal Natildeo exatamente com essas palavras mas trazendo

este sentido respondeu-me a docente quando lhe indaguei acerca da inserccedilatildeo do debate dobre

gecircnero respaldada nas questotildees trazidas pela legislaccedilatildeo educacional Seu olhar aposta na

repressatildeo no silecircncio em especial agraves garotas que estatildeo muito soltas a seu ver Esta

informante sem o menor embaraccedilo relatou-me que a escola vivia momentos difiacuteceis com

uma explosatildeo da sexualidade da sua juventude e que isso era efeito da falta ldquode freiordquo Para

sustentar suas ideias relatou-me um fato haviam recentemente passado por uma experiecircncia

dificiacutelima com a depressatildeo de uma jovem que se autoflagelou (cortando o corpo em vaacuterias

partes) depois de ter tido sua imagem exposta publicamente em rede social quando fez sexo

com vaacuterios garotos e permitiu que eles filmassem o ato O comportamento da aluna opinou a

educadora foi muito vulgar rendeu-lhe depressatildeo chacota desonra preocupaccedilotildees para a

famiacutelia

Da discursividade de Rosa emanava rigidez de comportamento repressatildeo inclusive

fazendo a defesa do controle dos corpos pela instituiccedilatildeo Sem nenhum ressentimento de estar

errada nem extemporacircnea esta docente assumiu que se preocupava veementemente com as

roupas as danccedilas os comportamentos das meninas que a seu ver eram consideradas como

ldquoassanhadinhas perdidasrdquo Sua vigilacircncia acreditava esta informante era o melhor para a

escola E de forma diferenciada dirigia o controle a meninos e meninas para elas os

cuidados eram focados na sexualidade com relaccedilatildeo aos garotos a vida social deles como um

todo tinha sua apreensatildeo Aos meninos preocupaccedilotildees de natureza diferente eram por ela

dispensadas cuidados com as drogas o aprendizado a violecircncia a marginalidade Agraves

questotildees ligadas agrave sexualidade e ao corpo dos garotos havia um silecircncio um natildeo dito

permissivo da parte dela como se soacute a eles lhes coubesse o direito de viver seus desejos

sexuais

Ao ouvir a apropriaccedilatildeo do discurso da construccedilatildeo das desigualdades de gecircnero

naquela voz educadora veio-me pela memoacuteria discursiva agrave lembranccedila o discriminador dito

popular ldquosegure sua cabrita que meu bode estaacute soltordquo O ditado que trata assimetricamente

91

homens e mulheres veio-me [meu bode estaacute solto] pelo silecircncio permissivo da educadora agrave

ordem machista quanto ao que podem os meninos satildeo livres E veio-me [segure sua cabrita]

pela fala dela quanto agrave ordem repressiva do que natildeo podem as meninas precisam de

cabrestos Tatildeo iniacutequo esse dito poderia ser pronunciado por aquela voz educadora para

sintetizar seu olhar insensiacutevel agraves questotildees trazidas pelos campos dos estudos de gecircnero Um

olhar de uma educadora turvado de preconceito machista em meio a toda uma

problematizaccedilatildeo que o coletivo de mulheres tenta construir sobre igualdade de direitos eacute um

olhar que destoa com praacuteticas de liberdade e aduz com a indagaccedilatildeo de Foucault no tocante agrave

regulaccedilatildeo dos comportamentos entre outras instituiccedilotildees pela escola

O que eacute afinal um sistema de ensino senatildeo uma ritualizaccedilatildeo da palavra senatildeo uma

qualificaccedilatildeo e uma fixaccedilatildeo de papeacuteis para os sujeitos que falam senatildeo a constituiccedilatildeo

de um grupo doutrinaacuterio ao menos difuso senatildeo uma distribuiccedilatildeo e uma apropriaccedilatildeo

do discurso com seus poderes e seus saberes [] (FOUCAULT 2011 p 44-45)

Na consonacircncia com o que diz Foucault (2011) os depoimentos de Rosa podem ser

vistos como os que se apropriam de um discurso que se arvora no papel de controlar sujeitos

pautados no poder institucional escolar E mesmo quando este poder passa a ser enxertado por

outra ordem discursiva que abala pilares conservadores a educadora eacute refrataacuteria agrave nova

ordem e defende o controle da doutrina da coerccedilatildeo de comportamentos tachando as alunas

que se lanccedilam nas descobertas da sexualidade como vulgares Isso fez com que ela fosse

redutora no olhar que dirigiu agrave menina de sua histoacuteria viacutetima do machismo de um grupo de

colegas ainda eacute a condenada pela autoridade escolar Indaguei-lhe o que fizeram com os

meninos que expuseram a garota Sua resposta anunciou um conservadorismo atravessado por

gecircnero

- Foram chamados na direccedilatildeo advertidos Mas satildeo homens

Homens que usam mulheres humilham-nas expotildeem-nas A ressalva pontuada pela

materialidade linguiacutestica da conjunccedilatildeo adversativa mas no enunciado de Rosa reforccedila seu

olhar segregacionista machista seu status de sujeito que anuncia de um lugar conservador

ldquoMas satildeo homensrdquo eacute o enunciado campo para o natildeo dito brotar nada lhes pega mal na

instacircncia da sexualidade assim subjaz um discurso assimeacutetrico de gecircnero naquela voz Na

concepccedilatildeo daquela educadora ser homem eacute um atributo para a libertinagem aleacutem do direito agrave

liberdade

92

Percebi ali que passando ao largo de um debate que contemple problematizar

preconceitos machistas assimetrias de gecircneros alguns profissionais aleacutem de Rosa lidam de

forma tensa e iniacutequa com o despertar da sexualidade dessesas jovens especialmente na

representaccedilatildeo dos papeacuteis do masculino e do feminino Vale todavia fazer o registro de que

osas colaboradoresas observadosas e entrevistadosas natildeo podem ser vistos como

vilotildeesvilatildes nem portadoresas de verdades ou falsidades mas como sujeitos que se engrenam

em poderes e saberes culturas comportamentos disciplinados historicamente dados por isso

passiacuteveis de movecircncias de transformaccedilotildees

34 O questionaacuterio e outros relatos entrelaccedilando discursividades

E ainda sequenciando a explanaccedilatildeo do campo empiacuterico que faz parte desta pesquisa

pontuo que averiguei o quanto o projeto de leitura era desvinculado de uma problematizaccedilatildeo

sobre as relaccedilotildees de gecircnero com base na anaacutelise das respostas do questionaacuterio aplicado junto

agravesaos educadoresas Aqui farei o entrelaccedilamento da anaacutelise dos resultados deste instrumento

com mais relatos que geraram dados para este estudo

Como um dos pontos do processo investigativo recorri agrave aplicaccedilatildeo do questionaacuterio

com osas demais educadoresas envolvidosas com o projeto com o propoacutesito de avaliar

como a accedilatildeo leitora eacute apreendida por outros sujeitos considerando que inicialmente apenas

trabalhei com a coordenaccedilatildeo do projeto A aplicaccedilatildeo deste instrumento foi solicitada depois

de alguns diaacutelogos com membros da equipe pedagoacutegica da escola agrave Diana coordenadora do

projeto de leitura que de forma bastante soliacutecita concordou disponibilizando-se para

colaborar e recebeu em matildeos dez coacutepias do questionaacuterio para distribuir com educadoresas

integrantes do trabalho ali desenvolvido Anteriormente jaacute havia feito o convite aosagraves

professoresas para que participassem da pesquisa assegurando-lhes o respeito ao anonimato

caso assim o desejassem Dos dez instrumentos entregues apenas de um natildeo houve a

devolutiva o que me fez ter a colaboraccedilatildeo de um nuacutemero satisfatoacuterio considerando o total de

professoresas na instacircncia educacional em tela envolvidosas com o referido projeto

Para esse instrumento investigativo foram articulados enunciados pensando na

contribuiccedilatildeo para as reflexotildees que preciso construir considerando que o sujeito fala sempre a

partir de especiacuteficas posiccedilotildees histoacutericas e culturais de praacuteticas descontiacutenuas que se cruzam

se desconhecem se justapotildeem enfim que natildeo se pode apreendecirc-las de forma objetiva e

neutra (cf FOUCAULT 2011 2012) Vale ressalvar entatildeo de que a interaccedilatildeo que eacute feita com

as respostas dadas no documento investigativo natildeo pode ser vaticinada como uma revelaccedilatildeo

93

objetiva do real se assim o fosse natildeo estaria partilhando com a perspectiva foucaultiana

como tambeacutem com a da criacutetica feminista poacutes-estruturalista as quais concebem que a verdade

eacute uma produccedilatildeo discursiva histoacuterica e social o que indica que natildeo haacute a verdade mas haacute a que

prevalece

No tocante agrave aplicaccedilatildeo do questionaacuterio ouvi dosas respondentes em contatos

fortuitos que as questotildees formuladas foram bem interessantes A qualificaccedilatildeo de interessante

pelo que assimilei deveu-se agraves formulaccedilotildees que fizeram com que osas educadoresas

informantes refletissem sobre as suas praacuteticas discursivas Guiei-me para a confecccedilatildeo deste

instrumento investigativo entre outras pelas reflexotildees que o Poacutes-Estruturalismo traz em

termos de abrir caminhos para se pensar a realidade pontuando uma poliacutetica de

problematizaccedilatildeo da diferenccedila racial eacutetnica e de gecircnero As questotildees levantadas no

instrumento investigativo foram elaboradas considerando tambeacutem o norte interrogativo de que

se havia tal poliacutetica no que se refere agraves questotildees de gecircnero adentrado o espaccedilo escolar

E desse modo considerando que apoacutes a inserccedilatildeo da temaacutetica de gecircnero nas duas

uacuteltimas deacutecadas por meio tambeacutem de elementos enunciativos oficiais como os PCNs (1997) e

a LDBEN-96 que indicam o respeito agrave diversidade e agrave igualdade de direitos fui investigar

com este instrumento se oa educadora estava sendo formadoa para atuar (ou natildeo) por uma

sociedade em que as assimetrias de gecircnero fossem combatidas Por seu turno trazendo a

interface temaacutetica de gecircnero com a perspectiva da leitura discursiva na qual ler eacute mais do que

decodificar eacute se inscrever socialmente procurei elaborar questatildeo que pontuasse como a

leitura se desenvolvia no projeto

Busquei enfim enunciados que tratassem das discursividades docentes referentes agrave

construccedilatildeo social do gecircnero e agrave leitura como praacutetica social Assim os propus

1 O que a leitura significa para a escola expressada atraveacutes do seu projeto A

CestaSexta Literaacuteria (marque ateacute trecircs principais questotildees)

1a ( ) Instrumento de ajuda na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo

1b ( ) Uma atividade prazerosa

1c ( ) A escola natildeo valoriza a leitura

1d ( ) A escola valoriza pouco a leitura

1e ( ) Um estiacutemulo agraves transformaccedilotildees sociais

Outra __________________________________

Trecircs enunciados foram sumamente considerados 1a 1c e 1e instrumento de ajuda

na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo a escola natildeo valoriza a leitura e o de que eacute um estiacutemulo agraves

transformaccedilotildees sociais Chamou-me atenccedilatildeo a marcaccedilatildeo de que a escola natildeo valoriza a leitura

94

(1c) por tudo o que essa praacutetica pode significar marcado no uacuteltimo item possibilidade de

mudanccedilas sociais Tambeacutem a ausecircncia de marcaccedilatildeo no enunciado que vecirc na leitura uma

atividade prazerosa (1b) eacute um indicativo que incita reflexotildees considerando que a formaccedilatildeo

doa leitora tem vinculaccedilatildeo profunda com o prazer de ler E estas reflexotildees me trazem agrave

lembranccedila a informaccedilatildeo da 2ordf ediccedilatildeo da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil na qual eacute

pontuada a problemaacutetica de que a escola brasileira natildeo sedimenta a leitura oferece o acesso

mas natildeo sabe semear o prazer pelo ato de ler Segundo indicadores da pesquisa aqui os

rememorando 44 dos alunos da rede privada e 46 da puacuteblica afirmaram ter como

motivaccedilatildeo para a leitura a exigecircncia da escola Com as reflexotildees que a natildeo-marcaccedilatildeo do

enunciado 1b suscita vieram-me agrave lembranccedila tambeacutem Carlos Drummond de Andrade

(1983) e Rubem Alves (2004) quando esses aticcedilam poeticamente o desejo pelos requintes do

mergulho nas deliacutecias das leituras natildeo-obrigatoacuterias das que nascem da fome de ler da fome

de aticcedilar a imaginaccedilatildeo as reflexotildees que podem advir de uma leitura fecunda

Esse enunciado natildeo marcado pelosas educadoresas pontua uma denuacutencia de

desvalor pela escola a uma de suas eleitas funccedilotildees formadoras a da leitura Decerto que isto

reflete todo o descaso que o poder puacuteblico historicamente tem feito em termos de poliacuteticas

voltadas ao estiacutemulo agrave leitura agrave valorizaccedilatildeo da educaccedilatildeo Haacute uma heranccedila de deficiecircncia

educacional da qual soacute recentemente se tem cuidado natildeo ainda o suficiente ainda de modo

piacutefio melhor dizendo mas despontam investimentos maiores do que jaacute houve Investimentos

piacutefios ou natildeo investimentos Este eacute um legado que tatildeo bem lembra Werthein (2008) ao citar

as relaccedilotildees de poder-saber pertencentes agrave elite econocircmica brasileira que se instruiacutea na

Europa agrave eacutepoca do Brasil Colocircnia enquanto que ao povo lhe era negado o direito agrave escola

Quando o acesso agrave educaccedilatildeo puacuteblica se torna realidade a qualidade natildeo faz parte desta

conquista Disto se sabe a estrutura que a educaccedilatildeo puacuteblica oferta aos seus usuaacuterios em

termos de praacuteticas leitoras eacute deficitaacuteria As salas de aulas lotadas os pequenos acervos as

escolhas dos livros com os criteacuterios mercadoloacutegicos agrave frente os parcos recursos tecnoloacutegicos

para facilitarem animaccedilotildees adequadas a pouca reflexibilidade das famiacutelias quanto agrave leitura

em casa entre tantas outras satildeo condiccedilotildees que educadoresas elencam como obstaacuteculos a uma

experiecircncia prazerosa com a leitura

As condiccedilotildees limitadoras acima elencadas natildeo foram extraiacutedas pelas respostas ao

questionaacuterio Foram informaccedilotildees que obtive em diaacutelogo com a professora Mari em uma das

minhas visitas agrave escola (diaacuterio de campo13set2013) Apoacutes esta me informar sobre a

ausecircncia da temaacutetica de gecircnero em suas praacuteticas indaguei-lhe se natildeo considerava pertinente

trabalhar com textos que abordassem a violecircncia de gecircnero Fiz a pergunta tendo em vista o

95

que anunciam Carvalho (2003) e Louro (2012) no tocante agrave percepccedilatildeo dessas estudiosas de

que natildeo haacute distacircncia da temaacutetica ela eacute entranhada no espaccedilo escolar fabricando sujeitos

Educadoresas tecircm desse modo a possibilidade de contribuir reflexivamente sobre que

construccedilatildeo discursiva se faz com esses sujeitos reforccedilam preconceitos e estereoacutetipos de

gecircnero ou garantem o direito a esses de uma digna imagem de si Natildeo haacute neutralidade o

tempo todo somos tramados por linguagem que nos moldam

E para suscitar este debate as diretrizes educacionais inclusivas como as

positivadas em Resoluccedilatildeo 0112 no PNDH nos PCNs e na LDB satildeo aportes que chegam

ocupando gavetas escolares e atenccedilatildeo em eventos de formaccedilotildees continuadas mas se estas

estatildeo incorporadas nas praacuteticas discursivas dosas fazedoresas da educaccedilatildeo eacute outra questatildeo E

foi isso que ali atestei na entrevista com Mari a professora de Liacutengua Portuguesa suas

inquietaccedilotildees evidenciaram a lacuna entre as tecnologias oficiais por ela conhecidas e a sua

praacutetica discursiva Agrave minha indagaccedilatildeo acerca da necessidade de trabalhar para uma

consciecircncia de gecircnero sem titubear ela me respondeu

- Dou-me por satisfeita quando faccedilo meus alunos [e alunas] lerem O que leem natildeo

faz parte de minhas expectativas

Mais um enunciado que destrincha que carrega frustraccedilotildees profissionais de vozes

emparedadas pelos muros escolares de um sistema educacional feito para engessar

mobilizaccedilatildeo social ressoou ali Investimentos parcos na educaccedilatildeo puacuteblica que resultam em

peacutessimas condiccedilotildees de trabalhos minguaram as expectativas de uma mulher ainda jovem com

poucos anos de formada que parece entender o quanto a leitura pode propiciar criticidade o

que leem soou em sua voz com forccedila com tom de importacircncia Mas isso depende de suas

vinculaccedilotildees com accedilotildees poliacuteticas como remete Freire (2002) com accedilotildees planejadas como

indicam estudiososas da leitura e daacute trabalho propocirc-las naquele ambiente tatildeo hostil agrave leitura

aos olhos de Mari E ela abriu matildeo disso confessamente

Natildeo pude deixar de suspeitar de que talvez sem estar protegida pelo anonimato

aquela educadora que me disse natildeo ser do quadro efetivo dosas servidoresas por isto natildeo se

sentia segura para fazer criacuteticas agrave educaccedilatildeo na rede municipal natildeo tivesse tido a coragem de

se expor tatildeo cruamente Expocircs-se e trouxe agraves vistas uma das piores chagas da escola puacuteblica

brasileira a de que a leitura natildeo tem o lugar que deveria conforme Antunes (2009) anuncia

lugar de destaque de centro de alimento de patildeo diaacuterio Na contramatildeo de investimentos

intelectuais e financeiros em letramento tocircnica educacional das uacuteltimas deacutecadas Mari se

96

contentava com a mera decodificaccedilatildeo com a leitura que poderia promover ao maacuteximo oa

estudante aagrave trabalhadora natildeo aagrave cidadatildeoatilde Haacute uma relaccedilatildeo entre esta tocircnica de

descompromisso dito em escola paraibana ressoada pelo que pontua Bastos (2012) em outro

espaccedilo do territoacuterio brasileiro o baiano de que a escola precisa cumprir sua funccedilatildeo social e

atrair para o ato de ler este grupo de excluiacutedo para quem a leitura natildeo eacute gecircnero de primeira

necessidade

Retornando ao questionaacuterio tambeacutem respondido por esta informante na segunda

questatildeo deste instrumento objetivei inquirir sobre o que se lecirc avaliando quais conteuacutedos

eram promovidos pelo projeto

2 O projeto de leitura estimula a reflexatildeo sobre temas como racismo preconceitos

Direitos Humanos

( ) sim ( ) natildeo

Apesar de destoante com o que apresenta o documento do projeto de leitura que

conforme jaacute referido natildeo evidencia trabalhar temas atinentes aos DH das nove respostas a

esta questatildeo sete percebem a presenccedila de temas no projeto de leitura que focam reflexotildees

com tais temaacuteticas Na formulaccedilatildeo do enunciado foi pontuado o racismo e de forma

generalizada a expressatildeo preconceitos inviabilizando melhor percepccedilatildeo do que consta como

defesa dos DH Mas na questatildeo seguinte a de nuacutemero trecircs articulei a especiacutefica questatildeo das

relaccedilotildees de gecircnero interessada em averiguar qual o comprometimento da escola por seus

propoacutesitos educacionais e poliacuteticos especificamente em seu projeto de leitura com o campo

de gecircnero

3 O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero estaacute incorporado nas leituras do projeto

( ) sim ( ) natildeo

Marque as explicaccedilotildees para a resposta anterior

3a ( ) As questotildees de gecircnero satildeo pouco exploradas

3b ( ) Eacute explorada com frequecircncia a temaacutetica pautada que estaacute em uma poliacutetica

escolar de engajamento no combate agraves assimetrias de gecircnero

3c ( ) Ainda natildeo houve oportunidade para inserir este tema no projeto de leitura

