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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA WILLIAN GUEDES MARTINS DEFENSOR MENEZES GLOBALIZAÇÃO E FRAGMENTAÇÃO: A AGRICULTURA CIENTÍFICA EM FORMOSA DO RIO PRETO BAHIA Salvador 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE GEOCINCIAS

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA

WILLIAN GUEDES MARTINS DEFENSOR MENEZES

GLOBALIZAO E FRAGMENTAO: A AGRICULTURA CIENTFICA EM

FORMOSA DO RIO PRETO BAHIA

Salvador

2014

WILLIAN GUEDES MARTINS DEFENSOR MENEZES

GLOBALIZAO E FRAGMENTAO: A AGRICULTURA CIENTFICA EM

FORMOSA DO RIO PRETO BAHIA

Dissertao apresentada ao

Programa de Ps-Graduao em

Geografia da Universidade Federal

da Bahia.

Orientadora: Profa. Dra. Maria

Auxiliadora da Silva

Salvador

___________________________________________________________________________ M543 Menezes, Willian Guedes Martins Defensor.

Globalizao e fragmentao: a agricultura cientfica em Formosa do Rio

Preto Bahia / Willian Guedes Martins Defensor Menezes.-Salvador, 2014.

193 f. : il.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Auxiliadora da Silva.

Dissertao (Mestrado em Geografia) - Programa de Ps-Graduao em

Geografia, Universidade Federal da Bahia, Instituto de Geocincias, 2014.

1. Geografia agrcola Formosa do Rio Preto (BA). 2. Agricultura

Transferncia de tecnologia. 3. Globalizao. 4. Espao agrcola. I. Silva,

Maria Auxiliadora da. II. Universidade Federal da Bahia. Instituto de

Geocincias. III. Ttulo.

CDU:

911.3:631.14(813.8)

_____________________________________________________________________________ Elaborada pela Biblioteca do Instituto de Geocincias da UFBA.

AGRADECIMENTOS

Neste espao, manifesto meus agradecimentos s diversas pessoas e

instituies que colaboraram com a presente pesquisa:

CAPES pela concesso de bolsa de estudos durante o mestrado.

Aos professores e funcionrios do Programa de Ps-graduao em Geografia

da Universidade Federal da Bahia.

Aos colegas do mestrado e doutorado que compartilharam suas experincias,

proporcionando inmeros momentos de aprendizagem. Aos amigos do Grupo

de pesquisa Produo do Espao Urbano da UFBA (PEU). A Desiree Alves

pela ajuda na elaborao dos mapas.

Os amigos macaubenses que residem em Barreiras e Lus Eduardo

Magalhes, onde fui acolhido durante as viagens.

Aos amigos pela pacincia no convvio durante esta caminhada e um

agradecimento muito especial minha famlia pela compreenso e apoio, em

especial a meu pai, minha me, irm e irmo, sempre presentes em minha

vida.

Aos professores que aceitaram o convite para participar da banca examinadora

desta dissertao, os professores Antnio Angelo Martins da Fonseca e

Antnio Alfredo Teles de Carvalho, com contribuies fundamentais, aos quais

sou muito grato, alm do professor Rubens Toledo que contribuiu com este

trabalho no seu projeto de qualificao. Tambm sou grato a meu orientador da

graduao, professor Clmaco Dias, que continua contribuindo na minha

formao acadmica, sempre ajudando quando solicitado e no foi diferente

neste trabalho. Tambm sou muito grato minha professora Maria Auxiliadora

da Silva por orientar este trabalho, sempre trabalhando para o crescimento

intelectual dos seus orientandos, e por sua dedicao Universidade Federal

da Bahia.

A todos aqueles que ajudaram direta e indiretamente na realizao deste

trabalho, como os habitantes do municpio de Formosa do Rio Preto. Em

especial a todos aqueles que contriburam atravs das entrevistas, dentre eles

os senhores Gerson Bonfantti, Ivanir Maia, Osas, Z Roberto, Soethe e os

agricultores dos gerais do Rio Preto, reservando tempo para dialogar e assim

motivar a pesquisa.

RESUMO A abordagem sobre o atual processo de fragmentao das sociedades e dos territrios diz respeito emergncia do perodo tcnico-cientfico-informacional. O objetivo deste estudo compreender a natureza e o significado da fragmentao no municpio de Formosa do Rio Preto, localizado no estado da Bahia, em decorrncia da introduo de uma agricultura cientfica globalizada. Para tanto, adota-se como referencial terico a concepo do espao geogrfico compreendido como sinnimo de territrio usado, teorizado por Santos et al (2000), composto pelos recortes das horizontalidades e das verticalidades. A partir dessa composio e subdiviso do espao, decidiu-se analisar a fragmentao tendo em vista trs aspectos principais que possibilitaram chegar sua natureza e a seu significado: (1) a reestruturao produtiva da agricultura em Formosa do Rio Preto; (2) a insero de Formosa do Rio Preto na diviso territorial do trabalho; e (3) o uso do territrio pelos agentes hegemnicos da agricultura cientfica globalizada. Os procedimentos metodolgicos foram pautados em entrevistas semiestruturadas em diversos grupos, como o de agricultores, tanto da agricultura moderna quanto da tradicional, empresrios, polticos, tcnicos de diversos rgos e associaes do municpio estudado e da regio. Observou-se que a modernizao atual da agricultura, proveniente de um perodo marcado pela globalizao, produz um arranjo organizacional que responde por fragmentaes ao desarticular as antigas solidariedades orgnicas, como as ocorridas no espao agrcola e na relao entre campo e cidade, no municpio de Formosa do Rio Preto, concomitante com a criao de solidariedades organizacionais. Palavras-chave: fragmentao, globalizao, agricultura cientfica globalizada, verticalidades, horizontalidades.

ABSTRACT

The approach about the new process of fragmentation of the society and territories shows the emergence of techno-scientific-informational period. The objective of this study is to understand the nature and the meaning of the fragmentation in Formosa do Rio Preto, a small city in Bahia, consequence of the introduction of a global scientific agriculture. To that, the theoretical background was based on the understanding of the geographic space as synonym for used territory, which consists in snips of horizontality and verticality. From this composition and subdivision of the space, it was decided to analyze the fragmentation using three main aspects that enable get up to its nature and meaning: (1) the productive restructuring of agriculture in Formosa do Rio Preto; (2) the introduction of Formosa do Rio Preto in the territorial division of labor and (3) the use of the territory by hegemonic agents of global scientific agriculture. The methodological procedures were based on interviews divided in several groups, as farmers from both the modern and traditional agriculture, businessmen, politics, technicians of several associations and bodies of the city and region studied in that study. It was observed that the modernization of agriculture, from the period marked for globalization, produces an organizational arrangement that answers for fragmentations when disarticulates the old organic solidarity, as occurred in the agricultural space and in the rural-urban relationship in the city of Formosa do Rio Preto, at the same time, the creation of organizational solidarity. Keywords: fragmentation, globalization, global scientific agriculture, verticality, horizontality.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Localizao do municpio de Formosa do Rio Preto (Bahia) .......... 25

Figura 2 Imveis certificados pelo INCRA. ................................................... 69

Figura 3 Agricultura tradicional na comunidade de Cacimbinha, nos gerais de

Formosa do Rio Preto, e agricultura cientfica prxima vila Panambi, nos

chapades de Formosa do Rio Preto. ............................................................. 87

Figura 4 Ocupao da agricultura cientfica globalizada no municpio de

Formosa do Rio Preto ..................................................................................... 88

Figura 5 Nmero de estabelecimentos com tratores de potncia acima de 100

cavalos. ........................................................................................................... 90

Figura 6 Nmero de tratores com potncia acima de 100 cavalos. .............. 91

Figura 7 Sub-regies do agronegcio de Formosa do Rio Preto .................. 96

Figura 8 Loja da Gacha Agrcola, em Formosa do Rio Preto, e Loja da

Agrosul, em Lus Eduardo Magalhes, representante regional da Multinacional

John Deere ....................................................................................................105

Figura 9 Empresa Case em Lus Eduardo Magalhes ................................106

Figura 10 Loja da Jaragu, representante da multinacional New Holland em

Lus Eduardo Magalhes ...............................................................................107

Figura 11 Participao dos municpios baianos na produo agrcola estadual

2012. ..............................................................................................................110

Figura 12 PIBs municipais em 2005 e 2011 ................................................113

Figura 13 Valores adicionais ao PIB por setor (ano 2011) nos municpios de

Formosa do Rio Preto, So Desidrio, Barreiras e Lus Eduardo Magalhes.113

Figura 14 Valores adicionais ao PIB por setor em Barreiras e Lus Eduardo

Magalhes, anos 2005 e 2011. ......................................................................114

Figura 15 Comparativo entre as cidade de Lus Eduardo Magalhes e

Formosa do Rio Preto ....................................................................................116

Figura 16 Unidade da Bunge Coaceral em Formosa do Rio Preto ..............125

Figura 17 Unidade Cargill Coaceral em Formosa do Rio Preto ...................127

Figura 18 Rodoagro, proposta da Aiba........................................................139

Figura 19 Projeto da rodoagro e projeto de Formosa do Rio Preto para novas

rodovias (acessos previstos).. ........................................................................148

Figura 20 Geraizeiros coletando caju nativo em rea onde est localizada a

guarita da Fazenda Estrondo. ........................................................................153

Figura 21 O avano da agricultura cientfica globalizada nos territrios

geraizeiros. ....................................................................................................160

Figura 22 Vales, reas acidentadas e chapadas, reas de topografia mais

plana. .............................................................................................................161

Figura 23 Geraizeiros saindo da cidade de Formosa do Rio Preto em direo

aos gerais. .....................................................................................................164

Figura 24 Localizao da Vila Panambi ......................................................166

Figura 25 Vila Panambi: desigualdades entre os moradores. ......................168

Figura 26 Posto de Sade na Vila Panambi ................................................170

Figura 27 Escola Cooperativa Chapado. Localizada na Vila Panambi ......171

Figura 28 Cidade de Formosa do Rio Preto ................................................175

Figura 29 Comercializao de frutas e verduras nas ruas de Formosa do Rio

Preto. .............................................................................................................181

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Produo agrcola em Formosa do Rio Preto, 2012 ...................... 84

