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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
CENTRO DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA APLICADA
MESTRADO ACADÊMICO EM LINGUÍSTICA APLICADA
ALDENOR DUARTE FEITOSA JÚNIOR
A (IM)POLIDEZ E O JOGO DE FACES EM CONVERSAS DE SUJEITOS COM
COMPORTAMENTO SUICIDA: O VIÉS DA PRAGMÁTICA DA EMOTIVIDADE
FORTALEZA – CEARÁ
2019
ALDENOR DUARTE FEITOSA JÚNIOR
A (IM) POLIDEZ E O JOGO DE FACES EM CONVERSAS DE SUJEITOS COM
COMPORTAMENTO SUICIDA: O VIÉS DA PRAGMÁTICA DA EMOTIVIDADE
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Linguística Aplicada do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Linguística Aplicada. Área de Concentração: Linguagem e Interação. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Letícia Adriana Pires Ferreira dos Santos Co-orientadora: Prof.ª Dr.ª Kaline Girão Jamison
FORTALEZA – CEARÁ
2019
A todas as pessoas que se comprometem
e se dedicam a ser suporte para aqueles
que se encontram em situação de
comportamento suicida.
AGRADECIMENTOS
A Deus, primeiramente, que constantemente me dá forças e inspiração para acolher
seus ensinamentos e ser um canal aberto para difusão do seu amor e da sua
sabedoria.
À minha mãe, irmãs e sobrinhos por me apoiarem, incentivarem-me, cuidarem de mim,
amarem-me incondicionalmente, acreditarem em meus sonhos, incluindo a realização
de meu curso de Mestrado.
À minha orientadora, professora Dra. Letícia Adriana Pires Ferreira dos Santos, e
coorientadora, professora Dra. Kaline Girão Jamison, por acreditarem em mim e nesta
pesquisa, pela atenção prestada, pelos conhecimentos partilhados, pelos
ensinamentos acerca da (Im) Polidez e da Emotividade e pelo exemplo de vida e de
atuação docente.
A Henrique que foi suporte e apoio nos momentos em que mais precisei de colo, de
afago, de afeto e de carinho.
Às professoras Dr.ª Claudiana Nogueira de Alencar e Dr.ª Suelene Silva Oliveira, pela
acolhida e pela disponibilidade em participar da minha Banca Examinadora de
Dissertação.
Á professora Djanira que tão prontamente se disponibilizou a auxiliar em qualquer
necessidade acadêmica ou logística no desenvolvimento material e teórico
relacionado ao nosso estudo. Assim como, através dela a total colaboração que recebi
da Clínica Escola do Centro Universitário Estácio do Ceará, espaço privilegiado no
qual se desenvolveram os encontros para a realização dessa pesquisa.
Às discussões realizadas pelo Laboratório Interdisciplinar de Linguagens,
Comunicações e Subjetividades – LinCos.
À tia Rita e Emanuela, e através delas a todos os que compõem o Colégio Pinheirinho
por terem sido tão parceiros durante esse tempo de pesquisa, me apoiando,
incentivando e acompanhando-me com as suas orações.
Aos meus amigos que sonharam comigo, tiveram paciência e sofreram a minha
ausência dos momentos de confraternização e diversão social.
Meus agradecimentos não estariam completos sem a menção ao Programa de Pós-
Graduação em Linguística Aplicada, da Universidade Estadual do Ceará, seu corpo
docente, discente e administrativo, pelo acolhimento e suporte e que representam
fonte de inspiração e profissionalismo.
Aos que estiveram presentes nos momentos de construção e desenvolvimento da
pesquisa, auxiliando de forma prática e funcional.
De forma muito especial, gostaria de agradecer aos meus pacientes que se encontram
em situação de comportamento suicida, que passaram pelo meu consultório de
psicologia e que, por meio de suas lutas e sofrimentos, despertaram em mim o desejo
de pesquisar e tentar compreender um pouco mais os percursos desse fenômeno,
sensibilizando-me, assim, a me tornar um profissional e um ser humano mais empático
na luta e prevenção ao suicídio.
Aos profissionais da saúde, que durante a minha peregrinação em busca de
informação e material, disponibilizaram o seu tempo e atenção em me esclarecer
muitos dos procedimentos que até então me eram ou desconhecidos ou de difícil
acesso e que se encontram disseminados ao longo de todo esse estudo.
Finalmente, gostaria de agradecer a todos aqueles que generosamente participaram
dessa pesquisa, partilhando um pouco das suas vidas e da sua relação/experiência
com o comportamento suicida, sem os quais não seria possível a realização desse
trabalho.
“Cada sociedade tem suas representações
sobre o suicídio”.
(DURKHEIM, 1992)
RESUMO
Esta pesquisa está voltada para uma análise da (im)polidez e do jogo de faces em
conversas de sujeitos que se encontram em situação de comportamento suicida, pelo
viés da Pragmática da Emotividade e das possíveis faces do suicídio. Um dos nossos
propósitos foi analisar como cada sujeito participante desse estudo se percebe e se
relaciona com o ato de pensar ou tentar contra a própria vida. Assim, nossos
referenciais teóricos na Linguística são os estudos teóricos de Brown e Levinson
(1987), importantes disseminadores da polidez linguística, e de Erving Goffman (2011)
que estudou o ritual de interação e o comportamento face a face de pessoas. Na área
médica, nos fundamentamos nos estudos de Botega (2006) que aborda a temática do
suicídio com maestria. Além desses, também bebemos na fonte dos trabalhos de Caffi
e Janney (1994) com a abordagem Pragmática da Comunicação Emotiva que
apresenta um estudo relacionando a emoção à linguagem. Desse modo, nossa
pesquisa situa-se na interface entre a Linguística Aplicada e a Psicologia, tendo como
foco as faces dos sujeitos participantes dos grupos focais, bem como a própria face
do suicídio, delineada em termos de atributos narrados pelas pessoas em situação de
comportamento suicida. Nossa pesquisa foi de campo, com os dados colhidos durante
os momentos de interação, de conversa no grupo focal e principalmente das
conversas individuais. Além disso, aplicamos um questionário com três questões
abertas. Esse instrumento se nos apresentou como forma relevante para
encontrarmos o protótipo de suicídio que foi fuga. Após essa constatação, demos
início aos encontros dos grupos focais, observando-se o sentido, as faces, e as
emoções que emergiam nesses diálogos. Após análise e discussão dos resultados,
chegamos às seguintes considerações: após um tempo de encontro, as pessoas
passaram a se sentir mais à vontade e a expor mais as suas faces, conversavam com
mais facilidade sobre o suicídio e sobre suas emoções. Por meio de seus turnos
conversacionais constatamos que quando falavam de suicídio, elas não evidenciavam
o ato com “morte”. Pelo contrário, traziam outras faces do suicídio. Faces, à princípio,
enigmáticas, algo que elas primavam preservar ou silenciar. Assim, cada pessoa, de
uma forma ou de outra, demonstrava buscar proteger a sua face e a face do suicídio.
Palavras-chave: Suicídio. Linguística Aplicada. Psicologia. (Im) polidez. Face.
Pragmática da Comunicação Emotiva.
ABSTRACT
This research is aimed at an analysis of the (im) politeness and the play of faces in
conversations of subjects who are in a situation of suicidal behavior, through the bias
of the Pragmatics of Emotivity and the possible faces of suicide. One of our purposes
was to analyze how each subject participating in this study perceives and relates to
the act of thinking or trying against one's own life. Thus, our theoretical references in
Linguistics are the theoretical studies by Brown and Levinson (1987), important
disseminators of linguistic politeness, and by Erving Goffman (2011) who studied the
interaction ritual and the face-to-face behavior of people. In the medical field, we are
based on the studies of Botega (2006) that approaches the theme of suicide with
mastery. In addition to these, we also drank at the source of the works of Caffi and
Janney (1994) with the Pragmatic approach to Emotional Communication that presents
a study relating emotion to language. Thus, our research is located at the interface
between Applied Linguistics and Psychology, focusing on the faces of subjects
participating in focus groups, as well as the face of suicide, outlined in terms of
attributes narrated by people in situations of behavior suicidal. Our research was of
field, with the data collected during the moments of interaction, of conversation in the
focus group and mainly of the individual conversations. In addition, we applied a
questionnaire with three open questions. This instrument was presented to us as a
relevant way to find the prototype of suicide that was escape. After this observation,
we started the focus group meetings, observing the meaning, the faces, and the
emotions that emerged in these dialogues. After analyzing and discussing the results,
we arrived at the following considerations: after a time of meeting, people began to feel
more comfortable and to expose their faces more, they talked more easily about
suicide and about their emotions. Through their conversational shifts, we found that
when they spoke of suicide, they did not evidence the act with "death". On the contrary,
they brought other aspects of suicide. Faces, at first, enigmatic, something that they
sought to preserve or silence. Thus, each person, in one way or another, demonstrated
to seek to protect his face and the face of suicide.
Keywords: Suicide. Applied Linguistics. Psychology. (Im) politeness. Face.
Pragmatics of Emotional Communication.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Comportamento suicida ao longo da vida........................................20
Quadro 2 - Dados mundiais sobre o suicídio......................................................21
Quadro 3 - Dados mundiais sobre suicídio/idade...............................................22
Quadro 4 - Classificação de países de acordo com o nº absoluto de suicídios
(estimativa para 2000) e por taxa de suicídio (ano mais recente
disponível) ..........................................................................................23
Quadro 5 - Características das tentativas de suicídio versus suicídio
completo..............................................................................................24
Quadro 6 - Os principais diagnósticos dos transtornos mentais que podem
ser considerados como fator de risco para a pessoa em situação
de comportamento suicida.................................................................25
Quadro 7 - Relação entre suicídio e doenças mentais........................................28
Quadro 8 - Estratégias on-record, off-record e bald-on-record..........................34
Quadro 9 - Estratégias de Polidez.........................................................................35
Quadro 10 - Códigos usados nas análises.............................................................55
Quadro 11 - Marcadores discursivos identificados nas interações.....................56
Quadro 12 - Marcadores de dificuldade de formulação verbal e envolvimento..57
Quadro 13 - Símbolos para Transcrição de Conversações..................................66
Quadro 14 - Significado do suicídio....................................................................... 92
Quadro 15 - Léxico suicídio.................................................................................... 92
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AVA-/AVA+ Dispositivo emotivo de menor ou maior avaliatividade.
Compl Complementação do discurso do interlocutor
EVI-/EVI+ Dispositivo emotivo de menor ou maior evidencialidade
ESP-/ESP+ Dispositivo emotivo de menor ou maior especificidade
DF: An Marcador de dificuldade de formulação: Anacoluto
DF: PLV Marcador de dificuldade de formulação: planejamento verbal
DF: PVo Marcador de dificuldade de formulação: prolongamento de vogal
DF: Rep Marcador de dificuldade de formulação: repetição
Paraf Paráfrase
MD Apro Aprovação
MD Ass Assentimento
MD EL Elicitadores de apoio
MD Inc Incerteza
MD Mon Monitoramento de fala
PROX-/PROX+ Dispositivo emotivo de menor ou maior proximidade
QUA-/QUA+ Dispositivo emotivo de menor ou maior quantificação
VOL-/VOL+ Dispositivo emotivo de menor ou maior volitividade
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ... .............................................................................................13
2 SUICÍDIO: CONCEPÇÕES TEÓRICAS, TRAVESSIAS E ESTIGMAS ......... 19
2.1 SUICÍDO – CONCEITO E TRAJETÓRIA ........................................................ 19
2.2 PREVENÇÃO - FATORES DE RISCO E DE PROTEÇÃO..............................26
3 SUICÍDIO E FACES ....................................................................................... 31
3.1 A FACE DE GOFFMAN ...................................................................................31
3.2 A TEORIA DA (IM) POLIDEZ............................................................................31
4 PRAGMÁTICA DA COMUNICAÇÃO EMOTIVA.............................................39
5 PERCURSO METODOLÓGICO .................................................................... 45
5.1 NATUREZA DA PESQUISA ........................................................................... 45
5.2 PERCURSOS E PROCEDIMENTOS ............................................................ 46
5.3 MÉTODO E COLETA DE DADOS....................................................................51
5.4 CONTEXTO DE ATUAÇÃO ........................................................................... 53
5.5 MARCADORES DISCURSIVOS: ESTRUTURAS DA COESÃO E
COERÊNCIA NAS CONVERSAS SOBRE COMPORTAMENTO SUICIDA....55
5.6 ETAPAS DE INVESTIGAÇÃO ....................................................................... 57
5.7 INSTRUMENTOS DE INVESTIGAÇÃO..........................................................61
6 TRANSCRIÇÕES.............................................................................................66
6.1 NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO DAS CONVERSAS .................................. 66
6.2 CONVENÇÕES NORMATIVAS DAS TRANSCRIÇÕES DAS CONVERSAS..66
7 ANÁLISE DAS CONVERSAS E DISCUSSÕES DOS RESULTADOS...........68
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................94
REFERÊNCIAS ............................................................................................. 99
ANEXOS........................................................................................................104
ANEXO A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .......105
ANEXO B - RELAÇÃO DOS LIVROS UTILZADOS DURANTE OS
ENCONTROS................................................................................................107
ANEXO C - QUESTIONÁRIO.........................................................................109
13
1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa surge a partir do diálogo entre a Linguística Aplicada e a
Psicologia, tendo como objeto de estudo o suicídio e a conversa de pessoas em situação
de comportamento suicida. O interesse em realizar um estudo interdisciplinar que
envolvesse a linguagem humana me acompanha desde que eu era aluno do curso de
Psicologia e participei da disciplina de Semiótica e de Análise Textual, quando já
apontavam os primeiros sinais de compreensão de que o significado das palavras estava
muito mais no sentido contextualizado que era dado a elas do que na forma com que
tradicionalmente as encontrávamos em um dicionário.
Atualmente, formado em Psicologia e em Linguística Aplicada, essa vontade
dos tempos iniciais, de quando graduando, vem se tornando realidade. Durante esse
percurso, tenho tido a oportunidade de ratificar a minha impressão inicial dos tempos de
acadêmico e, ao mesmo tempo, confirmar também a necessária ligação entre os estudos
e fundamentos da Psicologia com os da Linguística Aplicada. Esse diálogo entre a
Linguística e a Psicologia se nos apresenta extremamente relevante no processo de
produção, circulação e consumo dos enunciados linguísticos.
Constantemente me perguntam qual a conexão entre os dois saberes
Psicologia e Linguística? Acredito que essa pergunta se justifica apenas quando as
pessoas que a fazem não conhecem os muitos dos pontos de conexão na
interdisciplinaridade presente em ambos, visto que, como tal, o nosso trabalho se
debruça na perspectiva de uma pragmática integrada, cuja ênfase é na abordagem tanto
de aspectos linguísticos como psicológicos.
O psicólogo é definido como profissional da escuta, uma escuta qualificada,
que precisa estar atento aos dizeres do seu paciente na busca de apreender o sentido
com que as palavras estão carregadas; o que não é uma tarefa fácil, visto que a
linguagem ultrapassa o significado semântico das palavras. A linguagem é uma forma
de agir no mundo em que não há unicamente um processo de comunicação. Pelo
contrário, a comunicação é permeada de valores diversos e de múltiplas formas de
manipular, persuadir, convencer etc. Assim, ela vai variando de acordo com o significado
que as pessoas dão aos eventos sociais, culturais, ideológicos, religiosos, entre outros,
bem como consoante a leitura que se faz dos acontecimentos, a forma com que lida com
as emoções, tudo isso, ligado à sua estória de vida.
14
Esse pensamento reflexivo, de modo semelhante, perpassa a minha formação
como linguista aplicado que se preocupa com as palavras dentro do contexto e do
sentido que vai sendo dado a elas na vida cotidiana das pessoas. É possível se fazer
muitas conexões e encontrar diversas complexidades entre a escuta e os dizeres de uma
pessoa em qualquer situação sócio comunicativa. No entanto, seleciono, para este
estudo, as conversas de pessoas em situação de comportamento suicida e os elementos
linguísticos da emoção e da empatia no processo de interação em grupos focais por
acreditar que somente o sujeito com esse comportamento é capaz de falar sobre o
sentido do suicídio. Desse modo, facilitar a interação entre o psicólogo e os seus
pacientes, assim como entre eles mesmos, quando falam sobre o suicídio, ora expondo,
ora protegendo suas faces por meio de diferentes estratégias de (im)polidez linguística,
será possível se entender a complexidade desse ato que ceifa a vida de tantas pessoas.
Escrever sobre um tema tão denso é um desafio, como psicólogo e como
pesquisador, visto que tenho recebido uma grande quantidade de pacientes em situação
de comportamento suicida, e essa demanda tem aumentado a cada dia. Esses dados
são ratificados pela Organização Mundial da Saúde (OMS, 2014) em 2012, quando
afirma que cerca de 804 mil pessoas morreram por suicídio em todo o mundo e que a
cada 40 segundos, uma pessoa comete suicídio, sendo que a cada três segundos uma
pessoa atenta contra a própria vida.
O Brasil é o nono país em número absoluto de suicídios. Ainda segundo a
OMS (2014), na mesma data de 2012 foram registradas 11.821 mortes, cerca de 30 por
dia. E essas taxas vêm aumentando globalmente. O Ceará é o primeiro estado do Norte
e do Nordeste em número de suicídios. Entre os estados brasileiros, ele ocupa o 5º lugar
com 603 casos registrados em 2015. Já Fortaleza ocupa a 3ª maior taxa, entre as capitais
brasileiras. No período de 2012 a 2016, ocorreram 1.299 casos de suicídio (SOUZA,
2016)
De acordo com Vidal et al. (2013) para cada tentativa notificada existem outras
quatro que não foram, esses dados costumam ser subestimados, pois muitos dos óbitos
ou não foram registrados em cartório (sub-registro), ou ocorreram em hospitais, e podem
não ter sido notificados (subnotificação), algumas vezes por serem consideradas de
pequena gravidade, ou por negligência (IBGE, 2013). Um outro forte motivo da
subnotificação é o fato do estigma que circunda o suicídio, levando os familiares a manter
segredo sobre a razão do óbito na intenção de proteção a imagem social, fazendo com
que oficialmente o suicídio receba outras denominações ou podendo ser declarada como
15
morte com causa desconhecida. Sendo assim, alguns dos registros levam como causa
mortis apenas lesão ou outro tipo de trauma (MINAYO, 2012). Compete ao Sistema de
Informação de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde apresentar esses dados sobre
suicídio no Brasil através de atestados de óbitos que conforme observamos apresenta
um número aproximado de acordo com as falhas de contagem apresentadas acima.
Esse número tem crescido tanto que, dificilmente, não ouvimos relatos de pessoas
próximas em situação de comportamento suicida.
De acordo com Durkheim (2008), cada sociedade tem a sua representação
sobre suicídio de tal forma que ele se apresenta por meio de muitas faces e algumas
vezes não é claro quais estratégias de prevenção podem ajudar a reduzir esses altos
índices.
Acreditamos poder existir diferentes faces para o mesmo fenômeno
SUICÍDIO, para uns ELE pode representar “fuga”, para outros “morte” e ainda, para
alguns “libertação” ou outra face que só a pessoa é capaz de definir. É essa a inquietação
da nossa pesquisa.
A nossa pesquisa toma proporções mais amplas devido ao fato de não se
tratar apenas de estatística, mas de vidas. Rajagopalan (1990), em suas conferências,
já evidencia a importância de estudar a linguística para aplicá-la a corrente da vida.
Falar sobre as faces do suicídio, pelo viés da (im)polidez linguística, da teoria
da emotividade e da conversa de pessoas em situação de comportamento suicida, é
reconhecer o papel significativo que essas conversas exercem nas interações sociais e
na compreensão do ato de tirar a própria vida.
Dependendo sempre do contexto sociocognitivopragmático, o jogo de faces e
a (im)polidez linguística, podem ser recebidos pelos interlocutores de uma conversa de
várias maneiras; visto que os referentes situacionais, históricos, sociais, ideológicos, etc.
são diversos. Os turnos (cada vez que uma pessoa tem direito à palavra)
conversacionais nem sempre são simétricos e nem sempre se dirigem a uma pessoa
específica, em um dado momento e sob contingências específicas.
Afinal, qual o parâmetro para sabermos se estamos sendo polidos ou não em
uma relação com pessoas que tentaram o suicídio ou tiveram ou têm ideação suicida?
Qual a face que essas pessoas constroem do ato de tirar a própria vida? Representa
uma viagem prazerosa? Uma solução para seus problemas? Uma fuga almejada e
exitosa? Na realidade, justificamos o nosso estudo na possibilidade de ouvir essas
pessoas sem as lentes do preconceito ou de qualquer forma que pudesse enquadrá-las
16
em “insanos”, “anormais”, “descrentes em Deus”. Buscamos através dos dados aqui
apresentados contribuir para elucidar a face do suicídio na sociedade contemporânea. E
desde já argumentamos que há ainda lacunas no empoderamento dos dizeres de quem
está em situação de comportamento suicida.
A escolha da face e da (im)polidez como parte do tema da pesquisa justifica-
se pela percepção de que é preciso identificar como o suicídio se apresenta para as
pessoas com esse tipo de comportamento. Qual o sentido do suicídio para essas
pessoas? Esse questionamento se faz importante em virtude da diversidade humana e
da complexidade do tema. Santos (2018, no prelo) argumenta que todo ser humano é
narcísico, violento e cortês, independente da sua condição física e psíquica, emocional.
Para a autora, há sempre um sistema de poder, natural ou não, e uma espiritualidade
em ação, mantendo um circuito constante com esse ser humano.
Outro motivo na escolha do tema é o fato de podermos evidenciar que, sendo
o suicídio um tabu, um tema supostamente não cortês para se abordar com quem já
tentou ou teve/tem ideação suicida, se torna relevante, para uma suposta superação ou
uma abordagem terapêutica auxiliar, conversar em um grupo focal com o propósito de
compreender as emoções e as formas de ressignificar esses comportamentos por
diferentes pessoas/pacientes.
Para se manter em equilíbrio esse sistema, é preciso se ter um respeito
contínuo pela ecobiodiversidade, pelas diferenças humanas e de todas as espécies que
compõem a terra. Com esse posicionamento, sabemos que o comportamento suicida
dança na corrente da vida de forma diferenciada e a importância do conhecimento com
relação às estratégias de (im)polidez linguística selecionadas por eles ao falarem sobre
o suicídio, a fim de compreendermos melhor a face do suicídio que se evidencia na
dinâmica que rodeia cada pessoa em situação de comportamento suicida.
No que se refere à relevância científica, essa pesquisa busca preencher
lacunas nas produções técnicas e acadêmicas em diferentes domínios da linguagem,
como se produz, circula e se recebe os enunciados polidos e não polidos de pessoas em
situação de comportamento suicida, no que diz respeito ao complexo entendimento do
suicídio e a melhor forma de abordar não apenas o tema, mas, como interagir
diretamente com as pessoas com esse comportamento, assim como contribuir para as
pesquisas e publicações do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada
(PosLA).
17
Baseado, no que foi exposto, esperamos, que esta pesquisa possa ajudar a
identificar qual o significado pragmático do suicídio, bem como os dispositivos emotivos
e as estratégias de polidez linguística são trabalhados na conversa com pessoas em
situação de comportamento suicida, para uma apropriada manutenção e preservação
das faces dessas pessoas, ultrapassando os limites do preconceito e do estereótipo de
senso comum quanto à face representativa do suicídio, buscando compreender, a partir
delas mesmas, do seu lugar de fala, qual o significado do suicídio emerge em suas
conversas; e estando munido desse material, colaborar para uma melhor avaliação e
consequente manejo em uma prevenção eficaz do suicídio.
Esse fio condutor de atitudes nos levou aos textos de Bakhtin (2009, p.115) o
qual declara que o diálogo é o resultado da interação de dois indivíduos socialmente
organizados, no qual, cada um expressa suas deduções interiores: “Na realidade, toda
palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de
alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto
da interação do locutor e do ouvinte”.
Instigados por esse pensamento, realizamos um estudo com base teórica
cognitivo, pragmática da comunicação emotiva, com porto de passagem pela Análise da
Conversação com uma abordagem Etnometodológica. Portanto, este estudo utilizou
alguns elementos da Cognição e da Pragmática da Comunicação Emotiva como base
para entender como se desenvolve o fenômeno interacional, analisando como e por que
ocorre a (im)polidez nos diálogos com pessoas em situação de comportamento suicida,
analisando qual sentido emerge do suicídio e a partir de então, como se dá o jogo de
faces ao falar dessa temática.
Quando um sujeito quebra uma regra, ou apresenta um padrão
comportamental não esperado ou não adequado às convenções da sociedade, como por
exemplo: o comportamento suicida, ele receia expor publicamente essa face, visto que
essa mesma exposição pontual pode vir a destruir uma autoimagem positiva já
construída anteriormente e na qual ele tenta manter preservada. Além do sofrimento
pessoal de quem apresenta o comportamento suicida ele ainda sofre o preconceito e o
estigma social. Nessa perspectiva nosso estudo procurou entender o sentido dado ao
suicídio na fala de pessoas em situação de comportamento suicida para ajudar a diminuir
mitos, estigmas e preconceitos sobre esse tema, buscando ultrapassar as barreiras do
eu-pessoal para dar espaço para o eu-social, partindo dessa visão macro do fenômeno
18
e transformando-a em uma visão micro; na busca de auxiliar a compreender que o que
atinge a um (visão reducionista) atinge a todos (visão holística).
No que tange a essa exposição, estudos realizados por Goffman (1980)
identificam esse receio da exposição da face dentro de uma dinâmica de ameaça à sua
manutenção. Nesse jogo de interação, o locutor tenta prevenir atos ameaçadores de sua
face e da face do interlocutor por meio da utilização de estratégias de polidez, que atuam
como amenizadores de tais atos.
