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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PAOLA GIULIANA BORGES CANTORAS DO RÁDIO E MULHERES UM ESTUDO SOBRE REPRESENTAÇÕES FEMININAS NO BRASIL DA DÉCADA DE 1950. CAMPINAS 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PAOLA GIULIANA BORGES

CANTORAS DO RÁDIO E MULHERES – UM ESTUDO SOBRE

REPRESENTAÇÕES FEMININAS NO BRASIL DA DÉCADA DE 1950.

CAMPINAS

2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A comissão julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado composta pelos

Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 30 de maio de 2017,

considera a candidata PAOLA GIULIANA BORGES aprovada.

Este exemplar corresponde à redação final da Dissertação defendida e aprovada pela Comissão

Julgadora.

Prof. Dr. Michel Nicolau Netto

Prof Dr. Renato José Pinto Ortiz

Prof. Dra. Mônica Rugai Bastos

A ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de

vida acadêmica da aluna.

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AGRADECIMENTOS

Os agradecimentos são muitos e espero suficientes. Agradeço ao meu primeiro

orientador, professor Ronaldo Romulo Machado de Almeida, que foi fundamental para que,

durante a minha graduação, eu levasse adiante meu primeiro estudo sobre samba e carnaval. Às

professoras Emilia Pietrafesa Godoi, Guita Grin Debert e Maria Filomena Gregori que me

deram lições valiosas sobre trabalhos intelectual e de campo e contribuíram de formas

importantíssimas para minha formação como antropóloga. Agradeço aos professores Josué

Pereira da Silva, Marcelo Siqueira Ridenti, Marcio Bilharinho Naves e à professora Walquiria

Gertrudes Domingues Leão Rego pelos valiosos ensinamentos ao longo de minha graduação

em Sociologia. Agradecimentos especiais aos professores Renato José Pinto Ortiz, membro

também da minha banca de qualificação, e, em memória, a José Mario Ortiz Ramos

fundamentais para que meu interesse na área de sociologia da cultura se mantivesse forte ao

longo dos anos de graduada. Agradeço também aos professores Mario Augusto Medeiros da

Silva, Fernando Antonio Lourenço e à professora Barbara Castro, formadores da banca de

seleção que aprovou minha pesquisa para o mestrado em sociologia iniciado em 2015, ao

professor José Roberto Zan pelos apontamentos feitos em minha banca de qualificação e ao

orientador desta pesquisa, professor Michel Nicolau Netto, pelas paciência e dedicação, mas

acima de tudo pelos ensinamentos e direcionamentos sempre esclarecedores que me permitiram

chegar ao final deste trabalho. Faltam adjetivos, na verdade, para expressar a admiração sincera

originada nestes dois anos em relação ao professor Michel.

Agradeço também aos que tornaram possível meu trabalho de campo: funcionários

e funcionárias do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, da Cinemateca do

Estado de São Paulo, do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, da Biblioteca Mario

de Andrade em São Paulo e da Biblioteca Octávio Ianni do IFCH - Unicamp, aos membros e

diretores do Fã-Clube Oficial Emilinha Borba e da Associação Marlenista, sem eles esta

pesquisa não teria sido a mesma. Agradeço também à Biblioteca Nacional por disponibilizar

digitalmente os acervos das revistas aqui pesquisadas.

Aos colegas de pós-graduação em Sociologia da Unicamp que ajudaram ou com

dicas de pesquisa ou mesmo com abraços e conselhos em dias ruins. Juliana, Luã, Laura, Talitha

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– companheiros também de grupo de estudos –, Julia, Roziane, Fabiane, Mariana e Lenora. Aos

meus amigos da vida: os dois Guilhermes, Tatiana, Valéria e Evandro que juntos simbolizam

todos os outros e a quem eu agradeço por permanecerem comigo nos melhores e piores

momentos. E à minha família, sem a qual nada disso teria sido possível. Meu pai José, em

memória, minha mãe Nair, minha sempre e eterna companheira, e meus irmãos Nicholas, leitor

paciente deste trabalho ao longo de dois anos, e Rodrigo, meus dois maiores e mais importantes

conselheiros e confidentes.

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A tua voz é o som e a claridade

E a chama da verdade pela vida escreveu

A tua voz é o brilho da esperança

E um sorriso de criança que um dia se perdeu

A minha voz já cantou toda a ternura

Já cantou a amargura das histórias de amor

A minha voz cantou o nobre e a riqueza

Cantou o pobre a tristeza, cantou o bem, cantou a dor

A tua voz nasceu na voz da poesia

No riso branco de alegria da tua mãe, a tua dor

A tua voz vestiu-se inteira de carinho

E qual um lindo passarinho cantou Maria e Jesus

A minha voz há de morrer no horizonte

Onde o sol descansa a fronte, onde o vento de desfaz

A tua voz (a minha voz) renascerá então nas flores (renascerá)

E eternamente nos amores há de ser mais, há de ser mais

(Malta, S.) Dalva de Oliveira, intérprete.

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RESUMO

O sucesso alcançado pelas cantoras do rádio – em termos de vendas de discos, aparições em

programas de auditório de emissoras de rádio e participações em filmes na década de 1950 –

fez com que essas mulheres juntassem em torno de si legiões de admiradores e admiradoras que

não poupavam esforços para estar próximos a elas. A repercussão positiva de suas carreiras

junto a esse público que se formava em torno dos dois principais meios de comunicação da

época, cinema e rádio, acabou fazendo com que as revistas do período se interessassem cada

vez mais por essas mulheres. Desta forma, essas cantoras, representadas aqui por Linda Batista,

Dalva de Oliveira, Emilinha Borba e Marlene, passaram a figurar em frequentes reportagens da

principal publicação especializada no principal meio de comunicação deste período no país, a

Revista do Rádio. Nestas matérias, eram apresentados diversos dados estatísticos ligados às

suas carreiras, mas também, e principalmente representações sobre suas figuras pautadas,

muitas vezes, em valores conservadores que se queriam propagar, a partir destas artistas, para

o público consumidor da revista. Cantoras representadas como donas de casa, mães de família,

boas filhas e boas esposas que forneciam diversos exemplos, a partir de seus próprios discursos,

sobre comportamentos ideais para suas fãs em relação à sua via pessoal. Mesmo que tais

condutas não condissessem com a realidade de suas vidas, o fato de elas serem assim retratadas

chamou a atenção neste trabalho que passou a procurar entender o lugar dessas cantoras dentro

desse contexto de formação dessas representações. O andamento desta pesquisa mostrou, então,

que elas eram apenas uma parte, mesmo que muito relevante, da construção de imagens de um

dever ser feminino para um possível público consumidor dos meios de comunicação no Brasil

nesse momento. Assim, aliadas a estas representações foram analisadas também as imagens

construídas sobre a mulher em propagandas difundidas na publicação citada, mas também na

revista O Cruzeiro, que deixavam claras as formas de moldagem de comportamentos e padrões

ditos femininos para a sociedade brasileira do período ou pelo menos para o público que essas

publicações conseguiam alcançar.

PALAVRAS CHAVES: CANTORAS, MULHERES, COMPORTAMENTOS, IMAGENS,

REPRESENTAÇÕES.

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ABSTRACT

The success reached by radio singers – in terms of record sales, live studio radio shows

appearances and participations in films in the 1950s – had these women surrounded by crowds

of fans who would go to great lengths in order to be close to them. The positive repercussion

of their careers toward this audience that the two main means of communication at the time

(cinema and radio) had, ended up making the magazines from that period become increasingly

interested in these women. Thus these singers, represented here by Linda Batista, Dalva de

Oliveira, Emilinha Borba and Marlene, started being the frequent subjects of articles in the main

magazine specialized in the main means of communication at that time in the country, “Revista

do Rádio”. Several statistic data regarding their careers were presented in these articles, but

also, and specially, representations of their image often based on conservative values meant to

be disseminated to the consumers of the magazine. Singers portrayed as housewives, mothers,

good daughters and good wives who provided numerous examples, from their own speeches,

about the ideal behaviors for their fans, concerning their personal lives. Even if these conducts

did not match the reality of their lives, the fact that they were portrayed like this stood out in

this research, which started trying to understand the role of these singers in this context of

forming these representations. The progress of this research then showed that they were only a

part, even if a very relevant one, of the construction of the images of a female duty for a possible

consumer audience of the means of communication in Brazil at that moment. Along with these

representations, the images of women constructed in the advertising diffused in the

aforementioned publication were also analyzed, as well as the ones in the magazine “O

Cruzeiro”, which made clear what the ways of molding behaviors and standards said to be

female for the Brazilian society or at least for the public these magazines reached, were.

KEYWORDS: SINGERS, WOMEN, BEHAVIORS, IMAGES, REPRESENTATIONS.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................................11

1 CAPÍTULO 1 – CANTORAS DO RÁDIO E O CONTEXTO DE FORMAÇÃO DOS MEIOS

DE COMUNICAÇÃO NO BRASIL .....................................................................................................15

1.1 QUATRO CANTORAS DO RÁDIO ....................................................................................15

1.2 AS CANTORAS DO RÁDIO NA ÍNDÚSTRIA DA MÚSICA GRAVADA BRASILEIRA.

18

1.3 O CINEMA E A CARREIRA DAS CANTORAS DO RÁDIO. ...........................................36

2 CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO DE REPRESENTAÇÕES DAS QUATRO CANTORAS DO

RÁDIO ...................................................................................................................................................52

2.1 AS CANTORAS DE SAMBA E CARNAVAL ....................................................................53

2.2 AS MULHERES ROMÂNTICAS .........................................................................................69

2.3 AS MULHERES RICAS E ELEGANTES ............................................................................89

2.4 AS DONAS DE CASA ........................................................................................................107

3 CAPÍTULO 3 – AS ESTRELAS E A MULHER NO CONSUMO NO BRASIL NA DÉCADA

DE 1950. ..............................................................................................................................................127

3.1 AS ESTRELAS E SUAS FÃS .............................................................................................127

3.2 PUBLICIDADE, RÁDIO E REVISTAS .............................................................................147

3.3 ESTRELAS E PUBLICIDADE, A DIFUSÃO DE VALORES PARA A MULHER NO

BRASIL............................................................................................................................................162

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................213

5 BIBLIOGRAFIA ..........................................................................................................................220

6 ANEXOS ......................................................................................................................................224

6.1 FILMOGRAFIA....................................................................................................................224

6.2 PUBLICAÇÕES E PERIÓDICOS ........................................................................................227

6.3 TABELA DE FILMES ..........................................................................................................228

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11

INTRODUÇÃO

A formação do rádio comercial no Brasil, na década de 1930, originou os primeiros

ídolos populares do país. Cantores, cantoras e demais artistas ligados a esse veículo de

comunicação passaram a influenciar costumes e comportamentos em seu público e se tornaram

alvo de adoração por parte dos e das fãs do rádio. As mulheres, em especial, foram se tornando

o centro das atenções das programações e dos anunciantes do rádio, fossem as artistas, que

passaram a ser protagonistas dos programas de maior audiência das emissoras, fossem as

espectadoras, que formavam a maior parte dos auditórios das estações, mas que também, fora

deles, consumiam os produtos anunciados na programação, os discos de suas cantoras favoritas

e as revistas em que elas eram destaque.

A curiosidade a respeito das carreiras e das músicas das cantoras do rádio moveu

inicialmente este trabalho. Em seu desenvolvimento, logo foi percebido o protagonismo que

teriam as mulheres, fãs e ídolos, e o dito feminino nessa pesquisa, que deveria, então, extrapolar

dados biográficos e compreender as consequências dessa idolatria e agitação que as cantoras

causavam no público. A análise desses três meios de atuação dessas artistas – rádio, cinema e

discos – foi unida às das revistas do período, que eram onde as maiores informações sobre elas,

e sobre suas fãs, eram encontradas. Relatos, entrevistas e depoimentos importantes para a

compreensão do lugar ocupado por elas, e por ídolos femininos em geral, na construção e

difusão de valores e modos de vida para as demais mulheres da sociedade, que se tornaram,

então, o objeto final desta dissertação. A construção e propagação de comportamentos ideais,

formas de consumo, conduta em casa com os filhos e com o marido passaram a ser estudadas,

a partir da pesquisa sobre essas artistas, juntamente com a análise das publicidades feitas em

emissoras de rádios e revistas e que constituíram o objeto final desta pesquisa.

As cantoras do rádio, representadas nesta dissertação por Linda Batista, Dalva de

Oliveira, Emilinha Borba e Marlene, vivenciaram o auge de suas carreiras – em termos de venda

de discos, números de shows, presenças em filmes e aparições em revistas – na década de 1950.

Tais carreiras, no entanto, não se limitaram às áreas artística e cultural das quais essas mulheres

fizeram parte e se estenderam em influências e comportamentos, estilos de vida e formas de

consumo principalmente em relação ao público do rádio. Essas artistas representaram a

formação da primeira geração de cantoras de sucesso no país e, com isso, uma possibilidade de

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saída para as mulheres, via música, para um mercado de trabalho ainda restrito em

possibilidades de ocupação para esse grupo social brasileiro.

Foram essas cantoras, em especial Marlene e Emilinha, as primeiras artistas

nacionais a unirem em torno de si associações de fãs, os chamados fãs-clubes. Esses grupos

eram responsáveis por grandes manifestações de devoção a elas em formato de presentes,

cerimônias religiosas, homenagens pelo interior do país ou mesmo nos programas de auditório

em que elas se apresentavam. Além disso, eles, em suas diversas filiais pelo Brasil, acabavam

promovendo a ida delas para shows em suas cidades a partir das arrecadações conseguidas com

seus sócios. Estavam constituídas formas de associação, como se verá ao longo deste trabalho,

de pessoas que, até então, não haviam se sentido representadas por nenhum tipo de grupo no

país.

A década de 1950 representou, como Lenharo (1995) colocou, o período de maior

brilho e sucesso dos artistas do rádio, além de ser um momento em que novas formas de

consumo e progresso se colocavam diante da população das grandes cidades. Retratadas pelas

revistas de maior circulação no país no período, a Revista do Rádio e a revista O cruzeiro, tais

mudanças conviviam com a difusão de valores conservadores em discursos elaborados pelas

publicações e em relatos fornecidos pelos e pelas artistas de maior evidência. As cantoras do

rádio, conforme esta pesquisa constatou, transitavam entre o moderno e elegante – demonstrado

pelos seus caros figurinos e acessórios, mas também pelo fato de elas serem mulheres que

trabalhavam fora e se destacavam como as principais provedoras financeiras de suas famílias –

e o conservador, visível em seus discursos e entrevistas.

Este período é aqui retratado também como um momento de consolidação das

transformações que vinham sendo colocadas ao país desde a década de 1930. Questões como

aumento da urbanização, das migrações internas para as capitais, crescimento da

industrialização, modernização dos meios de comunicação, maior difusão de modos de vida

urbanos e modernos, aumento no número de postos de trabalho nas cidades e nos setores

industriais e de serviços na década de 1950, são exemplos das mudanças que vinham ocorrendo

no Brasil desde o período citado.

O capítulo um deste trabalho fornece, então, as devidas explicações e referências

para que sejam apresentadas essas quatro rainhas do rádio. Dados biográficos se juntam, assim,

a dados artísticos – como números de discos lançados, gravadoras com as quais elas mantiveram

contratos, programas de rádio em que participavam, emissoras de rádio das quais fizeram parte

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e filmes em que atuaram – para que seja compreendido o sucesso que essas mulheres fizeram

nos meios de comunicação no país na década de 1950. Para tal, foram feitas pesquisas em suas

biografias, em seus depoimentos para o Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro e no site

Dicionário Cravo Albin de Música Popular Brasileira. A partir das informações sobre os

trabalhos destas mulheres acabou sendo fornecida também uma breve contextualização da

formação dos meios de comunicação em que elas se fizeram presentes com base nas leituras

das obras de José Adriano Fenerick, Daniela Ribas Ghezzi, Renato Ortiz, Michel Nicolau Netto,

José Ramos Tinhorão, Lia Calabre, Alcir Lenharo, Sérgio Cabral, Luiz Carlos Saroldi, Sonia

Virginia Moreira e Ronaldo Conde Aguiar, Carlos Roberto de Souza, Anita Simis e Franthiesco

Ballerini, Maria Regina Carvalho da Silva, Rudolf Piper, William Reis Meirelles, Sandra

Cristina Novais Ciocci Ferreira, Afranio M. Catani, José I de Melo Souza e Mônica Rugai

Bastos.

Já o capítulo dois trata das construções das imagens dessas artistas pela Revista do

Rádio, publicação especializada nesse veículo de comunicação que mais sucesso fez no período

aqui analisado. Neste momento, esta pesquisa dialoga com as obras de Miriam Goldfeder, Maria

Marta Picarelli Avancini, novamente com as biografias dessas cantoras, com seus depoimentos

no MIS carioca e com pesquisa realizada no acervo digital da publicação citada para que sejam

compreendidos os principais elementos e valores em torno dos quais eram construídas as

imagens dessas mulheres para seus públicos.

No terceiro capítulo, é feita reflexão relacionando cantoras do rádio, suas fãs e

publicidade para que seja entendida a difusão de valores conservadores, para as mulheres da

época, por duas publicações do período, a Revista do Rádio e a revista O Cruzeiro. Desta forma,

é fornecido um panorama sobre o surgimento das figuras das estrelas e de suas fãs para que seja

compreendida a participação das mulheres, como artistas e como público, nos meios de

comunicação da época e quais as implicações dessa participação para que fosse gerada uma

mobilização de difusão de padrões de comportamentos conservadores que enquadravam

mulheres em normas sociais que se queriam difundir. Com isso, às análises das colocações de

Miriam Goldfeder e Edgar Morin se juntam pesquisas nos acervos do Museu da Imagem e do

Som do Rio de Janeiro e das revistas citadas, além de entrevistas com presidentes dos fãs-clubes

ainda existentes de Marlene e Emilinha Borba.

O restante do capítulo busca relacionar os elementos trazidos no segundo capítulo

com as propagandas presentes em ambas as publicações citadas para que seja compreendida,

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com a ajuda das obras de Maria Arminda do Nascimento Arruda, Maria Lucia Rocha Coutinho,

José Baptista Borges Pereira e do artigo de Maria Lucia Mott e Marina Maluf, a formação de

um dever ser feminino a partir das representações feitas sobre cantoras ricas e famosas, mas

também sobre mulheres em geral em publicidades realizadas nessas revistas no país na década

de 1950.

Os três capítulos acima citados formam parte, assim, de uma tentativa de

compreensão do lugar ocupado por ídolos femininos, em especial por essas quatro cantoras aqui

estudadas, na difusão de valores para as mulheres em uma sociedade em transformação. A

relevância de suas carreiras, apresentada a partir de dados colocados no capítulo um, se junta à

construção de suas imagens, colocada no capítulo dois, para que, a partir desses fatores, possa

ser entendida a importância da participação dessas artistas em um contexto em que

comportamentos e condutas eram apresentados como ideais às mulheres, por meio delas, mas

também por meio da publicidade, cada vez mais relevante para manutenção e crescimento de

emissoras de rádio e revistas. Novas formas de consumo se juntavam a formas de

comportamento e de vida na construção de um grupo pretensamente homogêneo de mulheres

na sociedade brasileira.

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1 CAPÍTULO 1 – CANTORAS DO RÁDIO E O CONTEXTO DE

FORMAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NO BRASIL

1.1 QUATRO CANTORAS DO RÁDIO

Florinda Grandino de Oliveira, Linda Batista, nasceu na cidade do Rio de Janeiro

em 14 de junho de 1919. Filha de João Baptista Junior, um ventríloquo paulista conhecido na

época, ela pertencia a uma família com condições de vida superiores às das demais cantoras

aqui analisadas. Nascida no bairro do Catete1 na cidade do Rio de Janeiro, Linda estudou em

colégios tradicionais da cidade, como o Colégio Sion, e teve empregadas em casa desde criança.

Filha de um pai artista2, ela encontrou apoio dele para se tornar cantora e, com dez anos, já

havia ganhado seu primeiro violão e composto a música “Tão sozinha”.

A cantora se casou em 1937, separando-se logo em seguida e não mais se casando.

Linda Batista chegou a interromper momentaneamente sua carreira em 1943 quando seu pai

faleceu. Sua família passou a ser comandada pelas mulheres da casa: ela, sua mãe e suas outras

duas irmãs, Dircinha e Odete. Coube, porém às duas artistas remanescentes, Linda e Dircinha3,

o sustento da família. O auge de seu sucesso em apresentações e vendas de disco se deu nas

décadas de 1940 e 50, tendo o período posterior sido de pouco destaque para ela. A artista

faleceu em abril de 19884.

Dalva de Oliveira nasceu em cinco de maio de 1917 em Rio Claro, interior de São

Paulo, como Vicentina de Paula Oliveira e desde criança acompanhava seu pai e amigos

músicos dele pelas ruas de sua cidade natal fazendo serenatas para políticos e delegados. Com

o falecimento dele, sua mãe, ela e suas três irmãs5 se mudaram para a cidade de São Paulo, onde

as quatro filhas foram internadas em um colégio para crianças carentes. Neste colégio,

Vicentina teve suas primeiras aulas de piano e canto. Graças a uma grave infecção no olho, ela

teve de deixar a escola e começar a trabalhar como faxineira em casas de família.

Posteriormente, trabalhou como cozinheira e arrumadeira no Hotel Metrópole na capital

1 Bairro em que se localizava a residência oficial do presidente da república na antiga capital do país. 2 Seu pai era famoso por conseguir imitar 22 vozes em seus shows de ventriloquismo. 3 Cantora nascida em 1922 na cidade de São Paulo, começou a cantar aos 6 anos de idade e ficou conhecida, assim como a irmã, pelos grandes sucessos em sambas e marchas de carnaval que gravou. 4 Informações retiradas do site http://dicionariompb.com.br/ - Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. 5 Ela tinha seis irmãos ao todo, mas os três mais velhos morreram, restando ela e suas três irmãs mais novas.

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paulista, tendo nesta época aproximadamente 13 anos de idade. Ali, Vicentina aproveitava os

momentos de folga para tocar e cantar na sala de piano, quando ela estava vazia. Foi em um

desses momentos que o maestro do lugar a viu e a apresentou para o Antonio Zovetti, chefe de

uma trupe de tablado6 (FONSECA, 1987).

Vicentina, então, convenceu sua mãe a seguir com o circo pelo interior do país.

Nele, ela era encarregada de cantar modas e valsas nos intervalos das apresentações.

Permaneceu com a trupe até chegarem a Belo Horizonte e o maestro adoecer. Com o dinheiro

ganho em apresentações na Rádio Mineira, ela e sua mãe seguiram o conselho do maestro e

foram para o Rio de Janeiro em busca de melhores trabalhos para a possível cantora. Foi nessa

época que sua mãe decidiu batizá-la como Dalva de Oliveira como forma de encontrar um nome

artístico para a filha.

Foi na capital do país que a artista conheceu seu primeiro marido, Herivelto

Martins7, com quem se casou em 1937 e com quem desenvolveu a primeira fase de sua carreira,

no conjunto Trio de Ouro até 1950 quando seu casamento acabou. Mesmo já tendo feito

trabalhos sozinha enquanto era parte do grupo, como será visto mais adiante, foi quando a

cantora saiu do conjunto que sua carreira solo deslanchou. Dalva de Oliveira ainda se casou

mais duas vezes, uma com o artista argentino Tito Climent no início da década de 1950 e outra

com Manuel Nuno Carpinteiro na década de 1960. A artista teve dois filhos biológicos com seu

primeiro marido e chegou a adotar uma filha com Tito Climent que permaneceu com ele após

a separação. A cantora faleceu em 19728.

Emilia Savana da Silva Borba, Emilinha Borba, nasceu em 31 de agosto de 1923

no bairro da Mangueira na cidade do Rio de Janeiro. Filha de um engenheiro agrônomo dono

de 32 casas na Avenida Savana no bairro em que morava, a família de Emilinha contava com

boas condições de vida até a morte de seu pai, em 1930. Já em condições precárias9, eles se

mudaram para a casa da avó materna e sua mãe e irmãos passaram a procurar empregos para

6 Na biografia oficial da cantora, é apresentada também a versão de que quem teria apresentado Dalva ao maestro Zovetti teria sido uma vizinha que a ouvia cantar enquanto ela ajudava sua mãe a lavar roupa para clientes 7 Nascido em 1912 no município Engenheiro Paulo de Frontin no Rio de Janeiro, foi cantor e compositor de sambas. Formou com Francisco Sena, a dupla ‘Preto e Branco’ e posteriormente despontou com o Trio de Ouro, formado por ele, Nilo Chagas e Dalva de Oliveira, sua esposa até 1949. Herivelto Martins compôs e gravou com praticamente todos os grandes nomes do período e é considerado pelos estudiosos de música popular como um dos maiores compositores brasileiros. 8 Informações retiradas do site http://dicionariompb.com.br/ - Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. 9 Seu pai havia perdido todos os bens e dinheiro em jogos de azar.

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ajudar no sustento da casa. Emilinha buscou alternativas, a contragosto da mãe, em programas

de emissoras de rádio. A partir de participações em programas e vitórias em concursos, como

o de calouros de Ary Barroso10, ela foi se tornando conhecida do público e passou a desenvolver

sua carreira artística.

A cantora se casou, em 1957, com o corredor automobilístico Artur Sousa Costa,

filho de Ministro da Fazenda de Getúlio Vargas de mesmo nome, com quem teve seu único

filho. O auge da carreira de Emilinha Borba em excursões e vendas de discos se deu na década

de 1950, tendo lançado discos com músicas inéditas também na década de 60. A artista faleceu

em outubro de 2005 também na cidade do Rio de Janeiro.

Victoria Bonaiutti nasceu em 22 de novembro de 192211 no bairro do Bexiga na

cidade de São Paulo. Irmã caçula de outras duas mulheres, filha de mãe batista, teve de lidar

desde cedo com os problemas que a morte do pai causou ao sustento da casa. Sua mãe,

costureira e professora do Instituto de Surdos e Mudos da Prefeitura de São Paulo, não tinha

condições de sustentar as três filhas e, com isso, teve de deixar Victoria como aluna interna no

colégio Batista Brasileiro, escola de custo elevado, na qual pode manter a filha graças a uma

redução na taxa mensal de permanência, conseguida pelo fato de sua família fazer parte dessa

comunidade religiosa, e a pequenos serviços que a menina realizava no colégio, como faxina e

arrumação de dormitórios.

Victoria esteve desde muito nova acostumada a participar de encenações religiosas

e números artísticos na comunidade batista. Permaneceu no colégio dos nove aos 15 anos de

idade e foi nesse período que ganhou seu primeiro violão, presente de sua mãe. Sua carreira

artística se iniciou ao atender ao chamado que a recém fundada Federação dos Estudantes do

Estado de São Paulo estava fazendo na Rádio Bandeirantes para angariar novos sócios, de

preferência com talentos musicais, para representa-los no programa “A hora dos estudantes”.

A mudança de nome de Victoria para Marlene ocorreu logo que ela foi aprovada nesses testes

e tal transformação veio resolver seu principal problema na tentativa de se firmar como cantora:

Marlene não seria anunciada como Victoria no programa da rádio, não sendo assim

imediatamente reconhecida por sua família, que não aprovava a carreira de cantora para ela,

tendo desta forma momentânea tranquilidade para continuar suas apresentações.

10 Nascido em Minas Gerais em 1903, pianista, compositor e radialista de diversos sambas e marchas, tem Aquarela do Brasil (1939) como sua música de maior sucesso. 11 Há divergências quanto ao ano oficial de nascimento da cantora, mas as maiores sinalizações são para 1922.

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Em São Paulo, ela trabalhou também na Rádio Tupi, onde foi descoberta por sua

família e proibida de prosseguir cantando. Com isso, Marlene fugiu para o Rio de Janeiro, onde

desenvolveu o restante de sua carreira. A cantora se casou em 1954 com o ator Luiz Delfino,

com quem teve seu único filho. A separação veio na década de 1960, período também do seu

segundo e último casamento. Sua carreira se desenvolveu ao longo da segunda metade do século

XX fosse cantando ou atuando em peças de teatro e na televisão. Marlene faleceu em junho de

2014 na cidade do Rio de Janeiro 12.

1.2 AS CANTORAS DO RÁDIO NA ÍNDÚSTRIA DA MÚSICA GRAVADA

BRASILEIRA.

As carreiras das quatro cantoras a que esta pesquisa se dedicou se iniciaram em

emissoras de rádio. De acordo com pesquisa do Instituto Cravo Albin, aos 13 anos de idade,

Linda Batista já cantava com sua irmã na Rádio Cajuti. Foi, porém, em 1936, aos 17 anos, que

sua carreira deslanchou ao substituir Dircinha no programa de Francisco Alves13 na mesma

estação. Segundo o acervo do instituto, Linda Batista havia sido chamada às pressas para cantar

no lugar da irmã, que estava atrasada para se apresentar. Já segundo a cantora em seu

depoimento ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, sua estreia solo no rádio teria

sido possível porque sua irmã fingira um desmaio para que ela pudesse também cantar. Fato é

que o grande sucesso da música “Malandro” de Claudionor Cruz14 em sua voz fez com que

Linda Batista seguisse cantando e assinasse contrato com a Rádio Nacional. Desta emissora, a

cantora foi para a Rádio Tupi, em 1943, retornando à Nacional em 1951, onde passou a ter um

programa próprio chamado “Coisinha Linda”. Em 1955, ela deixou novamente a emissora,

assinando contrato com a Rádio Mayrink Veiga de onde saiu em 1956 para retornar à Rádio

Tupi com um salário de 60 mil cruzeiros mensais. Já em 1959, Linda Batista retornou à

12 Informações retiradas do site http://dicionariompb.com.br/ - Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira e da biografia da cantora, citada na bibliografia desta dissertação. 13 Francisco Moraes Alves nascido em 1898 no Rio de Janeiro foi engraxate, operário e motorista de táxi antes de se tornar um dos cantores de maior sucesso do Brasil na era do rádio. Estreou em gravações em 1918 e manteve seu sucesso mesmo após sua morte em um acidente de carro em 1952. Chegou a gravar 983 discos de 78 rpm, lançando assim cerca de 1966 músicas em sua breve carreira. Cantou samba, samba-canção, valsa, marchinha, bolero, rumba e foi apelidado por Cesar Ladeira como o rei da voz. 14 Compositor brasileiro nascido em Minas Gerais em 1910

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Nacional onde teria sido o último contrato sobre o qual se tem notícia em relação à sua carreira

em estações de rádio.

A carreira da cantora se desenvolveu também em cassinos e boates da antiga capital

do país. Linda Batista teve grande destaque na noite carioca ao ser crooner do Cassino da Urca

e atuar em diversas boates após o fechamento dos cassinos em 1946. Ela chegou a permanecer

por cinco anos como atração principal da boate Vogue, além de ter cantado na boate Casablanca

e de ter tido a sua própria casa noturna no Plaza Hotel no Rio de Janeiro.

Linda Batista gravou 120 discos de 78 rotações, ao longo de sua carreira. Sua

primeira gravação, contendo a música “Oitava maravilha” data de 1939. Desse total, foram 61

discos lançados em 1940, 51 em 1950 e sete na década de 1960. Foram lançados seis LPs da

cantora, dois na década de 1950, um em 1973 e três póstumos, um em 1988, outro em 1996 e o

último sem data definida, segundo pesquisa do Instituto Cravo Albin. As músicas “Vingança”15,

“Pobre vive de teimoso”16, “Nega maluca”17, “Risque”18 e “Quero morrer no carnaval”19 podem

ser citadas como grandes sucessos interpretados por ela. A primeira dessas canções citadas foi

apontada pela artista, em seu depoimento ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro,

como sua gravação mais lucrativa. Há inclusive uma cena no filme Tudo Azul20 em que Linda

Batista ao iniciar sua apresentação musical brinca afirmando que cantaria uma canção, mas que

todos poderiam ficar tranquilos que não seria mais uma vez “Vingança”. Pode-se ter uma ideia,

com esses relatos, como a música havia alcançado grande sucesso na época:

“Eu gostei tanto

Tanto quando me contaram

Que a encontraram

Bebendo e chorando

Na mesa de um bar

E que quando os amigos do peito

Por mim perguntaram

15 Composta em 1951 por Lupicínio Rodrigues. 16 Composta por Donga em 1948. 17 Composta por Evaldo Rui, Linda Batista e Fernando Lobo em 1949. 18 Composta por Ari Barroso em 1952. 19 Composta por Luis Antonio e Eurico Campos em 1960. 20 Filme dirigido por Moacyr Fenelon em 1952.

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Um soluço cortou sua voz

Não lhe deixou falar

Mas eu gostei tanto

Tanto, quando me contaram

Que tive mesmo de fazer esforço

Para ninguém notar

O remorso talvez seja a causa

Do seu desespero

Ela deve estar bem consciente

Do que praticou

Me fazer passar esta vergonha

Com um companheiro

E a vergonha

É a herança maior que meu pai me deixou

Mas, enquanto houver força no meu peito

Eu não quero mais nada

E pra todos os santos

Vingança, vingança

Clamar

Ela há de rolar qual as pedras

Que rolam na estrada

Sem ter nunca um cantinho de seu

Para poder descansar.”

(Rodrigues, L.)

A cantora chegou também a escrever letras de músicas. O Instituto Cravo Albin

apresenta em seu dicionário oito composições feitas por ela e parceiros, como no caso de “Quem

gosta de passado é museu”21, “Amor ciumento”22, “Nossa homenagem”23, e somente sob sua

autoria, como “Oitava maravilha”, “Fumei”, “Olha a italiana”, “Tão sozinha” e “Você sempre

21 Composta com Jorge de Castro. 22 Composta com Aldacir Louro e Ivo Pereira Santos. 23 Composta com Henrique Beltrão.

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me dizia”. A carreira musical de Linda Batista foi formada em sua maioria por sambas,

marchinhas de carnaval e sambas-canção e ela tinha no carnaval o período principal de

lançamento de seus discos. A artista gravou três discos pela Odeon, todos na década de 1940,

passando a ser exclusiva da Victor/ RCA Victor até o início da década de 1960. Os discos se

mostraram, como será visto mais adiante, umas das grandes fontes de renda da cantora.

Dalva de Oliveira, por sua vez, iniciou sua carreira radiofônica na capital do país

na Rádio Ipanema, por volta de 1934. Ela havia sido descoberta pelo cantor de tango

Milonguita, um dos sócios da fábrica de chinelos em que ela trabalhava e dessa emissora de

rádio, ao ouvi-la cantar. Neste momento, a cantora não possuía contrato de exclusividade e

podia se apresentar em outras estações, como na Rádio Sociedade, Philips e na Rádio Cruzeiro

do Sul. Em 1935, ela foi contratada pela Mayrink Veiga, onde foi colocada por Ademar

Machado, diretor da emissora, para estudar canto com o maestro Gambardella e passou a

integrar o programa chamado “Donas de casa”. Na mesma rádio, conheceu Jaime Costa24 e

Vicente Celestino25 que a levaram para o teatro. Neste momento, Dalva de Oliveira já ganhava

dinheiro suficiente para trazer suas três irmãs – Nair, Lila e Margarida – para morar com ela e

sua mãe na pensão em que estavam (FONSECA, 1987).

Como integrante do Trio de Ouro, porém ainda com o nome do grupo sendo Dalva

de Oliveira e Dupla Preto e Branco26, ela e seus companheiros foram contratados pela Rádio

Mayrink Veiga em 1937. No ano seguinte, transferiram-se para a Rádio Tupi. Durante a

primeira metade da década de 1940, o conjunto fez também apresentações no Cassino da Urca

e no Cassino de Icaraí. A cantora manteve carreira solo paralela ao Trio de Ouro, tendo feito

parcerias com outros cantores, como Francisco Alves, por exemplo. Tal encontro originou a ela

o apelido Rainha da Voz em complemento ao apelido Rei da Voz que o cantor possuía. Além

disso, ela fez dublagens de filmes, como no caso de “Branca de neve e os sete anões” dos

estúdios Disney (FONSECA, 1987).

O Trio de Ouro com Dalva de Oliveira como uma de suas vocalistas durou de 1936

a 195027. Foram diversas as canções de sucesso, em sua maioria de autoria de Herivelto Martins,

cantadas por eles. Com o fim de sua participação no grupo, ela passou a contar com ajuda de

24 Compositor português nascido em 1909. 25 Nascido em 1894 e era mais conhecido por cantar valsas românticas. 26 A dupla foi inicialmente formada por Francisco Sena e Herivelto Martins em 1936. Com o falecimento de Sena, Nilo Chagas passou a compor a parte negra da dupla com o compositor branco. Em 1937, o conjunto passou a se chamar oficialmente Trio de Ouro com a oficialização de Dalva de Oliveira no grupo. 27 As últimas gravações do Trio de Ouro com Dalva de Oliveira foram feitas, porém, em 1949.

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amigos para continuar sua carreira. Vicente Paiva28 se tornou importante para tal quando

conseguiu convencer o diretor geral da Odeon, Anibal Conde, a deixar Dalva de Oliveira gravar

“Tudo acabado”29, no começo dos anos 1950. Paiva colocou seu cargo de diretor artístico da

gravadora à disposição caso a música não fizesse sucesso. A música se tornou um dos maiores

sucessos da carreira da cantora e foi a responsável por seus contratos solos tanto na Odeon

quanto na Rádio Nacional. Em 1952, a cantora assinou contrato com a Rádio Tupi, onde

permaneceu ao longo da década.

Dalva de Oliveira gravou 71 discos em carreira solo entre 1937 e 197030. Suas

gravações se dividiram entre três gravadoras: Victor em que lançou seu primeiro 78rpm,

Columbia, onde lançou nove 78rpms, todos na década de 1940, período em que lançou ao todo

11 discos de 78rpm, e Odeon onde lançou os demais. O auge de gravações da cantora aconteceu

na década de 1950, em que gravou 42 discos. Dalva de Oliveira chegou a gravar dois LPs já na

década de 1950, “Dalva” (1958) e “Dalva de Oliveira canta boleros” (1959). Na década de

1960, a cantora lançou 14 discos, sendo oitos LPs e seis 78rpms. Seu último disco foi “Bandeira

Branca”, lançado em 1970. Há registros de lançamentos de LPs e CDs póstumos com canções

de Dalva de Oliveira até 2006, mas não há registros de composições escritas por ela, mesmo

que existam controvérsias quanto a possíveis parcerias suas com seu ex-marido Herivelto

Martins enquanto formadores do Trio de Ouro. Por esse grupo, há registros de gravações com

a participação de Dalva de Oliveira em ao menos 48 discos, sendo o primeiro deles pela Victor

e os demais também pela Columbia e pela Odeon. O último disco gravado com ela em sua

formação foi o 78 rpm que continha “A primeira mulher”31 e “Vou guardar o meu pandeiro”32.

Dentre seus maiores sucessos em carreira solo, podem ser citadas canções

dramáticas como o bolero “Que será?”33 e “Errei sim”34 e sucessos do carnaval como “Zum-

zum” 35 e “Estrela do mar”36. Foi, porém, a música “Kalu”37 que Dalva de Oliveira classificou,

em seu depoimento no Museu da Imagem e do Som no Rio de Janeiro, como o maior sucesso

28 Compositor, instrumentista, arranjador e cantor brasileiro nascido em São Paulo em 1908. 29 Composta por J. Piedade e Osvaldo Martins. 30 A cantora faleceu em agosto de 1972. 31 Composta por Arno Canegal, A. Espírito Santo e Albertino da Rocha em 1948. 32 Composta por Herivelto Martins em 1949. 33 Composta por Mario Rossi e Marino Pinto em 1950. 34 Composta por Ataulfo Alves em 1950. 35 Composta por Paulo Soledade e Fernando Lobo em 1950. 36 Composta por Paulo Soledade e Marino Pinto em 1952. 37 Composta por Humberto Teixeira e Gui de Morais em 1952.

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de vendas de sua carreira. A artista chegou a vender 400.000 cópias do 78rpm contendo essa

música lançado em 1952:

“Kalu, Kalu

Tira o verde desses olhos de riba deu

Kalu, Kalu

Não me tente se você já me esqueceu

Kalu, Kalu

Seu olhar depois do que me aconteceu

Com certeza só não tendo coração

Fazer tal judiação

Você ta mangando di eu

Com certeza só não tendo coração

Fazer tal judiação

Você ta mangando di eu.”

(Teixeira, H. e Morais, de G.)

Em 1956, a cantora lançou “Teu castigo” de Antonio Carlos Jobim38 e Newton

Mendonça39, contribuindo para um dos primeiros grandes sucessos de Tom Jobim na música

nacional. Dalva de Oliveira se tornou uma referência em vendas de discos na década de 1950,

tanto que a gravadora Odeon passou a realizar festas para os lançamentos de suas gravações,

como aconteceu em 1953 com o 78rpm contendo “Sem ele”40 e “Encontrei afinal”41, em que

imprensa e diretores de associações e sindicatos de radialistas foram convidados e presenteados

com um broche de ouro e diamantes pela gravadora. Segundo entrevista dela à Revista do Rádio,

edição 243, sua renda trimestral com venda de discos chegara a 150 mil cruzeiros.

Em seu relato no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro e em sua biografia,

Emilinha Borba afirmou que sua primeira apresentação em uma emissora de rádio teria

38 Compositor, arranjador e instrumentista nascido na cidade do Rio de Janeiro em 1927, ficou conhecido, entre outros fatos, por grandes sucessos do período posterior ao auge da era do rádio, conhecido como Bossa Nova, e por suas parcerias com Vinícius de Moraes. 39 Compositor e instrumentista nascido no Rio de Janeiro em 1927. 40 Composta por Humberto Teixeira. 41 Composta por Hianto de Almeida e Haroldo de Almeida.

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acontecido por volta dos seus 11 anos de idade quando, graças a uma emergência, teve que

substituir sua irmã, Nena, em uma apresentação na Rádio Cajuti. Ela e sua avó estavam na

plateia à espera da apresentação da garota quando Emilinha foi chamada para se apresentar. A

garota acabou cantando a música “Telegrama”, a mesma canção que seria interpretada por

Nena42. Já por volta dos 13 ou 14 anos, de acordo com o dicionário do Instituto Cravo Albin,

Emilinha Borba, que já havia participado de programas de auditórios e inclusive ganho o prêmio

principal no programa de calouros de Ary Barroso ao cantar a música “O x do problema”43, foi

convidada pela então cantora mirim Bidú Reis44 para formar a dupla “As moreninhas” e cantar

no programa “A hora juvenil” na Rádio Cruzeiro do Sul.45 A dupla trabalhou também no

programa “Quarto de hora” da emissora Mayrink Veiga, fez participações em matinês no Teatro

Phoenix e no cinema Parisiense e gravou ainda um disco pela Continental chamado “Discoteca

Infantil”. Segundo depoimento de Emilinha ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro,

a dupla acabou por conta de um desentendimento entre elas.

Sua mãe Edith, por sua vez, trabalhava nesta mesma época como camareira no

Cassino da Urca e havia chamado a atenção da cantora Carmem Miranda46 que a escolheu para

que trabalhasse com exclusividade para ela. Dada a proximidade a que ambas chegaram e vendo

as dificuldades pelas quais Edith passava para sustentar seus sete filhos, a cantora pediu para

que ela lhe apresentasse alguma de suas filhas para que ela pudesse emprega-la em seu show.

Edith escolheu Emilinha, que contava com 16 anos na época e teve de se passar por uma garota

de 18 anos para ser aprovada47. A aprovação foi conseguida e a menina passou a cantar uma

música a cada show realizado diariamente no cassino. A partir desse momento, Emilinha

começou a ficar conhecida do público e foi contratada pela Rádio Nacional em 1942 de onde

se desligou meses depois, retornando em 1943 e permanecendo nela durante 27 anos, tendo seu

contrato encerrado apenas quando os programas de auditório chegaram ao fim.

42 Esta informação consta somente no depoimento de Emilinha para o MIS do Rio de Janeiro. 43 Autoria de Noel Rosa. 44 Cantora nascida em 1920 no Rio de Janeiro. 45 Há divergências entre os relatos de Emilinha, em sua biografia e em seu depoimento no Museu da Imagem e do Som, e as informações disponíveis no Instituto Cravo Albin quanto às datas em que esses eventos de início de carreira realmente aconteceram. 46 Nascida em Portugal em 1909, é considerada a cantora ‘brasileira’ de maior sucesso mundial. Primeira a sair do país para uma carreira internacional, Carmem Miranda gravou sambas e marchas, participou de filmes nacionais e internacionais. Ficou mundialmente conhecida graças ao seu trabalho e teve sua imagem atrelada ao Brasil e a elementos considerados nacionais a tal ponto que se tornou símbolo do país. 47 Em seu depoimento para o MIS do Rio de Janeiro, cantora afirmou que tal episódio teria acontecido aos seus 13 anos de idade.

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Emilinha Borba gravou 132 discos ao longo de sua carreira, sendo três deles na

década de 1930, todos pela gravadora Columbia, 23 na década de 1940, pela Columbia e pela

Continental, 72 na década de 1950, momento em que gravou por quatro diferentes companhias,

Continental, Columbia, RCA Victor e Todamérica, 21 na década de 1960, três nos anos 1970,

cinco na década de 1980, três na década de 1990 e dois nos anos 2000. Assim como ocorria

com as demais cantoras, seus lançamentos eram majoritariamente compostos por 78 rpms, o

primeiro LP da cantora, dentre os 14 lançados em toda sua carreira, datado de 1959 foi

“Calendário Musical” gravado pela Continental.

O primeiro contrato com uma gravadora foi firmado em 1939 com a Columbia e

seu primeiro disco conteve as canções “Faça o mesmo”48 e “Ninguém escapa”49. O primeiro

disco com o nome artístico Emilinha Borba foi gravado, por sua vez, em 1942 e contava com

as canções “O fim da festa”50 e “Eu tenho um cachorrinho”51 (ARML; FERREIRA, 2006).

Emilinha teve como maiores sucessos na era do rádio rumbas, marchinhas e boleros

que ou transmitiam mensagens de diversão para o público ou mensagens de amor. “Chiquita

Bacana”52, “Tomara que chova”53, “Vai com jeito vai”54 podem ser citadas como três das

músicas de maior sucesso cantadas por ela e que trazem o humor como elemento central das

composições. O bolero “Em nome de Deus”55, grande sucesso romântico dela, pode ser

mostrado como exemplo do estilo de canção de amor que ela gravava:

“Agora tu serás meu esposo

Cantará a glória em meu coração

Agora chorará de raiva, morrerá de inveja

Toda aquela gente que se intrometia

Em nosso santo Amor.

Agora estaremos juntos unidos prá sempre

Em nome de Deus.

48 Composta por Erastótenes Frazão e Antonio Nassara. 49 Composta por Erastótenes Frazão. 50 Composta por Nelson Teixeira e Nelson Trigueiro. 51 Marcha composta por Osvaldo Santiago e Georges Moran. 52 Composta em 1949 por Alberto Ribeiro e João de Barro. 53 Composta em 1951 por Paquito e Romeu Gentil. 54 Composta em 1957 por João de Barro. 55 Composta em 1955 por Lourival Faissal.

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Já vez minha vida como enfim a sorte nos acariciou

E já compreendestes o muito que vale

Lutar nesta vida com fé e com amor.

E que nem a inveja, nem ódio, nem ciúme

Não puderam nunca vencer nosso amor.

Ai agora estaremos juntos unidos prá sempre

Em nome de Deus.”

(Faissal, L. e Alvarado, C.)

De acordo com o site do Dicionário Cravo Albin de Música Popular, a cantora

chegou a lançar mais de seis discos por ano na década de 1950. Nos anos de 1956 e 1958, por

exemplo, Emilinha chegou a lançar oito 78 rpm. Em seu depoimento ao Museu da Imagem e

do Som no Rio de Janeiro, a artista questionou, porém, a fama de ser uma cantora de carnaval.

Segundo este relato, ela gravou um número de músicas de meio de ano equivalentes às

marchinhas que gravava para a festa, mas admitiu que o período em que mais recebia ofertas

de compositores era mesmo o período pré-carnaval. Emilinha Borba contou que, nessa época,

chegava a receber mais de dez compositores interessados em que ela gravasse suas canções.

Em declaração dada pela própria cantora, ela afirmou não ter preferência entre ritmos que lhe

eram apresentados, ela os escolhia de acordo com a melodia que recebia, não havendo diferença

para ela se era um ritmo nacional ou não. Em seu diário na edição de número 186 da Revista do

Rádio, a cantora reclamou, em tom fraternal, da pressão dos compositores para que ela gravasse

suas canções:

“Aliás, acontece uma história curiosa com esse assunto de músicas e compositores.

Eles procuram a gente, mostram a melodia. Se gostamos, exigem que a gravamos.

Como? Se possuo apenas seis discos por ano, contando com o carnaval? Se eu fosse

gravar tudo que me aparece, logo em fevereiro acabava com o total! Ora, o autor só

entrega a melodia quando tem certeza do disco. É o repertório, vai constar de apenas

12 melodias em 12 meses? Isso não fatigaria os ouvintes? É preciso que os

compositores sejam mais bonzinhos. Que deixem os cantores incluírem a melodia no

seu repertório, gravando-a quando sentir que a mesma vai causar grande ou pequeno

sucesso. Mas, sempre um sucesso. Assim, como está, é que não é possível, não

acham?” (BORBA, E. Diário de Emilinha, Revista do Rádio, 186, p. 15, 03/1953).

Marlene, apesar de ter trabalhado em emissoras de rádio de São Paulo antes de ficar

conhecida no restante do país, foi a única das cantoras aqui estudadas que teve seu início de

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carreira alavancado pelas suas apresentações em cassinos e não em programas de emissoras de

rádio. Como foi apresentado anteriormente, a cantora fugira para a capital do país para poder

continuar a trabalhar no meio musical. Para conseguir emprego, ela tirou fotos em que

disfarçava sua pouca idade e as enviou, juntamente com uma carta de intenção, para o

empresário Armando Silva Araújo, que se interessou por ela, pagou sua passagem e sua

hospedagem na capital para conhecê-la e fazer testes. Ao chegar ao Rio de Janeiro, ela foi

levada pelo empresário para a casa dele para morar com sua família para que ele evitasse

problemas pelo fato de ela ser menor de idade. O fato de Marlene relatar ter enviado a ele apenas

a tal carta acompanhada de algumas fotos mostra a importância que a aparência física dessas

cantoras já tinha para os meios de trabalho que poderiam contratá-las. Mesmo não conhecendo

a voz da garota, a propaganda feita por ela de seus poucos trabalhos anteriores aliada à sua

aparência foram relevantes para que o empresário a levasse para a capital custeando suas

despesas.

