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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA APLICADA MESTRADO ACADÊMICO EM LINGUÍSTICA APLICADA ALDENOR DUARTE FEITOSA JÚNIOR A (IM)POLIDEZ E O JOGO DE FACES EM CONVERSAS DE SUJEITOS COM COMPORTAMENTO SUICIDA: O VIÉS DA PRAGMÁTICA DA EMOTIVIDADE FORTALEZA CEARÁ 2019

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA APLICADA

MESTRADO ACADÊMICO EM LINGUÍSTICA APLICADA

ALDENOR DUARTE FEITOSA JÚNIOR

A (IM)POLIDEZ E O JOGO DE FACES EM CONVERSAS DE SUJEITOS COM

COMPORTAMENTO SUICIDA: O VIÉS DA PRAGMÁTICA DA EMOTIVIDADE

FORTALEZA – CEARÁ

2019

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ALDENOR DUARTE FEITOSA JÚNIOR

A (IM) POLIDEZ E O JOGO DE FACES EM CONVERSAS DE SUJEITOS COM

COMPORTAMENTO SUICIDA: O VIÉS DA PRAGMÁTICA DA EMOTIVIDADE

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Linguística Aplicada do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Linguística Aplicada. Área de Concentração: Linguagem e Interação. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Letícia Adriana Pires Ferreira dos Santos Co-orientadora: Prof.ª Dr.ª Kaline Girão Jamison

FORTALEZA – CEARÁ

2019

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A todas as pessoas que se comprometem

e se dedicam a ser suporte para aqueles

que se encontram em situação de

comportamento suicida.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, primeiramente, que constantemente me dá forças e inspiração para acolher

seus ensinamentos e ser um canal aberto para difusão do seu amor e da sua

sabedoria.

À minha mãe, irmãs e sobrinhos por me apoiarem, incentivarem-me, cuidarem de mim,

amarem-me incondicionalmente, acreditarem em meus sonhos, incluindo a realização

de meu curso de Mestrado.

À minha orientadora, professora Dra. Letícia Adriana Pires Ferreira dos Santos, e

coorientadora, professora Dra. Kaline Girão Jamison, por acreditarem em mim e nesta

pesquisa, pela atenção prestada, pelos conhecimentos partilhados, pelos

ensinamentos acerca da (Im) Polidez e da Emotividade e pelo exemplo de vida e de

atuação docente.

A Henrique que foi suporte e apoio nos momentos em que mais precisei de colo, de

afago, de afeto e de carinho.

Às professoras Dr.ª Claudiana Nogueira de Alencar e Dr.ª Suelene Silva Oliveira, pela

acolhida e pela disponibilidade em participar da minha Banca Examinadora de

Dissertação.

Á professora Djanira que tão prontamente se disponibilizou a auxiliar em qualquer

necessidade acadêmica ou logística no desenvolvimento material e teórico

relacionado ao nosso estudo. Assim como, através dela a total colaboração que recebi

da Clínica Escola do Centro Universitário Estácio do Ceará, espaço privilegiado no

qual se desenvolveram os encontros para a realização dessa pesquisa.

Às discussões realizadas pelo Laboratório Interdisciplinar de Linguagens,

Comunicações e Subjetividades – LinCos.

À tia Rita e Emanuela, e através delas a todos os que compõem o Colégio Pinheirinho

por terem sido tão parceiros durante esse tempo de pesquisa, me apoiando,

incentivando e acompanhando-me com as suas orações.

Aos meus amigos que sonharam comigo, tiveram paciência e sofreram a minha

ausência dos momentos de confraternização e diversão social.

Meus agradecimentos não estariam completos sem a menção ao Programa de Pós-

Graduação em Linguística Aplicada, da Universidade Estadual do Ceará, seu corpo

docente, discente e administrativo, pelo acolhimento e suporte e que representam

fonte de inspiração e profissionalismo.

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Aos que estiveram presentes nos momentos de construção e desenvolvimento da

pesquisa, auxiliando de forma prática e funcional.

De forma muito especial, gostaria de agradecer aos meus pacientes que se encontram

em situação de comportamento suicida, que passaram pelo meu consultório de

psicologia e que, por meio de suas lutas e sofrimentos, despertaram em mim o desejo

de pesquisar e tentar compreender um pouco mais os percursos desse fenômeno,

sensibilizando-me, assim, a me tornar um profissional e um ser humano mais empático

na luta e prevenção ao suicídio.

Aos profissionais da saúde, que durante a minha peregrinação em busca de

informação e material, disponibilizaram o seu tempo e atenção em me esclarecer

muitos dos procedimentos que até então me eram ou desconhecidos ou de difícil

acesso e que se encontram disseminados ao longo de todo esse estudo.

Finalmente, gostaria de agradecer a todos aqueles que generosamente participaram

dessa pesquisa, partilhando um pouco das suas vidas e da sua relação/experiência

com o comportamento suicida, sem os quais não seria possível a realização desse

trabalho.

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“Cada sociedade tem suas representações

sobre o suicídio”.

(DURKHEIM, 1992)

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RESUMO

Esta pesquisa está voltada para uma análise da (im)polidez e do jogo de faces em

conversas de sujeitos que se encontram em situação de comportamento suicida, pelo

viés da Pragmática da Emotividade e das possíveis faces do suicídio. Um dos nossos

propósitos foi analisar como cada sujeito participante desse estudo se percebe e se

relaciona com o ato de pensar ou tentar contra a própria vida. Assim, nossos

referenciais teóricos na Linguística são os estudos teóricos de Brown e Levinson

(1987), importantes disseminadores da polidez linguística, e de Erving Goffman (2011)

que estudou o ritual de interação e o comportamento face a face de pessoas. Na área

médica, nos fundamentamos nos estudos de Botega (2006) que aborda a temática do

suicídio com maestria. Além desses, também bebemos na fonte dos trabalhos de Caffi

e Janney (1994) com a abordagem Pragmática da Comunicação Emotiva que

apresenta um estudo relacionando a emoção à linguagem. Desse modo, nossa

pesquisa situa-se na interface entre a Linguística Aplicada e a Psicologia, tendo como

foco as faces dos sujeitos participantes dos grupos focais, bem como a própria face

do suicídio, delineada em termos de atributos narrados pelas pessoas em situação de

comportamento suicida. Nossa pesquisa foi de campo, com os dados colhidos durante

os momentos de interação, de conversa no grupo focal e principalmente das

conversas individuais. Além disso, aplicamos um questionário com três questões

abertas. Esse instrumento se nos apresentou como forma relevante para

encontrarmos o protótipo de suicídio que foi fuga. Após essa constatação, demos

início aos encontros dos grupos focais, observando-se o sentido, as faces, e as

emoções que emergiam nesses diálogos. Após análise e discussão dos resultados,

chegamos às seguintes considerações: após um tempo de encontro, as pessoas

passaram a se sentir mais à vontade e a expor mais as suas faces, conversavam com

mais facilidade sobre o suicídio e sobre suas emoções. Por meio de seus turnos

conversacionais constatamos que quando falavam de suicídio, elas não evidenciavam

o ato com “morte”. Pelo contrário, traziam outras faces do suicídio. Faces, à princípio,

enigmáticas, algo que elas primavam preservar ou silenciar. Assim, cada pessoa, de

uma forma ou de outra, demonstrava buscar proteger a sua face e a face do suicídio.

Palavras-chave: Suicídio. Linguística Aplicada. Psicologia. (Im) polidez. Face.

Pragmática da Comunicação Emotiva.

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ABSTRACT

This research is aimed at an analysis of the (im) politeness and the play of faces in

conversations of subjects who are in a situation of suicidal behavior, through the bias

of the Pragmatics of Emotivity and the possible faces of suicide. One of our purposes

was to analyze how each subject participating in this study perceives and relates to

the act of thinking or trying against one's own life. Thus, our theoretical references in

Linguistics are the theoretical studies by Brown and Levinson (1987), important

disseminators of linguistic politeness, and by Erving Goffman (2011) who studied the

interaction ritual and the face-to-face behavior of people. In the medical field, we are

based on the studies of Botega (2006) that approaches the theme of suicide with

mastery. In addition to these, we also drank at the source of the works of Caffi and

Janney (1994) with the Pragmatic approach to Emotional Communication that presents

a study relating emotion to language. Thus, our research is located at the interface

between Applied Linguistics and Psychology, focusing on the faces of subjects

participating in focus groups, as well as the face of suicide, outlined in terms of

attributes narrated by people in situations of behavior suicidal. Our research was of

field, with the data collected during the moments of interaction, of conversation in the

focus group and mainly of the individual conversations. In addition, we applied a

questionnaire with three open questions. This instrument was presented to us as a

relevant way to find the prototype of suicide that was escape. After this observation,

we started the focus group meetings, observing the meaning, the faces, and the

emotions that emerged in these dialogues. After analyzing and discussing the results,

we arrived at the following considerations: after a time of meeting, people began to feel

more comfortable and to expose their faces more, they talked more easily about

suicide and about their emotions. Through their conversational shifts, we found that

when they spoke of suicide, they did not evidence the act with "death". On the contrary,

they brought other aspects of suicide. Faces, at first, enigmatic, something that they

sought to preserve or silence. Thus, each person, in one way or another, demonstrated

to seek to protect his face and the face of suicide.

Keywords: Suicide. Applied Linguistics. Psychology. (Im) politeness. Face.

Pragmatics of Emotional Communication.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Comportamento suicida ao longo da vida........................................20

Quadro 2 - Dados mundiais sobre o suicídio......................................................21

Quadro 3 - Dados mundiais sobre suicídio/idade...............................................22

Quadro 4 - Classificação de países de acordo com o nº absoluto de suicídios

(estimativa para 2000) e por taxa de suicídio (ano mais recente

disponível) ..........................................................................................23

Quadro 5 - Características das tentativas de suicídio versus suicídio

completo..............................................................................................24

Quadro 6 - Os principais diagnósticos dos transtornos mentais que podem

ser considerados como fator de risco para a pessoa em situação

de comportamento suicida.................................................................25

Quadro 7 - Relação entre suicídio e doenças mentais........................................28

Quadro 8 - Estratégias on-record, off-record e bald-on-record..........................34

Quadro 9 - Estratégias de Polidez.........................................................................35

Quadro 10 - Códigos usados nas análises.............................................................55

Quadro 11 - Marcadores discursivos identificados nas interações.....................56

Quadro 12 - Marcadores de dificuldade de formulação verbal e envolvimento..57

Quadro 13 - Símbolos para Transcrição de Conversações..................................66

Quadro 14 - Significado do suicídio....................................................................... 92

Quadro 15 - Léxico suicídio.................................................................................... 92

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AVA-/AVA+ Dispositivo emotivo de menor ou maior avaliatividade.

Compl Complementação do discurso do interlocutor

EVI-/EVI+ Dispositivo emotivo de menor ou maior evidencialidade

ESP-/ESP+ Dispositivo emotivo de menor ou maior especificidade

DF: An Marcador de dificuldade de formulação: Anacoluto

DF: PLV Marcador de dificuldade de formulação: planejamento verbal

DF: PVo Marcador de dificuldade de formulação: prolongamento de vogal

DF: Rep Marcador de dificuldade de formulação: repetição

Paraf Paráfrase

MD Apro Aprovação

MD Ass Assentimento

MD EL Elicitadores de apoio

MD Inc Incerteza

MD Mon Monitoramento de fala

PROX-/PROX+ Dispositivo emotivo de menor ou maior proximidade

QUA-/QUA+ Dispositivo emotivo de menor ou maior quantificação

VOL-/VOL+ Dispositivo emotivo de menor ou maior volitividade

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... .............................................................................................13

2 SUICÍDIO: CONCEPÇÕES TEÓRICAS, TRAVESSIAS E ESTIGMAS ......... 19

2.1 SUICÍDO – CONCEITO E TRAJETÓRIA ........................................................ 19

2.2 PREVENÇÃO - FATORES DE RISCO E DE PROTEÇÃO..............................26

3 SUICÍDIO E FACES ....................................................................................... 31

3.1 A FACE DE GOFFMAN ...................................................................................31

3.2 A TEORIA DA (IM) POLIDEZ............................................................................31

4 PRAGMÁTICA DA COMUNICAÇÃO EMOTIVA.............................................39

5 PERCURSO METODOLÓGICO .................................................................... 45

5.1 NATUREZA DA PESQUISA ........................................................................... 45

5.2 PERCURSOS E PROCEDIMENTOS ............................................................ 46

5.3 MÉTODO E COLETA DE DADOS....................................................................51

5.4 CONTEXTO DE ATUAÇÃO ........................................................................... 53

5.5 MARCADORES DISCURSIVOS: ESTRUTURAS DA COESÃO E

COERÊNCIA NAS CONVERSAS SOBRE COMPORTAMENTO SUICIDA....55

5.6 ETAPAS DE INVESTIGAÇÃO ....................................................................... 57

5.7 INSTRUMENTOS DE INVESTIGAÇÃO..........................................................61

6 TRANSCRIÇÕES.............................................................................................66

6.1 NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO DAS CONVERSAS .................................. 66

6.2 CONVENÇÕES NORMATIVAS DAS TRANSCRIÇÕES DAS CONVERSAS..66

7 ANÁLISE DAS CONVERSAS E DISCUSSÕES DOS RESULTADOS...........68

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................94

REFERÊNCIAS ............................................................................................. 99

ANEXOS........................................................................................................104

ANEXO A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .......105

ANEXO B - RELAÇÃO DOS LIVROS UTILZADOS DURANTE OS

ENCONTROS................................................................................................107

ANEXO C - QUESTIONÁRIO.........................................................................109

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1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa surge a partir do diálogo entre a Linguística Aplicada e a

Psicologia, tendo como objeto de estudo o suicídio e a conversa de pessoas em situação

de comportamento suicida. O interesse em realizar um estudo interdisciplinar que

envolvesse a linguagem humana me acompanha desde que eu era aluno do curso de

Psicologia e participei da disciplina de Semiótica e de Análise Textual, quando já

apontavam os primeiros sinais de compreensão de que o significado das palavras estava

muito mais no sentido contextualizado que era dado a elas do que na forma com que

tradicionalmente as encontrávamos em um dicionário.

Atualmente, formado em Psicologia e em Linguística Aplicada, essa vontade

dos tempos iniciais, de quando graduando, vem se tornando realidade. Durante esse

percurso, tenho tido a oportunidade de ratificar a minha impressão inicial dos tempos de

acadêmico e, ao mesmo tempo, confirmar também a necessária ligação entre os estudos

e fundamentos da Psicologia com os da Linguística Aplicada. Esse diálogo entre a

Linguística e a Psicologia se nos apresenta extremamente relevante no processo de

produção, circulação e consumo dos enunciados linguísticos.

Constantemente me perguntam qual a conexão entre os dois saberes

Psicologia e Linguística? Acredito que essa pergunta se justifica apenas quando as

pessoas que a fazem não conhecem os muitos dos pontos de conexão na

interdisciplinaridade presente em ambos, visto que, como tal, o nosso trabalho se

debruça na perspectiva de uma pragmática integrada, cuja ênfase é na abordagem tanto

de aspectos linguísticos como psicológicos.

O psicólogo é definido como profissional da escuta, uma escuta qualificada,

que precisa estar atento aos dizeres do seu paciente na busca de apreender o sentido

com que as palavras estão carregadas; o que não é uma tarefa fácil, visto que a

linguagem ultrapassa o significado semântico das palavras. A linguagem é uma forma

de agir no mundo em que não há unicamente um processo de comunicação. Pelo

contrário, a comunicação é permeada de valores diversos e de múltiplas formas de

manipular, persuadir, convencer etc. Assim, ela vai variando de acordo com o significado

que as pessoas dão aos eventos sociais, culturais, ideológicos, religiosos, entre outros,

bem como consoante a leitura que se faz dos acontecimentos, a forma com que lida com

as emoções, tudo isso, ligado à sua estória de vida.

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Esse pensamento reflexivo, de modo semelhante, perpassa a minha formação

como linguista aplicado que se preocupa com as palavras dentro do contexto e do

sentido que vai sendo dado a elas na vida cotidiana das pessoas. É possível se fazer

muitas conexões e encontrar diversas complexidades entre a escuta e os dizeres de uma

pessoa em qualquer situação sócio comunicativa. No entanto, seleciono, para este

estudo, as conversas de pessoas em situação de comportamento suicida e os elementos

linguísticos da emoção e da empatia no processo de interação em grupos focais por

acreditar que somente o sujeito com esse comportamento é capaz de falar sobre o

sentido do suicídio. Desse modo, facilitar a interação entre o psicólogo e os seus

pacientes, assim como entre eles mesmos, quando falam sobre o suicídio, ora expondo,

ora protegendo suas faces por meio de diferentes estratégias de (im)polidez linguística,

será possível se entender a complexidade desse ato que ceifa a vida de tantas pessoas.

Escrever sobre um tema tão denso é um desafio, como psicólogo e como

pesquisador, visto que tenho recebido uma grande quantidade de pacientes em situação

de comportamento suicida, e essa demanda tem aumentado a cada dia. Esses dados

são ratificados pela Organização Mundial da Saúde (OMS, 2014) em 2012, quando

afirma que cerca de 804 mil pessoas morreram por suicídio em todo o mundo e que a

cada 40 segundos, uma pessoa comete suicídio, sendo que a cada três segundos uma

pessoa atenta contra a própria vida.

O Brasil é o nono país em número absoluto de suicídios. Ainda segundo a

OMS (2014), na mesma data de 2012 foram registradas 11.821 mortes, cerca de 30 por

dia. E essas taxas vêm aumentando globalmente. O Ceará é o primeiro estado do Norte

e do Nordeste em número de suicídios. Entre os estados brasileiros, ele ocupa o 5º lugar

com 603 casos registrados em 2015. Já Fortaleza ocupa a 3ª maior taxa, entre as capitais

brasileiras. No período de 2012 a 2016, ocorreram 1.299 casos de suicídio (SOUZA,

2016)

De acordo com Vidal et al. (2013) para cada tentativa notificada existem outras

quatro que não foram, esses dados costumam ser subestimados, pois muitos dos óbitos

ou não foram registrados em cartório (sub-registro), ou ocorreram em hospitais, e podem

não ter sido notificados (subnotificação), algumas vezes por serem consideradas de

pequena gravidade, ou por negligência (IBGE, 2013). Um outro forte motivo da

subnotificação é o fato do estigma que circunda o suicídio, levando os familiares a manter

segredo sobre a razão do óbito na intenção de proteção a imagem social, fazendo com

que oficialmente o suicídio receba outras denominações ou podendo ser declarada como

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morte com causa desconhecida. Sendo assim, alguns dos registros levam como causa

mortis apenas lesão ou outro tipo de trauma (MINAYO, 2012). Compete ao Sistema de

Informação de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde apresentar esses dados sobre

suicídio no Brasil através de atestados de óbitos que conforme observamos apresenta

um número aproximado de acordo com as falhas de contagem apresentadas acima.

Esse número tem crescido tanto que, dificilmente, não ouvimos relatos de pessoas

próximas em situação de comportamento suicida.

De acordo com Durkheim (2008), cada sociedade tem a sua representação

sobre suicídio de tal forma que ele se apresenta por meio de muitas faces e algumas

vezes não é claro quais estratégias de prevenção podem ajudar a reduzir esses altos

índices.

Acreditamos poder existir diferentes faces para o mesmo fenômeno

SUICÍDIO, para uns ELE pode representar “fuga”, para outros “morte” e ainda, para

alguns “libertação” ou outra face que só a pessoa é capaz de definir. É essa a inquietação

da nossa pesquisa.

A nossa pesquisa toma proporções mais amplas devido ao fato de não se

tratar apenas de estatística, mas de vidas. Rajagopalan (1990), em suas conferências,

já evidencia a importância de estudar a linguística para aplicá-la a corrente da vida.

Falar sobre as faces do suicídio, pelo viés da (im)polidez linguística, da teoria

da emotividade e da conversa de pessoas em situação de comportamento suicida, é

reconhecer o papel significativo que essas conversas exercem nas interações sociais e

na compreensão do ato de tirar a própria vida.

Dependendo sempre do contexto sociocognitivopragmático, o jogo de faces e

a (im)polidez linguística, podem ser recebidos pelos interlocutores de uma conversa de

várias maneiras; visto que os referentes situacionais, históricos, sociais, ideológicos, etc.

são diversos. Os turnos (cada vez que uma pessoa tem direito à palavra)

conversacionais nem sempre são simétricos e nem sempre se dirigem a uma pessoa

específica, em um dado momento e sob contingências específicas.

Afinal, qual o parâmetro para sabermos se estamos sendo polidos ou não em

uma relação com pessoas que tentaram o suicídio ou tiveram ou têm ideação suicida?

Qual a face que essas pessoas constroem do ato de tirar a própria vida? Representa

uma viagem prazerosa? Uma solução para seus problemas? Uma fuga almejada e

exitosa? Na realidade, justificamos o nosso estudo na possibilidade de ouvir essas

pessoas sem as lentes do preconceito ou de qualquer forma que pudesse enquadrá-las

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em “insanos”, “anormais”, “descrentes em Deus”. Buscamos através dos dados aqui

apresentados contribuir para elucidar a face do suicídio na sociedade contemporânea. E

desde já argumentamos que há ainda lacunas no empoderamento dos dizeres de quem

está em situação de comportamento suicida.

A escolha da face e da (im)polidez como parte do tema da pesquisa justifica-

se pela percepção de que é preciso identificar como o suicídio se apresenta para as

pessoas com esse tipo de comportamento. Qual o sentido do suicídio para essas

pessoas? Esse questionamento se faz importante em virtude da diversidade humana e

da complexidade do tema. Santos (2018, no prelo) argumenta que todo ser humano é

narcísico, violento e cortês, independente da sua condição física e psíquica, emocional.

Para a autora, há sempre um sistema de poder, natural ou não, e uma espiritualidade

em ação, mantendo um circuito constante com esse ser humano.

Outro motivo na escolha do tema é o fato de podermos evidenciar que, sendo

o suicídio um tabu, um tema supostamente não cortês para se abordar com quem já

tentou ou teve/tem ideação suicida, se torna relevante, para uma suposta superação ou

uma abordagem terapêutica auxiliar, conversar em um grupo focal com o propósito de

compreender as emoções e as formas de ressignificar esses comportamentos por

diferentes pessoas/pacientes.

Para se manter em equilíbrio esse sistema, é preciso se ter um respeito

contínuo pela ecobiodiversidade, pelas diferenças humanas e de todas as espécies que

compõem a terra. Com esse posicionamento, sabemos que o comportamento suicida

dança na corrente da vida de forma diferenciada e a importância do conhecimento com

relação às estratégias de (im)polidez linguística selecionadas por eles ao falarem sobre

o suicídio, a fim de compreendermos melhor a face do suicídio que se evidencia na

dinâmica que rodeia cada pessoa em situação de comportamento suicida.

No que se refere à relevância científica, essa pesquisa busca preencher

lacunas nas produções técnicas e acadêmicas em diferentes domínios da linguagem,

como se produz, circula e se recebe os enunciados polidos e não polidos de pessoas em

situação de comportamento suicida, no que diz respeito ao complexo entendimento do

suicídio e a melhor forma de abordar não apenas o tema, mas, como interagir

diretamente com as pessoas com esse comportamento, assim como contribuir para as

pesquisas e publicações do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada

(PosLA).

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Baseado, no que foi exposto, esperamos, que esta pesquisa possa ajudar a

identificar qual o significado pragmático do suicídio, bem como os dispositivos emotivos

e as estratégias de polidez linguística são trabalhados na conversa com pessoas em

situação de comportamento suicida, para uma apropriada manutenção e preservação

das faces dessas pessoas, ultrapassando os limites do preconceito e do estereótipo de

senso comum quanto à face representativa do suicídio, buscando compreender, a partir

delas mesmas, do seu lugar de fala, qual o significado do suicídio emerge em suas

conversas; e estando munido desse material, colaborar para uma melhor avaliação e

consequente manejo em uma prevenção eficaz do suicídio.

Esse fio condutor de atitudes nos levou aos textos de Bakhtin (2009, p.115) o

qual declara que o diálogo é o resultado da interação de dois indivíduos socialmente

organizados, no qual, cada um expressa suas deduções interiores: “Na realidade, toda

palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de

alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto

da interação do locutor e do ouvinte”.

Instigados por esse pensamento, realizamos um estudo com base teórica

cognitivo, pragmática da comunicação emotiva, com porto de passagem pela Análise da

Conversação com uma abordagem Etnometodológica. Portanto, este estudo utilizou

alguns elementos da Cognição e da Pragmática da Comunicação Emotiva como base

para entender como se desenvolve o fenômeno interacional, analisando como e por que

ocorre a (im)polidez nos diálogos com pessoas em situação de comportamento suicida,

analisando qual sentido emerge do suicídio e a partir de então, como se dá o jogo de

faces ao falar dessa temática.

Quando um sujeito quebra uma regra, ou apresenta um padrão

comportamental não esperado ou não adequado às convenções da sociedade, como por

exemplo: o comportamento suicida, ele receia expor publicamente essa face, visto que

essa mesma exposição pontual pode vir a destruir uma autoimagem positiva já

construída anteriormente e na qual ele tenta manter preservada. Além do sofrimento

pessoal de quem apresenta o comportamento suicida ele ainda sofre o preconceito e o

estigma social. Nessa perspectiva nosso estudo procurou entender o sentido dado ao

suicídio na fala de pessoas em situação de comportamento suicida para ajudar a diminuir

mitos, estigmas e preconceitos sobre esse tema, buscando ultrapassar as barreiras do

eu-pessoal para dar espaço para o eu-social, partindo dessa visão macro do fenômeno

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e transformando-a em uma visão micro; na busca de auxiliar a compreender que o que

atinge a um (visão reducionista) atinge a todos (visão holística).

