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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO VANESSA MOREIRA CRECCI DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE EDUCADORES MATEMÁTICOS PARTICIPANTES DE UMA COMUNIDADE FRONTEIRIÇA ENTRE ESCOLA E UNIVERSIDADE CAMPINAS 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

VANESSA MOREIRA CRECCI

DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE EDUCADORES MATEMÁTICOS

PARTICIPANTES DE UMA COMUNIDADE FRONTEIRIÇA ENTRE ESCOLA

E UNIVERSIDADE

CAMPINAS 2016

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VANESSA MOREIRA CRECCI

DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE EDUCADORES MATEMÁTICOS

PARTICIPANTES DE UMA COMUNIDADE FRONTEIRIÇA ENTRE ESCOLA

E UNIVERSIDADE

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em Educação, na área de concentração de Ensino e Práticas Culturais.

Supervisor/Orientador: Prof. Dr. Dario Fiorentini

O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA VANESSA MOREIRA CRECCI, E ORIENTADA PELO PROF. DR. DARIO FIORENTINI.

CAMPINAS 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

VANESSA MOREIRA CRECCI

DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE EDUCADORES MATEMÁTICOS

PARTICIPANTES DE UMA COMUNIDADE FRONTEIRIÇA ENTRE ESCOLA

E UNIVERSIDADE

Autora: Vanessa Moreira Crecci

COMISSÃO JULGADORA:

Prof. Dr. Dario Fiorentini

Profa. Dra. Cármen Lúcia Brancaglion Passos

Profa. Dra. Dilma Maria de Mello

Prof. Dr. Guilherme do Val Toledo Prado

Profa. Dra. Laurizete Ferragut Passos

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora consta no processo de vida acadêmica do aluno.

2016

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A minha gratidão...

Ao Felipe, pelo incomensurável apoio em todos esses anos de generosa convivência, e, a nossas

famílias por nos ensinarem a conviver em comunidade. Em especial, aos meus pais, pela

compreensão incondicional e à minha irmã, pelas trocas afetivas e pedagógicas.

Ao professor Dario, pela generosa orientação, amizade e por ter compartilhado comigo as ideias

que estão reificadas neste estudo.

À Fapesp, pelo apoio financeiro para o desenvolvimento deste estudo.

Aos professores do comitê de avaliação deste estudo: Prof. Dr. Dario Fiorentini, Profa. Dra.

Dione Lucchesi de Carvalho, Profa. Dra. Laurizete Ferragut Passos, Profa. Dra. Cármen Lúcia

Brancaglion Passos, Profa. Dra. Dilma Maria de Mello, Prof. Dr. Guilherme do Val Toledo

Prado, Profa. Dra. Adair Mendes Nacarato, Profa. Dra. Maria Auxiliadora Bueno Andrade

Megid e Profa. Dra. Adriana Varani.

À leitura cuidadosa das professoras Dione e Lauri, que estiveram presentes na banca de

qualificação.

Aos professores Dilma, Cármen, Guilherme e Lauri, que participaram da banca de defesa.

Aos participantes do grupo Prática Pedagógica em Matemática (PRAPEM).

Aos participantes do Grupo de Sábado (GdS), em especial, a Eliane, Roberto e Dario, pela

generosidade de compartilhar suas vidas e seus sonhos comigo.

Aos professores que participaram da primeira fase deste estudo.

Aos professores do Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Formação de Professores de Matemática

(GEPFPM), pelas inúmeras aprendizagens.

Aos professores da Faculdade de Educação da Unicamp, em especial, aos professores da área de

Educação Matemática com os quais convivi: Profa. Dra. Anna Regina Lanner de Moura, Prof.

Dr. Antonio Miguel, Prof. Dr. Dario Fiorentini, Profa. Dra. Dione Lucchesi de Carvalho, Profa.

Dra. Maria Ângela Miorim, Prof. Dr. Sérgio Lorenzato.

À Profa. Dra. Paola Sztajn, por me receber no College of Education, da North Carolina State

University.

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Aos membros do Centre for Research for Teacher Education and Development (CRTED), em

especial, à Profa. Dra. Jean Clandinin, à Profa. Dra. Janice Huber e à Profa. Ms. Jinny Menon.

À Profa. Dra. Maria Cecília Martins e ao grupo TIME, do NIED.

À Profa. Leda, pela cuidadosa e paciente revisão do texto.

Aos funcionários da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp. Em especial aos funcionários da

Pós-graduação: Luciana, Nadir e Diego.

À família de Patrícia Rijavec, Dennis Leclair e suas adoráveis filhas, Marie-Helene, Jasmine e

Olivia, pela estadia em Edmonton, no Canadá.

A Ingrid, Priscila, Jenny, Juscier, Marina, e, à tantos outros estudantes de graduação e pós-

graduação que por ali passaram, pela bem-humorada convivência no Centro de Estudos, Memória

e Pesquisa em Educação Matemática (CEMPEM).

Aos amigos e amigas que, no coletivo, tornam o cotidiano mais leve e bem-humorado! Não ousaria

denominá-los para não correr o risco de injustos esquecimentos, eles e elas sabem quem são!

Aos queridos colegas da academia pelas manhãs descontraídas e por me ensinarem a gostar de

atividades físicas.

À Dra. Magda pela compreensão e cuidados com minha saúde de mulher nesta fase de minha

vida.

À vida que tem me dado tanto!

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Resumo

Este estudo tem por objetivo compreender as experiências de desenvolvimento profissional

e a constituição da profissionalidade de educadores matemáticos que participam de uma

comunidade fronteiriça, entre escola e universidade, denominada Grupo de Sábado (GdS).

Surgida em 1999, congrega professores, formadores de professores, pesquisadores e

futuros professores que se reúnem para investigar e refletir sobre o ensinaraprender

matemática. Os textos de campo são constituídos por um diário com notas das reuniões do

grupo, materiais publicados sobre e pela comunidade, memórias e transcrições de

encontros do grupo e entrevistas com os participantes da pesquisa. A metodologia deste

estudo ocorreu com base na pesquisa narrativa, que compreende um processo

tridimensional de produção e análise dos textos de campo e de pesquisa, envolvendo

temporalidade (diacronia), interações pessoais e sociais e o lugar (cenário) onde se situa o

fenômeno a ser investigado e narrado. Para isso, em uma perspectiva diacrônica, a

pesquisadora tomou como referência sua própria experiência dentro dessa comunidade e,

sobretudo, sua convivência com três de seus participantes, ao longo de oito anos. Para

composição dos textos de pesquisa, foram constituídas narrativas das experiências de

desenvolvimento profissional e de constituição da profissionalidade dos três participantes

do estudo. Essas narrativas foram analisadas com base em três eixos analíticos: 1)

mapeamento dos espaços de experiências de desenvolvimento profissional; 2)

compreensões sobre as experiências de desenvolvimento profissional em uma comunidade

fronteiriça; e 3) reverberações da participação em uma comunidade fronteiriça. Os

resultados apontaram para aspectos que são específicos às experiências constituídas em um

espaço que não tem a regulação e o controle institucional da escola e da universidade. Nessa

comunidade, os participantes narram suas experiências vividas em diferentes espaços

relativos às suas vidas pessoais e profissionais, tecem outras experiências e produzem

diferentes compreensões sobre o ensinaraprender matemática. As reverberações

decorrentes da participação nessa comunidade fronteiriça se evidenciam, intrinsecamente,

nos próprios modos de ser/estar como educadores matemáticos, destacando-se a postura

problematizadora e investigativa sobre a própria prática, sobre as políticas públicas que a

condicionam e também sobre as possibilidades e os limites dos conhecimentos científicos,

curriculares e didáticos pedagógicos tanto da própria escola como de outros contextos. As

reverberações extrínsecas são evidenciadas pelas constituições de outras comunidades,

pelas sistematizações, teorizações e publicações dos participantes, as quais ajudam a

promover mudanças: na prática de ensinaraprender matemática nas escolas, tornando-a

mais exploratória, problematizadora e inclusiva, sobretudo para estudantes das escolas

públicas; na formação inicial e continuada de professores de matemática, motivando-os a

serem estudiosos e investigativos em comunidades docentes; na formação de novos

pesquisadores, com destaque para a pesquisa sobre a própria prática.

Palavras-chave: Desenvolvimento profissional; Profissionalidade docente; Postura

investigativa; Educação matemática.

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Abstract

This study aims to understand the experience of professional development and the

professionalism constitution of math educators who participate in a borderland community,

between school and university. Called Saturday Group (GdS) which Emerged in 1999,

congregating teachers, teachers’ educators, researchers and future teachers that come

together to investigate and to think about the mathematics teachinglearning. The field texts

are constituted by a field notes diary of the group meetings, publications about and by the

community, memories and transcriptions of group meetings and interviews with the

research participants. The methodology of this study is based on the narrative inquiry, which

consists of a tridimensional process of production and analysis of the field texts, involving

temporality (diachrony), personal and social interactions and the place (scenery) where is

the phenomenon to be investigated and narrated. For this, in a diachronic perspective, the

researcher took as reference her own experience inside this community and, above all, her

relationship with three community participants, over eight years. For the composition of the

research texts, narratives of the experience of professional development and of

professionalism constitution of the three participants of the study were constituted. These

narratives were analyzed based on three analytical axes: 1) the mapping of spaces of

professional development experience; 2) the understandings about the professional

development experience in a borderland community; and 3) reverberations of the

participation in a borderland community. The results showed aspects that are specific of

experiences constituted in a space that does not have the institutional regulation and

control of school and university. In this community, the participants describe their

experiences in different spaces in their personal and professional lives, they compose other

experiences and produce different understandings about the mathematics

teachinglearning. The reverberation resulting from the participation in this borderland

community is evidenced, intrinsically, in its owns ways of being as mathematics teachers,

detaching the problematical and investigative position about its own practice, about public

politics that put it in proper condition, also about the possibilities and the limits of scientific,

curricular and pedagogical didactic knowledge in the school and in other contexts as well.

The extrinsic repercussions are evidenced by the constitutions of other communities, by the

participants’ systematizations, theorizations and publications, which help to promote the

changes: in the practice of mathematics teachinglearning in the schools, becoming more

exploratory, problematical and inclusive, above all for students in the public schools; in the

initial and continuous training of mathematics teachers, motivating them to be studious and

investigative in teaching communities; in the formation of new researchers, highlighting the

research about their own practice.

Keywords: Professional development; Teaching professionalism; Inquiry as stance; Math

educators.

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Lista de Siglas

ADUNICAMP - Associação de Docentes da Unicamp

Anped - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação

BNCC - Base Nacional Curricular Comum

CRTED - Centre for Research for Teacher Education and Development

CEMPEM - Centro de Estudos Memória e Pesquisa em Educação Matemática

CAp/UFRJ - Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro

COTUCA - Colégio Técnico de Campinas

Capes - Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior

CONEP - Comissão Nacional de Ética em Pesquisa

CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação

COLE - Congresso de Leitura do Brasil

CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

COCEN - Coordenadoria de Centros e Núcleos Interdisciplinares de Pesquisa

EM - Educação Matemática

Enem - Encontros Nacionais de Educação Matemática

ETI - Escola de Tempo Integral

EMeLP - Espaço Matemático em Língua Portuguesa

Faal - Faculdade de Administração e Artes de Limeira

FE - Faculdade de Educação

FORPRED - Fórum Nacional de Coordenadores de Programas de Pós-Graduação em

Educação

Fapesp - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

Famaf - Grupo Colaborativo da Universidade de Córdoba

GCEEM - Grupo Colaborativo de Estudos em Educação Matemática

Grucomat - Grupo Colaborativo de Matemática

GCMM - Grupo Colaborativo em Modelagem Matemática

GEPFPM - Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Formação de Professores de

Matemática

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Getemat - Grupo de Estudo e Trabalho Pedagógico de Ensino de Matemática

Grupad - Grupo de Estudos Alfabetização em Diálogo

Forpromat - Grupo de Estudos e Pesquisa sobre a Formação de Professores que

Ensinam Matemática

Gepee - Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Estatística e Matemática

EMFoco - Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática

GEPEC - Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Continuada

GEPFPM - Grupo de Estudo, Pesquisa sobre Formação de Professores de

Matemática

Grepem - Grupo de Estudos e Práticas em Educação Matemática

Gepemf - Grupo de Estudos e Práticas em Educação Matemática da Faal

Geoom - Grupo de Estudos Outros Olhares para a Matemática

GPAAE - Grupo de Pesquisa em Álgebra Elementar

Gpefcom - Grupo de Pesquisa Formação Compartilhada de Professores – Escola e

Universidade –

GPNEP - Grupo de Pesquisa Narrativa e Educação de Professores

GdS - Grupo de Sábado

HIFEM - História, Filosofia e Educação Matemática

HTPC - Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo

IC - Iniciação Científica

IFCH - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

IM - Investigações Matemáticas

IDESP - Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IEL - Instituto de Estudos da Linguagem

IMECC - Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica

MEC - Ministério de Educação

MMM - Movimento da Matemática Moderna

Nied - Núcleo de Informática Aplicada à Educação

OBEDuc - Observatório da Educação

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Prapem - Prática Pedagógica em Matemática

PIBID - Programa de Iniciação à Docência

PPGE - Programa de Pós-Graduação em Educação

PECIM - Programa de Pós-Graduação Multiunidades em Ensino de Ciências e

Matemática

PIBID - Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência

Seesp - Secretaria de Educação do Estado de São Paulo

SHIAM - Seminários Nacionais de Histórias e Investigações de/em Aulas de

Matemática

Apeoesp - Sindicado dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo

Sindutemg - Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais

Saresp - Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo

Sbem - Sociedade Brasileira de Educação

TCC - Trabalho de Conclusão de Curso

UofA - Universidade de Alberta

UPF - Universidade de Passo Fundo

Unicamp - Universidade Estadual de Campinas

UNESP - Universidade Estadual Paulista

Unifei - Universidade Federal de Itajubá

UFPE - Universidade Federal de Pernambuco

UFSCar - Universidade Federal de São Carlos

UFU - Universidade Federal de Uberlândia

UFPA - Universidade Federal do Pará

UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro

UFTM - Universidade Federal do Triângulo Mineiro

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Lista de Figuras

Figura 1 - No Campo (1997), Beatriz Milhazes ........................................................................... 21

Figura 2 - Encontro GdS. Acervo Pessoal 1 .................................................................................. 22

Figura 3 - Encontro GdS. Acervo Pessoal 2 .................................................................................. 36

Figura 4 - Fiorentini e Carvalho (2015, p. 28) .............................................................................. 38

Figura 5 - Abertura Enem, Salvador, 2010 .................................................................................. 43

Figura 6 - Cortesia (2000), Beatriz Milhazes ............................................................................... 49

Figura 7 - Grupo de Sábado, Entre dois mundos ...................................................................... 110

Figura 8 - Santo Antonio Alburquerque (1994), Beatriz Milhazes ........................................... 114

Figura 9 - Reunião no CRTDE ..................................................................................................... 128

Figura 10 - Beleza Pura (2006), Beatriz Milhazes ...................................................................... 145

Figura 11 - SHIAM, 2008 ............................................................................................................ 148

Figura 12 - Serpentina (2003), Beatriz Milhazes ...................................................................... 236

Figura 13 - Espaços de Desenvolvimento Profissional, Roberto ............................................... 241

Figura 14 - Espaços de Desenvolvimento Profissional, Eliane ................................................. 241

Figura 15 - Espaços de Desenvolvimento Profissional, Dario ................................................... 242

Figura 16 - Reverberações ......................................................................................................... 277

Figura 17 - Sinfonia Nordestina (2008), Beatriz Milhazes ........................................................ 289

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Sumário

Introdução .................................................................................................................................. 15

Organização do texto de pesquisa ............................................................................................. 18

Capítulo 01 – Encontro com o Grupo de Sábado ....................................................................... 22

Narrativa inicial ....................................................................................................................... 22

Experiências investigativas e profissionais .............................................................................. 28

História e estudos sobre o Grupo de Sábado .......................................................................... 36

Interlocução com outros Grupos Colaborativos ..................................................................... 42

Capítulo 2 – Desenvolvimento Profissional e Profissionalidade em Comunidades de

Aprendizagem Docente .............................................................................................................. 50

Desenvolvimento Profissional Docente .................................................................................. 51

Desenvolvimento Profissional do Formador ........................................................................... 61

Profissionalidade Docente ...................................................................................................... 66

Profissionalidade do Formador de Professores ...................................................................... 76

Comunidades de Aprendizagem Docente ............................................................................... 78

Pressupostos das Comunidades de Aprendizagem Docente .................................................. 86

Experiências de Desenvolvimento Profissional e Constituição da Profissionalidade em

Comunidades Fronteiriças..................................................................................................... 102

Capítulo 03 - Caminhos dessa Pesquisa Narrativa .................................................................. 115

Um breve panorama das pesquisas narrativas desenvolvidas no PRAPEM ......................... 119

Experiência e o Processo de Pesquisar Narrativamente ....................................................... 122

Construção do Objetivo e da Questão Investigativa ............................................................. 126

Escolha dos participantes da pesquisa .................................................................................. 130

Composição e Análise dos Textos de Campo e de Pesquisa ................................................. 131

Tridimensionalidade da Pesquisa Narrativa .......................................................................... 136

Aspectos Éticos desta Pesquisa Narrativa ............................................................................. 142

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Capítulo 04 - Narrativas de Experiências de Desenvolvimento Profissional .......................... 146

Experiências que se encontram em uma Comunidade Fronteiriça ...................................... 148

Experiência de Desenvolvimento Profissional de Roberto ................................................... 156

Experiências de Desenvolvimento Profissional de Eliane ..................................................... 175

Experiência de Desenvolvimento Profissional de Dario ........................................................ 202

Capítulo 05 – Cartografias, Compreensões e Reverberações das Experiências de

Desenvolvimento Profissional ................................................................................................. 237

Mapeamento dos espaços de experiências de desenvolvimento profissional ..................... 239

Compreensões sobre as experiências de desenvolvimento profissional em uma comunidade

fronteiriça .............................................................................................................................. 252

Reverberações da participação em uma comunidade fronteiriça ........................................ 276

À Guisa de concluir... ................................................................................................................ 290

Referências Bibliográficas ........................................................................................................ 303

Apêndice 01 .............................................................................................................................. 322

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15

Introdução

No momento em que precisei definir uma data para o início desta pesquisa,

dei-me conta de que ela começou em uma manhã de fevereiro de 2007, na sala LL03,

do Centro de Estudos Memória e Pesquisa em Educação Matemática (CEMPEM).

Naquele momento, iniciava minha participação no Grupo de Sábado (GdS), como

bolsista trabalho1, aluna do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação (FE) da

Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), realizando atividades de gravação,

transcrição e relato dos encontros do grupo. Alguns anos depois, no contexto do

GdS, definiria o objeto de estudo desta tese.

No mestrado, mediante ingresso no grupo Prática Pedagógica em

Matemática (Prapem), sob a orientação do professor Dario, tinha como objetivo

investigar como os professores de matemática se desenvolvem profissionalmente e

constituem a profissionalidade docente mediante participação em grupos de

estudos que seriam analisados com base na ideia de comunidades investigativas de

Cochran-Smith e Lytle (1999, 2009).

Após distribuir um questionário, obtive o retorno de 27 professores,

participantes de 8 diferentes grupos de estudos, constituídos de modos

heterogêneos. Após a análise desses primeiros dados da pesquisa, que foram

tratados e publicados (CRECCI; FIORENTINI, 2013), compreendi que conhecia mais

meu campo de pesquisa do que os dados pareciam me dizer. Por essa razão, após

anos de trabalho, envolvimento e intensa interlocução com o Grupo de Sábado,

resolvi que era preciso assumir um lugar próprio nesta pesquisa. Para isso, optei pela

pesquisa narrativa, embasada, sobretudo, nos estudos de Clandinin e Connelly2

(2011) e Clandinin (2013).

1 Destinada a alunos de graduação, independente do seu ano de ingresso. O critério para a concessão da bolsa é socioeconômico, por meio de participação no Processo Seletivo Anual. 2 Agradeço à Profa. Dra. Dilma Maria de Mello o envio do livro Pesquisa narrativa – experiências e história em pesquisa qualitativa, de Jean Clandinin e Michael Connelly, traduzido sob sua coordenação pelo Grupo de Pesquisa Narrativa e Educação de Professores (GPNEP), da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

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16

A opção por este tipo de pesquisa foi especialmente influenciada pelas

interlocuções com o professor Dario e pelos estudos e pesquisas de participantes do

grupo Prática Pedagógica em Matemática (PRAPEM), dentre os quais inúmeras teses

e dissertações. Outros momentos importantes marcaram esse movimento que

chamarei de “virada narrativa”. Em março de 2012, apresentei partes desta tese no

Prapem, em um momento que temos chamado de pré-qualificação, no qual

apresentamos nosso texto de pesquisa para uma banca constituída por integrantes

do grupo. Naquela ocasião as participantes Cândida3, Dione4 e Eliane5 foram parte

da banca para qual submeti meu texto. Foram muitas as contribuições recebidas

nesse momento. Uma, em especial, convergia: a necessidade de colocar-me mais em

meu próprio texto. Em maio do mesmo ano, essa também seria uma indicação da

professora Laurizete6, no momento da banca de qualificação.

Em 2014, por ocasião do 19º Congresso de Leitura do Brasil (COLE),

organizamos o minicurso intitulado “A Análise Narrativa na Pesquisa sobre

Aprendizagem e Desenvolvimento Profissional Docente”. No processo dessa

organização, entrei em contato com as leituras de Clandinin e Connelly (2011).

Após a qualificação, com a indicação da banca e a passagem para o

doutorado, haveria mais tempo. Decidimos, então, que seria pertinente realizar um

estágio de pesquisa no exterior. Julgamos pertinente uma estadia no Centre for

Research for Teacher Education and Development (CRTED), na Universidade de

Alberta (UofA), sob supervisão da professora Jean Clandinin.

Desse momento em diante, com as contínuas interlocuções com o professor

Dario e com a supervisão das professoras Jean Clandinin e Janice Huber, vinculadas

ao CRTED, esta pesquisa tomou diferentes rumos: passei a falar a partir de minha

experiência no GdS e da convivência com outros três participantes.

3 Profa. Dra. Maria Cândida Muller (UNIR), que na ocasião realizava estudos de pós-doutoramento no Prapem e era participante do GdS. 4 Profa. Dra. Dione Lucchesi de Carvalho, professora (Unicamp) participante do Prapem e do GdS. 5 Profa. Dra. Eliane Matesco Cristóvão (UNIFEI), participante do Prapem, do GdS e GEPFPM. 6 Profa. Dra. Laurizete Ferragut Passos (PUC-SP).

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Naquele contexto foi Janice quem, em especial, chamou-me a atenção para o

fato de que não só os professores aprendiam em uma comunidade com a dinâmica

do GdS. Era algo que já reconhecíamos, mas que não era foco de nossas pesquisas.

Na interlocução com Janice, ela revelou que gostaria de saber quais seriam as

aprendizagens e de que modo pesquisadores e formadores se desenvolviam

profissionalmente. Seu comentário chamou-me a atenção, pois parecia fazer sentido

ampliar nosso olhar, uma vez que, após o texto do professor Dario publicado em

2013, estávamos começando a compreender o grupo como comunidade fronteiriça,

sem regulações da escola ou da universidade.

Os estudos sobre Pesquisa Narrativa, as indicações da banca de pré-

qualificação e qualificação constituídas pelos professores Dario, Laurizete e Dione,

minha relação com o campo, os comentários de Janice e a compreensão do grupo

como comunidade fronteiriça fizeram com que ampliasse o objetivo deste estudo: o

objeto deixou de ser o desenvolvimento profissional e a constituição da

profissionalidade docente em diferentes comunidades investigativas e passou a ser

“as experiências de desenvolvimento profissional e a constituição da

profissionalidade de educadores matemáticos que participam de uma comunidade

fronteiriça denominada Grupo de Sábado (GdS) ”.

Ao invés do uso dos questionários e da seleção de sujeitos de diferentes

comunidades investigativas, como o GdS constituía uma comunidade fronteiriça,

decidi que seria adequada a inclusão de participantes que viviam em diferentes

“mundos” e que conviviam comigo em uma mesma comunidade. Por essa razão

escolhi três participantes que têm a educação matemática como campo científico

e/ou profissional: Roberto, professor da escola; Eliane, formadora, pesquisadora e

professora da escola básica; Dario, formador e pesquisador.

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18

Organização do texto de pesquisa

No primeiro capítulo, situo o lugar – contexto - desta pesquisa, isto é o Grupo

de Sábado (GdS). Desse modo, apresento sua história, produção escrita e o modo

como tem estabelecido interlocução com outras comunidades de educadores

matemáticos. Como, também, é próprio da pesquisa narrativa, neste capítulo

também narro minha relação, minha história e minhas percepções sobre esse

espaço.

No segundo capítulo, teço revisões e discussões teóricas sobre o

desenvolvimento profissional e a constituição da profissionalidade por meio da

participação em comunidades de aprendizagem docente. Neste mesmo capítulo,

discuto as ideias subjacentes às comunidades de aprendizagem docente.

No terceiro capítulo, exponho as razões que me levaram a realizar uma

pesquisa narrativa: narro os caminhos desta pesquisa, sua metodologia e seus

aspectos éticos. Teço, ainda, um breve levantamento sobre as pesquisas que

utilizaram narrativas realizadas no contexto do Prapem, apresento o modo de

análise desta pesquisa e seus conceitos epistemológicos.

No quarto capítulo, tendo por base transcrições de entrevistas, memórias dos

encontros, escritos do GdS, produções dos participantes deste estudo e minhas

interações com outros três participantes do grupo, narro suas histórias de

experiência de desenvolvimento profissional e a constituição de suas

profissionalidades no GdS.

E, no quinto capítulo, retomo as narrativas com base em eixos transversais:

1) mapeamento dos espaços de experiências de desenvolvimento profissional; 2)

compreensões sobre as experiências de desenvolvimento profissional em uma

comunidade fronteiriça; e 3) reverberações da participação em uma comunidade

fronteiriça.

À guisa de concluir, algumas considerações são tecidas, tendo vista as

possibilidades da compreensão das comunidades fronteiriças como espaços

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autônomos de experiências de desenvolvimento profissional e de constituição da

profissionalidade. Por fim, dou a ver o modo como percebo meu próprio

desenvolvimento profissional mediante a realização deste estudo.

De partida, destaco alguns termos aqui utilizados. Em se tratando do título

deste estudo, tomando por base a noção de Fiorentini e Lorenzato (2006),

compreendo como educador matemático o profissional que atua no campo

científico e profissional da área. Segundo esses pesquisadores, o educador

matemático é aquele que concebe a matemática como um meio, pois ele educa

através da matemática – suas atividades se desenvolvem nas escolas, nas Secretarias

de Educação e na formação de professores. Em se tratando do campo científico, suas

pesquisas são realizadas, utilizando essencialmente fundamentação teórica e

métodos das Ciências Sociais e Humanas. Tendo em vista as experiências de Roberto,

Eliane e Dario, compreendi que o qualificativo que os aproximava era “educador

matemático”.

Os dois formadores participantes deste estudo possuem dedicação exclusiva

e atuam como professores em universidade estadual e federal. Por essa razão,

formação, pesquisa e extensão estão relacionadas a suas carreiras. Portanto, quando

me referir a Dario e a Eliane como formadores, estarei falando de profissionais que

atuam nesse tripé.

Acerca da leitura do GdS enquanto uma comunidade fronteiriça, Fiorentini

(2013a) tem destacado que neste tipo de comunidade, normalmente, os

participantes possuem “mais liberdade de ação e de definição de uma agenda

própria, sem serem monitoradas institucionalmente pela escola ou pela

universidade” (FIORENTINI, 2013a, p 04-05). Este, portanto, constitui-se como “um

lugar livre e, por isso também de perigo, de transgressão do instituído, de aventuras

na construção e problematização do conhecimento” (ibidem). Como destaco no

capítulo teórico, esse tipo de uma comunidade está relacionado à constituição de

comunidades investigativas, por essa razão, em diversos momentos, os estudos das

autoras Cochran-Smithe e Lytle (1999, 2009) são referenciados e discutidos nesta

tese.

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Nessas comunidades fronteiriças, costuma ocorrer a reunião de

“interessados de comunidades diferentes que definem suas agendas de estudo e

trabalho, podendo ser também investigativas” (FIORENTINI, 2013a, p. 05). Sem a

regulação da Universidade ou da escola, o GdS tem se constituído a partir das

experiências que seus participantes trazem de outras comunidades, por essa razão,

temos compreendido esse espaço como uma comunidade fronteiriça.

Um outro termo bastante utilizado por mim nesse estudo que pode, em um

primeiro momento causar estranhamento, é a palavra composta ensinaraprender.

Emprego esta palavra composta para expressar, de acordo com Carvalho e Fiorentini

(2013, p.11), “a complexidade e a dialética de como percebemos a relação entre o

ensino e a aprendizagem”. Ou seja, “o ensino só tem sentido, se promover

aprendizagens”. Além disso, “embora o professor, ao ensinar, tenha como meta uma

determinada aprendizagem, (...) as aprendizagens podem ser múltiplas e nem

sempre alinhadas às expectativas que o professor estabelece para o estudante”.

As obras artísticas que antecedem cada um dos capítulos dessa tese são da

artista brasileira Beatriz Milhazes e são acompanhadas de poemas, canções e

excertos da literatura brasileira e latino-americana. Escolhi as obras de Milhazes,

pois seus círculos sobrepostos uns aos outros, lembram-me as tantas comunidades

e espaço que participamos ao longo do tempo e influenciam nosso desenvolvimento

profissional. Lembram-me, também, as tantas comunidades que estão sobrepostas

em uma comunidade fronteiriça.

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Figura 1 - No Campo (1997), Beatriz Milhazes

E é inútil procurar encurtar caminho e querer começar já sabendo que a voz diz

pouco, já começando por ser despessoal. Pois existe a trajetória, e a trajetória não é

apenas um modo de ir. A trajetória somos nós mesmos. Em matéria de viver, nunca

se pode chegar antes. A via-crucis não é um descaminho, é a passagem única, não

se chega senão através dela e com ela.

Clarice Lispector, A Paixão Segundo G. H. (1964)

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Capítulo 01 – Encontro com o Grupo de Sábado

Figura 2 - Encontro GdS. Acervo Pessoal 1

Neste capítulo, narro minhas primeiras aproximações com o Grupo de Sábado

(GdS), cenário privilegiado deste estudo e de encontro com os protagonistas Eliane,

Roberto e Dario. Relato também aspectos de minha trajetória acadêmica e

profissional que se relacionam com os interesses de estudo desta tese. Em seguida,

trago um histórico, descrevo os estudos sobre o GdS e, ao final, destaco

interlocuções com outros grupos colaborativos.

Narrativa inicial

Pesquisadores narrativos são chamados a começar suas pesquisas com

explicações de sua relação com o puzzle do estudo, isto é, com o problema de suas

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pesquisas. No caso deste texto, compreendo que devo narrar minha relação com a

intenção de pesquisar a “compreensão das experiências de desenvolvimento

profissional e a constituição da profissionalidade de educadores matemáticos que

participam de uma comunidade fronteiriça” denominada Grupo de Sábado (GdS).

Para Clandinin (2013), as justificativas relacionadas ao puzzle são importantes

por diferentes razões: primeiro porque devemos compreender nossa posição na

pesquisa. Em segundo lugar, porque, sem a clareza do que nos traz ao estudo,

corremos o risco de iniciar um processo no qual não estabeleceremos relação

alguma. Terceiro, porque, sem a compreensão de quem somos, corremos o risco de

não compreender as experiências de nossos participantes. Por essa razão, a história

que segue relata minha própria relação com esse espaço, aqui tratado como uma

comunidade fronteiriça entre a escola e a universidade.

No ano de 2006, ao final do primeiro ano do curso de Pedagogia, após um

período trabalhando como professora auxiliar na educação infantil, na rede privada

de ensino7, fui contemplada com uma bolsa-trabalho8, que tem como proposta a

participação de estudantes de graduação em projetos de professores da

universidade.

Naquele período havia apenas dois projetos disponíveis na área de ciências

humanas: um que se envolvia análise de livros didáticos de português, no Instituto

de Estudos da Linguagem - IEL, e outro que se desenvolvia na Faculdade de Educação,

no grupo denominado “Grupo de Sábado” (GdS). O bolsista deveria comparecer aos

encontros e gravá-los, transcrevê-los e elaborar uma “memória”, indicando os

principais acontecimentos.

Para mim, não havia problemas ir à universidade aos sábados nem tampouco

fazer transcrição de diálogos... O problema é que se tratava de um grupo voltado

para a matemática, disciplina que eu havia vivido, na maior parte de minha

7Uma versão modificada dessa narrativa pode ser conferida em Crecci (2009, p. 59-68). 8Destinada a alunos de graduação, independente do seu ano de ingresso. O critério para a concessão da

bolsa é socioeconômico, por meio de participação no Processo Seletivo Anual.

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escolarização, dentro do paradigma do exercício, aquele modelo de ensino da

matemática baseado em resoluções de exercícios repetitivos, segundo o qual só há

uma resposta correta. Assim, sobretudo após os anos iniciais, como para Silvia

Orthof (p. 1987, p. 101), “essa coisa abstrata de símbolos que viravam teoremas,

letras, x, e frações para mim eram um verdadeiro suplício”.

Em razão dessa relação difícil com a matemática escolar de uma perspectiva

procedimental, a princípio, nem considerei ingressar como bolsista-trabalho em tal

projeto. Dessa forma, restando-me somente o outro projeto, fui até o IEL procurar

pela professora responsável por ele. O prazo para entregar o plano de atividades

assinado pelo orientador da bolsa já estava se encerrando, e o contato com a

professora foi impossível. Contrariada, resolvi procurar o professor Dario Fiorentini,

responsável pelo “Grupo de Sábado”. Consegui a assinatura do professor e fiquei

satisfeita tão somente por ter garantido a bolsa.

Quando iniciei minhas atividades, estava sem muitas expectativas de me

identificar com o grupo. No primeiro encontro de 2007, o professor Dario começou

fazendo uma retrospectiva do que vinha sendo o grupo de sábado, e ressaltou que:

[...] o grupo constitui-se em uma comunidade de professores e investigadores interessados em assumir, eles próprios, os desafios de melhorar a prática do ensino de matemática nas escolas e de desenvolver-se profissionalmente, tendo como aportes a reflexão, a colaboração, a investigação e a escrita sobre a prática do ensino da matemática nas escolas. Ou seja, no GdS, os professores aprendem e desenvolvem-se profissionalmente pelo simples fato de participar e compartilhar ativamente suas experiências, reflexões e investigações sobre a prática do ensino da matemática nas escolas. (Excerto da memória do encontro do dia 10/02/2007).

Dando um destaque à questão da colaboração entre os diferentes sujeitos

que participam do grupo, o professor acrescentou que uma alternativa para

enfrentar os problemas trazidos pelos professores da escola e a mudança da prática

escolar é a parceria entre professores formadores, professores da escola e os futuros

professores, em um trabalho colaborativo. Os professores formadores podem

colaborar com “os aportes teóricos e metodológicos que promovem a análise e o

estranhamento das práticas dos professores, e as experiências e conhecimentos

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relativos à educação matemática e à educação”, enquanto os futuros professores

podem colaborar com o “domínio da informática, da matemática e da didática

atual”. E os professores da escola colaboram com “o conhecimento experiencial

relativo ao ensino nas escolas atuais em diferentes contextos”. Ainda, segundo o

professor, essa comunidade de prática de trabalho colaborativo se pauta no “diálogo

cultural, científico e profissional, tendo como foco de estudo problemas e desafios da

prática docente na escola”.

Após tais explanações, foi a vez de cada participante se apresentar e indicar

o que gostariam de discutir no ano de 2007. A partir de situações do cotidiano de

práticas pedagógicas vivenciadas em diferentes contextos escolares, os professores

indicaram os seguintes assuntos: condições dos professores da escola pública,

alunos defasados em idade e aprendizado, alunos com necessidades especiais,

progressão continuada, relação professor titular e professor especialista em

educação especial, estatística na educação de jovens e adultos, currículo, formação

de professores, ensino para deficientes auditivos, fracasso escolar e escrita no

ensino-aprendizagem da matemática.

Logo no primeiro encontro, percebi que não estava em um grupo de

matemáticos preocupados em encontrar apenas o valor de “x” ou “y”, visão que eu

tinha, até então, da matemática. Desmistificado o que tanto receava, comecei a

compreender que se tratava de um grupo de professores de matemática e

formadores preocupados em investigar e compartilhar suas práticas de sala de aula.

E assim fui me animando.

Minha identificação com essa prática do grupo de levantar problemas para

investigá-los, perceptível logo no primeiro encontro, não teria sido por acaso.

Quando penso em minha relação com o conhecimento escolar, como professora ou

estudante, expressões como “sentido”, “pesquisa”, “trabalhos em grupo” vêm a

minha memória... Em especial, lembro-me, com nostalgia e carinho, das propostas

de trabalho de duas professoras, Marilda e Sônia.

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A primeira fora minha professora nos anos iniciais do ensino fundamental,

mais precisamente o que seria hoje o terceiro ano, em uma escola pública da rede

estadual de Campinas. Com ela, aprendíamos, por exemplo, frações, dividindo maçãs

e chocolates. Naquela época, a matemática era doce! Lembro-me, também, das

exposições culturais que realizávamos na sala, nas quais podíamos levar e contar

narrativas sobre os brinquedos que faziam parte de nosso cotidiano, ainda vivido na

simplicidade da rua. Leituras, quantas leituras deliciosas que recomendava! Também

eram frequentes as interrupções, em suas aulas, para acompanharmos fenômenos

sociais ou naturais. Eleições, greves, condições de vida e de trabalho dos professores

eram assuntos frequentes em suas aulas. Lembro-me de um eclipse solar que certa

vez acompanhamos. Meu pai, serralheiro, levou até a escola as placas usadas nas

máscaras de proteção de solda, para que pudéssemos olhar a lua sobrepondo-se ao

sol. Naquele dia, eram contas e mais contas que fazíamos, sonhos que criávamos,

imaginando como estariam nossas vidas no próximo eclipse solar. Marilda, como

ninguém, criou verdadeiros espaços de letramento em meus anos iniciais de

escolarização.

Sônia, por sua vez, fora minha professora no segundo ano do ensino médio.

Ela me apresentou a clássica literatura brasileira. Através de sua mediação, eu

adentrava o mundo dos adultos, compreendendo a complexidade das relações

humanas pela literatura. Em trabalhos propostos, investigávamos a vida de

personagens literários, compreendíamos seus contextos, suas histórias e seus

sentimentos. Tínhamos debates calorosos sobre o famoso Dom Casmurro, de

Machado de Assis. Nos intervalos, eu me lembro de ficar aborrecida com colegas que

defendiam Bentinho! Lia e relia o livro, procurando indícios de que eu tinha razão,

de que Capitu não o traíra, mostrando que na narrativa só conhecemos a perspectiva

de um personagem.

Certa vez, Sônia dividiu a sala em grupo, propôs a leitura de diversos livros.

Ao meu grupo coube a leitura da coletânea Várias histórias, de Machado de Assis.

Com uma atenção especial, se dirigiu ao meu grupo, disse para prestarmos atenção

e sermos cuidadosos com aquele trabalho, pois esse livro estava na lista da Unicamp,

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o que, até então, não dizia muita coisa para mim. O trabalho consistia na leitura

cuidadosa de cada conto, descrevendo o enredo, os principais personagens e o

contexto. Ao final, Sônia nos chamou e mostrou surpresa com a discussão que

tínhamos realizado. Disse que aquele parecia ser um trabalho de nível acadêmico.

De algum modo, essa foi a primeira vez que cogitei seriamente da possibilidade de

prestar o vestibular na Unicamp. Até então, a universidade não era um desejo ou um

sonho para mim ou para a maior parte daqueles alunos do ensino médio do início

dos anos 2000, filhos da “torta progressão continuada paulista”9, de décadas de

governo tucano. Com um pequeno gesto de Sônia, eu mudaria minha perspectiva

sobre literatura e, sobretudo, minha perspectiva sobre mim mesma.

Essas experiências de levantar problemáticas para investigá-las, embora

raras, também não eram inéditas para as estudantes do curso de pedagogia.

Sobretudo nas disciplinas de estágio, éramos convidadas a problematizar o contexto

escolar em suas diferentes faces. Mas, como cheguei ao grupo no início do segundo

ano do curso, em que são privilegiadas as disciplinas de fundamento no currículo

(Sociologia da Educação, História da Educação e Filosofia da Educação), fiquei

encantada por finalmente ter contato com a realidade escolar. Talvez essa seja a

palavra mais adequada para o que aconteceu naquele encontro – encantamento.

Volto a falar daquele primeiro contato com o GdS: passamos ao planejamento

dos próximos encontros, e observei que não havia uma relação hierárquica estática

estabelecida no grupo, uma vez que a coordenação dos encontros, assim como as

revisões das memórias (atas dos encontros) seriam feitas num sistema de rodízio

entre os participantes dispostos a colaborar.

Dizem que são as primeiras impressões que ficam. Neste caso, o ditado fez

sentido. Ao longo de nove anos, pude, de fato, vislumbrar um ambiente

colaborativo, inclusive, com tensões próprias e relações de poder que, volta e meia,

foram contornadas pelo bom senso do grupo e pela liderança de Dario e Dione. O

fato é que, em uma comunidade como essa, conflitos também podem e devem ser

9 Ao utilizar a expressão “torta progressão continuada paulista” faço referência à falta de eficácia desse tipo de programa no Estado de São Paulo que se converteu em aprovação automática.

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postos “na mesa”. As decisões, como a agenda de trabalho do semestre ou o nome

de um palestrante a ser convidado para os eventos que são organizados, são

negociadas em um movimento no qual nossas vozes se misturam, em um espaço que

se estabelece nas fronteiras de nossas vidas acadêmicas, afetivas, profissionais e

pessoais.

Em estudos recentes, o professor Dario tem denominado o GdS como uma

comunidade fronteiriça. Penso que esse é o adjetivo mais adequado para o que

temos vivido naquele espaço. Comunidades com essas características “possuem,

normalmente, mais liberdade de ação e de definição de uma agenda própria, sem

serem monitoradas institucionalmente pela escola ou pela universidade”

(FIORENTINI, 2013a, p. 04-05).

Naquela dinâmica colaborativa, fui cada vez mais me sentindo integrada

àquela comunidade, envolvida nas discussões, construindo coletivamente ideias,

projetos, narrativas e utopias de um modo de ensinaraprender matemática mais

inclusivo e de um “mundo” no qual professores e acadêmicos tenham condições

parecidas de vida e suas posições sejam igualmente valorizadas pelas políticas

públicas... Colaborava para além de minhas funções como bolsista.

Experiências investigativas e profissionais

Em 2008, participei da elaboração e da gestão de um blog do Grupo de

Sábado10 no qual pudemos publicar notícias dos encontros do grupo, bem como

atividades realizadas em sala de aula. Engajada pela repercussão do blog, procurei o

Núcleo de Informática Aplicada à Educação (Nied)11 para realizar uma pesquisa de

iniciação científica. A bem da verdade, naquela época, ainda por certa insegurança

com o conteúdo matemático, propriamente, achava que, por estar me formando em

pedagogia, não haveria espaço de pesquisa e trabalho para mim em uma

10 http//: www.grupodesabado.blogspot.com 11 O NIED é uma unidade especial de pesquisa, vinculada diretamente à Coordenadoria de Centros e Núcleos Interdisciplinares de Pesquisa – COCEN, da Universidade Estadual de Campinas (Campinas).

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comunidade de educadores matemáticos. Assim, meio por questões práticas,

procurei outros espaços.

No NIED, dentro de um projeto financiado pela Fapesp, desenvolvi práticas

de formação com professores da escola para o uso das novas tecnologias e mídias

interativas12, no contexto de um projeto maior do Programa Melhoria do Ensino

Público13. Para saber o que aprenderam e como se desenvolveram profissionalmente

a partir das práticas que desenvolvi, realizei entrevistas semiestruturadas com as

professoras participantes do projeto. De certo modo, a perspectiva de escutar o que

os professores tinham a dizer não era uma novidade para quem já vinha de uma

prática colaborativa como a do GdS.

No ano seguinte, em 2009, entusiasmada pelas discussões sobre currículo no

GdS14, procurei o professor Dario para orientar meu trabalho de conclusão de curso

(TCC). Escrevemos, então, um projeto para a Fapesp, intitulado: “A profissionalidade

docente e a gestão do currículo em face às políticas públicas no Estado de São Paulo

- o caso São Paulo faz escola". A partir da aprovação, concomitante ao

desenvolvimento do TCC de mesma temática, desenvolvemos uma pesquisa

(CRECCI, 2009; CRECCI; FIORENTINI, 2014) em que investigamos como os professores

do segundo segmento do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e do Ensino Médio

utilizaram o material a eles enviado pela Secretaria de Educação do Estado de São

Paulo (Seesp) no contexto da implantação do programa “São Paulo faz Escola”; como

fizeram a gestão do currículo proposto por esse programa; e quais as implicações

12Os resultados dessa pesquisa, que contou com a orientação da pesquisadora Dra. Maria Cecília Martins, podem ser conferidos em: Crecci (2010). 13 Iniciado em 1996, esse Programa financia pesquisas aplicadas sobre problemas concretos do ensino

fundamental e médio, em escolas públicas paulistas. Elas deverão ser desenvolvidas por meio de parceria entre instituições de pesquisa e escolas da rede pública (estadual e municipal), visando desenvolver experiências pedagógicas inovadoras que possam trazer benefícios imediatos à escola. (Fonte: http://www.fapesp.br/46). 14No contexto da implementação da proposta curricular “São Paulo Faz Escola” e das posições dos gestores da Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo, no Grupo de Sábado (GdS), os professores articularam-se para escrever e publicar a carta “E os professores... O que pensam de sua secretária?”:http://grupodesabado.blogspot.com/search/label/Políticas%20Públicas

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dessa política no processo de desenvolvimento profissional do professor e na

constituição de sua profissionalidade docente.

Os sujeitos dessa pesquisa foram professores que lecionavam matemática na

rede estadual de educação do estado de São Paulo. Os dados foram obtidos, numa

primeira fase, pela aplicação de questionários a professores da região de Campinas

e, numa segunda fase, por entrevistas semiestruturadas e visitas às instituições em

que atuavam, para observação da sua prática cotidiana. Os resultados do estudo

apontaram que, se a intenção da Seesp foi mobilizar os professores para que

implementassem, em todas as escolas, um currículo mínimo de matemática, a

presente pesquisa mostrou que, na prática, isso foi pouco eficaz.

Ao finalizar esse estudo, em síntese, consideramos que os professores

investigados, embora pressionados para pôr em prática tal proposta curricular,

demonstraram capacidade de resiliência15 diante das pressões externas, sobretudo

quando contavam com apoio de grupos de estudo ou da própria comunidade

escolar. Outro resultado, mais subjetivo foi o fato de ter iniciado um processo de

escuta sensível nas entrevistas semiestruturadas que realizei com professores da

escola por ocasião dessa experiência. Em cada entrevista, uma vida de professor se

revelava em seu devir. Lembro-me, com respeito e carinho, dos momentos em que

generosos professores me receberam para contar suas histórias.

Após concluir o curso de Pedagogia, em 2010, tornei-me professora de

informática em uma Escola de Tempo Integral (ETI), na rede pública estadual

paulista. Essa experiência docente, por si só, renderia muitas páginas. Por um lado,

é possível que as relações de alteridade com professoras e professores

aprendidas/vividas no GdS tenham sido importantes para o estabelecimento de

vínculos com a comunidade discente e docente, vínculos esses que fizeram com que

eu não apenas passasse pela escola, mas que a vivesse plenamente, mesmo em um

15 De acordo com Vergara (2008), “resiliência”, para a psicologia, é a propriedade de uma pessoa recuperar-se e manter um comportamento adequado após um dano. É a propriedade que ela tem, não de voltar à sua forma original, como os objetos da física, mas de minimizar ou dominar os efeitos nocivos da adversidade, em uma resposta ao risco.

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curto período. Por outro lado, as práticas investigativas observadas no grupo

também me davam ideias para desenvolver com os estudantes.

Certa vez, em ano de eleição, com o propósito de ensinar os estudantes a

usarem o Excel, eles foram a campo, investigaram as preferências de candidatos de

acordo com idade, gênero e renda. Ao final, comparávamos com os dados oficiais

divulgados por agências de pesquisa como IBGE e Vox Populi. Mas por qual razão

consultávamos dados de agências diferentes? Nos meses anteriores a essa

experiência, recebemos no GdS a visita do Prof. Paulinho Niterói, do Instituto de

Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC), a convite da participante

Juliana. Na ocasião, ele nos alertou para as diferentes metodologias e os diferentes

espaços nos quais as pesquisas eram realizadas pelas diferentes agências. Por essa

razão, poderia haver discrepâncias influenciadas por questões socioeconômicas

relacionadas à origem dos entrevistados. Em síntese, problematizamos que haveria

diferenças entre entrevistar trabalhadores em um terminal de ônibus e transeuntes

em um shopping de um bairro nobre. Levei, então, esse tipo de discussão para os

estudantes. Naquele processo de medição e comparação, problematizávamos o

perfil socioeconômico dos entrevistados. Desse modo, especulávamos a correlação

entre o perfil socioeconômico dos entrevistados e as preferências ideológicas dos

candidatos.

Nesse período, também, comecei a atuar como formadora de professores.

Como contratada de uma consultoria, trabalhei em um município da região de

Campinas. A minha função era dirigir-me às escolas para ensinar aos professores a

integrar as tecnologias da informação e comunicação em suas aulas. Em parceria

com uma amiga, também pedagoga, propúnhamos práticas interativas, promovendo

a participação ativa dos envolvidos na criação de animações em softwares

específicos, por exemplo. Apesar disso, eu sabia que vários dos professores para os

quais dávamos o curso teriam condições de fazer melhor, com mais conhecimento

da realidade de suas escolas. E muitos deles, na formação, manifestavam esse

desejo. Para mim, não fazia nenhum sentido a atuação de alguém externo como

formadora naquela realidade. Apesar da boa remuneração para uma recém-

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formada, resolvi que aquela situação não tinha razão de continuar e, no ano

seguinte, resolvi não mais atuar naquela consultoria.

Em 2011, com meu ingresso no mestrado, no grupo Prática Pedagógica em

Matemática (Prapem), sob a orientação do professor Dario, a partir de uma

convergência de interesses de estudo, constituímos o projeto que integra a presente

pesquisa, submetido e aprovado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de

São Paulo (Fapesp), cujo título inicial era “A Constituição da Profissionalidade

Docente em Comunidades Investigativas”. O objetivo era investigar como os

professores de matemática se desenvolvem profissionalmente e constituem a

profissionalidade docente em comunidades investigativas.

Em meio a essa experiência, professor Dario e eu também escrevemos um

projeto de estágio de pesquisa no exterior: “Concepções de Desenvolvimento

Profissional de Professores que Ensinam Matemática”, realizado no departamento

de Elementary Educacion do College of Education (North Carolina State University),

sob a generosa supervisão da professora Dra. Paola Sztajn. O principal objetivo desse

estudo foi analisar e compreender conceitos de desenvolvimento profissional além

de vivenciar outros processos de investigação nessa área de estudo. Uma revisão

bibliográfica sobre os estudos desenvolvidos em comunidades de aprendizagem

docente, orientada pela professora Paola, está presente no capítulo teórico desta

tese.

Na qualificação de mestrado, em maio de 2013, a banca indicou a passagem

para o doutorado. Uma vez aceita por mim, teria mais tempo para organizar a versão

final desta pesquisa. Tempo e reflexões que levaram, inclusive, a repensar o objeto

deste estudo. Nesse período eu também desenvolvia uma experiência que considero

ter sido de natureza investigativa, em parceria com o professor Dario, no trabalho

com a disciplina Práticas Pedagógicas em Matemática, do curso de licenciatura em

Matemática, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Fui auxiliar docente,

no contexto de um programa da Universidade, para colaborar com os professores e

ter alguma experiência de docência no desenvolvimento das disciplinas da

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graduação. A proposta didático-pedagógica daquela disciplina consistia na

realização, pelos licenciandos, de estudos e análises de diferentes práticas de

ensinaraprender matemática na Escola Básica.

Em 2013, tentamos desenvolver a disciplina, tendo como principal objetivo a

problematização e a análise de práticas sociais de ensinaraprender matemática,

trazidas e documentadas pelos próprios licenciandos em diferentes contextos

escolares. Para assumir esse desafio, nós, como formadores, precisávamos

abandonar nossa zona de conforto, onde tínhamos controle sobre as

problematizações e as análises das práticas com base em literatura prévia

selecionada, tendo em vista um enquadramento teórico predefinido. Passamos, a

partir de então, a convidar os estudantes a visitar diferentes tipos de escola, com o

intuito de documentar práticas e experiências de ensinaraprender tradicionais ou

inovadoras e, depois, analisá-las e problematizá-las, tendo como aportes a literatura

profissional e acadêmica disponível e mais conveniente para cada caso. Os

estudantes, em seguida, deveriam escrever um artigo no qual analisavam um

episódio da prática observada no contexto escolar, tendo por base a literatura

indicada (FIORENTINI; CRECCI, no prelo).

Apesar de ter prazer em realizar e desenvolver trabalhos que exigiam algum

tipo de pesquisa, nunca fui dada a cópias enfadonhas, a exercícios sem sentido, a

repetições e memorizações. Como pedagoga, viria a aprender, nas palavras de

Charlot (p. 158-159), que “só aprende quem tem uma atividade intelectual”. E “o

aprendiz tem de encontrar um sentido para isso. Um sentido relacionado com o

aprendizado, pois, se esse sentido for completamente alheio ao fato de aprender,

nada acontecerá”.

Naquele período entre a passagem do mestrado para o doutorado, retornei

à rede estadual paulista como professora alfabetizadora de alunos dos anos iniciais.

Fui contratada para trabalhar em um projeto que funcionava como uma espécie de

reforço para os alunos que apresentavam dificuldades na leitura e na escrita. A

princípio, tentava seguir uma linha crítica, visando à leitura de mundo, selecionava

notícias de jornais para que os alunos tivessem contato com a “realidade”.

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Obviamente, não escolhia quaisquer notícias, mas aquelas relacionadas ao cotidiano

deles, como o aumento da passagem do ônibus. Rapidamente, percebi que, por um

lado, não adiantaria trabalhar apenas com textos longos e, por outro lado, eram

crianças e deveriam ser felizes no espaço escolar. A crítica deveria ser parte da

escolarização, assim como o prazer em aprender. Foi aí que notei, mobilizada pela

ideia de participação em comunidades de prática, outra influência do GdS. Poderia

propiciar práticas de participação em ambientes de aprendizagem e, ao mesmo

tempo, práticas que engajariam e mobilizavam prazer.

Essas ideias também foram influências das leituras que realizávamos no

contexto de preparo e desenvolvimento da disciplina de Estágio Interdisciplinar I,

outro curso no qual auxiliei o professor Dario, no ano de 2013. A leitura de Charlot

(2013, p. 159) me fazia compreender que “só aprende quem encontra alguma forma

de prazer no fato de aprender. Quando digo ‘prazer’ não estou opondo a esforço.

Não se pode educar uma criança sem fazer-lhe exigências. [...] Não há contradição

entre prazer e esforço”

Foi, então, que aprendi a trabalhar com o lúdico e com a imaginação. Como

se tratava de uma escola em um bairro rural, de repente, estávamos todos no chão:

sentamos, escrevendo com giz na quadra, brincando de escrever quais eram os

animais que víamos ao redor da escola ou quais eram nossas comidas prediletas,

pretexto para discutirmos boas práticas alimentares. De repente, estávamos lendo

contos de fadas para depois modificar o final ou, até mesmo, a moral da história.

Certa vez, Maria Clara largou o príncipe para se casar com um cantor de

rapper. Um dia, Lucas, menino franzino que falava baixinho, começou a ficar com a

postura ereta e a olhar em meus olhos no momento de tentar ler a composição das

letras. Juliano começava a colecionar os jornais de preço do mercadinho do bairro

para compormos listas de compra nas aulas de reforço. De repente, estava

novamente envolvida em cenários de letramento – a sensação que tinha era

parecida como aquelas das aulas da professora Marilda.

Seis meses após a passagem do mestrado para o doutorado, o projeto foi

aprovado pela Fapesp. O valor da bolsa era pelo menos três vezes superior ao salário

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que recebia na rede estadual, sem contar os benefícios para o desenvolvimento da

pesquisa, com a reserva técnica e a possibilidade de estágio no exterior. Em um

mundo com tamanha fluidez, com o tempo vamo-nos acostumando com recomeços.

Eu não tinha muito o que dizer às crianças. Além do mais, em se tratando de

professores, elas já estavam acostumadas com recomeços. Quando contei que sairia

da escola, ficaram muito tristes. Abraçavam-me com força! A tristeza era tamanha

que dali alguns minutos, para minha paz de espírito, estavam correndo, correndo

felizes pelo pátio da escola.

Foi, então, que vieram a dedicação exclusiva ao doutorado e o estágio de

pesquisa no Canadá, que será narrado com mais detalhes no capítulo metodológico,

pois foi naquele contexto que os rumos desta pesquisa ficaram mais delineados. Por

ora, posso afirmar que, com a participação em diferentes comunidades, fui

constituindo minhas experiências de desenvolvimento profissional e minha

profissionalidade em diferentes cenários. Durante esses anos, mantive-me

participante atuante no Grupo de Sábado. Concomitantemente, estive ora na escola

como professora, ora atuando como formadora de professores, ora na universidade

como pesquisadora, ora no mundo da escola e da universidade. Os espaços

fronteiriços não me são estranhos. Na verdade, eu gosto deles, pois não há do que

se entediar na passagem. Talvez daí venha meu encantamento pelo espaço que

conecta os três personagens principais deste estudo – o Grupo de Sábado, aqui

compreendido como uma comunidade fronteiriça.

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História e estudos sobre o Grupo de Sábado

Figura 3 - Encontro GdS. Acervo Pessoal 2

O Grupo de Sábado (GdS) foi fundado em 1999 pelo professor Dario, por 2

professores que ensinavam matemática na escola básica (Rodrigo e Juliana) e 2 pós-

graduandos (Alfonso e Renata). Atualmente, o grupo realiza diversas atividades.

Quinzenalmente temos encontros aos sábados pela manhã, na FE/Unicamp.

Atualmente, contamos com a presença de cerca de 12 participantes por encontro.

Desde 2006, a cada 2 anos temos realizado os Seminários Nacionais de Histórias e

Investigações de/em Aulas de Matemática (SHIAM). O grupo também já conta com

6 livros publicados, com histórias e narrativas escritas por professores ou formadores

sobre o ensinaraprender matemática.

Assim como o grupo Prática Pedagógica em Matemática (PRAPEM), o GdS

também é coordenado pelos professores Dario e Dione. Em recente capítulo de livro

publicado, para eles, o processo de aprendizagem e de formação que ali ocorre

[...] não é baseado em cursos, como tem sido tradicionalmente concebidos e desenvolvidos pela universidade e pelas agências públicas, mas na realização de práticas de estudo, reflexão, análise e problematização sobre o que ensinamos e aprendemos em

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diferentes espaços educativos (FIORENTINI; CARVALHO, 2015, p. 15).

Como destaquei no início deste capítulo, usualmente, no primeiro encontro

de cada semestre, é realizada uma avaliação e elaborado o cronograma do grupo. A

constituição dessa agenda de atividades é compartilhada por professores e

acadêmicos. A partir das questões que os professores trazem das escolas, os

encontros são organizados, tendo em vista a problematização da complexidade das

práticas docentes, mediante seus diversos contextos, e a busca por alternativas ao

ensino e à aprendizagem da matemática nas escolas. Nesse movimento que emerge

das práticas são estabelecidas interlocuções com referenciais teóricos da educação

e da educação matemática. Assim, a prática docente se torna objeto de investigação

e de ação do grupo. Portanto, levar para o grupo os problemas do campo prático não

implica

[...] que os estudos acadêmicos não tenham lugar no processo de formação continuada dos participantes do GdS. Eles continuam importantes, não como verdades absolutas ou referenciais a serem utilizados e aplicados nas práticas dos professores, mas como mediação ou caixa de ferramentas que ajudam os professores a perceberem outras relações da prática e, portanto, compreenderem melhor o mundo do trabalho docente e perspectivar mudanças e melhorias da mesma (FIORENTINI; CARVALHO, 2015, p. 16).

De acordo com o professor Dario, uma das motivações que levaram à

formação desse grupo colaborativo foi a tentativa de reduzir a distância entre a

pesquisa acadêmica e a prática de ensinar e aprender matemática nas escolas.

Destaca que, como formadores e pesquisadores da universidade, assumiram, como

hipótese de trabalho, que os professores da escola e da universidade, mestrandos e

doutorandos e futuros docentes podiam, juntos, aprender a enfrentar o desafio da

escola atual, negociando e construindo outras práticas de ensinar e aprender

matemática potencialmente formativas aos alunos que despertem neles o desejo de

aprender e de se apropriar dos conhecimentos fundamentais à sua inserção social e

cultural (FIORENTINI, 2009).

Atualmente, em razão das referências bibliográficas que temos utilizado,

temos substituído, nas produções escritas, o termo “grupo colaborativo” por

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“comunidade”. Mas, quando nos referimos aos encontros, não substituímos a

palavra “grupo”. Na figura 04, Fiorentini e Carvalho (2015) referem-se ao GdS como

uma comunidade investigativa. Na mesma figura é possível conhecer o suposto

objetivo comum das comunidades que fazem parte do GdS.

Figura 4 - Fiorentini e Carvalho (2015, p. 28)

Uma especificidade dessa comunidade é a voluntariedade da participação.

Segundo Fiorentini (2013a, p. 5), uma comunidade na qual os participantes não

possuem vínculos institucionais, tal como ocorre no GdS, pode ser caracterizada

como fronteiriça, em que há mais liberdade de ação e de definição de uma agenda

própria, podendo se tornar “um lugar livre e, por isso também de perigo, de

transgressão do instituído, de aventuras na construção e problematização do

conhecimento”.

Em consonância com essa característica, um espaço dentro do encontro que

tem sido especial momento para trocas mais pessoais têm sido os cafés. Em todo

encontro, ao final do primeiro bloco, fazemos um intervalo no qual é possível

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socializar aspectos para além de nossas vidas profissionais. Nesse momento, é

comum escutarmos histórias de outras comunidades como, por exemplo, da família.

Acerca das publicações, atualmente, o grupo tem seis livros publicados

contendo histórias e narrativas de experiências e práticas de sala de aula que tiveram

como foco o ensinaraprender matemática. Nesses livros, professores da escola

básica que ensinam matemática e, até mesmo, formadores narram suas experiências

sobre o ensinaraprender matemática, tomando por base episódios acontecidos em

sala de aula que foram problematizados por eles no GdS.

Em 2001, o então Grupo de Pesquisa em Álgebra Elementar (GPAAE), lançou

seu primeiro livro (FIORENTINI et. al., 2001), intitulado “Histórias de aulas de

matemática: trocando, escrevendo, praticando e contando”. Participavam, então, do

grupo, 14 professores das redes pública e particular de ensino da cidade de

Campinas e região, dois doutorandos e o professor Dario. As cinco narrativas desse

primeiro livro, caracterizam-se por serem relatos de experiências de episódios de

aulas de matemática. Nenhum dos textos trazem referências bibliográficas

explicitas. Apesar de curtas, os relatos publicados traziam significações de

professores e de estudantes sobre os assuntos abordados.

O segundo livro do grupo (FIORENTINI; JIMENEZ-ESPINOSA, 2003) segue a

mesma linha do primeiro. Nele encontramos dez histórias de aulas matemática e um

texto escrito por acadêmicos sobre a dinâmica do GdS. Na maioria das narrativas,

encontramos diálogos com a literatura sobre educação matemática.

Lançado em 2006 (FIORENTINI; CRISTOVAO, 2006), o terceiro livro foi dividido

em duas partes: 1) Histórias de Reflexão sobre o Ensino de Matemática, e, 2)

Investigações Matemáticas em Aulas da Escola Básica. Lançado em 2006, a primeira

parte foi constituído por sete capítulos que discutiam: a escrita no processo de

aprender matemática e outros contextos. Enquanto que a segunda parte foi

dedicada a discussão de atividades e aulas investigativas.

Acompanhei a organização e a escrita dos últimos três livros, a dinâmica de

escrita desses tem sido bastante formativa. Uma primeira versão do texto é lida no

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grupo. Nessas ocasiões, podemos relatar nossas percepções sobre o texto, bem

como, apontar o que julgamos que deve ser modificado. Em alguns casos, até mesmo

uma segunda versão do texto tem sido apresentada no grupo.

O quarto livro (LUCCHESI; CONTI, 2009), publicado em 2009, foi dividido em

duas partes. Na primeira já começam a aparecer mais as práticas dos formadores,

isto é, professores que estavam na fronteira entre a escola e a universidade, como o

caso de Monike (BERTUCCI, 2009). Por ocasião de sua pesquisa de mestrado,

constituiu um grupo colaborativo em uma escola dos anos iniciais. Assim, na primeira

parte do livro, estão estudos sobre práticas colaborativos na formação do professor

que ensina matemática. Na segunda parte, encontram-se práticas de reflexões e/ou

investigações de/sobre aulas de matemática.

Os livros quinto (CARVALHO; LONGO; FIORENTINI, 2013) e sexto (FIORENTINI;

FERNANDES; CARVALHO, 2015) foram lançados em um momento em que estávamos

mais interessados nos sentidos e significados do ensinaraprender matemática,

inclusive esse foi o tema do V SHIAM. Os dois últimos livros do grupo, tiveram como

foco as narrativas de práticas de ensinaraprender matemática. Nos últimos, pode-se

dizer a partir de 2009, não tivemos o foco em uma metodologia em especifico, como

foi o caso das investigações em aulas de matemática ou a escrita em aulas de

matemática. O quinto livro foi dividido em duas partes, a primeira intitula-se “sobre

o ensinaraprender álgebra elementar”. A segunda parte está intitulada “sobre

estimar, medir e comparar”.

O sexto livro teve como foco a formação de professores, tanto na formação

inicial como na continuada e, também, está dividido em duas partes. A primeira

intitula-se “narrar e refletir sobre o ensino dos conteúdos escolares como prática de

formação de professores que ensinam matemática”, ao passo que a segunda parte

está intitulada: “O papel da colaboração na reflexão, investigação e aprendizagem

dos professores sobre as práticas de ensinaraprender matemática”.

Desde o surgimento do grupo, muitos estudos são realizados tendo o grupo

como contexto, sendo esse o foco de estudo ou contando com seu apoio. Desde

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1999, na coordenação de projetos ou em produções, como artigos e capítulos de

livros, publicados em parceria com outros pesquisadores ou como único autor, o

professor Dario tem tomado a aprendizagem docente, a constituição da

profissionalidade e o desenvolvimento profissional como focos de suas pesquisas.

Também Alfonso Espinosa-Jimenez (2003) investigou o processo de

ressignificação e de reciprocidade de saberes, ideias e práticas, em um contexto de

reflexão e partilha com o Grupo de Pesquisa Ação em Álgebra Elementar (GPAAE).

Em seu trabalho, compreendeu que a “ressignificação aparece através do processo

interlocutivo onde a escuta, a argumentação e a contra-argumentação são levadas

em conta na prática de um discurso com características de lúdico e/ou polêmico”

(ESPINOSA-JIMENEZ, 2003, p. VIII). Sua pesquisa também tornou evidente a

importância da reflexão coletiva tanto para os professores escolares quanto para os

acadêmicos. Observou ainda, na mesma página, que, quando “o objeto da reflexão

é a prática discursiva que acontece em sala de aula, as discussões tornam-se mais

ricas e contributivas para os processos de ressignificação e de reciprocidade de

saberes da ação pedagógica em matemática”.

Renata Pinto (2002), em uma perspectiva sociocultural, investigou como três

professores de matemática se tornaram produtores de textos escritos sobre suas

experiências em sala de aula. A pesquisadora percebeu que a mobilização para a

escrita era o significado que atribuíam ao ato de escrever. Também destacou a

importância na colaboração no processo da escrita.

A dissertação de Juliana Castro (2004) foi o primeiro estudo acadêmico

realizado por uma professora do ensino básico contando com a colaboração do

grupo. A professora investigou sua própria prática e desenvolveu atividades

investigativas com o auxílio do próprio GdS. Nesse estudo, Castro analisa o papel

desempenhado pelas experiências pedagógicas com investigações matemáticas em

sala de aula em seu processo de constituição profissional como professora de

matemática. O material de análise foram seus registros em diário de campo,

gravações em áudio de suas aulas na escola e de encontros de discussão, reflexão e

análise do GdS sobre suas experiências e ensaios com investigações matemáticas.

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Em síntese, seu estudo mostrou que a experiência de planejar, vivenciar, escrever e

refletir a respeito de investigações matemáticas em sala de aula foi extremamente

formativa para a professora-pesquisadora.

O estudo mais recente foi o de Merca Luz Hernandez-Vázquez (2015), que,

por sua vez, analisou as trajetórias de aprendizagem docente de três participantes

do Grupo de Sábado. Sua pesquisa teve por objetivo narrar o processo de

participação de professores que ensinam matemática, além de identificar e

descrever as aprendizagens resultantes desse processo. Para isso, teceu breves

narrativas sobre as percepções relacionadas à participação de três professores do

Grupo de Sábado (GdS).

Interlocução com outros Grupos Colaborativos

Com o passar do tempo, compreendia que o grupo não é uma comunidade

isolada, através de seus participantes o grupo estabelece relações com diversas

comunidades. Desse modo, o grupo influencia e é influenciado por tantos outros

espaços. Sobre isso, compreendo que a constância dos professores formadores

vinculados à Unicamp, instituição que cede o espaço dos encontros do grupo, têm

sido o de dar sustentabilidade ao grupo.

Como a participação é voluntária, por um lado, os professores e futuros

professores variam. Por outro lado, durante meu período de participação, Dario e

Dione se mantiveram como articuladores do espaço junto a Universidade, assim,

suas presenças foram constantes. Com o tempo e mediante participação em outras

comunidades, pude perceber que o compromisso deles com a educação matemática

transcendia as fronteiras do Grupo de Sábado ou, até mesmo, do Prapem. O que faz

com, de certo modo, esses grupos ganhem projeção em outros contextos.

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Estava recém-formada no curso

de Pedagogia e havia há pouco menos

de seis meses ingressado na rede

estadual como professora, quando

participei de um ENEM em Salvador,

aquela havia sido a décima edição. A

reunião impressionou-me pela

quantidade de pessoas presentes e

pelas temáticas tão diversas que eram

contempladas em sessões de comunicação, em palestras, em mesas redondas e em

conferências. Dione, que nos acompanhava já havia sido uma das militantes mais

atuantes e uma das fundadoras da Sociedade Brasileira de Educação (Sbem),

praticamente nos introduzia naquela comunidade, apresentando eu e meus colegas

para pesquisadores e professores de todos os cantos do Brasil.

A medida que observava o quanto os professores da FE-Unicamp com quais

convivia estavam eram referenciados e conhecidos daquela comunidade, dava-me

conta de que meus professores tinham uma história anterior ao vinculo profissional

que nos conectava. Ficava evidente que para além dos muros de uma determinada

universidade, questões maiores os uniam a um determinado campo cientifico e

profissional. Seja nas interações ou nos escritos, eles, também, iniciavam a mim e

aos meus colegas naquela comunidade mais ampla.

Foi, assim, que a medida que participava de espaços e comunidades que

transcendiam as fronteiras do GdS, como os Encontros Nacionais de Educação

Matemática (Enem), que ocorrem bienalmente em diferentes capitais brasileiras, e

os Seminários Nacionais de Histórias e Investigações de/em Aulas de Matemática

(Shiam), organizado pelo GdS, percebia o quanto a área de educação matemática

brasileira é mobilizada.

Participando desses espaços, observava que o Grupo de Sábado (GdS) não é

uma comunidade isolada. Apesar de sua autonomia em relação a outros grupos e

comunidades, a história de sua fundação acompanha as trajetórias de Dario e,

Figura 5 - Abertura Enem, Salvador, 2010

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também, de Dione que atuaram de modo orgânico na fundação da Sociedade

Brasileira de Educação Matemática. Foi em 1988, na cidade de Maringá, no Paraná,

que a SBEM foi fundada, por um grupo majoritariamente de formadores de

professores experientes ou em início de carreira, recém-saídos da escola básica ou

que viviam na fronteira do ensino básico e do ensino superior. Começava, assim,

consolidar-se uma nova fase da história da educação matemática brasileira.

Segundo Fiorentini e Lorenzato (2009) o surgimento da Educação Matemática

(EM) no Brasil, teve início a partir do movimento da matemática moderna (MMM),

final dos anos 70 e início dos 80. Logo em seguida, como já citado, a SBEM foi

fundada. Os mesmos autores dividem o surgimento da educação matemática no

Brasil em quatro fases:

1. Gestação da EM como campo profissional (período anterior à década de 1970)

2. Nascimento da EM (década de 1970 e início dos anos de 1980)

3. Emergência de uma comunidade de educadores matemáticos (década de 1980)

4. Emergência de uma comunidade cientifica em EM (anos de 1990)

(FIORENTINI e LORENZATO, 2009, p. 16)

De modo sintetizado, tomando por base os estudos de Fiorentini e Lorenzato

(2009), na primeira fase, a educação matemática (EM) não se encontrava claramente

configurada. Para Fiorentini e Lorenzato (2009), “o movimento ‘escolanovista’,

desencadeado a partir da década de 1920 no Brasil, seria de grande consequência

para a EM”. Começam, assim, a surgir os primeiros – por assim dizer – educadores

matemáticos, como Euclides Roxo e Júlio César de Mello e Souza (Malba Tahan). A

características dos educadores matemáticos dessa fase foi escrever materiais

didáticos, com livros didáticos, paradidáticos e apostilas. Ainda nessa fase, tendo em

vista o Movimento da Matemática Moderna, começavam a surgir os primeiros

congressos. As pesquisas, no entanto, eram escassas.