Marlene foi aprovada em testes para o Cassino de Icaraí em Niterói e com o sucesso

de suas apresentações, ela passou a ser conhecida na noite carioca, a ponto de o empresário

Carlos Machado a convidar para uma excursão na Argentina que seria sua entrada também para

o Cassino da Urca, o mais famoso do Rio de Janeiro na época. Substituindo Linda Batista,

Marlene se tornou estrela principal do cassino em 1945 e após seu fechamento56, foi levada por

Machado e Caribé da Rocha para a boate Casablanca no hotel Copacabana Palace para ser

crooner57.

Entre sua ida dos cassinos para as boates, ela já havia feito apresentações na Rádio

Mayrink Veiga, chegando a ser contratada pela Rádio Globo do Rio de Janeiro. Entretanto foi

o sucesso da marcha “Coitadinho do papai”58 que tirou a cantora definitivamente do anonimato.

Graças à sua repercussão, Marlene foi convidada pelo locutor Cesar de Alencar59 e pelo diretor

Vitor Costa60 para se apresentar na Rádio Nacional e concorrer ao concurso de Rainha do Rádio

56 Graças à lei aprovada pelo então presidente Dutra em 1946 que colocava como ilegais as atividades de jogo no país. 57 Segundo relatos da própria Marlene, o trabalho de crooner era todo baseado em improvisação e conhecimento de repertório. Suas apresentações começavam geralmente às 21hrs e se estendiam até às 4 horas da manhã. Ela tinha que elaborar um repertório que coubesse nesse período e tentar conhecer todos os possíveis pedidos do público. 58 De Henrique de Almeida e M. Garcez. 59 Nascido em 1917 em Fortaleza, CE, começou a ganhar destaque na Rádio Nacional quando Paulo Gracindo deixou a emissora indo para a Rádio Tupi. Chegou a gravar sambas e marchas com Marlene, Emilinha Borba entre outros e a compor para cantores como Cauby Peixoto no caso o samba “Se você pensa” (1953). Seu programa ia ao ar aos sábados e Emilinha Borba era sua estrela principal. 60 Ex-rádio ator nomeado por Getúlio Vargas para ser o principal diretor da Rádio Nacional na década de 1950.

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de 1949, que tinha Emilinha Borba como principal candidata na disputa. Com sua vitória, a

cantora assinou contrato com a Rádio Nacional, de onde não mais saiu até o fim dos programas

de auditório.

Marlene foi a única destas cantoras a ter iniciado sua carreira discográfica apenas

na década de 1940. A cantora lançou ao todo 108 discos, sendo 12 de 78rpm nos anos 1940, 61

discos nos anos 1950 entre três LPs e 58 discos de 78 rotações, 10 discos na década de 1960,

20 na década de 1970, dois nos anos 1980, dois nos anos 1990 e um nos anos 2000. Marlene

iniciou sua carreira pela gravadora Odeon, passou pela Star, permaneceu durante metade da

década de 1950 na Continental quando assinou contrato com a Sinter e passou a se revezar entre

ela, RCA Victor, Odeon, a própria Continental, entre outras, como a Som Livre. Seu primeiro

78 rpm que contava com as músicas “Swing no morro”61 e “Ginga, ginga moreno”62 foi lançado

em 1946 pela gravadora Odeon.

A carreira musical de Marlene nas décadas de 1940 e 50, assim como a de Linda

Batista, foi essencialmente marcada por sambas. A grande diferença entre as duas nesse quesito

esteve, porém, no conteúdo das letras que gravavam. Enquanto Linda Batista, como se verá

mais adiante, teve seu repertório marcado por sambas mais lúdicos ou de exaltação, Marlene

afirmou, em depoimento reunido por seu fã-clube, que sempre buscava gravar músicas que

relatassem o dia a dia do povo brasileiro e que isso era o que, para ela, uma cantora popular

deveria fazer. Músicas como “Sapato de pobre”63, “Zé Marmita”64 e Lata d’água65” podem ser

citadas como grandes sucessos dela nesse sentido. “Sereia da areia”66, “Tome polca”67 e “Qui

nem jiló”68 também foram grandes sucessos de Marlene, que chegou a compor para outras

artistas como no caso da canção “A grande verdade” gravada por Dalva de Oliveira em 1951:

“Vai não posso prender

Não te quero obrigar

A mentir se não queres ficar Não convém insistir

Não convém iludir pra mais tarde sofrer

61 De Amado Régis e Felisberto Martins. 62 De João de Deus e Hélio Nascimento. 63 Composta por Jota Junior e Luis Antonio em 1951. 64 Composta por Brasinha e Luis Antonio em 1953. 65 Composta por Jota Junior e Luis Antonio em 1952. 66 Composta por João de Barro, Antonio Almeida e Nassara em 1951. 67 Composta por José Maria de Abreu, Luiz Peixoto e Guio de Morais em 1950. 68 Composta por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira em 1949.

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Não me tens amizade

essa é a grande verdade

Por isso não vejo razão

Para nossa união meu amor

Sonho, que mera ilusão

Tudo vai terminar

Quando um dia o remorso chegar

E da felicidade existir a saudade no seu coração

Trazes então ao teu lado meu vulto meio apagado

Revivendo um amor desesperado.”

(Marlene e Bittencourt, L.)

As diversas tentativas feitas por essas mulheres de entrada no meio radiofônico,

acima descritas, exemplificam a importância desse veículo de comunicação como uma forma

de trabalho já nas décadas de 1930 e 40. As emissoras de rádio foram os principais meios de

divulgação das músicas interpretadas pelas cantoras destacadas nessa pesquisa e era a partir do

sucesso que elas faziam frente ao público do rádio, medido por cartas e telefonemas às estações,

que elas iam sendo disputadas tanto pelas emissoras quanto pelas gravadoras para contratos de

exclusividade.

Tais contratos com as rádios passaram a ser um costume no país a partir da década

de 1930. Com a permissão dada por Getúlio Vargas69 de veiculação de propagandas nas

transmissões em 1932, passou a haver uma nova renda para as emissoras que poderia ser

revertida em melhorias em programações, bem como em pagamento de cachês e salários para

artistas. Essa permissão ampliou também a capacidade técnica das estações, fez com que mais

artistas pudessem ser contratados para trabalhar nelas e aumentou seus índices de audiência, já

que elas passaram, com a renda extra, a ampliar suas capacidades de difusão (FENERICK,

2005).

Dentre as emissoras de rádio presentes nas biografias artísticas das quatro cantoras

citadas, a Rádio Nacional recebe destaque nas análises da bibliografia lida para esta pesquisa.

Segundo Calabre (2002), a Rádio Nacional foi criada com o objetivo de se tornar a maior

emissora do país, tanto que seu elenco contava com artistas exclusivos e conhecidos já em sua

69 Presidente do Brasil entre os anos de 1930 a 1945 e de 1950 a 1954.

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inauguração, em 12 de setembro de 1936. Ela foi se tornando importante no nascente cenário

radiofônico brasileiro ao contratar diversos artistas e produtores interessados em desenvolver

programas de variedades e caça-talentos, como Almirante70 e Cesar Ladeira71, criador de

diversos bordões para diferenciar e homenagear artistas formadores do elenco exclusivo de seu

programa. Almirante desenvolveu os programas “Curiosidades Musicais” e “Caixa de

Perguntas” que logo conquistaram grande audiência. Ele, o maestro Radamés Gnatalli72 e o

diretor José Mauro73 passaram a formar o núcleo produtor dos principais programas da Rádio

Nacional no final da década de 1930 e começo da de 1940.

Em 8 de março de 1940, o então presidente Getúlio Vargas criou as empresas

incorporadas ao patrimônio da União, anexando a Rádio Nacional a elas e nomeando Gilberto

Goulart de Andrade como seu novo diretor. A incorporação da emissora fazia parte do projeto

de Vargas de ter uma rádio sob o controle do Estado para levar as mensagens de seu governo,

transmitir valores e ideais identitários pré-determinados ao povo brasileiro e contribuir para a

política de integração territorial que ele levava a cabo. O novo diretor criou o departamento de

estatísticas da rádio, que contava principalmente as cartas recebidas por semana, além de novos

mecanismos de seleção de talentos, como as provas práticas e diversos concursos de auditório,

como o “Concurso Gaitas de Boca”, comandado por Almirante (SAROLDI; MOREIRA, 2006).

A Rádio Nacional recebia investimentos de anunciantes, mas também do próprio

governo Vargas, que tinha como um dos objetivos acalmar os ânimos do país em uma época

politicamente conturbada tanto interna quanto externamente. A rádio se tornou um veículo de

massa prioritário para ele em sua tarefa de controle e de comunicação com o povo e o governo

não poupou esforços para expandi-la, investindo maciçamente na emissora, melhorando sua

70 Nascido em 1902 também em Vila Isabel, Henrique Foreis Domingues recebeu esse apelido à época em que serviu a marinha em 1926, cantor, compositor, musicólogo, radialista, produtor, também formou o Bando dos Tangarás, firmando parcerias com Noel Rosa, Lamartine Babo, Braguinha entre outros. Criou diversos programas para a Rádio Nacional, como “Incrível, Fantástico, Extraordinário!” (1947) e “O Pessoal da Velha Guarda” (1948). 71 Nascido em 1910 em Campinas - SP, era jornalista e radialista. Chegou a atuar no filme “Alô, alô, Brasil” (1935) e a dirigir espetáculos no Cassino da Urca, foi para a Rádio Nacional em 1948 e chegou à TV Tupi em 1967. Ficou famoso também por criar bordões para anunciar cantores famosos como Carmem Miranda (A pequena notável), Silvio Caldas (O caboclinho querido), Emilinha Borba (A garota grau dez), entre outros. 72 Compositor, arranjador, pianista e regente nascido em 1906 em Porto Alegre, RS. Foi contratado pela Rádio Nacional em 1936, onde orquestrava diversos de seus programas e diversas apresentações dos seus mais famosos cantores. Continuou trabalhando inclusive na televisão, sendo contratado da TV Globo. 73 Nascido em Cataguazes, MG, foi repórter do jornal A Noite e em 1937 foi contratado pela Rádio Nacional, onde atuou como redator de anúncios e posteriormente, 1939, como diretor artístico, criando diversos programas como “Carta Enigmática” (1940) e “Instantâneos Sonoros do Brasil” (1940) juntamente com Almirante. Trabalhou na Rádio Tupi e na Rádio Eldorado, tendo sido o primeiro diretor da TV Tupi, produzindo programas musicais.

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tecnologia de transmissão e fazendo que ela chegasse a pontos distantes do país, difundindo

imagens sobre artistas e sobre a capital brasileira (TINHORÃO, 2014).

Já na década de 1940, multinacionais, como a Coca-Cola, começaram a se interessar

em investir nos programas da emissora. Tal empresa patrocinava um programa específico, o

“Um milhão de melodias”, programa que, além de selecionar novos talentos para a rádio,

contava com uma orquestra própria comandada por Radamés Gnatalli, que executava as

canções escolhidas por meio de pesquisas com audiência e patrocinador (SAROLDI;

MOREIRA, 2006). Como alguns patrocinadores chegavam a dar o nome aos programas, Ortiz

(1994b) coloca que esses anunciantes não podiam ser vistos apenas como patrocinadores, mas

como propriamente produtores de cultura, já que sua entrada ou não como financiadores da

programação determinava a própria existência de muitos deles. Os anúncios, por sua vez, iam

deixando de ser criados sob improviso de artistas e passavam a ser elaborados por agências de

publicidade, que se aproveitavam de marchinhas de carnaval que já eram sucesso para criar

suas propagandas ou também acabavam tornando seus anúncios sucessos na boca do povo

também durante o carnaval.

Ainda nos anos 1940, foram inaugurados os dois auditórios da rádio, o primeiro

contando com 486 lugares (AGUIAR, 2007) e o segundo com aproximadamente 1000 lugares

(TINHORÃO 2014). Havia, segundo Fenerick (2005), relativo equilíbrio em audiência entre as

emissoras até a incorporação da Rádio Nacional ao patrimônio da União, quando os

investimentos do governo somados aos dos patrocinadores a colocaram em outro patamar. O

rádio era o meio de comunicação prioritário no projeto de integração nacional do então

presidente Vargas e ele não poupou esforços em questão de tecnologia e artistas contratados

para fazer crescer a emissora estatal. Todos os grandes astros nacionais das décadas de 1940 e

1950 possuíram contratos com a emissora. Contudo, segundo o pesquisador, eles estavam mais

interessados na repercussão que ser um artista da Rádio Nacional traria para suas carreiras do

que com os salários que recebiam, já que tal renda era inferior à que alcançavam com venda de

discos e cachês de shows.

Dados os investimentos estatais feitos para que a emissora alcançasse os pontos

mais longínquos do território nacional, trabalhar como um artista da Rádio Nacional

significava, portanto, aumentar as chances de se tornar conhecido e querido no país,

aumentando, também, as possibilidades de ser contratado para trabalhar em outros locais, como

produtoras de cinema e companhias de teatro de revista. No caso de cantores e cantoras, o

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sucesso que seus trabalhos poderiam alcançar na programação da emissora fazia com que a

procura pelo artista por compositores também se tornasse maior, assim como as possibilidades

de excursionar pelo interior do Brasil. As remunerações alcançadas pelas cantoras aqui

estudadas, expostas no próximo capítulo, com vendas de discos e cachês em turnês mostram a

importância que tinha a divulgação de suas músicas pela emissora, mas acima de tudo, mostram

a importância que esses trabalhos tinham para seus rendimentos. As comparações de seus

salários na Nacional com o que elas ganhavam com grandes excursões, dados também presentes

no seguinte capítulo, mostram a relevância que os shows tiveram em suas carreiras na década

de 1950. Em casos como o de Dalva de Oliveira, que permanecia por meses fora do país

excursionando, eram comuns problemas de relacionamento com diretores de emissoras de rádio

pelo fato de a cantora privilegiar seus shows em detrimento a apresentações nas estações com

as quais teve contrato, como pode ser visto em reportagens da Revista do Rádio.

Os produtores e artistas da Rádio Nacional, por sua vez, criavam e recriavam

expressões, estilos de vida, ideais de consumo, forjavam identidades e comportamentos que

influenciaram boa parte do Brasil. Aguiar (2007) aponta o Anuário do Rádio de 1950 e sua

pesquisa sobre quais eram os cantores mais queridos pelo público como o exemplo de que todos

eles tinham contratos firmados com a Nacional: 1º lugar Orlando Silva74 (15% dos votos), 2º

Francisco Alves (14%), 3º Silvio Caldas75 (13%), 4º Emilinha Borba (11%), 5º Vicente

Celestino (9%) e 6º Carlos Galhardo76 (6%). Nomes como Cesar Ladeira, Paulo Gracindo77,

74 Nascido em 1915 na cidade do Rio de Janeiro, foi lançado por Chico Alves na Rádio Cajuti em 1934 e assinou contrato com a Rádio Nacional meses antes de ela ser inaugurada, tendo um programa exclusivo na emissora. Apelidado de “O cantor das multidões” gravou diversos sambas, muitos de Noel Rosa e Ataulfo Alves, e diversos sambas-canção. 75 Nascido em 1908 no Rio de Janeiro se especializou na gravação de sambas e marchas, principalmente de Ary Barroso, fazendo inclusive dueto com Carmem Miranda na música “Quando eu penso na Bahia” (1936). Ficou conhecido também pelo sucesso da gravação de “As pastorinhas” (1938) de Noel Rosa e João de Barro e ganhou diversos prêmios de melhor gravação ou melhor marcha nos concursos de carnaval. 76 Nascido em Buenos Aires em 1913 veio para o Brasil no ano seguinte, foi contratado pela RCA Vitor após cantar o samba “Até Amanhã” de Noel Rosa, sendo incentivado por Francisco Alves, Mario Reis e Lamartine Babo, ficou famoso também por gravar diversas músicas de Ataulfo Alves. 77 Nascido no Rio de Janeiro em 1911, além de apresentar programas e participar de humorísticos no rádio, fazia radionovelas e posteriormente novelas na TV, como “O Bem Amado” da TV Globo. Seu programa ia ao ar aos domingos na Rádio Nacional.

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Paulo Tapajós78, Brandão Filho79, Almirante, Mario Lago80, Cauby Peixoto81, Angela Maria82,

entre outros, não foram mencionados na pesquisa de opinião, mas também eram grandes astros

e estrelas do período e estavam entre o quadro de contratados da emissora. No final da década

de 1940, a rádio faturava 50 milhões de cruzeiros contra 24 milhões da segunda colocada no

IBOPE, a Tupi.

Um de seus principais programas em questão de audiência eram os chamados

programas de auditórios. Eram neles também que se apresentavam, por sua vez, as cantoras

aqui analisadas. A primeira pessoa a idealizá-los e realiza-los na Nacional foi Almirante que

em abril de 1938 estreou o programa “Curiosidades Musicais” que ia ao ar às segundas-feiras

e era patrocinado por uma marca de sabonetes famosa na época. Logo em agosto do mesmo

ano, ele lançou o programa “Caixa de Perguntas”, que era patrocinado por um remédio digestivo

também famoso, que passou a oferecer prêmios aos participantes. Esses programas de

Almirante abriram espaço para outros programas como os de Manoel Barcelos83, Paulo

Gracindo e Cesar de Alencar que tinham de três a cinco horas de duração e misturavam números

musicais, de variedades, sorteios e levavam as fãs dos cantores e cantoras a se aglomerarem nas

portas do edifício A Noite para conseguir um lugar no auditório.

O “Programa Cesar de Alencar” foi o programa apontado como o de maior sucesso

da Rádio Nacional. Indo ao ar aos sábados, ele chegou a ter quatro horas de duração e contar

com uma equipe de montagem, três locutores e de ser formado por quadros musicais e

concursos de talento e de sorte. O quadro mais esperado era chamado “Parada dos Maiorais” e,

78 Cantor, compositor e radialista, nascido em 1913 no Rio de Janeiro trabalhava na Rádio Nacional como cantor, mas também como produtor artístico, criando diversos programas, como: “Quando Canta o Brasil”, “Quando os maestros se encontram” e “A turma do Sereno”, um dos maiores sucessos da rádio. 79 Nascido em 1910 no Rio de Janeiro ficou famoso no país por seus papéis de humor, entre eles o personagem ‘primo pobre’ ao lado do ‘primo rico’ Paulo Gracindo. Levou este e outros personagens que interpretava na rádio também para a televisão. 80 Nascido no Rio de Janeiro em 1911, foi compositor, escritor, teatrólogo, radialista e ator de televisão. Compôs diversos sambas, marchas, sambas-canção e baiões de sucesso. 81 Nascido em Niterói, RJ, apareceu para o público pela primeira vez em um programa de calouros da Rádio Tupi. Atuava como crooner em boates cariocas e paulistas, dedicava-se à gravação de sambas-canção e tinha uma desenvoltura para cantar em inglês que chamava a atenção de gravadoras e empresários. Cauby Peixoto viria substituir Orlando Silva no primeiro lugar dos sucessos românticos da década de 1950. 82 Nascida em 1929 em Conceição de Macabu, RJ, cantava no coral da igreja Batista e se tornou cantora a contragosto de sua família. Inscreveu-se em diversos programas de auditório, chamando a atenção pela admiração que tinha em relação a Dalva de Oliveira. Apelidada por Getúlio Vargas de Sapoti, Angela Maria, nascida Abelim Maria da Cunha, adotou esse pseudônimo para que sua família não a identificasse nos programas e shows que fazia. Gravou sambas, boleros e sambas-canção de diversos autores, tendo sido eleita rainha do rádio em 1954. 83 Radialista nascido no Rio Grande do Sul. Apresentava seu programa às quintas-feiras na Rádio Nacional e tinha a cantora Marlene como apresentação principal.

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nele, os intérpretes das músicas mais pedidas da semana se apresentavam. Emilinha Borba era

sempre a cantora encarregada de encerrar tal quadro. O sucesso do programa era tamanho que

seu aniversário de dez anos foi comemorado no ginásio de esportes Maracanãzinho em 11 de

junho de 1955 e contou com a presença de diversos artistas contratados da emissora, além de

público de 18 mil pessoas (AGUIAR, 2007).

Grande parte do sucesso que esses programas de auditório faziam era devido,

segundo Calabre (2002b), à participação dos cantores populares e da possibilidade de conhecê-

los e estar entre eles. O rádio e o disco haviam criado essa ligação entre público e artista e

conhecer o ídolo se tornava para muitos um sonho que os programas de auditório poderiam

realizar. Inicialmente não eram cobrados ingressos, mas com o aumento da procura, graças à

participação de cantores e cantoras de sucesso, a cobrança passou a ser vista como necessária

por seus produtores principalmente para selecionar o público. Os programas faziam tamanho

sucesso que acabavam sendo contratados por prefeituras ou mesmo particulares para se

apresentar em outras cidades do país, indo toda a produção e todos os componentes junto

(TINHORÃO, 2014).

Emilinha Borba e Marlene eram duas das cantoras aqui estudadas que possuíam

participações fixas nos principais programas em termos de audiência da Rádio Nacional.

Emilinha Borba era estrela principal do “Programa Cesar de Alencar” e do programa “A

felicidade bate a sua porta” e dividia com Marlene as atenções do “Programa Paulo Gracindo”.

Marlene era apresentada, por sua vez, como a principal cantora do “Programa Manoel Barcelos”

que ia ao ar na emissora às quintas-feiras. O “Programa Cesar de Alencar” ocupava as tardes

de sábado da rádio e o “A felicidade bate a sua porta” era a principal atração dos domingos.

Neste programa, um bairro da cidade do Rio de Janeiro era sorteado para que Emilinha ali se

apresentasse. Além disso, havia a indicação, dentro deste bairro, de uma casa para que a cantora

visitasse e questionasse se havia nela algum produto de um dos patrocinadores do programa.

As quatro cantoras aqui estudadas faziam também participações especiais em outros

programas da emissora, como no caso de Marlene em que há registros de aparições no

“Programa Cesar de Alencar”, “Gente que brilha”, “Trem da Alegria”, “Show dos bairros”,

entre outros. A cantora teve também seu programa exclusivo na emissora a partir de 1955, o

intitulado “Marlene, meu bem” em que ela contracenava com seu marido Luiz Delfino

encenando histórias de casais. Linda Batista, como visto, chegou a ter também seu próprio

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programa de rádio. Ele, no entanto, recebeu menos detalhamento nas leituras feitas do que os

anteriormente citados.

Nestes programas, as cantoras apresentavam seus grandes sucessos do momento,

mostravam as novidades que estavam lançando, respondiam a rápidas perguntas dos locutores

sobre como estavam, o que haviam feito na semana, mandavam recados para seus e suas fãs,

faziam propagandas dos principais produtos patrocinadores da atração e recebiam inúmeros

presentes de seus admiradores e fãs-clubes, como faixas, flores, cestas de frutas ou artigos de

higiene.

A grandiosidade a que chegaram tais programas e estações de rádio, contando com

os cantores mais queridos do país, somente foi possível graças à permissão de anunciantes para

que as emissoras de rádio pudessem se desenvolver. De associações de pessoas reunidas em

residências para testar aparelhos transmissores e tocar discos de suas preferências, as rádios

foram se transformando em empresas com rendas e faturamentos diversos. A dependência delas

em relação a gravações de discos também foi se invertendo e, com sua expansão e o aumento

de sua audiência, elas passaram a direcionar quais seriam as prioridades na contratação das

gravadoras, ou seja, quais os ritmos e artistas mais pedidos e ouvidos nas emissoras e que seriam

os que estariam entre os mais vendidos nos discos.

As cantoras do rádio aqui analisadas fizeram parte do que Fenerick (2005) chamou

de segunda fase da produção fonográfica nacional, ou seja, a fase elétrica de gravação de

discos84, e percorreram caminho inverso ao de artistas como Carmem Miranda85 e Francisco

Alves86, que podem ser citados como os que primeiro fizeram sucesso nos discos para depois

difundir seus trabalhos em emissoras (FENERICK, 2005).

O barateamento tanto dos aparelhos de discos quanto dos próprios discos já havia

contribuído para a difusão de artistas e para o crescimento das emissoras de rádio e

84 A primeira gravação desta fase, que ficou marcada pela vinda de grandes gravadoras norte-americanas para o

país e por melhorias nos sistemas de gravação e nos aparelhos reprodutores, é datada de 1927.

85 Nascida em Portugal em 1909, é considerada a cantora ‘brasileira’ de maior sucesso mundial. Primeira a sair do país para uma carreira internacional, Carmem Miranda gravou sambas e marchas, participou de filmes nacionais e internacionais. Ficou mundialmente conhecida graças ao seu trabalho e teve sua imagem atrelada ao Brasil e a elementos considerados nacionais a tal ponto que se tornou símbolo do país. 86 Francisco Moraes Alves nascido em 1898 no Rio de Janeiro foi engraxate, operário e motorista de táxi antes de se tornar um dos cantores de maior sucesso do Brasil na era do rádio. Estreou em gravações em 1918 e manteve seu sucesso mesmo após sua morte em um acidente de carro em 1952. Chegou a gravar 983 discos de 78 rpm, lançando assim cerca de 1966 músicas em sua breve carreira. Cantou samba, samba-canção, valsa, marchinha, bolero, rumba e foi apelidado por Cesar Ladeira como o rei da voz

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consequentemente do público. A formação do sistema de venda a crédito possibilitou que ainda

mais famílias comprassem seus aparelhos de rádio e de disco a partir da década de 1930, o que

iniciou a formação de novo mercado para cantores e compositores e originou também uma

competição pelo público (CABRAL, 1996). Junto a isso, o crescimento das emissoras de rádio,

principalmente graças à publicidade, fez com que essa estrutura formada por discos, emissoras

de rádio, artistas e fãs se ampliasse, como se verá adiante.

Esse período de surgimento da indústria fonográfica e do rádio é colocado por

Ghezzi (2011) também como um período em que a música popular passava por mudanças, com

o desenvolvimento do samba e a criação das marchinhas. Além disso, o aumento na venda de

discos foi o responsável pela vinda mais rápida e maior de músicas estrangeiras para o Brasil,

fazendo com que se acentuasse a influência delas sobre os ritmos nacionais (FENERICK,

2005).

Percebe-se que a música já gerava renda tanto para quem a compunha quanto para

quem a cantava. Inicialmente, quem compunha vendia suas letras, quem cantava vendia os

discos, fazia shows, ia para as emissoras de rádio. Posteriormente, como se viu, os artistas

passaram a ser revelados em programas das emissoras de rádio, a assinar contratos com

gravadoras e a ser procurados por compositores para gravar suas canções. A música se

transformava, assim, em um meio de ascensão social e econômica para os profissionais ligados

a ela e o rádio em um meio de comunicação central para o desenvolvimento de diversas esferas

da carreira dos artistas. 87

1.3 O CINEMA E A CARREIRA DAS CANTORAS DO RÁDIO.

O cinema já funcionava como um mercado de trabalho para os cantores e bandas

do começo do século XX no Brasil mesmo quando ainda era mudo, pois os artistas realizavam

acompanhamento musical das cenas durante as exibições de filmes, mas também faziam

pequenos shows nas salas de espera. Nomes como Ary Barroso, Pixinguinha88 e Ernesto

87 Para maiores informações sobre a formação da indústria fonográfica nacional, vinda de gravadoras para o Brasil, desenvolvimento de ritmos populares e profissionalização dos artistas, ver: FENERICK, José Adriano: Nem no morro nem na cidade; GHEZZI, Ribas Daniela: Música em transe: o movimento crítico da emergência da pb e TINHORÃO, José Ramos: Música popular: do gramofone ao rádio e TV; 88 Alfredo da Rocha Viana nasceu no Rio de Janeiro em 1897, era compositor, instrumentista e orquestrador, realizou sua primeira gravação em 1911, gravou diversos sambas atualmente conhecidos como clássicos

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Nazaré89 aparecem citados tanto por fazerem essas pequenas apresentações como por

participarem da orquestração das cenas das produções. Em muitos casos, cantores, que já

participavam de filmes, passaram a dublar as próprias vozes durante a exibição das produções

em suas cidades.

O desenvolvimento do disco no país e o sucesso das músicas de carnaval junto ao

público fizeram com que os produtores passassem a contratar cada vez mais os artistas

populares e a utilizar suas músicas em seus filmes. Os sucessos de Coisas Nossas90 de 1931,

com seleção de canções feitas por Braguinha e com sequência de diversos quadros com artistas

já conhecidos, e dos filmes da Cinédia elucidam essa relação que se ampliou com o

desenvolvimento das emissoras de rádio, que passaram a ceder seus profissionais para as

produções, fossem eles cantores, produtores ou mesmo maestros.

O cinema se tornou, assim, relevante para esta pesquisa por ter sido um dos meios

de trabalho mais importantes para as cantoras aqui analisadas. À medida que os e as artistas do

rádio se tornavam famosos, eles iam sendo contratados por estúdios para participações em suas

produções como forma de chamar a atenção da audiência para as películas produzidas, pois era

apenas no cinema que grande parte da população tinha a oportunidade de ver essas pessoas em

movimento. A produção cinematográfica das décadas de 1940 e 50 ia buscando, então,

beneficiar-se, em questão de alcance de público e retorno financeiro, do sucesso que esses

artistas alcançavam em suas carreiras.

O principal gênero de filmes que contou com a participação dos profissionais do

rádio foram as chanchadas, um tipo de produção influenciada pelo circo, rádio, cinema

estrangeiro e pelo teatro de revista. Elas eram uma forma de comédia de cunho popular e traziam

temas próximos do cotidiano, heróis com os quais o público se identificava ou com os quais

simpatizava, um humor de fácil compreensão e números musicais protagonizados por artistas

conhecidos (MEIRELLES, 2005).

Foi nesse tipo de cinema que também as cantoras desta pesquisa mais realizaram

participações. A tabela anexa ao final desta dissertação mostra que Linda Batista esteve em um

nacionais e integrou alguns grupos, tendo sido o mais famoso o “Os oito batutas”, que tocava em salas de esperas de cinemas. Fizeram diversas excursões pelo país e até mesmo temporadas fora dele, como a passagem de um mês em Paris em 1922. 89 Compositor e instrumentista nascido no Rio de Janeiro em 1863. Compôs tangos, valsas, polcas e choros. 90 Dirigido por Alberto Byington Jr e Wallace Downey, de título inspirado em canção de Noel Rosa e com participação de artistas como Paraguaçu e Alzirinha Camargo.

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total de 30 filmes em sua carreira, tendo sido o primeiro deles em 1938, Maridinho de Luxo91 e

o último Virou Bagunça92 em 1960. Na década de 1930, a cantora atuou em duas produções, na

de 1940 em 14, na de 1950 em 13 e em uma nos anos 1960. Dalva de Oliveira, por sua vez,

participou de 13 filmagens, a primeira, ainda com o Trio de Ouro, em 1943 na produção Samba

em Berlim93 e a última em 1970 no filme Os herdeiros94. Sua presença é registrada em sete

filmes na década de 1940, cinco na de 1950 e um em 1970. Emilinha Borba esteve em 42 filmes,

sendo o primeiro deles Banana da Terra95 de 1939 e o último Carnaval Barra Limpa96 de 1967.

A cantora participou de um filme na década de 1930, 14 produções na de 1940, 24 nos anos

1950 e três na década de 1960. Marlene, por sua vez, estreou no cinema em Corações sem

piloto97 de 1944 e encerrou suas participações com Profissão mulher98 de 1982. A artista fez

sete filmes nos anos 1940, oito nos anos 1950, um nas décadas de 1960, 70 e 80, totalizando 18

participações.

Mesmo que grande parte de suas performances cinematográficas tenham se

limitado a aparições em números musicais curtos, algumas vezes desconectados do restante da

narrativa da obra, as cantoras serviram de chamariz para o público a ponto de estarem sempre

presentes nos cartazes de promoção desses filmes, como pode ser visto adiante:

91 Filme dirigido por Luiz de Barros. 92 Filme dirigido por Watson Macedo. 93 Filme dirigido por Luiz de Barros. 94 Filme dirigido por Carlos Diegues. 95 Filme dirigido por Ruy Costa. 96 Filme dirigido por J. B. Tanko. 97 Filme dirigido por Luiz de Barros. 98 Filme dirigido Claudio Cunha.

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Figura 1 – Cartaz O petróleo é nosso.

Fonte: www.google.com.br99

99 Disponível em pesquisa no site citado.

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Figura 2 – Cartaz do filme Barnabé tu és meu.

Fonte: www.google.com.br100

100 Disponível em pesquisa no site citado.

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Figura 3 – Cartaz do filme Samba em Berlim.

Fonte: www.google.com.br101

101 Disponível em pesquisa no site citado.

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Figura 4 – Cartaz do filme Tudo azul.

Fonte: www.google.com.br102

102 Disponível em pesquisa no site citado.

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Figura 5 – Este mundo é um pandeiro.

Fonte: www.google.com.br103

103 Disponível em pesquisa no site citado.

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Figura 6: Cartaz do filme: O rei do movimento.

Fonte: www.google.com.br104

104 Disponível em pesquisa no site citado.

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Figura 7: Cartaz do filme: Quem roubou meu samba.

Fonte: www.google.com.br105

105 Disponível em pesquisa no site citado.

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Figura 8: Cartaz do filme Trabalhou bem Genival.

Fonte: www.google.com.br106

Conforme a tabela anexa ao final desta dissertação é possível perceber que a maioria

das produções que contou com a participação das quatro cantoras do rádio aqui analisadas se

concentrou em dois estúdios, a Cinédia e a Atlântida. A Cinédia, fundada em 1930 e comandada

por Adhemar Gonzaga, foi o primeiro estúdio da capital nacional a se dedicar com maior ênfase

à temática carnavalesca/ musical e a contar com artistas desse âmbito em seus filmes (SOUZA,

106 Disponível em pesquisa no site citado.

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1998). Suas produções continuaram, mesmo que precariamente, até a década de 1950,

alternando entre sucessos como Alô, alô Brasil107 (1935) e Alô, alô carnaval108 (1936) – que

traziam cantores e cantoras já conhecidos, como Carmem Miranda, por exemplo, e contratados

para as produções para atrair público – e fracassos, como a filmagem do romance de José Lins

do Rego Pureza (1940), que representava um estilo de produção mais cara e intelectualizada do

estúdio, mas que gerava pouco retorno para a companhia. Os filmes musicais e carnavalescos,

por sua vez, eram geralmente dirigidos por Luiz de Barros109 e contavam com orçamento menor,

além de não contar com enredos sofisticados, justamente para gerar uma comunicação mais

rápida com o público e cobrir os problemas financeiros causados pelas produções mais caras e

menos lucrativas (SOUZA, 1998).

Já em 1941, Arnaldo de Farias110, Moacyr Fenelon111, José Carlos Burle112 e Alinor

de Azevedo113 se juntaram para fundar os estúdios da Atlântida, companhia de cinema que tinha

como ideal se tornar a primeira indústria de cinema do Brasil. O primeiro filme produzido por

ela foi Moleque Tião, que contava a história de vida de Grande Otelo114 narrada aos jornalistas

Samuel Wainer e Joel Silveira. O filme fez sucesso principalmente pelo fato do ator já ser

famoso e por contar uma história facilmente reconhecida pelo povo. Com isso, a Atlântida

passou a apostar em figuras conhecidas do rádio para suas próximas produções bem como em

sucessos, principalmente carnavalescos, musicais para trilhas sonoras de seus filmes (CATANI;

MELO SOUZA, 1983).

A companhia contou com quinze diretores ao longo de sua existência: Moacyr

Fenelon, José Carlos Burle, Watson Macedo, Eddie Bernoudy, Ricardo Freda, Paulo

Wanderley, Jorge Ileli, Euride Ramos, Luiz de Barros, J B Tanko, Roman Barreto, Franz

Eichhorn, Cajado Filho, Ismar Porto e Carlos Manga, que se tornou o diretor que mais público

levou aos cinemas para assistir às produções da empresa, passando da faixa de um milhão de

pessoas por filmes, na década de 1950, para 15 milhões com O homem de Sputnik em 1959115.

107 Filme dirigido por João de Barro, Wallace Downey e Alberto Ribeiro. 108 Filme dirigido por Adhemar Gonzaga. 109Diretor nascido em 1893 no Rio de Janeiro. 110Referências biográficas não encontradas. Apontado apenas como argumentista em produções da companhia. 111Cineasta nascido em 1903 em Minas Gerais. 112 Cineasta, compositor e ator nascido em 1910 em Pernambuco. 113 Jornalista nascido em 1914 no Rio de Janeiro. 114Ator e compositor nascido em Minas Gerais em 1915. Ficou nacionalmente conhecido por formar dupla de heróis com Oscarito nos filmes da Atlântida. 115 Em um país que contava com 60 milhões de habitantes à época.

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A Atlântida contou também com ao menos nove músicos compositores/ instrumentistas para

suas filmagens: Alexandre Gnatalli, Cesar Guerra Peixe, Guio de Morais, Leo Peracchi. Lirio

Panicalli, Lindolpho Gaya, Luiz Bonfá, Radamés Gnatalli e Waldir Calmon (FERREIRA,

2010).

Para esta pesquisa foram vistos filmes ou trechos deles ainda existentes em que

houve a participação das quatro cantoras aqui estudadas e a análise feita sobre o que se viu

nessas produções corrobora com o que Bastos (1997) concluiu em seu trabalho sobre a

Atlântida. Não apenas nos filmes desta companhia, mas nas produções em geral, é possível

perceber, conforme coloca a autora, as centralidades que samba, carnaval e humor ocupavam

nos roteiros dessas películas.

Dos filmes ainda existentes – grande parte deles se perdeu ou foi destruída em

incêndios – em dois as cantoras desta pesquisa atuam como personagens. Em Tudo azul,

Marlene é inclusive a heroína do filme ao representar a datilógrafa Maria Clara que sonhava

em se tornar cantora. Tal desejo foi realizado nos sonhos de seu colega de trabalho, o

personagem de Luiz Delfino, que buscava vender suas composições para se tornar famoso e

poder deixar a vida burocrática. Neste filme, entre outras músicas, Marlene canta “Lata d’água”

em cena que se tornou uma espécie de vídeo clipe da canção disponível na internet.

Emilinha Borba, por sua vez, atuou como a cantora de boate Rosita em Barnabé, tu

és meu116. Com tal personagem, ela pareceu encenar uma história paralela ao filme em que seu

amor era disputado pelo proprietário do lugar em que trabalhava e por um dos cantores que ali

se apresentava. Ao final da produção, a história de Rosita se cruzou com a história principal da

narrativa ao ser ela uma das heroínas que ajudou a polícia a salvar Oscarito. A cena em que

Emilinha Borba se apresentou cantando “Fora do samba”117 também está disponível na internet.

Os demais filmes assistidos seguem o padrão de apresentar essas cantoras, mas

também a grande maioria dos outros artistas do rádio, em cenas musicais em boates, bailes de

carnaval ou em cenários montados para a apresentação de suas canções. Mesmo que seja difícil

encontrar os filmes completos, algumas dessas cenas podem ser vistas a partir de buscas em

sites da internet, como é mostrado nas referências no final desta dissertação. Dentre os exemplos

das participações das cantoras aqui estudadas, podem ser citadas as aparições de Emilinha

116 Filme dirigido por José Carlos Burle. 117 Composta por Amadeu Veloso e Paulo Gesta.

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Borba cantando “Atire a primeira pedra” em Tristezas não pagam dívidas118, as marchinha

“Serapião”119 e “Maria das Dores”120 em Mulheres à vista121, produção marcada por uma grande

quantidade de números carnavalescos, Dircinha Batista encerrando o filme com “Minha terra

tem palmeiras”122, a mesma Emilinha em Aviso aos navegantes123 com a música “Tomara que

chova”124, Linda Batista cantando os sambas “Abre a porta São Pedro”125 em É fogo na

roupa126, “Graças a Deus”127 em O petróleo é nosso128, filme que trouxe também Emilinha

Borba encerrando a produção ao surgir na tela em frente a um grande bolo para cantar

“Parabéns, São Paulo”129, Dalva de Oliveira cantando “Belezas do Rio”130 em Vou te conta131,

Marlene apresentando “Quero sambar”132 em O cantor e o milionário133 em um cenário

montado para o que parece ser uma apresentação em uma casa de shows e Emilinha Borba e

Linda Batista em meio aos tantos números musicais de É de chuá134, cantando “Na roleta do

amor”135 e “Qual é o caso”136 respectivamente, apresentados em cenas passadas em boates e em

comemorações ao carnaval.

Percebe-se que estas cantoras apresentavam essencialmente sambas e marchas que

ou já eram sucesso nas rádios ou estavam sendo lançadas juntamente com os filmes para a festa

que se aproximava. Mais clara até do que a importância dessas artistas para o sucesso imediato

das produções fica a centralidade destes ritmos e da festa carnavalesca para chamar a atenção

do público para os filmes. Carnaval e samba, presentes nos números musicais realizados pelos

cantores e cantoras do rádio, já eram constantemente colocados por emissoras de rádio e revistas

da época como a grande festa nacional e o ritmo representante da musicalidade do país. Tais

elementos eram, portanto, facilmente identificáveis pelo público, trazendo uma relação de

118 Filme dirigido por José Carlos Burle e Ruy Costa. 119 Composta por Alberto Maya e Silvio Kant. 120 Não foram encontradas informações sobre os autores. 121 Filme dirigido por J. B. Tanko. 122 Composta por Oldemar Magalhães e Valter Levita. 123 Filme dirigido por Watson Macedo. 124 Composta por Paquito e Romeu Gentil 125 Composta por Klécius Caldas e Armando Cavalcanti. 126 Filme dirigido por Watson Macedo. 127 Composta por Klécius Caldas e Armando Cavalcanti. 128 Filme dirigido por Watson Macedo. 129 Composta por Rutinaldo Silva. 130 Composta por Gomes Cardim. 131 Filme dirigido por Alfredo Palacios. 132 Composta por Zé Keti. 133 Filme dirigido por José Carlos Burle. 134 Filme dirigido por Victor Lima. 135 Não foram achadas informações sobre autores. 136 Composta por Jorge de Castro e Erasmo Silva.

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familiaridade com o filme, mesmo que a festa carnavalesca celebrada fosse especificamente a

carioca137. A comédia, conforme coloca Bastos (1997), acima até mesmo do romance, era

também destaque dos filmes da Atlântida e das demais companhias. Percebe-se, de acordo com

a autora, que este tipo de cinema ajudou a criar um senso comum de um povo alegre, que passou

a caracterizar o brasileiro. É possível, ao assistir aos filmes, ter essa clara noção de que termos

como alegria, bom humor e animação definiam os heróis e heroínas dos filmes da Atlântida,

mas não apenas dela.

Da mesma forma, gostos e costumes se assemelhavam entre seus heróis, todos

gostavam de samba e de carnaval, por exemplo, eram bem-humorados para encarar e resolver

seus problemas e contrários a regras sociais por serem elas, como coloca Bastos (1997),

importadas e não condizentes com a natureza criativa e improvisadora do brasileiro. Percebe-

se ao assistir aos filmes e ao ler o trabalho da pesquisadora como estava em curso a formação

e difusão de um tipo homogêneo de povo, capaz de produzir ritmos com os mais variados

materiais, capaz de sambar, cantar, ser sempre alegre e criativo mesmo lidando com os mais

diversos tipos de adversidades. Um povo naturalmente artista e dotado de jogo de cintura que

teria na figura do malandro – agora não mais o contraventor, mas sim o inteligente que age com

esperteza para resolver seus problemas – a sua representação.

O cinema se tornou, assim, uma forma de divulgação de representações sobre uma

população, mas também de elementos que se apresentavam como característicos de sua cultura,

como os já citados samba e carnaval. Os artistas do rádio eram os porta-vozes desses elementos

ao se apresentarem nas cenas musicais comentadas acima. Mesmo que esses cantores e cantoras

possuíssem grandes sucessos em ritmos mais lentos, como era o caso de Linda Batista e Dalva

de Oliveira, eram suas canções carnavalescas que eram apresentadas nas produções.

Os filmes em que essas cantoras realizavam suas aparições, assim como as cenas

em que elas se apresentavam, mostravam que era impossível aos demais personagens do filme

resistir ao ritmo e à dança do Brasil. Eles contribuíam para apresentar o ritmo, que deveria

representar o país, em sua capacidade de conquistar as pessoas, inclusive os espectadores, e

para mostrar uma nação que estava sempre pronta para o carnaval e para a alegria. Mas acima

de tudo, essas produções mostravam um país formado por habitantes dóceis e de fácil convívio,

onde predominavam música, dança e liberdade individual. O carnaval se tornou uma forma de

137 O carnaval de rua da cidade, com blocos e escolas de samba seria transformado na representação do que era o verdadeiro carnaval brasileiro, a grande festa nacional, tanto interna quanto externamente.

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expressão do cinema nacional, o samba, já tocado nas emissoras de rádio, seu ritmo preferencial

e as cantoras do rádio as representantes desses dois elementos nas telas do cinema, responsáveis

por levar, não mais apenas via rádio, mas também via cinema, representações a serem

difundidas sobre o Brasil.

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2 CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO DE REPRESENTAÇÕES DAS

QUATRO CANTORAS DO RÁDIO

Conforme apresentado, as carreiras das quatro cantoras aqui analisadas fizeram

parte do contexto de desenvolvimento das principais emissoras de rádio do Brasil bem como de

duas das maiores produtoras de cinema do país nas décadas de 1940 e 50. O rádio se mostrou

o principal ponto irradiador das músicas cantadas por elas e o cinema pode ser colocado como

o principal veículo, naquele período, em que as imagens dessas cantoras poderiam ser vistas

em movimento pelo público. Além de rádio e cinema, as revistas existentes aparecem também

como elementos importantes na divulgação das carreiras dessas cantoras.

A publicação à qual este capítulo dedica atenção, a Revista do Rádio, foi criada em

1948 no Rio de Janeiro pelo jornalista Anselmo Domingos e foi a segunda publicação mais lida

no país durante a década de 1950, ficando atrás apenas da revista O cruzeiro138. Os números

trazidos na própria publicação mostravam o constante e rápido aumento em suas tiragens, que

na edição de número 15 de 1949 contabilizaram 30 mil exemplares e já na edição de número

20 do mesmo ano somavam 50 mil unidades impressas. A editora responsável pela publicação

era a editora da própria revista.

A Revista do Rádio e os demais meios de comunicação não eram, no entanto, apenas

formas de divulgação de músicas e artistas de sucesso. Dada a apresentação, feita por eles, de

diversos elementos formadores das imagens dos artistas divulgados, eles podem ser colocados

como difusores de valores e comportamentos para suas audiências. Estas cantoras ocuparam

lugar relevante no rádio e no cinema, como foi mostrado, e eram as principais atrações da

revista, publicação mais lida pela audiência desses veículos de comunicação na década de 1950.

Dada a impossibilidade de acesso aos programas dos quais elas faziam parte, é a partir da análise

de reportagens, entrevistas e diários das cantoras presentes nessa publicação que se pretende

compreender as representações passadas sobre elas não apenas como cantoras, mas também e

138 Revista lançada na cidade do Rio de Janeiro em 10 de novembro de 1928 pelos Diários Associados, grupo de comunicação de propriedade de Assis Chateaubriand. Foi a revista de variedades mais lida no país na primeira metade do século XX e trazia reportagens sobre os mais diversos temas, notícias nacionais e internacionais, editais de moda, receitas culinárias, dicas de comportamentos e sessões de humor. Chegou a alcançar a tiragem de 720.000 exemplares impressos com sua edição noticiando a morte do então presidente Getúlio Vargas, entretanto, a concorrência com outras revistas surgidas na década de 1960 fez com que seu número de leitores diminuísse ao longo deste período. A última edição da publicação foi datada de 1985. (https://bndigital.bn.gov.br/artigos/o-cruzeiro/); (http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/4204434/4101414/memoria3.pdf)

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principalmente como mulheres para o público leitor da revista. Desta forma, neste capítulo, são

analisados temas específicos ligados às imagens de cada uma dessas artistas para que sejam

mostradas tais representações.

2.1 AS CANTORAS DE SAMBA E CARNAVAL

A primeira metade do século XX representou para o país o período de formação

dos seus primeiros meios de comunicação de massa, dentre eles, cinema e rádio, mas também

a transformação de samba e carnaval em fatores importantes para a cultura popular nacional.

Estes dois elementos, por sua vez, tiveram destaque tanto na formação desses veículos quanto

no repertório das cantoras aqui estudadas.

Tal período foi caracterizado por Nicolau Netto (2009) como o momento de

construção de uma identidade nacional brasileira em que, segundo o trabalho Daniela Ribas

Ghezzi (2011), o samba se desenvolveu e foi transformado no ritmo representante do país. Neste

contexto, conforme a autora coloca, iniciado no final dos anos de 1910, início da década de

1920, ocorria uma incipiente diversificação da estrutura social brasileira, a partir do aumento

das trocas comerciais que o país realizava e do começo de sua industrialização. Com isso,

tornavam-se maiores também os intercâmbios simbólicos entre seus grupos mais ricos e mais

populares. Tais trocas foram se tornando maiores, de acordo com Ghezzi (2011), com o

desenvolvimento do movimento modernista, cujos intelectuais passaram a se interessar cada

vez mais por elementos distintivos e originais em relação ao que poderia se tornar uma cultura

nacional, entre eles ritmos como samba e choro.

O interesse que tais intelectuais ligados ao movimento citado desenvolveram em

relação às práticas populares foi aos poucos fazendo com que as restrições a elas fossem

diminuindo por parte das elites. Para os modernistas, deveria ser criada uma identidade cultural

para o país em que suas manifestações eruditas, entre elas as musicais, fossem permeadas por

elementos locais e diferenciadores em relação à arte erudita internacional. Para o restante da

elite nacional, essa incorporação de elementos culturais do povo representava uma forma de

dominação desse grupo popular por meio da cultura. Já os artistas e compositores populares

viam tais interesses como uma forma de inserção em outros meios que poderia representar

formas de ascensão econômico-social (GUEZZI, 2011).

