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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS LAÍS ORRICO DONNABELLA BASTOS ACURÁCIA DOS TESTES DE IDENTIFICAÇÃO DE ODORES NA DOENÇA DE PARKINSON CAMPINAS 2019

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

    FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS

    LAÍS ORRICO DONNABELLA BASTOS

    ACURÁCIA DOS TESTES DE IDENTIFICAÇÃO DE ODORES NA DOENÇA DE

    PARKINSON

    CAMPINAS

    2019

  • LAÍS ORRICO DONNABELLA BASTOS

    ACURÁCIA DOS TESTES DE IDENTIFICAÇÃO DE ODORES NA DOENÇA DE

    PARKINSON

    ORIENTADORA: Profa. Dra. Laura Silveira Moriyama

    CAMPINAS

    2019

    Tese apresentada à Faculdade de Ciências

    Médicas da Universidade Estadual de

    Campinas como parte dos requisitos

    exigidos para a obtenção do título de

    Doutora em Ciências, Área de

    Concentração Neurologia.

    ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO

    FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA

    LAÍS ORRICO DONNABELLA BASTOS, E ORIENTADO

    PELA PROF. DRA. LAURA SILVEIRA MORIYAMA.

  • COMISSÃO EXAMINADORA DA DEFESA DE DOUTORADO

    LAÍS ORRICO DONNABELLA BASTOS

    ORIENTADORA: PROFA. DRA. LAURA SILVEIRA MORIYAMA

    MEMBROS:

    1. PROFA. DRA. LAURA SILVEIRA MORIYAMA

    2. PROF. DR. FABIANO REIS

    3. PROF. DR. ENRICO GHIZONI

    4. PROF. DR. MARCO AURÉLIO FORNAZIERI

    5. PROF. DR. HENRIQUE BALLALAI FERRAZ

    Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Faculdade de Ciências Médicas da

    Universidade Estadual de Campinas.

    A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema

    de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da FCM.

    Data de Defesa: 26/02/2019

  • Dedico este trabalho a todas as pessoas com Doença

    de Parkinson e que lidam diariamente com todas as

    dificuldades trazidas pela doença.

    Dedico também a todos aqueles que trilharam este

    caminho junto a mim, os que estiveram envolvidos

    direta ou indiretamente neste trabalho, a minha

    família e, especialmente ao meu filho, ainda a

    caminho deste mundo.

  • AGRADECIMENTOS

    À Dra Laura Silveira Moriyama, primeiramente, pela orientação deste trabalho.

    Agradeço também a todos os ensinamentos, exemplos e conselhos durante todos estes anos,

    fossem eles profissionais e/ou pessoais.

    À Dra Luísa Piovesana, por me receber no Ambulatório de Distúrbios do Movimento/

    Unicamp, e ao Prof. Dr. Andrei Sposito por permitir que parte dos participantes fossem testados

    no Centro de Pesquisas Clínicas/ Unicamp. Agradeço ainda ao aluno de graduação Joaquim

    Barreto, ao Dr. Vicente Fernandes e à secretária Eliene, que também colaboraram para o

    recrutamento de pacientes deste estudo.

    Ao Sr. Omar Rodrigues e à Sra. Rita Queiroz, presidente e vice-presidente da

    Associação Campinas Parkinson, que abriram as portas e tão bem me receberam neste local.

    Meus agradecimentos também a todos os membros da associação que se prontificaram a

    participar da pesquisa.

    Aos Profs. Drs. Enrico Ghizoni, Fabiano Reis e Benito Damasceno, que participaram

    da banca de qualificação e puderam, com suas sugestões, ajudar a finalizar este trabalho.

    Às secretárias da pós-graduação e departamento de neurologia, Márcia Aguiar dos

    Santos e Solange Pereira, pela prontidão em ajudar.

    A todos meus familiares, que, certamente, sempre foram o suporte e força que

    impulsionaram esta realização. Em especial, agradeço ao meu marido, Estevam, meus pais,

    Fabíola e Marcelo, e às minhas irmãs, Marcela, Paula e Tatiana.

    À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES)

    pelo apoio financeiro.

    Por fim, agradeço à todas as pessoas que, de alguma forma, estiveram envolvidas com

    este trabalho.

  • RESUMO

    Diversos sinais não motores já foram descritos como parte do quadro da Doença de Parkinson (DP),

    sendo importantes para a detecção precoce da doença, assim como para o diagnóstico diferencial

    quanto a outras doenças que cursam com características clínicas comuns. O sentido do olfato já é

    reconhecidamente um biomarcador da DP e, por isto, medidas eficazes de sua avaliação são de

    imensurável importância. Dentro deste contexto, os testes de olfato são uma forma simples, rápida

    e relativamente barata de avaliação do olfato, o que os torna um instrumento muito útil na rotina

    clínica. Assim, o presente estudo teve como objetivo aprofundar o conhecimento sobre o déficit

    olfativo na DP e analisar a acurácia de diversos testes no diagnóstico desta doença. Para tanto, foram

    realizadas: (a) uma revisão sistemática da literatura para avaliar a utilidade desses testes no no

    diagnóstico diferencial entre DP e controles e DP e outros parkinsonismos; (b) uma análise

    prospectiva sobre a acurácia de uma nova versão do teste de olfato Sniffin’ Sticks (o SS16-Child)

    no diagnóstico da DP, bem como foram analisadas as correlações clínicas entre o déficit olfativo e

    outros sintomas da doença; (c) uma análise retrospectiva em bases de dados externas para validar

    os achados anteriores; (d) uma análise retrospectiva através de mineração de dados em uma base

    de dados internacional sobre a acurácia do teste de olfato no diagnóstico da DP e sobre a

    associação da função olfativa com outros sintomas da DP. Os resultados destas análises

    demonstraram que os testes de olfato possuem boa acurácia no diagnóstico da DP, porém que

    novas versões dos testes existentes incluindo apenas itens de maior reconhecimento, não

    tiveram maior acurácia no diagnóstico da doença. Os achados encontrados em relação aos

    fatores que influenciam o desempenho olfativo não foram unânimes em todas as análises, mas

    a performance olfativa parece ser dependente da performance cognitiva e não estar associada a

    dose de levodopa e presença de discinesias.

    Palavras-chave: Doença de Parkinson; transtornos do olfato; diagnóstico

  • ABSTRACT

    Several non-motor signals have been described as part of the Parkinson's disease (PD) and are

    important for the early detection of the disease, as well as for the differential diagnosis of other

    diseases that have common clinical characteristics. The sense of smell is already recognized as

    a biomarker of PD and, therefore, effective measures of its evaluation are of immeasurable

    importance. Within this context, the olfaction tests are a simple, fast and relatively inexpensive

    way of evaluating the smell, which makes them a very useful instrument in the clinical routine.

    Thus, the present study aimed to deepen the knowledge about the olfactory deficit in PD and to

    analyze the accuracy of several tests in the diagnosis of this disease. To do so, we performed:

    (a) a systematic review of the literature to evaluate the usefulness of these tests in the differential

    diagnosis between PD and controls or PD and other parkinsonisms; (b) a prospective analysis

    of the accuracy of a new version of Sniffin 'Sticks (SS16-Child) in the diagnosis of PD, as well

    as the clinical correlations between olfactory deficit and other symptoms of the disease; (c) a

    retrospective analysis of external databases to validate previous findings; (d) a retrospective

    analysis by data mining in an international database on the accuracy of the olfaction test in the

    diagnosis of PD and on the association of olfactory function with other symptoms of PD. The

    results of these analyzes demonstrated that the olfaction tests have good accuracy in the

    diagnosis of PD, but that new versions of existing tests, including only items of higher

    recognition, were not more accurate in the diagnosis of the disease. The findings on factors that

    influence olfactory performance were not unanimous in all analyzes, but olfactory performance

    seems to be dependent on cognitive performance and not associated with levodopa dose and

    presence of dyskinesias.

    Key-words: Parkinson’s disease; olfaction disorders; diagnosis

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1- Neurônios olfatórios ................................................................................................. 18

    Figura 2 - Níveis de processamento da olfação ........................................................................ 19

    Figura 3 - Critérios para o diagnóstico clínico da Doença de Parkinson ................................. 21

    Figura 4 - Sinal de roda denteada ............................................................................................. 22

    Figura 5 - Postura típica do indivíduo com Doença de Parkinson ........................................... 23

    Figura 6– Imagem representativa do acometimento neuropatológico na Doença de Parkinson

    de acordo com os critérios de Braak ......................................................................................... 25

    Figura 7 – Possíveis fatores desencadeantes da psicose na Doença de Parkinson ................... 28

    Figura 8 – Teste de identificação de odores Sniffin’ Sticks ...................................................... 33

    Figura 9 – Fluxograma da Revisão Sistemática ....................................................................... 37

    Figura 10 - Testes de olfato utilizados nos estudos da revisão ................................................. 38

    Figura 11 – Sensibilidade e especificidade dos testes de identificação de odores em DP e

    controles ................................................................................................................................... 39

    Figura 12 – Sensibilidade e especificidade dos testes de identificação de odores em DP e grupos

    diferenciais................................................................................................................................ 47

    Figura 13 – Número de estudos sobre testes de identificação de odores na DP ...................... 48

    Figura 14 - Comparação entre as pontuações para DP e controles nos testes SS16 e SS16-Child

    .................................................................................................................................................. 60

    Figura 15 – Correlação entre idade e performance olfativa ..................................................... 63

    Figura 16 – Correlação entre cognição e performance olfativa ................................................ 64

    Figura 17 – Correlação entre idade e cognição ........................................................................ 65

    Figura 18 – Correlação entre desempenho olfativo e duração da doença ................................ 65

    Figura 19 - Comparação entre os sexos feminino e masculino quanto à performance olfativa66

    Figura 20 - Curva ROC para o SS16 ........................................................................................ 68

    Figura 21 - Curva ROC para o SS16-Child .............................................................................. 68

  • Figura 22 – Curvas ROC para SS16-115, SS16-105 e SS16-BR ............................................. 79

    Figura 23 – Curvas ROC para SS16-BR e versões do UPSIT ................................................. 80