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Na segunda fase, “surgem os primeiros sinais da existência de um novo

campo profissional”. Desse modo, também, começam a surgir as primeiras pesquisas

em âmbito de pós-graduação strictu sensu. Na terceira fase, a medida que ocorria

redemocratização e a abertura política no país, na década 1980, amplia-se a

concepção de EM (ibidem). De acordo com Fiorentini e Lorenzato “novos problemas

e novas perguntas surgem em EM e com eles novas formas de investigação” (p. 26).

Em 1984, na UNESP de Rio Claro, surge o primeiro programa brasileiro de pós-

graduação em educação matemática. Nesse período, os programas de pós-

graduação da Unicamp, UFSCar e UFPE também se destacam como reduto de

pesquisas desenvolvidas nas linhas de educação matemática. Essa fase, também, é

marcada pelo desenvolvimento de projetos junto ao Ministério da Educação e as

secretarias de ensino estaduais. Os eventos em educação matemática começam a

acontecer nacionalmente, como o ENEM. Começam, também, o surgimento e o

fortalecimento de grupos de estudos voltados ao ensinaraprender matemática.

Segundo Fiorentini e Lorenzato (2009):

Embora esses grupos e eventos tenham se notabilizado mais pelo ativismo que pela reflexão sistemática sobre o processo de ensino e aprendizagem, esse movimento contribuiu para que muitos professores do ensino de 1º e 2º graus, com significativa experiência em sala de aula, passassem a fazer parte de grupos de estudos, chegando, muito deles, a realizar mestrado ou doutorado em área relacionada ao ensino. Foram justamente esses professores que trouxeram, para o âmbito da reflexão sistemática da pós-graduação, as interrogações e os problemas concretos por eles vividos no dia a dia da sala da aula. Esses profissionais, inclusive, constituem hoje o principal grupo de apoio e sustentação da comunidade nacional de educadores matemáticos (p. 31).

Na quarta fase, na década de 90, muitos educadores matemáticos doutoram-

se no Brasil ou no exterior. Surgem mais programas, linhas de pesquisa referentes a

educação matemática, periódicos específicos, uma área de ensino de ciências e

matemática é criada na Capes, os programas continuam se consolidando. É dessa

década a criação de grupos como o Prática Pedagógica em Matemática (1995) e o

Grupo de Sábado (1999).

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A partir do ano 2000, é possível falar do estreitamento da comunidade

científica de educadores matemáticos com as comunidades escolares. Por um lado,

houve uma mudança no paradigma do que compreendemos como pesquisa do

professor. Também há um reconhecimento das comunidades acadêmicas sobre a

necessidade de maior articulação e interlocução com as comunidades escolares. Por

outro lado, é provável que esse processo também tenha sido influenciado por

políticas como Programa de Iniciação à Docência (PIBID), Observatório da Educação

(OBEDuc) etc.

Outro fator que marcou esse período foi o crescimento dos programas de

pós-graduação e o surgimento dos mestrados profissionais. É nesse cenário que,

inspirados nas experiências de grupos já existentes e em razão, sobretudo, do

aumento da presença de professores da escola básica na universidade, têm surgido,

cada vez mais, grupos com a participação de professores, formadores de

professores, formadores de professores, pesquisadores e, até mesmo, futuros

professores.

Com a constituição do Simpósio Nacional de Grupos Colaborativos e de

Aprendizagem do Professor que Ensina Matemática, foi possível conhecer outros

grupos que se organizam mediante a parceria entre universidade e escola. A ideia de

organizar esse simpósio, anexo ao SHIAM, ocorreu em uma reunião do GdS, em

2012.

Na edição anterior, no III SHIAM, em 2010, no último dia tivemos a mesa

intitulada “Aprendizagens e desafios em comunidades colaborativas de

professores”, da qual participaram Dione (coordenadora), Maria do Carmo de Souza

(UFSCar), Paulo Penha (Grucomat), José Walber Ferreira (EMFoco) e Eliane Matesco

Cristovão (GdS). As falas versavam sobre as histórias de participação e as dinâmicas

das comunidades que congregavam professores da escola, formadores de

professores e pesquisadores.

A partir de então, sentimos a necessidade de ter mais espaço para as falas

referentes aos grupos colaborativos. Para isso precisaríamos de organização e

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recursos. Assim, solicitamos a inclusão de recursos no projeto de financiamento do

IV SHIAM, coordenado pela professora Dione, para possibilitar a presença de

representantes de 13 grupos colaborativos (12 brasileiros e 1 argentino). Naquele

período, fomos contemplados com recursos da Capes e do CNPq, que viabilizaram a

realização do evento.

Estiveram presentes os grupos: Grupo de Estudos e Pesquisa sobre a Formação

de Professores que Ensinam Matemática (Forpromat); Grupo de Estudos e Pesquisas

em Educação Estatística e Matemática (Gepee); Grupo Colaborativo (Famaf); Grupo

Colaborativo em Modelagem Matemática (GCMM); Grupo de Pesquisa Formação

Compartilhada de Professores – Escola e Universidade – (Gpefcom); Grupo de

Estudos e Práticas em Educação Matemática (Grepem); Grupo de Estudos

Alfabetização em Diálogo (Grupad); Grupo de Estudo e Trabalho Pedagógico de

Ensino de Matemática (Getemat); Grupo de Estudos Outros Olhares para a

Matemática (Geoom); Grupo de Estudos e Práticas em Educação Matemática da Faal

(Gepemf); Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática (EMFoco) e

Grupo Colaborativo de Matemática (Grucomat).

Nesse simpósio, foi redigida uma carta, reivindicando, entre outras coisas, o

reconhecimento da participação de professores e futuros professores nos grupos

colaborativos e maiores recursos para pesquisas vinculadas aos estudos das práticas

desenvolvidas nessas comunidades.

A partir dessa experiência no simpósio, foi organizado um e-book

(GONÇALVES, LIMA, CRISTOVAO, 2014) no qual se encontram a carta e capítulos

escritos por cada um dos participantes dos grupos, que descreveram as dinâmicas,

os modos como se constituíam, as produções do grupo etc.

Desde então, ocorreram mais dois simpósios, contando, inclusive, com a

participação de outros grupos. Tendo em vista a organização dessas comunidades

em eventos e publicações, penso que talvez já seja possível falarmos do início de um

movimento de comunidades colaborativas de educadores matemáticos, das quais

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participam professores da escola, formadores, pesquisadores, futuros professores e

pesquisadores.

A partir de questões emergentes desse contexto de colaboração entre

professores e formadores, no próximo capítulo, discuto teoricamente as concepções

teóricas presentes neste estudo. Ali serão problematizados os conceitos de

profissionalidade, desenvolvimento profissional e comunidades de aprendizagem

docente, para revisar, discutir e reconsiderar o objeto de estudo desta tese.

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Figura 6 - Cortesia (2000), Beatriz Milhazes

Esta língua não é minha, qualquer um percebe.

Quem sabe maldigo mentiras, vai ver que só minto verdades.

Assim me falo, eu, mínima, quem sabe, eu sinto, mal sabe.

Esta não é minha língua. A língua que eu falo trava

uma canção longínqua, a voz, além, nem palavra.

O dialeto que se usa à margem esquerda da frase,

eis a fala que me lusa, eu, meio, eu dentro, eu, quase.

Paulo Leminski, Invernáculo (1996)

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Capítulo 2 – Desenvolvimento Profissional e

Profissionalidade em Comunidades de Aprendizagem

Docente

Para compreender o objeto de estudo desta tese, optei por revisar a literatura

e discutir conceitualmente três tópicos que se inter-relacionam: desenvolvimento

profissional, profissionalidade e comunidades de aprendizagem docente. Tendo em

vista os diversos pressupostos das comunidades constituídas por professores e

formadores, optei por um termo mais abrangente para realizar essa revisão e

discussão teórica: comunidades de aprendizagem docente. Para isso, tomei por base

os estudos de Cochran-Smith e Lytle (2002), que discutem as diferentes finalidades

desses espaços.

Acerca da organização deste capítulo, inicio com a revisão bibliográfica sobre

desenvolvimento profissional. Quanto à revisão sobre a constituição da

profissionalidade, por tratar-se de um tema bastante explorado, mas pouco

problematizado conceitualmente nas pesquisas sobre formação docente, optei por

dar continuidade à revisão bibliográfica realizada em outra pesquisa sobre a

profissionalidade docente e a gestão do currículo (CRECCI, 2009).

Na ocasião em que realizava meu TCC, dei-me conta do uso disperso do termo

“profissionalidade”. A fim de problematizar esse uso, a literatura sobre

profissionalidade é dividida em quatro eixos: 1) as origens do termo e do conceito;

2) a profissionalidade docente como competências necessárias ao exercício da

docência; 3) a profissionalidade como identidade; e 4) os diferentes sentidos de

profissionalidade.

Em seguida, são discutidos possíveis pressupostos das comunidades de

aprendizagem docente, tendo em vista suas ideias de aprendizagem,

desenvolvimento profissional, profissionalidade docente e papel do formador, para,

então, focar nas comunidades investigativas.

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Fiorentini (2013a) tem qualificado as comunidades investigativas em escolares,

acadêmicas e fronteiriças. Desse modo, ao considerar especificamente o contexto

de encontro dos protagonistas deste estudo, ao final do capítulo, problematizo a

constituição do desenvolvimento profissional e da profissionalidade em

comunidades fronteiriças.

Apesar de não compreender as referências teóricas como um cinturão

epistemológico para minhas ideias, dialeticamente, as perspectivas reificadas por

outros e por mim lidas e estudadas, seja individual ou coletivamente, estão

presentes em minhas escolhas, na compreensão do objeto e em sua própria

constituição. Se, na composição dos textos de pesquisa, por um lado, os jargões

acadêmicos e as longas citações podem até ser um lugar seguro e, por vezes, mesmo,

enfadonhos, acredito que, por outro lado, dão a ver ideias que nos inspiram.

Quero ainda destacar que muitas discussões, inclusive de natureza teórica,

presentes na tese, são oriundas de interlocuções e publicações realizadas em

conjunto com o professor Dario. Por essa razão, em alguns trechos, utilizo o recurso

da primeira pessoa do plural e faço citações de produções publicadas ou no prelo.

Desenvolvimento Profissional Docente

Em uma perspectiva sociocultural de pesquisa, o contexto é relevante para

conhecermos em quais condições de produção histórica nosso objeto de estudo está

situado. Segundo Clandinin e Huber (2010), a problemática investigada, o puzzle,

após relacionado à história de vida do pesquisador tal como fazemos nas narrativas

iniciais, por um lado, deve ser relacionado ao seu campo científico e, por outro lado,

relacionada ao contexto conjuntural que o envolve.

Por essas duas razões, para discutir esse conceito polissêmico, quando iniciei

os estudos sobre desenvolvimento profissional, busquei saber como esse

movimento estava sendo compreendido nas normativas do Ministério de Educação

(MEC) que dispõem sobre a formação docente, na literatura e em contextos diversos.

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A seguir, discuto diferentes faces do desenvolvimento profissional, desde aquelas

que o compreendem como sinônimo de formação continuada, até aquelas que o

tomam como experiências ao longo da vida.

Faces do Desenvolvimento Profissional

Nos Referenciais para Formação de Professores (BRASIL, 1999) divulgados

pelo MEC, a formação do professor é compreendida como um processo contínuo,

sendo o desenvolvimento profissional parte de toda carreira docente:

A formação é aqui entendida como processo contínuo e permanente de desenvolvimento profissional, o que pede do professor disponibilidade para a aprendizagem; da formação, que o ensine a aprender; e do sistema escolar no qual ele se insere como profissional, condições para continuar aprendendo. Ser profissional implica ser capaz de aprender sempre. (BRASIL, 1999, p. 63)

O MEC (BRASIL, 2002) também propõe que secretarias estaduais e municipais

apostem em uma perspectiva de desenvolvimento profissional na qual professores

e gestores se engajem em estudos coletivos, na avaliação dos resultados e no

planejamento pedagógico dentro das próprias escolas nos horários dedicados à

jornada extraclasse.

Apesar dessas proposições, em estudo anterior realizado por mim e pelo

professor Dario (FIORENTINI; CRECCI, 2012), compreendemos que o Horário de

Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC), institucionalizado na rede estadual paulista

desde o final da década de 1980, tornou-se um espaço controlado burocraticamente

pelos gestores escolares, geralmente obrigados a reportar às diretorias de ensino

relatórios, por exemplo, sobre o desempenho de alunos nas avaliações externas.

Logo, notamos que as políticas enfocadas nos testes têm comprometido esse tipo de

desenvolvimento profissional previsto nos referenciais, que fica à mercê de uma

prestação de contas inspirada nas políticas educacionais dos Estados Unidos, em

detrimento da realização de estudos que tomam a prática de ensinar como objeto

de reflexão e investigação. Comprometimento semelhante já foi identificado por

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pesquisadores dos Estados Unidos (COCHRAN-SMITH et al., 2013; HARGREAVES,

2010; RAVITCH, 2012).

No contraditório contexto brasileiro, chamou-me a atenção o não

cumprimento, por diversos estados e municípios, da Lei nº 11.738, que prevê um

piso nacional aos professores e determina que 1/3 da jornada de trabalho seja

dedicado a atividades extraclasse16. No contexto dessa não implementação,

professores de diversas partes do País, organizados nos sindicatos, em grupos de

estudo ou colaborativos, reagiram ao não cumprimento da lei17. No Grupo de Sábado

(GdS), organizamos um manifesto18 dirigindo críticas à Secretaria da Educação do

Estado de São Paulo (Seesp), que, ao invés de cumprir a jornada prevista na lei e

apostar na capacidade de os professores se organizarem em espaços de formação

contínua, oferecem cursos parcialmente presenciais de especialização,

descontextualizados da prática docente que, de acordo com o manifesto,

[...] não tomam como referência os desafios postos ao professor de matemática na escola atual, não acompanham de perto a implementação de alternativas metodológicas e o desenvolvimento curricular nas unidades escolares. Ao contrário, reforçam um único aspecto da formação, propondo-se a “ensinar mais matemática aos professores”. O professor inserido neste programa, é visto como um profissional que não correspondeu às expectativas do Estado dentro de sua sala de aula e por este motivo, necessita de um “reforço”. Este profissional que já era desvalorizado socialmente sente-se cada vez mais desmotivado e realiza esses cursos em horário oposto ao de sua jornada de trabalho o que não oferecerá o suficiente para o aprimoramento de sua prática, pois este modelo de formação,

16 De acordo com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), em 2012, 14 estados

não cumpriam a Lei 11.738, que determina o pagamento do piso nacional do magistério e a implantação

de 1/3 da jornada como hora-atividade.

17 No documento intitulado “1/3 da jornada do/a professor/a para a hora-atividade é essencial para uma educação de qualidade”, o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sindutemg) destacou a importância da lei e o não cumprimento de Minhas Gerais (Disponível em: http://www.sindutemg.org.br/novosite/janela.php?pasta=files&arquivo=3255 Acesso em: 11 jun. 2012). Já o artigo “A aritmética da Secretaria da Educação e o mundo real”, de Maria Izabel Azevedo Noronha, presidente do Sindicado dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), critica e expõe a estratégia da Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo (Seesp) para aplicar a lei em que modifica a duração da jornada docente para 48 horas-aula de 50 minutos, organizando o trabalho do professor em 32 horas-aula com alunos e o tempo restante em atividades fora da sala de aula (Disponível em: http://www.apeoesp.org.br/publicacoes/opiniao-apeoesp/a-aritmetica-da-secretaria-da-educacao-e-o-mundo-real/ Acesso em: 11 jun. 2012). 18 Disponível em: http://www.grupodesabado.blogspot.com.br/search/label/Manifestos Acesso em: 05 maio 2012.

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denominada como formação continuada, em algum momento se interrompe. (Manifesto Grupo de Sábado, 2010)

A opinião que tecemos acerca dos cursos oferecidos pela Seesp vai ao

encontro do que Fiorentini (2008, p. 59-60) aponta como modelo estrutural de

formação continuada. Nessa perspectiva, a formação estrutura-se na concepção da

racionalidade técnica, e o processo de formação organiza-se a partir de um modelo

que pressupõe apropriação prévia de conhecimentos, geralmente distanciados das

práticas dos professores, para depois serem aplicados na prática escolar. Mesmo no

caso da formação continuada, neste modelo, é prevista uma atualização prévia dos

conhecimentos considerados fundamentais para o exercício docente, sem que sejam

levadas em consideração as questões trazidas pelos professores. Cursos pontuais,

sem muita articulação com a realidade escolar, têm predominado nos municípios

brasileiros (DAVIS et al., 2011).

De outra parte, o modelo construtivo de formação docente, apontado por

Fiorentini (2008), pressupõe a existência de um processo contínuo de reflexão

interativa e contextualizada sobre as práticas pedagógicas e docentes, articulando

as práticas formativas e as profissionais. Isso implica uma relação de parceria entre

formadores e professores da escola básica, que podem atuar colaborativamente

tanto na busca de compreensão dos problemas e desafios do trabalho docente no

contexto atual, quanto na construção de alternativas de intervenção na prática

escolar. É comum, nesse contexto, a formação de grupos de estudo e de pesquisa-

ação, os quais analisam as práticas vigentes e inovadoras, elaboram conjuntamente

projetos de intervenção na prática, seguidos de momentos de

registros/documentação das atividades educativas e de reflexão/análise sistemática

sobre elas. Ou seja, no modelo construtivo, o ponto de partida e de chegada da

formação docente são as práticas e os saberes que os professores trazem, produzem

e mobilizam nos diferentes contextos de prática escolar.

O modo construtivo de compreender a formação continuada de professores,

converge com as reivindicações dos professores do GdS, quando indicam que,

nos grupos, os estudos são diretamente voltados para as práticas em sala de aula permitindo não apenas a relação entre teoria e prática,

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mas também os momentos para a reflexão dessas relações. Acreditamos, por nossa própria experiência, na parceria entre professores escolares, futuros professores e acadêmicos em comunidades colaborativas, reflexivas e investigativas. O caráter diversificado dessas comunidades tem um papel importante à medida que torna possível a ressignificação das experiências de maneira crítica e criativa, valorizando o conhecimento do estudante, dos acadêmicos, mas também o conhecimento e os saberes docentes dos professores que atuam em sala de aula. (Manifesto Grupo de Sábado, 2010)

A perspectiva manifesta pelos professores pressupõe uma relação dialética

entre teoria e prática, de forma que ambas possam ser mutuamente

problematizadas. Isso parece vir ao encontro das concepções de Cochran-Smith e

Lytle (2009), quando enfatizam o trabalho com a dialética na formação docente, em

que pesquisa e prática passam a ter uma relação simbiótica.

Quanto à possibilidade de criação de grupos colaborativos ou grupos de

estudos, na contramão das políticas públicas, cabe ressaltar que iniciativas como

essas têm surgido no Brasil, envolvendo parceria entre professores universitários e

professores da escola básica e voltados à reflexão sobre as práticas de ensinar e

aprender na educação básica. Tal fato foi decorrente da mudança de concepção das

práticas de formação de professores, tendo em vista a relação entre formação

acadêmica e prática profissional. De acordo com Fiorentini e Lorenzato (2006), no

caso dos grupos voltados à educação matemática, destaca-se a inserção crescente,

em grupos acadêmicos de pesquisa, de professores que ensinam na escola básica,

na maioria, ligados à Pós-Graduação stricto sensu.

Apesar de ter um contexto diferente do nosso, em seus estudos, Sowder

(2007) aponta que, muitas vezes, nos Estados Unidos, os recursos direcionados para

o que, em sua compreensão, é o desenvolvimento profissional de professores, são

gastos com oficinas e workshops que lhes proporcionam aprendizagens superficiais.

Pode-se afirmar que algo semelhante ocorre no Brasil.

Na contramão dessas práticas mais comuns de incentivos ao

desenvolvimento profissional, Darling-Hamond e Lieberman (2012) destacam que,

em diversos países, consolidam-se práticas articuladas ao desenvolvimento

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curricular, tais como planejamento colaborativo, Lesson Studies19 e realização de

diferentes tipos de pesquisa-ação. Ou seja, os professores, ao realizarem essas

práticas, têm oportunidade de compartilhar experiências e conhecimentos e, nesse

processo, desenvolvem-se profissionalmente. Configura-se, assim, a ideia de que a

aprendizagem docente e o desenvolvimento profissional resultam de

empreendimentos coletivos, ao invés de individuais.

Sztajn (2011), em diálogo com os estudos de Sowder (2007) e Darling

Hammond (2009), destaca que, embora essas listas de características do que torna

o desenvolvimento profissional eficaz sejam úteis para pesquisadores e formadores,

também são muitos vagas. Sztajn (2011) afirma que muitos termos utilizados na

literatura sobre desenvolvimento profissional de professores de matemática podem

ser interpretados de várias maneiras. E, além disso, enfatiza a necessidade de

esclarecimentos a respeito da linguagem utilizada nos estudos e da concepção de

um modelo de desenvolvimento profissional de professores de matemática, com

definição de metas; teorias; contextos e estruturas.

Outro aspecto que chama atenção é que não basta apenas investimento em

espaços potenciais de desenvolvimento profissional, pois “a melhoria da formação

continuada é um fator importante no desenvolvimento profissional docente, mas

não é único” (GATTI; BARRETO e ANDRÉ, 2011, p. 196) uma vez que “fatores como

salário, carreira, estruturas de poder e de decisão, assim como clima de trabalho na

escola são igualmente importantes” (ibidem). Em síntese, “não se pode aceitar a

explicação simplista de que basta melhorar a formação docente para que se consiga

melhorar a qualidade da educação” (ibidem).

19 De acordo John Elliot (2012), o conceito de Lesson Studies surgiu no Japão e compreende a elaboração coletiva de aulas por professores e especialistas, as quais são depois observadas e analisadas por eles.

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Experiências de Desenvolvimento Profissional

Aproximando a formação continuada da ideia de desenvolvimento profissional,

Passos et al. (2006) consideram:

[...] a formação docente numa perspectiva de formação contínua e de desenvolvimento profissional, pois pode ser entendida como um processo pessoal, permanente contínuo e inconcluso que envolve múltiplas etapas e instâncias formativas. Além do crescimento pessoal ao longo da vida, compreende também a formação profissional (teórico-prática) da formação inicial – voltada para a docência e que envolve aspectos conceituais, didático pedagógicos e curriculares – e o desenvolvimento e a atualização da atividade profissional em processos de formação continuada após a conclusão da licenciatura. A formação contínua, portanto, é um fenômeno que ocorre ao longo de toda a vida e que acontece de modo integrado às práticas sociais e às cotidianas escolares de cada um, ganhando intensidade e relevância em algumas delas (PASSOS et al., 2006, p. 195).

A compreensão diacrônica de Passos et al. (2006), ao longo da vida, que perpassa

diferentes instâncias formativas, de formação contínua e desenvolvimento

profissional, leva-me a compreender esse desenvolvimento como experiência,

tópico que desenvolvo a seguir.

Nas últimas décadas, em diversos estudos, assumiu-se que os professores

aprendem e se desenvolvem profissionalmente mediante a participação em

diferentes práticas e contextos nem sempre intencionalmente voltados para a

melhoria da docência. Por exemplo, admite-se que aprendemos a ser professor em

contextos formais e não formais de ensino (DAY, 2001). Sabemos que muitos

sentimentos, afetos e valores que agregamos ao nosso ser professor, ou até mesmo

formador, são impregnados das interações que temos em outras comunidades,

como as famílias ou, até mesmo, comunidades religiosas.

Nesse sentido, Fiorentini (2008, p. 4-5) concebe o desenvolvimento

profissional “como um processo contínuo que tem início antes de ingressar na

licenciatura, estende-se ao longo de toda sua vida profissional e acontece nos

múltiplos espaços e momentos da vida de cada um, envolvendo aspectos pessoais,

familiares, institucionais e socioculturais”.

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Day (2001, p. 20) também entende o desenvolvimento profissional como um

processo que envolve múltiplas “experiências espontâneas de aprendizagem” e

participação em atividades planejadas conscientemente e “realizadas para

benefícios, direto ou indireto, do indivíduo, do grupo ou da escola e que contribuem,

através deste, para a qualidade da educação na sala de aula”. Além disso, ao apontar

alguns indicadores de desenvolvimento profissional dos professores, concebe-o

como um

[...] processo através do qual os professores, enquanto agentes de mudança, reveem, renovam e ampliam, individualmente ou coletivamente, o seu compromisso com os propósitos morais do ensino, adquirem e desenvolvem, de forma crítica, juntamente com as crianças, jovens e colegas, os conhecimentos, as destrezas e a inteligência emocional, essenciais para uma reflexão, planificação e práticas profissionais eficazes, em cada uma das fases das suas vidas profissionais (DAY, 2001, p. 20-21).

Nesse sentido, o termo “desenvolvimento profissional” tende a ser associado

ao processo de constituição do sujeito. Um processo, portanto, de vir a ser, de

transformar-se ao longo de tempo.

Em uma perspectiva mais subjetiva, Ponte (1998) compreende o

desenvolvimento profissional como um movimento de “dentro para fora”, no qual o

professor ou o futuro professor se desenvolve, como pessoa e como profissional.

André (2011, p. 26), por sua vez, ao discutir o campo de estudo sobre formação de

professores, aponta que tem encontrado, em anos mais recentes,

[...] o conceito de desenvolvimento profissional docente em substituição à formação continuada (Nóvoa, 2008; Imbernón, 2009; Marcelo, 2009). A preferência pelo seu uso é justificada por Marcelo (2009, p. 9) porque marca mais claramente a concepção de profissional do ensino e porque o termo “desenvolvimento” sugere evolução e continuidade, rompendo com a tradicional justaposição entre formação inicial e continuada.

Entretanto, cabe destacar que o próprio conceito de formação também

possui diferentes acepções, sendo algumas delas próximas ao conceito de DPD e

outras mais distantes (FIORENTINI; CRECCI, 2013). Bondia-Larrosa (2002), por

exemplo, concebe a formação como uma ação de “dentro para fora”, ação

protagonizada pelo próprio sujeito sobre si (autoformação) para que venha a

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adquirir uma forma projetada pelo próprio sujeito da formação, tendo em vista seus

desejos e projetos de vida, sendo esse processo, entretanto, condicionado pelas

circunstâncias sociais e políticas. Assim, para Bondia-Larrosa (2002), uma

experiência autenticamente formativa pode ser comparada metaforicamente a uma

viagem aberta, na qual pode acontecer qualquer coisa, e não se sabe aonde vai

chegar, nem mesmo se vai chegar a algum lugar.

Espaços e Práticas de Desenvolvimento Profissional

Uma vez compreendido o desenvolvimento como um processo ao longo do

tempo, a literatura tem destacado alguns espaços e, apesar de o conceito ser amplo,

alguns autores, de forma propositiva, apontam práticas que julgam eficazes ao

desenvolvimento profissional dos professores. Esse é o caso de Sowder (2007) que,

em vasta revisão bibliográfica, sintetiza que as perspectivas bem-sucedidas de

desenvolvimento profissional de professores de matemática compreendem: a

participação dos professores para decidir aspectos sobre a intervenção; o apoio das

várias partes interessadas; o envolvimento na resolução colaborativa de problemas;

a continuidade ao longo do tempo; a avaliação formativa e a adequada instrução.

Na mesma direção, Darling-Hammond et al. (2009) propõem que práticas que

promovem o desenvolvimento profissional têm determinadas características, como:

ocorrem de modo intensivo e contínuo; são conectadas às práticas; têm o foco na

aprendizagem dos alunos; são planejadas para atender aos conteúdos curriculares

específicos; são alinhadas às prioridades e às metas de melhoria do ensino; e são

projetadas para construir relações fortes entre os professores.

No Brasil, tanto a concepção como a prática de desenvolvimento profissional

de professores de matemática, articulado ao desenvolvimento curricular, vêm sendo

contempladas por alguns grupos de pesquisa, desde o final dos anos de 1990. Esse é

o caso, por exemplo, dos Grupos de Pesquisa com sede na Unicamp: Prática

Pedagógica em Matemática (PRAPEM), Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Formação

de Professores de Matemática (GEPFPM) e Grupo de Sábado (GdS):

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Nossa trajetória de trabalho e pesquisa no Brasil tem consistido em articular os problemas e desafios da formação e do desenvolvimento profissional de professores com o desenvolvimento do currículo escolar. Isso nos trouxe a convicção de que pesquisadores de universidades, professores da escola e futuros professores podem juntos, aprender a lidar com a diversidade e heterogeneidade da escola, visando à qualidade de uma educação possível para o grande contingente de alunos de classes menos favorecidas. Nessa comunidade, os professores da escola trazem seus problemas e desafios e os formadores de professores e futuros professores tentam atuar/trabalhar em função dessas demandas. [...] Essa inter-relação entre formação docente e mudança curricular nos levou [...] a assumir uma postura política e epistemológica, que consiste em reconhecer e investir na capacidade de os professores promoverem o conhecimento profissional, as mudanças curriculares e o desenvolvimento profissional, de forma colaborativa e investigativa (FIORENTINI et al., 2011, p. 214-215).

A partir dessa revisão, é possível notar que, embora o conceito de

desenvolvimento profissional seja amplo, estudos nacionais e internacionais

acordam sobre a necessidade da participação plena dos professores, seja por meio

da elaboração de práticas concernentes ao próprio desenvolvimento profissional

e/ou a partir de demandas que os professores trazem de seus próprios contextos

escolares. Nesta pesquisa, temos o interesse de situar o desenvolvimento

profissional em comunidades investigativas.

Em pesquisa meta-analítica sobre 11 dissertações/teses acadêmicas

produzidas no Brasil cujo objeto de estudo era o desenvolvimento profissional de

professores de matemática, Passos et. al. (2006) identificaram e analisaram pelo

menos 3 diferentes tipos recorrentes de práticas consideradas potencialmente

catalisadoras de desenvolvimento profissional do professor de matemática: as

práticas reflexivas, as práticas colaborativas e as práticas investigativas. Sobre as

práticas reflexivas, os autores analisaram cinco trabalhos, nos quais “a reflexão

compartilhada foi considerada como prática promotora de desenvolvimento”

(PASSOS et al., 2006, p. 202). As práticas colaborativas foram contexto do

desenvolvimento de 5 dos 11 trabalhos. Sobre esses espaços, por meio das

pesquisas, foi possível levantar que

os estudos evidenciaram que o trabalho colaborativo apresenta resultados altamente favoráveis ao desenvolvimento profissional. Entretanto, este é um processo de formação contínua do professor,

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que envolve um pequeno número de docentes, os quais necessitam de condições materiais e tempo livre para que possam participar de modo efetivo das atividades desenvolvidas pelo grupo. Além disso, os trabalhos revelam a necessidade de um tempo relativamente longo e contínuo para que estas práticas sejam capazes de promover transformações na cultura escolar e profissional. Trata-se, portanto, de uma modalidade de formação contínua que, no Brasil, está na contramão das políticas públicas neoliberais de formação do professor em serviço, pois estas têm como meta atingir uma grande massa de

docentes a um custo mínimo e em tempo reduzido. (PASSOS et al., 2006, p. 205).

Sobre as práticas investigativas, os pesquisadores identificam “a pesquisa que

o professor produz em sala de aula e traz para ser compartilhada no grupo” (PASSOS

et al., 2006, p. 206) e a “pesquisa que o professor realiza sobre a sua própria prática”.

Sintetizam, dizendo, nessa mesma página, que “as práticas investigativas encontram

no grupo um contexto favorável para que os professores discutam, analisem e

compartilhem as pesquisas que realizam em suas salas de aula”. Também nessa

meta-análise identificam a importância das práticas investigativas para professores

e formadores: “estas permitiram, para aqueles que as desenvolveram, uma maior

problematização e compreensão do processo de ensinar matemática ou de formar

professores, trazendo mudanças significativas à prática tanto dos professores

quanto dos formadores de professores” (ibidem, p. 206).

Desenvolvimento Profissional do Formador

Para discorrer sobre o desenvolvimento profissional do formador, há de se

esclarecer sobre seu contexto de atuação. Como destaquei na introdução, no caso

desta pesquisa, os dois formadores participantes possuem dedicação exclusiva e

atuam como professores em universidades estadual e federal. Por essa razão,

formação e pesquisa estão relacionadas à suas carreiras. Portanto, quando aqui

tratar do formador, estarei falando desse perfil profissional. Mas essa não é a

realidade que predomina nos cursos de Licenciatura.

Atualmente, no Brasil, a expansão do ensino superior “em ritmo acelerado

não foi acompanhada de medidas e de políticas que assegurassem a realização de

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um trabalho de qualidade por parte dos professores formadores que atuam nos

cursos de licenciatura” (ANDRÉ et al., 2010, p. 194).

Gonçalves (2000, p. 18) afirma que “usualmente se fala que os professores do

EFM [ensino fundamental e médio] são mal formados, mas as reflexões e as

interrogações acerca dos formadores e de sua formação quase não têm sido feitas

nas universidades de forma sistemática”. Para Gonçalves e Fiorentini (2005), a

formação e o desenvolvimento profissional de professores formadores de

professores é ainda um campo de investigação praticamente inexplorado, sobretudo

no Brasil. Fiorentini e Oliveira (2013, p. 934) entendem que, para uma “perspectiva

de mudança nos processos de formação docente, o formador emerge como figura

de importância fundamental”.

Fiorentini et al. (2002), em um universo de 112 dissertações e teses,

identificaram pesquisas que tiveram como foco a formação ou o desenvolvimento

profissional do formador. Na revisão sistemática realizada, ficou evidente que é

necessário:

[...] (1) investir numa formação matemática mais ampliada ou diversificada do formador de professores que atua em disciplinas de formação matemática. Que essa formação não seja estritamente técnico-formal, mas também exploratória e investigativa em relação à matemática pura e aplicada, envolvendo estudos de natureza histórica, filosófica, epistemológica e didático-pedagógica, relacionados ao saber matemático em diferentes contextos ou práticas sociais (principal fonte: Gonçalves, 2002);

(2) constituir grupos colaborativos de formadores de professores para estudar, analisar, discutir e projetar práticas inovadoras no ensino de disciplinas tais como Cálculo, Análise, Álgebra, Geometria etc, tendo como norte a formação matemática e pedagógica mais apropriada do professor de matemática da escola básica (Principais referências: teses de Souza Jr. (2000) e Guérios (2002);

(3) constituir um grupo de formadores de professores realmente preocupados e engajados com o projeto pedagógico da licenciatura. Que tal grupo seja heterogêneo, congregando educadores matemáticos e matemáticos de modo que possam, conjuntamente, pensar e avaliar os rumos do curso e sua contribuição para a formação do professor de matemática (Principais referências: tese de Carneiro (1999) e dissertação de Martins (2001) (FIORENTINI; OLIVEIRA, 2013, p. 930).

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Em levantamento mais recente de teses e dissertações entre os anos de 2001

e 2012, coordenado pelo Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Formação de

Professores de Matemática (GEPFPM), também ficou evidente a baixa quantidade

de trabalhos que tiveram como foco a formação ou o desenvolvimento profissional

do formador do professor que ensina matemática. Mesmo nas pesquisas produzidas

sobre o GdS, temos refletido pouco sobre a formação e o desenvolvimento

profissional dos próprios formadores do grupo, embora narrativas sobre processos

formativos já tenham começado a ser problematizadas, sobretudo na organização

do último livro (FIORENTINI, FERNANDES e CARVALHO, 2015).

Para além da ausência de pesquisa e da pouca atenção ao papel dos

formadores, por um lado, “as instituições de ensino superior, de modo geral, não

têm a cultura da formação continuada de seus docentes, deixando unicamente a eles

a responsabilidade por seu desenvolvimento profissional” (TRALDI JR.; PIRES, 2009,

p. 50). Por outro lado, “os formadores de professores de matemática têm sido

acusados, com frequência, de não atualizarem os cursos de licenciatura e de não

viabilizarem uma efetiva formação contínua que rompa com a tradição pedagógica”

(FIORENTINI, 2003a, p. 10).

Em pesquisa recente, Traldi Jr. e Pires (2009, p. 50) constataram que “parece

não ser comum a organização de grupos de estudo e de pesquisa constituídos por

professores que atuam nas graduações para investigar problemas específicos desses

cursos”.

Na ausência de espaços formativos dentro das próprias instituições, é

comum que os formadores se desenvolvam profissional na prática, mediante o

confronte de questões emergentes de seu cotidiano. Para Melo (2010, p. 39),

os processos de formação continuada informal que ocorrem durante o desenvolvimento profissional do formador estão mais relacionados aos conflitos e tensões vivenciados no cotidiano das instituições e raramente são percebidos pelos próprios formadores. Estão associados às astúcias e estratégias levadas a cabo na luta pela sobrevivência profissional e acadêmica travada no interior das ações e práticas assumidas e desenvolvidas cotidianamente.

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O pesquisador, em seu estudo de doutoramento, ao analisar histórias de vida

formadores de professores de matemática, compreende que esses

[...] não tiveram oportunidades para refletir sobre a própria prática, tampouco passaram por experiências que de algum modo pudessem contribuir efetivamente para seu desenvolvimento profissional como formador de professores de matemática para a Educação Básica. Assim, a constituição de outros saberes requeridos para o campo de formação do formador - que envolve articulações entre saberes técnico-científicos, saberes pedagógicos e saberes experiências - acontece, conforme apontam as narrativas de histórias de vida dos sujeitos deste estudo, a partir do engajamento e efetiva participação no campo de formação durante o processo de atuação como professor formador (MELO, 2010, p. 263).

Outra realidade na formação do formador é a dicotomia entre os

conhecimentos específicos e pedagógicos. Como enfrentamento a essa realidade

problemática da formação do formador de professores que ensinam matemática,

Fiorentini e Oliveira (2013, p. 934) sugerem que uma possibilidade se dá na

constituição de “grupos de estudo de formadores que congregam matemáticos e

educadores matemáticos preocupados e engajados em atuar e investigar,

conjuntamente, a formação docente”. Desse modo, essa comunidade seria dedicada

[...] tanto no que se refere à formação matemática quanto à formação didático-pedagógica relacionada ao ensino e à aprendizagem da matemática, isto é, inter-relacionando o que e o como se ensina e avalia (didática) com as finalidades, potencialidades e as consequências formativas desse ensino (pedagogia). (p. 934)

Gonçalves, em sua tese de doutorado, realizou um estudo com professores

responsáveis pela formação matemática de futuros professores de matemática na

UFPA. Tendo como foco a formação e desenvolvimento profissional, evidenciou, em

síntese, que

[...] sua formação acadêmica, enquanto profissionais do Ensino Superior, foi predominantemente técnico-formal, com ênfase quase exclusiva na formação matemática. Esta foi, até a década de 70, mais próxima da matemática escolar e, após a década de 80, mais voltada à formação do matemático profissional, visando mais a continuidade dos estudos acadêmicos dos licenciandos em cursos de mestrado e doutorado em matemática pura ou aplicada do que a formação para a docência no EFM (GONÇALVES; FIORENTINI, 2005, p. 84).

Em se tratando das transformações na formação dos professores, Gonçalves

e Fiorentini (2005, p. 70) destacam, a partir de suas experiências:

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A nossa experiência na coordenação de cursos de licenciatura na Universidade Federal do Pará (UFPA) e na Universidade de Passo Fundo (UPF) indicava que as mudanças curriculares dos cursos de licenciatura em matemática poderiam ser inócuas, se não houvesse também um investimento na formação e no desenvolvimento profissional dos formadores que atuam nos cursos de licenciatura.

Diniz-Pereira (2011, p. 213) também aponta que, por mais que a legislação

educacional brasileira tenha avançado, ao insistir no princípio da indissociabilidade

teoria-prática, e que tenha determinado um aumento significativo da carga horária

teórico-prática nas licenciaturas, em síntese, “isso não garante que as nossas

instituições de ensino superior seguirão tal princípio e traduzirão em propostas

curriculares tal ideia”. Assim, parece não bastar apenas mudar ementas ou

reestruturar grades curriculares. Compreende-se que

uma prática colaborativa e investigativa conjunta entre formadores, professores da escola básica e futuros professores, envolvendo análises sistemáticas de problemas e práticas de ensinar e aprender matemática, na escola e em sala de aula, proporciona aprendizagens não apenas aos professores da escola, mas, também, aos formadores, que aprendem sobre a complexidade do trabalho pedagógico dos professores, em diferentes contextos de prática docente, e sobre outras formas e dinâmicas de formação docente, na qual a formação matemática do professor desenvolve-se a partir da mobilização e da análise do saber matemático de relação que é produzido e mobilizado na prática escolar e das interações discursivas em sala de aula (FIORENTINI; OLIVEIRA, 2013, p. 935).

Foi esse tipo de experiência que fez com me envolvesse com o estudo de

experiências de desenvolvimento profissional vividas em uma comunidade

fronteiriça que reúne, em um mesmo espaço, professores, formadores e, até

mesmo, futuros professores. Cabe, ainda, destacar que atualmente o formador é

aquele é que atua nos cursos de Licenciaturas presencial ou a distância, nas

universidades, faculdades, institutos, centros universitários; na formação

continuada; e, muitas vezes, nas assessorias e nas redes de ensino. No contexto

deste estudo, estou discutindo as experiências de desenvolvimento profissional e de

constituição da profissionalidade do formador que atua na universidade nos cursos

de licenciatura em Matemática. Portanto, estou a discutir o desenvolvimento

profissional de um formador que tem a pesquisa como parte de sua jornada de

trabalho.

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Profissionalidade Docente

Ao revisar este conceito, dou continuidade a estudos realizados no

desenvolvimento de outras pesquisas, (CRECCI, 2009; CRECCI; FIORENTINI, 2014),

em que constatamos a polissemia do uso desse termo, cujas interpretações vão

desde a ideia de identidade docente até o entendimento das competências

necessárias ao exercício da profissão.

Dessa maneira, optei por organizar a revisão bibliográfica sobre esse conceito

em quatro eixos: no primeiro, trago as origens do termo e do conceito de

profissionalidade; no segundo, relaciono a profissionalidade docente com a ideia de

competências necessárias ao exercício da docência; o terceiro eixo aborda as

relações entre identidade docente e profissionalidade; e, por fim, no quarto eixo,

discuto os diferentes sentidos de profissionalidade.

Acerca das origens do termo e do conceito de profissionalidade

À medida que realizava esta revisão bibliográfica, dei-me conta da polissemia

do termo “profissionalidade”. Descobri, então, alguns referenciais que se

reportavam aos seus significados. De acordo com Weiss (1983 apud BOURDONCLE;

MATHEY-PIERRA, 1995), o conceito de profissionalidade mantém uma dose de

complexidade, provavelmente devido a todas as suas potenciais interpretações.

Acredito que seriam necessários mais estudos para aprofundar a investigação sobre

as origens dessa palavra e seus diversos significados.

Sobre a origem do termo, Altet, Paquay, Perrenoud (2003, p. 56) destacam

que foi criado a partir da noção italiana de profissionalità, que significa o caráter

profissional de uma atividade, compreendendo as capacidades profissionais, os

saberes, a cultura e a identidade. Apontam ainda que, em francês, o termo

profissionalité é próximo ao conjunto de competências desenvolvidas no contexto

da passagem da condição de ofício para a de profissão.

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Na língua inglesa, o termo “profissionalidade” foi introduzido por Hoyle (1975

apud EVANS, 2008) para identificar dois aspectos distintos da vida profissional dos

professores: o profissionalismo e a profissionalidade. O primeiro deles, segundo

Hoyle, refere-se aos elementos relacionados ao trabalho docente, enquanto

“profissionalidade” faz referência aos elementos do trabalho que constituem o

conhecimento, as habilidades e os procedimentos que os professores utilizam em

seu trabalho (apud EVANS, 2008, p. 8).

Curiosamente, Hargreaves (1994), na obra Changing teachers, changing times

– teachers work and culture in the post modern age, utiliza o termo professionalism,

que, na tradução literal para o português, seria “profissionalismo”. No entanto, a

versão desse livro em português, lançado em 2001 em Portugal e intitulado Os

professores em tempos de mudança: o trabalho e a cultura dos professores na Idade

Pós-Moderna, utiliza a palavra “profissionalidade” como tradução de

professionalism. Essa mudança na denominação talvez tenha sido influenciada pela

versão em espanhola de 1996 dessa mesma obra: Profesorado, cultura y

postmodernidad – Cambian los tiempos cambia el professorado, em que

encontramos a palavra profesionalidad, correspondente a professionalism.

Evans (2008) também se dedica a investigar o termo professionality. Segundo

a autora, a concepção de profissionalismo é relativa à cultura profissional,

representando uma noção coletiva, como uma pluralidade compartilhada por

muitos. No entanto, os componentes básicos e os elementos constitutivos do

profissionalismo são essencialmente singulares, uma vez que refletem a

individualidade, representando os indivíduos que estão na circunscrição da

profissão. A unidade singular do profissionalismo – e um dos seus elementos

constitutivos essenciais – é, segundo Evans, a profissionalidade.

Outro autor que também procura fazer distinção entre esses termos é

Contreras (2002). Para ele, o profissionalismo fundamentalmente pode ser

entendido como um movimento de autodefesa corporativa de certas ocupações que

tiveram a possibilidade de justificar tal postura na posse de um conhecimento

especializado e exclusivo. O autor argumenta que o profissionalismo pode servir

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mais a interesses corporativistas, em detrimento dos interesses da comunidade.

Devido a essa constatação, alguns autores preferiram evitar esse termo e optaram

por utilizar a palavra “profissionalidade” para destacar as funções inerentes ao

trabalho da docência.

Bourdoncle e Mathey-Pierra (1995) trazem outras perspectivas sobre a

origem do termo “profissionalidade”: apontam que tal conceito surgiu nas

reivindicações coletivas de sindicatos italianos preocupados com os fatores que

tornavam as profissões específicas e com o status social delas.

Ao discutir a relação dialética entre profissionalidade e profissionalismo,

Nùñez e Ramalho (2008, p. 04) concluem que “o duplo aspecto da profissionalização,

em suas dimensões interna (profissionalidade) e externa (profissionalismo), é um

processo dialético de construção da identidade profissional e do desenvolvimento

profissional que se articulam uma ao outro”. E ali também indicam que a

profissionalidade “expressa a dimensão relativa ao conhecimento, aos saberes,

técnicas e competências necessárias à atividade profissional”, enquanto o

profissionalismo seria

[...] expressão da dimensão ética dos valores e normas, das relações, no grupo profissional, com outros grupos. É mais do que um tema de qualificação e competência, uma questão de poder: autonomia, face à sociedade, ao poder político, à comunidade e aos empregadores; jurisdição, face aos outros grupos profissionais; poder e autoridade, face ao público e às outras profissões ou grupos ocupacionais. É uma construção social na qual se situa a moral coletiva, o dever ser e o compromisso com os fins da educação como serviço público, para o público (não discriminatória) e com o público (participação). O profissionalismo se associa ao viver-se a profissão, às relações que se estabelecem no grupo profissional, às formas de se desenvolver a atividade profissional. (NÙÑEZ; RAMALHO, 2008, p. 04,)

Ao considerarem os conceitos de profissionalidade e profissionalismo como

constituintes da profissionalização, problematizam, indicando que

[...] é um movimento ideológico, na medida em que repousa em novas representações da educação e do ser do professor no interior do sistema educativo. É um processo de socialização, de comunicação, de reconhecimento, de decisão, de negociação entre os projetos individuais e os dos grupos profissionais. Mas é também um processo político e econômico, porque no plano das práticas e das organizações induz novos modos de gestão do trabalho docente e de relações de

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poder entre os grupos, no seio da instituição escolar e fora dela. (NÙÑEZ; RAMALHO, 2008, p. 04)

Consideramos também a importância de Bourdoncle e Mathey-Pierra (1995),

ao destacarem que as palavras carregam fortes questões sociais e estão submetidas

a contextos muito diferentes. Sublinham que o conceito de profissionalidade parece

instável e que, apesar de ter nascido nos sindicatos italianos, tem sido amplamente

adotado pelo discurso empresarial, o que torna o seu significado ainda mais incerto.

Por fim, concluem que há múltiplas conotações para esse conceito ambíguo.

Competências Profissionais e Profissionalidade

Assim como na língua portuguesa, o termo “profissionalidade” não é de uso

corrente na língua francesa. No entanto, pode-se considerar, de modo geral, a partir

dos estudos dos autores que trabalham com a literatura francesa sobre a temática,

que a profissionalidade é compreendida como o conjunto de competências

necessárias ao exercício de uma profissão.

Na perspectiva das competências, tomando por base autores franceses,

Lüdke e Boing (2004, p. 1173) associam a profissionalidade docente “às

instabilidades e ambiguidades que envolvem o trabalho em tempos neoliberais, e

geralmente vem colocado como uma evolução da ideia de qualificação”. Adiante,

também reconhecem a polissemia do termo e o relacionam com a ideia de

competências, destacando referências francesas:

Com todos os riscos de trabalharmos com um termo fronteiriço e polissêmico, acreditamos que as competências sejam um caminho que necessita ser discutido com base na ideia de profissionalidade. Nessa perspectiva, gostaríamos de retomar e explicar dois conceitos de Courtois et al. (1996), aos quais nos referimos muito rapidamente: competência coletiva e operador coletivo. A competência coletiva está relacionada à possibilidade de construção de modos operacionais e modos de ação coletiva inéditos, tendendo a rearticular as posições dos diferentes atores nos grupos. Já o operador coletivo diz respeito a um grupo que, tentando resolver um problema inédito, engaja-se na mudança, ultrapassando a simples mobilização de procedimentos conhecidos e disponíveis para elaborar modelos de ação novos e coletivos. Aplicadas à educação, essas duas competências superam

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várias dicotomias que têm travado demasiadamente o desenvolvimento profissional docente, quando não contribuído para o agravamento das precárias condições de trabalho dos professores. É preciso abrir a discussão para além das possibilidades dualistas, operando com ambas as competências, de acordo com os problemas a serem enfrentados. (LÜDKE; BOING, 2004, p. 1176)

Discutindo os conhecimentos necessários ao exercício da docência, Ramalho,

Nùñez e Gauthier (2004) compreendem que, por meio de sua profissionalidade, os

professores adquirem conhecimentos que

são os saberes das disciplinas e também os saberes pedagógicos. De posse desses saberes, na sua prática ele vai construindo as competências para atuar como profissional. Se conseguíssemos parar o processo de profissionalidade e tirássemos uma fotografia, iríamos identificar um conjunto de características que distingue o trabalho docente. Observando as ações do professor, destacaríamos traços que marcam sua prática. Isto constitui um processo de racionalização. Podemos então observar, analisar, comparar maneiras diferentes de ensinar. Mediante a formalização e a racionalização, percebemos que há uma maneira mais ou menos igual de trabalhar. (RAMALHO; NUÑEZ; GAUTHIER, 2004, p. 52).

Acerca do conceito de competências, cabe destacar que alguns autores, como

Altet, Paquay, Perrenoud (2003), alertam que essas não podem ser necessariamente

compreendidas como uma lista de habilidades particulares, como concebe o modelo

behaviorista. No sentido proposto, as competências podem ser interpretadas como

um conjunto de recursos cognitivos e sociais necessários ao exercício da função;

recursos ativados, postos em prática nas situações de formação. O processo de

construção da profissionalidade é tomado, portanto, como o modo pelo qual os

professores adquirem tais competências profissionais.

Identidade e o processo de constituição da profissionalidade

Outros autores, entretanto, compreendem a profissionalidade como um

processo de negociação e constituição da identidade docente a partir de suas

especificidades. Essas perspectivas permitem um movimento que culmina em

imagens interpretativas e subjetivas da docência. Em termos gerais, a

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profissionalidade consistiria nos modos subjetivos de um professor ser/estar na

profissão.

Dessa maneira, Gimeno-Sacristán (1995, p. 65), ao discutir a especificidade

do trabalho docente, busca suporte no conceito de profissionalidade, entendida por

ele como “[...] a afirmação do que é específico na ação docente, isto é, o conjunto

de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem

a especificidade de ser professor”.

Ainda que qualifique a profissionalidade docente, como veremos adiante,

Contreras (2002) também destaca que discuti-la não é encontrar ou descrever

características do que deve realizar um bom professor, uma vez que “as qualidades

profissionais que o ensino requer estão em função da forma em que se interpreta o

que deve ser o ensino e suas finalidades e, evidentemente, sobre este ponto abre-

se um leque de posições e análises” (CONTRERAS, 2002, p. 75).

Fiorentini (2005), apesar de conceber uma representação da

profissionalidade em comunidades reflexivas e investigativas, também a concebe

como um modo de produzir e projetar o trabalho e a profissão, que expressa uma

qualidade, tendo em vista as demandas sociais e políticas dos alunos e o

compromisso político do professor. Mas essas demandas são históricas e variam em

função do tempo e do lugar das práticas educativas, isto é, dependem das

características e das circunstâncias dos sujeitos nelas envolvidos; são, portanto,

complexas e multifacetadas. Nessa perspectiva, para Nóvoa (1996, p. 16),

[...] a identidade não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e estar na profissão. Por isso, é mais adequado falar em processo identitário, realçando a mescla dinâmica que caracteriza a maneira como cada um se sente e se diz professor.

Acerca da relação entre os conceitos de identidade e profissionalidade,

Fiorentini (2009, p. 249), tomando por base Monteiro (ano) e o conceito de

identidade de Hall (ano), aproxima-os e aponta a interdependência entre eles. Assim,

se tomarmos este conceito como base, não podemos mais pensar em uma única e

coerente identidade que explique o ser professor. Ao contrário, temos que admitir a

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existência de múltiplas identidades, que variam de acordo com a subjetividade de

cada professor e de seu pertencimento a uma comunidade de prática docente, com

a qual se identifique.

Diferentes sentidos de profissionalidade

A compreensão da profissionalidade como um processo de negociação e

constituição da identidade permite que diferentes interpretações sejam tecidas.

Nesse sentido, seja a partir de estudos de caso ou de sistematizações acerca de

representações da docência, alguns autores assumem projeções do que pensam ser,

ou como pensam que deve ser, a prática profissional de professores; e qualificam a

profissionalidade docente de acordo com suas constatações empíricas ou ensaios

teóricos.

Nesse sentido, Hoyle (1980, p. 44, apud CONTRERAS, 2002, p. 64) interpreta

a profissionalidade docente como “as atitudes em relação à prática profissional entre

os membros de uma ocupação e o grau de conhecimento e habilidades que

carregam”. Assim, formula, para fins de discussão, dois sentidos hipotéticos de

profissionalidade docente: “restrita” e “estendida”. Na concepção de

profissionalidade restrita, os docentes, no exercício de sua profissão, baseiam-se na

intuição e na experiência prática, enquanto os docentes que assumem uma

profissionalidade estendida se preocupam em respaldar teoricamente sua profissão

(HOYLE apud EVANS, 2008, p. 8).

Contreras (2002, p. 74) relaciona a profissionalidade “às qualidades da prática

profissional dos professores em função do que requer o trabalho educativo”. E

esclarece que não se trata apenas da descrição do desempenho no trabalho de

ensinar, mas também dos valores e das pretensões que se pretende alcançar no

contexto da profissão. Nesse sentido, o autor (Contreras, 2002) apresenta três

dimensões da profissionalidade docente, nas quais destaca a perspectiva ético-

política da prática docente:

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1. Obrigação moral: preocupação com o bem-estar dos alunos e com a ética.

“Esta consciência moral [do trabalho do professor] traz emparelhada a

autonomia como valor profissional”. (p. 76-77)

2. Compromisso com a comunidade: intervenção nos problemas sociais como

compromisso moral.

Neste sentido a moralidade não é apenas uma questão pessoal, é também uma questão política (HARGREAVES, 1994b). A educação não é um problema da vida privada dos professores, mas uma ocupação socialmente encomendada e responsabilizada publicamente [...] o professor só pode assumir o seu compromisso moral a partir da autonomia. (p. 78-82)

3. A competência profissional é complexa, requer habilidades, princípios e

consciência do sentido e das consequências das práticas pedagógicas,

mas [...] não se refere apenas ao capital de conhecimento disponível, mas também aos recursos intelectuais que dispõe com objetivo de tornar possível a ampliação e desenvolvimento desse conhecimento profissional, sua flexibilidade e profundidade. Nesse sentido, a análise da reflexão sobre a prática profissional que se realiza constitui um valor e um elemento básico para a constituição e desenvolvimento da profissionalidade dos professores (p. 82-85).

O autor conclui essas três dimensões da profissionalidade, destacando que

[...] estas três exigências do trabalho de ensinar podem ser concebidas e combinadas de maneiras diferentes em função das concepções profissionais das quais se parta, e que dependem, por sua vez, da forma em que se entenda o ensino: seu contexto educacional, seu propósito e sua realização (p. 85).

Essa conclusão destaca a subjetividade de cada professor no exercício das

três dimensões da profissionalidade. O professor exerce sua profissão por meio de

seus próprios referenciais. Cabe destacar que Contreras (2002) considera a

autonomia como característica fundamental para o exercício da profissionalidade.

Morgado (2005) também se dedica a investigar a profissionalidade docente.

Em sua compreensão, há três perspectivas de profissionalidade: técnica, reflexiva e

crítica. O professor como profissional técnico é aquele que tem competência na

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resolução instrumental de problemas, mediante a aplicação rigorosa de um

determinado conhecimento teórico e técnico previamente produzido, enquanto o

professor, na perspectiva reflexiva, é compreendido como capaz de refletir e

solucionar problemas situados no âmbito de sua prática. Até aqui, temos o

delineamento de duas perspectivas de profissionalidade: de um lado, o professor é

aplicador de um conhecimento concebido por outro; de outro lado, produz

conhecimento de forma situada. Criticando ambas as perspectivas, Morgado (2005)

discorre sobre o professor como intelectual crítico. Segundo o autor, nessa terceira

perspectiva, a investigação do professor deve discutir dialeticamente fatores

externos e internos ao seu contexto particular.

Em relação às diferentes apreensões de profissionalidade, Fiorentini (2009)

distingue pelo menos dois sentidos diferentes de profissionalidade docente: um,

perspectivado pelas políticas educacionais neoliberais marcadas pelo discurso das

competências e pela lógica da qualificação; outro, que defende a construção de uma

“profissionalidade interativa e deliberativa”, que atribui aos docentes autonomia,

pluralidade de saberes e capacidade de analisar e avaliar seu trabalho em uma

comunidade crítica, deliberando sobre os rumos de sua prática e os valores a serem

cultivados.

Fiorentini (2009), analisando a constituição da profissionalidade docente dos

professores no interior de um grupo colaborativo, afirma que há evidências de

constituição, nesses grupos, de um modo singular de ser/estar na profissão, o qual

se destaca por ser interativo, reflexivo e investigativo. Segundo o autor:

As práticas colaborativas envolvendo professores de diferentes áreas do conhecimento ou professores da escola e formadores da universidade, ou ainda, profissionais e pesquisadores, emergem como possibilidade de construção coletiva de uma profissionalidade docente interativa e que se renova e se atualiza permanentemente (FIORENTINI, 2009, p. 251)

Nesses grupos colaborativos os professores constituem sua profissionalidade

docente discutindo, analisando, escrevendo, refletindo, investigando e

compartilhando as questões subjacentes ao exercício da profissão docente, tendo

formadores de professores e acadêmicos da universidade como parceiros críticos.

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Na pesquisa que realizamos (CRECCI; FIORENTINI, 2014) com professores de

matemática, identificamos pelo menos três tipos diferentes de profissionalidade

docente entre os professores investigados: a interativa e deliberativa; a técnica ou

pragmática; e a afetiva.

Tendo por objeto de estudo a constituição da profissionalidade docente

mediante a gestão do currículo proposto pela rede estadual paulista,

compreendemos que, ao se reunirem em comunidades de práticas colaborativas de

reflexão e investigação, para projetar uma forma – autônoma, plural, reflexiva,

investigativa e continuamente avaliativa das práticas de ensinar e aprender – de

ser/estar na profissão , os professores tendem a assumir uma profissionalidade

interativa e deliberativa.

Outros professores, no entanto, tenderam a assumir uma perspectiva de

profissionalidade que chamaremos de técnica ou pragmática: adotaram e

projetaram uma profissionalidade docente comprometida com o ensino de

conteúdos que consideram benéficos ao futuro de seus alunos, sobretudo no que diz

respeito à sua aprovação em avaliações escolares ou em concursos públicos ou

privados, como os vestibulares.

Já a profissionalidade marcada pela afetividade foi uma característica

marcante de uma das professoras investigadas, que via na relação professor-aluno

uma forma de promover a inclusão escolar e também social dos alunos. Coerente

com os princípios dessa profissionalidade, a professora – sujeito da pesquisa – deu

prioridade à formação de valores, como respeito, amizade, boas maneiras etc., ao

invés de ensinar conteúdos com os quais os alunos não se identificavam ou aos quais

não conseguiam atribuir sentido.

Cochran-Smith e Lytle (2009), apesar de não utilizarem o termo

profissionalidade, reconhecem a capacidade intelectual coletiva dos professores e

concebem a investigação como postura para descrever as posições tomadas por

professores inseridos em comunidades investigativas, em relação ao conhecimento

e a suas relações com a prática. Mais do que o professor realizar uma pesquisa

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esporádica, em um determinado período, as autoras propõem que desenvolvam

uma postura investigativa, mediante participação em comunidades investigativas.

Nessa perspectiva, a prática educacional não é compreendida apenas em sua

instância instrumental, mas também em seus aspectos sociais e políticos. Para as

autoras, trabalhar com uma postura investigativa, envolve um processo contínuo de

problematização e deliberação no cotidiano escolar. Isso implica admitir que parte

do trabalho dos professores consiste em participar de mudanças educacionais e

sociais, tendo por base um processo contínuo, colaborativo e crítico de analisar

dados da prática e questionar e utilizar criticamente resultados de estudos

acadêmicos relativos à prática de ensinar e aprender nas escolas.

Profissionalidade do Formador de Professores

Acerca da profissionalidade do formador de professores, André e Almeida

(2009, p. 03) discutem que “o ofício de professor formador não é tarefa simples, pois

é algo pouco definido e em processo de constituição”. Nesse mesmo sentido, Costa

e Passos (2010, p. 610) apontam que a “profissionalização docente [do formador] é

um caminho cheio de lutas, conflitos, hesitações, recuos, dilemas e supõe o

envolvimento ativo dos profissionais do ensino. Não se trata de um conceito pronto,

ainda está em fase de elaboração”.

Em tom narrativo, Cochran-Smith (2005) utiliza a expressão “trabalhando

com a dialética” associada à sua função de formadora. Para ela, formação docente e

pesquisa possuem relações recíprocas e simbióticas. Ser formadora e pesquisadora,

para ela, é como atuar em uma espécie de fronteira. No mesmo artigo, destaca que

escrever sobre formação de professores é como escrever sobre sua vida. A

pesquisadora sugere que parte da tarefa do formador é a de pesquisar a sua prática.

No entanto, reconhece que existem pontos de vista divergentes sobre o valor deste

tipo de pesquisa: por um lado, há mais pesquisas sobre formação de professores

sendo conduzidas pelos próprios formadores; por outro lado, em certos contextos,

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essas pesquisas não são consideradas rigorosas, por serem da própria prática e não

produzirem generalizações. Um aspecto importante, que nos chama atenção, refere-

se ao fato de que o formador precisa ter um conhecimento vasto de questões

relacionadas a investigação e de seu papel na construção da prática e de políticas.

Fiorentini (2004a) identifica, ao menos, três tipos de formadores: 1) o

professor-investigador; 2) o investigador-professor e 3) o formador-prático.

1) Denominamos formador-investigador o professor universitário que coloca a docência como função principal de seu trabalho na universidade, tendo a investigação como suporte fundamental para realização e desenvolvimento dessa função.

2) De outro lado, denominamos de investigador-professor aquele trabalhador do ensino superior que coloca a investigação de sua área de conhecimento em primeiro plano e a docência como atividade complementar e uma das possibilidades de socialização dos conhecimentos que produz.

3) Por último, denominamos formador-prático tanto o professor contratado provisoriamente e com tempo parcial para cobrir a falta de docentes, quanto o professor eventual – geralmente docente escolar, também chamado de “formador de campo” – o qual é convidado a colaborar esporadicamente nos cursos de licenciaturas, seja na tutoria de estagiários na escola ou na participação eventual em alguma atividade formativa na universidade (FIORENTINI, 2004, p. 15-16).

Gonçalves e Fiorentini (2005) destacam que, embora as três categorias de

profissionais sejam importantes para a formação do futuro professor, os

formadores-pesquisadores, “deveriam constituir o grupo base de um curso de

licenciatura, pois, por possuírem conhecimentos dos conteúdos no ensino, são mais

qualificados, teórica e metodologicamente, para desenvolver profissionalmente o

futuro professor” (GONÇALVES; FIORENTINI, 2005, p. 03). No entanto, o que se

observa na prática é que “essa categoria é ainda minoria nos cursos brasileiros de

licenciatura em matemática. Isso, entretanto, não impede que os formadores-

práticos e os pesquisadores-formadores possam, com o tempo, vir a ser formadores-

pesquisadores” (compor a referência adequada).

Em se tratando do processo de constituição profissional do formador,

o vir a ser professor e formador evoca as aprendizagens e experiências do passado e do presente e o que é considerado relevante para este campo de atuação é mobilizado, potencializado e posto em funcionamento no processo de constituição da profissão docente. No

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entanto, a necessidade de aperfeiçoamento e de uma melhor qualificação é manifestada a partir da procura de uma formação que, do ponto de vista formal, acontece em programas de pós-graduação e, do ponto de vista informal, acontece na atuação e participação do formador durante o exercício profissional (MELO, 2010, p. 3-4).

Em relação aos formadores experientes, Jaworski (2008) aponta que, em

muitos casos, os formadores de professores de matemática têm, eles próprios,

trazido profundas experiências para seus trabalhos na formação docente. Para a

pesquisadora, essa experiência traz consigo credibilidade: os professores podem ver

que os formadores de professores se confrontam com as realidades práticas da sala

de aula e com as demandas sistêmicas que os professores enfrentam.

Comunidades de Aprendizagem Docente

As comunidades de aprendizagem docente costumam ser espaço onde

formadores e professores se encontram e, em alguns casos, como no GdS, os

pesquisadores se encontram. Esse contexto, nas últimas décadas, tem sido cenário

de muitas pesquisas que discutem o desenvolvimento profissional em comunidades

de aprendizagem docente (COCHRAN-SMITH e LYTLE, 2002). Nesses estudos, as

comunidades têm recebido diferentes nomenclaturas: comunidades de prática,

comunidades investigativas, comunidades de professores, comunidade de

aprendizado profissional etc.

Se não bastassem essas variadas adjetivações, a polissêmica palavra

“comunidade” pode ser usada para designar uma série de coletividades, como

espaços físicos (ex. comunidade carente) ou grupos (ex. étnicos ou religiosos).

Embora muito usado em outros campos, como na linguística, na filosofia, na

sociologia e na antropologia, “o termo comunidade é relativamente novo na

literatura tradicional sobre formação docente, desenvolvimento profissional e

mudança educacional” (COCHRAN-SMITH e LYTLE, 2002, p. 2462, tradução nossa).

Subjacente a esse termo há uma variedade de sentidos atribuídos por estudiosos de

diferentes campos científicos.

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No campo da filosofia, Chaui (1994, p. 377) entende uma comunidade como

“um grupo ou uma coletividade onde as pessoas se conhecem, tratam-se pelo

primeiro nome, possuem contatos cotidianos ‘cara a cara’, compartilham os mesmos

sentimentos e ideias e possuem um destino comum”. Para a autora, o tempo na

comunidade possui um ritmo lento, as transformações são raras e, em geral,

causadas por um acontecimento externo que as afeta. De forma antagônica, a

sociedade é uma coletividade internamente dividida em grupos e classes sociais, na

qual há indivíduos isolados.

Grossman, Wineburg e Wooworth (2001) apontam que a associação entre a

ideia de comunidade e uma vida coletiva harmoniosa atravessa religiões, tradições

culturais e filosóficas, em que os indivíduos trabalham coletivamente para o bem

comum.

Discutindo o uso dessa concepção idealizada da filosofia, Abbagnamo (2012)

destaca que o conceito de comunidade inclui conotações que pouco se prestam ao

uso objetivo, pois parece claro que não existe nenhuma comunidade pura e

nenhuma sociedade pura:

[...] e que a necessidade de fazer uma distinção nesse sentido não é sugerida pela observação, mas pela aspiração a um ideal. Portanto, ao ser utilizado pelos sociológicos posteriores (Simmel, Cooley, Weber, Durkheim e outros), esse significado foi sofrendo transformações, até assumir o uso corrente na sociologia contemporânea, de distinção entre relações sociais de tipo local e relações de tipo cosmopolita, distinção puramente descritiva entre comportamentos vinculados à Comunidade restrita em que se vive e comportamentos orientados ou abertos para uma sociedade mais ampla. (ABBAGNAMO, 2012, p. 192)

Nessa perspectiva, Abbagnamo, nesse mesmo estudo, informa que esse

conceito sofreu modificações, passando a ser usado quando se faz referência a

comunidades restritas ou a sociedades mais amplas.

De acordo com os estudos de Cochran-Smith e Lytle (2002), na teoria literária

o termo “comunidade interpretativa” tem sido usado por Stanley Fish, ao se referir

a uma rede de pessoas com perspectivas semelhantes de significados, enquanto, na

sociolinguística, a expressão “comunidade de fala” tem sido empregada por

antropólogos em referência a grupos de pessoas que se engajam em contextos

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específicos. Na revisão que realizam, as autoras também apontam as “comunidades

discursivas”, que se caracterizam como agrupamentos de leitores e escritores que se

tornam redes de citações e alusões. Quanto às comunidades de aprendizagem

docente, Cochran-Smith e Lytle assim apontam

[...] referem-se tanto a um espaço intelectual quanto um grupo particular de pessoas e, algumas vezes, um espaço físico. Neste sentido, comunidades são configurações intelectuais, sociais e organizacionais que apoiam o crescimento profissional contínuo dos professores, possibilitando oportunidades para os docentes pensarem, conversarem, lerem e escreverem sobre seu trabalho diário, incluindo os seus contextos sociais, culturais e políticos de forma planejada e intencional. (COCHRAN-SMITH e LYTLE, 2002, p. 2462-2463, tradução nossa)

Conceitualmente, as autoras ressaltam que a ideia de comunidade tem sido

usada de diferentes modos na teoria e na pesquisa educacional e que, nas ciências

sociais, o termo denota grupos de pessoas envolvidas em determinados tipos de

trabalho ou atividade, ligadas por um propósito comum. Nessa perspectiva, os

membros da comunidade, em geral, constroem significados e partilham signos e

ideias sobre o empreendimento em que estão engajados. Perspectiva semelhante

foi apontada por Wenger (2001), que identificou três características básicas do que

se constitui como comunidades de prática: o compromisso mútuo, uma prática

conjunta e o interesse comum que une os membros participantes. A expressão

“comunidade de prática” foi introduzida por Lave e Wenger (1991) para designar a

prática social de um coletivo de pessoas que comungam de “um sistema de

atividades no qual compartilham compreensões sobre aquilo que fazem e o que isso

significa em suas vidas” (FIORENTINI, 2009, p. 237).

A partir de Wenger (2001) e Lave e Wenger (1991), autores como Nóvoa

(2009); Jaworski (2008); Fiorentini (2009, 2010); e Imbernón (2009) têm se

apropriado do conceito de comunidade de prática para investigar e propor

alternativas ao campo da pesquisa e da prática de formação de professores.

A partir das características básicas apontadas por Wenger (2001) como

constituintes das comunidades de prática, Fiorentini (2009) analisou um grupo

colaborativo de professores que ensinam matemática. Para o autor, o compromisso

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mútuo reside na participação nas práticas conjuntas de reflexão e investigação sobre

a prática de ensinar e aprender matemática nas escolas (interesse comum). Segundo

Fiorentini (2010), a participação, na perspectiva de Wenger (2001), compreende o

processo pelo qual os sujeitos de uma comunidade compartilham, discutem e

negociam significados sobre o que fazem, falam, sentem, pensam e produzem

conjuntamente. Dessa maneira, participar em uma comunidade de prática significa

engajar-se na atividade própria da comunidade como membro atuante e produtivo.

Isso implica apropriar-se da prática, dos saberes e dos valores do grupo.

De acordo com Imbernón (2009), uma comunidade de prática de formação

docente permanente seria um grupo de professores e professoras que

intercambiam, refletem e aprendem mutuamente sobre sua prática. A comunidade

pode ser considerada formativa, se os professores que dela participam são capazes

de elaborar uma cultura própria no seio do grupo, e não apenas reproduzem de

forma padronizada a cultura social ou acadêmica dominante.

Nóvoa (2009), por sua vez, aponta a necessidade de reforçar as comunidades

de prática de formação docente, que devem se constituir em um espaço formado

por educadores comprometidos com a pesquisa e a inovação, no qual se discutem

ideias sobre o ensino e a aprendizagem e se elaboram perspectivas comuns sobre os

desafios da formação dos alunos.

Tendo em vista que a concepção de Wenger (2001) dispõe acerca de uma

proposição analítica de práticas cotidianas – escolares ou não escolares – em seu

sentido mais amplo, compreendemos que, para além de propor comunidades de

prática, fazem-se necessárias a qualificação e a análise desses espaços e das práticas

emergentes nessas comunidades.

Grossman, Wineburg e Wooworth (2001), considerando experiências

realizadas em escolas, também discutem o desenvolvimento profissional de

professores em comunidades. Para os autores, as comunidades devem ser

presenciais e propiciar momentos de diálogo e de confiança, propiciando o olhar

para os múltiplos contextos que implicam o trabalho dos professores. Reconhecem

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ainda que os grupos precisam constituir uma história conjunta, configurando-se

como uma “comunidade de memória” na qual os membros tecem “narrativas

constitutivas” do grupo. Participar de uma comunidade, de acordo com esses

estudos, envolve acordar e discordar de forma democrática.