3d ( ) O projeto daacute visibilidade aos modos como os estereoacutetipos satildeo alicerccedilados e

como muitas leituras reforccedilam os padrotildees sexistas presentes na sociedade

( ) outra ____________________________

97

As respostas da segunda questatildeo foram quase totalizadoras de que haacute a existecircncia de

um estiacutemulo agraves reflexotildees pertinentes agraves temaacuteticas dos DH pelo projeto de leitura desenvolvido

na escola Quanto agrave terceira todosas nove respondentes afirmaram que natildeo haacute a incorporaccedilatildeo

temaacutetica de gecircnero nas leituras feitas pelo projeto e por conseguinte marcaram a proposiccedilatildeo

3c O cruzamento da anaacutelise dessas duas questotildees pode evidenciar o quanto debater gecircnero

parece ser mais aacutespero menos necessaacuterio do que enveredar por outros caminhos que os DH

embandeiram Esta dissociaccedilatildeo chamou-me atenccedilatildeo e me fez refletir quanto esta temaacutetica

passa ao largo de accedilotildees de leitura em um momento em que se discute recontar textos agrave luz de

teorias de gecircnero respaldada a recontagem na militacircncia do coletivo de mulheres que deseja

ver desconstruiacutedas imagens que as fragilizam

O debate conforme responderam osas educadoresas natildeo aparece no projeto de

leitura assim pode natildeo estar incorporado sistematicamente como accedilatildeo poliacutetica de resistecircncia

relembrando o dito por Foucault (2004a 2012) Em um dos meus diaacutelogos com a

coordenadora do projeto na visita de 28 de setembro de 2013 fazendo inquiriccedilotildees sobre a

percepccedilatildeo dela quanto ao conceito de gecircnero das obras presentes no espaccedilo da biblioteca

acerca desse campo obtive de mais uma informante desta pesquisa que natildeo havia obra ali

com esta perspectiva Este tema precisaria ser inserido passava ao largo o foco nas relaccedilotildees

de gecircnero Falou-me que ao selecionar textos natildeo traz este olhar previamente Quando lhe

indaguei como via a omissatildeo da temaacutetica respondeu-me

- Percebo a omissatildeo agora com sua presenccedila que faz sentido discutir gecircnero Mas

como faccedilo isto Quais textos devem ser trabalhados

E eu lhe escutei sem entender como esta educadora natildeo atentaria que subjaz em regra

nos diversos gecircneros textuais um olhar construtor de gecircnero Haacute olhares sobre mulheres

negras brancas jovens idosas de classes e etnias diferentes nos quais subjazem nos gecircneros

textuais a iniquidade de gecircnero social Plasmada em letras de muacutesicas livros didaacuteticos

paradidaacuteticos canccedilotildees histoacuterias piadas publicidades mateacuterias jornaliacutesticas cantadas enfim

sob os mais diversos formatos haacute a temaacutetica de gecircnero Indaguei-lhe se acharia que a

ausecircncia de textos especiacuteficos para o enfrentamento agrave iniquidade de gecircnero poderia mesmo

ser oacutebice para a exploraccedilatildeo da temaacutetica considerando que ela estaacute no imaginaacuterio social de

alguma forma precisando ser desconstruiacuteda Ela foi sincera e confessou que natildeo atentava para

a presenccedila da temaacutetica perpassando em tantos gecircneros textuais A invisibilidade da violecircncia

de gecircnero deu sinais naquele depoimento De modo letaacutergico natildeo sendo contemplada em

98

leituras escolares nem vista em textos que fazem parte do cotidiano das prateleiras de

bibliotecas dos aparelhos de som e das mochilas escolares a invisibilidade fazia acenos pelos

sentidos que aquela educadora concedia ao ato de ler

O ato de ler natildeo se esgota em livros bibliotecas professoresas escolas Nascem de

olhos que veem que planejam que seduzem Silva (2011) aduz que as praacuteticas de leitura

escolar natildeo podem nascer do acaso nem do autoritarismo de tarefas mas de uma programaccedilatildeo

envolvente E isto perpassa essencialmente por uma formaccedilatildeo que privilegie praacuteticas de

liberdade consciecircncia da importacircncia de uma construccedilatildeo coletiva do lugar de si e do outro no

mundo que nos cerca Dessa formaccedilatildeo o poder puacuteblico tem dito se preocupar Eacute com o que

parecem concordar osas entrevistadosas diante da seguinte questatildeo

4 Vocecirc acredita que a formaccedilatildeo recebida pelo (a) educador (a) tanto em niacutevel

inicial quanto na continuada tem preparado o (a) profissional para uma praacutetica

pedagoacutegica que contemple a equidade de gecircnero no espaccedilo escolar

( ) sim ( ) natildeo

Essa questatildeo objetivou perceber de que forma as poliacuteticas puacuteblicas de formaccedilatildeo

inicial e continuada satildeo percebidas Eacute algo que merece a atenccedilatildeo ser averiguado seriam essas

formaccedilotildees proficientes excessivamente teoacutericas de que modo essas praacuteticas discursivas

equipam essesas profissionais para impactar suas atuaccedilotildees Investigar o que de fato tem

atravessado os discursos das formaccedilotildees e ressoado no chatildeo da escola nos modos de

subjetivaccedilatildeo dessesas professoresas leitoresas eacute de uma pertinecircncia tamanha para quem se

envolve com a educaccedilatildeo como praacutetica de liberdade no sentido foucaultiano Dizendo de outro

modo eacute salutar buscar se haacute verdades novas atinentes ao que propotildeem os DH sobre a

equidade de gecircnero sobre a desconstruccedilatildeo da constituiccedilatildeo do diferente enunciadas pelos

formadores em curso de capacitaccedilatildeo e nas formaccedilotildees iniciais e quais tecircm sido seus efeitos

Com a aplicaccedilatildeo da quarta questatildeo pude avaliar como satildeo afetadas as relaccedilotildees de gecircnero pela

ingestatildeo do debate pelas tecnologias formadoras E de fato a totalidade dosas respondentes

afirmou que recebe uma formaccedilatildeo que capacita que contempla o debate sobre a construccedilatildeo

das diferenccedilas e a equidade de gecircnero no espaccedilo escolar

Entre todavia o recebimento de uma formaccedilatildeo capaz de problematizar as

assimetrias de gecircnero e a implementaccedilatildeo por parte dessesas educadoresas de uma praacutetica

discursiva que lhes capacite romper com uma memoacuteria discursiva que interdita uma condiccedilatildeo

de vida sem subalternidades existem seacuteculos de jogos de verdade nos quais os processos de

subjetivaccedilatildeo transigem segundo regras histoacutericas Satildeo jogos que perpassam doutrinas

99

pedagoacutegicas sustentando uma superioridade intelectual dos homens por isto destinando

lugares distintos para homens e mulheres (o puacuteblico aos homens o privado agraves mulheres)

Satildeo jogos de verdade que destinam comportamentos diferenciados aos sexos constituindo o

gecircnero sustentando a inferioridade feminina a construccedilatildeo da diferenccedila do padratildeo

heterossexual como desvio como patologia entre tantos outros jogos de verdade

E as regras histoacutericas hoje consideram lentamente uma ordem discursiva que se

desenha na qual as muralhas androcecircntricas sofrem o abalo de uma atuaccedilatildeo poliacutetica do

coletivo de mulheres e do LGBT que se empoderam com o ativismo autoral por respeito agraves

diferenccedilas Pude constar isto em uma visitaccedilatildeo que fiz agrave escola em 24 de outubro de 2013 Em

diaacutelogo com Elisa uma professora com 15 anos de atuaccedilatildeo profissional no qual lhe indaguei

sobre sua percepccedilatildeo acerca da presenccedila das relaccedilotildees de gecircnero no cotidiano escolar acerca da

vinculaccedilatildeo (ou natildeo) entre suas praacuteticas leitoras e estas questotildees Muito rapidamente ela se

posicionou como uma conservadora e se disse escandalizada com as transformaccedilotildees sociais

que via emergir em termos de comportamentos sexuais inclusive ali na escola Ouvi um

desabafo inusitado desta informante que presenciou uma cena de beijos entre duas

adolescentes

- Natildeo vejo a hora de sair desta escola Aqui todos satildeo danados E as meninas nem se

falam Peguei duas aos beijos fui intervir e ouvi da menina

- Taacute com preconceito eacute professora

A narrativa daquela educadora me marcou e lhe indaguei se ela achava que estava

com preconceito conforme lhe indagou a menina Respondeu que sim pois sendo beijos entre

casais heterossexuais tambeacutem reprimiria o ato mas natildeo ficaria tatildeo aborrecida como ficou Fiz

a Elisa mais indagaccedilotildees inquirindo sobre o efeito das formaccedilotildees acadecircmicas pelas quais ela

tem passado Ela pareceu-me marcha por lugares onde soam ritmos diferentes E com suas

respostas fui remetida ao que diz Orlandi (2008) acerca do entrecruzamento de vozes que

torna o sujeito heterogecircneo e das condiccedilotildees de produccedilotildees do discurso que permitem

enunciados diferentes em determinados espaccedilos sociais Mesmo se dizendo refrataacuteria agraves

mudanccedilas Elisa disse aprovar as formaccedilotildees continuadas que ensinam a lidar com as

diferenccedilas apesar de natildeo conseguir concordar com o que escuta e vecirc

- Nas formaccedilotildees continuadas ateacute entendo a questatildeo do respeito mesmo sem

concordar ateacute entendo Mas quando presencio uma cena como a do beijo das meninas em

puacuteblico daacute um nojo acho uma falta de respeito natildeo concordo

100

E como demonstrou natildeo concordar Sua ecircnfase agrave cena me fez pensar no quanto

provavelmente o beijo das duas garotas consideradas desviantes lhe foi claramente chocante

mas natildeo menos e natildeo tatildeo claro foi chocante a ela o tom reivindicativo com o qual a aluna se

apoderou para evocar da professora uma postura mais reflexiva mais apropriada a sua funccedilatildeo

A desviante aos olhos de Elisa pode ter lhe lembrado de que para ser educadora ela deveria

estar atinente agraves novas poliacuteticas educacionais deveria ter postura de respeito agrave liberdade de

afeto seja de que maneira for Haacute o dever ao respeito agraves diferenccedilas assegurado legalmente

parece ter dito a menina ao lhe indagar sobre preconceito

Elisa segundo me informou caiu em si natildeo se sentia preparada para atuar ali

mesmo que se esforccedilasse para assimilar as diretrizes de uma escola inclusiva democraacutetica

natildeo discriminatoacuteria Essa professora se depara com formaccedilotildees discursivas conflitantes e entre

suas verdades e o que a escola deseja construir aos moldes de ser inclusiva angustia-se O

recrudescimento do constituiacutedo diferente que empoderado natildeo aceita ser abjeto (HALL

2011) e reivindica direitos pocircs em evidecircncia isto causando-lhe transtorno Uma firmeza da

menina desviante foi o estopim para gerar na professora a vontade de abandonar aquela

escola para natildeo ter que se desfazer de uma formaccedilatildeo discursiva cristalizadora de identidades

Formaccedilatildeo que talvez natildeo tenha lhe permitido enxergar amiuacutede toda sorte de preconceitos

insultos e ofensas vividos por outrosas desviantes tirando-lhes o chatildeo tirando-lhes da escola

Agora era o seu chatildeo que lhe fora retirado por um gesto de afirmaccedilatildeo de identidade de

altivez de peleja pela desconstruccedilatildeo de verdades

Restaria querer buscar outro chatildeo mais soacutelido mais firme na crosta essencialista

Mas para qual escola iria Mesmo timidamente o discurso da defesa da diversidade cultural

sexual e da equidade de direitos eacute um campo de luta que surge amparado em legislaccedilatildeo

educacional e em formaccedilotildees continuadas dispensadas aosagraves educadoresas Embora de forma

amena tangencial surge Eacute o contraponto a uma ordem conservadora de uma perspectiva

essencialista discriminadora que se faz surgir em praacuteticas discursivas instigadoras de

problematizaccedilotildees da iniquidade de gecircnero Acerca da presenccedila desse contraponto na escola

TRAVESSIA quis saber interrogando sobre as poliacuteticas educacionais no direcionamento do

que pode o menino e a menina toacutepico da quinta questatildeo

5 As poliacuteticas educacionais comprometem a equidade de gecircnero O que pode o

menino e o que pode a menina

( ) sim ( ) natildeo

101

5a ( ) natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e

meninas

5b ( ) comprometem pouco porque a escola atua pela igualdade de tratamento

5c ( ) ainda comprometem muito porque a escola dispensa tratamento desigual

5d ( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que

satildeo naturalmente desiguais

Osas respondentes demonstraram natildeo perceber que a escola trata fortemente

desigual a ambos Em nenhuma resposta houve a marcaccedilatildeo para o enunciado 5c o qual

afirma que as poliacuteticas educacionais ainda comprometem a equidade de gecircnero Por sua vez a

negaccedilatildeo de que haacute discriminaccedilatildeo foi bem marcada pela maioria dos respondentes

5a ( ) natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e

meninas

Haacute uma coerecircncia interna na marcaccedilatildeo dessas respostas quando relacionado o

conjunto de todas as quatro proposiccedilotildees considerando que com a ausecircncia absoluta por parte

de todos os respondentes de marcaccedilatildeo com o enunciado a seguir haacute a indicaccedilatildeo de que osas

respondentes buscam negar ranccedilos essencialistas nas suas formaccedilotildees discursivas

5d ( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que

satildeo naturalmente desiguais

O que me leva a assim pensar eacute a consideraccedilatildeo de que em nenhuma das respostas

houve marcaccedilatildeo na propositura acima indicada (5d Osas colaboradoresas da pesquisa

parecem querer evidenciar crer que natildeo somos homens e mulheres naturalmente desiguais

Somos ao contraacuterio construiacutedos desiguais detentores em princiacutepio de direitos iguais e a

escola parece querer respeitar esta conquista que eacute relativamente recente Parece mas

estabelecendo um diaacutelogo com vozes informantes desta pesquisa como as de Rosa e Elisa

por exemplo nem chega a parecer suas vozes carregam enunciados visivelmente

sedimentados na assimetria essencialista

Por sua vez com o enunciado da sexta questatildeo que intenciona captar de que forma a

escola tem participado dos processos de subjetivaccedilatildeo intervindo nas construccedilotildees de gecircnero

das crianccedilas e adolescentes foram evidenciados resultados que mostram possibilidades bem

reveladoras de olhares essencialistas Seguem a questatildeo e seus resultados

102

6 Quando meninos e meninas demonstram comportamentos ldquoconsideradosrdquo como

natildeo apropriados para seu sexo qual a leitura feita

6a ( ) Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras de cada

crianccedila

6b ( ) Haacute um sentimento de decepccedilatildeo algo estaacute errado

6c ( ) Procuro redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo

Outro _______________________________

Apenas dois tipos de respostas foram marcadas Unicamente uma pontuaccedilatildeo para a

proposiccedilatildeo 6a que anuncia Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras

de cada crianccedila Esta percepccedilatildeo solitaacuteria vai ao encontro de um olhar que aceita

problematizar padrotildees hegemocircnicos aceita contrariar jogos de poder que reproduzem

estigmatizaccedilotildees discriminaccedilotildees sexistas assimetrias de gecircnero Por seu turno oito dosas

nove colaboradoresas disseram que procuram redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo

(6c) Uma indicaccedilatildeo de que raciocinam por uma loacutegica essencialista dual homogeinizante

normalanormal Uma loacutegica que exclui os que rompem com os padrotildees identitaacuterios de

gecircnero e mesmo que evite expocirc-los constrangecirc-los natildeo os aceita tenta enquadraacute-los Satildeo os

saberes-poderes que permitem o governo de sujeitos por outros os processos de subjetivaccedilatildeo

sendo instaurados por verdades veiculadas pelas instituiccedilotildees

O poder funciona e se exerce em rede Nas suas malhas os indiviacuteduos natildeo soacute

circulam mas estatildeo sempre em posiccedilatildeo de exercer este poder e de sofrer sua accedilatildeo

nunca satildeo o alvo inerte ou consentido do poder satildeo sempre centros de transmissatildeo

Em outros termos o poder natildeo se aplica aos indiviacuteduos passa por eles

(FOUCAULT 2012 p 45)

Para corroborar a afirmaccedilatildeo de Foucault (2012) que fala deste poder dispersado

localizado pelo pensador nas relaccedilotildees sociais como um todo retorno aos fragmentos retirados

dessa pesquisa refletindo sobre o poder em sua dimensatildeo relacional A quase totalidade dosas

educadoresas vigiada possivelmente pelos olhares de pais direccedilatildeo colegas por enunciados

que circulam em documentos escolares em formaccedilotildees e cursos posiciona-se dubiamente

concebe a polaridade fixa dos gecircneros exerce entatildeo o poder de redirecionar o interesse do

considerado desviante Mas natildeo expotildee quem a contraria Estariam sendo desestimulados

essesas colaboradoresas pelas bandeiras anti-homofoacutebicas Bom sinal para o ativismo

poliacutetico da populaccedilatildeo LGBT que historicamente sofre as agruras do preconceito e da

discriminaccedilatildeo confrontando isto com o que reza um dos princiacutepios do Plano Nacional da

Promoccedilatildeo da Cidadania e dos Direitos Humanos de LGBT lanccedilado em 2009 ldquoUm Estado

Democraacutetico de Direito natildeo pode aceitar praacuteticas sociais e institucionais que criminalizam

103

estigmatizam e marginalizam as pessoas por motivo de sexo orientaccedilatildeo sexual eou

identidade de gecircnerordquo (Secretaria Especial dos Direitos Humanos 2009 p11)

Com os sentidos afiados em confluecircncia com o olhar de Louro (2012) um passeio

pela escola e pelas respostas apresentadas neste instrumento de investigaccedilatildeo revelam o quanto

praacuteticas escolares expressam uma constituiccedilatildeo discursiva com fixaccedilatildeo de comportamentos

adequados para meninos e meninas Ora rechaccedilando ora respaldando o fato eacute que os modelos

socialmente valorizados ainda satildeo os que estereotipam meninas como fraacutegeis esforccediladas e

meninos como inteligentes fortes Isso resulta em confronto em fabricaccedilotildees de estereoacutetipos

Para a elaboraccedilatildeo da seacutetima questatildeo que possui este elo busquei reflexotildees no pensamento de

Foucault (2004a 2004c) quando esse propotildee o cuidado de si as praacuteticas que constituem uma

subjetividade eacutetica Penso que a defesa de uma vigilacircncia sobre construccedilotildees discursivas que

fabricam mulheres objetos coisificadas veiculadas em toda sorte de artefato cultural deve ser

constituiacuteda se o rompimento com esse modelo eacute desejado E considero a ausecircncia desta

vigilacircncia por parte dosas educadoresas como uma lacuna que impede a quebra substancial

com um paradigma machista Eacute esse paradigma que permite uma praacutetica discursiva dos

homens em fazer as inuacutemeras piadas sobre loura as incontaacuteveis formas de estereotipar as

mulheres no que se refere a sua intelectualidade a sua atribuiacuteda inabililidade para dirigir para

exercer certas profissotildees relacionando grosseiramente beleza agrave burrice enfim formas

conflituosas de se perceber um ao outro fazem parte de um repertoacuterio que resolvi imprimir em

minhas inquiriccedilotildees

7 Como mediadora de leitura vocecirc interfere diante de uma expressatildeo de

preconceito uma expressatildeo de conflitos entre olhares de meninos e de meninas

