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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO - DOUTORADO Marcelo Engel Bronosky (Quase) Tudo sob controle: Estratégias de apropriação de manuais de redação por jornalistas em periódicos diários São Leopoldo – RS Outono de 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS

DA COMUNICAÇÃO - DOUTORADO

Marcelo Engel Bronosky

(Quase) Tudo sob controle:

Estratégias de apropriação de manuais de redação por jornalistas em periódicos diários

São Leopoldo – RS Outono de 2008

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MARCELO ENGEL BRONOSKY

(Quase) Tudo sob controle:

Estratégias de apropriação de manuais de redação por jornalistas em periódicos diários

Tese apresentada para obtenção de título de doutor junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, tendo por orientador o Professor Doutor Antonio Fausto Neto.

São Leopoldo – RS Outono de 2008

MARCELO ENGEL BRONOSKY

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A Diovana e Guilherme, meus amores,

pela compreensão

e paciência.

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Agradecimentos

Estruturar um trabalho desta natureza, considerando suas exigências, seu tempo de

preparo e sua complexidade, exige um esforço que não pode ser reduzido a uma pessoa.

Portanto, este estudo é o resultado da participação de muitos colegas, que ao longo destes

anos todos, contribuíram para sua realização. Tentarei fazer justiça destacando alguns, mas

já sabendo que minha memória me trairá, até por que é algo que certamente é lembrado no

final do trabalho. Para estes, antecipo desculpas, pois também sou humano, e como tal os

tenho no coração.

Gostaria de iniciar agradecendo a Capes pela bolsa e a Unisinos pela estrutura

impecável que me proporcionou, especialmente através de seu corpo docente, que nunca se

furtou em debater meu problema de pesquisa. Entre eles destaco os professores Braga,

Jairo, Valério, Efendi, Christa. Obrigado!

Meus colegas do doutorado também tiveram participação efetiva, alguns deles

muito além do ambiente acadêmico, como a companheira Paula, o padre Otávio, Luiz

Inácio, a amável Denise e parceiro Norberto. Legal conhecê-los. Rendo agradecimentos os

colegas do curso de Jornalismo da UEPG, entre eles Gadini, Cíntia, Karina, Rafael e Hebe.

Obrigado pelas discussões. Lembro de alguns amigos que fiz em terras gaúchas, entre eles

meus parceiros de almoço de domingo, Luiz Fernando e Leonardo. Valeu mesmo. Ainda

pensando nos amigos gaúchos, não posso deixar de agradecer ao casal de amigos Ademir e

Samuara, que nestes últimos anos, me acolheu em sua casa sem reclamar. Este trabalho é

também de vocês.

Antes de falar da participação da minha família, não posso deixar de reverenciar a

participação do meu orientador prof. António Fausto Neto, que nestes anos dedicou seu

tempo, sua paciência e seus esforços para que eu chegasse a este ponto. Tenho certeza que

se fosse outro, eu não estaria aqui. Obrigado por me guiar.

Quanto a minha família, só posso dizer que ela é a responsável pela feitura deste

documento. Sem ela não teria condições para realizar tal empreitada. A ela devo tudo,

especialmente a minha companheira Diovana e o meu filho Guilherme. Amo vocês!

Agradeço a minha irmã Inês pela revisão atenta. E a minha exigente mãe, que em nenhum

momento deixou de acreditar em mim, mesmo quando eu mesmo duvidava disto. Por fim,

agradeço ao meu pai Alexandre que, mesmo não podendo ver este momento, tenho certeza,

está olhando por mim lá do céu. Saudades.

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Resumo

É recorrente a idéia de que os manuais de redação têm por objetivo controlar, unificar e modelar as redações dos jornais em acordo com os interesses jornalísticos e econômicos das empresas, demonstrando ser instrumentos a serviço da manipulação dos leitores/receptores.

Este trabalho se situa na tentativa de demonstrar que, para além destas características marcadamente ideologizadas, identificadas por muitos nos conteúdos expressos dos manuais de redação, há um conjunto de relações que se formam quando estes dispositivos se encontram à disposição de seus usuários, neste caso, os jornalistas. Ou seja, este trabalho objetiva identificar neste processo de circulação, os “descompassos” existentes entre aquilo que os manuais definem como o ideal para a produção do jornal e aquilo que os jornalistas realizam quando da elaboração do produto, a notícia.

No processo de produção, no qual os manuais de redação participam como suporte linear e por vezes definitivo, surge um conjunto de táticas e estratégias que acabam por participar, reelaborando critérios e lógicas de produzir as notícias e, por conseguinte, o próprio jornal. PALAVRAS-CHAVES: jornalismo, manuais de redação, apropriações’

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Abstract

It is recurrent the idea that the stile books object to control, unify and model the

newspapers editorials in accordance with the journalistic and economic interests of theses companies, demonstrating been a instrument in service of the manipulation of the readers/receptors.

This work takes place in the attempt to demonstrate that, beyond those markedly ideologized characteristics, identified by many in the subjects expressed in the stile books, there is a conjunct of relations that are formed when these dispositives are available for its users, in this case, the journalists. That is, this work objective to identify in this process of circulation, the “out of rhythm” between what the stile books define as the ideal for the newspaper production and what the journalists put into practice in the elaboration of the product, the news.

In the process of production, of which the stile books participate as a linear support and some times definitive, appears a conjunct of tactics and strategies that end up participating, recreating criterions and logics of producing the news and, therefore, the newspaper.

KEYWORDS: journalism, stile books e appropriations.

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LISTA DE SIGLAS

Jornal Diário dos Campos – DC

Jornal Gazeta do Povo – GP

Jornal Folha de S. Paulo – FSP

Jornal de Novo Hamburgo – NH

Jornal Zero Hora - ZH

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Sumário 1.0 – INTRODUÇÃO.............................................................................................. 2.0 – VOZES HISTÓRICAS SOBRE O OBJETO................................................. A iniciativa manualística de Gilberto Freyre...............................................

Os manuais na modernização do jornalismo brasileiro................................ Os manuais de redação dos jornais O Diário Carioca e a Tribuna da Imprensa.......................................................................................................

A influência jurídica de Nobantino ao primeiro manual da Folha de S. Paulo...................................................................................................................

As contribuições do JB na estruturação dos manuais de redação................ Os cadernos de Jornalismo do JB................................................................

Os manuais chegam aos leitores................................................................... 3.0 – VOZES ACADÊMICAS SOBRE O OBJETO.............................................. 4.0 - QUADRO CONCEITUAL SOBRE O OBJETO/PROBLEMA.....................

A teoria dos campos sociais e os manuais de redação................................. Das regras as estratégias.............................................................................. Os manuais como dispositivos estratégicos.................................................

5.0 – UMA GRAMÁTICA DOS MANUAIS DE REDAÇÃO...............................

5.1 – Um manual de “ferro” - o projeto FSP (1984-2001)........................... 5.2 – O uso de manual de redação se espalha - Os Manuais de Redação

de O Estado de São Paulo.................................................................................. 5.3 – Os manuais se espalham - Zero Hora (1994-2004)............................. 5.4 - Preocupado com a qualidade - O Globo (1992).................................

5.5 – Para ficar na moda – O manual da Folha de Londrina (1996)............ 5.6 - O que os manuais de redação dizem....................................................

6.0 – ESTRATÉGIAS DE APROPRIAÇÃO DE MANUAIS DE REDAÇÃO......

6.1 - O ombudsman como um dos operadores do Manual da Redação....... 6.2 – A formação do ombudsman................................................................ 6.3 - O jornalismo e o ombudsman.............................................................. 6.4 - Algumas questões sobre a atividade.................................................... 6.5 - Operações do ombudsman sobre os manuais da redação.................... 6.6 - Manual como constituição, não como bíblia?.....................................

7.0 - PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.................................................... 7.1- Definição do corpus..............................................................................

a) Cena Produtiva: jornal Folha de S. Paulo (A tensão emerge da redação).........................................................................................................

b) Cena Produtiva: jornal O Estado de São Paulo (Indústria de jornal).................................................................................................................

c) Cena Produtiva: jornal Zero Hora - RS (Espaço do cigarro)...............................................................................................................

d) Cena Produtiva: jornal NH (Novo Hamburgo) –RS (Padrão japonês)..............................................................................................................

e) Cena Produtiva: jornal Diário dos Campos – Pr

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(Intimista)........................................................................................................... f) Cena Produtiva: jornal Gazeta do Povo (Fábrica de

notícias)..............................................................................................................

8.0 – PROCESSOS E ESTRATÉGIAS DE APROPRIAÇÃO DE MANUAIS DE REDAÇÃO........................................................................................................

a) Tópica....................................................................................................... b) Interlocutor............................................................................................... c) Crítico/Reflexiva...................................................................................... d) Temático.................................................................................................. e) Diversidade de Ferramentas.....................................................................

f) Autoral...................................................................................................... g) Como formação........................................................................................ 8.1 - Análise das operações................................................................................. 9.0 – CONCLUSÃO................................................................................................ 12.0 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................... 13.0 – ANEXOS......................................................................................................

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1. Introdução “O único mito puro é a idéia de uma ciência purificada de

qualquer mito”. M. Serres

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No processo de elaboração deste estudo, pudemos constatar que um dos principais

instrumentos de organização da atividade jornalística é o manual de redação. Desde que

surgiram mais intensamente na imprensa brasileira, em meados dos anos de 1980, os

manuais de redação ganharam aceitação de jornalistas, tornando-se importante instrumento

das instituições jornalísticas. Contudo, apesar de existirem em várias redações pelo Brasil,

pouco se tem feito no sentido de compreender que relações (participação, influência) se

articulam com seus principais receptores.

No levantamento do estado da arte do objeto nos encontramos com algumas

pesquisas que dedicaram atenção a estudar os manuais de redação em sua estrutura, sua

composição ou quando muito nas repercussões com os jornais.

Entretanto, parte da complexidade dos manuais de redação está para além de um

olhar sob seus componentes estruturais, ou seja, do conjunto de regras estilísticas, das

definições gramaticais, as normas éticas e técnicas ou mesmo das orientações ideológicas

expressas em cada edição. Sem desconsiderar que tais campos de análise sejam

importantes no sentido de se entender os manuais de redação, eles apenas nos dão

informações de uma parte do processo – a do produto em si ou de suas intenções.

Na tentativa de compreender os manuais de redação de um ponto de vista mais

amplo, fez-se necessário estudá-los em sua processualidade, pesquisando as relações que

se estabelecem quando são postos em circulação no ambiente das redações. Tal modelo de

redação se dá quando os manuais de redação são disponibilizados ao conjunto dos

jornalistas e estes, por sua vez, mantêm algum tipo de relação com o dispositivo.

Para tanto, reconhecemos como ambiente preferencial de observação dos manuais –

as redações. Ou seja, são tidos aqui como dispositivos (ou processos?) dinâmicos que

transformam as redações. A nosso ver, os manuais de redação mostram a complexidade de

sua função quando estão sendo apropriados pelos jornalistas em ambientes de produção.

Este percurso não ignora os manuais de redação como sendo o resultado de

interesses das instituições jornalísticas (racionalidade operacional, eficiência gramatical ou

uniformidade estética), mas identifica haver significativa distância entre aquilo que se

apresenta enquanto tal, como proposta, e aquilo que efetivamente se realiza, neste caso,

pelos jornalistas. Trata-se, portanto, de investigar as múltiplas situações em que o manual

de redação é apropriado pelos jornalistas em ambientes de produção.

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Diferentemente de algumas obras literárias que são produzidas abstraídas dos

interesses exclusivos dos seus leitores, os manuais de redação são pensados, organizados,

redigidos objetivando seu efetivo uso. Por pressuposto, não interessa para ninguém de boa

fé publicar manual que não seja efetivamente utilizado. Ou seja, as vontades e os desejos

de seus usuários são considerados para a sua confecção. Neste ponto a nossa proposta

voltou-se para a estrutura dos manuais de redação, não como algo fragmentado, estanque,

isolado e fortuito, mas como objeto das demandas tanto dos jornais quanto dos próprios

jornalistas, que passam a ter no manual uma ferramenta de apoio, reflexo por um lado do

conjunto de princípios jornalísticos, culturalmente definidos e socialmente aceitos e de

outro dos interesses das instituições. Ou seja, devemos avançar sobre a idéia de que os

manuais de redação são instrumentos exclusivos das instituições, para pensá-los na

condição de dispositivos 1 que se articulam a partir das relações de seus produtores e de

seus usuários.

Para tanto, procuramos relatar os movimentos iniciais realizados para a confecção

deste trabalho, desde a escolha do objeto de pesquisa, passando pelos primeiros

apontamentos sobre o problema da pesquisa, até a conclusão definitiva do estudo.

Primeiramente, tratamos de refletir um pouco sobre o lugar do pesquisador em

relação ao objeto por ele estudado. É fundamental definir e justificar as escolhas;

reconhecer as limitações; identificar os preconceitos no sentido de evitá-los. Estas questões

muitas das quais postas como desafios a serem superados têm estabelecido complexo

debate no interior das Ciências Humanas e Sociais ao longo do tempo que envolve, grosso

modo, as interfaces entre sujeito-pesquisador e os fenômenos sociais estudados,

principalmente quando as investigações exigem contato dos pesquisadores com os objetos,

uma proximidade que pode colocar em risco a própria pesquisa. Problema de difícil

solução até para pesquisadores com larga experiência no campo científico. O antropólogo e

pesquisador Bruno Latour nos dá uma boa idéia da problemática que envolve a questão do

envolvimento/afastamento do pesquisador em situações de observação. No centro da

discussão está a questão do distanciamento que é tão ou mais difícil de resolver que a da

familiaridade criada pelo contato. “Contornar o problema da familiaridade e da distância

não será uma tarefa das mais fáceis, dada a desproporção entre o discurso erudito e a

raridade das investigações independentes” (LATOUR, 1997, p. 28).

1 A noção de dispositivo será trabalhada em detalhes no capítulo 04, Quadro conceitual sobre o objeto/problema. Até lá podemos dizer que o conceito de dispositivo estará sendo usado em substituição à noção de suporte.

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O trabalho de pesquisa cria, portanto, entre o pesquisador e o objeto de estudo forte

relação, quase simbiótica. De certa maneira, sua vida passa a depender do outro, ou seja, a

continuidade da existência do objeto depende em parte dos modos como essa relação é

construída, assim como o sucesso do pesquisador depende das informações que o objeto

possa lhe oferecer. Nesta relação tensional, de aproximação e afastamentos, a definição do

objeto e sua construção enquanto dado científico merece ser recuperada, até para dar conta

– em parte – dos compromissos assumidos e das apostas feitas.

Neste sentido, a explanação das escolhas exerce papel importante na direção da

pesquisa, bem como as motivações destas.

As motivações iniciais para esta tese estão localizadas, conseqüentemente, no

âmbito do jornalismo, mas em outro momento. Quando apresentamos a primeira proposta

de estudo ao programa de pós-graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos, no

final de 2003, estávamos buscando relacionar certo acúmulo de pesquisa, centrados em

estudos sobre gêneros televisivos, mais especificamente da telenovela – iniciados no

mestrado, com minha atividade de docente na área de jornalismo. Embora fosse professor

graduado em jornalismo, com um breve contato com a imprensa e lecionasse no curso de

jornalismo já há alguns anos, meu trabalho de mestrado acabou focalizando outra área.

Depois da conclusão da dissertação procurei desenvolver pesquisas (PIBIC/CNPq), com

alguns alunos, sobre a televisão, buscando aproximar os conhecimentos adquiridos na pós-

graduação com o jornalismo, como pesquisas sobre o agendamento da imprensa a partir de

alguns temas pautados pelas telenovelas, como o MST, minorias, etc. Assim, os estudos

sobre a aproximação entre ficção e realidade nos campos jornalísticos e de telenovelas

passaram a compor minha formação.

No período que antecedeu a proposta inicial da pesquisa para o doutorado,

considerei a idéia de me aproximar do jornalismo para poder ampliar minha contribuição

para os estudos na área e conseqüentemente atender meus interesses

profissional/científicos. A proposta de associar a imagem, objeto caro à televisão, com o

jornalismo impresso me pareceu significativa. Foi então que dei início à busca em

periódicos por elementos que materializassem essa interface, como a fotografia, info-

gráficos, charges, enfim, elementos imagéticos representados através dos jornais. Não foi

fácil encontrar textos que ilustrassem essa relação de forma direta. Contudo, esse contato

demonstrou que meus interesses estavam mais próximos do jornalismo em si, que das

questões voltadas à imagem. A partir deste momento, a pesquisa passou a centrar olhares

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nos aspectos específicos da estruturação do jornalismo contemporâneo, suas lógicas e

processos. Porém ainda sem um objeto definido.

Como a pesquisa é um processo de construção/produção do saber, e como em todo

processo, as mudanças, alterações e ajustes são naturais e estão determinadas em parte

pelas nossas escolhas, algumas inconscientes, procurei entender as lógicas que definem os

modos como os jornais são o que são, ou seja, os processos que estruturam os periódicos

contemporaneamente.

A partir deste momento, já com a supervisão do PPG-CC e, principalmente, do meu

orientador, procuramos construir o problema tendo o jornalismo como objeto central.

Depois de uma série de debates e leituras sobre os modos e processos de construção do

jornalismo e sua dimensão pública, identificamos nos manuais de redação a existência de

certas lógicas que são determinantes na elaboração da notícia e, de forma geral, do próprio

jornalismo. Essa percepção, ainda elementar em vários aspectos, contribuiu para manter o

foco dentro do jornalismo, possibilitando um corpus de análise sobre os processos de

organização por ele materializados.

Sem sombra de dúvida, em maior ou menor escala, os manuais de redação

representam os modos pelo qual o jornalismo é pensado e executado num universo

determinado por um grupo específico de sujeitos chamados de jornalistas. Porém, neste

momento, isso apenas indicava estar diante de pistas difusas de um projeto em construção;

não me informava e/ou não percebia como construí-lo como um problema de pesquisa

propriamente científico.

De imediato, tínhamos algumas pistas já consagradas pelo senso comum e por um

conjunto de teorias de vertente funcionalista (ver capítulo Marcos Conceituais), que davam

conta de colocar os manuais de redação como instrumentos de controle dos jornalistas,

uniformizando a produção e por isso chamado de “camisas de força” das redações. Estas

teorias apontavam ainda que tais instrumentos devessem auxiliar os jornalistas nas tarefas

do cotidiano. Essa problemática compreendia o jornal como reflexo dos manuais de

redação, e os manuais como instrumentos exclusivos de controle dos processos de

produção jornalística. Explicação, porém, não dava conta de compreender os manuais de

redação enquanto dispositivos sujeitos às tensões tanto internas quanto externas ocorridas

em todo o processo de elaboração do jornal – da pauta à publicação. Assim, os manuais de

redação se apresentavam para muitos, restritos a um sistema de fluxo linear e

unidirecional, cuja demanda estava limitada pela produção. Tornava-se necessário

problematizar o debate, aceitando os manuais de redação não somente como produto, mas

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também como resultante de outras demandas, definidas pelas relações entre oferta e

consumo, entre atores em situação de produção e recepção no ambiente jornalístico.

Restava-nos buscar construir um problema que pudesse, condicionado pelo seu

objeto e limitado pela processualidade de sua elaboração, cercar o assunto apresentado

como sendo os modos de apropriação dos manuais de redação pelos jornalistas em

ambientes de produção.

Essa nova problemática exigiria que as análises examinassem as situações e os

processos de interação dos jornalistas com os manuais de redação. Isso significava que os

marcos teóricos e metodológicos apontavam para questões de ordem observacional, pois,

afinal, estaríamos centralizando as atenções em interações de processos e indivíduos e

entre indivíduos e o objeto, articulados em torno de processos e dispositivos, ou seja, os

manuais de redação nos contextos e ambientes de produção, no caso, as redações.

Num clássico texto sobre o profissionalismo no jornalismo, John Soloski (1993), já

informava que as normas profissionais compartilhadas não eliminam completamente o

problema do controle organizacional; por que, segundo ele, primeiro “o profissionalismo

fornece aos jornalistas uma base de poder independente que pode ser utilizada para frustrar

a forte influência da direcção nas actividades profissionais do staff” e segundo, “o

profissionalismo dá demasiada liberdade aos jornalistas, e assim as organizações

jornalísticas devem adoptar procedimentos que limitem ainda mais a o comportamento

profissional dos seus jornalistas” (1993, p.95). A idéia de Soloski era demonstrar que as

normas como a objetividade e seus desdobramentos, a neutralidade, a pluralidade, a

isenção, estavam postas numa relação com o mundo profissional e não a partir de

processos exclusivamente hierárquicos e deterministas; embora ele reconhecesse uma

matriz comum que relacionasse o sistema capitalista a cultura profissional, justificando em

certa medida, a existência dos manuais de redação, como dispositivos de controle da

entropia e, castradores da criatividade jornalística, como foram rotulados quando de seu

reaparecimento público em meados dos anos 1980.

A existência de manuais de redação não é um fenômeno recente na imprensa

brasileira, embora só tenha ganhado notoriedade a partir da publicação do Manual Geral da

Redação pelo jornal Folha de S. Paulo, em 1984. Na realidade, sua presença está associada

à introdução e consolidação do modelo de jornalismo industrial, especialmente a partir da

segunda metade do século XX.

Mesmo com uma relativa história na formatação/entendimento dos jornais e do

jornalismo brasileiro, os estudos científicos sobre manuais de redação ainda são tímidos.

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Em sua maioria, as pesquisas procuram relacionar os manuais de redação ao jornalismo

tomando-os como exemplo dos ideais das instituições jornalísticas2 (SIMONETTI, 2005).

Essas propostas, ainda que justificáveis em seus objetivos, métodos e teorias, tendem a

considerar os manuais de redação como espelho das políticas editoriais e técnicas das

empresas. Isso provocou, de certa forma, uma simplificação nos estudos sobre os manuais

de redação, pois algumas questões foram tomadas como definitivas, entre as quais a de que

os dispositivos “jornais” resultavam automática e linearmente das regras definidas nos

manuais de redação e que aqueles estavam representados por estes. Ou seja, tudo que

estava definido tanto na forma como no conteúdo estaria demonstrado no produto final, o

periódico. Assim, as decisões de escolhas de fontes para entrevista; os usos do lead na

abertura das matérias são alguns exemplos desta relação que visava instalar ordem à

produção via manual.

Essa compreensão sobre o jornalismo tomou os manuais como correias de

transmissão das empresas e os jornais como lócus onde se configurava a existência deste

processo. Sem entrar no mérito do valor científico de tais pesquisas, o fato é que os

manuais de redação propõem articulações mais complexas que simplesmente considerá-los

como instrumentos de controle das empresas e que o jornal não é resultado exclusivo da

adoção ou não de regras manualísticas. Contudo, isto não desqualifica o objeto, mas sim o

torna mais interessante e complexo, na medida em que devemos considerar a existência de

muitos outros fatores que participam na definição dos modos como o jornal deverá ser

publicado, inclusive a inserção do manual de redação neste processo. Na realidade, um dos

elementos que demonstram sua complexidade está, por um lado, no fato de pesar sobre ele

(manual) a responsabilidade em expressar os modos como o jornal deverá ser produzido e

publicado (causa) e, por outro, na condição de sua não aplicabilidade integralmente

(efeitos). Em vários manuais de redação encontramos postulados sobre a importância em

adotá-lo, sob o argumento de garantir certa qualidade ao produto final. Assim, de uma

perspectiva organizacional, o cumprimento do manual é sinônimo de qualidade de jornal,

garantia de um jornalismo bem feito. Segundo Ana Estela de Souza Pinto, responsável pelo

setor de treinamento do jornal Folha de S. Paulo, o Manual da Redação representa o ideal

de qualidade esperado pelo jornal:

2 O artigo de João Carlos Simonetti Jr. apresentado na Intercom (Campo Grande) é exemplo destas escolhas. Ao analisar o discurso jornalístico, ele tomou o manual de redação da FSP como espelho do jornal. (Simonetti, João Carlos. Jornalismo e Identidade: uma abordagem discursiva. Intercom, Campo Grande: 2005).

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“Agora, o manual é necessário numa redação”? Eu acho que ele é necessário, primeiro por essas questões de padronização, de uniformidade, e depois por que eu acho importante ter um documento escrito em que se deixe claro quais são os paradigmas do jornalismo da Folha, no que a Folha acredita, quais são os critérios de excelência jornalística da Folha. (...) Acho que esses critérios de excelência, qual é o máximo que a Folha procura atingir, é bom que isso esteja por escrito, num documento, acessível para todo mundo, para que todos saibam como a Folha pensa seu próprio jornal. Então eu acho importante, acho que ele deve existir. A gente pede para todos que entram na Folha leiam o Manual de Redação pelo menos uma vez do começo ao fim para saber o quê está lá dentro3.

No entanto, mesmo sendo cobrado dos jornalistas o cumprimento de suas regras4,

isso nem sempre é realizado conforme o previsto. Aliás, é possível encontrar nas páginas

dos jornais exemplos de situações onde as normas do manual são, digamos,

“transgredidas”. Em algumas situações, os próprios jornais lançam mão de expedientes que

procuram identificar essas transgressões, como as colunas do Ombudsman, Erramos no

caso do jornal Folha de S. Paulo. Há ainda a participação dos leitores que, através de

cartas, e-mails e até mesmo diretamente, acionam o jornal, cobrando explicações, algumas

publicadas em espaços específicos (colunas e painéis) dentro dos jornais como no caso do

jornal Zero Hora que mantêm espaço para a publicação de comentários dos leitores entre

outros5. O próprio ex-ombudsman do jornal Folha de S. Paulo, o jornalista Mário

Magalhães (2007-2008), chamava a atenção da redação em sua coluna diária para a

importância de se cumprir as regras do Manual, deixando claro que se houvesse mais

atenção com o que o Manual define, o Jornal seria melhor6. Esta manifestação, assim como

outras, demonstra o reconhecimento de que os jornalistas cometem desvios,

negligenciando e/ou superando o Manual. Na verdade, trata-se da constatação de que os

jornalistas mantêm relação conflituosa com as regras, especialmente quando elas estão

estampadas em códigos de conduta e estilo. E tais discrepâncias se realizam no interior das

redações no espaço da produção, momento em que os jornalistas decidem, escolhem e

editam o jornal, transformando o acontecimento em notícia de interesse comum. É neste

momento da confecção do jornal que aquilo que chamamos de transgressão se realiza.

3 Entrevista concedida ao autor em agosto de 2007. 4 Alguns jornais distribuem para seus novos funcionários uma cópia do manual, independente se são jornalistas ou não, como no caso do Zero Hora. Outros, como a Folha de S. Paulo, exigem o conhecimento do Manual como condição para integrar seus quadros funcionais. 5 Ver jornal Folha de S. Paulo, O Povo (CE) entre outros. 6 Coluna do Ombudsman do dia 06/06/2007 “Uma Grande Confusão”, consultado em 11/07/2007. http://www1.folha.uol.com.br/folha/ombudsman/criticadiaria/ult10000u302450.shtml

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Portanto, ela ocorre pelas mãos dos jornalistas dentro de lógicas da produção chamadas de

rotinas produtivas.

Devemos destacar de antemão que não se trata de algo premeditado ou por outro

lado de desacertos, equívocos. Na maioria das vezes essas ações estão mais na ordem da

superação quase inconsciente das regras apresentadas pelo manual do que baseadas numa

ação de negação. Como afirma o jornalista Luiz Garcia, responsável pela elaboração do

Manual de Redação de O Globo: “É preciso conhecê-las para desobedecê-las”

(CAPRINO, 2001, p. 60). Ele se refere à necessidade em avançar para além do que define

os procedimentos básicos do fazer jornalístico para algo mais sofisticado, mais qualificado.

Para ele, o Manual deve ser entendido como um documento inicial, onde constam as regras

básicas do fazer jornalístico daquela instituição, que o jornalista, com o passar do tempo,

vai “superando”. Isso significa que, embora os manuais de redação representem as normas

das empresas, estas resultam de um acúmulo de conhecimentos adquiridos no fazer

jornalístico ao longo do tempo e vão constituindo os procedimentos “padrão” que

consubstanciam os manuais. E concomitantemente, os manuais de redação, ao entrarem

com contato com o cotidiano jornalístico, com o fazer propriamente dito, transformam-se

pelas mãos dos jornalistas que procuram “adaptar” as regras a realidade do dia-a-dia.

Conclui-se que, por mais que as instituições queiram controlar as ações dos jornalistas a

partir do manual de redação e/ou de outros dispositivos, no fazer diário, os processos se

reinventam, causando certos desalinhamentos entre as ofertas dos dispositivos de controle

e a ações adotadas pelos jornalistas na elaboração da notícia. É também neste âmbito que a

afirmação de Garcia adquire outro sentido: o conhecimento do manual é um passo no

sentido de superá-lo, ou seja, é necessário conhecer as regras para então avançar para além

delas7.

Essa postura mais fluída dos manuais de redação se contrapõe à forma como foram

elaborados anteriormente, sendo algo conclusivo do ideal do fazer jornalístico.

O que ocorre é algo que estamos nomeando como “transgressões” as regras ou

“descompassos” entre as normas e as práticas dos jornalistas. Trata-se, na verdade,

simplesmente de transgressões objetivas, independentes de suas intencionalidades. A

nosso ver, estas ações ocorrem involuntariamente, o que resulta, numa identificação não

automatizada, até porque o próprio sistema jornalístico contemporâneo cobra de seus

jornalistas respostas cada vez mais rápidas aos acontecimentos, sem deixar espaço para a

7 Entrevista realizada por Mônica Caprino e disponibilizada ao autor para uso neste trabalho.

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auto-reflexão. Neste cenário, a adoção automática das regras passa despercebida, além de

colaborar ofertando respostas prontas, portanto rápidas, para os dilemas do dia-a-dia.

Torna-se fundamental garantir a adoção de manual de redação e de certa forma necessário

do ponto de vista de vários jornalistas. Para comprovar esta realidade, basta ver os vários

mecanismos que os jornais lançam mão para garantir sua utilização: o conhecimento do

Manual da Redação da Folha de S. Paulo é um dos critérios de seleção dos futuros

profissionais da empresa. As chamadas para emprego do jornal são sempre acompanhadas

de “é necessário domínio do Manual da Redação”. Além desta exigência, constam na grade

curricular dos cursos de formação promovidos tanto pela Folha de S. Paulo informações

referentes aos conteúdos dos Manuais. Francisco Ornellas, responsável pelo Curso

Intensivo de Jornalismo Aplicado (Adestramento de Focas) do jornal O Estado de São

Paulo, afirma que cada um dos participantes é informado da necessidade de se saber seu

conteúdo: “No primeiro dia do curso, desde seu início, cada um deles recebe um Manual

de Redação e Estilo. E cada um deles é informado, todos são informados, de que aquele

Manual é de uso obrigatório [...] de consulta obrigatória. A gente cobra do estudante, do

participante do curso a utilização do manual da mesma forma como ele vai ser cobrado

pelo seu editor quando ele estiver trabalhando seja em que jornal for” 8. A idéia básica,

segundo ele, é cuidar para que a ortografia correta das palavras seja cumprida e nisto o

Manual colabora.

No mesmo caminho, a jornalista e coordenadora do processo de seleção de

repórteres, para a Folha de S. Paulo, confirma a presença de conteúdos manualísticos na

seleção e no treinamento de novos jornalistas9.

No entanto, essa exigência na formação dos focas ou mesmo por parte dos editores,

não reduz os descompassos na redação de O Estadão, tanto é que o próprio Eduardo

Martins, autor das edições do Manual de Redação e Estilo do jornal, reconhece que basta

uma rápida passagem pelas páginas dos jornais para encontrar desrespeitos das normas.

Parte destes descumprimentos das instruções manualísticas se deve as dinâmicas

pelas quais os repórteres estão sujeitos. A lógica produtiva da notícia não deixa muito

tempo para consultas. E sem tempo para “refletir”, a possibilidade de desvios a norma

aumenta. Na verdade, uma das justificativas para a introdução do Manual de Redação do

Estadão, por exemplo, foi a se tentar reduzir a quantidade de erros produzidos pela

redação. Tanto é que o Manual de O Estado de São Paulo (Estadão) surgiu após Martins

8 Entrevista concedida ao autor em 01 de novembro de 2007. 9 Entrevista concedida ao autor em 15 de agosto de 2007

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realizar leitura diária de vários jornais durante mais de três anos. A partir destas leituras,

ele relacionou uma série dos principais erros cometidos tanto pelo Estado de S. Paulo

quanto por outros jornais. O resultado disto foi a publicação do Manual.

Portanto, é quase natural que o manual de redação participe deste complexo

processo que estrutura o jornal, até porque é nele que estão impressos os vários

procedimentos que definem os modos de confecção do produto jornalístico. E é dentro

deste processo produtivo que o manual é usado não mais como fora previamente definido,

mas a partir de procedimentos e lógicas realizadas por seus usuários.

Dentro deste cenário é que este trabalho se pauta. Antes de avançar, cabe destacar

os principais aspectos que formam este estudo considerando cada parte, iniciando pelo

segundo capítulo: Vozes históricas sobre o objeto. Este capítulo tem por objetivo

recuperar, a título de demonstrar que as formas de controle das redações - através de

manuais de redação -, já existiam no jornalismo brasileiro desde as primeiras décadas do

século XX e que, desde então, eles têm participado no modo como o jornalismo tem se

estruturado ao longo destes anos, culminado com o momento onde este dispositivo torna-se

público, assumindo lugar importante nas disputas pelo mercado midiático-informacional.

Já o terceiro capítulo, Vozes acadêmicas sobre o objeto, apresenta conjunto de

reflexões teóricas que tiveram os manuais de redação como objeto de debate. A partir do

levantamento do estado da arte do objeto, pudemos verificar que, salvo algumas poucas

pesquisas, estudos tenderam a encarar os manuais como simples reflexos dos jornais,

desconsiderando a complexidade inerente ao processo de produção noticiosa, no qual

vários dispositivos estão envolvidos, entre eles nosso objeto, os manuais de redação.

No quarto capítulo, Quadro conceitual sobre o objeto/problema, procuramos situar

dentro da pouca oferta de estudos científicos específicos, o problema de nossa reflexão

como sendo as relações articuladas entre o manual de redação e os jornalistas. Neste

momento, lançamos as bases teóricas que mobilizamos no sentido de iluminar nosso

objeto, compreendendo a teoria dos campos sociais como compatível para discutir as

tensões envolvendo os manuais de redação e sua apropriação pela tribo jornalística; que a

lógica das regras estão num nível estratégico quando disponibilizadas no ambiente

produtivo das redações.

A partir destas definições procuramos, no quinto capítulo: Uma gramática dos

manuais de redação, descrever os manuais de redação, desvendando sua gramática. Nossa

idéia foi construir um quadro amplo daquilo que cada manual de redação mais valoriza

representado através de seus conteúdos, procurando identificar suas principais marcas. Para

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tanto, selecionamos como amostra de manuais de redação, editados entre 1984 a 2001,

período mais intenso na publicação destes dispositivos na história do jornalismo brasileiro.

Com isto, identificamos algumas estratégias adotadas pelas instituições jornalísticas.

Já no sexto capítulo, Estratégias de apropriação de manuais de redação por

jornalistas, apresentamos discussão no sentido de identificar empiricamente elementos que

sustentem a problemática da defasagem entre a oferta dos manuais de redação e a

apropriação dos jornalistas, quando estes se utilizam dos dispositivos regradores. Neste

âmbito, reconhecemos dentro do processo produtivo do jornal, elementos que colaborasse

no destaque de possíveis descompassos realizados pelos jornalistas quando em contato

com os manuais de redação. Neste percurso, reconhecemos não apenas situações que

configurassem transgressão aos manuais, mas que a identificação de tais situações estaria

em certa medida servindo de subsídio para comentários do ombudsman, no caso de jornais

com esta função. Os comentários, principalmente os críticos, reforçaram nosso

entendimento sobre os descompassos, além de apresentar no próprio meio, transgressões

ao manual. Porém, tal processo estaria ocorrendo de fora do jornal para dentro do ambiente

da produção, ou seja, do ombudsman para a redação/jornal.

Nesta mesma lógica identificadora, o sétimo capítulo procurou centrar a atenção

nos Procedimentos metodológicos, no sentido de procurar demonstrar os ambientes das

redações como cenários preferenciais onde se realizam os processos de apropriação dos

manuais de redação. Nesta medida, procuramos definir o corpus de análise, já que

procuramos identificar os manuais de redação em situações de uso pelos jornalistas quando

estes estão realizando a produção noticiosa, propriamente. Este capítulo colaborou no

sentido de fornecer uma dimensão espacial de como os jornalistas se “encontram” com os

manuais de redação, em que lugar eles usam os dispositivos, em que situações eles

comentam sobre as regras e as normas, enfim, possibilitou-nos pensar o lugar de uso dos

manuais de redação.

Já no oitavo capítulo nos voltamos a identificar e analisar as estratégias adotadas

pelos jornalistas quando estes estão em contato com os manuais de redação. Neste

momento, reconhecemos vários procedimentos e situações de apropriação dos manuais de

redação, por vezes distintos dos previstos/idealizados pelos próprios dispositivos. Da

fragmentação dos conteúdos até a recriação de regras, marcam a contribuição deste

capítulo para o conjunto do trabalho.

Por último, nos concentramos em amarrar os resultados encontrados, a partir das

questões levantadas em torno da problemática pretendida. Para tanto, construímos um texto

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em forma de conclusão, apontando aspectos aludidos ao longo do trabalho em consonância

com nossas expectativas iniciais. Procuramos destacar aspectos que exigem maior

aprofundamento, lembrando que muitas questões ainda carecem de pesquisas,

especialmente no tocante as lógicas e modos de produção noticiosos.

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2. Vozes históricas sobre o objeto

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A história da imprensa realizada no Brasil tem dedicado pouca atenção aos

chamados livros de regras. Há poucas obras, artigos ou mesmo ensaios discutindo os

manuais de redação na estruturação do jornalismo local, embora haja várias obras sobre a

origem, desenvolvimento e as transformações do jornalismo e das instituições midiáticas.

Essa ausência talvez possa ser explicada em parte pelo fato de que a historiografia da

imprensa tenha se preocupado menos com os aspectos técnicos presentes no jornalismo e

mais em destacar o “aparecimento e o desaparecimento de periódicos” (BARBOSA, 2004,

p. 02). Marialva Barbosa considera que esta opção pela história das instituições midiáticas

e seus produtos quando muito os relacionou ao momento social e político vivido em cada

época. Ainda segundo Barbosa, a história da imprensa tem procurado destacar nomes,

datas, em sua maioria baseada em relatos de vida e testemunhos, em uma sucessão de

fatos, que muitas das vezes conduzem a “meras interpretações baseadas em nossas

memórias, vivências, expectativas, posições políticas” (p. 02).

Na tentativa de superar essa visão redutora, a pesquisadora recomenda que para se

construir uma história da imprensa é necessário percebê-la “como um processo complexo,

no qual estão engendradas relações sociais, culturais, falas e não ditos, silêncios que dizem

mais do que qualquer forma de expressão, e que na maioria das vezes não foram deixados

para o futuro” (p. 02).

É baseado nestas percepções que buscaremos conduzir interpretações sobre os

manuais de redação10 posicionando-os como reflexos das transformações sofridas pelo

jornalismo nestes mais de 200 anos de história da imprensa no Brasil11. Nosso objetivo,

portanto, é de forma clara buscar na história da imprensa alguns elementos que direta ou

indiretamente identifiquem a presença dos manuais de redação, destacando sua

contribuição para a estrutura do jornalismo como conhecemos hoje.

A iniciativa manualística de Gilberto Freyre

A primeira manifestação de manual de redação de que se tem notícia na imprensa

brasileira ocorreu no jornal A Província de Pernambuco, em 1929, pelas mãos do 10Estaremos considerando como manuais de redação um conjunto sistematizado de regras e normas que compreendam aspectos estilísticos, técnicos e éticos (comportamentais) organizados pelos veículos de comunicação voltados aos seus empregados (jornalistas ou não) com o objetivo de orientar, controlar e organizar as atividades destes quando em produção (apuração, redação, edição e revisão) do material jornalístico. 11 Para uma história da imprensa do Brasil, ver os clássicos de Juarez Bahia (Jornal, história e técnica – as técnicas do jornalismo. 4. ed. São Paulo: Ática, 1990,) e Nelson Verneck Sodré (História da Imprensa no Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Mauá, 1999.)

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antropólogo Gilberto Freyre. O jornalista-antropólogo apresentou à redação uma proposta

adaptada de stylle-books (livros de estilo) norte-americanos. Seu objetivo era transformar

os jornais aos moldes do que ele havia encontrado nos Estados Unidos. “Todo meu

empenho é fazer da Província um jornal diferente dos outros e fiel à sua condição de jornal

de província. Autêntico. Honesto. Com a colaboração de alguns dos melhores talentos

modernos do Rio de Janeiro e São Paulo” (FREYRE, 1975, p. 233).

Ele buscava eliminar os preciosismos da linguagem jornalística. Queria que os

jornalistas substituíssem o modo empolado, rebuscado dos textos por outro, mais direto,

ágil e de fácil compreensão.

“Um dos meus empenhos é dar ao noticiário e as reportagens um novo sabor, um novo estilo: muita simplicidade de palavra, muita exatidão, algum pitoresco. Isto é que é importante num jornal. E nada de bizantinismo. Nada de se dizer “progenitor” em vez de pai nem “genitora” em vez de mãe. Já preguei no placard um papel em que se proíbe que se empreguem no noticiário não só essas palavras pedantes em vez das genuínas, como “estimável”, “abastado”, “onomástico”, “deflui”, “transflui”, etc” (p. 234).

Em parte, a iniciativa não vingou em função da forte resistência dos jornalistas,

habituados ao modelo mais libertário e romântico do jornalismo da época. “O jornalismo

artesanal e a tradição de ‘laissez-faire’ vigente nas redações o derrotariam, como a outras

tentativas de implementação de um modelo mais organizado e contido de jornalismo em

outras partes do país e em outros tempos”. De toda forma, a iniciativa de Gilberto Freyre,

mesmo enfrentando os padrões da época, representou mudança no modelo de imprensa até

então realizado, dando indícios do caminho pelo qual o nosso jornalismo iria seguir nos

anos futuros.

O padrão do jornalismo brasileiro estava baseado no modelo europeu cujos

assuntos eram eminentemente políticos e/ou literários; textos sempre longos e repletos de

comentários e opiniões, marcadamente adjetivados com características panfletárias. Havia

espaço para o folhetim, para a narrativa romanceada. Muitos escritores, por não

encontrarem espaço para publicar seus livros ou mesmo para se manterem financeiramente,

tornavam-se redatores, revisores na imprensa. Estruturalmente, os jornais eram, em sua

maioria, financiados por famílias, grupos ou movimentos com o objetivo de defender

causas políticas específicas, como no movimento abolicionista, republicano, etc. Além

disso, a imprensa sofria as contingências de uma cultura colonialista de exploração e de um

Estado que censurava qualquer manifestação que se opusesse aos ideais da monarquia

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(LUSTOSA, 1996: 40-41). Sem condições favoráveis para a formação de uma sociedade

culta, que se limitava a poucas famílias burguesas e a nobreza, o jornalismo brasileiro

demorou a se firmar como um produto popular massivo. Neste momento, os textos

mantinham estrutura linear, cronológica, na forma de apresentar os dados. Elcias Lustosa

refletindo sobre este momento afirma que os textos não poderiam se considerados como

notícias pela ausência do factual (p. 68).

Mais para o final do século XIX início do XX é que a imprensa brasileira começa a

sentir as primeiras influências de modelo de jornalismo norte-americano, voltado à

valorização dos acontecimentos do cotidiano, do fato. A idéia de um jornalismo imparcial,

objetivo, isento, tornava-se cada dia mais presente. As notícias passavam a se aproximar

dos acontecimentos realmente públicos, como a participação do jornalista João Paulo

Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, ou como ficou conhecido, João do Rio

mostra nos relatos sobre o cotidiano dos subúrbios cariocas. A presença de um discurso

essencialmente opinativo, declaratório, vai cedendo espaço a outro, mais informativo e

direto. A proposta adotada por João do Rio representa justamente o período de transição no

qual o jornalismo passa a se importar com o cotidiano, com o dia-a-dia da cidade. Deste

momento em diante o repórter ganha as ruas para ver os acontecimentos com seus olhos.

“O repórter vai a campo e busca informações. Vale-se de mais nada, apenas do método de

observação. Essa capacidade é apontada por quase todos os autores como a arma mais

importante de Paulo Barreto” (MEDINA, 1988, p. 60).

Outros fatores colaboram para as mudanças no discurso jornalístico como a Crise

do Café e a Primeira Guerra Mundial. Estes eventos forçaram os jornais a tratarem os

acontecimentos com maior cuidado, respeitando os dados, as informações. O surgimento

das agências também contribuiu para o processo de mudanças do jornalismo, na medida

em que o material informativo transmitido deve estar condensado, priorizando os fatos

mais importantes. Nessa época os jornais brasileiros passam a receber material das

agências de notícias (Havas – França; AP – Estados Unidos) com um formato mais

sintético e objetivo.

É neste cenário que Gilberto Freyre antecipa em mais de 20 anos a introdução de

manuais de redação quando oportuniza aos jornalistas do jornal A Província o seu

conjunto de regras de estilo. Porém, o fato de ter sido ele, um reconhecido pensador da

cultura regional, é elucidativo de outro fator que passa a influenciar no processo de

mudança sentido pela imprensa brasileira nas primeiras décadas do século XX.

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Na condição de cientista, de antropólogo e de pesquisador, que tem como

laboratório o cotidiano e por método a observação de campo – fiel work -, Freyre é sensível

à necessidade do jornalista manter ligação com a realidade, com as questões que envolvem

os sujeitos e as urbanidades. Para ele, o processo empírico é fundamental na estruturação

do noticiário. Em 1929, ele faz uma análise da importância do trabalho de campo dos

jornalistas para o jornal.

“Já fiz n’A Província alguma das coisas que desejava fazer. Seu noticiário é hoje o mais exato, o melhor, da imprensa do Recife. Inclusive reportagens. Eu próprio tenho feito, sem nunca assinar, entrevistas e reportagens – jornalismo de campo e não de gabinete. O jornalismo de campo é o verdadeiro jornalismo” (p. 237).

Como ele compreendia a imprensa como um espaço de divulgação de suas idéias,

os métodos utilizados também reverberavam nos modos como o jornalismo deveria ser

elaborado. Estas contribuições ilustram o processo de transformação vivido pelo

jornalismo brasileiro que passa a ser visto mais como uma profissão dotada de

especificidade, articulada em torno de conhecimentos técnicos próprios e detentora de uma

linguagem particular que vão se consolidando ao longo do século XX do que uma arte

literária.

De toda forma, a inovação que Gilberto Freyre encetou representar na história da

imprensa tornou-se um passo importante no processo de estruturação do jornalismo atual.

Mesmo reconhecendo as limitações do stylle-books de Freyre, eles apontam idéias que até

os dias de hoje compõem o conjunto de procedimentos mais gerais exigidos por todos que

pretendam exercer jornalismo, como escrever claro, direto e objetivo. O empiricismo da

atividade jornalística caracterizada pela troca de experiências entre os membros da

profissão, passa a não ser o único modo de se conhecer a profissão. Com isso, o jornalismo

vai adquirindo certa autonomia em relação a outras áreas, como a literatura, a retórica e a

política.

