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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CLAUDIA WILL A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA TRANSAÇÃO PENAL NO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL São José 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

CLAUDIA WILL

A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA TRANSAÇÃO PENAL NO

JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL

São José 2008

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CLAUDIA WILL

A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA TRANSAÇÃO PENAL NO

JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL

Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. MSc. Marilene do Espírito Santo

São José 2008

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CLAUDIA WILL

A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA TRANSAÇÃO PENAL NO

JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

São José, 02 de dezembro de 2008.

Profa. MSc. Marilene do Espírito Santo UNIVALI – Campus de São José

Orientadora

Profa. Esp. Alessandra de Souza Trajano UNIVALI – Campus de São José

Membro

Prof. Esp. Juliano Keller do Valle UNIVALI - Campus de São José

Membro

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

São José, dezembro de 2008.

Claudia Will

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RESUMO

A pesquisa visa apontar o instituto da transação penal que ocorre no Juizado Especial Criminal, o qual é estabelecido pela lei 9.099/95 e o art. 98, inciso I da Constituição Federal. Desta forma, por tratar-se de norma consagrada, não está imune à questionamentos acerca de sua constitucionalidade e possíveis afrontamentos com a norma Magna. Assim buscará discutir, a constitucionalidade deste instituto, mesmo tendo seu conteúdo já inserido na Constituição Federal, todavia, cabe correlacionar, se há o devido respeito aos princípios constitucionais, dentre eles: devido processo legal, ampla defesa, contraditório e ainda o princípio da presunção de inocência. Questiona-se ainda, se o momento da sua aplicação é correto, tendo em vista que ocorre no início do procedimento previsto pela Lei 9.099/95, antes mesmo de iniciar-se um processo, o que restringe ou suprime o direito do suposto autor do fato a defender-se e assim provar a sua inocência, não se dando oportunidades de amparo jurisdicional pleno. Objetivou-se pela análise constitucional em correlação com o diploma imposto pela Lei dos Juizados Especiais Criminais.

Palavra-chave : Juizado Especial Criminal – Transação Penal – (IN) Constitucionalidade – Lei 9.099/95 – Princípios.

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ABSTRACT

The research aims to point the institute's criminal transaction that occurs in the Special Criminal Court, which is established by Law 9.099/95 and art. 98, item I of the Constitution. Thus, because it is enshrined standard, is not immune to questions about its constitutionality and potential hot flashes with the standard Magna. So look discuss the constitutionality of this institution, even taking its contents already placed in the Federal Constitution, however, it is correlated, if there are all due respect to constitutional principles, among them: due process, extensive defense, contradictory and even the principle of presumption of innocence. Is concerned, if the time of their application is correct, considering that occurs at the beginning of the procedure established by Law 9.099/95, even before kick-started a process, which restricts or removes the right of the supposed author of suit to defend itself and thus prove his innocence, is not giving opportunities to support full court. The objective was to review the constitutional correlated with the degree required by law of Special Criminal Courts.

Keyword: Special Criminal Court - Criminal Transaction - (IN)constitutionality - Law 9.099/95 - Principles.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................8 1 ABORDAGEM HISTÓRICA.............................. .....................................................11

1.1 NOÇÕES GERAIS...........................................................................................11 1.2 MODIFICAÇÃO DA PENA MÁXIMA PARA A ABRANGÊNCIA DA COMPETÊNCIA DA LEI Nº. 9.099/95. ..................................................................13 1.3 COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DE CRIMES NO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL..............................................................................................................14 1.4 PRINCÍPIOS DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL.........................................17

1.4.1 Princípio da celeridade ...................... .....................................................19 1.4.2 Princípio da oralidade....................... ......................................................21 1.4.3 Princípio da economia processual ............. ...........................................23 1.4.4 Princípios da simplicidade e informalidade... .......................................23 1.4.5 Princípio da imediação ....................... ....................................................26 1.4.6 Princípio da identidade física do juiz ....... .............................................26 1.4.7 Princípio da concentração de atos ............ ............................................27

2 PROCEDIMENTOS PREVISTOS NA LEI 9.099/95.......... .....................................28 2.1 AUDIÊNCIA PRELIMINAR DE CONCILIAÇÃO E A COMPOSIÇÃO ATRAVÉS DA REPARAÇÃO DOS DANOS SOFRIDOS PELA VÍTIMA .................................28

2.1.1 Renúncia ao direito de queixa crime ou de rep resentação .................30 2.1.2 Representação criminal....................... ...................................................32 2.1.3 Prazo decadencial ............................ .......................................................33 2.1.4 Da Oferta de transação penal................. ................................................35 2.1.5 Homologação da transação penal ............... ..........................................40

2.2 PRINCÍPIOS RELATIVOS À TRANSAÇÃO PENAL........................................42 2.2.1 Princípio da Obrigatoriedade da Ação Pública e da Oportunidade ....42

2.3 AÇÕES PENAIS ..............................................................................................44 2.3.1 Ação penal pública incondicionada ............ ..........................................45 2.3.2 Ação penal pública condicionada a representaç ão .............................46

2.4 SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO .............................................47 3 A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA TRANSAÇÃO PENAL NA L EI 9.099/95 ....50

3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ACERCA DA CONSTITUIÇÃO.........................50 3.2 A LEI 9.099/95 E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. ...............................53

3.2.1 Princípios constitucionais e a transação pena l....................................55 3.2.2 Princípio de devido processo legal ........... ............................................56 3.2.3 Princípio da ampla defesa e da transação pena l..................................59 3.2.4 Princípio do contraditório e a transação pena l. ...................................61

3.3 PRINCÍPIO RELATIVO AO PROCESSO PENAL E A TRANSAÇÃO PENAL .64 3.3.1 Princípio da presunção da inocência .......... ..........................................64

CONCLUSÃO .......................................... .................................................................66 REFERÊNCIAS.........................................................................................................69

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INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como título "A (in)constitucionalidade da

transação penal no juizado especial criminal"; e assim cabe destacar os aspectos

relevantes do trabalho em comento, busca-se compreender as características

fundamentais e basilares fundamentam a constitucionalidade, ou não, de tal ato.

Deste modo, almeja-se ir além da descrição das normas que possibilitam o

assunto em exposto; o propósito é captar o sentido da norma como um todo,

portanto, considerando seus aspectos formais e materiais, sua natureza jurídica,

qual seja discutindo, de forma clara e precisa, sua constitucionalidade.

Busca-se com a presente pesquisa refletir sobre os mecanismos judiciais,

mais precisamente sobre o instituto da transação penal que ocorre no Juizado

Especial Criminal, confrontando a lei penal e a Carta Magna. Como bem sabido, em

todas as esferas existem discussões sobre a validade jurídica das normas e sua

aplicação, deste modo, imperioso que com base nas premissas estudadas, e de

todo o material avaliado extraia-se o necessário para delinear a constitucionalidade

do tema trazido à baila através do presente trabalho, para isto, crucial os

apontamentos da Constituição Federal.

Nos dias atuais, cada vez mais se exige a celeridade dos atos judiciais,

imperioso assim que se criem meios que possibilitem a maior acessibilidade e

agilidade ao judiciário, seguindo essa necessidade da sociedade, que está cada vez

mais complexa, dado o aumento populacional e todo o desenvolvimento, além de

todos os demais aspectos, sociais e culturais, visando assim criar formas

alternativas, o Juizado Especial surge como um desafogo ao sistema jurídico

brasileiro.

A Constituição Federal Brasileira surgiu como uma demonstração clara da

democracia, a máxima consagração desse modelo político, e assim por

conseqüência, dos direitos de todos os cidadãos, nela encontram-se expressas

normas gerais e especificas que vão muito além dos direitos do individuo, delineia-

se acima de tudo, os princípios fundamentais e basilares do Estado de Direito,

sendo estes considerados garantias fundamentais e essenciais, a norma que

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protege ao bem comum, ao geral.

Após o implemento da Carta Política decorrem todas os demais diplomas

legais, devendo respeitar a hierarquia das normas, qual seja, esta é a maior de

todas as normas e todas as demais devem pautar-se por ela. Todavia, se entender

que por inconstitucional um ato jurídico, ou dele decorrente, passível de discussão

será este. Sendo este um dos focos da pesquisa em questão, trabalhar de forma

direta com os princípios constitucionais, correlacionando-os com a transação penal,

visando assim determinar se há ou não à mácula dos mesmos, a transação penal ao

início, ofende ao devido processo legal, o princípio da ampla defesa, contraditório e

da presunção de inocência?

Em linhas gerais, o objetivo geral da pesquisa é avaliar, consubstanciado na

Constituição Federal, se o Juizado Especial Criminal tem a capacidade legal de

atuar e realizar a chamada transação penal, verificando assim se este procedimento

é válido, portanto, constitucional, caso contrário, delinear quais pontos encontram-se

em desacordo com a previsão legal magna.

Adentrando no bojo da presente pesquisa, o que se pretende no primeiro

capitulo serve de um norte para que se conheça os aspectos iniciais, tal qual, a

abordagem histórica dentre outros pontos.

A sociedade é regida por princípios fundamentais, como já ditos

anteriormente, fundamentando assim os direitos e a dignidade do individuo,

respeitando e delimitando direitos e deveres, para que não se volte ao estado

primata, tal qual, ao caos, ou ainda, que o poder ocorra de forma tirana, opondo-se

as regras de democracia. Para que haja uma democracia plena, é preciso que as

normas sejam escritas, válidas, ou seja, que se tenha o respeito à Constituição que

é a mola mestra de todo o sistema.

O segundo capítulo trará uma abordagem mais concisa sobre a lei 9.099/95

que determina os aspectos condizentes aos procedimentos, em suma, aduzir-se-á

sobre a audiência, sobre o direito a renúncia de queixa crime ou representação

criminal, como ainda os aspectos relevantes a representação criminal em si, e

demais aspectos. Serão ainda propostos itens que elucidam o prazo decadencial e a

eventual proposição da queixa crime e assim da almejada transação penal, alvo

principal do trabalho a ser desenvolvido.

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Após elucidar alguns aspectos relevantes dos capítulos anteriores,

adentrarar-se-á no capitulo terceiro, e também final, que com escopo em todo o

material já explanado e devidamente fundamentado, trará os aspectos

constitucionais, e ainda a análise aprofundada da natureza jurídica da transação

penal ocorrida em sede do Juizado Especial Criminal, ou seja, efetivamente ocorre o

confronto da lei 9.099/95 e todos os aspectos anteriormente suscitados. Podendo

assim dar subsídio para uma conclusão no que refere-se a in(constitucionalidade).

A transação penal encontra-se inserida na Constituição Federal, disposta no

art. 98, inciso I. Todavia, basta o fato de estar prevista nesse diploma para que seja

considerado um procedimento válido e, portanto, constitucional? Fica dúbio saber

em que momento poderia se aplicar tal instituto aos casos concretos. Para

responder esta e as demais indagações de igual sentido, que surge a presente

pesquisa.

A evolução da sociedade está ocorrendo de forma intensa, provocando

acentuadas mudanças nas relações entre os cidadão e com as entidades jurídicas

em todos os níveis, o que exige que tudo seja acompanhado pelo Direito, tendo em

vista que dele a responsabilidade de regular o funcionamento das relações.

Sendo assim, a presente pesquisa visará pontuar os aspectos relevantes à

constitucionalidade ou inconstitucionalidade da transação penal que ocorre no

Juizado Especial Criminal, levando em consideração todos os meios pesquisados e

a abordagem a seguir pretende estabelecer um comparativo com a Constituição

Federal, confrontando-os diversos aspectos.

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1 ABORDAGEM HISTÓRICA

1.1 NOÇÕES GERAIS

Precedente a lei dos juizados especiais, era fato a grandiosidade de

processos existentes para processamento e julgamento no Poder Judiciário. A

conclusão de processos em sentenças criminais, atualmente se dá após longos

períodos, ante a necessidade observância das regras previstas no Código de

Processo Penal, situação esta que resulta no acúmulo de processos, prejudicando o

autor do delito e também o funcionamento do Poder Judiciário.

Nas palavras de Grinover;

A lei nº. 9.099 de 26 de setembro de 1995, implementou o sistema dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no ambiente jurídico brasileiro, o qual aflorou da necessidade de processos mais céleres e da aplicação de penas pecuniárias à crimes de menor potencial ofensivo. A lei 9.099/95, de 26.09.1995, como se percebe, inovou profundamente nosso ordenamento jurídico-penal. Cumprindo-se uma determinação constitucional (CF, art. 98, I), foi posto prática um novo modelo de justiça criminal. É uma verdadeira revolução (jurídica e de mentalidade), porque quebrou-se a inflexibilidade do clássico princípio da obrigatoriedade da ação penal. Abriu-se no campo penal um certo espaço para o consenso. Ao lado do clássico princípio da verdade material, agora temos que admitir também a verdade consensuada. 1

Foi neste contexto que surgiu a lei 9.099/95, com o objetivo de proporcionar

em um processo mais célere a expectativa de que:

[...] os crimes de maior relevância voltassem a merecer tratamento prioritário, mais eficaz, pelo Poder Judiciário, uma vez que as infrações denominadas de menor potencial ofensivo agora têm tratamento simples, informal e célere, objetivando, sempre que

1 GRINOVER, Ada Pellegrini. FILHO, Antonio Magalhães Gomes. FERNANDES, Antonio Scarance. GOMES, Luiz Flávio. Juizados especiais criminais : comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 4 ed. Revisada ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 45

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possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima a aplicação de pena não privativa de liberdade. 2

Com a implantação na nova sistemática trazida pelos Juizados Especiais, os

processos em sua maioria, obtêm sentenças com o julgamento do mérito, repedindo

deste modo a não apreciação da matéria em virtude do tempo transcorrido.

“Quantos foram os casos de prescrição de crime, hoje considerados de menor

potencial ofensivo, em face da avalanche de processos que amontoavam nas

prateleiras das escrivanias.”3. Ainda sobre a necessidade de uma lei que

autorizadora de um processo mais célere, Carvalho afirma:

Era humanamente impossível para um só Juiz conduzir todos os processos existentes na Comarca, ou Vara, trabalhando com número tão elevado de feitos, o que obrigava o Magistrado, embora contra a sua vontade, a dar preferência aos casos graves, para só então cuidar do que hoje a Lei, implicitamente, chama de “pequenos crimes”, ou “crimes anões”, ou ainda na linguagem explicita da lei “Infrações de Menor Potencia Ofensivo”. 4

O mesmo autor complementa:

“Os juizados Especiais têm origem na necessidade de se promover uma

justiça mais rápida e eficiente, proporcionando aos cidadãos a rápida solução das

questões que lhe foi posta.” 5.

Ainda:

A ampliação da idéia de ressarcimento do dano “será possível se houver a aplicação de princípio político-criminal que reflita um alinhamento entre as tendências contrapostas de criminalizar, por meio de novas figuras típicas, as ações que ofendam mais gravemente os bens jurídicos e, de outro lado, isentar de sanções privativas de liberdade as que caracterizam o menor potencial ofensivo”.6

Em suplemento, Silva esclarece que a Lei 9.099/95, “amenizou o

obrigatoriedade da ação penal, ao permitir a aplicação do princípio da oportunidade

2 NOGUEIRA, Paulo Lucio. Juizados Especiais cíveis e criminais: comentários. São Paulo: Saraiva 1996, p. 4. 3 CARVALHO, Roldão Oliveira de, NETO, Algomiro Carvalho, p. 123. 4 CARVALHO, NETO, .loc cit 5 CARVALHO, NETO, op cit, p. 124 6 SILVA, Marco Antonio da. Juizados especiais criminais . São Paulo: Saraiva, 1997. p. 100

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nos processos de sua competência, o que possibilita uma seleção de casos quanto

a ação típica que se refere a danos sociais irrelevantes” [...] “O objetivo foi excluir

das conseqüências jurídicas aqueles fatos que possam ser reprovados apenas pelo

ressarcimento do dano”. 7

Os objetivos do processo perante o Juizado Especial são, sempre que for possível: A) não aplicação de pena privativa de liberdade; B) reparação dos danos sofridos pela vítimas (art. 62 de Lei 9.099/95). Nas infrações de menor potencial ofensivo, de baixa lesividade social, a vítima, geralmente, sofre mais prejuízo de ordem patrimonial do que físico-moral”. 8

Deste modo, a criação do Juizado Especial Criminal entre as inovações

trazidas, da ênfase especial ao modelo consensual introduzido pela lei e suas

medidas despenalizadoras, fundando-se na Constituição Federal de 1988.9

1.2 MODIFICAÇÃO DA PENA MÁXIMA PARA A ABRANGÊNCIA DA

COMPETÊNCIA DA LEI Nº. 9.099/95.