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Foi também nessa primeira metade do século XX que pensadores, como Gilberto

Freyre, transformaram a visão que até então se tinha sobre a questão da miscigenação no país.

Vista como um elemento responsável pelo atraso do Brasil, ela passou a ser colocada como um

fator positivo que seria a solução de muitas de suas questões ao conferir a seu povo

características valorativas, como originalidade, por exemplo. Com isso, fatores culturais

originados dela, como os ritmos musicais, foram também sendo transformados em pontos

valorizados de diferenciação nacional, conforme coloca Ghezzi (2011).

A aceitação do samba enquanto ritmo representante do país por parte das elites em

um momento em que se desenvolviam tanto a indústria fonográfica nacional quanto as

primeiras emissoras de rádio do Brasil – que deixaram de lado seu inicial ideal educativo para

atrair patrocinadores e audiência a partir da década de 1930 – e a receptividade que ele

encontrava no público, que começava a comprar discos e a ouvir rádio, fizeram com que o

samba fosse, segundo a autora, se enraizando na cultura musical brasileira, também em

formação, e se consolidasse como ritmo representante do país.

O Estado, por sua vez, originado a partir da chamada Revolução de 1930, levava

adiante o processo de formação de uma identidade nacional brasileira a partir de elementos

culturais capazes de diferenciá-la em relação principalmente ao que se via no cenário externo.

A opção pelos elementos populares se deu, conforme coloca Nicolau Netto (2009), pelo fato

dos grupos mais ricos do país não possuírem características capazes de servir como elementos

originais a uma nação. A escolha do samba como um desses elementos, portanto, vinha ao

encontro do sucesso que ele já vinha fazendo entre a população e conferiria essa originalidade

procurada.

À medida que tal ritmo era mais gravado em discos e tocado em rádios, ele ia

chamando a atenção de cada vez mais músicos e intérpretes, muitos deles dos grupos sociais

médios que se formavam como Noel Rosa, Ary Barroso e Francisco Alves, segundo Ghezzi

(2011). Diversos tipos de samba iam também se desenvolvendo, tais como o samba de morro,

o de gafieira e o samba-canção, influenciado por ritmos estrangeiros, assim como as marchinhas

de carnaval que se consolidavam como músicas de sucesso. O carnaval, por sua vez, foi se

tornando importante, de acordo com autora, não somente para a consolidação desses ritmos na

música brasileira, mas também como um momento de divisão da produção musical, já que para

sua celebração eram gravados os sambas mais vivos destinados à diversão e no chamado meio

de ano, eram produzidos os mais lentos e com temáticas mais românticas.

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Entretanto, conforme aponta Fenerick (2005), a desejada inserção do Brasil na

civilização moderna fazia com que fosse necessária a supressão, nesta cultura nacional que se

desejava formar, de elementos considerados não civilizados. O samba, formado nos e por

grupos populares, era considerado repleto desses fatores que deveriam ser transformados para

que ele pudesse se tornar a música representante da nação. De acordo com o autor, o

Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), órgão surgido em 27 de dezembro de 1939 a

partir do Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC), passou a estabelecer regras

para a composição de sambas, em que elementos de exaltação ao trabalho e à nação deveriam

ocupar o lugar de fatores ligados a pobreza e malandragem, por exemplo, e para a conduta dos

sambistas, que deveriam deixar de ter suas imagens ligadas à contravenção e à boemia. O samba

representaria o Brasil diante de um mundo moderno e deveria apresenta-lo também como tal,

deixando de estar ligado essencialmente a fatores considerados não civilizados, tornando-se

educado e educativo. O rádio e o cinema são apontados por Fenerick (2005) como dois dos

principais agentes civilizadores do ritmo ao darem espaço ao registro e execução deste novo

tipo de samba. A contratação cada vez maior de intérpretes brancos de grupos considerados

economicamente médios para cantar as novas composições é colocada pelo autor como uma

tentativa de desvinculação do samba da imagem do negro pobre carioca.

O desenvolvimento das carreiras de Linda Batista, Marlene, Emilinha Borba e

Dalva de Oliveira em um momento de consolidação dessas transformações descritas fez com

que tal ritmo ocupasse, conforme colocado no capítulo anterior, parte importante de seus

repertórios. Cada uma à sua maneira – no caso das duas primeiras fazendo mais sucesso com

sambas de andamento mais rápido, a terceira com marchinhas e a última com sambas-canção –

esteve de alguma forma ligada ao samba e ao carnaval. Dalva de Oliveira, apesar de suas

aparições no cinema essencialmente cantando sucessos ligados a essa festa, é, dentre as quatro,

a que menos teve sua imagem atrelada a esses dois elementos de identificação nacional. Seu

repertório essencialmente romântico e lento será analisado em outro tópico deste capítulo que,

neste momento, prioriza as outras três cantoras para as quais o samba e as marchas

carnavalescas extrapolaram suas discografias e passaram a estar ligados, também, a

representações de suas imagens.

Linda Batista tinha no carnaval o período principal de lançamento de seus discos.

Em seu depoimento ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro em 19 de novembro de

1970, ela fez constante defesa do que chamou de “música autêntica brasileira”. Sua

preocupação em relação à continuidade do samba como ritmo representante do país aparece em

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todo o seu relato, mas em especial nas críticas à diminuição do espaço do artista de samba no

cenário nacional. Segundo previsão da cantora, samba e carnaval ficariam, com o tempo,

restritos aos desfiles de escolas de samba e os artistas profissionais cada vez mais sem espaço

de trabalho fora deste período.

A cantora mostrou em seu depoimento orgulho em dizer que nunca gravou versões,

afirmando ter perdido dinheiro por não ter gravado boleros, e em ter preferido manter sua

carreira ligada aos mais variados tipos de samba.139 Ela protestou ainda contra a facilidade com

que artistas estrangeiros cantavam nas emissoras de rádio e conseguiam contratos para shows

enquanto ela e os demais artistas de sua geração trabalhavam desde cedo para manter nome e

fama no país. Este tipo de discurso que Linda Batista ainda sustentava na década de 1970 deixa

claro seu pertencimento ao projeto descrito anteriormente e como tal pertencimento favoreceu

sua carreira. Em um claro momento nostálgico em relação a um passado que não voltaria, a

cantora afirmou em vários momentos de seu relato que o samba deveria continuar a ser

defendido como a música nacional brasileira, sendo necessário que seus representantes

continuassem a apresentá-lo na televisão, mesmo que este veículo de comunicação não firmasse

contratos com cantores e pagasse baixos cachês por suas aparições, segundo ela. As sugestões

de Linda Batista quanto à obrigatoriedade de execução de sambas na televisão lembram também

o período Vargas em suas leis que obrigavam exibições de produções nacionais, como no

cinema por exemplo. Como opção para a crise da música nacional que ela anunciou, a cantora

chegou a sugerir que o governo fizesse algo para que o samba voltasse a ser gravado pelos

cantores mais novos, como no caso da Jovem Guarda, para que o público jovem da década de

1970 ouvisse esse ritmo.

Linda Batista, chamada de embaixatriz do samba pela edição 161 da Revista do

Rádio, já fazia esta mesma defesa deste ritmo na década de 1950. Exemplo disso é a reportagem

que esta edição trouxe sobre a excursão internacional da cantora em 1952. Nesta viagem, a

artista fez apresentações em boates de Paris, Lisboa e Roma e se mostrou categórica quanto aos

pedidos que recebia do público:

139 Linda Batista recebeu em 1959 o prêmio Noel Rosa dado pela União Brasileira de Compositores (UBC) e pela Sociedade Brasileira de Autores, de Compositores e Escritores de Música (SBACEM) que era dado apenas a artistas cujos repertórios eram formados apenas por músicas nacionais.

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“Uma dessas noites, no entanto, quando Linda perguntou o que desejavam ouvir,

alguns cavalheiros de uma mesa de pista exigiram:

- Um mambo! Um mambo!

A cantora brasileira fez-se de surda aos pedidos destas pessoas, mas os cavalheiros

insistiram no pedido. Linda finalmente resolveu responder-lhes à altura. Notando que

falavam espanhol e já inteiramente "lotada", virou-se para eles e "soltou o verbo" na

língua de Cervantes:

- Meus amigos, não atravessei o oceano para vir a Paris cantar músicas de outros

países que não o meu. Se querem ouvir um samba, uma marcha ou um baião não

façam cerimônia. Mas desiludam-se se pensam que cantarei um mambo!” (Revista do

Rádio, 161, p. 39, 1952).

A reportagem seguia:

“Na Europa não se ganha dinheiro cantando. Linda foi ao Velho Mundo com o único

propósito de divulgar nossa música, tendo relegado a um segundo plano a hipótese de

ganhar dinheiro. Em Paris, Linda assinou um contrato com a boate "Carrors" para

atuar ali durante determinado tempo. Seu ordenado? Cr$ 2 600,00 diários. Uma

importância ínfima se considerarmos que sem sair do Rio Linda pode ganhar

Cr$5.000,00 para cantar em qualquer espetáculo.” (Revista do Rádio, 161, p. 41,

1952).

Ainda sobre seus gastos:

“E tem mais, logo que chegou a Paris, a imprensa da Cidade Luz a homenageou com

um coquetel. Desejando oferecer um coquetel em agradecimento, Linda pediu o

auxilio do nosso embaixador e cônsul na capital da França. Nada conseguiu.

Resultado: gastou Cr$ 27.000,00 de seu bolso nesse coquetel. Mas Linda não se

queixa. Foi à Europa para divulgar nossos ritmos. E até nossa bandeira, pois usava um

turbante verde e amarelo, que marcou um sucesso fenomenal. Da Europa nada trouxe,

se não roupas (as de baiana deu a Horacina Corrêa). Os resultados desta viagem estão

aí para quem quiser ver. Graças a ela o parisiense hoje conhece o samba. O italiano

dança o baião. O português canta "Vingança". Pessoalmente Linda foi um sucesso.

Maior prova não há do que duas propostas que tem para Paris, quando queira voltar.”

(Revista do Rádio, 161, p. 39, 1952).

A cantora manteve tal postura inclusive durante o período em que foi proprietária

de uma boate no Hotel Plaza no Rio de Janeiro. Em entrevista dada à edição número 247 da

Revista do Rádio em 1954, Linda Batista afirmou:

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“- Procurarei sempre prestigiar o elemento nacional. Tenho rejeitado tentadores

contratos de empresários europeus e sul-americanos. A "prata de casa" tem um sabor

diferente... A única estrangeira que atuou aqui foi Adelina Garcia, mas isso aconteceu

porque somos amigas.

- E como são os espetáculos?

- Sempre com cantores nossos. Todas as semanas apresentamos um cartaz. E todas as

noites há números extras, com artistas presentes, que atuam por espontânea vontade.

Entre os artistas que já foram o “cartaz da semana” estão Jorge Goulart, Nora Ney,

Blecaute, Elizete Cardoso, Carmélia Alves, José Vasconcelos, e Angela Maria.

Brevemente teremos, o Trio Nagô e o Trio Orixá, a grande atração de São Paulo.”

(Revista do Rádio, 247, p. 47, 1954).

As referências à sua ligação com esse ritmo aparecem também em seus apelidos

como “nosso patrimônio nacional” dado a ela pelo ex-presidente Getúlio Vargas e o slogan “a

maioral do samba” citado pelo site do Dicionário Cravo Albin de música popular. Tais apelidos

a colocam como um tipo específico de artista da década de 1940, que teve sua carreira

desenvolvida no contexto anteriormente destacado da história do país. Assumidamente

sambista, a cantora tinha em sua figura uma moça branca representante da nascente classe

média carioca, o novo tipo de artista que se desejava como representante da música nacional

brasileira, conforme colocado por Fenerick (2005). O desenvolvimento da carreira de sucesso

de Linda Batista, conforme o que foi mostrado, pode ser colocado como uma derivação do

momento de formação do samba apresentado. Já os sambas de cadência mais rápida que ela

gravava versavam sobre os mais diversos temas, como por exemplo em “Abre a porta, São

Pedro”

“Abre a porta São Pedro!!!

Abre a porta pra mim!!!

No céu há de haver um lugar,

Para a gente sambar,

Quando a vida chegar ao fim.

São Pedro, São Pedro;

Eu ei de gritar,

"abre a porta que eu vim";

"com o meu tamborim".

E quando eu lá chegar,

Vai haver carnaval, sensacional;

A turma vai gostar,

Porque o samba no fundo, é do outro mundo.”

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(Cavalcanti, A. e Caldas, K.)

Ou “Balança, mas não cai”

“Nós precisamos prestigiar o velho

Prá coisa melhorar

Há muita gente

Que vive atrapalhando

Não deixa o velho trabalhar

Mas nosso bloco

Não é de brincadeira

Nossa bandeira

Balança mas não cai

Pelo velhinho

Lutando a vida inteira

Vocês vão ver

Que assim a coisa vai.”

(Alves, A.)

E os sambas-canção em sua voz seguiam a temática romântica, como de costume,

como o já citado “Vingança”, mas também no caso de “Risque”:

“Risque

Meu nome do seu caderno,

Pois não suporto o inferno

Do nosso amor fracassado!

Deixe

Que eu siga novos caminhos

Em busca de outros carinhos

Matemos nosso passado.

Mas, se algum dia, talvez,

A saudade apertar

Não se perturbe,

Afogue a saudade

Nos copos de um bar

Creia,

Toda quimera se espuma

Como a brancura da espuma

Que se desmancha na areia.”

(Barroso, A.)

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Marlene, por sua vez, também teve seu principal apelido diretamente relacionado a

esse ritmo. O slogan “a cantora que canta e samba diferente”, dado a ela por Cesar de Alencar,

foi grandemente explorado pela Revista do Rádio nos anos 1940 e 50. A edição de número

quatro da publicação trouxe entrevista com a cantora em que ela contava detalhes sobre o início

de sua carreira, como que se apresentando ao público leitor. Afirmando que Marlene havia se

tornado famosa de repente, a matéria logo em suas primeiras linhas a descreve como “uma

bonita morena, que canta e dança o samba como ninguém: Marlene; sambista diferente que

sabe sentir e interpretar a nossa música popular.” (Revista do Rádio, 04, p. 22, 1948)

Os modos de cantar e sambar de Marlene seguiam constantemente comentados pela

publicação. A edição de número 15 seguia apresentando a nova Rainha do Rádio para o público

a partir dessas duas habilidades: “Canta bem, interpreta melhor ainda, bamboleia o corpo,

requebra-se, tem enfim um sabor diferente das demais cantoras.” (Revista do Rádio, 15, p. 08,

1949) assim como a edição de número 24, em que sua performance foi comentada em diversos

pontos da entrevista:

“Quando apareceu no ambiente radiofônico sentiu que algo de novo surgia

espetacularmente. Cantava e sambava de um modo singular, o que lhe valeu o

cognome de "aquela que canta e samba diferente".... Marlene gosta de ouvir música,

muita música, popular ou não. Sempre que pode ela abre a vitrola, em sua casa,

seleciona os discos e recostada numa poltrona deixa-se embevecer por lindas

melodias. Ela porém só canta sambas. Canta e requebra. E como requebra e canta

bem!” (Revista do Rádio, 24, p. 32, 1950).

A insistência em retratá-la como uma artista diferente se limitava, no entanto, ao

seu modo de cantar e dançar não chegando de fato às interpretações das letras que ela gravava.

Tais reflexões ficaram a cargo da própria Marlene em entrevistas que concedia. Ainda no início

de sua carreira no rádio, porém, ela se limitava a definir-se como uma cantora que nunca resistia

ao samba, nem mesmo quando criança: “Quando ouvia um sambinha gostoso, largava tudo que

estava fazendo e saía me requebrando toda... O resultado era entrar numa vastíssima surra.”

(Revista do Rádio, 24, p. 33, 1950).

No entanto, alguns de seus sambas de mais sucesso permitem que esse adjetivo

“diferente” seja estendido para algo além de sua performance artística, mesmo que esse não

tenha sido o objetivo nem do locutor que a classificou, nem da Revista do Rádio. As letras de

algumas de suas músicas traziam novidades em relação às demais cantoras da época conforme

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a própria cantora apontou em discurso apresentado por ela em duas entrevistas, uma para o

programa Arquivo N da emissora de televisão Globonews e outro para o DVD feito pela sua

associação intitulado Marlene Victoria, Rainha do samba. Nelas, Marlene afirmou ser

proposital a escolha de um repertório com músicas, em especial sambas, passíveis de serem

consideradas de protesto. A escolha por canções como “Zé Marmita”, “Sapato de pobre” e “Lata

d’água” se devia ao fato de ela querer se dedicar a canções que possuíssem letras que, além de

lhe trazerem algum tipo de mensagem, fizessem referência ao seu público “que luta pela vida,

mas que não tinha uma cantora”, já que “não havia ninguém que falasse nisso”. Ela queria,

segundo suas palavras, ser uma “cantora do povo”.

De acordo com seu depoimento para sua biografia, Marlene afirmou ser uma

obrigação sua, enquanto cantora de rádio, abordar o sofrimento das pessoas e colocar sua voz a

serviço de seu público, enaltecendo o que havia de bonito em relação a ele, mas também

condenando o que acontecia de errado com essas pessoas. Era por isso, segundo ela, que seus e

suas fãs se identificavam com seu trabalho e com sua figura. Eles viam nela uma pessoa que

queriam ser e uma personalidade positiva, que não perdia sua alegria mesmo cantando sobre

situações difíceis. Marlene deixou claro em seu relato que não procurava fazer denúncias, mas

sim dar esperança ao seu público, cantando sua realidade.

O desejo de ser uma cantora popular com um repertório que retratasse a vida das

pessoas mais pobres no país foi inclusive o motivo apontado para sua saída das boates e entrada

na Rádio Nacional. Por mais que fossem conhecidas as vantagens econômicas trazidas a quem

cantava no rádio, especialmente pelas portas abertas para cinema, peças de teatros de revistas e

excursões nacionais e internacionais, Marlene insistiu, em entrevistas ao longo de sua carreira,

que o real motivo para ter escolhido o público popular em relação à elite frequentadora das

boates era poder ser para o povo uma cantora que o representasse. Segundo ela, fazer jus ao

carinho recebido nos auditórios seria o que faria dela uma cantora verdadeiramente diferente.

Os sambas cantados por ela deveriam primordialmente retratar o cotidiano difícil de seu

público, como em “Lata d’água”140 e “Sapato de Pobre”

“Lata d'água na cabeça

Lá vai Maria, lá vai Maria

140 Samba campeão do concurso de carnaval da prefeitura do Rio de Janeiro em 1952.

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Sobe o morro e não se cansa

Pela mão leva a criança

Lá vai Maria

Maria

Lava a roupa lá no alto

Lutando pelo pão de cada dia

Sonhando

Com a vida do asfalto

Que acaba

Onde o morro principia”

(Antonio, L. e Junior, J.)

E

“Sapato de pobre é tamanco

Almoço de pobre é café, é café

Maltrata o corpo como o que, porquê?

O pobre vive de teimoso que é

Folha de zinco, caixão de banha

Faz um barraco em qualquer favela

Se tem Amélia que o acompanha

Embora pobre é feliz com ela”

(Antonio, L. e Junior, J.)

Em meio a uma grande produção de marchas e sambas que se pretendiam de

exaltação, o fato de a cantora dizer que escolhia seu repertório em acordo com possíveis

mensagens ligadas a problemas passados por grande parte de seu novo público acabava

realmente a diferenciando das demais cantoras aqui analisadas. Além disso, ela inseria,

conforme coloca Goldfeder (1980), o público do morro em sua produção discográfica, uma

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produção realizada por uma cantora considerada moderna e sofisticada, que vinha de boates e

cassinos, que trouxe a parte mais pobre de um público ouvinte para as canções que interpretava.

Entretanto, por estarem suas canções situadas em uma lógica de difusão que não possuía a

transgressão de realidades sociais como objetivo, por terem se diluído ao longo de um repertório

mais vasto, e pelo modo de vida da cantora não se adequar ao de uma mulher que buscava

transformações sociais reais, grande parte da eficácia dessa novidade em repertório acabava se

perdendo, segundo a pesquisadora e segundo a análise desta pesquisa. Em sua biografia, a

cantora afirmou não possuir nenhum tipo de veia revolucionária, ela apenas escolhia músicas

que a emocionavam.

Parece claro para essa pesquisa que, dentro de suas possibilidades em um contexto

conservador de conteúdos de programação radiofônica e gravações de músicas, Marlene acabou

representando uma defensora de seu público, em especial de suas fãs, e se tornou uma artista

que, declaradamente, procurava retratar as dificuldades pelas quais passavam essas pessoas em

suas vidas. O episódio em que a cantora ataca verbalmente o radialista Nestor de Holanda em

seu show “É a maior”141 por ter apelidado pejorativamente as mulheres frequentadoras dos

auditórios das emissoras de rádio de macacas elucida a posição da artista frente à sua audiência.

Nesta declaração, a cantora afirmou que, assim que soube que ele as estava classificando como

tais, teria ido até o radialista tomar satisfação. Marlene marcou mais uma vez sua posição fiel

às suas admiradoras ao afirmar, neste show, que a única diferença que havia entre as bocas que

gritavam por ela e Emilinha Borba e as que gritavam, à época do espetáculo, por artistas como

Chico Buarque e Caetano Veloso era o tratamento que tais bocas recebiam, fazendo clara alusão

à pobreza e às dificuldades de acesso a serviços dentários na época do rádio pela grande maioria

da população brasileira. Ainda nesse depoimento, a cantora afirmou que tudo o que havia

conquistado se devia a essas mulheres, que não eram macacas e sim pessoas, que a faziam se

sentir querida como nunca quando gritavam seu nome.142.

Marlene, assim como Linda Batista, em seu depoimento ao Museu da Imagem e do

Som do Rio de Janeiro, também fez críticas aos artistas nacionais que, segundo ela, chamavam

de música popular brasileira os ritmos e estrangeirismos que copiavam. O carnaval também foi

retratado por ela como o momento mais importante do ano para o artista, já que uma

consagração nesta festa traria ao cantor a oportunidade de gravações durante todo o restante do

ano. Um desses exemplos deste tipo de defesa que pode ser citado é uma entrevista dada por

141 Realizado no início dos anos 1970. 142 Depoimento acessado em https://www.youtube.com/watch?v=YEOMkMzmb2k .

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ela na edição de número 105 da Revista do Rádio de 1950. Após retornar ao Brasil vinda de

apresentações em Londres e Paris, Marlene contou que teve de ensinar os jornalistas o que era

o samba era brasileiro:

“Fiquei furiosa com aquilo, diz Marlene. Já em Londres, haviam feito a mesma

confusão... Rainha do samba argentino, vejam vocês! Mas não tive dúvidas: quando

li o disparate, escrevi uma série de cartas aos jornais e revistas de Londres, explicando

que era brasileira, que o samba era do Brasil, que se eles não conheciam geografia a

culpa não era minha — e que, nós, brasileiros, sabemos perfeitamente distinguir os

países europeus... Na França, por isso, a tarefa foi mais fácil: bastou repetir as cartas

— e as lições de moral.” (Revista do Rádio, 105, p. 23, 1950).

Ainda na mesma entrevista quando perguntada sobre as apresentações que teria

feito na viagem:

“- Quase nada... Não tive coragem de aceitar qualquer dos contratos que me

ofereceram — porque o ritmo do "samba" europeu é um verdadeiro caso de policia...

Eles fazem boas orquestrações, tocam direitinho, mas o ritmo... ah! o ritmo, de samba

é que não tem nada!...

- E você não fez nenhuma exibição?...

— Sim, fiz duas, além de atuar num grande programa de televisão, em Paris. Cantei

em duas festas beneficentes, a Festa das Rosas, em Cote d'Azur, e num festival em

benefício do Hospital Anglo-Americano — patrocinado pelo Duque e pela Duqueza

de Windsor. E aqui, o mais curioso: eu, que já temia o samba que eles iam tocar, estava

aterrorizada com o "chamego"; no entanto, esse foi o número em que me

acompanharam melhor...” (Revista do Rádio, 105, p. 23 e 24, 1950).

Pode-se perceber que, embora defensoras do samba como música autêntica nacional

e representante do Brasil no exterior, Linda Batista e Marlene viam o ritmo e suas canções de

formas diferentes. Enquanto a primeira dava preferência a músicas de carnaval que trouxessem

mensagens alegres e bem-humoradas, a sambas que exaltassem o país ou então a sambas-canção

românticos e tristes, perfeitos para as boates em que cantava, Marlene dizia preferir transmitir

mensagens que retratassem seu público em seu cotidiano, sentindo-se assim uma verdadeira

cantora popular. Neste ponto, pode-se perceber que tal estratégia, consciente ou não, forneceu

um resultado positivo para a cantora já que sua ascensão meteórica à posição de grande rival da

artista mais solicitada pelo público, Emilinha Borba, mostra que ao se voltar à audiência do

rádio, Marlene conseguiu se tornar uma cantora do povo, mesmo que dividindo as atenções com

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sua ‘inimiga’. Tal fato não se deveu exclusivamente por esse tipo de repertório descrito, mas o

objetivo citado por ela foi sim alcançado, já que a cantora se tornou a segunda cantora mais

popular em termos de cartas e pedidos por reportagens na Revista do Rádio, como pode ser

constatado em diversas edições da publicação, além de se ter se tornado estrela principal de

programas da maior emissora de rádio do país. Os fatos de Marlene afirmar que escolhia suas

canções com base nas mensagens que elas traziam, principalmente relacionadas ao cotidiano

de seus e suas fãs, e de Linda Batista preferir músicas alegres para o carnaval e românticas para

o meio de ano sugerem uma certa autonomia dessas mulheres em relação aos tipos de canções

que gostavam de gravar. As oposições construídas em termos de repertórios em relação a elas

seriam derivadas dessas possibilidades de escolhas de canções oferecidas por compositores que

imaginavam suas vozes como ideais para as músicas feitas. A partir do sucesso inicial com

determinados ritmos e letras, elas seguiam escolhendo autores e sendo escolhidas por eles para

gravações. Tais escolhas, de ambas as partes, eram, no entanto, condicionadas pelos sucessos

de venda e execução já alcançados com letras e ritmos determinados.

Já ao analisar carreira e repertório de Emilinha Borba, pode-se perceber sua clara

ligação com o carnaval. Conforme colocado no primeiro capítulo deste trabalho, ela foi, entre

estas quatro mulheres, a cantora que mais participou de chanchadas, filmes diretamente

relacionados a essa festa e que contavam ou com grandes sucessos já consagrados por ela ou

com lançamentos que prometiam conquistar o público. Nota-se ao analisar sua carreira, a

importância que o festejo teve em seu repertório principalmente no que diz respeito às

marchinhas que gravou, tais como “Chiquita bacana”, “Tomara que chova”, “Vai com jeito” –

que, dado o sucesso, deu origem ao filme Com jeito vai – “Marcha do remador”, “Mulata iê-iê-

iê”143 e tantas outras que são até os dias atuais tocadas nos carnavais pelo país. As letras destas

composições remetem ao humor, uma das características da festa em questão:

“Menina, vai, com jeito vai

Senão um dia a casa cai

Menina, vai, com jeito vai

Senão um dia a casa cai

Se alguém te convidar

Pra tomar banho em Paquetá

143 Composta por José Roberto Kelly.

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Pra piquenique na Barra da Tijuca

Ou pra fazer um programa no Joá

Menina, vai, com jeito vai

Senão um dia a casa cai

Menina, vai, com jeito vai

Senão um dia a casa cai”

(Barro, João de)

Se a canoa não virar,

Olê olê olê olá

Eu chego lá

Se a canoa não virar,

Olê olê olê olá

Eu chego lá

Rema, rema, rema, remador

Quero ver depressa o meu amor

Se eu chegar depois do sol raiar

Ela bota outro em meu lugar

Se a canoa não virar,

Olê olê olê olá

Eu chego lá

Se a canoa não virar,

Olê olê olê olá

Eu chego lá

Rema, rema, rema, remador

Quero ver depressa o meu amor

Se eu chegar depois do sol raiar

Ela bota outro em meu lugar

Se a canoa não virar,

Olê olê olê olá

Eu chego lá

Se a canoa não virar,

Olê olê olê olá

Eu chego lá

Rema, rema, rema, remador

Quero ver depressa o meu amor

Se eu chegar depois do sol raiar

Ela bota outro em meu lugar

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Se a canoa não virar,

Olê olê olê olá

Eu chego lá

Se a canoa não virar,

Olê olê olê olá

Eu chego lá

(Almeida, A. e Magalhães, O.)

Em seu depoimento dado ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro em 20

de novembro de 1996, Emilinha Borba afirmou, no entanto, se aborrecer com a fama que

recebera de ser uma cantora exclusivamente carnavalesca. Mesmo tendo sido a primeira cantora

a gravar um samba enredo, “Brasil, fonte das águas” do Grêmio Recreativo Escola de Samba

Acadêmicos do Salgueiro em 1957, e tendo recebido destaque nos concursos carnavalescos

organizados pela prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, a artista se defendeu afirmando ter

gravado quantidades equivalentes de músicas de meio de ano quando comparadas à quantidade

de gravações de canções para o carnaval. Já em aparições na Revista do Rádio, ela se defendia

de quaisquer classificações recebidas a partir dos seus repertórios:

“Uma coisa que os meus fans já devem ter observado é que tenho feito sucesso com

vários gêneros de músicas, daí eu não ter preferência por esta ou aquela música, deste

ou daquele país. Quando gosto de uma determinada melodia, procuro interpretá-la

com todo o carinho e dentro da minha sensibilidade artística.” (Revista do Rádio, 09,

p. 12, 1949).

Entretanto, suas participações e vitórias em concursos de carnaval da prefeitura do

Rio de Janeiro eram relembradas pela publicação assim como o sucesso que suas marchinhas

faziam:

“Emilinha gravou para este Carnaval a marchinha de Paquito e Romeu “Tomara

que Chova", além de baião de Teixeira "Bate o Bombo”, o samba de Geraldo Pereira,

“Perdi meu lar” e a marcha de João de Barro, o Braguinha, “Festa Brava”. Com esses

números, a estrela da Rádio Nacional espera conseguir o mesmo sucesso dos anos

anteriores quando armada com “Chiquita Bacana" revolucionou o meio radiofônico,

o do Brasil e se sagrou a intérprete vitoriosa do Carnaval.” (Revista do Rádio, 68, p.

7, 1950).

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Sua ligação com o carnaval e o sucesso de suas marchinhas tornaram de fato

Emilinha Borba uma das cantoras mais populares do país na segunda metade da década de 1940

e durante toda a década de 1950. Eram muitos os casos em que ela era retratada em reportagens

na Revista do Rádio como a cantora de “Chiquita Bacana” ou a intérprete de “Tomara que

chova” As músicas a serem lançadas para a festa eram constantemente alvo de especulação,

como na edição de número 100 da revista: “Salientou, depois, que já estava se preparando para

o carnaval de 1952, possuindo uma "bomba" nos moldes da inesquecível "Chiquita Bacana".

Que os fans aguardassem a época oportuna.” (Revista do Rádio, p. 34, edição 100, 1951).

A época de carnaval era um momento lucrativo para Emilinha Borba não somente

em questão de gravação de músicas, mas também de aparições ou em shows ou em emissoras

de rádio de outros estados, conforme seu diário na edição 114 da Revista do Rádio:

“Nesta época de quase carnaval, os grandes contratos de fora do Rio aparecem

frequentemente. E repletos de gordas compensações monetárias. Hoje, por exemplo,

emissários da Rádio Record vieram ao meu encontro, na Rádio Nacional, propondo-

me uma temporada na grande emissora paulista. É bem provável que eu aceite o

negócio. Não só pela oportunidade de rever os fans queridos da Paulicéia... mas

também pela agradável "chance" de ganhar alguns milhares de cruzeiros, que não

fazem mal a ninguém. Vocês não acham?...” (BORBA, E. Diário de Emilinha, Revista

do Rádio, 114, p. 08, 1951).

Mesmo que aparentemente a cantora relutasse em se definir como uma cantora

carnavalesca, fato é que, com a proximidade da festa, seu diário ficava repleto de referências a

ela, como na edição 120 da publicação citada:

“É... parece que o meu sossego acabou. Começa a avalanche carnavalesca, a música

pelo sucesso musical do reinado de Momo, os programas radiofônicos de batucadas,

os “shows”... Adeus tranquilidade, fase contemplativa, sono bom de até o meio dia.

Vamos trabalhar de verdade, pior que os estivadores! Paciência, é a vida... Hoje o dia

foi assim...” (BORBA, E. Diário de Emilinha, Revista do Rádio, 120, p. 11, 1951).

Mesmo tentando se distanciar de rótulos que limitassem seu repertório a um tipo

específico de ritmo, Emilinha tirou muito proveito da popularidade do carnaval no país. Fosse

gravando grande quantidade de marchas, concorrendo a prêmios de melhores canções, sendo

disputada pelos compositores de marchinhas, já que ela havia se consagrado a partir deste ritmo,

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participando de filmes ligados ao tema ou mesmo fazendo excursões pelo país no período pré-

carnavalesco. É inegável que o carnaval, naquele momento, serviu e muito para que ela se

tornasse uma referência de sucesso entre o público na década de 1950. Tal repercussão positiva

fez com que até hoje as marchas que gravou sejam tocadas em clubes e bailes pelo país, gerando

tamanho sucesso que sua imagem como cantora acabou sendo diretamente relacionada a esta

festa.

2.2 AS MULHERES ROMÂNTICAS

Os repertórios e estilos musicais apresentados serviram, no entanto, para a

construção de uma das formas de representações feitas em relação a essas mulheres, a mais

clara delas, no entendimento desta pesquisa, já que basta analisar suas carreiras para que seja

percebido o vínculo existente entre elas, cantoras, e o samba. A pesquisa feita nos exemplares

da Revista do Rádio do final da década de 1940, quando ela é fundada, até o final dos anos 1950

mostra, entretanto, outros tipos de imagens passadas para o público leitor da revista sobre essas

quatro artistas. Imagens estas que não necessariamente condiziam com as vidas e escolhas

pessoais dessas cantoras, mas que acabavam correspondendo aos valores que se queriam

predominantes em relação a condutas, comportamentos e estilos de vida das mulheres da época

e deveriam, portanto, ser difundidos a partir de artistas que, dada sua popularidade, já se

colocavam como formadoras de opinião.

As tentativas de colocação dessas cantoras, por exemplo, como mulheres que,

mesmo com uma vida profissional atribulada, estavam à procura de um casamento feliz com

um homem dos sonhos eram recorrentes na publicação. A partir do momento em que o

casamento acontecia, a rotina doméstica do casal se tornava um dos assuntos principais da

revista que não poupava especulações sobre filhos e felicidade conjugal.

Linda Batista se casou pela primeira e única vez aos 18 anos, em 1937, porém se

separou seis meses depois, conforme consta em sua biografia no Dicionário Cravo Albin e

conforme seu próprio depoimento no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro. Esta

separação foi abordada logo na primeira reportagem com a cantora na primeira edição da

história da Revista do Rádio. Nesta matéria, o repórter Nilton Arruda destacou a fuga de Linda

Batista para se casar com seu escolhido, fuga essa frustrada quando a cantora percebeu que a

vida artística seria inconciliável com a vida doméstica e que teria que escolher entre uma e

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outra. Neste momento, ela não foi criticada pela escolha, mas são diversas as reportagens da

revista em que a vida familiar é colocada como uma razão compreensiva para o abandono do

meio artístico por mulheres.

Especulações quanto a romances e possíveis casamentos eram comuns em relação

a todas as artistas solteiras do rádio. Linda Batista era também alvo delas. Em um desses

momentos, na edição número 150 de 1952 da Revista do Rádio, a cantora fora fotografada ao

lado de Normando Lopes, locutor e presidente do sindicato dos radialistas, em matéria que

detalhava um pedido de casamento que ele teria feito a ela em uma das festas dadas pela família

da artista. Questionada sobre a veracidade do pedido e sobre possíveis datas, a cantora orientou

a reportagem a ir conversar com o pretendente sobre esse assunto.

Já na edição 253 de 1954, o namorado apresentado como um futuro marido era

outro, Delio Santos, locutor da Rádio Nacional paulista. Nesta reportagem, a cantora celebrava

seu aniversário com sua família e com o novo pretendente. Em meio a fotos em que beijava o

rapaz, ela declarou:

“- Há meses que me apaixonei. Digo francamente que já não acreditava muito nessas

coisas. Porém, não suportei os impulsos do coração. E vivo profundamente feliz: amo

e sou amada. Não parece até novela?

- Talvez sim, talvez não...

- Às vezes chego a pensar que estou passando por um sonho bonito, repleto de imagens

coloridas e de ilusões passageiras. Felizmente tiro minhas conclusões e, reconfortada,

percebo a realidade de tudo. Não há mesmo dúvidas. Dessa vez a "felicidade bateu à

minha porta ...” (Revista do Rádio, 25, p. 26, 1954).

As declarações românticas dadas pela cantora eram reforçadas pelo texto da matéria

que contava em detalhes a história do rapaz, da formação deste casal, do início do romance e

afirmava ser o casamento obviamente o próximo passo a ser dado pelos dois. As reportagens

sobre esse romance se estenderam pelas edições da revista, como na edição 272 de 1954. Nela,

o rapaz fora fotografado recebendo Linda Batista no aeroporto e a cantora seguia sendo

questionada sobre o andamento do namoro e sobre datas de casamento. Fato é que Linda Batista

não mais se casou.

Dalva de Oliveira, por sua vez, foi uma cantora de repertório marcadamente

romântico, permeado por boleros, sambas-canção e até mesmo tangos que tinham o amor ou a

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falta dele como temas principais. A partir da leitura da obra de Miriam Goldfeder, Por trás das

ondas da Rádio Nacional, e da biografia de Dalva de Oliveira, A estrela Dalva, pode-se

perceber que a cantora representava uma contradição em si mesma. Enquanto o sucesso

alcançado por ela, principalmente na venda de discos, colocava-a como uma artista integrada

aos meios de comunicação da época como rádio e cinema, o contexto do fim de seu casamento

com Herivelto Martins a colocou como uma mulher/ cantora marginalizada em relação aos

valores predominantes na época. Segundo Goldfeder (1980), a artista, assim como as demais,

era admirada pelos grupos mais pobres da população, mas, em seu caso específico, também por

faixas ainda mais marginalizadas como prostitutas, homossexuais e presidiários. Segundo a

autora, Dalva de Oliveira encontrava fãs também em camadas médias e baixas da população

insatisfeitas com os valores, costumes e leis que regiam suas vidas em uma sociedade que lhes

impossibilitava de ter, por exemplo, a liberdade de encerrar um casamento por um processo de

divórcio.

Goldfeder (1980) afirma que tanto a imagem quanto o repertório da cantora não

ofereciam um consolo para as situações dessas pessoas, mas acabavam por intensificar os

sentimentos de marginalidade envolvidos na situação pessoal de Dalva de Oliveira originada

de sua separação. Esse fato pode ser claramente percebido nas letras de canções como “Que

será” e “Tudo acabado” em que não há nenhum tipo de mensagem de ruptura, revolta ou mesmo

ajuda para quem se encontrava na situação da cantora, pelo contrário, há o reconhecimento de

uma situação de grande tristeza e um agudo lamento por ter de vivê-la:

“Que será

Da Minha Vida Sem o Teu Amor

Da Minha Boca Sem Os Beijos Teus

Da Minha Alma Sem o Teu Calor

Que Será

Da Luz Difusa Do Abajour Lilás

Se Nunca Mais Vier a Iluminar

Outras Noites Iguais

Procurar

Uma Nova Ilusão Não Sei

Outro Lar

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Não Quero Ter Além Daquele Que Sonhei

Meu Amor

Ninguém Seria Mais Feliz Que Eu

Se Tu Voltasses a Gostar De Mim

Se Teu Carinho Se Juntasse Ao Meu

Eu Errei

Mas Se Me Ouvires Me Darás Razão

Foi o Ciúme Que Se Debruçou

Sobre o Meu Coração”

(Rossi, M. e Pinto, M.)

“Tudo acabado entre nós, já não há mais nada

Tudo acabado entre nós hoje de madrugada

Você chorou e eu chorei, você partiu e eu fiquei

Se você volta outra vez, eu não sei

Nosso apartamento agora vive a meia luz

Nosso apartamento agora já não me seduz

Todo egoísmo veio de nós dois

Destruímos hoje o que podia ser depois”

(Martins, O. e Piedade, J.)

Dalva de Oliveira representou ainda para a autora a ruptura com uma visão

padronizada e romântica de relacionamentos amorosos, ou seja, uma ruptura com o final feliz,

e acabou levando a cabo um realismo negativista, nas palavras de Goldfeder (1980), que rompia

com diversos estereótipos presentes em imagens apresentadas por veículos de comunicação,

como por exemplo, a própria Revista do Rádio. Ela acabou se tornando, segundo a

pesquisadora, uma forma de identificação, portanto, de quem não tinha com quem se identificar

ao ler as revistas da época, mostrando, a partir dos acontecimentos de sua vida, uma realidade

que rádio e imprensa não gostariam que aparecesse, rompendo padrões e modelos ideais mesmo

não tendo plena consciência ou vontade de fazê-lo.

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Pode-se perceber, no entanto, ao analisar carreira, vida e repertório da cantora que

qualquer construção de sua imagem com base em uma figura transgressora em relação aos

valores da época, não foi feita de forma consciente e intencional por parte dela, mas sim a partir

dos fatos pelos quais passava. Por mais que ela fosse sim uma síntese de valores desviantes,

como coloca Goldfeder (1980), e tivesse sua imagem ligada a um casamento fracassado, a uma

separação conturbada, a um comportamento na vida pessoal associado a escândalos e ao

alcoolismo, seus depoimentos e entrevistas mostram uma mulher em busca de felicidade no

amor, ao lado de um homem e de filhos.

A análise dos exemplares da Revista do Rádio publicados durante toda a década de

1950 comprova, ainda, que além de não haver intencionalidades transgressoras nos discursos

da cantora nas diversas matérias realizadas com ela, a própria revista procurava não dar margem

a esse tipo de possibilidade. Não há em nenhuma reportagem sobre Dalva de Oliveira referência

a rupturas comportamentais ou a qualquer possível caráter transgressor que a vida e as atitudes

dela pudessem sugerir. Esse grupo de fãs formados por prostitutas, homossexuais e mulheres

separadas de seus maridos não eram representados na publicação, assim como a vida da cantora

também não o era da maneira analisada por Goldfeder (1980). As matérias da publicação sobre

seu segundo casamento, que se tornaram tão recorrentes quanto haviam sido as reportagens

sobre seu desquite, mostravam exatamente essa Dalva de Oliveira romântica e sonhadora à

procura da felicidade conjugal, como se pode ver com os exemplos abaixo.

A matéria da edição de número 113 da Revista do Rádio de 1951 noticiou a

proximidade do casamento da cantora com o argentino Tito Climent. Segundo ela, Dalva de

Oliveira estava apenas à espera da oficialização de seu desquite para que pudesse se unir ao

artista. Retratada como uma mulher apaixonada, a cantora foi fotografada escrevendo o que

seria uma carta endereçada a ele ao lado dos dizeres:

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Figura 9: Dalva de Oliveira.

Fonte: Revista do Rádio144

“Dalva de Oliveira escreve uma carta para o seu futuro esposo, confessando-lhe que

morre de saudades! Em baixo: a Rainha do Rádio telefona para sua residência

querendo saber se chegou alguma carta de Tito. Sim, chegou!...” (Revista do Rádio,

113p. 04, 1951).

A descrição do amor à primeira vista que teria sido despertado em ambos também

chama a atenção:

“ - Tudo começou no ano passado. Eu cumpria um contrato no Teatro Recreio e ainda

não era "Rainha". Certa noite, fui assistir ao "show" do "Night And Day" quando,

emocionada, tive a oportunidade de conhecer a notável dupla de artistas Tito Climent

e Gogó Andrew, dois argentinos do barulho, dois elementos infernalíssimos. Claro

144 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 01/2017.

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que, "de saída", meu coração pulsou mais forte por Tito. Talvez por culpa de um olhar

mais assim não sei o que diga, talvez por culpa do destino. Não sei. A verdade nua e

crua é que gostei dele e senti que ele gostou de mim. Assim sendo...” (Revista do

Rádio, 113p. 04, 1951).

E Dalva de Oliveira seguiu descrevendo o início da relação dos dois:

“O nosso amor cresceu depressa e tomou forma de um grande amor. Amor sincero.

Amor carinho. Amor dedicação. Amor, amor, sim senhor, com todas as honrarias de

praxe. Resultado: sentimos que não mais poderíamos viver um sem o outro. Daí, a

pergunta que ele me fez, certa noite, triste noite, antes de embarcar para a Argentina

e a resposta que meu coração deu:

Queres casar comigo?

Quero, sim.

Os olhos de Dalva são duas promessas de lágrimas e o repórter, discreto, espera por

elas. Há, porém, uma orgia de "rimei" nas pálpebras da querida "estrela" e as pérolas

de água não ousam quebrar a estética do globo ocular.

Quando ele embarcou para a Argentina, senti um enorme vazio dentro de mim. Senti

que ele era a minha vida, o meu eu, a minha razão de ser.

E prometi, a mim mesma dissipar as dúvidas que tomavam de assalto meu espirito.

Conversei no dia seguinte com o meu empresário; discuti com ele a possibilidade de

uma temporada nos domínios de Pêron e, assim que me desobriguei de certos

compromissos com a Rádio Nacional, tratei de dar um voo até Buenos Aires a fim de

rever o meu Tito, o meu futuro marido.” (OLIVEIRA, D. Revista do Rádio, 113, p. 4

e 5, 1951).

Mesmo as reportagens sobre suas diversas excursões internacionais sempre

buscavam mesclar informações a respeito do sucesso alcançado pela cantora com o público

estrangeiro com notas que remetessem ou a seus filhos ou a seu ainda noivo, como no caso da

edição número 138 de 1952 que trouxe longa matéria detalhando sua excursão por Lisboa e

Madri. A duração de tal viagem foi justificada não somente pelos shows bem sucedidos

realizados por ela, mas também por ser equivalente ao tempo exato que os filhos da cantora

ficavam sob a custódia do pai145:

“Muita gente estranhou que Dalva de Oliveira empreendesse, bem na época do

Carnaval, uma excursão de nada menos que meio ano pelos países da Europa. Qual a

razão de sua fuga de seis meses, quando sua presença entre nós se fazia mais solicitada

145 Dalva de Oliveira e Herivelto Martins dividiam a guarda dos filhos em períodos de seis meses cada um dos pais.

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pelos fans? Em verdade, Dalva de Oliveira estava iniciando, com a sua primeira

temporada pelos países do velho mundo, uma peregrinação que talvez se repita,

matematicamente, de fevereiro a agosto, todos os anos, até quando, ninguém sabe. É

que, pela decisão da Justiça, Dalva de Oliveira ficará em contato com os seus dois

filhos apenas entre fevereiro e agosto, entregando-os, daí em diante, para Herivelto

Martins, de quem se acha separada, depois do desquite que tanto emocionou a opinião

pública. Dalva refugia-se, assim, no estrangeiro, afogando, talvez, a contingência

amarga da separação de Pery e Ubiratan. Esta a razão plausível para a sua temporada

que, acima dos interesses artísticos e financeiros (magníficos ambos!), tem a

justificativa mais ponderável e poderosa.” (Revista do Rádio, 138, p. 04, 1952).

A presença do noivo, Tito Climent, durante essa excursão foi devidamente

destacada pela publicação:

“Há mais um detalhe importante com respeito à temporada de Dalva de Oliveira na

Europa. Tito Climenti, seu noivo, a acompanha por todas as partes, atuando também,

como artista que é, em dupla com o Gogó Andrew. Afinal, Dalva de Oliveira não está

tão só: tem ao seu lado o homem que parece fazer pulsar seu coração dolorido. Seis

meses para dois enamorados que esperam o pronunciamento definitivo do divórcio da

estrela, para se casarem no Uruguai. Talvez, quem sabe?, que ele e ela — Dalva e Tito

— voltem casados, da Europa.” (Revista do Rádio, 138, p. 06, 1952).

Esta excursão, porém, se estendeu por quase um ano, dado o sucesso de suas

apresentações nas capitais citadas, o que fez com que Dalva de Oliveira acabasse realizando as

gravações de seus discos em Londres em associação feita por sua gravadora Odeon com a sede

da Parlophone na Inglaterra. A edição 153 da revista trouxe longa reportagem detalhando a

demora da artista em retornar ao país. Contando os pormenores de sua tão bem-sucedida

passagem pela Europa, a matéria destacou, no entanto, que:

“a cantora se desfizera em lágrimas, chorando convulsamente! Lágrimas de saudade;

de tristeza por se encontrar longe de nós, de sua casa, dos seus programas na Rádio

Nacional, de seus dois filhos. Perguntaram-lhe porque não voltava. E a resposta foi

simples: no momento era escrava de seu próprio sucesso, às voltas com oportunidades

que não poderia abandonar, agora que chegava ao máximo de sua carreira, obtendo

uma consagração dificilmente conseguida por quaisquer outras cantoras, em todo o

mundo. Queria voltar, sim, ela que se encontra há quase seis meses longe de sua vida

normal, sua gente, seus fans, seus discos...” (Revista do Rádio, 153, p. 39, 1952).

As matérias sobre sua relação com Tito Climent continuaram presentes na

publicação ao longo da década em reportagens específicas sobre o casal que mostravam seu

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cotidiano, como nas edições número 164 de 1952, por exemplo, em que foi apresentada a

intimidade deles na residência da cantora em Jacarepaguá e na de número 234 em que o casal

foi fotografado e entrevistado no que a revista chamou de uma “nova lua de mel” vivida pelos

dois após afastamento provocado por compromissos profissionais de ambos. Além destes

exemplos, matérias que aparentemente procuravam destacar acontecimentos na carreira da

cantora não deixavam, entretanto, de apontar aspectos íntimos de sua vida, como na entrevista

na edição número 243 que noticiava a partida de Dalva de Oliveira para apresentações ao longo

de toda a América Latina, mas que não deixava de questioná-la sobre a companhia dos filhos e

do marido em tais empreitadas.