    Figura 24 – Curvas ROC para SS16-BR e versões do UPSIT (por faixa etária) ..................... 81

    Figura 25 – Comparação entre a proporção de indivíduos do sexo feminino e masculino entre

    as diferentes bases de dados ..................................................................................................... 84

    Figura 26 - Curva ROC para o UPSIT na base do PPMI ......................................................... 93

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 – Correlação da sintomatologia não motora aos estágios da Doença de Parkinson .. 24

    Tabela 2 – Estudos sobre testes de olfato em parkinsonianos e controles ............................... 40

    Tabela 3 – Estudos comparando a performance olfativa entre DP e AMS .............................. 43

    Tabela 4 – Estudos comparando a performance olfativa entre DP e PSP ................................ 45

    Tabela 5 – Estudos comparando a performance olfativa entre DP e grupos diferenciais ........ 46

    Tabela 6 - Itens do teste de olfato Sniffin' Sticks na versão original, na versão adaptada à

    população adulta brasileira e na recente versão simplificada ................................................... 55

    Tabela 7- Características gerais dos participantes .................................................................... 58

    Tabela 8– Comparação de médias entre os testes SS16 e SS16-Child ..................................... 59

    Tabela 9– Comparação da frequência de acertos em cada item dos testes SS16 e SS16-Child

    .................................................................................................................................................. 61

    Tabela 10 – Comparação da frequência de acertos em cada grupo (DP ou controle) .............. 62

    Tabela 11 – Correlação dos testes de olfato com a duração da doença .................................... 78

    Tabela 12 – Comparações entre SS16-BR e versões do UPSIT (por faixa etária) ................... 81

    Tabela 13 – Comparações do SS16 e versões do UPSIT no Reino Unido ............................... 82

    Tabela 14 - Comparações do SS16 e versões do UPSIT no Reino Unido (por faixa etária) ... 82

    Tabela 15 – Comparação dos dados demográficos das bases de dados (Unicamp, USP e

    Londres) .................................................................................................................................... 83

    Tabela 16 – Teste post hoc de Bonferroni para a variável “idade ao início da doença” .......... 83

    Tabela 17 - Avaliações e análises incluídas na base de dados PPMI ....................................... 87

    Tabela 18– Dados dos sujeitos com Doença de Parkinson na baseline ................................... 91

    Tabela 19 – Comparação entre modelos de regressão linear múltipla ..................................... 93

    Tabela 20– Variáveis incluídas na Regressão de Cox utilizando o tempo para discinesia ...... 94

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    AMS: Atrofia de Múltiplos Sistemas

    DP: Doença de Parkinson

    HY: escala de Hoehn e Yahr

    MDS-UPDRS: versão da Sociedade de Distúrbios do Movimento para a Escala Unificada de

    Avaliação da Doença de Parkinson (Movement Disorder Society-Sponsored Revision of the

    Unified Parkinson's Disease Rating Scale)

    MoCA: Avaliação Cognitiva Montreal (Montreal Cognitive Assessment)

    PSP: Paralisia Supranuclear Progressiva

    QSBBC: critério do Banco de Cérebros para Doenças Neurológicas de Queen Square de

    Londres (Queen Square Brain Bank Criteria)

    Se: sensibilidade

    SIT: teste de identificação de odores (Smell Identification Test)

    Sp: especificidade (do inglês specificity)

    SS16: teste de olfato Sniffin’ Sticks

    SS16-Child: nova versão do SS16

    SWEDD: sujeitos sem evidência de déficit dopaminérgico ao exame da medicina nuclear

    (Scans Without Evidence of Dopamine Deficit)

    TCI: Transtorno de Controle dos Impulsos

    TE: Tremor Essencial

    UPDRS: Escala Unificada de Avaliação da Doença de Parkinson (Unified Parkinson's Disease

    Rating Scale)

    VPN: valor preditivo negativo

    VPP: valor preditivo positivo

    UPSIT: teste de identificação de odores da Universidade da Pensilvânia (do inglês University

    of Pennsylvania Smell Identification Test)

  • SUMÁRIO

    1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 15

    2 OBJETIVOS ....................................................................................................................... 17

    2.1 Geral ................................................................................................................................. 17

    2.2 Específicos ........................................................................................................................ 17

    3 REVISÃO DE LITERATURA ........................................................................................... 18

    3.1 Olfato ................................................................................................................................. 18

    3.1.1 Alterações do olfato ........................................................................................................ 19

    3.2 Doença de Parkinson ........................................................................................................ 20

    3.2.1 Manifestações clínicas da Doença de Parkinson .......................................................... 21

    3.3 Alterações olfativas na Doença de Parkinson ................................................................ 29

    3.3.1 Substrato neuropatológico das alterações olfativas na Doença de Parkinson ............ 30

    3.3.2 Testes de olfato na Doença de Parkinson ...................................................................... 31

    4 ACURÁCIA DE TESTES DE IDENTIFICAÇÃO DE ODORES NO DIAGNÓSTICO

    DIFERENCIAL DA DOENÇA DE PARKINSON: REVISÃO SISTEMATIZADA DA

    LITERATURA ....................................................................................................................... 34

    4.1 Materiais e métodos .......................................................................................................... 34

    4.1.1 Escolha das palavras-chave ........................................................................................... 34

    4.1.2 Seleção de artigos ........................................................................................................... 35

    4.1.3 Análise estatística ........................................................................................................... 36

    4.2 Resultados ......................................................................................................................... 37

    4.2.1 Acurácia de testes de identificação de odores no diagnóstico diferencial entre DP e

    controles ................................................................................................................................... 38

    4.2.2 Acurácia de testes de identificação de odores no diagnóstico diferencial entre DP e

    TE..............................................................................................................................................42

    4.2.3 Acurácia de testes de identificação de odores no diagnóstico diferencial entre DP e

    AMS..........................................................................................................................................43

    4.2.4 Acurácia de testes de identificação de odores no diagnóstico diferencial entre DP e

    PSP...........................................................................................................................................44

    4.2.5 Acurácia de testes de identificação de odores no diagnóstico diferencial entre DP e

    SWEDD .................................................................................................................................... 46

    4.2.6 Acurácia de testes de identificação de odores no diagnóstico diferencial entre DP e

    outros grupos de parkinsonismo ............................................................................................. 46

    4.3 Discussão ........................................................................................................................... 48

    5 ESTUDO TRANSVERSAL PROSPECTIVO COM UM NOVO TESTE DE

    OLFATO..................................................................................................................................51

    5.1 Materiais e Métodos ......................................................................................................... 51

    5.1.1 Casuística ........................................................................................................................ 51

    5.1.2 Métodos ........................................................................................................................... 53

  • 5.1.3 Análises estatísticas ........................................................................................................ 56

    5.2 Resultados ......................................................................................................................... 57

    5.2.1 Características dos participantes .................................................................................... 57

    5.2.2 Desempenho nos testes de olfato .................................................................................... 58

    5.2.3 Fatores que influenciam o desempenho olfativo ........................................................... 63

    5.2.4 Acurácia dos testes de olfato .......................................................................................... 67

    5.3 Discussão ........................................................................................................................... 69

    6 VALIDAÇÃO EM BASES DE DADOS EXTERNAS ..................................................... 74

    6.1 Materiais e métodos .......................................................................................................... 74

    6.1.1 Casuística ........................................................................................................................ 74

    6.1.2 Métodos ........................................................................................................................... 74

    6.2 Resultados ......................................................................................................................... 76

    6.2.1 Fatores que influenciam o desempenho olfativo ........................................................... 77

    6.2.2 Acurácia dos testes de olfato .......................................................................................... 79

    6.2.3 Comparações dos dados demográficos entre as bases de dados ................................... 82

    7 ANÁLISES POR MINERAÇÃO DE DADOS DA BASE PPMI .................................... 86

    7.1 Materiais e métodos .......................................................................................................... 86

    7.1.1 Casuística ........................................................................................................................ 86

    7.1.2 Métodos ........................................................................................................................... 87

    7.1.3 Análises Estatísticas ....................................................................................................... 90

    7.2 Resultados ......................................................................................................................... 91

    7.2.1. Características dos participantes ................................................................................... 91

    7.2.2 Fatores que influenciam o desempenho olfativo ........................................................... 92

    7.2.3 Acurácia do teste de olfato ............................................................................................. 93

    7.2.4 Fatores que influenciam o tempo até a ocorrência de discinesias ............................... 94

    7.3 Discussão ........................................................................................................................... 95

    8 CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 98

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 99

    ANEXOS ............................................................................................................................... 116

    Anexo 1 – Parecer Consubstanciado do CEP .................................................................... 116

    Anexo 2 – Parecer consubstanciado do CEP - Emenda .................................................... 122

    Anexo 3 - Termo de Consentimento .................................................................................... 129

    Anexo 4 - Fichas de avaliação .............................................................................................. 132

  • 15

    1 INTRODUÇÃO

    Distúrbios da olfação têm sido relatados em várias condições neurológicas, como

    traumatismo cranioencefálico, esclerose múltipla, esquizofrenia, enxaqueca, transtorno

    obsessivo-compulsivo, Doença de Alzheimer e Doença de Parkinson (DP)1–18. Na DP, o déficit

    está presente em cerca de 70 a 80% dos pacientes e não está relacionado a uso de medicação,

    grau de comprometimento neurológico ou duração da doença1,14,19–28.

    A importância clínica deste acometimento do sistema olfatório em pacientes

    parkinsonianos tem sido cada vez mais enfatizada, uma vez que foi demonstrado que o grau de

    comprometimento olfatório pode auxiliar no diagnóstico diferencial entre condições

    neurodegenerativas que têm características clínicas em comum e são motivos constantes de

    confusão diagnóstica, como leves sinais parkinsonianos da senilidade, tremor essencial, tremor

    distônico, paralisia supranuclear progressiva (PSP), parkinsonismo de origem vascular, atrofia

    de múltiplos sistemas (AMS) e também no diagnóstico precoce de DP, antes mesmo do

    aparecimento dos sintomas e sinais motores29–38.

