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UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA – UNOESC
ÁREA DAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO (PPGEd) – MESTRADO
MICHELLE SPEROTTO BORTONCELLO
BULLYING NA INSTITUIÇÃO EDUCATIVA –
AUTOR, ALVO, ESPECTADOR:
“DE QUE” E “DE QUEM” ESTAMOS FALANDO?
Joaçaba / SC
2014
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MICHELLE SPEROTTO BORTONCELLO
BULLYING NA INSTITUIÇÃO EDUCATIVA –
AUTOR, ALVO, ESPECTADOR:
“DE QUE” E “DE QUEM” ESTAMOS FALANDO?
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Educação (PPGEd) - Mestrado
em Educação, da Universidade do Oeste de
Santa Catarina – Unoesc, Campus de Joaçaba,
como requisito parcial à obtenção do grau de
Mestre em Educação, sob a orientação da Profa.
Dra. Maria Teresa Ceron Trevisol.
Joaçaba/ SC
2014
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MICHELLE SPEROTTO BORTONCELLO
BULLYING NA INSTITUIÇÃO EDUCATIVA –
AUTOR, ALVO, ESPECTADOR:
“DE QUE” E “DE QUEM” ESTAMOS FALANDO?
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Educação (PPGEd) - Mestrado
em Educação, da Universidade do Oeste de
Santa Catarina – Unoesc, Campus de Joaçaba,
como requisito parcial à obtenção do grau de
Mestre em Educação.
Aprovada em ............ de .................................. 2014.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Profª. Dra. Maria Teresa Ceron Trevisol
Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC
________________________________________
Profª. Dra. Luciene Regina Paulino Tognetta
Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara – UNESP
________________________________________
Profª. Dra. Ortenila Sopelsa
Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC
4
B739b Bortoncello, Michelle Sperotto
Bullying na instituição educativa – autor, alvo, espectador:
“de que” e “de quem” estamos falando?. / Michelle Sperotto
Bortoncello. UNOESC, 2014.
213 f.; 30 cm.
Dissertação (Mestrado) – Universidade do Oeste de
Santa Catarina. Programa de Mestrado em Educação,
Joaçaba,SC,2014.
Bibliografia: f. 206 – 213.
1. Adolescentes – Conflitos Interpessoais. I. Título
CDD- 371.78
5
Dedico, em especial,
A Eloi Junior, meu esposo, companheiro e
amigo de todos os momentos, que sempre
esteve ao meu lado, entendendo as dificuldades
e desafios enfrentados, dando-me forças para
continuar, incentivando e apoiando minhas
decisões. Meu eterno Amor!
A Augusto, meu pequeno filho, por todos os
momentos que tirava minha atenção do trabalho
e procurava, do seu jeito, me mostrar o que
realmente é importante na vida. O verdadeiro
sentido da minha existência!
6
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço a Deus, por permitir-me chegar até aqui.
Agradeço em especial:
Ao meu esposo Eloi Junior, companheiro em todos os momentos, grande incentivador, por
seu zelo e dedicação.
Ao meu pequeno filho Augusto, que com sua alegria de viver soube enfrentar a minha falta
de companhia e falta de paciência, e que com seu doce sorriso me incentiva a cada dia
buscar o melhor.
Aos meus pais, pelo amor, dedicação e incentivo.
Aos meus colegas da turma de mestrado, em especial às minhas amigas: Ana Maria e
Luciane, com as quais troquei ideias, aprendi, ri, desabafei e compartilhei muitos momentos
ao longo destes dois anos.
À querida amiga e professora Dra. Maria Teresa Ceron Trevisol, que aceitou ser a
orientadora deste trabalho e com sua calma sempre me incentivou a seguir adiante.
Aos demais professores do Programa de Pós-graduação – Mestrado em Educação, pelos
ensinamentos compartilhados.
Às professoras Dra. Luciene Tognetta e Dra. Ortenila Sopelsa, pela leitura criteriosa e
contribuições valiosas, que em muito enriqueceram este trabalho.
Aos adolescentes participantes desta pesquisa, sem eles este trabalho não seria possível.
7
Nós vos pedimos com insistência: não digam nunca “isso é
natural” diante dos acontecimentos de cada dia.
(...) não digam nunca: isso é natural. A fim de que nada
passe por imutável.
Sob o familiar descubram o insólito.
Sobre o cotidiano, desvelem o inexplicável.
Que tudo que seja dito ser habitual, cause inquietação.
Na regra é preciso descobrir o abuso.
E sempre que o abuso for encontrado,
é preciso encontrar o remédio.
Bertolt Brecht
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RESUMO
Esta dissertação apresenta como objeto de estudo o bullying escolar e busca analisar um
contexto particular de relações interpessoais conflituosas, que ocorrem no IFC – Instituto
Federal Catarinense - Campus Concórdia. Enquanto profissional que atua no IFC observei e
inquietou-me o fato de tantos alunos apresentarem mal-estar, ansiedade, medo, sérias
dificuldades na relação pessoal com os colegas, falta de motivação para estudar, entre
outros. Nesse sentido, a pesquisa teve como objetivo investigar a concepção de alunos do
IFC – Campus Concórdia a respeito do fenômeno bullying, suas diferentes manifestações,
causas e consequências. A pesquisa realizada se caracteriza como descritiva, de cunho
exploratório e de natureza quanti-qualitativa. A amostra foi constituída por 209 alunos, com
idade entre 14 e 18 anos, pertencentes aos cursos de Ensino Técnico integrado ao Ensino
Médio (Agropecuária e Alimentos), abrangendo as turmas de 1º, 2º e 3º anos. Como
procedimento de coleta de dados foi utilizado o questionário e a entrevista. A coleta dos
dados se deu em duas etapas, inicialmente houve a aplicação de um questionário abrangendo
os 209 alunos, com a finalidade de diagnóstico. Posteriormente foi realizada uma entrevista
(tendo como base de coleta e análise dos dados o método clínico piagetiano combinado ao
uso situações problema), aplicada a 5% dos alunos que participaram da primeira etapa,
envolvendo 10 alunos. Para a análise dos dados, buscou-se aporte teórico, principalmente
nos estudos de: Fante (2005); Lopes Neto (2005, 2011); Tognetta (2005, 2010, 2011);
Tognetta e Vinha (2008, 2010); Gomes e Sanzovo (2013); Maldonado (2011); Goffman
(1987); Eyng (2011); Campos (2010). Os resultados obtidos indicaram que a escola convive
com situações e práticas violentas, que são facilmente identificadas pelos alunos. A cultura
escolar atua como fonte de violência, o que faz com que muitos alunos entendam como
“normal” atitudes deste tipo na escola e ajam com indiferença, ou seja, confundir fatos do
tipo bullying com brincadeiras é muito habitual na instituição pesquisada. Os dados
revelaram que a violência psicológica é a que mais acontece na escola, e que o bullying é
caracterizado, principalmente, por meio de atos de violência verbal (xingamentos, apelidos
maldosos, difamação, ofensas) realizados diariamente, os quais geram sentimentos negativos
e de mal estar, principalmente nos alvos. Além disso, tais atos resultam em prejuízos
imediatos aos escolares, como falta de motivação, dificuldades de concentração,
comunicação e queda no rendimento escolar. Na instituição pesquisada, as ações de bullying
acontecem principalmente longe dos responsáveis pela escola, sendo o alojamento indicado
como o local mais vulnerável para a sua ocorrência. Dentre os participantes da pesquisa,
41,15% já maltrataram colegas de escola, enquanto 63,6% já foram alvos de maus tratos por
parte dos colegas e 80% já presenciaram cenas de bullying na escola, ou seja, já foram
espectadores. Com relação às razões promotoras do bullying, destaca-se que o poder e
hierarquia estão envolvidos com as agressões praticadas. Além disso, o fato de já ter sofrido
bullying antes, faz com que muitos repitam às mesmas ações e/ou comportamentos sofridos
em outros colegas, indicando a presença do círculo vicioso alvo-autor. A pesquisa forneceu
ainda dados acerca da gravidade da problemática existente dentro do ambiente escolar
pesquisado. Pode-se concluir que o bullying é um problema complexo e de causas múltiplas,
cabendo à escola pesquisada, diante dos dados analisados, organizar e desenvolver
estratégias próprias para reduzi-lo e preveni-lo. Ressalta-se a urgência de se combater o
bullying, e isto só será possível por meio de reflexões coletivas em que se oportunize a
efetiva participação de todos no processo: professores, funcionários, alunos e pais.
Palavras-chave: Bullying escolar. Conflitos Interpessoais. Adolescentes. Escola internato.
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ABSTRACT
The following paper was aimed at studying school bullying and analyzing a particular
context of conflict-ridden interpersonal relations, which happened at IFC – Instituto Federal
Catarinense – Campus Concórdia. As a professional from IFC, one fact that made me uneasy
while observing some students was that a great number of them display anxiety, fear,
difficulties in interpersonal relations with their classmates, lack of motivation to study, and
so on. Being so, the research investigated the students’ assessment of the phenomenon
known as bullying, its different forms, causes and consequences. The research is
characterized as descriptive, exploratory, quantitative and qualitative. 209 students were
sampled, ages between 14 to 18, who study technical courses integrated to high school (in
the areas of Agricultural Science and Food) of the freshmen, sophomore and junior years.
Data collection was carried out in two steps; first, a diagnostic questionnaire for the 209
students was applied; then, an interview, based on the piagetian clinical method for data
collection and analysis together with the use of practical situations, was made to 5% of the
students who were involved the first step. For the data analysis, theoretical support, as the
one found in the studies of Fante (2005), Lopes Neto (2005, 2011), Tognetta (2005, 2010,
2011), Tognetta and Vinha (2008, 2010), Gomes and Sanzovo (2013), Maldonado (2011),
Goffman (1987), Eying (2011), and Campos (2010), was used. Results have shown that
violent situations happen at the school on a daily basis, and are easily identified by the
students. In this context, school culture acts as a source of violence, which makes a lot of
students see such attitudes as being normal, leading to indifference. That is, confusing
bullying with innocent joy is rather normal in the institution. Data also revealed that
psychological violence is of the most common kind in the school, and bullying is
characterized, mainly, by daily verbal violence (cursing, mean nicknames, defamation,
offense), which lead to negative feelings and reduced welfare, especially on the students
who suffer from such violence. Besides, such course of action reflect as direct loss to the
school, such as lack of motivation, capacity of focus and communication, and decay in the
process of learning. Bullying actions normally happen away from the school staff,
happening with a higher frequency at the dormitories. Among the participants, 41,15% have
already maltreated classmates, while 63,6% have already been maltreated and 80% have
witnessed bullying. As for the reasons why bullying happens, power control and hierarchy
stand out. Moreover, it was also found that a students who has suffered from bullying before
has a higher tendency of repeating those actions to other students in the future, which
indicates the presence of the target-author vicious circle. The research has also provided
enough information about the gravity of the problem inside the school. It is possible to
conclude that bullying is a complex problem caused by numerous reasons, and that the
responsibility to organize and develop strategies to reduce and prevent it belongs to the
school. It is also important to emphasize the urgency of fighting bullying, and that can only
be made possible through collective thinking which allows for the participation of every part
involved in the process: teachers, staff, students and parents.
Keywords: School bullying. Interpersonal Conflicts. Adolescents. Boarding school
10
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Principais formas de violência existentes na escola .................................... 101
Tabela 2 – Locais onde ocorre a prática de bullying na escola ...................................... 109
Tabela 3 – Autores de bullying ...................................................................................... 127
Tabela 4 – Série/turma dos autores ................................................................................ 128
Tabela 5 – Alvos de bullying ......................................................................................... 131
Tabela 6 – Contou para alguém ..................................................................................... 134
Tabela 7 – Para quem contou?........................................................................................ 134
Tabela 8 – Reações frente ao bullying .......................................................................... 138
Tabela 9 – Sentimentos ocasionados ao presenciar cenas de bullying .......................... 140
Tabela 10 – Motivos para a prática de bullying na escola ............................................. 142
Tabela 11 – Como os alunos consideram o ambiente escolar ....................................... 157
Tabela 12 – Como os alunos se sentem estudando na escola ........................................ 158
Tabela 13 – O que os alunos mais gostam na escola ..................................................... 158
Tabela 14 – O que os alunos não gostam na escola ....................................................... 159
Tabela 15 – Quantos bons amigos você tem na escola................................................... 181
Tabela 16 – Opinião dos alunos a respeito de como a escola lida com os casos de
violência, desrespeito e agressão repetitiva................................................ 187
Tabela 17 – Qual deve ser o encaminhamento da escola diante de situações de
Bullying...................................................................................................... 189
Tabela 18 – Sugestões de melhoria.................................................................................. 192
11
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Gênero e número de participantes por série .............................................. 91
Gráfico 2 – Idade dos participantes .............................................................................. 92
Gráfico 3 – Conflitos e violência na escola .................................................................. 94
Gráfico 4 – Já presenciaram colegas praticando bullying ............................................. 97
Gráfico 5 – Principais tipos de violência que ocorrem na escola ................................... 103
Gráfico 6 – Locais onde mais ocorre o bullying ........................................................... 110
Gráfico 7 – Tipos de violência enfrentados ................................................................... 132
12
LISTA DE FIGURAS
Fotografia 1 – IFC - Campus Concórdia ...................................................................... 32
13
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CGAE – Coordenação Geral de Assistência ao Educando
CGE – Coordenação Geral de Ensino
CGRH – Coordenação Geral de Recursos Humanos
IFC – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Catarinense
MEC – Ministério da Educação
14
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 16
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS................................................... 27
2.1 TIPO DE PESQUISA......................................................................................... 27
2.2 LOCAL/ESCOLA A SER PESQUISADA........................................................ 29
2.2.1 Caracterização geral do Instituto Federal Catarinense – IFC.............................. 29
2.2.2 O Campus Concórdia.......................................................................................... 30
2.3 AMOSTRA......................................................................................................... 32
2.4 PROCEDIMENTOS PARA COLETA DE DADOS......................................... 33
2.5 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DE DADOS............................................. 36
3 BULLYING ESCOLAR: DE QUE ESTAMOS FALANDO? ...................... 38
3.1 ESTUDOS SOBRE BULLYING NAS ESCOLAS: ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES.......................................................................................... 38
3.2 CONCEITO: DE QUE ESTAMOS FALANDO?............................................. 44
3.3 CARACTERÍSTICAS: COMO DIFERENCIAR O BULLYING DE ATOS
SIMPLES DE VIOLÊNCIA?............................................................................. 46
3.4 FORMAS DE BULLYING: TIPOS DE MAUS TRATOS................................ 48
3.5 PROTAGONISTAS: DE QUEM ESTAMOS FALANDO?.............................. 51
3.6 CAUSAS: MOTIVADORES E REFORÇADORES......................................... 60
3.7 CONSEQUÊNCIAS: QUAIS OS DANOS SOBRE OS ESTUDANTES?....... 71
3.8 BULLYING E INTERNATO............................................................................. 77
3.9 A ADOLESCÊNCIA, O GRUPO DE PARES E O BULLYING...................... 81
4 A DINÂMICA DO FENÔMENO BULLYING NO IFC - CAMPUS
CONCÓRDIA: A PARTIR DA COMPREENSÃO DOS ALUNOS........... 89
4.1 CARACTERIZANDO O BULLYING NO IFC – CAMPUS CONCÓRDIA... 93
4.1.1 Identificação da Violência na escola ................................................................. 93
4.1.2 Formas de violência existentes na escola............................................................ 99
4.1.3 Espaços onde o bullying se manifesta................................................................. 109
15
4.1.4 Os sujeitos envolvidos......................................................................................... 125
4.1.5 Aspectos motivadores......................................................................................... 142
4.2 A PERCEPÇÃO DOS ALUNOS SOBRE A VIOLÊNCIA E O DESRESPEITO
NA INSTITUIÇÃO DE ENSINO: SENTIDOS ATRIBUÍDOS AOS
EPISÓDIOS DE BULLYING........................................................................... 157
4.2.1 O Ambiente e a convivência escolar..................................................................... 157
4.2.2 Prejuízos causados pelo bullying.......................................................................... 163
4.2.2.1 Influência do bullying sobre o rendimento escolar............................................... 165
4.2.2.2 Os sentimentos despertados.................................................................................. 172
4.2.3 Como os alunos percebem os maus tratos entre os pares e suas consequências... 175
4.2.4 A importância do grupo de amigos........................................................................ 178
4.2.5 Quanto à intervenção dos pais nos casos de bullying............................................ 182
4.2.6 Quanto à atuação da escola frente ao bullying...................................................... 185
4.2.6.1 Atuação da escola – Algumas considerações....................................................... 194
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 202
REFERÊNCIAS............................................................................................................ 208
APÊNDICES ................................................................................................................ 215
ANEXOS........................................................................................................................ 224
16
1 INTRODUÇÃO
Todos os dias, alunos no mundo todo sofrem com algum tipo de violência que vem
mascarada na forma de “brincadeira”. Estudos revelam que esse comportamento, que até
pouco tempo atrás era considerado inofensivo e que recebe o nome de bullying, pode
acarretar diversas consequências ao desenvolvimento psíquico dos alunos.
O fenômeno bullying é um assunto recente em termos de investigações acadêmicas.
Contudo, não se pode desconsiderar sua presença nos ambientes escolares há muito tempo,
antes mesmo que os resultados das primeiras pesquisas constatassem sua manifestação. No
entanto, o tema só passou a ser objeto de estudo científico no início dos anos 70.” As
primeiras pesquisas sobre o termo bullying foram realizadas na Noruega, sendo o
pesquisador Dan Olweus considerado o precursor dos estudos sobre tal temática. Com
relação à realidade brasileira, os estudos são mais contemporâneos (a partir de 2000), e
necessitam de maiores aprofundamentos, a fim de que respostas sejam oferecidas ao
contexto no qual estamos inseridos. Vale apontar autores e pesquisadores brasileiros no
assunto: Fante, Tognetta, Vinha, Lopes Neto, Maldonado, entre outros.
De acordo com Gomes e Sanzovo (2013, p. 17) e Lopes Neto (2011, p.21) o
bullying é derivado do verbo inglês to bully, que significa: ameaçar, amedrontar, intimidar,
maltratar, tiranizar, oprimir. Já bully pode ser traduzido como valentão, brigão, tirano. O
termo inglês bullying, popularizado no Brasil, possui amplo significado e aplica-se a todo
tipo de tortura física e psicológica repetitiva de que são vítimas as crianças e adolescentes
que têm como algozes seus próprios colegas.1
Conforme Tognetta (2005) o bullying pode ser definido como:2
[...] bullying é um termo em inglês utilizado para designar a prática de atos
agressivos entre estudantes [...] uma intimidação, um assédio cotidiano [...] uma
intimidação caracterizada por algumas peculiaridades muito interessantes: diz
respeito às ações agressivas intencionais e repetidas, praticadas por um ou mais
alunos contra outro. [...] segundo, as características principais do bullying que o
distinguem de outros acontecimentos cotidianos é que seu caráter é intencional.
Não se trata de uma simples brincadeira que acontece de vez em quando [...] aos
casos de bullying atribui-se o critério da intenção, ou seja, são atos pensados,
1 No Brasil e na maioria dos países adota-se a terminologia inglesa bullying, justamente por não se encontrar
outra denominação que contenha o mesmo alcance da palavra inglesa para descrever um tipo de violência tão
grave que ocorre nas escolas. (GOMES E SANZOVO, 2013, p. 17). 2 Este conceito foi adotado para fins de análise dos dados por entendermos que abarca as características
principais para distinguirmos o bullying de outros tipos de violência que também ocorrem nas escolas.
17
calculados e praticados repetidas vezes com um mesmo alvo. [...] Outra
particularidade observada é que essa agressão se repete constantemente a uma
única vítima.
Pode-se dizer então, que o bullying é uma prática de atos agressivos entre pares,
realizados de maneira recorrente e intencional por parte dos agressores, sempre contra o
mesmo alvo, sem motivos aparentes, ocorrendo sempre na presença de um público.3
Para se caracterizar um comportamento como bullying, é necessário distinguir os
“conflitos normais”, ocasionais e não graves dos “maus tratos” habituais e graves, como
destacam as autoras Fante (2005) e Tognetta (2011). As autoras apontam que o diferencial
entre o bullying e os “maus tratos” ocasionais é a intencionalidade e a repetição das
agressões sempre com o mesmo alvo.
Conforme Fante, os atos de bullying entre os alunos apresentam determinadas
características comuns:
[...] são comportamentos produzidos de forma repetitiva num período prolongado
de tempo contra uma mesma vítima; apresentam uma relação de desequilíbrio de
poder, o que dificulta a defesa da vítima; ocorrem sem motivações evidentes; são
comportamentos deliberados e danosos. (FANTE, 2005, p. 49)
A cena do bullying envolve papéis diferenciados4 que, segundo estudiosos do tema
(SILVA, 2010; FANTE, 2005; FANTE e PEDRA, 2008; TEIXEIRA, 2011, TOGNETTA,
2011; MALDONADO, 2011), podem ser descritos como o autor ou agressor; a vítima ou
alvo e os espectadores ou testemunhas.
Conforme encontramos em Tognetta e Vinha (2008, p. 03; 2011, p. 141), a atual
literatura aconselha que se utilize as expressões “alvos de bullying” e “autor de bullying”,
para designar a vítima e o agressor, respectivamente, na tentativa de evitar preconceitos por
parte das pessoas que trabalham com situações em que haja essa forma de violência.5
O autor de bullying (ou agressor) é aquele que, sem motivo aparente, intimida,
humilha e agride o colega que considera mais fraco. Comumente são indivíduos que tem
pouca empatia e falta de sensibilidade moral. Segundo Silva (2010, p. 43) podem ser de
ambos os sexos, possuem em sua personalidade traços de desrespeito e maldade e, na
3 (TOGNETTA E VINHA, 2010a, p. 452).
4 Todos os componentes da comunidade escolar são protagonistas efetivos, diretos ou indiretos, das ações de
bullying. (LOPES NETO, 2011, p. 36) 5 No entanto, se em algum momento neste texto nos referirmos aos termos “vítima” e “agressor”, será pela
importância de manter a escrita original dos autores citados.
18
maioria das vezes, essas características estão associadas a um perigoso poder de liderança
que, em geral, é obtido ou legitimado através da força física ou de intenso assédio
psicológico. Os autores apresentam aversão às normas, não aceitam serem contrariados e
geralmente estão envolvidos em atos de pequenos delitos (furtos, roubos, vandalismo,
destruição do patrimônio público, etc.). Conforme Teixeira (2011, p. 32) “os agressores
mantêm seu status à custa da violência e da opressão de suas vítimas e se sentem mais
poderosos cada vez que agridem e maltratam outros estudantes”. A covardia é outra marca
dos bullies, que não costumam agir sozinhos, sempre estão acompanhados de mais alunos,
utilizando-se disso para impor medo e insegurança aos alvos.
Em relação às pessoas que são alvo do bullying (ou vítimas), autores como; Silva
(2010) e Fante (2005) convergem no sentido de caracterizá-las como frágeis, que se sentem
desiguais e prejudicadas (sentimento de menos valia), mas dificilmente pedem ajuda. Sem
esperanças de adaptação no grupo, geralmente, tem dificuldades ou quase impossibilidade
de reagir aos ataques, ou mesmo de conversar com alguém sobre o problema. Conforme
Tognetta (2005) “quem sofre bullying tem uma grave alteração na estima que tem de si
mesmo, ou do valor que se atribui tanto para baixa-estima como para alta, como a não
reconhecer em si um valor ou que os outros também precisam ser valorizados.”
Quanto ao nível de sociabilidade pode-se dizer que o alvo de bullying é pouco
sociável. Fante e Pedra (2008) colocam que a maioria dos alvos no bullying são aqueles
alunos considerados pela turma como diferentes ou “esquisitos”. Dentro desse perfil
podemos incluir os alunos que se destacam em notas (os CDFs) e os alunos transferidos de
outras escolas e/ou cidades (os novatos).
Com relação ao perfil dos alvos de bullying, Fante (2005, p. 48) sinaliza que:
Se há na classe um aluno que apresenta características psicológicas como
ansiedade, insegurança, passividade, timidez, dificuldade de impor-se, e de ser
agressivo e com frequência se mostra fisicamente indefeso, do tipo bode
expiatório... ele logo será descoberto pelo agressor. Esse tipo de aluno representa o
elo frágil da cadeia, uma vez que o agressor sabe que ele não vai revidar se
atacado, que se atemorizará, vindo talvez a chorar, não se defenderá e ninguém o
protegerá dos ataques que receber.
Conforme Middelton-Moz e Zawadski (2007) os alvos são escolhidos pelos
agressores em face de várias características, como: ser gorda ou magra demais, usar óculos,
trabalhar bem, andar de cadeira de rodas, usar a roupa inadequada, ser passiva ou
independente demais, ter a cor, a origem étnica, o sexo, a religião, a origem socioeconômica
19
ou a orientação diferente, ser simpático, ser quieto, etc. Vale destacar, porém, que nem todos
os que apresentam essas características serão alvos de bullying, pois é a fragilidade e a
incapacidade de se defender que desperta o interesse do autor.
A respeito das vítimas Tognetta (2005) apresenta:
Elas geralmente tímidas, e as diferenças, muitas vezes de raça, religião, peso e
estatura são tomadas pelos agressores como os grandes sinais pelos quais eles
podem se aproveitar pra desafiá-las, pra atacá-las. De um modo geral, essas
crianças e adolescentes que se personificam como vítimas, são ansiosas, inseguras
de sua autoimagem e de seus gostos e assim, podem ser muitas vezes, sensíveis e
caladas porque não têm como revidar, por medo, ou por não terem forças
suficientes para isso. Não denunciam por vergonha ou medo das represarias e essa
é sua grande dificuldade. Na verdade, muitas vezes ela não denuncia, não contra-
ataca influenciada pela insegurança.
O espectador ou testemunha é o terceiro grupo – aquele que presencia, observa as
situações de violência e não intervém a favor dos alvos, ou porque tem medo de também ser
atingido (ser a próxima vítima)6, ou porque sente prazer com o sofrimento do alvo, dando
“apoio moral” ao agressor, com risadas e palavras de incentivo. O medo de reagir, aliado à
dúvida sobre o que fazer, cria um clima de silêncio, no qual tudo parece estar bem. Fante
(2005, p. 73) afirma que a maioria dos estudantes não se envolve diretamente em atos de
bullying; são testemunhas ou espectadores que presenciam e interferem em graus variados
de participação sem, no entanto, se tornarem os autores de bullying ou agressores principais
e tampouco saírem em defesa da vítima.
O bullying pode se manifestar das mais variadas formas: bater, chutar, empurrar,
ferir, roubar, furtar ou destruir os pertences da vítima, insultar, ofender, xingar, fazer
gozações, colocar apelidos pejorativos, fazer piadas ofensivas, “zoar”, irritar, humilhar,
ridicularizar, excluir, isolar, desprezar ou fazer pouco caso, discriminar, ameaçar, chantagear
e intimidar, perseguir, difamar. Existe ainda o bullying virtual, mais conhecido como
ciberbullying (utilização de aparelhos e equipamentos de comunicação – celular e internet –
para difundir calúnias, seja por mensagens no MSN, YouTube, Twitter, Facebook, etc).
De acordo com Middelton-Moz e Zawadski:
6 A grande maioria não concorda com as agressões, mas prefere ficar em silêncio, pois tem medo que os
agressores, em caso de saída em defesa das vítimas, as “eleja” também para esses ataques. (CALHAU, 2011, p.
10).
20
O bullying envolve atos, palavras ou comportamentos prejudiciais, intencionais e
repetidos. Os comportamentos incluídos no bullying são variados: palavras
ofensivas, humilhação, difusão de boatos, fofoca, exposição ao ridículo,
transformação em bode expiatório e acusações, isolamento, [...], socos, agressões,
chutes, ameaças, insultos, ostracismo, sexualização, ofensas raciais, étnicas ou de
gênero. (MIDDELTON-MOZ e ZAWADSKI, 2007, p. 21).
Embora se caracterize principalmente por formas não físicas de manifestação – de
modo que muito se identifique com a violência moral – o bullying também se expressa ou
resulta em formas físicas de agressão. No interior das escolas, ele é observado, sobretudo,
nos momentos de maior socialização, como os recreios e a saída para casa, porém, Cubas
(2006) aponta que os casos de bullying podem ocorrer nas salas de aula, nos corredores, nas
quadras, nos banheiros ou no pátio.
“A existência de violência nas escolas é inegável [...]” afirma Eyng (2011, p. 103)
em seus estudos. O bullying, uma faceta da violência, tem se mostrado um problema
universal, envolvendo estudantes, sejam eles de grandes metrópoles ou de pequenas e
remotas comunidades7 “Por certo, podem ser encontrados casos de bullying em diferentes
ambientes, sejam eles pobres ou ricos, cultos ou incultos.” (TOGNETTA e VINHA, 2008, p.
09). Maldonado (2011, p. 114) complementa: “O bullying é um fenômeno amplo e
complexo: ocorre em várias faixas etárias, em escolas públicas e particulares.”
Cabe destacar, porém, que nem tudo o que ocorre na escola pode ser considerado
violência ou bullying, já que lá ocorrem inúmeros problemas de convivência que não são
essencialmente violências. É necessário estar atento às características do fenômeno para não
confundir, por exemplo, incivilidades e indisciplina com o bullying. É verdade que a
existência de tal fenômeno é, às vezes, negada por uns ou supervalorizada por outros, isto é,
alguns acreditam que tudo não passe de brincadeira de criança e adolescente não tendo
nenhum efeito danoso, já outros, a todo tipo de conflito, dizem configurar bullying. É
imprescindível entendermos que brincadeiras normais e sadias são aquelas nas quais todos
os envolvidos se divertem. Quando apenas alguns se divertem à custa de outros que sofrem,
isso ganha outra conotação, bem diversa de um simples divertimento. Nessa situação
específica, ocorre bullying escolar, ou seja, atos de violência intencionais e repetidos contra
um ou mais alunos, impossibilitados de fazer frente às agressões sofridas.
7 “[...] as manifestações de bullying estão ocorrendo em todas as escolas e em todos os níveis, da educação
infantil à pós-graduação. [...] O bullying ocorre em todos os estabelecimentos educacionais que não têm
programas eficazes para enfrentar o problema: escolas privadas, públicas, religiosas, internatos, escolas
técnicas, faculdades, universidades.” (EYNG, 2011, p. 104).
21
As brincadeiras acontecem de forma natural e espontânea entre os alunos. Eles
brincam, “zoam”, colocam apelidos uns nos outros, tiram “sarros” dos demais e de
si mesmos, dão muitas risadas e se divertem. No entanto, quando as “brincadeiras”
são realizadas repletas de “segundas intenções” e de perversidade, elas se tornam
verdadeiros atos de violência que ultrapassam os limites suportáveis de qualquer
um. (SILVA, 2010, p. 13).
Estudos e pesquisas estão sendo desenvolvidos na tentativa de compreender esse
fenômeno, sob os mais diversos aspectos, como familiar, social, cultural, afetivo e
emocional. Inúmeros fatores podem influenciar e/ou contribuir no aparecimento do bullying,
dentre eles: carência afetiva, ausência de limites, afirmação dos pais sobre os filhos através
de maus-tratos e explosões emocionais violentas, excessiva permissividade, exposição
prolongada às inúmeras cenas de violência exibidas pela mídia, facilidade de acesso às
ferramentas oferecidas pelos modernos meios de comunicação e informação, a alta
competitividade, o individualismo, a dificuldade de empatia, a crise ou ausência de modelos
educativos baseados em valores humanos, capazes de alicerçar a vida do indivíduo.
(FANTE E PEDRA, 2008, p. 100).
Em se tratando da instituição escola, temos que considerar que crianças e
adolescentes não vão à escola apenas para assistir as aulas. A escola é um ambiente social
onde eles se sentem na obrigação de se inserir, de criar uma personalidade própria. O
ambiente escolar, depois do espaço familiar, é o local onde ocorrem os fatos mais
expressivos da vida de crianças e adolescentes, tais como a experiência coletiva, amizades,
descoberta da vida em sociedade, da subjetividade e intersubjetividade, a formação de
identidade pessoal e social.
A escola é de grande significância para crianças e adolescentes, e os que nela não se
sentem acolhidos8
têm maior probabilidade de apresentar desempenhos insatisfatórios,
comprometimentos físicos e emocionais à sua saúde9ou sentimentos de insatisfação com a
vida. Os relacionamentos interpessoais positivos e o desenvolvimento acadêmico
estabelecem uma relação direta, onde os estudantes que percebem esse apoio terão maiores
possibilidades de alcançar um melhor nível de aprendizado. Portanto, a aceitação pelos
companheiros é fundamental para o desenvolvimento da saúde física e psicológica de
8 Neste caso falamos em não se sentir acolhido (seja pelo sistema educacional – que não media o conhecimento
e sim “despeja-o” sobre o aluno –, seja pela dificuldade de relacionamento com os iguais – a importância das
relações interpessoais neste espaço e neste momento da vida das crianças e adolescentes). 9 “Algumas situações mais extremas são passíveis de ocorrer, como a fobia escolar, em que o medo, a
ansiedade e as manifestações depressivas incapacitem crianças e adolescentes a frequentar a escola. A adesão
ao consumo de álcool e drogas também pode estar presente [...].” (LOPES NETO, 2011, p. 103).
22
crianças e adolescentes, aprimorando suas habilidades sociais e fortalecendo a capacidade de
reação diante de situações de tensão.
Segundo Oliveira (2010) um dos motivos para instalação do bullying pode ser a
carência de modelos educativos, o que faz com que a criança e o adolescente fiquem sem
referencial que favoreça a formação de valores e minimize a intolerância. O que é apontado
também por Middelton-Moz e Zawadski (2007, p. 137), quando colocam: “As crianças estão
nos dizendo, com suas palavras e ações, que estão se sentindo sós, com medo, desprotegidas
e necessitando de modelos de referência que lhes ensinem valores saudáveis e
responsabilização por suas ações, em lugar de violência”. Segundo estas autoras, a maioria
de nossos comportamentos é guiado pelos padrões e pelas visões que temos como exemplos
em nossas famílias e comunidades. As normas (ou seja, as regras não ditas) de nossas
comunidades influenciam as nossas ações e a forma como criamos nossos filhos, e muitas
vezes, é difícil encarar o fato de que as nossas crianças e adolescentes estão refletindo o que
lhes foi ensinado. Os valores baseados em “eu” e não em “nós”; “ignorar ou punir”; “não
delatar”; “você não é responsável se não for pego”; “é problema dele, e não meu”, são
alguns exemplos que podemos citar. As crianças estão em busca de pertencimento, apoio e
valores. Quando estes requisitos não são construídos/cultivados no dia-a-dia da família e nas
comunidades, as crianças frequentemente formam suas próprias comunidades e operam a
partir de seus próprios valores, como exemplo a agressividade. Os valores morais não são
transmitidos, são construídos, são vivenciados.
Outro enfoque é proporcionado por Tognetta (2011), que apresenta a contribuição
da Psicologia Moral nos estudos sobre o bullying. Esta entende que o bullying é um
problema moral10
, em que meninos e meninas precisam sentir por si um autorespeito que os
levem a respeitar o outro. “Alvos de bullying assim o são até que não consigam enfrentar
seus próprios medos e desafios por se sentirem desrespeitados.” (TOGNETTA, 2011, p.
142). Conforme a autora, estamos acostumados a agir pautados na perspectiva de que as
regras existem em função da obediência à autoridade e para dar conta disso, comumente
usamos formas de punições, que também são tão violentas quanto às formas de violência
que assistimos nas cenas de bullying. “Superar formas de violência significa dar a essas
crianças espaços para que elas possam compreender que existem outras maneiras de se
resolver um conflito”. (ibid, p. 149). Esta forma de entendimento do fenômeno bullying
10
Conforme Tognetta: “O bullying é um problema moral já que se remete às relações entre as pessoas e
sacrifica aquilo a que mais se busca – a sua dignidade”. (TOGNETTA, 2011, p. 150).
23
defende que as crianças e adolescentes que desrespeitam os outros ou se deixam desrespeitar
não construíram por si um autorespeito (não tem consciência de seu valor e do outro).
Buscando-se justificar a escolha desta temática para a realização da pesquisa de
mestrado, pode-se dizer que de alguma forma, todo tema de pesquisa tem que fazer parte da
nossa vida, de desejos, de vontades, de dúvidas, de curiosidades.
O interesse pelo tema bullying e o despertar pela pesquisa surgiu de minha prática
profissional diária. Como psicóloga – trabalhando em escola com adolescentes – percebo
que muitos alunos apresentam mal-estar, medo e sérias dificuldades na relação pessoal com
seus colegas. Sentem-se humilhados, vítimas de apelidos maldosos, zombarias,
intimidações, dentre outras hostilidades, que provocam necessidade de ajuda. Em muitos
casos apresentam vontade de desistir do curso, da escola, fugir do meio que se mostra tão
ameaçador. E como o bullying geralmente não deixa marcas físicas visíveis que denunciam
a agressão, ele vem se mostrando como comprometedor das relações entre estudantes, pois
normalmente, passa despercebido aos educadores. Sendo o bullying praticado pelos pares –
ou seja, pelo próprio grupo ao qual o adolescente precisa pertencer e no qual deve se sentir
“um igual” como parte de um processo saudável de amadurecimento psicológico e de
preparo para a vida adulta – sentir-se preterido nesse momento da vida pode ser uma
punição cujas marcas podem ser abrandadas, mas dificilmente esquecidas.
Por estas razões decidiu-se investigar o fenômeno bullying, pois somente
ampliando os conhecimentos sobre a temática é que se poderá propor alternativas de
intervenção (teoricamente embasadas) que inspirem mudanças significativas nas práticas
educativas, prevenindo as manifestações do bullying e buscando favorecer um educar
transformador de uma sociedade agressiva e violenta em uma sociedade mais justa, solidária
e feliz.
Sem que haja um profundo estudo da realidade concreta da escola – campo de
intervenção – não faz sentido delinearem-se objetivos, planificarem-se estratégias ou
acordarem-se as técnicas e recursos a utilizar. “O fenômeno bullying é contextual e suas
manifestações estão vinculadas à especificidade de cada instituição. Portanto, uma
abordagem que o dissocie dessa condição está previamente fadada ao insucesso.”
(PEREIRA et al., 2011, p. 145).
Conforme Stival et al. (2011, p.184), uma das primeiras ações quando se visa
implantar propostas para se lidar com o problema do bullying nas escolas, é fazer um estudo,
um inventário, um mapeamento do fenômeno, buscando o entendimento de quando e como
24
essas ações são realizadas. “Torna-se necessário conhecer como os integrantes se articulam e
o que pensam, como vivem e quais as suas expectativas, [...]”.
Para realizar este estudo escolheu-se como lócus o Instituto Federal Catarinense –
Campus Concórdia, principalmente pela facilidade de acesso e pelo grande interesse e
abertura ao diálogo demonstrado pela equipe da escola. Cabe justificar a originalidade de
estudos sobre o bullying nesta realidade escolar, já que a escola possui internato, aulas em
período integral, cursos técnicos integrados ao médio, entre outros diferenciais.11
Dada a diversidade de relações sociais que interagem, pode-se dizer que a escola é
uma organização complexa, onde se inter-relacionam alunos, pessoal docente, pessoal não
docente, pais, comunidade em geral – “todos” contribuindo para uma mesma finalidade. A
escola, de fato, tem de atender a uma gama muito grande de necessidades, seja de instrução,
educação, socialização e desenvolvimento dos alunos etc.
No decorrer da vida escolar, é comum estudantes presenciarem ou participarem de
desentendimentos, fofocas, intrigas, zombarias, brigas, entre outros. O que não dá para
admitir, entretanto, é que o ambiente escolar – que deveria ser um espaço de construção de
aprendizagem, conhecimento, socialização e cidadania – se apresente, para alguns alunos,
como um lugar de sofrimento, maus tratos, falta de compreensão, podendo, contribuir para a
evasão escolar, baixo rendimento, baixa auto-estima, entre outros.
Diante disso, evidencia-se a necessidade de compreender como os alunos12
do
Instituto Federal Catarinense – Campus Concórdia percebem a crescente violência e
desrespeito com as diferenças entre os pares e ao mesmo tempo dar voz a estes adolescentes
(alunos), para que, enquanto sujeitos pertencentes a um determinado processo histórico,
percebam-se como integrantes deste.
Surgiu então o principal problema de pesquisa: Qual é o entendimento dos alunos
que frequentam o Instituto Federal Catarinense – Campus Concórdia a respeito do
fenômeno bullying?
A pesquisa teve como objetivo principal, investigar a dinâmica do fenômeno
bullying, dos sujeitos envolvidos e dos aspectos motivadores implicados na incidência de
episódios de desrespeito e violência no Instituto Federal Catarinense – Campus Concórdia.
11
Contribuição da pesquisa sobre bullying e internato: uma discussão nova no Brasil. 12
O recorte dado ao estudo do fenômeno bullying, nesta pesquisa, irá se basear no fato de como ele é
representado pelos adolescentes (alunos), que constituirão a população de pesquisa.
25
Como objetivos específicos da pesquisa elenca-se: (i) Verificar as diferentes
manifestações, causas e consequências do fenômeno bullying na escola; (ii) Realizar
inventário e diagnóstico das formas e espaços em que se manifesta o bullying na escola; (iii)
Avaliar como os alunos estão percebendo a violência e o desrespeito entre os pares e as
consequências destes atos e (iv) Entender a dinâmica do fenômeno bullying, considerando
os sentidos atribuídos pelos alunos envolvidos nos episódios deste fenômeno, dentro da
especificidade da instituição.
As questões e inquietações sobre o tema buscam entender a dinâmica do fenômeno
bullying no Instituto Federal Catarinense – Campus Concórdia e são: Qual o entendimento
dos alunos sobre o fenômeno bullying, suas diferentes manifestações, causas e
consequências? Quais são as principais formas de intimidações e em que espaços ela se
manifesta na escola? Como os alunos estão percebendo a violência e o desrespeito entre os
pares e as consequências destes atos? Quais os significados e sentidos atribuídos pelos
alunos envolvidos nos episódios do fenômeno bullying?
As hipóteses iniciais para responder ao problema de pesquisa são: de que os alunos
identificam a presença de violência e bullying na escola; de que a violência entre pares
ocorre, mas é tratada como brincadeira; de que o bullying é um comprometedor das relações
entre os alunos; que o desrespeito generalizado, a indiferença em relação aos outros e o
poder (hierarquia) produzem as violências e entre elas o bullying, e que este está
profundamente enraizado na cultura escolar.
Para atender aos objetivos propostos e para organizar este estudo, o primeiro
capítulo traz a Introdução – que inicia a exposição do estudo, apresentando o tema, o
problema, os objetivos e os questionamentos que nortearam esta investigação.
O segundo capítulo apresenta os Procedimentos Metodológicos da Pesquisa –
caracterizando a escola e os participantes da pesquisa, descrevendo os procedimentos e
instrumentos utilizados na coleta e análise dos dados.
No terceiro capítulo encontra-se a revisão de literatura, com o título: Bullying
escolar – de que estamos falando? Neste expõe-se uma contextualização do fenômeno
bullying – definição do termo; estudos sobre o bullying nas escolas; suas características;
caracterização dos protagonistas; manifestações; causas; consequências; bullying no
internato; bullying na adolescência, entre outros.
O quarto capítulo traz a Apresentação e Discussão dos resultados obtidos à luz dos
fundamentos teóricos bases deste estudo. Neste apresenta-se a dinâmica do fenômeno
26
bullying no IFC- Concórdia, a partir da compreensão dos alunos. Para melhor organização
dividiu-se o capítulo em dois blocos: (i) Caracterizando o bullying no IFC-Campus
Concórdia; (ii) A percepção dos alunos sobre a violência e o desrespeito na instituição de
ensino: sentidos atribuídos aos episódios de bullying.
No último capítulo, nas Considerações Finais foi apresentada, ao mesmo tempo,
uma síntese e uma análise das principais reflexões abordadas nas sessões anteriores. Foram
apontadas, também, algumas questões, ainda em aberto, referentes ao objetivo central desta
dissertação.