No que tange a essa exposição, estudos realizados por Goffman (1980)

identificam esse receio da exposição da face dentro de uma dinâmica de ameaça à sua

manutenção. Nesse jogo de interação, o locutor tenta prevenir atos ameaçadores de sua

face e da face do interlocutor por meio da utilização de estratégias de polidez, que atuam

como amenizadores de tais atos.

Estruturalmente a nossa pesquisa se divide em oito capítulos. No primeiro,

apresentamos as nossas questões de pesquisa, assim como, os objetivos do estudo e a

motivação para sua realização. Além disso, abordamos a relevância pessoal, social e

científica, evidenciando o “estado da arte” em que se encontram os conhecimentos

científicos sobre o tema que se trabalha nessa dissertação.

No segundo capítulo que intitulamos de suicídio: concepções teóricas,

travessias e estigmas, desenvolvemos o conceito e a trajetória do suicídio ao longo da

história.

No próximo, relacionamos o conceito de suicídio com face, para isso,

apresentamos tanto o conceito de Face em Goffman, quanto a Teoria da (Im) polidez.

A seguir, abordamos a Pragmática da Comunicação Emotiva que nos serviu

como suporte para análise das conversas através de seus dispositivos emotivos.

No quinto capítulo, há a descrição da metodologia, enfocando principalmente

a natureza da pesquisa, os percursos e procedimentos, o método e coleta de dados, os

tipos de procedimentos e os marcadores discursivos: estruturas da coesão e coerência

nas conversas sobre comportamento suicida, assim como, os participantes da pesquisa.

Após, termos delineado nosso percurso metodológico, fizemos o capítulo

sobre as transcrições incluindo as normas para transcrição de conversas e as

convenções normativas das transcrições das conversas.

Iniciamos, posteriormente, a análise das conversas e discussões dos

resultados analisando as conversas a partir das transcrições realizadas durante os

encontros do grupo focal e dos momentos de interações espontâneas.

Por último, fizemos as considerações finais da nossa pesquisa que nos

revelam que o comportamento suicida é um assunto repleto de elementos ainda pouco

conhecido e envolto em uma atmosfera de silêncio e preconceito.

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2 SUICÍDIO: CONCEPÇÕES TEÓRICAS, TRAVESSIAS E ESTÍGMAS

O termo suicídio, como é compreendido hoje, foi publicado pela primeira vez

em 1642, embora, já não seja raro encontrar registro sobre o ato de retirar a própria vida

desde a pré-história, em certas culturas primitivas, o suicídio era um evento constituinte

dos costumes tribais. Não é possível precisar quando ocorreu o primeiro suicídio, no

entanto ele sempre esteve presente na história. Um exemplo famoso desse fato é o do

filósofo Sócrates que em 399 a.C. tirou a sua própria vida tomando uma taça do veneno

cicuta. (DANTAS, 2005).

De acordo com o psiquiatra clínico Botega (2006) na antiguidade greco-

romana, o suicídio era considerado um exercício racional de um direito pessoal. Na idade

média ele passou a ser considerado um pecado mortal, fruto de instigação demoníaca,

já no século XVII o suicídio transformou-se me dilema humano

Etimologicamente esse termo deriva da palavra latina “sui caedere” que se

traduz em português por “matar-se”. Com o passar do tempo, o termo foi sendo mais

utilizado em substituição a antigas expressões para se contemplar o mesmo fenômeno.

Suas várias definições costumam girar em torno da ideia central relacionada ao ato de

tirar a própria vida (MOREIRA; BASTOS, 2015).

Embora seja uma palavra bastante falada atualmente, ela continua

apresentando uma variação de significados e simbologias, apresentando, portanto,

diferentes representações (faces) e abordagens.

2.1 SUICÍDIO – CONCEITO E TRAJETÓRIA

Não obstante tantos estudos, ainda não é clara a etiologia do suicídio. Desde

a década de 60 a Organização da Nações Unidas - ONU (UNITED NATIONS, 1996),

definiu o comportamento suicida como um fenômeno multifatorial, multideterminado e

transacional que se desenvolve por trajetórias complexas, porém identificáveis. É por

essa porta de acesso, a identificação da trajetória, que podemos nos utilizar de

estratégias de polidez para nos aproximar das causas e motivações presentes no

percurso que o paciente realiza desde a ideação até o momento da concretização do

ato, propriamente dito.

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Quadro 1 - Comportamento suicida ao longo da vida

Fonte: Baseado em Botega e colaboradores (2006).

Botega (2006) utiliza o termo “comportamento suicida”1 quando se refere às

várias etapas que envolvem o suicídio, por nos parecer bastante apropriado, nesse

estudo, esse mesmo termo está sendo adotado com maior prevalência devido ao fato

que ele cobre uma série de fenômenos ligados ao suicídio, dos quais, os mais relevantes

são a ideação, o planejamento, a tentativa e o suicídio como ato propriamente dito.

Por ser uma temática estigmatizada, obscurecida por tabu, medo, vergonha e

atitudes condenatórias, a pessoa em situação de comportamento suicida prefere, quase

sempre, o silêncio a respeito do problema a procurar ajuda. Ela se percebe sozinha

diante dessa realidade. Mas, esse pensamento, algumas vezes também reflete o

pensamento mais amplo da sociedade, na qual compreende o suicídio unicamente como

um problema individual, o que dá a impressão de que somente a pessoa que está em

situação de comportamento suicida é afetado por esse procedimento e por suas

consequências, e não como um problema que acaba afetando a toda a sociedade.

(ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA, 2014)

1 Não há concordância em torno do termo considerado mais apropriado para definir a heterogeneidade de

comportamento relacionados ao fenômeno do suicídio, no entanto tem-se observado que além do autor citado, esse termo tem sido bastante utilizado por outros autores da modernidade que estudam o suicídio.

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Em consonância com o pensamento acima Emile Durkheim (2008, p. 167)

considerado o pai da sociologia moderna, define o suicídio como “toda morte que resulta

direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo realizado pela própria vítima, ato

que a vítima sabia dever produzir este resultado”. De acordo com o sociólogo, esse

conceito revela um aspecto patológico da sociedade moderna, revelando, assim, a

relação de determinação entre a realidade individual e a coletiva.

Essa visão social do todo se sustenta através de suas partes individuais. De

acordo com Minayo et al (2012) o suicídio é um ato consciente de auto aniquilamento,

compreendido como um mal estar multifatorial sentido por uma pessoa fragilizada, que

define um tema-problema para o qual a morte é percebida como melhor solução, [...]

deve ser abordado como uma dimensão que integra um possível contínuo de

comportamentos que pode partir do pensamento ou ideação, planejamento, tentativa e

finalmente a realização do ato.

A importância de compreender essas etapas consiste no fato de que o

suicídio, propriamente dito é a ponta final da cadeia, do iceberg; mas, seu processo do

comportamento suicida tem início desde o momento em que a pessoa pensa pela

primeira vez sobre o assunto. O suicídio começa bem antes da morte.

Quadro 2 - Dados mundiais sobre o suicídio

Fonte: Baseado em World Health Organization (2018)

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De acordo com a OMS (2018), o suicídio pode ocorrer em todas as idades.

Mundialmente, há uma grande variação de qual é a faixa etária mais atingida, em alguns

países as taxas de suicídio são mais altas em pessoas com mais de 70 anos, em outros

países, as taxas mais elevadas são entre os jovens. No entanto, independentemente do

lugar e da variação citada acima, o suicídio é a segunda causa mortis entre os jovens de

20 a 25 anos.

O suicídio é considerado um problema de ordem mundial, pelos números e a

abrangência que ele traz consigo, ele não está limitado nem ao tempo nem ao espaço,

podendo se fazer presente em todos os lugares aonde possa chegar o ser humano, a

Organização Mundial da Saúde – OMS (2014) define o suicídio como ato deliberado e

intencional de causar a morte a si mesmo. Atualmente morre aproximadamente 01

milhão de pessoas por ano (entre 10 a 20 milhões de tentativas) e em base na tendência

de crescimento atual, projeta-se que, até 2020, as mortes por suicídio alcançarão 1.53

milhões de pessoas no mundo, sendo que, para casos de tentativas este número será

entre 10 a 20 vezes maior (NAVARRO; MARTÍNEZ, 2012).

Quadro 3 - Dados mundiais sobre suicídio/idade

Fonte: Baseado em World Health Organization (2018)

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De acordo com a observação de Botega (2006) a escolha dos métodos

utilizados nas tentativas de suicídio reflete uma combinação de fatores: o acesso a meio

letais, as preferências individuais e culturais, e a intenção subjacente ao comportamento

suicida. Interessante observar que as mulheres tentam mais o suicídio do que os

homens, mas elas apresentam mas dificuldade de consumar o ato em si, talvez porque

as mulheres se utilizem de meios menos letais, principalmente o auto envenenamento e

a ingestão de excessiva de medicamentos; enquanto que os homens conseguem com

mais facilidade tirar a sua própria vida, esse resultado se deve aos meios que cada sexo

se utiliza para a consumação do suicídio, geralmente os homens se utilizam de meios

mais fatais predominando entre os homens o enforcamento e as armas de fogo.

Apesar do suicídio ser um fenômeno predominantemente individual, ele é

capaz de causar não apenas um impacto às pessoas que estão mais próximas, mas,

assumir aspectos muito mais amplos, quando o fenômeno é apresentado com dados

numéricos podemos ter uma maior compreensão da magnitude do fenômeno, o que pode

inspirar novas formulações de hipóteses de compreensão e de prevenção de abordagem

relacionado ao tema.

Para se ter uma noção de como se realiza essa estatística das taxas mundiais

de suicídio, os estudiosos se utilizam do seguinte método: para facilitar a obtenção

desses dados os cálculos são expressos em números de casos por 100.000 habitantes,

sendo calculadas mediante a divisão do número absoluto de mortes por suicídio pelo

número total da população em cada país correspondente, nos respectivos anos, para

ambos os sexos, e de acordo com a faixa etária (OLIVEIRA, 2010). Apesar dessa

matemática é preciso ter um olhar crítico com relação aos números devido à dificuldade

de coleta de dados fidedignos e as subnotificações por se tratar de um assunto envolto

em mitos e tabus.

Quadro 4 - Classificação de países de acordo com o nº absoluto de suicídios (estimativa para 2000) e por taxa de suicídio (ano mais recente

disponível) (Continua)

País

Nº Absoluto de Suicídios

Ranking por nº Absoluto

Taxa por 100.000

Ranking p/Taxa de Suicídios

China 195.000 1º 16,1 24°

Índia 87.000 2º 9,7 45°

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Quadro 4 - Classificação de países de acordo com o nº absoluto de suicídios (estimativa para 2000) e por taxa de suicídio (ano mais recente

disponível) (Conclusão)

Rússia 52.500 3º 41,5 3°

Estados

Unidos

31.000 4º 11,9 38°

Japão 20.000 5º 16,8 23°

Alemanha 12.500 6º 15,8 25°

França 11.600 7º 20,7 14º

Ucrania 11.000 8° 22,6 11°

Brasil 5.400 9° 3,5 71°

Sri Lanka 5.400 10° 31,0 7°

Fonte: Baseado em World Health Organization (2014).

No quadro abaixo, temos a oportunidade de verificar algumas das variedades

presentes entre as características das pessoas que tentaram suicídio e das pessoas que

levaram o suicídio a cabo.

Quadro 5 - Características das tentativas de suicídio versus suicídio completo

TENTATIVA COMPLETO

Sexo Mulheres Homens

Idade Menos de 35 anos Mais de 60 anos

Meio Baixa letalidade Alta letalidade

Diagnóstico Menos comuns–50% não têm diagnóstico psiquiátrico

Depressão, alcoolismo, esquizofrenia e transtorno de personalidade

Planejamento Impulsivo Cuidadoso

Ambiente Público de fácil observação Privado, isolado

Disp. de ajuda Alta Pequena

Método Medicamento, cortar-se Enforcamento e arma de fogo

Fonte: Baseado em World Health Organization (2014).

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De acordo com o World Health Organization - WHO (2014), a maior parte dos

suicidas apresenta uma doença mental associada ao comportamento suicida, no

entanto, grande número dessas pessoas não procura um profissional da área de saúde,

ou por desconhecimento da doença ou por não achar que o suporte venha a ser um

apoio eficaz no momento da crise suicida.

Quadro 6 - Os principais diagnósticos dos transtornos mentais que podem

ser considerados como fator de risco para a pessoa em situação

de comportamento suicida

Transtornos do humor (depressão) 30,2%

Transtornos por uso de substância (álcool) 17,6%

Esquizofrenia 14,1%

Transtornos da personalidade 13%

Transtornos mentais orgânicos 6,3%

Transtornos de ansiedade/somatoformes 4,8%

Outros transtornos psicóticos 4,1%

Transtornos de adaptação 2,3%

Todos os demais diagnósticos 5,5%

Sem diagnóstico 2%

Fonte: Baseado em World Health Organization (2014).

Não existe uma explicação única porque as pessoas morrem por suicídio. No

entanto, muitos fatores potencializam essa prática: o fácil acesso a um meio que coopera

na concretização do ato, entre eles os agrotóxicos; material de limpeza de caráter

corrosivo e armas de fogo. Além de toda a pressão social, psicológica, econômica e

emocional no qual as pessoas são bombardeadas diariamente podendo levá-las a

grande desequilíbrio emocional, em uma sociedade capitalista em que muitas vezes

deposita no ter o sentido da sua existência. Desse modo, para iniciar um caminho eficaz

para a prevenção do suicídio, os países devem empregar uma abordagem multisetorial

abrangente (OMS, 2015).

Devido à multifatoriedade das causas do suicídio, a prevenção não é uma

tarefa fácil. No entanto o sucesso de estratégias de prevenção em diversos países nos

leva à constatação da possibilidade real da redução do número de suicídios. A OMS tem

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desenvolvido inúmeros programas de prevenção com a intenção de criar subsídios

teóricos e práticos na prevenção do suicídio.

O mais recente programa foi publicado em 2014 com o título “Prevenindo o

suicídio: um imperativo global” com o objetivo de ajudar os governos (e colaboradores)

a realizar passos positivos na prevenção do suicídio, a partir de recursos e contextos de

cada País (WHO, 2014).

Seguindo a esteira dos demais países envolvidos nas campanhas, o Brasil,

através do Ministério da Saúde (MS), tem desenvolvido diversas campanhas com a

mesma finalidade de prevenção ao suicídio. A OMS vem estimulando a realização de

projetos com a finalidade de acolher pessoas que estão em situação de comportamento

suicida, além da criação de núcleos de atendimentos a essas mesmas pessoas (BRASIL,

2005).

2.2 PREVENÇÃO - FATORES DE RISCO E DE PROTEÇÃO

A importância de ter conhecimento dos fatores de risco e dos fatores de

proteção está na possibilidade de serem gatilhos2 ou recursos para auxiliar a determinar

clinicamente o nível e as estratégias mais apropriadas para reduzir ou potencializar a

capacidade de prevenção ao suicídio (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA -

ABP, 2014).

São inúmeras as situações de vulnerabilidade que podem influenciar um ao

outro podendo causar impacto no resultado, assim como na prática do suicídio;

elencaremos os dois principais fatores de risco:

-Tentativa prévia de suicídio

É o fator preditivo isolado mais importante. Pessoas que já tentaram suicídio

anteriormente têm de cinco a seis vezes mais chance de tentarem suicídio novamente.

E estima-se que 50% das pessoas que se suicidaram já haviam tentado previamente.

De acordo com Bertolote (2012) esse comportamento é um sinal de alerta para uma

possível futura tentativa. Esse padrão é confirmado por Kreitman et al (1970) que, apesar

2 A palavra “gatilho” está sendo utilizada nesse estudo como elemento capaz de disparar um evento, ou

sentimento, novo, tendo esse “gatilho” como ponto de partida, podendo dividir-se me positivo e/ou negativo.

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de apresentar percentuais diferentes, afirmam que 10% dos indivíduos que já tentaram

o suicídio completam o ato posteriormente, ratificando, assim, a importância de estarmos

alerta diante de uma pessoa que está em situação de comportamento suicida.

Geralmente, o suicídio é um ato pensado e repensado várias vezes, ele não surge do

nada e nem é levado ao cumprimento sem um prévio planejamento.

Pessoas que já passaram por todo as etapas anteriores para chegar à sua

primeira tentativa, quando tentam uma próxima vez tendem a encurtar as etapas, se

utilizando da experiência anterior como referência e aprimorando o que ficou faltando e

que as impediu de alcançar êxito, o que faz com que as chances de sucesso cresçam

imensamente dessa vez.

- Doença mental

Quase todas as pessoas que se suicidaram tinham alguma doença mental,

muitas vezes não diagnosticada ou não tratada de forma adequada. As doenças mentais

mais comuns são: A depressão, o transtorno bipolar, transtornos mentais relacionados

ao uso de álcool e outras substâncias, transtorno de personalidade e esquizofrenia.

(BOTEGA, 2006).

Segundo a cartilha do governo: “Suicídio, informando para prevenir” (2014) a

depressão é uma doença muito prevalente, em função de sua prevalência ela é a doença

mental mais associada ao suicídio, ela representa em números absolutos, o diagnóstico

mais presente encontrado entre as pessoas que estão em situação de comportamento

suicida.

Em seguida, mas, não menos importante encontramos o transtorno afetivo

bipolar, estima-se que até 50% dos portadores do transtorno tentem o suicídio ao menos

uma vez em suas vidas e 15% efetivamente o cometam. O risco do suicídio acontece

principalmente quando a pessoa se encontra na fase depressiva ou em episódios mistos3

do transtorno.

Transtornos mentais relacionados ao uso de álcool e outras substâncias são

no conjunto, a segunda causa mais associada ao comportamento suicida,

acompanhando os dados apresentados pela cartilha do governo (2014) citada acima,

cerca de 5% a 10% das pessoas dependentes de álcool terminam suas vidas com o

suicídio.

3Quando há combinação de sintomas ao mesmo tempo depressivos e maníacos.

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Os transtornos de personalidade apresentam um risco aumentado de suicídio

em até 12 vezes para homens e 20 vezes para as mulheres, estudos populacionais

apontam uma prevalência de cerca de 10% a 15% da população geral e segundo a

mesma cartilha do governo (2014) essa porcentagem aumenta mais de 50% na

população psiquiátrica. Entre os transtornos de personalidade mais frequentes

encontram-se, especialmente: o transtorno de personalidade antissocial e o boderline4

A esquizofrenia é uma doença crônica que afeta 1% da população e ocorre

em todas as sociedades e localidades espalhadas ao redor do planeta. Apesar de

aparentemente ela se encontrar em uma porcentagem relativamente reduzida ela é

responsável por aproximadamente 10% dos suicídios, ela também está associada com

o com o aumento de 10 vezes do risco de morte por suicídio, e segundo dados

apresentados pela cartilha do governo (2014) essas tentativas de suicídio são

frequentemente precipitadas pela depressão, estressores e sintomas psicossociais.

Quadro 7 - Relação entre suicídio e doenças mentais

Fonte: Bertolote et al. (2020)

4 Transtorno de personalidade também conhecida como limítrofe, originada da expressão inglesa boderline

que significa na fronteira, no limite ou incerto.

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Embora haja uma forte relação entre suicídio e doença mental, nem todas as

pessoas que se suicidam possuem uma doença mental, assim como nem todas as

pessoas que possuem uma doença mental se suicidam. Dessa forma a ABP (2014)

elenca outros fatores que podem ser considerados de risco, embora menos importante

que os dois primeiros, mas que merecem igualmente a atenção.

- Desesperança, desespero, desamparo e impulsividade.

Sentimentos fortemente associados ao comportamento suicida.

- Idade.

O suicídio entre jovens aumentou em todo o mundo nas últimas décadas,

inclusive no Brasil, no entanto, a taxa entre os idosos é também bastante

elevada.

- Gênero.

Os óbitos por suicídio são cerca de três vezes maiores entre os homens do

que entre mulheres, no entanto, as mulheres tentam três vezes mais do que

os homens.

- Doenças clínicas não psiquiátricas.

Pacientes com Câncer, com doenças ainda sem cura ou doenças crônicas,

apresentam comorbidades com transtornos psiquiátricos em uma taxa de

52% a 88% tais como a depressão e abuso de substância, podendo levar a

um possível comportamento suicida.

- Eventos adversos na infância e na adolescência.

Muitos eventos significativos durante essas duas fases de desenvolvimento

humano podem levar a pessoa a recorrer ao suicídio como resolução de

seus problemas, entre eles citamos: maus tratos, abuso físico e sexual, pais

divorciados, transtorno psiquiátrico familiar, podem aumentar o risco de

suicídio.

- História familiar e genética.

O risco de suicídio aumenta entre aqueles que possuem um familiar ou um

parente próximo que já tenha apresentado algum comportamento suicida.

Estudos de genética epidemiológica mostram que há componentes

genéticos e componentes sociais envolvidos no comportamento suicida.

- Fatores socias.

O sociólogo Emile Durkein, já citado anteriormente, relaciona os laços

sociais em uma determinada sociedade com os índices de morte por

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suicídio, esse conceito quando transposto para o nível pessoal significa dizer

que quanto menos laços sociais possui uma pessoa mais aumenta o risco

de suicídio.

Os fatores protetores são menos estudados e geralmente não são dados

muito consistentes, visto que dependem muito da subjetividade da pessoa e da leitura e

impressões que esses fatores deixaram na sua vida pessoal, (ABPN, 2014) são eles:

- Autoestima elevada.

- Bom suporte familiar.

- Laços sociais bem estabelecidos com a família e com amigos.

- Espiritualidade.

- Razão para viver.

- Ausência de doença mental.

- Capacidade de resolução de problemas e relação terapêutica positiva.

- Acesso de serviços e cuidados de saúde mental.

- Entre outros.

Nem sempre é possível modificar ou interferir nos fatores de risco da pessoa

em situação de comportamento suicida, mas, sempre é possível reforçar os fatores de

proteção e assim, ajudar a pessoa a perceber que não está caminhando sozinha. Ouvir

o outro minimiza o ter de ouvir a si mesmo e desperta compreensão de seu próprio valor,

utilidade e da reconstrução de uma autoimagem positiva. Por isso, a manutenção desses

relacionamentos também é vista como um fator de proteção importante contra esse tipo

de comportamento (FIGUEIREDO et al., 2015). É plausível estabelecer contatos de

conectividade com outros através da fala e da escuta, através de momentos de escuta

mútua e de movimentos de polidez, de conversa e de encontro.

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3 SUICÍDIO E FACES

3.1 A FACE DE GOFFMAN

A conversação é uma prática comum e cotidiana, ela está presente no dia-a-

dia das pessoas. É um instrumento basilar de comunicação; a conversação envolve

muitas nuances que à primeira vista não parecem ser de muita importância como

material de estudo ou de análise, mas, essa percepção é apenas superficial. De acordo

com Guimarães (2010, p. 11), “ela põe em evidência a imagem social das pessoas, e

expõe algo que, muitas vezes, não se quer exibir. Ervin Goffman afirma, em seu livro

Ritual de interação, ensaio sobre o comportamento face a face (2011), que todas as

pessoas vivem em um mundo de encontros sociais que se realizam ou face a face ou

através de outro formato, o que significa dizer que, a interação social é um

comportamento que passa por ritual cotidiano rico de dinâmicas e intenções, nem

sempre claras, mas, que, se bem administradas podem evitar muito ruído de

comunicação e de linguagem. É através dessa linha de pensamento, da ideia de que

interagir é estar exposto e vulnerável ao julgamento do outro, que surge a noção de face.

Dessa forma, face se torna um símbolo de um comportamento de internalização de

autoproteção. Goffman (1980, p.78) define face como “um valor social positivo de uma

pessoa que efetivamente afirma sobre si mesma pela linha que os outros assumem que

ela adotou durante um contato particular. Face é a imagem do self delineada em termos

de atributos sociais aprovados”, ou seja, existe uma preocupação do que os outros

pensam dela, a pessoa reivindica para si, na interação, valores sociais positivos. Sendo

assim, podemos afirmar, então, que a face é uma imagem do eu formada a partir de

predicados tidos pela sociedade como positivos, estabelecida por meio de atos, tanto

verbais como não verbais, seguidos pela pessoa para expressar a avaliação que ela faz

dos participantes da interação, incluindo, e sobretudo, ela mesma (GOFFMAN, 1980).

3.2 A TEORIA DA (IM) POLIDEZ

Como já foi assinalado anteriormente, Brown e Levinson (1987) subdividem o

conceito de face em duas, a saber: face positiva e face negativa, definindo-as da seguinte

forma:

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- Face positiva: É tudo aquilo que o interlocutor exibe para obter aprovação

ou reconhecimento, correspondendo ao desejo de ser aceito; esse conceito é

semelhante ao conceito de face já apresentado anteriormente.

- Face negativa: Essa face se espelha na noção de território, proposta pela

teoria de Goffman. É o território que o interlocutor deseja preservar ou ver preservado,

correspondendo àquilo que não queremos que o outro saiba.

Alinhando-se à noção de face, os autores citados desenvolveram o conceito

de polidez como sendo o recurso utilizado com o intuito de preservar a sua face e a do(s)

parceiro(s) na interação verbal ação reparadora (polidez positiva e polidez negativa).

Essa dinâmica de interação enquanto estratégia de polidez pode ser

percebida como um jogo de influência mútua. Na tentativa de preservar as faces

envolvidas na interação (as suas faces e as dos outros), para Brown e Levinson (1987),

os interactantes adotam estratégias para amenizar as ameaças.

Considerando a interação como um jogo, os interlocutores alternam entre o

desejo de se expor e serem aprovados socialmente (polidez positiva) e ao mesmo tempo

querem ter suas privacidades resguardadas (polidez negativa). Cada jogador deve fazer

uso de estratégias que vise auxiliar não somente atingir os objetivos comunicativos, mas

também de manter o equilíbrio da interação. (PAIVA; MOREIRA; SANTOS, 2016, p. 68)

Esse recurso também pode ser utilizado para amenizar os efeitos de um FTA

(face-threatening acts) ou ato ameaçador de face, causando um movimento de

preservação de faces.