A participação do antropólogo Gilberto Freyre é ilustrativa deste momento em dois

sentidos. O primeiro por representar um momento no qual se iniciava a participação de

intelectuais e cientistas12 nos estudos em torno do jornalismo. Estes, de posse de

conhecimentos em áreas específicas (antropologia, história, direito) passaram a pesquisar

12 José Marques de Melo destaca como pioneiros nos estudos em jornalismo: Alfredo de Carvalho, 1908 publica “Gênese e Progressos da Imprensa Periódica no Brasil”; Barbosa Lima Sobrinha, 1923, “O problema da imprensa”; Gilberto Freyre, 1933, Casa Grande & Senzala. MELO, José Marques de. Jornalismo Brasileiro. Porto Alegre: Sulina, p. 21-23, 2003.

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a/na imprensa. No caso de Freyre, embora a atenção fosse outra (estudos sobre a cultura

regional), ele inovou ao considerar a imprensa um espaço que merecesse reflexão. De toda

forma, essas pesquisas - específicas ou não - iniciaram um processo que, paulatinamente,

contribuiu para colocar a comunicação e o jornalismo num estágio reflexivo. E pelo fato de

Freyre ter realizado estudos nos Estados Unidos, algo incomum para a intelectualidade

brasileira da época, que tinha a Europa como centro irradiador de conhecimentos

(WALLERSTEIN, 1996, p. 79), possibilitou o contato com um modelo de pesquisa social

fortemente marcado pelo empiricismo. Isso refletiu no jornalismo na medida em que se

passou a valorizar o contato com os acontecimentos sociais, até porque o relato do

cotidiano foi bem aceito pelos leitores, especialmente na chamada Crônica Policial e as

Colunas Sociais. Neste sentido, fortalece-se a figura do repórter, sujeito de relativa

capacidade cultural para os padrões da época, limitado na “arte” de escrever, porém com

profundos conhecimentos sobre a vida social, capaz de circular em vários locais mantendo

contato com muitas fontes. Com o processo de proliferação, esse indivíduo passa a captar

os fatos in loco, de entrevistar pessoas, descrevendo os aspectos mais importantes da

cidade. De início, essa figura se opôs ao do jornalista-intelectual, tradicional, forjado em

sua maioria nas academias européias que, dotado de conhecimentos mais abstratos,

oriundos de uma cultura marcada pela literatura, produziam as notícias valorizando a

interpretação e a opinião. Esse aspecto fica mais claro numa crítica de Freyre a Sílvio

Rabelo: “É demasiado escritor, do tipo erudito, para ser jornalista” (p. 237). Ele apontava

que a necessidade dos jornalistas deveria ser outra, menos preocupada com as grandes

reflexões e mais atenta aos aspectos da vida urbana.

Essa observação já antecipava o que ocorreria a alguns anos com a criação de duas

funções dentro da atividade jornalística da época: uma responsável pela captação dos

acontecimentos (a do repórter) a partir da observação e da entrevista e a outra pela redação

dos fatos (a do redator) organizando e distribuindo os elementos ao longo da matéria.

Somente com o processo de profissionalização e racionalização das redações, intensificado

na segunda metade do século XX, é que estas duas funções se fundiriam, dando fim à

figura do copy-desk e exigindo maior qualificação dos jornalistas nas técnicas de

reportagem.

Outro aspecto estabelecido pelo contato de Freyre com os Estados Unidos, é que a

sociedade norte-americana já havia firmado as bases de uma cultura de massa, a partir da

popularização do entretenimento, da constituição e ampliação de espaços de lazer.

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Retornando ao Brasil e de posse dos conhecimentos adquiridos no campo científico

e em contato com a indústria cultural, especialmente a partir da imprensa norte-americana

(Freyre colabora com jornais e revistas para a comunidade latina além de ser o

correspondente do jornal Diário de Pernambuco na região) assumindo, a convite do

governador do Estado, a direção do jornal A Província.

Segundo descreve Dalmonte a relação de Freyre com a mídia realizou-se não

somente como um jornalista que usava a mídia como um instrumento para tornar públicas

as suas idéias, mas também como estudioso dos objetos que ela proporcionava como

fotografias, histórias em quadrinhos, anúncios de jornais e mesmo a televisão, que

considerava ser um importante meio de comunicação (DALMONTE, 2002, p. 84-95). Em

seu trabalho de pesquisa sobre a relação de Freyre com a mídia, Dalmonte conclui que ele

“percebe que a mídia passa a narrar a história, por conseguinte, por fazer parte da história

teria que estar na mídia. E a partir deste momento é que surge o ‘homem midiático’, que

usa esse novo recurso para a difusão de seu pensamento” (2002, p. 133).

Sua posição de pesquisador da cultura regional colabora para entendermos os

fatores de levaram a introdução de um dispositivo tão estranho à tradição jornalística como

os stylle-books. A característica racional e inovadora de cientista e o seu conhecimento

sobre a mídia norte-americana foram determinantes na introdução e adaptação de um

aparato técnico-profissional como o stylle-books para a imprensa brasileira como destaca

Edson Dalmonte. “Ele vai ser influenciado por idéias que circulavam naquele país (Estados

Unidos), sobretudo pelo entendimento da importância da mídia na sociedade de massa, e,

por conseqüência, a necessidade de estudá-la” 13.

O modelo que ele observou, tributário do jornalismo inglês, baseava-se na coleta de

informações, na forma de capturar os fatos e na necessidade de divulgar os

acontecimentos. O sociólogo Érik Neveu que realizou estudo sobre a formação do

jornalismo no mundo, identifica que desde muito cedo o modelo norte-americano se

baseava no “relato de campo, a constituição de uma agenda de endereços e das habilidades

ligadas a tomar notas, a apurar a informação, ao domínio da situação na entrevista” (2006,

p. 22). Além desta característica de valorizar o factual, a estrutura econômica e social mais

desenvolvida dos Estados Unidos facilitava a circulação comercial dos produtos culturais,

entre eles os jornais. Essa realidade propiciou a estruturação de um modelo mais racional,

comercialmente viável.

13 DALMONTE, Edson Fernando. Gilberto Freyre: intelectual multimídia. V. 02, N. 01. Out/Nov/Dez. 2000. http://www2.metodista.br/unesco/PCLA/revista5/res%20eventos%205-5.htm.

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Os manuais na modernização do jornalismo brasileiro

Outro aspecto que representa o processo de tecnificação e racionalidade da

imprensa via manuais de redação acontece nos anos 50. A imprensa, neste período, já

apresentava características industriais de produção da informação. Embora ainda

mantivesse características do modelo anterior, especialmente em relação a

comprometimento com causas políticas, o jornalismo voltava-se para a informação. “A

Imprensa foi abandonando a tradição de polêmica, de crítica e de doutrina, substituindo-a

por um jornalismo que privilegiava a informação (transmitida “objetiva” e

“imparcialmente” na forma de notícia) e que a separava (editorial e graficamente) do

comentário pessoal e da opinião” (RIBEIRO, 2003, p. 01).

Sob essa conjuntura, alguns jornais implantam manuais de redação. Relativamente

diferente dos stylle-books adaptados por Freyre, que estavam reduzidos às questões de

linguagem, estes documentos apresentam-se mais sofisticados e amplos. Abrangiam

questões mais específicas sobre o jornalismo, como a necessidade de usar lead na abertura

de cada matéria, a pirâmide invertida e outros aspectos que visassem agilizar e simplificar

a produção. Isso não significa dizer que antes não havia textos sobre atualidade, mas sim

que eles progressivamente passaram a incorporar uma linguagem mais objetiva, direta

(ABREU, 1996, p.15), determinando o modo como o jornalismo atual é produzido. O

Diário Carioca introduz o lead e o copy-desk e no jornal Última Hora se adota o dead-line,

além do modo inovador de apresentar graficamente as matérias. A exploração de fotos na

capa e a segmentação dos assuntos pelo Jornal do Brasil são alguns momentos desse

quadro de transformação vivido pelo jornalismo a partir dos anos de 1950. Essas alterações

repercutiram no modo como o jornal estava sendo organizado. Do ponto de vista

institucional, os objetivos apontavam para a necessidade de ampliar o acesso ao produto,

facilitando o consumo do jornal.

No âmbito profissional, havia clareza quanto à necessidade de formar novos

quadros à luz destes novos conceitos. A função de copy-desk, por exemplo, além de ser

responsável por processar as reportagens, tornou-se um espaço de formação de novos

quadros. A cultura de um profissional oriundo do campo da literatura, do direito, é

paulatinamente substituída por outra, mais específica, mais técnica, na qual o jornalista

passa a ser reconhecido como profissional exclusivo do jornal. As competências do campo

vão sendo definidas, bem como as técnicas de produção das matérias. O fazer jornalístico

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deixa sua condição eminentemente prática e, com a colaboração dos manuais de redação,

passa a outra, mais teórica, reflexiva, com feições pedagógicas.

Neste mesmo sentido, a criação das primeiras faculdades de jornalismo - em 1947

no Rio de Janeiro e em 1948 em São Paulo -, vai contribuir para a formação de um quadro

profissional exclusivo do jornalismo, além de trazer para o debate acadêmico aspectos

restritos a prática jornalística.

O tempo do jornalista mais solto, alheio às determinações gráficas e estilistas do

jornal estava acabando. A participação do redator vai se tornando mais forte e atuante

dentro da produção jornalística. Da mesma forma, passou-se a exigir dos jornalistas,

especialmente repórteres, maior compromisso com sua formação geral. Este conjunto de

mudanças, que ao longo dos anos seguintes consolida-se, marca definitivamente o ingresso

do jornalismo brasileiro às lógicas de mercado, no qual a notícia passa a ser encarada como

produto cultural voltado às massas e o jornal torna-se empresa. Este novo quadro,

complexo e sofisticado, contribuiu para a adoção de mecanismos mais racionais de

organização, como os manuais de redação. Vários jornais a partir de então organizaram em

regras à redação as reformas que estavam realizando, como o Diário Carioca, a Tribuna da

Imprensa, a Folha de S. Paulo. Estes documentos variavam de acordo com os objetivos de

cada empresa.

Os manuais de redação dos jornais O Diário Carioca e a Tribuna da Imprensa

A partir dos anos 50, vários jornais realizaram profundas reformas editorias e

gráficas aproximando os veículos à nova conjuntura social, mais moderna e sofisticada.

Estas reformas, pelo seu caráter, propiciaram a adoção de mecanismos objetivos de

controle, como a adoção de manuais de redação, mas também evidenciaram outras

estratégias que, embora não culminassem com a elaboração daqueles, foram importantes

para definir as características dos atuais manuais de redação.

A primeira grande reforma ocorreu no Diário Carioca no final dos anos 40,

basicamente por dois motivos. A obrigação de aproximar o jornal aos interesses dos

leitores, cumprindo as necessidades estabelecidas pela formação de uma sociedade de

consumo que se apresentava em expansão e pela sensibilidade de alguns atores quanto a

esta nova realidade, como os jornalistas Danton Jobim e Pompeu de Souza, então redator-

chefe e diretor de redação do jornal respectivamente. “Com a ocupação e o dinamismo que

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foram tomando conta da vida, ninguém tinha mais tempo de ler esse tipo de noticiário”14.

Antes disto, Pompeu de Souza estagiou na Voz da América por dois anos. Quando

retornou, procurou Horácio de Carvalho, proprietário do Diário Carioca e propôs a

reforma. Além disso, eles tinham preocupações com a formação teórica e técnica do

jornalismo a ponto de se tornarem em 1947 professores da cadeira de Técnicas de Redação

da Faculdade de Filosofia da Universidade Nacional. Essa aproximação com a academia os

fez tomar contato com teorias, especialmente estrangeiras, sobre o jornalismo. A entrevista

concedida por Pompeu de Souza em 1978 para o jornal da Associação Brasileira de

Imprensa (ABI) ilustra bem este momento.

“Percebi que para ensinar jornalismo eu tinha que aprender jornalismo sistematicamente, tinha de estudar pelos livros as técnicas já codificadas; não era suficiente mais aquela forma intuitiva como eu tinha aprendido o jornalismo. E percebi ainda que havia um processo de elaboração jornalística profundamente conscientizada, não tão fragmentada nem tão assistemática e intuitiva como fazíamos até então” (1992, p. 24) 15. Com esse contato, ele constatou que alguns procedimentos utilizados há tempos no jornalismo norte-americano, mais desenvolvido, poderiam dar certo na imprensa brasileira. Disto resultou a adoção do lead, do copy-desk e do style-book, que passou a servir como uma referência em torno dos “novos” modos de produzir e editar o jornal. A introdução destes elementos contribuiu para dar mais agilidade na narração dos fatos, evitando o nariz de cera como forma de introduzir a notícia, além de diminuir o desnível entre os jornalistas propiciando certa uniformidade nos textos. Era comum encontrar em jornais da época o uso de famílias de tipos (letras) diferentes em títulos na mesma página. “Era uma completa confusão, um negócio desagradável”, condena Souza (p. 24).

Porém, como se tratava se procedimentos estranhos ao jornalismo, Pompeu com

ajuda de Luiz Paulistano – chefe de reportagem -, passou a contratar jornalistas novos,

focas, que pudessem ser treinados. “Para implantar a nova técnica, foi buscar principiantes,

em vez de jornalistas viciados no velho estilo” (p. 25) 16. Assim, ele formou um quadro de

copy-desks iniciantes, embora com sólida formação cultural. Os focas vinham de várias

áreas, eram poetas, médicos, químicos, advogados. Por lá transitaram alguns dos principais

14 Revista da Comunicação, ano 08, N. 30, novembro de 1992. 15 Revista da Comunicação, ano 08, N. 30, novembro de 1992. 16 Revista da Comunicação, ano 08, N. 30, novembro de 1992.

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nomes do jornalismo brasileiro (2003, p. 85) 17, que passaram a trabalhar seguindo as

regras que Pompeu de Souza elaborou.

“Estudando a questão através dos livros de texto, dos manuais de ensino e tudo o mais dos Estados Unidos alguns dos quais tinham reprodução de style-books, sentei na máquina e resolvi fazer a adaptação do que me pareceu mais conveniente ao jornalismo brasileiro naquela variedade de style-books” [...] “Não criei nada: confrontei, via que uma coisa era interessante, outra não se aplicava ao Brasil, e assim, rejeitando umas coisas, incorporando outras, redigi o primeiro style-books da imprensa brasileira, que denominei de ‘Regras de Redação do Diário Carioca’” (p. 25).

No Manual constavam, entre outras coisas, a descrição do lead e as cinco perguntas

que devem ser respondidas, orientações quanto ao uso das aspas, incentivo ao uso de frases

curtas evitando adjetivações, enfim, apresentavam as linhas gerais do que chamamos

atualmente de “manual de redação”.

“Ocupar o primeiro parágrafo das notícias com: um resumo conciso das principais e mais recentes informações do texto, esclarecendo o maior número das seguintes perguntas relativas ao acontecimento: quê?, quem?, onde?, como?, e por que?;”(ver anexo A)

De acordo com Marques de Melo, as regras do Diário Carioca se tornaram a matriz

dos manuais contemporâneos, pois “ensino o jornalista escrever segundo um modelo que

corresponde à personalidade adotada pela empresa ou pelo veículo” (SILVA, apud. Melo,

p. 118).

Outro fator que ajudou a implantação destas mudanças foi o fato do Diário Carioca

ser um jornal pequeno. Com pouco espaço de publicação, exigia-se dos jornalistas uma

condensação maior dos conteúdos. Isso explica seu slogan: “O máximo de jornal no

mínimo de espaço”.

Nilson Lage, que na época começava sua carreira no campo jornalístico, comenta a

iniciativa do Diário Carioca em relação à introdução do, segundo ele, primeiro Manual de

Redação que a imprensa brasileira conheceu. A idéia do Manual, conta ele:

“É um texto sucinto, com normas técnicas e isento de discursos institucionais. Lá se resumiam as normas do texto noticioso estabelecidas no início do Século XX nos Estados Unidos como um esforço para conter o sensacionalismo que abalava a credibilidade dos jornais. A

17 Cadernos de Jornalismo: Diário Carioca: o máximo de jornal no mínimo de espaço. Rio de Janeiro. Secretaria Especial de Comunicação Social, p. 85, 2003.

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inspiração básica dessas normas é o uso corrente na linguagem falada, quando se conta um fato recente e notável” (2004, p. 24).

No entanto, já naquela época, a adoção de regras para o jornalismo encontrava

opositores ferozes como Osório Borba. Como conta Pompeu de Souza, Borba ficou

indignado com as mudanças. “Ele fazia comícios contra mim, na minha presença, não

ocultava não: discutia comigo, não me perdoava ter implantado ‘essa coisa’ no nosso

jornalismo...” (p. 26). Outro que não compreendeu foi o cronista Nelson Rodrigues, que

passou a chamar Souza de “o pai dos idiotas da objetividade!”.

Isso não impediu, porém, que outros jornais da época passassem a adotar – com

maior ou menor intensidade - algumas das técnicas já aplicadas pelo Diário Carioca, assim

como buscassem outros mecanismos para a sua adequação a sociedade de consumo que

estava dando seus primeiros passos.

Três anos após a implantação do style-book pelo Diário Carioca, em 1953, o jornal

a Tribuna da Imprensa de propriedade de Carlos Lacerda apresenta sua versão. Nos moldes

de um memorando interno, o manual tinha por objetivo atingir aos novos jornalistas de

forma a informá-los sobre os “mandamentos” do Jornal: “Todo “foca” ou mesmo

profissional experimentado que chega à “Tribuna da Imprensa” recebe logo uma espécie de

catecismo” (ver anexo B). Como descreve Silva, a preocupação do jornal era basicamente

com as mesmas coisas que Freyre havia pensado no início do século e que o Diário havia

implementado: eliminar os preciosismos, adotar uma linguagem mais curta evitando os

lugares-comuns. O Manual do Lacerda era mais simples que o do Diário, ainda que

procurasse disponibilizar instruções sob quase todos os aspectos do fazer jornalismo, como

a elaboração de títulos e subtítulos. “Faça-os curtos, suficientemente explícitos para serem

atendidos, suficientemente misteriosos para não dizerem tudo ao leitor, a fim de que êle se

interesse pelo texto”. (ver anexo B).

Segundo Silva, algumas expressões deveriam ser “condenadas” do jornalismo:

“voraz incêndio”, “feroz leão” ou “pequena multidão”. Mesmo adotando o livro de estilo,

sua influência nas transformações do jornalismo foi pequena, talvez porque a preocupação

exclusivamente de oposição ao governo de Getúlio Vargas tenha sido um dos motivos pelo

qual o jornal não teve maior participação nas transformações que o jornalismo estava

vivenciando na época.

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A influência jurídica de Nobantino ao primeiro manual da Folha de S. Paulo

Outro jornal que exemplifica bem a passagem para o jornalismo de mercado, mais

objetivo, e que tem o livro de regras como um dos instrumentos desta transição é o jornal

Folha de S. Paulo. A recuperação histórica que Glória Freinz desenvolve sobre a formação

do jornal Folha de S. Paulo lança luz sobre a implantação de documentos normativos na

imprensa paulista. Logo depois da fusão das Folhas da Manhã, da Tarde e da Noite que deu

origem a Folha de S. Paulo em janeiro de 1960, José Nobantino Ramos, então um dos

diretores do jornal, propõe um documento que normatizasse as práticas no jornal.

“Procedendo eu da advocacia, que se desenvolve sob a disciplina de normas, sentia, como

diretor do jornal, a falta de regras, tanto para o trabalho diário, como para reger as relações

do periódico com o meio que atuava” (KREINZ, p. 16-17. In: Ramos: p. 4). A partir disto,

José Nobantino Ramos buscou primeiramente organizar um “roteiro” que orientasse as

atividades, que foi chamado de “Programa de Ação das Folhas”. Tal programa seguia em

torno de quatro eixos: informação, opinião, colaboração e fonte de receita. Somado a este

roteiro, como destaca Andréa de Araújo Nogueira, Nobantino com o apoio de alguns

jornalistas da redação, elaborou as chamadas “Ordens de Serviço”, resultado das reuniões

diárias realizadas no jornal (NOGUEIRA, 2006, p. 01-11). Essas ações culminaram, em

1959, com a elaboração das “Normas de Trabalho da Divisão de Redação”. Documento

que se transformou no manual de redação das Folhas, adotado por um longo período. “Sua

atitude sempre foi pragmática, enfatizando a disciplina”, conclui Freinz (p. 17). A

formação jurídica de Nobantino Ramos se encaixou perfeitamente ao momento no qual o

jornalismo brasileiro passava por mudanças, pois diminuiu o laisse faire vivido pelas

redações.

Conclui-se que as ações em torno da produção de textos normatizadores oriundas

da década de 50 estavam articuladas com certa preocupação dos jornais em disciplinar e

racionalizar as atividades jornalísticas com vistas a deixá-las mais organizadas e ágeis.

Afinal, a imposição do tempo, a necessidade em noticiar antes dos concorrentes já se fazia

sentir, ainda mais se considerarmos que as disputas pelo leitorado (audiência) estavam

mais acirradas. O rádio e a televisão, como meios mais rápidos de transmitir informações,

se ajustavam mais facilmente a essa nova realidade, afinal a cultura literária nunca foi

plenamente desenvolvida na sociedade brasileira. A manutenção financeira dos jornais

dependia menos dos acordos políticos e/ou estatais e mais em investimentos publicitários.

“Era preciso, agora, anunciar produtos como automóveis e eletrodomésticos, além de

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produtos alimentícios e agrícolas. Em pouco tempo, os jornais passaram a obter 80% de

sua receita em anúncios” (p. 09). Isso obrigou, como destaca Abreu, os jornais a se

preocuparem com o número de leitores, “que as agências entregam anúncios aos veículos

de maior tiragem, que cobrissem as maiores áreas do território nacional” (p. 10).

Essa realidade se intensifica com o governo Jucelino Kubitschek. E neste sentido,

foi necessário pensar um produto mais sedutor que ampliasse o número de leitores e, por

conseguinte, de anunciantes. Fica evidente uma mudança na mentalidade gerencial das

empresas de comunicação. A década de 60 estabelece um novo modelo de organização,

mais rígido e eficiente. A presença do proprietário, do dono é substituída pelo gerente,

responsável por atingir os objetivos planejados. No caso do jornalismo, a parte comercial

ganha influência sobre a parte jornalística. O controle do espaço do jornal é definido pelo

centímetro-coluna, e a estruturação do texto a partir do fato mais importante facilita a

edição da matéria na medida em que possibilita a eliminação dos últimos parágrafos sem

perder a essência da informação caso entrasse um anúncio de última hora. Enfim, há uma

conseqüente especialização das tarefas, a adoção de rotinas vai sendo implantada e o

controle do processo de produção torna-se fundamental para a execução das atividades

jornalísticas. Neste sentido, a implantação de normas como forma de organizar a produção

responde a realidade de mudanças que se estabelece neste “novo jornalismo”. O jornalista

passa a ser enquadrado num formato mais rígido de produção, cuja velocidade e qualidade

são determinadas por critérios objetivos. A lógica do trabalho como missão, sem controle,

é substituída por outra, que compreende o trabalho a partir de seus resultados, mais

específico e delimitado. Alguns jornais, como a Folha de S. Paulo adota o padrão

centímetro por coluna como forma de estimular a produção. “Quem escrevesse mais,

ganharia uma compensação salarial extra” (ORTIZ, p.139). Reprimendas são definidas aos

descumpridores das regras. A lógica racional ancorada num crescente processo de

tecnificação e especialização passam a determinar o modo de funcionamento das empresas

de comunicação. O jornalista passa a ocupar um lugar definido na estrutura de produção.

Esta nova realidade exige a adoção de dispositivos de controle mais eficientes e

sofisticados, como os manuais de redação, que colaboram na delimitação destas funções

ajudando a posicionar o jornalista neste complexo cenário.

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As contribuições do JB na estruturação dos manuais de redação

As transformações operadas pelo Jornal do Brasil, entre o final dos anos 50 e,

especialmente, na década de 60, são pródigas em mostrar como este “novo jornalismo”,

mais industrial e mercadológico vai sendo forjado e como isso repercute no entendimento

moderno dos manuais de redação.

As mudanças tiveram início em 1956 e ocorreram basicamente no setor gráfico, no

modelo de organização editorial e na área cultural. A primeira grande alteração adotada

pelo jornal ocorreu com a publicação de uma foto na primeira página (FERREIRA, 1996,

p. 152-153). A capa que até então era destinada a anúncios e propagandas e algumas

pequenas manchetes, passa a ser ocupada basicamente pelo noticiário político. A

publicidade fica reduzida a uma pequena parte da página, garantindo mais espaço para a

informação jornalística. Ainda na parte gráfica, podemos destacar a supressão das linhas

que separavam as colunas. Era comum na época usar fios entre as colunas de textos com o

objetivo de não confundir o leitor, habituado com a simetria dos livros. As mudanças

gráficas adotadas pelo JB passam a modelar a apresentação de vários outros veículos. Na

parte editorial, o Jornal do Brasil intensifica as experiências de segmentação da Tribuna da

Imprensa criando Cadernos por assunto. O Suplemento Dominical e do Caderno B, de

circulação diária, voltado à cobertura de pautas relacionadas ao teatro, cinema e as artes em

geral, e o Caderno C, voltado exclusivamente à publicação de anúncios classificados, além

do suplemento semanal Livro, que abordavam temas voltados ao mercado editorial são

alguns exemplos desta nova configuração (GADINI, 2003, p. 60-62).

A contratação de Alberto Dines em 1962, como chefe de redação, não interrompe o

movimento transformador do jornal. Ao contrário, as mudanças se intensificam e se

consolidam, muito por conta das referências que Dines obteve em seu contato com o

jornalismo norte-americano e porque o JB apoiava essas inovações. Para se ter uma idéia

do compromisso do jornal com as mudanças, Dines passou - por conta do JB-, cerca de três

meses realizando cursos na Faculdade de Jornalismo em Columbia, além de visitar os

grandes jornais norte-americanos. Essa experiência contribuiu à implementação de vários

projetos voltados à valorização da técnica e da especialização, como o Departamento de

Documentação e depois na sua transformação num Departamento de Pesquisa e a adoção

dos Cadernos de Comunicação e Jornalismo. Sobre o Departamento de Pesquisa, Dines

relembra o seguinte: “Até então, o repórter saía para rua, antes passava lá na

documentação, pegava o material, lia para não sair ignorante sobre a matéria e pronto. A

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partir daquele momento o Departamento de Pesquisa começou a produzir matérias, a ser

uma produtora de matérias contextualizadas, referenciadas”. A organização e a

sistematização de documentos históricos contribuíram para a qualificação dos textos, na

medida em que conferia às matérias consistência. A partir disto, vários veículos de

comunicação adotaram esta idéia, entre eles a TV Globo que no início dos anos 70 institui

o seu departamento de pesquisa. A necessidade em conhecer mais e melhor os leitores

como forma de (re)orientação da produção midiática passou a ser valorizada.

Os cadernos de Jornalismo do JB

Somada a essa política de qualificação, o JB apresentou outro projeto, também

advindo das influências do jornalismo norte-americano. Tratava-se dos Cadernos de

Comunicação e Jornalismo. Segundo Dines, a inspiração para os Cadernos veio do The

New York Times, que na época fazia circular um documento interno chamado Winners e

Sinners (ganhadores e perdedores). “Era uma estratégia para a circulação interna em que

eles (os jornalistas do Times) discutiam em forma de crítica e de gozação os erros que

tinham saído no jornal, as gafes cometidas e demais brincadeiras” 18. O jornalista conta que

no JB a coisa aconteceu um pouco diferente. A idéia para os Cadernos era criar espaços

para o debate sobre jornalismo, algo inovador já que na época não havia uma cultura

interna à redação voltada a refletir sobre a própria produção. “Naquela época, você sentava

e escrevia, poucos escreviam e depois iam discutir o que havia sido feito”.

A partir dos Cadernos, houve certo esforço dentro do jornal no sentido de

compreender que a produção jornalística seria o resultado de critérios técnicos previamente

definidos e refletidos, ao contrário dos subjetivismos e impressionismos que existiam.

O prefácio da primeira edição, editado em 1965, demonstra os objetivos e o cenário

no qual esta publicação se inseria:

“Com estes pequenos cadernos estamos querendo, modestamente, iniciar o processo do aprimoramento técnico dos jornalistas”.

“Estão longe os dias do jornalismo empírico e subjetivo. Hoje, fazer jornal é uma ciência, como as demais, como todo o complexo mecanismo de comprovações, experiências, leis e princípios. Fazer o lead respondendo às 5

18 http://www.tvebrasil.com.br/observatorio/sobre_dines/memoria.htm . Visitado em 15 de março de 2008.

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clássicas perguntas há muito deixou de ser o principal segredo do jornalista” [...] “Neste mundo tumultuado e agitado, com uma revolução no campo do saber por dia, não podemos deixar que se confirme aquela afirmação do fotógrafo japonês, que nos disse recentemente com aquela honestidade oriental: ‘Há uma distância enorme entre o produto final do jornalista brasileiro, de grande qualidade intuitiva, e o índice cultural daquele que o executa’. Ele não queria apenas referir-se à cultura geral, cuja intensidade varia de acordo com cada jornalista, dependendo da intensidade com que ele considera o jornalismo uma atividade intelectual. Referia-se ele – e todos os que se preocupam com o problema - com a cultura especializada, técnica e profissional” 19 (grifo nosso).

Esta fala na abertura de um documento que pretendia apresentar reflexões e debates

sobre temas envolvendo a comunicação e o jornalismo a partir das experiências dos

próprios profissionais do campo releva, já naquele tempo, preocupação com a formação de

qualidade dos jornalistas e, principalmente, indica que tipo de formação seria essa. Sobre

isso, o texto indica a necessidade de uma formação específica, a partir de um conjunto de

técnicas e procedimentos profissionais especializados.

É desta época a regulamentação da profissão com a instituição da exigência do

diploma como condição ao exercício do jornalismo. Também deste período, a criação dos

primeiros cursos de pós-graduação em comunicação (PUC-SP, ECA-USP, ECO-UFRJ), o

que vem fortalecer as pesquisas em torno dos meios de comunicação. Há um significativo

desenvolvimento técnico-científico na área de comunicação e no jornalismo

especificamente. Para se ter uma idéia desta preocupação, José Marques de Melo, então

professor da ECA-USP e um dos primeiros pesquisadores da área, publica no início dos

anos 70, um livro chamado Normas de Redação de cinco jornais brasileiros, contendo as

regras para a redação dos principais jornais brasileiros. Trata-se de um compêndio das

regras que os jornais adotavam internamente. A proposta, segundo ele, era fazer circular

junto aos estudantes as regras que a imprensa estava se pautando20. Estes “Manuais”

tinham distribuição restrita, voltado especificamente para os jornalistas, agências de

publicidade e para algumas assessorias, ou seja, embora estivessem de alguma forma

presentes no cotidiano das redações e em espaços correlatos, não tinham uma dimensão

pública.

19 Cadernos de Comunicação e Jornalismo. Jornal do Brasil. Ano 0I, N. 0I, maio de 1965. 20 Entrevista concedida ao autor em 10 de novembro de 2005.

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Outra conseqüência da publicação dos Cadernos de Jornalismo que contribuiu para

o entendimento sobre os manuais de redação é justamente o fato de tornarem público os

modus operante das redações. Até então, as práticas jornalísticas quando muito se

tornavam objeto de debates entre editores e repórteres. A idéia adotada pelo Caderno,

ainda que talvez não propositadamente, disponibilizou publicamente as regras do jogo

ampliando o acesso21, mesmo que sua circulação estivesse restrita a bibliotecas e

faculdades de comunicação.

Os Cadernos evidenciavam um interesse crescente em falar e pensar sobre o

jornalismo, principalmente a partir dos produtores, do mercado. Na realidade, os Cadernos

trataram criticamente o jornalismo a partir dele próprio, algo ousado até para os dias atuais.

De toda forma, a partir dos Cadernos, o jornalismo – essencialmente empírico – passa a ser

refletido teoricamente. Neste sentido, se considera a existência de uma técnica e de uma

teoria e, desta forma, a importância em se pensar sobre aquilo executado no mundo das

redações. Assim, a formatação das experiências do campo profissional dos jornalistas a

partir da sistematização de manuais pode ser considerada, em alguma medida, o

reconhecimento da necessidade em organizar os conhecimentos acumulados em forma de

livro. Resguardadas as diferenças (forma, conteúdo, objetivos) entre estes dois momentos

de produção literária sobre o campo jornalístico a partir do próprio campo, (a experiência

dos Cadernos quanto o percurso de organizar as regras em forma de livro), indica certo

movimento no sentido de estruturar e consolidar o campo do jornalismo.

O Jornal do Brasil publica os Cadernos até 1973, momento que coincide com a

saída de Dines da direção do jornal.

Antes de avançar para a fase contemporânea dos manuais de redação cabe destacar

que a história moderna do jornalismo brasileiro está relacionada mais a iniciativas de

profissionais do que pela vontade exclusiva das instituições. Gilberto Freyre, Pompeu de

Souza, Alberto Dines são exemplos de personagens que comprovam esta ligação. Cada um

a sua maneira, cada um ao seu tempo, eles participaram ativamente das principais

transformações do jornalismo do País.

21 Segundo Dines, foi através dos Cadernos que surgiu a idéia do Observatório da Imprensa, programa de televisão exibido pela TV Cultura que tem por objetivo refletir a produção midiática.

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Os manuais chegam aos leitores

Com a distensão do regime militar no início dos anos 80, através da suspensão dos

atos institucionais, o jornalismo retoma gradualmente sua presença nas discussões políticas

e sociais, mas agora trazendo os sintomas de uma economia de bens culturais em pleno

desenvolvimento, onde a notícia é tratada como “produto” (MEDINA, 1988). “A Folha

considera notícias e idéias como mercadorias a serem tratadas com rigor técnico” 22. A

preocupação econômica fica mais latente a partir da crise do petróleo e a corrente

inflacionária que toma conta do Brasil a partir de 1973. Pesquisas de mercado, aferição de

audiências entre outros modelos de coleta de dados são mobilizados para orientar o

mercado de bens culturais e seus produtos. A publicidade avança para assumir sua

condição de mantenedora dos jornais, comprimindo paulatinamente os espaços

jornalísticos.

“Os jornalistas foram obrigados a produzir textos mais curtos, a escolher títulos sintéticos, (...). Proliferaram as colunas de notas curtas, que têm um número elevado de leitores. (...) Na transmissão da notícia, foi aforado um padrão de texto impessoal, seco, descritivo, rigoroso, no sentido de não expressar juízo de valor” (ABREU, 2002, p. 30).

É neste ambiente de crescente racionalização da produção noticiosa, agilidade

operacional que, em 1984, o jornal Folha de S. Paulo, pelas mãos de Cláudio Abramo,

executa uma ampla reforma editorial e gráfica, que culmina com a publicação do primeiro

Manual de redação e estilo voltado não somente aos profissionais, mas também ao público

em geral, o Manual Geral da Redação, avançando para um novo estágio na forma de se

fazer jornalismo: o chamado jornalismo de mercado. As diferenças entre as iniciativas

anteriores de regramento das redações para essa proposta da Folha, além do fato do

Manual passar a circular em espaços exógenos ao universo jornalístico, estão na forma em

que se dá a implantação deste manual e principalmente as reações advindas de sua

introdução.

Embora possa parecer, por uma série de relatos, muitos dos quais reproduzidos

aqui, que o jornalismo já se encontrava totalmente ajustado às lógicas de mercado, de

racionalização e mecanização provenientes de uma série de mudanças técnico-tecnológicas

22 http://www1.uol.com.br/cgi-bin/bibliot/arquivo.cgi?html=manual&banner=bannersarqfolha . Visitado em 28 de março de 2008.

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adotadas até aquele momento (modernização dos parques gráficos, introdução do sistema

de computadores, maior segurança na transmissão de dados, fax, telex, regulamentação

profissional entre outros fatores), isso não reflete a real situação, como as reações de

desagravo dos repórteres da Folha de S. Paulo quando da introdução do projeto editorial e

principalmente no seu primeiro manual realmente público de redação. Esse momento é

recuperado em detalhes por Carlos Eduardo Lins e Silva em seu trabalho de livre docência

quando discute as estratégias adotadas pelo jornal Folha de S. Paulo na busca em se tornar

o principal jornal brasileiro.

A Folha de S. Paulo passa a adotar um sistema de controle da produção, mais

eficiente e rigoroso sustentado na definição de objetivos e metas a serem alcançadas por

todos os empregados do Jornal. Tal sistema estaria baseado, como conta, em dois

pensadores: Lee Iacocca e Robert Mager que tiveram forte influência na direção do jornal

(1988, p. 135-144). A idéia baseada nestes dois intelectuais liberais é que, em definindo os

objetivos, os empregados estariam obrigados a prestar contas sob seu trabalho. Neste caso,

isto era realizado trimestralmente a partir de vários mecanismos, entre eles um controle

quantitativo de erros (gramaticais) cometidos por editoria e por jornalista. A publicação do

Manual Geral da Redação também é um dos balizadores desta sistemática: “O Manual

Geral da Redação da Folha tem a função de definir o método e os procedimentos práticos

que sua direção considera apropriados para atingir os objetivos através do projeto” (p.

117. Grifo nosso).

Mas foi a exigência de seu cumprimento que detonou várias reações de desagravo

na redação a ponto de os jornalistas e o Sindicato se manifestarem tanto através do jornal

da entidade quanto em reuniões e abaixo-assinados reclamando à direção do jornal pela

forma como o manual de redação estava sendo implantado. Essas reações, para Lins e

Silva, se devem a vários fatores, entre eles a uma politização da questão. A redação

encaminhou documento à direção do jornal apontando algumas dificuldades que a

aplicação do manual estava provocando como a perda da liberdade de expressão. O

Sindicato dos jornalistas de S. Paulo, por sua vez, publica em seu jornal matéria

destacando as “pérolas” do manual, numa tentativa de mostrar as suas fragilidades (p. 125-

126). Segundo Lins e Silva, muitos dos “insurgentes” eram formados por jornalistas mais

antigos, avessos a regras e normas que o jornal buscava implantar.

Apenas a título de ilustração, pois não se trata do modo de apropriação que estamos

estruturando, estas reações demonstraram de forma clara situações de descompasso entre

os usuários e os manuais de redação como ocorreu quando Freyre tentou implantar seu

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manual no início do século XX. Como vimos naquela oportunidade o manual não foi

adotado pelo conjunto da redação. As referências - de caráter histórico - mobilizadas por

Lins e Silva com o objetivo de evidenciar as reações de desagravo dos jornalistas ao

manual nada mais são que descompassos entre as ofertas e as apropriações de manuais de

redação. Descompassos baseados em reações de ordem ideológica em decorrência da falta

de compreensão das mudanças que o jornalismo estava sofrendo e até mesmo pela forma

autoritária de implantação, especialmente no caso deste primeiro Manual Geral da Redação

da Folha de S. Paulo. Ou seja, independendo de quais motivos, havia uma evidente

distância entre aquilo que estava sendo definido pelo jornal e seus modos e a realidade dos

jornalistas, algo que se procurou superar nas edições seguintes, como foi reconhecido.

Após essas reações, os jornalistas passaram a utilizar o Manual de redação de forma

mais efetiva, sendo que em 1987, a Folha lança a segunda versão, ampliada e mais flexível.

Nesta direção, vários outros jornais investiram em manuais próprios ou incorporaram de

outros jornais 23 compartilhando padrões de estilo (redacional e gráfico) e éticos (conduta).

Passados mais de 20 anos do aparecimento público do primeiro livro de regras e normas

e sua conseqüente proliferação, os manuais de redação ainda permanecem obscuros ao

mundo acadêmico, como podemos ver no levantamento do estado da arte do objeto.

23 Quando os manuais de redação passaram a ser disponibilizados ao grande público, e não apenas aos profissionais das empresas, eles assumem dimensão externa por assim dizer, agindo como instrumentos que ajudam os leitores a vigiarem os jornais e jornalistas.

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3. Vozes acadêmicas sobre o objeto “A padronização redacional uniformiza o fato da cor do

jornal, subtrai-lhe qualquer traço insubordinado e o domestica.” (MARCONDES FILHO, 1989, p. 49)

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O propósito mais geral deste capítulo é pontuar contribuições que destacaram os

manuais de redação como seu objeto de pesquisa. Contudo, em função da carência de

estudos mais específicos sobre manuais de redação brasileiros, ampliamos nosso recorte,

considerando não apenas livros e trabalhos acadêmicos (tese, dissertações e artigos), mas

também, referências diretas publicadas em obras correlatas, ou seja, autores preocupados

em pensar as agências de notícias e sua relação com as rotinas de produção, eventualmente

podem mencionar manual de redação. Além disso, com este levantamento, buscamos

construir um lugar original para o problema desta pesquisa.

Já no primeiro contato com estes materiais, nos deparamos com uma

intelectualidade dividida, com posições relativamente diferenciadas sobre manuais de

redação. Uma destas posições procurava destacar os problemas que a utilização de manuais

de redação provocaria no processo de elaboração do jornal. A declaração de Oswaldo

Coimbra é ilustrativa deste movimento. Para ele, os manuais “constituem numa espécie de

camisa de força, útil para a contenção (grifo meu) de alguém que queira experimentar seu

próprio fôlego na elaboração de seu estilo”. Por outro lado, destacava sua funcionalidade

ao afirmar que eles “[...] servem de apoio a quem precisa escrever para jornais [...], como

as gramáticas, os dicionários” (RODRIGUES, 2003, p. 125). A capacidade intelectual dos

jornalistas estaria fortemente comprometida pela rigidez normativa imposta pelos livros de

regras, assim como a produção das notícias estaria inevitavelmente determinada por

modelos que, em última análise, serviriam aos interesses do capital econômico.

Os trabalhos de Ciro Marcondes Filho e Cremilda Medina realizados na década de

80 especialmente, tendo por objeto as relações dos mídias como sistema econômico-

político colaboram essa perspectiva, digamos, mais apocalíptica. Ciro Marcondes Filho,

por exemplo, identifica na produção jornalística da época, crescente redução do repertório

lingüístico e a fragmentação das matérias como alguns dos fatores do empobrecimento do

texto jornalístico. “O jornal restringe o número de termos de seu uso diário através de

manuais de redação, que, mais além, passam a funcionar na cultura e na sociedade em

que são hegemônicos como fontes normativas da linguagem efetivamente falada ou

escrita” (MARCONDES FILHO. 2000, p. 34). Para ele, o uso de manuais de redação

limita o repertório dos jornalistas, restringindo por sua vez o espectro cultural dos leitores.

Por outro lado, encontramos autores que tendiam a compreender os manuais de

redação como instrumentos de qualificação da produção jornalística, na medida em que

auxiliavam os jornalistas na elaboração noticiosa. Neste sentido, a sistematização das

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regras e das normas do mundo profissional em forma de manual contribuiria para aumentar

a qualidade das notícias, tornando-as mais claras, diretas e seguras. Para José Marques de

Melo, o manual de redação estabelece em suas regras “[...] a composição de relatos

rotineiros. Ou seja, para a informação geral, noticiosa, geralmente impessoal.”

(RODRIGUES, p. 132). Já o professor Nilson Lage, ao focalizar a linguagem

propriamente, afirma que os manuais contribuem para orientar os jornalistas novos,

agregando decisões diárias (RODRIGUES, p. 134). Ambos têm claro que os manuais nas

redações auxiliam no trabalho dos repórteres. De forma geral, esta posição otimista via nos

manuais de redação um importante instrumento na criação da identidade do jornal, além de

participar qualitativamente da redação das notícias.

No entanto, a partir de meados dos anos 80 do século XX, a pesquisa na

comunicação no Brasil começou a apresentar avanço para além destas visões dicotômicas,

procurando compreender os fenômenos midiáticos em sua complexidade. Este

“movimento” agregou outras abordagens, ampliando os estudos na área. Isso proporcionou

um salto qualitativo e quantitativo na pesquisa científica do campo24.

Um dos primeiros artigos específicos sobre manuais de redação foi publicado em

1993, a revista de jornalismo Pauta Geral por Sônia Aguiar. Na oportunidade, a autora

discute, a partir de referências das teorias semiológicas, as estratégias adotadas pelas

instituições através dos manuais de redação. Para tanto, ela destaca quatro manuais de

redação (JB, O Globo, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo), para demonstrar que

estes instrumentos normativos não apenas determinam à conduta dos jornalistas através de

seus modos de ação, mas também definem “o modo de construção dos enunciados e da

organização do discurso com seus vários elementos intertextuais, submetendo-se a razões

morais, epistemológicas, jurídicas, políticas, econômicas e tecnológicas dominantes em

cada contexto social” (1993, p. 32). A autora concluiu afirmando que mesmo tendo essa

influência sobre a produção jornalística, os manuais de redação não têm poder “absoluto”,

pois o processo de produção no qual o manual faz parte compõem-se por um conjunto de

partes relacionadas voltadas para a publicação do jornal. Ou seja, o manual é apenas uma

parte do processo, que possui variações de acordo com os interesses de cada instituição e

24 Para isto, basta ver o aumento de encontros científicos da área, numa tendência de particularizar os estudos, além do aumento no número de participantes. Sem falar no aumento de programas de pós-graduação em comunicação. Contudo, para dados mais precisos sobre essa realidade é necessário realizar levantamento da quantidade de publicações bem com seus conceitos.

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de cada período. Desta forma, ela analisa os discursos de cada manual considerando

aspectos de contexto.

A mesma revista publica dez anos mais tarde, em 2003, resenha de Giavandro

Ferreira. O autor, a partir da noção de contrato de leitura de Eliseo Verón, analisa

rapidamente na época o novíssimo manual de redação do jornal francês Le Monde

Diplomatique. Entre as características estruturais destacadas, ele afirma que o manual –

como os manuais brasileiros -, dá ênfase para os aspectos da língua, da ética, além de

colocar uma lista de siglas e fichas com dados sobre países. Somado a isso, o manual atrás

ainda tópico sobre a “fórmula” ou princípios adotado pelo jornal, bem como a relação com

as imagens. Do ponto de vista do discurso jornalístico, a noção de objetividade não é

valorizada pelo manual. Segundo ele, o manual defende uma cobertura jornalística mais

cidadã, cívica. “O mote da atividade jornalística, segundo a ótica do livro de estilo, é

calcado na ação de informar mais honestamente, mais rigorosamente e mais

completamente possível seus leitores”. Ele conclui que o jornal procura estabelecer um

“contrato de leitura” com seus leitores a partir do manual de redação, definindo relações de

confiabilidade e exatidão (p. 281-293).

Um das primeiras teses de doutorado que teve por objeto os manuais de redação, foi

realizada por Mônica Caprino em 2001. Com o nome Questão de Estilo – Estudo sobre o

texto jornalístico e os manuais de redação. O estudo baseou-se na técnica de Análise de

Conteúdo procurando compreender nos manuais de redação, o estilo jornalístico adotado

durante o século XX, suas fases e características principais. Seu foco esteve centrado no

texto dos jornais, cujos manuais de redação são seus principais matizes. Para tanto, ela

procura articular as técnicas da análise de conteúdo dos jornais, com uma reflexão sobre a

elaboração de alguns dos principais manuais de redação em vigor, além de proceder a

entrevistas junto aos responsáveis pela produção dos manuais25. O destaque de sua

pesquisa foi comprovar que os manuais de redação não podem ser vistos como “camisas de

força” da produção jornalística, embora funcionem “como padronizadores de estilos

particulares e orientam, até mesmo fora do ambiente da redação, a produção textual”

(2001, p. 79).

