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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ UECE FACULDADE DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS E LETRAS DO SERTÃO CENTRAL - FECLESC MESTRADO INTERDISCIPLINAR EM HISTÓRIA E LETRAS MIHL ELIANE MARTINS DA SILVA CONCEPÇÕES DE ENSINO E DE LÍNGUA(GEM) NO LIVRO DIDÁTICO DIGITAL: UMA ANÁLISE DOS OBJETOS EDUCACIONAIS DIGITAIS DO LIVRO PORTUGUÊS: LINGUAGEM EM CONEXÃO QUIXADÁ, CEARÁ 2018

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE

FACULDADE DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS E LETRAS DO SERTÃO CENTRAL -

FECLESC

MESTRADO INTERDISCIPLINAR EM HISTÓRIA E LETRAS – MIHL

ELIANE MARTINS DA SILVA

CONCEPÇÕES DE ENSINO E DE LÍNGUA(GEM) NO LIVRO DIDÁTICO

DIGITAL: UMA ANÁLISE DOS OBJETOS EDUCACIONAIS DIGITAIS DO LIVRO

PORTUGUÊS: LINGUAGEM EM CONEXÃO

QUIXADÁ, CEARÁ

2018

ELIANE MARTINS DA SILVA

CONCEPÇÕES DE ENSINO E DE LÍNGUA(GEM) NO LIVRO DIDÁTICO DIGITAL:

UMA ANÁLISE DOS OBJETOS EDUCACIONAIS DIGITAIS DO LIVRO PORTUGUÊS:

LINGUAGEM EM CONEXÃO

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado

Interdisciplinar em História e Letras da

Universidade Estadual do Ceará como

requisito parcial para obtenção do título de

Mestre em História e Letras.

Área de concentração: Memória, linguagem e

cultura

Orientadora: Prof.ª Dra Regina Cláudia

Pinheiro

QUIXADÁ, CEARÁ

2018

A Deus, detentor de todo o conhecimento, sabedoria e rico em

misericórdia, que atendeu o meu desejo de cursar o mestrado e que foi

meu auxílio em todos os momentos deste curso, restabelecendo a

minha saúde mental e fazendo-me entender, cotidianamente, que o

guarda de Israel não dorme e não pode negar a si mesmo. Por esse

motivo, se há algum acerto nessa dissertação é por conta da graça de

Deus. TODA a glória e a honra pelo término desta pesquisa são Dele.

AGRADECIMENTOS

Ao soberano Deus, que cuida de mim em todas as circunstâncias de minha vida profissional.

Ao meu pai, Antônio Luciano Sousa da Silva, pelas palavras de encorajamento, todas elas

embasadas dentro da cosmovisão cristã. Por sempre destacar a importância do curso de

mestrado para a minha vida profissional; por dizer de forma tão veemente o quanto é

importante a aquisição do conhecimento e, de forma carinhosa, afirmar que o repasse deste

também é essencial, fazendo-me, portanto, acreditar e lutar pelo ofício qualificado do

magistério. (Pai, eu sigo estudando por você, mesmo sabendo que se o senhor tivesse tido a

oportunidade de frequentar os níveis de ensino que hoje eu frequento, teria tido um

desempenho, incomparavelmente, melhor que o meu. Desculpas, por eu ter fracassado e não

ter rendido o suficiente!)

Aos demais membros de minha família por suportar os meus momentos de angústia, pelas

orações e incentivo em cada fase da minha pesquisa.

Aos irmãos da subcongregação Assembleia de Deus Templo Central pelas orações. Destaco o

pastor Genevilson Azevedo e o co-pastor Marcos Clarindo (meu estimado dirigente) que

vieram até minha residência interceder a Deus por minha vida; ao conjunto Pentecostal, na

pessoa de minha prima, amiga e líder, irmã Bruna Oliveira.

À Elizonara Gomes Leite, minha melhor amiga, por ter exercido a função de psicóloga em

toda a etapa da pesquisa, pelas palavras de encorajamento dentro de uma perspectiva bíblica.

Com ela dividi boa parte (senão todas) das angústias e incertezas do presente trabalho.

Às minhas amigas Carla Luana, Dandária Viana, Regiane Ribeiro, Kátia Sousa e Elis Larisse

pelo incentivo e demonstrações de carinho e de confiança.

À professora Regina Cláudia Pinheiro por ter sido minha orientadora tão solícita e generosa,

visto que me emprestou seus livros, enviou-me artigos, dissertações, teses. Além de ter me

dado hospedagem nas vezes em que precisei ir a Fortaleza, em virtude de atividades

concernentes à pesquisa. Por ter me ensinado a lutar e desenvolver essa pesquisa.

À Ana Maria Pereira Lima (professora e coordenadora do MIHL) pelo incentivo e por ter me

ajudado a prosseguir; à Maria Valdenia da Silva (minha orientadora de iniciação científica)

pelo empréstimo de livros; ao Júlio César Dinoá por também ter sido meu orientador na

graduação e pelo carinho com que sempre me tratou.

Aos professores-pesquisadores que estiveram em minha banca: Júlio César Araújo e Nukácia

Meire da Silva Araújo pelo alinhamento da pesquisa, pelas sugestões de leituras. Isto foi

essencial para o andamento da pesquisa.

À CAPES pelo apoio financeiro, sem o qual esta pesquisa não seria possível, tendo em vista

que utilizamos este apoio para a compra do livro didático digital, do notebook, de alguns

livros da fundamentação teórica e para o ressarcimento de eventos acadêmicos.

RESUMO

Nesta dissertação, estudamos as concepções de ensino e de língua(gem), enfatizando também

as concepções de leitura, gramática e produção textual, nos Objetos Educacionais Digitais

(OEDs) do livro didático digital Português: linguagem em conexão (2013), destinado aos

alunos da primeira série do ensino médio. A importância dessa pesquisa dá-se porque as

tecnologias digitais da comunicação representam importante auxílio para a melhoria do ensino

de língua portuguesa, tanto como recurso de complementação aos já existentes, como o livro

didático impresso, quanto como recurso de favorecimento da educação a distância. Tendo isto

em vista, partimos do seguinte problema geral: Qual(is) a(s) concepção(ões) de ensino, a(s)

concepção(ões) de língua(gem) abordadas nos OEDs do livro didático digital Português:

linguagem em conexão (2013), de Maria das Graças Leão Sette, Márcia Antônia Travalha e

Maria do Rozário Starling de Barros? A partir desse problema, elaboramos o seguinte

objetivo geral: analisar as concepções de ensino e de língua(gem) nos Objetos Educacionais

Digitais (OEDs) do livro didático digital Português: linguagem em conexão (2013), das

autoras Maria das Graças Leão Sette, Márcia Antônia Travalha e Maria do Socorro Starling

de Barros. A base teórica dessa pesquisa no que diz respeito à concepção de ensino está

sustentada, principalmente, em Halliday, Mclintoch e Strevens (1974), e em relação às

concepções de língua(gem) em Barcellos (2013), Bakthin ([1929], 2014), Fuza, Ohuschi,

Manegassi (2011), Geraldi (1999), Oliveira (2010), Travaglia (2002), dentre outros. A

pesquisa situa-se no campo da Linguística Aplicada e trata-se de uma pesquisa de natureza

qualitativa e de cunho documental, visto que, além de considerarmos os OEDs e o livro

didático de português documentos presentes no contexto de ensino, utilizamos o edital

2013/01 e o guia 2015, documentos legais relacionados aos livros didáticos distribuídos pelo

Plano Nacional do Livro Didático (PNLD). Para a viabilização dessa pesquisa, seguimos os

seguintes passos metodológicos: 1. fizemos o levantamento dos OEDs; 2. assistimos a cada

um dos OEDs; 3. analisamos o edital 01/2013 e o guia de livros didáticos de 2015, a fim de

elegermos as categorias de análise, a saber: concepções de ensino e concepções de

língua(gem); 4. analisamos os dados. Os resultados da investigação indicam que, nos OEDs

analisados, há a presença das três concepções de ensino já a respeito das concepções de

língua(gem) também percebemos uma hibridização nos OEDs.

Palavras-chave: Concepções de ensino. Concepções de linguagem. Objetos educacionais

digitais. Livro didático digital.

ABSTRACT

In this dissertation, we studied the conceptions of teaching and language, emphasizing the

conceptions of reading, grammar and textual production, in the Digital Educational Objects

(DEOs) of the textbook Português: linguagem em conexão (2013), for students in the first

grade of High School. The importance of this research is due to the fact that digital

communication technologies represent important aid for the improvement of Portuguese

language teaching, both as a complement to existing ones, such as printed textbooks and as a

resource for favoring distance education. With this in view, we start with the following

general problem: What is the teaching conception (s), the language conception (s) addressed

in the DEOs of the digital textbook Português: linguagem em conexão (2013), by the authors

Maria das Graças Leão Sette, Márcia Antônia Travalha and Maria do Rozário Starling de

Barros? The theoretical basis of this research, with regard to the conception of teaching, is

supported mainly in Halliday Mclintoch e Strevens (1974) and, in relation to the conceptions

of language in Barcellos (2013), Bakthin ([1929], 2014), Fuza, Ohuschi, Manegassi (2011),

Geraldi (1999), Oliveira (2010), Travaglia (2002) among others. The research is in the field of

applied linguistics and it is a qualitative and documentary research, since, besides considering

the DEOs and the textbook of Portuguese and documents present in the context of teaching,

we use the edict 2013/01 and the 2015 guide, legal documents related to textbooks distributed

by the National Textbook Plan (NTP). In order to make this research viable, we follow the

following methodological steps: 1. we surveyed the DEOs; 2. we assist each of the DEOs; 3.

we analyze the 01/2013 edict and the 2015 textbook guide, in order to choose the categories

of analysis, namely: conceptions of teaching and conceptions of language (gem); 4. analyze

the data. The results of the investigation indicate that, in the DEOs analyzed, the presence of

the three conceptions of teaching is already present regarding the conceptions of language we

also perceive a hybridization in the DEOs.

Keywords: Teaching conceptions. Conceptions of language. Digital Educational Objects.

Digital Textbook.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Plataforma de apresentação do livro didático digital Português: linguagem em

conexão.....................................................................................................................................54

Figura 2 - Exemplificações de estruturas sintáticas próprias do falar do sertanejo no texto

literário......................................................................................................................................58

Figura 3 - Notícia utilizada para exemplificar o uso da língua padrão.....................................58

Figura 4 - Contexto de surgimento do Barroco ........................................................................ 59

Figura 5 - Interface do jogo: descubra o poema.......................................................................60

Figura 6 - Aperto de mãos entre os turcos...............................................................................61

Figura 7 - Movimentos na frente do rosto típico da cultura japonesa.....................................61

Figura 8 - Questão sobre o emprego da figura de linguagem a influência no sentido do poema

de Petrarca...............................................................................................................................62

Figura 9 - Processo de derivação............................................................................................63

Figura 10 - Questão sobre o uso do pronome “ela”................................................................63

Figura 11 - Questão sobre notícia...........................................................................................65

Figura 12 - Identificação das características do Trovadorismo..............................................66

Figura 13 - Poema de Gil Vicente para representar as características dos autos....................67

Figura 14 - Exemplo de humanista dos séculos XV e XVI...................................................67

Figura 15 - Cosme de Médici – Exemplo de um mecena......................................................68

Figura 16 - Interface de acesso aos representantes artísticos................................................68

Figura 17 - Interface de acesso aos representantes literários...............................................69

Figura 18 - Interface de comparação entre a Idade Média e o Renascimento......................69

Figura 19 - Contextualização do Barroco........................................................................... 70

Figura 20 - Contextualização do Barroco...........................................................................71

Figura 21 - Questão sobre a figura de linguagem expressiva............................................72

Figura 22 - Questão sobre a função referencial.................................................................72

Figura 23 - Poema de Petrarca usado para a identificação de figuras de linguagem..........73

Figura 24 - Fases do Português..............................................................................................74

Figura 25 - Fase do Português clássico..................................................................................75

Figura 26 - Questão sobre o efeito de humor ........................................................................75

Figura 27 - Atividade sobre o romance As ondas, de Virginia Woolf .................................76

Figura 28 - Questão sobre o emprego do pronome no romance Ensaio sobre a cegueira.....76

Figura 29 - trecho do conto “A menor mulher do mundo”.................................................77

Figura 30 - Uso da expressão “tudo chumba” na música “Invernal”, dos Tribalistas......... 77

Figura 31 - Passos para a construção de uma resenha..........................................................78

Figura 32 - Espaço de produção da resenha pelos alunos.....................................................79

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BIOE — Banco Internacional de Objetos Educacionais

IEEE — Instituto de Engenheiros Elétricos e Eletrônicos

LA — Linguística Aplicada

LDD- Livro Didático Digital

LDP — Livro Didático de Português

LTSC — Learning Technology Standards Commitee

MEC — Ministério da Educação e Cultura

OAs — Objetos de Aprendizagem

OED — Objeto Educacional Digital

PNLD — Plano Nacional do Livro Didático

PNLEM — Plano Nacional do Livro do Ensino Médio

PDF — Portable Document Format

TDICs — Tecnologias Digitais da Informação e da comunicação

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO..............................................................................................................13

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.................................................................................17

2.1. LIVRO DIDÁTICO DE PORTUGUÊS......................................................................17

2.1.2 Objetos educacionais digitais.......................................................................................21

2.2. CONCEPÇÕES DE ENSINO....................................................................................24

2.3. CONCEPÇÕES DE LÍNGUA(GEM).......................................................................30

2.3.3 Língua (gem) como expressão do pensamento.........................................................30

2.3.3 Língua (gem) como instrumento de comunicação...................................................31

2.3.3 Língua (gem) como processo de interação................................................................34

2.3.3.1 Concepções de leitura/literatura..............................................................................37

2.3.3.2 Concepções de gramática........................................................................................41

2.3.3.2 Concepções de produção de texto...........................................................................43

3. METODOLOGIA ..........................................................................................................50

3.1. ABORDAGEM, MÉTODO E PROCEDIMENTO TÉCNICO DE

PESQUISA...........................................................................................................................50

3.2. DESCRIÇÃO DO MATERIAL...................................................................................52

3.3. CATEGORIAS DE ANÁLISE E PROCEDIMENTOS PARA A GERAÇÃO E

ANÁLISE DOS DADOS......................................................................................................54

4. ANÁLISE DOS DADOS.................................................................................................57

4.1. CONCEPÇÕES DE ENSINO NOS OEDS....................................................................57

4.2. CONCEPÇÕES DE LÍNGUA(GEM).............................................................................64

4.2.1 Concepções de língua(gem) e concepções de leitura..................................................64

4.2.2 Concepções de língua(gem) e concepções de Gramática..........................................70

4.2.3 Concepções de língua(gem) e Concepções de Produção de texto............................78

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................93

REFERÊNCIAS................................................................................................................95

15

1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa insere-se na área da Linguística Aplicada (doravante LA),

uma área de estudos nova no contexto internacional, visto que surgiu em 1940, bem como no

contexto brasileiro, pois se desenvolveu aqui a partir da década de 1960. No âmbito

internacional, a LA, à priori, surgiu com a finalidade de produzir materiais para o ensino de

língua durante a Segunda Guerra Mundial. Por isso, inicialmente, o foco de interesse desta

área de estudos da linguagem incidiu sobre o estudo de línguas estrangeiras, notadamente no

campo de língua inglesa. Posteriormente, a LA estendeu seu campo de investigação para

questões concernentes à língua materna. Hoje, no contexto nacional, os estudos em LA giram,

dentre outras, em torno da questão do ensino e aprendizagem de língua materna e língua

estrangeira, sendo possível o estabelecimento de interface com outros campo, como a Ciência

da Computação e a Informática. É neste ponto que esta pesquisa situa-se, uma vez que

investigamos as concepções de ensino e de língua(gem) nos Objetos Educacionais Digitais

(doravante OEDs) do livro didático digital Português: linguagem em conexão. Ambos, livro

didático e OEDs, representam recursos de aprendizagem utilizados na escola: aquele mais

convencional e amplamente presente nas salas de aula do Brasil; estes, provindos do campo

das ciências da computação, com a finalidade de produzir materiais para o ensino das diversas

disciplinas da educação básica, são recursos criados recentemente para serem utilizados no

contexto do Plano Nacional do Livro Didático (doravante PNLD).

Os OEDs, recursos criados com o objetivo de complementação dos conteúdos

desenvolvidos pelos livros didáticos de diversas disciplinas, inclusive de língua portuguesa,

inicialmente, surgiram para serem usados no contexto do Ensino Fundamental II e eram

comportados em CD-ROM. Posteriormente, o edital 2013/01 propôs o livro didático digital

para os alunos do Ensino Médio. A partir deste edital, a coleção Português: linguagem em

conexão, da qual utilizamos os OEDs do livro didático digital destinado aos alunos do Ensino

Médio como corpus de pesquisa, foi aprovada.

Como todo material didático utilizado no ensino de língua materna é perpassado

por alguma concepção de ensino, consequentemente, por uma concepção de língua(gem),

decidimos analisar essas duas categorias nos OEDs. Nesse sentido, elaboramos o seguinte

problema:

Qual(is) a(s) concepção(ões) de ensino, a(s) concepção(ões) de língua(gem) presentes

nos Objetos Educacionais Digitais do livro didático digital Português: linguagem em

16

conexão (2013), de Maria das Graças Leão Sette, Márcia Antônia Travalha e Maria do

Rozário Starling de Barros?

A partir dessa problemática, formulamos o nosso objetivo geral de investigação:

Analisar as concepções de ensino, a(s) concepção(ões) de língua(gem) nos Objetos

Educacionais Digitais (doravante OEDs) do livro didático digital (doravante LDD)

Português: linguagem em conexão (2013), de Maria das Graças Leão Sette, Márcia

Antônia Travalha e Maria do Rozário Starling de Barros.

Deste objetivo, decorreram três objetivos específicos, a saber:

1. Investigar qual(is) a(s) concepção(ões) de ensino estão presentes nos objetos

educacionais digitais do livro didático Português: linguagem em conexão, de Maria

das Graças Leão Sette, Márcia Antônia Travalha e Maria do Rozário Starling de

Barros.

2. Examinar qual (is) a(s) concepção(ões) de língua(gem), destacando também as

concepções de leitura/literatura, de gramática e de produção de texto, estão

presentes nos objetos educacionais digitais do livro didático Português: linguagem em

conexão, de Maria das Graças Leão Sette, Márcia Antônia Travalha e Maria do

Rozário Starling de Barros.

Em relação aos dois primeiros objetivos, que tratam das concepção(ões) de ensino

e de língua(gem), sabemos que essas categorias já são bastante discutidas na literatura,

entretanto, este assunto faz-se necessário neste trabalho porque os OEDs são materiais

surgidos recentemente e, conforme já mencionamos, todo material produzido para o ensino

traz formas de conceber a língua e a própria prática de ensino. Ressaltamos ainda que poucos

trabalhos que investigam as concepções de ensino e língua(gem) nos OEDs e que não

encontramos essas análises realizadas no livro em questão.

