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Revista Acadêmica da Graduação em Letras v. 9 n. 12 2018 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA ISSN 2236-3335

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Page 1: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA · J a Universidade Estadual de Feira de Santana v. 9 n. 12 2018 Graduando ENTRE O SER E O SABER Revista Acadêmica da Graduação em Letras

Revista Acadêmica da Graduação em Letras

v. 9 n. 12 2018

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANAISSN 2236-3335

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J

Revis

ta

Universidade Estadual de Feira de Santana

v. 9 n. 12 2018

Graduando ENTRE O SER E O SABER

Revista Acadêmica da Graduação em Letras

Graduando Feira de Santana v. 9 n. 12 p. 1-132 2018

ISSN 2236-3335

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Re i t o r

Ev and r o do N asc i m e n t o S i l v a

V i c e - Re i t o r a

N o rm a Lúc i a F e r n an de s de A lm e i d a

P r ó - Re i t o r d e Ens i n o de G r ad uaç ão

Ama l i d e A nge l i s M uss i

P r ó - Re i t o r d e Pe squ i s a e Pós -G r aduaç ã o

A r i s t e u V i e i r a d a S i l v a

P r ó - Re i t o r d e Ex t e nsã o

M á r c i o C ampos O l i v e i r a

P r ó - Re i t o r a de Po l í t i c a s A f i rm a t i v a s e A ssun t o s E s t uda n t i s

Ana Ma r i a C a rv a l h o dos S an t o s

P r ó - Re i t o r d e Ge s t ã o e D e se nv o l v im e n t o de Pe ssoas

Jo sé Re na t o S e na O l i v e i r a

P r ó - Re i t o r d e A dm i n i s t r a ç ão e F i n a nç as

Ca r l o s Ed ua r do Ca r d oso de O l i v e i r a

D i r e t o r a do D e pa r t amen t o de Le t r a s e A r t e s

F l á v i a A n i n ge r de B a r r o s R oc ha

Coo r de na do r a do Co l e g i a d o de Le t r a s V e r nác u l a s

N e lm i r a Mo r e i r a d a S i l v a

Coo r de na do r d o Co l e g i a do de Le t r a s : P o r t u guê s e E spanh o l

E d son O l i v e i r a d a S i l v a

Coo r de na do r a do Co l e g i a d o de Le t r a s : P o r t u guê s e F r a nc ê s

F r e ds on A ugus t o S i l v a O l i v e i r a

Coo r de na do r a do Co l e g i a d o de Le t r a s : P o r t u guê s e I n g l ê s

M a r l a S i l v a do V a l e S a t o r no

S i s t em a I n t e g r a do de B i b l i o t e c a s

M a r i a d o Ca rmo S á B a r r e t o F e r r e i r a

D i r e t ó r i o A c adêm i c o de Le t r a s José Je r ôn i m o de Mo r a i s

I n s t i t u c i o n a l

G r a d u a n d o ENTRE O SER E O SABER

Revista Acadêmica da Graduação em Letras

v..9 n..12 2018

U E FS/ R ev i s t a G r a d u a n d o

A ven i d a T r a n s n o r d e s t i n a , S / N , B a i r r o No vo H o r i z o n t e . M ó d u l o 2 , M T 2 5 b .

C EP 44 0 3 6 - 9 0 0 – F e i r a d e S a n t a n a – B a h i a – B r a s i l . T e l . : 3 1 6 1 - 8 000

H om e : h t t p : / /www 2 . u e f s . b r / d l a / g r a d u a n d o E -m a i l : r e v i s t a g r a d u a n d o @gm a i l . c o m

F a c e b o o k : h t t p : / /www . f a c e b o o k . c om / r e v i s t a g r a d u a n d o B l o g : www . r e v i s t a g r a d u a n d o . b l o g s p o t . c om

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Exp ed i e n t e C om i s s ã o E d i t o r i a l D r . A d i e l s o n R a mo s d e C r i s t o

D r a . A l a n a d e O l i v e i r a F r e i t a s E l F a h l

D r a . C a r l a L u z i a C a r n e i r o B o r g e s

D r a . C e l i n a Má r c i a d e S o u z a A b b a d e

D r . C i d S e i x a s F r a g a F i l h o

D r . C l a u d i o C l e d s o n N o v a e s

M e . D a n i l o C e r q u e i r a A l m e i d a

D r . E d s o n D i a s F e r r e i r a

Ma . E l i é t e O l i v e i r a S a n t o s

M a . E l i z a b e t e B a s t o s d a S i l v a

D r a . E l v y a S h i r l e y R i b e i r o P e r e i r a

D r a . F l á v i a A n i n g e r B a r r o s R o c h a

D r . F r a n c i s c o F e r r e i r a d e L i m a

D r . G i l b e r t o N a z a r e n o T e l l e s S o b r a l

D r . H u m b e r t o L u i z L i m a d e O l i v e i r a

D r a . J a q u e l i n e B a r r e t o L é

D r a . J o l a n t a R e k a w e k

D r a . J o s a n e M o r e i r a d e O l i v e i r a

M a . L i z S a n d r a S o u z a e S o u z a

M e . N i g e l A l a n H u n t e r

M a . N e l m i r a M o r e i r a d a S i l v a

D r a . M a r i a d a C o n c e i ç ã o R e i s T e i x e i r a

D r a . M a r i a n a F a g u n d es d e O l i v e i r a

D r a . N o r ma L ú c i a F e r n a n d e s d e A l m e i d a

D r a . P a l m i r a V i r g i n i a B a h i a H e i n e A l v a r e z

M a . P a l l o m a R i o s d a S i l v a

D r a . R i t a d e C á s s i a R i b e i r o d e Q u e i r o z

M a . S i l v a n i a C á p u a C a r v a l h o

M a . V a l é r i a M a r t a R i b e i r o S o a r e s

D r a . Z e n a i d e d e O l i v e i r a N o v a i s C a r n e i r o

P r o j e t o G r á f i c o C o n s e l h o E d i t o r i a l

I m p r e s s ã o I m p r e n s a U n i v e r s i t á r i a ― U E F S

E d i t o r a ç ã o M e . D a n i l o C e r q u e i r a A l m e i d a

C a p a M e . D a n i l o C e r q u e i r a A l m e i d a

F o t o g r a f i a d e C a p a G i o v a n n a C r u z d e So u z a C r i s p i m

T i r a g e m ( e d i ç ã o i m p r e s s a ) 3 0 0 ex em p l a r e s

We b D e s i g n ( s i t e ) M e . D a n i l o C e r q u e i r a A l m e i d a

We b D e s i g n ( b l o g ) M e . D a n i l o C e r q u e i r a A l m e i d a

C o n s e l h o E d i t o r i a l

M e . D a n i l o C e r q u e i r a A l m e i d a

Ma . J o s en i l c e R o d r i g u e s d e O l i v e i r a B a r r e t o

R e v i s ã o

M a . A l i n e d a S i l v a S a n t o s

M a . D a i a n n a Q u e l l e d a S . S a n t o s d a S i l v a

D a n i e l a R o ch a d e F r a n ç a

M a . D a y a n e M o r e i r a L emo s

D r a . D i n a m e i r e O l i v e i r a C a r n e i r o R i o s

M a . E d n a R i b e i r o Ma r q u e s A mo r i m

E s p . É r i k a R am o s d e L i m a A u r e l i a n o

M a . E l i s A n g e l a F r a n c o F e r r e i r a S a n t o s

M a . F e r n a n d a d o s S a n t o s A l m e i d a

M a . J a c i e n e d e A n d r a d e S a n t o s

M e . J a n C a r l o s D i a s d e S a n t a n a

M a . J é s s i c a C a r n e i r o d a S i l v a

M e . J o e l s o n S a n t i a g o S a n t o s

E s p . L a y a n n a M a r t h a P i r e s d e A r a ú j o

E s p . L i d i a n e F e r r e i r a S i l v a

M a . L i v i a n e Go m e s A t a í d e S a n t a n a

M e . S h i r l e y C r i s t i n a G u ed e s d o s S a n t o s

M a . S i l v a n i a C á p u a C a r v a l h o

S u z a n a d a S i l v a S o u z a

M a T á r c i a P r i s c i l a L i m a D ó r i a

M a . V a l e r i a R i o s O l i v e i r a A l v e s

R e v i s ã o F i n a l

M a . A n d r e i a F e r r e i r a A l v e s C a r n e i r o

E s p . C l a r i s s e B ez e r r a d e S a n t a n a

M e . D a n i l o C e r q u e i r a A l m e i d a

M a . E d i n a g e Ma r i a C a r n e i r o d a S i l v a

M e . Em e r s o n S a n t o s d e So u z a

Ma . J o s en i l c e R o d r i g u e s d e O l i v e i r a B a r r e t o

N o r m a t i z a ç ã o B i b l i o g r á f i c a

M e . D a n i l o C e r q u e i r a A l m e i d a

Ma . J o s en i l c e R o d r i g u e s d e O l i v e i r a B a r r e t o

C o l a b o r a ç ã o A l f r e d o V i c t o r S o u z a d e A l m e i d a

J e s s i c a M i n a d e So u s a

L a i l l a B a t i s t a S o a r e s

L a r a d a S i l v a C a r d o s o

M a . M a r i a n a B a r b o s a B a t i s t a

R h i l l a r y L o p e s V i e i r a

V a n e s s a d o s S a n t o s P e r e i r a

R e v i s t a G r a d u a n d o 20 1 8 . É p e r m i t i d a a r e p r o d u ç ã o , d e s d e q u e c i t a d a a f o n t e .

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Sumário

ED ITOR IAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p á g i n a 7

EDUCAÇÃO A D IDÁT ICA NO EN S INO D E L IT ERATURA V a n e s s a Á d r i a n d e S o u s a O l i v e i r a , L u m a S o u s a d a C o s t a , N e l s o n D u a r t e P e r e i r a

N e t o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p á g i n a 1 3

L I N GU Í ST I CA ED IÇÕES F IL OLÓG ICAS D E UM PROCESSO -CR IM E D E ESTUPRO DO I N ÍC I O DO SÉCULO XX E l i e n e P i n t o d e O l i v e i r a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p á g i n a 2 9

O INTERD ISCUR SO PELA P ER SPECT IVA D E EN I ORLAND I NA LETRA

DA MÚS ICA AL CAPONE , D E RAUL SE IXAS B i a n c a G r e l a , C a r o l a S i l v a P o l a , M a r i a H e l o i s a T e i x e i r a d a S i l v a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p á g i n a 4 1

L I T ERATURA UM ESTUDO DA R EPRESENTAÇÃO DA MULH ER PROST ITUTA EM LUC ÍOLA , D E JOSÉ D E ALENCAR C r i s t i n a S u l i v a n i a O l i v e i r a N u n e s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p á g i n a 5 3

NARRADOR , PER SONAGEN S E O D EVIR AN IMAL EM “T ENTAÇÃO ” , D E CLAR IC E L ISP ECTOR L o r e n a S a l v i a n o A l v e s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p á g i n a 6 7 S EM F É , N EM LE I , N EM R E I : UB IR AJARA E A M ETAF ICÇÃO

H ISTOR IOGRÁF ICA F e r n a n d a d e O l i v e i r a C o n c e i ç ã o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p á g i n a 8 3 M ÉMOR IA DO INT ER IOR BA IANO : NAC IONAL ISMO I NTEGRAL I STA NA

POES IA DE EULÁL IO MOTTA B r u n a E l l e n d e M o u r a C a l i x t o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p á g i n a 9 9

M EU QUER IDO CAN IBAL : A R ECR IAÇÃO DA H ISTÓR IA DOM INANT E I z a i a s A r a ú j o d a s N e v e s P a s c h o a l . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p á g i n a 1 0 9 A POES IA ERÓT ICA D E CARLOS DRUMMOND D E ANDRADE C á s s i a A p a r e c i d a O l i v e i r a d a S i l v a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p á g i n a 1 1 9 NORMAS PARA ENVIO D E ART IGOS E R ESENHAS C o n s e l h o E d i t o r i a l . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p á g i n a 1 2 9

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G

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ED I TOR IA L

“V iva ! Es tamos todos conectados” ! Em t empos de

d i ssem inação de i n formações a t ravés da i n ternet e das redes

soc i a i s , es ta r conectado tem s i gn i f i cado , grosso modo, fazer

par te de uma comun idade ou de um proje to que conecta

pessoas com o mundo à sua vo l t a . N i s to , encont ramos

conexões de pensamentos , i deo l og i as , expecta t ivas e

perspect i vas , que l evam uns aos out ros a conhecer e a fazer

par te de a l go ma i s comp lexo e pro fundo : a v i da humana e

suas re l ações .

Re l ac i onar-se a t ravés do mundo conectado por redes tem

proporc i onado uma d i ssem inação ma i s amp la e ma i s ráp i da das

i n formações , que dantes chegavam ma i s l en ta e

exc l udentemente à ma ior i a das pessoas. Nes te sent i do ,

ganhamos mu i t o com a tecno l og i a e com a rap i dez na chegada

das i n formações , que nos i nc l uem no “mundo g l oba l i zado” .

Nes te , i nser imo-nos como per i ód i co , que possu i versão on l i ne e

impressa , que t em perm i t i do a propagação e a ve i cu l ação dos

tex tos escr i t os pub l i cados nes te pe r i ód i co , os qua i s não

somente expõem pesqu i sas e i n formações , como também

conecta pessoas .

Ao l er um t ex to , ma is do que absorver i nformações , o

l e i t o r se conecta com o autor de forma que um ar t i go e/ou

uma resenha não se jam apenas a r t i go e resenha , mas i de i as ,

pro je tos e exper i ênc i as , com as qua i s o l e i t o r se conecta e

nunca ma i s de l as se separa . En t re tan to , pa ra que essa

conect i v i dade ocor ra , ambos perpassam pe l o cana l de

comun icação para chegar àque l es tex tos , e nes te se

present i f i ca a Rev i s t a Graduando : en t re o ser e saber , que

assegura a c i rcu l ação da mensagem/texto .

I S S N 2 2 3 6 - 3 3 3 5

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Logo , à Graduando , v i da l onga ! ! ! Com es te dese jo

t erm inamos ma is um ano e jun to com es te a sa t i s fação de

termos v i s to , v i v i do e rea l i zado a t i v i dades que mantém v iva a

rev i s ta da Graduação em Let ras da Un ivers i dade Es tadua l de

Fe i ra de Santana (UEFS ) . Sobre es ta , o ano de 20 18 tem s i do

espec i a l , po i s é também o ano em que o Curso de Let ras da

UEFS comp le tou 50 anos de ex i s tênc i a , per í odo em que foram

formados prof essores a tuantes tan to na educação bás i ca

quanto no ens i no super i o r , o que nos faz , cer t amente , pensar

sobre : quantos (as ) prof i ss i ona i s não foram formados (as ) por

aque l e curso? Quantos (as ) pós -graduandos (as ) não passaram

pe l as Pós-Graduações i nser i das nas Let ras da UEFS?

Indub i t ave lmente , mu i t os (as ) . . . o ras !

Des tes 50 anos , 8 contam com a ex i s tênc i a da nossa

Graduando , que tem cont r i bu í do para a formação de centenas

de es tudantes , o que , pa ra nós , é imensa a l egr i a , j á que

fazemos par te do Curso de Let ras da UEFS e es te faz par te

de nós , enquanto Rev is t a , prof essores e pós -graduados na e

pe l a UEFS ! D i s to , res ta -nos a cer teza de que , cada vez que

um graduando em Let ras env i a o seu tex to para pub l i cação

nes ta rev i s ta , es tamos também cont r i bu i ndo para a sua

formação acadêm ica e pro f i ss i ona l , o que quer d i zer que os

tex tos env i ados para a rev i s t a têm cu lm inado na pub l i cação de

o i t o vo l umes e onze números da Graduando . . . e que sa t i s fação !

Des ta r te , es te déc imo segundo número da r ev i s t a que

agora “sa i do forno” t raz 1 t raba l ho na á rea de Educação , 2 na

de L i ngu í s t i ca e 6 na de L i t era tura , de autor i a de es tudantes

de Let ras de todo o Bras i l , o que , ma i s uma vez , ra t i f i ca a

impor tânc i a des te per i ód i co para o processo de formação de

fu turos professores que a tuam ou a tuarão nos c í rcu l os

esco l a res bras i l e i ros . Logo , não é nov idade que segu imos

acred i t ando na força des te pro je to e que a lme jamos que nas

próx imas ed i ções da rev i s ta tenhamos mu i t os out ros t raba l hos

a serem pub l i cados , o que , s em sombra de dúv idas , cont r i bu i

pa ra o for t a l ec imento do háb i t o de l e i t u ra e de escr i t a de

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nossos es tudantes de Let ras , bem como para que e l es

d ivu l guem as suas pesqu i sas e exper i ênc i as enquanto

es tudantes e docentes das Let ras .

Ass im sendo , ma i s do que uma rev i s ta , es te per i ód i co

tem s i do conso l i dado como um pro j e to que conecta as v i das

daque l es que tan to co l aboram (aqu i podemos c i t a r os

a r t i cu l i s t as , os rev i sores , os ava l i adores , o conse l ho ed i t o r i a l e

os co l aboradores ) pa ra que cada número se ja l ançado com

t raba l hos acadêm icos de qua l i dade e acess íve i s aos seus

i n teressados, o que quer d i zer que há 8 anos es te per i ód i co

tem conectado pessoas de vár i as par tes des te pa í s e fora

de l e . Pessoas que mantém uma f requênc i a de l e i t u ra dos

tex tos pub l i cados no s i t e , no b log e no facebook des ta rev i s t a ,

mu i t as das qua i s acabam env i ando também os seus tex tos

para pub l i cação .

D i ante des te pequeno tex to que sumar i za a ex i s tênc i a e a

abrangênc i a des ta rev i s t a , dese jamos que o nosso a r t i cu l i s t a/

l e i t o r aprove i t e a l e i t u ra dos t raba l hos pub l i cados nes te número

e que cont i nue , ass im como já tem acontec i do durante os anos

de v i da des ta rev i s ta , c i t ando os t raba l hos pub l i cados nes te

per i ód i co como fonte de refer ênc i a em seus tex tos

acadêm icos , produz idos no âmb i t o das i númeras un ivers i dades

bras i l e i ras , porque , a f i na l de contas , o ma i s impor tan te é , em

tempos de redes , manter -se conectado e compar t i l ha r

conhec imento com aque l es que anse i am por e l e e que de l e

nunca ma is se separam.

Logo , em conexões nos mantemos e a e l as per tencemos ,

Conse l ho Ed i t o r i a l

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EDUCAÇÃO

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 1 3 - 2 6 , 2 0 1 8

I S S N 2 2 3 6 - 3 3 3 5

A D I D ÁT I C A NO E NS I N O D E L I T E R ATU RA

V a n e s s a Á d r i a n d e S o u s a O l i v e i r a ( U F C ) 1

L i c e n c i a t u r a e m L í n g u a P o r t u g u e s a e R e s p e c t i v a s L i t e r a t u r a s

v a n e s s a . a d r i a n @ h o t m a i l . c o m

L u m a S o u s a d a C o s t a ( U F C ) 2

L i c e n c i a t u r a e m L í n g u a P o r t u g u e s a e R e s p e c t i v a s L i t e r a t u r a s

l u m a s o u s a c o s t a @ g m a i l . c o m

N e l s o n D u a r t e P e r e i r a N e t o ( U F C ) 3

L i c e n c i a t u r a e m L í n g u a P o r t u g u e s a e R e s p e c t i v a s L i t e r a t u r a s

n e l s o n d u d u 1 6 @ g m a i l . c o m

M a r i a d a s D o r e s N o g u e i r a M e n d e s ( O r i e n t a d o r a / U FC ) 4

D e p a r t a m e n t o d e L e t r a s V e r n á c u l a s

d a s d o r e s n m @ y a h o o . c o m . b r

Resumo : No presente a r t i go , pretendemos compara r , no que d i z

r e s p e i t o à d i d á t i c a n o e n s i n o d e l i t e r a t u r a , a v i s ã o d o s

p rof essores e dos a l unos de uma esco l a púb l i ca de Fo r ta l eza .

C omo g u i a t e ó r i c o , u t i l i z amo s c om o r e f e r ê n c i a s o l i v r o d e

Z i l b erman ( 1 988 ) e o produz ido pe l os a l unos de Pós -Graduação

em Le t r as da Un iv e r s i d ade F ede r a l do Cea rá ( 20 1 6 ) , os qua i s

t e o r i z am d i r e t a o u i n d i r e t ame n t e o e n s i n o d a l i t e r a t u r a n a

esco l a ― o pont o de par t i d a des t e a r t i g o . Os dados sob re os

q u a i s n o s d e b r u ç amos f o r am co l h i d o s em um q u es t i o n á r i o

ap l i cado com a l unos e pro fessores do Ens i no Méd io , doravante

E M , d e um a e s c o l a p ú b l i c a d a R e g i o n a l V I , n a c i d a d e d e

F o r t a l eza (CE ) . Após a aná l i s e do co rpus , cons t a t amos que a

l i t e r a t u r a f o i en f a t i z a da t a n t o pa r a p ro f es so r es qua n t o pa r a

a l unos dessa esco l a como fon t e de conhec imen t o à f o rmação

de um pensamento cr í t i co .

P a l a v r a s - c h a v e : E n s i n o d e l i t e r a t u r a . E n s i n o Méd i o . E s c o l a

Púb l i ca .

1 I N T RO D U Ç Ã O

Podemos c i t a r a l guns t raba l hos que abordam como se dá

a formação do l e i t o r no Ens i no Méd io e como se pode ut i l i za r a

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t eor i a l i t e rá r i a na prá t i ca esco l a r (V IEGAS , 20 14 ; S ILVA, 2006 ) .

No entan to , o nosso compara as v i sões de professores e

a l unos do EM de uma esco l a púb l i ca em For ta l eza (CE ) sobre a

d i dá t i ca no ens i no de l i t era tura .

A impor tânc i a de nossa pesqu i sa deve -se ao fa to de

most ra r a rea l i dade do ens i no de l i t era tura em uma esco l a

púb l i ca do EM. Ass im , u t i l i zando os resu l t ados da aná l i se

rea l i zada , os professores podem tornar o ens i no dessa

d i sc i p l i na ma is i n tera t ivo , adequando-o às par t i cu l a r i dades de

seus a l unos e , menos t rad i c i ona l , vo l t ado à r ea l i zação de

provas e ves t i bu l a res .

In teressou-nos saber qua is as d i dá t i cas adotadas para o

ens i no de l i t era tura , se ex i s te a l gum es t ímu l o do professor

para a l e i t u ra de obras l i t erá r i as e se essa d i sc i p l i na co l abora

na formação cr í t i ca do i nd iv í duo.

2 O E N S I N O D A L I T E R A T U R A N O E N S I N O M É D I O

Algumas esco l as e professores caracter i zam o ens i no da

l i t era tura na contemporane i dade como um exerc í c i o que

pr i o r i za , mu i tas vezes , t raba l ha r com tex tos f ragmentados no

l i v ro d i dá t i co , propondo uma l e i t u ra de resumos que se l im i t am

à h i s tor i ogra f i a l i t e rá r i a e b i ogra f i a de autores . Ta l metodo l og ia

impede , em grande par te , os a l unos de se ded i ca rem sobre o

tex to l i t e rá r i o de mane i ra aguçada e de exercerem seu

pensamento cr ia t ivo e cr í t i co .

Como a f i rma Z i l berman ( 1988 , p. 94 ) .

De modo q u e a l i t e r a t u r a , e nq u an t o even to cu l t u r a l e

so c i a l , d ep end e d e como a l e i t u r a é en ca r ad a p e l o s

p ro f e sso r es , p o r ex t en são , p e l o s l i v r o s d i d á t i c o s q ue

en cam i nh am a q u es t ão ; p o i s , d e uma mane i r a o u d e

o u t r a , e l e s se en ca r r eg am d e o r i e n t a r a ação d o

d ocen t e em sa l a d e au l a .

Em a lguns l ivros d idát icos , por exemplo, observam-se

exercíc ios que examinam a le i tura de textos l i terár ios com a

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predominância de questões que propõem apenas uma le i tura

superf ic ia l , ou seja , o le i to r não é est imulado a i nfer i r e preencher

as entre l inhas do texto. Dessa manei ra , o a luno não consegue

desenvolver uma compreensão ma is abrangente do texto, po is o

papel d inâmico de le é subest imado pela le i tura ex ig ida pelo rote i ro

de interpretação trad i c iona l dos l ivros d idát icos . O ens ino da

l i teratura , portanto, não pode ser confundido ou reduzido à

transmissão de ide ias por meio dos l ivros d idát icos . Ens iná - la ,

fundamenta-se em destacar um apoio efet ivo para um exerc íc io

de l inguagem colet iva e ind iv idua l .

A d i dá t i ca adotada pe l o professor no ens i no de l i t era tura

jus t i f i ca -se quando Rodr i gues (20 16 , p . 22 ) d iz :

[ . . . ] a e xp l i c ação es t a r i a n a f a l t a d e p r ep a ro o u d e

cond i çõ es d e t r ab a l ho d o s do cen t e s d e L í n g u a

P o r t ugu esa , q u e con t i nu am en s i n an do l i t e r a t u r a n o s

mo l d es do sécu l o X I X , q u ando o a l u no n ão co l o cava

em dúv i d a a impo r t ânc i a d o conh ec imen to l i t e rá r i o

p a r a a f o rmação edu cac i o n a l .

3 A C O N S T RU Ç Ã O D E U M P E N S A M E N T O C R Í T I C O

A T RA V É S D A L I T E R A T U R A

Como a f i rma Cand ido ( 1 988 , p . 1 17 ) , “a l i t e ra tura

desenvo lve em nós a quota de human idade na med ida em que

nos torna ma i s compreens ivos e aber tos à na tureza , à

soc i edade e ao seme lhante . ” E l e de fende também que a

l i t e ra tura é , ou dever i a ser , um d i r e i t o bás i co do i nd iv í duo , po i s

a fabu lação a tua no cará ter e na formação dos su je i t os . Desse

modo , a l i t e ra tura tem o seu pape l cr i ador de i nd iv i dua l i dade ,

a tuando como uma “ força i nd i scr im i nada e poderosa da própr i a

rea l i dade . ” (CAND IDO, 1989 , p . 1 1 3 ) .

A esco l a deve prop i c i a r a aprox imação ent re l e i t o r e

tex to , poss i b i l i t ando que o es tudante se reconheça na l e i t u ra ,

s i n t a que sua rea l i dade pode es ta r l i gada com o tex to l i do .

Pa ra se obter essa aprox imação , d i z Z i l berman ( 1 988, p . 1 1 8 ) :

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“Uma nova pos tura pedagóg i ca do professor em sa l a de au l a

pressupõe a i nves t i gação e o conhec imento das ex i gênc i as e

necess i dades das pessoas com quem conv ive anua lmente . ”

Nas “D i re t r i zes Curr i cu l a res Nac i ona i s para o Ens i no

Méd io ” (BRASIL , 20 13 , p . 1 67 ) , d i z -se que “ [ . . . ] a d imensão

cogn i t i va não pode secundar i za r out ras d imensões de

formação , como , por exemp lo , as d imensões f í s i ca , cu l t u ra l e

a fet i va . ” Dessa forma , “ tomar o educando em suas mú l t i p l as

d imensões têm como f i na l i dade rea l i za r uma educação que o

conduza à autonom ia , i n t e l ectua l e mora l . ”

4 O PA P E L D O P RO F E S S O R D E L I T E RA T U RA N O

E N S I N O M É D I O

Ass im , como a f i rma Todorov (2009 , p . 4 1 ) , “ [ . . . ] o

professor do Ens i no Méd io f i ca encar regado de uma das ma is

á rduas ta refas : i n ter i o r i za r o que aprendeu na un ivers i dade ,

mas , em vez de ens i ná - l o , fazer com que esses conce i t os e

t écn i cas se t rans formem numa fer ramenta i nv i s íve l . ” O pape l

do professor na sa la de au l a , por tan to , torna -se s i gn i f i ca t i vo,

po i s não só per tencerá a e l e propagar conhec imento j á

e l aborado , mas const ru i r um novo com seus a l unos .

A respe i t o de se obter t a l ob j e t i vo, o soc i ó l ogo f rancês

Edgar Mor i n , em uma ent rev is t a conceb ida ao jorna l O G lobo ,

(MORIN , 20 14 ) , op i na que para se ter uma mudança no ens i no

de l i t era tura no Bras i l , deve -se “educar os educadores ” . Por

consegu in te , os professores necess i t am d i a l ogar com out ros

campos de conhec imento , j á que o conhec imento é apenas

t ransm i t i do e não ens i nado aos educadores a t ravés do mode lo

de ens i no oc i denta l .

5 P RO C E D I M E N T O S M E T O D O L Ó G I C O S

O corpus des te a r t i go fo i re t i rado de um ques t i onár i o on-l i ne d i spon i b i l i zado a a l unos e professores de l i t era tura de uma

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esco l a púb l i ca na c i dade de For ta l eza (CE ) . As perguntas foram

ap l i cadas com o ob je t i vo de conf i rmar ou re fu ta r nossa

h i pó tese de que a l i t era tura é ens i nada apenas como uma

d i sc i p l i na e não como uma fonte de conhec imentos que pode

ser u t i l i zada pe l o i nd iv í duo .

O ques t i onár i o fo i pos to em do i s grupos v i r t ua i s da

esco l a , na rede soc i a l Facebook , e desenvo lv i do i gua lmente

com pro fessores e a l unos do EM; l ogo , não houve jus t i f i ca t iva

para a esco l ha dos ent rev is t ados . A par t i r d i sso , fo i aber to um

prazo de sete d i as para que o formu lá r i o f osse r espond ido

com um to ta l de dezessete par t i c i pan tes , sendo e l es 14 a l unos

― do i s do 1 º ano , nove do 2 º ano e t rês do 3 º ano ― e 3

professores d i s t r i bu í dos i gua lmente ent re cada ano de

graduação .

Ao todo foram fe i tas quatro perguntas , questões essas com

a f ina l idade de comparar as respostas entre as duas graduações,

a dos professores e dos estudantes , i n i c iando com a

ident i f icação por cargo, nome, idade e graduação. As perguntas

foram respondidas pelos a lunos : CA, 17 ; LU, 16 ; JÉ, 16 ; AL, 19 ; SA,

16 ; IN , 17 ; RM, 15; B I , 17 ; AR, 17 ; DA, 17 ; AA, 18 ; GI , 16 ; N I , 1 5 e BE,

14 . E pelos professores : AU, (não ident i f icou a i dade) ; RE, 29 e

PH, 27 . Algumas respostas foram descons ideradas dentre as

c inco questões por serem igua is , incompletas ou monoss i láb icas .

6 A N Á L I S E D A S R E S PO S T A S D O S A L U N O S E D O S

P RO F E S S O R E S

O ques t i onár i o se i n i c i a com a i dent i f i cação por cargo e

por i dade , como já foram c i t ados na seção “Proced imentos

Metodo l óg i cos ” . Os professores , l ogo após , i den t i f i ca ram sua

formação , o ano de conc l usão de l a e há quanto tempo

l ec i onam l i t era tura no EM.

AU ― “Sou formada em Pedagog i a , Un ivers idade Es tadua l do Ceará (UECE) , 1 994 . E l i cenc i ada no curso de

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l i c enc i a t u ra espec í f i ca em Por tuguês , Un iv e rs i dade Es tadua l Va l e do Acaraú (UVA) , 2007 . Lec iono l i t era tura no ens i no méd io desde 2003 . ” ; RE ― “Mes t randa (conc l uo em 2017 ) ” ; PH ― “Let ras/Por tuguês/L i t era tura , conc l u ída em 20 14 , Espec i a l i zação em ens i no de l í ngua por tuguesa e l i t era tura bras i l e i ra , conc l u í da em 20 16 . Lec i ono L i t era tura há 5 anos” .

Para a pr ime i ra i ndagação , se a l i t era tura é apenas uma

d i sc i p l i na do EM ou uma fonte de conhec imentos , ob temos as

segu i n tes respos tas dos a l unos e dos professores :

CA ― “Fonte de conhec imentos ” ; SA ― “Uma fonte de conhec imento que se pode l evar para a v i da toda ” ; IN ― “A l i t era tura , va i a l ém de uma s imp l es d i sc i p l i na , e l a é a r te é cu l t u ra e t rad i ção . E tem mu i to acrescenta r na v ida de qua l quer ser humano” ; AR ― “Uma fonte de conhec imento que podemos l evar pra v i da ” ; DA ― “Uma fonte de conhec imento que pode ser l evada pra v i da ” ; AU ― “Fonte de conhec imentos ! ! ! ! ” ; RE ― “Como todas as d isc i p l i nas do cur r í cu l o esco l a r , a L i t era tura é uma fonte de conhec imentos que cont r i bu i para a formação do ser humano enquanto i nd iv í duo” ; PH ― “Com cer teza é a ma ior fon te de conhec imento e prazer i n te l ectua l que a pessoa pode ter , o que l evamos de cada l e i t u ra nos compõe e nos faz ser o que somos’ ’ ; BE ― “Acho que a l i t era tura tem ma i s impor tânc i a no cot i d i ano do que como uma d i sc i p l i na esco l a r , na verdade” .

Nota-se que as respos tas de CA e AU são s im i la res :

“ Fonte de Conhec imento” . Também, as respos tas de SA e AR

são s im i l a res à de DA. Essa pr ime i ra ques tão aponta , por tan to ,

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que a l i t era tura é uma fonte de conhec imentos que pode ser

l evada para a v i da , que cont r i bu i pa ra a f ormação do ser

humano enquanto i nd iv í duo , cons t i t u i ndo como o ma ior prazer

i n te l ectua l que uma pessoa pode possu i r .

Ad i an te , fo i ques t i onado sobre a d i dá t i ca adotada ao

ens i no . As respos tas foram as segu i n tes :

CA ― “Au l as ” ; JÉ ― “Le i t u ra , f i lmes , peças , e tc” ; SA ― “Provas e a t iv i dades ” ; IN ― “Va i depender do professor . Tem professor que dá a au l a de l e e os a l unos escutam, há outros que não ten tam ser cr i a t i vos , d i feren tes , t razendo tudo o que l i t e ra tura não só bras i l e i ra , mas a mund i a l t em de me lhor ” ; RM ― “Au l as comuns , sem iná r i os (apresentado pe l os a l unos ) , t raba l hos , f i lmes e l iv ros parad i dá t i cos ” ; B I ― “Redações , l e i t u ra de parad i dát i cos , t raba l hos que abordam os pr i nc i pa i s a r t i s tas l i t e rá r i os , en t re out ros ” ; DA ― “Le i t u ra ” ; AA ― “Poes i a , f i lme , l iv ros , conhec imento , representando a l i t era tura ” ; AU ― “Au l as expos i t ivas . Au l as de campo . Le i t u ra das obras e b i ogra f i as de autores . Ex i b i ção de v í deo -au l as , bem como de documentá r i os . Traba l hos em forma de esquetes tea t ra is , e l aboração de v í deos , esquemas etc” ; RE ― “Gera lmente , a h is tor i ogra f i a , prá t i ca que tenho abandonado em pro l da l e i t u ra do tex to l i t e rár i o ” ; PH ― “Traba l ho a par t i r de tex tos e contex tos , as caracter í s t i cas e tendênc i as f l uem das l e i t u ras e aná l i ses i n t ra e ext ratex tua is ” ; N I ― “Usa os l i v ros com as ques tões , faz provas , t raba l hos e etc” ;

Percebe-se que DA e JÉ têm em comum a opção l e i t u ra

em suas r espos tas . A professora AU d i fer enc i a -se , por

exemp lo , das respos tas de CA e RM quando c i t a como

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d idá t i ca , no ens i no , au l as expos i t i vas e au l as de campo . E , por

f im , a de AU é s im i l a r à de JÉ na opção esquetes tea t ra is .