Tabela 2 Agricultura cientfica globalizada e agricultura tradicional .............. 86

Tabela 3 Valor das maiores produes agrcolas em 2012 .......................... 94

Tabela 4 Evoluo populacional em Formosa do Rio Preto (1970-2010) ..... 99

Tabela 5 Produo agrcola municipal (2012) .............................................102

Tabela 6 Realizao do consumo produtivo do campo moderno de Formosa

do Rio Preto ...................................................................................................103

Tabela 7 Realizao do consumo consuntivo do campo moderno de Formosa

do Rio Preto ...................................................................................................107

Tabela 8 Empresas e outras organizaes nos municpios no ano de 2011

.......................................................................................................................108

Tabela 9 PIB e variaes adicionais em 2011 (em 1000 reais). ..................112

Tabela 10 Movimentao de aeronaves ......................................................117

Tabela 11 Principais culturas da agricultura tradicional em Formosa do Rio

Preto ..............................................................................................................153

Tabela 12 Realizao do consumo consuntivo da famlia * (12 entrevistados)

.......................................................................................................................169

Tabela 13 Realizao do atendimento sade* .........................................169

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AIBA - Associao dos Agricultores e Irrigantes da Bahia

APROCHAMA - Associao dos Produtores da Chapada da Mangabeira

CAIs Complexos Agroindustriais

CAMPO - Companhia de Promoes Agrcolas

CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior

CNA - Confederao da Agricultura e Pecuria no Brasil

COACERAL - Cooperativa Agrcola dos Cerrados do Brasil Central Ltda

CODEVASF - Companhia de Desenvolvimento dos Vale do So Francisco e do

Paraba

CONAB Companhia Nacional de Abastecimento

CPA - Companhia de Produo Agrcola

DERBA Departamento de Infraestrutura de Transportes da Bahia

EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria

EBDA - Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrcola S. A.

FAEB - Federao da Agricultura e Pecuria do Estado da Bahia

IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria

INEMA - Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hdricos

JICA - Japan Internacional Cooperation Agency

LEM Lus Eduardo Magalhes

PADAP - Programa de Assentamento do Alto Parnaba

PIB Produto Interno Bruto

POLOCENTRO - Programa de Desenvolvimento do Cerrado

PRODECER - Programa de Cooperao Nipo-Brasileira de Desenvolvimento

do Cerrado

PRONAF - Programa Nacional para o Fortalecimento da Agricultura Familiar

REGIC Regies de Influncia das Cidades

SEI Superintendncia de Estudos Econmicos e Sociais da Bahia

STR - Sindicato dos Trabalhadores Rurais

SUDENE Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste

SUMRIO

1. Introduo ............................................................................................... 17

1.1 Justificativa ............................................................................................ 25

1.2 Objetivos da pesquisa ............................................................................ 27

1.2.1 Objetivo geral .................................................................................. 27

1.2.1 Objetivos especficos ....................................................................... 28

1.3 Referencial terico-conceitual ................................................................ 28

1.3 Procedimentos metodolgicos ............................................................... 39

2. Agricultura cientfica globalizada no espao-tempo: do espao

nacional a Formosa do Rio Preto ................................................................ 44

2.1 A Dimenso temporal e o espao geogrfico ......................................... 44

2.2 A moderna agricultura do pas ............................................................... 48

2.3 A modernizao dos cerrados brasileiros .............................................. 53

2.4 Processo de ocupao e usos do territrio dos cerrados baianos.......... 57

2.5 Formosa do Rio Preto e os meios geogrficos: do natural ao tcnico-

cientfico-informacional ................................................................................ 69

3. A agricultura cientfica globalizada em Formosa do Rio Preto: a

fragmentao do espao agrcola e a alienao do territrio.................... 79

3.1 Reestruturao produtiva da agropecuria em Formosa do Rio Preto ... 80

3.1.1 Agricultura cientfica globalizada e agricultura tradicional ................ 83

3.1.2 As sub-regies do agronegcio de Formosa do Rio Preto ............... 93

3.2 Formosa do Rio Preto na diviso territorial do trabalho dos cerrados

baianos ........................................................................................................ 96

3.3 Agentes hegemnicos e o uso corporativo do territrio: consideraes

sobre a Bunge e a Cargill em Formosa do Rio Preto ..................................119

3.4 A formao de um arranjo organizacional nos cerrados baianos como

fator de fragmentao em Formosa do Rio Preto .......................................128

4. Natureza e significado da fragmentao em Formosa do Rio Preto .131

4.1 Associaes setoriais, sindicatos e rgos pblicos num espao agrcola

fragmentado ...............................................................................................132

4.2 Rodoagro e a fragmentao do territrio e da sociedade ......................135

4.3 Agricultura cientfica globalizada e a fragmentao dos territrios

geraizeiros ..................................................................................................150

4.4 Entre verticalidade e horizontalidades surge a Vila Panambi ................164

4.5 A cidade de Formosa do Rio Preto diante do campo moderno .............174

5. Concluso ..............................................................................................182

Referncias...................................................................................................187

melhor fazer a nao por intermdio do seu territrio,

porque nele tudo o que vida est representado.

Milton Santos (2003, p. 87).

17

1. INTRODUO

A histria pode ser dividida e entendida como uma sucesso de pocas, cada

uma com sua prpria marca. Para Santos1, a marca de cada poca dada [...] por

dois fatores, que so na realidade inseparveis: um o estado da tcnica, o outro

o estado da poltica. A relao entre tcnica e poltica a base do esquema terico

proposto por Santos (2006, 2008, 2008b). Nessa relao, o autor busca atingir a

totalidade social a partir da cincia geogrfica, que, por conseguinte, tenta entender

a tcnica como fenmeno. O plano terico-metodolgico que permite geografia

entender o casamento entre tcnica e poltica passa por considerar o espao

geogrfico como sinnimo de territrio usado (SANTOS & SILVEIRA, 2005).

Pela primeira vez na histria, a tcnica e a poltica se tornam planetrias,

assim como os atores hegemnicos. esse fenmeno planetrio, essa nova forma

de relao entre a tcnica e a poltica que vai originar a globalizao, cujo papel

central. O perodo atual se forma a partir da segunda metade do sculo XX, trazendo

consigo profundas mudanas para a humanidade. Pode-se falar em uma acelerao

contempornea (SANTOS, 2008, p. 28), o que implica, grosso modo, o acrscimo de

novos itens histria.

O autor mostra que a acelerao contempornea representa mais do que

novos tempos no transporte de mercadorias, pessoas e informao, ou seja, ela

mais do que a velocidade stricto sensu, pois significa tambm outros acrscimos: o

uso de novas fontes de energia; a expanso demogrfica; a exploso urbana e a do

consumo; o crescimento do nmero de objetos e da informao. Entretanto, a causa

de muitos acontecimento a evoluo do conhecimento, o que significa dizer que a

informao o recurso prioritrio do atual perodo.

O Brasil passa a se constituir num sofisticado laboratrio para a cincia

geogrfica, pois agrega vrias dessas mudanas, do que resultou,

consequentemente, uma reorganizao do seu territrio. No que se refere ao

1 Entrevista concedida por Milton Santos em 2001. Disponvel em: . Acessado em 21/11/2013.

http://revistaforum.com.br/blog/2011/10/o-novo-nao-se-inventa-descobre/

18

presente estudo, observa-se, no pas, uma reestruturao produtiva da

agropecuria, responsvel pela difuso de um novo modelo econmico de produo

agrcola, associado ao avano do capitalismo no campo, como afirma Elias (2007). A

reestruturao produtiva da agropecuria fruto das marcas da poca atual e

responsvel pela formao de um campo moderno.

A globalizao da economia culminou numa agricultura cientfica globalizada

(SANTOS, 2003 e ELIAS, 2006), alterando substancialmente o campo brasileiro e

privilegiando poderosos grupos econmicos. Agora, o mercado comandado por

grandes firmas (multinacionais) que controlam o processo agroindustrial. A

consequncia foi a expanso de um meio tcnico-cientfico-informacional (SANTOS,

2006), preferencialmente nos espaos mais rentveis e menos resistentes aos fluxos

e fixos hegemnicos. o caso de parte do campo, onde possui menos rugosidades,

como bem explica Santos (2006). No entanto, a modernizao do espao agrcola

brasileiro ocorreu com prejuzos para a sociedade, a organizao do territrio e com

graves consequncias ambientais. Assim,

A reestruturao da agropecuria brasileira processou-se de forma socialmente excludente e espacialmente seletiva [...], privilegiou determinados segmentos sociais, econmicos e os espaos mais rapidamente suscetveis de uma reestruturao sustentadas pelas inovaes cientfico-tcnicas e pela globalizao da produo e consumo. (ELIAS, 2006, p. 31).

A globalizao imposta pelos agentes hegemnicos no prega a cooperao

fraterna entre as pessoas ou entre os lugares, mas um sistema baseado na

dominao e na hierarquizao, o que resulta em desigualdade e fragmentao da

sociedade e do territrio. O perodo atual , portanto, produtor de conflitos e

baseado neles. Com tais desgnios, o que globaliza falsifica, corrompe,

desequilibra, destri, afirma Santos (2008, p. 33). Parafraseando o autor, o que

globaliza fragmenta. Assim, a constatao de tal fato traz novas questes para a

geografia. Ou seja, no perodo atual, sobre a sociedade e o territrio incidem tanto a

globalizao como um consequente processo de fragmentao.

19

O processo de globalizao, do qual a geografia brasileira foi pioneira em sua

anlise2, deve ser abordado com prudncia, pois sobre ele paira muita ambiguidade,

conforme alerta Harvey (2009), Castells (1991), Benko (2002) e Santos (2003).

Harvey (2009, p. 88) entende o processo de globalizao como um processo de

produo de desenvolvimento temporal e geogrfico desigual. J Santos (2008, p.

4) afirma que a globalizao constitui o estgio supremo da internacionalizao, a

amplificao em sistema-mundo de todos os lugares e de todos os indivduos,

embora em graus diversos. A presente pesquisa comunga com essas vises sobre

o processo de globalizao.

A globalizao , portanto, produtora de desigualdade, conforme atestam

esses autores. O presente estudo, ao tratar do processo de globalizao e

fragmentao, est se reportando a uma geografia da desigualdade, tal como exps

Souza (2002, p. 21): os processos de globalizao e fragmentao implicam

territrios diversos que se constituem [...] em geografias da desigualdade. Assim, o

uso que se far aqui da palavra fragmentao remete s desigualdades provocadas

pelo processo de globalizao.