27
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
2.1 – TIPO DE PESQUISA
De acordo com Gil (2007, p. 17), podemos definir pesquisa como “o procedimento
racional e sistemático que tem como objetivo proporcionar respostas aos problemas que são
propostos.” Ainda segundo o autor, a pesquisa é desenvolvida mediante os conhecimentos
disponíveis e a utilização de métodos, técnicas e outros procedimentos científicos, e
acontece ao longo de um processo que envolve inúmeras fases, desde a formulação do
problema até a apresentação dos resultados. Trata-se de um empenho do pesquisador para
que o conhecimento obtido pelos resultados da pesquisa possa, efetivamente, vir a responder
as questões que se propôs a investigar.
A presente proposta investigativa, articulada à Linha de pesquisa “Processos
Educativos”, do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEd) da Universidade do
Oeste de Santa Catarina – Unoesc, foi desenvolvida através de uma pesquisa descritiva, de
cunho exploratório e de natureza quanti-qualitativa.
Segundo Oliveira (2010, p.68) a pesquisa descritiva “[...] procura analisar fatos
e/ou fenômenos, fazendo uma descrição detalhada da forma como se apresentam esses fatos
e fenômenos, ou, mais precisamente, é uma análise em profundidade da realidade
pesquisada.” A pesquisa descritiva exige um planejamento rigoroso quanto à definição de
métodos e técnicas para coleta e análise de dados, pois visa não só explicar a relação entre
variáveis, como também procura determinar a natureza dessa relação, ou seja, é um estudo
bastante amplo e que permite o desenvolvimento de uma análise para a identificação de
fenômenos e a explicação da causa e efeito destes fenômenos. “É recomendável que nesse
tipo de pesquisa se utilizem informações obtidas através de estudos exploratórios”. (ibid.).
Utilizou-se, portanto, o estudo exploratório, visto que este objetiva “[...]
proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a
constituir hipóteses”. (GIL, 2007, p. 41), o que possibilitará uma visão geral do fenômeno
estudado facilitando a delimitação do tema de pesquisa.
A abordagem metodológica empregada nessa pesquisa foi a abordagem quanti-
qualitativa. O método quantitativo permite a mensuração de opiniões, reações, hábitos e
atitudes em um universo, por meio de uma amostra que o represente estatisticamente. Já o
28
método qualitativo é útil e necessário para identificar e explorar os significados dos
fenômenos estudados e as interações que estabelecem, assim possibilitando estimular o
desenvolvimento de novas compreensões sobre a variedade e a profundidade dos fenômenos
sociais.
A pesquisa quantitativa é apropriada para medir opiniões, atitudes e preferências.
Ela é especialmente projetada para gerar dados precisos que permitam uma análise
estatística. São mais adequadas quando se deseja apurar opiniões e atitudes explícitas e
conscientes dos entrevistados, pois utilizam instrumentos estruturados (questionários).
Devem ser representativas de um determinado universo de modo que seus dados possam ser
generalizados e projetados para aquele universo. Seu objetivo é mensurar e permitir o teste
de hipóteses, já que os resultados são mais concretos e geram índices que podem ser
comparados ao longo do tempo, permitindo traçar um histórico da informação.
Já conforme Richardson (2008, p. 90) “a pesquisa qualitativa pode ser caracterizada
como a tentativa de uma compreensão detalhada dos significados e características
situacionais apresentadas pelos entrevistados [...]”.
Os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a
complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis,
compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais,
contribuir no processo de mudança de determinado grupo e possibilitar, em maior
nível de profundidade, o entendimento das particularidades do comportamento dos
indivíduos. (RICHARDSON, 2008, p. 80).
Em síntese, pode-se dizer que a investigação quantitativa atua em níveis de
realidade e tem como objetivo trazer à luz dados, indicadores e tendências observáveis. Já a
investigação qualitativa, ao contrário trabalha com valores, crenças, representações, hábitos,
atitudes e opiniões (MINAYO & SANCHES, 1993, p. 247).
Os métodos quantitativos são precários em termos de validade interna, entretanto
são fortes em termos de validade externa: os resultados adquiridos são generalizáveis para o
conjunto da comunidade. Ao contrário, os métodos qualitativos têm muita validade interna
(focalizam as particularidades e as especificidades dos grupos sociais estudados), mas são
precários em termos de sua possibilidade de generalizar os resultados para toda a
comunidade. Diante disso, opta-se por contar com dados obtidos pelos métodos
quantitativos e qualitativos, que permitem garantir um razoável grau de validez externa e
interna, ou seja, os dados numéricos (gerais, representativos, frequência) serão
complementados pelos dados qualitativos (particulares, subjetivos, individuais) e vice-
29
versa. “O estudo quantitativo pode gerar questões para serem aprofundadas
qualitativamente, e vice-versa.” (ibid).
Conforme Minayo (2003, p. 22) os dados qualitativos e quantitativos “se
complementam, pois a realidade abrangida por eles interage dinamicamente, excluindo
qualquer dicotomia.”
Em razão da natureza complexa do ambiente educacional, que envolve variáveis
múltiplas, parece inadequado o uso de metodologias que se baseiam, tão somente, em um
paradigma metodológico. É preciso reconhecer que o objeto de estudo em questão é de
difícil entendimento, e, por isso, opta-se por uma metodologia que englobe os mais variados
aspectos.
2.2 – LOCAL/ESCOLA A SER PESQUISADA
O presente estudo foi realizado no IFC – Instituto Federal Catarinense – Campus
Concórdia, escola pública federal localizada na microrregião do Alto Uruguai Catarinense,
na cidade de Concórdia/SC. A escolha desta instituição para a realização da pesquisa deve-
se a facilidade de acesso e ao grande interesse e abertura ao diálogo demonstrado pela
equipe da escola.
2.2.1 – Caracterização geral do Instituto Federal Catarinense - IFC
Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, criados por meio da Lei
nº 11.892/08, constituem um novo modelo de instituição de educação profissional e
tecnológica. Este modelo propõe-se a responder eficazmente às demandas crescentes por
formação profissional, por difusão de conhecimentos científicos e tecnológicos e de suporte
aos arranjos produtivos locais.
Presentes em todos os estados e consoante a reorganização da rede federal de
educação profissional, os institutos federais oferecem formação inicial e continuada, ensino
médio integrado, cursos superiores de tecnologia, bacharelado em engenharias, licenciaturas
e pós-graduação.
Atualmente, o IFC é composto pelos campi Araquari, Blumenau, Camboriú,
Concórdia, Rio do Sul, Sombrio e Videira e pelos campi avançados de Ibirama, Luzerna e
30
São Francisco do Sul. A sede da reitoria está instalada na cidade de Blumenau, sendo uma
autarquia federal vinculada ao MEC, gozando das seguintes prerrogativas: autonomia
administrativa, patrimonial, financeira, didático-científica e disciplinar.
Assim, por sua formação inicial e inserção regional, o IFC abrange todo o território
catarinense, desde Araquari, que contempla o norte/nordeste catarinense; Camboriú,
contemplando o litoral centro e baixo Vale do Itajaí; Concórdia, que atende a grande região
oeste; Rio do Sul, atendendo o médio e alto Vale do Itajaí e parte do planalto serrano;
Sombrio, que atende a região Sul e, por fim, o campus de Videira, contemplando o meio
oeste catarinense e, mais especificamente, o Vale do Rio do Peixe.
O IFC atua no ensino médio, técnico e superior, sendo ofertados cursos em sintonia
com a consolidação e o fortalecimento dos arranjos produtivos locais. Estimula a pesquisa
aplicada, a produção cultural, o empreendedorismo e o cooperativismo, além de apoiar
processos educativos que levem à geração de trabalho e renda, especialmente a partir de
processos de autogestão. Sua missão é: “Contribuir para o desenvolvimento socioambiental,
econômico e cultural, ofertando uma educação de excelência, pública e gratuita, com ações
de ensino, pesquisa e extensão”.
2.2.2 – O Campus Concórdia
O IFC – Concórdia está localizado na microrregião do Alto Uruguai Catarinense,
na cidade de Concórdia. Nesta microrregião, a base do crescimento econômico regional se
apoia na agroindústria com uma produção diversificada baseada na estrutura familiar.
A Instituição iniciou suas atividades pedagógicas em março de 1965, como Ginásio
Agrícola, tendo seu funcionamento autorizado pelo Decreto nº 60.731, de 19 de maio de
1967, tendo formado a primeira turma em 1968. Elevou-se de Ginásio Agrícola para a
categoria de Colégio Agrícola, em 12 de maio de 1972, através do Decreto nº 70.513.
Posteriormente, pelo Decreto nº 83.935, de 4 de outubro de 1979, passou a denominar-se
Escola Agrotécnica Federal de Concórdia (EAFC). Foi transformado em Autarquia Federal
pela Lei nº 8.731, de 16 de novembro de 1993, vinculada ao MEC, nos termos do artigo 2º
do anexo I, Decreto nº 2.147, de 14 de fevereiro de 1997, adquirindo autonomia didática,
disciplinar, administrativa, patrimonial e financeira. Por fim, através da Lei nº 11.892/2008,
31
a Escola Agrotécnica Federal de Concórdia passou a integrar o IFC, denominando-se
campus Concórdia.
A área total do IFC – Concórdia é de 253 hectares 26.065 m2 de área construída.
Sua estrutura física é composta por: Laboratórios de Informática, Biologia, Solos, Química,
Física, Análises Sensoriais, Bromatologia, Microbiologia, Biotecnologia; Mini-usina de
beneficiamento em Panificação, Laticínio, Produtos Cárneos e Vegetais; Ginásio de
Esportes, Campo de Futebol com Pista de Atletismo, Refeitório, Biblioteca, quatro
Alojamentos de Estudantes (masculino e feminino), Centro Cultural, Centro Administrativo,
Centro Pedagógico, Centro de Educação Tecnológica, Auditório, Parque Tecnológico e
Equoterapia, Unidades Educativas de Produção Agrícola e Zootécnica.
O campus ministra cursos técnicos de nível médio, voltados à Agricultura,
Zootecnia e Agroindústria, integrados com o Ensino Médio (Curso Técnico em
Agropecuária e Curso Técnico em Alimentos). Oferece também os cursos: Técnico em
Informática; Bacharelado em Medicina Veterinária; Licenciatura em Matemática;
Licenciatura em Física; Engenharia de Alimentos; de Pós-graduação em Desenvolvimento
Territorial e Pós-graduação em Gestão de Tecnologia da Informação.
O quadro de Servidores do IFC/Concórdia é composto por docentes efetivos e
substitutos, técnicos-administrativos e servidores terceirizados. Em relação número de
servidores que compõem o Campus Concórdia, o quadro de pessoal é composto por 75
professores (61 efetivos e 09 substitutos e 05 temporários), 82 técnicos administrativos, 52
pessoas prestadoras de serviços e 12 estagiários, perfazendo um total de 221 profissionais.13
Com relação aos alunos matriculados, o Campus Concórdia possui 989 alunos
matriculados, sendo 65 alunos matriculados nos cursos de Pós Graduação, 349 alunos
matriculados nos cursos superiores, 106 alunos matriculados nos cursos subsequentes e 469
alunos matriculados nos cursos de Ensino Médio integrado ao técnico.14
Durante toda sua existência, o IFC – Concórdia tem buscado atualização constante,
modernizando o ensino, além de ter alcançado e beneficiado grande parte da população da
região oeste do estado, através de atividades de extensão, como programas técnicos em
13
Dados fornecidos pela CGRH do IFC – Campus Concórdia, referentes ao mês de março/2012. Os dados
foram obtidos pessoalmente no setor. 14
Dados fornecidos pela Secretaria de Registros Escolares do IFC – Campus Concórdia, referentes ao mês de
março/2012. Os dados foram obtidos pessoalmente no setor.
32
rádios, jornais e televisão, exposições, feiras, dias de campo, visitas técnicas, seminários e
palestras.
Um dos diferenciais do IFC – Campus Concórdia é que a instituição oferece
internato (moradia estudantil) aos alunos. A escola possui quatro Alojamentos Masculinos e
um Alojamento Feminino. No total são beneficiados com moradia 216 alunos (sexo
masculino) e 21 alunas (sexo feminino). Os demais alunos moram em Concórdia, em
cidades vizinhas, em pensões ou em repúblicas situadas no entorno do Campus. Percebe-se
desta forma, um diferencial para o estudo neste espaço, ou seja, onde a grande maioria dos
alunos ao final das aulas não retorna para a casa de suas famílias e sim residem na escola
(internato) ou em repúblicas, passando a maior parte do tempo em interação com os colegas
(contexto particular de relações interpessoais conflituosas).
Fotografia 1 – IFC – Campus Concórdia
Fonte: Instituto Federal Catarinense Concórdia - Coordenadoria Especial de Comunicação.
2.3 – AMOSTRA
A população objeto da pesquisa foi constituída por um grupo de alunos, de ambos
os sexos, composto por 209 alunos (com idade entre 14 e 18 anos) do Instituto Federal
Catarinense – Campus Concórdia, pertencentes aos cursos de Ensino Técnico integrado ao
Ensino Médio (Agropecuária e Alimentos), pertencentes às Turmas de 1º, 2º e 3º anos.
No total, participaram da pesquisa alunos de nove turmas diferentes, assim
distribuídos: 106 alunos eram da 1ª série; 32 alunos eram da 2ª série e 71 alunos eram da 3ª
33
série. Quanto ao gênero 129 participantes eram do sexo masculino, enquanto 80 eram do
sexo feminino. Houve um predomínio do sexo masculino (61,7%) sobre o sexo feminino
(38,3%). Essa diferença entre gêneros se justifica pelo fato de que na escola também há um
predomínio de alunos do sexo masculino, principalmente os do Curso de Técnico em
Agropecuária integrado ao Ensino Médio.
A escolha dos alunos para participar do estudo foi aleatória, levando-se em
consideração apenas a representatividade de no mínimo 10% do contingente de alunos das
diferentes turmas e séries e envolvendo diferentes faixas etárias e de gênero.
Segundo Richardson (2008, p.161) numa amostra probabilística ou aleatória, em
princípio todos os sujeitos têm a mesma probabilidade de ser selecionados para formar parte
da amostra. “A representatividade da população nessas amostras é guiada pelas leis da
probabilidade. Isso quer dizer que, de acordo com o modo como se seleciona a amostra em
relação à população, ela terá uma probabilidade adequada de ser representativa da
população.” (ibid, p.162).
2.4 – PROCEDIMENTOS PARA COLETA DE DADOS
A presente pesquisa foi realizada em duas etapas e utilizou-se como procedimentos
de coleta de dados:
1ª etapa: Aplicação de um questionário (com perguntas abertas e fechadas) a 209
alunos – com a finalidade de diagnóstico, visando identificar e descrever o nível de
conhecimento e a relação dos adolescentes com o bullying (dentre o coletivo dos alunos o
que conhecem sobre o bullying; se estiveram envolvidos em situações desta natureza; quais
situações envolvendo este problema mais ocorrem no contexto escolar e locais onde
ocorrem). Além de mapear o grupo de adolescentes e conhecer a cultura de pares.
Conforme Oliveira (2010, p. 83) “o questionário pode ser definido como uma
técnica para obtenção de informações sobre sentimentos, crenças, expectativas, situações
vivenciadas e sobre todo e qualquer dado que o pesquisador(a) deseja registrar para atender
os objetivos de seu estudo”.
Quanto à finalidade de uso do questionário, Oliveira (2010, p. 83) e Richardson
(2008, p. 190) concordam que o questionário tem como principal função descrever as
34
características, fazer a medição de variáveis de uma pessoa ou de determinados grupos
sociais.
Com relação ao tipo de perguntas que foram utilizadas para compor o questionário,
optou-se pelas abertas e fechadas, pois segundo Richardson (2008, p. 193) “frequentemente,
os pesquisadores elaboram os questionários com ambos os tipos de perguntas”. Com as
perguntas abertas buscou-se aprofundar as opiniões dos participantes, já com as perguntas
fechadas objetivou-se obter informações do participante e respostas de identificação de
opiniões.
2ª etapa: Foram utilizadas Entrevistas tendo como base de coleta e análise dos
dados o método clínico piagetiano combinado ao uso de situações-problemas – com a
finalidade de criar situações hipotéticas alusivas ao assunto estudado, que ofereçam aos
sujeitos participantes um cenário para instigar a conversa, de maneira que eles tenham que
explicitar seus pensamentos, descentrar-se, colocar-se no lugar da cena, do cenário e do ato
em ação. Isto no sentido de ir além do óbvio, da resposta estereotipada, buscando
compreender o ponto de vista da análise do sujeito. As características gerais das explicações,
a maneira como o indivíduo fala a respeito das situações hipóteses apresentadas, como chega
às suas explicações, buscando também perceber se guarda coerência, se manifesta
contradições.
O método clínico piagetiano, conforme Delval (2002, p. 35) “consiste em uma
forma de obter dados em interação direta com o sujeito.” Pode-se, neste caso, adotar
procedimentos muito distintos, desde uma entrevista verbal, desenhos, objetos, histórias,
entre outros. Por ser um método muito flexível permite ao pesquisador intervir a qualquer
momento da experiência para tornar mais claro o que está ocorrendo. (DELVAL, 2002, p.
79).
Para Queiroz e Lima (2010, p. 128) o método clínico piagetiano é um procedimento
de entrevistas, com coleta e análise de dados, onde se acompanha o pensamento do sujeito,
com intervenção sistemática, elaborando sempre novas perguntas a partir das respostas
dadas, e avaliando a qualidade e abrangência destas. Também se avalia a segurança e clareza
que o sujeito tem sobre as suas respostas diante das contra-argumentações.
Sobre a entrevista clínica os autores trazem:
35
A entrevista clínica consiste em uma conversa aberta com o sujeito, na qual se
procuram seguir suas ideias e explicações sobre um determinado tema. Pesquisas
sobre moralidade podem valer-se desse tipo de metodologia. O entrevistador
intervém sistematicamente e conduz suas perguntas de modo a tentar esclarecer o
que o sujeito diz. Nesse tipo de entrevista existem perguntas básicas que são
comuns a todos os sujeitos envolvidos na pesquisa, mas essas perguntas vão sendo
ampliadas e complementadas de acordo com as respostas dos sujeitos. As
respostas orientam o curso do interrogatório, mas se retorna aos temas essenciais
estabelecidos inicialmente. (QUEIROZ e LIMA, 2010, p. 113)
Com relação às situações problemas, estas são breves narrações que apresentam
casos baseados na vida real, seguidas de um inquérito (entrevista), que buscam levantar as
compreensões, o entendimento dos participantes com relação à situação exposta. Trata-se de
situações que levam o sujeito a refletir, argumentar e expor sua opinião sobre os fatos e
histórias levantadas.
Através deste instrumento, procurou-se acompanhar o pensamento dos sujeitos da
pesquisa com intervenções sistemáticas, elaborando novas perguntas a partir das respostas
obtidas. Buscou-se também, identificar percepções, sentimentos, atitudes e ideais dos
participantes, a respeito do tema bullying, sua ocorrência e suas possíveis causas no
ambiente escolar.
Entende-se que as situações problemas podem se constituir em um interessante
recurso quando se deseja que os participantes se descentrem, analisem a situação em foco, se
coloquem no lugar do outro, entre outros aspectos, pois nem sempre é fácil identificar os
alvos, os espectadores e os autores de bullying, quase todos se recusam a falar a respeito do
assunto.
Este procedimento foi aplicado, individualmente, a 5% dos participantes da
primeira etapa (questionário), num total de 10 alunos. O enredo de cada uma das situações
problemas foi formulado a partir dos dados coletados por meio da aplicação do questionário,
com a finalidade de diagnóstico. A escolha dos alunos para participar desta segunda etapa
também foi aleatória e por disponibilidade, independente das respostas fornecidas na 1ª
etapa, buscando-se respeitar apenas a representatividade de alunos de todas as séries.
Vale destacar que o presente projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética
em Pesquisa CEP/UNOESC, com parecer consubstanciado de número: 160.785 de
28/11/2012. (cf. anexo C).
36
2.5 – PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DE DADOS
Segundo Lakatos e Marconi (1991, p. 167) “uma vez manipulados os dados e
obtidos os resultados, o passo seguinte é a análise e interpretação dos mesmos, constituindo-
se ambas no núcleo central da pesquisa”.
A tarefa de análise de dados implica primeiramente na organização de todo o
material, dividindo-o em partes, buscando relacionar e identificar nestas, tendências e
padrões relevantes. (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 45).
Os dados foram analisados de forma qualitativa, contemplando todo o material
coletado através dos questionários e das entrevistas (considerados complementares),
resultando em uma análise de conteúdo. Para a análise de dados foram utilizadas as
respostas dos alunos ao questionário – 1ª etapa da pesquisa, de forma articulada com as
respostas obtidas na entrevista – 2ª etapa da pesquisa.
A abordagem metodológica utilizada para a análise dos dados coletados foi a
análise de conteúdo das respostas dos sujeitos participantes, pois levou-se em conta não
apenas a semântica da língua, mas também a interpretação do sentido que os indivíduos
participantes da pesquisa atribuíram às mensagens.
Este método constitui-se em um conjunto de técnicas utilizadas na análise de dados,
cujo objetivo é a busca do sentido ou dos sentidos de um documento. Através deste buscou-
se “[...] compreender melhor um discurso, de aprofundar suas características (gramaticais,
fonológicas, cognitivas, ideológicas, etc) e extrair os momentos mais importantes.”
(RICHARDSON, 2008, p. 224).
Bardin (1979, p. 31) configura a análise de conteúdo como um conjunto de técnicas
de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de
descrição do conteúdo das mensagens. Já Minayo (2003, p. 74) enfatiza que a análise de
conteúdo visa verificar hipóteses e ou descobrir o que está por trás de cada conteúdo
manifesto.
Conforme Franco (2005, p. 24) “o que está escrito, falado, mapeado,
figurativamente desenhado e/ou simbolicamente explicitado sempre será o ponto de partida
para a identificação do conteúdo manifesto (seja ele explícito e/ou latente).” A
contextualização deve ser considerada como um dos principais requisitos, e, mesmo, “o
pano de fundo” no sentido de garantir a relevância dos resultados a serem divulgados e
socializados.
37
A abordagem dos conteúdos está em como visualizá-lo no campo objetivo, a
princípio mais palpável; e no campo simbólico, ou seja, naquilo que não está aparente na
mensagem. Isto nos remete aos “conteúdos manifestos” e aos “conteúdos latentes” de uma
mensagem. Desta forma, a técnica de análise de conteúdo refere-se ao estudo tanto dos
conteúdos nas figuras de linguagem, reticências, entrelinhas, quanto dos conteúdos
manifestos.
Cabe ressaltar que esse método exige uma grande dedicação do pesquisador, para
que uma leitura detalhada dos dados seja apresentada sem interferência, abstração ou
acréscimo de dados que não foram expressos pelo sujeito pesquisado.
Buscou-se, para a análise dos dados extrair a essência das respostas apresentadas, a
fim de conhecer a compreensão/o entendimento dos sujeitos a respeito da dinâmica do
fenômeno bullying na instituição de ensino.
38
3 BULLYING ESCOLAR: DE QUE ESTAMOS FALANDO?
3.1 – ESTUDOS SOBRE BULLYING NAS ESCOLAS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
A prática de bullying na escola já é antiga, porém só há pouco tempo vem sendo
objeto de estudo. As pesquisas e iniciativas de intervenção e prevenção do bullying e violên-
cia na escola podem ser consideradas recentes, somente nas duas últimas décadas é que vem
tendo maior atenção, a partir de estudos que evidenciam sua prevalência e, principalmente,
os riscos para o desenvolvimento pessoal e social de jovens em instituições escolares como
um todo.
No Brasil, o tema só começou a ser abordado junto à sociedade a partir de 2000,
através de pesquisas realizadas por Cleo Fante. Esse trabalho pioneiro resultou em um
programa de combate ao bullying denominado "Educar para a Paz", colocado em prática no
interior paulista. A partir de então, a atenção e as pesquisas voltadas ao tema vem crescendo
a cada ano. Além destes pesquisadores podemos citar também Lopes Neto que juntamente
com a Associação Brasileira de Proteção à Infância e à Adolescência (ABRAPIA)
desenvolveram o Programa de Redução do Comportamento Agressivo entre Estudantes, na
cidade do Rio de Janeiro-RJ. Cabe também destacar os trabalhos desenvolvidos por
Tognetta que, ao fazer uma revisão de literatura, apontou para as especificidades do bullying
e o olhar necessário às questões ligadas aos sentimentos de todos os envolvidos em situações
marcadas por esse tipo de violência escolar. Além destes, vários outros pesquisadores estão
poderiam ser destacados, pois com suas pesquisas e estudos estão contribuindo em muito
para a conscientização de profissionais, pais, alunos e interessados sobre o tema.
Antigamente gestores, professores e outros profissionais, assim como os pais e
comunidade em geral, atribuíam o bullying a processos naturais, normais que ocorriam nas
escolas; pouco se falava ou se noticiava sobre episódios e manifestações graves de
comportamento agressivo dentro das escolas. Fante (2005, p. 51) relata o que ouviu de
educadores enquanto pesquisava o fenômeno bullying:
[...] esse tipo de relação baseada na submissão sempre existiu, sendo “normal”
encontrar nas escolas os grupos que dominam e os que deixam dominar, e que isso
faz parte da vida, devendo os alunos aprender sozinhos a conviver e a lidar com
essas situações impostas por seus agressores, pois, afinal, experiências assim os
tornarão fortes para enfrentar os desafios futuros.
39
Percebe-se, diante deste relato, que infelizmente muitas escolas observam as
atitudes de violência e as consideram normais, não admitindo a existência do bullying.
Algumas insistem em afirmar que tais práticas não ocorrem em suas dependências, na
maioria das vezes, por questão de marketing e medo de perder alunos. Entretanto, Fante e
Pedra (2008, p. 53) colocam que a omissão em nada contribui para a redução desse tipo de
comportamento; ao contrário, dificulta as possibilidades de ação.
Pesquisas transculturais mostram que o fenômeno bullying sempre existiu e é
identificado em diversos países do mundo. (FANTE E PEDRA, 2008; LISBOA; BRAGA;
EBERT, 2009; LOPES NETO, 2011). Há aspectos comuns nessas manifestações, os quais
sugerem um caráter universal no fenômeno. Pode-se supor que houve uma mudança na
maneira de analisar as atitudes agressivas – que sempre existiram, mas que até então eram
ignoradas e/ou negligenciadas – e pesquisadores passaram a encará-las não mais como um
fenômeno corriqueiro, normal e inofensivo, mas como um processo que merece ser
cuidadosamente observado e investigado, pois implica graves consequências (emocionais e
cognitivas) para os envolvidos.
Muito do que se tem encontrado nas pesquisas atuais sobre o fenômeno bullying
correspondem aos dados elucidados em outras pesquisas mundialmente reconhecidas, entre
elas podemos citar as de Olweus, Almeida et al. 2003; Avilés e Casares 2005; Fante 2005;
Tognetta et al. 2005.
Foi o professor e pesquisador Dan Olweus, da Universidade de Bergen, que iniciou
as pesquisas sobre bullying, na década de 1970, na Noruega, embora na época, ainda, não se
identificasse um interesse das instituições sobre o assunto. Olweus realizou uma grande
pesquisa com o objetivo de avaliar as taxas de ocorrência e as formas pelas quais o bullying
se apresentava na vida escolar de crianças e adolescentes. Através destes dados seria
possível criar critérios para diferenciar o bullying de outros episódios característicos das
brincadeiras próprias da idade. Seu estudo reuniu aproximadamente 84 mil estudantes de
todas as séries, 300 a 400 professores e cerca de mil pais de alunos. Os resultados apontaram
que um em cada sete alunos já havia se envolvido em casos de bullying, seja como vítima ou
como agressor. Os espectadores não foram incluídos nos índices, o que faz imaginar que a
população envolvida no bullying é bem mais expressiva. Os estudos de Olweus deram
origem a um programa antibullying, visando aumentar a conscientização sobre o problema e
promover apoio e proteção às vítimas.
40
Aqui no Brasil, a ABRAPIA (Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à
Infância e Adolescência) se dedicou durante muito tempo em estudar, pesquisar e divulgar o
fenômeno bullying. Criou o Programa de Redução do Comportamento Agressivo entre
Estudantes, com a Coordenação de Aramis Antonio Lopes Neto, Lauro Monteiro Filho e
Lucia Helena Saavedra. Este programa realizou uma pesquisa que visava diagnosticar e
implementar ações efetivas para a redução do comportamento agressivo entre estudantes de
11 escolas localizadas no Município do Rio de Janeiro, com objetivo de sensibilizar
educadores, famílias e sociedade para a existência do problema e suas consequências. Dos
5875 alunos de 5ª a 8ª séries, a pesquisa revelou que 40,5% desses alunos admitiram ter
estado diretamente envolvidos em atos de Bullying, naquele ano, sendo 16,9% alvos, 10,9%
alvos/autores e 12,7% autores de Bullying. Os meninos, com uma frequência maior (50,5%),
estão mais envolvidos com o Bullying, tanto como autores quanto como alvos. Já entre as
meninas (49,5%), o bullying também ocorre e se caracteriza, principalmente, como prática
de exclusão ou difamação. Outro dado importante da pesquisa foi que 50% alvos admitem
não relatar a ninguém sobre os maus-tratos sofridos (silêncio). As agressões ocorrem
principalmente na própria sala de aula (60,2%), no recreio (16,1%) e portão das escolas
(15,9%).
Já os estudos de Fante (2005) trouxeram reflexões sobre o bullying e suas
consequências. Como instrumento de coleta e análise a pesquisadora utilizou um
questionário composto de itens que visavam detectar os tipos de violência, os locais mais
comuns onde ocorriam as condutas de bullying e quais os fatores determinantes destas
condutas. Os dados foram obtidos através de quatro estudos, em cidades diferentes do
interior do Estado de São Paulo. O primeiro estudo, realizado no ano de 2000 com 430
alunos de 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental e de 1ª e 2ª série do Ensino Médio de uma
escola da rede particular de ensino, da cidade de Barretos/SP. Este estudo apresentou os
seguintes resultados: o fenômeno bullying ocorre: 81% dos alunos teriam se envolvido em
situações de violência, no decorrer do ano letivo, sendo que, desses, 41% foram
considerados casos de bullying (18% vítimas, 14% agressores e 9% vítimas agressoras). O
local de maior ocorrência foi a sala de aula e os corredores da escola. 64% das condutas
violentas eram praticadas por meninos. As condutas mais utilizadas eram os maus-tratos
verbais e psicológicos (gozações, ameaças, intimidações) e os maus-tratos físicos. Quanto as
causas do fenômeno, o fator familiar foi o preponderante, com 73%. O segundo estudo, em
2001, com 431 alunos, de 7 a 16 anos, de cinco escolas da rede de ensino particular e
41
pública, demonstrou que 87% dos participantes estariam envolvidos em atos violentos,
durante o respectivo ano letivo, sendo que, desses, 47% foram classificados como casos de
bullying (21,38% vítimas, 15,61% agressores e 10,1% vítimas agressoras). O local mais
apontado para a ocorrência foi a sala de aula, seguida pelo exterior da escola e o pátio do
recreio. Quanto ao gênero, a maioria dos agressores eram meninos (66%). As condutas mais
apontadas pelo grupo estudado foram: maus-tratos verbais e agressões morais, ataques à
propriedade (furtos) e os maus-tratos físicos. Com relação aos aspectos motivadores, os
participantes apontaram para a violência doméstica, reproduzida na escola, sendo que 82%
disseram reproduzir a violência sofrida contra outros colegas. O terceiro estudo, em 2002,
foi mais abrangente e envolveu além dos alunos, professores e funcionários da escola. Os
resultados apresentados não foram menos preocupantes que os obtidos nos estudos
anteriores: dos 450 alunos participantes de uma escola pública da rede municipal de ensino,
66,92% estariam envolvidos em atos de bullying, somente no primeiro semestre do ano
letivo, sendo considerados 25,56% vítimas, 22,04% agressores e 19,32% vítimas agressoras.
E, por fim, o quarto estudo, feito em 2003 com 450 alunos de 5ª a 8ª séries de uma escola
pública da rede estadual de ensino, evidenciou que 45% dos alunos estavam envolvidos em
atos de bullying, sendo 24% como vítimas, 8% como agressores e 13% vítimas agressoras.
Tognetta et al. desenvolveram várias pesquisas a respeito do assunto. Na sequência
apresenta-se brevemente algumas delas. Numa investigação com 150 adolescentes do nono
ano do Ensino Fundamental e primeiro ano do Ensino Médio de escolas públicas de
Campinas, encontraram números que descrevem o bullying: 16% foram considerados
autores, cujas ações são frequentes e contínuas; 29,3% foram considerados autores
eventuais, que possuem ações semelhantes ao bullying; 60% dos alunos participantes
afirmaram já terem passado por processo de vitimização; e 92% disseram já terem assistido
a alguma situação de bullying na escola. Em outro estudo realizado também na região de
Campinas, Tognetta et al. puderam constatar novamente o bullying. Participaram da
pesquisa cerca de 800 alunos de escolas públicas e particulares. Parte desta investigação
visava implantar um programa antibullying nas escolas particulares participantes (projeto
piloto). Esta pesquisa além de fornecer dados sobre a violência entre pares (bullying)
apontou um problema relacionado ao fato de crianças e adolescentes terem sido humilhados,
desprezados, zoados, diminuídos pelos próprios professores/autoridades da escola.15
Das
15
Conforme Tognetta e Vinha (2011, p. 145) “as formas de atuação de um professor também podem levar
crianças e adolescentes a serem alvos e autores de bullying, ainda que indiretamente.”
42
turmas participantes a do 8º ano foi a que mais indicou esse tipo de problemas, com 17,36%.
Já em outra pesquisa Tognetta et al. buscaram identificar a presença do bullying entre alunos
do quinto ano no Ensino Fundamental de escolas da rede pública e particular. Utilizaram um
questionário adaptado de Olweus (1998) e Fante (2005), com questões relativas à existência
de bullying, suas formas de ação, locais mais comuns e frequência desses atos. Participaram
210 alunos (105 advindos de escolas particulares e 105 de escolas públicas da região). Os
resultados mostraram que 27% dos alunos das escolas particulares e 21% dos alunos das
escolas públicas dizem já ter agredido alguém na escola, enquanto 67% dos alunos das
escolas públicas e 53% dos alunos das escolas particulares declararam já terem sido alvos de
algum tipo de violência na escola, o que comprova maior índice de violência nas escolas
públicas participantes da pesquisa. Verificando-se a frequência dos atos, os resultados
ressaltam que 8% dos alunos das escolas particulares e 14% das públicas dizem sofrer
intimidações e maus tratos todos os dias, e 2% dos alunos das escolas públicas e 3% das
particulares afirmam que agridem os colegas todos os dias.
Fisher, Lorenzi, Bose, Fante et al (2010) realizaram uma pesquisa com 5.168
alunos de escolas de diferentes regiões do país. Nesta, 28% dos estudantes disseram ser
vítimas de maus tratos ao menos uma vez ao ano e, aproximadamente, 10% da amostra, três
ou mais vezes ao ano. A região sudeste aparece como a campeã de incidência de bullying no
país, com um total de 15,5%, seguido do Centro-Oeste com 11,7%, do Sul com 8,4%, do
Norte com 6,2% e, finalmente, o Nordeste com 5,4% de pessoas que sofreram bullying na
escola.
Pesquisa desenvolvida pelo IBGE em 2009, em escolas brasileiras, apontou que
25% dos alunos disseram sofrer bullying. O Distrito Federal foi o local que mais teve casos
de bullying, com 35,6% dos participantes indicando serem vítimas de bullying e seguido de
Curitiba com 35,2%. A maior parte dos envolvidos eram jovens do sexo masculino (32,6%).
Escolas privadas tiveram um índice maior de prática de bullying (35,9%) se comparadas as
escola públicas (29,5%).
O bullying está amplamente disseminado no Brasil: foi o que revelou outra
pesquisa nacional, da ONG PLAN, de 2009. De acordo com a pesquisa, o bullying atinge
10% das crianças e adolescentes em todo o país, o que significa dizer que apenas no ano de
2012, por exemplo, 5.097.261 crianças e adolescentes podem ter sofrido com o processo do
bullying, tendo em vista que o número de crianças e adolescentes devidamente matriculados
tanto em escola pública, como privada, foi de 50.972.619 alunos. A mesma pesquisa
43
apontou que aproximadamente 70% dos alunos entrevistados informaram ter assistido, ao
menos uma vez no ano de 2009, a um colega sendo agredido, e cerca de 20% afirmaram ter
testemunhado atos de maus-tratos desferidos contra a mesma vítima, mais de três vezes
durante o mesmo período.
Além destas pesquisas comentadas, destacamos outro fator a ser considerado nos
estudos sobre bullying nas escolas brasileiras, que é a produção que alguns cursos de Pós
Graduação estão fazendo por meio de Dissertações e Teses sobre o tema nas mais diversas
regiões do país, e que começaram a dar visibilidade ao assunto de forma mais ampla. Vale
apontar os estudos realizados por Bandeira (2009) Bullying: auto-estima e diferenças de
gênero; Francisco (2010) Percepções e formas de enfrentamento de adolescentes frente ao
bullying; Munarin (2007) A escola como espaço de convivência: a prevenção e a redução
do bulismo escolar; Oliboni (2008) O bullying como violência velada: a percepção e ação
dos professores; Pingoello (2009) Descrição comportamental e percepção dos professores
sobre o aluno vítima do bullying em sala de aula; Vieira (2009) Bullying: estudo de caso em
escola particular; Frick (2011) As relações entre os conflitos interpessoais e o bullying: um
estudo nos anos iniciais do Ensino Fundamental de duas escolas públicas; Mendes (2010)
Fenômeno bullying: um estudo de caso sobre a violência simbólica no Colégio de Aplicação
de Sergipe; Rolim (2008) Bullying: o pesadelo da escola; Pupo (2007) Violência Moral no
interior da escola: um estudo exploratório das representações do fenômeno sob a
perspectiva de gênero; Nogueira (2007) Violência nas escolas e juventude: um estudo sobre
o bullying escolar; Oliveira (2010) Bullying Escolar: discutindo a percepção de professores
no município de Juiz de Fora – MG; Silva (2010) Bullying e depressão no contexto escolar:
um estudo psicossociológico; Catini (2004) Problematizando o “bullying” para a realidade
brasileira; entre muitos outros trabalhos.
A análise que se pode efetuar destes estudos confirma a ocorrência do bullying nas
nossas escolas e indica um grande número de alunos envolvidos nesse tipo de conduta, seja
como alvo, seja como autor ou espectador. É possível perceber que o bullying ocorre em
vários locais da escola, como na sala de aula, o pátio do recreio, porém, longe dos olhares
dos adultos. As formas mais frequentes são as agressões verbais, seguidas das físicas e da
exclusão social. Os fatores promotores das práticas de bullying normalmente estão
associadas à carência afetiva, à ausência de limites, à reprodução dos maus-tratos sofridos, a
ausência de modelos educativos, o desejo de dominar os outros, o preconceito, entre outros.
44
As pesquisas indicam também, que o bullying traz muitos prejuízos aos envolvidos e
atestam a urgência das intervenções e principalmente da prevenção.
3.2 – CONCEITO: DE QUE ESTAMOS FALANDO?
As situações de violência que atingem os pares nas escolas necessitam de uma
melhor compreensão de suas características para que se possam apontar possibilidades de
soluções que ajudem crianças e adolescentes a superar um problema em suas relações
interpessoais. Quando nos referimos à violência e seu combate, normalmente nos
empenhamos em combater a violência explícita, a exemplo nas escolas: brigas e discussões
entre alunos, gangues, acertos de contas entre grupos rivais, depredações ao patrimônio, uso
de drogas e armas, entre outros.
Porém aliada à violência explícita, uma outra forma de violência deve despertar a
atenção dos profissionais de educação: aquela que se apresenta de forma velada,
por meio de um conjunto de comportamentos cruéis, intimidadores e repetitivos,
prolongadamente contra uma mesma vítima, e cujo poder destrutivo é perigoso à
comunidade escolar e à sociedade como um todo, pelos danos causados ao
psiquismo dos envolvidos. Referimo-nos à fenomenologia bullying, aquela que
gera e alimenta a violência explícita e que vem se disseminando nos últimos anos
[...]. (FANTE, 2005, p. 21).
“O bullying na escola é considerado a forma mais frequente de violência contra
crianças e adolescentes.” (LOPES NETO, 2011, p. 37). A presença desse tipo de
comportamento deriva ou gera uma grande variedade de problemas de ordem
comportamental, emocional e social.
Ainda segundo o autor (ibid, p. 16) o bullying é “um fenômeno antigo, frequente e
universal, normalmente entendido como natural, inócuo e, até mesmo, como necessário ao
amadurecimento de crianças e adolescentes.” Porém, podemos supor que houve uma
mudança na maneira de analisar as atitudes agressivas – que sempre existiram, mas que até
então eram ignoradas e/ou negligenciadas – e pesquisadores passaram a encará-las não mais
como um fenômeno corriqueiro, normal e inofensivo, mas como um processo que merece
ser cuidadosamente observado e investigado, pois implica graves consequências (emocionais
e cognitivas) para os envolvidos.
Conforme Fante (2005, p. 27) bullying é uma palavra de origem inglesa, adotada
para definir o “desejo consciente e deliberado de maltratar uma pessoa e colocá-la sob
45
tensão”. É o termo que conceitua os comportamentos agressivos e anti-sociais nos estudos
sobre a violência escolar. No Brasil, adotou-se o termo, visto que o mesmo é empregado na
maioria dos países. “Bully, enquanto nome, é traduzido como ‘valentão’, ‘tirano’, e como
verbo, ‘brutalizar’, ‘tiranizar’, ‘amedrontar’.” (ibid, p. 28).
Mesmo sendo um fenômeno antigo, o bullying mantém, ainda hoje, um caráter
oculto, pelo fato das vítimas não terem coragem suficiente para uma possível denúncia. Isso
contribui com o desconhecimento e a indiferença sobre o assunto por parte dos profissionais
ligados à educação. Conforme Fante (2005, p. 29) o bullying pode ser considerado um
fenômeno novo, visto que as investigações sobre o tema são fruto de estudos recentes
(últimas décadas), porém podemos considerá-lo um fenômeno antigo, pois se trata de uma
forma de violência que sempre existiu nas escolas.
O bullying pode ser manifestado em qualquer lugar onde existam relações
interpessoais. “O bullying é um fenômeno que ocorre, principalmente, em espaços coletivos
e se configura como um processo que tem diferentes causas associadas, mas que pode ser
considerado uma manifestação do processo de interação entre pares.” (GISI, 2011, p. 39).
Este tipo de comportamento agressivo não se dá isoladamente em escolas de
periferia – como muitos imaginam – e sim está presente em todas as escolas, sejam públicas
municipais, estaduais e federais, sejam particulares, ricas ou pobres. “O bullying é um
fenômeno amplo e complexo: ocorre em várias faixas etárias, em escolas públicas e
particulares. [...] Não é um comportamento normal, nem ‘uma brincadeira de crianças que
passa com o tempo’.” (MALDONADO, 2011, p. 14).
Pedra16
acrescenta que o bullying é uma:
[...] manifestação que é inocentemente considerada como “brincadeiras da idade”,
tem um poder destrutivo capaz de promover danos psicológicos incalculáveis e
irreparáveis às suas vítimas, atingindo milhares de alunos-clientes e usuários de
nossas redes de ensino, devendo ser considerado tema de grande relevância na
atualidade e de máxima preocupação por parte das autoridades competentes.
(FANTE, 2005, p. 10).
É possível perceber que a definição de bullying se reveste de grande complexidade.
Para se compreender realmente o que é o bullying é importante conhecer suas
características. Para Fante (2005, p. 28) o bullying é compreendido como um subconjunto de
16
Pedra, José Augusto. Em prefácio da obra de Cleo Fante (2005), p. 10.
46
comportamentos agressivos, sendo caracterizado por sua natureza repetitiva17
e por
desequilíbrio de poder.18
3.3 – CARACTERÍSTICAS: COMO DIFERENCIAR O BULLYING DE ATOS
SIMPLES DE VIOLÊNCIA?