Filiada na mesma técnica analítica de Caprino, a dissertação Tirando o manual do

automático, de Patrícia Patrício de 2002, analisa o conteúdo dos manuais de redação de

25 Agradecemos a Mônica Caprino pela autorização em utilizar as entrevistas realizadas em 2001 com Eduardo Martins (O Estado de S. Paulo), Luiz Garcia (O Globo), Carlos Eduardo Lins e Silva (Folha de S. Paulo). Tais entrevistas nos ajudaram a melhor compreender a posição dos autores sobre os manuais, bem como os contextos de produção.

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quatro dos principais veículos impressos brasileiros. Os jornais O Globo, Folha de S.

Paulo, O Estado de S. Paulo e o da editora Abril, que concentra a produção das maiores

revistas do Brasil – Veja, Capricho, entre outras. Ela mobiliza referências teóricas baseadas

principalmente em Junger Habermas e a Teoria do Agir Comunicativo “Vamos nos deter

sobre essa essência normativa, presente no texto dos manuais e nas consciências dos

jornalistas, e questioná-la, pois a idéia da objetividade, um dos postulados mais

importantes dos manuais, faz parte de uma visão de mundo contestada pelos cientistas”

(2002, p. 05). Neste trabalho, a autora procura identificar contradições. Em cada manual.

Para tanto, ela analisa algumas palavras-chaves que definem o modo de produção da

notícia, como objetividade, neutralidade, isenção, ética, relação com as fontes entre outras

e as tensiona com normas, procurando contradições, paradoxos, ambigüidades. Ao fazer

isso, se depara com uma série de questões problemáticas do próprio jornalismo, muitas das

quais sem solução a vista, e que naturalmente algumas estão internalizadas nos manuais de

redação. É certo que o foco da discussão se restringe às definições dadas exclusivamente

pelo manual e a partir daí se realiza as análises. Esta perspectiva, baseada numa certa teoria

que tende a desconsiderar as relações articuladas entre o dispositivo e os sujeitos, ou seja, a

processualidade existente em toda relação produto – consumo. Com isto, o estudo toma os

manuais de forma estanque ainda que analise as variações históricas de cada edição e

estabeleça um comparativo entre elas. Esta talvez seja a principal contribuição para o

objeto deste trabalho.

Já a pesquisa realizada por Francisco Gonçalves da Conceição para a sua tese de

doutorado pode ser considerada referência nos estudos sobre os manuais de redação. O

pesquisador, a partir de influências semiológicas, procurou compreender as estratégias

discursivas presentes em três manuais de redação da grande imprensa brasileira,

reconhecendo, primeiramente, a necessidade em se avançar para além das posições

restritivas apresentadas. Ele afirma:

“É preciso renunciar às grades corporativas e dicotômicas em que esse debate foi muitas vezes confinado e apreendê-lo no interior da movimentação histórica que posiciona os jornais em relação aos segredos do poder. Nas disputas entre profissionais e gestores pelo controle do processo de produção das informações. (...) A redução do papel dos manuais na estruturação do campo de significação das notícias e a restrição do debate a profissionais de jornalismo e gestores da comunicação, embora justificados pelo contexto da época, contribuíram para minimizar os

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efeitos da racionalização estratégica empreendida pelas organizações jornalísticas” (2005, p. 10-11).

A posição do autor alerta para a necessidade de reposicionar os manuais de redação

num contexto onde a produção jornalística não estaria comprimida exclusivamente pelas

pressões ideológicas dos gestores, mas também pelas relações internas estabelecidas a

partir de tensões, acordos e disputas entre os vários sujeitos envolvidos no processo de

produção. Neste sentido, tanto os interesses sistêmicos mais amplos, quanto às demandas

dos profissionais definem os modos como o produto jornalístico será realizado. Conceição

considera que os manuais de redação participam, no conjunto da produção jornalística,

anunciando estratégias de ocupação e consolidação de um espaço discursivo sempre

concorrencial. “As políticas discursivas dos jornais, das quais os manuais são produto e

instrumentos, não são indiferentes a essa idéia. A padronização e a normatização dos

procedimentos estilísticos, lingüísticos e editoriais estão voltadas para a produção de uma

identidade pela qual o jornal possa ser reconhecido como agente social” (p. 16). Assim, o

manual de redação assume a autoridade de dizer como fazer, neste caso o jornal,

reivindicando a autoridade de poder dizer e, portanto, dar, a saber, quais sentidos e como

serão utilizados. Este é um dos motivos pelos qual o autor seleciona apenas três manuais de

redação (O Globo, O Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo), já que ele pretende - em

comparação – compreender as disputas empreendidas via manual de redação pelos jornais.

O estudo de Francisco Conceição contribui significativamente na compreensão dos

manuais de redação como dispositivos enunciadores dos modos como os gestores da

informação disputam o espaço público. Em artigo de 2005, Conceição reitera

resumidamente as conclusões alcançadas em sua tese (CONCEIÇÃO b, 2005, p. 155-184).

A partir desta revisão da literatura verificamos, como se nota, reduzido número de

pesquisas que elegeram os manuais de redação como objeto central. No nosso entender,

isso se explica por certa visão restritiva de forte teor ideológico. Esta perspectiva tendia a

considerar os manuais de redação como simples instrumentos limitadores da capacidade

criativa dos jornalistas, e ao fazerem isso, destacam a interferência ideológica na produção

das notícias. Neste sentido, os estudos procuravam denunciar o poder estandartizante dos

mídias. Tal concepção era resultado das influências teóricas que as ciências da

comunicação no Brasil viveram entre as décadas de 70 e 80 especialmente, afinadas com

as proposições da Teoria Crítica, escola teórica que dominou as interpretações sobre os

fenômenos comunicacionais. Como diz Mauro Wolf, o campo científico, assim como

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outros campos sociais, está sujeito as influências, as modas de cada época (MATELLART,

2002). “Uma das constatações apresentadas neste livro (Teorias da Comunicação) é que a

história e a evolução da comunication research têm sido também profundamente

influenciados pelo tipo de teoria comunicativa dominante” (WOLF, 1994, p. 98).

Esse modelo teórico (Crítico) tendeu a considerar os manuais de redação em

substituição aos meios nos quais eles estavam vinculados, buscando comprovar ou negar as

posturas ideológicas defendidas por cada grupo midiático, evidenciando as estratégias de

formação de uma cultura de massas, estandartizada e conseqüentemente alienada dos

processos de produção. Neste sentido, voltava-se a denunciar os produtos culturais

massivos, neste caso os manuais de redação, como instrumentos a serviço do capital

cultural, alienando26 a produção de qualquer valor subjetivo, reificando as produções

artísticas a padrões industriais. A discussão apresentada por Edgar Morin num clássico

estudo sobre a cultura de massa no século XX demonstra como a produção cultural a partir

da tecnificação contribui para formar uma sociedade massiva: “A concentração tecno-

burocrática pesa universalmente sobre a produção cultural de massa. Donde a tendência é a

despersonificação da criação, à predominância da organização racional de produção

(técnica, comercial, política) sobre a invenção, à desintegração do poder cultural”

(MORIN, 1987, p. 25). Neste sentido, os processos técnicos estariam obscurecendo a

participação dos sujeitos na estruturação dos produtos, relegando a produção intelectual a

modelos que visassem exclusivamente à multiplicação de bens culturais objetivando

consumo fácil e fugaz, massivo, portanto. Os manuais de redação atuariam como

instrumentos técno-burocráticos no espaço, da produção jornalística, voltados a transferir

e/ou diminuir a capacidade intelectual dos jornalistas em decidir como e quando fazer, para

os proprietários e as lógicas econômicas definidas pelo sistema capitalista.

Estamos procurando, para além destas perspectivas apresentadas, evidenciar a

condição complexa dos manuais de redação no contexto da produção noticiosa, não como

correia de transmissão dos ideais das instituições, tão pouco como um objeto decorativo

das redações, mas sim como parte de uma sofisticada estrutura chamada jornal. Neste

sentido, como define Braga; “(...) é preciso pensar que os processos geram estruturas tanto

quanto as estruturas se realizam em processos. Não podemos estagnar na perspectiva de

que conhecendo as estruturas, podemos dizer os processos que estas desenvolvem. É

26 Do latim, alienare. Transferir para outrem o domínio de; tornar alheio.

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preciso também observar processos em ação para melhor compreender a própria

formação das estruturas” (BRAGA, 2006, p. 30-31).

Outro aspecto distintivo deste trabalho das pesquisas até aqui realizadas tendo

manuais de redação como objeto, reside no fato de que estamos considerando as interações

entre os manuais de redação e seus usuários, e que tais interações remodelam em alguma

medida as lógicas do produto aos interesses de seus receptores. Desta forma, nosso estudo

deixa de considerar exclusivamente as lógicas internas dos manuais de redação, para

pensar de uma perspectiva pragmática as operações realizadas pelos jornalistas no espaço

das redações.

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4. Quadro conceitual sobre

o objeto/problema

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Para dar conta de caracterizar meu problema, anuncio alguns pressupostos na

tentativa de avançar sobre certa visão que tem relegado os manuais de redação a condição

de instrumentos estanques de regras e normas jornalísticas com o objetivo de conformar as

ações dos jornalistas. Essa visão instrumental e linear tem definido os manuais como

suportes a serviço dos interesses de certa lógica jornalística, neste caso exclusivamente

empresarial ou quando muito, a perspectivas exemplificadoras dos ideais jornalísticos. No

sentido de superar esses olhares, devemos problematizar o objeto considerando a

complexidade dos processos nos quais eles (manuais) estão inseridos e pelos quais são

formados. Nesta medida, devemos tomar os manuais de redação inseridos nas disputas de

estruturação de certo campo técnico-profissional chamado jornalismo por um lado e por

outro na sua condição de dispositivos que, ao serem apropriados pelos jornalistas, circulam

dentro do sistema midiático determinado, no caso jornal, articulando relações entre agentes

produtores da notícia e os produtos.

A contribuição deste capítulo é tentar demonstrar conceitualmente que o manual de

redação é um objeto mais complexo que a noção de suporte faz crer. Além disso, que o

manual de redação disputa com outros dispositivos a capacidade de definir as lógicas do

campo jornalístico como veremos a seguir.

A teoria dos campos sociais e os manuais de redação

Com este capítulo retomaremos de forma relativamente diferente debate realizado

quando da apresentação do problema da pesquisa no início deste trabalho. A idéia, desta

feita, é apresentar discussão sobre formação dos campos, especialmente o jornalístico, no

qual os manuais de redação, a nosso ver, desempenham papel singular tanto como

conseqüência quanto participante dos processos que o estruturam.

Numa perspectiva macro, o sociólogo francês Pierre Bourdieu apresenta o conceito

de campo como um ‘recurso’ metodológico, como uma forma de “indicar uma direção à

pesquisa”, que busca se diferenciar por um lado da excessiva formalização dos

estruturalistas (radical autonomização), e por outro do reducionismo marxista “empenhado

em relacionar diretamente as formas artísticas com as formas sociais”. Pois, segundo o

autor, estas duas correntes de pensamento ignoravam o fato de o campo da produção ser

um campo social de relações objetivas (1998, p. 64). Neste sentido, a noção de campo não

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está definida pelo espaço físico, mas sim como sendo um espaço de disputas entre atores e

instituições que lutam via suas práticas para a manutenção e ampliação da suas

participações em sociedade, ou seja, como um campo de forças.

Desta forma, a noção de campo oferecida pelo sociólogo apresenta a capacidade de

relacionar objetos relativamente autônomos entre si, além de colocá-los num nível de

relativa autonomia, que permite formar analogias, sem, com isso provocar prejuízos a

essência - histórica e estrutural - dos objetos relacionados.

“As transferências metódicas de modelos baseados na hipótese de que existem homologias estruturais e funcionais entre todos os campos, ao invés de funcionarem como simples metáforas orientadas por intenções retóricas de persuasão, têm uma eficácia heurística eminente, isto é, a que toda a tradição epistemológica reconhece à analogia” (66-67).

A estruturação do campo parte, portanto, da definição dos elementos constitutivos

do próprio campo em relação aos elementos objetivos externos a ele. Ele reconhece, neste

processo, tensionamentos internos e externos ao campo, construindo certo movimento

relacional e conflituoso, fator que permite à estruturação do campo como um espaço

autônomo e historicamente constituído. Ou seja, o campo e as regras que o co-determinam

estão em permanente processo de (re)elaboração. Outra característica que determina a

formação de um campo social enquanto um espaço relativamente singular de relações é sua

capacidade de, ao se diferenciar dos outros campos, constituir suas especificidades. Esta

condição é elaborada pela definição de regras e normas adquiridas pelos sujeitos

internamente ao campo, o que Bourdieu chama de habitus. Trata-se, para ele, de modos de

ação adotados pelos sujeitos e adquiridos a partir do senso prático. Algo que não está

definido por nenhum cálculo previamente definido ou alguma regra do tipo jurídico, mas

sim quase jurídico que, a partir da repetição e do compartilhamento entre os sujeitos, forma

um modo específico de agir, definida por uma ação quase consciente dos agentes. Assim, a

partir de um processo de secularização, as regras e a normas adquiridas através do habitus

organizam as ações práticas dos agentes do campo. Portanto, o habitus nada mais é que

estruturas estruturadas tomadas por estruturas estruturantes. Para Bourdieu, não dá para

pensar a gênese da formação dos campos sociais e simbólicos sem estarem relacionados à

idéia de habitus. Para ele, ambos os conceitos estão indissociáveis e mutuamente se

explicam. Clóvis de Barros Filho, num ensaio sobre a estruturação das relações dos

internos do campo jornalístico, esclarece:

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“O habitus de um ator social é estruturado por posições sociais, constitutivas de um campo qualquer, incorporadas em forma de disposições. O campo, por sua vez, é estruturado por posições sociais em deslocamento definidas e redefinidas por tomadas de posição, ações decorrentes de um senso prático e observadas enquanto posições sociais. Ora, campos e habitus são, como diz Bourdieu, reciprocamente estruturados e estruturantes” (BARROS FILHO, 2003, p.12, grifo nosso).

Percorrendo outro caminho, Rodrigues (2000) também reconhece a importância da

noção de Campo como forma de compreender as dinâmicas sociais contemporâneas. Para

tanto, ele parte de elementos históricos da Modernidade e da Racionalidade, para definir a

gênese do campo entre agentes e instituições. Assim como Bourdieu, Rodrigues

compreende que a formação do Campo se dá num crescente processo de autonomização e

secularização da experiência intersubjetiva, numa superação da forma tradicional de

fundamentar a “crença e a confiança na apreensão sensorial do mundo natural, nas

regularidades constitutivas da legitimidade das experiências subjetivas e intersubjetivas, a

modernidade pretende apelar para a indagação crítica metodicamente conduzida”. (p. 189).

Entretanto, como o próprio Rodrigues acentua, trata-se de um processo inacabado, já que a

racionalidade moderna não dá conta de perceber domínios outros da experiência

tradicional, como a experiência da língua e a afetiva. Na modernidade, a fundamentação

racional das explicações das experiências se instalou em outros caminhos que estão para

além dos saberes tradicionais. “O saber moderno visa à explicação dos fenômenos, à

formação das regras do seu funcionamento e à compreensão da sua organização, em vez de

explicações herdadas da tradição” (RODRIGUES, 2000, p. 190).

Por conseqüência aparece a figura do especialista, com competências específicas

que atuam sobre determinado campo e que, ao atuarem sobre ele, definem regras e

procedimentos que colaboram para instituir as regras e os valores do próprio campo.

Rodrigues recupera na história das ciências o aparecimento das universidades no fim da

Idade Média para demonstrar a relação que há entre a formação de competências

específicas com o processo de autonomização do campo. “É impossível compreender a

autonomização dos campos sociais sem o desenvolvimento das ciências modernas e o

aparecimento das especializações científicas” (p. 190). A comparação que Rodrigues

oferece entre especialistas e sábios demonstra este movimento de autonomização. Os

especialistas são dotados de conhecimentos exotéricos, ou seja, sobre a generalidade das

experiências que são adquiridas por todos, como no ambiente escolar, por exemplo. Já em

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relação aos sábios, a troca de experiências (conhecimento) está restrita a poucos, limitando

o conhecimento aos iniciados do campo. Portanto, esta competência esotérica - a dos

especialistas -, possibilitou a estruturação de regras internas aos domínios do próprio

campo. Facultou igualmente que formulassem discursivamente regras para influir em

outros campos sociais. A função discursiva, portanto, é importante na estruturação do

campo, pois é a partir dela que a formulação de regras internas e as relações entre os

campos se materializam, distinguindo os campos entre si, o que ocorre somente a partir da

distinção do mundo pragmático do mundo discursivo. A modernidade fundamenta-se,

segundo Rodrigues, “na distinção (...) entre os valores de adequação do discurso e os

valores de eficácia técnica, entre a esfera da palavra e a esfera da ação” (2000, p.190).

Assim, um campo social não existe sem a sua simbólica própria, pois é ela que torna

público suas especificidades e mantém em relação a si e aos outros (externos) suas

características limitando a participação. O discurso está para o campo como “um sistema

de mecanismos ambivalentes que asseguram, por um lado, a sua visibilidade externa, mas,

por outro lado, restringem seu domínio aos detentores legítimos das suas marcas e dos seus

rituais” (p.197).

Assim, o domínio e a elaboração de uma simbólica própria garantem autonomia

para intervir em outros campos, bem como incentiva a luta em manter suas

particularidades. Por exemplo: o campo religioso institui para si e conseqüentemente para

outros campos sociais, lógicas que, ao serem adotadas pelos seus membros e tornadas

públicas, garante à permanência e a adesão de indivíduos que, para tal, devem se

comprometer a seguir as regras internas do campo como elemento de sua coexistência. O

celibato, a fidelidade, o reconhecimento da existência do Criador, o domínio/conhecimento

do protocolo religioso, são exemplos que mantém os membros do campo religioso

relacionados entre si. Ao fazerem isso, instituem limites ou barreiras que dificultam ou

impedem o acesso de agentes externos ao campo, além de, simultaneamente, tensionam os

outros campos sociais à suas práticas. A tensão entre o campo religioso e científico sobre a

origem do mundo é um dos exemplos de embates que tanto limitam o acesso como

garantem especificidade aos campos em disputa. Assim, a competência simbólica, ou seja,

a condição de dizer e de como dizer, portanto, o discurso é igualmente fundamental para

garantir a existência de campo enquanto espaço socialmente definido. Neste sentido e a

partir da emergência dos mídias, essa característica passou a ocupar um espaço de destaque

na estruturação dos fenômenos sociais. Se em tempos passados, o capital econômico

detinha a exclusividade em articular as ações sociais a partir do dinheiro como objeto

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mediador, com o advento dos meios de comunicação de massa, as relações sociais se

tornaram mais complexas, conferindo aos detentores do capital simbólico a autoridade em

mediar (organizar, definir e estruturar) as relações sociais. É por isso que o campo

midiático, lugar no qual às regras e as normas que determinam as relações simbólicas são

definidas e conhecidas, passou a ocupar espaço de destaque na sociedade e na

compreensão dos fenômenos contemporâneos, bem como na constituição das relações

sociais. As Ciências Políticas, por exemplo, sob forte influência das ciências clássicas

como a filosofia, passaram nos últimos tempos a considerar os estatutos definidos pela

mídia como necessários para avançar as reflexões da área. Não dá para pensar os

fenômenos políticos atualmente sem a presença dos mídias. Além disso, o processo de

reconhecimento de outros Campos como no caso do Político sobre o Midiático é também

uma das formas de homologar o Campo como um espaço de domínio próprio.

Outra característica importante do Campo dos Mídias destacada por João Pissarra

Esteves entre outros é sua capacidade de mediar às relações internas e externas aos

Campos a partir da estruturação de uma série de novos valores como a “transparência nas

relações sociais, a liberdade na vida pública, a equidade na participação da vida pública”

(ESTEVES, p. 123). Ou seja, a emergência dos mídias possibilitou a articulação entre o

meio social e o meio cultural, redimensionando padrões de vida à luz da especificidades

demandadas pelos regimes postos pelos meios de comunicação.

Antonio Fausto Neto, em pesquisa sobre a tratamento da imprensa despendido a

Aids, descreve algumas características dos mídias que nos ajudam compreender a

importância dos mídia como “instâncias da produção do real” (1999, p.16). De início, ele

apresenta a condição dos mídias serem um dos estruturadores do espaço público e

concomitantemente formarem-se neste mesmo espaço por eles estruturados. Como

conseqüência, ele aponta que, em participando do espaço público, os mídias têm a

capacidade de eleger, editar e selecionar as falas nele engendradas, proporcionando desta

forma visibilidade pública. Este processo de publicização segue leis e regras determinadas

pelas condições de produção dos próprios mídias. Desta forma e através de dispositivos

técnicos, midiatizam-se as experiências do cotidiano, permitindo o “alargamento da

legitimidade e a visibilidade de outros campos” sob seus próprios saberes e, ao mesmo

tempo, articulam as especificidades do “seu lugar como instância de produção dessa nova

ordem” (p. 17). Esta relação entre os vários campos e o campo dos mídias confere a seus

agentes e instituições visibilidade pública, como também o legitima como organizador

deste processo, pois é nele que as regras são definidas e onde elas são postas em prática.

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Neste cenário, o jornalismo – seja enquanto técnica ou como discurso, ocupa um

espaço destacado na luta por oferecer sentidos à sociedade. Sustentado em premissas

socialmente aceitas, como imparcialidade, objetividade, isenção, o jornalismo posiciona-se

como espaço reconhecidamente credível e verdadeiro. Em um artigo publicado

recentemente sobre a atualidade no jornalismo, Franciscato destaca o lugar ocupado pelo

jornalismo na contemporaneidade. Segundo ele, o jornalismo é uma instituição social,

historicamente constituída, que tem por característica a transmissão de fatos atuais e

importantes para a sociedade (2001, p. 261). ”Este papel é executado porque o jornalismo

conquistou uma legitimidade social para produzir uma reconstrução discursiva do mundo

com base em um sentido de fidelidade entre o relato jornalístico e as ocorrências

cotidianas” (p. 261). Desta forma ele participa como um campo privilegiado na

estruturação de uma simbólica relativamente homogênea.

Os discursos do público passam pela forma como o discurso jornalístico é

estruturado. A título de exemplo podemos citar a hipótese do agenda setting. Ela visa

demonstrar entre outras coisas essa posição de contato sobre aquilo que é dito pelos mídias

em relação aquilo que é comentado na esfera pública. O estabelecimento dos assuntos, bem

como a direção que vão adquirindo a partir de referências diretas e indiretas ofertadas por

eles e socializadas pelos sujeitos dá a extensão, sua ação sobre os modos de agir e pensar

em sociedade. A posição do jornalismo é importante neste quadro, pois é por ela que a

representação dos fatos “ganha” o cotidiano, ocupando a agenda pública. Agrava-se se

pensarmos que seu objeto, a notícia, é determinado por procedimentos de

verossimilhanças, de proximidade com o real. O uso de citações, de aspas entre outros, são

recursos estratégicos que procuram criar confiabilidade no leitor sobre o produto

jornalístico e, desta forma, constituir um imaginário social um lugar no qual a notícia seja

tomada como fidelidade aos acontecimentos. A partir disso, a notícia assume condição

privilegiada frente aos outros modos de como a mídia se articula com a sociedade, como a

publicidade ou como os produtos de ficção, por exemplo.

Entre este conjunto de ações e dispositivos que procuram criar as condições de

legitimidade ao produto jornalístico, está o manual de redação. Entre suas múltiplas

atribuições frente aos processos de produção da informação, encontramos nele a

capacidade de legitimar o produto jornalístico, na medida em que ao agir como um

dispositivo de poder controlando as ações internas e auxiliando os jornalistas a superaram

possíveis dificuldades, ele propõe “saídas” práticas às demandas do cotidiano.

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Assim, ele constitui “parceria” com o jornalista que, por sua vez, ao aceita-lo, passa

a legitimá-lo como um dispositivo de apoio. Outra atribuição perceptível aos manuais de

redação públicos é a sua capacidade de manter e ampliar o capital simbólico dos veículos

onde eles estão presentes. Isso se dá, entre outras formas, pela condição de legitimação de

seus usuários conforme discorremos acima, mas também pela capacidade deles tratarem de

assuntos para além dos limitados pelas práticas jornalísticas. Ora, na medida em que

encontramos manuais de redação que oferecem informações sobre aspectos gerais da

sociedade, como cultura, política, economia, eles estão avançando sobre outros setores e

desta forma ampliando seu grupo de consumo. Se pensarmos a partir do uso dos manuais

de redação por outros jornais, devemos reconhecer que estamos falando de algo que não

está mais restrito as suas ofertas iniciais, mas que assumiu outras feições a partir de

interesses variados. Esta reelaboração dos usos dos manuais por outras instituições

eventualmente concorrentes merece uma análise mais detalhada, mas de antemão indica o

acúmulo de capital simbólico das mantenedoras dos manuais de redação. A sistemática

utilização dos manuais de redação provocou mudanças significativas no campo

jornalístico, não somente nos aspectos organizacionais, mas também e, por conseguinte,

nas relações externas interinstitucionais. Neste aspecto, os manuais passaram a atuar como

legitimadores do campo jornalístico, pois através deles, as regras do mundo da vida dos

jornalistas que estavam dispersas e restritas, foram sistematizadas e publicizadas,

assumindo condição pública e, portanto, legitimadora nos próprios modos de operação dos

jornais tanto interna quanto externamente. Ao definir as regras e as normas pelas quais os

agentes deverão atuar, ele marca posição sobre os outros campos articulando e organizando

o próprio campo.

Nesta perspectiva, os manuais de redação passam a funcionar como um dos

dispositivos estratégicos do campo jornalístico, tanto operando internamente no sentido de

contribuir para a formação do habitus jornalístico, quanto externamente, como objeto

mantenedor e ampliador do capital simbólico das instituições onde estão presentes. Neste

âmbito, o processo de formação jornalística estruturado tanto a partir das faculdades ou

mesmo a partir dos cursos de formação de trainees tem forte influência na aceitação,

distribuição e consolidação das normas jornalísticas. A cultura profissional, tecido formado

em parte pelas normas e regras definidas pelo campo a partir do hábitus, tem nos manuais

de redação sua principal síntese. É nos manuais de redação que se encontram as principais

lógicas que modelam o mundo jornalístico. Ele se torna um importante operador do campo

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jornalístico, participando do modo como o jornal será produzido e consolidando as

alterações que o campo está sofrendo.

Das regras as estratégias

É dentro deste complexo processo de produção jornalística que o manual de

redação é operado não mais como fora determinado pelos interesses de seus idealizadores,

ou mesmo como fora definido pelas instituições jornalísticas, mas a partir das lógicas de

seus usuários, dos jornalistas que cotidianamente “trabalham” as regras, negociando os

múltiplos interesses envolvidos nos processo de produção. Portanto, aquele jornalismo que

foi idealizado pelos manuais de redação, não é mais do que espelhos refletindo uma

realidade limitada e disforme, que se chama prática jornalística..

Sendo assim, os manuais de redação estruturam, na condição de objetos

incorporados pela cultura jornalística27, sobre a cultura e sobre seus membros, relações que

estão para além das propostas elaboradas pela cultura empresarial/jornalística. A idéia,

portanto, é a de perceber que, por mais que os manuais contribuam para regular estilos,

modos de comportamento e definir critérios de conduta, eles são – nos processos de uso -,

reelaborados, formando outros modos de operação. Essa perspectiva remete à necessidade

de compreender os espaços, as situações de uso definidas pelas relações entre os agentes e

o produto (manuais de redação), numa interação que emerge das (re)ações realizadas pelos

jornalistas na produção das matérias via dispositivo regrador.

A constatação de que os manuais de redação passam por processos de reelaboração

quando em uso pelos jornalistas nos autoriza a interrogar sobre as causas de tais

descompassos, suas operações de existência e especialmente, que tipo de repercussões tem

no processo de produção da noticiabilidade. O que está em jogo são os descompassos28

entre as ofertas estruturadas em manuais de redação e os modos como os jornalistas se

apropriam destes dispositivos. Outro aspecto relacionado ao problema diz respeito ao

espaço onde ocorre este processo, ou seja, as redações. Ao definirmos que os modos de

apropriação se deram pelos jornalistas, estamos automaticamente delimitando o palco onde

27 Estamos entendendo por cultura jornalística um modo específico e característico utilizado por um determinado grupo de pessoas, entidades e instituições, definido pelos seus hábitos e pelas regras deste grupo, construídos historicamente através de processos relacionais. 28 A idéia do descompasso aqui designando a “diferença” entre a oferta e a apropriação de bens simbólicos. Na falta de termo mais adequado, estamos chamando esta “diferença” de descompasso, discrepância, desnível, defasagem.

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as apropriações ocorrerão, ou seja, as redações jornalísticas. Embora os manuais de

redação possam ser consumidos por sujeitos externos a atividade jornalística e em outros

espaços, ou mesmo por jornalistas em outros lugares, eles foram “construídos” para

estarem num determinado ambiente. Se tomarmos a consistência física da maioria dos

manuais de redação, por exemplo, nos deparamos com materiais resistentes, duráveis.

Papel com gramatura elevada, capa dura, encadernação espiral revela expectativa de que se

trata de um documento que “deve” ser manipulado intensamente. Sua organização interna

facilita a procura. Ou seja, tudo colabora para dar praticidade e agilizar ao acesso dos

jornalistas, reduzindo o tempo de procura.

Estas características, que veremos em detalhes em capítulo específico sobre o

ambientes de uso dos manuais de redação, colaboram para confirmar que tal dispositivo

será utilizado (mais ou menos intensamente) por jornalistas em cenários de produção. É

claro que existe a possibilidade, ainda que mínima, de um outro funcionário do jornal não

jornalista consultar o manual de redação. Embora essa situação possa ocorrer, ele não

exclui o jornalista de redação como sendo o alvo natural dos manuais de redação. Além

disso, a possibilidade de outros acessarem manuais de redação não indica a necessidade de

ampliar a pesquisa para outros setores sociais ou mesmo em outros locais, até porque este

“agente externo” não é responsável pela produção de notícia. Portanto, a apropriação de

manuais de redação está diretamente ligada aos sujeitos responsáveis em produzir os

discursos jornalísticos, no caso os jornalistas.

No âmbito dos usos dos manuais de redação, suas apropriações são variadas

sugerindo múltiplas formas e modos de interação entre os jornalistas (usuários) e os

dispositivos regradores (produto) como veremos mais detalhadamente em capítulo

específico. Essas multiplicidades de modos de apropriação têm como referência, lógicas

além daquelas propostas pelas instituições midiáticas e por seus idealizadores. As relações

advindas deste contato não são diretas e nem definitiva, até porque elas se dão no processo

de interação com os jornalistas. E toda interação socialmente definida está sujeita a

elementos externos que atuam conjuntamente nos processos de apropriação. No caso do

jornalismo, ela é definida por pressupostos já consagrados pela cultura, como os ideais de

objetividade e imparcialidade como mostram os estudos de Tuchman (1993), Darnton

(1990), Traquina (2001) especialmente aqueles autores filiados ao construcionismo. Ainda

que encontremos referências minimizadoras nos próprios manuais, quanto à presença da

objetividade, por exemplo, e de uma teoria, dando conta de que uma matéria jornalística

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sempre terá as marcas do sujeito, os manuais de redação ainda se pautam pelo

distanciamento, pela isenção, pela pluralidade (PATRÍCIO, 2002).

Tal discurso é utilizado, em alguma medida, pelos jornalistas como forma de

justificar seus procedimentos, como aponta Gaye Tuchman, em A objetividade como ritual

estratégico. Ela considera que os jornalistas evocam a objetividade para se protegerem de

possíveis reprimendas ou críticas (1993, p. 74-130). Para além dos debates sobre a

existência ou não da objetividade no jornalismo, o que isso revela é certa postura de

conjunto, ou seja, uma ação relativamente unificada dos jornalistas demonstrando uma

concepção comum. Esse entendimento aproximado evidencia um modo próprio de ação

que é compartilhado pelos jornalistas. Estas associações de modos de operar comum, de

discursos e concepções formam o que socióloga Barbie Zeleizer chamou de comunidade

interpretativa. Os jornalistas estruturam “(...) sentimento de partilha determinado por um

enquadramento compartilhado de referência resultante do trabalho que efectuam”.

(ZELIZER, 2000, p. 33-57). Esta conclusão está sustentada na constatação de que os

jornalistas lêem diariamente a produção dos colegas, especialmente os profissionais de

outros veículos. Seja no plano do discurso ou da ação, os jornalistas articulam entre si

relações que definem/estruturam comportamento relativamente unificado de agir e pensar

sobre o mundo, bem como de discursar sobre ele. Forma-se, neste sentido, nos dizeres de

Traquina uma “tribo”. “Os jornalistas confiam fortemente no trabalho uns dos outros,

como prática institucionalizada, para idéias de estórias e confirmação de seus critérios

noticiosos”. (TRAQUINA, 2005, p. 21). Isto se comprova em vários estudos que

demonstram proximidade no tratamento dado pelos veículos de informação aos

acontecimentos, aos assuntos pautados, até a própria forma de produzi-los e editá-los.

Assim, os ideais de liberdade, independência, exatidão e a noção de que o jornalismo é um

serviço voltado ao público são alguns dos pressupostos compartilhados entre os membros

do grupo. (TRAQUINA, 2005, p. 25).

Esse “modelo” comum participa na conformação do jornalismo em sociedades

democráticas, bem como no modo como os jornalistas se relacionam entre si e o mundo.

Essa similitude constitui um ethos próprio, específico, com modos de operação e percepção

característicos. A formação deste ethos é colaborada pela forte constituição de mitos no

qual a cultura jornalística é envolta. A idéia de vigia ou de um “cão de guarda” da

moralidade pública confere a cultura jornalística um nível de independência, de

credibilidade, além de reforçar outro mito, o de que toma o jornalismo como Quarto Poder,

acima dos poderes constituídos (TRAQUINA, 2005, p. 87).

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Assim, a noção de tribo remete a idéia de agentes dotados de características

próprias, de grupo cultural, com modelos e regras relativamente próximas que

compartilham mitos e ritos próprios. A este modo de ação cotidiana, repetida e

compartilhada, adquirida na ação prática pelos agentes – os jornalistas -, o sociólogo Pierre

Bourdieu denominou de habitus. Ele parte de reflexão etnográfica localizada em estudos

sobre as relações familiares (1990) para afirmar que a noção de habitus revela, a partir de

uma concepção relacional da ação prática, como se desenvolvem as interações como

disposições adquiridas pelos agentes em ação. O habitus compreendido como “estruturas

estruturantes tomadas por estruturas estruturadas (...) funciona no nível prático como

categorias de percepção e apreciação, ou como princípios de classificação e

simultaneamente como princípios organizadores da ação, (...)” (BOURDIEU, 1990, p. 26).

Os jornalistas reconhecem lógicas que são interiorizadas pelo habitus a partir da atividade

que realizam. As relações propiciam certo conhecimento, não formal, mas adquirido sobre

os processos que devem ser executados. A ação repetida dos agentes define uma espécie de

regra, de padrão, que segundo o autor pode ser compreendida como “princípio de tipo

jurídico ou quase jurídico, mais ou menos conscientemente produzido e dominado pelos

agentes, ou um conjunto de regularidades objetivas que se impõe a todos aqueles que

entram no jogo” (p. 79). Estas “regras” atuam conformando o universo jornalístico;

modulando os processos pelos quais os agentes do campo deverão proceder para

realizarem suas tarefas ou mesmo falar sobre elas.

A partir destas considerações, concluímos que as proposições manualísticas são

tomadas pelos jornalistas não de uma forma direta, absoluta, mas sim como a síntese de um

conjunto de normas que são tanto inculcadas pelo grupo quanto produzidas por ele. E que

tais regras, que ao caso de serem disponibilizadas aos jornalistas, resultam em ações que

estão para além da própria regra expressa, transformam-se. Assim, os manuais de redação

funcionam para os jornalistas como um dispositivo modelador de suas ações, onde se

apresentam múltiplas possibilidades de uso.

Quanto aos membros da equipe instala-se no processo de produção, ou seja, no jogo

certa compreensão do jogo, ou “sentido de jogo” como Bourdieu identifica. Tal sentido de

jogo é adquirido pela experiência do jogador em relação ao próprio jogo que se articula

para “aquém da consciência e do discurso” (p. 79). Estabelece-se entre os membros do

grupo uma percepção do jogo, um reconhecimento inconsciente dos mecanismos de

funcionamento do jogo. Essa percepção define os modos de ação como algo estratégico,

tático. Refere-se, neste sentido, a uma concepção de estratégia como senso prático, como

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forma de estabelecer certo reconhecimento social (p. 35). Trata-se, portanto, da

assimilação por parte dos jornalistas (jogadores) de certos procedimentos imanentes e

emanantes do campo jornalístico. Neste sentido, os jornalistas “jogam o jogo” do

jornalismo, não só a partir das regras, mas também levando em conta estratégias de que

lançam mão e, a formalidade inerente aos manuais de redação é reelaborada.

Portanto, a presumida relação determinista que se firma entre os membros do grupo

e este dispositivo deve ser relativizada, pois como os agentes são dotados de habitus,

passam a articular, frente às regras dos manuais de redação, posições outras, evidenciando

que no processo de apropriação dos manuais há descompassos, discrepâncias. Assim, a

modelagem proposta pelos manuais de redação deve ser encarada como um dado a priori,

mas que a posteriore, é reelaborado pelos jornalistas resultando outras coisas relativamente

diferentes das originais. As regras passam, na ação de produção cotidiana, reelaboradas

revelando processos estratégicos. Antes de avançar sobre essa questão, central a este

trabalho, cabe destacar que os jornalistas não desconhecem e/ou ignoram as regras, até

porque se parte do pressuposto de que para se entrar no jogo é necessário assumir o jogo.

O estudo sobre os processos de consumo/apropriação sobre práticas sociais

diversas, elaborado por Michel de Certeau avança no sentido de pensar se dão os processos

astuciosos, as táticas e as estratégicas desenvolvidas pelos sujeitos em sociedade. Mesmo

reconhecendo que seu estudo considerou as relações sociais em cenários mais amplos de

interação, aplicamos suas contribuições ao nosso objeto. Para ele, as estratégias se dão num

nível de operações tecnocráticas que visam mascarar as intenções de massificação

(CERTEAU, 1994, p. 91-92). Refere-se aos modos de operação para além de um primeiro

nível, ou seja, que as circunstâncias são orientadas pelo próprio processo produtivo.

Aponta em seguida para um segundo nível, consubstanciado igualmente pelos modos de

fazer, para ele decorrente. “Assimiláveis a modos de emprego, essas ‘maneiras de fazer’

criam um jogo mediante a estratificação de funcionamentos diferentes e interferentes” (p.

92). Considera o estudioso haver jogos sendo jogados - que ele compreende como sendo

ações de fazer -, nos quais as transgressões se materializam articulando processos

diferenciados de superação e/ou transformações das formas apresentadas pelos interesses

da produção.

“Na realidade, diante de uma produção racionalizada, expansionista, centralizada, espetacular e barulhenta, posta-se uma produção de tipo totalmente diverso, qualificada como ‘consumo’, que tem como característica suas astúcias, seu esfarelamento em conformidade com as ocasiões, suas

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‘piratarias’, sua clandestinidade, seu murmúrio incansável, sem suma, uma quase invisibilidade, pois ela quase não se faz notar por produtos próprios (onde teria o seu lugar?) mas por uma arte de utilizar aqueles que lhe são impostos” (p. 94).

Certeau descreve que nos processos de circulação - oferta e consumo – para além

da lógica quase determinista do produto sobre ao sujeito, ocorre outra produção, outros

modos de fazer. Assim, o sujeito age “astuciosamente” sobre o objeto, recriando modos

próprios de fazer.

Tensionando a contribuição do autor ao nosso objeto de estudo, podemos identificar

os manuais de redação como instrumentos estratégicos de um primeiro nível produzidos

com vistas a estabelecer uma relação de controle no espaço interno das redações. No

entanto, ao serem lançados ao “consumo”, ofertados aos jornalistas, tais lógicas são

automaticamente subvertidas, a partir de estratégias de um segundo nível. Como

conseqüência, outras ações são realizadas para além das esperas pelo produto. Essa idéia

leva-nos a considerar que os processos de oferta - apropriação - estão condicionados por

um fluxo descontínuo, não linear, no qual o produto está assujeitado por “interesses”,

“vontades” que não correspondem exclusivamente às determinações do próprio produto,

nem tão pouco de seus idealizadores, mas sim aos interesses e vontades dos indivíduos que

deles fazem uso. Apresenta-se por vezes como um sendo um processo sutil, discreto, quase

imperceptível, no qual os sujeitos remodelam as normas ofertadas, “ajustando-as” as suas

demandas, procurando não causar reações. Tais situações ocorrem justamente nos

momentos onde o produto está sendo apropriado pelos indivíduos. Por isso, as maneiras de

fazer são tão importantes na compreensão de produtos, pois seus usos transformam os

dispositivos, diferenciando-os, remodelando-os, enfim, ressemantizando-os. De várias

formas, é isto que ocorre quando os manuais de redação estão sendo apropriados pelos

jornalistas. Naturalmente, o resultado deste processo confere ao trabalho dos jornalistas

algo relativamente distinto do definido pelos manuais de redação. Deste processo de

apropriação resultará na elaboração de mapa de consumo de manuais de redação pela

imprensa brasileira, como veremos a frente.

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Quadro A:

Do geral para o particular

O lugar dos Manuais de Redação dentro da noção de campos.

Os manuais como dispositivos estratégicos

“Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como a riqueza ou um bem”. Michel Foucault sobre o dispositivo de poder, em Microfisica do Poder.

Embora a literatura científica venha utilizando-se da noção de dispositivo já há

algum tempo como forma de representar um variado conjunto de elementos, situações,

objetos, sistemas teórico/metodológicos, pouco se tem refletido em como isso pode

funcionar aplicados aos processos/objetos midiáticos. As teorizações em torno do conceito

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de dispositivo aplicado ao campo midiático têm sido apenas recentemente objeto de

esforços de pesquisadores, senão diretamente, ao menos de forma correlata aos objetos, em

especial nos estudos de Maurice Mouilland (2002), José Luiz Braga (2006 et al.), Michel

Foucault (1979 et al.), Jairo Ferreira (2003 et al.) entre outros. Recuperamos algumas

destas discussões, cotejando-as ao nosso interesse imediato demonstrando a importância de

reconhecer os manuais de redação como dispositivos.

Um dos primeiros pensadores a utilizar o conceito de dispositivo foi Michel

Foucault ao problematizar as relações de poder e de controle realizadas em micro-situações

sociais: hospitais, escolas, sanatórios, etc. Para ele, o dispositivo tanto englobava processos

físicos quanto simbólicos.

“Através deste termo tento demarcar, em primeiro lugar, um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que pode estabelecer entre estes elementos” (1979, p. 244).

Ele entendia que a estruturação do dispositivo se dava por dois motivos, definidos

como certo tipo de recurso historicamente demarcado, que objetivava responder a

demandas específicas. Ou seja, “o dispositivo tem, portanto, uma função estratégica

dominante” (p. 244). E, segundo, por um duplo processo relacional que se confirma pela

“sobre determinação funcional” por um lado, e pelo “perpétuo preenchimento estratégico”

de outro. Para o autor, a sobre determinação funcional trata-se dos efeitos do dispositivo

que podem ser “positivos ou negativos”, “desejados ou não (...) numa relação de

ressonância ou de contradição com os outros (dispositivos)” (p. 245). Já o processo de

preenchimento estratégico por sua vez se dá pela reorganização das funções originais dos

dispositivos, remodelando-o de acordo com as necessidades de cada sujeito. Ao falar

sobre o dispositivo de poder, ele apresentava uma das principais funções dos dispositivos

simbólicos, ou seja, a capacidade de circular, de atuar em rede, articulando relações entre

os envolvidos, provocando interações entre os sujeitos, objetos, organizações, discursos.

“O (dispositivo de) poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo

que só funciona em cadeia. (...) O poder funciona e se exerce em rede” (1979, p. 183).

O poder enquanto dispositivo exercia sua condição de controle enredada com

outros mecanismos de controle e em relação aos sujeitos. Ao relacionar a questão ao objeto

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deste estudo, encontramos fortes paralelos aos modos como os manuais de redação se

posicionam como dispositivos de controle dos jornalistas a partir de “sobre determinações

funcionais” e esses, por sua vez, articulam estratégias de superação, causando naturais

descompassos.

Uma discussão mais próxima do campo midiático fora conduzida por Maurice

Mouilland quando ele reflete sobre as relações entre conteúdo e forma no jornalismo,

reconhecendo no conceito de dispositivo uma superação da noção de suporte (2002, p. 35).

Trata-se, a nosso ver, de uma ampliação do conceito, pois como ele mesmo afirma, o

dispositivo deve ser visto como uma “‘matriz’ que impõe suas formas aos textos (...). O

dispositivo tem uma forma que é a sua especificidade, em particular um modo de

estruturação do espaço e do tempo” (p. 35). Se assumíssemos a idéia do manual de redação

simplesmente como suporte técnico ou mesmo discursivo, por exemplo, teríamos que

considerar os manuais numa dimensão linear, vertical, ou seja, apenas como instrumentos

auxiliadores (dicionários, gramáticas) das atividades jornalísticas. A análise se voltaria,

neste âmbito, a considerar a dimensão exclusivamente técnica do manual a partir de uma

relação de apoio, funcional propriamente dita ou por vezes discursiva, na qual a instituição

jornal teria a autonomia de dizer através de seus prepostos os modos como acha que

deveria ser realizado o produto jornal. Na verdade, o dispositivo enquanto tal apresenta

uma perspectiva mais complexa, pois reconhecemos fatores articulados tensionalmente de

forma processual na sua estrutura. Nesta medida, ele se apresenta como resultado de um

processo dialético, numa relação, por vezes tensa entre a materialidade física que o

constitui (forma de livro, de manual, de jornal) e a dimensão simbólica que o

coodetermina, seus conteúdos, suas repercussões, os imaginários criados, portanto.

Outra abordagem conferida a noção de dispositivo é dada por José Luiz Braga que

o encara numa interação socialmente definida (p. 36-44). Essa perspectiva reconhece a

dimensão praxiológica do dispositivo, ou seja, ele só “existe” enquanto tal na medida em

que é colocado em ação, quando usado. Isso exige a participação de sujeitos em processos

de interação. Para ele, a existência dos dispositivos sociais (cineclubes, crítica jornalística,

produções acadêmicas sobre os mídias, entre outros) se dá justamente pela capacidade dos

dispositivos agirem sobre os si e sobre seus produtos, incitando alterações (p. 37). Essa

característica, determinada pela sua circularidade, no caso dos manuais de redação, é

atribuída pelos seus usuários que, ao se relacionarem com o dispositivo, o tornam o objeto

metodologicamente perceptível, não exclusivamente em sua forma física, material, mas

especialmente nas relações simbólicas possíveis que se estabelecem entre emissores e

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receptores. Neste caminho, o objeto manual de redação passa a ser estudado não como

dado definitivo, determinado pela sua materialidade física, mas como um fenômeno que se

estabelece pela processualidade de seu uso. Nesta medida, como ressalta Verhaegen (aput.

Ferreira, 2003) na perspectiva dos processos de significação “a relação dos sujeitos com os

objetos são variáveis conforme as significações já adquiridas em outros espaços de práticas

com os mesmos, ou da ausência dessas práticas.” Para o nosso objeto, isso indica que a

compreensão dos manuais de redação, bem como seu entendimento sobre a atividade que

será elaborada, define como realmente será seu uso. Isto impõe algumas exigências do

ponto de vista metodológico, a saber: (a) não se pode compreender adequadamente o

dispositivo (em uso ou não) sem localizá-lo em sua relação com os sujeitos; (b) o não uso

não inviabiliza o dispositivo, pois se trata, antes de tudo, de um objeto colocado à oferta,

disponibilizado, portanto; (c) no dispositivo há uma evidente discrepância entre o dizer e o

fazer. Do plano simbólico ao prático ocorrem incongruências que a noção de suporte não

percebe.

