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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO ANÁLISE DA APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NAS RELAÇÕES JURÍDICAS ENTRE COOPERATIVAS DE CRÉDITO E COOPERADOS MARIANE SCHAPPO Itajaí (SC), novembro de 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

ANÁLISE DA APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NAS RELAÇÕES JURÍDICAS ENTRE COOPERATIVAS

DE CRÉDITO E COOPERADOS

MARIANE SCHAPPO

Itajaí (SC), novembro de 2008

i

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

ANÁLISE DA APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NAS RELAÇÕES JURÍDICAS ENTRE COOPERATIVAS

DE CRÉDITO E COOPERADOS

MARIANE SCHAPPO

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em

Direito.

Orientador: Professor Roberto Epifanio Tomaz, MSc.

Itajaí (SC), novembro de 2008

ii

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus em primeiro lugar, por estar sempre presente em minha vida, iluminando e guiando meus caminhos, me dando a coragem que preciso pra viver. Agradeço também aos meus pais Guido e Adelaide, e irmãos Neidane, Felipe e Matheus, pelo apoio, incentivo e paciência que tiveram durante esse período em que passei na Universidade buscando a concretização de um sonho. Ao meu Orientador Professor Msc. Roberto Epifanio Tomaz por sua dedicação e paciência com a elaboração deste trabalho. Agradeço ainda a todos que de alguma forma contribuíram para elaboração deste trabalho e conclusão do curso de Direito, em especial as minhas amigas Aline Maciel Melo, Simone Meurer, Ligia Karin Minela e Débora Rocha de Abreu.

iii

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a DEUS, pela força que sempre me dá e por ter me permitido viver cercada de pessoas tão especiais.

iv

“Para os erros há perdão; para os fracassos, chance; para os amores impossíveis, tempo. De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma. O romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance. Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar. Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando, porque embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu”.

Luis Fernando Veríssimo

v

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a

Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a

Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade

acerca do mesmo.

Itajaí (SC), novembro de 2008.

Mariane Schappo Graduanda

vi

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade

do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Mariane Schappo,

sob o título ANÁLISE DA APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR NAS RELAÇÕES JURÍDICAS ENTRE COOPERATIVAS DE

CRÉDITO E COOPERADOS, foi submetida em 20/11/2008 à banca

examinadora composta pelos seguintes membros: professor Roberto

Epifanio Tomaz, MSc. (Orientador e Presidente da banca) e ao professor

Diego Richard Ronconi, Dr. (Examinador), e aprovada com a nota

___________ (___________________).

Itajaí (SC), novembro de 2008.

ROBERTO EPIFANIO TOMAZ Orientador e Presidente da Banca

ANTONIO AUGUSTO LAPA Coordenação da Monografia

vii

ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANCOSOL Associação Nacional do Cooperativismo de Crédito da Economia Familiar e Solidária

art. Artigo

BANRISUL Banco do Estado do Rio Grande do Sul

CDC Código de Defesa do Consumidor

CF Constituição Federal

CNBB-PAX Confederação Nacional dos Bispos do Brasil

COCECRER Cooperativa Central de Crédito Rural do Rio Grande do Sul Ltda

CONFEBRÁS Confederação Brasileira das Cooperativas de Crédito

MPV Medida Provisória

OCESP Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo

OIT Organização Internacional do Trabalho

SICOOB Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil

SICREDI Sistema de Crédito Cooperativo

STJ Superior Tribunal de Justiça

TAMG Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais

TARS Tribunal de Alçada do Estado do Rio Grande do Sul

TJDFT Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios

UNICRED Cooperativa de Economia e Crédito Mútuo dos Profissionais da Saúde vinculados à Unimed do Vale da Antas Ltda

p. Página

REsp Recurso Especial

§ Parágrafo

viii

ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a autora considera estratégicas

à compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos

operacionais.

Aplicabilidade

Aplicabilidade vem do verbo aplicar, que significa executar, por em

prática.1

Código de Defesa do Consumidor

“O ‘código’ significa um conjunto sistemático e logicamente ordenado de

normas jurídicas, guiadas por uma idéia básica; no caso do CDC (Lei

8.078/90), esta idéia é a proteção (ou tutela) de um grupo específico de

indivíduos, uma coletividade de pessoas, de agentes econômicos, os

consumidores. (...) o Código de Defesa do Consumidor é uma lei de

função social, traz normas de direito privado, mas de ordem pública

(direito privado indisponível), e normas de direito público. É uma lei de

ordem pública econômica (ordem pública de coordenação, de direção

e de proibição) e lei de interesse social (a permitir a proteção coletiva dos

interesses dos consumidores presentes no caso)”2.

Cooperados

É a “célula do organismo que interage com seus semelhantes, a fim de

auxiliarem mutuamente no trajeto até a consagração de seus benefícios

próprios. Para tanto, obriga-se a contribuir, material e imaterialmente, e

1 HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Minidicionário Houaiss da língua

portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003. p. 38. 2 BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe.

Manual de direito do consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 44-45.

ix

em contrapartida recebe o poder, e dever, de decidir sobre os atos da

cooperativa”3.

Cooperativas de Crédito

“tem a finalidade de proporcionar a seus associados crédito em moeda

por meio da mutualidade e da economia, mediante uma taxa módica de

juros, auxiliando, de modo particular, o pequeno trabalhador em qualquer

ordem de atividade na qual ele se manifeste, seja agrícola, industrial,

comercial ou profissional e, acessoriamente, podendo fazer, com pessoas

estranhas à sociedade, operações de crédito passivo e outros serviços

conexos ou auxiliares de crédito”4.

Inaplicabilidade

O que não é aplicável5.

Instituições Bancárias

“estabelecimento mercantil de crédito, sob forma de sociedade anônima,

que tem por objeto o comércio de dinheiro ou de títulos representativos

de valores”6.

Relações Jurídicas

“é toda situação ou relação da vida real (social), juridicamente relevante

(produtiva de consequências jurídicas), isto é, disciplinada pelo Direito (...)

Relação jurídica – stricto sensu – vem a ser unicamente a relação da vida

3 LEITE, Jacqueline Rosadine de Freitas; SENRA, Ricardo Belízio de Faria (coordenadores).

Aspectos jurídicos das cooperativas de crédito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2005. p. 239.

4 POLONIO, Wilson Alves. Manual das sociedades cooperativas. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 70.

5 HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Minidicionário Houaiss da língua portuguesa. p. 288.

6 José Náufel apud LEITE, Jacqueline Rosadine de Freitas; SENRA, Ricardo Belízio de Faria (coordenadores). Aspectos jurídicos das cooperativas de crédito. p. 323.

x

social disciplinada pelo Direito, mediante a atribuição a uma pessoa (em

sentido jurídico) de um direito subjectivo e a correspondente imposição a

outra pessoa de um dever ou de uma sujeição”7.

Sociedades Cooperativas

“as cooperativas são empresas, administradas democraticamente,

mediante o esforço de seus membros e em sistema de auto-ajuda, na

busca da satisfação de suas necessidades, respeitando sempre os

princípios cooperativos, e distribuindo os dividendos de forma proporcional

à atividade realizada”8.

7 Manuel Domingues de Andrade apud BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do Código

de Defesa do Consumidor: análise crítica da relação de consumo. Brasília: Brasília Jurídica, 2007. p. 47.

8 LEITE, Jacqueline Rosadine de Freitas; SENRA, Ricardo Belízio de Faria (coordenadores). Aspectos jurídicos das cooperativas de crédito. p. 31.

xi

SUMÁRIO

RESUMO..............................................................................................................xiii

INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 1

CAPÍTULO 1 - CÓDIGO DE DEFESA CONSUMIDOR ............................................. 6

1.1 POSIÇÃO JURÍDICA ............................................................................................ 6 1.2 CONCEITO DE CONSUMIDOR ........................................................................ 10 1.3 CONCEITO DE FORNECEDOR ........................................................................ 17 1.4 RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO .............................................................. 19 1.5 APLICAÇÃO DO CDC NAS ATIVIDADES BANCÁRIAS ................................. 22

CAPÍTULO 2 - O COOPERATIVISMO..................................................................26

2.1 HISTÓRICO DO COOPERATIVISMO ............................................................... 26 2.2 O COOPERATIVISMO NO BRASIL ................................................................... 32 2.3 A LEI DO COOPERATIVISMO – 5.764/71 ........................................................ 36 2.4 CONCEITO DE SOCIEDADES COOPERATIVAS ............................................. 38 2.5 AS RELAÇÕES ENTRE COOPERATIVAS E SEUS COOPERADOS ................... 41 2.6 ESTRUTURA DAS COOPERATIVAS ................................................................... 45 2.7 CLASSIFICAÇÃO DAS COOPERATIVAS ......................................................... 47

CAPÍTULO 3 - COOPERATIVA DE CRÉDITO E A INAPLICABILIDADE DO CDC

NAS RELAÇÕES JURÍDICAS COM SEUS COOPERADOS.....................................55

3.1 COOPERATIVA DE CRÉDITO: ORIGEM, EVOLUÇÃO E ESTRUTURAÇÃO ................................................................................................ 55 3.2 ESTRUTURAÇÃO DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO BRASILEIRAS ............. 60 3.3 COOPERATIVA DE CRÉDITO NO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL ......... 63 3.4 DISTINÇÕES NECESSÁRIAS ENTRE COOPERATIVAS DE CRÉDITO E BANCOS

........................................................................................................................... 64 3.5 RELAÇÕES JURÍDICAS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO ......................... 68 3.5.1 Com terceiros - Pessoas Jurídicas e Pessoas Naturais............................68 3.5.2 Com Cooperados.......................................................................................69

xii

3.6 INAPLICABILIDADE DO CDC NAS RELAÇÕES JURÍDICAS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITOS E SEUS COOPERADOS ............................... 72

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 78

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .................................................................... 82

xiii

RESUMO

O presente trabalho baseia-se em pesquisa realizada

na legislação, doutrina e jurisprudência brasileira, oferecendo uma análise

detalhada sobre a aplicação ou não do CDC nas relações jurídicas entre

cooperativa de crédito e cooperado. O objetivo é fazer uma abordagem

sobre o campo de aplicação do CDC, observando se o mesmo é

aplicável nas relações jurídicas entre cooperativa de crédito e

cooperado, haja vista que esta relação é definida por ato cooperativo. O

método, utilizado para a realização da pesquisa, foi o Indutivo, através do

qual, no primeiro capítulo abordou-se sobre o Código de Defesa do

Consumidor, que define consumidor e fornecedor, cuja compreensão se

faz necessária para elucidação da relação jurídica de consumo e a

existência desta nas relações bancárias. O segundo capítulo por sua vez,

tratou das cooperativas em geral, sua conceituação, estruturação e

classificação, além da figura do cooperado e sua relação jurídica com a

cooperativa, tida como ato cooperativo. O terceiro e último capítulo,

destinou-se a um estudo mais apurado sobre as cooperativas de crédito,

ramo de cooperativas que objetivam o desenvolvimento econômico do

seu cooperado, fornecendo produtos e serviços também oferecidos por

instituições financeiras tradicionais. Mediante a caracterização das

relações jurídicas entre cooperativas de crédito e cooperados, bem como

a abordagem feita sobre as relações jurídicas de consumo, é possível

descaracterizar a aplicação do CDC nas relações entre as cooperativas

de crédito e seus cooperados.

1

INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como essência a

investigação da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nas

relações jurídicas entre cooperativas de crédito, especificamente, e seus

cooperados, assim como seus efeitos jurídicos, à luz do Código de Defesa

do Consumidor, da Lei no 5.764/71, da doutrina nacional e da

jurisprudência.

É de grande importância o estudo aprofundado do

tema proposto para a presente pesquisa, já que não há consenso entre a

doutrina e jurisprudência, no que se refere ao melhor enquadramento

jurídico das cooperativas de crédito, o que é extremamente necessário

para resolução de questões práticas.

Esta pesquisa tem como objetivos: a) institucional,

produzir monografia para obtenção do grau de bacharel em Direito, pela

Universidade do Vale do Itajaí – Univali; b) geral, verificar a aplicabilidade

do Código de Defesa do Consumidor nas relações jurídicas entre

cooperativa de crédito e cooperado; c) específicos, verificar o campo de

aplicação do Código de Defesa do Consumidor e conceituar consumidor,

fornecedor e relação de consumo; analisar os aspectos das cooperativas,

sua origem, princípios, composição, funcionamento e natureza jurídica;

fazer uma contextualização das cooperativas de crédito dentro do direito

brasileiro e investigar a aplicabilidade do Código de Defesa do

Consumidor às mesmas.

Para a investigação do objeto e alcance dos objetivos

propostos, adotou-se o método indutivo9, operacionalizado com as

9 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter

uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa

2

técnicas do referente10, da categoria11, dos conceitos operacionais12 e da

pesquisa bibliográfica13, dividindo-se o relatório final em três capítulos.

A pesquisa foi desenvolvida fundamenta-se nos

seguintes problemas:

1ª De acordo com a determinação legal, qual o

conceito de consumidor e fornecedor e como se entende uma relação

de consumo?

2ª O que se entende por cooperativa em geral,

cooperativa de crédito e cooperado, e ainda, qual a natureza jurídica

das relações entre eles?

3ª O Código de Defesa do Consumidor pode ser

aplicado nas relações entre cooperativas de crédito e cooperados?

A partir dos problemas formulados, foram levantadas

as seguintes hipóteses para o trabalho de pesquisa:

a) Consumidor, conforme o artigo 2º da Lei nº 8078/90,

é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza

produtos ou serviços como destinatário final.

jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007. p. 104.

10 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 62.

11 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 31.

12 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 45.

13 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 239.

3

Fornecedor, configura-se, de acordo com o artigo 3º

da Lei nº 8078/90, como toda pessoa física ou jurídica,

pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem

como os entes despersonalizados, que desenvolvem

atividades de produção, montagem, criação,

construção, transformação, importação, exportação,

distribuição ou comercialização de produtos ou

prestação de serviços A relação de consumo, por sua

vez, surge através de negócio jurídico entre duas ou

mais pessoas.

b) Uma cooperativa é uma sociedade de pessoas com

forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil,

não sujeita a falência, constituída para prestar serviços

a seus associados. É uma pessoa jurídica com dupla

natureza, que contempla o lado econômico e o social

de seus associados.

A cooperativa de crédito, um dos ramos de

cooperativas, tem como objetivo principal oferecer

produtos e serviços bancários em melhores condições

que as oferecidas pelas instituições financeiras

tradicionais, proporcionando melhores resultados

econômicos e financeiros aos seus cooperados com

democracia.

Cooperado é dono, usuário e força de trabalho da

cooperativa.

A relação entre cooperativa e cooperado é chamada

de ato cooperativo, que não pode ser confundido

com operação de mercado, e buscará a efetivação

dos objetivos sociais desse tipo de sociedade.

4

c) Cooperados e cooperativas se confundem entre si,

pois a sociedade é extensão de seus cooperados, não

configurando assim consumidor e fornecedor e nem a

relação entendida como relação de consumo,

observadas as peculiaridades do ato cooperativo.

Tendo em vista os problemas e as hipóteses

apresentadas o trabalho de pesquisa foi dividido em três capítulos. O

primeiro capítulo trata sobre o Código de Defesa do Consumidor, a

evolução do direito do consumidor dentro do ordenamento jurídico

brasileiro, a codificação desses direitos, os conceitos de consumidor,

fornecedor e relação de consumo, bem como a aplicação dessas leis às

atividades bancárias.

O segundo capítulo aborda o cooperativismo em

geral, sua evolução histórica no mundo e no Brasil, bem como a evolução

da legislação nacional; conceitos de cooperativa e cooperado, a

relação jurídica entre ambos, a estruturação e classificação das

cooperativas também são abordados nesta fase da pesquisa.

O terceiro e último capítulo, investiga os aspectos

estruturantes das cooperativas de crédito, sua origem e evolução, o que

as diferenciam dos bancos e ainda o seu enquadramento dentro do

Sistema Financeiro Nacional. Diante do tema da pesquisa aborda, ainda,

os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais acerca da aplicação do

Código de Defesa do Consumidor nas relações entre cooperativas de

crédito e seus cooperados.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, com breve síntese de cada capítulo e demonstração sobre

as hipóteses da pesquisa, verificando a confirmação ou não das mesmas,

seguidos ainda, da estimulação à continuidade dos estudos e das

5

reflexões sobre a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor

nas relações entre cooperativas de crédito e cooperados.

6

CAPÍTULO 1

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Para a avaliação da aplicabilidade ou não das normas

do Direito do Consumidor nas relações das Cooperativas com seus

cooperados, faz-se necessária a abordagem, inicialmente da

abrangência de aplicação das regras que se predispõem a tutelar os

interesses do consumidor, podendo ser melhor compreendida através do

estudo de sua panorâmica histórica, bem como através da avaliação do

conceito técnico-jurídico de consumidor, fornecedor e de relação jurídica

de consumo e noções sobre a aplicação do CDC nas atividades

bancárias. Itens estes encontrados no presente capítulo.