As entrevistas e reportagens citadas mostram que o discurso da cantora corroborava

com valores matrimoniais e românticos que estavam em perfeita sintonia com o ideal

conservador do período. Ela, aliás, em momento algum pregava quaisquer outros tipos ideais

de vida e comportamento. Por mais que acontecimentos da sua vida tenham transmitido

mensagens de rupturas com padrões de comportamento esperados em relação às mulheres do

seu tempo e que ela tenha sido definida por Goldfeder (1980) a partir de elementos de

transgressão, possíveis imagens que ela pudesse transmitir indiretamente em relação a

transformações de costumes eram rapidamente mascaradas por entrevistas, discursos e

reportagens que a mostravam como uma mulher que almejava o que qualquer outra na década

de 1950 deveria desejar: casamento, amor e tranquilidade no lar. A visão difundida a respeito

dela pela autora citada se aproxima mais do que esta pesquisa entende como um legado

interpretativo sobre a figura de Dalva de Oliveira do que sobre o que a cantora realmente era

na década de 1950 para si e para seu público mais amplo.

Desta forma, da pesquisa realizada sobre Dalva de Oliveira, resta, portanto, uma

contradição entre sua imagem apresentada pela Revista do Rádio e a herança, pode-se dizer

assim, interpretativa de sua figura. Sonhadora, perigosa, romântica, frágil, insegura, passional,

ciumenta, simples, humilde, sozinha, meiga, explosiva, sofredora e liberal foram alguns dos

adjetivos encontrados ao longo desta pesquisa para definí-la e classificá-la. As letras das

canções gravadas, principalmente os boleros e sambas-canção, refletiam esses adjetivos e

ajudavam a representar uma artista dramática que teve grande parte de seus problemas pessoais

expostos e julgados pela sociedade da época. A cantora dividia opiniões, mas por mais que se

queira fornecer a ela uma herança de rupturas ou transgressões, fato é que sua representação

era maquiada pela Revista do Rádio para que tais transformações, pelo menos naquele

momento, não passassem para o plano real e para que ela fosse representada como uma mulher

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que, assim como qualquer outra, necessitava do amor e da companhia de um homem para ser

plena.

Já Emilinha Borba é apresentada nesta pesquisa como a cantora que mais se

adequou a um modelo de comportamento conservador, discreto e recatado amplamente

defendido e divulgado pela Revista do Rádio. Campeã de cartas tanto da Rádio Nacional quanto

desta publicação durante toda a década de 1950, ela trazia em seu modo de vestir, cantar, dançar

e na forma com que conduzia sua vida particular toda a discrição condizente com a imagem que

se desejava transmitir em relação às mulheres. Para Goldfeder (1980) e para esta pesquisa, a

cantora formava a síntese e representação da correção e retidão de caráter e comportamentos

que se queriam transmitir ao público do rádio. A autora mostra que ela seria um exemplo da

valorização de uma mentalidade reprimida e repressora do ser mulher no período ao negar

qualquer tipo de liberalização ou sensualização explícita em suas performances. Tal

mentalidade reprimida ficava clara no controle de seus gestos, trejeitos e vocabulários, em suas

apresentações em shows e no auditório da Rádio Nacional e nos depoimentos que concedia à

Revista do Rádio. Foram diversas as declarações da cantora em seu diário em que ela justificava

o fato de não aparecer de biquíni em público, não sambar como Marlene, não falar alto, não

gostar de sair à noite e preferir ir ao cinema a ir às boates146, por exemplo. Geralmente com

agenda cheia durante toda a semana, a cantora aproveitava as quartas-feiras para descansar.

Seus programas favoritos eram, segundo ela, ou o repouso absoluto em seu apartamento, como

relatou seu diário na edição de número 165, ou ir ao cinema assistir a algum filme nacional,

conforme seu diário da edição de número 166:

“Dia de folga: meu Deus há tanta coisa para fazer em casa. Verificar o guarda-roupa,

providenciar compras com a empregada, um nunca mais acabar de trabalho Folga,

hein? O melhor, mesmo é a gente "morrer" duas horas num cinema não acham? Fui

assistir a um filme nacional. O "Com o Diabo no Corpo", muito bom, aliás.” (BORBA,

E. Diário de Emilinha, Revista do Rádio, 166, p. 15, 1952).

Em relação ao aspecto repressor que seu comportamento desencadeava em suas fãs,

Emilinha, pela popularidade alcançada e pela exposição a que estava submetida, acabava

servindo de modelo de comportamento para as mulheres da época e neste ponto, pode-se

146 A edição número 234 da Revista do Rádio trouxe reportagem em que apresentava as mais luxuosas boates cariocas. Emilinha Borba e Francisco Alves foram descritos como dois dos cantores populares do país que sempre se recusaram a cantar nesses locais.

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perceber o peso que seu comportamento irrepreensível exercia sobre seu público. De acordo

com Goldfeder (1980) a cantora acabava servindo de modelo não apenas para a emergente

classe média brasileira, mas também e principalmente para as mulheres dos grupos mais

populares e pobres do país, que acabavam moldando seus comportamentos de acordo com o

ídolo, que era, por sua vez, construído a partir de valores médios e conservadores da classe à

qual pertencia.

Em seu diário na edição 389 da revista, pode-se perceber uma das várias vezes em

que esse lado repressor da cantora ultrapassou a esfera de seu comportamento e se estendeu

para seu discurso. Ao falar sobre as celebrações no carnaval de rua, Emilinha Borba afirmou:

“Mas na rua Miguel Lemos, o principal objetivo da rapaziada, é policiar o Carnaval,

zelando com um cuidado especial, pelas crianças que brincam inocentemente. Eu

digo, isso, porque tenho uma sobrinha que despreza os melhores bailes infantis do

Carnaval, para ir brincar ali, naquele ambiente de gente boa. E muitos pais deixam

seus filhos entregues aos cuidados daqueles moços e vão brincar o Carnaval nos

clubes. Por ai vocês veem como é grande a confiança que eles inspiram. Então, não é

bonito isso? E por que nos demais bairros não se faz pelo menos uma rua assim?”

E, vocês, minhas fans, que são todas moças distintas e de boa formação já poderiam

aproveitar o exemplo e neste Carnaval que se aproxima, em seus bairros, fazerem a

mesma coisa. Não é uma ótima ideia? É por isso, que aqui neste meu Diário, quero

registrar a rua Miguel Lemos, como uma das boas coisas do Rio.” (BORBA, E. Diário

de Emilinha, Revista do Rádio, 389, p. 53, 1957).

A forma como a cantora brincava o carnaval, por sua vez, foi trazida na edição 391

da revista e também serve de exemplo para a análise feita por Goldfeder (1980). Em meio a

diversas fotos envolta em serpentinas, a foliã Emilinha Borba foi assim descrita:

“Não que Emilinha seja exageradamente carnavalesca. Entretanto, não lhe é

indiferente o entusiasmo do reinado de Momo. A Miloca adoraria que o Carnaval

tivesse, de novo, aquele sabor de outrora, quando a avenida Rio Branco ficava

submersa, quase, numa avalanche de serpentinas e confetes multicores. Os

automóveis conversíveis faziam o "corso", espalhando uma alegria ingênua e gostosa.

Emilinha era uma garotinha àquele tempo. Mas, guarda uma lembrança deliciosa que

o correr do tempo não apagou. Quem disse, porém, que a Miloca é "contra" o

Carnaval? Ela não dispensa o prazer de constatar a alegria do povo. Se não vai até o

cordão, pelo menos gosta de aplaudir aos foliões, incentivando-os e oferecendo-lhes

as suas músicas alegres, como aquela do "Vai com jeito" — e tantas outras” (Revista

do Rádio, 391, p. 36, 1957).

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Estas faces reprimida e repressora da cantora podem ser exemplificadas também

pela falta de acontecimentos pessoais polêmicos expostos a seu respeito na publicação e pelos

tipos de reportagens existentes sobre ela na Revista do Rádio. Geralmente tais matérias

versavam sobre suas apresentações na Rádio Nacional, sobre panos quentes colocados na

rivalidade entre ela e a Marlene ou sobre shows e gravações que ela estaria realizando. No

entanto, havia, assim como havia com as demais cantoras, especulações sobre possíveis

namorados e futuros casamentos também em relação a Emilinha, como no caso da edição 275

da publicação em que foi apresentada uma dentre muitas reportagens sobre um possível

romance entre ela e Cesar de Alencar. Tal namoro seria, segundo a matéria, o maior desejo dos

fãs dos dois, que escreviam a ambos questionando sobre datas para a cerimônia de casamento

e motivos pelas quais ela ainda não havia sido realizada. Emilinha Borba, apesar de se esquivar

de tais especulações, considerava-se claramente a favor de um casamento para si, conforme

matéria da edição nove da publicação: “Um dos mais sérios problemas na vida de uma mulher

é o matrimônio. Por isso, sou francamente favorável ao casamento. Se já não me casei, foi

unicamente por ainda não ter tido oportunidade" (Revista do Rádio, 09, p. 13, 1948).

Pretendia-se com isso mostrar uma Emilinha Borba que se não fosse

declaradamente romântica e sonhadora, colocava família e filhos como algo fundamental para

as mulheres. Fato é que tanto o marido sonhado quanto o filho já existiam. Tema polêmico entre

os fãs remanescentes da cantora, Emilinha teria recebido seu filho dos braços de uma fã no Rio

Grande do Sul após um show. Com as justificativas de que não poderia cuidar da criança e que

a cantora seria a única pessoa em quem poderia confiar, a fã entregou o bebê a Emilinha para

que ela o adotasse. Não é preciso muita pesquisa para descobrir a falsidade da informação.147

O namoro dela com Arthur da Costa não era público e oficial, mas o nome dado ao garoto

coincidiu com uma junção do nome do rapaz e dela. Além disso, Arthur Emílio, o bebê, foi

entregue a ela no mesmo estado natal de seu namorado. Conforme pesquisa de campo no fã-

clube ainda existente da cantora no Rio de Janeiro, a versão oficial da adoção permanece entre

os fãs. Não há nenhuma menção também na Revista do Rádio sobre qualquer outra versão dessa

história que não a contada pela cantora.

Quando a cerimônia de seu casamento com o rapaz aconteceu, ela recebeu grande

destaque da publicação. O tão aguardado casamento foi matéria da edição 366 de 1956, tendo

ocorrido, porém, ao contrário do que acontecera com Marlene, em uma cerimônia civil simples,

147 A “adoção” da criança foi anunciada em seu diário da edição de número 189 de 1953 e descrita em sua coluna na edição 290.

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realizada em Caxias do Sul. É curioso ressaltar que apesar da duração do namoro, tal

relacionamento permaneceu distante das matérias da Revista do Rádio. Elas sempre ligaram

Emilinha a figuras do meio em que ela trabalhava, mas nunca ao seu real par. Porém, a partir

do momento em que se casou, seu esposo passou a ser assunto recorrente da publicação, como

na edição de número 377 que trouxe foto da cantora junto ao seu marido recebendo ela um

prêmio como a cantora mais querida pelo público da Emissora Continental e ele recebendo

outro por sua performance como piloto automobilístico. Na matéria, a realização do casamento

dos dois foi colocada como um momento de grande felicidade para seus fãs que percebiam ter

realizado a cantora o grande sonho de sua vida:

“Era o detalhe que faltava, sim, à sua felicidade. O complemento que se desejava, de

coração, à estrela tão querida. Casada, Emilinha deu ao seu lar o máximo do seu amor

e ternura. Queriam os fans que ela e seu esposo aparecessem em público. Para

aplaudi-los com a sua admiração mais sincera.” (Revista do Rádio, 377, p. 04, 1956).

Em seu diário, na edição 378, mais um exemplo das referências ao marido que

começavam a se tornar comuns. Nele, a cantora afirmou sentir medo quando o esposo

participava de corridas:

“Fico sempre receosa quando ele participa das competições esportivas. Bem que eu já

devia estar acostumada, não é? Mas, cadê coragem? Mas, afinal de contas, eu

compreendo que o automobilismo, para ele, é o mesmo que o rádio pra mim. Por isso,

embora tranquila porque ele não competiria naquele dia, fiquei pezarosa por vê-lo

sofrer de um tersol que não o deixou correr no circuito de Volta Redonda” (BORBA,

E. Diário de Emilinha, Revista do Rádio, 378, p. 50, 1956).

Sua rotina em seu casamento, por sua vez, foi apresentada na edição 368 da

publicação em que a cantora aparece retratada em fotos e no texto como uma boa dona de casa

preocupada com a alimentação de sua família, mas acima de tudo feliz por ter realizado seu

sonho:

“Emilinha Borba (agora, Emília Savanna da Silva Borba Souza Costa) considera-se a

pessoa mais feliz do mundo. Seu casamento, com Arturzinho Souza Costa,

concretizou o seu sonho, que é, aliás, o de todas as pessoas enamoradas. Com os dois

donos do seu coração (Artur e Artur Emílio, o seu herdeiro querido) vive a estrela no

seu lindo apartamento (que lhe foi presenteado pelo seu amor) na rua Assis Brasil, em

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Copacabana, onde a fotografamos, para esta reportagem que a sua imensa legião de

fans estava esperando.

Emilinha e Artur lamentaram que todos os seus amigos — e entre eles, os fans da

estrela — não pudessem comparecer ao casamento. Desejavam, porém, que a

cerimonia fosse íntima, encantadora singeleza que só entendem os apaixonados.

Agora, Emilinha é uma dona de casa completa, que se preocupa com detalhes caseiros,

desde a escolha dos pratos do dia, até a decoração da casa. E exibe, com orgulho e

emoção, a aliança, de platina e cravejada de brilhantes, que lhe deu o esposo. O

romance de ambos, iniciado há algum tempo, chegou ao final feliz. E Emilinha, dona

de casa, é toda cuidados com o seu amor — ele a razão de sua vida, ela o motivo de

sua existência.” (Revista do Rádio, 368, p. 49, 1956).

Como não poderia deixar de ser, especulações temerosas sobre o fim de sua carreira

para que a cantora pudesse se dedicar inteiramente à família também surgiam, como apresenta

a reportagem um tanto sensacionalista da edição 369 em que a cantora se mostrava cansada da

pressão que a vida artística exigia dela e da falta de tempo para a família:

“- Você acha que seus fans aceitarão? (que ela deixe o rádio)

- Se eu disser que é para o meu bem, na certa eles aceitarão.

- Mas, qual o motivo que a levará a isso?

- Meu lar! Meu filho! Arturzinho já está quase um homem e precisando da minha

assistência. O rádio rouba-me tempo. Já vivi muito tempo longe dele; agora quero

cumprir meu dever de mãe. Sinto que preciso e mesmo porque, preciso dar lugar a

outros.

- Sim... Compreendemos. O casamento em parte, contribuiu para isso, não é

verdade? Emilinha deixa escapar um longo suspiro e põe fim à entrevista:

- Efetivamente. O casamento... Meu filho... Meu lar!” (Revista do Rádio, 369, p. 04,

1956).

A edição 372, porém, acalmou os fãs da cantora ao mostrar uma Emilinha Borba

feliz ao lado dos dizeres “Após quase desistir, Emilinha continuará!” (Revista do Rádio, 372,

p. 03, 1956).

Pode-se perceber, ao contrário do que acontecia com os maridos das demais

cantoras aqui estudadas, uma grande discrição por parte do esposo de Emilinha Borba em fazer

parte das reportagens com a cantora. Discrição esta que não foi estendida ao filho do casal cuja

imagem foi amplamente divulgada pela revista em capas de algumas de suas edições ou em

reportagens, como na edição 406 de 1957 em matéria intitulada: “É francamente do samba”,

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em que o garoto era retratado como uma criança alegre e sorridente que não podia ouvir sua

mãe cantar que já aderia:

“....imediatamente à música, batendo palminhas e entoando na sua vozinha doce. Já

se mostra um adepto fervoroso do samba e tudo indica quem sabe? que poderá vir ser

um cantor, famoso como a sua querida mãezinha. Quando Emilinha o leva até a

Nacional, para Artur Emílio ganhar os beijos e abraços dos outros artistas - e dos

outros filhinhos dos astros e estrelas, seus amiguinhos – ele fica radiante. Porque sabe,

vai ganhar presente das fans, ouvir muitas músicas e divertir-se como nunca!

Arturzinho conhece e canta todas as últimas novidades que sua mamãe gravou!

Cantarola tudo e com um entusiasmo de quem parece ter herdado, de fato, a "bossa'

inconfundível da Miloca.” (Revista do Rádio, 406, p. 22, 1957).

A própria Emilinha Borba se referia à criança constantemente em seu diário, como

no da edição 421 da revista em que ela o descreve como uma criança sempre alegre e disposta

a brincar, mas também um tanto travessa:

“Outra coisa importante que tenho observado, é a maneira mais viva, mais

desembaraçada com que ele se movimenta, ludibriando muitas vezes a nossa

vigilância. Em dados momentos, a gente pensa que ele está ao nosso lado e quando se

olha, pronto, cadê o menino? Ainda um dia desses, jogando bola com uns meninos da

vizinhança, na praça, ele deu um chute na bola e esta foi bater no vidro de um

automóvel que estava estacionado ao lado. Fui até lá e chamei a sua atenção. Sabem

o que foi que ele me respondeu?

— Não é assim que os jogadores fazem na televisão?

Não tive outra saída senão rir.” (BORBA, E. Diário de Emilinha, Revista do Rádio,

421, p. 45, 1957).

As referências a seu filho eram quase que semanais em suas colunas. Fosse para

falar de suas travessuras, do início de sua vida escolar, a respeito de suas brincadeiras com o

cachorro da família, sobre doenças que o garoto contraía ou mesmo sobre presentes de suas fãs

para ele. O lado mãe da cantora acabou sendo muito mais retratado em suas aparições do que o

lado esposa ou mulher romântica. O fato de Emilinha ter se casado anos após o nascimento de

seu filho pode ser colocado como um motivo para que ele tenha se transformado no protagonista

de sua vida pessoal, enquanto o marido, que não havia aparecido nem mesmo como namorado

na publicação, raramente era fotografado ao lado da companheira. Além disso, o fato de ele não

pertencer ao meio artístico também pode ser um dos motivos para tal discrição, que não se

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estendeu às questões matrimoniais e maternais, que, como visto, se fizeram também presentes

na construção da figura da cantora.

O tema casamento se fazia presente mesmo quando a mulher era retratada pela

Revista do Rádio como moderna e diferente, como no caso de Marlene. Seu primeiro casamento

foi inclusive alvo de uma ação publicitária da revista, rendendo uma sequência de reportagens

e um concurso para seus leitores. A edição de número 115 de 1951 trouxe a primeira entrevista

com ela tratando de seu noivado, apresentado-o como um grande mistério. Na matéria intitulada

“Marlene encontrou seu eleito! Cupido flechou a ex-rainha do rádio!” (Revista do Rádio, 115,

p. 03, 1951), a revista trouxe quatro páginas de entrevistas em que a cantora se desviava das

perguntas sobre um possível noivado com um rapaz ainda misterioso. Mesmo não querendo

revelar a veracidade ou não da fofoca, a artista foi categórica ao afirmar: “Sou mulher, tenho

os meus sonhos. Como todas as mulheres, quero um lar, muitos filhos. Adoro criança!”

(MARLENE, Revista do Rádio, 09, p. 05, 1948). Já na edição número 136, foram dadas as

diretrizes para quem quisesse, em troca de um prêmio de 10 mil cruzeiros, especular sobre a

identidade do rapaz.

O noivo de Marlene foi finalmente revelado na capa da edição 139 da revista. Luiz

Delfino, o ator que contracenara com ela em Tudo Azul, era o escolhido da cantora. A edição

seguinte trouxe entrevista com ele para que fossem esclarecidos o início do namoro e os

preparativos para o casamento. Na matéria “Nasceu de um beijo de cinema o noivado de

Marlene” (Revista do Rádio, 140, p. 05, 1952), o ator relata já estar encantado pela

“personalidade irradiante da cantora” (Revista do Rádio, 140, p. 05, 1952), mas que nada, além

de pequenas conversas, havia acontecido entre os dois. Foi nas filmagens de Tudo azul,

entretanto, que os dois se tornaram mais próximos. O primeiro beijo do casal teria sido

exatamente o beijo da cena final da produção e foi assim descrito na matéria:

“Até que a "Flama" providenciou a cena final do "Tudo Azul". Luzes, câmera e ação...

e os dois se beijaram. O beijo demorou. As luzes apagaram... e o diretor pulou

entusiasmado:

_ Puxa! Esse beijo até parece real! Que naturalidade!!” ”

Luiz Delfino e Marlene estavam tontos. Um embaraço que não escapou à observação

de todos. Sorrisos, piadas alegres... e os dois não se falaram, na clássica viagem da

"carona". Até que o enamorado reuniu alento e desabafou: aquilo era demais! Que

Marlene não o amasse, estava bem. O que não era possível seria guardar aquilo tudo

no coração.

— Pois é. Mas acontece que eu... eu também o amo, Luiz Delfino!

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Era Marlene que respondia, com um "sim" definitivo. O resto, vocês sabem. O

casamento vem aí!”

Os planos do casal, pelo menos da parte masculina do casal, foram sendo aos poucos

revelados na reportagem em uma narrativa romântica iniciada com relatos sobre as

dificuldades dos primeiros encontros até ser finalizada por Luiz Delfino e pela

publicação da seguinte forma:

“Conversa vai, conversa vem, e o repórter pergunta pelos sonhos futuros projetos

quanto a filhos, etc. — Eu e ela sonhamos, verdade! Com um casal. Um Luiz Júnior.

Uma Marlenezinha.

....

Vêm, depois, os episódios gostosos do noivado romântico e da saudade da separação

forçada dos noivos, por causa da viagem de Marlene ao Chile. E Luiz Delfino revela-

nos, que escrevia uma carta, diária, à Marlene, recebendo também uma resposta por

dia. Início das cartas: "Minha Vida!" A correspondência era sempre volumosa.”

(Revista do Rádio, 140, p. 05, 06 e 07, 1952).

O início de romance foi idealizadamente construído pela revista, que passaria a

trazer o casal como um de seus protagonistas por toda a década de 1950. A primeira dessas

reportagens com os dois juntos foi apresentada na edição 143 e mostrou a visita feita por eles

aos bastidores da própria Revista do Rádio para que tomassem conhecimento dos vencedores

do concurso sobre eles. Em matéria que juntava descrições sobre o futuro casamento com as

impressões e comentários que o casal fez a respeito da redação da publicação, ficou claro o

caráter comercial que a união adquirira tanto para a revista quanto para os noivos. Especulações

sobre a cerimônia, a lua de mel, decoração da casa e a quantidade de filhos se uniam a detalhes

sobre como eram escritas e impressas as edições da publicação:

“Sim, o casamento de Marlene e Luiz Delfíno será ainda este mês. Nos fins de Junho

êle e ela estarão realizando o grande sonho de suas vidas, unindo-se pelos sublimes

laços do matrimônio. Casar-se-ão apenas no civil, numa rápida cerimônia que terá a

presença, talvez, de apenas os parentes e amigos mais íntimos. É o que pretendem, se

os fans não decidirem o contrário, descobrindo o local, a hora a o dia do casório, lá

comparecendo, em massa, para brindar os seus dois grandes ídolos.

Onde é a residência? No Bairro Peixoto, ali em Copacabana, Junto ao Túnel Velho.

Lá, isolados do rádio e do cinema, os dois enamorados viverão a vida tão ardentemente

desejada. Têm projetos — alguns dos quais já revelamos em reportagem anterior.

Sonham com os filhos; um casal pra começo de conversa: o garoto com o nome do

Luiz, mesmo. E a pequena com o nome artístico da estrela, ela que se chama, de

batismo, Vitória Bonaiutti, paulista, descendente de italianos.” (Revista do Rádio,

143, p. 40, 1952).

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O casamento foi enfim reportagem da edição de número 153 da revista que

destacava a multidão de curiosos que se aglomerou nas escadarias do Outeiro da Glória e o

casal de padrinhos do civil, Emilinha Borba e Paulo Gracindo. Com diversas fotos que

mostravam desde o lado externo da cerimônia até a missa do casamento, a publicação conferiu

grande destaque ao fato de ter conseguido uma prova da amizade entre as duas cantoras.

Figura 10: Marlene e Emilinha Borba.

Fonte: Revista do Rádio.148

A cerimônia de casamento de Marlene continuou sendo apresentada em seguidas

edições da revista, assim como sua vida em comum com Luiz Delfino, que se tornou

praticamente inseparável de qualquer outro dado sobre a cantora divulgado na publicação. A

edição de número 170 da revista trouxe longa matéria sobre a vida de recém-casados deles.

Com pouca ênfase ao sucesso que eles estavam fazendo com a companhia de teatro que haviam

formando, a entrevista conferiu maior relevância a assuntos como gravidez e ao fato de ele ter

148 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 01/2017.

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apresentando efetivamente o teatro a ela, que até então somente se ocupara do teatro de revistas.

Luiz Delfino foi mostrado como um marido sério e preocupado, enquanto Marlene se definia

como uma mulher brincalhona, o que era motivo de irritação por parte dele. Além disso, ao ser

fotografada alimentando seu marido, a cantora enfatizou o fato de sua mãe ter lhe ajudado a

conquistar o marido a partir de seus dotes culinários.

Figura 11: Marlene e Luiz Delfino.

Fonte: Revista do Rádio.149

Já a matéria “Marlene ganhou o melhor marido do mundo” (Revista do Rádio, 206,

p. 04, 1953) não apresentava, apesar do título, referências a possíveis qualidades que o rapaz

teria enquanto companheiro da cantora, mas sim trazia diversas especulações feitas a respeito

de uma casa que eles estariam comprando e sobre possíveis filhos. O tom das reportagens com

os dois, aliás, seguia sendo este: filhos. Mesmo que grande parte da notícia se dedicasse a

assuntos profissionais, referências a prováveis crianças eram feitas já no título das reportagens,

como na matéria chamada “Marlene já escolheu o nome de seu filho” (Revista do Rádio, 252,

149 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 01/2017.

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p. 04, 1954). Aqui, ela apenas forneceu pequenos detalhes sobre possíveis nomes, não

revelados, de uma criança ainda inexistente e já iniciou outros assuntos relacionados à sua

carreira que ocuparam as demais páginas da entrevista. O título, no entanto, enfatizava a questão

como se fosse ela grandemente discutida na entrevista.

Percebe-se com o que foi apresentado que – por mais contraposições que a artista

pudesse apresentar em relação às outras aqui analisadas, a partir de adjetivos como diferente,

moderna e elegante – sua representação na Revista do Rádio acabou tomando outro rumo após

seu casamento. Até se casar, a representação de Marlene na publicação condizia em sua maior

parte com a imagem que dela se formou, uma mulher elegante e moderna. Ao se casar, no

entanto, a representação passou a ser feita em dupla, já que Luiz Delfino era constantemente

seu par nas reportagens. Eram feitas diversas tentativas, assim, de encaixar a cantora em um

estereótipo de dona de casa e mãe de família. As reportagens sobre ela passaram a concentrar,

por sua vez, relatos pessoais principalmente relacionados ao casamento, ocupando papel

secundário as referências sobre gravações, filmagens e peças de teatro com sua participação,

como colocado. Tais referências costumavam ser citadas como justificativas para o fato de o

casal ainda não ter tido filhos, como na já citada reportagem da edição 252 em que Marlene

afirmou: “Não. Não há qualquer aviso de visita da ave pernalta. Aliás, não podemos pensar em

bebê, pois estamos praticamente em início de vida e precisamos cuidar de outras as coisas,

também muito importantes” (Revista do Rádio, 252, p. 04, 1954).

Ou na reportagem da edição 170 em que o texto da matéria foi assim colocado:

“Bem, em se tratando de cegonha, Luiz Delfino e Marlene dizem que ainda é muito

cedo para tanto. Eles adoram crianças, mas o teatro, o rádio, o cinema e uma porção

de viagens impedem que o casal trate do assunto. Coisas da vida. Bem que um e outro

gostariam de receber dona Cegonha com as honras de estilo, principalmente agora que

muitos dos casais do rádio —novos e veteranos — têm recepcionado a ilustre figura,

em meio a pompas incomuns. Marlene e Luiz afastam a hipótese da Cegonha... por

enquanto!” (Revista do Rádio, 170, p. 38, 1952).

Pode-se notar que de uma forma ou de outra, as vidas pessoais dessas mulheres

acabavam sendo noticiadas com tão ou mais frequência quanto seus dados artísticos. Elementos

como casamento, amor, filhos e família eram colocados às mulheres do período como

fundamentais em suas vidas; e nas vidas dessas artistas, que acabavam sendo referências para

o público, não era diferente. Cada uma à sua maneira – uma apenas com namorados, outra tendo

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que reconstruir seu ideal de felicidade e se encaixar em um padrão do qual havia

temporariamente se desviado ou as outras duas com casamentos quase que tradicionais – era

representada como uma mulher em que estes sonhos estavam presentes naturalmente, como

deveriam estar em todas as outras, mesmo que não estivessem.

2.3 AS MULHERES RICAS E ELEGANTES

Conforme colocado no capítulo anterior, a possibilidade de veiculação de

propagandas nas emissoras de rádio trouxe a elas uma nova renda que contribuiu para que suas

estruturas se ampliassem e se diversificassem a ponto de serem necessárias contratações de

diversos trabalhadores para as novas funções que iam sendo desenvolvidas. Entre esses

trabalhadores, podem ser citados também os artistas que deveriam se apresentar nos programas

criados. O sucesso que o chamado rádio comercial começou a fazer entre público e anunciantes

fez com que alguns desses artistas se destacassem entre a audiência do veículo e passassem a

ser disputados pelas grandes emissoras, o que ocasionou o surgimento de contratos com valores

de remuneração cada vez maiores para eles. Dentre esses artistas, as cantoras aqui analisadas

ganham destaque por terem extrapolado a esfera desses contratos radiofônicos e conseguido

também grandes rendimentos em cassinos, boates, teatros de revistas, excursões pelo país, ou

mesmo fora dele, e no cinema. Elas passaram, então, a ter estilos de vida mais sofisticados,

desfilando as últimas modas em roupas e acessórios e adquirindo – e exibindo – também as

últimas novidades em diversos tipos de produtos que eram apresentados aos consumidores.

Estas mulheres acabaram por se diferenciar mais e mais da origem pobre à qual a maioria delas

pertenceu e passaram a simbolizar uma possibilidade de ascensão social feminina por meio do

trabalho artístico. Os números relacionados aos seus contratos de trabalho eram divulgados pela

Revista do Rádio assim como também eram colocadas na publicação informações sobre compra

de imóveis, automóveis e sobre os mais diversos elementos que situavam essas cantoras em

patamares econômico-sociais elevados. Eram assim construídas, como se verá, suas

representações como mulheres ricas e luxuosas que lançavam tendências na década de 1950 no

país.

Cassinos e boates foram lugares frequentados pelos grupos mais ricos do Brasil nas

décadas de 1940 e 50 respectivamente e representavam um nível de luxo e riqueza acima da

média de quaisquer outros tipos de casas de shows existentes. O fato de essas cantoras terem

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tido destaque em apresentações nesses lugares também as situava em outra esfera econômica

quando comparadas aos demais cantores de sua geração que não se apresentaram em tais

ambientes. Em especial, Linda Batista e Marlene foram atrações principais do Cassino da Urca

e, posteriormente, de duas das mais ricas e sofisticadas boates da capital, a do Hotel Vogue e a

do Hotel Copacabana Palace, a Casablanca150.

O trabalho nessas casas de show, porém, era apenas um dos elementos difundidos

pela Revista do Rádio que pode ser tomado aqui para a compreensão da formação de uma

imagem de riqueza e luxo em relação a essas cantoras. Já na primeira edição da publicação, em

1948, a paixão de Linda Batista por automóveis era destaque em matéria sobre a consolidação

de sua carreira no rádio. Além de sua estimada e famosa coleção de carros, a cantora possuía

também grande quantidade de vestidos, como afirmou a reportagem da edição número 24 da

revista.

A coluna “24 horas na vida de um artista” (Revista do Rádio, 71, p. 66, 1951)

destacava a rotina da cantora, afirmando que ela, assim como os demais artistas, acordava após

o meio dia. Para começar seu dia, fazia sua maquiagem e tratava de cuidar de sua coleção de

bonecas em seu apartamento no bairro do Flamengo. Já a edição número 74 da publicação,

colocava a cantora ao lado de figuras como Vicente Celestino, Francisco Alves e Orlando Silva

apresentando-a como uma das cantoras do rádio que se desistisse da carreira poderia viver em

boas condições apenas com os rendimentos do que havia conquistado. Carmem Miranda, Cesar

de Alencar, Héber Boscoli151, Luiz Gonzaga152, Vitor Costa e Aracy de Almeida153 foram

citados na reportagem como artistas que também já haviam conquistado situação econômica

tranquila graças aos seus trabalhos no rádio e em discos. Percebe-se que, já neste momento,

Linda Batista se encontrava em meio aos maiores cartazes do rádio nacional.

Suas excursões para o exterior rendiam também diversas reportagens à publicação

como, por exemplo, as idas para Buenos Aires em 1941 e em 1942 e para Portugal em 1951,

que deveria ter contado com quatro dias de apresentações, mas que acabou lhe rendendo uma

temporada de 20 dias. Nesta mesma excursão, a artista realizou cinco apresentações na boate

150 Para maiores informações, ler A noite do meu bem, livro de Ruy Castro, citado nesta bibliografia. 151 Um dos principais locutores da Rádio Nacional. 152 Cantor, compositor e sanfoneiro pernambucano, nascido em 1912, conhecido como o Rei do Baião. 153 Cantora nascida em 1914 no Rio de Janeiro conhecida pelo sucesso interpretando músicas de Noel Rosa.

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Vogue em Paris que resultaram em convite para apresentação na TV francesa. Graças ao

sucesso alcançado, a cantora foi convidada para um mês e meio de shows em Roma.

Tal viagem foi destaque da edição de número 161 da revista que abordou desde a

capacidade da cantora em se comunicar em francês e espanhol para ser compreendida pela

plateia até os números de venda de seus últimos 78 rpm lançados: os discos contendo as músicas

“Madalena”154, “Vingança” e “Me deixa em paz”155 teriam vendido 60.000, 160.000 e 100.000

exemplares respectivamente e rendido a ela 200 mil cruzeiros. Os rendimentos com sua

excursão não teriam sido tão generosos, segundo a revista. Linda Batista afirmou que teria ido

à Europa apenas com o objetivo de divulgar a música nacional, já que recebeu nas boates

europeias quantias inferiores as que conseguia no Brasil. O fato de ela ter custeado sua

hospedagem em hotéis caros foi colocado como necessário para que ela se mostrasse uma artista

digna de representar o país no exterior, mas pode ser interpretado aqui como uma forma de

representação da artista pela revista que a coloca como uma mulher rica e capaz de se sustentar

nos locais mais caros do mundo. Linda Batista teria oferecido ainda um coquetel à imprensa

francesa pago do seu orçamento, já que ao recorrer ao embaixador brasileiro, nada teria

conseguido. Por ele, ela teria pago 27 mil cruzeiros em despesas.

Já a reportagem da edição de número 189 da publicação trouxe a seguinte descrição

sobre a situação financeira de Linda e Dircinha:

“As irmãs Batista não perderam tempo com o problema do pé de meia. Cantando

desde pequenas, uma e outra substituíram a ausência do inesquecível Batista Júnior,

tomando os encargos da casa. Perderam o pai e o substituíram no comando da família.

Talentosas, em pouco, lograram magnífica situação financeira no rádio, ganhando

salários que sempre estiveram iguais aos dos melhores do microfone. Depois, nos

discos, obtiveram outra renda apreciável, juntando-a aos proveitos das temporadas no

Interior, boates, etc. Têm, agora, com os discos, o rádio e as boates, um salário

individual de 50 mil cruzeiros, mínimos. Daí pra cima, nada menos. Fizeram seus

patrimônios, comprando um apartamento maravilhoso no Flamengo, onde Dona

Neném reúne os amigos, oferecendo-lhes uma macarronada que ninguém esquece.

Possuem, ambas, um automóvel tipo 1952, fora outros bens e recursos. Linda, por

sinal, quando recebeu os primeiros direitos pela venda dos discos com o seu

"Vingança", comprou logo para mais de cem mil cruzeiros em jóias. É preciso dizer

mais?” (Revista do Rádio, 189, p. 05 e 06, 1953).

154 Composta por Ari Macedo e Airton Amorim em 1951. 155 Composta por Monsueto e Airton Amorim em 1952.

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Na edição 352 de 1956 da publicação, Linda Batista descreveu assim os

investimentos feitos com seus rendimentos:

“ - Temos aproveitado bem o dinheiro ganho até hoje — diz Linda — possuo um

apartamento no Flamengo, onde moramos anteriormente e dois outros pequenos para

renda. Dircinha tem um apartamento em Petrópolis, onde passamos o verão e os fins

de semana. Temos também este em que estamos morando aqui em Copacabana, mas

que ainda estamos pagando. E, naturalmente, o nosso carro.” (Revista do Rádio, 352,

p. 49, 1956).

Dalva de Oliveira, por sua vez, ao deixar o Trio de Ouro no final da década de 1940

passou a ser alvo também de reportagens que, entre outros aspectos, destacavam tanto o

aumento de seus rendimentos como as mudanças em seu estilo de vida em relação à sua vida

com Herivelto Martins. A matéria intitulada “Dalva de Oliveira ganhou 20 mil cruzeiros por

dia, em Manaus” (Revista do Rádio, 103, p. 24, 1951) pode ser citada como um desses

exemplos, já que ela mostrava uma cantora em início de carreira solo e já muito bem

recompensada financeiramente. A artista era no momento de publicação desta matéria, o ano

de 1951, Rainha do Rádio e suas três apresentações na “Festa da Mocidade” em Manaus foram

assim descritas:

“A estréia de Dalva de Oliveira em Manaus, foi algo de notável. A "Rainha do Rádio",

atuou apenas por 3 dias na "Festa da Mocidade", recinto de propriedade da Rádio

Difusora do Amazonas ZYS-3. Foi a maior bomba atômica do ano que a S-8 pôde

lançar no meio radiofônico amazonense. O sucesso foi artístico, e monetário, pois a

artista ganhou por espetáculo vinte mil cruzeiros por dia. Todos queriam vê-la e

aplaudi-la. Dalva de Oliveira arrastou ao parque difusoriano uma verdadeira multidão.

Foi uma temporada nunca vista, em verdade!” (Revista do Rádio, 103, p. 26, 1951).

O começo de seu sucesso internacional, principalmente nas boates e casas de show

argentinas, também foi apresentado em diversas reportagens da publicação, como na edição

108, em que sua temporada na boate Embassy foi assim descrita:

“Poucos artistas, num pais estrangeiro e ainda mais preocupado com o problema da

sucessão presidencial poderiam conquistar tantos fans. Dalva, à noite, quando deixava

a "boite", era sempre assediada por uma verdadeira multidão de aficionados de sua

voz e de sua interpretação.” (Revista do Rádio, 108, p. 06, 1951).

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A consolidação de sua carreira internacional, por sua vez, era mostrada em

reportagens como a da edição de número 164 que destacou o casamento religioso da cantora

com Tito Climent no bairro de Montmartre em Paris, bem como os quase 1,5kgs de joias e os

mais de 100 mil cruzeiros em ouro que ela teria trazido de sua excursão pela Europa. Suas

gravações em Londres e sua temporada de descanso em Paris também foram destaque da

matéria que indicava claramente a figura de Dalva de Oliveira como uma mulher, agora em

carreira solo, com alta renda própria, ao contrário do que acontecia quando ela era casada com

Herivelto Martins.

Em 1953, a cantora já era tratada como uma das personalidades que havia

conseguido enriquecer por meio de seu trabalho no rádio, como mostra a reportagem da edição

número 189 da publicação. Dalva de Oliveira foi ali apresentada como uma dessas pessoas ao

ser assim descrita:

“Foi deixando o "Trio de Ouro" que Dalva de Oliveira conseguiu fazer fortuna.

Porque, sozinha, empreendeu excursões ao estrangeiro, gravou melodias que bateram

recordes na venda de discos, etc. Até então, Dalva possuía pequena reserva

monetária... De um instante para outro, Dalva estava recebendo uma média de

cinqüenta contos mensais, divididos entre emissora, discos e temporadas no Interior.

Soube juntar dinheiro. Comprou uma casa, em Jacarepaguá, e logo empreendeu uma

viagem ao estrangeiro, por sua conta. Percorreu a Europa e fêz uma série de gravações

em Londres. A primeira, trazendo o "Kalu", rendeu-lhe, mais tarde, em apenas quatro

meses, aproximadamente quatrocentos mil cruzeiros, recorde absoluto! Proprietária,

dona de um automóvel — e com bastante dinheiro no Banco, Dalva não pode dizer

que não ficou rica no rádio.” (Revista do Rádio, 189, p. 05, 1953).

As reportagens sobre ela na publicação seguiam trazendo seus números financeiros

e recordes arrecadados com vendas de discos, como na edição 243, em que a própria artista

afirmou: “- Kalu" já rendeu até hoje cêrca de 700 mil cruzeiros e ainda é sucesso em qualquer

lugar onde me apresento. Depois de "Kalu", já gravei cerca de 40 discos, o que me proporciona

uma renda trimestral de cerca de 150 mil cruzeiros” (OLIVEIRA, Dalva de. Revista do Rádio,

243, p. 07, 1954).

E quando questionada sobre seus rendimentos em excursões, ela afirmava: “Na

última viagem, quando estive no Chile e Argentina, ganhei líquido, cerca de 450 mil cruzeiros.

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Mas tive um grande trabalho para ensinar as orquestras de lá como se tocam realmente as

músicas brasileiras.” (OLIVEIRA, Dalva de. Revista do Rádio, 243, p. 07, 1954).

Sua confortável vida financeira seguia sendo mostrada pela publicação, como na

sua edição 309 de 1955 que trouxe reportagem afirmando, entre outras informações, que o

salário mensal da artista, dividido entre Rádio e TV Tupi, chegara aos 80 mil cruzeiros, além

de garantir possuir a cantora propriedades inclusive no Chile e na Argentina:

“O interessante no modo de trabalhar de Tito e Dalva é que eles, em todos os países

que visitam, sempre compram alguma propriedade. Na Argentina têm uma bela casa

e no Chile compraram um terreno. Estas compras têm sido feitas com o dinheiro dos

direitos artísticos e autorais das gravações de Dalva, das quais Tito é autor de algumas.

Acham que a melhor forma de agradecer o carinho com que os tratam o público destes

países é empregar um pouco de seu capital em suas terras. Agora estão pensando fazer

o mesmo no Uruguai, o que é uma forma prática é agradável de ter residência em

vários países.” (Revista do Rádio, 309, p. 05, 1955).

E na edição 393 da Revista do Rádio em que o próprio título da matéria anunciava:

“Entre outras preciosidades, Dalva de Oliveira possui quase dois milhões em joias”. (Revista

do Rádio, 393, p. 22, 1957), a cantora foi colocada como a artista do rádio que mais joias possuía

em sua coleção, além de ter uma grande variedade também de vestidos, que ocupavam um

cômodo extra em sua residência: “Ali estão guardados trinta vestidos de soarê, 20 outros de

coquetel e 15 trajes de passeio. Também se encontram seus 40 pares de sapatos, além das bolsas

e demais adereços destinados a completar cada toalete.” (Revista do Rádio, 393, p. 23, 1957).

Já seus gastos mensais com a renovação do guarda-roupa chegariam aos 30 mil cruzeiros em

compras feitas em São Paulo, Santiago do Chile, Buenos Aires e Rio de Janeiro.

No caso de Emilinha Borba, ficará claro, no item posterior, que as representações

passadas sobre sua figura tanto em reportagens com ela na Revista do Rádio quanto em

discursos que ela mesma fazia em seu diário a colocavam como uma artista que procurava se

aproximar, mais do que qualquer outra das cantoras aqui analisadas, do cotidiano vivido por

suas fãs. Entretanto, ela também não escapou de matérias em que sua rotina de estrela e seus

dados financeiros eram amplamente divulgados pela publicação, como se pode ver.

No começo da década de 1950, a cantora já figurava entre os artistas mais bem

pagos pelo rádio, como se pode ver em reportagem intitulada “Quais são os milionários do

rádio?” (Revista do Rádio, 61, p. 16, 1950), em que foram destacados os 15 mil cruzeiros

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mensais recebidos por ela e Marlene em seus contratos com a Rádio Nacional. Dada a

discrepância existente, e colocada pela publicação, entre os ordenados delas e dos locutores

mais famosos da emissora, essas mulheres já apareciam, de acordo com a lista colocada, como

as mulheres com os maiores salários do rádio. Em uma lista majoritariamente formada por

homens, os locutores Paulo Gracindo, Cesar de Alencar, Manuel Barcellos, Héber Boscoli ou

mesmo o diretor Vitor Costa foram mostrados como os maiores salários das emissoras em geral.

Seus recebimentos na estação citada não eram apenas formados por seus salários, mas também

por carteiras com clientes publicitários, o que fazia com que suas verbas mensais chegassem a

260 mil cruzeiros de acordo com a reportagem.

Pertencentes ao que a revista chamou de segundo grupo dos milionários, apareciam

os artistas que não se beneficiavam de contratos com agências de publicidade, recebendo

“apenas” seus salários de contrato, como Almirante, Celso Guimarães156, Ismênia dos Santos157,

Saint Clair Lopes158, Cesar Ladeira e Rodolfo Mayer159, que recebiam seus 40 mil cruzeiros

mensais. Ainda enquadrados nessa categoria, foram citados o cantor Francisco Alves e Nelio

Pinheiro160. Já na terceira linha construída pela revista, era possível encontrar mais mulheres,

como no caso das duas já citadas Emilinha Borba e Marlene, mas também Ademilde Fonseca161,

que chegavam aos seus 15 mil cruzeiros. Chamam a atenção os últimos patamares apresentados

que formariam os 80% dos trabalhadores do rádio, juntando até 10 mil cruzeiros cada ao mês.

Abaixo dos que alcançavam tal valor, os trabalhadores técnicos das emissoras que estavam

enquadrados em seus 2,5 mil a 5 mil cruzeiros mensais, além dos cantores e das cantoras que

se apresentavam em troca de cachês de 1,5 mil cruzeiros ou mesmo de graça em busca da sorte

de serem descobertos162.

Pode-se perceber ao ler as reportagens da revista que os números apresentados

variavam de matéria em matéria, o que pode ser encarado como natural dada a característica

especulativa da publicação, afinal, ela não se pretendia um documento histórico, mas uma

revista de entretenimento e de fofoca. Porém, o ranking acima colocado tem sua veracidade

156 Produtor e locutor da Rádio Nacional. 157 Famosa radio atriz do período. 158 Locutor da Rádio Nacional. 159 Famoso rádio ator do período. 160 Famoso rádio ator do período. 161 Cantora nascida em 1921 no Rio Grande do Norte, famosa pelos seus sucessos cantando choro. 162 Em termos de comparação de renda, vale ressaltar que o valor do salário mínimo vigente no país nesse momento era de Cr$380,00. Tal valor vigorava desde 1943 e foi alterado por decreto em 1951, valendo a partir de 1952, para Cr$ 1.200,00. (https://www.portalbrasil.net/salariominimo.htm)

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comprovada quando confrontado com o trabalho feito por José Baptista Borges Pereira em seu

livro Cor, profissão e mobilidade, o negro no rádio de São Paulo. Nele, o autor mostra, entre

outros elementos, a diferenciação de funções nas emissoras de rádio com o desenvolvimento

do rádio comercial, apontando que grupos marginalizados da sociedade, como negros e

mulheres, passaram a ver em tal veículo uma possibilidade de ascensão socioeconômica. As

carreiras que mais atraíam tais esferas eram justamente, não somente pela remuneração, mas

em grande parte por ela, as citadas anteriormente como as mais bem pagas, como será

aprofundado no capítulo seguinte.

Já as rotinas de beleza e descanso de Emilinha Borba, por exemplo, foram destaques

em seu primeiro diário na Revista do Rádio, no número 110 da publicação, em que a cantora

afirmou que separava um dia de sua agenda para seu cabeleireiro. Geralmente às sextas-feiras,

a artista dedicava sua tarde ao que descreveu como uma “luta pela juventude do rosto”

(BORBA, E. Diário de Emilinha, Revista do Rádio, 110, p. 10, 1951)

A partir da descrição semanal de seu cotidiano em sua coluna na revista, podiam

ser percebidos diversos elementos que representavam a ascensão econômica da cantora. Entre

eles, a possibilidade de contratar empregadas domésticas. Na edição de número 123, Emilinha

Borba apresentou Nadir, uma fã que se tornara íntima e passara a realizar serviços em sua casa,

como levar seu cachorro para passear, ajuda-la com a correspondência ou mesmo com seu

vestuário. Com o tempo, ela passou a se dedicar integralmente aos trabalhos com Emilinha:

“Nadir é uma das minhas fans mais ardorosas. De férias no seu emprego, Nadir passa

todos os dias, até à noite, em minha casa, ajudando-me na correspondência e no

guarda-roupa. É um amor de garota. Acostumei-me a querê-la como um parente. O

"Barnabé", também, que parece, mesmo, disposto a me provocar ciúmes. Mal a Nadir

pega da coleira, para levá-lo a passeio, "Barnabé" pula de alegria, indiferente, até, ao

meu chamado!” (BORBA, E. Diário de Emilinha, Revista do Rádio, 123, p. 07, 1952).

Seu cuidado com seu guarda-roupa era também retratado por ela na coluna. As

trocas totais de figurinos entre uma estação e outra eram comuns entre as cantoras mais bem

pagas do país, como se pode perceber também no caso de Emilinha:

“Pois verão está assim numa transição. Daqui a pouco teremos os ventos inquietos, as

chuvas inesperadas, o céu nebuloso... época de se mudar o guarda-roupa, pensar nos

vestidos novos, agasalhos e sapatos. Dei um balanço, fiz cálculos e passei numa casa

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de moda, para encomendar essa coisa que parece secundária, mas que é vital para os

artistas: roupas e mais roupas. Vital e pesada no orçamento. As economias quase

desapareceram na caixa do estabelecimento!” (BORBA, E. Diário de Emilinha,

Revista do Rádio, 133, p. 09, 1952).