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5. Uma gramática dos manuais de redação

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O manual de redação é um dos mais importantes dispositivos de informação sobre

as normas do veículo. Para que ele tenha êxito, a direção da empresa se utiliza de vários

expedientes, desde incluí-los como parte de programas de cursos e processos de seleção de

novos quadros, até sua forma de organização interna, privilegiando a rapidez no manuseio

entre outros aspectos.

Com isto, ele oferece grande quantidade de conteúdos, dados e procedimentos que

devem ser adotados pelos jornalistas. Neste conjunto de manuais existentes no jornalismo

brasileiro, muitos se assemelham, outros, porém, se distinguem. A partir de suas principais

características internas, procuramos elaborar um mapa dos Manuais de Redação adotados

pela imprensa diária brasileira disponibilizada publicamente. A idéia foi, a partir de sua

topografia, isso é, sua estrutura físico-morfológica, construir um mapa dos manuais de

redação.

Não pretendemos realizar uma análise dos conteúdos dados pelos manuais de

redação, mas um levantamento das características que especificam os modos de ser de cada

um, procurando sua identidade; em suma, realizamos um exercício do que poderia vir a ser

chamado de uma “gramática” dos manuais de redação.

Por isso, tomamos o caminho de eleger um conjunto de manuais de redação

produzidos pela imprensa brasileira e publicados nas últimas duas décadas, tomando o

cuidado de definir uma amostra que contabilize a amplitude dos manuais já ofertados, sem

considerar para isso seu efetivo uso pelos jornalistas ou mesmo pelas instituições. Na

verdade, estamos buscando demonstrar a partir da análise de sua estrutura interna, que

semelhanças e diferenças há entre eles. Pretendemos, portanto, destacar suas

características, aquilo que lhes é expressivo, suas relevâncias, em relação aos seus

concorrentes.

Os manuais de redação tornaram-se importante dispositivo na confecção de vários

periódicos brasileiros, especialmente a partir dos anos 80 do século XX, quando o jornal

Folha de S. Paulo efetivamente apresentou publicamente seu “código”: o Manual Geral da

Redação (1984). Utilizando-se de uma estratégia de divulgação que compreendia a

distribuição do Manual tanto através da venda em bancas, até a sessão de exemplares aos

assinantes, a Folha de S. Paulo procurou popularizar o Manual para além do ambiente

redacional. Efeito esse que se mostrou satisfatório, tanto do ponto de vista de padronização

interna, como instrumento de divulgação da própria instituição, quanto um jornal que

buscava se diferenciar dos concorrentes.

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Outros jornais brasileiros (grandes e pequenos) passaram a sistematizar e a

publicizar ao grande público suas regras em forma de “livros”, oferecendo um novo e

complexo dispositivo voltado ao universo jornalístico. Com o passar do tempo, porém sem

perder suas intenções originais, os manuais de redação foram se transformando. Deixaram

de ser apenas a reunião de regras apresentadas alfabeticamente, para se tornarem

instrumentos mais sofisticados e abrangentes. Ampliaram seus conteúdos, agregando

assuntos dos mais variados e assumindo múltiplas formas se comparadas com seus

antecessores e entre seus concorrentes.

Essas mudanças conferiram aos manuais de redação características diferentes entre

si, o que nos faz concluir que, embora pretendam organizar a produção, uniformizando o

discurso do jornal a modelos ideais, eles são diferentes em suas táticas/estratégias,

produzindo diferentes sentidos nos modos como os jornalistas se relacionam com eles.

Assim, este movimento torna-se relevante no processo de compreensão das interações

entre os manuais de redação e jornalistas na medida em que se consideram variações a

partir das suas ofertas. É necessário, portanto, identificar quais são as principais

características dos manuais de redação ofertados pelos jornais brasileiros como uma das

possibilidades de entender as relações existentes entre eles e os jornalistas.

Para a realização deste mapeamento de características e suas gramáticas, levamos

em consideração os seguintes aspectos:

- os manuais de redação publicados por iniciativa de jornais diários. Diante disto, a

análise se ateve aos manuais de redação do jornal Folha de S. Paulo - edições de 1984,

1987, 1992, 2001; de O Estado de S. Paulo – 1990 e 1997; de O Globo – 1992; do Zero

Hora – 1994 e 2004; Folha de Londrina – 1994. Para tanto, consideramos a facilidade do

acesso e, principalmente, por não comprometer a abrangência da amostra, já que os

manuais escolhidos compreendem quase a totalidade de manuais de redação publicados no

Brasil nestes últimos 25 anos, dando uma mostra representativa do conjunto existente.

Este movimento respeitou a seguinte sistemática: primeiramente agrupamos, em

ordem cronológica, os manuais de redação elaborados por cada empresa. Essa forma de

organização parte do pressuposto de que cada manual mantém estreita relação com os

ideais da instituição jornalística que o elaborou embora isto não signifique a ausência de

apresentarem variações de conteúdo e forma, mesmo tendo sido produzido por grupos ou

sujeitos diferentes. Concomitantemente, nos movemos para descrever os conteúdos

expressos, identificando as estratégias apresentadas em cada dispositivo. No nosso

entender, os manuais de redação revelam, de forma geral, algumas das principais medidas

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da empresa sobre o periódico na medida em que marca/define tipos de tratamento em

relação ao grupo de jornalistas, os produtores do jornal. Embora a direção destas

orientações não fique limitada ao público prioritário, uma vez que os manuais de redação

avançaram para além das redações, nosso foco permanecerá nas articulações entre os

manuais e jornalistas.

Além disso, escolhemos estes manuais porque emanaram das instituições

jornalísticas, ou seja, foram organizados, editados e desenvolvidos por empresas e

jornalistas. Assim, este recorte visa manter o objeto da pesquisa centrado nas

problemáticas das apropriações dos manuais de redação por jornalistas em ambientes de

produção jornalística29.

5.1 - Um manual de “ferro” - o projeto FSP (1984-2001)

O jornal Folha de S. Paulo tem uma participação significativa na oferta de manuais

de redação no Brasil, não por ter sido um dos primeiros jornais a tornar público via

manual, seu projeto editorial, mas principalmente por implementar as normas através de

verbetes ao conjunto dos jornalistas estabelecendo seu cumprimento como condição de

permanência à redação, e atualmente como requisito à contratação. Portanto, a Folha de S.

Paulo ingressa no campo da publicação de manuais de redação convencida da importância

e da necessidade de fazer cumprir suas determinações - custe o que custar - como forma de

garantir a unidade do jornal em torno de um projeto único. Além disso, a implantação do

Manual da Redação visa colocar freios no modo solto que pairava nas redações em meados

da década de 1980. Como interpreta Carlos Eduardo Lins e Silva, os jornalistas que

estavam acostumados a um modelo de jornalismo mais solto sentiram a pressão de terem

que se enquadrar às normas mais rígidas. Após a publicação desta versão, o jornal editou

seis outras, demonstrando não se tratar de uma iniciativa isolada. A última foi publicada

em 200630. Este conjunto de edições não tirou a rigidez da primeira publicação, como

veremos abaixo.

29 Muitas instituições relacionadas à comunicação, como assessorias de imprensa, agências de governos, Ongs, movimentos sociais, organizaram manuais de redação. Entretanto, o objeto deste estudo se limitou a pesquisar a apropriação dos manuais nas redações pelos jornalistas da imprensa diária . 30 A análise desta edição não foi objeto desta análise, uma vez que sua publicação ocorreu após a coleta das informações. Há ainda outra versão no prelo.

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a) A objetividade do jornalismo brasileiro

Um dos primeiro manuais de redação público foi

apresentado pelo jornal Folha de S. Paulo – FSP em 1984, como

resultado de uma ampla reforma gráfica e editorial iniciada anos

antes. Com o nome de Manual Geral da Redação ele apareceu

com 91 páginas. Embora tenha sido distribuído para os leitores,

escolas de jornalismo e comercializado em livrarias, ele se

destinava exclusivamente ao ambiente redacional, como

demonstra o seu nome31. Este primeiro manual, assim como

outros, teve por inspiração a imprensa norte-americana

especialmente o periódico New York Times 32 como reconhece Carlos Eduardo Lins e

Silva. Sua significância reside no fato dele representar um momento cuja imprensa no

Brasil consolida-se, não apenas do ponto de vista técnico-operacional, no qual o manual é

um dos agentes, mas também no que diz respeito ao próprio jornalismo, que passa a ter

plena liberdade de informar, garantida pela Constituição de 1988, como vimos

anteriormente. Tendo como referência, passo a descrever a composição interna do Manual.

Estrutura Interna : os verbetes foram distribuídos em ordem alfabética, sem a

separação por assuntos ou capítulos. Esta forma de organizar os termos, sem apresentar

separação entre eles, o aproxima do modelo de apresentação dos dicionários. Os verbetes

buscavam abranger todas as etapas da produção jornalística, desde a definição do modelo

ideal de texto com no máximo cinco linhas em cada parágrafo; da conceituação de notícia

sustentada pela busca da objetividade; da relação das palavras duvidosas até informações

sobre a estrutura funcional da redação. Dependendo do termo, o manual apresentava

remissões a outros verbetes, numa tentativa de articular assuntos relativamente

semelhantes.

É possível ainda perceber uma forte posição intransitiva e reguladora,

especialmente na definição dos termos jornalísticos. A noção de objetividade como norma

e a busca pelo seu cumprimento a qualquer custo exibiam a concepção da empresa quanto

à necessidade de ancorar os discursos noticiosos em fatos indiscutíveis.

31 O Manual Geral da Redação vendeu aproximadamente 17 mil exemplares, ocupando por várias semanas a lista da revista Isto É dos “livros” mais vendidos no Brasil. 32 The New York Times Manual of Style and Usage (A Desk Book of Guidelines for Writers and Editors), Lewis Jordan, Times Book, 231 p.

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“Para retratar os fatos com fidelidade, reproduzindo a forma em que ocorreram bem como as circunstâncias e repercussões, o jornalista deve procurar vê-los com distanciamento e frieza, o que não significa apatia nem desinteresse” (Manual Geral da Redação FSP, 1984, p. 63).

Os jornalistas deveriam eliminar dos textos qualquer elemento que pudesse dar

indícios de sua presença. As adjetivações, comentários e interpretações estariam

publicados em outros espaços como o editorial e o artigo. No verbete distanciamento, por

exemplo, a FSP defende – para a cobertura ideal dos acontecimentos – que os jornalistas

mantenham distanciamento dos fatos, sob risco de “produzir um texto parcial, acrítico, às

vezes até ingênuo”. (Manual Geral da Redação da FSP, 1984, p 33).

Este primeiro manual foi um marco para o jornalismo brasileiro, pois como vimos,

foi objeto de enfrentamento de concepções diferentes sobre o modo como o jornalismo

deveria ser pensado e praticado. Isso não significa que até então se praticasse outro

jornalismo, mas que até aquele momento, nenhuma empresa havia expressado com tanta

clareza seu projeto editorial, determinando aos jornalistas como deveriam atuar para

alcançá-las.

b) Em busca da consolidação

Em 1987, a FSP lança a segunda edição do Manual de

Redação, revisada e ampliada. Com 214 páginas, esta edição

mantém a apresentação alfabética dos verbetes, entretanto, opta

por organizá-los em capítulos e seções, buscando com isso

facilitar o acesso de um documento bem mais encorpado e

abrangente, na forma de um livro, como fica evidente na

descrição abaixo:

Estrutura Interna: O primeiro capítulo chamado de

Política Editorial apresenta os verbetes relacionados ao modo

como o jornal e os jornalistas devem tratar as questões mais gerais da produção. Verbetes

como apartidarismo e eqüidade estão presentes neste tópico. O segundo capítulo -

Estrutura da Folha - prioriza os aspectos internos da organização, como as reprimendas

ou vantagens aos jornalistas, além de explicar a função de cada um e de cada editoria do

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jornal. No capítulo Padronização do Estilo aparece à norma adotada pela FSP aos termos

que suscitam dúvidas; que podem conter mais de uma interpretação, como aborto,

comunista entre outros. É possível encontrar neste capítulo termos em que a opção da FSP

restringe o uso por entender agressivo ou fora de uso. O capítulo seguinte do Manual

dedica-se a regrar os Procedimentos Profissionais. Informações voltadas a normatizar a

conduta dos jornalistas em ação, tanto nos momentos em que está exercendo a função ou

não, seja nas atividades de coleta de informações ou mesmo na produção textual. Assim,

explicações sobre o uso do gravador em entrevistas, relacionamento com fontes de

informação e a publicação de fotos de menores são verbetes deste capítulo. A normatização

gramatical também é objeto deste capítulo. Nesta seção, o Manual dedica-se a apresentar

palavras e expressões que mais oferecem risco aos jornalistas. Termos como “a par ou ao

par”; de “esse ou este” representam questões duvidosas. O próximo capítulo dedica-se as

Convenções Gráficas utilizadas pelo jornal. Questões sobre o alinhamento dos textos; o

uso de “chapéu” e retícula são objetos neste capítulo. O último capítulo é voltado ao

Vocabulário Jornalístico. São descritos os termos que fazem parte do cotidiano dos

jornalistas. Palavras como “pauta”, “setorista” e “retranca” são conceituadas. Além dos

capítulos, este Manual conta com anexos e um índice remissivo. Os anexos oferecem

informações sobre distâncias entre cidades, tabela de conversões de medidas, de

abreviaturas e de palavras estrangeiras, além de instruções de operação dos terminais de

computador da redação. Quanto ao índice remissivo, a idéia é facilitar o acesso aos

verbetes. “A fim de propiciar a localização imediata de um problema, acrescentou-se um

índice remissivo no final. É por ali que convém iniciar as consultas específicas” (Manual

Geral da Redação, FSP, 1987, p. 23).

Esta forma de organização mantém a proposta do modelo auxiliador e controlador

do anterior, porém revisando a postura autoritária que caracterizou a apresentação do

primeiro manual. No plano geral, ela consolida certa tendência do jornal em apresentar

periodicamente as reformas editoriais através de manuais de redação, coisa que como

veremos em outros jornais, fica limitada a uma ou no máximo duas edições.

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c) Amplitude e flexibilidade: mais assuntos e mais leitores

Esta versão – o Novo Manual de Redação, 1992 -

apresenta algumas características inovadoras em relação as

anteriores, embora mantenha a estrutura geral de apresentação

dos verbetes, que permanecem organizados em ordem

alfabética, em seções, contendo anexos e um índice remissivo.

Como principal mudança, além do aumento considerável no

número de páginas que passa a ter 331, destaca-se uma outra

marca desta edição: a valorização das ilustrações a partir da

introdução de imagens em cores, especialmente na

apresentação dos mapas. Até então, os manuais da Folha eram impressos em preto e branco

e em papel sulfite. Nesta edição, ele aparece em espiral e papel couchê. Fica clara a

intenção em facilitar o manuseio e o acesso aos conteúdos, além de ampliar a durabilidade

do documento.

Estrutura Interna : No primeiro capítulo, Projeto Folha, os temas sobre o

jornalismo e os jornalistas são aprofundados. Verbetes como objetividade e imparcialidade

são reapresentadas (1992, p. 09), avançando sobre os entendimentos anteriormente

adotados. O conceito de objetividade que era tratado como algo definitivo, passa a assumir

um caráter relativo. O segundo capítulo Produção reúne as orientações quanto à captação

das informações, bem como reforça a atenção sobre o tratamento dos personagens da

notícia. Neste tópico, as fontes merecem destaque. Já o terceiro capítulo, intitulado Texto,

está voltado a normatizar os assuntos gramaticais. “Alerta (ainda) para os erros freqüentes,

faz observações de estilo e estabelece algumas padronizações de linguagem da Folha,

explicando, na medida do possível, suas razões” (1992, p. 09-10). O capítulo Edição faz

recomendações sobre a organização interna, as relações hierárquicas entre os profissionais,

além de definir os padrões de estruturação e apresentação dos textos no jornal. Informações

sobre o lead, chamadas de capa estão cobertas por este capítulo.

Este manual multiplica os espaços das informações apresentadas em forma de

anexos, que passam a ocupar mais de dois terços do total. Dados sobre medidas,

conversões, estrangeirismos são completados. Incluem-se, ainda, mapas políticos

impressos em cores, fusos horários e detalhes sobre cada país (população, sistema político,

principais cidades, etc). Além disso, relacionam os principais órgãos consultados pelas

editorias, seus endereços e respectivas siglas. Por fim, apresenta um conjunto de

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expressões jurídicas como “flagrante delito”, “processo” e “réu” e um organograma do

poder judiciário (1992, p. 173-176).

Uma das marcas deste manual, demonstrada enquanto tendência na edição anterior

é transformá-lo em algo mais complexo do que um simples documento normatizador e

uniformizador das atividades internas da empresa. Isto se dá, entre outras coisas, pelo

aumento no número de páginas a partir da inclusão de mais dados, o que significou o

reconhecimento do interesse por outros setores da sociedade, que passaram a contar com

ele para eximir dúvidas em torno de questões alheias à produção específica.

d) A referência nacional

Seguindo a tendência de ampliar o acesso a outros

interessados alheios ao campo sem, contudo, abrir mão de

informar aos leitores sobre seu projeto de jornalismo e sobre seu

entendimento sobre a política e a economia nacional, como se

fosse à representação dos editorais do jornal, a quarta edição

revisada do Manual de Redação da FSP, 2001, surge com 400

páginas e em formato brochura. As cores e a valorização das

imagens permanecem bem como a apresentação em capítulos:

Projeto Folha, Procedimentos, Padronização e estilo e Estrutura da Folha.

Estrutura Interna: No primeiro capítulo – Projeto Folha -, o Manual apresenta

integralmente o projeto editorial reformulado em 1997, que até então estava disponível na

Internet. Nesta seção, o jornal faz uma avaliação da situação econômica e política por que

passa o jornalismo brasileiro, destacando os principais fatos em que a FSP esteve

envolvida e as repercussões para o futuro da empresa e do jornalismo, como o caso do

impeachment do presidente Collor. No segundo capítulo, Procedimentos, o Manual traz as

regras às ações dos jornalistas no espaço da produção do jornal propriamente, ou seja,

materializa a concepção do jornal em procedimentos concretos. “Trata-se de um guia para

nortear os procedimentos internos e também as aspirações dos jornalistas” (2001, p. 19).

Verbetes como “Discussões em equipe” e “hipótese de trabalho” são acompanhadas de

exemplificações de sua aplicabilidade, detalhando quando e onde eles devem ser usados. O

terceiro capítulo, Padronização e estilo apresenta lista de verbetes que os jornalistas

devem respeitar com o objetivo de uniformizar os textos. Em relação ao último capítulo,

Estrutura da Folha, o jornal oferece como texto de abertura da seção um breve histórico

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da empresa. Na seqüência apresenta os verbetes que definem os vários órgãos e funções. A

seção dos anexos compreende a maior parte do manual. Amplia as informações dadas na

versão anterior concentrando, desta feita, informações sobre os campos militar, religioso,

econômico, médico e matemático/estatístico bem como dados sobre o parlamento. As

questões gramaticais que na edição anterior se encontravam no capítulo Texto passam a

fazer parte do anexo como tópico específico. As siglas permanecem bem como o índice

remissivo.

Nesta edição, a Folha reivindica sua condição de estar à frente dos principais fatos

que envolveram a sociedade brasileira, deixando claro que a disputa pelos leitores está

perpassando à elaboração do Manual. Ou seja, mais que um documento de regramentos,

ele se tornou um apoio para a comercialização do jornal. Passou a ser encarado como um

instrumento estratégico de referência do jornal.

Folha: Do autoritário ao universal

Os manuais de redação foram constituídos, entre outras coisas, para normatizar as

ações dos jornalistas em ação de produção noticiosa. Embora tenham basicamente os

mesmos objetivos, apresentam diferenças, tanto entre si quanto em relação a manuais de

outras instituições. Na avaliação do projeto editorial, a direção da Folha faz a seguinte

avaliação sobre a primeira edição: “O Manual Geral de Redação tem sido um instrumento

importante no sentido de divulgar as expectativas em torno da produção do jornalismo na

Folha e de homogeneizar os resultados obtidos” 33.

A primeira versão (1984) tinha por objetivo romper com o modelo de jornalismo

mais solto, com características criativas praticados até então. Buscava enquadrar o

jornalismo às regras do mercado competitivo. Por isso optou por uma proposta de manual

mais vertical, com características “impositivas” e “draconianas” (Novo Manual da

Redação, 1992, p. 07). Já na segunda edição, de 1987, o Manual passa a relativizar seu

foco, articulando os verbetes dentro de seções no sentido de facilitar o acesso de usuários

(leitores) sem intimidade com o discurso jornalístico sem, contudo, perder de vista o

público alvo, os jornalistas. Esta postura é reforçada quando se constata capítulos

destinados a apresentar a estrutura do jornal. Verbetes como “Editoria de Política”, “chefe

de redação” são conceituados. Com isso, o Manual informa aos leitores que existe

33 Projeto Editorial 1985, visitado em outubro de 2007. http://www1.folha.uol.com.br/folha/conheca/projetos-1985-2.shtml

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hierarquia interna e que o jornal é composto por vários setores e órgãos que atuam racional

e objetivamente em favor da “notícia séria”. Ao fazer isto, reforça a idéia de ser um jornal

organizado e que, portanto, tem credibilidade naquilo que faz.

Mas não é apenas a apresentação de alguns verbetes que “vende” a idéia de

credibilidade. Os Manuais, principalmente a partir da edição de 1992, no seu conjunto,

também funcionam para criar este efeito. Ao editar manual (ou manuais) como no caso de

alguns jornais, as instituições procuram agregar-lhe capital simbólico. Ou seja, tornam-se

“capazes” diante do conjunto dos atores e instituições em dizer quais são os melhores

modos de se fazer algo, no caso jornalismo. Além disso, procura firmar entre os

consumidores/leitores uma relação de confiança, pois na medida em que os manuais de

redação, de alguma forma, tornam transparente ao conjunto dos leitores os modos de

operação internos à redação, reforçam as relações do jornal com os leitores e jornalistas,

demonstrando que suas intenções estão expressas, portanto, definidas documentalmente.

Neste sentido, constata-se que não se trata de qualquer jornal, mas sim daquele que possui

manual de redação! O manual funciona como um homologador do próprio jornal junto ao

público leitor, num jogo de mútuo-reforço. Da mesma forma, quando reivindica sua

posição de pioneiro, visa consolidar posição de vanguarda entre os concorrentes e marcar

um lugar de ousadia nas disputas dentro do mercado midiático.

“O texto de 1984 teve funções pioneiras. Manuais de

estilo já existiam desde a década de 20. Pela primeira vez, porém, um manual de jornalismo não se limitava a prescrever opções de linguagem e reforçar regras gramaticais, mas procurava condensar uma concepção de jornal.” (...).

“O manual de 84 foi pioneiro em outro sentido. Nunca um jornal tornara pública uma pauta tão extensa de compromissos, facultando ao leitor os meios técnicos de fiscalizar sua execução, estabelecida num texto escrito” (Novo Manual da Redação, 1992, p. 07).

Outra característica que visa marcar a isenção e a credibilidade através do Manual é

não destacar o(s) autor(es). Em nenhum momento nas quatro edições, há referências diretas

sobre a autoria dos Manuais. “Duas comissões trabalharam no preparado deste volume”.

Isto demonstra a forte presença institucional e aponta o Manual como conseqüência de um

projeto de reformulação maior. É como se a criação fosse de responsabilidade de uma

entidade, no caso, o jornal e não de sujeitos de criação. Somente nas duas últimas edições

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analisadas (1992-2001) é que aparecem embora de forma tímida, informações sobre a

equipe de produção.

5.2– O uso de manual de redação se espalha - Os Manuais de Redação

de O Estado de São Paulo

O jornal O Estado de S. Paulo, ou simplesmente Estadão, como é conhecido, tem

parte de sua vida relacionada às disputas empreendidas pelo seu concorrente direto, a

Folha. Ambos são considerados os principais jornais brasileiros, não apenas por estarem

situados no principal estado da união, centro econômico e industrial, mas por possuírem

níveis de circulação maiores que jornais de outros centros como Rio de Janeiro e Belo

Horizonte. Mesmo possuindo diferenças históricas, as estratégias ou mesmo tecnologias

utilizadas por um, são avaliadas pelo outro e em muitas situações, até implementadas,

como o caso dos manuais de redação. Embora seus diretores não afirmem categoricamente,

podemos inferir que a publicação do Manual de Redação e Estilo do Estadão em 1990

reflete em parte o êxito editorial obtido pelos manuais publicados pela Folha na década

anterior. Trata-se, na realidade, de constatações relativamente simples: a) até então nenhum

jornal havia disponibilizado ao grande público um manual de redação; b) os êxitos na

circulação, inclusive através de vendas, dos manuais da Folha criaram um diferencial entre

os jornais, algo que estava além do próprio jornal e que a Instituição não poderia permitir,

aliado a (c) necessidade de racionalizar a produção, uniformizando os dizeres e os fazeres a

padrões mais claros e conhecidos. Ou seja, o Estadão não poderia simplesmente permitir

que seu principal adversário lançasse mão de um dispositivo que o tornaria mais visível. É

natural que o processo concorrencial não é a única explicação para a circulação dos

manuais de redação tanto por parte de O Estado de S. Paulo, mas certamente demonstra

que os manuais de redação configuraram-se como mais um espaço de captação (formação)

e consolidação de leitores.

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a) As disputas pelo dizer e pelo fazer

Com o objetivo de disputar espaço num campo

relativamente dominado pela FSP, jornal do Estado de S. Paulo,

o “Estadão” publica a partir de 1990 seu primeiro manual de

redação. A sua primeira versão levou o nome Manual de

Redação e Estilo. Sem nenhum acanhamento, ele oferece 315

páginas de verbetes, regras gramaticais e outras seções para uso

corrente dos jornalistas. Para tanto, ele foi dividido em três

grandes capítulos: O texto e a edição do jornal; Normas internas

e de estilo e Escreva certo. Os verbetes são organizados em

ordem alfabética e a cada início de capítulo, o Manual apresenta um pequeno texto

introdutório fornecendo informações gerais sobre seu conteúdo. O primeiro capítulo

fornece ainda instruções de como consultar o manual. “Embora cada uma de suas partes

possa ser consultada individualmente, é conveniente que o capítulo seja lido uma ou mais

vezes de forma completa” (1990, p. 15). A idéia é fornecer aos leitores informações sobre

o modo como ele deve ser acessado. Isso indica uma concepção de uso para além da

redação, ou seja, a expectativa da publicação foi a de atingir consumidores alheios ao uso

do Manual.

Estrutura Interna: Em relação ao conteúdo, o capítulo, O texto e a edição do

jornal, traz informações sobre a filosofia do jornal e os modos de preparação do texto

noticioso. As instruções correspondentes a esta seção estão divididas em dois grupos:

instruções gerais e instruções específicas, sendo que a primeira está organizada em ordem

numérica crescente e a segunda, em ordem alfabética. Nas instruções gerais, há

recomendações sobre a necessidade de ser “claro, preciso, direto, objetivo e conciso” (p.

16-22). Nas específicas, há indicações sobre a “ética interna”, “a impessoalidade do texto”,

sobre o “lead” entre outras atinentes à edição do texto (p. 22-82). Em ambos os grupos, os

verbetes são acompanhados de exemplos, o que ajuda no momento de relacionar com as

situações reais.

O segundo capítulo - Normas internas e de estilo - ocupa mais da metade do

manual (p. 84-306). Esta seção preocupa-se em definir as regras que darão forma aos

textos do jornal: o uso de negrito, de maiúsculas e minúsculas, de números; além de

destacar os aspectos gramaticais, como a grafia correta, as regras de concordância, as

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normas de acentuação entre outros. Por fim, ele lembra ao leitor que este capítulo “será

muito útil no dia-a-dia” (p. 83). Esta seção é a maior, demonstrando que para o jornal, o

Manual é um instrumento de uniformização do periódico, muito mais que de controle

editorial ou ético.

No último capítulo, Escreva certo, o Manual apresenta relação de palavras que

podem comprometer o texto jornalístico, também em ordem alfabética. A atenção, como a

introdução desta seção demonstra, está centrada no uso do hífen, do cedilhado, dos nomes

próprios e dos estrangeirismos. Acrescenta-se a esta relação os nomes de instituições mais

usados no jornal.

O espaço dedicado aos anexos é pequeno. São apenas duas páginas com medidas

agrárias, de velocidade e distâncias. O Manual traz ainda lista bibliográfica consultada,

referenciada na língua portuguesa. São dicionários, manuais ortográficos e gramaticais.

b) Como dicionário

O Manual de Redação e Estilo publicado em 1997 repete, não

somente a conformação do anterior, mas o sucesso editorial34. A

quantidade de informações aumenta, assim como o número de

páginas: que passa a 400.

Estrutura Interna: Ele está dividido em seis seções,

quatro delas são dedicadas a instruir os usuários quanto ao uso

correto da língua portuguesa: “O uso da crase”, “Os cem erros

mais comuns”, “Guias de pronúncia” e “Escreva certo”. Já as

questões voltadas a definir o projeto de jornalismo do jornal

estão inseridas no capítulo Normas internas e de estilo. Este último tópico continua

valorizado, ocupando mais de dois terços do total. A importância dada aos assuntos

gramaticais é reforçada pelo testemunho de escritores e professores de língua portuguesa

publicados na contracapa do Manual, como o filólogo Adriano Kury e as escritoras Lygia

Fagundes Telles e Rachel de Queiroz. Esta última afirma que “O Manual do Estado é o

melhor e o mais bem-feito. O autor é bem informado e sabe escrever e utilizar a língua

portuguesa” (1997, contracapa).

34 Na edição de 1997 do Manual de Redação e Estilo de O Estado de São Paulo, o autor Eduardo Martins destacava a marca de 500 mil exemplares. “Transformou-se numa espécie de almanaque a ser consultado pelo público” (CAPRINO, 2001, p. 52).

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O nome do autor Eduardo Martins aparece com destaque, ganhando espaço na capa,

logo abaixo do título. Na apresentação do Manual, o chefe de redação Aluízio Maranhão,

ressalta a experiência do autor como jornalista do Estadão há mais de três décadas e os três

anos dedicados a análises de vários jornais. As informações em anexo permanecem

reduzidas a poucas páginas, assim como as referências bibliográficas, oriundas da língua

portuguesa, privilegiando a distribuição linear alfabética dos termos.

O Manual do Estadão como compêndio da língua

As edições do Manual de Redação do Estado de São Paulo repetem a fórmula de

sucesso do seu principal concorrente: incorporar elementos que ampliem seu interesse a

outros setores da sociedade. No caso da Folha, o aumento significativo dos dados

transformou seu manual numa enciclopédia. Já no caso do Estadão, o aumento das

informações somado à preocupação gramatical, transformou o Manual num dicionário.

Este modelo se encaixou perfeitamente nos interesses de pessoas que tem o dicionário

como referência cotidiana. Esta opção marca o Manual de Redação e Estilo do Estadão

como instrucional, pois ele atua não somente regrando as atividades jornalísticas, mas

também fornecendo aos seus usuários informações que podem ser utilizadas em qualquer

circunstância. Aspectos de forma e gramaticais, listas com os 100 erros mais comuns ou

com palavras que podem provocar dúvidas, a forma alfabética de apresentar os verbetes,

reforçam a marca instrucional do Jornal. Isso vai ao encontro de alguns sinais constatados

em pré-observações realizadas em redações que não possuíam manuais próprios. Dos

jornalistas entrevistados, todos adotavam o manual do Estadão como forma de ajudar nas

dúvidas gramaticais mais comuns. Alguns editores indicam seu uso, qualificando-o como o

mais interessante às necessidades da empresa, especialmente no que diz respeito ao modo

correto de escrever35. A preocupação em trazer para o Manual as dificuldades do mundo da

ação reforça o pragmatismo do documento.

Outra característica que marca o perfil instrucional do Manual é a presença de

agentes do campo científico-literário. A opinião de escritores e literatos, impressa com

destaque, indica que o conteúdo mais valorizado está relacionado às informações

gramaticais. “Eis aí um trabalho que me parece da maior utilidade para todos aqueles que

35 As pré-observações foram realizadas em quatro jornais (Jornais Zero Hora e NH de Novo Hamburgo do Rio Grande do Sul e Gazeta do Povo – Curitiba e o Diário dos Campos do Paraná) em momentos distintos ao longo de outubro de 2004 a março de 2007.

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cultivam a bela língua portuguesa neste nosso estilo brasileiro”36 (1997, contracapa). Isto

tende a facilitar a inserção do dispositivo em sistemas que trabalham com a redação de

textos, não somente o jornalístico. Este movimento potencializa sua presença para além das

redações e justifica, em parte, a característica instrucional desse manual. Além deste

aspecto, o uso em destaque de personalidades comentando a importância do manual,

reforça a idéia de credibilidade do documento e, por conseguinte, do próprio jornal.

5.3 – Os manuais se espalham - Zero Hora (1994-2004)

A publicação dos Manuais de Redação do Jornal Zero Hora demonstra que o

fenômeno dos manuais de redação já havia se estendido para outros centros do país,

evidenciando não se tratar apenas de um evento restrito aos grandes centros. Além disso,

como veremos mais a frente, trata-se de propostas marcadas por significativas diferenças

entre suas duas edições.

a) Orientando o comportamento

Mostrando que não se trata de um fenômeno restrito ao

centro econômico e político brasileiro, em 1994, o jornal Zero

Hora de Porto Alegre (RS) sistematiza seu modelo de

jornalismo pelas mãos dos jornalistas Augusto Nunes e Marcelo

Rech37 e publica em 80 páginas o Manual de Ética, Redação e

Estilo.

Já no título encontramos indícios de algumas de suas

características, como o destaque aos aspectos éticos em relação

aos de estilo e gramaticais.

Estrutura Interna: Divididos em três capítulos: Ética, Redação e Estilo e três

seções: Glossário, Fontes de Consulta e Índice remissivo, o manual apresenta os verbetes

em ordem alfabética. No início de cada capítulo há uma epígrafe, que visa sintetizar os

objetivos do jornal. Os verbetes regram, no primeiro capítulo, Ética, sobre as posições que

36 Opinião de Lygia Fagundes Telles, publicado na contracapa da edição de 1997 do Manual de Redação e Estilo de O Estado de S. Paulo. 37 Marcelo Rech ocupava no momento das entrevistas (2004/2005) a função de Chefe de Redação do jornal Zero Hora - RS.

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os jornalistas devem tomar em questões polêmicas, como acusações, ameaças, direito à

privacidade, seqüestros entre outros. Fica evidente que as regras estão direcionadas a

normatizar o relacionamento externo, com as fontes, anunciantes, órgãos públicos e a

concorrência. “Recomenda-se ao profissional de Zero Hora evitar usufruir, em serviço ou

não (grifo nosso), almoços, jantares ou confraternizações de caráter político, entre os quais

eventos relacionados a disputas em entidades de classe ou outros organismos” (1994, p.

14). Embora estas observações apareçam em outros manuais, neste caso elas têm maior

destaque, como observa Marcelo Rech ao comentar as características do manual do Zero

Hora: “Como funcionário do jornal eu não posso furar uma fila ou usar das minhas

prerrogativas para obter vantagens pessoais. E isto o manual disciplina”38.

Nos capítulos seguintes, Redação e Estilo apresentam os verbetes que uniformizam

a linguagem do jornal, além de fornecerem informações sobre questões gramaticais.

Apresentam listas de palavras autorizadas e vetadas para a redação; uso de hífen; de

negrito; títulos e “cartolas” aceitas, entre outras relacionadas à forma do jornal.

O Glossário relaciona algumas palavras de uso comum dentro das redações. Os

jargões são acompanhados de significado. O Manual traz ainda Índice remissivo e as

Fontes de consulta. Nesta última há referências a códigos de ética e manuais de jornais

estrangeiros, como o El País.

b) Um manual para a corporação

A segunda edição, publicada em 2004, foi organizada

em forma de livreto com 40 páginas. Chamado Guia de Ética

e Responsabilidade Social da Rede Brasil Sul, as

orientações abrangem todos os funcionários do Grupo RBS39.

Ele está dividido em três seções: Missão da RBS, Valores da

RBS e Ética.

Estrutura Interna: O primeiro capítulo, Missão da

RBS, informa sobre os objetivos da empresa. O segundo

38 Entrevista concedida ao autor em cinco de maio de 2005. 39 O Guia orienta os funcionários do jornal Diário Gaúcho, do canal de televisão Rede Brasil Sul - RBS, da rádio Gaúcha e dos jornais de Caxias do Sul, O Pioneiro, de Santa Maria e de Florianópolis.

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Valores da RBS apresenta os compromissos morais defendidos pelos veículos de

comunicação sob a direção do Grupo. Este está subdividido em Responsabilidade e

Compromisso social. O último capítulo apresenta as questões éticas que devem nortear a

ação da RBS. Este capítulo está subdividido em três setores de uso: ética, voltada a regrar

as atividades dos empregados para o exercício da profissão; ética editorial, direcionada ao

comportamento dos profissionais no tratamento de conteúdos produzidos; ética na gestão

interna, balizadora das relações entre empresa e funcionários e ética externa, que normatiza

as relações entre empresa e anunciantes. Não há referências às questões de estilo e

gramática.

Zero Hora: entre colaboradores e parceiros

A proposta de Manual para o jornal Zero Hora e posteriormente estendida para o

Grupo RBS como Guia de Responsabilidade é a de priorizar aspectos comportamentais e

éticos de seus funcionários, especialmente na edição de 2004, em oposição às questões de

estilo, como é comum na maioria dos manuais analisados. Isto pode ser explicado em parte

pelo fato do Manual buscar atender as especificidades de cada veículo do Grupo. Assim, as

questões relacionadas ao estilo exigem definições mais objetivas sobre o modo de como

cada meio de comunicação deve apresentar suas matérias, não se podendo definir as

mesmas regras de estilo para veículos tão diferentes como o jornal e a televisão. Mas

também é o reconhecimento de que o Manual de regras gramaticais e de estilo não é

necessário, afinal ele visa amparar jornalistas que presumivelmente têm domínio da língua.

A ausência de elementos específicos à produção dos textos demonstra que não se

trata de uma manual comum, mas sim de um manual de conduta. Ao fazer isso, o manual

se volta para as “práticas do jornalista” em relação às “práticas do jornalismo”. Embora

próximas, guardam distinções. Ao destacar a prática do jornalista, a empresa indica que as

decisões sobre a notícia estão mais no jornalista, do que no próprio sistema jornalístico. De

outra forma: as tomadas de decisão nos momentos que antecedem a produção da notícia,

momentos de “pré-texto” (entrevistas, relacionamento dos repórteres com as fontes,

escolha de fontes até o modo como os jornalistas se vestem ou usam suas prerrogativas)

devem sofrer maior disciplinamento. Tal atitude repercute na elaboração do texto

jornalístico. Mais ainda: há o reconhecimento da necessidade de regrar ações que estão

inseridas nos modelos de conduta dos empregados (parceiros, colaboradores) como forma

de criar uma imagem ideal da empresa que possui credibilidade não somente nas notícias

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que veicula, mas também em seus jornalistas. Talvez não se trate de uma outra mirada, mas

sim, a de sofisticar e/ou ampliar os mecanismos de controle, pois neste caso não se trata de

um jornal apenas, mas de uma organização midiática complexa com características

específicas e públicos distintos.

Outra característica destes projetos, especialmente do último, é o modelo de relação

que ele propõe com os funcionários. A idéia é integrar os funcionários aos objetivos da

empresa, tratando-os como colaboradores e não como empregados. “Por considerar os

colaboradores parceiros (grifo nosso) de seu projeto empresarial, a RBS respeita os

seguintes preceitos éticos na relação com seus recursos humanos” (Guia, 2004, p. 31).

Desta forma, o Manual procura comprometer os empregados aos princípios da empresa,

agindo mais como uma Carta de Compromissos do que necessariamente como um manual

de redação.

5.4 - Preocupado com a qualidade - O Globo (1992)

Na esteira do sucesso das publicações dos manuais da Folha e do Estadão, o jornal

O Globo torna público as regras do jornal em forma de manual, em 1992. A idéia do jornal

carioca é, assim como seus principais concorrentes de S. Paulo, organizar a produção

demonstrando que o jornal está preocupado com a qualidade de sua publicação. Para isso

ele apresenta via manual uma estratégia relativamente diferente da até então utilizada,

especialmente na forma de apresentar as regras, como analisaremos em detalhes mais a

baixo.

De forma geral, a presença do Manual de O Globo reforça a preocupação dos

jornais tanto em participar mais ativamente no controle da produção jornalística, quanto se

apresentando preocupado com a qualidade de sua publicação.

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a) Rentabilidade e qualificação

O Manual de Redação e Estilo de O Globo, publicado

em 1992 com 171 páginas, engrossa o movimento de

racionalização e tecnificação das redações iniciado pela FSP.

Embora ele tenha sido reimpresso 29 vezes40, não apresenta

mudanças internas significativas. Impresso em capa dura nos

moldes de um livro, o Manual de Redação e Estilo segue uma

lógica própria de apresentação dos verbetes que se manifesta

pela distribuição alfabética dos verbetes apenas em alguns

capítulos. Na maioria deles, após as definições básicas sobre a

função, seguem textos descrevendo a importância do termo para a realização do jornal.

Essa forma de organizar não abre mão do detalhamento de situações que oferecem risco à

atividade jornalística. Isso aponta para um lugar de partida da produção do manual de O

Globo que foi resultado do acompanhamento de 1200 edições ao longo de três anos

(CAPRINO, p. 56). A presença do autor é evidenciada, mais na condição de editor do

projeto do que o responsável exclusivo, até porque a elaboração do manual contou com a

participação de outros jornalistas.

Estrutura Interna: O Manual é dividido em cinco capítulos: Antes de escrever,

Estilo, Padrões e convenções, Em bom português e Questões éticas; e três apêndices:

Palavras perigosas, Acidentes de texto e Em outros idiomas, além de um anexo que traz

expressões jurídicas mais utilizadas dentro do jornalismo. Entretanto, os verbetes não são

tratados como vocábulos. O primeiro capítulo, Antes de escrever, traz informações sobre

os processos de produção da matéria, como pauta, preparação. Já o segundo capítulo,

Estilo, o Manual apresenta as regras de linguagem, pontuação, coerência textual. Nele

estão incluídos questões sobre as técnicas jornalísticas, gêneros de textos – opinativo,

interpretativo -, além das regras sobre titulagem, chamada. O terceiro capítulo, Padrões e

convenções, reúne as normas de uniformização dos textos. Para o quarto capítulo, o

Manual apresenta informações gramaticais. Com o título Em bom português, esta seção

apresenta conjunto de regras ortográficas impossíveis de serem ignoradas. “Reúne normas

e exemplos sobre áreas que a experiência ensinou serem de maior vulnerabilidade –

aquelas em que o erro agride mais violentamente a informação” (1992, p. 58). Destaca-se,

40 Informações confirmadas pela Editora Globo consultada por e-mail em outubro de 2005.

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portanto, o uso da crase, de hífen, a regência de verbos e a utilização de pronomes. O

último capítulo dedica-se a apresentar os elementos éticos necessários ao desenvolvimento

do trabalho jornalístico do jornal. O modo de tratar estas questões parte sempre da posição

do jornal para o geral. “O jornal considera...”, “O jornal denuncia...”, “O jornal não

acolhe...” são formas que demarcam o movimento diretivo sobre os jornalistas, que são

tratados com impessoalidade. No campo dos Apêndices, o Manual inclui lista de palavras

que mais oferecem perigo à produção das matérias, além de um campo referente aos

acidentes de texto e aos termos estrangeiros admitidos pelo jornal. O Manual

complementa as informações apresentando lista de vocábulos jurídicos e suas

terminologias. Por fim, ele cita as referências bibliográficas consultadas na feitura do

Manual, composto basicamente de livros de Língua Portuguesa e de manuais de redação de

instituição nacionais e estrangeiras.

Manual como recurso didático

Como análise sintetizadora, observo que o modelo de manual adotado pelo jornal O

Globo visa construir um discurso que marca a posição do veículo frente às necessidades

econômicas, políticas e sociais, compreendido pelo atendimento dos “interesses” de seus

leitores e do reforço do jornal como um órgão sério e com credibilidade. Sua intervenção é

fluída com tratamento mais genérico das questões jornalísticas. Esta forma de tratamento

indica um nível de abstração mais elevado que os outros manuais de redação analisados. A

nosso ver, trata-se de um didatismo, na medida em que os verbetes são acompanhados de

explicações ou introduzidos por textos que fornecem o contexto de uso, diferente da

proposta diretiva da maioria dos outros documentos deste tipo, como podemos notar no

exemplo a seguir:

“Off de Record: É um caso especial de declaração, em que a fonte não é identificada. O anonimato deprecia a informação (grifo nosso); é o que basta para que se evite o off tanto quanto possível. Acontece que, freqüentemente, o jornalista fica sem a informação se insistir em identificar a fonte. Mas ele deve se certificar de que o desejo do anonimato é legítimo e de que não há outra forma de obter a notícia” (1992, p. 31).

Esta marca didática do Manual tende a ampliar a ação reflexiva dos jornalistas, e que por

isso se contrapõe a lógica de alguns manuais como documentos voltados à definição dos

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modos de executar tarefas. Essa característica didática do manual indica a necessidade de

uma formação suplementar aos jornalistas. Luiz Garcia considera, neste sentido, que a

responsabilidade do manual é entre outras coisas contribuir na qualificação dos jornalistas

e não apenas resolver problemas do cotidiano. Ao comentar as mudanças na linguagem

jornalística, ele afirma que a cultura profissional mudou: “Antigamente (até os anos 60) se

você fizesse um científico (modelo de ensino adotado até meados dos anos 70 no Brasil,

antecedente ao ensino superior) em um bom colégio, já lia Machado de Assis, Eça de

Queiroz. A formação universal era melhor. Hoje, a formação é pior, embora o ambiente

profissional seja valorizado” 41.

5.5 – Para ficar na moda – O manual da Folha de Londrina (1996)

A publicação do Manual de Redação da Folha de

Londrina (FL), lançado em 1996, confirmou tendência da

imprensa brasileira na adoção de manuais de redação. Assim,

o argumento que alguns se utilizaram para justificar a adoção

de manuais de redação como a necessidade de organizar e

uniformizar as rotinas complexas parece neste caso ser

suficiente para explicar o porquê um jornal de interior possa

ter o interesse em sistematizar regras em manuais de redação.

Assim, para além da necessidade técnica/operacional

em definir padrões com objetivo de organizar uma redação

que não era tão complexa e heterogênea, a Folha de Londrina procurou se distinguir, sendo

o único jornal do Paraná com este tipo de recurso. Essa estratégia está ligada à idéia da

época de que todo jornal de qualidade deveria ter manual de redação. Talvez isso explique

o fato de que, atualmente, o Manual criado há 10 anos não esteja mais sendo utilizado pela

redação. Em consulta aos jornalistas, pudemos verificar que poucos se lembram que o

jornal teve manual de redação. Mesmo não estando mais presente na redação, uma análise

de estrutura interna revela características que demonstram quais eram suas estratégias em

relação à redação.