Para agirmos contra as práticas de bullying e violência precisamos primeiro
identificar o problema e compreender suas características. Conforme Gisi (2011, p. 46) é
imprescindível distinguir o bullying de qualquer outro tipo de agressão pontual ou
momentânea. O que para muitos pode aparentemente parecer uma brincadeira pode ser
bullying – uma agressão física ou não com intencionalidade de magoar.
Outro aspecto levantado por Calhau (2011, p. 07) e que também pressupõe a
importância de se conhecer as características do bullying é a questão do “modismo”. Os
descrentes da existência do bullying questionam o suposto “modismo” da mídia, dos
professores, dos psicólogos – que segundo eles, apontam o bullying em todas as situações de
conflito de grupos. Para se evitar esse tipo de situação, a fim de não banalizar o problema, é
necessário conhecimento das características e cautela quando de sua identificação.
A existência do fenômeno bullying é, às vezes, negada por uns ou supervalorizada
por outros, isto é, alguns acreditam que tudo não passa de brincadeira de criança e
adolescente não tendo nenhum efeito danoso, já outros, a todo tipo de conflito, dizem
configurar bullying. É necessário entendermos que brincadeiras normais e sadias são aquelas
nas quais todos os envolvidos se divertem. Quando apenas alguns se divertem à custa de
outros que sofrem, isso ganha outra conotação, bem diversa de um simples divertimento.19
O bullying é diferente de uma brincadeira inocente, sem intenção de ferir. Não é
uma simples troca de ofensas em uma discussão, nem um ato simples de violência. A grande
17
Alguns pesquisadores consideram ser necessários no mínimo três ataques contra a mesma vítima durante o
ano para classificar a agressão como bullying (FANTE, 2005, p. 28). 18
“O desequilíbrio de poder caracteriza-se pelo fato de que a vítima não consegue se defender com facilidade,
devido a inúmeros fatores: por ser de menor estatura ou força física; por estar em minoria; por apresentar pouca
habilidade de defesa; pela falta de assertividade e pouca flexibilidade psicológica perante o autor ou autores
dos ataques.” (FANTE, 2005, p. 28). 19
“Muitos pais e profissionais que lidam com a clientela escolar podem considerar bullying algo que não o é,
em decorrência de sua complexidade. Por isso, é necessário conhecer e reconhecer o fenômeno, a fim de
diferenciá-lo das brincadeiras ou atitudes inconsequentes próprias da idade, além das demais formas de
violência. Portanto, é imprescindível, ao analisar uma conduta agressiva, verificar se esta preenche os critérios
estabelecidos para a identificação do fenômeno [...]” (FANTE E PEDRA, 2008, p. 42).
47
maioria dos autores (FANTE, 2005; FANTE E PEDRA, 2008; MIDDELTON-MOZ E
ZAWADSKI, 2007; SILVA, 2010; LOPES NETO, 2005, 2011; TEIXEIRA, 2011;
CALHAU, 2011, GISI, 2011) convergem para um conceito de bullying como prática que
compreende atitudes agressivas, intencionais e repetidas, que ocorrem sem motivação
evidente, adotadas por um ou mais estudantes contra outro(s), causando dor e angústia,
sendo executadas dentro de uma relação desigual de poder (força física ou condições
emocionais).
Tognetta e Vinha (2010a, p. 452) apresentam as principais características do
fenômeno bullying:
é uma forma de violência entre pares;
é marcado pela repetição, ou seja não são brincadeiras ao acaso e sim atos
direcionados a um mesmo alvo por repetidas vezes20
;
há a intenção de ferir, de prejudicar ou magoar alguém (falta de sensibilidade
moral);
há uma situação de vulnerabilidade da vítima (alvo frágil, que se vê com menos
valor) e a ausência de motivos que justifiquem os atos;
público – não há bullying sem que haja espectadores a corresponder com os atos
de violência.
Cabe destacar também e ainda segundo as autoras que “Somente aqueles cujas
imagens de si empobrecidas revigoram as características postas em evidência pelos autores
de bullying são tomados como vítima.” (TOGNETTA E VINHA, 2010a, p. 452).
Diante das características específicas destacadas, ou seja, a repetição, a
intencionalidade, o fato de ser uma violência entre iguais (sem poder instituído), a ausência
de motivos que justifiquem os atos, é que, assim como Avilés (2002, 2004, 2006) e Tognetta
e Vinha (2010a), fala-se em bullying e não apenas em maus-tratos ou
vitimização/intimidação entre pares. O bullying não consiste apenas de violência isolada,
mas de ações repetidas e intencionais, o que, segundo Tognetta (2010, p. 5), “[...] o torna de
fato, fenômeno ‟que merece destaque nos estudos sobre violência na escola.”
20
“[...] considera-se que as ações são repetitivas quando os ataques são desferidos contra a mesma vítima num
período de tempo, podendo variar de duas ou mais vezes no ano letivo.” (FANTE E PEDRA, 2008, p. 40).
48
3.4 – FORMAS DE BULLYING: TIPOS DE MAUS TRATOS
O bullying pode se manifestar através de diversas atitudes e comportamentos, de
forma direta ou indireta.21
Consideram-se bullying direto as agressões físicas e as verbais. Já
o bullying indireto envolve uma forma mais sutil de vitimização, pois engloba atitudes como
indiferença, isolamento, exclusão, difamação, provocações de ordem racista e sexual – que,
em geral, podem ser muito dolorosas para a vítima, afetando-a indiretamente. Conforme
Lopes Neto (2011, p. 23) “Em um ataque direto, a vítima vê o seu agressor; em um ataque
indireto, a vítima é ferida, mas nem sempre sabe a quem culpar.” Já Silva (2010, p. 22) faz
referência ao fato de que dificilmente o alvo de bullying recebe apenas um tipo de maus-
tratos, pois normalmente, os “comportamentos dos bullies costumam vir em ‘bando’.”
A maioria dos autores e pesquisadores do bullying apresentam consenso quanto as
formas de manifestação do bullying. Os principais tipos de maus tratos encontrados são:
físico, material, verbal, moral, sexual, psicológico e virtual (FANTE, 2005; FANTE E
PEDRA, 2008; TEIXEIRA, 2011; SILVA, 2010; LOPES NETO, 2011; ROLIM, 2010).
As principais formas e atitudes de bullying são: insultar, ofender, xingar, fazer
gozações, colocar apelidos pejorativos, fazer piadas ofensivas, “zoar”, bater, chutar,
espancar, empurrar, ferir, beliscar, roubar, furtar ou destruir os pertences da vítima, atirar
objetos contra as vítimas, irritar, humilhar e ridicularizar, excluir, isolar, ignorar, desprezar
ou fazer pouco caso, discriminar, aterrorizar e ameaçar, chantagear e intimidar, tiranizar,
dominar, perseguir, difamar, passar bilhetes e desenhos entre colegas de caráter ofensivo,
fazer intrigas, fofocas ou mexericos, abusar, violentar, assediar, insinuar. Além destes, pode-
se apontar ainda o Bullying virtual, mais conhecido como ciberbullying (utilização de
aparelhos e equipamentos de comunicação – celular e internet – para difundir calúnias, seja
por mensagens no MSN, Skipe, YouTube, Twitter, Facebook, etc).22
21
Segundo Guareschi (2008), o comportamento do bullying pode ser classificado como direto ou indireto,
sendo que ambos são prejudiciais à vítima.
Direto – Ocorre quando as vítimas são atacadas diretamente, por práticas imediatas, através de apelidos,
agressões físicas, ameaças, roubos, ofensas verbais ou expressões e gestos que geral mal-estar às vítimas.
Indireto – A forma indireta de bullying ocorre quando as vítimas estão ausentes e os autores criam situações de
divisão, discórdia, indiferença, agindo através da fofoca, manipulação de amigos, mentiras, isolamento de
alguns difamadores e discriminação, com o propósito de excluir a vítima de seu grupo social, sendo mais
praticado pelas meninas. 22
Willard (2006, apud LIMA, 2011, p. 69, grifo do autor) fala sobre o bullying virtual como sendo “o ato de
mandar ou postar material danoso ou outras formas de engajar em agressão social usando a internet ou outros
tipos de tecnologias digitais, tais como os celulares de terceira geração. Estas comunicações online podem ser
viciantes e o ciberbullying pode acontecer a qualquer momento nas 24 horas do dia e nos sete dias da semana.
49
Pesquisas recentes tem revelado que os tipos de bullying praticados variam
conforme o sexo dos envolvidos23
. Estes estudos apontam para uma associação entre os
meninos e o bullying do tipo direto, enquanto as meninas apresentam maior propensão a
assumir atitudes de bullying indireto. Conforme estudos (LISBOA, 2001; LOPES NETO,
2011; CALHAU, 2011; MALDONADO, 2011; TEIXEIRA, 2011; ROLIM, 2010;
MIDDELTON-MOZ E ZAWADSKI, 2007), observou-se que as meninas adotam mais a
prática do bullying indireto, ou seja, empregam mais agressões verbais (ataques morais) para
lidar com um problema com seus colegas, enquanto os meninos usam preponderantemente
agressões físicas.
A maior incidência do bullying é observada em meninos no papel de agressores e
vítimas (LOPES NETO, 2005, 2011; FANTE E PEDRA, 2008). Entretanto, cabe dizer que a
forma indireta de bullying, tipicamente praticada pelas meninas, dificulta a identificação da
agressão, por não ser uma agressão explícita. Raquel Simmons classifica este modo de
agressão das meninas como “agressões alternativas.” Para a autora,
[...] algumas agressões alternativas são invisíveis aos olhos dos adultos. Para
fugirem da desaprovação social, as meninas se escondem sob a fachada de doçura
para, em segredo, se magoarem mutuamente. A intenção é evitar serem
desmascaradas e punidas. As agressões das meninas são mais bem trabalhadas
(racionalizadas) e, embora não sejam praticadas com força física, tem requinte de
sutileza e crueldade, visando atingir de forma devastadora as suas vítimas.
(SIMMONS, 2004, p. 11-12).
Para Maldonado (2011, p. 27) o bullying praticado pelas meninas costuma ser mais
insidioso, mas não por isso menos cruel. Rolim (2010, p. 49) traz que o mais comum é que
as meninas atinjam suas vítimas espalhando boatos, passando bilhetinhos, conspirando,
jogando as colegas umas contra as outras. “Práticas que, assinale-se, podem ser tão
destrutivas quanto as formas mais explícitas de agressão física, pois a autoestima da vítima é
aniquilada sem que o problema seja discutido na escola, [...]”.
Middelton-Moz e Zawadski (2007, p. 22) apontam que as meninas “tendem a usar a
exclusão social como principal arma, em lugar de agressão emocional ou física direta,
Texto ou imagens comprometedoras podem ser disseminados de forma ampla, sendo impossível retirar o
conteúdo da internet.” 23
Uma pesquisa realizada por Lopes Neto (2005) constatou que o bullying direto era utilizado pelos meninos
com uma frequência quatro vezes maior do que pelas meninas. Isso não significa que os meninos são mais
agressivos do que as meninas – ao contrário do que poderia supor o senso comum – mas que as meninas se
utilizam de formas mais sutis de agressão.
50
embora estudos indiquem que também elas têm se tornado cada vez mais agressivas
fisicamente na última década.”
Conforme Calhau:
Existe uma cultura oculta de agressividade nas meninas na qual o bullying é
epidêmico, característico e destrutivo. Não é marcado pelo comportamento físico e
verbal direto, que é basicamente domínio dos meninos. A nossa cultura nega às
meninas o acesso ao conflito aberto e impõe à agressividade delas formas não
físicas, indiretas, dissimuladas. As meninas usam a maledicência, a exclusão, a
fofoca, apelidos maldosos e a manipulação para infligir sofrimento psicológico nas
vítimas. Diferentemente dos meninos, que tendem a provocar e a praticar o
bullying com conhecidos e estranhos, as meninas, com frequência, atacam dentro
de um círculo bem fechado de amizades, tornando a agressão mais difícil de
identificar e reforçando o dano causado às vítimas. (CALHAU, 2011, p. 51-52).
Algumas características da prática de bullying modificam-se conforme a idade dos
protagonistas24
. A presença do bullying já é percebido na educação infantil (a partir dos 3
anos), atinge sua maior incidências na pré-puberdade e puberdade quando a aceitação pelos
pares passa a ser fundamental (na faixa etária dos 11 aos 13 anos). Após essa fase, o
bullying tende a diminuir. (LOPES NETO, 2011, p. 24).
Ressalta-se também que os “autores de bullying de ambos os sexos são mais cruéis
com os alvos do mesmo sexo do que com os do sexo oposto.” (ibid, p. 25).
Outro fator evidenciado é que, gradativamente, a intencionalidade e o grau de
perversidade no bullying vão aumentando, sendo reforçados pelo ambiente escolar e social,
quando estes não desenvolvem estratégias adequadas para identificá-lo e combatê-lo, assim
como aponta Lopes Neto, “é consenso que os atos de violência, sejam eles quais forem, se
praticados com frequência, apresentam uma característica evolutiva, em que os níveis de
agressividade e gravidade são crescentes e persistentes.” (ibid)
Considerando-se estes conhecimentos seguidamente apresentar-se-ão os
protagonistas deste fenômeno.
24
Quanto mais jovens forem as crianças frequentemente agressivas, maiores serão os riscos de apresentarem
comportamentos antissociais mais tarde. (LOPES NETO, 2011, p. 24).
51
3.5 – PROTAGONISTAS: DE QUEM ESTAMOS FALANDO?
São vários os personagens envolvidos em bullying. Identificá-los é fundamental,
porém, deve-se tomar o cuidado para não rotular os alunos, evitando que sejam
estigmatizados pela comunidade escolar, o que também seria uma violência.
Os estudos sobre o fenômeno bullying permitem identificar os perfis psicológicos
de cada protagonista envolvido nesta história. E como ressalta Eyng (2011, p.106) ninguém
pratica bullying sozinho, todos os atores, embora tenham papéis diferentes, são responsáveis
pela ocorrência e repetição dos episódios de bullying.
Embora os estudiosos que tratam do tema não classifiquem exatamente da mesma
forma, podemos dizer que são três os principais grupos participantes do bullying: o autor ou
agressor; a vítima ou alvo e os espectadores ou testemunhas. (SILVA, 2010; FANTE, 2005;
FANTE E PEDRA, 2008; TEIXEIRA, 2011, TOGNETTA, 2011; MALDONADO, 2011;
CALHAU, 2011; LOPES NETO, 2011).
Os autores (agressores, bullies) são os que praticam as agressões físicas e/ou
morais; os alvos (vítimas) são as pessoas a quem são direcionados os ataques e os
espectadores são as testemunhas, geralmente silenciosas desses episódios e que estão
sempre no ambiente, mantendo alguma relação com os autores e os alvos.
Maldonado (2011, p. 15) e Lopes Neto (2011, p. 37) enfatizam que não se trata de
três grupos estanques, pois muitos autores são ou já foram vítimas; há vítimas que também
atacam e atiçam a raiva dos agressores, e, os autores e vítimas também podem ser
espectadores de episódios de bullying.
Não há consenso na literatura quanto a nomenclatura a ser utilizada para designar
os protagonistas, até mesmo porque, alguns autores como Lopes Neto (2005), Oliboni
(2008) e Tognetta (2011) preferem utilizar as nomenclaturas alvos para as vítimas e autores
ao invés de agressores. As medidas de adaptação da nomenclatura25
, conforme os autores,
visam a não rotulação dos estudantes perante a comunidade escolar.
Conforme encontra-se em Tognetta e Vinha (2008), a atual literatura aconselha que
se utilize as expressões “alvos de bullying” e “autor de bullying”, para designar a vítima e o
agressor, respectivamente, na tentativa de evitar preconceitos por parte dos agentes que
25
Cabe ressaltar novamente que será adotada a nomenclatura “Alvos” e “Autores”, porém poderão aparecer no
decorrer deste texto as nomenclaturas “vítimas” e “agressores”, pois será mantido os termos utilizados pelos
autores que serão utilizados como fonte.
52
trabalham com situações em que haja essa forma de violência. Sobre a questão da
nomenclatura Tognetta explica:
A atribuição dessas nomenclaturas permite-nos superar um estereótipo que tem
sido constante nos estudos de bullying e nas propostas que se tem, principalmente
em termos de políticas de intervenção: chamávamos os protagonistas desse
fenômeno como agressores e vítimas; quando falamos em “agressor” pensamos em
um sujeito “mau”, e quando falamos em “vítima” atribuímos a ela um sentimento
de piedade que parece por si só resolver a situação – agimos por ela e não
suscitamos no alvo de bullying, ao sentir pena, a necessidade de se defender.
Portanto, a alteração dos nomes não é somente uma mudança de linguagem, mas
de significação. (TOGNETTA, 2011, p. 141).
Independente da nomenclatura utilizada buscar-se-á descrever as características
comuns aos personagens do bullying. Cabe ressaltar, conforme assinalam Fante e Pedra
(2008, p. 61), que o fato de determinados alunos apresentarem algumas características
comuns aos protagonistas, não significa que estarão envolvidos no fenômeno.
Quem são os autores (ou agressores)? Também chamados de bullies, são aqueles
que vitimizam os mais fracos. Apresentam características peculiares de comportamento,
como agressividade e impulsividade mais exacerbada, além de um desejo por dominar,
humilhar e subjugar os demais. Tentam conseguir o que querem a qualquer preço. Não
conseguem ter flexibilidade para fazer acordos. Comumente são indivíduos que tem pouca
empatia e falta afeto pelos outros (SILVA, 2010; ROLIM, 2010; TEIXEIRA, 2011;
MALDONADO, 2011; LOPES NETO, 2011). O desempenho escolar destes jovens costuma
ser regular ou deficitário. Para os autores de bullying, valores como respeito, generosidade,
solidariedade não são centrais, pois são sujeitos que carecem de “sensibilidade moral”, ou
seja, não enxergam no outro um sujeito digno de respeito e por isso não conseguem
sensibilizar-se com a dor alheia (colocar-se no lugar do outro).
Normalmente são fisicamente mais fortes, se julgam superiores e podem ser
considerados populares por muitos estudantes. Segundo Teixeira (2011, p. 32) possuem
habilidades sociais, ou seja, são normalmente comunicativos, mais falantes e mais
extrovertidos, possuem um poder de liderança e são mais aptos para realizar a manipulação
de alguns colegas contra outro. “Apesar de alguns autores de bullying serem rejeitados, em
geral eles são populares, respeitados, temidos e até admirados. Eles apreciam seus status
social elevado, fortalecido pelas atitudes dos colegas, seja apenas como observadores ou
como incentivadores ativos e passivos.” (LOPES NETO, 2011, p. 50). Silva (2010, p. 43)
53
acrescenta: “Quando ele está acompanhado de seus ‘seguidores’, seu poder de ‘destruição’
ganha reforço exponencial, o que amplia seu território de ação e sua capacidade de produzir
mais e novas vítimas.”
Para compreendermos o perfil dos autores de bullying, analisaremos definições
trazidas por alguns autores. Sobre eles Maldonado (2011, p. 30) apresenta:
Há agressores que constroem argumentos para justificar seus atos, sem manifestar
remorsos ou arrependimento. Consideram que as vítimas são pessoas fracas e que,
mesmo assim, os provocam e merecem ser atacadas por apresentarem
características que se encaixam nos preconceitos que motivam as práticas
discriminatórias (“Quem mandou nascer preto?”; “Com orelhas desse tamanho tem
mais é que ser zoado!”; “O cara é gago, merece ser vaiado cada vez que se atreve a
dizer alguma coisa!”) Compaixão, paciência, colaboração e solidariedade estão
atrofiadas: os autores de bullying com esse perfil conseguem até mesmo
arregimentar colegas para fazer coro e intensificar as ações de humilhação e de
exclusão.
Lopes Neto (2005, p. S167) traz em sua definição sobre os autores de bullying:
[...] é tipicamente popular; tende a envolver-se em uma variedade de
comportamentos antissociais; pode mostrar-se agressivo inclusive com os adultos;
é impulsivo; vê sua agressividade como qualidade; tem opiniões positivas sobre si
mesmo; é geralmente mais forte que seu alvo; sente prazer e satisfação em
dominar, controlar e causar danos e sofrimentos a outros. Além disso, pode existir
um “componente benefício” em sua conduta, como ganhos sociais e materiais. São
menos satisfeitos com a escola e a família, mais propensos ao absenteísmo e à
evasão escolar e têm uma tendência maior para apresentarem comportamentos de
risco (consumir tabaco, álcool ou outras drogas, portar armas, brigar, etc). As
possibilidades são maiores em crianças ou adolescentes que adotam atitudes anti-
sociais antes da puberdade e por longo tempo.
O estudo sobre o comportamento dos autores de bullying nos permite sintetizar
algumas características: agressividade, impulsividade, desejo de dominar, intolerância,
controle sobre o outro (manipulador), necessidade de chamar a atenção para si, falta de
empatia e perfil opositor e desafiador. Outra característica, que ajuda a manter esse
problema, é que os autores (bullies) conhecem as regras, mas não têm medo da punição.
Conforme Fante e Pedra (2008, p. 40) os bullies são muito habilidosos em sair-se de
situações difíceis, principalmente quando são indagados sobre seus atos.
Rolim (2010, p.38) aponta que as práticas de bullying constituem um estágio inicial
de um percurso que tende a se desdobrar em práticas delituosas anos mais tarde. Isto é
trazido também por outros autores como Middelton-Moz e Zawadski (2007), Eyng (2011) e
54
Lopes Neto (2011)26
. Conforme Eyng (2011, p. 109) “é possível constatar que a identidade
do bullie se estrutura e se consolida ao longo da vida em virtude das interações e das reações
que causa nos outros, tanto nas vítimas quanto nos expectadores.” Ainda segundo a autora,
os bullies se formam a partir da infância, em contextos familiares e escolares nos quais não
tenha intervenção (ou a intervenção não seja adequada) diante das atitudes agressivas e de
desrespeito, estabelecendo limites, valores e regras. Desse modo, os contextos atuam
fortalecendo e enraizando os comportamentos desajustados que podem permanecer (e se
fortalecer) na idade adulta.
Tognetta e Vinha destacam que há outra característica subjetiva, e talvez menos
considerada quando se fala em bullying, trata-se da falta de sensibilidade moral por parte do
autor. Segundo Tognetta (2010a, p. 05):
Esse “senso moral” se refere a um conjunto de capacidades necessárias a uma ação
moral: uma primeira capacidade diz respeito a distinguir o certo e o errado a partir
de uma hierarquia de valores que são agregados à personalidade da pessoa. Essa
primeira capacidade é somada a outra também importante – a capacidade de
atribuir valor a outrem como alguém que ‘merece’ ser tratado com determinado
valor moral. Seria, portanto, uma espécie de sensibilidade capaz de fazer o sujeito
olhar para o outro com olhos de quem se sensibiliza, se simpatiza com esse outro e
o vê digno de receber uma ação justa, tolerante, generosa, honesta ou respeitosa.
Ao considerar a falta de sensibilidade moral o autor passa a ser compreendido mais
adequadamente como parte, também sofredora do bullying, à medida que age de
determinada forma por não ter subsídios para agir adequado à moral. Por isso, ele não deve
ser chamado de agressor, com denotação de culpado, mas de autor – como a parte
responsável por maus comportamentos e plausível de intervenção pedagógica, social e
especialmente, afetiva.
Como identificar os alvos (ou vítimas)? São aqueles estudantes que sofrem as
agressões repetitivas. A incapacidade de se defender e a negação em solicitar ajuda são
características dos alvos de bullying. Os autores Teixeira (2011), Rolim (2010), Fante
(2005), Silva (2010), Fante e Pedra (2008), Calhau (2011), Lopes Neto (2011) apontam as
principais características dos alvos de bullying27
: elas são normalmente são pessoas tímidas,
retraídas, introspectivas, passivas, submissas, temerosas, menos confiantes, fisicamente mais
26
Conforme Lopes Neto (2011, p. 49-50) a prática de bullying na escola “pode ser um indício importante de
que os estudantes autores tendem a adotar comportamentos antissociais e violentos, imediatos e tardios.” 27
Conforme Fante e Pedra (2008, p. 59) e Teixeira (2011, p. 34) é preciso destacar, que o simples fato de
algum estudante apresentar essas características não significa que ele seja ou venha a ser alvo de bullying.
55
fracas, menores e mais jovens que os autores. Possuem menores habilidades de
relacionamento (poucos amigos e parecem solitários), permanecendo a maior parte do tempo
sozinhos e isolados na escola (ex. no recreio). Dificilmente participam de brincadeiras e
esportes coletivos, por medo da rejeição ou por isolamento. Podem evitar a escola e o
convívio social.28
Os alvos são escolhidos normalmente em razão de diferenças. Como o bullie está
sempre em busca de algo “diferente” na vítima, algo que sirva de motivo para agredi-la,
entram na lista além dos acima descritos, os alunos novos na escola (vindos de outras
regiões, com sotaques, cultura, religião e costumes diferentes), e também pessoas com
algum traço diferenciador em termos de estatura, peso, aparência física, sexo, sexualidade,
raça, etnia, situação sócio-econômica, religião, ou mesmo pelo seu perfil emocional mais
sensível.
Conforme Eyng (2011, p. 109) “A padronização, os rótulos, a desigualdade, o
desconhecimento da diversidade, a intolerância com os diferentes pode gerar preconceitos,
discriminação, exclusão, vitimando os sujeitos percebidos como diversos [...].”
Cabe destacar também os estudantes que se sobressaem no meio escolar (boas
notas, elogios dos professores, etc). Estes são normalmente escolhidos para serem alvos de
bullying.
Tognetta e Vinha (2010a) trazem algo importante a respeito das características dos
alvos – a sua fragilidade – o fato destes se verem e se sentirem com menos valor. Isto
explica o fato de porque nem todos que os que apresentam um perfil para ser alvo, se tornam
alvos de bullying.
Autores de bullying escolhem intencionalmente seus alvos, e estes são exatamente
aqueles que por razões psicológicas parecem concordar com a imagem que seus
algozes querem fazer dele: as vítimas sentem-se diferentes pela roupa que vestem,
maneiras como se relacionam, pelas diferenças físicas ou psicológicas, trejeitos e,
principalmente, por sentirem-se pouco seguros com relação ao respeito que nutrem
por si mesmos [...].
A literatura apresenta uma classificação para os alvos (vítimas). Segundo os autores
Fante (2005), Fante e Pedra (2008), Lopes Neto (2005), Silva (2005) os alvos (vítimas)
podem ser classificadas em: vítima típica, vítima provocadora e vítima agressora.
28
“Algumas situações mais extremas são passíveis de ocorrer, como a fobia escolar, em que o medo, a
ansiedade e as manifestações depressivas incapacitam crianças e adolescentes para frequentar a escola.”
(LOPES NETO, 2011, p. 44).
56
A vítima típica, segundo os autores é aquela que serve de “bode expiatório” para o
autor (agressor). Elas não têm habilidades para reagir às provocações e sofrem
repetitivamente as consequências dos comportamentos agressivos de outros. Tem conduta
habitual não-agressiva, motivo pelo qual mostra ao agressor que não irá revidar e denunciar
(“presa fácil” para os abusos).
Conforme Silva (2010, p. 38):
Normalmente, essas crianças ou adolescentes “estampam” facilmente as suas
inseguranças na forma de extrema sensibilidade, passividade, submissão, falta de
coordenação motora, baixa autoestima, ansiedade excessiva, dificuldades de se
expressar. Por apresentarem dificuldades significativas de se impor ao grupo, tanto
física quanto verbalmente, tornam-se alvos fáceis e comuns dos ofensores.
A vítima provocadora é aquela que deliberadamente provoca e irrita os colegas,
despertando o desejo de ataque dos bullies. Possuem um perfil mais ansioso e explosivo. É
geniosa, briga e responde quando é atacada, mas geralmente de maneira ineficaz. Conforme
Teixeira (2011, p. 37) “eles apresentam uma reação agressiva diante dos assédios de seus
agressores e a irritabilidade é encarada como um convite a esses agressores para continuar
com o bullying”.
Sobre este tipo de vítima, Fante (2005, p. 72) completa: “[...] pode ser hiperativa,
inquieta, dispersiva e ofensora; é, de modo geral, tola, imatura, de costumes irritantes, e
quase sempre é responsável por causar tensões no ambiente em que se encontra”. Motivo
pelos quais acabam vitimizadas.
A vítima agressora pode ser caracterizada como aquela que “Bateu, levou!” ou
“Tudo que vem tem volta”29
. Ela reproduz os maus tratos sofridos buscando uma
compensação. Adotam as atitudes de intimidação das quais foram vítimas ou apoiam os que
assim agem. Conforme Silva (2010, p. 42) e Fante (2005, p. 72) a vítima agressora tende a
buscar indivíduos mais frágeis para transformá-los em “bodes expiatórios”, na tentativa de
transferir os maus-tratos sofridos. Isso gera o “efeito cascata” ou círculo vicioso, que
transforma o bullying em um problema de grandes proporções e difícil controle.
Para Lopes Neto (2005, p. S167) existem alguns fatores que podem ser facilitadores
para que alguém se torne alvo de bullying. Esses fatores estão ligados aos métodos
educativos familiares, como proteção excessiva (gerando dificuldades para enfrentar os
desafios e para se defender), tratamento infantilizado (gerando desenvolvimento psíquico e
29
Silva (2010, p. 42).
57
emocional aquém do aceito) e o papel de “bode expiatório” da família (quando é alvo de
críticas sistemáticas).
Ainda segundo o autor, “é pouco comum que a vítima revele espontaneamente o
bullying sofrido, seja por vergonha, por temer retaliações, por descrer nas atitudes
favoráveis da escola ou por recear possíveis críticas.” (ibid). O alvo de bullying sente-se
impotente diante da descrença do adulto, quando tenta denunciar os atos de agressão e ouve
que aquilo foi apenas uma “brincadeira de mau gosto”. Além disso, muitas vezes, sente
medo de que o agressor fique sabendo da denúncia e queira se vingar. Lopes Neto (2005)
complementa: “O silêncio só é rompido quando os alvos sentem que serão ouvidos,
respeitados e valorizados.” (ibid).
Quem são os espectadores (ou testemunhas)? São a grande maioria dos alunos30
,
aqueles que não se envolvem diretamente nos atos de bullying, presenciam as agressões,
mas se calam por medo de ser “a próxima vítima”, por não saberem como agir ou por
descrerem nas atitudes da escola.
Sobre esta “lei do silêncio”, Lopes Neto (2005, p. S167) traz: “Esse clima de
silêncio pode ser interpretado pelos autores como afirmação de seu poder, o que ajuda a
acobertar a prevalência desses atos, transmitindo uma falsa tranquilidade aos adultos.” Ou
seja, passa a falsa imagem de que o bullying não ocorre na escola, ou de que se trate de um
problema menor, que não interfere na dinâmica escolar.
Contudo, o fato de não contarem para suas autoridades, propositalmente, fortalece
outro fato interessante: autores de bullying precisam fazer com que seu público os
venere sabendo de suas proezas. Dão um jeito: ou mandam recado, ou contam
sobre suas ações... E o público, por sua vez, quase que em sua totalidade,
amedrontado com a possibilidade de se tornar “a próxima vítima”, parece
concordar com as ações dos autores, mesmo que seja pela indiferença ou pura
aceitação. (TOGNETTA E VINHA, 2010a, p. 452).
Fante (2005, p. 74) e Teixeira (2011, p. 38) trazem que estes alunos (espectadores)
mesmo não sofrendo as agressões diretamente, podem se sentir inseguros e incomodados
com a situação. Isto pode prejudicar sua capacidade e progresso acadêmico e social, visto
que a escola deixa de ser um ambiente acolhedor e seguro e passa a ser um local hostil,
30
Conforme Fante (2005), Fante e Pedra (2008), Lopes Neto (2005, 2011), Silva (2010), Calhau (2011),
Teixeira (2011).
58
perigoso e violento. Além de ansiedade, preocupações e angústia, os alunos podem sentir
vergonha de fazer perguntas e esclarecer dúvidas com os professores por medo de serem
alvos de bullying. Até mesmo a participação em eventos, festas, reuniões, jogos esportivos
pode ser comprometida.
A grande maioria dos espectadores não concorda com as agressões e apresentam
sentimentos negativos com relação ao bullying, sentem simpatia pelos alvos e
condenam/desaprovam o comportamento agressivo dos autores, conforme apresentam Lopes
Neto (2005; 2011) e Calhau (2011).
No entanto, as reações positivas ou negativas diante dos atos de bullying podem
ser influenciadas pelos grupos nos quais crianças e adolescentes interagem,
suplantando, inclusive, os seus próprios princípios. Pertencer a um contexto social
outorga a seus membros uma identidade social que não só os identificam, como
estabelece regras de comportamento, que pode torna-los relutantes e inseguros em
intervir diretamente ou para informar aos adultos sobre os casos observados, ou
mais suscetíveis à adoção de atitudes discriminatórias e de práticas de bullying.
(LOPES NETO, 2011, p. 55).
Estes preferem ficar em silêncio, pois temem que os autores de bullying – caso
saiam em defesa dos alvos – os escolham também para os ataques. Em geral, não denunciam
os fatos aos pais e professores, pois a fama de “dedo duro” é terrível, sabem que poderão
sofrer represálias dos autores – então por medo, não entregam os colegas, mesmo não
concordando com o bullying.
Tognetta e Vinha (2008, p. 13) colocam que:
[...] o espectador assume uma posição de “fora de jogo”, como se nada tivesse a
ver com o problema pelo medo de uma punição da autoridade, mas, ao mesmo
tempo, ainda que de maneira controlada, também zomba ou ri da crueldade feita a
alguém, não porque concorda com ela, mas pelo temor de se tornar a próxima
vítima e por perceber que para manter uma boa imagem diante do grupo é melhor
“ficar do lado” dos mais fortes. [...] O que está em jogo é necessariamente a
ausência de um sentimento de indignação que permita a esse espectador assumir
um posicionamento contrário às ações injustas. Por sua vez, essa indignação é
proveniente de um “estar sensível” ao sentimento do outro, de uma espécie de
comover-se ao outro.
Sobre os espectadores Maldonado (2011, p. 32) traz:
Na “plateia silenciosa”, as testemunhas ou espectadores se omitem, observando o
desenrolar das agressões sem nada dizer, sem tomar providências no sentido de
denunciar ou desmascarar os agressores, que se tornam ainda mais audaciosos por
acreditarem que não haverá consequências para suas ações. Os espectadores se
omitem por medo de serem escolhidos como alvos, por indiferença ou pela recusa
59
de perceber a realidade: “O problema não é meu, então não sou eu quem vai
resolver”; “Se fosse comigo, eu reagiria de outro modo, essa bobinha que aprenda
a se defender”; “Nunca vi essas coisas acontecendo na minha escola”.
De acordo com a forma como reagem aos episódios de bullying podemos
classificar31
os espectadores como: passivos ou observadores (são aqueles que só observam
e se afastam, por medo); auxiliares (neste grupo encontram-se aqueles que participam da
agressão, normalmente planejando e articulando os ataques – camuflados de “bons moços”);
incentivadores (são aqueles que apesar de não participarem ativamente dos ataques contra os
alvos, manifestam “apoio moral”, com risadas e palavras de incentivo – que estimulam e
incitam o autor); neutros (são aqueles que não demonstram nenhuma sensibilidade pelas
situações de bullying que presenciam – percebem as cenas como algo normal, muitas vezes
até condenando o alvo); defensores (este grupo inclui os espectadores que buscam proteger o
alvo ou buscar ajuda para interromper as agressões).
Percebe-se que durante os episódios de bullying os estudantes espectadores podem
assumir diversos papéis, e que este grupo pode influenciar diretamente na ocorrência de
bullying, seja intervindo e ajudando os alvos, seja apoiando e incentivando os autores.
A postura assumida pelos espectadores pode ser determinada por diversos fatores
pessoais, sociais e circunstanciais: como medo, sentir “pena” do alvo, entendimento de que o
problema não seja seu, de não se sentir capaz ou não saber como agir, de estarem
“acostumados” com a violência (quando esta faz parte de seu cotidiano) tornando-se
invisíveis a seus efeitos, descrença na capacidade e interesse da escola em intervir na
situação.
Diversos estudos procuram correlacionar o protagonismo desses estudantes com
aspectos psicológicos, traços de personalidade, habilidades sociais, motivação
moral, empatia e autossuficiência, buscando explicar o porquê de alguns deles
assumirem atitudes proativas, como defensores dos colegas, outros se mostrarem
totalmente alheios aos atos de violência ou incentivarem e participarem da prática
de bullying. Entre os fatores mais importantes, favoráveis às intervenções das
testemunhas em favor dos alvos, destacam-se as manifestações agressivas mais
amenas, as atitudes positivas de proteção às vítimas e o entendimento de que seus
pais e amigos, mas não os professores, esperam que eles prestem apoio aos alvos.
(LOPES NETO, 2011, p. 56).
Diante disso, percebe-se que este terceiro grupo “os espectadores” possui um
grande poder diante dos episódios de bullying, por isso “os que não praticam ou sofrem
31
Não há um acordo dos autores, quanto a nomenclatura na classificação dos espectadores, mas baseados em
Silva (2010), Lopes Neto (2005; 2011) e Maldonado (2011) destacamos as principais.
60
bullying devem ser entendidos como parte do problema e parte da solução.” (ibid, p. 57).
Eles detêm a capacidade de poder reduzir os números do bullying, sendo assim a abordagem
do bullying, visando à sua redução, deve envolver toda a comunidade escolar e incentivar o
conhecimento e percepção do bullying por todos os estudantes.
Eyng (2011, p. 111) traz que a identidade e o comportamento dos bullies dependem
tanto das reações dos alvos quanto da falta de ação dos espectadores, e esses, segundo a
autora, são os maiores responsáveis pelo fato de o bullying continuar a ocorrer.
Sobre isto Middelton-Moz e Zawadski complementam:
Os bullies são ao mesmo tempo, temporariamente fortalecidos e prejudicados por
nossa impotência, nossa apatia e nosso silêncio. Precisamos criar comunidades em
que a agressão contra os outros seja totalmente inaceitável, não em função de leis
rígidas e punições severas, mas porque nos importamos com os outros.
(MIDDELTON-MOZ E ZAWADSKI, 2007, p. 146, grifo do autor).
Os alunos considerados espectadores, que por medo ou outra razões não adotam um
papel ativo e fundamental em defesa dos alvos de bullying, acabam aprendendo a aceitar e
até a legitimar o errado e o injusto, desde que isso não os atinja, contribuindo assim para a
perpetuação do bullying na escola.
3.6 – CAUSAS: MOTIVADORES E REFORÇADORES
Quando nos deparamos com cenas de violência e desrespeito entre escolares
passamos a nos questionar: por que ocorre o bullying? O que leva um aluno ou grupo de
alunos a humilhar, perseguir, intimidar, apelidar de forma pejorativa um colega mais
indefeso? Será intolerância? Maldade? Satisfação em provocar sofrimento ao outro? Será
por diversão? Por não aceitar as diferenças? Ou talvez seja uma maneira de denunciar que
algo não anda bem? Haveria um incentivo involuntário aos problemas do desrespeito? Qual
o “combustível” para que essas condutas aconteçam em nossa sociedade? E, ainda, por que
algumas pessoas não conseguem se defendem e tornam-se “alvos fáceis” para outros colegas
de escola? 32
32
Fante (2005).
61
Conforme Tognetta e Vinha (2008, p. 08) o “bullying é um fenômeno
‘multicausado’. São muitos âmbitos implicados para a formação de um alvo ou autor de
bullying.”
Estudos estão sendo desenvolvidos na tentativa de compreender esse fenômeno, sob
os mais diversos aspectos, como familiar, social, cultural, afetivo e emocional. Uma
evidente crise nos valores morais, a grande quantidade de informações transmitidas pela
mídia, a desestruturação da família, a falta de respeito ao próximo, a má qualidade das
relações com o grupo, influência das normas sociais (espaço onde o indivíduo está inserido)
são alguns dos fatores pesquisados, uma vez que interferem e influenciam na qualidade das
relações humanas, e a escola é um dos espaços em que isso é refletido.
Pesquisadores e autores têm destacado inúmeros fatores que influenciam e/ou
contribuem no aparecimento do bullying, mas é bem provável que não se consiga dar conta
de listar todos, uma vez que sempre haverá possibilidade de surgir uma razão ainda não
identificada para tal comportamento.
Fante e Pedra indicam alguns desses fatores:
[...] carência afetiva, ausência de limites, afirmação dos pais sobre os filhos através
de maus-tratos e explosões emocionais violentas, excessiva permissividade,
exposição prolongada às inúmeras cenas de violência exibidas pela mídia e pelos
games, facilidade de acesso às ferramentas oferecidas pelos modernos meios de
comunicação e informação. Além desses, existe a alta competitividade, que acaba
gerando o individualismo e a dificuldade de empatia, a crise ou ausência de
modelos educativos baseados em valores humanos, capazes de alicerçar a vida do
indivíduo. (FANTE E PEDRA, 2008, p. 100).
Já Frick (2011, p. 75) aponta para as seguintes variáveis: culturais (meios de
comunicação social e modelos que reproduzem e incentivam a violência); sociais (violência
estrutural, valores socialmente aceitos, crenças e costumes sociais face ao bullying,
machismo, exclusão de determinados grupos); familiares (padrões educativos autoritários,
permissivos ou negligentes, métodos coercitivos e violentos, qualidade nas relações);
escolares (metodologias não cooperativas, disciplinas autoritárias, punitivas e
inconsistentes, falta de normas estabelecidas de forma democrática, falta de comunicação);
grupais (popularidade dos grupos, busca por status/posição/reconhecimento no grupo) e
pessoais (temperamento, aprendizagem de condutas submissas ou violentas, experiências
prévias de maus-tratos, falta de autocontrole, incapacidade social).
Uma questão muito importante para entender o fenômeno bullying (agressão –
vitimização – impotência – indiferença) é compreender, além das características, formas de
62
atuação e protagonistas, a dinâmica que produz esses personagens, levando em conta os
contextos socioculturais nos quais os motivadores e reforçadores do bullying se constituem.
Sobre isto Beaudoin e Taylor (2006) assinalam o fato de vivermos em uma
sociedade que funciona segundo os princípios e valores do capitalismo, do individualismo,
do patriarcado e do racismo – buscando as implicações associadas a essas práticas e que
afetam o clima educacional da sala de aula e a experiência das pessoas com as escolas. Com
base nisto trazem que:
Embora a maioria das pessoas esteja ciente de que vivemos em cultura capitalista,
individualista, patriarcal, que frequentemente é intolerante em relação às
diferenças (padrões restritos de normalidade, pouca aceitação das diferenças de
raça, de orientação sexual, etc.), muitos não percebem a implicação desses
discursos amplos em seu cotidiano. Em geral, nessas culturas, as instituições
passam a estruturar-se por temas como a competição, as regras, as conquistas, a
avaliação, a recompensa e a punição e as hierarquias de poder. (BEAUDOIN E
TAYLOR, 2006, p. 29).
Destaca-se a importância de ser um vencedor, de ter a razão e de estar no topo da
hierarquia (competitividade); o fato dos meninos terem que ser durões e demonstrar a força
física, valorizado os traços considerados de natureza masculina; o individualismo – foco
sobre as próprias necessidades do indivíduo, seus desejos e seus direitos, muitas vezes às
custas dos outros.
As autoras assinalam que, em geral, as instituições (incluindo a escola) também se
estruturam com base em temas como a competição, as regras, as conquistas, a recompensa, a
punição e as hierarquias de poder. Cabe ressaltar, porém, que o problema não está nas
culturas que funcionam sob essas estruturas, mas é a sua aplicação exagerada, constante e
rígida que pode levar aos efeitos negativos.33
Conforme Eyng (2011, p. 117) é inegável que os discursos culturais atuem sobre o
indivíduo e produzam respostas e ou bloqueios diante de suas atuações. O que é
complementado por Beaudoin e Taylor (2006, p. 29) “alguns desses bloqueios, em especial a
competição, as regras, ênfase exagerada na conquista a todo custo e a avalição, podem
acabar contribuindo para o desrespeito e o bullying,” já que os alunos que lutam contra esses
problemas geralmente recebem uma dose extra destas práticas de ensino. As autoras
destacam:
33
(ibid)
63
[...] a cultura em um sentido mais amplo limita a quantidade de opções que os
alunos conhecem na vida, e certos aspectos estruturais da escola – como a
avaliação, as regras, a competição e uma ênfase exagerada sobre as conquistas –
podem involuntariamente exacerbar os problemas. (BEAUDOIN E TAYLOR,
2006, p. 39).