Essa segunda ques tão reve l a que a d i dá t i ca no ens i no de

l i t era tura se cons t i t u i em au l as , l e i t u ras de parad i dá t i cos ,

sem iná r i os , provas e no conta to com out ros gêneros , como

f i lmes , peças tea t ra is , documentá r i os e v í deos . O pro fessor PH

aponta que nessa esco l a púb l i ca adota -se uma prá t i ca de

ens i no vo l t ada à aná l i se i n t ra e ext ra tex tua i s .

Sucess ivamente , a terce i ra i ndagação r etomou a

L i t era tura e se e l a aux i l i ava o i nd iv í duo a ter um pensamento

ma is cr í t i co acerca do mundo , as respos tas foram:

JÉ ― “S im , aux i l i a ” ; IN ― “S im , mu i t os escr i t o res ded i ca ram uma v i da a t ravés da l i t era tura formar seres humanos me lhores . E há professores que ten tam passar i sso formar um ser pensante cr í t i co” ; RM ― “S im , mas va i depender da d ispos i ção do a l uno ou professor ” ; DA ― “S im , a juda a pessoa a se expressar me lhor e fa l a r dos seus sent imentos ” ; PH ― “S im , há uma percepção do que os autores t razem como op i n i ão é fon tes de conhec imento , o que prop i c i a ao l e i t o r a poss i b i l i dade de ter mú l t i p l as v isões e , consequentemente , uma cr i t i c i dade sobre o que pode ou não ser absorv i do por e l e” . BE ― “S im, po i s a t ravés de l a somos i ns t ru í dos e i n formados , e dessa forma podemos ter um me lhor senso cr í t i co” .

As respos tas , não exp l í c i t as ac ima , de CA, LU, AL , G I ,

AA, RE , AU, N I e SA foram “S im” ; somente a B I negou , porém

não jus t i f i cou sua respos ta . Essa ter ce i ra i ndagação reve l a ,

por tan to , que , no gera l , a l i t e ra tura aux i l i a na formação cr í t i ca

do i nd iv í duo, po i s a t ravés de l a pode -se haver i ns t rução e

i n formação , proporc i onando senso cr í t i co .

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A quar ta pergunta ques t i ona a poss i b i l i dade de haver ou

não a l gum es t ímu l o para que ha ja a l e i t u ra das obras l i t erá r i as .

Os a l unos e professores responderam o segu i n te :

LU ― “S im , ex i s tem l i v ros de a l t o res [s i c ] que sent imos vontade de l er ” ; JÉ ― “S im , pa ra que se desenvo lva ma is o háb i t o de l e i t u ra , de i n terpretação e imag i nação” ; RM ― “S im , com a forma que a professora dá a au la , com os l iv ros parad i dá t i cos (um por b imes t re , a par t i r do 2 ° ) e com os f i lmes (que faz com que a l guns a l unos que i ram l er o l iv ro ) . A f i na l i dade é es t imu l a r o a l uno a l er e também porque ocor rem provas e a t iv i dades sobre as obras l i t erá r i as ” ; B I ― “S im . Com a f i na l i dade de obtermos conhec imentos ” . AR ― “S im . F i na l i dade de ter ma i s conhec imento ’ ’ ; AA ― “S im , o conhec imento e descobr i r novas co isas ” ; AU ― “Se fa l a rmos de uma forma gera l , não há ! Mas , dent ro de nossa esco l a há s im . Temos l e i t u ra e t raba l hos com parad i dát i cos em todas as sér i es ; temos o Chá l i t erá r i o ; fe i ra de l i nguagens e cód i gos ; pro je to de l e i t u ra v i a mu l t ime i os e out ros pro je tos ma i s pontua is ” . RE ― “Apenas como l e i t u ra parad i dá t i ca para f i ns de ava l i ação , na ma ior i a das esco l as . A lgumas , en t re tan to , t raba l ham com a perspect iva da apreci ação e da sens i b i l i zação por me io da t ranspos i ção ar t í s t i ca e da aná l ise l i t e rá r i a ” ; PH ― “S im , i n i c i a lmente o prazer , j un to a e l e temos a poss ib i l i dade de conhecer v i sões , cu l t u ras , momentos h i s tór i cos e soc i a is ” ;

Percebe-se que as r espos tas de B I , AA e AR i nd i cam que

há um es t ímu l o para a l e i t u ra de obras l i t erá r i as e sua

f i na l i dade é obter conhec imento . RE , AU e RM c i t am o uso de

parad i dá t i cos em sa l a de au l a . No gera l , no ta -se que na

l i t era tura fo i reconhec i do um es t ímu l o para a l e i t u ra das obras

l i t erá r i as . A professora AU, por exemp lo , reve l ou que nessa

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esco l a púb l i ca são o ferec i dos pro je tos como o “Chá l i t erá r i o ” , a

“Fe i ra de l i nguagens” e out ros pro je tos de l e i t u ra .

7 C O N C L U S Ã O

A nossa pesqu i sa vê como ob je t i vo cent ra l compara r , no

que tange à d i dá t i ca no ens i no de L i t era tura , a v i são dos

professores com a v i são dos a l unos do EM de uma esco l a da

rede púb l i ca da Reg i ona l VI , da c i dade de Forta l eza (CE ) .

O l evantamento dos dados reve l a que a l i t era tura não

representa apenas uma d i sc i p l i na , e s im uma fonte de

conhec imentos que podem ser l evados para a v i da . Adema i s , a

d i dá t i ca adotada por prof essores dessa esco l a cont r i bu i pa ra a

formação de um senso cr í t i co nos a l unos . Esses dados ,

por tan to , refu tam a h i pó tese des te a r t i go e , em grande par te , a

l i t e ra tura da á rea .

A l i t era tura co l e t ada para es te a r t i go reve l a , mu i t as

vezes , a impor tânc i a que os professores exercem na formação

de i nd iv í duos cr í t i cos de sua rea l i dade e que , na ma ior ia das

vezes , a d i dá t i ca adotada por e l es não cumpre esse ob je t i vo ,

po i s são pautadas , gera lmente , na h i s tor i ogra f i a l i t e rá r i a , na

b i ogra f i a de autores e na reso l ução de ques tões vo l t adas à

i n terpretação e à compreensão tex tua l .

Ass im , ao ana l i sa r as respos tas dos a l unos e dos

professores , podemos observar que há ma is pos i t i v i dade que

nega t iv i dade no ens i no da l i t era tura no EM des ta esco l a , a f i na l ,

não há o c i c l o padrão de sempre usar l i v ro e prova , v i s to que

rea l i zam, por exemp lo , au l as de campo e peças tea t ra is .

Os resu l t ados obt i dos pe l o ques t i onár i o cont r i buem para a

e l aboração , a cur to ou a l ongo prazo , de ma i s a t i v i dades que

for t a l eçam a formação de um pensamento c r í t i co e c i dadão

dent ro e fora da sa l a de au l a . Embora sa i bamos das l im i t ações

que t raz a metodo l og i a adotada nes te a r t i go , que

ocas i ona lmente resu l t am também em l im i tações nos resu l t ados ,

não há nada que impeça fu turas pesqu i sas ma is aprofundadas ,

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re l ac i onadas ao tema l i t era tura na esco l a com out ras

abordagens.

Abs t r a c t : I n t h i s a r t i c l e , w e i n t e n d t o c ompa r e , c o n ce r n i n g

d i d a c t i c s i n l i t e r a t u r e t e a c h i n g , t h e v i ew o f t e a ch e r s a n d

s tudents of a pub l i c schoo l i n For t a l eza . As a theoret i ca l gu i de ,

we r e l i ed on Z i l b e rman ’ s ( 1 9 88 ) a nd a bo ok p rod uced b y t h e

gradua te s tudents i n Let ters of the Federa l Un ivers i t y of Ceará

( 2 0 1 6 ) wh i c h d i r e c t l y o r i n d i r e c t l y t h e o r i z e t h e t e a ch i n g o f

l i t e ra tu re i n t he schoo l ― the s ta r t i ng po i n t o f th i s a r t i c l e . The

d a t a o n w h i c h w e a r e c o n c e r n e d w a s c o l l e c t e d i n a

q u e s t i o n n a i r e a p p l i e d w i t h s t u d e n t s a n d t e a c h e r s o f h i g h

schoo l , now EM, o f a pub l i c s choo l o f Reg i ona l V I , i n t he c i t y

o f Fo r t a l eza (CE ) . Af te r the ana l ys i s o f the co rpus , we ver i f i ed

t h a t t h e l i t e r a t u r e wa s emph a s i z e d f o r b o t h t e a ch e r s a n d

s t u d en t s o f t h i s s c h o o l a s a s o u r c e o f k n ow l e d g e t o t h e

forma t i on of a cr i t i ca l t h i nk i ng.

Keywords : Teach i ng of l i t e ra ture . H i gh Schoo l . Pub l i c Schoo l .

R E F E R Ê N C I A S

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Pau lo : Contex to, 1 988 . Co l eção Repensando o Ens i no .

N O T A S

1 D i scen t e d e L e t r as d a Un i v e r s i d ad e Fede r a l d o Cea rá (UFC ) , F o r t a l e z a -

CE .

2 D i scen t e d e L e t r as d a Un i v e r s i d ad e Fede r a l d o Cea rá (UFC ) , F o r t a l e z a -

CE . 3 D i scen t e d e L e t r as d a Un i v e r s i d ad e Fede r a l d o Cea rá (UFC ) , F o r t a l e z a -

CE .

4 P r o f e s so r a Ad j u n t a I d o D ep a r t amen t o d e L e t r a s Ve r n ácu l a s d a UFC .

D ou to r a em L i ng u í s t i c a p e l a Un i ve r s i d ade F ed e r a l do Cea r á ( 2 0 13 ) .

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A P Ê N D I C E A – I N S T R U M E N T O D E C O L E T A D E D A D O S

QUESTIONÁRIO

Endereço de e-ma i l :

Ident i f i cação por cargo

( ) Es tudante

( ) Professor

Nome a par t i r da i dent i f i cação e i dade :

* (Se Professor ) Qua l a sua formação , ano de conc l usão de l a e

há quanto tempo l ec i ona L i t era tura no Ens i no Méd io?

* (Se A luno ) Qua l o ano de ens i no?

1 ― A L i t era tura é apenas uma d i sc i p l i na de Ens i no Méd io ou

uma fonte de conhec imentos que o i nd iv í duo , se j a e l e a l uno ou

professor , pode l evar para a v i da?

2 ― Qua i s são a (s ) d i dá t i cas (s ) adotadas para o ens ino de

L i t era tura?

3 ― Conforme a abordagem d i dá t i ca que você conhece , a

L i t era tura aux i l i a a f im de uma formação cr í t i ca ao i nd iv í duo?

4 ― Há a l gum es t ímu l o para que ha ja a l e i t u ra de obras

l i t e rá r i as? Se s im , com qua l f i na l i dade?

Env i ado em : 24/02/ 20 18 .

Ap ro vado em : 2 9/04/20 18 .

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LINGUÍSTICA

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 2 9 - 4 0 , 2 0 1 8

I S S N 2 2 3 6 - 3 3 3 5

E D I Ç ÕE S F I L OL Ó G I CAS D E U M P R OCE S S O - CR I ME

D E E S T UP R O DO I N Í C I O DO S ÉC UL O X X

E l i e n e P i n t o d e O l i v e i r a ( U E F S )

L i c e n c i a t u r a e m L e t r a s V e r n á c u l a s

e l i e n e . o l i v e i r a 2 @ o u t l o o k . c o m

J o s e n i l c e R o d r i g u e s d e O l i v e i r a B a r r e t o ( O r i e n t a d o r a / U FO B )

C e n t r o d e H u m a n i d a d e s

n i l c e 1 1 . b a r r e t o @ g m a i l . c o m

R e sumo : E s t e t r a ba l ho r e f e r e -s e ao es t u do f i l o l ó g i co d e um

P r o c e s s o - C r im e d e E s t u p r o o co r r i d o na c i d a d e d e F e i r a d e

S an t an a , n o an o d e 1 9 24 , t e n d o c omo v í t i m a a meno r Ma r i a

A r l i nda Ped re i ra R i be i ro e como r éu , Rau l Ba rbosa de A lme i da .

E s s e p r o c e s s o - c r i m e e n co n t r a - s e a r q u i v a d o n o Cen t r o d e

Documenta ção e Pesqu i sa (CEDOC) , l o ca l i zado na Un ivers i dade

Es ta dua l de Fe i ra de San tana . A pa r t i r des te co rpus f ez-se as

e d i ç õ e s f a c - s i m i l a r e s e m i d i p l o m á t i c a , b e m c o m o o

l e v a n t amen t o d o s a s p e c t o s c o d i c o l ó g i c o s c om o i n t u i t o d e

p r e s e rv a r e d i v u l g a r a s i n f o rma çõ es c on t i d a s n o mesmo , e

ass im cont r i bu i r pa ra as pesqu i sas no âmb i t o da F i l o l og i a e de

á reas a f i ns , co l aborando também para a h i s tór i a e a cu l t u ra da

c i d ad e d e F e i r a d e Sa n t ana . Ass i m , pa r a a r e a l i z a ç ão d es t e

t r a ba l ho , ampa ramo -nos nas ob r a s de Ac i o l i ( 1 9 94 ) , Cambra i a

( 2005) , Que i roz (2006 , 2007 ) , Santos (2006 ) e Sp i na ( 1977 ) .

Pa l av ras-chave : F i l o l og i a . Ed i ções fac -s im i l a r e s em i d i p l omá t i ca .

Processo-Cr ime de Es tupro .

1 I N T RO D U Ç Ã O

É i negáve l que a F i l o l og i a se j a uma c i ênc i a de ext rema

impor tânc i a para conhecermos a h i s tór i a da human idade , a

par t i r dos escr i t os de i xados por nossos antepassados . Pa r t i ndo

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 2 9 - 4 0 , 2 0 1 8

d i sso , Santos (2006 , p . 79 ) d i z que “A f i l o l og i a , em sent i do

amp lo, es tuda a l í ngua , a l i t e ra tura e a cu l t u ra representadas

a t ravés de documentos e tex tos l egados por uma determ inada

c iv i l i zação [ . . . ] ” , a par t i r dos qua i s podemos conhecer a h i s tór ia

e a cu l t u ra de um povo . Contudo , mu i tas vezes , esses tex tos

não se encont ram conservados e acabam se perdendo com o

tempo . Então cabe ao f i l ó l ogo a m issão de preservar e ed i t á -

l os para que out ras pessoas tenham acesso à h i s tór i a do

mesmo. Sobre as d i f i cu l dades encont radas pe l o f i l ó l ogo ao se

depara r com um documento de época p retér i t a , Ac i o l i ( 1 994 , p .

2 ) a f i rma que

No manu se io d e có d i c e s e d o cumen to s an t i go s ,

d e f ro n t a - se o p esqu i sado r com mú l t i p l a s d i f i c u l d ades :

f o rma g r á f i c a d i v er sa d a a t u a l ; d e scu i do s d e r ed ação ;

f a l t a d e c l a r ez a n a expo s i ç ão d o assu n t o ;

ab r ev i a t u r as ; s i s t ema d e n umer ação , u n id ad es d e peso

e med i d a e s i s t ema mone t á r i o p ou co conhec i do . A i s t o

se d evem ac r escen t a r o s p ro b l emas d e o rdem

ex t e r n a , t a i s como manch as , co r ro são po r t r aç as e

p e l a t i n t a , aç ão do ca l o r , ág u a , um i d ade e manu se i o .

Desse modo, vemos a impor tânc i a do l abor do f i l ó l ogo , no

que concerne à pr eservação e res t i t u i ção desses bens

ma ter ia i s , v i s to que , d i versas vezes , esses t ex tos não es tão

em bom es tado de conservação , o que d i f i cu l t a o t raba l ho do

pesqu i sador .

Sabendo que a ed i ção de tex tos é uma das a t iv i dades

ma is an t i gas da F i l o l og i a , a qua l busca a conservação do

documento e preservação do seu conteúdo , quem se debruça

sobre o es tudo f i l o l óg i co tem todo o amor e cu i dado com o

ob je to de es tudo para , no f im , torna r acess íve l ao púb l i co

documentos que a té então eram desconhec i dos . Pensando

n i sso , es te t raba l ho, que versa sobre um processo -cr ime de

es tupro de 1924 , v i sou es tudar e ed i t a r f i l o l og i camente o

ref er i do documento , l av rado na c i dade de F e i ra de Santana -BA,

no i n í c i o do sécu l o XX.

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 2 9 - 4 0 , 2 0 1 8

2 D E S C R I Ç Ã O D O C O R PU S

O corpus des te t raba l ho é um processo -cr ime de es tupro

com 42 fó l i os escr i t os no recto e verso em l e t ra curs iva

human í s t i ca por d i fer en tes punhos , e l av rado na c i dade de

Fe i ra de Santana no ano de 1924 . Esse documento per tence ao

a rqu ivo púb l i co denom inado Cent ro de Documentação e

Pesqu i sa (CEDOC) , que f i ca l oca l i zado na Un ivers i dade Es tadua l

de Fe i ra de Santana (UEFS ) .

Ao fo l hearmos o re fer i do documento , i den t i f i camos a

ex i s tênc i a de car imbos, fó l i os com marca d’ água , manchas , e

out ros aspectos que serão deta l hados ma i s à f ren te . Sobre as

pessoas a r ro l adas no processo, i den t i f i camos as segu i n tes :

Mar ia Ar l i nda Pedre i ra R i be i ro , uma jovem de apenas 13 anos , e

Rau l Ba rbosa de A lme ida , acusado de ter comet i do o cr ime

cont ra a menor com o i n tu i t o de preservar a honra da v í t ima ,

v i s to que , naque l a época , a mu lher que não f osse v i rgem não

consegu i a se casar e f i cava desonrada . Abre -se , en tão , um

processo-cr ime cont ra Rau l Ba rbosa , acusado de ter seduz ido -

a , prometendo- l he casamento ; porém, após consumar o a to

sexua l , fo i embora sem l he dar exp l i cações .

Ao l ongo do processo foram ouv idas tes temunhas que

a f i rmavam saber do ocor r i do , contudo não sab i am onde se

encont rava o réu . D i an te de vár i as ten ta t ivas de i n t imar o

acusado para pres ta r esc l a rec imento, não obtendo êx i t o ,

manda-se então exped i r ed i t a l de convocação no jorna l da

época , na t en ta t iva de encont rá - l o ; mesmo ass im , não

compareceu para depor . Na conc l usão do p rocesso , o ju i z

cons i dera Rau l Ba rbosa cu l pado do cr ime de es tupro ,

mandando exped i r imed i a to mandado de pr i são cont ra e l e . A

segu i r , expomos o fac -s ím i l e do pr ime i ro fó l i o do processo em

ques tão , a f im de o apresenta rmos para o nosso l e i t o r .

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 2 9 - 4 0 , 2 0 1 8

F i g u r a 1 : F ó l i o 1 r d o P ro cesso -C r ime d e Es t up r o d e Ma r i a Ar l i n d a

P ed r e i r a R i b e i ro d e 1 924 .

F o tog r a f i a : E l i e n e P i n t o d e O l i v e i r a

F on t e : CEDOC/UEFS

3 S O B R E A S E D I Ç Õ E S

Para estudarmos esse Processo-Cr ime de Estupro part imos

de dois t ipos de ed ições , que servem como base para d iversos

estudos, se jam e les l ingu ís t i cos ou f i lo lóg icos : A edi ção fac -

s imi lar , que se trata da fotograf ia do documento, que, de acordo

com Cambra ia (2005, p. 91 ) , “ [ . . . ] baseia -se, em pr inc íp io , no grau

zero de mediação, porque, neste t ipo, apenas se reproduz a

imagem de um testemunho através de me ios mecânicos , como a

fotograf ia , xerograf ia , escaner ização, etc. ” Este t ipo de ed ição

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 2 9 - 4 0 , 2 0 1 8

permi te o acesso ao texto de forma d i reta , po is a ed ição fac -

s imi lar serve de base para se rea l izar outros t ipos de edi ções .

O segundo t ipo de ed ição escolh ida é a ed ição

semid ip lomát ica , que, segundo os saberes de Spina ( 1977 , p. 79) ,

“ [ . . . ] va i ma is longe [do que a d ip lomát ica ] na interpretação do

or ig ina l , po is já representa uma tentat iva de melhoramento do

texto, com d iv isão das pa lavras , desdobramento das abrev iaturas

[ . . . ] e às vezes até com pontuação. ” Em outras pa lavras , a ed i ção

semid ip lomát ica é a transcr ição f ie l do documento, fazendo -se

poucas intervenções no texto para que seja melhor a

compreensão do mesmo.

Para a rea l ização da edição semid ip lomát ica , u t i l i zamos os

cr i tér ios de edi ção adotados por Quei roz (2007, p. 34) . Para a

descr ição do documento, observamos as seguintes caracter ís t icas :

A) Número de co l unas ; B ) Número de l i nhas da mancha escr i t a ; C ) Ex i s tênc i a de ornamentos ; D ) Ma iúscu l as ma is i n teressantes ; E ) Ex i s tênc i a de s i na i s espec i a i s ; F ) Número de abrev ia turas ; G ) T i po de escr i t a ; H ) T i po do pape l .

Já para a t ranscr i ção , op tamos por : A) Respei tar f ided ignamente o texto: graf ia , l i nhas , fó l ios , etc. ; B ) Fazer rem issão ao número do fó l i o no ângu lo super i o r

d i re i t o ; C ) Numerar o texto l inha por l inha, constando a numeração de

cinco em cinco; D ) Separa r as pa l av ras un i das e un i u as separadas ; E ) Desdobra r as abrev i a turas usando i t á l i co ; F ) Ut i l i za r co l chetes para as i n terpo l ações : [ ] ; G ) Ind i ca r as rasuras , acrésc imos e supressões at ravés

dos segu i n tes operadores :

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 2 9 - 4 0 , 2 0 1 8

( ( † ) ) rasura i l eg í ve l ; [ † ] escr i t o não i dent i f i cado ; ( . . . ) l e i t u ra imposs íve l por dano no supor te ; / / l e i t u ra con jecturada ; < > supressão ; ( ) rasura ou mancha ; [ ] acrésc imo .

Após o es tabe l ec imento dos cr i t ér i os de ed i ção

sem id i p l omát i ca , veremos , a segu i r , as ed i ções fac -s im i la r e

sem id i p l omát i ca de a l guns fó l i os do documento .

F i g u r a 2 : Fó l i o 2 r do P ro cesso -C r ime d e Es t up ro d e Ma r i a Ar l i n d a

P ed r e i r a R i b e i ro d e 1 924 . F ó l i o d e abe r t u r a d o p ro cesso .

F o tog r a f i a : E l i e n e P i n t o d e O l i v e i r a

F on t e : CEDOC/UEFS

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 2 9 - 4 0 , 2 0 1 8

F i g u r a 3 : Fó l i o 5 r d o P ro cesso -C r ime d e Es t up r o d e Mar i a Ar l i n d a

P ed r e i r a R i b e i ro d e 1 924 . Au t o de p e rgun t as f e i t a s à v í t im a .

F o tog r a f i a : E l i e n e P i n t o d e O l i v e i r a

F on t e : CEDOC/UEFS

4 S O B R E O S A S P E C T O S C O D I C O L Ó G I C O S D O

D O C U M E N T O

Quando rea l i zamos um t raba l ho f i l o l óg i co , observamos os

aspectos que d i zem respe i t o ao supor te ma ter i a l u t i l i zado para

escr i t a , ao t i po de pape l u t i l i zado , ao número de fó l i os , à

da tação , en t re out ros . Sobre essas caracter ís t i cas , amparamo -

nos na Cod i co l og i a , que va i j us tamente cu i da r desses

aspectos .

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 2 9 - 4 0 , 2 0 1 8

No que d i z r espe i t o à de f i n i ção de Cod i co l og i a , Sp i na

( 1 977 , p . 22 , gr i fo do autor ) a f i rma que o termo “ [ . . . ] cod i co l og i a

é a t i nen te exc l us ivamente ao conhec imento do ma ter i a l

empregado na produção do manuscr i t o ( scr i p tor i a ) e das

cond i ções ma ter i a is em que esse t raba l ho se ver i f i cou [ . . . ] . ”

Cambra ia ( 2005 , p . 26 ) re i t era que :

P a r a o c r í t i c o t e x t u a l , a cod i c o l og i a é d e g r an de

r e l e v ânc i a , p o i s f o rn ece i n f o rmaçõ es qu e p erm i tem

comp r eend e r a l g umas d as r azõ es p e l as qu a i s o s

t e x t o s se mod i f i c am n o p ro cesso d e su a t r an sm i ssão .

[ . . . ] A l ém d e p e rm i t i r uma compr een são ma i s p r o f un d a

do p ro cesso d e t r an sm i ssão d o s t e x t o s , o s

con hec imen to s co d i c o ló g i co s t ambém são u t i l i z ad o s

ma i s p r agma t i c amen t e n a d esc r i ç ão d e cód i c e s , a q u a l

d eve con s t a r n a ed i ç ão d e t e x t o s p r e se r v ado s em

manu sc r i t o s .

Desse modo , o l evantamento dos dados cod i co l óg i cos

cons i s te em deta l ha r o supor te u t i l i zado para escr i t a , o t i po de

l e t ra , a ex i s tênc i a de manchas , o número de f ó l i os da mancha

escr i t a , rasuras , en t re out ros aspectos per t i nen tes ao

documento. Pa r t i ndo d i sso , veremos , a segu i r , a l guns aspectos

cod i co l óg i cos encont rados no decor rer do nosso documento .

F i g u r a 4 : C a r imbo d a Co l l e c t o r i a F ed e r a l d e F e i r a d e San t an a no ângu l o

i n f e r i o r e squ e rdo do f ó l i o 1 4 r e c t o .

F o tog r a f i a : E l i e n e P i n t o d e O l i v e i r a

F on t e : CEDOC/UEFS

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 2 9 - 4 0 , 2 0 1 8

F i g u r a 5 : F ó l i o do d i á r i o o f i c i a l d a épo ca em qu e f o i e xp ed i do o ed i t a l d e

convocação do r éu , R au l B a r bo sa d e A lme i d a . Fó l i o d e núme ro 2 5 .

F o tog r a f i a : E l i e n e P i n t o d e O l i v e i r a

F on t e : CEDOC/UEFS

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 2 9 - 4 0 , 2 0 1 8

F i g u r a 6 : N ume r ação o r d i n a l p a r a ma rca r

o rd em d as t e s t emunh as , f ó l i o 1 9 r e c t o .

F o tog r a f i a : E l i e n e P i n t o d e O l i v e i r a

F on t e : CEDOC/UEFS

5 C O N S I D E RA Ç Õ E S F I N A I S

Com as ed i ções rea l i zadas e com o l evantamento dos

dados cod i co l óg i cos l evantados do documento , fo i poss íve l

i den t i f i ca r manchas , rasgos , furos , cor rosão por conta da t i n t a

etc . , bem como fazer a fo togra f i a e t ranscr i ção do documento

para conservar seu conteúdo . Es te t i po de t raba l ho cont r i bu i

com os es tudos f i l o l óg i cos na Bah i a e acerca da c i dade de

Fe i ra de Santana , o que nos perm i t e re i t era r as pa l av ras de

Que i roz (2006 , p . 144 ) ao a f i rmar que :

Os d o cumen t o s h i s t ó r i co s r ep r e sen t am o p a t r imôn i o

cu l t u r a l , p o r t an to são o b j e t o d e i n t e r e sse d e d i v e rso s

p esq u i sado r es n as ma i s v a r i ad as á r e as d o

conhec imen to h umano : H i s t ó r i a , F i l o l og i a , P a l e og r af i a ,

Ep i g r a f i a , D i p l omá t i c a , L i n gu í s t i c a , L i t e r a t u r a , D i r e i t o ,

T eo l og i a , d en t re o u t r as c i ê nc i as . N esse sen t i d o , f az - se

d e g r and e r e l e v ân c i a a su a p r e ser v ação e

con se rv ação .

Desse modo , en tendemos que as ed i ções f ac -s im i l a r e

sem id i p l omát i ca são fundamenta i s para a preservação e

conservação dos tex tos produz idos em épocas pretér i t as , po i s

a par t i r daque l as podemos fazer d iversos es tudos

re l ac i onados , por exemp lo , à L í ngua Por tuguesa .

Abs t ra c t : Th i s wo rk r e f e rs to t he ph i l o l og i ca l s t udy o f a Rape

C r i m e P r o c e s s o c cu r r e d i n t h e c i t y o f F e i r a d e S a n t an a , i n

1 9 24 , Ma r i a A r l i n da P ed r e i r a R i b e i r o was t he v i c t i m an d Rau l

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 2 9 - 4 0 , 2 0 1 8

Ba rbosa de A lme ida was t he de fendan t . Th i s cr ime p rocess i s

f i l e d a t t h e D o c um e n t a t i o n a n d R e s e a r c h C e n t e r ( C E D OC )

l o ca t ed a t t he S ta t e Un iv e rs i t y o f F e i ra de San tana . F r om th i s

corpus i t was made the fac -s im i l a r and sem id i p l oma t i c ed i t i ons ,

a s we l l a s t h e s u rv ey o f t he co d i co l og i ca l a s pec t s w i t h t h e

i n t e n t i o n o f p r e s e r v i n g a n d d i s s em i n a t i n g t h e i n f o rm a t i o n

con ta i ned i n i t , and t hus con t r i bu t e to research i n the f i e l d o f

Ph i l o l ogy and re l a ted a reas , a l so cont r i bu t i ng to the h i s tory and

cu l t u r e o f the c i t y o f F e i ra de Santana . Thus , to car ry out th i s

wo r k , we r e l y on t he wo r ks o f Ac i o l i ( 1 9 94 ) , Cambra i a ( 2005 ) ,

Que i roz (2006 , 2007 ) , Santos (2006 ) and Sp i na ( 1 977 ) .

K eywords : Ph i l o l ogy . Fa cs im i l e a nd sem i d i p l oma t i c i ss ues . Rape

Cr ime Process .

R E F E R Ê N C I A S

ACIOL I , Vera Lúc i a Cos ta . A escr i t a no Bras i l co l ôn i a : um gu ia

para l e i t u ra de documentos manuscr i t os . Rec i fe : Massangana ,

Ed i t o ra da Un ivers i dade Federa l de Pernambuco , 1 994 .

CAMBRAIA , César Narde l l i . In t rodução à cr í t i ca tex tua l . São

Pau lo : Mar t i ns Fontes , 2005 .

QUEIROZ, R i t a de Cáss i a R i be i ro de . In t rodução metodo l óg i ca .

In : _ _ _ __ _ . (Org . ) . Documentos do acervo de Monsenhor Ga lvão :

ed i ção sem id i p l omá t i ca . Fe i ra de Santana : Un ivers i dade Es tadua l

de Fe i ra de Santana , 2007 . p . 23 -34 .

_ _ _ __ _ . Pa ra que ed i t a r? A f i l o l og i a a serv i ço da preservação

da memór ia ba iana . In : _ __ _ __ ; SANTOS, Rosa Borges dos ;

TE IXE IRA, Mar i a da Conce i ção Re i s (Org . ) . D i feren tes perspect i vas dos es tudos f i l o l óg i cos . Sa l vador : Quar te to , 2006 .

p . 14 1 - 157 .

SANTOS , Rosa Borges dos . A f i l o l og i a tex tua l e a gramá t i ca

es t i l í s t i ca do autor . In : QUEIROZ, R i t a de Cáss i a R i be i ro de ;

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 2 9 - 4 0 , 2 0 1 8

SANTOS , Rosa Borges dos ; TE IXE IRA, Mar ia da Conce i ção Re i s

(Org . ) . D i feren tes perspect ivas dos es tudos f i l o l óg i cos .

Sa lvador : Quar te to , 2006 . p . 79 -93 .

SP INA, Seg ismundo . In t rodução à edót i ca : cr í t i ca tex tua l . São

Pau lo : Cu l t r i x , Ed. Da Un ivers i dade de São Pau l o , 1 977 .

Env iado em: 26/02/20 18 .

Aprovado em: 24/04/20 18 .

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 4 1 - 5 0 , 2 0 1 8

I S S N 2 2 3 6 - 3 3 3 5

O I N T E R D I S CU R SO P E L A P E R S P E CT I V A D E E N I

O R L AN D I N A L E T R A DA M ÚS I C A A L CA PO NE ,

D E R AU L S E I X AS

B i a n c a G r e l a ( U E M )

L i c e n c i a t u r a e m L e t r a s ― P o r t u g u ê s / I n g l ê s

b i a n c a g r e l l a @ y a h o o . c o m . b r

C a r o l a S i l v a P o l a ( U E M )

L i c e n c i a t u r a e m L e t r a s ― P o r t u g u ê s / I n g l ê s

c a r o l a - p o l a @ h o t m a i l . c o m

M a r i a H e l o i s a T e i x e i r a d a S i l v a ( U E M )

L i c e n c i a t u r a e m L e t r a s ― P o r t u g u ê s / I n g l ê s

m a r i a h e l o i s a - l a v o r e n t t e @ h o t m a i l . c o m

Resumo : O pr esent e t raba l ho t em como ob je t i vo ana l i sa r como

o i n terd i scurso pe l a perspect i va de En i Or l and i ( 20 12 ) es tá pre -

sent e na l e t ra da mús i ca A l Capone , can ta da po r Rau l Se i x as ,

e t ambém v i sa con t r i bu i r com a á r ea de pesqu i s a em aná l i s e

d o d i s c u r s o . Ao r e a l i z a r o e s t u d o , f o i p o s s í v e l c h e g a r a o

conce i t o de memór i a d i scu rs iva , cons t i t u í do pe l o que j á fo i d i t o

a l guma vez e necessár i o pa ra que os d i s cursos tenham sent i -

dos . Af i rma-se que , ao aponta r o que j á fo i d i t o , a par t i r desse

d i scurso , os sen t i dos s i l enc i ados presentes no que es tá sendo

d i t o , ou se ja , no exp l í c i t o , são desenvo lv i dos .

Pa l av ras-chave : A l Capone . In terd i scurso . Memór i a d iscurs iva .