Em relação aos trabalhos com os OEDs na área de Linguística Aplicada,

encontramos na plataforma da Capes apenas dois trabalhos com esta proposta: a dissertação

de mestrado de Chinaglia (2016), intitulada Objetos educacionais digitais,

multiletramentos e novos letramentos em livros didáticos de Ensino Fundamental II, que

analisou os multiletramentos e os novos letramentos nos OEDs e a contribuição destes para os

livros didáticos, cujos resultados indicaram que a maioria dos OEDs servem de

17

complementação teórica dos conteúdos dos livros didáticos e não abordam exercícios de

acordo com as teorias dos multiletramentos e dos novos letramentos; há ainda a tese Leitura

de gêneros multissemióticos e multiletramentos em materiais didáticos impressos e

digitais de língua portuguesa do Ensino Médio, de Gomes (2017), em que o autor analisa

como ocorre a leitura de textos multisemióticos em livros impressos e em OEDs. Como

resultados, esta pesquisa de Gomes (2017) indicou que os gêneros multisemióticos ainda têm

pouco espaço no livro didático de Português e, a exemplo do trabalho de Chinaglia (2016), os

OEDs também servem de complementação aos conteúdos dos livros impressos. Há ainda o

artigo Contribuições para uma matriz de análise do livro didático digital de Língua

Portuguesa- PNLD 2015, de Silva e Souza (2015), que objetivou propor uma matriz para a

análise do livro didático digital do PNLD 2015, tendo em vista os OEDs. Neste estudo, Silva

e Souza (2015) também apontam que os OEDs da coleção Português: linguagem em conexão

servem de exposição dos conteúdos.

Conforme percebemos, ainda são poucos os trabalhos que tomam por objeto de

estudo os OEDs na área da Linguística Aplicada, visto que estes recursos passaram a figurar

recentemente no contexto do PNLD e já tiveram seus espaços reduzidos, pois serão

produzidos apenas vídeos e animações para o manual do professor. Entretanto, a presente

pesquisa torna-se relevante para a área porque, apesar desse retrocesso na principal política

pública do livro didático, as tecnologias digitais da comunicação representam importante

auxílio como ferramentas para a melhoria do ensino de língua portuguesa, tanto como recurso

de complementação aos já existentes, como o livro didático impresso, quanto como recurso de

favorecimento da educação à distância. Além disso, persistir em pesquisar as concepções de

ensino e de língua(gem) pode auxiliar os professores a discernir a adequação de determinado

recurso para a sua aula de língua portuguesa.

Esclarecida a importância desta pesquisa, organizamos essa dissertação em três

tópicos, além dessa introdução e das considerações finais: no primeiro tópico, a

fundamentação teórica, abordamos os principais estudos relacionadas ao livro didático

impresso e ao livro didático digital, além de discutirmos estudos sobre as categorias de análise

da pesquisa, a saber: as concepções de ensino; as concepções de linguagem, com destaque

para as concepções de leitura, de gramática e de produção de texto; no segundo tópico, a

metodologia, discorremos sobre o método que utilizamos para embasar o estudo, isto é, o

método documental, a descrição do objeto de estudo e a organização do trabalho; no terceiro

tópico, a análise dos dados, apresentamos os desdobramentos da pesquisa, isto é, analisamos

os OEDs com base nas categorias de análise escolhidas.

18

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Neste capítulo, esclarecemos, com auxílio dos estudos da área, os pontos chaves

de nossa pesquisa, a saber: o livro didático, destacando aspectos relativos ao impresso e ao

digital; os OEDs, que são o recorte de nossa pesquisa. Em seguida, destacamos as categorias

de análise dessa investigação: as concepções de ensino, as concepções de língua(gem).

Ressaltamos também que as concepções de língua(gem) estão divididas em subcategorias: as

concepções de leitura/literatura, as concepções de gramática e as concepções produção de

texto.

2.1 LIVRO DIDÁTICO DE PORTUGUÊS E SUA VERSÃO DIGITAL

As pesquisas sobre o ensino e a aprendizagem de língua materna crescem em

torno do Livro Didático de Português (LDP), principalmente, depois da implantação de

políticas públicas encarregadas de avaliar a qualidade do livro didático, como o Plano

Nacional do Livro Didático (PNLD) consolidado em 1996, responsável pela avaliação dos

livros do 1° ao 9° ano, e o Plano Nacional do Livro do Ensino Médio (PNLEM) criado em

2004, incumbido da análise dos livros destinados ao Ensino Médio. Tal interesse por esse

recurso pedagógico ocorre porque o LDP é uma das ferramentas mais difundidas no contexto

das escolas brasileiras. Em muitas salas de aula, consoante comenta Bezerra (2005, p. 35) “o

interlocutor dos alunos não é mais o professor, mas o autor do LDP, interlocutor distante,

dificultando a interação com os alunos e o porta-voz presente (professor), quase sem

autonomia, seguindo página a página a proposta do autor”. De acordo com essa pesquisadora,

o livro didático exerce o papel de uma autoridade no contexto de boa parte das aulas de

Língua Portuguesa. Entretanto, acreditamos que existem professores que têm criticidade e

compromisso com a educação de outrem a ponto de saberem discernir que atividades

propostas pelo livro didático contribuem verdadeiramente para a educação linguística do

discente.

Em relação à adoção do LDP como objeto de análise, Rangel aconselha-nos a não

cair nas armadilhas em torno desse objeto de aprendizagem. Para ele,

Ou simplesmente esquecemos a baixa qualidade do LD e, a despeito disso, o seu

papel central no trabalho em sala de aula, ou pensando em assim combater o bom

combate, fizemos (e fazemos) do livro o principal responsável pelos insucessos da

escola em relação a suas funções essenciais. (RANGEL, 2005, p.14, grifos nossos)

19

A respeito da baixa qualidade do livro didático, salientamos que, com o

desenvolvimento do PNLD e com os avanços das pesquisas em Linguística Aplicada, houve

uma significativa melhora dos livros didáticos, principalmente, no que diz respeito ao uso de

gêneros textuais diversos, conforme destaca o estudo de Bezerra (2005), ao nos informar que,

na década de 60, os textos presentes no LDP eram predominantemente do campo da literatura,

e já na década de 2000, esta pesquisadora detectou variações, visto que pôde perceber a

presença de textos provenientes de domínios discursivos jornalísticos coexistindo com os

gêneros literários. Também é possível perceber um maior espaço para os gêneros orais nos

materiais didáticos, em contrapartida, os gêneros provenientes de ambientes digitais ainda não

adquiriram relevância nos LDP.

Em relação à responsabilização do livro didático pelas falhas da escola, temos que

ter consciência de que nem todo campo de estudo, sobretudo no âmbito educacional, a prática

de inocentar ou culpabilizar um determinado recurso pelo sucesso ou insucesso das ações

pedagógicas não é saudável, visto que, em se tratando da educação, há sempre um espectro a

ser analisado para vislumbrarmos o cerne da problemática.

Todavia, tanto o posicionamento de Rangel (2005) quanto o de Bezerra (2005)

salientam o papel centralizador que o LDP ocupa nas escolas brasileiras, por isso as

discussões sobre a função do livro didático de português no ensino de língua portuguesa não

somente são inevitáveis como necessárias. O mais relevante dos debates em torno do LDP é

conscientizar os profissionais da educação (professores, diretores, coordenadores

pedagógicos) de que o LDP é só mais um dos diversos instrumentos facilitadores da

aprendizagem de língua portuguesa. Também não podemos nos esquecer de que os alunos são

extremamente importantes nessa conscientização, uma vez que o livro didático faz parte da

formação do conhecimento deles, e, em alguns casos, consoante comenta Salvatori (2013), o

livro funciona como um agente de memória afetiva. Todavia, muitas vezes, o apego a

determinado objeto pode ser danoso, uma vez que as emoções podem nos cegar, por isso, faz-

se necessário entender que a principal tarefa da escola é contribuir para uma visão crítica de

seu corpo discente.

Em relação, especificamente, à atitude do docente diante dos conteúdos propostos

pelos LDPs, ele deve ter consciência de que não pode anular-se diante das metodologias

propostas por esse recurso pedagógico. Em outras palavras, o(a) professor(a) tem o

importante papel de analisar as atividades propostas no LDP, tendo em vista as contribuições

das mesmas para a competência comunicativa dos alunos. De acordo com Oliveira (2010, p.

20

44), a competência comunicativa diz respeito ao “conhecimento que o falante ouvinte possui

da sua língua, mas também à habilidade que ele tem para usar esse conhecimento em

situações concretas”. Em outras palavras, a competência comunicativa é o uso dos

conhecimentos linguísticos em situações sociais.

Esse papel avaliador do professor ganhou maior relevância com a instituição do

Guia de Avaliação do Livro Didático produzido pelo PNLD, que confere ao professor ou à

equipe de professores, o direito de escolher a obra com a qual irá trabalhar por meio das

análises das descrições dos livros didáticos presentes no guia. Neste processo de

escolha/avaliação do livro “é importante considerar também os editores, os coordenadores, os

supervisores, os diretores escolares, os pais de alunos e os novos grupos de leitores que surgiu

no Brasil a partir de 1996, com o PNLD: “os avaliadores” (PASSOS, 2010, p. 152). Desse

modo, até chegar ao professor e ao aluno, sendo este último seu leitor final, o livro didático

passa pela análise destes especialistas.

Outra questão que os livros didáticos, principalmente o livro didático de

português, não podem deixar de considerar são os avanços das TDICs. Elas ocasionaram a

modificação das práticas sociais das pessoas, isto é, nossas atividades não estão mais

reduzidas à escrita e à oralidade realizadas por vias tradicionais e em ambientes presenciais,

mas também estão voltadas para as práticas que ocorrem no contexto das tecnologias digitais.

Por esse motivo, os livros didáticos de português precisam apropriar-se dos recursos das

tecnologias, e não basta apenas apresentar textos metalinguísticos, que, muitas vezes,

apresentam uma visão preconceituosa sobre as tecnologias; é necessário, portanto,

desenvolver metodologias adequadas de modo a potencializar uma aprendizagem reflexiva

dos discentes e a inserção destes no mundo digital, a fim de proporcionar-lhes um uso mais

consciente das tecnologias digitais.

Não queremos cair, consoante discutimos, na armadilha de culpar o livro didático

pelo insucesso do uso das tecnologias no contexto escolar, por isso, faz-se necessário salientar

algumas dificuldades em relação à inserção das tecnologias na escola, a saber: a descrença da

comunidade escolar nas potencialidades oferecidas pelas ferramentas das TDICs; o

despreparo dos professores para lidar com as tecnologias; a falta de infraestrutura das escolas.

Esta última razão, só é possível de ser solucionada por meio de maiores investimentos por

parte de nossos governantes, ao passo que os dois primeiros motivos podem ser resolvidos por

meio de formações proporcionadas por órgãos competentes, como o MEC, ou as secretarias

21

de educação. Além disso, os fluxogramas curriculares dos cursos de licenciaturas também

precisam oferecer disciplinas que discutam as tecnologias na teoria e na prática.

Como nosso foco de discussão é o livro didático de língua portuguesa, outra

questão diz respeito ao fato dos livros didáticos impressos não serem suportes favoráveis à

abordagem das tecnologias, pois, de acordo com Dutra; Luz; Freitas; Souza (2015, p.3), esses

materiais “em sua versão impressa oferece recursos limitados para a integração de tecnologias

de informação e comunicação modernas”. Por esse motivo, acreditamos haver a necessidade

de um livro didático digital de português, a fim de que as potencialidades desses recursos

possam ser aproveitadas para o ensino de língua materna.

Sobre o LDD, já há algumas ações que têm por intuito integrar as novas

tecnologias ao ambiente escolar, é o caso do edital 01 do PNLD de 2013 que propôs aos

editores de livros didáticos a produção do Livro Didático Digital (LDD). Para tanto, o livro

poderia apresentar-se da seguinte maneira: “Tipo 1: obra multimídia composta de livros

digitais e livros impressos; Tipo 2: obra impressa composta de livros impressos e PDF.”

(BRASIL, 2013, p.1). Consideramos que o LDD com todas as potencialidade esperadas só é

possível por meio da elaboração de obras do Tipo 1, isto é, obras com ferramentas

multimídias. Ao passo que o livro em formato pdf não teria espaço para comportar os OEDs

(vídeos, animações, infográficos etc. Por essa razão, a obra selecionada neste trabalho é o

livro Português: linguagem em conexão, que se apresenta como livro multimídia, composta

de livro didático impresso e digital, sendo este último objeto de nossa análise.

Nesse contexto de inclusão das TDICs no âmbito escolar, uma pergunta

importuna as mentes de pesquisadores do livro didático: o que é, verdadeiramente, o livro

didático digital? Segundo Silva e Sousa (2015, p. 3), o PNLD encara o LDD como “apenas a

versão digital do livro impresso incrementada com uso de objetos educacionais: elementos

como vídeos, arquivos de áudio, uso de animações em textos, gráficos, tabelas, mapas e

infográficos, jogos educacionais e tutoriais”. Nesse contexto, o ponto de vista do PNLD em

relação ao LDD sinaliza que essa nova ferramenta pedagógica ainda dividirá o espaço com o

livro didático impresso, uma vez que não devemos esperar mudanças repentinas no campo

educacional, já que isso envolve um planejamento mais sistematizado. Por esse motivo,

concordamos com Ribeiro (2009, p. 27) quando declara que “as mídias, modernas ou

tradicionais, se tocam umas às outras, ou seja, não são indiferentes umas em relação à

existência das outras e a seus efeitos”. Em outras palavras, estamos vivendo um período de

22

convivência entre as tecnologias digitais e as tecnologias tradicionais, livros impressos,

cadernos, lápis e canetas convencionais.

A respeito dessa convivência entre tecnologias, observamos que o LDD

Português: linguagem em conexão, conforme já foi exposto anteriormente, preserva

características do livro impresso, como paginação, e características modernas, como os

Objetos Educacionais Digitais. A propósito, na próxima subseção, fazemos discussões sobre

esses recursos.

2.1.1 Objetos educacionais digitais

Em decorrência da inserção das tecnologias digitais no campo da educação, outros

materiais didáticos foram adicionados aos materiais já existentes – livros didáticos,

paradidáticos, como é o caso dos Objetos Educacionais Digitais (OEDs). Estes últimos

apresentam semelhanças com outro tipo de recurso didático: os Objetos de Aprendizagem

(OAs), de modo que é impossível falarmos de OEDs sem remetermo-nos aos OAs. Embora

esses dois tipos de objetos digitais possuam um objetivo em comum — ambos servem como

recursos de ensino-aprendizagem — salientamos, entretanto, que há uma diferença entre os

OEDs e os OAs, pois

enquanto os OEDs são produzidos por editoras e avaliados pelo PNLD, estando

atrelados às atividades e conteúdo específicos do livro didático a que pertencem, os

OAs são conteúdos independentes, de autorias diversas, como de projetos

particulares ou de universidades, avaliados de acordo com os critérios de cada

repositório. (CHINAGLIA, 2016, p. 15).

Nota-se que os OEDs são produzidos para serem complementar a um objeto de

ensino tradicional, o livro didático, por isso, no parágrafo anterior, utilizamos o adjetivo

“adicionados” ao nos referirmos a estes recursos. Já os OAs, também considerados objetos de

ensino, são elaborados para ficar em repositórios online, que são uma espécie de bibliotecas

que acolhem os OAs. No Brasil, podemos citar o Portal do Professor e o Banco Internacional

de Objetos Educacionais (BIOE).

Sobre os OAs, Araújo (2013, p.181) assevera que eles “[...] surgiram em função

da necessidade de se criarem novas estratégias de ensino-aprendizagem para a web e da

necessidade de economia de pessoal e de tempo na elaboração de materiais instrucionais”.

Constatamos, portanto, que o principal objetivo da criação de OAs é a elaboração de conteúdo

23

para serem ministrados através da web. Ainda de acordo com Araújo (2013), o conceito de

OA não apresenta estabilidade entre os teóricos da área, no entanto, esta autora menciona que

a definição mais aceita, na qual muitos estudiosos se embasam, é proveniente do Comitê de

Padrões de Tecnologia de Aprendizagem (LTSC- Learning Technology Standards Commitee)

do Instituto de Engenheiros Elétricos e Eletrônicos (IEEE), o qual nos informa que o OA pode

ser um recurso digital ou não digital de natureza flexível, isto é, pode ser reutilizado no

processo de ensino. A pesquisadora reitera que esta definição é abrangente, visto que objeto

de aprendizagem pode ser digital ou não digital. E mais uma vez reporta-se a Wiley (2006)

para afirmar que o OA é um recurso de origem digital que “pode ser usado e reutilizado para

apoiar atividades de ensino-aprendizagem.” (Ibidem, 2013, p. 183). Nessa definição, vemos expressa

uma das propriedades dos OAs, que é a reusabilidade que implica tanto em questões de usos do OA

em diferentes contextos de ensino quanto em questões de uso em sistemas operacionais e navegadores

(google, internet explorer, fiferox) distintos. Nesse sentido, Leffa (2006, p. 11) explica que

Uma atividade de ensino criada no sistema operacional Windows, por exemplo,

deve ser capaz de rodar no Linux. Da mesma maneira, no mundo interconectado de

hoje, uma atividade que roda num determinado browser, ou navegador, deve

também rodar em outro, por mais complexa que seja essa atividade.

Sendo assim, entendemos que a reusabilidade implica tanto no uso da atividade

em diferentes contextos de ensino quanto no uso de diferentes sistemas e navegadores, visto

que os objetos digitais devem se adequarem às mudanças do mundo digital, que tem uma

certa instabilidade no que diz respeito ao surgimento de novas ferramentas de navegação ou

de aprimoramento dos recursos já existentes.

Ainda de acordo com Leffa (2006), os OAs possuem três propriedades além da

reusabilidade, a saber: granularidade, recuperabilidade e interoperabilidade. A primeira

consiste na capacidade do OA ajustar-se a outros. Mas isto não é feito de qualquer maneira,

pois, segundo Leffa (2006), reportando-se a Willey (2000), esta combinação ocorre

semelhantemente à combinação atômica, visto que “qualquer átomo não pode ser combinado

com qualquer outro átomo; os átomos só podem ser montados para formar determinadas

estruturas, prescritas por sua estrutura interna; é preciso treinamento para montar os átomos”

(LEFFA, 2006, p. 8 e 9 apud Willey, 2000). Da mesma forma, um OA não se combina a

qualquer OA, pois, para se combinar a outro OA, tem de se levar em consideração a estrutura

do OA; além disso, é preciso treinamento para montar os OAs, isto é, a criação de OAs requer

planejamento tanto no sentido técnico quanto no sentido didático-pedagógico.

Já a recuperabilidade, segundo Leffa (2006), está relacionada às facilidades de

acessibilidade, que envolve um conjunto de informações, conhecidos como metadados: título

24

do objeto, língua usada, descrição, palavras-chave, nome de quem contribuiu etc. Tais

informações ajudam na escolha de qual objeto selecionar, portanto, economizando tempo.

A interporalidade refere-se à capacidade do objeto de aprendizagem adaptar-se

a diferentes mídias, isto é, um objeto de aprendizagem terá de funcionar no Windows, no

Linux ou em qualquer outro sistema operacional, bem como em diferentes objetos:

computadores, tabletes, celulares.

A partir das características descritas e conforme já afirmamos anteriormente, os

OAs e os OEDs são recursos tecnológicos distintos e o que difere tais objetos podemos

afirmar que é, principalmente, o fato dos OEDs não serem recursos que contêm a

característica da reusabilidade, visto que os OEDs estão disponíveis apenas para quem possui

a chave de acesso, ao contrário dos OAs que estão disponíveis nos repositórios, facilmente

acessados via internet.

