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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE PSICOLOGIA DROGADIÇÃO HOJE: entendendo o processo de recaída DANIELA SANTANA DE OLIVEIRA CORADO ITAJAÍ, (SC) 2006

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

CURSO DE PSICOLOGIA

DROGADIÇÃO HOJE: entendendo o processo de recaída

DANIELA SANTANA DE OLIVEIRA CORADO

ITAJAÍ, (SC) 2006

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DANIELA SANTANA DE OLIVEIRA CORADO

DROGADIÇÃO HOJE: entendendo o processo de recaída

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí. Orientadora: Profª. Maria Celina Ribeiro Lenzi.

ITAJAÍ (SC), 2006

2

DEDICATÓRIA

Dedico esta pesquisa a minha orientadora, Professora Maria Celina Ribeiro Lenzi, pela sua paciência, dedicação e confiança proporcionados a mim neste longo período, incentivando-me sempre a melhorar através de sua sabedoria e também ao meu esposo Danilo pelo seu companheirismo, amor e compreensão, tornando possível a realização deste trabalho.

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AGRADECIMENTOS

Ninguém, entretanto, escreve um Trabalho de Conclusão de Curso sozinho, e

eu não constituo exceção. Para escrever este trabalho produzido, detalhado e com o

devido grau de complexidade, precisei da cooperação, incentivo e apoio de muita

gente.

Com efeito, na estrada da vida, todos, somos devedores. Aos amigos,

devemos à compreensão, a tolerância, o estímulo, a palavra amiga nas horas

difíceis e a própria crítica construtiva.

Seria impossível agradecer, adequadamente, a todos que contribuíram para a

concepção, desenvolvimento e finalização deste Trabalho, já que deveríamos incluir

nossos pais, nossos professores pela vida afora, os amigos que se envolveram com

seu apoio e incentivo, e todos os que influenciaram a minha vida a ponto de estarem

refletidos nestas páginas.

Mas sou especialmente grata a Deus – a suprema fonte da sabedoria e da

inspiração – a Ele devemos à vida em toda a sua plenitude. Sem a divina graça e

incentivo, teria, com certeza, resvalado desastradamente em montanhas de

desânimo e obstáculos, de que fui providencialmente resguardada em não poucas

ocasiões.

Neste trabalho sou devedora aos meus familiares, minha mãe, minhas irmãs e

tias que conviveram com minha ansiedade de fazer o melhor, com muito empenho.

À minha amiga Simone que foi extremamente prestativa, lendo e apresentando

sugestões para melhorar o texto e em especial, a minha Orientadora Maria Celina

Ribeiro Lenzi, que não economizou paciência e compreensão para me dar o devido

suporte para que o melhor fosse feito.

4

EPÍGRAFE Meu Deus, concede-me a Serenidade de aceitar as coisas que não posso mudar, a Coragem de mudar as coisas que posso e a Sabedoria para perceber a diferença. Vivendo um dia de cada vez; apreciando um momento de cada vez; aceitando os reveses como caminho para a paz. Percebendo, como Jesus fez, este mundo perverso como ele é – não como eu gostaria que fosse. Confiando que endireitarás as coisas se eu me entregar à tua vontade para que eu seja razoavelmente feliz nesta vida e supremamente feliz contigo para sempre, na outra. Amém!

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SUMÁRIO

RESUMO ...................................................................................................................06

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................07 2 EMBASAMENTO TEÓRICO .................................................................................11 2.1 Histórico .............................................................................................................11 2.2 Definição e Classificação ...................................................................................12 2.3 Comunidades Terapêuticas ................................................................................20 2.4 Abstinência..........................................................................................................21 2.5 Recaída ..............................................................................................................22 2.6 Família ................................................................................................................24 2.7 Sociedade ..........................................................................................................25 3 ASPECTOS METODOLÓGICOS .........................................................................27 3.1 Amostra ...............................................................................................................27 3.2 Instrumento .........................................................................................................27 3.3 Procedimentos para a coleta de dados ...............................................................28 3.4 Análise dos Dados ..............................................................................................28 4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ....................................29 4.1 1ª Categoria: Expectativas .................................................................................30 4.1.1 Subcategoria: Projeto de Vida .........................................................................30 4.1.2 Subcategoria: Reinserção Social ....................................................................33 4.1.3 Subcategoria: Grupos como Suporte ..............................................................35 4.1.4 Subcategoria Espiritualidade ...........................................................................37 4.2 2ª Categoria: Dificuldades ..................................................................................38 4.2.1 Subcategoria: No Âmbito da Sociedade ..........................................................39 4.2.2 Subcategoria: No Âmbito da Família ...............................................................43 4.2.3 Subcategoria: No Âmbito do Trabalho e da Educação ....................................46 4.3 3ª Categoria: Sentimentos ..................................................................................48 4.4 4ª Categoria: Recaída ........................................................................................57 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................64 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................68 7 ANEXOS ................................................................................................................70 8 APÊNDICES ..........................................................................................................72

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DROGADIÇÃO HOJE: ENTENDENDO O PROCESSO DE RECAÍDA

Orientadora: Profª. Maria Celina Ribeiro Lenzi Defesa: 22/11/2006

Resumo: Resumo: Possivelmente a droga é o fator mais importante de desorganização social, familiar e individual, além dos níveis insuportáveis já alcançados pelo seu elevado custo socioeconômico e sanitário. Diante desta problemática surgiu esta pesquisa, que teve como objetivo geral verificar os fatores que levam à recaída dos dependentes químicos, que passaram por um período de abstinência durante a internação em clínicas de recuperação. Desta forma, desenvolveu-se uma pesquisa de cunho qualitativa, tendo como instrumento a entrevista semi-estruturada. Os sujeitos desta pesquisa foram 05 dependentes químicos em recuperação, que recaíram logo nos primeiros noventa dias após o tratamento, a idade variou entre 22 e 37 anos, todos do sexo masculino e dependentes químicos a mais de dois anos. Todos os participantes desta pesquisa encontravam–se em processo de recuperação em duas Comunidades Terapêuticas de Itajaí. Os dados foram categorizados e compreendidos por meio da análise de conteúdo. Pelo exposto até o presente verifica-se que a família, a sociedade e o grupo social ao qual o indivíduo está inserido são de fundamental importância em todos os aspectos de sua vida. Todos estes agentes associados às suas questões pessoais podem levá-lo a realizar seus projetos de vida ou direcioná-lo ao uso de drogas e a uma possível recaída. Palavras-Chave: Dependente Químico; Tratamento; Recaída.

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1 INTRODUÇÃO

Vivemos em uma sociedade que nas últimas décadas vem passando por um

grande processo de transformação. As estruturas familiares, já não seguem os

mesmos modelos dos tempos de nossos avós, os valores sociais hoje são outros,

valorizamos o ter e o poder e esquecemos o “ser”. Nossos jovens muitas vezes

guiados por estes valores encontram nas drogas este poder, este “status”, que tanto

é valorizado e incutido em nós desde pequenos. Sob o efeito das drogas estes

jovens se sentem poderosos, acima do bem e do mal.

Mas o que é droga afinal? Atualmente de acordo com Organização Mundial de

Saúde – (OMS), é qualquer substância natural ou sintética, que introduzida por

qualquer via do organismo, afete sua estrutura ou função. O universo que envolve

esta questão é extremamente amplo, incluindo desde produtos comuns utilizados

por nós no dia a dia como chás, cafeína, refrigerante sabor cola, remédios, entre

outros, até os que comprometem mais as diversas estruturas do nosso organismo e

que alteram nossos comportamentos, como álcool, maconha, cocaína, crack, etc.

Normalmente as drogas que causam maiores danos físicos, psicológicos e sociais,

são usadas indiscriminadamente em todas as camadas sociais, geralmente são

consideradas ilícitas, ou seja, proibidas por lei e causam grande dependência.

Segundo o DSM IV – TR, “dependência de substância consiste na presença

de um agrupamento de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos

indicando que um indivíduo continua utilizando uma substância apesar de problemas

significativos relacionados a ela. Existe um padrão de auto-administração repetida

que geralmente resulta em tolerância, abstinência e comportamento compulsivo de

consumo da droga” (DORNELLES, 2002, p. 113).

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Existem dois tipos de dependência, assim definidos por Vargas (1993, p. 25),

dependência física e dependência psicológica. A dependência física é um estado de

adaptação que se manifesta por sintomas físicos intensos quando a administração

da droga é suspensa. A dependência psíquica é o estado no qual uma droga produz

“um sentimento de satisfação e uma reação psíquica que exigiria administração

periódica ou contínua da droga para provocar o prazer ou para evitar o mal estar”.

Hoje as drogas se constituem como o fator mais importante de

desorganização social, familiar e individual, e o que é mais grave, conforme afirma

Chabornneau (apud VARGAS, 1993, p. 89) “é que deixou de ser um fenômeno de

marginalização para passar a ser um fenômeno de cultura. É a nossa cultura que

integrou a droga dentro de seu esquema existencial”.

Sabemos que a droga está presente em todas as camadas da sociedade,

atingindo os mais diferentes segmentos sociais. Nos dias atuais é fácil, nos

depararmos com a droga em todos os lugares, bares, festas, escolas, favelas e em

muitos casos até dentro de casa. A sociedade está assustada, mas ao mesmo

tempo precisa enfrentar esta situação que é cada vez mais comum e diversas vezes

não temos como fugir, pois está muito próxima de nós.

O fato é que as drogas estão aí, entre os jovens, adultos e idosos e o número

de dependentes cresce a cada dia, mas de que forma e como tratar estes

dependentes?

Atualmente existem vários tratamentos para a dependência química, ou uso

abusivo de substâncias, todos trabalhando de formas diferentes, dentro de suas

abordagens e crenças.

Destacamos as Comunidades Terapêuticas, que são instituições

especializadas no tratamento e reabilitação de indivíduos com problemas de adicção

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a drogas e álcool. O processo terapêutico focaliza intervenções pessoais e sociais,

atribuindo funções, direitos e responsabilidades ao indivíduo dependente em

ambiente seguro em relação ao consumo de álcool e drogas, geralmente o

tratamento psicossocial está incluído na programação das comunidades. As

internações costumam ser longas e duram vários meses.

Existem diversas comunidades terapêuticas e cada uma delas, intervêm de

acordo com o modelo de tratamento adotado, mas de forma geral todas visam à

recuperação do dependente. Uma característica fundamental e comum a elas é a

abstinência, interrupção do uso de drogas, por parte do dependente durante o

processo de internação.

No período em que o dependente está internado é observada uma melhora

progressiva e aparente neste indivíduo e em seu comportamento, indicando sucesso

no tratamento. Pesquisas revelam que após o tratamento e o retorno deste indivíduo

para o contexto social e familiar ele não consegue se manter em abstinência por

muito tempo, geralmente cerca de 90 (noventa) dias após o tratamento acontecem

os casos de recaída em aproximadamente 2/3 deles, conforme destacam Marlatt &

Gordon (1993, p. 203).

O interesse sobre este tema surgiu a partir de experiências próprias

vivenciadas dentro do contexto familiar e diante das angústias observadas no

dependente em não conseguir se manter em abstinência depois de cinco

internações. Após algumas leituras e pesquisas, percebe-se que não é um problema

exclusivo deste indivíduo, pelo contrário é algo que atinge a maioria dos

dependentes.

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Sobre esta temática, surge a questão. Quais os fatores que estão

relacionados à recaída dos dependentes químicos após conseguirem ficar em

abstinência durante a internação?

Diante desta questão, surgiu esta pesquisa, que teve como objetivo geral

verificar os fatores que levam à recaída dos dependentes químicos, que passaram

por um período de abstinência durante a internação em clínicas de recuperação. De

forma mais específica buscou-se levantar quais as expectativas que o dependente

apresenta em relação ao futuro; identificar sentimentos do dependente em relação

ao enfrentamento da realidade; identificar como o dependente se sente dentro da

sociedade e levantar quais os sintomas precedem a recaída.

Pesquisar sobre este assunto se torna extremamente importante uma vez que

ao investigarmos e levantarmos estes fatores, estaremos contribuindo de uma forma

ampla e eficaz para as questões que envolvem os tratamentos, as famílias e os

indivíduos de maneira geral.

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2 EMBASAMENTO TEÓRICO

2.1 Histórico

“A utilização de substâncias químicas não é uma característica da sociedade

atual, se constitui numa prática milenar”, denota Kraemer (2001, p. 38).

De acordo com Palma (1988, p. 47):

A evolução social da droga seguiu o caminho da disseminação a partir dos

escravos negros para as camadas menos favorecidas da população, mas

sob o olhar das classes dominantes. Ainda segundo esta mesma autora,

nos dias de hoje a droga passou das mãos dos poucos que curavam ou

faziam profecias com ela, às mãos dos que a utilizam como forma de

contestação e de rebeldia.

Esta rebeldia passa a ser foco de grandes teorias e nos ajuda no

entendimento das questões que podem levar o indivíduo ao uso abusivo de

substâncias químicas.