1 I N T RO D U Ç Ã O

Conforme En i Or l and i ( 20 12 , p . 33 ) , “o i n terd i scurso é todo

con jun to de f ormu lações fe i t as e j á esquec i das que determ inam

o que d i zemos” . A autora exp l i c i t a , a i nda , que o i n terd i scurso

“d isponib i l i za d izeres que afetam o modo como o suje i to s ign i f ica

em uma s i tuação d iscurs iva dada” (2012 , p. 31 ) e que o d ize r não

é uma propr i edade nossa , as pa l av ras s i gn i f i cam pe l a h i s tór ia e

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 4 1 - 5 0 , 2 0 1 8

pe l a l í ngua . Pa r t i ndo des te ponto , t emos , nes te t raba l ho , o

ob je t i vo de ana l i sa r como es te conce i t o , pe l a pe rspect iva da

autora suprac i t ada , es tá presente na l e t ra da mús i ca A l Capone , can tada por Rau l Se i xas . Jus t i f i camos sua r ea l i zação

pe l a cont r i bu i ção à á rea de pesqu i sa sobre aná l i se do d i scurso

pecheut i ana , espec i f i camente do conce i t o de i n terd i scurso por

En i Or l and i , segu i ndo a tendênc i a contemporânea vo l tada ao

tema . Pa ra me lhor organ i zação da proposta , es te a r t i go es tá

d iv i d i do em i n t rodução , desenvo lv imento ( fundamentação teór i -

ca e aná l i se ) , conc l usão e referênc i as .

Raul Se ixas , nascido em 28 de junho de 1945, em Sa lvador ,

e fa l ec ido em 21 de agosto de 1989 , em São Paulo , fo i

um cantor e compos i tor bras i le i ro , cons iderado um dos p ione i ros

do rock bras i le i ro . Se ixas era cét i co e agnóst ico, demons trava

interesse por f i losof ia ― metaf ís ica e onto log ia ― , ps ico log ia ,

h is tór ia , l i teratura e la t im. D iversas ideias or ig inár ias dessas

cor rentes foram aprovei tadas em sua obra , que obteve boa

recepção do públ i co por conta d isso. A mús ica Al Capone , que é

objeto da presente pesquisa , fo i composta pelo própr io Raul

Seixas e também pelo escr i tor Paulo Coe lho, e é parte do á lbum

“Kr ig-há, Bandolo ! ” 1 , gravado por Se ixas em 1973, quando nosso

pa ís era governado por Médi c i e passava pelo chamado reg ime

mi l i tar . Ambos os compos i tores acred i tavam na l iberdade po l í t i ca

do anarquismo e, juntos , cr iaram o movimento “Sociedade

Al ternat iva” , que ia cont ra a repressão pregada pe lo mov imento

di ta tor ia l . Sendo importante ressa l tar que tanto Se ixas quanto

Coelho foram exi lados nos Estados Unidos , nes se per íodo.

2 D E S E N V O L V I M E N T O

2 . 1 F u n d a m e n t a ç ã o t e ó r i c a

De acordo com Or l and i ( 20 12 ) , a memór i a t ambém faz

par te do d i scurso , ou se ja , o i n terd i scurso pode ser cons i dera -

do uma memór ia d i scurs iva . Ta l memór ia d i scurs iva é necessá -

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 4 1 - 5 0 , 2 0 1 8

r i a pa ra que os d i scursos gerem sent i dos na soc i edade em

que v ivemos. A autora a f i rma que o i n terd i scurso é o que j á

fo i d i t o e que causa efe i t o , i n f l uenc i a no que se es tá sendo

d i t o , sendo ass im , pode ser def i n i do como uma re l ação ent re o

j á d i t o e o que se es tá sendo d i t o . A i nda pos tu l a :

O fa t o é q u e h á um j á - d i t o qu e su s t en t a a p o ss i b i l i d a -

d e mesma d e t o do d i z e r , é f u nd amen t a l p a r a s e

comp r eend e r o f un c i on amen t o do d i scu r so , a su a

r e ação com o s su j e i t o s e com a i d eo l og i a . A o b se rv a -

ção do i n t e rd i scu r so no s p e rm i t e , r eme t e r o d i z e r d a

f a i xa a t od a uma f i l i a ç ão d e d i ze r e s , a uma memór i a , e

a i d en t i f i c á - l o em su a h i s t o r i c i d ade , em su a s i g n i f i c ân -

c i a , mo s t r ando seu s comp rom i sso s po l í t i c o s e i d eo l óg i -

c o s . (ORLAND I , 2 0 1 2 , p . 3 2 ) .

Isso s i gn i f i ca que , em sua perspect i va , a respe i t o de tudo

o que se fa l a , ex i s te um chamado j á -d i t o . Pa ra Or l and i ( 20 12 ) ,

em todo d i scurso o i n terd i scurso es tá presente , ou se ja , há

um d i scurso que j á é “conhec i do” por quem es tá fa l ando

( su j e i t o ) . En t re tan to , a expressão “conhec i do” não s i gn i f i ca que

o i nd iv í duo enunc i ador tenha consc i ênc i a do j á -d i t o . O su je i t o ,

ao es ta r i nser i do em uma formação d i scurs iva 2 , não percebe

que não é o autor do que se d i z , po i s os j á -d i t os formam a

nossa memór ia d i scurs iva , e l es podem surg i r i nconsc i en temente

no d i scurso : “o su je i t o d i z , pensa que sabe o que se d i z , mas

não tem acesso ou cont ro l e sobre o modo pe l o qua l os sent i -

dos se cons t i tuem ne l e . ” (ORLAND I , 2012 , p . 32 ) .

A autora a f i rma , a i nda , que as formações d i scurs ivas

representam. Es tas podem ser v i sua l i zadas como par tes espe -

c í f i cas do i n terd i scurso , ou se ja , espec í f i cas conf i gurações dos

d i scursos em suas re l ações . É o i n terd i scurso que perm i t e

d i zeres , a t ravés do j á -d i t o , def i n i ndo o que cons t i t u i uma

formação d i scurs iva em re l ação à out ra f ormação . Or l and i

( 20 12 ) exp l i c i t a t ambém que o d i scurso co i nc i de com forma ções

i deo l óg i cas , a l egando que a i deo l og i a não é apenas um

con jun to de r epresentações , v i são de mundo ou ocu l t ação da

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 4 1 - 5 0 , 2 0 1 8

rea l i dade , mas o produto da re l ação necessár i a do i nd iv í duo

com a l í ngua e com a h i s tór i a . Ass im , há sent i do e su je i t os :

O sen t i d o é as s im uma r e l aç ão d e t e rm i n ad a d o su j e i t o ― a f e t ado p e l a l í n gu a ― com a h i s t ó r i a . É o g es t o d e i n t e r p re t ação qu e r e a l i z a e s sa r e l aç ão do su j e i t o com a l í n gu a , com a h i s t ó r i a , c om o s sen t i d o s . Es t a é a ma r ca d a sub j e t i v ação e , ao mesmo t empo , o t r aço d a r e l aç ão d a l í n gu a com a ex t e r i o r i d ad e : n ão h á d i scu r -so sem su j e i t o . E n ão h á su j e i t o sem i d eo log i a . ( ORLAND I , 2 0 1 2 , p . 4 7 ) .

Ass im , segundo a autora , o i n terd i scurso é todo o

con jun to de formu l ações fe i t as e j á esqueci das , j á -d i t os , que

def i nem o que d i zemos . Des te modo , pa ra ana l i sa r um d i scurso ,

é prec i so cons i dera r o que j á fo i d i t o e aponta r aqu i l o que não

fo i d i t o , i s to é , os efe i t os de sent i do que nascem no que es tá

sendo d i t o .

2 . 2 A n á l i s e

É poss íve l no ta r que no tex to (cf . Apênd i ce A) são fe i t as

ref erênc i as a d i feren tes pessoas cons i deradas púb l i cas , í cones

da h i s tór i a cu l t u ra l ( aqu i , chamaremos de personagens ) . Cons i -

derando a época em que a mús i ca fo i l ançada ― o per í odo

d i t a tor i a l ― e que o eu l í r i co da l e t ra se des i gna como as t ró -

l ogo ― que te r i a como função ver o des t i no nas es t re l as ― ,

i n fer imos que as es t re l as pe l as qua i s e l e observa o fu turo são

es t re l as h i s tór i cas , esvaz iadas pe l a m íd i a : A l Capone , Jú l i o

Cesar , Lamp i ão, J im i Hendr i x , S i na t ra , Jesus Cr i s to e Pa i .

O t raba l ho de as t ró l ogo , na l e t ra em aná l ise , pode ser

cons i derado i nú t i l , j á que os fa tos es tão c i rcunscr i t os no

passado . O eu l í r i co demonst ra que sua preocupação não é

com as pessoas que aparecem no tex to , e s im com o púb l i co

que o escuta . De acordo com o webs i t e B l ocos On l i ne ( 2005) ,

e l e “pede ” para que os ouv in tes cons i derem a h i s tór i a daque -

l es que v iveram e penderem o r isco do a l t o s ta tus quo .

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Podem ser f e i t as d iversas conexões ent re os persona -

gens presentes na l e t ra , Uma de l as é formada por Jesus

Cr i s to , Pa i ― que faz referênc i a a Deus ― e Jú l i o Cesar .

Jesus representa a re l i g i ão , remete à imagem da cruz , ao

surg imento do cr i s t i an i smo e à cr ença de que e l e é o f i l ho

ún i co de Deus , que ve i o para sa lva r a humanidade . Jú l i o César ,

o imperador Romano , representa o poder do Homem,

cons i derado um d i t ador abso l u to . Nesse momento cabe

observar que há uma opos i ção ent re o D iv i no e o Humano .

Ass im , na mús i ca , o autor sugere que Cr i s to abandone o Pa i ,

abandone suas crenças e vo l t e para sua cond i ção de homem,

porém, a cond i ção humana também nada nos garante , uma vez

que Jú l i o César é v í t ima de t ra i ção.

Out ra r e l ação que podemos es tabe l ecer é dos persona -

gens nor te-amer i canos J im i Hendr i x , F rank S ina t ra e A l Capone .

J im i Hendr i x e F rank S i na t ra são mús i cos , en tão há novamente

out ra opos i ção, t an to nos gêneros mus i ca i s como nos es t i l os

de v i da : “He i , J im i Hendr i x , abandona o pa l co agora , /Faça como

fez S i na t ra , compre um car ro e vá embora ” . I s to é , se Hendr i x

de i xa r seu es t i l o de v i da e ta l vez comprar um car ro , “poderá

a l cançar a l ongev idade de S i na t ra . ” (B l ocos On l i ne , 2005) .

Também, há que cons i deramos o personagem pr i nc i pa l A l

Capone , que , ass im como Hendr i x , representa a rad i ca l i dade , a

rebe l d i a , contudo em sent i dos d i fer en tes . A l Capone repre senta

a cor rupção do s i s tema, j á que fez par te da Máf i a e

enr i queceu com a venda e d i s t r i bu i ção pro i b i da de beb i das

a l coó l i cas durante a l e i seca amer i cana , l e i a presentava uma

v i são “es tereot i pada de va l ores pseudo - re l i g i osos e mora i s ” .

F o i pego não pe l o c r ime que comet i a , mas po r sonega r

impos t os .

Ainda conforme o webs i t e que nor te i a es ta aná l i se , se

re l ac i onarmos todos os personagens , é poss íve l formar t rês

pares : Jesus Cr i s to/J im i Hendr i x ; A l Capone/Jú l i o César ; F rank

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 4 1 - 5 0 , 2 0 1 8

S ina t ra/Pa i (Deus ) . Jesus Cr i s to e J im i Hendr i x , a l ém de

morrerem de forma t rág i ca , são cons i derados “ rebe l des

revo l uc i onár i os ” , que se opunham em re l ação à soc i edade de

suas épocas . Já A l Capone e Jú l i o César r epresentam a

cor rupção , a po l í t i ca . Por f im , F rank S i na tra es tá para J im i

Hendr i x , ass im como Deus es tá para Jesus Cr i s to , sendo

poss íve l i n fer i r que esses do i s personagens representam

sus tentab i l i dade .

O personagem Lamp i ão, soz i nho , é o ún i co que não faz

par te nem da Ant i gu i dade nem da cu l t u ra amer i cana . É o

personagem bras i l e i ro , que pode ser re l ac i onado com quase

todos os out ros pe rsonagens apresentados na mús i ca . É

poss íve l d i zer que Lamp i ão é a r epresentação do Bras i l . Ass im

como A l Capone , Lamp ião era l í der de uma organ i zação

“cr im i nosa ” , o cangaço, no Bras i l . A l ém d i sso, es tá em conver -

gênc i a com Jesus Cr i s to , uma vez que sua mor te o consagrou

um í cone da cu l t u ra popu l a r nordes t i na . Também pode ser re l a -

c i onado com J im i Hendr i x , v i s to que sua mor te s i gn i f i cou a

“norma l i zação” . Lamp i ão “separa ” A l Capone , Jesus Cr i s to e

J im i Hendr i x de F rank S i na t ra , Jú l i o César e Pa i , os persona -

gens representa t ivos do “poder ” , em temas como a Máf i a ,

es tado/po l í t i ca , re l i g i ão , revo l ução a r t í s t i ca , re l i g i osa e o caos

soc i a l .

Por f im , há o as t ró l ogo que , como já c i t ado anter i o rmente ,

é aque l e que vê o des t i no nas es t re l as , a f i rma que conhece a

h i s tór i a do pr i nc í p i o ao f im . É poss íve l cons i derá - l o um fa l so

profeta , que nar ra o que é do conhec imento de todos , mas

que tem o poder de chamar a a tenção de seu púb l i co por me io

de seu d i scurso . E l e aconse l ha os pe rsonagens c i t ados , porém,

baseado em fa tos que já aconteceram.

3 C O N C L U S Ã O

Conc l u ímos que é poss íve l r e l ac i onar a l e t ra da mús i ca

ana l isada com o conce i t o de i n terd i scurso de En i O r l and i ( 2012 ) ,

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 4 1 - 5 0 , 2 0 1 8

j á que , pa ra o espectador da mús i ca , f i cam exp l í c i t as as

ref erênc i as a essas pessoas púb l i cas c i t adas e , t ambém, aos

fa tos da h i s tór i a . É exa tamente o que a autora propõe com a

chamada memór i a d i scurs iva , cons t i tu í da pe l o que j á fo i d i t o

a l guma vez e necessár ia pa ra que os d i scursos tenham

sent i do .

Des te modo , a par t i r da mús i ca ana l i sada , podemos a f i r -

mar que , ao aponta rmos o que j á fo i d i t o a par t i r desse

d i scurso , fo i poss íve l desenvo lver os sent i dos imp l í c i t os

presentes no que es tá sendo d i t o , ou se ja , no exp l í c i t o . É por

me io do i n terd i scurso , segundo Or l and i , que a cons t rução da

fa l a da mús i ca , seu d i scurso , é poss íve l , i s to é , essa re l ação

a t ravés do j á -d i to que cons t i t u i uma formação d i scurs iva em

re l ação a out ra formação .

Por f im , como já fo i apresentado anter i o rmente , Or l and i

( 20 12 ) a f i rma que o d i scurso , a l ém de co i nc i d i r com formações

i deo l óg i cas e com v i são de mundo , é também o produto da

re l ação necessár ia do su je i t o com a l í ngua e com a h i s tór i a , e

i sso é v i s í ve l por me io da mús i ca ana l i sada , po i s , durante a

aná l ise fe i t a do corpus esco l h i do , no tamos que o l e i t o r/ouv inte

prec i sa dessa re l ação com a l í ngua e com a h i s tór i a pa ra

entender e i n terpreta r o d iscurso presente na canção .

Abs t ract : Th is research a ims to ana l yze how the i n terd i scourse

f r om En i Or l and i ’ s pe rspec t i v e ( 20 12 ) i s pr esen t ed i n t he song

A l Capo ne ’ s l y r i cs , s an g by Rau l S e i x a s , and a l s o i n t e nds t o

c o n t r i bu t e w i t h t he d i s c ou r s e an a l ys i s ’ a r ea o f r e se a r c h . I n

c a r r y i n g o u t t h e s t u d y , i t w a s p o s s i b l e t o u n d e r s t a n d t h e

concept of d i scurs ive memory , const i t u ted by wha t has a l ready

been sa i d and necessa ry fo r t he d i s courses to have mean ing .

I t i s sa i d tha t , when po i n t i ng wha t has a l ready been sa i d , f rom

t h i s d i s cou r se , t he imp l i c i t mean i ngs p r esent i n wha t i s be i ng

sa i d , the exp l i c i t , a re deve l oped .

Keywords : A l Capone . In terd iscourse . D iscurs ive memory .

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R E F E R Ê N C I A S

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pr i nc í p i os & proced imentos . 8 . ed . Camp inas : Pontes , 2009 .

Resenha de : ALÓS , Anse lmo Peres . S IGNUM: Es tud. L i ng . , Londr i na , v . 1 5 , n . 3 (esp . ) , p . 389 -394 , dez . 20 12 .

_ _ _ __ _ . Aná l ise de d i scurso : p r i nc í p i os e proced imentos . 10 . ed .

Camp inas , SP : Pontes , 20 12 .

SE IXAS, Rau l ; COELHO, Pau l o . A l Capone . In : Let ras .mus . Be l o

Hor i zonte : [ s .n . ] , [ 2003? ] . Let ra de mús i ca . D i spon íve l

em: <h t tps : //www. l e t ras .mus .br/rau l -se i xas/45353/> . Acesso

em: 1 ago . 20 16 . N O T A S

1 O n om e d o á l b um r e f e r e - s e a um g r i t o d e g u e r r a d o p e r s o n a g em

Ta rz an e t em como s i g n i f i c ad o : “Cu i d ado , a í v em o i n im i go ! ” .

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2 “ D e a c o r d o c om O r l a n d i , u m a f o r m a ç ã o d i s c u r s i v a ‘ s e d e f i n e c omo

a q u i l o q u e em um a f o rm aç ã o i d e o l ó g i c a d a d a ― o u s e j a , a p a r t i r d e

um a p o s i ç ão d ad a em um a co n j u n t u r a d ad a ― d e t e rm i n a o q u e p o d e

e d eve se r d i t o ’ ( p . 4 3 ) . ” (ORLAND I , 2 0 1 2 , p . 3 92 ) .

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 4 1 - 5 0 , 2 0 1 8

Cumquêquê ! Cumquêcumquê !

Quênêu !

Cumquêquê ! Cumquêcumquê !

Quênêu ! . . .

E i ! A l Capone

Vê s e t e emenda

Já sabem do t eu fu ro , nego

No impos to de renda

E i ! A l Capone

Vê s e t e o r i en ta

Ass im des ta mane i ra , nego

Ch icago não aguen ta . . .

E i ! Ju l i o Cesar

Vê s e não va i ao senado

Já sabem do t eu p lano

Pa ra con t ro la r o Es tado

E i ! Lamp ião

Dá no pé , desapa reça

Po is e l es vão à f e i ra

Ex ib i r tua cabeça . . .

E i ! A l Capone

Vê s e t e o r i en ta

Ass im dessa mane i ra , n ego

Ch icago não aguen ta

Cu idado aê A l Capone ! . . .

Env i ad o em : 20/ 1 2/20 17 .

Ap rovado em : 23/05/20 18 .

E i ! A l Capone

Vê s e t e emenda

Já sabem do t eu fu ro

Meu nego !

No impos to de renda . . .

E i ! A l Capone

Vê s e t e o r i en ta

Ass im dessa mane i ra , n ego

Ch icago não aguen ta . . .

E i ! J im i H end r i x

Abandona o pa lco ago ra

Faça como fez S ina t ra

Compre um ca r ro e vá embo ra

E i ! J esus Cr i s to

O me lho r que você faz

De ixa r o Pa i de l ado

E foge p rá mo r rer em paz . . .

E i ! A l Capone

Vê s e t e o r i en ta

Ass im dessa mane i ra , n ego

Ch icago não aguen ta . . .

Eu sou as t ró logo !

Eu sou as t ró logo !

Vocês p rec i sam ac red i t a r em

m im

Eu sou as t ró logo !

Eu sou as t ró logo !

E conheço H is tó r i a

Do p r i nc íp i o ao f im ! . . .

APÊND ICE A — Let ra da mús i ca A l Capone

A l Capone

( Rau l Se ixas e Pau lo Coe lh o , 1973 )

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LITERATURA

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 5 3 - 6 6 , 2 0 1 8

I S S N 2 2 3 6 - 3 3 3 5

U M E S T UD O D A R E P R E S E NT AÇ ÃO DA MU LH E R

P R OS T I T UT A E M L U C Í OL A , D E J OS É D E A LE NC AR

C r i s t i n a S u l i v a n i a O l i v e i r a N u n e s ( U E F S )

L i c e n c i a t u r a e m L e t r a s : P o r t u g u ê s e E s p a n h o l

W e l l i n g t o n J o s é G o m e s F r e i r e ( O r i e n t a d o r )

U n i v e r s i d a d e F e d e r a l d a B a h i a ( U F B A ― D o u t o r a n d o )

t e z c a t l i p o c a 4 5 @ g m a i l . c o m

Resumo : O ob j e t i vo des te es tudo é cont r i bu i r pa ra uma me lhor

c om p r e e n s ã o d a r e p r e s e n t a ç ã o d a m u l h e r p r o s t i t u t a n a

p rodu ção l i t e r á r i a de José d e A l en ca r , a pa r t i r do es t udo do

r omance u rbano Luc í o l a . O p r esent e es t udo se desenvo lv e a

p a r t i r d a p e r s p e c t i v a m o r a l i s t a e q u e e x p l o r a a t em á t i c a

p ros t i t u i ção fem in i na , amb ição , ma t er i a l i smo , bem como o amor

r omâ n t i c o , co n t emp l a n do o s p r es su pos t os d e uma l i t e r a t u r a

r om â n t i c a q u e d i a l o g a t a m b ém c om a l i t e r a t u r a r e a l i s t a ,

a p r esen t ando , no de co r r e r da t r ama , uma seme l hança com a

r e a l i d a d e humana , como f o rma d e c r í t i c a ao c ompo r t amen t o

d a s p e s s o a s e à s m a z e l a s s o c i a i s d a é p o c a . P a r a a

cons t r ução des te a r t i go , pa r t imos de uma pesqu i sa qua l i t a t i va ,

d e c unh o b i b l i o g r á f i c o , pa r a a l e i t u r a e a aná l i s e d os t ex t o s

l i t e r á r i o s , o b s e r v a n d o o s a s p e c t o s d a c o n d u t a h um a n a

r essa l t ados na ve r t en t e da l i t e ra t ura român t i ca com t ra ços da

l i t e r a t u r a r e a l i s t a / n a t u r a l i s t a . R e f e r e n d a a a n á l i s e a s

c o n s i d e r a ç õ e s d e : A l e n c a r ( 1 9 9 0 ) , A l e n c a r ( 1 9 9 8 ) , C a n d i d o

( 1 975) , P l a tão ( 1 964 ) , Prabuphada ( 1 986 ) e R i os ( 20 18 ) .

Pa l av ras-chave : José de A lencar . Luc ío la . P ros t i t u i ção.

1 I N T RO D U Ç Ã O

O propós i t o em rea l i za r um es tudo da representação da

mu lher pros t i t u ta em Luc ío la , de José de A lencar , surg i u de

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uma ant i ga i nqu i e t ação par t i cu la r l i gada à necess i dade de

exp l orá - la no contex to da contemporane i dade , na qua l v i gora

uma v i são deturpada e marcadamente super f i c i a l sobre a

ques tão em apreço . Pensa-se que a prob l emá t i ca r ec l ama um

desenvo lv imento ma i s aprofundado . A impor tânc i a des te es tudo

cons i s te em chamar a tenção para as poss íve i s mot i vações da

pros t i t u i ção i n fan to juven i l , a h i pocr i s i a soc i a l da época em que

a t rama acontece e a representação da pros t i t u i ção fem in i na

na obra a l encar i ana . Contudo , es ta aná l i se tem a f i na l i dade de

ver i f i ca r como se ret ra ta a imagem da mu lher pros t i t u ta abor -

dada no romance . A esco l ha da obra para o t ema da presente

aná l ise resu l ta de um conta to pro l ongado com a mesma ,

durante a l guns cursos da á rea de l i t era tura rea l i zados ao l ongo

do per í odo em que fu i a l una de graduação . A l e i t u ra pre l im i na r

do t ex to perm i t i u o desenvo lv imento de cer ta fam i l i a r i dade que

cont r i bu i u para o desabrochar de a l gumas ques tões pre l im i na -

res que rec l amavam um aprofundamento . Um des tes temas fo i

o da pros t i t u i ção e o do t ra tamento por A l encar a essa

ques tão cont roversa . O drama da personagem Mar i a da G lór i a

não perdeu sua a tua l i dade ; sua cond i ção t rág i ca a i nda perma -

nece como um l a ten te conv i t e à ref l exão . É o que nos propo -

mos a fazer aqu i .

2 A P R O S T I T U I Ç Ã O N A L I T E R A T U R A

Desde a Ant i gu i dade , a té os d i as a tua is , mu i t o se d i scute

sobre a def i n i ção da pa l av ra pros t i tu i ção . Podemos encont ra r

em vár i os d i c i onár i os a l guns s i nôn imos como , por exemp lo ,

rame i ra , pu ta , meret r i z , cor tesã , mu lher da v i da etc . A pros t i t u -

i ção é uma das prof i ssões ma is an t i gas da human idade . Um

documento h i s tór i co - l i t erá r i o como a B í b l i a j uda i co-cr i s tã a tes ta

seu grau de ant i gu i dade ; ne l a encont ra o l e i t o r ao menos t rês

emb lemá t i cas re ferênc i as : Raabe , Da l i l a e Mar i a Mada l ena . De

acordo com R i os ( 20 18 ) , a pros t i t u ta Raabe l u tou para sa lva r a

s i mesma e a sua fam í l i a durante o cerco da c i dade de Jer i có .

A meret r i z Da l i l a f i cou famosa por ter a capac i dade de enganar

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o homem t i do como o ma i s for te dent re todos e com seu

ges to red im i r seu povo . A pros t i t u ta Mar i a Mada l ena ag i u j un to

a Jesus Cr i s to , personagem cent ra l dos Evange l hos . Contudo ,

notamos que essas mu lheres exerc i am a a t i v i dade de pros t i t u i -

ção não só com o i n tu i t o f i nance i ro , mas com um propós i t o

co l e t i vo , o de t raba l ha rem de a l guma forma em prove i t o de

suas respect ivas comun idades .

No campo das f i cções l i gadas às l e t ras nac i ona is , as

pros t i t u tas , em mu i t as obras são representadas como mu lheres

l i ndas , bem-suced idas , que v ivem para a l uxúr i a e nem sempre

res i dem nos pros t í bu l os , sendo comum que a l gumas de l as

possu í ssem uma casa para receber seus c l i en tes . Os pros t í bu -

l os eram o l ugar aonde os homens i am para se d iver t i r com as

pros t i t u tas . E l es não sof r i am nenhuma censura por f requenta r

esse t i po de l ugar e ter r e l ações ext racon juga i s com as pros t i -

t u tas . Não é i ncomum encont ra r nes tas nar ra t i vas uma ve l ada

condenação mora l ao exerc í c i o des ta que é chamada de a

ma is an t i ga a t i v i dade de cará ter prof i ss i ona l da human idade . As

mot ivações que impu l s i onaram uma mu lher a s e pros t i t u i r não

são l evadas em conta , predom inando , de f orma gera l , uma

pos tura de ju í zo condena tór i o i nd i re to . Os nar radores ou

personagens de impor tânc ia secundár i a na t rama acred i t am

que as pros t i t u t as não têm d i re i t o de cons tru i r uma fam í l i a e

serem fe l i zes , po i s e l as não são respe i t adas e não são mu lhe -

res para casar , apenas para se d iver t i r . Em a l guns casos ,

essas mu lheres não t i nham f i na l fe l i z ou eram “e l im i nadas ” da

f i cção , como , por exemp lo , a h i s tór i a de Lúc i a na obra Luc í o l a . As mu lheres e l e i t as para casamento eram as v i rgens e que

possu í am uma boa conduta perante a soc i edade . O homem

poder i a t ra i r , mas as mu lheres não poder i am , po i s i sso ser i a

cons i derado uma vergonha e o homem ser i a obr i gado a r ev i da r

de forma d i re ta ou i nd i re ta , com o i n tu i t o de recupera r sua

honra perante a soc i edade .

Embora não se ja a pretensão ú l t ima do presente es tudo ,

pode-se rea l i za r um breve re l ancear de o l hos sobre o pape l

comumente des i gnado às pros t i t u tas nas nar ra t ivas f i cc i ona is

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bras i l e i ras , no tadamente aque l as de i nsp i ração romanesca . Nos

romances de Jorge Amado e l as ocupam des tacada função ,

a i nda que o modo de r epresentá - las obedeça aos padrões

quase r í g i dos na sua monótona repet i ção . No un iverso amad ia -

no , as mu lheres de v i da d i t a fác i l quase sempre são a imagem

daqu i l o que conv ida à perd i ção do homem, aqu i l o que ten ta e

conv ida a uma contemp lação do ab i smo . São poderosas na sua

capac i dade de seduz i r ; são ten tadoras e l úbr i cas ; de formas

corpora i s abundantes como a encarnarem a vo l úp ia que desa -

grega o poder de vontade dec i sór ia do homem. São mu lheres

for tes e endurec i das pe l os perca l ços da ex i s tênc i a . Ocupam

pos i ções soc i a is d i s t i n t as nas respect i vas soc i edades f i cc i ona is

nas qua i s res i dem, desde f i guras comerc i a lmente f racassadas

com seus pontos de a t i v i dade em áreas pouco rentáve i s (a

exemp lo do que l emos em Toca i a Grande ) , passando por

out ras dotadas de des taque soc i a l e t râns i t o j un to aos podero -

sos de uma dada comun idade (v i de , como exemp lo des te ú l t imo

caso , as personagens pros t i t u tas de Gabr i e la e T ie ta ) .

Vigora , nessas t ramas amad i anas , no que se refer e à

representação das pros t i t u tas e sua re l ação com a soc i edade ,

uma opos i ção b i ná r i a en t re a ordem e caos pr imord ia l . Um

emba te s i l enc i oso ent re o ordenamento soc i a l e s imbó l i co

representado pe l as mu lheres soc i a lmente enquadradas e que

ocupam pos i ção na comun idade , e as out ras , t i das como “de

rua ” . Es tas ú l t imas são cons i deradas como uma representação

v iva de um modo de ex i s t i r no mundo cont rár i o ao ordenamen -

to na tura l das co i sas . São como re l í qu i as de um tempo m í t i co

anter i o r a qua l quer recordação ; person i f i cações de temores

a rca i cos que remetem a i de i as de desagregação . A sensua l i da -

de e a re l ação que essas mu lheres mantêm com a sexua l i dade

as co l ocam numa cond i ção de es t range i ras na própr i a comun i -

dade onde hab i t am . Da í porque não serem merecedoras de

grande temor acompanhado de cer ta aura de respe i t ab i l i dade .

Esse é um mode lo que pers i s t i r á em var i adas t ramas f i cc i ona is

por onde t rans i tam pros t i t u tas . Mas não fo i essa a ma t r i z ado -

tada por José de A l encar em Luc ío la . A representação a l i fe i t a

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adota cons t ruções i deo l óg i cas out ras . E é sobre e l as que

i remos nos deter no próx imo i t em .

3 A P R O S T I T U I Ç Ã O A B O R D A D A N A O B R A L U C Í O L A

O enredo gera l da obra Luc í o l a re fere-se ao contex to

h i s tór i co do sécu l o X IX . A nar ra t i va se desenvo lve na zona

urbana , a par t i r da qua l A l encar descreve os cos tumes e o

cot i d i ano da soc i edade burguesa com uma l i nguagem s imp l es ,

forma l e cu l t a , que perpassa o un iverso l i terá r i o e se de l e i t a

na cr í t i ca soc i a l . A obra apresenta um cará ter mora l i s t a e é

nar rada em pr ime i ra pessoa pe l o personagem Pau l o , um t i po de

nar rador autod i egét i co que conta a h i s tór i a da pro tagon i st a

Mar ia da G lór i a , uma moça de ca torze anos de i dade , pobre ,

que t i nha a responsab i l i dade de cu i da r dos pa i s , i rmãos e t i a ,

que cont ra í ram a doença febre amare l a . A fam í l i a de l a não

possu í a cond i ções f i nance i ras para pagar o t ra tamento méd i co

e a rcar com os med i camentos . En tão, Mar ia da G lór i a f i cou

desesperada ao perceber que , a cada d i a , sua fam í l i a não

me lhorava ; pe l o cont rá r i o , a s i t uação de l es p i o rava . E l a reso l -

veu ped i r a juda ao v i z i nho chamado Couto , que se aprove i t ou

da s i t uação e da i nocênc i a da moça . E l e a l i c i ou e cor rompeu a

men ina .

E l e t i r ou d o b o l so a l gumas moed as d e o u ro , sob r e a s

q u a i s me p r ec i p i t e i , p ed i ndo - l h e d e j o e lh o s q u e mas

d esse p a r a sa l v a r m i nh a mãe ; mas sen t i o s seu s

l áb i o s q ue me t ocavam , e f u g i . Oh ! N ão p o sso co n ta r -

l h e q u e l u t a f o i a m i nh a : t r ê s v ez es co r r i e sp avor i d a

a t é a c asa , e d i an t e d aq ue l a ag on i a sen t i a r en ascer a

co r ag em , e vo l t av a . N ão sab i a o q u e q u er i a e sse

h omem ; i gn o r av a en t ão o q ue é a h on r a e a v i r t u de

d a mu l h e r ; o q ue se r evo l t av a em m im e r a o p udor

o f end i do . D esd e q u e o s meu s véu s se d esp ed aça ram ,

cu i d e i q u e mo r r i a ; n ão sen t i n ad a ma i s , n ad a , sen ão o

con t a t o f r i o d as moed as d e ou ro q ue eu ce r r av a n a

m i nh a mão c r i sp ad o . O meu p en samen to es t av a j u n t o

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do l e i t o d e d o r , o nd e g em i a t ud o o q ue eu amava

n es t e mundo . (ALENCAR , 1 9 98 , p . 1 0 9 ) .

A jovem perm i t i a que o personagem Couto tocasse o seu

corpo em t roca de moedas de ouro . No pr i nc í p i o , e l a f i cou

confusa e com medo , mas quando se l embrava de sua fam í l i a

enferma , re tornava para casa do v i z i nho que , aprove i tando -se

da s i t uação, o ferec i a d i nhe i ro em t roca de car í c i as e sexo .

Ass im , a personagem Mar i a da G lór i a representa a mu lher

pros t i t u ta na obra Luc í o l a : uma moça hum i lde e i ngênua , que

fo i abusada sexua lmente e cor romp ida por seu v i z i nho Couto

em t roca de d i nhe i ro . E l a perdeu sua honra , mas encont rou na

pros t i t u i ção uma forma de ganhar d i nhe i ro para sa lva r sua

fam í l i a da ep i dem ia da febre amare l a no ano de 1850 . Seu pa i ,

quando descobr i u de onde v i nha o d i nhe i ro que e l e u t i l i zava

para o rees tabe l ec imento de sua saúde , expu l sou -a de casa .