7a ( ) pouco eacute natural a disputa

7b ( ) interfiro sempre sou contraacuterio (a) a qualquer manifestaccedilatildeo de

discriminaccedilatildeo

7c ( ) Natildeo haacute como interferir sempre nossa demanda eacute intensa

As respostas foram incisivamente favoraacuteveis agrave intervenccedilatildeo A marcaccedilatildeo da totalidade

dosas respondentes para o enunciado 7b parece indicar que na contramatildeo de ser

inadequadamente omisso diante de discriminaccedilatildeo ningueacutem deseja estar embora possa

paradoxalmente direcionar comportamentos conforme anunciado pelas respostas da questatildeo

6c Natildeo haveria aiacute a manifestaccedilatildeo de que se natildeo aceitamos uma nova ordem de interesses por

parte de crianccedilas conforme enunciado da sexta questatildeo que soacute obteve uma marcaccedilatildeo eacute

104

porque natildeo duvidamos do que tenha sido naturalizado construiacutedo discursivamente como o

outro o diferente

Estas dissonacircncias entre interferir em manifestaccedilotildees de preconceitos e construir

possibilidades de exercer controle sobre o outro o desviante da pressuposta normalidade

mesmo que de forma discreta podem estar expressando modos de subjetivaccedilatildeo nos quais

sujeitos expostos agraves diversas formaccedilotildees discursivas assimilam mudanccedilas ordens interesses

Em outros momentos todavia retecircm-se com perspectivas essencialistas que osas impedem

de apropriar-se do que recomendam as tecnologias oficiais no tocante por exemplo ao

respeito agrave diversidade humana aos conhecimentos dos processos de construccedilatildeo do diferente

como o outro o abjeto Osas educadoresas expressam entatildeo em muitas tentativas de quebra

de paradigmas que os jogos por verdades se datildeo de modo processual refletem lutas poderes

e resistecircncias dispersando e replicando vozes

Considerando a importacircncia de buscar inquiriccedilatildeo sobre o fenocircmeno da violecircncia

domeacutestica contra a mulher como uma das mazelas sociais que as vitimiza cotidianamente

sob as mais diferentes formas de massacre fiacutesica simboacutelica psicoloacutegica moral patrimonial

na oitava questatildeo resolvi inquirir sobre como este fenocircmeno eacute percebido pelosas

educadoresas envolvidosas no estudo Assim propus o enunciado

8 No tocante agrave violecircncia contra a mulher segundo o Mapa da Violecircncia 2012 o

Brasil ocupa a 7ordf colocaccedilatildeo em um ranking de 84 paiacuteses O que em sua opiniatildeo

explica a existecircncia deste fenocircmeno Marque mais de uma questatildeo caso queira

8a ( ) Formaccedilatildeo cultural

8b ( ) Haacute pessoas naturalmente violentas

8c ( ) Natildeo sei

8d ( ) O ciuacuteme o consumo de drogas o divoacutercio e natildeo saber lidar com traiccedilatildeo

8e ( )O desemprego crise financeira e pobreza

Outra ______________________

Nesta proposiccedilatildeo as respostas foram diversificadas foi marcado inclusive o

enunciado que afirma desconhecer as razotildees (8c) A questatildeo em aberto natildeo foi aproveitada

por nenhuma respondente Mas em sua maioria essesas (seis dosas nove) relacionaram o

fenocircmeno da violecircncia contra a mulher como algo que tem causa na formaccedilatildeo cultural Eacute

importante que se atente como alguns enunciados marcados podem estar evidenciando o

quanto a problemaacutetica carrega alguns mitos sobre as suas provaacuteveis causas Observando por

exemplo a marcaccedilatildeo isolada para o toacutepico 8e que faz nexo causal entre a violecircncia e a crise

econocircmica como pensar que a violecircncia estaacute ligada agraves dificuldades dessa ordem quando em

105

todas as classes sociais se registram ocorrecircncias Haacute maneiras diferentes de encarar as

agressividades em funccedilatildeo de tabus entre outros subterfuacutegios mas mulheres pertencentes a

todas as posiccedilotildees da piracircmide social satildeo viacutetimas de violecircncia conforme atestam inuacutemeras

pesquisas (SAFFIOTI 2001)

A evidecircncia de que o entendimento sobre as causas da violecircncia foi redutor estaacute

tambeacutem na marcaccedilatildeo isolada da proposiccedilatildeo 8d afinal estas causas apontadas estatildeo indicando

que o estopim estourou pelo aumento do stress pela perda do autocontrole (SAFFIOTI

MUNHOS 1994) mas em verdade haacute algo maior que impulsiona a agressatildeo encontra

apenas as brechas em quaisquer desculpas Em verdade eacute costumeira a confusatildeo entre causas

e motivaccedilotildees da violecircncia aquelas satildeo mais sistecircmicas e as motivaccedilotildees mais localizadas

ocasionadas por situaccedilotildees diversas como stress uso de entorpecentes etc

Considero importante atentar para o fato de que se a maioria respondeu perceber

vinculaccedilatildeo entre a violecircncia e a formaccedilatildeo cultural talvez por presenciar tantas cenas de

violecircncia de gecircnero e escutar narrativas feitas por alunosas acerca das dores maternas e

fraternas provocadas pela violecircncia domeacutestica deveria estar a escola propondo a brigada

anti-violecircncia pelo vieacutes da cultura Mas nenhuma respondente posicionou-se assim no espaccedilo

deixado em branco no questionaacuterio com o fim de possibilitar a expressatildeo de reflexotildees tambeacutem

nessa direccedilatildeo

A violecircncia contra a mulher tem vinculaccedilatildeo em uma cultura machista patriarcal

sedimentada milenarmente Buscar compreendecirc-la no campo dos estudos de gecircnero seria

oportuno para a escola porque poderia ser evidenciada o quanto a educaccedilatildeo dispensada a

meninos e meninas de forma diferenciada na qual se passam valores que sustentam olhar

para as mulheres que as inferioriza eacute possivelmente forte construto que alimenta uma cultura

machista E essa credencia agrave banalizaccedilatildeo do fenocircmeno da violecircncia Basta que se lembre dos

ditados populares que grassam (jaacute grassaram bem mais) nas bocas ldquoMulher eacute que nem bife

quanto mais apanha melhor ficardquo para que se atente o quanto haacute a naturalizaccedilatildeo do

fenocircmeno Esse dito eacute soacute um entre tantos nos imaginaacuterios sociais que fabricam a ideia de que

violentar mulheres faz parte eacute permitido

E satildeo por esses imaginaacuterios sociais que o Relatoacuterio Final da Comissatildeo Parlamentar

Mista de Inqueacuterito ndash CPMI - da Violecircncia contra a Mulher do Congresso Nacional entregue

em julho de 2013 aponta iacutendices alarmantes fala de femiciacutedio e coloca como uma

necessidade premente a da superaccedilatildeo deste mal

106

A curva ascendente do femiciacutedio a permanecircncia de altos padrotildees de violecircncia contra

mulheres e a toleracircncia estatal detectada tanto por pesquisas estudos e relatoacuterios

nacionais e internacionais quanto pelos trabalhos desta CPMI estatildeo a demonstrar a

necessidade urgente de mudanccedilas legais e culturais em nossa sociedade Conforme

mostra a pesquisa intitulada Mapa da Violecircncia homiciacutedios de mulheres mais de 92

mil mulheres foram assassinadas no Brasil nos uacuteltimos trinta anos 43 mil delas soacute

na uacuteltima deacutecada (BRASIL 2013 p 8)

A violecircncia contra a mulher eacute um fenocircmeno bastante complexo com raiacutezes fincadas

em solos de culturas machistas amparada em um Estado historicamente omisso na promoccedilatildeo

do direito a uma vida sem violecircncia para as mulheres Esse fenocircmeno que esteve na

invisibilidade social encoberto por muito tempo erroneamente sustentado pelo direito ao

instituto da privacidade entre parceiros tendo inclusive um aparato popular que os abrigava

de vexames e intervenccedilotildees ldquoEm briga de marido e mulher natildeo se mete a colherrdquo teve

recentemente a intervenccedilatildeo do Estado brasileiro com a Lei 113402006 a Maria da Penha

Esse instrumento juriacutedico se apresenta como um dos mais avanccedilados amparo legal para o

enfrentamento da questatildeo Natildeo se muda todavia cultura com golpe de lei haacute muito a ser

feito em termos de estrutura do judiciaacuterio brasileiro (ampliaccedilatildeo do nuacutemero de varas de

juizados especiais de Casas Abrigo de DEAMS - Delegacias Especializadas de Atendimento

agrave Mulher - funcionando em regime de plantatildeo capacitaccedilatildeo dos juristas) para que a lei passe a

ser um ordenamento juriacutedico que vigore como deve efetivamente sendo aplicado de forma

preventiva educativa e punitiva

E a escola no que diz respeito a formar para a equidade de gecircnero e para a cultura da

paz eacute espaccedilo fundamental que pode se ofertar no semeio desta colheita Importante portanto

a denuacutencia que osas respondentes fizeram da atuaccedilatildeo piacutefia da unidade escolar em tela no

tocante ao papel que a instituiccedilatildeo deve ter como importante instrumento no combate agrave

violecircncia domeacutestica contra a mulher Satildeo muitas as respostas (oito das nove) que afirmaram

pouco operar a escola neste sentido Assim se constituiu a nona questatildeo

9 Para vocecirc a escola atenta para sua importacircncia como espaccedilo de enfrentamento agrave

questatildeo

( ) sim ( ) natildeo ( ) sim mas de forma insignificante

A escola TRAVESSIA conforme percebem aqueles que dela fazem parte e

seguramente presenciam depoimentos e cenas que datildeo conta do mal da violecircncia contra a

mulher como o que grassa pouco opera no enfrentamento deste problema Esse mal que

sendo uma violaccedilatildeo dos direitos humanos das mulheres eacute um flagelo uma ameaccedila agrave

107

Democracia agrave paz agrave justiccedila deve portanto ter a escola envolvida em sua prevenccedilatildeo

eliminaccedilatildeo e enfrentamento Natildeo haacute como esta instituiccedilatildeo ser indiferente ao caminho sem

volta que as marchas feministas vecircm construindo especialmente nas uacuteltimas deacutecadas com

grandes avanccedilos dados pelos seus gritos ecoados nas bandeiras dos DH positivados em

forma de lei especiacutefica que penaliza a violecircncia contra a mulher e em diretrizes educacionais

que propotildeem a equidade de gecircnero

Como instacircncia de poder atravessada por praacuteticas discursivas natildeo neutras

legitimadora de ordem social por meio de suas ldquoverdadesrdquo fabricadas a escola propaga em

tese sua missatildeo fundamental como a de formar seres humanos eacuteticos conscientes de sua

igualdade de direitos por seus propoacutesitos e pela obrigatoriedade legal que se desenha com o

advento da poacutes-modernidade Mas na praacutetica sua missatildeo tem eacute instituiacutedo a segregaccedilatildeo

atraveacutes do controle disciplinar domesticando corpos e mentes (LOURO 2012)

Nesse sentido a promoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de enfrentamento agrave violecircncia de

gecircnero eacute uma realidade de resistecircncia que daacute sinais tiacutemidos no chatildeo da escola mas daacute sinais

Cabe aosagraves fazedores da educaccedilatildeo acolhecirc-los Sua contribuiccedilatildeo ao debate que estranha

sentidos essencializados pode ser significativa considerando que os muros escolares racham

com o advento da globalizaccedilatildeo e dos avanccedilos tecnoloacutegicos disseminando informaccedilatildeo

instantaneamente Satildeo inuacutemeros os recursos educativos que podem amparar a discussatildeo

reportagens filmes peccedilas teatrais programas de TV de raacutedio diaacutelogos que circulam em salas

de aula entre outros Obviamente que esses recursos na maioria esmagadora das escolas

puacuteblicas brasileiras natildeo satildeo inteiramente disponibilizados e na escola TRAVESSIA natildeo eacute

diferente Haacute laacute escassez de textos e de demais instrumentos que permitam um trabalho bem

amparado percebida em minhas visitaccedilotildees Mas isso natildeo pode se constituir como oacutebice total

haacute sempre formas de propor o debate em um mundo plural que existe e deseja se firmar Por

onde andamos e estamos haacute sujeitos em interlocuccedilatildeo trazendo presentes vozes sociais de

onde emanam efeitos de sentidos sobre papeacuteis construiacutedos

Elaborei questatildeo especiacutefica sobre qual o olhar a escola evidencia ter atraveacutes de seu

projeto de leitura para um dos melhores instrumentos juriacutedicos em niacutevel mundial de

enfrentamento do combate agrave violecircncia domeacutestica a Lei Maria da Penha Esse ordenamento

juriacutedico que segundo pesquisa do Instituto AvonIPSOS (2011) eacute um marco legal

amplamente conhecido e poderia estar sendo pontuado no ambiente escolar de modo a

semear a cultura da paz e do respeito agraves mulheres Assim mobilizei a deacutecima questatildeo desse

instrumento

108

10 A Lei Maria da Penha como avanccedilado instrumento juriacutedico no enfrentamento da

violecircncia contra a mulher ganha que espaccedilo no projeto de leitura

10a ( ) Nunca foi citada

10b ( ) Existe na biblioteca

10c ( ) Jaacute trabalhamos com ela

As respostas obtidas indicam sintonia com a nona proposiccedilatildeo na qual se pontuou

que a problemaacutetica da violecircncia domeacutestica contra a mulher natildeo encontra a importacircncia que

lhe eacute devida Todosas colaboradoresas responderam na deacutecima questatildeo que a lei nunca foi

citada (10a) Natildeo que o ordenamento juriacutedico tenha que ter referecircncia obrigatoacuteria nas leituras

da escola mas face a sua popularidade e pertinecircncia inclusive havendo versatildeo deste em

cordel o que facilitaria sua divulgaccedilatildeo poderia constar como uma das leituras feitas e

referidas de forma direta ou indireta Poderia porque a escola eacute espaccedilo formador tem papel

estruturante em accedilotildees que podem semear reflexotildees individuais e coletivas pela construccedilatildeo da

cultura da paz A educaccedilatildeo tensionando conflito e vozes pode ser constituiacutedo como espaccedilo

fecundo de organizaccedilatildeo pela emancipaccedilatildeo de oprimidos[as] (FREIRE 2002) Nesta acepccedilatildeo

a lei pode chegar a todas as crianccedilas e adolescentes pela instacircncia da escola como um sulco

no muro da iniquidade de gecircnero mostrando-se em sua consistecircncia preventiva e punitiva

como um aprendizado um oacutebice agrave violecircncia domeacutestica

Natildeo bastaraacute todavia conhecer o ordenamento juriacutedico para que se coiacuteba a violecircncia

O enfrentamento desse fenocircmeno perpassa pela construccedilatildeo de novas formas de subjetivaccedilatildeo

nas quais o direito a uma vida sem violecircncia agraves mulheres seja efetivamente garantido e

assegurado pela condiccedilatildeo humana destas A escola deve ser um baluarte na colaboraccedilatildeo dessa

praacutetica para isso por ela precisam perpassar debates caros ao tema inquirindo sobre qual

posicionamento tem tido a instituiccedilatildeo quanto agrave construccedilatildeo e desconstruccedilatildeo de hegemonias

tem reforccedilado ou questionado as assimetrias de gecircnero

Na escola TRAVESSIA pude constatar haacute um tangenciamento do debate acerca das

relaccedilotildees de gecircnero percebido pelas discursividades de seusuas educadoresas como

mediadores de leituras Uma anaacutelise desse tangenciamento pode pontuar uma reflexatildeo que

perspectiva com um debate proposto por Foucault (2011) na linha do que satildeo as conjunturas

histoacutericas e socioculturais que permitem os jogos de verdades Se haacute a positivaccedilatildeo da lei na

sociedade brasileira e ela pode ser contemplada como legado de mobilizaccedilatildeo haacute todavia a

ausecircncia de seu debate em instacircncias escolares como a da escola TRAVESSIA E isso pode

ser contemplado como um legado de controle social no qual a eliminaccedilatildeo das discriminaccedilotildees

das violecircncias dos confrontos eacute significativamente negada silenciada mesmo que estejam

109

postas tecnologias que a discutam O rompimento desse controle que silencia lutas eacute uma

tarefa que oa intelectual oa educadora pode desejar construir lembrando aquilo que

Foucault (2004a 2004c 2012) pontua as pessoas podem ser mais felizes mais livres As

pessoas natildeo satildeo aprisionadas pelo poder elas podem modificar sua dominaccedilatildeo Isso evoca a

recusa do que satildeo despertada pela consciecircncia do que lhes disseram ldquoNingueacutem entraraacute na

ordem do discurso se natildeo satisfizer a certas exigecircncias ou se natildeo for de iniacutecio qualificado

para fazecirc-lordquo (FOUCAULT 2011)

E que ordem de discurso adentra a escola TRAVESSIA produzindo efeitos de

sentidos postos pela ausecircncia do debate sobre as hierarquias de gecircnero Adentra conforme

depoimentos de educadoresas ali escutadosas a da pouca reflexibilidade sobre o campo de

gecircnero a do adormecimento para a noccedilatildeo de estrateacutegias que enfrentem o poder androcecircntrico

Uma das formas de resistecircncia a esse poder se daacute pelo ato desbravador do conhecimento dos

processos discursivos que constituem as subjetividades que constituem as verdades ditas

sobre homens e sobre mulheres Satildeo passos na caminhada pela emancipaccedilatildeo A leitura pode

ser constituiacuteda com esta linhagem e ser mediadora na ressignificaccedilatildeo dos construtos de

identidades na ressignificaccedilatildeo de leituras eivadas de identidades socialmente construiacutedas pela

subalternidade da mulher Nessa direccedilatildeo Moita Lopes (2003) traz a tecitura com que a

linguagem nos constroacutei e corrobora com a ideia de resistecircncia

A percepccedilatildeo do discurso como construccedilatildeo social coloca as pessoas como

participantes nos processos de construccedilatildeo de significado na sociedade e portanto

inclui a possibilidade de permitir posiccedilotildees de resistecircncia em relaccedilatildeo a discursos

hegemocircnicos isto eacute o poder natildeo eacute tomado como monoliacutetico e as identidades sociais

natildeo fixas (MOITA LOPES 2003 p 55)

Nesse sentido por conceber a importacircncia do conhecimento dos processos histoacutericos

emancipatoacuterios como o das lutas sociais e em especial a esse trabalho o do movimento

feminista foi elaborada questatildeo que objetivava perpassar pelas reflexotildees acerca da histoacuteria

social das mulheres As histoacuterias dos homens estatildeo aiacute onipresentes ocupando o tempo todo

todo espaccedilo Mas a histoacuteria social das mulheres natildeo eacute significativamente contada natildeo consta

nos curriacuteculos natildeo eacute devidamente estudada Isso possivelmente contribui para trazecirc-las na

invisibilidade considerando que os seus processos histoacutericos de subordinaccedilatildeo ao masculino

suas exclusotildees dos campos poliacuteticos cientiacuteficos artiacutesticos enfim ainda natildeo satildeo devidamente

estudados A histoacuteria de luta pela emancipaccedilatildeo social das mulheres eacute entretanto uma das

mais bem vividas experiecircncias que atestam o poder da mobilizaccedilatildeo social e mereceria estar