Percebe-se, ao analisar tal coluna, que mesmo que Emilinha buscasse tentar

aproximar sua vida financeira das de suas fãs ao afirmar que:

“Muita gente pensa que o artista de rádio possui contas fabulosas nos Bancos. Ou que

se permitem uma vida de rei. A história não é bem assim. O artista defende o seu,

guarda alguma coisa para o futuro... mas é obrigado a gastar quase tudo. Por causa da

sua representação, vestiário, etc. Já me entenderam? Tudo isto quer dizer que, muito

embora as afirmações em contrário, não estou milionária. Antes estivesse, antes.

Mesmo assim, a vida é muito boa para ser vivida, vocês não acham? E até terça-feira,

se Deus quiser!” (BORBA, E. Diário de Emilinha, Revista do Rádio, 126, p. 14, 1952).

Ela mesma acabava se contradizendo ao descrever alguns de seus rendimentos,

como quando foi contratada para uma excursão de dois meses pelas capitais do Nordeste do

país. O patrocinador dos shows, o produto Leite de Rosas, teria pago a ela entre 200 e 250 mil

cruzeiros pela temporada, conforme a própria artista colocou em seus diários das edições 136 e

137 da publicação. Sua descrição nesta edição apontada merece especial destaque:

“ - Muitos acreditam que os artistas do rádio sejam milionários. Ou, pelo menos,

razoavelmente ricos. Porque receberíamos ordenados fabulosos, compensações

astronômicas nas vendas de discos, e tanta coisa mais. A história, porém, não é bem

assim. Ganhamos, é verdade, um salário que permite um agradável padrão de vida.

Mas, sabe Deus quanto sofremos e lutamos para alcançar esse privilégio que não é

para toda a existência. Ainda agora ofereceram-me — e eu aceitei! — 250 mil

cruzeiros para cantar durante dois meses em todo o nordeste. Vocês já estão

inteiramente a par do assunto. São 250 contos que servirão para uma melhoria

razoável: novos vestidos, talvez um novo carro, móveis que o apartamento exige... a

concretização, enfim, de uma série de desejos antigos. E talvez, quem sabe? Algumas

jóias para a coleção. Porque as jóias valem dinheiro, em qualquer ocasião. Mas

voltando ao assunto: aí está porque os artistas - especialmente as artistas! — não

podem, mesmo, economizar lá muita coisa: os vestidos levam quase que todo o

dinheiro. Para justificar a presença no auditório, em filmagens - e mesmo em simples

passeios! - temos que usar um guarda-roupa que deve ser renovado freqüentemente,

de acôrdo com a volubilidade da moda. E assim é que os costureiros passam a figurar

em nossos orçamentos como o polvo que asfixia quaisquer projetos econômicos.

Verdade!” (BORBA, E. Diário de Emilinha, Revista do Rádio, 137, p. 08, 1952).

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Nesta mesma edição, a revista apresentou matéria em que destacava os detalhes da

excursão da cantora. Intitulada “O “Leite de Rosas” prestigia o artista nacional” (Revista do

Rádio, 137, p. 48, 1952), tal reportagem apontou, entre outros aspectos, que o patrocinador

havia confeccionado 20 mil fotos autografadas da cantora para distribuir ao público dos shows,

além de pôsteres para serem colocados do lado externo das casas em que ela se apresentaria.

Além disso, o valor do ordenado a ser recebido por ela aumentara para 270 mil cruzeiros

líquidos por shows que seriam iniciados no Espírito Santo e seguiriam para Bahia, Sergipe,

Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí, Ceará, Maranhão, Pará, Amapá, sendo

finalizados no Amazonas, ocupando dois meses da agenda da cantora, que havia conseguido

licença da Rádio Nacional para tal.

Em seu diário da edição de número 141, ela assim se referiu ao valor recebido pelos

shows realizados:

“Uma dessas cartas, por sinal, indaga se eu não ficarei milionária com a presente

excursão. Argumenta que o "Leite de Rosas" me pagou 250 mil cruzeiros, fora as

despesas e proventos de bilheteria, etc. milionária não é bem o termo. Mas que esse

dinheiro dá para alguma coisa, isso lá nem se discute. Outros perguntam em que

empregarei tantos milhares de cruzeiros. Se em vestidos, se em prédios, se em

automóveis, se em joias. Sinceramente, ainda não sei o destino à pequena fortuna.”

(BORBA, E. Diário de Emilinha, Revista do Rádio, 141, p. 11, 1952).

Já a Revista do Rádio, ao apresentar reportagem detalhando essa excursão, definiu

a empreitada de Emilinha como “uma revolução. E foi, de fato, uma revolução... artística.

Nunca um artista nacional ganhou tanto, em tão pouco tempo!” (Revista do Rádio, 145, p. 22,

1952)

Percebe-se, com os exemplos destacados, que todas as cantoras aqui analisadas

tiveram os aspectos financeiros de suas vidas pessoais e artísticas apresentados pela Revista do

Rádio. No caso de Marlene, além de tais fatores monetários, sua elegância foi ainda mais

ressaltada em reportagens, fazendo com que até os dias atuais este seja um fator de referência

em relação a ela, como pode ser observado em entrevistas disponíveis na internet ou mesmo

nas duas biografias aqui citadas da artista.

São diversas as reportagens realizadas com ela que podem ser mostradas como

exemplos da construção da imagem da cantora como uma das mulheres mais elegantes de seu

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tempo. As notícias sobre sua passagem pela França em 1951 conferiram grande destaque à

atenção que a artista teria chamado na dita capital da moda. Em entrevista Marlene afirmou:

“— Quando embarquei para a Europa, levei comigo um guarda-roupa e tanto!

Esperava mostrar aos europeus que as mulheres brasileiras sabem se trajar com

elegância — e parece que consegui o meu intento! Imaginem que, em Londres, o

chapéu com que desembarquei marcou época — e as toiletes que exibi fizeram furor!

Houve um fotógrafo que se deu ao trabalho de fotografar, peça por peça, os

balangandans de uma pulseira e vários detalhes do meu vestuário — inclusive o salto

"tipo-arranha-céu" do meu sapato... Foi uma coisa louca!” (Revista do Rádio, 105, p.

22, 1951).

A elegância da cantora seguiu sendo assim descrita na reportagem: “Em Paris, não

foi menor o sucesso da estrela. Tanto que, Robert Piguet, famoso costureiro parisiense, ficou

encantado com uma das toiletes de MarIene, pediu para copiá-la e quase caiu para traz quando

soube que aquele "magnifico tecido" era confeccionado no Brasil!” (Revista do Rádio, 105, p.

22, 1951)

Tal elemento foi ainda exemplificado pela edição número 148 da Revista do Rádio

na sessão “Modelos do Rádio” que destacava: “Em matéria de elegância, Marlene dá a nota”.

Ao lado, toda a descrição de um modelo vestido pela artista que poderia ser copiado pelas fãs

nas tardes frias:

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Figura 12: Marlene.

Fonte: Revista do Rádio.163

“É um "ensemble deux-pièces". Uma roupa muito prática, pois é composta de um

vestido de gabardine inglês azui-marinho e um casaco de tamanho médio, bem

esporte, facilitando o uso de um deles, separadamente. O vestido é de saia muito justa,

simples, com apenas um bolsinho invisível. A blusa é toda enviesada, com mangas

"raglan", tamanho três quartos, com punhos virados. Tem uma espécie de prega

profunda na parte da frente que se alonga formando uma golinha alta. Partindo desta,

entre as dobras da prega, uma echarpe em "chifon", que, neste traje de Marlene, é

vermelha, para combinar com o forro do casaco... O casaco, que torna a "toilette" mais

requintada é de face dupla. Como nos mostra a gravura êle é todo azul-marinho com

os punhos virados e a gola alta, do tecido "mirage", em branco, quadriculado de

vermelho. Se usado ao contrário terá a gola e os punhos em azul-marinho, tornando a

"toilette" mais vibrante mais clara. Como detalhe, apenas um grande bolso do lado

direito.” (Revista do Rádio, 148, p. 15, 1952).

163 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 01/2017.

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O texto da matéria “Quem se veste melhor” (Revista do Rádio, 165, p. 06, 1952)

determinava, por sua vez, que elegância deveria ser motivo de séria preocupação para as artistas

do rádio. Para a publicação, quem se fazia merecedor dos aplausos do público não poderia

descuidar de tal característica, que, afinal, também fazia parte de seu sucesso. Entre os

destaques trazidos na reportagem estavam apenas artistas mulheres, entre elas Linda Batista,

Emilinha Borba, Heleninha Costa164, Marion165 e, obviamente, Marlene. Colocadas como

mulheres que possuíam suas próprias estilistas, como Mara Rubia, Elza Haouch e a famosa

Aidê Mesquita, por exemplo, elas seguiam também as orientações dos últimos lançamentos de

Jacques Fath e Cristian Dior. Tais artistas investiam parte significativa de seus rendimentos em

seus figurinos, que deveriam ser renovados a cada mudança de estação para que elas estivessem

sempre elegantes e atualizadas. O guarda-roupa levado por Marlene em sua já citada viagem a

Paris foi avaliado pela publicação como valendo 200 mil cruzeiros. O total de seu guarda-roupa

chegaria a 500 mil cruzeiros, de acordo com a matéria. Reais ou não estes números, fato é que

a revista e as artistas conferiam grande importância a seus vestuários. Em suas participações

em filmes por exemplo, era comum que elas mesmas levassem seus figurinos por não confiarem

no que estaria reservado a elas pelas produtoras. Os gastos mensais com os trajes chegariam a

10 mil cruzeiros, já que segundo a matéria:

“...todas as artistas que alcançaram prestígio popular, têm que se vestir

magnificamente bem, possuindo, sem exceção, o traje esportivo, a roupa de baile, o

vestido esporte, o maillot bikini (de uma e de duas peças!); o agasalho de peles; os

sapatos dourados, abertos, fechados e policrômicos; os chapéus grandes e pequenos,

as plumas imensas e as boinas liliputianas; as bolsas de crocodilo e de "soirée" — tudo

enfim que muitos acreditariam possível apenas na casa de dona Rita Hayworth.

Porque as obrigações são iguais, desde que se trate de não decepcionar os fans.”

(Revista do Rádio, 165, p. 06, 1952).

A condição de cantora de cassinos e boates fez com que elegância fosse uma

característica necessária para Marlene desde o início de sua carreira no Rio de janeiro. Tal

característica permaneceu mesmo quando ela se tornou uma cantora do público popular. A

artista manteve em sua carreira radiofônica essa postura e se tornou uma referência nesse

sentido, como pode ser visto com as reportagens acima apresentadas. À edição de número 252

de 1954 da revista, ela contou ser ela a responsável por apresentar modelos para sua estilista

164 Cantora nascida no Rio de Janeiro em 1924. 165 Cantora nascida em São Paulo em 1924.

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desenhar. Dizendo-se influenciada principalmente por Christian Dior, Marlene posou em

diversas fotos vestindo calças compridas, costume que ela ajudou a difundir no meio feminino

radiofônico. Os cortes de cabelo, geralmente curtos, da cantora também eram colocados como

referências pela publicação. Nessa mesma entrevista, ela seguiu afirmando que também se

baseava em suas próprias ideias para defini-los. A edição de número 421 forneceu dicas para

as mulheres se vestirem como Marlene. Mostrando seus modelos considerados mais refinados

e modernos, a reportagem destacava que tal elegância era resultado do ‘bom-gosto’ e do

cuidado ao escolher suas roupas. De acordo com a matéria, ela conseguia ser elegante mesmo

em trajes considerados esportivos como calças compridas e camisetas.

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103

Figura 13: Marlene.

Fonte: Revista do Rádio.166

166 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 01/2017.

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Figura 14: Marlene.

Fonte: Revista do Rádio.167

Era comum que a Revista do Rádio trouxesse reportagens em que as artistas eram

questionadas sobre os gastos pessoais com roupas e acessórios em geral. Marlene, na edição de

número 477, explicitou os gastos com as duas coleções de 30 vestuários completos que ela fazia

167 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 01/2017.

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por ano, uma para o verão e outra para o inverno. De acordo com a cantora, seus gastos

chegavam a 600.000 cruzeiros para cada uma dessas estações, além dos gastos mensais com

vestidos para ocasiões específicas ou mesmo para o dia-a-dia de trabalho. Ela afirmou ainda

que os gastos semanais com cabeleireiro eram de aproximadamente 7.200 cruzeiros, além de

gastos com joias e lingeries, às quais ela dava preferência para as peças trazidas do exterior por

amigas. Números reais ou não, importa aqui o uso da elegância e do dinheiro para colocá-la em

um patamar de estrela que gastava grande parte do seu rendimento, segundo ela mesma, para

manter-se bonita e elegante e que tinha o exterior como grande inspiração para formar seu

guarda-roupa. A França era seu principal ponto de referência para compras e modelos a serem

copiados por suas estilistas.

A manutenção de sua postura elegante vem ao encontro do que Goldfeder (1980)

colocou como uma projeção-identificação desencadeada pelas cantoras do rádio em geral.

Grande parte da eficácia da colocação de Marlene como uma mulher refinada provinha do

preenchimento de vazios e frustrações econômicas e simbólicas de suas fãs. Esse fato não se

restringiu apenas a ela. Todas as cantoras aqui analisadas percorreram de alguma forma esse

caminho, como se mostrou com Dalva de Oliveira e Emilinha Borba, por exemplo. Marlene,

por sua vez, não era nem a dona de casa eficiente nem a representante do mito do amor

romântico, mas sim a representante da estrela elegante, refinada e moderna e isso se apresentava

não apenas em suas roupas, mas também em sua performance e nas músicas que interpretava.

Elegância era, assim, um dos elementos mais destacados pela publicação em

referências à cantora e acabou sendo uma das principais características a serem tratadas sobre

ela. Porém, seus ordenados também eram apresentados pela revista, como na sua edição de

número 132, que trouxe reportagem em que se afirmava que, como cantora, Marlene chegara

aos 60 mil cruzeiros mensais com seus trabalhos. Colocada em foto entre os dois mais bem

situados locutores da Rádio Nacional no que se referia a remunerações, Cesar de Alencar e

Héber Boscoli, Marlene aparecia como um destaque entre os artistas que mais haviam

melhorado seus rendimentos. Aliada a ela, as demais cantoras desta pesquisa foram assim

descritas:

“Como não poderia deixar de acontecer, Marlene e Dalva de Oliveira estão envolvidas

no "leilão de artistas". As duas ex-Rainhas receberam propostas de Cr$ 60.000,00 e

Cr$ 80.000,00 por mês, respectivamente.... Linda Batista, Emilinha Borba e Dircinha

Batista: a "favorita da Marinha" tem, à sua espera, Cr$ 60.000,00 mensais desde que

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troque a Rádio Nacional pela Rádio Tupi. Trocará?” (Revista do Rádio, 132, p. 05,

1952).

Ela, assim como as demais cantoras, também fornecia números sobre seus

rendimentos, como na edição 252 em que afirmou:

“- Digo isso porque, na última excursão que realizei pelo interior, ganhei, em 20 dias,

nada menos de 300 contos. Esse dinheiro foi empregado na compra de bela vivenda,

no bairro Saldanha Marinho, em Petrópolis, que nos custou 1 milhão de cruzeiros.

Brevemente realizarei outra viagem, desta vez pelo norte do país. Com o que ganhar

lá, amortizarei as dívidas contraídas com a compra do imóvel. Por isso é que digo: o

teatro satisfaz artisticamente, não se o podendo, entretanto, igualar às excursões.”

(Revista do Rádio, 252, p. 07, 1954).

Em outra das tantas reportagens sobre os rendimentos dos artistas do rádio, a

situação financeira de Marlene em 1955 foi assim descrita:

“Ordenado na Nacional: 20 mil cruzeiros como cantora e 20 mil pelo programa

"Marlene, meu bem". Na TV Record, recebe 30 mil cruzeiros mensais. Direitos de

discos: 5 mil por mês. As excursões a 15 mil diários lhe rendem, em média, 100 mil

mensais. Tem 3 apartamentos no Rio, inclusive o que habita, uma casa em Petrópolis

e outra em S. PauIo. E tudo isto naturalmente, sem contar as suas temporadas teatrais

e os filmes, que vem cumprindo com alguma regularidade. Grande parte do seu

dinheiro, ela despende em vestidos, posto que é uma das mulheres mais elegantes do

país.” (Revista do Rádio, 298, p. 05, 1955).

Os números acima apresentados, em relação às quatro cantoras, procuraram

exemplificar o quão relevante parecia à Revista do Rádio retratar essas artistas como mulheres

bem remuneradas e com estilos de vida caros e sofisticados, pouco acessíveis à grande maioria

da população do período. Conforme colocado, elegância, luxo e riqueza eram parte e

consequência do sucesso conseguido por elas e interessavam tanto à imprensa quanto aos seus

e suas fãs. Tais elementos passaram a ser diferenciadores entre elas e as demais mulheres da

sociedade brasileira, fazendo parte da carreira dessas cantoras bem como de suas imagens,

construídas a partir dos textos das reportagens apresentadas, mas também dos discursos

entoados por elas em diversas entrevistas, como visto anteriormente.

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2.4 AS DONAS DE CASA

As duas categorias anteriormente apresentadas mostram representações que

poderiam despertar no público admiração e inspiração em relação às cantoras do rádio pelas

condições alcançadas em suas vidas pessoais e profissionais. Entretanto, a categoria de

representação presente na Revista do Rádio que mais parecia aproximar público e ídolo era a

da cantora enquanto uma dona de casa. Com maior ou menor ênfase, essas quatro cantoras

acabaram sendo retratadas em tarefas domésticas e suas habilidades em relação a essas

atividades foram constantemente exaltadas pela publicação.

Linda Batista, por exemplo, na sessão intitulada “Curiosidades sobre a querida

estrela” (Revista do Rádio, 24, p. 08, 1950), teve, entre outros aspectos, destacadas as

qualidades da cantora como cozinheira, mas também como costureira, conforme descrições

abaixo:

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Figura 15: Linda Batista.

Fonte: Revista do Rádio.168

168 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 01/2017.

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Figura 16: Linda Batista.

Fonte: Revista do Rádio.169

As mesmas fotos acima colocadas foram repetidas na sessão “24 horas na vida de

um artista” (Revista do Rádio, 71, p. 26, 1951), em que Linda Batista era novamente retratada

como uma mulher que gostava de costurar e que sabia cozinhar a feijoada que sua família servia

em suas festas: “Várias vezes por ano Linda e Dircinha reúnem os amigos em sua casa e

oferecem o saboroso prato brasileiro, com pimenta, e o aperitivo nacional.” (Revista do Rádio,

71, p. 27, 1951).

169 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 01/2017.

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110

Já a reportagem “Linda Batista está apaixonada” (Revista do Rádio, 247, p. 26,

1954) trouxe logo em seu início a afirmação de que a cantora nunca havia tido a pretensão de

ser uma dona de casa e que apenas passava o tempo necessário na cozinha, não gostando de

dedicar seu tempo a atividades como, por exemplo, ir à feira fazer compras. Entretanto, ao

assumir a direção da boate do Hotel Plaza, a cantora teria se apaixonado por tais atividades e

teria tomado gosto pela rotina das donas de casa, conforme descrito pelo texto e pelas imagens:

“E tomou gosto pelos problemas culinários. Repete os seus sucessos nos programas

radiofônicos, mas diariamente poderá ser encontrada no Mercado Central, ou nos

armazéns da rua Acre, sempre às voltas com gêneros alimentícios e bebidas. Passa

todas as noites na boate, recebe os seus amigos na porta, senta-se a várias mesas, canta

nos espetáculos, e também dá palpites ao mestre cuca...” (Revista do Rádio, 247, p.

47, 1954).

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111

Figura 17: Linda Batista.

Fonte: Revista do Rádio.170

170 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 01/2017.

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112

Figura 18: Linda Batista.

Fonte: Revista do Rádio.171

Além disso, comparações sobre sua situação nas compras com a das donas de casa

também eram colocadas, como pode ser visto no trecho abaixo:

“Com todo o prestígio que a Lindóia desfruta, tanto nos meios artísticos como nos

ambientes sociais e políticos, algumas dificuldades que lhe surgem não são

imediatamente superadas. A carestia provoca-lhe fortes dores de cabeça:

- Imaginem vocês, disse-nos compenetrada, que não adianta ser amiga do açougueiro.

Filet mignon, sem osso, só mesmo no "câmbio negro". Tudo está peIa hora da morte:

verduras, legumes, ovos, bebidas, peixes e o resto.” (Revista do Rádio, 247, p. 48,

1954).

Percebe-se que mesmo quando a cantora era destaque na publicação por suas

constantes viagens para fora do país e pelo crescimento de sua carreira internacional, como no

caso de Dalva de Oliveira, aproximações de sua figura com a de uma possível dona de casa

eram feitas. Apesar de este perfil em relação a ela não ter sido muito explorado, essa

aproximação era sempre feita partir de sua relação com seus filhos. A edição número 91, por

exemplo, trouxe reportagem que descrevia a situação de guarda compartilhada em que se

encontravam os filhos de Dalva de Oliveira e Herivelto Martins após o desquite. Segundo a

171 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 01/2017.

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113

revista, a cantora permaneceria seis meses do ano com as crianças, enquanto o pai ficaria os

demais seis meses. Nesta reportagem, foram mostrados a chegada dos filhos à casa da mãe,

após um período de separação, e os preparativos que a artista havia feito para recebê-los. Após

ser fotografada arrumando a cama de seus filhos, Dalva de Oliveira teria partido para: “tratar

do almoço dos meninos e ela mesma fez questão de fritar bifes com batatas pois foi o que eles

desejaram comer” (Revista do Rádio, 91, p. 31, 1951).

Figura 19: Dalva de Oliveira e os filhos.

Fonte: Revista do Rádio.172

172 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 01/2017.

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114

Figura 20: Dalva de Oliveira e crianças.

Fonte: Revista do Rádio.173

Já na matéria “Dalva de Oliveira morre de saudades da filha!” (Revista do Rádio,

288, p. 03, 1955), seu marido foi fotografado por diversas vezes com a criança, enquanto a

cantora estaria cumprindo contrato em rádio argentina. Em uma dessas fotos, Tito Climent foi

descrito como um homem atrapalhado ao tentar dar leite para a menina, ainda um bebê, em um

copo de vidro. De acordo com a reportagem, quem estaria cuidando realmente de Dalva Lucia

na ausência da mãe seria D. Salvina, a presidente do fã-clube da cantora no Rio de Janeiro,

conforme trecho abaixo:

“Encontramos Tito no apartamento que o casal alugou no Centro. Em sua companhia

estavam D. Salvina (presidente do Fan Clube de Dalva), Virgínia Magalhães

173 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 05/2016.

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(secretária da cantora) e, naturalmente, Dalva Lúcia, que durante este tempo êsteve

em casa de D. Salvina, que a tratou com carinho verdadeiramente maternal.

Mensalmente, a menina, que agora tem cinco meses, era levada ao pediatra e a

alimentação indicada era seguida rigorosamente. A menina agora está bem forte, pesa

7 quilos e já sabe manter-se durante algum tempo em pé. É uma menina sossegada,

que não dá trabalho algum.” (Revista do Rádio, 288, p. 04, 1955).

E na edição 393, em que a reportagem destacava a riqueza da cantora em joias e

vestidos, mas não deixou de salientar, porém, que apesar de possuir uma verdadeira fortuna, a

artista não perdera sua simplicidade e o cuidado com sua casa, como ilustram as fotos a seguir:

Figura 21: Dalva de Oliveira e a filha.

Fonte: Revista do Rádio.174

174 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 01/2017.

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Figura 22: Dalva de Oliveira.

Fonte: Revista do Rádio.175

Emilinha Borba foi, entre todas essas cantoras, a que mais foi aproximada pela

revista da figura de uma dona de casa, tanto em reportagens sobre ela como em sua coluna

semanal na publicação. Parecia natural que a cantora extrapolasse os assuntos referentes à sua

carreira e comentasse também sua vida pessoal em seu diário, a forma como isso foi feito é que

chama a atenção pelas tentativas da artista em aproximar seu cotidiano das rotinas de suas fãs.

Fica claro, com a leitura da obra de Goldfeder (1980) e com a pesquisa feita sobre a carreira de

Emilinha Borba, que ela tentava transitar entre o estrelato e a vida comum, ou seja, ao mesmo

tempo em que ela se apresentava nos programas de auditório da Rádio Nacional com figurinos

caros e bem produzidos, recebia homenagens, prêmios, conseguia comprar novos apartamentos

175 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 01/2017.

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– e noticiava em seu diário – a cantora procurava manter uma vida doméstica que a tornasse

acessível a suas fãs, ou pelo menos que mantivesse tal aparência. Eram comuns referências, em

sua coluna semanal na Revista do Rádio, a receitas culinárias, aos preços altos de alimentos, ao

aumento do custo de vida e também a atividades e problemas domésticos. Esta era, segundo

Goldfeder (1980), uma forma eficaz tanto de preencher frustrações simbólicas e econômicas

em seu público quanto de aproximá-lo do ídolo ao ser ele colocado como uma pessoa comum

sujeita aos mesmos problemas que a audiência, como pode ser visto nos diversos exemplos que

seguirão, como na edição de número 129 da Revista do Rádio em que a cantora escreveu em

seu diário:

“Ah, nem tem dúvida. Aderi, incontinente, à greve da carne. Não como bife há três

semanas, em sinal de solidariedade às donas de casa que não suportam os aumentos

sucessivos no preço do artigo. Nada de carne! Pelo menos enquanto os preços

continuarem pela hora da morte. É preciso que muitos entendam a Importância da

resistência á ganância de comerciantes inescrupulosos, desprovidos da mais leve

parcela de consideração à miséria do povo: aderindo à greve, faremos com que o preço

da carne chegue a limite razoável. Do contrário, teremos que pagar mil cruzeiros,

qualquer dia, por um bife mal feito... e com osso!” (BORBA, E. Diário de Emilinha,

Revista do Rádio, 129, p. 10, 1952).

E em seu diário na edição 230 da revista em que Emilinha reclamava da falta d’água

em seu bairro:

“Ufa! Que calor tem feito aqui neste nosso Rio de Janeiro, hein, queridas? A Emilinha

de vocês tem sofrido um bocado apesar de residir num oitavo andar de um prédio em

Copacabana. A ventilação até que deve ser bem melhor que em outros lugares. Em

compensação, há uma coisa chamada falta d’água, aqui nesta mesma Copacabana. E

sabem lá o que é falta d’água, com a temperatura lá pelos 36? Bem, há uma semana

que enfrentamos esse martírio, lá em casa. O elevador sobe e desce, com o porteiro

trazendo água, em baldes, a todo instante. Também, se não fosse assim, como é que a

gente iria viver? Principalmente agora que a "luta" das músicas de carnaval está mais

acesa?” (BORBA, E. Diário de Emilinha, Revista do Rádio, 230, p. 15, 1954).

Suas rotinas com seu filho e seu cachorro, vastamente divulgadas por ela em sua

coluna, são também exemplos de tal tentativa de aproximação de sua figura com o cotidiano de

suas fãs, mas acima de tudo são exemplos de enquadramentos da cantora como um tipo de

mulher caseira, recatada e preocupada com o andamento de seu lar. O cuidado e a atenção

gastos com os dois, os diversos relatos sobre afazeres domésticos com os quais ela se ocupava,

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sua preferência por assistir a filmes musicais ao invés de tentar entender sobre política são

alguns dos exemplos, elucidados abaixo, de comportamentos que ela dizia apresentar em seu

cotidiano:

“TERÇA-FEIRA: — Hoje acordei bem cedo, fiz o almoço, almocei e, agora, estou

tratando da publicidade das minhas músicas de carnaval. Sabem como é, a gente é

obrigada a fazer "barulho", pra não ser esquecida.” (BORBA, E. Diário de Emilinha,

Revista do Rádio, 164, p. 15, 1952).

Já em seu diário na edição 175, sua rotina de compras de Natal foi assim descrita

por ela:

“Ih, como entreguei presentes, nesse Natal! À mamãe, aos irmãos, às irmãs e aos

sobrinhos. Coisa que não acabava mais! E tudo muito emocionante, naquele mundo

de bonecas, patinetes, perfumes estojos de toalete. Dei... e recebi muitos. Corri as

lojas, olhando para os ponteiros dos relógios, apostando corrida com o tempo. Perdi-

me na multidão que disputava brinquedos e utilidades natalinas. Gostoso, não é,

mesmo, fazer compras de Natal?” (BORBA, E. Diário de Emilinha, Revista do Rádio,

175, p. 15, 1953).

Em seu diário na edição 160, é possível encontrar mais dois exemplos de condutas

ligadas à figura da cantora:

“TERÇA-FEIRA — Puxa, como fêz frio, hoje! E pensar que estamos bem pertinho

da primavera! Num dia assim, que aparece subitamente gelado, depois de tantos outros

de sol e calor, a gente não sente muita vontade de sair de casa. Comecei acordando

tarde, almoçando, arrumando coisas... e "matando" o tempo num livro de novelas,

curtas e atrativa? De noite, pra variar, ensaiei as melodias que amanha serão gravadas

na Continental.

...

SEXTA-FEIRA — Uma voltinha na feira, uma ajuda na arrumação maior da semana,

em casa - e logo a saída para a Rádio Nacional a fim de ensaiar novas melodias para

novos programas. Depois, volta pra casa, e a surpresa da notícia: fans e mais fans

mandaram-me endereços de dentistas que se prontificaram a obturar os dois dentinhos

cariados do Barnabé, atendendo ao meu pedido, neste mesmo diário, dias atrás. Muito

obrigado! Usarei um dos nomes indicados. E "Barnabé", pelo visto, não mais terá dor

de dentes!” (BORBA, E. Diário de Emilinha, Revista do Rádio, 160, p. 15, 1952).

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A reportagem com ela e seu filho “Artur Emílio é o maior amor de Emilinha!”

(Revista do Rádio, 233, p. 03, 1954) trouxe diversas fotos da criança brincando e assim a

descreveu:

“Com um ano e três meses, êle está quase nos vinte quilos, robusto e sadio, mostrando

oito belos dentinhos. Dono de grande vivacidade, Arturzinho corre toda a casa de sua

mamãe, às vezes, montando no também peraltíssimo Barnabé, o "Pêlo de arame” que

já foi o rei do lugar.” (Revista do Rádio, 233, p. 04, 1954).

Já a cantora foi assim descrita pela reportagem:

“Acontece que Emilinha Borba é uma sentimental. Tem o coração a flor da pele: não

sabe, mesmo, esconder suas emoções, empolgando- se com os sucessos dos outros,

perturbando-se com as desventuras alheias. Vive, assim, com a sinceridade estampada

no rosto, incapaz de forçar um sorriso de conveniência, impotente para esconder o que

lhe vai na alma. E todo mundo notou que, há aproximadamente um ano, Emilinha tem

sempre a felicidade brilhando em seus olhos, brincando em seu sorriso. É que seu

coração está cheio de alegria, imerso na delícia de ser mãe extremosa e

incondicional... ainda que adotiva. De fato, quando lhe entregaram Artur Emilio (aos

quatro meses de vida, lá no Rio Grande do Sul) ela começou uma vida nova. Vida que

seria quase toda para o seu pequeno grande tesouro. Logo no primeiro dia Emilinha

revelou-se visceralmente mãe, cercando Arturzinho de conforto com o carinho mais

profundo de seu coração. Sua amizade pela criança cresceu em forma de avalanche,

com o correr do tempo. E, agora, quando o rádio a reclama, ou as viagens pelo interior

exigem seu afastamento de casa, Emilinha se despede de Artur Emilio profundamente

comovida não raro em pranto.” (Revista do Rádio, 233, p. 04, 1954).

Já a participação de Emilinha Borba no XXXVI Congresso Eucarístico

Internacional, ocorrido em 1955 no Rio de Janeiro, também foi destaque da Revista do Rádio.

A reportagem da edição 308 afirmou que o evento contou com a participação de artistas do

rádio que se juntaram a peregrinos de todo mundo na capital. Entre os depoimentos de algumas

dessas personalidades, estava o da cantora, que definiu assim sua participação: “Antes de ser

uma festa do catolicismo, o congresso Eucarístico Internacional, ensinou-nos a seguir os

ensinamentos de Jesus para amenizarmos a nossa vida atribulada.” (BORBA, E. Revista do

Rádio, 308, p. 09, 1955)

A relação dela com sua religião foi apresentada também em matéria da edição 356

quando foram divulgadas diversas fotos em que a artista aparecia em recuperação no hospital

após uma cirurgia para a retirada de seu apêndice. A matéria destacava as visitas que Emilinha

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havia recebido no hospital durante os seis dias de internação. Além de personalidades e colegas

do rádio, vários fãs da cantora e diversos pacientes foram ao seu quarto, que teve o número

divulgado na matéria, para checar as condições de saúde da artista. Já ela, muito religiosa,

segundo a matéria, “fêz uma promessa — e que vai cumpri-la muito brevemente, religiosa que

é, devota de N. S. das Graças. Ao deixar o hospital, fêz questão de rezar diante da imagem de

São José, agradecendo-lhe a graça do seu pronto restabelecimento.” (Revista do Rádio, 356, p.

05, 1956).

Já em reportagem intitulada “Emilinha depois do casamento”, na edição 368 da

publicação, a cantora foi fotografada e descrita como “boa dona de casa, (que) pensa no que

comerão, logo mais, o seu grande amor e o querido Artur Emílio.” (Revista do Rádio, 368, p.

46, 1956). Nas fotos, a cantora aparecia no sofá, sentada com seu filho e seu cachorro, abrindo

os diversos presentes pelo seu casamento, mas também ao lado do fogão cozinhando, na cena

assim descrita:

Figura 23: Emilinha Borba.

Fonte: Revista do Rádio.176

176 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 01/2017.

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“Quem disse que Emilinha não sabe cozinhar? Uma estrela, ainda que famosa e

adorada pelas fans, precisa conhecer os segredos da cozinha. E Miloca até que sabe

preparar bons quitutes. Vocês estão convidados para uma suculenta macarronada?

Esta, por certo, é uma das fotografias que as fans guardarão para sempre.” (Revista do

Rádio, 368, p. 49, 1956).

Já em matéria intitulada “Estrelas ensinam como agradar aos homens” (Revista do

Rádio, 496, p. 14, 1959), Emilinha forneceu sua opinião:

“COMPANHEIRA: O que o homem mais aprecia na mulher é chegar em casa e

encontrá-la bonita, bem vestida e perfumada, não importa a trabalheira que tenha tido

durante o dia todo. A mulher também deve ser carinhosa, honesta, leal e boa

companheira.” (BORBA, E. Revista do Rádio, 496, p. 15, 1959).

As opiniões de outras estrelas do rádio e do cinema também chamam a atenção pelo

discurso, como no caso de Adelaide Chiozzo177:

“DONA DE CASA Para agradar aos homens é necessário simplicidade e honestidade.

Ser boa esposa, boa dona de casa e boa mãe de família. Pelo menos, eu faço assim.

Mas, a mulher não deve olvidar os cuidados que deve ter com o seu aspeto pessoal.”

(CHIOZZO, A. Revista do Rádio, 496, p. 15, 1959).

Ou mesmo Nora Ney178:

“O QUE ÊLE PREFERE O caminho para o coração do homem e através do estômago,

já se disse mais de uma vez. A mulher para agradar aos homens deve descobrir o que

eles gostam. O prato que eles mais apreciam. O que gostam de beber e como preferem

se divertir.” (NEY, N. Revista do Rádio, 496, p. 14, 1959).

E Ivete Garcia179:

177 Cantora, atriz, instrumentista e compositora nascida em São Paulo em 1931. 178 Cantora nascida no Rio de Janeiro em 1922. 179 Cantora sobre a qual não foram encontradas maiores informações.

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“CARINHOSA A mulher deve ser carinhosa, meiga, compreensiva e leal, se quiser

agradar aos homens, ou melhor, ao homem de quem ela gosta. E também é de

importância capital estar sempre bem vestida e arrumada, quando for encontrá-lo ou

esperá-lo” (GARCIA, I. Revista do Rádio, 496, p. 15, 1959).

Este tipo de discurso se repetiu ainda matéria intitulada “As estrelas ensinam como

prender seu marido em casa” (Revista do Rádio, 533, p. 14, 1959). Nela, Emilinha Borba

recomendou:

“Tratar o marido sempre com carinho. Cuidar com atenção de sua alimentação, mas

não com demasiada atenção. Fazer ou mandar fazer seus pratos prediletos. Não fazer

interrogatórios sobre o que fêz na rua e recebê-lo sempre arrumada como se fora sair.

Tudo isto o prende em casa” (BORBA, E. Revista do Rádio, 533, p. 14, 1959).

Já Angela Maria:

“Condições para prender o marido em casa são diferentes para cada um. Mas, eu

aconselho ser carinhosa e atenciosa às suas preferências. Estar sempre bem arrumada

e se o marido é muito sociável e gosta de festas, fazê-las em casa. Com isto evita-se

que êle queira sair para ir divertir-se fora do lar” (MARIA, A. Revista do Rádio, 533,

p. 14, 1959).

E Heleninha Costa:

“Na minha opinião, o melhor sistema é prendê-lo pelo estômago. Vou explicar: saber

qual é o seu prato ou pratos prediletos e cuidar de prepará-los bem na forma que ele

gosta. Carinho também ajuda e quando se juntam as duas coisas (uma esposa

carinhosa e boa comida) o homem fica em casa.” ” (COSTA, H. Revista do Rádio,

533, p. 14, 1959).

Já na reportagem “Donas de casa do rádio contra a carestia!” (Revista do Rádio,

527, p. 11, 1959), Emilinha Borba opinou:

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“Que tudo está caro, caríssimo, isso nem se discute. Estamos sofrendo como todo

mundo. Talvez seja um mal da época. A verdade é que os gêneros de primeira

necessidade continuam aumentando no preço. Dia a dia há um novo aumento. Deus

queira que as coisas melhorem neste país.” (BORBA, E. Revista do Rádio, 527, p. 11,

1959).

E Marlene:

“A situação é verdadeiramente catastrófica e eu mesma não entendo como podem

viver aqueles que dependem de salário mínimo. Acho que se as coisas continuarem

assim caminharemos para um desastre. Para mim, que ganho bem, não dá para

economizar. Eu já me considerei pertencente à classe rica, agora estou mesmo na

classe média.” (MARLENE. Revista do Rádio, 527, p. 11, 1959).

Linda Batista seguiu o mesmo raciocínio:

“Nós, os artistas, somos considerados peIo povo como a classe rica e privilegiada. Isto

significa que todos querem cobrar-nos mais caro pelo que temos necessidade de

comprar. Mas, a verdade é que pertencemos à classe média, que é a que sofre mais

com a carestia. Mesmo assim somos obrigados a fazer um pouco de ostentação embora

aparente.” (BATISTA, L. Revista do Rádio, 527, p. 11, 1959).

Já quando era questionada sobre suas conquistas pessoais e profissionais, a cantora

seguia discurso conservador, conforme pode ser ver abaixo:

“Acho que foi trabalhando desde cedo, com afinco e lealdade, que consegui granjear

o respeito e a confiança do público e dos colegas, fato esse que muito me ajudou a

conquistar a felicidade. Também jamais perdi a fé em Deus e nas pessoas. Sempre que

pude ajudei aos necessitados e creio que isso fêz com que Deus me ajudasse.”

...

A minha vida conjugal. Encontrei o homem ideal para o meu destino. A paz do meu

lar, ao lado do meu adorado filho. Creio que em canto algum, me jamais poderei sentir

tão segura. Ê em minha casa, nas horas de repouso ao lado de minha família, que

percebo a felicidade conquistada, vendo realizado tudo aquilo que sempre desejei... E

agora só me resta pedir às minhas fans que elas consigam encontrar o mais breve

possível essa adorável felicidade, pois só assim será mais completa ainda a minha

própria.” (BORBA, E. Revista do Rádio, 425, p. 06, 1957).

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Emilinha Borba, como se pode perceber, soube usar seu espaço na Revista do Rádio

para se manter próxima de suas fãs e em muitos casos tal aproximação era feita a partir de um

discurso que retratava também como suas as preocupações cotidianas de seu público. A

publicação funcionou como porta voz de sua carreira e de seus valores, que condiziam, como

colocou Goldfeder (1980), com os ideais conservadores de uma nascente classe média

brasileira, mas que se estendiam também ao público popular, principal audiência da cantora.

Emilinha soube, conforme mostrado, apelar para o lado romântico de suas fãs ao falar sobre seu

marido e sobre a felicidade de seu casamento, para o lado maternal de suas admiradoras ao

contar detalhadamente e por diversas vezes a rotina de seu filho, mas soube mais do que

qualquer outra das cantoras aqui analisadas se colocar como uma dessas mulheres que

formavam sua audiência nos auditórios da Rádio Nacional, formavam seus diversos fãs-clubes

pelo país ou mesmo faziam parte de suas plateias pelo interior do Brasil. Ao se colocar diante

de problemas comuns a elas, como alta dos alimentos, aumento do custo de vida, cansaço pelo

trabalho exaustivo de cantora profissional e dona de casa, Emilinha se colocava em posição de

igualdade com suas fãs, sujeita às mesmas angústias que elas, inspirando nelas uma condição

de superação dos seus problemas, mas não através de grandes mudanças ou transformações,

mas sim por meio de valores como positividade, alegria e felicidade que deveriam ser

demonstrados mesmo quando não se conseguia, como pode ser observado na grande quantidade

de depoimentos dados por ela em seu diário na Revista do Rádio.

No caso de Marlene, ela foi, entre essas quatro cantoras, a que menos teve sua

imagem ligada ao padrão de comportamento estabelecido para uma dona de casa. Conforme

Goldfeder (1980) colocou em seu trabalho e esta pesquisa procurou mostrar, esta artista surgiu

como uma novidade em termos de repertório, origem e imagem. Apresentada pela Revista do

Rádio como uma mulher moderna e elegante, as próprias reportagens da publicação forneciam

exemplos de comportamentos que a diferenciavam das mulheres comuns, como se pode ver na

sessão “24 horas na vida de uma artista” (Revista do Rádio, 28, p. 49, 1950). Nela, foi mostrado

que Marlene acordava todos os dias às 13 horas e tomava seu café na cama. Ao levantar-se, a

cantora tratava de cuidar de seus cabelos e de seus figurinos para o dia para que pudesse sair

para trabalhar.

A reportagem da edição 59 da revista, em que Marlene explicava boatos a respeito

de sua participação em uma corrida de automóveis, também pode ser citada como exemplo da

pouca aproximação de sua figura ao que se adequava a uma dona de casa na década de 1950.

Tais boatos foram prontamente desmentidos pela mãe da cantora que, mesmo sabendo das

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qualidades de motorista de sua filha, afirmou: “-Uma filha tão moça, bonita, querendo fazer

uma coisa dessas!... O senhor não calcula quantas e quantas cartas e telegramas temos recebido

pedindo para Marlene desistir dessa corrida... Não! Ela não correrá, o senhor pode ter certeza.”

(Revista do Rádio, 59, p. 25, 1950)

Mesmo, após seu casamento, quando as reportagens com Marlene passaram a

priorizar sua vida pessoal, as matérias com ela raramente colocavam em foco uma representação

da cantora como uma dona de casa. A reportagem da edição número 229, por exemplo,

apresentou Marlene e Luiz Delfino como um casal que havia ‘inventado’ uma nova teoria para

seu equilíbrio financeiro. Ao invés de gastar menos do que ganhavam ou ganhar mais do que

gastavam, o casal propunha fazer: “uma pequena reserva "para uma eventualidade qualquer" e,

agora, gastam tanto quanto ganham... E como ganham bem, compram bons móveis, boas

roupas, boas jóias, bons perfumes e até bons apartamentos.” (Revista do Rádio, 229, p. 18,

1954).

Percebe-se, com o estudo das representações de Marlene na Revista do Rádio que

o fato de ela ter iniciado sua carreira em meios frequentados por públicos com maiores poderes

aquisitivos moldou e construiu seu modo de cantar, de se apresentar e de se vestir. Tais

características, elucidadas nos itens anteriores, foram mantidas pela cantora, no entanto, mesmo

quando ela se tornou uma cantora do rádio. A absorção bem-sucedida de Marlene pelo público

popular da Rádio Nacional fez com que ela dividisse com a rival Emilinha a atenção dessa

audiência bem como da própria emissora. Já a incorporação dela como ídolo pela estação e pela

Revista do Rádio fez com que fosse perdida, segundo Goldfeder (1980), grande parte das

características de ruptura que uma imagem inicial de Marlene pudesse trazer. Ela manteve seu

aspecto moderno, sofisticado e sensual, principalmente no que se referia aos seus figurinos, mas

tal mudança não foi levada a ponto de provocar uma real quebra de padrões da época e menos

ainda a ponto de levar sua principal rival a uma perda de popularidade. Marlene não levou,

assim “...às últimas consequências uma imagem que alterasse ou introduzisse novas

necessidades simbólicas” (GOLDFEDER, 1980, p. 75).

Goldfeder (1980) coloca que as imposições de padrões de comportamento para o

público, feitas pela Rádio Nacional, mas também como essa pesquisa constatou pela Revista do

Rádio, e as limitações da própria cantora em propor uma maior ruptura com tais referências são

as possíveis causas apontadas para que as reais oposições de construção e representações

existentes entre ela e Emilinha Borba permanecessem escondidas para o grande público.

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Conforme essa pesquisa constatou, no entanto, mesmo a cantora não tendo

realizado grandes transformações em valores predominantes para as mulheres do período, ela

apareceu sim como uma grande novidade em diversos elementos. Marlene foi inclusive

suspensa e advertida algumas vezes pela Rádio Nacional por usar calças compridas em suas

apresentações, como foi notícia na edição 220 de 1953 da Revista do Rádio. A forma com que

ela retratava seu casamento e sua rotina de mulher casada e dona de casa, além da quase

ausência de notícias sobre seu filho são outros exemplos da diferença de exposição em relação

a ela, Emilinha Borba e Dalva de Oliveira, por exemplo. As cantoras dependiam de meios de

comunicação, que não se pretendiam inovadores quanto a valores a serem transmitidos, para

divulgação de suas carreiras e como foi percebido, com a Revista do Rádio, elas acabavam

tendo suas representações construídas por terceiros a partir dos textos e temas que eles

procuravam tratar. No entanto, tendo Marlene se destacado, dentro dessa publicação, como uma

mulher moderna e elegante, pode-se perceber que, mesmo não tendo realizado uma grande

ruptura dentro de representações ideais femininas, a cantora conseguiu sim apresentar um novo

tipo de mulher ao público consumidor da publicação, ainda que não fosse sua intenção

consciente.

A grande rivalidade entre ela e Emilinha Borba, construída a partir da vitória da

primeira em um concurso de Rainha do Rádio em que a outra era franca favorita, por sua vez,

não foi pautada em reais elementos diferenciadores das duas. Neste momento, é possível

concordar com Goldfder (1980) quando ela afirma que tal disputa foi fundamentada em

aspectos que conferiam destaque à existência de uma inimizade entre elas ou mesmo em

características físicas das duas, como pode ser visto na matéria da edição 247 da Revista do

Rádio em que foram pontuadas as principais diferenças existentes entre elas. A notícia, porém,

limitou-se a descrevê-las fisicamente e a mostrar seus gostos pessoais, destacando as cores dos

olhos, alturas, medidas de bustos, cinturas e mesmo de seus pescoços, indicando quais eram

seus perfumes, pratos e cigarros preferidos, por exemplo, e quais seus times de futebol. Isto

deixa claro que a escolha por uma ou por outra por parte deste grande público popular deveria

se dar por diversas razões, como simpatia, repertório, aparência, estilo de cantar, mas não por

características próprias a elas que as diferenciassem radicalmente ou fizessem com que essas

escolhas se baseassem, conforme colocou Goldfeder (1980) em preenchimentos de expectativas

opostas.

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3 CAPÍTULO 3 – AS ESTRELAS E A MULHER NO CONSUMO NO

BRASIL NA DÉCADA DE 1950.

3.1 AS ESTRELAS E SUAS FÃS

A formação e o desenvolvimento dos meios de comunicação no país trouxeram a

consolidação de dois novos grupos ligados a eles e suas produções: as estrelas e as fãs.

Conforme colocado nos capítulos anteriores deste trabalho, o sucesso em emissoras de rádio

das cantoras aqui analisadas fez com que elas extrapolassem esse veículo de comunicação e

passassem também a circular por produções de cinema e publicações de revistas. Estas duas

formas de representações imagéticas apresentadas nessa pesquisa se mostraram fundamentais

para manter as cantoras em evidência para o público que não possuía acesso aos programas de

auditório e para transformá-las em estrelas admiradas por legiões de pessoas. As emissoras de

rádio garantiam a divulgação de suas músicas e os demais meios de comunicação, a de suas

figuras e a de valores relacionados a elas. Mulheres, que transitavam entre o estrelato e o

cotidiano e tinham as esferas privadas de suas vidas transformadas em públicas pelas revistas,

passaram, a partir de seu sucesso no rádio, a trabalhar em outros meios, que ajudavam a

consolidar o sucesso de suas canções e as representações construídas em torno delas.

Estavam formados os três pilares principais de sustentação aqui entendidos como

fundamentais para que essas artistas ocupassem espaços importantes no imaginário das demais

mulheres da época e passassem a ser referências em diversos aspectos de seus cotidianos. Rádio,

cinema e revistas – por meio de discursos, figurinos, reportagens e publicidades – divulgavam

artigos de moda usados por elas, acessórios estéticos dos mais variados, cosméticos, perfumes,

produtos de higiene, aparelhos eletrodomésticos e demais produtos para a casa. Estilos de vida

difundidos, a partir delas e de seu sucesso, por esses meios passaram a ser compartilhados com

o público e sonhados por ele, o que fez com que elas se tornassem importantes na difusão para

outras mulheres de modelos de consumo difundidos na década de 1950 no país. O grande espaço

de divulgação de elementos ditos femininos mostra, no entanto, não somente a importância

dessas artistas, mas também das mulheres, que eram o grupo a quem se destinavam as

mensagens no consumo desses mais variados artigos e na propagação de formas de

comportamento ditas ideais.