Mar ia da G lór i a passou a mora r com a senhora Jesu í na e uma

am iga chamada Lúc i a , que não t i nha parentes e ve i o a fa l ecer .

Pa ra ev i ta r que sua fam í l i a sof resse uma hum i l hação por sua

causa , e l a d i z seu nome para o méd i co que fez o a tes tado de

ób i t o e passa a usar o nome Lúc ia .

O autor José de A lencar nos conv ida a ref l e t i r sobre a

representação da mu lher pros t i t u ta no romance a t ravés de

duas impor tantes fases da v i da da pro tagon is t a Mar i a da

G lór i a/Lúc i a . A pr ime i ra de l as é com qua torze anos , em que

e l a não tem o d i scern imento da v i da e é i l ud i da por um homem

h ipócr i t a , que se aprove i t ou da i ngenu i dade e da s i t uação de

desespero em que se encont rava a jovem. E l a se pros t i t u i u e

se sacr i f i cou por um bem co l e t i vo , e não t i nha i dade para

responder pe l os seus a tos e nem re f l e t i r sobre as consequên -

c i as que reca i r i am sobre e l a . Na segunda e ú l t ima fase , o autor

da obra apresenta a mesma pro tagon is t a , mas com o nome de

Lúc i a , ca racter i zada por uma mu lher de dezenove anos , bon i t a ,

sedutora , i n te l i gen te , e l egante e r i ca , que cons t ru i u seu

pa t r imôn io com o d i nhe i ro da pros t i t u i ção . E l a poder i a mudar de

prof i ssão , j á que possu ía cer to entend imento da v i da e j á

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poder i a responder pe l os seus a tos , mas optou por permanecer

como pros t i t u ta da a l t a soc i edade . E l a era uma cor tesã l i nda ,

bem requ i s i tada pe l os homens , u t i l i zava o corpo como f er ra -

menta de t raba l ho e ganhava mu i t o d i nhe i ro como prof i ss i ona l

do sexo . Contudo , en tende-se que o autor expõe e c r i t i ca as

duas fases da v i da da pro tagon i s ta , r essa l tado que e l a poder i a

ter esco l h i do out ro des t i no , po i s nunca é ta rde para mudar de

v i da .

O nar rador -personagem Pau l o re l a t a a h i s tór i a de acordo

com seu ponto de v i s t a , des tacando os personagens pr i nc i -

pa i s , que são Mar i a da G lór i a/Lúc i a e e l e , e os personagens

secundár i os que compõem toda a t rama : Jesu í na , a mu lher que

a juda Lúc i a quando e l a é expu l sa de casa ; Couto , um ve l ho e

v i z i nho , que se aprove i ta de Lúc i a na i n fânc i a ; Cunha, um

c l i en te de Lúc i a ; Ana , i rmã de Lúc i a ; Sá , amigo de i n fânc i a de

Pau l o ; Roch i nha , am igo do Sá ; Laura e N i na são cor tesãs ,

ass im como Lúc i a ; Jac i n to , um homem de me i a - i dade que a l i c i a

e recru ta mu lheres pobres e i nocentes para a tua rem como

pros t i t u tas e cobra sua par te no d i nhe i ro receb i do por e l as ,

pr i nc i pa lmente o d i nhe i ro de Lúc i a . No decor rer da nar ra t i va ,

Pau l o descreve como fo i sua pa i xão à pr ime i ra v i s ta pe l a

personagem Lúc ia , sem saber que e l a era uma pros t i t u ta .

Depo i s de descobr i r que sua amada era uma cor tesã , e l e

ten tou se a fas ta r , mas à med ida que os d i as se passavam,

sua pa i xão pe l a cor tesã Lúc i a só cresc i a . O nar rador apresen -

ta sua v i são sobre a f i gura da mu lher pros t i t u ta de mane i ra

m inuc i osa , des tacando seus t raços f í s i cos , sua persona l i dade ,

seu compor tamento l úbr i co e depravado , que possu i t raços da

l i t era tura r ea l i s ta . E l e descreve mu i t o bem a imagem dessa

mu lher pros t i t u ta da forma que quer .

Lúc i a e r gu eu a c ab eça com o r gu l ho sa t ân i co , e l e van -

t an do - se d e um sa l t o , ag a r ro u uma g a r r a f a d e ch am -

p anh a , q u ase che i a . Qu ando a p o u sou so br e a mesa ,

t o do o v i nh o t i n h a- l h e p assado p e l o s l áb i o s , o n de a

espuma f e r v i l h av a a i n d a . Ouv i o r ug i d o d a sed a ;

d i an t e d e meu s o l ho s d es l umb r ado s p asso u a d i v i n a

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ap a r i ç ão q ue adm i r a r a n a vésp e r a . L ú c i a sa l t av a

so b re a mesa . Ar r an cando uma p a lma d e um do s

j a r r o s d e f l o r e s , t r an çou - a no s cab e l o s , c o r o ando - se

d e ve r ben a , como as v i r g en s g r eg as . D epo i s ag i t an do

as l o ng as t r an ças n eg r as , q u e se en ro sca r am qua i s

se r p es v i v as , r e t r a i u o s r i n s n um r equ eb r o sen su a l ,

a r q ueou o s b r aço s e começou a im i t a r uma a uma a s

l a sc i v as p i n t u r as ; m as a im i t a r com a p o s i ç ão , com o

g es t o , c om a sen sação d o g ozo vo l up tu o so qu e l h e

es t r emec i a o co rpo , com a voz q u e exp i r av a n o f l é b i l

su sp i r o e n o b e i j o so l u ç an te , c om a p a l av r a t r êmu l a

q ue bo r bu l h av a do s l áb i o s no d e l í q u io d o êx t ase

amor o so . (ALENCAR , 1 998 , p . 4 2 -43 ) .

Segundo A lencar ( 1 990 ) , o personagem Paul o nut r i a um

sent imento amoroso por Lúc i a e , quando ambos se apa i xona -

ram, e l a começou a se a fas ta r da v i da de pros t i t u i ção, l uxúr i a ,

r i queza e começou a abs tenção sexua l . A l encar ( 1 990 ) a i nda

menc iona que , à med ida que aumentava o amor dos do i s , a

re l ação ent re ambos se tornava p l a tôn i ca , o que meta for i ca -

mente abre cam inho para a “pur i f i cação” a t ravés do amor .

Essa supos ta mund i f i cação não é su f i c i en te para que o autor

da obra e a soc i edade ace i t em e perdoem a pro tagon is t a . É

impor tan te des tacar que o nar rador em i t i a j u í zos ava l i a t ivos de

cará ter condena tór i o acerca da v i da de pros t i t u i ção da perso -

nagem Lúc i a , fazendo observações e ivadas de uma ad je t i va -

ção que a caracter i zavam como uma pros t i tu t a amb ic i osa , sem

cará ter e avarenta ; mas , na verdade , e l a se p ros t i t u ía pa ra ter

uma es tab i l i dade f i nance i ra , pa ra a judar os out ros e , pr i nc i pa l -

mente , pa ra jun ta r d i nhe i ro para sua i rmã ma i s nova , chamada

Ana , que a i nda es tudava , po i s não quer i a que es ta passasse

pe l o que e l a passou na v i da . Lúc i a j un tava todo d i nhe i ro e

jo i as que ganhava e guardava para que sua i rmã fosse r i ca e

t i vesse um casamento d i gno , e não passasse pe l as d i f i cu l da -

des f i nance i ras como e l a passou.

Sab e ago r a o seg r edo d a cup i d ez e ava r ez a d e q ue

me acu savam . En con t r am -se no R i o d e J ane i r o

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homens como o Jac i n t o , q u e v i v em d a p ro s t i t u i ç ão

d as mu lh e r e s p ob r es e d a d evass i d ão d o s homens

r i c o s ; p o r i n t e rméd i o d e l e v en d i a q u an to me d avam d e

a l gum va l o r . T o do esse d i n he i r o ad qu i r i d o com a

m i nh a i n f âm i a e r a d es t i n ado a so cor r e r meu p a i , e a

f az e r um d o te p a r a An a . Jesu í n a co n t i nu ava a se r v i r -

me . M i nh a f am í l i a v i v i a t r an qu i l a , e se r i a f e l i z se a

l emb r an ça d o meu e r r o n ão a p e r segu i sse . (ALENCAR ,

1 9 98 , p . 1 1 0 ) .

Mas com um tempo , Pau l o passa a ter empa t i a pe l a s i t ua -

ção em que se encont ram as i rmãs Lúc i a e Ana , e as mantém

sob sua pro teção . E l e conqu i s ta um l ugar espec i a l no coração

de Lúc i a e e l a passa a conf i a r ne l e de ta l forma que l he conta

seus segredos í n t imos e a sua h i s tór ia de v i da . E l a i n i c i a seu

re l a to de v i da a par t i r da doença que devas tou sua fam í l i a ,

que fo i a ep i dem ia da febre amare l a , e e l e começou a entender

todo o m is tér i o em torno de sua amada e as c i rcuns tânc i as

que l evaram Lúc i a para o cam inho da pros t i t u i ção . E l e amava

Lúc i a i ndependente de qua l quer co i sa ; seu amor por e l a supe -

rava todos os er ros comet i dos do passado . Pau l o , enf im ,

passou a entender que e l a fo i v í t ima da h i pocr i s i a soc i a l , que

d i z imava fam í l i as na época , e se perm i t e out ra l e i t u ra da s i t ua -

ção a té então v ivenc i ada . Seu novo modo de perceber a rea l i -

dade concede aos ep i sód i os f i na i s do tex to de José de

A lencar uma ev idente conotação românt i ca : uma redenção dos

er ros comet i dos por me io do amor que r ed imens i ona a cond i -

ção i n ter i o r do homem. Mas Lúc i a a cred i t a não ser d i gna de

v iver esse amor , po i s os er ros comet i dos no passado não

t i nham perdão ou sa lvação para sua a lma . A cu l pa de seus

fe i t os anter i o res não de i xava sua consc i ênc i a t ranqu i l a e e l a

não encont rava a paz .

O d i n h e i ro g anho com a m i n h a ve rgo nh a sa l vo u a v i d a

d e meu p a i e t r ou xe -no s um r a i o d e esp e r ança .

Qu ase q u e n ão me l emb r ava d o q u e se t i n h a p assad o

en t r e m im e aqu e l e h omem ; a co n sc i ê n c i a d e me t e r

sac r i f i c ad o p o r aqu e l e s q u e eu ad or ava , f az i a -me

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f o r t e . D ema i s , um esq u ec imen to p ro fun do , só exp l i c á -

v e l p e l a a l h e ação comp l e t a d o esp í r i t o , o cu l t av a -me a

t r i s t e v e r d ade . D ev i a comp reen dê - l a , e d e q u e modo ,

ó meu Deu s ! (ALENCAR , 1 998 , p . 1 0 9 ) .

De acordo com A lencar ( 1 990 ) , a obra Luc í o l a des i n tegra

rad i ca lmente o amor f í s i co e o amor esp i r i t ua l . O amor que

Pau l o sente por Lúc i a é sub l ime e ma ior que os prazeres da

carne . E l e consegu ia nota r na sua amada a “ pureza ” da a lma

de uma men ina , que t eve sua honra roubada e devas tada por

um opor tun i s ta ; passou a o l ha r a be l eza i n ter i o r de Lúc i a , e

consegu i a per ceber toda a candura , t ransparênc i a e suav idade

que aque l a moça t i nha e que , an tes , e l e não consegu i a obser -

var . Pau l o faz i a de tudo para pro tegê - las do j u l gamento e das

ofensas da soc i edade da época . O remorso per turbava Lúc i a e

não perm i t i a que e l a se desprendesse do passado e v ivesse o

presente com seu amado .

Se eu a i n d a t i v e sse j un t o d e m im t o do s o s en t e s

q ue r i do s q u e p e rd i , d i s se -me com l e n t i d ão , v e r i a

mo r r e rem um a um d i an t e d e meu s o l ho s , e n ão o s

sa l v a r i a p o r t a l p r e ço . T i v e f o r ç a p a r a sac r i f i c a r - l h e s

o u t ro r a o meu co rp o v i r g em ; h o j e d ep o i s d e c i n co

an o s d e i n f âm i a , s i n t o q ue n ão t e r i a a co r ag em d e

p ro f an a r a c as t i d ade d e m i n h a a lma . N ão se i o q ue

so u , se i q u e começo a v i v e r , q u e r e ssu sc i t e i ago r a .

( ALENCAR , 1 998 , p . 1 1 1 e 1 1 2 ) .

A personagem Lúc i a f i ca enferma e descobre que car re -

ga dent ro do vent re um f i l ho , f ru to do amor de l a e de Pau l o ,

mas a cr i ança não chega a nascer , porque Lúc i a morre . A

mor te passa a ser representada como l e i da v i da , porque para

Lúc i a , sua mor te é um recomeço de nova v i da , ou se ja , uma

“pur i f i cação” do corpo e da a lma . A r epresentação da mor te na

obra Luc í o la não é encarada como um cas t i go ou uma pun i ção,

mas como uma l i ber t ação e um renovo . Com a mor te prema tu -

ra de Lúc i a , sua i rmã f i ca aos cu i dados de Pau l o , que t em a

m issão de cu i da r e pro teger Ana , e não perm i t i r que e l a t enha

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o mesmo des t i no de sua i rmã . Nes ta obra , é fundamenta l

ressa l ta r que é um romance urbano , com um tema profunda -

mente mora l i zan te e vo l t ado para Romant i smo bras i l e i ro .

Conforme Cand ido ( 1 975) , podemos perceber que a escr i t a do

romance de A lencar possu i um amadurec imento l i t erá r i o e uma

l i nguagem adu l t a , com uma menor dens i dade l í r i ca , formando

uma sér i e de e l ementos pouco hero i cos e pouco e l egantes ,

mas denom inadores de um senso a r t í s t i co e humano que dá

contorno aos per f i s mascu l i no e fem in i no , como nota -se na

obra Luc í o l a , que é um romance com uma abordagem acerca

de um confronto ent re homem e mu lher num mesmo p l ano de

i gua l dade .

4 C O N S I D E RA Ç Õ E S F I N A I S

Os aspectos contemp l ados nas d i scussões do es tudo da

representação da mu lher pros t i t u t a em Luc ío l a nasceram do

aprofundamento ma i s espec í f i co e re f l ex i vo de como se dá a

representação da pros t i t u i ção na compos i ção l i t erá r i a a l encar i -

ana , com base em um es tudo l i t erá r i o da l i t era tura bras i l e i ra ,

espec i f i camente da pr ime i ra geração do Romant i smo no Bras i l .

Contudo, é impor tante ver i f i ca r que o a to de se pros t i t u i r

envo lve uma sér i e de fa tores pessoa is , que fazem par te da

i nd iv i dua l i dade de cada pessoa . Ass im , por me io dessa pesqu i -

sa , chegou-se à conc l usão de que o autor apresenta a h i s tór ia

de amor ent re Lúc i a e Pau l o , com um des fecho i n fe l i z , porque

a un i ão de ambos os apa i xonados não se concret i za e e l a

morre com o f i l ho de l e no vent re .

O que v i gora ao l ongo das pág i nas do romance de

A lencar ( 1 990 ) é uma v i gorosa tensão ent re o i dea l e o rea l ;

en t re aqu i l o que é e o que dever i a ser . A d i scussão que an ima

a nar ra t i va é a de fundamentação p l a tôn i ca . P l a t ão ( 1 964 ) d i z i a

que a ma tér i a é cor rupção da i de i a . Por tan to, ser i a nas formas

ma is e l evadas que se dever i a buscar a essênc i a dos fenôme -

nos . Os personagens de Luc í o l a t ens i onam esses temas j á t ão

ant i gos . Sendo f i e l aos pr i nc í p i os i deo l óg i cos do pensamento

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românt i co , o autor da t rama cons t ró i uma r epresentação da

mu lher pros t i t ut a sob um v i és em inentemente i dea l í s t i co . As

razões ú l t imas que impu ls i onaram a pro tagon is t a para o exerc í -

c i o da a t iv i dade soc i a lmente condenáve l resu l t a ram de uma

doação a l t ru í s t i ca , um ges to hero i co que a co l oca em cond i ção

de sub l imar toda a carga de i n fer i o r i dade e degradação comu -

mente assoc i ada à prá t i ca da prof i ssão em apreço . Há a l go do

ges to de um már t i r que se sacr i f i ca em nome de suas cr enças

ma is e l evadas , ou de um heró i que se l ança nos ab i smos para

red im i r todos os pecados de sua comun idade . O pro tagon i smo

hero i co pe rm i t e co l ocar o mundo de vo l t a no seu e i xo , mesmo

que i sso resu l t e na an i qu i l ação do seu rea l i zador .

O per f i l da mu lher pros t i t u ta em Luc ío l a t ende a r eforça r

os parad i gmas do amor românt i co i dea l i zado e do cará ter

i ncor rupt í ve l do esp í r i t o hero i co . Es te ser i a capaz de como

f i ca c l a ro na t rama ag i r como o “pássaro mergu l hador ” do

Bhagavad G i t a ( 1 986 ) e mergu l ha r nas águas e de l á sa i r sem

mo lha r as penas . Cam inha sobre o mar e não a funda ; cam inha

sobre brasas , mas seus pés não se que imam. Com i sso , re to -

ma-se ao tema i n i c i a lmente pos to aqu i : a tensão ent re i dea l e

rea l com sér i a i nc l i nação para predom ín i o daque l e em pre ju í zo

des te . Podemos nota r que José de A lencar re t ra ta mu i t o bem,

em sua obra Luc í o l a , a pr ime i ra fase do mov imento românt i co e

consegue fazer uma ana l og i a do amor f í s i co e do amor esp i r i -

t ua l . Mas é impor tan te sa l i en ta r que o romance também ana l i sa

cr i t i camente a soc i edade burguesa , o cot i d i ano que l evavam as

cor tesãs da época , pr i nc i pa lmente , seus cos tumes eró t i cos , a

l uxúr i a e a avareza , que era uma das caracter í s t i cas que ma i s

recru tava as mu lheres para a pros t i t u i ção no sécu l o XIX .

O romance tem como ob je t i vo a t r i bu i r pr i nc í p i os mora i s e

i nsp i ra r i de i as exemp la res para seus l e i t o res . É i n teressante

nota r que a r epresentação da pros t i t u i ção se mod i f i cou no

decor rer do tempo , desde o per í odo h i s tór i co do romance a té

os d i as a tua i s , pr i nc i pa lmente , dev i do ao pape l que a mu lher

vem desempenhando quando se t ra ta de i gua l dade e pr i nc í p i os

democrá t i cos em suas re l ações pessoa is . Atua lmente , no

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sécu l o XX I , o termo pros t i t u ta não é ma i s u t i l i zado pe l a l e i ;

agora essas mu lheres são r econhec i das por l e i como

prof i ss i ona i s do sexo e possuem os mesmos d i re i t os

t raba l h is t as como qua l quer empregado de out ra função , o que

d i fer e dos sécu l os passados, em que não era reconhec i da a

prof i ssão e essas mu lheres eram cons i deradas pecadoras ,

perver t i das e sem nenhum va l or perante a soc i edade .

Resumen : E l ob je t i vo de es t e es t ud i o es cont r i bu i r a una me jor

comprens i ón de l a r ep r esen ta c i ón de l a mu je r p ros t i t u t a en l a

p r o du cc i ó n l i t e r a r i a d e J os é d e A l en c a r , a pa r t i r d e l a o b r a

L u c í o l a . E l p r e s e n t e e s t u d i o s e d e s a r r o l l a a t r a v é s d e l a

p e r s p ec t i v a mo r a l i s t a q u e e x p l o r a l a t emá t i c a p r o s t i t u c i ó n

f em e n i n a , l a a mb i c i ó n , e l m a t e r i a l i s m o , b i e n c om o e l am o r

r omá n t i co , c on t emp l a n do l o s p r es up ues t o s d e un a l i t e r a t u r a

r omá n t i ca , l a c u a l d i a l o g a t amb i é n c o n l a l i t e r a t u r a r e a l i s t a ,

p r esen tando en e l t r anscu rso de l a t rama una seme janza con

l a rea l i dad humana , como forma de cr í t i ca a l compor tam ien to de

l a s pe r sonas y a l o s p rob l emas soc i a l es de l a época . Pa r a l a

c ons t r uc c i ón de es t e a r t í cu l o , pa r t i mos d e una i nv es t i g a c i ón

cua l i t a t i va de na tura l eza b i b l i ográ f i ca , l a l ec tura y e l aná l i s i s de

l o s t ex t os l i t e r a r i os , obse rvando l os a spec tos de l a conduc ta

h uma n a q u e r e s a l t a n e n e l á r e a d e l a l i t e r a t u r a r omá n t i c a

caracter í s t i cas de l i t era tura rea l i s t a/na tura l i s ta . En ref erenc i a a l

a ná l i s i s , s e t uv i e ron encuent a l as cons i de rac i ones de : A l enca r

( 1 9 9 0 ) , A l e n c a r ( 1 9 9 0 ; 1 9 9 8 ) , C a n d i d o ( 1 9 7 5 ) , P l a t ã o ( 1 9 6 4 ) ,

Prabuphada ( 1 986 ) y R i os ( 20 18 ) .

Pa l abras c lave : José de A lencar . Luc ío l a . P ros t i t u i c i ón .

R E F E R Ê N C I A S

ALENCAR, José de . L i t eratura comparada José de A lencar . Se l eção de tex tos , notas , es tudos b iográ f i cos ,

h i s tór i co e cr í t i co por José Lu i z Bera l do . 3 . ed . São Pau l o :

Nova Cu l t u ra , 1990 .

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ALENCAR, Jose de . Luc í o la . 22 . Ed . São Pau l o : Át i ca , 1998 .

CAND IDO, Anton i o . Formação da l i t era tura bras i l e i ra : momentos

dec i s i vos . 5 . ed . Be l o Hor i zonte : I t a t ia i a ; São Pau l o :

Un ivers i dade de São Pau l o , 1975 .

R IOS , José Car l os Rocha . As pros t i t u tas da b í b l i a . [ S . l . : s . n . ] .

D i spon íve l em: <h t tp : //

entendendoassuntosb i b l i cos .b l ogspot . com.br/20 16/08/as -

pros t i t u tas-da-b i b l i a . h tm l > . Acesso em: 28 de Jan . de 20 18 .

PLATÃO. A Repúb l i ca . 2 . ed. R i o de Jane i ro : G l obo , 1964 .

PRABUPHADA, Swami . O Baghavad G i ta como e l e é . 6 . ed . São

Pau lo : Fundação Bakhvedanta , 1 986 .

Env iado em: 10/02/2018 .

Aprovado em: 26/06/20 18 .

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 6 7 - 8 2 , 2 0 1 8

I S S N 2 2 3 6 - 3 3 3 5

N AR R A DOR , P E R S O NA GE NS E O D EV I R A N I M AL

E M “ T E N TA Ç ÃO ” , D E C LAR I C E L I S P EC T OR

L o r e n a S a l v i a n o A l v e s ( U E N P ) 1

L e t r a s ― P o r t u g u ê s / I n g l ê s

l o r e n a s a l v i a n o @ o u t l o o k . c o m

M a r i â n g e l a A l o n s o ( O r i e n t a d o r a / U E N P ) 2

C e n t r o d e L e t r a s , C o m u n i c a ç ã o e A r t e s

m a l o n s o 9 2 4 @ g m a i l . c o m

R e s umo : N es t e p r es en t e a r t i g o , é d e s env o l v i d a uma a ná l i s e

l i t e r á r i a d o c o n t o “ T e n t a ç ã o ” , d e C l a r i c e L i s p e c t o r . O s

conce i t o s abordados envo lv em es t udos acerca do nar rador e ,

p r i n c i p a l m e n t e , d a s p e r s o n a g e n s . S e r ã o l e v a d a s e m

cons i de r a ção as l i n has de t ensão p resent es na na r r a t i va po r

me io da l i nguagem, as qua i s compõem o en redo e cons t roem a

p e r sonag em . A r e l ev ânc i a des t a p esqu i s a r es i d e t ambém em

propo r um es tudo , p r i nc i pa lmente , no que tange à presença do

c ã o n o c on t o e como e ss e an ima l é c apaz d e c o r r o bo r a r a

i dent i f i ca ção da personagem com o mundo . Pa ra o es t udo das

ca r a c t e r í s t i c a s c l a r i c i a na s , a abo r dagem t eó r i ca s e dá sob a

p e r s pec t i v a d e c r í t i c os como Ca nd i do ( 20 1 1 ) , N u nes ( 1 9 89 ) , e

Rosenbaum (2002 ) .

Pa l av ras-chave : C la r i ce L ispector . “Tentação” . Dev i r An ima l .

1 I N T RO D U Ç Ã O

Desde a pub l i cação de suas pr ime i ras obras , C l a r i ce

L i spector mos t rou-se i r r everente . Fo i capaz de escrever as

fan tas i as , os devane i os , a cr i se i n ter i o r , o mundo sub je t ivo ,

causando , por me io da a r te da pa l av ra , a per turbação e os

es t ranhamentos . L i spector , em seu surg imento no cenár i o l i t e -

rá r i o a i nda no sécu l o XX, era uma mu lher desconhec i da aos

o l hos do púb l i co l e i t o r da época , ou se ja , nem sempre fo i

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reconhec i da e ap l aud i da . Sua escr i t a , desde o i n í c i o , quebrava

os padrões v i gentes e d i t os como “cor retos ” na época . Nas

pa l av ras de Lucas ( 1 976 , p . 28 ) , “a nar ra t i va contemporânea , e

a de C l a r i ce L i spector espec i a lmente , anunc i a , por tan to, uma

queda e pref i gura uma gênese . ”

E o que pressupõe es ta nova gênese? Sem dúv ida a

capac i dade de re l a t a r a r e l ação ent re rea l i dade e l i nguagem, e

a des t reza ao escrever o que pa l av ras não e ram capazes de

expressar . C l a r i ce L i spector ev i denc i a o mundo i n ter i o r do i nd i -

v í duo e sua re l ação com o out ro . Suas obras i nc l uem contos e

romances , es tes ú l t imos capazes de abranger a to ta l i dade e a

ex i s tênc i a do su je i t o . Es ta nova gênese marcada pe l a excep -

c i ona l i dade tornou C l a r i ce L i spector uma escr i t o ra s i ngu l a r no

cenár i o bras i l e i ro .

A or i g i na l i dade de C l a r i ce L i spector s erá v i s t a nes te a r t i -

go ao ana l i sa rmos sua produção cont í s t i ca . Ass im , é opor tuno

aponta r par t i cu l a r i dades que es tão presentes nesse gênero

l i t erá r i o f i cc i ona l , que se desenvo lve por me io de uma nar ra t i va

breve contendo personagens , enredo e nar rador . Tomemos

como ponto de par t i da , pa ra compreendermos a escr i t a c l a r i c i -

ana , as pa lav ras de Nunes ( 1 989 , p . 84 , gr i fo do autor ) , que j á

i n i c i a lmente nos d i rec i ona para nos a ten ta rmos a cer tos

ep i sód i os recor ren tes na produção cont ís t i ca da autora :

Na ma i o r i a d o s con t o s d a au t o r a , o ep i sód i o ún i c o q ue

se r v e d e n ú c l eo à n a r r a t i v a é um momen t o d e t e nsão con f l i t i v a . Como n ú c l eo , i s t o é , c omo cen t ro d e co n t i -

n u id ad e ép i c a , t a l momen to d e c r i s e i n t e r i o r ap a rece

d i v e r samen t e cond i c i o n ado e q u a l i f i c ad o em fu n ção d o

d esenvo l v imen to qu e a h i s t ó r i a r e ceb e .

Esse ep i sód i o ún i co que Nunes ( 1 989 ) nos aponta será

encont rado em d iversos contos , po i s é a par t i r des te que

serão desencadeados os acontec imentos , i nc l us i ve em

“Tentação” . Ta l proced imento remete a um acontec imento

cent ra l (núc l eo ) que se torna es top im para o desenvo lv imento

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 6 7 - 8 2 , 2 0 1 8

do enredo , um romp imento do “ eu” com o mundo . Re l ac i onamos

esse ep i sód i o à ep i fan ia , presente nos contos de L i spector ,

segundo Rosenbaum (2002 , p . 68 ) , “no p l ano l i t erá r i o , refer e -se

à súb i t a i l um inação adv inda das s i t uações cot i d i anas e dos

ges tos ma is i ns i gn i f i can tes . ” Ass im, veremos que a autora

i nsere as personagens em s i t uações cor r i que i ras e que , a

par t i r de acontec imentos bana is , são desencadeadas as

tensões conf l i t i vas . Podemos exemp l i f i ca r o momento ep i fân i co

no conto “Amor” , t ambém de C l a r i ce L i spector . Nessa nar ra t iva ,

a personagem Ana aparentemente se encont ra bem com sua

v i da , mar i do e f i l hos , mas essa fe l i c i dade é desmascarada , e

por me io de um i nc i dente bana l : ao ver um cego mascando

ch i c l e te no ponto do bonde , a personagem se encont ra fasc i -

nada , sente-se i ns t i gada por uma l i berdade . Esse acontec imen -

to susc i ta em Ana o peso de uma cr i se , a par t i r de então ,

cons i go . Também nos deparamos com esse momento de

t ensão conf l i t i va em “O Búfa l o ” . A ep i fan i a a í ocor re na t roca

de o l ha res ent re uma mu lher e um bú fa l o , durante um passe i o

ao zoo l óg i co .

O momento de tensão conf l i t i va pode ser ana l isado em

conform idade com as caracter í s t i cas das personagens , po i s a

produção c l a r i c i ana torna o conto ou romance uma obra to ta l ,

que ret ra ta de mane i ra ún i ca o i nd iv í duo em sua essênc ia , em

seu mundo sub je t i vo , pensamentos , ou se ja , a personagem no

seu í n t imo/ i n ter i o r :

Em d e t e rm i n ado momen t o d a evo lu ç ão d a n a r r a t i v a ,

t emos uma c r i s e d e i d en t i d ad e q u e se man i f e s t a n uma

p ro fun d a d i v i s ão i n t e r i o r d a p e r son a l i d ad e , n a r e l aç ão

su j e i t o -o b j e to n a men t e , n a sep a r ação d e p en samen t o

e ação , e d o se r e d a imag em ( a g r an d e p r ob l emá t i c a

d o espe l h o , t ão n í t i d a em a l gun s t r ab a l ho s d e C l a r i c e

L i sp ec to r ) ( LUCAS , 1 97 6 , p . 1 6 ) .

Espec i f i camente no conto “Tentação” serão encont radas

essas caracter í s t i cas que r ef l e t em d i re tamente a persona l i dade

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 6 7 - 8 2 , 2 0 1 8

e sent imentos da personagem pr i nc i pa l , que se sente so l i t á r i a e

exc l usa . Deste modo , ao l ermos os contos de L i spector , deve -

mos ter consc i ênc i a de que não vamos l er apenas s imp l es

acontec imentos , mas vamos mergu l ha r profundamente em um

mundo sub je t i vo , s i nes tés i co e que es ta remos f ren te a f r en te

aos sent imentos das personagens que nos f orem apresenta -

das .

As caracter í s t i cas i n t rospect i vas refer em-se ao í n t imo das

personagens , re t ra tando a náusea da v i da , a so l i dão , sua

i ncompa t i b i l i dade com o mundo , ass im como veremos na men i -

na ru iva do conto a ser ana l i sado . Ass im , conforme a f i rma

Lucas ( 1 976 , p . 17 ) , “a nar ra t iva de C l a r i ce L i spector empenha -

se em reg i s t ra r a queda de par t í cu l as i n f i n i t amente pequenas

na consc i ênc i a , á tomos de exper i ênc i a que a desper tam para o

prazer , o r i sco e a náusea da v i da [ . . . ] ” .

2 T E N T A Ç Ã O : U M U N I V E R S O C RO M Á T I C O

Após aponta rmos as caracter í s t i cas cruc i a i s pa ra ana l i -

sa rmos os contos c l a r i c i anos , da remos i n í c i o à aná l i se do

conto des ta pesqu i sa . In i c i a lmente , o que pressupõe o t í t u l o

Tentação? De mane i ra sub je t i va faz a l usão ao dese jo , a l go que

nos i ns t i ga , t en ta -nos , gerando uma vontade . Esse dese jo

desenvo lve na pro tagon is t a o sent imento de asp i ração e

posse . A segu i r , veremos que essas caracter í s t i cas serão

encont radas em nossa personagem pr i nc i pa l , que , por me io de

uma t roca de o l ha res , sente -se seduz ida e ten tada por um cão

( sua out ra metade nes te mundo) . Dessa forma , por me io da

aná l ise , o conto “Tentação” re t ra ta rá uma l i nha de tensão que

se desenvo lve por um núc l eo , momento de t ensão conf l i t i va ,

que se cons t i tu i pe l o encont ro ent re duas espéc i es , em Gra j aú

( ba i r ro do R i o de Jane i ro ) . Um emba te ent re uma men ina e um

basset , ambos ru ivos (humano versus an ima l ) .

Pr ime i ramente , devemos s i t ua r a marca do conto que ,

d i fer en temente de um romance , desenvo lve -se em uma

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nar ra t iva breve . Na obra de Ben jam in ( 1 994 ) , ma is prec i samente

no t raba l ho baseado em N i ko l a i Leskov , podemos assoc i a r o

gênero conto com o que e l e de f i ne como shor t s tory , po i s a

contemporane i dade é marcada pe l a ve l oc i dade e efemer i dade ,

ass im o conto é marcado pe l o encur tamento da nar ra t iva :

Com e fe i to , o homem consegu iu ab rev i ar até a nar r a t iva .

Ass is t imos em nossos d ias ao nasc imen to da shor t s to ry , que se emanc ipou da t rad iç ão o r a l e não ma is

perm i te essa len t a superpos iç ão de camadas f inas e

t rans lúc idas , que rep resen ta a me lho r imagem do

p rocesso pe lo qua l a nar r a t iva per fe i t a vem à l uz do

d i a , como co roamen to das vár i as camadas const i tu ídas

pe l as nar r ações sucess ivas (BENJAMIN , 1 994 , p . 206 ) .

Cla r i ce L i spector , em seu surg imento na l i t era tura , no

sécu l o XX, i nsere-se em um per í odo moderno . Dessa mane i ra ,

mesmo com o encur tamento da nar ra t iva ag i ndo de mane i ra

i nversa ao romance , os contos , espec i f i camente os da autora ,

contêm cer tas caracter í s t i cas e espec i f i c i dades comuns da

escr i t a imag i na t iva que cont r i buem para que o conto se ja uma

obra f i cc i ona l e l i t e rá r i a . Em “Tentação” , essas caracter í s t i cas

podem ser cons ta tadas jus tamente ao ana l i sa rmos a escr i t a

meta fór i ca propos ta pe l a au tora , que é impos ta ao l e i t o r por

i n terméd io do nar rador . Segundo Le i t e ( 1 989 , p . 6 , gr i fo do

autor ) , “quem nar ra , na r ra o que v i u , o que v iveu , o que

t es temunhou , mas também o que imag i nou , o que sonhou , o

que dese jou . Por i sso , NARRAÇÃO e F ICÇÃO pra t i camente

nascem jun tas . ” Dessa mane i ra , o conto se i n i c i a com um

nar rador heterod i egét i co , em terce i ra pessoa , que cr i a uma

a tmosfera f i cc i ona l : “E l a es tava com so l uço. E como se não

bas tasse a c l a r i dade das duas horas , e l a era

ru i va . ” (L ISPECTOR , 1998, p . 6 1 ) .