Como os Objetos Educacionais Digitais que analisaremos neste trabalho são

atrelados aos livros didáticos e, consequentemente, à política pública (o PNLD) responsável

pela distribuição dos livros didáticos no contexto brasileiro, faz-se necessário trazer à baila

algumas informações presentes no Guia de livros didáticos (2015), que contém a resenha do

livro didático Português: linguagem em conexão:

Os OEDs constituem um bom complemento ao trabalho do material impresso.

Trazem um conjunto de recursos (“Infográfico”, “Linha do Tempo”, “Jogo”,

“Animação”, entre outros) que ampliam as atividades propostas na obra. Além do

grande número de imagens e de textos verbais, há também o recurso “Teste”, com

atividades para revisão dos conteúdos explorados nos volumes, muitas das quais

retiradas do ENEM e de outros exames vestibulares de várias universidades

brasileiras. (BRASIL, 2015, p. 64)

Conforme as características descritas, notamos que os OEDs são produzidos com

o objetivo de complementar as atividades do livro impresso e também funcionam como

atividades de fixação dos conteúdos. Nesse sentido, Chinaglia (2016, p. 82-83) classifica os

OEDs em dois grandes tipos: “complementação conceitual/atividade” ou “OEDs como

atividades práticas”. O primeiro grupo é dividido em subtipos: complementação conceitual,

complementação conceitual/atividade e complementação temática. A complementação

conceitual ocorre para complementar a explicação que há no livro didático; a

complementação conceitual/atividade são aqueles objetos educacionais em que, além de

complementar um assunto, há também atividades em sua interface, tendo, portanto, natureza

híbrida: contém conceituação e atividades; já a complementação temática são aqueles OEDs

que complementam capítulos ou temas de determinada leitura.

25

Em relação aos OEDs como atividades práticas, segundo Chinaglia (2016), são os

OEDs em que há predominância de atividades em sua interface. Os OEDs como atividades

práticas não se confundem com os OEDs do tipo complementação conceitual/atividade, pois

naqueles há predominância de atividades, ao passo que nestes últimos ocorre a hibridização,

conforme descrevemos acima.

Convém salientarmos também que os OEDs para o ensino de língua portuguesa

foram propostos pela primeira vez no edital de 2012 destinado aos alunos do ensino

fundamental II e era disponível em formato DVD. No entanto, foi no edital de 2013,

destinado à produção de livros didáticos para o Ensino Médio, que se propôs o livro didático

digital, isto é, livros didáticos que apresentam “conteúdos dos livros impressos

correspondentes integrados a objetos educacionais digitais” (BRASIL, 2013, p. 3). Nos editais

subsequentes (O3/2014, 04/2015, 05/2016), os OEDs foram, aos poucos, sendo suprimidos

dos livros didáticos produzidos pelo PNLD.

A respeito dessa regressão dos OEDs dos livros didáticos do PNLD, Chinaglia

(2017, p.148-149) levanta três hipóteses: a primeira tem relação com a imaturidade dos alunos

para lidar com tais recursos, por esse motivo, os OEDs foram eliminados do edital 2016,

entretanto a própria autora refuta essa hipótese, pois esses recursos também foram suprimidos

no edital de 2017, que trata da produção dos livros destinados aos alunos do Ensino Médio; a

segunda hipótese diz respeito à estrutura da escola quanto a equipamentos tecnológicos; a

terceira hipótese está relacionada à falta de preparo das editoras, pois, segundo a autora, estas

não contam com verbas que se destinem à produção de OEDs, sendo, por exemplo, necessária

a contratação de profissionais não vinculados às editoras para a produção de tais recursos.

Além dessas três hipóteses, Chinaglia (2017) também considera que a falta de clareza das

avaliações também influenciou a extirpação dos objetos educacionais digitais, uma vez que

“contam com critérios técnicos para compra, apresentados apenas no Edital de 2014 e

critérios pedagógicos muito genéricos em todas as edições, explicitados apenas no Guia do

livro didático” (CHINAGLIA, 2017, p. 149).

Diante dos fatos, consideramos que a retirada dos OEDs do PNLD consiste em

um retrocesso em relação à implantação das tecnologias digitais no contexto escolar pelas vias

do PNLD. Isto acarreta perdas, pois tais recursos, além de complementar os conteúdos dos

livros didáticos, também são possibilidades para a exploração dos modos e recursos

semióticos.

26

Na próxima seção, vamos discutir o principal enfoque teórico dessa pesquisa, isto

é, as concepções de ensino, as concepções de língua(gem), incluindo as concepções de

gramática, leitura/literatura e produção de texto.

2.2 CONCEPÇÃO DE ENSINO

Todo material, seja impresso ou digital, produzido para ser aplicado no contexto

escolar está inserido em uma concepção de ensino. Conforme Halliday (1974), há três tipos

ou abordagem de ensino para tratar o fenômeno da língua(gem): ensino prescritivo, ensino

descritivo e ensino produtivo. O ensino prescritivo consiste na substituição de habilidades já

adquiridas por outros padrões privilegiados da língua materna, tendo como foco a variedade

de prestígio da língua. Neste sentido, Halliday (1974, p. 261), afiança que

o ensino prescritivo significa, portanto, selecionar os padrões em qualquer nível, que

são favorecidos por alguns membros da comunidade linguística, inclusive os mais

influentes, e usar práticas padronizadas de ensino, para persuadir as crianças a se

conformarem àqueles padrões.

Observa-se, de acordo com o excerto acima, que a abordagem prescritiva elege as

manifestações linguísticas com base em um critério social, isto é, aquelas utilizadas pelos

usuários influentes (de maior poder aquisitivo) da língua, por isso, o enfoque das propostas de

língua que se pautam pela abordagem prescritiva são, fundamentalmente, as convenções, as

técnicas do fenômeno linguístico, com o intuito de substituir os padrões linguísticos já

adquiridos pelos usuários da língua. Neste tipo de ensino há, portanto, um privilégio de uma

única variedade de língua (a variedade escrita culta) que, segundo Travaglia (2002, p. 38) tem

como um de seus objetivos básicos a correção formal da linguagem.

Ainda em relação ao ensino formal do fenômeno da língua, salientamos que há

uma certa tendência, provinda do senso comum, de atribuir ao ensino de certos pontos ou

temas da língua, por exemplo, a ortografia e a pontuação, como temáticas próprias do ensino

prescritivo, o que pode gerar uma certa rejeição a estes assunto em contextos de ensino e

aprendizagem da língua materna. No entanto, sabemos que, neste caso, trata-se de assuntos

que fazem parte do estudo da língua, independente da concepção de ensino, visto que, neste

caso, não há padrões que devem ser alterados, substituídos pelos padrões que os usuários da

língua já detêm, pois tais assuntos fazem parte da natureza formal da língua, e que devem, em

um momento oportuno, ser ensinado na sala de aula, com o objetivo de se somarem às

27

competências e habilidades linguísticas do aluno. Por isso, mesmo que em contextos de

ensino e aprendizagem em que se aborde a língua pelo viés dos tipos de ensinos produtivo e

descritivo, em detrimento do ensino prescritivo, haverá espaço para a aprendizagem desses

assuntos mais técnicos. Logicamente, que este espaço será menor do que em abordagens que

se embasam pelo ensino prescritivo, uma vez que, conforme afirmamos anteriormente, neste

tipo de ensino, há o privilégio de uma só variedade da língua e o menosprezo das demais.

Por privilegiar apenas a variedade escrita culta da língua, o ensino prescritivo

“pauta-se especialmente em regras do bem falar e do bem escrever” (ARAÚJO, 2013, p. 194),

por esse motivo, a maioria das atividades são baseadas na dicotomia clássica certo x errado.

Por ser embasada em tal dicotomia, este tipo de ensino tem a gramática normativa como a

teoria central de suas propostas. Sendo assim, esse tipo de ensino busca atingir dois tipos de

objetivos: a) levar o aluno a dominar a norma culta ou língua padrão; b) ensinar a variedade

escrita da língua (TRAVAGLIA, 2002, p. 39).

Faz-se necessário ainda fazermos uma ponderação de que o ensino prescritivo não

constitui, em si, um malefício para o ensino de língua materna. A questão aqui diz respeito ao

enfoque dado ao ensino prescritivo, isto é, no ensino de língua materna há espaço para esse

tipo de ensino, porém as propostas de ensino de língua materna não devem ser embasadas,

como comumente observamos, majoritariamente, no ensino prescritivo. Halliday (1974, p.

264), referindo-se ao ensino de língua inglesa, salienta que

Se o ensino prescritivo ocupar mais do que uma pequena fração do tempo total do

ensino de língua materna estabelece-se no espírito dos alunos uma falsa imagem de

natureza da linguagem. [...] Se ademais disso, o ensino for prescritivo, só devemos

culpar a nós mesmos se criamos gerações de analfabetos e de pessoas que

pronunciam as palavras de modo errado. [...] Não é culpa deles se sua imagem

principal de língua inglesa é esta: “indique o que está errado nas seguintes frases”.

Dessa forma, compreendemos que o ensino prescritivo pode ocupar determinada

função no ensino de uma língua, todavia fica claro que este tipo de ensino não é o principal

enfoque da língua, uma vez que a maneira como a língua funciona e a importância que

desempenha na vida do ser humano, do âmbito pessoal ao âmbito profissional, não se

restringe a prescrições.

Com relação ao ensino descritivo, podemos afirmar que ele tem como parâmetro a

funcionalidade da língua, isto é, o foco desse tipo de ensino é descrever a língua em suas

atualizações, em seu estado de uso. Esse tipo de ensino estabelece ligação direta com as

28

pesquisas desenvolvidas em Linguística, sobretudo aquelas que se interessam pelas descrições

da língua a partir de um ponto de vista sincrônico da língua.

Este tipo de ensino, por partir de um ponto de vista funcional, isto é, de

observação e descrição da língua em seu uso real, pode passar a impressão de que é destituído

de uma base teórica rígida, no entanto, não procede, pois, conforme elucidamos acima, o

ensino descritivo está embasado na pesquisa Linguística e, por isso, pressupõe de teoria.

Geralmente, há certa oposição entre o ensino prescritivo e o ensino descritivo. Como o

enfoque desta pesquisa não é eleger qual é o melhor tipo de ensino, faz necessário apenas que

se compreenda a diferença entre as propostas do ensino descritivo em relação ao ensino

prescritivo. Este último dá ênfase às terminologias para sustentar sua abordagem, ao passo

que o ensino descritivo segue o princípio de que “muita coisa pode ser feita com o mínimo de

terminologia. Não é necessário dar os nomes das categorias linguísticas com o fim de mostrar

como funcionam.” (HALLIDAY, 1974, p. 271). Entretanto, essa diferenciação não implica

dizer que o ensino descritivo não possua um alicerce teórico e se desenvolva a partir de uma

perspectiva de que na língua “vale tudo”. Este tipo de ensino leva em consideração as teorias

fornecidas por profissionais como os linguistas e os foneticistas. Halliday (1974) estabelece

cinco estratos, que podem ser entendidos como caminhos teórico-metodológicos pelos quais

as abordagens de ensino descritivo se orientam, que estão sintetizados em conformidade com

as palavras do autor, abaixo:

1° estrato: o trabalho sobre a teoria linguista feito por linguistas e

foneticistas, que são divulgados pelos periódicos e livros;

2° estrato: uso da teoria para descrever as línguas reais, isto é, explicações

sobre a categoria da gramática, da fonologia e da fonética;

3° estrato: a descrição da língua para aqueles que a ensinam;

4º estrato: a divulgação da elaboração das descrições para os alunos por meio

de compêndios;

5° estrato: os métodos seguidos pelos professores que mostram a língua em

funcionamento.

Desta maneira, fica claro que o ensino descritivo bebe em fontes teóricas rígidas,

pois os foneticistas e os linguistas fornecem descrições que desembocam no trabalho da sala

de aula. É necessário ainda esclarecermos que o ensino descritivo também considera a

gramática normativa, conforme explica Travaglia (2002, p. 39):

O ensino descritivo existe não só a partir das gramáticas descritivas, mas também no

trabalho com as gramáticas normativas; todavia, nestas a descrição feita é só da

29

língua padrão, da norma culta escrita e de alguns elementos da prosódia da língua

oral, enquanto nas descritivas trabalha-se com todas as variedades da língua.

Compreendemos, desta forma, que, da mesma maneira que constitui um equívoco

em abordagens do ensino prescritivo ocorrer uma desconsideração das variedades não-padrão

da língua, também anular o ensino da gramática normativa em propostas sedimentadas no

ensino descritivo é uma prática inadequada. Este último tipo de ensino lida, consoante o

trecho acima, com as variedades da língua, nas quais estão incluídas a variedade do português

padrão, que se embasa na gramática normativa.

Feitos os devidos esclarecimentos sobre o ensino descritivo, convém ainda

ressaltar que os objetivos deste tipo de ensino no que diz respeito à língua materna são:

a) levar ao conhecimento da instituição social que a língua representa: sua estrutura,

seu funcionamento, sua forma e função; b) ensinar o aluno a pensar, a raciocinar, a

desenvolver o raciocínio científico, a capacidade de análise sistemática dos fatos e

fenômenos que se encontram na natureza e na sociedade. (TRAVAGLIA, 2002, p.

39).

Conforme esclarece Travaglia (2002), as propostas que se sustentam pelo ensino

descritivo não podem desconsiderar a natureza formal muito menos a natureza social da

língua, ou seja, da mesma forma que é importante para o usuário da língua saber empregar

corretamente um verbo fazendo as devidas flexões em relação ao tempo e ao modo verbais é

também essencial saber qual a implicação que o uso de determinado verbo causa socialmente.

Além disso, as atividades descritivas de uso da língua têm de desenvolver habilidades de

pensamento e raciocínio científico. Isto implica dizer que, ao utilizar determinadas palavras

ou determinada variedade de linguagem, o aluno realiza operações que ativam seu raciocínio

científico, principalmente, quando ele está diante de situações de argumentação. Essas

habilidades de raciocínio servem-se também a outras áreas de estudo, mais especificamente,

às ciências exatas e da natureza, em que o raciocínio científico é primordial.

O outro tipo de ensino que pode ser usado para tratar da abordagem do ensino na

sala de aula denomina-se ensino produtivo. Ao contrário do ensino prescritivo em que o foco

é a substituição de padrões linguísticos do aluno, as abordagens que se alicerçam no ensino

produtivo têm por objetivo somar habilidades linguísticas do discente sem desconsiderar as

que ele já tem acumuladas, com a finalidade de que o aluno adquira competências e

habilidades de utilizar a língua em diferentes situações, conforme destaca Halliday (1974, p.

276):

30

Ao contrário do ensino prescritivo, o produtivo não pretende alterar padrões que o

aluno já adquiriu, mas aumentar os recursos que possui, e fazer isso de modo tal que

tenha a seu dispor, para uso adequado, a maior escala possível de potencialidades de

sua língua, em todas as diversas situações em que tem necessidade delas.

Deste modo, contrariamente às propostas do ensino prescritivo, vemos que, no

ensino produtivo, há abertura para o estudo da língua em suas diferentes situações sociais. Isto

é muito positivo, posto que tomar a língua como objeto de estudo em seus diferentes

contextos de atuação desenvolve no aluno um amplo conhecimento sobre a língua tanto no

que diz respeito a vocabulário quanto a mecanismos gramaticais que são acionados em

conformidade com as exigências do contexto de uso da língua. Em palavras simples, estamos

afirmando que, no ensino produtivo, há espaço para estudar os fenômenos linguísticos mais

formais, como ortografia, pontuação (exigidos em contextos escritos formais), até fenômenos

percebidos e utilizados em situações corriqueiras de fala e de escrita. Nesse sentido, as

propostas de estudo de língua que se orientam por uma concepção de ensino produtivo têm

por intuito ampliar o conhecimento e os usos da língua do indivíduo, dando enfoque para as

variedades da língua.

Como no ensino produtivo a atenção é conferida às variedades de uso da língua,

os principais envolvidos no processo de ensino, professor e aluno, necessita de materiais,

compêndios e gramáticas, sendo que “uma parte deste material sem dúvida será apresentada

descritivamente” (HALLIDAY, 1974, p. 277). Como a abordagem dos fenômenos da língua

no ensino produtivo conta com apoio de estudos descritivos, podemos afirmar que há uma

relação de complementação entre o ensino descritivo e o ensino produtivo, visto que

professores e alunos necessitam de abordagens descritivas para compreender os fenômenos

linguísticos, ao passo que os estudiosos que analisam a língua descritivamente precisam que

seus estudos sejam reconhecidos, lidos e utilizados em contextos de ensino.

Pautar o ensino de língua materna pelas perspectivas dos ensinos descritivo e

produtivo significa orientar-se por quatro finalidades:

A primeira é educacional: todos deveriam conhecer alguma coisa sobre o modo

como sua própria língua funciona. A segunda é pragmática: todos precisam aprender

a usar sua língua o mais eficientemente possível. A terceira e a quarta são indiretas,

no sentido em que seu valor está na aplicação, a saber, conhecer a língua materna é

estar bem equipado para aprender uma língua estrangeira e para compreender e

apreciar a literatura pátria (HALLIDAY, 1974, p. 281).

Conhecer, funcionalmente, a língua materna é, portanto, fundamental para a

adquirirmos maior eficiência em nossos usos linguísticos, bem como um requisito necessário

para aprender uma língua estrangeira e compreender a literatura nacional.

31

Ainda faz necessário salientarmos que concordamos com Halliday, quando diz

que todos os três tipos de ensino aqui esclarecidos podem ter “seu lugar nas aulas de língua

materna desde que sejam razoavelmente equilibrados e compreendidos seus diferentes

propósitos” (HALLIDAY, 1974, p. 260). A questão no ensino de língua materna não é eleger

um tipo de ensino como melhor e menosprezar os demais, mas é saber qual o melhor se

adequa ao tópico e ao estágio de estudos da língua.

Discorrer sobre as concepções de ensino implica falar sobre as concepções de

língua(gem), por este motivo, nas próximas seções, iremos discorrer sobre esta temática.

2.2 CONCEPÇÕES DE LÍNGUA(GEM)

O estudo das concepções de língua(gem) acompanhou todo o desenvolvimento da

Linguística, visto que cada corrente dessa ciência criou seus próprios pressupostos para a

análise da língua. Além disso, sabemos que todo recurso utilizado no ensino de língua está

embasado em uma concepção de língua(gem). Salientamos que não iremos aqui fazer um

resgate extensivo de tais concepções, mas somente tentaremos entendê-las, visto que o estudo

das concepções de ensino remete às concepções de língua(gem).