Estruturalmente a nossa pesquisa se divide em oito capítulos. No primeiro,
apresentamos as nossas questões de pesquisa, assim como, os objetivos do estudo e a
motivação para sua realização. Além disso, abordamos a relevância pessoal, social e
científica, evidenciando o “estado da arte” em que se encontram os conhecimentos
científicos sobre o tema que se trabalha nessa dissertação.
No segundo capítulo que intitulamos de suicídio: concepções teóricas,
travessias e estigmas, desenvolvemos o conceito e a trajetória do suicídio ao longo da
história.
No próximo, relacionamos o conceito de suicídio com face, para isso,
apresentamos tanto o conceito de Face em Goffman, quanto a Teoria da (Im) polidez.
A seguir, abordamos a Pragmática da Comunicação Emotiva que nos serviu
como suporte para análise das conversas através de seus dispositivos emotivos.
No quinto capítulo, há a descrição da metodologia, enfocando principalmente
a natureza da pesquisa, os percursos e procedimentos, o método e coleta de dados, os
tipos de procedimentos e os marcadores discursivos: estruturas da coesão e coerência
nas conversas sobre comportamento suicida, assim como, os participantes da pesquisa.
Após, termos delineado nosso percurso metodológico, fizemos o capítulo
sobre as transcrições incluindo as normas para transcrição de conversas e as
convenções normativas das transcrições das conversas.
Iniciamos, posteriormente, a análise das conversas e discussões dos
resultados analisando as conversas a partir das transcrições realizadas durante os
encontros do grupo focal e dos momentos de interações espontâneas.
Por último, fizemos as considerações finais da nossa pesquisa que nos
revelam que o comportamento suicida é um assunto repleto de elementos ainda pouco
conhecido e envolto em uma atmosfera de silêncio e preconceito.
19
2 SUICÍDIO: CONCEPÇÕES TEÓRICAS, TRAVESSIAS E ESTÍGMAS
O termo suicídio, como é compreendido hoje, foi publicado pela primeira vez
em 1642, embora, já não seja raro encontrar registro sobre o ato de retirar a própria vida
desde a pré-história, em certas culturas primitivas, o suicídio era um evento constituinte
dos costumes tribais. Não é possível precisar quando ocorreu o primeiro suicídio, no
entanto ele sempre esteve presente na história. Um exemplo famoso desse fato é o do
filósofo Sócrates que em 399 a.C. tirou a sua própria vida tomando uma taça do veneno
cicuta. (DANTAS, 2005).
De acordo com o psiquiatra clínico Botega (2006) na antiguidade greco-
romana, o suicídio era considerado um exercício racional de um direito pessoal. Na idade
média ele passou a ser considerado um pecado mortal, fruto de instigação demoníaca,
já no século XVII o suicídio transformou-se me dilema humano
Etimologicamente esse termo deriva da palavra latina “sui caedere” que se
traduz em português por “matar-se”. Com o passar do tempo, o termo foi sendo mais
utilizado em substituição a antigas expressões para se contemplar o mesmo fenômeno.
Suas várias definições costumam girar em torno da ideia central relacionada ao ato de
tirar a própria vida (MOREIRA; BASTOS, 2015).
Embora seja uma palavra bastante falada atualmente, ela continua
apresentando uma variação de significados e simbologias, apresentando, portanto,
diferentes representações (faces) e abordagens.
2.1 SUICÍDIO – CONCEITO E TRAJETÓRIA
Não obstante tantos estudos, ainda não é clara a etiologia do suicídio. Desde
a década de 60 a Organização da Nações Unidas - ONU (UNITED NATIONS, 1996),
definiu o comportamento suicida como um fenômeno multifatorial, multideterminado e
transacional que se desenvolve por trajetórias complexas, porém identificáveis. É por
essa porta de acesso, a identificação da trajetória, que podemos nos utilizar de
estratégias de polidez para nos aproximar das causas e motivações presentes no
percurso que o paciente realiza desde a ideação até o momento da concretização do
ato, propriamente dito.
20
Quadro 1 - Comportamento suicida ao longo da vida
Fonte: Baseado em Botega e colaboradores (2006).
Botega (2006) utiliza o termo “comportamento suicida”1 quando se refere às
várias etapas que envolvem o suicídio, por nos parecer bastante apropriado, nesse
estudo, esse mesmo termo está sendo adotado com maior prevalência devido ao fato
que ele cobre uma série de fenômenos ligados ao suicídio, dos quais, os mais relevantes
são a ideação, o planejamento, a tentativa e o suicídio como ato propriamente dito.
Por ser uma temática estigmatizada, obscurecida por tabu, medo, vergonha e
atitudes condenatórias, a pessoa em situação de comportamento suicida prefere, quase
sempre, o silêncio a respeito do problema a procurar ajuda. Ela se percebe sozinha
diante dessa realidade. Mas, esse pensamento, algumas vezes também reflete o
pensamento mais amplo da sociedade, na qual compreende o suicídio unicamente como
um problema individual, o que dá a impressão de que somente a pessoa que está em
situação de comportamento suicida é afetado por esse procedimento e por suas
consequências, e não como um problema que acaba afetando a toda a sociedade.
(ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA, 2014)
1 Não há concordância em torno do termo considerado mais apropriado para definir a heterogeneidade de
comportamento relacionados ao fenômeno do suicídio, no entanto tem-se observado que além do autor citado, esse termo tem sido bastante utilizado por outros autores da modernidade que estudam o suicídio.
21
Em consonância com o pensamento acima Emile Durkheim (2008, p. 167)
considerado o pai da sociologia moderna, define o suicídio como “toda morte que resulta
direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo realizado pela própria vítima, ato
que a vítima sabia dever produzir este resultado”. De acordo com o sociólogo, esse
conceito revela um aspecto patológico da sociedade moderna, revelando, assim, a
relação de determinação entre a realidade individual e a coletiva.
Essa visão social do todo se sustenta através de suas partes individuais. De
acordo com Minayo et al (2012) o suicídio é um ato consciente de auto aniquilamento,
compreendido como um mal estar multifatorial sentido por uma pessoa fragilizada, que
define um tema-problema para o qual a morte é percebida como melhor solução, [...]
deve ser abordado como uma dimensão que integra um possível contínuo de
comportamentos que pode partir do pensamento ou ideação, planejamento, tentativa e
finalmente a realização do ato.
A importância de compreender essas etapas consiste no fato de que o
suicídio, propriamente dito é a ponta final da cadeia, do iceberg; mas, seu processo do
comportamento suicida tem início desde o momento em que a pessoa pensa pela
primeira vez sobre o assunto. O suicídio começa bem antes da morte.
Quadro 2 - Dados mundiais sobre o suicídio
Fonte: Baseado em World Health Organization (2018)
22
De acordo com a OMS (2018), o suicídio pode ocorrer em todas as idades.
Mundialmente, há uma grande variação de qual é a faixa etária mais atingida, em alguns
países as taxas de suicídio são mais altas em pessoas com mais de 70 anos, em outros
países, as taxas mais elevadas são entre os jovens. No entanto, independentemente do
lugar e da variação citada acima, o suicídio é a segunda causa mortis entre os jovens de
20 a 25 anos.
O suicídio é considerado um problema de ordem mundial, pelos números e a
abrangência que ele traz consigo, ele não está limitado nem ao tempo nem ao espaço,
podendo se fazer presente em todos os lugares aonde possa chegar o ser humano, a
Organização Mundial da Saúde – OMS (2014) define o suicídio como ato deliberado e
intencional de causar a morte a si mesmo. Atualmente morre aproximadamente 01
milhão de pessoas por ano (entre 10 a 20 milhões de tentativas) e em base na tendência
de crescimento atual, projeta-se que, até 2020, as mortes por suicídio alcançarão 1.53
milhões de pessoas no mundo, sendo que, para casos de tentativas este número será
entre 10 a 20 vezes maior (NAVARRO; MARTÍNEZ, 2012).
Quadro 3 - Dados mundiais sobre suicídio/idade
Fonte: Baseado em World Health Organization (2018)
23
De acordo com a observação de Botega (2006) a escolha dos métodos
utilizados nas tentativas de suicídio reflete uma combinação de fatores: o acesso a meio
letais, as preferências individuais e culturais, e a intenção subjacente ao comportamento
suicida. Interessante observar que as mulheres tentam mais o suicídio do que os
homens, mas elas apresentam mas dificuldade de consumar o ato em si, talvez porque
as mulheres se utilizem de meios menos letais, principalmente o auto envenenamento e
a ingestão de excessiva de medicamentos; enquanto que os homens conseguem com
mais facilidade tirar a sua própria vida, esse resultado se deve aos meios que cada sexo
se utiliza para a consumação do suicídio, geralmente os homens se utilizam de meios
mais fatais predominando entre os homens o enforcamento e as armas de fogo.
Apesar do suicídio ser um fenômeno predominantemente individual, ele é
capaz de causar não apenas um impacto às pessoas que estão mais próximas, mas,
assumir aspectos muito mais amplos, quando o fenômeno é apresentado com dados
numéricos podemos ter uma maior compreensão da magnitude do fenômeno, o que pode
inspirar novas formulações de hipóteses de compreensão e de prevenção de abordagem
relacionado ao tema.
Para se ter uma noção de como se realiza essa estatística das taxas mundiais
de suicídio, os estudiosos se utilizam do seguinte método: para facilitar a obtenção
desses dados os cálculos são expressos em números de casos por 100.000 habitantes,
sendo calculadas mediante a divisão do número absoluto de mortes por suicídio pelo
número total da população em cada país correspondente, nos respectivos anos, para
ambos os sexos, e de acordo com a faixa etária (OLIVEIRA, 2010). Apesar dessa
matemática é preciso ter um olhar crítico com relação aos números devido à dificuldade
de coleta de dados fidedignos e as subnotificações por se tratar de um assunto envolto
em mitos e tabus.
Quadro 4 - Classificação de países de acordo com o nº absoluto de suicídios (estimativa para 2000) e por taxa de suicídio (ano mais recente
disponível) (Continua)
País
Nº Absoluto de Suicídios
Ranking por nº Absoluto
Taxa por 100.000
Ranking p/Taxa de Suicídios
China 195.000 1º 16,1 24°
Índia 87.000 2º 9,7 45°
24
Quadro 4 - Classificação de países de acordo com o nº absoluto de suicídios (estimativa para 2000) e por taxa de suicídio (ano mais recente
disponível) (Conclusão)
Rússia 52.500 3º 41,5 3°
Estados
Unidos
31.000 4º 11,9 38°
Japão 20.000 5º 16,8 23°
Alemanha 12.500 6º 15,8 25°
França 11.600 7º 20,7 14º
Ucrania 11.000 8° 22,6 11°
Brasil 5.400 9° 3,5 71°
Sri Lanka 5.400 10° 31,0 7°
Fonte: Baseado em World Health Organization (2014).
No quadro abaixo, temos a oportunidade de verificar algumas das variedades
presentes entre as características das pessoas que tentaram suicídio e das pessoas que
levaram o suicídio a cabo.
Quadro 5 - Características das tentativas de suicídio versus suicídio completo
TENTATIVA COMPLETO
Sexo Mulheres Homens
Idade Menos de 35 anos Mais de 60 anos
Meio Baixa letalidade Alta letalidade
Diagnóstico Menos comuns–50% não têm diagnóstico psiquiátrico
Depressão, alcoolismo, esquizofrenia e transtorno de personalidade
Planejamento Impulsivo Cuidadoso
Ambiente Público de fácil observação Privado, isolado
Disp. de ajuda Alta Pequena
Método Medicamento, cortar-se Enforcamento e arma de fogo
Fonte: Baseado em World Health Organization (2014).
25
De acordo com o World Health Organization - WHO (2014), a maior parte dos
suicidas apresenta uma doença mental associada ao comportamento suicida, no
entanto, grande número dessas pessoas não procura um profissional da área de saúde,
ou por desconhecimento da doença ou por não achar que o suporte venha a ser um
apoio eficaz no momento da crise suicida.
Quadro 6 - Os principais diagnósticos dos transtornos mentais que podem
ser considerados como fator de risco para a pessoa em situação
de comportamento suicida
Transtornos do humor (depressão) 30,2%
Transtornos por uso de substância (álcool) 17,6%
Esquizofrenia 14,1%
Transtornos da personalidade 13%
Transtornos mentais orgânicos 6,3%
Transtornos de ansiedade/somatoformes 4,8%
Outros transtornos psicóticos 4,1%
Transtornos de adaptação 2,3%
Todos os demais diagnósticos 5,5%
Sem diagnóstico 2%
Fonte: Baseado em World Health Organization (2014).
Não existe uma explicação única porque as pessoas morrem por suicídio. No
entanto, muitos fatores potencializam essa prática: o fácil acesso a um meio que coopera
na concretização do ato, entre eles os agrotóxicos; material de limpeza de caráter
corrosivo e armas de fogo. Além de toda a pressão social, psicológica, econômica e
emocional no qual as pessoas são bombardeadas diariamente podendo levá-las a
grande desequilíbrio emocional, em uma sociedade capitalista em que muitas vezes
deposita no ter o sentido da sua existência. Desse modo, para iniciar um caminho eficaz
para a prevenção do suicídio, os países devem empregar uma abordagem multisetorial
abrangente (OMS, 2015).
Devido à multifatoriedade das causas do suicídio, a prevenção não é uma
tarefa fácil. No entanto o sucesso de estratégias de prevenção em diversos países nos
leva à constatação da possibilidade real da redução do número de suicídios. A OMS tem
26
desenvolvido inúmeros programas de prevenção com a intenção de criar subsídios
teóricos e práticos na prevenção do suicídio.
O mais recente programa foi publicado em 2014 com o título “Prevenindo o
suicídio: um imperativo global” com o objetivo de ajudar os governos (e colaboradores)
a realizar passos positivos na prevenção do suicídio, a partir de recursos e contextos de
cada País (WHO, 2014).
Seguindo a esteira dos demais países envolvidos nas campanhas, o Brasil,
através do Ministério da Saúde (MS), tem desenvolvido diversas campanhas com a
mesma finalidade de prevenção ao suicídio. A OMS vem estimulando a realização de
projetos com a finalidade de acolher pessoas que estão em situação de comportamento
suicida, além da criação de núcleos de atendimentos a essas mesmas pessoas (BRASIL,
2005).
2.2 PREVENÇÃO - FATORES DE RISCO E DE PROTEÇÃO
A importância de ter conhecimento dos fatores de risco e dos fatores de
proteção está na possibilidade de serem gatilhos2 ou recursos para auxiliar a determinar
clinicamente o nível e as estratégias mais apropriadas para reduzir ou potencializar a
capacidade de prevenção ao suicídio (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA -
ABP, 2014).
São inúmeras as situações de vulnerabilidade que podem influenciar um ao
outro podendo causar impacto no resultado, assim como na prática do suicídio;
elencaremos os dois principais fatores de risco:
-Tentativa prévia de suicídio
É o fator preditivo isolado mais importante. Pessoas que já tentaram suicídio
anteriormente têm de cinco a seis vezes mais chance de tentarem suicídio novamente.
E estima-se que 50% das pessoas que se suicidaram já haviam tentado previamente.
De acordo com Bertolote (2012) esse comportamento é um sinal de alerta para uma
possível futura tentativa. Esse padrão é confirmado por Kreitman et al (1970) que, apesar
2 A palavra “gatilho” está sendo utilizada nesse estudo como elemento capaz de disparar um evento, ou
sentimento, novo, tendo esse “gatilho” como ponto de partida, podendo dividir-se me positivo e/ou negativo.
27
de apresentar percentuais diferentes, afirmam que 10% dos indivíduos que já tentaram
o suicídio completam o ato posteriormente, ratificando, assim, a importância de estarmos
alerta diante de uma pessoa que está em situação de comportamento suicida.
Geralmente, o suicídio é um ato pensado e repensado várias vezes, ele não surge do
nada e nem é levado ao cumprimento sem um prévio planejamento.
Pessoas que já passaram por todo as etapas anteriores para chegar à sua
primeira tentativa, quando tentam uma próxima vez tendem a encurtar as etapas, se
utilizando da experiência anterior como referência e aprimorando o que ficou faltando e
que as impediu de alcançar êxito, o que faz com que as chances de sucesso cresçam
imensamente dessa vez.
- Doença mental
Quase todas as pessoas que se suicidaram tinham alguma doença mental,
muitas vezes não diagnosticada ou não tratada de forma adequada. As doenças mentais
mais comuns são: A depressão, o transtorno bipolar, transtornos mentais relacionados
ao uso de álcool e outras substâncias, transtorno de personalidade e esquizofrenia.
(BOTEGA, 2006).
Segundo a cartilha do governo: “Suicídio, informando para prevenir” (2014) a
depressão é uma doença muito prevalente, em função de sua prevalência ela é a doença
mental mais associada ao suicídio, ela representa em números absolutos, o diagnóstico
mais presente encontrado entre as pessoas que estão em situação de comportamento
suicida.
Em seguida, mas, não menos importante encontramos o transtorno afetivo
bipolar, estima-se que até 50% dos portadores do transtorno tentem o suicídio ao menos
uma vez em suas vidas e 15% efetivamente o cometam. O risco do suicídio acontece
principalmente quando a pessoa se encontra na fase depressiva ou em episódios mistos3
do transtorno.
Transtornos mentais relacionados ao uso de álcool e outras substâncias são
no conjunto, a segunda causa mais associada ao comportamento suicida,
acompanhando os dados apresentados pela cartilha do governo (2014) citada acima,
cerca de 5% a 10% das pessoas dependentes de álcool terminam suas vidas com o
suicídio.
3Quando há combinação de sintomas ao mesmo tempo depressivos e maníacos.
28
Os transtornos de personalidade apresentam um risco aumentado de suicídio
em até 12 vezes para homens e 20 vezes para as mulheres, estudos populacionais
apontam uma prevalência de cerca de 10% a 15% da população geral e segundo a
mesma cartilha do governo (2014) essa porcentagem aumenta mais de 50% na
população psiquiátrica. Entre os transtornos de personalidade mais frequentes
encontram-se, especialmente: o transtorno de personalidade antissocial e o boderline4
A esquizofrenia é uma doença crônica que afeta 1% da população e ocorre
em todas as sociedades e localidades espalhadas ao redor do planeta. Apesar de
aparentemente ela se encontrar em uma porcentagem relativamente reduzida ela é
responsável por aproximadamente 10% dos suicídios, ela também está associada com
o com o aumento de 10 vezes do risco de morte por suicídio, e segundo dados
apresentados pela cartilha do governo (2014) essas tentativas de suicídio são
frequentemente precipitadas pela depressão, estressores e sintomas psicossociais.
Quadro 7 - Relação entre suicídio e doenças mentais
Fonte: Bertolote et al. (2020)
4 Transtorno de personalidade também conhecida como limítrofe, originada da expressão inglesa boderline
que significa na fronteira, no limite ou incerto.
29
Embora haja uma forte relação entre suicídio e doença mental, nem todas as
pessoas que se suicidam possuem uma doença mental, assim como nem todas as
pessoas que possuem uma doença mental se suicidam. Dessa forma a ABP (2014)
elenca outros fatores que podem ser considerados de risco, embora menos importante
que os dois primeiros, mas que merecem igualmente a atenção.
- Desesperança, desespero, desamparo e impulsividade.
Sentimentos fortemente associados ao comportamento suicida.
- Idade.
O suicídio entre jovens aumentou em todo o mundo nas últimas décadas,
inclusive no Brasil, no entanto, a taxa entre os idosos é também bastante
elevada.
- Gênero.
Os óbitos por suicídio são cerca de três vezes maiores entre os homens do
que entre mulheres, no entanto, as mulheres tentam três vezes mais do que
os homens.
- Doenças clínicas não psiquiátricas.
Pacientes com Câncer, com doenças ainda sem cura ou doenças crônicas,
apresentam comorbidades com transtornos psiquiátricos em uma taxa de
52% a 88% tais como a depressão e abuso de substância, podendo levar a
um possível comportamento suicida.
- Eventos adversos na infância e na adolescência.
Muitos eventos significativos durante essas duas fases de desenvolvimento
humano podem levar a pessoa a recorrer ao suicídio como resolução de
seus problemas, entre eles citamos: maus tratos, abuso físico e sexual, pais
divorciados, transtorno psiquiátrico familiar, podem aumentar o risco de
suicídio.
- História familiar e genética.
O risco de suicídio aumenta entre aqueles que possuem um familiar ou um
parente próximo que já tenha apresentado algum comportamento suicida.
Estudos de genética epidemiológica mostram que há componentes
genéticos e componentes sociais envolvidos no comportamento suicida.
- Fatores socias.
O sociólogo Emile Durkein, já citado anteriormente, relaciona os laços
sociais em uma determinada sociedade com os índices de morte por
30
suicídio, esse conceito quando transposto para o nível pessoal significa dizer
que quanto menos laços sociais possui uma pessoa mais aumenta o risco
de suicídio.
Os fatores protetores são menos estudados e geralmente não são dados
muito consistentes, visto que dependem muito da subjetividade da pessoa e da leitura e
impressões que esses fatores deixaram na sua vida pessoal, (ABPN, 2014) são eles:
- Autoestima elevada.
- Bom suporte familiar.
- Laços sociais bem estabelecidos com a família e com amigos.
- Espiritualidade.
- Razão para viver.
- Ausência de doença mental.
- Capacidade de resolução de problemas e relação terapêutica positiva.
- Acesso de serviços e cuidados de saúde mental.
- Entre outros.
Nem sempre é possível modificar ou interferir nos fatores de risco da pessoa
em situação de comportamento suicida, mas, sempre é possível reforçar os fatores de
proteção e assim, ajudar a pessoa a perceber que não está caminhando sozinha. Ouvir
o outro minimiza o ter de ouvir a si mesmo e desperta compreensão de seu próprio valor,
utilidade e da reconstrução de uma autoimagem positiva. Por isso, a manutenção desses
relacionamentos também é vista como um fator de proteção importante contra esse tipo
de comportamento (FIGUEIREDO et al., 2015). É plausível estabelecer contatos de
conectividade com outros através da fala e da escuta, através de momentos de escuta
mútua e de movimentos de polidez, de conversa e de encontro.
31
3 SUICÍDIO E FACES
3.1 A FACE DE GOFFMAN
A conversação é uma prática comum e cotidiana, ela está presente no dia-a-
dia das pessoas. É um instrumento basilar de comunicação; a conversação envolve
muitas nuances que à primeira vista não parecem ser de muita importância como
material de estudo ou de análise, mas, essa percepção é apenas superficial. De acordo
com Guimarães (2010, p. 11), “ela põe em evidência a imagem social das pessoas, e
expõe algo que, muitas vezes, não se quer exibir. Ervin Goffman afirma, em seu livro
Ritual de interação, ensaio sobre o comportamento face a face (2011), que todas as
pessoas vivem em um mundo de encontros sociais que se realizam ou face a face ou
através de outro formato, o que significa dizer que, a interação social é um
comportamento que passa por ritual cotidiano rico de dinâmicas e intenções, nem
sempre claras, mas, que, se bem administradas podem evitar muito ruído de
comunicação e de linguagem. É através dessa linha de pensamento, da ideia de que
interagir é estar exposto e vulnerável ao julgamento do outro, que surge a noção de face.
Dessa forma, face se torna um símbolo de um comportamento de internalização de
autoproteção. Goffman (1980, p.78) define face como “um valor social positivo de uma
pessoa que efetivamente afirma sobre si mesma pela linha que os outros assumem que
ela adotou durante um contato particular. Face é a imagem do self delineada em termos
de atributos sociais aprovados”, ou seja, existe uma preocupação do que os outros
pensam dela, a pessoa reivindica para si, na interação, valores sociais positivos. Sendo
assim, podemos afirmar, então, que a face é uma imagem do eu formada a partir de
predicados tidos pela sociedade como positivos, estabelecida por meio de atos, tanto
verbais como não verbais, seguidos pela pessoa para expressar a avaliação que ela faz
dos participantes da interação, incluindo, e sobretudo, ela mesma (GOFFMAN, 1980).
3.2 A TEORIA DA (IM) POLIDEZ
Como já foi assinalado anteriormente, Brown e Levinson (1987) subdividem o
conceito de face em duas, a saber: face positiva e face negativa, definindo-as da seguinte
forma:
32
- Face positiva: É tudo aquilo que o interlocutor exibe para obter aprovação
ou reconhecimento, correspondendo ao desejo de ser aceito; esse conceito é
semelhante ao conceito de face já apresentado anteriormente.
- Face negativa: Essa face se espelha na noção de território, proposta pela
teoria de Goffman. É o território que o interlocutor deseja preservar ou ver preservado,
correspondendo àquilo que não queremos que o outro saiba.
Alinhando-se à noção de face, os autores citados desenvolveram o conceito
de polidez como sendo o recurso utilizado com o intuito de preservar a sua face e a do(s)
parceiro(s) na interação verbal ação reparadora (polidez positiva e polidez negativa).
Essa dinâmica de interação enquanto estratégia de polidez pode ser
percebida como um jogo de influência mútua. Na tentativa de preservar as faces
envolvidas na interação (as suas faces e as dos outros), para Brown e Levinson (1987),
os interactantes adotam estratégias para amenizar as ameaças.
Considerando a interação como um jogo, os interlocutores alternam entre o
desejo de se expor e serem aprovados socialmente (polidez positiva) e ao mesmo tempo
querem ter suas privacidades resguardadas (polidez negativa). Cada jogador deve fazer
uso de estratégias que vise auxiliar não somente atingir os objetivos comunicativos, mas
também de manter o equilíbrio da interação. (PAIVA; MOREIRA; SANTOS, 2016, p. 68)
Esse recurso também pode ser utilizado para amenizar os efeitos de um FTA
(face-threatening acts) ou ato ameaçador de face, causando um movimento de
preservação de faces.