Ass im , nesse t recho par t i cu l a rmente s imp l es , j á são

de i xados ves t í g i os que remetem ao sent i do do conto . L i spector

cr i a , por me io do uso da l i nguagem, um efe i t o que se i n i c i a

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pe l a “c l a r i dade” e a cor “ ru i va ” , cons tru i ndo um efe i t o

cromát i co . Essa a r te de causar cer tos ef e i t os ao l e i t o r pode

ser exp l i cada por Cu l l e r ( 1 999 ) , conf i rmando -nos com os

conce i t os de l i t era r i edade , por me io do uso da l i nguagem. E

nesse conto encont ra remos i númeras vezes um impor tan te

aspecto que é entend i do por Cu l l e r ( 1 999 , p . 37 ) como “ j ogo de

pa l av ras ” :

[ . . . ] n a l i t e r a t u r a , é ma i s p r o váve l q u e p r o cu r emos e

exp l o r emos as r e l açõ es en t r e f o rma e sen t i do o u

t ema e g r amá t i c a e , t e n t and o en t end e r a con t r i b u iç ão

q ue cad a e l emen t o t r az p a r a o e f e i t o d o t od o , en co n -

t r emos i n t e g r ação , h a rmon i a , t e n são o u d i sso n ân c i a .

Como a l i t era tura é a a r te da pa l av ra , os termos empre -

gados resu l t am em um proced imento que nos aux i l i a na

compreensão da obra . Ass im , veremos, no decor rer desse

conto , como é enfa t i zada a tona l i dade verme lha , a qua l remete

ao ca l or , fazendo a l usão ao t í t u l o Tentação . A segu i r , obser-

vemos como a próx ima cena é descr i t a :

Na r u a d ese r t a n enhum s i n a l d e b o nd e . N uma t e r r a d e

mo r en o s , se r r u i v o e r a uma r evo l t a i n v o lu n t á r i a . [ . . . ]

P o r en qu an t o e l a e s t av a sen t ad a n um d eg r au f a i sc an -

t e d a p o r t a , às d u as h o r as . O q u e a s a l v ava e r a uma

b o l sa v e l h a d e sen ho r a , c om a l ç a p a r t i d a . Segu r ava - a

com um amo r co n ju g a l j á h ab i t u ad o , ap e r t ando - a

con t r a o s j o e l ho s (L I SP ECTOR , 1 998 , p . 6 1 ) .

Concernente ao nar rador , nessa cena descr i t a , podemos

ut i l i za r a t i po l og i a de F r i edman ( 1 967 ) na ca tegor i a on i sc i en te

neut ro (Neut ra l omn isc i ence ) pa ra ana l i sa rmos a nar ração . Ne l a ,

o nar rador fa l a em terce i ra pessoa , descrevendo e caracter i -

zando os acontec imentos e as personagens. Juntamente com

o surg imento de L i spector , esse foco nar ra t i vo v i gora no

sécu l o XX, marcando a contemporane i dade . Nas pa l av ras de

LE ITE ( 1989 , p . 32 -33 , gr i fo do autor ) :

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 6 7 - 8 2 , 2 0 1 8

[ . . . ] f r e qu en t emen t e , a c a r ac t e r i z ação d as p e r son a -

g en s é f e i t a p e l o NARRADOR q ue as d esc r eve e exp l i -

c a p a r a o l e i t o r . As o u t r as c a r ac t e r í s t i c as r e f e r en t e s

às o u t r as q u es t ões ( âng u l o , d i s t ân c i a , c an a i s ) são a s

mesmas d o AUTOR ON I SC I ENTE I NTRUSO , d o q u a l e s t e

se d i s t i n gu e ap en as p e l a au sênc i a d e i n s t r u çõ es e

comen t á r i o s g e r a i s o u mesmo sob r e o compo r t amen t o

d as p e r son ag en s , embo r a a su a p r e sen ça , i n t e rp ondo -

se en t r e o l e i t o r e a H I STÓR IA , se j a semp r e mu i t o

c l a r a . A l t e rn a t i v a d o sécu l o X I X , e sse t i po d e n a r r ad o r

v i g o r a t ambém no sécu l o XX [ . . . ] .

Ao ana l i sa rmos essa caracter i zação das personagens

fe i t a pe l o nar rador , vemos que são descr i t as ao l ongo do

conto espec i f i c i dades re ferentes à persona l i dade da men ina .

Note-se que os acontec imentos nos r emetem à personagem.

Es ta se cons t ró i sob uma l i nha i n t rospect i va , os e l ementos “ rua

deser ta ” remetem à so l i dão ; a garo ta não tem nome, no t recho

é u t i l i zado o pronome “e l a ” como ref erênc i a ao t ermo “men ina ” ,

suger i ndo uma perda de i dent i dade , a l ém de t udo e l a é ru i va .

Termos empregados , como “degrau fa i scante” e “duas horas ” ,

remetem-nos novamente ao ca l or e à tona l i dade verme lha

for te . Ser ru i va a tornava a l guém d i feren te , r e j e i t ada , em uma

t er ra na qua l se preva l ec i a os “morenos” , r e forçando a i nda

ma is a so l i dão da personagem. Cons i dere -se também que o

ún i co ob je to que a sa lva dessa rea l i dade é a bo l sa ve l ha , à

qua l a men ina demons t ra apego , aper tando -a como refúg i o ,

como forma de escapar da so l i dão . Em re l ação às espec i f i c i da -

des da garo ta , sobre a personagem podemos a f i rmar nas pa la -

v ras de Cand ido (20 1 1 , p . 59 -60 ) :

A pe r son ag em é comp l e xa e mú l t i p l a p o r qu e o r oman -

c i s t a p od e comb i n a r com p e r í c i a o s e l emen to s d e

ca r ac t e r i z ação , cu j o n úmer o é semp r e l im i t ad o se o s

compa r a rmos com o máx imo d e t r aço s humano s q ue

p u lu l am , a c ad a i n s t an t e , n o modo d e se r d as

p esso as .

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No que se re fere a essa comp lex i dade p resente na

observação de Cand ido (20 1 1 ) , é necessár i o cons i dera rmos o

i n í c i o do sécu l o XX, época em que L i spector surg i u no cenár i o

l i t e rá r i o moderno . A par t i r de então , as personagens passaram

a ser cons t ru í das por me io de uma comp l icação ps i co l óg i ca ,

que também resu l t ou no enredamento de suas t ramas . Dessa

forma , as personagens f i cc i ona i s poder i am ser t ra tadas de do i s

modos pr i nc i pa is :

[ . . . ] 1 ) c omo se r e s í n t eg r o s e f ac i lmen t e d e l im i t áve i s ,

mar cad o s d uma vez po r t od as com ce r t o s t r aço s q ue

o s ca r ac t e r i z am ; 2 ) como se r e s comp l i c ado s , q u e n ão

se esg o t am n o s t r aço s ca r ac t e r í s t i c o s , mas t êm

ce r t o s po ço s p r o fu ndo s , d e o n d e p od e j o r r a r a c ad a

i n s t an t e o d esconh ec i do e o m i s t é r i o . D es t e p o n to d e

v i s t a , p o de r í amos d i z e r qu e a r evo lu ç ão so f r i d a p e l o

r omance no sécu l o XV I I I c o n s i s t i u n uma p assag em do

en r edo comp l i c ado com p e r son ag em s imp l e s , p a r a o

en r edo s imp l e s ( c o er en t e , u no ) com p e r son agem

comp l i c ad a . (CAND IDO , 2 0 1 1 , p . 60 ) .

As caracter í s t i cas da men ina ru iva remetem a espec i f i c i -

dades re l a t ivas à persona l i dade descr i t a por Cand ido (20 1 1 ) . No

conto , há uma for te repet i ção da tona l i dade verme lha que se

ref ere ao cabe l o da men ina , que é ru ivo , fa to que ocas i ona

cer ta i ncompa t i b i l i dade com o mundo : “Numa ter ra de morenos ,

ser ru i vo era uma revo l ta i nvo l un tá r i a . ” (L ISPECTOR , 1 998 , p .

6 1 ) . Por t anto , os t raços descr i t os nos reve l am profund i dade na

caracter i zação da personagem e , ao mesmo t empo , perm i t em -

nos desvendar os m is tér i os a respe i t o de sua persona l i dade

por me io do jogo de pa l av ras , c roma t i smo e metá foras . Ou

se ja , a l ém da cor verme lha , remeter -se ao cabe l o da men ina e

ao pe l o do cão nos reve l a i n tens i dade e o dese jo da men ina

que será reve l ado no momento em que vê o basset . No te-se

que a metá fora se assoc i a à rua que es tá vaz i a , essa pode

ref er i r -se à v i da so l i t á r i a da personagem, o que a l i ber t a da

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melanco l i a é a bo l sa ve l ha que a garota segura . Essas

caracter í s t i cas conf i rmam ao l e i t o r a l i nha i n t rospect iva da

men ina so l i t á r ia , que antes de encont ra r sua out ra metade em

um cão , não se i dent i f i ca com o mundo em que v ive . Nas

obras de C l a r i ce L i spector , é comum essa fa l t a de i dent i f i cação

com o mundo , gerada por cr ise de i dent i dade.

Passemos agora ao ponto pr i nc i pa l do conto “Tentação” ,

cons i derando o núc l eo , que desencadeará a l i nha de tensão

ent re a men ina e o cão :

F o i qu ando se ap ro x imou a su a o u t r a me t ad e n es t e

mundo , um i rmão em G r a j aú . A p o ss i b i l i d ad e d e comu -

n i c ação su rg i u n o ângu l o q uen t e d a e squ i n a , acompa -

n h ando uma senho r a , e en ca rn ad a n a f i gu r a d e um

cão . E r a um b asse t l i n do e m i se r áve l , d o ce sob a su a

f a t a l i d ade . E r a um b a sse t r u i vo . [ . . . ] A men i n a ab r i u o s

o l ho s p asmad a . Su avemen t e av i sado , o c acho r ro es t a -

cou d i an t e d e l a . Su a l í n gu a v i b r av a . Ambos se o l h a -

v am (L I SP ECTOR , 1 998 , p . 62 ) .

Aqu i nos deparamos com o que Sant i ago (2006 ) chama de

“pa ras i t i smo rec í p roco” , po i s a men ina se i dent i f i ca com o cão .

Nes te momento em que se concret i za o encont ro de ambos é

quando se r ea l i za a ep i fan i a . Esse bana l acontec imento que

ocor re em Gra j aú , por me io do cruzamento de o l ha res , ocas i o -

nado pe l a s i nes tes ia , momento em que a men ina vê o cão , sem

dúv ida é marcado pe l a potênc i a do o l ha r , ação que caracter i za

esse momento. Nunes ( 1989 , p. 88, gr i fo nosso) ass im descreve :

Num bom núme ro d e co n to s , asso c i am - se a esse

con f r on to , d e n a t u r ez a v i su a l , o s d o i s mo t i vo s , q ue

são r eco r r en t e s n o s r omances d e C l a r i c e L i sp ec to r ,

d a p o t ên c i a mág i c a do o l h a r e d o d escon t ín uo con t emp l a t i v o s i l e n c i o so , e s t e i n t e r c ep t and o o c i r c u i t o

ve rb a l .

Novamente tomemos como exemp lo o conto “O Búfa l o ” , de L i spector , pa ra ana l isa r “Tentação” . Em ambos os contos

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preva l ecem personagens fem in i nas e a presença do an ima l que

é capaz de es tabe l ecer i d ent i f i cação . Em “Tentação” , deve ser

des tacado o cruzamento de o l ha res . Nas obras da autora , uma

s imp l es t roca de o l ha res em me io à bana l i dade do cot i d i ano é

capaz de desencadear a ep i fan ia .

Por se t ra ta r de uma obra f i cc i ona l , a escr i t a c l a r i c i ana ,

espec i f i camente no conto “Tentação” , causa ao l e i t o r es t ranha -

mentos e per turbações , j us tamente pe l o fa to de o cão cor ro -

bora r a i dent i f i cação da pe rsonagem com o mundo . Esse fa to

conf i rma a caracter ís t i ca presente em d iversas obras de

L i spector , que é o conf l i t o en t re “eu” e o mundo . Ass im , o cão

se torna a “so l ução” , um refúg i o para a men ina so l i t á r i a e

exc l usa . É per t i nen te ressa l ta rmos as caracter í s t i cas i n t rospec -

t i vas da personagem, que é ru iva , so l i t ár i a e exc l usa do

mundo, po i s seu encont ro momentâneo com o cão , marcado

pe l a potênc i a no o l ha r , desencade i a a i dent i f i cação da persona -

gem com o mundo . Note a segu i r como cromat i smo cont r i bu i

pa ra ass im i l a rmos as caracter í s t i cas comuns ent re a men ina e

o cão : “os pe l os de ambos eram cur tos , verme -

l hos . ” (L ISPECTOR , 1 998 p . 62 ) . Ass im , L ispector , com sua

des t reza na a r te de escrever , cons t ró i a obra , em todo

momento , por seu jogo de pa l av ras , o l ha res , cores , sent imen -

tos , nos apresentando , por me io do nar rador heterod i egét i co ,

as espec i f i c i dades das personagens , causando es t ranhamen -

tos .

Mas , a f i na l , o que C l a r i ce L i spector nos propõe com a

presença de um an ima l em seu conto (espec i f i camente um

cão )? More i ra ( 20 1 1 ) , em sua tese A hora dos an ima i s no romance de C l a r i ce L i spector , apresenta -nos saberes que se

assoc i am comp le tamente ao conto “Tentação” . No que tange ao

dev i r an ima l , Leão (20 1 1 , p . 2 1 ) base i a -se em Nunes ( 1 989 ) pa ra

dar sus ten tação a seus a rgumentos :

P a r a e l e [ Nu nes ] , o s b i c ho s co l ab o r am p a r a “ uma

s imbo l o g i a d o Se r ” . D essa mane i r a , o i n d i v í duo , o b ses -

s i v amen t e , se en con t r a em s i t u ação d e ex i s t ê nc i a

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ex t r ema ( s i t u ação n au sean t e ) , q u e p e rm i t e a B en ed i t o

Nun es ap r o x ima r o e x i s t e nc i a l i smo sa r t r i a n o ( qu e em

La n au sée é v i v i d o p e l o p ro t agon i s t a An t o i n e

Roqu en t i n ) d a e xp er i ê n c i a d e ang ú s t i a v i v i d a p e l as

p e r so n ag en s d o s con t o s e r omances d a au to r a .

Segundo o c r í t i c o , e sse sen t imen to d e es t r anh amen t o

d as p e r son ag en s p a r a com o mundo qu e as ce r c a a s

conduz p a r a a d escob e r t a d a ex i s t ê n c i a .

A t r i s t eza e a me l anco l i a são caracter í s t i cas i n t rospect i -

vas da personagem ru iva . E l as , por a l gum momento , são

cessadas , quando a men ina descobre sua ex i s tênc i a em um

cão . Isso conf i gura essa “s imbo log i a do ser ” , a i dent i f i cação .

Ve jamos o t recho a segu i r : “E no me io de tan tas ruas a serem

t ro tadas , de tan tos cães ma iores , de tan tos esgotos secos ―

l á es tava uma men ina , como se fora carne de sua ru iva

carne . ” (L ISPECTOR , 1998, p . 62 ) .

Aqu i é marcado o emba te ent re a men ina e o basset , o

dese jo de posse pe l o cão . Todav ia , no ta remos que es te será

romp ido , po i s a un i ão desses do i s mundos não será concret i -

zada . Observemos , novamente , a tona l i dade verme lha , que é

sempre ressa l t ada no conto por me io de termos como “so l ” ,

“cr i ança verme lha ” , “ ru i va carne” , “ basset ru i vo” , “c l a r i dade das

duas horas ” , “ca l o r ” , os qua i s conf i guram o sent i do do s i gn i f i -

cado ao t í t u l o Tentação . Pa ra a l cançarmos s i gn i f i cados bas ta

fazermos uma assoc i ação ao f ru to pro i b i do , a maçã verme lha

do Jard im do Éden . F ru ta que i ns t i gou Eva a ca i r em ten tação ,

ou se ja , a ten tação desper ta o dese jo de a l go i l ega l , ou i na l -

cançáve l . Sua s imbo log ia re l ac i onada a conhec imentos emp í r i -

cos , o verme lho e a tona l i dade marcante e f or te t ambém

i nd i cam o amor . Em seu es tudo l i t erá r i o do conto “Tentação” ,

Te l es ( 20 15 , p . 2 16 ) a f i rma :

O mo t i v o d a co r v e rme l h a , em ad i ç ão , p o de d es l i z a r

t an t o p a r a as so c i açõ es com a m açã , f r u t a s imbó l i c a

d a t e n t ação , q u an to com o f o go i n t e rd i t o r ou b ado p o r

P rome t eu . As imag en s q u e a l ud em ao f og o e à ch ama

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são f r eq uen t e s no t e x t o . Ass im como o so l u ço

an t e ced e o su s t o , as imagen s q ue se r e l ac i on am a o

f o go p renun c i am o amo r .

Podemos a f i rmar que , em “Tentação” , a men ina se sente

t en tada pe l o cão . É desper tado ne l a o dese jo de posse , ass im

como Eva se sente ten tada pe l a maçã . Mas o que torna o cão

a l go imposs íve l e i l ega l pa ra aque l a men ina so l i t á r i a? S imp l es -

mente o emba te ent re do i s mundos d i feren tes , e l a uma men ina

cr i ança p resa em sua i n fânc i a e i ngenu i dade , e e l e um ser

i r rac i ona l , i ncapaz de ag i r e compreender t a l acontec imento :

“E l a , com sua i n fânc i a imposs íve l , o cent ro da i nocênc i a que só

se abr i r i a quando e l a fosse uma mu lher . E l e , com sua na tureza

apr i s i onada . ” (L ISPECTOR, 1 998, p . 62 ) . Observemos como se

desencade ia o des fecho do conto:

O b asse t r u i vo a f i n a l d esp r egou - se d a men i n a e sa i u

so n âmbu lo . E l a f i c ou esp an t ad a , com o acon t ec imen t o

n as mão s , n uma mudez qu e n em p a i n em mãe

comp r eend e r i am . Acompanhou -o com o l ho s p r e t o s q ue

ma l ac r ed i t av am , d eb r uçad a so br e a b o l sa e o s

j o e l ho s , a t é v ê - l o d o b r a r a o u t r a e sq u i n a . Mas e l e f o i

ma i s f o r t e q ue e l a . N em uma só vez o l hou p a r a t r ás .

Essa cena f i na l i nduz que a so l i dão da men ina não fo i

cessada , e que o cão , em sua na tureza an ima l , i r rac i ona l e

i nconsequente , não é capaz de compreender o dese jo , a

“ t en tação” da men ina . O dev i r an ima l pr i o r i zado no conto de

L i spector nos aponta como um cão é capaz de cor robora r a

i dent i f i cação da personagem com o mundo .

3 C O N S I D E R A Ç Õ E S F I N A I S

O presente a r t i go buscou ana l i sa r o conto “Tentação” , de

Cla r i ce L i spector . Foram l evados em cons i deração a nar ração

e , pr i nc i pa lmente , a cons t rução da pro tagon i st a e sua i ncompa -

t i b i l i dade com o mundo , que é desmascarada no momento de

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t ensão conf l i t i va e , em segu ida , cessada pe l a ep i fan i a , momento

marcado pe l o encont ro ent re espéc i es d i fer en tes , porém,

compat í ve is pe l a i dent i f i cação , o basset e a men ina , ambos

ru i vos . Nessa obra , L i spector , com sua pecu l i a r sub je t i v i dade

l i t erá r i a , cr i a por me io de sua produção cont í s t i ca uma nar ra t i -

va que pe rm i t e ress i gn i f i cações por par te de seus l e i t o res .

Isso nos conf i rma a i r reverênc i a da autora no cenár i o bras i l e i -

ro do sécu l o XX, tornando suas obras ún i cas para a l i t era tura

contemporânea no Bras i l . Em re l ação às ress i gn i f i cações , nas

pa l av ras de Ben jam in ( 1994 , p . 203 ) :

[ . . . ] somos p ob r es em h i s t ó r i a s su r p r eend en t e s . A

r az ão é q u e o s f a t o s j á n o s ch eg am acompanh ado s

d e exp l i c açõ es . Em o u t r as p a l av r as : q u ase n ad a d o

q ue aco n t ece es t á a se r v i ç o d a n a r r a t i v a , e q uase

t u do es t á a se r v i ç o d a i n f o rmação . [ . . . ] O ex t r ao r d in á -

r i o e o m i r acu lo so são n a r r ad o s com a m a i o r exa t i dão ,

mas o con t ex t o p s i c o l óg i co d a ação n ão é impo s t o ao

l e i t o r . E l e é l i v r e p a r a i n t e rp r e t a r a h i s t ó r i a como

q u i se r , e com i s so o ep i só d i o n a r r ado a t i ng e uma

amp l i t ud e qu e n ão ex i s t e n a i n f o rmação .

Já no que se re fere à p resença do cão , podemos

conc l u i r que es te é fundamenta l na const rução do conto .

Segundo Leão ( 20 1 1 , p . 1 17 ) , “pr i vados da l i nguagem humana , o

que , ao mesmo tempo , não i nva l i da sua l i nguagem, os an ima is

dos romances de C l a r i ce L i spector não passam desperceb i dos

e merecem as ma is d iversas cons i derações sobre sua a l t er i da -

de . ” Ou se ja , mesmo o an ima l sendo um ser i r rac i ona l , é capaz

de contemp la r a re l ação de i dent i f i cação ent re “eu” e o mundo .

Des ta r te , no que se re fere à personagem e suas caracter í s t i -

cas i n t rospect ivas , o basset torna-se ob je to de dese jo e

posse da men ina , l ogo , o an ima l fo i capaz de r epresenta r sua

i den t i dade , que não ex i s t i a . Segundo Lucas ( 1 976 , p . 18 ) , “a

fabu l ação de C l a r i ce L i spector , em sua ú l t ima fase , torna -se

pos ter i o r à concepção egót i ca da nar ra t iva , naque l e ponto em

que o heró i j á hav ia perd i do a i dent i dade , o nome, a té a

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representação humana . ” Ass im, a men ina perde sua

representação humana e encont ra sua i dent i dade por me io da

t roca de o l har es com um cão em me io à bana l i dade .

Pa ra chegarmos a es tas conc l usões de aná l i se , fo i

necessár i o nos a ten ta rmos ao conto como um todo , po i s o

s i gn i f i cado ocu l t o nas ent re l i nhas de deta lhes d i ssem inados

como o t í t u l o , cores , o l ha res , ges tos e mov imentos nos fazem

chegar a um quoc i en te que nos perm i t e mergu l ha r na escr i t a ,

marcada pe l a or i g i na l i dade , de C l a r i ce L i spector .

Abs t r a c t : I n t h i s a r t i c l e , a l i t e r a r y ana l ys i s o f t he sho r t s t o r y

T en t a ç ã o b y C l a r i c e L i s p e c t o r i s d ev e l o p e d . T h e c o n c ep t s

d i scussed encompass s tud i es of nar ra tors and characters . The

l i n e s o f t e n s i o n p r e s en t i n t h e n a r r a t i v e w i l l b e t a k e n i n t o

account t hrough l anguage , wh i ch composes the p l o t and bu i l ds

t h e c h a r a c t e r . T h e r e l e v a n c e o f t h i s r e s e a r c h i s a l s o t o

p ropose a s tudy espec i a l l y w i t h r egard to the p resence o f the

d o g i n t h e a b o v e - m e n t i o n e d s t o r y a n d h o w t h i s c a n

co r r obor a t e t he i den t i f i ca t i on o f t he cha ra c te r w i t h t he wo r l d .

F o r t h e s t u d y o f C l a r i c e ' s c h a r a c t e r i s t i c s , t h e t h e o r e t i c a l

a pp roach s t ems f r om t he p e r spec t i v e o f l i t e r a r y c r i t i c s such

as :Cand i do (20 1 1 ) , Nunes ( 1 989 ) and Rosenbaum (2002 ) .

Keywords : C l a r i ce L i spector . Tentação . Becom ing An ima l .

R E F E R Ê N C I A S

BENJAMIN , Wal t er . O nar rador : cons i derações sobre a obra de

N i ko l a i Leskov . In : _ __ _ __ . Mag ia e técn i ca , a r te e po l í t i ca :

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B ras i l i ense , 1994 . p . 197 -221 .

CAND IDO, Anton i o . A personagem do romance . In : CAND IDO,

Anton i o [e t a l . ] (Org . ) . A personagem de f i cção . 1 2 . ed . São

Pau lo : Perspect i va S .A . , 201 1 . p . 5 1 -80 .

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CULLER , Jona than . O que é L i t era tura e tem e l a impor tânc i a?

In : _ _ _ __ _ . Teor ia l i t e rá r i a : uma i n t rodução . Tradução de Sandra

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R io de Jane i ro : Ed . Rocco , 1998. p . 46 -48 .

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I n ter l i v ros , 1976 .

NUNES , Bened i t o . O drama da l i nguagem : uma l e i t u ra de C l a r i ce

L i spector . São Pau l o : Át i ca , 1989 .

ROSENBAUM, Yud i t h . C l a r i ce L i spector . São Pau l o : Pub l i fo l ha ,

2002 . Co l eção Fo l ha Exp l i ca .

SANTIAGO, S i lv i ano . Ora d i re i s , puxar conversa . Be l o Hor i zonte :

Ed i t o ra UFMG, 2006 .

TELES , Ana Caro l i na Sá . A re l ação ent re pessoas e an ima i s em

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N O T A S

1 V o l u n t á r i a d o P r o j e t o d e I n i c i a ç ã o c i e n t í f i c a i n t i t u l a d o c o m o “ A

P r o d u ç ã o C o n t í s t i c a d e C l a r i c e L i s p e c t o r ” o r i e n t a d o p e l a D o u t o r a

Mar i âng e l a A l on so .

2 Dou t o r a em E s t u d o s L i t e r á r i o s p e l a UN ESP/ F c l a r c om pó s - d o u t o r ad o

e m L i t e r a t u r a B r a s i l e i r a ( F F L C H / U S P ) . D o c e n t e d a U n i v e r s i d a d e

Es t adu a l d o No r t e d o P a r an á (UENP/CCP ) .

Env iado em: 14/02/20 18 .

Aprovado em: 26/07/20 18 .

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I S S N 2 2 3 6 - 3 3 3 5

S E M F É , N EM L E I , N E M R E I : UB I RA JA RA E A

M ET AF I CÇ ÃO H I S TOR I O GR ÁF I CA

F e r n a n d a d e O l i v e i r a C o n c e i ç ã o ( U E F S )

L i c e n c i a t u r a e m L e t r a s c o m L í n g u a I n g l e s a

n a n d a . l e t r a s u e f s @ gm a i l . c o m

A n d r é a S i l v a S a n t o s ( O r i e n t a d o r a )

d e a a n i t a @ h o t m a i l . c o m

R e s um o : E s t e a r t i g o a p r e s e n t a o r e s u l t a d o d e um e s t u d o

a c e r c a d e c om o J o s é d e A l e n c a r e l a b o r o u , em s u a o b r a

l i t e r á r i a Ub i r a j a r a ( 2 005 ) , uma r e f l exão sobr e a ex i s t ê nc i a de

e s t r u t u r a s s im b ó l i c a s c omp l e xas na t es s i t u r a do s c os t umes

i nd í g enas , d i s t o r c i d a s na l i t e r a t u r a q u i nh en t i s t a p e l a s v i s õe s

p r é- conceb idas dos t ra ta d i s t as . O au t o r perm i t i u a os l e i t o r es ,

a t r avés da f i cção , pond e r a r o quan t o a L i t e r a t u r a possu i de

“ r ea l i da de ” h i s tó r i ca e v i ce -ve rsa , pr ob l ema t i zando o processo

de e l a bo r a ção da h i s t ó r i a ún i ca . Conc l u i u - se , po r t a n t o , que o

r omance esco l h i do t ra ça um d i á l ogo com a l guns p r essupos t os

da Me ta f i cção H i s t o r i og rá f i ca , conce i t o e l a bo r ado pe l a t eó r i ca

canadense L i nda Hutcheon ( 1 99 1 ) . A metodo l og i a empregada na

p e s q u i s a e nv o l v e a l e i t u r a e a a n á l i s e q u a l i t a t i v a d a o b r a ,

f a z end o c o t e j o c om o T r a t a do D es c r i t i v o d o B r a s i l em 1 5 87

( 1 8 7 9 ) , d e G a b r i e l S o a r e s d e S o u s a . U t i l i z o u - s e c o m o

emba s amen t o t e ó r i c o a c omp r e en s ã o d e H i s t ó r i a p o r Ma r c

B l och (200 1 ) e Jacques Le Gof f ( 1 990 ) .

P a l a v r a s - c h a v e : Q u i n h e n t i s mo . M e t a f i c ç ã o H i s t o r i o g r á f i c a .

Ub i ra j a ra .

1 I N T RO D U Ç Ã O

Os f ranceses Marc B l och e Luc i en F ebvre , j un tamente

com out ros h i s tor i adores da Un ivers i dade de Es t rasburgo ,

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i nconformados com a esco l a metód i ca f rancesa do sécu l o X IX

representada pe l a concepção de Ranke , a qua l adotou os

pr i nc í p i os do Pos i t i v ismo , pub l i cam em 1929 o per i ód i co Anna l es d ' h i s to i re économ ique et soc i a l e , onde expunham uma concep -

ção de H i s tór i a na qua l os fa tos j á não fa l am ma i s por s i , mas

é o h i s tor i ador que l hes dá voz . A H i s tór i a Nova ve i o para “ [ . . . ]

der rubar as ve l has paredes ant i quadas , os amontoados bab i -

l ôn i cos de preconce i t os , ro t i nas , er ros de concepção e de

compreensão . ” ( FEBVRE , 1 953 apud LE GOFF , 1 990 , p . 29 -30 ) .

Cons i deravam a h i s tór i a como um cons t ruto f or j ado ao l ongo

dos sécu l os por i n teresses e op i n i ões par t i cu l a res , e não ser i a

poss íve l a l cançar uma compreensão to ta l a t ravés de uma

pequena par te margeada de d i s torções .

A herança do Pos i t i v ismo na L i t era tura fo i o Rea l i smo . O

romance rea l i s t a tem mu i t o em comum com o h i s tor i c i smo de

Ranke “em re l ação à poss i b i l i dade de escrever factua lmente

sobre a rea l i dade observáve l ” (WHITE , 1 976 apud HUTCHEON

1 99 1 , p . 14 1 ) . O Romant ismo , gênero conceb ido para expressar

os anse i os da nova c l asse econôm ica que surg i a no sécu l o

XVI I I , a Burgues ia , mov imentou a r t i s tas e poetas cont ra a ét i ca

cap i t a l i s ta que serv i a de supor te para a organ i zação soc i a l que

se compunha . Qua l a função que a a r te como expressão da

a lma ter i a em um s i s tema no qua l o ún i co i n teresse pe l o

produto humano era sua força de t raba l ho, capaz de gera r

ma is e ma i s cap i t a l ? O homem das a r tes , como forma de

encont ra r uma so l ução para sua s i t uação , en t regou -se a uma

contemp lação sub je t i va . Seu sof r imento , seus dese jos , o sent i r

-se me l ancó l i co a r espe i t o de um passado d i s tan te que em

tudo l he era d i feren te ― enf im , toda a sub je t i v i dade do eu

l í r i co fo i expressa nas suas produções . Da í a i de i a de

L i t era tura como “vá lvu la de escape” , “ fuga da rea l i dade” .

É pr i nc i pa lmente pe l a i n f l uênc i a do Pos i t i v ismo que o Rea -

l i smo vem, então , opor -se à concepção românt i ca em voga há

ma is de um sécu l o . E ra prec i so que a L i t era tura se tornasse

expressão do rea l , do v iv i do , observando a r ea l i dade f í s i ca e

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 8 3 - 9 7 , 2 0 1 8

v i s íve l a sua vo l t a . Não se fa l a rá aqu i de uma ruptura ent re as

duas esco l as ; pe l o cont rá r i o , o que se procura abordar são

suas d iversas conf l uênc i as , da mesma forma que , no Pós -

modern i smo , “ [ . . . ] as recentes l e i t u ras cr í t i cas da h i s tór i a e da

f i cção têm se concent rado ma is naqu i l o que as duas formas

de escr i t a têm em comum do que em suas d i f eren -

ças . ” (HUTCHEON , 1 99 1 , p . 14 1 ) . O romance rea l i s t a i r i a expor os

va l ores ét i cos , mora i s e po l í t i cos de uma soc i edade do “ver

para crer ” . E essa r ea l i dade também fo i cons t ru í da cond izente

a uma concepção i dea l i s ta de mundo , o que tornou os rea l i s t as

a i nda ma i s sub je t i vos que os própr i os românt i cos .

O escr i t o r românt i co buscava no tempo de out rora sua

i dent i dade pe rd i da . Sua rea l i dade era v i s t a a t ravés do seu

dese jo , da sua forma de conceber o mundo: es te dever i a ser

um l ugar onde pudesse , novamente , ser e l e mesmo . Já o

escr i t o r rea l i s t a dev i a manter um pé na rea l i dade e out ro na

f i cção , po i s como reve l a r a verdade sobre os acontec imentos

sem de i xa r de ser L i t era tura? Mu i t os h i s tor i adores aprove i t a -

ram-se da capa pro te tora que a obra f i cc i ona l o ferece para

escrever sobre seus mundos rea i s . E a L i t era tura j á expressou

d iversos out ros l ados da h i s tór i a , proporc i onando aos l e i t o res

consc i en t i za r-se “ [ . . . ] sobre a d i s t i nção ent re os acontec imen-tos do passado que rea lmente ocor reu e os fa tos por cu jo

i n t erméd io proporc i onamos sent i do a esse passado , por cu jo

i n terméd io presum imos conhecê - l o . ” (HUTCHEON , 1 99 1 , p . 28 1 ) .