Ainda que os princípios, valores e regras em vigor nessas estruturas afetem de
modo diferente os sujeitos, todos são, de algum modo, influenciados. Lopes Neto (2011, p.
84) aponta que pesquisas e estudos comparativos sugerem que o bullying varia de lugar para
lugar e que sofre influências culturais, dos próprios ambientes escolares e de fatores
socioeconômicos.
Calhau (2011) também contribui neste sentindo, colocando que vivemos em uma
sociedade extremamente individualista, onde o capitalismo acaba por transformar as pessoas
em objetos que querem cada vez mais possuir bens. Os valores ficam em segundo plano na
vida das pessoas, a figura do próximo fica de lado e muitos não pensam duas vezes em
passar por cima de qualquer um para atingir seus objetivos. Isto é visto em muitos lares, nas
novelas, no futebol, no trabalho, etc., cada um buscando apenas os seus interesses. E nesse
contexto social individualista, ganha destaque o bullying – pessoas são perseguidas no
ambiente escolar, no trabalho, pela internet.34
Não é preciso ir fundo na análise de tais condutas serem reproduzidas numa
sociedade capitalista como a nossa, onde o sucesso, a competição e o lucro são
fontes de desejos e obsessões de um número cada vez maior de pessoas. É comum
a expressão “o mundo é dos espertos”, que reflete um terreno propício para a
reprodução do bullying. (CALHAU, 2011, p. 49).
O autor explica, que na sociedade, lamentavelmente ser honesto, para alguns, é
sinônimo de fraqueza, porque o “mundo é dos espertos”, numa total deterioração dos
fundamentos éticos e morais que devem dirigir as ações das pessoas.35
O modismo impõe
que todos consumam cada vez mais, sem limites. As crianças e adolescentes, por exemplo,
precisam comprar objetos semelhantes e se vestir de forma similar e com produtos caros (de
marcas famosas) para se sentirem aceitos pelo grupo.36
34
“O bullying, nesse contexto, é um problema que, em não sendo controlado, propicia a ocorrência de
situações-problema e a sua posterior reprodução no meio social, de forma que a tolerância e o respeito sejam
abandonados em detrimento de uma linha de relação interpessoal, em que seja aplicada a exploração do mais
fraco pelo mais forte.” (CALHAU, 2011, p. 05). 35
“Os preconceitos e as práticas discriminatórias são as raízes mais comuns do bullying e do ciberbullying”.
(MALDONADO, 2011, p. 08). 36
“É um mundo de consumista, onde o ‘ter’ acaba para muitos sendo preponderante sobre o ‘ser’. Nesse
mundo capitalista e volátil, o jovem quer tudo e para ontem.” (ibid, p. 26).
64
Tognetta (2005, p. 10) coloca que:
Sabemos que a boa imagem valorizada socialmente não é a da humildade, da
tolerância e sim aquela de coragem, virilidade, força, valentia. É de fato, a imagem
que os meios de comunicação sugerem e do herói que infelizmente, nossos
meninos e meninas podem hoje tomar para si.
Já segundo Oliveira (2010) um dos motivos para instalação do comportamento de
bullying pode ser a carência de modelos educativos, o que faz com que a criança e o
adolescente fiquem sem referencial que favoreça a formação de valores e minimize a
intolerância.
A ausência de modelos educativos humanistas, capazes de estimular e orientar o
comportamento da criança para a convivência social pacífica e para o seu
crescimento moral e espiritual, fatores indispensáveis ao bom processo
socioeducacional, que se torna promotor de auto superação na vida. A ausência
desses valores humanistas tem induzido o educando ao caminho da intolerância,
que se expressa pela não-aceitação das diferenças pessoais inerente a todos os
seres humanos. Dessa forma, o bullying começa frequentemente pela recusa de
aceitação de uma diferença, seja ela qual for, mas sempre notória e abrangente [...].
A constatação dessas diferenças faz surgir conflitos interpessoais de convivência, e
os métodos utilizados para solucioná-los são aqueles aprendidos nas vivências
experienciais no modelo educativo a que foi submetido, que é expresso pela
imposição de autoridade e pelo emprego de vários tipos de atitudes e linguagem
violenta para fazê-lo obedecer. (FANTE, 2005, p. 62-63).
O que é apontado também por Middelton-Moz e Zawadski (2007, p. 137), quando
colocam: “As crianças estão nos dizendo, com suas palavras e ações, que estão se sentindo
sós, com medo, desprotegidas e necessitando de modelos de referência que lhes ensinem
valores saudáveis e responsabilização por suas ações, em lugar de violência”. Segundo estas
autoras, a maioria de nossos comportamentos é guiado pelos padrões e pelas visões que
temos como exemplos em nossas famílias e comunidades. As normas (ou seja, as regras não
ditas) de nossas comunidades influenciam nossas ações e a forma como criamos nossos
filhos, e muitas vezes, é difícil encarar o fato de que as nossas crianças e adolescentes estão
refletindo o que lhes foi ensinado. Os valores baseados em “eu” e não em “nós”; “ignorar ou
punir”; “não delatar”; “você não é responsável se não for pego”; “é problema dele, e não
meu”, são alguns exemplos que podemos citar.
A respeito disso, Calhau complementa:
65
Os adolescentes procuram captar nos adultos, nas entrelinhas da comunicação
cotidiana, os sinais que refletem o modo como são vistos e julgados, o que pode
ajudá-los a perceber e definir sua identidade em formação. (CALHAU, 2011, p.
05).
Segundo Piaget (1954) os valores referem-se a uma troca afetiva do sujeito com os
objetos, entendendo objeto como as coisas e as pessoas do mundo exterior. Sendo assim,
valores são construídos com base nas interações que o sujeito faz com a realidade. Eles não
são pré-determinados, nem simplesmente internalizados, mas são fruto das ações do sujeito
sobre o mundo em que ele vive. “[...] os valores e a moral são aprendidos e se internalizam
por meio de sua vivência aprendida” (TARDELI, 2009, p. 86). As crianças não nascem com
empatia, com capacidade de regular as emoções ou com limites carinhosos e claros a seu
comportamento. Elas aprendem essas lições por meio do “reflexo em espelhos” e da
internalização as emoções e dos comportamentos de seus cuidadores adultos.
A Psicologia Moral, conforme reflete La Taille (2002, p. 23) também defende que a
ausência de valores e a falta de regras pode ser a responsável pelas atitudes praticadas pelos
autores de bullying.
De fato, pode perfeitamente acontecer de uma pessoa ter orgulho de ser violenta
porque, entre os valores que fazem parte de suas representações de si, o ser
dominante, o ser fisicamente forte, o ser destemido são valores centrais. Também
pode acontecer de pessoas serem violentas porque, para elas, fazer uso
instrumental dos outros é condição para realizarem e manterem representações de
si como ser bem-sucedido, ser famoso, ter glória, etc. Nos dois casos, agir de
forma violenta não traz vergonha; pelo contrário, como dissemos, traz orgulho.
Vê-se que, nessa abordagem, a violência não é decorrência de falta de regras ou
ausência de projetos de vida: ela é decorrência dos valores presentes na construção
da identidade. (LA TAILLE, 2002, p. 23).
Estudos realizados por Fante e colaboradores também apontam que o bullying –
desrespeito entre os colegas – está diretamente relacionado aos modelos educativos a que as
crianças estão submetidas, principalmente na primeira infância (baseados na rejeição e em
castigos físicos – “práticas educativas” que incluem maus-tratos físicos e explosões
emocionais violentas) e, a ausência de valores humanistas norteadores de suas condutas
contribuem decisivamente para a irrupção do comportamento bullying na escola. A autora,
em suas pesquisas realizadas37
, encontrou como uma das respostas para a violência – o fator
familiar. A violência doméstica foi relatada por mais de 70% dos alunos entrevistados como
37
Fante (2005).
66
fator decisivo para a reprodução da violência nas escolas, confirmando, assim, o papel
fundamental da família na formação das bases da personalidade das crianças.
Conforme Fante e Pedra:
O modelo educativo predominantemente introjetado pela criança na primeira
infância é determinante, tanto para a manifestação do comportamento agressivo
quanto para a produção de “perfis psicológicos” que favoreçam a sua expressão. A
história intrapsíquica de cada um, armazenada nos arquivos de memória, oriunda
das primeiras interações emocionais na psicodinâmica familiar, ao longo do seu
desenvolvimento, será decisiva na construção dos seus pensamentos, suas emoções
e seus comportamentos. (FANTE E PEDRA, 2008, p. 102-103).
Desta forma, pode-se dizer então, que uma criança (ou adolescente) exposto
constantemente a situações de maus-tratos e humilhações tem a tendência inconsciente de
reproduzir o modelo introjetado contra outras crianças ou adolescentes, ou seja, repetir o que
aprendem com seus familiares.
Middelton-Moz e Zawadski (2007, p. 58) trazem que as crianças e adolescentes se
tornam bullies como proteção contra a dor de traumas sofridos durante o desenvolvimento.
Sentem raiva e mágoa e frequentemente praticam o bullying da mesma forma com que o
sofreram. Fante e Pedra complementam:
[...] o praticante de bullying, em algum momento de sua vida, foi alvo de um
tirano, de um bully – talvez, de algum adulto, como pais, parentes, vizinhos,
professor ou algum colega de escola, que se aproveitou de sua fragilidade e
dificuldade de defesa para imputar-lhe sofrimentos. Portanto, o bullying acontece
dentro de um ciclo repetitivo de abusos e maus-tratos, duas faces da mesma moeda
em que o indivíduo aparece como vítima e agressor ao mesmo tempo. As crianças
não nascem praticando bullying. Algum fator no transcurso de seu
desenvolvimento colaborou para o surgimento desse tipo de comportamento.
(FANTE E PEDRA, 2008, p. 101).
Outro problema apontado por Calhau (2011), Silva (2010) e Fante e Pedra (2008) e
quem relação direta com o bullying escolar é o problema dos limites.38
A questão dos limites
é muito conhecida dentro das escolas. Falta de educação e respeito entre colegas e
professores tem se tornado cada vez mais comuns no sistema escolar.
Uma grande parcela de pais vem agindo de forma excessivamente tolerante com
seus filhos. Segundo Silva (2010, p. 61) são os pais do “deixa pra lá” ou que costumam
passar a mão na cabeça de seus filhos rebentos, diante de comportamentos transgressores.
38
“A falta de limites é uma das grandes causas de ocorrência do bullying.” (CALHAU, 2011, p. 28).
67
São permissivos em excesso, cedem a praticamente a todas as vontades deles e toleram
quase tudo, o que faz com que as crianças e adolescentes não obedeçam suas orientações e
reprimendas. Esses pais, normalmente agem desta forma, sob a alegação de que não querem
ferir a autoestima dos filhos, para evitar desavenças e confusões familiares ou como forma
de compensar o período que estão distantes dos filhos por motivos profissionais. O resultado
disso, é que crianças e adolescentes se habituam a fazer tudo o que querem e impõem-se de
forma autoritária e opressora perante os pais.
Sobre os limites Calhau expõe:
É fundamental acreditar que dar limites aos filhos é iniciar o processo de
compreensão e apreensão do outro (atualmente, muitas pessoas acreditam que o
limite provoca necessariamente um trauma psicológico e em consequência,
acabam abrindo mão desse elemento fundamental na educação). Ninguém pode
respeitar seus semelhantes se não aprende quais são os seus limites – e isso inclui
compreender que nem sempre se pode fazer tudo que se deseja na vida. É
necessário que a criança interiorize a ideia de que poderá fazer muitas, milhares,
ou a maioria das coisas que deseja – mas nem tudo, nem sempre. Essa diferença
pode parecer sutil, mas é fundamental. (CALHAU, 2011, p. 26).
A ação educativa muito branda e permissiva está na essência dos problemas dos
jovens, conforme apontam muitos autores. Isso resulta diretamente na falta de respeito às
regras e no aumento do nível de transgressões. Segundo Fante e Pedra (2008, p. 102) assim
como a ausência de modelos positivos a educação permissiva colabora para que os jovens
“não aprendam a noção de limites de suas ações, que vivam de maneira irresponsável, que
sintam dificuldade em conter seus impulsos, negociar os conflitos, responsabilizar-se pelas
suas próprias ações, refletir sobre as consequências de seus próprios atos, respeitar o outro e
saber se colocar no lugar dele.”
A respeito disso Silva complementa:
Esses jovens habituam-se, desde muito cedo, a ser o centro das atenções em suas
casas, onde as regras foram inexistentes, ignoradas ou flexibilizadas em excesso.
De forma quase natural, eles se comportam em sociedade de acordo com esse
modelo doméstico. Muitos deles não se preocupam com as regras sociais, não
refletem sobre a necessidade delas no convívio coletivo e sequer se preocupam
com as consequências que seus atos transgressores podem ocasionar aos outros
[...]. (SILVA, 2010, p. 63).
Percebe-se que a renúncia dos pais aos seus papéis de educadores, delimitando de
forma clara as fronteiras entre o que se pode e o que não se pode fazer, traz consequências
sérias ao desenvolvimento dos filhos. “Resultam em filhos egocêntricos, sem qualquer
68
noção de limites, totalmente despreparados para enfrentar os desafios e obstáculos inerentes
à própria vida” (ibid, p. 62).
Tognetta (2005, p. 13) fala que adultos que tudo permitem às crianças também são
causadores de graves problemas.
Impedem que estas experimentem as perdas necessárias, o luto por não terem tudo
o que querem, o sofrimento por uma consequência natural de seus atos. Quem
nunca sofreu uma perda, uma necessidade de esperar por algo que muito deseja,
também pode precisar fazer com que o outro experimente seu sofrimento,
causando-lhe bullying.
Conforme apresenta Calhau (2011, p. 27) os próprios alunos tem dificuldade de
diferenciar os limites entre brincadeiras e agressões verbais inocentes e os maus-tratos
violentos. Também não conseguem perceber uma escala de crescimento exponencial dessas
situações. Isso é facilmente percebido, quando em muitos casos, esses jovens se utilizam de
versões “sem coerência” para justificarem seus atos.
Avilés (2006) e Fante e Pedra (2008) apontam que fatores escolares e a forma como
os educadores lidam com os alunos também podem contribuir para o aparecimento do
bullying. Dentre os fatores destaca-se: metodologias não cooperativas, disciplinas
autoritárias, punitivas e inconsistentes, falta de normas estabelecidas de forma democrática,
falta de comunicação, clima de sala de aula perturbador ou caótico, falta de respeito e
confiança nas relações entre professores e alunos, se há ou não programas antibullying,
presença ou não de adultos acompanhando os recreios, entre outros.
Fante e Pedra apontam em que medida os educadores contribuem para o bullying:
A ausência de modelos positivos também é uma questão a ser considerada. Muitos
educadores ou cuidadores apresentam dificuldade em manter relações construtivas,
de comunicar-se de maneira assertiva e apropriada, de resolver seus conflitos com
paciência e bom-humor, respeitando o ambiente e as pessoas envolvidas. Alguns
oferecem modelos educativos inadequados, principalmente aqueles em que
imperam a violência, o autoritarismo, os maus exemplos, a excessiva proteção, a
permissividade, além de omissão, negligência e abandono. (FANTE E PEDRA,
2008, p. 102).
Já Lopes Neto (2011, p. 49) acrescenta outro fator: as “influências comunitárias,
como o alto índice de criminalidade e a banalização da violência pela mídia, filmes,
videogames etc., também podem influir sobre o comportamento dos escolares” incentivando
a prática de bullying.
69
Minayo (1999, p. 142) chega à conclusão de que a “influência maior da mídia sobre
a violência social é no sentido de sua banalização." Ainda segundo a autora, os jovens de
todos os estratos consideram que a televisão e os jornais influenciam no aumento dos
conflitos da sociedade, na medida em que os veiculam de forma exagerada e incentivam os
comportamentos violentos. (ibid, p. 139).
Levando em conta a grande carga emocional dos personagens e tramas (filmes,
telenovelas, noticiários), estes podem acarretar forte impacto emocional em toda a
coletividade, influenciando comportamentos e o relacionamento das pessoas. Isto ainda se
mostra mais devastador nas crianças, que ainda não dispõem de parâmetros emocionais para
distinguir o real do fictício e acabam validando esses modelos como forma de identificação.
Para Fante e Pedra (2008, p. 104) a mídia pode influenciar negativamente o
comportamento de muitas pessoas, o que colabora com o surgimento do bullying. Um
exemplo disto é a estética estabelecida pela mídia, que cria um padrão de beleza excludente,
fazendo com os que não se adequam no padrão de beleza, como os que estão acima do peso,
sejam vistos como esquisitos e sejam excluídos pelos colegas.
Tognetta e Vinha (2008, p. 211) procurando aprofundar as reflexões sobre as causas
do bullying questionaram: por que mesmo tendo todas essas condições favoráveis a serem
personagens dessa problemática, por que nem todos os que são submetidos a essas
condições se tornam alvos ou autores de bullying?”
As autoras defendem que:
[...] não é o contexto que determina tais condutas agressivas, assim como não é a
genética a grande vilã dessa história, e sim como esses meninos e meninas se vêem
diante desse meio e constroem suas personalidades integrando tudo aquilo que
foram valorizando durante suas vidas, podendo, assim, tornarem-se resilientes.
Como se vêem e querem ser vistos, portanto, pode nos levar a explicar o porquê de
se comportarem como vítimas e agressores. (TONETTA e VINHA, 2008, p. 10).
Cabe destacar que a cultura, a sociedade, a família, a mídia, entre outros são fatores
que influenciam e potencializam o bullying, porém não explicam o fato de se destituir a
imagem positiva “de si” de quem não apresenta, por exemplo, o padrão de beleza ditado
(alto, magro, esbelto). As autoras colocam que o que pode configurar um alvo ou mesmo um
autor de bullying é se “ver com menos valor”. Ou seja, nem todos que não apresentam este
padrão ditado pela mídia serão alvos, e sim aqueles que não construíram por si um auto
70
respeito39
(não tem consciência de seu valor) e se deixam desrespeitar pelos outros. Estas
pessoas carecem, conforme Tognetta e Vinha (2008) de “estima de si que os fortaleça o
bastante para não se tornarem alvos de provocações.”
Ainda conforme as autoras: “Somente aqueles cujas imagens de si empobrecidas
revigoram as características postas em evidência pelos autores de bullying são tomados
como vítimas.” (TOGNETTA E VINHA, 2010a). Ou seja, quem se torna alvo de bullying
concorda com aquela imagem que os outros fazem dele (essa é a imagem que têm de si) se
sentindo por isso menosprezado e sem forças para reagir aos escárnios a que são submetidos.
(TOGNETTA, 2010). Isto sim pode ser considerado um fator preponderante para o
surgimento do bullying, que nesta perspectiva pode ser considerado um problema moral.
Tognetta (2005, p. 09) coloca que o bullying é um problema anterior às relações
interpessoais:
[...] um problema ligado à constituição de “quem eu sou”, ou até mesmo de “quem
eu desejo ser”. Estamos nos referindo às representações de nós mesmos, ou das
imagens que se tem de si. Por certo, os estudos na Sociologia, na Antropologia, na
Psicologia Moral, e em todas as ciências que podem estudar o homem vão
assegurar fatores de ordem externa ao sujeito, como a sociedade em que vive e o
contexto cultural em que está inserido. A cultura em que se vive, os ídolos que se
tem são influências a serem consideradas. Por sua vez, onde serão equacionadas?
Exatamente na constituição da identidade do sujeito ou no que chamamos de
representações de si. [...] As imagens ou representações que o sujeito tem de si
mesmo podem leva-lo a dar-se menor ou maior valor; podem levar ao
conformismo, assim como fazer com que esse mesmo sujeito imponha sua força
para tornar o outro tão pequeno como vê a si mesmo.
Outra possível causa dos comportamentos agressivos, além das questões afetivas,
está ligada a razão, ou da tomada de consciência necessária a qualquer ação moral. De
acordo Tognetta (2005, p. 12), os autores de bullying não conseguem ter um “pensamento
reversível”, ou seja, eles não conseguem ir e vir no plano mental, se colocar no lugar do
outro, não têm consciência do resultado de suas ações e dos sentimentos do outro. Já o alvo
de bullying não prevê outra forma de resolver o problema, senão com o silêncio e a reclusão.
A falta de indignação40
contra injustiças cometidas a outrem também é tida como
uma das causas do bullying. A ausência de um sentimento de indignação que permita, por
39
Sobre o auto respeito Tognetta e Vinha (2009, p. 18) colocam: “Para se tornar auto respeito é preciso que a
autoestima ou a valorização de si próprio incida sobre os valores morais. Assim, pode-se afirmar que o auto
respeito é um caso particular de autoestima, visto que esta é regida pela moral: quando a pessoa vê valor em
suas ações generosas, justas, honestas (agir moralmente com o outro) e isso lhe causa um efeito positivo, ou
uma espécie de ‘ficar bem consigo mesma’ por ter agido bem.”
71
exemplo, ao espectador das cenas de bullying assumir uma posição contrária às ações
injustas. Essa indignação é proveniente de um sensibilização ao outro, um preocupar-se com
o outro, com seus sentimentos. Tognetta e Vinha (2010a, p. 497colocam que “[...] onde há
pessoas que não se indignam com situações de injustiça vivenciadas por outrem, há uma
enorme propensão de se prosperarem problemas como o bullying.”
É possível perceber que uma gama muito grande de fatores – sejam eles afetivos,
culturais, sociais, familiares, escolares, grupais, sociais – podem influenciar o aparecimento
e a perpetuação de práticas de bullying. Porém, cabe ressaltar ainda, que mesmo que se
tenham todos esses fatores apontados acima, nem todos os que são submetidos a essas
condições (tanto na escola como na família) se tornarão alvos ou autores de bullying.
3.7 – CONSEQUÊNCIAS: QUAIS OS DANOS SOBRE OS ESTUDANTES?
O bullying traz consequências para os alvos, mas traz também para os autores e
espectadores. Suas implicações nos envolvidos, podem ser extremamente danosas a curto e a
longo prazo, sendo mais severas para os alvos. Conforme Maldonado (2011, p. 16) “em
inúmeros casos, o sofrimento provocado pelo bullying se prolonga por muitos anos após os
ataques, atingindo a autoestima, formando a raiz de sintomas e influenciando decisões nem
sempre saudáveis.” Fante acrescenta que o bullying pode causar “danos psicológicos
irreparáveis ao psiquismo (se não identificados e tratados), à personalidade, ao caráter e à
autoestima de suas vítimas, manifestando suas sequelas ao longo de toda a vida.” (FANTE,
2005, p. 15).
Avilés (2006) afirma que sofrer bullying de modo sistemático, exercê-lo
habitualmente ou observá-lo e acostumar-se com a sua ocorrência produz consequências
negativas para os sujeitos envolvidos no fenômeno. Nessa perspectiva, o bullying tem
consequências como a rejeição social, as perturbações psicológicas, a depressão e as ideais
de suicídio entre as vítimas, para os agressores a delinquência social e para as testemunhas
ou observadores a deformação moral.
Tognetta (2005) fala a respeito das consequências do bullying:
40
“A indignação refere-se essencialmente a um conteúdo moral que estaria em jogo: a justiça.” (TOGNETTA e
VINHA, 2009, p. 19).
72
[...] para a vítima serão a falta de amigos, conceito de si deficiente, insegurança e
infelicidade. Quanto ao agressor, esses legitimam a violência como forma de obter
uma boa imagem de si e é assim que vão agir sempre, com violência. Permanecem
egocêntricos, não conseguem sair do seu próprio ponto de vista e são incapazes de
se colocar no ponto de vista do outro.
Pedra41
também fala sobre os prejuízos que o bullying pode acarretar:
O fenômeno bullying estimula a delinquência e induz a outras formas de violência
explícita, produzindo, em larga escala, cidadãos estressados, deprimidos, com
baixa autoestima, capacidade de auto aceitação e resistência à frustração, reduzida
capacidade de autoafirmação e de auto expressão, além de propiciar o
desenvolvimento de sintomatologias de estresse, de doenças psicossomáticas, de
transtornos mentais e de psicopatologias graves. Tem como agravante,
interferência drástica no processo de aprendizagem e de socialização, que estende
suas consequências para o resto da vida, podendo chegar a um desfecho trágico.
(FANTE, 2005, p. 09-10).
Os envolvidos em práticas de bullying sejam como autores, sejam como alvos ou
como espectadores, na maioria das vezes acabam por vir a ter problemas de aprendizagem e
de rendimento escolar.42
As consequências para os “alvos” são o desinteresse pela escola, o
déficit de concentração e aprendizagem, a queda do rendimento, a mudanças sucessivas de
escola, o absentismo e a evasão escolar. Para os “autores”, ocorre o distanciamento e a falta
de adaptação aos objetivos escolares, uma maior probabilidade de dificuldades nas relações
com os professores, suspensão, reprovação e abandono escolar. Já os “espectadores” – que
são a maioria dos alunos – podem sentir insegurança, ansiedade, medo e estresse,
comprometendo o seu processo socioeducacional.43
A respeito dos problemas acadêmicos apresentados como consequência das práticas
de bullying, segue a contribuição de alguns autores:
O bullying exerce impacto sobre a experiência escolar de crianças e adolescentes
em vários níveis: cria problemas com a adaptação e o vínculo com a escola,
prejudica a capacidade e o interesse de aprender e de cumprir tarefas, compromete
o processo de socialização, gera sentimento de medo, aumenta o absenteísmo e
pode favorecer a evasão escolar. (LOPES NETO, 2011, p. 83).
41
Pedra, José Augusto. Em prefácio da obra de Cleo Fante (2005), p. 9-10. 42
“Todas as crianças, sem exceção, são afetadas negativamente, passando a experimentar sentimentos de
ansiedade e medo.” (LOPES NETO, 2011, p. 83).
“Em todo o mundo milhões de estudantes deixam de comparecer às aulas por medo de sofrer bullying”.
(FANTE e PEDRA, 2008, p. 09). 43
“A maneira pela qual os estudantes se relacionam entre si e com seus professores é decisiva para o
desenvolvimento do processo sócio educacional.” (ibid.).
73
O bullying interfere no processo de aprendizagem e no desenvolvimento cognitivo,
sensorial e emocional. Favorece o surgimento de um clima escolar de medo e
insegurança, tanto para aqueles que são alvos como para os que assistem calados
às mais variadas formas de ataques. O baixo nível de aproveitamento, a
dificuldade de integração social, o desenvolvimento ou agravamento das
síndromes de aprendizagem, os altos índices de reprovação e evasão escolar têm o
bullying como uma das suas causas. (FANTE e PEDRA, 2008, p. 10).
Sentimentos de descontentamento por estar na escola e queda do rendimento
escolar são os sinais mais precocemente percebidos. [...] Esse clima escolar
negativo para todos gera custos adicionais, decorrentes dos altos índices de
reprovação, do absenteísmo e do aumento de demanda para turmas especiais.
(LOPES NETO, 2011, p. 103).
O bullying traz uma série de prejuízos, que se refletem não apenas no processo de
aprendizagem e socialização, mas sobretudo, na saúde do indivíduo. Conforme Fante e
Pedra (2008, p.10) diariamente, milhares de estudantes em nosso país procuram atendimento
médico apresentando sintomas psicossomáticos – dores de cabeça e de estômago, febre,
diarreia, vômitos, alergias, taquicardia – transtornos do sono e do apetite, estresse,
depressão, além de inúmeras doenças, inclusive de ordem psiquiátrica. Ainda segundo os
autores, o bullying é responsável pelos altos índices de estresse e pelo rebaixamento da
resistência imunológica.
Com relação às diferentes e variadas consequências do bullying, Fante e Pedra
destacam:
[...] que o estresse é responsável por cerca de 80% das doenças da atualidade, pelo
rebaixamento da resistência imunológica e sintomas psicossomáticos
diversificados, principalmente próximos ao horário de ir à escola, como dores de
cabeça, tonturas, náuseas, ânsia de vômito, dor no estômago, diarreia, enurese,
sudorese, febre, taquicardia, tensão, dores musculares, excesso de sono ou insônia,
pesadelos, perda ou aumento do apetite, dores generalizadas, dentre outras. Podem
surgir doenças de causas psicossomáticas, como gastrite, úlcera, colite, bulimia,
anorexia, herpes, rinite, alergias, problemas respiratórios, obesidade e
comprometimento de órgãos e sistemas. (FANTE E PEDRA, 2008, p. 83).
Fante (2005, p. 81) destaca ainda, que o fenômeno bullying devido à quantidade e
intensidade de reações que vem causando aos envolvidos (danos físicos e emocionais),
passou a ser considerado como um problema de saúde pública, devendo ser reconhecido
pelos profissionais da saúde. “O bullying escolar é um importante problema de saúde
74
pública, que atinge de 20% a 40% de estudantes e exige demandas crescentes de atenção e
intervenção.” (LOPES NETO, 2011, p. 25).44
Para os autores de bullying, as consequências mais prováveis apontadas são: crença
na força para solução dos problemas (a supervalorização da violência como forma de
obtenção de poder), o desenvolvimento de habilidades para futuras condutas delituosas
(caminho que pode conduzi-lo ao mundo do crime), dificuldades em respeitar a lei,
dificuldades na inserção social, dificuldades de autocontrole, comportamentos antissociais,
além da projeção de condutas violentas na vida adulta (no trabalho, no trânsito, na vida
familiar).45
Fante e Pedra (2008), Rolim (2010, p.38), Silva (2010), Lopes Neto (2011)
apontam que as práticas de bullying constituem um estágio inicial de um percurso que tende
a se desdobrar em práticas delituosas anos mais tarde. Isto é trazido também por outros
autores como Middelton-Moz e Zawadski (2007), Eyng (2011) e Teixeira (2011).
As consequências para os que praticam o bullying na escola são graves:
[...] os estudantes autores tendem a adotar comportamentos antissociais e
violentos, imediatos e tardios. Crianças e adolescentes autores frequentes de
bullying são mais propensos que outras à: aderirem ao consumo de álcool e
drogas; faltarem às aulas; evadirem-se da escola; apresentarem pouca empatia
(pouca preocupação com os sentimentos alheios); serem agressivos ou
manipuladores com irmãos, pais e outros, inclusive animais; envolvem-se em
brigas; danificarem ou roubarem bens de terceiros; aparecerem com dinheiro extra
ou com objetos de origem não revelada; apresentarem pensamentos suicidas ou
tentarem suicídio; portarem armas na escola; praticarem violência doméstica;
envolverem-se em atos criminosos. (LOPES NETO, 2011, p. 49-50)
Um dado importante levantado por Teixeira (2011, p. 57) é que o padrão agressivo
de comportamento demonstrado na escola tende a se repetir na faculdade, no ambiente de
trabalho, na família e na vida adulta de forma geral.
Já como consequência para os alvos de bullying destaca-se – além dos prejuízos
acadêmicos já citados – problemas no âmbito da saúde física e emocional, a baixa na
resistência imunológica e na autoestima, o stress, os sintomas psicossomáticos, transtornos
psicológicos, a depressão e o suicídio (sendo esta a consequência mais severa).
44
“Sofrer bullying pode ser um fator predisponente importante para a instalação e manutenção de diversos
sinais e sintomas clínicos. A identificação de algumas dessas queixas pode ser fator indicativo de maus-tratos
perpetrados por colegas, demonstrando a necessária atenção dos profissionais da saúde.” (LOPES NETO,
2011, p. 107). 45
“O praticante de bullying apresenta maior suscetibilidade ao envolvimento em gangues, brigas, tráfico, porte
ilegal de armas, abuso de álcool e de drogas. Tende a praticar a violência doméstica e o assédio moral em seu
local de trabalho, além de apresentar baixa resistência à frustração.” (FANTE E PEDRA, 2008, p.91).
75
Conforme Fante e Pedra (2008, p. 10) muitas das vítimas de bullying podem
manifestar tendências suicidas ou mesmo dar cabo da própria vida. Outras tantas
reproduzem a vitimização contra terceiros ou integram-se às gangues com o intuito de
revide. Alguns, após não aguentarem mais tanto sofrimento e humilhações já
protagonizaram tragédias, com consequências lamentáveis.
Fante enfatiza que dependendo da intensidade do sofrimento vivido em
consequência do bullying, o alvo poderá desenvolver:
[...] reações intrapsíquicas, com sintomatologias de natureza psicossomática:
enurese, taquicardia, sudorese, insônia, cefaleia, dor epigástrica, bloqueio de
pensamentos e do raciocínio, ansiedade, estresse e depressão, pensamentos de
vingança e de suicídio, bem como reações extra psíquicas, expressas por
agressividade, impulsividade, hiperatividade e abuso de substâncias químicas.
(FANTE, 2005, p. 80).
A respeito da influência do bullying sobre a autoestima dos alvos, Maldonado
(2011, p. 37) expõe que: a autoestima – ou seja, a visão positiva de nós mesmos – é
construída no decorrer da vida, em grande parte pelo olhar de apreciação das pessoas
significativas para nós. Em períodos de grandes mudanças, em que aspectos novos de nós
mesmos se desenvolvem, nossa autoestima fica mais vulnerável. Como exemplos: o ingresso
na escola, quando crianças; e os primeiros “amores”, na adolescência.
A autora destaca:
As experiências bem-sucedidas e o reconhecimento do nosso valor ajudam a
construir uma boa autoestima; fracassos sucessivos, olhares críticos e impiedosos,
a perseguição implacável do bullying com mensagens que humilham,
ridicularizam, depreciam e com ações que excluem do convívio social podem
deixar marcas profundas em algumas pessoas, especialmente quando estão em
períodos de mudanças marcantes [...]. (MALDONADO, 2011, p. 37).
O bullying compromete também a socialização dos alvos (vítimas), que tendem a se
recolher e se isolar dos demais. A vitimização compromete sua autoestima e, desta forma,
elas acabam se fechando para novos relacionamentos, o que dificulta a integração social.
Tendem a apresentar dificuldades na vida sentimental, por não confiarem nos parceiros. No
trabalho podem apresentar dificuldades para falar em público, liderar, trabalhar em equipe,
insegurança, dificuldade na resolução de conflitos, tomada de decisões e iniciativas.
O bullying é marcado por atitudes hostis, que violam o direito à integridade física e
psicológica e à dignidade humana. Conforme resumem Fante e Pedra (2008, p. 09) “Ameaça
76
o direito à educação, ao desenvolvimento, à saúde e à sobrevivência de muitas vítimas. As
vítimas se sentem indefesas, vulneráveis, com medo e vergonha, o que favorece o
rebaixamento de sua autoestima e a vitimização continuada e crônica.”
As consequências que atos de bullying geram nos espectadores ou testemunhas,
não são menos preocupantes que aos alvos e aos autores. Os espectadores se sentem
prejudicados nesse ambiente, temerosos de se tornarem as próximas vítimas; alguns acabam
se tornando agressores ou participando do grupo agressor.
A respeito das consequências para os espectadores Fante e Pedra trazem que:
Mesmo não sofrendo diretamente as agressões, muitos deles podem se sentir
inseguros, incomodados e mesmo traumatizados pelo sofrimento do outro. Alguns
espectadores reagem negativamente, uma vez que seu direito de aprender em um
ambiente seguro e solidário foi violado, o que pode influenciar seu progresso
acadêmico e social, além de prejudicar sua saúde física e emocional. (FANTE E
PEDRA, 2008, p. 94).
Avilés (2006) apresenta como possíveis implicações para os que convivem
habitualmente com situações de bullying: i) a crescente falta de sensibilidade frente ao
sofrimento dos outros – à medida que vão presenciando ações repetidas de maus-tratos entre
iguais, passando a considera-las como normais; ii) a incompreensão e certo sofrimento, em
função da gratuidade dos atos e por falta de justificativa de tais ações; iii) o sentimento de
indefesa diante dos ataques dos agressores, o que faz muitos alunos sentirem medo de se
tornarem os próximos alvos; iv) a ansiedade, tensão e sofrimento frente à crueldade das
agressões; v) o sentimento de culpa, por perceberem que tais ações são injustas e, no
entanto, não serem capazes de tomar alguma atitude para acabar com o problema.
Para muitos alunos, o ato de presenciar o bullying pode causar tensão, medo,
revolta. Porém, com o passar do tempo, as atitudes de intimidação e agressão adotadas pelos
autores de bullying, passam a fazer parte do cotidiano da escola, gerando certa acomodação
e psicoadaptação – os alunos acabam agindo como se isto fosse normal. Existem também os
espectadores, que se incomodam com a situação, porém sentem-se impotentes em ajudar os
alvos, já que temem se transformar na próxima vítima. 46
Os prejuízos na socialização também são evidenciados para os espectadores. O
medo de vir a ser um alvo de bullying faz com que muitos espectadores se inibam, se
46
“Muito delicada é a situação dos espectadores, pois estes também são tomados por sensações de
constrangimento e por emoções desagradáveis. Pior é quando desenvolvem a insensibilidade frente ao
sofrimento alheio, o que é muito comum.” (FANTE E PEDRA, 2008, p. 95).
77
retraiam, para não serem notados, prejudicando sua participação nas aulas e atividades – o
que repercute no desenvolvimento de suas habilidades relacionais de fazer amigos e se
integrar aos grupos. Quando adultos podem apresentar retraimento, timidez, dificuldade para
falar em público e fazer amizades.
3.8 – BULLYING E INTERNATO
Não nos propomos aqui a aprofundar esse tema, mas sim oportunizar algumas
considerações sobre o assunto que possam auxiliar e contribuir para o desenvolvimento da
pesquisa, trazendo de forma sintetizada autores importantes que tratam do assunto internato
como instituições totais, buscando informações sobre o funcionamento destas instituições e
sua relação com a ocorrência de bullying.
O internato pode ser considerado uma instituição total, que conforme Goffman
(1987) é um local que concentra moradia, lazer, e a realização de algum tipo de atividade
formativa, educativa, correcional ou terapêutica, onde um grupo relativamente numeroso de
internados estão submetidos a uma equipe dirigente que gerencia a vida institucional.
Entender o termo “instituição total” é essencial para compreendermos o que ocorre nos
internatos, já que segundo o autor este regime de moradia escolar apresenta as características
deste tipo de instituição.
As instituições totais47
, “fechadas”, “muradas”, têm como característica o fato de
que “parte das obrigações do indivíduo é participar visivelmente, nos momentos adequados,
da atividade da organização, o que exige uma mobilização da atenção e de esforço muscular,
certa submissão do eu à atividade considerada”. (GOFFMAN, 1987, p. 150).
Ainda segundo o autor, uma disposição básica da sociedade moderna é que o
indivíduo tende a dormir, brincar e trabalhar em diferentes lugares, com diferentes
coparticipantes, sob diferentes autoridades e sem um plano racional geral. O aspecto central
das instituições totais pode ser descrito com a ruptura das barreiras que comumente separam
essas três esferas da vida. No internato todos os aspectos da vida são realizados no mesmo
local e sob uma única autoridade. Todas as atividades diárias do participante são realizadas
na companhia imediata de um grupo relativamente grande de outras pessoas, sendo que
47
Para Goffman, seu “fechamento”, o caráter total é simbolizado pela barreira à relação social com o mundo
externo e por proibições à saída que muitas vezes estão incluídas no esquema físico – por exemplo, portas
fechadas, paredes altas, arrame farpado, fossos, água, florestas ou pântanos. (GOFFMAN, 1987, p. 16).
78
todos são tratados da mesma forma e obrigados a fazer as mesmas coisas em conjunto. Além
disso, todas as atividades são rigorosamente estabelecidas em horários e toda a sequência é
imposta de cima, por um sistema de regras formais explícitas e um grupo de funcionários,
sendo que as várias atividades obrigatórias são reunidas num plano racional único,
supostamente planejado para atender aos objetivos oficiais da instituição. (GOFFMAN,
1987).
O controle das necessidades humanas pela organização burocrática de grupos
completos de pessoas é o fato básico das instituições totais. Disso decorrem algumas
consequências importantes. Quando as pessoas se movimentam em conjuntos, podem ser
supervisionadas por um pessoal, cuja atividade principal não é orientação ou inspeção
periódica, mas sim de vigilância — fazer com que todos façam o que foi indicado como
exigido, sob condições em que a infração de uma pessoa tende a salientar-se diante da
obediência visível e constantemente examinada dos outros. Nas instituições totais, existe
uma divisão básica entre um grande grupo controlado, que podemos denominar o grupo dos
internados, e uma pequena equipe de supervisão.48
Estas instituições costumam ser geridas por uma enormidade de regulamentos,
regimentos ou normas e seus efeitos disciplinares. E as relações sociais autoritárias e
violentas que ocorrem nestes espaços podem ser promotoras de uma cultura instável,
conflitiva e explosiva.
Como membro da comunidade escolar, o estudante depende em grande medida do
que o colégio lhe proporcione quanto ao seu bem estar, alojamento, recreação,
saúde, etc. Ele também está bastante sujeito ao sistema de autoridade e controle
institucional (normas sobre a admissão, expulsão, regulamentos, aproveitamento
acadêmico e comunitário e condições de graduação). (BENELLI, 2002, p. 27).
Existe ainda outra situação bem importante a ser considerada. A ideia de entrar para
um colégio interno pode ser não apenas uma oportunidade ou escolha do aluno, mas ter sido
motivada pela pressão dos pais, professores, pares e outros. Os aspectos coercitivos da vida
no internato escolar, também podem ser mais massificantes e difíceis de enfrentar, gerando
revolta e insatisfação, conflitos e agressividade. As funções de reclusão podem não ser tão
48
Conforme Goffman (1987) a equipe dirigente muitas vezes vê os internados como amargos, reservados e não
merecedores de confiança; os internados muitas vezes veem os dirigentes como condescendentes, arbitrários e
mesquinhos. Os participantes da equipe dirigente tendem a sentir-se superiores e correios; os internados
tendem, pelo menos sob alguns aspectos, a sentir-se inferiores, fracos, censuráveis e culpados.
79
proeminentes, mas mesmo assim alguns alunos podem sentir o colégio como um ambiente
carcerário e restritivo, ao qual foram entregues por seus pais. (BENELLI, 2002).
Diante de tudo isso, a vida no contexto institucional de uma instituição total tende a
se caracterizar por um alto grau de agressividade e inclusive, de violência (GOFFMAN,
1987). A violência pode ser representada por ações realizadas por indivíduos ou grupos, que
ocasionam danos físicos ou morais a si próprios ou a outros e que visam prejudicar o outro,
destruí-lo, constrangê-lo, humilhá-lo.
Para Goffman (1987, p. 148) sujeitos e instituições se produzem mutuamente,
numa completa implicação: as práticas institucionais produzem sujeitos como efeito dessas
práticas, que por sua vez são tomados como alvos de manutenção delas ou se organizam
como focos de resistência à ordem institucional. Sendo assim, os alunos reproduzem entre si
as mesmas relações de dominação e modelagem às quais estão submetidos pela equipe
dirigente. A proposição é de que se eles se tornam opressores, é porque são também
oprimidos, reproduzindo as relações sociais de dominação e submissão.
Ainda segundo o autor, os internados criam ajustamentos secundários, práticas que
não desafiam diretamente a equipe dirigente, mas lhes permitem obter satisfações proibidas
ou conseguir, por meios proibidos, as satisfações permitidas. Os internos “conhecem as
manhas” para usufruir de uma certa autonomia pessoal, reagindo às pressões ostensivas da
equipe dirigente. Poderíamos dizer que os internos criam controles sociais informais
utilizando a cooptação ou a coerção pela força e violência para evitar que delatores os
entreguem à equipe dirigente.
No internato escolar pode-se dizer que encontramos uma sociedade em miniatura.