Moreira (2016, p. 58), citando Brown e Levinson (1987), explica que os autores
desenvolveram uma fórmula que indica a escolha da estratégia mais adequada ao
contexto da interação social, explicita os fundamentos básicos sobre os fatores que
influenciariam a escolha das estratégias da polidez linguística e sobre face, imagem e os
atos de ameaça à face – FTAs - dependendo de fatores como a distância social entre
falante e ouvinte (D), o poder relativo entre eles (P) e o grau de imposição (R).
A distância social (D) pertinente à percepção da diferença social entre as
pessoas envolvidas na conversação.
O poder entre eles (P) relacionado ao nível de autoridade que o falante tem
sobre o ouvinte.
O grau de imposição (R) relativo à capacidade de sobrepor suas ideias ou
pensamentos sobre o outro.
33
Dessa forma, os autores, primeiramente, dividem os atos que ameaçam em
dois grupos distintos: de um lado, “a primeira distinção entre os atos que ameaçam as
faces positivas e negativas” (BROWN; LEVINSON, 1987, p. 65); de outro, “a segunda
distinção entre os atos que ameaçam as faces do locutor e do interlocutor” (BROWN;
LEVINSON, 1987, p. 67).
Assim, os FTAs são divididos em quatro categorias:5
1. Atos que ameaçam a face negativa do locutor: atos suscetíveis de lesar o
seu próprio território ou que lhe restringem a liberdade de ação. Exemplo: o verbo
prometer, que faz o enunciador contrair um compromisso.
2. Atos que ameaçam a face positiva do locutor: atos que representam auto
humilhação, inferioridade ou limitações. Exemplo: um pedido de desculpas.
3. Atos que ameaçam a face negativa do interlocutor: atos que lhe restringem
a liberdade de ação ou que violam seu território. Exemplo: ordens.
4. Atos que ameaçam a face positiva do interlocutor: atos que afetam a
autoimagem projetada pelo interlocutor. Exemplo: crítica.
Portanto, em uma interação, há pelo menos quatro faces envolvidas (as
positivas e as negativas do locutor e do interlocutor). Esse número, contudo, é bem maior
se considerarmos, por exemplo, quando em uma interação se está falando sobre alguém
ou se o locutor está falando para um público maior.
Brown e Levinson, com o livro Politeness: some universals in language usage
(1987), defendem que, a polidez aparece como uma tentativa de preservação recíproca
das faces dos interactantes, visto que a maioria dos atos de fala podem gerar ameaças
para uma dessas faces (PAIVA; MOREIRA; SANTOS, 2016).
Essas estratégias são utilizadas pelos falantes de forma racional de acordo
com às suas intenções comunicativas, visto que o falante pode optar entre realizar ou
não um FTA; ou seja, quando utiliza a estratégia on-record na conversação, o falante
revela que tem a intenção de se comprometer, de se responsabilizar ao desempenhar
um determinado ato ameaçador de face, ele se compromete de forma direta. Quando ele
se expressa através do uso da estratégia off-record, o falante busca evitar qualquer tipo
de afiliação ou responsabilidade com aquilo que está sendo enunciado, priorizando o
desejo de manter a face, dessa maneira ele compromete de forma indireta.
5 Anotação adaptadas pelo autor a partir de Peixoto; Santos (2013).
34
Assim, o sentido dentro da conversação, pode ser negociado, de forma que
cabe ao ouvinte a responsabilidade da interpretação; já a bald-on-Record evidencia o
modo particular como a mensagem é endereçada. Na maioria das vezes, dentro de uma
conversa podemos identificar diferentes estratégias com diferentes intenções (PAIVA;
MOREIRA; SANTOS, 2016). Essas estratégias on-record, off-record e bald-on-record
podem ser visualizadas no seguinte esquema:
Quadro 8 - Estratégias on-record, off-record e bald-on-record
Fonte: Brown e Levinson (1987, p.69)
Algumas vezes o locutor tem a intenção de causar desequilíbrio na conversa
e em outras situações a intenção é contrária, podendo, assim, utilizar-se de estratégias
de polidez ou de impolidez; de proteção ou exposição da face, tanto do próprio locutor
quanto das outras pessoas envolvidas na conversa.
Seguindo o pensamento de Brown e Levinson (1987), qualquer ato pode vir a
ser um ato ameaçador, até mesmo um elogio ou uma palavra, a princípio caracterizada
como positiva pode assumir um caráter ameaçador para o outro se assim ele se sentir
constrangido a se comprometer com o locutor. Os próprios autores desenvolveram uma
lista de estratégias apontadas como Estratégias de Polidez que apresentamos agora:
35
Quadro 9 - Estratégias de Polidez
Estratégias de polidez de Brown e Levinson
Polidez Positiva (on-record para face
positiva)
1. Perceba o outro. Demonstre interesse pelos desejos e necessidades do outro.
2. Exagere o interesse. A aprovação e simpatia pelo outro.
3. Intensifique o interesse pelo outro.
4. Use marcadores de identidade de grupo.
5. Procure acordo.
6. Evite desacordo.
7. Pressuponha, declare pontos em comum.
8. Faça piadas. Seja engraçado.
9. Afirme ou pressuponha o conhecimento e a preocupação que tem os desejos do outro.
10. Ofereça, prometa.
11. Seja otimista.
12. Inclua a si e o ouvinte na atividade.
13. Dê ou peça razões. Explicações
14. Simule ou Evidencie reciprocidade.
15. Dê presentes.
Polidez Negativa (on-record para face
negativa)
1. Seja convencionalmente indireto.
2. Questione, seja evasivo
3. Seja pessimista.
4. Minimize a imposição.
5. Mostre respeito.
6. Peça desculpa.
7. Impessoalize o falante e o ouvinte. Evite os pronomes “eu” e “tu”.
8. Declare o FTA como se fosse uma regra geral.
9. Nomei.
10. Mostre-se como se estivesse em dívida ou como se não estivesse endividando o ouvinte.
Indireto
(off-record)
1. Dê sugestões, pistas.
2. Dê insinuações de associação.
3. Pressuponha.
4. Minimize.
5. Exagere.
6. Use tautologias (redundâncias).
7. Use contradições.
8. Seja irônico. 9. Use metáforas. 10. Faça perguntas retóricas. 11. Seja ambíguo. 12. Seja vago. 13. Hipergeneralize. 14. Desloque o ouvinte. 15. Seja incompleto, use elipse.
Fonte: Peixoto; Santos (2013, p.327-352)
36
Goffman (2011, p. 134) esclarece que alguns dos comportamentos, muitas
vezes desviantes dos padrões socialmente aceitos, apresentados pelas pessoas durante
a interação social, quando elas se encontram face a face, podem ser atitudes ligadas ao
contexto de doença mental: “Aquilo que os psiquiatras enxergam como doença mental é
normalmente visto pelo público leigo como comportamento ofensivo – comportamento
digno de escarnio, hostilidade e outras sanções sociais negativas”
Para entender melhor como a (im)polidez linguística e os FTA ocupam um
espaço basilar nas interações verbais, o autor busca resumir o argumento apresentado
acima da seguinte forma:
Quando as pessoas entram na presença física imediata umas das outras, elas se tornam acessíveis umas às outras de formas únicas, surgem as possibilidades de ataques físicos e sexuais, de abordar e ser levado a estados de fala indesejados, de ofender e importunar através do uso de palavras, de transgredir certos territórios do eu do outro, de demonstrar descaso e desrespeito pelo ajuntamento presente e pela ocasião social sob cujos auspícios o ajuntamento ocorre. (GOFFMAN, 2011, p.143)
Acontece, então, o movimento de exposição da face e, ao mesmo tempo o de
preservação dela. Paiva, Moreira e Santos (2016, p.68) comparam esse movimento a
um jogo quando declaram que “cada jogador deve fazer uso de estratégias que vise
auxiliar, não somente atingir os objetivos comunicativos, mas também de manter o
equilíbrio da interação”.
Aqui entram em cena os atos ameaçadores de face positiva e os ameaçadores
de face negativa, ainda segundo Paiva, Moreira e Santos (2016, p.39) “Mais danosos
que os primeiros, há também os atos ameaçadores que ameaçam tanto a face positiva
quanto a face negativa do interlocutor, são eles: expressões de violência, menção de
temas constrangedores, [...], entre outros”.
A habilidade no uso dessas técnica ultrapassa o limite da etiqueta social ou
dos manuais de boas maneiras, ela se amplia numa necessidade de maior qualidade e
conectividade nas relações humanas do dia-a-dia e nas resoluções de problemas,
principalmente quando precisamos tratar de assuntos tabus em que o grau de
aproximação ou afastamento pode significar um fator de proteção ou de risco.
O tema suicídio tem um caráter constrangedor tanto para quem o aborda
como para quem o pratica. A conversa com pessoas em situação de comportamento
suicida é um terreno emocionalmente fragilizado; embora, se ressalte em campanhas de
prevenção que falar é a melhor solução, é preciso saber “como e o que falar”, além de
37
“com quem falar”. Confiança é construção! Ela se desenvolve na relação, não é um a
priori, é uma conquista. É na interação que o outro sente se pode confiar ou não, o feeling
surge no estabelecimento e na manutenção do vínculo emocional que pode ser
percebido através de estratégias de polidez na comunicação.
Essa relação é tão significativa que Bertolote (2012) falando sobre os métodos
de prevenção ao suicídio, apresenta como elemento comum e imprescindível com base
a todas as abordagem e conversas com pessoas em situação de comportamento suicida
a boa relação interacional, visto que, somente a partir dela o paciente poderá ser capaz
de expressar seus sentimentos mais pessoais, sejam eles positivos ou negativos.
Argumentamos que nesse ponto do estudo é importante esclarecer que a
nossa pesquisa acaba ampliando o emprego do enunciado “face” - além da abordagem
tradicional apresentada por Goffman (2011) que se referia unicamente a face de
pessoas. Sendo assim, para nós os fenômenos, os atos e as instituições também
possuem faces; nossa proposta é baseada em uma releitura dos estudos sobre a face,
dado que, entendemos que essas realidades apresentam valores próprios, compatíveis
com os conceitos de face definidas para as pessoas, e como tal, também se preocupam
com o que se deseja e o que não se deseja tornar público. Essa nova conjuntura pode
criar desconforto para alguns estudiosos, no entanto, Rebouças (2018) já sinaliza a
busca de ampliação do conceito de face. Outros pesquisadores também teceram
considerações acerca dessa ampliação. Anteriormente Kerbrat-Orecchioni (2017)
apresenta uma distinção entre face individual e face coletiva (group face - face de grupo),
O’Driscoll (2011; 2017) explora as possibilidades de significação e utilização do termo
“face”, que deveria denotar noções superiores à honra, reputação e identidade. O autor
defende, inclusive, a necessidade de novas reflexões sobre a temática, elucidando sobre
a possibilidade de uma constância de certos aspectos da face ao longo dos diversos
encontros e em certas culturas (REBOUÇAS, 2018).
Portanto, admitindo a existência prévia de um histórico pessoal responsável
por conferir atributos à face, como “blocos de construção” que se arquitetam nas
interações (O’DRISCOLL, 2011), sentimo-nos apoiados para aprofundar e ampliar esse
conceito de face, o qual, muitas vezes, é chamado por Goffman (2011) de fachada, para
justificar a pertinência do nosso estudo na busca de identificar a face/fachada que as
pessoas em situação de comportamento suicida se atribuem – face positiva ou negativa-
e também atribuem ao suicídio.
38
Por ser um fenômeno multifatorial, o suicídio pode se apresentar sob o
estigma de diferentes faces, sendo assim, ele também pode ser percebido de diferentes
formas e vivenciados sob diferentes enfoques. Para alguns, ele pode simbolizar morte,
dor ou sofrimento e para outros não. Essas não são visões unanimes sobre as faces do
suicídio. É possível que, para alguns, ele não represente um ato violento, mas de
libertação; ou ainda, para outros, um ato de salvação dos sofrimentos. Falar sobre
suicídio requer um grande grau de sensibilidade e leveza de argumento. Desfazer os
próprios medos e tabus com relação à temática pode ser um passo fundamental para ir
ao encontro do outro em seu próprio território, assim como, a partir dessa atitude se criar
espaços de comunicação.
Acreditamos que quanto mais cortês for o tom da conversa entre os
interlocutores, por meio da adoção das estratégias de polidez, associados às expressões
de emotividade, maior será a chance da conversa se tornar um instrumento de prevenção
ou até mesmo evitar que uma pessoa cometa suicídio.
A polidez é vista como um fenômeno universal ligado a questões cognitivas,
pragmáticas, discursivas e culturais. No entanto, ela se individualiza em cada conversa,
em cada pessoa, e a cada momento. É fundamental contextualizar e personalizar a
relação, pois, estamos lidando com pessoas únicas na sua subjetividade e expressão.
Portanto, a polidez se relaciona diretamente com fatores emocionais, pois
requer uma prática autêntica da empatia. Daí a seriedade em se estudar as emoções
para uma compreensão do sentido da polidez e da face do suicídio.
39
4 PRAGMÁTICA DA COMUNICAÇÃO EMOTIVA
A abordagem denominada “Pragmática da Comunicação Emotiva” proposta
por Caffi e Janney (1994) surge a partir de duas observações das autoras, primeiro de
que existe uma forte conexão entre emoção e linguagem, e segundo de que há pouca
teoria unificada que trabalhe essa conexão.
Segundo a linguista Bednarek (2008), citada por Jamison (2017), o interesse
nessa perspectiva é recente. Ela também, reconhece que há pouco estudo sobre a
temática e justifica a lacuna devido à complexidade da forma como podemos
diferentemente expressar as emoções. Como exemplo, podemos estar sentindo tristeza,
mas, por não considerarmos, algumas vezes, que essa emoção seja socialmente bem
aceita ou que pode expor a nossa face de uma forma negativa e indesejada, preferimos
apresentar um comportamento diferente daquele que realmente gostaríamos, optamos
por apresentar um comportamento que nos proteja da exposição julgada excessiva e
construímos a nossa linguagem de forma totalmente diferente da realidade sentida;
utilizamos esse artifício porque através dele temos a sensação de estarmos nos
protegendo daquilo que está nos ameaçando.
Embora reconhecendo essa complexidade de expressão e na múltipla
possibilidade de expressar as emoções, o que Caffi e Janney (1994, p. 326) afirmam é
que, mesmo diante desse cenário, o que não se pode questionar é a ligação existente
entre emoção e linguagem presente em nossas interações pessoais e sociais, ou seja:
“Nossa percepção, profundamente enraizada em nossa experiência diária enquanto
comunicadores, de que emoções e linguagem estão intimamente interconectados à fala
e à escrita”.
Nesse sentido, Jamison (2015) resenhando Caffi e Janney (1994) apresenta
o pensamento das autoras que defendem que a linguagem é permeada de modulações
assim como de mecanismos linguísticos e paralinguísticos carregados de sentimentos e
emoções do enunciador, cujo sucesso na comunicação depende do bom uso que é feito
desses elementos linguísticos que se encontram presentes na comunicação.
Ainda na esteira de Jamison (2015, p. 36), a Pragmática da Comunicação
Emotiva de Caffi e Janney (1994) baseia-se nas seguintes noções:
40
- Comunicação emotiva de Marty (1908)6.
- Na perspectiva argumentativa da retórica Aristotélica7.
- Na Estilística Linguística de Charles Bally (1970)8.
- E em algumas contribuições sobre emotividade na linguagem, propostas
pelo funcionalismo da Escola de Praga9.
Levando em consideração o argumento de que somos capazes de negociar e
ajustar as modulações que organizam nossas expressões de afeto, Caffi e Janney (1994)
elaboraram uma Pragmática da Emoção organizada de forma sistemática, cujos
mecanismos foram nomeados de dispositivos estruturantes, indicadores ou marcadores,
esses dispositivos utilizam como base os aspectos retóricos, estilísticos, prosódicos e
paralinguísticos10usados pelas pessoas com a intenção de comunicarem emoções
naquilo que elas desejam revelar. (JAMISON, 2017).
Sob o ponto de vista pragmático, Caffi e Janney (1994) ressaltam a
importância da dependência das interpretações no que diz respeito aos estudos da
comunicação emotiva na linguagem e da necessidade de se adotar categorias
interpretativas aliadas a abordagens psicológicas sobre o afeto. As autoras citam,
inclusive as três categorias básicas das dimensões de afetos sugeridas pelos psicólogos
ocidentais11, são elas:
- UMA DIMENSÃO AVALIATIVA POSITIVA OU NEGATIVA;
- UMA DIMENSÃO DE CONTROLE E PODER;
- UMA DIMENSÃO DE INTENSIDADE E ATIVIDADE.
6 Marty (1908) diferenciou os termos: Comunicação Emotiva (Intencional e estratégica com a intenção
de causar efeito na interpretação do interlocutor) de Comunicação Emocional (Manifestação espontânea de emoção na fala), o segundo diz respeito à manifestação espontânea e não intencional de emoção na fala (apud CAFFY; JANNEY, 1994)
7 Considerada importante pelas autoras devido à orientação intersubjetiva e interativa presente nos discursos persuasivos propostos por Aristóteles.
8 Para Charles Bally “a estilística estuda os fatos expressivos da linguagem a partir do ponto de vista de seu conteúdo afetivo, em outras palavras, a expressão dos sentimentos por meio da linguagem e a ação da linguagem nos sentimentos” (CAFFY; JANNEY, 1994, p. 333)
9 O Círculo Linguístico de Praga distinguiu noções de fala “interna” e “manifestada”, atribuindo importância às funções linguísticas de intelectualidade e emotividade, as quais se interpenetram ou se destacam individualmente no discurso. Além disso, a noção promovida por Jackobson de função expressiva ou emotiva da linguagem, de orientação baseada no falante, também foi levada em consideração por Caffi e Janney (1994) para a formulação da proposta de Pragmática da Comunicação Emotiva.
10Os elementos paralinguísticos são realizações ou manifestações não-verbais que contribuem para a unidade temática da enunciação, uma vez que o enunciado não é apenas definido por unidades verbais, mas, também por unidades não verbais presentes em toda e qualquer situação de fala (BAHKTIN, 1999 apud CAMPOS; CRUZ, 2008).
11Segundo essa visão, as pessoas respondem ao contato de forma positiva ou negativa por meio de respostas que variam de intensidade ou força.
41
Segundo Jamisom (2017), embora Caffy e Janney considerem que a
contribuição de estudos sobre a emotividade na perspectiva psicológica fosse de suma
importância para um modelo de caráter linguístico-pragmático, o que as autoras se
deparam é com uma falta de consonância entre as duas abordagens a nível
epistemológico.
Apesar dessa dificuldade citada e com o objetivo de tentar estabelecer uma
relação entre as abordagens psicológica e linguística, Caffi e Janney (1994) indicam seis
dispositivos emotivos diferentes, cujo foco está em ressaltar o fenômeno emotivo da
comunicação de modo mais abrangente. Esses são baseados em aspectos retóricos e
estilísticos encontrados em discursos com a função de produzirem diferentes efeitos
emotivos e que estão integrados com o objetivo do que os falantes desejam ou não,
revelar, são eles:12
a) Dispositivos emotivos de avaliatividade (distinção central:
POSITIVO/NEGATIVO): essa categoria “inclui todos os tipos de escolhas
verbais e não verbais que sugerem avaliação positiva ou negativa por parte
do falante em relação a um tópico, interlocutor, ou interlocutores no
discurso, ou seja, todas as atividades discursivas que podem ser
interpretadas como índices de prazer e desprazer, concordância ou
discordância, agrado ou desagrado, como: tons de voz hostil ou amigáveis:
usos de diminutivos, vocativos, superlativos, adjetivos avaliativos,
substituições lexicais, e todos os tipos de substituição estilística. Por
exemplo, "Você é péssimo/o melhor" (menor/maior avaliatividade).
b) Dispositivos emotivos de proximidade (distinção central:
PRÓXIMO/DISTANTE): essa categoria inclui todos os tipos de escolhas
verbais e não verbais que variam as distâncias metafóricas entre: os
falantes e o conteúdo de seu enunciado e entre os falantes e seus
interlocutores: Essa categoria pode ser subdivida em:
12Informações retiradas de JAMISON, K. G. Movimentos de empatia no discurso da violência
conjugal: uma análise linguístico-cognitiva no enquadre comunicativo dos boletins de ocorrência. 2015. 289 p. Tese (doutorado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades, Departamento de Letras Vernáculas, Programa de Pós-Graduação em Linguística, Fortaleza, 2015.
42
- Marcadores de proximidade espacial: Esses marcadores regulam
distâncias metafóricas entre eventos interiores e exteriores expressados
pelos falantes. Por exemplo, o uso de pronomes demonstrativos:
“Essa/aquela falsidade doeu em mim” (maior/menor proximidade
espacial);
- Marcadores de proximidade temporal: Esses marcadores regulam
distâncias metafóricas entre “eventos presentes e não-presentes” (CAFFI,
1994, p. 142). Ou seja, distâncias que dizem respeito ao tempo interno ou
real. Por exemplo, “Eu fiquei/estou muito triste com tudo que lhe disse”
(MENOR/MAIOR PROXIMIDADE ESPACIAL);
- Marcadores de proximidade social: Esses marcadores regulam as
distâncias pessoais e interpessoais, por exemplo, “Senhora/Mulher, ele
sempre me bate quando ele bebe” MENOR/MAIOR PROXIMIDADE
SOCIAL);
- Marcadores de proximidade de ordem seletiva, definidos na literatura
como “ordem de referência” ou “topicalização”, que servem para regular
as distâncias de conceitos nos discursos e diz respeito a um dado
referente no enunciado. Por exemplo, A criança apanhou do pai/ O pai
bateu na criança. (MENOR/MAIOR PROXIMIDADE do status do agente
da ação); Paula foi ao Supermercado com seu marido/ Paula e seu
marido foram ao Supermercado. (MENOR/MAIOR PROXIMIDADE de
referentes iniciais)
c) Dispositivos emotivos de especificidade: (distinção central:
CLAREZA/VAGUIDADE) essa categoria inclui os dispositivos linguísticos
usados para variar a precisão, acurácia ou menção sobre tópicos, partes
de tópicos, o Eu do falante, ou interlocutores do discurso. A especificidade
tratada nesse dispositivo se refere ao modo com que um determinado
objeto é referido na comunicação, se essa referência é feita por meio do
nome, ou é feita de forma implícita. Fenômenos de especialização incluem
particularizações ou generalizações dos tipos: uso de artigos definidos ou
indefinidos, pronomes definidos ou indefinidos, referentes inteiros ou partes
dos referentes. Por exemplo, "O lanche/sanduíche estava ótimo
43
(menor/maior especificidade); Alguém/você pode me ajudar?
(menor/maior especificidade);
d) Dispositivos emotivos de evidencialidade: (distinção central:
CLAREZA/VAGUIDADE) Essa categoria inclui todas as escolhas que
regulam aspectos possíveis de serem inferidos sobre: atenuação,
confiabilidade, autoridade, validade, ou valor de verdade do que está sendo
expressado, o uso desses dispositivos sugerem confiança ou dúvida em
relação à informação, que podem ser dos tipos: julgamento (pode
estar/está); intenções (talvez compre/ irei comprar); comprometimento
com as proposições por meio da modalidade epistêmica: (acho que sou/
sou); advérbios modais (possivelmente/certamente);
e) Dispositivos emotivos de volicionalidade: (distinção central: AUTO
ASSERTIVIDADE/NÃO ASSERTIVIDADE): Esses dispositivos incluem
todas as escolhas linguísticas e estratégias discursivas usadas pelos
falantes para variar os níveis de auto assertividade diante dos interlocutores
e todas as escolhas usadas para lançar os próprios falantes ou os
interlocutores em papéis discursivos ativos ou passivos. Essa auto
assertividade é inferida no discurso por meio do uso de, por exemplo, voz
ativa ou voz passiva (pensei/foi pensado), o uso de modais em pedidos
(passa o pão/pode passar o pão?), escolha do uso de agentes da ação ou
pronomes (quero/você quer ir ao cinema?);
f) Dispositivos emotivos de quantificação (distinção central:
MAIS/MENOS): Esses dispositivos incluem todas as escolhas
intensificadoras e desintensificadoras da fala. Todas as escolhas de
quantificação, graus, medidas, duração, ou quantidade de um dado
fenômeno linguístico, que pode ser quase de qualquer tipo: intensidade de
uma atividade, duração de uma performance, quantificação de um objeto,
intensidade de um advérbio (extremamente quente), uso de pronomes
relativos como intensificadores (Que dia longo!), adjetivos de ênfase
(completa/total catástrofe), Além disso, fenômenos fonológicos, como
alongamento de vogais (é eno:::rme); realce prosódico, como aumento do
44
tom de voz (Eu NÃO vou!), escolhas estilísticas de repetição (estamos
muito, muito felizes.)
As autoras Caffi e Janney (1994) ressaltam que a comunicação emotiva pode
ser estudada sob dois aspectos distintos:
- Como um processo: Sob o ponto de vista processual é dinâmica e
eminentemente dialógica.
- Como um produto: É estática e considera o discurso, o texto ou a interação
como dados.
Adotamos no nosso estudo a Pragmática da Comunicação Emotiva como
processo, dado sob esse aspecto os dispositivos emotivos podem ser utilizados como
categorias avaliativas para uma melhor compreensão desses níveis de envolvimento
emocionais nas conversas ordinárias, assim como, nos grupos de conversas entre as
pessoas em situação de comportamento suicida.
45
5 PERCURSO METODOLÓGICO
A metodologia científica, segundo Tartuce (2006), é parte essencial para a
construção de uma pesquisa. Por seu turno, a palavra método origina-se do grego que
significa “caminho para chegar a um fim”. É o caminho em direção a um objetivo e, desse
modo, o estudo do método, ou seja, é o corpo de regras e procedimentos estabelecidos
para realizar uma pesquisa; a palavra científica deriva de ciência, a qual compreende o
conjunto de conhecimentos precisos e metodicamente ordenados em relação a
determinado domínio do saber. Portanto, metodologia científica é o estudo sistemático e
lógico dos métodos empregados nas ciências, seus fundamentos, sua validade e sua
relação com as teorias científicas (GERHARDT et al, 2006).