110

entre as preocupaccedilotildees da escola e no projeto de leitura Desejei saber como esta questatildeo era

percebida pelosas informantes e elaborei o deacutecimo primeiro questionamento

11 Que lugar deve ocupar a histoacuteria de emancipaccedilatildeo da mulher no curriacuteculo

escolar e no projeto

11a ( ) Haacute sentido em trazer a histoacuteria social das mulheres como tema nos

curriacuteculos escolares

11b ( ) Apoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas

memoacuterias ocultadas e inferiorizadas

11c ( ) O conteuacutedo sobre o coletivo das mulheres tem espaccedilo mas temos pouca

carga horaacuteria para exploraacute-lo mais

11d ( ) Natildeo temos como inserir mais conteuacutedo na grade curricular nem acho

importante

Aqui natildeo houve ressalvas para a defesa na quase totalidade das respostas (sete das

nove) da implementaccedilatildeo da histoacuteria das mulheres como forma de resgate de si no debate

escolar Natildeo houve marcaccedilatildeo para o enunciado 11 d A questatildeo 11b foi bem pontuada entatildeo

ldquoApoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas memoacuterias ocultadas e

inferiorizadasrdquo Eacute como um reconhecimento de que o processo de aprendizagem de uma

desnaturalizaccedilatildeo da desigualdade entre homens e mulheres passa pelo conhecimento da

histoacuteria que as excluiu e da sua inclusatildeo pela luta Foucault (2004c) auxilia nesse sentido

quando nos traz a pertinecircncia do conhecimento e a compreensatildeo da relevacircncia do papel do

intelectual

[] e que podemos mostrar agraves pessoas que elas satildeo muito mais livres do que

pensam que elas tomam por verdadeiros por evidentes certos temas fabricados em

um momento particular da histoacuteria e que essa pretensa evidecircncia pode ser criticada

e destruiacuteda O papel do intelectual eacute mudar alguma coisa no pensamento das

pessoas (FOUCAULT 2004c p 295)

Uma pretensatildeo bem ponderada E que em alguns outros momentos o filoacutesofo se

retrai desta posiccedilatildeo de ldquomostrarrdquo caminhos ao outro (FOUCAULT 2004e) Mas a histoacuteria de

luta das mulheres por sua emancipaccedilatildeo social eacute um caminho que merece ser mostrado Papel

que osas educadoresas podem cumprir percebendo-se como sujeitos agrave linguagem agrave

aprendizagem de ordens discursivas e se resistirem promotores das mudanccedilas que a

educaccedilatildeo pode constituir Papel que o movimento feminista com intelectuais e ativistas

parece ter cumprido com propriedade A atuaccedilatildeo desse movimento solicitada na 12ordf questatildeo

assim foi angariada

111

12 Emita sua opiniatildeo a respeito do movimento feminista Marque ateacute duas

respostas

12a ( ) fornece ferramentas conceituais que possibilita melhor percepccedilatildeo da

opressatildeo agrave mulher

12b ( ) propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso eacute

bom

12c ( ) propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso natildeo

eacute

bom

12d ( ) eacute um movimento com muito radicalismo

A unanimidade de valorizaccedilatildeo desta praacutetica discursiva quase imperou desta vez As

proposiccedilotildees 12a e 12b as quais veem com olhos respeitosos o movimento foram as

marcaccedilotildees de oito colaboradoresas Apenas uma resposta considerou o radicalismo do

movimento sua marca talvez por pressupor que as mulheres militantes propotildeem mudanccedilas

que ferem uma construiacuteda e disciplinada essecircncia feminina Os movimentos feministas

propotildeem radicalizar a desnaturalizaccedilatildeo de um mundo construiacutedo em pilares desiguais e

injustos um mundo calccedilado em machismo em violecircncia contra a mulher Radicalizar a

desnaturalizaccedilatildeo deste mundo eacute bom nodal conforme concordaram os que marcaram os

enunciados 12a e 12b Por seu turno ningueacutem marcou que isto natildeo seria bom conforme

enuncia o 12c

A uacuteltima questatildeo do instrumento investigativo versou sobre a consciecircncia do valor

histoacuterico e simboacutelico que tem o Dia Internacional da Mulher Neste enunciado foi deixada

uma questatildeo em aberto com espaccedilo para que osas colaboradoresas pudessem expressar

opiniotildees que ampliassem o conteuacutedo do enunciado o 13 a cuja visatildeo da mulher perpassa por

questotildees generalistas simplistas

13 O projeto de leitura costuma vincular alguma programaccedilatildeo agraves datas

comemorativas

( )sim ( ) natildeo

Caso sim qual o teor do dia 8 de marccedilo como Dia Internacional da Mulher O que

se faz na data ou o que se pretende fazer

13a ( ) Ressaltam-se as qualidades da mulher eacute um dia em que ela eacute intensamente

valorizada entrega de flores poemas cartazes pela escola

13b ( ) outros Especifique_____________________

Todas as marcaccedilotildees apontaram para a 13a ou seja dia de demonstrar homenagens

E o que se homenageia Em regra por meio da publicidade e de outras praacuteticas discursivas

112

circulam imagens que narram e constituem mulheres com identidades ldquonaturaisrdquo dotadas de

habilidades tantas expressas em forma de doaccedilatildeo de cuidados e tantas outras construccedilotildees

dignas de serem presenteadas Batons perfumes flores entre outros satildeo apetrechos que

acompanham imagens que circulam representando o 8 de marccedilo como o Dia Internacional da

Mulher A publicidade que opera com o objetivo de reafirmar valores convencimentos

haacutebitos desfocou a perspectiva de luta de memoacuteria de caminhada por direitos implementada

pelo movimento O teor eacute outro o do consumo Agraves mulheres flores em seu dia Se nos

demais os papeacuteis sexuais exalam o perfume da iniquidade de gecircnero que murchem as flores

Eacute o tempo ainda da formataccedilatildeo que murcha da presenccedila de vozes que falam de um lugar

social o do consumo guiado pelos interesses capitalistas ou o do apagamento da luta das

mulheres por sua cidadania guiado pelos interesses machistas E com esses instala-se o

comportamento de tirar o foco das bandeiras feministas que ergueram o 8 de marccedilo tiram o

foco e semeiam verdades como as de que se valoriza a mulher com perfumes dias de beleza

de spas de corpos sarados ritualizados para uma beleza homogecircnea com tempo de validade

e condiccedilotildees de uso

Nesta questatildeo nenhuma resposta ultrapassou a marcaccedilatildeo de um x nenhum

enunciado a preencher o espaccedilo vazio adentrando todosas respondentes pela perspectiva do

senso comum das comerciais e banais homenagens agraves mulheres Esta ausecircncia de percepccedilatildeo

pelo menos evidenciada pelo que natildeo foi dito que significa conforme pontua a AD por parte

dosas educadoresas para o Dia Internacional da Mulher pode estar revelando um desvalor

para as brigadas que precisam ser armadas naquela seara O 8 de marccedilo eacute data de flores natildeo

pelo que as mulheres satildeo em termos de construccedilotildees essencialistas mas pelo que lutam para

ser livres O 8 de marccedilo eacute dia de memoacuteria de luta sobretudo pelo que as mulheres ainda

precisam assegurar para que possam ter o comando de suas vidas nas matildeos dando ou natildeo

essas em pedidos de casamento Haacute desse modo mais uma maneira de homenagear as

mulheres que eacute pela saudaccedilatildeo na luta na grandeza de fazer uma nova histoacuteria que natildeo foi

dita nas respostas daquelesas respondentes E este silecircncio pode estar ressoando como um

ldquoadeus agraves armasrdquo ou melhor como um natildeo agraves armas O natildeo uso das armas por parte de

quem tem uma responsabilidade social com os marcos legislativos educacionais com a

adoccedilatildeo de praacuteticas de si que osas faccedila zelar por um ethos pela cultura da paz e pela bandeira

da inclusatildeo evidencia uma cristalizaccedilatildeo das identidades uma naturalizaccedilatildeo da construccedilatildeo da

diferenccedila um descompromisso social com a cidadania plena da mulher

Ali na escola TRAVESSIA percebi entatildeo com as leituras das anaacutelises dos

instrumentos investigativos aplicados que o processo de fortalecimento da cidadania da

113

mulher natildeo encontra a guarida nos olhos de quem trabalha com a leitura comprometendo o

ato poliacutetico de ler Natildeo eacute uma trilha faacutecil eacute bom reconhecer atravessar no cotidiano escolar

um oceano de discursos que constroem imagens da mulher que as inferioriza que tingem o

diferente com cores da negaccedilatildeo e desejar atuar para desconstruir tais imagens Os pais e matildees

aparecem para contestar mudanccedilas contestar desconstruccedilotildees de papeacuteis socialmente

instituiacutedos como naquelas cenas que vivi e narrei quando construiacute a gecircnese desta pesquisa

Mas oa educadora tem um chamado para ficar na trincheira por uma brigada que inclua que

emancipe que torne a escola reflexiva atraente a todas as pessoas independentemente de

etnia de orientaccedilatildeo sexual de condiccedilatildeo social Pelo menos esse chamado estaacute sendo

evocado segundo as regras histoacuterias de um tempo que se desenha novo com uma

programaccedilatildeo na qual os jogos de verdades possuem malhas que se abrem para sujeitos de

direitos mesmo que lentamente conquistados

35 As aulas o sujeito-leitor o campo de gecircnero e as relaccedilotildees de poder

Por reorganizaccedilotildees das accedilotildees em funccedilatildeo de vaacuterias suspensotildees de aulas de leitura

pelo projeto entre outras intercorrecircncias deixei a etapa de observaccedilatildeo de aulas para o reiniacutecio

das aulas do 2ordm semestre de 2014 Planejei esta accedilatildeo atentando para o papel central dosas

educadoresas na conduccedilatildeo do debate por sua posiccedilatildeo de liacuteder na interaccedilatildeo relacional e por

serem esses os sujeitos desta pesquisa E assisti agraves aulas das professoras Jacqueline e Luacutecia

cujos nomes satildeo fictiacutecios como todos os outros e que possuem respectivamente oito e vinte

anos de formadas Em ambas houve uma receptividade agradaacutevel mas irei relatar minha

experiecircncia apenas nas aulas de Jacqueline por entendecirc-las mais significativa para o estudo

Assim as considero porque esta professora instigada possivelmente pelos desafios de alguns

instantes de conversas nos quais muito ouvi fez uma tentativa improvisada de dialogar com o

tema em tela

No preluacutedio dessas aulas que se deram em 11 de julho de 2014 no turno vespertino

a professora Jacqueline que me atendeu na biblioteca da escola em um horaacuterio reservado para

isto mostrou-se soliacutecita receosa e muito determinada a demonstrar sua anguacutestia suas

inquietaccedilotildees com a escolha profissional que fez

- Escolhi ser professora desde pequena Era meu sonho Mas a realidade eacute um

pesadelo Quando chega o momento de entrar na sala de aula eu me arrependo desta

escolha Tenho uma filha de 1 ano e seis meses e peccedilo a Deus todo dia que a livre desta

profissatildeo

114

A professora conduziu-me com sua fala pela escola como quem apresenta um

depoacutesito de problemas sem lugar para sonhos para a edificaccedilatildeo da autonomia Ali era o

reduto das queixas narrado por uma voz que soacute lamenta Jacqueline debulhou uma a uma as

lamentaccedilotildees que impregnam aquele ambiente Ouvi um rosaacuterio de desespero de exaustatildeo de

descontrole de pacircnico ateacute de criacuteticas ao ECA - Estatuto da Crianccedila e do Adolescente - que

estava na iminecircncia de completar 24 anos de criaccedilatildeo e que segundo ela ateacute hoje natildeo sabe o

bem que fez a sociedade a existecircncia desse ordenamento juriacutedico As criacuteticas saiacuteram do ECA

agraves peacutessimas condiccedilotildees de trabalho agraves famiacutelias que a seu ver satildeo irresponsaacuteveis Essas

segundo a informante soacute visitam as escolas quando seus benefiacutecios sociais estatildeo ameaccedilados

sobrecarregando a instituiccedilatildeo com deveres que satildeo delas Jaqueline estava disposta a relatar

sobre o peso de ser docente Informou-me que guarda as lembranccedilas das coisas lindas sobre a

educaccedilatildeo ditas por Paulo Freire pelos[as] professores[as] da universidade mas ali dentro da

escola nada que ouviu serve aplica-se

- Somos impotentes Soacute um ou outro aluno daacute sentido ao nosso trabalho Vivemos na

sala de aula o aacutepice do desinteresse e desrespeito e isto eacute terriacutevel Tem horas que natildeo

acredito que estou vivendo isto

Ouvi aquele depoimento atenta e dolorosamente Mas inseri um toacutepico novo o

motivo da observaccedilatildeo daquela aula buscar o nexo temaacutetico das leituras feitas ali O tom da

desmotivaccedilatildeo do sentimento de impotecircncia continuou fazendo parte dos enunciados da profordf

Jaqueline

- Ler aqui eacute complicado professora Natildeo temos recursos nem interesse por parte

dos[as] alunos[as] que soacute querem bagunccedilar

- O que vocecirc preparou para a aula de hoje Indaguei-lhe Ela me disse que iria pedir

para eles escreverem sobre as feacuterias sobre a copa de 2014 Insisti sobre o que leriam disse-

me que algum texto do livro didaacutetico Perguntei-lhe se soacute liam os textos dos livros didaacuteticos

respondeu-me que quase sempre Um retorno agraves aulas sem planejamento sem a municcedilatildeo de

um texto novo produzido por fatos recentes vindo de suportes diferentes com uma

professora que iria improvisar qualquer leitura pareceu-me o retrato de um descaso

profissional bem niacutetido Sem buscar condenaccedilotildees pessoais puxo um fio do novelo da

educaccedilatildeo puacuteblica brasileira que com seus parcos investimentos faz poliacuteticas pobres para

115

pobres cerceando o direito desses agrave cidadania plena agrave emancipaccedilatildeo social Essa professora eacute

mais um elo da cadeia do descuido que envolve a escola puacuteblica brasileira

Depois de ouvi-la muito provoquei o diaacutelogo sobre a interface gecircnero e leitura

Jacqueline falou de gecircnero dos meios de comunicaccedilatildeo de massa influenciando

comportamentos sendo aliados ldquona abertura de mentesrdquo em suas palavras Mas a abertura de

mentes a seu ver resume-se agrave toleracircncia com o diferente estava sempre afirmando que

respeita ldquoas sapatonasrdquo assim se referindo agraves duas meninas que tinham um relacionamento

amoroso e que tentavam assumir isso na escola mas soacute respeitava natildeo aceitava ldquoaquilo natildeo

era normal e era constrangedorrdquo em suas palavras O pronunciamento desta professora

evidenciando uma construccedilatildeo naturalizada das identidades de gecircnero ainda foi acompanhado

por gestos de face e matildeos que transmitiam uma repugnacircncia pela orientaccedilatildeo sexual natildeo

normatizada

Naquela entrevista com as expressotildees preconceituosas de Jaqueline em nomear as

garotas homossexuais de forma pejorativa e com seus gestos de repulsa agraves manifestaccedilotildees de

afeto das garotas fui levada a compreender uma resposta massiva dada pelo questionaacuterio

quando indaguei acerca do posicionamento dosas educadoresas diante de manifestaccedilotildees de

interesse que contrariassem o normalizado Ali tanto quanto no questionaacuterio o desafio de

adotar um olhar reflexivo que problematize as construccedilotildees sociais que estereotipam

comportamentos e orientaccedilotildees sexuais ainda natildeo foi suficientemente alcanccedilado

Conversamos Toca o sinal para a entrada da aula A nossa interaccedilatildeo gerou nela algo

que teve um impulso e se dirigiu agrave prateleira de livros Chega-me com cinco volumes do guia

da Crianccedila Cidadatilde uma publicaccedilatildeo do UNICEF que eacute uma coleccedilatildeo com temas referentes agrave

cidadania O volume trazido pela professora Jaqueline eacute ldquoConvivendo com meninos e

meninasrdquo de autoria de Gwenaeumllle Boulet et al (2005) Tal documento eacute um encarte pequeno

com 54 paacuteginas cujo foco eacute o tratamento da questatildeo de gecircnero A existecircncia deste texto ali

me causou surpresa considerando que em outra etapa desta pesquisa fui informada pela

servidora que exerce a funccedilatildeo de bibliotecaacuteria ali de que nada havia naquele espaccedilo sobre esta

temaacutetica Mas Jacqueline meses depois desta informaccedilatildeo encontrou e parecia encontrar um

sentido em seu uso agora

ldquo- Jaacute que vocecirc estaacute aqui e pesquisa este tema vamos ver em que daacute hoje ler este

livro Mudei minha aula natildeo gosto de discutir estas questotildees mas agora me deu vontaderdquondash

Expressou-se assim a professora

116

Senti o risco do improviso e do artificialismo da aula que caiacutea ali de forma ex-

temporacircnea fruto de um confesso acaso Refleti ao mesmo tempo o quanto as brigadas por

uma defesa da equidade de gecircnero satildeo tambeacutem em forma de tecircnues mudanccedilas que chegam

chegam troteando Houve com minha presenccedila uma provocaccedilatildeo um encorajamento ao tema

tambeacutem jaacute por inuacutemeras vezes estimulado conforme eacute de conhecimento dosas educadoresas

da rede de ensino municipal atraveacutes de projetos acadecircmicos produzidos pela SEDEC como

os que refletem sobre a questatildeo do Bullying da violecircncia contra a mulher entre outros

A questatildeo eacute semear cuidar e perseverar Ali aos olhos de Jaqueline natildeo me parecia

haver um jardim a receber cuidados Seu semblante angustiado ao se deparar com o toque de

entrada para a sala de aula parecia o de quem natildeo levava sementes nem flores Havia um

solo jaacute pronunciado como aacuterido como infeacutertil nas palavras de uma professora que me disse

rezar protegendo sua filha do mal de ser educadora A turma era a do 6ordm ano A com alunosas

de faixa etaacuteria entre 12-13 anos Estavam presentes 18 alunosas naquela sala que receberam

cinco exemplares para serem lidos o que torna considero uma leitura dificultosa

inadequada A professora sem explicar bem a divisatildeo do material propocircs um ciacuterculo A

acuacutestica da sala era comprometida com ventiladores barulhentos e adolescentes inquietosas

Depois de um tempo ela conseguiu iniciar o trabalho e pediu a leitura do livro Joatildeo este eacute

um nome fictiacutecio tanto quanto os dos demais alunosas aqui referidosas a partir de entatildeo

afirma que natildeo quer ler ainda justificando sua negaccedilatildeo

- Natildeo jaacute sei ler pra que ficar lendo

A mestra pacientemente responde

- Joatildeo todo dia se aprende algo novo com a leitura

Atualizei ali o olhar para a 2ordf ediccedilatildeo da Pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO

PROacute-LIVRO 2008) quando essa pontua sobre quatildeo pode natildeo ser gecircnero de primeira

necessidade a leitura para crianccedilas que natildeo veem pais lendo que natildeo encontram ambiente

propiacutecio para o ato de ler A baixa escolaridade das famiacutelias daquelesas alunosas certamente

propicia pouca frequecircncia da leitura em suas casas o que compromete o estiacutemulo familiar agrave

leitura Para aquele aluno o ato de ler eacute mero instrumento decodificador que como ele jaacute

domina a sua teacutecnica despreza as outras funccedilotildees da leitura A professora deu atenccedilatildeo a Joatildeo

dando-lhe uma resposta concisa sobre o valor dessa praacutetica Mas senti falta de mais Senti