Conforme a revisão bibliográfica, mencionada por Kraemer (2001, p. 54), “na

maioria das situações, os fatores que induzem ao uso abusivo e a dependência são

múltiplos, dentre os quais destaca-se: fatores genéticos, fatores psicossociais e

psicodinâmicos, pressão do grupo, transgressão e protesto, curiosidade, escape ou

fuga, busca do prazer, individualidade e pressão social, gratificação, causas

microssociais ou familiares e fatores neuroquímicos”.

Segundo Palma (1988, p. 105), “vários pontos devem ser levados em conta

neste encontro do homem com a droga, ficando difícil se falar em um motivo

especial para o abuso destas substâncias”.

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2.2 Definição e Classificação

Para que possamos compreender o que leva o indivíduo a dependência

química, precisamos entender a verdadeira definição das drogas, conhecer quais os

tipos e as implicações no organismo.

Segundo a Organização Mundial de Saúde - OMS, “drogas são todas as

substâncias que, introduzidas num organismo vivo, podem modificar uma ou mais de

suas funções”.

Kraemer (2001, p. 35) dá uma definição geral de drogas, tóxicos, psicotrópicos

ou substâncias psicoativas: “São, portanto, quaisquer substâncias naturais ou

sintéticas que atuam sobre o sistema nervoso central e que, usadas sob certas

circunstâncias, funcionam como remédios (na cura de enfermidades) ou venenos

(quando utilizados de forma indiscriminada causando prejuízos à saúde)”.

De acordo com Santos (1999, p. 77): “Várias são as formas de classificação

das drogas, segundo a origem, segundo o grau de dependência, de tolerância, etc.

Mas a forma mais fácil de classificar as drogas é segundo seus efeitos, nas quais

estão divididas em três grupos: estimulantes, depressoras e alucinógenas. As

estimulantes são aquelas que elevam ou aceleram a atividade mental, como as

anfetaminas; as depressoras diminuem ou relaxam a atividade mental, como o ópio

e as drogas alucinógenas são as que distorcem ou alteram a atividade mental, como

é o caso do LSD”.

Conforme menciona Kraemer (2001, p. 134): “Ao nível do sistema nervoso

central os psicotrópicos, dependendo da categoria, provocam uma desorganização

da química cerebral promovendo transformações da afetividade, alternando

sentimentos e emoções, produzindo estados de depressão ou euforia. Por conta dos

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efeitos no cérebro, aparecem, além da desorientação no tempo e espaço, distúrbios

da senso-percepção e do pensamento como: ilusões, alucinações, idéias delirantes

e obsessivas”.

A título de ilustração, mostraremos abaixo, o quadro de classificação das

drogas, de acordo com seus efeitos, segundo CID – 10, citado no livro do Kraemer

(2001, p. 156).

I – Estimulantes da atividade do sistema nervoso ce ntral

a) Anfetaminas usadas como estimulantes da vigília – danfetaminas,

metanfetamina.

b) Anfetaminas usadas como moderadores de apetite – mazindol,

dietilpropina, fenproporex.

c) Cocaína.

d) Cafeína.

II – Depressoras da atividade do sistema nervoso ce ntral

a) Álcool.

b) Hipnóticos.

1 – Barbitúricos (pentobarbital, fenobarnital)

2 – Outros (brometo)

c) Ansiolíticos (diazepam, lorazepam, clordiazepóxido)

d) Narcóticos (opiáceos)

1 – Naturais (morfina, codeína)

2 – Sintéticos (meperidina, metadona, propoxifeno)

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3 – Semi – sintéticos (heroína)

e) Solventes (inalantes – colas, tintas, removedores, tiners, etc)

III – Perturbadoras da atividade do sistema nervoso central

a) Alucinógenos propriamente ditos (primários)

1 – Sintéticos: LSD – 25 e DMA (êxtase)

2 – Naturais: derivados da maconha (haxixe, THC), derivados indólicos

(de plantas e cogumelos), derivados do peiote.

b)Alucinógenos secundários

1 – Anticolinérgicos: derivados de plantas (datura sp), sintéticos

(triexafenidila, benactizina).

Diante destas informações, destacaremos os tipos de drogas mais comuns,

seus efeitos quando utilizadas de forma abusiva, as mais utilizadas e as que

apresentam maior relevância em nossa sociedade. Além destas muitas outras são

comercializadas e causam dependência, devendo a sociedade estar em alerta.

Álcool – classificado como um depressor do sistema nervoso central, é

utilizado de forma indiscriminada na sociedade sendo muitas vezes subestimado,

pois faz parte de qualquer evento social, encontro entre amigos e festas. Desde

muito cedo somos apresentados a esta droga, na infância, em festas infantis, os

adultos se divertem tomando uma “cervejinha”. Na adolescência, temos que

“aprender” a beber e somos cobrados pelos amigos por isso. Sobre esta afirmação

15

Ferreira (2003, p. 42) destaca que “as pessoas que não bebem são vistas com certo

desconforto e certa desconfiança sobre sua “normalidade”.”

A sociedade vê o álcool como “afogador de mágoas”, um remédio popular

para incômodos físicos e emocionais, mas esta mesma sociedade não tem idéia dos

efeitos devastadores desta droga sobre o nosso organismo.

O álcool é um depressor do sistema nervoso central. De acordo com Kraemer

(2001, p. 173): “A embriaguez depende da quantidade de álcool ingerida, da

velocidade que o indivíduo bebe e o fato de estar em jejum. O indivíduo neste

estado apresenta fala pastosa, diminuição da coordenação motora, as reações ficam

atrasadas, a visão e audição sofrem prejuízos progressivos e ocorre desinibições

comportamentais”.

Segundo Ferreira (2003, p. 44), “os efeitos danosos do álcool sobre os

principais órgão e sistemas do organismo são cumulativos, piorando enquanto a

pessoa está bebendo. O álcool provoca aumento do colesterol circulante, lesa

permanentemente o sistema nervoso e altera de diversas formas o sistema

digestivo”.

Nicotina – classificada como uma droga estimulante do sistema nervoso

central, é composta por três elementos principais, o alcatrão, a nicotina e o

monóxido de carbono. De acordo com Kraemer (2001, p. 181), o uso freqüente do

tabaco pode causar, náuseas e vômito, irritação nasal, aumento do ritmo cardíaco,

aumento da pressão arterial, entre outros. Os fumantes têm maior risco de contrair

câncer de boca, laringe, esôfago, pâncreas, rins e bexiga. Por ser estimulante o

abandono da dependência se torna mais difícil.

Maconha – classificada como uma droga perturbadora do sistema nervoso

central, a forma mais comum de sua utilização é através do cigarro. Ele é feito na

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maioria das vezes pelo próprio usuário, do qual é composto de folhas secas, talos,

brotos, flores e sementes da planta. É difícil a pessoa sentir qualquer efeito

psicológico na primeira vez que fuma. Seus efeitos vão depender da quantidade, do

intervalo entre o uso, da expectativa do usuário e das condições ambientais. De

acordo com as diversas bibliografias encontradas os efeitos causados pelo uso

constante da maconha são vários, nos quais destacam-se: aumento da freqüência

cardíaca, fome intensa, vermelhidão nos olhos, confusão mental, sonolências,

distorção do tempo e do espaço, prejuízo na memória. Estudos ainda apontam

complicações no coração, no sistema nervoso central, no aparelho respiratório e na

reprodução, conforme destaca Santos (1999, p. 92).

Cocaína – classificada como uma droga estimulante do sistema nervoso

central. É um pó branco, cristalino, gorduroso, solúvel em água e com odor

característico do solvente usado no processo de fabricação. Apresenta-se sob forma

de pequenas pedras ou de escamas.

A cocaína é usada de várias formas: inalação, aplicação e oralmente. A

inalação consiste em cheirar uma porção que é espalhada numa superfície em forma

de carreirinha. O usuário tapa com a mão uma fossa nasal e aspira o pó pela outra

fossa. A estimulação por esta via se prolonga por até 40 minutos. Quando injetada, a

cocaína causa euforia instantânea prolongando seus efeitos pelo período de 45

minutos. Oralmente ela produz efeitos não tão intensos e com duração de 15 a 30

minutos. A aplicação é um método pelo qual a cocaína é friccionada nas gengivas,

debaixo da língua ou colocada em contato com qualquer mucosa, inclusive no pênis

e vagina, destaca Santos (1999, p. 93).

Muitos são os efeitos causados pela cocaína, dentre estes Kraemer (2001, p.

187), ressalta: “sensação de euforia e bem estar, idéias de grandiosidade, sensação

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de poder, prejuízo na capacidade de avaliação, hiperatividade, insônia, falta de

apetite, perda da sensação de cansaço, pupilas dilatadas, taquicardia, reflexos

aumentados e sudorese. Como aumento da dose ocorrem alucinações auditivas,

táteis, excitação sexual, irritabilidade, reações de pânico e sensação de estar sendo

perseguido”.

Palma (1988, p. 117) adverte que “a morte pode advir de uma dose errada,

muito alta, por parada respiratória, alucinações seguidas de convulsões e coma”.

Crack – derivado da cocaína é uma droga de ação mais rápida, mais

poderosa e eficiente em provocar dependência e morte. È vendido em forma de

pedras e fumado em cachimbos. Seus efeitos são devastadores, ela provoca

dependência em menos de um mês e pode matar em menos de um ano, ela causa

agitação ou depressão, anorexia ou fome, compulsão, fadiga, depressão insônia ou

sonolência. Nos dependentes observa-se ausência de prazer, perda de energia,

ansiedade e compulsão, afirma Santos (1999, p. 101).

Kraemer (2001, p. 189) destaca que “diferença entre o crack e a cocaína é o

preço do produto e os efeitos causados no indivíduo”

Ecstasy – classificada como estimulante e alucinógena. È uma droga

sintética, ou seja, produzida em laboratório. Apresenta-se na forma de comprimidos.

O usuário geralmente consome juntamente com bebidas alcoólicas, o que intensifica

o efeito. Kraemer (2001, p. 190), enfatiza que “Os principais efeitos são euforia, bem

estar intenso, aumento da disposição e resistência física, percepção distorcida de

sons e imagens e alucinações. O uso freqüente pode causar perda de apetite,

náuseas, fadiga, depressão, ansiedade, medo, aumento da pressão arterial, entre

outros.”

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O mercado nos oferece uma grande variedade de drogas e atreladas a isto

também é crescente o número de pessoas que estão fazendo uso destas

substâncias e concomitantemente se tornando dependentes.

Os efeitos, transtornos e nível de dependência que a droga causa recebe

tema de classificação que interliga e auxilia na compreensão e intervenção dos

profissionais de saúde, conforme quadro do DSM IV-R (2002), que segue:

19

20

2.3 Comunidades Terapêuticas

Segundo pesquisa realizada na literatura, Milby (1988, p. 17) informa que a

primeira comunidade terapêutica para adictos foi a Synanon, fundada em 1958 por

Charles E. Dederich, um ex-alcoólatra. Foi baseada nos Alcoólatras Anônimos e

começou aceitando adictos a narcóticos mais por acidente que por planejamento

sistemático.

Milby (1988, p. 18) enfoca ainda que:

A maioria das comunidades terapêuticas pressupõe que a adicção é

resultado de problemas psicológicos existentes há muito tempo e que são

necessárias técnicas terapêuticas intensivas para alterar os padrões

básicos de caráter, personalidade e comportamento, para que os

residentes não mais precisem da droga para agir.

De acordo com Fracasso (apud SERRAT, 2001, p. 235): “A proposta da

comunidade terapêutica deve considerar, que o dependente químico pode

desenvolver-se nas diversas dimensões de um ser humano integral, através de uma

comunicação livre entre a equipe e os residentes, em uma organização solidária,

democrática e igualitária”.

A autora ainda ressalta que o objetivo da comunidade terapêutica é ajudar o

dependente químico a se tornar uma pessoa livre, através da mudança de seu estilo

de vida, é a reabilitação de indivíduos que, apresentam problemas com a adicção de

drogas e álcool.

As internações costumam ser longas, durante meses. O processo terapêutico

focaliza intervenções sociais, atribuindo funções, direitos e responsabilidades ao

indivíduo dependente.

21

Para Rangel (apud SERRAT, 2001, p. 236), tudo o que há na comunidade

terapêutica deve contribuir para que o dependente alcance uma forma alternativa de

reorganização pessoal, com novos padrões de comportamento e pensamento.

Uma característica comum a todas as comunidades terapêuticas é a

abstinência do dependente durante o tratamento.

2.4 Abstinência

Nosso principal objetivo neste trabalho é discutir sobre a recaída e os

aspectos relacionados a ela, mas antes disto, precisamos entender e compreender a

questão da abstinência, que é um fator muito importante, quando se fala em

dependência química.