Em nossos estudos, observamos que existem diferentes terminologias para aferir-

se à concepção de língua(gem), a saber: subjetivismo idealista, objetivismo abstrato e

interação verbal (BAKHTIN, 1929 [2014]); linguagem como expressão do pensamento,

linguagem como instrumento de comunicação e linguagem como forma ou processo de

interação (GERALDI, 1999; TRAVAGLIA, 2002); concepção estruturalista e concepção

sociointeracionista (OLIVEIRA, 2009), concepção formalista de linguagem e concepção

funcional e pragmática de linguagem (OLIVEIRA; WILSON, 2016). Oliveira (2009) só

considera duas concepções de língua porque o foco de seu trabalho é o ensino de língua

portuguesa, mais especificamente o ensino de gramática, por isso ele faz esse recorte

considerando a visão estruturalista de língua, que está ancorada nos estudos de Ferdinand de

Saussure, Leonard Bloomfield, Charles Fries e Noam Chomsky; e a visão interacionista de

língua, que de acordo com Oliveira (2009) teve como pano de fundo a virada pragmática

ocorrida na década de 1970 e hoje estabelece relações com os estudos da sociolinguística. Já

Oliveira (2016) nomeia apenas duas concepções de língua(gem) porque o objetivo de seu

artigo é demonstrar as concepções pelo ponto de vista teórico das escolas linguísticas:

32

Estruturalismo e Gerativismo, que a autora relaciona à “concepção formalista” e

Funcionalismo, que a autora relaciona à “concepção funcional e pragmática” da língua(gem).

Nesta pesquisa, elegemos a nomenclatura utilizada por Geraldi (1999) e Travaglia

(2002), visto que se trata de uma terminologia amplamente conhecida entre os pesquisadores

da área, além de ser uma nomenclatura que já traz em si as ideias de cada concepção, o que

facilita o entendimento do leitor, como é a pretensão desta pesquisa.

2.3.1 Língua(gem) como expressão do pensamento

Nessa concepção, como a própria nomenclatura informa-nos, a língua é vista

como expressão da mente, ou seja, a língua é um receptáculo das ideias do indivíduo, o meio

que este utiliza para repassar seus pensamentos. Remetendo a esta concepção, Travaglia

(2002, p. 21) afirma que “[...] a expressão se constroi no interior da mente, sendo sua

exteriorização apenas uma tradução. A enunciação é um ato monológico, individual, que não

é afetado pelo outro nem pelas circunstâncias que constituem a situação social em que a

enunciação acontece.” Dessa forma, entendemos que a língua está em função da mente, visto

que a língua cumpre o papel apenas de traduzir seus pensamentos.

De acordo com Bakhtin/Volochínov ([1929]2014, p. 74), as proposições

fundamentais de língua como expressão do pensamento são assim sintetizadas:

1. A língua é uma atividade, um processo criativo ininterrupto de construção

(energia), que se materializa sob a forma de atos individuais de fala;

2. As leis da criação linguística são essencialmente as leis da psicologia

individual;

3. A criação linguística é uma criação significativa, análoga à criação artística;

4. A língua, enquanto produto acabado (“ergon”), enquanto sistema estável

(léxico, gramática, fonética) apresenta-se como um depósito inerte, tal como a lava

fria da criação linguística, abstratamente construída pelos linguistas com vistas à sua

aquisição prática como instrumento pronto para ser usado.

De acordo com tais proposições, concluímos que, dentro dessa concepção, a

língua materializa-se por meio da fala1, baseia-se em leis da psicologia do indivíduo, ou seja,

a língua é uma atividade sem interrupções, uma criação contínua do indivíduo. Nesse sentido,

o sistema linguístico é um depósito inerte que não sofre a influência do sujeito e da situação

comunicativa.

1 O termo “fala” aqui não está sendo empregada como modalidade da língua

33

A respeito da concepção de língua(gem) como expressão do pensamento, Geraldi

(1999, p. 41) assevera que esta “[...] concepção ilumina, basicamente, os estudos tradicionais.

Se concebermos a linguagem como tal, somos levados a afirmações correntes de que as

pessoas não conseguem se expressar porque não pensam.” Em relação aos estudos

tradicionais, Barcellos (2013, p. 2), informa-nos que eles estão ancorados em uma visão

tradicional da gramática perpassando pelos estudos da tradição gramatical latina, grega,

medieval e moderna. Por haver esta valoração da gramática normativa, as atividades de língua

relacionadas à concepção de língua(gem) como pensamento baseia-se no “certo” e no

“errado”, visto que a tradição gramatical possui uma visão abstrata de língua, isto é, separada

do uso da língua, por isso, Michael Bakhtin (1929, [2014]) denominou tal concepção de

“subjetivismo idealista”, ou seja, uma visão baseada, conforme já nos referirmos, nas leis do

psicologia individual. Portanto, para esta concepção há uma visão imutável de língua, não

havendo, portanto, espaço para uma concepção variável de língua. Como consequência dessa

visão imutável de língua, Fuza, Ohuschi, Manegassi (2011, p. 481) afiançam que “[...] não se

tem abertura para o estudo das variações linguísticas, uma vez que isso implicaria “variações”

de pensamento, algo incabível nesse contexto.” Os autores ainda assinalam que esta

concepção de língua encara o aluno como um agente passivo diante das atividades que lhe são

expostas, uma vez que é impossível o aluno perceber uma evolução, uma historidade da

linguagem e das suas próprias práticas de linguagem e de escrita.

Na próxima subseção, trataremos sobre a concepção de língua(gem) como

instrumento de comunicação.

2.3.2 Língua(gem) como instrumento de comunicação

Nesta acepção, a língua é comparada a um arco-íris imóvel que controla a

atividade individual de fala. Em outras palavras, mesmo que cada ato de enunciação do

indivíduo seja único e diferente de outro ato de enunciação proferido por outro indivíduo, há

entre eles semelhanças normativas: os traços fonéticos, gramaticais e lexicais. Tais traços dão

unidade à língua. Veja que a grande diferença da segunda concepção em relação à primeira

consiste que a primeira focaliza a língua como um produto da mente, esta última constitui o

cerne de todo a epistemologia da concepção de língua como instrumento de comunicação, ao

passo que a concepção de língua(gem) como instrumento de comunicação centra-se no

sistema linguístico e em como a utilização deste sistema (já preestabelecido) serve para a

comunicação.

34

Como a língua, para esta concepção, é vista como um sistema que está a serviço

da comunicação, isto implica dizer que ela possui alguns elementos fundamentais: o código, a

mensagem, um emissor, um receptor, o canal e o contexto2. Tais elementos são essenciais

para que a comunicação se efetive. A este respeito, Travaglia (2002, p. 22, os grifos são

nossos) acentua que

nessa concepção, a língua é vista como um código, ou seja, como um conjunto de

signos que se combinam segundo regras, e que é capaz de transmitir uma

mensagem, informações de um emissor e de um receptor. Esse código deve,

portanto, ser dominado pelos falantes para que a comunicação possa ser efetivada.

Como uso do código que é a língua é um ato social, envolvendo consequentemente

pelo menos duas pessoas, é necessário que o código seja utilizado de maneira

semelhante, preestabelecida, convencionada para que a comunicação se efetive.

A citação acima confirma o que discutimos anteriormente, que a língua(gem) é

um instrumento com a finalidade de atividade comunicativa, o que é perfeitamente

compreensível e aceitável tanto de um ponto de vista científico quanto leigo, entretanto, como

veremos mais adiante, a ênfase dada ao sistema linguístico cria uma visão monológica,

inflexível, inerte de língua.

Da mesma maneira que ocorreu com a primeira concepção de língua,

Bakhtin/Volochinov também resume os postulados da segunda concepção:

1. A língua é um sistema estável, imutável, de formas linguísticas submetidas a

uma norma fornecida tal qual à consciência individual e peremptória para esta.

2. As leis da língua são essencialmente leis linguísticas específicas, que

estabelecem ligações entre os signos linguísticos no interior de um sistema

fechado. Estas leis são objetivas relativamente a toda consciência subjetiva.

3. As ligações linguísticas específicas nada têm a ver com valores ideológicos

(artísticos, cognitivos ou outros). Não se encontra, na base dos fatos

linguísticos, nenhum motor ideológico. Entre a palavra e seu sentido não existe

vínculo natural e compreensível para a consciência, nem vínculo artístico.

4. Os atos individuais de fala constituem, do ponto de vista da língua, simples

refrações ou variações fortuitas ou mesmo deformações de formas normativas.

Mas são justamente estes atos individuais de fala que explicam a mudança

histórica das formas da língua; enquanto tal, a mudança é, do ponto de vista do

sistema, irracional e mesmo desprovida de sentido. Entre o sistema da língua e

sua história não existe nem vínculo nem afinidade de motivos. Eles são

estranhos entre si. (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, [1929], 2014, p. 85)

De acordo com as proposições acima, para a segunda concepção, a língua é um

sistema em si mesmo, por isso mesmo normativo e orientado por leis internas. Não há, para a

concepção de língua como instrumento de comunicação, qualquer abertura para a

interferência do sujeito no sistema linguístico, consequentemente, há a eliminação da natureza

histórica da língua. Sobre este postulado da segunda concepção, Bakhtin/Volochínov ([1929],

2 O termo “contexto” não está se referindo a contexto social, mas a referente, conforme propõem os formalistas.

35

2014, p. 83) destaca que “a lógica da história da língua é a lógica dos erros individuais ou dos

desvios.” Desta forma, concebe-se que qualquer regra que fuja das leis do sistema linguístico

representa um desvio ou erro.

Conforme os teóricos aqui tomados como base teórica, subentendemos que as

duas concepções de língua(gem) (língua(gem) como expressão do pensamento e como

instrumento de comunicação) compartilham características em comum: a desconsideração do

contexto social da língua e do interlocutor. Provavelmente, foi a ausência destes dois aspectos

que motivaram Oliveira (2009) e Oliveira (2016), ao se referirem à temática da concepção de

linguagem, agruparem, em um tom resumido, as duas primeiras concepções em uma só

nomenclatura: concepção estruturalista, terminologia escolhida por Oliveira (2009) e

concepção formalista, nomenclatura utilizada por Oliveira (2016).

Antes de adentrarmos aos pressupostos da terceira concepção, reproduzimos aqui

as palavras de Oliveira (2016) que, embora desenvolva uma discussão sob a perspectiva das

escolas linguísticas, resume a linha de pensamento das duas concepções discutidas

anteriormente. Vejamos a alusão a esta concepção nas palavras da própria autora:

[...] ao adotarmos um enfoque estruturalista — que ver a língua como um sistema

virtual, abstrato, apartado das influências das condições interacionais — ou um

enfoque gerativista — para o qual a gramática das línguas é um processo mental e

inato, fundado num conjunto de princípios universais—, estamos, na verdade,

assumindo uma concepção formalista de linguagem (OLIVEIRA, 2016, p. 236).

A influência das concepções discutidas ainda são perceptíveis no contexto

brasileiro do ensino de língua portuguesa, visto que, conforme assinala Oliveira (2016), esta

concepção é antiga e de forte prestígio. Além disso, a vinda de Roman Jakobson ao Brasil em

1968 contribuiu para o alicerce, principalmente da concepção de língua(gem) como

instrumento de comunicação, no ensino de língua portuguesa, pois a sua palestra ocorrida em

São Paulo marcou a comunidade acadêmica, além de ter influenciado em documentos legais.3

Por esse motivo, algumas propostas de ensino-aprendizagem dispostas em materiais didáticos,

como o livro didático, estão respaldadas nessa segunda concepção de língua(gem).

Na subseção seguinte, discutiremos a terceira concepção de língua(gem).

3 A este respeito conferir os trabalhos de Winch e Nascimento (2013) disponível em:

https://bibliotecadafilo.files.wordpress.com/2013/10/winch-nascimento-a-teoria-da-comunicac3a7c3a3o-de-

jakobson-suas-marcas-no-ensino-de-lc3adngua-portuguesa.pdf

36

2.3.3 Língua (gem) como processo de interação

Ao contrário das duas concepções de língua(gem) apresentadas anteriormente, a

concepção de língua(gem) como processo de interação enfatiza a natureza interacional da

língua, isto é, considera os elementos constitutivos da interação social — o contexto e o

interlocutor— minimizados pelas duas concepções de língua(gem) discutidas anteriormente.

A este respeito, Travaglia (2002, p. 23) assegura que “a linguagem é pois um lugar de

interação humana, de interação comunicativa pela produção de efeitos de sentido entre

interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um contexto sócio-histórico e

ideológico. Em outras palavras, a linguagem, para a concepção de língua(gem) como processo

de interação, é consubstanciada pelos usuários da língua, situada no tempo e no espaço, isto é,

em um contexto social, portanto, recebe influência ideológica do espaço em que está inserida.

Para esta concepção, a língua está a serviço da comunicabilidade dos falantes. É

necessário salientar aqui que o termo comunicabilidade não está sendo utilizado com a mesma

acepção de seu correlato, comunicação, foi utilizado quando nos reportamos à concepção de

língua(gem) como instrumento de comunicação, visto que, para a concepção de língua como

interação, ou seja, a língua não apenas transmite informações, mas também modifica, age

sobre o interlocutor, pois, conforme afiança Geraldi (1999, p. 28),

[...] mais do que possibilitar uma transmissão de informações de um emissor a um

receptor, a linguagem é vista como um lugar de interação humana. Por meio dela, o

sujeito que fala pratica ações que não conseguiria levar a cabo, a não ser falando;

com ela o falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos e vínculos que

não preexistiam à fala.

Vemos, na citação acima, a consideração apenas do ato de fala, entretanto,

assinalamos que qualquer produção humana, seja na modalidade oral ou escrita, gera

interação, isto é provoca no outro uma reação, por conseguinte, uma modificação.

Após compreendermos, de forma geral, a concepção de língua(gem) como

processo de interação, faz-se necessário informar que esta concepção recebe a influência de

Michael Bakhtin ([1929] 2014), visto que foi este teórico que refutou alguns postulados do

subjetivismo idealista (língua como expressão do pensamento) e do objetivismo abstrato

(língua como instrumento de comunicação), a fim de elaborar a tese de que a substância da

língua é constituída pela interação verbal:

[...] a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de

formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psico-

37

fisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada

através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a

realidade fundamental da língua.

Desta maneira, Bakhtin ([1929] 2014) nega a essência da teorização linguística

das duas concepções anteriores, visto que, para ele, a substância da língua não está

relacionada ao sistema de normas da língua, como prever o objetivismo abstrato, tampouco é

substanciado pelo pensamento interior (ato psico-fisiológico), como o subjetivismo idealista

credita. O teórico russo estabelece que a atividade de língua(gem) realiza-se, essencialmente,

por meio da enunciação ou das enunciações, que é “[...] o produto da interação de dois

indivíduos socialmente organizados[...]” (Bakhtin/Volochinov, [1929]2014, p. 126). Observa-

se que com essa simples definição de enunciação há a extração do papel do outro

(interlocutor) e do contexto social. Este último, consoante defende o próprio autor, é quem

organiza a enunciação, isto é, a atividade de linguagem depende de regras do meio social, ou

seja, regras que ultrapassam a organização interna das formas linguísticas, recebendo

influência de regras extralinguísticas, ou seja, provenientes do meio social em que o indivíduo

está inserido.

Outra questão posta em cheque por Bakhtin/Volochínov ([1929] 2014, p. 128) diz

respeito à evolução da língua por meio da interação verbal, pois, segundo o autor, “a língua

vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico

abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes.” Em vista das

decisões teóricas, as duas acepções anteriores de língua(gem) — língua(gem) como expressão

do pensamento e língua(gem) como instrumento de comunicação — não consideravam a

história, a diacronia da língua, visto que a primeira concepção baseava seus estatutos no

psicologismo individual, ao passo que a segunda embasava-se na ideia de língua como um

sistema abstrato.

Após defender a tese de que a verdadeira substância da língua é a interação verbal

realizada por meio das enunciações, Bakhtin/Volochínov ([1929] 2014, p. 131-132)

estabelece as proposições da língua(gem) como instrumento de interação:

1. A língua como sistema estável de formas normativamente idênticas é apenas

uma abstração científica que só pode servir a certos fins teóricos e práticos

particulares. Essa abstração não dá conta de maneira adequada da realidade concreta

da língua.

2. A língua constitui um processo de evolução ininterrupto, que se realiza

através da interação verbal social dos locutores.

38

3. As leis da evolução linguística não são de maneira alguma as leis da

psicologia individual, mas também não podem ser divorciadas da atividade dos

falantes. As leis da evolução linguística são essencialmente leis sociológicas.

4. A criatividade da língua não coincide com a criatividade artística nem com

qualquer outra forma de criatividade ideológica específica. Mas, ao mesmo tempo, a

criatividade da língua não pode ser compreendida independentemente dos conteúdos

e valores ideológicos que a ela se ligam. A evolução da língua, como toda evolução

histórica, pode ser percebida como uma necessidade cega de tipo mecanicista, mas

também pode tornar-se ‘uma necessidade de funcionamento livre’, uma vez que

alcançou a posição de uma necessidade consciente e desejada.

5. A estrutura da enunciação é uma estrutura puramente social. A enunciação

como tal só se torna efetiva entre falantes. O ato de fala individual (no sentido

escrito do termo ‘individual’) é uma contradictio in adjeto.

Observamos que nas proposições 1 e 3, o teórico faz algumas contestações às

concepções de língua(gem) como expressão do pensamento (subjetivismo idealista) e como

instrumento de comunicação (objetivismo abstrato). Em 1, Bakhtin /Volochínov critica o fato

de a concepção como instrumento de comunicação portar-se apenas pela normatividade

criando uma visão de língua mecânica, que serve para finalidades científicas, entretanto não

revela a natureza prática da língua(gem). Em 3, o autor afirma que a realidade da língua

também não se baseia no psicologismo individual, todavia, ele pondera que não se pode

dissociar a psicologia das atividades do falante. Entretanto, ele afirma que a evolução da

língua obedece às leis sociológicas. Em 2, 4 e 5 o autor confirma que a natureza da língua é

socioideológica. Em 2, Bakhtin/Volochínov afirma que a evolução da língua se concretiza por

meio da interação verbal social dos locutores. Em 4, o autor afirma que a compreensão da

língua não pode ser separada de seus valores ideológicos, embora não possamos reduzir a

criatividade da língua a aspectos ideológicos. Em 5, o teórico assevera que a enunciação, o

produto da interação entre indivíduos, é puramente social, chegando até a afirmar que o ato de

fala individual é uma contradição a ser desprezada, desconsiderada, isto é, a língua(gem), para

Bakhtin, é tão social, que influencia a natureza linguística individual do falante.

Até aqui debatemos, de maneira geral, a respeito das concepções de ensino e de

língua(gem) que influenciam o ensino de língua materna. Na próxima subseção, discutiremos,

de forma específica, sobre as concepções de leitura, gramática e produção de texto, visto que,

por meio das abordagens destes eixos, sejam por meio das aulas de professores ou das

propostas em livros didáticos e outros materiais didáticos complementares, percebemos a

atuação das concepções de ensino e de língua(gem).

Primeiramente, discutimos as concepções de leitura, posteriormente, falamos das

concepções de gramática e produção de texto. Escolhemos esta ordem, porque é a que aparece

39

no livro Português: linguagem em conexão, livro que comporta os OEDs, que constituem o

corpus desta análise.

2.2.3. 1 Concepções de leitura

A leitura, como sabemos, é uma prática valorizada socialmente, e de

responsabilidade da instituição escolar, visto que a própria aprendizagem de leitura,

geralmente, ocorre na escola. Embora reconheçamos que, no contexto do século XXI há

várias possibilidades de influência para a aquisição e posterior consolidação do hábito da

leitura por um indivíduo, a escola ainda exerce essa função por meio do ensino de leitura no

qual entram os gostos de leitura. Além disso, a leitura, ou qualquer outro conteúdo tornado

tema de ensino, é orientada por uma concepção de ensino, e, consequentemente, por uma

concepção de língua(gem), conforme discutimos anteriormente. Isso quer dizer que, para cada

concepção de ensino e de língua(gem), há uma forma de conceber a leitura.

