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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ FERNANDA VIEIRA SOARES SUBJETIVIDADE, HISTÓRIA DE VIDA E FORMAÇÃO DOCENTE: SENTIDOS DO SER PROFESSOR FORTALEZA CEARÁ 2010

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR

FERNANDA VIEIRA SOARES

SUBJETIVIDADE, HISTRIA DE VIDA E FORMAO DOCENTE: SENTIDOS DO SER PROFESSOR

FORTALEZA CEAR 2010

2

FERNANDA VIEIRA SOARES

SUBJETIVIDADE, HISTRIA DE VIDA E FORMAO DOCENTE: Sentidos do Ser Professor

Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado Acadmico em Educao do Centro de Educao da Universidade Estadual do Cear, como requisito parcial para a obteno do grau Mestre em Educao Orientador(a): Prof. Dr. Ana Ignez Belm Lima Nunes

FORTALEZA CEAR

2010

3

S676s Soares, Fernanda Vieira Subjetividade, histria de vida e formao

docente: sentidos do ser professor / Fernanda Vieira Soares. Fortaleza, 2010.

217 p. : il. Orientadora: Prof. Dr. Ana Ignez Belm

Lima Nunes. Dissertao (Mestrado Acadmico em

Educao) Universidade Estadual do Cear, Centro de Educao

1. Subjetividade Docente. 2. Histria de Vida. 3. Formao de Professores.. I. Universidade Estadual do Cear.

CDD: 370.1

4

FERNANDA VIEIRA SOARES

SUBJETIVIDADE, HISTRIA DE VIDA E FORMAO DOCENTE: Sentidos do Ser Professor

Dissertao apresentada ao Mestrado Acadmico em Educao do Centro de Educao da Universidade Estadual do Cear, como requisito parcial para a obteno do grau mestre em Educao.

Aprovada em: ____/____/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________ Prof. Dr. Ana Ignez Belm Lima Nunes (Orientadora)

Universidade Estadual do Cear UECE

________________________________________________ Prof. Dra. Ruth Maria de Paula Gonalves Universidade Estadual do Cear UECE

________________________________________________ Prof. Dr. Osterne Nonato Maia Filho

Universidade Estadual do Cear UECE

________________________________________________ Prof. Dr. Jesus Garcia Pascual

Universidade Federal do Cear UFC

5

RESUMO

Este trabalho pretende discutir a Subjetividade Docente a partir das Histrias

de Vida de professores e sua Formao Profissional. A discusso sobre

Subjetividade est baseada na Psicologia Histrico-Cultural e nos remete aos

conceitos de Subjetividade Social e Personalidade de Gonzlez Rey. Entende a

produo de sentidos pessoais a expresso mxima dessa subjetividade bem

como, a expresso do significado da categoria trabalho, como produo da

humanidade. Nesse sentido, a educao e formao profissionais esto atreladas

a essa discusso na medida em que pela via da educao que os seres

humanos se apropriam dos conhecimentos historicamente produzidos pela

humanidade, geram conscincia de sua realidade pessoal e social. Com a

pesquisa nos aproximamos dos sentidos subjetivos produzidos pelos

professores ao longo de suas histrias e de seu percurso profissional.

Utilizamos-nos do mtodo das Histrias de Vida ou Biografias, realizando

grupos focais e entrevistas individuais. Finalizamos concluindo que a

subjetividade uma instncia necessria Formao de Professores, na busca

por uma educao de qualidade, porque a partir dela que estabelecemos elos

entre nossa existncia ontolgica e as dimenses histricas e culturais da

humanidade.

Palavras-chave: Subjetividade docente. Histrias de vida. Formao de professores.

6

SUMRIO

APRESENTAO ................................................................................................ 7 1 INTRODUO....................................................................................................... 10 1.1 PRIMEIRA RELAES ENTRE SUBJETIVIDADE E DOCNCIA ...................... 10 1.2 A TRAJETRIA DA PESQUISADORA E O ENCONTRO COM PROBLEMA ..... 18 2 CAPTULO 1: CAMINHOS DA PESQUISA ......................................................... 12 2.1 A PESQUISA QUALITATIVA ................................................................................ 24 2.2 A HISTRIA REPRESENTA A VIDA ................................................................... 29 2.3 O PERCURSO METODOLGICO ....................................................................... 35 3 CAPTULO 2 : ... E NOS TORNAMOS QUEM SOMOS ...................................... 45 3.1 PRESSUPOSTOS HISTORICOS A DISCUSSO SOBRE SUBJETIVIDADE..... 45 3.2 PSICOLOGIA HISTRICO-CULTURAL, UM MARCO VYGOTSKYANO ............ 59 3.3 SUBJETIVIDADE SOCIAL E PERSONALIDADE ................................................. 71 4 CAPTULO 3 : ... E NOS TORNAMOS PROFISSIONAIS ................................... 83 4.1 HISTORIA DA FORMAO DE PROFESSORES ............................................... 83 4.2 A FORMAO DE PROFESSORES E A REALIDADE EDUCACIONAL ATUAL 94 4.3 SABERES DOCENTES: DIMENSO PESSOAL E PROFISSIONAL DOS

PROFESORES .................................................................................................... 115

5 CAPTULO 4 : ... E NOS ENCONTRAMOS NA DOCNCIA ............................. 130 5.1 EXPRESSES DA SUBJETIVIDADE SOCIAL: A DOCNCIA ATRAVESSA AS

HISTRIAS DE VIDA ........................................................................................... 131

5.1.1 Os Grupos Focais: dilogos entre professores ............................................... 135 5.2 EXPRESSES DA SUBJETIVIDADE INDIVIDUAL: OS SENTIDOS DO SER

PROFESSOR ...................................................................................................... 143

5.2.1 A Histria de Vida de Maria: .............................................................................. Eu escolhi a Histria pra tentar entender minha prpria Histria ............

143

5.2.2 A Histria de Vida de Pedro: ............................................................................. Se no fosse o vazio, talvez eles no tivessem marcado tanto ................

166

5.2.3 O Cerne da Histria de Joana: ........................................................................... Meu pai a base de toda a educao, a base de toda a famlia ..............

181

5.2.4 Uma Passagem na vida de Joo: ..................................................................... Nem penso que tenho poder em sala de aula, sou igual a eles .................

185

5.2.5 O Momento da Vida de Ester: ........................................................................... Voc comea a se transformar naquilo que voc no .............................

194

6 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................. 200 7 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .................................................................... 208 8 ANEXOS................................................................................................................ 216 8.1 ROTEIRO PRELIMINAR DE ENTREVISTA 8.2 QUADRO 1 SABERES DOCENTES

7

APRESENTAO

O texto que segue, prope uma discusso acerca da constituio subjetiva do

professor. Para isso, se reporta histria de vida e formao desses profissionais..

Entende que a estruturao da subjetividade processual, histrica e social, encerrando

trajetrias, experincias e aprendizagens que identificam os sujeitos no que so, sentem e

no que fazem. Esse o sentido de subjetivo abordado por este trabalho: o que pertinente

sua histria de vida, s suas aprendizagens, aos sentidos e significados desenvolvidos, ao

modo como identifica a si e forma como expressa quem : o que pensa, sente, e como

age.

A formao do professor nos incita a ver a continuidade de um processo de

estruturao pessoal que se inicia nas relaes humanas. Inicia-se quando de nossa

existncia essencialmente interativa e mundana, quando por fim nos tornamos humanos.

Com isso, no restringimos ou localizamos o olhar para uma etapa de vida, mas

para os vrios estgios ou situaes que foram vividos em um contnuo da vida e que,

sendo elaborados e resignificados, constituem o sujeito e do condies, formam motivos

para suas escolhas e decises inclusive, pela formao profissional docente.

Acreditamos que a escolha pela docncia tambm estruturada ao longo das mais

variadas experincias de vida. Por ser assim, especificam-se as histrias e singularizam-se

as vivncias. Por ser assim, falamos de sujeitos e no de indivduos. Falamos da condio

material e real da existncia inerente a todos ns, a partir da qual podemos criar e gerar

sentidos, demarcam o campo especfico do que somos. Abordamos Sujeitos Professores e

relatos que, ao serem rememorados, figuram o contexto de suas experincias e dos

sentidos gerados.

8

A Histria de Vida no delimita somente um mtodo investigativo seno uma

concepo: a de que impossvel formar sem se saber quem so os sujeitos, o que pensam,

que conexes fazem, que idias relembram, o que sentem, a que concluses chegam, ou,

como as informaes e experincias so significados e do sentidos s suas vidas.

impossvel formar sem se saber das trajetrias de vidas, das aprendizagens, dos motivos,

dos interesses, dos fracassos e dos medos. impossvel formar sem trazer tona a subjetiv

idade dos indivduos.

A concepo defendida por ns de que com base na Histria de Vida que a

formao profissional pode realmente ter alcance e se desenvolver. Porque? Porque

quando faz sentido para os sujeitos. quando eles podem relacionar e associar as idias

com a sua vida, mas, tambm, ampliar e criar. Assim, podemos falar (com um certo

cuidado para no gerar confuso ao entendimento) que a formao de professores requer

um olhar para a formao do professor, aquela que vem se dando ao longo da vida.

Essa breve apresentao contm reflexes que so melhor abordadas nos captulos

que se seguem. Assim, na Introduo situamos as primeiras questes que relacionam

subjetividade e docncia; trazemos a trajetria pessoal da pesquisadora e o encontro com o

problema; apontamos as questes norteadoras deste trabalho e apresentamos os objetivos da

pesquisa.

importante salientar que questes pertinentes s problemticas desta pesquisa

permeiam os quatro sub-tpicos da introduo e so apresentadas num contnuo de

associaes nem sempre de ordem cronolgica, mas que, de forma geral, apontam o cenrio

do que desejamos estudar com essa pesquisa. Desse modo, argumentos so enunciados e

depois retomados frente novas conjecturas, tentando fazer com que todo o texto tenha

uma sincronicidade e possa ser compreendido no exatamente em uma ordem temporal,

mas em uma teia de sentidos.

No Captulo 1, que trata dos aspectos metodolgicos da pesquisa, comeamos com

uma explanao sobre a abordagem qualitativa, seguida por uma discusso sobre o mtodo

9

de Histria de Vida. Apresentamos o percurso metodolgico: local e sujeitos da

investigao, tcnica de entrevista para a coleta de dados.