5.1 NATUREZA DA PESQUISA
O trajeto metodológico que melhor se adequou ao escopo desta pesquisa foi
a abordagem qualitativa, na modalidade da etnometodologia, por meio de conversas
ordinárias e não ordinárias, realizadas em momentos do dia a dia e nos grupos focais ou
em momentos de terapias individuais.
A pesquisa é qualitativa com um conjunto de práticas materiais e
interpretativas que dão maior visibilidade ao mundo, sendo, portanto, mais apropriada
para abordar o tema em questão. Goldenberg (2004) apresenta a pesquisa qualitativa
como sendo a pesquisa que tem a atenção especial mais voltada para o entendimento
de um grupo social ou de uma organização, mais do que com a representatividade
numérica da pesquisa. Enriquecendo esse pensamento Minayo (2007) acrescenta que
a abordagem qualitativa se preocupa com um nível de elemento mais real que não pode
ser quantificado. Ela trabalha com o universo de significados, aspirações, crenças,
valores e atitudes, o que conduz a um espaço mais profundo das relações que não pode
ser reduzido à operação de variáveis.
Esse percurso possui a finalidade de aprofundar os conhecimentos da Análise
da Conversação, da Teoria da Polidez, da Teoria das Faces de Goffman, da Teoria da
Emotividade e da Temática de Suicídio, a fim de estabelecer conexões, articulações,
aproximações com o propósito de cientificamente pesquisar sobre o suicídio em uma
perspectiva multidisciplinar, envolvendo diversas áreas do conhecimento, tais como a
Linguística, a Sociolinguística e a Psicologia.
46
5.2 PERCURSOS E PROCEDIMENTOS
Inicialmente, foi realizado um aprofundamento exploratório-descritivo com a
revisão bibliográfica acerca da face, da polidez, do suicídio e da conversa para
trabalharmos o estado da arte sobre essas temáticas. Sobre a pesquisa bibliográfica,
Ferreira (2002, p. 258) menciona que as pesquisas:
Definidas como de caráter bibliográfico, [...] parecem trazer em comum o desafio de mapear e de discutir uma certa produção acadêmica em diferentes campos do conhecimento, tentando responder que aspectos e dimensões vêm sendo destacados e privilegiados em diferentes épocas e lugares [...]. Também são reconhecidas por realizarem uma metodologia de caráter inventariante e descritivo da produção acadêmica e científica sobre o tema que busca investigar, à luz de categorias e facetas que caracterizam enquanto tais em cada trabalho e no conjunto deles, sob os quais o fenômeno passa a ser analisado.
A escolha deste tipo de pesquisa residiu na compreensão de que o estado de
conhecimento sobre um tema pode servir de suporte na aquisição de uma maior
circunscrição sobre assunto atualmente abordado, baseando-se em resultados já obtidos
por outros pesquisadores.
A partir desses conhecimentos, a pesquisa teve prosseguimento em campo,
visto a importância da inserção do pesquisador no contexto natural para acessar às
experiências e aos comportamentos do grupo estudado, conversamos com pacientes
em situação de comportamento suicida da Clínica-Escola de uma Instituição de Ensino
Superior de Fortaleza.
De acordo com Marcuschi (2008) a conversação é o gênero básico da
interação humana, e por meio dela, evidenciamos muito de nossas vidas. A conversa é
uma ação; é uma forma de interação social em que há características básicas, tais como:
interação entre, pelo menos, dois interactantes; presença de uma sequência de ações
coordenadas; execução numa identidade temporal; envolvimento numa interação
centrada. É uma forma de ação conjunta que emerge quando os interactantes realizam
um processo de tentativa de simetria conversacional, além de ser a primeira das formas
de interação a que estamos expostos e provavelmente a única da qual nunca abdicamos;
a conversa consiste, pois, no exercício prático das potencialidades cognitivas do ser
humano em suas relações interpessoais que para ser analisada usa-se como aparato
metodológico básico procedimentos indutivos. (TEIXEIRA, 2011)
47
Encontramos na literatura muito material referente ao tema da conversação,
principalmente durante o período da Renascença13 chegando até nossos dias, porém,
a conversação desse período era vista principalmente através do pensamento moralista
de algumas figuras como Montaigne, La Bruyère e Rochefoucauld, e tinha como ponto
de vista predominantemente o Estético ou Ético estando sob uma perspectiva normativa
(KERBTRAT-ORECCHIONI, 2014).
Mas, foi apenas no começo dos anos 1970 que presenciamos à emergência
desse novo campo da pesquisa sobre esse tipo de interação verbal. De acordo com
Kerbrat-Orecchioni (2014), a Análise da Conversação (AC) possui uma visão
diferentemente contrária da visão anterior sobre conversação, essa nova percepção se
pretende científica, visto que, reconhece que as construções teóricas atuais são
completamente postas a serviço dos dados e sendo priorizado os discursos orais e os
diálogos, levando-os em consideração como a forma primordial de realização da
linguagem.
As conversações aparecem, com efeito, como um lugar privilegiado de observação das organizações sociais em seu conjunto, nas quais elas são somente uma forma particular, e particularmente exemplar: nelas, observamos como os participantes recorrem a técnicas institucionalizadas para efetuar em conjunto a gestão de diferentes tarefas que eles têm de completar (assegurar a alternância dos turnos de fala, “ corrigir” as eventuais falhas da troca comunicativa, conduzir uma narrativa ou uma descrição, encaminhar de modo eficaz a negociação dos temas, da abertura e do encerramento da troca, etc. (KERBRAT-ORECCHIONI, 2014, p. 22)
Ainda segundo a autora essa interação pode ser abordada de várias
maneiras, no lugar de um único domínio homogêneo, é mais conveniente se referir a
um campo movente que atravessa diversas disciplinas e correntes, dos quais esse
estudo citará quatro, mas se deterá apenas em um, mais especificamente, por
reconhecer que é o que mais se adapta às nossas necessidades de pesquisa.
São esses os quatro tipos de enfoque.
a) O enfoque de tipo “Psi” (psicológico e Psiquiátrico).
b) Enfoques etnossociológicos.
- A Etnografia da comunicação.
- A Etnometodologia.
- Outras abordagens sociológicas.
13Movimento cultural ocorrido na Europa aproximadamente entre meados do século XIV e o fim do século
XVI.
48
c) A abordagem linguística.
d) Abordagem filosófica.
Dentre os Enfoques Etnossociológicos encontramos a Etnometodologia. Esse
termo desenvolvido por H. Garfinkel, a partir do modelo da ‘Etnobotânica’ e de outras
‘etnociências’. A palavra ‘Etnometodologia’ é composta pelo radical grego etno (etnia),
compreendido como preocupação em investigar de que forma as pessoas se apropriam
do conhecimento social e metodologia (método), diz respeito à forma metódica de como
essas pessoas aplicam seu saber sociocultural. Kerbrat-Orecchioni (2014, p. 20) declara
que Etnonomedologia deve ser abrangida da seguinte forma: “trata-se, [...], de descrever
os “métodos” (procedimentos, saberes e técnicas) que os membros de uma dada
sociedade utilizam para gerir como convêm o conjunto de problemas comunicativos que
eles têm de resolver na vida cotidiana”.
Para a Etnometodologia, os analistas devem estar sensíveis aos fenômenos
interacionais, constatando e observando detalhes da vida social e conexões linguísticas
existentes no processo de interação social. (TEIXEIRA, 2011).
Decidimos, assim, iniciar os procedimentos da nossa pesquisa com a
Etnometodologia que tem como objetivo de estudo as atividades práticas do cotidiano,
o que implica o caráter empírico do nosso estudo e o método indutivo que segundo
Marconi e Lakatos (2003) é um método responsável pela generalização, ou seja, ele
parte de algo particular para algo mais geral. Tal generalização não ocorre mediante
escolhas de respostas pré-estabelecidas, partindo de dados suficientemente
constatados, infere-se em uma verdade geral, não contida, inicialmente, nas partes
estudadas. Sendo assim, de acordo com Gil (2002, p.10) “o método indutivo [...] parte do
particular e coloca a generalização como um produto posterior do trabalho de coleta de
dados particulares.” Portanto, a generalização origina-se a partir de observações de
casos da realidade concreta.
Esse método parte da observação de fenômenos cuja causa se deseja
conhecer melhor, podendo proporcionar, assim, uma ampliação do alcance de
conhecimentos presentes no início do processo de estudo do fenômeno.
Marconi e Lakatos (2003, p. 87) afirmam que o método indutivo se realiza em
três fases:
a) Observação dos fenômenos - nessa etapa, observamos os fatos ou
fenômenos e os analisamos, com a finalidade de descobrir as causas de
sua manifestação;
49
b) Descoberta da relação entre eles - na segunda etapa procuramos por
intermédio da comparação, aproximar os fatos ou fenômenos, com a
finalidade de descobrir a relação constante existente entre eles;
c) Generalização da relação - nessa última etapa generalizamos a relação
encontrada na precedente, entre os fenômenos e fatos semelhantes,
muitos dos quais ainda não observamos (e alguns inclusive de difícil
observação).
Ao longo do processo etnometodológico da nossa pesquisa, constatamos
que, devido ao curto tempo de um mestrado, seria melhor mudarmos para uma pesquisa
de campo, qualitativa. De acordo com as pesquisadoras Marconi e Lakatos (2003, p.186)
a “Pesquisa de campo é aquela utilizada com o objetivo de conseguir informações e/ou
conhecimentos acerca de um problema, para o qual se procura uma resposta, ou de uma
hipótese, que se queira comprovar...”
A Pesquisa de campo versa na observação dos fenômenos exatamente como
ocorrem de forma espontânea, na coleta de dados, no registro e na análise das variáveis
relevantes para a pesquisa. Ela se volta tanto para o estudo de indivíduos como para o
estudo de grupos e comunidades. Continuando na esteira de Marconi e Lakatos (2003,
p.189) ela apresenta algumas vantagens e desvantagens, a saber:
a) As vantagens
- Acúmulo de informações sobre determinado fenômeno, que também
podem ser analisadas por outros pesquisadores, com objetivos diferentes.
- Facilidade na obtenção de uma amostragem de indivíduos, sobre
determinada população ou classe de fenômenos.
b) Desvantagens:
- Pequeno grau de controle sobre a. situação de coleta de dados e a
possibilidade de que fatores, desconhecidos para o investigador, possam
interferir nos resultados.
- O comportamento verbal ser relativamente de pouca confiança, pelo fato
de os indivíduos poderem falsear suas respostas.
No entanto como as próprias pesquisadoras nos recordam, através de alguns
recursos como: utilizar material mais completo ou o uso de pré-testes, é possível se
aumentar as vantagens e diminuir as desvantagens na utilização da pesquisa de campo.
50
Acompanhando a ideia de ‘grupo social’ apresentado por Goldenberg (2004)
resolvemos trabalhar com grupo focal, como técnica para a coleta de dados, devido ao
percurso que gostaríamos de traçar para a nossa pesquisa.
De acordo com Caplan (1990) os grupos focais são pequenos grupos de
pessoas reunidos para falar sobre temas específicos ou identificar problemas.
Esse pensamento é confirmado e ampliado por Vergara (2004) quando
declara que o uso do grupo focal é apropriado quando o objetivo é explicar como as
pessoas consideram uma experiência, uma emoção ou um sentimento, ou mesmo um
evento, visto que a discussão durante as reuniões é efetiva em fornecer informações
sobre o que as pessoas pensam ou sentem ou, ainda, sobre a forma como agem, a partir
de um determinado fenômeno.
Embora o grupo focal ou focus group, possa ser utilizado em diferentes tipos
de pesquisa, ele constitui como um dos procedimentos mais adequado para fundamentar
pesquisas qualitativas:
Essas entrevistas são muito utilizadas em estudos exploratórios, com o propósito de proporcionar melhor compreensão do problema, gerar hipóteses e fornecer elementos para a construção de instrumentos de coleta de dados. Mas também podem ser utilizadas para investigar um tema em profundidade, como ocorre nas pesquisas designadas como qualitativas. (GIL, 2002, p. 114)
O número de pessoas que participa dos grupos focais deve ser tal que
estimule a participação e a interação de todos, segundo Dias (2000) o número de seis
participantes é o suficiente para que se promova uma discussão. Com menos de seis
participantes se corre o risco de que algumas pessoas possam se sentir intimidadas
pelos mais extrovertidos. Por outro lado, um grupo com mais de dez pessoas pode
apresentar dificuldade em manter o foco da discussão ou em distribuir o tempo de forma
igualitária.
A partir dos elementos anteriormente descritos, decidimos que o nosso grupo
focal seria composto por seis pessoas. Três que tentaram suicídio e três com ideação.
Quatro desses pacientes foram selecionados, primeiramente por mim e pela supervisora
da Clínica-Escola, e depois foram entrevistados novamente para saber se aceitavam
participar da pesquisa e conversar sobre suicídio. Os outros dois vieram por indicação
de conhecidos, passando a integrar o corpo de pacientes da Clínica Escola com o aval
da supervisão.
51
Só gravamos as conversas após a aprovação do Comitê de Ética de Pesquisa
com Seres Humanos e com a assinatura do termo de consentimento livre esclarecido,
em que eles deram autorização para registrarmos as suas conversas nos grupos focais
e em momentos de conversas ordinária. O grupo focal foi fundamental para a coleta do
corpus desse trabalho, ele não só ajudou os participantes a quebrar o gelo social, como
potencializou as conversas individuais. Além desse grupo, trabalhamos também com
posicionamentos escritos, em um questionário semiestruturado, sobre o que é o suicídio,
a fim de ratificar os dados apresentados nos grupos focais.
É importante que o pesquisador tenha clareza sobre os pressupostos e as
premissas de suas pesquisas, pois a escolha da opção do uso dos grupos focais está
diretamente relacionada a esses elementos.
O ponto de partida para se levar a termo um projeto de pesquisa que esteja apoiado no uso de grupos focais é a clareza de propósito. As decisões metodológicas dependem dos objetivos traçados. Isto irá influenciar na composição dos grupos, no número de elementos, na homogeneidade ou heterogeneidade dos participantes (cultura, idade, gênero, status social, etc.), no recurso tecnológico empregado (face-a-face ou mediados por tecnologias de informação), na decisão dos locais de realização (naturais, contexto onde ocorre, ou artificiais, realizados em laboratórios), nas características que o moderador venha a assumir (diretividade ou não-diretividade) e no tipo de análise dos resultados (de processos e de conteúdo: oposições, convergências, temas centrais de argumentação intra e intergrupal, análises de discurso, linguísticas etc). (GONDIM, 2002, p. 153).
A etapa mais complexa da técnica do grupo focal é, com certeza, a análise
dos resultados, pois não é suficiente repetir ou transcrever o que foi dito. É fundamental
a capacidade de observar e de ser capaz de interpretar o que se vê e o que se ouve,
visto que estamos lidando com a subjetividade de cada pessoa analisada.
5.3 MÉTODO E COLETA DE DADOS
A coleta de dados ocorreu em dois momentos: nos grupos focais e em
momentos de conversas ordinárias14 com os pacientes da Clínica-Escola que aceitaram
participar da conversa sobre suicídio. Apresentamos Gondim (2002, p.151), quando cita
Morgan (1997), para apresentar a definição de “grupos focais como uma técnica de
14Conversas ordinárias são as práticas sociais mais comuns no dia-a-dia do ser humano; conversas
espontâneas ou naturais; processos cooperativos reais em situações espontâneas com interação entre pelo menos dois falantes com ocorrência de troca e com presença de sequência de ações coordenadas em uma identidade temporal (MARCUSCHI, 1991, p.15).
52
pesquisa que coleta dados por meio das interações grupais ao se discutir um tópico
especial sugerido pelo pesquisador. Como técnica, ocupa uma posição intermediária
entre a observação participante e as entrevistas em profundidade.”
A formação do grupo focal se deu após o processo de seleção dos sujeitos
participantes da pesquisa que ocorreu da seguinte forma: inicialmente, a supervisora da
Clínica-Escola nos ajudou a selecionar os sujeitos da pesquisa que se dispuseram a
conversar sobre suicídio e tiveram suas conversas gravadas em dois grupos focais, um
de pacientes com ideação e o outro de pacientes com tentativas.
Essa seleção foi essencial para o êxito da pesquisa, uma vez que existe um
tabu em se conversar sobre suicídio, principalmente com pessoas que têm ou tiveram
ideação suicida e pessoas que tentaram de fato o suicídio. Mas como superar essa
ideação se não se conversar sobre o suicídio? Na realidade, lidar com a emoção, seja
de forma subjetiva, por meio de nossos sentimentos, ou quando a percebemos nos
outros, não é fácil. Entretanto, tem sido um interesse constante de participantes em
situações sociais e, portanto, é um aspecto importante na análise da conversação.
O interesse da Análise da Conversação na investigação da emoção surgiu
com E. Goffman, quando em seu artigo Fun in Games (1961), observou que a regulagem
da emoção é uma tarefa constante para os participantes de uma conversa. Para E.
Goffman (1980), os participantes tentam constantemente ajustar seus estados
emocionais visíveis, de acordo com as demandas da situação (JAMISON, 2015). Sendo
assim, até que ponto as pessoas em situação de comportamento suicida agem também
assim? Esse questionamento se nos apresenta relevante ao selecionarmos os sujeitos
da pesquisa, o corpus e a categoria metodológica de análise.
Adotamos, neste estudo, conforme mencionado, a Análise da Conversação
(AC), que é utilizada para verificar modos de análises das trocas verbais autênticas e
para responder a questões de como as pessoas criam e resolvem conflitos interacionais
em que a AC, quanto à característica metodológica básica, procede, primeiramente, pela
indução, pois não existem modelos a priori. Para isso, ela parte de dados empíricos em
situações autênticas, buscando asserções universais. (TEIXEIRA, 2011).
Empregamos em nossa pesquisa a forma de observação direta dos
participantes de grupos focais como forma de delinear e selecionar o material sobre o
qual fundamentamos nossa análise. Assim, nosso estudo é também de caráter
exploratório-descritivo. De acordo com Gerhardt et al (2006) a pesquisa exploratória tem
como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo
53
mais explícito ou a construir hipóteses. A grande maioria dessas pesquisas envolve: (a)
levantamento bibliográfico; (b) entrevistas com pessoas que tiveram experiências
práticas com o problema pesquisado; e (c) análise de exemplos que estimulem a
compreensão (GIL, 2002). Já a pesquisa descritiva, de acordo com Triviños (1987), exige
do pesquisador uma série de informações sobre o que deseja pesquisar. Esse tipo de
estudo pretende descrever os fatos e os fenômenos de determinada realidade. A escolha
do método baseou-se no fato de que esse estudo se apoia em dados baseados em uso
autêntico e utiliza procedimentos de campo com pessoas em situação de comportamento
suicida da Clínica Escola de Psicologia do Centro Universitário Estácio do Ceará,
também já mencionado.
5.4 CONTEXTO DE ATUAÇÃO
Desse modo, o trabalho com essa temática pode se revelar importante para a
compreensão de fenômenos relacionados à Linguística Aplicada, tanto aos assuntos do
fenômeno da (im)polidez linguística, como aos relacionados dos trabalho com as faces,
bem como na compreensão do suicídio, visto que através das interações em contextos
adequados e de material coletado em ambiente natural, surge um valioso corpus de
análise. Nossa pesquisa trabalhamos com a Etnometodologia, mas não a Etnográfica,
pois o tempo de coleta de dados do corpus foi curto para uma imersão maior em campo,
no caso na própria rotina da Clínica Escola de Psicologia do Centro Universitário Estácio
do Ceará. No entanto, ela permanece etnometodológica uma vez que a conversa é um
gênero do cotidiano.
A Clínica-Escola15 é um espaço vinculado ao Curso de Psicologia do Centro
Universitário Estácio do Ceará (ESTÁCIO/FIC), se destina à formação de profissionais
de Psicologia através da integração e consolidação teórico-prática proposta pelas
Diretrizes Curriculares do Projeto Pedagógico do Curso, assim como, ao atendimento à
clientela decorrente da demanda social da cidade de Fortaleza.
Para tanto, a Clínica de Psicologia está estruturada para diferentes tipos de
atendimentos (individual e grupal) e usuários (crianças, adolescentes, adultos, idosos,
casais e famílias).
15Regimento Interno da Clínica de Psicologia do Centro Universitário Estácio do Ceará.
54
Os atendimentos oferecidos pela Clínica de Psicologia estão voltados para a
comunidade em geral, decorrente da demanda social de Fortaleza.
Após essa breve apresentação do Setting no qual se realizou a pesquisa, ou
seja, a Clínica Escola, passaremos para a demonstração de como foi desenvolvida a
pesquisa em campo. Como já dissemos anteriormente o tempo foi um fator decisivo na
tomada de algumas decisões. Os encontros se realizaram em dois momentos distintos,
o primeiro momento, o do grupo focal, era o espaço privilegiado em que os participantes
podiam se conhecer melhor e trocar algumas informações de maneira mais coletiva,
gravamos essas conversas, com a autorização prévia dos participantes, esse passo-a-
passo será descrito mais a frente com mais detalhes, havia o momento do cafezinho e
depois o segundo momento era destinado às conversas pessoais, essas conversar eram
gravadas, também com a autorização de cada pessoa que participava do grupo. Dessas
conversas gravadas, selecionamos algumas, pois, verificamos que examinar todas as
transcrições em análise resultariam demasiadamente extensa, uma vez que trabalhamos
com mais de uma categoria de análise.
Trabalhamos como categoria de análise os dispositivos emotivos da
Pragmática16 da Comunicação Emotiva, a saber:
a) Dispositivos emotivos de avaliatividade (distinção central:
positivo/negativo):
b) Dispositivos emotivos de proximidade (distinção central:
próximo/distante):
- Marcadores de proximidade espacial.
- Marcadores de proximidade temporal.
- Marcadores de proximidade social.
- Marcadores de proximidade de ordem seletiva.
c) Dispositivos emotivos de especificidade: (distinção central:
clareza/vaguidade).
d) Dispositivos emotivos de evidencialidade: (distinção central:
clareza/vaguidade).
e) Dispositivos emotivos de volicionalidade: (distinção central: auto
assertividade/não assertividade).
16Vale a pena ressaltar que as “dimensões” que foram anteriormente apresentadas juntamente com os
dispositivos, podem ser consideradas como variações dessas categorias e/ou gradação do dispositivo/ gradação da categoria.
55
f) Dispositivos emotivos de quantificação: (distinção central:
mais/menos):
Essas categorias, aqui apresentadas como dispositivos, foram assinaladas
durante as transcrições das gravações utilizando as seguintes abreviações:
Quadro 10 - Códigos usados nas análises
Códigos dos dispositivos emotivos de comunicação utilizados
O QUE SIGNIFICAM
[AVA-]/[AVA+] Dispositivo emotivo de menor ou maior avaliatividade.
[EVI-]/[EVI+] Dispositivo emotivo de menor ou maior Evidencialidade
[ESP-]/[ESP+] Dispositivo emotivo de menor ou maior especificidade
[PROX-]/[PROX+] Dispositivo emotivo de menor ou maior proximidade
[QUA-]/[QUA+] Dispositivo emotivo de menor ou maior quantificação
[VOL-]/[VOL+] Dispositivo emotivo de menor ou maior volitividade
Fonte: Jamison (2015) adaptado de Caffi, Janney (1994)
5.5 MARCADORES DISCURSIVOS: ESTRUTURAS DA COESÃO E COERÊNCIA NA
CONVERSAS SOBRE COMPORTAMENTO SUICIDA.
Ponderando que a conversa é uma construção de sentido, constituindo-se um
fenômeno sociocultural “com características linguísticas e discursivas passíveis de
serem observadas descritas, analisadas e interpretadas” (BRAIT, 1999), esta deve ser
examinada à luz da Análise da Conversação levando-se em conta as suas
microestruturas.
Seguindo o mesmo sentido, Urbano (1999, p.81) argumenta que o texto falado
é rico em: “elementos de variada natureza, estrutura, dimensão, complexidade
semântico-sintática, aparentemente supérfluos ou até complicadores, mas de discutível
significação e importância para qualquer análise de texto oral e para sua boa e cabal
compreensão”. Apesar da literatura da Análise Conversacional chamar esses elementos
de marcadores conversacionais, em nosso trabalho vamos adotar a mesma linguagem
56
adotada por Jamison (2014), ou seja, vamos chamá-los de marcadores discursivos
(MD) durante as nossas análises.
Urbano (1999) prossegue argumentando que esses elementos embora não
integrando o conteúdo cognitivo do texto, ajudam a construir e dar coesão ao texto
falado. O autor ainda defende que esses elementos “amarram o texto não só enquanto
estrutura verbal cognitiva, mas também enquanto estrutura de interação interpessoal”
(URBANO, 1999, p. 86).
Existem muitos tipos de MD, tanto no aspecto estrutural quanto no formal.
Urbano (1999) os divide em: Verbais e prosódicos. Podendo ser os primeiros
lexicalizados (Ex: “Sabe?”, “Sei”, “Né?”) ou não lexicalizados, os quais são chamados de
Paralinguísticos (“ahn ahn”, “ahh”, “humm).
Já os prosódicos são as pausas, os alongamentos o aumento ou diminuição
do tom de voz, entre outros.
Quadro 11 - Marcadores discursivos identificados nas interações
[MD Mon]: Monitoramento de fala (por exemplo, “uhn hun”, “sei”)
[MD Ass]: Assentimento (por exemplo, “entendo”, “uhn hun”)
[MD EL]: Elicitadores de apoio (por exemplo, “não é?”)