2 A N A L I S A N D O O RO M A N C E

Ass im como os Anna l es propuseram uma H i s tór i a

prob l emat i zadora , man i fes ta-se na L i t era tura do sécu l o XX o

Novo Romance H i s tór i co . L i nda Hutcheon , t eór i ca canadense ,

em seu l i v ro i n t i t u l ado Poét i ca do Pós -modern i smo: h i s tór i a , t eor i a , f i cção , conce i t ua de Meta f i cção H i s tor i ográ f i ca o

processo que aque l e subgênero u t i l i za para reve l a r uma

versão da h i s tór i a a t ravés de uma e l aboração a r t í s t i ca a f im

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de , em segu ida , contes ta r essa mesma versão . Quest i onar a

verdade ún i ca é a tendênc i a da prosa pós -moderna :

Os d i scu r so s pó s -mode rno s i n se r em e d epo i s

con t e s t am n o ssas t r ad i c i o n a i s g a r an t i a s d e

conhec imen to , p o r me i o d a r eve l aç ão d e su as l a c un as o u s i n uo s i d ades . E l e s n ão su g er em n enhum

acesso p r i v i l e g i ad o à r e a l i d ade . O r e a l e x i s t e ( e

ex i s t i u ) , mas n o ssa compr een são a seu r e sp e i t o é

semp r e cond i c i o n ad a p e l o s d i scu r so s , p o r n o ssas

d i f e r en t e s mane i r as d e f a l a r sob r e e l e . ( HUTCHEON ,

1 9 9 1 , p . 2 0 2 ) .

Seu exemp lo ma i s marcante ta l vez se ja O Romance da Rosa , de Umber to Eco , que ret ra ta como o sent i do dos acon -

t ec imentos só se torna pass íve l de compreensão se i gua lmente

es t i verem compreend idos a causa e o contex to em que foram

e l aborados . Escr i t o res românt i cos , no preâmbu lo do Rea l i smo ,

t ambém ques t i onaram a verac i dade dos fa tos h i s tór i cos , ana l i -

sando como os acontec imentos r eg i s t rados nas fontes of i c i a i s

foram i n terpretados ao l ongo do tempo . Um des tes é José de

A lencar . Def i n i do como um dos pr i nc i pa is au tores do Romant i s -

mo bras i l e i ro , suas obras i am mu i t o a l ém de um sub je t i v i smo

na to dos dema is representan tes da sua esco l a . Ut i l i zando -se

da f i cção , e l e abordava ques tões de cunho soc i a l e po l í t i co ,

re t ra tando como panorama de seus enredos a s i t uação v i gente

do pa í s . A l ém d i sso , e l aborava t i pos soc i a i s , a exemp lo do

v i gá r i o e do Sr . Dom ingos Pa i s em O t ronco do Ipê , e Fernando

Se ixas e Auré l i a Camargo em Senhora .

Ub i ra j a ra , por A l encar ter fe i t o uso de fa tos documenta -

dos e personagens h i s tór i cos , descons t ru i ndo a i de i a do dever

f i cc i ona l que a L i t era tura dever ia cumpr i r , enquadra r -se- ia no

Romance H i s tór i co do sécu l o XIX . Porém, se ana l i sada ma is

profundamente , perceber -se-á que fo i mu i t o a l ém de uma obra

românt i ca de cunho i nd i an is t a , u l t rapassando , a i nda , a f i cção

rea l i s t a . Escr i t o em 1874 , compõe , j un tamente com O Guaran i e

I racema , uma t r i l og i a . O percurso da personagem pr i nc i pa l , o

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caçador Jaguarê , a té se tornar , por me io de r i t ua i s e cer imô -

n i as permeadas de um s i gn i f i cado s imbó l i co , o guer re i ro Ub i ra -

j a ra , nos faz ques t i onar sobre a verac i dade dos re l a tos acerca

dos pr ime i ros hab i t an tes do Bras i l , compostos por cron i s tas e

t ra tad is tas europeus no per í odo l i t erá r i o conhec i do como

Qu inhent i smo . At ravés da f i cção , e l e prob l ema t i za a h i s tór i a

o f i c i a l , persuad i ndo o l e i t o r a ref l e t i r sobre o processo de

“apagamento” dos t raços cu l t u ra i s dos gent i s pe l a c i v i l i zação

europe i a , a f im de just i f i ca r seu processo co l on i zador .

A i n t e r t e x t u a l i d ad e p ó s -mode rn a é uma man i f e s t ação

f o rma l d e um d ese j o d e r eduz i r a d i s t ân c i a en t r e o

p assado e o p r e sen t e do l e i t o r e t ambém d e um

d ese jo d e r eesc reve r o p as sado d en t ro d e um novo

con t ex t o . [ . . . ] N ão é uma t en t a t i v a d e esvaz i a r o u d e

ev i t a r a h i s t ó r i a . Em vez d i sso , e l e co n f ron t a d i r e t a -

men t e o p assado d a l i t e r a t u r a ― e d a h i s t o r i og r af i a ,

p o i s e l a t ambém se o r i g i n a d e o u t r o s t e x t o s

( d o cumen t o s ) ( HUTCHEON , 1 99 1 , p . 1 57 ) .

A l encar , ao e l abora r Ub i ra j a ra , antec i pa , a t ravés de s i na i s

express ivos em sua es té t i ca , o que pressupõe ho je a Meta f i c -

ção H i s tor i ográ f i ca . Sua v i são do passado como a l go cada vez

ma is d i s t an te de ser apreend i do de forma não prob l emát i ca e

sua re l u t ânc i a em não ace i t a r a imagem cr i s t a l i zada do gent i o

bárbaro de Gabr i e l Soares de Sousa ― ao refu ta r i n tensamente

seu Tra tado Descr i t ivo do Bras i l em 1587 , fazendo , ass im , uso

da i n ter tex tua l i dade c i t ada ac ima ― são a l guns exemp los desse

prenúnc i o . Isso l oca l i za o escr i t o r às margens da concepção

h i s tór i ca de sua época , mas sem se separa r por comp le to de l a .

Porém, o que se prec i sa reconhecer é que o se lvagem de

A lencar j á não era o mesmo se lvagem de Soares de Sousa .

Na adver tênc i a do seu l i v ro , A l encar ( 2005 , p . 27 ) de i xa

c l a ro seu ob je t i vo : a l ém de cons i derá - l o i rmão de sua out ra

obra i nd i an i s ta I racema e , por i sso , t ambém uma l enda ― t í t u l o

que “ [ . . . ] responde me lhor pe l a propr i edade , como pe l a

modést i a , às t rad i ções da pá t r i a i nd í gena ” ― , o escr i t o r buscou

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se i senta r dos ju l gamentos e das cr í t i cas severas de h i s tor i a -

dores , cron i s t as e v i a j an tes da época das Grandes Navega -

ções para conta r uma versão da h i s tór i a dos povos i nd í genas

que segue um v i és opos to à v i são un i camente deprec i a t iva

dos navegantes . Segundo e l e , as a t i t udes ma is nobres e os

ju í zos de va l or t ão sensa tos dos pr ime i ros hab i t an tes foram

deturpados por um dese jo de encont rá - l os em conform idade

com os va l ores europeus . Os co l on i zadores “ [ . . . ] não se

l embravam, ou não sab i am , que e l es mesmos prov i nham de

bárbaros a i nda ma is ferozes e grosse i ros do que os se lvagens

amer i canos . ” (ALENCAR, 2005 , p . 27 ) . Com es te comentá r i o ,

Alencar adver te seus l e i t o res a não se de i xa rem convencer

pe l a l i t e ra tura de i n formação . A í se encont ra o ba l ua r te da l i t e -

ra tura pós-moderna : “ [ . . . ] um novo dese jo de pensar h i s tor i ca -

mente , e ho j e pensar h i s tor i camente é pensar cr í t i ca e contex -

t ua lmente . ” (HUTCHEON , 199 1 , p . 12 1 ) .

O romance , d i v i d i do em nove par tes , r e t ra ta a saga de

Ub i ra j a ra . A cena i n i c i a l t ra t a -se da busca do pro tagon i st a por

um guer re i ro de out ra t r i bo , a quem pudesse vencer em

combate de mor te e ganhar um nome de guer ra . Per tencente à

nação dos a ragua ias , reconheceu Po jucã , s eu adversár i o ,

guer re i ro dos tocant i ns , pe l as p l umas de tucano que possu i na

cabeça e no punho de seu tacape :

[ . . . ] d o o u t r o l ado d a camp i n a assoma um gue r r e i r o .

Tem n a cab eça o can i t a r d as p l umas d e t u cano , e n o

p unho d o t acap e uma f r an j a d as mesmas p en as . É um

gue r r e i ro t o can t im . D e l o ng e av i s t o u J agu a r ê e r e co -

n heceu o p en acho ve rme l ho do s a r ag u a i as (ALENCAR ,

2005 , p . 3 6 ) .

As t r i bos i nd í genas eram to têm icas , ou se ja , u t i l i zavam -se

da representação s imbó l i ca de um to tem para des i gnarem sua

caracter í s t i ca ma i s marcante , a qua l era reve l ada ao i n im i go e

ao es t range i ro (aqu i empregado como o í nd i o que v i s i t a out ra

t r i bo ) a t ravés da sua i ndumentá r ia , ou a i nda , ex i b i ndo o an ima l

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empa lhado na ent rada da a l de i a . Esse pod i a s er um pe i xe , um

urso ou , no caso dos a ragua i as no l i v ro , um tucano . A qua l i da -

de do esco l h i do (o ma is for te , o ma i s bravo , o ma i s l ea l dos

an ima i s ) era i dent i f i cada como a da nação que o representou .

A l encar se preocupou em demons t ra r essa pecu l i a r i dade das

soc i edades de c l ãs : “― O fa l cão negro é o va l en te guer re i ro

dos a res ; e l e será a fama do guer re i ro a ragua i a que a t raves -

sará as nuvens e sub i rá ao céu . ” (ALENCAR, 2005 , p . 47 ) . O

t ra t ado de Soares de Sousa de l i ne i a essa cond i ção i nd í gena do

segu i n te modo :

[ . . . ] t ambém t r az em n a cab eça umas p enn as amar e l l a s ,

p eg ad as p e l o s p és com cê r a , e a r r e cad as d e o sso

n as o r e l h as , e g r an des co n t as b r ancas , q u e f az em d e

b úz i o s , l a n çad as ao p esco ço . [ . . . ] E q u an do se es t e s

mancebo s q ue r em f az e r b i z a r ro s , a r r ep i am o cabe l l o

p a r a c ima com a lmeceg a , o n de l h e p eg am umas p enn i -

nh as amar e l l a s p eg ad as n ’ e l l e , e so b r açam ou t r as

con t as b r ancas . ( SOUSA , 1 87 9 , p . 2 84 ) . 1

Is to demons t ra que o c ron i s ta t ambém notou esse

cos tume; mas por que e l e buscou exp l i ca r es te compor tamento

como “e quando es tes mancebos querem fazer b i za r ros ” , em

vez de reconhecer a í uma expressão comp lexa de i dent i dade?

Po i s :

[ . . . ] não er a en tender a comp lex idade da cu l tu ra nat i va

que mov ia Soare s de Sousa . Se ass im pudesse fazê - lo

― po i s é ma is uma quest ão de poder que de querer ― ,

e xemp los não lhe fa l t ar i am , po i s seu te xto , um t an to

con t ra sua von tade , es tá povoado de les , a denunc iar as

a rmad i l has inconsc ien te s da l i nguagem, ob r igando -nos ,

as ma is das vezes , a d izer o con t rá r io do que

p re tendemos . Mov ia Soares de Sousa , ao invés , a

necess idade , des taque -se a pa lav ra , a necess idade de

marca r a d i fe rença en t re c iv i l i z ação e barbár ie , ún i co

me io de leg i t imar os mecan i smos de dom inação , dent re

os qua is o exterm ín io , po r e le cons iderado uma

p r io r idade em re l ação a a lguns g rupos ind ígenas ,

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aque le s in fensos à pedagog ia de Cam inha , que v i sav a

to rná- los mansos . (L IMA , 2009 , p . 97 , g r i fo do au to r ) .

Ass im compôs-se a h i s tór i a ún i ca des tes povos , des i gna -

dos pe l o termo tup i nambá , que abrang i a , sem d i s t i nção , todas

as t r i bos fa l an tes do tup i , encont radas em todo o l i t o ra l bras i -

l e i ro . A l encar percebeu que “o rea l ex i s te (e ex i s t i u ) , mas

nossa compreensão a seu respe i t o é sempre cond i c i onada

pe l os d i scursos , por nossas d i feren tes mane i ras de fa l a r sobre

e l e . ” (HUTCHEON , 1 99 1 , p . 202 ) .

Para um etnógra fo de ho je , a conv ivênc i a com o grupo a

que se quer observar , compar t i l hando de suas prá t i cas cu l t u -

ra i s e re l i g i osas , aprendendo sua l í ngua , enf im , v ivendo como

um de l es é a cond i ção essenc i a l pa ra uma descr i ção e expos i -

ção exa ta de ta l e tn i a . Os cron i s tas conv iveram com os i nd í ge -

nas . Seu ob je t i vo , en t re tanto , não era compreendê - l os , e s im ,

encont ra r provas de sua se lvager i a pa ra dom iná - l os em t raba-

l ho escravo , se não d i z imá - l os , conqu is t ando a fa r t a Ter ra de

Santa Cruz . Um dos aspectos ma is abordados por Soares de

Sousa e out ros cron i s t as é a re l i g i ão . Os tup i s t i nham crença

em uma ent i dade denom inada Tupã , que se man i fes tava pe l o

ra i o e pe l o t rovão . Segundo A lencar , em sua nota exp l i ca t i va

de número 23 , “seu nome de raça [ t up i ] apresenta uma a f i n i da -

de que faz presum i r a crença de uma descendênc i a ce l es -

t e . ” (ALENCAR, 2005 , p . 39 ) . Es ta concepção , de acordo com o

autor , n i ve l ava o homem à d iv i ndade , ou se ja , os i nd í genas não

adoravam imagens , nem e l aboravam cu l t os à moda do Cr i s t ia -

n i smo, po i s seu ser d iv i no não se encont rava nos céus , da í

necess i t ando de uma representação concreta na ter ra ; cada

ser car regava em s i o d iv i no , sendo suas façanhas de guer ra

provas da sua descendênc i a ce l es te . Ass im , a d iv i ndade desc i a

ao so l o e propagava-se a t ravés dos guer re i ros . O que os

cron i s t as v i ram , en t re tan to , pe l a ausênc ia de í do l os , fo i um

povo sem nenhum cu l t o , nenhuma l e i e nenhum re i que os

governasse .

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[ . . . ] N ão ad or am n enhuma cou sa , n em t em n enhum

conhec imen to d a ve r d ade , n em sab em ma i s q u e h a

mo r r e r e v i v e r ; e q u a l qu e r cou sa q u e l h e d i g am , se

l h e s me t t e n a c ab eça , e são ma i s b a r b a ro s q ue

q u an t as c r e a t u r as Deu s c r i o u ; [ . . . ] f a l t a - l h e t r e s l e t r as

d a d o A B C , q u e são F , L e R g r and e ou d ob r ad o ,

cou sa mu i t o p a r a se n o t a r . P o r qu e sen ão t em F , é

p o r qu e n ão t em f é em n enhuma co u sa q u e ad o rem ;

n em o s n asc i do s en t r e o s ch r i s t ão s e d o u t r in ad o s

p e l o s p ad res d a Companh i a t em f é em Deu s Nosso

Senho r [ . . . ] . E se n ão t em L n a su a p r on un c i aç ão , é

p o r q u e n ão t em l e i n en huma q u e g u a rd a r , n em

p r ece i t o s p a r a se g ove rn a r em [ . . . ] . E se n ão t em es t a

l e t r a R n a su a p ron un c i aç ão , é p o rqu e n ão t em r e i

q ue o s r e j a , e a q u em ob ed eçam , n em ob ed ecem a

n i ng uém [ . . . ] . ( SOUSA , 1 8 7 9 , p . 28 0 -28 1 , g r i f o do au to r ) .

Se nem mesmo os dout r i nados pe l os j esu í t as t i nham

respe i t o , en tão dever i am ser todos escrav i zados como pun i -

ção . Mas o que fa l a r , contudo , do cont ro l e menta l exerc i do

pe l a pa l av ra dos pa jés , a quem o mesmo Soares de Sousa

denom ina por “ fe i t i ce i ros ” , e que “ [ . . . ] t em es te nome ent re

e l l es , por l he met terem em cabeça m i l ment i ras [ . . . ] pa ra se

fazerem es t imar e temer [ . . . ] ” (SOUSA, 1 987 , p . 292 )? A l encar

reconhece no seu romance a impor tânci a dessa c l asse ,

chamada por e l e de “sacerdotes ” , a l ém do conse l ho dos

dema is anc i ões : “Os anc i ões , sentados no l ongo j i r au , contem -

p l am tac i t u rnos a geração de guer re i ros que e l es ens i na ram a

combater , e têm saudade da passada g l ór i a . ” (ALENCAR, 2005 ,

p . 45) . Já o pape l dos pa jés na soc i edade era con jura r o esp í -

r i t o do ma l ― person i f i cado em Anhangá ― e os gên i os ru i ns

que percor r i am as f l o res tas montados em an ima i s chamados

ca i t e tus ou metamor foseados , como o ca i pora e a mãe d ’ água

― es ta ú l t ima i dent i f i cada pe l os europeus como a sere i a de

sua m i to l og i a , ass im como o s i ncret i smo com I eman já , a Ra i nha

dos Mares , or i xá a f r i cano . Era prec i so l i v ra r seu povo das

pragas e doenças que es tes con juros provocavam, po i s um

povo enf raquec i do não poder i a guer rea r .

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 8 3 - 9 7 , 2 0 1 8

Outro ponto importante focado pe lo autor é o r i tua l de

passagem do caçador para o guerre i ro , matando seu in imigo.

Jaguarê se torna Ubi ra jara ― que s ign i f ica “senhor das lanças” ,

em a lusão à lança pesada e cer te i ra que ex ib ia como s ímbolo de

sua nação ― após tornar o tocant im Pojucã seu pr is ionei ro e

transportá- lo para sua a ldeia , a f im de ser rea l izado o r i tua l

antropofág ico. Soares de Sousa se preocupou em ressa l tar a

todo instante o costume bárbaro de “comer aos seus cont rá r ios” .

Enxergando nos gent is os caniba is que a Europa acred i tava e

temia , ass im que presenciou essa at i tude o tratad is ta t ratou de

demonizá- la . Mas o que de fato se t ratava era que, por ser uma

sociedade guerre i ra , os ind ígenas possuíam um cód igo de honra

que cons is t ia em cada guerre i ro provar sua coragem e força ,

combatendo seu in imigo no terre i ro com um golpe de tacape,

para depois entregá- lo à sua nação que dever ia comer a carne

do in imigo, a f im de transmi t i r - lhes sua força e determinação.

A an t ropo fag i a , n is so n ão se enganar am os cron is tas , é

a Ins t i tu iç ão po r exce lênc i a dos tup i : é ao mat ar um

in im igo , de p re ferênc i a com um go lpe de t acape , no

te r re i ro da a lde ia , que o guer re i ro recebe novos nomes ,

ganha p rest íg io po l í t i co , acede ao casamen to e até a

uma imor ta l i d ade imed ia ta . (CUNHA, 1 990 , p . 100 ) .

Ainda durante o tempo que se passava até ser imolado, o

pr is ionei ro era tratado com fartura e mu i to respe i to . Era uma

honra para o guerre i ro ser sacr i f icado neste r i tua l . E le recebia

uma índ ia da nação in imiga como sua “esposa do túmulo” ; o f i lho

que e la gerasse dessa união ser ia respe i tado por ter t ido como

pa i um bravo guerre i ro . Desonra ser ia se não fosse agraciado

com o supl íc io , se apenas o mant ivessem v ivo, serv indo de

escravo. Essa é a s i tuação que temia Pojucã ao ver que

Ubira jara ad iava a sua sentença: “é o temor de que Ubi ra jara lhe

recuse uma morte g lor iosa e o retenha cat ivo, que nesse

momento acabrunha o chefe dos tocan t ins . ” (ALENCAR, 2005, p.

58 ) .

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 8 3 - 9 7 , 2 0 1 8

O úl t imo aspecto a ser abordado neste art igo é a respei to

da veneração da v i rg indade e do casamento. Jaguarê amava

Jandi ra , a qua l passou a lhe pertencer quando se tornou o

guer re i ro Ubi ra jara ; porém, em sua estad ia no domín io dos

tocant ins , enamorara-se por Araci , f i l ha do guerre i ro chefe e i rmã

de Pojucã . Graças à le i da hospi ta l idade que determinava às

nações acolherem o estrangei ro que as v is i tava sem exig i r sua

ident idade, não era sabido pelos tocant ins que Ubi ra jara lhes era

in imigo. Cabia ao chefe, portanto, escolher - lhe um nome enquanto

permanecer ia como hóspede. Chamou-o, então, Jurandi r . Para

conquistar a v i rgem, Jurandi r compete em um torneio j untamente

com os dema is guer re i ros que com ela dese javam se casar para

provar , através de sua força e coragem, que é merecedor das

qua l idades da moça. Alencar nota que a conquista de uma

esposa era resul tado de um esforço árduo e va loroso, e o

costume de possui r vár ias esposas era forma de recompensa

pe la guerra venc ida e a honra que adqu i r ia para s i e para sua

tr ibo. Jandi ra e Araci , ambas, tornam-se suas esposas, a pr ime i ra

como esposa do chefe aragua ia ; a segunda, do chefe tocant im.

De acordo com A lencar (2005, p. 34) , “a l iga vermelha que

c ing ia a perna esbel ta da estrangei ra d iz ia que nenhum guerre i ro

j ama is possuí ra a v i rgem formosa. ” Soares de Sousa notou esse

f io de a lgodão: “E como o mar ido lhe leva a f lor , é obr igada a

noiva a quebrar estes f ios , para que seja notór io que é fe i ta

dona [ . . . ] ” (SOUSA, 1879 , p. 283) . Ass im, a ú l t ima pergunta que

resta a ser fe i ta , per fe i tamente elaborada por Al encar , em sua

nota de número 10 , é: qua l “ [ . . . ] sociedade c iv i l i zada se observa

tão profundo respei to pela un ião conjuga l , a ponto de não

consent i r-se que a mulher deca ída conserve [ . . . ] sua fa l ta , e i luda

o homem que a busque para esposa?” (ALENCAR, 2005, p. 34) .

3 C O N S I D E R A Ç Õ E S F I N A I S

Ub i ra j a ra é só uma l enda , é c l a ro . O seu enredo é f i c t í c i o ,

mas o tempo e espaço em que se s i tua são h i s tór i cos :

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 8 3 - 9 7 , 2 0 1 8

As d u as n açõ es , d o s a r agu a i as e d o s t o can t i n s [ ap ó s

a u n i ão d o s a r co s ] f o rmar am a g r and e n ação d o s

Ub i r a j a r as , q u e t omou o nome do h e ró i . [ . . . ] Ma i s

t a r d e , q u an do v i e r am o s ca r amu r u s , g u e r r e i ro s d o

ma r , e l a c ampeava a i n d a n as ma r g en s do g r and e r i o .

( ALENCAR , 2 005 , p . 1 1 6 ) .

Ao s i t ua r o romance em um contex to v ivenci ado , A l encar

dese java que seus l e i t o res i dent i f i cassem esse passado

concreto que sua obra cont i nha , po i s “nada impede que a l gu -

mas das co i sas que r ea lmente aconteceram per tençam ao t i po

das que poder i am ou ter i am probab i l i dade de aconte -

cer ” (AR ISTÓTELES, 1 982 apud HUTCHEON , 1 99 1 , p . 142 ) ; t odav i a ,

dever i am d i scern i r o meramente l i t erá r i o do h i s tór i co para ,

a t ravés dessa d i co tom ia , prob l emat i za rem o p rocesso de

cons t rução dessa h i s tór i a por e l e apresentada , u t i l i zando -se do

recurso da l i nguagem. A l ém d i sso , a nar ra t i va de Ub i ra j a ra

t ranscor re sob a perspect i va da terce i ra pessoa do s i ngu l a r ,

a r t i f í c i o do Rea l i smo para cr ed i t a r às suas obras a l eg i t im i dade

do acontec imento . É o mesmo processo que ocor re na compo -

s i ção do romance pós -moderno : “E l e faz par te da pos tura pós -

modern i s t a de conf ronta r os paradoxos da r epresentação

f ict í c ia/h is tór ica , do part i cu lar/gera l e do presente/

passado. ” (HUTCHEON, 1991 , p. 142) .

Como se deu a formação dos Ub i ra j a ras? Cer tamente não

ocor reu como e l e nar rou . A l i ás , j ama i s se terá uma respos ta

def i n i t i va acerca de qua l quer povo que teve sua voz s i l enc i ada

pe l a h i s tór i a ún i ca . Em seu cur to parágra fo , Soares de Sousa

nos d i z que “ es tes Ub i ra j a ras não v i ram nunca gente branca ,

nem tem not í c i a d ’ e l l a , e é gente mu i t o barbara [ . . . ] ” (SOUSA,

1 879 , p . 3 15 ) : ou se ja , se lvagens e can i ba is , como todos os

out ros gent i s que e l e taxa t i vamente descreveu .

José de A lencar não t i nha posse da verdade sobre os

Ub i ra j a ras ; pretend i a , apenas , fazer -nos enxergar que

qua i squer versões da h i s tór i a desse povo são cons t ru tos que

não devem ser ana l i sados fora de seu contex to h i s tór i co ,

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 8 3 - 9 7 , 2 0 1 8

soc i a l e po l í t i co , nem neg l i genc i a r o su je i t o que os nar ra . A

versão cr i s t a l i zada dos gent i s que chegou a té nós não procu -

rou ana l i sa r sua v i da e cos tumes , enxergando a í prá t i cas

comp lexas e comp le tas , como o escr i t o r abordou . De acordo

com a noção de acu l t u ração por Na than Wachte l ( 1 995 ) , a

forma de sub jugação dos cos tumes gent í l i cos pe l o conqu i s t a -

dor europeu conf i gura -se como acu l t u ração impos ta , preten -

dendo apagar a memór i a e i dent i dade daque le povo , ao i nser i r

novas prá t i cas de acordo com a cu l t u ra europe i a . Soares de

Sousa e A lencar cons t roem versões que buscam nar ra r um

mesmo acontec imento : o pr ime i ro , uma h i s tór i a que i n tenc i ona l -

mente fo i des i gnada como reg i s t ro of i c i a l ; o s egundo , uma

ref l exão sobre como os reg i s t ros of i c i a i s são permeados de

es tereót i pos . No sécu l o XX, a Meta f i cção H i s tor i ográ f i ca se

vo l ta , enf im , a comba ter os per i gosos es tereót i pos da h i s tór i a

ún i ca em suas obras pós -modernas . Contudo , A l encar j á

compart i l hava de sua preocupação no sécu l o XIX .

Abstract : Th is ar t i c l e presents the resu l t o f a study on how José

de A l enca r e l a bo ra t ed , i n h i s l i t e ra r y wo r k Ub i r a j a r a ( 2005 ) , a

r e f l ec t i on on t he ex i s t ence o f comp l ex symbo l i c s t r uc tu r es i n

i nd i genous cus toms , d i s to r ted i n the 16 th Centu ry L i t e ra ture by

t he p r econce iv ed v i ews o f t he wr i t e rs . The au thor a l l owed h i s

readers , through the f i ct ion, to cons ider how much l i t era ture has

of h is tor ica l "rea l i ty" and v ice versa , quest ion ing the elaborat ion of

the H i s to ry . I t was conc l uded , ther efo re , t ha t the nove l chosen

crea tes a d i a logue w i th some assumpt i ons of the H is tor i ograph i c

Meta f i ct i on, a concept e l abora ted by the Canad i an theor is t L inda

Hutcheon ( 199 1 ) . The methodo logy used i n the research invo lves

reading and qua l i ta t ive ana lys is of the work, mak ing a compar ison

w i th the T ra tado Desc r i t i vo do Bras i l em 1 587 ( 1 879 ) by Gab r i e l

Soares de Sousa . Marc B l och (200 1 ) and Jacques Le Gof f ( 1990 )

were used as a theoret ica l bas is .

Keywords : The 16 th Cen tury B raz i l i an L i t era tur e . H i s tor i og raph i c

Metaf ict ion . Ubi ra jara .

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 8 3 - 9 7 , 2 0 1 8

R E F E R Ê N C I A S

ALENCAR, José de . Ub i ra j a ra : t ex to i n tegra l . São Pau l o : Mar t i n

Cla ret , 2005 .

BLOCH , Marc . Apo log ia da h i s tór ia ou o of í c i o de h i s tor i ador . Tradução de André Te l l es . R i o de Jane i ro : Jorge Zahar Ed i t o r ,

200 1 .

CUNHA, Manue l a Carne i ro da . Imagens de í nd ios do Bras i l : o

sécu l o XVI . Es tudos Avançados , São Pau l o , v . 4 , n . 10 , p . 9 1 -

1 1 0 , 1990 . D ispon íve l em: <h t tp ://www.sc i e l o . b r/pdf/ea/v4n10/

v4n10a05 .pdf > . Acesso em: 1 3 ago . 20 16 .

HUTCHEON , L i nda . Poét i ca do Pós -modern ismo : h i s tór ia , t eor i a ,

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LE GOFF , Jacques . A h i s tór i a nova . In : LE GOFF , Jacques .

(Org . ) . A h is tór i a nova . Tradução de Eduardo Brandão . São

Pau lo : Mar t i ns Fontes , 1990 . p . 25 -64 .

L IMA, F ranc i sco Fer re i ra de . O Bras i l de Gabr i e l Soares de Sousa & out ras v i agens . R i o de Jane i ro : 7Letras ; Fe i ra de

Santana : UEFS Ed i t o ra , 2009 .

SOUSA, Gabr i e l Soares de . Tra tado descr i p t ivo do Bras i l em 1 587 . 2 ed ma i s cor recta e accrescentada com um

add i t amento . Ed i ção cas t i gada pe l o es tudo de mu i t os cod i ces

manuscr i p tos ex i s ten tes no Bras i l , em Portuga l , Hespanha e

F rança , e accrescentada de a l guns commentar i os á obra por

F ranc isco Ado lpho de Varnhagen . R i o de Jane i ro : Typograph i a

de João Ignac i o da S i lva , 1879 . D i spon íve l em: <h t tp : //

www.bras i l i ana .usp .br/hand l e/ 1918/0 172 . Acesso em: 1 3 ago .

20 16 .

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P i er re (Org . ) . H i s tór ia : novos prob l emas . Tradução de Theo

Sant iago . 4 . ed. R i o de Jane i ro : L iv ra r i a F ranci sco A lves

Ed i t o ra , 1995 . p . 1 13 - 1 29 .

N O T A S

1 Fo i man t i d a a g r a f i a o r i g in a l d o t e x t o .

Env iado em: 08/02/2018 .

Aprovado em: 19/07/20 18.

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 9 9 - 1 0 8 , 2 0 1 8

I S S N 2 2 3 6 - 3 3 3 5

M ÉM OR I A D O I N T E R I OR B A I AN O :

N A C I ON AL I SM O I N T EGR AL I S T A NA P OE S I A D E

E UL ÁL IO M OT TA

B r u n a E l l e n d e M o u r a C a l i x t o ( U E F S )

L i c e n c i a t u r a e m L e t r a s c o m L í n g u a I n g l e s a

s r t a _ c a l i x t o @ h o t m a i l . c o m

A n d r é i a S i l v a d e A r a ú j o ( O r i e n t a d o r a )

D e p a r t a m e n t o d e L e t r a s e A r t e s ( U E F S )

a n d r e i a . c o m . a c e n t o @ gm a i l . c o m

Resumo : Es te t raba l ho v i sa i dent i f i ca r as un i dades s i gn i f i can tes

do d i s c u r s o n a c i o n a l i s t a e e s t a b e l e c e r uma r e l a ç ã o c om o

c o n s e rv a do r i smo i n t eg r a l i s t a , r e f l e t i n d o c omo s e co ns t r ó i o

d i s cu r so l i t e r á r i o u l t r a nac i ona l i s t a pu r i s t a de Eu l á l i o Mo t t a no

i n te r i o r da Bah i a , em meados do sécu l o XX, a pa r t i r do poema

“ H i no do G i ná s i o Mundo Novo ” . A p esqu i s a con t r i bu i pa r a os

e s t u dos l i t e r á r i o s , bem como pa r a os es t ud os d e memór i a e

h i s tor i og rá f i cos no que d i z r espe i t o à pr ese rvação da memór i a

s e r t a n e j a . P a r a a r e a l i z a ç ã o d o e s t u d o , p a r t i u - s e d e um a

abo rdagem qua l i t a t i v a , de ca r á t e r b i b l i o g r á f i co , envo l v endo a

l e i t u r a e e s t u d o d o p o ema , a l ém d e a u t o r e s q u e t êm como

p r e s s u po s t os t e ó r i c o s a d i s cu ss ã o em t o r n o d o a c e rv o d o

esc r i t o r e do mov imen t o i n t eg r a l i s t a , como Ba r r e i r os ( 20 1 2 ) e

Gonça lves (20 14 ) .

Pa l av ras-chave : Nac i ona l i smo . In tegra l i smo . L i t era tura . Memór i a .

1 I N T RO D U Ç Ã O

Tem v i n t e an o s? N asceu n a B ah i a? F az ver so s . . . E acon t ece

q ue eu t i v e v i n te ano s e n asc i n a B ah i a . Os v i n t e an o s

p assa r am e o s ve r so s f i c a r am em do i s l i v re co s q ue

p ub l i q ue i n o s t empo s g i n as i ano s . D epo i s , o u t ro s verso s

v i e r am . Ca t e i n o s do i s l i v r e co s o s qu e me p a rece r am

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 9 9 - 1 0 8 , 2 0 1 8

n asc i do s e n ão “ f az i do s ” . F i z a mesma co i sa com os qu e

v i e r am d epo i s do s v i n t e ano s . E j u n t e i -o s n es t e c ade r no

so b o t í t u l o d e “Can çõ es d e meu cam in ho . . . ” ( Eu l á l i o Mo t t a )

No i n í c i o do sécu l o XX, a l i r a do parnaso era dom inante

no Bras i l , em Sa lvador a l i t e ra tura era rep l e t a de s imbo l ismo e

o es t i l o dout r i ná r i o parnas i ano v i gorava . O l i v ro Canções do meu cam inho fo i pub l i cado em 1948 , no qua l o poeta Eu l á l i o de

Mi randa Mot ta , nasc i do em Mundo Novo , exp l i ca l ogo no prefá -

c i o o pr i nc i pa l mot i vo de sua pub l i cação , d i zendo ter s i do para

“sa t i s fazer os p i dões ” , ou se ja , cor responder aos i números

ped idos das pessoas de seu c i c l o soc i a l (MOTTA, 1 983 , p . 1 1 ) .