Aprofundando as discussões sobre comunidades e formação docente,

Hargreaves (2010) preocupa-se em qualificar objetivos de comunidades de

aprendizagem profissional e destaca que já há um reconhecimento da importância

do desenvolvimento desses espaços em livros, programas de treinamento e guias.

Mas essas comunidades podem tanto aumentar a capacidade de reflexão dos

professores como elevar a pontuação dos alunos em testes, muitas vezes em

detrimento de seu letramento. Por essa razão, Hargreaves identifica e analisa

diferentes versões de comunidades de aprendizado profissional em dois subgrupos:

(1) comunidades de contenção e controle e (2) comunidades de empowerment20. No

primeiro grupo, estão as comunidades que embasam suas práticas visando ao

controle dos professores e da prática docente, enquanto, no segundo grupo, se

incluem aquelas que engajam o coletivo em tomadas de decisões relacionadas às

práticas escolares.

Cochran-Smith e Lytle (2009) compreendem que o conceito de comunidade

de aprendizagem docente se tornou muito comum e sugerem que tal popularidade

tem levado a novas e importantes oportunidades para professores aprenderem uns

com os outros, mas também à proliferação de iniciativas altamente diretivas, como

as comunidades de contenção e controle citadas por Hargreaves (2010).

Sobre isso, segundo relatam Fiorentini e Crecci (no prelo), Cochran-Smith nos

alerta que as comunidades podem ser chamadas de diversas maneiras, mas que tais

nomenclaturas não nos dizem como elas operam, nem revelam se podem ser

consideradas boas ou ruins por si sós. Logo, é necessário observar o que acontece

dentro dessas comunidades e quais perguntas se fazem dentro delas. Cochran-Smith

destaca, ainda, que a forma como as comunidades são implementadas, por vezes,

20Sem tradução literal, a palavra empowerment significa o fato de coletivos se engajarem em tomadas de decisões.

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acaba por compor estruturas vazias, em que todos os tipos de coisas podem ocorrer,

algumas positivas, outras não.

As autoras, também destacam que, a partir de suas experiências com o

desenvolvimento de programas de formação de professores, percebem grandes

lacunas entre o discurso da universidade e a realidade cotidiana das escolas. Ao

vivenciarem esses dilemas, passam a rejeitar a ideia de que os especialistas –

externos à comunidade escolar – devem ser os agentes primários das reformas

escolares. Percebem, ainda, que os acadêmicos não são os únicos críticos acerca dos

arranjos políticos e sociais da escola. Com essa experiência, concebem de forma

propositiva a perspectiva de comunidades investigativas e a ideia de um modo de

ser professor, tendo por base a investigação como postura.

Nessas comunidades investigativas, professores realizam investigações,

tendo objetos e perguntas de estudo provenientes da prática docente. De acordo

com Cochran-Smith, como revelam Fiorentini e Crecci (no prelo), os participantes de

comunidades investigativas incentivam-se para não apenas fazer suposições sobre a

prática docente, mas para propor questões uns aos outros, como: “Quais suposições

você está fazendo sobre as habilidades de seus alunos?”.

Cochran-Smith e Lytle (1999) destacam que os professores aprendem quando

geram conhecimento local, ao problematizam a prática, trabalhando dentro do

contexto de comunidades investigativas, teorizando e construindo seu trabalho de

forma a conectá-lo às questões sociais, culturais e políticas mais gerais. Nessa

perspectiva, o conhecimento da prática ao longo de toda a vida profissional é gerado

pela transformação da sala de aula e das escolas em locais de pesquisa, por meio do

trabalho colaborativo em comunidades investigativas. O objetivo é compreender a

construção conjunta do currículo, o desenvolvimento do conhecimento local e a

tomada de uma perspectiva crítica com relação a teorias e pesquisas de outros

profissionais.

Na perspectiva de Cochran-Smith e Lytle (1999) e Fiorentini (2009, 2010), as

comunidades investigativas envolvem geralmente a parceria colaborativa de

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professores e pesquisadores, que trazem diferentes tipos de conhecimento e

experiências para o trabalho coletivo do grupo. Não há peritos nem novatos – a

premissa é a de que os envolvidos trabalhem em parceria, trazendo suas

perspectivas para contribuir com as investigações sobre as complexidades do ensinar

e aprender.

Embora este estudo não estabeleça o cruzamento das percepções dos

professores com a natureza das comunidades de que participam, acreditamos ser

importante destacar, nesta revisão teórica, o estudo de Fiorentini (2013a) que

identifica três tipos básicos de comunidades investigativas: escolares, acadêmicas e

fronteiriças.

Assim ele caracteriza, na página 4 do estudo referido, as comunidades

investigativas acadêmicas: “por serem monitoradas/governadas institucionalmente

pela universidade, podem ser endógenas (voltadas aos seus problemas teóricos, sem

vínculo com as práticas escolares), colonizadoras das práticas escolares, ou

colaborativas”; E diz que as comunidades investigativas escolares, “por serem

governadas a partir do território escolar, também podem ser endógenas, abertas à

colaboração e parceria da universidade, ou serem colonizadas pela universidade, a

qual assume o papel de transmitir e inculcar os saberes acadêmicos”. E, sobre as

fronteiriças, destaca que “possuem, normalmente, mais liberdade de ação e de

definição de uma agenda própria, sem serem monitoradas institucionalmente pela

escola ou pela universidade”.

E, por ser “comunidade fronteiriça” o termo que atribuímos ao GdS, contexto

desse estudo, desenvolvo com mais profundidade esse conceito ao final do contexto.

Para a presente pesquisa, considero pertinente essa qualificação, tendo em vista que

delineia avanços no conceito e na problematização de comunidade investigativa, que

apresenta diferentes formas de organização e configuração.

Outro aspecto relevante na discussão sobre comunidades investigativas

ocorre quando questionamos sua função política. A esse respeito, Fiorentini (2011,

p. 07) destacou sobre a criação do Grupo de Sábado (GdS):

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Enquanto formadores e pesquisadores da universidade assumimos, com esse grupo, o princípio epistemológico - e também político, tendo em vista seu caráter emancipatório (Carr e Kemmis, 1988) - de que os professores da escola e da universidade, mestrandos e doutorandos e futuros docentes podiam, juntos, aprender a enfrentar o desafio da escola atual, negociando e construindo outras práticas de ensinar e aprender matemáticas que sejam potencialmente formativas aos alunos, despertando neles o desejo de aprender e de se apropriar dos conhecimentos fundamentais à sua inserção social e cultural.

Nessas comunidades, os professores são compreendidos como os legítimos

agentes das mudanças necessárias à educação, mediante a reflexão da práxis (CARR;

KEMMIS, 1988). De acordo com Carr e Kemmis, um grupo de professores deve

considerar não apenas o domínio de suas práticas, mas toda a ação educativa. Isto

é, a estrutura educacional que está além da educação.

Esse sentido político também foi apontado por Cochran-Smith e Lytle (1993),

ao destacarem que, quando grupos de professores têm a oportunidade de trabalhar

conjuntamente como docentes investigadores altamente profissionalizados,

tornam-se muito perceptivos aos problemas de equidade, de hierarquia e de

autonomia e tendem a constituir-se em intelectuais transformadores, conforme a

concepção de Aronowitz e Giroux.

Recentemente, Cochran-Smith – revelam Fiorentini e Crecci (no prelo) –,

questionada sobre a situação atual da docência, em que a prática pedagógica vem

sendo condicionada pelas políticas embasadas nos testes, relacionou a participação

em comunidades investigativas com o compromisso com a justiça social e enfatizou

que as comunidades investigativas são um dos poucos espaços em que as

pessoas podem obter apoio para o comprometimento social, pois estão sustentando

suas ideias em um grupo, e alguns desses grupos de professores se tornam grupos

de ativistas. Apontou, ainda, que as pessoas podem se unir e obter o apoio de outros

para o que estão tentando fazer e que algumas escolas se tornam escolas orientadas

pela justiça social.

Se, há alguns anos, as perspectivas behavioristas e as embasadas na

racionalidade técnica previam práticas individuais de desenvolvimento profissional,

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atualmente parece emergir a valorização de perspectivas de aprendizagem e de

desenvolvimento profissional permeadas por práticas coletivas.

A relevância dos estudos citados, sobretudo os de Cochran-Smith e Lytle

(2002), de Hargreaves (2010) e de Fiorentini (2013a), permite concluir que, mais do

que uma nova maneira de refletir sobre alternativas ao desenvolvimento profissional

de professores e formadores, refletir sobre as comunidades é também pensar nos

sentidos subjacentes que as engajam. Logo, um questionamento necessário é acerca

das ideias inerentes às práticas de formação docente, sejam essas em comunidades

ou não.

Pressupostos das Comunidades de Aprendizagem Docente

As comunidades de aprendizagem docente são motivadas e iniciadas por

modos muito diferentes de compreensão sobre o significado de “saber mais” e

“ensinar melhor” (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2002). E a forma como as comunidades

de aprendizagem docente se organizam projeta modos variados de desenvolvimento

profissional, modos diferentes de atuação dos formadores e podem produzir modos

individuais ou coletivos de ser/estar na profissão.

De acordo com os estudos de Cochran-Smith e Lytle (2002), três ideias

principais sobre o conhecimento do professor, a aprendizagem docente e a prática

profissional coexistem mundialmente na política educacional, na pesquisa e na

prática e são invocadas, por agentes diferentemente posicionados, para justificar

abordagens muito diversas, afim de melhorar o ensino e a aprendizagem por meio

de comunidades. Cochran-Smith e Lytle (1999, 2002) explicam que tais ideias podem

ser

[...] simplificadas a partir da função que elas teriam em relação à prática ou ao trabalho do professor em sua prática de ensinar e aprender e que expressamos, ainda com base nas autoras, da seguinte forma: produção/aprendizagem de conhecimentos PARA, NA e DA prática de ensinar e aprender. (FIORENTINI, 2011, p.02)

Na concepção de aprendizagem PARA a prática de ensinar e aprender,

especialistas constroem conhecimentos e professores os aplicam em suas práticas.

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Já na segunda concepção, pressupõe-se que a aprendizagem e os conhecimentos

sejam construídos NA prática, isto é, de maneira tácita. Sobre a terceira concepção,

Fiorentini (2011, p.02) sintetiza:

[...] no conhecimento e aprendizagem DA prática – não há uma separação entre conhecimento prático e o formal ou teórico. Presume-se que o conhecimento que os professores precisam para ensinar bem é produzido quando os professores tomam sua própria prática como campo de investigação ou análise e tomam como instrumento de interpretação e análise conhecimentos produzidos por outros especialistas (acadêmicos ou não).

Segundo Cochran-Smith e Lytle (1999), essa terceira concepção pressupõe

que o conhecimento que os professores devem ter para ensinar bem emana da

investigação sistemática sobre o ensino, sobre seus estudantes e sobre o

aprendizado desses. E pode ser construído coletivamente em comunidades locais,

desde que não isoladas de outras mais amplas, como é o caso da comunidade

acadêmica.

Para fins de discussão da literatura, relacionei as perspectivas de Cochran-

Smith e Lytle (1999, 2002) com o desenvolvimento profissional, a constituição da

profissionalidade docente e o papel do formador. Entretanto, apesar da

diferenciação entre as perspectivas de aprendizagem: conhecimento e prática

profissional (para – na - da) em nível de discussão teórica, a significação das

comunidades ocorre mediante processo de interação entre elas e os sujeitos. Por

isso, assim como Cochran-Smith e Lytle (1999) alertam sobre a relação das

concepções de conhecimento e de aprendizagem do professor, destaco que

nenhuma das iniciativas de desenvolvimento profissional

[...] deve ser considerada exemplar de uma concepção ou sua realização como “tipo puro”. Ao contrário, cada uma delas reflete o que entendemos ser as ideias dominantes que animam a iniciativa e que reflete a maneira singular através da qual tais ideias são encenadas em contextos específicos e em momentos definidos (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999, p.253, tradução GEPFPM)

Na maioria dos casos, essas ideias não estão explícitas nas proposições de

desenvolvimento profissional e, muitas vezes, os responsáveis pela gestão dessas

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práticas não se propõem a questionar seus próprios pressupostos nem o modo como

eles interferem em suas decisões e iniciativas.

Profissionalidade e Desenvolvimento Profissional

para a Prática

Nas últimas décadas, muitas pesquisas internacionais e nacionais passaram a

criticar perspectivas de desenvolvimento profissional embasadas em processos de

aprendizagem individual, o que levou à solicitação e ao reconhecimento de uma

perspectiva de aprendizagem em comunidades de aprendizagem docente. À

primeira vista, apenas a modificação nas estruturas das práticas de desenvolvimento

profissional garantiria alterações substanciais, porém, atualmente, há diferentes

concepções e práticas de desenvolvimento profissional, mesmo quando ocorrem em

comunidades (HARGREAVES, 2010).

Numa perspectiva de desenvolvimento profissional para a prática, ter acesso

aos conhecimentos formais e saber mais conteúdo, teorias educacionais e

estratégias concebidas por especialistas, possibilita aos professores ensinar melhor.

Essa visão conduz a comunidade de aprendizagem docente a promover

conhecimentos, a ajudar os professores a se desenvolverem profissionalmente,

acessar e implementar esses conhecimentos – enfim, a traduzir e colocar em prática

o que adquirem de especialistas de fora da sala de aula (COCHRAN-SMITH; LYTLE,

2002).

A prática docente prevista nessas comunidades envolve o uso adequado e

competente de conhecimentos adquiridos a priori (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999).

Logo, a profissionalidade do professor deve ser iluminada pelas teorias acadêmicas

e pelos conhecimentos sistematizados pela comunidade acadêmica:

A ideia aqui é que a prática competente reflete o “estado da arte”; isto é, professores muito habilidosos têm conhecimento profundo de suas disciplinas e das estratégias de ensino mais eficazes para criar oportunidade de aprendizado para seus alunos. Os professores

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aprendem este conhecimento através de várias experiências de formação que dão acesso à base de conhecimento. (COCHRAN-SMITH;

LYTLE, 1999 p. 254, tradução GEPFPM)

Nessa perspectiva, os professores são usuários aptos e não geradores de

conhecimentos (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999), admitindo que a sua ação se

resume à aplicação de decisões tomadas por especialistas.

Morgado (2005, p. 34) identificou esse modo de projeção da docência como

profissionalidade técnica: prevê um professor que “aplica as regras que derivam do

conhecimento científico, para se atingirem determinados fins predefinidos”. Parte-

se da premissa de que “as regras técnicas devem orientar a ação do sujeito. Ensinar

resume-se à mera aplicação de normas e de técnicas derivadas de um conhecimento

especializado” (p. 35). E os professores se limitam a “práticas meramente

reprodutivas, utilizadas para que os estudantes concretizam os objetivos que guiam

o seu trabalho” (p. 38).

Quando professores são envolvidos em comunidades que têm por objetivo

aprender coletivamente estratégias e técnicas para a melhoria do desempenho de

alunos em testes externos, conforme identificou Hargreaves (2010), tais

comunidades de desenvolvimento profissional adotam a perspectiva de

conhecimento PARA a prática. Relacionado a esse aspecto, Cochran-Smith, em

Fiorentini e Crecci (no prelo), aponta que comunidades obrigatórias dificilmente

funcionam como investigativas e críticas, mas, ao contrário, atribuem aos

professores o papel de consultar dados dos testes e descobrir como melhorá-los. E,

embora possam existir comunidades investigativas que considerem os resultados

dos testes, precisariam ter uma perspectiva crítica, sistemática e ligar os testes a

contextos amplos.

Ao participar de práticas de desenvolvimento profissional enfocadas na

compreensão do professor como técnico e aplicador de conhecimentos gerados por

especialistas, é provável que esse profissional encontre dificuldades para “abordar e

resolver os dilemas imprevisíveis e as situações conflituosas com que se depara no

decurso da ação educativa” (MORGADO, 2005, p. 40). Por essa razão, passou-se a

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vislumbrar outras concepções de profissionalidade docente, como o professor

reflexivo, que discutiremos no próximo subitem.

A perspectiva de ensino não é diferente da ideia de educação bancária de

Freire (1986), para quem o sujeito, nessa relação de ensino e aprendizagem, se torna

receptor passivo de informações que lhe são delegadas por outrem. O formador,

dono do conhecimento, nesse caso, é o sujeito que deposita o conhecimento que o

professor, considerado uma tábula rasa, recebe.

Profissionalidade e Desenvolvimento Profissional

na prática

Quando a aprendizagem e o conhecimento dos professores ocorrem na

prática, pressupõe-se que os conhecimentos sejam construídos de maneira tácita.

São esses os conhecimentos mais importantes para o exercício da profissão. Para

aprimorar o ensino e para que os professores se desenvolvam profissionalmente

nesta perspectiva pragmática, é preciso trabalhar em comunidades com outros

professores, “para melhorar, tornar explícito e articular o conhecimento tácito

embutido na experiência e na sábia ação de profissionais competentes” (COCHRAN-

SMITH; LYTLE, 2002, p. 2464, tradução nossa). Presume-se que os professores

aprendam quando refletem sobre boas práticas: escolhem estratégias, organizam

rotinas de sala de aula, tomam decisões, criam problemas, estruturam situações e

reconsideram as próprias realizações (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999).

A prática dos professores é compreendida como uma artesania, de modo que

a profissionalidade docente se constrói mediante reflexão NA prática: “os

professores competentes sabem, na medida em que é expressado ou veiculado na

arte da prática, nas reflexões do professor sobre a prática, nas investigações sobre a

prática e nas narrativas sobre a prática” (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999). Ensinar é

compreendido, nessa perspectiva, como um processo de

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[...] agir e pensar sabiamente na imediatez da vida em sala de aula: tomar decisões em fração de segundos, escolher entre maneiras alternativas de transmitir conteúdo, interagir apropriadamente com estudantes, e selecionar e focar dimensões específicas dos problemas da sala. Para fazer isto, professores excepcionais se baseiam na experiência da prática ou, mais precisamente, nas suas experiências e ações prévias, bem como em suas reflexões sobre tais experiências.

(COCHRAN-SMITH; LYTLE, p. 262, 1999, tradução GEPFPM)

Se, na perspectiva anterior, os professores eram usuários do conhecimento,

nesta são “entendidos como os designers e arquitetos desta ação” (COCHRAN-

SMITH; LYTLE, p. 262, 1999, tradução GEPFPM). Essas ideias encontram ressonância

na compreensão de Schön acerca do professor como profissional reflexivo. Sua

profissionalidade se constrói mediante esse processo de reflexão na ação, em que

[...] um professor reflexivo permite-se ser surpreendido pelo que o aluno faz. Num segundo momento, reflete sobre esse fato, ou seja, pensa sobre aquilo que o aluno disse ou fez e, simultaneamente, procura compreender a razão por que foi surpreendido. Depois, num terceiro momento, reformula o problema suscitado pela situação; talvez o aluno não seja de aprendizagem lenta, mas, pelo contrário, seja exímio no cumprimento das instruções. Num quarto momento, efetua uma experiência para testar a sua nova hipótese; por exemplo, coloca uma nova questão ou estabelece uma nova tarefa para testar a hipótese que formulou sobre o modo de pensar do aluno. Este processo de reflexão-na-ação não exige palavras (SCHÖN, 1992, p. 83).

Essa perspectiva de desenvolvimento profissional, baseado na reflexão,

gerou algumas críticas. Em primeiro lugar, reconhece-se que houve um uso excessivo

da palavra “reflexão” relacionada à formação docente, o que, segundo Morgado

(2005), muitas vezes não resultou em experiências concretas, tendo na maioria dos

casos se convertido em uma expressão de slogan e vazia de conteúdo. Em segundo

lugar, os estudos de Schön foram criticados por não terem concebido “um modelo

que abarcasse a mudança institucional e/ou social, centrando-se apenas em torno

de práticas individuais” ( MORGADO, 2005, p. 48).

Atualmente temos visto nos Estados Unidos, bem como em outros lugares,

questionamentos sobre a qualidade dos programas de formação inicial de

professores (COCHRAN-SMITH et al., 2012). Ganham força propostas que focam o

desenvolvimento profissional dos professores exclusivamente nas comunidades

escolares, sem interlocuções substanciais com a comunidade acadêmica. Como

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justificativa a essa tendência, atualmente ocorre um cruzamento de dados entre a

formação dos professores e o desempenho de seus alunos em testes externos.

Estudos têm concluído que não há diferenças substanciais no desempenho de alunos

de professores com formação específica e de alunos de profissionais habilitados para

a docência21 (COCHRAN-SMITH et al., 2012).

Os formadores, em geral, têm como função organizar os espaços de formação

para que os professores conversem sobre suas questões. Muitas vezes, a postura é

mais de escuta das discussões e de estímulo do que de proposição ou opinião.

Profissionalidade e Desenvolvimento

Profissional da prática

A terceira abordagem diz respeito à aprendizagem e aos conhecimentos DA

prática, na qual se supõe que seja gerado o conhecimento que os professores

precisam para ensinar bem, quando tratam suas salas de aula e escolas como locais

para investigação intencional, ao mesmo tempo que tomam os conhecimentos

produzidos por outros como material gerador para investigação e interpretação:

[...] o conhecimento emerge do entendimento conjunto de professores e outros que estão comprometidos com observação e documentação sistemáticas, e de longo prazo, dos estudantes e de seu processo de atribuir significados. Para gerar conhecimento que dê conta de múltiplas camadas de contexto e múltiplas perspectivas de significado, os professores dependem de um largo espectro de experiências, e de sua história intelectual, dentro e fora das escolas.

(COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999, p. 278, tradução GEPFPM).

Nesse contexto, “redes de professores, comunidades investigativas e outros

coletivos escolares nos quais os professores e outros somam esforços para construir

21 Nos Estados Unidos, em diversos estados e distritos, profissionais com as mais diversas formações podem realizar especializações para lecionar.

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conhecimento são o contexto privilegiado para o aprendizado do professor”

(COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999, p. 279, tradução GEPFPM).

Assume-se, então, que os professores aprendem e se desenvolvem

profissionalmente “quando geram conhecimentos locais da prática através do

trabalho em comunidades investigativas para teorizar e construir seu trabalho

conectando ao contexto social, cultural e político” (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2002,

p. 2465, tradução nossa).

De acordo com Cochran-Smith e Lytle (1999), na concepção de conhecimento

da prática, os professores e outros colaboradores (como os acadêmicos) trabalham

em conjunto para investigar suas próprias suposições, o modo como ensinam, o

desenvolvimento do currículo, práticas e políticas de suas escolas e comunidades.

Assume-se, assim, que o professor aprende e se desenvolve

profissionalmente mediante participação em comunidades que adotam como

prática a investigação sistemática e intencional do ensino e da aprendizagem. Nesse

caso, a comunidade investigativa deve ser espaço para problematizar os múltiplos

aspectos que envolvem a docência. Cochran-Smith e Lytle (1999, p. 279, tradução

GEPFPM) compreendem que,

quando o trabalho em comunidades se baseia no conhecimento da prática – seja o trabalho referente à pesquisa do professor, pesquisa-ação ou investigação dos praticantes, o objetivo não é a pesquisa nem a produção de “descobertas”, como é geralmente o caso das pesquisas de universidades. Ao contrário, o objetivo é a compreensão, a articulação, e, ao final, a transformação das práticas e das relações sociais de forma a trazer mudanças fundamentais nas salas de aula, escolas, distritos, programas e organizações profissionais. Na base deste compromisso se encontra uma responsabilidade profunda e apaixonada em relação ao aprendizado dos estudantes, de suas chances na vida, e em relação a uma transformação das políticas e estruturas que limitam o acesso dos estudantes a estas oportunidades.

Neste contexto, a profissionalidade docente se baseia em uma postura

investigativa e crítica. Em uma relação política com a profissão, há aumento da

responsabilidade em relação às comunidades em que os professores estão

envolvidos. A premissa desta abordagem é que os professores podem gerar

conhecimento e aprendizado de forma colaborativa em comunidades locais. Podem

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constituir posturas críticas em relação a teorias concebidas fora de seus contextos,

alterando as relações de poder entre escolas e universidades. Esse tipo de

profissionalidade encontra fundamentação nos estudos de Giroux (1997), que

compreende os professores como intelectuais transformadores:

Para os intelectuais transformadores, a pedagogia como forma de política cultural deve ser compreendida como um conjunto concreto de práticas que produzem formas sociais através das quais diferentes tipos de conhecimento, conjuntos de experiências e subjetividades são construídas. (GIROUX, 1997, p. 31)

Com base nos estudos de Gramsci, Giroux (1997, p.186) afirma que “o

intelectual é mais do que uma pessoa das letras, ou um produtor e transmissor de

idéias. Os intelectuais são também mediadores, legitimadores e produtores de ideias

e práticas sociais; eles cumprem uma função de natureza eminentemente política”.

Essa perspectiva também encontra ressonância nos estudos de Freire (1986, p. 38)

sobre a práxis pedagógica, que consiste na “reflexão e ação dos homens sobre o

mundo para transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação da contradição

opressor-oprimidos” Na perspectiva desses autores, a prática educacional não é

compreendida apenas em sua instância instrumental, mas também em seus

aspectos sociais e políticos.

A pesquisa do professor pode ser realizada de diferentes formas: em

comunidades que se reúnem nas escolas, nas universidades ou em espaços não

institucionais. Temos observado que muitos professores que se envolvem em

processos de sistematização da prática docente encontram suporte em grupos

acadêmicos. E podem realizar pesquisas de mestrado e de doutorado da própria

prática.

Nessa perspectiva, o formador tende a ter uma postura colaborativa. Os

participantes de uma comunidade com essas características, podem trabalhar

juntos. O professor reconhece o excedente de visão do formador, e o formador, por

sua vez, reconhece o excedente de visão do professor. Inclusive, segundo Fiorentini

(2004b), o verbo “colaborar” deriva de “laborar”, que significa “trabalhar”.

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Além disso, em razão das perspectivas de carreira, das condições de trabalho

e da possibilidade de inserção em comunidades acadêmicas de pesquisa, temos visto

em nossos estudos que professores do sistema público brasileiro, que projetam essa

profissionalidade investigativa e participam de comunidades investigativas

acadêmicas, tendem a seguir carreiras acadêmicas, em detrimento da continuidade

do trabalho na escola básica. Logo, configura-se aí um limite desse tipo de

profissionalidade docente, à medida que os professores passam a não se reconhecer

mais na comunidade escolar – sobretudo, em contextos fortemente controlados

pelas políticas de padronização curricular e de testes. A estrutura escolar tradicional

e os sistemas atuais de ensino no Brasil parecem não acolher diferentes modos de

interpretação da docência, que não sejam o da profissionalidade técnica.

Em razão das políticas educacionais pautadas nos testes, do baixo status

social da profissão e do alto índice de evasão de professores, Cochran-Smith, como

reportam Fiorentini e Crecci (no prelo), também reconhece que tem sido fácil

defender a pesquisa do professor e as comunidades investigativas em meio às

políticas embasadas nos testes, mas vislumbra que esses espaços podem oferecer

uma das poucas possibilidades para que os professores se organizem e reivindiquem

mudanças no sistema escolar. Cochran-Smith também defende a união dessas

comunidades com outros movimentos sociais, como os sindicatos.

Profissionalidade e Desenvolvimento Profissional em

Comunidades Investigativas

Nas comunidades investigativas, as experiências de desenvolvimento

profissional perpassam questionamentos sobre as práticas de professores e

formadores e de sistematização delas. Práticas investigativas em comunidades

investigativas permitem aos professores e aos formadores planejar atividades a

serem realizadas em sala de aula, desenvolver material didático, escrever narrativas

sobre os modos de ensinar e aprender, compartilhar atividades desenvolvidas,

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realizar estudos sobre questões emergentes da prática pedagógica, (re)significar a

literatura da área etc. Assim, em comunidades investigativas, os professores e

formadores:

[...] trabalham colaborativamente para reconstruir as disciplinas e o currículo; examinar criticamente os conteúdos e as avaliações, bem como atuar como leitores críticos e conscientes consumidores de materiais e programas; além de desenvolver abordagens válidas para identificar e interpretar uma série de resultados educacionais significantes (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2009, p. 131, tradução

GEPFPM).

Os membros buscam e constroem novos conhecimentos, ao examinarem os modos

de ensinar e aprender nas escolas. Cochran-Smith e Lytle (2009) apontam que, nas

últimas décadas, muitas discussões têm debatido se ensinar é ou não é uma

profissão e se os professores podem ou não ser legitimamente considerados

profissionais. Paras as autoras, professores já são profissionais, ainda que muitos não

acreditem que possam ser assim considerados, ou mesmo que estejam empregados

em condições de trabalho opressivas. São profissionais envolvidos em atividades

diárias, relacionais e incertas, que acontecem sob condições de mudanças

constantes. Os autores ressaltam a necessidade de uma nova noção de prática

profissional na educação e concebem o construto que chamam de postura

investigativa.

A partir dessa noção, reconhecem a capacidade intelectual coletiva dos

professores e apontam que, inseridos em comunidades investigativas, eles assumem

a postura investigativa em relação ao conhecimento e à sua prática. As autoras

propõem que os professores vão além de realizar uma pesquisa esporádica em um

determinado período: sugerem que desenvolvam um modo de ser docente

investigativo.

Para isso, discorrem sobre quatro aspectos relacionados à ideia de postura

investigativa: 1) concepção de conhecimento local em contextos globais; 2) visão

ampliada da prática; 3) comunidades investigativas como meio ou mecanismo

primário para adotar uma teoria da ação; e 4) justiça social.

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Sobre o primeiro aspecto, Cochran-Smith e Lytle (2009) destacam que, ao

teorizar a concepção de postura investigativa, querem unir, não dividir, o

conhecimento local e os contextos globais, pois reconhecem que o conhecimento

local gerado pelos professores em comunidades investigativas pode ser resposta

para questões amplas, que afetam outros professores.

O segundo aspecto, a visão de prática ampliada, “abrange a aprendizagem

dos estudantes, bem como as investigações contínuas dos estudantes, professores

e líderes nos aspectos da construção dos conhecimentos social, cultural, intelectual,

relacional e político” (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2009, p. 143). As autoras apontam,

ainda, que essa ideia de prática é mais semelhante à ideia de práxis, na qual a prática

educacional sempre envolve uma síntese de reflexão crítica e de ação:

A visão de prática que estamos sugerindo aqui inclui a ideia de que as pedagogias e as estratégias para a mudança transformativa são inventadas, reinventadas, e continuamente negociadas com aprendizes, colegas e famílias, nas salas de aulas, escolas, comunidades e outros ambientes educacionais. Também inclui uma visão ampliada de professores em exercício que, além de trabalharem a partir do diálogo com os alunos, também o fazem com colegas e líderes escolares, além de professores K-12, estudantes de graduação e outros membros do corpo docente e assistentes, com o intuito de tratar de assuntos fundamentais para a educação. (COCHRAN-SMITH;

LYTLE, 2009, p. 147, tradução GEPFPM).

A partir dessa concepção de prática, para as autoras, “a investigação do

professor tende a mudar as supostas dicotomias entre investigação e prática, entre

ser um professor e ser um pesquisador” (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2009, p. 147,

tradução GEPFPM).

Sobre o terceiro aspecto, Cochran-Smith e Lytle (2009) apontam que,

mediante a participação em comunidades investigativas, os professores têm a

possibilidade de constituir o que chamam de “teoria de ação”, que não envolve

apenas indivíduos, mas também coletividades. Nesse sentido,

[...] os propósitos e funções essenciais das comunidades investigativas são os de fornecer contextos ricos e desafiadores para a aprendizagem do professor ao longo de sua vida profissional, bem como disponibilizar locais produtivos capazes de vincular as comunidades de educadores aos grandes esforços de mudanças, tanto nacionalmente

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como internacionalmente. (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2009, p. 148,

tradução GEPFPM)

Por fim, como quarto aspecto da postura investigativa, consideram que, ao

participarem de comunidades investigativas, os professores-pesquisadores em

exercício

[...] estão trabalhando a favor e contra o sistema – um processo em curso, partindo do interior, problematizando hipóteses fundamentais sobre os propósitos do sistema educacional existente; sendo esse trabalho realizado a partir do levantamento de questões difíceis sobre os recursos educacionais, processos e resultados. Conjuntamente, os professores em exercício que realizam trabalhos de investigação como postura questionam o efeito do currículo existente, a instrução e as práticas de avaliação e as políticas. Sendo assim, consideram como as organizações do ensino e da liderança escolar desafiam ou sustentam as desigualdades profundas inscritas no status quo. Como podemos ver, o propósito final da investigação como postura – sempre e em todos os contextos – é aprimorar a aprendizagem do aluno e as suas chances na participação e contribuição para uma sociedade diferente

e democrática. (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2009, p. 154, tradução

GEPFPM)

Portanto, os professores que trabalham com uma postura investigativa, que

envolve o questionamento crítico e contínuo, “estimulam o desenvolvimento de

alunos que, por sua vez, fazem o mesmo. Os professores que são bem informados

fazem perguntas e apresentam problemas; o mesmo fazem seus alunos” (COCHRAN-

SMITH; LYTLE, 2009, p. 164, tradução GEPFPM).

Cochran-Smith (2005), em tom narrativo, destaca também que as

comunidades investigativas são espaços importantes, onde futuros professores,

professores experientes e formadores podem aprender juntos e gerar conhecimento

em movimentos emocionantes. Os participantes são incentivados a se engajar em

estudos da própria prática, self-study, pesquisa-ação e outras formas de

investigação. Na experiência vivida por Cochran-Smith (2005), aconteceram muitos

fóruns locais, nacionais e internacionais, nos quais os participantes relatavam suas

investigações, experiências, compartilhavam ideias e podiam aprender com o

trabalho dos outros.

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Produções constituídas em Contextos de Comunidades

Investigativas

Durante esses anos que venho participando de comunidades com

características de investigativas, como o PRAPEM e o GdS acompanhei o

desenvolvimento de uma série de pesquisas. No PRAPEM. Algumas, parecidas com

essa, estudos acadêmicos que investigam questões como a profissionalidade

docente, o desenvolvimento profissional ou a aprendizagem docente (ex:

FIORENTINI, 2013; CONTI, 2015; CRISTÓVÃO, 2015 e HERNANDEZ-VÁZQUEZ, 2015).

Esse tipo de pesquisa é, frequentemente, desenvolvido pelos pesquisadores e/ou

formadores que participam do grupo. Sobre isso, como já destaquei, no Brasil o

formador universitário, caso vinculado a uma universidade pública, é

necessariamente um pesquisador. Isso se deve ao regime de trabalho (ensino,

pesquisa e extensão). Em algumas universidades norte-americanas ou canadenses,

o pesquisador não atua necessariamente na graduação, isso varia de acordo com o

regime de trabalho.

Em 1990, tomando por base os estudos de Shulman, Cochran-Smith e Lytle

apontaram que as pesquisas em educação poderiam ser categorizadas em dois

paradigmas: 1) o processo-produto, envolvendo pesquisas que correlacionavam o

comportamento dos professores com o desempenho dos estudantes, e 2) o

qualitativo ou interpretativo, contemplando pesquisas provenientes (ou fortemente

vinculados aos campos) da sociologia, da antropologia e da linguística, e que se

propunham a descrever detalhadamente as práticas do ensino e de seus contextos.

Para elas, ambos os paradigmas tornavam os professores invisíveis enquanto

criadores de conhecimentos sobre o ensino e a aprendizagem na prática escolar.

Foi, então, sob influência dos estudos de Giroux, Goswani, Stenhouse e Elliot,

que Cochran-Smith e Lytle compreenderam que faltava, à base de conhecimentos

sobre educação, as vozes, as perguntas, as narrativas, as pesquisas e as

compreensões sobre a prática profissional produzidos e sistematizados pelos

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próprios professores. Situação essa que limitava as prerrogativas do ensino aos

critérios e julgamentos tão somente da comunidade acadêmica. Para transformar

esse cenário, passaram a discutir a diferença entre a pesquisa do professor e

pesquisa acadêmica, destacando que não se tratava de hierarquizá-las, mas de

reconhecer as peculiaridades e importância de cada uma delas (COCHRAN-SMITH;

SUSAN LYTLE, 1990).

Acerca da natureza da investigação produzida em comunidades de

aprendizagem docente, podemos começar a falar daquelas produzidas pelos

acadêmicos, muitas vezes, os próprios formadores, mestrandos ou doutorandos.

Como é o caso dessa pesquisa, há o interesse na compreensão de como ocorre o

desenvolvimento profissional, a formação e a aprendizagem.

Sobre a pesquisa do professor produzido, de acordo com Fiorentini (2011),

não há ainda uma tipologia definida ou sistematizada pela literatura acerca da

pesquisa docente, embora alguns pesquisadores – como Cochran-Smith e Lytle

(1999 e 2002), Fiorentini (2004), Diniz-Pereira e Zechner (2008); Lüdke et al. (2009)

– já tenham tentado sistematizá-la e teorizar acerca.

Entretanto, apresento aqui uma tentativa de síntese feita por Fiorentini

(2011), tendo por base principalmente Cochran-Smith e Lytle, sua interlocução junto

aos grupos de pesquisa Prapem (Prática Pedagógica em Matemática) e GEPFPM

(Grupo de Estudo, Pesquisa sobre Formação de Professores de Matemática) e suas

experiências de trabalho e investigação em grupos colaborativos de professores em

diferentes níveis de ensino, os quais tinham como foco de estudo/análise a própria

prática de ensinar e aprender. Nessa síntese, são distinguidas quatro modalidades

de pesquisa de professores que têm como foco de estudo sua prática:

1) diários/narrativas dos professores que, na verdade, são narrativas reflexivas

e interpretativas de aulas, produzidas com base em notas etnográficas nas quais os

professores mesclam descrições, análises e interpretações de registros escritos pelo

professor e/ou pelos alunos, comentários e análises de experiências;

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2) processos de investigação oral-colaborativa sobre um caso/episódio especial

ou um problema particular da prática pedagógica. Isso exige coleta/registro

cuidadoso de atividades ou episódios de aula, de modo que os professores possam,

oralmente e conjuntamente, realizar análises e interpretações, produzindo

compreensões sobre o caso. Essas análises e interpretações são gravadas e depois

transcritas, podendo (ou não) serem retomadas pelos próprios professores, em

forma de meta-análise;

3) investigações de aulas que usam processos de coleta de materiais e de análise

sistemática que se aproximam daqueles privilegiados pela pesquisa qualitativa

acadêmica, sobretudo de abordagem etnográfica e interpretativa;

4) pequenos ensaios dos professores que, normalmente, constituem-se em

trabalhos de sistematização ou teorização tecidas a partir de um conjunto de práticas

ou de pequenas investigações empíricas. Ou seja, esses trabalhos diferem dos

anteriores por não explorarem/analisarem, de maneira sistemática, dados empíricos

próprios. Ao contrário, procuram tecer análises de ideias ou produzir meta-estudos.

São trabalhos geralmente de natureza conceitual, filosófica, argumentativa e

reflexiva, podendo se apoiar em experiências ou casos ocorridos em sala de aula ao

longo do tempo. (FIORENTINI, 2011, p. 10).

Outra modalidade que tem tido destaque, nos últimos anos, são as pesquisas

acadêmicas realizadas por professores sobre a própria prática em dissertações e

teses. Essas pesquisas têm assumido a perspectiva da investigação da própria

prática, seja através da pesquisa-ação ou de abordagem etnográfica.

Cochran-Smith e Lytle (1999) rebatem as críticas que desqualificavam a

pesquisa do professor em detrimento da acadêmica. Assim, indicam que, apesar da

lentidão das mudanças nas universidades, já era possível observar evidências de que

a pesquisa do professor teria tido efeito transformador na cultura acadêmica.

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Argumentam que a investigação da própria prática passou a fazer parte da formação

inicial e do desenvolvimento profissional docente. Isso teve impacto também na

pesquisa do professor universitário, pois perceberam que havia aumentado o

número de docentes do ensino superior que tomavam suas práticas profissionais

como objeto de estudo.

No caso das comunidades fronteiriças, a pesquisa é ou não é parte da

participação de professores e acadêmicos. No caso do GdS, essa prática não é um

requisito para participação no GdS, não há regulações sobre isso. Em diferentes

situações e momentos, como serão narrados no capítulo 04, os três participantes

deste estudo realizaram pesquisa, aqui chamadas de investigações.

Experiências de Desenvolvimento Profissional e

Constituição da Profissionalidade em Comunidades

Fronteiriças

O menino contou que o muro da casa dele era da altura de duas andorinhas. (Havia um pomar do outro lado do muro.)

Mas o que intrigava mais a nossa atenção principal Era a altura do muro

Que seria de duas andorinhas. Depois o garoto explicou:

Se o muro tivesse dois metros de altura qualquer ladrão pulava Mas a altura de duas andorinhas nenhum ladrão pulava.

Isso era. Manoel de Barros, O Muro, 2004

Para analisar e interpretar o desenvolvimento profissional e a

profissionalidade de educadores matemáticos que se encontram em uma

comunidade fronteiriça, foi preciso constituir teoricamente um olhar próprio para

esses dois fenômenos que se inter-relacionam. Após a exposição e discussão de

diferentes perspectivas sobre temas relacionados a este trabalho, nesta sessão

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discuto alguns estudos que problematizam perspectivas próximas de minhas

compreensões acerca das temáticas pertinentes ao objeto de estudo desta tese.

À medida que constituía meu objeto e minha problemática de estudo, dava-

me conta de que esta, também, era uma pesquisa sobre o encontro de diferentes

sujeitos, comunidades de prática e seus respectivos mundos, figurados em uma

comunidade dedicada a investigar e a refletir os modos de ensinaraprender

matemática. Portanto, caberia compreender melhor noções como alteridade,

identidade e espaços fronteiriços, relacionando-os aos conceitos de experiência de

desenvolvimento profissional e de profissionalidade.

As noções de dialogismo, constituição da identidade e relações de alteridade

são centrais nos estudos de Mikhail Bakhtin. Nascido na Rússia do final século XIX,

Bakhtin foi um filósofo e pensador que teorizou sobre a cultura europeia, as artes e

a linguagem humana. Ao realizar seus estudos, tornou-se autor de uma série de

conceitos literários, como polifonia, polissemia, cronotopo, carnavalização e

menippea. Além disso, também foi responsável pela criação de teorias como estilo e

gênero discursivo. Diferenciando-se de outros filósofos da linguagem, para ele,

analisar a língua significava compreendê-la em seu contexto de produção e

significação. Atualmente, seu trabalho continua influente na área de teoria literária,

crítica literária, sociolinguística, análise do discurso e semiótica.

Embora este não seja um trabalho que centre foco na linguagem, temos sido

sobredestinatários dos estudos de Bakhtin. Ou seja, apesar de não sermos os

destinatários supostos (estudiosos da linguagem) dos estudos do autor, temos

utilizado alguns de seus conceitos para compreender encontros que acontecem em

uma comunidade fronteiriça (FIORENTINI, 2009, 2013a). Nesse sentido, enquanto

sobredestinatários, liberamos

[...] o texto das limitações de seu contexto, projetando-o naquilo que Bakhtin nomeia grande temporalidade: um tempo futuro, desconhecido e imprevisível em que o texto poderá ser acolhido e, ao mesmo tempo, reconstruído de outro modo. Acredito poder dizer que o destinatário suposto remete a uma dimensão histórica e única do texto, enquanto o sobredestinatário atesta seu trabalho em direção a uma dimensão universalizante. (AMORIM, 2002, p. 9-10)

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Portanto, para além dos direcionamentos dos construtos de Bakhtin, como

sobredestinatários temos (re) significado suas concepções para compreender

conceitos como alteridade, diálogos, convivência em comunidade, encontro e

identidade.

Sobre relações dialógicas, Bakhtin (2011, p. 413) afirma que “em todas as

coisas, ouço vozes e sua relação dialógica”. Nessa toada, mediante relações de

alteridade e dialogia, os sujeitos vão se constituindo nas diversas relações – e por

elas – que estabelecem. Para Bakhtin (2011, p. 348),

a vida é dialógica por natureza. Viver significa participar do diálogo: interrogar, ouvir, responder, concordar, etc. Nesse diálogo o homem participa inteiro e com toda a vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, os atos. Aplica-se totalmente na palavra, e essa palavra entra no tecido dialógico da vida humana, no simpósio universal.

Brait (2005, p. 94), parafraseando Bakhtin, aponta, por um lado, que “o

dialogismo diz respeito ao permanente diálogo, nem sempre simétrico e

harmonioso, existente entre os diferentes discursos que configuram uma

comunidade, uma cultura, uma sociedade”; por outro lado, que “o dialogismo diz

respeito às relações que se estabelecem entre o eu e o outro nos processos

discursivos instaurados historicamente pelos sujeitos, que, por sua vez, se instauram

e são instaurados por esses discursos”.

Ao refletir sobre essa relação com o outro, Bakhtin (2011, p. 21) também tece

considerações sobre encontros e incompletudes: “quando contemplo no todo um

homem situado fora e diante de mim, nossos horizontes concretos efetivamente

vivenciáveis não coincidem”. Uma vez que, “em qualquer situação ou proximidade

que esse outro que contemplo possa estar em relação a mim, sempre verei e saberei

algo que ele, da sua posição fora e diante de mim não pode ver”. No momento do

encontro, “quando nos olhamos, dois diferentes mundos se refletem na pupila dos

nossos olhos”.

Nesse encontro de pessoas, mundos diferentes, “esse excedente da minha

visão, com meu conhecimento, da minha posse – excedente sempre presente em

face de qualquer outro indivíduo – é condicionado pela singularidade e pela

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insubistitutibilidade do meu lugar no mundo”. Então, “nesse momento e nesse lugar,

em que sou o único a estar situado em dado conjunto de circunstâncias, todos os

outros estão fora de mim” (BAKHTIN, 2011, p. 21).

Bakhtin e Volochinov (2004, p. 112) também relacionam a constituição da

identidade do sujeito a sua materialidade em um mundo social.

Na maior parte dos casos, é preciso supor além disso um certo horizonte social definido e estabelecido que determina a criação ideológica do grupo social e da época a que pertencemos, um horizonte contemporâneo da nossa literatura, da nossa ciência, da nossa moral, do nosso direito.

As tônicas da incompletude e do diálogo são, também, encontradas na filosofia

de Paulo Freire (1996, p. 50, p. 53), para quem “o inacabamento do ser ou sua

inconclusão é própria da experiência vital. Onde há vida, há inacabamento” E

destaca: “gosto de ser gente, porque, como tal, percebo afinal que a construção de

minha presença no mundo, que não se faz no isolamento”. É, portanto, no diálogo

que os sujeitos encontram seu próprio significado, uma vez que “o diálogo é, pois,

uma necessidade existencial” (FREIRE, 1980, p.42).

O movimento dialético entre mundo pessoal e mundo social também é

problematizado por Holland et al. (1998), que concebem a noção de mundos

figurados: são fenômenos culturais que funcionam como contextos de significado.

As atividades desses mundos figurados – espaços socialmente organizados – são

determinadas por épocas e lugares. Assim, dentro desses mundos, os habitantes

aprendem uns com os outros de diferentes maneiras e as pessoas estão distribuídas

de acordo com a as atividades que exercem.

Em síntese, “um mundo figurado é uma produção social e cultural construída

em um reino de interpretação, no qual um conjunto de personagens e atores são

reconhecidos, significados e que têm certos atos atribuídos” (BARTLETT; HOLLAND,

2002, p. 12). Bartlett e Holland (2002) citam como exemplo o mundo figurado da

cultura letrada, o qual supõe a existência de iletrados, iletrados funcionais e bons

leitores que estão lutando para se mostrarem leitores competentes.

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Com base em estudiosos como Vygotsky e Bakhtin, Holland et al. (1998)

assumem que a identidade é uma forma de nomear densas interligações entre

espaços íntimos e públicos que são permeados pelas práticas sociais. Assim,

compreendem a identidade como a configuração do mundo íntimo ou pessoal no

interior de mundos coletivos, culturais e sociais. Esses autores seguem a premissa de

que as identidades são vivas, constituídas em mundos figurados.

Tendo em vista essa perspectiva de incompletude e alteridade, temo-nos

perguntado: o que acontece, quando formadores de professores, pesquisadores e

professores da escola básica se encontram em uma comunidade fronteiriça? O que

acontece, quando essas três comunidades, provenientes de diferentes mundos

figurados, se encontram em um espaço fronteiriço entre a escola e a universidade?

Já há alguns anos, os estudos do professor Dario têm como objetivo questões

dessa natureza. Em 2009 Fiorentini analisou, com base na concepção de excedente

de visão de Bakhtin, o encontro de professores da escola básica com acadêmicos no

Grupo de Sábado, contexto deste estudo. Por um lado, com as experiências

constituídas no ambiente escolar, os professores (re)significam as teorizações

advindas da academia:

Embora os porta-vozes da academia tragam ao grupo questões que ajudam a produzir estranhamentos e problematizações à prática dos professores da escola básica, estes, ao tomarem como referência seus lugares nas escolas, manifestam um excedente de visão sobre os acadêmicos, por possuírem um saber de experiência relativo ao ensino da matemática nas escolas públicas e privadas. Além disso, conhecem as condições de produção do trabalho docente nessas escolas, vislumbrando o que é possível ou não realizar na prática escolar e denunciando os limites e as idealizações frequentes dos acadêmicos, que geralmente não conhecem por dentro – isto é, experiencialmente – a complexidade de ensinar matemática na escola atual (FIORENTINI, 2009, p. 234 - 235).

Por outro lado, quando os acadêmicos se encontram com professores da

escola básica, imprimem um excedente de visão em relação a eles, relacionado aos

aportes teórico-científicos

[…] oriundos das ciências educativas e, em particular, dos estudos acadêmicos em educação matemática, interpretações e compreensões que os primeiros estabelecem sobre práticas,

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experiências e saberes dos segundos. Penso, porém, que o maior excedente de visão dos acadêmicos seja o domínio dos processos metodológicos de pesquisa e a problematização ou desnaturalização das práticas escolares vigentes (FIORENTINI, 2009, p. 235).

Nessa comunidade, tanto professores quanto acadêmicos dão indícios de

“construção e desenvolvimento de uma profissionalidade docente, interativa e

reflexiva” (FIORENTINI, 2009, p. 251). Essa perspectiva de desenvolvimento

profissional vem ao encontro daquela perspectiva de aprendizagem da prática,

quando Cochran-Smith e Lytle (2002) assumem que participantes de comunidades

de aprendizagem docente geram conhecimentos locais da prática por meio do

trabalho em comunidades, ao teorizar e construir seu trabalho conectando-o ao

contexto social, cultural e político.

A noção de comunidade investigativa tem sido (re) significada nos estudos do

professor Dario desde 2013, quando identificou três tipos básicos de comunidades:

escolares, acadêmicas e fronteiriças (FIORENTINI, 2013a). Sobre as comunidades

fronteiriças, destaca que:

[...] possuem, normalmente, mais liberdade de ação e de definição de uma agenda própria, sem serem monitoradas institucionalmente pela escola ou pela universidade. É, portanto, um lugar livre e, por isso também de perigo, de transgressão do instituído, de aventuras na construção e problematização do conhecimento. Elas podem reunir interessados de comunidades diferentes que definem suas agendas de estudo e trabalho, podendo ser também investigativas. Tendo em vista as diferentes origens de seus participantes, os encontros tendem ser entremeados por narrativas de acontecimentos que ocorrem nas comunidades de origem de cada um. Entretanto, o que se produz e se aprende nessa comunidade tem forte impacto na vida pessoal e profissional de cada participante (FIORENTINI, 2013a, p. 04-05).

No caso das comunidades fronteiriças, não estamos falando de limites que

separam dois territórios diferentes entre si. Estamos falando, na verdade, do espaço

fronteiriço que se forma no encontro de dois mundos diferentes. Mesmo a noção de

fronteira, tal como conhecemos, como o limite entre dois territórios diferentes, pode

ser problematizada.

Segundo Zientara (1989, p. 307), o termo fronteira “indicava a parte do

território situada in fronte, ou seja, nas margens” Destaca, assim, que a noção de

fronteira como separação entre duas regiões é equivocada. Para o autor, “as

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fronteiras separam comunidades humanas, mas podem também determinar um

novo género particular” (p. 307). As populações que “vivem em uma zona de

fronteira dão origem a uma comunidade fundada em interesses particulares,

mantêm entre elas, do lado de cá e do lado de lá da fronteira, uma intensa

comunicação; vivem frequentemente de contrabando” (ZIENTARA, 1989, p. 309).

Anzaldúa (1987) aponta que esse lugar entre as fronteiras se constitui como

um espaço indeterminado, criado pelo resíduo emocional de um limite e em um

constante estado de transição. Clandinin e Rosiek (2006), ao tomarem por base a

ideia de Anzaldúa, compreendem os espaços fronteiriços como não claros ou

límpidos, mas borrados por regiões que se sobrepõem e se fundem. Algumas

perspectivas da geografia também consideram o espaço fronteiriço como indefinido,

com dinâmicas próprias:

São espaços nos quais o local e o internacional se articulam, estabelecendo vínculos e dinâmicas próprias, construídas e reforçadas pelos povos fronteiriços. Neles estão presentes as identidades e as culturas nacionais de cada um dos países envolvidos, que constroem, reelaboram e constituem uma outra cultura e identidade diferenciada, capaz de recriar um novo lugar, com aspectos regionais. São regiões que não respeitam as barreiras existentes, já que há ação e interação dos agentes fronteiriços, estimulando dinâmicas fronteiriças informais (SOUZA, 2009, p. 106 – 107).

No poema de Manoel de Barros, o muro tem a altura de duas andorinhas,

simbioticamente, a altura e a distância do voo de duas andorinhas. Caso tivesse dois

metros, facilmente um ladrão pularia, segundo o garoto narrado pelo eu-lírico do

poema. Talvez essa também seja nossa ideia de fronteira. Na verdade, não se trata

de uma linha divisória de fronteira, isto é, não estamos tratando de um espaço que

nos divide artificialmente, mas de um espaço fronteiriço no qual as diferenças se

encontram. Nessa perspectiva, para Martins (2012, p. 02), “na atualidade, o conceito

de fronteira não está mais ligado ao limite, mas à porosidade e ao trânsito de um

lado e de outro, configurando culturas híbridas”.

Ao discutir as fronteiras das comunidades de prática, Wenger (2001, p. 135)

também aponta que essas não podem ser compreendidas como isoladas do mundo,

uma vez que “suas histórias não são internas, mas de articulação com o resto do

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mundo”. De acordo com pesquisador, é pela participação e pela coisificação22 em

comunidades de práticas que se pode contribuir para a descontinuidade de limites.

Concebe, ainda: a ideia de “objetos de fronteira”, aqueles trazidos por diferentes

comunidades para organizar a conexão em uma única; o conceito de

“intermediários” (brokering), pessoas que levam elementos – os objetos de fronteira

– de uma prática a outra.

Segundo Wenger (2001, p. 140), um objeto de fronteira não é necessariamente

um artefato ou uma informação codificada: “um bosque pode ser um objeto de

fronteira em torno do qual os excursionistas, os interessados madeireiros, os

ecologistas, os biólogos e os proprietários organizam suas perspectivas e buscam

maneiras de coordená-las”. Por sua vez, os intermediários podem estabelecer novas

conexões entre comunidades de prática, facilitar a coordenação e acordar as

perspectivas, quando bons corretores podem inclusive promover “novas

possibilidades de significados” (p. 142).

Assim, podemos relacionar o mapa desses espaços fronteiriços à ideia do

aberto e conectável em todas as suas dimensões, “desmontável, reversível,

suscetível de receber modificações constantemente. Ele pode ser rasgado, revertido,

adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser preparado por um indivíduo, um

grupo, uma formação social” (DELEUZE; GUATARI, 1996, p. 22).

Mas o que dizer sobre o desenvolvimento profissional e a profissionalidade

em um espaço fronteiriço? Fiorentini e Carvalho (2015) consideram que no Grupo

de Sábado – contexto deste estudo – não há os que ensinam e os que aprendem,

todos ensinam e todos aprendem, a partir de seus horizontes. Cada um de nós tem

seu próprio horizonte. Na Figura 1, o Grupo de Sábado está disposto entre a escola

e a universidade, porém não é regulado por nenhum dos dois contextos, uma vez

que tem suas próprias normativas.

22 Por “coisificação”, Wenger (2001) significa a forma concreta da experiência, como, por exemplo,

escrever um livro, criar um método, etc. (WENGER, 2001).

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Figura 7 - Grupo de Sábado, Entre dois mundos

Na comunidade fronteiriça (Grupo de Sábado) há, portanto, encontro de

culturas institucionais, sobretudo das culturas escolares e acadêmicas. Há, também,

o encontro de diferentes comunidades de prática, representados pelos participantes

de outros espaços que se encontram no espaço fronteiriço. Assim, ocorrem

encontros de experiências subjetivas por meio das histórias de vida, narradas por

cada um de seus participantes e constituídas em diferentes cenários de práticas.

Sztajn et al. (2014), com base em Wenger (2001), analisam o desenvolvimento

profissional como encontro de fronteira entre professores e formadores. Mediante

a análise do trabalho de campo realizado em encontros de formações de professores

dos anos iniciais, os pesquisadores concluíram que professores e formadores

retornam para suas comunidades de origem modificados pela experiência da

fronteira. Para eles,

[...] encontros de fronteira permitem que os membros da comunidade examinem e, potencialmente, mudem, as maneiras pelas quais eles experimentam e pertencem às suas comunidades. Mais importante, participantes envolvidos em comunidades diferentes, que estão envolvidos em encontros de fronteira, negociam e significam através da fronteira e dentro de suas comunidades originais (SZTAJN et. al., 2014, p. 204).

Neste estudo, também temos compreendido que não são apenas os

acadêmicos, incorporados pelas figuras dos formadores e pesquisadores, os únicos

que trazem contribuições do mundo da academia para os encontros de trabalho e

aprendizagem docente na/da comunidade fronteiriça. Nesse espaço, todos são

compreendidos como educadores matemáticos, uma vez que têm como objetivo

Comunidade

Escolar

Comunidade

Acadêmica

Comunidade

Fronteiriça

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comum o ensinaraprender matemática, na perspectiva do ensino e da pesquisa,

desenvolvem-se profissionalmente e projetam e constituem profissionalidades.

Em relação aos formadores, Nacarato; Grando; Mascia (2013, p. 38)

reafirmam a ideia de que não apenas os professores se desenvolvem

profissionalmente nas comunidades. Segundo as autoras, como formadoras, elas

aprenderam com sua participação em projetos com professores:

[...] ao dar voz aos professores e ouvi-los, tem possibilitado compreender os constrangimentos que surgem nos cotidianos escolares e a falta de autonomia existente nas escolas, diante dos documentos prescritivos e do controle do trabalho docente. Além disso, a convivência com professores e mestrandas tem possibilitado tanto conhecer a complexidade do cotidiano escolar, como também identificar as singularidades do grupo, a importância da alteridade para a aprendizagem docente e a interlocução com diferentes teorias.

Nessa pesquisa, considero as experiências de desenvolvimento profissional de

educadores matemáticos (professores, pesquisadores e formadores que têm como

campo profissional e científico o ensinaraprender matemática) que ocorrem pela

interconexão de diferentes práticas, mediante participação em contextos

intencionais, ou não, à aprendizagem docente. Para isso, tenho assumido,

juntamente com Fiorentini (2008, p. 4-5), tais experiências como um “processo

contínuo que tem início antes de ingressar na licenciatura, estende-se ao longo de

toda sua vida profissional e acontece nos múltiplos espaços e momentos da vida de

cada um, envolvendo aspectos pessoais, familiares, institucionais e socioculturais”.

Sabemos que o sentido de desenvolvimento profissional docente tem sido,

muitas vezes, reduzido à simples descrição ou proposição de atividades, cursos ou

estratégias de formação continuada. Ele também tem sido associado “a um aumento

de competências, a um acréscimo de conhecimento ou, na melhor das hipóteses, a

um somatório de conhecimentos em diversos domínios” (GUIMARÃES, 2004, p. 183).

Atualmente, reconhece-se a importância de relacionar a biografia do professor com

seu desenvolvimento, “abordando a evolução profissional diacronicamente” (p.

183), uma vez que já sabemos que

[...] as carreiras, esperanças, sonhos, propósitos e aspirações passam a ser, também vistos, não só como aspectos importantes para o

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empenho e entusiasmo do professor, mas igualmente considerados constitutivos do seu desenvolvimento. Reconhece-se a importância do percurso escolar do professor e das suas experiências passadas e a influência do seu percurso biográfico, nas crenças sobre o ensino e aprendizagem, na relação que estabelece com o saber e com a sua transmissão e, em geral, com a profissão (GUIMARÃES, 2004, p. 184).

Em uma perspectiva que valoriza as diferentes experiências vividas pelo

professor – no caso deste estudo, participantes de uma comunidade fronteiriça –,

projetamos que o desenvolvimento profissional envolve mais que uma mudança de

comportamento e de conhecimento. Conforme Guimarães (2004) e Fiorentini e

Crecci (2013), implica, sobretudo, transformações globais das pessoas ao longo do

tempo e mediante participação em diferentes comunidades.

Em relação ao conceito de experiência, Bondia-Larrosa (2002, p. 21)

compreende que a experiência autenticamente formativa é “o que nos passa, o que

nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que

toca”. Em determinado momento de sua explanação, o autor cita Heidegger (1987),

que relaciona experiência com transformação. Repassando a leitura de Heidegger,

Bondia-Larrosa (2002, p. 21) afirma que o sujeito da experiência é aquele que,

quando alcançado, é tombado, derrubado: “Não um sujeito que permanece sempre

em pé, ereto, erguido e seguro de si mesmo; não um sujeito que alcança aquilo que

se propõe ou que se apodera daquilo que quer; não um sujeito definido por seus

sucessos ou por seus poderes”.

Ao relacionar as histórias de vida com a formação de educadores matemáticos,

neste estudo vinculamos o desenvolvimento profissional às experiências de cada um

dos participantes. Em outras circunstâncias, Dewey (1997, p. 25) problematiza essa

relação, destacando que “entre todas as incertezas existe um quadro permanente

de referência: nomeadamente, a conexão orgânica entre a educação/formação e a

experiência pessoal”. Acerca da coletividade dessas experiências, Dewey (1997, p.

38) afirma que “toda experiência humana é essencialmente social: envolve contato

e comunicação”.

Clandinin e Connely (2011, p. 85, tradução nossa), ao tratarem da experiência

no contexto da Pesquisa Narrativa, como destacarei no próximo capítulo, têm John

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Dewey como principal referência, segundo os autores o educador “fornece um

esboço para pensarmos a experiência além da ‘caixa preta’, isto é, além da noção de

experiência sendo irredutível de forma que não se pode investigá-la”.

Com esse conceito de experiência, os autores criam a noção de

tridimensionalidade da pesquisa narrativa, em que são consideradas localidade,

sociabilidade e temporalidade na composição da narrativa. Considero essa

tridimensão presente em cada uma das narrativas dos participantes desta tese. Essa

compreensão de experiência inclui situações formais e informais de

desenvolvimento profissional. Day (2001, p. 18) afirma que o professor se

desenvolve a todo momento e que esse movimento inclui

[...] a aprendizagem iminentemente pessoal, sem qualquer tipo de orientação, a partir da experiência (através da qual a maioria dos professores aprendem a sobreviver, a desenvolver competências e a crescer profissionalmente nas salas de aula e nas escolas), as oportunidades informais de desenvolvimento profissional vividas na escola e as mais formais oportunidades de aprendizagem “acelerada”, disponíveis através de atividades de treino e de formação contínua, interna e externamente organizadas.

Neste estudo, também, estou interessada em compreender os diferentes

espaços nos quais emergem experiências de desenvolvimento profissional e de

constituição da profissionalidade; o modo como essas experiências reverberam em

outras comunidades; e quais são as especificidades da participação em uma

comunidade fronteiriça.

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Figura 8 - Santo Antonio Alburquerque (1994), Beatriz Milhazes

E nas margens do rio San Juan, o velho poeta me disse que não se deve dar a

menor importância aos fanáticos da objetividade.

– Não se preocupe – me disse.

– É assim que deve ser. Os que fazem da objetividade uma religião, mentem. Eles

não querem ser objetivos, mentira: querem ser objetos, para salvar-se da dor

humana.

Eduardo Galeano, Celebração da Subjetividade (1991)

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Capítulo 03 - Caminhos dessa Pesquisa Narrativa

Quando penso na palavra narrativa, uma polissemia de significados vem em

meus pensamentos lembro-me, sobretudo, de histórias escritas ou orais que podem

nos encantar apaixonar, amedrontar ou entristecer. Em todo caso, narrativas que

nos levam a algum modo de reflexão.

Cresci convivendo com diferentes religiosos, talvez, a narrativa da criação do

universo tenha sido uma das primeiras histórias com a qual tive contato. O curioso é

que recentemente, em um museu em Belo Horizonte, conheci narrativas parecidas

com a judaico-cristã. Em uma exposição sobre a origem da vida, estavam nessa

amostra explicações cientificas e culturais, assim conheci uma série de eventos e

personagens semelhantes as narrativas de Adão e Eva, emergidas em outros

contextos.

Já havia algum tempo que, praticamente, não me importava com a veracidade

da história judaico-cristã de criação do mundo. Em todo caso, deparar-me com

aquelas narrativas que poderiam ter sido fonte de inspiração para a história que

tanto ouvi quando criança, deixou-me, no mínimo, intrigada e curiosa.

Aliás, por alguma razão que não sei explicar, lembro-me bem de uma das

primeiras narrativas que escutei em contexto escolar. Não sei precisar qual seria

minha idade naquela época, mas lembro bem daquela manhã chuvosa, a professora

havida colocado os colchonetes para que pudéssemos descansar um pouco mais.

Consigo até hoje visualizar a dimensão daquele espaço, como era alto aquele teto

da sala de aula, muito diferente do conjunto de apartamentos populares no qual

havia passado meus dias até então! Com uma voz suave, aquela professora do jardim

da infância, descreveu o que acontecia no céu naquele dia, segundo ela Jesus lavava

os pés de Maria e, por essa razão, chovia tanto naquela manhã.

Essas reminiscências me fazem pensar sobre quão poderosas são as narrativas

em nossas vidas. Explicam, descrevem ou criam razões para nossa existência, nossos

sentimentos, acontecimentos que nos cercam ou fenômenos naturais. São histórias

contadas através de uma sucessão de fatos, que nos levam a refletir, relatar e

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representar, produzir sentido ao que somos, fazemos, pensamos, sentimos e

dizemos; e como isto vai mudando ao longo da prática e da vida.

O fato é que do momento em que acordamos passando, até mesmo, pelo

momento em que estamos dormindo, criamos e reproduzimos histórias, narrativas

expressas por diferentes linguagens (oral, escrita, visual, teatral etc.) que expõem

fatos interligados, com mais ou menos coerência, reais ou imaginados. A todo

instante, diferentes narrativas perpassam nossas vidas, através delas vamos nos

constituindo enquanto sujeitos sociais. Narrativas individuais e coletivas “dos povos,

das épocas, da própria história, com seus horizontes e ambientes” (BAKHTIN, 2011,

p. 395) fazem parte do nosso cotidiano.

O interesse dos pesquisadores nas narrativas, histórias que contamos,

enquanto textos de campo para estudos etnográficos, sociológicos ou

antropológicos, surgiu a partir do interesse nos movimentos sociais do século XX. A

"virada narrativa" surge, então, na contramão dos modelos positivistas de

investigação e das grandes narrativas teóricas (ex. Marxismo); o movimento de

valorização da literatura e da cultura popular; as discussões sobre identidade; os

movimentos de emancipação de negros, mulheres, gays e lésbicas, e outros grupos

marginalizados; e a crescente cultura terapêutica (RIESSMAN, 2008) influenciam a

ascensão desse tipo de investigação.

No Brasil, nas últimas décadas, influenciadas em sua maioria pelos estudos de

Ludke e André (1986), as pesquisas sobre formação docente têm sido realizadas

majoritariamente de modo qualitativo. A partir dos anos 2000, um modo vem

ganhando espaço entre as pesquisas qualitativas. Com a denominação de

investigação narrativa ou pesquisa narrativa, influenciadas pelos estudos de

Clandinin e Connelly (2000 e 2011) e, mais recentemente, por autores brasileiros

(por exemplo: MELLO, 2004; FREITAS, 2006; FREITAS e FIORENTINI, 2008;

NACARATO; PASSOS; SILVA, 2014), uma série de pesquisas passou a utilizar a

narrativa como modo de escrita dos textos de pesquisa e/ou de campo.

Nesta pesquisa, minha opção metodológica foi pela Pesquisa Narrativa. Desse

modo, a pesquisa de campo do presente trabalho atinge um período de nove anos,

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tempo de minha participação e investigação no GdS. Comunidade na qual considero

ter aprendido a desenvolver uma “escuta sensível” (FIORENTINI, 2012) em relação a

histórias de vidas de educadores matemáticos que se encontram para narrar práticas

de ensinaraprender matemática nas escolas.

Motivados pela minha pesquisa de doutorado e principalmente pelos estudos

precedentes realizados sobre essa metodologia de investigação (FREITAS;

FIORENTINI, 2008; FIORENTINI; MEGID, 2012; FIORENTINI, 2012, 2013), dentre

outros desenvolvidos no âmbito dos grupos de pesquisa PRAPEM e GDS, oferecemos

(professor Dario e eu), em julho de 2014, por ocasião do 19º COLE23, um minicurso

intitulado “A Análise Narrativa na Pesquisa sobre Aprendizagem e Desenvolvimento

Profissional Docente”.

Em meio ao preparo desse minicurso e tendo em vista minha pretensão de

escrever narrativas de desenvolvimento profissional em minha tese, tive contato

com diferentes autores, tais como Bruner (1991); Bondia-Larrosa (2002); Clandinin e

Connelly (2000), estudados previamente pelo professor Dario em sua interlocução

inicial com pesquisas portuguesas e, sobretudo, com seus próprios orientandos.

Enfatizando o uso das narrativas na área da educação, destaco a tentativa de Bruner

(1991) para compreender experiência de modo narrativo. Para o autor, há dois

modos distintos e complementares de organização da experiência e de construção

da realidade: o narrativo e o lógico-científico.

Tomando por base a síntese realizada por Fiorentini (2012), o modo narrativo,

para Bruner (1991), nos ajuda a produzir uma versão da realidade, e sua aceitação

depende mais da convenção, da verossimilhança, da necessidade e dos sentidos que

atribuímos a ela do que de sua verificação empírica ou de seus argumentos lógicos.

O modo lógico-científico, por sua vez, apoia-se em argumentos lógicos e funciona

como uma tentativa de atingir um sistema formal de descrição e explicação, que

lança mão de procedimentos, de conceptualização e das operações pelas quais as

23 19º Congresso de Leitura do Brasil, com o tema: “Leituras sem margens”, aconteceu na UNICAMP, no período de 22 a 25 de julho de 2014. Esse congresso é internacionalmente conhecido por reunir profissionais da universidade e da escola para discutir aspectos do ensino e aprendizagem.

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categorias são estabelecidas e relacionadas umas às outras, para formar um sistema

logicamente não contraditório.

Trouxemos, também, os autores internacionais mais conhecidos entre nós

em relação à pesquisa narrativa. Na década de 90, os canadenses Clandinin e

Connelly começam a se destacar com teorizações sobre Inquiry Narrative, expressão

traduzida para o português como Pesquisa Narrativa, no livro publicado em 2011, a

partir do projeto da professora Dilma Maria de Mello, da Universidade Federal de

Uberlândia.

Essa experiência de estudo e de realização do minicurso, que foi bem aceito

pelos participantes, motivou-me a realizar um período de estágio em um centro de

pesquisa no qual teria contato com especialistas em pesquisa narrativa. Foi, então,

que, entre outubro de 2014 e fevereiro de 2015, tive a oportunidade de realizar

estágio de pesquisa na Universidade de Alberta, Canadá. Nesse período, contei com

a supervisão das professoras Jean Clandinin e Janice Huber, vinculadas ao Centre for

Research for Teacher Education and Development (CRTED).

As interlocuções com o grupo de pesquisa canadense e as contínuas

interlocuções com meu orientador causaram mudanças significativas neste projeto.

Ao compartilhar e discutir partes deste estudo com o grupo de pesquisa canadense,

dei-me conta de que pouco olhava para a minha própria história de aprendizagem

dentro do Grupo de Sábado e também pouco focava as aprendizagens dos

formadores e dos pesquisadores. Essa interlocução ajudou a reconfigurar o objeto

de estudo desta pesquisa que passou a ser: “o desenvolvimento profissional e a

constituição da profissionalidade de educadores matemáticos que participam de

uma comunidade fronteiriça”.

Na primeira parte deste capítulo, para situar esta pesquisa, teço breves

reflexões sobre a utilização das narrativas nos estudos realizados nos contextos do

grupo Prapem. Em seguida, em diálogo com estudos sobre pesquisa narrativa, narro

a constituição do foco, da problemática, do objetivo e da questão investigativa desta

tese.

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Um breve panorama das pesquisas narrativas desenvolvidas no

PRAPEM

Realizo este estudo em um programa de pós-graduação que incentiva a

participação em grupos de pesquisa. Portanto, ao falar de sua metodologia, é preciso

destacar a experiência acumulada do grupo Prapem. Esta pesquisa e a utilização

desta metodologia possuem uma história própria. Há mais de dez anos,

pesquisadores vinculados ao grupo desenvolvem estudos utilizando as metodologias

de análises narrativas e/ou pesquisas narrativas. Dentre as pesquisas, destacarei

aquelas concluídas por Castro (2002), Jaramillo-Quiceño (2003), Castro (2004),

Freitas (2006), Megid (2009), Fiorentini (2013a), Cristovão (2015) e Gonçalves

(2015). Tais estudos tomaram como referência autores como Bondia-Larrosa,

Brunner e Galvão, Clandinin e Connelly, Josso, Ricouer, Riessman.