Inicialmente, há a necessidade de se abranger a grande influência deixada

pela Lei. nº. 10.259, de 12 de julho de 2001, a qual estabelece os Juizados

Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal, que em seus artigos 1° e 2º, institui:

São instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça federal, aos quais se aplica, no que não conflitar com esta Lei, o disposto na Lei nº. 9.099/95, de 26 de setembro de 1995. Art. 2 Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencia ofensivo. Parágrafo único. “Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine máxima não superior a dois anos, ou multa 10

7 SILVA, 1997, p.100 8 TOURINHO NETO, Fernando. Costa e FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados especial estaduais cíveis e criminais : comentário à Lei 9.099/95. 5.Ed. rev., atual e ampliada – São Paulo : Editora Revistas dos Tribunais, 2007. p. 448., 9 GRINOVER et al., 2002, p. 38. 10 BRASIL. Lei 10.259, de 12 de julho de 2001, artigos 1° e 2º.

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A lei 10. 259, de 12 de julho de 2001, iníciou sua vigência em janeiro de

2002, a qual ao instituir em sua art. 2º, que para efeitos de infração de menor

potencial ofensivo, a pena não poderia ser maior do que dois anos. Indiretamente

esta lei federal, revogou a vigência do art. 61 da lei 9.099/95, que impunha crimes

com pena igual ou menor que um ano.

Com o uso da analogia, “os Juizados Especiais Criminais, no âmbito

estadual, passam a ter competência para processar e julgar os feitos de menor

potencial ofensivo, assim considerados aqueles a que a lei comine pena não

superior a dois anos”. 11 “Todavia, entendem que se trata de matéria processual –

competência- e que, por isso, a nova regra só incide para as ações ajuizadas a

entrada em vigor da LJEP”. 12

Assim, “tal se justificava ante o princípio da igualdade e da

proporcionalidade, não sendo razoável que alguém pratique um crime da mesma

natureza e possa sofre sanção mais graves que outro [...]”. 13 Desta feita, tornou-se

imprescindível a modificação do art. 61 da Lei nº. 9.099/95, por efeito do princípio da

igualdade, pois a todo modo, já se havia alterado o conceito de violação penal de

menor potencial ofensivo.

1.3 COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DE CRIMES NO JUIZADO ESPECIAL

CRIMINAL

Deve-se a apreciação do Juizado Especial Criminal, às infrações penais de

menor potencial ofensivo, consentindo a conciliação a reparação do prejuízo e a

transação.

Como definição elucida-se que “os Juizados especiais Criminais têm a

competência para a conciliação, o julgamento e execução – de seus julgados – das

infrações penais de menor potencia ofensivo, com a previsão nesta lei.” 14

11 CARVALHO, NETO, p. 127 12 BOLLMANN, Vilian. Juizados especiais federais : comentários à legislação de regência. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004. p 161. 13 CARVALHO, NETO, loc cit 14 CARVALHO, NETO, op cit, p. 123.

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A competência dos Juizados, limitada às infrações de menor potencial ofensivo, compreendendo a conciliação, o processo, o julgamento e a execução. [...] Em síntese, a competência do juizado será fixada em face de dois elementos: a) a natureza da infração (menor potencia ofensivo); b) a inexistência de circunstancias especial que desloque a causa para o juízo comum (acusado não encontrado para ser citado, complexidade ou circunstancia do caso). 15 As quais constituem as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos.

Com o advento da Lei 10.259/2001 (Juizado Especial Federal) e a utilização

desta lei em julgados no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, o legislador

cedeu às pressões da jurisprudência e da doutrina fazendo vir à lume a Lei 11.313,

de 28/06/2006, passando a considerar infrações penais de menor potencial ofensivo

os crime com pena máxima não superior a 02 (dois anos, cumulado ou não com

multa.16

De acordo com o artigo 61 da Lei 9.099/95, modificado pela Lei 11.313/2006:

“Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta

Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não

superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.”. “Não se submetem a

competência dos Juizados Especiais Criminas as infrações que têm “procedimento

especial”, i.e., as que apresentam no rito princípios e regra especiais, incompatível

com o rito estabelecido na Lei n. 9.099/95.”17

Para fins de competência “O critério predominante no Juizado Especial é o

material. São da sua competência os crime de menor potencial ofensivo. Uma

competência dada pela Constituição Federal, art. 98, I, que possui a seguinte

redação:”18

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo,

15 GRINOVER et al., 2002, p. 66-67. 16 TOURINHO NETO, FIGUEIRA JÚNIOR, 2007, p. 407 17 JESUS, Damásio E. de, Lei dos juizados especiais criminais anotada . 4. ed. Revisada e ampliada. São Paulo: Saraiva 1997. p. 37. 18 TOURINHO NETO, FIGUEIRA JÚNIOR op cit, . p. 461.

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permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.

Porquanto, “a fixação da competência dos Juizados Criminais decorre da

natureza da infração – crimes de menor potencial ofensivo e contravenção – e da

não previsibilidade de circunstancia especial que desloque a cauda para o Juízo

comum – art. 66, p.ú. e 77. § 2°.” 19.

Explica-se ainda que, “a lei não faz nenhum exceção a contravenção penal,

incluindo-se por conseqüência, no âmbito de abrangência da Lei, todas as

contravenções penais existentes em nossa legislação, mesmo aquelas previstas em

lei esparsas [...]”.20

Pode, o Juízo Comum processar e julgar infrações definidas como de menor potencial ofensivo em quatro hipóteses: a) nas localidades onde não existirem Juizados Especiais; b) quando o autor do fato não for encontrado para ser citado (Lei 9.099/95, art. 66, parágrafo único); c) quando a causa forma complexa ou d) apresentar circunstancias especiais, não permitindo imediato o oferecimento da denúncia ou da queixa (Lei 9.099/95, art. 77, § 3º)” 21.

Por fim, afirma Tourinho Neto:

São considerados infrações de pequeno potencial ofensivo, seja qual for a Justiça que a julgará, Federal ou Estadual: a) as contravenções, independentes da pena cominada, valendo ressaltar que a Justiça Federal não processa e julga as contravenções penais (CF, ar. 109, IV); b)os crimes punidos só com multa; c) os crimes punidos cm penas privativa de liberdade cuja pena máxima seja de até dois anos, ainda que o procedimento seja especial; d) os crimes punidos com pena privativa de liberdade acima de dois anos, ou com multa (esse entendimento é Minoritário). 22

Assim, a competência do Juizado especial Criminal restringe-se às infrações

penais de menor potencial ofensivo conforme a Carta Constitucional e a lei. Tal

competência é conferia em razão da matéria, e ela é absoluta, de modo que não é

possível que sejam julgados no Juizado Especial Criminal, outras infrações, sob

19 CARVALHO, NETO, p. 125. 20 CARVALHO, NETO, op cit, p. 126. 21 TOURINHO NETO, 2007, p. 462. 22 TOURINHO NETO, FIGUEIRA JÚNIOR, 2007, p. 440-441.

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pena de declaração de nulidade absoluta. 23

1.4 PRINCÍPIOS DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL

Primeiramente urge ressaltar o significado de princípios, que nas palavras de

Bester: “constituem por definição, o mandado nuclear de um sistema, exprimindo

verdades jurídicas universais para um dado ordenamento jurídico”.24 Cita-se ainda,

os ensinamentos de Baracho, ao modo de que, “um princípio geral constitui a norma

jurídica que exprime, em forma sintética, o conteúdo prescritivo de um amplo

complexo de regras, cuja vigência prevê a emanação de normas de certa

expressividade”.25

Tourinho Neto, cita os ensinamentos de Mello, que define o significado de

princípio:

É por definição, mandamento nuclear de uma sistema, verdadeiro alicerce de, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. 26

Para Cademartori, o princípio de direito “é um conjunto ou complexo de

normas que, dentro de um contexto de relações sociais, outorgam sentido a cada

uma dessas prescrições que a integram”. 27

Tem-se os ensinamentos de Bonavides, que em sua doutrina invoca o

pensamento de F. de Castro ao modo que expõe:

23 MIRABETE, Julio Fabbrini, Juizados especiais criminais : comentários, jurisprudência, legislação. 3º ed. São Paulo : Atlas, 1998. p. 28. 24 BESTER, Gisela Maria. Direito constitucional : fundamentos teóricos. São Paulo: Manole, 2005. p. 264. 25 BESTER apud. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral da cidadania: a plenitude da cidadania e as garantias constitucionais e processu ais , 1995. p. 33. 26 TOURINHO NETO apud MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo . 13 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 771-772. 27 CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. A discricionariedade no estado constitucional de direito . 2. ed. Curitiba: Juruá, 2008. p. 84.

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Os princípios são verdades objetivas, nem sempre pertencentes ao mundo do ser, senão do dever-ser, na qualidade de normas jurídicas, dotadas de vidência, validez e obrigatoriedade. [...] os princípios gozam de vida própria e valor substantivo pelo mero fato de serem princípios, figurem ou não nos códigos [...].

Para Nogueira, “todo o processo, por mais simples que seja, precisa estar

cercado de certos princípios que lhe dêem a devida garantia legal” 28. A constituição

federal de 5 de outubro de 1988 dispõe, em seu art. 98, sobre a criação dos

Juizados Especiais no sistema jurídico nacional, abrindo margem para os Estados,

disporem de meios processuais mais céleres, dispensando procedimentos moroso

instituído pelo código de Processo Penal.

Assim está disposto na Constituição Federal de 1988:

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau. 29

Os princípios norteadores do Juizado Especial Criminal estão previstos no

art. 62 da Lei 9.099/95, os quais servem de alicerce para a reafirmação do papel a

que se presta, permitido o processamento dos autos pertinentes ao juizado sem

maiores burocracias.

O dispositivo legal citado está desta forma descrito:

Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não restritiva de liberdade. 30

É importante destacar, o art. 2ª da Lei nº. 9.099/95 que em sua composição

vale-se do vocábulo “critérios”, no sentido de princípios, os quais foram mencionados no

art. 62 da mencionada lei. Contudo, o referido artigo utiliza-se dos princípios, com o

28 NOGUEIRA, 1996, p. 7. 29 Artigo 98, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 30 Artigo 62 da lei 9.099/95.

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desígnio da busca conciliação e transação, que veremos posteriormente

O art. 2º da Lei. N. 9099/95 utiliza a palavra critérios, que, contudo são autênticos princípios que constituem a base do novo procedimento e as diretrizes que norteiam toda a interpretação das normas a ele aplicáveis. São eles a oralidade, a simplicidade processual, a informalidade, a economia processual e a celeridade, com base a busca da conciliação e da transação31.

Paulo Lúcio Nogueira esclarece que “os princípios não deixam de ser regras

fundamentais, que devem ser observadas e cumpridas com o intuito de dar

orientação ao processo legal” 32. Extrai-se disso, que os princípios que regem o

Juizado Especial Criminal, devem ser utilizados como preceito essencial para o

processamento adequado da Lei nº 9.099/95.

Neste sentido a contribuição de Santos:

As formas tradicionais de condução do processo devem ser sempre afastadas, cedendo lugar a obediência aos princípios que regem o procedimento especial. E eventuais decretações de nulidade devem ser precedidas da comprovação de existência de prejuízo para a parte. Embora para fins didáticos os princípios possam ser estudados individualmente, na pratica sua aplicação está sempre interligada. 33

Assim, os atos processuais previstos na Lei 9.099/95, são regidos pelos

Princípios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, de forma

que eles alcancem a finalidade aos quais se destinam.34 “A oralidade, a

informalidade, a simplicidade, a celeridade e a economia processual são os

preceitos fundamentais no Juizado Especial”. 35

Tais Princípios serão, a seguir, analisados.

1.4.1 Princípio da celeridade

Este princípio está relacionado diretamente com o objetivo que se impõe ao

31 SANTOS, Marisa Ferreira dos, CHIMENTI, Ricardo Cunha. Juizados especiais cíveis e criminais: federais e estaduais , 4 ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p.45 32 NOGUEIRA, 1996, p. 7. 33 SANTOS, loc cit 34 CARVALHO, NETO, p. 133. 35 TOURINHO NETO, FIGUEIRA JÚNIOR, 2007. p. 441.

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Juizado Especial Criminal, na medida em que busca solução rápida para os conflitos

vividos na sociedade. A não observância do princípio da celeridade afasta um dos

objetivos do Juizado Especial Criminal, qual seja a rapidez no processamento. 36

Ainda sobre a celeridade exigida no Juizado Especial Criminal, Jesus

assevera que:

A Lei visa a dar maior rapidez aos atos processuais, como a citação e intimações, que, no Juízo Comum, sempre foram fonte de atrasos, corrupção e reclamações. Por isso impõe a regra da citação pessoal no próprio Juizado (art. 66) e a intimação por correspondência (art. 67). 37

E mais, segundo Santos, “a celeridade pressupõe racionalidade na

condução do processo. Deve ser evitada a protelação dos atos processuais” 38.

Entretanto, deve ser ressaltado que a observância do Princípio da Celeridade, não

impõe resolução imediata do conflito, mas impõe rapidez na prolatação de decisão

final.

A concepção de justiça célere fundamenta-se no respeito aos prazos

estabelecidos, os quais devem ser cumpridos, pois, a busca pela resolução da lide

no tempo determinado é peça integrante no procedimento veloz. Deste modo, o que

se pretende extrair do Princípio da Celeridade, além do respeito aos prazos

estabelecido é a efetivação correta do procedimento na forma pré-estabelecida para

cada ato.

Nas palavras de Nogueira:

Portanto, a celeridade processual não está na pressa inconseqüente, com soluções falhas, mas na rapidez necessária, dentro de prazos razoáveis, religiosamente cumpridos. Não se queira ir de um extremo ao outro: de uma justiça morosa, injusta e descumpridora de prazos a uma justiça plantonista, imediata e falha, pois, aqui, a pressa é inimiga da perfeição. 39

Por fim, deve ser destacado que, o Princípio da Celeridade decorrem vários

outros princípios norteadores do Juizado Especial Criminal. Pois, “todos os

princípios informativos do Juizado Especial guardam estreita relação com a

36 NOGUEIRA, 1996, p. 73. 37 JESUS, 1997, p. 45. 38 SANTOS, 2006, p. 54. 39 NOGUEIRA, 1996, p. 74.

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celeridade processual, porque a essência do processo reside na dinamização da

prestação processual.”40

1.4.2 Princípio da oralidade

O Princípio da Oralidade, busca, antes de tudo, a concentração de atos,

restringindo a utilização de documentos que possam implicar em demora, ao modo

que: “O pedido inicial pode ser oral e será reduzido termo pela secretaria do Juizado

(ar. 14, § 3º, da Lei n. 9.099). A contestação e o pedido contraposto também

poderão se apresentados oralmente.” 41 Tudo é concretizado de forma simples, de

modo que atenda de forma eqüitativa o autor do fato e o Estado.