Quanto às i n f l uênc i as ba ianas em meados do sécu l o XX:

[ . . . ] c omeça r am a su rg i r n a B ah i a p o e t as , c omo

Ju nqu e i r a F r e i r e , q u e acompanh avam a i n sp i r aç ão

r omân t i c a u l t r ap assando “ [ . . . ] a im i t aç ão d a Nova

Ar cád i a [ . . . ] ” an t e ced endo “ [ . . . ] a exp l o são co ndo re i r a

[ . . . ] ” (CALMON , 1 94 2 , p . 1 0 1 ) e a g e r ação d e Cas t r o

A lv es . “ [ . . . ] A p o es i a f r an cesa , r omân t i c a , p a r n as i an a e

s imbo l i s t a , f o i l i d a e ap r ec i ad a p e l o s p oe t as d es t a

p rov í nc i a [ . . . ] ” (CALMON , 1 94 2 , p . 97 ) . Ass im como

Cas t r o A l v es so f r eu f o r t e i n f l u ên c i a d e V i t o r H ug o ,

o u t ro s esc r i t o r e s b a i ano s q u e d espon t av am no i n í c i o

d o sécu l o XX so f r e r am g r and e i n f l u ênc i a d e esc r i t o r e s

p a r n as i ano s e s imbo l i s t as f r an ceses . P o r t an to , c o nv i -

v e r am , d u r an t e o f i n a l d o sécu l o X I X , t an t o o r oman -

t i smo q u an t o o s imbo l i smo e o p a r n as i an i smo .

( BARRE IROS , 2 0 1 2 , p . 60 - 6 1 ) .

O acervo no escr i t o r ba i ano é composto por papé i s que

contém tex tos i néd i t os , f ragmentos de obras , ca r t as , d i á r i os ,

rascunhos e out ros ma ter i a is d i versos . Os t raba l hos que

provêm da pesqu i sa des te acervo têm cont r i bu í do para as

d iversas á reas , com des taque aos es tudos f i l o l óg i cos , l i ngu í s t i -

cos e l i t erá r i os , bem como no comprom isso em recupera r e

preservar a memór i a do ser tão ba i ano . Es tes documentos

encont ram-se a rqu ivados no acervo do Núc l eo de Es tudos

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 9 9 - 1 0 8 , 2 0 1 8

I n terd i sc i p l i na res em Human idades D i g i t a i s (Nei HD ) , com sede na

Un ivers i dade Es tadua l de Fe i ra de Santana (UEFS ) .

Eu l á l i o Mot t a , aqu i t ambém sendo refer i do pe l a abrev i ação

EM, fo i um i n te l ectua l com formação de n íve l s uper i o r e acen -

tuada erud i ção acadêm ica , na t ivo de Mundo Novo , mun i c í p i o do

i n ter i o r ba i ano , onde se tornou uma f i gura bas tan te r econhec i -

da , po i s dá nome a espaços de cu l t u ra e l azer como ruas ,

praças e esco l as . Bas tan te i n f l uenc i ado pe l os mov imentos l i t e -

rá r i os operantes em Sa lvador na década de 1 920 , e l e agregou

em sua poes i a aspectos po l í t i co -cu l t u ra is , resu l t ando no cará -

ter au tob i ográ f i co que perme i a sua obra . No l i v ro de Bar re i ros

( 20 12 ) , i n t i t u l ado Sonetos de Eu l á l i o Mot t a , o pesqu isador t raz

ref l exões acerca do forma to t rad i c i ona l i s t a e conservador da

escr i t a de EM, f r i sando que “ [ . . . ] em mu i tos poetas ba i anos

houve a um só tempo uma conv ivênc i a e uma a l t ernânc i a de

s imbo l ismo , romant i smo e parnas ian i smo . ” (BARRE IROS , 20 12 , p .

68 apud VEIGA, 1 986 , p . 106 ) . A l guns temas são r ecor ren tes

em seus escr i t os , t a i s como o ser tão , a i l usão perd i da , a

mu lher amada , exa l t ação da cu l t u ra popu l a r , pa ra a l ém de sua

prefer ênc i a pe l os forma tos c l áss i cos , r e tomando , a t ravés da

cr i ação de vár i os sonetos , um mode lo de escr i t a de es t ru tura

f i xa , ma i s uma vez denunc i ando o t raço sacra l i zado do acervo

l i t erá r i o do escr i t o r .

Na segunda ed i ção , o t erce i ro cap í t u l o do l i v ro i n t i t u l ado

Out ras Poes i as apresenta um poema , mus i cado , chamado “H i no

do G inás i o Mundo Novo” , o qua l demons t ra de forma i n terna e

externa o teor nac i ona l i s t a defend i do pe l o poeta . O h i no por s i

só j á é uma compos i ção mus i ca l de exa l tação e encora j amento

da juventude bras i l e i ra , e do seu dever para com a nação .

Es te poema será o corpus de es tudo des te t raba l ho, em que , a

par t i r de uma aná l i se de versos e es t ro fes , busca -se i dent i f i -

ca r resqu í c i os do nac i ona l ismo, t ambém presentes na i deo l og i a

i n tegra l i s ta .

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 9 9 - 1 0 8 , 2 0 1 8

2 N A C I O N A L I S M O I N T E G RA L I S T A E M “ H I N O D O

G I N Á S I O M U N D O N O V O ”

A Ação In tegra l i s ta B ras i l e i ra (A IB ) fo i um mov imento po l í -

t i co par t i dá r i o do qua l o escr i t o r Eu l á l i o Mot ta f ez par te a t i va -

mente , v i a jando por d iversas c i dades no i n ter i o r ba i ano para

profer i r d i scursos baseados na f i l osof i a fasc i s t a de cará ter

dout r i na tór i o de P l í n i o Sa l gado . Pa ra a l ém des tas m issões ,

Eu l á l i o Mot t a se ded i cou à escr i t a e à d i s t r i bu i ção de panf l e tos

i n forma t ivos com cr í t i cas severas à po l í t i ca mun i c i pa l , como d i z

Barre i ros ( 20 17 ) : “Eu l á l i o Mot t a exerceu grande i n f l uênc i a po l í t i -

ca na reg i ão de Mundo Novo , sendo responsáve l por i númeras

po l êm icas que desencadearam deba tes memoráve i s . ” A par t i r

da pos i ção i n f l uen te que t i nha na comun idade , defendeu sua

pos i ção po l í t i co - i deo l óg i ca , que na tura lmente i n tenc i onava i n ter -

fer i r na op i n i ão púb l i ca e com i sso promover mudanças . Segue

um t recho do tex to pub l i cado por EM no jorna l O L i dador (da

c i dade de Jacob ina -BA) em 1933 , re t i rado do a r t i go “Eu l á l i o

Mot ta : um panf l e t á r i o no ser tão da Bah i a ” (BARRE IROS , 20 17 ) .

Ago r a , p o r ém , q u e su r ge es t e So l q u e é o I n t eg r a l i s -

mo , e s t e mov imen t o f o rm i d áve l q u e es t á imp r egn ando

t o d a a moc i d ad e d o B r as i l ; ag o r a , q u e o I n t e g r a l i smo

su r ge mos t r an do com i n t e l i g ên c i a , c om cu l t u r a [ . . . ] o

f r ac asso comp l e t o d a L i b er a l D emoc r ac i a e o s ab uso s

d o i d e a l c omun i s t a . (MOTTA , 1 93 3 , p . 1 ap ud

BARRE IROS , 2 0 1 7 ) .

O l ema da AIB faz i a -se bas tan te conservador , sendo e l e

“Deus , Pá t r i a e Fam í l i a ” , ref l e t i a -se também na obra l i t erá r i a

propos ta pe l o escr i t o r . O nac i ona l i smo i n tegra l i s t a prev i a uma

or i en tação autor i tá r i a , ca racter i zando -o como exacerbado ,

propondo o cont ro l e do t raba l ho e da soc i edade por um Es ta -

do for te , ass im i l ando-se ao fasc ismo i t a l i ano . Pa ra conter a

desordem soc i a l bras i l e i ra , dev i a -se ordenar o povo e mo lda r

uma i dent i dade nac i ona l .

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 9 9 - 1 0 8 , 2 0 1 8

Apesar da pro i b i ção do Es tado Novo a qua lquer man i fes -

tação po l í t i co -par t i dá r i a , se não aque l es de acordo com o

governo v i gente , os l ampe jos consequentes de tão fervorosa

f i de l i dade aos i dea i s i n tegra l i s tas não abandonaram Eu l á l i o

Mot ta . Tendo c i nco versos , sendo o ú l t imo de l es um es t r i b i l ho ,

o poema compõe um d i scurso encora j ador , que a tes ta a

auten t i c i dade e o potenc i a l da juventude na cons t rução de uma

nova i dent i dade nac i ona l . O nac i ona l i smo de Eu l á l i o Mot t a era

essenc i a lmente i n tegra l i s ta , demons t rando sua par t i c i pação

a t i va na d i ssem inação da dout r i na i n tegra l i s ta no ser tão ba i ano ,

o seu d i scurso par t i da r i s ta e l uc i dado em d iversos “pa l anques”

Bah i a adent ro se fa r i a presente também na sua poes ia . Em

“H i no do G inás i o Mundo Novo” , o t í t u l o faz ref erênc i a e a f i rma

a impor tânc ia que esse g i nás i o assume na c i dade de Mundo

Novo-BA: “No âmb i t o l i t e rá r i o , per cebe -se que os escr i t o res

ba i anos mant i veram-se apegados a uma l i t era tura que res i s t i a

às i novações abraçadas pe l os escr i t o res do su l e do sudes -

t e . ” (BARRE IROS , 20 12 , p . 60 ) .

O eu l í r ico, na pr imei ra estrofe do poema, que será exposta

a segu i r , t raz um discurso incent ivador , pondo em ev idência o

estudante e o encora ja a sempre buscar o conhec imento,

f i rmando ass im a sua ident idade, e estando ciente de sua

c idadania . Isso nos faz ref let i r sobre os pré -requis i tos para esse

reconhecimento e o que é preciso, a lém de estudar , para tornar -

se de fato o estudante idea l izado no poema e a l cançar essa

força e v i r i l i dade. O ú l t imo verso just i f i ca o segundo, po is o

estudante deve ser forte e v i r i l apenas por ser bras i le i ro , e essa

argumentação é funda lmentamente naciona l is ta .

Es t u d an t e do no sso co l é g i o ,

N o s es t udo s sê f o r t e , v i r i l ,

Qu e es t a t e r r a qu e t em o t eu b e r ço

É p ed aço de ch ão do B r as i l . (MOTTA , 1 983 ) .

A ut i l i zação do ad je t i vo “g i gante” , no pr ime i ro verso da

segunda es t ro fe , a segu i r , t em a função de i l us t ra r a d imensão

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desse Bras i l , a l ém de sua extensão ter r i t o r i a l , fazendo re ferên -

c i a t ambém ao conhec imento d i ssem inado em so l o bras i l e i ro .

Nesse caso , deter -vos-e i s às i deo l og i as po l í t i co -par t i dá r i as . No

segundo verso, a moc idade é s i nôn ima de fu turo , e só a t ravés

de sua força e v i r i l i dade , j á ana l i sadas na es tro fe anter i o r , será

próspera . F i na l i za a segunda es t ro fe os versos que r esponsa -

b i l i zam os jovens de seu pape l na cont i nu i dade dos i dea i s de

prosper i dade , na i dea l i zação de um pa í s subs tanc ia lmente i n te -

gra l i s ta , o que caracter i za também o e l emento t rad i ção .

E B r as i l é g i g an t e , é g r and ez a ,

Moc i d ad e é f u t u ro , é p o r v i r ,

Um fu t u r o p eq ueno , mesqu i nho ,

T en s d eve r d e j ama i s co n sen t i r . (MOTTA , 1 983 ) .

Em seguida , o pr imei ro verso referencia o estado de

consci ência ao reconhecimento de pertença e a adoção do idea l

u l t ranaciona l is ta . Já no segundo verso, há uma a lusão ao

cr is t ian ismo, pecul iar idade integra l i s ta , quando t raz junto a sua

doutr ina a i ntegração dos va lores cató l icos à concepção de

Estado. A exce lênc ia atr ibu ída ao conjunto de pr inc íp ios s is te -

mat izados no poema é impresc ind ível ao pape l que a juventude

deve desempenhar na manutenção e reprodução desses

fundamentos .

Consc i ên c i a d e o rgu l ho g i g an t e

E hum i l d ad e de a lma c r i s t ã ,

São b e l ez as e t e n s o deve r

D e as l e v a r ao B r as i l d e amanh ã ! (MOTTA , 1 983 ) .

A quar ta es t ro fe do poema se d i fere da pr ime i ra apenas

pe l o pr ime i ro verso . Nesse momento o eu l í r i co usa a i n ter j e i -

ção “E i a ” pa ra es t imu la r e convoncar essa moc idade , s egu i da

pe l a ordem “Avante ! ” , assum indo uma voz de comando que

ev idenc i a um autor i t a r i smo l a ten te . A repet i ção dos t rês versos

segu i n tes caracter i za uma recor rênc i a i n tenc i ona l , como forma

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de i n tens i f i ca r o d i scurso expos to desde os p r ime i ros versos ,

e enfa t i za r ma i s uma vez essa d i spos i ção nac i ona l is t a que a

juventude bras i l e i ra ca r rega desde o nasc imento .

E i a , p o i s , Moc i d ad e ! E i a ! Avan t e !

N o s es t udo s sê f o r t e , v i r i l ,

Qu e es t a t e r r a em q ue t em o t eu be r ço

É p ed aço de ch ão do B r as i l ! (MOTTA , 1 983 ) .

A ú l t ima es t ro fe vem com a denom inação “Es t r i b i l ho” . Es ta

forma de anunc i ação serve para dar um tom retumbante e

grand i l oquente que marca o d i scurso ufan is t a a respe i t o do

Bras i l , ou se ja , esses versos que se repetem ser i am o ref rão

do h i no . No pr ime i ro verso o eu l í r i co evoca a a tenção da

popu l ação de Mundo Novo , e segue i n formando - l he que no

g i nás i o , pa ra qua l o h i no é des t i nado , sucedem -se as conqu i s-

tas rea l i zadas pe l a j uventude es tudante e nac i ona l i s ta , que

a t ravés das ba ta l has enf ren tadas para serem for tes e v i r i s

a l cançam as v i t ó r i as do fu turo . E com essa imagem, o eu l í r i co

e l ege a moc idade como f i gura hero i ca do poema, da qua l o

sucesso da soc i edade fu tur í s t i ca dependerá , a par t i r do reco -

nhec imento dos es tudantes como núc l eo pensante , por tadores

da razão e por f im nac i ona l is t as .

ESTR I B ILHO :

Mundo Novo ! Em t eu co l é g i o ,

Conqu i s t a , a l t i v o e seg ur o ,

Com as b a t a l h as d o p r e sen t e ,

As v i t ó r i a s do f u t u ro ! (MOTTA , 1 983 ) .

O nac i ona l i smo que o eu l í r i co de “H i no do G inás i o Mundo

Novo” assume, como se fo i poss íve l ana l isa r , é essenc i a lmente

i n t egra l i s ta . No l i v ro Sonetos de Eu l á l i o Mot t a (BARRE IROS , 2012 ,

p . 26 ) , o pesqu isador d i z que o poeta cr i ou uma obra l i t erá r i a

“com caracter ís t i cas autob i ográ f i cas ” , chegando a expressar

em sua produção a r t í s t i ca e preferênc i as po l í t i co - i deo l óg i cas .

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3 C O N S I D E R A Ç Õ E S F I N A I S

Eu l á l i o de M i randa Mot ta fo i um escr i t o r do i n ter i o r ba i ano

que desempenhou um pape l mu i t o impor tan te na cr i ação de

uma l i t era tura essenc i a lmente ser tane ja . A sua cont r i bu i ção

soc i o-h is tór i ca não se l im i t ou às produções l i t erá r i as , mas

também a l cançou o me io po l í t i co . Por mu i t os anos f i l i ou -se ao

Par t i do In tegra l i s ta , no qua l a tuou p i amente , v i a jando pe l o i n te -

r i o r ba i ano fazendo d i scursos par t i dá r i os .

Ao escrever um h i no de exa l t ação de uma i dent i dade

bras i l e i ra , na i n tenção de f i rmar o seu nac i ona l i smo i n tegra l i s ta ,

o poeta v i sa rea f i rmar a todo i ns tan te i dea is , i nser i ndo -os no

imag i ná r i o popu l a r t ambém a t ravés de bordões . As produções

de Eu l á l i o Mot t a têm um cará ter d iverso , de acordo com a fase

v iv i da pe l o escr i t o r , sendo também i n f l uenc i ado de acordo com

o amb ien te no qua l es tava i nser i do , na cap i t a l ou no i n ter i o r

ba i ano , como também ao contex to h i s tór i co - i deo l óg i co da Bah i a

no sécu l o XX.

A cr i ação e a d i ssem inação de uma t rad i ção são e l emen -

tos essenc ia i s da AIB . Eu l á l i o Mot t a se aprove i t a da i de i a de

um u l t ranac i ona l i smo pur i s ta e a adapta à rea l i dade bras i l e i ra ,

exa l t ando em suas obras o i n te r i o r ba i ano e e l ementos de seu

cot i d i ano como forma de a f i rmar seu nac i ona l i smo a t ravés do

imag i ná r i o ser tane jo , como em mu i t os tex tos de seu acervo ,

onde faz descr i ção da fa l a popu l a r , ou a té mesmo expõe sua

preocupação com a manutenção dos cos tumes e pa t r imôn io

cu l t u ra l da reg ião de Mundo Novo .

Abs t ra c t : Th i s wo r k a ims a t i d ent i f y i ng the s i gn i f i c an t un i t s o f

n a t i o na l i s t d i s c o u r s e a n d a t e s t a b l i s h i n g a r e l a t i o n s h i p w i t h

i n t e g r a l i s t c o n s e r v a t i s m , r e f l e c t i n g h o w t h e p u r i s t a n d

u l t r a na t i ona l i s t l i t e ra r y d i s cou r se o f t he wr i t e r Eu l á l i o Mo t t a i s

c o n s t r u c t e d i n t h e c o u n t r y s i d e o f B a h i a i n t h e m i d - 2 0 t h

cen t u r y f r om t h e p o em “ H i no d o G i ná s i o Mundo Novo ” . T h e

r esea rch con t r i bu t es to l i t e ra ry and h i s to r i og raph i c s tud i es a s

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we l l a s t o t h e m em o r y , r e g a r d i n g t h e p r e s e r v a t i o n o f t h e

B r az i l i a n no r t h eas t e r n ’ s h i s t o r y . To ca r r y o u t t h e s t u dy , we

s t a r t ed w i t h a qua l i t a t i v e app roach o f a b i b l i o g r aph i c na t u r e ,

i nvo l v i ng t he r ead i ng a nd t he ana l ys i s o f t h e p oem . Au t h o r s

s u c h a s B a r r e i r o s ( 2 0 1 2 ) a n d G o n ç a l v e s ( 2 0 1 4 ) , w h o s e

theo ret i ca l assumpt i ons a re the d i scuss i on about the co l l ec t i on

o f t he w r i t e r a nd t h e i n t eg r a l i s t mov emen t , we r e us ed a s a

theoret i ca l bas i s .

K e yw o r d s : N a t i o n a l i s m . I n t e g r a l i s t m o v em e n t . L i t e r a t u r e .

Memory .

R E F E R Ê N C I A S

BARREIROS, Patr íc io Nunes. B ib l iograf ia de Eulá l io Mot ta . O

Pasquinei ro da Roça: Ed ição dos Panf letos de Eulá l io Mot ta .

D isponível em <ht tp ://www.eula l iomot ta .uefs .br/b ib l iograf ia .php>

Acesso em 20 de dezembro de 2017 .

BARREIROS, Patr íc io Nunes. Eu lá l io Mot ta : um panf l etár io no sertão

da Bahia . Rev. Inst . Estud. Bras . , São Paulo , n. 67 , May/

Aug. 2017 . D isponível em <ht tp ://www.scie lo .br/scie lo .php?

pid=S0020-38742017000200057&scr ipt=sci_art text> Acesso em: 20

dez. 2017 .

BARREIROS, Patr íc io Nunes. Sonetos de Eulá l io Mot ta . Fe i ra de

Santana : UEFS Edi tora , 2012 .

CARNE IRO, Márc i a Reg i na da S i lva Ramos ; S ILVA, Sandro

F i guerêdo . In tegra l i smo , nac i ona l ismos e conservador i smo no

R i o de Jane i ro . In : SEMINÁRIO DE PESQUISA DO INSTITUTO DE

CIÊNCIAS DA SOCIEDADE E DESENVOLVIMENTO REGIONAL, 4 . ,

20 1 1 , Campos dos Goytacazes. Art i gos . Campos dos

Goytacazes : Un ivers i dade Federa l F lum inense , 20 1 1 . Sessão

temá t i ca 8 : H is tór i as do Bras i l : t raba l ho , i n te l ectua i s e

mov imentos po l í t i cos . D i spon íve l em: <ht tp : //www.uf f . b r/

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Env iado em: 08/0 1/20 18 .

Aprovado em: 19/07/20 18.

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I S S N 2 2 3 6 - 3 3 3 5

M EU Q UE R I D O CA N I BA L : A R E CR I A ÇÃ O D A

H I S TÓ R I A D O M I NA NTE

P o r I z a i a s A r a ú j o d a s N e v e s P a s c h o a l ( U E F S )

L i c e n c i a t u r a e m L e t r a s V e r n á c u l a s

i z a i a s a r a u j o 2 1 5 @ g m a i l . c o m

TORRES , Antôn i o . Meu quer i do can i ba l . 1 1 . ed . R i o de Jane i ro .

Ed i t o ra Ga l era , 20 14 .

E r a uma vez um í nd i o . E e r a no s an o s 500 , n o sécu l o d as

g r and es n aveg açõ es – e do s g r and es í n d i o s .

Qu ando o s b r an co s , o s i n t ru so s n o p a r a í so , d er am com o s

seu s co s t ad o s n es t as p a i sag en s i gn o t as , n ão sab i am qu e

e l e s ex i s t i am h á ma i s d e 1 5 ou 20 m i l ano s e qu e er am ma i s

d e 5 m i l hõ es , d o s qu a i s p ou co ou n ad a i r i a r e s t a r p a r a

con t a r a h i s t ó r i a . ( TORRES , 2 0 1 4 , p . 9 )

1 C O N S I D E R A Ç Õ E S I N I C I A I S

Ass im como foram exterm inados de sua te r ra na t i va , os

í nd i os também t i veram a sua h i s tór i a apagada das pág i nas dos

l i v ros de H i s tór ia no Bras i l . Durante o Ens i no Bás i co , é ens i na -

do aos a l unos que a popu l ação i nd í gena hab i t ava as ter ras que

v i r i am a se chamar B ras i l an tes da chegada dos por tugueses ;

que e l es foram escrav i zados nos pr imórd i os da co l on i zação e ,

com a chegada dos escravos a f r i canos, foram l i ber t ados e o

re l a to de sua h i s tór ia é encer rado . Ora , o que aconteceu com

os í nd i os após tomarem de vo l t a a sua “ l i berdade”? Os l i v ros

de H i s tór i a não contam.

Tentando rever ter a s i t uação , fo i promu lgada em 2008 a

l e i n º 1 1 . 645 , i ns t i t u i ndo a obr i ga tor i edade do ens i no da H i s tór ia

e Cu l t u ras Afro -bras i l e i ras e Ind í genas nos cur r í cu l os

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 1 0 9 - 1 1 7 , 2 0 1 8

esco l a res da educação bás i ca em todo o pa í s . No entan to,

a i nda pouco se sabe sobre a h i s tór i a dos í nd i os e grande

par te da popu l ação bras i l e i ra a i nda possu i , em re l ação aos

í nd i os , o o l ha r de co l on i zador : um povo “sem fé , sem l e i e sem

re i ” , pr im i t i vo e se lvagem que v ive em me io às ma tas , sobrev i -

vendo da caça e da agr i cu l t u ra de subs i s tênc i a .

2 M E U Q U E R I D O C A N I B A L E A R E C O N F I GU RA Ç Ã O D A

H I S T O R I O G R A F I A B RA S I L E I R A

Antôn i o Tor r es é um impor tan te romanc i s ta ba i ano , nasc i -

do e cr i ado no Junco (a tua l Sá t i ro D i as ) . Pub l i cou seu pr ime i ro

romance , i n t i t u l ado Um cão u ivando para a l ua , aos 32 anos . O

seu ma ior sucesso ve i o , porém, com a pub l i cação do romance

Essa Ter ra , em 1976 , que poss i b i l i t ou ao escr i t o r t r i l ha r uma

car re i ra i n ternac i ona l . Sua obra abrange romances , contos ,

crôn i cas , l i t e ra tura i n fan to juven i l , per f i s e memór i as . Em 20 14 ,

fo i empossado na cade i ra número 23 na Academ ia B ras i l e i ra de

Let ras . 1

O romance Meu Quer i do Can iba l , ob je to de aná l ise des ta

resenha , t eve a sua pr ime i ra ed i ção pub l i cada em 2000 , mas a

ed i ção usada nes ta resenha fo i pub l i cada em 20 14 e t raz um

se l o da B i b l i o t eca Nac i ona l na capa , por ser uma ed i ção come -

morat i va para o an iversá r i o de 450 anos de fundação da c i da -

de do R i o de Jane i ro . O l i v ro i nsere-se na perspect i va de r ev i -

s i t ação e recons t rução da memór i a i nd í gena a t ravés de um

re l a to h i s tór i co-b i ográ f i co pautado por uma tess i t u ra l i t e rá r i a e

que retoma o passado do Bras i l pa ra revel a r a h i s tór ia dos

í nd i os que fora s i l enc i ada pe l os brancos europeus e que , a té

ho je , permanece desconhec i da . Na r rado em p r ime i ra pessoa ,

por um nar rador apa i xonado pe l a h i s tór i a i nd í gena , o romance

retorna aos pr imórd i os da co l on i zação bras i le i ra para conta r a

h i s tór i a do í nd i o Cunhambebe , o ma i s tem ido guer re i ro i nd í gena

de sua ge ração , conhec i do por não só ma ta r os por tugueses

que ten tavam i nvad i r as ter ras que es tavam sob sua

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 1 0 9 - 1 1 7 , 2 0 1 8

responsab i l i dade , mas também devorá - l os . Cunhambebe era

tem ido pe l os por tugueses e , apesar de ser r econhec i do pe l a

sua for te res i s tênc i a à co l on i zação , t eve seu nome e seus

fe i t os apagados da h i s tor i ogra f i a o f i c i a l por não se a l i a r aos

brancos por tugueses . Uma jus t i f i ca t iva para i sso é a de que o

também í nd i o Ara r i bo i a a l i ou -se aos por tugueses e ganhou

s ta tus de homem branco : novas roupas , um nome europeu ,

d inhe i ro e posses . Porém, aos o l hos do co l on i zador , Ara r i bo i a

nunca de i xou de ser um í nd i o e , por consequênc i a , um pr im i t i -

vo .

De acordo com o nar rador , o romance vem com a m issão

de “acrescenta r a l guns pontos a out ros j á contados” (p . 9 ) ,

reforçando a tese de que a h i s tór ia i nd í gena ― e de todo o

pa í s , a l i ás ― é contada de mane i ra eurocênt r i ca , i s to é , como

se toda a h i s tór ia desse povo fosse apenas um adendo ao

cenár i o po l í t i co , econôm ico e cu l t u ra l da Europa nos i dos dos

sécu l os XVI e XVI I . Também é cons i derado r omânt i co por se

i nser i r na perspect i va da pr ime i ra fase do mov imento denom i -

nado Romant i smo , que , no Bras i l , fo i ca racter i zada pe l o que se

convenc i onou chamar de Ind i an ismo , ou se ja , a t rans formação

do í nd i o bras i l e i ro em um heró i porque o pa í s não possu i uma

Idade Méd i a e , por tan to, não possu i uma memór ia de heró i s

com espada na mão e grandes fe i t os . O l i vro de Tor res não

obedece a esses exa tos parâmet ros , mas t raz o í nd i o como

heró i (pe l o menos da sua própr i a h i s tór i a ) e faz uma recons -

t rução de sua h i s tór ia .

Uma das propos tas t raba l hadas pe l o l i v ro é a de mos t ra r

que os í nd i os não f i ca ram i ner tes enquanto os por tugueses

a tacavam; mu i t o pe l o cont rá r i o , e l es chegaram a amedronta r os

co l on i zadores , vencer ba ta l has e se un i r em em uma confede -

ração , a Confederação dos Tamo ios ― que é pouco ou não é

exp l i cada nas au l as de H i s tór i a do Ens i no Bás i co . Pa ra for t a l e -

cer essa i de i a , o l i v ro a i nda t raz a organi zação m i l i t a r dos

í nd i os , sua as túc ia e esper teza . Em out ras pa l av ras , Tor res

oferece aos í nd i os um novo pa tamar , i gua l ando -os aos

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 1 0 9 - 1 1 7 , 2 0 1 8

co lon i zadores no sent i do de que e l es não e ram um s imp l es

povo pr im i t i vo , uma “ t ábu la rasa ” , como d i sse um dos persona -

gens da h i s tór i a , o Padre José de Anch i e ta .

Cunhambebe era um guerre i ro nato, um “gênio mi l i tar” (p .

13 ) , que enf rentava canhões com suas armas rud imentares .

Consciente do poder de destru i ção dos portugueses, que apenas

estavam interessados no comérc io e para at ing i rem seus

objet ivos não poupavam esforços , e le lutava arduamente contra

os “perós” . No entanto, Cunhambebe chegou a a l iar -se aos

f ranceses ― ass im como mui tos outros í nd ios também o f izeram

― , porque estes estrangei ros se mostraram ma is amigáveis e

mui tos de les estavam interessados em adaptar -se à cul tura

ind ígena , porque v iam um para íso na v ida selvagem para

foraste i ros que v inham de uma Europa d iv id ida e em tota l cr ise.

O romance é d iv i d i do em t rês par tes : “O can i ba l e os

cr i s t ãos ” , “No pr i nc í p i o Deus se chamava Monan” e “V i agem a

Angra dos Re i s ” . Cada uma das par tes re l a t a uma v i são da

h i s tór i a i nd í gena : a pr ime i ra conta as mot i vações por t rás da

v i nda de europeus para a Amér i ca , bem como os es forços

i nd í genas para comba ter os i nvasores ; a segunda t ra ta da re l i -

g i os i dade dos í nd i os , conf rontando a i de i a ca tó l i ca de que os

na t ivos não possu íam crenças própr i as , destacando o fa to de

que , ass im como no Cr i s t i an ismo há o Gênes i s para conta r a

h i s tór i a da cr i ação , os na t i vos t i nham sua mane i ra de também

contá- la ; a terce i ra nar ra a aventura do nar rador em sua

pesqu i sa a t rás de documentos para entender a h i s tór i a dos

í nd i os e escrever o l i v ro , t ambém o seu envo lv imento com a

h i s tór i a e sua revo l ta com a exc l usão da h i s tór i a e cu l t u ra

i nd í gena do saber popu la r . Segundo R i os ( 20 1 1 , p . 60 ) :

A l i t e r a t u r a , j á h á a l g um t empo , v em d ando voz ao s

su j e i t o s q u e f o r am s i l e n c i ado s p e l a h i s t ó r i a o f i c i a l . Ao

r e l e r e r e esc r eve r a h i s t ó r i a , a l i t e r a t u r a ab r e espaço

p a r a ep i só d i o s e p e r so n ag en s esq u ec i do s e p a r a

mú l t i p l a s voz es e ve r sõ es , f az endo r e ssu rg i r o q ue

f o i o cu l t ado e exc l u í do .

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 1 0 9 - 1 1 7 , 2 0 1 8

Meu Quer i do Can iba l usa o recurso da i ron i a para

desconst ru i r e recons t ru i r o passado co l on i a l do B ras i l . Sobre

a i ron i a , pa ra compreendermos me lhor a propos ta do romance ,

Machado (20 14 , p . 1 10 ) a f i rma que :

E l a f az p a r t e o u a j u d a a compo r um d i scu r so d e c a r á -

t e r t r an sg r ess i vo , q u e ab r e esp aço p a r a o r i so , ao

r ompe r com as conven çõ es . Ma i s q u e i s so , e l a p o de

t ambém ap r esen t a r c r í t i c as amarg as à s a t i t ud es p o r

d ema i s d ogmá t i c as , ao s d i scu r so s t o t a l i t á r i o s , ao s

g ên e ro s do d i scu r so q ue se j u l g am i n a t acáve i s .

Ass im , o romance rompe com a h i s tor i ograf i a dom inante

para i nser i r o í nd i o como ob je to de pesqu i sa , aná l i se , conhec i -

mento e entend imento . O romance t raz uma nova verdade , um

novo o l ha r sobre um fa to que es tá ama lgamado na consc i ênc i a

bras i l e i ra e na i dent i dade nac i ona l como tendo apenas uma

versão . Cunhambebe , ao l ado de out ros personagens re l evan -

tes da h i s tór i a do Bras i l , deve ser cons i derado importan te e de

grande cont r i bu i ção para a res i s tênc i a i nd í gena , des fazendo a

imagem do “bom se lvagem” que o Romant i smo p i n tou dos

í nd i os . Cunhambebe e A imberê ─ out ra f i gura impor tan te do

romance e um dos l í deres da Confederação dos Tamo ios ─ , de

cer ta mane i ra , l u t am pe l o reconhec imento dos í nd i os como

seres humanos comuns , do tados de suas par t i cu l a r i dades

( ass im como todos os seres humanos ) e h i s tór i a própr i a . Negar

esse reconhec imento s i gn i f i ca cont i nuar marg i na l i zando a popu -

l ação i nd í gena , que teve e cont i nua tendo seus d i re i t os caça -

dos e cerceados sobre o ter r i t ó r i o nac i ona l ; re l embrando o fa to

de que o exterm ín i o i nd í gena nunca acabou: o massacre dos

í nd i os cont i nua a té ho je por causa da demarcação de t er r i t ó -

r i os ― um dos d i re i t os negados ― , j á que os grandes

l a t i fund i á r i os não ace i t am o fa to de que as suas propr i edades

i nvadem ter ras i nd í genas .

A h i s tór i a de Cunhambebe , de A imberê e dos dema i s

í nd i os é escr i t a , en tão , como uma cont ranar ra t i va da h i s tór ia

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of i c i a l : ao acrescenta r novos pontos a out ros j á contados , o

nar rador mov imenta as imagens , d i scursos e ep i sód i os j á

presentes no imag i ná r i o nac i ona l . O p ro tagon i smo da h i s tór i a

da formação da i dent i dade nac i ona l é des l ocado dos brancos

europeus para os na t i vos bras i l e i ros , os í nd i os , v i s i b i l i zando a

mane i ra como as re l ações de poder pautam a cons t rução da

h i s tór i a e o ferecem pos tos super i o res àquel es que chegaram

às ter ras bras i l e i ras para des t ru í - las , com base em i dea i s

mercant i l i s tas e , ma i s t a rde , co l on i zadoras .

Ao reescrever a b i ogra f i a de Cunhambebe , reescreve -se

também a mane i ra de como é v i s t a a chegada dos por tugue -

ses ao pa í s . Pe ro Vaz de Cam inha , em sua car ta ao Re i de

Por tuga l , na r ra os í nd i os como pac í f i cos , bes t i f i cados com a

chegada dos por tugueses pe l os mares e que não provocaram

nenhum t i po de a taque . No entan to , Meu Quer i do Can iba l t raz

out ra v i são sobre esse fa to:

Com su as a rmas r u d imen t a r e s ― f l e ch as , a r co s e

t acap es ― , e n f r en t av a can hõ es , d o s qu a i s e scap ava

i l e so . E r e a l i z av a uma p r oez a a i n d a ma i s e sp an tosa :

r e t o rn a r d a b a t a l h a com um canh ão d eb a i xo d e cad a

b r aço , d esap rop r i ado d e uma emba r cação r ecém -

ch eg ad a d e Po r tug a l . ( TORRES , 2 0 1 4 , p . 1 3 ) .