Segundo o DSM IV – R (DORNELLES, 2002, p. 124)

A característica essencial da abstinência, consiste no desenvolvimento de

uma alteração comportamental mal adaptativa e específica de determinada

substância, com concomitantes fisiológicos e cognitivos, devido à cessação

ou redução do uso pesado e prolongado de substância. A síndrome

específica da abstinência causa sofrimento ou prejuízo clinicamente

significativo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas

importantes da vida do indivíduo. Os sintomas não se devem a uma

condição médica geral nem são mais bem explicados por outro transtorno

mental.

O autor Milby (1988, p. 59) salienta que: “o dependente químico passa por

períodos de abstinência durante sua dependência, são períodos em que o uso da

droga é interrompido por determinado tempo, isto ocorre geralmente quando ele está

em processo de recuperação, internado em clínicas de recuperação, comunidades

terapêuticas entre outras”.

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A dependência química é uma doença crônica, que deve ser tratada durante

toda a vida do dependente, mas quando ele consegue se manter em abstinência

sem estar internado é o que nos leva a crer que ele está se recuperando, ou melhor,

se restabelecendo.

2.5 Recaída

Esta provavelmente, seja a chave principal, para que possamos encontrar

uma forma mais eficaz de se tratar do dependente químico, pois será através dos

pontos fracos destes dependentes que buscaremos a melhor maneira de resolver

este problema.

Mas o que é a recaída?

O autor Landre (apud SERRAT, 2001, p. 328) informa que “a recaída é o

processo no qual o dependente volta a fazer uso abusivo da substância, após algum

tempo de abstinência”.

Milby (1988, p. 64) denota que:

A recaída é o que torna a dependência química tão intrigante e frustrante,

pois o dependente não consegue se manter em abstinência por muito

tempo e logo recai, causando frustração tanto para ele quanto para a

família. Em muitos casos a perspectiva é de que o indivíduo nunca mais

conseguirá levar uma vida normal.

A recaída é precedida de sintomas, que se detectados a tempo podem

contribuir para que o retorno ao processo de recuperação se fortaleça e o indivíduo

cresça.

De acordo com o Programa Amor-exigente, existem doze sintomas que

antecedem a recaída, que são: desonestidade, impaciência, intolerância,

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indisciplina, depressão, frustração, euforia, exaustão, troca de dependência,

autopiedade, pretensão, ausência de grupos.

O autor Landre (2001, p. 330) corrobora que o programa que existe a respeito

deste assunto é a prevenção da recaída, que “é um conjunto de habilidades e

modificações no estilo de vida do dependente para evitar a recaída, seus objetivos

consistem na aquisição de habilidades para lidarem com as situações de risco e a

modificação do estilo de vida”.

Vargas (1993, p. 23), comenta que:

Os fatores que levam o indivíduo à recaída ainda são pouco conhecidos, o

que se sabe é que há fatores de risco e que muitas vezes não depende só

do dependente, mas sim de uma reestruturação da estrutura

biopsicossocial. Os programas de prevenção da recaída ajudarão o

dependente a lidar com estes fatores de risco e possibilitar ao indivíduo

reconhecer se ele é capaz de lidar com estas situações sem precisar fazer

uso de drogas.

Os fatores considerados de risco apontados por Landre (apud SERRAT, 2001,

p. 332), são os estados emocionais negativos, conflito familiar, pressões sociais,

trabalho e ambiente de trabalho, influência de amigos, diversão e prazer,

pensamentos secretos de consumir, problemas físicos e psicológicos para lidar com

o tratamento e reativação dos mecanismos de defesa.

A recaída se constitui em um desafio para o dependente e para as pessoas

envolvidas com ele (família, amigos), pois é difícil identificar e entender os motivos.

24

2.6 Família

A família é um fator de extrema importância quando se fala em dependência

química, ela muita vezes é o fator desencadeador deste processo, mas também é

quem contribui de fato para o processo de recuperação.

Afirmam Schenker e Minayo (2003, p. 63) que: “A família passa suas crenças

e valores através de gerações, e é fonte primária de acolhimento para seus

membros. Pelo fato de ser co-responsável pela formação dos indivíduos, a família

está diretamente ligada no desenvolvimento saudável ou doentio de seus membros”.

Kalina (apud LOURENÇO, 1994, p. 213) pondera que “a primeira reação da

família diante da revelação do uso abusivo de drogas por um de seus filhos é o da

negação, muitas vezes aborrecem – se com àqueles que tentam alertá-los, pois não

aceitam que a família aparentemente normal está em crise”.

“Diante da descoberta de que seu filho está no mundo das drogas, esta

família, tenta achar explicação para o que está acontecendo, se sente traída, ela não

compreende e aceita que o uso de drogas é um sintoma de que algo não vai bem

com a pessoa, ou até mesmo dentro da estrutura familiar”, afirma o autor Lourenço

(1994, p. 213).

O uso abusivo de drogas por um membro da família, salienta Ferreira (2003,

p. 117), altera com toda a estrutura familiar, deixando todos de certa forma

“doentes”. Esta “doença” familiar é chamada de co-dependência, ou seja, é quando

uma pessoa envolvida com um dependente químico tenta controlar o uso da

substância, seus comportamentos compulsivos, na esperança de ajudá-lo e acaba

perdendo de certa forma o controle de sua vida.

25

Quando o dependente está em tratamento não só ele, mas toda sua família

deve procurar ajuda, pois grande parte de sua recuperação vai depender de

mudanças ocorridas dentro da estrutura familiar.

Para Schmidt et al., (1996, apud SCHENKER e MINAYO, 2003, p. 97), é

importante ressaltar que todas as intervenções baseadas na família, partem do

princípio de que a mudança no indivíduo que faz uso abusivo de drogas, resulta da

mudança no sistema familiar.

2.7 Sociedade

De acordo com Vargas (1993, p. 146), fatores socioeconômicos e políticos

também influenciam o aumento do uso indevido de drogas. O desemprego e a

insegurança individual co-relação ao futuro, são considerados como fatores que

facilitam a ocorrência do problema.

Ainda de acordo com este autor, a situação é extensiva a toda sociedade, pois

nem as famílias, nem as organizações que seus membros deveriam participar,

conseguiram agir adequadamente quando o assunto é o uso abusivo de

substâncias. Portanto vemos uma defasagem entre a velocidade com que o

problema surge e se intensifica, e a velocidade de adaptação das diferentes

estruturas sociais.

De acordo com Moraes (1999, p. 122) “O mundo de toda pessoa é

primeiramente a família, que se encontra desestruturada e em tormentosa crise de

identidade. Vivemos em uma sociedade cega, que não percebe as grandes

mudanças entre os jovens que estão escolhendo motocicletas e outras máquinas

velozes para seu triste ritual de autodestruição. Nossa sociedade apresenta

26

processos de exclusão sócio-econômica, que geram ressentimentos. A mídia

corrompida e corruptora lança toneladas de lixo mental em nossa psicoesfera.

Diante de tudo isto não podemos duvidar das doenças de nossa sociedade, e uma

das reações mais trágicas deste mundo desanimador é a opção pela drogas”.

Todos estes fatores, além das estruturas familiares grande parte das vezes

fracassadas e o fator da pré-disposição genética, nos levam acreditar que são os

responsáveis pelo aumento galopante do uso indevido de substâncias químicas.

27

3 ASPECTOS METODOLÓGICOS

3.1 Amostra

Os sujeitos desta pesquisa foram 05 dependentes químicos em recuperação,

que recaíram logo nos primeiros noventas dias após o tratamento, a idade variou

entre 22 e 37 anos, todos do sexo masculino e dependentes químicos a mais de

dois anos. Todos os participantes desta pesquisa encontravam – se em processo de

recuperação em duas Comunidades Terapêuticas de Itajaí. A tabela 1 ilustra o perfil

dos entrevistados.

Participante Idade Estado Civil

Nível de instrução

Naturalidade Profissão Idade que iniciou o uso de drogas

D1 (C.S.G) 26 Casado Médio completo

Joinville Mecânico 18

D2 (R.O.M) 23 Solteiro Fundamental incompleto

Itajaí Mecânico naval

12

D3 (M.J.A) 37 Solteiro Médio completo

São José dos Pinhais

Pescador 17

D4 (R.M.S) 28 Divorciado Médio completo

Itajaí Auxiliar de serviços gerais

15

D5 (I.A.S) 22 Solteiro Médio completo

Itajaí Segurança 10

3.2 Instrumento

Após a obtenção do consentimento dos sujeitos em participar da entrevista,

com a necessária autorização no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

(Anexo I), os participantes responderam a uma entrevista semi - estruturada com

questões relacionadas à temática investigada, elaborada pela autora deste estudo.

(Apêndice A).

28

3.3 Procedimentos para a coleta de dados

Após a autorização dos dirigentes das duas instituições, foram marcadas as

datas para a realização das entrevistas com os dependentes químicos. As

entrevistas foram individuais e os participantes foram escolhidos de forma aleatória,

atendendo as características previamente solicitadas. A cada um dos participantes

foi explicado os objetivos da pesquisa, a metodologia que seria utilizada e o método

de análise dos dados. A coleta de dados ocorreu nas dependências das instituições.

As entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas posteriormente.

3.4 Análise dos Dados

A análise das entrevistas dos participantes seguiu um dos modelos propostos

por Moraes (1999, p. 56), para a análise de conteúdo. Este modelo é usado para

descrever e interpretar o conteúdo, de toda classe de documentos e textos, ele

ajuda a interpretar as mensagens e a atingir uma compreensão de seus significados

num nível que vai além de uma leitura comum. É uma busca teórico–prática com

significado especial no campo das investigações sociais.

29

4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

De acordo com as entrevistas, foram obtidos os resultados na tentativa de

responder o objetivo geral desta pesquisa que consistia em verificar os fatores que

levam à recaída dos dependentes químicos, que passaram por um período de

abstinência durante a internação em clínicas de recuperação. Para tanto, com o

objetivo de sistematizar o entendimento dos dados obtidos, foram criadas as

categorias e suas respectivas subcategorias apresentadas no quadro a seguir:

CATEGORIAS SUBCATEGORIAS

EXPECTATIVAS � Projeto de vida

� Reinserção social

� Grupos como suporte

� Espiritualidade

DIFICULDADES � No âmbito da Sociedade.

� No âmbito da Família.

� No âmbito do Trabalho e da Educação

SENTIMENTOS

RECAÍDA

30

4.1 - 1ª Categoria: Expectativas

“Temos nosso pincel e tintas – pintemos o Paraíso, e entraremos nele. Ou,

se assim desejarmos, podemos criar um Inferno para nós mesmos. Mas, se

escolhermos o Inferno, devemos compreender que a opção é nossa e não

podemos mais, portanto, culpar nossos pais, família, amigos, sociedade ou

Deus. Ninguém e nada pode deprimir-nos ou causar-nos dor, se optamos

por não ser desta forma.” (KAZANTZAKAS, Nikos Apud BUSCAGLIA, 1997, p. 88)

O objetivo desta categoria foi investigar as formas pelas quais os

dependentes químicos se apropriam, se envolvem e se comprometem com questões

voltadas para o futuro. Ao focar esta categoria, encontramos com muita propriedade

questões referentes ao projeto de vida, reinserção social, grupo como suporte e

espiritualidade.

4.1.1. Subcategoria - Projeto de Vida

Esta categoria nos mostra quais são os projetos de vida que os dependentes

químicos possuem após passarem pelo processo de internação.

Segundo Fong (2002, p. 1), projeto de vida é um plano para que possamos

visualizar melhor os caminhos que desejamos seguir para alcançar nossos objetivos.

Fong ainda enfatiza que:

Para isso, necessitamos saber claramente quais são nossos objetivos e

metas, e precisamos ter em mente também quais são os nossos valores,

pois são eles que direcionarão nossas vidas. Se nossas metas não

estiverem em congruência com nossos valores mais profundos, dificilmente

estaremos satisfeitos com nossas vidas. Mesmo alcançando as metas, se

elas não estiverem em harmonia com o que realmente nosso coração pede,

sentiremos um vazio interior que poderá nos deixar confusos e sem direção.

31

Ainda fazendo uso da contribuição de Fong (2002, p. 2), ele nos sugere que

um projeto de vida deve constituir-se de 08 (oito) áreas ou saúde: saúde física;

saúde espiritual; saúde intelectual; saúde familiar; saúde social; saúde financeira;

saúde profissional e saúde ecológica.

Diante desta proposta, verificamos que através dos dados coletados, de uma

forma geral, todos os entrevistados se identificam com o Projeto de Vida sugerido

por Fong, onde suas expectativas se direcionam na realização de um ou vários

destes objetivos.

Saúde Espiritual: Está relacionado com o seu auto-desenvolvimento como

Ser. Manter a paz de espírito, o amor por você e pela vida como constatamos nas

entrevistas “ter uma estabilidade espiritual” (D.2) - “vou para a igreja” (D.5).