Conforme Benelli (2002, p. 28) muitos fenômenos sociais podem ser ali apreciados: a
circulação da informação, o exercício da autoridade e seus efeitos disciplinares, as pressões,
os mecanismos adaptativos dos indivíduos, a tensão entre interesse geral e satisfação de
necessidades individuais; o conflito entre as necessidades do estabelecimento e a
preservação dos particularismos individuais e da espontaneidade criadora, as normas, os
códigos, as crenças, a linguagem comum, a hesitação entre a tolerância e o ostracismo em
relação aos desviantes (sobretudo sexuais) e às “panelinhas” que enfraquecem a unidade
coletiva, o antagonismo das personalidades dominantes, geralmente reforçados pelos grupos
correspondentes, as relações de forças oscilando nos eixos maioria-minoria-unanimidade, os
bodes expiatórios, os suspeitos, os heróis, os braços fortes, os subalternos, os delatores,
perseguidos e algozes.
80
Percebe-se diante disso, que o internato – sendo uma instituição onde o
questionamento às normas nunca é bem-vindo por força da natureza de sua estrutura – é um
terreno fértil para as práticas de bullying. Além disso, muitas situações, comuns neste tipo
de ambiente, costumam gerar algum tipo de violência, como exemplo Benelli (2002, p. 28)
aponta questões relativas ao desempenho acadêmico, rivalidades, inveja, temores, medo do
fracasso, disputas, competição por reconhecimento, etc. E o autor coloca que quando
acontece algo que ataca a imagem do sujeito, a agressividade tende a surgir como uma
reação natural, sempre na tentativa de reconstruir essa autoimagem. (ibid, p. 20).
Do ponto de vista psicológico, a comunidade do internato escolar pode ser
estudada como um laboratório para outras experimentações: além da perspectiva
institucional, dos objetivos confessos, das tarefas cumpridas em comum, podemos
ver como o grupo, no contexto institucional, se configura no encontro de pessoas,
de sujeitos, como um local de confronto e de laços afetivos. As oposições e as a
afinidades de caráter florescem na comunidade. Os desejos individuais, sempre
presentes na surdina, esperam passivamente ou reclamam com violência sua
realização: apelo à ajuda, proteção, vontade de poder, exibicionismo, ataque que
denigre, curiosidade, rivalidade, admiração, idolatria. O narcisismo de cada um
nela experimenta doces vitórias e também feridas amargas: os outros são reduzidos
a objetos do meu desejo ou os narcisismos alheios me infligem feridas sem querer
(e às vezes, propositalmente), apenas por sua própria existência. (BENELLI, 2002,
p. 28-29).
O internato ainda produz e reproduz com muita frequência a prática de bullying
contra os alunos novos ou “novatos”49
, o que muito se identifica ao bullying militar (talvez a
mais fechada de todas as instituições totais).
Um tipo de bullying muito comum nos internatos (assim como no meio militar) é o
trote dados aos alunos “novos”, que ao chegarem a sua nova escola (sem conhecimento da
realidade), são surpreendidos por alunos mais “antigos”, com batismos (padrinhos),
colocação de apelidos, rituais muitas vezes violentos, que visam preparar o novato para ser
doutrinado pelos valores da instituição ou do grupo que já reside no internato.50
Na chegada,
o aluno novato é “batizado”, recebendo dos outros internos nomes com conotação negativa,
49
O novato chega ao estabelecimento com uma concepção de si mesmo que se tornou possível por algumas
disposições sociais estáveis no seu mundo doméstico. Ao entrar, é imediatamente despido do apoio dado por
tais disposições. Na linguagem exata de algumas de nossas mais antigas instituições totais, começa uma série
de rebaixamentos, degradações, humilhações e profanações do eu. O seu eu é sistematicamente, embora muitas
vezes não intencionalmente, mortificado. Começa a passar por algumas mudanças radicais em sua carreira
moral, uma carreira composta pelas progressivas mudanças que ocorrem nas crenças que têm a seu respeito e a
respeito dos outros que são significativos para ele. (GOFFMAN, 1987). 50
Conforme Calhau, “O meio militar ainda reproduz práticas de bullying com muita frequência, notadamente,
contra ‘novatos’, recrutas, conscritos, alunos de cursos especiais, cadetes, entre outros. São práticas muito
antigas, talvez seculares e não apenas brasileiras.” (CALHAU, 2011, p. 111).
81
obscenos ou que apontem características físicas negativas, sendo que passam a ser alvos de
insultos e chacota por parte dos colegas.
Nas instituições com internato há costumeiramente a presença de “vítimas-
agressoras”, ou seja, alunos que sofreram bullying quando novatos e que, mais tarde, se
acham no “direito” de reproduzir as agressões contra os que estão chegando.
As vítimas-agressoras, ao sofrerem perseguições de seus colegas, acabam
posteriormente revidando os maus tratos sofridos em outros colegas considerados mais
frágeis que eles (círculo vicioso). Sendo assim, há um grande problema nessas situações,
pois elas contribuem para uma maior ocorrência de situações de bullying nas instituições.
3.9 – A ADOLESCÊNCIA, O GRUPO DE PARES E O BULLYING
A adolescência é o período compreendido entre a infância e a vida adulta. Seu
início é marcado pela puberdade – período de rápido crescimento físico e mudanças
fisiológicas que levam à maturidade sexual e se “finda” com a independência, realização
social do adulto.51
Segundo Pereira (2005, p. 01) a palavra adolescência deriva do
substantivo latino adollacentia, que significa crescer ou crescer em direção à maturidade.
A adolescência pode ser considerada então uma fase da vida compreendida entre a
dependência da infância e as responsabilidades da vida adulta. Sabe-se, porém, que se deve
levar em consideração a individualidade de cada ser, uma vez que estes possuem reações
diferentes, diante do mesmo estímulo.52
E que os critérios que poderiam definir a
adolescência são construídos pela cultura. Campos, (2005, p. 31) traz que para caracterizar a
adolescência somam-se os fatores biológicos específicos na faixa etária com as
determinantes socioculturais, advindas do ambiente onde o fenômeno da adolescência
ocorre. Jeammet; Corcos (2005, p. 34) complementam que a adolescência é um fenômeno
51
“Na sociedade moderna não há um critério único pelo qual o jovem possa saber que foi reconhecido como
adulto. Vários aspectos que caracterizam esse status como independência financeira dos pais, término dos
estudos e casamento, vêm sendo adiados para idades mais avançadas, alongando o período da adolescência.”
(PEREIRA, 2005, p. 07, grifo do autor).
Campos (2005, p. 15) aponta que segundo Erikson o processo adolescente está completo “somente quando o
indivíduo subordinou suas identificações infantis a uma nova espécie de identificação, conseguida na
socialização e na aprendizagem competitiva e entre seus pares.” 52
Conforme Campos (2010, p. 15-16) “A grande variação individual dificulta os esforços para a definição das
idades-limite.” E apesar da “atrativa simplicidade em definir o começo da adolescência como maturação
biológica sexual, tanto o critério de estabelecer-lhe um começo como um final é difícil de ser identificado.” A
autora porém estabelece que “para a maioria das pessoas jovens, estes eventos ocorrerão principalmente entre
as idades de 11 e 21 anos, que limitam a fase da adolescência.”
82
natural e individual, mas cuja forma e resultado são sempre muito amplamente
condicionados pela cultura a que cada indivíduo pertence. Bock; Furtado; Teixeira (2002, p.
292) complementam colocando que os critérios que podem definir essa fase da adolescência
não fazem parte da constituição do indivíduo, mas são construídos pela cultura. Sobre a
construção cultural da adolescência Pereira (2005, p. 02) apresenta:
[...] conforme se tornaram mais complexas, as sociedades modernas
industrializadas foram criando um intervalo de aprendizagem entre a maturidade
biológica e a maturidade social, com um consequente retardamento na tomada das
responsabilidades adultas, intervalo que veio a constituir a adolescência tal como a
conhecemos. Neste sentido, os acontecimentos psicológicos da adolescência não
são necessariamente, em nossa sociedade, apenas um correlato natural das
mudanças físicas da puberdade, mas também uma construção cultural, produto da
complexidade das mudanças sociais.
Diante disso, pode-se dizer que a adolescência “é a fase caracterizada pela
aquisição de conhecimentos necessários para o ingresso do jovem no mundo do trabalho e
de conhecimentos e valores para que ele constitua sua própria família.” (BOCK;
FURTADO; TEIXEIRA, 2002, p. 294).
A adolescência pode ser caracterizada como uma fase especial no desenvolvimento
do ser humano, com dificuldades no estabelecimento de uma identidade – padrão de
comportamento e uma personalidade própria – de indefinições de papéis entre a infância e a
fase adulta. Eles não são mais crianças, mas ainda não são adultos. Bock; Furtado; Teixeira
(2002, p 291) colocam que a inquietação dos adolescentes gira em torno de “loucura e
liberdade ao lado de controle e responsabilidade. Uma vontade de ser criança e adulto ao
mesmo tempo.”
As transformações (principalmente físicas) são muito grandes num breve período
de tempo (o indivíduo entra na adolescência com a aparência física de uma criança e em
pouco tempo sua aparência é a de um adulto) e tais transformações implicam na cobrança e
na necessidade dos jovens assumirem um papel social diferente e saberem se comportar
como pessoas mais maduras (mudam os padrões para desempenho de tarefas e as normas de
comportamento). Por isso, conforme aponta Pereira (2005, p. 08) o tema central da
adolescência é a descoberta de si. “Os adolescentes devem aprender a conhecer um corpo
novo, com seus potenciais de emoções e de comportamentos, ajustando-os à sua
83
autoimagem”. Esse é um período em que os adolescentes flutuam entre uma dependência e
uma independência extremas.53
Esses conflitos entre necessidades de autonomia e dependência podem acarretar
oscilações súbitas e imprevisíveis nas atitudes e nos comportamentos. O
adolescente pode ser surpreendentemente maduro, independente e responsável
num momento, e infantil e pouco confiável em outro. (PEREIRA, 2005, p. 97-98).
A adolescência propicia uma crise psicológica ou de identidade, ou seja, os jovens
não sabem o que são e o que querem ser e é aí que entram as relações interpessoais que o
ajudarão a decidir, pois é no grupo de amigos que ele vê a sua identidade.
O desenvolvimento de um senso da própria identidade é uma tarefa indispensável
na adolescência. Para que possa abandonar com êxito a segurança da dependência infantil, o
adolescente deve ter alguma noção de quem é, para onde está indo e quais são as
possibilidades de chegar lá.
Segundo Erikson (1968, apud PEREIRA, 2005, p. 09):
Os jovens devem tornar-se pessoas totais por seu próprio esforço, e isto durante
um estágio de desenvolvimento caracterizado por uma diversidade de mudanças
no crescimento físico, maturação genital e consciência social. Eu denominei
sentido de identidade interior à totalidade a ser alcançada neste estágio. A fim de
experimentar a totalidade, o jovem deve sentir uma continuidade progressiva entre
aquilo que ele vem sendo durante os longos anos da infância e o que percebe que
os outros veem nele e esperam dele. Individualmente falando, a identidade inclui a
soma de todas as identificações daqueles primeiros anos quando a criança queria
ser, e frequentemente era forçada a tornar-se aquilo que as pessoas de quem
dependia queriam que ela fosse. A identidade é um produto único, que encontra
agora uma crise a ser resolvida apenas através de novas identificações com os
companheiros de mesma idade e com figuras líderes, fora da família.
Por isso, a formação de grupos na adolescência tem funções primordiais para o
desenvolvimento de seus membros. A convivência no grupo de iguais é extremamente
importante para o desenvolvimento psicológico dos adolescentes, já que os iguais
desempenham papel relevante no desenvolvimento da sua identidade.
Segundo Santrock (2003), na fase da adolescência, o fator mais importante é a
forma como são percebidos pelos pares. A aparência passa a ser muito valorizada na
adolescência, uma vez que a opinião do outro torna-se elemento fundamental para a
53
“Durante a adolescência, a dependência continua a existir, quase sempre numa relação assimétrica, difícil e
frágil com a necessidade de independência. O adolescente necessita de uma base de segurança e estabilidade
no lar e nos pais, enquanto se dedica a interesses mais prementes.” (PEREIRA, 2005, p. 96).
84
interação. Por isso, muitas vezes, as mudanças físicas que ocorrem na adolescência servem
como alvo para o bullying.
O grupo tem um papel regulador que funciona como um espelho refletindo as
características comuns e aumentando a segurança. Ao mesmo tempo, evidencia as
diferenças e particularidades que contribuirão para o autoconhecimento e para a
formação da identidade. (PEREIRA, 2005, p. 42).
Diversos adolescentes submetem-se a diferentes situações para serem aceitos em
um determinado grupo, pois não participar de um grupo nesta fase da vida significa viver
fora do universo. Segundo Zagury (2000, p. 25) os adolescentes “[...] Temem não serem
aceitos e valorizados pelos amigos e, portanto, procuram agir de acordo com o que faz a
maioria.” Um relacionamento positivo com pares tende a favorecer um ajustamento social
positivo, evidenciando o companheirismo, a estimulação, a comparação social e
intimidade/afeição. Já a não aceitação pelo grupo, a insatisfação e a formação da
autoimagem negativa geram dificuldades relacionais e problemas emocionais para o
adolescente. Por isso, ser alvo de bullying nesta fase em que as relações interpessoais são tão
importantes para seu crescimento pessoal e entrada no mundo adulto, pode trazer graves
consequências ao adolescente.
Devido ao fato de os companheiros exercerem papel tão importante na vida da
maioria dos adolescentes, a aceitação social é provavelmente um dos maiores
problemas para a maioria dos jovens. Poucos adolescentes – ou adultos – são
imunes aos efeitos da indiferença ou da rejeição social. [...] Os jovens na sua
maioria, avaliam o próprio valor baseados na forma como os outros reagem a eles
e permanecem, assim, dependentes da aprovação e do reconhecimento dos
companheiros. (PEREIRA, 2005, p. 104).
Os adolescentes esperam com sua participação em um grupo uma experiência que
promova bem estar e emoções, satisfação de pertença e companheirismo, esperam também
recompensas materiais ou psicológicas. Há uma constante troca de informações, onde os
grupos satisfazem as necessidades pessoais dos adolescentes, proporcionam informações,
elevam a autoestima e conferem uma identidade em resposta à questionamentos dos
adolescentes referentes a questões vivenciais tais como, relacionamento, sexualidade,
namoro e outros. O fato de pertencerem a um grupo concede-lhes uma referência de
identidade, como por exemplo: os inteligentes, os bagunceiros, os descolados, os rebeldes ou
bad boys, os atletas, as patricinhas. Em síntese o adolescente está à procura do “eu” nos
outros, na expectativa de obter uma identidade para si.
85
[...] Há um processo de superidentificação em massa, onde todos se identificam
com cada um. Ás vezes, o processo é tão intenso que a separação do grupo parece
quase impossível e o indivíduo pertence mais ao grupo que de coetâneos do que do
que ao grupo familiar. Não se pode separar da turma nem de seus caprichos ou
modas. Por isso, inclina-se às regras do grupo, em relação a modas, vestimentas,
costumes, preferências de todos os tipos, etc. (ABERASTURY; KNOBEL, 1992,
p. 36).
Pode-se dizer que conjuntamente ao desenvolvimento físico do adolescente
ocorrem modificações também a nível social. O grupo de amigos aumenta muito em
importância e a tendência a imitação acentua-se, seja na forma de agir, de vestir, de falar,
tudo tende a ser muito influenciado pelo grupo. “A grande importância do grupo de
companheiros durante a adolescência manifesta-se no fenômeno da conformidade ao
grupo, a necessidade de se adequar aos padrões, comportamentos, manias e modismos do
grupo.” (PEREIRA, 2005, p. 101, grifo do autor).
A conformidade ao grupo é uma característica comum dos adolescentes e pode ser
considerada negativa ou positiva. É positiva quando através da convivência com os pares é
acordado um relacionamento saudável, desenvolvendo hábitos e práticas de atividades
altruístas. É negativa quando, por exemplo, adotam comportamentos de desrespeito aos
professores e pais, maus-tratos com os colegas (bullying), roubam, adotam práticas de
vandalismo, etc. Ou seja, todas as relações estabelecidas pelos adolescentes, sejam elas no
contexto familiar, escolar ou social, estão implicados na construção de sua identidade,
fazendo com que esta seja afetada de forma positiva ou negativa diante das convivências que
os jovens têm com seu circuito de relações.
Se na infância os modelos identificatórios são a família, na adolescência estes
passam a ser os amigos, o grupos de iguais, os colegas de escola, os ídolos. Pereira (2005, p.
96) coloca que na medida em que vai atingindo a maturidade emocional, social e sexual, o
jovem passa, gradualmente, a “transferir para os colegas, para os ‘melhores amigos’, para os
namorados e namoradas vínculos mais afetivos que eram anteriormente reservados quase
que exclusivamente aos próprios pais.”
Diante disso, alguns pais podem até ficar magoados e desnorteados ao verificarem
que o filho prefere ficar na casa de um amigo e que idealiza o convívio daquela família; ou
muitas vezes prefere permanecer junto de amigos ao invés de sair em um passeio na
companhia deles. O adolescente com frequência verbaliza suas preferências em desacordo
com os hábitos e costumes dos pais. E nesse ensaio de separação dos pais volta-se para os
companheiros.
86
[...] a adolescência é um tempo de grandes transformações, tanto fisiológicas,
quanto psicológicas. Em função disso, é um período de dificuldades e conflitos
familiares. Os pais, muitas vezes, se mostram confusos e irritados com a conduta
de seus filhos nessa fase de transição. Aquelas crianças que antes acatavam suas
opiniões e diretrizes passam a questionar e, frequentemente, a se rebelar contra os
valores paternos. [...] Nesse processo, o idealismo infantil dirigido aos pais vai se
diluindo e estes deixam de ser pessoas perfeitas para serem aceitos como seres
humanos com defeitos e qualidades. (PEREIRA, 2005, p. 95).
Com certeza, é bastante difícil para os pais a troca do papel de proteção e defesa
pelo de orientação e confiança, estimulando responsabilidades crescentes, na medida em que
o amadurecimento se processa, mas essa é uma das suas grandes tarefas nessa fase da
adolescência dos filhos.
O adolescer promove mudanças no relacionamento familiar e é nesse momento de
distanciamento da família e aproximação do grupo social, que o adolescente fica mais
suscetível a prática do bullying, pois está depositando seu interesse e atenção
preferencialmente em seus amigos e colegas. Sendo um momento crítico na formação da
identidade do indivíduo, a ocorrência deste tipo de violência pode influenciar profundamente
na estruturação desta.
Campos (2010, p. 65, grifo do autor) coloca:
[...] é fácil supor os problemas emocionais enfrentados pelo adolescente para
desempenhar seu papel de cidadão, pai, profissional, filho maduro e independente.
Libertar-se dos laços afetivos e de dependência da família, para ingressar em
outros grupos, constitui fonte de grandes apreensões, por que a certeza da
segurança e apoio encontrados no lar vai ser abalada pela insegurança da
integração em outros grupos, onde ele precisa conquistar seu status.
Outra questão a destacar é a escola. Ela tem um significado primordial para o
adolescente. Conforme o ambiente que ele vivencia, terá um aprendizado mais prazeroso ou
mais propício ou distúrbios de conduta e/ou aprendizagem.
[...] é no ambiente escolar, onde passa a maior parte de seu tempo, que o
adolescente está à caça de um ‘grupo de iguais’ para se auto afirmar como
indivíduo e tornar-se mais independente da família, mesmo que ainda precise
muito dela. Por isso há grande frustração quando é rejeitado por grupos ou pessoas
específicas (OLIVEIRA; ANTONIO, 2006, p. 4).
Geralmente quando os jovens são mais suscetíveis ou vulneráveis às agressões
verbais ou morais que lhes causam angústia e dor, principalmente quando ocorrido em
ambiente escolar, essas se traduzem como uma forma de exclusão social (OLIVEIRA;
ANTONIO, 2006).
87
Excluir as pessoas por suas características estarem em desarmonia com o aceitável
pela maioria (pode ser objeto de chacota pelos colegas, por exemplo) ou o simples uso do
poder com essa finalidade leva-nos a fazer uma ponte com a marca da sociedade
contemporânea que é o individualismo. A prática do bullying, reforçando a exclusão, reforça
também um pensamento no qual a convivência em grupos de iguais já não mais atende a um
sentido primeiro.
O bullying faz com que as pessoas se concentrem apenas em satisfazer as
necessidades pessoais. Um jovem que pratica o bullying usa dessa forma de intimidação
para adquirir uma identidade diante dos demais, enquanto o que é alvo adquire uma
identidade rotulada. Entretanto, em ambos os casos, a construção dessa identidade é afetada
de maneira negativa num momento em que o adolescente passa por uma crise. O bullying
não afeta apenas o alvo, mas sim todos os envolvidos, sejam eles autores, alvos ou
espectadores.
E o pior é que tais traumas não cessarão ao término da escolaridade e poderão se
estender pela vida inteira, podendo gerar sentimentos e atitudes como: vingança,
agressividade, impulsividade, hiperatividade, inadequação, exclusão, ansiedade, depressão,
estresse, vergonha, medo, timidez, confusão, vulnerabilidade, além do que podem haver
bloqueios do pensamento e raciocínio.
Quando o adolescente passa por essa etapa de desenvolvimento sendo alvo de
bullying ele poderá levar à vida adulta alguns afetos relacionados ao período que irão refletir
em sua vida social.
Ao se tornar adulto, o alvo de bullying poderá ter dificuldades de relacionamento,
depressão, comportamento agressivo e abuso de substâncias químicas. Muitas vezes
reproduzirá os comportamentos que aprendeu na escola. Trazendo consequências também
para sua carreira profissional, sofrendo ou praticando o bullying no trabalho (mobbing),
tendo dificuldade de se expressar em público ou assumir cargos de liderança. Poderão
também apresentar dificuldades em constituir uma família e ter uma vida social, pois
buscarão o isolamento. (FANTE, 2005).
Os demais envolvidos – autor e espectador – também poderão apresentar
dificuldades nos relacionamentos na vida adulta. O autor carregará em sua identidade vários
traços adquiridos devido à sua prática. Ele internaliza a supervalorização da violência como
forma de obter poder e controle, o que no futuro, poderá conduzi-lo a condutas delituosas,
uso de drogas, porte ilegal de armas, tendo a crença de que deve sempre levar vantagem em
88
tudo. Ele pode também se tornar agressivo na vida doméstica e no trabalho, tendo
dificuldades com as relações interpessoais. Já os espectadores poderão sofrer de
insegurança, ansiedade e medo nas relações que irão estabelecer.
Diante de todo o exposto, podemos entender então como a adolescência é uma
época da vida campeã em fragilidade de autoestima. As possíveis consequências do
bullying, em especial nessa fase, precisam ser consideradas de modo a evitar que os
adolescentes que praticam e sofrem com ele entrem no mundo adulto comprometidos com
vestígios do período no qual se deparam com esse tipo de violência.
89
4 A DINÂMICA DO FENÔMENO BULLYING NO IFC – CAMPUS CONCÓRDIA:
A PARTIR DA COMPREENSÃO DOS ALUNOS.
Este capítulo apresenta a descrição e a análise dos dados obtidos a partir das
respostas dos sujeitos pesquisados em relação às questões que compuseram os instrumentos
de coleta de dados, a fim de compreender-se a dinâmica do fenômeno bullying no IFC-
Campus Concórdia.
Com a presente pesquisa buscou-se investigar a dinâmica do fenômeno bullying,
dos sujeitos envolvidos e dos aspectos motivadores implicados na incidência de episódios de
desrespeito e violência no Instituto Federal Catarinense – Campus Concórdia. Sendo assim,
procurou-se identificar o entendimento dos alunos que estudam na instituição a respeito do
fenômeno bullying, dos sujeitos envolvidos, suas diferentes manifestações, causas,
consequências e espaços em que se manifesta com maior frequência. Buscou-se também
entender como os alunos estão percebendo a violência e o desrespeito entre os pares e os
sentidos atribuídos por estes aos episódios deste fenômeno.
Para coletar as informações necessárias a este estudo utilizou-se duas etapas
complementares. Na primeira etapa aplicou-se um questionário para os alunos e para a
segunda etapa utilizou-se entrevistas, visando à obtenção de dados a partir da manifestação
dos sujeitos. Vale destacar, que para a análise dos dados utilizou-se as respostas do
questionário (1ª etapa) de forma articulada com as respostas obtidas na entrevista (2ª etapa).
O Questionário, contendo 25 questões (sendo uma das questões abertas), tinha a
finalidade de diagnóstico. Através deste buscou-se desvelar os entendimento dos alunos
sobre o bullying. Foi realizada inicialmente a aplicação do questionário piloto a uma turma
de 30 alunos – que se mostraram favoráveis a contribuir para a pesquisa. Após isto, poucos
ajustes foram feitos, apenas com relação a alguns termos utilizados. (cf. Apêndice A).
Após a fase de aplicação do questionário piloto e de sua revisão iniciou-se o difícil
processo de recolhimento dos TCLE (cf. Anexo A), buscando-se um número significativo de
alunos interessados em participar da pesquisa. Todos os pesquisados foram consultados e
receberam um Termo de Consentimento Livre Esclarecido detalhando os objetivos da
pesquisa, os procedimentos utilizados para a coleta dos dados e solicitando a autorização dos
pais e/ou responsáveis. Após várias e incansáveis tentativas na escola, esquecimentos e
perda dos termos por parte dos alunos, conseguiu-se compor a amostra. Além do TCLE
todos os participantes receberam e assinaram o Termo de Assentimento. (cf. Anexo B). O
90
projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa CEP/UNOESC, com
parecer consubstanciado de número: 160.785 de 28/11/2012. (cf. Anexo C).
Cabe ressaltar, que a recepção e a aceitação dos alunos ao trabalho de pesquisa foi
positivo, não houve dificuldade em nenhuma fase da coleta de dados, todos os participantes
aceitaram prontamente responder ao questionário e também a entrevista. Inclusive muitos
alunos comentaram sobre a importância de se abordar um assunto tão importante dentro da
escola. Um exemplo disso foi o comentário de uma aluna participante: “Eu estava
esperando alguma coisa, alguma oportunidade prá eu poder falar sobre isso... falar sobre o
que aconteceu comigo...” (Aluno 2).
Diante disso, percebe-se a grande necessidade de ouvir os alunos, dar espaço para
que eles possam expressar seus sentimentos, suas angústias. Enquanto pesquisador conhecer
as concepções dos alunos sobre os episódios de violência e maus-tratos entre pares foi muito
valioso e resultou numa fonte muito rica de dados para análise, principalmente quando
sabemos o quanto é difícil para os envolvidos em casos de bullying falar sobre o que lhes
está acontecendo.54
Os Questionários foram aplicados coletivamente nas turmas, aos alunos que
devolveram os TCLEs com a autorização dos pais e/ou responsáveis, no período de
25/03/2013 a 05/04/2013. Os participantes após serem informados dos objetivos da pesquisa
responderam voluntariamente e anonimamente o questionário, em horário de aula, com
prévia autorização dos professores. Após a tabulação dos dados obtidos nos questionários e a
confecção das situações-problemas, procedeu-se à seleção dos alunos para a segunda etapa
da coleta de dados. Estes foram selecionados aleatoriamente e por disponibilidade
(independente das respostas obtidas na primeira etapa), sendo que buscou-se manter a
representatividades de alunos de todas as séries, de ambos os cursos, de sexos e idades
diferentes (dentre os que haviam respondido o questionário). As entrevistas foram realizadas
no período de 22/04/2013 a 08/05/2013, sendo que todas foram gravadas e posteriormente
transcritas pelo pesquisador.
As Entrevistas tendo como base o método clínico piagetiano combinado ao uso de
situações-problemas – tinha a finalidade de coletar dados significativos e complementares a
pesquisa e que pudessem ajudar a responder como os alunos estão percebendo o bullying e
quais os significados e sentidos eles atribuem aos episódios deste fenômeno. As discussões
54
Fante (2005, p. 51) disse: “[...] valorizem os sentimentos que as vítimas expressam e entendam que para elas
é muito difícil falar sobre o que lhes está ocorrendo!”
91
feitas se referem aos dados encontrados a partir da exposição aos participantes da pesquisa
de quatro situações-problemas (baseadas na vida real) que foram desenvolvidos para essa
análise. Foram apresentadas as situações problema aos alunos entrevistados e após cada
uma, foi efetuada uma sequência de perguntas aos mesmos. (cf. Apêndice B). Desta segunda
etapa (entrevistas) participaram 5% dos alunos que responderam ao questionário, num total
de 10 alunos.
Através das reações dos entrevistados, percebeu-se vários tipos de posturas diante
das perguntas. Quase todos, de certa maneira, vivenciaram ou conheciam indivíduos
envolvidos com a problemática do bullying. Como já ressaltado, muitos encararam a
entrevista como uma forma de desabafo. Grande parte dos participantes se mostraram
ansiosos, com algum tique nervoso, gagueira, choro e até mesmo silenciando-se quando a
pergunta o deixava reflexivo, conforme seu envolvimento na ocorrência dos eventos de
bullying.
Com relação à composição da amostra, o gráfico 1 apresenta o número de alunos
que responderam ao questionário de pesquisa, distribuídos por série, assim como, a
quantidade por gênero. No total, participaram da pesquisa 209 alunos, de nove turmas
diferentes, assim distribuídos: 106 alunos eram da 1ª série; 32 alunos eram da 2ª série e 71
alunos eram da 3ª série. Quanto ao gênero 129 participantes eram do sexo masculino,
enquanto 80 eram do sexo feminino. Houve um predomínio do sexo masculino (61,7%)
sobre o sexo feminino (38,3%). Essa diferença entre gêneros se justifica pelo fato de que na
escola também há um predomínio de alunos do sexo masculino, principalmente os do Curso
de Técnico em Agropecuária integrado ao Ensino Médio.
Gráfico 1 – Gênero e número de participantes por série
Fonte: Pesquisa de Campo (2013)
0
20
40
60
80
100
120
Total Masculino Feminino
106
69
37 32 25
7
71
35 36
1ª série
2ª série
3ª série
92
Com relação à faixa etária, os participantes da pesquisa possuíam de 14 a 18 anos,
sendo que a idade média da população avaliada foi de 15,3 anos, conforme aponta o gráfico
a seguir:
Gráfico 2 – Idade dos participantes
Fonte: Pesquisa de Campo (2013)
Para apresentação dos resultados desta pesquisa, os dados coletados por meio dos
questionários foram organizados em gráficos e tabelas e as entrevistas foram transcritas
literalmente em algumas de suas partes.
A fim de preservar a identidade dos sujeitos da pesquisa, sempre que necessário,
quando reportado às suas falas, os mesmos serão identificados da seguinte forma: Aluno 1,
Aluno 2 e assim consecutivamente.
A descrição e a análise dos dados foi organizada em dois blocos: o primeiro refere-
se à caracterização do bullying no IFC- Campus Concórdia; o segundo versa sobre a
percepção dos alunos sobre a violência e o desrespeito na instituição de ensino: sentidos
atribuídos por estes aos episódios de bullying.
Na sequência apresenta-se a exposição e análise dos dados obtidos com os sujeitos
da pesquisa.
76; 37%
40; 19%
52; 25%
34; 16%
7; 3%
14 anos
15 anos
16 anos
17 anos
18 anos
93
4.1 – CARACTERIZANDO O BULLYING NO IFC-CAMPUS CONCÓRDIA
Neste capítulo analisaremos as respostas dos alunos ao questionário aplicado na
primeira etapa da pesquisa, de forma articulada com as respostas obtidas na entrevista –
segunda etapa da pesquisa – e a literatura sobre o tema Bullying. Assim, priorizaremos para
a análise os seguintes temas:
- a identificação da violência na escola;
- as formas de violência existentes na escola;
- os espaços onde o bullying se manifesta;
- os sujeitos envolvidos;
- os aspectos motivadores.
4.1.1 – Identificação da Violência na escola
Quando se deseja realizar uma análise da violência dentro da escola é necessário
direcionar um olhar para além de manifestações individuais, compreendendo-a como a
expressão de um coletivo situado em um determinado contexto histórico e social. Sendo
assim, a violência é tida como uma relação, e como tal, não pode ser analisada fora do
ambiente no qual ocorre.
A violência escolar foi definida por Abramovay e Rua (2004, p. 29) como
abrangendo todos os atos praticados no interior da escola que atingem o indivíduo em suas
diversas dimensões – física, moral e pública. Ela pode se configurar como indisciplina,
delinquência, problemas na relação professor-aluno ou mesmo aluno-aluno, entre outros.
Nota-se, a partir desta denominação, que quando se faz referência a violência escolar, não se
está falando apenas de violência física, mas todo tipo de violência: seja ela física, simbólica,
incivilidades, todas com consequências muito graves.
Pode-se dizer que, na grande maioria das vezes, a violência que envolve crianças e
adolescentes, não é denunciada. A violência pode ser velada, sutil, mas não menos
traumática aos envolvidos. Brigas, ofensas, intimidações, chantagens, comentários
maldosos, apelidos, repressão, agressões físicas e psicológicas, são tipos de violência
associados à infância e adolescência, e normalmente considerados como “brincadeiras”.
Porém, estudos indicam que “brincadeiras de mau gosto” podem gerar consequências sérias,
incluindo-se casos de suicídio, baixa autoestima e novas fontes de violência.
94
Visando compreender se os alunos percebem situações de conflitos e violência na
sua escola, perguntamos: Você identifica conflitos/violência na sua escola? O gráfico 3,
indica as respostas dos alunos participantes com relação a existência de conflitos/violência
na escola.
Gráfico 3 – Conflitos e violência na escola
Fonte: Pesquisa de Campo (2013)
Ao analisar os resultados, percebe-se que 67% dos alunos dizem identificar
situações de conflitos e violência na escola, enquanto 33% dizem não identificar.
Conforme Abramovay (2009, p. 99), a escola é:
[...] um espaço onde as pessoas se encontram em busca de objetivos comuns como
conhecimento e novas amizades. É também um local onde indivíduos são
obrigados a conviver todos os dias, obedecendo a horários e normas. Essa
convivência diária é, também, responsável por indisposições e conflitos.
Cabe mencionar a hipótese, de que a não indicação ou a negação da presença de
conflitos ou violência no ambiente escolar – por parte deste grupo dos 33% – pode revelar o
desconhecimento, um possível silenciamento ou mesmo, uma indiferença diante das
manifestações de desrespeito, violência e bullying na escola. Cabe destacar também, que o
que o é caracterizado como um ato violento para uma pessoa, pode ser observado por outra
como natural, pois as interações sociais auxiliam na construção de diferentes subjetividades
e representações sobre os acontecimentos do cotidiano, que correspondem, também, a
determinado tempo. Por outro lado, a confirmação da existência de violência por 67% dos
participantes é bastante expressivo.
A violência se exerce no marco da organização social, em suas instituições e
agrupamentos. Nesse sentido, há violência na instituição escolar quando, em seu
interior, algumas pessoas são acossadas, maltratadas ou socialmente excluída,
física, psicologicamente ou moralmente (ORTEGA, 2003, p.83).
139; 67%
70; 33%
Sim
Não
95
Para muitos alunos, o ato de presenciar conflitos e violência na escola pode causar,
a princípio, tensão, medo, revolta e inconformismo. Porém, com o passar do tempo, as
atitudes de violência (intimidação, agressão e opressão), passam a fazer parte do cotidiano
da escola, gerando certa acomodação e psicoadaptação – os alunos acabam agindo como se
isto fosse normal.
Sobre o fato de considerar atos de violência como normais dentro da escola um
aluno manifesta:
Porque se você é criado de um jeito e você sofre ou fica muito feliz, essas coisas te
marcam, é como a convivência em casa: por exemplo, se você for criado desde
pequeno aprendendo que é certo bater em mulher, você vai acabar achando isso
certo, mesmo alguém te dizendo que não. Aqui, tipo os formados, eles fazem com
nós como era no 1º ano deles, aqui eles foram “criados”, criados desse jeito. Ai,
eles foram criados assim, na ideologia deles (dos formandos deles), eles mandam
em nós, oprimem a gente, porque os formandos mandavam neles, faziam assim
com eles. E assim vai indo... todo mundo vai aceitando, vendo como normal.
Como eles dizem: é tradição! (Aluno 08).
Muitas vezes a cultura escolar atua como fonte de violência – ou como os alunos
dizem: a “tradição de colégio agrícola” (onde os alunos novatos são submetidos a
humilhações constantes, apelidos pejorativos, sujeição aos padrinhos) – faz com que muitos
alunos entendam como normal esse tipo de situação violenta na escola e ajam com
indiferença (“Todo mundo passa por isso!” – Aluno 03).
Já outros se conformam e acabam considerando as agressões como brincadeiras ou
algo normal entre os colegas:
Quando a gente vem estudar aqui sabe que vai ganhar apelidos. Quem vem estudar
aqui já sabe a rotina de um colégio agrícola. Já sabe como vai ser, que vai sofrer.
(Aluno 01).
Você é do 1º ano vai sofrer, porque os do 3º tá, tá, tá...” (Aluno 08).
É tradição de colégio agrícola, não vejo isso como violência, isso é brincadeira e
diversão, são todos um bando de piazada. (Aluno 09).
Todos no 1º ano irão sofrer; Minha irmã estudou aqui e me avisou que o 1º ano
sofre. (Aluno 10).
Isso representa a banalização da violência na escola. As agressões não são vistas
pelos alunos como violência e em geral, os professores também costumam abordar os
episódios violentos com descaso ou como “brincadeiras”. Conforme Ens (2011, p. 82) as
manifestações de violência e bullying “nem sempre são percebidas pelos professores que, de
uma forma equivocada, o associam a brincadeiras.”
96
Na sociedade de forma geral isso também acontece. A incivilidade, o desrespeito
são cenas cotidianas em quase todos os lugares. A violência também passou a ser vista como
algo normal e aceitável, principalmente na mídia. No cinema e na televisão, as cenas de
violência são cada vez mais explícitas. Convivemos tanto com estas imagens que acabamos
nos tornamos, aos poucos, indiferentes. Não ficamos mais chocados com tanta violência, nos
acostumamos com ela. É a naturalização, a banalização da violência. Até os desenhos
animados e os jogos eletrônicos trazem uma carga elevada de violência e nossas crianças e
jovens brincam de matar, de fazer guerra como se isso fosse normal. “A naturalização de
comportamentos violentos pela cultura de massa é, sem dúvida, outro fator que reforça a
banalização da violência.” (CANDAU; LUCINDA; NASCIMENTO, 2001, p. 25).
A respeito da violência Camacho (2001, p. 133) expõe que: “De tanto acontecer, ela
passa a ser banalizada e termina por ser considerada ‘naturalizada’, como se fosse algo
‘normal’, próprio da adolescência. A banalização da violência provoca a insensibilidade ao
sofrimento, o desrespeito e a invasão do campo do outro.”
Bullying: uma violência velada
Sabe-se que diversas formas de violência podem ocorrer no ambiente escolar.
Entretanto, uma delas vem ganhando destaque nos últimos anos: o bullying. E é a respeito
desta forma de violência que pretende-se abordar com mais ênfase neste trabalho.
Cabe esclarecer e reforçar que essa forma de violência (bullying) possui algumas
características que o diferenciam das demais formas de violência. O bullying ocorre por
meio da perseguição e intimidação de um aluno por um ou vários colegas de escola. As
situações são marcadas pela intencionalidade de causar danos e sofrimentos e pela
repetitividade das ocorrências de violência. Cabe apontar que, além destas características,
sempre existe um público a presenciar e apoiar moralmente o praticante da violência.
Objetivando investigar a possível incidência de violência velada (silenciosa,
opressora, cruel) entre pares na escola – o bullying, seguimos a investigação perguntando
aos sujeitos da pesquisa: Você já presenciou algum colega praticando bullying (maltratando
repetidas vezes um mesmo colega)?
97
Gráfico 4 – Já presenciaram colegas praticando bullying
Fonte: Pesquisa de Campo (2013).
Através das respostas – expostas no gráfico 4 – percebe-se que os alunos
identificam casos de bullying na escola, sendo que 135 alunos responderam que sim, várias
vezes presenciaram colegas praticando bullying; 32 alunos responderam que sim, já
presenciaram pelo menos uma vez casos de colegas praticando bullying e apenas 42 alunos
disseram que não, nunca presenciaram colegas praticando bullying na escola.
Diante dos dados é possível perceber que 64,6% dos alunos já presenciaram alguma
situação de bullying na escola, ou seja, alguém maltratando repetidas vezes um mesmo
colega. Trata-se de um dado muito significativo, que expressa que ocorrem situações
repetitivas de violência entre pares na escola. No total 80% dos participantes dizem já ter
assistido, no mínimo uma vez, cenas desse tipo de violência na escola, ou seja, já foram
espectadores.
Quando questionado a respeito de ter presenciado situações de bullying na escola
um aluno respondeu:
Já! Horrores! Gente isso é o que mais acontece aqui, é só sair ali fora prá ver.
Sempre com as mesmas pessoas. Com os que se acham mais e os que são... são
diferentes, no caso as pessoas que são diferentes... “Ah, porque ela é gorda, ou
porque ele é pequeno, ou porque pinta o cabelo” ... estes são os que mais sofrem.
(Aluno 01).
A fala do aluno confirma a ocorrência de episódios de violência contra os mesmos
colegas, repetidas vezes. Ainda percebe-se, pela fala expressiva (Já! horrores!), que isto
ocorre com frequência na escola.
0
20
40
60
80
100
120
140
Sim, várias vezes Sim, apenas uma vez Não, nuncapresenciei
135
32 42
98
Visando confirmar estes dados, também perguntamos aos alunos: Você conhece um
ou mais colegas que tenham sido agredidos, ameaçados, isolados, humilhados
propositalmente (“por gosto”) por outros colegas? As respostas a esta questão indicaram
novamente um grande número de alunos que identificam colegas que são ou foram expostos
a situações de agressão, ameaça, isolamento ou humilhação, ou seja, que sofrem ou sofreram
bullying. Dos pesquisados, 155 (74%) responderam que sim, conhecem pessoas que sofrem
bullying na escola; contra apenas 54 (26%) que disseram não conhecer ninguém que sofra
ou já tenha sofrido bullying.
Diante dos resultados apontados percebe-se inicialmente, Conforme Eyng (2011, p.
103) “a existência de violências nas escolas é inegável” e esta constatação é feita pelos
alunos participantes da pesquisa. Nota-se também que a percepção sobre violência e
bullying por parte dos alunos é bem clara e os índices apontados são altos, o que indica que
as situações de desrespeito e bullying são corriqueiras e frequentes na instituição. Isso ficou
evidente também nas falas dos alunos, quando estes se referem a frequência dos atos:
Acontece bastante! [...] Já vi várias vezes também! (Aluno 02).
Isso acontece sempre! ... (Aluno 05).
Acontece muito! Bastante! É o que mais acontece aqui... ter conflitos entre os
alunos dentro da sala de aula e no colégio. (Aluno 06).
Acontece, acontece muito! Isso nunca vai parar! (Aluno 10).
Não se pode ignorar o que está acontecendo na escola e na sociedade de uma
maneira em geral, pois o bullying é um problema sério que requer especial atenção por parte
de dirigentes da escola, professores, pais e responsáveis. Eyng (2011, p. 104) aponta que o
bullying ocorre em todos os estabelecimentos educacionais que não têm programas eficazes
para enfrentar o problema, sejam escolas privadas, públicas, religiosas, internatos, escolas
técnicas, faculdades, universidades. Ainda conforme a autora, o bullying não pode ser
naturalizado ou ignorado, é preciso cuidado para não agir de forma a naturalizar os
acontecimentos, pois percebe-se na escola pesquisada, que para “muitos”, o bullying tornou-
se tão normal na vida cotidiana, que as pessoas se acostumaram com ele ou fingem não o
ver, tornando-se insensíveis a seus efeitos devastadores.
Assim como ocorre com outros tipos de violência, confundir fatos do tipo bullying
com brincadeiras é muito habitual nas escolas. Comportamentos de ordem moral, como
99
agressões físicas, verbais e psicológicas entre pares são, na maioria das vezes, menos
preocupantes para os professores, do que, por exemplo, conversas paralelas enquanto o
professor explica a matéria, o uso do boné, chegar atrasado à escola, ou não realizar tarefas
solicitas (TOGNETTA et al., 2010).
Tanto as escolas como as famílias têm dificuldades em identificar a incidência de
bullying entre seus jovens. Falta um olhar mais atento para perceber os conflitos. Aquilo que
é tratado como “brincadeira” na maioria das vezes possui uma conotação agressiva por parte
de quem a faz. Isso dificulta a intervenção da escola e da família e acaba por agravar as
marcas do fenômeno.