Nesta linha, Damásio de Jesus esclarece:

Sua aplicação, na Lei. 9.099/95, limita-se a documentação ao mínimo possível (arts. 65, caput, 67, 77, caput e §§ 1º e 3º, e 81, § 2º). As partes debatem e dialogam, procurando encontrar uma resposta penal que seja justa para o autor do fato e satisfaça, para o Estado, os fins de prevenção geral e especial. 42

Tourinho Neto afirma:

Oralidade, predominância da palavra oral sobre a escrita, tem como objetivo dar maior agilidade à entrega da prestação jurisdicional, beneficiando, desse modo, o cidadão. Assina-le que, com a aplicação deste princípio, há uma desburocratização documental o processo. 43

Segundo Almeida, são cinco os elementos que constituem as linhas mestras

da oralidade:

“1º) a predominância da palavra falada; 2º) a imediatidade da reação do juiz com as partes e com os meios produtores da certeza; 3º) a identidade física do órgão judicante em todo o decorrer da lide; 4º) a

40 BOCHENEK, Antonio César. Competência da Justiça Federal e dos Juizados espec iais cíveis . São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2004. p 198. 41 SANTOS, CHIMENTI, 2006, p.48. 42 JESUS, 1997, p. 45. 43 TOURINHO NETO, FIGUEIRA JÚNIOR, 2007, p. 441.

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concentração da causa no tempo; 5º) a irrecorribilidade das interlocutórias”. 44

Deste modo, “a concentração, corolário da oralidade, está presente na

previsão de que, antes da acusação, tudo seja resumido em uma audiência

preliminar e, instaurado o processo, há uma só audiência no procedimento

sumaríssimo”. 45 A centralização dos atos, em apenas uma audiência, resulta em

uma instrução processual concisa.

O princípio da oralidade consiste na maior concentração dos atos. Registrado o pedido e feito a citação para comparecimento na audiência designada, tudo deve ser feito numa só audiência, inclusive a defesa do réu da sentença. A instrução deve ser sumária, com registro dos dados imprescindíveis, que servirão à apreciação do Colegiado em caso de recurso. 46

A observância do Princípio da Oralidade entre as partes, no momento da

realização da audiência preliminar, é importante para o convencimento do juiz.

Destaca-se que a não apresentação de peças processuais escritas não retira a

validade dos atos.

Por outro lado Figueira Junior adverte que:

O princípio enfocado nada mais significa, do que a exigência precípua da forma oral no tratamento da causa, sem que com isso se exclua por completo a utilização da escrita, o que, alias, é praticamente impossível, tendo em vista a imprescindibilidade na documentação de todo o processo e a conversão em termos, no mínimo, de suas fases e atos principais, sempre ao estritamente indispensável. Ademais processo oral não é sinômino de processo verbal.47

Ademais inclui-se no princípio da oralidade, a idéia da concentração dos

atos o qual “pressupõe que os atos processuais nas audiências sejam os mais

concentrados possíveis, ou seja, realizados numa única etapa ou em audiências

44 TOURINHO NETO apud ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios fundamentais do processo penal . São Paulo: RT, 1973, p. 25. 45 GRINOVER et al., 2002. p. 77. 46 NOGUEIRA, 1996, p. 71-72. 47 FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias, LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Comentários à lei dos Juizados especiais cíveis e criminais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. p. 67.

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aproximadas.” 48. Somente os atos essenciais são postos em escrito.

1.4.3 Princípio da economia processual

Segundo o Princípio da Economia Processual “convém obter o máximo

rendimento da lei com o mínimo de atos processuais”. 49 A redução dos atos

processuais resulta na diminuição de gastos, tanto para o Poder Executivo como

para o Poder Judiciário, na medida em que, ante as peculiaridades do Juizado

Especial Criminal, nem sempre o aparato judicial é acionado.

Sobre esse princípio Grinover esclarece:

O princípio da economia processual informa praticamente todos os critérios aqui analisados, estando presente em todo o Juizado, desde a fase preliminar até o encerramento da causa: evita-se o inquérito; busca-se que o autor do fato e a vítima sejam desde logo encaminhados ao juizado; pretende-se que, através de acordos civis ou penais, não seja formado processo; para a acusação, prescinde-se do exame de corpo de delito; as intimações devem ser feitas desde logo; o procedimento sumaríssimo resume-se a uma só audiência. 50

“A economia processual tem como finalidade o menor dispêndio da atividade

jurisdicional, por conseqüência, a economia processual.” 51 Assim, fica claro que o

princípio ora analisado é fundamental para que se alcancem os objetivos do Juizado

Especial Criminal. “A diminuição de fases e de atos processuais leva a rapidez,

economia de tempo, logo economia de custos”. Nas palavras de Santos “o máximo

resultado com o mínimo emprego possível de atividades processuais”. 52

1.4.4 Princípios da simplicidade e informalidade

Para Damásio de Jesus, tal Princípio “Imprime ao processo um ritmo sem 48 TOURINHO, FIGUEIRA JÚNIOR, 2007, 70. 49 SANTOS, 2006, p. 51. 50 GRINOVER et al., 2002, p. 78 51 BOCHENEK, 2004. p 188 52 TOURINHO, FIGUEIRA JÚNIOR, 1997, p. 68.

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formalidades inúteis. Busca a finalidade do ato processual pela forma mais simples

possível”.53

Na mesma linha Santos destaca “a informalidade permite que o ato

processual seja praticado de forma a dar agilidade ao processo. A forma do ato

processual deixou de ser um fim em si mesmo para estar a serviço da aplicação do

direito. [...] Se o ato não causar prejuízo para nenhuma das partes e atingir sua

finalidade, será válido e produzirá seus efeitos”. 54

O mesmo autor esclarece que:

O princípio da informalidade traduz-se na falta de exigências formais, já que se podem alcançar seus objetivos visados sem formalismo; deve haver simplificação sempre que possível. Muitos devem se praticados com a simplicidade e com intenção de conseguir os resultados almejados. 55 Seguindo a orientação já firmada na Lei n. 7.244/84, a Lei n.9.099/95 demonstra que a maior preocupação do operador do sistema dos juizados Especiais, deve ser a matéria de fundo, a realização da justiça de forma simples e objetiva. Por isso, independentemente de forma adotada, os atos processuais são considerados válidos sempre que atingirem a sua finalidade (art. 13 da lei especial). 56

Ainda, a simplicidade e a informalidade pertinentes ao Juizado Especial

Criminal, referem-se, não apenas no modo como deve ser apresentado o sistema

processual, mas também, aos crimes, denominados de menor potencial ofensivo.

Assim se a matéria for complexa, mesmo cumprido o requisito da quantidade de

pena, não condiz com os fundamentos da lei. 9.099/95, as quais devem ser

processadas e julgadas em processo comum ordinário.

Para ilustrar o dito acima, vislumbra-se o seguinte julgado do Tribunal de

Justiça do Rio Brande do Sul:

SEGURO OBRIGATÓRIO. DPVAT. INVALIDEZ PERMANENTE. SINISTRO OCORRIDO EM 1988. INVALIDEZ ATESTADA EM 2007. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A SEQÜELA E O ACIDENTE DE TRÂNSITO. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA TÉCNICA. COMPLEXIDADE DA MATÉRIA. INCOMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. Inexistem provas que permitam concluir que a incapacidade da parte autora

53 JESUS, 1997, p. 45 54 SANTOS, 2006, p. 51. 55 NOGUEIRA, 1996, p. 72 56 SANTOS, CHIMENTI, 2006, p.48.

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decorreu de acidente automobilístico. Portanto, diante da ausência de nexo de causalidade entre a incapacidade e o acidente de trânsito, há que se extinguir o feito, sem julgamento do mérito, evitando produção de coisa julgada material. eito extinto, de ofício, sem julgamento de mérito.57

Sobre o tema, Grinover assevera:

[...] a lei afasta do Juizado as causa Complexas (art. 77, § 2º) e que exijam maior investigação. Por isso, como já salientamos não basta para que se fixe a sua competência a ocorrência de uma infração de menor potencial ofensivo, sendo necessário também, que a causa não seja complexa. Tudo, enfim, deve ser impregnado da simplicidade e da informalidade, que é a marca principal do Juizado. É assim que a audiência preliminar deverá acontecer: com os interessados, o Ministério Público e o juiz reunido, expondo as suas posições, a fim de que, se for o caso, evite-se a instauração do processo e possa a vítima ser reparada. 58

Ressalte-se, ainda, que no que tange ao Princípio da Informalidade, “nada

obsta que o Juiz busque soluções alternativas de ordem procedimental, para obter

uma prestação da tutela jurisdicional mais rápida e hábil a adequar a ação do direito

material aquela de direito material”. 59 Dispôs o legislador no art. 13, § 1º da Lei

9.099/95, que nenhuma nulidade será reconhecida sem a demonstração do prejuízo

a parte.

Para Figueira Júnior:

“A lei 9.099/95 não está muito preocupada com a forma em si mesma; sua atenção fundamental dirige-se para a matéria de fundo, ou seja, a concretização, a efetivação do direito do jurisdicionada que ocorreu o Judiciário para fazer valer sua pretensão, com maior simplicidade e rapidez possível.”60

O autor continua afirmando que “o que não se admite é a substituição ou

introdução de fases ou ritos previamente estabelecidos no Código de processo ou

em normas extravagantes em dissonância com a lei dos Juizados Especiais.” 61

57 Recurso inominado Nº 71001683267, RELATOR: Vivian Cristina Angonese Spengler, julgado em 10/09/2008, públicado/data: Diário de Justiça do dia 16/09/2008). 58 GRINOVER et al., 2002, p. 78 59 FIGUEIRA JÚNIOR, LOPES, 2007. p. 75. 60 FIGUEIRA JÚNIOR, LOPES, loc cit. 61 FIGUEIRA JÚNIOR, LOPES, loc cit.

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1.4.5 Princípio da imediação

O princípio da Imediação dá-se por “uma relação próxima, imediata mesmo,

entre juiz, acusado, vítima e testemunha. Há um maior contato do juiz com as

partes”. 62 Deste modo, “decorre desse princípio a idéia de que apenas o juiz que

participou da audiência preliminar poderá julgar o feito, corolário com o princípio da

identidade física do juiz”63, para entender melhor este ultimo princípio, segue no

próximo item a sua explanação.

1.4.6 Princípio da identidade física do juiz

Acolhe-se desse princípio que os ensinamentos de Tourinho Filho que alega

que “o magistrado que colheu a prova deve ser o mesmo a sentenciar, salvo nas

hipóteses de aposentadoria, remoção e outras excepcionalidade”64

Tourinho Neto ainda, comenta que, em caso da instrução processual ocorrer

com magistrado diverso daquele que irá sentencia o processo, os atos deveram ser

repetidos, tendo em consideração, que no Juizado Especial grande parte dos atos

são efetuados na forma oral, assim, com a prolatarão de decisão final, haveria um

desrespeito com a Princípio da identidade física do juiz, ao passo que explica:

Na hipótese de isso acontecer, os atos terão de ser repelidos. É certo que a repetição da prova oral fere o princípio da celeridade, mas acima desse princípio está o princípio do convencimento do julgador, que só deve julgar quando tiver plena consciência dos fatos. 65

Em sua obra, Tourinho Neto menciona a doutrina de Silva, que sobre o

princípio da identidade física do juiz, minuta os seguintes termos:

Deve o julgador dirigir pessoalmente a instrução processual, recolhendo elementos probatórios úteis à decisão, percebendo, sem qualquer intermediário, todo o conjunto trazido aos autos. Entendemos que deve

62 TOURINHO NETO, FIGUEIRA JÚNIOR, 2007, p. 444-445. 63 TOURINHO NETO, 2007. p. 445. 64 TOURINHO NETO, FIGUEIRA JÚNIOR, op cit, p. 445. 65 TOURINHO NETO, 2007, op cit 446.

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sempre fisicamente o mesmo magistrado, participando e dirigindo a colheita de provas e todos os atos necessários para deliberar, proferindo sentença com base em tudo que foi carregado ao feito, bem como tudo aquilo que pode aprender no curso do processo.66

“Na verdade, no processo criminal, mais ainda no Juizado Especial Criminal,

o juiz está visceralmente vinculado ao processo, daí a identidade física do juiz.”

Ressalta-se ainda, que nos Juizados, o processo é quase que em sua totalidade

oral, motivo pelo quão não há como descartar esse princípio. Assim, “sem dúvida

alguma, esse princípio deverá, em regra, ou seja, quando possível, imperar”. 67

1.4.7 Princípio da concentração de atos

“Por força desse princípio, temos que os atos praticados o processo devem

ficar próximos uns dos outros. Até a sentença é prolatada e audiência, logo após da

instrução.”68

Têm-se ainda os ensinamentos de Demercian, no qual Tourinho Neto cite

em sua doutrina:

Nem sempre se pode concentrar numa única audiência todos os atos de instrução. O direito à prova deve ser resguardado, incumbindo ao magistrado, sempre atento, à regras garantidoras do contraditório e da ampla defesa, além disso do indeclinável bem senso, indeferir as provas que demonstrem inequívoco caráter procrastinatório ou que não guardem qualquer relação com o objeto do processo. 69

Contudo “a concentração não pode prejudicar o acusado, tendo os direitos

que lhe são assegurados pela Constituição – ampla defesa, contraditório, devido

processo legal, nem a acusação, impedido-a de fazer prova do que legal” 70

66 TOURINHO NETO apud SILVA, Marcos Antônio Marques da A. Vinculação do juiz no processo penal. São Paulo, Saraiva, 1993, p. 62. 67 TOURINHO NETO, FIGUEIRA JÚNIOR, 2007, p. 446. 68 TOURINHO NETO. 2007. p. 445. 69 TOURINHO NETO apud DERMERCIAN, Pedro Henrique. A oralidade no processo penal brasileiro, São Paulo, Atlas, 1999. p. 54. 70 TOURINHO NETO. 2007. P. 445

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2 PROCEDIMENTOS PREVISTOS NA LEI 9.099/95

2.1 AUDIÊNCIA PRELIMINAR DE CONCILIAÇÃO E A COMPOSIÇÃO ATRAVÉS

DA REPARAÇÃO DOS DANOS SOFRIDOS PELA VÍTIMA

Em audiência preliminar de conciliação é apresentado às partes a

possibilidade de composição de danos e no caso de haver conciliação, a anuência

da proposta de aplicação de pena não privativa de liberdade, ato pelo qual regra-se

no art. 72 da Lei 9.099/95.

Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.

Como iniciação dos atos no Juizado Especial Criminal “é prevista uma fase

preliminar, cuja tônica é a tentativa de conciliação entre a vítima e o autor do fato

quando à reparação do dano, bem como entre o Ministério Público e o autor do fato

no que se refere aos aspectos criminais do evento”. 71 Assim, audiência preliminar de

conciliação busca a autocomposição entre as partes, servindo o juiz leigo, togado ou

conciliador, um intermediário entre as partes.