No Captulo 2 realizamos uma discusso sobre a Subjetividade. Iniciamos

apresentando questes histricas para o surgimento da subjetividade e algumas vises

explanativas sobre a temtica, a fim de especificarmos o referencial epistemolgico

discutido por este trabalho. Lanamos uma discusso sobre Psicologia Histrico-Cultural

de Lev Seminuovich Vygotsky e em seguida, discutimos a Teoria da Subjetividade Social e

a Teoria de Personalidade de Fernando Gonzlez Rey.

No Captulo 3 realizamos uma discusso sobre a histria de formao de

professores e sua relao com a realidade educacional. Tambm discutimos a construo de

saberes docentes a partir da histria vida. Para isso destacamos quatro momentos da histria

pessoal dos professores: vivncia familiar e escolar e, formao e exerccio profissionais.

Realizamos ainda um quarto captulo no qual tratamos, inicialmente, de duas

histrias de vida: uma professora de histria e um professor de fsica. Demos tratamentos

diferentes essas duas histrias na medida em que uma enfatizamos uma discusso de base

terica refletindo sobre formao do professor e em outra, evidenciamos a vida e as

aprendizagens para o ser docente enquanto fruto de suas experincias. Como forma de

tratar a Subjetividade Docente, trouxemos um subtpico que discuti essa questo a partir de

falas de outros professores que apresentam um diferencial na medida em que foram

professores que, de forma livre, optaram por trazer momentos especficos de suas vidas:

aqueles cujas experincias marcaram intensamente e significativamente suas histrias de

vida sendo figurais Subjetividade Docente.

10

1. INTRODUO

1.1 Primeiras relaes entre Subjetividade e Docncia:

O foco do presente trabalho Subjetividade Docente: histrias de vida e formao

de professor foi delimitado ao longo das discusses tericas do Mestrado em Educao da

Universidade Estadual do Cear UECE, com rea de concentrao na Formao de

Professor, e, tendo por base, as vivncias da pesquisadora: formao profissional em

Psicologia e atuao na rea educacional.

A perspectiva terica e metodolgica deste trabalho se ancora na Psicologia

Histrico-Cultural a fim de conseguirmos compreender as questes referentes ao processo

de constituio do sujeito1. Neste caso, nos referimos, especificamente, constituio

subjetiva de professores, ou seja, as vivncias e sentidos que fizeram parte de sua trajetria

pessoal e profissional e, que esto constantemente presentes na forma como eles

identificam e significam a si no exerccio da docncia, mas tambm na forma como

entendem a profisso e a funo da ao docente

Queremos buscar os significados que foram se construindo ao longo das

experincias de vida: na famlia; na escola; na formao e exerccio profissionais.

Buscamos identificar quais as marcas, as heranas simblicas e os sentidos que so

tomados como referncias por esses sujeitos no exerccio da docncia e que so inerentes

ao modo de ser dos sujeitos.

Interessa saber ainda como as experincias pessoais e os contextos sociais das

pessoas podem definir um modo de subjetividade particular ou singular que se expressa

como subjetividade docente (CABRUJA, 2002). Por conseguinte, interessa saber, a partir

1 O termo constituio do sujeito utilizado pela abordagem referendada e se apresenta como central na

explicao sobre o que o homem e como este se relaciona com o meio em que vive ou, a partir do modo

como historicamente se constitui. De modo que vimos essa expresso sendo utilzizada em diversas pesquisas

com base na abordagem histrico-cultural (Cunha, 2000; Delari, 2000; Fontana, 1997) da mesma forma, o

vemos em obras que fazem releituras de Vygotsky (Rey, 2002; Molon, 2003; Rego, 1995)

11

de uma condio real e concreta da existncia, como e quais fatores se constituram como

subjetivo, ou seja, passaram a definir o que prprio, singular, caracterstico do professor

Subjetividade Docente.

Falar de subjetividade parece fcil uma vez que temos por conveno ou senso

comum, ser o subjetivo tudo aquilo que diz respeito vivncia privada dos indivduos,

experincias ntimas que ningum mais tem acesso. Entretanto, essa no uma condio

universal da existncia dos homens, no se estrutura de maneira uniforme em todas as

sociedades e tampouco resulta no que entendemos, neste texto, por subjetividade.

O conceito - subjetividade - surge em certa poca histrica e atrelado ao declnio e

ao surgimento de sistemas sociais que visam dar conta da realidade e do homem. A

experincia de sermos sujeitos, capazes de decises, pensamentos, sentimentos e emoes

privados, s se desenvolve e se difunde numa sociedade com determinadas caractersticas

(Figueiredo , 1991). Retomaremos essa discusso ao longo da dissertao.

Partindo da abordagem histrico-cultural, compreendemos sujeito e subjetividade

como conceitos que demarcam um modo especfico de relao entre o indivduo e o social

que paradigmtico na medida em que prope um modo interativo2 de entendimento das

dinmicas singular e universal ou entre subjetividade individual e subjetividade social ou

ainda, entre personalidade e sistema social. Ao demarcarmos os espaos do indivduo e do

social, no temos a inteno de perpetuar o distanciamento interno x externo. O fazemos

para j anunciar um modo particular de entendimento da relao indivduo e sociedade para

a constituio da subjetividade que visa a superao dessa dicotomia.

Assim, o trabalho pretende recuperar a trajetria do professor: os sentimentos,

significados e vises construdos por ele ao longo de sua histria de vida seja nas situaes

e experincias especficas do seu cotidiano; seja considerando o contexto social, histrico

ou ideolgico vividos. Queremos dar voz aos sujeitos, recontar suas memrias, encontrar

2 Interativo como o lugar de encontro dos sujeitos. Interativo por privilegiar as relaes em detrimento de

concepes naturalsticas, empiristas ou transcendentais da constituio dos sujeitos.

12

parte do que lhes estruturou e compreender o que eles trazem como significativo a partir de

suas vivncias.

Pensar na formao do professor significa dar voz ao que lhe constituiu como tal e,

ao que vem lhe reestruturando, j que estamos considerando interagir com professores que

estejam atuando e que j tenham tempo de experincia - uma percurso profissional

Apontamos as questes subjetivas - vivncias individuais como o processo de

construo de sentidos, como elementos centrais s discusses sobre formao de

professor.

Como Facci (2004) tambm entendemos que a individualidade do professor um

aspecto fundamental na sua prtica pedaggica. No concordamos com um enfoque

subjetivista de conceber a constituio desta personalidade somente em uma perspectiva

singular e completamente dependente do indivduo. Para a compreenso dessa

individualidade subjetividade, precisamos olhar para o contexto social onde ela subsiste e

se mantm.

A formao da personalidade se d de forma intrinsecamente social. Vygotsky j

apontava que so as relaes e as aprendizagens que adquirimos nas interaes, que nos

possibilitam a apropriao dos conhecimentos no naturais, mas que so historicamente

produzidos pela humanidade e, portanto, sociais (REY, 2007).

Na mesma linha de raciocnio, Facci (2004), ressalta os conhecimentos

espontneos advindos da convivncia nos grupos familiar, escolar e comunitrio como

suporte para o incio de trabalho educacional. Essa a idia defendida neste trabalho, a

ao pedaggica no se baseia, primeiramente ou somente, no referencial terico e na

transmisso dos conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade, mas,

sobretudo na sua experincia pessoal, na produo de conhecimento decorrente desse

processo de re-produo, mas tambm inerente produo do viver em funo da

experincia pessoal e subjetiva.

13

Ribeiro (2007) enfatiza que as experincias do cotidiano consigo e com os outros,

faz com que o professor aprenda tentando, acertando e errando, refletindo e elaborando

conhecimentos acerca de sua prtica. Desse modo, a subjetividade do professor deve ser

entendida como central no processo educativo. Razo de trazermos a temtica como objeto

de estudos dessa pesquisa.

Para dar conta de tal proposta, a discusso tomar como base o conceito de

subjetividade social proposto por Rey (2005) e sua teoria de Personalidade, que encerra o

modo de constituio subjetiva dos indivduos. Para aquele estudioso essa teoria, com

bases epistemolgicas na abordagem histrico-cultural, postula a subjetividade como uma

entidade real e em permanente processo de constituio. De fato, o autor aponta a

Subjetividade Social e a Subjetividade Individual como entidades em constante

intercmbio. A Subjetividade Individual o que ele chama tambm por Personalidade que

se estrutura em diferentes nveis a partir do intercmbio com o social, ou seja, a partir das

experincias relacionais vividas pela pessoa.

A escolha deste referencial terico se deve delimitao do eixo epistemolgico

histrico-cultural que trata de um modo de conceber os indivduos a partir de uma trajetria

histrica e contextualizada em uma estrutura scio-cultural, onde so constitudos e

constituem - cuja maior expresso se encontra nas obras de Lev Semuonovich Vygotsky.

Mas, tambm, porque guarda uma compreenso dialtica da realidade: construo

processual, permanente e recursiva entre o individual e o social. Posies tericas

compartilhadas pela pesquisadora para compreenso do ser humano, do mundo e da relao

entre ambos.

Nessa perspectiva, estudar a subjetividade do professor, escutar o seu relato pessoal,

significa dar voz sua singularidade. Significa considerar que o profissional da educao

tem sentidos estruturantes da sua forma de ser, advindo de suas relaes. O conceito de

sentido a partir da tradio Vygotskyana expressa a relao entre psique e ao humana, ou

seja, aquele momento onde so produzidos insights, construes simblicas, ato criador

14

de gerao de significados pessoais, que passam a fazer parte das configuraes subjetivas

dos sujeitos, alicerando suas aes e situaes futuras (REY, 2004)

O docente no chega formao profissional isento de sua histria pessoal, de

subjetividade. Ao contrrio, os sentidos, os significados, as vises de mundo produzidas na

formao profissional, passam, antes, pelo crivo subjetivo, a exemplo do reconhecimento

da experincia como professor, da identificao com a docncia, ou a negao dessa

docncia e, por fim, a resignificao da sua atividade e do prprio modo de ser e de viver a

profisso.