1.1 POSIÇÃO JURÍDICA

A Lei 8.078/90, que entrou em vigor em março de 1.991,

ainda é nova, sendo que as primeiras discussões voltadas para o

problema, de natureza social, e para uma atuação mais forte no setor

surgiram entre 1971 e 1973, em discursos do então Deputado Nina

Ribeiro14.

Conforme leciona ALMEIDA15:

Em 1978 surgiu, em âmbito estadual, o primeiro órgão de defesa do consumidor, o Procon – Grupo Executivo de Proteção e Orientação ao Consumidor de São Paulo, criado pela Lei n. 1.903, de 1978. Em âmbito federal, só em 1985 foi criado o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor (Decreto n. 91.469), posteriormente extinto e substituído pela SNDE – Secretaria Nacional de Direito Econômico.

14 ALMEIDA, João Batista de. Manual de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003.

p. 9. 15 Idem, p. 9.

7

Na década de 70, o projeto do novo Código Civil –

atual Código Civil de 2002 - buscou explicitar o princípio da boa-fé, a

função social dos contratos, bem como a onerosidade e abuso de direito,

introduzindo normas de controle e intervenção estatal em relações

contratuais de massa e ainda, criando normas de responsabilidade

objetiva baseada na teoria do risco16.

Mas somente com a redemocratização e a

Constituição de 1988 que o tema de proteção ao consumidor como

sujeito vulnerável destacou-se e, sob a inspiração do Conselho Nacional

de Defesa do Consumidor, os constituintes proclamaram que “é dever do

Estado promover a Defesa do Consumidor”17, como direito fundamental,

sendo que a Constituição outorgada previu a edição do Código de

Defesa do Consumidor.

Tratando sobre esse marco na história do movimento

consumerista no país, ALMEIDA18 escreve:

A vitória mais importante nesse campo, fruto dos reclamos da sociedade e de ingente trabalho dos órgãos e entidades de defesa do consumidor, foi a inserção, na Constituição da República promulgada em 5 de outubro de 1988, de quatro dispositivos específicos sobre o tema. O primeiro deles, mais importante porque reflete em toda a concepção do movimento, proclama: “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor” (art. 5º, XXXII). Em outra passagem, é atribuída competência concorrente para legislar sobre danos ao consumidor (art. 24, VIII). No capítulo da Ordem Econômica, a defesa do consumidor é apresentada como uma das faces justificadoras da intervenção do Estado na economia (art. 170, V). E o art. 48

16 BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe.

Manual de direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 47. 17 GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de direito do consumidor. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense,

2006. p. 8. 18 ALMEIDA, João Batista de. Manual de direito do consumidor. p. 10.

8

do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias anunciava a edição do tão almejado Código de Defesa do Consumidor, que se tornou realidade pela Lei 8.078, de 11-09-1990 (...).

Destarte, segundo GAMA19, a promulgação do Código

de Defesa do Consumidor Brasileiro adotando normas recomendadas

para o Mercado Comum Europeu e seguindo os exemplos das legislações

americanas, canadenses, espanholas, portuguesas e italianas, representou

importante marco do movimento consumerista mundial.

MARQUES20, assessora do Ministro da Justiça, quando

da elaboração do Código de Defesa do Consumidor, destaca que “o

chamado direito do consumidor é um novo ramo do direito, disciplina

transversal entre o direito privado e o direito público, que visa proteger um

sujeito de direitos, o consumidor, em todas as suas relações jurídicas frente

ao fornecedor, um profissional, empresário ou comerciante”.

No Brasil, a matéria ganha destaque, segundo observa

GAMA21, em decorrência da atuação do Estado na tutela dos direitos do

consumidor, ensinando:

O que diferencia o movimento consumerista brasileiro dos existentes nos demais países, é que no Brasil o Estado, pelos seus órgãos, deu a alavancagem e dá a sustentação à Defesa do Consumidor, enquanto alhures o movimento consumerista é eminentemente privado, sob as inspirações, principalmente, das milhares de organizações privadas americanas. Apenas no México o Estado atua tanto quanto no Brasil.

19 GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de direito do consumidor. p. 8. 20 BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe.

Manual de direito do consumidor. p. 23. 21 GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de direito do consumidor. p. 8-9.

9

No mesmo diapasão, ao tecer comentário sobre o

Código de Defesa do Consumidor, PERIN JUNIOR22 explica:

O código, constituído por 119 artigos, compreende, fora os princípios gerais, a disciplina de direito civil e comercial, administrativo, penal e processual que preside hoje as relações de consumo no Brasil, imprimindo aos conceitos de consumidor e fornecedores de produtos e serviços um acesso mais amplo do que estava sendo feito, em geral, no direito comparado.

O código também proíbe que o empreendedor

obtenha vantagem em decorrência de fraqueza ou ignorância do

consumidor (art. 39, IV23), portanto, exige-se que lhe seja repassadas

informações suficientes, sendo as mesmas claras, precisas, compreensíveis

e em língua portuguesa24.

Não obstante, desde a vigência do CDC, ocorreram

várias alterações, com a Lei 8.656/93, Lei 8.703/93, Lei 8.884/94, Lei

9.008/95, Lei 9.298/96, MPV número 1.890-67 de 20/10/1999, Lei 9.810/99 e a

mais recente Lei 11.785/08, que de uma maneira geral, beneficiaram o

consumidor, ampliando suas garantias, tratando com mais severidade as

práticas abusivas ou apenas corrigindo o texto do código25.

Partindo desse contexto histórico de direitos do

consumidor, tratar-se-á do conceito de consumidor.

22 PERIN JUNIOR, Ecio. A globalização e o direito do consumidor: aspectos relevantes

sobre a harmonização legislativa dentro dos mercados regionais. Barueri: Manole, 2003. p. 16.

23 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 set. 1990.

24 PERIN JUNIOR, Ecio. A Globalização e o Direito do Consumidor: aspectos relevantes sobre a harmonização legislativa dentro dos mercados regionais. p. 16.

25 ALMEIDA, João Batista de. Manual de direito do consumidor. p. 12.

10

1.2 CONCEITO DE CONSUMIDOR

Conforme previsto no art. 2º, caput, do CDC,

“consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto

ou serviço como destinatário final”26.

Ao comentar referido artigo, OLIVEIRA27, leciona:

O elemento teleológico da relação de consumo traduz a exigência de que o produto ou o serviço, ao ser utilizado pelo consumidor, seja recolhido do mercado de consumo de maneira definitiva para a satisfação de uma necessidade própria. E isso não ocorre quando o produto ou serviço serve à criação ou formulação de outros produtos ou serviços, ou seja, quando é reintrojetado no mercado de consumo, ainda que com outras características ou distinções.

Outrossim, neste mesmo diapasão, PASQUALOTTO28

destaca que:

A expressão “destinatário final” encerra a teleogia que permite distinguir a relação de consumo das relações jurídicas civis e comerciais. Nessa linha de idéias, o que realmente distingue o consumidor, constituindo motivo de proteção para o ordenamento jurídico, é sua não-profissionalidade. Isso quer dizer que o traço essencial que caracteriza o consumidor é a aquisição ou utilização de produtos ou serviços para fins não profissionais.

26 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do

consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 set. 1990.

27 OLIVEIRA, James Eduardo. Código de defesa do consumidor: anotado e comentado: doutrina e jurisprudência. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 4.

28 Adalberto Pasqualotto apud OLIVEIRA, James Eduardo. Código de defesa do consumidor: anotado e comentado: doutrina e jurisprudência. p. 5.

11

A definição de destinatário final econômico torna-se

essencial para compreender os objetivos da relação de consumo. Assim,

na visão de BONATTO e MORAES29:

O destinatário final econômico, portanto, efetivamente retira o bem ou serviço do iter produtivo, podendo, já que tal critério eminentemente objetivo e casuístico, abranger tanto pessoas físicas quanto jurídicas ou morais (denominação Francesa para escolas, associações sem fins lucrativos, sociedades, agrupamentos).

(...)

Ora, se aquele que vem a consumir o bem-da-vida, sendo o destinatário final ou o último elo da cadeia econômica, por não repassar os custos da aquisição a outrem, é denominado consumidor, lógico seria que aquele que adquire o bem-da-vida como insumo, repassando os custos e, em conseqüência, sendo um elo intermediário daquela cadeia, seja denominado “insumidor”.

Comentando ainda o referido artigo, aparece

CARVALHO SILVA30: “o consumidor, sujeito passivo que é da relação

jurídica do consumo, não é somente o adquirente, mas também o usuário

do produto ou serviço, não sendo pressuposto, para a sua caracterização,

a existência de um vínculo contratual com o fornecedor”.

Existem duas correntes doutrinárias – maximalistas e

finalistas - divergentes no que diz respeito à conceituação de consumidor,

tal é sua complexidade e, conseqüentemente, na definição do campo de

abrangência do CDC.

29 BONATTO,Cláudio; MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Questões controvertidas no código

de defesa do consumidor: principiologia, conceitos, contratos atuais. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 78.

30 Jorge Alberto Quadros de Carvalho Silva apud OLIVEIRA, James Eduardo. Código de defesa do consumidor: anotado e comentado: doutrina e jurisprudência. p. 5.

12

CARPENA31 trata das duas correntes doutrinárias:

Para os maximalistas, consumidor é quem adquire produto ou serviço cujo ciclo econômico ser esgota com ele. Para que esteja caracterizada a relação de consumo, basta que o bem não seja renegociado e reintroduzido no mercado, ou o serviço não constitua etapa do fornecimento de outro serviço ou produto. Segundo os autores que se filiam a esta corrente, o CDC é o novo regulamento do mercado, portanto há que se interpretar extensivamente a definição contida no art. 2º. Os finalistas, ao contrário, restringem a interpretação do conceito, sustentando que o objetivo da lei é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade que é mais vulnerável. Esta corrente é capitaneada pela Prof. Dra. Cláudia Lima Marques, para quem o conceito é o “pilar que sustenta a tutela especial” e, como tal, deve ser interpretado restritivamente, sob pena de comprometer o nível de proteção alcançado, em virtude da aplicação indiscriminada das normas do Código a relações que não se caracterizam como de consumo.

A teoria finalista é adotada pela maioria dos

doutrinadores e pelo próprio Código de Defesa do Consumidor. Ela

baseia-se na vulnerabilidade do consumidor, pessoa física ou jurídica,

destinatário fático e econômico do bem ou serviço.

A vulnerabilidade por sua vez “é uma característica,

um estado do sujeito mais fraco, um sinal de necessidade de proteção”32

podendo existir de três formas: a vulnerabilidade técnica, caracterizada

pela ausência de conhecimentos específicos em relação ao objeto que

se adquire; a vulnerabilidade jurídica, chamada também de científica, é a

falta de conhecimentos jurídicos, econômicos ou contábeis, presume-se

que os profissionais e pessoas jurídicas possuem tais conhecimentos ou

31 Heloisa Carpena apud OLIVEIRA, James Eduardo. Código de defesa do consumidor:

anotado e comentado: doutrina e jurisprudência. p. 6. 32 BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe.

Manual de direito do consumidor. p. 71.

13

dispõem de advogados e profissionais especializados para consulta; e a

vulnerabilidade fática ou socioeconômica, que decorre do grande poder

econômico do fornecedor que acaba impondo sua superioridade a todos

que com ele contratam33.

Já a teoria maximalista objetiva um conceito amplo,

extensivo de consumidor, não importando a finalidade do bem ou serviço

adquiridos, nem a análise de vulnerabilidade. O CDC é aplicado a toda e

qualquer relação de mercado34.

Conceituam os autores BONATTO e MORAES35:

Dessarte, entendemos que o Código de Defesa do Consumidor deve ser utilizado por aqueles que nele tenham a última guarida, pois os demais podem buscar amparo nos outros diplomas legais vigentes, que não foram revogados pelo CDC.

(...)

Assim, fica evidenciado que o CDC se constitui em um microssistema jurídico que trata relações de desigualdade, neste aspecto, portanto, devendo ser restrita a sua aplicação.

O perigo de uma ampliação precipitada da abrangência das regras protetivas reside na possibilidade de ser ferido o princípio da igualdade previsto no artigo 5º, caput, da CF36, pelo que deve ser evitado que uma empresa, com iguais condições de litigiar em relação a outra, venha a ser

33 BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe.

Manual de direito do consumidor. p. 71-74. 34 Idem, p. 69. 35 BONATTO,Cláudio; MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Questões controvertidas no código

de defesa do consumidor: principiologia, conceitos, contratos atuais. p. 72-73. 36 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:

Senado Federal, 1988.

14

beneficiada com regras que afastariam a original correspondência de forças.

MARQUES37 refere-se ainda a consumidor, sendo este

aquele que:

Coloca um fim na cadeia de produção (destinatário final econômico) e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir, pois ele não é o consumidor-final, ele está transformando o bem, utilizando o bem para oferecê-lo por sua vez ao seu cliente, seu consumidor.

Há, porém, uma exceção ao que se refere a

destinação final do produto ou serviço. Essa exceção encontra-se

expressa no Código de Defesa do Consumidor, no parágrafo único do

artigo 2º38, que configura os que sofrem reflexos das relações de consumo,

ou ipsis literis: “equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda

que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”.

Sobre a mesma questão, esclarecedora é a lição de

LEITE39 ao mencionar:

O parágrafo único do art. 2º do Código do Consumidor equipara a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Estão sob o alcance desta norma todas as pessoas que venham a sofrer danos em razão de defeito do produto ou serviço fornecido, ainda que não os tenham adquirido nem recebido como presente. Nesse sentido, são

37 Claudia Lima Marques apud BONATTO,Cláudio; MORAES, Paulo Valério Dal Pai.

Questões controvertidas no código de defesa do consumidor: principiologia, conceitos, contratos atuais. p. 78.

38 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 set. 1990.

39 Roberto Basilone Leite apud OLIVEIRA, James Eduardo. Código de defesa do consumidor: anotado e comentado: doutrina e jurisprudência. p. 10.

15

consumidores todos os convidados de uma festa em face do fornecedor do buffet que serve alimento intoxicado; também são os vizinhos e transeuntes feridos na explosão do paiol de uma fábrica de fogos de artifício. Esse entendimento é ratificado pelo art. 17, segundo o qual “equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”.

Destarte, buscando harmonizar as correntes num

conceito mais amplo, incluindo além do caput do artigo 2º, seu parágrafo

único, e artigo 3º40 do CDC, ALMEIDA41 lança outro conceito jurídico de

consumidor que envolve as categorias legais por ele sistematizadas da

seguinte forma:

a) Pessoa física ou jurídica, não importando os aspectos de renda e capacidade financeira. Em princípio, toda e qualquer pessoa física ou jurídica pode ser havida por consumidora. Por equiparação, é incluída também a coletividade, grupos de pessoas, p. e. a família (determináveis) e os usuários dos serviços bancários (indetermináveis). Cumpre observar, no particular, que há quem entenda que consumidor só pode ser a pessoa física, ou seja, individual (RT, v. 628, p. 72). Mas já há jurisprudência afirmando que pessoa jurídica, quando destinatária final, é considerada consumidora (TARS, 9ª Câm. Civ., AI 196.008.379, rel. Juiz Tanger Jardim, j. 2-4-1996, v. u., RDC, v. 20, p. 171);

b) Que adquire (compra diretamente) ou que, mesmo não tendo adquirido, utiliza (usa, em proveito próprio ou de outrem) produto ou serviço, entendendo-se por produto “qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial” (CDC, art. 3º, §1º) e por serviço qualquer atividade fornecida a terceiros, mediante remuneração, desde que não seja de natureza trabalhista (CDC, art. 3º, §2º);

40 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do

consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 set. 1990.

41 ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor. p. 37-38.

16

c) Como destinatário final, ou seja, para uso próprio, privado, individual, familiar e doméstico, e até para terceiros, desde que o repasse não se dê por revenda. Não se incluíram na definição legal, portanto, o intermediário e aquele que compra com o objetivo de revender após montagem, beneficiamento ou industrialização. A operação de consumo deve encerrar-se no consumidor, que utiliza ou permite que seja utilizado o bem ou serviço adquirido, sem revenda. Ocorrida esta, consumidor será o adquirente da fase seguinte, já que o consumo não teve, até então, destinação final. Existe a possibilidade de concentrarem-se numa mesma pessoa ambas as figuras, quando há em parte consumo intermediário e consumo final. É o caso, p. ex., das montadoras de automóveis, que adquirem produtos para montagem e revenda (autopeças) ao mesmo tempo em que adquirem produtos ou serviços para consumo final (material de escritório, alimentação). O destino final é, pois, a nota tipificadora do consumidor.

Desta forma, podemos observar que a conceituação

de consumidor é complexa e não é pacífica, mas de acordo com

PFEIFFER42, “a tendência jurisprudencial das Cortes Superiores é no sentido

de acatar a doutrina finalista, sendo consumidor apenas aquele que

adquire o produto ou serviço para seu uso próprio ou familiar”.