Fragmentar significa quebrar, partir em pedaos3, levando ruptura,

separao. A fragmentao, na perspectiva deste estudo, tal como pensada por

Castro (2013, p. 43), se d como resultado de alguma forma de impacto no

esperado, da o sentido de reduzir a fragmentos, quebrar-se, ou seja, a

fragmentao, de modo geral, desarticula e desorganiza. A autora argumenta que,

na geografia poltica4, a fragmentao de uso bem mais recente do que o

fenmeno da diviso. Ao fazer essa delimitao semntica, evita-se incorrer nos

erros apontados por Castro (2013)5.

Haesbaert (2013) tambm alerta para a necessidade de qualificao do termo

fragmentao, em virtude de sua ambiguidade e polisemia. Este autor afirma que

2 A geografia brasileira foi, certamente, a primeira a se aperceber da relao entre essa grande mudana histrica a globalizao e a necessidade profunda de se atriburem novos fundamentos filosficos e epistemolgicos. Santos (2002 p. 100). Ao longo do texto, ser exposta nossa concepo sobre a globalizao. 3 De acordo com o Novo Dicionrio Aurlio da Lngua Portuguesa, FERREIRA (1986), fragmentar reduzir a fragmentos, partir em pedaos; dividir, fracionar. P. 2. Fazer-se em fragmentos; quebrar-se. 4 O termo geografia poltica usado pela autora. Em nossa concepo uma redundncia, na medida que a geografia j pressupe a poltica. 5 O tpico 1.3 Referencial terico-metodolgico retornar discusso sobre globalizao e fragmentao.

20

fragmentao no pode ser visto como sinnimo de heterogeneizao e nem

diferenciao, como utilizada por alguns. Assim, o mesmo prope a fragmentao

como analogia a segmentao, a fracionamento. Haesbaert (2013) cr que seja

interessante a proposta de Santos (2003) sobre a fragmentao. No exame de

Santos (2003), a compartimentao atual se apresenta como fragmentao. Nas

palavras do autor, a compartimentao atual distingue-se daquela do passado e

frequentemente se d como fragmentao (2003, p. 81).

Definido o entendimento sobre o processo de globalizao e de

fragmentao, parte-se agora para o movimento que produz a fragmentao e sua

relao com a agricultura moderna e o territrio no Brasil. Para tanto, recorreu-se a

Santos (2003):

Os territrios tendem a uma compartimentao generalizada, onde se associam e se chocam o movimento geral da sociedade planetria e o movimento particular de cada frao, regional ou local, da sociedade nacional. Esses movimentos so paralelos a um processo de fragmentao que rouba s coletividades o comando do seu destino, enquanto os novos atores tambm no dispem de instrumentos de regulao que interessem sociedade em seu conjunto. A agricultura moderna, cientifizada e mundializada, tal como a assistimos se desenvolver em pases como o Brasil, constitui um exemplo dessa tendncia e um dado essencial ao entendimento do que no pas constituem a compartimentao e a fragmentao atuais do territrio. (SANTOS, 2003, p. 80).

Dessa forma, a agricultura moderna exemplo da imbricao entre

globalizao e fragmentao. E no foi diferente nos cerrados do Oeste da Bahia.

Analisando essa regio, Clvis C. M. Santos (2007, p. 34) fala dos poucos registros

e da pequena divulgao sobre o carter do processo econmico que acometeu a

regio a partir da dcada de 1980, baseado em caractersticas excludentes e

desiguais que possibilitam forte concentrao da renda e da produo regional em

duas grandes empresas e com uma situao fundiria que permanece desigual.

Nesse sentido, singular para esta pesquisa o caso de Formosa do Rio

Preto, na Bahia, municpio situado nesses mesmos cerrados. Ali, campo e cidade

so acometidos por fragmentaes resultantes da formao de um arranjo

organizacional ligado agricultura cientfica globalizada. Dessa maneira, o propsito

ou objetivo desta pesquisa identificar e analisar tais fragmentaes sobre a

21

sociedade e o territrio. um arranjo organizacional com abrangncia regional, onde

so desfeitas as antigas sinergias em prol de novas, como explica Santos (2006):

Na caracterizao atual das regies, longe estamos daquela solidariedade orgnica que era o prprio cerne da definio do fenmeno regional. O que temos hoje so solidariedades organizacionais. As regies existem porque sobre elas se impem arranjos organizacionais, criadores de uma coeso organizacional baseada em racionalidades de origens distantes, mas que se tornam um dos fundamentos da sua existncia e definio. (SANTOS, 2006, p. 285).

A proposta ser compreender como esses processos acontecem no mbito

do municpio em questo, que no um espao isolado, mas uma parte do mundo.

Ao mesmo tempo, essa parte tambm representativa do todo. Por esse motivo,

ser importante o trabalho de escala, envolvendo municpio, regio, nao e

mundo.

Com relao ao municpio, a reestruturao produtiva da agricultura inicia-se

em fins da dcada de 1970 e incio da dcada de 1980. Formosa do Rio Preto o

maior municpio em rea da Bahia, com 16.303,864 Km, e est localizado no

extremo oeste do estado, fazendo divisa com os estados de Tocantins e Piau,

conforme est apresentado no mapa da Figura 1. A populao estimada em 2013

para o municpio de 24.799 habitante, bem distante da previso para o mesmo ano

nos dois principais centros urbanos da regio: Barreiras, 150.896, e Lus Eduardo

Magalhes, 70.0616 habitantes. A pequena cidade de Formosa do Rio Preto

contrasta com a produo agrcola do municpio, que o maior produtor de soja do

Nordeste brasileiro, quinto do Brasil, e a sexta maior renda agrcola do pas. Esses

dados so sintomticos de novas relaes entre campo e cidade e da composio

regional diante de uma economia globalizada.

As transformaes aqui estudadas sobre Formosa do Rio Preto esto

relacionadas a outras escalas, inclusive a regional, haja vista que a reestruturao

aqui citada tambm contempornea nos demais municpios dos cerrados baianos

6 Dados do IBGE. Disponvel em: Acesso em: 18/12/2013.

http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/uf.php?lang=&coduf=29&search=bahia

22

(alm dos sul do Piau e do Maranho e Tocantins). Os cerrados do Oeste da Bahia7

foram pioneiros na produo de soja no Nordeste brasileiro, rompendo,

consequentemente, tradies, produzindo um espao altamente tecnificado e

alterando substancialmente a sociedade e o seu territrio.

A anlise e a identificao de fragmentaes no municpio ser conduzida a

partir de trs aspectos principais: (1) a reestruturao produtiva da agricultura em

Formosa do Rio Preto; (2) a insero de Formosa do Rio Preto na diviso territorial

do trabalho; e (3) o uso do territrio pelos agentes hegemnicos da agricultura

cientfica globalizada.

O primeiro aspecto abordado corresponde reestruturao produtiva ocorrida

na agricultura do municpio de Formosa do Rio Preto. A anlise parte da existncia

de duas lgicas no espao agrcola local: a primeira corresponde agricultura

cientfica globalizada, localizada basicamente nas chapadas do municpio; e a

segunda se orienta pela manuteno de uma agricultura de cunho tradicional,

localizada predominante nos vales. A ideia caracterizar essas duas lgicas

agrcolas e compreender a relao que ambas mantm entre si e com as cidades

prximas, bem como as relaes entre campo e cidade. Trabalhos como o de Elias

(2003) demonstram como a modernizao do campo brasileiro, nas ltimas

dcadas, pde implicar fragmentao. Assim, formam-se vrios diferentes arranjos

territoriais produtivos, a culminar num espao agrcola extremamente

fragmentado. A fragmentao dos espaos agrcolas aumenta a diferenciao na

lgica de sua organizao (ELIAS, 2003, p. 10, grifo da autora) .

O segundo aspecto inspirado na proposta de estudo sugerida por Corra

(2006). Nossa proposta busca entender o papel da cidade de Formosa do Rio Preto

7As denominaes Oeste da Bahia e Oeste Baiano remetem a uma determinada poro do estado da

Bahia e so utilizadas por diferentes rgos e agentes das esferas pblica e privada e pela populao

em geral. Assim, essa rea pode sofrer diferentes recortes espaciais (com mais ou menos

municpios), por conta dos diferentes contornos propostos para essa regio. Como bem mencionam

Guerreiro de Freitas (1999), apud Santos C. (2000), at a primeira metade do sculo XX no h

compatibilidade e nem sustentao histrica para o uso dessas expresses: ... tanto a designao

quanto os contornos da hoje chamada Regio Oeste do Estado da Bahia [...] visto que o chamado

Oeste fazia parte de uma regio que podia ser denominada de Serto do Rio So Francisco

(SANTOS, C. 2000, p. 32). No nosso interesse adentrar nessa definio. Contudo, dentre essas

classificaes, h uma do governo do Estado da Bahia, que dividiu o estado em regies econmicas

na dcada de 1990 e, dentre elas, foi criada a Regio Econmica do Oeste, sendo essa classificao,

de certa forma, ainda utilizada, apesar da diviso mais recente do estado da Bahia em Territrios de

Identidade, proposta pelo atual governo estadual e adotada em parte poe ele prprio.

23

bem como a insero de seu espao agrcola diante da emergncia de uma

agricultura globalizada. O caminho ser a descrio e a compreenso de Formosa

do Rio Preto diante da diviso territorial do trabalho. J o terceiro aspecto prioriza

uma discusso sobre o papel dos agentes hegemnicos na organizao espacial do

municpio. Observando a trajetria da agricultura moderna nos cerrados baianos, o

que se verifica um controle do processo da produo em si e um crescente

domnio da circulao da produo agrcola e seu processamento por parte das

grandes firmas, um movimento que orienta a organizao do espao regional. Nesse

sentido, Corra lembra que:

A rede urbana um reflexo, na realidade, dos efeitos acumulados da prtica de diferentes agentes sociais, sobretudo as grandes corporaes multifuncionais e multilocalizadas que, efetivamente, introduzem, tanto na cidade como no campo, atividades que geram diferenciaes entre os centros urbanos. (CORRA, 2006, p. 27).