    Assim, desde que, em meados dos anos 1970, as alterações olfativas foram

    reconhecidas como parte do quadro da DP, as pesquisas nessa área crescem exponencialmente

    e, hoje, o olfato é reconhecido como um biomarcador da DP, pois as avaliações deste sentido

    por meio de testes de identificação são rápidas e de fácil realização. Embora os testes de

    identificação de odores sejam a principal forma de avaliação utilizada na clínica ou na pesquisa,

    eles são fortemente dependentes da familiaridade com os odores e do componente cultural, o que

    torna imprescindível sua adaptação conforme a cultura/país em que serão utilizados13,39,40.

    Não existe ainda um consenso sobre o real valor dos testes olfativos no diagnóstico

    de DP. A Movement Disorders Society, em seus novos critérios41, recomenda a inclusão da

    olfação entre os critérios clínicos, mas não prescreve qual teste deve ser usado. Embora existam

    vários estudos sobre o uso do teste de olfato no diagnóstico diferencial da DP, não existe

    consenso sobre o valor da acurácia deste nos vários contextos clínicos em que este diagnóstico

    diferencial é realizado (DP versus tremor essencial, DP versus parkinsonismo atípico, e assim

    por diante).

    Atualmente, os testes de identificação de odores mais utilizados são o UPSIT

    (University of Pennsylvania Smell Identification Test) e o SS16 (Sniffin’ Sticks), ambos já validados

    para muitos países42–52.

    O UPSIT é um teste autoadministrável de 40 odores e, apesar de possuir tempo de

    aplicação relativamente curto (de 10 a 15 minutos), para pacientes neurológicos o tempo

  • 16

    demandado costuma ser maior e, para o uso em pesquisa, o tempo requerido, muitas vezes, não

    chega a 5 minutos. Uma outra questão a se considerar em relação ao UPSIT, é que ele é um teste

    individual e não reutilizável, o que torna seu custo maior e frequentemente impossibilita seu uso na

    realidade brasileira.

    Neste contexto, o SS16 (bateria europeia de 16 odores) se encaixa como um teste

    viável já que pode ser reutilizado várias vezes dentro de um período de validade de 6 meses e

    tem um tempo de aplicação de 5 a 10 minutos. Silveira-Moriyama e colegas37 validaram o SS16

    para o Brasil em 2010, tendo mostrado acurácia de 85,3% para o diagnóstico da DP53,54 em

    relação a controles. Entretanto, os autores mostraram que quase 50% dos itens deste teste foram

    identificados corretamente por menos de 75% da população controle, o que não coincide com

    as recomendações do próprio autor que desenvolveu o teste SS1654.

    Em um projeto prévio de mestrado na UNICAMP55 foi realizada uma nova

    adaptação do teste Sniffin' Sticks (SS16), visando a um alto índice de identificação dos itens.

    Esta adaptação, originalmente desenvolvida para testagem em crianças foi testada também em

    adultos (idade média= 39,6±10,5 anos, 57% sexo feminino), para os quais o índice de

    reconhecimento foi acima de 75% em todos os itens55,56.

    Assim, este estudo teve como objetivo avaliar a utilidade diagnóstica (na

    confirmação e no diagnóstico diferencial da DP) de testes olfativos no contexto clínico da DP

    no Brasil e no mundo. Mais especificamente, se propõe a revisar cuidadosamente a literatura

    de maneira sistematizada, organizando e resumindo as evidências já existentes sobre a acurácia

    dos testes de identificação de odores no diagnóstico diferencial de DP, comparando a acurácia

    dos diversos testes já descritos na literatura nas vertentes deste contexto, bem como avaliar a

    acurácia da nova versão do SS16 no diagnóstico da DP através de estudo prospectivo conduzido

    localmente na Unicamp, validando os achados através da comparação com os dados obtidos

    em estudo anterior conduzido na população brasileira (de Silveira-Moriyama et al.53). Além

    disso, este estudo tem o objetivo de ampliar o conhecimento sobre o déficit olfativo em DP,

    através de um trabalho de mineração dos dados de 423 pacientes parkinsonianos de uma base

    de dados desenvolvida pela Michael J Fox Foundation e publicamente disponível para uso em

    pesquisa no mundo todo.

  • 17

    2 OBJETIVOS

    2.1 Geral

    Avaliar a acurácia de testes de identificação de odores no diagnóstico da Doença de

    Parkinson.

    2.2 Específicos

    a) Através de uma revisão sistematizada da literatura, analisar a acurácia de diferentes

    testes de identificação de odores;

    b) Através de um estudo prospectivo conduzido na Unicamp, analisar:

    i. a acurácia de uma nova versão do teste Sniffin’ Sticks, criada e publicada por Bastos et

    al.55,56 (SS16-Child);

    ii. a correlação entre a pontuação no teste de olfato e outros dados clínicos;

    c) Através de um estudo retrospectivo em bases de dados externas (coletadas no Brasil e

    no Reino Unido por Silveira-Moriyama et al. e publicadas53,57), validar os achados encontrados

    no estudo realizado na Unicamp, bem como analisar outras correlações entre olfato e dados

    clínicos;

    d) Através de uma ampla base internacional de dados clínicos, analisar a acurácia do teste

    de olfato para diferenciar DP de controles e explorar a associação da função olfativa com

    achados motores e não motores na DP.

  • 18

    3 REVISÃO DE LITERATURA

    3.1 Olfato

    A percepção do olfato tem início nos receptores olfativos, que são células bipolares

    localizadas no teto da cavidade nasal, na concha nasal superior e no terço superior do septo

    nasal. Essas células possuem apenas um tipo de receptor odorante e cada receptor é capaz de

    detectar um número limitado de odores. Uma das extremidades destas células (corpo celular e

    dendritos dos neurônios de primeira ordem) está no epitélio nasal e outra, no bulbo olfatório,

    onde fazem sinapse com neurônios de segunda ordem em microrregiões chamadas de

    glomérulos (Figura 1). Neste local, há a filtragem e amplificação dos sinais de odor, o que

    fornecerá a base neural para a sensibilidade olfativa e discriminação58,59.

    Figura 1- Neurônios olfatórios

    Fonte: Silveira-Moriyama60

    Do bulbo olfatório, os neurônios de segunda ordem se projetam ao córtex olfatório

    primário, o qual é composto por núcleo olfatório anterior, córtex piriforme, córtex entorrinal

    lateral, córtex periamigdalóide e núcleo cortical da amígdala, de onde haverá, então, projeção

    para o córtex orbitofrontal, hipocampo, ínsula, córtex cingulado, núcleos da base, hipotálamo e

    tálamo61,62. Uma vez a informação tendo atingido níveis corticais, a identificação do odor será

    possível devido ao recrutamento da memória semântica e associativa, e, em exames de imagem, é

  • 19

    possível notar o envolvimento de várias áreas corticais cerebrais, notadamente a área frontal

    inferior63. Tais conexões podem ser vistas na Figura 2.

    Figura 2 - Níveis de processamento da olfação

    AON= núcleo olfatório anterior, Tu= tubérculo olfatório, PiF= córtex frontal piriforme, PiT= córtex temporal

    piriforme, PAC= núcleo cortical anterior da amígdala e córtex periamidalóide, aEnt= córtex entorrinal anterior. O

    córtex orbitofrontal é a maior área de projeção além do córtex olfatório primário.

    Fonte: Adaptado de Silveira-Moriyama60

    3.1.1 Alterações do olfato

    As alterações de olfato se manifestam de diversas formas, as quais se reúnem em

    dois grupos: o de sintomas positivos e o de sintomas negativos. No primeiro caso, fazem parte

    a parosmia (definida como uma distorção qualitativa do odor, um exemplo da parosmia seria

    sentir o cheiro de uma rosa na presença de algo fétido), a fantosmia/ alucinação olfatória

    (percepção de odor inexistente), a hiperosmia (percepção exacerbada de odores). No grupo de

    sintomas negativos, fazem parte a hiposmia e a anosmia (percepção olfativa diminuída ou

    ausente, respectivamente), sendo que a anosmia pode ser completa ou parcial (neste último caso

    a incapacidade de reconhecer odores é seletiva, ou seja, ocorre apenas para determinados

    odores)64.

    O comprometimento da qualidade de vida dos indivíduos que apresentam essas

    alterações olfativas é evidente. De acordo com Deems et al. (1991) citado por Doty65, dos

    sujeitos com comprometimento quimiossensorial, 46% apresentam mudanças no apetite ou no

    peso corporal, 68% reportam pior qualidade de vida e 56% relatam um efeito negativo nas

    atividades de vida diária e bem estar psicológico. Segundo Miwa et al.66, pessoas com alterações

    de olfato ou paladar apresentam depressão mais severa em comparação àquelas sem estas

  • 20

    condições, com consequente redução da satisfação para com a vida (isto foi observado em 50%

    dos sujeitos com alteração olfativa do estudo).

    Além do comprometimento da qualidade de vida, as alterações de olfato podem

    também causar o envolvimento em eventos perigosos. Em um estudo no qual havia 340

    indivíduos com distúrbios do olfato, 45% já haviam se envolvido em acidentes de cozinha e

    25% relataram a ingestão de comida estragada. Além disso, os referidos sujeitos relataram

    incapacidade de detectar vazamentos de gás (23%) e fogo (7%)67.

    As causas das alterações olfativas são diversas, de infecções das vias aéreas a

    doenças neuropsiquiátricas. Segundo Doty65, entretanto, as infecções de vias aéreas superiores,

    o traumatismo cranioencefálico e as alterações dos seios nasais e paranasais, representam cerca

    de dois terços das causas de comprometimento do olfato.

    Em relação às doenças neurodegenerativas, o déficit olfativo está presente em 85-

    90% dos portadores de DP ou Doença de Alzheimer em estágio inicial da doença, o que ocorre

    devido a uma combinação de fatores fisiopatológicos65.

    3.2 Doença de Parkinson

    Descrita pela primeira vez por James Parkinson, em 1817, sob o nome de “Paralisia

    Agitante”, a Doença de Parkinson (DP) foi inicialmente caracterizada pelo movimento

    involuntário (tremor) e pela diminuição da capacidade motora, associada a uma propensão de

    curvatura do tronco para frente68,69.