Roubos, insultos, brigas, exploração dos mais novos pelos mais velhos são atos
que, de tão frequentes no cotidiano escolar, acabam por serem banalizados e/ou
tidos como manifestações “normais” da idade e/ou da condição sociocultural e
econômica do jovem. (CANDAU; LUCINDA; NASCIMENTO, 2001, p. 32).
Enquanto muitos alunos são intimidados, ameaçados, humilhados, excluídos, por
seus pares, as escolas acabam por não perceber que de fato há um problema, ou mesmo
desconhecem ao certo como identificar e trabalhar com a situação da intimidação entre
pares; ou ainda acreditam ser brincadeiras de infância e de adolescência, praticamente que
naturalizando tais práticas (TOGNETTA; VINHA, 2010a).
A escola é um contexto que propicia o desenvolvimento de habilidades,
competências, saberes e opiniões, cabendo, portanto, a ela o papel fundamental de buscar
alternativas para o enfrentamento e prevenção do bullying – ações concretas, esforços
coletivos, baseadas no estudo da sua realidade, que possam transformar tais relações
conflituosas entre os alunos em um local de convivência mais cooperativo, permeado por
relações de respeito mútuo.
4.1.2 – Formas de violência existentes na escola
É preciso saber distinguir as “brincadeiras saudáveis” daquelas “falsas
brincadeiras”, que camuflam sentimentos pouco nobres, de intolerância, de preconceito, de
ignorância e de maldade. Conforme Silva (2010, p. 13), quando alguns se divertem às custas
do sofrimento dos outros, intencionalmente e de forma repetitiva ocorre o fenômeno
100
bullying. Este se manifesta através de diversos comportamentos: insultos, intimidações,
ameaças, apelidos cruéis, gozações que magoam profundamente, perseguições, acusações
injustas, difusão de fofocas, isolamento, tomar ou destruir pertences, meter medo, atuação de
grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros alunos, levando-os à
exclusão, além de danos físicos (socos, agressões, chutes), morais e materiais. (FANTE,
2005; MIDDELTON-MOZ; ZAWADSKI, 2007; SILVA, 2010).
Conforme Abramovay (2009, p. 103):
O clima entre alunos muitas vezes está permeado por relações conflituosas dos
mais diversos tipos, envolvendo agressões verbais, físicas, humilhações e falta de
respeito. São maneiras de se relacionar, muitas vezes tidas como típicas da
adolescência/ juventude, que não podem ser vistas a priori como não civilizadas,
mas que podem chegar a minar uma boa convivência entre escolares, tornando o
ambiente mais propício a conflitos e resoluções violentas.
Buscando identificar as formas de manifestação da violência no IFC – Campus
Concórdia, perguntamos aos alunos: Quais as principais formas de violência existentes na
sua escola? Para fins deste estudo, indicamos que a violência física se manifesta através de
maus-tratos físicos – brigas, socos, pontapés, empurrões. Já a violência psicológica utiliza
maus-tratos como humilhações, ameaças, intimidações, constrangimento, perseguições,
chantagens, fofocas. A violência ao patrimônio, como indica o próprio nome, refere-se a
atos como danificar/quebrar cadeiras, carteiras, vidros, lâmpadas, cortinas, livros e outros
materiais didáticos. A discriminação na escola, por sua vez, é uma das ações praticadas
contra as vítimas e envolve os maus-tratos referentes a exclusão/isolamento, seja por cor,
sexo, raça, idade, e como exemplo podemos citar, o bullying homofóbico55
.
A tabela 1 apresenta as principais formas de violência indicadas pelos participantes.
Podemos identificar que a alternativa mais citada foi a violência psicológica (82,3%). As
demais formas de violência parecem ter menos visibilidade por parte dos sujeitos
pesquisados, o que não quer dizer que elas não aconteçam na escola.
55
“É a prática das diversas formas de ataque bullying contra homossexuais. É o ato de submeter homossexuais
a chacotas, humilhações, ameaças, perseguições e exclusões sociais, dentro ou fora das escolas. [...] muitos
alunos que assumem sua opção sexual, ou aqueles que parecem assumi-la, sofrem terrivelmente o rechaço e a
resistência frente a diversidade afetivo-sexual. Essa prática infelicita ainda mais o jovem, que está num
momento de descoberta e de autoafirmação.” (FANTE E PEDRA, 2008, p. 42).
101
Tabela 1 – Principais formas de violência existentes na escola
FORMAS DE VIOLÊNCIA RESPOSTAS %
Violência Física 45 21,5%
Violência Psicológica 172 82,3%
Violência ao patrimônio 45 21,5%
Discriminação na escola 41 19,6%
Fonte: Pesquisa de Campo (2013)
Se 82,3% dos pesquisados apontaram a violência psicológica como a que mais
acontece na escola, isto significa que para os alunos existe mais agressão verbal,
humilhações, ameaças, constrangimento, fofocas, do que outras formas de violência, como a
física, apontada por 21,5% dos pesquisados, ou a violência ao patrimônio, citada também
por 21,5% dos participantes. A discriminação na escola, seja por cor, sexo, raça, idade foi
indicado nas respostas de 19,6% dos pesquisados.
A respeito da violência um aluno comenta:
Violência psicológica, pressão psicológica é o que mais acontece aqui dentro do
colégio. [...]. É difícil ficar firme e não se deixar abalar tão fácil. (Aluno 06).
Percebe-se que a violência na escola pesquisada ocorre de maneira mais sutil,
velada, dissimulada, através do desrespeito ao outro, à sua individualidade (humilhações,
ameaças, fofocas), e menos através de ações violentas mais explícitas e radicais, como
brigas e surras.
Camacho (2001, p. 133) expõe a respeito da violência explícita e implícita:
Por ser visível, a violência explícita é, na maioria das vezes, assumida, combatida,
punida e evitada, [...]. A violência mascarada, por outro lado, passa, quase sempre,
a ser confundida com indisciplina ou com brincadeira. É considerada menos grave,
por que não traz consequências visíveis ou de efeito imediato, por que não
machuca o corpo, não faz verter o sangue. Os danos, muitas vezes indeléveis, são,
geralmente, de ordem psicológica e/ou moral. Essa violência pode se tonar
perigosa porque não é controlada por ninguém, não possui regras ou freios e
porque passa a ocorrer constantemente no cotidiano escolar.
102
Talvez esse resultado possa ser explicado partindo do fato de que, por um lado,
professores e demais servidores da instituição percebem e respondem mais facilmente às
vitimizações físicas, enquanto a vitimização verbal e psicológica, na forma de zoar, implicar,
rejeitar e humilhar, frequentemente não são vistos e se vistos, às vezes são tolerados. É como
complementa Camacho (2001, p. 133), a violência, na sua forma explícita de manifestação
nas escolas, é combatida, criticada e controlada por meio de punições. Entretanto, a
violência mascarada (psicológica, moral) passa impune, ou porque não é percebida como tal
e é confundida com a indisciplina, ou por que é considerada pouco grave, isenta de
consequências relevantes, ou, finalmente, por que não é vista.
No que se refere à discriminação, a intolerância às diferenças, pode-se dizer que: de
um lado, há as razões sociais da diferença, que geram intolerância, preconceito,
discriminação, racismo e violência, porque, nesse caso, a diferença é avaliada como
desigualdade e não diversidade. De outro lado, há a dificuldade típica do momento da idade
(adolescência) de se lidar com as diferenças. Esses alunos, por estarem num processo de
busca de afirmação da identidade, tendem a rejeitar aqueles que não pertencem ao seu grupo
e que apresentam características diferentes das suas.
O bullying é uma manifestação dessa rejeição de ordem social que priva o
indivíduo, considerado diferente, de seu direito de participar e de existir nos grupos, nega-se
a essas pessoas seu desejo de fazer parte, de ser importante e valioso ao grupo.
Na sequência, perguntamos também aos alunos: Quais os principais tipos de
violência que ocorrem na sua escola? Esta questão permitia aos participantes assinalar mais
de uma alternativa, visto que dificilmente se é acometido de apenas um tipo de violência. É
como apontam Silva (2010, p. 22) e Fante e Pedra (2008, p.63) dificilmente a vítima recebe
apenas um tipo de maus-tratos, pois normalmente eles vêm associados.
O Gráfico 5 traz os principais tipos de violência assinaladas pelos alunos: o
destaque está para a agressão verbal (xingamentos) apontado por 59,3% dos participantes; os
apelidos maldosos, por 55,5% e as fofocas e mentiras, por 55%. Também é válido destacar
as humilhações e ameaças, o fato de esconder, estragar e furtar objetos pessoais e as brigas
físicas entre alunos (socos, pontapés, empurrões).
103
Gráfico 5 – Principais tipos de violência que ocorrem na escola
Fonte: Pesquisa de Campo (2013)
Percebe-se através da análise das respostas, que as ações de violência praticadas
variam. Na escola pesquisada, as ações de violência mais frequentes são as diretas e verbais.
Os xingamentos foram apontados por 59,3% (124 alunos) e receber apelidos maldosos foi
apontado por 55,5% (116 alunos). Porém, merece destaque a ocorrência de violência
psicológica/moral, sendo que 55% participantes apontaram as fofocas e mentiras
(difamação); 42% indicaram humilhações; 42% ameaças; 31% constrangimentos. Também
ocorre na escola e foi apontado por 40,2% dos participantes, o fato de esconderem,
estragarem e furtarem objetos pessoais. A violência física como brigas, socos, chutes, foi
assinalada por 33,5% dos pesquisados.
Conforme Debarbieux e Blaya (2002. p.72) “os xingamentos são a forma mais
comum desse tipo de intimidação, [...], bem como a disseminação de boatos.” Já para Avilés
(2006) as formas mais frequentes de intimidação são a verbal, a psicológica, a física e a
social, segundo o autor conforme a idade aumenta, os atos de agressão física diminuem e
aumentam os modos mais elaborados, como a exclusão social e a ridicularização grupal, fato
este identificado na instituição pesquisada.
Agressão verbal – As palavras podem ser usadas e atingir profundamente a
autoestima das pessoas. Não faz diferença se a gozação ou os comentários têm ou não um
fundo de verdade. É sempre muito doloroso para os alvos ouvir alguém falar mal deles. Uma
0 20 40 60 80 100 120 140
Isolamento de colegas
Esconder, estragar ou furtar objetos
Fofocas e mentiras
Constrangimento
Perseguições
Ameaças
Humilhações
Agressão verbal
Trotes
Apelidos maldosos
Brigas entre alunos
57
84
115
65
27
88
88
124
62
116
70
104
frase antiga, muito utilizada principalmente pelas crianças e adolescentes: “palavras não me
atingem”, pode até ser utilizadas como meio de defesa pelos alvos, mas na realidade isso não
é real.
A respeito das formas de violência que ocorrem na escola um aluno traz:
A principal forma de violência usada, e a pior que tem aqui na escola, é a verbal.
Porque só se ouve: “Você é uma bicha louca! Vadia! Puta! etc.” Desculpa falar
estes palavrões, mas é o que acontece direto na escola. Desentendimentos... é só
xingamentos e ofensas. De dia quase não se vê, mas a noite, essas crias de 14, 15,
16 anos, todas soltas no alojamento. Ninguém dá valor prá nada, prá ninguém.
(Aluno 01).
A agressão verbal (xingamentos) foi apontada por 59,3% dos participantes como a
forma de agressão que mais ocorre entre os alunos na instituição pesquisa. Conforme aponta
o aluno 01, muitos palavrões são usados cotidianamente nas discussões entre os alunos no
sentido de ofender a moral dos colegas.
Tognetta (2005, p. 6) destaca que: “entre adolescentes, como o pensamento é
formal, um pensamento que opera, que organiza suas reflexões mentais de forma abstrata,
hipotética, é possível que agridam mais pela violência verbal, pelas ameaças.”
Nota-se que as agressões verbais no ambiente escolar remetem à dimensão da
convivência e dos relacionamentos sociais, por isso é fundamental que a escola desenvolva
ações que promovam o diálogo enquanto mecanismo de resolução pacífica de conflitos, a
fim de se constituir um ambiente de convivência harmônica e de tolerância entre alunos,
bem como entre alunos e servidores da escola.
Agir no plano dos relacionamentos interpessoais também se mostra importante
dentro da escola para evitar a gravidade dos conflitos, que podem iniciar com uma agressão
verbal, mas tendem a evoluir e a dar origem a episódios de violência com maior potencial de
dano (agressões físicas, por exemplo) e consequências aos envolvidos.
Fofocas e mentiras – Da mesma forma que as ofensas verbais, as fofocas e as
mentiras têm um alto poder de devastar uma relação. Quase sempre vem de pessoas ligadas
aos envolvidos, são formuladas com desonestidade e covardia e sem chances de defesa aos
alvos. Conforme Gomes e Sanzovo (2013, p. 49) “trata-se das situações em que há a
disseminação de histórias difamadoras e pejorativas sobre a vítima, acarretando em sua
rejeição diante dos demais colegas.”
105
Apontadas por 55% dos participantes da pesquisa, pode-se dizer que estas formas
de violência acontecem com muita frequência na escola. Fato este confirmado pelos alunos:
Situações de boatos e fofocas na escola é muito frequente, imagine o muito! É o
que mais tem. Adoram inventar coisas para acabar com a moral dos outros.
Fofocas e boatos é o que mais tem na escola, eu sofro muito quando acontece essas
situações. (Aluno 01).
Acontece muito! Bastante! É o que mais acontece de ter conflitos na escola.
Porque geralmente quando tem uma pessoa que eles não gostam, eles unem a
turma deles e resolvem acabar com a moral da pessoa, então eles pegam e
começam a inventar histórias mesmo, prá todo mundo, prá ninguém mais gostar
daquela pessoa. [...] A pessoa acaba sendo muito prejudicada por isso. É muito
comum acontecer isso aqui e já aconteceu comigo. (Aluno 06).
Isso acontece muito aqui... e é bem tenso ouvir todo mundo falando de ti uma
coisa que você não fez. Muito do que eles fazem aqui no colégio é colocar fama
principalmente de “galinha” nos meninos e de “putinha” nas meninas. É muito
comum aqui de se fazer isso. É muita coisa que inventam. A poucos dias
inventaram que eu estava ficando com um colega meu, teve uma foto que eles
bateram da gente sentado, assim só conversando e já falaram por ai que tinham
visto a gente se beijando. É tudo fofoca, mentira... e esses boatos correm que nossa
aqui no colégio. E você fica sabendo de coisas que você nem sabia que tinha feito.
Isso acontece muito... bastante mesmo! (Aluno 10).
É possível perceber através das colocações destes alunos, que as fofocas acontecem
com tanta frequência que todos em um dado momento já foram vítimas, ou pior, já foram
cúmplices desse mal.
Os autores das intrigas nunca se importam com o estrago que farão na vida
daqueles que são alvos de suas fofocas, seu prazer único é espalhar aos quatro cantos aquilo
que pensam saber. É simples para alguns sujeitos falar da vida dos outros e é fácil e
prazeroso apontar defeitos e criar histórias (mentiras), principalmente quando o objetivo é
atingir e maltratar o alvo, fazendo com que este fique mal visto diante dos colegas
(conforme colocou o aluno 06).
Se existem pessoas que fazem fofocas e inventam mentiras, é porque existem outras
pessoas que estão dispostas a ouvir. É como um ciclo-vicioso; um fala e o outro ouve, este
que ouve passa a falar para um terceiro... e esse ciclo-vicioso permanece.
Pode-se dizer que boatos espalhados tem o mesmo efeito de plumas lançadas do
topo da montanha no momento do vendaval, você pode descer e tentar recuperá-las, mas
nunca conseguirá reaver todas as que lançou. Diante disso, percebe-se o efeito danoso na
vida dos alvos que sem chances de defesa se veem expostos aos mais diversos tipos de
106
humilhações e infâmias devido a comentários que se espalham rapidamente por toda a
escola.
Novamente ressalta-se a importância da escola agir no plano dos relacionamentos
interpessoais para evitar a gravidade deste tipo de conflito, que pode levar ao aumento do
nível das agressões, já as fofocas normalmente estão relacionadas a moral, a honra da
pessoa.
Apelidos pejorativos – Percebe-se através da análise dos questionários e das
entrevistas, que os apelidos e rótulos são comuns na escola. Alguns alunos aparentemente
não se importam com eles, porém, segundo os participantes da pesquisa, em grande parte
dos casos, os apelidos causam constrangimento em quem os recebe. As sensações de mal-
estar ocorrem quando o apelido vem carregado de sentido pejorativo, torpe, depreciativo,
discriminatório, com a intenção de desvalorizar, menosprezar, ridicularizar, zombar,
rebaixar o apelidado. As razões para apelidar são muitas, podem ser por causa da estatura,
por estar acima do peso, por causa dos óculos, cor da pele, da opção sexual ou alguma outra
característica que faça com que o outro ou o seu grupo seja considerado diferente.
Conforme Tognetta (2005, p. 6) o agressor reconhece, pela esperteza, quais são as
maiores dificuldades do ponto de vista afetivo, e do ponto de vista físico de suas vítimas.
Eles conseguem identificar quais são os maiores problemas que essa pessoa sofre, e são
geralmente sarcásticos. De outro lado, temos a vítima geralmente mais apática, mais
fragilizada, com menos força e poder de persuasão que o agressor. Isso pode explicar
facilmente a questão dos apelidos.
Com relação aos apelidos, nas entrevistas os alunos trouxeram:
Desde o primeiro ano eles me chamam de orelhuda, porque ninguém é perfeito... e
eu tenho uma orelha maior que a outra. Ai ficam me chamando de um monte de
besteiras, ficam querendo se achar por causa disso. Falam assim: “Ah! a orelhuda
lá, não sei o que... ao invés de colar!” Acho que é só por causa do meu físico. Daí
eles tem motivo prá ficar tirando com a minha cara. Eu sofro bullying desde o
primeiro ano por causa disso. (Aluno 02).
Eu acho terríveis os apelidos... porque o pai e a mãe deram um nome prá você e
vem outro e te chama de apelido. Tipo... eu não digo o meu apelido prá ninguém...
porque eu não gosto do meu apelido. Acho que ninguém no fundo gosta do
apelido, porque eu preferia ser chamada pelo nome. Geralmente a maioria dos
apelidos são maldosos... são referente a questão física da pessoa. (Aluno 05).
Olha tem muito! Quanto aos apelidos tem... todo mundo tem apelidos. Por minha
sorte eu adoro meu apelido... é o apelido de casa. [...] Só que tem vários apelidos
que, por exemplo, um dos meus melhores amigos... chamam ele de “bunda”, eu
107
não gosto do apelido dele, nem ele, por isso eu não chamo ele assim. Mas as
pessoas chamam. Só que enquanto alguns trocam o nome pelo apelido com boa
aceitação, alguns se sentem inferiorizados e maltratados, se sentem mal por causa
dos apelidos. (Aluno 08).
A principal questão que me fez sofrer na escola foi em cima do apelido. Era quase
um deboche. Era muito estranho, era feio... (Aluno 10).
Muitas vezes os apelidos e gozações têm sido tratados como brincadeiras naturais
da adolescência e, por isso, recebem pouca ou nenhuma interferência dos educadores.
Podem até ter a intenção de brincadeiras, porém quando ultrapassam o limite do outro e lhe
causam sofrimento, como nos casos apresentados acima, tornam-se violência.
Por conta de seus valores culturais e de uma insensibilidade compartilhada
institucionalmente, professores e membros das direções das escolas têm como
“inofensivas” muitas das brincadeiras organizadas pelos alunos, entre elas a de
atribuir aos outros apelidos estigmatizantes. Os apelidos, como se sabe,
estabelecem uma nova identidade às pessoas, destacando alguma característica
tomada como particularmente significativa. Muito raramente, entretanto, tal
escolha seleciona uma virtude. [...] Quase sempre, há algo que se projeta como
ridículo ou humilhante na identidade atribuída ao apelidado. Assim, se faz “graça”
ao se promover um rótulo pelo qual se deprecia o outro. (ROLIM, 2010, p. 53).
Percebe-se que os apelidos, na maioria das vezes estão ligados a alguma
característica do alvo, normalmente uma característica física da pessoa, conforme apontam
em suas falas os alunos 02 e 05. Por exemplo, apelidam de “baleia”, evocando uma
característica física da pessoa de ser gorda. E ser gorda, na nossa sociedade, é sinônimo de
estar fora do perfil de beleza indicado pela moda – modismo este que aniquila o ser em
função do ser, onde prevalece a aparência em detrimento da essência. Ou então estão
associados a “palavrões” ou palavras depreciativas, a exemplo: “bunda”, como referência o
aluno 08.
Os apelidos nestes casos soam como uma agressão e desempenham um efeito
extremamente prejudicial ao processo de desenvolvimento das pessoas, principalmente de
adolescentes, na formação de seu autoconceito e de sua autoimagem. Conforme Campos
(2010, p.27), “O corpo e os traços físicos do adolescente apresentam importante relação com
a imagem que ele tem de si e com a ideia que faz de como é, aos olhos dos outros.” Ou seja,
para os adolescentes, a aparência física influência muito, pois ele sempre está à procura de
respostas para as mudanças no seu corpo e o turbilhão de sentimentos surgidos por estas
mudanças. A maneira como o adolescente vê a sua imagem é causa de intensas inquietações
neste estágio, e apelidos pejorativos, que exaltam traços não desejados podem deixar o
108
adolescente muito mais inseguro, desorientado, inquieto e insatisfeito consigo mesmo. Fato
denunciado pelo aluno 02, que demonstra o sofrimento que vem passando desde o 1º ano na
escola devido ao apelido que exalta um traço físico por ele não desejado
Os apelidos ofensivos deixam marcas na vida de quem os recebe, como registro de
desmoralização, principalmente aqueles inventados cruelmente com a intenção de humilhar
e ridicularizar os outros.
Quando o apelido “pega”, ele passa a fazer parte do indivíduo como um rótulo
colocado de fora para dentro. É visto de forma natural pelo grupo, pelo fato de ser repetido
por todos, sem a reflexão sobre as consequências do mesmo para a pessoa apelidada, como
se o apelido fosse o próprio nome da pessoa.
O fato do apelido “pegar ou não” revela, segundo Rolim (2010, p. 54), as diferenças
de poder nas relações construídas entre os alunos, posto que os mais fortes ou “populares”
jamais irão permitir que alguém lhes conceda uma identidade indesejável. Porém, os que
desfrutam de menor poder pouco podem fazer diante da nova denominação, mesmo que esta
lhes seja intolerável. Com relação a estes, os apelidos, com certeza, se perpetuam.
Essa questão evidenciada por Rolim (2010) é facilmente identificada na Instituição
pesquisada, onde os alunos do 1º ano, considerados mais “fracos”, acabam sendo alvo de
apelidos. Isso explica também porque em alguns alunos do 1º ano os apelidos não “pegam”,
pois estes desde de cedo acabam se destacando também pelo poder sobre os demais colegas
e jamais permitiriam receber um apelido não desejado.
Para alguns, inventar apelidos é apenas uma brincadeira banal. Para quem está de
fora os apelidos soam engraçado. Porém, são raros os adultos que percebem as
consequências e a gravidade dos apelidos maldosos na vida de quem, constrangido pela
chateação e pela humilhação, não sabe o que fazer para resolver o problema ou em quem
buscar ajuda.
Como destacado pelo aluno 5, todos nós recebemos um nome e sobrenome e isto
nos confere uma identidade, uma individualidade. O nome é uma denominação que
identifica, distingue, individualiza e, portanto, carrega uma história de vida, que é particular
e nos faz únicos e especiais. Sendo o nome um símbolo de identificação, ninguém tem o
direito de desqualifica-lo, de despersonalizar o outro (colega) impondo-lhe um apelido. O
valor do nome está na capacidade que tem de conferir ao portador indivíduo uma existência
única, reconhecimento e identidade e por isso, é pelo nome que a pessoa deve ser chamada,
salvo casos onde ela autorizar que seja diferente.
109
Perceber os apelidos pejorativos como uma forma de violência é o primeiro passo
para a conscientização e para a compreensão dos danos causados nos alunos atingidos, pois
as fronteiras entre o que é brincadeira e o que é violência, nestes casos são tênues e a
passagem de uma para a outra nem sempre é percebida pelos educadores.
4.1.3 – Espaços onde o bullying se manifesta
Quais são os locais onde comumente ocorrem os ataques de bullying na escola?
Conforme Fante e Pedra (2008, p. 53) os locais onde ocorrem os ataques de bullying são
diversos: pátio de recreio, playgrounds, banheiros, corredores, salas de aula, bibliotecas,
quadras esportivas, laboratórios de informática. Ocorre dentro da escola e nas suas
imediações, mas também em outros locais fora dela, mas de convivência comum aos alunos
– locais onde eles costumam frequentar e se reunir.
Com a questão nº 10, buscamos identificar quais os locais da escola onde com mais
frequência ocorrem as manifestações de violência e bullying. Esta questão permitia aos
participantes assinalar mais de uma alternativa. Na tabela 2, listamos todos os locais onde
ocorrem atos de bullying na escola, conforme citados pelos participantes da pesquisa.
Tabela 2 – Locais onde ocorre a prática de bullying na escola
LOCAIS FREQUÊNCIA TOTAL (%)
Na entrada da escola (portão) 5 2,4%
Na saída da escola 19 9%
Na rua, durante deslocamento de ida e volta para a escola 25 12%
No transporte escolar 10 4,8%
Na sala de aula, quando o professor não está presente 42 20%
Na sala de aula, com a presença do professor (durante a aula) 7 3,3%
Nos alojamentos 142 68%
Durante o recreio/intervalo, no pátio da escola 100 48%
Nos banheiros da escola 27 13%
No ginásio da escola 25 12%
No bar/cantina da escola 49 23,5%
110
Na fila do refeitório 100 48%
Pelo celular 8 3,8%
Pela internet (Skype, msn, facebook, e-mail...) 48 23%
Fonte: Pesquisa de Campo (2013)
A forma como o bullying se manifesta em cada espaço escolar assume
características diferentes em razão do tipo de atividade e do controle que existe ou não sobre
os alunos. Na instituição pesquisada, percebe-se que as ações de bullying acontecem
principalmente longe dos adultos/ responsáveis pela escola, e mais dentro do que fora do
ambiente escolar.
Os lugares apontados como de maior ocorrência de bullying no IFC – Campus
Concórdia foram: os alojamentos (68%), seguido do pátio da escola, durante o recreio/
intervalo (48%) e a fila do refeitório (48%). Cabe destacar também, outros locais bastante
utilizados para a prática da violência entre os pares, que é a cantina da escola (23,5%), a
internet (23%) e a sala de aula, na ausência do professor (20%).
Como o bullying pode ocorrer nos mais diversos locais da escola, fez-se questão de
apontar na tabela 2, todos os locais e a frequência das respostas dos alunos, para que se
pudesse ter um panorama abrangente da situação. Porém, para fins de análise, o gráfico 6
aponta com clareza os locais onde é mais comum a ocorrência de bullying.
Gráfico 6 – Locais em que mais ocorre o bullying
Fonte: Pesquisa de Campo (2013)
68,00%
48,00% 48,00%
23,50% 23,00% 20,00%
0,0%
10,0%
20,0%
30,0%
40,0%
50,0%
60,0%
70,0%
80,0%
Nos alojamentos Durante orecreio/intervalo
Na fila dorefeitório
No bar/cantina daescola
Pela internet Na sala de aula,quando o
professor nãoestá presente
111
Conforme expõe Fante (2005, p. 106) “o maior índice de violência, ao contrário do
que se pensa, ocorre dentro da escola, principalmente nos locais onde a supervisão é
deficitária ou inexistente.” Lopes Neto (2005), também aponta que o bullying acontece
principalmente onde não há supervisão de adultos.
Um aluno comenta a respeito dos locais propícios para a prática de bullying na
escola:
O lugar onde mais ocorre o bullying seria nos alojamentos e nos corredores, nos
lugares mais públicos e longe da secretaria e da direção ou outros setores. Eles não
fazem isso onde tem servidores. Nos corredores dá para encarar, bater de lado, dar
cotoveladas, empurrões, tapas, e ninguém vê, ninguém fica sabendo. (Aluno 01).
Os alunos participantes da pesquisa acreditam que melhorar a supervisão nos
espaços coletivos é uma medida que pode trazer maior segurança aos alunos alvos de
bullying (FANTE, 2005, p. 106). Essa medida, porém, não visa superar o bullying, mas
dificultar a ação do agressor e proporcionar mais segurança aos alvos, pela facilidade de
aproximação e de intimidade. Uma melhor supervisão, não numa perspectiva de
policiamento, mas de apoio aos alunos, pessoas em que se possa confiar e que sejam
mediadoras diante das práticas abusivas.
Destaca-se que, nestes casos, a existência de um acompanhamento mais
sistemático e mais próximo por parte da equipe de assistentes e coordenadores seria muito
importante, principalmente no sentido de estar atento às situações e exercer um papel de
mediador diante dos conflitos e violência existentes. Isso porque, o simples aumento da
vigilância não irá resolver o problema da ocorrência de bullying, para isto acontecer é
necessário envolver toda a comunidade escolar e estabelecer um programa antibullying.
Alojamentos - O Alojamento é tido pelos alunos como o local mais vulnerável para
a ocorrência do bullying, onde sem a vigilância dos adultos/pessoas responsáveis da escola,
as cobranças, as humilhações, os “acertos de conta” podem ser feitos pelos alunos com
maior facilidade. Conforme Benelli (2002, p. 28) “A comunidade do internato escolar se
configura no encontro de pessoas, de sujeitos, como um local de confronto e de laços
afetivos.”
Entende-se que nos alojamentos/internato a ocorrência de atos de violência acentua-
se mediante o viver coletivo e integral dos sujeitos, por serem adolescentes e estarem
112
vivendo um período de reafirmação, busca e reconhecimento, e também porque as relações
interpessoais dos internos são, em sua grande maioria, hierárquicas e escalonadas entre as
diferentes séries, marcadas por atitudes repressivas que visam à obediência.
É um local onde os alunos passam grande parte do tempo, é sua residência
provisória no período em que estão estudando. Pela distância das suas residências familiares
(muitos moram longe e até em outros estados) os alunos permanecem nos alojamentos
inclusive durante os finais de semana, durante meses seguidos, pois não possuem condições,
transporte, ou mesmo tempo suficiente para o deslocamento até suas casas.
Os relacionamentos, as amizades e a formação de grupos distintos são perceptíveis
nesses ambientes (internato), originando em alguns momentos conflitos, desordens,
organização, confraternizações. Por esse motivo é possível e muito comum nos depararmos,
no internato (alojamentos), com situações que geram algum tipo de violência. Benelli (2002,
p. 20) assinala que: “quando acontece alguma coisa interna ou externa que ataca a imagem
do sujeito, a agressividade surge como uma reação natural, numa tentativa de reconstruir
esta autoimagem”. O fato de ser aluno interno e permanecer por muito tempo dentro da
escola acaba impedindo, muitas vezes, que o aluno extravase ou desabafe sobre seus
problemas e angustias com alguém de fora da escola, o que pode gerar um acúmulo de
agressividade na relação com os colegas.
Benelli (2002, p. 28) acrescenta a respeito dos internatos:
A vida pessoal do estudante dentro do estabelecimento, tanto no dormitório quanto
e em outras partes, tem um grande significado para seu desenvolvimento, além de
sua importância para atingir os fins educativos mais concretos. [...] O estudante
responde muito à cultura geral de seus pares e às alianças e rupturas transitórias
que se produzem dentro do corpo estudantil, com os professores e com a
administração. A relação entre os estudantes, [...], costuma ter aspectos
problemáticos que causam ansiedade [...]. Surgem questões relativas ao
desempenho acadêmico, rivalidades, inveja, temores, medo do fracasso, disputas,
competição por reconhecimento, etc.
A respeito disso um aluno comenta:
A gente fica muito estressado aqui dentro, qualquer coisa é motivo para partir para
a briga. É muita cobrança e preocupação, melhor para quem pode ir para casa e
esfriar a cabeça, não ter que ver sempre as mesmas pessoas, mesmos problemas
todo o momento. Muitas vezes os problemas que acontecem no alojamento
acabam aparecendo na sala de aula e muitas vezes volta a ser resolvido no
alojamento, no fim do dia. (Aluno 06).
113
O alojamento é um tipo de ambiente frequentemente associado com encontros não
desejados e não previstos, ou seja, com a perda do sentimento de privacidade, que diz
respeito à capacidade do indivíduo de controlar o seu contato social com o grupo e outros
residentes. Lá ele não pode controlar com quem irá encontrar, e pelo contrário, sabe que terá
que se relacionar com os mesmos colegas, aqueles com quem tem afinidades e outros com
quem não tem, e isso diariamente. Goffman (1987, p. 32) destaca que, “de modo geral,
evidentemente, o internado nunca está sozinho, está sempre em posição em que possa ser
visto e muitas vezes ouvido por alguém, ainda que apenas pelos colegas de internamento”.
Os efeitos sociais e psicológicos disso sobre os residentes no internato são
comprovadamente negativos. Tais efeitos são expressos pelo prejuízo na produção de tarefas
e no rendimento (inclusive escolar), pelo aumento de reações de agressividade, hostilidade e
mal-estar e pela diminuição nas condutas de afeto entre os sujeitos. Outras possíveis
consequências são o incremento da possibilidade de transmissão de enfermidades (sobretudo
as produzidas por contágio) e da vulnerabilidade ao estresse (MORAIS et al, 2004, p. 381).
Ao mesmo tempo em que a possibilidade de conviver com amigos por um maior
período de tempo é visto pelos adolescentes como um aspecto positivo e desejado, verifica-
se que aspectos negativos ligados a ocorrência de violência podem estar estreitamente
relacionados com as particularidades da convivência em grupo. Dessa forma, brigas,
desentendimentos, rivalidades, intrigas, jogos de interesse e incompreensão estão
diretamente ligados ao tempo de permanência que passam juntos, conforme apontados pelos
participantes da pesquisa.
A respeito da ocorrência do fenômeno bullying na escola, os alunos são
praticamente unânimes em afirmar que o fato da escola ter internato (alojamentos) facilita e
promove este tipo de situações bem mais do que em escolas “normais/tradicionais”, pelo
fato do maior tempo de convivência (estarem 24h juntos), do maior contato entre os alunos,
da ausência dos familiares. Conforme os alunos, quanto maior o tempo de contato/de
convivência, maior o índice de desentendimentos e conflitos entre eles. Isso é confirmado
por Gomes e Sanzovo (2013, p. 68) quando estes colocam que quanto mais tempo os alunos
passam na escola, maior a probabilidade da ocorrência de bullying.
Esses foram alguns comentários feitos pelos alunos a respeito:
Aqui na escola são mais comuns estes casos. Eu acho que é mais fácil, porque vai
ter o internato, os alojamentos. As pessoas vão estar aqui dentro 24 horas. E se
fosse um colégio fora teria só o tempo integral de aula e depois ir embora.
114
Ninguém ia ficar dentro do colégio... alunos dormindo e tal... convivendo. Acho
que aqui o risco de acontecer isso, aqui dentro do colégio é bem maior, bem maior!
(Aluno 02).
Quem mais sofre bullying são os alunos que ficam internos, eles são os que mais
sofrem com as intimidações, com as cobranças, pois os semi-internos vão para
casa e a gente fica aqui o tempo todo. Sempre estamos mais expostos. (Aluno 04).
Os internos... a gente sofre bem mais aqui dentro, com certeza! Os semi-internos
passam nove, dez horas aqui... e nós ficamos direto. (Aluno 08).
Com o semi-interno não acontece quase, porque a gente vem cá vai direto prá sala,
fica livre das 11:30h as 13:30h, e as 17h30 já pega o ônibus e vai embora, então
não tem esse tempo maior para eles cobrar, é mais com os internos, que ficam mais
tempo e mais em contato no colégio. (Aluno 10).
Catini (2004) afirma que não podemos esquecer que os comportamentos
relacionados ao bullying, refletem ambientes específicos, envolvidos por um contexto social
e histórico. O ambiente e a dita “cultura escolar” de um colégio interno com raízes agrícolas,
pode influenciar muito na prática de bullying, pois reforça-se ano a ano comportamentos
ditos “culturais” dos alunos mais antigos sobre os mais novos, no sentido de manter uma
hierarquia de poder, típicas destes ambientes, o que nos leva muitas vezes a supor que um
adolescente inserido neste contexto pode estar agressivo, e não, necessariamente, ser
agressivo. Esta seria uma visão que compreende o fenômeno bullying como um processo
decorrente da interação entre a pessoa e o seu ambiente físico, social e cultural. Valoriza-se
muito o ambiente físico, onde estão inseridos os adolescentes e deixa-se um pouco de lado
os fatores sociais e culturais por eles interiorizados. (GOMES; SANZOVO, 2013, p. 47-48).
Nesse sentido, a escola (seu ambiente) e os alojamentos representariam um fator
determinante para a ocorrência de bullying.
Não se pode desconsiderar que estes comportamentos agressivos podem também
ser o reflexo da insatisfação dos alunos com o cotidiano e com o ambiente escolar
(alojamentos) – talvez as instalações não sejam tão adequadas às necessidades, o ambiente
não propício ao estudo, falta de limpeza e higiene adequadas, etc. Além da falta de um
projeto de vida, da falta de significado, da falta de alegria em viver e conviver, pois seres
humanos satisfeitos tem menor probabilidade de agredir fisicamente e moralmente os outros.
Cabe destacar, que se o objetivo da instituição em oferecer moradia aos alunos é
para facilitar o acesso destes aos estudos, torna-se, então, tarefa obrigatória da escola
oferecer um espaço mais agradável, com infraestrutura e recursos humanos suficientes para
atender as necessidades destes alunos em formação, principalmente porque o alojamento foi
115
apontado como o local onde os alunos mais se sentem desprotegidos e consequentemente
mais vitimados pelo bullying na instituição. Os alojamentos constituem-se num amplo
ambiente de aprendizagens para esses alunos e o bem-estar deles, tanto físico como
psicológico, incide diretamente nos resultados acadêmicos e de convivência.
Recreio/intervalo – O pátio da escola durante o recreio/intervalo foi outro
ambiente escolar apontado pelos participantes (48% destes) como muito favorável a
ocorrência de bullying, pois também possui pouca ou nenhuma supervisão. É no
intervalo/recreio que os alunos se encontram e convivem juntos, sem a intervenção de
professores e funcionários da escola. O bullying ocorre mais facilmente nestas ocasiões,
porque os recreios/intervalos são normalmente vistos pelos agressores como locais para
medir forças e estabelecer relações de poder e onde é mais difícil para a escola detectar e
intervir.
A maioria dos alunos gosta do recreio/intervalo, pois este é um período destinado
ao descanso e a descontração, mas para alguns alunos ele pode se transformar num
verdadeiro “inferno”, uma vez que é nestes momentos que mais estão expostos aos bullies.
Em decorrência disso, muitas vezes acabam se isolando e preferem nem sair da sala de aula.
Comportamento este que, na maioria das vezes, passa despercebido dos professores.
Insultar, ignorar, humilhar, empurrar, tirar dinheiro ou o lanche, ameaçar, falar mal,
etc., são comportamentos que se intensificam no recreio/intervalo, que é considerado e
deveria ser um momento de lazer, de encontros, de brincadeiras, mas que pode assumir outra
característica e se constituir em um momento de grande estresse para alguns alunos.
Conforme apontam Abramovay e Rua (2004, p. 236) dentre os fatores que
desencadeiam violências como ameaças e brigas entre os alunos nos pátios escolares,
durante o intervalo, destacam-se o “encarar” e o “esbarrar”. O olhar direto e inconsciente
(encarar) é assumido como desrespeitoso e desafiador e leva a confrontos. Também o
esbarrar no outro, mesmo sem querer, pode ser interpretado como atitude de provocação,
possibilitando inclusive brigas.
Na Instituição pesquisada a ação dos agressores no horário do recreio/intervalo
acaba sendo acentuada, devido a grande extensão física da escola, da distância entre os
prédios onde estão localizados as salas de aula, dos prédios onde se encontram a biblioteca,
a cantina, os laboratórios de informática, os alojamentos, e é neste caminho, neste
deslocamento, que muitos se aproveitam para praticar bullying contra outros colegas. A
116
dificuldade de defesa do alvo se intensifica quando não existe um adulto, um supervisor
observando, o que deixa o caminho livre aos agressores e o que gera grande tensão às
vítimas.
Fila do refeitório – Assim como o pátio da escola nos momentos de
recreio/intervalo, a fila de espera para o refeitório também foi apontada pelos participantes
(48% destes) como um local de constante desrespeito, maus tratos e humilhações entre os
alunos.
Segundo relatos dos participantes não existe respeito pelos colegas que já estão
aguardando na fila, e muitos acabam sendo intimidados, humilhados e ameaçados
diariamente, tendo que deixar outros passarem em sua frente, demorando muito tempo para
conseguir almoçar e/ou jantar.
Esse tipo de situação acontece diariamente na instituição, sendo a fila do refeitório
outro local de pouca supervisão por parte dos responsáveis pela escola.
Os alunos expressaram a respeito dos abusos que ocorrem na fila do refeitório:
Ah! Acontece muito isso, dos outros passarem na tua frente, principalmente no 1º
ano. Bastante porque o 3º ano vem e passa outros na frente. No caso, são os
afilhados deles, prá eles entrarem antes. (Aluno 01).
Acontece muito! Acontece por causa dos formandos e dos 1ºs anos. Isso vem
desde uma época em que o padrinho e a madrinha podem passar seus afilhados na
frente na fila do refeitório. Isso acontece até agora... tipo... vem um padrinho ou
madrinha e diz conta cinco e entra na fila. Todos os que estão para trás são
prejudicados, pois não é um caso que acontece, mas vários. Além disso, o primeiro
ano sofre na fila, pois são obrigados a ficar retos na parede, se sair são intimidados
ou se não deixarem passar na frente também são humilhados e ameaçados. (Aluno
02).
Ocorre bastante! Você está na fila por mais que tenha bastante tempo quando está
esperando, não importa quem seja, nem tipo quanto tempo você está lá, eles pegam
gente e passam na tua frente, não importa se você está morrendo, se está com
fome, se você está em baixo de chuva, de sol quente, eles pegam e colocam... a
maioria tipo tem afilhado... eles pegam o afilhado deles e passam prá frente. [...]
além disso, se reclamar as pessoas são tiradas lá da frente prá ser colocada lá no
fim da fila. (Aluno 05).
Hoje entraram mais de sete pessoas na minha frente de uma vez. E, digamos, não é
uma questão que eles mandem você deixar ou não deixar passar, eles agem como
se você não tivesse ali, ou não tivesse opção. Tipo assim.. digamos que você tá na
fila esperando a 10 min e tem duas gurias bem mais atrás de você. Passa um
formando, que por motivos óbvios, querem ganhar fama, fazer média e eles
simplesmente chegam e passam elas na tua frente. Chegam e dizem: “Entrem na
frente daquele piá ali”. Elas vão e entram... e você não pode falar nada. (Aluno
08).
117
Principalmente nas primeiras semanas de aula, porém ainda continua bastante, os
do 3º ano estavam ameaçando nós na questão da fila do refeitório e também lá
dentro. Na fila, o que nós tínhamos que fazer: eles diziam que nós não podia se
encostar na parede, tinha que ficar assim... em pé, reto, perto da parede... nós não
podia se virar, não podia falar com quem estava atrás ou na frente, nada! Nós
tínhamos que ficar na fila assim... que nem um soldado, assim... Ainda chegava
um piá do 3º e dizia: “Oh, afilhado, conta cinco pessoas e passa na frente da fila.”
Poh! o cara tá ali faz bastante tempo... chega um ai que apenas chegou e vai lá na
frente, não dá! E ainda tem dentro do refeitório, se você for almoçar vai ver... a
separação das mesas, tem mesas só do 3º ano, só do 2º ano e as do 1º ano. [...] Nós
somos do 1º não podemos sentar nas outras mesas para não se complicar, para não
arrumar encrenca, ai o que acontece... [...] Nós temos que esperar vagar as nossas
mesas muitas vezes com o prato cheio na mão, sendo que tem mesas vazias deles.