117

falta de uma defesa da leitura que mobilizasse a turma Seria um momento propiacutecio para a

educadora inquirir questotildees acerca do prazer (ou desprazer) de ler

Como quem tem pressa como quem natildeo tem espaccedilo para mergulhar aquela

educadora volta a conduzir a aula Pediu aosagraves alunosas para lerem trechos em voz alta

indagou algo e nem esperou o resultado da resposta jaacute retomou ao texto Minha presenccedila

pode ter lanccedilado sobre ela ansiedade desejo de mostrar que tinha o controle disciplinar do

evento E talvez para ela a permissatildeo e o estiacutemulo agrave palavra gerasse debate e esse o

tumulto as conversas paralelas Mas em determinados momentos a explosatildeo de inquietude

dosas alunosas fragilizava seu jaacute tecircnue controle Olhei a professora contendo ira

envergonhada cheia de medo de explodir com aquelesas alunosas acuada segundo suas

proacuteprias palavras pelo ECA Esse ordenamento diferentemente de ser visto como um

instrumento juriacutedico avanccedilado na garantia de direitos era considerado como o responsaacutevel

por aquele espiacuterito de rebeldia nas vidas das crianccedilas e dosas adolescentes Jacqueline natildeo se

conteve e veio ateacute perto de mim desabafando

- Depois do ECA somos barrados [a] de termos autoridade com eles[as] E natildeo tem

estatuto de professor[a] nada nos protege

Acuada assim ela disse se sentir E sem perceber que lhe faltava autoridade natildeo pela

existecircncia do ECA mas pelo desgoverno de uma educaccedilatildeo puacuteblica precaacuteria engrossou o coro

de vozes que ressoaram dosas seusas colegas Vozes essas por mim anteriormente colhidas

naquela tarde nos momentos que permaneci na sala dosas professoresas ouvindo-osas

Acuada e sem sentir prazer pelo que faz Observando Jacqueline lendo usando toda sua

potencialidade vocal repetindo frases pedindo silecircncio estabeleci um elo com uma resposta

no instrumento investigativo aplicado em outubro de 2013 o questionaacuterio Um dado ali

pontuado por vaacuterios colaboradoresas indicando a ausecircncia de marcaccedilatildeo da leitura como

atividade de prazer (vide primeira questatildeo do instrumento) torna-se tatildeo palpaacutevel naquela sala

Como afirmar prazer na praacutetica leitora quando a voz doa mestrea se esvai em meio agrave gritaria

correria e desinteresse Muito hostil ler assim ela me diz

- Tem professor que ainda mente que eacute hipoacutecrita que diz que isso eacute bom Que faz

seus[as] alunos[as] lerem Esses[as] meninos[as] tornam o ato de ler um desprazer Preparo

tudo com carinho quando chega aqui tomo raiva de mim mesma por ainda insistir

Acompanhar Jacqueline naquela tarde em suas aulas foi passear por falas nas quais o

lugar da leitura na escola era o da farsa do engodo De modo exaustivo ela fala de exaustatildeo

118

de desesperanccedila e de tristeza porque disse acreditar que ali estava ldquoa chave das mudanccedilas que

precisam ser feitasrdquo nas suas palavras E sua discursividade era a da desesperanccedila se haacute a

chave nem haacute a porta na dialogia com Drummond em Joseacute (1983) A leitura era difiacutecil

naquela escola Mesmo assim a mestra comeccedila a trazer problematizaccedilotildees acerca das questotildees

de gecircnero Pede uma opiniatildeo agrave turma sobre um trecho do guia que aborda diferenccedilas entre

meninos e meninas ldquoNoacutes meninas somos sensiacuteveis fraacutegeis E os meninos satildeo uns brutos

[]rdquo(BOULET 2005 p 11) expressando com gritos

- Menina eacute diferente de menino Em quecirc Leiam isso na paacutegina 11 Vocecircs

concordam

As respostas saiacuteram em forma de gritos

- Satildeo umas taradas as meninas

- Aqui tem menina que natildeo aguenta nem o vento deste ventilador toda fraquinha

- Eacute sim satildeo fracas Satildeo iguais a Neymar caem por tudo

- Satildeo umas chatas umas metidas umas piriguetes

Poucos disseram que natildeo nenhum olhar de respeito agraves meninas que responderam

com vaias Imaginei que ela iria procurar problematizar esses enunciados Mas trouxe outro

toacutepico colhido rapidamente do guia que faz uma abordagem pontual das questotildees de gecircnero

entabulando esta outra questatildeo

- Algueacutem aqui aceitaria ser amigo[a] de um gay

Impressionou-me o tom de desatenccedilatildeo agrave problemaacutetica de gecircnero por Jaqueline O que

foi dito por ela ao indagar sobre se algueacutem seria amigo de um gay carrega muito de seu

preconceito Ela sedimentou um olhar que constitui o outro o segregacionado o diferente e

inferiorizado Por que algueacutem teria que aceitar ser amigoa de um gay A relaccedilatildeo natildeo seria a

de se aceitaria ou natildeo a amizade de pessoas E ali o que eacute dito por ela sobre as relaccedilotildees de

gecircnero alicerccedilam estereoacutetipos datildeo invisibilidade ao fenocircmeno da violecircncia aos processos de

construccedilatildeo do diferente (SILVA 2012) Uma praacutetica discursiva que se potildee na contramatildeo dos

interesses de uma escola para todas as pessoas como advogam os DH ali percebi

A professora ouviu da turma um sonoro natildeo E sem atentar possivelmente para o

quanto seu olhar nega uma brigada vigilante anti-sexista anti-homofoacutebica e de respeito aos

direitos das crianccedilas e adolescentes proposta por organismos mundiais e nacionais amparada

119

por marcos legais protetivos natildeo atentou para a sonoridade negativa da turma para um mundo

inclusivo Mas retrucou

- Quer dizer que vocecircs deixariam ele [sic] no isolamento

Um menino de nome Pedro disse que sim que merece sofrer ficar isolado quem

desobedece ao que Deus criou

-E Deus criou homem e mulher professora - Reforccedilou o garoto

Ela respondeu que sim Assumiu uma postura criacionista essencialista Muito

embora tenha salientado que mesmo sendo um desvio uma afronta ao que Deus determinou

essas pessoas merecem ser respeitadas Jeacutessica uma menina muito inquieta considerada

conforme Jacqueline ldquopior do que os meninosrdquo em termos de inquietaccedilatildeo agressivamente

respondeu

- Respeitar boiola professora Respeito natildeo

Jaqueline natildeo retrucou Aquela aluna me parecia sem eco Todas as falas em sua

direccedilatildeo eram no sentido de fazecirc-la ficar quieta A menina demonstrava uma agressividade

para com todosas colegas indiferenccedila agrave aula e desrespeito agrave professora

- Vocecirc eacute louca eacute Respeitar boiola ndash Dirigiu-se agrave Jacqueline respondendo-lhe pela

defesa que a professora fez do dever de todosas ao respeito aos considerados desviantes

Sem economias essa aluna iniciou um turno de xingamentos de imitaccedilotildees grotescas

de como os gays falam andam e gesticulam levando a turma a rir e constrangendo a

professora Desistindo de enfrentaacute-la natildeo sei se por medo de criar mais confronto com a aluna

ou se por consentir manifestaccedilotildees de escaacuternio e homofoacutebicas Jacqueline natildeo exortou a aluna

redirecionou a aula solicitando a volta ao texto E indicando desconhecer por completo o guia

sai procurando o que ler salteando paacuteginas em busca do que explorar Premida pelo tempo

pelo barulho da sala acha trechos aleatoriamente e os ler pede opiniatildeo do grupo e sem

conseguir instigar o interesse da turma que se lanccedila em brincadeiras culpa a todosas pela

eterna balbuacuterdia e descompromisso com o ato de debater

120

Por muitos momentos observei a agitaccedilatildeo da professora diante do texto e da turma

Seu ambiente de trabalho se traduzia como uma violecircncia ao ato de ler a balbuacuterdia dosas

alunosas inviabilizava a mais elementar concentraccedilatildeo que a leitura requer para que haja a

fluecircncia das ideias a capacidade de retecirc-las de trocaacute-las Em polvorosa a turma ao tempo

que respondia a algo pontuado pelo texto desligava-se dele completamente mergulhando em

outros mundos outros textos tatildeo diacutespares ao proposto Parecia natildeo haver naquele espaccedilo por

alguns instantes a presenccedila de um texto em matildeos a presenccedila de uma mestra E ela competia

com a desordem agitando-se gritando muito

Em contraste com aquele cenaacuterio de mestra sem maestria sem calmaria sem rumo

resgatei uma imagem beliacutessima trazida por Larrosa (2004) com a sua leitura do jaacute referido

poema O Leitor de Rilke A construccedilatildeo poeacutetica desse autor debulha jaacute em seus versos

iniciais a imagem de um ser tomado possuiacutedo arrebatado pelo ato de ler ldquoQuem o conhece

a este que jaacute baixou seu rosto de um ser ateacute um segundo ser a quem apenas o veloz passar

das paacuteginas plenas agraves vezes interrompe com violecircnciardquo O enfrentamento da obra que se daacute

com o rosto abaixado eacute a garantia da transformaccedilatildeo A obra quer quietude o autor diz que

ldquoapenas o veloz passar das paacuteginasrdquo traz a inquietaccedilatildeo Oa leitora poeticamente possui as

marcas da quietude da liquidez da transformaccedilatildeo nas palavras de Larrosa

O texto esse segundo ser no qual o leitor submerge estaacute empapado da sombra do

leitor A palavra alematilde eacute Getrankts e poderia ser traduzida por embriagada ou

porembebido[] O texto entatildeo tambeacutem perdeu sua estabilidade sua solidez e seu

controle sobre si mesmo ao estar impregnado dessa sombra liacutequida e embriagadora

que o leitor [a] derramou sobre ele A sombra do leitor [a] tem algo da fluidez dos

liacutequidos O texto por sua parte eacute permeaacutevel a esses liacutequidos uma vez que se deixa

empapar e embriagar por eles Ambos satildeo liacutequidos e podem misturar-se entre si E o

texto uma vez liquefeito embriagado e desmaternado agora pode ser o elemento

em que o leitor pode submergir para emergir transformado o elemento liacutequido da

metamorfose (LARROSA 2004 p 108)

A experiecircncia da leitura na poesia de Rilke e na interpretaccedilatildeo que Larrosa (2004)

empresta a esta obra eacute a experiecircncia da conversatildeo essa aqui natildeo eacute vista como aspiraccedilatildeo ao

divino mas agrave substancialidade de si da plenitude da saiacuteda do ordinaacuterio da

despersonalizaccedilatildeo ldquoQuem o conhecerdquo Haacute por conseguinte observando a aula de leitura

ministrada por Jaqueline uma distacircncia astronocircmica entre o leitor da poesia rilkeana e osas

leitoresas daquela sala de aula Satildeo contextos histoacutericos distintos com diferentes grupos

sociais que resultam em entregas e natildeo entregas agrave leitura Parece que a sala de aula inquieta e

desgovernada programada pelo poder-escola mesmo que anuncie a importacircncia da entrega

para a leitura natildeo propicia as condiccedilotildees para isto Haacute um controle por parte desse poder que

121

cria regras nas quais se gera o impedimento para que a relaccedilatildeo complexa de abandonar-se pela

interpretaccedilatildeo de obras de textos de discursos para inquietar mundos prontos seja efetivada

Ler entatildeo na escola puacuteblica em tela e em tantas outras construiacutedas com a mesma

mesquinharia na faceta Paulo Honorina de nossos gestores puacuteblicos no trato com a educaccedilatildeo

eacute estar sob a tutela de uma atividade que controla e disciplina o natildeo ler

E o ler na sala de Jaqueline dizia do natildeo ler Assim entendi tambeacutem quando

observei a cena em que trecircs alunos que sentavam juntos folheavam o guia passando as

paacuteginas sem deleite algum mesmo este contendo bastante ilustraccedilotildees Um deles disse agrave

professora que ler aquilo ldquoera um sacordquo Ela foi raacutepida em me justificar a opiniatildeo do garoto

- Aqueles satildeo influenciados pela religiatildeo natildeo gostam de nada natildeo aceitam os

homossexuais nem que a mulher se iguale ao homem Satildeo do contra

Jaqueline demonstrou entatildeo entender pouco o que disse o aluno E dividida entre

alunosas que representavam o fundamentalismo religioso e expressavam rigidez de papeacuteis

acerca de identidades de gecircnero entre outrosas que expressavam um olhar assimeacutetrico para

as relaccedilotildees de gecircnero levadosas pelo senso comum e ainda por voz solitaacuteria que afirmou

defender a liberdade de cada um de ser quem quer como a de Viacutetor um paulistano receacutem-

chegado agrave Paraiacuteba Jacqueline posicionou-se E o fez premida pelo discurso da toleracircncia ao

diferente Uma ressonacircncia assumida por ela das suas interaccedilotildees com discursos de

formadores nos eventos de formaccedilatildeo continuada dos quais participa na Rede Municipal de

Ensino Diversas formaccedilotildees discursivas circundavam naquele espaccedilo impingindo a marca de

quatildeo heterogecircneas e fragmentadas satildeo as identidades sociais construiacutedas em praacuteticas

discursivas regradas historicamente Enxergaacute-las e tecirc-las como processos de construccedilotildees nos

quais somos premidos eacute em tese pensar fora do autoritarismo O ato de ler pode estar a serviccedilo

de exercitarmos o pensamento nesta perspectiva o que poderaacute promover o encontro com o

outro com disposiccedilatildeo para o diaacutelogo Mas este ato natildeo pode fugir de sua instacircncia poliacutetica

natildeo pode se dar sem angariar as formaccedilotildees discursivas que determinam verdades apagando e

dando sentidos conforme pontua Foucault [] ldquovivemos em uma sociedade que produz e faz

circular discursos que funcionam como verdade que passam por tal e que deteacutem por este

motivo poderes especiacuteficosrdquo (FOUCAULT 2012 p 231) Esta eacute tarefa para os que brigam os

que vivem em permanente posiccedilatildeo de lutadores

Natildeo sei se instigada pelo nosso diaacutelogo antes da aula a professora trouxe a tocircnica da

violecircncia contra a mulher perguntando se algueacutem ali achava certo um homem agredir uma

122

mulher A pergunta me pareceu ingecircnua simplista que expressa possivelmente a

desorganizaccedilatildeo de Jaqueline por improvisar uma aula em um tema que natildeo parece lhe

fascinar As respostas vieram de forma apressadas e uniacutessonas por um natildeo agrave agressatildeo agrave

mulher Ela elogiou o grupo propagando uma cultura de paz reforccedilando que ningueacutem deve

bater em ningueacutemrdquo Chamou-me atenccedilatildeo a voz fraacutegil de uma menina que trouxe o

ordenamento juriacutedico como justificativa para o impedimento agrave violecircncia contra a mulher

- Natildeo pode professora por causa da Maria da Penha

Jacqueline demonstrou gostar desta resposta da garota e falou rapidamente da Lei

1134006 pontuando para a turma ldquoeacute a Maria da Penha que bota os homens que batem em

mulher na cadeiardquo Chamou-me atenccedilatildeo ainda o fato natildeo visto pela professora de que a aluna

natildeo encontrou um oacutebice para a violecircncia contra a mulher na dignidade humana dessa no seu

direito a uma vida sem agressotildees e sim em uma lei Mas a demonstraccedilatildeo de conhecimento do

ordenamento juriacutedico pela menina deixou a professora satisfeita Uma outra aluna indagou-

lhe

- Quem foi professora Maria da Penha

A docente Jaqueline natildeo soube dizer exatamente soacute respondeu que Maria da Penha eacute

uma mulher que sofreu violecircncia domeacutestica Perdeu a oportunidade de narrar uma histoacuteria

exemplar de luta contra a impunidade a este mal que grassa em tantos lares ao tempo em que

evidenciou um comprometimento em sua formaccedilatildeo intelectual Seu desconhecimento

considerando a relevacircncia que a farmacecircutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes

possui como siacutembolo de luta para o enfrentamento da violecircncia contra a mulher demonstrou

fragilidade de formaccedilatildeo profissional Maria da Penha vitimada pela violecircncia com duas

tentativas de assassinato por Marco Antonio Heredia Viveros agrave eacutepoca seu marido lutou

bravamente contra a impunidade a esse crime Por sua obstinaccedilatildeo durante longos anos travou

uma longa batalha no poder Judiciaacuterio e evitou a impunidade de Marco conseguindo levar

sua denuacutencia agrave Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organizaccedilatildeo dos

Estados Americanos) que determinou medidas do Estado brasileiro pela puniccedilatildeo ao ex-

marido e reparaccedilatildeo agrave viacutetima A visibilidade da violecircncia contra a mulher ganhou em Maria da

Penha um baluarte que a fez homenageada com o nome da Lei 1134006 Suas apariccedilotildees na

123

miacutedia em especial nas comemoraccedilotildees alusivas ao Dia Internacional da Mulher deveriam ser

outro fator que favorecesse o conhecimento da cearense pela professora Jaqueline

O tema da violecircncia contra a mulher instigou a turma a falar e muitosas alunosas

disseram conhecer mulheres viacutetimas de violecircncia ningueacutem disse que isto fazia parte da

realidade familiar mas da de uma vizinha de uma conhecida Jacqueline natildeo aproveitou a

discussatildeo para trazer reflexotildees sobre as causas desse fenocircmeno dar visibilidade agrave questatildeo

cultural que sustenta a assimetria entre homens e mulheres e discorrer sobre a importacircncia da

lei E mesmo diante de enunciados de meninos dizendo que deveria existir a lei para os

homens tambeacutem o que implica uma incoerecircncia a professora se esquivou de aprofundar o

debate Um debate que seria oportuno considerando que a violecircncia contra homens eacute um

fenocircmeno cultural de baixiacutessima incidecircncia o que em tese natildeo justifica a existecircncia de uma

lei para a proteccedilatildeo dos homens

A aula natildeo havia acabado ainda mas o focirclego da professora sim Como quem paga

alta penitecircncia olhou muito para o reloacutegio enfim sentou-se exaurida ao meu lado e

timidamente me pediu uma opiniatildeo sobre seu desempenho pedagoacutegico Tive zelo para natildeo

parecer dona da verdade e pontuei algo para ela Iniciando pela criacutetica ao improviso Abordei

tambeacutem com a educadora o quanto o lidar com texto em sala de aula em uma perspectiva

discursiva permite a quebra da ilusatildeo de que haacute uma leitura boa e certa para um texto na qual

o professor seria o inteacuterprete legiacutetimo E que a postura dela de natildeo ouvir as respostas dosas

alunosas em alguns momentos evidenciava talvez para ela a crenccedila de que as respostas da

turma estariam fora do campo do verdadeiro Falei tambeacutem do desejo de ver a temaacutetica ser

vivenciada com esmero por respeito ao princiacutepio da dignidade humana de todas as pessoas e

por considerar que para que se engendrem reflexotildees plurais e que se olhem mais

apuradamente as assimetrias de gecircnero desmantelando-nas as construccedilotildees discursivas

precisam fazer parte de um ethos Precisam fazer parte de uma brigada pela defesa de uma

escola inclusiva para todosas e isto natildeo nasce aleatoriamente nem sem suor Novos sujeitos

precisam nascer ou no dizer foucaultiano (FOUCAULT 2004a 2004b 2004c 2012) novos

modos de subjetivaccedilatildeo Jaqueline ponderou que estava disposta a aprender mas de algumas

coisas natildeo abriria matildeo O que ela e tantosas natildeo abrem matildeo poderaacute continuar impedindo a

responsabilidade da escola em construir caminhos para novos sujeitos com a eliminaccedilatildeo de

praacuteticas discriminatoacuterias sexistas homofoacutebicas

A aula acabou e eu tomei emprestado o material usado em sala para analisaacute-lo

conforme tracei em um dos objetivos deste trabalho E muito embora este natildeo seja um

material programado para fazer parte de suas aulas como jaacute pontuei aqui por sua escolha ter