Nas audiências de conciliação, há previsão para maior efetividade a atuação

de juizes togado e leigo e a de conciliadores, de acordo com a disposição de

organização judiciária72. Nesta audiência o “juiz ou o conciliador esclarecerá sobre a

possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação

imediata de pena não privativa de liberdade, e se houver entendimento, será

homologado pelo juiz.” 73

No tocante a autocomposição dos danos, Bochenek, dispõe sobre o

entendimento de José Eduardo Carreira Alvim:

71 GRINOVER et al., 2002. p. 63 72 GRINOVER et al. op cit, p. 63. 73 NOGUEIRA, 1996, p. 86

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A autocomposição se dá mediante técnicas de aproximação das partes e

resolução de controvérsias de forma menos traumática, na procura da composição

amigável, e se revela na forma mais eficiente de solução de conflitos. Na

autocomposição há manifestação de vontade espontânea das partes e aceitação

mútua a respeito de questões conflituosas existentes entre elas, tendo por escopo a

pacificação social dos conflitos e a maior satisfação dos envolvidos, pois a decisão

não é imposta por uma sentença pelo magistrado, mas obtida pelo acordo entre as

parte.74

E para Carvalho:

A grande aflição daqueles que são a vítimas, de qualquer espécie de delito, é a falta de reparação do dano causado, e por isso mesmo a Lei nº. 9.099/95 prevê a necessidade de reparação do dano, sempre que houver a possibilidade de obtenção pelo autor do fato de algum benefício, salvo impossibilidade de reparação.75

Com o aceite da composição dos danos, o procedimento seguinte é a

homologação pelo juiz, é de acordo com o dispositivo no art. 74 da Lei 9.099/95: “A

composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz

mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de titulo a ser executado no juízo cível

competente”. Este ato comete o seguinte procedimento “a homologação da

composição dos danos civis, sendo um dos atos essenciais, tanto que se dá por

sentença, será registrada por escrito e poderá conter apenas os termos finais da

conciliação obtida”.76

Tourinho Neto alerta que:

Nessa audiência preliminar, trata-se da composição dos danos civis, e não da composição penal. Os danos civis podem abranger os danos materiais e os morais, que podem logo ser quantificados, evitando-se a liquidação. Pode, no entanto, a composição se parcial, deixando de fora os danos morais, para serem apurados no Juízo Cível. Isso, todavia não impede a renúncia ao direito de queixa ou de representação e, consequentemente, a extinção da punibilidade. 77

74 BOCHENEK, 2004. p 188. 75 CARVALHO, NETO, p. 130-131. 76 FIGUEIRA JÚNIOR, LOPES, 1997, p 484. 77 TOURINHO NETO, 2007, p. 525.

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O mesmo autor esclarece que o fato do suposto autor ser desprovido de

dinheiro, não impede que a composição dos danos seja efetivada, Nas palavras do

autor:

Se o autor da infração for um “pobre miserável” na acepção jurídica da palavra, far-se-á o acordo da melhor maneira possível, de modo que possibilite seu cumprimento, como: pagamento parcelado, pagamento em mercadorias que fabrica, em produtos de sua horta, roca etc., em serviços que o autor do fato costuma prestar – como eletricista, como faxineira etc. (não se vá falar em serviço escravo; não presta o condenado serviços a comunidade, sem retribuição salarial). Tudo deve ser feito para que em o autor do fato nem a vítima sejam prejudicados. 78

Assim “visa à lei que instituiu o Juizado Especial Criminal, precipuamente, a

reparação dos danos sofridos pela vítima, em decorrência da conduta do autor do

fato, e a aplicação de pena não privativa de liberdade.” 79 Por igual, “preocupa-se a

Lei com a aplicação de penas alternativas, que visem a recuperação do delinqüente

e diminuição da população carcerária.” 80

2.1.1 Renúncia ao direito de queixa crime ou de rep resentação

No Juizado Especial Criminal, na ação penal privada e na ação penal pública

condicionada a representação, a vítima pode renunciar ao seu direito de apresentar

queixa crime ou representação criminal contra o suposto autor dos fatos, deixando

de dar prosseguimento no processo, isso mediante renúncia expressa, tácita ou na

autocomposição dos danos.

Figueira Junior conceitua os tipos de renúncia:

Renúncia é a abdicação do direito de oferecer queixa crime ou representação; abdicação do exercício do direito de ação. Tradicionalmente a renúncia poder ser expressa ou tácita. A renúncia expressa consubstancia-se em uma declaração assinada pelo ofendido, seu representante legal ou, então, por procurador com poderes especiais. A renúncia tácita, de acordo com o parágrafo único do art.

78 TOURINHO NETO, 2007, p. 526. 79 CARVALHO, NETO, p. 130. 80 CARVALHO, NETO, p. 130-131.

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104 do CP, dá-se com a prática de ato incompatível com a vontade de exercer o direito de queixa. Ressalva aquele dispositivo, contudo, que não implica, todavia, o fato de receber o ofendido a indenização do dano causado pelo crime.81

O mesmo autor descreve ainda sobre a renúncia prevista no art. 74 da Lei

9.099/95, sendo que “a percepção de indenização a título de reparação dos danos

causados pelo crime importa em causa de renúncia legal ao direito de queixa e de

representação”.82

A autocomposição e a conseqüente “homologação do acordo civil, acarreta a

renúncia ao direito de queixa ou representação de acordo com o art. 74 da Lei

9.099/95” (Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de

ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a

renúncia ao direito de queixa ou representação) “Aplica-se o princípio da autonomia

da vontade. O ofendido, voluntariamente, dispõe de suas garantias constitucionais”83

A renúncia tácita da Lei 9.099/95 é aquela que é condicionada à composição

dos danos, de modo que nas ações com pluralidade de autores de fato, se um dos

autores celebra acordo civil com a vítima, e outro não, a renúncia e a extinção da

punibilidade só operam com relação àquele. 84

Grinover aponta, porém, que: “é possível, no entanto, que apesar de só um

dos possíveis ofensores transacionarem, a reparação dos danos sofridos pela vítima

seja integral. Nesse caso, haverá renúncia tácita e extinção da punibilidade com

relação a todos”. 85

Com a autocomposição, pressupõe-se que a vítima não mais tem interresse

no prosseguimento do feito, sendo que “se a vítima compôs com o autor do fato em

relação à reparação dos danos civis, dele obtendo a desejada satisfação, não mais

se justifica o ajuizamento da ação penal nas infrações penais de menor potencial

ofensivo.” Configura-se deste modo a renúncia tácita. 86

Desta foram, com o acordo, a vítima está renúnciando ao seu direito de

queixa, tratando-se de ação privada ou, de representação, no caso de ação penal

81 FIGUEIRA JUNIOR, LOPES, 1997, p 485. 82 FIGUEIRA JUNIOR, LOPES, loc cit 83 JESUS, 1997, p. 71. 84 GRINOVER et al., 2002, p. 136. 85 GRINOVER et al., 2002, p. 137. 86 GRINOVER et al., op cit, p. 136.

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condicionada. Neste sentido, as palavras de Tourinho Neto:

Homologado o acordo, cabe o juiz, sem aguardar o prazo previsto no art. 38 do Código de Processo Penal, declarar extinta a punibilidade. Decisão, observe-se, transitada em julgado. Fala-se em desistência quando já intentada a ação penal privada. Antes temos e renúncia, que pode ocorrer na ação penal privada e na ação penal pública condicionada. 87

O autor continua: “renunciado o direito a representação, transitada em

julgado a decisão homologatória, não pode a vítima retratar-se, como prevê os art.

104 do Código Penal e 25 do Código de Processo Penal” 88

A lei 9.099/95 elege a reparação do dano com um dos princípios fundamentais da nova legislação. E, como dissemos antes, a pacificação social ou familiar é o bem maior que deve ser buscado pelo direito, insculpindo-se como uma forma de reparação de dano. Assim, havendo retratação da representação, mesmo após o oferecimento da denúncia, deve-se considerá-lo como causa para a extinção da punibilidade, por analogia ao artigo 107, V, do Código Penal, que autoriza a extinção da punibilidade pela renúncia do direito de representação. 89

Pode-se concluir que os sistemas de renúncia previstos nos Juizados

Especiais Criminais podem ser classificados de três tipos: expressa, tácita e legal

(Parágrafo Único do art. 74 da Lei 9.099/95), todos visam o mesmo fim, o não

prosseguimento da ação.

2.1.2 Representação criminal

Quando “frustrada em audiência por qualquer razão, a tentativa de

composição dos danos civis, o ofendido, se estiver presente, terá a imediata

oportunidade de oferecer representação oral, que será reduzida a termo.” 90

87 TOURINHO NETO, 2007, p. 528. 88 TOURINHO NETO, op cit. P. 526. 89 TOURINHO NETO, apud CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho. Lei dos juizados Especiais Criminais Comentada, anotada e atualizada de acordo com a Lei 10.259/2001 . 3 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, p. 133. 90 GRINOVER et al., 2002. p. 138.

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Nas palavras de Tourinho Neto:

A representação só pode ser feita, portanto, após a tentativa de composição. Não pode haver inversão sob pena de haver prejuízo para o autor do fato, uma vez que a representação é irretratável, se for de imediato oferecida a denúncia, conforme o art. 25 do Código de Processo Penal. 91

Não havendo representação formal, mas tendo o ofendido demonstrado

vontade tal será vista, em juízo, por qualquer modo, de que seja iniciada a

persecução penal, como se formalmente houvesse a representação, pois não é

exigida forma exclusiva.92

Para Tourinho Neto: “se o fendido compareceu ao Juizado é um sinal de que

se manifestou, tacitamente, no sentido de querer que sejam tomadas as devidas

providencias em relação ao autor do fato. Portando, já exercitou ele seu direito de

representação.” 93

Na audiência, caso não haja composição dos danos à vítima não queira

representar, o seu direito não decai, não perderá o direito de representação, o qual

continuara pelo prazo previsto em lei, o qual veremos a seguir.

2.1.3 Prazo decadencial

O prazo decadencial para a representação ou queixa crime é de 6 (seis)

meses, assim afirma-se que o “prazo decadencial é peremptório, não podendo ser

prorrogado, pois é fatal e contínuo, insuscetível de interropução, assim o ofendido

deve apresentar representação ou queixa no prazo de seis meses, contando o prazo

a partir da data da audiência em que não houve a composição”. 94

Elucida Figueira Junior:

91 TOURINHO NETO, 2007, p. 530. 92 TOURINHO NETO, loc cit. 93 TOURINHO NETO, apud. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais, São Paulo, Saivá, 2007, p.877 94 TOURINHO NETO, 2007, p. 531.

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Entendo que nos casos dos crimes de competência do Juizado Especial Criminal o prazo deverá ser contado a partir da data de audiência para a conciliação quando este não for possível, ou quando o argüido não comparecer.

Note-se, porém, que de acordo com o art. 75, Parágrafo único, da Lei

9.099/95, “o não oferecimento da representação na audiência preliminar não implica

decadência do direito, que poderá ser exercido no prazo previsto em lei”.

Nesse sentido Grinover aponta que “assim, ainda que o ofendido esteja

presente, o não oferecimento imediato da queixa ou representação não importa em

decadência de seu direito, que poderá ser exercido a qualquer momento, dentro do

prazo legal.” 95

Segue o entendimento Tourinho Neto:

Não exercitando o ofendido seu direito a representação na audiência preliminar, poderá exercitá-lo no prazo de seis meses, previsto no art. 103 do Código Penal e no art. 38 do Código de Processo Penal, ante o que dispõe aparte final do parágrafo único do art. 75 da Lei 9.099/95. 96

Sobre o prazo decadencial, acolhe-se a regulamentação jurisdicional no art.

103 do Código Penal Brasileiro:

Art. 103 CP - Salvo disposição expressa em contrário, o ofendido decai do direito de queixa ou de representação se não o exerce dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do § 3º do Art. 100 deste Código, do dia em que se esgota o prazo para oferecimento da denúncia.

A ainda do art. 38 do Código de Processo Penal Brasileiro:

Art. 38 CPP - Salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, decairá no direito de queixa ou de representação, se não o exercer dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do Art. 29, do dia em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia.

A doutrina minoritária entende que o prazo decadencial, apenas começa a

contar na data da audiência preliminar e não como determina o art. 103 do CP e o

38 do CPP. Tourinho Neto, cita a argumentação de Desembargador Pereira, do

95 GRINOVER et al. 2002, p. 138. 96 TOURINHO NETO, 2007, p. 531.

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Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao aduzir:

Segundo a regra de seus art. 75 (Lei 9.099/95), não obtida a composição dos danos civis, será dada imediatamente ao ofendido a oportunidade de exercer o direito de representação verbal [...]. Ora, se esta a dicção legal, fica evidente que este direito não poderá ser exercido pelo ofendido antes de tal ocasião. Mais se o parágrafo único do referido artigo reza que não-oferecimento da representação na audiência não implica decadência do direito, que poderá ser exercido no prazo previsto em lei, há de se entender que o prazo para representação é de seis meses a contar da data da audiência de representação. 97

Tourinho Neto cita ainda, de igual pensamento, Lopes:

Nos casos de crimes de competência do Juizado especial Criminal esse prazo (o prazo de representação) deverá ser contado a partir da data da audiência para a conciliação quando esta não for possível, ou quando o argüido não comparecer. 98

Contudo, esse, não é o entendimento que impera na doutrina e na

jurisprudência. “Entende-se que o prazo decadencial começa a correr “[...] do dia em

que o ofendido vier, a saber, que é o autor do crime [...]”, “e que a representação

pode ser feita na Polícia”.99

2.1.4 Da oferta de transação penal

Transação penal é um instituto que possui o juiz, de aplicar ao suposto autor

do fato, em caso de aceitação do mesmo e do membro do Ministério Público, uma

pena restritiva de direitos, como: serviços voluntários à comunidade, limitação de

final de semana, multa e outros previstos nos art. 43 e 49, todos do Código Penal. 100

97 TOURINHO NETO, apud PEREIRA, Mario José Gomes. Juizados especiais criminais: alguns aspectos. In: TOVO, Paulo Claudia (Org.) Estudos de direito processual penal , Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p 28. 98 TOURINHO NETO, apud LOPES, Mauricio Antônio Ribeiro et al. Comentário à lei dos juizados especiais cíveis e criminais: lei 9.099, de 26.09.1995. 3 ed., São Paulo: RT, 2000, p. 598. 99 TOURINHO NETO, 2007, p. 532. 100 NOGUEIRA, Paulo Lucio. Juizados Especiais cíveis e criminais: comentários. São Paulo: Saraiva 1996, P. 88.

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Lê-se da primeira parte do artigo 76 da Lei 9.099/95, o qual dispõe sobre a

proposta da transação penal e os requisitos para a sua aquisição.

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta. § 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade. § 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva; II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo; III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida. (...)

Para Grinover:

O dispositivo em exame afirma que o Ministério Público “poderá propor a

aplicação imediata de pena restritiva de direito ou multa” (...) a primeira leitura do

artigo, sugere tratar-se de pura faculdade do acusador, que poderá preferir não

transacionar, ainda que presentes as condições do § 2º do dispositivo. 101

Tourinho Neto relata sobre a obrigatoriedade o Ministério Público apresentar a

proposta de transação penal anotando da seguinte maneira “se o autor preencher os

requisitos para obter a transação, o Ministério Público deverá – e não poderá

(faculdade) – propô-la, desde que satisfeitos os requisitos estabelecidos na lei” 102.

Ainda sobre a faculdade que dispõe o Ministério Público em apresentar

proposta de transação alega Grinover:

No entanto, permitir ao Ministério Público (ou o acusado privado) que deixe de formular a proposta de transação penal na hipótese de presença dos requisitos do § 2º do art. 76, poderia redundar em odiosa discriminação, a ferir o princípio da isonomia e a reaproximar a atuação

101 GRINOVER, Ada Pellegrini. FILHO, Antonio Magalhães Gomes. FERNANDES, Antonio Scarance. GOMES, Luiz Flávio. Juizados especiais criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 4 ed. Revisada ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 143. 102 Tourinho Neto, Fernando da Costa, Joel Figueira Junior. Juizados especiais federais cíveis e criminais: comentários à Lei 10.259 de 10.07.2001. 2 ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista doa Tribunais, 2007, p. 533.