Saúde Intelectual: Está relacionado com o seu aprendizado, ao estudo. E,

constata-se esta opção por um dos adictos, onde ele pondera “voltar a estudar de

novo... tenho sede de aprender.” (D.2).

Saúde Profissional: Está relacionado com a carreira, com o objetivo que

deseja seguir, a mudança e o crescimento na profissão como enfatiza um dos

adictos “um emprego que eu vou ter” (D.2).

Saúde Social: Está relacionado com a sociedade como um todo, a

necessidade de reinserção social, a busca de um grupo, como se constata nesta

fala: “vou buscar novas oportunidades, novas amizades” (D.5)

Saúde Física: Está relacionado com o corpo físico, de maneira a mantê-lo

saudável. E, a melhor maneira de mantê-lo são, como declara outro dependente é

“continuar o tratamento fora daqui” (D.4)

Saúde Familiar: Está relacionado aos relacionamentos familiares, o

tratamento dispensado a eles, o amor e a harmonia transmitidos. É onde se verifica

32

a preocupação de um dos dependentes, no qual o mesmo ressalta “tenho que cuidar

do meu filho” (D.1)

Dentro desta mesma perspectiva, Zago (1994, p. 135) reflete sobre a questão

da necessidade do dependente parar de usar drogas e ter um Projeto de Vida:

É necessário que o dependente pare de tomar drogas para poder pensar,

refletir, ou melhor, trabalhar-se, para mudar sua visão de mundo e valores, a

fim de descortinar novas possibilidades de escolha, transformando seu

plano suicida em Projeto de Vida. Sem esse trabalho interior, é muito difícil,

para quem quer superar sua dependência, encontrar ou buscar respostas

novas e construtivas aos problemas e crises da existência.

O tema projeto de vida é pessoal e intransferível. O ser humano deve eleger

seus caminhos, fazer suas escolhas no sentido de se encaminhar para um projeto

sadio, sem máculas, sem frustrações, ou exclusões. Esse caminho deve ser o mais

íntegro possível, e estar de acordo com o objetivo da pessoa que o delineou.

Para que este projeto de vida tenha as características mencionadas, e seja

um projeto saudável, a pessoa deve ser digna e trabalhar-se interiormente, ter

expectativas e construir-se a cada momento, a cada instante, fortalecer-se a ponto

de vislumbrar um bem-estar interior, que seja capaz de transcender e resplandecer

em conquistas visíveis, ou seja, em um projeto de vida vitorioso.

Isto não quer dizer que a pessoa não possa ter expectativas, ou um projeto de

vida, mas que ela tem que se preocupar com o presente, pois a partir do momento

que ela faz planos e estes começam a falhar o indivíduo se frustra, se sente

fracassado e muitas vezes estes sentimentos os levam à recaída. Diante disso, Zago

(1994, p. 155) enfatiza: “Assim, o dependente, não adoeceu porque começou a

tomar drogas, mas por já estar adoecido existencialmente faz por meio das drogas

uma tentativa de “solução” ou “cura” para as suas feridas mais íntimas”.

33

Projeto de vida que inclua saúde leva a uma perspectiva da reestruturação da

vida em todos os aspectos. Redimensioná-la e reconstruí-la passo a passo, sendo

que cada passo deve ser firme e constante, um de cada vez, para evitar os tropeços

e saber contornar os obstáculos que aparecem ao longo do caminho é uma tarefa

árdua e constante, que deve ser cumprida em etapas.

4.1.2. Subcategoria - Reinserção Social

Esta sub-categoria aponta para as expectativas, os medos e os temores que

o dependente apresenta ao retornar para sociedade.

De acordo com Landre (apud SERRAT, 2001, p. 349), a reinserção social é

um processo gradativo e progressivo do indivíduo em seu retorno à sociedade de

origem.

Landre ainda comenta que o objetivo fundamental da Reinserção Social é a

progressiva ressocialização em um ambiente que reforce a capacidade de : a) ser

autônomo; b) interrelacionar-se no ambiente da Comunidade Terapêutica; c) auto-

afirmar-se; d) buscar a felicidade através do conhecimento; e) lutar, assumindo

compromisso e responsabilidade; f) distinguir meios (saúde, higiene, postura,

estudo) e fins (auto-controle, conhecimento, realização e pessoal e profissional,

trabalho, saúde, etc...).

Neste contexto de reinserção, o adicto deve ter um projeto de vida e procurar

respeitá-lo, o grupo deve ajudá-lo a superar a ansiedade entre o presente e o futuro,

isto é encontrado em uma das falas dos entrevistados – “(...) penso em tudo, no dia

de amanhã, penso no hoje” (D.1). Dentro deste contexto outras questões são

abordadas, como a culpa do passado, confirmada através da entrevista – “(...) a

34

sociedade me vê como um drogado, um ladrão, porque tenho passagem pela

polícia” (D.1); Lidar com seus desejos e aspirações reais, evidente em três das cinco

entrevistas – “(...) eu penso que temos que ter sonho, porque quem não tem sonho

vegeta” (D.1) – “(...) voltar a estudar de novo (...) tenho sede de aprender mais e

mais, um emprego que eu vou ter” (D.2), - “(...) ficar longe das drogas para

conquistar todas as coisas que quero” (D.4). Ainda nesta perspectiva o dependente

químico deve atenuar a cada dia a ansiedade de viver tudo imediatamente,

conforme segue – “(...) resolver um pouco da minha vida, colocar as coisas em

ordem” (D.3) e as inevitáveis frustrações devidas aos insucessos que poderão

ocorrer.

Rogers (1991, p. 29) cita quanto às frustrações pessoais do ser humano:

Descobri que sou mais eficaz quando posso ouvir a mim mesmo aceitando-

me, e quando posso ser eu mesmo. (...) Tornou-se mais fácil para mim

aceitar a mim mesmo como um indivíduo irremediavelmente imperfeito, e

que, com toda a certeza, nem sempre atua como eu gostaria que atuasse.

Esta é uma fase recorrente nos indivíduos em processo de recuperação, por

isso Landre (apud SERRAT, 2001, p 352) enfatiza que a equipe da comunidade

terapêutica deve ajudar o dependente químico a:

- Reconhecer seus valores pessoais;

- Reconhecer seus interesses;

- Dar valor à responsabilidade;

- Formular e concretizar suas escolhas e

- Utilizar as “ferramentas” e “instrumentos” para caminhar na recuperação.

35

No processo de reinserção é notável a questão do autocontrole, da auto-

afirmação e a necessidade do autoconhecimento para transformar suas expectativas

em realidade, através da maturidade, da cura e controle do “Eu”.

Nesta situação destaca-se o trabalho dos A.As1 (Alcoólicos Anônimos) e

N.As2 (Narcóticos Anônimos), que são grupos de auto-ajuda, cuja proposta parte do

pressuposto de que o alcoolismo e o uso de drogas é uma doença e o objetivo único

desta proposta é a abstinência. Os A.As e N.As possuem uma linha uniformizada e

estruturada de pensamentos baseadas nos doze passos (citados na sub categoria

de sentimentos). Geralmente a equipe é composta por antigos usuários que

completaram os Doze Passos com sucesso e passaram a colaborar para a

recuperação de outros. Suas propostas de tratamento se fundamentam em metas

em curto prazo, o aconselhamento é “viver um dia de cada vez”.

4.1.3. Subcategoria – Grupo como Suporte

Neste processo de recuperação é muito importante que o dependente

químico esteja inserido em um grupo, no qual ele possa ser aceito e se identifique,

conseguindo assim construir laços de amizade, mencionado por um dos

dependentes “vou buscar novas oportunidades, novas amizades” (D.5), bem como

estar apto a dar continuidade ao crescimento pessoal, como enfatiza outro

dependente “eu quero voltar a estudar de novo (...) um emprego que eu vou ter”

1 O modelo de tratamento preconizado pelo A.A. apareceu pela primeira vez em 1935. ele fora criado por Bill Wilson, então dependente de álcool e pelo médico Robert

Smith. Essa união resultou na criação da Alcoholics Foundation (1938), um guia para a sobriedade, fundamentado na prática dos 12 Passos. A popularidade do método de

tratamento proposto pelo A.A. fez com que este chegasse às clínicas de tratamento. Essa versão institucional do A.A. ficou conhecida como Modelo de Minnesota. No Brasil,

o primeiro grupo foi fundado no Rio de Janeiro, em 1948. Esse modelo influenciou e até hoje influencia boa parte das comunidades terapêuticas em todo o mundo,

especialmente nos Estados Unidos e no Brasil.

2 NA (Narcóticos Antônimos) é uma irmandade de homens e mulheres para quem as drogas se tornaram um problema maior. São adictos em recuperação que se reúnem em

locais e horários pré-determinados para partilhar suas experiências para se manterem “limpos”, sendo o único requisito para ser membro o desejo de parar de usar. Estima-se

que o NA hoje está em 70 países. No Brasil, são aproximadamente 450 grupos estáveis. FERREIRA NETO, David. Drogas. Porque, Como e Quando. Balneário Camboriú,

2003

36

(D.2), criando uma rede de relações com a sociedade de maneira nova, saudável,

baseada nos princípios humanos universais.

Zago (1995, p. 68) ressalta sobre o processo social:

À medida que estreita a dependência, o indivíduo gira tal como um satélite

em volta da droga, transformando-a em centro de seu viver e com isso se

ausentando de suas relações pessoais e do processo social; não podendo,

pois ausente, realizar mudanças na sociedade porque sua escravidão com

as drogas o coloca à margem desse processo.

Riviére, (1988, p. 114), caracteriza o grupo como “um conjunto restrito de

pessoas ligadas, por constantes de tempo e espaço e articuladas por uma mútua

representação, a uma tarefa que constitui sua finalidade, enteratuando através de

complexos mecanismos de assunção e adjudicação de papéis. Este grupo pode

ajudar o dependente a encontrar o sentido de sua vivência, buscando respostas

para a transformação”.

Da mesma forma, Landre (apud SERRAT, 2001, p. 354) afirma que grupo

social são pessoas da mesma idade com as quais ele construirá relações de

amizade em vários níveis e servirão de espelho, conforto, apoio e estímulo nos

momentos oportunos.

A interação com o ambiente social permitem a construção de novas relações

humanas, muito importantes no processo de recuperação, que é evidenciado em

grande parte dos dados coletados, conforme segue: - “(...) vou buscar

oportunidades, novas amizades”. (D.5), - “(...) voltar a estudar de novo”. (D.2) - “(...)

recuperar minha auto-estima”. (D.4). Desta forma o dependente químico poderá

definir melhor o seu papel social e através dele conquistar com dignidade, os seus

direitos e deveres de cidadão.

37

4.1.4. Subcategoria - Espiritualidade

Outro fator determinante de expectativas que foi abordado por dois dos

entrevistados é a espiritualidade “(...) meu primeiro objetivo é continuar congregando

em uma igreja (...) ter uma estabilidade espiritual” (D.2) – “(...) me sinto bem, pois

entreguei minha vida a Deus (...) vou para a igreja” (D.5).

Vargas (1993, p. 108) cita que a religião é o campo do pensamento que lida

com os valores últimos da vida; porquanto, a Igreja é o instrumento, em específico

que dá expressão a esses valores.

A Igreja tem a custódia dos valores básicos, que servem de orientação para a

vida. Podem ser apresentados como absolutos para aceitação e reafirmação, ou

como finalidades a atingir na luta pela vida. Esses valores normativos dão

significação à vida. Sua ausência pode tornar a vida sem significado.

Escreve Gleaton (1987, p. 7) que:

As igrejas e sinagogas são uma parte de todas as comunidades. Muitas

vezes, entretanto, não são utilizadas devidamente, ou até se ignora por

completo os recursos e o potencial dessas organizações religiosas. Podem

elas prestar orientação e levar adiante programas educacionais para as

famílias. E, mais do que qualquer outra instituição, são as igrejas e as

sinagogas as mais aparelhadas para definir um sistema alternativo de

valores e que combata a auto-indulgência e o hedonismo característico da

chamada cultura das drogas.

A Igreja em nosso meio é o mais poderoso instrumento de controle preventivo

informal, porque a religião atua basicamente na formação de valores éticos e morais.

Explica Dupont Júnior (1986, p. 307) que:

Em nível psicológico, uma forma de se pensar no efeito da religião como um

sistema de valores compartilhados e correlatos que transcendem a pessoa

38

do indivíduo e seu momento no tempo (...) é justamente essa conexão com

os valores que transcendem as experiências pessoais de cada um, para não

mencionarmos o prazer pessoal, que constitui ao mesmo tempo importante

elemento na prevenção do abuso de drogas e na intervenção e tratamento

do abuso de drogas.

Na tentativa de concluir esta categoria salientamos que estamos diante de

fatores que podem ser sinalizadores para repensarmos a questão da recuperação e

as formas de tratamento.

Os dados coletados demonstram que todos os entrevistados possuem

projetos e expectativas definidas para quando terminarem o tratamento na

comunidade terapêutica. “(...) vou buscar novas oportunidades, novas amizades”.