124

sido notoriamente casual aleatoacuteria foi ele o subsiacutedio do evento e eacute um dos textos presentes

na escola que poderaacute ser lido outras vezes Voltei agrave biblioteca e perguntei agrave Denise a

responsaacutevel por aquele espaccedilo que foi uma das participantes da pesquisa se aquele texto o

ldquoGuia da Crianccedila Cidadatilde ndash Convivendo com meninas e meninosrdquo (BOULET 2005) jaacute fazia

parte do acervo bibliotecaacuterio quando de minhas visitaccedilotildees na outra etapa desta pesquisa Ela

me informou que natildeo aqueles volumes tinham sido uma aquisiccedilatildeo no final do ano realizada

pela coordenadora do projeto de leitura

O material usado um guia eacute um gecircnero textual que tem como caracteriacutestica pontuar

concisamente informaccedilotildees para nortear leitoresas acerca de algo E com esse natildeo foi

diferente o material utilizado naquela aula eacute um texto com muita ilustraccedilatildeo em uma

linguagem acessiacutevel e com historinhas apresentadas em trecircs capiacutetulos As narrativas abordam

relacionamentos entre meninos e meninas problematizando a construccedilatildeo das diferenccedilas

atraveacutes de toacutepicos como o interesse dos meninos por baleacute a ocupaccedilatildeo das mulheres no

mercado de trabalho as meninas poderem tomar agrave frente nas manifestaccedilotildees de afeto entre

outros papeacuteis sociais questionados Satildeo toacutepicos interessantes que se organizados

reflexivamente poderiam render uma aula mais significativa

O guia todavia eacute uma produccedilatildeo do UNICEF jaacute com uma certa defasagem em

relaccedilatildeo aos avanccedilos conquistados pelas mulheres no tocante agraves garantias juriacutedicas como as

Leis 1203409 (BRASIL 2009) que prevecirc a obrigatoriedade do preenchimento de vagas por

mulheres em cada partido e a Maria da Penha que combate agrave violecircncia contra a mulher

Outros avanccedilos angariados pelo coletivo feminista natildeo poderiam tambeacutem estar contemplados

ali no que diz respeito agraves mobilizaccedilotildees sociais como as construccedilotildees das conferecircncias entre

outros Assim eacute uma leitura que mobiliza o interesse pelo combate agrave violecircncia de gecircnero tem

seu valor mas precisaria estar melhor articulada e atualizada Esse eacute um trabalho doa

fazedora da educaccedilatildeo que deve entrar em sala carregando leituras catadas angariadas

escolhidas criteriosamente o que natildeo foi o caso da aula em tela na qual a mestra pareceu

carregar um guia sem ser guiada por ele

125

4 A ACcedilAtildeO PROPOSITORA INSERCcedilAtildeO TEMAacuteTICA DE GEcircNERO PELA VIA DA

LEITURA

Apoacutes discorrer acerca do trajeto desta pesquisa objetivando costurar os fios traccedilados

ao longo de sua constituiccedilatildeo cabe-me tomar a direccedilatildeo de apresentar nesta parte do estudo

uma proposta de sistematizaccedilatildeo de estrateacutegias que poderatildeo ser adotadas pelo projeto de leitura

da escola TRAVESSIA Isso se deve porque este mestrado que possui uma diretriz

profissional estaacute sendo desenvolvido de modo a permitir uma accedilatildeo interventiva na praacutetica

docente de seus cursistas o que se traduz como compromisso e luta com o fazer pedagoacutegico

aos quais bendigo

E com base no que angariei em termos de anaacutelises das discursividades de

educadoresas como mediadores(as) de leituras cabe-me propor a inserccedilatildeo do debate sobre as

relaccedilotildees de gecircnero no projeto de leitura da escola TRAVESSIA Faccedilo assim por conceber que

a leitura ali vivenciada percebida em diversos momentos desta pesquisa natildeo demonstrou

contemplar a temaacutetica da equidade de gecircnero E a ausecircncia desta contemplaccedilatildeo eacute considero

um oacutebice para a formaccedilatildeo de cidadatildeosatildes reflexivosas que eacute um dos objetivos propostos no

documento do referido projeto de leitura da escola

Desse modo e em respeito agrave pauta reivindicatoacuteria dos DH das mulheres da populaccedilatildeo

LGBT e de toda uma legislaccedilatildeo educacional que trata da inclusatildeo como um direito de todas as

pessoas agrave dignidade humana proponho que haja o empenho pela implementaccedilatildeo do debate da

equidade de gecircnero na escola TRAVESSIA por via da leitura Sendo concebida esta via

como uma praacutetica social que pode contribuir significativamente com as mudanccedilas sociais e

culturais que precisam ser construiacutedas (MOITA LOPES 2002 ORLANDI 2008) eacute preciso

que nela seja investido um olhar mais reflexivo Para isto eacute crucial que a escola repense o

lugar da leitura centralizando-a norteando esta praacutetica por reflexotildees e estudos frequentes

entre osas professoresas envolvidosas com o projeto CestaSexta literaacuteria Tais reflexotildees e

estudos devem estar subsidiando a vigilacircncia dos agentes de leitura sobre o que leem e

propotildeem como leitura no projeto atentando assim para os modos como se alicerccedilam

estereoacutetipos para os modos como se alicerccedilam verdades Tais reflexotildees e estudos devem estar

subsidiando a vigilacircncia dos agentes de leitura sobre o que leem e propotildeem como leitura no

projeto atentando assim para os modos como se alicerccedilam estereoacutetipos para os modos como

se alicerccedilam verdades A vigilacircncia sobre os modos de conceber a leitura tem razatildeo de ser

quando se considera o que a AD atraveacutes de Possenti (2009) postula em si natildeo eacute a leitura um

bem E como tal natildeo deve ser sacralizada natildeo pode tambeacutem ser mateacuteria de improviso de

mero cumprimento de tarefa sem planejamento criterioso e sabor

126

A formaccedilatildeo de leitoresas pressupotildee estudo pressupotildee concernir com o que se

acolhe Heidegger (apud LARROSA 2004 p 110) investe na importacircncia do ato de ler

debruccedilando-se na etimologia do termo

A etimologia de ler como recorda Heidegger remete a recolher a colher a

colecionar a coletar Leitura lectio liccedilatildeo e tambeacutem e-leiccedilatildeo se-leccedilatildeo co-leccedilatildeo co-

lheita Heidegger mostra como o legein grego relaciona-se com o leger latino e com

o alematildeo lesen em seu sentido primitivo de um ldquopocircr abaixo e pocircr diante de que se

reuacutene a si mesmo e recolhe outras coisasrdquo Esse pocircr eacute um juntar e um com-pocircr []

E aleacutem disso como indica o alematildeo lesen um coletar ou um re-coletar um co-lher

ou um re-colher a colheita de espigas (Ahren-lese) recolhe o fruto do solo A

vindima (Trauben-lese) colhe as bagas da videira Por isso o juntar e pocircr diante natildeo

eacute um juntar qualquer coisa de qualquer maneira natildeo eacute um mero amontoar mas

implica uma busca e uma escolha previamente determinada por um colocar dentre

por um colocar sob um teto por um preservar ou abrigar (HEIDEGGER apud

LARROSA 2004 p 110)

Haacute uma ideia de abrigamento de incorporaccedilatildeo com a definiccedilatildeo do termo que sugere

alimento a leitura como o patildeo diaacuterio que nutre defendida por Antunes (2009) E eacute com essa

ideia que advogo quatildeo a formaccedilatildeo de leitoresas eacute tarefa de extrema responsabilidade

pressupotildee condiccedilotildees adequadas de produccedilatildeo do ato de ler que envolve a disponibilidade do

acervo do espaccedilo adequado bem como as condiccedilotildees intersubjetivas como o desejo o

conhecimento o prazer por parte de quem propotildee a leitura A formaccedilatildeo de leitoresas eacute ato

seacuterio ultrapassa formar para a mera classificaccedilatildeo para o mero valorar de coisas eacute no dizer

de Larrosa (2004) ato que possibilita deixar aparecer o existente em sua plenitude atraveacutes da

experiecircncia do lanccedilar-se

E qual se lanccedilar haacute na leitura proposta pela profordf Jaqueline com poucos livros em

muitas matildeos desprotegida pelo Estado com um fastio intelectual leitor por um tema que

aparece nas formaccedilotildees continuadas segundo me informou mas desaparece na sua praacutetica

discursiva Haacute um lanccedilar-se Haacute eacute um hiato entre os sujeitos que escutam mudanccedilas

anunciadas nas formaccedilotildees entre os sujeitos que leem e natildeo assimilam essas leituras O

percurso formativo dessa profissional como dos outros sujeitos desta pesquisa eacute o de um

sujeito refrataacuterio agraves mudanccedilas propostas nas tecnologias enunciativas nas praacuteticas leitoras que

instiguem reflexotildees sobre a constituiccedilatildeo de identidades Nesse sentido recorro a Noacutevoa

A formaccedilatildeo eacute algo que pertence ao proacuteprio sujeito e se inscreve num processo de ser

(nossas vidas e experiecircncias nosso passado etc) e num processo de ir sendo (nossos

projetos nossa ideia de futura [] Eacute uma conquista feita com muitas ajudas dos

mestres dos livros das aulas dos computadores Mas depende sempre de um

trabalho pessoal Ningueacutem forma ningueacutem Cada um forma-se sozinho (NOacuteVOA

2001 p 15)

127

No trabalho de formaccedilatildeo interior levantado por Noacutevoa que eacute de extrema

importacircncia estatildeo as lembranccedilas foucaultianas das praacuteticas de si (FOUCAULT 2004a

2004b 2004c) as que fazem os sujeitos acordarem para seus desejos atentarem para relaccedilotildees

consigo com seus cuidados mas que permitem o olhar em torno o olhar para as construccedilotildees

sociais de si e do outroa Daiacute poderaacute vir a condiccedilatildeo de ser leitora de ser lanccediladora

Cuidando de si mas amparadoa pelo Estado satildeo por praacuteticas de libertaccedilatildeo e de liberdade que

osas intelectuais e professoresas poderatildeo ter a vitalidade necessaacuteria para formar e ser

leitora E aqui de novo a Literatura de Graciliano Ramos me acolhe com Madalena lutando

chorosamente contra o opressor Paulo Honoacuterio e sendo vencida Acode-me para que eu possa

propagar solitariamente natildeo haacute saiacuteda Agreste eacute a alma de Paulo Honoacuterio

Conheci que Madalena era boa em demasia mas natildeo conheci tudo de uma vez Ela

se revelou pouco a pouco e nunca se revelou inteiramente A culpa foi minha ou

antes a culpa foi desta vida agreste que me deu uma alma agreste (RAMOS 1978

p 92)

Como agreste eacute o coraccedilatildeo de uma sala de aula sem livros sem sonhadoresas sem

leitoresas Fiz esse rodeio por outras paragens para reafirmar que as estrateacutegias para se

formar leitoresas satildeo meticulosas exigem accedilotildees inventivas que mobilizem a ultrapassagem

aos muros da escola fazendo a chamada ao Poder Puacuteblico Mas para isso eacute preciso professora

que escolha natildeo chorar como o fez Madalena Ao agente de letramento resta-lhe organizar-se

politicamente e especialmente se enxerga na leitura um cunho libertaacuterio como me afirmou

Jaqueline minutos antes de entrar na sala de aula e afirmam tantosas outrosas

educadoresas resta-lhe lanccedilar matildeo de artefatos culturais que fomentem reflexotildees

propositoras da construccedilatildeo de novas formas de subjetivaccedilatildeo de empoderamento social de

grupos minoritaacuterios entre outras formas de experimentar vivecircncias

Eacute uma luta por espaccedilo formar leitora E como luta natildeo se daacute sem investimento sem

desarticulaccedilotildees e articulaccedilotildees de olhares Natildeo se daacute sem mobilizaccedilotildees internas e externas ao

acircmbito da esfera escolar por isso que aqui me cabe atravessar o olhar indo da escola agrave

SEDEC e inquirir desse oacutergatildeo sobre suas responsabilidades poliacutetico-administrativas A

educaccedilatildeo do municiacutepio precisa repensar uma forma de estar gestando maior compromisso e

seriedade com as suas poliacuteticas educacionais no que se refere agrave responsabilidade de formar

leitoresas A produccedilatildeo de projetos de leitura natildeo pode ser tarefa de cunho meramente

administrativo sem o acompanhamento devido pelo pedagoacutegico Uma professora

readaptadoa portanto soacute deve propor e coordenar projeto de leitura se houver nelea as

128

favoraacuteveis condiccedilotildees para isso biblioteca escolar natildeo pode ser lugar para assegurar a

manutenccedilatildeo de gratificaccedilatildeo docente natildeo pode ser espaccedilo onde apenas se emprestam livros

sem a preocupaccedilatildeo com um trabalho profiacutecuo para o estiacutemulo agrave leitura Haacute o Plano Nacional

de Livro e Leitura ndash PNLL que reivindica a esse espaccedilo o seu lugar de dinacircmico polo difusor

de informaccedilatildeo e cultura para isso o profissional que fica agrave frente desse oacutergatildeo precisa avanccedilar

em conquistas por mais habilidade A responsabilidade da SEDEC com osas readaptadosas

natildeo pode se restringir agrave exigecircncia com a confecccedilatildeo de um projeto de leitura no papel mas em

formaacute-losas para que exerccedilam com maestria a funccedilatildeo de agente de letramentos

Pensar entatildeo e ainda em um aperfeiccediloamento com o trabalho de leitura na escola

TRAVESSIA eacute tambeacutem sair dos muros daquele espaccedilo e provocar os gabinetes e o interesse

do Poder Puacuteblico da Rede de Educaccedilatildeo Municipal de Joatildeo Pessoa para o implemento de

melhorias na formaccedilatildeo continuada por ela oferecida Como propositora das formaccedilotildees

continuadas a SEDEC deve se questionar sobre a qualidade dessas avaliando seus impactos

nas praacuteticas docentes As formaccedilotildees continuadas natildeo podem ser inoacutecuas incapazes de fazer

com que seusuas educadoresas impactem suas praacuteticas educativas com o que lhes satildeo

ministradosas nos eventos de formaccedilatildeo Para isto essas praacuteticas precisam estar municiadas de

reflexotildees permanentes acerca de seus jogos de verdades de suas operacionalidades do seu

formato das accedilotildees conectadas com a realidade da sala de aula acerca enfim dos seus efeitos

sobre as praacuteticas discursivas dos seus docentes

Dentre as preocupaccedilotildees que a escola TRAVESSIA deve ter para que possa

aperfeiccediloar seu trabalho com a leitura pode estar tambeacutem a de proporcionar o envolvimento

da participaccedilatildeo familiar nas praacuteticas leitoras A matildee jaacute foi aqui pontuado pelas anaacutelises dos

resultados da pesquisa Retratos do Brasil (INSTITUTO PROacute-LIVRO 2011) tem papel

inquestionaacutevel na influecircncia da formaccedilatildeo leitora A famiacutelia a despeito das dificuldades de

ajuste com tempo precisa ser estimulada a se envolver com as temaacuteticas e accedilotildees leitoras

desenvolvidas pela escola natildeo soacute atraveacutes das tarefas domeacutesticas dosas filhosas mas vindo agrave

escola para ler produzir textos para elesas participar dos eventos leitores Haacute matildees pais

avocircoacutes tiosas e irmatildeosas talentosos nos lares que podem contribuir com o trabalho de

leitura nas escolas atuando como contadoresas de histoacuterias como atoresatrizes em peccedilas

teatrais entre outras atividades

Reconheccedilo satildeo deveras hercuacuteleas as responsabilidades que o poder puacuteblico precisa

implementar para assegurar as mudanccedilas que a sociedade brasileira tem como direito em

termos de educaccedilatildeo de qualidade Satildeo inuacutemeras e histoacutericas as queixas de educandosas e

educadoresas sobre o ensino que o Estado brasileiro oferta agrave populaccedilatildeo e no que diz respeito

129

agrave praacutetica leitora pela escola elencam com frequecircncia como pontos negativos textos impostos

pouco acervo condiccedilotildees inadequadas de espaccedilo leitura para cumprir obrigaccedilatildeo A escola

precisa olhar com respeito tais queixas crocircnicas de seusuas educadoresas enxergar suas

vozes dispostas a aprender a aprender e aceitar o desafio de ser inventiva para resistir ao

poder como Foucault (2012) ressalta E em se tratando de poder institucional como tem sido

avassalador o poder puacuteblico do descaso com a educaccedilatildeo brasileira Tatildeo devastador a ponto de

fazer com que pensar em propor estrateacutegias interventivas em uma de suas instacircncias de

trabalho seja tatildeo sedutor quanto frustrante para mim e para educadoresas das escolas

puacuteblicas do Paiacutes Como ser inventivo diante dos limites estruturais que se apresentam face agraves

tentativas de desenvolvimento de um bom trabalho A realidade das salas superlotadas e dos

parcos recursos em termos de filmes de acervos literaacuterios musicais e demais artefatos

culturais aqui jaacute referendados comprometem a qualidade de um trabalho com a leitura

expondo o quanto o direito agrave educaccedilatildeo de qualidade estaacute sendo violado

Mas pior ficaraacute se natildeo se propuser Vou tentar pela vitalidade que haacute nos gestos de

tentar e por importar ter a leitura em pauta despertar interesse por ela saber de onde se lecirc

perscrutar por qual controle se lecirc Importa formar leitores que afiem os sentidos reflitam

sobre o estar no mundo para que possam no dizer de Freire (1999 p 124) conceber a

possibilidade do inacabamento humano ldquoa raiz mais profunda da politicidade da educaccedilatildeo se

acha na educabilidade mesma do ser humano que se fundamenta na sua natureza inacabada e

da qual se tornou conscienterdquo A leitura pode ser sem sacralizaccedilotildees uma porta para as buscas

de si foucaultianas e para a consciecircncia freireana

Convencida disto encaminho propostas de atividades de leituras de viacutedeos sites e

filmes para aprimorar as reflexotildees acerca da temaacutetica Faccedilo isto sem a menor pretensatildeo de

demonstrar possuir foacutermula nem verdade alguma nem achando que o que proponho eacute

novidade pois creio que apesar das condiccedilotildees adversas em muitos contextos escolares o

trabalho com a leitura tem sido pautado em uma perspectiva discursiva com objetivos

emancipatoacuterios libertaacuterios E o que me compete fazer neste momento satildeo esboccedilos para uma

reflexatildeo que norteie a praacutetica leitora do CestaSexta Literaacuteria Ciente sou todavia de que

profiacutecuo eacute que se faccedilam estudos coletivos reforccedilados nas coordenaccedilotildees pedagoacutegicas com

muito diaacutelogo e participaccedilatildeo dosas educadoresas ouvindo as famiacutelias os educandosas para

que haja o fortalecimento de ideias e aprendizado coletivo

Ciente sou ainda todavia de que respalda a todosas educadorasas no sentido de

reivindicar e fazer as mudanccedilas que precisam ser efetivadas a chegada de mais uma

tecnologia enunciativa como promessa de mudanccedilas O Senado Federal aprovou em julho