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do acusador que assim se pautasse ao princípio de oportunidade pura, que não foi acolhido pela lei.103

A expressão “poderá” em questão não indica mera faculdade, mas um

poder-dever, a ser exercido pelo Ministério Público em todas as hipóteses em que

não se configurem as condições do § 2º do art. dispositivo. 104

A mesma autora acrescenta que no caso de não oferecimento da proposta

de transação penal pelo Ministério Público:

Tem-se sugerido, a esse propósito, que ao poder-dever da acusação corresponderia um verdadeiro direito subjetivo público do autuado à apresentação da proposta de transação, uma vez não enquadrado o caso nas hipóteses do § 2º do art. 76. E, para esse caso, a solução estaria então na formulação da proposta pelo Juiz que, havendo aceitação do autuado e de seu advogado, desde logo, a homologaria, nos termos do § 4º do dispositivo. 105

Ademais, ela argumenta que “dentro dos princípios que orientam os

Juizados Especiais Criminais, os objetivos visados pela lei são: a reparação dos

danos sofridos pela vítima e a aplicação de penas não privativa de liberdade” 106, de

forma que a efetivação da transação penal é cumprir um dos objetivos da própria Lei

do Juizado Especial Criminal.

Por isso, o legislador não admite que a proposta de transação penal verse sobre a aplicação de pena privativa de liberdade, mesmo reduzida, e mesmo que esta seja a única prevista em abstrato. Afinal, estamos perante uma fase administrativa em que não há sequer acusação, o processo jurisdicional não se iníciou não se sabe se o acusado, neste, seria absolvido ou condenado. Ainda nos situamos fora do âmbito do direito penal punitivo, de seus esquemas e critérios. 107

Quando do oferecimento da proposta de transação penal o Ministério

Público deverá especificar os termos da proposta. Conforme Grinover:

103 GRINOVER, Ada Pellegrini. FILHO, Antonio Magalhães Gomes. FERNANDES, Antonio Scarance. GOMES, Luiz Flávio. Juizados especiais criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 4 ed. Revisada ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 143. 104 GRINOVER, 2002, p. 143/144. 105 GRINOVER, 2002, p. 144. 106 GRINOVER, 2002, p. 147. 107 GRINOVER, Ada Pellegrini. FILHO, Antonio Magalhães Gomes. FERNANDES, Antonio Scarance. GOMES, Luiz Flávio. Juizados especiais criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 4 ed. Revisada ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002, p. 147.

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A proposta da acusação deverá ser clara e precisa, para dar ao autuado e seu defensor pleno conhecimento da pena proposta, com a medida de suas conseqüências práticas. Referir-se-à ao fato narrado o termo de ocorrência, mas sem qualquer tipificação legal. Isso porque a aplicação da sanção não indica reconhecimento da culpabilidade. 108

A “elaboração da proposta e a homologação da transação penal submetem-

se à condição, especificada nos três incisos do § 2º do art. 76. Não se trata de

condições da ação, pois nesse momento ainda não há ação nem processo.” 109

A técnica utilizada pelo § 2º do art. 76, significa, na prática, que, se o Ministério Público não conseguir demonstrar a existência de uma das causas impeditivas arroladas ns três incisos, a proposta poderá ser formulada e a transação penal homologada por sentença. 110

Sobre a primeira cláusula impeditiva, explica Grinover que, a condenação

deve ter ocorrido pela prática de crime (e não contravenção penal) e a pena privativa

da liberdade (e não a pena restritiva de direitos e/ou multa)”. 111

A mesma autora ainda entende que:

Note-se, antes de tudo que a lei se refere aqui ao “autor da infração”, talvez por tratar-se de pessoa já condenada por sentença passada em julgado. Contudo, com relação ao fato que deu margem à audiência de conciliação, o suposto agente ainda é simplesmente um autuado. Melhor fora, assim, se o inciso. I em exame tivesse se referido como em outras passagens, ao “autor do fato”.

A segunda cláusula compreende que o “agente que já tiver se beneficiado

da aplicação consensual de pena não privativa de liberdade, nos termos da Lei

9.099/95, não poderá gozar de novo benefício, pelo prazo de cinco anos”. 112

A “estipulação do referido prazo encontra paralelo na prescrição da

reincidência previsto no inc. I do art. 64 do Código Penal.”113 Que assim dispõe:

Art. 64 - Para efeito de reincidência:

108 GRINOVER, 2002, p. 148. 109 GRINOVER, 2002, p. 149 110 GRINOVER, 2002, p. 150. 111 GRINOVER, 2002, p. 150. 112 GRINOVER, 2002, p. 151. 113 GRINOVER, Ada Pellegrini. FILHO, Antonio Magalhães Gomes. FERNANDES, Antonio Scarance. GOMES, Luiz Flávio. Juizados especiais criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 4 ed. Revisada ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002, p. 151.

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I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação; (...)

Para a averiguação do impedimento baseado em anterior concessão do de

benefício, o § 4º do art. 76 dispõe sobre que a aplicação conciliada da sanção penal

conste dos registros penais, para impedir o benefício no prazo de cinco anos114

Art. 76 da Lei 9.099/95. (...) § 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da

infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.

A “lei quer beneficiar o autor de fatos enquadráveis nas infrações penais de

menor potencial ofensivo, mas não incentivar sua impunidade.”115

No inciso III, a lei apresente “a única causa impeditiva de natureza subjetiva,

que poderá autorizar maior discricionariedade do Ministério Público na negativa de

proposta de transação penal”. 116 “No entanto, é preciso insistir no fato de que a

fórmula é suficientemente aberta para possibilitar ao Ministério Público que se

esquive de apresentar proposta de transação, com base nesse dispositivo.” 117

Cumpre mencionar que “as três causas impeditivas supra examinadas não

devem necessariamente concorrer. Bastará a configuração de qualquer delas para

impedir a proposta e sua homologação.” 118. Assim, o Ministério Público não poderá

propor a medida de transação penal quando

A proposta é um mero projeto que o Ministério Público pode trazer pronto

para a audiência de conciliação, mas que será nesta debatido e eventualmente

modificado. 119 Proposta esta, que visa aplicação de pena mais leve, alternativa,

114 GRINOVER, 2002, p. 151. 115 GRINOVER, 2002, p. 151. 116 GRINOVER, 2002, p. 152. 117 GRINOVER, Ada Pellegrini. FILHO, Antonio Magalhães Gomes. FERNANDES, Antonio Scarance. GOMES, Luiz Flávio. Juizados especiais criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 4 ed. Revisada ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002, p. 152. 118 GRINOVER, 2002, p. 152. 119 GRINOVER, 2002, p. 148.

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consistente em restritivas de direitos ou pecuniária; sendo que em caso de

concordância, o cumprimento da transação gera encerramento do processo.120

2.1.5 Homologação da transação penal

Efetuado a proposta de transação penal, para que esta seja levada ao

conhecimento do juiz para fins de homologação, a mesma deve ser aceita

simultaneamente e de forma cumulativa pela defesa e pelo autor da infração. Com o

aceite da medida, após a análise do juiz, a proposta é homologada. 121

Para esclarecer, Tourinho Neto nos ensina os moldes para a realização da

homologação da transação penal pelo juiz:

A transação não pode ser feita fora da audiência, no gabinete do representante do Ministério Público ou nas salas da Ordem dos Advogados (OAB), existentes nos juízos, e levada ao juiz para homologação, sem que o autor diga-lhe qualquer coisa. Os preparativos, as conversas, os entendimentos podem, é verdade, ser feitos antes, mas na presença do juiz, tudo deve ser posto, e o autor do fato deve ser esclarecido pelo juiz, e livremente decidir. Assim deve ser feita a conciliação penal. Tudo transparentemente. 122

A formulação da proposta de transação penal só poderá ser efetivada na

presença do suposto autor do fato e de seu procurador, daí a importância do art. 69

da Lei 9.099/95 123, pois, “para ser homologada pelo juiz, deve necessariamente

contar com a aceitação expressa do autuado e de seu defensor.” 124 “Feita à

proposta e aceita, o juiz examinará se estão presentes os requisitos legais; se não

estiverem, não a homologará. Se homologar, dessa decisão cabe apelação,

conforme dispõem o § 5º do art. 76 da Lei 9.099/95.” 125

120 SILVA, Marco Antonio da. Juizados especiais criminais. São Paulo : Saraiva, 1997, p. 109. 121 FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias, Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, Comentários à lei dos Juizados especiais cíveis e criminais. 2. ed. ver. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 503. 122 Tourinho Neto, Fernando da Costa, Joel Figueira Junior. Juizados especiais federais cíveis e criminais: comentários à Lei 10.259 de 10.07.2001. 2 ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista doa Tribunais, 2007, p. 544. 123 FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias, Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, Comentários à lei dos Juizados especiais cíveis e criminais. 2. ed. ver. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. P. 503. 124 GRINOVER, 2002, p. 152. 125 Tourinho Neto, Fernando da Costa, Joel Figueira Junior. 2007, p. 544.

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O juiz não atua, tão somente, como mero homologador, podendo excluir, ou

mesmo incluir, determinadas cláusulas a proposta feita pelo Ministério Público e

aceita pelo autor da infração é submetida à apreciação do juiz, (§ 3º do art. 76 da Lei

9.099/95). 126 A proposta, devidamente aceita, é então submetida ao controle

jurisdicional. (...) Cabe ao juiz, em ultima análise, a verificação da legalidade da

adoção da medida proposta e a análise de sua conveniência. 127

Sobre a sentença homologatória e seus efeitos, Tourinho Neto:

O juiz acolhendo, após o devido exame, a proposta do Ministério Público aceita pelo acusado e seu defensor, aplicará a penas restritiva de direitos ou multa. Essa punição não leva a reincidência, caso o acusado venha a cometer novo crime. Importará, sim, no impedimento da concessão de nova transação, pelo prazo de cinco anos. 128

Ainda sobre o tema, corrobora Silva:

Na sua decisão, fixará a pena alternativa; deve ser ressaltado que não se trata de sentença condenatória no sentido próprio, mas impróprio, uma vez que não gera os efeitos de uma sentença condenatória tradicional. Assim, não haverá reincidência, o réu não terá seu nome nos rol dos culpados, e nem os demais efeitos que uma decisão condenatória impõe. 129

Também para Grinover: A sentença que aplica a pena, em face do consenso dos interressados,

não é absolutória nem condenatória. Trata-se simplesmente de sentença homologatória de transação penal, que não indica acolhimento nem desacolhimento do pedido do autor (que sequer foi formulado), mas que compõe a controvérsia de acordo com a vontade dos participes, constituindo título executivo judicial. São os próprios envolvidos no conflito a ditar a solução para sua pendência, observados os parâmetros da lei. 130

Os efeitos da sentença homologatória, “e exatamente igual ao fenômeno

que ocorre no campo processual civil: a sentença homologatória da transação – que

ninguém classifica de condenatória ou declaratória negativa – constitui título

126 Tourinho Neto, Fernando da Costa, Joel Figueira Junior. 2007, p. 545. 127 GRINOVER, Ada Pellegrini. FILHO, Antonio Magalhães Gomes. FERNANDES, Antonio Scarance. GOMES, Luiz Flávio. Juizados especiais criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 4 ed. Revisada ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002, p. 155. 128 Tourinho Neto, Fernando da Costa, Joel Figueira Junior 2007, p. 545. 129 SILVA, Marco Antonio da. Juizados especiais criminais. São Paulo : Saraiva, 1997, p.110. 130 GRINOVER, 2002, p. 157.

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executivo judicial (art. 584, III, CPC).” 131 Contudo, “cumpre observar que a lei dá

tratamento diverso à sentença homologatória do acordo civil e a sentença

homologatória da transação penal: a primeira é irrecorrível, enquanto a segunda é

apelável.” 132

Em caso de haver mais de um autor do fato, basta que um aceite a

transação, para que seja homologada, prosseguindo o processo em relação aos

demais.”133 “Homologada a transação, extingue-se a punibilidade. É mais uma

hipótese a ser acrescentada ao art. 107 do Código Penal.” 134

2.2 PRINCÍPIOS RELATIVOS À TRANSAÇÃO PENAL

2.2.1 Princípio da Obrigatoriedade da Ação Pública e da Oportunidade

Com a evolução do direito, a tendência do processo penal contemporâneo é

de abandonar os critérios severos do princípio da obrigatoriedade da ação pública e

passar a empregar critérios de oportunidade regulada por lei, assim a fidelidade a

este princípio fora abandonada. 135

Para conceituar o princípio da obrigatoriedade da ação pública, descrevem-

se as palavras de Tourinho Neto:

A lei dos Juizados Especiais, ao admitir a transação, abranda o princípio da obrigatoriedade da ação penal. Pelo princípio da obrigatoriedade ou da legalidade (legaitatsprinzip), se estiver demonstrada a tipicidade, a materialidade do crime e se houver indícios suficientes de autoria, salvo se ocorrer causa de excludente de ilicitude, de extinção de punibilidade, ou quando presente o princípio da insignificância, crime de bagatela – o Estado não se preocupa com as coisas mínimas (mínima non curat praetor) – o órgão ministerial está

131 GRINOVER, 2002, p. 158. 132 GRINOVER, Ada Pellegrini. FILHO, Antonio Magalhães Gomes. FERNANDES, Antonio Scarance. GOMES, Luiz Flávio. Juizados especiais criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 4 ed. Revisada ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002, p. 160/161. 133 Tourinho Neto, Fernando da Costa, Joel Figueira Junior. 2007, p. 546. 134 Tourinho Neto, Fernando da Costa, Joel Figueira Junior. 2007, p. 546. 135 SILVA, Marco Antonio da. Juizados especiais criminais. São Paulo : Saraiva, 1997, p.59.

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obrigado a oferecer a denúncia, pois os delitos não podem ficar impunes (nec delicta maneant impunita).136

Entende-se, portanto, que “ao propor a transação, Ministério Público está se

afastando do princípio da obrigatoriedade, com a permissão dada pelo legislador,

pois pelo princípio da oportunidade, na ação penal pública, o Ministério Público

apresenta a denúncia se entender que é necessário”137 Assim, apenas se reclama a

intervenção obrigatória do processo penal para a segurança e a reintegração da

ordem pública, exigindo-se dos órgãos persecutórios, quando necessariamente

desde que concorram as condições exigidas por lei. 138

Contudo, na ação penal pública, deve imperar o princípio da oportunidade.

Sendo facultativo o exercício da ação penal, pois, é mais coerente não só com a

própria razão de ser do processo penal, mas também com a atividade de custos

legis, sempre presente na atuação do Ministério Público.139

Damásio de Jesus conceitua para melhor elucidação o princípio da

oportunidade, nos seguintes termos:

Adotou-se o princípio da “oportunidade regrada. O Ministério Público aprecia a conveniência de não ser proposta a ação penal, oferecendo ao autor do fato o imediato encerramento do procedimento pela aceitação de pena menos severa. Esse mister, entretanto, não é absoluto. Não existe, p. ex., em relação a todas as infrações penais. Sujeita-se a regras legais.” 140

Fala-se em oportunidade regrada porque é a lei que diz quando será

possível a transação e de que modo ele deve ser feita. Não fica ao arbítrio do

Ministério Público propor ou não a transação. Não é uma faculdade do órgão

ministerial, o agir discricionária do acusador pode dar lugar a impetração de hábeas

136 Tourinho Neto, Fernando da Costa. Juizados especiais estaduais cíveis e criminais: comentários à Lei 9.099/1995. 5 ed. rev.; atual. E ampl. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 542. 137 Tourinho Neto, Fernando da Costa. Juizados especiais estaduais cíveis e criminais: comentários à Lei 9.099/1995. 5 ed. rev.; atual. E ampl. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 542. 138 FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias, Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, Comentários à lei dos Juizados especiais cíveis e criminais. 2. ed. ver. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 454. 139 FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias, Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, Comentários à lei dos Juizados especiais cíveis e criminais. 2. ed. ver. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 458. 140 JESUS, Damásio. Lei dos Juizados especiais criminais anotada. 4 ed. ver. E ampl. São Paulo : Saraiva, 1997, p. 75.