Estrutura Interna: Com 98 páginas, o Manual de Redação e Estilo está

organizado em quatro capítulos: “Toques & manhas”, “Palavras de risco”, “Tira-dúvidas”

41 Entrevista concedida por Luiz Garcia a Mônica Caprino, em 2000, referente a sua pesquisa de doutorado. Caprino gentilmente nos autorizou a utilizar total ou parcialmente suas entrevistas.

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e “Cotidiano” e um anexo. Antes de definir os verbetes específicos de cada capítulo, o

Manual abre com três textos de jornalistas ligados ao jornal, que compõem sua

apresentação. O primeiro, relata a história de seu fundador, ressaltando a iniciativa em

meio às dificuldades econômicas e tecnológicas da época. Este texto tem a função de

mostrar que o jornal está marcado por momentos de luta e de sofrimento e que ele está ali

por méritos próprios (1996, p. 09-12). O segundo texto, escrito pelo chefe de redação, pode

ser considerado o mais próximo de um texto apresentação, pois informa sobre os objetivos

do Manual. Já o terceiro, faz considerações sobre o futuro do jornal e da imprensa

vinculando a introdução do manual como forma de garantir a qualidade na produção nas

matérias e, portanto, a existência do próprio veículo (p. 19-20).

Em relação ao primeiro capítulo, Toques e manhas, o Manual da Folha de

Londrina apresenta, em tom de dicas, algumas regras sobre a produção dos textos, como

escrever frases curtas, colher o maior número de informações antes de iniciar o texto entre

outras coisas, mas todas voltadas à redação da notícia. Já o segundo capítulo, organizado

em ordem alfabética, completa o anterior relacionando as Palavras de risco que os

jornalistas devem ficar atentos no momento da redação. Este capítulo é o que se parece

mais com um dicionário. O terceiro capítulo, Tira-dúvidas, mantém a apresentação linear

dos verbetes. Neste estão contidas as regras sobre o estilo. No último capítulo, Cotidiano,

os verbetes se referem, em sua maioria, ao jornalismo e a estrutura funcional do jornal.

Termos como notícia, ilustração, editor adjunto, deadline estão presentes. Na seção de

anexo, os dados complementares mostram informações sobre os países do Mercosul,

distâncias, PIB, população. Além disto, o Manual traz o alfabeto, um guia de pronúncia e

os meses do calendário traduzidos para o espanhol.

Instrumento das disputas regionais

Sendo o segundo jornal de maior circulação do Paraná42, a Folha de Londrina busca

a todo custo sedimentar a preferência dos leitores da região. Neste sentido, o manual

apresenta algumas marcas interessantes, principalmente ligadas às estratégias relacionadas

à consolidação do produto jornal na comunidade de abrangência, que está definida no norte

42 O jornal de maior circulação do Paraná é a Gazeta do Povo, pertencente à RPC – Rede Paranaense de Televisão, afiliada à Rede Globo com circulação média em dias de semana de mais 42 mil exemplares segundo dados extraídos do site http://portalimprensa.uol.com.br/mapadamidia/tabela_jornal_resultado.asp, acessado em setembro de 2006.

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e no oeste do estado, região que faz fronteira com Argentina e Paraguai. Fica evidente que

os objetivos do jornal através do manual são o de valorizar os conteúdos voltados à cultura

regional, atendendo aos aspectos fronteiriços. Desta forma, o Manual, para além de servir

como normatizador das ações dos jornalistas, buscava atender os interesses estratégicos do

veículo de ampliação/manutenção do público de língua espanhola. Idéia esta atrelada a

uma conjuntura da época. A partir do início da década de 90, vários países da América

Latina entre eles a Argentina, Paraguai e Brasil, formaram um bloco econômico, político e

cultural, com o objetivo de intensificar as relações entre as comunidades, especialmente

fronteiriças. Entretanto, como o passar dos anos, o Mercosul como foi chamado, não

mostrou avanços significativos, o que enfraqueceu qualquer perspectiva de ampliar as

relações entre eles. Assim, a possibilidade de o jornal se tornar uma referência para uma

parte da comunidade de língua espanhola acabou trazendo consigo os instrumentos

estratégicos que ele havia criado, no caso, o Manual de Redação.

5.6 - O que os manuais de redação dizem

Cada manual firma contrato de leitura com seus leitores, a partir de vínculos

indicados em sua estrutura. Neste conjunto de ofertas, identificam-se múltiplos e variados

contratos de leitura que cada manual oferece aos jornalistas, que podem variar de acordo

com seus objetivos e funções, marcadas por diferentes estratégias. Essas alterações,

destacadas neste texto de forma pontual a partir de cada manual formam, no conjunto das

publicações, características no modo de entender o próprio manual e suas relações com o

conjunto de seus usuários, bem como sua evolução no cenário jornalístico contemporâneo.

Os Manuais da redação da Folha de S. Paulo, por exemplo, que em suas primeiras

iniciativas eram francamente impositivos e seguiam características de uma defesa clara da

objetividade, mais recentemente apresentaram-se de forma mais genérica, a partir de texto

mais fluído, genérico em alguns aspectos, com características enciclopédicas, buscando

atender públicos cada dia mais distintos e heterogêneos. O último manual da FSP, com

mais de 400 páginas, demonstra essa tendência quando insere informações sobre mapas de

várias regiões do mundo.

Essas mudanças revelam que os manuais passaram a ser mais que instrumentos de

uniformização dos jornais; tornaram-se mais complexos e sofisticados, procurando dar

conta de uma realidade que cobra mais qualidade do produto jornalístico, num cenário de

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disputa mais acirrado. Neste âmbito, os manuais assumiram lugar nas disputas pela venda

direta dos periódicos, tornando-se por um lado peças publicitárias e em outros dispositivos

de intervenção no resultado do produto final, sempre buscando ampliar as audiências,

especialmente nos grandes centros econômicos, cujo mercado comunicacional é mais rico

e exigente.

Outro fator confirmado nas ofertas dos manuais em geral está relacionado à defesa

e a consolidação da credibilidade como elemento central nas disputas. Desta forma, ele se

coloca como mais um elemento na luta pela estruturação e manutenção de um discurso

confiável para o jornalismo. Ou seja, os manuais proporcionam certo sentido de

credibilidade aos jornais, pois representa um compromisso com a transparência. Publicar

manuais de redação atualmente tornou-se mais que uma forma de uniformizar a produção.

Na verdade, os manuais reforçam a idéia de um jornal comprometido com certos padrões

editoriais e de estilo, e com valores como verdade, parcialidade, pluralidade, exatidão. Ao

fazerem isso, reivindicam a capacidade de dizer de que forma o jornalismo deve ser

realizado, para além das questões econômicas e ideológicas.

Outro elemento deste contrato se revela por outra estratégia que perpassa as regras

específicas do jornal: ao ampliarem seus conteúdos, apresentando informações

historicamente exógenas ao campo jornalístico, eles não apenas passam a considerar a

necessidade de ampliar os conhecimentos dos jornalistas, mas também se voltam a atuar

em outros setores da sociedade, em outros campos sociais, na medida em que viabilizam -

via manual - para o campo jornalístico, informações sobre outras áreas,

institucionalizando-as. A utilização de manuais de redação por outros em outros ambientes

legitima o próprio jornal, pois afinal usar o manual de determinada instituição é distinguir

sua importância como no caso da Folha de Londrina, que mesmo não sendo um jornal

grande, reconheceu por um momento, a importância do uso do manual como diferenciador,

caucionando sua posição na região.

Quanto ao conteúdo jornalístico, alguns manuais apresentam-se mais tolerantes e

flexíveis. Suas normas são mais indicativas e didáticas; as regras são seguidas por

argumentos explicativos e exemplos que visam convencer os jornalistas na necessidade de

cumpri-las, como no caso de O Globo. A idéia de O Globo, mais do que definir

determinado código de leis nos quais os jornalistas estariam inevitavelmente

comprometidos, é convencê-los da importância de seguir determinada regra em detrimento

de outra. Como o próprio Garcia afirma, “é preciso conhecer a regra para pode descumpri-

la”.

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Outra estratégia de manual diz respeito à necessidade de relacionar os valores

jornalísticos com os compromissos da empresa, como no caso do Manual do jornal Zero

Hora, de Porto Alegre. Neste caso, o Manual, ao lembrar os ideais da empresa, seus

compromissos, busca firmar uma aliança com seus empregados jornalistas. Sua intenção,

mais do que modelar os dizeres e os fazeres, é procurar convencer os funcionários de que

os objetivos da empresa, bem como o modo de alcançá-los, deve ser assumido por todos.

De modo que o Manual estrategicamente passa a destacar a conduta dos funcionários

minimizando aspectos redacionais e de estilo. Trata-os como parceiros, aliados em busca

de um ideal comum, ou seja, o sucesso da empresa. Ideal este defendido/definido pelo

manual. O manual especialmente a última edição reforça as intenções do jornal em um

plano mais coorporativo. Não é à toa que ele é chamado de Guia de Ética e

Responsabilidade Social da RBS. Nesse âmbito, ele se diferencia dos manuais de redação

tradicionais, sem, contudo perder sua condição de dispositivo controlador e organizador da

vida profissional dos jornalistas.

Outra característica enquadradora desta relação entre manual e jornalista está

apresentada pelas ofertas dos Manuais de Redação e Estilo de O Estado de São Paulo.

Neste cenário, o leitor está definido não apenas pelo interesse num amplo conjunto de

informações jornalísticas, mas inclusive pelos conteúdos gramaticais e de linguagem que

tomam a maior parte do conteúdo do Manual. Ao fazer isso, diz para o leitor-jornalista que

o jornal considera a qualidade gramatical como diferenciador no cenário de disputa.

Para além destas marcas emanadas dos conteúdos dos manuais de redação a partir

das vontades específicas de cada jornal, elaboram-se outras a partir de sujeitos e em

situações variados. Um destes sujeitos ressemantizadores do manual é o ombudsman,

como veremos na seqüência.

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6. Estratégias de apropriação

de manuais de redação

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“No idioma escandinavo antigo a palavra ombudsman quer dizer "o homem que cuida de afastar a neve, o gelo e o lixo das ruas e de varrer as chaminés”43.

As apropriações dos manuais de redação na imprensa se dão de várias formas e

intensidades, com múltiplos interesses, a partir de diferentes personagens com posições

relativamente díspares quanto as suas funções e demandas dentro do cenário jornalístico.

Além daquele ator, digamos mais comum que pode ser definido como sendo o repórter

diário, que cotidianamente está na redação, há outros personagens que podem vir a se

utilizar de manual de redação, como leitores, editores, escritores, professores de língua

portuguesa, estudantes de faculdades de jornalismo, secretários, assessores, entre outros

tantos. Dentre este conjunto de personagens que mais ou menos intensamente interagem

com os manuais de redação, podemos destacar a figura do chamado ombudsman, aquele

representante dos leitores e crítico do jornal. Neste rol de usuários de manuais, o

ombudsman surge de forma singular, principalmente nos veículos que possuem que

adotam os dispositivos regradores. Nestes casos, sua relação com o dispositivo é

reveladora dos modos de existência do próprio manual no âmbito da redação jornalística,

como também sobre as interações realizadas entre os jornalistas e o próprio manual tendo o

ombudsman como mediador. De forma geral, a análise em tornos das relações que se

estruturam via ombudsman tendo o jornal como substrato possibilita visualizar os

desalinhamentos cometidos pela redação sobre as regras definidas pelo manual. Nestes

termos, o ombudsman incorpora pela própria existência de sua função a condição de

operador privilegiado do manual de redação, como veremos mais abaixo.

6.1 - O ombudsman como um dos operadores do Manual da Redação

A relação do ombudsman com o manual exige algumas condições para se realizar,

entre elas à de que ele trabalhe preferencialmente em jornal que tenha manual de redação,

naturalmente. Entretanto, talvez encontremos dentro do mundo empírico situações em que

o ombudsman utilize manuais de redação de outras instituições. Contudo, nos casos em

que não há institucionalizado o manual de redação, o ombudsman parte de outras

referências, que pode ser tanto sua concepção do que deve ser considerado para a melhor

execução daquele produto ou serviço (história, cultura profissional, etc), ou mesmo a partir

43 In the ancient Scandinavian language the word ombudsman meant "the man who sees to it that the snow and ice and rubbish are removed from the streets and that the chimneys are swept". Arthur C. Nauman. News Ombudsmanship: Its History and Rationale. http://www.newsombudsmen.org/nauman2.html . Visitado em cinco de outubro de 2007.

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de um modelo teórico, com características mais gerais como a que institui o “jornalismo

cívico” (TRAQUINA, 2003), por exemplo, ou ambas. Ou seja, o crítico articula essas

referências para estruturar seus comentários com mais ou menos intensidade.

No âmbito empresarial, ou seja, quando a presença do manual de redação está

institucionalizada, a relação do ombudsman para com o dispositivo nos parece quase

natural, uma vez que o manual assessora o ombudsman em suas críticas, funcionando

como um instrumento que baliza os comentários, atuando nos moldes de uma constituição,

guiando e esclarecendo deveres a serem adotados por todos na redação. Sobre os critérios

mobilizados pelo ex-ombudsman Bernardo Ajzenberg (BRAGA, 2006, p. 89-97), José

Luiz Braga fala que, no âmbito profissional, os valores jornalísticos definem o critério da

crítica do ombudsman, que é refletida e analisada, para então ser publicada. “O jogo básico

feito pelo trabalho de Ajzenberg parece ser o de uma remissão mútua entre as práticas (as

matérias publicadas e seus pressupostos imediatos) e “os padrões. [...] Depreende-se que

exemplos concretos do jornal remetem a uma reflexão sobre os padrões e, correlatamente,

essa reflexão é usada como critério para a crítica. “Eventualmente são feitas referências ao

Manual de redação” (2006, p. 90). Há uma clara identificação do ombudsman com o

manual de redação, demonstrando a singularidade do contato do mesmo com os Manuais

de Redação.

Outra particularidade desta relação (Manual – Ombudsman) que é decorrente desta

referência direta aos padrões diz respeito ao teor da crítica. Como se refere Braga, a crítica

geral, aquela realizada por críticos literários é “difusa”. Ou seja, ela ocorre no âmbito das

interações sociais midiatizadas ou não. “Nessa visão difusa, o “crítico” é uma voz externa

ao objeto e a seu processo de produção, que se põe, por isso mesmo, como

“independente”” (p. 89). No entanto, neste caso, a crítica parte de dentro das instituições e

quem a realiza é um jornalista da própria instituição, que para isso se baseia nos padrões

definidos para todo o grupo, boa parte deles expresso no Manual da Redação.

Por ser de dentro, ombudsman é obrigado por sua função, a comentar a produção

de seus colegas, muitos deles parceiros de seção. Essa proximidade pode colocar em

cheque a credibilidade dos comentários, por isso seus comentários devem estar embasados

em dados objetivos. Quando os veículos possuem manuais de redação, a atividade crítica

se torna aparentemente mais objetiva e clara, uma vez que há padrões previamente

explicitados via manual de redação. Com os manuais de redação, a crítica do ombudsman

assume uma dimensão conhecida já que todos os repórteres partem do mesmo marco, o

próprio manual. Antes de aprofundar as características operativas do manual de redação

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pelo ombudsman, faz necessário breve recuperação do significado da função do

ombudsman e seu atual sentido.

6.2 - A formação do ombudsman

“A palavra “ombudsman” é de origem sueca e nada mais é que o resultado da

junção da palavra ombud (representante) e man (homem).” Sendo assim, seu significado é

“pessoa encarregada da delegação” (MENDES, 2002, p. 18).

A função de ombudsman foi criada em 1809. Na oportunidade recebeu a

denominação de “Justitieombudsman” (ombudsman de justiça) (p. 18).

A idéia de criticar a mídia via mídia começou primeiramente através de

comentários gerais publicados via colunas de jornais. Tratava-se de pessoas especializadas

que interpretavam e comentavam a mídia de forma geral sem a preocupação de focar um

único mídia e sem estarem necessariamente vinculadas com a instituição. Com o tempo,

tais pessoas passaram a ser reconhecidas como críticos de mídia, ou do inglês media

criticism. A atividade que teve origem nos Estados Unidos e que se espalhou para o mundo

chegou a assumir caráter disciplinar em algumas faculdades de comunicação pelo Brasil. A

função do ombudsman está ligada à de crítico de mídia, porém ele se distingue deste

conceito mais geral por que suas observações são orientadas a um único veículo ou

produto. Além desta diferença, ao contrário do ombudsman, o crítico de mídia não tem por

compromisso considerar as manifestações dos leitores na execução dos comentários. Na

grande maioria das vezes, ele parte de escolhas, observações e questionamentos (p. 25).

“No Brasil houve várias experiências de media criticism. Já na década de 50, Godin

da Fonseca fazia a crítica dos jornais pela então Folha da Manhã, que futuramente se

tornaria à Folha de S. Paulo” (p. 25).

Talvez uma das experiências de maior sucesso na área de crítica de mídia realizada

no Brasil seja a realizada por Alberto Dines através do programa Observatório da

Imprensa44, exibido pela TV Educativa do Rio de Janeiro e a TV Cultura de São Paulo

semanalmente desde maio de 1998. Seu objetivo inicial foi trazer para a TV as críticas

realizadas através do site de 1996. A origem do Observatório está associada a um projeto

44 Alberto Dines também foi responsável pela coluna ”Jornal dos Jornais” publicada pela Folha de S. Paulo nos anos 1970.

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desenvolvido pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo, ligado à

Universidade Estadual de Campinas – SP 45.

Há outras experiências de críticas de mídia, especialmente ligadas aos cursos de

jornalismo de universidades e realizadas via internet, como o Monitor da Mídia, da

Universidade do Vale do Itajaí – SC e desde 2001 acompanha a mídia catarinense e o

Canal de Imprensa, iniciativa do Centro Universitário Adventista de S. Paulo, 2002,

apresentando via internet comentários e críticas sobre a mídia nacional.

Para a função de ombudsman em jornal devem-se considerar algumas

características. De forma geral, para ser considerado um ombudsman, a crítica deve ser

emitida de dentro do próprio meio; o cargo deve ser independente do órgão criticado e o

crítico deve ser reconhecido oficialmente pela instituição criticada.

A partir destas características, podemos considerar que a função de ombudsman de

imprensa foi criada pelos jornais Louisville Courier-Jornal e o Louisville Times, ambos de

Louisville cidade do estado de Kentucky, Estados Unidos, no ano 1967 46 (2002, p. 27 e

28). Naquele momento, a crítica se destinava apenas à redação, ou seja, era voltado a

repórteres, editores. Somente em 1970 é que o jornal Washington Post disponibiliza os

comentários aos leitores do jornal, transformando a crítica de algo limitado e de influência

restrita às redações, já que não tinha o “apoio” dos leitores, para algo amplo e abrangente

que poderia vir a influenciar, inclusive, outros jornalistas. Essa característica pública é

fundamental para se garantir a transparência do crítico conferindo credibilidade ao jornal,

ainda que os reflexos destes comentários junto aos jornalistas sejam refletivos, como

veremos mais à frente.

Desde então, vários jornais do mundo adotaram a função do crítico interno, que na

maioria dos países é chamado de ombudsman, mas que pode ser encontrado como

Provedor do Jornal (Portugal) ou mesmo Ouvidor do leitor. Segundo dados da

Organizations of News Ombudsmen – ONO -, entidade que centraliza e organiza atividade

no mundo, atualmente existem 57 ombudsmans registrados, sendo que no Brasil esse

número é de apenas três, dos jornais Folha de S. Paulo e O Povo (CE), Rádio CBN (CE),

além do portal de notícias on-line IG recentemente implantado47. A título de comparação, a

partir de uma pesquisa realizada por Jairo Farias Mendes, em 1997 havia 49 ombudsmans

45 http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/. Visitado em 27 de novembro de 2007. 46 Segundo informações da ONO (organização mundial de ombudsman de imprensa), a imprensa japonesa, no início do século XX já possuía um cargo parecido com o do ombudsman Sueco. No entanto, como declara Mendes, tais “ombudsman” não eram independentes das direções dos veículos. 47 http://www.newsombudsmen.org/members.htm, visitado em 26 de novembro de 2007.

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ativos junto a ONO. Em 2007, ou seja, dez anos depois, esse número aumentou para 57,

um pequeno acréscimo de aproximadamente 15% (p. 29) 48.

Entretanto, considerando algumas variáveis, como o desconhecimento da ONO

junto à imprensa, além da limitada representatividade do órgão, este número pode ser

maior. Muitos veículos, principalmente no interior, adotam a função de forma esporádica,

como teste, e desta forma não se vinculam a ONO. Além disso, restringe a função do

ombudsman ao espectro de abrangência dos próprios veículos ou mesmo sem o caráter

tradicional dos jornais dos grandes centros, como ocorre com o Jornal da Manhã (PR) que

desde setembro de 2007 publica semanalmente Coluna do Ombudsman49 ou mesmo a

recém criada TV Brasil, que já prevê em seus cargos a função de ombudsman.

Na América Latina e no Brasil, a cultura de valorizar a participação crítica dos

espectadores e leitores junto aos mídias ainda é limitada. Isso pode ser visto no exercício

da função de ombudsman pela imprensa, embora a figura do crítico já exista há tempos.

Em nosso continente existem apenas seis ombudsmans registrados na ONO. No Brasil,

como conta Mendes, (2002, p. 38) a Folha de S. Paulo foi a pioneira na criação do cargo de

ombudsman, 1989, tendo Caio Túlio como seu primeiro ocupante. Segundo conta Costa

(apud Mendes, p. 38), na época havia receio em se assumir tal função, tanto é que ele foi à

quarta opção. Após a criação do cargo, passaram por esta função nove jornalistas, sendo

que o atual é Mario Magalhães (gestão 2007-2008).

6.3 - O jornalismo e o ombudsman

A relação do ombudsman com o jornalismo brasileiro pode ser considerada

incipiente, por vezes cíclica. Porém, mesmo diante desta falta de tradição em se adotar a

função do crítico, já é possível encontrar algumas explicações tanto para a sua introdução,

quanto para sua pouca disseminação pela imprensa local.

As condições de sua adoção no jornalismo brasileiro se deram em vários aspectos,

pelas mudanças que o jornalismo sofreu nas últimas décadas, especialmente a partir do

processo de transformação das redações em 1950, quando diversos jornais modernizaram,

racionalizaram e profissionalizaram seus modos de edição, redação e organização, como

vimos anteriormente nas explicações históricas para as iniciativas de implantar Manuais de

Redação. Somados a estes aspectos, ocorre desde 1980, um salto tecnológico no interior

48 http://www.newsombudsmen.org/members.htm (visitado em 26 de novembro de 2007) 49 http://www.jmnews.com.br/?acao=ombudsman (visitado em 26 de novembro de 2007)

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das redações com a adoção de terminais de computadores em substituição a máquinas de

escrever, além do processo de consolidação da lógica jornalismo-empresa que,

concomitantemente, colaboraram para a criação de condições para se intensificar a relação

dos leitores no jornalismo. O processo de redemocratização possibilitou o funcionamento

de uma imprensa livre das pressões do Estado autoritário. Com maior liberdade, os grandes

mídias voltaram-se exclusivamente a se preocupar em aumentar o número de leitores,

espectadores, que assumiam mais claramente a posição de consumidores.

Neste âmbito, a participação dos leitores/consumidores passa a fazer parte da

realidade empresarial de vários jornais brasileiros e a relação com eles torna-se mais

qualificada e exigente. Não é difícil se deparar com afirmações ressaltando a importância

dos leitores/consumidores. No Manual da Redação de 1984, é fácil encontrar afirmações

colocando o leitor como centro do verbete:

“Créditos - A Folha sempre informa ao leitor a origem de seu próprio noticiário,

[...]” (1984, p. 25).

“Convites - [...] Mas a Folha tem como norma não esconder de seus leitores que o

jornalista viaja a convite e com a estada paga e por quem” (1984, p. 26).

“Facilitar a leitura – O jornal deve envidar todos seus esforços para poupar o

trabalho do leitor . [...] Cada tema deve ser decomposto em suas partes constitutivas,

esmiuçado, explicado e levado até o leitor de maneira simples e didática, [...]” (1984, p.

39). (grifo nosso).

Na edição de 2006, a preocupação se repete ainda mais claramente. O verbete

leitor, da seção de Procedimentos do Manual da Redação da Folha de S. Paulo diz que o

que sustenta o Jornal em última análise é o leitor (p. 45). O próprio ato de dar a conhecer

esta afirmação, não apenas aos jornalistas, demonstra publicamente o status do leitor na

ordem de acesso a produção jornalística brasileira.

Ela também faz parte de uma estratégia de sobrevivência dos próprios mídias,

especialmente no jornalismo impresso. Com o advento da comunicação digital e a

facilidade no acesso a variados conteúdos, os veículos impressos passaram a viver sob a

sombra de anunciada migração midiática, ou seja, que os consumidores de impressos,

passariam a se utilizar dos digitais para obter informações. Esta possibilidade, real em

alguns momentos, tem pressionado os gestores dos veículos impressos a adotar medidas no

sentido de se diferenciar dos mídias eletrônicos, ampliando suas coberturas, aumentando os

espaços opinativos e interpretativos, reorientando seus conteúdos a se aproximar da

sociedade a partir de matérias mais humanas e populares.

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Somadas a essas estratégias de sobrevivência, a imprensa passou a intensificar as

relações com os leitores, procurando aproximá-los da produção dos jornais. A idéia é

avivar a relação com os leitores, permitindo que estes se manifestem nas páginas dos

próprios jornais, embora - na grande imprensa - os espaços de cartas de leitores seja

limitado. De toda forma, o objetivo é transmitir a idéia de que são independentes, isentos,

transferindo credibilidade ao produto, como fez estrategicamente o jornal Folha de S.

Paulo ao veicular mensagem publicitária no início dos anos 90, afirmando que o Jornal

tinha o “rabo preso” com o leitor. Aliás, a questão da credibilidade e profundidade assume

função central para o jornalismo impresso, já que a instantaneidade é característica dos

outros mídias. E uma das formas de garantir credibilidade é definir, por um lado, regras

claras quanto aos modos de produção das notícias; e de outro, ampliar os espaços de

interação dos leitores. Com este objetivo, alguns jornais lançaram mão de dispositivos

críticos que pudessem demonstrar à sociedade sua credibilidade, isenção e compromisso

com os leitores que de alguma forma contribuíssem com a produção do jornal. Espaços são

destinados à publicação de comentários sobre cada edição, sobre a cobertura do jornal.

Outro dispositivo articulado pelos veículos se refere à criação do chamado conselho de

leitores. Tal organismo seria formado por leitores escolhidos aleatoriamente, geralmente

assinantes, que periodicamente se reuniriam para pensar a cobertura do jornal. O jornal

Zero Hora (RS) é um dos veículos que pratica este modelo de relacionamento já há alguns

anos. Segundo o chefe de redação Marcelo Rech, as reuniões do Conselho de Leitores são

interessantes para se ter uma idéia do que os leitores do Jornal pensam sobre o que está

sendo publicado50. Outros jornais, por sua vez, implantaram algumas seções dedicadas a

acusar os erros cometidos pela própria redação ou ainda espaços chamados de “Cartas do

Leitor” que, de forma geral, se destinam a publicar comentários dos leitores.

Por outro lado, a maioria dos jornais ainda não está “convencida” da necessidade de

se ampliar os espaços de interlocução com os leitores, principalmente se isto se referir a

tornar públicas tais intervenções. Ainda existe entre alguns proprietários, a falsa idéia de

que limitar as críticas através da não publicação é sinal de concordância por parte dos

leitores ou mesmo aceitação de que o veículo não comente erros.

Contudo, a política de limitar a participação ou mesmo ignorar os leitores, pode

indicar falta de interesse dos receptores. Além disso, a intervenção do leitor, ainda que isso

represente risco de críticas, ou mesmo a instalação de defensor público como no caso do

50 Entrevista concedida ao autor em cinco de maio de 2005.

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ombudsman, demonstra credibilidade e independência, dividendos importantes para um

setor que tem amargado sucessivos prejuízos e a migração de seus receptores.

6.4 - Algumas questões sobre a atividade

Para muitos, a adoção do ombudsman pela imprensa nada mais é que uma

estratégia de marketing dos veículos que, ao lançarem mão deste e de outros expedientes

no sentido de valorizar a interação, procuram construir uma imagem de órgãos

independentes, isentos, portanto, com credibilidade. Para outros, a função de ombudsman

nada mais é que dispositivo de controle dos interesses do dono do veículo, ou como o

jornalista Paulo Francis se referiu ao ombudsman Caio Túlio Costa quando este lhe

desferiu algumas críticas, um “bedel do jornal”.

Há ainda aqueles que criticam o modelo de ombudsman como o realizado pela

Folha de S. Paulo onde o jornalista é escolhido pela direção entre os jornalistas da

empresa. Um destes críticos é o jornalista Alberto Dines que diz ser ideal que a crítica

fosse realizada em jornais alternativos, ou seja, que não tivesse relação nenhuma com a

empresa nem como seus funcionários (In: Mendes, p. 26). Esta afirmação parte da idéia de

que o ombudsman, por mais que tenha contrato que lhe garanta segurança no emprego

(mesmo depois de deixar a atividade, ele ainda tem segurança no emprego) e plena

liberdade para comentar e publicar suas críticas, é pressionado por ser funcionário da

empresa. Além disso, por ter sido “escolhido” entre seus pares, o ombudsman mantém

relação relativamente próxima com a redação. Sobre isso, o ex-ombudsman da Folha é

claro em afirmar que o ombudsman não pode fazer parte da redação. Segundo Mário

Magalhães “O ombudsman não pode ter poderes executivos e se ele tiver poderes

executivos ele vai julgar seu próprio trabalho”. Como exemplo, ele cita a seguinte situação:

“Hoje eu escolho uma manchete que eu considero genial e amanhã como ombudsman eu

vou julgar essa manchete e vou considerá-la o que? Genial! Claro, há um conflito de

interesses. O cidadão não pode cobrar o escanteio e ir para cabecear. Não chega a tempo.

Isso significa que o ombudsman não decide nada e não pode decidir” 51.

Em que pese todo um conjunto de críticas a atividade de ombudsman, é inegável

que a introdução e manutenção do ombudsman na Folha de S. Paulo representou como

afirma Mario Vitor Santos (ombudsman da Folha na gestão 1997-1998) citado do

51 Entrevista concedida ao autor em 01 de novembro de 2007, quando ainda era ombudsman do jornal. Seu mandato não foi renovado e desde o início de abril, Magalhães não exerce a função.

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Blongren: “a primeira iniciativa empresarial voluntária na área de mídia no sentido do

estabelecimento de algum nível de auto-regulamentação. Não constitui uma iniciativa

isolada tampouco, sendo também o desdobramento institucional de valores éticos - de

direitos dos ‘outros’, os que estão fora da redação - reconhecidos em diferentes edições do

Manual de Redação da Folha” 52.

Não é de se estranhar o fato de Santos citar o Manual de Redação para demonstrar o

pioneirismo da Folha na valorização do leitor via função do ombudsman. Na realidade, são

vários os elementos que ligam os manuais de redação à função do ombudsman, como já

vimos na abertura deste capítulo. Nesta relação, o manual de redação passa a funcionar de

múltiplas formas, a partir de operações realizadas pelo ombudsman. Estamos interessados

em desvendar tais operações para então tensioná-las com os modos de apropriação

realizados pelos jornalistas.

6.5 - Operações do ombudsman sobre os manuais da redação

O último ombudsman do jornal Folha de S. Paulo foi o jornalista Mário Magalhães,

que exerceu a função de abril de 2007 a abril de 2008. Além da crítica semanal publicada

na edição de domingo do Jornal, Magalhães era o responsável por uma coluna diária

publicada na versão on-line da Folha. Coluna que deixou de ser publicada pelo jornal,

tornando-se um dos motivos para a não renovação de seu contrato. Atualmente a crítica é

realizada semanalmente pelo jornalista Carlos Eduardo Lins e Silva.

Em suas colunas, Magalhães comentava aspectos jornalísticos publicados no

impresso, compreendendo questões estilísticas até posturas dos repórteres durante a

investigação de informações, por exemplo. Para realizar tais comentários, ele se baseava

em seus conhecimentos sobre o jornalismo, adquiridos através do contato com os colegas e

pelo Projeto Editorial da Folha expresso nos Manuais da Redação53. Num rápido

levantamento no site de buscas no conteúdo impresso do Jornal Folha de S. Paulo a partir

das palavras-chave “Manual da Redação” e “ombudsman” mais o nome do ombudsman da

época, encontramos mais de 100 citações desde 1994, sendo que destas, 17 estão

relacionados à gestão de Magalhães. De abril até a última semana de 2007, período no qual

52 BLONGREN, Cristina. Ombudsman da Folha de S. Paulo: “De rabo preso com o leitor e com as estratégias de marketing”, hospedado no site http://www.ombudsmaneoleitor.jor.br/noticias/headline.php?n_id=68&u=1 (visitado em 26 de novembro de 2007). 53 Embora a Folha de S. Paulo procure manter atualizada a versão do Manual da Redação, é possível encontrar comentários seus baseando-se em edições anteriores.

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realizamos a consulta, há 15 semanas-colunas mencionando o Manual da Redação,

algumas mais de uma vez. Se compararmos a intensidade de uso do Manual pelos

ombudsman, constataremos que Magalhães foi um dos que mais se apropriou do

dispositivo em seus comentários como demonstra o quadro abaixo:

Quadro B: NÚMERO DE SEMANAS/CITAÇÃO DO MANUAL DA REDAÇÃO 54

OMBUDSMAN PERÍODO

PESQUISADO

Nº DE

SEMANAS-

COLUNA (*)

COLUNAS

QUE

CITARAM O

MANUAL DA

REDAÇÃO

PERCENTUAL

DE USO DO

MANUAL DE

REDAÇÃO

Mário Magalhães De 05/04/2007

a 30/12/2007

39 15 38,5

Marcelo Beraba De 11/04/2004

a 01/04/2007

(três gestões)

150 23 15,3

Bernardo

Ajzemberg

De 18/04/2001

a 07/05/2004

(três gestões)

152 03 2,0

Ranata La Prete De 08/03/98 a

09/03/2001 (três

gestões)

153 03 2,0

MarioVitor

Santos

De 12/01/1997

a 28/12/1997

(uma gestão)

44 Zero ZERO

Marcelo Leite De 02/10/94 a

05/01/1997 (três

gestões)

118 Zero ZERO

(*) Número de Colunas estimado a partir da quantidade de semanas.

54 http://busca.folha.uol.com.br/search?site=online&q= . Visita e pesquisa realizada em 29 de novembro de 2007.

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Essa discrepância entre a quantidade de uso do Manual da Redação pelo ex-

ombudsman Mário Magalhães é particular em relação aos seus antecessores. Mais ainda,

ela demonstra haver um entendimento específico sobre o Manual da Redação. Diante disto,

levantam-se algumas questões, como e por que ele faz isso? Quais são as motivações que o

fazem usar tão intensamente o Manual?

Estas questões podem nos ajudar a compreender a relação que se estabelece entre o

crítico do jornal e os manuais de redação, ou melhor, pode apontar situações de uso

comparáveis com as desenvolvidas pelos jornalistas do dia a dia.

6.6 - Manual como constituição, não como bíblia?

Na compreensão de Magalhães, o Manual de Redação é mais que um instrumento

que estabelece normas, padrões e regras jornalísticas, estando acima do próprio

ombudsman. Segundo ele, o MR reúne os valores jornalísticos que devem reger a atividade

da Folha. “O Manual é a constituição do Jornal. O Manual precede a instituição do

ombudsman”. Ele demonstra com esta afirmação qual é o status do Manual em relação ao

jornal e em relação a ele próprio, evidenciando o lugar tanto dele quanto do Manual dentro

da hierarquia.

Uma de suas funções dentro da sua coluna foi fazer o jornal cumprir o que

determina o Manual da Redação, até por que, como ele mesmo disse, a Manual “precede a

instituição do ombudsman e regra a atividade da Folha” , sendo desta forma mais

importante.

“Eu zelo pela aplicação dos princípios do Manual da Redação por que eles configuram uma espécie de constituição do Jornal”. [...]

“Eu acho que o jornalismo defendido no Manual da Redação é um jornalismo melhor que aquele que foi feito historicamente no país e é melhor que aquele que a Folha faz cotidianamente. Ou seja, se a Folha se inspirasse mais no Manual da Redação ela seria um jornal melhor” 55.

De certa forma, isso demonstra preocupação em fazer cumprir as regras

estabelecidas pelo Manual, além de conferir credibilidade ao Jornal por adotar manual de

redação.

55 Entrevista concedida ao autor em primeiro de novembro de 2007.

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A grande maioria dos comentários seus são direcionados a apontar

descumprimentos das regras jornalísticas. Ao fazer isso, em boa parte das vezes, o Manual

aparece com uma referência na qual se apóia em seus comentários, sem questionamento ou

mesmo reflexão quanto ao conteúdo do verbete.

Em 29 de abril de 2007 no artigo Os bancos saíram bem na fita, faz a seguinte

recomendação: “Um bom antídoto para a Folha evitar tropeços assim é se inspirar no seu

“Manual da Redação”, em cujo verbete “Jornalismo crítico” se lê: “O jornal não existe

para adoçar a realidade, mas para mostrá-la de um ponto de vista crítico”” 56. Ou seja, além

de orientar o cumprimento do “livro”, ele cita o textualmente o verbete como forma de

reforçar sua crítica e pedagogicamente lembrar um dos pressupostos do jornal.

Este mesmo sentido pode ser visto na coluna do dia 20 de maio do mesmo ano,

Traficantes da foto são autores de filme: ““Foi “barriga”, o que o “Manual da Redação” da

Folha define como “publicação de grave erro de informação” 57. O comentário se refere à

matéria publicada pelo Jornal do Brasil. Neste caso, o Manual da Redação assume

dimensão geral, balizando as críticas a outros jornais. Ou seja, o Manual como um guia

jornalístico abrangente, que pode ser utilizado por todos os jornais, e não apenas como uma

referência interna. A ironia desta situação é que a editora do Jornal do Brasil replica a

crítica, reconhecendo seu valor58.

Essa tendência uniformizadora reaparece na maioria dos textos do ex-ombudsman,

mesmo quando o Manual da Redação não é citado diretamente como na coluna de 14 de

outubro de 2007 sob o título Uma tabelinha promíscua. Ele diz: “A decisão [sobre a cessão

de uma gravação ao um determinado político] abre precedente grave no princípio do

apartidarismo que o “Manual da Redação” fixa e no direito de o jornal manter em seu

poder o áudio de entrevistas e diálogos “59. Essa característica mais leve e descontraída não

elimina o caráter determinístico da regra.

Ou seja, há um conjunto de críticas segundo o qual o Manual da Redação é

instrumentalizado de forma direta, rígida, quase dogmática. Desta maneira, o Manual está

mais para uma bíblia, do que para uma simples orientação, sem a qual o “fiel” jornalista

não obteria êxito em seu trabalho. 56 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ombudsma/om2904200701.htm. Visitado em 29 de novembro de 2007. 57 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ombudsma/om2005200702.htm. Visitado em 29 de novembro de 2007. 58 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ombudsma/om2005200702.htm. Visitado em 29 de novembro de 2007. 59 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ombudsma/om1410200701.htm . Visitado em 29 de novembro de 2007.

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Como ele mesmo reconhece: “Diariamente a Folha subverte valores que constam

do Manual, pluralismo, por exemplo,” “[...] se você pegar qualquer matéria do dia aqui,

nas escuras, a gente vai ver problemas em relação ao que o Manual preconiza” 60.

Entretanto, ele explica que estes descompassos em relação às regras do Manual

ocorrem de duas formas. A primeira é que o Manual tem imperfeições, não é completo e

que por isso mesmo não deve ser obedecido ou ainda ampliado em suas totais

determinações. Para ele, há elementos (verbetes) que não estão presentes e que deveriam

estar e há outros que devem ser reformulados, são “frágeis” como na coluna Adivinhe

quem vem para jantar, publicada em 30 de setembro de 2007. Depois de realizar um longo

“nariz de cera” sobre a necessidade de se manter o anonimato quando se presta a avaliação

de serviços, como o de restaurantes ou mesmo em relação ao conflito de interesses que

ocorrem neste segmento. Ele recorre ao Manual da edição de 1992: “O anonimato é

importante, por exemplo, para testar serviços públicos ou particulares, como restaurantes”.

A versão de 2001 do “Manual” recomendou no verbete “ética”: “Ao testar serviços de um

restaurante, por exemplo, é conveniente que o repórter permaneça no anonimato e pague a

conta. De outro modo, sua avaliação poderia ficar comprometida por um atendimento

especial ao qual seu leitor não teria acesso”. Não obstante citar os verbetes de duas versões

do Manual da Redação, Magalhães afirma que a “regra foi emendada, e bancar a despesa

tornou-se obrigação. [...] Serão vedadas participações em eventos quando houver real ou

aparente conflito de interesses”. Por fim, conclui convocando o Manual novamente: “O

padrão do jornalismo de serviços deve ser igual ao de outros falsamente mais nobres –

como bem formula o “Manual”” 61.

No entanto, não é apenas como um “gerenciador” da execução das normas do

Manual que o ex-ombudsman elaborava suas colunas. Há caso, por outro lado, de o

Manual da Redação aparecer na posição de réu, recebendo fortes críticas. Trata-se a nosso

ver de um outro modo de demonstrar os descompassos do Manual em relação à produção

jornalística. Se no modo anterior, a “posição” de uso do Manual pelo ex-ombudsman era o

de colocá-lo como ideal, nestes casos o Manual se revela como incompleto, equivocado.

Ou seja, ele passa a criticar o Manual a partir da própria produção. Ele mesmo reconhece

que não dá para seguir o Manual cegamente:

“Tenho críticas ao Manual. O Manual tem algumas formulações muito imprecisas ou questionáveis. O verbete sobre fotografia, que recentemente fui pesquisar, era um

60 Entrevista concedida ao autor em primeiro de novembro de 2007. 61 Entrevista concedida ao autor em primeiro de novembro de 2007.

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verbete contraditório, frágil. Há alguns “Manuais” (acredito que ele quis dizer “verbete”) com problemas epistemológicos ou divisões jornalísticas graves que foram superados com o tempo. Esse Manual de 87 dizia no verbete “telefone” que só deve fazer pessoalmente uma apuração se não for possível fazer por telefone, ou alguma coisa assim com este conteúdo. É elementar do gênero da reportagem, talvez o mais nobre gênero jornalístico, que você só faz por telefone quando você não pode fazer pessoalmente, é ao contrário. Foi abolido esse verbete. Ainda, eu comentava domingo que no Manual de 87 se fala de reportagem investigativa. Isso é pleonasmo. Uma coisa é o jornalismo investigativo. Reportagem investigativa é uma redundância. Toda reportagem pressupõem investigação. Essa investigação pode ser mais rasteira ou de maior fôlego; pode ser mais simples ou mais complexa, mas os Manuais – historicamente – eu reconheço um avanço neles, na sofisticação “62.

O tom das críticas varia, dependendo do assunto, mas de forma geral se referem à

incompletudes, aspectos que não estão presentes no Manual.

A segunda questão é que os jornalistas deixam de consultá-lo, confiando em seus

instintos. Segundo ele, há uma visível diminuição das consultas ao Manual. Quando ele

entrou na Folha no início dos anos 90, havia um contato mais intenso com o Manual.

“Acho que formalmente, a redação de hoje... eu entrei

na redação em 91, a minha impressão é que a redação, hoje, tem uma relação de consulta ao Manual menos assídua”.

No entanto, ele relativiza este, digamos, distanciamento, afirmando que as regras do

MR estão mais consolidadas hoje do que antes. Aliás, ele analisa que parte dos problemas

que a Folha enfrentou em relação à qualidade dos textos entre outros diz respeito à forma

como os primeiros Manuais foram implantados e cobrados pela direção do jornal.

“O Manual da Redação da Folha é uma conquista do jornalismo, mas a aplicação por vezes draconiana dele nas suas origens, causou prejuízos à Folha, especificamente sobre a qualidade do texto da Folha, que precisou essa última edição - não essa agora, a anterior (2001) – afirmar explicitamente de que as amarras ao texto – a Folha buscava ter certos padrões – mas que não deveria amarrar e empobrecer o texto. Então, o que eu dizia é que, um problema que existe, é que as novas gerações da Folha, a minha impressão é que não tem com o Manual da Redação uma relação como a que as gerações que viveram os

62 Entrevista concedida ao autor em primeiro de novembro de 2007.

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primeiros Manuais tiveram. (Qual é essa relação?) É uma relação de que o Manual influenciava mais no dia a dia da redação, antigamente” 63 (grifo nosso).

Ele conclui que não se pode considerar o MR como uma “bíblia”, como algo

indiscutível que deve ser seguido cegamente, mas sim como um Guia para a ação, nos

moldes dados por Lênin ao programa do partido Bolchevique.

“Então, num contexto totalmente diferente, eu acho que o Manual é um guia para a ação”. Quando eu digo que o Manual não é bíblia, é um guia para a ação é por que o Manual não dá conta de todos os desafios cotidianos postos diante de uma redação e nem deve também ter respostas para tudo. Ele pretende ter resposta para tudo? Não, não tem resposta para tudo. Ele estipula procedimentos e valores que devem nortear a atividade jornalística “64.

Mas a afirmação não indica que essa postura crítica deve ser seguida pelo corpo

redacional. Além disso, esta característica em relativizar às determinações no Manual nos

parece ser mais uma estratégia de, por um lado, mostrar que os modos de produção

jornalísticos estão para além do que determina o Manual da Redação, ou seja, não há

engessamento, ainda que por vezes ele reitere a importância de seguir as regras para

qualificar o jornal; e também visa demonstrar certa independência e isenção criticando

algumas de suas regras, afinal ele estava na posição de crítico tanto do jornal quanto do seu

principal estatuto.

Em nosso entendimento, essas posturas do ombudsman reforçam que tanto há

descompassos por parte da redação, quanto apontam para características específicas quanto

aos modos de apropriação dos manuais pelos jornalistas, como pode ser visto quando ele

passa a cobrar adequações ao livro de regras. Como exemplo, ele cita o verbete ética, mais

especificamente no aspecto das relações com o mercado financeiro. Ele diz que no Manual

não há nada que proíba e/ou restrinja qualquer jornalista da Folha que cobre Bolsa de

Valores de obterem vantagens financeiras a partir das informações que possuem aplicando

no Mercado. Estas tensões eram explicitadas via coluna de ombudsman e repercutiam em

alterações no próprio Manual, que segundo ele já foram incorporadas na última versão.

Porém, ele ressalta que mesmo essas alterações já foram descumpridas pelo jornal.

“Eu sei que ele (Manual de Redação ainda no prelo/2007) já incorpora observações minhas, como o verbete ética que foi modificado depois que eu fiz uma Coluna

63 Entrevista concedida ao autor em primeiro de novembro de 2007. 64 Entrevista concedida ao autor em primeiro de novembro de 2007.

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dominical discutindo a questão da aplicação no Mercado Financeiro por jornalistas que produzem, comentam ou editam informações sobre o mercado acionário. Aí o Jornal imediatamente mudou o verbete. Assim como o verbete já mudado já foi desrespeitado em minha opinião quando eu discuto a atuação do crítico de gastronomia da Folha contradizendo, não respeitando, a norma do Manual da Redação no verbete ética, já reescrito. Pô, já não respeitava quando não escrito, e continua não respeitando que é dar a cara nos restaurantes, obviamente conhecido, bom” 65.