Principalmente nós que somos internos se chegar sentar na mesa deles, de noite os
do 3º vem chamar nós para xingar, humilhar, etc. (Aluno 09).
Acontece muito comigo! Às vezes, o formando que é padrinho do bixo que entrou,
eles chegam e dizem: “Conta cinco prá trás de quem vai entrar na porta e pode
entrar na fila.” A gente que está na fila tem que deixar, né, porque não tem o que
fazer,,, é deixar e deu. Só que a gente acha injusto, porque as vezes a gente fica
meia hora parado esperando abrir e até começar a ir a fila e daí outras pessoas
chegam lá e vão entrando por primeiro, passando na frente. É muita falta de
respeito. Mas se não deixar é pior, ninguém quer briga. (Aluno 10).
Os alunos foram praticamente unânimes quanto ao desrespeito que ocorre na fila do
refeitório e também dentro dele. Estes foram alguns dos comentários feitos durante as
entrevistas, onde é possível perceber que este local da escola é utilizado pelos alunos mais
antigos para impor seu poder, cometer humilhações e maus tratos contra os mais fracos, no
caso, os alunos novatos. Até mesmo no momento das refeições, o qual deveria ser um tempo
de descanso, pausa, tranquilidade, reposição de energias, os alvos acabam passando por
momentos difíceis e de angustia, e isto faz, inclusive, com que muitos acabem desistindo de
almoçar ou jantar (saem da fila) ou mesmo nem frequentem mais o refeitório, ficando sem
comer. Fato este expressado por alguns alunos:
[...] A tua vida vira um inferno! É a convivência, as horas de sono perdidas, o
estresse, a má alimentação... Isso porque tem pessoas que não vão no refeitório por
causa disso. Ficam sem se alimentar mesmo! (Aluno 08).
Eu sou um cara que estou parando... Deixando de ir almoçar por causa disso. Hoje
eu não fui almoçar por causa dessa questão que ocorre na fila. [...] Você está na
fila, passa um grande tempo na fila, é um estresse, quando você está quase
chegando, chegava um louco, lá e te pulava na frente. Ai o que acontece: você fica
nervoso, se você fala alguma coisa é pior, pois você é ameaçado, então você nem
almoça direito, você se estressa na fila, se atrasa, se estressa para conseguir sentar,
você não come direito, volta mais cansado, a comida não faz bem... (Aluno 09).
Já aconteceu comigo... Ah eu não consegui continuar mais na fila, eu peguei e sai
chorando. E tem um monte de colegas que, às vezes, a gente vê o formando
ameaçando, indo lá “conversar”, parece que tá conversando... Eles exigem as
118
coisas, ai a pessoa não aguenta, daí sai da fila, porque perde a fome, perde a
vontade de comer, perde a vontade de ficar no meio dos outros colegas, dá
vergonha, é humilhante! (Aluno 10).
Esta situação revelada por vários participantes é muito grave, pois aponta que os
alunos alvos de ameaças e humilhações na fila do refeitório e mesmo dentro dele, chegam ao
ponto de não se alimentar para não ter que enfrentar esse tipo de situação. Acredita-se que
esta condição é acentuada para os alunos internos que necessitam fazer suas refeições neste
local, já que residem na escola. Se a maioria destes alunos não está se alimentando na escola
e também não tem condições financeiras para buscar outra fonte de alimentação, como será
que eles estão se mantendo? O que estão comendo? Deixando de fazer refeições mais
completas – necessárias ao desenvolvimento físico e intelectual saudável, principalmente
nesta fase de crescimento e rápidas transformações físicas – poderão acarretar consequências
mais sérias, para a sua saúde e também comprometimento nos estudos.
Compreende-se que estes relatos merecem atenção por parte da instituição, pois é
necessário que os direitos dos alunos sejam assegurados, e eles têm o direito à alimentação.
A escola sempre preocupada em oferecer uma alimentação saudável e equilibrada (conta
inclusive com nutricionista), buscando melhores condições de instalações físicas e de
atendimento no refeitório, talvez não está identificando as dificuldades enfrentadas por seus
alunos. É fato que muitos não estão podendo usufruir dos benefícios oferecidos pelo
refeitório escolar.
Sobre a supervisão no refeitório os alunos argumentam:
Toda vez que tem professor na fila eles... eles... eles não colocam na frente, não se
metem. Se não, sempre tem aqueles engraçadinhos que se metem na frente dos
outros. Não adianta falar... eles não fazem nada! De vez em quando tem um ou
outro professor na fila, isso acaba inibindo um pouco, mas na maioria das vezes
não tem ninguém, então eles pegam e se metem lá, não adianta falar, se revoltar,
acham que tem direito mais que os outros, então... (Aluno 05).
Isso só iria se resolver se quem sabe o CGAE ficasse mais de olho, se ele ficasse
em cima deles (dos que fazem isso) na fila. (Aluno 08).
Novamente, os alunos manifestam que se houvesse mais supervisão neste local, os
alvos de bullying se sentiriam mais seguros e menos temerosos de frequentar diariamente o
refeitório. Não que isto resolverá o problema da violência na fila do refeitório, apenas trará
119
mais segurança aos alvos das ameaças e humilhações, assegurando o direito dos alunos a
frequentar o espaço e poder se alimentar com mais tranquilidade.
Bar/cantina – A cantina da escola foi apontada por 23,5% dos respondentes do
questionário, como um local propício a ocorrência de bullying na escola. É lá que os bullies
agem no sentido de extorquir dinheiro e lanche das vítimas. É fato comprovado, pelas falas
dos alunos durante as entrevistas, que existe a requisição de dinheiro – a conhecida
capelinha – ou a cobrança de coca-cola dentro da escola, principalmente na cantina. Os
bullies se utilizam de várias estratégias para atingir o objetivo, seja tirando dinheiro das
vítimas para comprar, seja fazendo elas pagarem a conta. Utilizam-se para isso de ameaças,
perseguições e pressão psicológica.
Os alunos falaram a respeito da cobrança de capelinha e Coca-Cola na escola:
Tem uns piás que vão todos os dias pedir dinheiro, no alojamento ou no bar,
principalmente para os dos 1º ano. Isso pode ser considerado bullying! Tem alunos
que sofrem muito com isso. Teve um colega da minha sala que desistiu na 2ª ou 3ª
semana, pois iam cobrar 2, 5 reais dele todo dia. Não aguentou e foi embora...
Desistiu. (Aluno 01).
Alguns alunos, principalmente os do 3º ano, chegam falando: “Vamos lá tomar
uma coca, bixo? Bixo queremos tomar uma coca... vamos lá?” Ai a gente
pergunta: Sim e você vai ajudar com quanto?” Eles respondem: “Não é você que
vai pagar!” Esse é o palavreado que tem na escola, né. [...] Alguns alunos chegam
a desistir por causa disso... por causa da pressão colocada em cima deles. (Aluno
02).
Acontece que o 3º ano persegue o 1º fazendo os guris pagar capelinha. Ameaçam e
batem se eles não fazem o que eles querem e perseguem até a pessoa não aguentar
mais e querer desistir. Aconteceu comigo. Eu fiz relatório para o CGAE e o aluno
ameaçou de me bater, ele disse que era para mim me cuidar lá fora, que lá a gente
se acertava. (Aluno 04).
[...] todo mundo que paga coca sofre pelo menos uma pressão, assim para pagar:
“paga coca! paga coca!... Você tem que me pagar coca, você é meu afilhado.”
Todo mundo já pagou coca para os padrinhos que pediram. Já vi muita gente que é
obrigada também a dar dinheiro. (Aluno 05).
Eles acharam outra forma diferente de cobrar, tirar dinheiro... 90% dos alunos do
3º cobram coca. Tens uns que são mais espertos, eles falam que é prá gente ir
todos juntos, “convidam” sabe, só que não pagam nada, vão junto com nós no bar,
tomam e não pagam. Então é a mesma coisa que cobrar capelinha, só vão tomar,
mas quem tem que arcar com a conta é o 1º ano, eles não dão um centavo. (Aluno
06).
A poucos dias aconteceu que cinco alunos foram cobrar capelinha de um amigo
meu, lá no bar. Aí ele não pagou. Daí, no outro dia, eles voltaram em mais e
fizeram ele pagar. E por causa disso, pressionaram ele e fizeram ele pagar todo dia.
O cara... acho que deu prá eles uns cinquenta reais. Ai, um dia ele chegou
120
chorando, me contou a história dizendo que ia desistir da escola por isso. (Aluno
08).
[...] um aluno me disse: “Ou tu me arruma sete pila hoje ou tu vai apanhar”. Ele
queria dinheiro prá comprar coca-cola. Eles fazem muitas ameaças... (Aluno 09).
Eu sei que alguns alunos cobram bastante, estão sempre em cima pedindo
dinheiro, ou então cobram coca. Eles dizem: “Vamos lá tomar uma coca?”. O
certo seria fazer uma vaquinha e todos pagar um pouco, mas eles sempre tomam e
nunca pagam, são sempre os mesmos que tem que pagar. Prá mim nunca
aconteceu, mas eu presenciei uma cena, do meu colega sendo ameaçado para pagar
coca. O piá falou prá este meu colega: “Ou tu paga agora ou a gente vai se
entender aqui!” Ele foi lá e pagou. Ele nem toma coca e teve que ir lá e pagar,
porque dá medo... é ameaçador. (Aluno 10).
Os relatos dos alunos trazem exemplos de como o bullying ocorre na cantina e em
outros locais da escola, ou seja, apontam como os bullies (normalmente alunos mais antigos
na escola) agem para extorquir dinheiro dos seus alvos. A cobrança de dinheiro (capelinha
ou Coca-Cola) acontece com bastante frequência na escola e assusta muitas vítimas, que de
tantas pressões e ameaças acabam chegando no limite da tolerância e optam por desistir da
escola, entendendo que esta seja a única opção para se livrar das intimidações. Estes dados
são muito significativos e preocupantes. Esse tipo de situação pode estar contribuindo para
aumentar os índices de desistência de alunos, conforme apontado pelas falas dos alunos 01 e
08.
Percebe-se que os bullies são hábeis e isso dificulta a visualização por parte da
escola deste tipo de situação. Além do mais, estes ameaçam as vítimas que tomadas pelo
medo não encontram coragem para denunciar a violência. Conforme aponta o aluno 10:
“[...] dá medo... é ameaçador.”
Internet – Apontada por 23% dos participantes a internet ou ambiente digital se
destacou como um local utilizado para a prática de bullying na escola pesquisada. Conforme
Lopes Neto (2011, p. 24) o bullying virtual (ou ciberbullying) é uma modalidade de bullying
indireto e utiliza as novas tecnologias de informação e da comunicação para a execução de
comportamentos deliberados, repetitivos e hostis. Apesar das recentes preocupações com o
crescimento da vertente virtual do fenômeno bullying, de acordo com as análises, o
ciberbullying ainda ocorre em menores proporções se comparado às agressões verbais e
físicas na instituição, porém merece atenção já que o grande desafio diante do ciberbullying
é a identificação das facilidades, causas e circunstâncias para que ocorram, além das
121
possíveis implicações aos participantes e das soluções eficientes para preveni-lo e
interrompê-lo.
Gomes e Sanzovo (2013, p. 126) destacam que o incremento da tecnologia trouxe
muitas coisas positivas, porém em se tratando de bullying ela potencializou e aperfeiçoou o
tradicional fenômeno. O aumento dos ataques, da humilhação e da violência através de
celulares e internet foi notório. “O que antes ocorria fundamentalmente nas escolas ou nas
suas imediações agora se tornou ubíquo (todos os lugares) e ininterrupto (todo dia, toda
hora).”
As tradicionais relações interpessoais cederam lugar para usuários que interagem
entre si por um ilimitado rol de ferramentas, seja através de redes sociais, sites, blogs de
relacionamento, mensagens simultâneas, e-mail, etc. Na internet não há fronteiras nem
restrições. Ela pode ser usada para o bem ou para o mal. Ao mesmo tempo em que se
apresenta como um maravilhoso provedor de informações e instruções, pode apresentar
riscos, como a vulnerabilidade e exposição do usuário frente à dimensão da rede virtual,
principalmente quando se tratam de usuários adolescentes.
Conforme Lopes Neto:
A internet é parte integrante da adolescência, a adaptação à rede digital não é um
ato de imposição, porque os adolescentes cresceram com a internet representando
algo muito próximo do cotidiano, como um ingrediente a mais em suas vidas.
Nesta nova geração, que detém um alto domínio da moderna tecnologia, se
encontram os autores de bullying, que se utilizam desses recursos como mais uma
via para a prática de atos violentos. (LOPES NETO, 2001, p. 31)
De acordo com pesquisas, os atos de ciberbullying são mais frequentes fora do
ambiente escolar, mas a maioria dos autores estudam na mesma escola de seus alvos.
Portanto, o bullying pode começar no meio digital e, posteriormente, estender-se para o
meio escolar, ou vice-versa.56
Isto pode ser facilmente identificado na fala dos participantes da pesquisa:
Teve uma menina que sempre ficava me chamando de viadinho, gayzinho,... aqui
na escola. Daí ontem no facebook, ela ficou falando um monte de coisas da gente,
bem ofensivas, chamando de viadinho, gayzinho, postando e comentando fotos,
coisas sobre a gente, muitas ofensas pela internet, prá todo mundo. (Aluno 01).
Prá mim foi um pouco difícil porque antes de mesmo de eu entrar na escola, já
teve algumas meninas que conversavam comigo pelo facebook. Uma delas me
56
LOPES NETO (2008, p. 33).
122
pediu se eu tinha madrinha e apelido... e eu respondi... Ai ela me disse que ia ser
minha madrinha e que estava me dando “tal” apelido. Só que eu não gostei! Ai eu
respondi prá ela: “Olha, eu já tenho madrinha e eu não gostei, eu não quero que me
dê apelidos.” [...] E ai, a menina implicou comigo. [...] nos primeiros dias de aula
eu estava na fila do refeitório, ela me fez encostar na parede, e então a gente
discutiu porque eu não quis encostar. [...] Ai, a menina disse que eu ia sofrer as
consequências. (Aluno 10).
Quanto às redes de relacionamento social (MSN, Facebook) as agressões são
espalhadas maciçamente e acabam identificando aquele que está sendo alvo das humilhações
e ameaças e essas conversações virtuais acabam sendo temas de comentários dentro do
ambiente escolar. Por isso, muitas dessas mensagens têm efeitos mais danosos do que se
fossem ditas pessoalmente.
Quando te agridem pela Internet, tudo fica mais difícil, porque não se sabe quem
fez, todo mundo fica sabendo e até quem você nem conhece faz comentários. É
muito, muito chato e humilhante. (Aluno 04).
Os ataques deliberados aos colegas, provenientes do exercício descometido da
liberdade na internet, conferem o poder de dispor da vida privada e informações pessoais
destes na rede. Os links em sites de relacionamentos, com perfis falsos, montagens e
ridicularizações diretas sobre determinadas pessoas, escondidas sob o anonimato, permitem
a exposição da imagem, da honra, e demais direitos de pessoas. Percebe-se na fala do Aluno
04, que quando se descobre que se é vítima deste tipo de ataque é muito humilhante,
principalmente pelo alcance e pela dificuldade de descobrir quem o está causando.
Conforme Tognetta (2013)57
“[...] para a vítima, o prejuízo no cyberbullying também é
maior: com muito mais pessoas contemplando o que sofre e por muito mais tempo, seu
sofrimento e dano são prolongados e agravados.
Compreender-se diante de todo o exposto que o alcance da internet é muito grande
e as consequências para os envolvidos em casos de ciberbullying também. É importante que
a escola assuma que o problema do cyberbullying também é de sua competência e que os
educadores estejam atentos e em conjunto encontrem formas de prevenir este mal que está se
disseminando cada vez mais entre os estudantes, principalmente entre os adolescentes. É
necessário um trabalho sobre o uso ético e seguro da internet, sempre ressaltando que a
internet possui uma série de potenciais interessantes e úteis, porém apresenta muitos riscos.
57
Tognetta, Luciene R. P. Em prefácio da obra de José Avilés (201305), p. 11.
123
Sala de aula, quando o professor não está presente - O bullying está presente na
maioria das salas de aula e casos de agressões físicas e verbais, como já mencionado,
ocorrem nas salas de aula, inclusive na presença dos professores. Isso porque o fenômeno
bullying possui como uma das suas características a agressão psicológica, e esta se manifesta
de forma velada, silenciosa, através de um olhar, um sorriso irônico, gestos, bilhetinhos,
entre outros.
No caso da instituição pesquisada, 20% dos participantes apontaram nos
questionários, que o bullying ocorre dentro da sala de aula, principalmente na ausência do
professor, ou seja, nos momentos de troca de aulas ou quando o professor se ausenta da sala
por algum motivo. Conforme os alunos, a presença do professor inibe um pouco os ataques,
que são mais frequentes quando eles estão na sala de aula sem supervisão.
Na entrevista as falas dos alunos apontam que os atos acontecem com mais
frequência quando o professor não está na sala, porém durante as aulas ele também ocorre:
Na sala de aula, quando o professor está, eles quase não fazem isso, mas quando
ele sai ou tá ocupado, eu percebo, a exclusão, que eles não querem ficar perto de
mim ou então tiram com a cara, ou excluem, ou fazem piadinhas, ficam enchendo
o saco, rindo, atirando papel. (Aluno 01).
Quando o professor está na sala, eles não fazem para o professor escutar, mas às
vezes, eles fazem alguma coisa quando o professor está distraído ou está
explicando a matéria ou quando ele dá um tempo para a gente fazer o exercício ou
alguma coisa assim. Eles fazem alguma coisa para “tirar com a cara”, sempre,
sempre... não tem uma aula que eles não achem alguma coisa prá fazer com a
gente. Mas fora do horário, no intervalo das aulas, ali é pior, eles vão “tirar saro”
das outras pessoas. E fora da sala, nos corredores quando a gente passa na frente
eles também maltratam bastante, é bem chato! Quando vai no bar, encontra eles
prá lá e prá cá no caminho, é costumeiro ver eles falando ou fazendo alguma coisa
que ofenda, que acabe ofendendo a pessoa. (Aluno 02).
Quando acontecem casos de bullying ou maus tratos na sala de aula, o professor
muitas vezes acaba não percebendo ou se percebe simplesmente não interfere, ou ainda, sua
atitude perante a sala não basta para que os alunos entendam que deve prevalecer o respeito
em um ambiente escolar.
Muitas atitudes tomadas pelo professor podem influenciar negativamente na prática
de bullying. O professor que critica constantemente o seu aluno, o compara com outros, o
ignora, está expondo esse aluno a ser mais um alvo do bullying e de certa forma também
está agindo com desrespeito ao espaço pedagógico.
124
[...] Na sala os professores deixam acontecer as coisas, eles acabam só se
preocupando com a matéria, passar os conteúdos. Tudo que fica acontecendo ao
redor parece que não importa, eles não se importam com as coisas que os alunos
fazem uns para os outros. Na minha sala é muito complicado. Mas o pior ainda, o
pior... são professores que reforçam e parecem que concordam com as atitudes de
bullying que acontecem, porque também chamam os alunos de apelidos, fazem
zoação, dão risada quando alguns são humilhados... (Aluno 03).
O aluno 03 traz à tona uma situação que retrata a forma como alguns professores
lidam com as ocorrências de bullying durante as aulas: não percebem ou ignoram, reforçam,
participam e expõem os alunos, entre outros. O professor deve cultivar na sala de aula a
ética, a importância do respeito mútuo, do diálogo, da justiça e da solidariedade. Ele não
deve admitir de forma alguma que situações de maus tratos entre alunos ocorram dentro da
sala de aula, e não se trata de punir os alunos e sim de trabalhar essas questões com eles, de
forma a debater, esclarecer, conscientizar, levar a reflexão. Isso inclusive está previsto nos
Parâmetros Curriculares Nacionais: na Apresentação dos Temas Transversais e Ética, o
professor deverá trabalhar em seu cotidiano pedagógico os conteúdos de ética, onde se
prioriza o convívio escolar.58
Trabalhar temas como respeito mútuo, respeito às diferenças, o
diálogo, a solidariedade, a justiça, é abordar valores necessários em qualquer relação.
Fazendo isso, estarão contribuindo para a formação ética dos alunos e para a prevenção do
bullying na sala de aula.
Se o professor trabalhar com os alunos a importância do respeito ele pode ser o
mediador de um ambiente de amizade e companheirismo, interferir de maneira coesa nas
chamadas brincadeiras de mau gosto, casos de bullying poderão não acontecer no interior ou
ao menos diminuir na sala de aula.
Mas, para que isto ocorra é necessário chamar a atenção dos profissionais da
educação para o bullying, que tem sido mascarado como brincadeira própria da idade
escolar, mas que tem como finalidade a intimidação, humilhação e exclusão. E está é uma
função da Instituição, proporcionar estudos e debates sobre o tema com todos os
profissionais e em especial, os professores, pois eles estarão em contato próximo e diário
com os alunos, tendo grandes oportunidades de não só intervir, como prevenir o fenômeno.
Para finalizar a exposição a respeito dos locais onde ocorrem situações de bullying
na escola, não podemos deixar de considerar e analisar outros dados significativos: se
58
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. PARÂMETROS
CURRICULARES NACIONAIS. Brasília: MEC/SEF, 1998. v.8.
125
somarmos os valores obtidos com as alternativas: “Na rua, durante deslocamento de ida e
volta para a escola”, “Na entrada da escola (portão)”, “Na saída da escola” e no “No
transporte escolar”, obteremos um total de 28,2%, o que nos aponta para uma dinâmica de
violência/bullying que pode surgir muitas vezes dentro da escola, mas que vai se concretizar
fora dela, pela facilidade de ação dos bullies. Estes casos podem envolver alunos não-
internos, na ida ou volta da escola, mas também pode atingir alunos internos, nos momentos
em que eles precisam sair da escola.
Os alunos manifestaram na entrevista:
O que acontece... eles vem lá ou acabam batendo aqui dentro do colégio [...] ou
eles te chamam e dizem assim: “Vou te pegar depois, quando você estiver fora do
colégio”. [...] Qualquer cantinho que tu ir descuidado ou que tu estiver sozinho e
que não tiver câmeras, se eles te pegam... e depois que apanhou... (Aluno 09).
Lá fora do colégio dois formandos internos perseguiram e bateram em dois
calouros semi-internos, lá eles acertam as contas. (Aluno 08).
Fica evidenciada a facilidade encontrada pelos autores de bullying de atingir seus
alvos fora da escola, até porque lá não existe o controle e a supervisão desta. Pelo que é
possível identificar, é muito comum que situações ocorridas dentro da escola acabem sendo
“resolvidas” lá fora. Isso aumenta a angustia e o sofrimento dos alvos, que manifestam o
sentimento de falta de segurança e medo quando necessitam sair da escola ou mesmo
durante a ida e volta da escola. Se dentro da escola, muitas vezes se sentem inseguros, como
será na rua? Com certeza, fora da escola a exposição fica muito maior, principalmente se o
alvo se cala diante das ações agressivas e não busca apoio de familiares ou da escola.
4.1.4 – Os sujeitos envolvidos
Por mais que os sujeitos ocupem papéis diferentes nas ocorrências de bullying, seja
como alvos, autores ou espectadores, eles fazem parte de um círculo de relações sociais que
contribuem para multiplicar e propagar a violência. Conforme Eyng (2011, p. 106, grifo do
autor) “Todos esses atores, embora tenham papéis diferentes, são responsáveis, não tanto em
relação à ocorrência, mas sim em relação à repetição dos episódios, que passam a
caracterizar o comportamento de bullying.”
126
Pode-se dizer também, que os papéis ocupados pelos sujeitos não são estanques,
uma vez que tanto os alvos quanto os autores também podem desempenhar o papel de
espectadores, assim como as vítimas também podem passar a ser autoras, dependendo da
situação em que se encontram.
Dos 209 alunos participantes da pesquisa, 41,15% (86) admitiram já ter maltratado
colegas de escola, enquanto 63,63% (133) admitiram já terem sido vítimas de maus tratos
por parte dos colegas. Assim como 80% dos alunos informaram já ter assistido, no mínimo
uma vez, cenas de bullying na escola, ou seja, já foram espectadores.
Percebe-se, através destes dados, que os alunos reconheceram seu envolvimento em
cenas de violência que ocorrem escola. Admitem ter tido envolvimento direto na prática do
bullying no IFC – Campus Concórdia, seja como alvos e/ou como autores de bullying, assim
como o envolvimento indireto, como espectadores. Destaca-se que este índice é alto e
preocupante, principalmente se comparado ao encontrado por outras pesquisas nacionais,
por exemplo, o obtido pela pesquisa da ONG Plan, onde 29,1% dos alunos se consideraram
praticantes de maus tratos, 27,8% confirmaram terem sido vítimas de maus tratos no
ambiente escolar e 70% dos alunos informaram já ter assistido a colegas sendo agredidos no
ambiente escolar ao menos uma vez. (PLAN, 2010).
Autores – De maneira resumida podemos definir o autor como aquele que age de
forma agressiva contra um colega que é supostamente mais fraco, com a intenção de
machucar, prejudicar, sem ter havido provocação por parte da vítima. O autor, comumente,
vê sua agressividade como qualidade, tem opiniões positivas sobre si mesmo e é bem aceito
por grande parte dos colegas. Sente prazer e satisfação em dominar, controlar e causar danos
nos outros.
Conforme Tognetta (2005, p. 06) os autores de bullying “buscam uma vítima que
lhes pareça vulnerável aos seus ataques, exatamente porque se referem a seu ‘ponto fraco’,
suas dificuldades. Os agressores sempre impõem sua autoridade, seja através do medo, pelas
ameaças morais ou da força física.”
O autor utiliza a insegurança de seus colegas para torná-los alvos de seu desejo de
se auto afirmar. Ele fala de características que a pessoa realmente tem, e que ninguém
negaria, conforme aponta Tognetta (2011), mas dá a essas características um sentido
pejorativo e maldoso. O autor detecta a vulnerabilidade e a diferença no outro, aliando a isso
sua força física e/ou habilidade cômica de fazer “piadinhas”.
127
Para o autor, os atos de bullying são divertidos porque humilham a pessoa vitimada.
Quando esta aceita as agressões de forma pacífica torna-se alvo de chacota também para
outros alunos. O autor de bullying se sente bem, diante da sua turma ele é “o poderoso”, ele
se satisfaz ao ver o riso dos colegas ou muitas vezes se sente vingado pelas agressões ou
humilhações que sofre ou já sofreu em outros ambientes, entre eles, na própria escola.
Buscando-se os indicadores sobre os autores de bullying na escola pesquisada,
perguntamos aos alunos: “Você já maltratou (xingou, bateu, humilhou, ameaçou, etc)
repetidas vezes algum colega de escola?”
A tabela 3 indica as respostas obtidas à questão:
Tabela 3 – Autores de bullying
RESPOSTAS %
Sim, desde o ano passado maltrato alguns colegas 8 3.82%
Sim, comecei a maltratar colegas este ano 7 3,35%
Sim, já maltratei alguns colegas, porém não faço mais 36 17,22%
Sim, maltrato, pois já fui maltratado 35 16,75%
Não, nunca maltratei nenhum colega de escola 123 58.85%
Fonte: Pesquisa de Campo (2013)
Percebe-se através das respostas que 41,15% dos participantes admitiram serem
autores de maus-tratos contra os colegas. Destes, cabe destacar, que 17,22% afirmaram que
já maltrataram colegas, porém não fazem mais isto. Enquanto que 16,75% disseram que
maltratam outros colegas, pois já foram maltratados, ou seja, podem ser considerados
vítimas-agressoras, que cometem uma espécie de vingança, aumentando os índices de
violência na instituição pesquisada. Evidencia-se aqui, o fato de que as vítimas de bullying
tendem a replicar às agressões sofridas em outros colegas, transformando-se também em
autoras de bullying.
Visando identificar em que série/turma estão os alunos que costumam praticar
bullying, perguntamos aos alunos: “Em que (série/turma) estão os alunos que costumam
maltratar/praticar bullying com os colegas da escola?” Os alunos poderiam optar por mais
de uma resposta. Os resultados foram os seguintes: 72,25% dos participantes apontaram que
128
os autores de bullying são de uma série/turma diferente da série/turma dos alvos; enquanto
27,75% afirmaram que os autores dos maus tratos são colegas que estudam na mesma turma.
A tabela 4 indica em que séries/turmas estão localizados os autores:
Tabela 4 – Série/turma dos autores
SÉRIE/TURMA RESPOSTAS %
1ª série 29 13,88%
2ª série 53 25,36%
3ª série 139 65,51%
Fonte: Pesquisa de Campo (2013)
Percebe-se através da análise da tabela, que a grande maioria dos autores são alunos
da 3ª série, ou seja, os formandos, que foram apontados por 65,51% dos pesquisados. Eles
representam a maioria dos autores de bullying, porém alunos das outras turmas também
praticam agressões contra os pares (colegas da mesma turma e/ou de outras turmas).
Destaca-se, no caso da instituição pesquisada, o fato de que os autores de bullying dirigem
suas ações contra alguém notoriamente mais vulnerável (neste caso, contra os alunos
novatos), caracterizando um desequilíbrio de força, de poder, de dominação. Isto não tem
apenas uma relação lógica baseada na idade dos bullies, ou seja, isso não ocorre
essencialmente por eles (formandos) serem mais velhos e os alvos (novatos) mais jovens, e
sim, pela relação desigual de poder que se estabelece entre os protagonistas (para os alunos
os “formandos mandam e novatos obedecem”). Conforme Gomes e Sanzovo (2013, p. 73)
“o bullying é derivado da relação desigual de poder entre os envolvidos.”
Em diversos comentários, durante a entrevista, os alunos expõem a questão de
dominação e do desequilíbrio de poder, exercida pelos formandos sobre os novatos, fato
muito claro dentro da instituição e que é responsável por muitos dos casos de bullying ali
existentes:
[...] Sempre vai ter essa divisão 1º, 2º e 3º ano escola. 1º ano tem que obedecer, 3º
ano mandar e 2º ano ficar na deles. (Aluno 01).
Principalmente o 1º ano é pressionado pelo 3º ano. Eles querem mandar, dominar a
escola e por isso colocam tanta pressão em cima dos novos que alguns não
aguentam... e, no caso, chegam até a desistir. (Aluno 02).
129
Muitos dos que sofrem humilhação, cobrança, pressão são do 1º ano. Quem faz
isso é o pessoal da 3ª e alguns da 2º série, mas os formandos são os que mais
botam pressão. [...] Muitos estão no 3º ano e querem mostrar força, poder, eles
sabem fazer isso, sabem fazer aquilo. Então impõem bastante medo nos do 1º ano.
E é por causa desse medo que eles nunca falam nada... denunciam no caso...
(Aluno 04).
[...] Alguns dos alunos dos 3ºs anos querem comandar o colégio, eles querem ter
uma elite dos formandos, que mandam, que tem respeito dos outros, que na
verdade mesmo, impõem medo nos outros, nas pessoas. Então uma forma de
conseguir isto é mostrando autoridade e com eles ninguém se passa. [...] Pela
força, pela humilhação dos outros, eles querem conseguir respeito. (Aluno 06).
O que me irrita na escola é que todo mundo acha que os calouros são seres
inferiores, chamados de “bixos” e os formandos são os chefões, os superiores.
(Aluno 08).
A maioria do 3º ano não se integra com a gente. A maioria nem olha para a tua
cara, porque acham que a gente é “bixo”, o simples fato de você olhar para a cara
deles já os incomoda. Isso é uma falta de respeito, eles querem saber de mandar
em nós. (Aluno 09).
[...] formando sempre vai querer mostrar força. Eles sempre são os melhores, eles
que vão querer mandar no colégio enquanto você for 1º ano e eles fazem isso para
mostrar força[...] Formando manda e “bixo” obedece. (Aluno 10).
Fica explícita, por meio dos relatos, a presença da violência, da pressão, do uso do
poder pelos alunos formandos (3º ano) contra os do 1º ano (novatos), com objetivo de impor
respeito e dominar o meio do qual fazem parte. Conforme Calhau (2011, p. 09, grifo do
autor) “Os bullies são pessoas que gostam de poder e de controle.” O autor ainda destaca
(ibid, p.10) que os novatos, pela própria situação de ser novo no ambiente, ficam
fragilizados e expostos a situações de bullying. Destaca-se, neste caso, o fato do alvo ser
mais vulnerável e derrotável, estabelecendo-se uma completa relação desigual de poder entre
alvo e autor.
Alvos – Fazer uma análise a respeito dos alvos de bullying é essencial para
compreender a violência escolar, já que estes fazem parte do fenômeno, assim como os
autores e espectadores.
Conforme expõem Fante e Pedra (2008, p. 59) os alvos de bullying são
normalmente aqueles alunos que apresentam pouca habilidade de socialização, insegurança,
sensibilidade, fragilidade, timidez, medo, baixa auto-estima, passividade e submissão.
Debarbieux e Blaya (2002, p. 74) complementam, que alguns deles têm uma aparência física
130
diferente dos demais ou apresentam uma fragilidade ou deficiência que se torna alvo de
zombaria por parte dos colegas.
A respeito dos alvos de bullying os alunos expressaram na entrevista:
Normalmente a maioria que passa por isso é mais pequeno. Não por judiar deles,
seria assim, como eles são pequeninhos eles não vão fazer nada, entende. Acho
que se sentem mais inferiores, frágil, humilhados. Não vão reagir... (Aluno 01).
Aquele que se destaca na sala de aula é muitas vezes discriminado e deixado de
lado. Na minha sala tem uma menina que é super inteligente, sabe tudo, estuda
horrores. Todo mundo se aproveita dela quando precisam, porém em outros
momentos ela é excluída, inventam histórias, fofocas, tudo para tentar acabar com
ela. É bullying com os nerds! (Aluno 01).
Na minha sala tem uma colega que é a mais inteligente, uma das mais inteligentes.
Todo mundo cai em cima dela para fazer trabalhos... e se aproveitam dela por ela
sabe bastante, quando querem tema trabalho, etc, mas em outras situações ela é
excluída e tem poucos amigos. (Aluno 02).
Pelo menino ser muito certo, muito inteligente, ele é excluído da turma, porque só
atrapalhava, só pensava em estudar, não era de muitos amigos, não se misturava
muito. (Aluno 05).
Eles acabam perseguindo quem digamos: não tem chance contra eles, quem tem
chance eles têm medo, eles fazem isso com quem não tem capacidade, tipo não
reage, não briga, não denuncia, não faz nada. O tímido, o quieto, o fraco. Tem
pessoas que eles sabem que não vão poder fazer nada. Os agressores só vão
perseguir aqueles que são fracos e não vão conseguir se defender ou os que batem
de frente com eles também. (Aluno 08).
É possível perceber através das falas dos alunos, que os alvos de bullying são
normalmente pessoas com incapacidade de se defender e solicitar ajuda, são tímidas,
introspectivas, física e psicologicamente mais fracas e também aquelas que possuem poucos
amigos e parecem mais solitárias.
A fala do aluno 01, quando aponta as características dos alvos: “[...] Acho que se
sentem mais inferiores, frágil, humilhados. Não vão reagir...” pode ser relacionada ao que
dizem Tognetta e Vinha (2008, p. 07) “Meninos e meninas que se fazem vítimas sentem-se
constantemente ameaçados, não somente por um algoz, mas por uma constatação implacável
no interior de si mesmas: ‘eu sou assim como ele diz’, ‘eu mereço ser chamada de ...’ ‘eu
não tenho como me libertar deles’.” Os alvos normalmente tem dificuldade de indicar o
motivo dos maus tratos e violência que ocorrem com eles. E não conseguindo encontrar
motivos concretos e externos, eles acabam se voltando para as características pessoais e se
culpando.
131
Tognetta (2005, p. 07) traz que pessoas que se personificam como vítimas são:
[...] ansiosas, inseguras de sua autoimagem e de seus gostos e assim, podem ser
muitas vezes, sensíveis e caladas porque não têm como revidar, por medo, ou por
não terem forças suficientes para isso. Não denunciam por vergonha ou medo das
represarias e essa é sua grande dificuldade. Na verdade, muitas vezes ela não
denuncia, não contra-ataca influenciada pela insegurança: “puxa vida, eu sou
assim mesmo, é assim que eles me veem, eu não me vejo de forma diferente” o
que poderíamos também chamar de conformismo: “eu sou assim mesmo, não dá
pra mudar, não tem como ser diferente”.
Outra característica observada nas falas é que os alunos que apresentam um
excelente rendimento acadêmico também são alvos de bullying. De uma forma geral, pode-
se afirmar que o bullie está à procura de algo diferente na vítima, qualquer vulnerabilidade é
motivo para uma possível agressão. Aqui podemos incluir também os alunos novos na
escola, que também são comumente vítimas de bullying. (Teixeira, 2011, p. 35; Calhau,
2011, p. 10).
Visando conhecer a presença de alvos de bullying na instituição pesquisada,
perguntamos aos alunos: “Você já foi maltratado por seus colegas de escola?”
A tabela 5 indica as respostas obtidas à questão:
Tabela 5 – Alvos de bullying
RESPOSTAS %
Sim, desde o ano passado meus colegas me maltratam 27 12,92%
Sim, meus colegas começaram a me maltratar este ano 22 10,53%
Sim, já fui maltratado por colegas, porém não sou mais 82 39,23%
Não, nunca fui maltratado por colegas de escola 78 37,32%
Fonte: Pesquisa de Campo (2013)
Analisando-se os dados da tabela, observa-se que 63,63% dos alunos já foram alvos
de maus tratos por parte dos colegas, sendo que 12,92% afirmam ser vítimas desde o ano
passado; 10,53% dizem ter se tornado alvo no decorrer deste ano e 39,23% asseguram terem
sido alvos de maus tratos, porém não são mais. 37,32% expõem que nunca sofreram maus
tratos por parte dos colegas.
Vale destacar o fato de 39,23% dos alunos mencionarem já terem sido alvos de
bullying e agora não serem mais, o que reforça a ideia de que muitos alunos podem ter sido
132
vítimas quando estavam no 1º ano e depois nos anos seguintes deixaram de ser vítimas,
podendo ter se transformado em autores de bullying.
Buscando saber quais os principais tipos de vitimizações a que os alvos da amostra
são submetidos, perguntamos aos alunos: Você é ou já foi vítima de algum desses
problemas? Foram possibilitadas alternativas de respostas e os participantes podiam
assinalar mais de uma resposta.
Os resultados estão expostos no gráfico7:
Gráfico 7 – Tipos de violência enfrentados
Fonte: Pesquisa de Campo (2013).
Pelas respostas obtidas à questão podemos constatar que a realidade dos alvos é
marcada por múltiplas vitimizações. O xingamento foi apontado por 113 vítimas ou 54%. A
experiência de humilhação (ser motivo de piada, rirem de você) vem logo a seguir,
respondendo por 48,3% dos casos ou 101 vítimas. Receber apelidos pejorativos foi apontado
por 90 vítimas, o que representa 43% dos participantes da pesquisa.
Interessante destacar também a alta ocorrência de violência “psicológica/moral”.
44,5% ou 93 participantes apontaram que foram ou são alvos de fofocas ou mentiras a seu
respeito (difamação). 38,8% já se sentiram ou se sentem intimidados ou ameaçados pelos
pares e 6,2% dos participantes já foram ou são discriminados por conta de sua cor, raça ou
opção sexual.
0 20 40 60 80 100 120
Ser discriminado por conta de sua cor,…
Ser vítima de ciberbullying
Ser intimidado, ameaçado
Ser agredido fisicamente
Ser furtado ou danificarem suas coisas
Ser alvo de fofocas ou mentiras a seu…
Ser motivo de piada
Ser xingado
Receber apelidos pejorativos
13
38
81
39
67
93
101
113
90
133
Percebe-se claramente, na fala dos alunos, que a violência aparece na intolerância
ao outro (diferenças), na exclusão nos trabalhos em grupo, nos apelidos maldosos e no
preconceito à opção sexual do(a) colega, entre outros.
[...] eu acabei sendo excluída do grupo em si, da turma, da turma inteira. Daí,
quando tinha que fazer trabalhos ou alguma coisa em grupo, em cinco, em quatro,
em três, em dupla até, eu era a que sempre ficava por último. “Alguém ficou
sozinho?” – o professor perguntava. Eu levantava a mão: “Sim, eu fiquei sozinha!”
Daí eu sempre acabava fazendo individual, sempre sozinha. [...] Eu nunca cheguei
a perguntar... nunca tive coragem de chegar e perguntar por que ninguém queria
fazer grupo comigo. (Aluno 02).
Por ele ser diferente... por ser de uma classe inferior... por ser diferente de todas as
outras pessoas é deixado de lado, excluído, humilhado... (Aluno 05).
Eu acho terrível os apelidos... [...] Geralmente a maioria são maldosos... são
referente a questão física da pessoa. (Aluno 05).
Ainda chama a atenção, os casos de vitimização física ou material. 32% dos
participantes indicaram que já foram furtados ou tiveram suas coisas danificadas e 18,7%
foram ou são agredidos fisicamente, com empurrões, chutes, socos, pontapés, por seus pares.
Conforme Tognetta e Vinha (2008) os alvos de bullying geralmente são
intimidados com ameaças a questões psicológicas, costumam servir de “chacota” para os
outros e mesmo têm seus pertences destruídos.
Ainda entre os vitimizados da amostra, 18,2% dos participantes apontaram ser ou
ter sido vítima de ataques virtuais, ou seja, foram humilhados, ameaçados, constrangidos,
vítimas de fofoca através da internet (via e-mail, facebook, Skype, MSN).
Cabe destacar, que para que o fenômeno bullying seja apropriadamente
caracterizado é preciso que tenhamos a repetição das condutas violentas59
, por isso
investigamos, além dos tipos de violência sofridas, há quanto tempo os alvos estão se
sentindo incomodados pela maneira como são tratados pelos seus colegas.
Sendo assim perguntamos aos participantes que se pronunciaram como alvos da
violência na escola: “Há quanto tempo você está se sentindo incomodado (a) com a maneira
como é tratado pelos seus colegas?”
Em resposta, 43% dos alvos informaram que sofrem violência por parte dos colegas
desde que entram na escola (no 1º ano) e 11% responderam que passaram a ser alvos desde
59
A frequência da vitimização (quantas vezes as agressões têm ocorrido dentro de um determinado espaço de
tempo).
134
o início do ano. Os demais não se manifestaram sobre o tempo em que estão expostos às
vitimizações ou responderam que não estão incomodados.
Ainda com relação ao tempo e a frequência dos acontecimentos violentos,
investigamos também quantas vezes os alvos se sentiram incomodados na última semana
(questão nº 15). Dos pesquisados, 120 ou 57,4% apontaram que sofreram maus tratos na
última semana. Destes, 19% informaram ter sofrido pelo menos duas vezes na semana;
15,8% sofreram ataques uma vez na semana; 13% sofreram três vezes na semana e 9.6%
sofreram maus tratos todos os dias da semana.
Sabendo-se da dificuldade dos alvos em relatar seu envolvimento no bullying para
alguém responsável pela escola ou mesmo para os familiares, o presente estudo investigou
se os alvos após sofrerem violência buscaram ajuda para poder sanar e superar o que vem
ocorrendo em suas vidas. Questionamos os alunos alvos se eles já haviam contado para
alguém o que estava acontecendo com eles no ambiente escolar (questão nº 16).
As tabelas 6 e 7 indicam os resultados:
Tabela 6 – Contou para alguém?
RESPOSTAS %
Sim 80 38,27%
Não 70 33,49%
Isso nunca aconteceu comigo 59 28,22%
Fonte: Pesquisa de Campo (2013).
Conforme aponta a tabela, 38,27% dos alvos contaram para alguém sobre o que
vem acontecendo com eles na escola, porém 33,49% não revelaram a ninguém sobre as
situações de violência que vem sofrendo na escola.
Tabela 7 – Para quem contou?
RESPOSTAS %
Pais 35 43.75%
Professores 05 6,25%
CGAE/ Direção 16 20,00%
Colegas/Amigos 56 70,00%
Fonte: Pesquisa de Campo (2013).