Para a concepção de língua(gem) como expressão do pensamento “a prática de

leitura é usada apenas para exteriorizar o pensamento, avaliando-se o seu domínio pela

capacidade de o indivíduo expressar-se corretamente pela oralidade” (FUZA; OHUSCHI;

MENEGASSI, 2011, p. 483). Percebe-se, portanto, que a leitura é vista como a representação

da mente do autor na modalidade oral da língua, isto é, com vista ao seu desenvolvimento na

oratória. Desta forma, há uma centralidade do processo de leitura na figura do produtor de

texto, restando ao leitor apenas capturar as ideias deste último. A este respeito, Koch e Elias

(2006, p. 11) enfatizam que

a leitura, assim, é encarada como a atividade de captação das ideias do autor, sem se

levar em conta as experiências e os conhecimentos do leitor, a interação autor-texto-

leitor com propósitos constituídos sociocognitivo-interacionalmente. O foco de

atenção é, pois, o autor e suas intenções, e o sentido está centrado no autor, bastando

tão-somente ao leitor captar suas intenções.

Salientamos também que para esta concepção de leitura, que predominou no

ensino de língua portuguesa na década de 1960, havia a utilização de textos literários, que

além de serem utilizados para este intuito, são usados como pré-requisito de uma escrita

correta. Como a literatura é utilizada para uma atuação correta da língua na modalidade oral e

escrita, isto implica dizer que há concepções de literatura naturalizadas no contexto escolar. A

este respeito, Geraldi (1999, p. 21) elenca alguns significados da palavra literatura:

1. A literatura como instituição nacional, como patrimônio cultural;

2. A literatura como sistema de obras, autores e públicos;

40

3. A literatura como disciplina escolar que se confunde com a história literária;

4. Cada texto consagrado pela crítica como sendo literário;

5. Qualquer texto, mesmo não consagrado, com intenção literária, visível num

trabalho da linguagem e da imaginação, ou simplesmente esse trabalho enquanto tal.

Segundo o autor, na época em que escreveu o texto, o ensino de literatura na

escola era concebido de acordo com as acepções 1, 3 e 4. No século XXI, ainda percebe-se

que o ensino de literatura no ensino médio é pautado por essas práticas, pois, como alude

Oliveira (2010, p. 172),

a disciplina literatura, presente no currículo de todas as escolas de ensino médio no

Brasil, deveria se chamar história da literatura. Afinal, os professores dessa

disciplina têm de abordar os movimentos literários cronologicamente, apresentando

aos alunos as características prototípicas de cada movimento e os autores

tradicionalmente considerados os mais representativos desses movimentos e suas

características mais proeminentes.

Prosseguindo com a discussão, Oliveira (2010) afiança que “a literatura tem sido

abordada na escola como um objeto de estudo, mas não tem sido vista como meio para

desenvolver a capacidade do estudante de usar a língua.” O que corrobora com o pensamento

de Geraldi (1999) que, embora não descarte a acepção 2, alerta para a importância de nos

primeiros contatos do aluno de nível básico com textos literários, servir-se para a prática da

leitura e da escrita, ou seja, para a ampliação da competência linguística do aluno. Depois

disso, este teórico aconselha que ocorra um aprofundamento da literatura com base em seus

sistemas de obras e autores.

Em relação à acepção 5, que versa sobre a atribuição de estatuto de texto literário

a textos consagrados e não-consagrados pela crítica, sendo necessário que ocorra um trabalho

com a linguagem com intenção literária, Geraldi (1999) defende que tal concepção favorece

um ensino amplo da literatura. Logicamente, há bons autores desconhecidos daquilo que os

críticos literários propõem como boa literatura ou mesmo que ficam de fora da seleção feita

nos livros didáticos. Entretanto, colocar todos os escritores de literatura no mesmo grupo pode

até ser audacioso, mas na prática não funciona, visto que os textos literários e não-literários se

distinguem sejam pelas características estilísticas do autor ou pelas características de cada

movimento literário do qual o escritor faz parte.

A respeito da segunda concepção de língua(gem), língua(gem) como instrumento

de comunicação, a leitura, de acordo com Fuza, Ohuschi, Menegassi (2011, p. 9), é concebida

como um processo de decodificação, que em linhas gerais, consiste na apreensão do texto por

meio dos símbolos escritos, ou seja, “caminhando letra por letra, palavra por palavra, o leitor

chega, sem problemas, ao conteúdo do texto lido”. Esta afirmação é compreensível e

41

irrefutável, visto que não compreendemos um texto escrito sem depreendermos os símbolos

linguísticos. O problema é que, para a segunda concepção, o processo de leitura completa-se

com a decodificação, sendo, portanto, a prática da leitura algo mecânico, em detrimento, da

reflexão.

Além disso, verifica-se que o foco recai no texto, concebido como código. Deste

modo, “a leitura é uma atividade que exige do leitor o foco no texto, em sua linearidade, uma

vez que ‘tudo está dito no dito’” (KOCH e ELIAS, 2006, p. 10), ou seja, é a estruturação do

texto a responsável pelo sentido.

Em relação à terceira concepção de língua(gem), concebida como língua(gem)

como interação, a leitura é como um processo de construção, em que, para a construção do

sentido, há a interação entre três elementos o leitor, o texto e o autor, por esse motivo, a

prática da leitura “não é tida apenas como uma prática de extração, haja vista que implica

compreensão e conhecimentos prévios que são constituídos antes mesmo da leitura.” Nota-se,

portanto, que é posto em cheque as formas de compreensão da leitura, visto que o sentido de

determinado texto não é apenas um exercício de extração da mente do indivíduo, como propôs

a concepção de língua(gem) como expressão do pensamento. Também não se concentra nas

formas linguísticas empregadas no texto, como compreendem os adeptos da concepção de

língua(gem) como instrumento de comunicação. Na perspectiva da língua(gem) como

interação, há uma abertura para a reflexão, pois

Quando se tem uma compreensão promovida pela discussão e pelo diálogo,

demonstrando o ponto de vista e a reflexão de cada sujeito sobre o material lido,

afirma-se que ocorreu uma leitura crítica e que os responsáveis pela compreensão

são leitores proficientes e não meros decodificadores do texto. (KOCH, ELIAS,

2006, p. 9)

É necessário que compreendamos que o processo de decodificação é essencial

para a leitura, entretanto, não pode ficar nos limites internos do código linguístico é preciso

uma transcendência do processo de leitura, isto é, a atividade reflexiva do material lido. Deste

modo, entendemos que a “leitura é, pois, uma atividade interativa altamente complexa de

produção de sentidos, que se realiza evidentemente com base nos elementos linguísticos

presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas requer a mobilização de

um vasto conjunto de saberes no interior do evento comunicativo” (KOCH e ELIAS, 2006, p.

11). Percebe-se que considerar a leitura como uma atividade interativa não significa

desconsiderar a estruturação dos elementos da língua, como a ordenação sintática dos

42

períodos no texto, pois tal organização continua a ser importante para o entendimento da

mensagem do texto.

É preciso considerar ainda que no texto há as intenções do produtor/autor do

material escrito, visto que toda a atividade linguística possui uma intenção comunicativa, o

que nos faz retomar à concepção de língua(gem) como expressão do pensamento. Entretanto,

para a concepção de língua(gem) como forma de interação o leitor não cumpre a função de

apenas capturar as intenções do produtor do texto.

Discutimos anteriormente, quando nos reportamos às duas primeiras concepções

de língua(gem), que a prática da leitura corrobora para um bom desempenho na escrita e na

fala. Para tanto, nas atividades de leitura, eram utilizados textos provenientes da literatura

(primeira concepção de língua(gem)); outrora, a atividade de leitura era centrada na estrutura

do texto, que por si só, continha os sentidos do texto (segunda concepção de linguagem).

Essas duas concepções marcaram as décadas de 60 e 70, entretanto, elas ainda podem ser

percebidas nas aulas de leitura de hoje, bem como nos materiais produzidos para o ensino de

língua portuguesa. De acordo com Coscarelli (2010, p. 15), nas aulas de leitura calcadas

nessas duas concepções de língua(gem) “está a crença de que ler é recuperar sentidos já

previamente estabelecidos pelo autor, ou de que ler é apenas decodificar, transformando letras

em sons”. Ainda de acordo com esta autora, na segunda metade da década de 1980, os

estudos provindos de áreas como a psicolinguística, as ciências cognitivas, a psicologia, a

Teoria da Enunciação, a Análise do Discurso contribuíram para uma compreensão mais

abrangente de leitura, ou seja, a concepção dialógica e interacional de língua, que aqui

chamamos de concepção de língua(gem) como interação. Nesta concepção, conforme já

discutimos, e, a leitura, consequentemente, o texto é tomado como lugar de interação, o que

não quer dizer que a preocupação com a leitura recai só sobre a reflexão, sobre o lado social

da leitura.

Ainda com relação à acepção de leitura não podemos deixar de considerar as

concepções dessa temática no contexto do século XXI, tendo em vista que as TDICs tanto

como forma de novos suportes de expansão da leitura de maneira geral por meio dos

aplicativos de leitura, denominados e-reards, quanto novas possibilidades de produção de

textos literários e não-literários.

No século XXI, estamos envoltos por várias mídias, isto é, “mídias que se

influenciam, a ponto de muitas características da web se parecerem com o impresso, outras

serem imitações da televisão etc.” (RIBEIRO, 2012, p. 28). Vivemos, portanto, imersos em

um mundo em que tecnologias antigas, como o livro e as televisões convencionais, convivem

43

com tecnologias modernas, como as tecnologias digitais (computadores, notbooks, tablets,

smartfones, smartvs). Há, portanto, em toda a parte, vários objetos em que a prática da leitura

é constante.

Na subseção seguinte, discorremos sobre a concepção de gramática.

2.2.3.1 Concepções de gramática

Há três formas consagradas de conceber a gramática: a gramática tradicional ou

gramática normativa, gramática descritiva e gramática internalizada (FACHI, 2003;

POSSENTI,1996). A acepção de gramática tradicional ou gramática normativa tem relação

com a capacidade de bem falar e bem escrever, Franchi (2006, p. 16) define esse tipo de

gramática como “conjunto sistemático de normas para bem falar e escrever, estabelecidas

pelos especialistas, com base no uso consagrado pelos bons escritores.” Nota-se, portanto, que

esta acepção de gramática está intrinsicamente ligado à concepção de ensino prescritivo e à

concepção de língua(gem) como pensamento. Relaciona-se com o ensino prescritivo, porque,

conforme destacamos anteriormente, tal concepção de ensino é centrada na norma culta e na

modalidade escrita da língua portuguesa; refere-se à concepção de linguagem como forma de

pensamento, pois, conforme descrevemos anteriormente, nesta concepção a língua(gem) há

uma valorização da gramática normativa e considera-se a língua(gem) como imutável,

consequentemente, não há considerações sobre a variação linguística.

Nesse sentido, Travaglia (2002, p.24) afiança que a gramática normativa é um

manual de regras de bom uso da língua a ser seguidas por aqueles que querem se expressar

adequadamente. Notamos, portanto, que a gramática normativa tem por natureza descrever os

usos da língua e de orientar os falantes a seguirem tais usos preconizados por ela.

A gramáticas normativa, certamente, é uma das acepções mais difundidas no meio

escolar, pois de acordo com Possenti (1996, p.64) esta concepção é, em geral, está presente

nos livros didáticos e nas gramáticas pedagógicas. Embora, saibamos que há avanços em

decorrências das pesquisas em Linguística Aplicada na elaboração de livros didáticos.

Ainda com relação à gramática normativa, salientamos que os linguistas não

negativizam ou descartam a acepção de gramática normativa no trato com os fenômenos da

língua portuguesa. Possenti (1996, p. 18) afiança que e o conjunto de regras que são

empreendidos nesse tipo de gramática “[...] se dominadas poderão produzir como efeito o

emprego da variedade padrão (escrita ou oral)”. Nesse mesmo sentido, Franchi (2006, p. 31 e

32) afirma que provavelmente se possa pensar, em períodos bem mais avançados do

44

desenvolvimento dos alunos, em um aproveitamento da gramática dos gramáticos (gramática

normativa) e da gramática dos linguistas (ou seja, gramática descritiva, a qual será esclarecida

adiante) em aspectos de reestruturação e de recomposição dos textos.

Portanto, é importante que fique claro, neste trabalho, também consideramos que

a gramática normativa tem espaço na abordagem de língua portuguesa presentes nos livros

didáticos. No entanto, há dois pontos que devem ser considerados: o estágio de

desenvolvimento linguístico dos alunos, isto é, os pontos da gramática normativa devem ser

considerados conforme os alunos estão avançando em seus estudos sobre a língua, levando

sempre em conta a relação intrínseca entre texto e gramática; não valoração somente deste

tipo de gramática, esta postura pode levar o aluno ou mesmo o professor a enxergar esse tipo

de gramática como único ou mesmo como sinônimo de língua, e ainda a criar em torno da

língua preconceitos linguísticos. Portanto, consideramos necessário também fazer-se alusão

aos fenômenos linguísticos tais como eles ocorrem, o que leva a outra concepção de

gramática: a descritiva.

A gramática descritiva segundo Possenti (2006, p.60) trata-se do “conjunto de

regras seguidas”, ou seja, nesta acepção de gramática há a descrição e/ou explicação dos

fenômenos da língua como eles ocorrem, por isso, este tipo de gramática estabelece forte

relação com o ensino descritivo, visto que este parte do estudo da língua em seu estado de

uso.

Travaglia (2002, p.32) define a gramática descritiva como aquela que descreve e

registra para uma determinada variedade da língua em dado momento da sua existência as

unidades e categorias linguísticas e o funcionamento desses elementos, os modos e as

condições de uso”. Assim sendo, entendemos que nesta acepção há a consideração de que a

língua é heterogênea, visto que a descrição é feita tendo em vista determinada variedade, quer

seja a culta ou a coloquial; além disso, as descrições dos fenômenos linguísticos são visto em

“dado momento”, isto é, é vista pelo ponto de vista sincrônico.

Pelo fato de a gramática descritiva preocupar-se com o conjunto de regras que são

seguidas na língua pode implicar certo descompromisso ou gratuidade em relação à análise

das estruturas linguísticas, entretanto, não é a proposta dessa gramática, pois, conforme

enfatiza o linguista Perini (2016) em sua Gramática descritiva do Português brasileiro, a

gramática descritiva objetiva explicar de forma consciente as estruturas da língua e não

apenas investir na memorização de um punhado de informações. Deste modo, o linguista

pretende afirmar a cientificidade da disciplina da gramática.

45

Outra perspectiva de gramática é a gramática internalizada que se trata do

“conjunto de regras que o falante domina” (POSSENTI, 1996, p. 69). Nessa acepção, é

possível reconhecer as sequências de palavras como pertencentes a uma língua não

importando se tais sequências estejam de acordo com certa norma-padrão. Por exemplo,

Possenti (1996, p. 69) cita dois sintagmas: “Os meninos apanham as goiabas” e “Os menino

(a)panha as goiaba”, ambas as frases são identificadas como pertencentes à língua portuguesa,

porque são fonológica e sintaticamente são identificadas como pertencentes ao português e

não ao italiano, ao inglês. Ao referir-se sobre este tipo de gramática, Franchi (2003, p. 25)

afirma que a gramática interna é de natureza biológica e psicológica e que o usuário da língua

a inteoriza desde a mais tenra idade por meio de suas próprias experiências linguísticas. Neste

sentido, podemos dizer que a gramática interna obedece ao limite impostos pela natureza

social e antropológica, pois as experiências dos usuários são mediadas por seu

desenvolvimento em contato com o meio social e com outrem.

Sobre a gramática internalizada temos duas considerações: este tipo de gramática

não tem como tornar-se imediatamente operacional (Franchi, 2003, p. 30), isto é, não tem

como torná-la objeto de estudo e de ensino da língua, posto que seja possível ampliar os

conhecimentos que o falante domina por meio dos outros dois tipos de gramática aferidos

anteriormente. É por não ser operacional que gramática internalizada não tem livro, pois ela é,

a rigor, objeto de estudo das gramáticas descritivas (POSSENTI, 1996, p. 72).

Na próxima subseção, discutimos as concepções de produção textual.

2.3..3.3 Concepções de produção de texto

Assim como há maneiras de conceber a leitura/literatura e a gramática presentes

em recursos didáticos, como os livros didáticos e os OEDs, também há duas concepções de

produção de texto que são preconizadas em tais recursos, a saber: concepção de texto como

um produto e a de texto como processo. A primeira concepção é centrada na língua e no

produtor/escritor do texto, isto é, o foco da elaboração do texto está no código linguístico e na

forma como o escritor é capaz de expressar seu pensamento. Já na segunda concepção, a de

escrita como processo, há a consideração dos aspectos estruturais da língua bem como de

elementos interacionais, como o leitor, a situação comunicativa, o suporte do texto. Nesse

sentido, podemos afirmar que a concepção de produção de texto como processo envolve

elementos linguísticos e elementos extralinguísticos.

46

Quando abordamos a perspectiva de produção de texto como produto, na qual o

foco está no código linguístico, implica dizer que a atenção é dada à “forma, à estrutura tanto

gramatical quanto textual, em detrimento do conteúdo do texto [...]” (OLIVEIRA, 2010, p.

120). Sendo assim, depreendemos que há uma centralidade no código linguístico, o que nos

remete à concepção de ensino prescritivo e à concepção de língua(gem) como instrumento de

comunicação. Remete-nos a este tipo de ensino, porque ele é centrado nas formas e técnicas

linguísticas e estabelece relação com a concepção de língua(gem) como instrumento de

comunicação, porque, nesta acepção, a língua é vista justamente como um código. Não

queremos afirmar que isto seja inaceitável, todavia alimenta uma visão de língua monológica,

consequentemente, uma ideia de produção de texto que desconsidera o conteúdo e

supervaloriza a forma. Em outras palavras, fica embutido no aluno que o sentido dos textos

que ele produz (ou dos textos que ele lê) está no “dito no dito” e não também além do que está

escrito e aquém de quem escreve (KOCH & ELIAS, 2002, p. 33). Esta visão pode impedir

que o aluno perceba as “entrelinhas do texto”, dificultando a formação de sua criticidade.

Ao pontuarmos, quando estamos falando da perspectiva de produção de texto

como produto, que o foco da produção é o escritor/redator significa dizer que o concebemos

como um “ego que constroi uma representação mental, transpõe essa representação para o

papel e deseja que esta seja captada pelo leitor da maneira como foi mentalizada” (KOCH &

ELIAS, 2002, p.33). Aqui, percebemos também os ranços da concepção de ensino prescritivo,

visto que há o desejo, por parte do locutor, de que o seu texto seja entendido somente com

base nos signos linguísticos postos no papel, signos estes que foram efetivados a partir das

mentalidades do produtor de texto. Nesse sentido, também os postulados da concepção de

língua(gem) como forma de pensamento são evidenciados na concepção de produção de texto

como produto, uma vez que nesta concepção as produções linguísticas são vistas a partir do

viés de um sujeito (entenda-se, neste caso, como produtor do texto) individual e psicológico,

ou seja, que se utiliza da língua para manifestar suas ações, provenientes de seu pensamento.