Esta fala descreve o percurso que o manual de redação realiza no universo

redacional desde o momento em que ele é tomado como referência, até quando ele é

mudado para se adequar à realidade da produção. O gráfico abaixo ilustra este percurso:

Estas alterações não adotadas pela redação demonstram certo distanciamento entre

o “mundo” do Manual e o “mundo” da redação; existe certa desarticulação do Manual

junto ao corpo redacional no processo de implementação, mesmo com a observação

debatida em Coluna Pública66 pelo ombudsman, alterada no Manual pela Direção do

Jornal, há ainda situações de ignorância. Ou seja, as tensões entre Manual-Redação-

Ombudsman se revelam e repercutem na (re)estruturação do Manual, ainda que isto não

seja simultâneo nem homogêneo.

De toda forma, o ex-ombudsman no caso da Folha de S. Paulo exercia uma dupla

função em relação ao Manual: a primeira era de comentar o fazer jornalístico definido pelo

Jornal através entre outras coisas do Manual. A segunda era, ao fazer isto, materializar as

regras como algo presente no conjunto de referências no processo de produção jornalístico

da redação. Assim, o debate público provocado pelo ombudsman tende a revelar

discrepâncias, tensões, desvios cometidos pelos jornalistas e pelo jornal, questionando em

muitos aspectos as regras do próprio manual e/ou seu cumprimento. Ao fazê-lo, o

ombudsman tem a oportunidade de provocar debate junto à redação, já que segundo manda

a tradição da Coluna, sempre é dado ao jornalista o direito de responder, explicar por

vezes, seus procedimentos.

“A crítica diária acaba se transformando num bom espaço de debate sobre o jornalismo dado a quantidade de respostas que vem da redação. (...) Acho legítimo divergi e eu vinculo todas as respostas. Só que há um volume de respostas

65 Entrevista concedida ao autor em primeiro de novembro de 2007. 66 Magalhães, Mário. Adivinhe quem vem para jantar . Coluna do Ombudsman objeto da crítica ao descumprimento do Manual. Consultada neste site http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ombudsma/om3009200701.htm . Visitado em três de dezembro de 2007.

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que mostra uma.... as vezes esse volume de respostas expressa uma certa incapacidade dos repórteres em conviver com a crítica, 18 anos depois da instituição da função do ombudsman. E aí, essa questão das divergências é absolutamente natural” 67.

Esta dinâmica colabora para instituir processos que objetivam tensionar as normas

e, paralelamente, servem para informar os jornalistas e leitores sobre o que está se exigindo

e sobre as mudanças ou não que estão sendo adotadas pela direção do jornal. Neste

aspecto, a coluna do ex-ombudsman passou a servir, num primeiro momento, como um

canal de divulgação das mudanças adotadas ou não pelo Manual da Redação, ou seja, pelo

veículo.

67 Mário Magalhães. Entrevista concedida ao autor em primeiro de novembro 2007.

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7. Procedimentos metodológicos

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Como vimos os manuais de redação enquanto gramáticas definem e propõem

instruções para os jornalistas, revelando múltiplos modos de ação. Indicam a forma e, por

vezes, interferem nos processos e conteúdos a serem produzidos. Definem caminhos e

estabelecem metodologias, enfim, atuam direta ou indiretamente junto aos jornalistas.

Nesta medida, tornaram-se referências, ordenando a atividade jornalística orientando, por

conseguinte, os modos como os jornais deveriam ser produzidos e reconhecidos. No

entanto, essa possível preponderância sobre a construção dos enunciados jornalísticos deve

ser relativizada, não porque ela não exista ou porque haja outros fatores tensionando, mas

sim, porque ela se desenvolve para além do conjunto de suas próprias regras e porque

maneja com regras de outras lógicas. Da perspectiva da produção tais instrumentos são

reelaborados quando operados pelos jornalistas. Como já anunciado, os jornalistas, ao se

apropriarem dos manuais de redação realizam diversas operações, denotando modos

específicos de uso do dispositivo. Ao contrário das expectativas da esfera produtiva

institucional que orientam a leitura/consumo dos manuais como forma de garantir certa

prática jornalística, os jornalistas (em situação de produção), dão outras destinações,

realizando operações estratégicas.

A partir destas considerações; do que propõe o problema da pesquisa e amparado

pelo quadro conceitual, pretendemos agora descrever processos a partir de observações e

entrevistas realizadas junto a seis jornais diários, bem como a seus jornalistas (repórteres,

editores, chefes de reportagens) e assessores administrativos (advogados, relações

públicas), objetivando demonstrar que o proposto pelos manuais de redação altera-se

quando apropriado pelos jornalistas. Isto é, as orientações dos MRs são remodeladas por

seus usuários, como quando os jornalistas apreendem apenas uma parte do manual,

ignorando outras tantas. Essas defasagens são visíveis em todo o conjunto das ações

produtivas dentro do jornalismo. Algumas são mais, outras menos latentes. Ainda assim, a

apropriação dos manuais de redação pelos jornalistas é variável, dependendo da posição do

jornalista em relação à instituição – se mais ou menos experiente, ou mais menos

reconhecido - ou mesmo pelo contexto de produção (editoria, assunto, matéria quente ou

fria). A questão que passamos a investigar diz respeito a descrever os processos de

apropriação dos manuais de redação pelos jornalistas em ambientes de produção,

considerando que neste contato (manual-jornalista) há um conjunto de fatores e tensões

que interferem no processo, remodelando os consumos e, desta forma, contribuindo para

elaborar um “outro” jornal. Antes, porém, cabe explicar e descrever alguns elementos do

processo onde se deram as observações e entrevistas.

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O trabalho de campo propriamente dito está sustentado em princípios de operações

etnográficas, realizadas a partir de técnicas de investigação participante. A etnografia, ou o

estudo de povos ou cultura68, se encaixa mais adequadamente com o objeto e com o

problema proposto, na medida em que se busca identificar a partir de interações realizadas

por determinado grupo, no caso os jornalistas, a um determinado enunciado, os manuais de

redação. Trata, neste sentido, de investigar processos de apropriação de manuais de

redação por jornalistas.

Sem se aprofundar na etnografia, mas apenas tomando-a como técnica para discutir

o objeto, podemos destacar que se trata de um ramo da antropologia que visa estudar a

partir de inquéritos, observações participantes e questionários semi-estruturados ou não,

microcosmos específicos. Conklin define a Etnografia como sendo “os dados de

antropologia cultural que derivam da observação directa do comportamento numa

sociedade particular. A obtenção reporte a avaliação destas observações é tarefa de

etnólogos” (Apud: BURGESS, 1997, p. 02). Neste sentido, a etnografia trata-se de um

processo/método de captura, descrição e análise de dados provenientes de observações

qualitativas realizadas em agrupamentos específicos.

No entanto, os procedimentos etnográficos não são exclusividades dos estudos

antropológicos. A sociologia também tem se utilizado de procedimentos etnográficos

como forma de capturar dados. “Muitos sociólogos utilizam a observação participante,

entrevistas em profundidade ou não estruturadas e análise documental, no decurso das suas

pesquisas, de molde a esclarecer o significado de dadas situações sociais” (p. 03). Neste

âmbito, os recursos da etnografia voltam-se para interpretar ocorrências envolvendo atores

sociais em situações determinadas por classe, local de trabalho, etnia entre outros fatores,

articulando forte relação com os aportes teóricos provenientes do interacionismo simbólico

(p. 03-04). Trata-se, portanto, de um modelo etnográfico híbrido. Coulon, ao relacionar a

etnografia à técnica de pesquisa de campo, afirma que a variedade de abordagens

(observação direta de ambientes, observação participante, diálogos, estudos de dossiês,

exposição de vídeos e a análise de gravações dos comentários) feita durante a investigação,

“depende do método etnográfico que tem como indicação metodológica primeira a

observação de campo, a observação dos atores em situação” (1995, p. 87).

68 Dicionário Aurélio Eletrônico: etnografia. S. f. 1. Disciplina que tem por fim o estudo e a descrição dos povos, sua língua, raça, religião, etc., e manifestações materiais de sua atividade. 2. Parte ou disciplina integrante da etnologia. 3. Descrição da cultura material num determinado povo.

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As pesquisas a partir deste método têm ganhado destaque em estudos que buscam

compreender as relações micro-sociológicas, como as focadas nas relações familiares, ou

mesmo em grupos urbanos mais complexos, como os estudos desenvolvidos pela Escola de

Chicago desde os anos 20 do século passado, especialmente pelo sociólogo e jornalista

Robert Park.

No âmbito do jornalismo, essa perspectiva tem contribuído significativamente nos

debates sobre os processos de produção noticiosa, no sentido de compreender o que é

notícia e como elas são elaboradas, considerando processos de interação. Assim, o foco

está direcionado para o ambiente produtivo, sem desconsiderar o contexto macro-social no

quais estes estão influenciados. Neste sentido, mais estudos têm se utilizado de elementos

característicos da etnografia, mesmo mais próximos da sociologia como podemos notar nas

pesquisas realizadas por Zelizer, Tuchman. No Brasil, podemos destacar as pesquisas

realizadas por Travancas, Vizeu Pereira, Lago (2003), et al. No prefácio do livro

Antropologia e Comunicação, Travancas e Farias, estabelecem algumas aproximações

entre a atividade dos antropólogos e dos jornalistas:

“Ambos vão ‘a campo’ pesquisar suas ‘fontes’ e ouvir ‘informações’ (as palavras são as mesmas) em busca de informações. Ambos trabalham seus textos, que são então publicados, cada um em seu circuito (acadêmico ou jornalístico); assim, é possível pensar que as ligações entre informantes e profissionais, entre emissores e receptores de mensagens, são discussões na verdade válidas para ambas as disciplinas”.

Para além das semelhanças entre os campos, o fato é que as técnicas elaboradas por

referências etnográficas estão cada dia mais presente em estudos de mídia em especial do

jornalismo.

A socióloga Barbie Zelizer publicou artigo em 2002 no qual realizou pesquisa

participante junto a jornalistas de vários jornais norte-americanos. No estudo, ela identifica

proximidades para além da função que desempenham ou mesmo do salário que recebem.

Ela apontou aspectos comuns, como a forma pelo qual discursam sobre si e sobre os

outros, como se relacionam, a ponto de autorizá-la a chamá-los de comunidade

interpretativa, resultado do compartilhamento de interesses e dos modos comuns de ler e

interpretar um mundo.

Gaye Tuchmam por sua vez, num texto clássico de sociologia do jornalismo,

discute a objetividade na produção jornalística apresentando estratégias utilizadas pelos

jornalistas como forma de tentar se apresentar neutro e isento, evitando possíveis

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reprimendas (1993, p. 74-130). A autora também se utiliza de técnicas etnográficas entre

outras, como a observação participante, para chegar a estas conclusões69. Já Isabel

Travancas reflete sobre a formação da identidade do jornalista destacando a profissão, o

ambiente de trabalho e categoria profissional como elementos da construção de suas

identidades. Para tanto, ela mobiliza técnicas de coleta de dados da antropologia e aplica-

os ao objeto do jornalismo. E por último, Alfredo Vizeu (2003), dedica-se em pensar as

rotinas (processos internos de um telejornal) como fatores de decisão do que é ou não

notícia. De uma forma ou de outra, estes estudos evidenciam a importância das técnicas

elaboradas na etnografia para o esclarecimento de aspectos relacionados à comunicação

bem como a este trabalho de pesquisa.

Nesta perspectiva, as explicações de como às notícias são estruturadas através de

processos observacionais sobre os modos de produção, as rotinas, os gate-keepers, ou seja,

as relações ocorridas neste processo ganham respaldo a partir dos usos deste ramo da

ciência social até então pouco reconhecida nos estudos de fenômenos jornalísticos. Felipe

Pena, ao descrever as várias correntes teóricas sobre o jornalismo, destaca a “Teoria”

Etnográfica como sendo importante para a pesquisa em jornalismo mais em função de suas

atribuições metodológicas do que por uma elaboração teórica propriamente dita (2005, p.

150-153). Assim, a pesquisa de campo sobre a cultura jornalística representa um

importante avanço no entendimento de por que as notícias são como são, “pois a ‘tribo’

dos jornalistas tem efetivamente seus próprios costumes e ritos” (2002, p. 152). A idéia de

grupo que possui modos próprios como o dos jornalistas exige uma abordagem cuja

metodologia de vertente etnográfica apresenta melhores resultados.

Assim, os estudos propostos buscam situar os manuais de redação relacionando-os

ao universo jornalístico mais específico – as salas de redação -, e as interações que este

dispositivo pode apresentar frente às demandas de seus usuários. Neste âmbito, as técnicas

etnográficas como a observação participante, a entrevista em profundidade e a descrição de

cenários de produção (enquadramentos) são pertinentes ao objeto de pesquisa e ao

problema proposto de forma mais adequada. Não se trata de usar a etnografia pura, mas

sim de se apropriar criticamente de alguns de seus postulados tensionando-os às

especificidades do campo midiático – jornalístico.

69 Como exemplo, cito duas passagens explicativas dadas pela autora em nota de rodapé que ilustram os procedimentos de pesquisa: “Na minha primeira entrevista a um jornalista [...]” (p. 78); “Vários repórteres e um assistente do editor local disseram que não sabiam. O managing editor do jornal de domingo sorriu e deu umas pancadinhas nas costas do editor da secção do local quando me ouviu formular a questão” (p. 85).

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7.1- Definição do corpus

Para dar conta deste trabalho, realizamos dois movimentos de investigação que, no

desenvolvimento da pesquisa, passaram a compor o quadro geral da amostra estudada. Um

primeiro movimento que, a princípio estávamos chamando de pré-observações, tinha por

objetivo ser um instrumento de verificação de nossos procedimentos, como estabelecer os

primeiros contatos com o objeto empírico. A idéia era testar hipóteses. Não tínhamos - até

aquele momento – a amplitude nem as potencialidades científicas que envolviam os

manuais de redação em relação à imprensa. Para nós, o manual de redação era um livro de

regras que os jornalistas faziam questão de ignorar e a empresas jornalistas faziam questão

de exigir. Além disso, partíamos do pressuposto de que os manuais de redação estavam

limitados ao universo das redações que os tinham formulado. A partir daí faríamos o

segundo movimento.

Tal processo estava sendo idealizado como sendo o da tomada de informações

propriamente dita, ou seja, o momento da coleta de dados, da observação. O espaço no

qual encontraríamos as condições favoráveis para desenvolver nossa pesquisa, seja na

escolha do(s) objeto(s) ou mesmo no(s) ambiente(s) que eles se encontrariam. Contudo,

como veremos, no encaminhamento do trabalho percebemos que a forma como havíamos

pensado os aspectos práticos da pesquisa não dariam conta de mostrar a amplitude do

objeto. Antes, porém, cabe explicar como chegamos a tal conclusão.

Neste percurso, nos movimentamos a partir de algumas perguntas, não no sentido

de hipóteses consagradas ou mesmo questões retóricas, mas sim como ponto de partida

objetivando caracterizar nosso objeto de pesquisa. A pergunta inicial foi tentar saber sobre

a existencialidade ou não dos manuais nas redações? Tínhamos uma impressão de que as

instituições estariam de alguma forma indicando aos jornalistas o uso de manuais de

redação, mesmo não tendo manuais próprios. Porém, a recomendação de uso ou mesmo

sua oferta pelas instituições não era suficiente para comprovar sua real utilização por parte

dos jornalistas. Será que de fato os manuais serviam para alguma coisa? Já em nosso

primeiro contato constamos que os manuais de redação não apenas estavam presentes nas

redações observadas, mas muitos jornalistas se utilizavam deles de forma intensa e variada.

Esta constatação indicou que os manuais de redação não apenas estariam presentes, mas

que tal presença remeteria a usos e que, desta forma, apontaria para certos modos de

apropriação, embora ainda não percebêssemos que modos seriam estes.

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A partir daí, pudemos concluir empiricamente que tínhamos um objeto de pesquisa

possível de ser estudado. Voltamo-nos então a definir os critérios de escolha do corpus das

pré-observações: o primeiro aspecto considerado foi a natural possibilidade de acesso

(veículos diários impressos que autorizassem nossa presença); o segundo foi considerar

instituições jornalísticas que possuíssem manuais e que não possuíssem manuais de

redação. A proposta era estabelecer comparações. A partir daí consideramos nosso

espectro de abrangência, pois buscávamos uma amostra que demonstrasse a diversidade

dos jornais diários brasileiros. O terceiro critério, já pensando o momento da observação

propriamente dita, seria o de considerar os manuais no cenário nacional, tanto do ponto de

vista da importância jornalística quanto em relação ao apelo público. Ou seja, era

necessário eleger jornais que representassem certo modo hegemônico de fazer jornalismo e

que simultaneamente possuíssem manual de redação. Neste caso, definimos previamente

que os veículos seriam usados para a pesquisa eram O Estado de São Paulo e a Folha de S.

Paulo, ambos com tradição no jornalismo brasileiro e na publicação de manuais de

redação. No entanto, antes de avançarmos para a captação de dados nos cenários indicados,

havia a necessidade de realizarmos as pré-observações.

Nas pré-observações, constatou-se que havia redações que utilizavam de manuais

de redação sem, contudo, tê-los produzido. Diante desta discrepância, incluímos na

amostra instituições que possuíssem manuais de redação quanto àquelas redações que não

os tivessem. Isso deu condições de estabelecer comparações. Neste sentido, para o

movimento inicial de pré-observação escolhemos o jornal Zero Hora por possuir manuais

próprios e o Diário dos Campos, Gazeta do Povo e NH por não possuírem. Além disso, o

Zero Hora e a Gazeta do Povo são jornais situados em capitais e o NH e o Diário dos

Campos estão localizados no interior.

As visitas ocorreram, nesta primeira etapa, entre o segundo semestre de 2004 e

primeiro de 2005.

Contudo, estas pré-observações se apresentaram de tais formas ricas e produtivas

que passamos a considerá-las não apenas como um recurso de aferição de técnicas de

investigação, mas também como centrais para as análises, especialmente por apresentar

amplitude na amostragem e retorno de informações válidas.

Como havíamos destacados, diante das informações obtidas em pré-observações e a

condições de observações, tivemos que refazer algumas visitas, mais no sentido de

confirmar informações, do que de realizar todo o percurso investigativo buscando dados

novos.

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A investigação seguiu os princípios da pesquisa de vertente etnográfica, ou seja, a

idéia foi descrever os cenários de uso e observar jornalistas no espaço de produção, no

sentido de procurar descrever as apropriações dos manuais de redação no caso das

redações que possuíam.

Nas redações sem manual de redação, o objetivo inicial foi o de procurar

reconhecer como os jornalistas se comportavam sem a presença do dispositivo, afinal a

idéia era comparar ambientes com e sem o uso de manual de redação. Além disso, a

escolha considerou aspectos logísticos, ou seja, a facilidade de acesso e o conhecimento de

algumas redações.

A primeira visita na redação sem manual de redação comprovou que essa hipótese

estava equivocada: a que os usos de manuais de redação estariam relacionados à

determinação da empresa. Nas redações observadas foi identificada a existência de

manuais de redação, independente se a empresa o havia produzido ou não. Em alguns

casos, constamos à presença de mais de um manual em uso. Isso nos levou a considerar

que a utilização dos manuais de redação pelos jornalistas independe da decisão da empresa.

Na verdade, atualmente, a oferta está associada tanto à necessidade dos jornalistas do que à

determinação dos jornais.

Os jornalistas do NH, Gazeta do Povo e Diário dos Campos utilizavam manuais de

instituições concorrentes (Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo). Portanto, a comparação

não pode ser realizada. Por outro lado, essa informação nos levou a considerar que a

presença dos manuais havia se tornado constante junto aos jornalistas, ou seja, que as

redações haviam incorporado no cotidiano a utilização destes dispositivos independente de

sua exigência ou não. Portanto, não poderíamos pensar em um único modo de apropriação,

mas sim em vários procedimentos ou enquadramentos que, considerando situações

específicas, conformam múltiplos usos (funções, processos). Este é indicativo importante

para se tentar traçar/identificar os modos de apropriação dos manuais de redação pelos

jornalistas como veremos mais à frente.

No entanto, a estratégia metodológica ainda estava incompleta. Até o momento,

nossa observação cumpria ações prévias: saber se manuais de redação eram ou não

apropriados. A partir da comprovação desta condição, nos obrigamos a reformular o

problema: se os manuais de redação são operados pelos jornalistas em produção, então de

que modo isso ocorre? Um dos caminhos para responder essa questão seria o de examinar

os próprios manuais de redação, pois ali poderíamos encontrar informações, não apenas

sobre as intenções dos jornais em relação aos jornalistas, mas também indicações como

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eles (jornalistas) deveriam usar os manuais, nos dando condições de concluir sobre seus

modos. Contudo, se fizéssemos isso teríamos apenas uma única perspectiva: a representada

pelas intenções dos gestores dos jornais. Em que se pese a existência de referências sobre

as práticas consagradas pela cultura jornalística nos manuais de redação, ainda assim

estaríamos estudando apenas o objeto por um dos lados, ou melhor, a partir de uma única

perspectiva. Além disso, estaríamos nos apoiando em teorias da comunicação que

remeteriam a idéia de uma ação comunicacional unidirecional, no qual o manual de

redação estaria para o jornal como um instrumento modelador de conduta, sendo o

jornalista apenas o mediador das lógicas por ele dispostas. Essa perspectiva como já

discutimos parte da compreensão de que não há diferenças entre o processo de

emissão/recepção. Nesta medida, os jornalistas deveriam estar realizando obrigatoriamente

as determinações do instrumento, tornando o jornal espelho do manual e vice-versa.

Porém, a perspectiva de certa teoria da comunicação complexa nos provocou a

considerar que, embora os manuais de redação fossem instrumentos a serviço da empresa

com o objetivo de conformar os modos de produção dos jornalistas, seus modos de

apropriação não poderiam responder de forma absoluta e nem em iguais condições as

ofertas dos manuais de redação. Ou seja, que em todo processo de comunicação (oferta-

consumo) no qual estão envolvidos sujeitos (não máquinas70), apresentam discrepâncias,

desníveis. Essa conclusão nos conduziu a reformular a questão, apresentando uma

problemática que considere os descompassos entre as ofertas, no caso os manuais de

redação, e seus reconhecimentos por parte dos jornalistas. Assim, a proposta passou a

considerar que os jornalistas, em contato com tais dispositivos, realizam operações

estratégicas, revelando modos (plural) próprios de ação. Tais modos serão apresentados de

forma detalhada mais à frente.

Neste processo, portanto, mantivemos contato com mais de 40 informantes entre

editores, repórteres e assessores, todas ligadas à produção dos respectivos jornais. Em

todos dos lugares, o acesso foi relativamente tranqüilo, não havendo restrições à minha

presença nem limitação dos lugares onde poderia circular. É claro que o acesso aos jornais

maiores exigiu estratégias diferenciadas. Os dois jornais de São Paulo presentes na

pesquisa, por exemplo, mantêm seções específicas para intermediar o acesso às redações.

No caso da Folha de S. Paulo, jornal que impôs mais dificuldades, a mediação foi mais

70 Os dispositivos computadorizados (mais sofisticados) estruturam sua comunicação a partir de sistemas matemáticos de origem binária (0 -1) impossibilitando com isso a geração de estruturas diferenciadas das já pré-determinadas.

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longa e intensamente negociada. Mais de três meses se passaram desde o primeiro contato

até a visita propriamente. Uma das principais objeções, materializadas pela jornalista Ana

Estela de Souza Pinto, responsável pela seção de treinamento, foi quando ao envio prévio

das questões. Ela exigia conhecer as perguntas que seriam aplicadas aos jornalistas. A

princípio, isto poderia vir a comprometer os resultados da investigação, afinal estávamos

realizando entrevistas sobre um objeto que, principalmente no caso da Folha de S. Paulo,

historicamente provou reações contrárias. Além disso, não tinha a garantia de que ao dar a

conhecer meu roteiro de questões, os jornalistas não seriam informados previamente,

perdendo a possibilidade de verificar mudanças de atitude quando o tema fosse colocado.

Outro aspecto objetado foi à possibilidade de se escolher aleatoriamente quais jornalistas

fariam parte da investigação. Procedimentos que estava sendo utilizado desde a primeira

observação. Depois de várias trocas de e-mails, conversas telefônicas e a mediação do

ombudsman, obtivemos acesso à redação, desde que respeitássemos a escolha dos

jornalistas. Neste caso e após conversa com meu orientador, decidimos aceitar as

condições, desde que os detalhes da entrevista não fossem antecipados.

Já a negociação para se ter acesso à redação de O Estado de S. Paulo fora rápida e

sem objeções. A direção do jornal me autorizou a circular livremente pela redação e

escolher as fontes de acordo com os interesses da pesquisa e de acordo com a

disponibilidade. Além disso, a responsável pela intermediação do meu acesso garantiu que

as fontes não foram informadas sobre o conteúdo das entrevistas, como ocorre em todo o

processo de investigação jornalística.

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a) Cena produtiva: Folha de S. Paulo (A tensão emerge da redação)

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O acesso à redação da Folha de S. Paulo ocorreu após intenso processo de

negociação. Antes da primeira visita, me foi oferecido uma lista com 14 jornalistas que

estariam a minha disposição naqueles dias de visita. Nesta relação constavam nomes de

jornalistas que estavam em férias, que não estavam trabalhando na redação ou que estavam

em viagens, cobrindo pautas em outros locais. Com essas objeções, a lista foi reduzida para

oito nomes. Quantidade que poderia colocar em risco a abrangência de olhares que

precisava e que havia encontrado em outras redações. Mesmo assim e estrategicamente não

discordei, apostando na possibilidade de que após estar dentro, teria condições de ampliar

meu universo de fontes, como aconteceu.

Em meio a este clima cheguei à redação da Folha de S. Paulo. O prédio localizado

no centro histórico da cidade de São Paulo, (Avenida Barão de Limeira, Bairro Campos

Elíseos) fora adaptado para receber o jornal e outros setores do Grupo Folha, como a UOL

e a Data-Folha, além da parte comercial e a gráfica. Ao contrário de O Estado de São

Paulo, que está instalado num prédio previamente preparado as instalações da Folha S.

Paulo foram ajustando-se as necessidades, talvez por isso a sensação de estar num prédio

adaptado, onde corredores estreitos dão acesso a pequenas portas que se abre para salas

amplas, ocupadas por várias pessoas. No ambiente redacional é a mesma coisa. No

principal andar, onde se localiza a maioria dos jornalistas, a relação entre os espaços é

confusa. A editoria de Esporte, por exemplo, está separada visualmente do resto do jornal.

Assim como a secretaria de redação, que está em outro ambiente, relativamente distante do

conjunto da redação. Nos meus contatos iniciais, recebi várias informações desencontradas

quanto à posição de alguma editoria. A referência, de fato, é a entrada a partir dos

elevadores. A esquerda da correspondência é a editoria de esporte, à direita estão às outras

editorias. Passado este acesso, à direita estão os cadernos de Brasil, Cotidiano. À esquerda,

as Editorias de Ilustrada, Cadernos Semanais entre outros. Somente no espaço da

lanchonete, localizada no último andar no prédio, é que existe uma possibilidade de

contato, contudo prejudicada pela ausência de interação no ambiente de trabalho. Ao que

se conclui que, ao contrário do Estadão, a distribuição espacial das editorias no jornal

dificulta o contato entre os jornalistas de outras editorias na redação, exceto na lanchonete.

A posição no oitavo andar e sua estrutura com paredes de vidro dão à possibilidade de ver

de lugar privilegiando a urbanidade da cidade de S. Paulo, com seus tons de cinza e seu

clima poluído.

Em nenhum outro espaço redacional visitado encontrei clima de tensão tão

acentuado quanto entre os jornalistas da Folha. Era visível em cada um dos funcionários a

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pressão pelo cumprimento da pauta, pela conclusão do trabalho o mais rápido possível.

Isso pode ser visto no modo como foi atendido. A grande maioria das fontes me atendeu

com um dos olhos no relógio. Por vezes, o tempo ficava definido no início da conversa.

“Não vai passar de 20 minutos, vai?”

Somente alguns jornalistas consultados especialmente das editorias de Esporte,

Ilustrada e de cadernos semanais é que o clima sugeria ser mais descontraído e o fator

tempo não parecia interferir nas ações com tanta intensidade. Este clima mais leve

encontrado nas editorias semanais pôde ser sentido no tom das entrevistas, mais

descontraídas e relativamente longas se comparadas aos chamados jornalistas de hard-

news. Este clima, porém, contrastou com o do resto das fontes consultadas, com repórteres

apresentando semblantes carregados, ansiosos, com a atenção dividida entre um

telefonema ou uma conversa com algum colega. A tensão era evidente. Inclusive alguns

repórteres confirmaram essa realidade, ressaltado que a empresa “parece” valorizar esse

tipo de clima. “Você tem que ter um fechamento agitado, você tem que ter tensão! Se está

tudo muito tranqüilo, humm, algo vai dar errado no minuto final, tipo assim, sabe, a gente

usa isso até como brincadeira. Existe um clima de tensão permanente” (repórter editoria de

Brasil – Folha de S. Paulo). A idéia desta proposta é não deixar o jornalista relaxar;

colocá-lo em permanente estado de alerta, para em sendo pressionado o tempo todo, ele

evite cometer deslizes. Também revela um clima de competitividade entre o corpo

redacional que é incentivado a disputar posições dentro da estrutura hierárquica da

redação. O historiador e jornalista Robert Darnton já havia identificado tal comportamento

quando analisou as interações no New York Times “Os editores às vezes tentam conseguir

o melhor de seus auxiliares, jogando uns contra os outros e defendendo valores como a

competitividade e o “batalho” (1999, p. 76)”. Resguarda as especificidades de cada

veículo, tais situações representam a cultura valorizada pelo jornal Folha de S. Paulo.

Do ponto de vista da coleta de dados, este clima facilitou minha observação, pois

deu condições de passar despercebido a maior parte do tempo, circulando e olhando sem

que nada me interrompesse; embora no primeiro dia ficasse claro ao grupo que se tratava

de um agente estranho à redação. Situação que foi superada com o passar dos dias e pela

familiaridade em circular pelos setores com segurança. A máxima bíblica “cada um por si,

Deus por todos” parece fazer certo sentido quando se pensa redações como da Folha de S.

Paulo, mesmo considerando que se trata do resultado da ação de várias pessoas que

coordenadamente estruturam o jornal. Na verdade, cada um sabe sua posição na estrutura

jornalística, seu lugar dentro da equipe. Isso indica que cada um também sabe o lugar do

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outro, suas atribuições, seu enquadramento. Baseado nisto e na lógica da competição –

tanto pelo status quando econômica - o membro reconhece quando algo está fora da ordem.

Além disso, depois que se tem autorização para freqüentar a redação, em tese, todos

fazem parte do grupo e, portanto, assumem alguma função previamente consentida,

revelando o forte teor sistêmico que esta redação possui. Posição devidamente firmada e

conhecimento claro sobre o que deve ser elaborado. A confiança nas várias instâncias e

processos são a garantia da execução do trabalho. Tal situação é similar em outras grandes

redações, como a encontrada no O Estado de S. Paulo e Zero Hora.

Nos dias em que permaneci na redação, notei ambiente movimentado, com várias

pessoas chegando e saindo, telefones tocando intensamente. Além dos encontros de

preparação realizados pela manhã (pré-pauta), as reuniões de pauta e as de fechamento do

jornal ocorridas no final da tarde/início da noite, os diálogos são rápidos, ocorridas em

pequenas reuniões. Como se pode notar trata-se de uma redação relativamente comum,

seguindo rotinas igualmente comuns, onde o manual de redação participa como mais um

dispositivo.

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b) Cena produtiva: O Estado de São Paulo (Indústria de jornal)

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A redação do Estadão também é rigorosa com seus freqüentadores. O sistema de

segurança exige que os visitantes sejam devidamente cadastrados, fotografados e

identificados. Mesmo com todos esses procedimentos, o acesso à redação, ao contrário da

burocracia enfrentada na visita à Folha de S. Paulo, foi relativamente tranqüilo. A visita foi

acertada após dois contatos telefônicos mantidos com o setor responsável que, aliás, nos

dois jornais de São Paulo visitados, guardam algumas semelhanças. Além de

intermediarem o acesso de visitantes à redação, (escolas, pesquisadores, etc), eles são

responsáveis pela oferta de cursos de formação e seleção de novos jornalistas. No caso do

Estadão, meu acesso à redação se deu através de Francisco Ornellas, que num primeiro

contato me levou para conhecer os vários setores que compõe a indústria comunicacional

que tem o jornal O Estado de S. Paulo como centro. Outra diferença com a estrutura da

Folha, é que o prédio que abriga o Estadão fora feito pensando acomodar a atual estrutura,

não sofrendo grandes adaptações. Ele concentra, além da sua redação, o Jornal da Tarde

(veículo destinado aos leitores da cidade de São Paulo e região metropolitana), Agência

Estado, as Rádios Eldorado (AM/FM); o setor on-line do grupo, além do parque gráfico.

Ou seja, o prédio fora construído para abrigar o grupo que desde 1976 funciona no atual

endereço, no bairro do Limão.

Ao contrário do clima que incentiva à competitividade na redação da Folha, o

ambiente no Estadão é relativamente mais tranqüilo, talvez em parte pela distância entre as

mesas com corredores mais largos ou mesmo pelo tamanho do salão que abriga a redação

ser mais amplo. De toda forma, a correria de uma editoria para outra nos horários-chaves,

nas reuniões de pauta, ou na reunião de fechamento da capa no final da tarde, por exemplo

- natural em qualquer redação -, também está presente neste jornal, mas sem a mesma

pressão vista em outros periódicos do mesmo porte. Uma prova disto fora o tempo das

entrevistas e a modo como elas transcorreram. Em algumas situações, mais de um

jornalista participava da conversa, opinando e comentando as respostas dos colegas,

revelando um clima mais ameno e descontraído. Além disso, o tempo das entrevistas foi

em média maior que o despendido pelos jornalistas da Folha. Em relação à quantidade de

fontes, procuramos aproveitar o máximo de tempo possível concedido dentro da redação,

de tal forma que o conjunto de entrevista foi de 15. Outro dado demonstrativo de que a

redação do Estadão é um ambiente menos hostil que o da Folha é o fato de se poder tirar

fotografias da redação sem ser repreendido ou mesmo sem passar pelos vários canais

burocráticos que a Folha me exigiu quando fiz tal solicitação, que por fim foi negada.

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O ambiente de produção da redação de O Estado de São Paulo revelou uma

estrutura mais organizada espacialmente, com as editorias distribuídas num único espaço,

possibilitando acompanhar visualmente quase toda a redação. Para um iniciante fica

impossível reconhecer as posições de cada um dentro da editoria, o que poderia nos dar

condições de estabelecer relações de poder entre cada membro do grupo e em relação ao

conjunto da redação. Mas alguns indícios foram possíveis identificar nos três dias de visita.

Um deles foi à posição de destaque que tem a redação do Estadão em relação do Jornal da

Tarde, que fica no fim do salão, a partir da porta de acesso das visitas e dos funcionários.

Ou seja, o jornalista tem que passar por todas as seções do jornal para chegar ao seu

espaço, ficando à mostra de todos. Outro dado interessante é a posição dos editores chefes

em relação ao jornal. Eles ficam praticamente no centro da sala, sob o olhar de todos,

inclusive as reuniões de fechamento da capa realizadas são realizadas numa mesa grande

posicionada quase no centro do salão. Isto para facilitar a visualização de todos e também

para aproximar o comando das seções de produção. Provavelmente a posição de cada

indivíduo em relação ao lugar do editor e a posição de cada editoria em relação à chefia de

redação releve o nível de status que cada um tem em relação aos outros e as prioridades

editoriais do jornal. Contudo, considerando o pouco tempo de visita, reconhecer estas

informações é tarefa praticamente impossível, embora a posição geográfica dos chamados

jornalistas especiais foi reveladora desta distribuição. As mesas dos experientes repórteres

José Mayrink e Paulo Godoy estavam praticamente no centro da sala, muito próximo ao

centro de decisões da redação.

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b) Cena produtiva: Jornal Zero Hora - RS (Espaço para o cigarro)

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A observação desta redação é singular em relação à amostra, pois além de possuir

Manual próprio, tem forte incidência sobre o comportamento dos jornalistas. Assim como

a Gazeta do Povo, é um veículo sediado na capital, de circulação estadual, com várias

sucursais espalhadas pelo estado e correspondentes em várias regiões brasileiras, inclusive

em países do Mercosul. A redação de Porto Alegre do Zero Hora, segundo informações do

próprio editor, havia na época, mais de 70 jornalistas. Sua estrutura é complexa, com várias

divisões, departamento e editorias, e um forte respeito pela estrutura hierárquica. Ou seja,

cada empregado ciente das suas responsabilidades. Assim como na Folha de S. Paulo,

encontrei na redação do Zero Hora um clima de competitividade entre os jornalistas da

redação.

A redação do Jornal está localizada em um dos andares de complexo multimídia da

RBS, onde ainda estão instaladas as produções do principal canal de televisão (RBS-TV),

além da rádio AM (Gaúcha) e do jornal popular de maior tiragem do grupo (Diário

Gaúcho). 71 Essa complexidade dada pela proximidade entre os vários veículos dificultou

em parte o trabalho da pesquisa, especialmente para um observador externo. Por outro

lado, essa complexidade estabeleceu um fluxo desregrado de pessoas entre os vários

espaços e setores criando para mim certa invisibilidade na visita. Ficou evidente que depois

que recebi autorização para passar da porta da recepção, passei a integrar de certa forma o

conjunto dos membros daquele universo como ocorreu na situação de observação da

redação da Folha de S. Paulo. Até o momento das apresentações, ninguém me abordou na

condição de estranho, o que me deu certa tranqüilidade para circular entre os vários

espaços da redação. Somente após a minha apresentação, com vistas à realização das

entrevistas, é que os informantes mudavam a forma de se relacionar comigo, mas nada que

pudesse alterar as perguntas.

A sala principal, onde ficam os repórteres e editores setoriais, é ampla, bem

iluminada. No fundo estão os gabinetes do chefe de redação, chefe de reportagem e das

secretárias, além de uma saleta de espera. Estes ambientes reproduzem a idéia de aquário,

pois estão separadas por paredes de vidro, facilitando a visão de toda a redação. Próximo à

porta de saída para a lanchonete há outro ambiente particular. Trata-se de um estúdio de

TV, também com paredes de vidro. O objetivo é “colocar” os apresentadores do telejornal

71http://www.rbs.com.br/rbscom/jsp/default.jsp?contexto=grupo&paginamenu=../library/menu_grupo_apresentacao.lbi&paginaconteudo=../library/gruporbs_capa.lbi visitado em 30 de agosto de 2006.

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no meio da sala de redação, criando uma sensação de que os apresentadores estariam no

“centro” da notícia.

A distribuição dos jornalistas na redação respeita a lógica editorial, ou seja,

procura-se manter proximidade física em função da editoria em que trabalham. Exceto a

administração financeira e editorial, que marcam certo distanciamento, os outros jornalistas

estão próximos entre si. Os computadores estão distribuídos lateralmente e um de frente

para o outro, formando grandes bancadas distribuídas em três corredores como no

diagrama 1 “Cena produtiva do Jornal Zero Hora”.

Até setembro de 2007, o setor de produção jornalística para a internet (ClicRBS)

ocupava um lugar separado da redação, assim como o setor fotográfico e a diagramação. A

partir desta data, o jornal realizou uma reforma no setor de produção digital, alterando a

distribuição e ocupação do espaço físico do jornal, aproximando e aumentando o grupo de

jornalistas destinados a produzir para os portais do Grupo. Neste sentido, o Jornal procura

reduzir o distanciamento das várias partes que se destinam a elaborar os conteúdos

jornalísticos.

Neste cenário, as dificuldades de conseguir entrevistas são várias, pois todos estão

envolvidos na produção do jornal. Assim, o informante está sempre apressado,

preocupado, tenso e, principalmente, desatento aos assuntos que não envolvam suas

matérias. A coleta de informações torna-se restrita ao tempo disponível, principalmente

para um pesquisador ainda tentando se adaptar ao ambiente. Como se tratava de um

primeiro contato, as observações foram reduzidas a dois dias nesta redação. Ainda sim,

neste movimento acabei por encontrar um ambiente relativamente singular que me

facilitou à realização das entrevistas, o que é conhecido no meio como a sala dos

fumantes. Trata-se de um espaço relativamente comum presente na maioria das redações

de jornais. (ver diagrama 2, Sala dos Fumantes). Em algumas situações, tal ambiente está

associado a uma lanchonete (Folha de S. Paulo) ou uma sala de convivência (O Estado de

S. Paulo). Contudo, ao contrário das duas outras redações de S. Paulo, pude aproveitar

melhor o espaço da “Sala dos Fumantes” do Zero Hora, isto por que nestes ambientes, o

jornalista rompe com a dinâmica do fazer diário, mesmo quando o assunto principal é a

atividade de produção. Sobre a natureza destes ambientes, Isabel Travancas, já havia

verificado esta questão quando observou as rotinas de produção da imprensa carioca: “Está

sempre cheia, movimentada, onde repórteres de editorias diferentes se encontram e

conversam sobre o trabalho do dia. É intensa a freqüência naquele ‘ponto de encontro’,

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demonstrando o alto consumo de café nas redações, o que pode ser dito sobre o cigarro”.

(TRAVANCAS, 1993, p. 27).

Sala dos Fumantes

Nesta sala específica, bem ventilada, com quatro cadeiras de descanso e alguns

cinzeiros espalhados, os jornalistas trocam informações específicas sobre o jornal do dia e

sobre o material que está sendo produzido, qual é a melhor foto; criticam as alterações

feitas pelo técnico de um dos principais times do Estado até mesmo questões pessoais

como marcar encontros para depois do expediente. Estes encontros são favorecidos pela

posição ocupada pela sala em relação ao conjunto dos ambientes do prédio. Em frente à

sala há um corredor que liga a redação do jornal, passando por uma pequena lanchonete,

que em determinados horários fica lotada de funcionários, chegando até a sala de redação

do radio-jornalismo e os estúdios da televisão que ficam em outro complexo. Ou seja, este

corredor é utilizado intensamente pelas pessoas e a sala tende a ser um espaço de parada

para um cigarro ou um café. Nos dias da minha visita, nunca encontrei a sala vazia. A

maioria dos freqüentadores da sala é formada repórteres, editores, repórteres-fotográficos.

Foi neste espaço, mais espontâneo e despreocupado que meus informantes do Zero Hora

revelaram detalhes sobre os processos de produção e os modos de apropriação do manual.

Segundo o repórter especial, o manual de redação do Zero Hora não é visto nas mesas por

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que ele é dedicado a aspectos éticos e não técnicos. “Eu mesmo não uso. Às vezes que

preciso saber alguma coisa, olho no dicionário. Quanto às questões éticas, pergunto direto

para ao editor ou mesmo para o advogado”. Essa fala demonstra um pouco das referências

dadas pelas fontes do Zero Hora que descreveremos em item específico mais à frente.

Antes, porém, cabe relatar meu contato com editor-chefe, o jornalista Marcelo Rech, com

larga experiência em jornais de São Paulo e Rio de Janeiro. Depois de algumas tentativas

por telefone e de conversas com sua secretária, agendei o encontro, que eu aproveitaria

para retirar algumas informações sobre o jornal. A princípio, não tinha certeza se iria tratá-

lo como uma fonte ou apenas como contato que me daria ou não autorização em freqüentar

a redação.

A reunião de fechamento da primeira página ainda não tinha começado, assim

tivemos contato mais prolongado. Neste período ele contou com certo orgulho de seu

protagonismo na elaboração das duas edições dos manuais do jornal, a primeira em 1994 e

a segunda em 2004, sendo está última inteiramente de sua responsabilidade. Segundo ele, o

Manual do Zero Hora é diferente dos outros (Folha e Estadão, por exemplo), porque estar

mais preocupado com as questões gerais, de comportamento dos jornalistas, assuntos que

versam sobre a ética dos profissionais e não sobre questões de estilo. Tal aspecto foi

comprovado em parte na descrição dos manuais de redação (ver capítulo específico). Para

a elaboração do manual ele reuniu uma vasta literatura internacional sobre jornalismo e

manuais de ética e estilo. Alguns livros estavam visíveis em sua sala, como o Manual de

Estilo do jornal El Pais (Espanha), o Manual de Normas Éticas do New York Times entre

outros tentando mostrar não só certo conhecimento sobre assunto, mas também

reivindicando um lugar de fala qualificado sobre o tema. Por fim, ele informou que quando

apresentou a idéia da segunda edição aos proprietários, argumentou pela necessidade de

um documento que contemplasse não apenas as características do jornal, mas também a

dos outros veículos do grupo (rádio, televisão), generalizando as regras a ponto de atender

as especificidades dos outros canais.

Tais referências me possibilitaram concluir que seu interesse pelo tema da minha

pesquisa facilitou meu acesso aos vários ambientes do jornal. “Também sou professor e sei

da importância de se estudar os jornais, por dentro. E os manuais de redação são

importantes por que mostram como o jornal deve se orientar”, declarou Marcelo Rech.72

Diante destas informações, sua posição ficou clara para mim: Rech era uma fonte.

72 Entrevista concedida ao autor em cinco de maio de 2005.

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Nas observações realizadas, foi difícil encontrar sobre as mesas qualquer exemplar

de manuais de redação, mesmo o do próprio jornal. Somente nas entrevistas é que

comprovamos a existência e a localização dos manuais, ainda assim, de forma reservada.

Esta característica nitidamente mais tímida de uso do Manual de Redação indica um modo

próprio de uso, que pode estar relacionada ao fato do dispositivo ter seu conteúdo voltado a

aspectos mais genéricos da conduta, da ética e menos aos aspectos gramaticais, de estilo.

Algo que será examinado com as entrevistas.

b) Cena Produtiva: Jornal NH (Novo Hamburgo) –RS (padrão japonês)

Padrão japonês

A observação do jornal de Novo Hamburgo (cidade da região metropolitana de

Porto Alegre) foi à segunda visita e já se deu um outro estágio da investigação. O jornal

NH é um dos veículos do Grupo Editoral Sinos, composto por mais dois outros veículos

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impressos (Jornal VS e Diário de Canoas), além de uma rádio AM e de um canal fechado

de televisão.

O jornal NH, um dos principais jornais do interior do Rio Grande do Sul, ele circula

atendendo o Vale do Rio dos Sinos, uma região composta por mais de 800 mil habitantes.

Segundo informações da direção do jornal, ele tem tiragem média diária 45 mil

exemplares.

Como já tínhamos indicações de que os manuais de redação estavam incorporados

nas redações, independente da oferta institucionalizada ou não, nos voltamos a afinar o

olhar procurando saber onde estavam e como seriam usados.

Em relação ao ambiente produtivo, podemos destacar que se trata de uma redação

de porte médio, composta por cerca de 60 jornalistas divididos nas editorias tradicionais. A

especificidade desta redação, diz respeito a sua localização no espaço do jornal. Ela está

situada em uns dos lados de um grande salão, ocupando aproximadamente um quarto do

espaço do total. Os outros espaços (3/4) estão ocupados pela parte comercial e tele-

marketing, administração, circulação e arte final e a produção de um jornal voltado ao

ramo calçadista de circulação nacional dirigida. Estes setores não são separados por

paredes, o que possibilita uma visão geral de todas as divisões. Contudo, as separações são

feitas através da organização dos espaços, proximidades das mesas de acordo com cada

setor, bem como através dos corredores de acesso. Há implicitamente um forte

reconhecimento de que cada espaço de produção deve ser ocupado exclusivamente pelos

seus membros. Somente as pessoas “autorizadas” podem acessar livremente todos os

espaços, embora isso não fique evidenciado através de placas (não entre, somente pessoal

da redação).