A anlise destes trs aspectos orienta o entendimento da formao de um

arranjo organizacional sobre os cerrados baianos, onde est inserido Formosa do

Rio Preto, que por conseguinte responde pela fragmentao do espao agrcola do

municpio. Por fim, a natureza e significado desta fragmentao ser estudada no

quarto captulo.

Por um lado, a presente abordagem deve ter em vista sempre o todo, sempre

o funcionamento do mundo atual, j que se fala aqui de globalizao. Apesar de a

pesquisa delimitar claramente que a rea de estudo o municpio de Formosa do

Rio Preto, o fato de estudar as implicaes da globalizao (nesse caso, atravs da

agricultura moderna) requer uma busca pela totalidade, conforme aponta Kosik

(2011). Por outro lado, o propsito da busca pelo todo enseja uma maior

fidedignidade ao trabalho, sendo que a geografia fornece o instrumento necessrio

para tal empreempreitada, ou seja, o recurso da escala. Por isso, a apresentao

das escalas local, regionais e global.

Nessa perspectiva, o porposto refletir sobre o objeto geogrfico da mesma

forma que pensou Insnard (1982, p.40 apud CATAIA 2003, p. 400), na qual ... o

prprio mtodo geogrfico consiste em partir, no da sociedade para atingir o

espao, mas do espao para atingir a sociedade, exatamente da mesma maneira

24

como compreender o autor atravs de sua obra, pois o espao no reflexo da

sociedade, sua expresso (CASTELLS, 1999, p. 435). Alcanar um estudo

geogrfico autntico e uma cincia como uma forma unitria s ser possvel na

medida em que os mtodos tenham tal orientao.

A dissertao est dividida em cinco captulos. O primeiro corresponde

introduo, com os seguintes tpicos: justificativa, objetivos, referencial terico-

conceitual e procedimentos metodolgicos. O carter didtico do primeiro captulo

teve inspirao no projeto de pesquisa, cujo propsito foi apresentar, de uma forma

clara, ao leitor qual a nossa filiao terica, o objeto de pesquisa e como foi a

articulao metodolgica do estudo. No segundo captulo, atravs de uma relao

tempoespao, investigam-se as causas e transformaes da modernizao da

agricultura brasileira, passando por breves histricos sobre as ocupaes dos

cerrados, para que se chegue compreenso da situao do municpio de Formosa

do Rio Preto. J no terceiro captulo, so apresentados os principais aspectos pelos

quais so gestados os processos de fragmentao. No quarto captulo, so

discutidos processos de fragmentao resultantes no municpio de Formosa do Rio

Preto. Por fim, o trabalho finalizado com a concluso, no quinto captulo.

25

Figura 1 Localizao do municpio de Formosa do Rio Preto (Bahia)

Fonte: Plano Estadual de Recursos Hdricos (PERH), 2004.

1.1 JUSTIFICATIVA

De todos os biomas sul-americanos, os cerrados ocupam a segunda maior

rea, s atrs do amaznico. De acordo com Lima & Silva (2002, apud TOMASONI

2008, p. 181), os cerrados ocupam 24% do territrio brasileiro e contribuem para o

equilbrio de seis grandes bacias hidrogrficas brasileiras (So Francisco, Tocantins,

Amaznica, Atlntica Norte/Nordeste, Paraguai/Paran e pequena poro da bacia

do Atlntico Leste). Dados do Ministrio do Meio Ambiente (BRASIL, 2013)

ressaltam que, dos mais de 2.000.000 km de cerrados, praticamente a metade j

tinha desaparecido em 2009, por conta do desmatamento.

Preocupado com o processo de modernizao recente do Brasil Central, que

atingiu diretamente o domnio dos cerrados, Ab Sber (2005, p. 116-117) acredita

na necessidade de se pensar a evoluo recente desse espao, a fim de ser til ao

conhecimento cientfico e, qui, ao esforo de preservao dos fluxos vivos da

natureza regional. Conclui afirmando a necessidade de um zoneamento regional

26

do domnio dos cerrados dirigido para uma poltica pblica de induo ao equilbrio

entre o uso do espao e a defesa integrada da natureza.

Tambm incluso nesta lgica do Brasil Central esto os cerrados do Oeste

Baiano, com seus 152.202 Km, o que representa 27% do estado da Bahia (VALE;

REIS, 2012, p. 230). Localizada nessa poro, Formosa do Rio Preto tambm o

maior municpio em rea do estado da Bahia, com seus 16.303,864 km (IBGE,

2013). A introduo e o desenvolvimento da agricultura cientfica globalizada

responsvel por uma reestruturao produtiva agrcola no municpio. Dados da

Produo Agrcola Municipal (IBGE, de 2012) colocam Formosa do Rio Preto como

o maior produtor de soja do Norte e Nordeste do Brasil, com a sexta maior renda

agrcola do pas (IBGE, 2013).

Ocorrida ao longo da segunda metade do sculo XX, a modernizao do

espao agrcola brasileiro objeto de diversos estudos nas cincias humanas e

naturais. Dentre eles, h uma vasta bibliografia na geografia. Com relao aos

cerrados baianos, h trabalhos que abordaram a temtica, como os de Santos Filho

(1989), Haesbaert (1997), Santos, C. (2000), Santos, C. (2007) e Ilario (2011).

Regionalmente, Barreiras e Lus Eduardo Magalhes concentram as atenes, por

constiturem, dentre outros aspectos, os dois principais centros urbanos dos

cerrados baianos, o que tambm se reflete na produo cientfica. Importantes

estudos foram desenvolvidos abordando esses centros urbanos, como os de Vieira

(2007) e Filho (2012) ao analisar Lus Eduardo Magalhes.

Ademais, h questes relevantes em municpios como Formosa do Rio Preto,

uma das maiores rendas agrcolas do pas. Projetos de infraestrutura e

investimentos na modernizao da atividade agrcola fazem avanar o capitalismo

no campo, o que, por sua vez, transforma essas reas em novos desafios para os

estudos geogrficos. Por outro lado, a bibliografia sobre essa temtica, voltada para

esse municpio, pequena. Em consulta ao banco de tese e dissertaes no portal

da CAPES8, observa-se que no h trabalhos sobre as dinmicas recentes do

municpio de Formosa do Rio Preto.

Na perspectiva terica de sucesso dos meios geogrfico, apresentada por

Santos (2006), pode-se afirmar que Formosa do Rio Preto, a partir da reestruturao

produtiva de sua agropecuria, apresenta transformaes em seu territrio e sua

8 Pesquisa realizada em 26/09/2013, disponvel em< http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-

teses>.

http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teseshttp://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses

27

sociedade que permitem falar em outro uso do territrio que no os anteriores, ou

seja, um novo espao geogrfico.

A agricultura cientfica globalizada transformou substantivamente os cerrados

brasileiros, em particular os do oeste da Bahia. As solidariedades orgnicas cedem

lugar s organizacionais, o que implica novos cimentos para a composio de novos

arranjos organizacionais sobre a antiga concepo de regio9. A composio

intraregional est longe de uma coalescncia harmoniosa e homognea, pois, em

verdade, caracterizada por cooperaes e conflitos. Como exemplos, citam-se

urbes que se diferenciam tanto em termos qualitativos quanto quantitativos, e

mesmo a produo agrcola em si, assume valores distintos em cada municpio.

Nos cerrados baianos, onde a diviso territorial do trabalho est pautada na

especializao produtiva, criam-se questes relevantes. Apesar da lgica

organizacional atuar sobre os diferentes municpios, cada cidade assume diferentes

papis nos circuitos espaciais produtivos e crculos de cooperao, como o caso

de Formosa do Rio Preto diante des outras cidades da regio. Essas novas

dinmicas parecem pautar lugares que produzem massa e lugares que produzem

fluxos (CASTILHO, 2011, p. 338).

Diante do exposto, cabe acreditar que esta pesquisa possui cientificidade,

atendendo queles quatro requisitos do que fala Eco (2010)10 e, consequentemente,

tem relevncia tanto acadmica quanto social.

1.2 OBJETIVOS DA PESQUISA

1.2.1 OBJETIVO GERAL

O objetivo geral desta pesquisa consiste em analisar a modernizao do

espao agrcola de Formosa do Rio Preto a partir de fins da dcada de 1970 e incio

de 1980, buscando compreender de que forma a globalizao representada pela

9 Ver Elias (2011) e Castillo (2011) 10 (1) O estudo debrua-se sobre um objeto reconhecvel e definido de tal maneira que seja reconhecvel igualmente pelos outros [...] (2) O estudo deve dizer do objeto algo que ainda no foi dito ou rever sob uma ptica diferente o que j se disse [...] (3) O estudo deve ser til aos demais [...] (4) O estudo deve fornecer elementos para a verificao e a contestao das hipteses apresentadas e, portanto, para uma continuidade pblica (ECO, 2010 p. 21-23).

28

formao de um arranjo organizacional da agricultura cientfica globalizada

fragmenta sociedade e territrio desse municpio, localizado no Oeste da Bahia.

1.2.1 OBJETIVOS ESPECFICOS

Segundo Lakatos & Marconi (1992, p. 102), os objetivos especficos

apresentam carcter mais concreto. Tm funo intermediria e instrumental,

permitindo, de um lado, atingir o objetivo geral, e, de outro, aplicar este a situaes

particulares. Nesse sentido, ficam assim estruturados os objetivos especficos:

Analisar o processo de ocupao e uso do territrio no municpio de Formosa

do Rio Preto, visando a identificar sua influncia sobre seus processos de

modernizao e fragmentao do espao agrcola.

Identificar os principais agentes responsveis pela reorganizao do territrio

de Formosa do Rio Preto, com a introduo da agricultura cientfica

globalizada.

Identificar processos de fragmentao sobre o campo de Formosa do Rio

Preto em decorrncia da difuso de uma agricultura cientfica globalizada.

Compreender a intermediao do fenmeno tcnico a partir da relao entre

espao e tempo no processo de fragmentao em Formosa do Rio Preto.

Analisar as principais transformaes e caractersticas do espao agrcola

onde predomina a agricultura cientfica globalizada em Formosa do Rio Preto.