Conforme ficou esclarecido até aqui, conceber a produção de texto como produto

acarreta problemas para o ensino de língua portuguesa, entretanto, é mister pontuarmos, assim

como Oliveira (2010, p.121) o faz, que esta concepção de produção de texto apresenta pontos

positivos que devem ser aproveitados, elucidados no ensino de língua portuguesa, visto que

não podemos minimizar “questões de produção linguística enfatizadas pela concepção da

escrita como produto.” Esta é a mesma linha de raciocínio utilizada, quando mencionamos

que os aspectos técnicos da língua também têm espaço no ensino de língua materna. A

questão sempre está na ênfase demasiada dada a aspectos estruturais em detrimento de

47

aspectos interacionais. Nesse sentido, concordamos mais uma vez com Oliveira (2010, p. 121)

quando alude ao pensamento de Aristóteles (hoje já considerado clichê) de que “o equilíbrio

está no meio”, ou seja, é possível a abordagem de assuntos como ortografia, acentuação,

estruturação e desenvolvimento de parágrafos em favor de uma boa produção de texto que

levam em conta o interlocutor, a situação comunicativa, o suporte, que são vistos pelo viés da

concepção de texto como processo.

A concepção de produção textual como processo está relacionada ao

acompanhamento de todo o processo da produção do texto, portanto, implica “compreender

como [o texto] é produzido, como ganha determinada forma; descobrir o que acontece durante

o ato de produção oral ou escrita” (SANTOS; RICHE; TEIXEIRA, 2012, p. 99). Esta

concepção considera os aspectos linguísticos, que são mais enfatizados na concepção de

produto, mas também aspectos “semânticos-pragmáticos, além das relações entre indivíduos e

a situação discursiva.” (ibidem, 2012, p.100). De forma simples, podemos dizer que esta

perspectiva aborda tanto os elementos linguísticos (gramaticais e textuais) quanto aspectos

extralinguísticos, isto é, de natureza não propriamente da estrutura da língua (uso de palavras

para a construção da materialidade do texto), considerados igualmente importantes nas

atividades comunicativas.

Esta concepção de texto como processo, como o próprio nome informa-nos,

possibilita a escritura do texto por meio de etapas. Oliveira (2010, p. 126) enumera oito etapas

para o processo de construção do texto:

1. escolha do tema e do objetivo que se pretende atingir com o texto;

2. ativação dos conhecimentos prévios e/ou construção de novos conhecimentos

acerca do tema;

3. definição do leitor do texto;

4. escolha das informações; 5.organização da sequência das informações;

6. redação do primeiro rascunho do texto

7. editoração e reescrita do texto

8. revisão e redação da versão final do texto.

Notamos, de acordo com as etapas acima, a delineação da produção de texto tendo

em vista uma concepção de língua(gem) como processo de interação, visto que há a

consideração de um dos elementos importantes da interação social: o leitor do texto. Este tem

seu papel diminuído na perspectiva de texto como produto, que ora centra-se no código

linguístico ora nos pensamentos do produtor do texto.

48

A produção de texto como processo também deve levar em consideração os

elementos da textualidade: a coesão, a coerência, a intencionalidade, a aceitabilidade, a

situacionalidade, a informatividade e a intertextualidade. Antunes (2010 p. 34, grifos da

autora), ao reportar a tais elementos ou propriedades da textualidade faz um agrupamento

prático: “(...) proponho como propriedades do texto, a coesão, a coerência, a informatividade

e a intertextualidade. Proponho como condições de efetivação do texto, a intencionalidade, a

aceitabilidade e a situacionalidade.” Em palavras simples, as “propriedades do texto” são os

elementos linguísticos, isto é, que tem relação com o código linguístico, ao passo que os

“elementos de efetivação” são os elementos extralinguísticos, que dependem dos

interlocutores e da situação de comunicação do texto em que está inserido.

É importante ressaltarmos que essa classificação de Antunes (2010) quanto aos

elementos da textualidade e a sua reprodução nesta dissertação não objetiva estabelecer grau

maior de importância a uns elementos ou a outros, uma vez que todos eles são fundamentais

para o processo de produção textual, por isso, devem ser exploradas pelo livro didático de

português e outros recursos complementares, como é o caso dos OEDs.

Para fins organizacionais, vamos discorrer primeiramente sobre as “propriedades

textuais”, depois faremos comentários sobre as condições de “efetivação do texto”. A coesão

e a coerência estabelecem o encadeamento do texto. A primeira refere-se aos recursos que

encadeiam os vários segmentos do texto (palavras, orações, períodos, parágrafos) de modo a

conferir a continuidade textual. Dentre esses mecanismos de coesão, que não podem deixar de

ser estudados na sala de aula, estão: a repetição de itens lexicais, a elipse, a sinonímia, o

paralelismo, os pronomes, os hiperônimos/hipônimos, as conjunções e locuções

conjuncionais. Conforme alegam Antunes (2010) e Oliveira (2010), tais recursos têm sido

explorados em muitos livros didáticos a partir de um enfoque tradicional, visando à

classificação gramatical, o que ocorre com os pronomes e as conjunções, por exemplo. No

entanto, esses mecanismos devem ser abordados a partir do texto, contribuindo para o

desenvolvimento linguístico e comunicativo do aluno.

A coerência está relacionada ao encadeamento do sentido, conferindo unidade

semântica ao texto, ou seja, essa propriedade contribui para a interpretabilidade de um texto,

pois, para Oliveira (p. 128, 2010), “a coerência não se encontra no texto nem no leitor, mas no

encontro entre leitor e texto”. Portanto, são necessários que no texto estejam empregados os

elementos linguísticos adequados: vocabulário, pontuação, sintaxe.

As outras duas propriedades do texto são a informatividade e a intertextualidade.

Aquela se refere ao grau de novidade que um texto apresenta em determinado contexto da

49

situação comunicativa. É muito importante conscientizar o aluno sobre essa propriedade do

texto, visto que ele precisa saber se fornece informações suficientes para o leitor, bem como

para o alcance de seus intuitos textuais. Já a intertextualidade diz respeito à inserção de outros

textos já em circulação no texto em construção, por isso, é interessante que os recursos

didáticos abordem a intertextualidade, a fim de que o aluno saiba qual o momento adequado

de recorrer ao texto de outrem.

Em relação aos elementos de “efetivação do texto”, Oliveira (2010) destaca que,

por causa do distanciamento entre a universidade e a escola, tais elementos são, dificilmente,

abordados pelos livros didáticos de português e pelos professores. No entanto, sabemos que

os elementos de “efetivação do texto” também são importantes para o conhecimento do aluno

sobre o processo construção textual, visto que “eles têm a ver com as atitudes do usuário do

texto e com o contexto de produção e recepção textual” (OLIVEIRA, 2010, p. 92)

A intencionalidade e aceitabilidade são elementos que estão imbricados, pois a

intencionalidade está relacionada aos intuitos que o redator do texto pretende atingir, ao passo

que a aceitabilidade diz respeito à forma como o leitor recebe o texto. Daí a importância de

produção de um texto tendo em vista sempre o público leitor. Tal informação sobre o público

leitor nem sempre é repassada para o aluno, uma vez que, na escola, frequentemente, o texto é

produzido somente para a apreciação do professor. Outro elemento de textualidade sobre a

qual os alunos devem estar cientes é a situacionalidade, pois diz respeito à situação

comunicativa em que o texto é produzido e lido. Além da focalização dada aos elementos de

textualidade, o que já contribui bastante para a concepção da produção de texto como

processo, é imprescindível a consideração dos gêneros textuais1, que devem ser elucidados

nos recursos didáticos que tratam da língua portuguesa. Isto porque, os gêneros textuais são

entidades: a) dinâmicas, b) históricas, c) sociais, d) situadas, e) comunicativas, f) orientadas

para fins específicos, g) ligadas a determinadas comunidades discursivas, h) ligadas a

domínios discursivos, i) recorrentes, j) estabilizados em formatos mais ou menos claros.

(MARCUSCHI, 2008, p. 159). Em outras palavras, nos gêneros textuais estão embutidos os

elementos das interações sociais.

50

3 METODOLOGIA

Neste capítulo, esclarecemos os caminhos metodológicos que guiaram o estudo

realizado nesta dissertação. Para tanto, discorremos, primeiramente, sobre a abordagem, o

método e procedimentos técnicos que elegemos para consubstanciar a análise; em seguida,

descrevemos o locus dos OEDs, isto é, o LDD Português: linguagem em conexão;

posteriormente, explicamos como ocorreu a seleção das categorias de análise e a organização

da análise dos dados.

3.1 ABORDAGEM, MÉTODO E PROCEDIMENTO TÉCNICO DE PESQUISA

Conforme afirmamos na introdução, esta pesquisa insere-se na área da Linguística

Aplicada, no eixo de estudos que se interessa pela relação entre ensino, linguagem e

tecnologia. Quanto à abordagem, esta pesquisa é qualitativa, visto que nossa postura analítica

é descritiva e interpretativista diante dos OEDs presentes no livro Português: linguagem em

conexão. Consideramos este estudo descritivo, porque descrevemos as amostras, isto é, os

OEDs, utilizando, para tanto, o método indutivo, pois partimos da teoria para análise dos

dados (MOTTA-ROTH; HENDGES, 2010). Além do mais, o estudo é interpretativista, pois,

de acordo com Freitas (2016), esse tipo de postura consiste na “ênfase à descrição detalhada

dos dados e suas interpretações subjacentes, em detrimento de procedimentos de caráter

quantitativo”, é exatamente desta maneira que procedemos em relação aos OEDS, visto que

analisamos os dados a partir da interação entre pesquisador e o corpus, ou seja, os OEDs

analisados nesta pesquisa.

Em relação ao procedimento técnico, isto é, à maneira como obtemos os dados

desta pesquisa, optamos pela análise documental, visto que, assim como Chinaglia (2016) e

Gomes (2017), consideramos o livro didático e os OEDs como documentos que estão

presentes no campo de investigação da educação. Ou seja, consideramos, neste trabalho, o

sentido etimológico de documento (documentum), termo proveniente do vocábulo docere, que

significa ensinar (SILVA, MARTINS, SOBRAL e FARIAS, 2010). Afirmamos ainda que

essa pesquisa se caracteriza como documental, porque o edital 01/2013, documento legal que

51

estabelece a convocação das editoras para a produção de livros didáticos, foi relevante para a

escolhermos a segunda categoria desse estudo, conforme esclarecemos adiante.

Assim como Chinaglia (2016), podemos afirmar também que esta pesquisa é

documental, porque não foi nosso intento analisar o uso dos OEDs no contexto da sala de

aula, o que também seria uma possibilidade para o desenvolvimento de um estudo que se

constitui a partir desses documentos de ensino. Destacamos ainda que não há muitas

pesquisas que consideram o livro didático sob a perspectiva da análise documental na área da

Linguística Aplicada, a este respeito só encontramos dois trabalhos: a dissertação de

Chinaglia (2016), que atesta que os livros didáticos também podem ser considerados “objetos

relevantes de pesquisa documental” (CHINAGLIA, 2016, p. 76); e a tese de Gomes (2017),

que além de considerar o livro didático como documento também considera os OEDs, visto

que no campo educacional também são utilizados outros recursos de ensino, conforme

aferimos nesse texto. Desta maneira os OEDs também podem receber um tratamento

“descritivo, analítico e interpretativo” (GOMES, 2017). Nesse sentido, a nossa pesquisa, ao

tomar o livro didático e os OEDs como documentos de ensino e assumir uma postura

metodológica que leva em consideração a análise documental, contribui para a consolidação

desse enfoque metodológico diante desses materiais na área de LA.

Embora a análise documental não seja comum em algumas áreas da linguagem

(Linguística e Linguística Aplicada) sabemos que a análise documental é uma prática

recorrente das Ciências Sociais e Humanas, como documentos escritos (cartas, atas, etc.),

fotografias e filmes. Silva, Damasceno, Martins, Sobral, Farias (2011, p.55) atestam que a

pesquisa ou análise documental visa compreender o problema estudado “por meio da análise

de inúmeros tipos de documentos produzidos” pelo ser humano. Nesse sentido, a pesquisa

científica consagrou como fontes documentais aquelas situadas dentro da esfera dos textos

escritos impressos ou manuscritos, aos longos dos anos. No entanto, com a consolidação das

tecnologias no cotidiano das pessoas, as ciências humanas passaram a considerar que “o

documento como fonte de pesquisa pode ser escrito e não escrito, tais como filmes, vídeos,

slides, fotografias ou pôsteres” (SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009, p. 5). Dentro do

contexto das sociedades contemporâneas, marcadas pelos uso das tecnologias digitais, as

fontes ou corpora (como é chamado na área de estudos da Linguística e da Linguística

Aplicada) documentais foram ampliadas, uma vez que “[...]hoje, para além de documentos

impressos, com o avanço das novas tecnologias e da Web 2.0, websites e conteúdo digitais

diversos, como postagens de redes sociais e blogs, por exemplo, têm se tornado também

objetos de pesquisas documentais muito relevantes” (CHINAGLIA, 2016, p. 76). A partir dos

52

avanços tecnológicos, há ainda outros tipos de documentos que fazem parte dessa ampliação

dos objetos de investigação na área de Linguística Aplicada são os OAs e OEDs.

Tomando por base esta discussão, consideramos o LDD Português: linguagem em

conexão como um corpus documental inserido no campo de estudos da LA. Chamamos

atenção para o fato de que tal livro didático constituí um corpus documental híbrido, uma vez

que tanto apresenta páginas escritas, característica comum aos livros didáticos impressos,

quanto é constituído de OEDs, que também consideramos corpus documentais de ensino

elaborados com auxílio de técnicas computacionais, possuindo a função de complementar os

conteúdos apresentados em cada eixo do livro. Salientamos que para atingir o intento desta

pesquisa, analisamos somente os OEDs.

3.2 DESCRIÇÃO DO MATERIAL

O LDD Português: linguagem em conexão (2013), destinado aos alunos da

primeira série do Ensino Médio, é o primeiro volume da coleção homônima de autoria de

Maria das Graças Leão Sette, Márcia Antônia Travalha e Maria Rosário Starling de Barros.

Este livro didático em formato digital está consubstanciado ao edital de convocação 01/2013

do PNLD, que propôs dois formatos para a produção de livros didáticos: “Tipo 1: obra

multimídia composta de livros digitais e livros impressos; Tipo 2: obra impressa composta de

livros impressos e PDF.” (BRASIL, 2013, p.1). Portanto, o livro Português: linguagem em

conexão é uma obra de tipo 1, visto que apresenta dois formatos: livros impressos e livros

digitais. Estes últimos são assim denominados, porque, além dos conteúdos dos livros

impressos também apresentam os OEDs, que funcionam como recursos de complementação

dos assuntos abordados.

Convém ressaltarmos que a coleção Português: linguagem em conexão, de um

total de 17 coleções submetidas ao referido edital, foi a única aprovada pelo PNLD para ser

utilizada pelos alunos do ensino médio. Entretanto, apesar de uma coleção didática de

português em formato digital figurar no PNLD como uma opção de adesão pelas escolas, os

editais subsequentes, 2016, 2017 e 2018 não apresentam o livro didático digital destinado aos

alunos de forma universal, como é o intuito do PNLD. No edital 2016, apenas o manual do

professor é em formato digital; no edital 2017, os OEDs são de dois tipos: vídeos e

animações, já o edital 2018, salienta que o livro didático deve apresentar formato digital, no

entanto é endereçado apenas para os professores e alunos com deficiência. Não sabemos os

reais motivos desta retraída do PNLD em relação à produção de LDDs, mas isto, certamente,

53

não colabora para uma inserção das tecnologias digitais como instrumentos que facilitam o

ensino e a aprendizagem no contexto escolar.

Apesar de o fato citado anteriormente, decidimos utilizar o LDD Português:

linguagem em conexão, destinado aos alunos da primeira série do Ensino Médio, porque

acreditamos que é nesta série que os alunos devem começar a se conscientizarem sobre o uso

pedagógico da tecnologia como ferramenta educativa.

Acessamos o livro didático por meio da plataforma digital da editora Leya

(http://www.10escoladigital.com.br/em.html). Este livro é constituído de 392 páginas e está

organizado em três eixos temáticos: Literatura e leitura de imagens, Gramática e estudo da

língua e Produção de textos orais e escritos. O primeiro e o segundo eixos contêm, cada um

deles, 14 capítulos e o terceiro é composto por 8 capítulos. Em cada um desses eixos, temos

OEDs distribuídos de acordo com o quadro abaixo:

Quadro 1 Distribuição dos OEDs nos eixos do LDD: Português: linguagem em conexão

Literatura e leitura de

imagens

Gramática e estudo da língua Produção de gêneros orais e

escritos

Animação: O texto literário e

não-literário

Vídeo: a linguagem verbal e não

verbal

Atividade: a resenha

crítica

Jogo: Descubra o poema Infográfico: as funções da

linguagem

Animação: Humanismo: autos e

farsas

Atividade: praticando as figuras de

linguagem

Infográfico: Humanistas e

mecenas dos séculos XV e XVI

Animação: A origem da língua

portuguesa I

Animação: Os gênios da arte e

da literatura no Renascimento

Animação: A origem da língua

portuguesa II

Animação: A Mentalidade

Renascentista

Atividade: praticando os pronomes

Infográfico: O Barroco no Brasil Animação: neologismos

Fonte: Elaborado pela autora

54

Fonte:http//trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya_

recursos

De acordo com o quadro acima, são empregados sete OEDs no eixo Literatura e

leitura de imagens, sete no eixo Gramática e estudo da língua e um OED no eixo produção

de textos orais e escritos, totalizando 15 OEDs4. Tais objetos educacionais podem ser

acessados por meio do próprio livro digital, disponível na plataforma supracitada, ou de forma

direta, por meio do ícone “recursos”, conforme podemos verificar na figura da plataforma

abaixo:

Esta dissertação não teve por intuito analisar o livro didático digital por completo,

isto é, o conteúdo disponível em livro impresso e os OEDs. Por esse motivo, fizemos um

recorte do corpus e analisamos apenas os objetos educacionais digitais presente no referido

LDD.

4 Os OEDs são classificados em animação (7), infográfico (3), jogo(1), atividade(3) e vídeo(1) pelos próprios

agentes produtores do material.

Ao clicar em

recursos, o usuário

tem acesso aos

OEDs.

Ao clicar no livro, o

usuário tem acesso

aos conteúdos do

livro e aos OEDs.

Figura 1: Plataforma de apresentação do livro didático digital

55

3.3 CATEGORIAS DE ANÁLISE E PROCEDIMENTOS PARA A GERAÇÃO E

ANÁLISE DOS DADOS

Para constituir o corpus desta pesquisa, fizemos um levantamento dos OEDs

presentes no livro didático digital Português: linguagem em conexão. Embora o levantamento

de dados seja um procedimento mais comum na pesquisa quantitativa, não qualificamos esta

análise como quantitativa, porque este procedimento foi apenas para organizar, representar os

dados, a fim de que os leitores desta dissertação possam ter uma representação gráfica dos

dados, não sendo, portanto, decisivo para a caracterização desta pesquisa como quantitativa.