    Atualmente, a DP é a segunda doença neurodegenerativa mais prevalente no

    mundo, sendo esta taxa de aproximadamente 1,43% entre os indivíduos com mais de 60 anos70.

    Além disso, muitos estudos demonstram que a prevalência dessa doença pode ser maior em

    homens do que em mulheres, e o tamanho desta diferença diverge de um estudo para outro71,72.

    O diagnóstico dessa doença é feito a partir da presença dos sinais cardinais da

    doença (bradicinesia, rigidez, tremor, alterações posturais ou de marcha), além da exclusão de

    outras possíveis causas de parkinsonismo, segundo os critérios do Banco de Cérebros para

    Doenças Neurológicas de Queen Square de Londres (QSBBC), os quais estão detalhados abaixo

    (Figura 3). Estes são ainda os critérios diagnósticos mais utilizados em todo o mundo, embora

    existam outros41.

  • 21

    PASSO 1 - Diagnóstico de Síndrome Parkinsoniana

    Bradicinesia (lentidão na iniciação de movimentos voluntários com progressiva redução da

    velocidade e amplitude de ações repetitivas).

    E, ao menos, uma das características a seguir:

    a) rigidez muscular;

    b) 4-6 Hz de tremor de repouso;

    c) instabilidade postural não causada por disfunção primária visual, vestibular, cerebelar ou

    proprioceptiva

    PASSO 2 - Critérios de exclusão para a Doença de Parkinson

    História de repetidos Acidentes Vasculares Cerebrais com progressão gradual de características

    parkinsonianas;

    História de repetidos traumatismos cranioencefálicos;

    História de encefalite definida;

    Crises oculógiras;

    Tratamento com neurolépticos no início dos sintomas;

    Mais de um familiar afetado;

    Remissão sustentada;

    Sintomas estritamente unilaterais por mais de três anos;

    Paralisia supranuclear do olhar;

    Sinais cerebelares;

    Envolvimento autonômico severo precoce;

    Demência severa precoce com distúrbios de memória, linguagem e praxia;

    Sinal de Babinski;

    Tumor cerebral ou hidrocefalia comunicante visíveis em Tomografia Computadorizada;

    Resposta negativa a altas doses de levodopa (se o fator 'má-absorção' tiver sido excluído)

    Exposição à MPTP (1-metil-4-fenil-1,2,3,6-tetraidropiridina).

    PASSO 3 - Critérios de suporte prospectivos para a Doença de Parkinson

    Para o diagnóstico definitivo da Doença de Parkinson, três ou mais dos seguintes critérios são

    requeridos:

    Início unilateral;

    Tremor de repouso;

    Doença progressiva;

    Assimetria persistente afetando sobretudo o lado de início da doença;

    Resposta excelente à levodopa (70-100%);

    Coréia induzida pela levodopa;

    Resposta à levodopa por cinco anos ou mais;

    Evolução clínica de dez anos ou mais.

    Figura 3 - Critérios para o diagnóstico clínico da Doença de Parkinson

    Tradução livre do original em Inglês

    Fonte: adaptação de Gibb e Lees73

    3.2.1 Manifestações clínicas da Doença de Parkinson

    As manifestações clínicas da DP são divididas entre a sintomatologia motora e não

    motora e, embora as manifestações motoras sejam mais frequentemente associadas à DP, as

    manifestações não motoras podem preceder as motoras em anos e estão associadas à qualidade

    de vida74,75.

  • 22

    3.2.1.1 Manifestações motoras da DP

    Entre os sinais motores fazem parte tipicamente da DP os chamados sinais

    cardinais, citados anteriormente e descritos abaixo:

    a) Tremor de repouso: caracteriza-se por uma alternante e rítmica movimentação de músculos

    antagonistas, com frequência entre 4 e 6 Hz58,72. Afeta, inicial e geralmente, apenas um lado e,

    embora com a evolução da doença o lado contralateral também seja afetado, o tremor de

    repouso possui caráter assimétrico na maioria dos pacientes. A característica assumida é

    frequentemente de tremor em prono-supinação, com dedos semifletidos e movimentação em

    pinça74,76, o chamado “contar moedas”.

    b) Rigidez muscular: caracteriza-se por um aumento da resistência ao movimento, percebido

    pelo movimento passivo da articulação (como, por exemplo, no movimento de flexo-extensão

    do membro), sendo este acompanhado pelo chamado “sinal de roda denteada” (caráter

    intermitente da resistência na movimentação passiva, conforme pode ser visualizado na Figura

    4).

    Figura 4 - Sinal de roda denteada

    Fonte: Mal de Parkinson77

    c) Bradicinesia: sinal sine-que-non para parkinsonismo, a bradicinesia é descrita como o sinal

    cardinal com maior correlação com o déficit dopaminérgico estriatal e é caracterizada por uma

    redução na velocidade dos movimentos, do início destes e uma fadigabilidade aumentada na

    velocidade de sua execução. Afeta movimentos voluntários e automáticos, como tarefas de

    controle motor fino, deglutição, articulação dos sons, mímica facial, piscar dos olhos, etc.

  • 23

    Excepcionalmente os portadores de DP podem realizar movimentos rápidos, “normais”

    (sobretudo em situações excitantes, como um alerta de incêndio, por exemplo), fenômeno este

    chamado de “cinesia paradoxal”74,76.

    d) Alterações posturais e da marcha: com a evolução da doença, o indivíduo com DP passa a

    assumir uma postura de flexão de tronco e semiflexão dos braços na altura da cintura (Figura

    5). Além disso, há também a presença de instabilidade postural, a qual, junto ao congelamento,

    representa a maior causa de quedas neste grupo, e alterações da marcha (a denominada “marcha

    festinante” caracteriza-se pelo aumento progressivo da velocidade do andar e diminuição da

    passada).

    Figura 5 - Postura típica do indivíduo com Doença de

    Parkinson

    A figura mostra a postura assumida pelos pacientes com DP: tronco fletido e

    braços semi-fletidos à altura da cintura

    Fonte: Lees et al.72

    Além dos sinais cardinais, outra alteração motora importante na DP é o

    congelamento da marcha (FOG, do inglês “freezing of gait”), o qual se caracteriza pela

    incapacidade de iniciar a caminhada ou mesmo continuá-la e é, frequentemente, precedido pela

    festinação. É normalmente descrito pelos parkinsonianos como uma sensação de estar “com os

    pés grudados no chão” e ocorre principalmente durante o movimento de girar78,79. Esta

    manifestação tem grande importância clínica por ser pouco responsiva à medicação, causar

    grande perda de qualidade de vida e aumentar o risco de quedas78,80.

    3.2.1.2 Manifestações não motoras da DP

    Como dito anteriormente, também se manifestam na DP sinais não motores, seja

    devido à fisiopatologia da doença, a efeitos colaterais da medicação ou, frequentemente, a

  • 24

    ambos fatores. Estes sinais podem preceder os sintomas motores e também podem ser mais

    incapacitantes do que o próprio quadro motor58. Entre as principais manifestações não motoras

    estão58,74,81:

    a) Transtornos neuropsiquiátricos: alucinações, paranoia, depressão, apatia, agitação,

    ansiedade, demência, transtornos do controle de impulsos (TCI);

    b) Distúrbios do sono: insônia, sonolência diurna, síndrome das pernas inquietas;

    c) Transtornos cognitivos: alterações de memória, linguagem, função visuoespacial e praxia;

    d) Disfunções autonômicas: hipotensão postural, disfunção erétil, hiper-hidrose;

    e) Sintomas gastrointestinais: constipação, sialorreia, disfagia;

    f) Sintomas sensoriais: déficit ou perda do olfato (hiposmia/ anosmia), dores;

    g) Outros: fadiga, variações de peso.

    A depressão é descrita como o sintoma que leva à maior perda da qualidade de vida

    na DP e possui incidência descrita variando de 4 a 76%, sendo que estudos recentes a

    determinam em torno de 40 %58,81.

    O início dos sintomas não motores pode, em teoria, ser correlacionado ao estágio

    da doença de acordo com a Tabela 1 e a Figura 6. Embora esta relação seja possível, ela não foi

    definitivamente comprovada.

    Tabela 1 – Correlação da sintomatologia não motora aos estágios da Doença de Parkinson

    Sintoma não motor Estágio da Doença de Parkinson segundo os critérios de Braak*

    Hiposmia 1

    Alterações autonômicas 1

    Depressão 2

    Transtornos do sono 2

    Demência 4, 5, 6 * O critério de Braak baseia-se em marcadores neuropatológicos para classificar o estágio da Doença de Parkinson:

    (1) Acomete: núcleo motor dorsal dos nervos glossofaríngeo e vago, zona reticular intermediária e núcleo olfatório;

    (2) Acomete adicionalmente: núcleos da rafe, núcleo reticular gigantocelular e complexo lócus ceruleous; (4)

    Comprometimentos: regiões prosencefálicas e mesocortex temporal; (5) Comprometimento de áreas de associação

    do neocortex e neocortex prefrontal; (6) Compromete áreas de associação do neocortex, áreas pré-motoras e área

    motora primária.

    Fonte: Simuni et al.81 e Teive82

  • 25

    Figura 6 – Imagem representativa do acometimento neuropatológico na Doença de

    Parkinson de acordo com os critérios de Braak

    Fonte: Adaptado de Doty83

    3.2.1.3 Complicações motoras secundárias ao tratamento com drogas dopaminérgicas

    a) Deterioração de final de dose (“Wearing off”)

    É denominado “deterioração de final de dose”, quando, com o avanço da doença,

    o efeito terapêutico das drogas dopaminérgicas encurta-se, passando a durar algumas poucas

    horas (em casos extremos este efeito pode ser, até mesmo, inferior a 1 hora). O wearing off é

    o tipo mais comum de flutuação motora e pode ser percebida, inicialmente, pelo relato dos

    pacientes sobre a presença de sintomas motores ao despertar e que melhoram após a ingestão

    do medicamento58,84–87. A explicação para o desenvolvimento desta condição é complexa e

    ainda parcialmente compreendida58,84.

    b) Fenômeno ON-OFF

    O fenômeno on-off se caracteriza pela passagem súbita e imprevisível do período

    on (sob efeito da levodopa) para o período off (sem efeito da levodopa), sendo frequentemente

    comparado ao apagar e acender uma luz. Em casos mais severos, o fenômeno on-off é

    metaforizado como efeito “ioiô”, pois a passagem se dá do período on para o off e, então,

    novamente para o período on 88.