Ao realizar a leitura dessas pesquisas, observo diferentes modos de escritas

narrativas desenvolvidas no contexto do Prapem. Penso que podemos compreendê-

las as pesquisas em, ao menos, três modos de uso das narrativas: 1) narrativas de

sujeitos como textos de campo; 2) análises narrativas com base em dossiês

constituídos dos sujeitos da pesquisa; 3) relatórios (teses e dissertações) escritos de

modo narrativo.

Dentre os estudos que utilizam as narrativas dos sujeitos como textos de

campo, podemos considerar aqueles que solicitam aos sujeitos que escrevam suas

narrativas para serem utilizadas como material de análise. Megid (2009) tomou

como corpus de análise de sua tese as narrativas de estudantes do curso de

pedagogia. Tendo como contexto a formação inicial da professora que ensina

matemática nos anos iniciais, sua tese teve por objetivo principal investigar o modo

como as estudantes do curso de pedagogia aprendem e ressignificam o sistema de

numeração decimal e das quatro operações aritméticas básicas. Para fundamentar a

utilização das narrativas na formação, a pesquisadora tomou por base os aportes

teóricos de Josso, Freitas e Suárez. Embora tenha escrito um memorial inicial e tenha

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desenvolvido uma pesquisa da própria prática, Megid (2009) não produziu um

relatório final em forma de narrativa.

Entre as pesquisas que desenvolveram análises narrativas baseadas em

dossiês constituídos dos sujeitos da pesquisa, podemos relacionar a pesquisa de

Fiorentini (2013a) que, utilizando a conceituação de análise narrativa de Riessman,

narrou a história de aprendizagem e desenvolvimento profissional da professora

Eliane mediante sua participação em comunidades de aprendizagem docente. Para

isso, o pesquisador analisou transcrições de encontros dessas comunidades,

materiais escritos pela professora e entrevistas realizadas ao longo do tempo. Esse

também parece ter sido o caso de Castro (2002) que, através de entrevistados e de

observações etnográficas em atividades na universidade e na escola, compôs

análises narrativas de dois estudantes do curso de licenciatura. A pesquisadora teve

por objetivo compreender como o futuro professor se constitui na prática, no

contexto da disciplina Prática de Ensino de Matemática e Estágio Supervisionado.

Nessa mesma perspectiva, podemos relacionar o trabalho de Freitas (2006),

investigou como estudantes do curso de licenciatura em matemática, futuros

professores, participam e respondem à experiência de uma disciplina que privilegia

o registro escrito de seus pensamentos e ideias. De posse de um extenso trabalho

de campo constituído por autobiografias, atividades desenvolvidas na disciplina

(cartas, bilhetes, relatórios, projetos), entrevistas semiestruturadas, questionários e

textos de mensagens eletrônicas, Freitas compôs narrativas dos futuros professores

que participaram da pesquisa.

Para fundamentar a metodologia de sua tese, Freitas chamou os estudos de

Clandinin e Connelly (2000). Desse modo, todo o relatório é realizado de modo

narrativo, o que inclui o estudo de Freitas (2006) no conjunto de trabalhos que

desenvolvem relatórios inteiros escritos de modo narrativo. Esse também foi o caso

dos trabalhos de Jaramillo Quiceño (2003), Castro (2004), Gonçalves (2015) e

Cristovão (2015).

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Dentre os trabalhos completos (teses e dissertações) escritos de modo

narrativo, observo uma diferenciação quanto ao trabalho de campo: há aqueles que

constituem o que chamarei de cenários de experiência para construir suas pesquisas,

como Freitas (2006) e Jaramillo Quiceño (2003), pois, embora o objeto de estudo se

relacione com as narrativas iniciais de cada uma das pesquisadoras, elas utilizaram

fontes de informações em contextos que não eram da própria prática formativa.

Jaramillo Quiceño (2003), por exemplo, teve por objetivo principal identificar os

elementos constitutivos do ideário pedagógico do professor de Matemática – ao

longo de sua vida – sobre a matemática, seu ensino e sua aprendizagem, e sobre o

trabalho docente em geral. A pesquisadora também utiliza o referencial de Clandinin

e Connelly (1996). O contexto de sua pesquisa foram as disciplinas de Prática de

Ensino e Estágio de Matemática da FE/Unicamp. E Freitas (2006) realizou seu estudo

em uma disciplina da área de matemática do curso de licenciatura.

Os trabalhos de Castro (2004), Gonçalves (2015) e Cristovão (2015)

diferenciaram-se por terem sido realizados em contextos que chamarei de

experiência como cenário. Na tese de Gonçalves (2015), em um contexto de estágio

supervisionado pelo professor da escola em um colégio de aplicação, o pesquisador

teve por objetivo investigar a formação do professor durante o estágio e o papel do

formador (supervisor) da escola. No contexto do estudo realizado, o autor foi, ao

mesmo tempo, o professor supervisor e o pesquisador, que realizou uma pesquisa

narrativa com base em Paul Ricoeur.

Juliana Castro (2004), tendo como foco sua própria experiência como

professora de matemática, realizou um estudo narrativo de sua prática, com o

objetivo de analisar o papel desempenhado, pelas experiências pedagógicas com

investigações matemáticas em sala de aula, em seu processo de constituição

profissional como professora de matemática. Tomando por base a perspectiva de

narrativa de Josso, o relatório final de pesquisa é escrito de modo narrativo.

Cristovão (2015) recentemente investigou a aprendizagem situada de

professoras de matemática que participaram de uma comunidade fronteiriça

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permeada por uma prática social de letramento docente. Nesse caso, a pesquisadora

já participava do grupo, antes mesmo de iniciar sua pesquisa.

Ao considerar minha participação no GdS, pondero que esta pesquisa toma

as experiências de interlocução que constituí nessa comunidade fronteiriça, em

especial, em relação a três participantes como cenário investigativo. Apesar de o

trabalho de campo de ter sido realizado para o desenvolvimento da pesquisa, não

precisei criar um contexto para seu desenvolvimento, não precisei criar um grupo de

estudo, ou algo parecido. Mello (2004, p. 89) aponta que “uma pesquisa narrativa

pode ser desenvolvida pelo contar de histórias ou da vivência de histórias”.

Entretanto, mesmo sendo participante de grupos que valorizam e desenvolvem esse

modo de pesquisa, não foi simples assumir um lugar neste estudo e contar esta

história. A seguir, narro de que modo cheguei à pesquisa narrativa.

Experiência e o Processo de Pesquisar Narrativamente

Nós colaboramos para construir o mundo em que nos encontramos.

Não somos meros pesquisadores objetivos, pessoas na estrada

principal que estudam um mundo reduzido em qualidade do que

nosso temperamento moral o conceberia, pessoas que estudam um

mundo que nós não ajudamos a criar. Pelo contrário, somos cúmplices

do mundo que estudamos. Para estar nesse mundo, precisamos nos

refazer, assim como oferecer à pesquisa compreensões que podem

levar a um mundo melhor. (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 97)

Em junho de 2015, participei de uma semana de trabalho intenso, na

Universidade de Alberta, em um evento intitulado Academic Homeplace,

direcionado a pesquisadores que já passaram pelo Centre for Research for Teacher

Education and Development. Em meio à viagem de retorno ao Brasil, tive a

oportunidade de conversar com a professora Dilma24.

24 Como já citei, Profa. Dra. Dilma Maria de Mello, professora da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), especialista em pesquisa narrativa, responsável e organizadora da tradução do livro Pesquisa Narrativa – experiência e história em pesquisa narrativa (2011), de Jean Clandinin e Michael Connelly.

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A pesquisadora, didaticamente, explicou-me que, de modo geral, caso um

pesquisador tivesse o carnaval como objeto de estudo25, em uma perspectiva

etnográfica tradicional brincaria por um certo período junto com os foliões,

entretanto, ficaria na arquibancada na maior parte do tempo e escolheria um

aspecto do carnaval para analisar. Nesse sentido, o etnógrafo até “pode sambar um

pouco na avenida, mas prefere ficar na arquibancada observando os outros foliões

no desfile” (Dilma). Já o pesquisador de uma orientação fenomenológica, “sambaria

o tempo suficiente para obter algumas narrativas, as quais serão por ele analisadas

e, em seguida, separadas da experiência de origem” (Dilma).

Por outro lado, “o pesquisador narrativo passa o tempo todo com os foliões,

tornando-se um folião e vive o desfile intensamente. Depois escreve suas narrativas

(de forma relacional com os participantes) e compõe sentidos sobre a experiência

vivida” (Dilma). Para este pesquisador, não bastaria observar “o grupo por um certo

período para entender como a vida das é pessoas é delineada” O mais importante

seria “ouvir as histórias das pessoas, [...], a partir da perspectiva do participante”

(MELLO, 2004, p. 93). Na pesquisa narrativa, “as pessoas são vistas como a

corporificação de histórias vividas” (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 77).

Nesse sentido, caso consideremos uma pesquisa sobre o modo como os pais

delineiam a vida dos filhos, na perspectiva da pesquisa narrativa, “filmar algumas

situações das famílias dos participantes não é suficiente, já que os pais e o

pesquisador podem ter interpretações diferentes das experiências vividas” (MELLO,

2004, p. 93). Desse modo, “a forma como os membros de uma família interagem não

é mais importante do que a forma como as pessoas sentem as interações, porque,

de acordo com a perspectiva de pesquisa narrativa, os significados que alguém

constrói ou compõe é interno (de dentro) e externo (para fora) e é por isso que

precisamos ouvir as histórias das pessoas” (p.93).

Na mesma conversa, Dilma explicou-me que, diferentemente do que ocorre

na pesquisa narrativa e na pesquisa etnográfica, o fenomenólogo descreveria o

25 Dilma ressaltou que Clandinin e Connelly utilizam a metáfora da Parada, como no Brasil associamos esta expressão ao período da Ditadura Militar, ela optou utilizar a metáfora do Carnaval.

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carnaval como fenômeno dependente de sua interpretação ou dos participantes.

Nesse sentido, “o pesquisador pode ter o fenômeno emergindo com seu próprio

significado, completamente desligado dos primeiros pensamentos do pesquisador,

apesar das ideias dos participantes a respeito do mesmo”. O fenômeno, nesse caso,

não seria “individual/pessoal ou socialmente construído” (ibidem), e, sim, “algo

inserido na vida existencial” (MELLO, 2004, p. 93).

Em relação à posição do pesquisador narrativo, Dilma destacou que ele

poderia se comportar com um folião em relação a seu objeto de estudo – no caso, o

próprio carnaval. Em suas palavras, o pesquisador narrativo brincaria o carnaval,

como um membro insider daquela comunidade. Ora, se ainda restasse algum tipo de

insegurança em assumir essa metodologia, não havia mais dúvidas de que esse seria

o caminho mais “natural” desse estudo. Com essa narrativa, com essa história, voltei

mais segura para o Brasil, convicta de que estava no caminho certo para contar a

minha história. Já havia, inclusive, realizado o estágio no CRTDE, feito uma série de

leituras, mas ainda restavam algumas dúvidas. Ainda faltava a confirmação, a

validação.

Assumir-me como parte dessa experiência não foi simples. Afinal, como de

costume e quase sem estranhamento, tudo tem sido muito rápido em minha

trajetória. A graduação em Pedagogia, as disciplinas que me encantavam, as

disciplinas que me desencantavam, as iniciações científicas, um mundo de

possibilidades se abrindo no contexto acadêmico, na Unicamp. A passagem pelo

sistema privado de ensino na educação infantil. O encantamento, inicialmente quase

ingênuo por um grupo colaborativo de professores que ensinam matemática,

seguido por uma visão crítica da educação e pelo desejo de compreensão

epistemológica daquele campo. A passagem pela rede estadual paulista como

professora, sucedida pelo ingresso no mestrado e a consequente passagem para o

programa de doutorado. Um tanto de viagens locais e internacionais financiadas por

projetos de pesquisa. Dois estágios no exterior. Uma série de coisas publicadas e

participações em relatórios, projetos, eventos etc.

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Pela rapidez de todas essas experiências, estava muito relutante em escrever

este texto na primeira pessoa do singular de modo narrativo. Era como se os olhares

desconfiados sobre a minha experiência me definissem. Não reconhecia a razão para

colocar-me como um “eu” que tem uma história para contar. Era como se, para ter

sentido, a narrativa precisasse vir diretamente do professor experiente, sem

intermediários.

Aceitar que a vida acadêmica também poderia constituir uma experiência a

ser narrada não foi imediato. As interlocuções com o grupo PRAPEM e as indicações

da banca de pré-qualificação e de qualificação puseram-me a questionar: o que,

afinal, significava a experiência que havia constituído na trajetória desta pesquisa?

Foi então que passei a estudar o sentido de experiência.

De acordo com Clandinin e Rosiek (2006), há muitos sentidos filosóficos

diferentes na palavra “experiência”, passando pela metafísica dualista de

Aristóteles, na qual conhecimentos particulares e universais foram considerados

separadamente; pelas concepções empiristas e atomistas de experiência; pelas

concepções marxistas de experiência distorcida pela ideologia; pelas noções

behavioristas de estímulo e resposta; e, por fim, chegando às noções pós-

estruturalistas que indicam que nossa experiência é produto de práticas discursivas.

Em todo caso, se “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que

nos toca (BONDIA-LARROSA, 2002, p. 21)” e tendo em vista que “viver significa

participar do diálogo: interrogar, ouvir, responder, concordar, etc.” e que “nesse

diálogo o homem participa inteiro e com toda a vida com os olhos, os lábios, as mãos,

a alma, o espírito, todo o corpo, os atos” (BAKHTIN, 2011, p. 348), considero que

escutar e contar histórias de desenvolvimento profissional de educadores

matemáticos é uma vivência que merece ser relatada por um “eu”.

Esse significado dado à experiência veio ao encontro dos estudos de Clandinin

e Connelly (2011, p. 27), tomando por base os estudos de Dewey:

[...] experiências são as histórias que as pessoas vivem. As pessoas vivem histórias e no contar dessas histórias se reafirmam. Modificam-se e criam novas histórias. As histórias vividas e contadas educam a

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nós mesmos e aos outros, incluindo os jovens e os recém-pesquisadores em suas comunidades

Essas compreensões de experiência me fizeram entender minha participação

em uma comunidade fronteiriça e a relação com os participantes desta pesquisa de

modo narrativo. Após três anos, percebi que seria inútil tentar escrever esta tese a

partir de minha experiência. Do mais, é no próprio desenvolvimento pessoal e

profissional que é favorecido nesse processo de investigar a experiência (RODRIGUES

e PRADO, 2015). Desse modo, apesar de não ser propriamente uma pesquisa sobre

minha própria prática, compreender um cenário que me era familiar fazia cada vez

mais sentido.

Construção do Objetivo e da Questão Investigativa

Até o momento da qualificação, meu objetivo era compreender o

desenvolvimento profissional e a profissionalidade docente em comunidades

investigativas de professores que ensinam matemática. Como parte do trabalho de

campo, inicialmente, por meio de anais de congresso, realizei um mapeamento de

oito diferentes grupos colaborativos que congregavam professores da escola,

formadores da universidade. Em seguida, via e-mail, foram distribuídos

questionários para os professores de matemática que participavam desses grupos.

Vinte e oito questionários foram respondidos pelos professores, e 15 deles eram de

professores vinculados ao Grupo de Sábado.

Em parceria com o professor Dario, realizei uma análise das respostas dos

professores. Com os dados dessa fase da pesquisa, identificamos e categorizamos

pelo menos três diferentes práticas consideradas pelos professores como

promotoras de aprendizagem e de transformação da prática pedagógica nas escolas:

(1) práticas de escrita e compartilhamento de narrativas sobre a própria prática, (2)

práticas de reflexão e compartilhamento de experiências de sala de aula e (3)

práticas de análise e de investigação da prática pedagógica. A partir das percepções

e considerações dos professores participantes, descrevemos e analisamos os modos

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de participar e aprender no grupo e suas contribuições para o desenvolvimento

profissional dos professores (CRECCI; FIORENTINI, 2013).

Depois de identificar os professores que destacaram práticas de análise e de

investigação da prática pedagógica, selecionei quatro professores para a condução

de entrevistas semiestruturadas. Após a realização dessas entrevistas, em uma

perspectiva diacrônica, comecei a compor narrativas de histórias de

desenvolvimento profissional de cada educador matemático, mediante participação

em sua respectiva comunidade investigativa.

Na qualificação, com a passagem para o doutorado, a história desta pesquisa

começaria a mudar. Haveria mais tempo para aprofundar meus estudos.

Paralelamente a esse desejo e à necessidade de mudanças do projeto em

desenvolvimento, iniciava meus estudos sobre pesquisa narrativa. Foi então que me

dei conta de que, por um lado, eu poderia manter a metodologia qualitativa

delineada inicialmente, com base em questionários abertos e entrevistas

semiestruturadas, deixando minha participação e as percepções como subtextos.

Por outro lado, lembrava-me da fala da professora Laurizete: “Sua experiência

persegue seu objeto”. Compreendi que, se olhasse para minha própria experiência

dentro de uma dessas comunidades, no caso o Grupo de Sábado, poderia conhecer

mais e melhor o objeto em questão, obtendo inclusive mais dados para a pesquisa.

A opção por aprofundar o olhar a partir de minha experiência no Grupo de Sábado

parecia a mais adequada, tendo em vista que, ao longo de nove anos de participação,

compus um extenso diário de campo e pude organizar um acervo com diversos

dados de pesquisa.

Em um de nossos encontros de orientação no Centre for Research for Teacher

Education and Development (CRTED), no momento em que apresentei para Janice

partes deste trabalho, essa questão ficou ainda mais evidente. Fui questionada por

Janice se somente os professores se desenvolviam naquela comunidade fronteiriça.

Entre outras coisas, ela destacou que gostaria de saber como eu via meu próprio

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desenvolvimento profissional e como refletia sobre as outras comunidades que

perpassam essa comunidade.

Figura 9 - Reunião no CRTDE

Após a leitura de um texto do professor Dario (FIORENTINI, 2013a), Janice

confessou também que gostaria de saber as razões que o levaram a constituir aquela

comunidade. Mediante esse questionamento, dei-me conta de que pouco sabia

sobre as percepções do professor Dario sobre aquela comunidade, mesmo após

tantos anos de convivência. Conhecia sua produção sobre o grupo, mas pouco sabia

de suas razões pessoais, embora não ache possível separar razões pessoais das

razões acadêmicas.

Em todo caso, ao ser questionada por Janice sobre as razões de o professor

Dario organizar aquela comunidade, uma série de artigos, cenas de palestras, alguns

tantos capítulos de livro, prefácios ou outras produções acadêmicas vieram à minha

mente. Dei-me conta de que nunca havíamos conversado sobre suas razões. Depois

de muitos diálogos com o professor Dario, de ter feito revisão da literatura sobre

narrativa e após as recentes interações com Janice Huber e Jean Clandinin,

finalmente compreendi que poderia colocar-me nessa história, pois a "experiência

acontece narrativamente. A pesquisa narrativa é uma forma de experiência

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narrativa" (CLANDININ; CONNELLY, 2000, p. 19, tradução nossa). Afinal, “a

generalização, a objetividade e a distância entre investigador e investigado, tão

privilegiadas nas pesquisas positivistas não fazem sentido na investigação narrativa”

(RODRIGUES; PRADO, 2015, p. 93).

Todas essas questões viriam ao encontro da compreensão do Grupo de

Sábado, como uma comunidade fronteiriça entre a escola e a universidade. Desse

modo, compreendi, então, que o objeto de estudo desta tese também poderia ser

reconfigurado. Por um lado, atenderia uma reivindicação da banca para que eu me

posicionasse mais no estudo. Por outro lado, tendo em vista a conceituação de

comunidade fronteiriça, recentemente desenvolvida pelo professor Dario

(FIORENTINI, 2013a), parecia fazer sentido ampliar a noção do sujeito que se

constitui mediante participação em comunidades com aquelas características.

Desse modo, o objetivo principal de estudo desta tese se configurou assim:

“Compreender as experiências de desenvolvimento profissional e de constituição

da profissionalidade de educadores matemáticos que participam de uma

comunidade fronteiriça”. Para alcançar este objetivo, formulei duas questões

investigativas:

1) De que modo educadores matemáticos, participantes do GdS,

desenvolvem-se profissionalmente e constituem sua profissionalidade?

2) Como as experiências de desenvolvimento profissional e de constituição

da profissionalidade dos educadores matemáticos, participantes nesta

comunidade fronteiriça, cruzam e contrastam com experiências em

outras comunidades e espaços?

Por “educador matemático”, passei a utilizar a noção de Fiorentini e

Lorenzato (2006), para quem o educador matemático é aquele que concebe a

Matemática como um meio: ele educa por meio da matemática. Seu objetivo é a

formação do cidadão e, devido a isso, questiona qual matemática deve ser ensinada

a estudantes, professores e futuros professores. Para os autores, as atividades do

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educador matemático se desenvolvem nas escolas de ensino fundamental e médio,

nas Secretarias de Educação e nos centros de formação de professores. Em síntese,

em se tratando do campo profissional, é o educador matemático um profissional

responsável pela formação educacional e social de crianças, jovens e adultos, dos

professores de matemática (de nível fundamental e médio) e também pela formação

dos formadores de professores. Em se tratando do campo científico, suas pesquisas

são realizadas, essencialmente, com fundamentação teórica e métodos das Ciências

Sociais e Humanas26.

Pela própria conceituação dos autores, é possível pensar em um profissional

que está em um espaço fronteiriço, onde se cruzam o ensino básico, a formação de

professores e a pesquisa. Em face disso, pareceu-me adequado tomar essa

concepção como a noção de participante do Grupo de Sábado.

Escolha dos participantes da pesquisa

Assim como em outros métodos qualitativos, também precisamos justificar

nossas escolhas na pesquisa narrativa. Em relação à escolha dos participantes,

esclareço que, para compreender as experiências de desenvolvimento profissional e

de constituição da profissionalidade de educadores matemáticos que se encontram

em uma comunidade fronteiriça, busquei selecionar, para a presente pesquisa, três

participantes que estariam em “mundos” diferentes da relação entre universidade e

escola: o professor Roberto, por estar atuando apenas na escola básica e ser o

membro mais antigo nessa condição; a professora Eliane, por atuar na escola básica

e no Ensino Superior; e o professor Dario, por ser o membro mais antigo do grupo a

atuar exclusivamente na universidade.

No capítulo 04, é descrito cada um desses participantes, bem como suas

narrativas de experiências de desenvolvimento profissional. No capítulo 05, essas

26 Verbete publicado em: http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/modules/mydownloads_01/singlefile.php?cid=46&lid=2820. Acesso em: 10 mar. 2015.

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narrativas serão analisadas através dos seguintes eixos transversais: 1) mapeamento

dos espaços de experiências de desenvolvimento profissional; 2) compreensões

sobre as experiências de desenvolvimento profissional em uma comunidade

fronteiriça; e 3) reverberações da participação em uma comunidade fronteiriça.

Composição e Análise dos Textos de Campo e de Pesquisa

Eu sou uma dessas pessoas que refletem de modo mais pleno sobre a experiência diante de uma folha de papel ou um teclado. Acho que eu aprendo mais escrevendo do que em qualquer outra atividade, porque o processo de escrever me obriga a recriar a experiência, aprender a partir do que eu já sei.... Aprender a aprender com a experiência, muitas vezes, repensando eventos e encontros anteriores. (BATESON, 2000, p. 229)

A opção pela pesquisa narrativa veio ao encontro de meu desejo de tecer um

modo “humano e sensível de olhar e narrar a vida de homens e mulheres em suas

práticas cotidianas, e de compreendê-los em suas singularidades e em seu contínuo

devir” (FIORENTINI, 2012, p. 12). Para isso, seria necessário optar por caminhos

metodológicos que valorizassem os sentidos que os educadores matemáticos

apreendem em relação à participação no Grupo de Sábado. Encontramos na

narrativa a potencialidade “enquanto procedimento teórico-metodológico, que

favorece a explicitação do vivido como também possibilita a teorização do vivido,

transformando-o em conhecimento acadêmico” (RODRIGUES; PRADO, 2015, p. 101).

Freitas (2007), embora não trate da pesquisa narrativa, também me ajuda a

explicar a opção por esse tipo de pesquisa:

Refletindo sobre a realidade do homem e do mundo contemporâneo, nesse momento de barbárie criada pelas relações postas pela sociedade capitalista, numa globalização que mais fragmenta que une, e buscando alternativas viáveis de restaurar no homem sua humanidade, procuro para as ciências humanas referenciais que não tenham deles expulsado o sujeito, mas que, centrando-se no sujeito, o vejam inserido no mundo e na história. Portanto, abordagens que focalizem a realidade humana em uma perspectiva de totalidade e nela se impliquem buscando formas alternativas de superação. (FREITAS, 2007, p. 06)

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Foi a partir da perspectiva epistemológica e ontológica de Dewey que

Clandinin e Connelly (2000) criaram o conceito de pesquisa narrativa. Para Dewey,

“toda experiência é constituída através de interação entre sujeito e objeto, entre um

ego e seu mundo, não sendo algo meramente físico, nem meramente mental, e sem

importar o quanto um fator predomina sobre o outro” (apud CLANDININ; ROSIEK, p.

2006, p. 39, tradução nossa).

No contexto do grupo PRAPEM, usualmente, temo-nos orientado pela

perspectiva sociocultural. Segundo essa concepção, que tem sido usada em diversos

campos, como educação, psicologia e sociologia, o sujeito é compreendido em seu

meio social. Nesse sentido, “os aspectos descritivos e as percepções pessoais, devem

focalizar o particular como instância da totalidade social, procurando compreender

os sujeitos envolvidos e, por seu intermédio, compreender também o contexto”

(FREITAS, 2002, p. 26). Tal perspectiva, adotada pelo grupo, tem o materialismo

histórico-dialético como pano de fundo. Sobre o “olhar” para educação desse modo,

Fiorentini e Lorenzato (2006, p. 66-67) sintetizam:

[...] a educação, em particular, é vista como uma prática inserida no contexto das formações sociais que resulta de condicionamentos sociais, políticos e econômicos, reproduzindo, de um lado, as contradições sociais, mas, de outro dinamizando e viabilizando as transformações ao garantir aos futuros cidadãos o efetivo acesso ao saber.

Com base nos estudos sobre comunidades de aprendizagem docente, temos

sustentado que o conhecimento em prática é produzido pela participação legítima

em comunidades (FIORENTINI, 2013a). Nesse sentido, temos optado por trabalhar

de modo narrativo. E, na perspectiva da pesquisa narrativa, em uma perspectiva

sociocultural, temos refletido sobre as experiências vividas. Dessa maneira, a

pesquisa narrativa nos auxilia a narrar e também a aprimorar a concepção do objeto

de pesquisa, uma vez que o “foco da pesquisa narrativa, não é só a valorização das

experiências individuais, mas também a exploração de narrativas sociais, culturais e

institucionais, dentro das quais os indivíduos constituem experiências” (CLANDININ;

ROSIEK, 2006, p. 42, tradução nossa).

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Por essa razão, o contexto é valorizado nesse tipo de pesquisa. Assim, temos

compreendido os participantes como sujeitos que falam a partir de determinados

espaços, períodos e lugares. Nossos participantes têm histórias, vivem em sociedade

e têm seus próprios horizontes. Eu acredito que, embora diferentes em suas matrizes

epistemológicas, a perspectiva sociocultural e a pesquisa narrativa podem se

aproximar. Mesmo em contextos marcados pelas diferenças, sempre é possível

construir diálogos.

Textos de campo

Na perspectiva da pesquisa narrativa, textos de campo podem ter variadas

fontes de dados para que possamos “falar sobre o que é considerado dados de

pesquisa” (CLANDININ; CONELLY, 2011, p. 143). Para Clandinin e Connelly (2011), os

dados das pesquisas narrativas podem ser notas de campo da experiência, registros

em diário, transcrições de entrevistas, observações, relato de histórias, cartas,

autobiografias e documentos, como planos de aula e boletins informativos,

anotações pessoais etc.

Muitas vezes, não nos damos conta de que o processo de produção desses

dados é também interpretativo e envolve análise do pesquisador. No contexto do

PRAPEM, a professora Dione há muito vem chamando atenção para isso. Clandinin

e Conelly (2011, p. 134) destacam que:

[...] considerando que os textos são nossa forma de falar sobre o que é considerado como dados na pesquisa narrativa e tendo em vista que os dados tendem a carregar uma ideia de representação objetiva de uma experiência de pesquisa, é importante notar quão imbuídos de interpretação são os textos de campo.

Nesta pesquisa, os textos de campo compreendem um diário de campo com

notas das reuniões do GdS; memórias27 das reuniões do GdS, escritas de 1999 a 2015;

materiais publicados sobre a própria comunidade e por ela; transcrição de encontros

27 São textos escritos sobre os acontecimentos dos encontros. Como têm um tom mais narrativo, habitualmente, passamos a chamar as atas de “memórias”.

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do grupo entre os anos de 2007 e 2015; transcrição de seis entrevistas

semiestruturadas com os participantes da pesquisa; e documentos gentilmente

cedidos pelos próprios participantes da pesquisa (anotações pessoais, relatórios e

publicações).

Textos de pesquisa

Um dos desafios que vivemos, quando nos aventuramos pelos caminhos da

pesquisa narrativa, é transformar os textos de campo em material ou textos de

pesquisa. Isso implica tratar esses textos (material de pesquisa) de modo narrativo,

isto é, interpretá-los e analisá-los narrativamente.

Clandinin e Connelly (2011) afirmam que, durante a composição do texto de

pesquisa, é comum que as justificativas, a compreensão do fenômeno, o método, a

interpretação, a análise, as confrontações teóricas e a própria opção pelo tipo de

texto de pesquisa que o pesquisador deseja compor, passem a ocupar atenção

especial do pesquisador narrativo. Isso exige dele cuidado ético, dando início a outro

processo, também complexo, de negociar a saída do campo. Quando compomos

textos de pesquisa, criamos “muitas vezes, cenários próprios de significação e

compreensão nos quais os professores são protagonistas principais” (FIORENTINI,

2012, p. 15).

Em outro aspecto, Bakhtin tem me auxiliado a compreender os limites que

rondam nosso ato de pesquisa. Segundo esse autor, o objeto das ciências humanas

não pode ser coisificado. Nesse sentido, é o ser expressivo e falante que se

autorrevela e não pode ser tolhido ou forçado (BAKHTIN, 2011). Daí a consciência do

limite do acabamento estético que, como pesquisadores, tecemos. Quando

textualizamos narrativas – no meu caso, de educadores matemáticos que participam

de uma comunidade fronteiriça –, obviamente, ficamos no limite do texto. O

movimento da narrativa não deixa de ser um modo de tentar amenizar nossas

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limitações. É na narrativa que tempo, espaço e interação social se misturam na

trama.

Dentro do processo de compor os textos de pesquisa, em se tratando do

relatório final de pesquisa, a composição desta tese ocorreu de maneira que eu

pudesse introduzir os capítulos para situar o leitor em relação ao sentido de cada um

deles no contexto geral. Esse modo de organizar o relatório de pesquisa auxiliou-me

a estruturar a composição desta tese e a apresentar ao leitor as razões da criação de

cada um dos capítulos. Quanto ao mais, ao longo dos anos, tenho percebido que,

para desenvolver o quer que seja, preciso compreender os sentidos subjacentes ao

processo de criação.

Para compor as narrativas as experiências de desenvolvimento profissional,

fui inspirada pelo movimento do documentário de histórias de vidas (cenas

introdutórias + entrevista com o participante + passagens de sua história de vida +

cenas do personagem + passagens de sua obra + comentários sobre sua obra).

No início de cada uma dessas narrativas, são explicados minha relação com o

participante e o modo como elas foram produzidas. Em síntese, além dos textos de

campo já relacionados na sessão anterior, foram realizadas duas entrevistas com

cada um dos sujeitos. Por fim, as narrativas foram enviadas para que eles pudessem

corrigir eventuais equívocos ou, até mesmo, incluir ou suprimir informações, se

assim o desejassem.

No quinto capítulo, seguinte ao das narrativas, , elas são analisadas com base

nos três eixos transversais, que aqui rememoro: 1) mapeamento dos espaços de

experiências de desenvolvimento profissional; 2) compreensões sobre as

experiências de desenvolvimento profissional em uma comunidade fronteiriça; e 3)

reverberações da participação em uma comunidade fronteiriça. À medida que

narrava cada uma das experiências de desenvolvimento profissional, era possível

compreender continuidades, encontros, semelhanças e diferenças nas três histórias.

Foi, então, que, em conversa com o professor Dario, optamos por construir um

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capítulo que atravessasse de modo transversal – e analisasse – as narrativas dos

participantes da pesquisa.

Tridimensionalidade da Pesquisa Narrativa

Ming Fang He, orientada por Michael Connelly, em sua pesquisa de

doutorado estudou a formação da identidade e a transformação cultural de três

professoras chinesas: em síntese, realizou um intensivo estudo sobre a vida de Shiao,

Wei e Ming Fang, no qual rastreou “suas vidas do final dos anos 1950 por uma série

de transtornos políticos e culturais na China, sua mudança para o Canadá, e

posteriores transtornos que experienciaram ao viverem no Canadá” (CLANDININ;

CONNELLY, 2011, p. 88).

À medida que Connelly orientava esse estudo, começava a se questionar

sobre seu passado, sobretudo em relação a um personagem de sua infância.

Connelly cresceu em uma pequena comunidade rural no oeste do Canadá. Nesse

período, os chineses continuavam chegando para trabalhar na construção das

ferrovias canadenses. Em uma cidade vizinha à de Connelly, ele conheceu Long Him,

dono do armazém.

Ao passo que Michael lia e relia as histórias de Ming Fang, Shiao e Wei sobre crescer na China, ele veio a compreender algo sobre como o tempo e o lugar moldaram suas vidas e as histórias que contavam sobre si. Quanto mais Ming Fang trabalhava para compreender a relação entre suas memórias de vida e as paisagens em que as vidas das três chinesas se desenvolveram, mas Michael percebia o quão limitado era o seu conhecimento sobre Long Him, e que o pouco que sabia era oprimido pelas qualidades culturais peculiares da paisagem de sua infância. [...] Long Him era, na história de Michael, quase que completamente construído a partir da experiência de Michael sobre ele quando de sua chegada na paisagem canadense rural de Michael. Michael tinha uma visão, de observador distante e estereotipada. (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 89)

A pesquisa de Ming fez com que Connelly compreendesse que Long Him fora

sua primeira experiência multicultural: “Ming Fang trouxe Michael de volta a essas

experiências e somente agora ele está começando a tentar resolver suas próprias

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atitudes, simpatias e visões em relação a pessoas de outros cenários” (CLANDININ;

CONNELLY, 2011, p. 87). Os autores destacam que pesquisadores narrativos se

deslocam entre o introspectivo, o extrospectivo, o retrospectivo, o prospectivo e

estão situados em um lugar. Os termos pessoal e social (interação); passado,

presente e futuro e lugar estão presentes nessa perspectiva de pesquisa. Michael,

por intermédio da pesquisa de Ming, fora “um ‘viajante do mundo’ no sentido

atribuído por Lugones (1987). Foi necessária praticamente uma vida para que ele ao

menos questionasse o fato de se tornar um viajante do mundo ao universo de Long

Him” (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 89).

Nessa relação, Connelly e Ming se encontram no espaço tridimensional da

pesquisa narrativa, os lugares são perpassados por paisagens canadenses e chineses.

O tempo são os passados e os presentes de Ming e Connelly. A sociabilidade está nas

percepções multiculturais que estabelecem durante a realização da pesquisa.

Essa relação tridimensional dá a ver a complexidade da narrativa que “amplia-

se quando os relatos revelam as múltiplas vozes entrelaçadas durante a narração,

devendo explicitar sua estrutura através da descrição do cenário e da trama,

localizados em um tempo e em um espaço” (MARQUESIN; PASSOS, 2009, p. 223).

Nesta pesquisa, no capítulo quatro, por um lado, as experiências de

desenvolvimento profissional dos participantes Eliane, Dario e Roberto são narradas

de modo tridimensional, isto é, os espaços, os lugares e os aspectos sociais desses

movimentos são destacados ao longo da narrativa. Por outro lado, no quinto

capítulo, as experiências desses três participantes que se encontram no GdS são

analisadas, dando a ver os cenários de práticas, os espaços, os lugares e os aspectos

sociais que se encontram nas três narrativas. Nesse sentido, a tridimensionalidade

está na metodologia e na compreensão do fenômeno. A narrativa é o método de

pesquisa e, ao mesmo tempo, o fenômeno pesquisado.

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Temporalidade

Um dos aspectos mais presentes da pesquisa narrativa é a temporalidade das

situações vividas, contadas e (re) contadas. Para Clandinin e Connelly (2011, p. 63),

“localizar as coisas no tempo é a forma de pensar sobre elas”. Clandinin e Huber

(2010) apontam que pesquisadores narrativos precisam observar a temporalidade

de seus participantes, bem como a temporalidade de espaços, lugares e eventos.

Ainda, segundo as autoras, a importância da temporalidade na pesquisa narrativa

vem das visões filosóficas de experiência.

Bondia-Larrosa (1996) aponta que a experiência envolve a narrativa, e

narrativamente cada um expõe sua experiência. Clandinin e Connelly argumentam

que os acontecimentos estudados estão em transição temporal, e os autores têm

como questão central a temporalidade, uma vez que têm como “certo que localizar

as coisas no tempo é a forma de pensar sobre elas”. Adiante, apontam: “quando

vemos um evento, pensamos sobre ele não como algo que aconteceu naquele

momento, mas sim como uma expressão de algo acontecendo ao longo do tempo”

(CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 63).

Acerca da temporalidade, Abbagnano (2012, p. 1112) expõe as diferenças

entre sincronia e diacronia. Segundo o historiador, os termos foram introduzidos por

Ferdinand de Sausurre na linguística e usados depois em outros campos. Por um

lado, a sincronia denota o eixo da simultaneidade, no qual se exclui a intervenção do

tempo e as sucessões. Por outro lado, a diacronia corresponde ao eixo ao longo do

tempo e das sucessões, “no qual é possível considerar apenas uma coisa por vez,

mas onde estão situadas todas as coisas do primeiro eixo [sincrônico] com suas

mudanças” ao longo do tempo. Ao considerar as narrativas de experiências de

desenvolvimento profissional ao longo do tempo, a temporalidade das narrativas é

marcada por sua dimensão diacrônica.

Freitas (2006) ajuda-me a compreender as aproximações da metáfora de

espaço tridimensional com a perspectiva de chronotope de Bakhtin (1988).

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[...] Bakhtin (1988) que, elegendo a linguagem como centro de suas preocupações, se servia do chronotope como uma “ponte” explicitando a necessária eliminação de barreiras para compreender o mundo. Para este autor, o “tempo” e o “espaço” parecem ser essenciais para a compreensão do conhecimento advindo de uma experiência. Assim, ele nos diz que associa o termo “chronotope” (literalmente, “tempo-espaço”) à ligação intrínseca das relações temporais e espaciais que são artisticamente expressas na literatura (BAKHTIN, 1988, p. 84). (FREITAS, 2006, p. 96)

De acordo com Freitas (2006, p.96), “o chronotope, para Bakhtin, parece operar em

dois níveis: primeiro como meio pelo qual o texto representa história; e segundo,

como a relação entre imagens de tempo e espaço no texto, pela qual a

representação da história deve ser construída”. Em inglês, essa perspectiva foi

publicada em 1988, em um ensaio.

Nós daremos o nome de chronotope (literalmente "espaço tempo") para a ligação intrínseca das relações temporais e espaciais que são artisticamente expressas na literatura. Este termo (tempo-espaço) é empregado em matemática, e foi introduzido como parte da Teoria da Relatividade de Einstein. O significado especial que ela tem na teoria da relatividade não é importante para nossos propósitos, estamos tomando-o emprestado para a crítica literária quase como uma metáfora (quase, mas não totalmente). O que conta para nós é o fato de que ele expressa a inseparabilidade do espaço e do tempo (tempo como a quarta dimensão do espaço). Entendemos o chronotope como categoria formalmente constitutiva da literatura, não vamos lidar com o chronotope em outras áreas da cultura. (BAKHTIN, 1988, p. 84, tradução nossa).

Entretanto, cabe destacar que há o tempo da narrativa que construímos, o

tempo histórico das narrativas e a percepção de tempo dos participantes. Quando

escrevo uma narrativa, não estou necessariamente preocupada com enredos

lineares; as narrativas de experiência de desenvolvimento profissional aqui contadas

percorrem diacronicamente as vidas dos participantes, sem compromisso com o

linear. Afinal, “os paradoxos que afligem nossa experiência humana do tempo vão

mais além do caráter puramente linear e cronológico – ou antes cronométrico – do

tempo” (RICOEUR, 2012, p. 301). Desse modo, esta pesquisa narrativa acompanha a

“tentativa de elaborar a relação dialética entre passado, presente e futuro, e a

relação dialética entre parte e todo temporal” (p.301).

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Carr (1986) aponta que temos falado de tempo humano, como o tempo

configurado em virtude da estrutura dos eventos, das experiências e das ações da

existência humana, o que tem significado falar de começo, meio e fim. Em termos

de realidade, as narrativas são privadas de coerência.

Acerca da percepção de tempo dos participantes, pesquisadores narrativos

participam das formas temporais dos pontos de vista dos participantes em relação

ao passado, presente e futuro das pessoas, dos lugares, das coisas e dos eventos em

estudo. Bakhtin (2011, p. 394) defende que “o indivíduo não tem apenas meio e

ambiente, tem também horizonte próprio”. Ouvir o que os participantes de nossas

pesquisas têm a nos dizer pode nos levar à compreensão da “expressão do indivíduo

e a expressão das coletividades, dos povos, das épocas, da própria história, com seus

horizontes e ambientes” (p. 395).

Nesta pesquisa, optei pela diacronia – fatos contados ao longo do tempo. As

histórias têm presente, passado e sonhos, projetos, que são contados pelos

participantes e narrados em suas histórias de experiências de desenvolvimento

profissional. Não há compromisso com o linear, idas e vindas são permitidas na

tessitura de cada uma delas.

Sociabilidade

Assim como a temporalidade, a sociabilidade também deve permear as

narrativas, nessa perspectiva. Para Clandinin e Huber (2010, p. 05), pesquisadores

narrativos atendem simultaneamente as condições pessoais e sociais. Por condições

pessoais, elas compreendem “os sentimentos, esperanças, desejos, reações

estéticas e dispositivos morais dos participantes”.

E, por “sociabilidade”, as autoras se referem aos contextos nos quais as

experiências pessoais são constituídas, compreendidos em termos de narrativas

culturais, sociais, institucionais e linguísticas. Uma segunda dimensão de

sociabilidade vincula-se ao fato de que os pesquisadores narrativos não podem

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subtrair a eles próprios da pesquisa. Esse tipo de pesquisa acontece em relação ao

outro, considerando o sujeito nas interações de que participa.

Vários contextos perpassam este estudo e podem ser constatados ao longo

do texto. Cada uma das narrativas pode ser observada contornos institucionais,

sociais e culturais. O contexto comum é uma comunidade fronteiriça, o Grupo de

Sábado, e desse cenário serão tecidas as análises no capítulo 05.

Ainda que com alteridade e com as amenidades possíveis pelas negociações

com os participantes da pesquisa, “a consciência do autor é consciência de uma

consciência” (BAKHTIN, 2011, p. 32). Parece-me, assim, que os limites estéticos da

minha pesquisa, da minha perspectiva, das minhas visões e interações, coadunam

com o fato de que não se pode reificar as interações vividas realmente – esta é, sim,

uma atividade de reconto. A completude de um fato ou de uma trajetória é, assim,

para Geraldi et al. (2006, p. 192),

[...] inacessível, porque mesmo depois da vida seremos histórias contadas nos tempos de sobrevivência nas memórias esparsas. Esquecidas as individualidades privadas, estará um tempo – uma época – que será lido de diferentes maneiras, e ressuscitarão outras porque os sentidos são construções e não permanências. Como nós, os sentidos são sócio históricos.

O que conto neste estudo é uma versão das histórias de experiências de

desenvolvimento profissional dos participantes. A verdade sobre o objeto de um estudo

é, de fato, uma utopia.

O diferencial da pesquisa narrativa é que reconhecemos que viver, contar e

recontar é um processo artesanal, por sua gênese, único para compreender

experiências vividas. O que não se pode é subtrair o autor do estudo: por um lado,

voltando-nos para nosso interior, devemos compreender nossas emoções, nossas

reações estéticas e responsabilidades morais; por outro lado, voltando-nos para

nosso exterior, devemos compreender o que está acontecendo, os eventos, as

pessoas e suas experiências (CLANDININ, 2013).

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Local

Em 2006, Clandinin e Connelly definiram lugar como “o local específico e

concreto, físico e de fronteiras topológicas, locais e sequência de locais onde a

pesquisa e eventos acontecem” (p. 480). Para Clandinin e Huber (2010),

pesquisadores narrativos possuem suas identidades inexoravelmente conectadas

com as experiências constituídas em determinados locais e com as histórias que são

contadas em locais específicos ou com as histórias que contamos sobre as

experiências que vivemos em determinados contextos. O ponto de encontro das

experiências dos participantes desta pesquisa é uma comunidade fronteiriça, o GdS.

Aspectos Éticos desta Pesquisa Narrativa

Ultimamente, a comunidade brasileira de educadores tem discutido com

maior atenção a regulação da ética da pesquisa em ciências humanas. Atualmente,

os projetos submetidos aos comitês institucionais são apresentados previamente à

Plataforma Brasil, vinculada ao CONEP e ao Ministério da Saúde. Segundo as

discussões da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação

(ANPED, 2015), no entanto, considera-se “fundamental que tal regulamentação seja

realizada em outra instância, tal como está sendo proposto pelo Fórum das

Associações de CHS e pelo Grupo de Trabalho do CNPq, encarregado de elaborar

uma proposta de Política de Ciência, Tecnologia e Inovação para as áreas de Ciências

Humanas e Sociais”.

Segundo Clandinin e Huber (2010), pesquisadores narrativos devem cumprir

os aspectos legais e processuais das instituições de pesquisa em que atuam. Por essa

razão, parece necessário esclarecer que, no momento em que realizei o trabalho de

campo, não havia uma recomendação explícita do PPGE-Unicamp a esse respeito.

Apesar da ausência de uma normatização da área de ciências humanas e da própria

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instituição, elaboramos termos livre e esclarecido (Apêndice 01), e as narrativas

foram validadas pelos participantes da pesquisa.

Foram três os fatores que me levaram a optar por manter os nomes reais dos

participantes: em primeiro lugar, essa foi uma necessidade metodológica, pois desse

modo garantiria as referências autorais de suas produções no decorrer das

narrativas; em segundo lugar, e principal razão dessa opção, os próprios

participantes optaram por manter seus nomes reais; em terceiro, pela própria

natureza do objeto dessa pesquisa, parece-nos inútil manter um suposto anonimato.

Nesse sentido, Souza (2006, p. 145) compreende que o aspecto ético “envolve, em

primeira instância a negociação do contrato, do trabalho com o grupo envolvido”.

Acerca da manutenção dos nomes reais, o autor compreende que

a utilização e a publicização das identidades dos sujeitos envolvidos em processo de pesquisa e/ou de investigação-formação exige, do ponto de vista ético, uma aproximação e reaproximação das singularidades e subjetividades, bem como a adoção de alguns critérios: assinatura do termo de autorização (carta de cessão); explicitação dos procedimentos de análise e de como serão utilizadas as fontes na pesquisa; devolução e leitura do trabalho com o grupo e, conseqüentemente, revisão e autorização para utilização da narrativa. (p.146)

Em se tratando de pesquisa narrativa, consideramos que apresentar as

narrativas aos participantes para que tenham tempo de lê-las, propor adequações e,

inclusive, desistir da publicação, se for o caso, garantiu os aspectos éticos desta

pesquisa.

Com a reconfiguração do objeto de estudo, cada vez mais, parecia-me fazer

sentido que o professor Dario também fosse entrevistado. Se o pesquisador se

implica com a sua totalidade em uma pesquisa narrativa, não nos pareceu absurdo

a presença do orientador como participante do estudo. Também é provável que

minha experiência nos Estados Unidos e no Canadá tenha dado o distanciamento

necessário, pois foi, sobretudo, a interlocução com o grupo canadense que me

ajudou a “sair do campo”.

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No próximo capítulo, trago as narrativas das experiências de

desenvolvimento profissional dos participantes deste estudo. É provável que os

aspectos metodológicos aqui discutidos, possam ser mais bem compreendidos com

a leitura dessas narrativas.

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Figura 10 - Beleza Pura (2006), Beatriz Milhazes

Melhor do que a criatura, fez o criador a criação. A criatura é limitada. O tempo, o espaço, normas e costumes.

Erros e acertos. A criação é ilimitada.

Excede o tempo e o meio. Projeta-se no Cosmos

Cora Coralina, Considerações de Aninha (1983)

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Capítulo 04 - Narrativas de Experiências de

Desenvolvimento Profissional

Neste capítulo, por meio do relato de um episódio ocorrida no II SHIAM,

apresento um momento de encontro dos personagens desta história. Em seguida,

reporto as narrativas de experiências de desenvolvimento profissional de Eliane,

Dario e Roberto28, participantes do Grupo de Sábado29, que possuem diferentes

trajetórias no campo científico e profissional da Educação Matemática.

A partir de uma perspectiva de desenvolvimento profissional sensível às

experiências pessoais, apresento as narrativas de cada um deles, destacando

episódios de participação no GdS; suas trajetórias e suas práticas de investigação e

desnaturalização do ensinaraprender matemática; e sua atuação em outras

comunidades.

Foram três os fatores que levaram à escolha destes três participantes. Em

primeiro lugar, à medida que passamos a compreender o GdS como comunidade

fronteiriça (FIORENTINI, 2013), julguei que seria adequado olhar, além do

desenvolvimento profissional docente, também o desenvolvimento dos formadores

e pesquisadores, já que, afinal, não há uma única categoria profissional nessa

comunidade. Em segundo lugar, essa decisão foi reforçada pela interlocução com a

professora Janice Huber (supervisora do programa de estágio no exterior), que, após

a leitura de uma versão da narrativa de Roberto, questionou-me sobre o

desenvolvimento profissional dos formadores. Janice, mediante a leitura de

Fiorentini (2013a), revelou que gostaria de saber as motivações de Dario para a

constituição de um grupo como esse. À medida que refletia sobre a conceituação de

28A partir daqui os citarei pelo primeiro nome quando me referir a suas pessoas na narrativa. Oportunamente, em se tratando de referências bibliográficas, serão citados, respectivamente, como Cristovão, Fiorentini, Barbutti. As cartas de autorização assinadas por eles deverão ser anexadas na versão definitiva da tese. 29Dos três participantes, em razão de compromissos profissionais e mudanças, Eliane é a única que atualmente não participa presencialmente dos encontros, mas sua presença é constante nas ações, nos e-mails, nos eventos e nas nossas lembranças.

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comunidade fronteiriça, os questionamentos de Janice pareciam fazer sentido. Por

essas razões, além de Roberto – professor experiente e participante do GdS –, optei

por manter Eliane que, no momento de desenvolvimento desta tese, já se

encontrava atuando no ensino superior, e por incluir a narrativa de Dario neste

estudo. Em terceiro lugar, conforme situava minha própria condição nessa

comunidade descrita na narrativa inicial, compreendia que não seria possível me

situar apenas na condição de professora.

Em todo caso, a opção por incluir Dario fora, sem dúvida e por razões óbvias,

a mais debatida entre orientador e orientanda. Tentamos pensar em outras

possibilidades. Entretanto, pela natureza do objeto de pesquisa que se configurou,

acabamos concordando que faria sentido incluir sua experiência de

desenvolvimento profissional neste estudo. Inclusive, pelo fato de que eu havia

optado por uma metodologia de pesquisa narrativa que permitia esse tipo de

negociação e presença. A decisão de incluí-lo, também foi facilitada pelo

afastamento e pela visão periférica propiciada pela experiência de estudo no CRTDE.

Ao escrever as narrativas deste capítulo, me inspirei no movimento do

documentário de histórias de vidas (cenas introdutórias + entrevista com o

participante + passagens de sua história de vida + cenas do personagem + passagens

de sua obra + comentários sobre sua obra). Cabe, ainda, destacar que nesse capítulo

a interlocução com a literatura se dá através da trajetória dos personagens,

entretanto, visando a uma escrita mais fluida, optei por realizar no próximo capítulo

o diálogo com a literatura específica de desenvolvimento profissional.

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Experiências que se encontram em uma Comunidade Fronteiriça

Figura 11 - SHIAM, 2008

Foi numa tarde relativamente fria do final de julho de 2008, na Unicamp, que

aconteceu, com um título sintetizado por Dione e negociado em um de nossos

encontros dedicados à organização do II Seminário de Histórias e Investigações

de/em Aulas de Matemática (SHIAM), a mesa intitulada “Grupos colaborativos como

forma de resistência ao movimento homogeneizador das práticas escolares em

matemática”.

Especialmente naquele ano, no GdS, estávamos preocupados com os rumos

dos programas da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (Seesp). No início

de 2008, a Seesp havia ampliado os programas de avaliação em larga escala e seriam

difíceis as consequências para as escolas, que só teriam aumento de verbas, caso

atingissem as metas definidas pelo Índice de Desenvolvimento da Educação do

Estado de São Paulo (IDESP), resultantes das avaliações de Matemática e Língua

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Portuguesa, mensuradas no Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado

de São Paulo (Saresp), combinadas com as taxas de aprovação, reprovação e

abandono escolar.

Vinculado a essa política, nesse mesmo período, a Seesp enviou a todas as

escolas o material denominado “São Paulo Faz Escola”, constituído por cadernos

apostilados voltados aos professores e aos alunos. No GdS, organizamos encontros

com pautas para estudar e discutir aquela situação. Foi, então, que começamos a

questionar se não seria mais interessante melhorar a atratividade da carreira e

incentivar a participação de professores em comunidades nas quais eles próprios

pudessem criar o currículo. Apostávamos, inclusive, que a avaliação pudesse ser

muito mais ampla do que aquela que estava sendo proposta. Acreditávamos que as

escolas deveriam constituir e submeter seus próprios projetos para o recebimento

de recursos para implementação.

Na redação de um manifesto amplamente divulgado na mídia, dizíamos, com

base em nossa experiência e em nossos estudos, que acreditávamos em modos mais

colaborativos de trabalho na escola e que poderia ser mais consistente e duradoura

a medida que promovesse mudanças efetivas relacionadas ao ensino, à cultura

escolar e ao desenvolvimento profissional dos professores.

Mediante aquele contexto, decidimos que iniciaríamos aquela edição do

SHIAM com uma mesa na qual professores apresentavam possibilidades de trabalho

colaborativo. E, para a finalização do evento, decidimos que seria adequado

questionar os programas vigentes, que tanto afetavam as práticas dos professores.

Assim, como parte das atividades de encerramento do II SHIAM, sob a

coordenação de Dario, contamos com a participação dos então professores da rede

estadual paulista Fernando30 e Eliane e a professora e formadores de professores

Cármen31.

Após meses de trabalho que precederam a organização desse evento para

cerca de 350 professores, futuros professores e pesquisadores da área de educação

30 Atualmente o Prof. Ms. Fernando Luís Pereira Fernandes atua na Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). 31 Profa. Dra. Cármen Lúcia Brancalion Passos (UFSCar)

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matemática, lembro que, ao seu final, estava tomada por cansaço e satisfação com

o sucesso do seminário, sentada em um dos assentos laterais do lado esquerdo, do

auditório III do Centro de Convenções da Unicamp.

Dario iniciou a coordenação da mesa justificando o tema, com considerações

acerca do programa de formação continuada elaborado pela Secretaria de Educação

do Estado de São Paulo (SEESP) denominado "Teia do Saber". Destacou que aquele

fora mais um projeto embasado no modelo da racionalidade técnica e que se

materializava na forma de curso na rede estadual paulista. E ressaltou que, como

consequência já esperada, essa iniciativa de formação não promoveu significativas

melhoras nos resultados em matemática das avaliações externas do sistema paulista

de educação. Por essa razão, o foco da SEESP passaria a ser, naquele momento, o

investimento em material curricular.

Dario, na abertura daquela mesa, parecia suspeitar o que veríamos acontecer

nos próximos anos: passados seis anos, o que temos constatado é a insistência em

destinar recursos para a compra de materiais curriculares no formato de apostila.

Naquele dia, Dario finalizou sua parte com diversos questionamentos tecidos

por ele considerando as discussões que havíamos feito nos encontros no GdS:

� Será que todos os alunos das escolas paulistas se encontram em um mesmo

nível de formação e de necessidade de recuperação em conhecimentos e

competências matemáticas?

� O que está por trás dessa política homogeneizadora das práticas escolares?

� A intenção seria treinar nossos alunos em habilidades e conhecimentos para

apresentarem melhor resultados nas provas do Saresp e na Prova Brasil?

� Ou seria uma estratégia que permitiria medir a competência dos professores

e das escolas na aplicação dos materiais preparados pelos especialistas,

premiando os que conseguirem apresentar melhores resultados?

� A SEESP ouviu os professores, antes de impor esses materiais?

� Algum grupo colaborativo foi procurado para saber o que estão fazendo para

melhorar a qualidade da aprendizagem de seus alunos?

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� Os professores da escola tiveram oportunidade de participar da elaboração

(ou, pelo menos, da discussão) desses materiais?

� Os professores puderam estudar e discutir os materiais antes de aplicá-los?

� Quais as consequências dessa política para o desenvolvimento do professor,

sobretudo para o desenvolvimento de sua capacidade de produzir uma prática

curricular que atenda às necessidades de sua escola e de seus alunos?

� O que pensam, afinal, os professores das escolas e os formadores da

universidade a respeito dessa política homogeneizadora da Seesp?

� O que a experiência acumulada dos grupos colaborativos pode sinalizar a

respeito dessa política?

Em seguida, apresentou e passou a palavra aos outros convidados da mesa.

Foi, então, que o professor Fernando destacou sua experiência com o "Jornal do

Aluno" proposto pela SEESP, um dos primeiros materiais apostilados que chegaram

à rede com base na proposta “São Paulo Faz Escola”, para uma recuperação de 45

dias no início do ano. Em sua fala, questionou o fato de esses materiais terem sido

produzidos por especialistas que pouco conhecem o chão da escola.

Na sequência, a professora Eliane iniciou sua fala, destacando o contexto no

qual essas reformas curriculares têm sido realizadas. De acordo com ela, começaram

a surgir “nos últimos anos, em todo o mundo, reformas curriculares, configurando

uma nova ortodoxia educacional que padroniza saberes, habilidades e competências

a serem adquiridos pelos jovens”. Nesse sentido, Eliane destacou que “esses padrões

são impostos através de avaliações e de sistemas de responsabilidades e

monitoramento que recompensam as escolas bem-sucedidas e proporcionam apoio,

ou, por outro lado, ameaçam de fechamento as que insistem em fraquejar”.

Na sequência, apontou que, como professora da rede pública de ensino do

estado de São Paulo há 17 anos, eram muitas as experiências vividas durante a

carreira no magistério. Em relação aos cursos de formação continuada da rede

estadual, ressaltou que as práticas eram todas formativas de algum modo.

Entretanto, em suas palavras, “diferentes tipos de ações podem gerar em nós

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diferentes sensações”. Por um lado, algumas práticas formativas seriam capazes de

“nos colocar em situação de completo desânimo e revolta”, sobretudo

quando nossos saberes são desprezados em detrimento de uma homogeneização de práticas e currículos, os quais são impostos por especialistas que não conhecem a realidade de nossas escolas e que sequer abrem espaços de discussão onde nossas vozes possam realmente ser ouvidas.

Por outro lado, “outras são de prazer, de contentamento, quando nossos

saberes profissionais são valorizados e reconhecidos e nos incentivam a compartilhar

com outros profissionais da área as nossas experiências, promovendo o

desenvolvimento profissional de todos”.

Apontou que, se, por um lado, a participação em dois grupos colaborativos

(GdS e GCEEM) fazia com que sentisse que seus saberes e conhecimentos eram

valorizados e que tinha espaço para a constituição de seu próprio currículo, por outro

lado, sentia um profundo desrespeito por parte da SEESP, que não considera sua

prática no momento de propor programas curriculares. Destacou, então, que, para

ser ouvida e desenvolver-se profissionalmente de modo crítico, precisava abrir mão

de seu espaço de lazer, pois a participação em grupo colaborativo não havia sido

reconhecida pela SEESP.

Em síntese, Eliane questionou a política homogeneizadora e colonizadora da

SEESP, que desconsiderava a diversidade cultural e cognitiva dos alunos da escola

pública; não consultava seus professores; não valorizava seus saberes docentes

construídos a partir de reflexões e/ou investigações sobre suas práticas; não

acreditava que os professores pudessem construir seu próprio currículo.

Ao final de sua fala, foi possível notar que muitos dos professores presentes

se identificavam com suas afirmações. Terminou, destacando que “a colaboração

tem sido defendida como um contraponto à formação engessada e ineficaz do

estado, porém é marginalizada pelas políticas públicas que se negam a reconhecer

sua importância”.

Eliane falava com base em sua própria experiência como professora e

participante de grupos colaborativos. Dona de uma fala eloquente, Eliane nos

despertou reações apaixonadas. Um sentimento de reconhecimento com suas

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palavras tomou o auditório do Centro de Convenções da Unicamp. O momento era

de catarse: uma professora tomava a voz dos professores da rede estadual paulista

que não foram respeitados na concepção da iniciativa que se configuraria nos anos

seguintes do programa curricular de São Paulo Faz Escola. Atualmente, Eliane é

formadora de professores em uma universidade federal e tem se constituído como

uma liderança importante no movimento dos grupos colaborativos de professores

que ensinam matemática.

Após a fala de Eliane, foi possível observar que o professor de matemática

Roberto acompanhava muito atento e emocionado aquela mesa. Lembro que teceu

um breve comentário para mim sobre o que acabara de ouvir e sobre o quanto se

identificava com as palavras críticas de Eliane em relação à formação continuada

“oficial”.

Em seguida, a professora Cármen trouxe para o debate sua visão de

formadora de professores que ensinam matemática. Apontou que as políticas

públicas de formação continuada não valorizam ambientes que privilegiam os

professores como principais protagonistas de seu desenvolvimento profissional.

Questionou a concepção de políticas públicas e o modo como interferem nas práticas

curriculares da escola e na formação continuada de seus professores e o modo como

promovem a gestão escolar.

Defendeu, então, que os próprios professores se constituam nos principais

protagonistas de seu desenvolvimento profissional e da renovação curricular,

desenvolvendo investigações no interior das escolas, podendo ter a colaboração de

formadores da universidade. Trazendo a visão dos professores, para isso, mostrou

alguns dados de pesquisa acerca das questões que motivam ou desmotivam a

participação dos professores em cursos de formação continuada. Afirmou que ser

ativo no processo formativo é um dos fatores que motivam os professores a

participar. Chamou, então, nossa atenção para a participação de formadores de

matemática ligados à Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM) junto ao

Ministério da Educação.

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Os quatro participantes da mesa tinham como característica comum a

participação em comunidades investigativas, chamados naquele momento de

“grupos colaborativos”, que congregam professores e acadêmicos interessados em

escrever, refletir e investigar sobre o ensinaraprender matemática na escola.

Tanto Eliane quanto Fernando eram professores da rede estadual paulista,

com várias publicações referentes a atividades explotário-investigativas em aulas de

matemática. Não era de estranhar que mantivessem uma postura contrária à

homogeneização de suas práticas pela Seesp. Afinal, eles próprios tinham um

histórico de se constituírem protagonistas de suas práticas pedagógicas.

Naquela tarde, o que eu ainda não poderia imaginar é que dividia o espaço,

as reflexões, as preocupações e as emoções com os três sujeitos deste estudo. Dario,

publicamente, atualizara mais uma vez suas preocupações de formador e

pesquisador sobre desenvolvimento profissional de professores de matemática, ao

realizar uma leitura sobre o contexto da rede estadual paulista. Há mais de 30 anos,

tem sido reconhecido pela comunidade acadêmica e também por professores da

escola básica, que se identificam com suas produções e seus interesses de pesquisa.

Por essa razão, sua atuação tem sido orgânica nas comunidades de educadores

matemáticos e formadores de professores no Brasil e no exterior.

Naquele evento, Roberto já havia participado da mesa “Perspectivas e

possibilidades da colaboração para (re)significar o ensino de matemática e suas

práticas”, no qual apresentou o trabalho colaborativo que desenvolvia em sua escola

com as professoras dos anos iniciais. Em sua fala, Roberto chamou atenção aos

aspectos que julgava necessários ao trabalho colaborativo, relatando as

singularidades da escola pública na qual atuava. Revelou que contava com

disponibilidade de tempo para o estudo e tinha dedicação exclusiva, espaço físico

adequado, projetos de parceria com a Universidade e gestores que participavam e

incentivavam. Ressaltando as parcerias resultantes, destacou que em sua escola

havia espaço para “conversas, estratégias, formação conjunta, planejamento

curricular e de aula e desenvolvimento de atividades com os alunos do ciclo”.

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Ao final de sua fala, naquele primeiro dia de evento, Roberto, com o bom

senso que lhe é próprio, disse algo que não podemos perder de vista: destacou que

não acreditava que os grupos colaborativos pudessem ser a panaceia da educação.

Pelas experiências na relação com os três participantes, ouso dizer que é

provável que esses encontros caibam na definição “de relacionamento como o

conhecimento”, de Bateson (1984, p. 292-293). Segundo a antropóloga, isso é

“alcançado através de intercâmbio de ideias - por meio de conversas e de comunhão

... como se fôssemos as partes do todo único” O “único”, nesse caso, tem sido o GdS,

como uma comunidade fronteiriça.

Daqui por diante, trarei as narrativas de desenvolvimento profissional de

Eliane, Roberto e Dario. Escrever essas narrativas colocou-me o difícil desafio da

equilibrada distância. Nesse sentido, a tensão foi para mover-me “retrospectiva e

prospectivamente entre o completo envolvimento e o distanciamento” (CLANDININ;

CONNELLY, 2011, p. 121).

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Experiência de Desenvolvimento Profissional de

Roberto

Cambia el modo de pensar Cambia todo en este mundo

Cambia el clima con los años [...]

Y así como todo cambia Que yo cambie no es extraño

Cambia el rumbo el caminante Aúnque esto le cause daño

Y así como todo cambia Que yo cambie no es extraño

Cambia, todo cambia Cambia, todo cambia Cambia, todo cambia Cambia, todo cambia

Julio Numhauser, Todo Cambia (1973)

Em 2007, logo no primeiro encontro de que participei no GdS, encontrei-me

com Roberto. Desde então, tenho observado seu envolvimento com o grupo. Mas

essa não é a única comunidade da qual participa. Durante nossas interações, tenho

escutado atentamente as histórias sobre sua participação na comunidade escolar,

na sua comunidade familiar, na qual se destaca sua filha, por estar em idade escolar.

Escuto também as histórias de sua turma de pescaria e de sua equipe de bocha,

prática que faz jus à sua origem italiana.

Há mais de 15 anos, Roberto é professor na rede municipal de Campinas.

Atualmente, leciona matemática para os anos finais do segundo segmento do ensino

fundamental, “em uma pequena escola”, como gosta de frisar nas conversas

ocasionais. No GdS, temos observado um professor preocupado com o processo de

aprendizagem e as condições sociais de seus estudantes. Em nossos encontros, no

Grupo de Sábado, o professor, com mais ou menos frequência, compartilha suas

experiências de sala de aula. Além do registro das interações quinzenais no GdS,

realizei duas entrevistas com Roberto. Para escrever esta narrativa, tomei como

principal referência a primeira delas, por envolver um período de quatro anos (2012

– 2015).

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Assim como nas narrativas de Dario e Eliane, também consultei memórias e

transcrições dos encontros do GdS e materiais publicados. Inclusive Roberto, Helô

(outra participante do GdS) e eu temos um capítulo publicado em um e-book, no qual

discorremos sobre as práticas do GdS (BARBUTTI; PROENÇA; CRECCI, ., 2013) e

destacamos uma de suas experiências de sala de aula. Apesar da pressão dos comitês

de ética, um trabalho realizado na perspectiva da Pesquisa Narrativa como este –

colaborativo e pautado na confiança mútua – ficaria inviável, caso fosse mantido o

anonimato. Afinal dividimos a coautoria de partes publicadas deste estudo. Não

consigo vislumbrar modo mais adequado de realizar um trabalho como este, através

da constituição de espaços de coautoria, como os que temos tido.

A seguir, trago a narrativa da experiência de desenvolvimento profissional de

Roberto. Enfatizo sua participação no GdS, bem como dou destaque à sua

participação em outras comunidades indicadas por ele como espaços privilegiados

de sua constituição profissional. Inicialmente, apresento um episódio no grupo no

qual Roberto projetou outro significado para a avaliação. Em continuidade, narro sua

história de professor e sua relação com o GdS.

Avaliação escolar – mobilizando outros sentidos e significados

Após os participantes do GdS apontarem as temáticas a serem privilegiadas

nos estudos e investigações do grupo no ano de 2007, organizamos os encontros de

modo que pudéssemos conhecer práticas de sala de aula e também o que a literatura

especializada sobre determinados assuntos diz a respeito. Em um dos encontros de

agosto, Roberto estudou e apresentou o texto “Avaliação e aprendizagem”, escrito

por Marta Maria Pontim Darsie (1996).

O professor iniciou sua fala, destacando que aquele estudo havia feito com

que refletisse sua perspectiva de avaliação. Revelou que, até então, compreendia a

avaliação como um produto de mensuração. No entanto, a partir desse estudo,

percebeu que não se pode falar em mudanças no ensino, sem considerar mudanças

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na avaliação. Em seguida, foi Dario quem destacou que, sendo o ensino processual,

a avaliação deve acompanhar essa perspectiva.

Roberto – Pude concluir que em uma prova o que se pode medir é o desempenho do aluno e não seu aprendizado [...]. Um aluno pode ter aprendido, mas não estar bem emocionalmente no dia da prova. Dario – O ensino é processual e a avaliação precisa acompanhar esse movimento.

Roberto, então, complementou, dizendo que, em uma perspectiva

processual, a avaliação deve ser um parâmetro para transformação da ação, por

meio da reflexão sobre os resultados. Foi, então, que Dario chamou a atenção para

o fato de que a avaliação, tendo como objetivo a reflexão sobre a ação do professor,

ainda é pouco considerada. Gilberto, outro participante do GdS naquele período,

destacou a avaliação como instrumento de poder do professor.

Gilberto – A avaliação tem relação com poder também. Escutamos frases do tipo: “olha, vocês vão fazer prova”.

Roberto ainda chamou a atenção para o fato de que a avaliação deve ser no

processo, e não tida como um produto, ao final de todo trabalho pedagógico do

professor; e deve, também, fazer com que o aluno se sinta responsável pelo seu

próprio aprendizado. Enfatizou que não é a nota que o professor concede, mas a

nota que o aluno atingiu. Em seguida, estudamos as fichas de avaliação que as

participantes Conceição e Adriana (LIMA; MARTINS, 2009) desenvolviam com seus

alunos, nas quais era possível encontrar diferentes aspectos avaliativos

(comportamento, atividades realizadas em sala de aula, atividades realizadas em

casa, atividades realizadas em grupo, prova).

Dario ponderou, então, que, como as fichas especificam a nota final do aluno,

este tem possibilidades de conhecer seu próprio processo de aprendizagem, e há

uma valorização do que o aluno evoluiu e também uma autorregulação do que

aprendeu e do que ainda precisa melhorar.

Dario – Essa ficha tem possibilidades de o aluno conhecer e regular seu próprio processo de aprendizagem. Na avaliação tradicional é sempre olhado de fora, neste outro processo de avaliação é valorizado o que o aluno evolui e o que ele ainda precisa evoluir. O aluno precisa conhecer e perceber em que aspectos ele precisa evoluir. Às vezes pode até haver uma negociação, dar condições para que o aluno pense seu próprio processo de aprender e de conhecer. E a aprendizagem passa de fato

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a ser de forma significativa. Ele pode autorregular, isto é, deter um próprio controle de aprendizagem.

Maria – O aluno torna-se agente do seu processo de aprendizagem. O que eu posso fazer para melhorar? Essa pergunta é bem interessante.

Dario – Essa é a pergunta fundamental. Quem preenche essa ficha são os alunos.

Adriana – No meu caso teve um aluno que tentou modificar sua nota, mas foi só para os pais. Porque nós temos essas anotações também, então, no geral, os alunos são bem sinceros na autoavaliação.

Gilberto – Eu gosto da ideia de discussão pós-prova. Se o aluno tirou quatro, ele vai pegar a prova dele e vai procurar o erro. Sempre fiquei com essa vontade de discutir com o aluno em que ele errou, entender por que ele errou aquilo.

A partir dessas considerações, Dario lembrou de um método utilizado em

Portugal, denominado “avaliação em duas fases”: o aluno realiza a prova, e, após a

correção do professor, o estudante tem oportunidade de refazê-la e justificar ou

argumentar sobre seus próprios erros. Então, o professor junta a primeira nota com

a segunda nota, para calcular a média final do aluno.

Uma tentativa de desenvolver algo inspirado nesse tipo de avaliação seria

descrita por Roberto em um dos relatórios do projeto “Escola Plural – Ações

Singulares”:

[...] havia pedido que todos refizessem a primeira prova, resolvessem somente as questões erradas e escrevessem porque erraram. Esta metodologia para correção da prova tinha como objetivo principal que os alunos aprendessem com os próprios erros: buscassem os erros assinalados, tentassem entendê-los e corrigi-los. Podiam, para isto, consultar todo material pedagógico que possuíam, conversar com os colegas ou procurar ajuda comigo. Como já havia empregado outros métodos que não deram resultados satisfatórios para despertar o interesse dos alunos, resolvi atribuir uma segunda nota à prova pela correção (motivação extrínseca). (BARBUTTI, 2008, p. 03)

Na segunda entrevista que realizamos, questionei Roberto se essa ideia havia

surgido das discussões ocorridas no GdS, sobretudo, dos comentários de Dario sobre

a “avaliação em duas fases”. O professor revelou não se lembrar do termo, disse que

não se lembrava ao certo de onde havia surgido aquela ideia.