Em seguida, assistimos cada OED, apenas com o intuito de sondagem, a fim de escolhermos

as categorias de análise, que somente foram definidas a partir da análise do edital 01/2013 e

do Guia de Livros Didáticos 2015, conforme elucidaremos a seguir.

Para os objetivos e questões desta pesquisa tornarem-se viáveis elegemos duas

categorias de análise: as concepções de ensino e as concepções de língua(gem). A escolha da

primeira categoria está embasada no Guia de livros didáticos 2015 e no artigo científico de

Araújo (2013). Inicialmente, decidimos analisar as concepções de ensino, porque o guia atesta

que o livro didático em questão é produzido com base nos pressupostos do

sociointeracionismo, o que nos remeteu às concepções de ensino cunhadas por Halliday

(1974) e já comentadas no capítulo 1. Além disso, a escolha dessa categoria de análise está

embasada no artigo científico de Araújo (2013), em que a autora analisa dois OAs retirados

do Banco Internacional de Objetos Educacionais (BIOE) sob o ponto de vista linguístico e

didático-pedagógico. De acordo com a autora, analisar os OAs sob este prisma é importante,

pois sobressaem análises considerando os aspectos técnicos em detrimento dos aspectos

linguísticos e pedagógicos. Por este motivo, escolhemos analisar também as concepções de

ensino nos OEDs, pois estes estão enquadrados no livro didático, que por si só, é produzido a

partir de determinada (s) concepção(ões) de ensino. Deste modo, o primeiro objetivo

específico dessa dissertação ficou assim definido:

1. Investigar qual(is) a(s) concepção(ões) de ensino estão presentes nos objetos

educacionais digitais do livro didático Português: linguagem em conexão, de Maria das

Graças Leão Sette, Márcia Antônia Travalha e Maria do Rozário Starling de Barros.

Como ao falar em concepção de ensino implica falar em concepção de

língua(gem), este trabalho também faz análise destas nos OEDs, bem como das concepções de

leitura/literatura, gramática e produção textual, numa clara referência aos eixos de ensino que

56

dividem o livro didático em questão. Este fato concorreu para a elaboração do segundo

objetivo específico:

2. Examinar qual(is) a(s) concepção(ões) de língua(gem), destacando

também as concepções de leitura/literatura, de gramática e de produção de

texto, presentes nos objetos educacionais digitais do livro didático Português:

linguagem em conexão, de Maria das Graças Leão Sette, Márcia Antônia

Travalha e Maria do Rozário Starling de Barros.

Após escolhidas as categorias de análise e definidos os objetivos, organizamos

a análise dos dados em duas etapas. Na primeira etapa, analisamos as concepções de ensino

nos OEDs, fazendo também comentários relativos às concepções de língua(gem). Nesta etapa,

também analisamos as concepções de leitura/literatura, gramática e produção de texto, uma

vez que, inevitavelmente, estas concepções estão imbricadas com as concepções de ensino e

de língua(gem).

Após termos apresentado a metodologia, no próximo capítulo fazemos a análise e

discussão dos dados.

57

4 ANÁLISE DOS DADOS

Este capítulo está organizado em duas subseções: concepção de ensino nos

Objetos Educacionais Digitais e concepções de linguagem nos Objetos Educacionais Digitais.

Ressaltamos que a seção sobre as concepções de língua(gem) está dividida em três subseções:

concepções de língua(gem) e leitura nos Objetos Educacionais Digitais do eixo Literatura e

leitura de imagens, concepções de língua(gem) e gramática nos Objetos Educacionais Digitais

do eixo gramática e ensino da língua e concepção de língua(gem) e de produção textual no

eixo de produção de gêneros orais e escritos.

4.1 CONCEPÇÕES DE ENSINO NOS OBJETOS EDUCACIONAIS DIGITAIS

Nesta subseção, verificamos as concepções de ensino nos OEDs dos eixos

Literatura e leitura de imagens, gramática e estudo da língua e produção de textos escritos e

orais do livro didático Português: linguagem em conexão. Ressaltamos que fazemos uma

análise geral dos OEDs dos eixos citados anteriormente, escolhendo apenas um ou dois para

ilustrar a discussão.

O eixo de Literatura e leitura de imagens é composto por sete OEDs, a saber: a

animação: o texto literário e não-literário, o jogo descubra o poema, a animação: humanismo:

autos e farsas, o infográfico: humanistas e mecenas dos séculos XV e XVI, a animação: os

gênios da arte e da literatura no Renascimento, a animação: a mentalidade renascentista e o

infográfico: o Barroco no Brasil. Em seis de tais OEDs, predominam os ensinos descritivo e o

produtivo, pois, no ensino descritivo, há a orientação que a abordagem da língua materna

ocorra por meio dos usos sociais da língua; assim como no ensino descritivo, o ensino

produtivo também orienta que os estudos da língua deva se pautar pelos usos sociais da

língua. Portanto, entendemos que estes dois tipos de ensino orientam que a abordagem da

língua materna ocorra por meio dos usos da língua, incluindo o conhecimento da literatura

pátria.

Um OED em que podemos perceber a influência do ensino descritivo é a

animação o texto literário e não literário, pois este recorre a textos que circulam em dois

domínios discursivos específicos: a literatura e o jornalismo, conforme podemos notar nas

figuras a seguir:

58

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya_

recursos

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya_recursos

Na segunda figura, a fim de explicar as características do texto literário, é

utilizado um trecho da obra Grande Sertão: veredas, de João Guimarães Rosa. Notamos que é

evidenciado, no texto literário, expressões próprias da variedade linguística do sertanejo, que,

como sabemos, tem suas peculiaridades que diferem de um personagem. Já para explicar o

texto não-literário é utilizada uma notícia, em que é destacado que há o uso da norma padrão

da língua. Nesse sentido, vemos a presença do ensino descritivo, pois conforme defende

Travaglia (2002, p. 39) este tipo de ensino visa a levar o conhecimento dos usos sociais da

Figura 2: Exemplificações de estruturas sintáticas próprias do falar do sertanejo no texto

literário

Figura 3: Notícia utilizada para exemplificar o uso da língua padrão

59

língua, logo, por meio da abordagem deste recurso, percebemos que em textos de cunho

literário há maiores possibilidades de variedades não-padrões da língua, ao passo que, na

notícia, pela própria natureza linguística do gênero e pelo contexto de circulação, há o

emprego da língua padrão.

A respeito do ensino produtivo, notamos que o infográfico: O Barroco no Brasil

traz características desse tipo de ensino, dado que, neste infográfico, compreendemos tanto as

bases de surgimento do Barroco no mundo quanto no Brasil, conforme podemos observar na

figura quatro, em que é apresentado o contexto histórico de surgimento do Barroco (Reforma

e Contrarreforma) e o surgimento da literatura de língua nacional ou pátria por meio da obra

de Gregório de Matos e Padre Antônio Vieira.

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya_recursos

Conforme aferimos anteriormente, seis dos sete OEDs do eixo literatura e leitura

de imagens possuem características do ensino descritivo e produtivo. Entretanto, há um em

que notamos características do ensino prescritivo. Trata-se do jogo: descubra o poema, em

que o objetivo é apenas identificar o poema a partir das características fornecidas pelo próprio

recurso. Em outras palavras, o objetivo pedagógico do recurso é levar o aluno a fixar as

características do Trovadorismo por meio do reconhecimento das mesmas nos poemas (figura

5), descartando um trabalho de reflexão das temáticas e mesmo de um trabalho linguístico,

pois os vocábulos usados são diferentes dos usados no português contemporâneo.

Figura 4: Contexto de surgimento do Barroco

Figura 5: interface do jogo: descubra o poema

Figura 5: interface do jogo: descubra o poema

60

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya_recursos

No eixo Gramática e estudo da língua, contém sete OEDs, a saber: vídeo: a

linguagem verbal e não verbal, infográfico: as funções da linguagem, atividade: praticando as

figuras de linguagem, animação: a origem da língua portuguesa I, animação: a origem da

língua portuguesa II, atividade: praticando os pronomes e a animação: neologismos. Destes

sete OEDs, três possuem características próprias do ensino descritivo (o vídeo: a linguagem

verbal e não-verbal, a animação: a origem da língua portuguesa I e a animação: a origem da

língua portuguesa II); os demais fazem uso tanto de posturas metodológicas típicas do ensino

produtivo e do ensino prescritivo (infográfico: as funções da linguagem, atividade: praticando

as figuras de linguagem, a animação: os neologismos e a atividade: praticando os pronomes).

Podemos afirmar que o vídeo: a linguagem verbal e não verbal traz características

do ensino descritivo porque mostra as diferentes maneiras de usos dos gestos que estão

condicionados tanto à cultura quanto ao tempo. Para exemplificar que os gestos estão sujeitos

à cultura, o recurso utiliza exemplos de gestos de diferentes culturas, como o aperto de mão

contínuo dos turcos (figura 6) e os movimentos contínuos defronte ao rosto, costume próprio

dos japoneses (figura 7).

61

O infográfico: as funções da linguagem e a atividade: praticando as figuras de

linguagem possuem um teor de ensino prescritivo e também do ensino produtivo, pois a

finalidade do primeiro OED é técnica, isto é, somente de apropriação teórica das seis funções

da linguagem, embora haja o uso de textos. Da mesma forma, ocorre com a atividade

praticando as figuras de linguagem, que utiliza o poema “Amor”, de Petrarca, com a

finalidade de identificar as figuras de linguagem como a metáfora, a antítese, o oxímoro, em

detrimento de uma abordagem do uso das figuras de linguagem em favor do sentido do texto.

O sentido do texto é feito apenas em uma questão, conforme podemos perceber na figura 8.

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya_recursos

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya_r

ecursos

Figura 6: aperto de mãos entre os turcos

Figura 7: Movimentos na frente do rosto típico da cultura japonesa

62

Há ainda a animação: neologismos e a atividade: praticando os pronomes, nas

quais detectamos exemplos do ensino produtivo, posto que, na animação sobre os

neologismos, há explicações da formação de novas palavras da língua, obedecendo às regras

da própria língua portuguesa, como a derivação e a composição (figura 9) . Já na atividade

praticando os pronomes, há a prática de exercícios que visam a esclarecer sobre o uso de

determinado pronome em algum trecho de textos literários, conforme podemos verificar na

figura 10, em que é solicitado que identifique o elemento desencadeador da ambiguidade (o

pronome ela).

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya_recursos

Figura 8: Questão sobre o emprego da figura de linguagem a influência no sentido do poema de Petrarca

63

Figura 9: Processo de derivação

No eixo produção de textos escritos e orais, composto apenas por um OED: a

atividade: a resenha crítica, há uma mescla do ensino produtivo e do ensino descritivo, pois,

nas explicações, há usos de objetos culturais que circulam em diferentes mídias e domínios

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya_recursos

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya_recursos

Figura 10: questão sobre o uso do pronome “ela”

64

sociais, como o livro, o CD e o DVD. Além disso, o próprio gênero textual resenha, é um

gênero que circulará no jornal, portanto o uso da língua terá que ser definido.

4.2 CONCEPÇÕES DE LÍNGUA(GEM) NOS OBJETOS EDUCACIONAIS DIGITAIS

Em relação às concepções de língua(gem), analisamo-las em conjunto com as

concepções de leitura, gramática e produção de texto, visto que são nestes eixos do ensino de

língua materna em que as concepções de língua(gem) são depreendidas.

De forma geral, nos OEDs, estão diluídas mais de uma concepção de

língua(gem), sendo que há predominância da concepção de língua(gem) como instrumento de

comunicação no eixo Literatura e leitura de imagens, composto por sete OEDs; já no eixo

gramática e ensino de língua portuguesa, os OEDs apresentam concepções diversificadas; no

eixo de produção textual, há a concepção de língua(gem) como interação.

4.2.1 Concepções de língua(gem) e de leitura nos objetos educacionais digitais do eixo

leitura e ensino de imagens

Conforme está expresso no guia de livros didáticos PNLD/2015, o eixo “leitura e

ensino de imagens” objetiva contemplar a literatura e a leitura de imagens. Salientamos que o

foco deste estudo não é a leitura de imagens, tampouco a abordagem da literatura de forma

completa no LDD Português: linguagem em conexão, mas a forma como a leitura é abordada

nos sete OEDs presentes no referido eixo do livro Português: linguagem em conexão. A este

respeito, detectamos que os OEDs abordam a leitura restrita à literatura e que esta é

apresentada nos sete OEDs pelo viés das escolas literárias.

Quanto às concepções de leitura elucidadas na subseção “concepção de leitura” do

capítulo da fundamentação teórica, notamos que os OEDs, de forma geral, apresentam

características das três concepções, visto que a proposta de tais recursos orienta-se pela

apresentação de autores canônicos do campo da literatura, que, conforme elucidamos na

fundamentação teórica, é uma característica de uma concepção de leitura dentro da

perspectiva de língua(gem) vista como expressão do pensamento; observamos também que há

apresentação de trechos de textos em que se é solicitada a leitura do discente. Percebemos

também a concepção de leitura como interação, visto que são elucidados dados do contexto

histórico das abordagens dos OEDs, pois a literatura é abordada a partir de uma concepção

historiográfica.

65

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya_recursos

A animação O texto literário e não-literário, conforme já discutimos, tem por

objetivo apresentar as distinções entre o texto literário e não-literário, com base no “objetivo

do texto”; na “intenção do autor/locutor” e no “suporte do texto”. Para tanto, há a utilização

de trechos de romances, como Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa e O livro

das sereias, de Jorge Luiz Borges, como exemplos de textos literários; bem como a notícia

Alunos vencedores das Olimpíadas de Língua Portuguesa destacam a importância da leitura,

do estudo e da dedicação dos professores, de Heloísa Cristaldo (repórter da Agência Brasil),

como exemplo de texto não-literário. A fim de se fazer a diferenciação entre texto literário e

não-literário, percebemos que, neste recurso, a abordagem é conduzida, principalmente, pelo

viés da concepção de língua(gem) como instrumento de comunicação, pois há foco na

apresentação de textos escritos, em detrimento de abordagem que englobasse também gêneros

de textos literários e não-literários, que são apresentados na modalidade oral.

Ainda neste recurso, há duas questões em que percebemos características da

concepção de língua(gem) como forma de interação, visto que o leitor, por meio de dois

textos (uma notícia e um fragmento de poema), responderá a duas questões propostas em que

ele terá que refletir sobre aspectos estruturais e semânticos do texto, como é o caso da questão

sobre uma notícia (figura 11). Há outra questão em que são aludidos os aspectos da temática

social do texto, trata-se do poema Açúcar, de Ferreira Gullar, em que a temática do texto é

sobre a desigualdade social.

Em relação ao jogo Descubra o poema, em que o objetivo é identificar o poema de acordo

com as características do Trovadorismo elencadas no próprio recurso (figura 12), há uma mistura entre

a concepção de língua(gem) como instrumento de comunicação e de língua(gem) como forma de

Figura 11: Questão sobre notícia

66

pensamento. Identificamos a concepção de língua(gem) como instrumento de comunicação, pois as

características do Trovadorismo são fornecidas pelo próprio recurso, sendo que o usuário do livro (o

aluno) terá como incumbência apenas associar as características ao poema por meio do simples

exercício da decodificação. Em outras palavras, o sentido do texto será depreendido, conforme

defende Fuza, Ohuschi, Menegassi (2011, p. 9), por meio do caminho de letra por letra, palavra por

palavra atingindo o conteúdo do texto lido. Nesse sentido, no jogo descubra o poema, a leitura é vista

como um processo de decodificação, isto é, o sentido do texto está na superfície do texto, descarta,

desta maneira, o exercício da reflexão em que o aluno poderia depreender do texto as próprias

temáticas abordadas no Trovadorismo, visto que este é o conteúdo disposto no próprio livro didático

digital em forma de capítulo.

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya_

recursos

Ainda no jogo descubra o poema, percebemos traços da concepção de língua(gem) como

pensamento, visto que a compreensão da leitura centra-se no que está dito no poema, o que implica

dizer que a captação das ideias e temáticas ocorre por meio do pensamento dos poetas trovadores.

Assim, conforme afirmam Koch e Elias (2006), a leitura é abordada a partir do privilégio do autor, em

detrimento da interação “autor-texto-leitor”.

Na animação Humanismo: autos e farsas, cujo objetivo é apresentar o Humanismo, um

movimento artístico e literário surgido no século XIV entre o Medievalismo e o Renascimento, há a

apresentação do contexto de surgimento do Humanismo, posteriormente, são apresentadas as

características sobre os principais gêneros de dois gêneros textuais teatrais: o auto e a farsa. Aqui a

concepção de língua(gem) abordada é a concepção de língua(gem) como instrumento de comunicação,

posto que nos textos abordados são depreendidos apenas as características próprias deste período

histórico, conforme podemos ver na figura abaixo. Desta forma, nos poucos textos literários que temos

Figura 12: Identificação das características do Trovadorismo

Figura 12: Identificação das características do Trovadorismo

Figura 12: Identificação das características do Trovadorismo

67

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya_recursos

neste recurso, percebemos a concepção de leitura como processo de decodificação. Além disso,

percebemos que a literatura é entendida pelo viés da história literária e como um sistema de obras,

autores e público, visto que são apresentados os principais autores do período.

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya_recursos

O infográfico Humanistas e mecenas do século XV e XVI segue a mesma linha de

abordagem do OED anterior, isto é, a forma como é concebida a literatura, pelo viés da

história literária e do sistema de obras e autores, conforme pode ser visto na figura 14 abaixo.

Convém salientar que não estamos, necessariamente, afirmando que os autores e algumas

informações sobre eles não possam ser aprendidas, porém a questão é somente estas

informações sem levar em conta o conteúdo das obras destes autores e a apresentação de

questões que suscitem reflexões.

Figura 13: Poema de Gil Vicente para representar as características dos autos

Figura 14: Exemplo de humanista dos séculos XV e XVI

68

O infográfico Os representantes artísticos e literários do Renascimento também

apresenta a abordagem da literatura pelo viés de obras e autores, ou seja, apresentando

informações sobre a vida dos autores e suas respectivas obras, conforme podemos observar

nas figuras abaixo. Ainda há a apresentação de uma questão, a fim de fixar no aluno a

principal característica do Renascimento, o que, mais uma vez, comprova que a literatura é

feita a partir da sua história.

.

Figura 15: Cosme de Médici – Exemplo de um mecena

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya_

recursos

Figura 16: Interface de acesso aos representantes artísticos

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya

_recursos

69

A animação A mentalidade Renascentista, cujo objetivo é apresentar a

mentalidade do Renascimento em paralelo com o Medievalismo, de acordo com a figura

apresentada abaixo, também tem um viés histórico, o que confirma que a Literatura é

apresentada como uma disciplina de história literária, conforme afirma Geraldi (1999), ao

apresentar os cinco significados da literatura.

No infográfico O Barroco no Brasil, cujo objetivo é apresentar as influências deste

movimento do século XVIII sobre a arte e a literatura brasileiras, percebemos a concepção de

língua(gem) como interação, pois há maior integração entre os trechos literários (apresentados como

Figura 17: Interface de acesso aos representantes literários

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya_recursos

Figura 18: Interface de comparação entre a Idade Média e o Renascimento

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_ley

a_recursos

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya_recursos

70

textos), bem como no que está sendo discutido como contexto histórico, que é a reforma e a

contrarreforma, conforme nos mostra a figura 19. A respeito da abordagem da literatura neste OED, há

a valoração de sistemas de autores e suas obras, com destaque para Gregório de Matos e Padre

Antônio Vieira, que são os destaques das manifestações literárias no contexto nacional.