Entendemos que a Formao Profissional um momento da vida no qual novos

sentidos se realizam e outros so reconfigurados. Ao iniciar uma formao profissional os

sujeitos tero que se apropriar de vrios conhecimentos tericos e prticos que possam

corresponder as funes e papeis de sua profisso. A partir da teoria histrico-crtica o

trabalho educativo o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivduo

singular, a humanidade que produzida histrica e coletivamente pelo conjunto dos

homens. (SAVIANI, 2008: 13) Ento, dentro dessa perspectiva, a formao de professores

deve se desenvolver na direo da hominizao.

O autor aponta que se a educao pertence ao mbito do trabalho no-material:

idias, conceitos, valores, smbolos, hbitos, atitudes, habilidades, ela deve ser responsvel

por identificar os elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivduos para

que se tornem humanos e, descobrir meios mais adequados para atingir esse objetivo

(SAVIANI, 2008). Tratamos ento de duas instncias que se encontram na subjetividade:

temos significados simblicos permeando o universo cultural e temos os sentidos pessoais.

Postulamos que, como educao, tratamos o ensino apenas no nvel de significados e

temos excludo a produo dos sentidos pessoais como fenmeno educativo. Assim, temos

excludo a subjetividade dos professores.

Consideramos a construo de sentidos como ato eminentemente subjetivo e

educativo uma vez que, a ao de entendimento entre as configuraes subjetivas

desenvolvidas ao longo das histrias de vida e os novos saberes e prticas. Em resumo,

15

podemos dizer que ato educativo considerando alm dos saberes histricos acumulados

pela humanidade, instncia pessoal, ligada s histrias de vida, ou seja, a dimenso

ontolgica. Essa construo de sentidos pessoais o que define a categoria trabalho como

produo da humanidade. Segundo Saviani (2000), quando separamos a Educao do

fundamento do trabalho, temos uma educao a servio da reproduo, alienada e alienante.

No podemos distanciar a Formao de Professores nem da categoria trabalho

enquanto produo humana tampouco da finalidade da educao, de conscincia dos

determinantes da realidade social. Para termos uma educao de qualidade, atrelada ao

processo histrico da humanidade e que gere conscincia sobre a realidade social vivida,

devemos ter profissionais qualificados em cursos e instituies igualmente qualificadas.

Ao realizarmos estudos histricos da Formao Docente vimos que a realidade atual

no traz grandes transformaes nas polticas de Formao de Professores. Saviani (2000)

afirma que uma histria marcada por descontinuidades sem rupturas porque so vrias

fases do pensamento educacional que no apontam para aes de reais melhorias na

qualidade da formao. O que nos faz pensar que a ltima Lei de Diretrizes e Bases da

Educao - LDB de 1996, ainda postula a formao em nvel mdio para professores que

ensinem at a quarta srie de ensino fundamental. Desse modo, se no temos um sistema

de formao que faa jus ao seu papel, teremos profissionais reprodutores, repetidores de

contedos, sem posicionamento crtico ou condies de estabelecer qualquer relao com a

realidade social, cultural, econmica e poltica vivida.

Como diz Saviani (2000) os cursos de formao docente apresentam o dilema entre

a forma: postulados e teorias sobre os mtodos de ensino e o contedo: as teorias

especficas de cada rea de conhecimento. Isso quando os postulados pedaggicos e

didticos no foram entendidos sob o vis conteudista. Aponta que os perodos histricos

oscilam entre um eixo e o outro, sem, contudo, fazer uma sntese ou posicionarem-se em

favor dessa humanizao.

Sobre isto Facci (2004), ilustra que a Formao de professores teve modificaes

na direo do olhar educacional. Coloca que o perodo da Escola Nova se volta para o

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aluno e para a Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, focada nos sujeitos que

aprendem, sem apresentar relaes com a estrutura histrico-cultural. Um outro momento

diz respeito ao perodo militar, quando a Formao de professores se volta para os

contedos, a racionalizao tcnica e a forma mecnica de aprender. Ao passo que na

dcada de 80, a Formao do Profissional passa a se preocupar com os professores, dando

nfase s suas histrias de vida. Sobre isso a autora aponta que se constitui em olhar

subjetivista, na medida em que no centro das discusses est o professor e no os

determinantes scio-polticos, econmicos e culturais responsveis pela manuteno da

estrutura social vigente. Esse deveria ser portanto, a finalidade do ensino.

Acreditamos poder discutir subjetividade docente relacionando-a a este processo de

formao profissional que visa no s a aprendizagem de contedos, mas a ampliao dos

saberes sobre a vida, sobre si e sobre a coletividade. Relacionando-a tambm ao

desenvolvimento de uma conscincia crtica e questionadora da realidade social. Pensamos

ainda que discutir Subjetividade Docente no implica em psicologismos. Ao contrrio,

defendemos que o saber possa fazer sentido para os professores, que eles possam discutir

esses saberes com suas histrias e vivncias atingindo um nvel de criticidade que avana

na direo macro da sociedade e que isso possa ser desenvolvido no cenrio educacional.

Mas, consideramos que os espaos de educao s consigam chegar a esses objetivos ao

abrirem-se perspectiva da subjetividade, ou seja, os conhecimentos so apropriados pelos

sujeitos na medida em que estes ganham sentidos em suas histrias e aprendizados de vida.

Vieira (2008) aponta que nas duas ltimas dcadas a quantidade de cursos e

capacitaes promovidas aos docentes teve um expressivo aumento, mas isso no tem se

traduzido em melhoria da qualidade da educao Sobre isso, Nunes (2004) aponta que os

professores no conseguiram, nessas formaes, estabelecer elos entre os saberes tratados e

suas histrias de vida, crenas e ideais. So formaes que fazem parte daquele paradigma

conteudista que discutimos em pargrafos anteriores.

A conseqncia disso, o que tratam Buscato e Arannha (2008), quando afirmam

que estes cursos so eminentemente tericos. Dizem os autores: Esses cursos formam

17

pensadores de educao, no professores. comum que os graduandos fiquem ntimos

das teorias, (...) mas cheguem escola sem saber como recuperar um aluno que, na 4

srie, ainda no aprendeu a ler. (2008: 74 75) Entendemos ser necessrio nas

formaes um olhar voltado para a subjetividade, na medida em que a os saberes podem ser

teis e significativos, se forem implicados na vida dos sujeitos.

O que colocamos em termos de encontrar as histrias de vida e ver biografias no

contexto educacional e formativo, est relacionado ao fato de que as experincias de vida

so vividas dentro dessa conjuntura poltica, cultural e econmica da sociedade e, na

medida em que esses sujeitos podem pensar e falar de suas histrias, ele poder refletir

sobre o sistema social do qual faz parte.

A Formao Profissional est relacionada com a subjetiviade do professor e se

prope funo de questionar e romper com a reproduo social pela via da educao na

realidade. Coloca-se na perspectiva de construir novas significaes a partir da produo

dos sentidos pessoais plenamente ancorados nas histrias de vida. Voltaremos a essa

discusso ao longo da dissertao.

considerando estas idias iniciais que se justifica a necessidade de explicitar o

percurso de aproximaes da autora com esta teoria e o foco de trabalho. Entendemos que

tais discusses apresentam-se centrais para este projeto porque so inerentes ao processo de

constituio subjetiva da prpria autora, de tal modo que como nos diz Rey (2004) s

conseguimos ver aquilo que se abre aos nossos olhos, ou seja, vemos aquilo que de algum

modo faz sentido em nossas vidas e este o carter intersubjetivo da pesquisa. Enxergamos

ou nos identificamos com base em experincias culturais similares e prximas: quando

exercitamos a capacidade emptica, mas, tambm, o estranhar diante do novo ou diferente,

que ampliamos os olhares e entendimentos, geramos novos sentidos e vivemos outras zonas

de significao. No compreendemos como realizar isso se no nos colocarmos dentro de

um processo histrico de construo de significados mediante momentos interativos:

quando tambm podemos problematizar, questionar e hipotetizar.

18

Nesse sentido, as questes apontadas por este projeto, o referencial terico, a

metodologia, enfim, a forma como o trabalho vem se estruturando tem como marcador o

prprio crivo subjetivo de quem o redigiu. E ao falarmos em Teoria Histrico Cultural no

poderia ser diferente posto que este eixo terico prima pela possibilidade de construo de

sentidos. desse modo que passamos a explanar um percurso histrico que sinalizava os

primeiros encontros com a temtica levantada. Contudo, preciso esclarecer que isto no

significa abandonar e rigor cientfico e os aspectos metodolgicos que situam a pesquisa

nas exigncias de um trabalho da natureza de uma dissertao de mestrado.

1.2 A trajetria da pesquisadora e o encontro com o problema

O encontro com essa temtica foi se dando gradativamente ao longo da formao da

autora. A graduao em Psicologia foi o primeiro passo para os estudos sobre as diversas

teorias que embasam as discusses sobre subjetividade, permitindo o reconhecimento e

legitimao de que a individualidade, ou a personalidade, ou ainda, a subjetividade, a

dimenso do ser humano que o identifica como indivduo, mas que no se consolida

distante das vivncias do contexto social. Alis, se estrutura a partir delas.

A compreenso de que o universo de sentidos e sentimentos bem como a

estruturao deles em nvel psicolgico est intimamente ligado s interaes com os

demais, j havia sido considerada, muito embora de maneira introdutria em estudos

anteriores sobre a Aprendizagem e a Zona de Desenvolvimento Proximal de Lev

Vygotsky. Partindo deste terico, as discusses centravam-se, basicamente, sobre a

aprendizagem e sobre o fenmeno da conscincia, no considerando como seus postulados

poderiam ser discutidos e referendados como pressupostos para se pensar em estruturao

subjetiva. De modo tal que, como veremos a diante, nos baseamos nas sistematizaes de

Gonzlez Rey para a discusso sobre Subjetividade.

Indagaes sobre como o sujeito se constitui ou se estrutura, como o individual e o

coletivo se relacionam, que funes teriam a aprendizagem e a auto-organizao nesse

19

processo e outras tantas perguntas, permearam e ainda giram em torno das discusses

psicolgicas e pedaggicas na atualidade, igualmente discutidos nesta proposta de

trabalho.