[MD Apro]: Aprovação (por exemplo, “sei”, “claro”) e
[MD Inc]: Incerteza (por exemplo, “não sei”)
Fonte: Jamison (2015)
Sinalizamos que os mesmos MD podem exercer funções diferentes,
dependendo do contexto em que eles estão sendo empregados.
Além dos elementos apresentados acima, encontramos outros elementos que
fazem parte do processo de formulação do texto falado, tais como hesitação, repetição,
etc. Hilgert (1989, p. 107) corrobora a presença desses elementos e acrescenta: “a
intenção comunicativa é construída na e pela formulação”, e o planejamento do que se
poderá dizer irá deixar marcas na sua formulação tais como: descontinuidades,
hesitações e paráfrases.
Essas marcas, que chamamos de marcadores reveladores de dificuldade de
formulação verbal ([DF]), podem ser reconhecidas por meio de repetições ([DF Rep]),
57
prolongamentos de vogal ([DF PLVo]), anacoluto ([MD: An]) e paráfrases ([Paraf]).
Apresentamos a seguir esses marcadores conforme utilizamos em nossas análises.
Quadro 12 - Marcadores de dificuldade de formulação verbal e envolvimento
[DF:PVo] Marcador de dificuldade de formulação: prolongamento de vogal.
[DF:An] Marcador de dificuldade: anacoluto.
[DF:PLV] Marcador de dificuldade de formulação: planejamento verbal.
[DF:Rep] Marcador de dificuldade de formulação: repetição.
[Paraf] Paráfrase.
[Compl] Complementação do discurso do interlocutor.
Fonte: Jamison (2015)
5.6 ETAPAS DE INVESTIGAÇÃO
Antes da etapa da pesquisa de campo, é preciso esclarecer que, de acordo
com as resoluções do Conselho Nacional de Saúde, CNS 466/2012 e 510/2016, para
todos os projetos de pesquisa, independente da área de conhecimento, que envolvam a
participação direta ou indireta de seres humanos, exige-se apresentar, antes da coleta
de dados, o número do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE),
emitido por um Comitê de Ética em Pesquisas (CEP) do Sistema CEP/CONEP. Diante
disso e após termos tido o projeto já qualificado em dezembro de 2018, com parecer
satisfatório emitido pelos membros da banca, submetemos nosso projeto de pesquisa ao
Comitê de Ética de Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará (UECE) antes de irmos
a campo.
No dia 10 de setembro de 2019, recebemos o parecer consubstanciado do
CEP sob o número de 3.565.279, versão 2, CAAE 15041019.8.0000.5534, na situação
do parecer: APROVADO.
De posse do parecer, levamos uma cópia à supervisora da Clínica-Escola do
Centro Universitário Estácio do Ceará, que nos autorizou darmos início aos nossos
encontros. O nosso primeiro encontro aconteceu no primeiro sábado seguinte.
A observação foi realizada pelo próprio pesquisador durante os encontros dos
grupos focais e das conversas ordinárias, assim como, dos momentos individuais.
58
Portanto, foi adotada a forma observacional associada a um questionário utilizado como
elemento facilitador nas rodas de conversa, havia um constante zelo na preservação das
faces das pessoas que estavam envolvidas, tomando como princípio que a temática
suicídio poderia ser um “assunto de considerável carga emocional e afetiva, evitando,
desse modo, uma possível sobrecarga emocional nos sujeitos” (JAMISON, 2015).
O pesquisador teve consigo um livro de protocolo para registro das
observações necessárias à análise do corpus. Utilizamos também um gravador sobre a
nossa cadeira para podermos ter uma gravação a mais durante os grupos focais.
Tiramos algumas fotos durante os grupos focais, sempre com a autorização
dos participantes e tendo o zelo de não revelar o rosto, ou partes do corpo, que
pudessem ser elementos reveladores da identidade do participante.
A utilização do bloco de notas, ou diário de campo, foi bastante útil para
descrever o contexto situacional durante as gravações das conversas, bem como para
resgatar palavras e expressões linguísticas percebidas durante cada gravação verbal.
O diário de campo foi organizado da seguinte forma: a data; o início e o
término do grupo focal; primeiramente as pessoas presentes (anotamos quantas e quais
pessoas estiveram presentes durante os encontros do grupo focal); a seguir a descrição
do ambiente (o campo onde foram registradas as conversas dos grupos focais e
ordinárias, por exemplo, como os presentes estavam posicionados espacialmente e o
registro de linguagem não-verbal significativa praticada pelos participantes durante os
encontros).
Os encontros iniciavam no horário das 13:30 min. com duração de
aproximadamente 1h. para as conversas em grupo, em seguida uma pausa para o
lanche e logo depois o encontro era retomado em um outro formato, as pessoas, que
desejassem, se encontravam comigo individualmente. Esse tempo era variável, tendo
em vista que, em alguns dias, ele fluía com mais facilidade e em outros ele precisava de
mais tempo para se tornar funcional. Outro dado significativo, foi a que alguns
participantes chegavam regularmente atrasado, demonstrando assim, o desafio que a
sua presença representava para ele. Mas, ao mesmo tempo em que os encontros não
tinham uma rigidez no cumprimento do horário inicial, se percebia, que com algumas
raras exceções, talvez, devido aos seus outros compromissos, os participantes também
não demonstravam pressa para ir embora. Mesmo quando, os encontros já haviam
oficialmente encerrados, um ou outro, geralmente ficava para falar algo em particular ou
apenas para ficar conversando sobre outros assuntos.
59
Nossos encontros aconteceram aos sábados a partir do dia 14 de setembro,
com exceção do dia 12 de outubro que foi feriado nacional, dia de Nossa Senhora
Aparecida e do dia 02 de novembro, também feriado, dia de finados. O que nos levou a
procurar outros momentos durante a semana para compensar esses dias sem encontro.
Para o primeiro momento na sala de encontro, no caso, a sala de reunião dos
estagiários da Clínica Escola, foi disposta da seguinte maneira: um círculo de cadeiras
ao redor de alguns livros, sobre as cadeiras se encontravam papel e caneta, e em outras
mesas, um pouco mais distante, lanche e alguns materiais utilizados na pesquisa, como
blocos, gravadores, celulares para as fotos, e folhas de papel ofício, em branco, caso
alguém sentisse a necessidade de suporte para escrever. Essa estrutura se manteve
nesse formato apenas nas primeiras reuniões, depois de alguns dias, os próprios
participantes forma modificando a posição das cadeiras, às vezes aproximando e outras
vezes afastando, mas, sendo mantendo a dinâmica de estarmos visíveis para todos os
demais participantes.
Figura 1- Foto do primeiro encontro do grupo focal com os livros ao centro
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
60
Em nosso primeiro encontro, agradeci a presença de todos os que estavam
participando da pesquisa, expliquei a finalidade da mesma, e como se realizariam as
rodas de conversa, entreguei o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, após a
entrega li o Termo e os participantes acompanharam a leitura, assinaram o mesmo, e
somente depois da assinatura, demos continuidade ao encontro.
Era um grupo bem diversificado quanto às idades, classe social e gênero.
Como havia livros17 espalhados no chão vários participantes pegaram alguns para ler.
Depois quando foi explicado como se daria a dinâmica com os livros, os participantes
foram recolocando os mesmos em seus lugares.
No centro do círculo dos livros se encontravam duas mandalas de madeira
preta com um único livro intitulado: FIQUE CALMO! Esse livro foi utilizado como ponto
de conexão entre as pessoas que se encontravam presentes, ele circulou de mão em
mão e cada pessoa lia uma página na sequência e mostrava aos demais a ilustração
que representava a frase escrita, era um momento muito criativo, a intenção era ajudar
as pessoas irem quebrando a distância social inicial através desse recurso
biblioterápico18.
Após esse momento inicial, passamos para uma segunda etapa, foi sugerido
que cada pessoa escolhesse livremente um livro e após todos estarem com seus livros,
voluntariamente elas iam dizendo o porquê de terem escolhido aquele livro; quando
todos terminaram, os livros foram recolocados no chão e houve uma segunda rodada de
leitura, utilizando-se a mesma metodologia da primeira rodada, nessa segunda fase as
pessoas apresentaram um comportamento diferente da primeira, elas visivelmente
falavam um pouco mais sobre a relação do tema com a sua vida pessoal e aos poucos
as pessoas foram ficando mais à vontade e falando sobre situações mais particulares, o
que levava a crer que elas estavam aos poucos se sentindo mais livres para expor os
seus pensamentos e sentimentos.
Nesse primeiro dia além dos livros de psicologia havia outros livros com outras
temáticas.
17Para se ter uma ideia dos títulos dos livros utilizados na dinâmica, apresentamos, em anexo no final da
pesquisa, os dados relativos aos tomos que se encontravam espalhados no centro da sala. 18Termo referente à biblioterapia, terapia por meio de livros. Expressão originada de duas palavras gregas:
biblion – livro e therapeia – tratamento.
61
5.7 INSTRUMENTOS DE INVESTIGAÇÃO
Além disso, para ratificar nossos objetivos, nesse grupo, aplicamos um
questionário com três perguntas, a saber: o que é suicídio? Há uma grande diversidade
de termos para identificar o suicídio. Qual o nome que melhor representa ou faz lembrar
essa categoria? Em sua opinião, e em ordem de importância, tente organizar uma lista
de dez exemplares mais típicos para categorizar o léxico “suicídio”. Dizendo de outra
forma: cite palavras ou expressões que vêm a sua mente quando você pensa em
suicídio. Justifique a escolha dos exemplares mais e menos típicos para a categoria
suicídio. Em outros termos, justifique a escolha dos exemplares citados na primeira e na
última posição.
Enquanto as pessoas preenchiam esse questionário colocamos uma música
ambiente na intenção de criar um espaço acolhedor e ao mesmo tempo leve.
Figura 2 - Momento de escuta
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
62
À proporção que cada participante ia terminando de preencher o questionário,
e de acordo com a disponibilidade, íamos nos encontrando individualmente. O
questionário foi sendo usado, dessa forma, também, como potencializador e facilitador
para abordarmos a temática do suicídio. Embora, as conversas pessoais não tivessem
um roteiro rígido de perguntas, iniciei com cada participante fazendo a mesma pergunta:
O QUE É O SUICÍDIO PARA VOCÊ?
No segundo encontro, seguimos a mesma metodologia, ou seja, espalhamos
os mesmos livros no chão ao redor das mandalas, e as pessoas escolheram outros livros,
nesse segundo dia ficou mais evidente que o nível de confiança havia aumentado, elas
começaram a ultrapassar a temática do livro escolhido e foram fazendo outras conexões
mais pessoais, falando sobre infância, expectativas e desejos. À proporção que o tempo
ia passando, as pessoas iam trocando impressões e opiniões acerca do suicídio, mas,
também, a cerca de outras temáticas que iam surgindo, dava a impressão de que elas
tinham uma necessidade de expressar suas opiniões e que aquela parecia ser uma
oportunidade.
Depois, novamente conversei individualmente com quem desejassem falar
um pouco mais ou quisessem falar de algo que estava trazendo algum sofrimento, uma
boa parte dessas conversas foi gravada, com a autorização da própria pessoa, o teor do
diálogo estava direcionado ao comportamento suicida; no entanto, algumas pediram, em
determinado momento, que desligasse o gravador pois elas iriam falar algo mais íntimo
e não gostariam que fosse registrado, respeitei o desejo de cada um, e estando no papel
de psicólogo mantive o restante do diálogo de forma confidencial.
A partir do terceiro encontro, retiramos os livros que não estavam diretamente
relacionados com o tema suicídio na intenção de mantermos o foco mais direcionado
para o tema da pesquisa, a dinâmica era a mesma e assim as pessoas começaram a
falar mais diretamente sobre suicídio, percebia-se que alguns abordavam o tema com
mais facilidade, e outros apresentavam uma certa resistência, preferindo falar
diretamente comigo. No entanto, observamos que durante os demais momentos, como
os do breakfast, ou das conversas informais, elas interagiam com mais leveza.
63
Figura 3 - Momento de descontração com os livros
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Uma constante em todos os encontros foi o cuidado com as palavras ou
expressões de duplo sentido que pudessem gerar desconforto ou a sensação de
impolidez na abordagem dos assuntos que iam surgindo, direta ou indiretamente
associados ao suicídio. O que não impedia que as pessoas se comunicassem com
autenticidade e liberdade de expressão, dentro do espaço de subjetividade que cada
pessoa selecionava como território que ela gostaria de expor ou que ela gostaria de
tornar público.
Iniciamos o nosso último encontro de uma forma diferente, decidimos fazer
um café compartilhado, cada pessoa trouxe algo para dividir na hora do lanche, tivemos
um momento inicial com os livros, e depois tínhamos um tempo para que cada pessoa
pudesse expressar como tinha sido a sua experiência durante os dias que havíamos nos
encontrado e no que os encontros havia acrescentado em suas vidas, voluntariamente
cada pessoa falou um pouco sobre sua experiência e percepção sobre os encontros, do
ela aprenderam sobre o suicídio e sobre elas mesmas, e ficou em aberto a proposta do
grupo continuar se encontrando após o término da pesquisa.
64
Figura 4 - Foto do momento de encerramento do encontro do grupo focal
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
5.6 PARTICIPANTES DA PESQUISA
A princípio, conforme assinalado anteriormente, realizamos uma pré-seleção
dos candidatos que feita por mim, conforme mencionado, juntamente com a
coordenadora da Clínica-Escola, teve como público as pessoas que buscam
atendimento nessa Clínica. Após essa etapa inicial, a seleção dos sujeitos da pesquisa
foi feita por nós pesquisadores, perfazendo um total de 06 participantes (03 com ideação
e 03 com tentativa de suicídio).
Seguimos, assim, os seguintes critérios: pacientes em situação de
comportamento suicida que tenham tido pensamento ou ideação suicida e pacientes que
já tenham tido tentativa de suicídio; dessa seleção, escolhemos os pacientes, conforme
citamos, que aceitaram participar da pesquisa, ou seja, aceitaram conversar sobre
suicídio e terem as suas conversas registradas; somente após essa conversa ordinária,
e os pacientes terem sido selecionados, entregamos o documento com a autorização do
termo de consentimento livre esclarecido.
65
Depois de definidos esses pacientes como sujeitos da pesquisa, preparamos
um arquivo de identificação para cada paciente, descrevendo o nome (iniciais), o gênero,
a idade, o grau de escolaridade e o estado civil.
Importante que foi recordado aos participantes que eles dispunham de total
liberdade para interromperem o acompanhamento no momento que desejassem, sem
nenhum prejuízo, nem constrangimento para quem assim decidisse.
66
6 TRANSCRIÇÕES
6.1 NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO DAS CONVERSAS
6.2 CONVENÇOES NORMATIVAS DAS TRANSCRIÇÕES DAS CONVERSAS
De acordo com Marcuschi (2008) o sistema sugerido para a transcrição das
conversas é eminentemente o ortográfico, adotando a escrita-padrão e considerando a
produção real e a variação linguística do indivíduo.
Para Marcuschi as palavras ou expressões são usadas de modo diferente do
modelo original, devendo, serem escritas da mesma forma com que foram pronunciadas
(TEIXEIRA, 2011). Contudo, seguimos as convenções de escrita ortográficas.
Utilizamos um quadro adaptado de Castilho; Preti (1986) e adotado por Koch
(1977) em Teixeira (2011), com as normas mais frequentes para uma transcrição.
Quadro 13 - Símbolos para Transcrição de Conversações
OCORRÊNCIAS SINAIS
Incompreensão de palavras ou segmentos ((incompreensível))
Hipótese do que se ouviu (hipótese)
Truncamento (havendo homografia, usa-se acento indicativo da tônica e/ou timbre)
/
Entoação enfática Maiúsculas
Alongamento de vogal ou consoante (como r, s) :: podendo aumentar
para ::: ou mais
Silabação -
Interrogação “
Pausa (para as pausas além de mais de 1.5 segundos, indica-se o tempo).
(+)
Comentários descritivos do transcritor ((minúsculas))
Comentários que quebram a sequência temática da exposição, desvio temático
----
Superposição, simultaneidade de vozes [simultaneidade de vozes]
Indicação de que a fala foi tomada ou interrompida em determinado ponto. Não no seu início
(...)
Citações literais, reproduções de discurso direto ou leituras de textos, durante a gravação
“”
Fonte: Adaptado pelo autor, com pequenas modificações das regras extraídas de Castilho; Preti (1986),de Koch (1997) e de Marcuschi (1991, p.10) apud Teixeira (2011)
67
Fizemos as transcrições, adotando os seguintes critérios gráficos:
- Espaço simples, porém, dando dois espaços entre um turno e outro;
- A inicial do interlocutor pesquisador feita em negrito, sendo a primeira letra
“A” do interlocutor em maiúsculo e em negrito, seguido das duas iniciais do
nome desse interlocutor em negrito também. Exemplo: AJr;
- As iniciais dos sujeitos da pesquisa feitas com duas iniciais de um nome
hipotético para eles, em letra maiúscula e em negrito;
- As hesitações marcadas por reticências;
- Respeitamos a escrita dos pacientes. Não fizemos revisões das falhas
escritas de acordo com as convenções ortográficas de Língua Portuguesa.
Ao identificarmos as ocorrências de dispositivos emotivos, estratégias de
polidez e marcadores discursivos, destacamos a palavra, ou expressão em negrito para
que esses fossem relacionados aos códigos que os procediam.
68
7 ANÁLISE DAS CONVERSAS E DISCUSSÕES DOS RESULTADOS
Nessa etapa do nosso trabalho, analisamos as conversas a partir das
transcrições realizadas durante os encontros do grupo focal e dos momentos de
interações espontâneas, principalmente na hora do lanche ou do cafezinho. Focamos
nossa atenção especialmente sobre os seguintes pontos:
- As dificuldades de formulação verbal e de envolvimento durante o processo
de interação no grupo, nos momentos espontâneos e no jogo/trabalho de
faces;
- No uso da (im) polidez / (des) cortesia e de suas estratégias interacionais
utilizadas nas conversas durante a descrição do suicídio e do jogo de faces;
- No processo de construção da face do suicídio que fosse sendo evidenciado;
- No uso dos marcadores discursivos identificados nas interações;
- Na utilização de dispositivos sob o viés da Pragmática da Emotividade,
envolvendo aspectos linguísticos e paralinguísticos;
As transcrições foram realizadas após escutarmos as gravações realizadas
durante os encontros (grupo focal, momentos espontâneos e individualmente). Optamos
em analisar uma pergunta norteadora das conversas individuais, a saber: O QUE É O
SUICÍDIO PARA VOCÊ? Assim como, a análise de dois trechos das rodas de conversa
trechos nos quais se falava sobre suicídio de uma forma mais direta.
Para facilitar a nossa análise agrupamos as transcrições das conversas
pessoais, obedecendo os seguintes critérios: no grupo 1, locamos 3 pessoas que tiveram
ideação suicida, mas, não realizaram o ato suicida, no grupo 2 outras 3 pessoas que já
realizaram o ato. Em outro segmento locamos 2 trechos, de diferentes pessoas,
participantes do grupo focal, quando conversavam abertamente de forma comunitária
sobre comportamento suicida.
69
GRUPO 1 (IDEAÇÃO)
PARTICIPANTE 1
Nome fictício: James (J).
1. Ij: Suicídio é [EVI+] um refúgio que é::: [DF:PVo] 2. Ij:Bem [AVA+] uma válvula de escape que... 3. Ij:deixa [AVA+] eu vê a palavra... 4. Ij:é::: [DF:PVo] não-não [DF:Rep] sei se eu diria [EVI-] que é pros fracos
[AVA-] 5. Ij:mas... [DF:PLV] dependendo [AVA-] do seu estado emocional você
[ESP+] chega a ter esses pensamentos [PROX+] 6. Ij:eu acho [EVI+] que::: [DF:PVo] 7. Ij:é::: [DF:PVo] no caso [AVA+] é::: [DF:PVo] no meu caso eu acho [EVI+]
que desencadeou [QUA+] foi essa [EVI-] parte de tristeza 8. Ij:foi muito [QUA+] pela parte do financeiro [EVI-] 9. Ij:às vezes [QUA+] é::: [DF:PVo] às vezes eu ficava tendo [QUA+] [PROX-]
esse [EVI-] tipo de pensamento 10. Ij:foi por conta dessa [PROX-] tristeza mesmo [EVI+] aí é uma válvula de
escape... sabe” [MD EL] 11. Ij:você pensa que [EVI +] se suicidando vai resolver [AVA+] 12. Ij:e não resolve’ [AVA-] 13. Ij:na verdade... [EVI+] tanto [QUA+] você vai perder [EVI+] a sua vida
como é [AVA+] arriscado por conta disso alguém [EVI-] também se suicidar 14. Ij:ou... [DF:PLV] desencadear uma depressão ou outro tipo [AVA+] de
doença por causa disso [PROX-] 15. Ij:bom... [DF:PLV] a minha opinião [EVI+] é essa’ [AVA+]
O participante que preferiu se identificar com o nome de James (J) tem 35
anos, é professor, casado e estudante universitário. Trabalha em uma instituição de
ensino que eu tenho conhecidos. Ficou sabendo da minha pesquisa e quis ser um dos
informantes. Procurou por mim e eu disse que se ele quisesse poderia participar do grupo
focal mantendo o seu anonimato. Ele prontamente aceitou. Esteve presente na maioria
dos encontros e demonstrou facilidade em se relacionar com os demais participantes;
tomava iniciativa nas conversas. Estava sempre disposto a ajudar. É importante
evidenciar que ele já fez acompanhamento psicológico. Nessa ocasião o participante
estava desempregado. Disse que, quando passa por dificuldades, ainda lembra do fato
‘suicídio’, mas que, se arrepende do que fez e não pensa em fazer de novo.
Ele foi a primeira pessoa a ser atendida no primeiro dia de encontro. James
aparentava calma, embora, demonstrasse um pouco de ansiedade. Após alguns minutos
de acolhimento e explicação como iria ser esse segundo momento, demos início à nossa
conversa individual. Essa primeira transcrição é parte dessa conversa. Nesse trecho, o
participante respondeu, a partir da sua experiência, o que é o suicídio?
Com ar de tranquilidade, James iniciou seu discurso, apresentando o conceito
de suicídio, ou seja, ‘Um refúgio’. Para isso, ele se utilizou de um dispositivo de maior
70
Evidencialidade, dispositivo responsável por demonstrar valor de verdade no que
estava sendo expresso. Apesar de ter começado de forma assertiva, logo em seguida,
enquanto ensaiava a continuação da frase, James deu uma prolongada no verbo ‘é:::’
um marcador de dificuldade de formulação verbal, prolongamento de vogal, indicando
que ainda não estava claro o que iria dizer ou que estava hesitando na hora de expor a
sua face de suicida.
Após um momento de reflexão, utilizando-se de um dispositivo de maior
Avaliatividade ‘bem’, James usou um outro adjetivo para definir suicídio. Dessa vez,
suicídio era descrito como sinônimo de ‘válvula de escape’. Novamente, antes de
terminar essa nova frase, ele faz uma nova pausa e na linha seguinte apresenta outra
definição. Essas mudanças inferem cuidado na escolha da palavra mais apropriada,
corroborando preocupação tanto com a preservação de sua face, como, com a face do
ouvinte. Além disso, mostra toda uma estratégia de polidez para não ferir as faces dos
envolvidos no processo dessa interação centrada.
Essa preocupação ficou mais evidente quando ele mesmo declarou na linha
3, ‘deixa eu vê a palavra...’. Esse comportamento do James sugere um distanciamento,
não apenas espacial, mas emocional; visto que ele já teve ideação suicida e o conceito,
supostamente, não deveria ser algo que ele desconhecesse. Era como, se nesse
momento, ele estivesse fazendo um resgate emocional do acontecido; de fato, ele ficou
um pouco em silêncio, pensativo, e só depois retomou o argumento.
Mas, ainda de forma vaga, Ele iniciou a frase com dois marcadores de
dificuldades de formulação seguidos, o primeiro de prolongamento de vogal ‘é:::’ e um
segundo de repetição ‘não-não’, e continuou ‘não sei se eu diria que é pros fracos’, dando
a entender que ele, em algum momento, já associou ‘suicídio’ com ‘fraqueza’. O percurso
que James vai fazendo é o de revelação, embora esteja falando da experiência dele. No
começo ele vai expressando o seu pensamento de forma indireta, supostamente neutra,
e generalista, como se estivesse apenas apresentando uma definição alheia, mas, a
proporção que vai se sentindo mais à vontade, ele vai trazendo o discurso mais para si
e se desnudando, tornando evidente a sua face supostamente negativa de pessoa que
tentou suicídio. Uma face carregada de tabus, preconceitos e estigmas sociais. James
apresenta uma face que a sociedade almeja esconder, como veremos mais adiante.
Inferimos que, James mantém essa postura quando se refere ao suicídio,
como forma de demonstrar ao ouvinte uma “distância emotiva ou cognitiva” (CAFFI,
1994, p. 129), o que assegura, através dessa distância, uma estratégia de manutenção
71
da sua própria face utilizando-se ao mesmo tempo de uma estratégia de polidez off-
record (BROWN; LEVINSON, 1987), além de um mecanismo de proteção emocional.
Somente a partir da linha 6, James foi sinalizando uma maior confiança,
partindo do geral para o pessoal. Ele foi se utilizando de alguns marcadores como
ferramentas de gradação, primeiramente utilizou um dispositivo emotivo de maior
Evidencialidade: “eu acho” como sinal de comprometimento. Dessa forma, expondo a
sua face para evidenciar o seu comportamento, ele vai se empoderando do ato de ter
tido ideação suicida. Porém, depois, ele utilizou três marcadores de dificuldades de
prolongamento de vogal ‘que :::’, ‘é:::’, ‘é:::’, demonstrando assim, que ele ainda estava
elaborando o próximo passo.