Adiante, em seu relatório, Roberto também descreveu um outro modo de

desenvolver sua avaliação, elaborado por influência de colegas do GdS:

Uma professora do Grupo de Sábado socializou sua experiência em

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utilizar fichas de avaliação onde os alunos marcavam e acompanhavam as notas que obtinham por suas atividades, também realizavam o fechamento da própria média do bimestre. O que mais me chamou atenção nesta ficha foi a avaliação atitudinal, nunca havia pensado em conteúdos atidudinais (Zabala, 1999) e utilizar este critério de avaliação com meus alunos. Já realizava, desde 2006, o fechamento das médias junto com os alunos em sala de aula, como metodologia para que valorizassem mais o que faziam e vissem a média como um resultado de tudo que faziam e não uma nota que o professor dava. Mas, diante da dificuldade que os alunos apresentavam em reconhecer e registrar o que realizavam, resolvi empregar, neste ano, uma ficha avaliativa, incluir, também, um conceito atitudinal e outro de auto avaliação. Vejo, nesta ficha, uma possibilidade, também, de estabelecer um instrumento de diálogo com a família, visto que esta fica colada no caderno do aluno, o que permite aos pais acompanhar o desempenho de seus filhos no dia-a-dia de minhas aulas. É claro que muitos alunos não conseguem preencher, ainda, corretamente a ficha ou simplesmente esquecem de registrar e muitos pais nem olham os cadernos dos filhos. Mas, vejo tudo isto também como um aprendizado e, como todo aprendizado, leva tempo e diferente para alunos, pais e professor. Este é apenas o primeiro ano! (BARBUTTI, 2008, p. 07)

Roberto referia-se à ficha apresentada pela professora Conceição no GdS. Na

primeira entrevista que realizei, em 2012, pedi a Roberto que destacasse atividades

específicas desenvolvidas em sala de aula que foram levadas do GdS. Foi nesse

momento que o professor me contou que passou a utilizar fichas de avaliação em

que os próprios alunos fazem o registro e o controle de suas atividades, o que é uma

tentativa de mostrar que “o conceito não é uma atribuição feita pelo professor, mas

o resultado de tudo que os alunos fizeram durante o trimestre e o ano”.

Nesse movimento de reflexão e estudo, compreendeu que “muitas vezes

devo ter cuidado não com o resultado, isso é uma coisa que nós da matemática pura

queremos: o resultado”. Entretanto, a partir das experiências do GdS, “o que mais

vejo agora é como esse aluno está pensando”.

Em entrevista, Roberto faz questão de dizer “aplico prova? Aplico prova. Tem

exercício de ‘resolva’? Tem exercício de resolva. Mas meu olhar principal não é mais

esse, mesmo minha prova, eu trabalho com consulta”. Revela, também, que, antes,

“não tinha essa ideia de ver o modo como o aluno resolveu as questões, quais as

relações que estabeleceu e se ele realmente está fazendo”.

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Trajetória Escolar e Acadêmica

Na primeira entrevista, Roberto revelou que toda sua escolarização foi

realizada em escolas públicas. Já na segunda entrevista, dei-me conta de que não

havia conversado com Roberto sobre outros aspectos de sua escolarização. Curiosa

por compreender as experiências de desenvolvimento profissional ao longo da vida,

pedi que descrevesse fatos que o marcaram em sua escolarização. Sobre o ensino

fundamental, revelou que considerava ter aprendido pouco. Demonstrou nostalgia,

quando se lembrou de uma turma do primeiro ano do Ensino Médio. Relatou uma

situação na qual seu professor de matemática, “um desses tradicionais e bom”, saiu

da sala no meio da prova e ninguém colou. Depois dessa experiência, nenhum

professor precisava ficar presente durante as provas.

Com saudades daquela turma, Roberto lembrou-se de que eram unidos e que

se reuniam para estudar as disciplinas. Ao final do Ensino Médio no COTUCA, escola

técnica da própria Unicamp, tentou engenharia elétrica, para dar prosseguimento à

sua formação técnica. No estágio que realizava em uma empresa do ramo, havia

inclusive a possibilidade de efetivação. Na primeira vez que prestou vestibular, o

professor não conseguiu a vaga.

Foi depois desse período que Roberto se voltou para a Filosofia. De acordo

com ele, a opção por esse curso foi ocasionada pelo seu desejo de se aproximar da

área de humanas, devido ao fato de ter realizado curso técnico na área de exatas.

Morador do distrito de Barão Geraldo, desde que nasceu até os dias atuais, tinha

também como sonho estudar na Unicamp. Em suas palavras, a universidade era

praticamente o “quintal de casa”. Na primeira entrevista que realizamos, questionei

se teve dificuldades com o curso, e Roberto apontou que gostou do curso de

Filosofia, pois, por ter cursado latim, passou a “compreender melhor o português”.

No entanto, como atuava no comércio de sua família – um atacado de

alimentos conhecido da cidade – não foi possível concluir o curso, que exigia

dedicação em período integral. O trabalho no atacado era bem cansativo, pois

precisava acordar praticamente de madrugada para carregar caixas e caixas de

verduras e legumes a serem distribuídos para os feirantes.

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Embora não soubesse ao certo o significado da palavra “Licenciatura”, foi em

razão de sua atividade profissional e de sua facilidade com os conteúdos da área de

exatas que prestou vestibular para o curso de licenciatura em matemática, no

período noturno, na mesma universidade. Segundo o professor, essa decisão foi

mesmo “meio tiro no escuro”.

Naquele contexto, Roberto destacou-se por sua eficiência, ao conseguir ser

aprovado com boas notas nas disciplinas especificas da matemática, tendo

ingressado no mestrado em matemática Pura logo após a conclusão da graduação.

Como não teve reprovações – feito raro no instituto onde cursou sua graduação –

deduzi, e posteriormente confirmei, o fato de que Roberto concluiu o curso com um

dos melhores coeficientes de rendimento da turma. Nessa época, o professor

também – segundo revela – nem sabia a diferença entre matemática e educação

matemática. Das disciplinas da Faculdade de Educação confessa não se lembrar

significativamente.

Ingresso na rede pública

Já naquela época – década de 90, o valor da bolsa de estudo não correspondia

às necessidades e às responsabilidades de um jovem profissional. Foi por essa razão

que Roberto não conseguiu concluir o mestrado e precisou voltar a trabalhar no

negócio familiar e, concomitantemente, lecionar matemática em um cursinho na

cidade de Campinas.

Com o passar do tempo, Roberto revela, começou a ter a sensação de que

“está batendo a idade” e veio aquele desejo de constituir família. Foi, então, que

começou a lecionar em um cursinho da cidade. Ao trabalhar nesse contexto e

receber alunos com muitas dificuldades, tinha uma percepção equivocada da rede

municipal, “julgava muito os professores e não entendia como aqueles alunos

haviam passado pelo ensino fundamental e médio”. Suas percepções e julgamentos

mudaram significativamente quando conheceu a realidade da rede municipal.

Em sua busca de estabilidade, resolveu prestar o concurso para professor de

matemática na Rede Municipal de Ensino de Campinas. Ao ingressar na rede,

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percebeu que o tipo de formação com que havia tido maior contato até então,

marcado pelo “paradigma do exercício e por uma abordagem mais algorítmica ou

sintática do que semântica (de produção e negociação de significados) dos

procedimentos e ideias da matemática escolar” (FIORENTINI; OLIVEIRA, 2013, p.

917) foi posto à prova por ocasião de seu ingresso como professor de matemática

em uma rede municipal. Nessa outra comunidade, constatou que sua formação

inicial, com toda “aquela matemática”, não foi suficiente para lidar com a

complexidade que encontrou em sala de aula, sobretudo em relação às dificuldades

de aprendizagem e à diversidade social e cultural dos estudantes. Confessa que, ao

preparar as primeiras aulas, foi ao livro didático e selecionou o que seria dado e a

sequência dos conteúdos do ano inteiro.

Relações sociais e políticas vinculadas à Docência

No Grupo de Sábado, volta e meia, Roberto chama atenção para as condições

de vida de seus estudantes. Certa vez, para a elaboração de um projeto coletivo

sobre o ensino e a aprendizagem de matemática, em de junho de 2012, os

participantes deveriam se reunir em grupos, para, em seguida, identificar e relatar

diferentes dificuldades vividas pelos professores no contexto escolar.

O primeiro e o quarto grupos apontaram as dificuldades de trabalhar com

alunos que não estão plenamente alfabetizados, o que acarreta dificuldades na

interpretação de problemas matemáticos. Já o segundo grupo destacou as

dificuldades de trabalhar com alunos que aprenderam por meio de abordagens

procedimentais, levando a que não compreendessem, por exemplo, o significado do

“vai um”. O terceiro grupo apontou as dificuldades que os alunos têm com a

aprendizagem de geometria. E, enfocando o ensino superior, o quinto grupo

destacou a formação problemática dos professores das séries iniciais para o ensino

da matemática. Por fim, o sexto grupo apresentou um texto sobre as dificuldades

que iam de aspectos cognitivos a socioeconômicos.

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Nesse encontro, para além das contribuições dos grupos, Roberto fez questão

de chamar atenção aos problemas sociais dos alunos, que implicam em seu fazer

docente. Segundo ele, são questões anteriores ao aprendizado matemático:

[...] as carências afetivas que estas crianças trazem para a escola e que implicam no seu comportamento e em suas atitudes diante dos outros envolvidos neste espaço: educadores, colegas e funcionários. Essas crianças consideram normal resolver tudo com agressão verbal ou física. Não sabem ouvir e falar no momento certo. Até gostam da escola, mas não como um lugar de aprendizado; é mais um ou o único espaço de encontro com os amigos e onde são valorizados. (Roberto, excerto da memória do encontro do dia 9 de junho, GdS, 2012)

O professor Roberto continuou destacando que

[...] não fazer as atividades propostas é uma prática comum. E o número de alunos que pensam e agem assim está aumentando e ocorrendo cada vez mais cedo, podendo ser identificados casos já nos anos iniciais. O mais agravante é que a escola, como instituição, não está preparada e nem vem sendo preparada para lidar com estas crianças: não possui profissionais; nem espaço e tempo para atendê-las; não oferece uma disciplina específica para trabalhar valores e nem os professores recebem formação para contemplar valores em suas aulas. Não há parceria funcional e sistematizada com outras instituições públicas - assistência social, serviço médico e conselho tutelar - que atenda estas novas necessidades e nem mesmo uma parceria com as famílias destes alunos numa busca comum de soluções. Os pais e a escola estão cada vez mais distantes. (Roberto, excerto da memória do encontro do dia 9 de junho, GdS, 2012)

Ao problematizar as dificuldades vividas como professor, com sensibilidade

descreveu aspectos das transformações sociais ocorridas com as políticas de

universalização do ensino que incidem diretamente em seu fazer docente. Assim,

Roberto destacou questões de natureza social.

Ele parece reconhecer que sua percepção e seu engajamento social foram

constituídos ao participar de um grupo de estudo. Desde que passei a considerar a

vida e o desenvolvimento profissional desses sujeitos em outras comunidades,

comecei a pensar quais seriam os outros espaços que influenciariam Roberto.

Interessada em compreender a influência de outras comunidades em seu

desenvolvimento profissional, em conversa recente que tivemos, questionei quais

seriam as outras comunidades que, de algum modo, influenciavam seu olhar para as

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crianças. Roberto, então, revelou que sua formação religiosa pode ter influenciado

sua relação social com a escola. Inclusive, relatou ter pensado na possibilidade de

seguir o sacerdócio, com o intuito de “ajudar o próximo”. Certamente, esse olhar

afetivo foi fortemente influenciado pelo projeto de que participou, “Escola Singular,

Ações-Plurais” do qual tratarei adiante.

O professor entende que essa percepção foi constituída com sua participação

no Grupo de Sábado (GdS), onde compreendeu que

[...] entendendo o contexto, temos uma visão mais ampla do ensino. De repente, eles resolvem fechar uma sala, então passei a procurar o “porquê”. Eu acho que, ao participar do grupo, aprendi a ter essa visão do geral para questionar políticas públicas que afetam minha prática.

Roberto também destaca, como aprendizagem no grupo, que “podemos e

devemos lutar para ter uma política pública de ensino adequada à realidade e que é

possível conseguir mudanças através desta luta”.

Na segunda entrevista, Roberto destacou: “eu continuo participando do GdS

para não me esquecer de quem eu sou”. Na escola, revelou que “não tenho o controle

que a outra professora tem, mas gosto de ganhar meu aluno pelo lado humano”.

Escrita em Aulas de Matemática

Mas não só a percepção social e política de Roberto seria marcada pela

experiência de participar do GdS. Em narrativa publicada por Roberto, Helô e eu

(BARBUTTI; PROENÇA; CRECCI, 2014), narramos um processo vivido pelo professor.

Em 2012, realizando uma prática conhecida do grupo, Roberto trabalhou com a

escrita em aulas de matemática. Inicialmente, o professor disparou o seguinte e-mail

na lista:

Estou com dois 6ºs anos este ano e como já era esperado apresentam

muita dificuldade com o algoritmo da divisão. Não estou nem

pensando na ideia da divisão, mas apenas no domínio e entendimento

do algoritmo. Estou retomando as “casas decimais”, já que o nosso

algoritmo trabalha com a divisão separada por cada casa. Também

peço que eles escrevam passo a passo como fazem a divisão, na

tentativa de que reflitam sobre o que fazem. Quero utilizar o material

dourado e/ou o ábaco de hastes, para que eles visualizem no algoritmo

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aquilo que fazem naturalmente em uma divisão. Alguém tem alguma

outra sugestão? (E-mail Roberto, 10 mar. 2013)

Em seguida, interagimos com algumas ideias e questões.

[...] D’Ambrosio tem discutido a noção de pensamento matemático

quantitativo e qualitativo, destacando que é inadmissível pensar hoje

em aritmética e álgebra sem a plena utilização de calculadoras. (E-mail

Vanessa M Crecci, 24 mar. 2013).

Tenho acompanhado as discussões com muito interesse, pois

abordamos a questão do ensino da divisão com materiais

manipuláveis numa disciplina de Alfabetização Matemática. Até as

próprias professoras que frequentaram o curso têm dificuldades em

entender como funciona o algoritmo de divisão. Quando o fizemos

com o auxílio do material dourado mostrando as destrocas e trocas,

a divisão em grupos iguais para tentar estimar o quociente e

analisamos o auxílio que a tabuada (multiplicação) nos oferece nesse

momento, elas passaram a compreender melhor [...]. (E-mail Monike

Bertucci, 26 mar. 2013).

A preocupação de Roberto com seus alunos e suas aprendizagens, lançada na

lista de e-mail do grupo, mobilizou seus membros, que interagiram, desencadeando

várias reflexões, trocas, sugestões. Em outro momento, Roberto escreveu:

Tentarei colocar um pouco das minhas observações e

impressões sobre a divisão, ou melhor, sobre o nosso algoritmo

da divisão. Claro que considero importantes os vários conceitos

e ideias envolvidas nela, mas não é este o objeto de minhas

inquietações. Professores, que já deram aula para um 6º ano,

sabem das dificuldades que os alunos apresentam com o

algoritmo da divisão. [...] Tenho até uma hipótese sobre esta

dificuldade: penso que o algoritmo da divisão necessita de um

domínio apurado da multiplicação (e/ou adição) e da

subtração. (E-mail Roberto, 23 mar. 2013)

Em síntese, na lista do grupo, as discussões geradas versam sobre diferentes

aspectos do ensino da divisão: questionamentos sobre o ensino do algoritmo; processo

mecânico; uso da calculadora; expectativas da família; o que os professores querem que

seus alunos aprendam; tipos de avaliação que os alunos realizam; formação inicial de

professores; conceitos de divisão; outras experiências e sugestões de leituras e de

material concreto (BARBUTTI; PROENÇA; CRECCI, 2014).

As colaborações mobilizadas por diferentes participantes no e-mail foram

apresentadas nos encontros presenciais do GdS. Naquele período, organizamos

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encontros para que Roberto expusesse as atividades desenvolvidas em duas turmas de

sextos anos, abordando o algoritmo da divisão, o uso do material dourado e do ábaco

na realização da divisão. Um aspecto interessante é que, em cada uma dessas atividades,

realizadas em grupos, os alunos também tiveram que escrever como fizeram a divisão

(BARBUTTI; PROENCA; CRECCI, 2014). Em um dos encontros de abril daquele ano,

Roberto apresentou as produções escritas dos alunos:

Roberto – Comecei a pedir para que as crianças escrevessem sobre como fazem a divisão. Fica muito marcante aquele procedimento tradicional, abaixa número, procura na tabuada. Percebo que eles não têm entendimento do que está acontecendo no algoritmo.

Dario – Quando eles escrevem, você percebe isso?

Roberto – Sim, aparece.

Dario – Então, expressam um modo mais procedimental do que de compreensão conceitual da divisão.

Roberto – Para compreender que eles conseguem fazer a divisão, desenvolvi atividades com o material dourado. E sabemos que socialmente eles convivem com a divisão. Os alunos fizeram as trocas normalmente, disse que não poderia sobrar nenhuma peça. Nos escritos dos alunos apareceram os procedimentos: “procuro na tabuada”, “coloco embaixo da chave”, “multiplico”, “coloco embaixo, tiro e abaixo o número”. Percebo que são expressões que não falam do significado do que fazem.

Tomando os escritos dos alunos, o professor teceu diversos questionamentos:

Como surgiram as falhas de procedimentos dos alunos? Os alunos estão preparados para entender as abstrações do algoritmo? Será que conhecem a multiplicação e subtração suficientemente? E o nosso sistema de numeração com base 10? Não seria esse um “vilão” para os alunos? Será que os alunos compreendem que, no algoritmo, a separação é feita por cada “casa” numérica?

A partir das análises das atividades no GdS, o professor conclui que “dividir é um

conceito construído nas relações sociais”. Para Roberto, conseguir a resposta correta do

algoritmo da divisão “é uma questão de compreender os diferentes valores atribuídos

ao que vai ser dividido” (BARBUTTI; PROENÇA; CRECCI, 2014, p. 75).

Em decorrência desse trabalho com a escrita, no I Simpósio de Grupos

Colaborativos e de Aprendizagem do Professor que Ensina Matemática, o professor

destacou que “a construção da divisão nos 6º anos está em processo ainda. Por isso

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tenho que trabalhar, pelo que percebi, mais o nosso sistema de numeração. Será que o

ábaco é o melhor material? Mas isso é outra questão para o GdS”.

Esse tipo de experiência constituída por Roberto no contexto do GdS levou-me a

questioná-lo sobre que tipo de mudanças vislumbrava ter ocorrido em sua prática, como

participante no GdS.

Vanessa – Roberto, quais mudanças você vislumbra em sua prática? Roberto – Acredito que o principal aprendizado é o olhar sobre o aluno. Não vejo mais apenas o resultado final que aluno apresenta em vista daquilo que foi planejado e marcado como objetivo. Diria até que, muitas vezes, o resultado final fica em segundo plano. Agora, valorizo o caminho que o aluno fez na tentativa de chegar àquele objetivo. Aprendi a olhar para a riqueza deste processo de aprendizado.

Diferentes Espaços Formativos e a Desnaturalização sobre o

Ensinaraprender Matemática

Em entrevista, Roberto revela, ainda, que durante a graduação não se deu conta

sobre a importância das disciplinas pedagógicas. Segundo ele, foi no GdS que encontrou

respaldo teórico para seu campo de atuação.

Vanessa - Você disse, certa vez, que no grupo encontra respaldo teórico para a sua prática, como é essa teoria? Em que ela ajuda? É a mesma do IMECC? Dos filósofos? Dos sociólogos da educação? Que teoria é essa que você encontra no grupo? Roberto - No meu caso, eu nem sabia a diferença entre matemática e educação matemática. Para você ter uma ideia, passei quatro anos de licenciatura sem saber essa diferença. É isso que me deu vontade de estar conhecendo o que é a educação matemática. Eu gosto da matemática pura, tanto que fui para o mestrado. Eu acho bonita a matemática! Mas isso me fez questionar muito, aquele sonho de professor que gosta de matemática, que quer que o aluno seja matemático, que o aluno demonstre e ache bonito aquilo. Então, quando eu me dei conta de que existe a educação matemática, comecei a questionar, a matemática é bonita para quem? De repente, esta não é a visão do aluno.

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Questionado sobre mudanças em sua postura, Roberto diz que, na rede de ensino

onde atua, fala-se muito em formação continuada, mas na formação continuada, os

cursos são muito rápidos e pouco conversam com a realidade escolar.

Vanessa - E como que você mudou? O que levou você a mudar? Roberto - Então, eu acho que é participar de um grupo ou de sempre se estar atualizando, conhecendo o que está ocorrendo, as formas como estão ocorrendo. Eu faço uma crítica à prefeitura, pois se fala muito em formação continuada, mas, para eles, formação continuada é você se inscrever naqueles cursos rápidos que oferecem. Mas isso não é formação continuada. Acho que formação continuada é você participar, por exemplo, do GdS. Eu até coloquei isso, neste ano, como sugestão. Aí, defendi esse tipo de formação.

Acerca dos desafios enfrentados com a indisciplina de seus alunos, Roberto

encontrou no projeto denominado “Escola Singular: Ações Plurais” (03/13809-0),

coordenado pelos professores da Ana Maria de Aragão e Guilherme do Val Toledo

Prado, da FE-Unicamp32, do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação

Continuada (GEPEC), um rico espaço de reflexão sobre sua relação com os alunos.

De acordo com a descrição do projeto, esse era um projeto de trabalho

compartilhado entre a universidade e a escola, onde buscava-se discutir com o corpo

docente estratégias de ação para superação de problemas relacionados a

comportamentos dos alunos,

[...] tendo como ponto de partida os dilemas cotidianos, a reflexividade docente e o trabalho interdisciplinar na escola, o presente projeto tem como objetivo promover o desenvolvimento profissional docente na busca coletiva de superação de dilemas cotidianos a partir da reflexividade, bem como na construção compartilhada do projeto pedagógico da escola voltado para a melhoria do processo ensino-aprendizagem. Para tanto foram definidos três eixos de trabalho a serem desenvolvidos até dezembro de 2005, sendo que o primeiro e o segundo já foram iniciados. [...] 1. Etapa de caracterização dos dilemas, problemas e temáticas provenientes da comunidade escolar [...]; 2. Realização de inúmeras reuniões entre pesquisadores da universidade, da escola e assessores da Secretaria Municipal de Educação para definição de pressupostos de elaboração do projeto político pedagógico escolar; 3. Discussão e execução das estratégias de ação previstas no ambiente escolar a partir do próximo ano letivo, sendo seus principais aspectos: - Realização de reuniões semanais de estudo e discussão e de seminários mensais, visando a promoção do desenvolvimento da reflexividade dos membros da comunidade escolar e da universidade; - Inserção de

32O projeto “Escola Singular: Ações Plurais” foi coordenado pela Profa. Dra. Ana Maria de Aragão e pelo Prof. Dr. Guilherme do Val Toledo Prado, da Faculdade de Educação (FE), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), na linha ensino público.

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estagiários de cursos de formação de professores (pedagogia e licenciaturas) provenientes da universidade; - Reorganização do trabalho da escola por trimestre com o desenvolvimento de projetos interdisciplinares envolvendo a escola toda em torno de temáticas únicas; - Implantação de assembleias de lasse como fórum de debates; - Implantação dos Projetos Recreio (merenda escolar oferecida em esquema de auto-servimento) e Rádio "Espaço-Aberto" e ainda, a organização do Grêmio Estudantil; - Realização de outras entrevistas com a comunidade escolar, no final, do ano letivo de 2005. Com base nestas considerações, acredita-se que com a viabilização deste projeto será possível trilhar caminhos na construção de uma nova escola, redimensionando sua função social não só enquanto instituição transmissora de conhecimento e formadora de valores, mas também como centro que produz sua própria cultura, seus próprios saberes de forma coletiva e reflexiva33.

Foi, então, que naquele cenário, iniciou junto com colegas e acadêmicos,

reflexões sobre o projeto pedagógico e estratégias para alterações nas relações

interpessoais no interior de sua comunidade escolar, tendo passado

[...] a valorizar e a investir na relação afetiva com meus alunos, a entender que um grito, uma conversa em hora não apropriada, uma resposta mal educada, uma disputa direta, um querer ser sempre ao contrário, um choro e tudo aquilo que muitas vezes chamamos de indisciplina, poderia ser um sinal de que algo estava errado. A parte afetiva estava abalada e, consequentemente, a cognitiva. E se este algo não fosse resolvido não teríamos provavelmente o tão esperado aprendizado. (BARBUTTI, 2008, p. 10)

Nesse espaço, Roberto demonstra ter (re)significado a relação afetiva com seus

alunos, passando a compreender diferentes implicações no processo de ensino e

aprendizagem. Foi nesse projeto que Roberto soube do GdS, tendo se interessado

imediatamente em participar, considerando sua necessidade de envolvimento com um

grupo especificamente voltado a discussões sobre ensino e aprendizagem de

matemática. Iniciou sua trajetória nesse grupo no ano de 2006 e continua participando

até os dias atuais.

No GdS, revela acreditar que “encontrei meu semelhante. Percebi que as

dificuldades que temos em sala de aula, que achava que eram minhas apenas, são

gerais. Isso dá um pouquinho mais tranquilidade para trabalhar”. Sobre esse ambiente

33 Informações obtidas na Biblioteca Virtual da Fapesp in: http://www.bv.fapesp.br/pt/auxilios/30864/escola-singular-acoes-plurais/. Acessado: 13/05/2015.

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de diálogo e análise da prática, Roberto aponta, com certa crítica, que “não ocorre na

Escola e não é oferecido pela rede municipal um espaço para isto” e, além disso, declara

que é no grupo que “sou valorizado como profissional”.

Acerca de seu sentimento sobre participar do GdS, despontam aspectos de

diferentes naturezas, revelando que, nesse espaço,

Posso compartilhar minhas experiências e ouvir outras, questionar e tirar dúvidas sobre minha prática, obter subsídios teóricos e indicações de leituras. Receber informações diretas sobre a gestão pública do ensino e de suas novas tendências, discutindo e tentando interferir nestas políticas. Posso desabafar e falar sobre minhas angústias de professor.

Roberto parece não só ter modificado o “olhar” para o aluno ou para a

matemática. Em sua fala sobre os primeiros planejamentos de aulas realizados, o

professor indica: “eu fui no livro didático e selecionei o que seria dado e a sequência dos

conteúdos do ano inteiro”. Após participar do projeto em sua escola e engajar-se em um

grupo de estudo, aponta que, em suas aulas, “agora, não é mais aquele pacote fechado”.

Revela, ainda, que, conhecendo experiências de colegas, “passei a utilizar

sistematicamente materiais como o Cuisenaire e Material Dourado em minhas aulas”.

Entretanto, pela interlocução com acadêmicos do grupo, compreendeu os limites do uso

dos materiais concretos. Percebeu que, dependendo do modo como esses materiais são

utilizados, os alunos podem se prender a aspectos secundários, como as cores das peças

do ábaco. Também indica que essa interlocução e as “interessantes cutucadas” dos

acadêmicos modificaram o modo como compreendia o conceito de fração. Essa parceria

– ele compreende – é constituída em vias de mão duplas, da seguinte maneira:

Os professores universitários têm um conhecimento teórico maior, que podem justificar e/ou dar apoio às nossas práticas de sala, o que permite ter um novo olhar sobre nossos alunos e pensar em novas práticas. De outro lado, permite ao professor universitário conhecer a realidade das escolas através dos professores da escola básica e assim rever a formação dos futuros professores. (Entrevista Professor Roberto, data?)

Esse tipo de parceria com acadêmicos, que encontrou no grupo, Roberto

também constituiu com as professoras dos anos iniciais de sua escola. Como parte de

sua jornada de trabalho, coordena e desenvolve com elas atividades de formação,

envolvendo principalmente atividades matemáticas. Segundo o professor, essa parceria

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resultou em “conversas, estratégias, formação conjunta, planejamento curricular e de

aula e desenvolvimento de atividades com os alunos do ciclo”.

Roberto era o único professor de matemática da escola. Como tinha dedicação

exclusiva, conseguiu desenvolver um grupo de estudo com professoras de séries iniciais.

À medida que novas ideias surgiam no contexto no GdS, a forma de ensinar matemática

da escola foi mudando, como um todo. Os resultados desse trabalho colaborativo foram

apresentados por Roberto, ao participar de uma mesa-redonda no III Seminário de

Histórias e Investigações de/em Aulas de Matemática (SHIAM).

Em relação aos limites do grupo, comenta: “eu vejo muitas ideias boas, mas você

vê pessoas que trabalharam tão bem durante dois anos na escola e que a abandonam.

Ou, então a escola mudou, o professor precisou largar a experiência e os alunos não

eram mais a mesma coisa”. Roberto destaca que precisamos analisar essas experiências

também do ponto de vista das políticas públicas. Sintetiza, dizendo que “gostaria de ter

mais tempo para se dedicar aos estudos em comunidades como do GdS”.

Sobre o que mobiliza sua participação no grupo, resume: “Acho que participar

de um grupo como o GdS implica ser questionado sempre. Estamos sempre sendo

cutucados. Agora, se você sair dele e ficar só na escola, você acaba ficando com alguns

vícios. Queira ou não, esse modelo de escola nos sufoca”. Aproveitando a deixa, em

seguida, o questiono:

Vanessa – A que tipo de vícios você se refere? Roberto - De procedimento mesmo, de atitude que tem com os alunos, de julgar e de dizer que o culpado é o aluno e de não olhar para a própria aula. Mas, aí você vê que professores que têm essa postura têm uma jornada grande de Estado e Prefeitura, estão cansados. Às vezes têm quatro escolas. Se não tiver alguém cutucando, motivando.... Nessa escola, eu tenho vários professores que estão se aposentando. Eu até entendo, estão cansados. E sabem que mudanças dão trabalho. Preparar aula, eu até respeito a atuação docente deles. Mas, aí, se você não tem nada que incentive, acaba indo junto. (Entrevista Professor Roberto, data?)

Roberto destaca, ainda, sobre seu envolvimento em um grupo fora da escola,

que considera muito “importante este olhar externo, pois muitas vezes, por estarmos

envolvidos diretamente no processo, não conseguimos perceber detalhes importantes. E

esse estranhamento consigo ter em meu grupo de estudo”.

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Motivado pela prática colaborativa que encontrou no GdS, constituiu com as

professoras dos anos iniciais de sua escola um pequeno grupo colaborativo. Essa função

de formador de professores em serviço faz parte de sua jornada atual de trabalho e

consiste no desenvolvimento e no estudo de atividades matemáticas com as

professoras, envolvendo conversas, estratégias, formação conjunta, planejamento

curricular e de aula e desenvolvimento de atividades com os alunos do ciclo (entrevista).

Nos últimos anos, a parceria de Roberto com as professoras dos anos iniciais foi

interrompida, pois algumas classes em que atuava foram fechadas. Logo, Roberto

precisou completar sua carga em outra escola, o que o impossibilitou de continuar a

contribuir com suas colegas. As notícias mais recentes são de que Roberto já se encontra

adaptado à nova escola, uma escola pequena, como gosta de frisar, em que pode

conhecer seus alunos desde “pequetititos”.

Tanto na matemática pura, como na educação matemática, Roberto poderia ter

optado por seguir a carreira acadêmica. Inclusive, na rede em que atua, Roberto poderia

ter optado por atuar como formador de professores.

Sobre a vida do professor, é preciso dizer que o professor atua em uma rede que

tem um dos melhores salários do Brasil, apesar de as condições de trabalho serem

complexas como na maior parte das redes de ensino desse país, Roberto acredita que

tem boas condições de trabalho. O professor, inclusive, conta atualmente com espaços

formativos voltados à educação matemática. Por suas condições de carreira e por opção,

apesar das oportunidades de se tornar formador ou acadêmico, Roberto tem se

sustentado como professor de matemática da escola básica.

Na entrevista, fiz questão de chamar atenção para algo importante que Roberto

levantou em sua fala no III SHIAM.

Vanessa – Você disse algo no SHIAM que acredito que não podemos perder de vista: os grupos não podem ser compreendidos como panaceias. Roberto - Na área de exatas, eu sempre procurava uma solução. Na educação não tem uma única solução... Quer dizer, a solução é aceitar a subjetividade de cada escola, dos alunos. Então você tem que entrar com várias formas para tentar atingir tudo. É por isso que eu falo, não existe a solução. A solução é aquela que você tem que descobrir que irá dar certo naquela escola, naquele momento.

Roberto revela, também, dois aspectos que temos problematizado pouco, em

minha opinião. Por um lado, aponta a função terapêutica do grupo, destacando que

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“quando você não está legal, você pode vir aqui e desabafar. Acho que tem isso

também”. Por outro lado, menciona também a falta de sustentabilidade de alguns

professores, participantes de grupos colaborativos na escola, dizendo: “eu vejo muitas

ideias boas, mas você vê pessoas que trabalharam tão bem durante dois anos na escola

e que abandonam a escola”. E prossegue: “[...] ou, então a escola mudou, ou o professor

precisou deixar os alunos”.

Sobre seu sonho como professor, na primeira entrevista, Roberto destacou que

“é conseguir fazer meus alunos gostarem de matemática”. Em particular, como projeto,

revela que gostaria de continuar realizando o trabalho com o grupo dos anos iniciais.

Terminei a nossa primeira entrevista, questionando se poderia utilizar seu nome

original. Roberto, então, lembrou-se das falas de Guilherme34 sobre Bakhtin. Segundo

Roberto, a autoria do que falamos vem dos outros. Em seu relatório, faz a seguinte

síntese:

A ideia de Bakhtin é que a minha fala, na verdade, não é minha, mas é resultado da fala dos outros e que eu me aproprio das palavras dos outros e, na interação com estas, surge o que falo. Esta ideia deu, para mim, possibilidades de responder à questão da autoria. Se pensarmos assim, os trabalhos escritos, independente de quem os escreveu, são resultados das falas de todos os integrantes do projeto e estas de interações com outros (não necessariamente de dentro da escola). Portanto, não faria sentido a definição de apenas um autor ou, no mínimo todos seriam autores. Em uma visão macro, consequentemente, teríamos a socialização do conhecimento onde ninguém poderia comprar direitos de autoria, por ser criação de todos.

Assim, Roberto me ajuda a recordar que esta tese só é possível de ser escrita

em razão da generosidade de meus interlocutores e dos sujeitos participantes deste

estudo. Embora este texto possa gerar um título que será atribuído a mim, o processo

de sua produção é todo social.

34 Prof. Dr. Guilherme do Val Toledo Prado (FE/Unicamp), coordenador do GEPEC e, como já citei, um dos professores da universidade que participaram do projeto “Escola Plural”.

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Experiências de Desenvolvimento Profissional de

Eliane

Eu sou aquela mulher a quem o tempo muito ensinou.

Ensinou a amar a vida e não desistir da luta,

recomeçar na derrota, renunciar a palavras

e pensamentos negativos. Acreditar nos valores humanos

e ser otimista. Creio na força imanente

que vai gerando a família humana, numa corrente luminosa

de fraternidade universal. Creio na solidariedade humana,

na superação dos erros e angústias do presente.

[...] Aprendi que mais vale lutar do que recolher tudo fácil.

Antes acreditar do que duvidar Cora Coralina, Ofertas de Aninha (1997)

Eliane, atualmente, é professora doutora, formadora de professores e

pesquisadora de uma universidade federal no sul de Minas Gerais. Desde que nos

conhecemos no GdS, em 2007, acompanho a trajetória de uma educadora

matemática que se destaca por seu compromisso com a escola pública, com os

grupos colaborativos, por suas produções sobre aulas exploratório-investigativas e,

mais recentemente, sobre aprendizagem do professor que ensina matemática.

Constantemente, Eliane tem sido convidada a falar sobre o direito de os

professores participarem de práticas alternativas de desenvolvimento profissional,

como no episódio que abre este capítulo, no qual defende o reconhecimento da

participação em grupos colaborativos. Sobre isso, segundo ela, “tudo o que me move

nessas questões políticas, vamos dizer assim, é tentar fazer com que seja reconhecido

oficialmente aquilo que me transformou como professora” (entrevista).

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Mas não é apenas por suas falas eloquentes e reivindicatórias que Eliane tem

tido seu trabalho reconhecido na comunidade de educadores matemáticos. Como

veremos nesta narrativa, Eliane também tem se destacado como pesquisadora e

pelo protagonismo de suas ações como professora e, atualmente, como formadora

de professores que ensinam matemática.

Para além de reivindicações, essa educadora matemática propõe e realiza

mudanças. Desde o momento em que passou a atuar como formadora de

professoras, suas preocupações também têm sido relacionadas à conceituação do

letramento e da aprendizagem docente do professor que ensina matemática.

Ao longo de quatro anos, além de nossas interações em três diferentes grupos

de pesquisa (GdS, PRAPEM e GEPFPM), entre os anos de 2012 a 2015, foram

realizadas duas entrevistas. No início de 2012, realizei a primeira entrevista com

Eliane, na própria Unicamp. Para atender uma orientação de Dario e para cumprir o

que gosto de fazer em minhas entrevistas, iniciei com questionamentos mais

pessoais. Para isso, tomei como base o memorial da dissertação de Eliane: selecionei

excertos para compreender sua trajetória de educadora matemática (Apêndice 01)

e solicitei que Eliane realizasse comentários sobre eles. Em seguida, teci

questionamentos para tentar compreender como Eliane começou a participar do

GdS e para conhecer suas percepções sobre o grupo. Após retornar do Canadá,

concluí que seria pertinente realizar outra entrevista.

No momento em que iniciei a escrita da narrativa, busquei produções escritas

sobre experiências vividas no GdS e em outros contextos e consultei memórias e

transcrições de encontros do grupo. Em um primeiro momento, relato aqui um

episódio no qual se pode compreender a forma como ela se destaca por sua

trajetória investigativa no contexto do GdS. Nesse momento, em parceria com

colegas, produz materiais, pesquisa, analisa atividades dos estudantes e publica os

resultados. Em uma segunda parte da narrativa, narro momentos nos quais as aulas

exploratório-investigativas eram motivo de discussão no grupo e influenciariam os

estudos e as contribuições de Eliane em relação à temática, sobretudo na

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conceituação de aulas investigativas. Também se destaca ali a importância que

Eliane dá para a escrita em aulas de matemática.

Na segunda entrevista que realizei, ao final de 2015, visando compreender

sua trajetória de desenvolvimento profissional, minha intenção era compreender

melhor sua relação com outras comunidades e com uma postura de dedicação aos

estudos. Em um terceiro momento, Eliane e eu também conversamos sobre a

narrativa constituída.

No relato que segue, tomei como fio condutor a primeira entrevista que

realizamos – trechos que estão marcados por aspas ou transcritos na íntegra, pela

riqueza de seu conteúdo. Nesse movimento, também, trago outros documentos

como partes de nossa interlocução – excertos citados. A partir de uma perspectiva

de desenvolvimento profissional, que se pretende sensível às histórias pessoais e às

experiências vividas, narro aspectos da vida de Eliane que me ajudam a compreender

o fenômeno do desenvolvimento profissional em uma comunidade fronteiriça.

Matrizes, determinantes e sistemas, ou sistemas, matrizes e determinantes?

Em 2009, os temas estudados no GdS foram especialmente diversos. Para que

pudéssemos desenvolver projetos voltados à diversidade de interesse do grupo, que

naquele ano estava com um número grande de participantes, cerca de 25 por

encontro, tomamos a decisão de constituir subgrupos. Os temas levantados pelo

grupo foram: álgebra linear, medidas para os anos iniciais, frações, funções, arte e

matemática.

Sendo assim, naquele ano, parte dos encontros foi destinada a reuniões

desses subgrupos, e cujos estudos foram pautados pela literatura específica de cada

tema, pelas práticas de sala de aula e, por vezes, pela análise de material curricular.

Esse foi o caso do grupo de álgebra linear. A professora Lílian propôs o estudo de

álgebra linear, incluindo matrizes, sistemas e determinantes. Para ela, esses são

assuntos geralmente abordados de modo separado, mas que conceitualmente

podem ser trabalhados conjuntamente. O interesse de Lílian era continuar um

projeto desenvolvido no Colégio de Aplicação, da Universidade Federal do Rio de

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Janeiro (CAp – UFRJ), onde atuava como professora do ensino médio. Naquele

período, Lílian, em seu então projeto de doutorado, já previa que

[...] recentemente, o MEC divulgou a Matriz de Referência para o novo Enem. Esse documento (que provavelmente norteará os conteúdos priorizados no ensino médio nos próximos anos) sequer cita matrizes e determinantes. Do que se vem estudando tradicionalmente em álgebra linear nas escolas, só aparecem os sistemas lineares. Mesmo que o estudo de Matrizes e Determinantes seja completamente retirado do ensino médio, penso que a reflexão que se fará junto aos professores servirá para o aprofundamento dos conteúdos matemáticos e servirá como exemplo do que se pode realizar em outras áreas do conhecimento matemático. (SPILLER, 2010, p. 8)

A partir da percepção de que matrizes e determinantes poderiam ter outras

abordagens e que se fazia necessária uma reflexão sobre esses conteúdos, Lílian

constituiu, inicialmente, uma parceria com Eliane, que desenvolveu com os

estudantes do ensino médio as tarefas elaboradas pelo subgrupo. Em seguida,

agregaram-se ao subgrupo Fernando e Renata, que também se interessaram pela

temática.

Inicialmente, o grupo estava interessado em discutir a pertinência sobre a

ordem a ser seguida no ensino dos conteúdos matrizes, determinantes e sistemas,

conforme apontou Eliane no início da apresentação de seu subgrupo ao GdS:

[...] a nossa preocupação maior está sendo no ensino, não no como eles [os alunos] aprendem, mas no modo como ensinamos, esse foi nosso maior foco. Eu começo colocando aqui: matrizes, determinantes e sistemas, ou sistemas, matrizes e determinantes? Colocamos esse título porque o primeiro insight do trabalho era tentar inverter um pouco o que é trabalhado, geralmente, nos livros didáticos. Queríamos dar mais importância aos sistemas em relação às matrizes e fomos buscar na literatura se essa concepção estava sendo discutida. (Eliane, transcrição encontro 26 set. 2009)

No contexto desse subgrupo, os participantes se propuseram a elaborar uma

sequência didática que foi utilizada, como destaquei, por Eliane. No último encontro

de setembro de 2009, a experiência desenvolvida em sala de aula foi socializada e

discutida no GdS. Segundo Eliane, “queríamos iniciar o trabalho com os alunos com

sistemas, para depois ensinarmos matrizes e fomos, então, buscar na literatura se

essa concepção estava sendo discutida” (transcrição encontro 26 set. 2009). A

professora, então, contou como foi o desenvolvimento desse trabalho no subgrupo:

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[...] no início, tentamos elaborar uma sequência didática, queríamos compreender o que seria mais adequado, dar um problema primeiro ou dar uma explicação primeiro? Então, tentamos montar uma sequência e as nossas primeiras percepções foram que esses conteúdos não são estanques, não dá para trabalhar só sistemas, só matrizes, só determinantes, pois estão relacionados e a importância era dar significados, não adiantaria trabalhar um de cada vez sem saber o que significam. E ao tentar elaborar essa sequência, percebemos que é muito mais tenso que qualquer livro didático, que qualquer proposta tenta apresentar, envolve muito mais do que vemos nos livros e a nossa ideia com a sequência era tentar promover uma visão do todo (Eliane, transcrição encontro 29 set. 2009).

Com influência da semiótica, conceito estudado por Eliane em um curso de

especialização que fizera em anos anteriores, o subgrupo teve a intenção de

entender as diversas formas de representação de um mesmo conceito. Com isso, ao

idealizar a sequência didática, o objetivo foi “evidenciar uma relação entre os

conteúdos, tentando proporcionar ao aluno uma real compreensão dos conceitos,

através da relação entre seus diversos registros de representação semiótica (DUVAL,

2003)” (CRISTOVÃO; SPILLER, 2006, p. 05). No encontro, o subgrupo apresentou as

situações problema propostas aos estudantes, dentre as quais:

A1. Vamos iniciar o estudo de Sistemas Lineares, Matrizes e Determinantes. Para isso, começaremos resolvendo alguns problemas! P1. Luciano usou apenas notas de R$ 20,00 e de R$ 5,00 para fazer um pagamento de R$ 140,00. Descubra quantas notas de cada tipo ele usou, sabendo que no total foram 10 notas. P2. No início de uma reunião, o número de homens era 3 a menos que o de mulheres. Duas horas depois o número de homens havia aumentado em 8, o de mulheres havia dobrado e a quantidade de homens e de mulheres era a mesma. Quantos homens e quantas mulheres havia no início da reunião? P3. Pedro resolveu comprar um tênis e, para tal, foi conferir a quantia que possuía em seu cofre. Nesse cofre, ele guardava moedas de R$ 0,25 e R$ 0,50. Após conferir tudo, Pedro constatou que possuía 568 moedas, totalizando um valor de R$204,00. Deste total, quantas moedas são de R$ 0,25 e quantas são de R$ 0,50? (CRISTÓVÃO; SPILLER, 2006, p. 12)

Eliane explicou que, para resolver esses problemas, os estudantes foram à

lousa, mostrar como realizaram. Nesse momento,

[...] eu não trabalhei com eles a obrigação de criar todas as equações, os alunos precisariam apenas resolver os problemas, pelos caminhos

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que eles quisessem, inclusive, alguns fizeram por tentativas em questão de segundos, outros montaram uma tabela para organizar as tentativas, outros tentaram montar a equação, mas resolver o problema por um sistema de equações, ninguém resolveu, eles usaram outros caminhos (Eliane, transcrição encontro 26 set. 2009).

Para estes primeiros problemas, segundo Eliane, apareceram três tipos de

resoluções: 1) feitas por tentativas sem organização em sistemas, 2) organizadas em

esquemas e, também, 3) tentativa de montar sistemas. Sobre a correção, no texto

escrito em parceria com Lílian, a professora explicou que

[...] vários alunos expuseram suas diferentes formas de pensar e houve uma intensa participação da classe, buscando entender como seus colegas haviam pensado. Porém, os sistemas não apareceram. Apenas um grupo de três alunas, que normalmente têm as melhores notas da turma, chegou a tentar montá-los, mas encontrou muita dificuldade (CRISTOVÃO; SPILLER, 2006, p. 06).

Foi, então, que a partir das formas como eles foram apresentando as

resoluções, Eliane foi associando aos sistemas, montando as equações relativas a

cada problema para resolver, organizando aqueles que estavam desorganizados.

A professora descreveu, então, que apresentou a resolução dos problemas

utilizando sistemas e representação gráfica, mesmo tendo ultrapassando o tempo

planejado para a atividade:

[...] ao partir dos raciocínios dos alunos, passando pela montagem e resolução do sistema através dos métodos da substituição e adição e por sua representação gráfica, percebi que o tempo previsto para a resolução dos problemas em muito seria ultrapassado. Mesmo assim, resolvi levar adiante a ideia, gastando seis aulas apenas para a realização dessas correções/construções coletivas. Acredito que valeu a pena, pois os alunos puderam comparar sua maneira de pensar com as equações montadas e compreender o significado atribuído às letras em cada equação. (CRISTOVÃO; SPILLER, 2009, p. 06).

Sobre o tempo dispensado por Eliane à atividade, Dario destacou que,

[...] quando você trabalha de uma maneira mais exploratória e observadora, o aluno vai perceber que sempre está pensando, em cada caso, para ver se aquilo tem validade mesmo ou não. E aí exige do aluno muito mais capacidade de refletir, de analisar, de produzir sentidos sobre o que está estudando no momento. Isso é muito mais importante no ponto de vista da formação do aluno, mas, claro, você abandona aquela perspectiva mais tradicional. (Dario, transcrição encontro 26 set. 2009).

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Sobre a resolução da passagem dos estudantes em sistema, Eliane apresentou

graficamente as respostas para eles. Eliane destaca que, apesar do tempo dedicado

à explicação,

[...] a interpretação da representação gráfica não foi tranquila. Muitos alunos não entendiam que as duas retas eram a representação gráfica das duas equações e que o ponto de interseção entre elas correspondia à solução algébrica encontrada. Durante as seis aulas, fui tentando mostrar, de diversas formas, que cada ponto de uma reta era uma possível solução para uma das equações do sistema, mas que nem sempre o ponto satisfazia a outra equação (CRISTOVÃO; SPILLER, 2009, p. 06).

No encontro, Dione destacou que “o problema não é o conceito, mas a tarefa

escolar”, uma vez que “a tarefa escolar que eles tinham feito era de comparar

funções e aqui era uma tarefa de pegar cada sistema e ver o que acontecia com as

retas”. Segundo ela, “foi a tarefa escolar que eles não entenderam, não foi o

conteúdo. Para você perceber essa função, tem que jogar sistema por sistema”

(Dione, transcrição encontro 26 set. 2009). Sobre isso, Eliane apontou que uma

dificuldade encontrada foi “interpretar o sistema como uma equação matricial,

problemas de otimização também usam sistema de equações lineares, definição de

determinantes, porque faz determinante para decidir se a matriz tem solução ou

não”.

Ao final da experiência vivenciada pelo subgrupo sobre o ensino de Matrizes,

Eliane e Lílian concluíram que “esse ensino deve ser paralelo ao ensino de sistemas,

para auxiliar na sua compreensão, como ferramenta na resolução e interpretação de

problemas, e não como um tópico isolado da matemática” (CRISTOVÃO; SPILLER,

2009, p. 06). Ainda sobre a aprendizagem dos estudantes, Lílian acrescentou que:

Se conseguirmos fazer com que os alunos saiam sabendo o essencial em cada série, talvez a seguinte seja menos problemática. As equações sem solução ou indeterminadas são trabalhadas? Mostramos dois ou três exemplos desse tipo de equação e depois só se trabalha com equação que tem solução. Acredito que temos que trabalhar com situações que não têm solução ou que têm múltiplas soluções, pois assim quando os estudantes chegarem às situações abstratas na matemática, eles não vão achar estranho. (Lílian, transcrição encontro 26 set. 2009).

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As experiências de colaboração, relação com outras comunidades, reificação

e socialização vividas por Eliane, protagonista desta narrativa, em parceria com

colegas do GdS, no estudo desenvolvido com o subgrupo de álgebra linear, foram

parte de tantos outros movimentos de desenvolvimento profissional protagonizados

por ela durante seu período de participação no grupo. Nesta narrativa, foi possível

apresentar alguns desses movimentos vividos por ela no GdS ou que chegaram a essa

comunidade de alguma maneira.

Licenciatura, a alternativa...

Assim como na vida de muitos outros professores brasileiros, a docência

chegou para Eliane sem ter sido uma escolha consciente. Proveniente de uma família

de trabalhadores do interior paulista, Eliane é a mais velha de três irmãos e fez parte

da primeira geração que teve acesso ao nível superior de ensino. Na primeira

entrevista que realizei com ela, lembrou-se de que só foi “fazer Matemática para

fazer faculdade, esse era o único curso noturno da Unicamp e gostava da disciplina”.

Completou dizendo que, em razão de sua condição social, “a oportunidade de

estudar numa universidade era o mais importante”. Revelou, também que foi apenas

depois de ingressar na faculdade que veio a saber o significado da palavra

licenciatura.

Estudante egressa da rede estadual paulista, foi na escola que veio a conhecer

a possibilidade de estudar em uma universidade pública. No memorial de sua

dissertação de mestrado, ela destacou que desconhecia a existência desse tipo de

universidade. Ao relacionar com a sua, então, atuação como professora, destacou

que “como a maioria dos alunos com os quais convivo hoje, na rede pública estadual,

eu não me preocupava muito com qualquer escolha; fazer uma faculdade não fazia

parte das minhas perspectivas” (CRISTOVÃO, 2007, p. 06).

Foi, então, que se lembrou da importância de dois professores, em sua

trajetória, que a orientaram em relação à possibilidade de ingresso na universidade.

Segundo ela, foi o professor Washington que a apresentou à Unicamp, por uma

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convocação para a Olimpíada de matemática, mas foi, mesmo, pela história de

superação do professor ao relatar as dificuldades que passou no tempo da graduação

que Eliane ficou motivada a pensar em cursar uma faculdade. A professora Valéria,

por sua vez, ajudou-a a desconstruir a ideia de que, para alunos de escola pública,

ingressar na Unicamp não era uma possibilidade viável.

No início dos anos 90, o ingresso no curso de licenciatura em matemática na

Unicamp foi uma surpresa para ela. Eliane relata que “me dei conta da falta da minha

bagagem cultural e científica quando fiz parte do batalhão que enfrentou o temido

vestibular” (CRISTOVÃO, 2007, p. 06). Mas os desafios só estavam começando, pois,

enquanto estudante do curso de matemática, destaca que, apesar de conseguir ser

bem-sucedida nas disciplinas pedagógicas, nas disciplinas “da matemática,

propriamente ditas, as lembranças mais fortes são as lágrimas derramadas durante

muitas aulas de cálculo do 1° ano” (CRISTOVÃO, 2007, p. 07).

Sobre isso enfatizou que o “encantamento” com o curso veio na Faculdade

de Educação, uma vez que, se fosse “olhar pelo lado das disciplinas que eu fazia no

Instituto de matemática, eu teria desistido” (entrevista). Esse encantamento vivido

por ela ressoa em uma sequência didática constituída por Eliane, que foi gentilmente

concedida por ela a mim. Em razão da disciplina de Didática da Matemática,

ministrada pela professora Maria Ângela Miorim, Eliane realizou uma sequência

didática para o ensino de equações do 2º grau. No extenso relatório, Eliane já

compreendia que “é muito importante, durante o período de planejamento, ter

acesso a uma grande quantidade de material com informações sobre o tópico a

tratar, para que se possa sintetizar o melhor do que há em cada livro, apostila,

proposta, etc.” (CRISTOVÃO, 2007, p. 22).

Outro fator decisivo para a conclusão do curso de matemática veio no terceiro

ano de curso: “Em 1992, diferentemente da situação atual, as aulas de matemática

eram abundantes na rede pública. Mesmo sendo estudante iniciante do terceiro ano

da faculdade, consegui aulas livres na própria escola onde havia estudado”

(CRISTOVÃO, 2007, p. 08). Foi nesse momento que “comecei também a aprender

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Matemática, aquela matemática que me faltava para fazer as disciplinas do IMECC”

(entrevista).

O início da docência e a especialização...

Nesse mesmo ano, outros fatores também viriam a mudar a vida de Eliane

definitivamente: “num só ano me tornei professora, engravidei, casei, virei mãe,

esposa e ainda aprendi a estudar... Era tanta mudança de uma vez só... Tudo meio

aos atropelos, inclusive a nova profissão” (CRISTOVÃO, 2007, p. 08). Em nossa

primeira conversa, pedi que ela me contasse sobre essa fase de mudanças, conforme

transcrito no excerto abaixo.

Vanessa - Conta mais sobre essas mudanças que relata em seu memorial. Eliane – Em 1992, acho que foi em março, que me tornei professora. Eu deixei meu cargo de auxiliar administrativa em uma transportadora e comecei a ser professora de matemática. Acho que um mês depois, eu engravidei. Após três meses, eu me casei. Tudo acontecendo junto. Quando eu falo sobre aprender a estudar, é porque começando a dar aula e tendo minha própria casa, o meu espaço, eu conseguia estudar. Eu, também, dava aula na rede estadual, mas não era o dia todo, como quando eu trabalhava na transportadora. Aí eu comecei a ter tempo para estudar, encarei aquilo como um desafio porque era a terceira vez, terceiro ano (as disciplinas eram anuais) que eu estava fazendo Cálculo I. Eu fiz Cálculo I, no primeiro ano reprovei; fiz Cálculo I no segundo ano, reprovei; estava fazendo pela terceira vez. Eu pensei "Não - agora ou eu passo nesse Cálculo I ou eu desisto de vez!". E eu não queria desistir, porque eu estava me tornando professora. Eu percebi, então, que ou eu sentava e fazia exercício, ou eu não conseguiria passar em Cálculo. Então, como eu estava grávida, tinha casado, tinha começado a lecionar, foi o ano que eu optei por pegar duas noites só, eu peguei uma disciplina pedagógica e só o Cálculo. Abandonei todas as outras disciplinas. Então eu tinha tempo para estudar. Eu fiz muitos exercícios!

Mas não era só um espaço físico que Eliane conquistava. Complementar a

esse movimento, ela encontrou um sentido para profissão, uma vez que, sendo

professora do ensino básico, vislumbrou novos motivos para enfrentar as

dificuldades quase naturalizadas das disciplinas específicas de matemática de seu

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curso de graduação. Eliane passava, também, a se reconhecer e a ter seu espaço

como profissional:

Vanessa – Fala mais sobre esse início da docência. Eliane - E aí você vai se encantando, justamente por perceber que naquele espaço você se torna um profissional. Por mais que fosse no início da carreira, sentia que era uma profissão [...]. Fui percebendo que aquela profissão estava me dando base para fazer o curso que gostaria de fazer, mas não estava conseguindo dar conta. Vendo-me como uma profissional, fui conseguindo aprender para dar conta do curso.

Identifiquei-me com o processo pelo qual Eliane passou, ao ingressar na rede

estadual de ensino. Parece-me que, assim como eu, ela faz parte de uma realidade

social na qual ser professor é, de certo modo, ter acesso à estabilidade e a direitos

que, infelizmente, ainda não são garantidos a toda classe trabalhadora brasileira.

Sobre os primeiros anos de docência, Eliane explica que tentava reproduzir o

modo como fora ensinada na escola. Também revelou que “as aulas eram baseadas

unicamente em livros didáticos” (entrevista). Como muitos professores iniciantes, a

professora parece ter inicialmente embasado sua prática em seus saberes

experienciais. Quando questionei sobre como eram suas aulas no início da carreira,

Eliane contou que desde o início fora preocupada com o preparo de suas aulas e, até

mesmo, com certa diversidade ao consultar diversos livros didáticos.

Vanessa – Conta como eram suas aulas no início da carreira. Eliane - Desde o início, por mais tradicional que fosse a minha aula, eu sentia falta de ouvir os alunos. Então, eu estou sempre dialogando. [...]. Quando eu comecei a dar aula, a minha preocupação era terminar o conteúdo. Eu tinha que pegar aquele currículo, aquele planejamento que eu tinha feito no início do ano e dar conta de tudo aquilo. Eu preparava aulas com quatro, cinco livros didáticos na minha frente. Mas eu tinha que dar conta de tudo.

O tempo e as diferentes experiências vividas, tanto em cursos diversos de

especialização como no GdS, fariam com que se tornasse mais flexível, não que isso

a tornasse menos preocupada com suas aulas. Ao contrário disso, atualmente, Eliane

se considera ainda mais exigente com sua própria prática. De acordo com ela, “com

o grupo e com as discussões, com a especialização, acho que eu fui percebendo que

cumprir o conteúdo não era suficiente” (entrevista). Assim, cumprir o plano “deixou

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de ser a prioridade” (entrevista), e “a prioridade passou a ser construir com os alunos

aquele conceito trabalhado, e perceber se eles tinham realmente aprendido, se eles

tinham entendido” (entrevista).

Sobre a especialização que citou, essa ocorreu após o último ano do curso de

licenciatura em matemática. Informada pelos colegas de curso, Eliane decidiu se

candidatar a uma vaga para participar da Especialização em Ciência, Arte e Prática

Pedagógica. O curso, coordenado por Dario e Ângela Miorim35, denominado

Especialização em Ciência, Arte e Prática Pedagógica, destinava-se aos professores

em exercício das disciplinas de Artes, Física e Matemática, tendo por objetivo

“aprofundar aspectos prático-teóricos do trabalho pedagógico dentro de uma

perspectiva cultural” (FIORENTINI; MIORIM, 2001, p. 19). Naquele contexto, Eliane

se engajaria em mudanças “significativas em meu modo de ver o ensino e a

aprendizagem” (CRISTOVÃO, 2007, p. 09). Esse movimento ocorreu quando teve a

iniciativa de participar de “uma experiência em que reflexão e ação, teoria e prática

caminharam juntas” (p. 09).

No contexto dessa especialização, os professores participantes deveriam

desenvolver projetos “inovadores, no sentido de ser algo diferente do que os

professores estavam acostumados a realizar em sala de aula” (CRISTOVÃO, 2007, p.

21). Acerca do desenvolvimento do curso foram, então, refletidos e problematizados

coletivamente dois momentos: “um relativo à trajetória estudantil e profissional e,

outro, à experiência inovadora” (p. 21). Foi, então, que sob a orientação dos

formadores, cada professor desenvolveu, descreveu e avaliou um projeto de

pesquisa sobre um tema de sua própria prática.

Essas fases, para Eliane, seriam sintetizadas em “uma que retrata meu quebra-

cabeças de reminiscências estudantis e outra que, de tão recente e inovadora pelo

seu teor de pesquisa reflexiva, foi para a memória até mais confusa que a primeira”

(CRISTOVÃO, 2001, p. 55). A então professora da rede estadual e recém-egressa do

curso de Matemática realizaria, pela primeira vez, uma narrativa sobre sua trajetória.

35 Profa. Dra. Maria Ângela Miorim coordena o grupo História, Filosofia e Educação Matemática (HIFEM), da FE-UNICAMP.

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E apresentaria, nessa mesma narrativa, o desenvolvimento de atividades nas quais

explorou o uso do tangram, do geoplano e de vídeos para problematizar e explicar

conceitos de geometria e medidas para seus alunos de quinta série (atual 6º ano).

Curiosa por compreender o que a fez buscar esse tipo de formação, perguntei

a Eliane por qual razão havia escolhido participar desse curso, e ela revelou que esse

foi um modo de se aproximar das discussões pedagógicas e que “retornar à

Faculdade de Educação (FE) foi um prazer diferente e, como eu já estava lecionando

há quatro anos, senti essa necessidade mesmo, de pensar, de sala de aula, de fazer

o curso - foi maravilhoso” (entrevista). Para ela, “o curso mostrou a importância do

trabalho coletivo e da interação entre educadores na busca da reflexão sobre sua

prática” (CRISTOVÃO, 2007, p. 09).

Parte daquela turma de especialização buscou desenvolver um processo de

ação-reflexão mediante a realização de ações inovadoras. Para isso, debruçou-se no

desenvolvimento de atividades que trabalhassem com negociação de significados.

Como parte dessa experiência, foi publicado o livro Por trás da porta, que

matemática acontece? (FIORENTINI; MIORIM, 2010). Eliane, inclusive, teve

participação na síntese do título que, segundo ela, faz alusão à ideia de que, dentro

de quatro paredes, cada professor tem liberdade para desenvolver aquilo que julga

mais adequado com os estudantes.

Sobre esse período, Eliane destacou que foram dois anos de reuniões “em que

cada um podia contar com a contribuição de todos para (re)significar a história de

sua própria constituição profissional, desde a graduação até a experiência de

inovação da prática pedagógica vivida na especialização” (CRISTOVÃO, 2007, p. 09).

Sobre esse período, conclui que foi extremamente formativo e rico em colaboração,

por vezes, “pareceu árduo e cansativo [...], mas seu fim gerou um sentimento de

vazio que levaria muitos de nós a procurar alguma forma de suprir a falta daquela

vivência”.

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Participação no GdS – Aulas e Atividades Exploratório-Investigativas...

Após relatar seu envolvimento com essa especialização, questionei se havia

sido daí que surgiu o interesse de Eliane por participar do GdS. Ela disse que veio a

saber do GdS, mas que seu interesse em participar do grupo aconteceu no momento

em que começou a atuar num projeto de reforço escolar, denominado “Números em

ação”, promovido pela Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo (SEE-

SP), que propunha a utilização da informática por professores e estudantes de 5ª e

6ª séries (atualmente 6º e 7º ano). Com essa experiência, Eliane ficou instigada em

conhecer o que havia por detrás daquela política. Em contato com Dario, foi

convidada a participar do GdS.

Foi assim que, no ano de 2003, Eliane passou a frequentar o GdS. Mas é

preciso destacar que, antes de iniciar sua participação nessa comunidade, a

professora constantemente participou de outros espaços formativos:

[...] sempre estive em contato com o meio acadêmico de outras universidades por meio de cursos oferecidos pelo Estado ou de cursos particulares, fossem eles presenciais, semipresenciais ou on-line. Em 2003, apesar da vivência desses cursos, devido à falta de um espaço de reflexão como o que vivenciei durante a elaboração do livro, voltei à Unicamp, onde reencontrei, no Grupo de Sábado (GdS), aquele mesmo trabalho colaborativo. (CRISTOVÃO, 2007, p. 09)

Sobre essa participação em outras comunidades, questionei, na segunda

entrevista, como ela compreendia esse seu desejo de estudar. Eliane, então,

lembrou-se de que no Ensino Médio, mesmo com as aulas suspensas por conta de

uma greve que durou três meses, em razão de seu interesse, contou com a

colaboração de professores que auxiliavam com os estudos para o vestibular.

Lembrou-se, então, que ia até a casa da professora de biologia para estudar genética

e que também procurou a professora Valéria, de matemática, para auxiliar na

resolução de problemas que estava estudando para o vestibular.

Na primeira entrevista, questionei se observava mudanças diretas em sua

prática após passar a participar do GdS. Eliane lembrou-se de uma atividade na qual

trabalhou com o uso do software Winplot para ensinar geometria. Sobre isso,

afirmou que a ideia de trabalhar o software em sala de aula surgiu mediante

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participação em uma oficina no I SHIAM. Entretanto, segundo ela, foi no grupo que

percebeu outras maneiras de trabalhar com essa ferramenta, ao refletir sobre como

estava trabalhando e ao tomar contato com as aulas exploratório-investigativas.

Em 2008, Eliane levou o software ao conhecimento do GdS. Em um de nossos

encontros de maio daquele ano, na sala de informática da FE, Eliane e Fernando –

apresentado na narrativa introdutória desse capítulo – introduziram possibilidades

do uso dessa ferramenta em uma perspectiva investigativa. Os participantes, então,

desenvolveram atividades que visavam a essa exploração do software. De modo

interativo, discutimos possibilidades de trabalho nas escolas, na perspectiva que

acreditávamos ser a mais exploratória dos sentidos matemáticos.

A partir desse estudo, que relacionou a perspectiva da atividade exploratório-

investigativa com o software e a proposta curricular “São Paulo Faz Escola”, ela

desenvolveu um projeto que intitulou “Investigações no Winplot – um outro olhar

para as funções polinominais”.

De acordo com o relato dessa experiência escrita e publicada por ela no blog

do GdS36, em um primeiro momento, Eliane explicou para seus alunos o que seriam

as aulas exploratório-investigativas. Iniciou expondo que “existem aulas que não

podem ser enquadradas no que chamamos de ‘modelo tradicional’ (professor

explica - aluno aprende e resolve exercícios - professor corrige)”.

Em seguida, tomando por base suas próprias produções no contexto do GdS

e os estudos de Ponte (2003), destacou que, nessas aulas, “as tarefas não são como

os exercícios e problemas que resolvemos normalmente” (CRISTOVÃO, 2008b, p.

05). De acordo com a professora, “estas ‘tarefas’, como são chamadas, não têm uma

resposta única”. Destacando o papel do aluno, apontou que será justamente “criar

questões, levantar conjecturas (hipóteses), inspirado pelo conteúdo da tarefa, além

de testar e buscar comprovar as conjecturas levantadas” (p. 04).

Após essa explicação, Eliane apresentou as atividades e expôs como seriam

desenvolvidas essas aulas. Os grupos, de até quatro alunos, deveriam se organizar

de modo que houvesse funções definidas: dois relatores, um redator e o

36http://grupodesabado.blogspot.com.br/winplot. Acesso em: 20ago. 2014.

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coordenador do grupo. Todos os integrantes deveriam colaborar “na formulação de

questões, testes de conjecturas, demonstração dos resultados e registros escrito da

produção do grupo”. A avaliação da atividade seria realizada mediante a análise do

relatório e da apresentação oral. Desse modo, seriam considerados: organização do

trabalho, descrição e justificativa dos procedimentos utilizados, correção e clareza

dos raciocínios, correção e clareza da linguagem utilizada e criatividade.

Em seu relato, Eliane faz questão de destacar que, apesar dos contratempos

encontrados na escola pública, decidiu enfrentar o desafio e levar seus “alunos à sala

de informática para explorar as funções polinomiais de uma forma diferente das que

geralmente são trabalhadas em sala de aula” (CRISTOVÃO, 2008b, p. 07). Por fim,

aponta que “os resultados da investigação foram socializados por meio de relatórios

e apresentações orais”. Na apresentação socializada com o GdS, via e-mail, foi

possível observar a qualidade da produção dos estudantes, que conjecturaram,

elaboraram hipóteses e representaram as funções graficamente por meio do uso do

Winplot, conseguindo perceber regularidades nos comportamentos das funções

estudadas e destacar o papel de cada coeficiente na alteração desses

comportamentos.

Apesar dessas experiências que rompem com o ensino tradicional, com o bom

senso que lhe é característico, Eliane revelou: “eu não consigo a todo o tempo ser

uma professora que leva atividades diferentes, aquelas investigativas, isso é

impossível” (entrevista).

Sobre esse movimento de desenvolver atividades em sala de aula, também

em entrevista, contou que “você começa e leva determinada atividade para uma sala

de aula, depois você reflete sobre como realizou a atividade no grupo” (entrevista),

em seguida, “vai vendo outras maneiras de se trabalhar” (entrevista). Eliane também

destacou que as aulas investigativas foram incorporadas em sua prática por sua

participação no GdS. Segundo ela, “a partir do contato com o Grupo de Sábado, fui

ver como é que funciona isso na prática da sala de aula. O fato de ter um pesquisador

na minha sala, que no caso foi o Fernando, que realizou iniciação científica, foi o que

concretizou o desenvolvimento das aulas investigativas” (entrevista).

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Sobre essa parceria com Fernando, ela se refere a uma experiência vivida em

2004. Em razão de um projeto de iniciação científica, orientado por Dario, foram

desenvolvidas por Fernando e por ela tarefas investigativas em duas turmas de 6ª

séries (atual 7º ano). A intenção desse projeto era “investigar as potencialidades

pedagógicas das investigações matemáticas (IM) no ensino da álgebra elementar,

identificando, sobretudo, indícios de formação e desenvolvimento da linguagem e

do pensamento algébricos de alunos ao iniciarem o estudo deste tópico escolar”

(FERNANDES; CRISTOVÃO; FIORENTINI, 2006, p. 05).

Para isso, foram desenvolvidas atividades com duas turmas de uma escola

estadual de uma cidade do interior de São Paulo, na qual Eliane lecionava. Nesse

processo, foram produzidos como dados de estudo os registros escritos dos alunos,

os diários de campo de Eliane e Fernando, bem como gravações em áudio e vídeo.

Sobre essa experiência, Eliane sintetiza e recorda o apoio do GdS no momento da

elaboração e da revisão das tarefas:

[...] realizei um trabalho com duas sextas séries da rede estadual de ensino, como professora parceira de um aluno da graduação, Fernando, que desenvolveria, nessas classes, seu projeto de Iniciação Científica. As tarefas foram preparadas por ele e, com o apoio do grupo, foram aperfeiçoadas até se adequarem ao que entendíamos por tarefa investigativa. Os resultados alcançados em sala de aula foram muito bons e, a partir deles, foram escritos dois artigos enfocando os conceitos de variável e de generalização. Esses artigos foram apresentados em congressos e um deles foi publicado (CRISTOVÃO, 2007, p. 10).

Sobre essa parceria com o GdS, retomei, em artigos publicados pelo trio, a

informação de que “a discussão no grupo foi enriquecida pelos múltiplos olhares e

saberes experienciais dos professores participantes” (FIORENTINI; FERNANDES;

CRISTOVÃO, 2005, p. 07-08). Ainda sobre a colaboração, eles destacaram a

importância do olhar e da colaboração da professora parceira, no caso, Eliane, uma

vez que

considerando a realidade da escola pública brasileira, foram feitas várias sugestões de reformulação e adaptação das tarefas e a recomendação, sobretudo por parte da professora parceira, para reduzir a apenas duas tarefas. As tarefas, a partir das discussões no grupo, adquiriam um caráter mais aberto e

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exploratório-investigativo”. (FIORENTINI; FERNANDES; CRISTOVÃO, 2005, p. 07-08).

No contexto dessa iniciação científica, após o desenvolvimento das atividades

nas turmas da professora Eliane, “os registros e o material coletado durante a

pesquisa de campo também tiveram um momento de socialização e discussão no

Grupo de Sábado” (FIORENTINI; FERNANDES; CRISTOVÃO, 2005, p. 07-08). Naquele

contexto, “foi possível fazer uma classificação dos relatórios elaborados a partir das

interpretações realizadas pelos alunos” (p. 07-08). Dessa pesquisa, algo os instigava:

“Por que alguns alunos desenvolveram mais do que outros, se nenhum deles havia

tido contato anterior com as investigações matemáticas e, menos ainda, com a

Álgebra?” (p. 07-08). Aprofundando esses questionamentos, pouco tempo depois,

Fernando viria a se debruçar sobre a temática do letramento algébrico em seu

mestrado (FERNANDES, 2011).

Dois aspectos problematizados no GdS – escrita narrativa e as atividades

exploratório-investigativas – viriam a perpassar a dissertação de mestrado de Eliane,

que as relacionou com a temática da inclusão, tendo por intenção compreender as

possibilidades e as contribuições que uma prática exploratório-investigativa poderia

trazer para os processos de ensino e aprendizagem da matemática de alunos de

classes de Recuperação de Ciclo II, no que se referia à inclusão escolar (CRISTOVÃO,

2007).

O estudo de Eliane foi realizado em classes de recuperação de ciclo. Sua

questão investigativa era “que possibilidades e contribuições uma prática

exploratório-investigativa, mediada pela colaboração de um grupo de professoras,

pode trazer para o ensino e a aprendizagem da matemática de alunos de classes de

RC II, sobretudo para sua inclusão escolar?” (CRISTOVAO, 2007, p. 02).