Desse modo, consideramos ser da ordem do subjetivo as construes de sentidos

que se fazem e se refazem na interao do sujeito e do social, caracterizando tanto um

como o outro. Subjetividade no em um sentido de localizao interna, mas de processo

dialtico com a realidade e, partindo disso, de movimentos contnuos de auto-organizao /

constituio / estruturao.

Um outro momento importante da trajetria da pesquisadora se refere ao exerccio

profissional que permitiu uma maior aproximao com as temticas levantadas por este

trabalho. A atuao em uma Organizao No Governamental, possibilitou o entendimento

de Aprendizagem como condio para o Desenvolvimento Humano e assim, Constituio

do Sujeito. Tais compreenses se somaram aos conhecimentos j adquiridos e reforaram,

tanto no plano terico quanto vivencial, a importncia do Outro na experincia, como

facilitador / mediador de aprendizagens e de estruturao da subjetividade.

Segundo Luis Cludio Figueiredo (2004) o outro, o no-eu foi uma aquisio

recente das teorias psicolgicas sobre a constituio da subjetividade e assim tambm

recente a discusso do espao da intersubjetividade. Entretanto, h uma necessidade

atualizada de reconhecer a alteridade como elemento constitutivo das subjetividades

singulares.3 Reconhecer o diferente, estranhar-se e diferenciar-se dele, mas desenvolver

constructos psquicos/subjetivos da experincia de aproximao e afastamento. Desse

modo, estavam sendo traados caminhos que iriam permitir chegar a uma discusso e

entendimento da subjetividade docente no mbito do mestrado.

Na realidade, compreendemos esse espao de encontro com o outro, como condio

para o desenvolvimento da subjetividade e desse modo, que elegemos como objeto de

estudos a histria desses encontros e os significados pessoais dos professores produzidos a

3 Luis Cludio Figueredo & Nelson Ernesto Coelho Junior Figuras da intersubjetividade na constituio

subjetiva: dimenses da alteridade. Interaes, vol.9, no.17, So Paulo, June, 2004.

20

partir destes, afastando a compreenso de neutralidade prpria da cincia positiva: de que

no se pode acessar subjetividade dos indivduos ou que essa dimenso no deva ser

considerada no campo cientfico. No caso dos professores, esses encontros se do de forma

especial com seus alunos, pais e pares.

Afastamos essa compreenso, herana das cincias modernas, de que o fenmeno

subjetivo subsiste pela razo, sendo este um fenmeno natural do homem, independente dos

processos relacionais e sociais. Afastando as noes de neutralidade e imparcialidade,

trazemos tona a dimenso subjetiva dos sentidos e sentimentos singulares e oriundos das

interaes sociais, como condio de reconhecimento do sujeito e, (...) consideramos que

para a filosofia moderna (assim como para a nascente psicologia) colocou-se, a partir de

Descartes, uma distncia irreconcilivel entre eu e outro, ou entre conscincia e

mundo(FIGUEIREDO & JUNIOR, 2004: 03).

Assim, consideramos a historicidade inerente ao humano: reconhecer e legitimar

suas histrias significa reconhec-los como sujeitos. Indivduos contextualizados, ligados

grupos com interaes sociais que lhes so prprias, mas a partir dos quais constroem

sentidos pessoais, fazem histria. Considerando ainda, acerca da dimenso histrica, que

ela transcende a existncia individual e se perpetua no seio social ao longo dos tempos e

para alm do indivduo particular. O indivduo faz parte dessa conjuntura scio-cultural a

partir de onde , igualmente, estruturado.

Para esta discusso, nos cabe entender que antes de uma srie de aprendizados

profissionais, no caso da discusso deste trabalho acerca da subjetividade docente, existe

uma vivncia pessoal repleta de significados que devem ser considerados, existe uma

histria, sentidos prprios construdos mediante vivncias e que fazem parte de quem os

sujeitos so, ou seja, j fazem parte da subjetividade singular e, iro se presentificar ou se

reconfigurar diante de novas experincias e situaes.

Cabe argumentar que o professor no se constitui como professor s na academia

(graduao ou formao continuada). H uma subjetividade h tempos sendo desenvolvida

nos diversos contextos interativos dos quais ele faz parte. A formao profissional agua

21

sentidos subjetivos, aperfeioa significados ora produzidos, ativa lembranas de cenas

vividas e, claro, permite a experincia do novo para o qual ainda sero desenvolvidas

respostas, alm de preconizar o encontro com a histria e a produo da humanidade.

Consideramos ento, como dimenses relevantes para a formao da subjetividade

docente algumas etapas da prpria vida: a vivncia familiar e escolar, a formao

profissional e continuada, e a prpria experincia docente. Ao falarmos em Subjetividade

docente estamos nos referindo um modo ser do professor no exerccio de sua funo

profissional. Um modo de ser que nico, singular, histrico e portanto, subjetivo. A

formao profissional assim como o exerccio da docncia so etapas da vida desses

sujeitos e, desse modo, no so estanques nem tampouco separadas, estticas ou imparciais

em relao aos aprendizados, crenas, sentimentos, tradies familiares ou culturais. Ao

contrrio, esto estruturando continuamente a subjetividade dos professores ao se relacionar

no s com os fundamentos formais das licenciaturas, mas tambm com as prticas

profissionais. Voltaremos a essa discusso ao longo de toda a dissertao apontando, a

partir da teoria e dos relatos das entrevistas, como as experincias de vida constituem

subjetividade, como esta se relaciona com a formao docente ou como essa formao

tambm estrutura subjetividade.

As inquietaes norteadoras para a discusso sobre subjetividade docente se

atualizaram e se expandiram diante de outra experincia profissional: o trabalho em escola

pblica. Essa experincia permitiu ampliar a capacidade de apreenso da realidade docente

no patamar do exerccio profissional acerca da constituio e reconfigurao da

subjetividade do professor. Pudemos sentir e viver os lugares simblicos porque passavam

os professores diante do exerccio profissional; o sofrimento de ter que corresponder a

ditames hierrquicos do que ser professor; as dificuldades pertinentes realidade social

dos alunos; a ausncia de suporte ou instrumentalizao diante dos limites: difceis

condies de trabalho, desvalorizao social, excesso de exigncias ditadas pelas polticas

educacionais, especialmente nos anos 90, bem como a negao de suas subjetividades no

processo educacional.

22

Tais caractersticas passavam a delimitar um modo peculiar de interao entre

sujeitos, um modo particular de existncia para o trabalho e para as suas prprias vidas.

Essa realidade se traduzia nas freqentes dificuldades de relacionamento, de aprendizagem

e de comportamento, mas tambm, nas freqentes licenas sade destes profissionais.O

lugar do professor, na maioria das vezes, era o de viver esta condio e de no se

perceber dentro do processo, muito provavelmente porque tambm se percebia destitudo

de reconhecimento de sua prpria singularidade. E tambm, porque no havia espaos

legitimados no cotidiano escolar para este fim. Os professores mal se conheciam, pouco

conversavam e trocavam experincias. As condies do trabalho, a correria do dia a dia no

permitia isso.

Especialmente em nossa cultura e em virtude do momento scio-econmico vivido,

o lugar de professor aquele que garante o status do conhecimento, repleto de

significados sobre como agir e proceder, hierarquicamente superior e distante dos alunos,

centrado no contedo e, sem levar em considerao a subjetividade dos mesmos

(professores e alunos). A nfase no contedo nos remete a uma racionalizao e a um saber

que aparecem como formas de ser estagnadas e, muitas vezes, a servio da reproduo do

sistema posto.

Esse saber, diz Souza (2004), permite uma certa superioridade, a fantasia de

que algum detm o conhecimento em detrimento daquele que no o sabe. Conhecimento

detido por todos aqueles investidos da autoridade do discurso competente. O professor no

foge a esse lugar. Na realidade, a superioridade do saber protege o sujeito da alteridade:

aumenta a distncia, impede os encontros e inibe a expresso subjetiva ou intersubjetiva.

Podemos falar ainda de uma subjetividade e individualidade que podem ser expressadas nos

contextos coletivos, aquela aceita e exigida para a sociedade do capital. Esta inibe e anula o

sujeito.

Em nossa experincia, vamos em vrias situaes a angstia diante do no saber

como proceder, a vivncia de solido diante da realidade e a emergncia dos afetos ou da

moral como referncias de ao. O professor se rende aos afetos, emoo diante dos

23

contextos em que atua, ele atualiza e revive cenas/dramas pessoais e o que ele faz ou a sua

ao acaba sendo baseada muito mais em suas experincias vivncias subjetivas passadas

do que naquilo que deveria fazer dentro do que (pr)determina a formao profissional

em termos de funes e papeis.

Com isto, visualizamos um contnuo sofrimento psquico que se ativa e se reproduz

no dia a dia docente e, que se mantm velado, reprimido diante da ausncia de permisso e

espaos em que possa ser deflagrado. Vamos uma subjetividade em latncia e reprimida.

Vamos o corpo adoecendo, as ausncias fsicas por licena mdica, as ausncias psquicas

por desinvestimentos pessoais com a profisso, uma voz que j no fala, uma fala rouca,

uma voz outra que denuncia a negatividade da subjetividade dos professores. Feitas essas

consideraes iniciais que situam a temtica, passamos aos nossos objetivos de pesquisa.

Geral:

Analisar a constituio subjetiva do professor de ensino mdio, destacando os sentidos que

atribui profisso docente.

Especficos:

1- Compreender os principais elementos que constituram a subjetividade docente a partir

das vivncias familiares;

2- Conhecer os sentidos e sentimentos sobre sua profisso, relacionados com a

escolarizao bsica dos docentes;

3- A partir da formao inicial e continuada, identificar as construes e resignificaes

subjetivas sobre o exerccio profissional;

4- Compreender os significados que os docentes atribuem sua prtica.

24

ii Captulo 1: CAMINHOS DA PESQUISA.

Em virtude de nosso objeto de estudo, Subjetividade Docente, apontamos nosso

interesse em compreender como a subjetividade foi se estruturando ao longo da histria de

vida e formao dos professores. Dessa forma, entendemos que nosso trabalho possui uma

natureza qualit ativa e nos utilizamos do mtodo de Histria de Vida para darmos conta dos

nossos objetivos.