1.3 REFERENCIAL TERICO-CONCEITUAL

Nas palavras de Corra (2006, p. 43), a realidade sempre mais rica que as

nossas teorias. Assim, a riqueza da realidade se apresenta nas diferentes

singularidades atravs das quais a totalidade social se manifesta. Trabalhar com a

questo da fragmentao em Formosa do Rio Preto em decorrncia de processos

globalizantes , sobretudo, mergulhar na realidade daquele espao. Certamente um

caminho necessrio.

A cincia geogrfica, diante da realidade posta pelo atual perodo histrico,

constitui uma privilegiada via analtica no caminho apontado pela imbricao da

29

globalizao com a fragmentao. Sobre essa capacidade analtica e conceitual da

geografia diante do presente perodo e, consequentemente, sua utilizao neste

trabalho, partiremos pela proposta apresentada por Santos et al. (2000).

Considerar o papel transformador da geografia, atribuindo-lhe esse poder de

anlise e de munir os gegrafos com capacidade de intervir na sociedade,

extirpando suas simplificaes, possvel quando se compreende o espao

geogrfico no como sinnimo de territrio, mas como territrio usado, e este tanto

o resultado do processo histrico quanto a base material e social nas novas aes

humanas. (SANTOS et al., 2000, p. 2). Entender o espao geogrfico como

territrio usado trilhar um caminho que possa levar em conta a realidade,

aproximando-se daquela anteriormente expressa por Corra (2006), pois, assim,

sero considerados todos os atores e a totalidade social.

nessa concepo de geografia que a presente proposta de estudo est

pautada, tal como proposto por Santos et al. (2000), Santos e Silveira (2005),

Souza (2003), Ribeiro (2003), Toledo Jr. (2003) e Cataia (2003), dentre outros. um

processo de mo dupla: na medida em que se considera o territrio usado como

espao geogrfico, a prpria realidade apresenta, consequentemente, o objeto de

pesquisa, o tema para a anlise, conforme explica Santos et al. (2000, p. 3).

Expor aqui a concepo deste estudo sobre espao geogrfico

determinante para o referencial terico. Conforme alerta Santos (2000), a correta

conceituao do que seja a geografia e seu objeto de estudo implica a utilizao dos

instrumentos analticos adequados compreenso da realidade. Santos et al. (2000,

p. 1) explicam que: o papel atribudo geografia e a possibilidade de uma

interveno vlida dos gegrafos no processo de transformao da sociedade so

interdependentes e decorrem da maneira como conceituamos a disciplina e seu

objeto.

Uma primeira coisa distinguir que territrio e territrio usado so conceitos

distintos. Sobre essa distino, Santos (1994, p. 16) explica que, O territrio so

formas, mas o territrio usado so objetos e aes, sinnimo de espao humano,

espao habitado. Portanto, essa categoria que permite alcanar a totalidade nos

estudos geogrficos, pois o territrio usado o espao de todos, aquele espao

banal proposto por Franois Perroux, apud Santos (2003). o espao onde se

30

encontram todos os agentes, propiciando uma aproximao do pesquisador com

complexa realidade, vista em seu processo. Para Santos (2000, p. 12): O territrio

usado, visto como uma totalidade, um campo privilegiado para a anlise, na

medida em que, de um lado, nos revela a estrutura global da sociedade e, de outro

lado, a prpria complexidade do seu uso.

Conforme aponta Ribeiro (2003), essa proposta busca a superao terica e

poltica de anlises do territrio que se restringiram a reconhecer os seus usos, sem

articul-los prxis. Agindo assim, a proposta de anlise ressalta o carter poltico

que h no espao geogrfico.

A categoria territrio usado , portanto, sinnimo de espao geogrfico,

conjugando tanto a materialidade, incluindo tanto a natureza e os sistemas de

engenharia quanto a ao humana. A relao entre materialidade e ao humana

um privilgio metodolgico da geografia, o que abre uma possibilidade de

compreender empiricamente a realidade. Nessa conceituao, o trabalho e a poltica

esto presentes, pois eles so ao e materialidade, o que demonstra a nfase nas

prticas sociais nessa proposta analtica. Sobre essa mediao territorial, Ribeiro

(2003) esclarece:

O territrio usado, na perspectiva da dialtica criadora entre sistema tcnico e sistema de ao, constitui, na obra de Milton Santos, uma configurao espessa de mediaes (materiais e imateriais) que concretiza o agir poltico. O territrio usado e praticado. (RIBEIRO, 2003, p. 37).

A autora acredita que a revalorizao analtica do territrio, na obra de Milton

Santos, est relacionada com a mediao do territrio entre a teoria crtica do

espao e a ao poltica. Para Ribeiro (2003), essa mediao do territrio constitui

uma ponte que teria uma dupla face. Na primeira, com nfase no poder, o territrio

entendido como fato e condio, que manifesta e condiciona o exerccio do poder.

A outra face enfatiza a problemtica em torno da ao, a valorizao da dialtica

entre sistema tcnico e sistema de ao. Seria um trabalho de uma renovada

conceituao do territrio. Nessa perspectiva, a questo que interessa geografia

o uso do territrio. Sendo assim, Santos e Silveira (2005) deixam claro que:

31

A partir desse ponto de vista, quando quisermos definir qualquer pedao do territrio, deveremos levar em conta a interdependncia e a inseparabilidade entre a materialidade, que inclui a natureza, e o seu uso, que inclui a ao humana, isto o trabalho e a poltica. (SANTOS; SILVEIRA, 2005, p. 247).

Isso significa dizer que o espao geogrfico um conjunto indissocivel,

solidrio e tambm contraditrio, de sistemas de objetos e sistemas de aes, no

considerados isoladamente, mas como o quadro nico no qual a histria se d.

(SANTOS, 2006, p. 63). Essa definio do objeto da geografia evidencia uma

profunda relao entre materialidade e ao humana, alm do seu sentido

propositivo para os estudos espaciais, j que

na discusso sobre o objeto da geografia, sobre o espao geogrfico, esse sistema indissocivel de objeto e aes, colocado como sinnimo de territrio usado ou espao banal, que reside a maior e mais revolucionria contribuio da obra de Milton Santos. (SOUZA, 2003, p. 17).

Santos e Silveira (2005, p. 11) vo afirmar que a tentativa de

operacionalizar geograficamente a ideia de sistemas tcnicos, entendidos como

objetos e tambm como formas de fazer e de regular. Sendo o espao geogrfico

formado por sistema de objetos e sistema de aes, como tais sistemas se

organizam e esto distribudos em Formosa do Rio Preto? Essa pergunta ajuda a

refletir sobre o caminho trilhado e, consequentemente, os conceitos adotados. A

resposta passa pelas dinmicas funcionais e pela contiguidade do territrio. Ou seja,

o espao geogrfico formado e organizado sobre dois recortes, conforme orienta

Santos (2006):

De um lado, h extenses formadas de pontos que se agregam sem descontinuidade, como na definio tradicional de regio. So as horizontalidades. De outro lado, h pontos no espao que, separados uns dos outros, asseguram o funcionamento global da sociedade e da economia. So as verticalidades. O espao se compe de uns e de outros desses recortes, inseparavelmente. a partir dessas novas subdivises que devemos pensar novas categorias analticas. (SANTOS, 2006, p. 284).

32

Ainda sobre verticalidades e horizontalidades, Santos (2006) afirma que:

As verticalidades so vetores de uma racionalidade superior e do discurso pragmtico dos setores hegemnicos, criando um cotidiano obediente e disciplinado. As horizontalidades so tanto o lugar da finalidade imposta de fora, de longe e de cima, quando o da contrafinalidade, localmente gerada. Elas so o teatro de um cotidiano conforme, mas no obrigatoriamente conformista e, simultaneamente, o lugar da cegueira e da descoberta, da complacncia e da revolta. (SANTOS, 2006, p. 286).

As verticalidades estariam ligadas aos fluxos hegemnicos. Elas tm o

territrio como recurso e, por isso, organiza-o em rede11. Consequentemente, o

espao assim entendido organizado sem contiguidade, ou por pontos distantes

uns dos outros, interligados por ordens e normas. Por esse motivo, o espao tem

uma solidariedade organizacional. Essa forma de organizao uma caracterstica

cada vez mais presente nos cimentos que formam e reformam as regies, a exemplo

dos arranjos organizacionais12. Nessa solidariedade, as grandes firmas so os

agentes hegemnicos do perodo atual e um dos maiores responsveis pela

organizao dos territrios.

Mas o espao tambm continuidade e, por isso, constitui um territrio

comum para todos os agentes que ali esto. o espao banal, o espao de todos,

onde os diversos agentes compartilham aquela localizao, desde as grandes firmas

at as pequenas empresas. O convvio dos diversos agentes faz originar uma

solidariedade orgnica, inerente aquele espao.

Cada um desses recortes tem sua razo de ser. Os fluxos hegemnicos,

representados pelas verticalidades, constantemente perturbam as diferentes

regies, pois so fluxos caracterizados por foras centrfugas13 (SANTOS, 2006). A

modernizao agrcola, baseada em uma agricultura cientfica globalizada

11 Castells (1999) um dos tericos que trabalha com essa noo de rede, noo que Franois Perroux utiliza ao trabalhar espao econmico (ver SANTOS, 2003). 12 Sobre arranjos organizacionais, ver Santos (2008). 13 As foras centrfugas podem ser consideradas um fator de desagregao, quando retiram da regio os elementos do seu prprio comando, a ser buscado fora e longe dali. Pode-se falar numa desestruturao, se nos colocamos em relao ao passado, isto , ao equilbrio anterior. E de uma restruturao, se vemos a coisa do ponto de vista do processo que se est dando. (SANTOS, 2006, p. 287).

33

(SANTOS, 2003; ELIAS, 2006b), foi o processo responsvel por levar foras

centrfugas aos cerrados baianos e, por isso, retirar do comando de Formosa do Rio

Preto o destino de parte do espao agrcola municipal. O resultado que as

verticalidades, ao atravessarem as horizontalidades, produzem fragmentao, como

no exemplo que vem do municpio de Formosa do Rio Preto. A solidariedade

orgnica, caracterstica do espao local, agora fortemente substituda por uma

organizao em rede, de origem distante e que beneficia grandes firmas. Muda a

sociedade, muda o territrio.

Verticalidades e horizontalidades abrem o vis analtico para o entendimento

e a construo dos conceitos trabalhados neste estudo: meio tcnico-cientfico-

informacional, agricultura cientfica globalizada, diviso territorial do trabalho, cidade

do agronegcio e arranjos organizacionais.