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corpus ou mesmo mandado de segurança. 141

2.3 AÇÕES PENAIS

Determinadas objetividades jurídicas são de tal importância para o Estado

que ele se reserva a si a iniciativa do procedimento policial e da ação penal e outras

de comportamento lesivo que vem a atingir um bem a esfera intima do ofendido. 142

Nas palavras de Capez, o conceito de ação penal dispõe-se do seguinte

modo:

E o direito de pedir ao Estado-Juiz a aplicação do direito penal objetivo a um caso concreto. É também o direito publico subjetivo do Estado administração, único titular do poder-dever de punir, de pleitear ao Estado juiz a aplicação do direto penal objetivo, com a conseqüente satisfação da pretensão punitiva. 143

O mesmo autor dispõe ainda sobre a divisão das ações penais:

Essa divisão atende as razões de exclusiva política criminal. Há crimes que ofendem sobremaneira a soberania social e, por conseguinte, o interesse geral. Por isso, são puníveis mediante ação pública incondicionada. Outros que, afetando imediatamente a esfera íntima do particular e apenas mediante o interesse geral, continuam de iniciativa pública (do Ministério Público), mas condicionada a vontade do ofendido, em respeito a sua intimidade, ou do ministro da justiça, conforme for. São as hipóteses ação penal pública condicionada. Há outros que, por sua atingem imediata e profundamente o interesse do sujeito passivo da infração. Na maioria desses casos, pela própria natureza do crime, a instrução probatória fica, quase que por inteiro, na dependência do concurso do ofendido. Em face disso, o Estado lhe confere o próprio direito de ação, conquanto mantenha para si o direito de punir, a fim de evitar que a intimidade, devassada pela infração, venha a sê-lo novamente (e muitas vezes com maior intensidade, dada à amplitude do debate judicial) pelo processo. São os casos de ação penal privada. 144

141 Tourinho Neto, Fernando da Costa. Juizados especiais estaduais cíveis e criminais: comentários à Lei 9.099/1995. 5 ed. rev.; atual. E ampl. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2007. P. 543. 142 JESUS, 1997, p. 658. 143 CAPEZ, Fernando, Curdo de Processo penal. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 111. 144 CAPEZ, op cit, p 112

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Há, contudo, duas espécies de ação penal pública: a incondicionada, em

que é suficiente a ocorrência do ilícito penal para que seja instaurado o inquérito

policial e a conseqüente ação, e a condicionada, em que se exige a representação

do ofendido ou de seu representante legal ou requisição do Ministro da Justiça. 145

Tais ações penais, serão a seguir analisadas.

2.3.1 Ação penal pública incondicionada

A ação será pública incondicionada quando, o fato que lesar sobre direitos

dos indivíduos e da sociedade, deste modo, cabe o Estado reprimi-lo com o

exercício do jus puniendi. “O direito subjetivo de punir, entretanto, não é limitado,

vinculando-se o Estado ao direito objetivo, tanto na imputação, circunscrita aos fatos

típicos, como nas penas a serem aplicadas”. 146.

Nos ensinamentos de Mirabete:

Dispõe a Lei: “A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do o fendido” (art. 100). Isso significa que, com relação a determinado ilícito penal, a ação penal será pública se não se dispuser, expressamente, que ser intentada pelo ofendido ou por seu representante legal através de queixa. 147

A ação penal será incondicionada quando o seu exercício não se subordina

a qualquer requisito. Significa que pode ser iniciada sem a manifestação de vontade

de qualquer pessoa. 148 Deste modo, a presente ação penal desenvolve-se através

do processo, subordinadas às condições previstas em lei e apenas será aceitável a

instauração da ação, quando existirem presentes essas condições, as quais a

contrario sensu, estão disciplinadas no art. 43 do CPP.149

Esta ação penal é promovida pelo Ministério Público. “Esse princípio foi

inscrito na nova constituição, que prevê como função institucional do MP promover,

145 MIRABETE, 2006, p. 387. 146 MIRABETE, 2006, p. 387. 147 MIRABETE, op cit, p. 388. 148 JESUS, 1997, p.658 149 MIRABETE, op cit, p. 387.

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privativamente, a ação penal pública, na forma da lei (art. 129, I)”. 150

Na doutrina do mesmo autor:

O Ministério Público, órgão do Estado Administração, representado por Promotores e Procuradores de Justiça, pede a providencia jurisdicional de aplicação da lei penal exercendo o que se denomina de pretensão punitiva. É o órgão uno e indivisível, assim seus membros podem ser substituídos no processo, por razões de serviço, sem que haja solução de continuidade. 151

Concluir-se, portanto, que ação penal pública incondicionada, é aquela que

não carece de representação do ofendido, deixando ao Ministério Público, caso

preencha os requisitos o dever de oferecer denúncia.

2.3.2 Ação penal pública condicionada a representaç ão

Ação penal Pública condicionada é aquela cujo exercício se submete a uma

condição. Essa condição tanto pode ser a manifestação de vontade do ofendido,

quanto de seu procurador legal, como também a requisição do Ministro da Justiça,

que também é manifestação de vontade no sentido de proceder. 152

Assim, a ação pública condicionada “depende da representação que se

constituí numa espécie pedido-autorização em que a vítima, seu representante legal

ou curador nomeado para a função expressam o desejo de que a ação seja

instaurada”. 153 Dessa condição deriva do fato de que, por vezes, o interesse do

ofendido se sobrepõe ao publico na repressão do ato criminoso quando o processo,

a critério do interessado, pode acarretar-lhe males maiores do que aqueles

resultantes do crime. 154

Nos ensinamentos de Capez:

A representação é a manifestação de vontade do ofendido ou de seu representante legal no sentido de autorizar o desencadeamento da

150 MIRABETE, op cit, p. 388. 151 MIRABETE, loc cit.. 152 TOURINHO FILHO, 2007, p. 341. 153 MIRABETE, 1998, p. 388. 154 MIRABETE, op cit, p. 389.

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persecução penal em juízo. Trata-se de condição objetiva de procedibilidade. Sem a representação do ofendido ou, quando for o caso, sem a requisição do ministro da justiça, não se pode dar início à persecução penal. É a condição especifica da ação penal pública. São requisitos especiais, exigidos legitimamente, na espécie, a prestação jurisdicional. 155

A representação da vítima não é obrigatória para oferecimento da denúncia

pelo Ministério Público, podendo este decidir pela não instauração da ação em

conseqüência da atipicidade do fato, da ausência de indícios da autoria etc.,

solicitando o arquivamento do inquérito ou das peças de informação. 156

Deste modo, o representante do Ministério Público (titular dessa ação), só

pode dar início ação, se a vítima ou seu representante legal o permitirem, por meio

de uma manifestação de vontade. Nesse caso, “o crime afeta a esfera intima do

indivíduo, que a lei, a despeito de sua gravidade, respeita a vontade daquele,

evitando, assim, que o strepitus judicii (escândalo processual)”. 157

2.4 SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO

Cabe a suspensão condicional do processo nos crimes de ação penal

pública incondicionada e condicionada à representação do ofendido, visto que

condicionada ao oferecimento da representação, qual será efetivada mediante

proposta do Ministério Público, logo após de oferecer a denúncia. 158 A suspensão

condicional está prevista no artigo 89 da Lei 9.099/95, a qual dispõe:

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

155 CAPEZ, 2006, p. 121. 156 MIRABETE, loc cit. 157 CAPEZ, 2006, p. 120. 158 FIGUEIRA JUNIOR, LOPES, 1997. p. 578.

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1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições: I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; II - proibição de freqüentar determinados lugares; III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz; IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. § 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado. § 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo j justificado, a reparação do dano. § 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta. § 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade. § 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo. § 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos.

Tal dispositivo em exame toma a lei como modelo o art. 77, II, Código Penal,

atinente aos requisitos para a concessão da suspensão condicional da pena,

exceção feita à menção à culpabilidade que não pode ser considerada, pois há

denúncia. 159

Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que: [...] II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício; [...]

A suspensão condicional do processo “trata de uma alternativa jurisdição

penal, um instituto de despenalização, sem que haja exclusão do caráter ilícitos do

fato, o legislador procura evitar a aplicação da pena”. 160 Assim, preenchidas as

condições legais, a suspensão é um direito do autor do fato, não configurando sua

159 GRINOVER et al., 2002, p. 152, 160 JESUS, 1997, p. 108.

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proposição uma faculdade do Ministério Público. 161

Para Tourinho Neto, a suspensão do processo não “beneficia tão-somente o

autor do fato, mas, também, a Justiça e a sociedade. Livra o réu de um tormento,

que é o processo; facilita a prestação jurisdicional, com a diminuição de processos; e

diminui os gastos do tesouro, beneficiando a sociedade”. 162

Para Nogueira, deve-se reconhecer, que o “sursis antecipado ou processual

tem sua validade reconhecida, a media que agiliza o processo, acaba condenando,

mas beneficia o réu com o sursis tradicional, com a imposição de condições, que

não se sabe se serão cumpridas porque não são fiscalizadas”. 163

A Lei dos Juizados Especiais Criminais adotou a aplicação do sursis

processual, que é uma concessão antecipada desse direito ao denúnciado desde

que preencha os requisitos objetivos e subjetivos, quais são:

São requisitos objetivos: 1) crimes em que a pena mínima cominada seja igual ou inferior a um ano; 2) oferecimento da denúncia; 3) suspensão do processo por dois a quatro anos. São requisitos subjetivos: 1) o denúnciado não seja reincidente em crime doloso; 2) os antecedentes, a culpabilidade, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as condutas autorizem a concessão do benefício (CP, art. 77, I e II). 164

Nogueira ensina ainda, sobre a revogação obrigatória da suspensão

condicional do processo:

A revogação é obrigatória se, no curso do prazo para o período de prova (2 a 4 anos), o beneficiário que vier a ser processados por crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano. Obrigação facultativa se o beneficiário vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção ou descumprir condição imposta. 165

Expirado o prazo sem revogação, o juiz declarará extinta a punibilidade, e

não correrá prescrição durante a sua suspensão. 166

161 JESUS, loc cit. 162 TOURINHO NETO, 2007, p. 686. 163 NOGUEIRA, 1996, p. 101. 164 NOGUEIRA, 1996, p. 105. 165 NOGUEIRA, op cit, p. 101. 166 NOGUEIRA, loc cit

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3 A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA TRANSAÇÃO PENAL NA L EI 9.099/95

3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ACERCA DA CONSTITUIÇÃO

A Constituição Federal de 1988 prevê uma variedade de direitos aos

cidadãos considerando-os como direitos fundamentais. Assim a Carta Magna na

qualidade de lei superior, cataloga nela parte das regras definidas pelo Estado, com

a finalidade de além de garantir os direitos mínimos ao cidadão, estruturar o próprio

Estado.

Ensina Canotilho, sobre a necessidade da existência de normas regimentais:

O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e confortar autônoma responsavelmente sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os príncipes da segurança jurídica e da proteção da confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito. 167

Segundo o entendimento de Moraes168, a Constituição nada mais é que o ato

de constituir, estabelecer e firmar, e ainda, a maneira pela qual se constitui uma

coisa, um ser vivo, uma maneira de organização, de formação, este é o sentido

amplo da palavra. Já na acepção jurídica é compreendida como lei fundamental e

suprema de um Estado, adequando em seu bojo normas que dão estrutura ao

Estado, distribuição de competência, direitos, garantias e deveres dos cidadãos.

A Constituição para Canotilho é um ideal, a ser alcançado cuja ascendência

se deu por volta do início do século XIX. Nas palavras do autor:

Este conceito ideal identifica-se fundamentalmente com os postulados políticos-liberais, considerando-os como elementos materiais caracterizadores e distintivos os seguintes: (a) a constituição deve consagrar um sistema de garantias da liberdade (essa essencialmente concebida no sentido do reconhecimento de direitos individuais e participação dos cidadãos nos actos do poder legislativo através do parlamento; (b) a constituição contém o princípio da divisão dos poderes, no sentido de garantia orgânica contra os abusos dos poderes estaduais; (c) a constituição deve ser escrita ( documento escrito). 169

167 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. Almedina, 1998, p. 250. 168 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 34. 169 MORAES, 1999, p. 35.

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Deste modo, os preceitos constitucionais surgem para guiar todas as demais

normas, a fim de fundamentar as relações sociais e nortear os cidadãos, não

consentindo que estes retornem ao estado onde o “homem é lobo do homem”. A

Constituição, para Bonavides é conceituada na seguinte forma: em suma, é o

“estabelecimento de poderes supremos, a distribuição da competência, a

transmissão e o exercício da autoridade, a formulação dos direitos e garantias

individuais e sociais". 170

O mesmo autor ensina ainda, sobre os controles constitucionais:

O controle formal é, por excelência, um controle estritamente jurídico. Confere ao órgão que o exerce a competência com a Constituição, se houve correta observância das formas estatuídas, se a regra normativa não fere uma competência deferida constitucionalmente a um dos poderes, enfim, se a obra do legislador ordinário não contravém preceitos constitucionais pertinentes a organização técnica dos poderes e outros. [...] O controle material de Constitucionalidade é delicadíssimo em razão do elevado teor de politicidade de que se reveste, pois incide sobre o conteúdo da norma. Desce ao fundo da lei, outorga a quem o exerce competência com que decidir sobre e a matéria da regra jurídica, busca acomodar-las aos cânones da Constituição, ao seu espírito, à sua filosofia, aos seu princípios políticos fundamentais. 171

Límpido se faz assim, hás concepções sobre a constituição, em aspectos

formais, materiais. Ainda referente ao tema, pondera Lenza, elevando como base as

normas que necessariamente partem de outras, só que superiores, em extrato, um

ordenamento jurídico hierárquico:

A categorização das constituições advêm da seguinte forma: - Quanto ao

conteúdo: Podendo ser Materiais ou Formais; - Quanto à forma: Escritas ou não

escritas; - Quanto ao modo de elaboração: Dogmáticas ou Históricas; - Quanto à

origem: Promulgadas ou Outorgadas; - Quanto à estabilidade: Imutáveis, Rígidas,

Flexíveis ou Semi-rígidas; - Quanto à extensão e finalidade: Analíticas ou

Sintéticas.172

Assim, urge classificar a Constituição Federal Brasileira como, uma

constituição escrita, formal, legal, dogmática, promulgada (entende-se democrática),

170 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 21. ed. Editora Malheiros, 2007. p. 36. 171 BONAVIDES, op cit. 297;299. 172 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 10 ed. São Paulo: Método, 2006. p. 51;55

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rígida, analítica. A Carta Magna é avaliada rígida, desta forma é a lei fundamental e

suprema do Estado, nesse sentido só ela está apta a conferir poderes e

competências governamentais.173

Em estudo à Constituição Federal Brasileira, além da classificação

supramencionada, extrai-se ainda que esta é baseada em fundamentos, tais quais: a

soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, da livre iniciativa entre

outros. 174 Para possuir validade, todas as normas devem estar de acordo com a

Constituição Federal, sendo que é função dele, inclusive, disciplinar a competência

para a aplicação da transação penal, objeto de análise deste trabalho.

Pinto Ferreira, conclui apontando que:

Destarte, pode-se verificar o elemento decisivo formando a marca dominante de uma Constituição: ela é a lei fundamental do Estado, ou, por outras palavras, a ordem jurídica fundamental do Estado. Essa ordem jurídica fundamental se baseia no ambiente histórico-social, econômico e cultural onde a Constituição mergulha as suas raízes. As Constituições são, assim, documentos que retratam a vida orgânica da sociedade, e nenhuma delas foge ao impacto das forças sociais e históricas que agem sobre a organização dos Estados. 175

O mesmo autor esclarece que, a Constituição dispõe sobre princípios que

orientam a confecção do ordenamento jurídico e que dão suporte a todo o direito, 176

no caso dos princípios fundamentais, estes regem o ordenamento jurídico brasileiro

se reportando aos mandamentos nucleares do sistema.