A partir de um extenso trabalho de campo, com o qual constituiu o grupo

colaborativo denominado Grupo Colaborativo de Estudos em Educação Matemática

(GCEEM), inspirada por sua participação no Grupo de Sábado e interessada no

desenvolvimento e na discussão de tarefas exploratório-investigativas, Eliane

estabeleceu uma parceria colaborativa com a professora de matemática, Renata,

que lecionava em uma classe de recuperação de ciclo da rede estadual paulista.

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Eliane acompanhou, então, o desenvolvimento das atividades nas classes de Renata.

Após um trabalho colaborativo e sensível entre Eliane, a professora Renata e

os estudantes, mediado pela participação em um grupo colaborativo, foi possível

concluir que as atividades e a abordagem desenvolvidas poderiam favorecer a

participação e a inclusão escolar do estudantes, “tornando-os protagonistas do

processo ensino-aprendizagem da matemática e alertaram para a necessidade de

repensar o que entendemos por fracasso escolar e de mudar o olhar que temos para

as práticas de nossos alunos considerados fracassados” (CRISTOVAO, 2007, p. XV).

Essas experiências, como as anteriormente narradas sobre a relação de Eliane

com as atividades de natureza exploratório-investigativa, levam-me a compreender

a própria história e a dinâmica do contexto desta pesquisa, o Grupo de Sábado. Em

um período que antecedeu a cena que abre este capítulo e minha participação no

GdS, entre 2002 e 2006, houve um momento de bastante influência e discussão de

um modo de ensinaraprender matemática que vinha ao encontro dos anseios

daquela comunidade de realizar uma prática mais significativa.

Como destacado na narrativa de Dario, desde a década de 90, ele tomou

conhecimento das tarefas investigativas, em razão de sua interlocução com o grupo

de João Pedro da Ponte, em Portugal. Mas foi em 2002 que o grupo começou a

demonstrar interesse nas investigações matemáticas. Naquele ano, Juliana Castro

analisou o papel desempenhado pelas experiências pedagógicas com investigações

matemáticas em sala de aula em seu processo de constituição profissional.

Eliane mesmo se recorda de que, em 2004, participou de uma oficina

ministrada por Juliana, também participante do GdS, e então começou a se envolver

mais com a abordagem investigativa de ensino. Eliane aponta que esse foi um

período de estudo, pois “não pretendíamos apenas aplicar tarefas investigativas

elaboradas por outros educadores matemáticos. Queríamos, também, enfrentar o

desafio de aprender a criar nossas próprias tarefas investigativas” (CRISTOVAO,

2007, p. 10).

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Nesse mesmo ano, o grupo contaria com a participação de João Pedro da

Ponte, especialista português em Investigações Matemáticas. O objetivo era

estabelecer parcerias a serem desenvolvidas no Projeto Luso-Brasileiro de estudos e

experiências com investigações matemáticas em sala de aula. E, de fato, o grupo não

ficaria apenas na aplicação de propostas.

Eliane, como também Juliana (CASTRO, 2003), tentou sistematizar a

expressão “aula investigativa”, principalmente para explicar aos próprios alunos. Em

2006, Eliane sistematizaria esse movimento em um capítulo de livro no qual descreve

como foi esse processo de ressignificação de um conceito. Intitulado “Aulas

investigativas – só mais um modismo? ”, Eliane destaca que foi com o movimento de

tentar diferenciar investigação de exploração, que “o professor Dario levantou a

hipótese de que a questão: ‘quantos números existem entre o zero e o um? ’,

dependendo do nível de exploração atingido pelos alunos, poderia tornar-se

investigativa” (CRISTOVÃO, 2006, p. 127). Foi, então, que, “após ter trabalhado com

meus alunos o tema conjuntos numéricos, senti-me instigada a propor essa questão

a eles, pedindo para que cada aluno escrevesse em uma folha e entregasse, em

seguida, uma possível resposta” (p. 127).

Tomando por base as respostas dos alunos, inicialmente a professora tentou

analisá-las de acordo com cinco categorias. Mediante discussão em um dos

encontros realizados em agosto de 2005, os participantes do GdS, então, apontaram

que Eliane poderia transcender esse modo de interpretação dos dados. Por essa

razão, ela compreendeu que poderia optar por uma descrição mais narrativa. Desse

modo, dentre as respostas de seus alunos, resolveu “destacar as mais

representativas, sobretudo as que expressam o movimento de pensamento e de

significação dos alunos sobre a existência de uma quantidade infinita de números no

intervalo de zero e um e sobre a natureza desses números” (CRISTOVÃO, 2006, p.

129).

Com essa experiência, percebeu que

o envolvimento com as investigações é importante para aprendermos, junto com nossos alunos, a investigar e lembrei-me novamente de Juliana, porque concordo com ela quando afirma que a compreensão do que sejam as tarefas investigativas

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e a atividade investigativa só vem quando aliamos a teoria e a prática (CRISTOVÃO, 2006, p. 135).

Por fim, respondendo à pergunta: “O que mudou: a turma é melhor ou a

professora está diferente?”, Eliane argumenta que “o contato com as aulas

investigativas tem mudado muito meu modo de ver o ensino da matemática e

também minha relação com os alunos” (CRISTOVÃO, 2006, p. 136). Inicialmente, a

preocupação parecia ser mais com o fato de a atividade ser ou não investigativa.

[...] com o auxílio do professor Dario, fomos construindo, no grupo, um conceito próprio – o de “prática exploratório-investigativa” – que passamos a utilizar com mais freqüência em lugar de investigação matemática. Assim, nossa preocupação deixou de ser a classificação de uma tarefa como investigativa ou não. Passamos a nos preocupar em elaborar tarefas que permitissem aos alunos envolver-se numa prática exploratório-investigativa. Após muitas discussões, principalmente aquelas mediadas por Juliana Castro, havíamos concluído que uma tarefa proposta, por mais aberta que fosse, dependia do envolvimento dos alunos e da postura do professor para tornar-se uma investigação (CRISTOVÃO, 2007, p.11).

A partir de produções, atividades desenvolvidas e discussões coletivas, ao

longo do tempo, Eliane, em parceria com participantes do GdS, ressignificou o

conceito de atividade exploratório-investigativa. Assim, a dinâmica colaborativa no

grupo parece favorecer o desenvolvimento de um modo de ser professora mais

flexível em relação à prática de sala de aula e também em relação à literatura

acadêmica, uma vez que essa é ressignificada no confronto com a realidade escolar.

Os modos de compreender a escrita no GdS

No contexto do GdS, houve dois momentos significativos nos quais o grupo

se interessa pelo uso da escrita. Em um primeiro momento, ao usar a escrita para

contar experiências de sala de aula, em um movimento concomitante à necessidade

de escrever sobre a própria prática – um modo narrativo de pensar a produção

docente começava a ser discutido. Isso ocorreu logo no início da década de 2000,

quando o grupo começou a refletir sobre a própria escrita.

Nessa primeira fase, amplamente investigada por Renata Anastácio Pinto

(2002), foi notado que os professores se envolviam na escrita à medida que

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mobilizavam o sentido e o associavam à própria prática. Nessa fase, em parceria com

Dario, seu orientador de doutorado, Renata apresentou ao grupo textos que

discorriam sobre escrita de professores, narrativas de professores e teorizações

sobre narrativas. Assim, o grupo começou a tomar conhecimento de autores como

Clandinin e Connelly (1996).

Nesse período, por um lado, o grupo também se debruçou sobre a literatura

portuguesa apresentada por Dario, a partir da interlocução com o grupo coordenado

por Ponte et al. (1997); por outro lado, o grupo se interessou pelo estudo da

literatura norte-americana sobre narrativas de professores que ensinam

matemática. Esse interesse foi motivado pelo estudo de uma das narrativas do livro

organizado por Schifter (1996), traduzida e trazida por Renata, de seu estágio de

pesquisa no exterior, no grupo da professora Beatriz D’Ambrosio.

Embora, tanto no momento da especialização que gerou o livro Por trás da

porta – que matemática acontece?, como no encontro com a cultura de escrita do

GdS, Eliane não estivesse participando dos encontros, obteve, nas narrativas, um

modo profícuo de contar suas experiências de sala de aula e de pesquisa.

Foi também pelas leituras de Michel de Certeau, que Eliane provavelmente

pareceu encontrar na narrativa o tom para “não apenas narra(r) as táticas, mas é,

em si, uma tática utilizada por quem escreve para trazer à tona a sua interpretação.

E foi neste ‘fazer textual’ que me reencontrei, produzindo meu próprio fazer e

constituindo-me como pesquisadora” (CRISTOVÃO, 2007, p. 2).

Em outro aspecto, a escrita também passou a ser de interesse do GdS e, sobre

isso, Eliane, em sua entrevista, parece romper com a ideia de que as questões

discutidas no grupo partem ou da prática dos professores ou das teorias acadêmicas.

De acordo com sua fala, ela e alguns colegas haviam assistido a uma comunicação

no COLE sobre a escrita em aulas de matemática, e, como gostaram, decidiram levar

para o GdS. Relata ela: “assistimos a uma comunicação no COLE falando desse uso

da escrita e aí surgiu a ideia de ler sobre a escrita no grupo. Então, mesmo não

partindo de um problema da sala de aula, havia partido de um encantamento nosso.

Assistimos a uma comunicação, gostamos” (entrevista).

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Lembro que, em determinando momento de nossa entrevista, fiquei

pensativa, em especial, com esta afirmação de Eliane: “as coisas se misturam um

pouco, porque estar no grupo faz com que você esteja também em outros espaços -

participar de congressos, participar de outras coisas que você não participaria se você

não estivesse no grupo. [...]. Mobiliza você a estar em outras comunidades”. Sem que

nos déssemos conta no momento, Eliane parecia estar desconstruindo, de certo

modo, a ideia de que a teoria vem da universidade e a prática, da escola. No caso do

congresso, foram os professores que “se encantaram”” pelo uso da escrita, a ponto

de levarem para discussão no GdS. Segundo Eliane, nesse movimento, “você acaba

adquirindo autonomia de fazer coisas também para levar ao grupo”.

Desse modo, “a partir da reflexão, decidimos, então, levar a escrita para a

sala de aula!”. De acordo com Eliane, questionamentos surgiram: “como é que a

gente faz aluno escrever em aula de Matemática?”. Foi, então, que “cada um trouxe

o que tinha de texto, o Dario também trouxe sugestão, a gente leu e bolou uma

atividade para levar para a prática. O grupo faz esse movimento, de você olhar para

a prática, mas estar também preocupado com o que a teoria diz” (entrevista).

Docência e Formação, uma trajetória que se constitui na fronteira...

No momento em que realizei essa pesquisa, Eliane já se encontrava na

fronteira entre a escola e a universidade. Quando conversamos pela primeira vez,

em 2012, ela havia acabado de se desligar das atividades do ensino básico, para se

dedicar ao doutorado e à função de formadora de professores, em uma faculdade

particular. Sobre esse processo, com ponderação, Eliane destaca que, ao sair da

escola, sentiu-se “mais tranquila”, pois, segundo ela, “estava sentindo que ocupava

um lugar que eu não merecia mais. Eu acho que para ocupar aquele lugar você tem

que merecer e se dedicar, eu não estava dedicando o quanto ele precisava”

(entrevista).

Para ela, “estar em dois mundos - o mundo da formação básica e da formação

de professores – fez com que compreendesse que não poderia conciliar as coisas”

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(entrevista). Com o tempo, para ela, “o mundo da formação de professores, por estar

pensando nisso inclusive no doutorado, me sugava tanto que eu me sentia em dívida

com a escola básica. Não me sentia merecedora de estar na escola” (entrevista).

Foi, então, que, quando a questionei sobre a presença do GdS em sua prática

como formadora, Eliane apontou que "pensando na sala de aula do ensino superior,

toda a dinâmica do grupo, as discussões, as ideias produzidas em questionar as

formas de apresentar um conteúdo, discutir um autor, o incentivo à escrita - tudo

isso acaba sendo incorporado em minha prática de professora formadora"

(entrevista).

Inclusive, na instituição particular em que atuava como professora e

coordenadora no curso de licenciatura em Matemática, Eliane fundou um grupo de

estudo. Em suas palavras,

diante das defasagens de conteúdo matemático e até mesmo das dificuldades com a escrita, apresentadas por boa parte dos alunos com os quais eu mantinha contato, passei a me questionar se os professores oriundos de cursos oferecidos por diversas faculdades particulares teriam condições, sozinhos, de buscar/promover a quebra do ciclo de exclusão da escola pública que passou a me incomodar no mestrado (CRISTOVÃO, 2015, p. 42).

À medida que realizava estudos sobre a atratividade da carreira docente e lecionava

em faculdades particulares, compreendia que eram aqueles alunos para quem

lecionava, que seriam professores no sistema público de ensino. Ao confrontar

aquela realidade com seus estudos em nível de mestrado, Eliane percebia que a

exclusão adiada chegara ao nível superior e que, de certo modo, poderia voltar à

escola básica, convertendo-se em um ciclo. Desse modo, questionava-se sobre quais

“aprendizagens, ocorridas em que contexto, seriam necessárias para tornar os

professores conscientes desse processo de exclusão e de reprodução da escola

pública?” (CRISTOVÃO, 2015, p. 42). Foi, então, que,

pensando, como professora-pesquisadora-formadora, nesse processo de exclusão velada, capaz de gerar um ciclo vicioso de formação deficitária e de tornar o sistema público ainda mais perverso, senti a necessidade de intervir nessa realidade e, no final de 2009 propus a criação de um grupo de estudos que pudesse ajudar os licenciandos, para os quais eu lecionava, na construção de uma postura crítica e

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reflexiva, tornando-os capazes de lutar contra esse ciclo vicioso. (CRISTOVÃO, 2015, p. 42 - 43)

Com o passar do tempo, o grupo constituído no curso de licenciatura em que

lecionava e o grupo GCEEM se uniram. Para Eliane, esse movimento foi “a

concretização do sonho de expandir o tipo de trabalho vivenciado junto ao GdS, na

Unicamp, para o espaço de uma faculdade particular”.

No ano de 2013, Eliane prestou concurso na Universidade Federal de Itajubá

(UNIFEI) e assumiu o cargo em maio do mesmo ano. Atualmente, atua como docente

no curso de licenciatura Matemática, coordenando o subprojeto de Matemática do

PIBID e um Grupo de Estudos Interdisciplinares. Continua vinculada aos grupos da

Unicamp: PRAPEM e GEPFPM (FE/Unicamp). Seus temas de interesse e pesquisa são:

aulas exploratório-investigativas, letramento, comunidades de aprendizagem e

formação de professores.

Como formadora, sua angústia está a relacionada ao fato de ainda não ter

conseguido formar, na universidade, um grupo de estudos para professores de

matemática, nos moldes do GCEEM, que coordenava, ou do GdS, de que participava.

Entretanto, a experiência com o PIBID e, recentemente, com a coordenação de um

projeto de extensão sobre letramento científico e tecnológico, para professores e

alunos da educação básica, tem sido seu principal foco de atuação, além das aulas

da graduação. Apesar de outras experiências e da participação em outras

comunidades, para Eliane sua participação no GdS foi o que trouxe “essa consciência

do que é pesquisar, do que é olhar para a sua prática à luz de uma teoria; do que é

você contar para as pessoas o que você faz enquanto grupo. A primeira vez que eu

me vi num congresso foi quando o Dario chamou os integrantes do Grupo de Sábado”

(entrevista). Eliane também valoriza o fato de ter acesso a referenciais teóricos que

acabam auxiliando “a explicar, com palavras significativas, a prática do professor”

(entrevista).

Acerca de sua postura enquanto professora, revela que, tanto na sua

participação no grupo quanto na especialização, foi possível olhar para sua “prática

de forma mais consciente, observando o que ela tem de bom e o que ela tem de ruim”

(entrevista). Confessa: “eu acredito que no começo não tinha muito essa consciência

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(eu desenvolvia uma prática e acabou)” (entrevista). Usando um termo da teoria

sobre comunidades investigativas, incorporado em seu cotidiano, Eliane revela que

essa postura investigativa, “esse modo de olhar para trás e questionar o que não

está dando certo – porque é que eu estou fazendo desse jeito, porque é que eles não

estão entendendo, porque é que a dificuldade deles é aqui – é isso que o grupo vai

construindo na gente” (entrevista). Sintetiza, dizendo que “não que ele te torne um

professor perfeito; mas ele te torna um professor que questiona o que faz. Acho que,

nesse sentido, o grupo te transforma” (entrevista).

Finalizamos a primeira entrevista com Eliane, destacando a importância de

pessoas que cruzaram seu caminho. Revela-se grata por ter um marido como o Sílvio,

bem conhecido em nosso grupo pela simpatia e pelo apoio conferido a Eliane; por

ter encontrado professores como Washington, Valéria e Dario, que a fizeram, de

diferentes maneiras, enxergar seu próprio potencial. Por fim, revela que seu sonho

é deixar sementes pelos lugares por onde passa e, talvez por isso, sua angústia por

ainda não ter constituído o grupo na universidade.

Desde que foi para a Unifei, Eliane não tem participado presencialmente dos

encontros do GdS, mas, em diferentes aspectos, sua participação continua

influenciando e marcando as ações do grupo. Se o sonho de Eliane é deixar

sementes, esse sonho é conquistado cada vez que realiza suas falas mobilizadoras

ou passa por um grupo colaborativo, universidade ou escola. Eliane, por meio de

diferentes marcas, deixa sua presença. Seja por meio de suas reificações escritas ou

de suas ideias compartilhadas, volta e meia lembramos de sua presença no GdS.

Recentemente, assisti a sua defesa de doutorado. De certo modo, o objeto de

estudo desta tese – as experiências de desenvolvimento profissional e de

constituição da profissionalidade em uma comunidade fronteiriça –, apresentou-se,

naquele dia, vivo, na pessoa de Eliane.

O objeto de estudo de Eliane no doutorado foi a aprendizagem profissional

docente num contexto de práticas de letramento de uma comunidade fronteiriça e

foi norteado pela questão investigativa “Que aprendizagens são evidenciadas na

análise de práticas de letramento de uma comunidade de professoras de

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matemática?”. Para isso, tomou como campo o grupo constituído por ocasião de sua

pesquisa de mestrado, que havia agregado futuros professores do curso de

graduação de matemática em que Eliane atuava. O Grupo Colaborativo de Estudos

em Educação Matemática (GCEEM) mais uma vez esteve presente em uma de suas

pesquisas, assim como sua história de vida, seus estudos, sua postura investigativa

e sua defesa da participação de professores em comunidades. Afinal, Eliane é

“aquela mulher, a quem o tempo muito ensinou. Ensinou a amar a vida e não desistir

da luta”, de Cora Coralina.

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202

Experiência de Desenvolvimento Profissional de Dario

Miguilim espremia os olhos. [...]

Este nosso rapazinho tem a vista curta. [...]

E o senhor tirava os óculos e punha-os em Miguilim, com todo o

jeito.

- Olha agora!

Miguilim olhou. Nem podia acreditar!

Tudo era uma claridade, tudo novo e lindo e diferente, as coisas,

as árvores, as caras das pessoas. Via grãozinhos de areia, a pele da

terra, as pedrinhas menores, as formiguinhas passeando no chão de

uma distância.

E tonteava. Aqui, ali, meu Deus, tanta coisa, tudo [...]

Coração batia descompassado.

Guimarães Rosa, Manuelzão e Miguilim, 2001

Há mais de 30 anos, Dario atua na formação de professores que ensinam

matemática. Como professor e pesquisador da Faculdade de Educação, atua na

Unicamp há mais de 20 anos. Proveniente de uma comunidade rural, no interior do

Sul do Brasil, como muitos intelectuais de sua geração que se dedicaram às

humanidades, antes de cursar a licenciatura teve uma formação clássica e tradicional

em um seminário religioso.

Antes mesmo de concluir o curso de Matemática e de ser formador de

professores, gosta de lembrar da importância de ter sido professor da escola básica

no início de sua carreira. Embora reconheça que a escola mudou muito depois que

passara a atuar somente no Ensino Superior, reconhece que aquele tempo foi

fundamental para conhecer os dilemas e os desafios que vivenciam os professores

no cotidiano escolar.

Atualmente, Dario é reconhecido na comunidade acadêmica por sua

produção cientifica nas áreas de educação matemática e formação docente. Tem

uma série de livros, artigos e capítulos de livros publicados. Além de sua produção,

também tem participação na história de construção da educação matemática como

campo científico e profissional. Nos anos mais recentes, atuou como coordenador

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do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Unicamp. Nesse período,

participou do Fórum Nacional de Coordenadores de Programas de Pós-Graduação

em Educação (FORPRED), da ANPEd, tendo importante participação nos debates

sobre o mestrado profissional da área.

Ao final de 2006, como narrei no primeiro capítulo, havia apenas dois projetos

disponíveis para atuar como bolsista-trabalho na área de humanas. Como fui

contemplada com esse tipo de bolsa pelo sistema social da universidade, entrei em

contato com os professores responsáveis pelos projetos. Dario, prontamente,

respondeu ao meu e-mail. Foi, então, que combinamos como seria meu trabalho.

Por ser período de férias, dezembro e janeiro, não haveria encontros do GdS. Assim,

assumi, durante as férias, a organização dos materiais que estavam em sua sala, na

Faculdade de Educação, da Unicamp.

Desse modo, minha função seria organizar seus arquivos impressos (artigos e

capítulos de livros), de modo que pudessem ser encadernados, bem como os livros

de sua sala. Como ainda estaria no início do curso de Pedagogia, naquele momento,

termos como “desenvolvimento profissional”, “formação continuada”,

“profissionalidade docente”, além de outros que viriam a fazer parte dos meus

objetos de estudo nos anos que se seguiriam, me pareciam tão próximos entre si que

precisei do auxílio de Dario para categorizá-los. Quando questionado por mim sobre

os significados daqueles artigos, Dario, atencioso, explicava-me tais conceitos e

assim passei a conhecê-los e a discuti-los.

Em meio à organização de tantos arquivos dispersos, distraída e curiosa,

como nada era segredo, não eram raros os momentos em que me pegava lendo

aqueles materiais, inclusive, uma dezena de ementas de disciplinas, projetos, atas

de reuniões etc. Lembro-me das ementas datilografadas das disciplinas que Dario

lecionava nos cursos de Matemática e Pedagogia. Claro, eu sempre tinha opiniões e

dúvidas a respeito de tudo aquilo. O que não poderia imaginar é que, anos mais

tarde, dividiríamos em três diferentes momentos algumas daquelas disciplinas – ele

como professor e eu, como estagiária docente.

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Nove anos mais tarde, ao compor esta tese, retomei alguns daqueles

arquivos, sobretudo as memórias (atas) e as transcrições dos encontros de três

diferentes grupos (GdS, PRAPEM e GEPFPM). Além disso, para narrar a experiência

de desenvolvimento profissional de Dario, realizei entrevistas, bem como consultei

sua própria produção bibliográfica, em especial, um artigo-entrevista no qual narra

sua trajetória acadêmica e profissional. Devo, ainda, reconhecer que esta narrativa

será, em especial, marcada por tantas outras, sobretudo aquelas contadas nos

grupos. Por essa razão, em diversos trechos, uso marcas como “nos contou que”; ao

usar a primeira pessoa do plural sinalizo as histórias contadas no contexto dos

grupos.

Como já destaquei, a opção por incluir Dario foi, sem dúvida, a mais debatida

e decorreu de meu estágio de pesquisa no Canadá. Com a reconfiguração da

pesquisa, sua presença se tornava pertinente e necessária. Minha intenção, ao

narrar seu processo de desenvolvimento profissional, é apresentar aspectos do

processo de teorização de um campo de sua prática – no caso, o GdS – para, em

seguida, tomar como referência a primeira entrevista que realizamos e suas próprias

produções bibliográficas. Inicialmente, trago um episódio de sua participação no

GdS.

GdS, Episódio de Aula de Matemática, Comunidades de Práticas

Diferentes Interpretações

No ano de 2009, à medida que a quantidade de participantes aumentava no

GdS, sentíamos a necessidade de refletir sobre as razões da existência de um grupo

com aquela dimensão. Chegamos a ter encontro com 25 participantes. Lembro que

me incomodava o fato de que era perceptível que alguns novos participantes

entendiam o grupo como “porta de entrada” para ingressar nos programas de

mestrado ou doutorado. Hoje, mais experiente com a vida acadêmica, compreendo

o quanto a universidade é excludente e seletiva. Nesse sentido, esse tipo de

participação, pode ser um processo legítimo de inclusão nos estudos pós-graduados.

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Considero, ainda, que essa diversidade de interesse de participação faz com que o

GdS se torne ainda mais uma comunidade fronteiriça.

Entretanto, naquele período, eu era uma das participantes preocupadas com

o crescimento do grupo e solicitei ao Dario que apresentasse um capítulo recém-

publicado em um livro pelo Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Formação de

Professores de Matemática (GEPFPM). Esperava, assim, refletir e problematizar as

finalidades de um grupo como aquele. O capítulo tinha por objetivo:

Narrar e descrever o processo de formação e de desenvolvimento de uma comunidade de prática que se constituiu a partir do encontro de professores que ensinam matemática na escola básica e de professores formadores e acadêmicos da universidade que atuam no campo da educação matemática (FIORENTINI, 2009, p. 223).

Na discussão desse texto no GdS, em setembro daquele ano, tivemos a

oportunidade de confrontar duas perspectivas possíveis de leitura da concepção

teórica de comunidades de prática. Em um primeiro momento, Dario nos apresentou

a história do GdS e a compreensão da dinâmica do grupo, sob a ótica antropológica

de Jean Lave e Ettienne Wenger, destacando as aprendizagens e o desenvolvimento

profissional de uma comunidade reflexiva e investigativa de professores. Em um

segundo momento, o professor Rodrigo relatou uma experiência de sala de aula em

que constituiu, com os estudantes de uma turma do primeiro ano do ensino médio,

um grupo colaborativo que poderia ser caracterizado como uma comunidade de

aprendizes de matemática.

Iniciando com o histórico do grupo, Dario, então, apresentou o texto

intitulado “Quando acadêmicos da universidade e professores da escola básica

constituem uma comunidade de prática reflexiva e investigativa”, dizendo que o

“Grupo de Sábado começou em 1999, estamos comemorando esse ano dez anos de

GdS”. Inicialmente, “éramos aqui da universidade, quatro formadores, eu como

professor da Unicamp, três doutorandos: Alfonso Gimenez, a Renata Pinto e o

Gilberto Melo”; e “professores de matemática da escola que tinham interesse em

estudar e aprender e me procuravam para fazer algum curso de formação

continuada, como a Juliana e o Rodrigo”. Dario, em sua percepção atual, chama a

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atenção para o fato de que o grupo, durante os primeiros encontros, não era ainda

uma comunidade

[...] fronteiriça porque juntar professores da universidade ou acadêmicos que estão fazendo doutorados com professores da escola não forma, de imediato, uma comunidade de prática. Inicialmente, eles não têm algo muito em comum, não têm um discurso comum, um pensamento comum, não havia uma prática comum. São muito diferentes, embora discutam sobre a mesma coisa. Eles se reuniam para falar, compartilhar, refletir, estudar, ler e escrever sobre a prática pedagógica em matemática nas escolas, sobre ensinar e aprender matemática nas escolas. Ou seja, já tinham um domínio comum, mas ainda faltavam outros elementos que constituem uma comunidade de prática, como uma identidade do grupo e uma prática discursiva comum (Dario, transcrição 12 set. 2009).

Em sua apresentação, Dario também destacou o processo pelo qual o grupo

passou, até se constituir uma comunidade de prática. Revelou que “as pessoas, após

se reunirem várias vezes, começam a desenvolver e a criar um discurso comum.

Numa comunidade de prática, quando alguém fala, para que o outro entenda, basta

dizer meia palavra que o outro já sabe o que você quis dizer, pela convivência, ao

longo do tempo”.

Continuou narrando a história do grupo, dizendo que inicialmente as posições

eram mais diferenciadas e marcantes. Os acadêmicos traziam referenciais teóricos

da universidade; os professores, suas práticas de sala de aula. Com o tempo, “essa

diferença foi diminuindo”. Apesar de os participantes se aproximarem, Dario

destacava que, fora do grupo, “vivemos em mundos diferentes, cada um de nós

pensa, olha e fala a partir de seu mundo de origem. Mas, apesar das diferenças, não

há uma hierarquia na comunidade do GdS – todos somos ensinantes e aprendentes,

ao mesmo tempo”.

A fim de que compreendêssemos melhor a perspectiva da teoria das

comunidades de prática, Dario ressaltou que, para Jean Lave e Etienne Wenger, uma

comunidade de prática é um sistema de atividades no qual os participantes

compartilham compreensões sobre aquilo que fazem e o que isso significa em suas

vidas e comunidades (LAVE; WENGER, 1991). Para Dario, no GdS, nosso objetivo

comum é analisar e compreender o ensinar e aprender matemática nas escolas, isto

é, a prática didático-pedagógica em matemática.

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Dario enfatizou que a aprendizagem em comunidades de prática não ocorre

porque alguém deliberadamente ensina algo para outro, mas porque:

[...] as pessoas vão participando dessa comunidade e construindo uma identidade com o grupo, ou seja, vão se identificando com aquilo que acontece e percebe. E o que aí se diz tem relação com o que fazemos e pensamos. Nessa perspectiva, a aprendizagem é um fenômeno social que decorre da participação. Você aprende o significado das coisas ao participar das práticas do grupo, discutindo e refletindo sobre o que narramos e trazemos. Nesse movimento de aprender, você vai se desenvolvendo profissionalmente (Dario, transcrição 12 set. 2009).

Ressaltou que a identidade de uma comunidade não é fixa: muda com o

tempo, com a saída e a entrada de novos participantes. Dario também

problematizou o conceito de “participação periférica legítima”, dizendo que “dentro

de uma comunidade, a participação inevitavelmente se transforma à medida que

vamos nos envolvendo com o funcionamento da comunidade”. Segundo Lave e

Wenger (1991), o conceito de participação periférica legítima diz respeito aos

processos pelos quais um novato se torna membro de uma comunidade de prática.

Eliane, então, complementou:

Às vezes, fica nítida essa noção de que a aprendizagem em uma comunidade se dá pela participação, pela forma de participação. Mas, às vezes, temos integrantes que percebemos que não comungam dos mesmos pensamentos. Eles vão aos encontros, mas não é o mesmo, parece que não caminham na mesma linha de pensamento. A pessoa vive outras coisas e não se abre, nem para receber e nem para compartilhar a sua forma de pensar (Eliane, transcrição 12 set. 2009).

A partir do comentário de Eliane, Dario destacou:

Algumas pessoas não entram em comunhão com aquilo que acontece no grupo. Toda comunidade tem algo em comum. Aquilo que é próprio da comunidade é compartilhado com todos. O participante periférico legítimo refere-se ao novato que entra no grupo e procura se engajar (fazer o que o grupo faz) ainda sem ter domínio da prática do grupo. Mas, com o tempo, passa a tornar-se um membro atuante pleno. Mesmo aqueles que ficam à margem, quer dizer, estão lá, aprendem coisas, mas por não se identificarem e não se envolverem nas práticas, tendem, em pouco tempo, a abandonar o grupo. Para ser participante, não basta ser apenas ouvinte. Ele também tem que produzir, tem que discutir e ser ensinante, também (Dario, transcrição 12 set. 2009).

Dione, então, chamou nossa atenção para o fato de que, em uma comunidade

de participação não obrigatória, como é o caso do GdS, a questão da participação

marginal era amenizada, uma vez que aqueles que, de fato, não se identificam com

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o grupo não precisam abrir espaço em suas vidas para participar dessa comunidade.

Acrescentei que, caso contrário, caso a participação fosse obrigatória, poderíamos

não saber como lidar com as demandas daqueles que não se reconhecem com a

perspectiva inclusiva, por exemplo, de ensinar e aprender matemática.

Em seguida, Dario passou a nos apresentar as características necessárias, de

acordo com Wenger (2001), da aprendizagem ecomo participação social: 1)

significado, 3) prática, 4) comunidade e 5) identidade. Em meio aos nossos

questionamentos, fazendo relação com o contexto no qual nos encontrávamos,

Dario explicaria cada uma dessas características.

Em sua explicação, com base nos estudos de Wenger (2001), significado

referia-se à nossa capacidade de aprender produzindo significados acerca daquilo

que falamos, vivemos, experienciamos. No nosso caso, como ensinamos ou

trabalhamos matemática em sala de aula, produzimos e negociamos significados

sobre a prática de ensinar e aprender matemática na escola básica. Ou seja, na

comunidade GdS, “nós aprendemos fazendo, discutindo, refletindo, investigando,

escrevendo, lendo. Essas coisas são práticas. Leitura é uma prática. Teorizar sobre

isso também é uma prática” (Dario, transcrição 12 set. 2009).

O conceito de comunidade, por sua vez, refere-se à nossa afiliação a uma

configuração social em que nossos empreendimentos se definem como valiosos e

nossa participação é reconhecida como competência. Quando Dario terminou de

explicar o conceito de comunidade, comentei que “aqui no grupo, não temos apenas

uma comunidade de prática”. Então, complementou que “levamos coisas de uma

comunidade para outra” e ressaltou que temos subcomunidades dentro de uma

mesma comunidade. Lembrou-se de um texto de Boylan (2010), no qual o autor

contava que, numa sala de aula, havia um grupo de afro-caribenhos que formava

uma pequena comunidade entre eles, pois se comunicavam com batuquinhos na

mesa, já que não podiam falar. Por meio de batuques, eles se comunicavam de uma

forma que os outros não conseguiam entender. Em seguida, continuou destacando

a questão da identidade, sendo que essa, para Wenger (2001), refere-se ao modo

como nos constituímos – com histórias e aprendizagens pessoais – no contexto de

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nossas comunidades. “Cada um de nós aqui tem a nossa comunidade, mas, quando

chega no grupo, usa uma linguagem diferente daquela usada na escola ou em outras

comunidades de prática como a igreja, o clube, a família etc.” (Dario, transcrição 12

set. 2009).

Naquele dia, Dario expôs as características básicas para que uma comunidade

de prática se constitua: ter um grupo engajado, um compromisso mútuo e uma

prática conjunta.

Ao final de sua fala, Dario ressaltou um importante aspecto que podemos

mobilizar, ao participar de um grupo. Para ele, seja como formadores ou professores,

ao compartilhar as práticas de sala aula “desnaturalizamos” o cotidiano, pois “vamos

repetindo nossas práticas ano a ano, dia a dia e elas se naturalizam. Não percebemos

que não existem práticas perfeitas, é verdade, mas não podemos ser míopes a ponto

de não percebermos as limitações de nossas práticas”. Sobre isso, ressaltou a

importância de participar em grupos nos quais se pode colocar em revelo as práticas

de ensinar e aprender matemática nas escolas.

Anos mais tarde, abordando questões semelhantes, Dario aprofundaria essa

questão com base em Foucault (1977), discorrendo sobre a necessidade de

promover uma formação contínua de professores, que tenha como foco de estudo,

análise e problematização as práticas dos professores envolvidos, tendo em vista que

[...] as práticas cotidianas (com seus procedimentos, discursos e conhecimentos) são carregadas de valores, finalidades e saberes que, embora sejam plenos de sentido e significado para a formação e o desenvolvimento humanos, podem, devido à naturalização e à rotina das mesmas – como destaca Foucault (1977) – ter-se tornado naturais e válidas por si mesmas, ocultando desvios, ideologias e relações de poder. (FIORENTINI, 2013a, p.158)

Após a fala de Dario, o professor Rodrigo apresentou a narrativa intitulada

“Aulas de matemática num grupo colaborativo: tem dois apótemas? ”, na qual

relatava uma experiência de sala na aula, envolvendo a constituição de grupos

colaborativos.

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A narrativa de Rodrigo relatava episódios nos quais seus alunos, a partir de

momentos de dúvidas, engajaram-se no ensinaraprender matemática em práticas

coletivas propiciadas pelo professor.

Ao me aproximar da sala de aula, naquela manhã, alguns alunos vieram ao meu encontro dizendo – todos juntos e confusamente – que não tinham entendido a diferença entre o apótema da base e o apótema da pirâmide. Mostravam, em seus cadernos, algumas pirâmides desenhadas e alguns cálculos. Cercado por esses alunos tive dificuldade para entrar na sala. Pedi para que me acompanhassem até a lousa – afinal, a lousa havia se transformado no lugar do diálogo sobre os pensamentos e ideias mais urgentes, do esclarecimento das dúvidas e do treino da argumentação falada que, depois, poderia se transformar em escrita. (LOPES, 2009, p. 01)

À medida que os estudantes apresentavam suas dúvidas na lousa, eram

reproduzidas algumas das pirâmides que estavam nos cadernos e, consultando o

material que o professor havia sido indicado, os estudantes puderam compreender

que, “em pirâmides regulares, o apótema da pirâmide é a altura de uma face lateral

(altura relativa à base do triângulo isósceles), cuja medida geralmente é indicada por

‘g’ e que apótema da base é o segmento que vai do centro da base ao ponto médio

de um de seus lados, cuja medida geralmente é indicada por ‘m’”. Rodrigo, em sua

narrativa, explicava-nos que

[...] esse “entendimento” das características de cada apótema, não foi instantâneo... Foi preciso discutir, olhar atentamente as pirâmides desenhadas na lousa, assim como aquela que o material didático trazia e destacar os dois apótemas com cores diferentes. Eu ajudava alguns alunos e aqueles que compreendiam a diferença, começavam a ajudar os outros. Não eram todos os alunos da classe que participavam da discussão. Aqueles que não estavam conosco, começavam a formar seus respectivos grupos e iniciavam a resolução das tarefas propostas no roteiro intitulado “Geometria em até três dimensões - Pirâmides”. (LOPES, 2009, p. 02)

Com o desenvolvimento da narrativa, passamos a compreender que esse tipo

de trabalho não era inédito na rotina docente de Rodrigo, “quando essa discussão

inicial, na lousa, terminou, os grupos ficaram completos e o trabalho recomeçou.

Como assim: ‘recomeçou’? Essa classe já conhecia a proposta de aula com grupos

colaborativos” (LOPES, 2009, p. 03). De acordo com o professor,

[...] eles experimentavam essa proposta há mais de um ano quando aconteceu a aula que aqui descrevo. Nela, os alunos recebem um Roteiro de tarefas que devem cumprir em um prazo pré-determinado.

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Desta forma, os alunos já sabiam que deveriam montar os grupos e “recomeçar” o trabalho a partir do item no qual o haviam interrompido na aula passada ou a partir do item combinado. Vivenciando essa proposta, eles começavam, também, a descobrir um novo papel e significado que os personagens e objetos envolvidos na prática educativa ganhavam: o professor, o aluno, os colegas de grupo, os colegas da classe, o caderno, a lousa, o material didático, entre outros. (LOPES, 2009, p. 03)

Em seguida a essa organização, o professor relatou que circulava de grupo em

grupo para retomar o que tinham conversado. Questionava em que parte do roteiro

os alunos estavam na realização das atividades. Analisava os cadernos dos

estudantes. Corrigia o que tinham feito e esclarecia dúvidas. Um detalhe é que,

quando apareciam dúvidas, o grupo era convidado a ir à lousa para apresentá-las e

discuti-las. Em síntese, em sua narrativa, o professor ressaltou e revelou que, ao

propor aulas em grupos colaborativos, saiu da classe com muitas observações e

anotações sobre como cada grupo havia desenvolvido a atividade.

E, embora a aula tenha terminado devido ao seu limite temporal e espacial, ela continua em meus pensamentos e acabo por modificar continuamente o roteiro inicial, incluindo novos itens como pesquisas, leituras, escritas, exercícios, problemas e outras tarefas que venham complementar e melhorar o progresso de cada grupo. E foi assim, analisando as possibilidades para tentar melhorar o roteiro e a aprendizagem, que aquela aula que terminou continuou em mim. (LOPES, 2009, p. 03)

Ao desenvolver esse projeto com grupos colaborativos, Rodrigo ressaltou, ao

final, que não conhecia a teoria das comunidades de prática. Na verdade, o que o

professor tentava reproduzir com seus estudantes era um ambiente que acreditava

ser privilegiado para sua própria aprendizagem. Embora Rodrigo tenha sido um dos

fundadores do Grupo de Sábado – inclusive a sigla GdS foi cunhada por ele –, teve

que afastar-se do grupo por algum tempo, tendo retornado em 2009.

Naquele encontro, após a leitura da narrativa de Rodrigo, iniciamos uma

conversa sobre sua prática. Dione questionou: “eu gostaria de saber algumas coisas:

é usual o trabalho em grupos na escola?”. Rodrigo, então, respondeu que o trabalho

em subgrupos era usual em suas aulas. Juliana complementou, dizendo: “achei

interessante porque a gente tem mania de achar que uma aula bem dada tem que

ser com outros recursos. Eu achei muito interessante, pois você (re)significou o uso

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do caderno, do livro, do giz e da lousa”. Rodrigo destacou que “essa questão do

caderno quem fala muito é o Bigode. No início, usava o caderno, mas aí entrou a

lousa”. Dario, então, relacionou o texto de Rodrigo com que tínhamos discutido até

então:

Isso é próprio de uma comunidade de prática, pois a prática vai sendo incorporada. Aqui eu queria destacar duas coisas. Por exemplo: ler e discutir não é uma prática usual em aula de matemática. As duas estão muito fortes em seu texto. A opção de “discutir na lousa” é uma decorrência disso. O que importa é que houve leitura de texto, interpretação e discussão. Essa é a prática de uma comunidade de prática que compartilha ideias, negocia significados e, nesse processo, os alunos aprendem muita matemática. (Dario, transcrição 12 set. 2009).

Curiosa por saber mais sobre a organização das turmas de Rodrigo, perguntei

como eram formados os grupos. Rodrigo, então, explicou que

[...] o grupo tem que ser montado de uma forma que permita colaboração. Eu não gosto de falar para montarem os grupos, aí eu perco o fator pedagógico do grupo e ao mesmo tempo eu não gosto de falar para irem um com o outro etc., sem ouvir com quem o aluno gostaria de fazer. Minha prática com eles para montar os grupos era assim: eles iriam escrever um papel colocando o nome e dizendo com quem havia feito grupo. Na próxima vez de montar grupo, ele não poderia fazer com quem já tinha feito. Tinha também a pergunta de com quem eles gostariam de fazer grupo e aí tinha mais três ou quatro nomes. Aí era uma loucura para montar esse quebra-cabeça até formar um grupo. Eu combinei que não daria para atender todos os grupos, que eu iria atender um grupo. Assim eu acho que funciona porque a pessoa escolhe com quem quer trabalhar. (Rodrigo, transcrição 12 set. 2009)

Ao relacionar a experiência de Rodrigo com a teoria das comunidades de

prática, Dario apontou que

[...] a função deve ser a de promover aprendizagens. Os professores e alunos assumem tarefas comuns [...]. Normalmente os papéis do professor e do aluno são muito distintos, o do aluno é aprender e do professor é ensinar, fazer perguntas, apresentar matéria. Mas quando aluno participa também da construção das ideias, da discussão, da interpretação, os alunos exercem também a função de professor, que ajuda aquela comunidade a aprender matemática. Quando um grupo de alunos vai à lousa para socializar as discussões, eles também estão exercendo o papel da docência, do professor, comunicando suas ideias. Então, os papéis do professor e dos alunos se misturam e passa a existir uma convergência dessas práticas de ensinar e aprender matemática em sala de aula (Dario, transcrição 12/09/2009).

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Naquele dia, em síntese, Dario iniciou o encontro nos apresentando uma

outra perspectiva de compreensão do Grupo de Sábado, perspectiva essa que falava

sobre participação, aprendizagem, identidade e comunidade. Sobre como

poderíamos nos identificar e participar naquela comunidade. Assim, um novo termo

nos era atribuído: “comunidade de prática”. Uma perspectiva do grupo que tratava

de engajamento, participação, comunhão... Até então, a maior parte de suas

produções falava de grupo colaborativo, ao se referir ao GdS.

Em um espaço fronteiriço, duas perspectivas de compreensão de uma

determinada teoria ficaram em evidência. De algum modo, aprendemos algo com

base em nossos mundos produzidos socialmente. O que aprendemos no imediato,

no momento, talvez não seja possível dizer. Mas o que participar dessa comunidade

tem produzido no desenvolvimento profissional e na constituição da

profissionalidade de Dario?

Perspectiva Docente e Escuta Sensível

Na produção científica mais recente de Dario, há ao menos dois aspectos

constantes que chamam minha atenção. Por um lado, a presença da perspectiva

docente marcada pelas narrativas de professores que participam de comunidades

como o Prapem e o GdS. Nesses contextos, o pesquisador tem narrado a

aprendizagem, o desenvolvimento profissional e práticas docentes. O artigo no qual

narra a história de Eliane (participante desta tese), intitulado “Aprendizagem e

desenvolvimento profissional do professor de matemática em comunidades

investigativas”, publicado em 2013, é para mim um exemplo desse aspecto. Nele,

Dario tem por objetivo compreender as aprendizagens e o desenvolvimento

profissional do professor que participa de comunidades investigativas. Para isso,

analisa o caso de Eliane, que participa de três diferentes comunidades, tomando

por base a teoria de aprendizagem social de Lave e Wenger (1991). Em análise

narrativa da história de Eliane, compreende que:

[...] mediante colaboração de parceiros críticos de comunidades investigativas, sejam elas acadêmicas ou profissionais, desenvolveu, como um dos indícios de aprendizagem e desenvolvimento

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profissional, uma profissionalidade com postura investigativa, desvendando continuamente outros saberes e possibilidades sobre o que se ensina e se aprende nas escolas, tendo também mudado o modo de trabalhar e de relacionar-se com os alunos e com o conhecimento matemático e didático pedagógico, sobretudo em classes de alunos com dificuldades de aprendizagem. (FIORENTINI, 2013a, p. 01)

Por outro lado, nota-se um senso de compromisso com a construção de um

campo científico e profissional. Assim, lembro-me, por exemplo, de artigos como

“A pesquisa e as práticas de formação de professores de matemática em face das

políticas públicas no Brasil”, publicado em 2008.

Naquele momento, no GdS, discutíamos os desmandos da Secretaria

Estadual de Educação do Estado de São Paulo (SEESP). Ao colocar em evidência

políticas públicas brasileiras no campo da educação e analisar seus

desdobramentos e impactos sobre cursos, programas e processos de formação de

professores que ensinam matemática, concluía, com tom engajado, que

[...] a SBEM precisa se mobilizar como um todo e tentar estabelecer parcerias com outras entidades científicas e instituições congêneres, visando constituir um movimento em condições de intervir com responsabilidade nas políticas públicas do país. O que temos visto, ultimamente, são participações isoladas de colegas que, na maioria das vezes, são cooptados financeiramente para promover as políticas vigentes e não para transformá-las e melhorá-las, tendo em vista a promoção profissional dos professores que atuam em sala de aula. (FIORENTINI, 2008, p. 66)

Intrigada com essas características que vislumbro em seus estudos,

sobretudo em relação à presença da perspectiva dos professores em sua produção,

iniciei a primeira entrevista, questionando:

Vanessa – Conta um pouco sobre quais experiências você acha que o fizeram desenvolver essa escuta sensível para a perspectiva dos professores.

Dario – Minha história começa na escola básica. Vejo, com frequência, formadores que terminam o doutorado sem terem passado pelo ensino básico como professores, perdendo a oportunidade de desenvolverem esse saber na prática, que é importante. Na fase que fui professor, aprendi muito sobre esse saber na prática. Aprendi a problematizar esse saber por mim mesmo. Fazia leituras, refletia e observava que muitas das coisas que aprendia na formação inicial não faziam

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sentido para minha realidade. Logo, quando comecei a trabalhar na formação inicial e continuada de professores, lá no Sul, costumava pedir aos professores que relatassem suas experiências. Eu diria que ter participado de uma comunidade escolar, como professor, fez bastante diferença. Acredito que isso me ajudou a desenvolver algumas sensibilidades ou percepções sobre o que é ser professor da escola. Embora, hoje, a escola seja outra, aquilo que aprendi, na escola como professor, sobre cultura escolar, me ajuda a estabelecer interlocução com os professores.

A pergunta que realizei referia-se à escuta do pesquisador que, para Dario,

não consiste “apenas em ouvir o que o professor diz, mas escutar o que está além, o

que está nas entrelinhas do discurso do professor – o que é singular a cada um ou a

‘verdade’ de cada um” (FIORENTINI, 2012, p. 16). Segundo Dario, essa participação

em comunidades, com a participação de professores, formadores de professores e

futuros professores... tem reverberado fortemente em sua produção acadêmica e

na atuação como formador de professores e de pesquisadores.

Como formador, atualmente, além de ser responsável pela interlocução do

GdS com a Unicamp, leciona as disciplinas de Prática Pedagógica em Matemática,

Estágio Interdisciplinar e Cultura Matemática Escolar e organiza Seminários na Pós-

Graduação. Como pesquisador, conta com uma série de orientações de mestrado e

doutorado no currículo, além de livros, capítulos de livros e artigos publicados.

Atualmente seus temas de interesse são desenvolvimento profissional,

aprendizagem docente, saberes e prática-didático pedagógica do professor que

ensina matemática. Mas sua história como formador não começa na Unicamp: ao

chegar em Campinas, Dario já tinha uma história anterior de trabalho voltado à

formação de professores no interior do Rio Grande do Sul.

Experiências de outras paisagens, outros tempos...

O mais velho de sete irmãos, Dario teve uma infância marcada por práticas

típicas do mundo rural. Lembra-se com nostalgia de sua primeira infância,

principalmente de brincar de esconde-esconde, jogar bola, caçar passarinho, nadar

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em um pequeno riacho, catar pinhão... Desde cedo, mostrava-se curioso por aquele

universo, querendo saber os porquês das coisas como, por exemplo, por que as

galinhas punham ovos multicoloridos, mas suas gemas eram todas amarelas? Ao vê-

las comer milho amarelo, levantou a hipótese de que a razão disso vinha daí...

Adorava também ouvir as histórias que sua mãe lia, e isso lhe despertou o desejo de

estudar e aprender a ler e escrever suas próprias histórias.

Original do Rio Grande do Sul, gaúcho de família italiana, nasceu no interior

do estado, em uma pequena comunidade. Aos 6 anos de idade, iniciou sua

escolarização, na cidade de Maravilha, em Santa Catarina, “[...] para ir à escola,

caminhava diariamente 6 km através de uma estrada cercada pela mata nativa, onde

mal passavam carroças” (FIORENTINI, 2013b, p. 217). Desde menino, mostrava-se

esforçado e dedicado aos estudos; aprendeu a ler e escrever “com muito esforço e

‘reguada’, devido à alta miopia e sem óculos [...]. Frequentava a escola pela manhã,

ajudava os pais na roça à tarde e à noite, à luz de lamparina, aproveitava para fazer

as lições. Como gostava de estudar, conseguiu superar essas dificuldades iniciais” (p.

217).

Logo no primário, sua relação com a matemática fora marcada pelo contato

com o professor Riboldi, “um senhor culto e respeitado na comunidade, que

desenvolvia suas aulas a partir de problemas. Embora tivesse preferência pela

matemática, não deixava de explorar a leitura e a escrita, e inclusive estudos sociais,

a partir de situações-problema” (FIORENTINI, 2013b, p. 217).

Após cursar o primário, numa época na qual a escolarização não era um

direito assegurado aos cidadãos brasileiros, o seminário católico foi o caminho

possível para que Dario prosseguisse seus estudos. Caminho esse que fora, também,

desejo de Dona Maria, sua mãe, desde o momento de seu batismo, segundo conta.

Em tom de nostalgia, certa vez nos relatou que ela contava que, quando foi batizado,

ele havia sorrido para o sacerdote, e este então teria brincado, dizendo que seria um

futuro padre. Isso fez com que sua mãe levasse a sério a predestinação do menino,

fato que o levou, anos mais tarde, a ingressar em um seminário católico.

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No contexto do seminário, a escolarização de Dario foi clássica e tradicional

e, tendo como professores sacerdotes alemães e franceses, estudou disciplinas

como grego e latim. No que se referia à matemática, lembra-se de ter estudado

geometria euclidiana, com teoremas e demonstrações, no 2º ano ginasial (hoje 6º

ano do ensino fundamental) (FIORENTINI, 2013b).

Curioso que sempre foi, revela que, apesar da escolarização tradicional, a

experiência mais significativa com a escola ocorreu no terceiro colegial. Naquela

época, o professor de sociologia havia aberto espaço para que realizassem uma

pesquisa de tema livre. Foi então que resolveu investigar o celibato e, para isso, ele

e um colega saíram perguntando para padres e leigos da cidade: “Os padres devem

casar?”.

Segundo Dario, “em 1969, o celibato era um tema polêmico, e a própria

sociedade – naquele momento de liberação sexual, quando muitos padres

renunciavam ao sacerdócio para se casar – passou a discuti-lo amplamente”

(FIORENTINI, 2013b, p. 218). Portanto, não foi difícil encontrar o tema em livros,

revistas e jornais. O resultado, no entanto, surpreenderia, uma vez que 75% dos

seminaristas, 60% dos leigos e 40% dos padres eram favoráveis ao casamento. Na

época, o estudo causou espanto no corpo docente e dirigente da instituição de

ensino:

O nosso estudo estourou como escândalo, pois, além de tratar-se de assunto “tabu” entre os padres, os resultados apontavam para uma direção contrária aos cânones da Igreja Católica. Foi o único trabalho lido publicamente e severamente criticado, tanto do ponto de vista ideológico como do metodológico. Recebemos a pior nota da classe, mas isso não nos abalou, porque todos sabiam que aquele trabalho tinha valor e que a nota baixa se devia a outras razões. Particularmente, para nós autores, essa foi uma experiência gratificante e de grande aprendizagem, tendo nos transformado durante a pesquisa, sobretudo, nossa maneira de pensar e compreender o problema do celibato. (FIORENTINI, 2013b, p. 218)

Ao refletir sobre seu processo de conhecimento, Dario aponta indícios do

modo com o qual se relaciona com os processos investigativos e com a perspectiva

exploratório-investigativa que defende em sua produção sobre o ensinaraprender

matemática até os dias atuais:

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Ao analisar as experiências que foram significativas em minha trajetória estudantil, hoje posso afirmar que foram aquelas marcadas pela problematização, pela exploração e pela investigação. Foram experiências que não apenas me levaram de um estado de menos para mais conhecimento. Elas transformaram meu modo de pensar e de relacionar-me com o problema – objeto de conhecimento (FIORENTINI, 2013b, p. 218).

As experiências que mobilizavam o menino intrigado com as coisas do mundo

rural ou o garoto interessado em discutir um latente tema de seu cotidiano no

seminário viriam ao encontro de seus estudos futuros, que privilegiaram, no

ensinaraprender matemática, a investigação, o sentido e a exploração.

Em um de seus conhecidos artigos, momento em que teve forte influência

dos estudos histórico-críticos, discute diferentes modos de ver e conceber o ensino

da matemática no Brasil; destaca que essa área de conhecimento, a matemática,

“não pode ser concebida como um saber pronto e acabado, mas, ao contrário, como

um saber vivo, dinâmico e que, historicamente, vem sendo construído” (FIORENTINI,

1995, p. 31). Em uma leitura temporal, aponta que a matemática, com o passar do

tempo, se tornou formal, precisa e rigorosa, “distanciando-se daqueles conteúdos

dos quais se originou, ocultando, assim, os processos que levaram a matemática a

tal nível de abstração e formalização” (p. 32). Nesse sentido, começar o ensino de

um conteúdo matemático “pelo produto de sua gênese, isto é, pelas definições

acabadas, dissociadas do verdadeiro processo de formação do pensamento como

geralmente ocorre nas tendências formalistas e tecnicistas, significa sonegar ao

aluno o acesso ao efetivo conhecimento” (p. 32).

Certamente, essa percepção de Dario não seria produto apenas de reflexões

teóricas e fundamentos críticos. Traçando uma trajetória orgânica de ação e reflexão

no campo da educação matemática, sua experiência como professor da educação

básica e formador de professores marca significativamente sua produção acadêmica

e sua trajetória de desenvolvimento profissional.

Na década de 70, após a conclusão do colegial, Dario ingressou no curso de

Filosofia na Universidade de Passo Fundo (UPF), tendo iniciado, assim, uma história

de vínculo com essa instituição. Ao final do primeiro ano, desistiu do seminário e

resolveu também mudar seu curso de graduação, pois, embora gostasse muito de

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Filosofia, o futuro professor temia por sua carreira, devido ao fato de o regime militar

ter retirado a disciplina de Filosofia do currículo escolar. Foi, então, que seu gosto

pela matemática falou mais alto e, em 1971, ingressou no curso de licenciatura, com

habilitação nas áreas de Ciências e Matemática. Sobre seu tempo de graduação,

recorda-se dos professores e das temáticas que o marcaram:

Tive ótimos professores que contribuíram para minha formação didático-pedagógica e conceitual em matemática. Dentre outros, destaco Maria Fialho Crusius, na disciplina de fundamentos de matemática elementar, quando tomei conhecimento da teoria piagetiana. Lembro-me de seu entusiasmo durante as aulas sobre desenvolvimento mental da criança e da construção do conceito de número e que poderia ensinar matemática com auxílio de materiais concretos e jogos; das aulas clássicas de cálculo do professor Spalding; das explorações e belas ilustrações do professor Geraldo no ensino da geometria; do tratamento sistemático do professor Mendonça nas aulas de lógica e álgebra; das experiências de física com o professor Ir. Santos (FIORENTINI, 2013b, 219)

Na segunda entrevista que realizamos, eu quis saber mais detalhes sobre o

curso de licenciatura em Matemática no qual se graduou. Dario contou que era um

curso tradicional, parecido com o que conhecemos, com densa carga de conteúdos

específicos da matemática. Questionei como era seu relacionamento com o curso, e

ele revelou que, para encontrar sentido para tantos exercícios, teoremas e

fórmulas... teve que dedicar-se muito aos estudos. Mais uma vez, afirmou que, para

aprender, precisava encontrar sentido no que estudava.

Logo no terceiro semestre de curso, ainda estudante de graduação, começou

a lecionar, na rede estadual do Rio Grande do Sul, as disciplinas de matemática e

física. Foi, então, questionado pela diretora do colégio se conhecia “aquela tal de

Matemática Moderna? ”. Caso conhecesse, poderia ter dois contratos com a escola.

O ano era 1972, em meio à Guerra Fria e à corrida espacial, sob a influência dos

Estados Unidos. A Matemática Moderna era a tendência de ensino privilegiada no

período; mesmo em lugares afastados dos grandes centros, havia influência dessa

perspectiva de ensino.

Como pesquisador do campo, anos mais tarde, Dario viria a compreender que

“essa proposta de ensino parecia visar não à formação do cidadão em si, mas à

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formação do especialista matemático” (FIORENTINI, 1995, p. 14), capaz de aplicar

estruturas matemáticas e desenvolver tecnologia.

Na primeira entrevista que realizei, recordou-se desse tempo com certa

graça, pois, naquela ocasião não tinha claros muitos dos conceitos que perpassavam

aquela tendência de ensino, porém, animado com a possibilidade de ascensão na

carreira, jovem e já “se virando” na cidade, curioso, foi, então, estudar. Iniciava-se,

assim, desde cedo em um espaço fronteiriço entre a docência no ensino básico e a

formação de professores.

Após um período atuando na Universidade de Passo Fundo como formador

de professor, afastou-se de sua função para fazer o mestrado em Análise Numérica,

na Unicamp. Sua intenção era realizar o mestrado para lecionar as disciplinas de

análise matemática e topologia, na UPF. Relata que, apesar de ter realizado alguns

estudos preparatórios, levou seis meses de “intenso estudo para chegar ao nível dos

demais colegas do Estado de São Paulo” (FIORENTINI, 2013b, p. 220) e que seu curso

de mestrado “foi um período de intensa formação estritamente técnico-científica,

sem receber qualquer formação complementar no campo das humanidades –

formação, esta última, de que sentiu falta logo que voltou a atuar como formador

de professores de matemática na UPF” (p. 220).

Após período de intensa dedicação ao mestrado em matemática aplicada,

retornou ao Sul. Academicamente, Dario voltou mestre em matemática aplicada,

especialista em mecânica dos fluidos. Profissionalmente, seguiria sua carreira de

formador de professores. Pelo lado afetivo, por sua vez, voltava com sua esposa,

Dora, e seu primeiro filho, família constituída em Campinas.

Em Passo Fundo, assumiu as disciplinas específicas da matemática e também

as de estágio. Por um lado, as situações vividas na disciplina de Análises Matemática

fariam com que sua perspectiva de ensinaraprender matemática se modificasse

significativamente. Dentre as disciplinas específicas da matemática que lecionava,

estava a de Análise Matemática. Com o final do curso se aproximando, os resultados

das avaliações apontavam que os estudantes não haviam compreendido a maior

parte dos conteúdos ministrados por ele. Ao invés de reprovar a turma, como Dario

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julgava necessário, a coordenação do curso de licenciatura propôs que a disciplina

fosse reoferecida por ele, em 11 dias, durante as férias.

O desafio de ministrar a disciplina em 11 dias o estimulou a mudar sua prática

formativa: ao invés de exposições na lousa, optou por preparar cinco tarefas (um

enunciado de teorema, uma demonstração, dois exercícios e uma questão voltada

ao ensino básico e relacionada à Análise Matemática) para cada estudante,

explorando uma abordagem mais semântica (de produção de significados) dos

procedimentos analíticos. Os alunos, após estudarem e tentarem resolver as tarefas,

deveriam apresentá-las na lousa, para toda a classe. Seriam aprovados aqueles que

demonstrassem compreensão e significação satisfatórias das cinco tarefas.

Ao dar voz e significação aos alunos, percebeu, de um lado, onde havia

falhado como formador e, de outro, constatou uma abordagem mais significativa e

contributiva para a formação matemática do futuro professor. Depois dessa

experiência, suas aulas de matemática nunca mais foram as mesmas.

Por outro lado, sua participação nas disciplinas de estágio supervisionado

também trouxe contribuições para essa mudança de postura em relação à formação

de futuros professores, sobretudo ao acompanhar os alunos das disciplinas de

estágio e assistir às aulas que ministravam nas escolas. Apesar de se empenhar, nas

aulas de análise, para que os estudantes se apropriassem dos conteúdos

matemáticos acadêmicos, percebia, em suas visitas de estágio às escolas,

[...] que esses mesmos licenciandos eram incapazes de explorar e problematizar o saber matemático elementar na perspectiva dos alunos de 1º e 2º graus, conforme nomenclatura da época, de modo a torná-la significativa e instigante aos estudantes. (FIORENTINI, 2013b, p. 220)

Nessas experiências, aprendeu que “os licenciandos precisam se apropriar de

uma outra matemática; de uma matemática não hermética e formal que escamoteia,

oculta ou encobre o conteúdo vivo das ideais matemáticas” (FIORENTINI, 2013b, p.

220).

Em 1984, Dario foi coordenador do curso de licenciatura em Matemática, na

UPF. Sob sua coordenação aconteceu a reformulação do curso, com a introdução de

novas disciplinas, como, por exemplo, História da Matemática. Entretanto, lembra-

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se de que, quando chegou a vez de ser oferecida essa disciplina, não havia professor

com conhecimento de história da matemática para assumi-la. Resolveu, então,

assumir “o desafio de aprender com os alunos” e convidou uma colega para

desenvolver juntos “esse empreendimento arriscado” (FIORENTINI, 2004, p. 03).

Conta que, no primeiro dia de aula, relatou aos alunos o problema da falta de

professor e comunicou que ambos (Dario e a colega) estavam “dispostos a

desenvolver um programa de estudo conjunto com eles” (p. 03). Discutiram e

negociaram “a seleção de temas da história da Matemática” que julgavam

“fundamentais à formação profissional do professor” e dividiram a classe em grupos.

Cada grupo, sob nossa orientação, realizou durante quase três meses uma pesquisa histórico-bibliográfica, tendo sido produzida no final uma monografia e realizado um seminário – que, na verdade, transformou-se em aulas ministradas pelos próprios alunos – de socialização dos resultados. Lembro com saudades do envolvimento de todos na realização daquele trabalho. Formadores e formandos aprendendo uns com os outros. Os alunos nos mostrando com entusiasmo suas descobertas sobre a história do surgimento e da evolução de símbolos matemáticos como, por exemplo, os de adição, de subtração, de radical, de integral etc. Anos depois, um dos alunos dessa classe se tornaria o professor efetivo dessa disciplina no curso... (FIORENTINI, 2004, p. 03)

Segundo Dario, a partir de uma experiência investigativa, os estudantes

daquela disciplina experienciaram outros modos de aprender matemática, em que

foram valorizadas perspectivas histórico-culturais do conhecimento matemático,

sobretudo como “vem sendo produzido atendendo às necessidades sociais. [...] obra

de várias culturas e milhares de sujeitos que, movidos pelas necessidades humanas,

construíram a Matemática que conhecemos hoje” (FIORENTINI, 2004, p. 04).

Essas experiências constituídas na licenciatura em matemática o levaram a

dar uma virada epistemológica, por assim dizer, uma vez que percebeu que não

bastava que os futuros professores tivessem somente o domínio do conteúdo

específico, “sendo também necessário o domínio de conhecimentos relativos ao

campo das relações humanas e sociais” (FIORENTINI, 2013b, p. 220). Em um

movimento no qual, por um lado, passava a significar sua atuação como formador

de professor e, por outro, reencontrava os fundamentos humanísticos adquiridos no

seminário e no iniciado curso de filosofia. Essas experiências também foram

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decisivas em sua opção pelo curso de doutoramento em Educação, na Unicamp, com

ênfase em educação matemática.

Tem gente que chega pra ficar...

Após um ano e meio no doutorado, foi aprovado em concurso para lecionar

nos cursos de Pedagogia e Matemática da Unicamp. Ao organizar seus arquivos, em

sua sala, certa vez me deparei com as avaliações de um curso da disciplina

Metodologia do Ensino da Matemática, ministrada por Dario, no ano de 1990, na

Pedagogia, da Unicamp. No item que avaliava o professor, as estudantes utilizaram

expressões como “aberto”; “atento às reivindicações dos estudantes”; “crítico”.

Como pesquisadora, chamou minha atenção o fato de que essa postura

“aberta”, atribuída pelas estudantes, fora identificada anos antes de sua participação

nas comunidades investigativas que descrevo nesta narrativa. Ora, será mesmo que

as comunidades são tão poderosas como imaginamos em transformar professores,

pesquisadores e formadores? Será que há, em cada um de nós, participantes de

grupos, características socialmente construídas a priori de nossa participação em

grupos e que nos tornam mais ou menos colaborativos? Por essa razão, retomei

essas avaliações no momento da entrevista.

Vanessa – Essas avaliações são de 1990, antes de sua participação em GdS, Prapem, Gepec ou GPFPM, as estudantes usam expressões como “aberto”; “atento as vozes dos estudantes”; “engajado”. De que modo você acha que se constituiu esse formador? Dario – Eu era um matemático, deveria ser daqueles tradicionais. Quando voltei do IMECC (Unicamp) para a Universidade de Passo Fundo, assumi duas disciplinas de Análise Matemática. Numa turma de trinta e cinco alunos, apenas quatro passaram. Mas, também, lecionei disciplinas de prática de ensino e estágio e acho que essa interlocução fez com que me aproximasse da educação. Comecei, então, a preocupar-me com o saber para a docência. Na verdade, sem saber o que é um saber para a docência. Empiricamente, sobretudo nos estágios, observava que aquilo que eu ensinava não fazia sentido para o futuro professor. Eu tentava trabalhar muito os sentidos e os significados dos conteúdos matemáticos. A prática matemática do IMECC, por outro lado, privilegiava a formalização e uma abordagem axiomática, mas eu sempre procurava entender o

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sentido e o significado dos conceitos. Talvez, o seminário tenha me ajudado a perseguir esse entendimento. Lembro que as aulas de matemática no seminário eram ministradas por padres franceses e estes privilegiavam uma abordagem mais semântica do que sintática. Na disciplina de Física, o professor enfatizava o estudo dos fenômenos físicos e não os exercícios e problemas mediante uso de fórmulas.

Durante o doutoramento, sob orientação de Ubiratan D’Ambrosio, realizou

disciplinas de diferentes campos, filosofia, sociologia, psicologia, história,

metodologia da pesquisa, etnomatemática etc. Dario recorda-se de ter realizado

dois cursos com o professor Demerval Saviani e outros com os professores Décio

Pacheco, Joaquim Severino, Ubiratan D’Ambrosio, Newton Balzan, Amélia

Domingues de Castro e Evaldo Vieira.

Nos anos 1980, período de seu ingresso no doutorado, a Educação

Matemática, como campo científico, buscava consolidar-se cada vez mais com o

surgimento de linhas em educação matemática nos programas de pós-graduação em

Educação (FIORENTINI; LORENZATO, 2006). Nesse contexto, em sua pesquisa de

doutorado, Dario realizou um estudo do tipo estado da arte, tendo como corpus as

dissertações e as teses defendidas no campo da educação matemática no Brasil até

o final do ano de 1990. Seu foco de estudo era compreender as tendências temáticas

e teórico-metodológicas das pesquisas, principalmente suas indagações (perguntas

ou problemas) (FIORENTINI, 1994). Em relação à formação de professores e à prática

pedagógica em matemática, essa pesquisa revelou que

[...]os estudos brasileiros adotavam uma postura epistemológica técnico-instrumental e colonizadora, marcada por explicações causais e negativistas da prática escolar e do trabalho do professor, não reconhecendo a comunidade escolar como capaz de produzir conhecimento e de transformar a escola e o ensino, tendo a colaboração de professores universitários. (FIORENTINI, 2013b, p. 221)

Inicialmente, esse não era seu tema de estudo. Dario revelou-me que essa

preocupação surgiu mediante seu desejo de colaborar com a construção de um

campo.

Vanessa – Conta sobre como foi sua participação na fundação da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM). Dario - Foi no final da década de 1980. Eu era o representante da Região Sul. Aconteceram alguns encontros para a

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elaboração do regimento. Íamos com nossos próprios recursos, éramos mobilizados pelo sonho de ter uma comunidade independente, desvinculada dos matemáticos. Era um grupo que começava a se identificar e comungar das mesmas ideias. Eu tinha uma preocupação de tentar fundamentar epistemologicamente esse campo e isso me levou a mudar minha pesquisa relativa à tese de doutorado. Minha pesquisa inicial era sobre o ensino de matemática nas escolas comunitárias ou paroquiais do Sul. Tinha uma perspectiva histórica. Mas com meu envolvimento na construção da SBEM, passei a interrogar esse possível campo profissional e científico. Questionava, principalmente, sobre o que significava pesquisar em educação matemática. Vanessa – Em determinado momento de sua trajetória, você busca referenciais teóricos que o auxiliam a compreender sua prática. Em outros momentos, você realiza estudos relacionados ao seu compromisso político com um campo. Dario – Bom, como surgiu meu interesse por esse campo? Eu cursei a disciplina do professor Décio Pacheco, que sugeriu que lêssemos e analisássemos teses e dissertações que se aproximassem de nossos projetos de pesquisa. Eu comecei a me interessar sobre o que significa realizar uma pesquisa em educação matemática. O que era aquele campo? Comecei, então, a fazer esse levantamento. Achei que não encontraria mais que 30 trabalhos, mas cheguei ao final de 1990 com uma relação 204 dissertações e teses relativas ao campo da educação matemática. Então, comecei a me interessar pela história da pesquisa, quando surgiu a pesquisa em educação matemática no Brasil e no exterior.

Além dos estudos do tipo Estado da Arte (FIORENTINI, 1994), Dario também

começava a discutir em sua produção acadêmica o conhecimento matemático sob

uma perspectiva histórica. O artigo “Alguns modos de ver e conceber o ensino da

matemática no Brasil” (FIORENTINI, 1995) discute seis concepções de ensino de

matemática: 1) “formalista clássica”, 2) “empírico-ativista”, 3) “formalista moderna”,

4) “tecnicista e suas variações”, 5) “construtivista” e 6) “socioetnocultural”. Em cada

uma dessas tendências foram identificados: a concepção de matemática; a

concepção do modo como se processa a produção do conhecimento matemático; os

fins e os valores atribuídos ao ensino de matemática; as concepções de ensino e de

aprendizagem; a cosmovisão (visão de mundo) subjacente; a proposta de relação

professor-aluno; e a perspectiva de estudo/pesquisa, visando à melhoria do ensino

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da matemática. Sobre esse estudo, na primeira entrevista, questionei qual seria a

influência dos estudos históricos críticos.

Vanessa – Sobre seus estudos publicados em “Alguns modos de ver e conceber o ensino da matemática no Brasil”, percebo uma grande influência dos estudos histórico-críticos. Dario – Sim, naquela época, havia realizado duas disciplinas com o professor Dermeval Saviani. Daí a influência deste autor na busca de compreensão do ensino da matemática no Brasil. Hoje, eu diria que estou mais próximo dos estudos socioculturais.

No início dos anos de 1990, seu olhar começou a tomar seu próprio universo

profissional como campo empírico de suas pesquisas. Após um período em que sua

atenção se voltou, por um lado, para estudos do tipo estado da arte nos quais visava

compreender o campo da educação matemática e, por outro lado, para aqueles que

problematizavam a matemática em uma perspectiva histórica – sobretudo os

estudos sobre educação algébrica com Antônio Miguel e Maria Ângela Miorim –,

Dario iniciaria uma longa trajetória de pesquisa no campo da formação do professor

que ensina matemática.

À medida que sua produção intelectual era significada por sua atuação como

formador de professores, a interlocução de Dario com diferentes comunidades

também acontecia, de modo paralelo. No final da década de 1980, participaria

ativamente da fundação da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM).

Na década de 1990, ao menos, quatro grupos de estudo e pesquisa perpassariam a

sua atuação e produção acadêmica.