Embora, inicialmente hesitante, ao longo da conversa conosco, James vai
manifestando sua confiança e estabelecendo uma relação mais espontânea, menos
tensa. Percebemos essa manifestação, por meio do seu comportamento, da sua
linguagem corpórea e dos elementos paralinguísticos. Ele, à princípio gesticulava mais
e tinha um olhar meio sem direção, um olhar que parecia fugir do meu. Mas na
continuidade, não apenas trouxe para si o discurso, mas, apresentou os motivos que o
levaram ao comportamento suicida, dessa vez, ele se expressou de forma pessoal e com
a fala firme. James disse: ‘no meu caso... eu acho... que desencadeou... foi essa parte
de tristeza... foi muito pela parte do financeiro’ (L. 6 a 10). Ele estava revelando a sua
face mais íntima. Face de uma pessoa supostamente fraca. Face negativa que tantos
não conseguem tornar pública. Mas, mesmo se revelando e mostrando a sua “face
negativa”, James procura trabalhar essa face minimizando a sua suposta culpa e
colocando essa culpa na tristeza, e nas dificuldades financeiras. Assim, indiretamente, o
suicídio vai se descortinando com uma face de fuga e não de morte. Suicídio, seria,
portanto, um ato de fugir das tristezas ocasionadas por problemas financeiros.
No entanto, James precisava de adesão do seu interlocutor para se sentir
seguro. Ele encerrou sua fala sinalizando com um “sabe” (marcador discursivo
posposicionado), sugerindo um pedido de suporte, de aprovação; assim como, a
utilização de uma estratégia de polidez: procure acordo. (BROWN; LEVINSON,
1987).
Nas próximas linhas, James retornou a falar de forma indireta. É, possível que
James tenha o hábito de se expressar desse modo ou se sinta confortável em falar de si
sem se comprometer diretamente com o conteúdo do que está sendo dito. Seria
necessário mais tempo de observação, mas, não é o foco dessa análise. O fato é que,
72
mesmo usando essa estratégia ele continuou falando o que pensava sobre o tema, ele
disse ‘você pensa que se suicidando vai resolver e não resolve... na verdade.... tanto
você vai perder a sua vida como é arriscado por conta disso alguém também se suicidar
ou desencadear uma depressão ou outro tipo de doença por causa disso’. Observamos
que nesse bloco, James fez uma explanação mais detalhada da lógica do seu
pensamento.
Ao final, James apresentava um comportamento novamente tranquilo,
demonstrava alegria no olhar e falava de forma mais lenta. Após um breve
movimento com as mãos, ele sorriu levemente e disse ‘bom’ (marcador preposicionado
que serviu para iniciar e, ao mesmo tempo, de forma ambígua, concluir o turno
conversacional e sua fala sobre suicídio). Fez uma pequena pausa, tempo suficiente
para dar a perceber que estava encerrando a sua resposta, e para não deixar dúvidas
de que estava realmente concluindo o seu pensamento, ele afirmou “a minha opinião é
essa”. Entendemos, que essa estratégia de afirmação corroborou para um
fortalecimento da proteção de sua face e fortaleceu a sua imagem de fachada
positiva. Depois disso, não falou mais nada, possivelmente esperando a próxima
pergunta.
PARTICIPANTE 2
Nome fictício: Gabriela (G).
1. Ij:Suicídio para mim [ESP +] é:: [DF: PVo] 2. Ij:É:: [DF: PVo] um ato que envolve [ESP+] desespero 3. Ij:no sentido [AVA+] de falta de esperança diante [ESP+] da vida.. 4. Ij:ou do futuro [PROX+] 5. Ij:eu vejo [EVI+] também como um ato [AVA+] de grande [QUA+] coragem 6. Ij:e que envolve muitas vezes [QUA+] uma vontade intrínseca muito 7. Ij: [QUA+] forte ne” [MD EL] 8. Ij:O primeiro [ESP+] pensamento que vem é o de fuga 9. Ij:porque é o que mais caracteriza [QUA+] para mim [ESP+] o suicídio 10. Ij:uma fuga da realidade. [ESP+] 11. Ij:Às vezes [QUA+] pode parecer a melhor [AVA+] solução. 12. Ij:Eu não penso [ESP-] na morte, quando se fala sobre suicídio 13. Ij:acho [EVI+] que quase ninguém pensa [EVI-] na morte 14. Ij:Bem (+) Talvez [MD Inc] alguém [ESP-] pense ne” [MD EL] 15. Ij:Eu não penso [ESP-] 16. Ij:Eu penso [ESP+] em coisas [PROX+] concretas.
A participante preferiu se identificar com o nome de Gabriela, tem 35 anos,
casada e estudante universitária. Foi indicada por uma outra participante do grupo.
Esteve presente em todos os encontros, demonstrou facilidade em se relacionar com os
73
demais participantes, não aparentava conflitos relacionais. Já fez acompanhamento
psicológico quando criança, mas, atualmente não estava fazendo. Recentemente, não
teve pensamento suicida, mas, relatou que houve um tempo em que eles eram bastante
intensos.
A paciente que será nomeada apenas pela letra Gabriela foi a primeira
pessoa, do segundo dia de encontro, a ser atendida, aparentava um comportamento
calmo. Falamos um pouco sobre os encontros e de forma, quase informal fiz a pergunta
norteadora: a partir da sua experiência, o que é o suicídio?
Esse trecho é apenas uma parte da resposta dada pela participante Gabriela,
ela continuou falando sobre o tema por mais tempo, porém, selecionamos esse
segmento, por acreditarmos, que ele contém o essencial do seu pensamento sobre
suicídio.
Ela iniciou sua resposta de forma tranquila e demonstrando segurança nos
argumentos, começou o discurso falando a partir de si, utilizou a expressão ‘para mim’,
um dispositivo emotivo de especificidade que demonstra assertividade. Embora ela
tenha usado dois marcadores de dificuldade de formulação: prolongamento de vogal,
Gabriela não demonstrava dificuldade cognitiva na construção da frase, inferimos que a
opção desse dispositivo demonstra que Gabriela está selecionando palavras apropriadas
para o enunciado seguinte. Ela encerra a frase e inicia a seguinte com ‘é:::
Logo em seguida ela disse ‘é um ato que envolve desespero’. Gabriela utilizou
uma expressão com uma riqueza de sentido. A própria participante procurou esclarecer
a que tipo de desespero ela estava se referindo. Inferimos que, nesse momento, ela se
atenta em esclarecer o sentido do que falou, demonstrando assim, preocupação em
proteger a sua face de possível ameaça devido a uma provável incompreensão do termo
utilizado.
Sendo assim, ela iniciou a linha 3, utilizando um dispositivo emotivo de
avaliatividade quando diz ‘no sentido’ em uma clara intenção de ratificar o seu
pensamento, porém de forma mais compreensível. Logo em seguida, ela acrescentou
‘falta de esperança diante da vida’ fazendo referência ao termo ‘desespero’, o que
dá um tom mais suave ao discurso. Gabriela manteve uma atitude assertiva, porém,
buscando utilizar palavras polidas para expressar a sua opinião. eu vejo também como
um ato de grande coragem
74
Dando fechamento ao pensamento anterior, Gabriela iniciou a próxima frase
usando um dispositivo de proximidade temporal ‘futuro’, para deixar, ainda mais claro, o
alcance do que foi dito.
Nas linhas 5 e 6, Gabriela estava buscando demonstrar os níveis de
dificuldade envolvidos para quem realiza o ‘ato’ de se suicidar, para isso, ela se utilizou
de dois marcadores de quantificação para corroborar o seu pensamento, ela usou
‘grande coragem’ e ‘vontade intrínseca muito forte’. Observarmos que, ela estava tirando
o foco da ação de se suicidar e pondo sobre a coragem da pessoa que realiza o ato,
criando um sentimento de ambivalência para com a pessoa envolvida com o suicídio.
No entanto, Gabriela precisou de suporte para sustentar essa nova linha de
pensamento, e, ela demonstrou essa necessidade através de um elicitador de apoio ‘né’,
demonstrando assim, nesse momento, uma fachada de solidariedade para com o outro.
Logo após, Gabriela retornou ao conceito de suicídio, ela o apresentou de
forma mais elaborada, dando a impressão que, durante o discurso ela foi amadurecendo
a ideia. Ela disse: ‘envolve muitas vezes uma vontade intrínseca muito forte’.
Confirmando essa retomada, Gabriela começa a linha 7, usou um marcador
de especificidade ‘o primeiro’, sinalizando que estava revisitando o argumento a partir da
origem, e, logo em seguida, acrescentou seu novo conceito para suicídio ‘fuga’, como
característica mais evidente para ela. Dando continuidade, na linha seguinte, Gabriela
esclareceu ‘fuga da realidade’ (L. 9). Com essa retomada, ela teve uma forte
preocupação em manter a fachada correta e coerente com suas ideias.
Na linha 10, Gabriela buscou novamente dar uma suavização na intensidade
das suas ideias, ela disse ‘às vezes’, significando ‘nem sempre’, depois afirmou
‘parece’ em lugar de ‘não é que seja exatamente assim’ e por fim, ela encerrou o
pensamento com ‘a melhor solução’. Inferimos que, com esse método que Gabriela
articulou em seus discursos, ela demonstrou constantemente uma dupla preocupação:
em ser autêntica, e, ao mesmo tempo, ela se preocupava em ser polida.
Na próxima linha 11, Gabriela apresentou uma nova forma de abordar o tema
suicídio, dessa vez, ela não falou o que pensava, mas o que ela ‘não pensava’ sobre o
assunto. Esse é um recurso, muitas vezes utilizado com a intenção de expressar uma
opinião diferente daquela que já se sabe sobre ela. Quando Gabriela disse ‘eu não
penso na morte quando se fala sobre suicídio’ ela estava demonstrando, através de
um dispositivo de menor especificidade, o conhecimento prévio de que ‘morte e
suicídio’ eram duas realidades conectadas.
75
Seguindo o mesmo raciocínio, na linha 12, Gabriela buscou demonstrar que
o seu pensamento, fosse compartilhado por outras pessoas; quando ela disse ‘quase
ninguém pensa’ na morte quando se fala sobre suicídio, ela estava declarando que,
possivelmente, ela não fosse o única a pensar dessa forma. Essa intenção corroborava
com a sua preocupação de manutenção de território pessoal, sua face.
Sendo assim, logo após, Gabriela buscou flexibilizar o seu argumento com um
marcador de incerteza ‘talvez’ alguém pense, ou seja, pode ser que exista uma minoria
que pense diferente dela, mas, ela não tem certeza. Visto que esse posicionamento é
subjetivo, e, inferindo que precisava de apoio do ouvinte para dar validade ao seu
argumento, Gabriela encerrou a frase sinalizando com um pedido de aprovação ‘ne’.
Por fim, Gabriela foi encerrando seu discurso sobre suicídio, na linha 15, ela
declarou que não concordava com o pensamento das pessoas que associavam morte a
suicídio, ela se utilizou de um dispositivo de menor especificidade ‘eu não penso’,
enfatizando o seu posicionamento. Logo em seguida ela declarou o motivo desse
posicionamento. Eu penso em coisas concretas (L.16). E encerrou o argumento.
Notamos que durante toda a trajetória Gabriela foi construindo um discurso assertivo,
flexível e ao mesmo tempo preocupada com a manutenção da sua face positiva.
PARTICIPANTE 3
Nome fictício: Sandra (S).
1. Ij:Pra mim [AVA+] o suicídio é... 2. Ij:se eu pudesse [AVA+] resumir (+) eu resumiria [VOL+] que ele [PROX+]
é uma FUGA 3. Ij:a palavra que vem [AVA+] a minha mente (+) 4. Ij:a primeira [ESP+] ne” [MD:EL] 5. Ij:assim [EVI+] partindo desse questionário que que o Senhor [PROX+]
aplicou 6. Ij:a primeira [ESP+] palavra que vem [AVA+] a minha mente é FUGA 7. Ij:fuga [DF:Rep] de problemas’ [ESP+] 8. Ij:fuga [DF:Rep] de coisas ruins’ [ESP+] 9. Ij:fuga [DF:Rep] dos perversos’ [ESP+] 10. Ij:fuga [DF:Rep] de coisas [PROX+] que nos faz sofrer (+) 11. Ij:eu não queria... [MD:Inc] 12. Ij:eu tomei [ESP+] a medicação/ os remédios do meu sogro (+) 13. Ij:Ma::s.. [DF:PVo] eu não tomei pensando [AVA+] em morrer’ 14. Ij:Nem/ [DF:An] 15. Ij:eu pensava primeiramente [ESP+] em fugir daqueles [PROX+]
problemas (+) ne” [MD:EL] 16. Ij:por isso que eu te falo [AVA+] que a palavra é FUGA’ não pensei em
morte’
76
A participante que preferiu se identificar com o nome de Sandra (S). Tem 47
anos, é casada, professora. Soube do projeto e desejou voluntariamente participar da
pesquisa. Demonstrou grandes habilidades sociais, se comunicava facilmente com todos
os presentes, gostava de tomar iniciativa, estava constantemente atenta às
necessidades dos demais. Disse que já fez acompanhamento psicológico há muito
tempo, e que está pensando em retomar a terapia. Aparentava um pouco de agitação,
mas, não demonstrava dificuldade emocional. Disse que gostaria de participar do grupo
para conhecer mais sobre suicídio e para ajudar, por meio do seu testemunho, outras
pessoas a superar essa fase que, como ela mesma disse: Passa!
Quando iniciamos a nossa conversa individual Sandra falava sem nenhuma
aparente dificuldade, dando a entender que aquele assunto estava no passado e que ela
o transportava para o presente com muita tranquilidade.
É preciso justificar o porquê de termos colocado Sandra e suas conversas
nesse grupo. Ela, explicou, mais de uma vez, que tomou os remédios do seu sogro,
porque estava há dias sem dormir por causa de uma insônia causada por problemas no
trabalho. Ao falar com uma amiga sobre essa insônia e sobre seus problemas, foi
aconselhada a tomar algo para dormir. Assim, resolveu pegar os remédios do seu sogro
e sem raciocinar foi tomando aos poucos. Como continuava sem dormir aumentou a
dose. Apagou e, somente acordou, após inúmeros chamados do seu esposo. A
participante não sabia precisar se realmente tentou o suicídio ou se queria apenas dormir
para fugir dos problemas, de forma temporal.
Porém, como na prática ela tomou a medicação, a sua conversa foi locada
como a última participante que teve ideação suicida e a primeira que tentou. Colocamos
essa conversa, portanto, no limiar entre as duas realidades, buscando evidenciar assim,
como o suicídio, por ser um assunto envolto em silêncio e preconceito, é um campo que
precisa ser explorado. Há muita falta de conhecimento, e não é muito clara a relação
simbólica e real que as pessoas têm com o comportamento suicida. A face do suicídio
se apresenta confusa. Nessa conversa, ficou claro que o suicídio é um enigma até
mesmo para Sandra Um acompanhamento psicológico poderia ajudar a participante a
rever a sua percepção sobre o acontecido.
Quando perguntada sobre o significado do suicídio para Sandra ela
respondeu de forma muito direta: ‘pra mim o suicídio é::::: se eu pudesse resumir (+)
eu resumiria que ele é uma FUGA’. Havia uma preocupação da participante em ser
clara nas suas expressões, mesmo falando de forma direta, ela se preocupava em ser
77
objetiva, para tal, ela utiliza um dispositivo de avaliatividade associado a um outro
de proximidade, ferramentas que buscam dar segurança e credibilidade ao seu
discurso. Esse comportamento nos leva a inferir que a participante está procurando
proteger a sua face de possíveis ataques e, ao falar de forma direta, esses ataques
podem ser minimizados, visto que ela aparenta ser uma mulher forte. Outro dado
relevante, em relação ao trabalho de faces realizado pela participante, se refere a grande
preocupação em não ser identificada pelos leitores desse texto. E o paradoxal disso tudo,
foi sua participação no grupo focal com outras pessoas em situação de comportamento
suicida. Ela não protegeu a sua face “supostamente negativa” de pessoa suicida; pelo
contrário, falou sobre o suicídio e não encarou o assunto de forma estigmatizada,
preconceituosa ou até romanceada. Parecia se sentir confortável e confiante entre os
participantes do grupo.
Outro dado importante, foi a utilização de um artifício para repetir o sentido de
suicídio; ela disse: ‘a palavra que vem a minha mente, a primeira...’ Nesse trecho da
conversa, ela deu a entender que existem outras palavras, mas, que a mencionada (fuga)
era a que vinha em primeiro lugar. Ou seja, a primeira, a que tem mais força, aquela que
acessa mais rapidamente, a que linguisticamente chamamos de protótipo- melhor
exemplar de uma categoria. E, então, para ratificar que o que ela estava falando não
só fora compreendido por ela, mas, que essa ideia era compartilhada pelo outro,
ela buscou confirmação por meio do modulador de incerteza, marcador
conversacional posposicionado, ‘né’. Esse modulador de incerteza pode ser usado
também como estratégia para levar o outro a compartilhar o pensamento, sugerindo a
utilização de uma estratégia de polidez positiva: procure acordo (BROWN;
LEVINSON, 1987).
Nesse trecho da conversa, Sandra usou também outro dispositivo emotivo de
Evidencialidade, ela continuou buscando imprimir valor de verdade ao que estava sendo
dito: ‘assim, partindo desse questionário que o Senhor aplicou, a primeira palavra que
vem a minha mente é FUGA’. Entendemos que a participante quando utiliza o título de
‘Senhor’..., um dispositivo emotivo de proximidade social, ela está evidenciando a
distância social entre a falante (paciente/participante) e o ouvinte
(psicólogo/terapeuta), ao mesmo tempo, em que esse recurso pode estar sendo usado
como um recurso para corroborar a distância entre a falante e o conteúdo do seu
enunciado.
78
No trecho seguinte, a participante foi especificando do que ela estava fugindo:
‘fuga de problemas, de coisas ruins, dos perversos, de coisas que nos faz sofrer’
nesse momento a paciente estava expondo a sua face mais fragilizada, ela estava
demonstrando mais liberdade de expressar seus pensamentos. provavelmente como
consequência da confiança que foi se estabelecendo ao longo da conversa. Esse
comportamento reforça a nossa hipótese da importância do acolhimento sem
julgamento, como atitude ativadora de mecanismos de não-proteção na pessoa que
estava participando da conversa.
Essa parte do trecho, foi tomando uma leitura diferente à medida que a
participante foi explicando, o que poderia claramente configurar como ‘tentativa de
suicídio’ pelo que estava escrito nesse trecho: ‘eu tomei a medicação/ os remédios do
meu sogro, Ma::s.. eu não tomei pensando em morrer’, no entanto, nem para a Sandra
é claro o movimento do que aconteceu, principalmente, se levarmos em conta a
subjetividade humana e os caminhos que a mente humana é capaz de percorrer,
compreendendo que o significado que as pessoas atribuem aos fatos são um diferencial
de como sofremos a influência desse fato e o seu retorno emocional, que reside nessa
relação.
Como a intenção dessa pesquisa não era entender os mecanismos de
proteção da participante, mas, evidenciar as diferentes relações que podemos
estabelecer com o suicídio, registramos essa conversa como modelo dessa diversidade
multifacetada.
Finalmente, a participante tendo falado o que julgava mais importante, fez um
resumo do que já dissera, sintetizando dentro de uma ´única expressão’, através de um
dispositivo de proximidade, quando disse; ‘em fugir daqueles problemas’. Através desse
dispositivo ela distanciou de si, de forma temporal e emocional, os problemas. E encerrou
o pensamento solicitando suporte, para isso, ela se utilizou de um elicitador de apoio:
‘ne”.
E para encerrar o argumento tendo a certeza de que foi clara nos seus
argumentos, ela repetiu, com ênfase, o que já fora dito durante o percurso da conversa:
‘por isso que eu te falo que a palavra é FUGA não pensei em morte’. Nesse momento
a participante demonstrou uma face serena e tranquila, não aparentava conflito, apenas
calma.
79
GRUPO 2 (TENTATIVA)
PARTICIPANTE 4
Nome fictício: Lisboa (L)
1. Ij:Suicídio pra mim [ESP+] é:: [DF:PVo] 2. Ij:uma tentativa [ESP-] de fugir das realidades adversas devido decepções 3. Ij:talvez... [MD Inc] seja falta de MATURIDADE 4. Ij:por transformar um problema sempre [QUA+] em algo [ESP-]
intransponível 5. Ij:que ao conseguir [AVA+] superar aquele [PROX-] momento de
dificuldade 6. Ij:conseguimos ver que às vezes.. [QUA-] desistimos [ESP+] 7. Ij:ou [MD Inc] queremos desistir por nada/ [ESP-] 8. Ij:sem nem analisar [EVI-] quantas [QUA+] vidas seriam afetadas por
aquele [PROX-] ato impensado [ESP-] 9. Ij:Eu sinto [ESP+] que não há nada [QUA-] que eu possa acrescentar no
mundo 10. Ij:seja pessoal (+) [ESP+] ou [MD Inc] na vida das pessoas [PROX-] 11. Ij:não há [AVA+] perspectiva ou [MD Inc] esperança e:::... [DF: PVo] 12. Ij:dessa forma [ESP+] tanto faz [AVA-] estar viva ou não... [MD Inc] 13. Ij:simplesmente... [EVI-] não faz diferença [AVA-]
A participante que preferiu se identificar com o nome de Lisboa (L) tem 27
anos, é funcionária pública, casada e estudante universitária. Soube da pesquisa através
de uma amiga e voluntariamente nos procurou. Participou de todos os encontros,
demonstrou facilidade em se relacionar com os demais participantes, embora, não
falasse muito. Tentou suicídio há um ano. Período em que fez acompanhamento
psicológico. Atualmente está passando por momentos de instabilidade emocional e
sérias dificuldades no casamento. Esse contexto tem ativado na participante, algumas
vezes, novamente, o pensamento suicida.
Lisboa foi a segunda pessoa a ser atendida, aparentava um comportamento
inquieto, movia muito as mãos e quando falava, não fixava o olhar. Perguntada se estava
bem? Confirmou que estava um pouco nervosa, mas, queria falar assim mesmo. Sendo
assim, demos início à nossa conversa individual. Portanto, essa segunda transcrição é
um fragmento dessa conversa. Nesse trecho, a participante respondeu, a partir da sua
experiência, o que é o suicídio?
Após a pergunta norteadora, a participante fez uma pequena pausa, dando a
entender que estava pensando sobre a resposta a ser dada, e em seguida, quando
começou a falar, já iniciou usando uma expressão na primeira pessoa. Possivelmente,
Lisboa utilizou essa postura com a intenção de demonstrar uma face assertiva,
contrapondo assim, ao seu comportamento nervoso. Ela iniciou sua resposta utilizando
80
a expressão ‘pra mim’, demonstrando assim, um tom de especificidade ao seu
argumento. Esse procedimento da participante sugere que ela estava, desde o começo,
tentando evidenciar uma face envolvida com o contexto que estava sendo apresentado.
Esse procedimento se confirma quando na próxima palavra, Lisboa deu uma prolongada
na vogal ‘é:::’ dando a entender que ainda estava elaborando o pensamento antes de
falar definitivamente. Depois falou de uma única vez: ‘uma tentativa de fugir das
realidades adversas devido decepções’.
A participante iniciou a próxima frase com a palavra ‘tentativa’ (L. 2)
demonstrando assim, que o seu argumento não era final, que ela estava falando de um
esboço, algo ainda não decisivo. O uso desse atenuador imprimia um tom de
experimento ao que estava sendo dito, o que poderia se constituir uma estratégia para
manter a sua face sob proteção.
Mantendo essa perspectiva de proteção à sua face, na linha 3, verificamos
por meio da expressão ‘talvez’, que Lisboa estava inferindo um ar de possibilidade à sua
opinião sobre suicídio. Em seguida, ela acrescentou, ao ‘talvez’ que, o suicídio ‘pode ser
falta de maturidade’, principalmente se for um comportamento repetitivo e ela agravou a
importância do seu posicionamento usando o termo ‘sempre’. Não obstante, logo após,
procurou suavizar sua opinião, utilizando um dispositivo de especificidade ‘algo’
intransponível, com essa frase ela elevou o grau de dificuldade das ‘realidades adversas’
(L.1), essa estratégia justificava a falta de alternativas para quem tinha pensamentos
iguais aos dela.
Notamos que, na linha 5, Lisboa retomou sua postura mais assertiva do início
do discurso, ela deixou aberta a possibilidade de ‘conseguir superar aquele problema’,
podendo significar, através dessa oscilação, que ela não tinha certeza se estava com a
fachada certa ou estava fora da fachada (GOFFMAN, 2011, p. 16). No entanto, para que
essa postura, mais assertiva, fosse possível ela utilizava mecanismos de suavização,
exemplo, ela usou ‘aquele’ e não ‘este’ quando se referia ao ‘momento de dificuldade’.
Na próxima linha, Lisboa modificou a pessoa do verbo usado no discurso, ela
utilizou a primeira pessoa do plural como sujeito do verbo em lugar da primeira do
singular, ela falou ‘conseguimos ver que às vezes’ no lugar de ‘consigo ver que às vezes’,
embora, falasse no plural ela continuava falando das suas experiências individuais.
Ventilamos que, com esse recurso, Lisboa estava buscando dar uma ideia mais
generalista e menos pessoal ao pensamento. E, por esse mesmo motivo tenha
selecionado o termo ‘às vezes’ para manter o sentido de vagueza e não
81
comprometimento direto com o argumento apresentado. É plausível que no termo
seguinte encontremos o motivo da participante buscar manter essa distância, ela
encerrou a frase dizendo ‘desistimos’, inferimos que esse termo poderia demonstrar o
peso que Lisboa estava carregando sobre os ombros, e o quanto o fardo lhe parecia
pesado ao ponto de desistir. De fato, nesse momento ele demonstrava cansaço, mas,
ao mesmo tempo consolo por estar falando de forma aberta sobre seus pensamentos.