130

deste o novo Plano Nacional da Educaccedilatildeo - PNE cujo teor traz o compromisso firmado pelo

Governo brasileiro atraveacutes de suas poliacuteticas puacuteblicas para o enfrentamento da gravidade que

acomete a educaccedilatildeo brasileira Satildeo promessas em formato de diretrizes e metas a serem

cumpridas ateacute 2024 promessas que soacute poderatildeo ser alcanccediladas se esta tecnologia enunciativa

for concebida e acolhida como Plano de Estado mais do que Plano de Governo

Que sejamos osas santosas fazedoresas da mudanccedila que a educaccedilatildeo brasileira

precisa experimentar para sair de seu estado crocircnico de adoecimento A santidade nos

convoca a rezar aqui o sentido dessa accedilatildeo eacute para aleacutem da busca do sagrado conforme

estabelece esse Plano e um arcabouccedilo da legislaccedilatildeo educacional pela fundamental poliacutetica de

valorizaccedilatildeo global do magisteacuterio a qual implica simultaneamente a formaccedilatildeo profissional

inicial as condiccedilotildees de trabalho salaacuterio e carreira e a formaccedilatildeo continuada Que a reza natildeo

seja silenciosa apenas nem solitaacuteria pois seraacute inoacutecua e que conflua para o que diz o novo

PNE no sentido de que eacute preciso criar condiccedilotildees para que os professores possam vislumbrar

perspectivas de crescimento profissional e de continuidade de seu processo de formaccedilatildeo

(BRASIL 2014) Quem sabe assim o rosaacuterio de lamentaccedilotildees monotemaacuteticas que osas

educadoresas arrastam em seus enunciados natildeo mude de tom surgindo a sonoridade da luta

da paixatildeo e do sonho tatildeo (en)cantada por Chico Buarque de Holanda ldquoAi quero uma

lembranccedila eu quero uma esperanccedila A tua primavera

Apoacutes fazer uma ressalva ao PNE receacutem-chegado retorno agrave reflexatildeo sobre a

semeadura na escola em tela apresentando agrave guisa de sugestatildeo algumas recomendaccedilotildees que

podem ser incorporadas pela organizaccedilatildeo do projeto a CestaSexta Literaacuteria Nesse sentido

cabe aos organizadores do projeto de leitura da escola TRAVESSIA

1) Considerar a fragilidade com que o projeto de leitura se apresenta evidenciada

natildeo soacute pela ausecircncia da temaacutetica de gecircnero e de temas transversais propostos

pelos PCNs como tambeacutem pela ausecircncia de uma fluente organizaccedilatildeo entre as

accedilotildees propostas sua metodologia e seus objetivos e buscar construir uma

reformulaccedilatildeo do projeto Eacute necessaacuterio que este inclua em seus propoacutesitos uma

exposiccedilatildeo clara de temas trabalhados para que haja a relaccedilatildeo desses com a

formaccedilatildeo cidadatilde pelo projeto defendida

2) Construir para o referido projeto uma metodologia dialoacutegica e participativa

havendo a explicitaccedilatildeo dos recursos teacutecnicos adequados aos objetivos propostos

que contribuam para uma educaccedilatildeo natildeo-sexista natildeo discriminadora A sua

metodologia deve ser constituiacuteda de momentos formativos com o corpo docente e

131

gestor a fim de que as accedilotildees sejam elaboradas por uma equipe multidisciplinar

que elabore monitore e avalie todo o processo

3) Apresentar uma bibliografia envolvente e criteriosamente levantada como

tambeacutem uma seleta apresentaccedilatildeo de filmes e de artefatos culturais como canccedilotildees

entre outros objetivando ressignificar a realidade a partir desses instrumentos

Considero oportuno sugerir que a escola procure desenvolver dentro de suas

possibilidades praacuteticas leitoras incrementadas por encenaccedilotildees de peccedilas teatrais

jogos varais com a presenccedila de contadoresas de histoacuterias por exibiccedilatildeo de

filmes que a depender do estilo da peliacutecula pode sofrer cortes em cenas para que

apenas elas sejam estudadas considerando que nem toda narrativa atrai Haacute

programas de televisatildeo e capiacutetulos de novelas que podem ser objetos de anaacutelises

como tambeacutem determinadas leituras circuladas nas redes sociais podem estar

propiciando reflexotildees atinentes agrave valorizaccedilatildeo da dignidade humana

4) Proporcionar realizaccedilotildees de atividades educativas como oficinas palestras e

debates com a inserccedilatildeo da temaacutetica da equidade de gecircnero Para isso deve se

nortear com a discussatildeo de questotildees geradoras que podem ser conforme

pontuadas pelo curso de Gecircnero e Diversidade na Escola ndashGDE- (2009)3 assim

levantadas Como as relaccedilotildees de gecircnero aparecem no cotidiano escolar Haacute cenas

de violecircncia de gecircnero na escola O que educadoresas podem fazer neste

momento A discriminaccedilatildeo de gecircnero ainda coloca as mulheres em desvantagem

em diversas situaccedilotildees sociais Haacute o agravamento da desvantagem quando essa se

une agrave discriminaccedilatildeo eacutetnico-racial Qual a responsabilidade da escola e dos

educadores na garantia do direito de cada pessoa de ter uma justa imagem de si e

de ser tratado com dignidade Educadores e educadoras tecircm a possibilidade de

reforccedilar preconceitos e estereoacutetipos de gecircnero A escola institui sujeitos a partir

de um modelo Este modelo eacute branco masculino heterossexual e todas as pessoas

que natildeo se encaixam nele satildeo o outro que eacute reiteradamente tratado como inferior

estranho diferente Isso tem mudado Caso sim com base em que se sustenta esta

mudanccedila Em todas as classes sociais as mulheres satildeo viacutetimas de violecircncia

(fiacutesica simboacutelica psicoloacutegica moral e sexual) e enfrentam dificuldades de acesso

ao trabalho agrave geraccedilatildeo de renda e agrave participaccedilatildeo na vida poliacutetica Haacute letras de

3As perguntas apresentadas foram adaptadas a partir da leitura do livro intitulado ldquoGecircnero e Diversidade na

Escola Formaccedilatildeo de professorases em gecircnero orientaccedilatildeo sexual e relaccedilotildees eacutetnico-raciaisrdquo Este livro foi

utilizado como Livro de Conteuacutedo para o Curso Gecircnero e Diversidade na Escola (GDE) da Universidade

Federal da Paraiacuteba na modalidade a distacircncia

132

muacutesicas que vinculam a imagem da mulher ao escaacuternio agrave exploraccedilatildeo sexual e agrave

violecircncia fiacutesica e simboacutelica Isto se constitui como algo com que o projeto de

leitura deve se preocupar

5) Vivenciar a praacutetica leitora acompanhada de accedilotildees inventivas dinacircmicas ler

silenciosamente ler grupalmente ler atraveacutes das contaccedilotildees de histoacuterias que

devem ser estimuladas ler para encenar para debater ler para ler Isso pode ser

melhor realizado com a organizaccedilatildeo de grupos pequenos o que eacute um grande

desafio para a instituiccedilatildeo

6) Criar agendas com as quais se trabalhe a leitura em uma perspectiva dinacircmica

expondo temas ao longo do ano letivo acompanhado de artefato cultural para o

debate com recursos como obras cinematograacuteficas literaacuterias imagens feiras

participaccedilatildeo dosas alunosas em eventos culturais que porventura estejam sendo

realizados na cidade

7) Adotar para anaacutelise se possiacutevel as leituras abaixo sugeridas

SUGESTOtildeES DE LEITURAS

Bibliografia teoacuterica

AUAD Daniela Educar meninas e meninos relaccedilotildees de gecircnero na escola Satildeo

Paulo Contexto 2006 96 p

BRASIL Gecircnero e diversidade na escola formaccedilatildeo de professoresas em Gecircnero

Orientaccedilatildeo Sexual e Relaccedilotildees Eacutetnicos-Raciais Livro de Conteuacutedo versatildeo 2009 ndash

Rio de Janeiro CEPESC Brasiacutelia SPM 2009

LOURO Guacira Lopes Gecircnero sexualidade e educaccedilatildeo uma perspectiva poacutes-

estruturalista 14 ed Petroacutepolis RJ Vozes 2012

SILVA Tomaz Tadeu da Identidade e diferenccedila a perspectiva dos Estudos

Culturais 10 ed Petroacutepolis RJ Vozes 2011

ZENAIDE Maria de Nazareacute Tavares SILVA Margarida Socircnia Marinho do Monte

Plano de Accedilatildeo em Educaccedilatildeo em e para Direitos Humanos na Educaccedilatildeo baacutesica In

Direitos humanos capacitaccedilatildeo de educadores Joatildeo Pessoa editora

UniversitaacuteriaUFPB 2008 v 2

Bibliografia literaacuteria

BOJUNGA Lygia Sapato de salto Rio de Janeiro Casa Lygia Bojunga 2006

_____ A bolsa amarela 33 ed Rio de Janeiro Casa Lygia Bojunga 2003

133

BRAZ Juacutelio Emiacutelio Anjos no aquaacuterio Ilustraccedilotildees de Andreacutea Ramos 20 ed Satildeo

Paulo Atual 2009

LEITE Maacutercia Oliacutevia tem dois papais Ilustraccedilotildees de Taline Schubach Satildeo Paulo

Companhia das Letrinhas 2010

MACHADO Ana Maria A princesa que escolhia Ilustraccedilotildees de Graccedila Lima Rio

de Janeiro Nova Fronteira 2006

ROCHA Ruth Faca sem ponta galinha sem peacute Ilustraccedilotildees de Suppa Satildeo Paulo

Moderna 2009

SIMPATIA Tiatildeo A lei Maria da Penha em cordel ndash Fortaleza XX 2012

SOUZA Flaacutevio de Priacutencipes e princesas sapos e lagartos histoacuterias modernas de

tempos antigos Ilustraccedilotildees de Paulo Ricardo Dantas 6 ed Satildeo Paulo FTD 1996

_____ Homem natildeo chora Ilustraccedilotildees de Riba Tavares Belo Horizonte Formato

Editorial 1994

TORERO Joseacute Roberto PIMENTA Marcus Aurelius Chapeuzinhos coloridos

Rio de Janeiro Objetiva 2010

VIEIRA Isabel E agora matildee 2 ed Satildeo Paulo Moderna 2002

ZIRALDO Coisas de menina histoacuterias que revelam o que eacute ser menina

maluquinha Satildeo Paulo Globo 2008

SUGESTOtildeES DE FILMES

Minha Vida em Cor-de-Rosa (Mavieen rose) eacute um filme dirigido pelo belga Alain

Berliner e lanccedilado em1997 Trata-se da histoacuteria de um menino chamado Ludovic que

imagina que deveria ter nascido menina O filme mostra os preconceitos que a personagem

principal e seus familiares enfrentam em relaccedilatildeo a sua identidade de gecircnero

Garotos natildeo choram (EUA 1999 Kimberly Peirce) Assunto predominante

sexualidade identidade sexual e de gecircnero atraveacutes da experiecircncia de uma transgecircnero

violecircncia EUA

Geraccedilatildeo Roubada (Austraacutelia 2002 Phillip Noyce) Assunto predominante

Opressatildeo cultural e situaccedilatildeo feminina

Iacuteris (Inglaterra 2001 Richard Eyre) Narra a trajetoacuteria biograacutefica de Iacuteris Murdoch

escritora e filoacutesofa inglesa sua relaccedilatildeo com os homens e seu casamento ateacute a morte por

Alzheimer em 1999

134

Beleza Americana (EUA 1999 Sam Mendes) Assunto predominante relaccedilatildeo

conjugal gecircnero e sexualidade no conflito de geraccedilotildees homofobia

Billy Eliot (Reino Unido 2000 Stephen Daldry) Assunto predominante Gecircnero e

classe identidade sexual danccedila (um garoto faz ballet)

Chocolate (EUA 2000 Lasse Hallstroumlm) Assunto predominante gecircnero

sexualidade e amor relaccedilatildeo matildee e filha descobertas transgressotildees

Delicada atraccedilatildeo (Inglaterra 1996 Hettie Macdonald) Assunto predominante

juventude e sexualidade masculina homoerotismo

Eternamente Pagu (Brasil 1987 Norma Bengell) Narra a trajetoacuteria biograacutefica e

poliacutetica de Pagu e outras personalidades da eacutepoca como Oswald de Andrade e Tarsila do

Amaral

Frida (EUA 2002 Julie Taymor) Assunto predominante biografia da artista Frida

Khalo amor relaccedilatildeo homem-mulher homoerotismo feminino

SUGESTOtildeES DE SITES PARA VISITAR

EDUCACcedilAtildeO ON LINE

httpeducacaoonline ndash Com uma busca na palavra gecircnero encontraraacute textos

acessiacuteveis sobre diversos temas educacionais

REVISTA GEcircNERO ndash (UFF ndash Universidade Federal Fluminense) ndash

httpwwweditorauffbr

Cadernos Pagu

httpwwwscielophpscript=sciserialampIng=ptamppid=0104-8333ampnrm=iso

Revista Estudos Feministas

httpwwwscielophpscript=sciserialampIng=ptamppid=0104-8333ampnrm=iso

SUGESTOtildeES MARCOS LEGISLATIVOS DE DOCUMENTOS

Lei11340 07082006 Cria mecanismos para coibir a violecircncia domeacutestica e

familiar contra a mulher nos termos do art 226 da Constituiccedilatildeo Federal da Convenccedilatildeo sobre

a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de Discriminaccedilatildeo contra as Mulheres e da Convenccedilatildeo

135

Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violecircncia contra a Mulher Disponiacutevel

emlthttpwwwplanaltogovbrCcivil 03 Ato2004-2006Lei11340htmgtAcesso em 26

jun 2013

BRASIL Plano Nacional de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos Brasiacutelia

SEDHMJMECUNESCO 2007

136

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Eacute assim A gente pede para ele fazer cara de malvadeza de ruindade de valentia

Aiacute justo quando a cara dele estaacute mais medonha a gente mostra um espelho para

ele Acontece na hora Ele vira aquele que ele vecirc no espelho

(ROSA 1986 p 255)

Este trecho da ficccedilatildeo roseana soa-me como mais um fio das aacuteguas profundas do rio

que flui das conversaccedilotildees de (Rio)baldo e trazecirc-lo para abrir as consideraccedilotildees finais deste

trabalho parece-me oportuno Parece-me porque com esta construccedilatildeo literaacuteria de um ser no

espelho gestando imagens para si que seratildeo e vecircm dos outros pelas palavras e pela

ocularidade refletimos sobre a importacircncia da discursividade como o que nos encarna o que

nos vivifica o que nos constitui Haacute no espelho da obra roseana (ROSA 1986) a marca da

memoacuteria discursiva do outro que nos envereda a marca de que o poder eacute tecido nas praacuteticas

sociais e enunciado em praacuteticas discursivas que operam em noacutes um modo de subjetivaccedilatildeo

ldquo[] Aiacute justo quando a cara dele estaacute mais medonha a gente mostra um espelho para ele

Acontece na hora Ele vira aquele que ele vecirc no espelho []rdquo O espelho dado pelo outro

opera a virada que nos torna mutantes crentes no que vemos no que nos dizem Esta imagem

do espelho na fala de Riobaldo algo que natildeo eacute ldquonovidadeirordquo na ficccedilatildeo literaacuteria reflete

deveras o quanto a construccedilatildeo social da realidade estaacute imersa e constituiacuteda na trama da

linguagem E eacute por isso uma imagem cara que pode ser confluente com o pensamento

foucaultiano (FOUCAULT 1995 2004a 2004b 2004c 2004d 2012) no tocante ao interesse

do filoacutesofo de propor o exerciacutecio da suspeita do que somos e como nos tornamos quem

somos para quem sabe podermos recusar o que somos

Nesse caminho observando o cuidado alertado por Gallo (2008) para que se evite

enxergar tons novidadeiros e se tente ldquocolonizarrdquo pensamentos ter tomado de empreacutestimos as

reflexotildees de Foucault para esta pesquisa constituiu-se como um desafio instigante e vaacutelido As

contribuiccedilotildees do pensador mobilizadas aqui foram as atinentes aos processos de subjetivaccedilatildeo

da construccedilatildeo da verdade e do poder esse em suas formas de assimetria piramidalizadas

fabricadas pelo Estado e instituiccedilotildees como a familiar a religiosa e a escolar A articulaccedilatildeo de

tal empreacutestimo teve sua razatildeo de ser por esta pesquisa conforme evidenciada ter tido como

objetivo empreender reflexotildees acerca das relaccedilotildees de gecircnero perpassadas pelas constituiccedilotildees

discursivas dosas educadoresas como mediadoresas de leitura E a voz do pensador francecircs

levada a esse debate fez-me corroborar com a ideia de que o sujeito natildeo eacute uma substacircncia

137

pronta ele eacute forma que se faz e se refaz determinada por regras soacutecio-histoacutericas Foucault

(2004b) postula sujeitos que se esvanecem

Penso efetivamente que natildeo haacute um sujeito soberano fundador uma forma universal

de sujeito que poderiacuteamos encontrar em todos os lugares Penso pelo contraacuterio que o

sujeito se constitui atraveacutes das praacuteticas de sujeiccedilatildeo ou de maneira mais autocircnoma

atraveacutes das praacuteticas de liberaccedilatildeo de liberdade como na Antiguidade a partir de um

certo nuacutemero de regras de estilos de convenccedilotildees que podemos encontrar no meio

cultural (FOUCAULT 2004b p 291)

E tal postulaccedilatildeo viabiliza reflexotildees de que constituiacutedas discursivamente tramadas

por linguagens essas formas de subjetivaccedilatildeo satildeo moventes materiais dispersas falam de um

lugar institucional anunciando memoacuterias discursivas A importacircncia desse entendimento para

esta pesquisa se mostrou entre outras pela razatildeo de que com a concepccedilatildeo de que haacute

produccedilotildees histoacutericas de subjetividades e de que essas vivem em luta conforme evidencia

Foucault (2012) esta investigaccedilatildeo pocircde atentar para as instacircncias das resistecircncias Pocircde

atentar para as mobilizaccedilotildees que se intercruzam contra o naturalizado o instituiacutedo como

verdadeiro o que eacute controlado disciplinado para que possam ser problematizadas novas

formas de se constituiacuterem sujeitos

Desse modo posso dizer que haacute percebido por este estudo a possibilidade de

entrecruzar olhares foucaultianos sobre modos de subjetivaccedilatildeo e a marcha das mulheres por

um mundo com sujeitos eacuteticos que apregoem a igualdade o direito e a conquista de uma

praacutetica de liberdade para que se trace o desejo por um ethos E um ethos que incita a busca de

si o reinventar-se o desfamiliarizar-se eacute um fio no novelo que os feminismos e todos os

movimentos sociais que objetivam problematizar formaccedilotildees discursivas com seus poderes e

saberes podem ter como experiecircncia como aprendizado Com essa praacutetica homens e

mulheres constituem a beleza de serem artesatildeos de si como pontua Foucault (2004a 2004c)