No entanto, ainda é importante ressaltar, nas palavras

de ALMEIDA43, que o STJ vem acatando a possibilidade de aplicação

extensiva do CDC, quando ocorre situação de vulnerabilidade, ainda que

envolva atividade empresarial, como se pode observar no seguinte

julgado:

Direito civil. Consumidor. Agravo no recurso especial. Conceito de consumidor. Pessoa jurídica. Excepcionalidade.

42 ALMEIDA, João Batista de. MARQUES, Cláudia Lima. PFEFFER, Roberto Augusto

Catellanos. Aplicação do código de defesa do consumidor aos bancos: ADIn 2.591. São Paulo: RT, 2006. p. 299.

43 Idem, p. 298-299.

17

Não constatação. A jurisprudência do STJ tem evoluído no sentido de somente admitir a aplicação do Código de Defesa do Consumidor à pessoa jurídica empresaria excepcionalmente, quando evidenciada a sua vulnerabilidade no caso concreto; por equiparação, nas situações previstas pelos arts. 1744 e 2945 do CDC46.

Tratada ainda que de forma suscinta a panorâmica

histórica do Código de Defesa do Consumidor e a conceituação jurídica

de consumidor, mistér se faz avaliarmos o conceito de fornecedor e da

relação jurídica de consumo para possibilitar futura análise de sua

aplicação nas relações entre cooperativas e cooperados.

1.3 CONCEITO DE FORNECEDOR

Para que haja uma relação de consumo, além da

figura do consumidor, esplanada anteriormente, obrigatoriamente deve

exixtir um fornecedor. Assim como consumidor, o conceito de fornecedor

é trazido pelo CDC em seu artigo 3º47:

fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

44 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do

consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 set. 1990.

45 Idem. 46 AgRg no REsp, 3ª Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 02.05.2006, p. 307 apud ALMEIDA,

João Batista de. MARQUES, Cláudia Lima. PFEFFER, Roberto Augusto Catellanos. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos Bancos: ADIn 2.591. p. 298.

47 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 set. 1990.

18

O mesmo artigo traz ainda em seus parágrafos48, as

definições de produto como “todo e qualquer bem, móvel ou imóvel,

material ou imaterial”; e serviço como “qualquer atividade fornecida no

mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza

bancária, financeira, de crédito ou securitária, salvo as decorrentes das

relações de caráter trabalhista”.

Para MARQUES49, “o critério caracterizador é

desenvolver atividades tipicamente profissionais, como a comercialização,

a produção, a importação, indicando a necessidade de uma certa

habitualidade, como a transformação, a distribuição de produtos”.

Completa BESSA50 que “não importa a natureza da pessoa jurídica para

fins de sua caracterização como fornecedor”.

Observa-se que à fornecedor cabe interpretação mais

aberta, permitindo-se assim, a inclusão de grande número de prestadores

de serviços e fornecedores de produtos no campo de aplicação do CDC.

Conhecendo os conceitos de consumidor e

fornecedor, parte-se para esclarecimentos sobre a relação jurídica de

consumo.

48 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do

consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 set. 1990.

49 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 393.

50 BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do código de defesa do consumidor: análise crítica da relação de consumo. p. 82.

19

1.4 RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO

Ao falar de relação jurídica de consumo, é importante

conceituar relação jurídica, fundamental para o entendimento do

fenômeno jurídico. Assim, REALE51 destaca:

Alguns juristas sustentam mesmo que a Ciência do Direito se apresentou não apenas como ciência autônoma, mas como ciência que já atingira a maturidade, no instante em que Savigny situou de maneira precisa o conceito de relação jurídica. Jhering chegou a dizer que a relação jurídica está para a Ciência do Direito como o alfabeto está.

Destarte, na visão de ANDRADE52, relação jurídica é:

Num sentido mais amplo, (...) é toda situação ou relação da vida real (social), juridicamente relevante (produtiva de consequências jurídicas), isto é, disciplinada pelo Direito (...) Relação jurídica – stricto sensu – vem a ser unicamente a relação da vida social disciplinada pelo Direito, mediante a atribuição a uma pessoa (em sentido jurídico) de um direito subjectivo e a correspondente imposição a outra pessoa de um dever ou de uma sujeição.

Outro enfoque, a partir da análise de relação jurídica,

é a noção de fato jurídico, sendo este último “elemento causal da relação

jurídica”53. Neste sentido, ensina MELLO54 que “somente o fato que esteja

regulado pela norma jurídica pode ser considerado um fato jurídico, ou

51 Miguel Reale apud BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do Código de Defesa do

Consumidor: análise crítica da relação de consumo. p. 47. 52 Manuel Domingues de Andrade apud BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do Código

de Defesa do Consumidor: análise crítica da relação de consumo. p. 47. 53 BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor: análise

crítica da relação de consumo. p. 48. 54 Marcos Bernardes de Mello apud BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do Código de

Defesa do Consumidor: análise crítica da relação de consumo. p. 48

20

seja, um fato gerador de direitos, deveres, pretensões, obrigações ou de

qualquer outro efeito jurídico, por mínimo que seja”.

Ainda sobre fato jurídico, acrescenta ANDRADE55:

O facto jurídico constitutivo é na verdade condição indispensável para que surja qualquer relação jurídica concreta. Na lei estão prefiguradas em abtracto todas as relações jurídicas. Todas existem na lei como idéia. Mas nenhuma relação concreta, efectiva, real, pode existir sem que intervenha um facto jurídico. Por obra do facto jurídico é que a relação jurídica sai do limbo das possibilidades para surgir como realidade concreta, tornando-se de potencial em actual. Neste sentido se pode dizer que o facto jurídico desempenha aqui o papel de elemento causal.

Segue-se para análise da relação jurídica de consumo,

concentramo-nos nos seus elementos. Segundo NERY JUNIOR56, aparecem

como elementos da relação jurídica de consumo:

a) os sujeitos; b) o objeto; c) o elemento teleológico. São sujeitos da relação de consumos o fornecedor e o consumidor; são objeto da relação de consumo os produtos e serviços. O elemento teleológico da relação de consumo é a finalidade com que o consumidor adquire o produto ou se utiliza do serviço, isto é, como destinatário final.

No mesmo sentido, entende COELHO57:

A relação de consumo, tal como se pode concluir das definições contidas nos arts. 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor, configura o objeto da legislação protecionista do consumidor. Se o ato jurídico envolve, de um lado, a

55 Manuel Domingues de Andrade apud BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do Código

de Defesa do Consumidor: análise crítica da relação de consumo. p. 49. 56 Nelson Nery Junior apud BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do Código de Defesa do

Consumidor: análise crítica da relação de consumo. p. 50. 57 Fábio Ulhoa Coelho apud BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do Código de Defesa

do Consumidor: análise crítica da relação de consumo. p. 50.

21

pessoa que pode chamar de consumidora e, de outro, alguém que se pode ter por fornecedor, então o regime de disciplina do referido ato se encontra no Código de Defesa do Consumidor.

Observa-se que o Código de Defesa do Consumidor

não traz nenhum conceito de relação de consumo. Porém, analisa

DONATO58:

Fornece-nos o legislador pátrio, o conceito de consumidor, de fornecedor, de produtos e serviços, ou seja, os elementos necessários para compor-se a relação de consumo. Devemos, pois, a partir da conjugação desses elementos, obter o significado e a extensão da relação de consumo que, em síntese, é o próprio objeto da regulamentação do Código de Defesa do Consumidor.

Avaliando o tema e buscando dar um conceito mais

amplo de relação jurídica de consumo, BONATTO e MORAES59 lecionam:

Relação jurídica de consumo é o vínculo que se estabelece entre um consumidor, destinatário final, e entes a ele equiparados, e um fornecedor profissional, decorrente de um ato de consumo ou como reflexo de um acidente de consumo, a qual sofre a incidência da norma jurídica específica, com o objetivo de harmonizar as interações naturalmente desiguais da sociedade moderna de massa.

O Código de Defesa do Consumidor não traz um

conceito de relação de consumo, porém, observados os ensinamentos

doutrinários ora expostos, conclui-se que haverá relação jurídica de

consumo quando estão presentes as figuras do fornecedor e do

58 Maria Antonieta Zanardo Donato apud BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do

Código de Defesa do Consumidor: análise crítica da relação de consumo. p. 51. 59 BONATTO,Cláudio; MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Questões controvertidas no código

de defesa do consumidor: principiologia, conceitos, contratos atuais. p. 63.

22

consumidor, além de um produto ou o serviço e a destinação final.

Ausentes qualquer desses elementos ou obscuras a identificação de

conceitos de consumidor e fornecedor, não haverá relação de consumo.

Partindo deste prisma, cabe análise da existência de

relação jurídica de consumo em atos praticados por entidades bancárias

e conseqüente aplicação do CDC nessas atividades.

1.5 APLICAÇÃO DO CDC NAS ATIVIDADES BANCÁRIAS

Tendo em vista que o presente trabalho de pesquisa

objetiva avaliar a aplicação ou não das normas do CDC nas atividades

das Cooperativas de Crédito, instituições financeiras que muitas vezes

confundem-se com instiuições bancárias, tema dos próximos capítulos,

faz-se necessário conceituar instiuições bancárias, bem como identificar a

aplicação do CDC nestas.

De acordo com ABRÃO60, banco é a “empresa que,

com fundos próprios, ou de terceiros, faz da negociação de crédito sua

atividade principal. Daí resulta que o banco é: a) uma organização

empresária; b) que se utiliza de recursos monetários próprios, ou de

terceiros; c) na atividade creditícia (toma e dá emprestado)”.

A incidência do Código de Defesa do Consumidor

gera muitas polêmicas e divergências quanto a sua aplicação. Porém, há

entendimentos doutrinários e jurisprudenciais pacíficos em relação à

aplicação do CDC aos bancos, é o que leciona BESSA61:

A obviedade da incidência do CDC a todos os serviços e produtos oferecidos no mercado de consumo pelos bancos decorre da clareza de seus dispositivos (art, 2º, caput, art. 3º e seus parágrafos, art. 29, art. 52) e também da

60 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 17. 61 BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor: análise

crítica da relação de consumo. p. 118.

23

vulnerabilidade dos seus clientes (pessoas físicas e jurídicas) que é, praticamente, imanente às atividades bacárias.

Devido ao caráter comercial e empresarial das

atividades bacárias, a doutrina entende que não há dúvidas quanto à

caracterização de fornecedor dos bancos, conforme elementos do artigo

3º do CDC62.

Segundo CASADO63, “se o crédito servir para suprir uma

utilidade pessoal do consumidor, como destinatário final (seja ele pessoa

física ou jurídica), é evidente que há relação de consumo”.

Outrossim, na visão de MARQUES64, banco é

fornecedor pois:

(...)é da captação, da administração, da custódia, da intermediação e da aplicação de recursos financeiros do mercado para o consumidor que vem a caracterização de fornecedor para os bancos. Parece-me ser a operação bancária e financeira geral, interligada e massificada, que oferecida no mercado aos consumidores em geral “colore” a relação como de consumo, sem esquecer também que o fornecimento de crédito pode materilizar-se em um dar (dinheiro), logo, produto bancário, bem juridicamente consumível, subsume-se pois toda esta “atividade bancária” complexa no campo de aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

Neste mesmo diapasão ensina COELHO65:

62 BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor: análise

crítica da relação de consumo. p. 119. 63 Márcio Mello Casado apud BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do Código de Defesa

do Consumidor: análise crítica da relação de consumo. p. 123. 64 ALMEIDA, João Batista de. MARQUES, Cláudia Lima. PFEFFER, Roberto Augusto

Catellanos. Aplicação do código de defesa do consumidor aos bancos: ADIn 2.591. p. 127.

65 Fábio Ulhoa Coelho apud OLIVEIRA, James Eduardo. Código de defesa do consumidor: anotado e comentado: doutrina e jurisprudência. p. 18.

24

O banco é sempre fornecedor, porque explora atividade de prestação de serviços bancários, mas o outro contratante pode, ou não, enquadrar-se nos contornos do conceito legal de consumidor. Assim, se o banco contrata com o destinatário final da operação financeira, caracteriza-se a relação de consumo, e o contrato bancário submete-se ao Código de Defesa do Consumidor, mas, se contrata com outro empresário, para o qual a operação financeira é insumo, não se caracteriza a relação de consumo, e é inaplicável a legislação tutelar dos consumidores.

Outrossim, BELMONTE66, expressa:

No caso específico dos contratos bancários, é a destinação dada ao produto dinheiro (crédito) que irá determinar se o contratante é um consumidor final, ou não. Se aplicado em qualquer atividade profissional, será um insumo e, assim, a relação contratual não estará abarcada por todas as disposições do Código de Defesa do Consumidor; ao contrário, se esse montante for aplicado na satisfação pessoal do consumidor (ou seus familiares), enquanto destinatário final (utilizando com a finalidade específica de ato de consumo), incidem as normas do Código de Defesa do Consumidor na sua plenitude.

Aplicando para as atividades bancárias a teoria

finalista temos, portanto, a aplicação do CDC, ou seja, haverá relação de

consumo, nos casos em que o serviço adquirido for para atender

necessidade própria do adquirente ou de sua família. No entanto, se o

serviço adquirido for para fim empresarial (atividade empresarial, nos

casos, por exemplo, de empréstimos para investimento na atividade

econômica), não haverá relação de consumo e não poderão ser

aplicadas as disposições de defesa do consumidor. Ressalva-se, nesta

66 Cláudio Belmonte apud OLIVEIRA, James Eduardo. Código de defesa do consumidor:

anotado e comentado: doutrina e jurisprudência. p. 19.

25

última afirmação, se no caso concreto houver situação de vulnerabilidade

por parte do consumidor67.

Este capítulo trouxe, resumidamente, conceitos de

consumidor, fornecedor e relação de consumo. Além disso, ao tratar da

incidência do CDC sobre instituições bancárias não restaram dúvidas

quanto sua aplicação. Toda explanação ora feita, é fundamental para

esclarecimentos quanto ao objetivo do presente trabalho.

Para dar continuidade à pesquisa, o próximo capítulo

trata exclusivamente sobre sociedades cooperativas, desde seu contexto

histórico, evolução perante o ordenamento jurídico brasileiro, até sua

relação com o cooperado, estruturação e classificação. Este estudo faz-se

necessário para formação de base teórica para análise do objeto da

pesquisa realizada no terceiro capítulo.

67 ALMEIDA, João Batista de. MARQUES, Cláudia Lima. PFEFFER, Roberto Augusto

Catellanos. Aplicação do código de defesa do consumidor aos bancos: ADIn 2.591. p. 299-300.

26

CAPÍTULO 2

O COOPERATIVISMO

O presente capítulo aborda em linhas breves o

cooperativismo de maneira em geral. Uma análise de todo contexto

histórico, evolução da legislação, relação com o cooperado, estruturação

e classificação é essencial para compreensão das particularidades desse

tipo de sociedade e ainda, para esclarecimentos quanto ao objetivo

desta pesquisa.

2.1 HISTÓRICO DO COOPERATIVISMO

O cooperativismo já era idealizado pelos principais

pensadores socialistas dos séculos XVII e XVIII, apesar de relatos históricos

de manifestações ainda no inicio da civilização. “Desde o começo da

civilização, manifestou-se entre os indivíduos o espírito de cooperação,

consubstanciado na ajuda mútua. Necessidade essa, logo reconhecida

pelo homem como indispensável à sua evolução”68.

CRUZ69 aponta como principal ideólogo do

cooperativismo Robert Owen (1771-1858), ao lecionar:

Principal representante do socialismo utópico inglês, industrial próspero e filantropo, [Robert Owen] era considerado, à sua época, como um sonhador. (...) De acordo com Owen, “os homens têm interesse em se unir no trabalho e em cooperarem, uns com os outros”.

(...)

68 ALVES, Francisco de Assis; MILANI, Imaculada Abenante. Sociedades cooperativas:

regime jurídico e procedimentos legais para constituição e funcionamento. 2 ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. p. 1.

69 CRUZ, Paulo Sérgio Alves da. A filosofia cooperativista e o cooperativismo no Brasil e no mundo. Rio de Janeiro: COP, 2002. p. 33.

27

Em 1828, Owen resolveu ampliar o seu laboratório e partir para os Estados Unidos, onde fundou a “New Harmony”, uma autêntica cooperativa integral, cujo funcionamento, infelizmente, durou muito pouco tempo (menos de um ano).

Outro ideólogo, segundo CRUZ70, foi William King (1786-

1865) que, seguindo os pensamentos de Owen, desenvolveu a primeira

cooperativa de consumo da Inglaterra. Sua experiência deu origem a

mais de 300 (trezentas) outras cooperativas, que acabaram extintas por

falta de sistematização que garantisse a sobrevivência das mesmas.

No ramo de produção, também segundo CRUZ71, o

criador foi Philippe Buchez (1796-1865), iluminista e socialista utópico

francês, que em 1832 fundou várias cooperativas desse segmento em seu

país. Observava princípios como a organização de sistema produtivo

comum, objetivando uma economia de escala e, conseqüentemente, um

consumo maior.