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Conforme Avancini (1996) colocou, a combinação de elementos particulares e

artísticos, ou seja, privados e públicos, foi fundamental para o sucesso e fixação das cantoras

no imaginário de seu público. Realidades construídas por meio de fatos reais ou mesmo de

fofocas, que conferiam a elas personalidades, corpos, estilos de vida, estilos de cantar e de se

apresentar nos palcos e as transformavam em ídolos de multidões. As cantoras não eram

representadas apenas por elementos artísticos, mas também a partir de referências particulares,

como gostos e valores. Avancini (1996) aponta, assim como essa pesquisa também o faz, que

comportamentos e aspectos ditos femininos como maternidade, casamento e amor eram

constantes nas diversas representações construídas sobre elas, sendo colocados como relevantes

para suas realizações como estrelas e como mulheres.

As cantoras do rádio aqui analisadas fizeram parte também de um cenário de

profissionalização de cantores e músicos no país em que se tornou possível um aumento de

remunerações em tal nível que elas se tornaram as principais provedoras de dinheiro de suas

famílias. Esta ascensão econômico-social foi relevante para que elas passassem a ser referências

também neste quesito para o público dos meios de comunicação em que elas estavam, em

especial as mulheres.

O sucesso dessas artistas nos diversos meios de comunicação em que estavam fez

com que elas passassem, juntamente com os demais cartazes do rádio, a fazer parte do que se

chamou de primeiro star system brasileiro e tal fato fez com que fosse possível realizar uma

aproximação da temática desta pesquisa com os principais aspectos que Edgar Morin destacou

em sua obra As estrelas, mito e sedução no cinema sobre a formação da figura da estrela de

cinema. Ela teria surgido, segundo ele, a partir da construção de heróis e heroínas do cinema

hollywoodiano na década de 1910 e trouxe um estilo de ídolo que teria como características a

exposição de suas vidas privada e pública, que se tornariam também publicitárias, e a

capacidade de gerar lucros para companhias produtoras de espetáculos. A partir de sua criação,

as estrelas estiveram ligadas a diversos elementos estéticos relacionados às mulheres e aos

homens, como por exemplo, beleza, juventude, rebeldia, inocência, sarcasmo, arquétipos como

a fèmme fatale e os heróis românticos.

A diversificação das temáticas dos filmes hollywoodianos, a partir da década de

1930, fez com que as narrativas das produções se tornassem mais complexas e passassem a

abordar temas que aproximavam o cinema da realidade de seu público, o que tornou também o

imaginário despertado pelas estrelas algo mais próximo da realidade da audiência das

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produções. Elementos como o amor, por exemplo, passaram a ser retratados de formas mais

próximas do cotidiano das pessoas, o que fez com que as projeções-identificações originadas

nesse momento do cinema se tornassem mais próximas da vida real do espectador, gerando o

que Morin (1989) chamou de laço afetivo entre o herói e a audiência. Esse momento foi

classificado pelo autor como um aburguesamento da produção estadunidense em que, segundo

ele, espectadores em ascensão social passaram a viver seus sonhos de uma forma mais intensa

e concreta rumo à formação do que o autor chamou de civilização da alma burguesa.

Aliados a esse cenário de produções cinematográficas, as conquistas materiais e

melhorias sociais do entre guerras, ainda que restritas, o desenvolvimento de novas

necessidades e novas formas de divertimento trouxeram, segundo Morin (1989), a

reinvindicação dentro deste grupo em ascensão de viver sua vida e sonhar seus próprios sonhos.

A cultura burguesa passou a criar e moldar necessidades e padrões que eram estimulados a

partir dos meios de comunicação que estavam sob o controle de sua classe. O aburguesamento

do cinema e as representações mais realistas das estrelas, que não perdiam sua face mítica,

fizeram parte, para o autor, dessa conjuntura. A ampliação dessa face mais real desses e dessas

artistas os tornou mais humanos.

O star system formado pelo cinema da década de 1950 consolidou esse momento

de familiarização do público com a estrela. Enquanto a década de 1940 trouxe de volta às telas,

segundo Morin (1989), as figuras dos heróis trágico e histórico, a década seguinte trouxe a

figura das mulheres, nas palavras do autor, multidimensionais. Mulheres simples, desenvoltas,

felizes, realizadas no amor e na vida, deusas em seus trabalhos, casadas com outros atores, mas

também, em muitos casos, com homens comuns, que moravam em casas ou apartamentos,

fotografadas em tarefas domésticas, cuidando de filhos, acessíveis e portadoras de uma vida

cotidiana aparentemente comum às demais mulheres da sociedade. Em um momento em que se

desenvolviam revistas e fãs-clubes, a veneração distante deu lugar a uma admiração em que o

contato com o ídolo parecia possível, principalmente porque as estrelas se tornavam modelos

de uma vida acessível. Pode-se perceber, com o que foi mostrado no capítulo anterior, que esses

tipos de representações de ídolos foram feitos também no Brasil na década de 1950.

Segundo Morin (1989), além de a condição de estrela estar limitada a uma pequena

quantidade de mulheres, o que fazia com que quem alcançasse tal patamar fosse ainda mais

venerada, o fato de muitas dessas mulheres virem das mesmas condições de vida de suas

admiradoras era um motivo de encorajamento e sonho. Como coloca o autor, a ascensão

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dependia e muito do acaso, mas os elementos que realmente definiam quem poderia ser ou não

uma estrela eram a mínima adequação a uma condição de beleza, o dom para o que se pretendia

fazer e a juventude. A partir do momento em que se chegava a tal condição, a personalidade da

mulher começava a ser moldada em acordo com os valores anteriormente citados.

A aparência da mulher artista, conforme colocado, era questão fundamental para

que ela se tornasse uma estrela. Ela deveria ser linda, constantemente linda, em figurinos,

acessórios, maquiagens, comportamentos, atitudes, fotografias, gestos e posturas. No cinema,

independentemente do papel desenvolvido, das condições e das histórias de sua personagem,

ela deveria estar sempre bela (MORIN, 1989). No rádio brasileiro e nas representações nas

revistas especializadas também. Mesmo que a cantora fosse vista ao vivo em uma apresentação

na Rádio Nacional por um máximo de mil pessoas, para essas mil pessoas, ela deveria estar em

sua máxima condição de produção pessoal. A impossibilidade de a estrela ser vista em sua

realidade levava a um tipo de beleza que eliminava a real expressão da artista e a

despersonalizava em relação àquilo que ela realmente era. Essa despersonalização levaria a uma

superpersonalização, a um tipo ideal de beleza em que não há falhas, em que o todo se

harmoniza com aquilo que ele representa (MORIN, 1989).

Até mesmo a beleza cotidiana deveria estar em um nível de beleza superior à

realidade do público. A estrela perdeu o direito de não estar sempre bela e elegante. Além disso,

sua imagem devia estar sempre ligada a elementos como amor, juventude, beleza, paixão e

pureza e todas as demonstrações possíveis em relação a esses fatores deveriam estar visíveis. A

velhice deveria ser escondida, assim como quaisquer outros traços que não correspondiam aos

ideais. Bondade, atenção e cuidado com os fãs se tornaram fundamentais para a manutenção de

sua condição. Um sobrecaráter constituído por uma junção entre espiritualidade e beleza

formava a essência mítica da estrela. Ele deveria ser constantemente manifestado por meio de

elementos como luxo, elegância, riqueza, grandeza, refinamento misturado a doses de

simplicidade e rotina que não deixavam de ter sua parcela também de requinte (MORIN, 1989).

Já a figura do fã aparece como fundamental para o sucesso da estrela. Ter ou não

uma legião de pessoas como admiradoras é o principal medidor de sua ascensão a este patamar.

Quantidade de cartas, fácil reconhecimento e atitudes como espera-la, segui-la, rasgar suas

roupas, solicitá-la em meios de comunicação são exemplos de condutas apresentadas pelos e

pelas fãs. O compartilhamento de sua vida privada e a encenação de um papel próprio em sua

vida real, que representasse todos os papéis que desempenhava em sua vida profissional,

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também eram fundamentais, segundo Morin (1989), para que ela se mantivesse nessa posição.

A estrela pertencia, segundo o autor, aos seus admiradores que exigiam dela tanto o esplendor

de uma artista rica e famosa quanto uma simplicidade que permitisse a identificação deles com

ela. As representações dessas mulheres em revistas, por exemplo, seriam fundamentais tanto

para a formação dessas imagens quanto para a manutenção e estimulação delas nesse patamar.

Não à toa que todas as cantoras aqui estudadas enviavam fotos e entrevistas por conta própria

para a Revista do Rádio.

No Brasil, segundo Tinhorão (2014), o aumento no número de fãs de cantores e

cantoras do rádio fez com que na década de 1950 passasse a existir uma distinção entre os fãs

do rádio – fãs da programação das emissoras – e os e as fãs dos artistas, as chamadas fanzocas.

Este termo, segundo o autor, começou a ser difundido pela imprensa da época e pelos próprios

profissionais do rádio para que fosse marcada uma separação, de certa forma pejorativa, entre

os públicos frequentadores dos auditórios. Os programas das emissoras de rádio haviam tornado

possível uma identificação do público com a voz dos artistas e com as letras e os ritmos de suas

canções. A possibilidade de conhecer cantores e cantoras nos mais variados aspectos de suas

vidas por meio das publicações do período se juntou à essa forma de identificação e ampliou os

elementos capazes de tornar tais artistas ídolos para as audiências das estações, ou seja, ampliou

a gama de elementos que favoreciam a identificação das mais variadas pessoas com os artistas

mais famosos e em maior evidência na década de 1950 no país.

Tinhorão (2014) mostra em sua análise como os programas de auditório foram

importantes também para inserir grupos mais populares – empregadas domésticas, operários e

operárias, donas de casa, costureiras, etc. – nesse meio de comunicação e em sua programação.

Essas pessoas passaram a admirar cantores e demais artistas do rádio e a querer conhece-los.

Desta forma, as cantoras do rádio canalizaram, assim como outros artistas, fãs para si, que eram

uma grande maioria de mulheres, que passaram a se juntar nos auditórios das emissoras em que

elas trabalhavam e a formar os primeiros fãs-clubes, ou seja, grupos que reuniam os mais

variados níveis sociais, mas em sua maioria as pessoas de mais baixa renda, que não mediam

esforços para obter todos os materiais promocionais divulgados sobre seus ídolos. Com isso,

eles acabavam se tornando o que o autor chamou de uma força econômica que comprava discos,

produtos, revistas, ia a shows e ao cinema, movimentando não somente a carreira de suas

cantoras preferidas, mas também os mais variados elementos ligados a elas, direta ou

indiretamente.

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A formação e a atuação de fãs e fã-clubes devem ser entendidas, como coloca

Goldfeder (1980), como um movimento que transitava entre a manipulação e a espontaneidade

das pessoas. De um lado, o início de uma massificação dos meios de comunicação nesse período

que fazia com que seus diversos fatores – produtos, músicas, estilos de programas –

aproximassem o público de uma cultura de massas totalmente nova a eles e de outro, uma

cultura transmitida pelas emissoras de rádio que ainda se ligava a traços básicos da cultura

popular e em que esse público poderia se ver representado, levando a reações espontâneas e

autênticas dessas pessoas. O público, segundo a autora, estabelecia ligações e identificações

com determinadas produções e as expressavam via consumo para que fossem saciados diversos

tipos de necessidades. A produção, e nesse ponto entende-se editoriais de revistas e elaboração

de programas de rádio, agia de forma a ir ao encontro das necessidades e possíveis

identificações para que o público consumisse suas criações. A audiência era, desta forma,

envolvida nos processos de formação das produções dessa nascente cultura de massas, o que

fazia com que expectativas de público fossem aparentemente saciadas, enquanto continuavam,

na verdade, sendo colocados e mantidos valores e padrões para tais públicos.

A Rádio Nacional teria funcionado, para Goldfeder (1980), como um dos mais

eficazes meios de propagação desses valores projetivos-identificativos na relação ídolo-fã, mas

também de valores que se gostaria de manter e difundir. Portadora do que a autora chamou de

mensagem acrítica e massificadora, os contatos estabelecidos entre ela e fãs, por meio de

auditórios e correspondências, faziam com que ela tivesse pleno conhecimento das vontades de

sua audiência e pudesse atendê-las. As cantoras do rádio funcionavam nesse momento como

uma forma de preenchimento de desejos, mas também como o contraponto da massificação, ou

seja, como a forma de inculcação de valores importantes a serem transmitidos como parte de

um projeto de formação de um certo tipo de sociedade.

Desta forma, em acordo com o que Goldfeder (1980) coloca, não havia um projeto

exclusivamente manipulador que não levava em consideração as aspirações do público. A

audiência era sim relevante para a emissora e para as revistas da época, assim como eram suas

preferências e opiniões. A Nacional, por sua vez, atuava, segundo a autora, dentro de um

sistema de legitimação político como um meio de ratificar e propagar valores conservadores

ligados a grupos dominantes. Esses valores não seriam, porém, imediatamente transmitidos. De

acordo com Goldfeder (1980), havia uma ressignificação destes elementos para os setores

médios que se formavam no período. Essa recodificação seria ela sim redistribuída ao público

mais pobre e popular. Entende-se aqui, portanto, a classe média em formação e seus valores em

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definição como intermediária nesse processo. Emilinha Borba, como colocado, foi fundamental

para tal.

Fundamentais foram, também, os elementos colocados pelos programas de rádio,

mas também pela Revista do Rádio, como mostrado no capítulo anterior, para que as classes

mais pobres pudessem se identificar com as cantoras e se desenvolvesse uma admiração que se

transformaria em veneração e sustentaria a popularidade e audiência dos meios de comunicação

aqui analisados. Os constantes e repetitivos relatos presentes na publicação sobre a infância

pobre das cantoras, sobre as dificuldades pelas quais elas passaram para conseguir seus

empregos em emissoras de rádio, mas também sobre acaso e sorte como fatores fundamentais

para que elas fossem escolhidas para cantar em programas de auditório colocam suas carreiras

como possíveis para o público leitor da revista. As origens delas coincidiam com as de grande

parte das mulheres frequentadoras dos auditórios e a insistência nesses relatos durante a década

de 1950 pode ser entendida como uma forma de aproximar ídolos e fãs. Esses inícios de carreira

eram transformados também em contos de fadas por meio de uma narrativa romântica em que

as dificuldades sofridas por elas eram minimizadas e mostradas como obstáculos vencidos a

partir do acaso e do talento, elemento que ficava sempre em segundo plano nas histórias

contadas. Estar na hora certa no lugar certo era fundamental para que se conseguisse uma

chance.

O crescimento no número de fãs e sua organização em fãs-clubes, por sua vez,

fizeram com que essas pessoas passassem a ser, nas palavras de Goldfeder (1980), socializadas

compensatoriamente. Mesmo que grande parte desse público estivesse excluído do consumo

dos mercados de bens materiais que se produziam naquele momento, ele era socializado por

meio de colunas de cartas em revistas, dos auditórios das emissoras e das próprias organizações

dos fãs-clubes. Os fãs eram, segundo a autora, capazes de alterar programações e mesmo

influenciar na escolha dos artistas que mais evidência teriam na revista, mesmo que não fossem

os maiores consumidores dos produtos anunciados pelos meios de comunicação. Desta forma,

a necessidade de integração desses grupos se via relativamente satisfeita mesmo que sendo

ilusória ou mesmo imaginária.

A integração dos setores mais marginalizados da sociedade, entre eles as mulheres

pobres, era vista como necessária pelo projeto político em vigor para que se desenvolvesse um

mínimo de sentimento de participação no cenário de produção de cultura existente e no cenário

de consumo que se formava. As imagens dos ídolos eram inicialmente construídas pelos meios

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de comunicação e, a partir de uma reação espontânea positiva do público, os ídolos eram

mantidos e suas imagens exploradas de tal forma que fossem unidos elementos que criassem

nos fãs e grupos consumidores a sensação de preenchimento de vazios psicossociais. Tal

preenchimento deveria atender a um desejo de participação tanto na sociedade que se formava

quanto no que era produzido por esses meios de comunicação, fossem eles emissoras de rádio,

produtoras de cinema ou mesmo revistas. Os auditórios das rádios seriam os lugares de encontro

com o mito e as revistas seriam os momentos de conhecer o humano (GOLDFEDER, 1980).

O rádio e as revistas especializadas se tornaram, como se pode perceber, uma forma

de integração social para o público. O ídolo se tornou uma maneira de realização para essas

pessoas que se encontravam em uma condição de vida que as excluía das novas formas de

consumo que chegavam ao país e que não viam grandes formas de ascensão social e econômica

para si. Em muitos casos, o fã se realizava por meio das conquistas dos ídolos, fossem elas

referentes a prêmios ou mesmo a grandes aquisições financeiras, como casas e carros. Não à

toa, quando não era a Revista do Rádio que explorava constantemente essas notícias em relação

às cantoras do rádio, eram elas mesmas que as forneciam em suas declarações.

Conforme Goldfeder (1980) coloca e é possível verificar com as leituras da coluna

de Emilinha Borba na Revista do Rádio ou mesmo nas variadas reportagens com Marlene, era

comum que os fã-clubes de diversas cidades se unissem para comprar caros presentes para suas

cantoras. Esse fato, juntamente com a realização colocada anteriormente a partir de vitórias e

conquistas dos ídolos, é mais um exemplo da projeção que a autora aponta de uma compensação

financeira, mas também social, colocada pelo público em relação aos artistas. Fãs se apossariam

das imagens de seus ídolos, anulariam seus projetos pessoais em função dos projetos deles,

sentir-se-iam realizados com o sucesso das estrelas e teriam uma ilusão de participação em

alguma esfera que fosse do mundo dos artistas, sentindo-se parte dele e importantes para que

os resultados fossem alcançados. Além disso, ao se unir para a compra de produtos caros e

recém-lançados no país, mesmo que para seus ídolos, eles se sentiam parte do mundo novo de

consumo que surgia diante deles via publicidades.

O concurso de Rainha do Rádio aparece também na análise da autora e na desta

pesquisa como mais uma forma de ilusão participativa do público. A partir de 1949, a vencedora

não era mais eleita com base na decisão de um grupo de jornalistas, mas a partir da compra de

cupons na Revista do Rádio. Criava-se no público a expectativa de que sua participação seria

decisiva para que a eleita fosse escolhida, o que, no entanto, era uma ilusão, já que fatores

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externos à ligação fã-ídolo, como patrocinadores, eram os grandes responsáveis pelas vitórias

de suas candidatas.

A conquista de Marlene em 1949 pode ser apontada como o maior exemplo da

atuação de empresas no concurso. A cantora trabalhava na boate do hotel Copacabana Palace

quando foi convidada por César de Alencar, locutor da Rádio Nacional, para se candidatar ao

pleito. Segundo relatado em sua biografia, citada na bibliografia desta pesquisa, Marlene não

acreditava poder vencer a disputa, pois Emilinha Borba já era naquele momento a cantora mais

popular do país e provável vencedora de um concurso em que o voto do povo era dito como

decisivo para a escolha da rainha. No entanto, a Companhia Antártica Paulista aproveitou a

candidatura de uma cantora desconhecida do grande público para lançar um novo produto no

mercado, o Guaraná Caçula. Para que o lançamento tivesse o sucesso desejado, a empresa deu

um cheque em branco para que a organização da disputa cobrisse todos os votos das demais

candidatas, que eram contabilizados segundo cupons vendidos na Revista do Rádio. Como

resultado, Marlene obteve 529.982 votos comprados com tal cheque.

A cantora nunca escondeu que sua vitória se deveu a esse patrocínio. Em todas as

entrevistas ouvidas e lidas com ela a esse respeito, Marlene sempre deixou claro que a empresa

se aproveitou do fato de querer lançar um novo produto no mercado a partir da imagem de uma

nova cantora. A foto final da Revista do Rádio de número 14 trouxe a comentada propaganda

em que o rosto de Marlene saltava da espuma de uma garrafa de guaraná com os dizeres ao seu

lado: “A Rainha do Rádio e o Rei dos Refrigerantes”. Neste momento estava criada a figura da

cantora como uma Rainha do Rádio polêmica e que passou a ocupar o lugar de admiração em

fãs que Emilinha Borba ainda não havia conquistado.

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Figura 24: Marlene.

Fonte: Revista do Rádio.180

A vitória de Dalva de Oliveira em 1951, por sua vez, aconteceu no auge do seu

processo de separação de Herivelto Martins. Nesse momento, ela era alvo de diversas polêmicas

180 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 02/2017.

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em relação à sua conduta enquanto esposa e mãe, sendo muitas das fofocas divulgadas e

alimentadas pelo próprio ex-marido. Sua vitória provocou uma grande comoção em seus aliados

e, como acontecia com todas as rainhas, um grande impulso em sua carreira, até então incerta.

A quantidade de votos recebidos, porém, também foi resultado de um cheque em branco, desta

vez dado por um rico admirador secreto, que teria sido, segundo Ruy Castro (2015), Procópio

Ferreira181.

O concurso vencido por Emilinha Borba em 1953 foi o único apontado, entre as

cantoras aqui analisadas, como conquistado realmente pelo voto popular. A cantora havia

concorrido apenas contra Marlene em 1949 e tendo ficado em 3° lugar na disputa, atrás ainda

de Ademilde Fonseca, hesitou por diversos anos em concorrer ao pleito novamente. Eram

constantes, porém, os apelos de fãs em correspondências para a Revista do Rádio para que ela

voltasse a competir. Estratégia de marketing ou não, a espera lhe rendeu o título após sua

participação ter sido amplamente divulgada pela publicação, por seu diário e pela Rádio

Nacional. A cantora recebeu grande apoio de diversos outros artistas e seguiu em caravana por

várias cidades para conseguir seus votos, conforme diversas reportagens da Revista do Rádio.

A matéria de sua vitória na revista veio com o título emblemático de “A rainha que todos

queriam” (Revista do Rádio, 181, p. 3, 1953) e trouxe a coroação de uma cantora eleita, segundo

ficou registrado, com a apuração real dos votos vendidos pela publicação, contabilizando

691.515 cupons.

A principal propaganda feita em torno do concurso era a de que a renda arrecadada

seria destinada à construção do Hospital dos Radialistas. Tal hospital foi realmente construído

e existe, com outro nome, ainda hoje na cidade do Rio de Janeiro. O apelo para essa finalidade

era constantemente divulgado pelas concorrentes para que o público comprasse cupons da

Revista do Rádio e ajudasse a categoria a possuir um hospital próprio. Mas quem realmente

lucrava com a vitória no concurso era a rainha eleita. Além de dinheiro e de um carro recebidos,

ela assinava contratos com diversos patrocinadores, via seu nome ligado a vários produtos e a

divulgação de sua figura na publicação citada era explorada, como em nenhum outro momento,

semanalmente em relação aos aspectos mais variados de sua vida e carreira.

Foi a partir da vitória de Marlene no concurso, por sua vez, que se criou a rivalidade

mais comentada naquele momento. Percebe-se com a leitura da Revista do Rádio a grande

exploração desses diversos dualismos. Não apenas a rivalidade entre ela e Emilinha Borba,

181 Ator nascido em 1898 no Rio de Janeiro.

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embora fosse a que mais destaque recebia na publicação, mas eram constantemente colocadas

possíveis brigas entre diversas cantoras. Dalva de Oliveira teria mantido momentos de

inimizades com Linda Batista e Nora Ney, Ângela Maria com Emilinha, entre tantas outras. Os

locutores e apresentadores dos programas em que essas mulheres ou eram estrelas principais ou

faziam apresentações também acabavam sendo alvo dessas especulações. Manoel Barcelos e

César de Alencar, o primeiro sempre ligado à figura de Marlene e o segundo sempre à de

Emilinha, estavam corriqueiramente fornecendo declarações à publicação para se justificar

sobre possíveis inimizades com as protegidas de seu ‘opositor’.

Essas rivalidades criadas fomentavam o trabalho cada vez mais elaborado dos fãs-

clubes. Como coloca Goldfeder (1980), representantes de uma face autônoma e espontânea de

mobilização popular, esses agrupamentos demonstravam padrões de escolhas de grupos

populares, mas também, segundo o que esta pesquisa compreendeu, representavam uma

capacidade de organização de setores populares em torno de determinados objetivos. Os dois

principais fãs-clubes desse período existem atualmente. A Associação Marlenista (AMAR) e o

Fã-Clube Oficial de Emilinha Borba mantêm atividades centralizadas na cidade do Rio de

Janeiro.

A AMAR surgiu a partir do fã-clube de Marlene que havia sido fundando em 1952.

De acordo com a entrevista realizada em abril de 2016 no Rio de Janeiro com a presidente do

grupo e com o diretor, o fã-clube foi transformado em associação jurídica em 1986, pois como

era, sem uma inscrição de cadastro nacional de pessoa jurídica (CNPJ), não seria mais

legalmente possível que ele assessorasse a carreira da cantora como vinha fazendo desde a sua

fundação182.

Ainda na década de 1950, o fã-clube foi transformado pela mãe de Marlene em uma

associação beneficente responsável pela arrecadação de materiais escolares, roupas e comidas

para pessoas carentes dos morros cariocas. Comunidades da cidade, asilos e orfanatos eram

escolhidos anualmente para que recebessem as doações, entregues pela mãe dela, nos natais.

Desde o início das atividades de seu fã-clube, Marlene manteve uma relação de

proximidade com os diretores tanto da sede quanto de suas filiais. Em diversas reportagens

realizadas pela Revista do Rádio podem ser encontrados momentos em que a cantora se reunia

com seus admiradores para realizar eventos, promover a entrega das doações acima citadas,

182 Entrevista realizada em hotel localizado no centro da cidade do Rio de Janeiro em 15 de abril de 2016.

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para a escolha da rainha de seu fã-clube ou mesmo para uma foto a ser publicada na revista.

Desde o início das atividades da organização, ela já funcionava como intermediária de contratos

da cantora, principalmente em cidades do interior do país. De acordo com a entrevista realizada

com os diretores da AMAR, no auge da era do rádio, além de não ser necessária a existência de

contratos entre empresas para que se realizassem excursões e gravações, os convites eram

frequentes, não havendo necessidade de propagandas ou grandes divulgações do nome de

Marlene para que se conseguissem contratos. As solicitações vinham até ela. A transformação

do fã-clube em associação, portanto, se deveu pela diminuição dos convites para shows da

cantora e para, assim, tentar mantê-la em evidência, buscando propostas de trabalho.

As narrativas dos fãs da artista sobre suas aproximações com fã-clube e com ela

seguem as visões gerais apresentadas nessa pesquisa sobre as construções de imaginários em

relação às figuras dessas mulheres. O diretor da associação e fã da cantora, desde os tempos em

que ela se apresentava nos programa da Rádio Nacional, ao contar o início de sua paixão por

Marlene citou o mistério que envolvia a figura dessas cantoras e que alimentava o sonho de

conhecê-las ao vivo nos auditórios. Ouvinte frequente dos programas, o rapaz havia sido

envolvido pelos apelos criados em torno de Marlene pelos locutores dos programas, que

remetiam a uma mulher diferente, que dançava e sambava como ninguém e apresentava um

movimento nunca visto no palco. O entrevistado relatou que, mesmo nunca a tendo visto,

adivinhou qual era ela, em uma foto publicada em uma revista, baseado nessas descrições dos

apresentadores. Despertado pela curiosidade em relação a esses adjetivos e à cantora, ele passou

a ser espectador assíduo dos programas, com idade aproximada de 9 a 10 anos. O diretor relatou

as fugas necessárias para que conseguisse estar constantemente presente na Rádio Nacional.

Desta admiração resultou a participação no fã-clube e dela uma convivência diária com a

cantora, fosse como seu maquiador, como um de seus secretários, empresários ou mesmo um

amigo que no final da vida de Marlene, cuidava para que ela estivesse sempre cuidadosamente

produzida em suas aparições.

A atual presidente, por sua vez, desenvolveu sua admiração por Marlene também

nos tempos de criança, mas ao ouvi-la nos programas da Rádio Nacional na Bahia, estado onde

nasceu. De acordo com o seu relato, chamou sua atenção o fato de a cantora ser a única no

programa Manoel Barcelos em que se tinha dificuldade de escutar por conta dos gritos da

plateia. Um misto de admiração e frustração tomava conta da garota que corria da escola para

a casa a tempo de ouvir sua cantora no rádio, mas que acabava tendo grandes dificuldades em

reconhecer sua voz por conta dos outros fãs presentes no auditório. A entrada dela no fã-clube

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se deu quando já não existiam mais os programas de auditório, ao se tornar frequentadora

constante de shows de Marlene na capital carioca e se tornar amiga de pessoas da organização.

Com o início desses relacionamentos, ela passou a frequentar reuniões em que Marlene também

estava presente e, segundo seus relatos, elementos em comum, tais como a coincidência de

nomes entre ela e a mãe da cantora e o fato de ela e o atual marido da artista serem baianos,

fizeram com que nascesse uma relação de amizade íntima entre elas.

Percebe-se nesses relatos que ser um fã que colecionava reportagens e fotos não era

suficiente para eles. A aproximação com o ídolo se dava inicialmente por meio da circulação

dessas pessoas pelos meios em que a cantora transitava. Desta circulação, vinha o cumprimento

de alguma função que pudesse auxilia-la em seu cotidiano, fosse como maquiador, como

organizador de cartas, de filas de fãs em auditórios, como porta voz para outros fãs, etc. Ser

solicito e ter uma função era um passo importante para ficar conhecido e adentrar ambientes de

intimidade da artista que se admirava, fazer parte do fã-clube, por sua vez, era necessário para

ser recebido por ela.

Os fãs-clubes foram organizações importantes para a carreira dessas cantoras e

medidores de suas popularidades Além de serem agenciadores de muitos de seus shows em

diversas cidades pelo interior do país, as torcidas que eles comandavam nos auditórios das

emissoras de rádio e as cartas que se organizavam para enviar a elas faziam com que essas

artistas se mantivessem em evidência. Estar próxima a esses grupos significava para a cantora

não apenas uma possível relação de amizade entre ela e seus diretores, mas também uma forma

de recompensar essas pessoas e de mantê-las sempre ativas em função de seu nome e de seu

cartaz. A presença das artistas nas diversas filiais de seu fã-clube oficial e a existência de

concursos em que eram premiadas as fãs mais bonitas ou as mais ativas podem ser citadas como

algumas dessas formas de recompensa.

Em pesquisa de campo realizada na sede do fã-clube oficial de Emilinha Borba em

abril de 2016 no Rio de Janeiro183, foi possível encontrar todo o acervo pessoal restante da

cantora doado por ela enquanto viva e por seu filho após sua morte. As sete mil faixas contadas

pelo presidente da organização, os vestidos mais famosos da cantora, usados nos momentos

mais importantes de sua carreira, a grande coleção de troféus recebidos por ela bem como as

capas de revistas, reportagens e discos ocupam dois grandes cômodos de uma casa localizada

no subúrbio carioca. Assim como havia ocorrido com os fãs de Marlene entrevistados para essa

183 Entrevista realizada no fã-clube em 11 de abril de 2016 localizado na cidade do Rio de Janeiro.

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pesquisa, o presidente do fã-clube de Emilinha também frequentava os auditórios da Rádio

Nacional quando criança.

O entrevistado relatou que se encantou por ela no cinema ao assistir ao filme “Poeira

de Estrelas” e a partir desse momento passou a estar sempre que possível presente nas suas

apresentações na Nacional. Enquanto na entrevista com os admiradores de Marlene as

principais referências a ela eram seu talento como intérprete musical, os fãs de Emilinha se

referiram a ela como uma pessoa carismática e que se transformava em um membro das famílias

do país. Referências a possíveis críticas sobre falta de talento como cantora foram trazidas pelo

seu fã-clube em diversos momentos da entrevista. Segundo seu presidente, qualidade vocal

realmente não era o fator mais importante para o sucesso dela, mas sim o carinho com que ela

tratava as suas canções e o seu público. Carisma foi citado constantemente pelos fãs da cantora

como um diferencial principalmente em relação à sua rival. A visão idealizada de fãs em

relação ao ídolo fica clara nos relatos de ambas as organizações. Neles, características foram

construídas por essas pessoas com base na admiração que nutrem pelas duas mulheres e que

geralmente diferem das colocações feitas por teóricos e pelas próprias cantoras sobre si mesmas.

Comparações com artistas atuais foram constantes nesses relatos, como que pretendendo situá-

las no momento atual da música O uso de termos que forneciam feições de mulheres

independentes, politizadas e mesmo contestadoras em relação aos rumos que suas carreiras

tomavam e ao controle que a Rádio Nacional exercia sobre elas foi frequente nesses relatos,

principalmente em relação aos fãs de Marlene.

A rivalidade entre elas também foi assunto recorrente nas entrevistas assim como

as reações por vezes violentas que os grupos de admiradores tinham com os grupos rivais. Como

ficou claro nos relatos coletados, as brigas acabavam sendo maiores entre os fãs do que entre

as artistas, que mesmo não sendo grandes amigas, não chegavam a brigas físicas, ao contrário

de muitos de seus seguidores. Os fãs-clubes se mostram importantes ainda nos dias atuais

principalmente por reunir os acervos para a história das artistas, mas também para a música

nacional. Como seus diretores se tornavam amigos delas, eles acabaram recebendo grande parte

do acervo pessoal e artístico dessas mulheres. Muitas das doações eram feitas em vida, mas

após suas mortes, os próprios familiares acabaram fornecendo os materiais para eles.

Essas formas de expressão populares criadas dentro dos meios de comunicação –

como os auditórios nas emissoras de rádio, as colunas dos leitores da Revista do Rádio, e os

próprios fãs-clubes – foram colocados por Goldfeder (1980) como canais de expressão do

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público, principalmente do público feminino, e como uma das poucas formas de produção

abertas ao seu consumo. Porém, com os transtornos que as manifestações desses grupos

passaram a causar, principalmente nos auditórios das emissoras, eles, os grupos, e elas, as

manifestações, passaram a ser alvo de formas de controle por parte dos meios de comunicação

em questão.

A Revista do Rádio pode ser citada como um desses mecanismos de controle do

comportamento dos fãs ao ser porta voz de diversas reportagens sobre como tal comportamento

estaria prejudicando a apresentação dos artistas e o andamento dos programas das emissoras de

rádio. A edição de número 154 da Revista do Rádio trouxe reportagem em que responsabilizava

os fãs de Emilinha e Marlene pelas desordens ocorridas em diversos programas da Rádio

Nacional em que elas se apresentavam. Segundo a publicação, os admiradores não admitiam

que as duas pudessem ser amigas e criavam climas de hostilidades por onde elas passavam. A

matéria parecia eximir a revista de quaisquer responsabilidades ao apresentar dados biográficos

de ambas em que os inícios de suas carreiras se cruzavam em um relacionamento de amizade

que viria anteriormente ao sucesso e à fama de ambas. De acordo com a publicação, a realidade

desta relação seria muito diferente do ódio colocado entre e pelo público. Para afirmar tal ponto,

as duas cantoras forneciam declarações em que Marlene apontava não haver rivalidade entre

ambas principalmente porque elas interpretavam gêneros musicais diferentes e em que

Emilinha dizia que o carinho que os fãs sentem por seus artistas preferidos acabava gerando

fatos que ganhavam proporções muito diferentes da realidade. A cantora pediu ainda para que

as fãs, sempre no gênero feminino, ficassem boazinhas em mais uma clara tentativa de colocar

uma culpa no público por algo que a imprensa, as emissoras de rádio e as próprias cantoras

haviam alimentado até então.

O fato de Marlene ter chamado Emilinha Borba para ser sua madrinha de casamento

na cerimônia civil pode servir de exemplo de mais uma dessas tentativas de apaziguar os ânimos

entre as fãs. Não havia amizade entre as duas cantoras que justificasse tal atitude, mas houve,

com a cobertura do casamento, grande destaque à participação de Emilinha na cerimônia como

uma forma de justificar uma relação de proximidade entre elas. Desta forma, era colocado para

o público que não existia briga e tais reações contrárias a uma ou a outra acabavam por magoá-

las. Eram constantes também as referências no diário da cantora aos trabalhos e lançamentos

de Marlene. Nessa coluna, ela abordava frequentemente a questão da rivalidade sempre

colocando a relação entre ambas como plena de admiração e respeito.

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A edição de número 167 da Revista do Rádio, por sua vez, trouxe reportagem em

que o público era colocado como grande responsável pelos aumentos de vendas e circulação de

dinheiro tanto entre artistas quanto nas emissoras de rádio. Segundo a matéria, seria ele o

termômetro de popularidade de cantores e cantoras ao aplaudir, vaiar, pedir autógrafos, enviar

cartas a revistas e estações de rádio e formar fãs-clubes. Vivia-se no momento da publicação

desta edição a repercussão de um evento ocorrido no programa de Luiz de Carvalho na Rádio

Clube em que fora feita uma pesquisa sobre qual seria a cantora mais querida do rádio. O

concurso tomou uma grande proporção entre os fãs-clubes e a vitória de Emilinha provocou

uma reação violenta por parte das fãs de Marlene que tentaram agredir o apresentador após a

derrota de sua cantora preferida. Como resultado do susto sofrido por ele, Emilinha e Marlene

passaram a dar declarações para a Revista do Rádio condenando o ocorrido e a Rádio Nacional,

segundo a publicação, chegou a afastar as duas cantoras de seus programas como forma de

punir os dois grupos de fãs.

Percebe-se com a leitura dessa reportagem uma tentativa de apaziguar os ânimos,

já que a matéria era iniciada com elogios ao papel desempenhado pelo público até então para o

sucesso de cantoras e emissoras. O encerramento da análise, com os devidos exemplos citados

de comportamentos prejudiciais a ambas, mostrou a necessidade de controle por parte das fãs

em relação aos seus atos em defesa de suas favoritas. Mais uma vez, as duas cantoras eram

colocadas como grandes amigas e suas fãs como pessoas que não admitiam esse fato e

continuavam criando uma rivalidade e um ódio inexistente, ou seja, mais uma vez a Revista do

Rádio procurava se eximir do que havia ajudado a criar e incentivar.

A edição de número 439 da publicação trouxe coluna intitulada “Os dez

mandamentos para as fãs”, em que eram relacionados itens de comportamentos recomendados

e não recomendados para quem fosse aos programas de auditório das emissoras. As produções

das rádios estavam preocupadas com a falta de qualidade de recepção das músicas para os

ouvintes nas casas por conta de vaias e gritos das fãs. Eram constantes também as reclamações

de cantores e cantoras quanto à dificuldade de ouvir a própria voz ao cantar nos programas.

Desta forma, a matéria da revista procurava fornecer um manual de etiqueta ao público, com

recomendações como não vaiar, apenas aplaudir, ficar em silêncio durante a apresentação dos

cantores e cantoras, não presentear demasiadamente seus favoritos com faixas a ponto de eles

desaparecerem embaixo delas, tomar sempre cuidado com a ortografia dos dizeres dessas

faixas, facilitar a saída dos artistas das emissoras, não gritar em excesso por eles nas ruas da

cidade, não se envolver em brigas com fãs de outros artistas, não combinar emboscadas para

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elas e estarem sempre atentas para que seus afazeres particulares e domésticos não fossem

prejudicados por suas atividades em fãs-clubes.

Nota-se, com os exemplos acima colocados e com a análise que Goldfeder (1980)

fez a respeito dessa questão, que a partir do momento em que a espontaneidade das

manifestações populares se tornou perigosa, esses mecanismos de repreensão de

comportamentos foram colocados em ação. Os grupos haviam desenvolvido meios próprios de

ação e expressão, como vaias, gritos, puxões, rasgos em roupas, deixando de consumir

passivamente o que lhes era oferecido. Segundo a autora, eles haviam ultrapassado os limites

desejados pelos meios de comunicação e teriam se tornado potenciais ameaças à ordem

daqueles espaços. Desta forma, dever-se-ia agir para que fosse reduzida a capacidade de

expressão autônoma dessas pessoas, criando-se normas de etiquetas, manuais a serem seguidos

e apresentando a eles conselhos vindos de suas cantoras preferidas sobre como eles deveriam

se portar diante delas, mas principalmente diante das artistas de quem não gostavam. A

participação desses grupos era fundamental, como foi mostrado, para que as produções de rádio,

cinema e as próprias revistas existissem e gerassem compensação financeira, portanto não era

possível nem desejado que eles fossem excluídos destes meios, mas era necessário que suas

reações fossem controladas principalmente para que não se estendessem para outras esferas de

suas vidas.

Já as exposições dessas figuras as colocavam como pessoas possíveis de serem

assimiladas. Ao realizar a vontade dos admiradores de saber os pormenores sobre sua carreira

e vida, era gerada a impressão de que eles dominavam o conhecimento integral sobre elas.

Criava-se uma intimidade em que a adoção dos hábitos das estrelas parecia possível para o

público. Qualquer nota em publicações ou fotografias enviadas por elas se tornavam relevantes

para a manutenção desse imaginário e da presença delas entre os fãs. Os jornalistas, por sua

vez, alimentavam tal imaginário e muitas vezes, como ficou claro com a leitura dos exemplares

da Revista do Rádio, interessavam-se muito mais pelas notícias pessoais ou inventadas sobre as

estrelas do que pelos seus trabalhos. A opinião do fã sobre os mais diversos aspectos da estrela

era pedida, como se ele tivesse uma relevância tal que pudesse decidir sobre quais cortes de

cabelo ou modelos de roupas ela deveria usar. Tal opinião refletia, em muitos casos, o que ele

gostaria de ser, o que gostaria para si, mas que não tinha condições para tal e que acabava

projetando na estrela sua vontade.

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Houve, pelo que se percebe, uma junção de fatores que possibilitaram a formação

e manutenção do sucesso dessas estrelas do rádio principalmente durante a década de 1950.

Meios de comunicação responsáveis por suas promoções, principalmente as revistas que as

mantinham sempre presentes, elas, as estrelas, que souberam se manter constantemente em

evidência, o contexto de formação desses ídolos do rádio principalmente com base em figuras

femininas e suas mais diversas características, mas também os fãs, que participavam por meio

dos programas de auditório, pelo envio de cartas às revistas ou às estações, ou ainda na

formação de fãs-clubes. Pela reflexão suscitada com a leitura de Morin (1989), pode-se perceber

que essa união de elementos fez com que as figuras dessas mulheres passassem a modelar as

aspirações de seus admiradores, alimentando sonhos e ações nesse público, mas também fez

com que elas ditassem padrões e modelos comportamentais e estéticos.

A estrela transitava entre o divino e o real, convivendo com uma racionalidade

moderna e uma irracionalidade trazida pela veneração. Sua riqueza, segundo o autor, é

semelhante a dos deuses, já que não é possuída por elas, mas sim dada e retirada pelos seus

admiradores. A transformação dessas mulheres em deusas é obra de seus fãs, mas sua criação

e sustentação é responsabilidade do que o autor chamou de star system. Ele confere caráter de

mercadoria a elas, com preços e questões de ofertas e demandas medidas pelas

correspondências recebidas. Aspectos ligados a seu estilo de vida, seu corpo, seu trabalho, seus

figurinos, seus estilos pessoais também se tornaram mercadorias que passaram a estar ligados

diretamente a possibilidades de publicidade. Elas estavam destinadas ao consumo de seu

público, mas também estimulavam e ditavam esse consumo a partir dos mais diversos

elementos ligados a elas. De acordo com Morin (1989), as estrelas seriam difundidas

principalmente pelos meios de comunicação de massa, também os maiores difusores do mundo

considerado moderno, sendo ao mesmo tempo uma mercadoria com fonte de valor e um objeto

de luxo.

A figura da estrela se transformou, segundo Morin (1989), em um produto do

capitalismo que respondia a diversos tipos de necessidades. A partir delas, mas não somente

delas, o sonho se tornou uma matéria-prima que era alimentada pelos veículos de comunicação

e que uniformizava os mais diversos ideais do imaginário. O que o autor chamou de espírito

humano passou, assim, a estar em um circuito de produção capitalista industrial. As aspirações,

que em muitas das vezes eram originadas a partir da figura dessas mulheres e das publicidades

que faziam, passaram a poder ser produzidas e consumidas.

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O consumo dos produtos que elas usavam levava a uma identificação ainda maior

com a estrela, uma apropriação dela à personalidade do fã. Esses mesmos padrões de consumo

e de comportamento que seriam responsáveis por aproximar o exterior do fã com o da estrela

seriam também responsáveis por modelar a consciência dos admiradores. À medida que ela

passava a lhe dar conselhos sobre o que usar, fazer, comer ou consumir, ela ultrapassava a

condição de conselheira para atingir uma condição de voz de consciência em uma relação

dialética em que as estrelas viviam de seus fãs, mas seus fãs também viviam delas ao ter seu

imaginário alimentado por elas (MORIN, 1989).

Entretanto, não eram apenas nos discursos dessas artistas e nas reportagens sobre

elas que era possível encontrar a divulgação de modas e padrões de comportamentos para as

mulheres na década de 1950 no país. A publicidade, por meio de suas propagandas em revistas,

também passou a divulgar um dever ser específico para o público consumidor dos meios de

comunicação que se desenvolviam, contribuindo para a formação de um grupo feminino

possível de ser caracterizado a partir de determinados elementos. Desta forma, neste capítulo,

os anúncios divulgados na revista O Cruzeiro e na Revista do Rádio são trazidos a esta reflexão

sobre a formação das estrelas e de suas fãs para que seja compreendida a articulação entre mais

este elemento presente nos meios de comunicação, a publicidade, e a difusão de padrões para

as mulheres nesse contexto nacional.

A intensificação da ida das mulheres para o mercado de trabalho no Brasil ocorreu,

por sua vez, a partir dos anos 1970184. É somente a partir deste período que se pode afirmar que

as mulheres começam a se transformar em um agente de consumo que estava se desvinculando

financeiramente de seus maridos. Porém, conforme será colocado posteriormente, já na década

de 1950, é possível mostrá-las como um agente relevante de decisão de consumo principalmente

no que dizia respeito às compras de suas casas, fato elucidado pela preocupação dos

publicitários em falar diretamente com elas e escolher elementos e personalidades com os quais

elas pudessem ou devessem se identificar. Desta forma, este capítulo pretende estabelecer

relações entre essa posição deste grupo feminino no consumo e o objeto dessa pesquisa, as

cantoras do rádio. Ao mesmo tempo em que essas artistas podiam servir de inspiração para

mulheres que sonhavam com mudanças em suas condições de vida dependentes de seus

184 Para maiores informações a esse respeito, indica-se a leitura do artigo “A evolução da mulher no mercado de trabalho”, disponível em http://www.faceq.edu.br/e-faceq/downloads/numero02/4%20A%20mulher%20no%20mercado%20de%20trabalho.pdf e https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/69992/000875738.pdf?sequence=1

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familiares, em especial de seus esposos, elas, ao terem suas imagens construídas a partir de

elementos conservadores, também acabaram funcionando como modelos de comportamentos e

ideais de vida a serem difundidos para suas fãs, assim como os diversos anúncios a serem

analisados aqui. Mesmo que essas cantoras participassem de formas decisivas das escolhas de

consumo de suas famílias, fornecendo inclusive a possibilidade para tal, já que eram as

principais provedoras financeiras de suas casas, como se observou no capítulo anterior, elas

fizeram parte dessa difusão de referências de participação e consumo para as mulheres na

década de 1950. Ao ocuparem espaço privilegiado na publicidade e no consumo do período,

elas, assim como os anunciantes, participavam das determinações, por exemplo, dos lugares

que deveriam ser ocupados por mulheres na sociedade, fosse pela via do consumo – quais

produtos estariam destinados a elas – fosse a partir de comportamentos e formas de vida

aprovados ou não para tais pessoas.

3.2 PUBLICIDADE, RÁDIO E REVISTAS

A obra A embalagem do sistema – A publicidade no capitalismo brasileiro de Maria

Arminda do Nascimento Arruda apresenta uma ligação entre o desenvolvimento da publicidade

em nível mundial e o desenvolvimento do capitalismo que pode ser utilizada nesse momento

para dar contornos sobre o que era a publicidade no Brasil no momento estudado por essa

pesquisa. Para a autora, o início da etapa monopolista deste sistema foi fundamental para que

se elevassem as despesas publicitárias e se desenvolvesse o que ela chamou de publicidade

moderna. Até o final do século XIX, a importância desta área na distribuição de produtos era

reduzida e ela era essencialmente um empreendimento isolado dependente de varejistas. Foi,

no entanto, com o aumento da concentração de capital entre grandes empresas que a publicidade

passou a ser vista como importante para a manutenção delas no mercado. A partir dessa etapa

foram formadas, segundo a autora, agências, tendo havido a separação entre os produtores e os

agenciadores de anúncios.

As agências se tornaram empresas com trabalhadores designados para elaborar

mensagens aprovadas por seus clientes em acordo com seus objetivos e em acordo com a ideia

de valor de uso dos produtos em questão. Segundo Arruda (1985), foi onde a concorrência se

mostrava maior, ou seja, onde havia mais empresas produzindo determinados produtos, que a

publicidade passou a se fazer mais presente. Empresas, principalmente de consumo doméstico

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ou de artigos pessoais, passaram a depender de fixadores de suas marcas no mercado para se

manter. Circulação e produção se aliaram, assim, como a necessidade de estímulo ao consumo

para assegurá-lo. Tendo a publicidade como objetivo justamente assegurar e manter a procura

pelos produtos por meio da dinamização do consumo, trabalhos relacionados a ela foram cada

vez mais solicitados.

O processo de industrialização no Brasil, por sua vez, se iniciou a partir do final do

século XIX, ou seja, quando Estados Unidos e parte da Europa já se encontravam na fase

monopolista do capitalismo. De acordo com a leitura de Arruda (1985) sobre a obra de João

Manuel Cardoso de Mello, esse período de nascimento da industrialização no país se estendeu

de 1888 a 1933 e teve diversas etapas de desenvolvimento puladas para que se adequasse e se

articulasse ao modo de produção mundial. Uma dessas etapas disse respeito, por exemplo, à

formação do mercado publicitário que se deu de forma invertida em relação ao que foi relatado

em relação aos países desenvolvidos. Enquanto neles, a indústria se desenvolveu em tal nível

que foram necessárias empresas de publicidade para garantir lugar no mercado monopolista, no

Brasil as grandes agências vieram de fora – como a J.W. Thompson, que chegou ao país em

1929 para cuidar da divulgação da marca e dos produtos da General Motors no mercado

nacional.