Moreira (2016, p. 58), citando Brown e Levinson (1987), explica que os autores

desenvolveram uma fórmula que indica a escolha da estratégia mais adequada ao

contexto da interação social, explicita os fundamentos básicos sobre os fatores que

influenciariam a escolha das estratégias da polidez linguística e sobre face, imagem e os

atos de ameaça à face – FTAs - dependendo de fatores como a distância social entre

falante e ouvinte (D), o poder relativo entre eles (P) e o grau de imposição (R).

A distância social (D) pertinente à percepção da diferença social entre as

pessoas envolvidas na conversação.

O poder entre eles (P) relacionado ao nível de autoridade que o falante tem

sobre o ouvinte.

O grau de imposição (R) relativo à capacidade de sobrepor suas ideias ou

pensamentos sobre o outro.

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Dessa forma, os autores, primeiramente, dividem os atos que ameaçam em

dois grupos distintos: de um lado, “a primeira distinção entre os atos que ameaçam as

faces positivas e negativas” (BROWN; LEVINSON, 1987, p. 65); de outro, “a segunda

distinção entre os atos que ameaçam as faces do locutor e do interlocutor” (BROWN;

LEVINSON, 1987, p. 67).

Assim, os FTAs são divididos em quatro categorias:5

1. Atos que ameaçam a face negativa do locutor: atos suscetíveis de lesar o

seu próprio território ou que lhe restringem a liberdade de ação. Exemplo: o verbo

prometer, que faz o enunciador contrair um compromisso.

2. Atos que ameaçam a face positiva do locutor: atos que representam auto

humilhação, inferioridade ou limitações. Exemplo: um pedido de desculpas.

3. Atos que ameaçam a face negativa do interlocutor: atos que lhe restringem

a liberdade de ação ou que violam seu território. Exemplo: ordens.

4. Atos que ameaçam a face positiva do interlocutor: atos que afetam a

autoimagem projetada pelo interlocutor. Exemplo: crítica.

Portanto, em uma interação, há pelo menos quatro faces envolvidas (as

positivas e as negativas do locutor e do interlocutor). Esse número, contudo, é bem maior

se considerarmos, por exemplo, quando em uma interação se está falando sobre alguém

ou se o locutor está falando para um público maior.

Brown e Levinson, com o livro Politeness: some universals in language usage

(1987), defendem que, a polidez aparece como uma tentativa de preservação recíproca

das faces dos interactantes, visto que a maioria dos atos de fala podem gerar ameaças

para uma dessas faces (PAIVA; MOREIRA; SANTOS, 2016).

Essas estratégias são utilizadas pelos falantes de forma racional de acordo

com às suas intenções comunicativas, visto que o falante pode optar entre realizar ou

não um FTA; ou seja, quando utiliza a estratégia on-record na conversação, o falante

revela que tem a intenção de se comprometer, de se responsabilizar ao desempenhar

um determinado ato ameaçador de face, ele se compromete de forma direta. Quando ele

se expressa através do uso da estratégia off-record, o falante busca evitar qualquer tipo

de afiliação ou responsabilidade com aquilo que está sendo enunciado, priorizando o

desejo de manter a face, dessa maneira ele compromete de forma indireta.

5 Anotação adaptadas pelo autor a partir de Peixoto; Santos (2013).

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Assim, o sentido dentro da conversação, pode ser negociado, de forma que

cabe ao ouvinte a responsabilidade da interpretação; já a bald-on-Record evidencia o

modo particular como a mensagem é endereçada. Na maioria das vezes, dentro de uma

conversa podemos identificar diferentes estratégias com diferentes intenções (PAIVA;

MOREIRA; SANTOS, 2016). Essas estratégias on-record, off-record e bald-on-record

podem ser visualizadas no seguinte esquema:

Quadro 8 - Estratégias on-record, off-record e bald-on-record

Fonte: Brown e Levinson (1987, p.69)

Algumas vezes o locutor tem a intenção de causar desequilíbrio na conversa

e em outras situações a intenção é contrária, podendo, assim, utilizar-se de estratégias

de polidez ou de impolidez; de proteção ou exposição da face, tanto do próprio locutor

quanto das outras pessoas envolvidas na conversa.

Seguindo o pensamento de Brown e Levinson (1987), qualquer ato pode vir a

ser um ato ameaçador, até mesmo um elogio ou uma palavra, a princípio caracterizada

como positiva pode assumir um caráter ameaçador para o outro se assim ele se sentir

constrangido a se comprometer com o locutor. Os próprios autores desenvolveram uma

lista de estratégias apontadas como Estratégias de Polidez que apresentamos agora:

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Quadro 9 - Estratégias de Polidez

Estratégias de polidez de Brown e Levinson

Polidez Positiva (on-record para face

positiva)

1. Perceba o outro. Demonstre interesse pelos desejos e necessidades do outro.

2. Exagere o interesse. A aprovação e simpatia pelo outro.

3. Intensifique o interesse pelo outro.

4. Use marcadores de identidade de grupo.

5. Procure acordo.

6. Evite desacordo.

7. Pressuponha, declare pontos em comum.

8. Faça piadas. Seja engraçado.

9. Afirme ou pressuponha o conhecimento e a preocupação que tem os desejos do outro.

10. Ofereça, prometa.

11. Seja otimista.

12. Inclua a si e o ouvinte na atividade.

13. Dê ou peça razões. Explicações

14. Simule ou Evidencie reciprocidade.

15. Dê presentes.

Polidez Negativa (on-record para face

negativa)

1. Seja convencionalmente indireto.

2. Questione, seja evasivo

3. Seja pessimista.

4. Minimize a imposição.

5. Mostre respeito.

6. Peça desculpa.

7. Impessoalize o falante e o ouvinte. Evite os pronomes “eu” e “tu”.

8. Declare o FTA como se fosse uma regra geral.

9. Nomei.

10. Mostre-se como se estivesse em dívida ou como se não estivesse endividando o ouvinte.

Indireto

(off-record)

1. Dê sugestões, pistas.

2. Dê insinuações de associação.

3. Pressuponha.

4. Minimize.

5. Exagere.

6. Use tautologias (redundâncias).

7. Use contradições.

8. Seja irônico. 9. Use metáforas. 10. Faça perguntas retóricas. 11. Seja ambíguo. 12. Seja vago. 13. Hipergeneralize. 14. Desloque o ouvinte. 15. Seja incompleto, use elipse.

Fonte: Peixoto; Santos (2013, p.327-352)

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Goffman (2011, p. 134) esclarece que alguns dos comportamentos, muitas

vezes desviantes dos padrões socialmente aceitos, apresentados pelas pessoas durante

a interação social, quando elas se encontram face a face, podem ser atitudes ligadas ao

contexto de doença mental: “Aquilo que os psiquiatras enxergam como doença mental é

normalmente visto pelo público leigo como comportamento ofensivo – comportamento

digno de escarnio, hostilidade e outras sanções sociais negativas”

Para entender melhor como a (im)polidez linguística e os FTA ocupam um

espaço basilar nas interações verbais, o autor busca resumir o argumento apresentado

acima da seguinte forma:

Quando as pessoas entram na presença física imediata umas das outras, elas se tornam acessíveis umas às outras de formas únicas, surgem as possibilidades de ataques físicos e sexuais, de abordar e ser levado a estados de fala indesejados, de ofender e importunar através do uso de palavras, de transgredir certos territórios do eu do outro, de demonstrar descaso e desrespeito pelo ajuntamento presente e pela ocasião social sob cujos auspícios o ajuntamento ocorre. (GOFFMAN, 2011, p.143)

Acontece, então, o movimento de exposição da face e, ao mesmo tempo o de

preservação dela. Paiva, Moreira e Santos (2016, p.68) comparam esse movimento a

um jogo quando declaram que “cada jogador deve fazer uso de estratégias que vise

auxiliar, não somente atingir os objetivos comunicativos, mas também de manter o

equilíbrio da interação”.

Aqui entram em cena os atos ameaçadores de face positiva e os ameaçadores

de face negativa, ainda segundo Paiva, Moreira e Santos (2016, p.39) “Mais danosos

que os primeiros, há também os atos ameaçadores que ameaçam tanto a face positiva

quanto a face negativa do interlocutor, são eles: expressões de violência, menção de

temas constrangedores, [...], entre outros”.

A habilidade no uso dessas técnica ultrapassa o limite da etiqueta social ou

dos manuais de boas maneiras, ela se amplia numa necessidade de maior qualidade e

conectividade nas relações humanas do dia-a-dia e nas resoluções de problemas,

principalmente quando precisamos tratar de assuntos tabus em que o grau de

aproximação ou afastamento pode significar um fator de proteção ou de risco.

O tema suicídio tem um caráter constrangedor tanto para quem o aborda

como para quem o pratica. A conversa com pessoas em situação de comportamento

suicida é um terreno emocionalmente fragilizado; embora, se ressalte em campanhas de

prevenção que falar é a melhor solução, é preciso saber “como e o que falar”, além de

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“com quem falar”. Confiança é construção! Ela se desenvolve na relação, não é um a

priori, é uma conquista. É na interação que o outro sente se pode confiar ou não, o feeling

surge no estabelecimento e na manutenção do vínculo emocional que pode ser

percebido através de estratégias de polidez na comunicação.

Essa relação é tão significativa que Bertolote (2012) falando sobre os métodos

de prevenção ao suicídio, apresenta como elemento comum e imprescindível com base

a todas as abordagem e conversas com pessoas em situação de comportamento suicida

a boa relação interacional, visto que, somente a partir dela o paciente poderá ser capaz

de expressar seus sentimentos mais pessoais, sejam eles positivos ou negativos.

Argumentamos que nesse ponto do estudo é importante esclarecer que a

nossa pesquisa acaba ampliando o emprego do enunciado “face” - além da abordagem

tradicional apresentada por Goffman (2011) que se referia unicamente a face de

pessoas. Sendo assim, para nós os fenômenos, os atos e as instituições também

possuem faces; nossa proposta é baseada em uma releitura dos estudos sobre a face,

dado que, entendemos que essas realidades apresentam valores próprios, compatíveis

com os conceitos de face definidas para as pessoas, e como tal, também se preocupam

com o que se deseja e o que não se deseja tornar público. Essa nova conjuntura pode

criar desconforto para alguns estudiosos, no entanto, Rebouças (2018) já sinaliza a

busca de ampliação do conceito de face. Outros pesquisadores também teceram

considerações acerca dessa ampliação. Anteriormente Kerbrat-Orecchioni (2017)

apresenta uma distinção entre face individual e face coletiva (group face - face de grupo),

O’Driscoll (2011; 2017) explora as possibilidades de significação e utilização do termo

“face”, que deveria denotar noções superiores à honra, reputação e identidade. O autor

defende, inclusive, a necessidade de novas reflexões sobre a temática, elucidando sobre

a possibilidade de uma constância de certos aspectos da face ao longo dos diversos

encontros e em certas culturas (REBOUÇAS, 2018).

Portanto, admitindo a existência prévia de um histórico pessoal responsável

por conferir atributos à face, como “blocos de construção” que se arquitetam nas

interações (O’DRISCOLL, 2011), sentimo-nos apoiados para aprofundar e ampliar esse

conceito de face, o qual, muitas vezes, é chamado por Goffman (2011) de fachada, para

justificar a pertinência do nosso estudo na busca de identificar a face/fachada que as

pessoas em situação de comportamento suicida se atribuem – face positiva ou negativa-

e também atribuem ao suicídio.

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Por ser um fenômeno multifatorial, o suicídio pode se apresentar sob o

estigma de diferentes faces, sendo assim, ele também pode ser percebido de diferentes

formas e vivenciados sob diferentes enfoques. Para alguns, ele pode simbolizar morte,

dor ou sofrimento e para outros não. Essas não são visões unanimes sobre as faces do

suicídio. É possível que, para alguns, ele não represente um ato violento, mas de

libertação; ou ainda, para outros, um ato de salvação dos sofrimentos. Falar sobre

suicídio requer um grande grau de sensibilidade e leveza de argumento. Desfazer os

próprios medos e tabus com relação à temática pode ser um passo fundamental para ir

ao encontro do outro em seu próprio território, assim como, a partir dessa atitude se criar

espaços de comunicação.

Acreditamos que quanto mais cortês for o tom da conversa entre os

interlocutores, por meio da adoção das estratégias de polidez, associados às expressões

de emotividade, maior será a chance da conversa se tornar um instrumento de prevenção

ou até mesmo evitar que uma pessoa cometa suicídio.

A polidez é vista como um fenômeno universal ligado a questões cognitivas,

pragmáticas, discursivas e culturais. No entanto, ela se individualiza em cada conversa,

em cada pessoa, e a cada momento. É fundamental contextualizar e personalizar a

relação, pois, estamos lidando com pessoas únicas na sua subjetividade e expressão.

Portanto, a polidez se relaciona diretamente com fatores emocionais, pois

requer uma prática autêntica da empatia. Daí a seriedade em se estudar as emoções

para uma compreensão do sentido da polidez e da face do suicídio.

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4 PRAGMÁTICA DA COMUNICAÇÃO EMOTIVA

A abordagem denominada “Pragmática da Comunicação Emotiva” proposta

por Caffi e Janney (1994) surge a partir de duas observações das autoras, primeiro de

que existe uma forte conexão entre emoção e linguagem, e segundo de que há pouca

teoria unificada que trabalhe essa conexão.

Segundo a linguista Bednarek (2008), citada por Jamison (2017), o interesse

nessa perspectiva é recente. Ela também, reconhece que há pouco estudo sobre a

temática e justifica a lacuna devido à complexidade da forma como podemos

diferentemente expressar as emoções. Como exemplo, podemos estar sentindo tristeza,

mas, por não considerarmos, algumas vezes, que essa emoção seja socialmente bem

aceita ou que pode expor a nossa face de uma forma negativa e indesejada, preferimos

apresentar um comportamento diferente daquele que realmente gostaríamos, optamos

por apresentar um comportamento que nos proteja da exposição julgada excessiva e

construímos a nossa linguagem de forma totalmente diferente da realidade sentida;

utilizamos esse artifício porque através dele temos a sensação de estarmos nos

protegendo daquilo que está nos ameaçando.

Embora reconhecendo essa complexidade de expressão e na múltipla

possibilidade de expressar as emoções, o que Caffi e Janney (1994, p. 326) afirmam é

que, mesmo diante desse cenário, o que não se pode questionar é a ligação existente

entre emoção e linguagem presente em nossas interações pessoais e sociais, ou seja:

“Nossa percepção, profundamente enraizada em nossa experiência diária enquanto

comunicadores, de que emoções e linguagem estão intimamente interconectados à fala

e à escrita”.

Nesse sentido, Jamison (2015) resenhando Caffi e Janney (1994) apresenta

o pensamento das autoras que defendem que a linguagem é permeada de modulações

assim como de mecanismos linguísticos e paralinguísticos carregados de sentimentos e

emoções do enunciador, cujo sucesso na comunicação depende do bom uso que é feito

desses elementos linguísticos que se encontram presentes na comunicação.

Ainda na esteira de Jamison (2015, p. 36), a Pragmática da Comunicação

Emotiva de Caffi e Janney (1994) baseia-se nas seguintes noções:

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- Comunicação emotiva de Marty (1908)6.

- Na perspectiva argumentativa da retórica Aristotélica7.

- Na Estilística Linguística de Charles Bally (1970)8.

- E em algumas contribuições sobre emotividade na linguagem, propostas

pelo funcionalismo da Escola de Praga9.

Levando em consideração o argumento de que somos capazes de negociar e

ajustar as modulações que organizam nossas expressões de afeto, Caffi e Janney (1994)

elaboraram uma Pragmática da Emoção organizada de forma sistemática, cujos

mecanismos foram nomeados de dispositivos estruturantes, indicadores ou marcadores,

esses dispositivos utilizam como base os aspectos retóricos, estilísticos, prosódicos e

paralinguísticos10usados pelas pessoas com a intenção de comunicarem emoções

naquilo que elas desejam revelar. (JAMISON, 2017).

Sob o ponto de vista pragmático, Caffi e Janney (1994) ressaltam a

importância da dependência das interpretações no que diz respeito aos estudos da

comunicação emotiva na linguagem e da necessidade de se adotar categorias

interpretativas aliadas a abordagens psicológicas sobre o afeto. As autoras citam,

inclusive as três categorias básicas das dimensões de afetos sugeridas pelos psicólogos

ocidentais11, são elas:

- UMA DIMENSÃO AVALIATIVA POSITIVA OU NEGATIVA;

- UMA DIMENSÃO DE CONTROLE E PODER;

- UMA DIMENSÃO DE INTENSIDADE E ATIVIDADE.

6 Marty (1908) diferenciou os termos: Comunicação Emotiva (Intencional e estratégica com a intenção

de causar efeito na interpretação do interlocutor) de Comunicação Emocional (Manifestação espontânea de emoção na fala), o segundo diz respeito à manifestação espontânea e não intencional de emoção na fala (apud CAFFY; JANNEY, 1994)

7 Considerada importante pelas autoras devido à orientação intersubjetiva e interativa presente nos discursos persuasivos propostos por Aristóteles.

8 Para Charles Bally “a estilística estuda os fatos expressivos da linguagem a partir do ponto de vista de seu conteúdo afetivo, em outras palavras, a expressão dos sentimentos por meio da linguagem e a ação da linguagem nos sentimentos” (CAFFY; JANNEY, 1994, p. 333)

9 O Círculo Linguístico de Praga distinguiu noções de fala “interna” e “manifestada”, atribuindo importância às funções linguísticas de intelectualidade e emotividade, as quais se interpenetram ou se destacam individualmente no discurso. Além disso, a noção promovida por Jackobson de função expressiva ou emotiva da linguagem, de orientação baseada no falante, também foi levada em consideração por Caffi e Janney (1994) para a formulação da proposta de Pragmática da Comunicação Emotiva.

10Os elementos paralinguísticos são realizações ou manifestações não-verbais que contribuem para a unidade temática da enunciação, uma vez que o enunciado não é apenas definido por unidades verbais, mas, também por unidades não verbais presentes em toda e qualquer situação de fala (BAHKTIN, 1999 apud CAMPOS; CRUZ, 2008).

11Segundo essa visão, as pessoas respondem ao contato de forma positiva ou negativa por meio de respostas que variam de intensidade ou força.

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Segundo Jamisom (2017), embora Caffy e Janney considerem que a

contribuição de estudos sobre a emotividade na perspectiva psicológica fosse de suma

importância para um modelo de caráter linguístico-pragmático, o que as autoras se

deparam é com uma falta de consonância entre as duas abordagens a nível

epistemológico.

Apesar dessa dificuldade citada e com o objetivo de tentar estabelecer uma

relação entre as abordagens psicológica e linguística, Caffi e Janney (1994) indicam seis

dispositivos emotivos diferentes, cujo foco está em ressaltar o fenômeno emotivo da

comunicação de modo mais abrangente. Esses são baseados em aspectos retóricos e

estilísticos encontrados em discursos com a função de produzirem diferentes efeitos

emotivos e que estão integrados com o objetivo do que os falantes desejam ou não,

revelar, são eles:12

a) Dispositivos emotivos de avaliatividade (distinção central:

POSITIVO/NEGATIVO): essa categoria “inclui todos os tipos de escolhas

verbais e não verbais que sugerem avaliação positiva ou negativa por parte

do falante em relação a um tópico, interlocutor, ou interlocutores no

discurso, ou seja, todas as atividades discursivas que podem ser

interpretadas como índices de prazer e desprazer, concordância ou

discordância, agrado ou desagrado, como: tons de voz hostil ou amigáveis:

usos de diminutivos, vocativos, superlativos, adjetivos avaliativos,

substituições lexicais, e todos os tipos de substituição estilística. Por

exemplo, "Você é péssimo/o melhor" (menor/maior avaliatividade).

b) Dispositivos emotivos de proximidade (distinção central:

PRÓXIMO/DISTANTE): essa categoria inclui todos os tipos de escolhas

verbais e não verbais que variam as distâncias metafóricas entre: os

falantes e o conteúdo de seu enunciado e entre os falantes e seus

interlocutores: Essa categoria pode ser subdivida em:

12Informações retiradas de JAMISON, K. G. Movimentos de empatia no discurso da violência

conjugal: uma análise linguístico-cognitiva no enquadre comunicativo dos boletins de ocorrência. 2015. 289 p. Tese (doutorado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades, Departamento de Letras Vernáculas, Programa de Pós-Graduação em Linguística, Fortaleza, 2015.

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- Marcadores de proximidade espacial: Esses marcadores regulam

distâncias metafóricas entre eventos interiores e exteriores expressados

pelos falantes. Por exemplo, o uso de pronomes demonstrativos:

“Essa/aquela falsidade doeu em mim” (maior/menor proximidade

espacial);

- Marcadores de proximidade temporal: Esses marcadores regulam

distâncias metafóricas entre “eventos presentes e não-presentes” (CAFFI,

1994, p. 142). Ou seja, distâncias que dizem respeito ao tempo interno ou

real. Por exemplo, “Eu fiquei/estou muito triste com tudo que lhe disse”

(MENOR/MAIOR PROXIMIDADE ESPACIAL);

- Marcadores de proximidade social: Esses marcadores regulam as

distâncias pessoais e interpessoais, por exemplo, “Senhora/Mulher, ele

sempre me bate quando ele bebe” MENOR/MAIOR PROXIMIDADE

SOCIAL);

- Marcadores de proximidade de ordem seletiva, definidos na literatura

como “ordem de referência” ou “topicalização”, que servem para regular

as distâncias de conceitos nos discursos e diz respeito a um dado

referente no enunciado. Por exemplo, A criança apanhou do pai/ O pai

bateu na criança. (MENOR/MAIOR PROXIMIDADE do status do agente

da ação); Paula foi ao Supermercado com seu marido/ Paula e seu

marido foram ao Supermercado. (MENOR/MAIOR PROXIMIDADE de

referentes iniciais)

c) Dispositivos emotivos de especificidade: (distinção central:

CLAREZA/VAGUIDADE) essa categoria inclui os dispositivos linguísticos

usados para variar a precisão, acurácia ou menção sobre tópicos, partes

de tópicos, o Eu do falante, ou interlocutores do discurso. A especificidade

tratada nesse dispositivo se refere ao modo com que um determinado

objeto é referido na comunicação, se essa referência é feita por meio do

nome, ou é feita de forma implícita. Fenômenos de especialização incluem

particularizações ou generalizações dos tipos: uso de artigos definidos ou

indefinidos, pronomes definidos ou indefinidos, referentes inteiros ou partes

dos referentes. Por exemplo, "O lanche/sanduíche estava ótimo

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(menor/maior especificidade); Alguém/você pode me ajudar?

(menor/maior especificidade);

d) Dispositivos emotivos de evidencialidade: (distinção central:

CLAREZA/VAGUIDADE) Essa categoria inclui todas as escolhas que

regulam aspectos possíveis de serem inferidos sobre: atenuação,

confiabilidade, autoridade, validade, ou valor de verdade do que está sendo

expressado, o uso desses dispositivos sugerem confiança ou dúvida em

relação à informação, que podem ser dos tipos: julgamento (pode

estar/está); intenções (talvez compre/ irei comprar); comprometimento

com as proposições por meio da modalidade epistêmica: (acho que sou/

sou); advérbios modais (possivelmente/certamente);

e) Dispositivos emotivos de volicionalidade: (distinção central: AUTO

ASSERTIVIDADE/NÃO ASSERTIVIDADE): Esses dispositivos incluem

todas as escolhas linguísticas e estratégias discursivas usadas pelos

falantes para variar os níveis de auto assertividade diante dos interlocutores

e todas as escolhas usadas para lançar os próprios falantes ou os

interlocutores em papéis discursivos ativos ou passivos. Essa auto

assertividade é inferida no discurso por meio do uso de, por exemplo, voz

ativa ou voz passiva (pensei/foi pensado), o uso de modais em pedidos

(passa o pão/pode passar o pão?), escolha do uso de agentes da ação ou

pronomes (quero/você quer ir ao cinema?);

f) Dispositivos emotivos de quantificação (distinção central:

MAIS/MENOS): Esses dispositivos incluem todas as escolhas

intensificadoras e desintensificadoras da fala. Todas as escolhas de

quantificação, graus, medidas, duração, ou quantidade de um dado

fenômeno linguístico, que pode ser quase de qualquer tipo: intensidade de

uma atividade, duração de uma performance, quantificação de um objeto,

intensidade de um advérbio (extremamente quente), uso de pronomes

relativos como intensificadores (Que dia longo!), adjetivos de ênfase

(completa/total catástrofe), Além disso, fenômenos fonológicos, como

alongamento de vogais (é eno:::rme); realce prosódico, como aumento do

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tom de voz (Eu NÃO vou!), escolhas estilísticas de repetição (estamos

muito, muito felizes.)

As autoras Caffi e Janney (1994) ressaltam que a comunicação emotiva pode

ser estudada sob dois aspectos distintos:

- Como um processo: Sob o ponto de vista processual é dinâmica e

eminentemente dialógica.

- Como um produto: É estática e considera o discurso, o texto ou a interação

como dados.

Adotamos no nosso estudo a Pragmática da Comunicação Emotiva como

processo, dado sob esse aspecto os dispositivos emotivos podem ser utilizados como

categorias avaliativas para uma melhor compreensão desses níveis de envolvimento

emocionais nas conversas ordinárias, assim como, nos grupos de conversas entre as

pessoas em situação de comportamento suicida.