Em relação à redação do jornal NH, os espaços estão ocupados da mesma forma

que a empresa como um todo, ou seja, sem divisões aparentes. Ainda assim, pudemos

verificar algumas características. O chefe de redação e os subeditores possuem espaço

próprio, afastado dos repórteres, embora sem separação. Suas mesas estão dispostas a

facilitar o contato visual deles com os repórteres. O setor de pesquisa, assim como a

editoria de fotografia, também possui lugar diferenciado do conjunto da redação.

Fora isso, os repórteres se apresentam todos próximos em ilhas de computadores

dispostas no centro do espaço destinado à redação. A forma de ocupação desta ilha parece

que obedece a lógica definida pelas editorias, ou seja, mantendo os membros de cada setor

ligados. As mesas dos jornalistas, assim como em outras redações, estão ocupadas por

papéis, jornais antigos, livros, dicionários, gravadores. Além disso, havia a presença de

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bolsas, especialmente nos terminais ocupados pelas mulheres; óculos de sol entre outros

objetos de uso pessoal, demonstrando certa pessoalidade na ocupação do espaço. Foi neste

lugar relativamente confuso que pudemos encontrar manuais de redação tanto da Folha de

S. Paulo quanto do Estadão (as últimas edições). Segundo uma fonte com 10 anos de

experiência que possui função de direção, o jornal tentou sistematizar as experiências em

forma de manual há alguns anos “A idéia era a de padronizar o estilo, uniformizar a

redação”. Na oportunidade foi elaborado um conjunto de regras que foram disponibilizadas

via sistema de computadores. No entanto, esta proposta acabou não vingando por falta de

tempo para a atualização e ampliação dos conteúdos. Atualmente a maioria dos jornalistas

possui o Manual do Estadão que, segundo ele, é mais completo a atende as necessidades do

jornal. Aliás, essa é uma fala recorrente em todas as redações visitadas sem manual

próprio. Os responsáveis afirmaram que, em outras épocas, se tentou elaborar manual de

redação, mas que as iniciativas se perdiam ao longo do caminho ou caiam no

esquecimento.

Sua presença era visível, ao contrário do jornal Zero Hora onde não se podia ver

nenhum exemplar do manual sobre as mesas dos repórteres. Já neste caso, os manuais

estavam espalhados sob os computadores de quase todas as editorias. Alguns possuíam

mais de um manual, como o caso de uma das fontes, que mantinha sobre sua mesa as

últimas edições dos Manuais da Folha de S. Paulo e do Estado de S. Paulo.

Durante a observação, foi possível constatar o uso dos manuais pelos jornalistas.

Eles eram emprestados, passados de um para o outro, circulavam entre os membros da

editoria. Em cada consulta, os manuais eram folheados quase sempre de forma rápida,

pontual. Em alguns casos, o jornalista consultava em mais de um lugar do livro como se

estivesse procurando confirmar a primeira informação. Como pudemos observar, a maioria

dos manuais apresentavam desgaste. As páginas estavam amarrotadas, sujas, com as pontas

dobradas e grossas. A consulta, pelo que pudemos notar, compreendia aspectos gramaticais

e de estilo. Algo que se confirmou durante as entrevistas com os jornalistas.

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c) Cena Produtiva: Jornal Diário dos Campos – Pr (Intimista)

Ambiente intimista

O jornal Diário dos Campos - Pr apresentou neste conjunto de jornais visitados um

contraponto aos periódicos maiores, pois representou o segmento de periódicos do interior,

de pequeno porte, com uma redação formada por até 10 jornalistas. Neste ambiente, onde

todos se conhecem para além do espaço profissional, (muitos estudaram juntos,

trabalharam em outras redações, freqüentam os meus lugares) as relações são

aparentemente mais informais, flexíveis e diretas. À distância entre os proprietários do

veículo e os jornalistas é pequena, facilitando o contato. Nossa relação com o jornal

ocorreu em dois momentos distintos, no segundo semestre de 2004 e no primeiro semestre

de 2007. No primeiro contato, em função de estarmos iniciando a elaboração do problema

da pesquisa, estivemos focados em questões mais gerais. Já nesta segunda visita, estivemos

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mais atentos às características comuns desenvolvidas no próprio processo de apropriação

dos manuais de redação pelos jornalistas.

Diante disto, esperávamos que o manual de redação não surgisse com intensidade,

não apenas pelo fato do jornal não possuir um, mas também porque, sendo uma

organização menor tanto em número de jornalistas quanto em estrutura, menos complexa,

portanto, não haveria a necessidade de um dispositivo regulador. No entanto, nossa

observação verificou que há manuais. Um deles, inclusive, fica permanentemente à

disposição dos jornalistas, sob a mesa do editor, que declarou orientar os jornalistas a

utilizar o manual, neste caso o do Estado de S. Paulo. (ver anexo H). Segundo ele, o

Manual de Redação e Estilo do Estadão é o que atende aos interesses do jornal, por ser

mais completo e abrangente. “Como o jornal (Diário dos Campos) não tem condições de

ter um manual específico, a gente decidiu adotar o do Estado de S. Paulo”. Segundo

informações dos jornalistas mais antigos, o jornal até tentou organizar um conjunto de

regras quando de sua reabertura em 1999. No entanto, em função da rotatividade de

profissionais na redação, isto é, da formação do grupo de trabalho, aquele conjunto de

normas foi ficando de lado, deixando de ser usado e paulatinamente foi sendo substituído

pela Manual do Estado de S. Paulo. Em relação às questões de cunho jornalístico-editorial,

o editor deixou claro que tais decisões são definidas por ele. “Nestas questões (ângulos,

abordagens), levamos em conta o bom senso e aquilo que o bom jornalismo diz para

fazermos e não o manual de redação. O manual tem a função de auxiliar os jornalistas nas

dúvidas gramaticais.”, conclui.

Esta função auxiliadora pode ser verificada durante os momentos em que estive

presente à redação, especialmente na segunda visita. Nas oportunidades, embora o Manual

de Redação estivesse sobre a mesa do editor no início da tarde, logo ele passou a circular

de editoria para editoria, de repórter a repórter, sendo manejado muitas vezes pelo próprio

editor. Pelo que notei, as consultas eram específicas a aspectos gramaticais, especialmente

aos 100 erros mais comuns. (última parte do Manual do Estadão).

Nesta redação, contudo, ocorreu algo diferente em relação ao contato com o

Manual. Momentos antes da reunião de pauta começar, um dos jornalistas que esperava o

início lendo um jornal concorrente, recorreu ao Manual. Consultado sobre isso, ele

informou que estava em dúvida sobre o que o colega “concorrente” havia escrito.

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d) Cena produtiva: Gazeta do Povo – Pr (Fábrica de notícias)

Fábrica de notícias

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A visita a Gazeta do Povo ocorreu no primeiro semestre de 2007 com o objetivo de

verificar características nos modos de apropriação dos manuais de redação. Como já

tínhamos claro que os manuais haviam se tornado objeto comum nas redações, nos

voltamos a observar de que forma os mesmos estavam sendo “usados”. Antes, porém, cabe

descrever a cena produtiva da Gazeta do Povo.

Trata-se do maior jornal do Paraná e um dos principais da região sul do Brasil com

uma tiragem superior a 100 mil exemplares aos domingos. 73 Ele faz parte da Rede

Paranaense de Comunicação – grupo multimídia ligado a Rede Globo. Junto com a Rede

Paranaense de Televisão, a Gazeta do Povo é um dos principais empregadores do Paraná

na área. Somente na redação de Curitiba, o jornal possui mais de 100 jornalistas

aproximadamente que se revezam na produção do matutino. Além da redação principal, o

jornal mantém sucursais e correspondentes nas principais cidades do estado e do país.

Como ocorre em outras médias e grandes redações, os jornalistas se reúnem a partir de

suas editorias, formando ilhas próprias. Em cada ilha, além dos repórteres, há um editor e

um diagramador. Num espaço distinto, no fundo do salão principal, ficam os

coordenadores executivos – editores responsáveis por programar o jornal, além de

fecharem o jornal. Mais ao fundo está localizado as mesas dos diretores de jornalismo.

Somente a editoria de fotojornalismo fica localizada em outro espaço. (ver no diagrama da

redação).

Quanto aos usos do Manual pela Redação, o diretor de jornalismo – Nelson Sousa

Filho -, informou que o jornal optou há alguns anos pelo uso do Manual de Redação e

Estilo do Estado de S. Paulo, a edição de 1997. “Trouxemos autor do Manual do Estadão, o

Eduardo Martins, para dar uma palestra para nós. Então fizemos uma escolha entre os

vários manuais e achamos que o Manual do Estadão nos atenderia melhor”. A partir de

então, segundo o diretor de jornalismo, os Manuais ficam à disposição dos jornalistas e

cada editoria possui um pelo menos. Há casos, porém, que jornalistas possuem seu próprio

exemplar.

Durante a observação, pudemos constatar que alguns dos manuais estavam

localizados ao lado dos terminais ocupados pelos editores. A princípio pensei que se

tratava de uma característica de intensidade de uso, ou seja, que os manuais estariam

próximos a quem mais se utiliza deles. Isso até pode acontecer, no entanto, há uma outra

explicação para esta situação: há uma recomendação do jornal aos editores, para que eles

73 A Gazeta do Povo mantém no domingo um Caderno de classificados que atende grande parte da região centro sul do estado, incluindo a capital e região metropolitana.

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fiquem responsáveis pelos manuais de redação. A declaração de um jornalista com função

de direção é esclarecedora deste aspecto:

“O jornal disponibiliza o Manual do Estado de S. Paulo. No trabalho de diretor-executivo, não temos um manual que está sempre à mão. Têm alguns outros na redação, com cada editor. Eu acho até que quem utiliza pouco, aqui, são os repórteres. Precisamos deixar mais disponível. Também eu nunca tinha pensado nisso, mas talvez seja apenas uma impressão minha. Eu acho que são poucos exemplares. Acho que têm poucos exemplares aqui, e a gente deveria fazer com que os repórteres usassem mais.” (grifo nosso).

Mesmo havendo certo centralismo por parte dos editores, os manuais de redação

circulam entre os jornalistas, especialmente nas editorias voltadas a assuntos temporais e

factuais. Alguns exemplares apresentam desgaste acentuado, outros, porém, estão

relativamente novos, mas todos se encontravam sobre as mesas. Em algumas situações,

eles estavam guardados nas gavetas ou mesmo nas bolsas/malas. Esta situação era mais

comum nos momentos quando os repórteres estavam na fase de coleta dos dados, nas

entrevistas e não durante a redação, período de uso mais intenso. Enfim, o Manual estava

disperso.

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8. Processos e estratégias de apropriação

de Manuais de Redação

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O conjunto de procedimentos de investigação utilizado até o momento nos deu

condições de estabelecer algumas aproximações, similitudes e distinções na busca de

descrever operações e, como conseqüência, elaborar tipologias sobre os processos de

apropriação utilizados pelos jornalistas quando entram em contato com os manuais de

redação durante o processo de produção. Desta forma, a interpretação das entrevistas nos

permite relacionar características no sentido de oferecer, nesta fase da pesquisa, o que

chamamos de algumas operações apropriativas. As entrevistas semi-estruturadas

conduzidas ao conjunto da amostra tiveram por objetivo fortalecer o instrumental

metodológico.

Tais características foram identificadas e/ou reunidas considerando alguns aspectos

da observação: o primeiro voltado ao modo como os jornalistas “manuseiam” o

dispositivo. Neste caso, não estamos procurando olhar as ações físicas propriamente ditas,

embora elas demonstrem certo tipo de comportamento do sujeito para com o objeto. Nosso

interesse está em identificar neste contato, características que os usuários lançam mão

quando se referem aos manuais; relações estas desenvolvidas com o objeto em si ou

mesmo quando fazem menção a eles. Este modo de observação procurou se concentrar nas

operações realizadas pelos produtores/jornalistas de periódicos diários, obviamente. Até

por que há uma rede de articulações que se forma em torno dos manuais de redação que

foge ao universo de pesquisa como aquele que se realiza com os diagramadores, produtores

visuais, sujeitos responsáveis por conformar a linguagem visual às regras editoriais do

veículo, muitas delas definidas em manual de redação ou outros dispositivos específicos. O

segundo aspecto esteve atento às situações que, tensionadas pelas rotinas de produção, os

jornalistas se utilizaram ou não do dispositivo manual de redação. Na realidade, estamos

sensíveis às circunstâncias em que isso ocorreu; em que aspectos, os jornalistas

manusearam direta ou indiretamente os manuais de redação. A idéia é procurar relações,

cruzamentos entre as atividades desenvolvidas durante a elaboração dos conteúdos

jornalísticas pelos agentes produtores quando em contato com os manuais de redação. E a

partir destes cruzamentos, identificaremos similitudes ou não, coerências ou não, das

negociações desenvolvidas entre os manuais e os jornalistas.

Cabe ressaltar que estamos neste momento mais preocupados em demonstrar

aspectos das operações de apropriação do que realizar análises propriamente.

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a) TÓPICA

Podemos dizer que este modo de apropriação é um dos mais recorrentes no

universo das redações. Isto por que ele se estrutura a partir da relação direta e pontual do

jornalista com o manual de redação considerando demandas e interesses imediatos e

específicos. Ao agir deste modo, o jornalista cria uma relação com o manual, digamos,

TÓPICA, já que ela se realiza considerando questões particulares do fazer jornalístico,

como a escritura correta de determinada palavra ou a forma padrão de titulagem, por

exemplo. Mesmo sendo voltada para questões pontuais, ela atende questões comuns a

todas as redações, algo que está presente em quase todos os processos de produção diária

de jornal, podendo, portanto, ser generalizável.

Esta forma de apropriação é provocada pela necessidade em responder rapidamente

as dúvidas, especialmente em relação à redação e a uniformização dos textos. Em função

da pressão do tempo, o ato de apropriar-se do manual tende a ser praticamente mecânico,

quase automático, como se fosse inconsciente.

As situações mais presentes deste modo de apropriação se referem às questões

gramaticais ou de estilo, dispostas na maioria dos manuais de redação. Nas ofertas

manualísticas, o Manual de Redação e Estilo do Estadão é que apresenta mais opções de

escolha, como mostra o capítulo Uma Gramática dos Manuais de Redação.

Este modo de ação demonstra uma das principais funções esperadas para os

manuais: ser um instrumento de apoio às necessidades dos jornalistas na produção da

notícia. A apropriação está orientada pelo fazer sistemático e cotidiano, o que exige um

contato mais próximo com o dispositivo. Neste caso, este modo de apropriação reforça a

tese de que o jornalista tem um perfil mais operacional, de resultados. Neste âmbito, o

manual se ajusta ao cotidiano do repórter.

“Eu uso na hora em que eu começo a escrever, eu tiro ele da gaveta e

coloco o manual aqui ao lado”. (repórter Gazeta do Povo)

Além disto, ele sofre forte influência do fator tempo, das rotinas jornalísticas, na

medida em que a produção da notícia está relacionada à velocidade da apreensão das

informações fornecidas pelo manual. As rotinas de produção surgem como co-

determinantes da forma como os atores se relacionam com os manuais de redação. A

compreensão de se respeitar profundamente às dinâmicas pré-determinadas na condução e

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elaboração, bem como a hierarquia do processo produtivo, acaba por definir um modo

pontual e cobrar dos jornalistas postura de auto-suficiência na produção noticiosa,

entregando a peça jornalística conforme os procedimentos exigem. Neste caso, questões de

estilo e de respeito às regras gramaticais são determinantes. O contato com o manual

circula questões como o uso correto do hífen, da crase entre outras, envolvendo a escritura

da matéria. Neste modo de apropriação, o jornalista se ocupa do manual apenas para

executar uma tarefa específica, garantindo o cumprimento dos prazos e a qualidade da

produção a partir do respeito às regras.

Este modo de apropriação se apóia no fato dele estar em substituição ao dicionário,

como quando a consulta é motivada pela dúvida em relação à forma correta de redigir

determinada palavra ou construção gramatical. As perguntas que movem este tipo de

consulta são do tipo: como se escreve tal palavra? Qual é a abreviatura de... ? Ou, qual é a

capital do Azerbaijão? Este modo de apropriação confere um uso intensivo e rápido do

manual e por muito tempo tem sido utilizado para justificar a necessidade de seu

oferecimento. Várias são as declarações que sustentam este modo de apropriação:

“Já usei, para coisas bem pontuais, com relação a siglas, coisas

assim, sabe? Como você colocava a sigla antes, depois entre parênteses,

uma coisa assim.” (repórter do Diário dos Campos – Pr.)

“Os manuais servem para ajudar na hora de corrigir um texto, uma

matéria. Vários jornalistas utilizam o manual. Porém, às vezes confiam na

editora para corrigir, alinhar as formas usadas na publicação do texto, do

jornal”. (editora de área do jornal NH - RS)

“Eu utilizo em casos de dúvidas, mesmo, na questão gramatical, no

emprego de algum termo, alguma forma de escrever, o uso de alguma

expressão. Quando eu tenho alguma dúvida é que eu recorro ao manual de

redação para daí ter certeza de (como) escrever”. (repórter do Diário dos

Campos - Pr)

“Tem muito a questão, às vezes, de palavras, deixe eu me lembrar,

por exemplo, pré-história, às vezes você não sabe se ela é junta ou não. É

mais este tipo de coisa”. (repórter da Gazeta do Povo)

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Este modo de uso não considera os manuais de redação pelo seu conjunto de

conteúdos, mas sim por aquilo que interesse. No momento da recepção ele é reduzido aos

interesses específicos e pontuais, confirmando a característica TÓPICA deste modo de

apropriação.

Outro aspecto que marca esta apropriação TÓPICA dos manuais de redação volta-

se para as características objetivas demonstradas pela própria ação e que revelam certas

estratégias internas ao ambiente redacional. Há jornalistas que se apropriam do manual não

apenas com o objetivo de obter auxílio na escritura de determinada palavra, mas ao

fazerem isso, pretendem obter garantias para si. Com o intuito de evitar críticas, se apóiam

no manual de redação. O cumprimento pontual das regras definidas nos termos do manual

ou mesmo àquelas que se estruturam pelo habitus, conferem garantias que protegem o

sujeito jornalista de reprimendas e sanções. Funciona de certa forma como aquelas

apontadas por Tuchman em a Objetividade como Ritual Estratégico (IN: TRAQUINA,

1992, p 74-130), quando ela se refere ao cumprimento das lógicas da objetividade como

forma de defender de críticas internas e externas. Cabe ressaltar que não se trata de um

apoio linear, mas sim uma apropriação parcial, de acordo com os interesses de cada

personagem, como já foi mencionado.

A preocupação em distinguir o que deve estar no plano objetivo e aquilo que pode

avançar para além dele:

“Dependendo do texto, matéria de Domingo, a gente faz uma coisa

mais solta, mais trabalhada, procura usar um texto mais leve. Nesse caso eu

deixo o manual de redação de lado e procuro seguir um estilo mais

próprio, não me prender tanto a essas regras e usar um pouco de liberdade,

fugir dessa amarra do jornal”. “Digamos que no dia a dia escrevem-se

matérias mais objetivas, mais factuais, uma coisa mais direta, neste caso

eu tenho o manual como referência.” (Repórter do DC – Pr.)

Na informação acima, a fonte faz uma comparação entre dois “modelos” de

produção jornalística: um mais liberal, adjetivado, de estilo próprio – sem a presença do

manual e outro mais direto, onde o manual é a referência. Assim, a idéia da objetividade

ancora-se no ideal de uso do manual de redação como um recurso de proteção e garantia de

que ele não será “ousado”.

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O mesmo depoimento revela que as características distintas de cada setor do

veículo informativo possibilitam flexibilizar os prazos de entrega do material, tornando-se

potencializadores deste modo de apropriação ou não do manual de redação.

“Você contou à história que você quis, deixou interessante para o

leitor, entendeu. Teu editor comprou a idéia, botou no jornal e... Esse feeling

que é o problema de encontrar. Nem sempre você consegue. Não é uma

matéria que dá para fazer no dia. Num dia você descobre, e no dia

seguinte você consegue botar no jornal. Precisa-se de tempo, e tal. Acho

que por ano você tem três matérias que te satisfazem no jornal” (Repórter da

FSP).

Este modo de apropriação, por ser pontual, se aproxima dos interesses específicos

dos jornalistas-editores, pois, ao executarem suas funções (edição, revisão do texto,

ajustamento ao espaço), passam a operar sobre o manual de forma particularizada, à

procura de apoio para a solução daquele determinado problema. Somado a isto, eles

tendem a ter o Manual como base (demonstrativa, explicativa, justificativa, etc) para

atuarem sobre seus repórteres. Por outro lado, esta dinâmica é relativa, e como relata uma

das fontes da Gazeta do Povo, algumas questões são superadas ou simplesmente “passam”,

sendo esquecidas ou ignoradas especialmente nas situações de fechamento, dando conta de

que o processo de produção está condicionando o que define o dispositivo.

“Você questiona, (...) procura seguir sua própria opinião. Crase, às

vezes, passa né?! Porque nem sempre você consulta o Manual. Com a

prática, ali, de escrever, você acha que está escrevendo certo”. (editor da

Gazeta do Povo)

As estratégias de transgressão do modelo da norma culta apresentado pelo manual

para outro, são recorrentes no processo de produção. Os atores apostam, para a elaboração

das matérias, em algo definido pelas suas percepções sobre o que é certo ou errado, do que

é definido e expresso pelo documento, ainda que reconheçam encontrar informações que

possam lhes auxiliar.

Outra característica encontrada quanto aos usuários do modo de apropriação

TÓPICA do manual é a de este determinado modo se desenvolver mais especificamente

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em jornais que não têm manual de redação próprio; que o tomam de empréstimo de outros

veículos. Em alguns casos, utilizando mais de um manual de redação.

“Tenho aqui comigo o Manual da Folha e o do Estadão e costumo

consultar os dois”. (editor de domingo do jornal NH).

Esta fala remete a algo comum nas redações sem manual próprio: a de focar

aspectos linguageiros e não editoriais, já que a idéia passa pelo reconhecimento de que as

questões editoriais e de forma são distintas. De outro modo, ao optar por assuntos com um

nível de regramento mais pontual e específico como os gramaticais, os jornalistas de

veículos sem manual próprio tendem a confirmar um lugar próprio na produção

noticiosa, na medida em que se afastam das questões editoriais encontradas em todos os

manuais de redação. Procuram, desta forma se mostrarem independentes das regras dos

manuais externos.

Esta realidade, em parte, demonstra o porquê da maior aceitação do Manual de O

Estado de São Paulo. Nas três redações sem Manual próprio que visitamos, a maioria

absoluta dos jornalistas apontava o Manual do Estadão como sendo o mais adequado as

suas atividades diárias.

“O jornal disponibiliza um exemplar pra consulta?

Isso. E recomenda o uso desse manual?

Desse ou de algum outro manual, mas sempre está à disposição.

Sempre utilizo o do editor, que é o Estado de S. Paulo” (Repórter do DC).

“Um, porque ele é um instrumento útil para se tirar algumas dúvidas

que nós temos no dia-a-dia na produção (...) de matérias e, segundo, porque

a Gazeta adotou como o manual de redação o manual do Estadão. Foi

preciso padronizar os nossos textos pelo manual do Estadão” (Editor da

GP).

“Disponibiliza do Estado de São Paulo. Algumas pessoas que têm

outros como fonte de consulta, mas por uma decisão pessoal. A Gazeta

disponibiliza o manual do Estadão” (Editor da GP).

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Estas situações se repetem ao longo das entrevistas. Inclusive se percebe que o

nível de interesse sobre qual manual se utiliza. Para muitos não interessa que manual está

sendo consultado, o importante é se convencer que aquele modo de escrever está amparado

pelos cânones jornalísticos.

b) INTERLOCUTOR

Há outro modo de apropriação dos manuais nas redações mais complexo que o

anterior, contudo menos presente. Trata-se da apropriação de modo interlocutor , ou seja,

aquelas operações de apropriação realizadas a partir de um mediador do manual de

redação.

Mesmo sendo elaborado para facilitar a consulta, agilizar o acesso deixando mais

prático o contato entre os jornalistas e o manual, muito usuários “elegem” dentro da

redação alguns sujeitos que passam a “ler” o(s) manuais, interpretando e traduzindo as

regras para outros jornalistas e setores da redação.

“ (...) acontece muito de o pessoal me perguntar e eu mostro no

manual onde está.” (...)

Você ensina?

“Na verdade, eu nem ensino, porque (eles) não querem aprender.

Eles querem é que alguém ache no manual onde tá. E eu até digo: ‘olha, é

super fácil, você quer saber se usa ou quer saber como se usa?’ (...) E é

muito curioso, às vezes, você fala e explica pra pessoa por que é que e tem

gente que brinca assim: ‘não explique, responda’. Me responda porque não

é (aprende a) língua pelo raciocínio mas sim pelo batente”. (repórter da

Gazeta do Povo)

Às vezes, esse modo de apropriação é incorporado pelo editor, que assume a função

de co-redator do repórter no sentido de facilitar e agilizar a produção do repórter. Desta

forma, ele (editor) assume a condição de interlocutor do manual.

“Sim, eu utilizo o Manual de Redação, às vezes indiretamente,

perguntando para o editor qual é o padrão usado, mas sempre utilizo.”

(repórter da GP).

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Além do editor, este modo INTERLOCUTOR é relativamente fácil de encontrar

nas redações, pois são personagens que proporcionam segurança tanto no uso da língua,

como no próprio conhecimento das técnicas jornalísticas ou mesmo da forma estilística na

qual o jornal opera. Num ambiente onde a velocidade na produção é mais cobrada, a

existência de mediadores dos manuais tem se tornado comum, muitos sem necessariamente

serem jornalistas, o que não é o caso deste modo, cujo operador do manual é interno ao

campo.

Mesmo este sujeito reunindo características de direção, ele é na maioria das vezes

repórter com experiência e interesse mais aguçado pelo manual de redação. Em alguns

aspectos, ele se aproxima do perfil dos jornalistas do modo Tópico, principalmente no diz

respeito à auto-suficiência.

Outro aspecto que reforça esse modo de apropriação é dado pelas dinâmicas da

própria redação, que tendem a enquadrar os jornalistas, especialmente os de editorias.

Estas envolvem notícias factuais como a Geral, Cidades, Polícia e Esportes que realizam

várias matérias ao longo do dia, a uma lógica de respostas sempre rápidas, diretas e

objetivas. Ocorre que, diferentemente do uso tópico, perguntar ao colega ou mesmo ao

editor que está ao lado torna-se mais interessante do que procurar no manual. A declaração

de uma fonte demonstra bem essa realidade:

“Eu acho que a cultura de consultar o manual é pequena aqui na

Gazeta é em função de o repórter entregar a matéria quase sempre pelada

para o editor. Eu acho que no pacote de entregar a matéria pelada vai

também à iniciativa de por título, mesmo que não tenha espaço na

diagramação. (...) Eu acho que daí vai parte do erro (...), o editor é que vai

ter que abrir o manual pra procurar o erro. (repórter da Gazeta do Povo).

Esta constatação é reforçada pela opinião do ex-ombudsman da Folha de S. Paulo,

quando perguntado sobre a intensidade de uso do Manual da Redação do jornal. Isto no

jornal que edita periodicamente manuais de redação.

“A minha impressão é que a redação, hoje, tem uma relação de

consulta ao Manual menos assídua e de referência como a nossa

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constituição, menos assídua do que as gerações anteriores.” (Mário

Magalhães, ex-ombudsman da Folha de S. Paulo)74.

Podemos encontrar variações deste modo de apropriação, como quando ele é

praticado por especialistas. Trata-se, neste caso, da figura do assessor jurídico, muito

presente nos últimos anos, em conseqüência do aumento no número de processos contra os

jornais. Os advogados têm assumido posição de destaque dentro da redação no sentido de

interpretar não apenas os Códigos, mas também o Manual de Redação, tornando-se leitores

privilegiados. A partir daí, os jornalistas – pressionados pela necessidade de realizar

rapidamente suas tarefas - passam a encarar o advogado como um “espelho” do manual,

um sujeito que domina as regras do agir, dando segurando e rapidez para a produção. Nesta

medida, as regras do manual passam a ser apropriadas de uma perspectiva jurídica, como

fica representado pela análise de um dos repórteres do jornal Zero Hora:

“A preocupação do advogado hoje é evitar que a matéria deixe

alguma brecha que possibilite que o jornal seja processado. Esse é o

objetivo básico. O repórter usa o manual como uma referência profissional,

com alguns limites que o Zero Hora não irá passar, transpor. No caso

específico, um crime passional, faz parte do manual de ética que não se

publica com destaque um o crime passional, exceto aqueles casos em que a

matéria tenha outro enfoque, mas o tradicional, clássico, aquele que ocorre

quase todos os dias, a Zero Hora não dá destaque, mas via de regra, não se

dá destaque”. (repórter do Zero Hora).

“Se eu estiver no jornal ainda, eu vou para a redação, eu pego o

texto, ou eles me enviam por e-mail, leio, vejo se tem algumas coisas, ligo

para perguntar: Vocês checaram aqui? É isso mesmo? Tem certeza se

aconteceu tal coisa? Se eles forem indiciados por tal crime, foi condenado

por tal crime, que a pena é de tanto. Eu vou observando junto com o

jornalista. Não vou pegar um texto e eu sair alterando, nunca. Vou conversar

com eles. Aqui está certo, aqui não está certo, fica assim. Mas pegando o

texto da matéria junto com o editor ou com o jornalista, às vezes é com o

74 Entrevista concedida ao autor em primeiro de novembro de 2007.

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próprio jornalista, antes mesmo de passar para o editor, às vezes eu pego o

texto bruto, ainda” (Assessor Jurídico do ZH).

Estas falas revelam operações que definem uma participação muito forte de um

agente externo ao campo, no caso o advogado, que assume em algumas situações, a

posição do editor, realizando funções além de suas atribuições, como a de revisor

gramatical, ético, editorial e também judicial. Neste caso, o manual de redação é

substituído pela figura do assessor jurídico, que de posse de conhecimentos específicos,

orienta as decisões da equipe.

c) CRÍTICO/REFLEXIVA

A apropriação CRÍTICO/REFLEXIVA , outro modelo de apropriação, é realizada

por jornalistas em situações específicas do fazer jornalístico. Situações estas que se

realizam para além das rotinas produtivas, nas quais os repórteres, editores, fotógrafos

estão diariamente envolvidos; onde a carga de tensão é forte e as decisões e as escolhas

precisam ser tomadas rapidamente. Nestes casos, é absolutamente normal que o jornalista

reconheça no manual como “ferramenta”, como no modo de apropriação TÓPICA , por

exemplo. Ou ainda, se tiver a felicidade de encontrar um colega, uma editor, que esteja

disponível para que sirva de INTERLOCUTOR das regras manualísticas, ou mesmo ter

passado por um curso de formação. No entanto, há casos de que os usos dos manuais de

redação superam estes modos de apropriação, estabelecendo relações mais reflexivas, onde

o jornalista deixa apenas de consultá-lo procurando seus elementos mais objetivos, mas

sim, passa a pensá-lo em relação a suas dinâmicas mais gerais. Assim, o manual deixa de

ser encarado não mais como um instrumento de auxílio, mas sim como um dado a ser

refletido. Algumas fontes apontam situações de apropriação cuja rotina definida pelo

manual como padrão é superada de uma forma peculiar, como no relato de uma fonte da

Folha de S. Paulo:

“ (...) você tem a rotina. É óbvio que você tem a rotina. Eu sei

que todos os dias eu tenho que cobrir uma agenda. Eu tenho que saber o que

vai acontecer dentro do meu assunto (..) Isso é chato. Contar isso é um favor

que eu faço para o leitor, porque o leitor quer, entendeu? Agora, quando eu

conto as histórias que eu gosto, eu estou me realizando. Quando eu consigo

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deixá-las interessante para o leitor, ai chegamos no momento mais legal do

jornalismo. Você contou a história que você quis, deixou interessante para o

leitor, entendeu. Teu editou comprou a idéia, botou no jornal e... Esse

feeling que é o problema de encontrar. Nem sempre você consegue. Não

é uma matéria que dá para fazer no dia. Num dia você descobre, e no dia

seguinte você consegue botar no jornal. Precisa-se de tempo, e tal. Acho

que por ano você tem três matérias que te satisfazem no jornal (risos).

Há por parte do jornalista certo reconhecimento de que o manual não é apenas um

instrumento que atende interesses pontuais, mas sim como um dispositivo dinâmico, além

de apontar soluções, está inserido dentro do próprio processo de produção. Por outro lado,

há também um olhar crítico reflexivo sobre as limitações do manual e da necessidade de se

ter outros apoios. Pudemos verificar depoimentos que reforçam esse chamado modo

reflexivo de apropriação do manual.

“O Manual para mim é instrumento, e ele está nesse lugar. Ele não é

maior, nem menor que o jornalismo” (Repórter da GP).

“Eu utilizo o manual para questões técnicas com bastante freqüência.

Só que, o manual vem junto com algumas ferramentas que a internet

disponibiliza” (Repórter do DC).

As críticas sobre as contribuições, potencialidades do manual de redação

demonstram o reconhecimento de suas limitações (do manual), pois transformam as regras

em parte do processo de produção, não em seu fim. Na verdade, a compreensão sobre o

que o manual pode demonstrar seu lugar na lógica da produção do jornal, na medida em

que seu uso pouco ocorre, e quando ele é apropriado, é para ser objeto de crítica.

d) TEMÁTICO

Este tipo de apropriação aparece em outros modos de apropriação como no modo

INTERLOCUTOR e TÓPICA , por exemplo, contudo neste caso seu uso está relacionado

à necessidade do jornalista em cumprir determinada demanda voltada geralmente a sua

especialidade (economia, polícia, etc.). Embora o jornalista esteja familiarizado com os

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assuntos, fontes e até com a forma da matéria, por vezes ele se depara com situações nas

quais exige o uso do manual de redação. Esta condição particular é dada pelo próprio

assunto. Assim, temas como economia, por exemplo, exige do jornalista uma linguagem

adequada, com termos e nomes afetos ao meio econômico. Da mesma forma ocorre em

relação a assuntos policiais. A linguagem jurídica – muito comum nestas editorias -, além

de muito peculiar, pode provocar processos ao jornal e reprimendas ao jornalista se usado

inadequadamente. O contato com o manual passa a ser definido pela particularidade da

apropriação.

Outra característica que define este modo TEMÁTICO de apropriação está

relacionada às características da matéria jornalística. Esta operação está mais presente em

situações em que a matéria tem caráter de denúncia, onde pessoas e/ou instituições estejam

envolvidas. Notícias de crimes, prisões, corrupção entre outras de origem investigativa,

tensionam os jornalistas que, com o objetivo de se garantir, garantir o veículo e a própria

informação, recorrem aos manuais de redação. Neste caso, o modo de apropriação não se

aproxima do modo TÓPICA, pois as questões consultadas não são gramaticais ou

estilísticas, mas questões temáticas como a definição de um procedimento policial ou

mesmo econômico. Veja a proximidade no relato destas duas fontes voltadas à cobertura

de assuntos policiais sobre seus usos de manual de redação.

“O manual não precisa ser usado como muleta, que o cara fica

consultando toda hora, não tem a necessidade disso. O que tem a

necessidade, eventualmente, é consultar o manual em redação a assuntos

específicos (...). No caso específico, por exemplo, um crime passional. Faz

parte do manual de ética (do ZH) que não se publica com destaque um

crime passional, exceto aqueles casos em que a matéria tenha outro

enfoque, mas o tradicional, clássico, aquele que ocorre quase todos os dias,

a Zero Hora não dá destaque” (Repórter do ZH).

“Eu uso o Manual da FSP, até porque ele tem um vocabulário

jurídico (...) é o que me orienta muito em algumas situações. Na questão de

termos, de lei, de tudo ali. Então ele tem isso e me ajuda, em determinadas

situações. Não é uma regra de todo dia recorrer ao manual da Folha ou do

Estadão”.

Dúvidas jurídicas?

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“Sim. Existem alguns termos dentro do mundo jurídico (que o

público leito não entende). Furto: no furto não há violência; o assalto é feito

mediante violência. Há uma diferença entre seqüestro e cárcere privado,

entre seqüestro e o rapto. Então, obviamente, pra você não ocorrer a

erros, é bom que você tenha isso à mão e se certifique de qual é o termo

mais correto. Mesmo porque você não aplica algum termo que possa

confundir o leitor. E, também, tem uma, a gente não pode confiar na palavra

da polícia; um termo usado por um policial, talvez por um delegado, é

definido algum tipo penal atribuído ao acusado de crime. Então, é bom ter

isso (o Manual)” (Repórter do DC).

A operação TEMÁTICA de apropriação do manual não se realiza exclusivamente

no momento da produção do texto, como ocorre com os anteriores. Ele pode acontecer em

outras situações da produção, nos momentos da entrevista ou mesmo em outros lugares.

“Eu mantenho ele em casa e, às vezes, você faz alguma leitura, não

para ficar preso aquilo ali, entende? Mas, uma vez ou outra, você quer ver

se não tinha nenhuma dúvida, distinguir, resolver alguma dúvida, ai você

recorre a ele. Então, eu tenho dentro da minha casa, eu faço essa

consulta” (Repórter do DC).

e) DIVERSIDADE DE FERRAMENTAS

Esta forma de apropriação utiliza o manual de redação amparado a outros

dispositivos, ou seja, o manual funciona em parceria, associativamente. Esta relação não é

tensa, concorrencial. Na realidade, este modo de apropriação está marcado por uma relação

do manual de redação com outros métodos de apoio. Neste sentido, o jornalista busca

ampliar seu grupo de referência, procurando sugestões mais adequadas ou mesmo por uma

instrução que venha a responder às possíveis lacunas deixadas pelo manual de redação Esta

operação tem por característica procurar outros dispositivos, sugerindo que os manuais

sejam substituídos por métodos “mais eficientes” e/ou “atuais”, como o dicionário, o livro

de gramática, softwares próprios ou mesmo sites que possam solucionar seus problemas

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imediatos. Neste modo de apropriação, ele aparece associado com outros dispositivos de

auxílio.

“Então, o livro, mesmo, o manual em si com as páginas e tal, com

aquele modelo, ele é, eu não digo ultrapassado porque ele não é, mas ele é

mais um suporte no meio de tantos outros” (...). “Só que, o manual vem

junto com algumas ferramentas que a internet disponibiliza. Então,

acoplado ao meu computador tenho dois dicionários – um de sinônimos e

o outro dicionário que é o dicionário de gramática, mesmo. Então, estes dois

dicionários são bastante completos já que me possibilitam uma coisa além

da gramática propriamente dita, alguma coisa de concordância, alguma

coisa assim” (...). “Eu também utilizo a internet, basicamente. (Lá) eu

procuro o nome do economista que ganhou o Nobel do ano passado. Então

eu recorro” (Repórter do DC).

Além desta característica associativa e em decorrência, a apropriação focaliza

aspectos da linguagem, específicos, voltados ao uso correto da língua. Aspectos editoriais

ou de comportamento são desconsiderados, o que demonstra ser um dos modos de

apropriação utilizado por jornalistas de instituições sem manual próprio, tanto pelo

desapego à obrigatoriedade de uso, quanto pela ausência de respeito aos critérios editoriais.

f) AUTORAL

Esta operação é realizada quando o jornalista passa a reelaborar a partir de lógicas

próprias, o manual de redação, reformulando os conteúdos, adicionando ou destacando

aspectos internos em outros espaços que não no próprio manual. Esta ação mais autoral e

independente se dá pela coleta de informações diariamente pelo jornalista, muitas das quais

não estão presentes no manual de redação ou que ele entende merecer maior ou outro

destaque, diferente daquele empregado. São fontes, siglas, termos, designações com o

objetivo de completar ou mesmo de avançar sobre as postulações manualísticas, agrupando

referências no sentido de colaborar com a produção das matérias. Cria-se desta forma certa

autoralidade sobre o manual, que outrora era destinado ao conjunto indistinto de jornalista,

passa a funcionar individualmente, pelos interesses específicos de cada um, resultando em

variações do manual de redação. Vejamos as seguintes situações:

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“Eu tenho uma caderneta que eu anoto coisas pitorescas que eu

escuto, que me perguntam, coisas que posso utilizar mais tarde. Assim, vou

compondo um grupo de palavras e expressões que podem colaborar com

o texto” (Repórter da GP).

“Então, como eu trabalho em outra revista além do jornal (..), eu

utilizo com bastante freqüência outro material que eu fiz já no meu

computador. Além disso, tenho site que eu utilizo como freqüência. Por

exemplo: eu preciso de uma informação, nomes de músicos autodidatas;

quem são os estes músicos? São informações rápidas, com agilidade e

confiança” (Repórter do DC).

Estas situações relembram as situações relatadas pelo criador do Manual de O

Estado de S. Paulo, Eduardo Martins, para explicar as motivações que o fizeram elabora-

lo. Segundo Martins, ainda na condição de repórter, ele tinha por hábito fazer anotações

sobre coisas que mais utilizava quando estava redigindo um texto ou mesmo erros que

encontrava lendo os jornais. Essas anotações passaram a chamar a atenção da direção do

jornal, que solicitou a produção de um manual, conforme já detalhado neste trabalho.

Ou seja, a relação com o manual é definida pelo jornalista que, em alguns casos,

chega a redigir listas de procedimentos para além do manual de redação propriamente.

Situação que ocorre até hoje, quando o editor reproduz aos seus jornalistas normas a serem

observadas, especialmente em situações específicas, como no caso das eleições, ou no

tratamento de imagens envolvendo crianças. Neste caso, o manual de redação sofre

transformações tanto por parte dos jornalistas, adequando-os aos seus interesses, quanto ao

próprio jornal, reproduzindo determinações ao conjunto da redação.

g) COMO FORMAÇÃO

Neste conjunto de modos de apropriação dos manuais de redação, há uma que se

realiza antes do próprio espaço da produção das matérias. O que podemos chamar de

“ante-sala” da redação. Refiro-me àquele lugar onde a maioria dos futuros jornalistas,

especialmente os em início de carreira, passam antes de conseguir uma mesa e um telefone

nas redações: os cursos de seleção de novos jornalistas. Os grandes jornais brasileiros,

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entre os quais a Folha de S. Paulo e o Estado de São Paulo, têm se utilizado cada vez mais

deste tipo de procedimento para escolher seus quadros. Embora o Estado de São Paulo não

confirme que seu curso “Adestramento de Focas” não seja usado para a contratação de

novos quadros, seu responsável informou “que nenhuma empresa”, inclusive o Jornal,

“descartaria seus melhores alunos”. O Curso funciona em parceria com a Universidade de

Navarra, na Espanha, e tem por objetivo formar um banco de “talentos” que eventualmente

o Jornal pode vir a utilizar, conforme declara Francisco Ornellas, coordenador do Curso.

A Folha também tem se utilizado deste recurso para a seleção de jornalistas. “O

objetivo da Folha é esse, é achar gente inteligente, bem preparada, capaz, talentosa e trazer

para dentro do jornal”, declara Ana Estela, coordenadora do Programa de Treinamento do

Jornal. Em ambos os processos, após a seleção (anualmente se inscrevem

aproximadamente 1000 candidatos em cada um dos processos), os participantes recebem

informações sobre a produção jornalística, visitam a redação, acompanham os jornalistas

em reportagens e elaboram suas próprias matérias, além de terem palestras e “aulas” com

especialistas. Dentre os conteúdos ministrados nos dois casos constatamos informações

específicas relacionados aos conteúdos dos manuais de redação. Ou seja, características

definidas pelo Manual fazem parte tanto do processo quanto da seleção.

“A gente quer que os repórteres que estão fazendo a cobertura do

jornal zelem pelos princípios editoriais do jornal e dentre estes princípios ta

serem crítico, serem imparcial, ser pluralista e tal”.

Ou seja, pressupostos que estão definidos pelo manual. “É, pelo

manual, e mais do que pelo manual, pelo próprio projeto editorial. Então,

claro que a gente leva isso em conta e se a pessoa se colocar francamente

contrária esses princípios, não tem como ela trabalhar no jornal”75.

Neste ambiente, o Manual passa a fazer parte de forma mais intensa, contribuindo

com a compreensão do jornalista sobre seus afazeres, como pudemos constatar em várias

entrevistas.

“Quando eu fiz o trainee, eu acho que deu uma noção melhor disso,

enfim, acho que eu me acostumei um pouco com o texto aqui da Folha,

75 Entrevista concedida ao autor em agosto de 2007.

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porque tem isso, também, porque você pode ousar, mas, também, nem tanto,

assim. Você tem um... é que, no fim, fica meio intuitivo, mas a gente tinha...

dissecou.... dissecou o Manual da Redação, a gente fazia vários exercícios”

(Repórter da Folha).

“(...) no trainee a gente é obrigado a ler” (Repórter da Folha).

O reconhecimento dos Manuais se dá não pela presença direta, de contato, mas sim,

numa rememoração dos conteúdos ministrados através dos cursos e ou durante a faculdade,

seja em aspectos da forma do jornal até em questões de sua linha editorial.

8.1 - Análises de operações

O conjunto destas operações reforça a idéia de que as micro-relações desenvolvidas

pelos jornalistas quando estão realizando suas tarefas tem papel definitivo no modo como

as notícias são elaboradas. E no fazer diário, no contato com as fontes, com os colegas,

com a escritura das reportagens, no gerenciamento do tempo e do espaço sempre limitados,

que os jornalistas se encontram nos manuais de redação. Este aspecto fica evidente quando

olhamos para os modos como os jornalistas se relacionam com um dispositivo tão

restritivo e modelador como o manual e ainda assim realizem operações que estão para

além dele. As dinâmicas representadas por vezes se revelam limitadas da expressão de

controle dos procedimentos jornalísticos.

Os instrumentos oferecidos pelas instituições no sentido de tentar manter a

uniformidade e a organização a partir dos seus interesses aos modos de dizer e fazer devem

ser relativizados pelos modos como os usuários se relacionam com tais objetos. É em torno

destes tipos de operações que procuraremos apontar conclusões que indicam as

interferências dos jornalistas, a partir das releituras em torno do manual, nos contornos

noticiosos.

Como primeiro aspecto deste movimento analítico, identificamos que as operações

apropriativas realizadas pelos jornalistas sobre manuais de redação são, em certa medida,

determinadas e determinantes das dinâmicas de produção. Se nos voltarmos para as

operações de fragmentação dos conteúdos dos manuais (Operações Tópicas, Autorais, por

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exemplo) veremos que os jornalistas reconstroem um outro manual a partir de lógicas

imediatistas, utilitaristas, mais específicas. E que esta reconstrução de um outro manual se

dá pelo uso que é feito dele em um determinado momento do processo da produção

noticiosa. Momento este que é posterior à coleta de dados e anterior a edição. A estrutura

física de vários manuais de redação demonstrava esta realidade. Muitos deles estavam mais

gastos nas partes que indicavam os erros mais comuns, por exemplo.

Este movimento nos leva a inferir que as operações decorrentes do contato com os

manuais de redação estão, em alguma medida, determinadas pelas dinâmicas do próprio

jornal. E que concomitantemente, a interação com os manuais de redação introduz

dinâmicas peculiares entre os colegas, redefinindo as rotinas. Basta lembrarmos que alguns

jornalistas interagem com outros jornalistas (INTERLOCUTOR) para terem “acesso” ao

manual sem a necessidade de consultá-lo diretamente. Os indivíduos, pela sua capacidade

ou mesmo interesse, incorporam a figura de interlocutores das regras do manual. Ou ainda,

que alguns jornalistas agregaram ao manual, atribuindo autoralidade e originalidade aos

dispositivos. Há lembretes, anotações e rabiscos nos manuais espalhados pelas redações.