Experiências de desenvolvimento profissional em Comunidades

Sua atuação como formador de professores e o estudo das práticas

profissionais faria com que fundasse o grupo Prática Pedagógica em Matemática

(PRAPEM), que iniciou suas atividades em 1995, no contexto do Programa de Pós-

Graduação de Educação (PPGE) da Unicamp, tendo como objeto de estudo a

atividade pedagógica e docente em matemática (saberes, práticas e inovações,

produzidos sob uma epistemologia de prática reflexiva e investigativa) e os

processos de formação e desenvolvimento profissional de professores.

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Integram esse grupo, desde sua fundação, os professores Dario e Dione e

alunos de mestrado e doutorado. Durante alguns anos, os professores Maria Ângela

Miorim, Maria do Carmo Domite, Anna Regina Lanner de Moura e Sérgio Lorenzato

também participaram deste grupo de pesquisa. De acordo com Dario, o grupo surgiu

da insatisfação de docentes e pós-graduandos da Área de Educação Matemática da

FE/Unicamp em relação a duas tendências até então dominantes de investigação da

prática pedagógica em matemática: a técnico-instrumental, que adotava a forma de

explicações científicas objetivas, isto é, explicações causais, seguindo o modelo da

racionalidade técnica; e a prático-pragmática, que negava a reflexão teórico-

epistemológica e ético-política, limitando-se a descrever e interpretar

superficialmente e genericamente a prática pedagógica.

Desde sua fundação, essa comunidade investigativa tem sido espaço-tempo

de formação de pesquisadores, tendo dado suporte ao desenvolvimento de, pelo

menos, 32 dissertações de mestrado e 27 teses de doutorado. Boa parte desses

estudos foi desenvolvida por professores da escola básica, que tiveram como objeto

investigativo problemáticas de sua própria prática pedagógica, com destaque para

os processos e os modos de ensinar e aprender matemática nas escolas.

Com a extinção da área de concentração em Educação Matemática no PPGE-

Unicamp, em 2007, o grupo passou a ser vinculado à área de Ensino e Práticas

Culturais e à linha de Pesquisa em Educação em Ciências e Matemática. Os encontros

ocorrem quinzenalmente, e a coordenação das atividades tem sido compartilhada

entre os docentes e os pós-graduandos. Em todo início do semestre é realizada a

programação dos encontros, que têm como principal objetivo auxiliar teórico-

metodologicamente o desenvolvimento dos projetos de pesquisa dos integrantes do

grupo.

No período de 2010 a 2015, no contexto do grupo, Dario coordenou o projeto

“Aprendizagem e desenvolvimento profissional de professores que ensinam

matemática ”, cujo objetivo é descrever e analisar, sob uma perspectiva histórico-

cultural, as aprendizagens docentes e o processo de desenvolvimento profissional e

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de constituição da profissionalidade docente em diferentes contextos de prática e

de formação docente. Esta tese de doutorado integra esse projeto maior.

Em 1996, no âmbito da formação continuada, Dario e Maria Ângela

desenvolveriam o curso citado por Eliane em sua entrevista, que culminaria na

organização do livro Por trás da porta, que matemática acontece? (2001). Entre o

curso destinado a professores em exercício no ensino fundamental e médio e a

organização do livro, o projeto durou cinco anos. Em uma perspectiva

interdisciplinar, o curso era voltado para professores de artes, matemática e física.

Seriam selecionados dez professores da área de matemática. Segundo Dario e

Ângela, “embora, naquele momento, não tivéssemos conhecimento ainda dos

trabalhos de Connelly e Clandinin (1995), estávamos, sem saber, utilizando uma

metodologia de investigação muito próxima” (FIORENTINI; MIORIM, 2010, p. 22).

No contexto do curso “as narrativas trazidas/produzidas pelos professores

constituíam-se em fenômeno ou objeto de estudo e reflexão pelo grupo”

(FIORENTINI; MIORIM, 2010, p. 23). Em depoimento sobre suas aprendizagens, Dario

revela que, nessa experiência, aprendeu “a ouvir mais as histórias dos professores e

a tentar não mais colonizar os professores, mas a buscar e negociar conjunta e

colaborativamente outras possibilidades de ensinar e aprender matemática na

escola” (anotações Dario). As anotações de Dario comprovam a importância

histórica desse curso: a primeira vez que tentou “experienciar essa prática

colaborativa foi em curso de especialização desenvolvido na FE/Unicamp no final dos

anos de 1990” (anotações Dario).

Ao propor à colega Ângela Miorim uma dinâmica de trabalho e orientação

para os cinco professores que fariam os trabalhos de conclusão de curso, revela ter

negociado com os professores que os trabalhos de conclusão de curso seriam

desenvolvidos ao longo de dois semestres,

sob uma dinâmica inicial de problematização coletiva da prática de cada professor, e a partir daí, a escolha de uma unidade do currículo escolar em torno da qual tentariam desenvolver uma experiência exploratória e de negociação de significados, e documentando com registros as práticas de sala de aula, sobretudo as explicações por escrito que os alunos produziam durante a atividade matemática de sala de aula. Esse material era analisado e discutido conjuntamente

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com todos os participantes, cabendo posteriormente a cada professor textualizar, em forma de análise narrativa, esse processo de trabalho e de aprendizagem tanto dos alunos como dos professores. Esses escritos, foram posteriormente metanalisados e sistematizados, visando à publicação do livro “Por trás da porta, que matemática?”. (anotações Dario).

Também na década de 1990 Dario estabeleceria interlocuções com o Grupo

de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada (GEPEC). Em parceria com as

professoras Elisabete Pereira e Corinta Geraldi, organizariam o livro Cartografias do

trabalho docente (GERALDI; FIORENTINI; PEREIRA, 1998). De acordo com os autores,

a história desse livro sintetiza o percurso de um grupo de estudos. No contexto de

um Seminário de Pesquisa, registrado como disciplina do PPGE/Unicamp,

observaram que as orientações teórico-metodológicas para realização de projetos

de pesquisa, em outra perspectiva de prática pedagógica e

formação/desenvolvimento profissional do professor, eram difusas. Com o término

do Seminário, foram mapeadas as questões emergentes e, assim, constituídos três

subgrupos: educação continuada, professor reflexivo e/ou pesquisador e saberes

dos professores. Sob a coordenação de Dario ficou o grupo de saberes do professor.

Para constituição do livro, foram organizados três seminários com mesas-redondas,

nos quais os subgrupos apresentaram e discutiram suas produções. Os textos

produzidos contavam, assim, com apreciação crítica de todos os presentes.

O processo de organização desse livro, que contou com a participação de

pesquisadores brasileiros e estrangeiros, por um lado, viria a influenciar a

compreensão de Dario sobre saberes, conhecimentos, pesquisa e trabalho do

professor. Por outro lado, o próprio processo de organização do livro influenciou seu

modo de trabalho colaborativo, que também ressoou naquela comunidade no

momento de elaboração do livro. Questionei Dario sobre como iniciou sua relação

com o GEPEC.

Vanessa – Como você começa a participar do GEPEC? Pergunto, pois muitas das questões que vemos, de algum modo, reificadas no GdS, estão presentes nas discussões do livro que vocês organizaram, como pesquisa-ação, saberes docentes, pesquisa do professor. Dario – A minha participação no GEPEC veio de minha aproximação com a professora Corinta. Tínhamos certa

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aproximação desde o Sul, ela vinha da Unijuí, uma universidade com forte perspectiva crítica e voltada ao desenvolvimento regional. Quando venho para cá, fico próximo da Corinta. Inclusive, a pedido dela, realizei um trabalho na Secretaria Municipal de Campinas, envolvendo professores de matemática do anos finais do ensino fundamental. Corinta pediu para desenvolver uma proposta curricular para o município. Nós (Sandra Freire e eu) preferimos desenvolver um projeto de pesquisa-ação colaborativa com os professores. Era uma proposta para eles desenvolverem projetos experimentais em sala de aula. Constituíram-se oito subgrupos de professores de matemática do Ensino Fundamental II. Foi nesse momento que estreitou minha aproximação com o GEPEC. Acho que minha participação no grupo durou cinco anos. Muitos orientandos meus, do final dos anos de 1990, também participavam.

Ao final desse período, alguns orientandos de Dario e outros participantes do

Grupo PRAPEM, que não conseguiram, em 1999, por falta de espaço, ingressar no

Projeto com o GEPEC, sentiram a necessidade de constituir um grupo próprio de

estudos, que, mais tarde, passaria a denominar-se Grupo de Estudo e Pesquisa sobre

Formação de Professores de Matemática (GEPFPM). Segundo Dario, a formação do

grupo foi motivada pela necessidade que esses estudantes tinham de realizar

estudos que trouxessem aportes teórico-metodológicos acerca da investigação

sobre formação e desenvolvimento profissional de professores de matemática. Mais

tarde esse grupo se institucionalizou e se tornou interinstitucional. É, atualmente,

um dos grupos mais ativos e importantes do Brasil, e tem como foco de estudo o

professor que ensina matemática. Um dos projetos atuais do grupo, em pleno

desenvolvimento (2013 a 2016), envolve 32 pesquisadores de todo o Brasil e do

exterior e tem por objetivo mapear e descrever o estado da arte das pesquisas

brasileiras produzidas no âmbito dos programas de Pós-Graduação stricto sensu das

áreas de Educação e Ensino, no período de 2001 a 2012, tendo como foco de estudo

o professor que ensina matemática.

Entre os anos de 2010 e 2014, Dario atuou como coordenador do Programa

de Pós-Graduação em Educação da FE-Unicamp. Acompanhei esse trabalho de

perto, uma vez que havia períodos nos quais eu o auxiliava na elaboração do

relatório DataCapes. Mais uma vez, observava seu jeito colaborativo de fazer as

coisas, procurando sempre conversar sobre o andamento do trabalho... Mesmo em

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um contexto onde decisões precisam ser tomadas quase de imediato, penso que

realizou, na medida do possível, um trabalho colaborativo, em que as decisões eram

negociadas e construídas coletivamente e de modo transparente...

Nesse período, também participou do Fórum dos Coordenadores, tendo,

inclusive, participado ativamente da constituição de uma proposta da área da

educação para os mestrados profissionais. Como eu conhecia essa trajetória, estava

ansiosa para que refletisse sobre a influência do GdS nessa proposição.

Vanessa – Como você acredita que participar do GdS influencia sua participação na proposição do mestrado profissional? Dario – Acho que influencia muito. A participação no GdS nos dá uma ideia do lugar da própria universidade em relação aos profissionais que estão na escola. Se esses profissionais, com o mestrado profissional, podem ter uma formação mais especializada para quem já tem conhecimento do campo profissional, uma formação mais avançada. Os formadores do mestrado profissional precisam saber receber profissionais, no sentido de acolher e trabalhar em cima da perspectiva do professor. Não é para acolher para colonizar, mas para saber trabalhar com aquilo que ele já faz e que pode ser sistematizado e melhorado e divulgado aos demais professores. É diferente de quando alguém chega ao mestrado acadêmico e geralmente abandona as problemáticas que traz do campo profissional. Ao realizar o mestrado profissional, ele tem a oportunidade de compreender melhor sua prática profissional e de transformá-la ou melhorá-la.

Sua produção científica e sua recente participação nas discussões sobre

o mestrado profissional, de certo modo, lembram-me da frase lapidar de

Magda Soares: "Nós, os da área da Educação, estamos permanentemente

diante de um apelo para a compreensão, acompanhado de um apelo para a

ação"37.

37 Disponível em: http://www.mcti.gov.br/visualizar/-/asset_publisher/jIPU0I5RgRmq/content/leia-o-discurso-de-magda-soares-ao-receber-o-premio-almirante-alvaro-alberto;jsessionid=8684DEE68420446E08535A832BB29A0D. Acesso: 05/12/15.

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Constituição e Vivência no GdS

Foi também no ano de 1999 que Dario fundou o Grupo de Pesquisa-Ação em

Álgebra Elementar (GPAAE), atual Grupo de Sábado (GdS). A motivação para formar

o grupo nasceu de suas experiências anteriores em relação à formação continuada

de professores. Algumas malsucedidas e outras bem-sucedidas. Segundo ele, “as

malsucedidas foram aquelas que tentei colonizar os professores e suas práticas,

dizendo o que deveriam fazer para ensinar melhor matemática”. Nesses cursos, não

se tinha por base “a prática cotidiana dos professores, sobretudo suas dificuldades,

desafios, possibilidades e experiências e saberes de experiências construídos ao

longo dos anos, mas as teorias e pesquisas acadêmicas”. Em determinados

contextos, revela que chegou “a preparar sequências de tarefas interessantes que

mobilizavam a participação dos professores, mas, no dia seguinte, quando os

professores retornavam às suas salas de aula, tudo parecia continuar como antes”

(anotações Dario).

Ao mesmo tempo que o grupo se constituía, “novas leituras sobre

pensamento e saber do professor ou sobre professor reflexivo e pesquisador de sua

prática, junto ao GEPEC e ao Grupo de Pesquisa Prapem” ocorriam. Tais estudos o

ajudariam a questionar e problematizar sua própria prática como formador de

professores tanto na formação continuada como na inicial. Desse modo, à medida

que Dario participava de uma experiência inovadora de formação continuada em

parceria com Ângela Miorim, da qual resultou o livro Por trás da porta, que

matemática acontece?, também participava da construção coletiva, no grupo de

pesquisa GEPEC, de um livro sobre a pesquisa do professor..

Essas experiências aconteciam quando, juntamente com dois orientandos de

doutorado (Alfonso e Renata), discutiram a possibilidade de constituir um grupo de

estudos que tivesse como foco de estudo a álgebra escolar, devido aos problemas

que encontravam no ensino desse conteúdo na escola básica e à alta demanda de

cursos que abordavam essa temática.

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Certa vez, Dario, inclusive, relatou a experiência de um de seus filhos, que, à

época, estava iniciando o estudo da álgebra na escola e começou a se desinteressar

pelo estudo da matemática, devido à abordagem acentuadamente mecânica e

procedimental das expressões algébricas. Tal abordagem privilegiava a sintaxe, em

detrimento da semântica da linguagem algébrica. Dario, então, deu-se conta, como

pesquisador, pai e formador de professores, daquela situação problemática. Esse foi

mais um motivo para a constituição de um grupo sobre a temática.

Dario relata que, no final de 1998, para compor o futuro grupo, levantaram

“possíveis interessados e, em 1999, começamos a trabalhar, tendo sido definido o

sábado de manhã como um horário mais viável à maioria” (anotações Dario).

Segundo Dario,

a metodologia de trabalho colaborativo do Grupo, entretanto, levaria um certo tempo para se consolidar. Inicialmente lemos e estudamos, de um lado, processos de pesquisa-ação colaborativa (CARR; KEMMIS, 1988) e, de outro outro, estudos recentes sobre ensino e aprendizagem de álgebra sob uma perspectiva de produção e negociação de significados e também discussão e análise das práticas de ensino de álgebra trazidas pelos professores participantes. (anotações Dario)

Dario conta que, ao mesmo tempo que discutiam episódios de aula e

problemas e desafios trazidos pelos professores, tentavam “negociar

conjuntamente outras possibilidades de intervenção em suas práticas escolares.

Essas novas práticas eram trazidas e narradas, mobilizando todos os participantes

a problematizá-las, analisá-las e escrever sobre essa experiância formativa”

(anotações Dario).

Em nossos estudos sobre o grupo, temos focado nossas análises sobre o que o

professor aprende, como se desenvolve profissionalmente mediante participação

naquele contexto e como constitui sua profissionalidade docente. Recentemente,

tenho refletido sobre as aprendizagens e o desenvolvimento profissional de todos;

por essa razão questionei Dario acerca de sua participação no grupo e perguntei,

na entrevista, como observava o empoderamento de seu discurso naquele

contexto.

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Vanessa – No último livro do GdS, vocês falam sobre o empoderamento dos professores mediante participação no grupo. Mas como os pesquisadores têm seus discursos empoderados, ao participar dessa comunidade? Dario – Você tem me feito pensar mais sobre isso. Não tenho uma resposta pronta. Eu acho que o empoderamento dos professores fica claro. Acerca dos pesquisadores, eu acho que empodera uma perspectiva epistemológica, uma perspectiva ou concepção de formação e de aprendizagem docente. Eu não gosto de teorizar por teorizar... Acho que a participação em um grupo como esse, de algum modo, dá sustentação para nossas ideias, para nossas crenças epistemológicas. Ou seja, teorizamos com base em uma determina prática. As teorizações que tenho feito são pautadas em cima de uma experiência concreta de formação docente, tanto na graduação, como na formação em serviço, e junto com os professores e futuros professores. Desde a experiência na prefeitura, deixei de acreditar em cursos formais ou de treinamento de professores, por mais práticos que sejam. Mesmo no Sul, tinha dificuldade de dar cursos, gostava de envolver os professores em projetos e instigá-los a refletir e analisar seus resultados. Havia teorias, mas sempre relacionadas aos projetos que desenvolviam. Talvez, isso tenha relação com os movimentos participativos que são fortes no Sul. Tenho que dar esse crédito a uma formação mais comunitária e participativa que é própria do Sul, processo que eu provavelmente tenha incorporado e trazido como herança.

Assim, em diversos espaços – dentre os quais, um espaço fronteiriço –,Dario

vai se constituindo pesquisador e formador para além da zona de conforto dos

muros acadêmicos, compartilhando espaço com professores que se engajam na

investigação e na reflexão de suas práticas. Nessa convivência, tem valorizado as

histórias de vida de professores.

Ao prefaciar um livro constituído por narrativas e por análises dessas, disse

que tem sido lugar-comum os governantes, a sociedade, os meios de comunicação

e até a universidade responsabilizarem os professores pelo fracasso escolar dos

alunos. E questiona:

Mas será que conhecemos quem são esses professores e como vivem, pensam e sentem sua prática e condição docente? Como vêm lutando esses professores e professoras para dar conta de seu compromisso de educar as novas gerações? Sabemos, por exemplo, como esses professores vêm tentando garantir a todos os jovens e crianças das escolas públicas – em sua diversidade social e cultural – o acesso ao conhecimento matemático fundamental à sua inclusão social e

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cultural? Sabemos, ainda, como vêm conseguindo engajar os novos alunos na atividade matemática relevante socioculturalmente, apesar das políticas públicas neoliberais se negarem a oferecer as condições sociais, econômicas e culturais necessárias para tal? (FIORENTINI, 2012, p.13)

Ao final da entrevista, questiono Dario sobre quais seriam seus sonhos.

Coerente com sua trajetória acadêmica e profissional e com seus estudos, Dario

revela que gostaria de ver os professores como protagonistas das mudanças da

educação. Gostaria que as mudanças partissem dos professores, não dos desmandos

dos governos, como temos visto nos últimos anos.

Assim como Miguilim, de Guimarães Rosa, Dario também saiu de sua

comunidade rural, no Sul do Brasil. Foi para cidade grande. Também corrigiu a

miopia e passou a enxergar melhor o mundo! Senão o mundo todo em seu sentido

literal, pelo menos o “mundo” figurado da pesquisa e das práticas do professor que

ensina matemática.

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Figura 12 - Serpentina (2003), Beatriz Milhazes

Vida vida que amor brincadeira, vera Eles amaram de qualquer maneira, vera

Qualquer maneira de amor vale a pena

Qualquer maneira de amor vale amar (...)

Eles partiram por outros assuntos, muitos

Mas no meu canto estarão sempre juntos, muito

Qualquer maneira que eu cante esse canto

Qualquer maneira me vale cantar

Milton Nascimento e Caetano Veloso, Paula e Bebeto, 1975

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Capítulo 05 – Cartografias, Compreensões e

Reverberações das Experiências de Desenvolvimento

Profissional

Neste estudo, coloquei-me na posição de ouvinte e narradora das histórias de

Roberto, Eliane e Dario. Com cada um deles, adentrei em outros tempos, espaços e

interações. Revivemos juntos interrupções e continuidades de suas histórias de vida.

Como todos nós, ao longo dos anos, eles constituíram enredos complexos por

caminhos que, por vezes, coincidiram. Em um processo de confiança mútua, nos

diálogos estabelecidos ao longo do tempo, revivemos a complexidade de suas

histórias e, ao mesmo tempo, refletimos sobre suas vivências, produzindo novos

sentidos.

Em meio a esse processo interativo, o desafio foi tentar dar um acabamento

estético às histórias que os participantes escolheram contar sobre suas experiências

de desenvolvimento profissional. As histórias que narravam versaram sobre

diferentes aspectos de suas vidas, sobretudo tempos-espaços vividos na

comunidade fronteiriça comum aos três e a mim. Nessa tentativa, aceitando os

limites de minhas palavras, trago à tona versões daquelas experiências.

Nesses movimentos, à medida que esta pesquisa foi se desenvolvendo,

compreendia que, para além de práticas ou situações específicas de

desenvolvimento profissional, conversávamos sobre experiências de

desenvolvimento profissional e de constituição de modos de ser/estar educadores

matemáticos. Ao tomar como foco essas experiências, passei a compreendê-las

como um processo ao longo do tempo, que “tem início antes de ingressar na

licenciatura, estende-se ao longo de toda sua vida profissional e acontece nos

múltiplos espaços e momentos da vida de cada um, envolvendo aspectos pessoais,

familiares, institucionais e socioculturais” (FIORENTINI, 2008, p. 4-5).

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Essas experiências, aqui interpretadas como complexas e dinâmicas,

envolveram a participação e a interação dos três protagonistas deste estudo, em

diferentes espaços, ao longo do tempo. Desse modo, a tridimensionalidade

(sociabilidade, temporalidade e local) dessas experiências é, ao mesmo tempo,

método de pesquisa e fenômeno a ser investigado. Nesse sentido, os termos

[...] pessoal e social (interação); passado, presente e futuro (continuidade); combinados à noção de lugar (situação) [...] cria um espaço tridimensional para investigação narrativa, com a temporalidade ao longo da primeira dimensão, o pessoal e o social ao longo da segunda dimensão e o lugar ao longo da terceira (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 85).

Tendo por base esse espaço tridimensional, tentei construir, no capítulo

anterior, as narrativas de experiências de desenvolvimento profissional e de

constituição da profissionalidade dos três participantes da pesquisa: Roberto, Eliane

e Dario. A fim de dar a ver as adjacências dessas três narrativas, ainda com base

nessa tridimensionalidade, procurei, neste capítulo, analisar e interpretar as

narrativas de experiências de desenvolvimento profissional dos três participantes

desta pesquisa a partir de três eixos analíticos: 1) mapeamento dos espaços de

experiências de desenvolvimento profissional e pessoal; 2) compreensões sobre as

experiências de desenvolvimento profissional em uma comunidade fronteiriça e 3)

reverberações da participação em uma comunidade fronteiriça.

Sobre o primeiro eixo, ao tentar seguir a coerência da conceituação de

desenvolvimento profissional aqui trabalhada, realizei um mapeamento dos

diferentes espaços de experiências de desenvolvimento pessoal e profissional,

citados pelos participantes da pesquisa nas entrevistas ou nas interações

estabelecidas com eles, ao longo do tempo. No segundo eixo, o meu interesse foi

compreender aspectos específicos das experiências de desenvolvimento profissional

que ocorrem na comunidade fronteiriça na qual se encontram. Quanto ao terceiro

eixo, minha intenção foi levantar possíveis reverberações da participação dos

protagonistas no Grupo de Sábado, tanto em relação à sua constituição profissional,

com destaque para seus modos de ser/estar como educadores matemáticos, quanto

de sua participação em outros espaços. Por essa razão, a partir das narrativas dos

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participantes da pesquisa, são interpretadas reverberações em seus aspectos

intrínsecos e extrínsecos.

Mapeamento dos espaços de experiências de desenvolvimento

profissional

Nessa trama investigativa, ao narrar cada uma dessas histórias de

desenvolvimento profissional, foi possível dar a ver espaços nos quais os

participantes consideram ter passado por experiências formativas que os tocaram e,

assim, se (trans)formaram (BONDÍA-LARROSA, 2002).

Com o passar do tempo, com a composição das narrativas, passei a

compreender que as experiências de desenvolvimento profissional podem ser

interpretadas como fenômenos que acontecem em cenários diversos, envolvendo

interconexões com múltiplas comunidades de prática e espaços diversos. Nas

palavras de Bondía-Larrosa:

A vida, como a experiência, é relação: com o mundo, com a linguagem, com o pensamento, com os outros, com nós mesmos, com o que se diz e o que se pensa, com o que dizemos e o que pensamos, com o que somos e o que fazemos, com o que já estamos deixando de ser. A vida é experiência de vida, nossa forma singular de viver. Por isso, colocar a relação educativa sob a tutela da experiência (e não da técnica, por exemplo, ou da prática) não é outra coisa, senão, que sublinhar sua implicação com a vida, sua vitalidade. Mas como? Sobretudo, de que

outro modo? (BONDÍA-LARROSA, 2010, p. 87-88).

Na experiência de realizar esta pesquisa narrativa, foi possível compreender o

desenvolvimento profissional desses educadores matemáticos como tramas que

acontecem em diferentes cenários. Como já destaquei no capítulo 02, Day (2001, p.

18) afirma que o professor se desenvolve profissionalmente a todo momento e que

esse movimento inclui “a aprendizagem iminentemente pessoal, sem qualquer tipo

de orientação, a partir da experiência”. Ao viver em diferentes coletivos, ao longo do

tempo, acredito que, em diferentes espaços e momentos, professores e formadores

são marcados por experiências que modificam seus modos de ser/estar no contexto

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profissional e elaboram seus próprios conhecimentos. Sobre isso Clandinin e

Connelly apontam que

[...] entender o conhecimento profissional abrangendo uma paisagem exige uma noção de conhecimento profissional como constituído de uma ampla variedade de componentes e influenciado por uma ampla variedade de pessoas, lugares e coisas. Uma vez que vemos a paisagem do conhecimento profissional como constituída de relações entre pessoas, lugares e coisas, nós a consideramos tanto uma paisagem moral como intelectual. (CLANDININ; CONNELLY, 1995, p.5, tradução nossa)

A fim de refletir sobre esses diferentes espaços, baseando-me em uma

perspectiva de desenvolvimento profissional que o compreende como um processo

complexo envolto por diversas experiências, constatei que, ao interpretar as

narrativas, seria possível mapear (figuras 13, 14, 15), ao menos, oito diferentes tipos

de espaços que tiveram importância nas vidas dos protagonistas desse estudo.

� Comunidades acadêmicas (em verde)

� Espaços escolares e sistemas de ensino (em azul)

� Cursos de especialização (em salmão)

� Projetos universidade-escola (em rosa)

� Entidades representativas (ex: Anped, Sbem, Adunicamp, Apeoesp, Sindicato

dos Professores) (em amarelo)

� Comunidades imaginadas (matemáticos; educadores matemáticos;

professores de matemática) (em vermelho)

� Comunidades fronteiriças (em verde escuro)

� Espaços de natureza pessoal (família, amigos, lazer, igreja) (em roxo)

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Figura 13 - Espaços de Desenvolvimento Profissional, Roberto

Figura 14 - Espaços de Desenvolvimento Profissional, Eliane

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Figura 15 - Espaços de Desenvolvimento Profissional, Dario

As comunidades acadêmicas são aquelas nas quais, ao longo do tempo, os

participantes realizaram cursos de graduação, pós-graduação,

participaram/participam de grupos de pesquisa e, no caso de Dario e Eliane, atuam

como formadores. Nesse caso, a participação nesse tipo de comunidade, por um

lado, contribuiu parcialmente38 para o processo de profissionalização docente dos

três protagonistas deste estudo, concedendo-lhes titulações necessárias para

atuação em suas respectivas comunidades profissionais. Por outro lado, nessas

comunidades os participantes desenvolveram ou tiveram a intenção de desenvolver

38 Não acredito que a formação inicial (ou continuada) garanta o processo de profissionalização por completo do professor ou do formador. Segundo Núnez e Ramalho (2008, p. 3-4), “o termo ‘profissionalização’ apresenta diversos sentidos, segundo os contextos específicos de seu uso, definindo-se pelas relações dialéticas das características objetivas e subjetivas que pautam os processos de construção de identidades profissionais. A profissionalização é uma forma de representar a profissão como processo contínuo/descontínuo ao longo da história da docência”.

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pesquisas de natureza acadêmica. No caso de Dario e Roberto, pesquisas

relacionadas, respectivamente, ao campo da matemática aplicada e pura. No caso

de Eliane e Dario, pesquisas relacionadas ao campo da educação matemática.

Sobre a formação inicial, Eliane e Roberto foram contemporâneos no curso

de licenciatura em Matemática na Unicamp, no início da década de 1990. Dario, por

sua vez, cursou sua formação inicial no Rio Grande do Sul, em meados da década de

1970. Embora haja um espaço de 20 anos entre a graduação de Dario e as de

Roberto e Eliane, é possível encontrar, nas três narrativas, indícios de que passaram

por cursos de licenciatura que compreendiam “a prática de ensino da matemática

como campo de aplicação de conhecimentos produzidos, sistematicamente, pela

pesquisa acadêmica” (FIORENTINI; OLIVEIRA, 2013, p. 920).

Eliane, ao ingressar no curso, precisou se mobilizar para compreender um tipo

de conhecimento que lhe parecia estranho. Ela destaca que, enquanto estudante do

curso de matemática, apesar de conseguir ser bem-sucedida nas disciplinas

pedagógicas, nas disciplinas “da matemática, propriamente ditas, as lembranças

mais fortes são as lágrimas derramadas durante muitas aulas de cálculo do 1° ano”

(CRISTOVÃO, 2007, p. 07). Entretanto, ao ingressar na rede estadual como

professora, em concomitância com a graduação, encontrou sentido para se formar

e se engajou em concluir o curso. Naquela perspectiva de prática e formação

docente, o lugar da matemática

[...] continua sendo considerado central e fundamental, porém, ainda fortemente distanciado das práticas escolares, pois a aplicação desses conhecimentos passa por um processo de racionalidade técnica e/ou de transposição didática do saber sábio ou científico para o saber a ser ensinado e, finalmente, em objeto de ensino, conforme teorização de Chevallard (1991). Em síntese, nessa concepção de prática pedagógica do educador matemático, só existe a Matemática (com letra maiúscula), aquela que vem dos matemáticos profissionais, mas que pode ser transposta/adaptada para o contexto de ensino e aprendizagem. Além disso, nessa perspectiva, o processo formativo enfatiza mais a dimensão técnica e didática (relações entre professor-aluno-conteúdo e métodos de ensino) do que a pedagógica (o sentido, a relevância e as consequências do que ensinamos) (FIORENTINI; OLIVEIRA, 2013, p. 920).

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Apesar de não ter encontrado grandes dificuldades para concluir seu curso,

foi somente após ingressar na rede municipal de educação que Roberto se deu conta

de que sua “sólida imersão teórica em termos de conhecimentos matemáticos”

(FIORENTINI; OLIVEIRA, 2013, p. 920) não seria suficiente para sua atuação como

docente.

Dario, embora de outra geração, realizou, ao que me parece, um curso de

licenciatura semelhante ao de Roberto, com forte ênfase na sintaxe, mas talvez um

pouco menos formal. Pelo seu relato, afirma ter estudado muito, para além das aulas

que recebia, para atribuir sentidos aos conteúdos matemáticos e compreender os

significados dos exercícios e dos teoremas e das demonstrações. Sua relação com a

matemática privilegiada nos cursos de licenciatura em matemática mudaria

radicalmente, ao observar que os estudantes de licenciatura, quando em campo de

estágio, não conseguiam explorar, de modo compreensivo e significativo aos seus

alunos, os conteúdos matemáticos elementares que tentavam ensinar. Só então

percebeu a grande desconexão que havia entre o saber matemático privilegiado no

ensino superior e aquele praticado e ensinado na escola. A partir dessa constatação,

passou a investir e a discutir qual matemática seria necessária à formação do

professor. Mas isso pressupõe conhecer com profundidade a atividade matemática

praticada nas escolas. Esse empreendimento o levaria, em 1999, a formar um grupo

colaborativo (GdS), envolvendo professores da escola, formadores da universidade

e futuros professores, com o propósito de discutir, conhecer e transformar a prática

matemática na escola básica. Como um dos resultados dessa experiência, passou a

conceituar a prática pedagógica em matemática “como prática social, sendo

constituída de saberes e relações complexas que necessitam ser estudadas,

analisadas, problematizadas, compreendidas e continuamente transformadas”

(FIORENTINI; OLIVEIRA, 2013, p. 923).

O GdS tem sido um espaço autônomo no qual os participantes podem se

articular para manifestar suas opiniões de modo coletivo. Nesse sentido, temo-nos

posicionado em eventos públicos e publicado artigos e manifestos, divulgando

nossas opiniões sobre determinados programas e políticas de governo. Após sete

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anos de existência, a comunidade GdS decidiu organizar, bienalmente, os

“Seminários de Histórias de Investigações de/em Aulas de Matemática” (SHIAM),

tendo como objetivos “socializar, compartilhar, discutir experiências, propostas e

investigações de/em aulas de Matemática do Ensino Fundamental, Médio e

Superior” (Caderno de Resumos do I SHIAM, 2006, p. 6). O SHIAM tornou-se um

espaço-tempo de participação comum, no qual se reúnem, bienalmente, pelo menos

três comunidades de profissionais: os formadores de professores que ensinam

matemática, os professores que ensinam matemática e os futuros professores que

ensinam (ou ensinarão) matemática.

Especialmente na narrativa que abre o capítulo quatro, foi possível

acompanhar as preocupações mobilizadas por Dario e Eliane com o, então, contexto

da rede estadual paulista que propunha um programa curricular padronizado e

avaliações de larga escala que desconsideravam o protagonismo dos professores.

Naquela mesa, Eliane foi indicada pelo grupo para ser a “porta-voz” do GdS para

problematizar o programa curricular “São Paulo Faz Escola” e a formação dos

professores naquele contexto. Dario, por sua vez, coordenou a mesa. Iniciou

apresentando questionamentos levantados no grupo sobre aquela nova proposta

curricular. Nesse mesmo evento, Roberto já havia apresentado a dinâmica de um

grupo de estudo que se reunia na própria escola. O professor, que atua na rede

municipal e, na ocasião, possuía jornada completa em uma só escola e, portanto,

dispunha de tempo e espaço para a constituição de um grupo. Com isso, naquele

evento, também foi possível observar as diferenças de carreira entre as redes

estadual e municipal. No contexto do GdS, o SHIAM tem sido um espaço-tempo de

interlocução com outras comunidades.

Uma das semelhanças entre as três experiências de desenvolvimento

profissional refere-se ao fato de os três participantes terem sido professores em

diferentes sistemas públicos de ensino. Dario reconhece que da época em que foi

professor para hoje, a escola mudou bastante. Eliane, recentemente, ingressou no

ensino superior. Roberto, atualmente, dentre os três participantes desta pesquisa, é

o único que tem a escola pública como campo de atuação profissional, cenário no

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qual produz cotidianamente seu trabalho. Dario e Eliane, apesar de atuarem na

universidade, reconhecem a fundamental importância desse tempo e espaço em

suas vidas, sobretudo em razão de suas funções atuais como formadores.

Sobre ser um formador com experiência no ensino básico, Dario acredita que

aquele tempo-espaço vivido, tem sido referência importante até os dias de hoje.

Segundo ele, “na fase que fui professor, aprendi muito sobre esse saber na prática.

Aprendi a problematizar esse saber por mim mesmo. Fazia leituras, refletia e

observava que muitas das coisas que aprendia na formação inicial não faziam

sentido para minha realidade” (entrevista).

A valorização que os participantes do estudo dão ao campo prático lembra-me

o que a literatura tem chamado de conhecimento prático pessoal (CONNELLY;

CLANDININ, 1995). Esse tipo de conhecimento está presente na mente, no corpo,

nos planos e nas ações futuras do professor e também do formador. Trata-se de um

tipo de conhecimento da docência que perpassa por um conjunto de convicções,

sejam elas conscientes ou inconscientes, que surge da experiência íntima, social e

tradicional e que se acha expresso nas ações da pessoa.

Jaworski (2008) problematiza a relação entre a experiência e a atuação dos

formadores. Segundo a pesquisadora, em muitos casos, os formadores de

professores de matemática têm, eles próprios, trazido profundas experiências da

escola básica para seus trabalhos na formação docente, e essa experiência traz

consigo credibilidade: os professores podem ver que os formadores de professores

se confrontam com as realidades práticas da sala de aula e as demandas sistêmicas

que os professores enfrentam.

Nas três narrativas aparecem referências a cursos de especialização. Desde o

início de sua carreira, no Rio de Grande do Sul, Dario mostrou-se insatisfeito com o

modelo de cursos voltados para a prática, aqueles nos quais especialistas

transmitem conhecimentos teóricos empacotados para que professores os apliquem

em suas práticas. Sobre esse tipo de formação, Clandinin e Connnely (1995) utilizam

a metáfora do conduíte para ressaltar que, em determinados tipos de formação,

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supõe-se que os conhecimentos passem por espécies de canos para que cheguem

aos professores.

Estes conhecimentos teóricos são, então, empacotados para professores em textos, materiais curriculares e oficinas de desenvolvimento profissional. Com efeito, essa ação de empacotar o conhecimento teórico aproxima-se da metáfora do conduíte [...]. Para a maior parte, uma conclusão retórica é embrulhada e transmitida via conduíte para a paisagem do conhecimento profissional dos

professores. (CLANDININ; CONNELLY, 1995, p.9, tradução nossa)

Ao apostar em outro modo de formação docente, Dario projetou, em parceria

com a professora Maria Ângela Miorim e um grupo de formadores da FE/Unicamp,

um curso de especialização que foi comentado por Eliane em entrevista e culminou,

em 2001, na organização do livro Por trás da porta que matemática acontece?

(FIORENTINI; MIORIM, 2010).

Tendo em vista a trajetória do curso e sua conceituação, considerei esse

projeto como uma parceria universidade-escola. Outro modo de parceria

universidade-escola foi citado por Roberto, ao se referir ao projeto “Escola Singular:

Ações Plurais”, coordenado por dois professores da FE-Unicamp, membros do Grupo

de Estudos e Pesquisas sobre Educação Continuada (GEPEC).

Nos dois casos citados por Roberto e Eliane, os professores produziram

conhecimento a partir de suas práticas. Mediante participação no curso de

especialização na universidade voltado para professores, Eliane revela ter, pela

primeira vez, escrito e publicado algo sobre sua história de professora e sua prática

docente, tendo tecido reflexões sobre o uso exploratório do tangram, do geoplano

e de vídeos, para problematizar e desenvolver conceitos de geometria e medidas

com seus alunos de quinta série.

No projeto desenvolvido na escola em que atuava, Roberto participou do

grupo de estudo formado pela comunidade escolar e por acadêmicos ligados à

FE/Unicamp, tendo realizado leituras e produzido relatórios. Destaca, inclusive, ter

apresentado essa experiência e os resultados dessa formação no II Seminário

Nacional de Histórias de/em Aulas de Matemática (SHIAM). Avalia, como um dos

principais resultados da participação nesse projeto, a modificação da relação afetiva

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com seus estudantes. Nessa perspectiva diferenciada de formação, na qual os

professores puderam investigar e analisar sua própria prática, Roberto, Eliane e

Dario apresentam indícios de terem aprendido e produzido conhecimentos da

prática, no sentido de Cochran-Smith e Lytle (1999). Nesse processo de

aprendizagem e produção de conhecimentos, conforme essas autoras, não há

separação ou distinção entre conhecimento prático e teórico (ou formal). Essas

autoras presumem que o conhecimento que os professores “precisam para ensinar

bem é produzido quando os professores tomam sua própria prática como campo de

investigação ou análise e utilizam como instrumentos de interpretação e análise

conhecimentos produzidos por outros especialistas (acadêmicos ou não) ”

(FIORENTINI, 2011, p. 2).

Entretanto, no contexto profissional de Roberto, como relatei em sua

narrativa, no capítulo anterior, o professor acredita não existir cursos de

especialização em condições de problematizar sua prática docente. Segundo

Roberto, fala-se muito em formação continuada na rede em que atua, mas, para ele,

formação continuada naquele contexto são cursos geralmente muito rápidos e que

não conversam com a realidade cotidiana do professor. Roberto menciona ter

encontrado cursos de especialização denominados de formação continuada, mas

que, como entende Fiorentini (2008, p. 61), são, na verdade, descontínuos

em relação à sua prática docente na escola, pois não a toma[m] como ponto de partida e objeto de estudo e problematização nos encontros de formação. Descontínua também em relação à frequência, pois é oferecida de tempos em tempos, com grandes intervalos de interrupção.

Eliane, em contrapartida, ressalta que as práticas dos cursos de

especialização da SEESP são todas formativas, de algum modo. Mas mostrou-se

desapontada com o fato de que, muitas vezes, seus saberes de professora, “são

desprezados em detrimento de uma homogeneização de práticas e currículos, os

quais são impostos por especialistas que não conhecem a realidade de nossas

escolas e que sequer abrem espaços de discussão onde nossas vozes possam

realmente ser ouvidas” (Eliane, II SHIAM, 2008).

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As entidades representativas também fazem parte das experiências de

desenvolvimento profissional dos três participantes desta pesquisa. Embora nem

todas tenham sido relatadas diretamente nas narrativas, por ter conhecimento da

participação de Roberto, Eliane e Dario nesses espaços, considerei pertinente incluí-

los nesse mapeamento. Sobretudo, porque essas conexões foram validadas pelos

participantes.

Os espaços de organizações representativas de categorias profissionais, como

os sindicatos, muitas vezes, favorecem sentimentos de pertença a determinados

grupos e o engajamento nas reivindicações por melhores condições de produção do

trabalho. Nesse sentido, ao problematizar a reivindicação dos professores por

profissionalismo, Contreras (2002) aponta que, por um lado, os professores

reivindicam “condições de trabalho como a remuneração, horário de trabalho,

facilidade para atualização como profissionais e reconhecimento de sua formação

permanente”. Por outro lado, clamam por “reconhecimento ‘como profissionais’,

isto é, como dignos de respeito e como especialistas em seu trabalho e, portanto, a

rejeição à ingerência de ‘estranhos’ em suas decisões e atuações. Isso significa, ao

menos em um certo sentido, ‘autonomia profissional’ [...]” (CONTRERAS, 2002, p.

54).

No entanto, as comunidades relacionadas a campos científicos, como

Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), Sociedade

Brasileira de Educação Matemática (Sbem) e Espaço Matemático em Língua

Portuguesa (EMeLP), possuem papel importante na construção e no debate de

políticas e programas de governo.

Acerca das experiências dos participantes do estudo nessas entidades

representativas, a partir de seus relatos no GdS, tomamos conhecimento do

engajamento de Roberto na proposição de modos alternativos de formação de

professores da rede municipal de Campinas. Eliane, por sua vez, desde o tempo em

que atuava na rede estadual, costuma manter interlocução com o sindicato de sua

categoria docente. Além disso, tem participado da gestão da Sbem, na regional de

São Paulo. Atualmente, no nível superior, atua em defesa da continuidade do PIBID

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como programa de uma política pública de apoio à formação inicial e continuada de

professores. Dario tem tido importante participação em organizações como Anped,

Sbem, EMeLP e Fórum Nacional de Coordenadores de Programas de Pós-Graduação

em Educação (Forpred). Na Anped e no Forpred tem participado ativamente das

discussões sobre o mestrado profissional para professores e gestores da escola

básica.

Contreras (2002, p. 227) destaca que “não é possível falar de autonomia de

professores sem fazer referência ao contexto trabalhista, institucional e social em

que os professores realizam seu trabalho”. Ao se posicionarem sobre as diversas

questões em seus contextos profissionais, os participantes deste estudo aparentam

ter constituído uma postura autônoma. Essa noção participativa de docência vem ao

encontro da conceituação de prática docente de Cochran-Smith e Lytle (2009):o

destacam que ela também inclui uma visão ampliada do exercício profissional dos

professores, que, além de trabalharem a partir do diálogo com os alunos, “também

o fazem com colegas e líderes escolares, além de professores do ensino básico,

estudantes de graduação e outros membros do corpo docente e assistentes, com o

intuito de tratar de assuntos fundamentais para a educação” (p. 147). Em todos os

encontros do GdS, temos um intervalo de café comunitário. Nesse espaço

intersticial, narramos outros aspectos de nossas vidas pessoais e profissionais, como:

opções e experiências de lazer, a situação escolar de nossos familiares, nossas

rotinas, hábitos, desejos e preferências pessoais. Trata-se de um momento rico de

estreitamento de relações pessoais e afetivas que vai além do mundo profissional ou

acadêmico. É nesse espaço intersticial que damos a ver outras comunidades que

também participam de nossa constituição e que perpassam as relações com nossas

famílias e com nossos amigos.

Experiências diversas apareceram nas narrativas e nas interações formais e

informais que tive, ao longo do tempo, com os três participantes deste estudo.

Acredito que pensar o desenvolvimento profissional em sua completude envolve,

também, refletir sobre as condições de tempo que os profissionais têm para a

convivência e a participação em espaços dedicados à família, aos amigos, às

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atividades de lazer, à prática esportiva, aos espaços culturais etc. Envolve, também,

refletir sobre como nossas experiências são moldadas pelas mais vastas narrativas

sociais, culturais e institucionais constituídas nesses diversos espaços, uma vez que

[...] cada um de nós se encontra já imerso em estruturas narrativas que lhe preexistem e que organizam de um modo particular a experiência, que impõem um significado à experiência. Por isso, a história de nossas vidas depende do conjunto de histórias que temos ouvido, em relação às quais temos aprendido a construir a nossa (LARROSA, 1996, p. 471-472).

Pensar no desenvolvimento profissional, em sua totalidade, é pensar em

condições materiais de produção do trabalho, bem como em qualidade de vida e

condições para desenvolver nossa sensibilidade como docentes e formadores.

Afinal, a gente quer ser por “inteiro e não pela metade”39. Clandinin e Connelly

(1998) observam que uma vida se educa ao longo de um processo contínuo.

As vidas das pessoas são compostas ao longo do tempo: histórias de vida ou biografias são vividas e contadas, recontadas e (re) vividas. Para nós, a educação está entrelaçada com a vida e com a possibilidade de recontar nossas histórias de vida. Como pensamos sobre nossas próprias vidas e as vidas de professores e crianças com as quais nos envolvemos, vemos possibilidades de crescimento e mudança. À medida que aprendemos a dizer, escutar e responder a histórias de professores e de crianças, imaginamos consequências educacionais significativas para crianças, professores e acadêmicos em escolas e universidades, através de relações mútuas entre escolas e universidades. (CLANDININ; CONNELLY, 1998, p. 246-247, tradução nossa)

Mais e mais, parece-me que discutir as experiências de desenvolvimento

profissional implica compreendê-las imbricadas com as histórias de vida de

professores e formadores.

Wenger (2001) ressalta que as comunidades de prática também podem ser

imaginadas: seriam aquelas em que, embora os participantes estejam fisicamente

distantes, possuem características e objetivos comuns e compartilham práticas e

competências sobre um domínio comum. Nas três narrativas podem ser

39 Referência à música “Comida”, gravada pelos Titãs, composta por Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Britto.

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identificadas ao menos três comunidades imaginadas nas quais os três participantes

se encontram.

Roberto, durante anos, foi o único professor de matemática da escola em que

atuava. Mas nem por isso deixou de pertencer a uma comunidade de professores de

matemática. Eliane e Dario, embora atualmente não lecionem no ensino básico,

passaram por ritos e práticas que os habilitaram a lecionar matemática, tendo sido

professores efetivos de matemática na escola e, portanto, também se sentem

pertencentes à comunidade imaginada de professores de matemática. Essa mesma

habilitação, no caso de Dario em nível de graduação e mestrado, que pressupõe a

passagem por uma série de ritos historicamente instituídos no curso de matemática,

faz com que os três participantes deste estudo pertençam, no imaginário social, à

comunidade de matemáticos.

A história de participação de Eliane, Roberto e Dario em comunidades

dedicadas a refletir e a investigar os modos de ensinaraprender matemática faz com

que também pertençam à comunidade imaginada de educadores matemáticos.

Ressaltando novamente que, para Fiorentini e Lorenzato (2006), o educador

matemático é o profissional responsável tanto pela formação educacional e social

de crianças, jovens e adultos, quanto pela formação de professores de matemática

(de nível fundamental e médio) e de formadores de professores.

Compreensões sobre as experiências de desenvolvimento

profissional em uma comunidade fronteiriça

O Grupo de Sábado é a comunidade comum e de encontro dos educadores

matemáticos participantes desta pesquisa. No caso dessa comunidade específica, o

“domínio comum de interesse e de significação são a educação matemática e o

trabalho docente na escola básica” (FIORENTINI, 2009, p. 238). Isso faz com que não

sejam quaisquer as experiências trazidas por seus participantes, mas aquelas

relacionadas aos focos temáticos de interesse do grupo.

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Ao contrário do que acontece, com frequência, nos espaços de formação

docente, sobretudo naqueles sob o modelo da racionalidade técnica, o principal foco

ou objeto de estudo do GdS são as experiências profissionais dos participantes, os

quais se sentem motivados a compartilhar as experiências que trazem de outros

espaços e comunidades. Como já foi dito anteriormente, nas comunidades

fronteiriças há mais “liberdade de ação e de definição de uma agenda própria, sem

serem monitoradas institucionalmente pela escola ou pela universidade”

(FIORENTINI, 2013a, p. 04). Desse modo, existem mais condições de negociação no

que se refere à agenda e à dinâmica dos encontros. Afinal, “a fronteira é um lugar

livre onde podem se reunir interessados de comunidades diferentes que se

aventuram na construção e problematização do conhecimento, podendo ser

também investigativas” (FIORENTINI, 2013a, p. 162).

Nessa perspectiva, são frequentes os momentos em que as experiências

vividas em outros espaços, em outros mundos figurados, são contadas, (re)contadas,

problematizadas e revividas no contexto do grupo. E, à medida que ganham outras

relações e significações, dão origem a outras histórias e experiências de formação.

Nesse espaço-tempo de suas vidas, nos quais contam suas histórias, os participantes

podem constituir um tipo de saber esculpido por situações por eles construídas e

reconstruídas, ao viver histórias narradas e (re)narradas em um ambiente de

reflexão.

Para compreender o processo de problematização e ressignificação que

acontece no GdS, envolvendo participantes provenientes de diferentes mundos,

Fiorentini (2009) tem utilizado o conceito bakhtiniano de excedente de visão. Para

Bakhtin (2011, p. 23),

eu devo entrar em empatia com esse outro indivíduo, ver axiologicamente o mundo de dentro dele tal qual ele o vê, colocar-me no lugar dele e, depois de ter retornado ao meu lugar, completar o horizonte dele com o excedente de visão que desse meu lugar se descortina fora dele, convertê-lo, criar para ele um ambiente concludente a partir desse excedente da minha visão, do meu conhecimento, da minha vontade e do meu sentimento.

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Esse movimento significa a possibilidade que temos de ver mais aspectos dos

outros do que em relação a nós mesmos, em razão da posição exotópica que

ocupamos, isto é, da posição exterior que ocupamos em relação aos outros. Roberto,

ao destacar a importância de participar do GdS, dá indícios de estimar a relação com

o outro, na medida em que valoriza o “olhar externo, pois muitas vezes, por estarmos

envolvidos diretamente no processo, não conseguimos perceber detalhes

importantes. E esse estranhamento consigo ter ao participar do GdS”. Em uma

interessante passagem de sua entrevista, não só reconhece a importância de lidar

com as diferenças no GdS, como também identifica com o que pensa contribuir e o

que pensa receber de contribuição.

Segundo Roberto, por um lado, os professores universitários “têm um

conhecimento teórico maior que podem justificar e/ou dar apoio às nossas práticas

de sala de aula, o que permite ter um novo olhar sobre nossos alunos e pensar em

novas práticas”. A partir da interlocução com o grupo, o professor reconsiderou

aspectos de sua atuação docente, como o próprio sentido de avaliação. Ele também

considera que participar de um grupo “permite ao professor universitário conhecer

a realidade das escolas através dos professores da escola básica e, assim, rever a

formação dos futuros professores”, bem como suas teorizações.

Nessa “ressonância entre histórias” (BATESON, 2000, p. 243), as percepções de

Roberto vêm ao encontro dos estudos de Dario, quando aponta que “[…] os

professores da escola básica, desde a formação do grupo, têm negociado significados

e perspectivas com os formadores e os acadêmicos da universidade sobre questões

da prática pedagógica em matemática e do trabalho docente nas escolas públicas no

contexto atual” (FIORENTINI, 2009, p. 234-235). Em seus estudos, tem

compreendido que

Embora os porta-vozes da academia tragam ao grupo questões que ajudam a produzir estranhamentos e problematizações à prática dos professores da escola básica, estes últimos, ao tomarem como referência seus lugares nas escolas, manifestam um excedente de visão sobre os acadêmicos, por possuírem um saber de experiência relativo ao ensino da matemática nas escolas públicas e privadas. Além disso conhecem as condições de produção do trabalho docente nessas escolas, vislumbrando o que é possível ou não realizar na prática

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escolar e denunciando os limites e as idealizações frequentes dos acadêmicos, que geralmente não conhecem por dentro – isto é, experiencialmente – a complexidade de ensinar matemática na escola atual (FIORENTINI, 2009, p. 234-235).

Como já apontei neste texto, quando realizei a primeira entrevista, Eliane havia

recentemente se desligado do ensino básico para atuar exclusivamente no ensino

superior. Durante o período em que participava de ambos os mundos (da escola e

da universidade), Eliane compartilhava com o grupo experiências desses dois

contextos de prática. Por essa razão, reafirmo que ela tinha uma posição que se

diferenciava no grupo, podendo posicionar-se como uma insider em ambos os

mundos.

Ao longo do tempo, temos compreendido que no grupo se produzem outras

experiências de significação e compreensão sobre as experiências mobilizadas ou

trazidas pelos participantes a partir de seus mundos, sobretudo da escola e da

academia. Clandinin e Connelly (2011, p. 27), tomando por base os estudos de

Dewey, ressaltam que

[...] experiências são as histórias que as pessoas vivem. As pessoas vivem histórias e no contar dessas histórias se reafirmam. Modificam-se e criam novas histórias. As histórias vividas e contadas educam a nós mesmos e aos outros, incluindo os jovens e os recém-pesquisadores em suas comunidades.

No GdS, também estabelecemos interlocução: com leituras diversas (livros

didáticos, paradidáticos, teses e dissertações, narrativas de professores etc.); com

outras comunidades de educadores e educadores matemáticos (grupos

colaborativos ou de pesquisa nacionais e internacionais e entidades

representativas); com programas e políticas de governo, no que se refere à formação

continuada de professores ou ao ensinaraprender matemática; com outros mundos,

outros tempos e contextos que, ao serem discutidos e contrastados com as

experiências pessoais e coletivas dos participantes, proporcionam ampliação de

sentidos e significados às práticas e conhecimentos dos participantes.

Esses movimentos me lembram as palavras de Bakhtin (2011, p. 348), para

quem a “vida é dialógica por natureza. Viver significa participar do diálogo:

interrogar, ouvir, responder, concordar, etc.”. Nesse diálogo é que o homem

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“participa inteiro e com toda a vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o

espírito, todo o corpo, os atos. Aplica-se totalmente na palavra, e essa palavra entra

no tecido dialógico da vida humana, no simpósio universal” (p. 348).

No contexto do GdS, através do encontro e do diálogo com outros

participantes e com reificações diversas, como a literatura da educação e da

educação matemática, os protagonistas deste estudo, por um lado, puderam

compartilhar suas compreensões dos contextos da docência e da formação do

professor que ensina matemática. Por outro lado, constituíram novos significados

para o ensinaraprender matemática por meio da investigação e da reflexão.

Sobre as compreensões dos contextos da docência, sabe-se que as histórias de

professores e formadores, mudam à medida que novas situações são

experimentadas. Essas histórias também mudam, no momento em que novas

políticas e programas de governo são criados. Nos encontros do GdS, nos últimos

anos, temas como o sentido da escola para o jovem, programas curriculares e

condições da carreira docente também fizeram parte das pautas. Nesse sentido,

temos estudado os contextos dos sistemas de ensino, das escolas e da educação

matemática.

Optei por abrir o capítulo 04 com a narrativa de um episódio no qual os

protagonistas desse estudo se encontram. No GdS, em 2008, estávamos envolvidos

nas discussões sobre os novos programas curriculares “São Paulo Faz Escola”. O

grupo, aquele ano foi marcado pela escrita de um manifesto no qual criticávamos as

novas propostas da SEESP para o currículo. Seguindo uma tendência de reformas

baseada em programas meritocráticos, a SEESP implementou políticas de metas para

as escolas estaduais baseadas na prova do Sistema de Avaliação de Rendimento

Escolar do Estado de São Paulo (SARESP) e vinculou o bônus dos servidores ao

desempenho dos alunos nessa avaliação. Naquele período, entre outras iniciativas,

o governo estadual enviou às escolas materiais com características de apostila

através do programa “São Paulo Faz Escola”. Nossa defesa, entretanto, era a de que

os próprios professores da rede fossem protagonistas da construção do currículo.

Não simpatizávamos com a ideia de que materiais escritos por especialistas, muitos

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deles alheios à realidade das escolas estaduais paulistas, fossem os autores dessas

mudanças.

Naquele contexto, ao organizar o II SHIAM, optamos por levar essas discussões

a esse tempo-espaço que transcende as fronteiras dos espaços dos encontros

quinzenais do grupo. Assim, compusemos uma mesa-redonda intitulada “Grupos

colaborativos como forma de resistência ao movimento homogeneizador das

práticas escolares em matemática”, ocorrida no terceiro e último dia do evento.

Naquela edição do evento, foi Dario quem coordenou essa mesa, tendo

apresentado, na abertura, questionamentos sobre as ações da secretária com base

em discussões que havíamos tido nos encontros do GdS. Entre outras coisas,

questionávamos qual seria o papel dos grupos colaborativos naquela reforma

curricular. Como todos os estudantes podiam seguir materiais padronizados, se

possuem diferentes níveis de letramento escolar? O que estaria por trás daquele

programa? Qual a intenção dessa política de governo? Mostrar apenas resultados na

progressão escolar ou melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem? Até que

ponto esse programa poderia contribuir para o desenvolvimento profissional dos

professores? Os professores da rede puderam, de fato, participar da construção

desta proposta? Foram, pelo menos, ouvidos?

Cochran-Smith e Lytle (2009) destacam que os participantes de comunidades

investigativas estão trabalhando a favor e contra o sistema, uma vez que

problematizam “hipóteses fundamentais sobre os propósitos do sistema

educacional existente; sendo esse trabalho realizado a partir do levantamento de

questões difíceis sobre os recursos educacionais, processos e resultados”

(COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2009, p. 154, tradução GEPFPM). Nesse sentido, ao tecer

discussões no GdS e propor aquela mesa, não se tratava de sermos contrários a

reformas curriculares; o que questionávamos eram os modos como esses programas

foram concebidos, o papel da comunidade escolar no processo, a forma como

chegavam às escolas e as possibilidades de desenvolvimento profissional que se

abriam aos professores. De fato, como ponto de partida, trabalhávamos contra e a

favor do sistema.

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Naquele episódio, Eliane havia sido indicada pelo grupo para ser a “porta-voz”

do GdS, em relação aos desmandos da SEESP, ao propor uma mudança curricular

com a qual o grupo não se alinhava e à qual tinha sérias críticas. A partir de sua

experiência no GdS e em outros grupos, Eliane tem defendido, junto às secretarias

de educação, o reconhecimento dos grupos colaborativos como instância legítima

de desenvolvimento profissional do professor que atua na rede pública. Naquele dia,

ao confrontar suas experiências vividas em grupos colaborativos com as experiências

que vivia na rede em que atuava como professora, Eliane questionava a política

homogeneizadora e colonizadora da SEESP. Criticava a não valorização dos saberes

docentes construídos a partir de reflexões e/ou investigações sobre as práticas de

ensinar e aprender.

Cochran-Smith e Lytle (2009) acreditam que uma ideia amplamente aceita é

a de que os professores, além de serem determinantes para a qualidade de ensino,

são também peças-chave para as reformas. Entretanto, essa não parecia ser a ideia

da SEESP. Como sabemos, a reforma curricular e a imposição daqueles programas

meritocráticos não foram foco de discussões coletivas com as comunidades

escolares da rede estadual. No período, o que ocorreu foi uma consulta on-line para

saber a opinião dos professores da rede de ensino sobre a proposta curricular “São

Paulo Faz Escola”. Segundo Cochran-Smith e Lytle (2009, p. 149, tradução GEPFPM)

“infelizmente, embora haja uma variedade de alternativas promissoras, o

mecanismo primário para tal [reforma do ensino] tem sido controlar o seu trabalho

através de um sistema de monitoramento atento e de responsabilidade pública

rigorosa”.

Roberto, por sua vez, no primeiro dia daquele II SHIAM já havia participado

da mesa intitulada “Perspectivas e possibilidades da colaboração para (re)significar

o ensino de Matemática e suas práticas”, na qual narrou sua participação no projeto

“Escola Singular: Ações Plurais”, parceria universidade-escola, bem como o modo

como constituiu, com as professoras dos anos iniciais de sua antiga escola, um grupo

colaborativo sobre a prática de ensinaraprender matemática. Nesse grupo, passou a

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coordenar e a desenvolver atividades de formação, principalmente atividades

matemáticas.

Se, por um lado, Eliane apontava as dificuldades encontradas na rede

estadual para ter espaço, por outro, Roberto encontrou, na jornada completa na

rede municipal, espaço para constituir um grupo colaborativo. As experiências

trazidas à aquela edição do SHIAM, lembram-me que, para Cochran-Smith e Lytle

(2009, p. 156, tradução),

quando os professores em exercício são inseridos na mudança educacional, então, a teoria corrente de ação torna-se um tipo de palimpsesto; ou seja, ao se criarem novas hipóteses sobre a influência poderosa de tais professores , substituem-se não apenas as perspectivas muito visíveis e deficitárias sobre os professores como trabalhadores de baixo status, como também a ideia desdenhosa e amplamente divulgada de ensino como profissão; perspectivas e ideias essas que têm acompanhado os professores por muito tempo. Esta abordagem articula-se ao que chamamos em nosso livro anterior de uma perspectiva “de fora – de dentro” que coloca o conhecimento e a competência, no que se refere à prática, fora dos contextos da prática nos quais esse conhecimento deverá ser usado.

Em contrapartida, no que se refere às experiências de desenvolvimento

profissional, nessa discussão sobre os contextos dos sistemas, das escolas e da

Educação Matemática, tanto Roberto como Eliane parecem ter realizado

movimentos “de dentro” da escola para fora de suas comunidades escolares. Desse

modo, naquela edição do SHIAM, criticaram práticas vigentes e deram a ver quais

seriam os contextos privilegiados ao desenvolvimento profissional dos professores.

Roberto, a partir de sua experiência, apresentou-nos uma alternativa ao

desenvolvimento profissional baseada na experiência colaborativa de um grupo de

professores situados na escola. Apesar de não encontrar uma formação continuada

que dialogasse com a sua prática em seu contexto profissional, aproveitando-se da

necessidade de completar sua jornada de trabalho na rede municipal, ele mesmo

criou, na escola, um ambiente colaborativo de aprendizagem profissional, tendo

como referência suas experiências anteriores de desenvolvimento profissional em

comunidade.

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Como destaquei em sua narrativa, Roberto entende que sua percepção da

docência como um espaço político foi constituída a partir de sua participação no

Grupo de Sábado (GdS), onde compreendeu que

[...] entendendo o contexto, temos uma visão mais ampla do ensino. De repente, eles resolvem fechar uma sala, então passei a procurar o “porquê”. Eu acho que, ao participar do grupo, aprendi a ter essa visão do geral para questionar políticas públicas que afetam minha prática. [...] podemos e devemos lutar para ter uma política pública de ensino adequada à realidade e que é possível conseguir mudanças através desta luta (entrevista Roberto).

Roberto, em síntese, destaca que, ao participar do GdS, passou a vislumbrar

possibilidades de mudanças macroestruturais na educação: “a partir da participação

no grupo, penso que podemos e devemos lutar para ter uma política pública de

ensino adequada à realidade e que é possível conseguir mudanças através desta

luta” (entrevista Roberto).

Ao trabalharem em comunidades investigativas, Coochran-Smith e Lytle (2009,

p. 135) apontam que “as paredes das salas de aula, escolas e outros locais de

trabalho profissional não mais delimitam os compromissos desses professores”, e

eles podem, assim, ultrapassar os limites dos contextos locais.

Eliane, por sua vez, parecia trabalhar contra e a favor do sistema, ao dar a ver

sua realidade de professora em uma rede que passava por um processo de reforma.

Para ela, “tudo o que me move nessas questões políticas, vamos dizer assim, é tentar

fazer com que seja reconhecido oficialmente aquilo que me transformou como

professora” (entrevista Eliane).

Naquela ocasião, ainda que estivéssemos em um evento realizado por uma

comunidade fronteiriça que conta com a participação de professores, futuros

professores, pesquisadores e acadêmicos, Dario ocupava um espaço “de dentro” da

academia. De certo modo, ao que me parece, a partir de sua “cátedra” realizava

questionamentos levantados em uma comunidade fronteiriça por professores,

formadores, pesquisadores e futuros professores. Wenger (2001, p. 135) destaca

que as comunidades não podem ser compreendidas como isoladas do mundo, uma

vez que “suas histórias não são internas, mas de articulação com o resto do mundo”.

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Através de Dario, nossas questões foram apresentadas aos participantes

daquela edição do SHIAM e, inclusive, problematizadas pelos participantes que

escolhemos para compor a mesa, dentre os quais Eliane. Se considerarmos os

programas curriculares como um objeto de fronteira de discussão no GdS, o papel

de Dario foi levantar essas discussões e levá-las para além da fronteira do GdS, isto

é, ao espaço-tempo público do SHIAM. Na condição de um acadêmico que vive em

contato com o mundo da escola por meio das experiências significadas e trazidas

pelos professores, Dario tem sido, de algum modo, um intermediário (brokering),

indivíduo que leva elementos de uma comunidade de prática a outra (WENGER,

2001).

Sobre isso, Wenger (2001, p. 140) destaca que um objeto de fronteira não é

necessariamente um artefato ou uma informação codificada, “um bosque pode ser

um objeto de fronteira entorno do qual os excursionistas, os interessados

madeireiros, os ecologistas, os biólogos e os proprietários organizam suas

perspectivas e buscam maneiras de coordená-las”. Por sua vez, os intermediários

podem estabelecer novas conexões entre comunidades de prática, facilitar a

coordenação e acordar as perspectivas, quando bons corretores podem inclusive

promover “novas possibilidades de significados” (p. 142).

Após aquele encontro, no qual diferentes experiências de desenvolvimento

profissional se encontravam e continuamente se constituíam, algumas coisas

mudaram. Roberto não coordena mais o grupo colaborativo com as professoras dos

anos iniciais. Daquela escola em que atuava, ficaram a saudade e a lembrança de um

tempo que não lhe pertence mais. Com o fechamento das salas de aula, precisou

mudar sua sede, ampliou sua jornada e não possui mais espaço-tempo e ambiente

profissional40 para esse tipo de iniciativa.

Em outro contexto, Eliane prossegue com seu compromisso com os grupos

colaborativos. Em sua narrativa, ela destaca que foi a falta de incentivos à sua

carreira como professora da escola básica e a pouca valorização de espaços

40 É possível que a escola que Roberto atuava apresentasse um clima diferenciado, pois havia sido cenário de um projeto linha ensino público da Fapesp, conforme já citei.

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formativos e das práticas investigativas, como ocorre nos grupos colaborativos, que

a motivaram a seguir a carreira acadêmica. Atualmente, tenta constituir, em sua

universidade, um grupo colaborativo com os estudantes do curso de licenciatura em

Matemática.

Dario, por sua vez, mantém seu trabalho junto ao GdS. Com mais experiência

no campo científico da Educação Matemática, ele tem tido acesso a certas instâncias

deliberativas que nós, como acadêmicos em início de carreira ou até professores

experientes, ainda não temos. Continuamente, tem sido consultado sobre

programas e políticas de governo. Não que ele se aproprie das vozes dos professores,

mas o fato de conhecer a perspectiva desses profissionais sobre as políticas e os

programas, o tem colocado em uma posição fronteiriça e, muitas vezes,

intermediária, de mediação entre os professores e os acadêmicos ou gestores de

políticas e programas públicos.

Exemplo disso tem sido sua atuação no Forpred, tendo-se envolvido,

juntamente com outros colegas, na proposição e na concepção de um programa de

mestrado profissional para a Área de Educação na Capes, concepção essa

fortemente influenciada por sua participação no GdS e no GEPFPM. Segundo Dario,

sua participação no GdS tem, de fato, influenciado significativamente sua postura

em relação a uma concepção de mestrado profissional. Ele acredita que os

professores devem ter uma formação especializada articulada aos conhecimentos

do campo profissional. Nesse sentido, em sua proposta, “caberia aos formadores,

trabalharem ou atuarem em função da perspectiva dos professores”. O mestrado

profissional, conforme suas palavras, “não é para colonizar, mas para trabalhar a

partir de questões que os professores já sabem ou trazem para aprofundamento,

investigação e, inclusive, teorização da própria prática, durante seus estudos na pós-

graduação” (Entrevista).

A partir dessa experiência no GdS e das interlocuções que tem estabelecido ao

longo do tempo com outras comunidades de educadores matemáticos, Dario

também tem realizado diversas teorizações sobre o professor que ensina

matemática. Como destaquei em sua narrativa, em sua produção científica mais

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recente, há ao menos dois aspectos constantes que chamam minha atenção. Por um

lado, a presença da perspectiva docente marcada pelas narrativas de professores

que participam de comunidades como o Prapem e o GdS. Por outro lado, nota-se um

senso de compromisso com a construção de um campo científico e profissional. Em

entrevista, revelou que o contato com os professores da escola tem dado referência

e sustentação para suas ideias, ao longo de sua trajetória. Em suas palavras,

eu não gosto de teorizar por teorizar... Acho que a participação em um grupo como esse, de algum modo, dá sustentação para nossas ideias, para nossas crenças epistemológicas. Ou seja, teorizamos com base em uma determinada prática. As teorizações que tenho feito são pautadas em cima de uma experiência concreta de formação docente, tanto na graduação, como na formação em serviço, e junto com os professores e futuros professores (entrevista Dario).

A participação em uma comunidade fronteiriça, portanto, parece lhe trazer

subsídios empíricos para teorizar sobre a formação e as aprendizagens docentes, a

partir de uma prática colaborativa entre universidade e escola, ou entre formadores,

professores escolares e futuros professores, sobretudo quando constituem

comunidades de educadores, podendo, estas ser fronteiriças ou não na relação

escola-universidade. Na abertura da narrativa de Dario há um episódio no qual ele

apresenta um capítulo de livro, que tem por objetivo

narrar e descrever o processo de formação e de desenvolvimento de uma comunidade de prática que se constituiu a partir do encontro de professores que ensinam matemática na escola básica e de professores formadores e acadêmicos da universidade que atuam no campo da educação matemática. (FIORENTINI, 2009, p. 223)

Naquele encontro do grupo, Dario nos apresentou a história do GdS e a

compreensão da dinâmica do grupo sob a ótica antropológica de Jean Lave e

Ettienne Wenger, destacando as aprendizagens e o desenvolvimento profissional

daquela comunidade. Para Dario, havia no grupo um compromisso comum com a

reflexão e a investigação sobre o ensino e a aprendizagem da matemática nas

escolas. Segundo o pesquisador, na comunidade GdS aprendíamos mediante

participação. No grupo, “aprendemos fazendo, discutindo, refletindo, investigando,

escrevendo, lendo. Essas coisas são práticas. Leitura é uma prática. Teorizar sobre

isso também é uma prática” (Dario, transcrição 12 set. 2009).

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À medida que Dario descrevia o grupo como uma comunidade de prática,

tecíamos comentários sobre sua leitura. Lembro de ter destacado que éramos

constituídos, não por uma, mas por várias comunidades de prática. Em um

determinado momento, Eliane questionou os diferentes modos como os

participantes se envolviam com o grupo. Segundo ela, “às vezes, fica nítida essa

noção de que a aprendizagem em uma comunidade se dá pela participação, pela

forma de participação” (Eliane, transcrição 12 set. 2009). Entretanto, destacou que

há “integrantes que percebemos que não comungam dos mesmos pensamentos.

Eles vão aos encontros, mas não é o mesmo, parece que não caminham na mesma

linha de pensamento” (Eliane, transcrição 12 set. 2009).

A partir daquele comentário, Dario tentou problematizar o sentido de

participação em uma comunidade, na qual “algumas pessoas não entram em

comunhão com aquilo que acontece no grupo”. Para isso, buscou apoio no conceito

de participação periférica legítima (LAVE; WENGER, 1991), o qual

refere-se ao novato que entra no grupo e procura se engajar (fazer o que o grupo faz), embora ainda não tenha domínio da prática do grupo. Mas alguns novatos são mais silenciosos, no início. Pouco se manifestam oralmente, porém estão atentos a tudo o que acontece no grupo. Fazem anotações em suas agendas. Procuram ler os textos sugeridos para leitura ou produzidos pelo grupo. E, em pouco tempo, se tornam também participantes plenos. (FIORENTINI, 2009, p. 224)

Em meio a esse diálogo sobre o sentido de participação em uma comunidade

como aquela, Dione ressaltou o fato de que, em uma comunidade de participação

não obrigatória, como é o caso do GdS, a questão da não participação era atenuada,

uma vez que aqueles que, de fato, não se identificam com o grupo não sentem

necessidade de abrir espaço em suas vidas para participar dessa comunidade.

Como já destaquei diversas vezes, atualmente, em sua produção, Dario tem

compreendido o GdS como uma comunidade fronteiriça, onde há mais liberdade no

modo de participação, uma vez que não há a regulação ou o controle da escola ou

da universidade. Ao que me parece, ao participar de uma comunidade fronteiriça,

mobilizamos interesses diversos. Os sentidos que atribuímos à participação em uma

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comunidade variam de acordo com as percepções que constituímos, ao longo do

tempo, sobre essa comunidade.