O principal ramo industrial desenvolvido no país até a primeira metade do século

XX era o de bens de consumo que, segundo Arruda (1985), podia prescindir das grandes

agências de publicidade estrangeiras para se desenvolver. Os setores de serviço e comércio

também eram insuficientemente desenvolvidos no país a ponto de também poderem abrir mão

de contas em grandes agências. As pequenas empresas publicitárias já existentes no Brasil eram

capazes de prestar os serviços necessários para que essas atividades se fixassem no mercado.

O país passou, a partir deste período, no entanto, por um processo de urbanização

que se mostrou irreversível. Crescimento de seus mercados interno e externo principalmente

após as duas grandes guerras, aumento na vinda de imigrantes e nos contingentes migratórios

internos e surgimento do operariado foram algumas das mudanças pelas quais o Brasil passou

durante esse momento em que sua industrialização de fato se iniciou e novos estímulos ao

consumo foram criados. Novas oportunidades de trabalho foram sendo desenvolvidas e a

estrutura ocupacional foi se tornando mais complexa nas empresas e indústrias instaladas no

país. Os aumentos dos negócios internos e externos fizeram com que mecanismos de

diminuição de distância fossem ampliados, tais como uso de trens, automóveis, telefones e o

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telégrafo. Os meios de informação, como mostrado, também começaram a se desenvolver em

maior escala, como imprensa e emissoras de rádio e se tornam formas de influenciar pessoas.

A radiofonia foi transformada, por sua vez, em um mecanismo de difusão de novos estilos de

vida que se colocavam possíveis frente à população do país na primeira metade do século XX

(PEREIRA, 1967).

As emissoras de rádio tiveram, como visto, permissão para veicular comerciais em

sua programação a partir de 1932. Elas logo se juntaram à imprensa escrita como veículo de

comunicação de massa capaz de servir como forma de divulgação de produtos e deram uma

nova aparência aos anúncios realizados. Textos mais longos e jingles passaram a ser produzidos

e a ditar o estilo dos anúncios feitos no país. Agências de publicidade se formavam e se

juntavam a locutores e ídolos do rádio na divulgação de produtos. Além disso, as mercadorias

e empresas passaram a fornecer inclusive o nome a diversos programas de rádio.

A utilização de comerciais, como dito, foi uma prática desenvolvida com maior

grau de especialização na fase monopolista do capitalismo e com maior frequência por

empresas que possuíam maior grau de diversificação produtiva. Essas empresas faziam parte

do que Arruda (1985) chamou de vanguarda da economia, ou seja, um bloco moderno que soube

ampliar sua variedade de produção e que teve a publicidade como sua porta voz. A publicidade,

por sua vez, se tornou sinônimo e manifestação da modernização do mercado.

O caráter de ineditismo apresentado pelo desenvolvimento da publicidade no país

foi também marca da formação e expansão das emissoras de rádio, desde a formação das

primeiras delas na década de 1920 até sua integração à sociedade brasileira que se transformava.

A partir de interesses já detalhados, as programações eram elaboradas de forma planejada

selecionando elementos com potencial de audiência e eliminando outros que não aparentavam

agradar o público que se formava. O rádio inicialmente educativo foi se transformando no rádio

publicitário que aperfeiçoava suas características técnicas e formava seus elencos, integrando-

se aos interesses do público popular e dos anunciantes. As emissoras se desenvolveram no

contexto de urbanização, industrialização e crescimento do setor comercial no país e seu

desenvolvimento esteve ligado a essas transformações (PEREIRA, 1967).

A formação do rádio no Brasil representou, segundo Pereira (1967), um grande

incremento na publicidade já existente no país, mas feita precariamente pelo meio impresso. A

radiofonia se transformou em um veículo de propaganda e de criação de desejos pelos produtos

anunciados, mas também pelos novos modos de vida a que ela e as transformações do país se

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atrelavam. Ao formar seu star system, as emissoras de rádio, principalmente as da capital do

país, despertavam o que o autor chamou de desejos coletivos não somente pelas novidades

materiais que anunciavam, mas também pelas possibilidades de mudanças nas vidas de seus

ouvintes, fosse via programas de calouros, fosse apresentando pessoas que ascenderam

socialmente por meio da carreira radiofônica.

A passagem do rádio enquanto mecanismo educativo para uma empresa com renda

capaz de auto sustentar-se e de gerar lucro para seus proprietários fez com que as programações

das emissoras se desenvolvessem em torno de programas que mais captariam audiência e verba

publicitária. Os programas recreativos, que possuíam a música como um de seus elementos

centrais, eram os que mais cativavam o público ao selecionar os estilos musicais que mais o

agradavam. Os diretores souberam perceber as preferências populares e despertar nas pessoas

os mais variados sonhos. O rádio publicitário, conforme Pereira (1967), tornou-se o grande

expositor do gosto popular.

As leituras feitas para essa pesquisa, endossadas pela obra de Pereira (1967),

mostram que a maioria dos artistas formadores dos elencos das emissoras bem como o público

frequentador de seus auditórios vinham dos setores mais pobres da população. Tal ocupação

popular das programações das principais rádios do Brasil elucidava uma preferência pelo gosto

popular, mas também um novo caminho que grupos excluídos das principais esferas de

ocupação que se desenvolviam no país pudessem trilhar, em especial negros e mulheres.

Segundo Pereira (1967), o rádio, além de um meio de recreação para esses dois grupos, se

tornou uma possibilidade de trabalho que ia além da preocupação com sobrevivência e

remuneração, mostrava-se também uma possibilidade de circulação em meios socioculturais

que lhes eram vedados.

O rádio exerceu suas atividades nas esferas publicitária, recreativa e informativa. A

primeira delas condicionava as demais justamente por ser a principal fornecedora de verba para

que as emissoras se mantivessem. A segunda dizia respeito a formas de diversão populares

comercializadas e produzidas a partir de elementos populares, que garantiam as reais audiências

para as programações; já a informativa era ligada e condicionada por setores políticos,

educacionais e intelectuais; (PEREIRA, 1967).

A leitura da obra de Pereira (1967) permite a compreensão de como se formou a

atividade publicitária no meio radiofônico. Segundo o autor, a estrutura interna deste meio de

comunicação no Brasil era formada pelos setores técnico, administrativo e programático. A

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relação dela com esferas externas – os grupos de anunciantes, de publicitários e os ouvintes –

formou o que ele chamou de macroestrutura radiofônica e condicionou aquela estrutura.

Os anunciantes, divididos em pequenos, médios e grandes, teriam como principal

objetivo, ao se ligar à radiofonia, tornar seus produtos conhecidos da audiência e em última

instância aumentar seu volume de vendas, aumentando o lucro das empresas produtoras. O

lucro seria a medida da vantagem ou não na escolha de determinados veículos de anúncio. Os

publicitários, por sua vez, seriam os contratados pelos anunciantes para orientá-los sob os mais

diversos aspectos das propagandas e, também, realiza-las. Os ouvintes seriam divididos em dois

grupos: um, numericamente maior, formado por pessoas que participavam apenas

ocasionalmente da programação das emissoras, fosse por meio de cartas ou telefonemas, e que

formava seus índices de audiência, chegando a influenciar na medição da eficácia dos anúncios

ao se perceber que as vendas de determinados produtos aumentavam ou não após a veiculação

de propagandas nas programações e o segundo grupo, em menor quantidade, era o que

participava efetivamente do dia-a-dia das rádios, frequentando seus auditórios e tentando por

meio de vaias, aplausos e gritos, interferir diretamente na programação. Este era um grupo

heterogêneo formado por pessoas com os mais variados interesses, entre eles apenas estar

próximo de seus ídolos ou mesmo conseguir de alguma forma se integrar no meio e ser

descoberto como um possível talento. Era a partir desta minoria que se formavam os fãs-clubes.

(PEREIRA, 1967)

A busca por maiores índices de audiência e por auditórios lotados fazia com que as

emissoras estivessem sempre procurando contratar os artistas mais queridos pelo público, o que

levaria a uma maior procura por elas parte de empresas anunciantes. As contratações dependiam

de ofertas vantajosas a eles e a manutenção do público em seus programas, fisicamente no

auditório ou ouvindo pelo aparelho, dependia, além da presença dos ídolos, de formas de

bajulação, como prêmios, leituras de cartas, divulgação de nomes na programação, etc.

O publicitário, por sua vez, deveria estar atento aos programas, artistas e

preferências do público para descobrir em qual programação deveria colocar os produtos de

seus clientes para divulgação. Como dito, as agências de publicidade passaram ou a produzir

programas a partir do que pretendiam divulgar ou a pagar para que produtores das emissoras

adequassem a atração às mensagens que pretendiam passar.

Foram sendo criadas formas de superar o amadorismo nos anúncios publicitários

na chamada fase de industrialização restringida, década de 1930 até meados da década de 1950.

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Dentre elas a criação da Escola de Propaganda, em São Paulo em 1951, a formação do cargo

de redator no processo de criação dos dizeres das propagandas e novas formas de anúncios que

reduziam textos, duração de jingles e associavam o objeto mais diretamente à mensagem

proposta, enaltecendo utilidades e qualidades dos produtos em questão. O valor de uso das

mercadorias, por sua vez, passava a ocupar lugar central nos anúncios.

Produtos de uso pessoal receberam destaque nas propagandas publicadas tanto na

Revista do Rádio quanto em O Cruzeiro. A pesquisa realizada em ambos os acervos disponíveis

no site da Biblioteca Nacional mostra a predominância de produtos ligados às mulheres, como

bolsas femininas, cosméticos e tecidos. Mesmo que o texto publicado não estivesse escrito no

feminino, fotos com mulheres nesses anúncios deixavam claro a quem os produtos se

destinavam, ou ainda quem era a responsável pela escolha do produto no ambiente doméstico,

e quais as suas finalidades, sempre possíveis de serem resumidas em questões de manutenção

de beleza, juventude e bom humor. Na Revista do Rádio, chama a atenção a grande quantidade

de propagandas de cremes corretivos e preventivos. Fotos se juntavam a textos explicativos,

constantemente com mais de dez linhas, sobre os produtos procurando deixar evidente a

necessidade de aquisição. Frases de efeito, que muitas vezes não se dirigiam diretamente ao

produto, eram constantemente usadas, como “Não deixe para amanhã o que pode fazer hoje”,

utilizada nos anúncios da Camisaria Progresso, por exemplo. Além disso, eram comuns as

apresentações de condições de pagamento também nos anúncios. Percebe-se com a análise

deste periódico que, por mais que ele se pretendesse nacional ao divulgar condições de

assinatura para todo o país, há grande quantidade de propagandas diretamente ligadas a

comércios e prestadores de serviço localizados na cidade do Rio de Janeiro, principalmente em

relação a roupas, acessórios, móveis e eletrodomésticos. A capital e seus hábitos de consumo

iam sendo difundidos pelo restante do país, assim como determinações estéticas ligadas

diretamente a mulheres.

Eram comuns também publicidades relacionadas a remédios e estimulantes para

combater principalmente o cansaço. Nesse caso, as publicações vinham, em sua maioria, com

longos textos explicativos, mas com gênero de escrita no masculino. Fotos dos produtos e de

pessoas e longos textos eram as formas mais características dos anúncios feitos. Neles, itens

relacionados às mudanças que eles poderiam promover nas vidas delas recebiam especial

destaque. Há inclusive anúncios da Coca-Cola conferindo especial destaque à sua capacidade

de reanimar seus consumidores, como na edição de número 220 da revista.

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Figura 25: Propaganda Coca-Cola.

Fonte: Revista do Rádio.185

“Quem poderia resistir à tentação? Reanime-se Você também, com uma gostosa...

Coca-Cola! Isto faz um bem...” (Revista do Rádio, 220, p. 29, 1953)

Geralmente, a quantidade de linhas dos textos independia do tamanho ocupado

pelos anúncios nas páginas da revista. A análise de Arruda (1985) sobre a precariedade das

propagandas nesse período no Brasil é facilmente exemplificada com a leitura da Revista do

Rádio. Longos e explicativos textos sobre composições e utilidades dos produtos se juntavam

a slogans que pouco tinham relação com as mercadorias e a fotos dos modelos em questão.

185 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 02/2017.

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Grande quantidade de informações sobre onde compra-los também acabavam deixando

confusas as propagandas.

A modernidade e o conforto que alguns produtos recém-lançados trariam para o

público eram aspectos destacados. Entre móveis, roupas, produtos de higiene e de beleza, o

texto publicado na propaganda dos absorventes Modess na edição de número 200 da Revista do

Rádio pode servir de exemplo para a difusão de novos modos de ser e se comportar da mulher

moderna no Brasil:

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Figura 26: Propaganda Modess

Fonte: Revista do Rádio.186

É dia de aniversário, alegre, barulhento, — mas ela não se altera. Sempre feliz e bem

disposta, sempre... Mesmo "naqueles dias". Como a maioria das mulheres, ela

depende e confia numa proteção higiênica, muito especial, que lhe assegura completa

super-absorvência, maciez e comodidade. MODESS é o segredo de sua

despreocupação. Porque V. também não o experimenta? (Revista do Rádio, 200, p.

28, 1953)

Ou na edição de número 300 em que uma mulher de costas comemora sua liberdade:

186 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 02/2017.

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Figura 27: Propaganda Modess

Fonte: Revista do Rádio.187

“Goze uma nova liberdade. Aproveite as vantagens de Modess, a proteção higiênica

da mulher moderna, É completamente invisível. Fantasticamente absorvente. Leve

como uma pluma. Incrivelmente confortável. Absolutamente seguro. Nada para lavar

– é usado só uma vez. Você pode ter confiança em Modess, porque somente Modess

é feito pela Johnson & Johnson, líder mundial no ramo por mais de 69 anos. Ao

comprar, insista em Modess, NUNCA aceite imitações.” (Revista do Rádio, 300, p.

20, 1955).

Anúncios ligados a novidades em relação ao cuidado pessoal das mulheres podem

ser exemplificados com o texto da propaganda do creme Antisardina publicado na edição de

187 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 02/2017.

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número 200 da revista de 1953. Com o slogan de “Antisardina, a primavera da cútis”, o anúncio

trazia uma mulher colhendo flores diretamente dos galhos de uma árvore e os dizeres:

Figura 28: Propaganda Antisardina.

Fonte: Revista do Rádio.188

188 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 02/2017.

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“Na primavera da vida confiamos na irradiação da nossa beleza e mocidade que nos

faz algo feliz. E podemos conservar os nossos encantos através dos anos confiando o

tratamento de nossa pele ao miraculoso creme ANTISARDINA que prolonga a nossa

juventude” (Revista do Rádio, 220, p. 02, 1953)

Recomendações sobre como deveriam ser utilizados os produtos de beleza pelas

mulheres também eram comuns assim como sobre a importância da manutenção do cuidado

com a pele, como, por exemplo, nessa propaganda do Leite de Colônia:

Figura 29: Propaganda Leite de Colônia.

Fonte: Revista do Rádio.189

189 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 02/2017.

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1. Diariamente, antes de deitar-se, lave o rosto com bastante água. Não o enxague.

2. Em seguida, após agitar o vidro, embeba um pouco de algodão com Leite de

Colônia e passe-o no rosto bem molhado, com movimentos circulares de baixo para

cima.

A beleza tem muitos segredos . . . é caprichosa como a própria mulher. Há um

segredo, por exemplo, para que você tenha uma pele mais sadia, livre das manchas;

sardas e espinhas. Sua cútis precisa de uma massagem diária... precisa da revigorante

"massagem de beleza”: com a ação medicinal do Leite de Colônia! Esse novo

tratamento, que revitaliza os tecidos e as células cansadas fará nascer, em sua pele,

um novo fascínio. E você, ao invés de ocultar sua beleza com o "maquillage"

exagerado, terá o encanto natural que todos admiram! E lembre-se.…quanto mais

cedo você usar o leite de Colônia, melhor para você... mais depressa a beleza surgirá

cm sua cútis! (Revista do Rádio, 240, p. 02, 1954)

Eram diversos os anúncios que remetiam a produtos de cuidado pessoal em geral,

como pastas de dente, por exemplo. A primeira edição de 1950 da revista O Cruzeiro trouxe

extensa propaganda da Pasta de Dente Philips com longo texto justificando a eficácia do

produto no combate à acidez bucal:

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Figura 30: Propaganda Pasta de Dente Philips.

Fonte: O cruzeiro.190

“Modernamente afirmam os médicos de laboratório: “A cárie dentária é causada pelos

ácidos bucais.” Um tratamento antiácido cotidiano reduz a formação de cárie de 50%

a 60%. Portanto, não pode haver dúvida: O melhor e mais acessível TRATAMENTO

ANTI-ÁCIDO COTIDIANO para seus dentes é o uso diário da moderna e científica

PASTA DENTAL PHILIPS! Isto porque PHILIPS é a única que contém o equivalente

a 75% do genuíno LEITE DE MAGNÉSIA PHILIPS! É por conseguinte, a única que

possui a força antiácida necessária para neutralizar a Acidez-Bucal AO PRIMEIRO

CONTACTO!” (O Cruzeiro, 01, p. 29, 1950)

Os anúncios de eletrodomésticos também eram comuns nessas publicações, como

na edição de número 1 de 1950 da revista o Cruzeiro, em que a empresa General Motors do

Brasil ocupou uma página completa para anunciar o seu refrigerador Frigidaire. Segurando o

190 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/cruzeiro/003581. Acesso em 02/2017.

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produto, uma dona de casa de avental, sua filha e seu marido de roupa social e gravata, ao lado

deles o texto:

Figura 31: Propaganda Frigidaire.

Fonte: O cruzeiro.191

Os milhões de possuidores de FRIGIDAIRE em todo mundo confirmam a

superioridade do refrigerador que refrigera mais, consumindo menos! E a confiança

merecida, depositada em FRIGIDAIRE tem base no seu perfeito funcionamento, nos

seu todo elegante e na sua durabilidade prolongada. (O Cruzeiro, 01, p. 13, 1950)

191 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/cruzeiro/003581. Acesso em 02/2017.

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O desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e o fornecimento de

crédito ao consumidor foram dois elementos colocados por Arruda (1985) como importantes

para a divulgação dos produtos, no caso dos primeiros, e para a efetivação da propaganda, ou

seja, para a compra por parte da população, no caso do crédito. A classe média começava a se

formar na década de 1950 no Brasil e o aumento do público consumidor de produtos fez com

que os anúncios e agenciadores tivessem que passar a ter padrões mais profissionais tanto em

seus textos quanto em seus layouts, que se tornaram mais sofisticados. Criadores passaram a

substituir redatores nas agências e o que a autora chama de era do marketing, em que o anúncio

passaria a se formar por conceito, texto e layout, iniciou-se na passagem da década de 1950

para a de 1960, juntamente com o início do processo de industrialização pesada oriunda do

Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek. A publicidade se tornou nesse momento

fundamental para as grandes empresas que se formaram no país, nas áreas de automóveis ou

mesmo de eletrodomésticos, que necessitavam vender seus produtos em um mercado

numericamente estreito. Sua maior missão nesse momento era convencer os poucos que podiam

consumir a comprar e suas principais mensagens acabavam se ligando a questões de gênero,

como poderá ser observado a seguir.

3.3 ESTRELAS E PUBLICIDADE, A DIFUSÃO DE VALORES PARA A MULHER NO

BRASIL

O termo cartaz, usado em diversas literaturas dessa pesquisa, era utilizado para

designar os artistas mais admirados das emissoras de rádio. Cartazes possuíam posições

destacadas em relação a remuneração e regalias nas estações em que trabalhavam. Eram uma

versão nacional do que se viu em relação aos mitos do cinema de Hollywood, já que no Brasil

esse tipo de ídolo cinematográfico não chegou a ser formado. Elementos que contribuíam para

a identificação fã-ídolo e consequentemente a popularização desses artistas, como a

transformação de pessoas comuns em heróis e heroínas e em inspiração para transformações de

vida, tornavam essas estrelas atrativas para os anunciantes e para as emissoras de rádio em que

trabalhavam.

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O grupo descrito anteriormente como participativo fisicamente nas emissoras e que

Pereira (1967) chamou de minoria agressiva192 era formado essencialmente por mulheres

pobres. A presença dessas pessoas era maior em programas de calouros onde havia maior

participação dos cartazes, mas também distribuição de prêmios e possibilidade de participação

em provas de talento. Preconceituosamente chamadas de macacas de auditório, por sua cor e

reação estridente ao entrar em contato com seus ídolos, os principais objetivos dessas mulheres

ao estarem presentes nas emissoras eram, além de óbvio contato com seus artistas preferidos, o

entretenimento a baixo custo e a possibilidade se tornar parte desse seleto grupo de artistas do

rádio. Tal conquista representaria, em especial para as mulheres negras e pobres da audiência,

uma ascensão social baseada não apenas em alta remuneração, mas também e principalmente

em prestígio, popularidade e reconhecimento. Em uma sociedade em que as ocupações para as

mulheres se mostravam limitadas, a profissionalização por meio do rádio e da música se tornava

tentadora, principalmente quando eram constantemente apresentados exemplos, via revistas,

sobre como as artistas admiradas também eram em sua maioria mulheres pobres que

conseguiram realizar seus sonhos.

A análise de Pereira (1967), ao mostrar que o local em que se concentrava o maior

número de negros entre todas as divisões da empresa radiofônica eram as atividades artísticas,

pode ser estendida a esta reflexão a respeito das mulheres. Eram nas atividades programáticas,

principalmente relacionadas à música e à dramaturgia, em que se concentrava o maior número

de mulheres profissionais no rádio. Assim como acontecia com os negros, a percepção de que

nesse meio a mulher poderia exercer uma profissão que aparentemente elevaria seu nível de

renda e de prestígio social fazia com que o público feminino também visse a carreira no rádio

como uma possibilidade para si. A impressão nessas pessoas, que o autor coloca, de que no

espaço radiofônico os mecanismos que dificultavam a mobilidade de negros nas mais diversas

ocupações profissionais não estavam presentes também pode ser ampliada para as mulheres.

A convivência próxima com ídolos era um alento para a vivência de suas difíceis

rotinas e, mesmo que não conseguindo uma ascensão econômica visível, a possibilidade de

estar perto de seus artistas, às vezes até prestando serviços a eles como se viu, fazia com que

essas pessoas se sentissem importantes. Empregadas domésticas, operárias, costureiras,

cozinheiras se transformavam, nas noites e nos finais de semana nos auditórios, em parte dos

programas produzidos, mesmo que ainda não os protagonizando como sonhavam. A

192 Chamado assim pelo autor graças a suas técnicas mais bruscas de atuação como vaias, aplausos, gritos, mas algumas vezes, agressões físicas a fãs de artistas rivais de seus ídolos.

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possibilidade de conviver com outras mulheres iguais a elas, que admiravam artistas e que se

juntavam em grupos para reverenciá-los, formava uma identificação de anseios e de frustrações

que também pode ser apontada como uma novidade trazida pelo rádio. A proximidade das

cantoras aqui analisadas com suas fãs, fazendo parte das rotinas dos fãs-clubes, alia-se a esses

elementos para produzir sensações de prestígios e possibilidades nessas mulheres. Além disso,

a popularização das cantoras pelo país e a divulgação dos números de suas carreiras as tornaram

inspirações para uma atividade que, além de retorno financeiro, traria prestígio para quem

também conseguisse sucesso.

Já a maior presença de mulheres e negros nos setores programáticos sugere uma

menor resistência a eles nesse campo de trabalho formado no país. As atividades de cantores,

cantoras, atores e atrizes no rádio dispensavam graus especializados de escolaridade, que não

eram a realidade desses grupos populacionais no Brasil. A consagração individual que esses

artistas alcançavam servia de estímulo para quem estava procurando se libertar das restritas

áreas de participação socioculturais disponíveis (PEREIRA, 1967).

De acordo com a análise realizada sobre os negros no rádio de São Paulo, Pereira

(1967) mostra que eles procuravam se adequar aos estereótipos de raça colocados em relação

ao artista negro, como maior capacidade para ritmo, instrumentos e dança, por exemplo, para

conseguirem se destacar e chamar a atenção de agentes de seleção. Para a presente pesquisa,

não há possibilidade de um trabalho de campo em programas de auditório para analisar se as

mulheres em busca de ascensão social pela música realizavam as mesmas estratégias que os

negros, ou seja, adequar-se aos estereótipos de gênero para conseguir o estrelato. Porém, essa

verificação é possível em relação às cantoras a partir dos discursos adotados por elas em

entrevistas na Revista do Rádio colocados no capítulo anterior. Por mais que elas

representassem a ascensão econômico-social da mulher por meio do trabalho, não havia em

suas entrevistas sinais de rupturas com estereótipos de gênero ligados a tarefas e funções

femininas na sociedade, muito pelo contrário. Casamento e maternidade eram sempre pontos

destacados nas matérias feitas com elas, quando não eram em si os assuntos principais. Por mais

que se tenha querido achar em algum traço de suas vidas e carreiras aspectos de rupturas, fato

é que suas falas pouco se distinguiam do discurso predominante na época.

Quando o rádio passou a se voltar para o entretenimento das massas, tendo a música

popular como elemento central em sua programação, ele passou, como dito, a ser uma

possibilidade de trabalho para mulheres e negros. A expansão da radiofonia, principalmente

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quando ela se tornou sustentada pela publicidade, fez com que se tornassem necessários artistas

para apresentações em seus programas. A ligação existente entre negros e música popular

favoreceu relativamente a participação desse grupo nesse meio de comunicação, mesmo com

todo o processo de embranquecimento de sua música já descrito. No caso das mulheres, a

carreira artística começou a se colocar como uma possibilidade de participação no mercado de

trabalho a partir do surgimento de cantoras de sucesso nas emissoras de rádio nos anos 1950.

De acordo com Pereira (1967), esse veículo de comunicação somente optou pela

música popular quando se tornou publicitário e passou a estar a serviço dos setores comerciais

e industriais que se desenvolviam no contexto já descrito de urbanização do país. Na análise do

autor, a partir desse momento, o rádio passou a participar das esferas de criação de necessidades

individuais e coletivas, a estimular consumo e mercado interno e a conduzir motivações

pessoais. Percebe-se com a leitura dessa pesquisa e da obra de Pereira (1967) que a escolha

tanto do rádio como veículo de massa para o país quanto da música popular como a música a

ser difundida pelo território fez parte de um contexto determinado. O veículo foi encarado como

mais adequado para a difusão de uma estética musical que se queria universal por chegar a

grandes extensões do território, mas também como prioritário na difusão de gostos e costumes.

Tanto as cantoras do rádio quanto a publicidade tiveram grande relevância nessa propagação,

elas por servirem como instrumentos de difusão de valores e comportamentos e a publicidade

por colocar no mercado, anunciando no rádio, produtos que se adequavam ao novo estilo de

vida urbano que se desenvolvia no país.

Inspirações para outras mulheres ou simplesmente ídolos a serem admirados, as

cantoras do rádio forneceram a elas a ideia de uma possibilidade de ascensão social por meio

de uma nova carreira, mas também contribuíram para a difusão de novos valores de consumo

ligados à vida urbana. Por meio de propagandas ou mesmo de entrevistas sobre suas vidas

pessoais, elas difundiam modos de comportamentos e estilos de vida que aguçavam o

imaginário das mulheres. Gastos com figurinos, aquisição de aparelhos domésticos modernos,

participação em anúncios, compra de carros, casas de férias, apartamentos, viagens para o

exterior. Um mundo novo, conquistado por mulheres do povo, era apresentado para suas

‘iguais’ que já eram diferentes. A diferenciação a que chegaram essas cantoras em relação aos

meios dos quais haviam vindo despertava sonhos e possibilidades. O grande sucesso dessas

artistas garantia a eficiência na manipulação de seu público.

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Como exemplos dos tipos de propagandas feitas pelas cantoras do rádio, pode ser

citada a edição de número 125 de 1952 da Revista do Rádio que mostrou, por exemplo, Linda

Batista participando do sorteio e da entrega de presentes para os ouvintes da Rádio Nacional

que haviam enviado cartas para o concurso em comemoração aos 31 anos do produto Leite de

Colônia. Na festa, a cantora se apresentou para a família do proprietário da fábrica responsável

pela mercadoria e posou ao lado de uma montanha de cartas a serem sorteadas. Já na edição de

número 140 do mesmo ano, foi a vez de Emilinha Borba ser fotografada ao lado dos sabonetes

Eucalol afirmando: "É pela seleção e comparação que escolho as músicas para minhas

gravações. Também pela cuidadosa comparação, escolhi o refrescante e embelezador Sabonete

Eucalol". (BORBA, E. Revista do Rádio, 140, p. 09, 1952)

Na edição de número 155 de 1952, foi a vez de Marlene apresentar a loja onde havia

comprado todo seu enxoval para o casamento com Luiz Delfino. Fotografada escolhendo e

apresentando toalhas, roupas de cama e mesa em uma unidade das Casas Barki, a cantora

afirmava: “Fiquei maravilhada com a qualidade e os artigos de cama e mesa das Casas Barki”

(MARLENE. Revista do Rádio, 155, p. 26 e 27, 1952). Já a empresa usou duas páginas da

publicação para descrever a presença da artista em sua loja. No texto do anúncio podem ser

destacados trechos como:

“Dias antes do seu casamento, Marlene — a nossa tão querida intérprete de melodias

populares — visitou as Casas Barkí e comprou lá todo o seu enxoval. E pelo que

pudemos presenciar ela sabe escolher... conhece tecidos, estilos de bordados, e, como

toda dona de casa, também sabe pechinchar... Ela mesma confessou que andou vendo

os preços daqui e dali e acabou comprando tudo nas Casas Barkí. E explicou por que:

Além dos seus preços baixos e qualidade dos artigos, as Casas Barkí possuem a maior

variedade de cortes em jogos de cama, colchas etc. que melhor combinavam com a

decoração do seu quarto de dormir — uma decoração moderníssima em que

predominam as cores amarela e preta. A princípio estranhamos o seu gosto por essas

cores, mas pessoas de sua intimidade nos informaram que Marlene foi originalíssima

na decoração do seu lar, fazendo dele um ambiente muito acolhedor, sem luxo, dando-

lhe um aspecto de rica distinção. Aliás, isso se justifica plenamente, quando se tem

conhecimento que Marlene é uma das artistas que melhor sabem se vestir,

impressionando a todos pelo "charme" das suas "toilettes". Esse bom gosto da notável

cantora confirmou-se novamente na escolha do seu enxoval de Cama e Mesa (Revista

do Rádio, 155, p. 27, 1952).

Na edição de número 399 de 1956, Marlene participava de um concurso publicitário

de outra loja de artigos para a casa. Nele, os leitores da publicação eram convidados a concorrer

a um prêmio no valor de Cr$ 50.000,00 caso adivinhassem quantos passos a cantora havia dado

do Largo de São Francisco até a loja Triunfante, situada na Avenida Passos na cidade do Rio

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de Janeiro. Para participar da disputa, a pessoa deveria comprar algum artigo no comércio em

questão e junto ao seu pagamento receberia um cupom para apostar na quantidade de passos

dados por Marlene na distância citada. Já no exemplar de número 387 de 1957, é possível

encontrar foto da cantora ao lado de seu marido Luiz Delfino, no anúncio dos cigarros Windsor.

Vale lembrar que na época destaca desta pesquisa, fumar era sinônimo de elegância e

modernidade.

É possível ver também, na edição de número 238 de 1954, anúncio da fábrica de

sapatos Olídio M Paim assim descrito:

“A estrela que todo o Brasil admira, Emilinha Borba, a Rainha dos corações.

APROVOU: “Estes são os meus sapatos preferidos, porque são bonitos e

confortáveis”. Da fábrica para todo Brasil a Cr$150,00. Acompanha seu sapato uma

fotografia da famosa estrelinha do Brasil (Revista do Rádio, 238, p. 34, 1954).

E na edição de número 437 de 1958, Emilinha Borba fazendo propaganda das

sardinhas coqueiro, conforme foto abaixo:

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Figura 32: Propaganda Sardinhas Coqueiro.

Fonte: Revista do Rádio193.

Conforme mostrado no precedente capítulo, era comum que essas cantoras

divulgassem os valores de suas remunerações. Os relatos de Emilinha em seu diário sobre

compras de novos apartamentos ou casas de campo ou mesmo de compras volumosas em lojas

famosas na época, como a Sears (Revista do Rádio, 261, p. 43, 1954), de Linda Batista sobre

193 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 03/2017.

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sua coleção de automóveis, da própria Marlene sobre as renovações constantes de figurino ou

de Dalva de Oliveira sobre sua casa no Bairro de Jacarepaguá, que contava com diversos tipos

de animais de estimação, e sobre seu apartamento no centro do Rio de Janeiro para os dias em

que tivesse que trabalhar pela cidade são alguns dos exemplos facilmente identificáveis sobre

elas que mostravam a ascensão econômico-social dessas mulheres por meio de seu trabalho.

Além disso, as diversas reportagens com essas cantoras, mas com as mulheres do rádio em

geral, em que eram mostradas suas casas, móveis e eletrodomésticos, despertavam o imaginário

de suas fãs em torno dessas novidades em consumo que chegavam ao país. O luxo e a elegância

de seus figurinos, além da riqueza de suas joias eram também retratados em revistas. O fato de

essas cantoras declararem que elas mesmas levavam seus trajes para as cenas de cinema que

faziam exemplifica o nível atingido por elas em matéria de produção pessoal e as referências

que elas se tornaram, conforme já colocado.

Além destas transformações em relação a condições femininas, as mudanças que

vinham ocorrendo no país na primeira metade do século XX se refletiram também nas vidas

das mulheres. Novas formas de comportamento e de vida eram trazidas para o país por meio do

cinema e da publicidade e possíveis transformações no que dizia respeito a esse grupo social

não eram vistas com bons olhos pelos setores mais conservadores. Segundo Maluf e Mott

(1998), eram nas cidades que as mudanças se tornavam mais claras, já que eram principalmente

nelas que o nível de escolaridade e a quantidade de mulheres no mercado de trabalho seguiam

crescendo.

Elas, assim como todos os demais grupos sociais, enfrentavam novas realidades no

meio urbano, mesmo que não participassem efetivamente das modificações. Possíveis novas

experiências e linguagens que poderiam suscitar questionamentos a cerca de suas condições

principalmente frente aos homens geravam esforços para disciplinar e conter iniciativas que

pudessem colocar em ameaça a instituição vista como mais importante para o sustento do

Estado e para o refreamento das transformações mais radicais trazidas pela modernidade, a

família. Com isso, críticas às mulheres que começavam a se entreter com atividades de lazer

fora de casa se tornaram comuns inclusive em meios de comunicação que tinham o

entretenimento como assunto principal, como por exemplo a Revista do Rádio.

O tripé mãe, esposa, dona-de-casa tido como realização ideal para a mulher

limitava-a ao mundo doméstico, ao mundo da casa, colocando como sua principal tarefa o

cuidado com os mais diversos elementos que o envolvessem. Enquanto a descoberta do mundo

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público e de suas novidades pertencia ao marido, o mundo privado e a obediência eram

reservados às mulheres. Instituições e profissionais, como igreja, médicos e juristas, com a

legitimação do Estado, traçavam valores e características ligadas a um dever ser que eram

difundidos pela imprensa e meios de comunicação, que transformavam o lar em um ambiente

sagrado e a mulher na principal responsável por fazê-lo feliz e harmonioso. O código civil de

1916194 legalizou um modelo de família que subordinava mulheres a decisões e mandos de seus

maridos, declarou que elas eram inaptas para exercer determinadas atividades e atos civis e

estabeleceu que a possibilidade de trabalho feminino dependia da autorização de seu esposo ou

de um juiz competente (MALUF E MOTT, 1998). Foram diversas as tentativas de modificação

do texto ao longo do século XX, porém sua influência sobre a sociedade brasileira nos anos

1940 e 50, período de análise desta pesquisa, é inegável.

O poder da figura masculina na família se estendia desde o sustento da casa até

medidas violentas contra quaisquer formas de questionamento às suas ordens. O homem

provedor era o responsável pelas decisões domésticas mais importantes e o fato de poder

trabalhar fora era mais um elemento que favorecia a ideia de uma superioridade, intelectual e

financeira. Os valores conservadores que regiam as famílias dos grupos mais ricos da sociedade

acabavam por influenciar também os mais pobres (MALUF E MOTT, 1998).

A realidade, como se percebe, não permitia uma separação rígida de tarefas como

se desejava. Embora, as tarefas de casa verdadeiramente ficassem a cargo das mulheres, era

comum e necessário que mulheres mais pobres trabalhassem e era comum também que as

mulheres se divertissem fora de suas residências, como mostrado até então. Em um processo de

transformação do país em uma sociedade urbana e industrial, novas formas de trabalho, lazer e

associações se abriam diante das pessoas, que não ficavam indiferentes a elas. Como esta

pesquisa mostrou até então e Maluf e Mott (1998) também apresentaram em seus estudos, ao

mesmo tempo em que essa nova vida ‘moderna’ se mostrava diante das pessoas, fossem elas

incluídas nela ou não, diversos mecanismos em prol de instituições conservadoras também se

destacavam na defesa de valores como família, casamento e recato. A ideia de que a felicidade

somente seria possível com um casamento feliz e com filhos estava presente constantemente.

A figura da esposa em si era produzida a partir de elementos como simplicidade, justiça,

modéstia, bom humor e disponibilidade. Homens inclusive se faziam passar por mulheres em

colunas sobre comportamento para ditar a elas suas regras.

194 Permaneceu em vigor oficialmente até 2002.

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O estereótipo das moças modernas de saias mais curtas, calças compridas, usando

decotes e maquiagens mais aparentes eram grandes ameaças a serem combatidas. Não era à toa

que os figurinos das cantoras do rádio eram controlados pelas emissoras. A mulher poderia

trabalhar fora, poderia inclusive ser bem-sucedida em uma nova forma de carreira, desde que

aparentasse um comportamento em acordo com os ditames conservadores do período. Em um

momento em que valores modernos se mesclavam aos antigos, as mulheres eram um dos alvos

preferenciais das regras de convivência e comportamento. Conforme já foi colocado ao longo

da pesquisa e Maluf e Mott (1998) também apontam, as mulheres mais pobres em especial eram

vistas como pessoas a serem educadas e de onde poderia vir uma grande desordem. A nova

mulher advinda de todas essas modificações deveria preservar suas pureza e submissão, atender

às expectativas de gerência eficiente de sua casa, além de ser a companheira adequada ao novo

homem que também se desenvolvia.

Percebe-se que tais regras e determinações difundidas também nos meios de

comunicação eram pregadas pelas classes mais abastadas do país para todo o restante da

população que se conseguia alcançar. As mulheres mais ricas poderiam continuar em sua casa,

cuidando de seu lar, ou incrementando sua educação de acordo com as tradições de seu grupo.

As mais pobres, no entanto, viviam uma realidade em que, não eram raras as vezes, trabalhavam

fora para ajudar no sustento da casa ou para sustenta-las como suas principais provedoras. Os

maridos ou não estavam mais presentes em casa ou, quando estavam, recebiam remuneração

insuficiente para a família e elas deveriam trabalhar. Fatores como urbanização, o começo de

um aumento de escolaridade de mulheres, divulgações de novas ocupações femininas em

esferas de trabalho, maior presença delas em espaços públicos, também no que ser referia ao

surgimento de cantoras de sucesso, pareciam refletir possíveis mudanças para esse grupo na

sociedade brasileira. O que se percebe com a leitura do artigo das autoras citadas é que essas

novas possíveis posições no mercado de trabalho acabavam sendo extensões dos trabalhos já

atribuídos a uma dita esfera feminina do cuidado, como enfermagem, pedagogia, cargos em

indústrias têxteis, de confecções e alimentícias. Tais profissões eram exercidas, como se disse,

quando necessárias para o sustento da casa e não para a realização pessoal. A realização estaria

no lar.

As cantoras do rádio, por mais elementos conservadores presentes na construção de

suas imagens como visto no capítulo anterior, podem ser colocadas como uma das poucas

formas possíveis de realização pessoal da mulher fora da esfera doméstica naquele período. Os

ganhos financeiros relatados no precedente capítulo e grandemente difundidos pela imprensa

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da época mostravam essas artistas como mulheres que haviam transformado suas condições de

vida, e de suas famílias, por meio de um trabalho que rompia com os padrões até então

determinados para trabalhos femininos. Entretanto, como uma forma de contrabalancear tal

destaque, a principal publicação destinada ao público dessas cantoras fazia questão de

enquadrá-las em modelos de comportamentos ditos ideais para as mulheres. Desta forma, a

esfera doméstica e a realização na família se fizeram presentes nas representações dessas

cantoras mesmo quando elas evidentemente não eram as principais características a serem

destacadas em relação às artistas. No caso dessas mulheres, o trabalho feminino, colocado como

um acessório do trabalho do homem, aparece aqui como o trabalho principal no sustento de

suas famílias e responsável por mudanças radicais em suas vidas. Conforme foi relatado

anteriormente, tais artistas se transformaram em referências de sucesso pessoal e econômico no

país.

Ao longo do século XX, foram sendo desenvolvidas também teorias que

questionavam o determinismo biológico a respeito do papel da mulher na sociedade e da dita

essência feminina usada como argumento para justificar posições ocupadas, comportamentos

possíveis e funções que esse grupo desempenharia. Tais trabalhos foram sendo responsáveis

por questionar essencialismos e funcionalismos, introduzindo nos debates as noções de ordens

culturais e sociais para compreensão da mulher como objeto de estudo. Os elementos acima

descritos e responsáveis pelas classificações a respeito deste grupo, mas também do grupo

masculino, começaram a ser questionados, assim como a caracterização de uma divisão social

do trabalho baseada em gêneros, o que levou também a transformações na visão que se tinha

sobre a ocupação do espaço público por homens e do espaço privado por mulheres como algo

natural (COUTINHO, 1994).

Como visto, a comunicação de massa no Brasil nas décadas de 1940 e 1950

reforçava os determinismos colocados em relação a papeis e posições das mulheres na

sociedade brasileira. Por meio de artistas ou por comerciais, como mostrado, os elementos

diretamente relacionados ao que era o feminino e ao dever ser da mulher estavam

constantemente presentes. Como Coutinho (1994) colocou em sua análise e foi possível

verificar ao longo desta exposição, a ideia de que o lugar de felicidade da mulher seria o lar,

cuidando das diversas atribuições ligadas a ele inclusive de filhos e marido, era difundida por

esses meios, restando pouco espaço para a exposição de uma possível realização pessoal fora

dessa esfera.

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Traços conservadores permaneciam presentes, apesar das modificações que

ocorriam na sociedade brasileira, e elementos como amor e filhos ganhavam ainda mais força

quando se tratava do futuro das mulheres. Amores romântico, maternal e conjugal tinham

destaque em discursos de mulheres famosas, assim como a importância da criança na felicidade

do matrimônio, sendo ela transformada inclusive na razão de sua existência. A esposa como

responsável pelo bem-estar da casa, dos filhos, do marido e intermediária das relações entre

eles, entre os filhos e diversas instituições, como escola e medicina, também é facilmente

encontrada nos discursos e propagandas nos meios de comunicação de massa (COUTINHO,

1994). Os diversos questionamentos feitos em entrevistas às cantoras aqui analisadas sobre

casamento, maternidade, vida em família, cuidados com a casa situam tais artistas nesse

contexto. Dados a respeito de seus trabalhos e conquistas profissionais eram mesclados a

características de seus relacionamentos pessoais com maridos e filhos em reportagens que

buscavam, ao mesmo tempo, colocar em evidência as faces de estrelas da música e aproxima-

las das mulheres leitoras das publicações.

Afeto, cuidado e amor fizeram parte da constituição do amor romântico, base do

que passou a ser o casamento nesse período. Uma mistificação dos amores maternos e

conjugais, facilmente encontrada nas revistas do período, legitimava a posição da mulher nesse

tipo de relacionamento como uma pessoa que vivia do e para o amor e que deveria se manter

pura até o momento do casamento, permanecendo recatada, discreta e delicada após a formação

do matrimônio (COUTINHO, 1994). O afastamento do mundo exterior, que competia ao seu

esposo, também fazia parte dos discursos dessas revistas.

Esse novo tipo de família, centrada nos filhos, fazia com que os investimentos na

criação das crianças se tornassem cada vez maiores. Uma sociedade em mudança, na qual os

indivíduos se tornavam necessários para ocupar os mais diversos cargos que se desenvolviam

com a incipiente diversificação da economia, gerava novas formas de preocupação com a saúde

pessoal. Discursos sobre hábitos alimentares e higiênicos, formas de lazer saudáveis, descanso

e normas de habitações adequadas também eram recorrentes nos meios de comunicação.

Mulheres se tornavam responsáveis por aplicar esses novos conhecimentos na vida da casa, mas

continuavam sendo tratadas como seres inferiores e dependentes em relação aos seus maridos

para decisões mais sérias. Tarefas domésticas relacionadas à saúde dos filhos e da casa, às

tarefas da escola e aos cuidados com a rotina do lar continuavam sendo suas principais

atribuições (COUTINHO, 1994).

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Podem ser encontrados diversos exemplos desses valores em propagandas na

Revista do Rádio na década de 1950, como nos anúncios da loja “O camiseiro”:

Figura 33: Propaganda O camiseiro.

Fonte: Revista do Rádio.195

195 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 01/2017.

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“A terra carioca, com suas lindas praias, é convite permanente ao banho de mar e às

diversões saudáveis ao ar livre. V. que trabalha a semana toda, sua esposa que cuida

da casa e seus filhos que estudam horas e horas... precisam de sol e de água do mar

para recuperar energias... Indo ao encontro do desejo de milhares de pessoas, O

CAMIZEIRO apresenta no seu departamento de malhas e esporte as últimas

novidades em "maillots", calções, sandálias, bonés, saídas de banho, bolas e jogos...

tudo pelos bons preços d’O CAMIZEIRO. E.… para pagar... use o sistema V.P. de

vendas a crédito, onde seu valer pessoal é a grande credencial” (Revista do Rádio,

280, p. 51, 1955).

A propaganda a Emulsão de Scott também ilustra o cenário anteriormente

apresentado. Com a foto de um homem dizendo: “Minha esposa é para mim como uma noiva”,

no anúncio os efeitos do produto foram assim descritos:

Figura 34: Propaganda Emulsão de Scott.

Fonte: Revista do Rádio.196

196 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 01/2017.

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“A sua vivacidade, a sua alegria permanente, tornaram-na a criatura mais adorável

do mundo. E ela diz sempre: "Devo minha alegria contagiante à saúde de perfeita e

a saúde á Emulsão de Scott". Em minha casa todos fazem uso da Emulsão de Scott,

do mais puro óleo de fígado de bacalhau, rica em vitaminas, cálcio e fósforo, o tônico

ideal para crianças, moços e velhos” (Revista do Rádio, 300, p. 38, 1955).

Propagandas de sabão em pó também eram comuns na Revista do Rádio, como, por

exemplo, na edição 300 em que o “Sabão Cardeal” era anunciado como o melhor entre seus

pares e na cozinha. Ilustrando a propaganda, duas donas de casa aparecem felizes com o

resultado do produto ao segurarem roupas recém-lavadas e pratos ensaboados.

Figura 35: Propaganda Sabão Cardeal.

Fonte: Revista do Rádio.197

197 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 01/2017.

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Ou mesmo o anúncio do medicamento abaixo descrito de forma apenas textual:

“A FORÇA POSITIVA DA MULHER a MULHER tem sido, desde os tempos de

Adão, o maior motivo de encantamento para a vida do homem. Onde quer que ela

esteja estarão presentes a graça e a beleza que, irmanadas, seduzem e enchem a nossa

vida de alegria e felicidade. Em última análise a mulher será sempre o "leit-motiv da

vida do homem, a força positiva de todos os seus atos Mas tudo isso se transforma

quando a mulher não se apresenta inteiramente saudável." As filhas de Eva, com suas

fisionomias abatidas, sem aquele sorriso que encanta e seduz, perdem todo o seu poder

de sedução e encantamento. E a maioria delas anula a sua força positiva durante três

dias em cada mês. No período das regras, sofrem por desconhecerem o mais perfeito

regulador de eficácia absolutamente comprovada: — UTERCOLINA.

UTERCOLINA é um tônico uterino e sedativo ovariano e que corrige os desvios da

função do útero e anexos. UTERCOLINA é vendido em todas as farmácias e drogarias

do Brasil.” (Revista do Rádio, 340, p. 24, 1956).

A propaganda do “Removedor Faísca” e da “Cera Tabu”, ambos de um mesmo

fabricante, trouxe a relevância da preocupação da limpeza da casa ao anunciar:

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Figura 36: Propaganda Sabão Faísca.

Fonte: Revista do Rádio.198

Faísca e Tabu são os fiéis amigos de todas as donas de casa. Delicados no trato, não

contém ingredientes que possam prejudicar a delicada sensibilidade feminina.

Eficiente no uso, dão o máximo por um mínimo de esforço levando em conta a fina

conformação da mulher e o desejo de se manter elegante e bela com uma casa bonita

e bem tratada (Revista do Rádio, 360, p. 52, 1956).

198 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 01/2017.

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A costura era uma dentre as tarefas domésticas, e que muitas mulheres exerciam

também profissionalmente, que aparece destacada nas propagandas da Revista do Rádio. Eram

anunciadas em especial as máquinas de costura, como no caso abaixo:

Figura 37: Propaganda Vigorelli.

Fonte: Revista do Rádio.199

199 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 01/2017.

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“Absolutamente silenciosa, submetida aos mais rigorosos testes, a novíssima e prática

Super Máquina Vigorelli Aerodinâmica é perfeita em todos os detalhes - e mais do

que nunca, transforma em prazer a tarefa de coser! Faça uma experiência com a Super

Máquina Vigorelli - use-a uma vez - V. se convencerá de que se trata de uma máquina

de costura inigualável... e que dura uma eternidade!” (Revista do Rádio, 400, p. 50,

1957).