Ainda no mesmo segmento, aparece Louis Blanc (1812-

1882), economista, filósofo e ministro da economia da França, que,

alcançou o objetivo da fundação de cooperativas de produção devido

ao seu prestígio intelectual e político. Entendia que as cooperativas

(chamadas por ele de “oficinas sociais”) deveriam funcionar como

associações locais, sendo seus membros proprietários e as sobras divididas

em três partes distintas, primeiramente, a remuneração igualitária dos

operários, a constituição de fundo social para amparo de trabalhadores

doentes e mais carentes e, por fim, uma terceira parte para compra de

máquinas e equipamentos, para ampliação da produção72.

70 CRUZ, Paulo Sérgio Alves da. A filosofia cooperativista e o cooperativismo no Brasil e no

mundo. p. 34. 71 Idem, p. 34-35. 72 Idem, p. 35.

28

O advogado, filósofo e professor de Economia Política,

Charles Gide73 (1847-1932), nascido em uma pequena cidade da França,

defendia a idéia de que “o cooperativismo é a alternativa adequada ao

capitalismo, representado pelas teses Smithianas da Economia Clássica e

à ditadura do proletariado, defendida por Marx e Engel”.

Como CRUZ74 traz em sua obra, Gide propunha a

eliminação do trabalho assalariado. Entendia que, havendo uma

República Cooperativista, “todos trabalhariam juntos, associados a um

sistema singular de distribuição de trabalho. (...) como conseqüência, a

total eliminação do lucro do sistema capitalista, consagrando-se então o

cooperativismo como sendo a única alternativa viável entre este sistema e

o marxismo”.

Segundo GIDE75, o cooperativismo proporcionava 12

(doze) virtudes próprias aos seus adeptos:

Viver melhor: através da solução coletiva dos problemas;

Pagar a dinheiro: este sadio hábito evita o endividamento que gera a dependência;

Suprimir os parasitas: afastar os atravessadores na compra e na venda de produtos e serviços;

Combater o alcoolismo: viver de maneira sadia, evitando os vícios e enfrentando a realidade, com coragem;

73 CRUZ, Paulo Sérgio Alves da. A filosofia cooperativista e o cooperativismo no Brasil e no

mundo. p. 36. 74 Idem, p. 37-38. 75 Charles Gide apud ALVES, Francisco de Assis; MILANI, Imaculada Abenante.

Sociedades cooperativas: regime jurídico e procedimentos legais para constituição e funcionamento. p. 5-6.

29

Integrar as mulheres nas questões sociais: ressalta a importância da participação feminina;

Educar economicamente o povo: a educação é uma ferramenta para o desenvolvimento do homem;

Facilitar a todos o acesso à propriedade: é essencial unir esforços para conquistar os meios de produção;

Reconstituir uma propriedade coletiva: para ter acesso à propriedade, o passo inicial é investir em um patrimônio coletivo;

Estabelecer o justo preço; o trabalho tem de ser remunerado e os preços definidos sem intenção especuladora;

Eliminar o lucro capitalista: o objetivo da produção é a satisfação das necessidades humanas;

Abolir os conflitos: as disputas diminuem pelo fato de que o associado é dono e usuário da cooperativa

Ainda segundo CRUZ76, Gide idealizava que o que

identificava as pessoas num sistema econômico era o consumo e que,

portanto, qualquer trabalho que viesse a ser executado deveria ter como

ponto de partida o consumidor, fazia com que, de acordo com as

palavras de GIDE77: “toda sociedade onde essa ordem se invertesse,

estivesse fadada ao desaparecimento”.

Para encerrar a lista de ideólogos do cooperativismo,

temos George Fauquet (1873-1953), médico francês que se destacou na

76 CRUZ, Paulo Sérgio Alves da. A filosofia cooperativista e o cooperativismo no Brasil e no

mundo. p. 39. 77 Charles Gide apud ALVES, Francisco de Assis; MILANI, Imaculada Abenante.

Sociedades cooperativas: regime jurídico e procedimentos legais para constituição e funcionamento. p. 33.

30

formação da Oficina Técnica da Federação de Cooperativas de

Consumo da França. Trabalhou também, por 12 anos, na OIT. Em 1935

escreveu sua principal obra “O Setor Cooperativo”. Fauquet dizia que o

objetivo do cooperativismo é fazer os homens solidários e responsáveis e,

que a cooperação eleva o nível material e moral das classes populares78.

Na Inglaterra, a experiência que prosperou, e que até

hoje é considerada um marco para o cooperativismo, foi a fundação da

Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale. Há autores que destacam

esse fato como sendo o início do movimento cooperativista no mundo,

mesmo reconhecendo notícias de experiências anteriores79.

Destacam ALVES e MILANI80:

no século XIX, com a Revolução Industrial, quando o proletariado urbano procurava um meio para melhorar sua precária situação econômica, que o cooperativismo ganhou condições propícias para seu desenvolvimento. Foi quando 28 tecelões de Rochdale, pequena cidade da Inglaterra, associaram-se com o propósito de, mediante a colaboração de todos, tentarem melhorar sua condição de vida.

Também sobre o fato histórico, POLONIO81 acrescenta:

Os 28 tecelões de Rochdale constituíram cooperativas de consumo, com o objetivo de enfrentar a crise industrial da época, oferecendo gêneros de primeira necessidade aos associados, passando posteriormente, às atividades de produção.

78 CRUZ, Paulo Sérgio Alves da. A filosofia cooperativista e o cooperativismo no Brasil e no

mundo. p.41. 79 POLONIO, Wilson Alves. Manual das sociedades cooperativas. 4 ed. São Paulo: Atlas,

2004. p. 28. 80 ALVES, Francisco de Assis; MILANI, Imaculada Abenante. Sociedades cooperativas:

regime jurídico e procedimentos legais para constituição e funcionamento. p. 1. 81 POLONIO, Wilson Alves. Manual das sociedades cooperativas. p. 28.

31

Os preços eram fixados de forma a não produzir lucro. Nas assembléias, cada cooperado tinha direito a um voto, independente da participação no capital social, característica que predomina até os dias de hoje.

Na época da 2ª Guerra Mundial, a sociedade de

Rochdale havia crescido tanto que praticamente toda a população da

cidade participava direta ou indiretamente dela82.

Na Inglaterra, o sonho desses tecelões pioneiros, estava

totalmente consolidado e, dados atuais mostram que cerca de 70% dos

gêneros alimentícios consumidos no país, são produzidos e distribuídos por

cooperativas. Além disso, outros ramos encontram-se fortalecidos em

forma de cooperativas, como o mercado atacadista, a agricultura,

transportes, habitação, bancos, entre outros83.

Além da França e Inglaterra, outro país que teve papel

importante para a história do cooperativismo, é a Alemanha. Nesse país,

no mesmo século, a partir de 1849, foram constituídas as cooperativas de

crédito e consumo. Em 1859 foi fundada a Associação das Cooperativas

Alemãs por Herman Schulze (1808-1883), que contrapunha o capitalismo

existente, voltando-se para os pequenos produtores urbanos e artesãos84.

As Cooperativas dessa época eram estruturadas,

segundo POLONIO85, em princípios que, até hoje dão força ao espírito

cooperativista, são eles: “(i) adesão livre de qualquer pessoa; (ii)

administração praticada pelos próprios associados; (iii) juros módicos do

capital social; (iv) divisão das sobras para todos os associados; (v)

neutralidade política, social e religiosa; (vi) cooperação entre as

82 CRUZ, Paulo Sérgio Alves da. A filosofia cooperativista e o cooperativismo no Brasil e no

mundo. p. 47. 83 Idem, p. 47. 84 POLONIO, Wilson Alves. Manual das sociedades cooperativas. p. 28. 85 Idem, p. 28.

32

cooperativas, no plano local, nacional e internacional; e (vii) constituição

de um fundo de educação”.

Assim, conclui o mesmo autor86 que “(...) é de se

perceber, o caráter social que inspirou o surgimento das cooperativas.

Estas não nasceram para fazer frente ao sistema capitalista, mas para

reduzir os efeitos perniciosos que este exercia sobre os cidadãos”.

As cooperativas de crédito surgiram, como todos os

outros ramos, a partir de problemas sociais. Elas aparecem como solução

para esses problemas, atendendo os anseios da parte menos favorecida

da sociedade. O Brasil, a exemplo dos países europeus, possui longo

histórico de criação de cooperativas, como trataremos a seguir.

2.2 O COOPERATIVISMO NO BRASIL

No Brasil, segundo VEIGA e FONSECA87 o

cooperativismo aparece em uma época de transformações: a abolição,

a república, o socialismo. As discussões sobre esses temas buscavam

soluções no campo social. Assim, por volta de 1887, as primeiras

cooperativas são fundadas, principalmente nos centros urbanos onde

surgiram as cooperativas de consumo.

Os produtores de vinho, segundo os mesmos autores88,

foram os pioneiros na fundação de cooperativas de crédito, já no início

do século XX, em 1902, na cidade de Nova Petrópolis (RS). A idéia foi de

um padre jesuíta suíço chamado Théodor Amstadt, que organizou uma

caixa de crédito rural como as Caixas Raiffeisen, criadas pelo alemão

Friedrich Raiffeisen. A cooperativa brasileira chamava-se Cooperural e

existe até hoje. 86 POLONIO, Wilson Alves. Manual das sociedades cooperativas. p. 28. 87 VEIGA, Sandra Mayrink; FONSECA, Isaque. Cooperativismo: uma revolução pacífica

em ação. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p. 27. 88 Idem, p. 27-28.

33

Sobre as cooperativas agrícolas, tratam ALVES e

MILANI89:

As cooperativas agrícolas têm expressiva participação nas exportações. Representam, hoje, o segmento economicamente mais forte do cooperativismo brasileiro. O cooperativismo de consumo, que até 1960 experimentava um certo crescimento, a partir daquela década entrou em declínio. Esse retrocesso se deve, principalmente, à extinção do beneficio fiscal (ICMS) de que gozavam as cooperativas de consumo, à inflação e ao surgimento de grandes redes de supermercados, com tecnologia bem mais avançadas.

Sobre o problema enfrentado pelas cooperativas de

consumo, também destacam VEIGA e FONSECA90 “o setor não soube

fazer frente a esta nova realidade. O impacto foi tão drástico que, em

1984, das 2.240 cooperativas de consumo cadastradas até 1960, só

sobreviveram 292”.

Outro aspecto que é importante ressaltar é a evolução

da legislação brasileira em relação às cooperativas.

Encontramos o primeiro dispositivo legal sobre

cooperativas datado de 6 de janeiro de 1903. O Decreto nº 979

regulamentava as atividades dos sindicatos de agricultores, autorizando-

os a organizar caixas rurais de crédito, e as cooperativas de consumo e

produção91.

Em seguida, foi promulgado o Decreto nº 1.637, em

1907, que equiparava as cooperativas às sociedades anônimas, e assim

89 ALVES, Francisco de Assis; MILANI, Imaculada Abenante. Sociedades cooperativas:

Regime jurídico e procedimentos legais para constituição e funcionamento. p. 10. 90 VEIGA, Sandra Mayrink; FONSECA, Isaque. Cooperativismo: uma revolução pacífica

em ação. p.28. 91 ALVES, Francisco de Assis; MILANI, Imaculada Abenante. Sociedades cooperativas:

Regime jurídico e procedimentos legais para constituição e funcionamento. p. 11.

34

deveria ser constituída, em nome coletivo ou em comandita, cada uma

devendo ser regida pela lei específica que regulava essas formas de

sociedade92.

Após 25 anos, passada a revolução de 1930, Getúlio

Vargas promulgou o Decreto nº 22.239 de 19 de dezembro de 1932,

dando ampla liberdade para constituição de cooperativas no Brasil,

sendo assim um marco da formalização legal da atividade. Esse Decreto

foi revogado em 1934 e restabelecido em 1938. Foi novamente revogado

em 1943 para retornar em 1945, vigorando até 196693.

Com o golpe militar em 1964, as cooperativas

perderam vários incentivos fiscais e foram submetidas ao centralismo

estatal, perdendo ainda a liberdade que haviam conquistado. Além disso,

em 1966, com a reforma bancária, muitas cooperativas de crédito foram

fechadas94.

Finalmente, em 16 de dezembro de 1971 foi editada a

Lei nº 5.764 que definiu a Política Nacional de Cooperativismo e instituiu o

regime jurídico das Sociedades Cooperativas, dando prazo de 36 dias

para que as cooperativas existentes se adaptassem a ela. A referida Lei

continua em vigor até hoje95.

A Constituição Federal de 1988 vetou a participação

do Estado nas cooperativas e definiu sua autogestão. Assim, lê-se o artigo

5º da nossa Carta Magna, em seu inciso XVIII:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

92 POLONIO, Wilson Alves. Manual das sociedades cooperativas. p. 29. 93 VEIGA, Sandra Mayrink; FONSECA, Isaque. Cooperativismo: uma revolução pacífica

em ação. p. 28-29. 94 Idem, p. 29. 95 POLONIO, Wilson Alves. Manual das sociedades cooperativas. p. 30.

35

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XVIII – a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento96.

Além deste artigo, a Carta Magna trouxe outros

dispositivos que versam sobre o cooperativismo, como o artigo 174,

parágrafo segundo97, que obriga o Estado a incentivar e apoiar, através

de lei, o cooperativismo e outras formas de associativismo. Outro artigo

que trata sobre o assunto é o 187, inciso VI:

A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente:

(...)

VI – o cooperativismo.

Observa-se, ainda, o artigo 19298, que versa sobre o

sistema financeiro nacional, tratando do cooperativismo de crédito

especificamente.

A constitucionalização do cooperativismo está

sintetizada por ROSSI99: “ao integrar o conteúdo da Constituição de 1988,

96 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:

Senado Federal, 1988. 97 Idem. 98 Idem.

36

o cooperativismo passa a fazer parte das diretrizes fundamentais que

organizam e orientam o Estado, e dos princípios e valores que, ao se

positivarem na Constituição, refletem a idéia de direito subjacente à

sociedade”.

O cooperativismo encontra respaldo, embora

pequeno, no Código Civil de 2002, que enquadrou as cooperativas como

sociedade simples e não mais como sociedade civil, figura do antigo

código e da Lei do Cooperativismo.

2.3 A LEI DO COOPERATIVISMO – 5.764/71

Tratando-se de legislação cooperativista, não há como

deixar de analisar a Lei do Cooperativismo, instituída no ordenamento

jurídico brasileiro em 1971, porém, ainda em vigor nos dias atuais.

Embora seja uma Lei antiga, é tecnicamente

primorosa, trazendo ricos ensinamentos e com desafiante

entendimento100.

A Constituição de 1988, amparando em alguns

dispositivos o cooperativismo, mudou a idéia trazida pela Lei do

Cooperativismo, como demonstra PERIUS101:

A própria Lei n. 5.764/71 continha disposições que manifestavam claros sinais de estadismo quando apregoava a autorização de funcionamento, o controle, a fiscalização, a intervenção e a liquidação nas sociedades cooperativas. Graças à Constituição de 1988 os institutos

99 Amélia do Carmo Sampaio Rossi apud KRUEGER, Guilherme; MIRANDA, André Branco

de (Coordenadores). Comentários à legislação das sociedades cooperativas: Tomo II. Belo Horizonte: Mandamentos, 2007. p. 49.

100 KRUEGER, Guilherme; MIRANDA, André Branco de (coordenadores). Comentários à legislação das sociedades cooperativas: Tomo I. Belo Horizonte: Mandamentos, 2007. p. 17.

101 Idem, p. 22.

37

interventórios, com exceção nas cooperativas de crédito e de seguros, foram afastados.

O mesmo autor102 ainda conclui que “efetivamente,

não convém que as cooperativas fiquem sob tutela do Estado, pois as

políticas dele podem mudar, e isso não consolida o sistema”.

A Lei, em seu artigo 5º103, refere-se ao uso do termo

cooperativa e a vedação do termo banco. Sobre o tema, JUVÊNCIO104

ensina:

Todas as sociedades de pessoas que vislumbram regulação por meio da Lei n. 5.764/71 devem reservar-se, obrigatoriamente, a utilização do termo COOPERATIVA, o que proíbe que qualquer outra sociedade se apodere dessa denominação (...). Essa obrigação tem como premissa a necessidade das sociedades cooperativas esclarecerem sua natureza jurídica perante terceiros e constitui também regra de direito de empresa, conforme o art. 1.159 do Código Civil.

Ainda sobre o uso da expressão Banco, a mesma

autora105 completa:

Esse parágrafo, único ao fazer a vedação dirige-se às cooperativas de crédito que adotam por objeto operações semelhantes às das instituições financeiras, ou seja, são as únicas cooperativas que podem realizar operações e serviços típicos do mercado financeiro. No entanto, cumpre ressaltar que não é a simples e pura vedação imposta pela

102 KRUEGER, Guilherme; MIRANDA, André Branco de (coordenadores). Comentários à

legislação das sociedades cooperativas: Tomo I. p. 24. 103 BRASIL. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de

Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 dez. 1971.