(D5) - “(...) resolver um pouco de minha vida”. (D.3) – “tenho que cuidar do meu filho

(...) tenho sonhos” (D.1) – “voltar a estudar (...) um emprego que eu vou ter” (D.2) –

“recuperar minha auto-estima, tentar recuperar o tempo perdido” (D.4)

Diante destas constatações é que entram as questões de políticas públicas,

da reinserção social, para poder dar suporte e ajudar estes indivíduos a conseguirem

alcançar, se não todos, mas boa parte dos objetivos que almejaram.

4.2 - 2ª Categoria: Dificuldades

“A partir do momento em que se reconhecer que a sociedade gera – ela

própria – um número infinito de circunstâncias negativas e difíceis para o

desempenho individual, estaremos em condições de compreender vários

outros fenômenos integrantes e decorrentes desta situação.” (MORAD AMAR, A.

& col. Apud VARGAS, 1993, p. 203).

Esta categoria levanta dados acerca das dificuldades encontradas pelos

dependentes químicos diante do seu processo de adicção, internação, recuperação

39

e inserção social. Desta forma foram detectadas situações que envolvem a família,

amigos, trabalho e as redes sociais de forma geral. Para dar conta desta dimensão

dividimos em três subcategorias organizadas no âmbito da sociedade, no âmbito

familiar e no âmbito do trabalho e educação.

4.2.1 Subcategoria - No Âmbito da Sociedade

Hoje a sociedade gira em torno do ter, não do que a pessoa tem em sua

essência como ser, mas em torno do que ela adquire materialmente. Os valores

materiais como o carro, a casa, a viagem, o barco, o jet ski, o dinheiro, a fama, a

empresa, a estética, estão acima dos valores morais e éticos como o respeito, o

conhecimento, a sabedoria, o amor, o afeto, a responsabilidade, a dignidade, a

família. Você é digno e obtém respeito se tiver bens materiais, senão você é rotulado

como só mais um. Esta é a sociedade da informação e do pouco conhecimento.

Tudo se vê, se conhece, pouco se sabe. Nada é aprofundado, as questões são

vistas, mas, não são estudadas, repensadas. Os jovens não têm interesse em

estudar, conhecer, saber, conquistar. A sociedade passa valores distorcidos às

pessoas, como se os bens materiais fossem a única alternativa do respeito, da

conquista, do saber, do amor. Onde ficam os valores morais e éticos, o respeito a si

próprio, a auto-estima, o auto-conhecimento, o Ser acima do Ter?

A sociedade na verdade mostra falta de respeito com as pessoas,

menospreza nossa capacidade de Ser, de podermos conquistar o que almejamos.

Vivemos na sociedade em que o valor prioritário é ter posse de coisas,

objetos e pessoas. Os objetos têm um “valor” maior do que o humano. O homem é

40

valorizado pelo que possui e não pela sua existência, seu caráter ou sua essência.

Por isso, o homem procura no exterior um significado para sua vida.

O autor Zago (1995, p. 3) comenta que: “A história trata que desde os

primórdios o homem vem buscando um significado para sua existência. Neste

sentido tenta compreender a si mesmo, sua relação com o próximo e com universo.

O homem possui consciência do que existe, do que pensa, sente e é capaz. É um

ser transformador, com capacidade para modificar esse mundo, a si próprio e as

relações. Porém a evolução do mundo e a relação homem/máquina têm conduzido o

mesmo a uma imagem distorcida, levando-o a perceber a si próprio como um ser

robotizado, ou seja, uma máquina. Há um condicionamento humano, uma

subjetividade e crises ignoradas. Tornando-se assim em um homem manipulado e

condicionado pelos meios de comunicação”.

Dentro desta perspectiva encontramos uma sociedade contemporânea onde

um de seus fatores ruminantes é a necessidade de consumo, na qual todos são

solicitados a consumir, mesmo as pessoas com recursos financeiros escassos. E

não podendo fazê-lo, sentem-se falidas ou desvalorizadas, tanto no que se refere à

sua capacidade de consumo quanto ao desejo de possuir.

Zago (1995, p. 155-156) enfatiza três significados que caracterizam o

indivíduo adoecido existencialmente pela sociedade do Ter:

1- o contexto social consumista, no qual a aparência coloca-se, pela

ideologia, como mais fundamental que a essência; 2- o consumismo, que

leva a pessoa a acreditar em “soluções” sempre no exterior de si mesma,

nos objetos. Sentir-se vazio, em crise ou angústia é proibido no mundo

coisificado; 3- a ideologia do consumo, que inculca a confusa idéia de que

estar bem de vida equivale a estar de bem com a vida.

41

Os fatores socioeconômicos e políticos têm influenciado o aumento do

consumo indevido de drogas. O desemprego e a insegurança individual com relação

ao futuro, em geral carente de alternativas para os jovens, são considerados como

fatores que facilitam a ocorrência do problema. Para muitos, hoje em dia, a vida em

sociedade significa conviver cotidianamente com a experiência do sub-humano. Para

outros, o cotidiano é um viver por viver.

Salientam Morad Amar e col (apud VARGAS, 1993, p. 125):

A partir do momento em que se reconhecer que a sociedade gera – ela

própria – um número infinito de circunstâncias negativas e difíceis para o

desempenho individual, estaremos em condições de compreender vários

outros fenômenos integrantes e decorrentes desta situação.

Nessa sociedade que privilegia o ter; transformando a pessoa em simples

instrumento, o jovem se vê frente a um vazio interior, afirma Lorenz (1974, p. 63),

sintoma de uma forma social de viver sem sentido. Ao perceber este vazio tenta

preenchê-lo com coisas materiais, algo que foi condicionado a fazer: consumir.

Neste momento busca “soluções” no mundo das exterioridades ou aparências.

Nessa procura, pode ir ao encontro das drogas para a vida continuar “sem

problemas”. Diante desta afirmação encontramos a fala de um dos entrevistados –

“(...) achei que a droga era a solução” (D.1), outra forma de acordo com o autor seria

“para esquecer”, nesta possibilidade outros três entrevistados confirmam a teoria -

“(...) a droga era meu refúgio” (D.3); “(...) o momento em que eu me entrego e

esqueço de tudo” (D.4); “(...) é um refúgio para esquecer dos problemas” (D.5).

É nítido que quatro dos cinco entrevistados, tem a mesma opinião quanto ao

consumo das drogas, as palavras utilizadas são de fuga, saída, subterfúgio,

esquecimento, solução para os problemas que os mesmos não tem coragem de

42

enfrentar, para suas crises de existência e incapacidade de resolver questões

pendentes na vida. Então criam uma expectativa em torno da droga, na esperança

de que ao voltar à realidade os problemas estivessem sanados, e retornam as

drogas porque as dificuldades são as mesmas e os dependentes continuam

frustrados, criando assim, um transtorno maior do que o anterior. É um ciclo vicioso

sem medida de frustração constante porque o indivíduo se torna cada vez mais

dependente das drogas e cada vez menos capaz de solucionar seus problemas.

Knobel (1981, p. 37) salienta:

Vivemos no que podemos chamar de uma idade adolescente da

humanidade, onde a dependência faz parte do cotidiano. Bombardeados

por anúncios cheios de erotismo, que nos convidam a ter mais força, obter

vantagens, tomar álcool e fumar cigarros, acalmar os nervos, lutar com mais

vigor, comer qualquer comida só com a ingestão de alguns comprimidos, e

depois dormir, tranqüilamente, com um outro comprimido Eis o modelo

oferecido a crianças e adolescentes. Nessas condições, fica bem difícil para

o adolescente não cair na tentação da droga.

Assim, como o consumidor alienado e compulsivo busca nos objetos

(aparência) uma maneira de manter na superficialidade a vida interior carente ou de

pouco significado, também o dependente busca na droga uma forma de evitar

pensar em suas crises e problemas, os quais seriam, se trabalhados, possibilidades

de vida nova, novos passos e projetos.

Por outro lado, também ficou evidente a questão do preconceito sofrido pelo

dependente, pois, a interação que os indivíduos assumem com as drogas, equivale

a fazer uma análise crítica do processo de degradação das suas relações sociais.

Neste contexto encontramos as falas que se intercruzam e asseveram esta

afirmação: – “(...) as pessoas olham ainda para mim como um dependente químico

(...) tem preconceito (...) as pessoas ainda discriminam” (D.2) – “(...) as pessoas nos

43

tratam como um delinqüente, um ladrão” (D.3). De outra forma também aparece,

confirmados pelas falas, a perda de seus laços afetivos e familiares e as dificuldades

de integração social, – “(...) um marginal, um ladrão, um vagabundo, para a

sociedade” (D.3) – “(...) me sentia uma escória (...) um lixo, pois é assim que a

sociedade nos vê (...) a sociedade não acredita que possamos mudar” (D.5).

O parágrafo anterior demonstra com clareza a questão da diminuição da auto-

estima e das potencialidades de crescimento pessoal.

Pode-se perceber que na dimensão social, o problema ocorre quando o

consumo individual traz como conseqüência direta à degradação da convivência e

dos valores éticos – indicado pelo dependente (D.1) “tenho passagem pela polícia, já

fui preso (...) já roubei, tenho problemas com a justiça”, valores morais – como

explana um dos dependentes “a droga representa (...) grande perda, de moral, de

caráter” (D.2), de sociabilidade, que é visível em alguns depoimentos – “para a

sociedade sou um marginal, um ladrão, um vagabundo” (D.3) – “hoje representa

uma barreira social, os dependentes químicos são discriminados (...) olham pra

gente com preconceito” (D.4).

Neste segmento, o autor Içami Tiba (1999, p. 85) explana com maestria as

perdas sociais apresentadas pelo dependente: “A droga faz o usuário mentir, roubar,

prostituir-se, disfarçar. Quanto maior a vontade de consumí-la, mais os valores ficam

relegados à segundo plano”.

4.2.2 Subcategoria - No Âmbito da Família

Cada família apresenta a sua dinâmica com suas características próprias que

lhe é peculiar, no entanto, a sua estrutura, a sua forma de funcionar e

44

principalmente, a forma como lida com as relações afetivas é que vai dar o tom e o

movimento para as dificuldades e facilidades na recuperação do dependente.

Para Landre (apud SERRAT, 2001, p. 354 – 355): “A família continua sendo

um ponto de referência importante na vida do dependente. Ele deve estabelecer

uma relação afetiva autônoma com ela e ao mesmo tempo ter a certeza que é na

família que poderá confiar e contar nos momentos difíceis ao longo da Reinserção

Social”.

Vale salientar que a família enquanto fator decisivo na reinserção social do

adicto é considerada a sociedade primária a qual ele será reinserido. Neste contexto

verifica-se que a família também poderá adquirir a co-dependência3, ou seja, a

doença das drogas também poderá ser familiar e por isso deverá ser tratada no

todo, principalmente na revisão de conceitos, de atitudes, de imposição de limites,

de atenção para com o adicto para poder reestruturá-lo e inseri-lo no convívio social.

Dentro desta perspectiva, os familiares assumem responsabilidades dos

dependentes e muitas vezes impedem que o dependente aprenda com as

experiências dolorosas; outras vezes a família isola-se e focaliza seu

comportamento no dependente e tenta controlá-lo. Ainda, existe o familiar que acaba

super protegendo o dependente. Com esta reação os familiares experimentam

frustração, ansiedade e culpa.

Ferreira Neto (2003, p. 139) esclarece com precisão a doença da

dependência familiar:

A dependência química se caracteriza por ser uma doença familiar: não

somente o dependente sofre, mas todas as pessoas a ele chegadas.

Dificilmente, não ocorrem repercussões do comportamento do doente

3 Co-dependência é uma síndrome definível crônica que segue uma progressão previsível. O co-dependente é qualquer pessoa cuja vida ficou incontrolável

por viver uma relação comprometida com um dependente químico. FERREIRA NETO, David. Drogas. Porque como e quando. Camboriú, 2003, p. 134

45

dependente nos familiares mais próximos, repercussões essas que

constituem uma verdadeira doença emocional do familiar.

Os dados coletados nesta pesquisa também são compatíveis com os estudos

acima citados, a situação da co-dependência é fortemente caracterizada, onde a

reação familiar é geralmente no sentido de proteger, conforme destacamos a seguir:

“(...) fez de tudo o que pode, me deu conselho, me levou para a igreja, nunca me

deixou faltar nada, sempre me deu carinho, amor” (D.5), outra forma de reação

familiar é a de ajudar, isto é observado em duas falas dos entrevistados – “(...) minha

família me ajudou bastante, eles me deram emprego, me deram casa pra morar (...)

sempre pude contar com eles” (D.2) - “(...) eles acham que a solução é internar, tem

que internar” (D.1), ainda dentro deste contexto familiar destaca-se o apoio, que é

sinalizado por dois dos entrevistados – “(...)me apoiou, tentaram tratamento (D.3) –

“(...) sempre que precisei, eles estavam ali para me ajudar, sempre me apoiaram, me

incentivaram, deram conselhos.” (D.4).