Nesse bloco, Lisboa mudou a direção da conversa, ela iniciou a frase com um
marcador discursivo de incerteza ‘ou’, demonstrando uma ‘possível alternativa’ do
argumento apresentado. Anteriormente, ela havia se referido ao problema que poderia
levar ao suicídio como ‘algo intransponível’, e dessa vez, ela preferiu minimizá-lo, ela o
substituiu ‘por nada’ (L.7). O próximo argumento sugeriu uma reflexão quanto aos
motivos que poderiam levá-la a esse comportamento alternativo ‘sem nem analisar
quantas vidas seriam afetadas’ caso ela chegasse a consumar o ato suicida, o qual
suavemente, ela se referiu como ‘ato impensado’. Essa construção de utilizar um recurso
de menor especificidade, supõe uma ação de preservação da face.
Importante observarmos que, da linha 9 a 13, Lisboa vai prestando mais
esclarecimentos e justificando as razões que a levaram a pensar da forma como ela
estava pensando. Nesse novo bloco, ele recomeçou a falar na primeira pessoa do
singular. Ela iniciou a frase dizendo ‘eu sinto’, e depois, deu continuidade ao
pensamento. No entanto, houve uma permuta, ela usou a expressão ‘eu sinto’ em
substituição a ‘eu penso’, utilizando assim, uma figura de linguagem para se expressar.
É possível que, com essa construção, Lisboa estivesse conectando emoção e razão, o
que representava uma riqueza de possibilidades cognitivas e emocionais.
Durante essa explicação, ele foi especificando suas razões, ela declarou ‘não
há nada’ (L. 9) que pudesse acrescentar, ou seja, ela estava tentando deixar claro que
não teria ‘nada’ a somar, portanto sua vida não era muito relevante. Nem para ela ‘seja
pessoal’ (L.10) e nem para os outros ‘na vida das pessoas” (L.10). A frase seguinte foi
dita plena de tristeza, Lisboa desabafou que a sua vida não tinha ‘perspectiva’ ou
‘esperança’ (L.11), essas duas palavras foram ditas intercaladas por 2 marcadores de
dificuldades ‘ou’ e ‘e:::’ (L.11), indicando assim, esforço na formulação do pensamento.
Havia um ar de desconforto, por parte da participante. Ela estava falando
sobre um assunto delicado. Ela fez uma pausa antes de falar novamente, sinalizando
que precisava de um tempo para reorganizar as ideias, depois, através de um dispositivo
de especificidade, ela sintetizou o pensamento dizendo que ‘dessa forma, tanto faz estar
82
viva ou não’ (L.12), com essa frase ela chegou ao ápice do seu discurso, agora ‘suicídio’
entrou em outra categoria, passou a significar ‘morte’. A participante foi aos poucos se
aproximando do centro do seu argumento, embora ela tivesse começado pela periferia,
durante o percurso foi demonstrando que estava aprofundando seu conceito inicial.
Novamente, ela fez silêncio, mas, esse foi breve; Lisboa demonstrava não
querer ficar nele, e abruptamente, encerrou seus argumentos utilizando o termo
‘simplesmente’, através dele, ela deixava claro que havia chegado à conclusão do seu
pensamento. Nesse momento, a participante fez uma pausa, indicando que já esgotara
os argumentos, ela rematou dizendo ‘não faz diferença’ e silenciou. Em seguida a
participante deu um sorriso de alívio e possivelmente pensando sobre tudo o que dissera,
desviou o olhar. Nesse momento Lisboa demonstrava uma face de mais conforto.
PARTICIPANTE 5
Nome fictício: Senhor X (X).
1. Ij:Suicídio” [AVA+] 2. Ij:acho [EVI+] que é::: [DF:PVo] 3. Ij:a pessoa [ESP-] tirar a própria vida 4. Ij:é::: [DF:PVo] na percepção dos outros.. 5. Ij:é simplesmente [AVA+] isso’ [ESP-] 6. Ij: é quando a pessoa [ESP-] tira a própria vida 7. Ij:mas acho [MD Inc] que na percepção dela [AVA+] 8. Ij:é::: [MD:PVo] uma forma [ESP-] de aliviar a dor... 9. Ij:é uma forma [ESP-] de ela [ESP-] solucionar o problema dela [PROX+] 10. Ij:é como se [MD Inc] não houvesse mais [PROX+] nenhuma [QUA+]
solução 11. Ij:é como se [MD Inc] aquela [PROX+] fosse a única [QUA+] saída 12. Ij:é como se:: [DF:PVo] [MD Inc] 13. Ij:fosse [PROX+] algo tão pesado [QUA+] que lhe esmagasse de tal forma
[ESP-] 14. Ij:que você [ESP-] só quisesse uma forma de aliviar aquela [APROX+] dor.
O participante que optou por se identificar por Senhor X (X), tem 30 anos, é
funcionário público, casado. Faz acompanhamento terapêutico há mais de 01 ano, já
tentou suicídio 2 vezes. Já era do meu conhecimento as suas tentativas, procurei-o na
intenção de saber se ele gostaria de participar da pesquisa, expliquei os objetivos da
mesma e ele respondeu de forma positiva ao convite. Esteve presente na maioria dos
encontros. Falava pouco, tinha uma postura reservada. A maioria dos intervalos
permanecia sentado ou ia à mesa do café pegar algo, e logo retornava para a sua
cadeira. Possuía uma aparência séria, quase de tristeza.
83
Senhor X. foi o segundo participante a ser atendido individualmente, no
segundo dia de encontro. Durante a conversa individual, ele demonstrava um
comportamento diferente de quando estava no grupo, ele falava mais, seu discurso era
mais longo e ele se expressava com bastante clareza. Após explicar como seria aquele
momento, ele disse que estava acostumado a falar sobre o suicídio e que podia
perguntar o que quisesse saber.
Quando lhe fiz a pergunta norteadora, ele me devolveu a pergunta com a
mesma pergunta ‘suicídio’, mas, não esperou a minha resposta, para dar continuidade
com a sua; na verdade ele estava se utilizando de um dispositivo de avaliatividade como
ponto de partida para dar início ao seu pensamento. Esse pensamento lhe serviu de
suporte a partir do qual ele apoiaria suas opiniões.
Tanto foi assim que, ele prosseguiu com a resposta em um único respiro ‘acho
que é a pessoa tirar a própria vida’. Senhor X. falava com tranquilidade sobre o
assunto, no entanto, ele se expressava de forma indireta, recurso utilizado com
muita frequência entre os participantes da pesquisa, indicando um afastamento do
que estava sendo expresso e uma consequente proteção da face. Observamos que,
ao longo de toda a conversa, ele manteve essa linguagem supostamente neutra. Desde
que respeitada essa dinâmica, ele não aparentava dificuldade em falar sobre o tema.
Não usava muita fantasia ao se expressar, ia direto ao ponto.
Na linha 4, ele repetiu o conteúdo, que já tinha dito, mas, dessa vez levando
o discurso ainda para mais longe de si. Ele iniciou a frase utilizando um marcador de
dificuldade de formulação, um prolongamento da vogal quando diz: ‘é:::’, dando a
entender que está estabelecendo a melhor forma de falar, demonstração de
preocupação de preservação da face. E logo depois, ele então fez uma observação
‘na percepção dos outros’ ou seja, ele está procurando deixar claro que a opinião não é
dele, ele está tentando esclarecer que não assume responsabilidade sobre o teor do que
foi dito, nesse caso, ele passa a ser um repetidor. A ideia apresentada, por ele, era a de
senso comum.
Não obstante, o que foi dito, na opinião dele, a percepção que ele tem do
suicídio é diferente. Interessante essa construção do pensamento, primeiro ele
apresenta o pensamento como seu, depois ele esclarece que, esse é o pensamento
comum e finalmente contrapõe com o seu. Esse movimento dá a entender que ele se
conecta com o todo e depois se desconecta, tem uma troca de identificação.
84
Ele agora começou a falar da sua experiência, embora continue usando a
forma indireta de se expressar ele diz ‘na percepção dela’ (a pessoa com dor) quando
deveria ter dito ‘na minha percepção’, apesar desse artifício, percebemos, que ele está
falando dele. Falar sobre um assunto tabu, exige, algumas vezes, recorrer à medidas
protetivas e/ou caminhos especiais para ir se expondo aos poucos, mesmo quando já se
tem habilidade em falar sobre o tema.
Nessa parte da conversa Senhor X. evidenciou uma outra face do suicídio,
para ele representa ‘alívio da dor’ e de que dor ele está falando? Da sua própria dor.
Portanto, aliviar a dor é ‘solucionar o problema dela’ (a pessoa com dor). Essa forma de
ver a problemática suaviza e, aparentemente justifica o recurso de utilizar o suicídio como
instrumento de alívio.
Ele confirmou esse pensamento quando utilizou no começo de 3 linhas
seguidas, a estratégia de falar de forma indireta quando disse repetidamente ‘é como
se’, ou seja, ele estava falando sobre coisas reais, mas, a linguagem que ele usava
sugeria que estava falando de coisas hipotéticas. E através desse dispositivo ele vai
expressando as suas opiniões, inclusive de forma mais assertiva. Afinal de contas ele se
sente protegido pelo anonimato, na qualidade de autor, daqueles pensamentos e
comportamentos. Estratégia bastante usual quando queremos expressar a nossa opinião
sem envolver a nossa face diretamente.
Após cada ‘é como se’ ele acrescentava: ‘não houvesse mais nenhuma
solução’ e logo depois: ‘aquela fosse a única saída’ e ainda ‘fosse algo tão pesado
que lhe esmagasse de tal forma que você só quisesse uma forma de aliviar aquela
dor. Nesse trecho Senhor X. nos permitiu que víssemos além das suas palavras, ele
nos dava acesso ao seu íntimo, durante toda a sua trajetória ele se moveu em uma
grande espiral que o aproximava do centro, do epicentro, dele mesmo. Ele já tinha usado
a expressão ‘aliviar a dor’, na linha 8, agora, nesse trecho ele usou a mesma expressão.
Ou seja, ele deu voltas e voltas para ratificar o quanto o suicídio para ele estava
relacionado com alívio da dor.
Para Senhor X. o suicídio se apresentava com a face de ‘alívio da dor’. A
dor é algo que nos causa sofrimento, não nos relacionamos muito bem com o sofrimento.
Saber que existe algo que é capaz de aliviar essa dor deve ser muito atraente! (hipótese
do pesquisador). Podemos intuir que, para Senhor X. o suicídio exerça uma grande força
de atração devido ao conforto que supostamente ele possa proporcionar. Essa linha de
85
pensamento do participante nos sugere a possibilidade de residir no ‘alívio da dor’ o fato
do paciente já ter tentado mais de uma vez o suicídio.
Nesse momento o participante parou de falar, provavelmente, ele percebia
que a sua face vulnerável estava exposta, ele poderia ser atingido. Procurando
demonstrar empatia, me mantive em silêncio, em respeito ao que ele estava passando.
E logo depois recomeçamos a conversar...
PARTICIPANTE 6
Nome fictício: Syler (S).
1. Ij:Suicídio” (+) assim... (+) [DF:PLV] 2. Ij:é uma forma de você:: [ESP-] [DF:PVo] 3. Ij:se:: [DF:PVo] livrar de algum [QUA+] problema que tá lhe perseguindo há
anos [QUA+] 4. Ij:você [ESP+] bota na cabeça se você [ESP+] se matar... 5. Ij:pronto [EVI+] aquilo ali [PROX-] vai resolver 6. Ij:pronto [EVI+] [DF:Rep] 7. Ij:não tem mais [QUA-] problema’ 8. Ij:Morreu (+) [PROX-] acabou’ [PROX-] 9. Ij:Então isso [ESP-] pra mim [EVI+] já já [DF:Rep] vem passando na minha
cabeça há vários [QUA+] tempos 10. Ij:vários [QUA+] [Compl] momentos 11. Ij:exemplo [ESP+] 12. Ij:eu sei [EVI+] que ali [PROX-] vende chumbinho na esquina [ESP+] 13. Ij:já pensei [PROX-] em comprar’ 14. Ij:Passei em frente [ESP+] mas.. [DF:PLV] não comprei [PROX-] 15. Ij:Passei de novo [QUA+] passei três vezes já [ESP+] 16. Ij:Aí [DF:PLV] fiquei [PROX-] pensando... 17. Ij:Não não vou [AVA+] fazer isso’ [PROX+] 18. Ij:Porque eu sei que isso [PROX+] é pecado’ [AVA-] 19. Ij:se eu fizer isso [PROX+] eu vou [EVI+] pro pro inferno’ [AVA-] 20. Ij:Aí (+) [DF:PLV] tive [PROX-] um terceiro [EVI+] pensamento... 21. Ij:não fiz’ [PROX-] [EVI+] e no quinto [QUA+] eu cometi’ [EVI-] [VOL+]
O participante que optou por se identificar por Syler (S), tem 38 anos, é
professor. Solteiro. A diretora da escola, na qual ele trabalha, me procurou para que eu
pudesse dar um suporte psicológico, pois o professor havia tentado suicídio no final de
semana anterior. Após esse primeiro encontro, falei sobre a pesquisa e se ele poderia
participar, inicialmente, demonstrou resistência, mas, depois disse que sim, desde que
fosse mantido sigilo. Não interagia muito com o grupo, ficava mais quieto, mas, quando
outro participante tomava a iniciativa de falar com ele havia correspondência. Esse trecho
selecionado da conversa com Syler representa apenas a parte inicial da primeira
conversa pessoal, que ocorreu após o momento do grupo focal. Ele foi escolhido porque
nele Syler respondia à pergunta norteadora da pesquisa.
86
É importante observarmos como Syler iniciou sua resposta na linha 1
repetindo a palavra utilizada para fazer a pergunta: Suicídio” como se estivesse refletindo
sobre a pergunta. Inferimos que, esse é um comportamento de quem está tentando
proteger a sua face e ganhar tempo enquanto procura uma resposta que não o
comprometa, para isso, ele se utiliza de um marcador de dificuldade de formulação de
planejamento verbal ‘assim’.
Logo em seguida, ele fez um ensaio de responder, mas, evitou usar a pessoa
apropriada para o sujeito da frase, Syler utilizou um marcador de menor
especificidade ‘você’ e não ‘eu’ como recurso para variar a precisão do que está
sendo dito e distanciar de si o conteúdo do tópico. Nesse momento ele continua
buscando planejar o que será dito, ação demonstrada pelo prolongamento da vogal de
‘você:::’, causando um efeito de imprecisão e, com ele, correndo o risco de perder a face.
Desse modo, ele já iniciou, essa nova linha, utilizando o mesmo tipo de
marcador que encerrou a linha anterior, prolongando a vogal de ‘se:::’ demonstrando que
ainda está planejando como irá dar continuidade ao que está cuidadosamente tentando
proteger. Verificamos que aos poucos ele vai apresentando uma justificativa, embora
vaga, dos argumentos que poderiam desculpar o ‘suicídio’. É importante ressaltar que
Sandra é uma pessoa que já tentou o suicídio, no entanto, notamos que ele se expressa
como se estivesse emitindo uma opinião baseada apenas em teoria, e não falando de
uma experiência pessoal.
Embora Syler continue utilizando na linha 4 o marcador de especificidade
‘você’ no lugar do ‘eu’, ele agora está começando a usá-lo de forma diferente,
associando-o ao argumento apresentado: ‘você bota na cabeça se você se matar...
pronto aquilo ali vai resolver’. Essa dinâmica permite a ele expressar uma opinião
pessoal sem o envolvimento direto no que está sendo dito, estratégia de polidez
off-record (BROWN; LEVINSON, 1987) que reforça a preocupação na proteção da
sua face.
Entretanto, na próxima linha, Syler começou ratificando a sua postura de
confirmação do pensamento anterior, essa repetição se dá através do marcador de
Evidencialidade ‘pronto’. Percebemos que essa atitude fornece indícios que ele está
tentando tomar uma postura mais diretiva, diferentemente da forma com que inicialmente
estava desenvolvendo sua relação com o tema.
Como vimos, nesse trecho Syler retomou a palavra ‘problema’, expressão
utilizada por ele no começo da conversa quando buscava explicar o conceito de ‘suicídio’,
87
percebemos, no entanto, que ele faz essa retomada de forma mais suave, para isso, ele
se utiliza de um dispositivo emotivo de menor quantificação ‘mais’.
Ressaltamos que, na linha 8, quando Syler se referia ao suicídio, ele disse:
‘não tem mais problema Morreu acabou’. Ele utiliza duas palavras seguidas de
bastante impacto ‘morreu’ e ‘acabou’, por meio delas percebemos que toda a trajetória
que ele vinha fazendo com suavidade, e aparente contenção, nesse momento, tomou
uma nova dimensão. Ele demonstra dificuldade em manter as palavras desconectadas
das emoções, e falar sobre elas vai ativando o seu lado emocional. Para realizar esse
percurso Syler utilizou dois marcadores de proximidade temporal, ‘morreu’ e
‘acabou’, para expressar esse movimento de aproximação.
Embora Syler permaneça tentando proteger sua face, na linha 9, ele trouxe
para si o discurso em primeira pessoa, ele começou dizendo ‘pra mim’, ou seja, já não
está mais falando de forma geral, mas, pessoal. Percebemos que ele está entrando em
um processo de auto revelação, descontruindo um aspecto de sua face e construindo
um novo. Ele começou essa construção com relutância, utilizando-se de um dispositivo
de dificuldade de formulação: repetição ‘já já’. Inferimos que, essa hesitação exibida
nesse trecho pode referir-se mais a questões de conteúdo do que de forma. A partir daí,
notamos que Syler começou a relatar o que se passa na sua cabeça. Ele usou o verbo
no tempo presente referindo-se a algo que aconteceu no passado, indicando maior
aproximação interior com o evento narrado, que “regula as distâncias entre
eventos internos e externos” (CAFFI, 1994, p. 142) quando disse: ‘Então isso pra mim
já já vem passando na minha cabeça há vários tempos ‘
A seguir, Sandra reforçou o que foi dito na linha anterior, ele repetiu quase
textualmente os termos, apenas trocando ‘há vários tempos’ por ‘vários
momentos’, palavras que estão no mesmo campo semântico; ele utilizou o dispositivo
de quantificação como ferramenta para avigorar a ideia de intensidade temporal, visto
que deseja mostrar a quantidade de vezes que o pensamento passou pela sua mente.
Como notamos, ele está tentando exemplificar o seu pensamento
demonstrando de forma mais específica, para isso ele usou a palavra ‘exemplo’ para
demonstrar a trajetória do seu pensamento até aquele momento, ou seja, ele vai
explicando o passo-a-passo, ele está com sua face exposta e busca envolver o ouvinte
a ser empático com o seu posicionamento pessoal.
No trecho entre as linhas 12 a 20, percebemos que Syler foi descrevendo os
movimentos comportamentais e cognitivos que envolveram a realização desse evento.
88
Desse modo, Syler iniciou a frase dizendo ‘eu sei’, esse termo denota
confiabilidade em suas palavras, verificamos que ele utilizou um dispositivo de maior
evidência para demonstrar o conhecimento dos eventos que irão se seguir. Porém,
mesmo tendo feito um movimento aproximativo, logo em seguida, ele recuou no tempo.
Sandra utilizou alternadamente dispositivos de afastamento temporal, ou seja, até
então ele usava os verbos no tempo presente, a partir de agora ele começou a usar
os verbos no passado, exemplos: ‘pensei’ (L.13), ‘não comprei’ (L.14), ‘fiquei’
(L.16), ‘tive’ (L.20), ‘não fiz’ (L.21) e ‘eu cometi’ (L.21).
Inferimos que apesar da longa explicação feita por Syler e de vários outros
dispositivos avaliativos e de evidencialidades presentes nesse trecho, ele demonstrou
forte relutância em admitir que já cometeu suicídio. Averiguamos que ele tinha tanta
pressa de chegar ao fim da explicação que ele pula do ‘terceiro’ (L.20) para o ‘quinto’
(L.21) pensamento: ‘Aí tive um terceiro pensamento... não fiz’ e no quinto eu cometi’
Por fim, no final da última linha (L.21), ele admite ‘eu cometi’. Syler se
utilizou, pela primeira vez, de um dispositivo emotivo de volicionalidade para
demonstrar auto assertividade, por meio do uso do verbo na voz ativa. Esse
comportamento pode ser interpretado como tentativa de resgatar a sua imagem positiva
diante do interlocutor. O participante continuou a falar sobre o tema, mas, entendemos
que o todo da sua explicação, se encontra expresso nessa parte da conversa.
Essas duas transcrições foram feitas a partir de fragmentos de textos de
diferentes participantes da pesquisa nos momentos de roda de conversa, são trechos
selecionados que fazem referência direta com a temática do suicídio, no entanto, eles
apresentam visões diferentes do mesmo fenômeno. Estávamos conversando sobre as
motivações que nos levaram a participar da pesquisa, os participantes iam falando
livremente, ninguém estava controlando os turnos, e aos poucos as pessoas foram
relatando as suas experiências.
35. Bem... [DF:PLV] o que me faz vir [EVI+] aqui [PROX+] esse grupo [ESP+]
36. é porque (+) [AVA+] em alguns momentos [ESP+] da vida eu... 37. acho [MD Inc] que não só comigo (+) 38. mas eu penso [EVI+] que (+) outras pessoas [EVI-] também... 39. tiveram ideia de:::.. [DF:PVo] de [DF:Rep] morte.. 40. de morrer’ [ESP+] (+) ne” [MD EL] 41. você pensa [EVI+] em morrer... 42. eu pensei [EVI+] [APROX+]
89
Estávamos falando sobre ‘comportamento suicida’, de forma geral, quando
essa participante começou a falar, a partir de si, da sua percepção pessoal. Foi muito
interessante porque ela estava em um grupo, e consequentemente a sua face estava
exposta, e mesmo assim, ela queria falar dela.
É provável que, quando ela começou sua frase utilizando um marcador de
prolongamento de vogal ‘ Bem...’, além de estar formulando o pensamento, ela estivesse
se utilizando desse artifício para criar uma pausa, de forma proposital, para chamar
atenção, visto que ela iria falar algo importante. De fato, nesse momento, todos nos
voltamos para ela, para escutá-la, de forma mais atenciosa.
E ela, começou a expressar as motivações que a levaram participar da
pesquisa. Inicialmente ela foi localizando o seu discurso: ‘o que me faz vir aqui pra esse
grupo’, com essas palavras, ela estava dando identidade ao grupo ‘esse grupo’ e não
‘qualquer grupo’. E em seguida, vai apresentando as suas motivações: ‘é porque em
alguns momentos da vida eu...’, nesse momento, ela começou a expor a sua face, ela
sabia que estava em grupo, e demonstrava querer que os outros se tornassem
consciente de seus pensamentos pessoais.
O trecho seguinte, confirmava essa hipótese de busca de conexão com os
demais participantes quando ela acrescentou: ‘eu... acho que não só comigo’. Essa
frase possui um componente, muito particular, a maioria das pessoas que está em
situação de comportamento suicida, quando perguntada sobre relacionamentos sociais,
declaram que se sentem ‘desconectadas’ das demais pessoas, ou ao menos, sentem
que essa conexão é fraca.
É possível, que parta dessa necessidade de pertencer a algo ou alguém, que
a participante busque essa ligação com os outros.
Nesse momento, a participante apresentou o seu pensamento, ela associou
‘suicídio’ com a ideia de ‘morte’ quando disse: ‘mas eu penso que outras pessoas
também... tiveram ideia de:::..de morte..’ O uso do dispositivo de dificuldade de
prolongamento de vogal ‘de:::’ e logo depois de repetição, usados pela paciente, nos
sugere que, o conteúdo dessa revelação havia passado por um processo de construção
e que a paciente precisara de algum tempo para poder falar. Mesmo quando ela
demonstrava interesse em expor a sua face ela o fazia com cautela.
Essa cautela é confirmada quando ao final da frase ela fechou com o ‘ne”, ou
seja, inferimos, que para ela, era importante que ela sentisse o suporte dos demais
participantes, que, assim como ela, pensavam da mesma forma. Mesmo sem, perceber,
90
nesse momento, a participante está demonstrando uma face frágil, vulnerável à empatia
daqueles que estavam no mesmo grupo que ela. E, dessa vez, trouxe totalmente para si
a autoria do pensamento, ela disse categoricamente ‘eu pensei’. E encerrou o assunto.
Essa segunda conversa surgiu logo após, o trecho acima, eu diria até como,
provável, resultado da ativação instigada pelo conteúdo do que fora dito, não havia um
clima de confronto entre os participantes, embora, eles expressavam pensamentos
distintos, percebia-se mais, um respeito pela opinião do outro e uma intenção de falar
com liberdade sobre o tema que se falava, sem a preocupação de manejar o que seria
dito. Tal atitude representava um grande desafio para os que estavam participando do
encontro, levando-se em consideração que as interações ainda estavam mais baseadas
na vontade de criar laços, do que nos laços já, efetivamente, existentes.
75. Interessante...[AVA+]
76. Pra mim [ESP+] falar sobre suicídio [EVI+]
77. não é::: [DF: PVo] exatame::nte [DF: PVo] falar sobre MORTE [EVI+]
78. bem... [MD Inc] acho que [AVA+] é a mesma coisa ne” [MD EL]
79. ou (+) [MD Inc] deveria ser’ [PROX-]
80. mas (+) [MD Inc] quando a gente tá::: [DF: PVo] pensando em suicídio
81. acho que [AVA +] não é MORTE aquilo que vem na cabeça da gente
[PROX-]
82. eu pensava (+) [PROX-] apenas em sumir’ [EVI-]
83. desaparecer... sei lá’ [MD Inc-]
84. sem-sem [DF: Rep] nunca olhar pra traz...