104 KRUEGER, Guilherme; MIRANDA, André Branco de (coordenadores). Comentários à legislação das sociedades cooperativas: Tomo I. p. 49-50.

105 Idem, p. 51.

38

lei que faz diferenciar as cooperativas de crédito dos Bancos. Da mesma forma, o fato de as cooperativas de crédito subordinarem-se à legislação financeira não é suficiente para afirmar que as cooperativas de crédito se descaracterizam da aplicação das regras da Lei n. 5.764/71.

Conclui-se, portanto, que as cooperativas de crédito

não são bancos, no entanto, prestam serviços e operações típicas do

Sistema Financeiro Nacional e são subordinadas a regulamentos próprios

desse sistema. Isso não as descaracteriza como sociedades cooperativas,

já que seus serviços e operações restringem-se aos seus associados. Há nas

cooperativas de crédito a socialização do crédito sem objetivar lucro,

característica das sociedades cooperativas, que buscam o

desenvolvimento de todo seu quadro social como veremos a seguir.

2.4 CONCEITO DE SOCIEDADES COOPERATIVAS

Segundo a Lei 5.764/71, em seu artigo 4º106, “as

cooperativas são uma sociedade de pessoas, com forma e natureza

jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas

para prestar serviços aos associados (...)”.

Os autores VEIGA e FONSECA107 definem cooperativa:

Podemos definir uma cooperativa como sendo uma associação voluntária de no mínimo 20 pessoas, sem fins lucrativos, porém com fins econômicos, que exercem uma mesma atividade para realizar objetivos comuns, que para tanto contribuem equitativamente para a formação do capital necessário por meio da aquisição de quotas-partes e aceitam assumir de forma igualitária os riscos e benefícios

106 BRASIL. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de

Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 dez. 1971.

107 VEIGA, Sandra Mayrink; FONSECA, Isaque. Cooperativismo: uma revolução pacífica em ação. p.39.

39

do empreendimento. É regida pelo princípio democrático de cada pessoa um voto. Os excedentes ou sobras são distribuídos na proporção do trabalho de cada cooperado.

Para RICCIARDI e LEMOS108, cooperativa é:

uma associação entre pessoas que pretendem o atendimento de necessidades comuns. As necessidades, no geral, são basicamente econômicas: produção agropecuária ou industrial, comercialização de produtos, oferta de serviços, aquisição de bens, acesso a operação financeiras, crédito e outras. A alternativa para a viabilização desses aspectos, no caso, é a constituição de uma empresa, só que uma empresa muito especial, uma vez que os sócios são titulares, ao mesmo tempo, do capital e da força de trabalho.

Ao definir cooperativa como sociedade de pessoas, a

lei buscou diferenciá-la da sociedade de capital que, possui como

principal elemento, o intuitus pecuniae, não importando a qualidade das

pessoas que se tornam sócias desse tipo de sociedade109.

Assim, no caso da cooperativa como sociedade de

pessoas, “o elemento principal é a pessoa de seus sócios (intuitus

personae)”110.

Para POLONIO111, “a sociedade cooperativa pode ser

tomada como uma sociedade genuinamente de pessoas, e nem

precisaria de lei para classificá-la como tal, uma vez que tem como

fundamento a solidariedade, a igualdade e a comunhão de interesses dos

associados”. 108 RICCIARDI, Luiz; LEMOS, Roberto Jenkins de. Cooperativa, a empresa do século XXI:

como os países em desenvolvimento podem chegar a desenvolvidos. São Paulo: LTr, 2000. p. 62.

109 POLONIO, Wilson Alves. Manual das sociedades cooperativas. p. 38. 110 Idem, p. 39. 111 Idem, p. 39.

40

Outro ponto importante e polêmico do conceito legal

são as duas naturezas distintas que aparecem no artigo 4º112: “com forma

e natureza jurídica próprias, de natureza civil”. Assim, a cooperativa é a

única sociedade no Brasil que possui duas naturezas diferentes113.

Buscando uma explicação para tal conceito legal,

POLONIO114 ensina:

De fato, a “natureza jurídica própria”, nos termos da definição legal, entendida como a espécie do gênero “natureza civil”, permite o entendimento de que à sociedade cooperativa reconhece-se uma característica ímpar, eis que é uma das poucas sociedades constituídas pelos associados, para prestar serviços a eles próprios, o que não as impede, evidentemente, de prestar serviços a não-associados (atos não cooperativos) – com o pressuposto lógico de não constituir atividade preponderante.

De acordo ainda com PERIUS115, o que distingue as

sociedades cooperativas das demais sociedades no que se refere à sua

forma e natureza jurídica está na

intenção dos associados ao definirem o pacto cooperativo e o que os une (affectio societatis) consiste na vontade das partes (pessoas físicas) de colaboração ativa, igualitária e livre. (...) A finalidade das cooperativas é a prestação de serviços aos sócios, não havendo nesta hipótese mercado, porque a cooperativa visa servir os associados para elevar suas posições sócio-econômicas, e estes se servem dela para o mesmo fim. (...) O capital é “meio-função” e sua

112 BRASIL. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de

Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 dez. 1971.

113 Waldirio Bulgarelli apud POLONIO, Wilson Alves. Manual das sociedades cooperativas. p. 39.

114 POLONIO, Wilson Alves. Manual das sociedades cooperativas. p. 40. 115 KRUEGER, Guilherme; MIRANDA, André Branco de (coordenadores). Comentários à

legislação das sociedades cooperativas: Tomo I. p. 33-34.

41

funcionalidade se presta para realizar a co-participação das atividades empresariais entre sócios e a cooperativa. (...) As cooperativas são também de natureza civil, porque surgem de um ajuste de vontades para colaboração entre si.

A prestação de serviços aos associados, previsto

também pelo conceito legal de sociedade cooperativa, significa que a

cooperativa representa seu associado no negócio que pretendem

realizar, ou seja, a cooperativa realiza operações em nome do

associado116.

Após análise desse panorama de conceitos de

cooperativa, é necessário estudo das relações entre cooperativa e seu

cooperado para melhor elucidação do funcionamento de uma

cooperativa no ordenamento jurídico atual.

2.5 AS RELAÇÕES ENTRE COOPERATIVAS E SEUS COOPERADOS

O cooperado é dono, usuário e força de trabalho da

cooperativa, e assim deve comportar-se. Como dono, ele adere à

sociedade cooperativa e com o capital que investe, confirma essa

adesão117.

RICCIARDI e LEMOS118, tratando sobre o cooperado

ensinam:

é preciso que ele se interesse pelo que é seu, realize efetivamente as operações previstas no estatuto social, busque informações sobre o andamento da sua empresa, procure a diretoria, peça esclarecimentos sobre o planejamento, programas, metas, estratégias e ações

116 POLONIO, Wilson Alves. Manual das sociedades cooperativas. p. 43. 117 RICCIARDI, Luiz; LEMOS, Roberto Jenkins de. Cooperativa, a empresa do século XXI:

como os países em desenvolvimento podem chegar a desenvolvidos. p. 67. 118 Idem, p. 67

42

administrativas. Afinal, de tudo isso dependerá o êxito de sua empresa.

Os mesmos autores119 acrescentam que “o

comportamento de dono assumido e responsável será o alicerce da

cooperativa”. Ainda, “quanto mais cooperados participarem, (...) maior

apoio terá a administração da cooperativa, o que significa maiores

oportunidades de acertar. Presume-se que, se adotaram a prática

associativa, esse é o desejo e meta de todos”120.

Resume-se assim, os direitos e deveres dos cooperados

diante da cooperativa, de acordo com VEIGA e FONSECA121:

Direitos:

Votar e ser votado para cargos no Conselho de Administração e no Conselho Fiscal, independente do número de quotas-partes subscritas.

Participar de todas as operações e atividades econômicas e sociais da cooperativa.

Examinar livros e documentos e solicitar esclarecimentos quando necessário.

Convocar assembléia, caso seja necessário, obedecendo ás leis estatutárias.

Participar das assembléias gerais, opinando e defendendo seus pontos de vista e propondo mudanças que sejam de interesse coletivo.

Ajudar a elaborar os planos de ações da cooperativa. 119 RICCIARDI, Luiz; LEMOS, Roberto Jenkins de. Cooperativa, a empresa do século XXI:

como os países em desenvolvimento podem chegar a desenvolvidos. p.67. 120 Idem, p. 67-68. 121 VEIGA, Sandra Mayrink; FONSECA, Isaque. Cooperativismo: uma revolução pacífica

em ação. p. 42-43.

43

Desligar-se da cooperativa quando quiser e receber todo seu capital de acordo com o que reza o estatuto.

Deveres:

Operar com a cooperativa.

Participar das assembléias gerais da cooperativa, colaborando e fiscalizando para que a assembléia seja participativa e democrática.

Integralizar as quotas-partes fixadas em estatuto para a constituição da cooperativa.

Debater os objetivos e metas de interesse coletivo e respeitar a decisão da maioria.

Buscar sempre a requalificação para melhorar o desempenho de qualidade do serviço prestado pela cooperativa.

Votar nas eleições da cooperativa.

Conhecer e respeitar o estatuto da cooperativa.

Prestigiar a cooperativa perante terceiros.

Pagar sua parte caso a cooperativa apresente prejuízo financeiro no balanço anual.

Além disso, é importante destacar que a relação entre

cooperado e cooperativa é orientada pelos princípios, promulgados já

pelos Pioneiros de Rochdale: adesão livre e voluntária, gestão

democrática pelos cooperados, participação econômica dos

44

cooperados, autonomia e independência, educação, formação e

informação, intercooperação e interesse pela comunidade122.

Os atos praticados entre cooperativa e cooperado são

denominados pela Lei Cooperativista em seu artigo 79123 de atos

cooperativos, nos seguintes termos:

Art. 79 Denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associados, para a consecução dos objetos sociais.

Parágrafo único: O ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria.

POLONIO124 manifestou-se sobre a matéria:

De fato, as operações realizadas pela sociedade cooperativa com seus associados não se tratam de operações mercantis, mas tão-somente de transferências de mercadorias e recursos entre eles – cooperativa e associados – com o objetivo de fomentar as atividades daquela em benefício destes, ou transferir o resultado de suas atividades para os associados, sempre buscando seus interesses.

As relações entre cooperativa e cooperado surgem de

um contexto social, pois, como destacado acima, as operações buscam

unicamente a concretização dos objetivos da sociedade.

122 CRUZ, Paulo Sérgio Alves da. A filosofia cooperativista e o cooperativismo no Brasil e

no mundo. p. 53-59. 123 BRASIL. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de

Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 dez. 1971.

124 POLONIO, Wilson Alves. Manual das sociedades cooperativas. p. 105.

45

2.6 ESTRUTURA DAS COOPERATIVAS

Conforme dizeres de CRUZ125, a estrutura

organizacional das cooperativas “é composta de órgãos deliberativos,

consultivos, cujos cargos são de provimento exclusivo de sócios ativos,

eleitos por Assembléia Geral; e de órgãos de execução e operacionais,

ocupados por profissionais contratados no mercado de trabalho”.

De acordo com o mesmo autor126, “As funções

específicas de cada área são definidas no Estatuto Social, ou no

Regimento Interno, discutidos e aprovados pelos Cooperantes. (...) Os

poderes de uma Cooperativa, pela ordem de sua hierarquia, são os

seguintes: Assembléia Geral, Conselho de Administração e/ou Diretoria,

Conselho Fiscal, Comitês, Conselhos Específicos e Gerências”.

Tratando especificamente de cada um desses

poderes, ALVES e MILANI127 ensinam:

A Assembléia Geral dos associados é o órgão supremo da sociedade, dentro dos limites da lei e do estatuto, cujas deliberações vinculam ausentes e discordantes.

(...)

As Assembléias Gerais deverão ser convocadas mediante editais afixados em locais apropriados das dependências mais freqüentadas pelos associados, publicação em jornal e comunicação aos associados por meio de circulares.

(...)

125 CRUZ, Paulo Sérgio Alves da. A filosofia cooperativista e o cooperativismo no Brasil e

no mundo. p. 71. 126 Idem, p. 71. 127 ALVES, Francisco de Assis; MILANI, Imaculada Abenante. Sociedades cooperativas:

Regime jurídico e procedimentos legais para constituição e funcionamento. p. 70.

46

A convocação deverá ser feita pelo Presidente, por quaisquer dos órgãos de administração, pelo Conselho Fiscal, ou, após solicitação não atendida, por um quinto dos associados em pleno gozo de seus direitos. As deliberações serão tomadas por maioria de votos dos associados presentes com direito de votar.

Sobre as competências da Assembléia Geral em

sessão ordinária, de acordo com entendimento dos mesmos autores128,

haverá deliberação sobre a prestação de contas dos órgãos de

administração, bem como o parecer do Conselho Fiscal; destinação das

sobras ou rateios das perdas; eleição dos Conselhos de Administração e

Fiscal; fixação dos honorários desses conselhos e ainda qualquer outro

assunto de interesse social, exceto os de exclusiva competência da

Assembléia Geral Extraordinária.

Cabe à Assembléia Geral Extraordinária deliberar sobre

reformas do estatuto; fusão, incorporação ou desmembramento da

sociedade; mudança do objetivo da Sociedade; dissolução voluntária da

sociedade e nomeação de liquidantes e contas do liquidante129.

De acordo com CRUZ130, são características do

Conselho de Administração e/ou Diretoria: “livre composição, a critério de

cada cooperativa e de acordo com o Estatuto Social; função de

programar os planos de trabalhos e os serviços da cooperativa, coordenar

as Assembléias Gerais, representar a cooperativa e controlar seus

resultados; mandato de no máximo quatro anos; renovação obrigatória

de um terço dos seus membros”.

128 ALVES, Francisco de Assis; MILANI, Imaculada Abenante. Sociedades cooperativas:

Regime jurídico e procedimentos legais para constituição e funcionamento. p. 70-71. 129 Idem, p. 72. 130 CRUZ, Paulo Sérgio Alves da. A filosofia cooperativista e o cooperativismo no Brasil e

no mundo. p. 73.

47

O Conselho Fiscal por sua vez, é “composto por seis

elementos, três efetivos e três suplentes (Art. 56 da Lei 5.764/71); função de

fiscalizar os atos administrativos, reunindo-se todo mês ordinariamente e,

em caráter extraordinário, sempre que necessário. (...); mandato de um

ano; renovação obrigatória de dois terços dos seus membros”131.

Não podem ser eleitos, para ambos os Conselhos, os

impedidos por lei, os condenados a pena que vede o acesso a cargos

públicos; crime falimentar, prevaricação, peita ou suborno, concussão,

peculato, ou contra a economia popular, fé pública ou a propriedade.

Para o Conselho Fiscal ainda ficam impedidos os parentes, em linha reta

ou colateral, até segundo grau, dos diretores e entre si. Destaca-se que é

proibida a cumulação de funções nos dois órgãos132.

Da mesma forma que os Conselhos de Administração e

Fiscal, outros comitês e conselhos podem ser eleitos – ou ainda indicados

pelo Conselho de Administração. Esses órgãos poderão ser criados pelo

órgão administrativo com o objetivo de antecipar problemas e

autogerenciar a cooperativa133.

2.7 CLASSIFICAÇÃO DAS COOPERATIVAS

Podemos encontrar no artigo 6º da Lei nº 5.764/71134 as

formas legais de constituição de uma cooperativa, sendo elas

131 CRUZ, Paulo Sérgio Alves da. A filosofia cooperativista e o cooperativismo no Brasil e

no mundo. p. 73. 132 ALVES, Francisco de Assis; MILANI, Imaculada Abenante. Sociedades cooperativas:

Regime jurídico e procedimentos legais para constituição e funcionamento. p. 73-76. 133 CRUZ, Paulo Sérgio Alves da. A filosofia cooperativista e o cooperativismo no Brasil e

no mundo. p. 74. 134 BRASIL. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de

Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 dez. 1971.

48

cooperativas singulares, centrais ou federações e ainda as

confederações135.

As cooperativas singulares são “sociedades

constituídas com o número mínimo de 20 pessoas físicas, sendo

excepcionalmente permitida a admissão de pessoas jurídicas que tenham

por objeto as mesmas ou correlatas atividades econômicas das pessoas

físicas. Podem, também, ingressar nessa sociedade outras sociedades sem

fins lucrativos, atendidos, por óbvio, aos requisitos legais e estatutários”136.

As cooperativas centrais ou federações de

cooperativas são “constituídas com, no mínimo, três cooperativas

singulares, podendo excepcionalmente, admitir associados individuais”137.

Têm por objetivo, o que dispõe o artigo 8º da Lei 5.764/71138: “organizar,

em comum e em maior escala, os serviços econômicos e assistenciais de

interesse das filiadas, integrando e orientando suas atividades, bem como

facilitando a utilização recíproca dos serviços”.

As confederações de cooperativas “são as constituídas

com, no mínimo, três federações de cooperativas ou cooperativas

centrais, da mesma ou de diferentes modalidades”139. Seu objetivo

também está disposto na Lei 5.764/71, artigo 9º140: “orientar e coordenar as

135 BRASIL. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de

Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 dez. 1971.