No parágrafo anterior, é evidente que nas cinco entrevistas, os dependentes

indiscutivelmente tiveram o apoio da família. Falaram em amor, carinho, emprego,

casa, que a família estava ali, que internaram. Vislumbraram que existem pessoas,

que se comprometem com eles, que sentem carinho, que tem expectativas quanto a

essa pessoa, que acreditam em seu potencial, no poder da “cura”, no querer, no

auto-controle, na ressurreição de uma vida.

Por outro lado, se constata com muita evidência, o poder que a droga tem nas

dissoluções das relações familiares, conforme se examina nos depoimentos a

seguir: “sou filho único, já aprontei com meu pai, já roubei ele” (D.1) – “me sinto

discriminado pela minha família” (D.4). As relações conjugais também sofrem

interferências e, este é um problema demonstrado por um dos entrevistados “me

46

separei (...) penso na mulher que me abandonou (...) porque aprontei muito com ela”

(D.1).

Pelos depoimentos constantes no parágrafo anterior, os conseqüentes

problemas em virtude do consumo de drogas com as relações familiares e conjugais

são fatores que têm agravado a dificuldade do indivíduo estabelecer novos vínculos

afetivos.

4.2.3 Subcategoria - No Âmbito do Trabalho e da Edu cação

Do ponto de vista profissional, o consumo de drogas é um problema quando

seus efeitos negativos comprometem a produtividade do indivíduo. Assim, o

dependente possui graves dificuldades de exercer atividades profissionais,

caracterizadas por ausências, acidentes e baixa produtividade no trabalho,

mencionado por alguns dos dependentes: “trabalhava como segurança, por causa

da droga fui mandado embora, não conseguia me concentrar” (D.5) – “eu tinha um

bom emprego, mas com o uso diário da droga, perdi tudo, joguei tudo fora” (D.3) –

“trabalhava com meu pai, mas roubei (...) aprontei muito, por estes problemas, ele

me mandou embora” (D.1).

Landre enfatiza que o trabalho/escola e a interação com o ambiente permitem

a construção de novas relações humanas – como ressalta um dos dependentes

“voltar a estudar de novo (...) um emprego que eu vou ter (...) tenho sede de

aprender mais e mais” (D.2). O dependente poderá definir melhor o seu papel social

e através dele conquistar com dignidade, os seus direitos.

Zago (1994, p. 23) expressa que: “A educação pode contribuir na

conscientização dos indivíduos, não se trata de tornar possível ao educando o

47

aprendizado de um posicionamento crítico em relação às drogas, porém que esse

aprendizado seja para a vida como um todo. Não somente para a vida futura, mas

para a vida no momento mesmo, no presente do sujeito concreto que se presentifica

quando assume um posicionamento crítico e construtivo no mundo”.

Dentro desta mesma perspectiva Zago (1994, p. 23-24) ainda aborda, mais

uma vez, com maestria a questão da educação:

Como instrumento de desenvolvimento e cidadania, a educação possibilita

ao cidadão aprender a pensar criticamente e a posicionar-se para ser capaz

de fazer escolhas que contribuam para com o seu crescimento pessoal e

social. E que o processo desenvolva uma consciência e uma crítica

responsável em relação ao todo e em relação às drogas.

Freire (1979, p. 26 e 81) relata a questão da educação como uma consciência

do indivíduo:

A educação crítica considera os homens como seres inacabados e

incompletos e uma sociedade também inacabada. E que o diálogo

educador-educando possibilite a conscientização que deve ser entendida

como um compromisso histórico, inserindo-se na história como sujeitos que

criam seu existir conforme fazem e refazem o mundo.

O adicto deverá encontrar um significado para sua história, compreender as

escolhas que fará. Refletir sobre o fato de que, apesar de tudo, pode dar um novo

significado à sua vida.

Para concluir esta categoria encontramos no autor Lorencini Júnior (1997, p.

04) questionamentos sob determinados aspectos individuais e sociais da

drogadição. Se pelo lado do dependente questiona: “até que ponto o consumo de

drogas provoca no indivíduo uma falta de perspectiva para o futuro, uma baixa auto-

estima e uma degradação das suas condições de sociabilidade?” Por outro lado, sob

48

uma perspectiva social pergunta: “em que medida a falta de perspectiva futura, a

baixa auto-estima e a degradação das condições de sociabilidade constituem fatores

sociais que interferem na tendência ao consumo de drogas?”

O mesmo autor responde a esse questionamento considerando uma análise

de todas as dimensões envolvidas no problema e as causas que levam ao consumo

de drogas com altos custos pessoais e sociais, onde os aspectos contextuais da

dinâmica social e cultural são mais fortes para a compreensão dos motivos e

padrões de consumo de drogas que os aspectos pessoais.

4.3 – 3ª Categoria: Sentimentos

“Descobri que sou mais eficaz quando posso ouvir a mim mesmo

aceitando-me, e quando posso ser eu mesmo. (...) Tornou-se mais fácil

para mim aceitar a mim mesmo como um indivíduo irremediavelmente

imperfeito, e que, com toda a certeza, nem sempre atua como eu gostaria

que atuasse.” ( ROGERS, 1991. p. 29).

Esta categoria tem o objetivo de identificar quais os sentimentos do

dependente químico diante da realidade, ou seja, diante da droga, quais seus

medos, angústias, ansiedades.

De acordo com o autor Theóphilo (2004, p. 3)

Os dependentes químicos em regra geral são personalidades dominadas

por angústias e temores, cuja qualidade e intensidade os convertem como

portadores de sentimentos insuportáveis para o seu ego, a insegurança em

si mesmo, a baixa estima, a desorganização de seus valores no seu ser,

estar e agir criam uma enorme insegurança, e o medo de ser destruído cria

uma forma paranóica violenta que domina este tipo de personalidade, daí a

estrutura volúvel do adicto que possui uma resistência psicológica muito

fraca. E a droga, pela sua ação química mascara o medo e dá um falso

49

suporte para sustentar o fracasso ou a frustração. É a ilusão de haver

vencido o fracasso inexistente.

A angústia cede lugar a um “clima de paz” sentido, às vezes, como

paradisíaco. Tudo adquire uma serena relevância: sons, cores, gestos, paisagens. O

tempo pára e ele pratica atitudes que em estado normal jamais seria capaz de

praticar.

Theóphilo (2004, p. 4) ainda enfoca que: “a droga funciona como objeto

externo a serviço de um “equilíbrio” que intenta restabelecer a homeostase

(tendência à estabilidade por meio interno do organismo) para que possa lidar com a

ansiedade e a angústia”.

Diante desta realidade os dados encontrados entre os participantes

entrevistados indicaram a prevalência de sentimentos de frustração, prazer, menos

valia, solidão, ausência do outro, culpa e vergonha, esperança e exclusão que serão

apresentados a seguir.

- Frustração

Um fator determinante deste contexto é a frustração das expectativas e das

condições de exclusão social que são próprias desses grupos.

Usa-se então as drogas para anestesiar esse sofrimento - enfatizado por um

dos entrevistados “(...) o motivo era tristeza e angústia (...) para esquecer” (D.3)

bloqueando assim, a possibilidade de sentir dor emocional, conforme descreve um

dos dependentes: “(...) me separei, fiquei muito triste e achei que a droga era a

solução” (D.1). O dependente torna-se emocionalmente insensível com a

drogadição, arruinando-se e a seus projetos.

50

Kafka (apud VARGAS, 1993, p. 37) ressalta com mérito a questão do

sofrimento, quando dispõe: “Você pode afastar-se dos sofrimentos do mundo, isto é,

algo que está livre para fazer e de acordo com sua natureza, mas este recuo talvez

seja precisamente o único sofrimento capaz de evitar”.

Por isso a droga pode ser eleita como objeto idealizado de “cura” para as

crises e dificuldades internas – conforme destacam os dependentes: “a droga é um

refúgio, para esquecer dos problemas” (D.5) – “era meu refúgio (...) é o momento em

que eu me entrego e me esqueço de tudo” (D.4) – “é um esconderijo (...) quando eu

me sinto mal (...) é um refúgio, é quando eu esqueço do mundo, esqueço dos

problemas” (D.1). Sob efeito de uma droga o jovem percebe-se onipotente,

“viajando”, distante ou “ligado”, escondendo com isso sua insegurança de não saber

quem é, formando um conceito de si mesmo e tendo a droga como liga.

- Prazer

No início do processo de dependência, sob o efeito da droga, o jovem delicia-

se no prazer fugaz, como destacou um dos dependentes - “para esquecer (...) não

penso em nada, só penso na droga e no prazer” (D.3).

Depois, estabelecida à dependência, torna-se escravo da droga e passa

então a viver em função exclusiva dela, pois necessita encobrir, sem saber, sua

solidão. Por último, após cada dose da droga vem a “depressão”, aliviada com outra

dose, e, assim, continuadamente.

Vargas (1993, p. 95) cita com propriedade:

Há no uso e/ou abuso de drogas um pecado original – o ato culpável do

homem que aposta contra a sua própria existência, pela alienação vital.

Com este afastamento, o homem não apenas desintegra valores pessoais,

como ainda arrasta os que com ele convivem para o nada que secreta.

51

Uma droga consumida tem para o usuário, sem ele saber exatamente, o

significado de um “remédio”, ou melhor de um “mau remédio”. São conhecidos os

desdobramentos graves decorrentes do uso, do abuso e da dependência de drogas,

tanto no aspecto individual quanto familiar, social, material, jurídico, etc. A droga não

resolve os problemas ou as crises de uma vida; pelo contrário, a “relação” com ela

apenas encobre as crises existentes, provocando outras adversidades.

Neste segmento, Cavalcante (2003, p. 02) assevera:

Ser um escravo da droga é em si um projeto suicida. Os modos de vida de

uma pessoa drogadicta mostram isso – descuido da aparência pessoal,

acidentes, colocar-se em risco, o furto, o roubo, o estelionato.

Concomitantes perdas maiores – a dignidade e o respeito, bem como seu

maior e mais rico patrimônio que é a si mesmo.

- Sentimento de menos valia

A perda do respeito, da dignidade e dos valores éticos, dentre outros, são

fatores incontestáveis de angústias e sofrimento aos dependentes. Um deles

destaca em sua entrevista: “(...) a sociedade me vê como um drogado, um ladrão,

porque tenho passagem pela polícia (...) já aprontei muito com o meu pai, já roubei

ele (...) tenho problemas com a justiça” (D.1)

- Solidão

A profunda solidão que o dependente químico vive é perceptível, pois quem

elege a droga como modo de anestesiar crises, e na maioria das vezes tal “escolha”

é inconsciente, é para que sua fragilidade e carência de pessoas não fiquem

aparentes. Solitário de si mesmo, a droga é a tentativa iludida de encontrar-se. Isto

fica evidente nas falas a seguir: “(...) o dependente químico é muito carente, se sente

52

muito sozinho”. (D.2) – (...) “eu usava droga para fugir dos problemas, principalmente

porque eu sou adotivo e me sentia diferente”. (D.3).

Há pessoas drogadictas que honestamente se dispõem a deixar as drogas.

Entretanto não conseguem. Estão dissociadas, não conseguindo transformar em

ação o que tem em idéia. Neste sentido há um aumento do sentimento de fracasso

ou ainda a incapacidade de estabelecer um relacionamento transparente para com o

próximo. Conforme as falas que seguem: “(...) eu usava a droga e depois me sentia

um lixo, mas não acreditava que poderia mudar” (D.5) – “(...) grande parte das vezes

que estou usando droga, penso que estou fazendo tudo errado, mas daí já estou ali

mesmo e não quero nem saber”. (D.1).

- Ausência do outro

A dependência de droga revela, a ausência do outro, do próximo. Isso explica

porque o dependente não consegue manter relacionamentos profundos e

duradouros com seu semelhante. Isto aparece em algumas das falas dos

entrevistados; “(...) este é o meu terceiro casamento, mas deste último agora

também estou separado”. (D.1) – “(...) por causa da droga, me separei da menina

que eu estava vivendo”. (D.5).

A drogadição é o aniquilamento do eu e do nós, ou seja, do posicionamento

no mundo. Por isso o dependente químico gosta da noite. Nela, a pessoa

dependente vive às escondidas, nos cantos, às margens. Roda ou anda pela noite

toda, sem rumo, “por aí”, desesperada, consciente ou não, em busca de prazer,

segurança ou mortal conforto nas drogas para suas feridas interiores. Tenta o

absurdo de evitar a solidão, solitário, com as drogas. A drogadição assemelha-se

perfeitamente com as trevas. Conforme as entrevistas a seguir: “(...) cheguei a ficar

53

cinco dias e cinco noites sem dormir, só queria usar a droga”. (D. 2) – “(...) eu saía,

dormia e acordava com a droga ao meu lado”. (D. 3).