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5 PERCURSO METODOLÓGICO

A metodologia científica, segundo Tartuce (2006), é parte essencial para a

construção de uma pesquisa. Por seu turno, a palavra método origina-se do grego que

significa “caminho para chegar a um fim”. É o caminho em direção a um objetivo e, desse

modo, o estudo do método, ou seja, é o corpo de regras e procedimentos estabelecidos

para realizar uma pesquisa; a palavra científica deriva de ciência, a qual compreende o

conjunto de conhecimentos precisos e metodicamente ordenados em relação a

determinado domínio do saber. Portanto, metodologia científica é o estudo sistemático e

lógico dos métodos empregados nas ciências, seus fundamentos, sua validade e sua

relação com as teorias científicas (GERHARDT et al, 2006).

5.1 NATUREZA DA PESQUISA

O trajeto metodológico que melhor se adequou ao escopo desta pesquisa foi

a abordagem qualitativa, na modalidade da etnometodologia, por meio de conversas

ordinárias e não ordinárias, realizadas em momentos do dia a dia e nos grupos focais ou

em momentos de terapias individuais.

A pesquisa é qualitativa com um conjunto de práticas materiais e

interpretativas que dão maior visibilidade ao mundo, sendo, portanto, mais apropriada

para abordar o tema em questão. Goldenberg (2004) apresenta a pesquisa qualitativa

como sendo a pesquisa que tem a atenção especial mais voltada para o entendimento

de um grupo social ou de uma organização, mais do que com a representatividade

numérica da pesquisa. Enriquecendo esse pensamento Minayo (2007) acrescenta que

a abordagem qualitativa se preocupa com um nível de elemento mais real que não pode

ser quantificado. Ela trabalha com o universo de significados, aspirações, crenças,

valores e atitudes, o que conduz a um espaço mais profundo das relações que não pode

ser reduzido à operação de variáveis.

Esse percurso possui a finalidade de aprofundar os conhecimentos da Análise

da Conversação, da Teoria da Polidez, da Teoria das Faces de Goffman, da Teoria da

Emotividade e da Temática de Suicídio, a fim de estabelecer conexões, articulações,

aproximações com o propósito de cientificamente pesquisar sobre o suicídio em uma

perspectiva multidisciplinar, envolvendo diversas áreas do conhecimento, tais como a

Linguística, a Sociolinguística e a Psicologia.

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5.2 PERCURSOS E PROCEDIMENTOS

Inicialmente, foi realizado um aprofundamento exploratório-descritivo com a

revisão bibliográfica acerca da face, da polidez, do suicídio e da conversa para

trabalharmos o estado da arte sobre essas temáticas. Sobre a pesquisa bibliográfica,

Ferreira (2002, p. 258) menciona que as pesquisas:

Definidas como de caráter bibliográfico, [...] parecem trazer em comum o desafio de mapear e de discutir uma certa produção acadêmica em diferentes campos do conhecimento, tentando responder que aspectos e dimensões vêm sendo destacados e privilegiados em diferentes épocas e lugares [...]. Também são reconhecidas por realizarem uma metodologia de caráter inventariante e descritivo da produção acadêmica e científica sobre o tema que busca investigar, à luz de categorias e facetas que caracterizam enquanto tais em cada trabalho e no conjunto deles, sob os quais o fenômeno passa a ser analisado.

A escolha deste tipo de pesquisa residiu na compreensão de que o estado de

conhecimento sobre um tema pode servir de suporte na aquisição de uma maior

circunscrição sobre assunto atualmente abordado, baseando-se em resultados já obtidos

por outros pesquisadores.

A partir desses conhecimentos, a pesquisa teve prosseguimento em campo,

visto a importância da inserção do pesquisador no contexto natural para acessar às

experiências e aos comportamentos do grupo estudado, conversamos com pacientes

em situação de comportamento suicida da Clínica-Escola de uma Instituição de Ensino

Superior de Fortaleza.

De acordo com Marcuschi (2008) a conversação é o gênero básico da

interação humana, e por meio dela, evidenciamos muito de nossas vidas. A conversa é

uma ação; é uma forma de interação social em que há características básicas, tais como:

interação entre, pelo menos, dois interactantes; presença de uma sequência de ações

coordenadas; execução numa identidade temporal; envolvimento numa interação

centrada. É uma forma de ação conjunta que emerge quando os interactantes realizam

um processo de tentativa de simetria conversacional, além de ser a primeira das formas

de interação a que estamos expostos e provavelmente a única da qual nunca abdicamos;

a conversa consiste, pois, no exercício prático das potencialidades cognitivas do ser

humano em suas relações interpessoais que para ser analisada usa-se como aparato

metodológico básico procedimentos indutivos. (TEIXEIRA, 2011)

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Encontramos na literatura muito material referente ao tema da conversação,

principalmente durante o período da Renascença13 chegando até nossos dias, porém,

a conversação desse período era vista principalmente através do pensamento moralista

de algumas figuras como Montaigne, La Bruyère e Rochefoucauld, e tinha como ponto

de vista predominantemente o Estético ou Ético estando sob uma perspectiva normativa

(KERBTRAT-ORECCHIONI, 2014).

Mas, foi apenas no começo dos anos 1970 que presenciamos à emergência

desse novo campo da pesquisa sobre esse tipo de interação verbal. De acordo com

Kerbrat-Orecchioni (2014), a Análise da Conversação (AC) possui uma visão

diferentemente contrária da visão anterior sobre conversação, essa nova percepção se

pretende científica, visto que, reconhece que as construções teóricas atuais são

completamente postas a serviço dos dados e sendo priorizado os discursos orais e os

diálogos, levando-os em consideração como a forma primordial de realização da

linguagem.

As conversações aparecem, com efeito, como um lugar privilegiado de observação das organizações sociais em seu conjunto, nas quais elas são somente uma forma particular, e particularmente exemplar: nelas, observamos como os participantes recorrem a técnicas institucionalizadas para efetuar em conjunto a gestão de diferentes tarefas que eles têm de completar (assegurar a alternância dos turnos de fala, “ corrigir” as eventuais falhas da troca comunicativa, conduzir uma narrativa ou uma descrição, encaminhar de modo eficaz a negociação dos temas, da abertura e do encerramento da troca, etc. (KERBRAT-ORECCHIONI, 2014, p. 22)

Ainda segundo a autora essa interação pode ser abordada de várias

maneiras, no lugar de um único domínio homogêneo, é mais conveniente se referir a

um campo movente que atravessa diversas disciplinas e correntes, dos quais esse

estudo citará quatro, mas se deterá apenas em um, mais especificamente, por

reconhecer que é o que mais se adapta às nossas necessidades de pesquisa.

São esses os quatro tipos de enfoque.

a) O enfoque de tipo “Psi” (psicológico e Psiquiátrico).

b) Enfoques etnossociológicos.

- A Etnografia da comunicação.

- A Etnometodologia.

- Outras abordagens sociológicas.

13Movimento cultural ocorrido na Europa aproximadamente entre meados do século XIV e o fim do século

XVI.

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c) A abordagem linguística.

d) Abordagem filosófica.

Dentre os Enfoques Etnossociológicos encontramos a Etnometodologia. Esse

termo desenvolvido por H. Garfinkel, a partir do modelo da ‘Etnobotânica’ e de outras

‘etnociências’. A palavra ‘Etnometodologia’ é composta pelo radical grego etno (etnia),

compreendido como preocupação em investigar de que forma as pessoas se apropriam

do conhecimento social e metodologia (método), diz respeito à forma metódica de como

essas pessoas aplicam seu saber sociocultural. Kerbrat-Orecchioni (2014, p. 20) declara

que Etnonomedologia deve ser abrangida da seguinte forma: “trata-se, [...], de descrever

os “métodos” (procedimentos, saberes e técnicas) que os membros de uma dada

sociedade utilizam para gerir como convêm o conjunto de problemas comunicativos que

eles têm de resolver na vida cotidiana”.

Para a Etnometodologia, os analistas devem estar sensíveis aos fenômenos

interacionais, constatando e observando detalhes da vida social e conexões linguísticas

existentes no processo de interação social. (TEIXEIRA, 2011).

Decidimos, assim, iniciar os procedimentos da nossa pesquisa com a

Etnometodologia que tem como objetivo de estudo as atividades práticas do cotidiano,

o que implica o caráter empírico do nosso estudo e o método indutivo que segundo

Marconi e Lakatos (2003) é um método responsável pela generalização, ou seja, ele

parte de algo particular para algo mais geral. Tal generalização não ocorre mediante

escolhas de respostas pré-estabelecidas, partindo de dados suficientemente

constatados, infere-se em uma verdade geral, não contida, inicialmente, nas partes

estudadas. Sendo assim, de acordo com Gil (2002, p.10) “o método indutivo [...] parte do

particular e coloca a generalização como um produto posterior do trabalho de coleta de

dados particulares.” Portanto, a generalização origina-se a partir de observações de

casos da realidade concreta.

Esse método parte da observação de fenômenos cuja causa se deseja

conhecer melhor, podendo proporcionar, assim, uma ampliação do alcance de

conhecimentos presentes no início do processo de estudo do fenômeno.

Marconi e Lakatos (2003, p. 87) afirmam que o método indutivo se realiza em

três fases:

a) Observação dos fenômenos - nessa etapa, observamos os fatos ou

fenômenos e os analisamos, com a finalidade de descobrir as causas de

sua manifestação;

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b) Descoberta da relação entre eles - na segunda etapa procuramos por

intermédio da comparação, aproximar os fatos ou fenômenos, com a

finalidade de descobrir a relação constante existente entre eles;

c) Generalização da relação - nessa última etapa generalizamos a relação

encontrada na precedente, entre os fenômenos e fatos semelhantes,

muitos dos quais ainda não observamos (e alguns inclusive de difícil

observação).

Ao longo do processo etnometodológico da nossa pesquisa, constatamos

que, devido ao curto tempo de um mestrado, seria melhor mudarmos para uma pesquisa

de campo, qualitativa. De acordo com as pesquisadoras Marconi e Lakatos (2003, p.186)

a “Pesquisa de campo é aquela utilizada com o objetivo de conseguir informações e/ou

conhecimentos acerca de um problema, para o qual se procura uma resposta, ou de uma

hipótese, que se queira comprovar...”

A Pesquisa de campo versa na observação dos fenômenos exatamente como

ocorrem de forma espontânea, na coleta de dados, no registro e na análise das variáveis

relevantes para a pesquisa. Ela se volta tanto para o estudo de indivíduos como para o

estudo de grupos e comunidades. Continuando na esteira de Marconi e Lakatos (2003,

p.189) ela apresenta algumas vantagens e desvantagens, a saber:

a) As vantagens

- Acúmulo de informações sobre determinado fenômeno, que também

podem ser analisadas por outros pesquisadores, com objetivos diferentes.

- Facilidade na obtenção de uma amostragem de indivíduos, sobre

determinada população ou classe de fenômenos.

b) Desvantagens:

- Pequeno grau de controle sobre a. situação de coleta de dados e a

possibilidade de que fatores, desconhecidos para o investigador, possam

interferir nos resultados.

- O comportamento verbal ser relativamente de pouca confiança, pelo fato

de os indivíduos poderem falsear suas respostas.

No entanto como as próprias pesquisadoras nos recordam, através de alguns

recursos como: utilizar material mais completo ou o uso de pré-testes, é possível se

aumentar as vantagens e diminuir as desvantagens na utilização da pesquisa de campo.

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Acompanhando a ideia de ‘grupo social’ apresentado por Goldenberg (2004)

resolvemos trabalhar com grupo focal, como técnica para a coleta de dados, devido ao

percurso que gostaríamos de traçar para a nossa pesquisa.

De acordo com Caplan (1990) os grupos focais são pequenos grupos de

pessoas reunidos para falar sobre temas específicos ou identificar problemas.

Esse pensamento é confirmado e ampliado por Vergara (2004) quando

declara que o uso do grupo focal é apropriado quando o objetivo é explicar como as

pessoas consideram uma experiência, uma emoção ou um sentimento, ou mesmo um

evento, visto que a discussão durante as reuniões é efetiva em fornecer informações

sobre o que as pessoas pensam ou sentem ou, ainda, sobre a forma como agem, a partir

de um determinado fenômeno.

Embora o grupo focal ou focus group, possa ser utilizado em diferentes tipos

de pesquisa, ele constitui como um dos procedimentos mais adequado para fundamentar

pesquisas qualitativas:

Essas entrevistas são muito utilizadas em estudos exploratórios, com o propósito de proporcionar melhor compreensão do problema, gerar hipóteses e fornecer elementos para a construção de instrumentos de coleta de dados. Mas também podem ser utilizadas para investigar um tema em profundidade, como ocorre nas pesquisas designadas como qualitativas. (GIL, 2002, p. 114)

O número de pessoas que participa dos grupos focais deve ser tal que

estimule a participação e a interação de todos, segundo Dias (2000) o número de seis

participantes é o suficiente para que se promova uma discussão. Com menos de seis

participantes se corre o risco de que algumas pessoas possam se sentir intimidadas

pelos mais extrovertidos. Por outro lado, um grupo com mais de dez pessoas pode

apresentar dificuldade em manter o foco da discussão ou em distribuir o tempo de forma

igualitária.

A partir dos elementos anteriormente descritos, decidimos que o nosso grupo

focal seria composto por seis pessoas. Três que tentaram suicídio e três com ideação.

Quatro desses pacientes foram selecionados, primeiramente por mim e pela supervisora

da Clínica-Escola, e depois foram entrevistados novamente para saber se aceitavam

participar da pesquisa e conversar sobre suicídio. Os outros dois vieram por indicação

de conhecidos, passando a integrar o corpo de pacientes da Clínica Escola com o aval

da supervisão.

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Só gravamos as conversas após a aprovação do Comitê de Ética de Pesquisa

com Seres Humanos e com a assinatura do termo de consentimento livre esclarecido,

em que eles deram autorização para registrarmos as suas conversas nos grupos focais

e em momentos de conversas ordinária. O grupo focal foi fundamental para a coleta do

corpus desse trabalho, ele não só ajudou os participantes a quebrar o gelo social, como

potencializou as conversas individuais. Além desse grupo, trabalhamos também com

posicionamentos escritos, em um questionário semiestruturado, sobre o que é o suicídio,

a fim de ratificar os dados apresentados nos grupos focais.

É importante que o pesquisador tenha clareza sobre os pressupostos e as

premissas de suas pesquisas, pois a escolha da opção do uso dos grupos focais está

diretamente relacionada a esses elementos.

O ponto de partida para se levar a termo um projeto de pesquisa que esteja apoiado no uso de grupos focais é a clareza de propósito. As decisões metodológicas dependem dos objetivos traçados. Isto irá influenciar na composição dos grupos, no número de elementos, na homogeneidade ou heterogeneidade dos participantes (cultura, idade, gênero, status social, etc.), no recurso tecnológico empregado (face-a-face ou mediados por tecnologias de informação), na decisão dos locais de realização (naturais, contexto onde ocorre, ou artificiais, realizados em laboratórios), nas características que o moderador venha a assumir (diretividade ou não-diretividade) e no tipo de análise dos resultados (de processos e de conteúdo: oposições, convergências, temas centrais de argumentação intra e intergrupal, análises de discurso, linguísticas etc). (GONDIM, 2002, p. 153).

A etapa mais complexa da técnica do grupo focal é, com certeza, a análise

dos resultados, pois não é suficiente repetir ou transcrever o que foi dito. É fundamental

a capacidade de observar e de ser capaz de interpretar o que se vê e o que se ouve,

visto que estamos lidando com a subjetividade de cada pessoa analisada.

5.3 MÉTODO E COLETA DE DADOS

A coleta de dados ocorreu em dois momentos: nos grupos focais e em

momentos de conversas ordinárias14 com os pacientes da Clínica-Escola que aceitaram

participar da conversa sobre suicídio. Apresentamos Gondim (2002, p.151), quando cita

Morgan (1997), para apresentar a definição de “grupos focais como uma técnica de

14Conversas ordinárias são as práticas sociais mais comuns no dia-a-dia do ser humano; conversas

espontâneas ou naturais; processos cooperativos reais em situações espontâneas com interação entre pelo menos dois falantes com ocorrência de troca e com presença de sequência de ações coordenadas em uma identidade temporal (MARCUSCHI, 1991, p.15).

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pesquisa que coleta dados por meio das interações grupais ao se discutir um tópico

especial sugerido pelo pesquisador. Como técnica, ocupa uma posição intermediária

entre a observação participante e as entrevistas em profundidade.”

A formação do grupo focal se deu após o processo de seleção dos sujeitos

participantes da pesquisa que ocorreu da seguinte forma: inicialmente, a supervisora da

Clínica-Escola nos ajudou a selecionar os sujeitos da pesquisa que se dispuseram a

conversar sobre suicídio e tiveram suas conversas gravadas em dois grupos focais, um

de pacientes com ideação e o outro de pacientes com tentativas.

Essa seleção foi essencial para o êxito da pesquisa, uma vez que existe um

tabu em se conversar sobre suicídio, principalmente com pessoas que têm ou tiveram

ideação suicida e pessoas que tentaram de fato o suicídio. Mas como superar essa

ideação se não se conversar sobre o suicídio? Na realidade, lidar com a emoção, seja

de forma subjetiva, por meio de nossos sentimentos, ou quando a percebemos nos

outros, não é fácil. Entretanto, tem sido um interesse constante de participantes em

situações sociais e, portanto, é um aspecto importante na análise da conversação.

O interesse da Análise da Conversação na investigação da emoção surgiu

com E. Goffman, quando em seu artigo Fun in Games (1961), observou que a regulagem

da emoção é uma tarefa constante para os participantes de uma conversa. Para E.

Goffman (1980), os participantes tentam constantemente ajustar seus estados

emocionais visíveis, de acordo com as demandas da situação (JAMISON, 2015). Sendo

assim, até que ponto as pessoas em situação de comportamento suicida agem também

assim? Esse questionamento se nos apresenta relevante ao selecionarmos os sujeitos

da pesquisa, o corpus e a categoria metodológica de análise.

Adotamos, neste estudo, conforme mencionado, a Análise da Conversação

(AC), que é utilizada para verificar modos de análises das trocas verbais autênticas e

para responder a questões de como as pessoas criam e resolvem conflitos interacionais

em que a AC, quanto à característica metodológica básica, procede, primeiramente, pela

indução, pois não existem modelos a priori. Para isso, ela parte de dados empíricos em

situações autênticas, buscando asserções universais. (TEIXEIRA, 2011).

Empregamos em nossa pesquisa a forma de observação direta dos

participantes de grupos focais como forma de delinear e selecionar o material sobre o

qual fundamentamos nossa análise. Assim, nosso estudo é também de caráter

exploratório-descritivo. De acordo com Gerhardt et al (2006) a pesquisa exploratória tem

como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo

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mais explícito ou a construir hipóteses. A grande maioria dessas pesquisas envolve: (a)

levantamento bibliográfico; (b) entrevistas com pessoas que tiveram experiências

práticas com o problema pesquisado; e (c) análise de exemplos que estimulem a

compreensão (GIL, 2002). Já a pesquisa descritiva, de acordo com Triviños (1987), exige

do pesquisador uma série de informações sobre o que deseja pesquisar. Esse tipo de

estudo pretende descrever os fatos e os fenômenos de determinada realidade. A escolha

do método baseou-se no fato de que esse estudo se apoia em dados baseados em uso

autêntico e utiliza procedimentos de campo com pessoas em situação de comportamento

suicida da Clínica Escola de Psicologia do Centro Universitário Estácio do Ceará,

também já mencionado.

5.4 CONTEXTO DE ATUAÇÃO

Desse modo, o trabalho com essa temática pode se revelar importante para a

compreensão de fenômenos relacionados à Linguística Aplicada, tanto aos assuntos do

fenômeno da (im)polidez linguística, como aos relacionados dos trabalho com as faces,

bem como na compreensão do suicídio, visto que através das interações em contextos

adequados e de material coletado em ambiente natural, surge um valioso corpus de

análise. Nossa pesquisa trabalhamos com a Etnometodologia, mas não a Etnográfica,

pois o tempo de coleta de dados do corpus foi curto para uma imersão maior em campo,

no caso na própria rotina da Clínica Escola de Psicologia do Centro Universitário Estácio

do Ceará. No entanto, ela permanece etnometodológica uma vez que a conversa é um

gênero do cotidiano.

A Clínica-Escola15 é um espaço vinculado ao Curso de Psicologia do Centro

Universitário Estácio do Ceará (ESTÁCIO/FIC), se destina à formação de profissionais

de Psicologia através da integração e consolidação teórico-prática proposta pelas

Diretrizes Curriculares do Projeto Pedagógico do Curso, assim como, ao atendimento à

clientela decorrente da demanda social da cidade de Fortaleza.

Para tanto, a Clínica de Psicologia está estruturada para diferentes tipos de

atendimentos (individual e grupal) e usuários (crianças, adolescentes, adultos, idosos,

casais e famílias).

15Regimento Interno da Clínica de Psicologia do Centro Universitário Estácio do Ceará.

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Os atendimentos oferecidos pela Clínica de Psicologia estão voltados para a

comunidade em geral, decorrente da demanda social de Fortaleza.

Após essa breve apresentação do Setting no qual se realizou a pesquisa, ou

seja, a Clínica Escola, passaremos para a demonstração de como foi desenvolvida a

pesquisa em campo. Como já dissemos anteriormente o tempo foi um fator decisivo na

tomada de algumas decisões. Os encontros se realizaram em dois momentos distintos,

o primeiro momento, o do grupo focal, era o espaço privilegiado em que os participantes

podiam se conhecer melhor e trocar algumas informações de maneira mais coletiva,

gravamos essas conversas, com a autorização prévia dos participantes, esse passo-a-

passo será descrito mais a frente com mais detalhes, havia o momento do cafezinho e

depois o segundo momento era destinado às conversas pessoais, essas conversar eram

gravadas, também com a autorização de cada pessoa que participava do grupo. Dessas

conversas gravadas, selecionamos algumas, pois, verificamos que examinar todas as

transcrições em análise resultariam demasiadamente extensa, uma vez que trabalhamos

com mais de uma categoria de análise.

Trabalhamos como categoria de análise os dispositivos emotivos da

Pragmática16 da Comunicação Emotiva, a saber:

a) Dispositivos emotivos de avaliatividade (distinção central:

positivo/negativo):

b) Dispositivos emotivos de proximidade (distinção central:

próximo/distante):

- Marcadores de proximidade espacial.

- Marcadores de proximidade temporal.

- Marcadores de proximidade social.

- Marcadores de proximidade de ordem seletiva.

c) Dispositivos emotivos de especificidade: (distinção central:

clareza/vaguidade).

d) Dispositivos emotivos de evidencialidade: (distinção central:

clareza/vaguidade).

e) Dispositivos emotivos de volicionalidade: (distinção central: auto

assertividade/não assertividade).

16Vale a pena ressaltar que as “dimensões” que foram anteriormente apresentadas juntamente com os

dispositivos, podem ser consideradas como variações dessas categorias e/ou gradação do dispositivo/ gradação da categoria.

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f) Dispositivos emotivos de quantificação: (distinção central:

mais/menos):

Essas categorias, aqui apresentadas como dispositivos, foram assinaladas

durante as transcrições das gravações utilizando as seguintes abreviações:

Quadro 10 - Códigos usados nas análises

Códigos dos dispositivos emotivos de comunicação utilizados

O QUE SIGNIFICAM

[AVA-]/[AVA+] Dispositivo emotivo de menor ou maior avaliatividade.

[EVI-]/[EVI+] Dispositivo emotivo de menor ou maior Evidencialidade

[ESP-]/[ESP+] Dispositivo emotivo de menor ou maior especificidade

[PROX-]/[PROX+] Dispositivo emotivo de menor ou maior proximidade

[QUA-]/[QUA+] Dispositivo emotivo de menor ou maior quantificação

[VOL-]/[VOL+] Dispositivo emotivo de menor ou maior volitividade

Fonte: Jamison (2015) adaptado de Caffi, Janney (1994)

5.5 MARCADORES DISCURSIVOS: ESTRUTURAS DA COESÃO E COERÊNCIA NA

CONVERSAS SOBRE COMPORTAMENTO SUICIDA.

Ponderando que a conversa é uma construção de sentido, constituindo-se um

fenômeno sociocultural “com características linguísticas e discursivas passíveis de

serem observadas descritas, analisadas e interpretadas” (BRAIT, 1999), esta deve ser

examinada à luz da Análise da Conversação levando-se em conta as suas

microestruturas.

Seguindo o mesmo sentido, Urbano (1999, p.81) argumenta que o texto falado

é rico em: “elementos de variada natureza, estrutura, dimensão, complexidade

semântico-sintática, aparentemente supérfluos ou até complicadores, mas de discutível

significação e importância para qualquer análise de texto oral e para sua boa e cabal

compreensão”. Apesar da literatura da Análise Conversacional chamar esses elementos

de marcadores conversacionais, em nosso trabalho vamos adotar a mesma linguagem

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adotada por Jamison (2014), ou seja, vamos chamá-los de marcadores discursivos

(MD) durante as nossas análises.

Urbano (1999) prossegue argumentando que esses elementos embora não

integrando o conteúdo cognitivo do texto, ajudam a construir e dar coesão ao texto

falado. O autor ainda defende que esses elementos “amarram o texto não só enquanto

estrutura verbal cognitiva, mas também enquanto estrutura de interação interpessoal”

(URBANO, 1999, p. 86).

Existem muitos tipos de MD, tanto no aspecto estrutural quanto no formal.

Urbano (1999) os divide em: Verbais e prosódicos. Podendo ser os primeiros

lexicalizados (Ex: “Sabe?”, “Sei”, “Né?”) ou não lexicalizados, os quais são chamados de

Paralinguísticos (“ahn ahn”, “ahh”, “humm).

Já os prosódicos são as pausas, os alongamentos o aumento ou diminuição

do tom de voz, entre outros.

Quadro 11 - Marcadores discursivos identificados nas interações

[MD Mon]: Monitoramento de fala (por exemplo, “uhn hun”, “sei”)

[MD Ass]: Assentimento (por exemplo, “entendo”, “uhn hun”)

[MD EL]: Elicitadores de apoio (por exemplo, “não é?”)