Na palavras de Carvalho:

Que melhor se definirá a Constituição como estatuto jurídico fundamental da comunidade, isto é, abrangendo, mas não se restringindo estritamente ao político e porque suposto este, não obstante a sua reconhecida aptidão potencial para uma tendencial totalização, como tendo, apesar de tudo, uma especificidade e conteúdo material próprios, o que eu não autoriza a que pro ele ( ou exclusivamente por ele) se defina toda a vida de relação e todas as áreas de convivência humana em sociedade e levará à autonomização do normativo-jurídico especifico (nesse sentido, total – e não apenas tendencialmente – é o Direito), bem como a distinção, no seio da própria Constituição, entre a sua intenção

173 LENZA, op cit, p. 55. 174 MORAES, 1999, p.49-50. 175 FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Constitucional . 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p.09. 176 SILVA. José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo . São Paulo: Malheiros, 1999. p.95

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ideológica-política e a intenção jurídica stricto sensu. Com este sentido também poderemos, então, definir a Constituição como a lei fundamental da sociedade. 177

Contudo, "mais do que assegurar os procedimentos da democracia – que

são absolutamente relevantes -, é preciso entender a Constituição como algo

substantivo, porque contém valores (direitos sociais, fundamentais, coletivos lato

sensu) que o pacto constituinte estabeleceu como passíveis de realização" 178 , dado

que a Constituição não é "apenas a expressão de um ser, mas também de um dever

ser; ela significa mais do que o simples reflexo das condições fáticas de sua

vigência, particularmente as forças sociais e políticas.”. 179 Traduzindo assim todo o

elucidado, constituição nada mais é que a organização jurídica fundamental de um

Estado.

A constituição exerce papel basilar na composição do ordenamento jurídico

e rege todas as demais normas, caso contrário o desobediência incidiria em

inconstitucionalidade, como veremos nos próximos títulos do presente trabalho.

3.2 A LEI 9.099/95 E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS.

Todos os atos processuais inseridos na Lei dos Juizados Especiais

Criminais devem respeitar os princípios constitucionais e os princípios do processo

penal. A transação penal, face aos direitos e deveres basilares previstos na

constituição brasileira terão destaque neste estudo, para que se possa compreender

se a proposta de transação penal respeita os direitos do cidadão garantidos pela

carta constitucional pátria.

A Constituição Federal Brasileira ao se referir ao Juizado Especial Criminal,

o fez nos seguintes termos:

177 CARVALHO, Virgilio de Jesus Miranda. Os valores constitucionais fundamentais : esboço de uma análise axiológico-normativa. Coimbra: Coimbra 1982, p.13 178 STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica : uma nova crítica do direito, p. 144. 179 KONRAD, Hesse. A força normativa da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991, p. 15.

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Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

Em uma Primeira análise, este dispositivo, afastaria de qualquer modo a

suspeita de inconstitucionalidade da transação penal como instituto dos Juizados

Especiais. Contudo, este dispositivo constante na Carta Magna, apenas determinou

a sua aplicação, sem apontar os detalhes acerca de seus institutos, o que foi

disciplinado pela lei infraconstitucional.

Neste sentido, Amorim argumenta:

A Constituição da República não especificou como e quando seria a transação penal aplicada nos casos concretos. Quem o fez foi a lei n. 9.099/95. Tal diploma legal, em seu art. 76, previu a aplicação da transação penal antes mesmo de iniciado o processo (no entendimento tradicional). 180

E ainda nas palavras de Cabette “foi a Lei 9099/95 que se encarregou de

tudo isso e, na parte que ora nos interessa, estabeleceu que a transação somente

pudesse ter por objeto “pena não privativa de liberdade” (artigo 76, “caput” c/c artigo

62).181

Continua a explicação o mesmo autor:

Percebe-se que a Constituição apenas legitima o legislador ordinário a definir quais sejam as infrações de menor potencial ofensivo e regular seu procedimento, inclusive o instituto da transação penal. A Constituição não nos diz quais seriam tais infrações e quais seriam as regras para seu processamento, inclusive no que se refere ao instituto da transação penal.182

Assim, ante o objetivo deste capítulo, qual seja, abordar a

180 AMORIM, Pierre Souto Maior Coutinho de. Considerações sobre a (in) constitucionalidade da transação penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1280, 2 jan. 2007. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/ doutrina/texto.asp?id=9341>. Acesso em: 27 out. 2008. 181 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Art. 28 da Lei nº 11.343/06: uma transação inconstitucional?. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1490, 31 jul. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/ doutrina/texto.asp?id=10219>. Acesso em: 27 out. 2008. 182 CABETTE, 2007.

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constitucionalidade ou não do procedimento utilizado pela Lei 9.099/95, denominado

transação penal e nos moldes em que vem sendo aplicado, importa estudar ainda,

os princípios constitucionais e processuais atinentes a procedimento.

3.2.1 Princípios constitucionais e a transação pena l

Em toda ordem constitucional que venha a vigorar num determinado Estado,

num ou noutro tempo da história, fruto da ampla discussão pela sociedade, ou em

decorrência da vontade daquele que detenha o poder constituinte, é baseada em

princípios, que, arquitetados em normas constitucionais, modelarão um dado tipo de

Estado, uma sociedade de seu próprio destino. 183

Sobre a vinculação das leis com a Constituição e seus fundamentos, Streck

ensina:

Não há dúvida, pois, que o legislador está umbilicalmente obrigado a legislar de acordo com a Constituição, entendida no seu todo princípiológico (seu conteúdo material), sendo os princípios a condição de possibilidade do sentido da Constituição (não se olvide que princípios são normas e, portanto, vinculam!). Nenhuma lei pode ser editada se qualquer de seus dispositivos confrontar um princípio da Lei Maior. É por isso que a Constituição é um remédio contra maiorias.184

Deste modo, tais princípios, norteadores da conduta do Estado, aparelhados

constitucionalmente, têm origens as mais diversas possíveis, remontando, no mais

das vezes, a delineamentos filosóficos antigos, conectados ao direito natural à

concepções humanísticas do direito.185

Não resta qualquer dúvida que o bem jurídico, neste caso a restrição de

direito do individuo tem, estrita relação com o todo constitucional, representado

183 SILVA, 1997, p. 43. 184 STRECK, Lenio Luiz. Os juizados especiais criminais á luz da jurisdição constitucional: A filtragem hermenêutica a partir da aplicação da técnica da nulidade parcial sem redução de texto. Leniostreck.com.br, disponível em: http://leniostreck.com.br/index.php?option=com_ docman&task=cat_view&gid=25&dir= DESC&order=date&Itemid=40&limit=10&limitstart=10. Acesso em: 27 out. 2008. 185 SILVA, 1997, p. 43.

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pelos preceitos e princípios que encerram a noção de Estado Democrático de

Direito. 186 Deste modo cumpre salientar o seguinte dispositivo Constitucional, que

trata dos direitos fundamentais do cidadão:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

No que concerne à aplicação da transação penal, esta encontra sérios

obstáculos para a sua aplicação ante o dispositivo constitucional supra mencionado,

pois qualquer procedimento penal, sobre tudo, deve obrigatoriamente regrar-se aos

princípios contidos na Carta Magna e no sistema processual penal.

O dispositivo do art. 5º, LIV e LV, consagrado pela Constituição Federal,

garante que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido

processo legal e ao assegurar a qualquer acusado em processo judicial o

contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, de forma

que a análise destas garantias é essencial para compreensão do tema deste estudo.

3.2.2 Princípio de devido processo legal e a transa ção penal

O devido processo legal, como princípio constitucional, abrange o “conjunto

de garantias de ordem constitucional que, de um lado, asseguram às partes o

exercício de sua faculdade e poderes de natureza processual e, de outro lado,

legitimam a Própria função jurisdicional.” 187

Tourinho Filho complementa:

186 STRECK, 2008. 187 SILVA, 1997, p. 44.

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Embora sem expressa disposição legal, sempre se observou o princípio do due processo of law. Hoje, contudo, foi ele erigido à categoria de dogma constitucional. Assim dispõe o art. 5º, LIV, da Constituição de outubro de a1988: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Já se passaram os tempos dos bills of attinder.188

Trata-se, portanto, de princípio inserido na Constituição, garantia e ingresso

do cidadão às deliberações do sistema judiciário, mediante regra legal precisamente

proposta no nível da elaboração legislativa, e do qual decorrem alguns postulados

básicos para o sistema democrático, tais como, o da instrução contraditória e a

ampla defesa, dentre tantos outros de igual relevo. 189

No âmbito processual garante o acusado à plenitude de defesa,

compreendendo o direito de ser ouvido, de se informado pessoalmente de todos os

atos processuais, de ter acesso à defesa técnica. “Consiste em assegurar à pessoa

o direito de não ser privada de sua liberdade e de seus bens, sem a garantia de um

processo desenvolvido na forma que estabelece a lei”. 190

Assim, o devido processo legal representa o direito a regular curso de

administração da justiça pelos juizes e tribunais, visando a proteger a pessoa contra

a ação arbitraria do Estado. 191 Arbitrariedade esta, inclusa no procedimento da

aplicação da transação penal, ao modo que antes de existir qualquer acusação

contra o suposto autor do fato, já lhe é imputado uma pena.

Sobre a inobservância do devido processo legal quando da aplicação

antecipada das penas, Amorim adverte:

Outros problemas de constitucionalidade ainda poderiam ser apontados, na forma de transação penal apresentada pela lei n.9099/95, como, por exemplo, a existência de pena sem processo, pois a transação penal é homologada antes do oferecimento da denúncia. Podemos, no entanto, englobar também esse problema na nítida violação ao devido processo legal, ampliando este conceito. 192

Assim, o Juizado Especial Criminal não pode, sob o argumento de utilizar-se

do princípio da celeridade, em que os atos devem ser efetuados de forma rápida,

188 TOURINHO FILHO, 2007, p. 58. 189 SILVA, loc cit. 190 CAPEZ, 2006, p. 32. 191 SILVA, loc cit. 192 AMORIM, 2007.

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ignorar os princípios constitucionais, restringindo direitos assegurados. É o

ensinamento de Amorim:

A Constituição da República em nenhuma hipótese autorizou o legislador a dispensar o devido processo legal, com ampla defesa e contraditório, quando da previsão da aplicação da transação penal. Está lá, dito na moribunda Constituição em vigor, que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal"(art. 5, inciso LIV, da CR).

O Superior Tribunal Federal, ao julgar caso semelhante, deferiu ordem de

Hábeas Corpus em favor do paciente, sobre o argumento de que, o devido processo

legal não é respeitado no momento da conversão de pena resultante da transação

penal.

EMENTA: HABEAS CORPUS. PACIENTE ACUSADO DOS CRIMES DOS ARTS. 129 E 147 DO CÓDIGO PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL QUE CONSISTIRIA NA CONVERSÃO, EM PRISÃO, DA PENA DE DOAR CERTA QUANTIDADE DE ALIMENTO À "CASA DA CRIANÇA", RESULTANTE DE TRANSAÇÃO, QUE NÃO FOI CUMPRIDA. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. Conversão que, se mantida, valeria pela possibilidade de privar-se da liberdade de locomoção quem não foi condenado, em processo regular, sob as garantias do contraditório e da ampla defesa, como exigido nos incs. LIV, LV e LVII do art. 5º da Constituição Federal. Hábeas corpus deferido. 193

E ainda pelo mesmo órgão julgador entendeu-se caso similar ao analisado:

EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. JUIZADO ESPECIAL. TRANSAÇÃO PENAL DESCUMPRIDA. CONVERSÃO DA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS EM PRIVATIVA DE LIBERDADE. ILEGALIDADE. Lei 9.099/95, art. 76. I. - A conversão da pena restritiva de direitos, objeto de transação penal, em pena privativa de liberdade ofende os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. II. - H.C. deferido. 194

Tourinho Filho, aponta que: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus

bens sem o devido processo legal” (CF, art. 5º, LIV). Sendo que nesta expressão: 193 HC 80164 / MS - MATO GROSSO DO SUL, Relator Min. ILMAR GALVÃO, Julgamento: 26/09/2000, Órgão Julgador: Primeira Turma. http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listar Jurisprudencia.asp? s1=transa% E7%E3o+penal++e+princ%EDpio&pagina=2&base=baseAcordaos , acesso dia 27/0/2008. 194 HC 84775 / RO – RONDÔNIA, Relator Min. CARLOS VELLOSO, Julgamento: 21/06/2005, Órgão Julgador: Segunda Turma. http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp. Acesso em: 27 out. 2008.

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due processo of law, estão todas as garantias processuais. 195

A proibição constitucional de restrição dos direitos dos cidadãos, sem devido

processo legal, inclui os direitos afetados por qualquer modalidade de pena, sendo

evidentemente, que todos os direitos auferíveis pelos cidadãos são protegidos pela

garantia individual mencionada. 196

Conclui-se, portanto, que o procedimento imposto pela Lei 9.099/95 ao

dispor do instituto da transação penal, fere o preceito constitucional do devido

processo legal, posto que antes mesmo de acusar alguém por ato criminoso,

mediante oferecimento da denúncia, lhe é imposto uma pena.

3.2.3 Princípio da ampla defesa e da transação pena l

Por ampla defesa deve-se entender “o asseguramento que é feito ao réu de

condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes

a esclarecer a verdade”. 197 Assim, explica Capez:

Implica o dever de o Estado proporcionar a todo acusado a mais completa defesa, seja pessoal (autodefesa), seja técnica (efetuado por defensor) (CF, art. 5º, LV), e de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados (CF, art. 5ª, LXXIV). Desse Princípio também decorre a obrigatoriedade de se observar à ordem natural do processo, de modo que a defesa se manifeste sempre em ultimo lugar. 198

Este princípio visa conservar a igualdade entre partes que são

necessariamente distintas. Apenas estará inteiramente certificada quando uma

verdade tiver iguais possibilidades de persuasão do magistrado, sendo ela alegada

pelo autor, quer pelo réu.199 Assim a “ampla defesa não é aquela que é satisfatória

segundo os critérios do réu, mas sim aquela que satisfaz a exigência do juízo.” 200

Nesta linha segundo Cabette, a Lei 9099/95 teve sua constitucionalidade

195 TOURINHO FILHO, 2007, p. 46. 196 AMORIM, 2007. 197 SILVA, 1997, p. 48. 198 CAPEZ, 2006, p. 20. 199 SILVA, 1997, p. 49. 200 SILVA, 1997, p. 49.

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questionada pelo fato de supostamente violar os princípios do devido processo legal,

ampla defesa, contraditório e da presunção de inocência, ao permitir imposição de

sanções por acordo em que o autor do fato dispõe daquilo que seria indisponível. 201

O mesmo autor acrescenta que:

Uma vez que o autor do fato estaria acordando não uma pena alternativa, de alguma forma vantajosa para si em face daquela prevista no tipo penal, mas simplesmente aceitando, sem plena defesa, a mesma pena que lhe poderia (talvez) ser aplicada após o processo com o exercício do contraditório e ampla defesa. Abrindo mão de seu direito de defesa e de possível solução absolutória, o autor do fato aceitaria submeter-se a nada mais, nada menos que a pena normalmente prevista.202

De acordo com Amorim, a busca por uma solução consensual para a lide

nos Juizados Especiais Criminais não é satisfatória, na medida em que há uma troca

de permissões entre o suposto autor do fato e o Ministério Público. O suposto autor

do fato abdicaria de seu direito de ter uma defesa ampla e contraditório e o

Representante do Ministério Público se inclinaria da aplicação de uma pena privativa

de liberdade. 203

Ressalta-se ainda, que o Representante do Ministério Público não pode

“optar por uma pena restritiva de direitos em detrimento de uma pena privativa de

liberdade, pois o órgão acusador, na denúncia, não pede aplicação desta ou daquela

pena, mas apenas apresenta pedido de condenação”. A par disso, com a

possibilidade de conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos,

conforme art. 44, do Código Penal, é improvável que alguém venha a sofrer restrição

de sua liberdade em razão de uma condenação criminal no âmbito do Juizado

Especial Criminal, 204 o que deixa ainda mais claro o prejuízo suportado pelo autor,

quando a aplicação da transação penal.