“Bom se lvagem” e pac í f i co? De acordo com Meu Quer i do Can iba l , não . Os í nd i os res i s t i r am o quanto puderam aos por tu -

gueses , l u t a ram com todas as suas forças e se organ i za ram

para imped i r que seus d i re i t os fossem tomados. In fe l i zmente

foram venc i dos pe l as es t ra tég ias , ment i ras e poder i o bé l i co

dos europeus .

Do l a do po r t uguês , um dos pe r sonagens impo r ta n t es do

r omance é o j esu í t a José de Anch i e ta . A p r i nc í p i o , mos t r ou -

se como uma espéc i e de am igo dos í nd i os , po r ém sem nunca

abandona r suas i n s t ruções e ob j e t i vos como j esu í t a : o de

ca t equ i sa r , ev ange l i za r e , po r consegu in t e , c i v i l i za r os

na t i vos . Rezava m i ss as , a conse l hava os í nd i o s , ens i nava -os

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novas t écn i cas pa ra a ag r i cu l t u r a e cu i dava dos en fe rmos ,

po rém :

Quem conven ceu Mem d e Sá a l i q u i d a r o s t amo i o s d e

uma vez po r t o d as f o i o j e su í t a Jo sé d e Anch i e t a , o

q ue t i nh a po r m i ssão a evang e l i z ação e p ac i f i c ação

d o s í n d i o s . E l e f o i d e São V i c en t e à B ah i a p a r a p i n t a r

um q u ad ro d r amá t i c o d o R i o d e Jan e i ro . I n su f l ou o

g over n ado r -g e r a l c o n t r a ‘ a b r av a e ca r n i c e i r a n ação ,

cu j as q ue i xad as a i n d a es t ão che i as d e ca r n e d o s

por t ugu eses ’ . E n a h o r a d o ace r to d e con t as , l a r gou o

r o sá r i o e o m i ssa l p a r a a ssum i r um l u g a r d e so l d ad o

a t r ás d as b a r r i c ad as . E f o i a í q u e n ão sob ro u p ed r a

so b re p ed r a . Ou p o r o u t r a : so b rou , s im ― í n d i o sob r e

í n d i o . ( TORRES , 2 0 14 , p . 5 8 ) .

Meu Quer i do Can iba l i nsere-se , por tan to , na l u t a cont ra o

per i go da h i s tór i a ún i ca , ou se ja , a h i s tór i a contada a par t i r de

apenas um ponto de v i s t a : o daque l e que possu i ma is poder e

que “venceu” a ba ta l ha , mesmo que tenha s i do uma v i t ó r i a em

que sangue i nocente tenha s i do der ramado para que a sanha

cap i t a l i s ta a t i n j a seus ob je t i vos . A h i s tór ia ún i ca é aque l a

presente nos l i v ros de h i s tór ia , a que r et ra ta o í nd i o como um

“bobo se lvagem” , i ncapaz de l u t a r pe l os seus d i re i t os ; a que

ret ra ta o por tuguês como o “descobr i dor ” , o que encont rou

essas ter ras ; a que nega uma h i s tór i a dos í nd i os anter i o r à

chegada dos por tugueses ― “Quando os b rancos , os i n t rusos

no para í so , deram com os seus cos tados nes tas paragens

i gnotas , não sab i am que e l es ex i s t i am a 15 ou 20 m i l anos

[ . . . ] ” (TORRES , 2014 , p . 9 ) ― e que oferece o pos to de “heró i ”

apenas aos que se a l i a ram ao l ado dos i nvasores e des t ru i do -

res . Na terce i ra par te do romance , o nar rador se reve l a como

um su je i t o consc i en te e envo lv i do na h i s tór ia . Reve l a t ambém a

sua m issão de reescrever a h i s tór i a , mesmo sabendo que só

encont ra r i a a l go sobre a h i s tor i ogra f i a i nd í gena e , pr i nc i pa lmen -

te , sobre a h i s tór ia de Cunhambebe em pequenas notas de

rodapé de enc i c l opéd i as e compênd ios de h i s tór i a . Fo i um

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grande desa f i o , que l evou o nar rador a té a sonhar com os

“perós ” , mas que rendeu um t raba lho i n teressante e renovador .

3 C O N S I D E R A Ç Õ E S F I N A I S

Por se r um romance d i dá t i co e de l e i t u ra cr í t i ca , porque

possu i em seu desenvo lv imento uma carga de i ron i a ao t ra ta r

sobre o cr i s t i an i smo e sobre o processo co l on i a l bras i l e i ro ,

causando uma ruptura h i s tór i ca que t ra r i a es t ranheza àque l es

que não es tão a par profundamente da h i s tór i a co l on i a l do

B ras i l , Meu Quer i do Can iba l dever i a ser presença obr i ga tór i a

nas b i b l i o t ecas esco l a res e , se poss íve l , no cur r í cu l o da

Educação Bás i ca . Sua l e i t u ra é i nd i cada para a popu l ação em

gera l e , ma i s espec i f i camente , aos es tud i osos da h i s tór i a co l o -

n i a l e da formação da i dent i dade nac i ona l , mas também a es tu -

dantes das d iversas á reas de conhec imento .

Meu Quer i do Can iba l , romance de Antôn i o Tor res , t ra ta de

uma ques tão sens íve l e i nv is í ve l na h i s tór i a bras i l e i ra : a

ques tão i nd í gena . Pouco es tudada e pouco f a l ada , os í nd i os

foram forçadamente empurrados para as margens da h i s tór i a

do pa í s e da memór i a dos bras i l e i ros . D i z imados em t roca de

espec i a r i as e obr i gados a esconderem-se nas ma tas , t i veram

seus cos tumes e cu l t u ra marcados como pr im i t i vos , seus

d i re i t os negados e foram t rans formados em personagens

coad juvantes de sua própr i a h i s tór i a . No entan to , Antôn i o

Tor res t raba l ha com uma nova perspect iva e t raz um novo

o l ha r dos i nd í genas , o de que e l es l u t a ram com toda a sua

força para expu l sa rem os por tugueses de suas ter ras , mas

não consegu i ram esse fe i t o e foram exterm inados.

R E F E R Ê N C I A S

R IOS , Norme ide S i l va . Na reescr i t a da h is tór i a , a (des )

cons t rução da i dent i dade nac i ona l : uma l e i t u ra de Meu Quer i do

Can iba l e O Nobre Seques t rador . Rev is t a L i t t era On l i ne , São

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 1 0 9 - 1 1 7 , 2 0 1 8

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N O T A S

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I S S N 2 2 3 6 - 3 3 3 5

A P OE S I A E R ÓT I CA D E C ARL OS D RU M M ON D

D E AN DRA DE

P o r C á s s i a A p a r e c i d a O l i v e i r a d a S i l v a ( U E F S )

L i c e n c i a t u r a e m L e t r a s V e r n á c u l a s

C a s s i a o l i v e i r a 1 6 1 8 @ g m a i l . c o m

1 I N T RO D U Ç Ã O

Na obra O Amor Na tura l , de Car l os D rummond de Andra -

de , vemos um l ado românt i co pouco conhec i do do escr i t o r

ganhar v i da após sua mor te . Lançada em 1992 , essa obra

conta com 40 poemas guardados por D rummond que nos

fazem enxergar o amor e o sexo como e l ementos ún i cos , que

cam inham l ado a l ado e func i onam bem jun tos . A be l eza do

corpo da mu lher t ambém é expos ta em seus escr i t os , t ra tando

com na tura l i dade as suas par tes í n t imas .

Após sua mor te , em 1987 , anos após o per í odo em que a

d i t adura m i l i t a r dom inou o Bras i l e censurou todo t i po de

expressão cons i derada i nadequada , os poemas foram reun i dos

e pos tos em d i scussão para , enf im , serem pub l i cados. Por ser

uma obra pós tuma , não há c l a reza sobre o rea l mot i vo pe l o

qua l esse ma ter ia l não fo i pub l i cado . En t re tan to , ex i s tem vár i as

h i pó teses que foram l evantadas naque l a época por seus l e i t o -

res , exemp los pr esentes no documentá r i o O Amor Na tura l , produz ido por Heddy Hon i gmann , em 1996 , na ten ta t iva de

compreender a v i são do autor e de seus l e i t o res naque l e

per í odo do pós -d i t adura .

SOB O CHUVE I RO AMAR

Sob o ch uve i r o amar , sab ão e b e i j o s ,

o u n a b an he i r a amar , d e águ a ves t i do s ,

amor e sco r r eg an t e , f o ge , p rend e - se ,

t o r n a a f ug i r , ág u a no s o l ho s , b ocas ,

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d ança , n aveg ação , me rgu l ho , c huva ,

e ssa espuma no s ven t r e s , a b r an cu r a

t r i a ng u l a r do sexo ― é águ a , e sp erma ,

é amo r se esva i n do , o u n o s t o rn amos f o n te s?

( ANDRADE , 1 994 , p . 2 8 ) .

O escr i t o r possu i uma vas ta produção l i t erá r i a , com ma i s

de 40 obras que revo l uc i onaram o Modern i smo no Bras i l e o

f i zeram ser rap i damente cons i derado um dos ma i s i n f l uen tes

de seu tempo . Produz iu obras que l evavam não só poemas ,

mas também crôn i cas e contos que abordavam assuntos

de l i cados e po l êm icos , ca r regados de emoção , amor , a l egr i a ou

t r i s t eza . Cada l i v ro pub l i cado por e l e sempre segu i a uma temá -

t i ca f i xa , como a obra A Rosa do Povo , que t ra tava , com ref l e -

xão , das suas i de i as acerca da conturbada chegada do sécu l o

XX e seus acontec imentos .

O que vemos em O Amor Na tura l é uma se l eção s i ngu l a r

de escr i t os de Car l os D rummond . Ent re todas as suas obras j á

pub l i cadas , nenhuma possu i a mesma temá t ica f i rme des ta . O

es t ranhamento de seus l e i t o res f i é i s fo i a l go n í t i do . O autor

repete a pa l av ra “bunda” d iversas vezes em poemas dessa

se l eção , o que causa uma surpresa , ao compará - la com

qua l quer out ra escr i t a pe l o au tor an ter i o rmente . O poeta

românt i co , preocupado com a soc i edade e com as mudanças

da época , u t i l i za aqu i um vocabu l á r i o ma i s descu i dado , que

acaba por chocar ou “de i xa r envergonhados” aque l es que

pegassem seus poemas para l er em voz a l t a , sem saber o que

es tava por v i r .

Mesmo sendo uma obra pós tuma , é cer to d i zer que , com

a pub l i cação desse l i v ro , conhecemos um l ado novo de

Drummond : aque l e que adm i rava as curvas fem in i nas , que

t ra tava o sexo como um envo lv imento ent re corpos e a lmas ; o

homem que , mesmo sendo um cr í t i co de sua época , t ambém

sent i a na pe l e os impu l sos do amor , da ent rega carna l , do

áp i ce do sexo , de i xando-se l evar pe l os impu lsos do amor e do

prazer como uma l i gação na tura l , que todos podemos ter ,

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passar e sent i r , compreendendo o gozar como um i ns t rumento

de sa t i s fação ent re do i s corpos que se per tencem, que se

amam; o amor e o sexo com a na tura l i dade do ser humano .

2 C O N T E X T O H I S T Ó R I C O

A BUNDA , QUE ENGRAÇADA

A b und a , qu e en g r açad a .

Es t á semp r e so r r i nd o , nu nca é t r ág i c a .

N ão l h e impo r t a o qu e v a i

p e l a f r e n t e do co r po . A b und a b as t a - se .

Ex i s t e a l g o ma i s? T a l v ez o s se i o s .

O r a ― mu rmur a a b und a ― e sses g a ro t o s

a i nd a l h e s f a l t a mu i t o qu e es tu d a r .

A b und a são du as l u as g êmeas

em ro t und o mene i o . And a p o r s i

n a cad ên c i a m imo sa , n o m i l a g r e

d e se r du as em uma , p l e n amen t e .

A b und a se d i v e r t e

p o r con t a p róp r i a . E ama .

N a cama ag i t a - se . Mon t anh as

avo l umam-se , d escem . Ond as b a t endo

n uma p r a i a i n f i n i t a .

L á v a i so r r i n do a bu nd a . Va i f e l i z

n a ca r í c i a d e se r e b a l ança r .

Es f e r as h a rmon i o sas sob r e o cao s .

A b und a é a bund a ,

r e dund a . (ANDRADE , 1 994 , p . 2 6 ) .

Car l os D rummond de Andrade nasceu em I t ab i ra , no d i a

3 1 de outubro de 1902 , e fa l eceu em 17 de agos to de 1987 .

Formou-se em Farmác i a , por conta da i ns i s tênc i a de sua mãe ,

mas sua pa i xão eram as pa l av ras . Cons i derado um dos ma i s

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i n f l uen tes poetas do sécu l o XX, fo i poeta , cont i s t a e cron i s ta ,

sendo um dos pr i nc i pa i s escr i t o res da segunda geração

do Modern i smo bras i l e i ro . D rummond fez par te de um per í odo

po l í t i co de l i cado , em que a censura e a repressão eram for tes ,

e não ex i s t i a l i berdade de expressão .

No per í odo de 1969 a 1984 , o escr i t o r cont r i bu i u com suas

pa l av ras nas co l unas do Jorna l do B ras i l ( JB ) , com temá t i cas

for tes vo l t adas à censura que a imprensa sof r i a por par te do

reg ime m i l i t a r . Com um je i t o par t i cu l a r e deveras i rôn i co , Car l os

D rummond chamou a tenção pe l o seu pos i c i onamento cont ra a

d i t adura que dom inava o Bras i l naque l e pe r í odo . Um tex to que

merece des taque fo i o pub l i cado em 14 de abr i l de 1977 , em

que o escr i t o r expõe sua op i n i ão acerca da i n j us t i ça ex i s ten te

pe l o pa í s , dev i do ao momento po l í t i co em que es tava v ivendo .

Em um t recho da crôn i ca pub l i cado no JB , D rummond fa la :

Eu , p o r exemp l o , me d a r i a o p r az e r , o u o p r i v i l é g i o , d e

se r g ove rn ado em 1 ° d e j an e i r o p o r mes t r e A l c eu

Amo r o so L ima . P a r a r en ovação d a a l e g r i a , meu p re s i -

d en t e n o d i a 2 se r i a Ma r i a C l a r a M ach ado (Qu e d i ab o ,

en t ão mu l he r i n t e l i g en t e n ão pod e assum i r o p o s to ? ) .

D ep o i s se r i a a v ez d e Césa r L a t e s , V i n í c i u s d e Mor a -

es , P au l o Du a r t e , P r ud en t e d e Mo r a i s , n e t o , e ssa f o l h a

- d e-ma l v a q u e se ch ama H en r i qu e t a L i sbo a , A l i oma r

B a l e e i r o , L u i s d a Camar a Cascudo , F ay g a Os t r owe r ,

P ed ro N ava , F r an c i sco M i gno ne , En r i c o B i an co , E l i s e t h

Ca r do so , Or í g en es L essa , F e rn and a Mon tenegro . . .

T udo g en t e bo a , d e r e sp e i t o . E d e imag i n ação . Es t e s ,

e o u t r o s ass im , o s meu s p r e s i den t e s ao l on go d o an o .

Meu s v i z i nho s esco l he r i am o s de l e s .

A par t i r da í , vemos o pos i c i onamento do cron i s t a em re l a -

ção ao r eg ime em v igor no per í odo em que esse tex to fo i

pub l i cado no JB . Com o t í t u l o “Se eu fosse consu l tado” ,

Drummond demons t ra i nd i gnação d i an te das novas med idas

impostas por Ernes to Ge i se l , pres i dente naque l e ano . O “Pacote

de abr i l ” , que a l t erou as e l e i ções , t i r ando a l guns d i re i t os dos

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e l e i t o res , fo i ou torgado no d i a 1 3 de abr i l de 1977 , um d i a an tes

da pub l i cação do tex to no JB . O refer i do t ex to cr i ou uma

marca de revo l ução , co l ocou Drummond em des taque e a i nda

ho je é repos tado como um s ímbo lo de coragem do escr i t o r , o

qua l , mesmo d i an te da censura , escreveu sua op i n i ão em um

grande jorna l , mos t rando a i nd i gnação do povo bras i l e i ro .

Tendo como base os i números tex tos pub l i cados por

Car l os D rummond de Andrade , bem como o conhec imento

sobre sua l u t a cont ra a d i t adura e seus abusos , podemos

conc l u i r que o escr i t o r l u t ava cont ra esse reg ime com a a rma

que t i nha em mãos ― a pa l av ra . O poder cr í t i co que

Drummond possu ía com as pa l av ras causava impacto em seus

l e i t o res , que prec i savam entender o abuso de poder , a

censura desenf reada e a i nex i s tênc i a da própr i a l i berdade de

expressão . Dessa forma, como expressar tudo que se

pensava? V iver na d i t adura o l im i t ava como c i dadão , mas

pr i nc i pa lmente como escr i t o r .

3 D RU M M O N D E O E R O T I S M O

A L Í NGUA LAMBE

A l í n gu a l ambe as p é t a l a s v e rme l h as

d a r o sa p l u r i abe r t a ; a l í n gu a l av r a

ce r t o o cu l t o bo t ão , e v a i t e cen do

l é p i d as v a r i açõ es de l e v es r i tmo s .

E l ambe , l amb i l o ng a , l amb i l e n t a ,

a l i c o r i n a g ru t a c ab e l ud a ,

e , qu an to ma i s l amben t e , ma i s a t i v a ,

a t i ng e o céu do céu , en t r e g em i d o s ,

en t r e g r i t o s , b a l i d o s e ru g i do s

de leões na f loresta , en furec idos . (ANDRADE, 20 14 , p . 3 1 ) .

Com tex tos so l t os e i novadores que re f l e t i am os t raços

do modern i smo , D rummond l evou para o cenár i o l i t e rá r i o um

novo modo de escrever , novas formas de pensar , a v is í ve l

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fuga das r egras nas cons t ruções tex tua is , bem como o es t i l o

l i v re de cr i ação e organ i zação de i dea i s , com uma l i nguagem

ma is próx ima do popu l a r , demons t rando seu i n teresse em fa l a r

com o povo , comun i ca r -se e passar suas i de i as de forma

rea l i s t a . O escr i t o r produz iu vár i as obras com temá t i cas d iver -

sas , porém sempre vo l t adas para as ques tões do tempo, do

cot i d i ano , da fam í l i a , a so l i dão ― todos com os seus t raços

par t i cu l a res : a i ron ia e o humor .

A l ém dessas temá t i cas , D rummond escondeu out ra bem

pecu l i a r pa ra sua época . O ero t i smo ca i u no gos to do escr i t o r ,

que produz iu 40 tex tos que marcaram sua car re i ra , mesmo

tendo s i do pub l i cados após sua mor te . Por ser obra pós tuma ,

o f eedback não fo i v i s to por D rummond . Ent re tan to , em um

documentá r i o rea l i zado em 1996 , anos após sua pub l i cação ,

podemos ver a r eação de l e i t o res que j á conhec i am suas

obras . Na época em que fo i rea l i zada a d ivu l gação do docu -

mentá r i o , bem próx ima ao ano da pub l i cação da obra , no ta -se

a dúv ida que se cr i a en t re o eró t i co e o pornográ f i co , pr i nc i pa l

rece i o do escr i t o r .

O CHÃO É CAMA

O ch ão é cama p a r a o amo r u rg en t e ,

amor qu e n ão espe r a i r p a r a a cama .

Sob r e t ap e t e ou du r o p i so , a g en t e

compõe d e co rp o e co rpo a úm i d a t r ama .

E p a r a r epo u sa r d o amo r , v amos à cama . (ANDRADE,

20 14 , p . 2 7 ) .

Em seus poemas , D rummond demons t ra o i n tu i t o de suas

pa l av ras e o cu i dado que teve com cada poes i a que escreveu.

Temos a l i um con jun to fasc i nante , que demons t ra o amor na

sua forma ma i s pura e ma i s na tura l , t ra t ando -se do ser huma-

no . O corpo , a carne , o prazer , a sa t i s fação : um con jun to de

fa tores que es tavam l i gados ao amor ent re do i s i nd iv í duos . O

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sexo é , en tão , a demons t ração ma i s sub l ime de amor . O corpo

é deta l hadamente descr i t o e , por me io de seus versos , passa

a ser um “ob je to” de be l eza , de contemp l ação . O sexo e o

prazer tornam o amor a i nda ma i s bon i t o , a i nda ma i s espec i a l .

Ao usar termos ma is aber tos e d i re tos , como “vag i na ” ,

”pên i s ” , “gozo” , D rummond põe em r i sco a i n terpretação gera l

de sua obra , j á que , na época em que v iveu , o uso desses

termos poder i a da r ao l i v ro um tom de vu l ga r i dade , e não de

ero t i smo, fazendo com que toda a cons trução do escr i t o r

fosse der rubada por i n terpretações i ncor retas e , a té mesmo ,

l evada à censura . Por s e t ra ta r de um l ado pouco conhec i do

de Drummond , podemos a f i rmar que é uma obra de l i cada ,

porém revo luc i onár ia e i nsp i radora . Não ganhou repercussão

como A Rosa do Povo , mas de i xou em seus l e i t o res um gos to

de “quero ma i s ” , e a vontade de que fossem descober tos ma i s

t ex tos com esse teor , no entan to sua produção f i ndou a í .

O ero t i smo nos tex tos de Drummond provoca uma âns ia

de amar naque l es que os l eem, serv i ndo de i nsp i ração para os

apa i xonados , amantes e i nd iv í duos que sentem esse dese jo

pe l o out ro a f l o ra r . Os 40 tex tos produz idos , t endo como i nsp i -

ração o amor e o dese jo , f i zeram com que o escr i t o r fosse

v i s to não só como um grande cr í t i co , mas t ambém como um

homem apa i xonado e i nsp i rado , mesmo que não se sa i ba quem

ser i a a musa i nsp i radora que o faz i a escrever poemas tão

i n tensos , profundos , che i os de amor e car regados de imag i na -

ções eró t i cas . Car l os D rummond de Andrade de i xou sua marca

na l i t era tura como um escr i t o r ún i co , que dom inava mu i t o bem

as pa l av ras , preocupado em expor seus pensamentos sobre a

soc i edade , as i n j us t i ças do mundo , pe l o que era bas tante

respe i t ado . Sempre che i o de or i g i na l i dade e bons tex tos , re i n -

ventou-se a i nda após a mor te , o que faz de l e um grande

nome na l i t era tura bras i l e i ra .

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4 C O N C L U S Ã O

Pode-se conc l u i r , a par t i r da aná l i se dessa obra , que o

poeta modern is t a deu , mesmo após sua mor te , uma grande

cont r i bu i ção para a l i t era tura , mos t rando que todo escr i t o r

pode exp l ora r todos os seus sent imentos e expressar as ma i s

d iversas sensações a t ravés das pa lav ras , desde op i n i ões po l í -

t i cas a té dese jos ma is ca rna i s . O per í odo v iv i do pe l o poeta fo i

um mot ivo de dúv ida para a pub l i cação desses seus escr i t os

em v ida , j á que , por ter em uma temá t i ca po l êm ica para a

época , poder iam ser i n terpretados de mane i ra equ ivocada .

Por cer to , o autor qu i s provocar um impacto ao descre -

ver o corpo fem in i no com tamanha de l i cadeza e tão che i o de

deta l hes e re f l exões , bem como ao ut i l i za r os termos r eferen -

tes ao áp i ce do prazer sexua l en t re um casa l . Atua lmente ,

seus escr i t os não causar i am espantos . Porém, em sua época ,

no f im recente da d i t adura m i l i t a r , poder i a causar sus to nas

fam í l i as que prezavam pe l a mora l e bons cos tumes . Ut i l i za r os

t ermos “pên i s ” , “bunda” , “gozo” e tan tos out ros que foram ut i l i -

zados poder i a causar uma d i s torção do rea l mot i vo pe l o qua l

foram escr i t as , que ser i a demons t ra r o amor na sua forma

ma is natura l .

A forma com que o autor t raba l ha com as pa l av ras eró t i -

cas é fa to para se adm i ra r e aprec i a r , por sua tamanha de l i ca -

deza e i n tens i dade m is turadas à se lvager i a do ser na tura l

quando se ama . Temos aqu i ou t ra face do autor , um ta l en to

ún i co no uso das pa l av ras e versos , que nos o fereceu de

presente esses 40 poemas car regados de pa i xão . D rummond

fo i cons i derado des taque por seus tex tos e , por cer to , t ambém

merece des taque em sua l í r i ca eró t i ca .

A obra apresenta um tom de humor , t raço par t i cu l a r do

escr i t o r , un i do a uma boa esco l ha de termos e versos que

apresentam a harmon i a per fe i t a , sendo uma representação

i n terna de mu i t os casa is apa i xonados que não t i nham a cora -

gem de expor esse l ado carna l em junção com t raços

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poét i cos . Car l os D rummond de Andrade fez mu i t os l e i t o res se

de l e i t a rem com seus versos i néd i t os , mesmo após sua mor te .

Fo i des taque em seu per í odo não só por seu ta l en to para a

escr i t a , mas também pe l a sua ousad i a ao expor op i n i ões em

um per í odo tão c r í t i co no Bras i l . Por t an to, por esses e mu i t os

out ros mot ivos , suas pa l av ras devem ser etern i zadas .

R E F E R Ê N C I A S

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Aprovado em: 26/07/20 18 .

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 1 2 9 - 1 3 2 , 2 0 1 8

I S S N 2 2 3 6 - 3 3 3 5

N OR M AS P ARA E N V I O D E

A RT I G OS E R E S E NH AS

R es e n h a s e a r t i g o s , e l a b o r a d o s p o r g r a d u a n d o ( s ) em

L e t r a s d o B r a s i l – a u t o r ( e s ) e c o a u t o r ( e s ) – , d ev e r ã o s e r

e n cam i nha dos pa r a ava l i a ção p o r e -ma i l , en t r e 1 6 / 1 2/20 1 8 e

1 7 / 0 2 / 2 0 1 9 , p a r a o e n d e r e ç o r e v i s t a g r a d u a n d o@gma i l . c om .

S omen t e s e r ã o a c e i t o s t r a b a l h o s n a s á r ea s d e L i n g u í s t i c a ,

L i t era tu ra , A r tes e Educação , em forma to e l e t rôn i co e i néd i t os ,

o u s e j a , n ã o p u b l i c a d o s n o g ên e r o d e t e x t o s o l i c i t a d o em

q u a i s q u e r o u t r a s p u b l i c a ç õ e s . A s l í n g u a s n a s q u a i s e l e s

p o d e r ã o s e r e s c r i t o s s e r ã o t o d a s a s e x i s t e n t e s n a g r a d e

c u r r i c u l a r d o C u r s o d e G r a d u a ç ã o e m L e t r a s d a U E F S

( Por tuguês , Ing l ês , F rancês e Espanho l ) .

O R I E N T A Ç Õ E S G E RA I S

Os t raba l hos env i ados à rev i s ta Graduando : en t r e o ser e o saber , d i g i t ados em forma to . doc ou .docx , deverão cont er a

segu in te forma tação :

1 Fonte T imes New Roman ;

2 Tamanho 12 ( t í t u l o , subt í t u l o ( s e houver ) , t óp i co e co rpo

d o t e x t o ) ; P a l a v r a s e s t r a n g e i r a s e t í t u l o s d e o b r a s

d evem se r esc r i t o s em i t á l i co ( i t á l i co ) ; pa r t es de ob r a

( a r t i g o s , c a p í t u l o s , p o em a s e s i m i l a r e s ) d e v em s e r

escr i t os ent re aspas , sem i t á l i co ;

3 Espaçamen t o en t r e l i n ha s de 1 , 5 ; ma rgens esque rda e

super i o r de 3 cm, d i re i t a e i n fer i o r de 2 cm;

4 C i t a ç õ e s c o m a t é 3 l i n h a s d e v e m a p a r e c e r

ref erenc i adas no corpo do tex to e conter aspas ;

5 C i t a ç õ e s c om ma i s d e 3 l i n ha s d ev e r ã o s e r e s c r i t a s

sem aspas e t e r r ecuo de 4 cm da ma rgem esque rda ,

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 1 2 9 - 1 3 2 , 2 0 1 8

a l ém de não ap resent a r r ecuo na ma rgem d i r e i t a e t e r

espaçamento s imp l es ;

5 . 1 O tamanho da font e da c i t a ção deve se r menor que o

co rp o do t ex t o ( t amanho 1 0 ou 1 1 ) e o espaçamen t o

ent re as l i nhas deve ser s imp l es ;

6 O número de pág i nas com anexos não deve passa r de

2 (do i s ) ;

7 Deverá ser env iado , a l ém do (s ) t raba l ho (s ) , a gu i a de

mat r í cu la do (s ) au tor (es ) referente ao ano de 20 18 ou

20 19 .

O R I E N T A Ç Õ E S E S P E C Í F I C A S

R E S E N H A C R Í T I C A

Serão ace i t as resenhas cr í t i cas com m ín imo de 4 e

máx imo de 7 pág i nas , i nc l u i ndo r eferênc i as e exc l u i ndo anexos.

A es t ru tura deve conter , obr i ga tor iamente , a segu i n te

sequênc i a :

1 T í t u l o e/ou subt í t u l o ;

2 Nome comp le to do (s ) au tor (es ) , an teced i dos pe l a pa l av ra

“Por ” , e breve cur r í cu l o ;

3 Apresentação e ava l i ação in i c i a l do ob je to da resenha ;

4 Descr i ção e ava l i ação de par tes do ob je to da resenha ;

5 Recomendação/cons i deração f i na l sobre o ob j e to da

resenha ;

6 Referênc i as ( reg i s t ra r apenas as c i t adas do corpo do

t raba l ho ) .

Após o nome do autor na forma d i r e ta , no parágra fo

segu i n te , o breve cur r í cu l o deve conter , em l i nhas separadas :

nome da i ns t i t u i ção , curso (ou depar tamento , no caso do

or i en tador ) e e-ma i l . Os dados autora is são obr i ga tór i os para

autor (es ) (obr i ga tór i o ) e or i en tador (opc i ona l ) . O número de

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 1 2 9 - 1 3 2 , 2 0 1 8

pessoas responsáve i s pe l a fe i t u ra da r esenha (au tor , coautor

e/ou or i en tador ) não deve passar de 3 ( t rês ) . In formações

ad i c i ona is devem ser escr i t as em nota de rodapé .

A RT I G O

Serão ace i t os a r t i gos com m ín imo de 7 e máx imo de 10

pág i nas , i nc l u i ndo referênc i as e exc l u i ndo anexos . A es t ru tura

deve conter , obr i ga tor iamente , a segu i n te sequênc i a :

1 T í t u l o e/ou subt í t u l o ;

2 Nome comp le to do (s ) au tor (es ) e breve curr í cu l o ;

3 Resumo ( l í ngua do t raba l ho ) ;

4 Pa l av ras-chave ( l í ngua do t raba l ho ) ;

5 In t rodução ;

6 Corpo do a r t i go ;

7 Conc lusão/cons i derações f i na is ;

8 Resumo ( l í ngua es t range i ra ) ;

9 Pa lav ras -chave ( l í ngua es t range i ra ) ;

1 0 Referênc i as ( reg i s t ra r apenas as c i t adas no corpo do

t raba l ho ;

1 1 Anexos (se houver ) .

Após o nome do (s ) au tor (es ) , no parágra fo segu i n te , o

breve cur r í cu l o deve conter , em l i nhas separadas : nome da

i ns t i t u i ção , curso (ou depar tamento , no caso do or i en tador ) e e

-ma i l . Os dados autora i s são obr i ga tór i os para autor (es ) ,

coautor (es ) (opc i ona l ) e or i en tador (es ) (opc i ona l ) . O número de

pessoas responsáve is pe l a fe i t u ra do a r t i go ― au tor (es ) ,

coautor (es ) e or i en tador (es ) ― não deve passar de 4 (qua t ro ) .

In formações ad i c i ona is devem ser escr i t as em nota de rodapé .

O resumo na l í ngua do tex to deve apresenta r , de forma

conc i sa , os ob je t i vos , a metodo l og ia e os resu l tados

a l cançados , não devendo u l t rapassar 150 pa l av ras nem conter

c i t ações . A l ém d i sso , deverá apresenta r o r esumo pr i nc i pa l ,

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 9 , n . 1 2 , p . 1 2 9 - 1 3 2 , 2 0 1 8

escr i t o na l í ngua do a r t i go , e o resumo secundár i o em um

i d i oma da própr i a esco l ha (Por tuguês , Espanho l , F rancês e

i ng l ês ) . No caso de o a r t i go ser escr i t o em l í ngua es t range i ra ,

o a r t i cu l i s t a f i ca or i en tado a escrever o resumo secundár i o em

L íngua Por tuguesa .

Pa l av ras-chave como e l emento obr i ga tór i o , f i gurando l ogo

aba i xo de cada resumo (na l í ngua do a r t i go e es t range i ra ) , cu jo

número de pa lav ras não deve exceder a 5 e não ser i n fer i o r a 3 .

O R I E N T A Ç Õ E S F I N A I S

1 Os pa rece r i s t as e r ev i so res pode rão fazer a l t era ções nos

t r a ba l hos , no s en t i d o de me l ho r a r sua t ex t ua l i d a de , s em

a l t e r a ç ã o d e s e n t i d o e a u t o r i a , a p r o x i m a n d o - o s d a s

c a r a c t e r í s t i c a s t e x t u a i s r e f e r e n t e s a um a p u b l i c a ç ã o

acadêm ica ;

2 Nã o é v e t a d o o env i o d e t r a ba l hos c u j os a u t o r es e / ou

coau t o r es se j am membros e f e t i v os do conse l ho ed i t o r i a l

( a n t e r i o r m e n t e d e n om i n a d o c om i s s ã o e d i t o r i a l ) d e s t e

per i ód i co ;

3 O e nv i o d o t r a b a l h o i m p l i c a a a c e i t a ç ã o d e t o d a s a s

no rmas des c r i t a s n es t e d o cumen t o e a c on cessã o do s

d i r e i t os sobre o tex to à rev i s t a G raduando : en t r e o ser e o saber ;

4 Au to res de t ra ba l ho têm d i r e i t o a receber (por cor r e i o ou

p resen c i a lmen t e ) 3 ( t r ês ) exemp l a r es imp ressos , d ema i s

par t i c i pan tes têm d i re i t o a 1 (um) exemp l a r ;

5 Os casos om issos serão reso lv i dos pe l o conse l ho ed i t o r ia l .

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DIRETÓRIO

ACADÊMICO DE

LETRAS

JOSÉ JERÔNIMO

DE MORAIS