[MD Apro]: Aprovação (por exemplo, “sei”, “claro”) e

[MD Inc]: Incerteza (por exemplo, “não sei”)

Fonte: Jamison (2015)

Sinalizamos que os mesmos MD podem exercer funções diferentes,

dependendo do contexto em que eles estão sendo empregados.

Além dos elementos apresentados acima, encontramos outros elementos que

fazem parte do processo de formulação do texto falado, tais como hesitação, repetição,

etc. Hilgert (1989, p. 107) corrobora a presença desses elementos e acrescenta: “a

intenção comunicativa é construída na e pela formulação”, e o planejamento do que se

poderá dizer irá deixar marcas na sua formulação tais como: descontinuidades,

hesitações e paráfrases.

Essas marcas, que chamamos de marcadores reveladores de dificuldade de

formulação verbal ([DF]), podem ser reconhecidas por meio de repetições ([DF Rep]),

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prolongamentos de vogal ([DF PLVo]), anacoluto ([MD: An]) e paráfrases ([Paraf]).

Apresentamos a seguir esses marcadores conforme utilizamos em nossas análises.

Quadro 12 - Marcadores de dificuldade de formulação verbal e envolvimento

[DF:PVo] Marcador de dificuldade de formulação: prolongamento de vogal.

[DF:An] Marcador de dificuldade: anacoluto.

[DF:PLV] Marcador de dificuldade de formulação: planejamento verbal.

[DF:Rep] Marcador de dificuldade de formulação: repetição.

[Paraf] Paráfrase.

[Compl] Complementação do discurso do interlocutor.

Fonte: Jamison (2015)

5.6 ETAPAS DE INVESTIGAÇÃO

Antes da etapa da pesquisa de campo, é preciso esclarecer que, de acordo

com as resoluções do Conselho Nacional de Saúde, CNS 466/2012 e 510/2016, para

todos os projetos de pesquisa, independente da área de conhecimento, que envolvam a

participação direta ou indireta de seres humanos, exige-se apresentar, antes da coleta

de dados, o número do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE),

emitido por um Comitê de Ética em Pesquisas (CEP) do Sistema CEP/CONEP. Diante

disso e após termos tido o projeto já qualificado em dezembro de 2018, com parecer

satisfatório emitido pelos membros da banca, submetemos nosso projeto de pesquisa ao

Comitê de Ética de Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará (UECE) antes de irmos

a campo.

No dia 10 de setembro de 2019, recebemos o parecer consubstanciado do

CEP sob o número de 3.565.279, versão 2, CAAE 15041019.8.0000.5534, na situação

do parecer: APROVADO.

De posse do parecer, levamos uma cópia à supervisora da Clínica-Escola do

Centro Universitário Estácio do Ceará, que nos autorizou darmos início aos nossos

encontros. O nosso primeiro encontro aconteceu no primeiro sábado seguinte.

A observação foi realizada pelo próprio pesquisador durante os encontros dos

grupos focais e das conversas ordinárias, assim como, dos momentos individuais.

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Portanto, foi adotada a forma observacional associada a um questionário utilizado como

elemento facilitador nas rodas de conversa, havia um constante zelo na preservação das

faces das pessoas que estavam envolvidas, tomando como princípio que a temática

suicídio poderia ser um “assunto de considerável carga emocional e afetiva, evitando,

desse modo, uma possível sobrecarga emocional nos sujeitos” (JAMISON, 2015).

O pesquisador teve consigo um livro de protocolo para registro das

observações necessárias à análise do corpus. Utilizamos também um gravador sobre a

nossa cadeira para podermos ter uma gravação a mais durante os grupos focais.

Tiramos algumas fotos durante os grupos focais, sempre com a autorização

dos participantes e tendo o zelo de não revelar o rosto, ou partes do corpo, que

pudessem ser elementos reveladores da identidade do participante.

A utilização do bloco de notas, ou diário de campo, foi bastante útil para

descrever o contexto situacional durante as gravações das conversas, bem como para

resgatar palavras e expressões linguísticas percebidas durante cada gravação verbal.

O diário de campo foi organizado da seguinte forma: a data; o início e o

término do grupo focal; primeiramente as pessoas presentes (anotamos quantas e quais

pessoas estiveram presentes durante os encontros do grupo focal); a seguir a descrição

do ambiente (o campo onde foram registradas as conversas dos grupos focais e

ordinárias, por exemplo, como os presentes estavam posicionados espacialmente e o

registro de linguagem não-verbal significativa praticada pelos participantes durante os

encontros).

Os encontros iniciavam no horário das 13:30 min. com duração de

aproximadamente 1h. para as conversas em grupo, em seguida uma pausa para o

lanche e logo depois o encontro era retomado em um outro formato, as pessoas, que

desejassem, se encontravam comigo individualmente. Esse tempo era variável, tendo

em vista que, em alguns dias, ele fluía com mais facilidade e em outros ele precisava de

mais tempo para se tornar funcional. Outro dado significativo, foi a que alguns

participantes chegavam regularmente atrasado, demonstrando assim, o desafio que a

sua presença representava para ele. Mas, ao mesmo tempo em que os encontros não

tinham uma rigidez no cumprimento do horário inicial, se percebia, que com algumas

raras exceções, talvez, devido aos seus outros compromissos, os participantes também

não demonstravam pressa para ir embora. Mesmo quando, os encontros já haviam

oficialmente encerrados, um ou outro, geralmente ficava para falar algo em particular ou

apenas para ficar conversando sobre outros assuntos.

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Nossos encontros aconteceram aos sábados a partir do dia 14 de setembro,

com exceção do dia 12 de outubro que foi feriado nacional, dia de Nossa Senhora

Aparecida e do dia 02 de novembro, também feriado, dia de finados. O que nos levou a

procurar outros momentos durante a semana para compensar esses dias sem encontro.

Para o primeiro momento na sala de encontro, no caso, a sala de reunião dos

estagiários da Clínica Escola, foi disposta da seguinte maneira: um círculo de cadeiras

ao redor de alguns livros, sobre as cadeiras se encontravam papel e caneta, e em outras

mesas, um pouco mais distante, lanche e alguns materiais utilizados na pesquisa, como

blocos, gravadores, celulares para as fotos, e folhas de papel ofício, em branco, caso

alguém sentisse a necessidade de suporte para escrever. Essa estrutura se manteve

nesse formato apenas nas primeiras reuniões, depois de alguns dias, os próprios

participantes forma modificando a posição das cadeiras, às vezes aproximando e outras

vezes afastando, mas, sendo mantendo a dinâmica de estarmos visíveis para todos os

demais participantes.

Figura 1- Foto do primeiro encontro do grupo focal com os livros ao centro

Fonte: Arquivo pessoal do autor.

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Em nosso primeiro encontro, agradeci a presença de todos os que estavam

participando da pesquisa, expliquei a finalidade da mesma, e como se realizariam as

rodas de conversa, entreguei o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, após a

entrega li o Termo e os participantes acompanharam a leitura, assinaram o mesmo, e

somente depois da assinatura, demos continuidade ao encontro.

Era um grupo bem diversificado quanto às idades, classe social e gênero.

Como havia livros17 espalhados no chão vários participantes pegaram alguns para ler.

Depois quando foi explicado como se daria a dinâmica com os livros, os participantes

foram recolocando os mesmos em seus lugares.

No centro do círculo dos livros se encontravam duas mandalas de madeira

preta com um único livro intitulado: FIQUE CALMO! Esse livro foi utilizado como ponto

de conexão entre as pessoas que se encontravam presentes, ele circulou de mão em

mão e cada pessoa lia uma página na sequência e mostrava aos demais a ilustração

que representava a frase escrita, era um momento muito criativo, a intenção era ajudar

as pessoas irem quebrando a distância social inicial através desse recurso

biblioterápico18.

Após esse momento inicial, passamos para uma segunda etapa, foi sugerido

que cada pessoa escolhesse livremente um livro e após todos estarem com seus livros,

voluntariamente elas iam dizendo o porquê de terem escolhido aquele livro; quando

todos terminaram, os livros foram recolocados no chão e houve uma segunda rodada de

leitura, utilizando-se a mesma metodologia da primeira rodada, nessa segunda fase as

pessoas apresentaram um comportamento diferente da primeira, elas visivelmente

falavam um pouco mais sobre a relação do tema com a sua vida pessoal e aos poucos

as pessoas foram ficando mais à vontade e falando sobre situações mais particulares, o

que levava a crer que elas estavam aos poucos se sentindo mais livres para expor os

seus pensamentos e sentimentos.

Nesse primeiro dia além dos livros de psicologia havia outros livros com outras

temáticas.

17Para se ter uma ideia dos títulos dos livros utilizados na dinâmica, apresentamos, em anexo no final da

pesquisa, os dados relativos aos tomos que se encontravam espalhados no centro da sala. 18Termo referente à biblioterapia, terapia por meio de livros. Expressão originada de duas palavras gregas:

biblion – livro e therapeia – tratamento.

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5.7 INSTRUMENTOS DE INVESTIGAÇÃO

Além disso, para ratificar nossos objetivos, nesse grupo, aplicamos um

questionário com três perguntas, a saber: o que é suicídio? Há uma grande diversidade

de termos para identificar o suicídio. Qual o nome que melhor representa ou faz lembrar

essa categoria? Em sua opinião, e em ordem de importância, tente organizar uma lista

de dez exemplares mais típicos para categorizar o léxico “suicídio”. Dizendo de outra

forma: cite palavras ou expressões que vêm a sua mente quando você pensa em

suicídio. Justifique a escolha dos exemplares mais e menos típicos para a categoria

suicídio. Em outros termos, justifique a escolha dos exemplares citados na primeira e na

última posição.

Enquanto as pessoas preenchiam esse questionário colocamos uma música

ambiente na intenção de criar um espaço acolhedor e ao mesmo tempo leve.

Figura 2 - Momento de escuta

Fonte: Arquivo pessoal do autor.

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À proporção que cada participante ia terminando de preencher o questionário,

e de acordo com a disponibilidade, íamos nos encontrando individualmente. O

questionário foi sendo usado, dessa forma, também, como potencializador e facilitador

para abordarmos a temática do suicídio. Embora, as conversas pessoais não tivessem

um roteiro rígido de perguntas, iniciei com cada participante fazendo a mesma pergunta:

O QUE É O SUICÍDIO PARA VOCÊ?

No segundo encontro, seguimos a mesma metodologia, ou seja, espalhamos

os mesmos livros no chão ao redor das mandalas, e as pessoas escolheram outros livros,

nesse segundo dia ficou mais evidente que o nível de confiança havia aumentado, elas

começaram a ultrapassar a temática do livro escolhido e foram fazendo outras conexões

mais pessoais, falando sobre infância, expectativas e desejos. À proporção que o tempo

ia passando, as pessoas iam trocando impressões e opiniões acerca do suicídio, mas,

também, a cerca de outras temáticas que iam surgindo, dava a impressão de que elas

tinham uma necessidade de expressar suas opiniões e que aquela parecia ser uma

oportunidade.

Depois, novamente conversei individualmente com quem desejassem falar

um pouco mais ou quisessem falar de algo que estava trazendo algum sofrimento, uma

boa parte dessas conversas foi gravada, com a autorização da própria pessoa, o teor do

diálogo estava direcionado ao comportamento suicida; no entanto, algumas pediram, em

determinado momento, que desligasse o gravador pois elas iriam falar algo mais íntimo

e não gostariam que fosse registrado, respeitei o desejo de cada um, e estando no papel

de psicólogo mantive o restante do diálogo de forma confidencial.

A partir do terceiro encontro, retiramos os livros que não estavam diretamente

relacionados com o tema suicídio na intenção de mantermos o foco mais direcionado

para o tema da pesquisa, a dinâmica era a mesma e assim as pessoas começaram a

falar mais diretamente sobre suicídio, percebia-se que alguns abordavam o tema com

mais facilidade, e outros apresentavam uma certa resistência, preferindo falar

diretamente comigo. No entanto, observamos que durante os demais momentos, como

os do breakfast, ou das conversas informais, elas interagiam com mais leveza.

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Figura 3 - Momento de descontração com os livros

Fonte: Arquivo pessoal do autor.

Uma constante em todos os encontros foi o cuidado com as palavras ou

expressões de duplo sentido que pudessem gerar desconforto ou a sensação de

impolidez na abordagem dos assuntos que iam surgindo, direta ou indiretamente

associados ao suicídio. O que não impedia que as pessoas se comunicassem com

autenticidade e liberdade de expressão, dentro do espaço de subjetividade que cada

pessoa selecionava como território que ela gostaria de expor ou que ela gostaria de

tornar público.

Iniciamos o nosso último encontro de uma forma diferente, decidimos fazer

um café compartilhado, cada pessoa trouxe algo para dividir na hora do lanche, tivemos

um momento inicial com os livros, e depois tínhamos um tempo para que cada pessoa

pudesse expressar como tinha sido a sua experiência durante os dias que havíamos nos

encontrado e no que os encontros havia acrescentado em suas vidas, voluntariamente

cada pessoa falou um pouco sobre sua experiência e percepção sobre os encontros, do

ela aprenderam sobre o suicídio e sobre elas mesmas, e ficou em aberto a proposta do

grupo continuar se encontrando após o término da pesquisa.

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Figura 4 - Foto do momento de encerramento do encontro do grupo focal

Fonte: Arquivo pessoal do autor.

5.6 PARTICIPANTES DA PESQUISA

A princípio, conforme assinalado anteriormente, realizamos uma pré-seleção

dos candidatos que feita por mim, conforme mencionado, juntamente com a

coordenadora da Clínica-Escola, teve como público as pessoas que buscam

atendimento nessa Clínica. Após essa etapa inicial, a seleção dos sujeitos da pesquisa

foi feita por nós pesquisadores, perfazendo um total de 06 participantes (03 com ideação

e 03 com tentativa de suicídio).

Seguimos, assim, os seguintes critérios: pacientes em situação de

comportamento suicida que tenham tido pensamento ou ideação suicida e pacientes que

já tenham tido tentativa de suicídio; dessa seleção, escolhemos os pacientes, conforme

citamos, que aceitaram participar da pesquisa, ou seja, aceitaram conversar sobre

suicídio e terem as suas conversas registradas; somente após essa conversa ordinária,

e os pacientes terem sido selecionados, entregamos o documento com a autorização do

termo de consentimento livre esclarecido.

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Depois de definidos esses pacientes como sujeitos da pesquisa, preparamos

um arquivo de identificação para cada paciente, descrevendo o nome (iniciais), o gênero,

a idade, o grau de escolaridade e o estado civil.

Importante que foi recordado aos participantes que eles dispunham de total

liberdade para interromperem o acompanhamento no momento que desejassem, sem

nenhum prejuízo, nem constrangimento para quem assim decidisse.

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6 TRANSCRIÇÕES

6.1 NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO DAS CONVERSAS

6.2 CONVENÇOES NORMATIVAS DAS TRANSCRIÇÕES DAS CONVERSAS

De acordo com Marcuschi (2008) o sistema sugerido para a transcrição das

conversas é eminentemente o ortográfico, adotando a escrita-padrão e considerando a

produção real e a variação linguística do indivíduo.

Para Marcuschi as palavras ou expressões são usadas de modo diferente do

modelo original, devendo, serem escritas da mesma forma com que foram pronunciadas

(TEIXEIRA, 2011). Contudo, seguimos as convenções de escrita ortográficas.

Utilizamos um quadro adaptado de Castilho; Preti (1986) e adotado por Koch

(1977) em Teixeira (2011), com as normas mais frequentes para uma transcrição.

Quadro 13 - Símbolos para Transcrição de Conversações

OCORRÊNCIAS SINAIS

Incompreensão de palavras ou segmentos ((incompreensível))

Hipótese do que se ouviu (hipótese)

Truncamento (havendo homografia, usa-se acento indicativo da tônica e/ou timbre)

/

Entoação enfática Maiúsculas

Alongamento de vogal ou consoante (como r, s) :: podendo aumentar

para ::: ou mais

Silabação -

Interrogação “

Pausa (para as pausas além de mais de 1.5 segundos, indica-se o tempo).

(+)

Comentários descritivos do transcritor ((minúsculas))

Comentários que quebram a sequência temática da exposição, desvio temático

----

Superposição, simultaneidade de vozes [simultaneidade de vozes]

Indicação de que a fala foi tomada ou interrompida em determinado ponto. Não no seu início

(...)

Citações literais, reproduções de discurso direto ou leituras de textos, durante a gravação

“”

Fonte: Adaptado pelo autor, com pequenas modificações das regras extraídas de Castilho; Preti (1986),de Koch (1997) e de Marcuschi (1991, p.10) apud Teixeira (2011)

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Fizemos as transcrições, adotando os seguintes critérios gráficos:

- Espaço simples, porém, dando dois espaços entre um turno e outro;

- A inicial do interlocutor pesquisador feita em negrito, sendo a primeira letra

“A” do interlocutor em maiúsculo e em negrito, seguido das duas iniciais do

nome desse interlocutor em negrito também. Exemplo: AJr;

- As iniciais dos sujeitos da pesquisa feitas com duas iniciais de um nome

hipotético para eles, em letra maiúscula e em negrito;

- As hesitações marcadas por reticências;

- Respeitamos a escrita dos pacientes. Não fizemos revisões das falhas

escritas de acordo com as convenções ortográficas de Língua Portuguesa.

Ao identificarmos as ocorrências de dispositivos emotivos, estratégias de

polidez e marcadores discursivos, destacamos a palavra, ou expressão em negrito para

que esses fossem relacionados aos códigos que os procediam.

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7 ANÁLISE DAS CONVERSAS E DISCUSSÕES DOS RESULTADOS

Nessa etapa do nosso trabalho, analisamos as conversas a partir das

transcrições realizadas durante os encontros do grupo focal e dos momentos de

interações espontâneas, principalmente na hora do lanche ou do cafezinho. Focamos

nossa atenção especialmente sobre os seguintes pontos:

- As dificuldades de formulação verbal e de envolvimento durante o processo

de interação no grupo, nos momentos espontâneos e no jogo/trabalho de

faces;

- No uso da (im) polidez / (des) cortesia e de suas estratégias interacionais

utilizadas nas conversas durante a descrição do suicídio e do jogo de faces;

- No processo de construção da face do suicídio que fosse sendo evidenciado;

- No uso dos marcadores discursivos identificados nas interações;

- Na utilização de dispositivos sob o viés da Pragmática da Emotividade,

envolvendo aspectos linguísticos e paralinguísticos;

As transcrições foram realizadas após escutarmos as gravações realizadas

durante os encontros (grupo focal, momentos espontâneos e individualmente). Optamos

em analisar uma pergunta norteadora das conversas individuais, a saber: O QUE É O

SUICÍDIO PARA VOCÊ? Assim como, a análise de dois trechos das rodas de conversa

trechos nos quais se falava sobre suicídio de uma forma mais direta.

Para facilitar a nossa análise agrupamos as transcrições das conversas

pessoais, obedecendo os seguintes critérios: no grupo 1, locamos 3 pessoas que tiveram

ideação suicida, mas, não realizaram o ato suicida, no grupo 2 outras 3 pessoas que já

realizaram o ato. Em outro segmento locamos 2 trechos, de diferentes pessoas,

participantes do grupo focal, quando conversavam abertamente de forma comunitária

sobre comportamento suicida.

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GRUPO 1 (IDEAÇÃO)

PARTICIPANTE 1

Nome fictício: James (J).

1. Ij: Suicídio é [EVI+] um refúgio que é::: [DF:PVo] 2. Ij:Bem [AVA+] uma válvula de escape que... 3. Ij:deixa [AVA+] eu vê a palavra... 4. Ij:é::: [DF:PVo] não-não [DF:Rep] sei se eu diria [EVI-] que é pros fracos

[AVA-] 5. Ij:mas... [DF:PLV] dependendo [AVA-] do seu estado emocional você

[ESP+] chega a ter esses pensamentos [PROX+] 6. Ij:eu acho [EVI+] que::: [DF:PVo] 7. Ij:é::: [DF:PVo] no caso [AVA+] é::: [DF:PVo] no meu caso eu acho [EVI+]

que desencadeou [QUA+] foi essa [EVI-] parte de tristeza 8. Ij:foi muito [QUA+] pela parte do financeiro [EVI-] 9. Ij:às vezes [QUA+] é::: [DF:PVo] às vezes eu ficava tendo [QUA+] [PROX-]

esse [EVI-] tipo de pensamento 10. Ij:foi por conta dessa [PROX-] tristeza mesmo [EVI+] aí é uma válvula de

escape... sabe” [MD EL] 11. Ij:você pensa que [EVI +] se suicidando vai resolver [AVA+] 12. Ij:e não resolve’ [AVA-] 13. Ij:na verdade... [EVI+] tanto [QUA+] você vai perder [EVI+] a sua vida

como é [AVA+] arriscado por conta disso alguém [EVI-] também se suicidar 14. Ij:ou... [DF:PLV] desencadear uma depressão ou outro tipo [AVA+] de

doença por causa disso [PROX-] 15. Ij:bom... [DF:PLV] a minha opinião [EVI+] é essa’ [AVA+]

O participante que preferiu se identificar com o nome de James (J) tem 35

anos, é professor, casado e estudante universitário. Trabalha em uma instituição de

ensino que eu tenho conhecidos. Ficou sabendo da minha pesquisa e quis ser um dos

informantes. Procurou por mim e eu disse que se ele quisesse poderia participar do grupo

focal mantendo o seu anonimato. Ele prontamente aceitou. Esteve presente na maioria

dos encontros e demonstrou facilidade em se relacionar com os demais participantes;

tomava iniciativa nas conversas. Estava sempre disposto a ajudar. É importante

evidenciar que ele já fez acompanhamento psicológico. Nessa ocasião o participante

estava desempregado. Disse que, quando passa por dificuldades, ainda lembra do fato

‘suicídio’, mas que, se arrepende do que fez e não pensa em fazer de novo.

Ele foi a primeira pessoa a ser atendida no primeiro dia de encontro. James

aparentava calma, embora, demonstrasse um pouco de ansiedade. Após alguns minutos

de acolhimento e explicação como iria ser esse segundo momento, demos início à nossa

conversa individual. Essa primeira transcrição é parte dessa conversa. Nesse trecho, o

participante respondeu, a partir da sua experiência, o que é o suicídio?

Com ar de tranquilidade, James iniciou seu discurso, apresentando o conceito

de suicídio, ou seja, ‘Um refúgio’. Para isso, ele se utilizou de um dispositivo de maior

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Evidencialidade, dispositivo responsável por demonstrar valor de verdade no que

estava sendo expresso. Apesar de ter começado de forma assertiva, logo em seguida,

enquanto ensaiava a continuação da frase, James deu uma prolongada no verbo ‘é:::’

um marcador de dificuldade de formulação verbal, prolongamento de vogal, indicando

que ainda não estava claro o que iria dizer ou que estava hesitando na hora de expor a

sua face de suicida.

Após um momento de reflexão, utilizando-se de um dispositivo de maior

Avaliatividade ‘bem’, James usou um outro adjetivo para definir suicídio. Dessa vez,

suicídio era descrito como sinônimo de ‘válvula de escape’. Novamente, antes de

terminar essa nova frase, ele faz uma nova pausa e na linha seguinte apresenta outra

definição. Essas mudanças inferem cuidado na escolha da palavra mais apropriada,

corroborando preocupação tanto com a preservação de sua face, como, com a face do

ouvinte. Além disso, mostra toda uma estratégia de polidez para não ferir as faces dos

envolvidos no processo dessa interação centrada.

Essa preocupação ficou mais evidente quando ele mesmo declarou na linha

3, ‘deixa eu vê a palavra...’. Esse comportamento do James sugere um distanciamento,

não apenas espacial, mas emocional; visto que ele já teve ideação suicida e o conceito,

supostamente, não deveria ser algo que ele desconhecesse. Era como, se nesse

momento, ele estivesse fazendo um resgate emocional do acontecido; de fato, ele ficou

um pouco em silêncio, pensativo, e só depois retomou o argumento.

Mas, ainda de forma vaga, Ele iniciou a frase com dois marcadores de

dificuldades de formulação seguidos, o primeiro de prolongamento de vogal ‘é:::’ e um

segundo de repetição ‘não-não’, e continuou ‘não sei se eu diria que é pros fracos’, dando

a entender que ele, em algum momento, já associou ‘suicídio’ com ‘fraqueza’. O percurso

que James vai fazendo é o de revelação, embora esteja falando da experiência dele. No

começo ele vai expressando o seu pensamento de forma indireta, supostamente neutra,

e generalista, como se estivesse apenas apresentando uma definição alheia, mas, a

proporção que vai se sentindo mais à vontade, ele vai trazendo o discurso mais para si

e se desnudando, tornando evidente a sua face supostamente negativa de pessoa que

tentou suicídio. Uma face carregada de tabus, preconceitos e estigmas sociais. James

apresenta uma face que a sociedade almeja esconder, como veremos mais adiante.

Inferimos que, James mantém essa postura quando se refere ao suicídio,

como forma de demonstrar ao ouvinte uma “distância emotiva ou cognitiva” (CAFFI,

1994, p. 129), o que assegura, através dessa distância, uma estratégia de manutenção

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da sua própria face utilizando-se ao mesmo tempo de uma estratégia de polidez off-

record (BROWN; LEVINSON, 1987), além de um mecanismo de proteção emocional.

Somente a partir da linha 6, James foi sinalizando uma maior confiança,

partindo do geral para o pessoal. Ele foi se utilizando de alguns marcadores como

ferramentas de gradação, primeiramente utilizou um dispositivo emotivo de maior

Evidencialidade: “eu acho” como sinal de comprometimento. Dessa forma, expondo a

sua face para evidenciar o seu comportamento, ele vai se empoderando do ato de ter

tido ideação suicida. Porém, depois, ele utilizou três marcadores de dificuldades de

prolongamento de vogal ‘que :::’, ‘é:::’, ‘é:::’, demonstrando assim, que ele ainda estava

elaborando o próximo passo.