Zago (1995, p. 25) revela:

A dependência de drogas é, enfaticamente, uma forma de negar a si

mesmo, isto é, um eu-negado, já que sob o efeito da droga o dependente

fica alterado (alter = outro), distante de si mesmo e, portanto, do

semelhante. Acaba manipulado (usado) pelo drogadicto apenas como

extensão de si para alimentar a sua dependência. Em outras palavras, por

não amar a si mesmo, não ama os outros; por negar ser genuinamente ele

próprio, transforma o semelhante também em o outro –negado. O

dependente “funciona”, desse modo, como uma “máquina”, repetindo

sempre a mesma operação.

Antes de uma conduta revolucionária ou rebelde, a drogadição é uma

condição escrava porque a individualidade não se mostra autônoma, ao mesmo

tempo, que se ausenta do fluxo coletivo. A pessoa drogadicta não se transforma,

então, o mundo dado, com todas as suas peculiaridades de consumo e

inacessibilidades do ter, num mundo do possível, onde o ser está em primeiro lugar

e é amplamente valorizado pela sua essência. É um viver alienado, de si mesmo e

dos outros.

- Culpa e Vergonha

Outro sentimento que rodeia o drogadictos é a culpa, enfatizada por alguns

dos dependentes – “(...) me sinto culpado” (D.3), “me sentia culpado por ter usado,

pois poderia ter encontrado outra forma de me refugiar” (D.5).

Culpa ou vergonha? Preferem sentir culpa porque a mesma fala de erro, não

de incapacidade. A culpa pode desaparecer sem deixar mancha ou marca se

tivermos pago por ela. E a vergonha? Esta tem a ver com incapacidade de algum

54

modo. É diretamente referida à auto-estima. A culpa desencadeia uma série de

reações pessoais e sociais. Até uma conversa pode diminuir o efeito de certas

culpas. Um julgamento pode absolver ou condenar.

A vergonha é paralisante, pode impedir nossa participação em certos eventos.

Ela é inesperada, desconcertante. Para a vergonha o mundo dá poucos remédios.

Da vergonha só nos livramos aceitando-nos com nossos defeitos, o que significa

aceitar-se sem esconder as próprias faltas, falhas ou carências. E o remédio fica em

torno de fortificar a auto-estima, a ponto de nos permitir suportar o olhar do outro

sem nos sentirmos na obrigação de dissimular o erro.

Nesta fase também as pessoas podem sentir muita vergonha porque acham

que estão loucos, perturbados emocionalmente, deficientes como pessoa, ou

incapaz de ser ou sentir-se normal. Também sentem culpa porque acham que estão

fazendo alguma coisa errada ou falhando ao trabalhar num programa de

recuperação. A vergonha e a culpa levam-os a esconder os sinais de aviso e param

de falar honestamente com os outros sobre o que estão experimentando. As

pessoas tentam lidar com estes sinais de aviso, mas falham. Por isso começam a

acreditar que não têm e não existe mais esperança.

Estes sinais de aviso levam as pessoas a sentirem-se inquietas, assustadas e

ansiosas. Têm medo de não serem capazes de continuar sóbrias. Podem ignorar ou

negar estes sentimentos. Evitam pensar sobre qualquer coisa que possa trazer de

volta os sentimentos dolorosos e desconfortáveis. Por isso começa a evitar tudo que

possa forçá-lo a uma honesta olhada em si mesmo.

Um senso de fracasso começa a se desenvolver. Pequenos fracassos são

exagerados e aumentam de proporção e a crença de que fez o melhor que pode e a

recuperação não está funcionando começa a se desenvolver.

55

- Esperança

Por outro lado, existem as pessoas que durante o tratamento procuram uma

forma de sobreviver a todos estes sentimentos negativos, buscando algo maior para

suas vidas, que lhes dê conforto, consolo, que abrande seus temores, seus conflitos,

suas expectativas. Enfim, buscam algo superior que lhes dê forças para sobreviver a

esta condição subumana que se envolveram, tranqüilidade e serenidade para

transporem essa barreira da dependência.

Estes sentimentos positivos estão ligados diretamente a Deus, a religiosidade

e a espiritualidade, como se observou em algumas entrevistas: “o sentimento hoje é

de intimidade com Deus (...) nós precisamos de mais intimidade com Deus (...) hoje

eu procuro ter uma presença espiritual com Deus (...) o meu sentimento é ser salvo

na verdade (...) hoje valorizo minha vida, ficar de bem comigo mesmo, para isso eu

tenho que agradar a Deus (...) procuro ter um carinho, uma harmonia, ter o coração

puro” (D.2) – “vou para a igreja (...) hoje me sinto bem, pois entreguei minha vida a

Deus” (D.5).

Buscáglia (1997, p. 138, 139 e 141) focaliza com veemência a questão da

espiritualidade:

As pessoas plenamente atuantes possuem um profundo sentido de

espiritualidade. Sabem que sua condição de tornar-se pessoa e o mundo

em que vivem não podem ser explicados ou compreendidos através,

apenas, da experiência humana. (...) A espiritualidade, a fé e o mistério são

inerentes a cada aspecto da vida. (...) A espiritualidade envolve uma

percepção de tudo que existe e uma compreensão de tudo o que não

existe. É a força e temeridade que nos permitem transcender a realidade e

nós mesmos.(...) Ser plenamente atuante é estender as mãos com total

confiança e tocar Deus, em todas as coisas.

56

A questão da religiosidade ou espiritualidade é significativa quando se busca

a “cura” ou a “solução” interior. A fé é uma das armas mais poderosas para que o

dependente seja libertado da droga.

É passível de verificação que os mesmos sentimentos que outrora levaram as

pessoas à dependência química, são os mesmos que se apresentam durante sua

recuperação ou sua necessidade de tratamento, sejam angústia, depressão,

sofrimento, exclusão, culpa, vergonha, etc...

- Exclusão

A questão da exclusão é veemente no antes e no depois, ou seja, na fase

anterior à dependência porque não tem o poder de consumo, não se sente à

vontade na sociedade por não poder consumir como a sociedade impõe que ele

consuma; na fase posterior porque não se sente aceito, acha que é ele quem faz

mal à sociedade, não consegue discernir que ele é fruto dessa sociedade. Vive em

estado de sofrimento pleno, no antes, no durante e no depois da dependência,

visivelmente verificados nos cinco depoimentos: “a sociedade me vê como um

drogado, um ladrão, (...) um bandido, um viciado (...) tenho problemas com a justiça”

(D.1) – “me sentia uma escória (...) um lixo, é assim que a sociedade nos vê” (D.5) –

“hoje a droga representa uma barreira social, os dependentes químicos são

discriminados (...) olham pra gente com preconceito” (D.4) – “para a sociedade sou

um marginal, um ladrão, um vagabundo” (D.3) – “a droga representa na minha vida

uma grande perda, de moral, de caráter, de saúde” (D.2). Diante destas entrevistas

fica evidente que a droga trás grandes prejuízos sociais para quem faz uso dela.

Pouco se vê em termos de satisfação, de alegria, de retorno a uma nova

chance que a vida proporciona. Antes se verifica medo do porvir. Muitos não

57

conseguem enxergar uma nova oportunidade de se restabelecer, não vêem que o

sofrimento e a dor são possibilidades de mudança, de desenvolvimento, de

crescimento espiritual e individual, não acreditam no presente da vida que lhes é

oferecido.

Neste contexto é imprescindível a necessidade de ações de valorização da

pessoa, como amor, carinho, desejo, proteção, harmonia, etc..., para atenuar os

efeitos nocivos das drogas. Essas ações se referem às condições possibilitadoras de

uma vida social de convivência segura e sem exclusões. Não somente aos excluídos

materialmente, mas também aqueles que já não trazem em si um sentido mais

positivo da existência.

4.4 – 4ª Categoria: Recaída

“ (...) o uso de drogas é uma forma simbólica que evidencia a má

adaptação interior e exterior do indivíduo, onde a recidiva representa

também uma reação simbólica, denotadamente agressiva, aos estímulos e

meios que o ameaçam e o frustram”. (VARGAS, 1993, p. 162).

Para entendermos melhor a recaída precisamos conhecer quais são os sinais,

os fatores de risco que levam a tal situação. O que pretendemos com esta categoria

é conhecer quais são estes sinais indicativos. De acordo com as entrevistas

realizadas percebemos que todos eles têm consciência e sabem o que os leva a

recair, mas na maioria das vezes não conseguem evitar e recaem.

Diante destes aspectos é necessário que se aborde, dentro do contexto que

cerca o indivíduo, os sinais que indicam que o mesmo tem potencial a ser um

reincidente.

Toda pessoa tem um conjunto pessoal de sinais que indicam que o processo

de recaída está acontecendo. Estes são sinais para ele e para os outros que existe

58

processo de recaída. Os problemas que levam o indivíduo à recidiva podem ser

situações internas ou externas. Estes sintomas podem ser problemas de saúde,

problemas de pensamento, problemas emocionais, de memória ou de julgamento e

comportamento.

O processo de recaída leva a pessoa em recuperação a sentir dor e

desconforto sem o químico. Esta dor e desconforto ficam tão fortes que a pessoa em

recuperação fica incapaz de viver normalmente quando não bebe ou usa droga e

sente que beber não pode ser pior que a dor de continuar sóbrio.

A recaída, segundo Landre (apud SERRAT, 2001, p. 342) “é um processo que

leva o indivíduo a retomar o uso abusivo de álcool e/ou drogas. Como processo, a

recaída apresenta alguns sinalizadores que, considerados em tempo, podem ser

interrompidos por habilidades e estratégias que, abordadas e executadas, fazem

com que o mesmo retorne ao controle de sua recuperação e reverta tal processo”.

Quando se focaliza o comportamento de dependentes químicos, pode-se

perceber algumas características que o diferenciam de um indivíduo que não tem

este comprometimento. O indivíduo deve, através de exercícios de

autoconhecimento e autocontrole, identificar situações, pessoas, lugares e estados

emocionais, comportamentos e atitudes que podem mantê-lo em recuperação ou

preceder uma recaída.

A insatisfação do indivíduo, a falta de estrutura para resolver suas questões

pessoais, seus conflitos internos e externos, suas crises existenciais, suas

expectativas de vida frustradas, são justificativas latentes para que o indivíduo se

envolva com as drogas, ou se o mesmo estiver em processo de reabilitação, a

ocorrência da recidiva.

59

Diante do exposto e através dos dados coletados prevalecem alguns sinais

indicativos da recaída que são: influências, baixa auto-estima, conflitos pessoais,

estados emocionais e ambiente.

- Influências

As normas para os comportamentos sociais para Oetting & Donnermeyer

(apud SCHENKER & MINAYO, 2003, p. 16), incluindo-se aí o uso de drogas, “são

aprendidas predominantemente no contexto das interações com as fontes primárias

de socialização que, na sociedade ocidental, são a família” – manifestada por um

dos adictos “(...) minha situação acho que é hereditária, meu pai e minha mãe

também usavam droga, minha mãe é usuária de crack” (D.2). Outra fonte de

influência podem ser os amigos, principalmente na adolescência – mencionado por

alguns dos dependentes “(...) usei por causa das amizades, meus amigos mais

velhos, por me chamarem de careta” (D.5) – “(...) um amigo meu que trabalhava

comigo, usava droga ele pegou, me ofereceu, eu aceitei” (D.1). Cada uma das

conexões das fontes primárias com o jovem envolve um vínculo que provê um canal

para a comunicação de normas. Vínculos frágeis entre o jovem e essas fontes são

fatores de risco para a instalação de desvios. Vínculos e ajustes saudáveis com a

família e com a escola previnem a associação do jovem com as ditas “más

companhias” na adolescência.

- Baixa auto-estima

Pesquisas descritas por Hoffmann & Ceboneb (apud SCHENKER & MINAYO,

2003, p. 27) mostram que os distúrbios no uso de drogas psicoativas estão

associados com a baixa auto-estima, relatado pelo adicto “(...) usei droga pelo fato

60

de ser filho adotivo, pela revolta de não ter sido criado por meus pais, me sinto

inferior, o tratamento dos meus pais comigo e com meus irmãos é diferente”.

Tchekhov (apud BARRETO, 1999, p. 1) traduz com propriedade a falta de

sucesso pessoal quando um indivíduo faz uso das drogas: “E ao final vão lhe

perguntar: o que é que você fez da sua vida? E você? O que vai responder? Nada?”

Da mesma forma, Zago (1994, p. 49) manifesta com precisão a questão da

desvalorização da vida: “A drogadição é uma tentativa enganosa de cura para

encobrir um projeto suicida. Assim essa manifestação através da dependência de

drogas é de uma profunda descrença e desvalorização do viver“.