85. é muito estranho pensar assim [AVA-]
86. hoje (+) eu acho estranho [PROX+]
87. mas... [MD Inc] na época fazia sentido’
88. me parecia [MD Inc] [PROX-] a melhor solução’
O próprio participante inicia seu turno com um sentimento de admiração, e ele
deixa isso visível quando disse: ‘interessante’, ele sabia que a opinião que ele tinha sobre
o tema suicídio era diferente daquele expresso pela outra participante, ou seja, ele iria
apresentar uma outra face do suicídio.
E para deixar claro que era a opinião dele que ia ser expressa, ele se utiliza
de um dispositivo de especificidade, ele disse: ‘Pra mim falar sobre suicídio não é:::
exatame::nte falar sobre MORTE’. Ele estava expondo uma face assertiva, os turnos
eram livres, o participante estava falando voluntariamente de um conteúdo que havia
sido anteriormente apresentado com um conceito diferente do seu, e ele começa
negando o conteúdo da outra participante. Mas, faz questão de afirmar que essa é a sua
opinião e que não tem problema se for diferente de outra opinião. E possivelmente, não
91
querendo que a sua posição gerasse conflito, ele arrematou o seu discurso usando um:
‘acho que é a mesma coisa’. Forma mais suave de se expressar, que não, exatamente
anula a forma anterior. E encerrou a frase apresentando um pedido de confirmação com
a partícula: ne”
Nessa próxima linha, ele iniciou com um modelador de incerteza: ‘ou deveria
ser’. Esse modelador acaba tendo uma outra função, ele funciona como um sinalizador
de alternativas, dando a entender que pode haver uma outra opinião, essa forma
impessoal ajuda o participante a não se envolver de forma direta, ou seja, ele não
compromete a sua face.
Ele confirmou sua postura indireta quando nessa próxima frase ele parou de
usar a primeira pessoa do singular para se expressar, e, em vez de dizer ‘eu’ ele
começou dizendo: ‘quando a gente tá::: pensando em suicídio’. Ele optou por se
expressar generalizando a sua opinião.
Dessa vez, esse comportamento pode sugerir uma outra postura, como o
participante está falando dentro do contexto de um grupo, emitindo uma opinião sobre
um assunto que está sendo debatido pelo grupo, há uma possibilidade que o participante
se sinta falando pelo grupo e por isso tenha feito a opção de falar de forma impessoal.
Porém, nesse próximo bloco ele traz novamente o discurso para si, e diz o
que pensava quando o assunto suicídio vinha à sua cabeça: ele disse ‘eu pensava
apenas em sumir’ ou ‘desaparecer’ ele partiu da ideia geral até chegar à sua própria
ideia. Esse percurso pode ser interpretado como o zelo e o cuidado que ele teve com a
sua face, mas, também com a face do outro, ao ponto de ir gradativamente falando de
si, mas, respeitando o tempo dos demais.
E logo em seguida, ele fez um resgate emocional do que aconteceu, e achou
estranho que hoje ele tivesse esse tipo de pensamento, no entanto, ele achou que na
época fazia sentido, parecia ser a melhor solução. Ele não chegou a especificar quando
foi a época que ele se sentia assim. Inclusive que na época esse comportamento fazia
todo o sentido e, lhe parecia ser a sua melhor opção. Quando ele falou apenas ‘na época’
ele poderia estar afastando de forma temporal e emocional, o evento de si.
Os demais participantes foram, cada um, ao seu turno, falando um pouco mais
sobre suicídio e as suas experiências pessoais associadas ao tema, havia um clima de
respeito e cortesia que crescia a partir de cada encontro. Era muito enriquecedor
observar o desejo que eles demonstravam em falar sobre suas emoções e como essas
emoções ativavam os demais.
92
O quadro abaixo, apresenta de forma resumida, o pensamento principal de
cada participante quando se referia ao comportamento suicida, o sentido do que está
escrito foi obtido através da interpretação do que estava sendo dito, em alguns,
encontramos o significado de forma textual em outros dentro do contexto.
Quadro 14 - Significado do suicídio
PESSOAS COM TENTATIVA DE SUICÍDIO SIGNIFICADO DO SUICÍDIO
Senhor X Alívio da dor
Syler Se livrar de algum problema
Sandra Fuga
PESSOAS COM IDEAÇÃO SUICIDA
James Refúgio
Lisboa Tentativa de fugir das realidades adversas
Gabriela Fuga da realidade
Fonte: Elaborado pelo próprio autor.
Esse segundo quadro apresenta o resultado da segunda pergunta do
questionário sobre suicídio, a saber: Há uma grande diversidade de termos para
identificar o suicídio. Qual o nome que melhor representa ou faz lembrar essa categoria?
Em sua opinião, e em ordem de importância, tente organizar uma lista de dez exemplares
mais típicos para caracterizar o léxico “suicídio”.
Dizendo de outra forma: cite palavras ou expressões que vêm a sua mente
quando você pensa em suicídio.
Quadro 15 - Léxico suicídio
PARTICIPANTES C/ IDEAÇÃO SUICÍDIO
James Tristeza
Lisboa Não faz diferença
Gabriela Fuga
PARTICIPANTES C/ TENTATIVA
Syler Preocupação
Senhor X Morte
Sandra Dor
Fonte: Elaborado pelo próprio autor.
93
Havia uma variação nas respostas entre o que eles escreviam e o que eles
falavam, podemos inferir várias possibilidades, entre elas, a influência do estado
emocional que envolve as duas atividades, escrever e falar. Embora, houvesse essa
variação, podia se perceber, que as palavras estavam dentro do mesmo campo
semântico. Durante as conversas individuais, essas mesmas palavras anteriormente
escritas eram reconhecidas dentro de um contexto maior, agora sendo pronunciadas.
Esse comportamento, portanto, não indica conflito de pensamento, mas, a riqueza de
poder se expressar utilizando-se de uma variedade maior de significados para expressar
o mesmo fenômeno.
94
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados da nossa pesquisa revelam que o Comportamento Suicida é
um assunto repleto de elementos ainda pouco conhecidos, e envolto em uma atmosfera
de silêncio e preconceito.
Uma das primeiras revelações desse estudo é que apesar de chamarmos
esse fenômeno de ‘Comportamento suicida’ como se nos referíssemos a um único
comportamento linear, ele se revelou múltiplo em suas faces e em suas origens.
Observamos que, ao longo do tempo, ele foi assumindo conotações
diferentes, cada época possui uma lente específica para lidar com esse fenômeno.
Particularmente, a nossa época tem tido uma clara preocupação com a prevenção. De
muitas formas, a sociedade como um todo, e as pessoas, de forma individual, têm
procurado conhecer os mecanismos envolvidos nesse processo preventivo. Mas, apesar
dessa concepção preventiva, ainda há um tabu de que não se pode falar sobre suicídio
com quem tem ou teve ideação. Alguns até argumentam que não se pode estancar um
processo em evolução.
Na realidade, muito já se tem pesquisado e falado sobre o suicídio.
Encontramos um vasto material sobre a temática; várias campanhas, como setembro
amarelo, muita propaganda; no entanto, também, encontramos desinformação, notícia
distorcida, preconceito, estigma e muito medo.
A partir desses dados verídicos que, propositadamente, resolvemos trazer
mais uma vez nesse texto dissertativo, como um dos pontos para iniciarmos as nossas
considerações finais, evidenciamos, em nossa pesquisa, múltiplas faces desse
fenômeno tão complexo. Foi nosso interesse de estudo analisar a linguagem que melhor
se adaptaria, os componentes emocionais envolvidos, as estratégias de polidez mais
apropriadas, quiçá, como possibilidade de utilizar esse conhecimento na redução da
velocidade dessa taxa de crescimento.
Nosso estudo articulou um dado inovador quando buscou evidenciar que tanto
as pessoas, como as instituições, os atos e as coisas do mundo possuem faces. A ideia
da própria morte, e a maneira escolhida para se matar guardam um significado simbólico
a ser explorado. (BOTEGA, 2006) o que corrobora com o nosso pensamento de que o
suicídio pode apresentar diferentes faces.
Além do percurso que fizemos por meio do estado da arte sobre suicídio,
através de artigos e livros, buscamos estudar esse fenômeno, a partir do olhar e da voz
95
da pessoa-suicida: como ela se percebia e como ela entendia o comportamento suicida.
Com qual face do suicídio ela se identificava.
É importante ressaltar que, esse foi um passo decisivo para o sucesso da
nossa pesquisa. Permitir que o outro pudesse ter um espaço de manifestação, livre de
preconceito, de medo e de julgamentos. Era a pessoa suicida falando sobre o
comportamento suicida! E essa foi sempre a nossa maior preocupação, a polidez e o
respeito para com cada um que, livremente, permitiu-nos entrar no mais profundo de sua
intimidade.
No começo, a maioria dos participantes demonstrava reserva e discrição
quando falava sobre suas emoções. No entanto, à proporção que eles foram se sentindo
acolhidos por nós, pesquisadores, e pelos demais participantes da pesquisa, eles foram,
também, abandonando as suas medidas de proteção e, foram se permitindo criar laços
de aproximação.
Estarmos em grupos, aos poucos, foi deixando de ser um desafio e foi
passando a ser um espaço de encontro. As pessoas passaram a expor mais as suas
faces, tanto negativa como positiva; falavam com mais facilidade sobre suas emoções,
interagiam com mais frequência, demonstravam mais unidade em torno do tema que nos
unia.
Cada participante trouxe consigo uma riqueza de experiência e vivência; a
nenhum deles o tema possuía apenas o caráter teórico; cada um, ao seu modo, já havia
vivido uma experiência com o suicídio.
E essa riqueza se tornou ainda mais evidente quando começamos a fazer a
nossa primeira ampliação conceitual. Quando nós falávamos sobre suicídio com os
participantes, eles não estavam percebendo suicídio apenas como ‘morte’, mas, traziam
outras faces consigo. Assim como, o conceito desenvolvido por Goffman, sobre ‘face’
se referia ao território que buscamos preservar, encontramos a mesma atitude no
comportamento das pessoas quando falavam sobre suicídio.
Nos primeiros encontros, os participantes eram gentis, corteses e sociáveis,
mas, mantinham uma atitude de proteção à sua face. A regra que impõem silêncio diante
de um assunto tabu, também vigorava entre os membros da pesquisa. Foi ficando
evidente quando se falava sobre suicídio que não necessariamente todos os membros
percebiam esse fenômeno sob o mesmo olhar.
Tanto no questionário, como no grupo focal, assim como nas conversas
pessoais, quando os participantes falavam sobre suicídio, eles se referiam a diferentes
96
imagens, durante as entrevistas eles apresentaram : ‘fuga’, ‘alívio da dor’, ‘fuga dos
problemas’, ‘refúgio’, ‘fuga da realidade’ e ‘tentativa de fugir das realidades adversas’ ou
seja, a palavra que mais esteve em evidência foi ‘fuga’, algumas vezes dita de forma
direta, e outras de forma indireta. E no questionário, eles apresentaram principalmente:
‘tristeza’, ‘não faz diferença’, ‘fuga’,’ preocupação’, morte’ e dor.
Observamos que não houve muita diferença de pensamento entre os
participantes que tinham ideação e entre os que já haviam tentado o suicídio, embora
algumas palavras fossem diferentes entre si, na verdade a diferença já se fazia presente
dentro da mesma categoria, ou seja, entre os que tentaram e os que não tentaram, era
muito claro, portanto, que cada um, individualmente, tinha uma relação diferente com o
suicídio.
A importância de identificar qual face é apresentada pelo participante reside
na possibilidade de reconhecer mais rapidamente os sinais individualmente
apresentados, e poder seguir na mesma esteira sinalizada.
Outro dado evidenciado foi que os participantes estavam muito atentos em
transparecer uma face positiva, ou ao menos, preservar a sua face de algum ataque e,
para isso, eles falavam, com frequência, de forma impessoal ou vaga, quando falavam
sobre suicídio e principalmente, quando relacionavam o suicídio a si. Alguns deles
haviam passado, ou ainda, estavam passando por algum tipo de sofrimento psicológico,
o que corroborava na construção de uma imagem mais fragilizada, e que eles tentavam
ocultar. Inferimos a possibilidade de vir desse fato, a necessidade de contrapor a imagem
pessoal versus a imagem pública.
No entanto, ao seu modo, cada pessoa apresentava um sintoma diferente,
embora, algumas vezes não compreendido por falta de habilidade ou capacitação de
quem estava do outro lado, na escuta. E, sem dúvida, o primeiro passo para uma
prevenção efetiva do comportamento é o exercício da escuta livre de prejuízos. Para
isso, algumas crenças errôneas precisam ser desfeitas, alguns tabus devem ser
desmistificados e certos preconceitos necessitam ser trabalhados.
Outro dado relevante, foi o constante cuidado com as estratégias de polidez,
utilizadas nos momentos de encontro, elas abriram portas nos relacionamentos e
ajudaram a derrubar barreiras de isolamento e distanciamento; o mesmo cuidado foi
observado entre os participantes quando se relacionavam entre si, havia um clima de
respeito e cordialidade muito acurado, quando se percebia que algum participante estava
falando algo muito íntimo e pessoal e esse comportamento criava constrangimento, os
97
demais faziam um silêncio respeitoso, demonstrando assim, empatia e compreensão do
que o outro estava vivenciando.
A partir dessas observações, dos elementos registrados, das entrevistas
individuais, dos encontros do grupo focal, do questionário e das conversas ordinárias
abordamos às nossas considerações. Os dados da nossa pesquisa confirmaram as
nossas hipóteses e permitiram-nos algumas construções importantes, a seguir vamos
apresentar os mitos sobre o suicídio e nossa percepção sobre o tema, a saber:
a) O suicídio é uma decisão individual, já que cada um tem pleno direito
a exercitar o seu livre arbítrio. Não foi essa a constatação que tivemos
em nossa pesquisa, observamos o oposto, que é alta a presença de algum
tipo de doença mental em pessoas que estão em situação de
comportamento suicida, sendo que, esse quadro de sofrimento psíquico
não só potencializa o desejo de morte, como impede que o sujeito exerça
a sua capacidade de tomada de decisão, visto que, a mesma se encontra
comprometida devido à doença, portanto, o suicídio não se trata de uma
decisão individual
b) Quando uma pessoa pensa em se suicidar terá risco de suicídio para
o resto da vida. O relato dos pacientes demonstrou exatamente o
contrário, a maioria deles declarou não pensar novamente em repetir a
tentativa de suicídio. Ao contrário, a lembrança negativa dos fatos levava-
os a se distanciar da possibilidade da repetição da experiência de morte.
c) As pessoas que ameaçam se matar não farão isso, querem apenas
chamar atenção. Esse é um dos tabus que, segundo os próprios
participantes, dificulta muito o pedido de ajuda. A maioria dos pacientes
declarou que falou sobre o suicídio com pessoas mais próximas, e algumas
delas repetiram textualmente o trecho acima, causando mais dor e
sofrimento. Portanto, quem quer se matar ‘fala sim’ sobre suicídio.
d) Se uma pessoa que se sentia deprimida e pensava em suicidar-se, em
um momento seguinte passa a se sentir melhor, normalmente
significa que o momento já passou. Pode ser exatamente o contrário,
algumas pessoas que se encontravam deprimidas enquanto pensavam
sobre o suicídio, declararam que estavam tão tristes que não tinham ânimo
nem para levar os pensamentos a frente, e quando melhoraram da
98
depressão, ou seja, se encontraram com mais energia, os pensamentos
voltaram com mais força.
e) Quando um indivíduo mostra sinais de melhora ou sobrevive à uma
tentativa de suicídio, está fora de perigo. Outro mito complexo, quando
o paciente tentou o suicídio, ele passou por um processo de várias etapas,
que iniciou com um pensamento simples, depois passou a ser ideação, se
transformou em planejamento e por fim, em execução. Quando a pessoa
que tentou suicídio sobreviveu, se ela não passou por um processo de
ressignificação do suicídio. A sobrevivência dela não significa que o desejo
passou, mas que, o seu planejamento falhou em alguma etapa e que agora
para ela tentar novamente, ela pode encurtar o caminho, visto que, ela já
conhece a trajetória e agora pode saltar etapas.
f) Não devemos falar sobre suicídio, pois isso pode aumentar o risco. O
que nos instigou a realizar essa pesquisa foi exatamente o contrário desse
enunciado. Precisamos falar sobre suicídio! Durante a observação essa foi
a ferramenta que mais se evidenciou como eficaz. Os participantes, quando
questionados sobre o que os movia a participar da pesquisa, responderam,
com unanimidade, que gostariam de falar sobre o tema. Era notória a
sensação de que algo precisava ser comunicado. E o que se observou,
durante e depois, dos momentos de conversa, era uma atmosfera de alívio
por se estar falando, com liberdade, sobre um tema que possivelmente os
estava sufocando.
Sabemos que o nosso estudo não esgota o discurso sobre Comportamento
Suicida, ao contrário, ele nos instiga a procurar cada vez mais novos conhecimentos e
novas abordagens para melhor alcançar as pessoas que, de forma direta ou indireta,
estão envolvidas com esse fenômeno que cresce a cada dia. Reconhecemos que há um
longo caminho a ser percorrido, no entanto, julgamos poder concluir ao final desta
dissertação que, cada pessoa, a partir de sua subjetividade, se relaciona de forma
diferenciada com o seu constructo de face do suicídio e que a polidez, a empatia, o
respeito e o acolhimento só se tornam possíveis quando aprendemos a nos comunicar
a partir desse pressuposto.
99
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104
ANEXOS
105
ANEXO A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Caro(a) Senhor(a),
Estamos realizando uma pesquisa intitulada: “A (IM) POLIDEZ E O JOGO DE
FACES EM CONVERSAS DE SUJEITOS COM COMPORTAMENTO SUICIDA: O VIÉS
DA PRAGMÁTICA DA EMOTIVIDADE” a qual tem por objetivo identificar as faces que
emergem dos conceitos da palavra suicídio, evidenciando que há diversidade de
sentidos para os termos existentes no mundo.
Caso aceite, entrevistaremos o(a) senhor(a) por meio de um questionário para
conhecer sua compreensão sobre o suicídio bem como as palavras e expressões que
vêm à sua mente quando você pensa nesse termo.
No que se refere aos procedimentos de pesquisa, o (a) Sr.(a) participará de
um ou mais encontros de grupo, denominados Grupo Focal. Os encontros do grupo focal
serão gravados e as informações serão transcritas para papel. É um procedimento
importante para fins de estudo mais detalhado das informações coletadas. Solicitamos
sua autorização para gravar o grupo focal e evidenciamos que todas as informações
fornecidas serão utilizadas exclusivamente para a realização da pesquisa.
A pesquisa tem como benefícios diminuir preconceitos em relação ao assunto,
ajudando a desmistificá-lo!
Ressaltamos, ainda, que a sua participação na pesquisa envolve risco
mínimo, uma vez que não prevê nenhum procedimento invasivo. sobre os possíveis
desconfortos e riscos decorrentes do estudo: constrangimento em relação ao conteúdo
do questionário, bem como a possibilidade de se sentir desconfortável ao escrever sobre
este assunto. Caso ocorram quaisquer uma das situações descritas acima, a pesquisa
poderá ser prontamente interrompida, se for seu desejo.
Em caso de dúvidas, o/a participante da pesquisa poderá se reportar
diretamente ao COMITÊ DE ÉTCA EM PESQUISA COM SERES HUMANOS da
UNIVERSDADE ESTADUAL DO CEARÁ (CEP/UECE) localizado na Av. Silas Munguba,
Nº 1700. Bairro do Itaperi. No município de Fortaleza/Ce. Telefones para contato: (85)
3101-9890, Fax: (85) 3101-9906. E-mail: [email protected]. Horário de funcionamento:
Segunda-feira à sexta-feira das 8:00hs às 12:00hs e das 13:00hs às 17:00hs
A sua participação é voluntária. Tudo foi planejado para minimizar
desconfortos em sua participação na pesquisa, porém se depois de consentir sua
106
colaboração o (a) Sr.(a) desistir de continuar participando, tem o direito e a liberdade de
retirar sua autorização em qualquer fase da pesquisa, independente do motivo e sem
nenhum prejuízo a sua pessoa. Ressaltamos, ainda, que será garantido o anonimato e
sigilo quanto ao seu nome (sugerimos que se identifique com um nome hipotético, se
assim desejar). A participação na pesquisa não acarretará nenhum custo financeiro ao
(a) Sr.(a). Também não haverá nenhum tipo de compensação financeira relacionada a
sua participação. Os resultados da pesquisa estarão à sua disposição quando finalizada.
Este termo de consentimento encontra-se impresso em duas vias, sendo que
uma cópia será arquivada pelo pesquisador responsável e a outra será fornecida ao (à)
Sr.(a).
A qualquer tempo, caso precise, o (a) Sr.(a) poderá obter informações sobre
o andamento da pesquisa entrando em contato com a pesquisadora responsável bem
como os demais pesquisadores associados: Letícia Adriana Pires Ferreira dos Santos –
Endereço: Rua Elizeu Uchôa Beco, 600, - Água Fria, Fortaleza-Ceará. Outras
informações podem ser obtidas através do telefone (85) 99682-7959.
Pesquisador associado: Aldenor Duarte Feitosa Júnior – (85) 99732-0426
Consentimento Pós-esclarecido
Declaro que, após convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter
entendido o que foi explicado, concordo em participar da pesquisa.
Cidade:____________________________________ Data: _____/____/_____
_______________________________________________________________
Assinatura do (a) participante
107
ANEXO B – Relação dos livros utilizados durante os encontros
A IMPORTÂNCIA DO ATO DE LER Autor: Paulo Freire Editora: Cortês Ano de publicação: 1989. BISA, BIA, BISA, BEL Autora: Ana Maria Machado Editora: Salamandra Ano de publicação: 1981. CRISE SUICIDA. AVALIAÇÃO E MANEJO Autor: BOTEGA, J. N. Editora: Artmed Ano de publicação: 2006. DIVERTIDA HISTÓRIA DE FREDERICO Autora: Camila Barbosa. Edições Demócrito Ano de publicação: 2018. DONA RATINHA E SEU CASÓRIO ATRAPALHADO Autor: Arievaldo Viana. Edições Demócrito. Ano de publicação: 2014. HISTÓRIA DE LENÇOS E VENTOS Autor: Ilo Krugli Editora: Record Ano de publicação: 2002. MEU IRMÃO É UM REPOLHO Autora: Tatiana Sátiro Editora: Demócrito Ano de publicação: 2017 O ANÃO DE XAXIM Autores: Mario Bag e Juliana Gonçalves Editora: Paulinas Ano de publicação: O LIVRO DOS COELHOS SUICIDAS Autor: Andy Riley Editora: Todavia. Ano de publicação: 2017. OS OLHOS DA JANELA. Autora: Marília Lovatel
108
Edições Demócrito Ano de publicação: 2018. PREVENÇÃO AO SUICÍDIO, TEMAS RELEVANTES Autores: Fábio Gomes Matos, Maria Ivoneide Veríssimo de Oliveira, Erick Fraga Rebouças, Luísa Weber Bisol (Organizadores) Editora: Prêmios Gráfica e Editora. Ano de Publicação: 2018. FIQUE CALMO Autor: Jenny Kempe Editora: Clio Ano de publicação: 2011. SUICÍDIO: INFORMANDO PARA PREVENIR. Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Conselho Federal de Medicina (CFM). Brasília Ano de Publicação: 2014. SUICÍDIO E ALMA Autores: James Hillman Editora Vozes Ano de publicação: 2009. TERRA DOS MENINOS PELADOS Autor: Graciliano Ramos Editora: Globo Ano de publicação: 2014. TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL PARA PACIENTES SUICIDAS Autores: Wenzel, A., Brown, G. K., & Beck, A. T. Editora: Artmed Ano de publicação: 2010. UM PASSEIO DIFERENTE Autores: Fernando Martins, Flávia Viana, Márcia Melo e Rodrigo Carvalho. Edições Demócrito Ano de publicação: 2018.
109
ANEXO C - Questionário
________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Governo do Estado do Ceará
Secretaria da Ciência Tecnologia e Educação Superior
Universidade Estadual do Ceará
Centro de Humanidades
Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada
Questionamento referente à Pesquisa: A (IM) POLIDEZ E O JOGO DE FACES EM CONVERSAS DE SUJEITOS COM COMPORTAMENTO SUICIDA: O VIÉS DA PRAGMÁTICA DA EMOTIVIDADE como parte do material de pesquisa do Mestrado em Linguística Aplicada. Versão 2. CAAE: 15041019.8.0000.5534 Instituição proponente: Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada. Patrocinador principal: Financiamento próprio. DADOS DO PARECER: Número do parecer: 5.565.279; data da relatoria: 10.09.2019; Conclusões: O protocolo de pesquisa atende aos ditames da Resolução CNS 466 de 2012, as pendências foram resolvidas. Situação do Parecer: aprovado. Pesquisador: Nome do informante: Idade: Gênero: Profissão: Nível de escolaridade:
QUESTIONÁRIO 1.Escreva sobre Suicídio. 2.Há uma grande diversidade de termos para identificar o suicídio. Qual o nome que melhor representa ou faz lembrar essa categoria? Em sua opinião, e em ordem de importância, tente organizar uma lista de dez exemplares mais típicos para caracterizar o léxico “suicídio”. Dizendo de outra forma: cite palavras ou expressões que vêm a sua mente quando você pensa em suicídio 01-__________________________________________________________________________ 02-__________________________________________________________________________ 03-__________________________________________________________________________ 04-__________________________________________________________________________ 05-__________________________________________________________________________ 06-__________________________________________________________________________ 07___________________________________________________________________________ 08-__________________________________________________________________________ 09-__________________________________________________________________________ 10-__________________________________________________________________________ 3.Justifique a escolha dos exemplares mais e menos típicos para a categoria “suicídio”. Em outros termos, justifique a escolha dos exemplares citados na primeira e na última posição.