Embora, inicialmente hesitante, ao longo da conversa conosco, James vai

manifestando sua confiança e estabelecendo uma relação mais espontânea, menos

tensa. Percebemos essa manifestação, por meio do seu comportamento, da sua

linguagem corpórea e dos elementos paralinguísticos. Ele, à princípio gesticulava mais

e tinha um olhar meio sem direção, um olhar que parecia fugir do meu. Mas na

continuidade, não apenas trouxe para si o discurso, mas, apresentou os motivos que o

levaram ao comportamento suicida, dessa vez, ele se expressou de forma pessoal e com

a fala firme. James disse: ‘no meu caso... eu acho... que desencadeou... foi essa parte

de tristeza... foi muito pela parte do financeiro’ (L. 6 a 10). Ele estava revelando a sua

face mais íntima. Face de uma pessoa supostamente fraca. Face negativa que tantos

não conseguem tornar pública. Mas, mesmo se revelando e mostrando a sua “face

negativa”, James procura trabalhar essa face minimizando a sua suposta culpa e

colocando essa culpa na tristeza, e nas dificuldades financeiras. Assim, indiretamente, o

suicídio vai se descortinando com uma face de fuga e não de morte. Suicídio, seria,

portanto, um ato de fugir das tristezas ocasionadas por problemas financeiros.

No entanto, James precisava de adesão do seu interlocutor para se sentir

seguro. Ele encerrou sua fala sinalizando com um “sabe” (marcador discursivo

posposicionado), sugerindo um pedido de suporte, de aprovação; assim como, a

utilização de uma estratégia de polidez: procure acordo. (BROWN; LEVINSON,

1987).

Nas próximas linhas, James retornou a falar de forma indireta. É, possível que

James tenha o hábito de se expressar desse modo ou se sinta confortável em falar de si

sem se comprometer diretamente com o conteúdo do que está sendo dito. Seria

necessário mais tempo de observação, mas, não é o foco dessa análise. O fato é que,

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mesmo usando essa estratégia ele continuou falando o que pensava sobre o tema, ele

disse ‘você pensa que se suicidando vai resolver e não resolve... na verdade.... tanto

você vai perder a sua vida como é arriscado por conta disso alguém também se suicidar

ou desencadear uma depressão ou outro tipo de doença por causa disso’. Observamos

que nesse bloco, James fez uma explanação mais detalhada da lógica do seu

pensamento.

Ao final, James apresentava um comportamento novamente tranquilo,

demonstrava alegria no olhar e falava de forma mais lenta. Após um breve

movimento com as mãos, ele sorriu levemente e disse ‘bom’ (marcador preposicionado

que serviu para iniciar e, ao mesmo tempo, de forma ambígua, concluir o turno

conversacional e sua fala sobre suicídio). Fez uma pequena pausa, tempo suficiente

para dar a perceber que estava encerrando a sua resposta, e para não deixar dúvidas

de que estava realmente concluindo o seu pensamento, ele afirmou “a minha opinião é

essa”. Entendemos, que essa estratégia de afirmação corroborou para um

fortalecimento da proteção de sua face e fortaleceu a sua imagem de fachada

positiva. Depois disso, não falou mais nada, possivelmente esperando a próxima

pergunta.

PARTICIPANTE 2

Nome fictício: Gabriela (G).

1. Ij:Suicídio para mim [ESP +] é:: [DF: PVo] 2. Ij:É:: [DF: PVo] um ato que envolve [ESP+] desespero 3. Ij:no sentido [AVA+] de falta de esperança diante [ESP+] da vida.. 4. Ij:ou do futuro [PROX+] 5. Ij:eu vejo [EVI+] também como um ato [AVA+] de grande [QUA+] coragem 6. Ij:e que envolve muitas vezes [QUA+] uma vontade intrínseca muito 7. Ij: [QUA+] forte ne” [MD EL] 8. Ij:O primeiro [ESP+] pensamento que vem é o de fuga 9. Ij:porque é o que mais caracteriza [QUA+] para mim [ESP+] o suicídio 10. Ij:uma fuga da realidade. [ESP+] 11. Ij:Às vezes [QUA+] pode parecer a melhor [AVA+] solução. 12. Ij:Eu não penso [ESP-] na morte, quando se fala sobre suicídio 13. Ij:acho [EVI+] que quase ninguém pensa [EVI-] na morte 14. Ij:Bem (+) Talvez [MD Inc] alguém [ESP-] pense ne” [MD EL] 15. Ij:Eu não penso [ESP-] 16. Ij:Eu penso [ESP+] em coisas [PROX+] concretas.

A participante preferiu se identificar com o nome de Gabriela, tem 35 anos,

casada e estudante universitária. Foi indicada por uma outra participante do grupo.

Esteve presente em todos os encontros, demonstrou facilidade em se relacionar com os

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demais participantes, não aparentava conflitos relacionais. Já fez acompanhamento

psicológico quando criança, mas, atualmente não estava fazendo. Recentemente, não

teve pensamento suicida, mas, relatou que houve um tempo em que eles eram bastante

intensos.

A paciente que será nomeada apenas pela letra Gabriela foi a primeira

pessoa, do segundo dia de encontro, a ser atendida, aparentava um comportamento

calmo. Falamos um pouco sobre os encontros e de forma, quase informal fiz a pergunta

norteadora: a partir da sua experiência, o que é o suicídio?

Esse trecho é apenas uma parte da resposta dada pela participante Gabriela,

ela continuou falando sobre o tema por mais tempo, porém, selecionamos esse

segmento, por acreditarmos, que ele contém o essencial do seu pensamento sobre

suicídio.

Ela iniciou sua resposta de forma tranquila e demonstrando segurança nos

argumentos, começou o discurso falando a partir de si, utilizou a expressão ‘para mim’,

um dispositivo emotivo de especificidade que demonstra assertividade. Embora ela

tenha usado dois marcadores de dificuldade de formulação: prolongamento de vogal,

Gabriela não demonstrava dificuldade cognitiva na construção da frase, inferimos que a

opção desse dispositivo demonstra que Gabriela está selecionando palavras apropriadas

para o enunciado seguinte. Ela encerra a frase e inicia a seguinte com ‘é:::

Logo em seguida ela disse ‘é um ato que envolve desespero’. Gabriela utilizou

uma expressão com uma riqueza de sentido. A própria participante procurou esclarecer

a que tipo de desespero ela estava se referindo. Inferimos que, nesse momento, ela se

atenta em esclarecer o sentido do que falou, demonstrando assim, preocupação em

proteger a sua face de possível ameaça devido a uma provável incompreensão do termo

utilizado.

Sendo assim, ela iniciou a linha 3, utilizando um dispositivo emotivo de

avaliatividade quando diz ‘no sentido’ em uma clara intenção de ratificar o seu

pensamento, porém de forma mais compreensível. Logo em seguida, ela acrescentou

‘falta de esperança diante da vida’ fazendo referência ao termo ‘desespero’, o que

dá um tom mais suave ao discurso. Gabriela manteve uma atitude assertiva, porém,

buscando utilizar palavras polidas para expressar a sua opinião. eu vejo também como

um ato de grande coragem

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Dando fechamento ao pensamento anterior, Gabriela iniciou a próxima frase

usando um dispositivo de proximidade temporal ‘futuro’, para deixar, ainda mais claro, o

alcance do que foi dito.

Nas linhas 5 e 6, Gabriela estava buscando demonstrar os níveis de

dificuldade envolvidos para quem realiza o ‘ato’ de se suicidar, para isso, ela se utilizou

de dois marcadores de quantificação para corroborar o seu pensamento, ela usou

‘grande coragem’ e ‘vontade intrínseca muito forte’. Observarmos que, ela estava tirando

o foco da ação de se suicidar e pondo sobre a coragem da pessoa que realiza o ato,

criando um sentimento de ambivalência para com a pessoa envolvida com o suicídio.

No entanto, Gabriela precisou de suporte para sustentar essa nova linha de

pensamento, e, ela demonstrou essa necessidade através de um elicitador de apoio ‘né’,

demonstrando assim, nesse momento, uma fachada de solidariedade para com o outro.

Logo após, Gabriela retornou ao conceito de suicídio, ela o apresentou de

forma mais elaborada, dando a impressão que, durante o discurso ela foi amadurecendo

a ideia. Ela disse: ‘envolve muitas vezes uma vontade intrínseca muito forte’.

Confirmando essa retomada, Gabriela começa a linha 7, usou um marcador

de especificidade ‘o primeiro’, sinalizando que estava revisitando o argumento a partir da

origem, e, logo em seguida, acrescentou seu novo conceito para suicídio ‘fuga’, como

característica mais evidente para ela. Dando continuidade, na linha seguinte, Gabriela

esclareceu ‘fuga da realidade’ (L. 9). Com essa retomada, ela teve uma forte

preocupação em manter a fachada correta e coerente com suas ideias.

Na linha 10, Gabriela buscou novamente dar uma suavização na intensidade

das suas ideias, ela disse ‘às vezes’, significando ‘nem sempre’, depois afirmou

‘parece’ em lugar de ‘não é que seja exatamente assim’ e por fim, ela encerrou o

pensamento com ‘a melhor solução’. Inferimos que, com esse método que Gabriela

articulou em seus discursos, ela demonstrou constantemente uma dupla preocupação:

em ser autêntica, e, ao mesmo tempo, ela se preocupava em ser polida.

Na próxima linha 11, Gabriela apresentou uma nova forma de abordar o tema

suicídio, dessa vez, ela não falou o que pensava, mas o que ela ‘não pensava’ sobre o

assunto. Esse é um recurso, muitas vezes utilizado com a intenção de expressar uma

opinião diferente daquela que já se sabe sobre ela. Quando Gabriela disse ‘eu não

penso na morte quando se fala sobre suicídio’ ela estava demonstrando, através de

um dispositivo de menor especificidade, o conhecimento prévio de que ‘morte e

suicídio’ eram duas realidades conectadas.

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Seguindo o mesmo raciocínio, na linha 12, Gabriela buscou demonstrar que

o seu pensamento, fosse compartilhado por outras pessoas; quando ela disse ‘quase

ninguém pensa’ na morte quando se fala sobre suicídio, ela estava declarando que,

possivelmente, ela não fosse o única a pensar dessa forma. Essa intenção corroborava

com a sua preocupação de manutenção de território pessoal, sua face.

Sendo assim, logo após, Gabriela buscou flexibilizar o seu argumento com um

marcador de incerteza ‘talvez’ alguém pense, ou seja, pode ser que exista uma minoria

que pense diferente dela, mas, ela não tem certeza. Visto que esse posicionamento é

subjetivo, e, inferindo que precisava de apoio do ouvinte para dar validade ao seu

argumento, Gabriela encerrou a frase sinalizando com um pedido de aprovação ‘ne’.

Por fim, Gabriela foi encerrando seu discurso sobre suicídio, na linha 15, ela

declarou que não concordava com o pensamento das pessoas que associavam morte a

suicídio, ela se utilizou de um dispositivo de menor especificidade ‘eu não penso’,

enfatizando o seu posicionamento. Logo em seguida ela declarou o motivo desse

posicionamento. Eu penso em coisas concretas (L.16). E encerrou o argumento.

Notamos que durante toda a trajetória Gabriela foi construindo um discurso assertivo,

flexível e ao mesmo tempo preocupada com a manutenção da sua face positiva.

PARTICIPANTE 3

Nome fictício: Sandra (S).

1. Ij:Pra mim [AVA+] o suicídio é... 2. Ij:se eu pudesse [AVA+] resumir (+) eu resumiria [VOL+] que ele [PROX+]

é uma FUGA 3. Ij:a palavra que vem [AVA+] a minha mente (+) 4. Ij:a primeira [ESP+] ne” [MD:EL] 5. Ij:assim [EVI+] partindo desse questionário que que o Senhor [PROX+]

aplicou 6. Ij:a primeira [ESP+] palavra que vem [AVA+] a minha mente é FUGA 7. Ij:fuga [DF:Rep] de problemas’ [ESP+] 8. Ij:fuga [DF:Rep] de coisas ruins’ [ESP+] 9. Ij:fuga [DF:Rep] dos perversos’ [ESP+] 10. Ij:fuga [DF:Rep] de coisas [PROX+] que nos faz sofrer (+) 11. Ij:eu não queria... [MD:Inc] 12. Ij:eu tomei [ESP+] a medicação/ os remédios do meu sogro (+) 13. Ij:Ma::s.. [DF:PVo] eu não tomei pensando [AVA+] em morrer’ 14. Ij:Nem/ [DF:An] 15. Ij:eu pensava primeiramente [ESP+] em fugir daqueles [PROX+]

problemas (+) ne” [MD:EL] 16. Ij:por isso que eu te falo [AVA+] que a palavra é FUGA’ não pensei em

morte’

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A participante que preferiu se identificar com o nome de Sandra (S). Tem 47

anos, é casada, professora. Soube do projeto e desejou voluntariamente participar da

pesquisa. Demonstrou grandes habilidades sociais, se comunicava facilmente com todos

os presentes, gostava de tomar iniciativa, estava constantemente atenta às

necessidades dos demais. Disse que já fez acompanhamento psicológico há muito

tempo, e que está pensando em retomar a terapia. Aparentava um pouco de agitação,

mas, não demonstrava dificuldade emocional. Disse que gostaria de participar do grupo

para conhecer mais sobre suicídio e para ajudar, por meio do seu testemunho, outras

pessoas a superar essa fase que, como ela mesma disse: Passa!

Quando iniciamos a nossa conversa individual Sandra falava sem nenhuma

aparente dificuldade, dando a entender que aquele assunto estava no passado e que ela

o transportava para o presente com muita tranquilidade.

É preciso justificar o porquê de termos colocado Sandra e suas conversas

nesse grupo. Ela, explicou, mais de uma vez, que tomou os remédios do seu sogro,

porque estava há dias sem dormir por causa de uma insônia causada por problemas no

trabalho. Ao falar com uma amiga sobre essa insônia e sobre seus problemas, foi

aconselhada a tomar algo para dormir. Assim, resolveu pegar os remédios do seu sogro

e sem raciocinar foi tomando aos poucos. Como continuava sem dormir aumentou a

dose. Apagou e, somente acordou, após inúmeros chamados do seu esposo. A

participante não sabia precisar se realmente tentou o suicídio ou se queria apenas dormir

para fugir dos problemas, de forma temporal.

Porém, como na prática ela tomou a medicação, a sua conversa foi locada

como a última participante que teve ideação suicida e a primeira que tentou. Colocamos

essa conversa, portanto, no limiar entre as duas realidades, buscando evidenciar assim,

como o suicídio, por ser um assunto envolto em silêncio e preconceito, é um campo que

precisa ser explorado. Há muita falta de conhecimento, e não é muito clara a relação

simbólica e real que as pessoas têm com o comportamento suicida. A face do suicídio

se apresenta confusa. Nessa conversa, ficou claro que o suicídio é um enigma até

mesmo para Sandra Um acompanhamento psicológico poderia ajudar a participante a

rever a sua percepção sobre o acontecido.

Quando perguntada sobre o significado do suicídio para Sandra ela

respondeu de forma muito direta: ‘pra mim o suicídio é::::: se eu pudesse resumir (+)

eu resumiria que ele é uma FUGA’. Havia uma preocupação da participante em ser

clara nas suas expressões, mesmo falando de forma direta, ela se preocupava em ser

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objetiva, para tal, ela utiliza um dispositivo de avaliatividade associado a um outro

de proximidade, ferramentas que buscam dar segurança e credibilidade ao seu

discurso. Esse comportamento nos leva a inferir que a participante está procurando

proteger a sua face de possíveis ataques e, ao falar de forma direta, esses ataques

podem ser minimizados, visto que ela aparenta ser uma mulher forte. Outro dado

relevante, em relação ao trabalho de faces realizado pela participante, se refere a grande

preocupação em não ser identificada pelos leitores desse texto. E o paradoxal disso tudo,

foi sua participação no grupo focal com outras pessoas em situação de comportamento

suicida. Ela não protegeu a sua face “supostamente negativa” de pessoa suicida; pelo

contrário, falou sobre o suicídio e não encarou o assunto de forma estigmatizada,

preconceituosa ou até romanceada. Parecia se sentir confortável e confiante entre os

participantes do grupo.

Outro dado importante, foi a utilização de um artifício para repetir o sentido de

suicídio; ela disse: ‘a palavra que vem a minha mente, a primeira...’ Nesse trecho da

conversa, ela deu a entender que existem outras palavras, mas, que a mencionada (fuga)

era a que vinha em primeiro lugar. Ou seja, a primeira, a que tem mais força, aquela que

acessa mais rapidamente, a que linguisticamente chamamos de protótipo- melhor

exemplar de uma categoria. E, então, para ratificar que o que ela estava falando não

só fora compreendido por ela, mas, que essa ideia era compartilhada pelo outro,

ela buscou confirmação por meio do modulador de incerteza, marcador

conversacional posposicionado, ‘né’. Esse modulador de incerteza pode ser usado

também como estratégia para levar o outro a compartilhar o pensamento, sugerindo a

utilização de uma estratégia de polidez positiva: procure acordo (BROWN;

LEVINSON, 1987).

Nesse trecho da conversa, Sandra usou também outro dispositivo emotivo de

Evidencialidade, ela continuou buscando imprimir valor de verdade ao que estava sendo

dito: ‘assim, partindo desse questionário que o Senhor aplicou, a primeira palavra que

vem a minha mente é FUGA’. Entendemos que a participante quando utiliza o título de

‘Senhor’..., um dispositivo emotivo de proximidade social, ela está evidenciando a

distância social entre a falante (paciente/participante) e o ouvinte

(psicólogo/terapeuta), ao mesmo tempo, em que esse recurso pode estar sendo usado

como um recurso para corroborar a distância entre a falante e o conteúdo do seu

enunciado.

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No trecho seguinte, a participante foi especificando do que ela estava fugindo:

‘fuga de problemas, de coisas ruins, dos perversos, de coisas que nos faz sofrer’

nesse momento a paciente estava expondo a sua face mais fragilizada, ela estava

demonstrando mais liberdade de expressar seus pensamentos. provavelmente como

consequência da confiança que foi se estabelecendo ao longo da conversa. Esse

comportamento reforça a nossa hipótese da importância do acolhimento sem

julgamento, como atitude ativadora de mecanismos de não-proteção na pessoa que

estava participando da conversa.

Essa parte do trecho, foi tomando uma leitura diferente à medida que a

participante foi explicando, o que poderia claramente configurar como ‘tentativa de

suicídio’ pelo que estava escrito nesse trecho: ‘eu tomei a medicação/ os remédios do

meu sogro, Ma::s.. eu não tomei pensando em morrer’, no entanto, nem para a Sandra

é claro o movimento do que aconteceu, principalmente, se levarmos em conta a

subjetividade humana e os caminhos que a mente humana é capaz de percorrer,

compreendendo que o significado que as pessoas atribuem aos fatos são um diferencial

de como sofremos a influência desse fato e o seu retorno emocional, que reside nessa

relação.

Como a intenção dessa pesquisa não era entender os mecanismos de

proteção da participante, mas, evidenciar as diferentes relações que podemos

estabelecer com o suicídio, registramos essa conversa como modelo dessa diversidade

multifacetada.

Finalmente, a participante tendo falado o que julgava mais importante, fez um

resumo do que já dissera, sintetizando dentro de uma ´única expressão’, através de um

dispositivo de proximidade, quando disse; ‘em fugir daqueles problemas’. Através desse

dispositivo ela distanciou de si, de forma temporal e emocional, os problemas. E encerrou

o pensamento solicitando suporte, para isso, ela se utilizou de um elicitador de apoio:

‘ne”.

E para encerrar o argumento tendo a certeza de que foi clara nos seus

argumentos, ela repetiu, com ênfase, o que já fora dito durante o percurso da conversa:

‘por isso que eu te falo que a palavra é FUGA não pensei em morte’. Nesse momento

a participante demonstrou uma face serena e tranquila, não aparentava conflito, apenas

calma.

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GRUPO 2 (TENTATIVA)

PARTICIPANTE 4

Nome fictício: Lisboa (L)

1. Ij:Suicídio pra mim [ESP+] é:: [DF:PVo] 2. Ij:uma tentativa [ESP-] de fugir das realidades adversas devido decepções 3. Ij:talvez... [MD Inc] seja falta de MATURIDADE 4. Ij:por transformar um problema sempre [QUA+] em algo [ESP-]

intransponível 5. Ij:que ao conseguir [AVA+] superar aquele [PROX-] momento de

dificuldade 6. Ij:conseguimos ver que às vezes.. [QUA-] desistimos [ESP+] 7. Ij:ou [MD Inc] queremos desistir por nada/ [ESP-] 8. Ij:sem nem analisar [EVI-] quantas [QUA+] vidas seriam afetadas por

aquele [PROX-] ato impensado [ESP-] 9. Ij:Eu sinto [ESP+] que não há nada [QUA-] que eu possa acrescentar no

mundo 10. Ij:seja pessoal (+) [ESP+] ou [MD Inc] na vida das pessoas [PROX-] 11. Ij:não há [AVA+] perspectiva ou [MD Inc] esperança e:::... [DF: PVo] 12. Ij:dessa forma [ESP+] tanto faz [AVA-] estar viva ou não... [MD Inc] 13. Ij:simplesmente... [EVI-] não faz diferença [AVA-]

A participante que preferiu se identificar com o nome de Lisboa (L) tem 27

anos, é funcionária pública, casada e estudante universitária. Soube da pesquisa através

de uma amiga e voluntariamente nos procurou. Participou de todos os encontros,

demonstrou facilidade em se relacionar com os demais participantes, embora, não

falasse muito. Tentou suicídio há um ano. Período em que fez acompanhamento

psicológico. Atualmente está passando por momentos de instabilidade emocional e

sérias dificuldades no casamento. Esse contexto tem ativado na participante, algumas

vezes, novamente, o pensamento suicida.

Lisboa foi a segunda pessoa a ser atendida, aparentava um comportamento

inquieto, movia muito as mãos e quando falava, não fixava o olhar. Perguntada se estava

bem? Confirmou que estava um pouco nervosa, mas, queria falar assim mesmo. Sendo

assim, demos início à nossa conversa individual. Portanto, essa segunda transcrição é

um fragmento dessa conversa. Nesse trecho, a participante respondeu, a partir da sua

experiência, o que é o suicídio?

Após a pergunta norteadora, a participante fez uma pequena pausa, dando a

entender que estava pensando sobre a resposta a ser dada, e em seguida, quando

começou a falar, já iniciou usando uma expressão na primeira pessoa. Possivelmente,

Lisboa utilizou essa postura com a intenção de demonstrar uma face assertiva,

contrapondo assim, ao seu comportamento nervoso. Ela iniciou sua resposta utilizando

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a expressão ‘pra mim’, demonstrando assim, um tom de especificidade ao seu

argumento. Esse procedimento da participante sugere que ela estava, desde o começo,

tentando evidenciar uma face envolvida com o contexto que estava sendo apresentado.

Esse procedimento se confirma quando na próxima palavra, Lisboa deu uma prolongada

na vogal ‘é:::’ dando a entender que ainda estava elaborando o pensamento antes de

falar definitivamente. Depois falou de uma única vez: ‘uma tentativa de fugir das

realidades adversas devido decepções’.

A participante iniciou a próxima frase com a palavra ‘tentativa’ (L. 2)

demonstrando assim, que o seu argumento não era final, que ela estava falando de um

esboço, algo ainda não decisivo. O uso desse atenuador imprimia um tom de

experimento ao que estava sendo dito, o que poderia se constituir uma estratégia para

manter a sua face sob proteção.

Mantendo essa perspectiva de proteção à sua face, na linha 3, verificamos

por meio da expressão ‘talvez’, que Lisboa estava inferindo um ar de possibilidade à sua

opinião sobre suicídio. Em seguida, ela acrescentou, ao ‘talvez’ que, o suicídio ‘pode ser

falta de maturidade’, principalmente se for um comportamento repetitivo e ela agravou a

importância do seu posicionamento usando o termo ‘sempre’. Não obstante, logo após,

procurou suavizar sua opinião, utilizando um dispositivo de especificidade ‘algo’

intransponível, com essa frase ela elevou o grau de dificuldade das ‘realidades adversas’

(L.1), essa estratégia justificava a falta de alternativas para quem tinha pensamentos

iguais aos dela.

Notamos que, na linha 5, Lisboa retomou sua postura mais assertiva do início

do discurso, ela deixou aberta a possibilidade de ‘conseguir superar aquele problema’,

podendo significar, através dessa oscilação, que ela não tinha certeza se estava com a

fachada certa ou estava fora da fachada (GOFFMAN, 2011, p. 16). No entanto, para que

essa postura, mais assertiva, fosse possível ela utilizava mecanismos de suavização,

exemplo, ela usou ‘aquele’ e não ‘este’ quando se referia ao ‘momento de dificuldade’.

Na próxima linha, Lisboa modificou a pessoa do verbo usado no discurso, ela

utilizou a primeira pessoa do plural como sujeito do verbo em lugar da primeira do

singular, ela falou ‘conseguimos ver que às vezes’ no lugar de ‘consigo ver que às vezes’,

embora, falasse no plural ela continuava falando das suas experiências individuais.

Ventilamos que, com esse recurso, Lisboa estava buscando dar uma ideia mais

generalista e menos pessoal ao pensamento. E, por esse mesmo motivo tenha

selecionado o termo ‘às vezes’ para manter o sentido de vagueza e não

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comprometimento direto com o argumento apresentado. É plausível que no termo

seguinte encontremos o motivo da participante buscar manter essa distância, ela

encerrou a frase dizendo ‘desistimos’, inferimos que esse termo poderia demonstrar o

peso que Lisboa estava carregando sobre os ombros, e o quanto o fardo lhe parecia

pesado ao ponto de desistir. De fato, nesse momento ele demonstrava cansaço, mas,

ao mesmo tempo consolo por estar falando de forma aberta sobre seus pensamentos.