- Conflitos Pessoais

Situações envolvendo conflito em andamento ou relativamente recente

associado com qualquer relacionamento interpessoal, tal como casamento, amizade,

membros familiares ou relações de trabalho, podem ser desencadeadores para uma

recaída, é o que afirmam Cummings, Gordon & Marlatt (1993, p. 34 e 35). Isto é

confirmado através de grande parte das entrevistas realizadas, “(...) quando

começam as cobranças sei que é motivo para eu voltar a usar a droga” (D.3); “(...)

quando me separei da menina que eu estava vivendo, recaí, voltei a usar a droga”

(D.5); “(...) a separação foi o motivo que me levou a recair” (D.2); “(...) quando me

separei, fiquei muito triste e achei que a droga era a solução” (D.1). O que se verifica

é que a recidiva, é quase sempre o resultado de alguma espécie de frustração

pessoal ou social.

61

- Estados emocionais

O estado emocional negativo, as pressões sociais e o estado de humor

apresentam-se como fatores determinantes na recaída. Estes itens aparecem em

praticamente todas as pesquisas realizadas recentemente, sendo vinculativos e

merecedores de especial atenção na prevenção da recidiva. Dentre eles

destacamos: depressão, tristeza, desânimo, ansiedade, estresse, angústia, solidão,

preocupação, culpa, vergonha, frustração, inibição, rejeição, humilhação, auto-

piedade, inveja, ciúmes, raiva, ressentimento, impulsividade, tédio, medos, etc. Nos

dados coletados grande parte destes sentimentos aparecem e são assinalados

pelos participantes, conforme verificamos: “(...) não consigo lidar com certas

questões da minha vida, uma delas é o fato de ser adotivo!” (D.4); ”(...) sei que vou

recair quando sinto angústia e tristeza”(D.3); “(...) voltei a usar porque tinha um vazio

dentro de mim” (D.2).

O círculo social que se impõe ao indivíduo em tratamento pode converter-se

numa importante forma de frustração, neste contexto muitas vezes o dependente

químico recorre às drogas como uma forma de aliviar a tensão e o sofrimento.

- Ambiente

Todas as situações abordadas nesta categoria denotam não só as

potencialidades de um indivíduo vir a ser um dependente químico, mas ser um

recidivo, quando do seu retorno ao convívio social pré-existente, onde o mesmo não

vê mudanças, demonstrado pelos adictos “(...) se eu voltar para casa e ver que as

pessoas continuam iguais e não mudaram seu modo de pensar em relação a mim,

pode ser que eu recaia” (D.4); “(...) na casa da minha mãe eu não posso voltar de

jeito nenhum porque ela usa droga, minha família fuma e bebe” (D.2); Outro fator

62

que pode levar a recaída é o dependente químico voltar a ter os mesmos hábitos

que possuía antes de passar pelo processo de internação, conforme mostram dois

dos entrevistados “(...) eu continuei freqüentando os mesmos lugares, aí eu

recaí”,(D.2); “(...) voltei a me relacionar com os antigos amigos, já sabia que uma

hora ou outra eu ia recair” (D.5); “(...) o meu problema maior é o dinheiro, eu não

posso ter dinheiro na mão, é um problema, é um fato de risco” (D.1).

Apesar dos aspectos apresentados quanto aos fatores que levam um

indivíduo a recaída, a mesma não deve ser considerada como um sinal de insucesso

no tratamento. Ela pode ser utilizada como uma oportunidade para ampliar a

conscientização do dependente sobre suas dificuldades e seus conflitos. E pode ser

vista também como uma oportunidade de rever as convicções em torno da

abstinência.

Há sempre o que se aprender. Cair, levantar, fracassar, ganhar, perder, rir,

chorar, faz parte da história de cada indivíduo. Saber que não se têm limites é o

maior desafio. Mas este só será conhecido se o ser humano quiser arriscar-se.

Buscáglia (2001, p. 273)4 enfatiza com propriedade as escolhas que

fazemos na vida:

Escolha o modo de vida. Escolha o modo de amar. Escolha o modo de se

interessar. Escolha o modo de esperar. Escolha o modo de crer no amanhã.

Escolha o modo de confiar. Escolha o modo da bondade. Cabe a você. A

escolha é sua. Você também pode escolher o desespero. Também pode

escolher o sofrimento. Também pode escolher tornar a vida incômoda para

os outros. Também pode escolher o preconceito. Porém, para que? Não faz

sentido. É apenas autoflagelação. (...) se você resolver assumir plena

responsabilidade por sua vida, não vai ser fácil, e você vai ter que aprender

a arriscar de novo. Risco: a chave da mudança.

4 BUSCÁGLIA, Leo F. Vivendo, amando e aprendendo. 25ªed. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 273

63

Mesmo que ocorra a recaída, a mesma pode ser uma oportunidade de

aprendizagem, de reconquista da existência, uma experiência negativa que pode

ensinar a reavaliar as atitudes, a desvendar novas alternativas e possibilidades de

tratamento, de reinserção, de opção pela vida. Os sentimentos de sofrimento e

frustração têm, se desejarmos, a capacidade de nos transcender da destruição para

a ressurreição.

64

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Na fonte primordial de onde brotam os impulsos, não existem ainda

o bem e o mal. O que move uma pessoa em direção à droga está, na

origem, muito perto do que levou o homem a se debruçar sobre o

microscópio, ou a olhar por um telescópio: o mesmo que impulsionou

tantos em direção ao sextante, aos mares bravios, às aventuras

espaciais. Esse movimento de expansão, que nos empurra às

grandes descobertas, afrontando o desafio do desconhecido, é parte

do arsenal que nos fez humanos, reflexo do desejo de conhecer

sempre mais, da ousadia de romper limites. Brota da sensação de

desconforto de viver uma só vida, dentro de uma única pele.

Algumas experiências podem romper essas limitações. Dentre elas: a

arte, as paixões e as drogas.” (VARGAS, 1993, p. 56)

Afinal, o que tem a droga de tão sedutora? Para os jovens, seus usuários

mais freqüentes, ela “vende” a promessa mais imediata de felicidade. Uma felicidade

obtida pelo imediatismo, pela alienação, por um projeto suicida.

As drogas são um malefício que permeia a sociedade. Lugar onde o indivíduo

sofre, se desespera, entra em situação limite, em crise existencial, por não conseguir

lidar com sua incapacidade e seu fracasso.

Essa fuga é a mais grave por criar dependência, e o sujeito perde a

capacidade de se reconstruir. A droga torna-se o ponto central de sua vida, a

instabilidade emocional é uma constante e o mesmo conduz sua existência para um

projeto suicida.

Foi esta realidade que nos motivou a desenvolver esta pesquisa ancorada no

objetivo que é verificar os fatores que levam à recaída dos dependentes químicos,

que passaram por um período de abstinência durante a internação em clínicas de

recuperação.

65

Os dados encontrados nos levaram a quatro grandes categorias, que ao

compor apresentaram uma realidade cada vez mais próxima de nossas famílias, de

nossos vizinhos e da sociedade em geral.

A categoria expectativas demonstra a forma com que os participantes se

comprometem com questões voltadas para o futuro. Sendo assim, ficou evidente

que os mesmos possuem a intenção de um projeto de vida de renovação

amparados na espiritualidade e nos grupos como suporte e principalmente, na

esperança de uma reinserção social.

Sem dúvida a fragmentação social tem gerado no jovem a necessidade

urgente de pertencer a um determinado grupo, para buscar um espaço de

identificação. Assim, o uso de drogas passa a ser um ritual de identificação de

determinadas “tribos urbanas”, um ritual em que o jovem relaciona a sua

subjetividade em transformação.

Foi constato também, que os participantes apresentam consciência dos

prejuízos e dificuldades que as drogas ocasionam no indivíduo que abrange as

relações sociais, familiares, profissionais e educacionais.

Ao concluir esta categoria salientamos que estamos diante de fatores que

podem ser sinalizadores para repensarmos a questão da recuperação e as formas

de tratamento. Diante destas constatações é que entram as questões de políticas

públicas e da reinserção social como suporte para ajudar estes indivíduos, a fim de

que possam alcançar, se não todos, mas boa parte dos objetivos que almejaram.

Em relação aos sentimentos o que prevaleceu foram sentimentos de

frustração, prazer, menos valia, solidão, ausência do outro, culpa e vergonha,

esperança e exclusão.

66

O autor Zago (1994, p. 17) pondera que “a pessoa dependente de drogas

possui ou apresenta grande dificuldade de superar os pequenos problemas do

cotidiano. Com a droga a pessoa, ilusoriamente, acredita ter encontrado a solução

definitiva para o viver, a resposta fácil e inquestionável. A pessoa dependente não

aceita a temporalidade da existência, pois se aceita tal premissa envolve uma

disposição para o trabalhar-se”.

Apesar de todos os entrevistados terem consciência dos fatores de risco e os

sinais indicativos que levam o dependente químico à recaída, os mesmos não

possuem recursos para evitá-la e recaem.

Mas o que está faltando então para que isso ocorra? Porque o índice de

recaídas é tão grande? Bem, se pensarmos que vivemos em uma sociedade na qual

as pessoas são mais valorizadas pelo que possuem do que pelo que são, que

estamos cercados por grupos e temos, que de alguma forma, nos inserirmos neles e

ainda, que as questões de políticas públicas para este assunto não recebem a

importância que merece, poderíamos afirmar que estas são questões a serem

reavaliadas quando falamos em recuperação.

E o que há de grave Charbonneau (apud VARGAS, 1993, p. 37) afirma, “é

que deixou de ser um fenômeno de marginalização para passar a ser um fenômeno

de cultura. É a nossa cultura que integrou a droga dentro de seu esquema

existencial”.

Desta forma a reabilitação deve se iniciar perseguindo, uma cura social, que

exige a atuação sobre o dependente e o seu ambiente.

Portanto, é imperativo que a reinserção do indivíduo seja uma conquista

gradativa e sólida, onde suas relações sociais e afetivas sejam sinceras, sem

preconceitos, com respeito, numa dimensão ampla, acima do ter, e realmente se

67

possa reconhecer o ser humano íntegro, em sua essência e não pelo seu status

social.

Observa-se também, que muitos adictos alimentam expectativas de

conquistar ou reconquistar valores e situações que não dependem exclusivamente

do esforço individual, mas dos agentes socializantes, do ambiente e do tempo.

Muitos acabam se desestimulando, perdendo a motivação, quando se deparam com

frustrações, insucessos, preconceitos e outros fatos e fatores, e retornam aos

antigos hábitos, pensamentos, e mecanismos de defesa, como justificativa,

racionalização, negação, projeção, dentre outros.

“Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo c omeço,

qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim”

Chico Xavier

68

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARRETO, Cyro R. Artigo: Projeto de vida . T&D, 1999

BUSCAGLIA, Leo F. Assumindo sua personalidade . 14ªEd. Rio De Janeiro: Record: Nova Era, 1997 __________, Leo F. Vivendo, amando e aprendendo . 25ªed. Rio de Janeiro: Record, 2001

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_____, José A. Artigo: Sociedade de consumo e drogas . Informação Psiquiátrica. Rio de Janeiro, 1995

70

7 ANEXOS

71

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

APRESENTAÇÃO

Gostaria de convidá-lo a participar de uma pesquisa cujo objetivo é verificar

os fatores que estão diretamente relacionados à recaída de dependentes químicos

que passaram por um período de abstinência durante a internação.

A participação consistirá em responder questões que fazem parte de uma

entrevista semi estruturada.

Informo, que: a) seus dados serão mantidos em sigilo; b) sua participação é

voluntária, não cabendo nenhum tipo de recompensa; c) você está livre para desistir

da pesquisa a qualquer momento; d) os resultados poderão serão compartilhados

com outros pesquisadores, mas sempre respeitando o anonimato; e) esta pesquisa é

de cunho acadêmico e não visa intervenção imediata.

IDENTIFICAÇÃO E CONSENTIMENTO

Eu ______________________________________________________________

Declaro, estar ciente dos propósitos da pesquisa e da maneira como será realizada

e no que consiste minha participação. Diante dessas informações, aceito participar

da pesquisa.

Assinatura:_________________________________________________________

Data de nascimento:___________________

Pesquisador: Profª Maria Celina Ribeiro Lenzi

Assinatura:___________________________________

UNIVALI – CCS – Curso de Psicologia

Rua Uruguai, 438

F. 341-7688

E-mail: [email protected]

72

8 APÊNDICE

73

ENTREVISTA

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO

Nome: Idade: Data de Nascimento: Sexo: Escolaridade: Naturalidade: Estado Civil: Profissão: Como é a composição familiar: Com quem reside: Com quantos anos começou a usar drogas: Por que começou a usar drogas: Que tipo de droga começou a fazer uso e qual usa hoje: Com que freqüência faz uso:

•••• O que representa a droga em sua vida? •••• Quais os sentimentos que enfrenta diante da realidade? •••• Como você se sente na sociedade/ •••• Quais os planos e expectativas para o futuro? •••• O que a família faz para ajudá-lo? O que gostaria que ela fizesse? •••• Você consegue perceber que vai recair? De que forma?