Esse anúncio ocupava uma página toda na publicação e destacava principalmente a

modernidade do modelo anunciado. Dizendo-se “a última palavra em perfeição e eficiência em

máquinas de costura!”, o anúncio destacava mais de uma vez que essa máquina de costura

transformaria “em prazer a tarefa de coser!” (Revista do Rádio, 400, p. 50, 05/1957).

Como exemplo ainda das responsabilidades da mãe com o cuidado com seus filhos,

a propaganda de “Melhoral” pode ser citada:

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Figura 38: Propaganda Melhoral.

Fonte: Revista do Rádio.200

200 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-radio/144428. Acesso em 01/2017.

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TRANQUILIDADE, BEM-ESTAR... para a mamãe e para o filhinho. Para cortar as

dores, combater o resfriado e o gripo, baixar o febre das crianças. Cuidadosamente

preparado... porque foi feito especialmente para seu filho.

FÓRMULA ESPECIAL: Melhoral Infantil é o resultado de pesquisas que há muito

vinham sendo realizadas com o cuidado que exige tudo o que diz respeito às crianças.

Melhoral infantil é uma tranquilidade para a senhora, porque não tem

contraindicações

SABOR DELICIOSO Cada comprimido cor-de-rosa de Melhoral Infantil é aceito

fácilmente pelas crianças. Levemente adocicado, bem ao gosto de seu filhinho, pode

ser dado com água, leite, misturado à comida ou simplesmente mastigado como se

fosse bala.

Tranquilidade para a mamãe... bem-estar para o filhinho... (Revista do Rádio, 480, p.

28, 1958).

O anúncio do talco Palmolive da edição de número um de 1950 da revista O

Cruzeiro conferia responsabilidade ao público feminino ao anunciar que 608 mulheres

exigentes haviam desenvolvido as qualidades do produto. Segundo a propaganda, essas

mulheres haviam descrito quais eram as qualidades dele, como, por exemplo, amaciar a pele

das crianças e ter um perfume que durava por horas. Ilustrando o anúncio, uma mulher seminua

passava o talco em seu corpo.

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Figura 39: Propaganda Palmolive.

Fonte: O Cruzeiro, 01, p.51, 1950.201

Nesta mesma edição, o produto “Tônico Infantil” era anunciado sob o slogan:

“Mães carinhosas e previdentes confirmam com orgulho: para crianças do Brasil, só o Tônico

201 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/cruzeiro/003581. Acesso em 01/2017.

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Infantil”. Abaixo do anúncio mais um longo texto sobre as vantagens dele para o

desenvolvimento das crianças (O Cruzeiro, 01, p. 57, 1950).

Figura 40: Propaganda Tônico Infantil.

Fonte: O Cruzeiro.202

A centralidade das crianças e mulheres nos anúncios de produtos para a casa podia

ser percebida também nas propagandas do papel higiênico “Finesse”. Ao lado de um bebê

202 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/cruzeiro/003581. Acesso em 01/2017.

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segurando o papel desenrolado, os dizeres que indicavam ser esse produto o mais adequado

para a pele delicada da criança e o melhor também para a remoção da maquiagem da mulher.

Além disso, sua dupla folhagem garantiria a economia da dona de casa que estaria comprando

o papel mais puro do mercado, incapaz de irritar a pele de sua família (O Cruzeiro, 01, p. 59,

1950).

Figura 41: Propaganda Finesse.

Fonte: O Cruzeiro.203

Além dele, pode ser citado o anúncio das lojas Singer em que era feita propaganda

do curso de corte e costura da loja a partir de enunciados como: “Minhas filhas estão preparadas

para a volta às aulas graças ao curso Singer de corte e costura” ou “Em pouco tempo e com

203 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/cruzeiro/003581. Acesso em 01/2017.

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menos dinheiro do que gastaria para vestir uma, vesti as duas...e de primeira!”. Percebe-se a

definição de tarefas da boa mãe que além de vestir suas filhas com roupas feitas por si, estava

sempre disposta a economizar. Em tal anúncio, havia imagens do curso, dos materiais e de mãe

e filha vestidas de acordo com a moda da época (O Cruzeiro, 20, p. 44, 1950).

Figura 42: Propaganda Lojas Singer.

Fonte: O Cruzeiro.204

204 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/cruzeiro/003581. Acesso em 01/2017.

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O anúncio da Rádio Difusora colocado na edição de número 20 de O Cruzeiro de

1950 trazia a afirmação de que era tal emissora a responsável por apresentar os programas que

mais agradavam ao público feminino. Descrita como a rádio que soube conquistar um lugar

certo na preferência de um público tão exigente porque selecionou atrações que despertaram o

encantamento de tal audiência como: música, teatro, novidades, romance, religião e poesia, o

anúncio prossegue:

Figura 43: Propaganda Rádio Difusora.

Fonte: O Cruzeiro.205

205 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/cruzeiro/003581. Acesso em 01/2017.

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“Um colorido mosaico sonoro em que cada quadrinho representa um gosto, uma

tendência da alma feminina! Os produtos destinados ao uso do belo sexo não podiam,

pois, encontrar um melhor veículo de propaganda das suas qualidades! O caminho da

Difusora é o caminho certo dos anunciantes de artigos femininos. É o que provam os

fatos e os ótimos resultados obtidos” (O Cruzeiro, 20, p. 64, 1950).

A propaganda do produto Milo da Nestle, anunciada na edição de número 40 de

1950 da revista O Cruzeiro, também destacava as obrigações da mulher frente ao seu marido

ao dizer:

Figura 44: Propaganda Milo.

Fonte: O Cruzeiro.206

206 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/cruzeiro/003581. Acesso em 01/2017.

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“Seu marido é um homem que trabalha, que leva uma vida agitada. As suas obrigações

diárias exigem um constante dispêndio de energias preciosas que devem ser

compensadas. Para que ele recupere as energias perdidas durante o trabalho e

mantenha sempre a resistência física contra o cansaço, é necessário que se alimente

bem. Milo é o alimento indicado para seu esposo” (O Cruzeiro, 40, p. 02, 1950).

O cuidado com os filhos pode ser exemplificado com a propaganda da pasta de

dentes “Kolynos” na edição oito de 1957 e com o anúncio do Leite Ninho no número 48 do

mesmo ano. Na primeira, há a representação de uma mãe contando histórias para seus filhos

dormirem, filhos que estão felizes, pois no dia seguinte já começariam a usar o produto. O

enunciado da propaganda se dirigia diretamente às mães ao dizer: “Fazendo com que seus filhos

comecem a usar KOLYNOS a partir de hoje, a Sra. terá a certeza de que eles possuirão dentes

mais brancos, fortes e sadios durante anos (…) Inicie a família toda no uso diário de

KOLYNOS.” (O Cruzeiro, 08, p. 77, 1957) E na segunda, a justificativa para escolha do

produto era a de que ele era o mais puro e “um detalhe importante na sua elaboração é que em

nenhum momento desde que foi ordenhado até o instante em que a senhora abre a lata, mão

alguma tocou neste leite” (O Cruzeiro, 48, p. 92, 1957).

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Figura 45: Pasta de dentes Kolynos.

Fonte: O Cruzeiro.207

207 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/cruzeiro/003581. Acesso em 01/2017.

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Figura 46: Propaganda Leite Ninho.

Fonte: O Cruzeiro.208

Os inúmeros anúncios que atribuem à mulher a preocupação e o cuidado com os

filhos podem ser exemplificados também pela propaganda feita na revista O Cruzeiro de

número 46 de 1955 em que a eficácia do sabonete Eucalol é comprovada pelo discurso de

Madeleine Rosay, uma professora de dança e mãe, que sugeria a todas as outras mulheres que

usassem o produto em seus bebês e em si mesmas. No anúncio, na página 46, há fotos de

208 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/cruzeiro/003581. Acesso em 01/2017.

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momentos em que o sabonete é usado pela mãe em seus filhos e em que uma criança está

arrumada após o banho.

Figura 47: Propaganda Eucalol.

Fonte: O Cruzeiro.209

209 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/cruzeiro/003581. Acesso em 01/2017.

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Os anúncios das panelas de pressão “Panex” faziam alusão à praticidade que tal

produto traria à vida da dona de casa. O grande destaque da propaganda é a rapidez com que o

feijão ficaria pronto, o que remeteria a mais tempo livre para a mulher. Mas o que ganha

destaque é que, nesse tempo economizado, ela poderia se ocupar de outras tarefas de casa, sem

se preocupar com essa parte de seu serviço, que estaria sendo feito pela panela, conforme pode

ser visto na edição 40 de 1950 de O Cruzeiro. As propagandas da marca Walita também

destacavam produtos que facilitariam a vida da dona de casa, como batedeiras, liquidificadores

e enceradeiras, chamando até mesmo alguns deles de criadas elétricas, como na edição de

número 45 de 1951 da revista. Os enlatados do Frigorífico Armour elucidavam um ar de

modernidade no consumo da época, juntamente com os eletrodomésticos anunciados. A ideia

de facilitar a vida da mulher em suas tarefas era constantemente o mote desses anúncios, assim

como a figura feliz de uma dona de casa era recorrente para ilustrar esses textos. O fator

financeiro era sempre destacado nessas propagandas como outra razão para que as mercadorias

fossem escolhidas pelas mulheres, as grandes responsáveis pelas tarefas domésticas.

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Figura 48: Propaganda Panex.

Fonte: O cruzeiro.210

210 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/cruzeiro/003581. Acesso em 01/2017.

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Figura 49: Propaganda Walita.

Fonte: O cruzeiro.211

211 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/cruzeiro/003581. Acesso em 01/2017.

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Figura 50: Frigorífico Armour.

Fonte: O cruzeiro.212

212 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/cruzeiro/003581. Acesso em 01/2017.

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Eram comuns também anúncios em que o uso dos produtos era explicado para as

mães, como no caso da edição 35 de 1953 de O cruzeiro em que a mulher era ensinada a aplicar

Vik Vaporub em seu bebê para que o resfriado dele desaparecesse. Anúncios em que as próprias

crianças recomendavam produtos às mães também são facilmente encontrados, como no caso

do liquidificador Arno, indicado pelo bebê para preparar sua comida, ou ainda do Óleo Johnson,

apontado como necessário para que ele não tivesse assaduras ou irritações de pele. Já a filha

adolescente era encorajada a cozinhar para suas amigas pelos Pudins Royal, podendo parar de

brincar de comidinha e, com a permissão da mãe, fazer doces de verdade para as visitas, como

anunciado na edição de número 52 do mesmo ano.

Figura 51: Propaganda Vik Vaporub.

Fonte: O cruzeiro.213

213 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/cruzeiro/003581. Acesso em 01/2017.

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Figura 52: Propaganda Arno.

Fonte: O cruzeiro.214

214 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/cruzeiro/003581. Acesso em 01/2017.

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Figura 53: Óleo Johnson.

Fonte: O cruzeiro.215

215 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/cruzeiro/003581. Acesso em 01/2017.

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200

Figura 54: Propaganda Pudim Royal.

Fonte: O cruzeiro.216

216 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/cruzeiro/003581. Acesso em 01/2017.

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A venda de uma coleção de livros, anunciada na edição de número 30 de 1951 da

mesma revista, trazia uma série que destacava os assuntos femininos tratados por especialistas

devidamente creditados pelo anúncio, como “Detalhes de elegância e beleza”, “a arte de

seduzir”, “agarre seu homem”, “a vida do bebê”, “breviário médico do lar” e “manual das

mães”. Chama atenção a seleção de temas que deveriam fazer parte, como colocado

anteriormente, do cotidiano feminino.

Figura 55: Propaganda livros.

Fonte: O cruzeiro.217

217 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/cruzeiro/003581. Acesso em 01/2017.

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Anúncios em que eletrodomésticos aparecem como sugestões de presentes para

mulheres também eram comuns. Entre panelas, enceradeiras e máquinas de costura, podem ser

destacadas as propagandas da Singer da edição de número nove de 1957, em que um homem

presenteia sua esposa com uma dessas máquinas sob o seguinte enunciado: “já imaginou a

alegria que ela vai ter” (O Cruzeiro, 09, p. 29, 1957), e a de Natal da Arno, na página 53 da

edição oito de 1957 em que uma mulher foi fotografada feliz ao lado da enceradeira e de um

aspirador de pó que havia ganho de presente.

Figura 56: Propaganda Máquina de Costura Singer.

Fonte: O cruzeiro.218

218 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/cruzeiro/003581. Acesso em 01/2017.

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Figura 57: Propaganda Arno.

Fonte: O cruzeiro.219

A centralidade da família e do casamento na vida das mulheres ficava evidente,

portanto, não apenas nos discursos das cantoras aqui analisadas, mas também na pesquisa sobre

as propagandas dessas revistas. Não somente em se tratando de artigos para a casa, mas também

em relação a produtos de higiene pessoal como o anúncio da pasta de dente Colgate da revista

O Cruzeiro de número 37 de 1952, em que uma garota aparece questionando sua tia sobre seu

mau hálito e dizendo que com ele somente Santo Antônio a ajudaria a conseguir um marido.

Eis que a moça segue os conselhos da garota e vai ao dentista, que lhe recomenda o produto.

219 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/cruzeiro/003581. Acesso em 01/2017.

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Ao final da charge, a moça está contente com seu novo namorado, afirmando “Colgate não é

boato, faz casamento de fato!” (o Cruzeiro, 37, p. 23, 1952).

Figura 58: Propaganda Colgate.

Fonte: O cruzeiro.220

220 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/cruzeiro/003581. Acesso em 01/2017.

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É possível identificar esse tipo de propaganda ao longo de toda a década de 1950

tanto na Revista do Rádio quanto em O cruzeiro. A mulher era a protagonista da grande maioria

dos anúncios publicados nessas revistas. Fossem a respeito de produtos para a casa ou para

higiene pessoal. Envolta por um homem apaixonado, ao lado de uma criança ou mesmo sozinha,

cabia à figura feminina mostrar a necessidade de tais mercadorias na vida das famílias ou

mesmo na vida da mulher brasileira. Homens eram geralmente os especialistas em aconselhar

o uso de remédios e mulheres em indicar artigos para a cozinha, como no caso da nutricionista

da empresa Swift que explicava os benefícios do uso do óleo Dona para fritar bifes e batatas,

como pode ser observado na revista O Cruzeiro de número 25 de 1953. Enquanto o homem

escolhia a enceradeira Arno levando em conta seu motor resistente, a mulher a escolhia com

base na capacidade superior do produto que garantiria a ela maior tempo de descanso como

pode ser visto na propaganda da edição 26 de 1954:

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Figura 59: Propaganda Óleo A dona.

Fonte: O cruzeiro.221

221 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/cruzeiro/003581. Acesso em 01/2017.

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Figura 60: Propaganda Arno.

Fonte: O cruzeiro.222

O estudo desses anúncios permite que se perceba claramente a reserva às mulheres

da esfera do lar. A propaganda dos biscoitos Aymoré na página 77 da edição de número 26 de

222 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/cruzeiro/003581. Acesso em 01/2017.

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1955 da mesma revista é mais um desses exemplos. Nela, um pai sorri ao se recusar a atender

a ligação de sua esposa porque ele já sabia o motivo do telefonema: levar o produto para a casa.

Enquanto ele trabalhava e sua secretária lhe levava o aparelho para que ele atendesse a ligação,

sua esposa estava sentada em uma cadeira cercada por seus filhos ansiosos para que ela desse

o recado ao marido.

Figura 61: Propaganda Biscoitos Aymoré.

Fonte: O cruzeiro.223

223 Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/cruzeiro/003581. Acesso em 01/2017.

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Discursos em que as mulheres eram encaradas como frágeis, emotivas,

dependentes, instintivamente maternas e com suas tarefas determinadas pela esfera domésticas

estavam, como visto, presentes em falas e posturas das cantoras aqui analisadas, mas também

nas propagandas discutidas ao longo deste capítulo. A ligação direta realizada entre a vida delas

e o lar, lugar da afetividade e dos sentimentos, limitava suas ações na esfera pública, o local da

inteligência, da racionalidade e da eficiência. Os homens, relacionados ao público, eram os

responsáveis pelas decisões mais importantes da família e elas tinham como uma das principais

funções resolver aborrecimentos que poderiam os incomodar.

Foram diversas as vezes em que a Revista do Rádio questionou artistas recém-

casadas sobre possibilidades de abandono de suas carreiras em decorrência do matrimônio. A

dupla jornada era encarada como prejudicial para a saúde da família e deveria ser ponderada

pela mulher para que ela fosse preservada. A maternidade tratada como um desejo e uma

necessidade de toda mulher era também explorada com grande recorrência nas entrevistas,

assim como a criança como o bem mais precioso de uma família. Tais valores eram difundidos

desta forma justamente com o objetivo de não se expandirem as transformações pelas quais a

sociedade passava para o nível das instituições bases formadoras dela, igreja, Estado e família.

Elas deveriam ser preservadas, assim como toda a estrutura da família tradicional deveria ser

pautada no modelo de família burguesa composta por pai, mãe e filhos. As mudanças na

sociedade eram colocadas como necessárias para a inserção do país na modernidade, porém, o

controle sobre sua população deveria ser mantido. Liberdades individuais não eram

estimuladas, a não ser na esfera do consumo, e as mulheres deveriam permanecer como sempre

estiveram, submissas a seus maridos e ocupadas com seus lares mesmo se tivessem que

trabalhar fora.

Pode-se perceber com essas explicações a que serviam as difusões de modelos de

comportamentos e de valores nos meios de comunicação, feitas via programas de rádio,

anúncios nas emissoras e em meios impressos e mesmo reportagens nas revistas citadas. O

dever ser feminino que impregnava tais veículos implicava, como coloca Coutinho (1994), em

uma abdicação de desejos pessoais em prol do bem-estar da família e em uma resignação a um

segundo plano da mulher em relação aos homens, por exemplo. Ela ficava escondida atrás da

figura masculina e ali deveria permanecer.

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Funções ditas femininas eram naturalizadas em torno de características atribuídas à

boa mãe, como bondade, dedicação, docilidade. A mulher deveria abrir mão de grandes

interesses pessoais e profissionais em benefício da sua vida familiar e doméstica. O poder

atribuído a ela dentro dessa esfera servia para mascarar sua real situação de fechamento dentro

de um âmbito que não lhe abria grandes possibilidades além das já conhecidas por suas mães e

avós. A identidade do que deveria ser o feminino, como coloca a autora, era construída com

base em um discurso que tinha como objetivo atender a expectativas dentro da sociedade em

relação ao que deveria ou não ser o papel da mulher. O tratamento de todas elas como um grupo

homogêneo, que deveria ter as mesmas necessidades e sonhos, era feito a partir de um discurso

totalizador muitas vezes apresentado por figuras que muitas delas admiravam e acabavam tendo

como inspiração.

Entretanto, os próprios comportamentos apresentados por elas em audiências dos

programas de auditório ou mesmo ao seguirem seus artistas preferidos mostram como essa

homogeneização de costumes acabava sendo restrita. Os próprios comportamentos das cantoras

do rádio deixam claro que nem mesmo elas seguiam a risca os discursos que muitas vezes

entoavam. Percebe-se que, mesmo não propositalmente, uma disputa se colocava frente ao

conservadorismo de valores que se apresentavam às mulheres.

Nos anos 1950 no Brasil, as mulheres recebiam, como se viu, também em suas áreas

de diversão, rádio e revistas, referências a seu papel junto à casa, aos filhos e ao marido. Seu

valor social era medido e definido pela qualidade de suas atividades dentro de casa e por

características relacionadas a essas funções. Como colocado, o abandono do trabalho em função

do lar era bem visto pela sociedade e a educação da mulher era pensada em função de

determinados trabalhos que pudessem ser relacionados ao cuidado e às tarefas dentro do

casamento. Havia uma grande preocupação em mantê-las dentro de adjetivos como boazinhas

e altruístas (COUTINHO, 1994). Esse aspecto pode ser relacionado à questão das mulheres

frequentadoras de auditórios e a características atribuídas a elas. Grande parte desse público,

conforme já exposto, era formado por empregada domésticas, operárias, trabalhadoras livres e

donas de casa que passaram a ter uma nova forma de lazer com o advento dos programas de

auditório. A grande euforia dessas mulheres era alvo de reprovação por diversas razões, como

dificuldade em ouvir as apresentações, por exemplo, mas também pelo fato de elas não se

comportarem a partir do ideal difundido para as mulheres em geral. Percebe-se com as leituras

feitas sobre o público do rádio que ele se afastava de ideais de comportamento colocados e era

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constantemente alvo de repressão, fosse via manuais de conduta publicados em revistas ou

mesmo a partir de discursos nos programas das emissoras.

Emilinha Borba é claramente a cantora dentre as aqui analisadas que mais se

encaixa nas caracterizações acima descritas. Delicadeza, discrição, calma e controle são

adjetivos que podem ser usados para qualificar tanto sua performance no palco quanto o

comportamento difundido por ela principalmente em seu diário. Em contraposição a

características como ser mal-humorada, ranheta, ranzinza, resmungona e cobradora, Emilinha

estava sempre disposta a conduzir com perfeição sua vida profissional, mas principalmente a

vida de sua casa. A cantora fazia questão de se colocar à frente da organização de seu domicílio

mesmo com diversas empregadas domésticas lhe auxiliando.

Os números de correspondências recebidas tanto pela Rádio Nacional quanto pela

Revista do Rádio mostram como tal cantora estava acima de todas as outras em popularidade.

Tal fato fazia com que ela estivesse em constante evidência e suas atitudes e comportamentos

fossem alvo de permanente vigília tanto por ela quanto por esses meios de comunicação.

Emilinha e todas as demais cantoras aqui analisadas procuravam demonstrar formas de agir que

estivessem em conformidade com o que elas acreditavam ser mais aceito por crítica e público.

A manutenção do sucesso de suas carreiras dependia de como elas eram retratadas pelos meios

de comunicação frente à audiência. Sendo tais meios propagadores de valores conservadores,

era dentro dessas características que elas deveriam enquadrar suas declarações e atitudes.

Há na biografia dessas cantoras, conforme já demonstrado, diversos fatos que as

contrapõem, no entanto, a todo esse modelo ideal de mulher e mãe apresentados até então.

Linda Batista não se casou, Dalva de Oliveira se separou, mesmo que contra sua vontade,

Emilinha Borba escondeu sua gravidez fora do casamento e Marlene escondia seu filho dos

holofotes e não se sabia nem mesmo se a criança era seu filho biológico ou não. A única entre

elas que foi representada como uma boa e cuidadosa mãe foi Emilinha. Dalva de Oliveira se

envolvia em constantes discussões com seu ex-marido sobre a guarda e a educação de seus

filhos, que viviam mais tempo longe dela do que aos seus cuidados. Marlene e Linda Batista

raramente eram questionadas sobre maternidade.

Questões tratadas como escândalos para a época envolvendo essas artistas e das

quais se pode ter conhecimento ao analisar suas biografias eram assuntos de matérias da Revista

do Rádio. Entretanto, a publicação procurava sempre conferir maior destaque a temas que

enquadrassem essas mulheres nos valores conservadores que ela gostaria de difundir para o

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público. Não havia, como se nota, grande exploração em relação a esses possíveis

comportamentos de ruptura ou mesmo de transgressão. Não foi questionada a gravidez de

Emilinha, Linda Batista não era questionada sobre os motivos que a levavam a não se casar,

seus romances com políticos da época também não eram explorados, questões de saúde como

alcoolismo, que acometeu duas dessas cantoras, também não eram reveladas, assim como não

eram profundamente abordadas as polêmicas com as roupas de Marlene, que foi

recorrentemente suspensa pela Rádio Nacional em função de trajes mais curtos do que os

aceitos.

O pouco espaço conferido pela publicação a esses temas pode ser encarado como

formas de abafa-los para o público leitor, em uma clara tentativa de não incentivar em suas fãs

os mesmos comportamentos. Mesmo que muitas das maneiras de retrata-las como eficientes

donas de casa ou esposas pudessem parecer forçadas, era dentro desses valores que elas

deveriam ser enquadradas, já que essas artistas representavam modelos de mulheres bem-

sucedidas para seus públicos.

Era construído um modelo ideal de mulher, mãe e dona de casa pelos meios de

comunicação, como foi mostrado, e as mulheres que exerciam influências sobre as demais

deveriam ser retratadas dentro dessa construção. A realidade delas, no entanto, não permitia o

enquadramento eficiente dentro desse planejamento. Restava então, a eles, forjar realidades. As

vidas das artistas eram aproximadas de rotinas e histórias de suas fãs por meios de aspectos de

infância e de relatos de inícios de carreiras, além de descrições de tarefas domésticas

apresentadas, em muitos casos, por elas mesmas. Tais construções mantinham o público

próximo e fiel às cantoras e eram, assim, cultivadas também por elas. A manutenção desta

proximidade era necessária para rádios e revistas para conservar a audiência, que manteria os

anunciantes. Eles, juntamente com as agências de publicidade do período, elaboravam suas

propagandas em função de fatores que aproximavam seus produtos também das rotinas e

problemas recorrentes às vidas das mulheres que cuidavam de casa. Estava formado um sistema

em que se relacionavam, em torno de um discurso, cantoras do rádio, suas fãs, os meios de

trabalho dessas artistas e seus grandes patrocinadores.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo inicial desta pesquisa era a realização de uma análise sobre o lugar

ocupado pelas cantoras de rádio brasileiras – representadas por quatro de seus mais famosos

exemplos, Linda Batista, Dalva de Oliveira, Emilinha Borba e Marlene – na incipiente indústria

cultural do país nos anos 1950. Inicialmente, então, foram feitas pesquisas a respeito da

formação e do desenvolvimento dos principais meios de comunicação de massa em que essas

artistas realizaram suas participações, emissoras de rádio e produtoras de cinema. Foram lidas

e analisadas obras que detalhavam a formação das primeiras gravadoras de disco, dos primeiros

aparelhos de rádio, das primeiras estações e das primeiras companhias de cinema do país. A

partir deste estudo, foi percebida a importância deste período anterior ao auge do sucesso destas

mulheres para a construção de elementos que foram colocados como representantes de uma

identidade nacional brasileira, o samba e o carnaval, e que, por conta de sua ampla difusão e

aceitação por parte do público, acabaram sendo centrais na formação dos veículos de

comunicação, mas também nas carreiras dessas cantoras.

Com essa análise pode-se perceber, então, quais as principais características do

cenário em que estava ocorrendo a formação dos primeiros ídolos musicais brasileiros. À

consolidação do samba, enquanto ritmo nacional, do carnaval, enquanto festa popular, e do

rádio, como veículo principal de difusão de mensagens e valores, se juntavam os filmes

carnavalescos e as revistas do período para que fosse fornecida a feição particular que teriam

essas artistas. Entretanto, era necessário situá-las neste contexto e, para tal, conhecer suas

principais músicas e ritmos gravados, além dos principais filmes em que elas fizeram

participações, se mostrou fundamental. Compreender quem foram essas mulheres e quais suas

relevâncias para o crescimento dos meios de comunicação no país passava por uma análise de

suas carreiras que fosse além dos poucos dados disponíveis nas obras lidas, que estavam mais

voltadas ao fornecimento de panoramas gerais sobre atuações estatais ou empresariais para a

formação desses veículos do que para detalhar maiores informações sobre esses novos ídolos

em si.

Ouvir gravações, assistir aos filmes ou a cenas deles ainda existentes, ouvir

entrevistas e depoimentos dessas artistas, entrevistar diretores de seus fãs-clubes foram passos

importantes para o conhecimento das obras e das opiniões dessas artistas sobre os mais variados

temas. No entanto, o direcionamento deste trabalho para a análise da fonte que se mostrou a

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mais completa e em melhores condições de ser consultada pela pesquisadora, a Revista do

Rádio, fez a diferença para o andamento da pesquisa. Foi a partir deste momento que foi

percebido que o estudo aqui desenvolvido não versava em torno apenas do lugar ocupado por

essas artistas nos veículos de comunicação que se desenvolviam no Brasil na década de 1950,

mas principalmente em torno do tipo de sociedade destinado, em especial, às mulheres

brasileiras naquele momento. Partiu-se, então, para a leitura de todas as edições da publicação

entre 1948 e 1959 para que fosse compreendido como essas artistas foram peças chave para a

difusão de valores e modos de comportamentos que se queriam difundir entre as mulheres

brasileiras na década de 1950, um período de grandes transformações para o país.

A procura por elementos comuns a elas usados para a constituição de suas

representações e imagens chamava a atenção para a formação de um tipo de mulher a ser

difundido e logo a pesquisa se deparou com dois fatores constantemente presentes em

reportagens e entrevistas com essas cantoras: o amor e a família. Romances, namoros, noivados,

casamentos, esposos e filhos faziam parte dos cotidianos dessas artistas, ou deveriam fazer,

eram desejados por elas e eram sinônimos de suas felicidades. Sem eles, não havia fama,

dinheiro e sucesso que lhes bastassem, apenas a vida ao lado de um marido e de filhos as tornaria

completas. Tal discurso era, por sua vez, endossado tanto por quem escrevia as matérias com

as cantoras do rádio na revista em questão quanto por elas ao responderem a perguntas feitas

sobre esses assuntos, sem se desviarem de um padrão de comportamento já conhecido.

Foi possível perceber nesse momento da pesquisa que, em um período em que as

mulheres começavam a sair mais para o mercado de trabalho, este tipo de representação vinha

ao encontro dos valores conservadores da época: trabalhar fora, mesmo que fosse uma realidade

na vida de algumas mulheres, não traria sua realização pessoal, a responsável por isso seria a

felicidade do lar. Mesmo cantoras ricas e famosas somente seriam completamente bem-

sucedidas e felizes se seguissem esse modelo de vida e era isso que a Revista do Rádio parecia

desejar demonstrar.

Os números e as cifras cada vez maiores em relação às remunerações dessas

cantoras também eram amplamente divulgados na publicação juntamente com os dois outros

elementos destacados. Enquanto seus trabalhos extrapolavam os programas de auditório e

vendas de discos, fazendo com que essas cantoras transitassem também por outros meios de

comunicação, inclusive pela televisão no final da década de 1950, essas artistas alcançavam

recompensas materiais que mereciam destaque. Mulheres que ascendiam econômica e

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socialmente por meio da música e que apareciam como inspiração para grande parte de seu

público por também terem vindo de origens pobres, como o era o caso da maioria de suas fãs,

mas também porque sonhavam, segundo suas representações na revista em questão, os mesmos

sonhos de qualquer mulher. Mulheres reais, casadas, donas de casa, românticas, preocupadas

com as compras para o lar, com a alimentação de seus filhos e de seus maridos como quaisquer

outras naquele momento. Cantoras que expunham diversos elementos relacionados às suas

vidas pessoais e que não se importavam, ao que parece, em ter esses aspectos difundidos pela

revista como uma forma de divulgação e manutenção de seu sucesso.

Percebe-se que o crescimento no número de fãs dessas cantoras, que se deveu

inicialmente à repercussão positiva de seus trabalhos na indústria gravada, representada por

emissoras de rádio e produtoras de disco, foi complementado por essa grande exposição que

essas mulheres passaram a ter em todas as principais esferas de representação e atuação

artísticas existentes no país nesse período. Essa constante evidência em que eram colocados os

mais diversos aspectos de suas vidas pessoal e profissional fez com que a atenção chamada para

elas gerasse um tamanho grau de admiração que tornou possível a junção de grupos de pessoas

para formarem os primeiros fãs-clubes do país.

As publicações, no entanto, não foram apenas a base que sustenta este trabalho. Elas

eram também a grande fonte de notícias e novidades a que esse público aficionado tinha acesso

para manter-se informado junto aos seus grandes ídolos, já que seus filmes eram vistos apenas

quando estavam em cartaz, e não traziam muito mais do que cenas curtas de apresentações, e

os programas de rádio priorizavam as apresentações musicais desses artistas. Foi a partir da

percepção da importância da Revista do Rádio para a manutenção de acervos pessoais, ou

mesmo de fãs-clubes, que foi possível compreender a relevância das revistas em sua atuação na

difusão de valores e modos de comportamentos para o público a partir das construções das

imagens destas cantoras frente às demais mulheres da sociedade.

Pode-se notar com os diversos exemplos colocados no capítulo 2, com o estudo

sobre a Revista do Rádio, mas também com as reflexões trazidas sobre os primeiros

agrupamentos de fãs formados no país que as quatro artistas aqui estudadas não ocuparam

apenas um lugar relevante na música nacional no que diz respeito a músicas gravadas,

participações em filmes ou em programas de auditórios. Elas ocuparam também um lugar

relevante no imaginário das mulheres da época, que eram as grandes frequentadoras dos

programas em que essas cantoras se apresentavam, as principais formadoras de seus fãs-clubes

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e as principais leitoras da publicação, atuando como difusoras de modelos de condutas para

suas fãs a partir de seus discursos, mas também dos discursos construídos em torno de si.

No entanto, em um momento de transformação no país, em que trabalhar fora de

casa começava a ser uma realidade maior na vida das mulheres brasileiras, dados coletados

neste trabalho – que mostram o grande sucesso das cantoras do rádio junto a público e a

anunciantes, as grandes somas de dinheiro que elas seguiam acumulando, bem como o tom

conservador de suas entrevistas e de seus relatos pessoais na Revista do Rádio – defrontaram

esta pesquisa com uma grande contradição: ao mesmo tempo em que, por meio dessas cantoras

e de suas representações, a carreira artística se tornava uma possiblidade com a qual mulheres

comuns poderiam sonhar como uma forma de independência, as representações construídas

pela publicação citada, mas também por essas próprias cantoras, deixavam claras quais

deveriam ser as prioridades de uma mulher no Brasil na década de 1950, ou seja, sua família e

seu lar. Ao mesmo tempo em que poderia ter surgido, a partir dos exemplos de sucesso dessas

cantoras, alguma transformação ou ruptura com padrões que se acreditavam certos para as

mulheres no período, os meios de comunicação tratavam de colocar sempre em evidência

fatores ditos relevantes e naturais para elas, dos quais elas não podiam se descuidar, e que

estavam alinhados a já conhecidos modelos de comportamentos pré-determinados.

Conforme colocado, as artistas do rádio fizeram parte de um contexto de mudanças

no país que dizia respeito, entre outros fatores, à formação de seus principais meios de

comunicação. No entanto, a ampliação da pesquisa em acervos de publicações também para os

exemplares existentes da revista O Cruzeiro mostrou, no andamento deste trabalho, que elas

eram apenas uma parte, mesmo que muito relevante dada a euforia criada em torno delas por

suas fãs e o sucesso alcançado por elas, deste contexto de formação de uma sociedade brasileira

pautada em valores e lugares determinados para homens e mulheres. A publicidade, que já havia

tido sua relevância notada na formação do rádio comercial, foi unida, então, ao estudo sobre

essas mulheres para que fosse possível a compreensão de sua utilização como uma forma de

apresentar funções, tarefas, preocupações, objetivos a todas as demais.

Não há, porém, a possibilidade de analisar a receptividade das mulheres a esses

discursos e anúncios para que seja medido o nível de eficácia na transmissão desses valores

pelas cantoras, pelas revistas e pela publicidade e também não foi essa a pretensão deste

trabalho. Pode-se ter, no entanto, uma noção do sucesso desses relatos na manutenção desses

esteriótipos, já que tais valores difundidos correspondiam ao que era amplamente conhecido

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sobre o papel feminino na sociedade. Por mais que os números divulgados de tiragem da Revista

do Rádio e da revista O Cruzeiro impressionem para uma época em que mais da metade da

população do país acima de 15 anos de idade não sabia ler224, tais mulheres tinham acesso

restrito às revistas, em função de custo e analfabetismo, e quando muito podiam acessá-las

graças aos fãs-clubes que compravam os exemplates das publicações. Quem não estava ligado

a essas organizações conseguia ao menos escutar os programas de rádio em que elas se

apresentavam e ouvir a partir dali as posições marcadas por artistas e anunciantes quanto a esses

temas. Pode-se imaginar que nem todo público recebia, porém, tais determinações da mesma

maneira e que houvesse casos, talvez muitos, de formas diferentes de recepção das que eram

planejadas pelos meios de comunicação.

Desta forma, após uma breve apresentação das principais características do

desenvolvimento da publicidade no Brasil, em que foram colocados exemplos de propagandas

presentes nas duas publicações destacadas, partiu-se para a finalização desta dissertação. As

cantoras do rádio foram, então, relacionadas aos principais tipos de valores conservadores e

modelos de comportamentos difundidos em discursos e imagens de propagandas diversas na

Revista do Rádio e na revista O Cruzeiro. Com isso, procurava-se ampliar a análise deste

cenário de construção de um dever ser feminino colocado a este grupo social que passou a ter,

a partir da segunda metade do século XX, possibilidades de realizações fora da esfera doméstica

e que, justamente por isso, era constantemente lembrado de obrigações colocadas como internas

a si.

As diversas fotografias colocadas neste trabalho, facilmente encontradas em todos

os exemplares dessas publicações na década de 1950, mostram mulheres representando papeis

sempre relacionados a tarefas de casa e aos cuidados com filhos e marido. Elas seriam as

responsáveis por apresentar os novos eletrodomésticos fabricados no país e as maiores

novidades em produtos de limpeza, que auxiliariam as donas de casa em suas rotinas, os

alimentos mais saudáveis e práticos para o consumo diário, entre tantos outros produtos a serem

usados no âmbito doméstico. Mulheres – sempre sorridentes e felizes – transmitiam de formas

claras mensagens sobre quais deveriam ser as preocupações e condutas de uma dona de casa

moderna diante das novidades em consumo. A atenção com os preços mais justos, a procura

por praticidade e por qualidade, mas, acima de tudo, a busca pela felicidade e pela satisfação

224 Para maiores informações, acessar https://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000/tendencias_demograficas/comentarios.pdf.

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de sua família eram elementos constantemente presentes nos anúncios e deixavam claros os

papeis das mulheres no período.

Essas características, no entanto, foram também expostas pelas reportagens da

Revista do Rádio em relação às cantoras aqui estudadas, conforme mostrado. Atributos como

felicidade constante, disposição, preocupação e cuidado, assim como posturas de donas de casa

zelosas, mesmo que sem o tempo necessário para tal, de mães carinhosas, de esposas dedicadas,

de mulheres apaixonadas pelos seus trabalhos, mas principalmente por suas famílias foram

alguns dos elementos presentes nas descrições apresentadas no capítulo 2 sobre essas artistas.

Mulheres, alinhadas às recomendações dos editoriais das revistas do período, que se adequavam

também ao discurso publicitário ao serem elas mesmas inclusive garotas propagandas de muitos

desses produtos para o lar. Artistas que também colaboraram, como se viu, para a perpetuação

e difusão de formas de comportamentos moldadas para o grupo feminino no país, mesmo que

suas condutas particulares não condissessem com o padrão desejado. Cantoras que juntaram em

torno de si legiões de outras tantas mulheres que poderiam sonhar com um futuro ao menos

diferente para si, mas que eram constantemente lembradas, inclusive por seus ídolos, sobre

quais deveriam ser as bases e referências para seus comportamentos e desejos.

O período de desenvolvimento dos primeiros meios de comunicação de massa no

Brasil foi um momento de construção também de uma sociedade em um país que tinha sua

população, ainda na primeira metade do século XX, formada por basicamente dois grupos

sociais, pobres e ricos. As carreiras das cantoras aqui estudadas fizeram parte deste contexto e,

dada a popularidade alcançada por essas mulheres, elas acabaram sendo colocadas como

referenciais de conduta para as demais, mesmo que para isso muitos dos detalhes de suas vidas

tivessem que ser negligenciados, como uma gravidez fora do casamento, escândalos com

alcoolismo, acidentes de automóveis ou casos extraconjugais, por exemplo. O lugar ocupado

por elas no imaginário das mulheres do período parecia mesclar, como mostrado, sonhos com

mudanças radicais de vida com a admiração em ver artistas bem-sucedidas também como

mulheres bem-sucedidas em suas vidas pessoais, mesmo que este sucesso fosse pautado em

modelos ideais de comportamentos. Deixando claros os valores que deveriam ser difundidos

por elas para a formação dos imaginários de suas fãs, então, parecem claros também quais eram

os papeis que se queriam para elas na formação dessa sociedade em questão, principalmente no

que dizia respeito às mulheres. Tais artistas dependiam dos meios de comunicação para estarem

em evidência e para tal, seus discursos deveriam se alinhar aos deles e aos de seus

patrocinadores. Entretanto, suas biografias acabaram se chocando, em muitos casos, com seus

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próprios discursos e representações e, dentro desta conjuntura, esta pesquisa procurou mostrar

que mesmo com toda essa gama de valores a serem reproduzidos e representados, os papéis

dessas artistas na formação dessa sociedade não se reduziram a algo meramente conservador e

determinista. Ao apresentar às demais mulheres da sociedade uma via de escape à dominação

e à submissão, por meio de seus trabalhos como cantoras que lhes possibilitavam ao menos

independência financeira, as cantoras do rádio representaram, mesmo que talvez não tendo essa

inteção, uma forma de realização pessoal das mulheres brasileiras fora da esfera doméstica.

Mesmo que todos os discursos dos meios de comunicação representassem a mulher a partir das

figuras das mães e donas de casa, o sucesso destas artistas, comprando suas próprias casas e

carros por exemplo, não deixava de ser um contra-ponto ao que se pregava como ideal de vida

para as mulheres brasileiras.

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224

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Moacyr Fenelon, 1948. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=CYROgrCmgqU .

Acesso em 12/07/2016. Trechos.

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226

QUEM roubou meu samba. Direção: José Carlos Burle e Helio Barroso, Rio de Janeiro (RJ),

Cinedistri, 1959. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=oALt-QEBWhI Acesso

em 21/07/2016. Trechos

SAMBA em Berlim. Direção: Luiz de Barros, Rio de Janeiro (RJ): Cinédia, 1943. Acervo

Cinemateca de São Paulo.

TRISTEZAS não pagam dívidas. Direção: José Carlos Burle e Ruy Costa, Rio de Janeiro (RJ):

Atlântida Cinematográfica, 1943. Acervo Cinemateca de São Paulo.

TUDO azul. Direção: Moacyr Fenelon, Rio de Janeiro (RJ): Flama Filmes, 1952. Acervo

Cinemateca de São Paulo de São Paulo.

UM beijo roubado. Direção: Leo Marten, Rio de Janeiro (RJ): Cinédia, 1950. Disponível em

https://www.youtube.com/watch?v=_sU39geBT74 . Acesso em 13/07/2016. Trechos.

VOU te contá. Direção: Alfredo Palácios, São Paulo (SP): Cinematográfica Maristela, 1958.

Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=65uUNffKXnU Acesso em 20/07/2016.

Trechos.

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6.2 PUBLICAÇÕES E PERIÓDICOS

REVISTA DO RÁDIO. Rio de Janeiro: Editora da Revista do Rádio, 1948 – 1959.

O CRUZEIRO. Rio de Janeiro: Diários Associados, 1950 – 1959.

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6.3 TABELA DE FILMES

Participação das cantoras estudadas no cinema entre 1938 e 1959

Nome do

Filme

Ano de

Lançamento do

filme

Companhia Produtora Cantora

Maridinho de

Luxo

1938 Cinédia Linda Batista

Banana-da-

Terra

1939 Sonofilmes Linda Batista e

Emilinha Borba

Céu Azul 1940 Sonofilmes Linda Batista

Laranja da

China

1940 Sonofilmes Emilinha Borba

Vamos cantar 1941 Pan-americana Filmes Emilinha Borba

Astros em

Desfile

1942 Atlântida Emilinha Borba

The Story of

Samba

1943 Cinédia e Mercury

Productions

Linda Batista e

Emilinha Borba

Tristezas não

pagam dívidas

1943 Atlântida Linda Batista e

Emilinha Borba

Samba em

Berlim

1943 Cinédia Dalva de Oliveira** e

Linda Batista

Corações sem

piloto

1944 Cinédia Marlene

Berlim na

Batucada

1944 Cinédia Dalva de Oliveira** e

Linda Batista

Romances de

um mordedor

1944 Atlântida Emilinha Borba

Abacaxi Azul 1944 Cinédia e Sono Filmes Linda Batista

Não Adianta

Chorar

1945 Atlântida Linda Batista e

Emilinha Borba

Loucos por

música

1945 Cinédia Marlene

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Pif Paf 1945 Cinédia Marlene e Dalva de

Oliveira**

Segura esta

mulher

1946 Atlântida Emilinha Borba

Fantasma por

acaso

1946 Atlântida Emilinha Borba

Caídos do Céu 1946 Cinédia Marlene, Dalva de

Oliveira** e Linda

Batista

Não me digas

adeus

1947 * Linda Batista

Este mundo é

um pandeiro

1947 Atlântida Emilinha Borba

Poeira de

Estrelas

1948 Cine Produções Moacyr

Fenelon e Cinédia

Emilinha Borba

É com este que

eu vou

1948 Atlântida Emilinha Borba

Folias cariocas 1948 Tapuia Filmes Linda Batista e

Emilinha Borba

Esta é fina 1948 Cinédia Marlene, Dalva de

Oliveira** e Linda

Batista

Fogo na

Canjica

1948 Cinédia, Dipa Filmes e

Laboratórios eletrônicos do

Brasil

Dalva de Oliveira** e

Linda Batista

Pra lá de boa 1949 Jaguar Filmes Marlene, Dalva de

Oliveira** e Linda

Batista

Eu quero é

movimento

1949 L.E.B Filmes Linda Batista

Caminhos do

Sul

1949 Capital Filmes/ Sol Filmes Marlene

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Estou aí 1949 Cine Produções Moacyr

Fenelon e Cinédia

Emilinha Borba

Todos por um 1950 Cine Produções Moacyr

Fenelon e Cinédia

Emilinha Borba e

Marlene

Aviso aos

Navegantes

1950 Atlântida Emilinha Borba

Um beijo

roubado

1950 Cinédia Marlene, Dalva de

Oliveira** e Linda

Batista

Aí vem o

Barão

1951 Atlântida Emilinha Borba

Milagre do

Amor

1951 Brasília Filmes e Flama

Filmes

Dalva de Oliveira***

Maria da Praia 1951 Imperator Filmes Dalva de Oliveira***

Sob a Luz do

meu bairro

1951 Atlântida Emilinha Borba

Aguenta firme,

Isidoro

1951 Cinédia Linda Batista

Está com tudo 1952 Castelo Filmes Linda Batista

Barnabé, tu és

meu

1952 Atlântida Emilinha Borba

É fogo na

roupa

1952 Watson Macedo Produções

Cinematográficas

Linda Batista e

Emilinha Borba

Tudo Azul 1952 Cinedistri/ Flama Filmes Marlene, Dalva de

Oliveira***, Linda

Batista e Emilinha

Borba

Destino em

apuros

1953 Multi-filmes Emilinha Borba

Balança mas

não cai

1953 Mauá Filmes Marlene

Rei do

Movimento

1954 Cinedistri e Cinédia Emilinha Borba

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Matar ou

correr

1954 Atlântida Marlene

Carnaval em

Caxias

1954 Atlântida e Flama Filmes Linda Batista

Caprichos de

amor

1954 Bandeirantes Emilinha Borba

O petróleo é

nosso

1954 Watson Macedo Produções

Cinematográficas

Linda Batista e

Emilinha Borba

Trabalhou

bem, Genival

1955 Flamas Filmes e UCB Emilinha Borba

Carnaval em

Marte

1955 Brasil Vita Filmes, Cinedistri

e Watson Macedo Produções

Cinematográficas

Linda Batista e

Emilinha Borba

Aí vem o

general

1955 Jaraguaia Emilinha Borba

Adios

Problemas

1955 **** Marlene

Depois eu

Conto

1956 Brasil Vita Filmes, Cinedistri

e Watson Macedo Produções

Cinematográficas

Linda Batista

Vamos com

calma

1956 Atlântida Emilinha Borba

Guerra ao

Samba

1956 Atlântida Emilinha Borba

Eva no Brasil 1956 Dordan Filmes e Francamerica

Filmes

Emilinha Borba

De pernas pro

ar

1956 Herbert Richards Produções

Cinematográficas

Emilinha Borba

Tira a mão daí! 1956 Flama Filmes Linda Batista

Com jeito vai 1957 Herbert Richards Produções

Cinematográficas

Emilinha Borba

Garotas e

Samba

1957 Atlântida Emilinha Borba

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Metido a

bacana

1957 Cinedistri e Herbert Richers

Produções Cinematográficas

Linda Batista

Vou te conta 1958 Cinematográfica Maristela Dalva de Oliveira***

É de chuá 1958 Cinedistri e Herbert Richers

Produções Cinematográficas

Linda Batista e

Emilinha Borba

O cantor e o

milionário

1958 Cinematográfica Guarujá Marlene

Quem roubou

meu samba?

1959 Cinedistri Marlene

Entrei de

gaiato

1959 Herbert Richers Produções

Cinematográficas

Emilinha Borba

Mulheres à

vista

1959 Herbert Richers Produções

Cinematográficas

Linda Batista e

Emilinha Borba

Garota enxuta 1959 Herbert Richards Produções

Cinematográficas

Emilinha Borba

Virou Bagunça 1960 Cinedistri e Watson Macedo

Produções Cinematográficas

Linda Batista e

Emilinha Borba

007 ½ no

Carnaval

1966 Copacabana Filmes Emilinha Borba

Carnaval Barra

Lima

1967 Jarbas Barbosa Produções

Cinematográficas

Emilinha Borba e

Marlene

Os Herdeiros 1970 Produzido por Carlos Diegues,

Jarbas Barbosa e Luiz Carlos

Barreto

Dalva de Oliveira

A volta do

filho pródigo

1978 Produzido por Ipojuca Pontes Marlene

Profissão

mulher

1982 Claudio Cunha Cinema e Arte Marlene

Elaboração da autora com base em: FERREIRA (2010); <http://www.imdb.com/>; ARMEL;

FERREIRA (2006)

*feito durante a permanência da cantora em turnê pela Argentina, companhia não localizada.

**enquanto fazia parte do Trio de Ouro.

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***já em carreira solo.

**** feito na Argentina, companhia não localizada.