Com o intuito de melhor nos apropriarmos dos aspectos metodolgicos desta

pesquisa, realizamos uma discusso terica sobre as caractersticas da Abordagem

Qualitativa e do Mtodo de Histria de Vida, apresentados a seguir.

2.1 A Pesquisa Qualitativa.

A pesquisa qualitativa no campo educacional recente, data do final da dcada de

60. Autores como Bogdan e Biklen (1994) a reconhecem com longa e rica tradio, com

origem extensiva vrias disciplinas. Citam como referncia o movimento de

levantamentos sociais durante o sculo XIX, constitudos por um conjunto de estudos

comunitrios, relativos aos problemas urbanos e levados a cabo at o incio do sculo vinte.

Este e outros estudos do mesmo perodo histrico passaram a utilizar um tipo de

investigao que lhes possibilitava participar e descrever detalhadamente a vida das pessoas

investigadas, muito embora apresentassem dados de natureza estatstica da realidade social,

correspondendo herana metodolgica das cincias naturais. Os levantamentos sociais

tm singular importncia para a compreenso da investigao qualitativa em educao,

dada a sua relao imediata com os problemas sociais e a sua posio particular a meio

caminho entre a narrativa e o estudo cientfico. (BOGDAN & BIKLEN, 1994: 23)

A investigao qualitativa em educao tem suas razes relacionadas ao nascimento

da Antropologia Interpretativa e ao Relativismo Cultural de Boas ao enunciar que os

estudiosos deviam estudar as culturas apreendendo a forma como cada uma delas era vista

25

pelos seus membros. Caso fossem compreend-las segundo a perspectiva ocidental,

acabariam por distorcer o que observavam. Pode-se citar ainda estudos de Malinowski que

enfatizavam a importncia de aprender o ponto de vista do nativo e, ao passar longos

perodos em aldeia nativa, estabelecia as bases para o trabalho de campo qualitativo:

baseado nas experincias humanas e na observao (BOGDAN & BIKLEN, 1994).

Um grupo de socilogos da Universidade de Chicago, durante os anos 20/30, tendo

por base a abordagem metodolgica do trabalho de campo dos antroplogos, contribuiu

para o desenvolvimento do mtodo qualitativo. Determinadas caractersticas de

investigao da Escola de Chicago so essenciais Educao, a saber: dados recolhidos em

primeira mo, descrio e compreenso dos pontos de vista das pessoas, nfase na vida da

cidade, viso da comunidade como um todo: na nfase da interseco entre o contexto

social e a biografia que residem as origens das descries contemporneas da

investigao qualitativa (BOGDAN & BIKLEN, 1994: 26). Leva-se em conta que

podemos estudar de forma mais consistente os comportamentos se considerarmos o

contexto onde eles surgem, o que demarca assim, a natureza interacionista e social da

realidade a ser investigada.

Esta concepo alm de mudar o modo de fazer pesquisa, j que destitui o valor da

neutralidade e objetividade cientficas, tambm altera o objetivo da mesma: se antes se

queria a descoberta de leis gerais (no sentido de especificar algo que servisse para todos)

com as cincias naturais, agora isto no era figural, dando-se prioridade ao entendimento

sobre como os grupos se organizavam. A pesquisa qualitativa introduz um novo sentido na

investigao dos problemas: ela substitui a pesquisa dos fatores, dos determinantes ou

causas, e vai compreenso dos significados. Essa a explicitao do maior ganho da

pesquisa qualitativa: a busca pelo como, ou seja, como o processo acontece e como os

sujeitos o significam, uma singularizao e individualizao. (POUPART, 2008)

Entender o processo e a experincia dos sujeitos no modo como eles prprios

significam suas vivncias de formao, objeto desta pesquisa, um trabalho de

reconstituio que remete pluralidade das maneiras de viver, s singularidades dos

26

indivduos, sem perder de vista as dinmicas sociais, relacionais e culturais ensejadas na

produo de sentidos e de aes. Sem dvida, considerar o papel ativo dos sujeitos, ou

seja, so eles responsveis pela definio de sua situao, nomeao, interpretao e

significao. A nfase estudar como a situao aconteceu com aquele indivduo, como

chegou ao lugar onde est, que elementos ou processos fizeram parte de sua histria e

sendo-lhes constitutivo e, que posicionamentos foram tomados pelos sujeitos: Os sentidos

atribudos aos fatores mais significativo do que sua determinao (POUPART, 2008:

103).

A abordagem qualitativa traz um questionamento centrado mais nos processos do

que nas causas, mais nas representaes do que nas determinaes e, foca no vivido. O

estudo qualitativo procura evidenciar as regras morais e sociais que orientam essas aes,

se interessa pelos diversos processos constitutivos das situaes-problema. Pretende

devolver uma credibilidade voz dos sujeitos, seus sentidos subjetivos, suas experincias

(GROULX, 2008).

... as intervenes devem se construir no mais em virtude de grupos estatsticos, definidos a partir de uma deficincia ou de um

risco, mas em virtude de sujeitos que se inserem em redes sociais.

H um esforo, por assim dizer em integrar no discurso social a

diversidade cultural, a cultura local, as estratgias dos atores e a

dinmica das situaes. por isso que a pesquisa qualitativa est

em total desacordo com qualquer projeto de uniformizao dos

servios e de padronizao dos programas, pois ela postula a

pluralidade das situaes e dos contextos, defendendo, em certos

casos, a unicidade das situaes e a obrigao de estar-se atento

maneira particular e especfica como os sujeitos vivem sua

situao, ao evolui e afeta sua vida pessoal e suas relaes com

os prximos (GROULX, 2008: 106-107).

O universo no passvel de ser captado por hipteses delimitadas e de difcil

quantificao o campo, por excelncia, das pesquisas qualitativas. A imerso na esfera da

subjetividade e do simbolismo, firmemente enraizados no contexto social do qual

27

emergem, condio essencial para o seu desenvolvimento. Atravs dela, consegue-se

penetrar nas intenes e motivos, a partir dos quais aes e relaes adquirem sentido. Sua

utilizao , portanto, indispensvel quando os temas pesquisados demandam um estudo

fundamentalmente interpretativo (Paulilo, 1999)

Dentre as caractersticas da pesquisa qualitativa j anunciada por ns, cita-se a

imerso do pesquisador no universo dos sujeitos tal como estes o significam e, o

reconhecimento dos sujeitos como atores e autores sociais. Ademais,discutimos ainda como

uma das caractersticas da pesquisa qualitativa o fato de que os resultados da investigao

so fruto do trabalho coletivo, ou seja, no se isenta ou nega a presena do pesquisador e,

alis, considera-se os resultados como produto desta interao. Uma outra caracterstica

prpria desta abordagem de pesquisa de aceitar todos os fenmenos como igualmente

importantes: A constncia e a ocasionalidade, a freqncia e a interrupo, a fala e o

silncio, as revelaes e os ocultamentos, a continuidade e a ruptura, o significado

manifesto e o que permanece oculto (PAULILO, 1999: 136).

Acerca do lugar do pesquisador, cabe argumentar ainda que a interao inevitvel

e que isto no caracteriza imperfeio ou irregularidade do mtodo, mas confere sentido e

demarca o campo qualitativo da pesquisa. A pesquisa reclama ao pesquisador uma

capacidade emptica para relativizar ou transcender do seu lugar a fim de se colocar no

lugar do outro. Mas compreendemos que mesmo assim, a realidade pesquisada (sendo

conhecida ou completamente nova) ser sempre filtrada por um determinado ngulo, quele

de quem observa.

Isto caracteriza a prpria produo do conhecimento como interao,

intersubjetividade e impossibilidade da neutralidade e imparcialidade. Tal perspectiva no

invalida os critrios de cientificidade, mas aponta para a necessidade de entendermos os

dados como atrelados diretamente realidade discursiva dos envolvidos (pesquisadores e

sujeitos da pesquisa) e, tendo-se os dados a partir de um tratamento interpretativo

(PAULILO, 1999).

28

nesse sentido que Brancher e Oliveira (2006) analisam o carter de

imprevisibilidade e originalidade das pesquisas qualitativas: Nossa anlise de dados e

nosso olhar para as entrevistas, esto inseridos em um momento histrico, o qual est

permeado de subjetividades e representaes do pesquisador (2006: 105). No temos

como precisar ou prever que respostas teremos para uma pesquisa: diante de uma mesma

realidade outro pesquisador teria um olhar diferenciado. O momento da pesquisa, que

momento intersubjetivo de produo de conhecimentos, singular, nico e peculiar aos

envolvidos. Tudo far diferena no trabalho proposto, os fatores subjetivos de cada

pesquisador, como a forma de conduo da entrevista, o sorriso/tristeza na observao, o

olhar social para os achados de pesquisa (Idem, 2006: 106).

Se por um lado essas justificativas caracterizam a pesquisa qualitativa, por outro,

criam um problema ou um impasse metodolgico/cientfico. A primeira questo diz

respeito controvrsia da quantificao, como se estudos qualitativos exclussem dados

estatsticos dando margem a falsos dualismos. Paulilo (1999) nos diz que ambas

abordagens de investigao quantitativa e qualitativa so de natureza diferenciada, no

excludentes e podem ou no ser complementares uma outra na compreenso de uma dada

realidade: Se a relao entre elas no de continuidade, tampouco elas se opem ou se

contradizem (Idem, 1999: 136).

Uma segunda questo diz respeito a dados generalizveis que, para a pesquisa

qualitativa, no pode se configurar como critrio de validao. A pesquisa qualitativa no

tem a pretenso de ser representativa quanto a explicao dos fenmenos em termos gerais.

Ademais, ela alcana ao que se prope fazer, que resgatar sentidos subjetivos,

simblicos, da relao dos indivduos entre si e com o contexto social. De modo que se

torna difcil categorizar experincias individuais, podemos encontrar aspectos comuns que

aproximem um relato de outro. Podemos tambm realizar generalizaes demarcadas, por

exemplo, pelo evento a ser pesquisado como o fazemos em casos de relatos de Histria

Oral.