Mas esta natildeo eacute uma busca sem lutas Desmantelar as invenccedilotildees os jogos de verdade recusar

o que somos por conseguinte eacute tarefa que passa pelo que se perscruta pelo que se elege para

ler ouvir falar partilhar acreditar desacreditar defender atacar enfim eacute tarefa que passa

por atentar para a dimensatildeo discursiva da construccedilatildeo da realidade

Com essa referida dimensatildeo discursiva na qual os sujeitos se inserem produtos e

produtores de sentidos (MOITA LOPES 2002 ORLANDI 2008 POSSENTI 2009) e sem

pretender oferecer a uacuteltima palavra nem onde haacute a verdade busquei entatildeo verificar o modo

como a educaccedilatildeo puacuteblica municipal na escola TRAVESSIA produz efeitos de sentidos com

suas praacuteticas leitoras Para isto investiguei as condiccedilotildees histoacutericas de produccedilatildeo dessas

138

praacuteticas perpassando pelas discursividades docentes procurei ouvir educadoresas conhecer

o projeto de leitura da instituiccedilatildeo seu documento fundador perscrutar o que move e dinamiza

o referido projeto saber do acervo da biblioteca do que ali teria ou natildeo referente ao debate

sobre gecircnero Em um clima de receptividade calorosa estive na escola observando aulas e

seus textos aplicando questionaacuterio fazendo diaacuterio de campo perscrutando as vozes que

conduzem o trabalho com leitura na escola com a perspectiva de perceber o que

comportariam as praacuteticas leitoras suscitadas

E as anaacutelises dos resultados dessas investigaccedilotildees jaacute citadas paulatinamente ao longo

do trajeto em que foram aplicados os instrumentos de investigaccedilatildeo apontaram que o debate

acerca das relaccedilotildees de gecircnero tatildeo atinente com a pauta reivindicatoacuteria dos DH natildeo era

contemplado pelo projeto de leitura da escola Assim o percebi quando examinei o documento

constituinte do projeto de leitura da CestaSexta Literaacuteria no qual natildeo se apresenta na

organizaccedilatildeo dos propoacutesitos das accedilotildees da bibliografia e da metodologia desse instrumento a

promoccedilatildeo de uma praacutetica leitora apontando para o respeito agraves diferenccedilas agrave concepccedilatildeo de um

mundo plural e ao combate a uma ordem androcecircntrica Natildeo eacute evidenciado a partir das

referecircncias do documento que a leitura acolhida lanccedilada proposta suscitada pelo projeto

CestaSexta literaacuteria esteja alicerccedilada nas intenccedilotildees de debater as relaccedilotildees de gecircnero Assim o

sendo a escola democraacutetica e inclusiva atinente ao que preconizam os postulados dos DH

natildeo estaacute sendo engendrada pela linha mestra da leitura Por sua vez no tocante agrave produccedilatildeo do

referido instrumento esse se apresenta com outras fragilidades entre elas a de natildeo amarrar

devidamente seus nexos temaacuteticos sobre quais leituras e temas estaratildeo compondo a praacutetica

leitora Haacute um silenciamento quanto agraves inserccedilotildees temaacuteticas seja de que natureza for Natildeo se

sabe entatildeo quais relaccedilotildees de saber e poder estaratildeo sendo colocadas para afirmar o que o

projeto diz perspectivar formar cidadatildeo[a]

Percebi ainda a natildeo problematizaccedilatildeo das relaccedilotildees de gecircnero na CestaSexta Literaacuteria

quando fiz o levantamento do acervo da biblioteca na primeira etapa da pesquisa As

prateleiras no que se refere agraves obras paradidaacuteticas essas as escolhidas para ser investigadas

natildeo acomodavam tiacutetulos com essa perspectiva assim me disse a responsaacutevel por aquele

espaccedilo assim averiguei tambeacutem com a leitura das fichas catalograacuteficas dos poucos volumes

presentes na biblioteca naquele periacuteodo investigado

Investiguei ainda se os textos utilizados pelo projeto nas aulas de leitura observadas

contemplavam praacuteticas discursivas que produziam sentidos atinentes agraves questotildees de gecircnero e

constatei que natildeo havia uma seleccedilatildeo de textos com a temaacutetica de gecircnero por parte dosas

educadoresas Exceccedilatildeo se deu em uma situaccedilatildeo atiacutepica na qual a professora Jaqueline trouxe

139

improvisadamente a temaacutetica pela leitura de um texto provocada segundo ela pela minha

presenccedila ali

No chatildeo da escola Travessia constatei apoacutes percorrer seus espaccedilos haacute as marcas de

que sua leitura natildeo problematiza a produccedilatildeo e a reproduccedilatildeo da iniquidade de gecircnero E outra

forma de verificar a ausecircncia dessa problematizaccedilatildeo foi pela perscruta dos relatos docentes e

pela anaacutelise das respostas do questionaacuterio lhes aplicado Pude perceber nas anaacutelises que fiz

das respostas daquele instrumento o quanto a constituiccedilatildeo das subjetividades dosas

colaboradoresas expressa olhares que segregam que estigmatizam o diferente que natildeo

percebem os jogos discursivos dos quais fazem parte Fiz a leitura com base em anaacutelise de

algumas das respostas desse instrumento de que emana dosas colaboradoresas uma

formaccedilatildeo discursiva reproduzindo e produzindo a iniquidade de gecircnero a reproduccedilatildeo de

regras e valores que elegem uma visatildeo androcecircntrica e heterossexual traccedilando para os que

natildeo pertencem a este modelo o estigma de diferente de abjeto passiacutevel de ser enquadrado

Assim o demonstraram aquela maioria de colaboradoresas da pesquisa quando expressaram a

intenccedilatildeo de ingerir em interesse de desviantes conforme apresenta a anaacutelise da sexta questatildeo

do instrumento de investigaccedilatildeo

Nas anaacutelises dos relatos dosas colaboradoresas deste estudo ficaram evidecircncias dos

limites com que se deparam essesas profissionais na propositura de um trabalho reflexivo

com a leitura A lamuacuteria e a desesperanccedila acompanhavam a praacutetica de ler minada por parcos

recursos e muita desmotivaccedilatildeo Uma praacutetica que precisa ser repensada pois em muitos

momentos essa traz a marca atraveacutes de enunciados dosas educadoresas da natildeo

contemplaccedilatildeo de importantes debates como os da violecircncia domeacutestica contra a mulher da

iniquidade de gecircnero e de outros temas atinentes agraves postulaccedilotildees dos DH Esse silenciamento

temaacutetico traduz o quanto pode estar reduzido o espaccedilo interacional da leitura como o lugar da

anti-hegemonia da desconstruccedilatildeo do olhar totalitaacuterio para o outro e isso precisa ser

repensado

A natildeo-contemplaccedilatildeo do debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero foi ainda percebida nas

aulas observadas Nelas a despeito do esforccedilo da professora para se pronunciar sobre o tema

esse natildeo assentava com o olhar da mestra repousante em uma formaccedilatildeo discursiva

essencialista E a profordf Jaqueline demonstrou-se conflitante em turbulecircncia entre suas

incursotildees pelas formaccedilotildees continuadas ofertadas pela SEDEC anunciando o respeito agrave

pluralidade cultural e agrave diversidade humana e o olhar da mestra construiacutedo inventado para a

natildeo-aceitaccedilatildeo ao diferente tingindo esse com as cores da negaccedilatildeo (SILVA 2012) As

discursividades daquelas aulas foram minadas por olhares redutores para o diferente por

140

ausecircncia de contemplaccedilatildeo de como a linguagem constitui modelos de feminilidade modelos

de masculinidades e o quanto represa a vida

Presumo que isto se registra face agrave ausecircncia do cabal cumprimento do que anunciam

as tecnologias enunciativas sobre educaccedilatildeo como as do PPP da LDB do PNEDH as dos

PCNs a Resoluccedilatildeo 0112 Esses marcos educativos instituem o debate propositivo da

inclusatildeo do respeito agrave diversidade humana e sexual e da defesa inconteste de princiacutepios como

o da dignidade humana no curriacuteculo escolar mas natildeo marcaram efetivamente as poliacuteticas

educacionais vividas na escola Tais tecnologias postas que satildeo recentemente elaboradas eacute de

se anuir provavelmente que mesmo que ocupem gavetas escolares e discursos de

formadores que ressoaram em alguns momentos nas vozes perscrutadas natildeo poderiam

impactar formaccedilotildees discursivas secularmente construiacutedas alicerccediladas ainda pelo poder-

escola E se esbarram conflitantemente em seacuteculos de internalizaccedilatildeo de um modelo

essencialista androcecircntrico e heteronormativo

Por esta razatildeo eacute preciso que da e para a escola erga-se uma brigada contra a

violecircncia de gecircnero E por assim entender propus com a construccedilatildeo do capiacutetulo 4 desta

dissertaccedilatildeo que haja a implementaccedilatildeo de praacuteticas discursivas no projeto de leitura da escola

com o propoacutesito de eliminar o silenciamento da temaacutetica de gecircnero na CestaSexta Literaacuteria

A cesta que eacute utilizada nas aulas de leitura carregando livros precisa transportar artefatos

culturais que suscitem debates pela reinvenccedilatildeo da vida pela reinvenccedilatildeo do trato entre os

homens e as mulheres balizados na dignidade de todosas Agrave escola TRAVESSIA propus

entatildeo como me solicita o cunho interventivo desse mestrado para seus cursistas que

atravesse seu vazio temaacutetico de gecircnero

Eacute preciso que a travessia desse vazio temaacutetico seja feita A escola por meio do seu

projeto de leitura pode e deve evocar a visibilidade para as iniquidades de gecircnero para o

enfrentamento da violecircncia domeacutestica contra as mulheres e para as suas lutas por

emancipaccedilatildeo social Haacute nas discursividades docentes investigadas linguagens em uso que

demonstram invisibilidade a essas questotildees Convivem com esses enunciados

paradoxalmente em alguns momentos vozes docentes que expressam desejar incorporar do

uso das tecnologias oficiais trabalhadas em formaccedilotildees continuadas conforme informaccedilatildeo em

questionaacuterio (vide questatildeo 4) e a efetivaccedilatildeo de suas experiecircncias de suas vivecircncias

profissionais Assim constatei no diaacutelogo que tive com a educadora Elisa atravessado por

uma leitura essencialista da realidade no tocante agrave identidade dos sujeitos que a faz desejar

sair da escola para natildeo ter que presenciar meninas se beijando

141

Por fim vejo como necessaacuteria a inserccedilatildeo temaacutetica das relaccedilotildees de gecircnero porque as

leituras evocadas pelosas docentes foram percebidas como as que rezavam a cartilha da

toleracircncia agrave diversidade cultural e humana sem questionar as relaccedilotildees de poder e os processos

de diferenciaccedilatildeo Esses que produzem as identidades e as diferenccedilas natildeo sendo questionados

conforme nos sugerem os Estudos Culturais acabam mesmo que frente a um arcabouccedilo de

legislaccedilatildeo educacional que propotildee uma educaccedilatildeo inclusiva e o respeito agrave dignidade humana

repousando no que Silva (2012) pontua como a produccedilatildeo de novas dicotomias a do

dominante tolerante e do dominado tolerado

Ao fim ainda pontuo que a omissatildeo perscrutada nas vozes docentes de uma

problematizaccedilatildeo que perpasse o projeto de leitura indagando-lhe os mecanismos que ativam

as fixaccedilotildees de identidades os estereoacutetipos de gecircnero pela via da leitura eacute algo que contribui

com o modelo de construir subjetivaccedilotildees disciplinadas diferentes e desiguais Isso demanda

da escola TRAVESSIA se deseja atravessar seus limites o desafio de envidar esforccedilos no

sentido de promover o rompimento com esse modelo de ler Sem o enfrentamento deste

desafio a escola natildeo estaraacute gestando utopias o que eacute enfadonho e tristonho

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no Brasil Satildeo Paulo imprensa oficial Instituto Proacute-livro 2008 p 41-48

ZENAIDE Maria de Nazareacute Tavares A escola e o seu papel social uma educaccedilatildeo inclusiva

natildeo sexista e natildeo homofoacutebica In Gentle Zenaide e Gomes (org) Gecircnero diversidade

sexual e poliacuteticas puacuteblicas conceituaccedilatildeo e praacuteticas de direitos e poliacuteticas puacuteblicas Joatildeo

Pessoa Ed Universitaacuteria da UFPB 2008

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APEcircNDICE A ndash QUESTIONAacuteRIO

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIacuteBA

CENTRO DE CIEcircNCIAS LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM LINGUIacuteSTICA E ENSINO

MESTRADO PROFISSIONAL EM LINGUIacuteSTICA E ENSINO

Prezados (as) colegas

Como aluna regular do mestrado profissional em Linguiacutestica e Ensino pelo Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica e Ensino PROLING da UFPB desenvolvo uma pesquisa cujas bases conceituais

norteiam-se pela concepccedilatildeo de linguagem como praacutetica discursiva e que tem como objeto de anaacutelise um

entrecruzamento entre as representaccedilotildees de gecircnero e as praacuteticas leitoras na escola concebidas pelos educadores

Solicito dessa escola a colaboraccedilatildeo no sentido de que seu corpo docente envolvido com praacuteticas leitoras

responda a este questionaacuterio que eacute o ponto de partida para outros diaacutelogos com o objetivo de contribuir para

uma reflexatildeo sobre a temaacutetica presente

QUESTIONAacuteRIO

Considerando sua experiecircncia como leitora e sua praacutetica pedagoacutegica especialmente no projeto de

leitura desenvolvido pela escola responda por gentileza agraves seguintes questotildees

Perfil sociodemograacutefico

Sexo ( ) feminino ( ) masculino

Tempo de formado ( ) de 1 a 10 anos( ) de 11 a 21( ) de 21 a 31( ) 32 ou mais

Idade ( ) de 21 a 31 ( ) 31 a 41( ) 41 a 51( ) 51 a 61( ) 62 ou mais

Titulaccedilatildeo( ) superior ( ) Especializaccedilatildeo ( ) mestrado ( ) doutorado

1) O que a leitura significa para a escola expressada atraveacutes do seu projeto de leitura (marque ateacute trecircs

questotildees enumerando-as por ordem de importacircncia)

( ) Instrumento de ajuda na apropriaccedilatildeo da liacutengua padratildeo

( ) Uma atividade prazerosa

( ) A escola natildeo valoriza a leitura

( ) A escola valoriza pouco a leitura

( ) Um estiacutemulo agraves transformaccedilotildees sociais

( ) Outra _______________

2) O projeto de leitura estimula a reflexatildeo sobre temas como racismo preconceitos Direitos Humanos

( ) sim ( ) natildeo

3) O debate sobre as relaccedilotildees de gecircnero estaacute incorporado nas leituras do projeto

( ) sim ( ) natildeo

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Marque as explicaccedilotildees para a resposta anterior

( ) As questotildees de gecircnero satildeo pouco exploradas

( ) Eacute explorada com frequecircncia a temaacutetica pautada que estaacute em uma poliacutetica escolar de engajamento no

combate agraves assimetrias de gecircnero

( ) Ainda natildeo houve oportunidade para inserir este tema em nosso projeto de leitura

( ) O projeto daacute visibilidade aos modos como os estereoacutetipos satildeo alicerccedilados e como muitas leituras reforccedilam

os padrotildees sexistas presentes na sociedade

( ) Outra _______________

4) Vocecirc acredita que a formaccedilatildeo recebida pelo (a) educador (a) tanto em niacutevel inicial quanto na continuada tem

preparado o (a) profissional para uma praacutetica pedagoacutegica que contemple a igualdade no espaccedilo escolar

( ) sim ( ) natildeo

5) As poliacuteticas educacionais comprometem a equidade de gecircnero O que pode o menino e o que pode a menina

no espaccedilo escolar

( ) Natildeo mais comprometem haacute igualdade de tratamentos para meninos e meninas

( ) Comprometem pouco porque a escola atua pela igualdade de tratamento

( ) Ainda comprometem muito porque a escola dispensa tratamento desigual

( ) Vatildeo sempre comprometer porque natildeo haacute como tratar igualmente seres que satildeo naturalmente desiguais

6) Quando meninos e meninas demonstram comportamentos ldquoconsideradosrdquo como natildeo apropriados para seu

sexo qual a leitura feita

( ) Eacute compreensiacutevel uma nova ordem de interesses valores e regras de cada crianccedila

( ) Haacute um sentimento de decepccedilatildeo algo estaacute errado

( ) Procuro redirecionar seu interesse evitando rotulaacute-lo

7) Como mediador (a) de leitura vocecirc interfere diante de uma expressatildeo de preconceito uma expressatildeo de

conflitos entre olhares de meninos e de meninas

( ) Pouco eacute natural a disputa

( ) Interfiro sempre sou contraacuterio (a) a qualquer manifestaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo

( ) Natildeo haacute como interferir sempre nossa demanda eacute intensa

8) No tocante agrave violecircncia contra a mulher o Brasil em um ranking de 84 paiacuteses ocupa a 7ordf posiccedilatildeo sendo a

Paraiacuteba um dos Estados da Federaccedilatildeo mais violentos tambeacutem com a 7ordf colocaccedilatildeo E Joatildeo Pessoa sua

capital eacute a 2ordf mais violenta (CEBELA Mapa da Violecircncia 2012) O que em sua opiniatildeo explica a existecircncia

deste fenocircmeno

( ) Formaccedilatildeo cultural

( ) Haacute pessoas naturalmente violentas

( ) Natildeo sei

( ) O ciuacuteme o consumo de drogas o divoacutercio e natildeo saber lidar com traiccedilatildeo

( ) Outra ______________

9) Para vocecirc a escola atenta para sua importacircncia como espaccedilo de enfrentamento agrave questatildeo

( ) sim ( ) natildeo ( ) sim mas de forma insignificante

10) A Lei Maria da Penha como avanccedilado instrumento juriacutedico no enfrentamento da questatildeo ganha que

espaccedilo no projeto de leitura

( ) Nunca foi citada

( ) Existe na biblioteca

( ) Jaacute trabalhamos com ela

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11) Que lugar deve ocupar a histoacuteria de emancipaccedilatildeo da mulher no curriacuteculo escolar e no projeto

( ) Haacute sentido em trazer a histoacuteria social das mulheres como tema nos curriacuteculos escolares

( ) Apoio o legiacutetimo direito da garantia do sujeito a saber de si de suas memoacuterias ocultadas e inferiorizadas

( ) O conteuacutedo sobre o coletivo das mulheres tem espaccedilo mas temos pouca carga horaacuteria para exploraacute-lo mais

( ) Natildeo temos como inserir mais conteuacutedo na grade curricular nem acho importante

12) Emita sua opiniatildeo a respeito do movimento feminista

( ) Propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso eacute bom

( ) Propotildee novo modelo de ser sujeito novas maneiras de ter afeto e isso natildeo eacute bom

( ) Eacute um movimento com muito radicalismo

( ) Fornece ferramentas conceituais que possibilita melhor percepccedilatildeo da opressatildeo agravemulher

13) O projeto de leitura costuma vincular alguma programaccedilatildeo agraves datas comemorativas

( ) sim ( ) natildeo

Caso sim qual o teor do dia 8 de marccedilo como Dia Internacional da Mulher O que se faz na data ou o que se

pretende fazer

( ) Eacute um dia em que ela eacute intensamente valorizada entrega de flores poemas cartazes pela escola

( ) Eacute um dia com pouca reflexatildeo sobre a luta feminista

( ) Outra _______________

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Gilva Vasconcelos da Silva Matos