  • 26

    De acordo com Aquino e Fox88, o fenômeno on-off está relacionado com fatores

    farmacocinéticos e farmacodinâmicos da terapia crônica de levodopa associada a uma severa

    neurodegeneração da dopamina nigroestriatal. Segundo os mesmos autores:

    “No início da DP, existe uma relação linear entre a dose de levodopa e a resposta anti-

    parkinsoniana. No entanto, em pacientes avançados de DP com flutuações motoras,

    esta resposta de dose muda para uma curva sigmoide; assim, os pacientes estão ligados

    a um nível crítico, abaixo do qual estão off e acima do qual estão essencialmente on.”88

    (tradução livre)

    c) Discinesia induzida por levodopa

    O termo “discinesia induzida por levodopa” (LID, do inglês ‘levodopa-induced

    dyskinesia’) é utilizado para se referir aos movimentos involuntários que surgem em

    decorrência do tratamento crônico com levodopa, sendo suas formas mais comuns de

    apresentação a coreia e a distonia (distonia do período off, distonia de pico de dose e coreia e

    balismo de pico e dose)89,90. A LID afeta cerca de 30 a 40% dos parkinsonianos em uso crônico

    de levodopa, chegando a uma incidência de mais de 80% após 10 anos de tratamento70,90,91.

    Ainda que a levodopa seja a principal escolha clínica, pois é a droga com maior

    efeito nos sintomas motores da doença, o uso crônico e alta dose cumulativa são os principais

    fatores da LID. Além da estimulação dopaminérgica, contribuem como fatores desencadeantes

    da LID o início precoce e a severidade da doença70,92.

    O impacto das discinesias na qualidade de vida (QoL, do inglês ‘Quality of life’)

    depende de sua severidade. Enquanto os pacientes com grau leve de discinesia preferem a

    presença desta aos sintomas motores próprios da doença (e, portanto, relatam baixo impacto da

    discinesia na QoL), aqueles que possuem discinesia de graus mais severos relatam que esta

    manifestação é completamente debilitante, atrapalhando, inclusive, tarefas vitais como comer

    e beber85,93.

    3.2.1.4 Complicações não motoras secundárias ao tratamento com drogas dopaminérgicas

    a) Transtornos do Controle de Impulsos

  • 27

    “A impulsividade é descrita como uma característica do

    comportamento marcada por reações rápidas e não planejadas, em

    que a avaliação das conseqüências não é realizada, ou o é apenas de

    forma parcial, focando-se preferencialmente em aspectos imediatos

    em detrimento das conseqüências a longo prazo.”94

    Os transtornos do controle de impulsos (TCI) envolvem a repetição (excessiva/

    compulsiva) de comportamentos prazerosos, ainda que seja prejudicial ao próprio indivíduo ou

    a outros70,95. Segundo Tavares e Alarcão94, isso pode ocorrer devido a inibições pobremente

    estruturadas ou porque os impulsos são tão intensos que superam a inibição.

    Na gama de comportamentos que podem ser incluídos dentro da definição de TCIs,

    estão presentes o jogo patológico e os comportamentos sexuais, alimentares e de compra

    compulsivos, os quais são, com frequência, encontrados em parkinsonianos em tratamento

    dopaminérgico. Comportamentos viciosos, como punding (comportamentos anormais

    repetitivos não orientados a um objetivo), “hobismo” (do inglês hobbysm, comportamentos

    anormais repetitivos com um objetivo inicial de hobby/recreação), walkabout (andar “sem

    rumo” excessivamente) e uso excessivo de medicação, estão também associados aos TCIs

    presentes em pacientes em uso de drogas dopaminérgicas70,89,95–97.

    Weintraub et al.97 relatam que, tanto o uso de levodopa, quanto o de agonistas

    dopaminérgicos (DA), estão associados independentemente aos TCIs, porém somente a

    levodopa apresenta efeito dose-dependente. Entretanto, segundo Voon et al.89, estudos

    longitudinais demonstraram que a descontinuação de DA resulta na melhora do TCI.

    Entre outros fatores descritos na literatura como associados aos TCIs estão: sexo

    masculino, idade inferior a 65 anos, história familiar de TCIs ou de vício em jogo, tratamento

    com agonistas dopaminérgicos e levodopa, depressão, ansiedade, transtorno obsessivo-

    compulsivo, novelty seeking (“tendência a buscar sensações e experiências variadas, novas,

    complexas e intensas e a vontade de enfrentar riscos físicos, sociais, legais e financeiros por

    essa experiência” 98), ser solteiro e ser fumante70,89,97

    Em relação especificamente ao punding, Silveira-Moriyama et al.99, em uma análise

    com 45 sujeitos com DP, encontraram uma relação entre este comportamento e a presença de

    discinesias: parkinsonianos com punding apresentaram discinesias mais severas do que aqueles

    sem punding (p=0,04). Segundo os autores, isso ocorreria justamente porque tanto o punding

    quanto a discinesia relacionam-se com a medicação dopaminérgica, embora os achados tenham

    resistido ao ajuste estatístico ao uso destas drogas, sugerindo que um mecanismo

    dopaminérgico comum pode estar por trás da associação. Outros estudos também afirmam a

    correlação entre TCIs/ comportamentos associados e discinesia 89,95,100, porém ainda existem

  • 28

    poucos estudos nessa área. Esta hipótese de associação entre punding e discinesia devido ao

    efeito dopaminérgico ainda levanta a possibilidade de associação destes com os transtornos do

    olfato181,185. A transmissão dopaminérgica é de fundamental importância na olfação, uma vez

    que a dopamina é um neurotransmissor modulador nos glomérulos olfativos do bulbo olfatório

    e alguns estudos prévios associaram a DP a um aumento da atividade dos glomérulos que

    poderia justificar a hiposmia101.

    b) Psicose

    Na DP, a psicose pode envolver alucinações (“percepções aberrantes espontâneas”),

    ilusões (“interpretações erradas de estímulos perceptuais reais”), delusões (falsas crenças que

    são mantidas ainda que evidências mostrem o contrário) e a falsa “sensação de presença”102,103.

    As alucinações ocorrem, sobretudo, como visões bem estruturadas (um exemplo

    seria a visão de insetos na comida), que podem durar de segundos a minutos e, se inicialmente

    tendem a ocorrer no período noturno, em estágios mais avançados podem ocorrer a qualquer

    momento do dia. Alucinações olfativas, auditivas e táteis aparecem raramente. Em relação às

    delusões, a forma mais comum de ocorrência é a delusão paranoide, que pode assumir caráter

    ameaçador ou ainda sexual (enxergar o parceiro tendo relação sexual com outra pessoa, por

    exemplo). As ilusões, por sua vez, podem ser exemplificadas como o enxergar de um inseto

    onde há apenas uma mancha no chão, e podem estar presentes em mais de 60% dos

    parkinsonianos58,102,103.

    Embora outras causas sejam também atribuídas à ocorrência de psicoses na DP

    (Figura 7), acredita-se que o principal fator contribuinte seja o uso de medicação

    dopaminérgica. Inclusive, segundo afirmam Diederich et al.102 e Fenelon et al.104, as

    alucinações eram pouco relatadas na DP antes da “era dopaminérgica”.

    Figura 7 – Possíveis fatores desencadeantes

    da psicose na Doença de Parkinson

    Fonte: Adaptado de Martinez-Ramirez et al.103

  • 29

    c) Disautonomia

    Disfunções do sistema nervoso autônomo na DP podem ser decorrentes de diversos

    fatores, como idade, duração da doença e altas doses de medicação dopaminérgica, e geram

    uma série de complicações comprometedoras da qualidade de vida dos parkinsonianos, como

    alterações cardiovasculares, gastrointestinais, urinárias e sexuais.

    Entre as disautonomias induzidas pelo tratamento crônico com levodopa, a

    hipotensão postural (HP) é o tipo de manifestação mais comum, podendo acarretar em síncope

    com queda da própria altura.

    Outra importante complicação são as alterações gastrointestinais, sendo a

    constipação intestinal o efeito mais frequentemente relatado105.

    3.3 Alterações olfativas na Doença de Parkinson

    Foi em 1975 que as alterações olfativas foram reconhecidas como parte do quadro

    da DP106. Hoje, se sabe que a frequência deste comprometimento chega a superar à do tremor

    em repouso (cerca de 70%), um dos sinais cardinais da DP: já em 1988 Doty107 encontrou uma

    taxa em torno de 90% em um estudo com 81 parkinsonianos, utilizando o teste de olfato UPSIT

    e, em 2009, um estudo com 400 sujeitos com DP revelou uma incidência superior a 96%14.

    Estudos iniciais não encontraram associação do déficit olfativo com terapia medicamentosa,

    severidade ou duração da doença21,23,24,65,108. Esta noção, porém, tem sido questionada

    pontualmente, gerando uma interessante controvérsia e a possibilidade do uso de testes de olfato

    no seguimento da doença37,109–113.

    Segundo Sommer et al.30, essa associação entre a perda olfativa e a severidade da

    doença não é significativa pois, quando a DP é diagnosticada, o comprometimento da função

    olfativa já é alto. Isso ocorre porque os sintomas motores que levam ao diagnóstico só surgem

    quando há uma perda de cerca de 60% dos neurônios dopaminérgicos da substância negra,

    quando o início da doença se deu entre 4 e 6 anos mais cedo. Além disso, a maioria dos

    indivíduos com DP desconhece sua alteração olfativa, o que acarreta na falta de busca precoce

    por diagnóstico13. Isto demonstra que, mais do que um fator associado à DP, a perda olfativa é

    considerada como um dos fatores preditivos da doença, podendo anteceder os sintomas motores

    em vários anos.

  • 30

    O fato de que as avaliações do olfato normalmente são não invasivas, e são de

    simples realização e baixo custo, tornaram o déficit olfativo em um biomarcador promissor

    para a DP114.