29

Visualizamos o estudo - Subjetividade Docente: Histria de Vidas e Formao de

Professores - sob o prisma da abordagem qualitativa. Recuperamos trajetrias especficas

enredadas em uma trama histrica e social tambm especficas. desse modo que fomos

levados a optar pela Histria de Vida ou Mtodo Biogrfico: So muitos os mtodos e as

tcnicas de coleta e anlise de dados em uma abordagem qualitativa e, entre eles, a

histria de vida ocupa lugar de destaque. (PAULILO, 1999: 140)

Este autor continua,

Atravs da histria de vida pode-se captar o que acontece na

interseco do individual com o social, assim como permite que

elementos do presente fundam-se a evocaes passadas. Podemos,

assim, dizer, que a vida olhada de forma retrospectiva faculta uma

viso total de seu conjunto, e que o tempo presente que torna

possvel uma compreenso mais aprofundada do momento

passado (PAULILO, 1999: 140 141).

Feitas as consideraes acerca do tratamento qualitativo que demos pesquisa,

passamos discusso sobre o mtodo Biogrfico ou de Histrias de Vida.

2.2. A Histria representa a vida.

Desde a dcada de 90 os estudos sobre formao de professores tm enfatizado a

pessoa do professor, apontando uma preocupao com as questes subjetivas, de

desenvolvimento pessoal e profissional envolvidas no cotidiano do fazer pedaggico. Mas

o marco dessa discusso, na pesquisa educacional, se deu em meados da dcada de 80 com

a publicao do livro: professor uma pessoa de Ada Abraham quando, segundo Ribeiro

(2007), as produes pedaggicas so invadidas por estudos sobre a vida dos professores,

colocando-os no centro dos debates educativos. O terico que ampliou essa discusso e se

tornou referncia no universo acadmico foi Antnio Nvoa (1992) contribuindo,

30

sobremaneira, com a Educao ao enfatizar a importncia da pessoa do professor e sua

histria de vida no processo de formao e atuao educacionais.

Ao enfatizar a importncia da vida dos professores para o desenvolvimento

profissional, tais tericos inauguram uma outra perspectiva de estudo da docncia: a

Histria de vida ou (Auto)biografia, tambm adotado como mtodo de investigao deste

trabalho. Segundo Ribeiro (2007) apud Souza (2003) os termos Metodologia de Histria

de Vida, Mtodo (Auto)Biogrfico, Relato Oral, Histria Oral de Vida, dentre outros,

fazem parte de uma srie de expresses usadas para designar os estudos baseados em

narrativas, lembranas e memrias individuais e coletivas, utilizando-se preferencialmente

fontes orais.

Assim, pretendemos recuperar relatos de trajetrias de vida de professores, alcanar

os sentidos construdos ao longo de suas vivncias e compreender quem so os docentes e o

seu fazer pedaggico luz de suas histrias. um trabalho de cunho eminentemente

narrativo que recorre memria e que requer uma disposio reflexiva dos participantes.

Sobre isto, Melleiros e Gualda (2003) apontam que falar acerca das experincias

pessoais, passadas ou atuais, imprime um carter de reconstruo inerente ao ato de

reflexo e expresso: a fala a reconstruo do passado no presente, envolve a

possibilidade de reviver cenas, de atualizar lembranas e de resignific-los no momento

do relato. Recuperamos nossas memrias para darmos conta do momento presente e, ao

mesmo tempo, trazemos e explicitamos as vivncias do passado com base na compreenso

atual e espectativas futuras.

Desse modo, os relatos no so considerados nem tampouco buscados como

verdade em si, mas como verdade para si, pois o interesse central no repousa na mera

descrio dos fenmenos mas, sobretudo, nos significados produzidos pelas pessoas que os

vivenciaram. Essa perspectiva coloca os narradores no lugar de autores e intrpretes de suas

prprias histrias, dramas, emoes e aes, e por este motivo que a Histria de vida um

mtodo eminentemente subjetivo e intersubjetivo: os sujeitos so capazes de

31

desenvolverem conhecimentos a partir da reflexo e compreenso de suas experincias de

vida.

Durante toda a elaborao do texto temos como referncia central os postulados

tericos acerca da compreenso do sujeito, de sua personalidade e da subjetividade social.

Assim, ao falarmos sobre o carter subjetivo e intersubjetivo do Mtodo de Histria de

Vida trazemos discusso os aspectos social e coletivo das experincias subjetivas. O

campo da subjetividade individual eminentemente social e intersubjetivo. Desse modo, a

produo de conhecimentos no Mtodo Histria de Vida se baseia na possibilidade de

reflexo, compreenso e expresso das vivncias comuns e coletivas, mas so produes de

sentidos pessoais inscritas em uma personalidade que demarcam o campo da subjetividade

individual e social.

Por ser um mtodo eminentemente subjetivo e intersubjetivo, a Histria de Vida

possibilita que, a partir dos relatos individuais, possamos interpretar os aspectos comuns

das vivncias, refletindo os aspectos culturais de que fazem parte e so formadoras. O

foco desse mtodo reside nas experincias de vida, que alteram ou formam o significado de

si mesmos e que tem como pressuposto bsico a importncia da interpretao e da

compreenso como chave que forma a vida social (MELLEIROS e GUALDA, 2003: 71).

Isso significa que as referncias pessoais da personalidade so construdas no

mbito das experincias partilhadas, e na forma como as pessoas significam suas

vivncias que cdigos coletivos podem ser vivenciados e estabelecidos. Ao produzirem

sentidos constituem a realidade e a si. A Histria de Vida pode ser, desta forma,

considerada instrumento privilegiado para anlise e interpretao, na medida em que

incorpora experincias subjetivas mescladas a contextos sociais. Ela fornece, portanto, base

consistente para o entendimento do componente histrico dos fenmenos individuais, assim

como para a compreenso do componente individual dos fenmenos histricos

(PAULILO, 1999: 142-143).

A Histria de Vida se traduz em uma srie de narrativas pessoais e, embora seja o

pesquisador a escolher o tema e formular as perguntas, o narrador quem decide o que

32

narrar. No poderamos investigar temticas subjetivas se no considerssemos o relato dos

sujeitos. O relato nos insere em uma compreenso ntima da vida do outro e o papel do

pesquisador o de tratar essas temticas sob o ponto de vista de quem as vivencia, com

suas suposies, seus ideais, suas vises, etc. Abarcar atravs de suas falas, aquilo que lhes

fora figural e significativo e que, na ocasio da pesquisa, so tomados como referncia pelo

prprio sujeito.

Cabe lembrar que se deve estar ciente dos avanos e recuos, da cronologia prpria, e

da fantasia e idealizao que costumam permear narrativas, quando elas envolvem

lembranas, memrias e recordaes. As entrevistas de histria de vida trabalham com

memria e, portanto, com seletividade, o que faz com que o entrevistado aprofunde

determinados assuntos e afaste outros da discusso.4 No entanto, o que interessa quando

trabalhamos com histria de vida a narrativa da vida de cada um, da maneira como ele a

reconstri e do modo como ele pretende que sua vida assim seja narrada (PAULILO, 1999).

Melleiro & Gualda (2003) nos dizem que a vida possui trs dimenses: como

vivida (o fato, como realmente acontece), como experienciada (pensamentos,

sentimentos, sensaes...) e como contada (a narrativa do evento que sofre influncias no

ato da enunciao). Portanto, h inevitveis lacunas entre a realidade, a experincia e a

expresso: Nesse sentido, deve-se estar alerta para essas lacunas e para os caminhos nos

quais as pessoas e suas ideologias se encaixam (2003: 73).

Para entender as histrias contadas precisamos penetrar na linguagem, nas emoes,

ideologias, conhecimentos e vivncias compartilhadas pelo sujeito As histrias sempre

vm em verses mltiplas e nunca tm comeo e final claros; so baseadas na cultura de

um grupo, onde critrios de veracidade so estabelecidos (MELLEIRO & GUALDA,

2003:75).

4 Essa uma questo interessante quando pensamos nos critrios de cientificidade das cincias naturais.

Como chegar verdade se fatos sero omitidos? Como confiar em um nico relato sendo este eminentemente

subjetivo? Assim pensamos: no pretendemos uma verdade universal se considerarmos que os sujeitos vivem

e constroem as suas verdades e que isso caracteriza a subjetividade. Podemos pesquisar as questes subjetivas

porque os sujeitos podem falar das suas realidades. E o sujeito, o senhor dos sentidos produzidos nas

experincias de vida.

33

Cabe considerar ainda que uma condio essencial ao processo de Histrias de Vida

o livre fluir do discurso, quando as vivncias pessoais despontam nas falas sem

marcadores que aprisionam ou objetivam o discurso. O pesquisador interrompe ao mnimo

e permite que os sujeitos sigam suas prprias trajetrias, referncias e lembranas. A

temporalidade do relato no necessariamente presentificada pelas instncias objetivas de

passado, presente e futuro, mas segue o tempo fenomenolgico5 de cada um, que reflete o

processo contnuo de produo de sentidos e de entendimento da vida. E ainda, considera-

se que o relato pode desenvolver-se em virtude de eventos marcantes a partir dos quais

muitas significaes so estruturadas. A partir desses momentos que lhes so cruciais as

pessoas estruturam uma vida (Paulilo, 1999).

Levando em considerao que uma histria sempre um relato interpretativo de

quem constri o discurso e de quem o escuta, enquanto momento intersubjetivo, a pesquisa

de Histria de Vida traz o encontro de pessoas singulares, com histrias individuais, com

percursos nicos, qui culturas diferentes enfim, so alteridades que se cruzam. O que

peculiar a este encontro que existe um interesse especfico na trajetria de vida do outro,

que demarca o campo da pesquisa e a natureza dessa interao: As histrias contadas

nunca so as mesmas histrias ouvidas, so moldadas por amplas foras ideolgicas que

pressionam as pessoas a estabelecer sua individualidade nas histrias que constroem.

(Idem, p. 55)

Na vida, representada atravs das histrias, como movimento dialtico, no h

exatido dos relatos de forma esttica nem tampouco produo de padres regulares.

Podemos enunciar o que foi, como poderia ter sido, como agora e essa enunciao sempre

exterioriza significados subjetivos que devem ser conservados nos textos produzidos pelos

pesquisadores, refletindo sempre o discurso dos sujeitos, j que so eles mesmos que do

sentidos s suas histrias.