Amorim ressalta como de desenvolve o procedimento da aplicação da

transação penal ao suposto autor do fato na audiência preliminar, e a forma como a

proposta de transação penal funciona como meio de pressão sobre o autor.

201 CABETTE, 2007. 202 CABETTE, loc cit. 203 AMORIM, 2007. 204 AMORIM, 2007.

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Pois bem. Nesse quadro, ao chegar à audiência preliminar, diante de um Juiz e de um membro do Ministério Público, o autor do fato é perguntado se deseja aceitar a transação penal, com todos os seus fogos de artifício (não aceitação de culpa, não gera reincidência, não traz os efeitos normais de uma sentença condenatória, etc.), recebendo uma pena restritiva de direito, ou se vai "enfrentar" o processo, neste último caso, quase como se fosse enfrentar o Juiz e o Ministério Público, tal é o inconveniente indisfarçável gerado por quem não aceita a "benéfica" proposta.205

Assim no desenrolar do procedimento a ampla defesa se quer é

mencionada, pois o suposto autor do fato não possui o direito de trazer aos autos

elementos que possam esclarecer a verdade fática, até porque, ainda não existir a

denúncia, mas apenas informações superficiais acerca de um possível fato

criminoso anteriormente narrado.

3.2.4 Princípio do contraditório e a transação pena l

Pelo princípio do contraditório sempre que for feito um pedido ou oposto um

argumento contra certa pessoa, deve-se dar a esta a oportunidade de se pronunciar

sobre o pedido ou argumento, não se decidindo antes de tal oportunidade. 206 A

desobediência a regra em que se consubstancia o princípio do contraditório acarreta

a nulidade, como se prevê o art. 564, III, c, e seguintes, do CPP. 207

Silva define o princípio do contraditório da seguinte maneira:

O contraditório impõe a conduta dialética do processo. Isso significa dizer que em todos os atos processuais às partes deve ser assegurado o direito de participar, em igualdade de condições, oferecendo alegações e provas, de sorte que se chegue à verdade com equilíbrio, evitando-se uma verdade produzida unilateralmente. 208

Assim, todos os meios necessários devem ser utilizados, para que não se

revele posição distinta em prol de uma das partes e em detrimento do outro.

“Somente quando as forças do processo, de busca e revelação da verdade, são 205 AMORIM, 2007. 206 SILVA, 1997, p. 46. 207 TOURINHO FILHO, 2007, p. 48. 208 SILVA, 1997, p. 46.

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efetivamente distribuídas com irrestrita igualdade é que se pode falar em processo

caracterizado pelo contraditório e ampla defesa”. 209

Ainda a “amplitude do alcance do contraditório está expressamente

consignada no texto constitucional, não podendo haver dúvida de que abrange todos

os processos”. 210

Nas palavra de Capez:

A bilateralidade da ação gera a bilateralidade do processo, de modo que as partes, em relação ao juiz, não são antagônicas, mas colaboradoras necessárias. O juiz coloca-se, na atividade que lhe incube o estado Juiz, eqüidistante das partes, só poderá dizer que o direito preexistente foi devidamente aplicado ao caso concreto se, ouvida uma parte, for dado a outra parte manifestar-se em seguida. Por isso, o princípio é identificado na doutrina pelo binômio ciência e participação. 211

Deste modo, a defesa não pode sofrer gravames por falta de possibilidade

de manifestação, mesmo porque o princípio garante completa igualdade entre

acusação e defesa. 212 Para equiparar as partes, é atribuído ao suposto autor do

fato, dever de constituir defensor técnico, para que possa em pé de igualdade,

discutir os direitos existentes. Nesse sentido é o entendimento de Tourinho Filho:

Na verdade, não haveria contraditório se os órgãos contrapostos fossem heterogêneos. O acusador tem habilitação técnica, e, assim, se o acusado não tivesse, haveria uma luta desigual entre ambos, e o princípio do contraditório seria provavelmente burlado. 213

Do texto constitucional retira-se a certeza de que a tutela jurídica, devida

pelo Estado à sociedade, não se limita a um simples comprometimento de repostas

ao direito de ação, praticada de forma igualitária pelo autor e pelo réu. O que se

assegura, enfaticamente, é o devido processo legal, com todos os atributos que a

história do constitucionalismo universal conseguiu construir. 214

Decorrente do princípio do contraditório, é que “vigência do processo de tipo

acusatório, a regra da igualdade processual, segundo a qual as partes, acusadora e

209 SILVA, 1997, p. 46. 210 SILVA, op cit, p. 47. 211 CAPEZ, 2006, p. 19. 212 TOURINHO FILHO, 2007. p 46 213 TOURINHO FILHO, op cit, p. 47. 214 SILVA, 1997, p. 47.

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acusada – encontram-se no mesmo plano, com iguais direito”. 215 Sobre o processo

acusatório, continua o autor:

Alias, em todo processo de tipo acusatório, como o nosso, vigora esse princípio, segundo o qual o acusado, isto é, a pessoas em relação a quem se propõe a ação penal, goza do direito “primário e absoluto” da defesa. O réu deve conhecer a acusação que se lhe imputa para poder contrariá-la, evitando assim possa se condenado ser ouvido. 216

Tem-se ainda que o contraditório insere-se no interior da ampla defesa,

quase se confundindo integralmente, na medida em que uma defesa não pode ser

senão contraditória. Ainda o princípio do contraditório é a exteriorização da própria

defesa. “A todo ato produzido caberá igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou

dar-lhe a versão que lhe convenha, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica

diversa daquele feito pelo autor”. 217

Contudo, a proposta de transação penal ofertada pelo Ministério Público na

Lei 9.099/95, no momento de sua homologação, apresenta um claro desrespeito

para com o princípio do contraditório, pois o suposto autor do fato tem de optar pela

diminuição de seus direitos ou enfrentar o processo, sem que tenha sido ouvido ou

que tenha produzido qualquer tipo de prova em seu favor e em sentido contrário ao

que está narrado no Termo Circunstanciado de Ocorrência. 218

Por este motivo, a transação penal, torna-se, no tocante ao seu

procedimento, inconstitucional pois, o suposto autor dos fatos não pode abrir mão de

uma garantia individual constitucional, que é absolutamente indeclinável.219

Tem-se ainda, que no momento da proposta e da homologação da

transação penal, não há qualquer tipo de investigação concluída, o que impossibilita

que a defesa decida com segurança se a transação penal seria realmente um

benefício ao seu cliente. 220 Além disso, para se exercitar o direito de punir é

necessário que haja processo em julgamento, já que não pode o estado impor

215 TOURINHO FILHO, 2007, p.. 48. 216 TOURINHO FILHO, op cit, p. 46 217 SILVA, op cit, p. 49. 218 AMORIM, 2007. 219 AMORIM, 2007. 220 AMORIM, 2007.

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arbitrariamente, a sanção.221

3.3 PRINCÍPIO RELATIVO AO PROCESSO PENAL E A TRANSAÇÃO PENAL

3.3.1 Princípio da presunção da inocência

Como conseqüência direta do princípio do devido processo legal, foi

reconhecido na doutrina e nas legislações, o denominado princípio da presunção de

inocência. A Constituição Federal pátria, por outro lado, não presume a inocência,

mas declara que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de

sentença penal condenatória” (art. 5º, inciso LVII), ou seja, embora opte pela não

culpabilidade, deixa claro que tal somente se dará quando do trânsito em julgado da

sentença penal condenatória. 222

Este princípio nada mais “representa que o coroamento do due processo of

law. É um ato de fé no valor ético da pessoa, próprio de toda a sociedade livre.” 223 A

presunção de inocência, ainda segundo Tourinho Filho:

Contudo a expressão presunção de inocência não deve ter o seu conteúdo semântico interpretado literalmente – caso contrário ninguém poderia ser processado -, mas no sentido em que foi concebido na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: nenhuma pena pode ser imposta ao réu antecipadamente. 224

Para Capez, o princípio da presunção de inocência desdobra-se em três

aspectos, quais são:

a) no momento da instrução processual, como presunção relativa de não-culpabilidade, invertendo-se o ônus da prova; b) no momento da avaliação da prova, valorando-a em favor do acusado quando houver duvida; c) no curso do processo penal, como paradigma de tratamento

221 MIRABETE, 1998, p. 387. 222 SILVA, 1997, p. 49-50. 223 TOURINHO FILHO, 2007, p. 61-62. 224 TOURINHO FILHO, 2007, p. 62.

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do imputado, especialmente no que concerne à análise da necessidade de prisão processual. 225

Assim, ninguém será considerado culpado até o transito em julgado de

sentença penal condenatória. Deste modo, ”nada mais natural do que a inversão do

ônus da prova, ou seja, a inocência é presumida, cabendo ao Ministério Público

provar a culpa. Caso não o faça, a ação penal deverá ser julgada improcedente”. 226

Na transação penal prevista nos Juizados Especiais Criminais, o suposto

autor do fato receber a uma pena, ainda que restritiva de direito, sem profunda

investigação dos fatos, direito de defesa, ou sequer processo instaurado na sua

devida forma e portanto, sem sentença condenatória.

E mais, importa lembrar que o processo penal pode resultar numa

absolvição inclusive por inexistência fática como disposto no art. 386, I, do Código

de Processo Penal, situação que o autor do fato jamais poderá usufruir, vez que é

condenado sem processo. 227 Sendo assim, o princípio da presunção de inocência é

ferido, pois, mesmo havendo a presunção de inocência, o suposto autor aceita uma

pena, advinda da transação penal, em desrespeito total aos princípios

constitucionais mencionados.

Para Amorim, uma solução para o caso, seria de uma proposta de transação

penal sendo feita ao final do procedimento previsto na lei n. 9.099/95, garantindo o

contraditório e a ampla defesa ao autor do fato. Assim, após as alegações finais

orais, o autor do fato poderia analisar o conjunto probatório produzido e, então,

verdadeiramente optar pela aceitação ou não da proposta de transação penal. 228

Ante a análise feita, resta claro que não se pode, em nome de um desejo de

celeridade processual, instituir a inobservância das garantias constitucionais do

cidadão, impondo a aceitação da aplicação antecipada de pena. Tal procedimento

representa, não só um prejuízo ao cidadão envolvido (suposto auto do fato), mas

também, um reforço ao descrédito tão característico à justiça brasileira.

225 CAPEZ, 2006, p. 44. 226 LENZA, 2006. 227 AMORIM, 2007. 228 AMORIM, 2007.

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CONCLUSÃO

Registraram-se no trabalho, apontamentos sobre o instituto consagrado em lei,

inclusive determinado pela Constituição Federal, qual seja a transação penal no Juizado

Especial Criminal.

Coube invocar todos os aspectos acerca deste dispositivo legal, principalmente

quando o enfoque dado era sobre o momento e a maneira que deveria ser aplicado ao

caso em concreto é que o instituto da transação penal, antes mesmo da instauração de

um processo pode incorrer em mácula a própria Constituição Federal, em desrespeito as

premissas fundamentais nela contidas, tais quais: princípio da ampla defesa e

contraditório, devido processo legal, entre outros.

Não se pode negar que há a crescente sensibilidade jurídica para o

desenvolvimento de meios que tornem o sistema judiciário mais célere. O elevado

número de lides gera um acúmulo processual, tornando o sistema moroso e muitas

vezes, ineficaz.

Ainda, é notável a pressão da sociedade para que o Estado atue em todas as

esferas, e assegure os chamados “direitos fundamentais”, e por conseqüência, as

garantias deles decorrentes, tal qual a segurança jurídica. As leis e o Direito como um

todo, visam sempre preservar a vida plena em sociedade, resguardando assim o

chamado Estado Democrático, onde priorizamos, ainda que em tese, a igualdade de

todos.

A visão da presente monografia aponta a importância de considerar que o

ordenamento jurídico não pode resolver de forma precisa a questão que reporta sobre a

validade de seus dispositivos unicamente sob a ótica das leis ordinárias. Estas estão

submetidas à Constituição e, acaso a contrariem, não podem subsistir, mesmo que esteja

também prevista no conteúdo constitucional. É preciso, assim, avaliar sob todas as óticas

e aspectos, principalmente o respeito aos princípios basilares do Direito.

Percebe-se claramente a necessidade de um impulso no sistema jurídico, para

uma aplicação imediata, todavia, não se podem buscar procedimentos mais rápidos e

econômicos, processualmente falando, e esquecer de manter o devido equilíbrio jurídico,

e acima de tudo, pelo respeito às normas hierarquicamente já consagradas.

Restou evidenciado que até os dias atuais, mesmo com a norma já consagrada

constitucionalmente, portanto, considerada legal, a transação penal ainda incorre em

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dúvidas para muitos. É grande o foco de discussão sobre sua constitucionalidade e ainda

sobre seu aspecto que, grosso modo, parece servir de instituto “despenalizador”.

Contudo, com o decorrer da pesquisa, pode-se ver que a problemática reside,

fundamentalmente, no momento da aplicação e homologação da transação penal, vez

que a lei não deixa claro o aspecto sobre o procedimento e a hora de utilizar-se deste

mecanismo.

Quando da homologação do instituto em comento, percebe-se de forma

expressa que o autor deixa de valer-se de seus direitos, inclusive porque o processo

sequer iníciou-se. O Direito prevê o devido processo legal, e todos os outros meios para

que a justiça atinja a todos, indistintamente, não se fala em nenhum momento, e em

nenhum diploma jurídico sobre a supressão de direitos fundamentais, tal qual ocorre com

a aplicação da transação penal. Ademais, é inviável considerar a aplicação de um

procedimento que atinja ou minimize os direitos, que tornariam-se sem sentido os

princípios constitucionais.

Torna-se a dizer então, que o Estado só deve condenar ou penalizar quem

realmente for culpado, seguindo todo o procedimento já consagrado na Carta Magna e

respeitando assim seus institutos. O que se vê na transação penal é que ocorre a quebra

do procedimento habitual.

Entendem alguns doutrinadores que para a aplicação correta da transação

penal, deve-ser estar reformulada, visando garantir a manutenção da segurança jurídica

e de todos os princípios estipulados na Constituição Federal de 1988.

Sabidamente que o homem deve primar por seus direitos, e principalmente,

resguardar aqueles que já foram-lhe assegurados. Dessa maneira, está em voga com o

presente tema, se houve ou não a mácula a estes direitos fundamentais, será possível

dizer-se que é possível ser justo julgar os homens antes mesmo de analisar os fatos

como ocorre na transação penal.

Isto porque, como já dito há tempos atrás por Abraham Lincon: “De tanto ver

triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça,

de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a

desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”. Não se pode

deixar voltar a um estado de caos, aonde o homem desacredita na sociedade e no

sistema como um todo.

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Notadamente, que as leis, e por conseqüência, o direito, originou-se da soma

de valores individuais, que quando reunidos em uma sociedade originaram a

necessidade de ordenamentos jurídicos, e regras estabelecidas previamente, para que

se pudesse viver harmonicamente, e de forma justa, atendendo assim a todas as

necessidades sociais.

Exprime-se, por último então, que o posicionamento adotado após a pesquisa

é o de que a transação penal no Juizado Especial Criminal é um instituto possível, e visa

a celeridade judicial, um beneficio sem dúvidas. Todavia, para que seja justo, merece

reformas, atendendo assim ao devido processo legal e respeitando os princípios

fundamentais.

Deste modo, dá-se o término do presente trabalho acadêmico, que visou

oportunizar o aprimoramento acerca do tema.

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