    3.3.1 Substrato neuropatológico das alterações olfativas na Doença de Parkinson

    Embora as alterações olfativas tenham sido associadas à DP há mais de 40 anos,

    seu substrato neuropatológico ainda permaneceu não compreendido por muito tempo e, ainda

    hoje, estes mecanismos ainda são considerados enigmáticos. Em um estudo publicado em 2012

    na Nature, Doty83 fez uma revisão sobre os fatores que poderiam explicar as alterações de olfato

    na DP, os quais encontram-se sintetizados nos parágrafos a seguir.

    Uma das teorias que justificam o surgimento do comprometimento olfativo antes

    mesmo da manifestação dos sintomas motores da doença é a presença de alfa-sinucleína em

    estruturas relacionadas ao processamento olfativo (enquanto a presença desta em áreas que

    justificam o comprometimento motor ocorre mais tardiamente, conforme pôde ser visto na

    Figura 6). Assim, nos pacientes com DP, são encontradas maiores concentrações de alfa-

    sinucleína no bulbo olfatório, núcleo olfatório anterior e outras estruturas olfatórias secundárias

    que recebem projeções do bulbo olfatório (núcleo cortical da amígdala, cortéx piriforme e

    córtex entorrinal) (Silveira-Moriyama et al., 2009; Sengoku et al., 2008; Harding et al., 2002

    citados por Doty, 201283).

    Outro possível fator relacionado ao déficit olfativo na DP é a presença de

    aglomerados de proteína Tau (proteínas Tau são responsáveis por estabilizar a montagem dos

    microtúbulos) no componente bulbar do núcleo olfatório anterior, a qual está presente em

    doenças que cursam com déficit olfativo (como DP e Doença de Alzheimer), mas não em outras

    doenças neurodegenerativas que não têm comprometimento olfativo, como PSP (Mundiñano et

    al., 2011 e Tsuboi et al., 2003 citados por Doty, 201283, Fullard et al., 2017114 e Rey et al.,

    2018115). No entanto, segundo Doty (2017)15, ainda não está claro se se esses depósitos causam

    alterações olfativas ou se são manifestações de danos anteriores associados a essa disfunção.

    Além disto, é possível também que as alterações olfativas na DP sejam decorrentes

    de alterações em neurotransmissores, que, em teoria, poderiam preceder ou catalisar o

    desenvolvimento das características neuropatológicas da doença83. Apesar da interpretação do

    papel dos neurotransmissores ser complicada pelo fato deles não funcionarem isoladamente

    (são influenciados uns pelos outros e por outros processos dentro do cérebro), o grau de

  • 31

    comprometimento de vários circuitos de neurotransmissores é geralmente correlacionado com

    diferenças nos escores dos testes olfativos15.

    Segundo Doty (2012)83, há um significativo comprometimento do núcleo basal de

    Meynert, principal responsável pela produção de acetilcolina, na DP e em outras doenças

    neurodegenerativas que cursam com alterações de olfato. Além disto, em condições normais, o

    tubérculo olfativo e outras regiões mesolímbicas recebem estímulo dopaminérgico do tegmento

    ventral. Na DP, porém, a reconhecida degeneração dos neurônios dopaminérgicos pode

    comprometer este mecanismo de estimulação de áreas relacionadas ao olfato, alteração que

    pode ser responsável pela perda olfatória na DP. Ainda em relação à dopamina, Huisman et al.

    (2004)101 demonstraram haver um aumento de dopamina no bulbo olfatório de pacientes com

    DP, o que, pelo efeito inibitório da dopamina sobre a transmissão olfativa, também pode

    justificar as alterações de olfato nestes indivíduos.

    Doty (2012)83 relata ainda que a patologia associada à inflamação pode ser outra

    possível explicação para os déficits de olfato, sendo o bulbo olfatório a região mais suscetível

    a esta inflamação.

    Além disto, é possível ainda que fatores ambientais que são considerados fatores de

    risco para a DP, sejam também fatores de risco para as alterações olfativas, como a idade,

    traumatismo cranioencefálico, exposição à nanopartículas, viroses, metais ionizados e

    pesticidas.

    3.3.2 Testes de olfato na Doença de Parkinson

    Desde que, em 1975, os déficits olfativos passaram a ser reconhecidos na DP, o

    interesse em encontrar formas eficazes e rápidas de identificar estas alterações aumentou

    significativamente e os testes de olfato têm demonstrado cumprir tais propósitos. Os testes de

    olfato são classificados, principalmente, em três categorias: 1) testes de discriminação de

    odores: o sujeito é apresent

    ado a um conjunto de três estímulos (2 iguais e 1 diferente) e deve discriminar o

    odor diferente; 2) detecção do limiar olfativo: assim como a anterior, esta modalidade é

    constituída de um conjunto de 3 estímulos (apresentados sob a forma de canetas ou tubos),

    porém, neste caso, dois dos estímulos não contêm nenhum odor e o outro é apresentado em

    diferentes concentrações – o limiar olfativo é determinado pela menor concentração em que

    determinado indivíduo consegue detectar o odor; 3) teste de identificação de odores: nesta

    modalidade, apenas um odor é apresentado e o sujeito deve ser capaz de distingui-lo dentro de

  • 32

    um conjunto de opções (lidas pelo examinador ou pelo próprio participante ou ainda

    apresentadas sob forma de figura)13,39. Uma vez que os testes de identificação são de mais fácil

    e rápida aplicação (alguns podem, inclusive, ser autoadministrados), eles constituem a principal

    modalidade utilizada na rotina clínica53,116.

    Mundialmente, os testes mais utilizados são o University of Pennsylvania Smell

    Identification Test (UPSIT) e o Sniffin’ Sticks116.

    Desenvolvido em 1984 em um estudo com mais de 1600 sujeitos, o UPSIT é

    composto por 40 itens, sendo cada um apresentado em uma página (o odor encontra-se

    embebido em microcápsulas e deve ser raspado para ser liberado). É um teste amplamente utilizado

    em todo o mundo, com validação para diversos países (inclusive o Brasil53,117–119), que pode ser

    autoadministrado e que possui alta confiabilidade teste-reteste. Além disso, esse teste tem sido

    utilizado tanto em pesquisas quanto em situações clínicas e tem se mostrado eficiente no

    diagnóstico de perdas olfativas decorrentes de doenças neurológicas e no diagnóstico

    diferencial de parkinsonismo e demências53,120–122.

    Apesar de, nos Estados Unidos e em sujeitos normais, o UPSIT apresentar um

    tempo de aplicação relativamente curto (de 10 a 15 minutos), segundo a empresa que o

    manufatura, em situações clínicas o tempo pode ser bem maior, especialmente em pacientes

    com distúrbios neurológicos. Além disso, algumas pesquisas e situações epidemiológicas

    requerem um tempo de avaliação menor que 5 minutos, impossibilitando a realização do UPSIT

    completo, mesmo sob as melhores condições. Há também o fato de que alguns dos odores

    contidos neste teste não são universalmente familiares (como cerveja escura ou alcaçuz, por

    exemplo). Frente a isto, foi desenvolvido um teste análogo ao UPSIT, o qual foi denominado

    "Cross Cultural Smell Identification Test" (CC-SIT)123. Este teste conta com apenas 12 itens

    autoadministráveis, escolhidos entre os odores 'multiculturais'. Entretanto, em um estudo

    britânico57, este teste se mostrou inferior ao UPSIT completo no diagnóstico da Doença de

    Parkinson e, no México, este teste também teve uma baixa acurácia no diagnóstico de DP43.

    Ademais, este teste ainda não foi validado para o Brasil.

    O SS16 foi desenvolvido por Hummel em 199754 e é composto pelas três

    modalidades acima citadas (discriminação, identificação e limiar olfativo), as quais, entretanto,

    podem ser usadas separadamente.

    O componente de identificação de odores (Figura 8), modalidade mais utilizada

    dessa bateria de teste, possui 16 canetas cujos tampões são preenchidos por líquidos com odor

    ou por odores dissolvidos em propilenoglicol (a parte de identificação de odores do Sniffin’ Sticks

    tem sido usualmente nomeada como SS16). Estas canetas são apresentadas uma a uma ao

  • 33

    participante, devendo ser mantidas uma distância de, aproximadamente, 2 cm das narinas. Cada

    odor é apresentado por cerca de 3 segundos e deve haver um intervalo aproximado de 20 segundos

    entre a apresentação de cada odor54,124.

    Figura 8 – Teste de identificação de odores Sniffin’ Sticks

    Kit com as 16 canetas do teste de identificação de odores

    Fonte: Burghart-Messtechnik125

    Este teste é bastante utilizado na população europeia e validado para diversos outros

    países, entre os quais o Brasil está incluído47–51. Como os testes de identificação de odores são

    dependentes de fatores culturais, é importante que o teste esteja validado para aquela população

    na qual será utilizado126. No Brasil, o SS16 foi validado para a população adulta (acurácia de

    85,3% no diagnóstico diferencial entre DP e controles) e também possui adaptação para a

    população pediátrica53,55,56.

    Entretanto, vários itens deste teste para adultos foram identificados corretamente

    por menos de 75% da população controle (laranja 86,4%, couro 59,3%, canela 66,1%, menta

    94,9%, banana 90,7%, limão 75,4%, alcaçuz 64,4%, solvente de tinta 48,4%, alho 83,1%, café

    89,8%, maçã 32,2%, cravo 78%, abacaxi 67,8%, rosa 60,2%, anis 78%, peixe 87,3%), o que

    demonstra que esse teste não está otimizado para sua performance máxima, uma vez que o

    recomendado é que todos os itens do teste devam ter reconhecimento igual ou superior a 75%

    na população controle, para que se alcance a performance ideal, como também foi estabelecido

    no estudo em que foi desenvolvido o Sniffin' Sticks54. Existe, portanto, uma lacuna científica,

    uma vez que este teste necessita de uma melhor adaptação à população brasileira.