136 POLONIO, Wilson Alves. Manual das sociedades cooperativas. p. 68. 137 Idem, p. 68. 138 BRASIL. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de

Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 dez. 1971.

139 POLONIO, Wilson Alves. Manual das sociedades cooperativas. p. 68. 140 BRASIL. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de

Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 dez. 1971.

49

atividades das filiadas, nos casos em que o vulto dos empreendimentos

transcender o âmbito de capacidade ou conveniência de atuação das

centrais e federações”.

Ainda tratando da classificação, POLONIO141 subdivide

as cooperativas quanto ao seu objeto social, podendo ser de produtores,

de consumo, de crédito, mistas (produção e consumo), cooperativa de

serviço – denominada também de cooperativa de trabalho ou de

profissionais, e ainda, as cooperativas habitacionais.

Os autores ALVES e MILANI142 acrescentam a essa

classificação, a cooperativa escolar e a de eletrificação rural.

De acordo com POLONIO143, as cooperativas de

produtores:

têm como associados os trabalhadores ou os pequenos produtores do campo ou da zona urbana. Objetivam maximizar o lucro desses trabalhadores ou produtores, eliminando o empresário empregador que, de outra forma, teria significativa participação na cadeia produtiva até o consumo final. Levam ao mercado consumidor, com maior poder de negociação, o resultado do trabalho desses pequenos produtores.

Esse conceito, ainda é completado por ALVES e

MILANI144:

Uma das facetas importantes da cooperativa de produção está em que ela substitui a figura do intermediário, como o atacadista, o banqueiro, o patrão, o empregador de mão-

141 POLONIO, Wilson Alves. Manual das sociedades cooperativas. p. 69. 142 ALVES, Francisco de Assis; MILANI, Imaculada Abenante. Sociedades cooperativas:

Regime jurídico e procedimentos legais para constituição e funcionamento. p. 27. 143 POLONIO, Wilson Alves. Manual das sociedades cooperativas. p. 69. 144 ALVES, Francisco de Assis; MILANI, Imaculada Abenante. Sociedades cooperativas:

Regime jurídico e procedimentos legais para constituição e funcionamento. p. 28-29.

50

de-obra. Sem a cooperativa de produção, o produtor teria que, forçosamente, valer-se desses, vulgarmente chamados “atravessadores”.

Sobre as cooperativas de consumo, os mesmos

autores145 destacam:

Nessa modalidade de cooperativa, os consumidores se associam com o objetivo de eliminarem o intermediário e, assim, obterem melhores condições na aquisição de bens e serviços essenciais às necessidades dos cooperados. Podem ser abertas ou fechadas. Abertas ou populares são aquelas que admitem qualquer pessoa que queira se associar. As cooperativas de consumo fechadas apenas admitem como associados as pessoas ligadas a uma mesma empresa, sindicato ou profissão. Observa ainda POLONIO146 que “são bastante

difundidas entre nós as cooperativas de consumo de empregados de

grandes grupos empresariais, sua constituição dá-se normalmente, por

iniciativa das administrações das empresas”.

As cooperativas mistas de acordo com POLONIO147

“combinam as duas atividades citadas: daí serem conhecidas como

cooperativas de produção e consumo”. Já ALVES e MILANI148, destacam

que cooperativas mistas “são assim consideradas as cooperativas que

apresentam mais de um objeto de atividades”, portanto, não

obrigatoriamente apenas de produção e consumo.

As cooperativas de trabalho são definidas por ALVES e

MILANI149:

145 ALVES, Francisco de Assis; MILANI, Imaculada Abenante. Sociedades cooperativas:

Regime jurídico e procedimentos legais para constituição e funcionamento. p. 29. 146 POLONIO, Wilson Alves. Manual das sociedades cooperativas. p. 69. 147 Idem, p. 69. 148 ALVES, Francisco de Assis; MILANI, Imaculada Abenante. Sociedades cooperativas:

Regime jurídico e procedimentos legais para constituição e funcionamento. p. 30. 149 Idem, p. 37.

51

As cooperativas de trabalho têm por finalidade melhorar a situação econômica de seus cooperados. Estes deixam de ser assalariados e passam a trabalhar por conta própria. Reúnem seus bens e os instrumentos necessários à prestação dos serviços de sua especialidade com o objetivo de eliminar a figura do patrão. Na sua origem, tais cooperativas foram formadas para fazer frente aos abusos praticados pelo sistema capitalista surgido com a Revolução Industrial.

Lembra também POLONIO150:

O trabalhador associado à cooperativa de trabalho, ou de qualquer outra espécie, que nessa qualidade presta serviços a terceiros, é segurado obrigatório da Previdência Social como contribuinte individual, na forma do Decreto Federal nº 3.265, de 29-11-1999. Os profissionais cooperados releva observar, não são empregados da cooperativa. Também a elas não prestam serviços. Ao revés, estas é que prestam serviços aos profissionais cooperados, à medida que agenciam os serviços a serem prestados por estes, aproximando tomador e prestador dos serviços. No âmbito dessa tríplice relação – cooperativa/cooperado/tomador de serviço -, não há qualquer vínculo de emprego como dispõe o art. 90 da Lei nº 5.764/71 e o art. 442 da CLT, comentados.

As cooperativas habitacionais “são constituídas com o

objetivo de proporcionar, exclusivamente a seus associados, a construção

e aquisição de imóveis e sua integração sócio comunitária”151. Ligados a

essas cooperativas, foram criados pelo Banco Nacional da Habitação, os

Institutos de Orientação às Cooperativas Habitacionais (Inocoops)152, com

a finalidade de “prestar serviços de orientação e assistência técnica à

150 POLONIO, Wilson Alves. Manual das sociedades cooperativas. p. 77. 151 Idem, p. 77. 152 Idem, p. 77.

52

constituição, à organização e ao funcionamento das cooperativas

habitacionais”153

Porém, como nos trazem ALVES e MILANI154:

Para a OCESP, as cooperativas habitacionais tais como estão atualmente constituídas, em grande parte, são consórcios para construção de casas e não cooperativas, já que têm como característica básica a sua liquidação, tão logo seja concluído o projeto habitacional. Contudo, ressalta aquela Organização, que estão surgindo cooperativas habitacionais autênticas, dentro do processo de autogestão, principalmente no Distrito Federal.

As cooperativas de eletrificação rural têm por objetivo,

fornecer energia elétrica à comunidade. Com a promulgação do Estatuto

da Terra em 1964155, deu-se especial atenção à importância da difusão da

eletrificação rural através dessa modalidade de cooperativa156.

A modalidade cooperativa escolar nasceu no estado

de Goiás, no ano de 1987, onde “os pais dos alunos constroem o edifício

onde funcionará a escola e, como donos e usuários, administram todo o

processo escola, desde a contratação de professores”157. Surgiu da

necessidade de suprir a deficiência do Estado no ramo da educação.

153 POLONIO, Wilson Alves. Manual das sociedades cooperativas. p. 77. 154 ALVES, Francisco de Assis; MILANI, Imaculada Abenante. Sociedades cooperativas:

Regime jurídico e procedimentos legais para constituição e funcionamento. p. 30. 155 BRASIL. Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o Estatuto da Terra, e

dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 30 nov. 1964.

156 ALVES, Francisco de Assis; MILANI, Imaculada Abenante. Sociedades cooperativas: Regime jurídico e procedimentos legais para constituição e funcionamento. p. 34.

157 Idem, p. 36.

53

Por fim, aparecem as cooperativas de crédito, que,

conforme entendimento de POLONIO158, têm a finalidade de:

proporcionar a seus associados crédito em moeda por meio da mutualidade e da economia, mediante taxa módica de juros, auxiliando, de modo particular, o pequeno trabalhador em qualquer ordem de atividade na qual ele se manifeste, seja agrícola, industrial, comercial ou profissional e, acessoriamente, podendo fazer, com pessoas estranhas à sociedade, operações de crédito passivo e outros serviços conexos ou auxiliares de crédito.

As cooperativas de crédito são controladas e

fiscalizadas pelo Banco Central do Brasil, conforme prevê o art. 92, I, da Lei

Nº 5.764/71159, pois têm natureza de instituição financeira160.

A respeito do tema, trata POLONIO161:

(...) tais sociedades, embora equiparadas às instituições financeiras, passaram a atuar como uma alternativa às instituições do sistema financeiro convencional, visto que podem conceder a seus cooperados empréstimos com juros menores do que os cobrados no mercado financeiro, além de maior prazo para pagamento. Em adição, as operações financeiras que praticam têm natureza diversa daquelas praticadas no sistema financeiro convencional, uma vez que não visam ao lucro, mas buscam auxiliar seus cooperados na obtenção de crédito, especialmente por meio de empréstimos.

158 POLONIO, Wilson Alves. Manual das sociedades cooperativas. p. 70. 159 BRASIL. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de

Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 dez. 1971.

160 ALVES, Francisco de Assis; MILANI, Imaculada Abenante. Sociedades cooperativas: Regime jurídico e procedimentos legais para constituição e funcionamento. p. 27.

161 POLONIO, Wilson Alves. Manual das sociedades cooperativas. p.70.

54

Destarte, após o estudo em linhas gerais do

cooperativismo no presente capítulo, resta-nos a abordagem específica

sobre as cooperativas de crédito, alvo de estudo do terceiro e último

capítulo da presente pesquisa, onde também se estuda suas relações

jurídicas para com terceiros e com seus cooperados tecendo reflexão

sobre a aplicabilidade ou não das regras do CDC nestas relações, objeto

central de estudo.

55

CAPÍTULO 3

COOPERATIVAS DE CRÉDITO E A INAPLICABILIDADE DO CDC NAS

RELAÇÕES JURÍDICAS COM SEUS COOPERADOS

Como visto no capítulo anterior, as cooperativas são

sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de

natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos

associados, conceito este dado pelo art.4º da Lei do Cooperativismo. A

mesma lei prevê em seu art. 5º que as cooperativas podem adotar por

objeto qualquer gênero de serviço, operação ou atividade. Dentre esses

objetos aparece o crédito, que prestam serviços e operações semelhantes

às das instituições financeiras.

Destarte, as cooperativas de crédito, suas relações

jurídicas com terceiros e cooperados, bem como a inaplicabilidade das

regras do CDC nas suas relações com cooperados, são alvo de

abordagem do presente capítulo.

3.1 COOPERATIVA DE CRÉDITO: ORIGEM, EVOLUÇÃO E ESTRUTURAÇÃO

A história do cooperativismo, como vista no capítulo

anterior, tem relação com “o desequilíbrio da distribuição de renda e da

alocação de riquezas, quadro que, na fase de concepção do movimento

(meados do Século XIX), se via agravado pelas repercussões da

Revolução Industrial”162.

O cooperativismo de crédito surgiu, a exemplo dos

tecelões de Rochdale, por volta de 1850, em Flammersfeld, Alemanha. O

líder do movimento foi Friedrich Wilhelm Raiffeisen, um servidor público filho

162 MEINEN, Ênio; DOMINGUES, Jefferson Nercolini; DOMINGUES, Jane Aparecida

Stefanes. Cooperativas de crédito no direito brasileiro. Porto Alegre: Editora Sagra Luzzatto, 2002. p. 11.

56

de agricultores que, apoiado pelo Pastor Müller, buscavam o fim da

agiotagem que imperava na região, que impunha juros e amortizações

muito além daquilo que os pequenos agricultores podiam suportar o que

acabava levando à hipoteca de suas propriedades e penhora de seus

animais. Nascia assim, uma associação de auto-ajuda, conhecida por

Associação de Amparo aos Agricultores sem Recurso ou simplesmente

Caixa Rural.

Passados dois anos da concretização da idéia de

Raiffeisen, o advogado alemão Herman Schulze buscando também um

socorro às classes menos privilegiadas na cidade de Delitzsch, criou a

primeira cooperativa de credito urbana, chamada de Caixa de Socorro.

Anos mais tarde, na cidade de Milão, Itália, o veneziano Luigi Luzzatti,

adaptando a concepção dos alemães, fundou o Banco Popular

(Volksbank), também voltado à população urbana. Surge assim, o

primeiro banco cooperativo da história163.

Outro marco para a história do cooperativismo de

crédito e que, mais tarde, influenciou a criação das mesmas no Brasil, foi a

criação da primeira cooperativa de crédito mútuo, na cidade de

Quebéc, Canadá. É conhecido também por “modelo desjardins”, em

referência a seu criador Alphonse Desjardins. Esse modelo de cooperativa

de crédito caracteriza-se pelo vínculo existente entre seus cooperados, ou

seja, possuem interesses em comum, como funcionários de uma mesma

empresa, funcionários públicos, entre outros164.

Hoje, o cooperativismo de crédito europeu é um dos

mais fortes do mundo e são responsáveis, juntamente com os EUA e o

Japão, por mais de 90% das operações do setor. Em países como

Alemanha, França, Holanda e Itália, o desenvolvimento do

cooperativismo de crédito é maior, pois têm como fundamentação os 163 MEINEN, Ênio; DOMINGUES, Jefferson Nercolini; DOMINGUES, Jane Aparecida

Stefanes. Cooperativas de crédito no direito brasileiro. p. 11-12. 164 ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de; BRAGA, Ricardo Peake (coordenadores).

Cooperativas à luz do código civil. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 81.

57

precursores do movimento e ainda encontram apoio em legislação

adequada e alto nível de profissionalização165.

No Brasil, o cooperativismo de crédito surgiu no ano de

1902, em Nova Petrópolis, estado do Rio Grande do Sul com iniciativa do

padre jesuíta, de origem suíça, Theodor Amstadt. Foram criadas, na

ocasião, caixas de créditos rurais com base na doutrina de Raiffeisen. Essa

cooperativa continua em funcionamento até hoje, estando entre as

maiores do país, é a chamada SICREDI Pioneira.

A primeira cooperativa do tipo Luzzati, foi constituída

no ano de 1906, na cidade de Lajeado, também no Rio Grande do Sul166.

Segundo MEINEN167, “aqui, tal qual na Europa, a

presença das cooperativas de crédito tem a ver com a situação

econômico-social adversa”.

Após forte multiplicação das cooperativas de crédito,

criou-se, em 1925, a primeira central brasileira do ramo. Essa central era

formada por 18 (dezoito) cooperativas de crédito do estado do Rio

Grande do Sul e era chamada de “Central das Caixas Rurais da União

Popular do Estado do Rio Grande do Sul, Sociedade Cooperativa de

Responsabilidade Limitada”. Representou na época importante agente

de financiamento da atividade rural com a farta concessão de crédito.

Com o êxito do cooperativismo de crédito, em 1946

um grupo de bancários da capital gaúcha constituiu a Cooperativa de

Crédito dos Funcionários da Matriz do BANRISUL Limitada, entidade

tipicamente urbana.

165 LEITE, Jacqueline Rosadine de Freitas; SENRA, Ricardo Belízio de Faria

(coordenadores). Aspectos jurídicos das cooperativas de crédito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2005.p. 34.

166 Idem, p. 39. 167 MEINEN, Ênio; DOMINGUES, Jefferson Nercolini; DOMINGUES, Jane Aparecida

Stefanes. Cooperativas de crédito no direito brasileiro. p. 13.

58

Em 1960, criou-se a Cooperativa dos Colaboradores da

CNBB-Pax, no Rio de Janeiro, formada pelos funcionários do Palácio São

Joaquim do Episcopado carioca168.

No período ditatorial, como bem lembrado no capítulo

anterior, as cooperativas perderam a liberdade conquistada, já que foram

submetidas ao centralismo estatal e, no caso das cooperativas de crédito,

a proibição da criação de cooperativas do tipo Luzzatti e a reformulação

da legislação bancária levaram ao fechamento de muitas cooperativas

do ramo.

Foi no início dos anos oitenta que as cooperativas de

crédito ressurgiram, já que o Estado diminuiu o volume de recursos oficiais

destinados à atividade rural e a inflação tornou-se intensificada. Assim,

nove das treze cooperativas Raiffeisen gaúchas, de forma integrada,

criaram uma nova central estadual chamada “Cooperativa Central de

Crédito Rural do Rio Grande do Sul Ltda. – COCECRER”.

Mesmo não encontrando um quadro regulatório

favorável, inúmeras cooperativas centrais e singulares voltaram a ser

criadas, principalmente na área rural.

Seguindo a história do cooperativismo, em 1986 foi

criada na cidade de Vitória, Estado do Espírito Santo a primeira

confederação do setor, a Confederação Brasileira das Cooperativas de

Crédito, a CONFEBRÁS, cuja sede inaugural foi em Belo Horizonte e

atualmente encontra-se estabelecida na capital do país.

Temos ainda, no ano de 1989, a concepção da

Cooperativa de Economia e Crédito Mútuo dos Profissionais da Saúde

Vinculados à Unimed do Vale das Antas Ltda., conhecida por UNICRED,

originária da cidade de Casca no Rio Grande do Sul, sendo a primeira

168 MEINEN, Ênio; DOMINGUES, Jefferson Nercolini; DOMINGUES, Jane Aparecida

Stefanes. Cooperativas de crédito no direito brasileiro. p. 14.