Ribeiro (2003, p. 34) destaca que, nos pensamentos de Gramsci e Santos, o

conhecimento das dimenses horizontal e vertical indispensvel ao

desvendamento das estratgias dos atores dominantes e tambm para a

emergncia do local/lugar como contexto privilegiado da resistncia sociocultural. O

estudo das horizontalidades e verticalidades possibilita a compreenso da totalidade

da atuao dos diversos agentes. Continuando, Ribeiro (2003) diz:

A dimenso horizontal corresponde s atividades e aes que possibilitam a estruturao da vida social [...] na verticalidade acontecem tanto o impedimento da ao inovadora e criadora da verdadeira prxis, quanto a reafirmao da dimenso territorial da alienao. (RIBEIRO, 2003, p. 35).

Verticalidades e horizontalidades so recortes capazes de orientar a anlise

do espao geogrfico no perodo tcnico-cientfico-informacional. A agricultura

orientada pelo processo de globalizao acentua as desigualdades e imprime

fragmentaes sobre o territrio. Tendo em vista essa problemtica, a obra de Milton

Santos torna-se central para este estudo. Sobretudo por aquilo que ela representa.

Neste sentido Geiger (2002, p. 241) escreve que o tema globalizao e

fragmentao, no Brasil, ... vem sendo bastante estudado por Milton Santos, no

geral e, por exemplo, nas relaes com o urbano brasileiro (M. Santos, 1991).

34

O processo de globalizao da economia, caracterstico do sculo XX,

reconhecido por inmeros tericos, a exemplo de Harvey (2009), Castells (1991),

Benko (2002), Santos B. (2003) e Santos (2003). Esses autores advertem tambm

sobre os equvocos que rondam o uso do termo. Benko (2002), por sua vez, fala do

modismo que paira sobre o termo. Alguns tericos, como Boaventura de Sousa

Santos (2003, p. 289), ressaltam que, mesmo admitindo que existe uma economia-

mundo desde o sculo XVI, inegvel que os processos de globalizao se

intensificaram enormemente nas ltimas dcadas (a obra do autor de meados da

dcada de 1990). Harvey (2009) se posiciona igualmente a Boaventura de Sousa

Santos (2003) e chama esse processo de globalizao contempornea, que se

distingue daquele do sculo XVI.

A contribuio de Santos (2003 e 2008)14 uma das mais enriquecedoras no

entendimento do processo de globalizao. Para Santos (2008, p. 4), ... a

globalizao constitui o estgio supremo da internacionalizao, a amplificao em

sistema-mundo de todos os lugares e de todos os indivduos, embora em graus

diversos.

Justificando a existncia da globalizao da economia, Boaventura de Sousa

Santos (2003) cita que, entre 1945 e 1973, a economia mundial teve uma enorme

expanso e, mesmo com uma queda a partir dessa data, a economia mundial

cresceu mais do ps-guerra at hoje do que em toda a histria mundial anterior

(KENNEDY, 1993, p. 448 apud SANTOS B., 2003, p. 289). Nessa mesma obra, o

autor segue sua anlise e define quatro traos da globalizao da economia nas

ltimas duas dcadas: (1) deslocao da produo mundial para a sia,

consolidando-a como uma das grandes regies do sistema mundial; (2) primazia

total das empresas multinacionais como agentes do mercado global; (3) eroso da

eficcia do Estado na gesto macroeconmica; e (4) avano tecnolgico das ltimas

dcadas, quer na agricultura com a biotecnologia, quer na indstria com a robtica,

a automao e tambm a biotecnologia.

A nova economia mundial que se afirmou no ltimo quartel do sculo XX,

caracterizada como global e informacional, no pode ser considerada planetria, de

acordo Castells (1999, p. 87). Esse autor afirma que:

14 No livro Por uma outra globalizao: do pensamento nico conscincia universal, Santos (2003) faz uma anlise profunda e crtica sobre o processo de globalizao.

35

A economia global no abarca todos os processos econmicos do planeta, no abrange todos os territrios e no inclui todas as atividades das pessoas, embora afete diretamente ou indiretamente a vida de toda a humanidade. Embora seus efeitos alcancem todo o planeta, sua operao e estrutura reais dizem respeito s a segmentos de estruturas econmicas, pases e regies, em propores que variam conforme a posio particular de um pas ou regio na diviso internacional do trabalho (grifo do autor). (CASTELLS, 1999, p. 120).

De forma precisa, o autor demonstra que a economia global segmentada,

produtora de excluso, e acentua as desigualdades sociais e espaciais. Ele destaca

que,

Embora os segmentos predominantes de todas as economias nacionais estejam ligados rede global, segmentos de pases, regies, setores econmicos e sociedades locais esto desconectados dos processos de acumulao e consumo que caracterizam a economia informacional/global [...] Portanto, embora a economia informacional afete o mundo inteiro e, nesse sentido, seja global mesmo, a maior parte das pessoas do planeta no trabalha para a economia informacional/global nem compra seus produtos. Entretanto, todos os processos econmico e sociais relacionam-se lgica da estrutura dominante nessa economia. (CASTELLS, 1999, p. 120).

De forma categrica Geiger (2002, p. 242) afirma que a globalizao implica

fragmentao e assevera que a globalizao, ao promover a espacializao da

economia, atingindo estruturas territoriais tradicionais, na realidade tanto o faz

ampliando as escalas de novas formas de organizao, como pela sua

fragmentao em pequenas unidades (GEIGER, 2002, p. 242).

Com uma anlise semelhante, Souza (2002, p. 25) assevera que os

processos atuais de desenvolvimento das relaes sociais so caracterizados pela

globalizao e pela fragmentao. A autora considera essencial o espao

geogrfico para a compreenso do atual perodo histrico e, sendo o territrio uma

das dimenses singulares, ele constitui a base operacional, histrica e

geograficamente falando, do processo de globalizao e fragmentao. (SOUZA,

2002, p. 22).

Como parte das contradies do capitalismo, o processo de globalizao, por

um lado, fez expandir enormemente a economia mundial, mas, por outro, fez

aumentar as desigualdades que podem se manifestar sob diversas formas. Nesse

36

sentido, os tericos citados anteriormente so unnimes quanto a essa assero.

Em Harvey (2009, p. 88), h o processo de globalizao como um processo de

produo de desenvolvimento temporal e geogrfico desigual. , portanto, algo

inerente produo de desigualdade nessa forma contempornea da globalizao.

Boaventura de Sousa Santos (2003, p. 292) explicita a existncia de desigualdades

entre pases: todos estes traos da globalizao da economia ajudam a

compreender as razes do porqu nas ltimas dcadas as desigualdades entre o

Norte e o Sul aumentaram significativamente.

Na volpia por maior competitividade, mais infraestrutura e maior fluidez,

criam-se incompatibilidades entre os diversos agentes e territrios. Isso pela

distribuio desigual da tcnica que separa e distingue os espaos. Nesse processo

de compartimentao, os fluxos verticais sobressaem sobre a extenso horizontal. O

resultado dessa compartimentao a fragmentao, pois as fraes comandados

pelo nexo vertical se alinham com normas distantes e alheias solidariedade

orgnica do seu entrono. Santos (2003, p. 81) explica que a compartimentao

atual distingue-se daquela do passado e frequentemente se d como fragmentao.

O autor completa afirmando que:

Os territrios tendem a uma compartimentao generalizada, onde se associam e se chocam o movimento geral da sociedade planetria e o movimento particular de cada frao, regional ou local, da sociedade nacional. Esses movimentos so paralelos a um processo de fragmentao que rouba s coletividades o comando do seu destino, enquanto os novos atores tambm no dispem de instrumentos de regulao que interessem sociedade em seu conjunto. A agricultura moderna, cientificizada e mundializada, tal como a assistimos se desenvolver em pases como o Brasil, constitui um exemplo dessa tendncia e um dado essencial ao entendimento do que no pas constituem a compartimentao e a fragmentao atuais do territrio. (SANTOS, 2003, p. 80).

Portanto, a produo da fragmentao fica evidente, j que os fragmentos

criados so comandados por lgicas exgenas a seu entorno, sendo que tais lgicas

causam desordem nesses lugares para criar ordens segundo seus prprios

interesses. Ou seja,

37

A fragmentao revela um cotidiano em que h parmetros exgenos, sem referncia ao meio. A assimetria na evoluo das diversas partes e a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de regulao, tanto interna quanto externa, constituem uma caracterstica marcante. (SANTOS, 2003, p. 81).

Fragmentao e alienao do territrio acabam como participantes desse

mesmo processo. Ademais,

Os fragmentos resultantes desse processo articulam-se externamente segundo lgicas duplamente estranhas: por sua sede distante, longnqua quanto ao espao da ao, e pela sua inconformidade com o sentido preexistente da vida na rea em que se instala. Desse modo, produz-se uma verdadeira alienao territorial qual correspondem outras formas de alienao. (SANTOS, 2003, p. 86).

Globalizao e fragmentao so correlatas. Ao analisar o territrio sobre o

efeito modernizador, Pereira (2006) chega a concluses semelhantes,

No atual perodo histrico, os territrios se apresentam de uma forma integrada, prpria do processo de globalizao vigente, o que indica uma complementaridade e interdependncia funcional dos lugares, sobretudo no que tange s estratgias de mercado e mesmo da organizao do territrio para seu funcionamento. Ao mesmo tempo, o territrio tambm possui um carter fragmentrio, visto que o espao geogrfico apresenta diferentes densidades materiais, de uso e valores tambm distintos. assim que os lugares se diferenciam, segundo suas lgicas de funcionamento e suas diferentes inseres no processo de uso econmico do territrio. (PEREIRA, 2006, p. 63).

Contribuindo para elucidar essa questo, Souza (2002, p. 21) explica que: os

processos de globalizao e fragmentao implicam territrios diversos que se

constituem, especialmente [...] em geografias da desigualdade. Assim, neste

estudo, o uso que se far da fragmentao remete ao debate em voga. Ao fazer

essa delimitao, evita-se incorrer nos erros apontados por Castro (2013)15. Essa

autora (CASTRO. 2013, p. 34) explica que, diferentemente das formas de diviso do

territrio ou da sociedade, a fragmentao um problema at recentemente pouco

tratado em profundidade pela geografia. Ela assegura diviso e fragmentao no

15 Castro (2013) chama a ateno para no se confundir fragmentao com diviso.

38

podem ser entendidas como a mesma coisa, pois elas no tm o mesmo sentido.