Este contato estratégico foge às lógicas do manual e também demonstra que a celeridade

das redações interfere no modo como cada um se relaciona com o manual, revelando o que

Certeau chama de astúcias diante das normas. Tais ações revelam um conjunto de

procedimentos que está para além da regra e da lógica, mas se situam nas disputas pela

melhor forma de representar determinado assunto. Estas táticas procuram neste caso

superar a formalidade dos manuais de redação, sua linearidade é permanentemente

rompida e rearticulada, pois a lógica da apropriação condiciona o objeto apropriando as

demandas e interesses dos sujeitos.

Na operação AUTORAL , por exemplo, o jornalista evoca sua condição criadora e

reflexiva e passa da lógica do manual, a um outro dispositivo auxiliador quando produz

“outro manual”. Neste caso, as referências dos jornalistas fluem para outro espaço,

ampliando de certo modo seu repertório de consulta e reconstruindo um manual particular,

específico. Essa postura de apropriação revela certo interesse do jornalista para além do

próprio processo.

Mas os processos de apropriação do manual de redação podem se desenvolver antes

do ambiente redacional propriamente, como quando ele é utilizado como “cartilha” para

instruir os novatos, os focas, em como se deve proceder naquela redação. A apropriação no

modelo FORMAÇÃO coloca o manual como uma das peças de certa pedagogia que

estabelece os procedimentos que são defendidos por cada empresa. Assim como os

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jornalistas mais experientes e de confiança são chamados para compor os quadros

formadores destes cursos e treinamentos, os manuais são reivindicados para ilustrar,

informar e, indiretamente, revelar que ali contêm as regras (únicas) para

vencer/permanecer naquela redação. Embora as instituições não afirmem claramente, o

conhecimento do manual de redação é uma das condições para ser aprovado nos cursos de

seleção de novos jornalistas.

Enfim, cada tipo de apropriação como revelado acima, demonstra que as relações

entre os jornalistas e os manuais de redação está para além das regras específicas

determinadas e expressas pelas instituições. Mesmo considerando as variáveis culturais

que conformam a presença de várias normas manualísticas, tais regras representam os

resultados de acordos permanentes, definidos pelas condições de produção de cada

ambiente redacional, que constitui os modos como os jornalistas se relacionam com os

manuais de redação.

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9. Conclusão

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A presença dos manuais de redação nos jornais é muito mais complexa do que

simplesmente a vontade institucional de uniformizar a linguagem estética e/ou gramatical

do jornal; ou moldar o discurso e o comportamento a um padrão ideológico determinado

ou ainda a definir/defender publicamente um ideal de jornalismo. Na verdade, os manuais

de redação, em diferentes níveis e sentidos, representam tudo isto. Mas não apenas isto, e

nem tão pouco como foram predeterminados pelas intenções dos proprietários e seus

prepostos. A ação dos manuais de redação no mundo jornalístico, sua intervenção digamos,

especialmente nas atividades desenvolvidas no interior das redações, está mais para um

processo resultante de profundas e tensas negociações com o mundo do jornal, com seus

agentes, os jornalistas – repórteres, redatores, editores setoriais, entre outros, que

diariamente são confrontados com a realidade de decidir o que é notícia seu melhor

tratamento, sua forma de apresentar, entre outros fatores editoriais.

Nossa primeira surpresa foi encontrar os manuais de redação presentes em todos os

ambientes de trabalho pesquisados. Mais: foi encontrá-los na maioria das vezes sendo

francamente utilizado, seja seguindo orientação das chefias, ou mesmo por interesse

pessoal. Esta realidade nos levou a redimensionar o nível de importância na estruturação

das notícias, para um dispositivo tão ou mais importante que a troca de informações com

jornalistas mais experientes ou mesmo a leitura diária do jornal, aspectos igualmente

relevantes na formação/transmissão da cultura jornalística.

Reconhecemos, diante disto, que os manuais de redação são mais completos,

profundos e abrangentes. Completos, por que compreende um conjunto de regras mais

extenso do que aquele que atende o campo jornalístico propriamente. Específico, por que o

a riqueza de detalhes e a forma de tratar cada aspecto beira o didatismo; e abrangente, por

que atinge um conjunto de leitores maior que o público das redações. Mesmo com estas

características, eles apresentam apenas algumas versões do modo como o jornalismo deve

ser feito. Como afirma o jornalista Luiz Garcia, as regras dadas pelos manuais de redação

estão aí para serem compreendidas e desobedecidas, num claro reconhecimento de que está

se falando de orientações, mas também de que as ofertas manualísticas estão sujeitas as

intermediações de várias ordens, realizadas no interior das redações a partir de interesses

dos próprios sujeitos jornalistas.

Esta afirmação ilustra este complexo processo de negociação com os quais manuais

de redação realizam com seus usuários. Eles são readaptados, remodelados, aos desejos de

outros. Desta relação, acontece uma defasagem entre aquilo que se pronuncia como ideal, o

manual de redação, e aquilo que é apropriado. É isto que faz do manual de redação um

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dispositivo dinâmico, marcado pelas vontades e realidades dos seus usuários, e não pelas

exclusivas determinações de suas regras.

No entanto, essa dinamicidade não ignora as várias posições que manuais de

redação tendem a defender, entre elas a de atender interesses mais amplos, revelando

algumas das estratégias das empresas jornalísticas, entre elas a de capitalizar credibilidade

aos seus produtos e conteúdos. Ou seja, possuir e/ou adotar manual de redação passou a ser

visto como um dos instrumentos que confere credibilidade as instituições que o possuem.

O jornalismo contemporâneo, por uma série de fatores, tem cobrado de seus gestores

atitudes cada vez mais sensíveis aos interesses os receptores/consumidores. Um dos fatores

que tem reposicionado os manuais de redação da sua condição de simples instrumentos de

normatização das regras de um jornal para dispositivos de credibilidade é a crise da

imprensa, especialmente impressa. Com a crescente evolução das mídias digitais a partir da

popularização da internet e a inevitável consolidação do jornalismo on-line como o

crescente meio de informação, os jornais impressos tem procurado se aproximar dos

leitores, criando e ampliando espaços de intervenção em seus conteúdos, como forma de

garantir sobrevivência no futuro.

A facilidade que os meios eletrônicos, especialmente a internet, deram aos

receptores tem provocado alterações substanciais nas redações dos jornais impressos.

Prova disso tem sido a aproximação dos setores (redações) destinados a cuidar dos

conteúdos digitais das redações dos impressos. O jornal Zero Hora, em setembro de 2007

reorganizou sua relação com os conteúdos virtuais do Clik RBS, trazendo a produção para

dentro da redação do jornal Zero Hora. Outras redações têm criado mecanismos de

compartilhamento de informações entre os vários setores produtores. Com certeza não se

trata apenas do reconhecimento de uma tendência de aumento do mercado virtual de

informações, mas também uma estratégia de controle e de otimização de gastos e um

indicativo que a linguagem para o meio está encontrando sua especificidade.

Assim como a produção da notícia não pode ser reduzida a lógica exclusiva dos

proprietários e seus prepostos, o manual igualmente exige uma análise mais aprofundada

do que simplesmente colocá-lo como instrumento de controle dos meios jornalísticos.

A simples presença dos manuais de redação significa para os mídias jornalísticos a

conferência de um valor que nos últimos tempos tem se afastado das redações: a

credibilidade. Portanto, uma das estratégias de sobrevivência dos impressos está na defesa

de sua credibilidade, algo que as informações através da internet ainda não adquiriu, pela

sua própria natureza. Sendo assim, a credibilidade, como já constatou CONCEIÇÃO

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(2005) entre outros, é valor indispensável para a sobrevivência dos veículos impressos e a

adoção de mecanismos de controle públicos passa pela oferta de manuais de redação, assim

como a ampliação dos espaços de intervenção através de colunas do leitor. Tais ações têm

aproximado os consumidores das regras que estruturam o jornalismo, pelo menos em

termos ideais. Como ressaltou o ex-ombudsman do jornal Folha de S. Paulo, o número de

acessos (pedidos, reclamações, críticas) recebido pelo ombudsman no ano de 2007 chegou

a dez mil. Segundo estimativa, este número deve aumentar para 12 mil em 2008. Esta

realidade é bem diferente da média anterior de três mil contatos ano. 76 Naturalmente é um

número pequeno diante do conjunto de leitores diários da Folha. Mesmo considerando

fatores culturais que explicariam o baixo interesse por um produto tão importante como o

jornalístico, essa realidade tem mudado e não apenas no campo jornalístico. Várias

instituições públicas e privadas têm implantado serviços de atendimento aos consumidores

(SACs), definindo e tornando públicas regras sobre seu funcionamento entre outras

medidas, como forma de intensificar as relações entre produtor e consumidor.

Os manuais de redação cumprem seu papel, ainda que relativo, de tensionar a

produção. Paralelamente, não se pode negar que os manuais de redação tornaram-se

instrumentos de marketing das empresas jornalísticas em dois níveis. Se no início a idéia

era simplesmente normatizar os procedimentos técnicos, estéticos e éticos, atualmente os

manuais assumiram outras funções. Nas disputas locais, digamos, como ocorre com os

jornais Folha de S. Paulo e o Estadão, os manuais de redação tornaram-se peças que

diferenciam os veículos, conferindo qualidade aos produtos. Já de outro ponto de vista, a

popularização destes manuais de redação em nível mais amplo provoca uma disputa pela

adoção ou não deles por jornalistas em redações do interior do país.

Ainda seguindo as constatações das estratégias adotadas pelas empresas nos quais

os manuais de redação são objetos, há outras que podem ser representadas através dos

conteúdos e na forma como os manuais de redação estão sendo introduzidos nas redações.

Se recuperarmos, por exemplo, a presença e as transformações dos manuais utilizados pelo

jornal Zero Hora nas edições de 1994 e 2002, podemos perceber que o tratamento dados

aos profissionais pelo jornal passa de uma posição menos vertical, recolocando os

jornalistas na condição de parceiros antes de empregados. Mesmo que isto não represente

aumento de salários ou melhoria nas condições de trabalho, a forma de tratamento

materializada pela última edição do manual de redação, busca aproximar os jornalistas-

76 Palestra concedida em 11 de março de 2008 na Faculdade de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa.

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empregados dos interesses do grupo. Naturalmente se trata de uma estratégia que busca

criar a idéia de compromisso, no qual todos os sujeitos são responsáveis. Ao fazer isso,

através do manual de redação ou no caso do Guia de Ética e Responsabilidade Social,

procura-se transformar algo que é da esfera administrativa/gerencial em ações e

comportamentos da esfera jornalística, incluindo procedimentos que são da cultura

jornalística.

Já em relação aos modos como os jornalistas se encontram com os manuais de

redação nos ambiente de produção, aspecto central deste trabalho, podemos afirmar que as

táticas e astúcias mobilizadas avançam para além das regras, reconstruindo as notícias em

acordo com as apropriações adotadas. A revelação de que a produção do jornal é mais que

uma simples determinação manualística, comprovada pelos múltiplos modos de

apropriação, demonstra a importância de se avançar no sentido de procurar compreender as

repercussões (efeitos) que estes e outros tantos modos de apropriação possíveis têm na

estruturação das matérias jornalísticas.

A presença dos manuais de redação para a formação e estruturação do campo

jornalístico é marcante, não apenas pelas contribuições que tais documentos podem

oferecer, a partir da sistematização e popularização dos processos que fazem de certa

forma o jornalismo contemporâneo, mas principalmente porque nos manuais de redação

instituem as regras e normas que fazem consolidar um modo próprio de ação, específico,

que tende a se distinguir de outros. A força dos manuais de redação tanto internamente

(redações com e sem manuais próprios) quanto externamente (instituições de ensino,

bibliotecas) se dá por que se trata de um documento que emana do próprio meio para o

meio profissional e para o conjunto dos leitores/receptores. Mesmo tendo interesses

mercadológicos, os cânones jornalísticos, adotados e praticados por todos aqueles que

atuam no meio, está em maior ou menor escala materializado através das regras

manualísticas. È certo que a formação do campo se constitui a partir das tensões naturais

realizadas interna e externamente ao campo. Ou seja, as regras - sistematizadas nos

manuais de redação - que colaboram para o processo de constituição do campo jornalístico,

se rearranjam quando colocadas em ação, por conseqüências das táticas e estratégias que os

agentes do campo lançam mão.

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13. Anexos

Anexo A

Regras de Redação do Diário Carioca - 1950 Instituídas pelo jornalista Pompeu de Souza

Instruções gerais Escrever sempre a máquina, de um só lado da folha, no papel padronizado e em espaço dois. Começar todas as matérias no meio da folha, numerando, no alto, cada folha. Deixar uma margem de dois centímetros em cada lado da folha, e escrever em cada folham 30 linhas. Escrever uma palavra ou frase representativa do conteúdo da matéria (retranca), no alto da primeira folha imediatamente abaixo do nome do autor. Usar palavra “continua”, entre dois parênteses, ao fim de todas as folhas exceto a última. Usar símbolo X para significar conclusão da matéria e acrescentar “X” ao número da última folha. Não começar parágrafo novo na última linha da folha.

REDAÇÃO Ocupar o primeiro parágrafo das notícias com: a) um resumo conciso das principais e mais recentes informações do texto, esclarecendo o maior numero das seguintes perguntas relativas ao acontecimento: quê?, quem?, onde?, como?, e por que?; ou: b) um aspecto mais sugestivo e suscetível de interessar o leitor no acontecimento. Só compor de modo diverso o primeiro parágrafo em casos de matérias muito peculiares em que o elemento pitoresco, sentimental ou de surpresa o exija. Ordenar o desenvolvimento do resto da notícia pela hierarquia da importância e atualidade dos pormenores. Usar parágrafos curtos e evitar palavras desnecessárias , qualificativos, principalmente, tendenciosos, e frases-feitas. Só excepcionalmente usar períodos com mais de quatro linhas datilografadas. Não começar períodos ou parágrafos sucessivos com a mesma palavra. Não usar repetidamente a mesma estrutura da frase. Evitar palavras chulas e expressões de gíria não incorporadas à linguagem geral, assim como termos preciosos e frases de conteúdo puramente sensacionalista. Ler sempre a própria matéria antes de entregá-la, a menos que o tempo não permita. Ler a matéria depois de publicada e reparar nas alterações feitas. Em qualquer dúvida, consultar dicionários, enciclopédias ou outras fontes de referências. Evitar fórmulas e expressões genéricas sempre que se disponha de informações e pormenores precisos. Nos editoriais, partir sempre do acontecimento ou do dado concreto para o comentário. Comentar, de preferência, em cada editorial, um único assunto ou um aspecto comum de mais de um assunto.

CABEÇAS Contar as unidades gráficas dos títulos (em alguns casos, também de certos subtítulos),

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de acordo com os padrões estabelecidos. Não cortar palavras e, de preferência, não cortar frases de uma linha para outra. De preferência, afirmar ou negar no título, evitando ambigüidade da expressão. Variar a ordem das sentenças entre os títulos e os subtítulos de uma mesma “cabeça” e entre diversos títulos de uma mesma página. Evitar abreviaturas, exceto de uso muito corrente. Resumir a matéria ou destacar seu aspecto principal ou mais sugestivo. Conter o máximo de informação. Evitar palavras desnecessárias (especialmente adjetivos) e frases-feitas. Conter um verbo, explícito ou implícito; de preferência, na voz ativa no presente ou no futuro. Nunca repetir palavras numa mesma “cabeça”; a não ser para efeitos especiais. Reduzir o emprego do artigo ao estritamente necessário. Evitar fórmulas e expressões genéricas sempre que se disponha de informações e pormenores precisos. Refletir o tom da matéria.

NÚMEROS

Escrevê-los com letras de um a dez; com algarismos de 11 em diante. Substituir os zeros de números redondos a partir de cem, pelas palavras cem, mil, milhões, bilhões, trilhões, etc. Usar algarismos para: data, horas, endereços, somas em dinheiro de enunciado muito extenso, resultados de competições esportivas ou eleitorais, telefone, temperaturas, tempo em corridas ou disputas esportivas, licenças de veículos, latitudes e longitudes, votos, rateios de apostas, idades, porcentagem, distancias e dimensões. Não usar algarismos em começo de período. Evitar, quanto possível, algarismos nas “cabeças” de matéria. Quando se trate de uma seriação numérica escrever todos os números com algarismos. Escrever com algarismos todos os números em estatísticas e tabulações. Escrever com letras as frações, exceto quando precedidas de algarismos.

TRATAMENTO preceder os nomes próprios de pessoas salvo nas “cabeças” e legendas apenas nominais e nas exceções autorizadas pelos elementos da direção — das abreviaturas “sr.”, “dr.”, “sra.” e “d.” Exceção para as figuras históricas e aquelas cuja notoriedade o dispense, a juízo dos elementos da direção. Omitir estas abreviaturas sempre que o nome venha precedido de algum título honorífico, hierárquico ou de função. Restringir aos médicos, quando no exercício de sua função, o título de “dr”. Usar por extenso o nome usual das pessoas quando apareçam pela primeira vez numa matéria, permitindo-se, nas vezes subseqüentes, o emprego apenas de sua parte mais característica. Exceção para as figuras históricas e as de notoriedade reconhecida pelos elementos da direção.

MAIÚSCULAS

(Em caso de duvidas não usá-las) Usar maiúsculas: nos nomes próprios em geral; nas regiões e divisões político-geográficas, quando usadas como nomes próprios; nos títulos de função, apenas quando figuram em vez ou depois dos nomes próprios:

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“O Presidente da República”, ou “o general Eurico Dutra, Presidente da República”; mas ‘o presidente Eurico Dutra”; nas primeiras e principais palavras dos títulos de livros, peças de teatro, fitas, de cinemas, conferências, artigos de períodos em geral, etc.; nas denominações de atos legislativos: “Código Civil, Lei de Imprensa, Lei de Segurança”, nos nomes dos órgãos do poder público federal, estadual ou municipal, assim como nos das repartições e entidades públicas e particulares em geral; nos pontos cardeais, quando designem regiões do mundo ou do país: “as nações do Ocidente, as secas do Nordeste”; nos nomes de institutos de ensino e de cursos regulares, mas não nos de matérias: “Faculdade de Filosofia”, “Curso de Física”, mas “física”; nos designativos Vice, Sub-, etc. — quando ligados a títulos de função em maiúsculas (nunca, porém, o designativo ex-); no designativo Assistente, quando suceda ao substantivo do título da função: “Secretário de Estado Assistente”, mas “assistente do Secretário Geral”.

Não usar maiúsculas: nos nomes auxiliares, quando não integrem o nome próprio: “o colégio La Fayette”, mas o “Instituto Lafayette”; nas abreviações, exceto quando constituídas por iniciais; nos nomes de estudos em geral; nos nomes científicos de plantas e animais; nos nomes comuns que foram originalmente nomes próprios ou deles derivam: “ampere-byroniano”; nos nomes de acidentes geográficos, desde que não façam parte o nome próprio: “restinga de Marambaia”, mas “Cabo Frio”; nas expressões “em exercício”, “interino” ou outras que indiquem circunstância eventual do título de função.

ABREVIAÇÕES ( Em caso de dúvida, não abreviar) Abreviar: os títulos dr., prof., Excia., S. S.(Sua Santidade), sr., sra., d., mme., mlle., ( nos demais, só em “cabeças”), apenas quando seguidos do nome próprio respectivo; n. (número) quando seguidos imediatamente de algarismos. S. apenas quando a forma for São, nunca quando for Santo: “S. Paulo”, mas não “S. Agostinho”; & apenas em nomes de firmas comerciais; designações comuns de pesos e medidas quando ocorram repetidamente na matéria; nomes de partidos políticos, de repartições ou entidades que se tenham tornado mais conhecidos pela abreviatura que pelo nome por extenso. jr. quando usado em seguida ao nome; ap. (apartamento) apenas nos endereços.

Não abreviar: a palavra cruzeiro, exceto em tabelas; pontos cardeais, exceto quando integrando uma indicação numérica; nomes de cidades, estados ou países, exceto URSS, EE.UU ou E.U.A., este último apenas em “cabeças” ou seguida a um nome de cidade ou estado; Rua, Praça, Avenida — exceto em citações completas de endereço. Endereços:

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Suprimir a indicação “n.”. e indicar, sempre que necessário, o bairro: Praça Eduardo Rego, 28, Grajaú”.

PONTUAÇÃO Vírgula: Usá-la, mesmo em título, sempre que o sentido seja dúbio e a vírgula o esclareça. Para separar vocativos, títulos e apelidos, quando estes sucedam o nome. Quando um adjunto adverbial inicia uma oração, separá-lo do que se segue com uma vírgula. Quando uma oração terminada em verbo venha imediatamente seguida, por outro verbo, ou advérbio modificando o verbo, separá-los por uma vírgula: “o que quer que seja, serve”, ou “o que seja, não serve”. As intercalações em geral serão encerradas entre vírgulas — salvo as muito extensas, nas quais se usarão traços. Usar vírgulas entre as partes de sentenças compostas que não se liguem por partículas de ligação. Usá-las nas enumerações em geral. Não usá-las nas expressões numéricas escritas por extenso: “Mil, quinhentos e vinte e dois”; e não “Mil, quinhentos e vinte e dois”. Usá-las separando sucessivos adjetivos ou advérbios que modifiquem a mesma palavra na frase. Usá-las nos resultados de quaisquer pleitos: “Botafogo, 5; Vasco, 2”; “Milton Campos, 5.235.672; Ademar de Barros, 2.321.473”.

Ponto e vírgula: Usá-los entre orações coordenadas não separadas por conjunções quando o uso da virgula se preste a ambigüidades. Em todas as enumerações em que haja vírgulas no interior das partes enumeradas: “sr. Otávio Tirso, senhora e filhos; sr. Jacinto de Tormes e senhora”. Para separar os concorrentes no resultado de uma disputa: “Botafogo, 4; Fluminense, 1”.

Dois Pontos Usá-los para introduzir uma citação direta. Para introduzir uma enumeração: “Os vitoriosos foram: Botafogo, América, etc.”. para introduzir uma resolução: “Resolve: ...”

Traço Usá-lo em todas as citações diretas de entrevista. Entre o nome do entrevistado e sua declaração, toda vez que se trate de uma sucessão de entrevistas breves: “José Lira — Nada tenho a declarar”. Em todas as passagens dialogadas, precedido da indicação nominal do interlocutor apenas e sempre que se trate de mais de dois interlocutores. Usá-lo para indicar uma expressão interrompida: “Acho que — ...” Para interromper uma citação direta: “A questão — prosseguiu o entrevistado — é sobretudo...” Para indicar intercalações mais fortes que as das simples vírgulas. Usá-lo antes da parte final de uma oração longamente interrompida por intercalação: “As forças que combateram a noroeste da cidade e asseguraram a posse da mesma na luta — foram agora retiradas para a retaguarda”.

Parênteses: Evitar o parêntese. Quando usá-lo, pontuar o restante do trecho como se o parêntese e a

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expressão nele contida não existisse. Usá-lo para indicar sumariamente o partido, o Estado de um congressista, um político, etc.: “Afonso Arinos (UDN Minas)”. Para dar indicações explicativas estranhas ao texto de uma citação. Usar meio parênteses: ao enumerar, com algarismos ou letras, as partes de uma enumeração: “os principais assuntos examinados foram 1°) o equilíbrio orçamentário”.

Pontos: omiti-los nas “cabeças” (substituí-los, nesse caso por ponto-e-vírgula ou por traço), nas legendas de um único período, nos milhares indicativos do ano, nas numerações de parágrafos, nos algarismos romanos, nas letras usadas em fórmulas. Usá-lo em todas as abreviaturas, exceto as de instituições mais conhecidas pelas iniciais que pelo nome: SAPS, SESC. No final de uma expressão entre parênteses, desde que esta represente um período completo: “(Outras notícias na página 5)”. Fora dos parênteses quando o período termina por uma expressão entre parênteses: “...uma vez que e tratava de morte natural (de acordo com a versão da Polícia)”. Usar reticências para indicar omissão de uma matéria implicitamente citada.

Aspas Usá-las em todas as citações diretas, salvo quando estas venham indicadas por traços. Nos títulos de livros, quadros, estátuas, peças de teatro, conferências, artigos de periódicos em geral, músicas, etc. Omiti-la, porém, nos nomes de personagens, nos apelidos de pessoas, assim como no nome de animais em geral. No começo de cada parágrafo de uma citação, mas no fim apenas do último parágrafo. No emprego de palavras em significados que não os correntes, nas gírias não incorporadas à linguagem geral, nos apelidos ou em palavras de ocasião pela primeira vez usada na matéria, dispensando-se as aspas nos aparecimentos subseqüentes. Incluir dentro das aspas apenas dois sinais de pontuação que pertençam à citação. Quando se cite uma citação, usar aspas simples na citação intercalada. Usar aspas simples igualmente nas “cabeças”. Usar aspas sempre que o trecho citado seja composto no mesmo tipo e medida da matéria que o contém. Evitá-las quando a citação seja composta em tipo e medida especiais.

Anexo B:

NORMAS DE REDAÇÃO da Tribuna da Imprensa Todo “foca” ou mesmo profissional experimentado que chega à “Tribuna da

Imprensa” recebe logo uma espécie de catecismo. Informal, encimado apenas por uma data (12 de maio de 1953), como se fôsse apenas um memorando de circulação interna, o folheto traz, em síntese, as normas que disciplinam a redação e o estilo do jornal. Diferindo pouco das regras de redação do “Diário Carioca” (PN, 31-10-57), sobretudo no tocante ao emprêgo de maiúsculas, abreviações e pontuação, tem no entanto a marca inconfundível do homem que o adaptou – Carlos Lacerda. As normas morais do “catecismo” são bem curiosas e enfeixam princípios éticos de grande atualidade na renovação por que passa a imprensa

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brasileira no momento. O conjunto de regras da “Tribuna da Imprensa” (simples, de fácil aplicação) é abaixo transcrito na íntegra:

1. Escreva a máquina, papel padronizado, dois espaços. 2. Numere no alto, cada fôlha. Comece a matéria no meio da primeira fôlha. 3. Deixe margem de 2 cm em cada lado da fôlha. Escreva em cada fôlha 30 linhas. 4. No alto da primeira fôlha escreva a retranca (palavras representativas do conteúdo

da matéria). Trace uma linha por baixo dessa palavra e sob o traço escreva seu nome.

5. Entre parênteses, no fim de cada fôlha, escreva a palavra “continua”. Na última,

faça um sinal X. E na numeração dessa última fôlha acresça ao número o mesmo X. INTELECTUAIS 1. Quando escrever, pense no leitor 2. Escreva com naturalidade a notícia, com boa gramática, em afetação nem pompa. 3. Nunca use duas palavras se pode usar uma. 4. Forme Frases curtas (2 e 3 linhas no máximo). Faça parágrafos de 5 e 6 linhas, no

máximo. Poucas exceções a esta regra. 5. Evite usar palavras difíceis. Quando tiver que usá-las, não empregue duas no

mesmo parágrafo. Se for inevitável (expressões médicas, judiciárias, técnicas, etc.), dê, entre parênteses, o significado.

6. Se tem vontade de comentar, escreva um tópico. O leitor tem o direito de julgar por

conta própria. Dê-lhe, isto sim, todos os elementos necessários à formação do julgamento (ou da informação).

7. Evite os superlativos, os absolutos, o exagêro. MORAIS Pense que não exerce apenas uma função, mas uma missão. Sua função é informar-se. Sua

missão, informar. 2. Seja jornalista todo o tempo – ou nunca será jornalista. 3. Quem vê no jornal apenas um emprêgo deve empregar-se na Prefeitura. 4. Leia os outros jornais - e compare o que fez com o que os outros fizeram.

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5. Quanto tiver que prejudicar alguém no interesse público, pense duas vêzes. Quando tiver que favorecer alguém, em particular, pense dez vêzes. Quando tiver de prejudicar o interesse público, nem precisa pensar: rasgue o que escreveu.

6. O seu melhor crítico é o editor imediatamente responsável pelo seu trabalho. 7. Não faça gastar o tempo e dinheiro com originais mal escritos, mal revistos,

desordenados. 8. Não hesite em dar às outras seções notícias interessantes. INSTRUÇÕES DE REDAÇÃO 1. A “guia” destina-se a atrair e prender a atenção do leitor, conduzindo-o ao

parágrafo seguinte. Comece, pois, a notícia pelo que houver de mais interessante (para o leitor) na notícia. Dê no primeiro parágrafo (ou nos primeiros, para não acumular muitas informações num só parágrafo) uma súmula das principais e mais recentes informações do texto. Responda às perguntas que o leitor imediatamente lhe faria:

QUE?

QUEM? QUANDO?

COMO?

ONDE?

POR QUÊ? Guarde esta fórmula:

3 Q + CO + O + P = Notícia ou, dêsses elementos, destaque desde logo aquêle mais sugestivo, capaz de interessar

imediatamente o leitor. Esta regra só varia quando se trata de matérias muito peculiares, em que influa o

pitoresco, o inusitado, a surpresa. Desenvolva a notícia segundo a ordem decrescente de importância e atualidade de

cada pormenor. Escreva o mínimo, dê o máximo de informação. Conte com naturalidade a sua história. Com boa gramática e sem pompa nem

afetação. Chame de mulher do sr. Fulano a mulher do sr. Fulano e não espôsa. A mãe é mãe

e não genitora. Quem volta não regressa. Doença não é enfermidade. Não use expressões como “segundo informou o mesmo” ou “disse que o mesmo estava”.Abraçoi não é amplexo. Deitado de costas não é decúbito dorsal. Evite o pernosticismo de expressões do jargão profissional, salvo aquelas já correntes na linguagem. Não castigue o estilo. Escreva enxuto como Graciliano e ameno como

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Eça. Leia os bons autores: mas não os imite ao escrever uma notícia, salvo se fôr intencional a imitação, para determinado efeito.

Grandes jornalistas há diversos, que são ou que se julgam. Bons jornalistas, muitos poucos. Verdadeiros jornalistas, quase nenhum. Seja um dêstes. O horário legal é de 5 horas. Mas só se é jornalista 24 horas por dia.

Evite como à peste as palavras desnecessárias. Racione os qualificativos, principalmente os tendenciosos e as frases feitas – salvo

as que economizam muito espaço e vão diretas ao entendimento do leitor. Não comece – salvo casos excepcionais – períodos ou parágrafos com a mesma palavra. Não use repetidamente a mesma estrutura da frase.

Evite palavras chulas e da gíria não incorporadas à linguagem geral. Nada de palavras preciosas e frases meramente sensacionalistas.

Leia sempre a matéria que escreveu antes de entregá-la – a não ser quando de todo não houver tempo.

Entregue de véspera o que puder, mas esteja sempre atento ao que sobrevém de manhã.

Freqüente dicionários, enciclopédias e outras fontes de referências. O catálogo de telefones é uma das melhores. Ajude o arquivo reclamando sôbre o que êle não tem, trazendo contribuições para

êle, consultando-o com freqüência. Evite fórmulas e expressões genéricas sempre que disponha de informações e

elementos precisos. Nunca generalize a uma classe o que foi feito por um ou por grupos de indivíduos. No tópico, comentar um único assunto ou um aspecto comum a mais de um

assunto. Quando tiver dúvidas sôbre a responsabilidade que uma matéria acarreta ao jornal,

consulte o responsável pela sua seção: lembre-se que o jornal, como um todo, pode pagar pela sua distração ou leviandade.

Preserve as suas fontes de informação, sendo leal para com elas. Um bom livro de endereços ajuda muito. Classifique os seus informantes por assuntos.

O telefone é bom mas o contato pessoal é muito melhor. Veja o aproveitamento da sua matéria. Não hesite em perguntar por que não foi

aproveitada ou se fizeram tais ou quais modificações. Ninguém é infalível. Mas cada qual é menos infalível do que o outros. TÍTULOS E SUBTÍTULOS Oferecer os títulos como sugestão, na sua matéria. No título definitivo, contar as

unidades gráficas, de acôrdo com os padrões estabelecidos pela direção. Em certos casos, também os subtítulos. Faça-os curtos, suficientemente explícitos para serem atendidos, suficientemente misteriosos para não dizerem tudo ao leitor, a fim de que êle se interesse pelo texto.

Não cortar palavras de uma linha para outra. Quando possível, também não as frases.

Prefira, no título, afirmar ou negar. Nunca pergunte, num título, ao leitor, que compra jornal para ter respostas. Salvo quando a pergunta fôr entre aspas...

Variar a ordem das sentenças entre os títulos e subtítulos de uma mesma “cabeça” (conjunto de títulos e subtítulos) e entre os diversos títulos da mesma página.

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Evitar abreviações, exceto as muito correntes. Não dar “sr.” a ninguém no título. (No texto, todos são srs. e nada mais. Ninguém é exmo. ou ilustre, notável, sábio, virtuoso, fogoso, aplaudido, festejado, saudoso, conhecido, etc.).

Título: resumo da matéria, destacando o aspecto principal ou mais sugestivo. Mas deixe o leitor interessado em ler o texto!

Evite, como no texto, e, ainda mais, palavras desnecessárias e frases feitas. O título deve conter um verbo, explícito ou implícito. De preferência na voz ativa e

no presente ou no futuro. (Lembre-se: o que aconteceu tem menos importância, o que está acontecendo tem mais, o que vai acontecer – quando, de fato, vem a acontecer – tem muntíssima).

Só repetir palavras na mesma “cabeça” quando para efeitos especiais. Evite fórmulas e expressões genéricas quando tiver as informações precisas. Não

generalize senão quando isto fôr uma imposição do próprio texto. O título reflete o tom da matéria: Lembre-se que muita gente julga um jornal pelos

títulos. ESCREVENDO ALGARISMOS Escreva-os de um a dez, com letras: um, dois, três, etc. De 11 em diante, com

algarismos. Os zeros de números redondos, a partir de cem, escrevem-se cem mil, milhões,

trilhões. Inclusive em dinheiro: - Cr$ 1 milhão. Para datas, horas, endereços, somas em dinheiro de enunciado muito extenso,

resultados de competições esportivas ou eleitorais, telefones, temperaturas, licenças de veículos, latitude ou longitude, votos, idade, percentuais, medidas de pêso, volume, dimensões.

Não use algarismos em comêço de período. Quando se trate de seriação numérica, escreva todos os números com algarismos.

Também em estatísticas e tabulações. Separá-las sempre pelo mesmo sinal. Escrever com letras as frações, exceto quando precedidas de algarismos.

TRATAMENTO Os nomes próprios de pessoas são precedidos de sr., dr., sra., e d. – salvo nas

“cabeças”, legendas apenas nominais e exceções autorizadas pela direção. Excetuam-se as figuras históricas e aquelas que, a juízo da direção, sejam

suficientemente notórias para perder êsse tratamento. Quando o nome vem precedido de título honorífico, hierárquico ou de função,

suprimir aquelas abreviaturas: o embaixador e não o sr. embaixador, o deputado e não o sr. deputado.

Só os médicos são drs. – quando em função de médicos. Usar por extenso o nome usual da pessoa quando aparece pela primeira vez na

matéria. Nas vêzes subseqüêntes, pode empregar apenas o nome mais conhecido, ou mais característico. Excetuam-se as figuras históricas e as de notoriedade reconhecida pela direção.

MAIÚSCULA Em caso de dúvida, não use.

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Usá-las: nos nomes próprios, em geral (iniciais). Idem nas regiões e divisões político-geográficas, quando usadas como nomes próprios. Nos títulos de função, apenas quando figuram em vez ou depois dos nomes próprios. O Presidente da República, o presidente Fulano, o Presidente.

Usá-las também nas primeiras e principais palavras dos títulos de livros, peças, fitas, conferências, artigos de periódicos, etc.

Nas denominações de atos legislativos: Código Civil, Lei de Imprensa. Nos nomes de órgãos de poder público federal, estadual ou municipal, assim como

nos das repartições e entidades públicas e particulares em geral. Nos pontos cardeais, quando designem regiões do mundo ou do país, “as nações do

Ocidente, as sêcas do Nordeste”. Nos nomes dos institutos de ensino e de cursos regulares, mas não nos de matérias:

Faculdade de Filosofia, Curso de Física, mas “física”. Nos designativos Vice, Sub, etc., - quando ligados a títulos de função em maiúscula

(nunca, porém, no designativo ex.). NÃO USAR MAIÚSCULA Nos nomes auxiliares, quando não integrem o nome próprio: “o colégio La-

Fayette”, mas o “Instituto La-Fayette”. Nas abreviações, exceto quando constituídas por iniciais. Nos nomes de estudos em geral. Nos nomes comuns que foram originalmente nomes próprios ou dêles derivaram:

“ampère, byroniano”. Nos nomes de acidentes geográficos, desde que não façam parte nome próprio:

“restinga de Marambaia”, mas “Cabo Frio”. Nas expressões “em exercício”, “interino” ou outras que indiquem circunstância

eventual do título de função. ABREVIAÇÕES Em caso de dúvida, não abreviar. ABREVIAR Os títulos dr., prof., Ex.ª, S. S. (Sua Santidade), sr., sra., d. (os demais, só em

“cabeças”) apenas quando seguidos do nome próprio respectivo. n. (número), quando seguido imediatamente de algarismos. S. apenas quando a forma fôr São, nunca quando seja Santo: S. Paulo, mas não “S.

Agostinho”. & apenas em nomes de firmas comerciais. Designações comuns de pesos e medidas, quando ocorram repetidamente na

matéria. Nomes de partidos políticos, de repartições ou entidades que se tenham tornado

mais conhecidos pela abreviatura que pelo nome por extenso. Jr., quando usado em seguida ao nome. Ap. (apartamento), apenas nos endereços. NÃO ABREVIAR

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A palavra cruzeiro, exceto em tabelas. Pontos cardeais, exceto quando integrando uma indicação numérica. Nomes de cidades, estados ou países, exceto U.R.S.S., E.U.A., êste último apenas

em “cabeças” ou em seguida a um nome de cidade e estado. Rua, Praça, Avenida – exceto em citações completas de enderêço. PONTUAÇÃO

Vírgula : Usá-la, mesmo em título, sempre que o sentido seja dúbio e a vírgula esclareça.

Para separar vocativos, título e apelidos, quando êstes sucedam o nome. Quando um adjunto adverbial inicia uma oração, separá-lo do que se segue com

uma vírgula. Quando uma oração terminada em verbo venha imediatamente seguida por outro

verbo ou advérbio modificando verbo, separá-los por uma vírgula: “o que ser que seja, serve”, ou “o que quer que seja, não serve”.

As intercalações em geral são encerradas entre vírgulas – salvo as muito extensas, nas quais se usarão traços.

Usar vírgulas entre as partes de sentenças compostas que não se liguem por partículas de ligação.

Usá-las nas enumerações em geral. Não usá-las nas expressões numéricas escritas por extenso: “Mil e quinhentos e vinte e dois” e não “Mil, quinhentos e vinte e dois”.

Usá-las separando sucessivos adjetivos e advérbios que modifiquem a mesma palavra na frase.

Usá-las nos resultados de quaisquer pleitos: “Botafogo, 5; Vasco, 2; Milton Campos, 5,235.672; Ademar de Barros 2.321.473”

Ponto-e-vírgula: Usá-lo entre orações coordenadas não separadas por conjunções

quando o uso da vírgula se preste a ambigüidades. Em tôdas as enumerações em que haja vírgula no interior das partes enumeradas:

“sr. Otávio Tirso, senhora e filhos; sr. Jacinto de Tormes e senhora”. Para separar os concorrentes no resultado de uma disputa: Botafogo, 4; Fluminense,

1”. Dois pontos: Usá-lo para introduzir uma citação direta. Para introduzir uma enumeração: “Os vitoriosos foram: Botafogo, América, etc”. Para introduzir uma resolução: “Resolve:...” Traço: Usá-lo em tôdas as citações diretas de entrevista. Entre o nome do

entrevistado e sua declaração, tôda vez que se trate de uma sucessão de entrevistas breves: “José Lira – Nada tenho a declarar”.

Em tôdas as passagens dialogadas, precedido da indicação nominal do interlocutor apenas e sempre que se trate de mais de dois interlocutores.

Usá-lo para indicar uma expressão interrompida: “Acho que -”. Para interromper uma citação direta: “A questão – prosseguiu o entrevistado – é

sobretudo...” Para indicar intercalações mais fortes que as das simples vírgulas.

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Usá-lo antes da parte final de uma oração longamente interrompida por intercalação: “As fôrças que combateram a noroeste da cidade e asseguraram a posse da mesma na luta – foram agora retiradas para a retaguarda”.

Parênteses: Evitar o parêntese. Quando usá-lo, pontuar o restante do trecho como

se o parêntese e a expressão nêle contida não existissem. Usá-lo para indicar sumàriamente o partido, o Estado de um congressista, um

político, etc.: “Afonso Arinos (UDN, Minas)”. Para dar indicações explicativas estranhas ao texto de uma citação. Usar meio parênteses: ao enumerar, com algarismos ou letras, as partes de uma

enumeração: “os principais assuntos examinados foram: 1.º) o equilíbrio orçamentário”. Ponto: Omiti-lo nas “cabeças” (substituí-lo, nesse caso, por ponto e vírgula ou por

traço), nas legendas de um único período, nos milhares indicativos do ano, nas numerações de parágrafos, nos algarismos romanos, nas letras usadas em fórmulas.

Usá-lo em tôdas as abreviaturas, exceto as de instituições mais conhecidas pelas iniciais que pelo nome: SAPS, SESC.

No final de uma expressão entre parênteses, desde que esta represente um período completo: “(Outras notícias na página 5)”.

Fora do parênteses quando o período termine por uma expressão entre parênteses: “...uma vez que se tratava de morte natural (de acôrdo com a versão da Polícia)”.

Usar reticências para indicar omissão de uma matéria implicitamente citada. Aspas: Usá-las em tôdas as citações diretas, salvo quando estas venham indicadas

por traços. Nos títulos de livros, quadros, estátuas, peças de teatro, conferências, artigos de

periódicos em geral, músicas, etc. Omiti-las, porém, nos nomes de personagens, nos apelidos de pessoas, assim como no nome de animais em geral.

No comêço de cada parágrafo de uma citação, mas no fim apenas no último parágrafo.

No emprêgo de palavras em significados que não os correntes, nas gírias não incorporadas à linguagem geral, nos apelidos ou em palavras de ocasião, pela primeira vez usadas na matéria, dispensando-se as aspas nos aparecimentos sub-seqüentes.

Incluir dentro das aspas os sinais de pontuação que pertençam à citação. Quando se cite uma citação, usar aspas simples na citação intercalada. Usar aspas simples igualmente nas “cabeças”. Usar aspas sempre que o trecho citado seja composto no mesmo tipo e medida da

matéria que o contém. Evitá-las quando a citação seja composta em tipo e medida especiais.

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Anexo C: ROTEIRO DE PERGUNTAS APLICADAS AOS JORNALISTAS - Há quanto tempo trabalha no jornal? - O que você acha da profissão de jornalista? Faria outra coisa? - Há quanto tempo você está nesta editoria? - O que você acha de seu trabalho? - O que você acha do ambiente desta redação? - Quais são seus hábitos, seus passos, aqui na redação? O que você costuma fazer aqui dentro. Detalhe seus passos. - Você comenta com seus colegas aspectos do seu trabalho? Quais? E seus colegas comentam aspectos do trabalho deles? Quais? -Você consulta colegas quando está realizando/produzindo de suas matérias? Em quais situações? O que pergunta? - O que tem mais peso na realização do teu trabalho cotidiano na redação: os conselhos dos teus editores, o que aprendestes na faculdade ou na prática, ou a troca de idéias com teus colegas, o manual de redação ou outro fator? - Há matérias que você gostaria de ter feito diferente? Por quê? E quais mudanças você faria se tivesse oportunidade? - Há um controle de erros dentro do jornal? Como isso é feito? - Qual é a participação do manual de redação na realização de suas atividades? - A direção indica o uso de manual? - Na sua opinião, o manual de redação ajuda ou atrapalha a atividade jornalística? - Você adota o Manual de Redação? - Na sua avaliação, dá para fazer bom jornalismo sem manual de redação?

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Anexo D: ROTEIRO DE PERGUNTAS Mário Magalhães – ex-ombudsman do jornal Folha de S. Paulo Qual é a importância do Manual de Redação para seu atual trabalho agora e quando você estava na redação? Você concorda com a afirmação de que ele é uma “camisa de força” do trabalho do jornalista? Você acha que ele é suficiente para se realizar um bom jornalismo? Senão, o que você observaria? Retiraria ou incluiria? O que você acha do Manual de Redação da Folha? Você concorda com a afirmação de editor de O Globo que diz que o bom jornalismo se faz transgredindo o manual? Que o Manual é apenas o ponta de partida? Você acha que as críticas feitas pela redação ao ombudsman são justas? Na sua avaliação, as críticas do ombudsman tem maior influência na redação ou nos leitores?

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Anexo E: ROTEIRO DE PERGUNTAS Eduardo Martins – Organizador do Manual de Redação e Estilo de O Estado de São Paulo Como surgiu a idéia de fazer um Manual de Redação? A FSP já tinha lançado sua segunda edição, isto não influenciou? Como você o fez? De que forma? Vocês tinham avaliado a penetração que o Manual alcançaria, sendo usado em várias redações e bibliotecas pelo país? Essa foi uma das estratégias? Como foi a implantação? Qual era sua função no jornal após a implantação? Você acha que o Manual de Redação é importante para o jornal e para o jornalismo? Por quê? Na sua avaliação, o MR deixou de ter a mesma função do que antes? Como você pensou que os jornalistas se relacionariam com o Manual? Tinha alguma expectativa?

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Anexo F: ROTEIRO DE PERGUNTAS Ana Estela de Sousa Pinto – Coordenadora do Programa de Treinamento e Seleção do jornal Folha de S. Paulo Como funciona o processo de seleção de jornalistas para a redação do jornal Folha de S. Paulo? O que vocês valorizam especificamente na seleção do Programa de Treinamento Existe uma preocupação em absorver os participantes do Programa de Treinamento? Além deste recrutamento, tem outro modelo, que é direto pela editoria. Que abre chamadas para as vagas? É possível fazer jornalismo com qualidade, fiel ao leitor, sem manual de redação? Sem considerá-lo? Vocês entregam um exemplar do manual para todos que entram na Folha? Por que a Folha editou tantos manuais de redação se comparado com seus principais concorrentes.

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Anexo G: ROTEIRO DE PERGUNTAS Francisco Ornellas – Coordenador do Curso Intensivo de Jornalismo Aplicado (Adestramento de Focas) do jornal O Estado de São Paulo Como surgiu a idéia de realizar um curso intensivo de jornalismo aplicado? Qual é a importância desse curso para o jornal, para o Grupo? Onde, dentro do curso de formação, eu posso encontrar o manual de redação do Estado sendo mencionado? Em que momento desse curso, se ele aparece? A avaliação que é feita nas matérias produzidas pelos focas, considera-se como um dos aspectos, no processo de avaliação, o manual, o cumprimento do manual? Qual é a relação entre o Curso intensivo e o Manual?

Baseado nessas características que você está citando aleatoriamente do Manual pode-se considerar o Manual como sendo um guia? Algumas questões aparecem como redundância no Manual. Presume-se que nenhum jornalista não vá se lembrar disto. Contudo, o manual cita tais questões. Por quê?

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Anexo H:

Foto da redação do Jornal Folha de S. Paulo disponibilizada pelo site do Jornal