59

cooperativa de médicos e demais profissionais da saúde que serviu de

exemplo para criação de entidades idênticas por todo o país169.

De acordo com OLIVEIRA170 a edição de normas que

disciplinam o cooperativismo pode ser dividida em quatro fases distintas:

a primeira que vai desde o final do século XIX até o ano de 1932, período esse de pouca produção legislativa; a segunda fase começa com o Decreto nº 22.239, de 19 de dezembro e termina no ano de 1964. A terceira fase abarca o período militar até a promulgação da Constituição de 1988, que dá início à quarta fase, ainda em construção.

Waldirio Bulgarelli, nas palavras de OLIVEIRA171, diverge

dessa divisão e a faz em cinco períodos distintos:

o primeiro, denominado “período de implementação” se instaura com o Decreto nº 1.637, de 5 de janeiro de 1907, e termina com a promulgação do Decreto nº 22.239, de 19 de dezembro de 1932. O segundo período, denominado “de consolidação parcial”, tem inicio com o anterior decreto e termina com a promulgação do Decreto-Lei nº 59, de 21 de novembro de 1966. As demais fases são o “Período centralista” que termina com a promulgação da Lei de Cooperativas, a 5.764, de 16 de dezembro de 1971, a quarta fase termina com a entrada em vigor da Constituição da República de 1988 que o autor chama de período da renovação das estruturas e por fim a atual denominada “período de libertação”.

De acordo com dados disponibilizados pelo Ministério

da Fazenda172, atualmente estão em funcionamento no Brasil, 1.462 (mil

169 LEITE, Jacqueline Rosadine de Freitas; SENRA, Ricardo Belízio de Faria (coordenadores).

Aspectos jurídicos das cooperativas de crédito. p. 14-15. 170 Idem, p. 39-40. 171 Waldirio Bulgarelli apud LEITE, Jacqueline Rosadine de Freitas; SENRA, Ricardo Belízio de

Faria (coordenadores). Aspectos jurídicos das cooperativas de crédito. p. 39.

60

quatrocentas e sessenta e duas) cooperativas de crédito, divididas entre

os sistemas SICOOB, SICREDI, UNICREDI e ANCOSOL, além de outras não

integradas ou solteiras.

Com dados do mesmo documento do Ministério da

Fazenda, a divisão do cooperativismo de crédito por forma de

associação, encontra-se atualmente da seguinte forma: 59,3% mútuo,

26,4% rural, 9,4% livre admissão, 2,4% empresários, 2,0% microempresários e

0,7% Luzzatti.

O cooperativismo de crédito não encontra

regulamentação na Lei do Cooperativismo ou em qualquer legislação

especial, cabendo, conforme previsão da Constituição Federal em seu

artigo 192173, ao Conselho Monetário Nacional, através de Resoluções,

dispor sobre criação, estrutura e funcionamento das cooperativas de

crédito, assim como o faz em relação a outras instituições financeiras.

3.2 ESTRUTURAÇÃO DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO BRASILEIRAS

Assim como as cooperativas de maneira geral, as

cooperativas de crédito estruturam-se conforme preceituam os artigos 6º

a 9º da Lei do Cooperativismo174:

Art. 6º As sociedades cooperativas são consideradas: I – singulares, as constituídas pelo numero mínimo de 20 (vinte) pessoas físicas, sendo excepcionalmente permitida a admissão de pessoas jurídica que tenha por objeto as

172 BITTENCOURT, Gilson. Cooperativismo de crédito. Disponível em:

http://www.fazenda.gov.br/spe/publicacoes/diretoriaprog/apresentacao-cooperativismo-site.pdf. Acesso em: 21 outubro 2008.

173 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

174 BRASIL. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 dez. 1971.

61

mesmas ou correlatas atividades econômicas das pessoas físicas ou, ainda, aquelas sem fins lucrativos; II – cooperativas centrais ou federações de cooperativas, as constituídas de, no mínimo, 3 (três) singulares, podendo, excepcionalmente, admitir associados individuais; III – confederações de cooperativas, as constituídas, pelo menos, de 3 (três) federações de cooperativas ou centrais, da mesma ou de diferentes modalidades. § 1º Os associados individuais das cooperativas centrais e federações de cooperativas serão inscritos no Livro de Matrícula da sociedade e classificados em grupos visando à transformação, no futuro, em cooperativas singulares que a elas se filiarão. § 2º A exceção estabelecida no item II, in fine, do caput deste artigo não se aplica às centrais e federações que exerçam atividades de crédito. Art. 7º As cooperativas singulares se caracterizam pela prestação direta de serviços aos associados. Art. 8º As cooperativas centrais e federações de cooperativas objetivam organizar, em comum e em maior escala, os serviços econômicos e assistenciais de interesse das filiadas, integrando e orientando suas atividades, bem como facilitando a utilização recíproca dos serviços. Parágrafo único. Para a prestação de serviços de interesse comum, é permitida a constituição de cooperativas centrais, às quais se associem outras cooperativas de objetivo e finalidades diversas. Art. 9º As confederações de cooperativas têm por objetivo orientar e coordenar as atividades das filiadas, nos casos em que o vulto dos empreendimentos transcender o âmbito de capacidade ou conveniência de atuação das centrais e federações.

62

Ao resumir a estrutura das cooperativas de crédito,

MEINEN175 define:

na base, como entidades de primeiro grau (raiz societária de todo o movimento), compostas essencialmente de associados pessoas físicas, há as cooperativas de crédito singulares, as quais (em razão de escala ou mera conveniência) agrupam-se em centrais estaduais (entidade de segundo grau) que, por sua vez, por semelhante motivação, podem ainda constituir as confederações (entidades cooperativas de terceiro grau).

Para OLIVEIRA176, as cooperativas de crédito

encontram-se organizadas em bancos cooperativos, que têm como

função principal prestar serviços às cooperativas de crédito,

principalmente ao que se refere à compensação de documentos;

confederações, como representação política de assistência aos filiados;

federação (no Brasil apenas uma); cooperativas centrais, com papel

importante na fiscalização, assessoria e apoio ao cooperativismo,

formadas por cooperativas singulares; e ainda cooperativas singulares,

que distribuem os produtos e serviços.

MEINEN177 ainda considera: “em síntese, no

‘organograma’ do cooperativismo de crédito brasileiro, com o exercício

do comando de baixo para cima (ascendente), tudo começa pelos

cooperativados e neles se encerra (direitos e responsabilidades)”.

175 MEINEN, Ênio; DOMINGUES, Jefferson Nercolini; DOMINGUES, Jane Aparecida

Stefanes. Cooperativas de crédito no direito brasileiro. p. 27. 176 LEITE, Jacqueline Rosadine de Freitas; SENRA, Ricardo Belízio de Faria

(coordenadores). Aspectos jurídicos das cooperativas de crédito. p. 43-44. 177 MEINEN, Ênio; DOMINGUES, Jefferson Nercolini; DOMINGUES, Jane Aparecida

Stefanes. Cooperativas de crédito no direito brasileiro. p. 29.

63

3.3 COOPERATIVA DE CRÉDITO NO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

Como já foi dito no presente trabalho, as cooperativas

são citadas pela Constituição Federal em alguns artigos e,

especificamente as cooperativas de crédito aparecem no artigo 192 da

Carta Magna178, artigo este inserido no Título VII que trata da Ordem

Econômica e Financeira que foi reformulado pela Emenda Constitucional

de nº 40 de 29 de maio de 2003:

Art. 192 O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.

O Sistema Financeiro Nacional é formado por várias

partes, sendo elas, as instituições financeiras convencionais e os bancos, e

as cooperativas de crédito de forma destacada179.

Observa-se também o artigo 92 da Lei do

Cooperativismo180, que dispõe sobre a fiscalização das cooperativas de

crédito:

Art. 92 A fiscalização e o controle das sociedades cooperativas, nos termos desta lei e dispositivos legais específicos, serão exercidos, de acordo com o objeto de funcionamento, da seguinte forma:

178 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,

DF: Senado Federal, 1988. 179 KRUEGER, Guilherme; MIRANDA, André Branco de (coordenadores). Comentários à

legislação das sociedades cooperativas: Tomo II. p. 227-228. 180 BRASIL. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de

Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 dez. 1971.

64

I – as de crédito e as seções de crédito das agrícolas mistas pelo Banco Central do Brasil;

Como a Constituição Federal apenas trata das partes

que compõem o Sistema Financeiro, entende-se que recepcionou o

referido artigo da Lei do Cooperativismo, estando vigente quanto à

autorização de funcionamento, fiscalização, bem como a intervenção por

parte do Banco Central em casos de liquidação extrajudicial181.

Mesmo classificadas como instituições financeiras,

assim como os bancos, as cooperativas de crédito possuem

características próprias e em muito diferem das outras instituições

financeiras. Para compreender essas distinções faz-se necessária a análise

comparativa dessas instituições.

3.4 DISTINÇÕES NECESSÁRIAS ENTRE COOPERATIVAS DE CRÉDITO E BANCOS

As cooperativas de crédito são submetidas às regras

baixadas pelo Conselho Monetário nacional (“órgão deliberativo maior do

Sistema Financeiro Nacional”182), sempre exclusivas para o segmento e

separadas das regras gerais do sistema financeiro. São autorizadas a

funcionar e fiscalizadas pelo Banco Central do Brasil. Possuem, em comum

com os bancos, nomes de alguns produtos e serviços que prestam. Essas

são as semelhanças entre cooperativas de crédito e bancos, e por essas

razões são instituições financeiras por equiparação183.

181 KRUEGER, Guilherme; MIRANDA, André Branco de(coordenadores). Comentários à

legislação das sociedades cooperativas: Tomo I. p. 457. 182 MEINEN, Ênio; DOMINGUES, Jefferson Nercolini; DOMINGUES, Jane Aparecida

Stefanes. Cooperativas de crédito no direito brasileiro. p. 41. 183 KRUEGER, Guilherme; MIRANDA, André Branco de(coordenadores). Comentários à

legislação das sociedades cooperativas: Tomo II. p. 233-234.

65

Quanto às diferenças, MEINEN184 traz em quadro

comparativo-exemplificativo a síntese:

Bancos Cooperativas de Crédito

São sociedades de capital São sociedades de pessoas

O poder é exercido na proporção do número de ações

O voto tem peso igual para todos (uma pessoa, um voto)

As deliberações são concentradas

As decisões são partilhadas entre muitos

O administrador é um terceiro

(homem do mercado)

O administrador é do meio (cooperativado)

O usuário das operações é mero cliente

O usuário é o próprio dono (cooperativado)

O usuário não exerce qualquer influência na definição do preço dos produtos

Toda a política operacional é decidida pelos próprios usuários/donos (cooperativados)

Podem tratar distintamente cada usuário

Não podem distinguir: o que vale para um, vale para todos (art. 37 da Lei nº 5.764/71)

184 KRUEGER, Guilherme; MIRANDA, André Branco de(coordenadores). Comentários à

legislação das sociedades cooperativas: Tomo II. p. 234-235.

66

Preferem o grande poupador e as maiores corporações

Não discriminam, voltando-se para os menos abastados

Priorizam os grandes centros (embora não tenham limitação geográfica)

Não restringem, tendo forte atuação nas comunidades mais remotas (mesmo porque, em razão de sua natureza comunitária, têm limitação de área geográfica)

Têm propósitos mercantilistas A mercância não é cogitada (art. 79, parágrafo único, da Lei nº 5.764/71)

A remuneração das operações e dos serviços não tem parâmetro/limite

O preço das operações e dos serviços visa a cobertura de custos (taxa de administração)

Atendem em massa, priorizando, ademais, o auto-serviço

O relacionamento é personalizado/individual, com o apoio da informática

Não têm vínculo com a comunidade e o público-alvo

Estão comprometidas com as comunidades e os usuários

Avançam pela competição Desenvolvem-se pela cooperação

Visam ao lucro por excelência O lucro está fora de seu objeto (art. 3º da Lei nº 5.764/71)

O resultado é de poucos donos (nada é dividido com os clientes)

O excedente (sobras) é distribuído entre todos (usuários), na proporção das operações individuais, reduzindo ainda mais o preço final pago pelos cooperativados

67

No plano societário, são regulados pela Lei das Sociedades Anônimas

são reguladas pela Lei Cooperativista

Cabe lembrar que a Lei do Cooperativismo185 proíbe o

uso da expressão banco pelas cooperativas, no artigo 5º já mencionado

no capítulo anterior.

As expressões “cooperativa de crédito é banco” ou,

“cooperativa de crédito e banco são semelhantes”, podem ser

encontradas em diversos processos judiciais. A origem dessas afirmativas

encontra-se no uso costumeiro pelos próprios cooperados, porém,

incabível é sua absorção pelo meio jurídico186.

Contribui ainda MEINEN187:

[...] na cooperativa prevalece o interesse do associado (usuário), enquanto que numa instituição financeira comum impera (unicamente) o interesse do ofertador do serviço (dono do capital). Ou seja, tanto na origem quanto no propósito uma das partes do sistema financeiro se distingue inteiramente da outra, embora (por conveniência sistêmica) convivam sob uma unidade regulatória e supervisora.

Vê-se que, é muito mais cômodo ao legislador

classificar cooperativas de crédito como instituição financeira sem dar a

185 BRASIL. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de

Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 dez. 1971.

186 LEITE, Jacqueline Rosadine de Freitas; SENRA, Ricardo Belízio de Faria (coordenadores). Aspectos jurídicos das cooperativas de crédito. p. 319-321.

187 KRUEGER, Guilherme; MIRANDA, André Branco de(coordenadores). Comentários à legislação das sociedades cooperativas: Tomo II. p. 235.

68

merecida atenção ao segmento, provocando inúmeras discussões e

equívocos quanto à aplicação da legislação em geral.

3.5 RELAÇÕES JURÍDICAS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO

Cabe aqui retomar o conceito de relação jurídica já

trazido no primeiro capítulo deste trabalho, já que é de grande

importância para compreensão da presente discussão. Assim, na visão de

ANDRADE188, relação jurídica é:

Num sentido mais amplo, (...) é toda situação ou relação da vida real (social), juridicamente relevante (produtiva de consequências jurídicas), isto é, disciplinada pelo Direito (...) Relação jurídica – stricto sensu – vem a ser unicamente a relação da vida social disciplinada pelo Direito, mediante a atribuição a uma pessoa (em sentido jurídico) de um direito subjectivo e a correspondente imposição a outra pessoa de um dever ou de uma sujeição.

Ao tratar de cooperativas, enquadrando aqui todos os

tipos, não basta a análise apenas do conceito geral de relação jurídica

haja vista que as cooperativas relacionam-se tanto com cooperados

quanto não cooperados. Essa distinção é legalmente trazida e definida

como ato cooperativo e ato não cooperativo.

Os atos cooperativos são unicamente chamados os

realizados entre cooperados e cooperativa; os atos não cooperativos são

os praticados com terceiros não cooperados.

Destarte, é pertinente o exame de cada uma dessas

relações separadamente.

188 Manuel Domingues de Andrade apud BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do

Código de Defesa do Consumidor: análise crítica da relação de consumo. p. 47.

69

3.5.1Com Terceiros – Pessoas Jurídicas e Pessoas Naturais

As relações com terceiros são permitidas pela Lei do

Cooperativismo189, em seus artigos 85, 86 e 88 e classificadas como atos

não cooperativos:

Art. 85 As cooperativas agropecuárias e de pesca poderão adquirir produtos de não associados, agricultores, pecuaristas ou pescadores, para completar lotes destinados ao cumprimento de contratos ou suprir capacidade ociosa de instalações industriais das cooperativas que as possuem.

Art. 86 As cooperativas poderão fornecer bens e serviços a não associados, desde que tal faculdade atenda aos objetivos sociais e estejam em conformidade com a presente lei.

Parágrafo único. No caso de cooperativas de crédito e das seções de crédito das cooperativas agrícolas mistas, o disposto neste artigo só se aplicará com base em regras a serem estabelecidas pelo órgão normativo.

Art. 88 Poderão as cooperativas participar de sociedades não cooperativas para melhor atendimento dos próprios objetivos e de outros de caráter acessório ou complementar.

Parágrafo único. As inversões decorrentes dessa participação serão contabilizadas em títulos específicos e seus eventuais resultados positivos levados ao “Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social”.

Ao definir ato não cooperativo, ALVES e MILANI190

destacam: “nas hipóteses elencadas nos arts. 85, 86 e 88, é diferente,

189 BRASIL. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de

Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 dez. 1971.

70

porque a cooperativa realiza operações com não associados, ou seja,

com terceiros e, nesse caso, estará realizando um negócio jurídico

contratual (...)”.

Acrescenta ainda POLONIO191: “os atos não

cooperativos, por outro lado, são as operações mercantis efetuadas pela

sociedade cooperativa, em seu próprio nome, por óbvio, e sem a

participação dos cooperados. É a realização de negócio-fim com não

associado (...)”.