  • 34

    4 ACURÁCIA DE TESTES DE IDENTIFICAÇÃO DE ODORES NO DIAGNÓSTICO

    DIFERENCIAL DA DOENÇA DE PARKINSON: REVISÃO SISTEMATIZADA DA

    LITERATURA

    As alterações de olfato foram reconhecidas como parte do quadro da Doença de

    Parkinson em 1975 e sua avaliação hoje faz parte dos critérios diagnósticos da doença, segundo

    recomendação mais recente da Movement Disorders Society (MDS) de 2015127. Em suas

    recomendações, porém, a MDS não determina qual modalidade de teste de olfato ou qual teste

    em específico deve ser utilizado e diversos testes têm sido utilizados em todo o mundo em suas

    diferentes modalidades (discriminação, identificação e detecção do limiar olfativo). Como os

    testes de identificação de odores constituem a modalidade mais utilizada (por sua rapidez e

    facilidade de incorporação no ambiente clínico)53,116, este estudo se propôs a revisar a literatura

    existente sobre o uso de testes de identificação de odores no diagnóstico da DP em relação à

    população neurologicamente saudável (os chamados “controles”), bem como em relação às

    doenças que cursam com sintomatologia parecida à da DP e são, portanto, consideradas

    diagnósticos diferenciais da DP (como, por exemplo, a AMS e a PSP).

    4.1 Materiais e métodos

    A metodologia para a revisão de testes de olfato utilizados na Doença de Parkinson

    incluiu a busca por estudos no site PubMed (https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed) e a

    tabulação destes através do FLink (https://www.ncbi.nlm.nih.gov/Structure/flink/ flink.cgi),

    sendo ambas plataformas disponibilizadas pelo National Center for Biotechnology Information

    (NCBI).

    4.1.1 Escolha das palavras-chave

    A busca foi realizada com as palavras-chave relacionadas ao olfato ou déficit

    olfativo e à Doença de Parkinson e outros parkinsonismos inseridos no campo de busca da

    seguinte forma: “(hyposmia OR anosmia OR olfaction OR olfactory OR sniffin) AND

    (parkinsonism OR tremor OR bradykinesia OR cerebelar OR (supranuclear AND gaze AND

    palsy) OR (multiple AND system AND atrophy) OR dystonia”.

  • 35

    4.1.2 Seleção de artigos

    4.1.2.1 Critérios de inclusão

    Foram incluídos os estudos que cumpriram os seguintes critérios:

    a) Uso de testes de identificação de odores;

    b) Testes aplicados em pacientes com Doença de Parkinson e comparados com controles

    ou os seguintes diagnósticos diferenciais desta: atrofia de múltiplos sistemas (AMS),

    paralisia supranuclear progressiva (PSP), tremor distônico (TD), tremor essencial (TE),

    ataxias cerebelares, parkinsonismo vascular, parkinsonismo secundário a drogas e

    SWEDDs (do inglês “Scans Without Evidence of Dopamine Deficit”, que são os

    indivíduos clinicamente diagnosticados como DP, porém com exame sem evidência de

    déficit dopaminérgico ao exame de Medicina Nuclear);

    c) Descrição da sensibilidade e especificidade originais de estudos DP/controle saudável

    e/ou DP/controle doença, sendo definido como “controle saudável” os indivíduos sem

    nenhuma alteração neurológica e, como “controle doença”, os sujeitos com outros tipos

    de parkinsonismo.

    4.1.2.2 Critérios de exclusão

    Os artigos foram filtrados pela leitura do título, resumo ou texto completo, sendo

    excluídos aqueles que:

    a) Estavam em idioma diferente de Português, Inglês ou Espanhol;

    b) Foram publicados antes de 1975, quando as alterações olfativas foram reconhecidas

    como parte da sintomatologia da DP;

    c) Envolviam somente animais ou outros seres vivos;

    d) Comparavam os demais tipos de parkinsonismos a controles e não a pacientes com DP;

    e) Envolviam indivíduos prodrômicos;

    f) Fizeram comparações intragrupo na DP (ex.: sujeitos com DP com e sem alteração de

    sono), mas não compararam com sujeitos que não tivessem DP;

  • 36

    g) Não estavam relacionados ao olfato (ex.: estudos relacionados a causa e/ou tratamento

    da DP);

    h) Utilizavam outros métodos diagnósticos da função olfativa (ex.: exame de imagem);

    i) Abordavam testes de olfato que não fosse o de identificação de odores;

    j) Tratavam de outras alterações olfativas, que não hiposmia/ anosmia;

    k) Não tinham foco no diagnóstico diferencial da DP.

    4.1.2.3 Extração dos dados

    Foram extraídos dos estudos os dados gerais (número de participantes, idade média,

    duração da doença), sensibilidade (Se), especificidade (Sp), valor preditivo positivo (VPP) e

    valor preditivo negativo (VPN), utilizando um modelo padronizado pelo programa Excel 2016.

    Foram incluídos os testes de identificação do olfato de acordo com as medidas

    binárias (por exemplo, resultado do teste positivo ou negativo, de acordo com os valores de

    corte pertinentes ao teste específico, população e condições estudadas). Não realizamos

    nenhuma conversão de dados reportados em termos de percentis (como quartis ou quintis) e

    incluímos apenas estudos que relataram resultados em termos binários.

    Foram excluídos os dados relatados exclusivamente para formas de início precoce

    ou monogênica de DP, mas não foram excluídos casos individuais por idade de início.

    Incluímos estudos de caso-controle e extraímos dados demográficos básicos para estimar como

    esses grupos de controle se comparam com a população geral saudável.

    Os estudos que não relataram sensibilidade e especificidade, foram excluídos. Para

    estudos que não relataram VPP ou VPN, os dados brutos foram revisados para calcular essas

    medidas.

    4.1.3 Análise estatística

    Não foi realizada uma meta-análise nesse estudo porque nossos dados possuíam

    alta heterogeneidade (diferentes testes, diferentes pontos de corte, diferentes populações). Foi

    utilizado o Excel 2016 para tabular os dados e calcular os valores preditivos positivos e

    negativos, conforme Steinberg et al.128 e Molinaro129, e o software MetaDiSc foi utilizado para

    produzir gráficos de floresta (tradução literal do termo em inglês “forest plots”, empregado para

    este tipo de gráfico), sumarizando os dados de estudos diferentes com seus respectivos

  • 37

    intervalos de confiança. O programa QuickCalcs (https://www.graphpad.com/quickcalcs/) foi

    utilizado para o cálculo dos intervalos de confiança.

    4.2 Resultados

    Como demonstrado no fluxograma da Figura 9, a pesquisa no PubMed resultou em

    4093 estudos na ausência de qualquer filtro. Destes, 90 já foram inicialmente excluídos por

    estarem em língua diferente de inglês, espanhol ou português e 13 por serem realizados antes

    de 1975, ano em que os distúrbios olfativos passaram a ser classificados como parte do quadro

    da DP. Além disso, 3387 foram excluídos pelo título por, claramente, não estarem relacionados

    ao assunto da pesquisa (por abordarem exclusivamente experimentos animais, in vitro ou ainda

    estudos em humanos com doenças outras que não a doença de Parkinson e seus diagnósticos

    diferenciais). Os 598 estudos restantes foram filtrados pelo resumo ou texto completo e, ao

    final, restaram 43 estudos para a revisão. Um estudo foi incluído após a checagem das

    referências dos demais estudos, totalizando, portanto, 44 estudos.

    Figura 9 – Fluxograma da Revisão Sistemática

    AMS= Atrofia de Múltiplos Sistemas; DP= Doença de Parkinson; PSP= Paralisia Supranuclear Progressiva;

    SWEEDs= Scans Without Evidence of Dopamine Deficit; TD= Tremor Distônico; TE= Tremor Essencial

    Fonte: Dados do autor

    https://www.graphpad.com/quickcalcs/

  • 38

    Do total de 44 estudos que reportaram a sensibilidade e a especificidade dos testes

    de identificação de odores (SIT, do inglês smell identification test), 30 compararam o

    desempenho olfatório entre pacientes com DP e indivíduos controles e 26 avaliaram a diferença

    no desempenho olfatório entre a DP e outros parkinsonismos (as comparações não são

    excludentes).

    Os testes utilizados nos estudos selecionados estão descritos no quadro abaixo

    (Figura 10) e os valores específicos (Se, Sp, VPP e VPN) de cada estudo para cada análise estão

    detalhados nos itens a seguir, de acordo com o grupo de doenças ao qual pertencem.

    UPSIT130

    (University of Pennsylvania Smell

    Identification Test)

    UPSIT-TC52

    (versão chinesa do UPSIT)

    SS32131

    (versão ampliada do SS16, com 32 itens)

    B-SIT-12132

    (versão de 12 itens do UPSIT) *

    UPSIT-3133133

    (versão de 3 itens do UPSIT)

    BOIT

    (Brief Odor Identification Test)

    B-SIT-B57,132

    (versão de 12 itens do UPSIT) **

    SS1654

    (Sniffin’ Sticks – parte identificação)

    INSIT134

    (Indian Smell Identification Test)

    UPSIT-BR46,53,118

    (versão brasileira do UPSIT)

    SS16-BR53

    (versão brasileira do SS16)

    IOIT135

    (Italian Olfactory Identification Test)

    UPSIT-IT27

    (versão italiana do UPSIT)

    SS16-CH19

    (versão chinesa do SS16)

    OE26

    (Open Essence)

    BSIT-MEX43

    (versão mexicana do BSIT-12)

    SS12-CH19

    (versão de 12 itens do SS16-CH)

    Quick-3136

    (Quick 3-odor test)

    UPSIT-ST137–139

    (spanish translation of UPSIT)

    SS12-ES140

    (versão estoniana de 12 itens do SS16)

    OSIT-J141

    (Odor Stick Identification Test for

    Japanese)

    Figura 10 - Testes de olfato utilizados nos estudos da revisão

    * versão cross-cultural de 12 itens do UPSIT; ** versão de 12 itens do UPSIT descrita como de maior sensibilidade

    na doença de Parkinson

    Fonte: Dados do autor

    4.2.1 Acurácia de testes de identificação de odores no diagnóstico diferencial entre DP e

    controles

    Devido à grande quantidade de estudos que analisaram a acurácia dos SITs no

    diagnóstico diferencial entre DP e controles, estes resultados estão apresentados sob a forma de

    gráfico de floresta (Figura 11). Para facilitar a visualização destes resultados, cada estudo foi

    codificado com um número e a chave para estes números se encontra na Tabela 2.