Nesse bloco, Lisboa mudou a direção da conversa, ela iniciou a frase com um

marcador discursivo de incerteza ‘ou’, demonstrando uma ‘possível alternativa’ do

argumento apresentado. Anteriormente, ela havia se referido ao problema que poderia

levar ao suicídio como ‘algo intransponível’, e dessa vez, ela preferiu minimizá-lo, ela o

substituiu ‘por nada’ (L.7). O próximo argumento sugeriu uma reflexão quanto aos

motivos que poderiam levá-la a esse comportamento alternativo ‘sem nem analisar

quantas vidas seriam afetadas’ caso ela chegasse a consumar o ato suicida, o qual

suavemente, ela se referiu como ‘ato impensado’. Essa construção de utilizar um recurso

de menor especificidade, supõe uma ação de preservação da face.

Importante observarmos que, da linha 9 a 13, Lisboa vai prestando mais

esclarecimentos e justificando as razões que a levaram a pensar da forma como ela

estava pensando. Nesse novo bloco, ele recomeçou a falar na primeira pessoa do

singular. Ela iniciou a frase dizendo ‘eu sinto’, e depois, deu continuidade ao

pensamento. No entanto, houve uma permuta, ela usou a expressão ‘eu sinto’ em

substituição a ‘eu penso’, utilizando assim, uma figura de linguagem para se expressar.

É possível que, com essa construção, Lisboa estivesse conectando emoção e razão, o

que representava uma riqueza de possibilidades cognitivas e emocionais.

Durante essa explicação, ele foi especificando suas razões, ela declarou ‘não

há nada’ (L. 9) que pudesse acrescentar, ou seja, ela estava tentando deixar claro que

não teria ‘nada’ a somar, portanto sua vida não era muito relevante. Nem para ela ‘seja

pessoal’ (L.10) e nem para os outros ‘na vida das pessoas” (L.10). A frase seguinte foi

dita plena de tristeza, Lisboa desabafou que a sua vida não tinha ‘perspectiva’ ou

‘esperança’ (L.11), essas duas palavras foram ditas intercaladas por 2 marcadores de

dificuldades ‘ou’ e ‘e:::’ (L.11), indicando assim, esforço na formulação do pensamento.

Havia um ar de desconforto, por parte da participante. Ela estava falando

sobre um assunto delicado. Ela fez uma pausa antes de falar novamente, sinalizando

que precisava de um tempo para reorganizar as ideias, depois, através de um dispositivo

de especificidade, ela sintetizou o pensamento dizendo que ‘dessa forma, tanto faz estar

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viva ou não’ (L.12), com essa frase ela chegou ao ápice do seu discurso, agora ‘suicídio’

entrou em outra categoria, passou a significar ‘morte’. A participante foi aos poucos se

aproximando do centro do seu argumento, embora ela tivesse começado pela periferia,

durante o percurso foi demonstrando que estava aprofundando seu conceito inicial.

Novamente, ela fez silêncio, mas, esse foi breve; Lisboa demonstrava não

querer ficar nele, e abruptamente, encerrou seus argumentos utilizando o termo

‘simplesmente’, através dele, ela deixava claro que havia chegado à conclusão do seu

pensamento. Nesse momento, a participante fez uma pausa, indicando que já esgotara

os argumentos, ela rematou dizendo ‘não faz diferença’ e silenciou. Em seguida a

participante deu um sorriso de alívio e possivelmente pensando sobre tudo o que dissera,

desviou o olhar. Nesse momento Lisboa demonstrava uma face de mais conforto.

PARTICIPANTE 5

Nome fictício: Senhor X (X).

1. Ij:Suicídio” [AVA+] 2. Ij:acho [EVI+] que é::: [DF:PVo] 3. Ij:a pessoa [ESP-] tirar a própria vida 4. Ij:é::: [DF:PVo] na percepção dos outros.. 5. Ij:é simplesmente [AVA+] isso’ [ESP-] 6. Ij: é quando a pessoa [ESP-] tira a própria vida 7. Ij:mas acho [MD Inc] que na percepção dela [AVA+] 8. Ij:é::: [MD:PVo] uma forma [ESP-] de aliviar a dor... 9. Ij:é uma forma [ESP-] de ela [ESP-] solucionar o problema dela [PROX+] 10. Ij:é como se [MD Inc] não houvesse mais [PROX+] nenhuma [QUA+]

solução 11. Ij:é como se [MD Inc] aquela [PROX+] fosse a única [QUA+] saída 12. Ij:é como se:: [DF:PVo] [MD Inc] 13. Ij:fosse [PROX+] algo tão pesado [QUA+] que lhe esmagasse de tal forma

[ESP-] 14. Ij:que você [ESP-] só quisesse uma forma de aliviar aquela [APROX+] dor.

O participante que optou por se identificar por Senhor X (X), tem 30 anos, é

funcionário público, casado. Faz acompanhamento terapêutico há mais de 01 ano, já

tentou suicídio 2 vezes. Já era do meu conhecimento as suas tentativas, procurei-o na

intenção de saber se ele gostaria de participar da pesquisa, expliquei os objetivos da

mesma e ele respondeu de forma positiva ao convite. Esteve presente na maioria dos

encontros. Falava pouco, tinha uma postura reservada. A maioria dos intervalos

permanecia sentado ou ia à mesa do café pegar algo, e logo retornava para a sua

cadeira. Possuía uma aparência séria, quase de tristeza.

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Senhor X. foi o segundo participante a ser atendido individualmente, no

segundo dia de encontro. Durante a conversa individual, ele demonstrava um

comportamento diferente de quando estava no grupo, ele falava mais, seu discurso era

mais longo e ele se expressava com bastante clareza. Após explicar como seria aquele

momento, ele disse que estava acostumado a falar sobre o suicídio e que podia

perguntar o que quisesse saber.

Quando lhe fiz a pergunta norteadora, ele me devolveu a pergunta com a

mesma pergunta ‘suicídio’, mas, não esperou a minha resposta, para dar continuidade

com a sua; na verdade ele estava se utilizando de um dispositivo de avaliatividade como

ponto de partida para dar início ao seu pensamento. Esse pensamento lhe serviu de

suporte a partir do qual ele apoiaria suas opiniões.

Tanto foi assim que, ele prosseguiu com a resposta em um único respiro ‘acho

que é a pessoa tirar a própria vida’. Senhor X. falava com tranquilidade sobre o

assunto, no entanto, ele se expressava de forma indireta, recurso utilizado com

muita frequência entre os participantes da pesquisa, indicando um afastamento do

que estava sendo expresso e uma consequente proteção da face. Observamos que,

ao longo de toda a conversa, ele manteve essa linguagem supostamente neutra. Desde

que respeitada essa dinâmica, ele não aparentava dificuldade em falar sobre o tema.

Não usava muita fantasia ao se expressar, ia direto ao ponto.

Na linha 4, ele repetiu o conteúdo, que já tinha dito, mas, dessa vez levando

o discurso ainda para mais longe de si. Ele iniciou a frase utilizando um marcador de

dificuldade de formulação, um prolongamento da vogal quando diz: ‘é:::’, dando a

entender que está estabelecendo a melhor forma de falar, demonstração de

preocupação de preservação da face. E logo depois, ele então fez uma observação

‘na percepção dos outros’ ou seja, ele está procurando deixar claro que a opinião não é

dele, ele está tentando esclarecer que não assume responsabilidade sobre o teor do que

foi dito, nesse caso, ele passa a ser um repetidor. A ideia apresentada, por ele, era a de

senso comum.

Não obstante, o que foi dito, na opinião dele, a percepção que ele tem do

suicídio é diferente. Interessante essa construção do pensamento, primeiro ele

apresenta o pensamento como seu, depois ele esclarece que, esse é o pensamento

comum e finalmente contrapõe com o seu. Esse movimento dá a entender que ele se

conecta com o todo e depois se desconecta, tem uma troca de identificação.

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Ele agora começou a falar da sua experiência, embora continue usando a

forma indireta de se expressar ele diz ‘na percepção dela’ (a pessoa com dor) quando

deveria ter dito ‘na minha percepção’, apesar desse artifício, percebemos, que ele está

falando dele. Falar sobre um assunto tabu, exige, algumas vezes, recorrer à medidas

protetivas e/ou caminhos especiais para ir se expondo aos poucos, mesmo quando já se

tem habilidade em falar sobre o tema.

Nessa parte da conversa Senhor X. evidenciou uma outra face do suicídio,

para ele representa ‘alívio da dor’ e de que dor ele está falando? Da sua própria dor.

Portanto, aliviar a dor é ‘solucionar o problema dela’ (a pessoa com dor). Essa forma de

ver a problemática suaviza e, aparentemente justifica o recurso de utilizar o suicídio como

instrumento de alívio.

Ele confirmou esse pensamento quando utilizou no começo de 3 linhas

seguidas, a estratégia de falar de forma indireta quando disse repetidamente ‘é como

se’, ou seja, ele estava falando sobre coisas reais, mas, a linguagem que ele usava

sugeria que estava falando de coisas hipotéticas. E através desse dispositivo ele vai

expressando as suas opiniões, inclusive de forma mais assertiva. Afinal de contas ele se

sente protegido pelo anonimato, na qualidade de autor, daqueles pensamentos e

comportamentos. Estratégia bastante usual quando queremos expressar a nossa opinião

sem envolver a nossa face diretamente.

Após cada ‘é como se’ ele acrescentava: ‘não houvesse mais nenhuma

solução’ e logo depois: ‘aquela fosse a única saída’ e ainda ‘fosse algo tão pesado

que lhe esmagasse de tal forma que você só quisesse uma forma de aliviar aquela

dor. Nesse trecho Senhor X. nos permitiu que víssemos além das suas palavras, ele

nos dava acesso ao seu íntimo, durante toda a sua trajetória ele se moveu em uma

grande espiral que o aproximava do centro, do epicentro, dele mesmo. Ele já tinha usado

a expressão ‘aliviar a dor’, na linha 8, agora, nesse trecho ele usou a mesma expressão.

Ou seja, ele deu voltas e voltas para ratificar o quanto o suicídio para ele estava

relacionado com alívio da dor.

Para Senhor X. o suicídio se apresentava com a face de ‘alívio da dor’. A

dor é algo que nos causa sofrimento, não nos relacionamos muito bem com o sofrimento.

Saber que existe algo que é capaz de aliviar essa dor deve ser muito atraente! (hipótese

do pesquisador). Podemos intuir que, para Senhor X. o suicídio exerça uma grande força

de atração devido ao conforto que supostamente ele possa proporcionar. Essa linha de

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pensamento do participante nos sugere a possibilidade de residir no ‘alívio da dor’ o fato

do paciente já ter tentado mais de uma vez o suicídio.

Nesse momento o participante parou de falar, provavelmente, ele percebia

que a sua face vulnerável estava exposta, ele poderia ser atingido. Procurando

demonstrar empatia, me mantive em silêncio, em respeito ao que ele estava passando.

E logo depois recomeçamos a conversar...

PARTICIPANTE 6

Nome fictício: Syler (S).

1. Ij:Suicídio” (+) assim... (+) [DF:PLV] 2. Ij:é uma forma de você:: [ESP-] [DF:PVo] 3. Ij:se:: [DF:PVo] livrar de algum [QUA+] problema que tá lhe perseguindo há

anos [QUA+] 4. Ij:você [ESP+] bota na cabeça se você [ESP+] se matar... 5. Ij:pronto [EVI+] aquilo ali [PROX-] vai resolver 6. Ij:pronto [EVI+] [DF:Rep] 7. Ij:não tem mais [QUA-] problema’ 8. Ij:Morreu (+) [PROX-] acabou’ [PROX-] 9. Ij:Então isso [ESP-] pra mim [EVI+] já já [DF:Rep] vem passando na minha

cabeça há vários [QUA+] tempos 10. Ij:vários [QUA+] [Compl] momentos 11. Ij:exemplo [ESP+] 12. Ij:eu sei [EVI+] que ali [PROX-] vende chumbinho na esquina [ESP+] 13. Ij:já pensei [PROX-] em comprar’ 14. Ij:Passei em frente [ESP+] mas.. [DF:PLV] não comprei [PROX-] 15. Ij:Passei de novo [QUA+] passei três vezes já [ESP+] 16. Ij:Aí [DF:PLV] fiquei [PROX-] pensando... 17. Ij:Não não vou [AVA+] fazer isso’ [PROX+] 18. Ij:Porque eu sei que isso [PROX+] é pecado’ [AVA-] 19. Ij:se eu fizer isso [PROX+] eu vou [EVI+] pro pro inferno’ [AVA-] 20. Ij:Aí (+) [DF:PLV] tive [PROX-] um terceiro [EVI+] pensamento... 21. Ij:não fiz’ [PROX-] [EVI+] e no quinto [QUA+] eu cometi’ [EVI-] [VOL+]

O participante que optou por se identificar por Syler (S), tem 38 anos, é

professor. Solteiro. A diretora da escola, na qual ele trabalha, me procurou para que eu

pudesse dar um suporte psicológico, pois o professor havia tentado suicídio no final de

semana anterior. Após esse primeiro encontro, falei sobre a pesquisa e se ele poderia

participar, inicialmente, demonstrou resistência, mas, depois disse que sim, desde que

fosse mantido sigilo. Não interagia muito com o grupo, ficava mais quieto, mas, quando

outro participante tomava a iniciativa de falar com ele havia correspondência. Esse trecho

selecionado da conversa com Syler representa apenas a parte inicial da primeira

conversa pessoal, que ocorreu após o momento do grupo focal. Ele foi escolhido porque

nele Syler respondia à pergunta norteadora da pesquisa.

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É importante observarmos como Syler iniciou sua resposta na linha 1

repetindo a palavra utilizada para fazer a pergunta: Suicídio” como se estivesse refletindo

sobre a pergunta. Inferimos que, esse é um comportamento de quem está tentando

proteger a sua face e ganhar tempo enquanto procura uma resposta que não o

comprometa, para isso, ele se utiliza de um marcador de dificuldade de formulação de

planejamento verbal ‘assim’.

Logo em seguida, ele fez um ensaio de responder, mas, evitou usar a pessoa

apropriada para o sujeito da frase, Syler utilizou um marcador de menor

especificidade ‘você’ e não ‘eu’ como recurso para variar a precisão do que está

sendo dito e distanciar de si o conteúdo do tópico. Nesse momento ele continua

buscando planejar o que será dito, ação demonstrada pelo prolongamento da vogal de

‘você:::’, causando um efeito de imprecisão e, com ele, correndo o risco de perder a face.

Desse modo, ele já iniciou, essa nova linha, utilizando o mesmo tipo de

marcador que encerrou a linha anterior, prolongando a vogal de ‘se:::’ demonstrando que

ainda está planejando como irá dar continuidade ao que está cuidadosamente tentando

proteger. Verificamos que aos poucos ele vai apresentando uma justificativa, embora

vaga, dos argumentos que poderiam desculpar o ‘suicídio’. É importante ressaltar que

Sandra é uma pessoa que já tentou o suicídio, no entanto, notamos que ele se expressa

como se estivesse emitindo uma opinião baseada apenas em teoria, e não falando de

uma experiência pessoal.

Embora Syler continue utilizando na linha 4 o marcador de especificidade

‘você’ no lugar do ‘eu’, ele agora está começando a usá-lo de forma diferente,

associando-o ao argumento apresentado: ‘você bota na cabeça se você se matar...

pronto aquilo ali vai resolver’. Essa dinâmica permite a ele expressar uma opinião

pessoal sem o envolvimento direto no que está sendo dito, estratégia de polidez

off-record (BROWN; LEVINSON, 1987) que reforça a preocupação na proteção da

sua face.

Entretanto, na próxima linha, Syler começou ratificando a sua postura de

confirmação do pensamento anterior, essa repetição se dá através do marcador de

Evidencialidade ‘pronto’. Percebemos que essa atitude fornece indícios que ele está

tentando tomar uma postura mais diretiva, diferentemente da forma com que inicialmente

estava desenvolvendo sua relação com o tema.

Como vimos, nesse trecho Syler retomou a palavra ‘problema’, expressão

utilizada por ele no começo da conversa quando buscava explicar o conceito de ‘suicídio’,

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percebemos, no entanto, que ele faz essa retomada de forma mais suave, para isso, ele

se utiliza de um dispositivo emotivo de menor quantificação ‘mais’.

Ressaltamos que, na linha 8, quando Syler se referia ao suicídio, ele disse:

‘não tem mais problema Morreu acabou’. Ele utiliza duas palavras seguidas de

bastante impacto ‘morreu’ e ‘acabou’, por meio delas percebemos que toda a trajetória

que ele vinha fazendo com suavidade, e aparente contenção, nesse momento, tomou

uma nova dimensão. Ele demonstra dificuldade em manter as palavras desconectadas

das emoções, e falar sobre elas vai ativando o seu lado emocional. Para realizar esse

percurso Syler utilizou dois marcadores de proximidade temporal, ‘morreu’ e

‘acabou’, para expressar esse movimento de aproximação.

Embora Syler permaneça tentando proteger sua face, na linha 9, ele trouxe

para si o discurso em primeira pessoa, ele começou dizendo ‘pra mim’, ou seja, já não

está mais falando de forma geral, mas, pessoal. Percebemos que ele está entrando em

um processo de auto revelação, descontruindo um aspecto de sua face e construindo

um novo. Ele começou essa construção com relutância, utilizando-se de um dispositivo

de dificuldade de formulação: repetição ‘já já’. Inferimos que, essa hesitação exibida

nesse trecho pode referir-se mais a questões de conteúdo do que de forma. A partir daí,

notamos que Syler começou a relatar o que se passa na sua cabeça. Ele usou o verbo

no tempo presente referindo-se a algo que aconteceu no passado, indicando maior

aproximação interior com o evento narrado, que “regula as distâncias entre

eventos internos e externos” (CAFFI, 1994, p. 142) quando disse: ‘Então isso pra mim

já já vem passando na minha cabeça há vários tempos ‘

A seguir, Sandra reforçou o que foi dito na linha anterior, ele repetiu quase

textualmente os termos, apenas trocando ‘há vários tempos’ por ‘vários

momentos’, palavras que estão no mesmo campo semântico; ele utilizou o dispositivo

de quantificação como ferramenta para avigorar a ideia de intensidade temporal, visto

que deseja mostrar a quantidade de vezes que o pensamento passou pela sua mente.

Como notamos, ele está tentando exemplificar o seu pensamento

demonstrando de forma mais específica, para isso ele usou a palavra ‘exemplo’ para

demonstrar a trajetória do seu pensamento até aquele momento, ou seja, ele vai

explicando o passo-a-passo, ele está com sua face exposta e busca envolver o ouvinte

a ser empático com o seu posicionamento pessoal.

No trecho entre as linhas 12 a 20, percebemos que Syler foi descrevendo os

movimentos comportamentais e cognitivos que envolveram a realização desse evento.

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Desse modo, Syler iniciou a frase dizendo ‘eu sei’, esse termo denota

confiabilidade em suas palavras, verificamos que ele utilizou um dispositivo de maior

evidência para demonstrar o conhecimento dos eventos que irão se seguir. Porém,

mesmo tendo feito um movimento aproximativo, logo em seguida, ele recuou no tempo.

Sandra utilizou alternadamente dispositivos de afastamento temporal, ou seja, até

então ele usava os verbos no tempo presente, a partir de agora ele começou a usar

os verbos no passado, exemplos: ‘pensei’ (L.13), ‘não comprei’ (L.14), ‘fiquei’

(L.16), ‘tive’ (L.20), ‘não fiz’ (L.21) e ‘eu cometi’ (L.21).

Inferimos que apesar da longa explicação feita por Syler e de vários outros

dispositivos avaliativos e de evidencialidades presentes nesse trecho, ele demonstrou

forte relutância em admitir que já cometeu suicídio. Averiguamos que ele tinha tanta

pressa de chegar ao fim da explicação que ele pula do ‘terceiro’ (L.20) para o ‘quinto’

(L.21) pensamento: ‘Aí tive um terceiro pensamento... não fiz’ e no quinto eu cometi’

Por fim, no final da última linha (L.21), ele admite ‘eu cometi’. Syler se

utilizou, pela primeira vez, de um dispositivo emotivo de volicionalidade para

demonstrar auto assertividade, por meio do uso do verbo na voz ativa. Esse

comportamento pode ser interpretado como tentativa de resgatar a sua imagem positiva

diante do interlocutor. O participante continuou a falar sobre o tema, mas, entendemos

que o todo da sua explicação, se encontra expresso nessa parte da conversa.

Essas duas transcrições foram feitas a partir de fragmentos de textos de

diferentes participantes da pesquisa nos momentos de roda de conversa, são trechos

selecionados que fazem referência direta com a temática do suicídio, no entanto, eles

apresentam visões diferentes do mesmo fenômeno. Estávamos conversando sobre as

motivações que nos levaram a participar da pesquisa, os participantes iam falando

livremente, ninguém estava controlando os turnos, e aos poucos as pessoas foram

relatando as suas experiências.

35. Bem... [DF:PLV] o que me faz vir [EVI+] aqui [PROX+] esse grupo [ESP+]

36. é porque (+) [AVA+] em alguns momentos [ESP+] da vida eu... 37. acho [MD Inc] que não só comigo (+) 38. mas eu penso [EVI+] que (+) outras pessoas [EVI-] também... 39. tiveram ideia de:::.. [DF:PVo] de [DF:Rep] morte.. 40. de morrer’ [ESP+] (+) ne” [MD EL] 41. você pensa [EVI+] em morrer... 42. eu pensei [EVI+] [APROX+]

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Estávamos falando sobre ‘comportamento suicida’, de forma geral, quando

essa participante começou a falar, a partir de si, da sua percepção pessoal. Foi muito

interessante porque ela estava em um grupo, e consequentemente a sua face estava

exposta, e mesmo assim, ela queria falar dela.

É provável que, quando ela começou sua frase utilizando um marcador de

prolongamento de vogal ‘ Bem...’, além de estar formulando o pensamento, ela estivesse

se utilizando desse artifício para criar uma pausa, de forma proposital, para chamar

atenção, visto que ela iria falar algo importante. De fato, nesse momento, todos nos

voltamos para ela, para escutá-la, de forma mais atenciosa.

E ela, começou a expressar as motivações que a levaram participar da

pesquisa. Inicialmente ela foi localizando o seu discurso: ‘o que me faz vir aqui pra esse

grupo’, com essas palavras, ela estava dando identidade ao grupo ‘esse grupo’ e não

‘qualquer grupo’. E em seguida, vai apresentando as suas motivações: ‘é porque em

alguns momentos da vida eu...’, nesse momento, ela começou a expor a sua face, ela

sabia que estava em grupo, e demonstrava querer que os outros se tornassem

consciente de seus pensamentos pessoais.

O trecho seguinte, confirmava essa hipótese de busca de conexão com os

demais participantes quando ela acrescentou: ‘eu... acho que não só comigo’. Essa

frase possui um componente, muito particular, a maioria das pessoas que está em

situação de comportamento suicida, quando perguntada sobre relacionamentos sociais,

declaram que se sentem ‘desconectadas’ das demais pessoas, ou ao menos, sentem

que essa conexão é fraca.

É possível, que parta dessa necessidade de pertencer a algo ou alguém, que

a participante busque essa ligação com os outros.

Nesse momento, a participante apresentou o seu pensamento, ela associou

‘suicídio’ com a ideia de ‘morte’ quando disse: ‘mas eu penso que outras pessoas

também... tiveram ideia de:::..de morte..’ O uso do dispositivo de dificuldade de

prolongamento de vogal ‘de:::’ e logo depois de repetição, usados pela paciente, nos

sugere que, o conteúdo dessa revelação havia passado por um processo de construção

e que a paciente precisara de algum tempo para poder falar. Mesmo quando ela

demonstrava interesse em expor a sua face ela o fazia com cautela.

Essa cautela é confirmada quando ao final da frase ela fechou com o ‘ne”, ou

seja, inferimos, que para ela, era importante que ela sentisse o suporte dos demais

participantes, que, assim como ela, pensavam da mesma forma. Mesmo sem, perceber,

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nesse momento, a participante está demonstrando uma face frágil, vulnerável à empatia

daqueles que estavam no mesmo grupo que ela. E, dessa vez, trouxe totalmente para si

a autoria do pensamento, ela disse categoricamente ‘eu pensei’. E encerrou o assunto.

Essa segunda conversa surgiu logo após, o trecho acima, eu diria até como,

provável, resultado da ativação instigada pelo conteúdo do que fora dito, não havia um

clima de confronto entre os participantes, embora, eles expressavam pensamentos

distintos, percebia-se mais, um respeito pela opinião do outro e uma intenção de falar

com liberdade sobre o tema que se falava, sem a preocupação de manejar o que seria

dito. Tal atitude representava um grande desafio para os que estavam participando do

encontro, levando-se em consideração que as interações ainda estavam mais baseadas

na vontade de criar laços, do que nos laços já, efetivamente, existentes.

75. Interessante...[AVA+]

76. Pra mim [ESP+] falar sobre suicídio [EVI+]

77. não é::: [DF: PVo] exatame::nte [DF: PVo] falar sobre MORTE [EVI+]

78. bem... [MD Inc] acho que [AVA+] é a mesma coisa ne” [MD EL]

79. ou (+) [MD Inc] deveria ser’ [PROX-]

80. mas (+) [MD Inc] quando a gente tá::: [DF: PVo] pensando em suicídio

81. acho que [AVA +] não é MORTE aquilo que vem na cabeça da gente

[PROX-]

82. eu pensava (+) [PROX-] apenas em sumir’ [EVI-]

83. desaparecer... sei lá’ [MD Inc-]

84. sem-sem [DF: Rep] nunca olhar pra traz...