Castro aponta que:

... diviso pode ser considerada um fenmeno que consiste em ato voluntrio para organizar as partes de um todo; a fragmentao, pelo contrrio, se d como resultado de alguma forma de impacto no esperado, da o sentido de reduzir a fragmentos, quebrar-se, ou seja, a fragmentao de modo geral, desarticula e desorganiza. (CASTRO, 2013, p. 43).

As consideraes expostas at aqui do conta de nossa compreenso sobre

o que o espao geogrfico, territrio usado, e do que ele se constitui,

verticalidades e horizontalidades.

Em seguida a essas reflexes, deu-se continuidade ao que foi posto na

introduo sobre os processos de globalizao e fragmentao. Foi na relao entre

estas reflexes tericas e a questo da pesquisa que foram incorporados os demais

conceitos trabalhados neste estudo, conforme ser explicado nos prximos

pargrafos deste item.

Na perspectiva deste estudo, preciso considerar que a expresso

geogrfica do processo de globalizao o meio tcnico-cientfico-informacional,

assim definido por Santos:

o meio geogrfico do perodo atual, onde os objetos mais proeminentes so elaborados a partir dos mandamentos da cincia e se servem de uma tcnica informacional da qual lhes vem o alto coeficiente de intencionalidade com que servem s diversas modalidades e s diversas etapas da produo. (SANTOS, 2006, p. 234-235).

Conforme j foi apontado anteriormente, esse meio tcnico-cientfico-

informacional se faz presente nos cerrados baianos atravs da agricultura cientfica

globalizada (SANTOS, 2003). Por um lado, formam-se, nesses espaos, arranjos

territoriais produtivos (ELIAS, 2006), e a demanda do campo moderno origina

cidades do campo (SANTOS, 2003) ou cidades do agronegcio (ELIAS, 2006). Por

outro lado, no caso de Formosa do Rio Preto, imprime uma fragmentao,

provocada por tais arranjos produtivos.

39

Sero fontes de inspirao e de proposies terico-metodolgicas a serem

seguidas os trabalhos de Elias (2003, 2003b, 2006b) e Corra (2006). A autora foi

uma das precursoras ao trabalhar o campo brasileiro na perspectiva da formao de

um meio tcnico-cientfico-informacional elaborado por Santos (2006) e uma

consequente fragmentao do espao agrcola. J Corra (2006), ao estudar os

pequenos centros urbanos, deixa um legado propositivo sobre trabalhos nesses

espaos, sobretudo na sua relao com o processo de globalizao. Para Corra

(2006, p. 256), a globalizao impacta vigorosamente as esferas econmica, social,

poltica e cultural, mas tambm, e simultaneamente, a organizao espacial que

tanto reflete como condiciona aquelas esferas. Para o autor, a globalizao teria

dois efeitos sobre os pequenos centros urbanos16: um seria a criao de novos

centros urbanos, e o outro seria a refuncionalizao de centros urbanos existentes.

No primeiro caso, Lus Eduardo Magalhes um exemplo. J o outro efeito pode ser

testado em Formosa do Rio Preto. Na adoo dessa proposta de estudo,

considerou-se a diviso territorial do trabalho e os circuitos espaciais produtivos

(SANTOS e SILVEIRA, 2005), (CORRA, 2006), (ELIAS, 2006b).

A partir dessa base terico-metodolgica, esperamos alcanar os objetivos

delineados e avanar na investigao da fragmentao no Oeste baiano e,

particularmente, em Formosa do Rio Preto.

1.3 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS

As inmeras transformaes ocorridas no Oeste da Bahia, proporcionadas

pela introduo de uma agricultura moderna e a formao de um meio tcnico-

cientfico-informacional em parte do espao agrcola, foi o estmulo inicial que levou

ao desenvolvimento desta pesquisa. A proposta inicial era uma anlise sobre a

regio Oeste da Bahia. No entanto, no incio da pesquisa e logo na primeira viagem

a campo, a proposta muda para um estudo focado no municpio de Formosa do Rio

Preto. As especificidades locais, somadas ao contraditrio avano ocorrido pela

agricultura cientfica globalizada em seus chapades, foram decisivos para

reformulaes na proposta inicial.

16 Centros urbanos abaixo de 20 mil habitantes, que o caso de Formosa do Rio Preto, que, no censo de 2010 do IBGE, tinha 13.647 habitantes, cerca de 60,6% da populao do municpio.

40

A referncia temporal deste estudo abrange do final da dcada 1970 e incio

de 1980 at o ano de 2013, correspondendo ao perodo de difuso e afirmao do

meio tcnico-cientfico-informacional nos cerrados baianos, ou melhor, o surgimento

e a hegemonia de uma agricultura cientfica globalizada no espao agrcola do

municpio de Formosa do Rio Preto.

Num primeiro momento, os trabalhos se concentraram na obteno e estudos

de dados secundrios. Ou seja, voltaram-se para a realizao da reviso

bibliogrfica sobre o tema proposto, dos estudos sobre a base terica adotada

(conceitos, categorias etc) e da consulta e coleta de dados diversos para subsidiar a

pesquisa. Dentre a bibliografia consultada e analisada, destacam-se livros,

dissertaes, teses e artigos cientficos. Muitas outras informaes, coletadas em

fontes de diversos setores, entidades e vnculos, foram coletadas e analisadas:

jornais e publicaes impressas, anurios, relatrios, publicaes em sites, jornais

eletrnicos referentes a entidades setoriais, empresas e entes pblicos e privados.

Dentre esses agentes, podem ser citados rgos como IBGE, INCRA, SEI e

secretarias do estado da Bahia e do municpio pesquisado, alm de publicaes de

entidades como a Associao dos Agricultores e Irrigantes da Bahia (AIBA). A

consulta a essas fontes e a anlise das informaes nelas obtidas eram

constantemente debatidas e seus resultados apresentados em disciplinas,

atividades e artigos no mbito do programa de Ps-Graduao em Geografia da

Universidade Federal da Bahia e em eventos diversos.

Esse primeiro momento contribuiu decisivamente para a qualificao do

projeto de pesquisa, a obteno de dados diversos, a formao da base terica e a

adoo e construo da metodologia necessria para o trabalho de campo.

O passo seguinte da pesquisa foi a obteno direta dos dados. O primeiro

trabalho de campo no Oeste da Bahia ocorreu em 2012, e foi tratado como um

reconhecimento da rea de estudo. Tal opo se mostrou positiva, por clarear as

decises, confrontar os dados j obtidos e as percepes adquiridas, alm de

instigar mudanas. At a concluso da dissertao, seguiram-se mais oito viagens

ao campo, totalizando nove (trs em 2012, cinco em 2013 e uma em 2014). O

trabalho de campo teve uma proposta baseada em observaes empricas;

conversas com moradores, empresrios, polticos e trabalhadores da regio; busca

41

por materiais diversos; participao em atividades, seminrios e eventos17 diversos

que abordassem o objeto de estudo; e, sobretudo, a aplicao de entrevistas

qualitativas com grupos estrategicamente escolhidos, conforme prope Gaskell

(2010). O primeiro momento foi de fundamental importncia, pois, com base nele,

nas caractersticas fsicas e sociais do municpio e no objeto de estudo, optou-se

pela priorizao de entrevistas qualitativas individuais.

Neste sentido e refletindo sobre os trabalhos j realizados, foram construdos

os tpicos-guia ou roteiros para as pesquisas. Foram tpicos-guia diferentes,

segundo o pblico-alvo, e de carter semiestruturado. Para cada grupo especfico,

um determinado roteiro era elaborado. No mbito do espao agrcola, foram

montados, basicamente, dois tpicos-guia semiestruturados. Um direcionado para

agricultores e moradores do contexto da agricultura cientfica globalizada, e outro

para agricultores e moradores em espaos da agricultura tradicional. Esses tpicos-

guia tinham diversas questes em comum, pois o intuito era empreender uma

anlise comparativa para certos aspectos. Mas tambm havia questes distintas,

para possibilitar aprofundar questes especficas de cada grupo.

Na agricultura moderna, foram realizadas vinte e sete entrevistas com

agricultores e moradores; para agricultura tradicional, chegou-se a vinte e quatro

entrevistados (quatorze de em comunidades geraizeiras18). Outras entrevistas foram

realizadas com pblico distinto, formado por: gestores pblicos, funcionrios de

rgos pblicos, empresrios, diretores e funcionrios de entidades e empresas

privadas, dentre outros. Para esse grupo, o roteiro era especfico. Em anexo,

encontram-se os tpicos-guia.

Sendo uma pesquisa qualitativa, aberta as novas descobertas e aos

equvocos cometidos, os roteiros eram passveis de alteraes ao longo da

pesquisa. O propsito do tpico-guia aquele explicado por Gaskell (2010, p. 66):

em sua essncia, ele planejado para dar conta dos fins e objetivos da pesquisa.

17 Dentre os eventos assistidos na regio, durante a realizao deste estudo, merecem destaque os trabalhos realizados nas duas ltimas edies da Bahia Fram Show (2012 e 2013), realizadas em Lus Eduardo Magalhes.

18 Comunidades tradicionais que habitam a regio dos gerais do rio Preto. Elas sero analisadas ao longo da dissertao.

42

As entrevistas mostraram-se de alta relevncia para este estudo. O carter

qualitativo possibilitou o aprofundamento da conversa com os entrevistados,

enriquecendo o trabalho, e seu nmero foi satisfatrio para a pesquisa. No

demorou muito e houve saturao das respostas em cada grupo entrevistado,

dispensando novas conversas. Ou seja, as entrevistas realizadas foram suficientes

para indicar as dinmicas sobre o municpio de Formosa do Rio Preto e os caminhos

que a pesquisa deveria percorrer (conforme esto articuladas as ideias deste

estudo, a seguir). Alcanaram, assim, o proposto defendido por Gaskell (2010, p.

70): em sntese, o objetivo da pesquisa qualitativa apresentar uma amostra do

espectro dos pontos de vista.