Esses atos não cooperativos que constituem uma

relação jurídica de mercado ou contratual têm tratamento diferente,

como prevê a Lei do Cooperativismo192, em seu artigo 111, para fins de

tributação:

Art. 111 Serão considerados como renda tributável os resultados positivos obtidos pelas cooperativas nas operações de que tratam os artigos 85, 86 e 88 desta Lei.

Assim, mesmo uma cooperativa praticando atos não

cooperativos, ela não perde sua característica de sociedade, apenas será

tributado, o que não ocorre com os atos cooperativos vislumbrados a

seguir.

3.5.2 Com Cooperados

A compreensão do ato cooperativo é de grande

importância no momento para que se possa definir a relação jurídica

entre cooperativa e cooperado. 190 ALVES, Francisco de Assis; MILANI, Imaculada Abenante. Sociedades cooperativas:

regime jurídico e procedimentos legais para constituição e funcionamento. p. 83. 191 POLONIO, Wilson Alves. Manual das sociedades cooperativas. p. 106. 192 BRASIL. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de

Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 dez. 1971.

71

A Lei do Cooperativismo193 em seu artigo 79 trata do

ato cooperativo, definindo-o como ato praticado entre cooperativa e

cooperado e ainda, não caracteriza operação de mercado:

Art. 79 Denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associados, para a consecução dos objetos sociais.

Parágrafo único: O ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria.

Três elementos configuram o ato cooperativo; não

basta a presença de apenas dois deles, é necessária a existência dos três:

sócio cooperado, cooperativa e objetivo social194.

Essa relação jurídica é chamada também de relação

jurídica cooperativa, como se lê em texto de STOBERL195:

Dado o fato de que o ato cooperativo é composto, isto é, possui em seu núcleo/vontade a regência de direitos e deveres de cunho social (direito/qualidade de sócio e vice-versa), bem como direitos e deveres de cunho obrigacional (utilização e fornecimento do empreendimento), deduz-se que há uma relação jurídica composta, apartada das demais, atribuindo-lhe particularidade, que se denomina relação jurídica cooperativa.

O ato cooperativo nas cooperativas de crédito é

elencado por MUZZI FILHO196:

193 BRASIL. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de

Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 dez. 1971.

194 KRUEGER, Guilherme; MIRANDA, André Branco de (coordenadores). Comentários à legislação das sociedades cooperativas: tomo I. p. 355.

195 Idem, p. 357-358.

72

[...] envolve tanto a captação de recursos quanto a realização de empréstimos efetuados aos cooperados, além de todas as operações inerentes a este mister, bem assim a movimentação financeira da cooperativa, no objetivo de viabilizar os empréstimos concedidos (note-se que aqui, no ramo crédito, dita aplicação se amolda ao objeto de tais entidades, servindo de forma, meio, para cumprimento do papel social da cooperativa, não se caracterizando pela eventualidade, mas relacionando-se diretamente à essência do ato cooperativo).

Diante do exposto, conclui-se que a relação jurídica

cooperativa estará caracterizada pela existência dos três elementos

formadores do ato cooperativo – cooperativa, cooperado e objetivo

social. Cabe destacar que a própria lei distingue essa relação da

operação de mercado e ainda, não poderá ser confundida com as

demais relações jurídicas por sua especificidade.

Essa exclusão das outras relações jurídicas nos remete

à análise da aplicação ou não do CDC nas relações jurídicas

cooperativas.

3.6 INAPLICABILIDADE DO CDC NAS RELAÇÕES JURÍDICAS DAS

COOPERATIVAS DE CRÉDITO E SEUS COOPERADOS

A partir da noção e construção de relação jurídica

cooperativa, tratada anteriormente, cabe ressaltar a especificidade e

complexidade da mesma. Mas com a base teórica formada até aqui,

oportuno é tratar da aplicabilidade do CDC nessas relações.

196 LEITE, Jacqueline Rosadine de Freitas; SENRA, Ricardo Belízio de Faria

(coordenadores). Aspectos jurídicos das cooperativas de crédito. p. 146.

73

STOBERL197, ao discorrer sobre as relações jurídicas

cooperativas conclui:

[...] se presente a relação cooperativa, afastadas estão as outras, isto é, se presente a relação cooperativa, não existe a relação de emprego ou consumerista, ou qualquer outra relação jurídica que possa com ela competir ou conflitar; o que leva à aplicação do diploma legal de regência do cooperativismo.

Neste diapasão, ensina BRAGA198:

Inexistindo o caráter mercantilista do ato cooperativo, já que o mesmo não necessita do elemento lucro ou remuneração para se aperfeiçoar, na medida em que o resultado positivo deste ato se transformará no fim do exercício nas sobras da cooperativa de crédito (art. 4º e 44 da Lei nº 5.764/71) que serão objeto de deliberação assemblear, inexistirá relação de consumo.

Sobre o tema, entende MEINEN199:

O CDC, como se sabe, visa equilibrar as relações de consumo envolvendo partes entre si estranhas (do ponto de vista jurídico) e em posições desiguais. Ora, no relacionamento entre cooperativa e associado, há uma verdadeira unidade, em que as partes são as mesmas (confundem-se), figurando a sociedade como mera extensão dos seus cooperados. Inexiste, também, posição de inferioridade ou hipossuficiência, uma vez que o associado é o DONO da cooperativa, e não seu CLIENTE! Bem diferente, como visto, é o relacionamento entre banco e clientela, em que se podem identificar situações que justificaram a invocação das regras consumeristas.

197 KRUEGER, Guilherme; MIRANDA, André Branco de (coordenadores). Comentários à

legislação das sociedades cooperativas: tomo I. p. 358. 198 LEITE, Jacqueline Rosadine de Freitas; SENRA, Ricardo Belízio de Faria

(coordenadores). Aspectos jurídicos das cooperativas de crédito. p. 297. 199 KRUEGER, Guilherme; MIRANDA, André Branco de (coordenadores). Comentários à

legislação das sociedades cooperativas: tomo II. p. 241-242.

74

(...)

Ademais, à luz do art. 37 da Lei Cooperativista, é vedado conferir a um associado tratamento diferente do atribuído aos demais integrantes do quadro social. Não se pode privilegiar um em detrimento de toda a coletividade, donde emergem as regras de convívio cooperativo. Chega a soar estranho cogitar-se da possibilidade de acatar pleito de associado, com supedâneo o CDC, quando já se valeu de juros menores, tarifas menores, bom atendimento, devolução de sobras, influência (pelo voto) na definição das regras operacionais... Imagina ter de estender o privilégio a todos os demais cooperados. Seria o fim da cooperativa!

Não obstante, não há pacificação de entendimento

jurisprudencial e doutrinário quanto ao tema. Os defensores da

aplicabilidade do CDC nas relações entre cooperativas e cooperados,

como PODESTÁ200, argumentam:

[...] mesmo considerando que a existência da cooperativa tenha por objetivo o atendimento das necessidades dos associados, representando como diz a doutrina ‘uma extensão dos cooperados’, não se pode negar que na essência representa ela um instrumento de separação patrimonial e de representação dos mesmos associados como um todo.

(...)

Ora, não vemos o porquê da inaplicabilidade do CDC pelo fato das cooperativas prestarem serviços com exclusividade aos seus associados, argumento que a rigor apenas reforça a tese contrária na medida em que a conceituação de consumidor não é restritiva, mas extensiva (...).

200 ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de; BRAGA, Ricardo Peake (coordenadores).

Cooperativas à luz do código civil. p. 147-149.

75

O mesmo autor ainda atribui às atividades

desenvolvidas pelas cooperativas como voltadas à circulação e

intercâmbio de produtos e prestação de serviço, bem como a

possibilidade de verificação da vulnerabilidade nesses casos201.

Faz-se importante a verificação da jurisprudência atual

para os casos de aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas

relações entre cooperativas de crédito e cooperados.

Favorável a aplicação, destaca-se decisão do Superior

Tribunal de Justiça202:

STJ – Julgamento: 03/02/2006 - Recurso Especial nº 794.881 – SC (2005/0184805-0) – Rel. Ministra Nancy Andrighi - Direito processual civil e econômico. Recurso especial. Ação revisional. Contrato mútuo. Cooperativa de crédito. Prequestionamento. Ausência. Aplicação do CDC – A ausência do prequestionamento do direito tido por violado impede a admissibilidade do recurso especial - Aplica-se o CDC às relações jurídicas firmadas entre as instituições financeiras e os usuários de seus serviços. Negado seguimento ao recuso especial.

Favoráveis a não aplicação, encontramos posições do

Tribunal de Justiça do Distrito Federal203:

“A RELAÇÃO JURÍDICA ESTABELECIDA ENTRE A AUTORA E A RÉ NÃO SE INSERE NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO,

201 ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de; BRAGA, Ricardo Peake (coordenadores).

Cooperativas à luz do código civil. p. 149-150. 202 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processual Civil e Econômico. Recurso Especial.

Ação Revisional. Recurso Especial nº 794.881, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Brasília, DF. 03 de fevereiro de 2006. Lex: https://ww2.stj.gov.br/revistaeletronica/REJ.cgi/MON?seq=2203420&formato=PDF, out. 2008.

203 BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Processual Civil. Apelação Cível. Cooperativa Habitacional, Inaplicabilidade do CDC. Apelação Cível nº 20010111120702, da 4ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. 27 de maio de 2003. Lex: http://tjdf19.tjdft.jus.br. out. 2008.

76

POIS AS COOPERATIVAS SÃO SOCIEDADES CARACTERIZADAS PELA AUSÊNCIA DE FINS LUCRATIVOS, REGIDAS POR LEI PRÓPRIA, O QUE AFASTA A INCIDÊNCIA DAS NORMAS INSERTAS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DESSE MODO, DEVEM INCIDIR AS REGRAS DO COOPERATIVISMO PREVISTAS NA LEI N.º 5.764/71”. (TJDFT – Julgamento: 01/03/2004 - Apelação Cível nº 20010111120702 – Rel. Des. Humberto Adjuto Ulhôa)

BRAGA204 destaca em sua obra, entendimento do

Tribunal de Alçada de Minas Gerais:

TAMG – Julgamento: 27/05/2003 – Processo nº 0368.634-2 – 2ª Câmara Cível – Ação de ação em pagamento – Cooperativa de crédito rural – Oferta das quotas se sócio para compensação com os seus débitos – Existência de legislação própria – Inadequação do meio escolhido – Falta de interesse processual – Carência da ação – Código de Defesa do Consumidor – Não-aplicação. A integração de sócios às entidades cooperativas e assim o seu afastamento, com a restituição de suas quotas-partes, são regidas por legislação especifica (Lei n] 5.764/71), revelando-se imprópria à postulação judicial de compensação dos débitos do cooperado, na entidade, com a dação em pagamento das respectivas quotas de sócio. A prestação jurisdicional requerida mostra-se inadequada ao fim proposto, devendo o autor ser julgado carecedor da ação por falta de interesse processual (art. 267, VI, do CPC). As relações entre as sociedades cooperativas e seus associados não são de consumo, estando fora do âmbito da Lei nº 8.078/90 – Recurso não provido.

Com base em tudo que foi exposto no presente

trabalho, deve-se considerar que a relação cooperativista é claramente

204 LEITE, Jacqueline Rosadine de Freitas; SENRA, Ricardo Belízio de Faria

(coordenadores). Aspectos jurídicos das cooperativas de crédito. p. 308.

77

elucidada na Lei do Cooperativismo, que não considera o ato praticado

entre cooperativa e cooperado operação de mercado.

Outro ponto que convém ser destacado é a

descaracterização do cooperado como consumidor, como conceituado

pela Lei e definido no presente trabalho de pesquisa, uma vez que é dono

da cooperativa e esta age unicamente como representante dos seus

interesses na busca de crédito mais barato e mais ágil.

A cooperativa ao prestar serviço e oferecer produtos

ao cooperado o faz sem intuito de lucro ou remuneração, elemento este

trazido pelo CDC como caracterizador da prestação de serviço.

Há hoje a necessidade de adequação não apenas

legal para melhor tratamento às cooperativas de crédito, mas também

por parte do judiciário, evitando os equívocos quanto aos aspectos

societários e quanto ao objetivo social de uma cooperativa.

78

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo investigar,

com base na legislação, doutrina e jurisprudência, a aplicação ou não do

Código de Defesa do Consumidor nas relações jurídicas entre

cooperativas de crédito e cooperados.

O interesse pelo tema deu-se em razão da polêmica

gerada sobre o assunto sem haver entendimentos pacíficos no que diz

respeito à aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações

referidas. Por outro lado, as cooperativas de um modo geral, anseiam por

essas e tantas outras respostas, que não estão amparadas expressamente

pela legislação.

Buscando um desenvolvimento lógico do conteúdo, o

trabalho foi dividido em três capítulos. No primeiro, com a apresentação

dos conceitos de consumidor, fornecedor e relação de consumo, bem

como noções sobre a evolução dos direitos do consumidor dentro do

ordenamento jurídico brasileiro.

Baseando-se nos conceitos acima mencionados, foi

possível a análise da aplicação das leis consumeristas às atividades

bancárias. Verificou-se que o CDC será aplicado nas relações em que o

cliente/consumidor da instituição bancária aparecer como destinatário

final do produto ou serviço.

Desta forma os resultados da pesquisa do primeiro

capítulo denotam a resposta ao primeiro problema traçado para a

pesquisa, a saber: De acordo com a determinação legal, qual o conceito

de consumidor e fornecedor e como se entende uma relação de

consumo?, vislumbrando por sua vez a confirmação da primeira hipótese:

Consumidor, conforme o artigo 2º da Lei nº 8078/90, é toda pessoa física

79

ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatário

final. Fornecedor configura-se, de acordo com o artigo 3º da Lei nº

8078/90, como toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional

ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem

atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação,

importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou

prestação de serviços A relação de consumo, por sua vez, surge através

de negócio jurídico entre duas ou mais pessoas.

O segundo capítulo direcionou a pesquisa ao

cooperativismo de maneira geral, sua evolução histórica no mundo e no

Brasil, além da evolução da legislação nacional que trata de

cooperativas.

No mais, verificaram-se os conceitos de cooperativa e

cooperado, a relação jurídica entre ambos, a estruturação e classificação

das cooperativas. Viu-se que as cooperativas são instituições especiais,

com características peculiares, que as distanciam de qualquer outro

conceito de sociedade ou empresa.

Igualmente os resultados apresentados pela pesquisa

no segundo capítulo demonstram a resposta ao segundo problema

elencado, a saber: O que se entende por cooperativa em geral,

cooperativa de crédito e cooperado, e ainda, qual a natureza jurídica

das relações entre eles?, vislumbrando por sua vez a confirmação da

segunda hipótese: Uma cooperativa é uma sociedade de pessoas com

forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeita a falência,

constituída para prestar serviços a seus associados. É uma pessoa jurídica

com dupla natureza, que contempla o lado econômico e o social de seus

associados. A cooperativa de crédito, um dos ramos de cooperativas, tem

como objetivo principal oferecer produtos e serviços bancários em

melhores condições que as oferecidas pelas instituições financeiras

80

tradicionais, proporcionando melhores resultados econômicos e

financeiros aos seus cooperados com democracia. O cooperado é dono,

usuário e força de trabalho da cooperativa. A relação entre cooperativa

e cooperado é chamada de ato cooperativo, que não pode ser

confundido com operação de mercado, e buscará a efetivação dos

objetivos sociais desse tipo de sociedade.

Por fim o terceiro e último capítulo a pesquisa

intensificou-se sobre as cooperativas de crédito, sua origem e evolução, as

diferenças significativas entre essas instituições e as instituições

convencionais, no caso, os bancos. Tratou-se ainda do enquadramento

das cooperativas de crédito no Sistema Financeiro Nacional.

Destarte ao analisar as relações jurídicas entre

cooperativas de crédito e terceiros, bem como com seus cooperados, foi

possível a verificação da aplicabilidade ou não do CDC nas relações

jurídicas entre cooperativa e cooperado à luz da jurisprudência e

doutrinas nacionais. O que possibilitou identificar resposta ao terceiro

problema levantado para a pesquisa, a saber: O Código de Defesa do

Consumidor pode ser aplicado nas relações entre cooperativas de crédito

e cooperados?, vislumbrando por sua vez a confirmação da terceira

hipótese: Cooperados e cooperativas se confundem entre si, pois a

sociedade é extensão de seus cooperados, não configurando assim

consumidor e fornecedor e nem a relação entendida como relação de

consumo, observadas as peculiaridades do ato cooperativo. Observa-se

que mesmo não sendo pacífico o entendimento dos doutrinadores que

versam sobre o tema, como tratou-se no tratou-se no trabalho, para fins

da presente pesquisa entende-se que a hipótese foi confirmada.

Ressalta-se que como principal resultado da pesquisa,

constatou-se que a relação jurídica entre cooperativa de crédito e

cooperado difere de qualquer outra relação, excluindo a aplicação

81

destas em casos que envolvam a sociedade cooperativa e seus

cooperados, ainda que a presente pesquisa não avoque para si o caráter

conclusivo do tema, apenas tem o condão de provocar reflexões ainda

mais apuradas sobre o mesmo enquanto colabora com a aplicação da

mais salutar justiça.

82

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