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4.2.2 Concepções de língua(gem) e de gramática nos OEDs do eixo Gramática e estudo

da língua

O eixo Gramática e estudo da língua traz sete OEDs: o vídeo: a linguagem verbal

e não verbal, o infográfico: As funções da linguagem, a atividade: Praticando as figuras de

linguagem, a animação: A origem da língua portuguesa I, a animação: A origem da língua

portuguesa II, a atividade: Praticando os pronomes e a animação: Neologismos.

O vídeo A linguagem verbal e não-verbal, cujo objetivo é o conhecimento da

linguagem não-verbal, visto que apresenta as diferentes maneiras de interação por meio dos

gestos, apontando que este tipo de linguagem apresenta diferenças de ordem cultural e de

ordem temporal. Mostra que as manifestações linguísticas não são homogêneas, isto é, elas

recebem influências do contexto cultural e do período de tempo em que ocorrem. Desta

forma, entendemos que a língua está sendo vista pelo prisma do uso, portanto, a concepção de

gramática predominante aqui é a descritiva, pois o recurso versa sobre as regras da língua que

são seguidas pelos seus usuários de acordo com o tempo, como, por exemplo, o sentido de

Figura 19: Contextualização do Barroco

71

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puxar a orelha no tempo de Shakespeare, conforme mostra a figura 20, significava que algo

estava muito bom, ao passo que, em nosso tempo e em nossa cultura, este gesto não possui

este significado, mas, sim o sentido de repreensão diante de uma ação incorreta. Desta forma,

entendemos que há a concepção de língua(gem) como interação, pois, conforme defende

Bakhtin (Volochínov) ([1929] 2014), autor tomado como base na fundamentação teórica, a

língua constitui um processo de evolução ininterrupto ocorrido por meio da interação verbal

social dos locutores, por este motivo, o recurso relata que alguns gestos como puxar a orelha

significa que “tudo está bem”, ao contrário do significado que exerce em nossa cultura, que é

uma forma de castigo.

Ainda sobre o vídeo A linguagem verbal e não-verbal, vemos que os significados

da língua não-verbal são condicionados por regras construídas socialmente, por exemplo, o

próprio vídeo menciona que, para significar que estamos fazendo uma ligação telefônica,

elevamos a mão até o ouvindo em vez de fazermos um gesto que lembre um teclado do

telefone; para significar o pagamento de uma conta, o gesto que usamos é escrever na mão,

como se estivesse usando um cheque, ao passo que não fazemos um gesto representando um

cartão de crédito.

O infográfico As funções da linguagem tem por objetivo reforçar a aprendizagem

das seis funções da linguagem e faz isto com trechos de gêneros textuais, como notícia,

poema, receitas. Aqui percebemos traços da gramática normativa, pois há preocupações com a

definição das figuras de linguagem, embora ocorra o uso de textos ou trechos de textos com a

Figura 20: Gesto de puxar a orelha no tempo de Shakespeare

72

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya_recursos

finalidade de recordar os conceitos apreendidos nas explicações anteriores, como podemos

observar nas figuras seguintes:

Em ambas as figuras, notamos que há o uso de gêneros textuais (uma crônica e

uma notícia) para o reconhecimento de características da função emotiva (figura 21) e da

função referencial (figura 22). Ou seja, esta atividade propõe-se a fazer apenas a identificação

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya_recursos

Figura 21: Questão sobre a figura de linguagem expressiva

Figura 22: Questão sobre a função referencial

73

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das funções da linguagem, sendo, portanto, preponderante, neste recurso, a concepção de

gramática normativa, pois, embora ocorra o uso de gêneros textuais, os exercícios são apenas

de identificação dos assuntos explanados anteriormente. Quanto à concepção de língua(gem),

há a predominância da língua(gem) como instrumento de comunicação, visto que o grande

objetivo do recurso é identificar nos textos as funções da linguagem.

A atividade Praticando as figuras de linguagem tem por objetivo testar os

conhecimentos sobre as figuras de linguagem nas atividades por meio de poemas. Vê-se, a

exemplo do OED anterior, a concepção de gramática normativa, pois esta atividade centra-se

apenas na identificação das figuras de linguagem no poema, eximindo-se de explicações sobre

as implicações que o uso de determinada figura de linguagem acarreta semanticamente para o

texto, por exemplo, na figura 23 abaixo, vemos que é solicitado apenas a identificação da

figura, enquanto que, além de fazer este trabalho, poderia também tratar do significado

provocado no poema por meio do uso destas figuras de linguagem. É importante salientar que,

neste caso, não estamos contrariando ou desconsiderando a proposta do OED, que é praticar

as figuras de linguagem. No entanto, esta abordagem poderia ser implementada por uma

explanação com ênfase na semântica, visando a interpretação de texto.

A animação A origem da língua portuguesa I tem por objetivo apresentar

informações históricas sobre a origem da língua portuguesa, salientando as influências de

outras línguas para a formação da língua portuguesa. Neste OED, não é possível percebermos

Figura 23: Poema de Petrarca usado para a identificação de figuras de linguagem

74

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya_recursos

nenhuma das concepções de gramática tratada neste trabalho (normativa, descritiva ou

internalizada), mas a concepção de gramática histórica, que é aquela que trata de trazer à tona

informações sobre a constituição da língua no decorrer do tempo.

A concepção de gramática histórica também está presente na animação: a origem

da língua portuguesa II, que objetiva expor as fases da língua portuguesa, como pode ser

observada na figura abaixo:

A fase do português antigo: séculos XII-XV expõe o contexto de surgimento do

português no sul da Península Ibérica e no norte de Portugal, bem como o uso da língua por

importantes poetas da língua portuguesa, como D. Dinis e João Zorro; a fase do português

clássico: século XVI e XVIII é marcada pelo uso da língua latina por escritores clássicos,

como Luís Vaz de Camões, por este motivo “entram na língua portuguesa latinismos e

helenismos” (voz do locutor do OED). Além disso, Portugal vive a expansão ultramarina, o

que confere novas influências na língua, como termos decorrentes das línguas indígenas aqui

do Brasil, conforme podemos ver na figura a seguir:

Figura 24: Fases do Português

75

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O outro OED é a atividade praticando os pronomes, que intenta verificar o uso

dos pronomes em textos e trechos de romances consagrados, através de 4 questões. A

primeira questão utiliza-se de uma piada de Sírio Posenti, retirada do livro Humores da

língua: análise linguísticas de piadas, a qual transcrevemos abaixo:

“—Não deixe sua cadela entrar na minha casa de novo. Ela está cheia de pulgas.

— Diana, não entre mais nessa casa. Ela está cheia de pulgas.”

A partir da piada acima, a seguinte pergunta é proposta:

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya_recursos

Figura 25: Fase do Português clássico

Figura 26: Questão sobre o efeito de humor

76

A segunda pergunta lança mão de um trecho do livro As ondas, de Virginia

Woolf com a finalidade de identificar qual personagem não fala em primeira pessoa. Esta

atividade (reproduzida na figura 27 abaixo) tem por objetivo apenas de identificar os

pronomes do caso reto. Exercícios desse tipo são de natureza prescritiva, portanto, a

concepção predominante é a de gramática normativa.

Há ainda um fragmento do livro Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago.

Neste fragmento há o destaque dos pronomes pessoais do caso reto e dos pronomes pessoais

oblíquos. A questão consiste em verificar a alternativa em que a afirmação sobre o emprego

dos pronomes está incorreta, como mostra a figura 28.

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya_recursos

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya_recursos

Figura 27: Atividade sobre o romance As ondas, de Virginia Woolf

Figura 28: Questão sobre o emprego do pronome no romance Ensaio sobre a cegueira

77

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya_recursos

A quarta questão utiliza-se do trecho do conto “A menor mulher do mundo”

(reproduzido na figura 29), de Clarice Lispector, com a finalidade de avaliar a repetição de

expressões em detrimento do uso de pronomes. Esta questão, em comparação com as

anteriores, não apenas fica na identificação dos pronomes ou de seus referentes, mas propõe

que o uso do pronome está condicionado à intenção que o escritor quer provocar no texto.

A animação Neologismos tem por intuito explicar o processo de criação dos

neologismos, bem como traz explicações sobre os processos de formação das palavras:

derivação e composição. Observamos que este recurso possui questões em que a preocupação

é com as implicações das mesmas no texto, como podemos observar abaixo:

Figura 29: trecho do conto “A menor mulher do mundo”

Figura 30: Uso da expressão “tudo chumba” na música “Invernal”, dos Tribalistas

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya_recurso

s

78

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recurs

os_leya_recursos

Por este motivo, podemos afirmar que a concepção de gramática, neste recurso,

é a descritiva, visto que, de acordo com o que pontuamos na seção que falamos das

concepções de gramática, este tipo não investe apenas em um punhado de informações, mas

na ativação do raciocínio do aluno ao estudar um ponto gramatical. No caso da animação

Neologismos, observamos que há todo um trabalho de explicação do assunto, entretanto, as

questões propostas extrapolam a memorização e analisa o ponto gramatical em função da

compreensão do texto.

4.2.3 Concepções de produção de texto no eixo produção de textos orais e escritos

O eixo de produção de textos orais e escritos apresenta apenas um OED, trata-

se da atividade: a resenha crítica. O objetivo deste recurso é levar o aluno à produção de uma

resenha sobre alguns destes objetos culturais: CD, filme ou livro. De início, chama-nos

atenção a nomenclatura utilizada para referir-se a este gênero textual, posto que toda resenha,

necessariamente, tem de ser por natureza crítica. A ausência dessa característica faz com que

classifiquemos o texto como outro gênero textual, o resumo. Em relação à abordagem da

produção de texto nesse OED, percebemos os seguintes passos: definição do gênero textual

resenha; objetos de estudo da resenha; estrutura textual que o resenhista deve seguir; meios de

circulação da resenha (jornais, revistas, sites, blogs); solicitação da produção textual. Tais

passos são notados na figura abaixo:

Figura 31: Passos para a construção de uma resenha

79

A partir destes passos notados na abordagem do recurso, percebemos

características das duas concepções de produção de texto abordadas anteriormente, isto é,

produção de texto como produto e de texto como processo, uma vez que a consideração do

gênero como resenha e a apresentação de uma estrutura textual são passos elencados pela

concepção de texto como produto, ao passo que a descrição dos meios de circulação da

resenha é uma característica da produção de texto como processo.

Após feita a apresentação das características da resenha, ocorre, a título de

exemplo, a apresentação de um trecho de uma resenha sobre o filme “Somos tão jovens”, de

Antônio Carlos da Fontoura; depois, o texto faz seis perguntas de compreensão sobre o trecho

lido; em seguida, o texto propõe que o aluno, com base em um filme, CD ou livro, produza

uma pequena resenha. A produção desta resenha ocorre por meio do uso de alguma tecnologia

digital, conforme podemos notar na figura abaixo:

Após a produção da resenha, a orientação dada é que os alunos imprimam o texto

e troque entre si, para que cada um conheça o texto do outro, observamos que o escritor

preocupou-se com a questão da aceitabilidade, visto que há um interlocutor da produção de

texto do aluno. Além da interlocução do texto ser um colega de classe, a produção do aluno

poderia circular em meios extraescolares, uma vez que estamos utilizando um recurso de

ensino que funciona em meios digitais, portanto, a resenha produzida poderia ser publicada

em blogs, sites, conforme foi mostrado na explicação deste gênero textual, quando

mencionou-se os meios de circulação. Caso a publicação dos meios referidos não fosse

Fonte:http://trans.10.leya.com.br/platform/DesignModular/aluno_recursos/aluno_recursos_leya_recursos

Figura 32: Espaço de produção da resenha pelos alunos

80

possível, poderia ainda ser proposta a divulgação do texto em alguma rede social, a fim de

que a produção alcançasse mais leitores, tornando a produção de texto uma atividade mais

real e que ultrapassasse os muros da escola.

Notamos ainda que no OED atividade: resenha crítica não foram abordados todos

os elementos da textualidade, que são relevantes numa perspectiva de texto como processo e

para a produção de qualquer gênero textual. No caso da produção da resenha, consideramos

importantes a elucidação, de maneira especial, da intertextualidade, uma vez que ao se referir

a algum produto cultural (livro, filme, ou CD), o aluno, possivelmente, retomará trechos

(escritos ou orais), por isso, é importante que ele saiba que isto pode ser feito de duas

maneiras, implícita ou explícita. Em suma, a não abordagem dos elementos da textualidade

demonstra que ainda há uma distância entre as pesquisas linguísticas e os produtores dos

recursos de ensino de língua portuguesa.

81

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa, analisamos os OEDs do livro didático digital Português:

linguagem em conexão, de acordo com duas categorias: as concepções de ensino e as

concepções de língua(gem). Decidimos analisar esses OEDs seguindo tais categorias porque,

conforme já mencionamos neste trabalho, todo material de ensino, no formato digital ou

impresso, carrega uma concepção de ensino e de língua(gem). Além disso, tendo em vista

que, no século XXI, as tecnologias digitais tem exercido papel pertinente na comunicação

humana, é mister analisarmos como o ensino da língua é abordado nos OEDs.

Na introdução desta pesquisa, afirmamos que os estudos em torno dos OEDs

ainda são poucos, por isso, este estudo possui relevância para a área de Linguística Aplicada e

áreas afins, como a educação. Além disso, analisar os OEDs à luz das concepções de ensino e

das concepções de língua(gem) pode contribuir para a reflexão dos professores diante da

escolha de algum recurso educacional digital. Embora os OEDs não figurem mais nos livros

didáticos destinados aos docentes, os professores podem recorrer aos objetos de aprendizagem

do BIOE ou de outros repositórios, podendo utilizar as discussões feitas neste trabalho como

um dos nortes para a escolha do material.

Com relação aos objetivos propostos neste estudo, verificamos que, de forma

geral, na totalidade dos OEDs analisados, foi possível observar os postulados das três

concepções de ensino — prescritivo, descritivo e produtivo — bem como das três concepções

de língua(gem) — língua(gem) como expressão de pensamento, língua(gem) como

instrumento de comunicação e língua(gem) como forma de interação. Esta constatação

sinaliza que, no tocante aos OEDs analisados, há uma mescla das características das

concepções de ensino e das concepções de língua(gem).

Consideramos importante ressaltar também que o presente estudo não visou a

eleger ou ditar uma receita que aponte qual a melhor concepção de ensino ou de língua(gem)

deva ser abordada em materiais didáticos (OEDs, livros) ou no contexto da sala de aula.

Consideramos que os postulados dos três tipos de ensino e das três concepções de

língua(gem) podem ser usados pelos produtores de livro didático, pelos professores nas aulas

de Língua Portuguesa de acordo com o estágio de aprendizagem dos alunos, conforme

esclarecemos na seção da fundamentação teórica.

Quanto à metodologia, esta pesquisa foi engendrada pela abordagem qualitativa,

pois nossa postura analítica é descritiva e interpretativista diante dos OEDs. Em relação ao

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procedimento técnico, optamos pelo documental, visto que o livro didático e os OEDs foram

aqui encarados como documentos presentes no contexto da educação, sendo possível à

Linguística Aplicada tomá-los como objeto de investigação.

A respeito do corpus desta pesquisa, ele é composto por 15 OEDs, analisados sob

duas categorias de análise: concepções de ensino e concepções de língua(gem). Estas são duas

macrocategorias, uma vez que as concepções de ensino são divididas em três: ensino

prescritivo, ensino descritivo e ensino produtivo; as concepções de língua(gem), divididas em:

língua(gem) como expressão do pensamento, língua(gem) como instrumento de comunicação

e língua(gem) como processo de interação. A análise dos OEDs sob a ótica dessas duas

categorias e subcategorias aponta que há uma mistura das concepções diante das

metodologias dos OEDs.

Em relação aos resultados deste estudo, percebemos que em seis dos OEDs do

eixo de Literatura e leitura de imagens predominam dois tipos de ensino: o descritivo e o

produtivo. Sendo que há também características do ensino descritivo no jogo: descubra o

poema, visto que o objetivo do referido OED é somente promover a identificação das

características do Trovadorismo.

No eixo Gramática e ensino da língua, composto por sete OEDs, há três OEDs

com características do ensino descritivo ( no vídeo: a linguagem verbal e não-verbal, nas

animações: a origem da língua portuguesa I e a origem da língua portuguesa II) e nos quatro

OEDs (infográfico: as funções da linguagem, atividade: praticando as figuras de linguagem,

animação: os neologismos e a atividade: praticando os pronomes) há posturas metodológicas

do ensino prescritivo mescladas às características do ensino produtivo.

No eixo produção de textos escritos e orais, que contém um OED, temos

características do ensino produtivo, visto que a abordagem da resenha crítica é feita por meio

da concepção de texto como processo que resulta em um produto.

Esta pesquisa detectou características dos três tipos de ensino e das três

concepções de língua(gem) nos 15 OEDs do livro Português: linguagem em conexão. O que

demonstra que as características dos três tipos de ensino não são excludentes e que, por

exemplo, em determinados pontos gramaticais, é possível lidar com metodologias típicas do

ensino prescritivo, isto é, com ênfase na gramática normativa. Por exemplo, quando o objetivo

da atividade é promover o ensino da língua padrão, o aluno precisará ter habilidades da escrita

dentro dos parâmetros da gramática normativa. Em relação ao ensino descritivo, pode ser

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usado para análise de fenômenos da língua portuguesa comuns à variedade de língua falada

regional do aluno, por exemplo. A respeito do ensino produtivo, o aluno pode utilizá-lo para a

produção de texto, tendo, portanto, uma visão de texto como processo que leva a um produto.

Esta pesquisa também pode contribuir com a área de LA no que diz respeito ao

procedimento técnico que propomos na metodologia, isto é, considerarmos os OEDs como

documentos presentes na área da educação, pois conforme Chinaglia (2016) e Gomes (2017)

este tipo de pesquisa não é comum na área de LA.

Como é da natureza de qualquer trabalho científico sempre deixamos “brechas”

em algumas das partes do estudo, o que corrobora para que novas contribuições sejam feitas,

visando a continuidade da construção do conhecimento científico. No caso da presente

pesquisa, pode ser feito um trabalho de aplicação dos OEDs com os alunos do primeiro ano

do Ensino Médio, a fim de perceber as contribuições deste recursos para aprendizagem dos

alunos nos eixos da Literatura, gramática e produção de textos orais e escritos.

Ultrapassando os limites dessa pesquisa, também poderia ser realizado um

trabalho sobre a interdisciplinaridade entre História, Linguística e Literatura tendo por base os

OEDs do eixo Literatura e leitura de imagens, buscando entender os motivos da abordagem da

história da literatura nos livros didáticos, a fim de fazer um cruzamento entre as áreas da

História e da Língua Portuguesa. Ainda poderia haver um empreendimento sobre a

multimodalidade das obras de artes apresentadas nos OEDs do eixo em questão, propondo

exercícios de interpretação das imagens e sua aplicação no contexto do Ensino Médio.

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