85. é muito estranho pensar assim [AVA-]

86. hoje (+) eu acho estranho [PROX+]

87. mas... [MD Inc] na época fazia sentido’

88. me parecia [MD Inc] [PROX-] a melhor solução’

O próprio participante inicia seu turno com um sentimento de admiração, e ele

deixa isso visível quando disse: ‘interessante’, ele sabia que a opinião que ele tinha sobre

o tema suicídio era diferente daquele expresso pela outra participante, ou seja, ele iria

apresentar uma outra face do suicídio.

E para deixar claro que era a opinião dele que ia ser expressa, ele se utiliza

de um dispositivo de especificidade, ele disse: ‘Pra mim falar sobre suicídio não é:::

exatame::nte falar sobre MORTE’. Ele estava expondo uma face assertiva, os turnos

eram livres, o participante estava falando voluntariamente de um conteúdo que havia

sido anteriormente apresentado com um conceito diferente do seu, e ele começa

negando o conteúdo da outra participante. Mas, faz questão de afirmar que essa é a sua

opinião e que não tem problema se for diferente de outra opinião. E possivelmente, não

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querendo que a sua posição gerasse conflito, ele arrematou o seu discurso usando um:

‘acho que é a mesma coisa’. Forma mais suave de se expressar, que não, exatamente

anula a forma anterior. E encerrou a frase apresentando um pedido de confirmação com

a partícula: ne”

Nessa próxima linha, ele iniciou com um modelador de incerteza: ‘ou deveria

ser’. Esse modelador acaba tendo uma outra função, ele funciona como um sinalizador

de alternativas, dando a entender que pode haver uma outra opinião, essa forma

impessoal ajuda o participante a não se envolver de forma direta, ou seja, ele não

compromete a sua face.

Ele confirmou sua postura indireta quando nessa próxima frase ele parou de

usar a primeira pessoa do singular para se expressar, e, em vez de dizer ‘eu’ ele

começou dizendo: ‘quando a gente tá::: pensando em suicídio’. Ele optou por se

expressar generalizando a sua opinião.

Dessa vez, esse comportamento pode sugerir uma outra postura, como o

participante está falando dentro do contexto de um grupo, emitindo uma opinião sobre

um assunto que está sendo debatido pelo grupo, há uma possibilidade que o participante

se sinta falando pelo grupo e por isso tenha feito a opção de falar de forma impessoal.

Porém, nesse próximo bloco ele traz novamente o discurso para si, e diz o

que pensava quando o assunto suicídio vinha à sua cabeça: ele disse ‘eu pensava

apenas em sumir’ ou ‘desaparecer’ ele partiu da ideia geral até chegar à sua própria

ideia. Esse percurso pode ser interpretado como o zelo e o cuidado que ele teve com a

sua face, mas, também com a face do outro, ao ponto de ir gradativamente falando de

si, mas, respeitando o tempo dos demais.

E logo em seguida, ele fez um resgate emocional do que aconteceu, e achou

estranho que hoje ele tivesse esse tipo de pensamento, no entanto, ele achou que na

época fazia sentido, parecia ser a melhor solução. Ele não chegou a especificar quando

foi a época que ele se sentia assim. Inclusive que na época esse comportamento fazia

todo o sentido e, lhe parecia ser a sua melhor opção. Quando ele falou apenas ‘na época’

ele poderia estar afastando de forma temporal e emocional, o evento de si.

Os demais participantes foram, cada um, ao seu turno, falando um pouco mais

sobre suicídio e as suas experiências pessoais associadas ao tema, havia um clima de

respeito e cortesia que crescia a partir de cada encontro. Era muito enriquecedor

observar o desejo que eles demonstravam em falar sobre suas emoções e como essas

emoções ativavam os demais.

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O quadro abaixo, apresenta de forma resumida, o pensamento principal de

cada participante quando se referia ao comportamento suicida, o sentido do que está

escrito foi obtido através da interpretação do que estava sendo dito, em alguns,

encontramos o significado de forma textual em outros dentro do contexto.

Quadro 14 - Significado do suicídio

PESSOAS COM TENTATIVA DE SUICÍDIO SIGNIFICADO DO SUICÍDIO

Senhor X Alívio da dor

Syler Se livrar de algum problema

Sandra Fuga

PESSOAS COM IDEAÇÃO SUICIDA

James Refúgio

Lisboa Tentativa de fugir das realidades adversas

Gabriela Fuga da realidade

Fonte: Elaborado pelo próprio autor.

Esse segundo quadro apresenta o resultado da segunda pergunta do

questionário sobre suicídio, a saber: Há uma grande diversidade de termos para

identificar o suicídio. Qual o nome que melhor representa ou faz lembrar essa categoria?

Em sua opinião, e em ordem de importância, tente organizar uma lista de dez exemplares

mais típicos para caracterizar o léxico “suicídio”.

Dizendo de outra forma: cite palavras ou expressões que vêm a sua mente

quando você pensa em suicídio.

Quadro 15 - Léxico suicídio

PARTICIPANTES C/ IDEAÇÃO SUICÍDIO

James Tristeza

Lisboa Não faz diferença

Gabriela Fuga

PARTICIPANTES C/ TENTATIVA

Syler Preocupação

Senhor X Morte

Sandra Dor

Fonte: Elaborado pelo próprio autor.

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Havia uma variação nas respostas entre o que eles escreviam e o que eles

falavam, podemos inferir várias possibilidades, entre elas, a influência do estado

emocional que envolve as duas atividades, escrever e falar. Embora, houvesse essa

variação, podia se perceber, que as palavras estavam dentro do mesmo campo

semântico. Durante as conversas individuais, essas mesmas palavras anteriormente

escritas eram reconhecidas dentro de um contexto maior, agora sendo pronunciadas.

Esse comportamento, portanto, não indica conflito de pensamento, mas, a riqueza de

poder se expressar utilizando-se de uma variedade maior de significados para expressar

o mesmo fenômeno.

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8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados da nossa pesquisa revelam que o Comportamento Suicida é

um assunto repleto de elementos ainda pouco conhecidos, e envolto em uma atmosfera

de silêncio e preconceito.

Uma das primeiras revelações desse estudo é que apesar de chamarmos

esse fenômeno de ‘Comportamento suicida’ como se nos referíssemos a um único

comportamento linear, ele se revelou múltiplo em suas faces e em suas origens.

Observamos que, ao longo do tempo, ele foi assumindo conotações

diferentes, cada época possui uma lente específica para lidar com esse fenômeno.

Particularmente, a nossa época tem tido uma clara preocupação com a prevenção. De

muitas formas, a sociedade como um todo, e as pessoas, de forma individual, têm

procurado conhecer os mecanismos envolvidos nesse processo preventivo. Mas, apesar

dessa concepção preventiva, ainda há um tabu de que não se pode falar sobre suicídio

com quem tem ou teve ideação. Alguns até argumentam que não se pode estancar um

processo em evolução.

Na realidade, muito já se tem pesquisado e falado sobre o suicídio.

Encontramos um vasto material sobre a temática; várias campanhas, como setembro

amarelo, muita propaganda; no entanto, também, encontramos desinformação, notícia

distorcida, preconceito, estigma e muito medo.

A partir desses dados verídicos que, propositadamente, resolvemos trazer

mais uma vez nesse texto dissertativo, como um dos pontos para iniciarmos as nossas

considerações finais, evidenciamos, em nossa pesquisa, múltiplas faces desse

fenômeno tão complexo. Foi nosso interesse de estudo analisar a linguagem que melhor

se adaptaria, os componentes emocionais envolvidos, as estratégias de polidez mais

apropriadas, quiçá, como possibilidade de utilizar esse conhecimento na redução da

velocidade dessa taxa de crescimento.

Nosso estudo articulou um dado inovador quando buscou evidenciar que tanto

as pessoas, como as instituições, os atos e as coisas do mundo possuem faces. A ideia

da própria morte, e a maneira escolhida para se matar guardam um significado simbólico

a ser explorado. (BOTEGA, 2006) o que corrobora com o nosso pensamento de que o

suicídio pode apresentar diferentes faces.

Além do percurso que fizemos por meio do estado da arte sobre suicídio,

através de artigos e livros, buscamos estudar esse fenômeno, a partir do olhar e da voz

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da pessoa-suicida: como ela se percebia e como ela entendia o comportamento suicida.

Com qual face do suicídio ela se identificava.

É importante ressaltar que, esse foi um passo decisivo para o sucesso da

nossa pesquisa. Permitir que o outro pudesse ter um espaço de manifestação, livre de

preconceito, de medo e de julgamentos. Era a pessoa suicida falando sobre o

comportamento suicida! E essa foi sempre a nossa maior preocupação, a polidez e o

respeito para com cada um que, livremente, permitiu-nos entrar no mais profundo de sua

intimidade.

No começo, a maioria dos participantes demonstrava reserva e discrição

quando falava sobre suas emoções. No entanto, à proporção que eles foram se sentindo

acolhidos por nós, pesquisadores, e pelos demais participantes da pesquisa, eles foram,

também, abandonando as suas medidas de proteção e, foram se permitindo criar laços

de aproximação.

Estarmos em grupos, aos poucos, foi deixando de ser um desafio e foi

passando a ser um espaço de encontro. As pessoas passaram a expor mais as suas

faces, tanto negativa como positiva; falavam com mais facilidade sobre suas emoções,

interagiam com mais frequência, demonstravam mais unidade em torno do tema que nos

unia.

Cada participante trouxe consigo uma riqueza de experiência e vivência; a

nenhum deles o tema possuía apenas o caráter teórico; cada um, ao seu modo, já havia

vivido uma experiência com o suicídio.

E essa riqueza se tornou ainda mais evidente quando começamos a fazer a

nossa primeira ampliação conceitual. Quando nós falávamos sobre suicídio com os

participantes, eles não estavam percebendo suicídio apenas como ‘morte’, mas, traziam

outras faces consigo. Assim como, o conceito desenvolvido por Goffman, sobre ‘face’

se referia ao território que buscamos preservar, encontramos a mesma atitude no

comportamento das pessoas quando falavam sobre suicídio.

Nos primeiros encontros, os participantes eram gentis, corteses e sociáveis,

mas, mantinham uma atitude de proteção à sua face. A regra que impõem silêncio diante

de um assunto tabu, também vigorava entre os membros da pesquisa. Foi ficando

evidente quando se falava sobre suicídio que não necessariamente todos os membros

percebiam esse fenômeno sob o mesmo olhar.

Tanto no questionário, como no grupo focal, assim como nas conversas

pessoais, quando os participantes falavam sobre suicídio, eles se referiam a diferentes

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imagens, durante as entrevistas eles apresentaram : ‘fuga’, ‘alívio da dor’, ‘fuga dos

problemas’, ‘refúgio’, ‘fuga da realidade’ e ‘tentativa de fugir das realidades adversas’ ou

seja, a palavra que mais esteve em evidência foi ‘fuga’, algumas vezes dita de forma

direta, e outras de forma indireta. E no questionário, eles apresentaram principalmente:

‘tristeza’, ‘não faz diferença’, ‘fuga’,’ preocupação’, morte’ e dor.

Observamos que não houve muita diferença de pensamento entre os

participantes que tinham ideação e entre os que já haviam tentado o suicídio, embora

algumas palavras fossem diferentes entre si, na verdade a diferença já se fazia presente

dentro da mesma categoria, ou seja, entre os que tentaram e os que não tentaram, era

muito claro, portanto, que cada um, individualmente, tinha uma relação diferente com o

suicídio.

A importância de identificar qual face é apresentada pelo participante reside

na possibilidade de reconhecer mais rapidamente os sinais individualmente

apresentados, e poder seguir na mesma esteira sinalizada.

Outro dado evidenciado foi que os participantes estavam muito atentos em

transparecer uma face positiva, ou ao menos, preservar a sua face de algum ataque e,

para isso, eles falavam, com frequência, de forma impessoal ou vaga, quando falavam

sobre suicídio e principalmente, quando relacionavam o suicídio a si. Alguns deles

haviam passado, ou ainda, estavam passando por algum tipo de sofrimento psicológico,

o que corroborava na construção de uma imagem mais fragilizada, e que eles tentavam

ocultar. Inferimos a possibilidade de vir desse fato, a necessidade de contrapor a imagem

pessoal versus a imagem pública.

No entanto, ao seu modo, cada pessoa apresentava um sintoma diferente,

embora, algumas vezes não compreendido por falta de habilidade ou capacitação de

quem estava do outro lado, na escuta. E, sem dúvida, o primeiro passo para uma

prevenção efetiva do comportamento é o exercício da escuta livre de prejuízos. Para

isso, algumas crenças errôneas precisam ser desfeitas, alguns tabus devem ser

desmistificados e certos preconceitos necessitam ser trabalhados.

Outro dado relevante, foi o constante cuidado com as estratégias de polidez,

utilizadas nos momentos de encontro, elas abriram portas nos relacionamentos e

ajudaram a derrubar barreiras de isolamento e distanciamento; o mesmo cuidado foi

observado entre os participantes quando se relacionavam entre si, havia um clima de

respeito e cordialidade muito acurado, quando se percebia que algum participante estava

falando algo muito íntimo e pessoal e esse comportamento criava constrangimento, os

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demais faziam um silêncio respeitoso, demonstrando assim, empatia e compreensão do

que o outro estava vivenciando.

A partir dessas observações, dos elementos registrados, das entrevistas

individuais, dos encontros do grupo focal, do questionário e das conversas ordinárias

abordamos às nossas considerações. Os dados da nossa pesquisa confirmaram as

nossas hipóteses e permitiram-nos algumas construções importantes, a seguir vamos

apresentar os mitos sobre o suicídio e nossa percepção sobre o tema, a saber:

a) O suicídio é uma decisão individual, já que cada um tem pleno direito

a exercitar o seu livre arbítrio. Não foi essa a constatação que tivemos

em nossa pesquisa, observamos o oposto, que é alta a presença de algum

tipo de doença mental em pessoas que estão em situação de

comportamento suicida, sendo que, esse quadro de sofrimento psíquico

não só potencializa o desejo de morte, como impede que o sujeito exerça

a sua capacidade de tomada de decisão, visto que, a mesma se encontra

comprometida devido à doença, portanto, o suicídio não se trata de uma

decisão individual

b) Quando uma pessoa pensa em se suicidar terá risco de suicídio para

o resto da vida. O relato dos pacientes demonstrou exatamente o

contrário, a maioria deles declarou não pensar novamente em repetir a

tentativa de suicídio. Ao contrário, a lembrança negativa dos fatos levava-

os a se distanciar da possibilidade da repetição da experiência de morte.

c) As pessoas que ameaçam se matar não farão isso, querem apenas

chamar atenção. Esse é um dos tabus que, segundo os próprios

participantes, dificulta muito o pedido de ajuda. A maioria dos pacientes

declarou que falou sobre o suicídio com pessoas mais próximas, e algumas

delas repetiram textualmente o trecho acima, causando mais dor e

sofrimento. Portanto, quem quer se matar ‘fala sim’ sobre suicídio.

d) Se uma pessoa que se sentia deprimida e pensava em suicidar-se, em

um momento seguinte passa a se sentir melhor, normalmente

significa que o momento já passou. Pode ser exatamente o contrário,

algumas pessoas que se encontravam deprimidas enquanto pensavam

sobre o suicídio, declararam que estavam tão tristes que não tinham ânimo

nem para levar os pensamentos a frente, e quando melhoraram da

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depressão, ou seja, se encontraram com mais energia, os pensamentos

voltaram com mais força.

e) Quando um indivíduo mostra sinais de melhora ou sobrevive à uma

tentativa de suicídio, está fora de perigo. Outro mito complexo, quando

o paciente tentou o suicídio, ele passou por um processo de várias etapas,

que iniciou com um pensamento simples, depois passou a ser ideação, se

transformou em planejamento e por fim, em execução. Quando a pessoa

que tentou suicídio sobreviveu, se ela não passou por um processo de

ressignificação do suicídio. A sobrevivência dela não significa que o desejo

passou, mas que, o seu planejamento falhou em alguma etapa e que agora

para ela tentar novamente, ela pode encurtar o caminho, visto que, ela já

conhece a trajetória e agora pode saltar etapas.

f) Não devemos falar sobre suicídio, pois isso pode aumentar o risco. O

que nos instigou a realizar essa pesquisa foi exatamente o contrário desse

enunciado. Precisamos falar sobre suicídio! Durante a observação essa foi

a ferramenta que mais se evidenciou como eficaz. Os participantes, quando

questionados sobre o que os movia a participar da pesquisa, responderam,

com unanimidade, que gostariam de falar sobre o tema. Era notória a

sensação de que algo precisava ser comunicado. E o que se observou,

durante e depois, dos momentos de conversa, era uma atmosfera de alívio

por se estar falando, com liberdade, sobre um tema que possivelmente os

estava sufocando.

Sabemos que o nosso estudo não esgota o discurso sobre Comportamento

Suicida, ao contrário, ele nos instiga a procurar cada vez mais novos conhecimentos e

novas abordagens para melhor alcançar as pessoas que, de forma direta ou indireta,

estão envolvidas com esse fenômeno que cresce a cada dia. Reconhecemos que há um

longo caminho a ser percorrido, no entanto, julgamos poder concluir ao final desta

dissertação que, cada pessoa, a partir de sua subjetividade, se relaciona de forma

diferenciada com o seu constructo de face do suicídio e que a polidez, a empatia, o

respeito e o acolhimento só se tornam possíveis quando aprendemos a nos comunicar

a partir desse pressuposto.

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ANEXOS

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ANEXO A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Caro(a) Senhor(a),

Estamos realizando uma pesquisa intitulada: “A (IM) POLIDEZ E O JOGO DE

FACES EM CONVERSAS DE SUJEITOS COM COMPORTAMENTO SUICIDA: O VIÉS

DA PRAGMÁTICA DA EMOTIVIDADE” a qual tem por objetivo identificar as faces que

emergem dos conceitos da palavra suicídio, evidenciando que há diversidade de

sentidos para os termos existentes no mundo.

Caso aceite, entrevistaremos o(a) senhor(a) por meio de um questionário para

conhecer sua compreensão sobre o suicídio bem como as palavras e expressões que

vêm à sua mente quando você pensa nesse termo.

No que se refere aos procedimentos de pesquisa, o (a) Sr.(a) participará de

um ou mais encontros de grupo, denominados Grupo Focal. Os encontros do grupo focal

serão gravados e as informações serão transcritas para papel. É um procedimento

importante para fins de estudo mais detalhado das informações coletadas. Solicitamos

sua autorização para gravar o grupo focal e evidenciamos que todas as informações

fornecidas serão utilizadas exclusivamente para a realização da pesquisa.

A pesquisa tem como benefícios diminuir preconceitos em relação ao assunto,

ajudando a desmistificá-lo!

Ressaltamos, ainda, que a sua participação na pesquisa envolve risco

mínimo, uma vez que não prevê nenhum procedimento invasivo. sobre os possíveis

desconfortos e riscos decorrentes do estudo: constrangimento em relação ao conteúdo

do questionário, bem como a possibilidade de se sentir desconfortável ao escrever sobre

este assunto. Caso ocorram quaisquer uma das situações descritas acima, a pesquisa

poderá ser prontamente interrompida, se for seu desejo.

Em caso de dúvidas, o/a participante da pesquisa poderá se reportar

diretamente ao COMITÊ DE ÉTCA EM PESQUISA COM SERES HUMANOS da

UNIVERSDADE ESTADUAL DO CEARÁ (CEP/UECE) localizado na Av. Silas Munguba,

Nº 1700. Bairro do Itaperi. No município de Fortaleza/Ce. Telefones para contato: (85)

3101-9890, Fax: (85) 3101-9906. E-mail: [email protected]. Horário de funcionamento:

Segunda-feira à sexta-feira das 8:00hs às 12:00hs e das 13:00hs às 17:00hs

A sua participação é voluntária. Tudo foi planejado para minimizar

desconfortos em sua participação na pesquisa, porém se depois de consentir sua

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colaboração o (a) Sr.(a) desistir de continuar participando, tem o direito e a liberdade de

retirar sua autorização em qualquer fase da pesquisa, independente do motivo e sem

nenhum prejuízo a sua pessoa. Ressaltamos, ainda, que será garantido o anonimato e

sigilo quanto ao seu nome (sugerimos que se identifique com um nome hipotético, se

assim desejar). A participação na pesquisa não acarretará nenhum custo financeiro ao

(a) Sr.(a). Também não haverá nenhum tipo de compensação financeira relacionada a

sua participação. Os resultados da pesquisa estarão à sua disposição quando finalizada.

Este termo de consentimento encontra-se impresso em duas vias, sendo que

uma cópia será arquivada pelo pesquisador responsável e a outra será fornecida ao (à)

Sr.(a).

A qualquer tempo, caso precise, o (a) Sr.(a) poderá obter informações sobre

o andamento da pesquisa entrando em contato com a pesquisadora responsável bem

como os demais pesquisadores associados: Letícia Adriana Pires Ferreira dos Santos –

Endereço: Rua Elizeu Uchôa Beco, 600, - Água Fria, Fortaleza-Ceará. Outras

informações podem ser obtidas através do telefone (85) 99682-7959.

Pesquisador associado: Aldenor Duarte Feitosa Júnior – (85) 99732-0426

Consentimento Pós-esclarecido

Declaro que, após convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter

entendido o que foi explicado, concordo em participar da pesquisa.

Cidade:____________________________________ Data: _____/____/_____

_______________________________________________________________

Assinatura do (a) participante

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ANEXO B – Relação dos livros utilizados durante os encontros

A IMPORTÂNCIA DO ATO DE LER Autor: Paulo Freire Editora: Cortês Ano de publicação: 1989. BISA, BIA, BISA, BEL Autora: Ana Maria Machado Editora: Salamandra Ano de publicação: 1981. CRISE SUICIDA. AVALIAÇÃO E MANEJO Autor: BOTEGA, J. N. Editora: Artmed Ano de publicação: 2006. DIVERTIDA HISTÓRIA DE FREDERICO Autora: Camila Barbosa. Edições Demócrito Ano de publicação: 2018. DONA RATINHA E SEU CASÓRIO ATRAPALHADO Autor: Arievaldo Viana. Edições Demócrito. Ano de publicação: 2014. HISTÓRIA DE LENÇOS E VENTOS Autor: Ilo Krugli Editora: Record Ano de publicação: 2002. MEU IRMÃO É UM REPOLHO Autora: Tatiana Sátiro Editora: Demócrito Ano de publicação: 2017 O ANÃO DE XAXIM Autores: Mario Bag e Juliana Gonçalves Editora: Paulinas Ano de publicação: O LIVRO DOS COELHOS SUICIDAS Autor: Andy Riley Editora: Todavia. Ano de publicação: 2017. OS OLHOS DA JANELA. Autora: Marília Lovatel

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Edições Demócrito Ano de publicação: 2018. PREVENÇÃO AO SUICÍDIO, TEMAS RELEVANTES Autores: Fábio Gomes Matos, Maria Ivoneide Veríssimo de Oliveira, Erick Fraga Rebouças, Luísa Weber Bisol (Organizadores) Editora: Prêmios Gráfica e Editora. Ano de Publicação: 2018. FIQUE CALMO Autor: Jenny Kempe Editora: Clio Ano de publicação: 2011. SUICÍDIO: INFORMANDO PARA PREVENIR. Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Conselho Federal de Medicina (CFM). Brasília Ano de Publicação: 2014. SUICÍDIO E ALMA Autores: James Hillman Editora Vozes Ano de publicação: 2009. TERRA DOS MENINOS PELADOS Autor: Graciliano Ramos Editora: Globo Ano de publicação: 2014. TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL PARA PACIENTES SUICIDAS Autores: Wenzel, A., Brown, G. K., & Beck, A. T. Editora: Artmed Ano de publicação: 2010. UM PASSEIO DIFERENTE Autores: Fernando Martins, Flávia Viana, Márcia Melo e Rodrigo Carvalho. Edições Demócrito Ano de publicação: 2018.

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ANEXO C - Questionário

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Governo do Estado do Ceará

Secretaria da Ciência Tecnologia e Educação Superior

Universidade Estadual do Ceará

Centro de Humanidades

Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada

Questionamento referente à Pesquisa: A (IM) POLIDEZ E O JOGO DE FACES EM CONVERSAS DE SUJEITOS COM COMPORTAMENTO SUICIDA: O VIÉS DA PRAGMÁTICA DA EMOTIVIDADE como parte do material de pesquisa do Mestrado em Linguística Aplicada. Versão 2. CAAE: 15041019.8.0000.5534 Instituição proponente: Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada. Patrocinador principal: Financiamento próprio. DADOS DO PARECER: Número do parecer: 5.565.279; data da relatoria: 10.09.2019; Conclusões: O protocolo de pesquisa atende aos ditames da Resolução CNS 466 de 2012, as pendências foram resolvidas. Situação do Parecer: aprovado. Pesquisador: Nome do informante: Idade: Gênero: Profissão: Nível de escolaridade:

QUESTIONÁRIO 1.Escreva sobre Suicídio. 2.Há uma grande diversidade de termos para identificar o suicídio. Qual o nome que melhor representa ou faz lembrar essa categoria? Em sua opinião, e em ordem de importância, tente organizar uma lista de dez exemplares mais típicos para caracterizar o léxico “suicídio”. Dizendo de outra forma: cite palavras ou expressões que vêm a sua mente quando você pensa em suicídio 01-__________________________________________________________________________ 02-__________________________________________________________________________ 03-__________________________________________________________________________ 04-__________________________________________________________________________ 05-__________________________________________________________________________ 06-__________________________________________________________________________ 07___________________________________________________________________________ 08-__________________________________________________________________________ 09-__________________________________________________________________________ 10-__________________________________________________________________________ 3.Justifique a escolha dos exemplares mais e menos típicos para a categoria “suicídio”. Em outros termos, justifique a escolha dos exemplares citados na primeira e na última posição.