Não é possível afirmar que Dario começaria a olhar para o GdS como uma

comunidade fronteiriça em razão de nossos questionamentos sobre sua leitura do

grupo como uma comunidade de prática. Em um primeiro momento, a leitura do

grupo sob essa perspectiva, pode ter nos parecido mais orgânica do que o modo

como vislumbrávamos aquelas relações. Por essa razão, tecíamos diversos

questionamento no momento da apresentação no GdS de seu texto.

Seguramente, ele não modificou suas percepções a partir de um único

encontro no GdS. Entretanto, do mesmo modo que os professores produzem

estranhamentos e ressignificações sobre suas práticas, ao torná-las públicas em uma

comunidade, também os pesquisadores e os formadores têm suas teorizações

ressignificadas e transformadas, ao compartilhá-las e discuti-las na própria

comunidade de origem.

Cochran-Smith (2005) utiliza a expressão “trabalhando com a dialética” ao

associar a pesquisa à sua função de formadora. Para ela, formação docente e

pesquisa possuem relações recíprocas e simbióticas. Ser formadora e pesquisadora,

para ela, é como atuar em uma espécie de fronteira. No mesmo artigo, destaca que

escrever sobre formação de professores é como escrever sobre sua vida. A

pesquisadora sugere que parte da tarefa do formador é pesquisar a sua prática. O

mesmo parece acontecer, ao longo dos anos, com Dario. À medida que investiga a

formação do professor que ensina matemática, também tem investigado sua própria

atuação.

Quanto às experiências de investigar e refletir sobre o ensinaraprender

matemática constituídas no GdS, no episódio que abre a narrativa de Roberto, o

professor apresenta considerações sobre os sentidos de avaliar, a partir de um artigo

sobre a temática. Naquele momento, Roberto revelou que, até então, compreendia

a avaliação como um produto de mensuração. No momento, naquele dia, o

professor nos chamou a atenção ao fato de que a avaliação precisa ser (re)significada

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(para ele) como processo, e não como um produto ao final do trabalho pedagógico.

Cabia a ele, portanto, como professor, fazer com que os alunos se sentissem

responsáveis pelo seu próprio aprendizado.

O que me chamou atenção, naquele momento, é que Roberto já fazia

referência às fichas de avaliação apresentadas pelas colegas de grupo Conceição e

Adriana (LIMA; MARTINS, 2009). Essas fichas permitiam avaliar diferentes aspectos

do desenvolvimento do ensino e da aprendizagem em uma disciplina

(comportamento, atividades realizadas em sala de aula, atividades realizadas em

casa, atividades realizadas em grupo, prova). Anos mais tarde, em 2012 e 2015, vim

a saber que Roberto continua utilizando essas fichas em suas aulas.

Sobre a constituição da experiência de avaliar de modo processual, o

professor afirma que a participação no GdS lhe possibilitou compreender que

“muitas vezes devo ter cuidado não com o resultado, isso é uma coisa que nós da

matemática pura queremos: o resultado”. Depois das experiências do GdS, “o que

mais vejo agora é como esse aluno está pensando”. Roberto também fez questão de

reafirmar o que, de fato, mudou em sua prática: “aplico prova? Aplico prova. Tem

exercício de ‘resolva’? Tem, exercício de resolva. Mas, meu olhar principal não é mais

esse, mesmo minha prova, eu trabalho com consulta”. E complementa: antes “não

tinha essa ideia de ver o modo como o aluno resolveu as questões, quais as relações

que estabeleceu e se ele realmente está fazendo” (Entrevista Professor Roberto).

Apesar de eu ter dado um zoom em um determinado momento da

participação de Roberto no GdS, é evidente que suas percepções sobre avaliação

foram modificadas ao longo do tempo, tanto no contexto do GdS como em outros,

propícios à reflexão e à investigação sobre a temática. Em uma perspectiva

diacrônica, é possível perceber que o professor passou por um processo de

transformação não apenas pela leitura de um texto, como pode sugerir sua fala de

apresentação do episódio trazido. Ao que me parece, o processo de transformação

de Roberto ocorreu mediante estudo e reflexão, no diálogo com colegas e

conhecimento de outros modos de avaliar, no estranhamento de sua prática e na

(re)significação das mesmas.

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É provável que Roberto, ao chegar ao GdS, soubesse uma série de

procedimentos sobre avaliação e também conhecesse bons métodos para avaliar

seus estudantes. Entretanto, esses saberes construídos pelos professores na prática,

apesar de serem “plenos de sentido e significado para a formação e o

desenvolvimento humano, podem, devido à naturalização e à rotina da prática –

como destaca Foucault (1977) – ter-se tornado naturais e válidos por si mesmos,

ocultando desvios, ideologias e relações de poder” (FIORENTINI, 2013a, p. 158). Por

essa razão, uma comunidade responsiva faz-se necessária ao professor, bem como

ao formador e ao pesquisador, que também necessitam aprimorar continuamente

suas práticas e seus conhecimentos.

Uma outra experiência vivida por Roberto no contexto do GdS refere-se a uma

investigação da própria prática (BARBUTTI, PROENÇA e CRECCI, 2014). Conforme sua

narrativa, ao identificar as dificuldades dos estudantes em compreender os sentidos

inerentes à operação de divisão aritmética, Roberto solicitou auxílio ao grupo para a

compreensão desse processo. Ao propor problematizar a questão, Roberto já

trabalhava com uma prática destacada na narrativa de Eliane – a escrita em aulas de

matemática. Sobre isso, Eliane relatou, em sua entrevista, que ela e alguns colegas

haviam assistido a uma comunicação no COLE sobre a escrita em aulas de

matemática e, como gostaram, decidiram levar para o GdS.

[...] assistimos a uma comunicação no COLE falando desse uso da escrita e aí surgiu a ideia de ler sobre a escrita no grupo. Então, mesmo não partindo de um problema da sala de aula, havia partido de um encantamento nosso. Assistimos a uma comunicação, gostamos (entrevista).

Roberto, após o estudo dessa perspectiva no GdS, resolveu inseri-la em seu

planejamento pedagógico. Em um e-mail enviado à lista do grupo, relatou que, a

partir da escrita dos estudantes, percebeu que eles compreendiam os

procedimentos, mas não os sentidos subjacentes ao processo de resolução do

algoritmo da divisão. Daquele e-mail disparado por Roberto, surgiram várias

interações, reflexões e sugestões de trabalho...

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No I Simpósio de Grupos Colaborativos e de Aprendizagem do Professor que

Ensina Matemática, durante o IV SHIAM, o professor destacou que “a construção da

divisão nos 6º anos está em processo ainda. Por isso tenho que trabalhar, pelo que

percebi, mais o nosso sistema de numeração. Será que o ábaco é o melhor material?

Mas isso é outra questão para o GdS”. Segundo ele, no contato com experiências de

colegas do grupo, “passei a utilizar sistematicamente materiais como o Cuisenaire e

Material Dourado em minhas aulas”, apesar de também ter compreendido seus

limites a partir da interlocução com alguns acadêmicos do grupo que já haviam

investigado o uso desses materiais.

Ao longo do tempo, Roberto tem experimentado diferentes possibilidades de

ensinaraprender matemática. Como destaquei em sua narrativa, no contexto do

GdS, Roberto destaca que pôde “compartilhar minhas experiências e ouvir outras,

questionar e tirar dúvidas sobre minha prática, obter subsídios teóricos e indicações

de leituras” (entrevista Roberto).

A trajetória reflexiva e investigativa do professor no GdS lembra-me as palavras

de Contreras (2010, p. 79), ao defender que a formação de professores deve sempre

considerar, em primeiro lugar, “a experiência, de modo que cada um possa

encontrar uma linguagem que lhe ajude a pensar, olhar para o que o ajuda e para o

que atrapalha; para cada um, cada uma, cultivar a sua abertura para o outro”.

As compreensões de Roberto sobre o ensinaraprender matemática e suas

relações construídas no GdS demonstram o quão podem ser significativas, para seus

participantes, as comunidades que tomam as experiências de seus membros como

ponto de partida. Roberto, ao narrar suas experiências no GdS, pôde contar com a

reação dos participantes para suas histórias. Nesse processo, as narrativas dos

participantes tornam-se prenhes de sentidos, abrindo possibilidades para

compreensões da própria prática.

[...] o desenvolvimento da nossa autocompreensão dependerá de nossa participação em redes de comunicação onde se produzem, se interpretam e acontecem histórias. A construção do sentido da história de nossas vidas e de nós mesmos nessa história é, fundamentalmente, um processo interminável de ouvir e ler histórias, de mesclar histórias, de contrapor umas histórias a outras, de viver

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como seres que interpretam e se interpretam em tanto que estão se constituindo nesse gigantesco e agitado conjunto de histórias que é a cultura. (BONDIA-LARROSA, 1996, p. 471-472)

Em seu processo de desenvolvimento profissional, Roberto revela, em síntese,

que ele mudou seu entendimento e sua prática em relação à avaliação, tendo

passado a utilizar fichas compartilhadas por colegas do grupo. Passou a utilizar

também a escrita discursiva em suas aulas, sobretudo para analisar melhor o

processo de ensinaraprender o algoritmo da divisão. No contexto do GdS, não houve

imposição para que aderisse à escrita ou às fichas de avaliação. Isso aconteceu,

provavelmente, porque experienciou e se identificou com essas práticas, tendo

transformado seu modo de ser e atuar como professor.

Em suas próprias palavras, a principal aprendizagem foi “o olhar para o aluno”.

Segundo Roberto, atualmente, sua preocupação está mais nos processos do que nos

resultados que os estudantes apresentam na avaliação. Foi, também, no contexto

do GdS que Roberto deu início a uma investigação de sua própria prática sobre o

ensino do algoritmo da divisão. Isso nos remete a Cochran-Smith e Lytle, quando

afirmam que, em comunidades investigativas, os participantes aprendem “quando

identificam e são capazes de lançar um olhar crítico sobre suas próprias experiências,

hipóteses e crenças”. Ou seja, a própria prática, no sentido ampliado como descrito

acima, é o principal lócus para a investigação do professor (COCHRAN-SMITH; LYTLE,

2009, p. 157, tradução GEPFPM).

Em relação a Eliane, foram vários os momentos que se implicou em investigar

e em refletir sobre sua prática. Como relatei em sua narrativa, na primeira entrevista,

questionei se observava mudanças diretas em sua prática após passar a participar

do GdS. Foi, então, que a professora se lembrou de uma atividade na qual trabalhou

com o uso do software Winplot para ensinar geometria. Em uma oficina que

participou no I SHIAM, a professora levou o software ao conhecimento do GdS. Ao

conhecer essa ferramenta, apresentá-la ao grupo em parceria com um colega,

resolveu relacionar a perspectiva da atividade exploratório-investigativa com o

software e a proposta curricular “São Paulo Faz Escola”.

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No momento de trabalhar as atividades com os estudantes, buscou na

literatura subsídios para apresentá-las e desenvolvê-las com eles. Ao assumir uma

postura investigativa, apropriou-se de teorias do campo da educação matemática

para (re) significar sua prática. Tomando por base suas próprias produções no

contexto do GdS e os estudos de Ponte (2003), destacou, na introdução de sua aula

com os estudantes, que “as tarefas não são como os exercícios e problemas que

resolvemos normalmente” (CRISTOVÃO, 2008b, p.06). De acordo com a professora,

“estas ‘tarefas’, como são chamadas, não têm uma resposta única”. Destacando o

papel do aluno, apontou que será justamente “criar questões, levantar conjecturas

(hipóteses), inspirado pelo conteúdo da tarefa, além de testar e buscar comprovar

as conjecturas levantadas”. Após essa explicação, apresentou as tarefas e comentou

como pretendia desenvolver essas aulas.

Como destaquei em sua narrativa, Eliane compartilhou com o GdS a produção

dos estudantes, que conjecturaram, formularam hipóteses e representaram as

funções graficamente através do Winplot. Nessa produção, é possível perceber

regularidades nos comportamentos das funções estudadas e destacar o papel de

cada coeficiente na alteração desses comportamentos.

Ao analisar a trajetória investigativa da própria Eliane, constituída em

comunidades investigativas (fronteiriças e acadêmicas), tomando por base a teoria

social de aprendizagem de Lave e Wenger (1991), Dario compreendeu que

[...] mediante colaboração de parceiros críticos de comunidades investigativas, sejam elas acadêmicas ou profissionais, [Eliane] desenvolveu, como um dos indícios de aprendizagem e desenvolvimento profissional, uma profissionalidade com postura investigativa, desvendando continuamente outros saberes e possibilidades sobre o que se ensina e se aprende nas escolas, tendo também mudado o modo de trabalhar e de relacionar-se com os alunos e com o conhecimento matemático e didático pedagógico, sobretudo em classes de alunos com dificuldades de aprendizagem. (FIORENTINI, 2013a, p. 152)

No contexto do GdS, Eliane viria a desenvolver uma série de reflexões e

investigações sobre sua prática. No episódio que abre sua narrativa no capítulo

anterior, destaquei sua parceria com membros de um subgrupo do GdS. A iniciativa

para o desenvolvimento desse projeto decorreu da percepção de que matrizes e

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determinantes poderiam ter outras abordagens e que se fazia necessária uma

reflexão sobre esses conteúdos. A partir dessa constatação, o subgrupo criou uma

sequência didática. Eliane foi quem desenvolveu com os estudantes do ensino médio

as tarefas elaboradas pelo subgrupo. Para construção dessa sequência, apropriaram-

se de um conceito estudado por Eliane em um curso de especialização que fizera em

anos anteriores. Desse modo, o objetivo da sequência foi “evidenciar uma relação

entre os conteúdos, tentando proporcionar ao aluno uma real compreensão dos

conceitos, através da relação entre seus diversos registros de representação

semiótica (DUVAL, 2003)” (CRISTOVÃO; SPILLER, 2006, p. 05).

Essa experiência de investigar o currículo envolveu as etapas de elaboração de

tarefas exploratórias, seu desenvolvimento com os estudantes, registro e

documentação das atividades em sala de aula e sua posterior apresentação e análise

com o apoio do GdS, culminando com divulgação dos resultados e conclusões em

congressos e publicações em periódicos ou livros do Grupo de Sábado.

Esse processo de estudo e investigação desenvolvido por Lílian e Eliane, tendo

o GdS como contexto de discussão e validação, tem forte impacto na prática dos

participantes e contribui para o desenvolvimento curricular da comunidade mais

ampla de educadores matemáticos. Essa prática desenvolvida em uma comunidade

fronteiriça, traz, subjacente, a ideia de que os professores podem renovar e

construir, em conjunto, o currículo com os estudantes, em parceria com outros

professores, investigando suas próprias experiências, buscando recursos culturais e

linguísticos e integrando fontes de conhecimentos textuais, entre outros (COCHRAN-

SMITH; LYTLE, 2009). No âmbito pessoal, as reflexões e as investigações de Eliane

sobre a própria prática também refletiram em sua atuação como formadora.

Esse episódio nos mostra que, à medida que os participantes de uma

comunidade fronteiriça constituem projetos investigativos e desenvolvem, ao longo

de um período, pesquisas intencionais e sistemáticas e divulgam os resultados,

produzem conhecimentos que transcendem os limites de sua comunidade.

Contribuem, por exemplo, para desenvolver o corpo de conhecimentos do campo

ao qual estão vinculados – no caso, a Educação Matemática. Em síntese, Dario e

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Eliane trazem evidências de que suas teorizações sobre a formação do professor que

ensina matemática e sobre o ensinaraprender matemática são inspiradas e

fortemente influenciadas por suas participações na comunidade fronteiriça

constituída pelo GdS.

Sobre o processo de investigação acerca do ensinaraprender matemática, na

narrativa de Eliane, pode-se compreender o desenvolvimento do conceito de

atividades exploratório-investigativas, no contexto do GdS. Foi com a participação

de Dario em uma comunidade internacional de educadores matemáticos, na

Universidade de Lisboa e na Associação Portuguesa de Professores de Matemática,

que ele veio a conhecer a perspectiva de ensinaraprender matemática por meio de

atividades investigativas. No início do ano 2001, trouxe essa alternativa para

conhecimento, experimentação e discussão no GdS.

Quando Dario apresentou aquela perspectiva de ensinaraprender matemática

ao GdS, as tarefas e atividades investigativas eram aquelas elaboradas e

desenvolvidas em salas de aulas europeias. Por intermédio de participantes do GdS,

foi conhecer as possibilidades dessa perspectiva em escolas públicas e particulares

brasileiras, estabelecendo contornos próprios e mais adequados à nossa realidade.

Nesse processo de apropriação ou incorporação de práticas e procedimentos

externos ou estrangeiros, a investigação e a produção de conhecimento locais

passam a ser importantes para o desenvolvimento da autonomia dos professores.

A professora Juliana Castro foi a primeira integrante do GdS a se interessar

pelas investigações matemáticas, tendo desenvolvido experiências e investigações

que foram discutidas e analisadas no/pelo GdS. Cabe destacar também que Juliana

produziu, no Brasil, a primeira dissertação de mestrado sobre a temática das

investigações matemáticas (CASTRO, 2004).

Foi nessa mesma perspectiva que, anos mais tarde, Eliane e Fernando

Fernandes (aluno de IC na época) formariam uma parceria para desenvolver uma

investigação que tinha por objetivo “investigar as potencialidades pedagógicas das

investigações matemáticas (IM) no ensino da álgebra elementar, identificando,

sobretudo, indícios de formação e desenvolvimento da linguagem e do pensamento

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algébricos de alunos ao iniciarem o estudo deste tópico escolar” (FERNANDES;

CRISTOVÃO; FIORENTINI, 2006, p. 05).

Em um movimento de planejamento de tarefas, desenvolvimento de

atividades e problematizações no GdS, estudariam e desenvolveriam o conceito de

tarefas e atividades investigativas, uma vez que puderam conhecer suas

possibilidades, limitações à “realidade da escola pública brasileira” (FIORENTINI;

FERNANDES; CRISTOVÃO, 2005, p. 07-08). Nesse sentido, “foram feitas várias

sugestões de reformulação e adaptação das tarefas e a recomendação, sobretudo

por parte da professora parceira, para reduzir a apenas duas tarefas. As tarefas, a

partir das discussões no grupo, adquiriam um caráter mais aberto e exploratório-

investigativo” (p.07-08). Em síntese, Eliane destaca que,

[...] com o auxílio do professor Dario, fomos construindo, no grupo, um conceito próprio – o de “prática exploratório-investigativa” – que passamos a utilizar com mais freqüência em lugar de investigação matemática. Assim, nossa preocupação deixou de ser a classificação de uma tarefa como investigativa ou não. Passamos a nos preocupar em elaborar tarefas que permitissem aos alunos envolver-se numa prática exploratório-investigativa. Após muitas discussões, principalmente aquelas mediadas por Juliana Castro, havíamos concluído que uma tarefa proposta, por mais aberta que fosse, dependia do envolvimento dos alunos e da postura do professor para tornar-se uma investigação. (CRISTOVÃO, 2007, p.11)

Acerca daquela experiência de teorizar sobre a própria prática, Eliane viria a

conhecer uma abordagem de ensinar matemática que perpassaria diversas de suas

produções acadêmicas. Conforme consta em sua narrativa, em 2004 participou de

uma oficina ministrada por Juliana, passando, então, a se envolver mais com essa

abordagem exploratório-investigativa de ensino. Nos anos seguintes, mediante

participação no GdS, em parceria com Fernando e Dario, a professora viria a

aprofundar questões relacionadas a essa temática. Para Day (2001, p. 20-21), as

experiências de desenvolvimento profissional envolvem participação em espaços

formais e informais de aprendizagem, um processo

[...] através do qual os professores, enquanto agentes de mudança, reveem, renovam e ampliam, individualmente ou coletivamente, o seu compromisso com os propósitos morais do ensino, adquirem e desenvolvem, de forma crítica, juntamente com as crianças, jovens e colegas, os conhecimentos, as destrezas e a inteligência emocional,

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essenciais para uma reflexão, planificação e práticas profissionais eficazes, em cada uma das fases das suas vidas profissionais.

A experiência de desenvolvimento profissional que envolveu teorização sobre

o ensinaraprender matemática, pela qual passaram Eliane e Dario, em parceria com

outros participantes do GdS, envolveu o conhecimento de um novo modo de

estabelecer relação com a matemática e, portanto, de ensiná-la e aprendê-la na

escola. Envolveu, também, o desenvolvimento de atividades em sala de aula; a

problematização das atividades desenvolvidas; e a publicação dos resultados de seus

estudos em artigos e capítulos de livros.

Em síntese, para além das reflexões e das aprendizagens que impactaram a

prática dos professores e dos formadores envolvidos, os participantes dessa

investigação sobre atividades exploratório-investigativas sistematizaram

conhecimentos que puderam influenciar outras comunidades de educadores

matemáticos.

Se, por um lado, os participantes do GdS foram influenciados pelos estudos

portugueses, por outro, os participantes (re) significaram e constituíram

conhecimentos próprios. Cochran-Smith e Lytle (2009) chamam esse tipo de

conhecimento de “transcontextual”, no sentido de que esse é “frequentemente

tomado emprestado, interpretado e reinterpretado em outros contextos locais. Ao

examinar o conhecimento local gerado por comunidades locais, então, é importante

considerar o que é localizado e o que é globalizado” (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2009,

p. 132).

Cochran-Smith e Lytle (2009, p. 137) destacam, além disso, que os

participantes de comunidades investigativas podem produzir “contra narrativas

poderosas sobre a prática como práxis que desafia o discurso do professor em

exercício como técnico, consumidor, destinatário, transmissor e executor do

conhecimento produzido por outros”.

Fiorentini e Oliveira (2013) têm apostado na parceria entre professores e

formadores, tendo em vista a possibilidade de formação e aprendizagem de ambas

as comunidades às quais pertencem.

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Uma prática colaborativa e investigativa conjunta entre formadores, professores da escola básica e futuros professores, envolvendo análises sistemáticas de problemas e práticas de ensinar e aprender matemática, na escola e em sala de aula, proporciona aprendizagens não apenas aos professores da escola, mas, também, aos formadores, que aprendem sobre a complexidade do trabalho pedagógico dos professores, em diferentes contextos de prática docente, e sobre outras formas e dinâmicas de formação docente, na qual a formação matemática do professor desenvolve-se a partir da mobilização e da análise do saber matemático de relação que é produzido e mobilizado na prática escolar e das interações discursivas em sala de aula. (FIORENTINI; OLIVEIRA, 2013, p. 935).

As reflexões e investigações sobre a própria prática, no caso de Eliane,

também seriam refletidas em sua atuação como formadora. Como destaquei em sua

narrativa, quando a questionei sobre a presença do GdS em sua prática como

formadora, Eliane apontou que "pensando na sala de aula do ensino superior, toda

a dinâmica do grupo, as discussões, as ideias produzidas em questionar as formas de

apresentar um conteúdo, discutir um autor, o incentivo à escrita – tudo isso acaba

sendo incorporado em minha prática de professora formadora" (entrevista).

Aparentemente, tanto para Dario quanto para Eliane e Roberto, experienciar a

participação em uma comunidade na qual diferentes comunidades se encontram,

torna-se um espaço privilegiado de compartilhamento, problematização e

ressignificação, do qual podem resultar “contra narrativas”. O que vejo é que são

diversas as reverberações que acontecem a partir dessas experiências de

desenvolvimento profissional constituídas em uma comunidade fronteiriça. A partir

das narrativas do quarto capítulo, essas diferentes reverberações são discutidas e

problematizadas a seguir.

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Reverberações da participação em uma

comunidade fronteiriça

O mapa de uma comunidade fronteiriça tem um desenho “desmontável,

reversível, suscetível de receber modificações constantemente” (DELEUZE;

GUATTARI, 1996, p. 22). A partir de seus participantes, essa comunidade agrega

influências de outros espaços e comunidades e também os influencia.

O sentido aqui apreendido de reverberação se refere ao fenômeno que se

propaga ou à ação de refletir. Assim, à medida que as narrativas foram sendo

constituídas, com o auxílio do professor Dario, pude observar as reverberações sob

duas perspectivas ou naturezas: uma intrínseca e outra extrínseca.

Ao analisar diacronicamente as narrativas dos participantes, foi possível

encontrar indícios de reverberações mais diretas e objetivas, as quais adjetivei como

extrínsecas. Essas reverberações extrínsecas podem ser evidenciadas pela

participação de Roberto, Eliane e Dario em outras comunidades e espaços (em

amarelo na Figura 12), bem como por suas investigações, sistematizações e

teorizações (em verde na Figura 12) constituídas no contexto do GdS e que, ao

tornarem-se públicas, transcenderam aos espaços dessa comunidade fronteiriça.

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Figura 16 - Reverberações

Eliane, por exemplo, a partir de sua participação no GdS, teve a ideia de criar

uma outra comunidade fronteiriça. O Grupo Colaborativo de Estudos em Educação

Matemática (GCEEM) surgiu no contexto do desenvolvimento de sua dissertação de

mestrado. Essa é também uma comunidade fronteiriça, com características

parecidas com o GdS, cujos encontros ocorrem em espaços não formais e reúnem

acadêmicos e professores de matemática. Como destaquei em sua narrativa, Eliane

realizou, em seu mestrado, um estudo em classes de recuperação de ciclo, tendo,

para isso, constituído um grupo colaborativo denominado GCEEM, inspirada por sua

participação no Grupo de Sábado. Quando começou a lecionar em um curso de

licenciatura em Matemática, em uma instituição do interior de São Paulo, Eliane

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fundou também o Grupo de Estudos e Práticas em Educação Matemática da FAAL

(GEPEMF).

Sua pesquisa de doutorado, realizada sob a orientação de Dario, teve por

questão investigativa “Que aprendizagens são evidenciadas na análise de práticas de

letramento de uma comunidade de professoras de Matemática?”. Por ocasião desse

projeto de pesquisa, as duas comunidades (GCEEM, GEPEMF) se uniram,

configurando o contexto do trabalho de campo dos estudos de doutoramento de

Eliane.

Em seu mais recente contexto profissional, no ano de 2013, Eliane prestou

concurso em uma universidade federal. Como formadora e a partir de sua atuação

no PIBID, atualmente inicia o processo de constituição de um grupo nessa instituição.

Roberto, por sua vez, motivado pela prática colaborativa que encontrou no

GdS e no projeto “Escola Singular: Ações Plurais”, constituiu, com as professoras dos

anos iniciais de sua antiga escola, um grupo colaborativo sobre a prática de

ensinaraprender matemática. Como parte de sua jornada de trabalho, passou a

coordenar e a desenvolver, com as professoras dos anos iniciais, atividades de

formação, envolvendo principalmente atividades matemáticas. Segundo o

professor, essa parceria resultou em “conversas, estratégias, formação conjunta,

planejamento curricular e de aula e desenvolvimento de atividades com os alunos do

ciclo” (Entrevista).

Com base nas experiências constituídas no GdS, Eliane e Roberto puderam

criar, em outros contextos, comunidades com dinâmicas semelhantes. Cochran-

Smith e Lytle (2009, p. 198, tradução GEPFPM) apontam que “aprofundar o local de

trabalho de investigação do professor significa sustentar e intencionalmente

proliferar e conectar intelectualmente e socialmente comunidades engajadas e

redes de vários tipos”.

Conforme já foi levantado, o SHIAM tem sido o espaço-tempo que tem

conectado os participantes do GdS a outras comunidades de educadores

matemáticos. Durante o IV SHIAM, foi constituído o I Simpósio de Grupos

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Colaborativos e de Aprendizagem do Professor que Ensina Matemática, que contou

com a participação de diversos grupos colaborativos do Brasil e da Argentina. Os

Simpósios dos grupos colaborativos já estão em sua terceira edição, tendo se

tornado um evento independente do SHIAM. No Brasil, esses espaços têm sido lócus

de resistência às políticas e aos programas homogeneizadores da prática docente

em matemática. Cochran-Smith e Lytle (2009, p. 176, tradução GEPFPM) apontam

para a importância de as comunidades se constituírem enquanto redes:

Sabemos que muitos, se não a maioria, dos professores em exercício experienciam uma pressão exacerbada para embarcarem nas novas ortodoxias de responsabilidades baseadas em testes, sendo que alguns estão isolados em suas próprias escolas. [...] As culturas de intimidação podem, como sabemos, às vezes, reprimir efetivamente a oposição. Entretanto, o fortalecimento das ligações com a comunidade local e com as redes nacionais permite uma defesa estratégica e um ativismo em nome dos estudantes e das famílias. Professores em exercício e grupo de professores em exercício precisam continuar a identificar outros grupos de professores que poderão ser seus aliados nessa luta. Necessitam também, criar estruturas colaborativas que promovam reciprocidade, co-aprendizagem e ações com universidades e organizações comunitárias, trabalhando em prol da equidade e justiça na educação.

Em relação ao professor Dario, a participação no GdS e o contato com outras

comunidades de educadores matemáticos, como já dissemos aqui, o têm colocado,

como pesquisador acadêmico, em uma posição intermediária entre os professores

do ensino básico e os especialistas que concebem as políticas e os programas de

formação e de currículo. As evidências desse tipo de reverberação extrínseca estão

em dois acontecimentos recentes. Em entrevista, revela suas participações nos

debates sobre o mestrado profissional, na Anped e no Forpred, e, mais

recentemente, na proposição de um mestrado profissional em ensino, em rede

nacional, coordenado pela Área de Ensino da CAPES. Suas posições e sugestões de

currículo para esses cursos de formação profissional, em nível de pós-graduação

stricto sensu, foram influenciadas por sua participação no GdS e no GEPFPM. Para

ele,

a participação no GdS nos dá uma ideia do lugar da própria universidade em relação aos profissionais que estão na escola. Acredito que esses profissionais, com o mestrado profissional, podem ter uma formação mais especializada e voltada à

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problematização, investigação e sistematização de suas práticas e de seus conhecimentos profissionais.

Sobre as políticas e os programas curriculares, como representante da

Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), Dario tem participado das

discussões sobre a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) em encontros com

representantes do Ministério da Educação. De acordo com seu relato, questionou a

pouca presença, na primeira versão da proposta apresentada à sociedade no

segundo semestre de 2015, das perspectivas e dos conhecimentos curriculares

construídos por professores escolares que têm tomado suas práticas como objeto

de pesquisa.

Acontecem, também, reverberações extrínsecas reveladas em investigações,

sistematizações e teorizações que se tornam públicas. Desde a especialização, Eliane

tem cultivado o hábito de refletir, investigar e sistematizar sobre sua prática. Desde

que iniciou sua participação no GdS, tem o hábito de trazer questões de sua prática,

seja como formadora, seja como professora. Algumas questões eram de natureza

mais reflexivas, e não havia, por parte da professora, preocupação em tecer

interlocuções com outras pesquisas ou, até mesmo, em escrever sobre elas. Outras,

entretanto, foram sistematizadas e investigadas. No contexto do GdS, em sua

narrativa, optei por descrever os episódios nos quais se dedicou aos estudos de

matrizes, determinantes e sistemas e, também, relatar estudos sobre a leitura e

escrita em aulas de matemática e sobre as atividades exploratório-investigativas.

Como já destaquei, a experiência que realizou, em parceria com um

subgrupo, sobre matrizes, determinantes e sistemas passou por diversas fases

(elaboração de tarefas exploratórias, seu desenvolvimento com os estudantes,

registro e documentação das atividades em sala de aula, sua apresentação e análise

no GdS, divulgação dos resultados e conclusões em congressos e publicações).

Cochran-Smith (2005), com base em sua experiência como formadora que

participa de comunidades investigativas, destaca que esses são espaços onde

diferentes comunidades (professores, futuros professores, pesquisadores e

formadores) podem aprender juntos e gerar conhecimento. Nas experiências de que

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tem participado, os membros dessas comunidades investigativas são incentivados a

se engajarem em estudos da própria prática, desenvolvendo, entre outras formas de

investigação, estudos do tipo self-study e pesquisa-ação.

Em um espaço privilegiado de interlocução com professores da escola básica,

como pesquisador, Dario tem tido a oportunidade de participar de uma comunidade

na qual as teorizações são confrontadas com a materialidade do cotidiano escolar.

O mundo figurado que projeta das práticas escolares é colocado em questão, à

medida que se depara com os professores que efetivamente as vivenciam. Foi nesse

movimento que, em parceria com Juliana, Eliane e Fernando, desenvolveu o conceito

de tarefas e atividades exploratório-investigativas.

O GdS também tem sido o campo privilegiado de Dario para teorizações sobre

a formação do professor que ensina matemática: nos últimos anos, sua produção

acadêmica, entre outros assuntos referentes ao campo da educação matemática,

versou sobre a participação, a aprendizagem e o desenvolvimento profissional de

professores em grupos colaborativos, comunidades investigativas e, mais

recentemente, comunidades investigativas compreendidas como comunidades

fronteiriças.

Apesar de esse ser um grupo fronteiriço, onde não há a obrigatoriedade de

realizar estudos sistemáticos, seus participantes, ao longo dos anos, constituíram

trajetórias investigativas. De acordo com Cochran-Smith e Lytle (1999), na

concepção de conhecimento da prática, os professores e outros colaboradores

(como os acadêmicos) trabalham em conjunto para investigar suas próprias

suposições, o modo como ensinam, o desenvolvimento do currículo, práticas e

políticas de suas escolas e comunidades.

Assume-se, assim, que o professor aprende e se desenvolve

profissionalmente mediante participação em comunidades que possuem como

prática a investigação sistemática e intencional do ensino e da aprendizagem. Nessas

investigações, a comunidade investigativa deve ser espaço para problematizar os

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múltiplos aspectos que envolvem a docência. Cochran-Smith e Lytle (1999, p. 279,

tradução GEPFPM) compreendem que,

quando o trabalho em comunidades se baseia no conhecimento da prática – seja o trabalho referente à pesquisa do professor, pesquisa-ação ou investigação dos praticantes – o objetivo não é a pesquisa nem a produção de “descobertas”, como é geralmente o caso das pesquisas de universidades. Ao contrário, o objetivo é a compreensão, a articulação, e, ao final, a transformação das práticas e das relações sociais de forma a trazer mudanças fundamentais nas salas de aula, escolas, distritos, programas e organizações profissionais. Na base deste compromisso se encontra uma responsabilidade profunda e apaixonada em relação ao aprendizado dos estudantes, de suas chances na vida, e em relação a uma transformação das políticas e estruturas que limitam o acesso dos estudantes a estas oportunidades.

Desse modo, ao que parece, essas reverberações ajudam a promover

mudanças: na prática de ensinaraprender matemática nas escolas, tornando-a mais

exploratória, problematizadora e inclusiva, sobretudo para estudantes das escolas

públicas; na formação inicial e continuada de professores de matemática, em que

podem também motivar outros professores a serem estudiosos e investigativos em

comunidades docentes; na formação de novos pesquisadores, com destaque para a

pesquisa sobre a própria prática.

Em nossos estudos temos tentado compreender as diferenças entre a

constituição de posturas reflexivas e investigativas (CRECCI; FIORENTINI, 2013;

FIORENTINI; CRECCI, no prelo). Cochran-Smith (apud FIORENTINI; CRECCI, no prelo)

acredita que

[...] as pessoas que desenvolvem a investigação como postura sobre a própria prática estão sendo reflexivas. Mas a investigação é algo maior que a reflexão, e acredito que nem todo mundo que é reflexivo está necessariamente assumindo a investigação como postura. O significado cotidiano de refletir ou de reflexão significa ser pensativo, pensar sobre as coisas, prestar atenção. [...] A investigação inclui isso. Inclui também uma gama maior de atividades. Inclui, por exemplo, a sistematização sobre o que se está refletindo. Eu posso ter tido um dia ruim como professora, no qual as crianças não estavam aprendendo o que eu tentava ensinar. Posso pensar sobre isso no meu caminho para a casa: “O que deu errado? O que estava acontecendo ali? Eu não acho que eles entenderam a atividade. Talvez não tenha dado explicações suficientes. Foi muito difícil. Eles não sabiam? ” Isso é ser reflexivo, penso eu. Você está fazendo perguntas sobre o que aconteceu em sua sala de aula, está tentando ser aberto às possibilidades. Você não está apenas assumindo que, por ter ensinado, então os estudantes devem

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ter aprendido. Mas, se estou comprometida com a investigação como postura, poderia questionar a natureza do ensino de uma forma muito mais sistemática.

Cada vez mais, tenho compreendido que a linha entre esses dois tipos de

atitude mediante a docência na escola ou no ensino superior é ainda mais tênue em

uma comunidade fronteiriça, na qual não há um compromisso regulado com a

sistematização. O que tenho visto é que, quando a sistematização ocorre de modo

mais frequente, está relacionada à profissão, como no caso dos acadêmicos e dos

professores vinculados aos colégios de aplicação; ou, até mesmo, a projetos de vida,

como no caso de professores que pretendem se projetar na carreira acadêmica. Por

essa razão, em minha opinião, a pesquisa e a sistematização deveriam ser, também,

parte da carreira docente e de todos que atuam na formação de professores.

Na trajetória de Roberto, podemos problematizar as linhas imaginárias que

dividem reflexão e investigação, ou seja, a aprendizagem na prática e a

aprendizagem da prática, no sentido de Cochran-Smith e Lytle (1999), na medida em

que compreendemos suas condições de carreira na rede municipal. No contexto do

GdS, embora se tenha envolvido continuamente em processos reflexivos e

desenvolvido uma atitude investigativa mediante a sua prática, Roberto não

sistematiza as reflexões que tece sobre sua prática docente com a mesma frequência

com que Dario e Eliane têm realizado ao longo dos anos. Há uma razão precisa para

essa diferença: o tripé ensino, pesquisa e extensão não é parte da maioria da carreira

dos professores que estão na escola básica. Como destaquei, para maior parte dos

professores da escola básica, como trabalhadores, não há direitos ou deveres para a

realização da prática da pesquisa.

A Roberto, acredito que lhe falte o direito a ter tempo para desenvolver

pesquisas. Atualmente, ele possui jornada completa de 44 horas, em uma rede que

não cumpre a lei de um terço da carga horária para dedicação ao preparo das

atividades de sala de aula e para estudo. Apesar disso, voluntariamente, traz ao GdS

reflexões, questões e posicionamentos sobre sua condição docente, sobre a

aprendizagem e a realidade de seus alunos. Recentemente, Roberto foi chamado

para ser formador em sua rede e disse que não tinha como assumir a função. Na

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segunda entrevista que realizei, revelou que, caso tivesse sistematizado suas

experiências com mais frequência, provavelmente teria assumido a função. Ao que

me parece, são as comunidades de educadores e de educadores matemáticos que

perdem com o fato de Roberto não ter tempo de sistematizar suas reflexões e

experiências com frequência.

Tendo em vista as trajetórias investigativas constituídas pelos participantes

ao longo do tempo, há outro tipo de reverberação menos visível e que passa por

experiências do passado, do presente e, até mesmo, pela “memória de futuro”

(BAKHTIN, 2011) de professores e formadores que participam de uma comunidade

fronteiriça. Neste estudo, chamei essas reverberações de intrínsecas.

Em nossos estudos, partimos de uma concepção de profissionalidade que se

relaciona à ideia de identidade. Clandinin e Connelly (1999), baseados na metáfora

de parada de Geertz, destacaram que as identidades se mobilizam no transcorrer da

parada, não que professores e pesquisadores precisem de novas identidades, mas

que precisam de mudanças em suas histórias, em suas identidades e em suas

possibilidades.

As reverberações decorrentes da participação nessa comunidade fronteiriça se

evidenciam, intrinsecamente, nos próprios modos de ser/estar como educadores

matemáticos, envolvendo professores e formadores em sua totalidade. Desse modo,

em uma comunidade fronteiriça não me parece possível dividir perspectivas de

aprendizagens. A partir das experiências de desenvolvimento profissional e de

constituição da profissionalidade, os conhecimentos constituídos por professores e

formadores em comunidades investigativas perpassam aspectos pessoais e

profissionais de suas vidas. Essa perspectiva de conhecimento se assemelha à ideia

de conhecimento prático pessoal.

Com o termo conhecimento dos professores nos referimos àquele corpus de convicções e significados, conscientes e inconscientes, que surgiu a partir da experiência (íntima, social e tradicional) e que se expressa nas práticas de uma pessoa [...] Ele é um tipo de conhecimento que surgiu a partir de circunstâncias, práticas e ocorrências que possuíam, em si, conteúdos afetivos para a pessoa em questão. Portanto, a prática é parte do que chamamos de

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conhecimento prático pessoal [...] quando olhamos para a prática, vemos o conhecimento prático pessoal em funcionamento

(CLANDININ; CONNELLY, 1995, p.7, tradução nossa).

Desse modo, em uma comunidade fronteiriça, esse conhecimento prático

pessoal pode perpassar reflexões, problematização e investigação. Nesse sentido,

dentre as experiências dos participantes deste estudo, destaca-se a postura

problematizadora e investigativa sobre a própria prática e as políticas públicas que

a condicionam e sobre as possibilidades e os limites dos conhecimentos científicos,

curriculares e didático-pedagógicos tanto da própria escola como de outros

contextos.

Atualmente, Eliane destaca que, "pensando na sala de aula do ensino

superior, toda a dinâmica do grupo, as discussões, as ideias produzidas em

questionar as formas de apresentar um conteúdo, discutir um autor, o incentivo à

escrita – tudo isso acaba sendo incorporado em minha prática de professora

formadora" (entrevista).

Como tratado em sua narrativa, acerca de sua postura como professora,

revela que, tanto a partir de sua participação no grupo quanto na especialização, foi

possível olhar para sua “prática de forma mais consciente, observando o que ela tem

de bom e o que ela tem de ruim” (entrevista). Confessa: “eu acredito que no começo

não tinha muito essa consciência (eu desenvolvia uma prática e acabou)”

(entrevista). Ao usar um termo da teoria sobre comunidades investigativas,

incorporado em seu cotidiano de professora-formadora-pesquisadora, Eliane revela

que “essa postura investigativa, esse modo de olhar para trás e questionar o que não

está dando certo – porque é que eu estou fazendo desse jeito, porque é que eles não

estão entendendo, porque é que a dificuldade deles é aqui – é isso que o grupo vai

construindo na gente” (entrevista).

A partir da leitura da narrativa de Roberto, é possível compreender que o

professor mudou sua perspectiva de avaliação. Ele também tem questionado, com

frequência, o modo como os alunos aprendem os conteúdos curriculares. Caso

emblemático foi sua investigação relacionada à aprendizagem do algoritmo da

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286

divisão. Reconheceu, também, a partir da participação no GdS, ter começado a

atentar ao contexto político que envolve sua vida profissional.

Em entrevista, destaca que “participar de um grupo como o GdS, implica ser

questionado sempre. Estamos sempre sendo cutucados. Agora, se você sair dele e

ficar só na escola, você acaba ficando com alguns vícios. Queira ou não, esse modelo

de escola nos sufoca”. Quando o questionei sobre a quais tipos de vícios se referia,

destacou que seriam aqueles relacionados a “procedimento mesmo, de atitude que

tem com os alunos, de julgar e de dizer que o culpado é o aluno e de não olhar para

a própria aula”. Na segunda entrevista que realizamos, revelou: “eu continuo

participando do GdS para não me esquecer de quem eu sou”.

Mediante participação em comunidades investigativas, não são apenas os

professores que se colocam em mobilização por outras formas de formação docente.

Para Dario, o GdS tem sido espaço privilegiado no qual se atualiza em relação ao

mundo da escola e à vida cotidiana dos professores. Sobre isso, apesar de ter sido

professor escolar por um período de cinco anos, Dario reconhece que a escola

mudou desde sua época. Como formador nas disciplinas que ministra no curso de

licenciatura em matemática, é comum fazer referência ao trabalho desenvolvido

pelos professores do GdS. Como pesquisador e participante de congressos nacionais

e internacionais, também tem feito referência frequente, em seus artigos e

palestras, ao Grupo de Sábado.

Em síntese, a profissionalidade do formador e do professor, denominados

neste estudo de educadores matemáticos, tem sido constituída de modo contínuo e

permanente. Nessa comunidade fronteiriça, o eixo principal tem sido problematizar

as múltiplas experiências dos educadores matemáticos que dela participam. Desse

modo, naquele contexto, “a prática pedagógica da matemática é vista como prática

social, sendo constituída de saberes e relações complexas que necessitam ser

estudadas, analisadas, problematizadas, compreendidas e continuamente

transformadas” (FIORENTINI; OLIVEIRA, 2013, p. 921).

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Nesse espaço, a constituição de uma postura investigativa ocorre ao longo do

tempo e requer confiança para que possamos dar a ver nossas diferentes faces em

uma comunidade que responde à nossa participação. A partir de uma perspectiva de

profissionalidade que se relaciona à identidade, observamos um modo de ser

educador matemático que interroga, reflete, investiga e está comprometido com o

campo científico e/ou profissional relacionado ao ensinaraprender matemática na

escola básica. Esse modo de ser educador matemático fica evidente nas três

narrativas.

No contexto do GdS, temos princípios inclusivos em relação ao

ensinaraprender matemática, temos defendido a compreensão e o ensino dos

sentidos subjacentes aos conteúdos curriculares. Recusamos, entretanto, a

existência de um modelo de bom professor ou de bom formador. Felizmente, não

existe um modo único e verdadeiro de ser professor ou educador. É provável que a

não regulação do espaço e a liberdade de atuação e manifestação em uma

comunidade fronteiriça favoreçam a exposição e a autonomia dos participantes.

Sobre isso, Cochran-Smith e Lytle (1990, p. 100, tradução nossa) apontam que,

[...] quando o ritmo de trabalho de uma comunidade não é urgente e quando os membros do grupo se comprometem a resolver assuntos complexos durante algum tempo, as ideias têm oportunidade de se desenvolverem, a confiança cresce no grupo e os participantes se sentem à vontade para levantar questões delicadas e correr o risco de revelar algo de si próprios.

À medida que percorria as experiências dos protagonistas desta pesquisa,

compreendia que, provavelmente, a postura investigativa constituída mediante

participação no GdS tenha sido influenciada por uma espécie de confiança mútua

constituída ao longo do tempo entre os participantes. A postura investigativa ocorre

no modo de refletir privilegiado pelo grupo, que inclui análise de práticas narradas

oralmente ou por escrito e que gera alguma sistematização (também oral ou escrita).

Essa sistematização é, geralmente, decorrente da forma de organizar os encontros

de estudo e leitura, de análise das práticas de ensinaraprender trazidas pelos

professores. Essas análises e sistematizações geram compreensões e

ressignificações não somente para quem disparou a reflexão no grupo, mas para

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todos os participantes que se engajaram e experienciaram esse processo de

problematização e ressignificação da prática.

Além disso, quando essas sistematizações são escritas e publicadas41, essas

publicações, quando utilizadas nos cursos de formação inicial e continuada de

professores, reverberam também no processo de formação, conhecimento e prática

de outros professores ou futuros professores. Aliada à potencialidade de ser um

espaço de reflexão e investigação, é provável que a potencialidade de uma

comunidade fronteiriça esteja na possibilidade de revelar os diferentes modos de

ser/estar educador matemático. Talvez, a potencialidade de uma comunidade

fronteiriça venha do fato de se constituir em um espaço no qual os sujeitos se

revelam em sua totalidade, dando a ver seus ânimos, seus desânimos, suas virtudes,

suas fraquezas, seus conhecimentos, seus desconhecimentos, a falta de esperança

que às vezes nos toma, bem como os momentos que nos revitalizam e as utopias

que nos fazem caminhar!

41 Como destaquei no capítulo 01, o GdS publicou, até 2015, seis livros.

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Figura 17 - Sinfonia Nordestina (2008), Beatriz Milhazes

Sou pescador de ilusões Se eu ousar catar

Na superfície De qualquer manhã

As palavras De um livro

Sem final, sem final Sem final, sem final

Final

O RAPPA, Pescador de Ilusões (1996)

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À Guisa de concluir...

A vida, como a experiência, é relação: com o mundo, com a linguagem, com o pensamento, com os outros, com nós mesmos, com o que se diz e o que se pensa, com o que dizemos e o que pensamos, com o que somos e o que fazemos, com o que já estamos deixando de ser. A vida é experiência de vida, nossa forma singular de viver. Por isso, colocar a relação educativa sob a tutela da experiência (e não da técnica, por exemplo, ou da prática) não é outra coisa, se não, que sublinhar sua implicação com a vida, sua vitalidade. Mas como? Sobretudo, de que outro modo? (BONDÍA-LARROSA, 2014, p. 74).

Alguns aspectos têm sido frequentes nas discussões sobre programas,

espaços e experiências, em geral, de desenvolvimento profissional docente. Em

2011, uma pesquisa realizada pela Fundação Carlos Chagas (DAVIS et al., 2011, p.

833) buscou identificar “como se configuram, atualmente, as ações de formação

continuada nas redes públicas de ensino, especialmente no que diz respeito às

modalidades e práticas empregadas”. Essa pesquisa envolveu 19 secretarias de

educação (06 estaduais e 13 municipais) e concluiu que há diversos tipos de práticas

de formação continuada vigentes nos municípios e nos estados. No entanto, os

resultados apontaram que as políticas de formação continuada da maior parte das

secretarias de educação investigadas centram-se “em práticas vistas como ‘clássicas’

(CANDAU, 1997), ou seja, em cursos preparados por especialistas para aprimorar os

saberes e as práticas docentes” (DAVIS et al., 2011, p. 838).

O quadro apontado por essa pesquisa citada parece ser uma realidade

inclusive levantada por Roberto, Eliane e Dario, seja nas entrevistas ou em falas

apresentadas em eventos como o SHIAM. Apesar disso, nos últimos anos, houve um

aumento de formações realizadas em espaços coletivos, como em comunidades de

aprendizagem docente ou, até mesmo, em comunidades investigativas. A partir

desse aumento da quantidade de programas voltados ao desenvolvimento

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profissional realizados em coletivos, como nas comunidades, enquanto

pesquisadores, educadores em geral e professores, começamos a questionar as

finalidades desses espaços. Sobre essa diversidade dos espaços coletivos, sobretudo

de comunidades, Cochran-Smith (no prelo), em entrevista concedida a nós (Dario e

eu), destaca que as comunidades têm sido chamadas de diversas maneiras

[...] comunidades de aprendizagem profissional, comunidades investigativas, comunidades de aprendizagem docente. Mas seus nomes não nos dizem como elas operam e não são boas ou ruins por si sós. Depende do que acontece dentro dessas comunidades e quais são as perguntas que fazem e tentam responder. Mas a forma como essas comunidades são implementadas, por vezes, são estruturas vazias, e todos os tipos de coisas podem acontecer nessas comunidades, algumas delas positivas e outras não (FIORENTINI; CRECCI, no prelo).

Nessa mesma perspectiva de discussão acerca do desenvolvimento

profissional em comunidades de aprendizagem docente, Cochran-Smith e Lytle

(2002) relacionam três concepções de aprendizagem com as dinâmicas desses

espaços. Tomando por base os estudos destas autoras, no capítulo teórico, discuto

imagens de desenvolvimento profissional, profissionalidade docente e função dos

formadores em comunidades de aprendizagem docente. Naquele momento, partia

do pressuposto de que as comunidades eram motivadas por ideias e modos muito

diferentes sobre o que significava “saber mais” e “ensinar melhor” (COCHRAN-

SMITH; LYTLE, 2002).

Nesse sentido, discuti que, na perspectiva de aprendizagem para a prática, a

profissionalidade (os modos de ser/estar) do professor deveria ser iluminada pelas

teorias acadêmicas e pelos conhecimentos sistematizados pela comunidade

acadêmica. Segundo Cochran-Smith e Lytle, na perspectiva da aprendizagem para a

prática, a ideia é que os professores sejam “muito habilidosos” e tenham

“conhecimento profundo de suas disciplinas e das estratégias de ensino mais

eficazes para criar oportunidade de aprendizado para seus alunos” (COCHRAN-

SMITH; LYTLE, 1999, p. 254). A partir dessas concepções, o desenvolvimento

profissional deveria acontecer em formações do tipo curso, ainda que oferecidas por

comunidades renomadas. Desse modo, caberia ao formador o papel de transmitir

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conhecimentos a serem aprendidos e utilizados, posteriormente, na prática dos

professores.

Em relação à perspectiva da aprendizagem baseada na prática, compreendi

que os conhecimentos da docência são, na verdade, construídos na própria prática

do professor, de maneira tácita. Nesse sentido, imaginava-se que, para aprimorar o

ensino e para que os professores se desenvolvam profissionalmente, seria preciso

trabalhar em comunidades com outros professores, “para melhorar, tornar explícito

e articular o conhecimento tácito embutido na experiência e na sábia ação de

profissionais competentes” (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2002, p. 2464, tradução

nossa). Nesta perspectiva de desenvolvimento profissional, em geral, há uma

compreensão de que os formadores atuam como organizadores de espaços coletivos

e são bons ouvintes dos professores.

Em relação ao desenvolvimento profissional e à aprendizagem da prática,

entendi que se assume que os professores aprendem e se desenvolvem

profissionalmente “quando geram conhecimentos locais da prática através do

trabalho em comunidades investigativas para teorizar e construir seu trabalho

conectando ao contexto social, cultural e político” (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2002,

p. 2465, tradução nossa). O formador, neste caso, atuaria mais como um parceiro

crítico em espaços coletivos de desenvolvimento profissional. Esse tipo de

desenvolvimento profissional, normalmente envolveria investigação da prática

docente e constituição de comunidades investigativas. Sobre esses espaços, ao ser

questionada por nós (sobre o que torna uma comunidade investigativa, Cochran-

Smith questiona e responde:

[...] o que a torna investigativa? Para mim, o que torna uma comunidade investigativa são as perguntas que vêm dos praticantes, dos professores, e que não são impostas a eles. Em comunidades investigativas, há ativos questionamentos dos pressupostos, das hipóteses, investigações de práticas comuns, há uma tentativa de ser sistemático e há uma cuidadosa consideração às múltiplas perspectivas (FIORENTINI; CRECCI, no prelo).

Ao discutir as dinâmicas dessas comunidades investigativas, Fiorentini

(2013a, p. 4) compreendeu que elas podem ser acadêmicas, escolares e fronteiriças.

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Como já apresentei, de acordo com o autor, as comunidades investigativas

acadêmicas, “por serem monitoradas/governadas institucionalmente pela

universidade, podem ser endógenas (voltadas aos seus problemas teóricos, sem

vínculo com as práticas escolares), colonizadoras das práticas escolares, ou

colaborativas”. Porém, as comunidades investigativas escolares, “por serem

governadas a partir do território escolar, também podem ser endógenas, abertas à

colaboração e parceria da universidade, ou serem colonizadas pela universidade, a

qual assume o papel de transmitir e inculcar os saberes acadêmicos”, e as

fronteiriças “possuem, normalmente, mais liberdade de ação e de definição de uma

agenda própria, sem serem monitoradas institucionalmente pela escola ou pela

universidade” (p. 4).

Quando realizei essa revisão bibliográfica, já imaginava que, embora, em nível

de discussão teórica, se pudessem diferenciar as três perspectivas de aprendizagem

de conhecimento (para – na – da) prática profissional, no nível das práticas de

formação e aprendizagem docente, o desenvolvimento profissional ocorre mediante

processo de interação entre essas três perspectivas.

Ao final do presente estudo, posso concluir que, independente das

características subjacentes às comunidades, não podemos perder de vista que as

experiências de desenvolvimento profissional ocorrem na relação de professores,

formadores e, no caso de GdS, futuros professores entre si, envolvendo diversos

aspectos que perpassam as comunidades, como ideologias, crenças, conhecimentos,

saberes e experiências.

Desse modo, apesar de os espaços serem constituídos a partir de certos

pressupostos, não é possível prever as aprendizagens e as compreensões de seus

participantes nem a forma como constituirão suas trajetórias nessas comunidades.

Isso não significa dizer que devemos relativizar os modos como esses espaços são

constituídos ou achar que não há nada a ser feito, uma vez que dependerá da

disposição de cada envolvido. Pelo contrário, considerando que não temos total

controle de quais serão as relações que formadores e professores estabelecerão

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nessas comunidades, é preciso cuidar para a constituição de ambientes nos quais

todos tenham condições de se expor e de dar a ver suas diversas faces.

Ao longo do desenvolvimento deste estudo, compreendi que não se pode

pensar em motivações para que os educadores matemáticos, participantes desta

pesquisa, envolvam-se nas desnaturalizações de suas práticas, seja como

acadêmicos ou professores. Quando discutimos a participação em uma comunidade

fronteiriça, parece-me que estamos discutindo aspectos referentes à “mobilização

pessoal” dos participantes. Para Charlot (2000, p. 55), o conceito de mobilização

supõe a ideia de movimento:

Mobilizar é pôr em movimento; mobilizar-se é pôr-se em movimento. Para insistir nessa dinâmica interna é que utilizamos o termo de “mobilização”, de preferência ao de “motivação”. A mobilização implica mobilizar-se (“de dentro”), enquanto que a motivação enfatiza o fato de que se é motivado por alguém ou por algo (“de fora”). É verdade que, no fim da análise, esses conceitos convergem: poder-se-ia dizer que eu me mobilizo para alcançar um objetivo que me motiva e que sou motivado por algo que pode mobilizar-me. [...] Mobilizar-se, porém, é também engajar-se em uma atividade originada por móbiles, porque existem “boas razões” para fazê-lo. Interessarão, então, os móbiles da mobilização, o que produz a movimentação, a entrada em atividade.

A condição necessária para os participantes se mobilizarem em uma

comunidade fronteiriça me parece que é o desejo de saber e o desejo de aprender

(CHARLOT, 2000) e, sobretudo, colocar-se em movimento. A depender de sua

condição em outras comunidades, o sujeito pode ter mais – ou menos – incentivos

para se engajar em uma comunidade fronteiriça. Por exemplo, ter incentivos na

própria carreira para realizar investigações parece favorecer a participação de

pesquisadores em uma comunidade fronteiriça. Como já levantei, a pesquisa é um

direito garantido do ponto de vista trabalhista e, ao mesmo tempo, um dever de suas

carreiras.

Desse modo, à medida que tecia compreensões sobre as experiências de

desenvolvimento profissional e de constituição da profissionalidade de Roberto,

Eliane e Dario, notava o quanto as trajetórias constituídas em um espaço fronteiriço

podem ser diversas. Em todos os casos investigados, como apresentado no capítulo

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05, foi possível levantar reverberações diversas, sejam elas extrínsecas ou

intrínsecas.

Roberto (re)significou práticas de sala de aula, teceu novas compreensões e

reflexões. Trouxe aprendizagens e questões do contexto escolar. Em sua narrativa,

é possível, inclusive, observar que ele desnaturalizou certas práticas de seu cotidiano

docente, como a avaliação. Em relação às reverberações extrínsecas, constituiu uma

outra comunidade em sua escola, na qual problematizava o ensinaraprender

matemática com as professoras dos anos iniciais. Quanto às reverberações

intrínsecas, o que mais se nota é que o professor se tornou um problematizador de

sua prática docente. Mais uma vez, relembro o que afirma Roberto: “continuo

participando do GdS para não me esquecer de quem sou” (Entrevista Roberto), isto

é, continua sendo a pessoa e o professor que se tornou ao participar dessa

comunidade fronteiriça.

Sua trajetória e sua frase emblemática lembram-me as discussões de

Clandinin e Connelly (1999) sobre identidade. Para eles, as identidades se mobilizam

no transcorrer das experiências, não que professores e pesquisadores precisem de

novas identidades. Em síntese, professores e formadores precisam de mudanças em

suas histórias, em suas identidades e em suas possibilidades.

Eliane também foi mobilizada a constituir outra comunidade fronteiriça. Ao

longo dos anos, compôs uma postura investigativa a partir de reflexões e

investigações da própria prática. Nos comentários de sua narrativa, ela destaca que,

ao defender seu doutorado, no qual teve por questão: “que aprendizagens são

evidenciadas na análise de práticas de letramento de uma comunidade de

professoras de matemática?”, pôde dar a ver sua “trajetória de luta em busca de um

desenvolvimento profissional que a escola pública, ou mesmo a particular, não

incentiva seus professores a buscarem”. Desse modo, para ela, “a tese que defendo

é um resumo de minha própria trajetória de desenvolvimento”. Conforme descreve

em sua narrativa, Eliane encontra no GdS um espaço para problematização,

investigação e teorização de sua própria prática. Em seus comentários,

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[...] o motivador para a tese que defendi, foi principalmente a falta de incentivo para este desenvolvimento. Os incentivos são muito poucos e limitados para a obtenção do título, pois não há reconhecimento desse profissional como alguém que possa contribuir para a formação de outros professores na própria educação básica, o que o leva a buscar o ensino superior para ser valorizado financeiramente e profissionalmente.

Pelo depoimento de Eliane, é possível conjecturar que a escola se tornou um

não lugar para o professor pesquisador. De acordo com suas palavras, sua

experiência não foi valorizada na formação de outros professores na própria

educação básica. É provável, também, que a identificação de Eliane com as práticas

investigativas e os incentivos profissionais tenha sido tamanha, que, depois de um

certo tempo vivendo em uma comunidade fronteiriça, precisou realizar uma opção.

Eliane, da mesma forma que Roberto, embora pudesse fazer investigação, como o

fez, esse direito adquirido para fazer pesquisa na própria escola não lhe foi dado nem

apoiado e suportado pela escola ou pela SEESP. Foi um investimento pessoal e

provavelmente motivado por sua participação na comunidade fronteiriça do GdS. A

prática da pesquisa não é prevista na escola e nem uma exigência do contrato de

trabalho. Mesmo na comunidade fronteiriça, a pesquisa não é uma exigência ou

condição de pertença. Entretanto, o ambiente de questionamento e

problematização das práticas e a presença de acadêmicos na comunidade mobilizam

os professores participantes a realizar pesquisa, pois esta é uma prática muito

valorizada pela comunidade fronteiriça.

Dario, por sua vez, há mais tempo, antes de Eliane, também passou por um

processo parecido. Atuou, durante seis anos, no ensino básico no interior do Rio

Grande do Sul, antes de ingressar no ensino superior. Reconhece, inclusive, que essa

experiência escolar tem influenciado, até os dias atuais, sua prática como formador

e como pesquisador. Entretanto, reconhece que sua atuação como formador de

professores e de pesquisadores, nos últimos 16 anos, tem sido (re)significada e

fortemente marcada por sua participação na comunidade fronteiriça do GdS, sem

descartar, é claro, sua participação e interlocução com outras comunidades e grupos,

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como o Prapem, o GEPFPM, o Gepec, o GT de Formação de Professores da SBEM e a

ANPEd, entre outros.

Ao refletir sobre a diversidade das trajetórias constituídas em uma

comunidade fronteiriça, as palavras de Bakhtin e Volochinov (2004, p. 112) parecem

fazer sentido em um cenário fronteiriço: “na maior parte dos casos, é preciso supor

além disso um certo horizonte social definido e estabelecido que determina a criação

ideológica do grupo social e da época a que pertencemos [...]”.É provável que a

maior força de uma comunidade fronteiriça como o GdS esteja no encontro de

diferentes grupos sociais e na forma como esse encontro constitui diferentes

reverberações.

Na trajetória de Eliane e, há mais tempo, na de Dario, seus grupos sociais

passaram a ser os dos formadores que possuem como carreira o tripé ensino,

pesquisa e extensão. A escola perdeu uma professora, perdeu um professor. A

universidade, em diferentes momentos, ganhou uma formadora e ganhou um

formador, ambos conhecedores da escola. De diferentes maneiras, a escola vem

sendo influenciada até os dias atuais, através do encontro de Dario e Eliane com

professores como Roberto, e tantos outros que participam de comunidades

fronteiriças entre escola e universidade. Comunidades que se organizam pelo

encontro – e a partir dele – de diferentes comunidades de prática, mundos figurados

e grupos sociais. Nessas relações, a construção de suas presenças no mundo “não se

faz no isolamento” (FREIRE, 1980, p. 53).

À medida que observava as diversas experiências dos protagonistas deste

estudo, em determinado momento, apropriei-me das palavras de Bondía-Larrosa

para discutir as experiências que constituímos, ao longo do tempo, em relação ao

desenvolvimento profissional. No excerto (epígrafe desta seção), Bondía-Larrosa

(2010, p. 87-88, tradução nossa) propõe que a vida é relação, isto é, relação “com o

mundo, com a linguagem, com o pensamento, com os outros, com nós mesmos, com

o que se diz e o que se pensa, com o que dizemos e o que pensamos, com o que

somos e o que fazemos, com o que já estamos deixando de ser”. Ao final, o autor

questiona de que outro modo podemos repensar a relação educativa com a

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experiência. Suas ponderações pareceram-me fazer sentido, à medida que eu

problematizava as dinâmicas e as trajetórias dos protagonistas deste estudo em uma

comunidade fronteiriça.

Ao longo desta pesquisa, compreendi que as especificidades de uma

comunidade fronteiriça residem no fato de que esse pode ser um espaço privilegiado

para quem dele participa, compartilhando narrativas de experiências de vida pessoal

e profissional, estudando, (re)significando e, inclusive, desnaturalizando

experiências constituídas em outros espaços. Experiências essas que são

provenientes do presente, do passado e, até mesmo, das projeções que tece para o

futuro.

No caso deste estudo, ao que me parece, talvez não seja tão adequado

discutirmos os tipos de aprendizagem, os tipos de desenvolvimento profissional e os

tipos de conhecimentos constituídos em uma comunidade fronteiriça, como faço no

capítulo teórico, ao discutir esses aspectos de acordo com a dinâmica das

comunidades. Mas parece apropriado, sim, atentar para o modo como professores

e formadores agregam a essas comunidades seus conhecimentos, experiências e

saberes e como esses são (re)significados e, muitas vezes, desnaturalizados. Sobre

esse tipo de conhecimento mais plural e diverso agregado à comunidade fronteiriça

por seus participantes, Clandinin e Connely (1995, p. 07, tradução nossa) destacam

que esse seria o

[...] corpus de convicções e significados, conscientes e inconscientes, que surgiu a partir da experiência (íntima, social e tradicional) e que se expressa nas práticas de uma pessoa [...] Ele é um tipo de conhecimento que surgiu a partir de circunstâncias, práticas e ocorrências que possuíam, em si, conteúdos afetivos para a pessoa em questão. Portanto, a prática é parte do que chamamos de conhecimento prático pessoal [...] quando olhamos para a prática, vemos o conhecimento prático pessoal em funcionamento.

Ao concluir este estudo, há outro aspecto que gostaria de destacar e que se

refere à relação entre as comunidades fronteiriças e os programas e políticas de

formação docente. Durante alguns anos, a partir da percepção da importância

desses espaços para o desenvolvimento profissional do professor que deles

participa, engajei-me na luta pelo reconhecimento de espaços como o do GdS, por

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parte das redes públicas e privadas de ensino. Em algumas de nossas proposições,

acreditávamos que a participação no GdS poderia ser computada como atividades

de formação contínua. Ao conhecer melhor os programas e as políticas de governo,

compreendi que esses envolvem – e acho que devem envolver, por serem de

natureza pública –, regulações e devolutivas para a sociedade, como forma de

prestação de contas.

Na entrevista que realizamos com Cochran-Smith (FIORENTINI; CRECCI, no

prelo), fizemos o seguinte questionamento: “Como as políticas de formação de

professores podem ser baseadas no conceito de ‘comunidades investigativas’? É

possível realizar projetos como esse em larga escala?”. E tivemos como resposta:

Há alguns lugares onde estão fazendo isso em uma escala maior, e eles têm políticas que exigem que todos os professores participem. Agora, aqui está o problema. Não é só porque você exige que os professores se reúnam em torno de algo que podemos chamar de comunidade que eles vão se envolver em investigação. Por isso, em larga escala, é mais prudente chamar de comunidades de aprendizagem profissional do que de comunidades investigativas. Em Cingapura, por exemplo, a maioria dos professores trabalha em comunidades de aprendizagem profissional em suas escolas. No verão passado, fui para Cingapura e realizei um workshop para diretores, e foi para essa “obrigação” que olhamos. Olhamos a investigação que eles estavam fazendo, mas pouco do que estava acontecendo nessas comunidades era realmente benéfico ao ensino. Não é só porque as pessoas se reúnem em espécies de comunidades de aprendizagem que serão investigativas (FIORENTINI; CRECCI, no prelo).

Tendo em vista os resultados pouco efetivos de programas ou políticas de

formação de professores que tentaram implementar as comunidades investigativas

como instância ou contexto de desenvolvimento profissional de professores,

acredito que seja mais prudente incentivar e apoiar iniciativas de grupos de

professores e formadores para a configuração dessas comunidades, dando-lhes a

prerrogativa de se organizarem e autorregularem. Essa poderia ser uma forma de as

políticas públicas atenderem ao direito de os professores realizarem pesquisa na

escola.

Anzaldúa (1987) aponta que, no lugar constituído entre as fronteiras, cria-se

um espaço indeterminado, nascido do resíduo emocional de um limite. Para a

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autora, esse espaço está em constante estado de transição. No GdS, segundo

Carvalho e Fiorentini (2015), todos são ensinantes e aprendizes. Neste estudo,

portanto, mais do que falar de dois formadores e de um professor e das

especificidades de suas funções, minha intenção foi dar a ver suas experiências,

através de seus enredos e tramas complexamente constituídos ao longo do tempo.

Em síntese, eu concluiria que a identidade de Roberto não pertence

inteiramente à escola. Afinal, em suas palavras, ele frequenta o GdS para não

esquecer quem ele é... Do mesmo modo, por suas trajetórias de luta e investigação

em um determinado campo de conhecimento e prática profissional, eu diria que as

identidades de Dario e Eliane também não se circunscrevem exclusivamente ao

mundo da universidade. Imagino que foi a partir desse “resíduo emocional” do limite

entre escola e universidade que os protagonistas deste estudo tenham encontrado

no GdS oportunidade para se sustentar como educadores matemáticos

investigativos, reflexivos, críticos e comprometidos com a melhoria das condições de

desenvolvimento profissional do professor e de sua prática de ensinar matemática.

Quanto a pesquisadora que optou por narrar essas histórias de vida, a partir de seu

encontro com uma comunidade fronteiriça, posso dizer que sua identidade está nos

espaços fronteiriças nos quais pode dar a ouvir sua voz.

Por fim, cabe destacar que, no momento de defesa desta tese, um dos

pedidos da banca foi para que eu destacasse meu próprio desenvolvimento

profissional. Lembro de ter argumentado que, supostamente, minha constituição

profissional perpassaria todo o processo de realização desta pesquisa. Após alguns

dias, aproximando-se o prazo final para a entrega da versão final, resolvi que era

hora de refletir um pouco mais sobre aquela solicitação. Lembrei-me que, no

momento da defesa, o professor Dario sugeriu para que eu discorresse sobre o

processo de realização deste estudo.

Durante os anos de realização desta tese, como membro do GdS e do

PRAPEM, participei ativamente da organização de eventos e da elaboração de

projetos e de relatórios científicos e institucionais; atuei na formação inicial de

professores; participei de congressos e comunidades científicas nacionais e

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internacionais; publiquei artigos, capítulos de livro e trabalhos em anais em parceria

com o professor Dario. E estive envolvida, não sem tensões, em representações e

em diversas comissões de organização de eventos.

Mais do que elaborar uma lista de atividades realizadas, cabe destacar que

todas essas atividades estiveram intimamente relacionadas à minha crença de que –

a julgar pelo que nos é conhecido da formação docente –, há um “mundo”

socialmente mais justo na comunidade fronteiriça que foi contexto deste estudo. À

medida que participava do GdS, descobria um modo alternativo de formação

docente que envolvia o encontro do ensinaraprender matemática com a

investigação, a reflexão, a desnaturalização e as diferentes comunidades que por ali

estão.

Refletir sobre os aspectos aprendidos neste estudo, também, fez com que

retomasse a narrativa de Marilyn Cochran-Smith (2012), intitulada Composing a

research life, na qual autora reflete sobre o que aprendeu como pesquisadora do

campo da formação docente. Cochran-Smith destacou a importância de nos

atentarmos as críticas, segundo ela, são essas que melhoraram seu trabalho. Em sua

trajetória, compreendeu a importância de participarmos de encontros,

conhecermos novas concepções teóricas e métodos, bem como, entrarmos em

contato com pesquisadores nacionais e internacionais. A pesquisadora, também,

considerou ser necessário pensarmos em nossos projetos como parte de quadros

teóricos, projetos maiores ou agendas políticas. Para ela, tornou-se preciso consultar

os trabalhos já existentes sobre as temáticas que pesquisou ao longo de sua

trajetória, em suas palavras, não havia razões para tentar inventar a roda.

Também, Cochran-Smith (2012) supões a necessidade de reconhecermos que

a pesquisa é, em parte, uma questão de poder e política, o que não é uma fraqueza

do projeto de pesquisa ou um inconveniente, mas uma realidade; por isso,

considerou relevante refletirmos sobre a quem os interesses são servidos pela a

investigação realizada, cujas vozes são ouvidas ou silenciadas, cujas perspectivas e

tradições de conhecimento são ou não são valorizadas. Por fim, a pesquisadora

sugeriu que devemos descobrir as temáticas com as quais nos importamos de fato.

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Lembro-me que à medida que lia a narrativa de Cochran-Smith, emocionei-

me ao lembrar que havia sido orientada por alguém, também, experiente; ciente de

suas crenças, no que se refere a formação do professor que ensina matemática; e,

focado. Não por acaso, um pesquisador proeminente de seu campo de atuação, que

me mostrou as passagens dos experientes, ao mesmo tempo, que me deu liberdade

para encontrar outros caminhos, alguns desconhecidos por ele.

Por vezes, orientada pelo professor Dario; por vezes, por vontade própria,

durante o processo de realização desta tese, como descrito nas páginas anteriores,

participei de diferentes comunidades nas quais encontrei interlocutores críticos.

Refleti sobre as vozes presentes ou silenciadas da pesquisa. Atentei-me às agendas

políticas e para os projetos maiores que envolvem a formação docente. Revisei a

literatura sobre as temáticas aqui abordadas. Durante os anos de realização desta

tese, aprendi que o mais importante é compreender com o que se importa, o

restante acaba sendo consequência. Descobrir as crenças e os afetos que

envolveram a realização desta tese, fizeram com que me engajasse intrinsicamente

em sua realização.

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