5 O tempo originado pelo fluxo absoluto subjetivo. A Subjetividade a origem absoluta de toda

constituio, e assim, que ela origem de si mesma. (...) Ela s se auto-constitui no seu exerccio de

desdobramento no tempo, na sua disperso fluente no tempo. (Thom, 2008: 06)

34

Quando escrevemos sobre a vida das pessoas trazemos o

mundo dessas pessoas para os nossos textos. Criam-se

diferenas, oposies e presenas, que permitem manter a

iluso de se capturar as experincias reais das pessoas. Na

verdade, criam-se pessoas, sobre as quais se escreve a

respeito, assim como essas pessoas criam-se a si prprias

quando se empenham na prtica de contar histrias

(MELLEIRO & GUALDA, 2003:76).

Sobre as possibilidades e os riscos de lidarmos com Histrias de Vida, Melleiro e

Gualda (2003) apontam postulados que acabam sendo pressupostos ticos sobre como

proceder em pesquisas de Histrias de Vida. Os autores revelam uma preocupao com o

modo como os relatos podem ser diferenciados ou ter sua forma modificada dependendo de

quem as escreve, do local onde escrita e do momento histrico. Assim, definem alguns

princpios:

1- Compreender a existncia do outro: o olhar do autor/aquele que narra deve direcionar o

olhar do escritor/pesquisador;

2- As falas refletem valores e princpios morais que devem ser preservados pelo

pesquisador;

3- As produes devem estar baseadas na histria da famlia, na possibilidade de encontrar

a origem, o marco zero, o incio da vida que esta sendo estudada. Os estilos de

autobiografia e biografia esto estruturados na crena de que a vida tem incio na histria

da famlia(Idem, 2003: 72);

4- O texto pressupe a presena de um escritor, observador externo que faz inferncias e

interpreta os dados com base tambm em pressupostos pessoais e tericos e que, pela

ocasio da pesquisa, requer um encontro intersubjetivo e um saber ntimo da vida daquele

que narra. H impossibilidade de realizar uma pesquisa neutra;

35

5- As falas, e em conseqncia o material escrito, revelam os pontos chave da vida das

pessoas, tanto o que podemos chamar de momentos objetivos quanto momentos que

deixam marcas permanentes: ocasies estruturais e momentos significantes. Hubberman,

(1997) nos seus estudos sobre ciclo de vida dos professores, aponta fases ou estgios que

caracterizam a vida docente, aspectos prprios dessa trajetria profissional e que

repercutem sobre a vida pessoal: Os textos autobiogrficos e biogrficos so estruturados

pelos momentos significantes e pelas experincias marcantes da vida desse indivduo

(MELLEIRO & GUALDA, 2003: 72);

6- Saber da existncia de uma pessoa real. Ao descrever os relatos ou interpretar eventos

vividos pela pessoa pesquisada, o autor/pesquisador est criando uma representao no

contexto que est sendo escrito, mas no deve perder de vista a pessoa real que viveu tudo o

que foi dito e que escrito.

O lugar da produo do conhecimento , por excelncia, o espao intersubjetivo, o

espao de encontro de alteridades. No caso da pesquisa, a relao, e no podemos negar

isto, parte dos interesses investigativos, mas no se estrutura somente a partir deles, mas

sim dos recursos subjetivos de cada um no ato da interao. Da a necessidade de seguirmos

pressupostos que sinalizem o lugar do investigador. Dentre os postulados j salientados

sobressai-se ainda a natureza interpretativa das histrias de vida que possibilita condies

para que os relatos possam ser compreendidos pelos demais leitores.

2.3. Percurso Metodolgico

O presente trabalho est vinculado ao Projeto (macro) de Pesquisa intitulado:

Aprendizagem e Sade Mental: a escola como espao de preveno do sofrimento psquico

e promoo da qualidade de vida, do Grupo de Pesquisa LADES (Laboratrio de

Aprendizagem, Desenvolvimento e Subjetividade) da Universidade Estadual do Cear

Mestrado Acadmico em Educao e Curso de Graduao em Psicologia, sob coordenao

da Prof. Dra. Ana Ignez Belm Lima Nunes.

36

O projeto em Aprendizagem e Sade Mental, voltado para o desenvolvimento de

pesquisa com corpo docente e discente do ensino mdio de uma escola pblica estadual,

pretende realizar um estudo de diagnstico da situao educacional e escolar em trs turmas

do ensino mdio a fim de, em um segundo momento, propor prticas interventivas.

O campo de investigao e os sujeitos da pesquisa foram definidos em virtude de

uma solicitao da direo da escola dirigida ao curso de Psicologia dessa Universidade

com fins de melhoria da dinmica educacional. Nossa pesquisa (relativa ao Mestrado em

Educao) est vinculado este projeto macro de pesquisa (Aprendizagem e Sade

Mental) e, por este motivo j podemos anunciar o modo como nos aproximamos do campo

e dos sujeitos a serem investigados.

Trata-se de uma Escola de rede Pblica Estadual situada na cidade de Fortaleza

Ce, oferecendo Ensino Mdio integrado ao Ensino Tecnolgico voltado para as reas de

Edificaes, Informtica, Massoterapia e Turismo em Horrio Integral (de 07:10 s 17hs).

A Viso da Escola a de ser reconhecida no Estado do Cear como escola referncia de

formao tcnica de nvel mdio, com significativa insero dos jovens no mercado de

trabalho, vida acadmica e participao em aes voltadas para a sustentabilidade scio-

ambiental. Tem como Misso: atuar como instituio de formao tcnica, cientfica e

scio-cultural, preparando jovens para os desafios do mercado de trabalho e ensino

superior, por meio de uma educao comprometida com o conhecimento,

empreendedorismo e responsabilidade social e valorizao da tica, autonomia e

solidariedade.

O Corpo Docente da Escola constitudo por uma Diretora, uma Coordenadora

Pedaggica, uma Coordenadora Administrativa. So doze Professores, trs Professores do

Apoio Pedaggico e quatro Professores da Equipe Tcnica. Quanto ao Corpo Discente, no

ano de 2009 funcionaram quatro turmas com 45 alunos matriculados, totalizando 180

alunos e em 2010 h um aumento de 50% do corpo discente em matrculas, totalizando 360

alunos.

37

Sua estrutura fsica composta pelas salas de aula, sala de leitura, sala de vdeo,

laboratrio de cincias, dois laboratrios de informtica, quatro laboratrios tcnicos,

quadra esportiva, refeitrio, reas livres, e sala de multi-meios. Funciona nas dependncias

da Escola um Ncleo de Atendimento Pedaggico Especializado NAPE, com

profissionais da reas de Psicologia, Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia,

Psicopedagogia, Servio Social e Informtica Educativa.

Iniciamos a pesquisa estabelecendo um primeiro contato com a Diretora e

Coordenao Pedaggica. Este encontro possibilitou tanto a descrio da pesquisa (seus

objetivos e procedimentos metodolgicos), quanto, o contato inicial com os professores.

Seguimos negociando dias e horrios para a realizao inicial dos grupos focias e posterior

dias para as entrevistas individuais.

Os grupos focais foram definidos de acordo com as reas de conhecimentos dos

PCNs (Parmetros Curriculares Nacionais) 1 Linguagem, Cdigos e suas Tecnologias; 2

Cincias da natureza, Matemtica e suas Tecnologias e; 3 Cincias Humanas e suas

Tecnologias. Apresentamos como critrios para a escolha dos sujeitos: a disponibilidade e

interesse dos mesmos e a formao em nvel superior. Foram realizados trs grupos focais

por rea, com durao mdia de trs horas. A opo de realizar os grupos era inicialmente

de termos contato com todos os professores da escola e de sensibilizarmos os mesmos para

o momento posterior que era a entrevista. Na medida em que nos detivemos sobre os

estudos de grupo focal pudemos encontrar justificativas tericas que nos auxiliaram na

coleta de dados e no entendimento e discusso sobre a Subjetividade Social.

Foi necessrio colocar os professores em espao de escuta e expresso das histrias

pessoais. Quatro categorias foram utilizadas como disparadores para estes momentos:

vivncia escolar e familiar, formao e exerccio profissionais, as mesmas categorias

tratadas na ocasio das entrevistas. Tal metodologia consiste na interao entre os

participantes e o pesquisador, que objetiva colher dados a partir da discusso focada em

tpicos especficos e diretivos, em ambiente propcio para que as diferentes percepes

38

venham tona sem direcionamentos ou necessidade de se chegar a um consenso.

(LERVOLINO E PELICIONI, 2001)

O principal do grupo focal a percepo do funcionamento do grupo e a interao

das pessoas medida em que escutam as histrias. Lervolino e Pelicioni (2001) apontam

que a coleta de dados atravs do grupo focal tem como uma de suas maiores riquezas

basear-se na tendncia humana de formar opinies e atitudes na interao com outros

indivduos. As pessoas, em geral, precisam ouvir as opinies dos outros antes de formar as

suas prprias, e constantemente mudam de posio ou fundamentam melhor sua posio

inicial quando expostas discusso em grupo, sendo exatamente este processo que o grupo

focal tenta captar. Nesse sentido compreender como a expresso das histrias individuais

em contexto coletivo impacta as relaes, as opinies e assim, a Subjetividade Social.

Tanto os grupos focais quanto s entrevistas no se caracterizaram por ser apenas

coleta de dados. O fato de termos optado por discusso e entrevistas abertas permite uma

explorao das falas medida que estas vo se dando na ocasio da pesquisa. No

seguimos um roteiro estanque e fechado e entendemos que isso viabilizou a apreenso dos

dados porque houve momentos em que os sujeitos no s recordaram, mas refletiram sobre

suas lembranas e, no momento do grupo, puderam compreender uns aos outros e, alm de

falar de suas histrias pessoais, falaram tambm da forma como as histrias dos outros os

impactavam.

Este processo aconteceu naturalmente, na busca da pesquisadora de chegar s

situaes ou aos acontecimentos que foram marcantes e formadores no percurso de vida

destes professores, na tentativa de melhor entendimento ou na solicitao de exemplos. Os

professores acabaram por desenvolver novas compreenses dos mesmos fatos,

estabelecendo comparaes, fazendo anlises de modo tal que configuraes subjetivas

passadas, retornaram e, no prprio movimento dialtico e recursivo, se atualizaram,

receberam novos entendimentos e sentidos.