Nas entrevistas, tentava-se sempre estimular o entrevistado a discorrer sobre

questes relevantes do objeto de estudo, estimulando o aprofundamento das

questes ou relacion-las com outras variveis pertinentes aos assuntos abordados.

Foram justamente as perguntas o mecanismo a guiar as entrevistas, evitando

devaneios que em nada pudessem contribuir para o trabalho. Certamente as

inmeras entrevistas realizadas constituram os momentos mais prazerosos e ricos

deste trabalho, pois nortearam decisivamente o caminho trilhado. Foram elas as

responsveis pelas descobertas mais esclarecedoras e as mudanas que

aprimoraram o entendimento da realidade. Importante destacar que as respostas,

as reflexes e todo o conjunto de questionamentos dos entrevistados eram

analisados diante do arcabouo terico delineado, resultando num caminho

compassado de relao entre teoria e prtica.

No entanto, o alcance do nmero de entrevistados foi uma rdua tarefa. Em

primeiro lugar, as condies topogrficas do municpio, em especial nas regies de

cerrado, dificultam e, muitas vezes, impossibilitam a chegada no destino, um

aspecto comum na maior parte do municpio. Saindo da cidade de Formosa do Rio

Preto para chegar at as comunidades geraizeiras, ou na maior parte dos

chapades, onde esto o plantio da agricultura moderna, somente com camionetes,

pick-up 4x4 ou caminhes. Houve necessidade, em certos momentos, de ir para o

estado do Tocantins e retornar para determinadas reas do municpio de Formosa

do Rio Preto, como no caso da regio de Panambi, uma viagem de centenas de

quilmetros.

43

A desconfiana de alguns entrevistados para conversar sobre certos assuntos

e mesmo mesmo a negativa de autorizar gravaes foram frequentes. Tal atitude

compreensvel, frente aos srios problemas de disputas de vastas pores de terras

na regio, com capangas monitorando a entrada e a sada de pessoas nesses

locais. Assim, o trabalho foi rduo no maior municpio em rea do estado da Bahia.

E tambm o mais distante da capital baiana, superando os 1.000 km. Ainda assim,

foram nove viagens realizadas para os cerrados baianos.

44

2. AGRICULTURA CIENTFICA GLOBALIZADA NO ESPAO-TEMPO: DO

ESPAO NACIONAL A FORMOSA DO RIO PRETO

2.1 A DIMENSO TEMPORAL E O ESPAO GEOGRFICO

A dimenso temporal de grande relevncia para os estudos do espao

geogrfico. Como lembra Santos (2008), a periodizao da histria definida

segundo uma organizao e uma evoluo coerente de uma varivel ou um conjunto

de variveis. J o espao o resultado da geografizao de um conjunto de

variveis, de sua interao localizada, e no dos efeitos de uma varivel isolada

(SANTOS, 2008, p. 37). Como assinala esse autor, uma anlise de sistemas que

considere a dimenso temporal no estudo da estrutura espacial, por si s,

suficiente como objeto de estudo. Essa a razo pela qual se devem adotar as

estruturas espaciotemporais.

No trabalho Globalizao e Agricultura, ao analisar a Regio de Ribeiro

Preto, Elias (2003) utiliza com propriedade a obra de Milton Santos como seu

principal referencial terico. A autora cita que, em Espao e Mtodo (2008) e O

Espao Dividido (1979 p. 23-27), o autor chama a ateno para o fato de que

devemos considerar as modernizaes como o nico modo de levar em conta as

implicaes temporais da organizao do espao, especialmente no Terceiro

Mundo (ELIAS, 2003, p. 35-36).

Citando Hagerstand (1967), Santos (2008) afirma que evidente a

importncia da dimenso temporal na considerao analtica do espao. Acrescenta

o autor, agora embasado em P. Gould (1969, p. 20) e P. Hagett (1970, p. 56), que o

estudo concreto da difuso de inovaes como um processo espacial do maior

interesse para os pases subdesenvolvidos (SANTOS, 2008, p. 35). Santos (2008)

demonstra ainda que as modernizaes e inovaes aconteceram de maneira

diferente entre os pases desenvolvidos e os pases subdesenvolvidos. Nos

primeiros, as inovaes j vm ocorrendo h mais tempo e so relativamente mais

homogneas nos seus espaos. J nos pases subdesenvolvidos, a modernizao

mais recente e mais seletiva quanto ao espao, j que poucos foram os espaos

privilegiados com as inovaes, o que torna os espaos subdesenvolvidos mais

desiguais.

45

Elias (2003) destaca que o referido autor compreende a modernizao do

espao como unio econmica, poltica e social ao mundo moderno, que passou

por vrias modernizaes: 5 perodos e 3 grandes revolues19. Atestando um

aprimoramento em seus conceitos ao longo de sua trajetria cientfica, Santos

(2006) prope, em A Natureza do Espao (2006), uma periodizao em trs distintos

perodos: 1. Perodo natural; 2. Perodo tcnico; e 3. Perodo tcnico-cientfico-

informacional.

Cada perodo tem uma manifestao geogrfica prpria, uma consequncia

espacial. No decorrer deste captulo ser apresentada uma breve distino dos

meios geogrficos ao longo do tempo nos cerrados baianos, especialmente no

municpio de Formosa do Rio Preto.

O atual perodo, o tcnico-cientfico-informacional, chamado por diversos

autores de tcnico-cientfico20, descortinado por uma profunda revoluo

tecnolgica que atinge e transforma todas as esferas da sociedade, dando outra

feio ao territrio. Nenhum lugar escapa voracidade desse novo perodo, mas as

mudanas variam conforme os recortes verticais e horizontais de cada espao. O

processo de internacionalizao da economia, iniciado pelos europeus em fins do

sculo XV, ganha agora, a partir da segunda metade do sculo XX, conotaes mais

abrangentes e profundas, atingindo, de fato, uma mundializao da economia.

Essa nova etapa da humanidade, iniciada aps a 2 Guerra Mundial, firma-se

a partir da dcada de 1970, recebendo a denominao de globalizao. Enquanto

outrora se tratava de mera internacionalizao, hoje podemos falar de um processo

mundial de produo e de tudo o mais que lhe d sustentao assegura Elias

(2003, p. 36). A mundializao afeta no s a produo em si, mas a distribuio, a

comercializao e o consumo; o prprio espao, a cultura e a poltica tm a

globalizao como um novo paradigma.

Todos os pases so testemunhas sociais e espaciais desse novo perodo,

tendo cada um sua forma prpria de insero nesse novo mundo. Pases como o

19 Santos parte do princpio de que o mundo se modernizou vrias vezes e apresenta cinco perodos: 1. O perodo do comrcio em grande escala (a partir dos fins do sculo XV at mais ou menos 1620); 2. O perodo manufatureiro (1620-1750); 3. O perodo da Revoluo Industrial (1750-1870); 4. O perodo industrial (1870-1945); 5. O perodo tecnolgico. Tais perodos so marcados por trs grandes revolues: a revoluo dos transportes martimos; a revoluo industrial (antes de 1870) e seus suportes (depois de 1870); e a revoluo tecnolgica, correspondentes, respectivamente, a uma modernizao comercial, uma modernizao industrial e a uma modernizao tecnolgica (ELIAS, 2003 p. 36). 20 Por exemplo, Corra (2008) e Harvey (2009).

46

Brasil, cuja abertura globalizao aconteceu de forma subordinada aos fluxos

transnacionais e de uma forma neoliberal nas ltimas dcadas, tornaram seus

espaos nacionais reflexos de uma economia globalizada.

O meio tcnico-cientfico-informacional , portanto, a expresso geogrfica da

globalizao (SANTOS, 2006). Procura-se, com esse conceito, uma explicao

geogrfica da realidade, com a convico de que a geografia constitui-se como

cincia capaz dessa compreenso. Nessa proposta de periodizao, o fenmeno

tcnico constitui elemento essencial, sendo responsvel pela prpria modernizao

do espao geogrfico. Essa nova artificialidade espacial uma vez incorporada ao

territrio, torna-se parte da configurao territorial. Completada a incorporao, elas

(as artificialidades) se naturalizam, pois passam a ser parte constituinte do espao

geogrfico.

Sendo objetos artificiais (fruto do trabalho humano), fica ntido que a tcnica

sempre foi um dado importante para a humanidade. Veja-se, por exemplo, a

importncia das ferramentas mais elementares criadas pelo homem para extrair da

natureza aquilo que estava ao seu alcance desde os tempos mais remotos.

Entretanto, somente a partir da segunda metade do sculo XX o fenmeno tcnico

assume novo papel com a revoluo tecnolgica.

apenas no atual perodo que se verifica a interdependncia da cincia e da

tcnica em todos os aspectos da vida social, situao que se verifica em todas as

partes do mundo e em todos os pases, num movimento incessante de acumulao

capitalista, afirma Elias (2003, p. 37). A autora acrescenta, ainda, que o espao

geogrfico se faz atualmente num processo crescente de acumulao de tcnica, de

cincia e de informao, o que justifica o fato de esse mesmo espao geogrfico ser

denominado de meio tcnico-cientfico-informacional, resultado espacial do processo

de globalizao.

Oportuno salientar, primeiramente, que a abordagem miltoniana21 concebe

a tcnica como fenmeno, ou seja, o conjunto das tcnicas chamado de famlia

pelo autor. Em segundo lugar, no h, na proposio dessa corrente de

pensamento, um estudo da tcnica pela tcnica, muito menos uma compreenso da

tcnica como finalidade, mas como ponto de partida. Assim, a tcnica defendida

21 Corrente na cincia Geogrfica que utiliza o pensamento de Milton Santos como referencial terico.

47

como componente essencial para a epistemologia do espao, mesmo que esteja

longe de ser uma explicao da histria (Elias, 2003).

A energia principal, com a revoluo tecnolgica, a informao. Desde

escalas globais, passando pelas nacionais e regionais, at chegar-se ao local, a

busca pela informao corresponde principal finalidade do perodo atual. Cabe

ponderar que no se trata de qualquer informao. Estamos nos referindo

informao que possibilita a tomada de decises que impactam no modo de

produo como tambm no modo de vida das populaes. Nesse sentido, o territrio

constitui-se num dado fundamental para o perodo atual, na medida que nele so

adicionados objetos a servio da informao, captando-a, processando-a e emitindo-

a.