  • 39

    Figura 11 – Sensibilidade e especificidade dos testes de identificação de odores em DP e

    controles

    Gráfico de floresta da sensibilidade (à esquerda) e da especificidade (à direita) dos testes de identificação de

    odores no diagnóstico diferencial entre pacientes com Doença de Parkinson e controles

    IC95%= intervalo de confiança de 95%

    Fonte: Dados do autor

  • 40

    Tabela 2 – Estudos sobre testes de olfato em parkinsonianos e controles

    Primeiro autor, ano Teste de olfato País Possível subdivisão Ponto de corte/ total de itens N

    (DP)

    N

    (controles) Identificação

    Doty, 19952 UPSIT EUA

    ≤60

    anos

    F 33/40 28 112 1a

    M 31/40 32 128 1b

    61-70

    anos

    F 30/40 20 104 1c

    M 25/40 52 76 1d

    ≥71

    anos

    F 25/40 23 92 1e

    M 22/40 25 100 1f

    Double, 200321 BSIT-12 Austrália - Percentis por grupo 49 52 2

    Bohnen, 2007133 UPSIT-3 EUA - 1/3 27 27 3

    Boesveldt, 2008109 SS16 Holanda - 10,5/16 404 150 4

    Bohnen, 2008142 UPSIT EUA - 27/40 45 45 5

    Silveira-Moriyama, 200853 UPSIT-BR e

    SS16-BR Brasil

    UPSIT-BR 29 (F;

  • 41

    Tabela 2 - Estudos sobre testes de olfato em parkinsonianos e controles (continuação)

    Primeiro autor, ano Teste de olfato País Possível subdivisão Ponto de corte/ total de itens N

    (DP)

    N

    (controles) Identificação

    Mollenhauer, 2013146 SS16 Alemanha - 10/16 159 110 19a

    - 11/16 159 110 19b

    Antsov, 2014140 SS12-ES Estônia - 7/12 50 50 20

    Driver-Dunckley, 2014147 UPSIT EUA - 22/40 10 69 21

    Picillo, 201427 UPSIT-IT Áustria - 21/40 68 61 22

    Rodriguez-Violante, 2014138 UPSIT-ST México - 25/40 138 175 23

    Rodriguez-Violante, 2014137

    UPSIT-ST, SS16,

    BSIT-MEX

    México

    UPSIT-ST

    25/40

    100

    100

    24a

    SS16 9/16 99 99 24b

    BSIT-MEX 9 (

  • 42

    O Quick 3-odor test (Quick-3)136 foi o teste que apresentou o menor valor de

    sensibilidade (28%), embora tenha apresentado um alto valor de especificidade (99%), para

    discriminar os 148 sujeitos com DP dos controles. Inicialmente, os autores utilizaram o SS16

    e, então, escolheram os 3 odores dos 16 que tiveram maior precisão para distinguir DP e

    controles (hortelã-pimenta, anis e café). Outras combinações de itens, bem como o resultado

    total do teste, tiveram os valores descritos no manuscrito, mas o Quick-3 foi o único que teve

    sensibilidade e especificidade descritas.

    Por outro lado, a versão espanhola do UPSIT aplicada no México (UPSIT-ST) teve

    a menor especificidade (66%), com um valor de 82% de sensibilidade. Este estudo analisou 100

    pacientes com DP e 100 controles pareados por sexo. A média de identificação correta dos itens

    do UPSIT-ST foi de 19,4 na DP e 27,3 nos controles (em um total de 40)137.

    O teste com maior sensibilidade foi o OE (teste de identificação de odor tipo cartão),

    teste aplicado no Japão26. Com um ponto de corte de 7/12, este teste apresentou sensibilidade

    de 96% e especificidade de 72% na diferenciação entre DP e controles. Esses autores também

    avaliaram os valores de sensibilidade e especificidade do OE para os pontos de corte 5/12 e

    6/12 (ponto de corte 5: Se= 76%, Sp= 92%; ponto de corte 6: Se= 85%, Sp= 85%). A amostra

    desse estudo foi composta por 98 pacientes com DP e 96 controles com idade superior a 50

    anos (eles também incluíram 32 pacientes com AMS e 17 com PSP, mas essa análise não foi

    considerada neste tópico).

    Por fim, o OSIT-J, um teste de identificação do olfato com 12 odores, foi o teste

    que apresentou maior valor de especificidade (100%) e também alto valor de sensibilidade

    (81%)20. Este estudo incluiu 94 pacientes com DP e 29 controles pareados pela idade, os quais

    pontuaram 4,4 e 10,5, respectivamente (o valor de corte considerado foi de 7).

    4.2.2 Acurácia de testes de identificação de odores no diagnóstico diferencial entre DP e TE

    Foram encontrados 3 estudos que incluíram os valores de sensibilidade e

    especificidade dos SITs no diagnóstico diferencial entre DP e TE.

    O estudo de Chen et al.152, utilizou a versão chinesa do SS16 (SS16-CH) para

    avaliar 37 pacientes com DP e 26 com TE. Os autores encontraram uma média no SS16-CH

    significativamente menor na DP do que no TE (8,6 ± 2,9 e 12,2 ± 1,6, respectivamente; p

  • 43

    diferenciar esses grupos foram de 62,2% (IC 95%= 52,2%-70,91%) e 96,2% (IC95%= 94,8%-

    97,2%), respectivamente.

    Em 2015, Hernández et al.151 utilizaram uma versão de 12 itens do Sniffin’ Sticks

    (SS12) para comparar o desempenho olfativo entre 21 pacientes com TE e 30 com DP. Os

    autores encontraram uma sensibilidade de 70% e especificidade de 66,7% para o diagnóstico

    diferencial entre estas duas patologias. O ponto de corte utilizado foi de 8.

    Mahlknecht et al.150 analisaram a acurácia no diagnóstico entre DP e TE tanto da

    versão completa do Sniffin’ Sticks (SS16), quanto da versão com 8 itens (SS8). Na versão

    completa, os autores observaram uma sensibilidade de 92,1% e especificidade de 82,8% para o

    ponto de corte de 10 e de 84,1% e 89,7%, respectivamente, para o ponto de corte de 9.

    Utilizando o ponto de corte de 5 para o SS8, a sensibilidade foi de 93,7% e a especificidade de

    75,9% e, utilizando o ponto de corte de 4 para o SS8, estes valores foram de 84,1% e 93,1%,

    respectivamente.

    4.2.3 Acurácia de testes de identificação de odores no diagnóstico diferencial entre DP e

    AMS

    Foram encontrados 5 estudos que analisaram o poder dos testes de identificação de

    odores na discriminação entre DP e AMS (Tabela 3).

    Tabela 3 – Estudos comparando a performance olfativa entre DP e AMS

    Primeiro autor,

    ano País

    Teste de

    olfato

    Ponto de corte/

    total de itens

    N

    (DP)

    N

    (AMS)

    DP x AMS

    Se Sp VPP VPN

    Krismer, 201738 Áustria SS16

    Máxima

    sensibilidade 47 23 0,894 0,609 0,823 0,737

    Máxima

    especificidade 47 23 0,766 0,957* 0,973 0,666

    Fujita, 2016153 Japão OE 4/12 101 21 0,584 0,81 0,937 0,288

    Mahlknecht,

    2016 Áustria

    SS16 10 134 23 0,921 0,783 0,961 0,629

    9 134 23 0,841 0,87 0,974 0,484

    SS8 5 134 23 0,937* 0,696 0,947 0,654

    4 134 23 0,841 0,913 0,982* 0,496

    Kikuchi, 201132 Japão OSIT-J 8,5/12 42 42 0,738 0,857 0,837 0,765*

    Suzuki, 201120 Japão OSIT-J 7/12 94 15 0,81 0,73 0,95 0,38

    N= número de sujeitos; Se= sensibilidade; Sp= especificidade; VPP= valor preditivo positivo; VPN= valor

    preditivo negativo. Células marcadas com asterisco e em negrito são aquelas com maior valor para cada categoria/

    coluna (Se, Sp, VPP, VPN)

    file:///C:/Users/laisd/Dropbox/03%20DOUTORADO%20LAÍS/01%20PROJETO/02%20REVISÃO%20SISTEMÁTICA/04%20ANALISES/Artigos%20Finais%20Revisão/2017%20Parkinsonism%20and%20Relat%20Disord%20Krismer%20Sniffing%20the%20diagnosis%20-%20Olfactory%20testing%20in%20neurodegenerative%20parkinsonism.pdffile:///C:/Users/laisd/Dropbox/03%20DOUTORADO%20LAÍS/01%20PROJETO/02%20REVISÃO%20SISTEMÁTICA/04%20ANALISES/Artigos%20Finais%20Revisão/2016%20Plos%20One%20Fujita%20Cardiac%20MIBG%20Scintigraphy,%20Olfactory%20Testing%20and%20SN%20Hyperechogenicity%20as%20differntial%20diagnosis%20PD%20and%20Atypical%20Parkinsonism.PDFfile:///C:/Users/laisd/Dropbox/03%20DOUTORADO%20LAÍS/01%20PROJETO/02%20REVISÃO%20SISTEMÁTICA/04%20ANALISES/Artigos%20Finais%20Revisão/2011%20Parkinsonism%20Relat%20Disor%20Kikuchi%20Differentiating%20PD%20from%20MSA.pdffile:///C:/Users/laisd/Dropbox/03%20DOUTORADO%20LAÍS/01%20PROJETO/02%20REVISÃO%20SISTEMÁTICA/04%20ANALISES/Artigos%20Finais%20Revisão/2011%20BMC%20Neurol%20Suzuki%20OSIT-J%20differentiates%20PD%20from%20MSA%20and%20PSP.pdf

  • 44

    O estudo mais recente destes estudos foi realizado por Krismer et al.38 na Áustria,

    no qual o SS16 foi aplicado em 67 indivíduos com DP e 23 com AMS. Pacientes com DP

    demonstraram pior capacidade de identificação de odores do que aqueles com AMS (média

    DP= 6,5 ± 3,2, média AMS= 1