Tivemos momentos nos quais eles falaram do que j era sabido, do que outrora j

fra analisado sobre seu percurso de vida. Momentos em que falaram sobre as relaes

39

entre os significados dos eventos vividos e o momento atual de vida. Mas tivemos tambm

ocasio de descobertas onde novas reflexes surgiram e outras respostas comearam a ser

buscadas.

Isso possvel em pesquisa qualitativa e provvel de acontecer quando tratamos de

Histrias de Vida porque mobilizamos lembranas, recontamos histrias, refletimos sobre a

prpria vida. Ao fazer isso no sustentamos a imparcialidade, temos uma subjetividade que

aparece e se permite ser vista. Isso possvel em pesquisa porque o encontro entre

investigador e investigado intersubjetivo, ou seja, mobiliza os sujeitos, muito embora o

investigador se detenha ao processo do outro, s suas anlises e concluses.

Desse modo, observamos que, apesar de tratarmos das quatro categorias, os

professores acabaram por falar mais de determinados momentos de vida ou ainda,

evidenciando sentidos especficos que o tem acompanhado ao longo de sua trajetria

pessoal e profissional. o que pretendemos apresentar a seguir: o entendimento de como

elementos da histria de vida constituiu configuraes subjetivas que so estruturais para o

exerccio da docncia.

Assim, nos cabe recontar essas histrias, trazendo as passagens significativas, as

reflexes pertinentes aos sentidos construdos pelos professores, seus sentimentos e suas

aes. Dizamos aos professores, na ocasio da entrevista, que falaramos junto com eles e

no acerca deles, ou seja, trataramos as falas como elas surgiram, resguardando sua

autenticidade, mas estabelecendo aproximaes tericas e proposies reflexes que

apontaram-se como figurais escuta da pesquisadora.

Acerca do instrumento de coleta, nos utilizamos de entrevistas abertas que

privilegiam os relatos orais das pessoas pesquisadas (ver roteiro em anexo). Segundo

Bogdan e Biklen (1994) a entrevista aberta o instrumento de coleta de dados mais

utilizado por pesquisadores que escolhem a abordagem biogrfica. Neste caso, o

entrevistador encoraja o sujeito a falar sobre uma rea de interesse e, em seguida,

explora-a mais aprofundadamente, retomando tpicos e os temas que o respondente

40

iniciou. Neste tipo de entrevista, o sujeito desempenha um papel crucial na definio do

contedo da entrevista e na conduo do estudo. (1994: 135).

Assim, como resultado das entrevistas, trouxemos os relatos de Histrias de Vida

de cinco professores. Nos deteremos mais amplamente a essas anlises no captulo quatro e,

no que tange esse momento do trabalho, cabe uma apresentao inicial dos sujeitos em

forma de tabela e em forma de texto narrativo:

Tabela 01: Sujeitos pesquisados e suas caractersticas profissionais.

Nome

Idade

rea de

Formao

rea de

Atuao

Experincia

Docente

Frase

MARIA 32 anos Licenciatura

Histria

Professora

Histria

Aps a formatura,

4anos de docncia

eu escolhi a histria

para tentar entender

minha prpria

histria

PEDRO 27 anos Licenciatura

Fsica

Professor

Fsica

Desde o ingresso

no curso. Recm

formado.

se no fosse o vazio,

talvez eles no

tivessem marcado

tanto

JOANA 31 anos Fisioterapeuta.

Habilitada em

Ingls

Professora

Ingls

H 3 anos ensina

Ingls por opo.

meu pai a base de

toda a educao, a

base de toda a famlia

JOO 28 anos Engenheiro

Mestre em

Economia

Professor

Matemtica

Desde o perodo da

faculdade.

nem penso que tenho

poder em sala de aula,

sou igual a eles

ESTER 24 anos Licenciatura

Letras

Professora

Portugus

Primeira

experincia docente

Voc comea a se

transformar naquilo

que voc no

41

A primeira Histria a de Maria, 32 anos, licenciada em Histria e professora da

rea. docente desta escola desde sua formatura e leciona h quatro anos. Se define como

boa professora, tranqila, tmida, compreensiva e preocupada com a vida dos alunos,

afirma ainda que mais calada preferindo observar muito mais do que falar porque assim

aprende mais. natural do interior do Estado mas desde muito cedo teve que se distanciar

de sua famlia de origem para morar na capital com sua famlia extensa. Sobre isso, ela diz

que a casa de seus avs estava sempre cheia de familiares que vinham para a capital estudar

e trabalhar. Os sentidos construdos com a formao em Histria remontam relao com

seu av, s lembranas de infncia com a professora da escola, a forma de ensinar de sua

me, a ausncia do pai, a presso familiar pela escolha profissional, e por fim, formao

universitria e os professores modelo bem como, sua experincia docente.

A segunda Histria a de Pedro, 27 anos, recm formado em fsica e professor da

rea desde o incio da faculdade, professor da escola pesquisada h 07 meses. Coloca que

pode falar abertamente de sua histria de vida porque no tem do que se envergonhar.

uma histria marcada pela ausncia do pai e pela grande importncia que a me e dois

professores de fsica tiveram em sua vida. Aborda passagens significativas: a vida familiar

no interior do Estado, a mudana de vida no garimpo no norte do pas, a separao dos pais,

o encontro com o professor de fsica do segundo grau e a experincia de monitoria, o

retorno para seu Estado de origem, o ingresso na faculdade, o encontro com o segundo

professor de fsica e a amizade desenvolvida at os dias de hoje. Traz os significados do

professor que tem de trabalhar ostensivamente e ainda do que ser professor na realidade

atual vivida. Identificamos nessa histria que os sentidos do ser professor de Fsica est

antes ligado a histria de relaes e aprendizagens pessoais.

A terceira histria a de Joana, 31 anos, fisioterapeuta, habilitada na rea de ingls,

leciona h 3 anos por opo j que afirma ter se decepcionado com a realidade de trabalho

da rea de fisioterapia. Afirma ter nascido dentro da rea de educao j que seu pai e sua

me so professores, tendo sido, inclusive aluna de seu pai. Afirma ter os pais como

referencial e modelo e ao falar sobre no ter formao especfica em licenciatura, ainda a

h a semelhana com os pais j que estes no so licenciados e sempre foram profissionais

42

da educao. Discute uma questo interessante de sua rea que se refere no s ao domnio

do contedo, ou ao domnio da didtica, mas ao domnio oral da lngua que, segundo a

professora, o que a diferencia dos professores formados em letras ingls. Nessa histria

pudemos verificar como as vivncias familiares tm repercusso no modo como ser

professora, vimos de onde partem os ensinamentos e a forma como o ser professor est

relacionada a vida pessoal.

A quarta histria a de Joo, 28 anos, engenheiro, mestre em economia, professor

de matemtica desta escola h 2 anos, mas com experincia na docncia desde os tempos de

faculdade. Seus relatos se referem vida familiar e ao perodo de formao continuada. So

relatos marcados por muita emoo e sentidos associados a superao e conquista. Os

sentidos pessoais desenvolvidos sobre o ser professor esto estritamente relacionados

experincia pessoal que teve com seu orientador do mestrado: as dificuldades vividas, os

sentimentos ainda fortes, a emoo no contida, as aprendizagens desenvolvidas

relacionadas aos contedos mas, principalmente, aos relacionamentos e investimentos para

com os alunos. Entende que sofreu e que venceu e assim pode falar para os alunos sobre

possibilidades e conquistas. Afirma que se entende e valoriza os alunos, ouve suas histrias

e tenta ajuda-los em suas dificuldades, fatalmente conseguir ensinar matemtica. Assim

como nas demais histrias tambm identificamos que a postura profissional est ancorada

muito mais em suas experincias de vida e nos sentidos gerados do que no que os

contedos teorizam.

A quinta e ltima histria a de Ester, 24 anos, formada em Letras, professora de

Portugus, estando em sua primeira experincia profissional. sobre as dificuldades do ser

professor que ela se detm: aborda alguns impasses do dia a dia na escola e analisa sua

formao acadmica como insuficiente para o exerccio docente. Aponta as diferenas

vividas entre ser professor e educador e lamenta no saber ser educadora, fato este que tem

se constitudo como motivo de sofrimento e permitido postura de distanciamento e de

desinvestimento da profisso. sobre esse momento de vida que a professora se detm em

todo o seu relato.

43

Vale ressaltar ainda que, antes de realizarmos as entrevistas propriamente ditas,

iniciamos a pesquisa com um pr-teste com um professor de outra escola e com as mesmas

caractersticas, a fim de ajustar o instrumento de entrevista. As entrevistas foram realizadas

em local de preferncia dos professores, em vrias sesses que no ultrapassaram 1hora,

para evitarmos fadiga e cansao. Em paralelo s entrevistas, fizemos uso de um dirio de

campo a fim de registrarmos idias, impresses e reflexes da pesquisadora. Na busca de

um acompanhamento global do discurso dos sujeitos, utilizamos o gravador a partir da

autorizao prvia dos mesmos. O contedo gravado foi transcrito e analisado em

sequncia. Para o uso desses dados, assegura-se o sigilo quanto da identificao dos

colaboradores da pesquisa.

As questes lanadas para realizao da entrevista esto dispostas de forma

cronolgica. Assim, iniciamos nossa investigao com o que chamamos de marco zero, ou

seja, a experincia de vida familiar. Demos continuidade ao estudo, explorando o perodo

escolar desses sujeitos (educao infantil ao ensino mdio). Seguindo-se da formao

profissional no que tange s contribuies do curso de formao profissional para a prtica

em sala de aula e, por fim, um relato sobre a atuao profissional. As entrevistas revelam-se

essenciais porque possibilitam

A tomada de conscincia de suas trajetrias, de suas experincias e de

como essas experincias se configuraram em aprendizagens, fazem com

que o sujeito se aproprie de si, se conhea e reflita sobre o porvir na

continuao de sua formao e nas suas aes futuras em sala de aula.

(Ribeiro, 2007: 42)

Utilizamos a anlise de discurso como instrumental para o tratamento e

interpretao dos dado