135
Entre os escolhidos para os alvos contarem e pedirem ajuda a respeito deste
problema, aparecem em primeiro lugar os colegas/amigos de escola com 70%, e em segundo
lugar os pais com 43,75%, em detrimento do quadro funcional da escola. A respeito de
confiar em alguém para contar sobre o bullying, o Aluno 09 comenta: “Eu iria contar
primeiro para os meus amigos. Depois, dependendo da gravidade eu falaria com os meus
pais e em último caso eu comunicaria o colégio, caso viesse a sofrer agressão de alguém.”
Ocorre que, geralmente, os envolvidos tentam camuflar os atos de violência – os
alvos omitindo os fatos e os autores ameaçando o outro para não os revelar, sob pena de
punição. O silêncio dos alvos se torna aliado poderoso dos autores, garantido por medo,
vergonha e intimidações.
[...] são inúmeras as formas de violência velada que enfrentam muitos de nossos
alunos, dentre elas humilhações, gozações, ameaças, imputação de apelidos
constrangedores, chantagens, intimidações. Na maioria das vezes as vítimas
sofrem caladas por vergonha de se exporem ou por medo de represálias dos seus
agressores, tornando-se reféns de emoções traumáticas destrutivas, como medo,
insegurança, raiva, pensamentos de vingança e de suicídio, além de fobias sociais e
outras reações que impedem seu bom desenvolvimento escolar. (FANTE, 2005, p.
16).
Sobre o silêncio dos alvos diante das situações de agressão, humilhação e
desrespeito os alunos comentaram:
Eles não denunciam por medo. A maioria sente medo e não vai falar nunca, de
forma alguma, só com os conhecidos deles, e principalmente com as pessoas que
eles deveriam comentar (que é os pais), eles não contam, aí é que está o problema,
se eles falassem para os pais ou talvez fizessem uma reclamação para a APP da
escola, isso poderia mudar. (Aluno 04).
[...] o cara não vai entregar quem está ameaçando ele de medo, porque depois as
consequências podem ser piores, eles ameaçam bater, de acertar as contas fora do
colégio. Ai o que acontece: o cara não entrega de medo. Então entregar o cara,
contar para alguém não é.. talvez não sei se vai resolver. (Aluno 09).
Percebe-se que na escola, mesmo tendo um grande número de alvos que consegue
delatar seu agressor, entre muitos ainda impera o silêncio. Conforme Stival et al (2011, p.
191) “O medo de retaliação e as ameaças são considerados como argumentos para manter
oculta a situação.” Faz parte do bullying impor à vítima o silêncio, isto é, ela não pode
denunciar à direção da escola, nem aos pais, sob pena de piorar sua condição de
136
discriminada. Normalmente pais e professores só ficam sabendo do problema através dos
efeitos e danos causados, como a resistência em ir à escola, queda de rendimento escolar,
retraimento, depressão, distúrbios psicossomáticos, fobias, etc.
São circunstâncias como estas, aliás, que sugerem ser o fenômeno, em larga
medida, invisível nas escolas; o que, por sua vez, autoriza a hipótese de uma
determinada aceitação do bullying, tanto pelos professores e dirigentes das
instituições escolares, quanto pelos pais dos alunos. Uma omissão que funcionará
sempre como estímulo. (ROLIM, 2010, p. 51).
Cabe enfatizar ainda, a condição de descrença dos alvos com relação às situações
de vitimização, o que ocasiona uma “sensação” de falta de perspectiva sobre a possibilidade
de que estas venham a cessar (conforme exposto pelo aluno 09). Por vez, isso poderá
contribuir com outro problema, cria-se a ilusão de que se deve conviver com essas situações
(se acostumar).
Rolim ainda acrescenta que o silêncio costuma ser regra também entre os
espectadores. (ibid, p. 52) Estes podem se isentar de responsabilidade diante dos fatos
presenciados ou temer que os agressores, após serem informados sobre quem comunicou o
fato, passem a maltratá-los e assediá-los também.
Espectadores – A maioria dos alunos podem ser considerados espectadores numa
situação de bullying. (SILVA, 2010; FANTE, 2005; GOMES e SANZOVO, 2013;
TOGNETTA, 2010). São aqueles que testemunham, assistem as ações dos agressores contra
os alvos e que podem ter variadas reações diante dos fatos: ficar passivo (não tomar
nenhuma atitude); ficar com medo de ser a próxima vítima; juntar-se ao agressor e reforçar o
bullying (manifestar apoio “moral”, com risadas e palavras de incentivo), sair em defesa dos
colegas alvos (defender); não demonstrar nenhuma sensibilidade diante das situações
presenciadas.
Embora não pratiquem nem sofram as humilhações e agressões, os espectadores
também acabam sendo alvos das consequências do bullying. Conforme Teixeira (2011, p.
38) os espectadores normalmente apresentam ansiedade, preocupações e angústias e podem
sentir vergonha de fazer perguntas e esclarecer dúvidas com os professores por medo de se
tornarem alvos de chacotas.
Conforme citado, a pesquisa revelou que 80% dos alunos participantes já
assistiram, no mínimo uma vez, cenas desse tipo de violência na escola, ou seja, já foram
137
espectadores e que 74% conhecem colegas que sofrem bullying na escola – isto representa
que a maioria dos alunos convive como espectadores na escola. Estes números são maiores
do que os encontrados na pesquisa da ONG Plan, onde aproximadamente 70% dos alunos
informaram já ter assistido a colegas sendo agredidos no ambiente escolar ao menos uma
vez. (Plan, 2010).
A respeito dos espectadores os alunos trazem:
A maioria vai na onda dos outros, segue o que eles querem para não ser a próxima
vítima, fazem o que a maioria vai fazer de medo. “Se fazem isso prá ele, o que
poderão fazer comigo?” Ou então fazem de conta que não viram prá não chamar a
atenção. (Aluno 02).
O comportamento deles (dos alunos que cometem bullying) é muito diferente
quando está um deles só, do que quando está no grupo. Onde está só um (uma
pessoa só), eles se sentem vulneráveis, então prá eles agir tem que ter o grupo
inteiro apoiando, prá dar aquela força. Agora se tem apenas um deles, ele fica
quieto, no canto dele. Mas quando está presente o grupo eles se sentem os
machões, sempre precisam dos outros prá dar apoio, quem faz as agressões sempre
precisa dos apoiadores. (Aluno 06).
A fala do aluno 06 demonstra o papel desempenhado pelos espectadores – o de
plateia apoiadora – a necessidade do autor de estar com o grupo que lhe apoia e ri de suas
maldades. Já o aluno 02 relata um pouco da angustia e medo que os espectadores enfrentam
diante das situações de bullying e que, muitas vezes, o impedem de tomar qualquer atitude,
seja esta de defesa do alvo e/ou de denunciar o autor dos maus tratos.
Para Gomes e Sanzovo (2013, p. 99, grifo do autor):
Espectadores assíduos da violência funcionam como espécie de plateia (ou
termômetro) para os atos de bullying dos agressores. Se forem favoráveis às
ofensas (físicas e morais) testemunhadas, os autores identificarão as atitudes como
apoio e incentivo, fortalecendo seus impulsos hostis. Do mesmo modo, se optarem
pelo silêncio, não interferindo nas agressões presenciadas, tampouco delatando os
responsáveis pelo fenômeno, estimularão igualmente os bullies (já que estes
entendem o silêncio como aprovação de suas condutas), e a impunidade restará
garantida.
Eyng (2011, p. 107) também aponta que o fato dos espectadores não se
posicionarem diante dos eventos de violência, reforça o comportamento dos autores e
consequentemente amplia o sofrimento e constrangimento das vítimas.
138
Buscando compreender o papel assumido pelos espectadores, ou seja, quais reações
os alunos costumam ter diante do bullying, perguntamos aos participantes: Como você
costuma reagir quando vê algum colega sofrendo bullying?
A tabela 8 expõe as reações apontadas e a respectiva porcentagem:
Tabela 8 – Reações frente ao bullying
REAÇÕES RESPOSTAS TOTAL (%)
Quando vejo cenas assim, procuro sair de perto e faço de conta
que nem vi
67 32%
Fico parado assistindo a cena 33 15,8%
Procuro ajudar quem está sendo agredido (“saio em defesa do
agredido”)
34 16,3%
Normalmente dou risada em casos assim 17 8%
Peço aos agressores que “parem” com a violência 40 19%
Não faço nada porque isso é normal entre os colegas 28 13,4%
Conto para um responsável pela escola (professor, direção,
coordenação)
26 12,4%
Conto para os colegas 22 10,5%
Eu nunca vi uma situação deste tipo 27 12,9%
Fonte: Pesquisa de Campo (2013).
Diante das respostas, percebe-se que os alunos possuem reações variadas diante do
bullying e são de omissos a incentivadores, de temerosos a solidários. Dos 209 alunos
participantes da pesquisa, quando colocados na condição de espectadores do bullying, 47,8%
admitiram sentimentos de solidariedade e ajuda aos alvos, seja defendendo o agredido ou
contando para alguém responsável o fato acontecido; 32% demonstraram temor quanto a sua
própria integridade, saindo de perto sem se envolver na situação; 29,2% demonstraram
indiferença pelas situações de bullying presenciadas e 8% admitiram que atuam como
incentivadores, dando “apoio moral” aos agressores, com risadas e palavras de incentivo.
Verifica-se que na instituição, embora muitos alunos espectadores demonstrem
solidariedade e ajuda aos alvos, é muito comum terem dificuldades de se posicionar e
defender um colega que esteja sendo alvo de agressões e humilhações. A indiferença e o
silêncio dos espectadores acabam ajudando na manutenção do fenômeno bullying, pois a
passividade destes pode representar uma legitimação às agressões, quando nada fazem para
impedi-las.
139
Eyng (2011, p. 106) fala que ninguém pratica o bullying sozinho e que todos são
responsáveis com relação à repetição dos episódios. A respeito dos espectadores ela coloca:
O silenciamento, a indiferença, o despreparo ou o medo dos expectadores, cuja
falta de posicionamento, apoiando, defendendo, acolhendo a vítima e/ou
conscientizando o agressor sobre a inadequação do comportamento pode fazer
com que os resultados da ação dos bullies sejam reforçados. (ibid, p. 107, grifo do
autor).
Os espectadores tem um papel muito importante no estabelecimento e na
manutenção do bullying, ao encorajar e reforçar o papel do autor, que está buscando ganhar
o “respeito” dos pares ou como os próprios adolescentes costumam dizer “ganhar moral”
diante dos colegas. Normalmente seu papel acaba dando suporte ao autor, pois “se não há
plateia não há espetáculo.” (Gomes e Sanzovo, 2013, p. 99). Já Tognetta (2011, p. 144)
coloca que a maior recompensa de um autor é ver seu sucesso diante dos outros. Daí a
importância dos espectadores na manutenção do bullying.
A respeito das atitudes dos espectadores um aluno comentou:
Sempre tem os que se acham e provavelmente sempre tem os que vão na onda.
Tem um que se acha e provavelmente tem um companheiro que vai na onda.
Quando acontece uma situação de violência, discussão, a maioria (a turma) grita,
berra, dá risada, a turma mesmo age incentivando, ficam colocando fogo, prá
poder dar risada. A turma fica de platéia. São apenas 1 ou 2 que tentam evitar,
defender quem está sendo vítima. (Aluno 04).
A fala acima retrata exatamente o que a teoria traz a respeito do papel
desempenhado pelos espectadores nas cenas de bullying. Gomes e Sanzovo (2013, p. 83)
constataram que:
[...] é muito raro que os atos de bullying sejam praticados sem testemunhas, sem
espectadores (os agressores necessitam de testemunhas para a demonstração do
seu ato de poder). Geralmente, os espectadores apoiam tais condutas e o fazem
com risos, com outros comportamentos ou, até mesmo, com o próprio silêncio.
Tognetta e Vinha (2010, p. 452, grifo do autor) por sua vez complementam: “[...]
não há bullying sem que haja um público a corresponder com as apelações de quem ironiza,
age com sarcasmo e parece liderar aqueles que são espectadores”. As autoras descrevem que
é o público que assiste aos atos de bullying que alimenta a continuidade destes.
140
Porém, os espectadores podem assumir outra atitude e se posicionar em defesa dos
alvos, especialmente quando mantem laços de amizade, fato este expressado por 48,7% dos
pesquisados. Ens (2011, p. 54, grifo do autor) destaca que “os observadores são uma peça-
chave no combate do bullying e podem contribuir para diminuir a sua ocorrência.” A
respeito disso Gomes e Sanzovo (2013, p. 99) complementam: “é incomensurável a
importância da atuação dos estudantes na prevenção e no combate ao bullying, seja
reprovando as ações ofensivas e, por conseguinte, inibindo a prática, seja delatando os
autores, coibindo, assim, futuras agressões.”
Todo o exposto a respeito dos espectadores ou testemunhas do bullying levam a
crer que a escola deve investir em ações de prevenção e combate ao bullying voltadas
principalmente para este grupo, para que tomando consciência do seu poder, se indignem
com as injustiças que ocorrem na escola e não permitam mais ser usados pelos agressores
como grupo de apoio. É fazer, como expõe Tognetta (2010) “que esses meninos e meninas
se indignem com situações de injustiça.”
Perguntamos também aos alunos: Como você se sente ao presenciar cenas de
bullying? A tabela 9 apresenta os resultados
Tabela 9 – Sentimentos ocasionados ao presenciar cenas de bullying
SENTIMENTOS RESPOSTAS TOTAL (%)
Fico com medo que possa acontecer comigo também 106 50,7%
Fico chateado/triste, pois já fizeram isto comigo também 49 23,4%
Fico preocupado com os colegas agredidos 74 35,4%
Acho engraçado 20 9,6%
Não sinto nada, são brincadeiras 35 16,7%
Eu nunca vi situações deste tipo 10 4.8%
Fonte: Pesquisa de Campo (2013).
A apreciação da tabela acima mostra que 50,7 % dos espectadores se mostram
amedrontados com a possibilidade de se tornar “a próxima vítima”, fato este que os leva
silenciar e a concordar com as ações dos autores, mesmo que seja pela indiferença ou pura
aceitação. Apesar de não sofrerem as agressões diretamente, muitos deles podem se sentir
incomodados com o que veem e inseguros sobre o que fazer.
141
Conforme Lopes Neto (2005); Fante (2005); Fante e Pedra (2008), as testemunhas
também se veem afetadas por esse ambiente de tensão, tornando-se inseguras e temerosas de
que possam vir a se tornar as próximas vítimas.
Observa-se também que 35,4% ficam preocupados com os colegas agredidos e
tendem a demonstrar solidariedade a estes. Lopes Neto (2005, 2011) aponta que grande
parte dos espectadores sente simpatia pelos alvos, tende a não culpá-los pelo ocorrido,
condena o comportamento dos autores e deseja que a escola intervenha mais efetivamente
nos casos.
Boa parte dos espectadores (23,4%) também apontaram que se sentem chateados
com a situação, visto que já passaram por isso e sabem o quanto é sofrido ser alvo de maus
tratos pelos colegas.
Infelizmente, cabe registrar, que na instituição pesquisada, 26,3% dos espectadores
se posicionaram como apoiadores do bullying, sendo que consideram como brincadeiras as
ocorrências de maus tratos e violências contra os colegas, achando isso normal e engraçado.
Conforme apontamentos feitos por Tognetta e Vinha (2010a); Fante (2005), Lopes
Neto (2011), entre outros autores: os espectadores têm papel específico nas condutas de
bullying. Se o autor de bullying tem uma plateia que aprova suas atitudes é bem provável
que ele persistirá agindo desta maneira. Diante disto, percebe-se que as ações contra o
bullying precisam focar nos espectadores, esta “maioria” não violenta que, por consentir,
apoiar, incentivar ou ignorar, fomenta tais práticas.
Lopes Neto (2005, p. S168) fala que quando as testemunhas interferem e tentam
cessar o bullying, essas ações são efetivas na maioria dos casos. O mesmo autor (2011, p.
57) coloca que “Os que não praticam ou sofrem bullying devem ser entendidos como parte
do problema e parte da solução”. Deste modo, é importante incentivar o uso desse poder
advindo do grupo, fazendo com que os autores se sintam sem o apoio social necessário.
Catini (2004, p. 168) reforça dizendo que “quando os espectadores enxergarem atitudes que
vão além de interesses individualistas para vislumbrarem a grandeza das ações cooperativas,
seu papel não será mais o de compactuar em silêncio.”
A escola precisa em sua abordagem do bullying, visando sua redução, envolver
toda a comunidade escolar e seus objetivos devem estar voltados a essa maioria silenciosa,
para que também se sintam responsáveis pela prática de bullying e se sensibilizem para agir
cada vez mais em defesa dos colegas vitimizados. Assim como colocam Gomes e Sanzovo
(2013, p. 84) “se os espectadores atuam em grupo em favor da vítima e contra a vitimização,
142
desfazem o poder/fortalecimento/status do agressor e, de acordo com os autores, esta
solução é muito mais efetiva que um eventual castigo ao bully.”
4.1.5 – Aspectos motivadores
As agressões do bullying são consideradas gratuitas por que a pessoa vitimada,
geralmente, não cometeu nenhum ato que motivasse as agressões. Geralmente acontece por
motivos discriminatórios ou preconceituosos, racismo, classe social, biótipo e estereótipos
que fogem do padrão imposto pela sociedade, por exemplo, ser de etnia diferente, ser um
bom aluno e tirar boas notas, ser frágil ou muito pequeno, usar óculos, estar acima do peso,
possuir atitudes afeminadas para os homens ou masculinizadas para as mulheres, ou seja,
por seu porte físico, suas atitudes e valores, entre muitos outros (FANTE, 2008).
Para algumas pessoas, e em especial na adolescência, a agressividade pode ser uma
estratégia adotada para promover a autovalorização uma vez que se acredita que alguém que
“vence” em disputas entre pares é alguém melhor. Verifica-se que o desencadeamento dos
maus tratos é, muitas das vezes, para obtenção de poder e respeito diante do grupo.
Com o propósito de conhecer os motivos ou aparentes causas que levam os alunos
da escola a praticarem maus tratos contra os outros colegas, indagamos os participantes da
pesquisa sobre o que leva um estudante a praticar bullying contra o colega. Esta questão
proporcionava escolher mais de uma opção. A tabela 10 apresenta os motivos apontados e
suas respectivas porcentagens.
Tabela 10 – Motivos para a prática de bullying na escola
MOTIVOS RESPOSTAS TOTAL (%)
Ele faz isto porque quer ser mais popular, sentir-se poderoso. 137 65,55%
Ele faz isto porque é mais forte. 51 24,40%
Ele faz isto porque se “acha melhor” que os outros. 135 64,60%
Ele faz isto por diversão. 76 36,36%
Ele faz isto porque é uma pessoa que não se preocupa com os
sentimentos do outro.
65 31,10%
Ele faz isto porque deve ter uma relação familiar na qual tudo
se resolve pela violência verbal ou física e ele reproduz isso no
ambiente escolar.
29 13,87%
Ele faz isto porque fizeram isto com ele (já sofreu bullying). 133 63,64%
143
Ele faz isto por não aceitar que as pessoas são diferentes. 34 16,27%
Ele faz isto porque não é punido. 52 24,88%
Ele faz isto porque as vítimas merecem, elas provocam. 35 16,75%
Fonte: Pesquisa de Campo (2013)
Popularidade, o bullying como um fenômeno grupal – A relação desigual de
poder entre os protagonistas do bullying pode ser evidenciada quando observamos a razão
mais citada pelos participantes da pesquisa para a ocorrência de bullying: “querer ser mais
popular, sentir-se poderoso”. Isto significa que grande parcela dos alunos (65,55%) tem
plena consciência de que poder e hierarquia estão envolvidos com as agressões praticadas
entre os alunos. Eles querem dizer, que os bullies praticam barbaridades com o intuito de
alcançar destaque no grupo escolar, a chamada “aceitação escolar”.
Conforme colocam Gomes e Sanzovo (2013, p.64, grifo do autor) “Entendem que
as práticas agressivas lhes garantem status e popularidade escolar.” Muitos alunos acabam
acreditando que o uso de comportamentos agressivos contra os colegas é o melhor caminho
para alcançarem a popularidade e o poder e, por isso, tornam-se autores de bullying. O que
os satisfaz é a sensação de poder, que é também afirmado e reforçado por aqueles que estão
à sua volta e que ajudam ou mesmo pactuam com suas ações.
Para os alunos as agressões contra os colegas podem ser motivadas pelo objetivo de
se sobressair diante do grupo, de conseguir um papel de destaque. Nesses casos prevalece a
satisfação pelo estabelecimento e manutenção de uma posição de destaque e comando no
grupo e a total insensibilidade aos sentimentos dos alvos.
Conforme os alunos, muitos fazem isso porque querem ser mais populares,
sentirem-se poderosos. “O bullying é um fator de risco para a violência institucional e social,
bem como para comportamentos antissociais individuais e pode significar uma forma de
afirmação de poder interpessoal por meio da agressão.” (LISBOA; BRAGA; EBERT, 2009,
p. 61).
Sobre os motivos que levam à prática de bullying os alunos comentam:
Muitas vezes isso acontece porque muitos querem ter mais condições, mais
prestígio que os outros, então eles se acham, e eles tentam rebaixar os outros
porque eles se acham os “tal” da escola, então como eles pensam que mandam,
comandam a escola, eles rebaixam os outros, não conhecendo as pessoas, e não
tendo esse tipo de percepção de que a pessoa pode ser gente boa, pode ser uma
pessoa legal, eles querem conseguir ser os melhores, acabando com os outros.
(Aluno 04).
144
A vontade de chamar a atenção, digamos que querem comandar o colégio, eles
querem ter uma elite, que mandam, que tem respeito dos outros, que na verdade
impõem medo nos outros, nas pessoas. Então uma forma de conseguir isso é
mostrando superioridade, autoridade e com eles ninguém se passa. Prá eles terem
poder é mais fácil falar mal de alguém, humilhar do que conseguir o respeito pela
educação, pelo que ele é ou pode ser, mas sim pela força que eles querem
conseguir respeito. (Aluno 06).
Os formandos, por motivos óbvios, querem ganhar, fazer média, ganhar uma
moral, na escola e com as meninas, por isso fazem isso com os outros. (Aluno 08).
Pode-se estabelecer uma relação entre a fala do aluno 04: “[...] querem conseguir
ser os melhores, acabando com os outros.” e o que diz Tognetta (2005, p. 09): “Existem
muitas pessoas que se veem como melhores e não são morais, portanto, suas respostas às
relações são sempre no sentido de menosprezar o outro, para comprovar a si mesmas que são
melhores. Necessitam continuar sendo maiores e melhores que o outro e fazer com que este
se sinta ‘pequeno’.” É o individualismo que prospera mediante a ótica da realização pessoal,
ou seja, eu tenho que me dar bem não importa por cima de quem terei que passar. Ou então,
a total negligência às diferenças individuais.
Geralmente se tem uma pessoa que eles não gostam ou que atrapalha eles (sabe...
se destaca), então eles unem a turma deles e resolvem acabar com a moral dessa
pessoa, então eles pegam e começam a inventar histórias mesmo, prá todo mundo
do colégio, prá ninguém gostar daquela pessoa. (Aluno 06).
Conforme Tognetta e Vinha (2008, p. 03) o autor de bullying é “ágil em manobras de
articulação da turma para se voltarem contra um alvo e é um provocador permanente.” Fato
este expressado pelo aluno 06, quando fala que para conseguirem destaque como os
melhores, os autores reúnem/articulam os demais colegas para atingir a vítima.
Quando consideramos o bullying como um problema moral, podemos dizer que
nestes casos o autor (agressor) não se vê com valor e por isso precisa mostrar a todos que é
melhor. Ele também carece de sensibilidade moral, ou seja, não vê o outro como digno de
respeito e por isso não se sensibiliza com a sua dor.
A teoria de Adler (1935, apud TOGNETTA, 2009) considera que o “sentir-se
inferior” é parte do ser humano, ele deseja sempre a superação e pode buscar seu objetivo
diminuindo os outros, inclusive com agressividade. Em contrapartida, quem sofre o bullying
pode apresentar uma tendência conformista deste “ser inferior”, aceitando a imposição dos
outros sobre si.
145
Conforme Tognetta (2011, p. 139) há no homem um sentimento de inferioridade
(que pode explicar condutas mais agressivas) que o conduz sempre a buscar a superação de
si, ou melhor, ele precisa se sentir bem e importante entre aqueles com os quais convive.
Neste sentido TOGNETTA (2009, p. 5) diria que a eterna busca do homem é uma “uma
superação de si”. O homem almeja, dia após dia, uma imagem positiva que o represente.
Porém, destaca-se segundo Tognetta (2011, p. 139) que o problema está nas “formas
pelas quais esses sujeitos tratam uns aos outros para dar conta dessa necessidade de
atribuição de valor, ora menosprezando o outro, ora validando a posição de menosprezo em
que são colocados.” Ou seja, o ser humano nas relações com o outro se utiliza da
intimidação, da violência e do menosprezo, para diminuir o outro e se sobressair, constituir
uma imagem de valor diante dos outros. Muitas vezes, mesmo não tendo suas ações
comumente pautadas na violência, pode passar a tê-las quando na presença de outros, na
busca de uma boa imagem ou de “pertencer” ao grupo de iguais.
Isso pode ser identificado na fala deste participante, quando indagado a respeito do
que leva um colega a cometer atos de violência/bullying contra outro colega:
Querer se achar um mais do que outro... Porque se um deles está sozinho, está
tranquilo, dá para conversar, dá para brincar, dá para fazer qualquer coisa. Aí,
quando outro ou os outros aparecem, o mesmo guri quer se achar mais, e muda de
comportamento. “Ah, porque eu sou mais que você então eu tenho que aparecer
mais, eu tenho que ter mais fama aqui dentro, então você não pode aparecer mais
que eu.” Daí eles disputam... um tenta bater o outro assim... nas palavras. Um
querendo aparecer mais que o outro. O motivo é de se achar mesmo aqui no
colégio. (Aluno 02).
Percebe-se na fala do aluno que quando na presença do grupo o colega muda de
atitude, sempre com o intuito de ser melhor, de ser mais importante, de chamar a atenção. E
para que isso aconteça não importa quem ele terá que atingir, ele buscará de todas as formas
ser o melhor. Nestes casos, se utiliza da ridicularização de colegas, do menosprezo, da
violência verbal, entre outros. Krynski (2000, p.44) coloca que “Aí entra o problema do
grupo adolescente. O indivíduo sozinho não é assassino, mas o grupo é, e como o grupo
domina o adolescente, ele se torna um assassino em potencial.” Assassino no sentido das
relações humanas, do respeito com o outro. O grupo legitima as ações individuais. Ou como
apontam Gomes e Sanzovo (2103, p. 59) “O bullying é um fenômeno necessariamente
grupal.”
146
Percebe-se que o bullying na instituição pesquisada aparece como uma forma de
exaltação do poder no grupo em que se está inserido, levando em consideração que o poder
passa a existir entre as pessoas quando elas agem juntas e desaparece no instante em que eles
se dispersam (conforme a fala do aluno 02), ou seja, quando estamos em grupo somos
capazes de revelar e exercer atitudes que isoladamente não faríamos, como praticar a
violência. Identificamo-nos com situações familiares, da sociedade, ou de um líder negativo,
e atuamos coletivamente, sem pensar muito, imitando comportamentos inadequados. O
grupo de pares exerce um papel essencial na adolescência, caso esse grupo seja hostil,
agressivo, violento, o jovem tenderá a acompanhar este tipo de comportamento. Do
contrário, também, na vontade de fazer parte do grupo, poderá ainda aceitar situações de
humilhação em virtude do receio do isolamento.
Neste caso é extremamente importante que os adultos (responsáveis pela escola,
professores, pais) intervenham colocando limites, forma de proteção aos adolescentes
envolvidos, antes que os fatos se tornem mais graves e, por consequência, mais difíceis de
resolver.
Tognetta (2009, p. 5-6) contribui quando destaca que o que pode explicar a violência
é, na verdade, um certo “ethos de hipermasculinidade”. É a busca de um valor positivo de si,
de um “ser melhor” diante dos outros e de si mesmo.
Gomes e Sanzovo (2013, p. 83) falam sobre o bullying como um fenômeno grupal,
onde o agressor deseja receber destaque dentro do grupo (visto que o domínio é valorizado
positivamente, principalmente entre os adolescentes), e atua em busca de prestígio social,
para ser respeitado, admirado e se tornar popular e poderoso. Ele precisa do grupo de
apoiadores para demonstrar seu poder, pessoas que com o riso, o silêncio, o estímulo ou
outros comportamentos acabam legitimando e reforçando suas ações.
Tognetta (2011, p. 142) argumenta que os adolescentes que desrespeitam os outros
ou se deixam desrespeitar não construíram por si um auto respeito (não tem consciência de
seu valor e do outro). Os adolescentes precisam sentir por si um auto respeito que os levem a
respeitar o outro, ou seja, para respeitar o outro, é preciso primeiro um respeito a si próprio.
Neste sentido, os autores de bullying não conseguem se ver como valor, são muitas vezes
incapazes de reconhecer seus próprios sentimentos e consequentemente os sentimentos dos
outros. Já os alvos de bullying assim o serão até que consigam enfrentar seus próprios
medos e desafios por se sentirem desrespeitados.
147
Há algo anterior à busca do respeito ao outro: “há de se convir que pelo auto respeito
ou capacidade, em termos morais, de atribuir-se valor e satisfazer-se, que se pode respeitar
ou atribuir valor a outros.” (TOGNETTA, 2009, p. 6). Deste modo, deduz-se que “as ações
desrespeitosas ou violentas que nossos adolescentes podem cometer são movidas pela
ausência de um valor de si ou de auto respeito.” (ibid).
O agressor tem a intenção de ferir, ele precisa menosprezar o outro para se sentir
melhor, mas nem sempre ele é uma ex-vítima. Ele pode ser um adolescente que carece de
sensibilidade moral, a ponto de não conseguir se colocar no lugar do outro. Mas pode ser
que tenha se sentido vitimado em alguma circunstância, por seus pais, por seus iguais e
tenha aprendido que a única forma de se destacar, seja também provocando os outros. O
valor que ele vê em si mesmo pode ser tão pequeno que, para se sentir melhor, ele invista
sobre os outros.
Pode-se dizer que os adolescentes que estão violentos precisam de um novo sentido
para suas vidas que inclua o outro, e também a si. São individualismos imperantes que
utilizam formas violentas. É como se esses adolescentes não se vissem, e não se veem, neste
domínio do que é público, do que é coletivo, e, portanto, não veem nem a si como
pertencentes, nem aos outros.
Calhau (2011, p. 5) contribui neste sentindo sobre o não se preocupar com o outro,
colocando que vivemos em uma sociedade extremamente individualista, onde os valores
ficam em segundo plano na vida das pessoas, a figura do próximo fica de lado e muitos não
pensam duas vezes em passar por cima de qualquer um para atingir seus objetivos. Isto é
visto em muitos lares, nas novelas, no futebol, no trabalho, etc., cada um buscando apenas os
seus interesses. E nesse contexto social individualista, ganha destaque o bullying – pessoas
são perseguidas no ambiente escolar, no trabalho, pela internet. A tolerância e o respeito são
abandonados em detrimento de uma linha de relação interpessoal onde o mais forte explora
o mais fraco.
Círculo-vicioso alvo - autor – As pessoas que agridem a outra, normalmente já
foram agredidas um dia e se revoltam acreditando que não são respeitadas, compreendidas e
amadas e decidem revidar em alguém. Segundo Tognetta (2010) precisamos resgatar a ideia
de que meninos e meninas que desrespeitam os outros também se sentem desrespeitados
primeiro.
148
Encontramos na literatura diversos autores que apresentam contribuições a respeito
do círculo vicioso alvo-autor. Fante (2005, p. 72) fala em reproduzir os maus tratos sofridos.
Fante e Pedra (2008, p. 101) apontam para um círculo vicioso de abusos e maus-tratos –
onde o praticante de bullying, em algum momento de sua vida, já foi alvo de um bullie –
talvez dos pais, vizinhos ou colegas de escola. Rolim (2010, p. 99) fala que a agressividade
produz agressividade, como um ciclo vicioso. Lopes Neto (2005, p. S168) fala a respeito da
reprodução do bullying por antigas vítimas. Gomes e Sanzovo (2013, p. 73) citam a inversão
de papéis, onde o bullinado (agredido) passa a ser o próprio bully (autor). Silva (2010, p. 42)
menciona o efeito cascata – a vítima que se torna agressora – reproduz os maus-tratos
sofridos como forma de compensação, ou seja, ela procura outras vítimas mais vulneráveis e
comete contra estas as agressões sofridas. Maldonado (2011, p. 23) aponta que muitos
autores são ou já foram vítimas e querem se vingar, escolhendo alvos mais frágeis. Beane
(2010, p. 49) também faz referência ao sentimento de vingança, ou seja, àqueles que
agridem e ferem o outro por terem sido maltratado, seja por pais, irmãos, colegas de escola,
acreditando que tal atitude irá compensar a dor.
Calhau (2011, p. 11) também menciona o fato de pessoas que “foram vitimizadas
pelo bullying e passaram a ser agressoras de outras pessoas, ou seja, aprenderam o
comportamento bullying e, por algum motivo (ex: deixaram de ser alvos) passaram a
reproduzir o comportamento e atacar outras pessoas.” Nesse contexto, podemos encaixar
perfeitamente o trote, em que alunos do 3º ano agridem os “calouros ou novatos” de forma
sistemática ao longo dos anos – um caso típico de bullying muito comum no IFC – Campus
Concórdia. Isso ocorre muito em instituições com internato, do tipo instituições totais.
Isso fica explícito na fala de vários alunos:
A maioria das coisas que eles fazem com nós, eles fazem porque já aconteceu com
eles. (Aluno 09).
A maioria acha que é assim... porque sofreu no 1º ano tem que fazer sofrer quando
for formando, para se vingar, sabe! E geralmente é isso que acontece. A maior
parte age assim, é porque sofreu que vai fazer os outros sofrer. (Aluno 10).
O formando sempre vai querer mostrar força. Eles sempre são os melhores, eles
vão querer mandar no colégio enquanto você for 1º ano. Eles fazem isso prá
mostrar força e porquê, que nem eu te falei, eles sofreram e acham que os outros
devem sofrer também. (Aluno 10).
149
Percebe-se nas falas dos alunos, que os novatos são os alunos que mais sofrem
agressões e estas são desferidas por parte dos colegas mais antigos de escola.
Quanto à relação entre os alunos mais velhos e os novatos, Camacho (2001, p. 135)
coloca que os grupos formados na escola mostram-se tendentes a rejeitar os novatos
movidos pelo pensamento de que “eu e meu grupo nos identificamos entre nós, mas o novo
é diferente de mim e de nós”. A presença do novato pode, ainda, fazer aflorar aquilo que se
assemelha à defesa do território, ou seja, como se os já sediados desejassem mostrar quem
são os “donos do pedaço”. Há que se reconhecer que a defesa do território é inerente à
sociabilidade dos adolescentes. Entretanto, as condutas que ultrapassam a normalidade
ganham gravidade quando a isso se juntam situações amplas de preconceito, discriminação e
recusa do novo e diferente.
Nas instituições com internato há costumeiramente a presença de “vítimas-
agressoras”, ou seja, alunos que sofreram bullying quando novatos e que, mais tarde, se
acham no “direito” de reproduzir as agressões contra os que estão chegando. Isto simboliza
uma das graves consequências do fenômeno bullying: “a reprodução da violência, o
agredido transformando-se em agressor.” (GOMES e SANZOVO, 2013, p. 73). De acordo
com dados obtidos 16,75% da amostra é, ao mesmo tempo, alvo e autor de maus-tratos no
ambiente escolar, ou seja, afirmaram que maltratam outros colegas, pois já foram
maltratados, aumentando os índices de violência na instituição pesquisada.
A respeito disso um aluno manifesta:
A gente sofre mais depois se vinga. A gente tenta mostrar prá eles o que eles terão
que fazer quando estiverem no 3º ano, tipo manter os apelidos, cobrar capelinha,
[...] isso precisa se manter... (Aluno 01).
Na questão aberta (nº 25) também apareceram comentários a esse respeito:
Acho que os alunos que estão mais anos aqui na escola devem poder impor um
pouco de respeito nos primeiros anos. Foi assim com a gente... Agora fazemos
assim também... é tradição. (Aluno 26).
Desde sempre existe uma tradição! Formando manda em bixo e é assim que tem
que ser. Se a gente sofreu, os outros também tem que sofrer. No final é muito
gratificante, porque é assim que seremos lembrados como verdadeiros
“agricolinos”. (Aluno 129).
Os novatos tem que se acostumar a respeitar as regras dos alunos existente na
escola e respeitar quem manda. (Aluno 137).
150
Fica muito evidente nas falas, que as vítimas-agressoras, ao sofrerem perseguições
de seus colegas, acabam posteriormente revidando os maus tratos sofridos em outros colegas
considerados mais frágeis que eles (círculo vicioso). Sendo assim, há um grande problema
nessas situações, pois elas contribuem para uma maior ocorrência de situações de bullying
na instituição.
Percebe-se na instituição pesquisada que essa é uma dinâmica escolar cada vez
mais frequente, porque o aluno que é vítima se transforma em agressor e reproduz a
violência sofrida. Conforme Catini (2004, p. 15, grifo nosso) as consequências a curto e
longo prazo para as vítimas é tornarem-se tristes e isoladas, ficarem acostumadas a
vitimização e adotarem o papel de agressores contra outras pessoas.
Maldonado (2011, p. 24) complementa a respeito da vítima que se torna agressor: o
medo que esta pessoa sentia na pele de vítima é transformado em “desejo de ter uma vítima”
para poder provar aos outros que se fortaleceu e que agora tem poder. É o raciocínio de que
“o ataque é a melhor defesa” (agora sou agressor, ninguém vai me agredir).
Muitos também acabam escolhendo a violência para se sobressair, para tentar
resolver seus conflitos e superar ações que estavam lhe oprimindo. É como diz o ditado:
“Violência gera violência!”
Gomes e Sanzovo (2013, p. 74, grifo do autor) contribuem:
Seja nos casos de maus-tratos ou de bullying, a constatação é numérica: a
violência, também no contexto escolar, gera, dentre outras sequelas, mais
violência, caracterizando um ciclo vicioso, ou seja, fomentando, e não diminuindo
o bullying.
Lopes Neto (2011, p. 41) também destaca que em grupos sociais onde haja
agressores, “o comportamento agressivo pode se tornar uma regra, e os atos de bullying
acabam se tornando um meio para a manutenção do poder.”
Os alunos relatam que existe uma repetição de comportamentos e que isso é visto
como uma tradição dentro das escolas com perfil agrícola:
Não tem como resolver o problema da violência e do bullying. Sempre vai ter,
sempre! Daqui a cinquenta anos, vai ter essa mesma coisa, vai ter essas atitudes de
3º ano maltratar e humilhar 1º ano. Pode ser que mude o nome, mas as atitudes
não. 1º ano tem que obedecer, 3º ano mandar e 2º ano ficar na deles. O 1º ano são
os bobinhos que tão entrando agora e os do 3º são os “bem bons.” (Aluno 01).
151
Eles foram criados assim, na ideologia do 3º anos deles, eles mandam em nós
porque os formandos mandavam neles, eles humilham e maltratam nós porque os
formandos faziam isso com eles, eles apelidam nós porque fizeram isso com eles
também. E assim vai indo, ano após ano... tipo uma corrente, se este círculo não
quebrar, nunca vai parar.. É tipo um círculo... vicioso. Como eles dizem: “É a
tradição!” (Aluno 08).
Percebe-se que este tipo de comportamento é comum neste tipo de instituição e que
a violência é construída ao longo de uma história e não apenas em casos isolados. A
violência é vista tanto como uma questão de opressão diária, quanto de atos mais graves e
faz parte da história destas Instituições, tem raízes profundas. Muitos indivíduos convivem
sistematicamente com a violência da dominação e acabam por interiorizá-la como atitude
natural, pois é um processo de imposição da situação no contexto social.
É o que acontece na escola segundo os participantes da pesquisa. Ficou claro que
quando entram na escola e começam a enfrentar as situações de humilhação, perseguição,
apelidos, cobranças indevidas, ninguém gosta e concorda, dizendo que nunca farão isto,
porém os anos vão passando, e como eles mesmos afirmaram, a concepção dos alunos vai
mudando e eles acabam aceitando isso como normal e até como uma “cultura” da escola,
passando a agir da mesma forma que agiam com eles (ou seja, com violência) com os alunos
mais novos ou mais fracos. Que cultura da escola seria essa? A cultura da violência? Onde
passa a se acreditar que adotar a violência seja o melhor caminho para se alcançar a
popularidade ou poder (no caso dos alunos que estão no 3º ano?) De alvos passam a ser
autores de bullying como forma de compensação ao que sofreram ou será que se acostumam
com a violência a ponto de não se importar com a convivência onde as vitimizações são
diárias?
Outro fator importante percebido na análise das falas dos alunos, diz respeito a
mudança de opinião sobre a violência cometida contra os colegas. Os que estão no 1º ano
não concordam com essa postura assumida pelos alunos dos 3º anos e afirmam que nunca
farão isso quando forem formandos, porém com o passar do tempo, segundo os relatos, os
alunos vão mudando de opinião e passam a agir conforme agiram com eles:
Os próprios alunos afirmam que:
No 1º ano você pensava assim (como bixo)... Não vou fazer isso, não vou agir
assim... conforme vai passando os anos a gente vai mudando. Vai vendo que os
formandos queriam mostrar como era prá gente ser quando tivesse no 3º ano. Se
maltrataram a gente é prá gente maltratar. (Aluno 01).
152
Se nós sobrevivemos a isso, eles também passarão e quando forem formandos vão
mudar de opinião e achar que esta é a melhor forma de educar os novos, os bixos.
(Aluno 06).
Eu falei prá um formando: “Eu não vou fazer isso com os alunos do 1º.” Ai ele
respondeu prá mim: “Você diz isso agora porque você está sofrendo, mas quando
você estiver por cima você não lembra dos menores. Você vai ficar aqui três anos
e a tua opinião vai mudar. Eu também pensava assim...” (Aluno 08).
Alguns alunos me falam: “Você questiona agora, mas quando você estiver na 3ª
vai saber como é... quando você está na 3ª você vai fazer essas coisas (cobrar,
mandar, )... não sei... porque está na 3ª um faz e o outro começa a ir entrando na
onda.” Eu acho que a maioria das coisas que eles fazem com nós é porque
aconteceu com eles. Eu penso assim... eu penso prá mim assim... tá... se na época
que eles estavam aqui eles sofreram com isso, de capelinha, humilhações,
zombarias, de proibir pisar ali, passar aqui... por que eles estão fazendo isso? Se
eles não gostaram prá eles, por que fazer prá nós? É um pensamento que eu tenho
e que acham que eles não se tocaram ainda. Se o cara não gosta, por que fazer para
o outro? (Aluno 09).
[...] Eles dizem prá gente: “Quando você chegar no 3º ano você vai fazer a mesma
coisa com os bixos do 1º.” Daí eu fiquei pensando... a gente é muito bem criada e
tal, eu não vou conseguir fazer isso com alguém sabendo que eu passei por isso,
que a gente sabe o quanto é ruim. Só que tem gente que pensa assim... como sofreu
não vai querer fazer outra pessoa sofrer, mas também tem aqueles que acham, a
maioria acha assim, que porque sofreu no 1º ano tem que fazer quem for do 1º
sofrer quando for formando. E geralmente é isso que acontece. Tem as pessoas que
não conseguem fazer porque sabem o quanto é ruim, mas a maior parte é porque
sofreu que vai fazer sofrer... eu acho que é isso! (Aluno 10).
Os alunos 08, 09 e 10, expressam muito bem a situação vivenciada e o fato de não
entenderem como que alguém pode repetir para outra pessoa um mal que sofreu. ([...] Se o
cara não gosta, por que fazer para o outro? - Aluno 09; [...] a gente é muito bem criada e
tal, eu não vou conseguir fazer isso com alguém sabendo que eu passei por isso, que a gente
sabe o quanto é ruim. Aluno 10). Percebe-se que a maioria dos alunos entra na instituição
com esta consciência e no decorrer dos anos acabam se acostumando com as cenas de
violência, passam a considera-la normal, reproduzem contra outros colegas e o pior, passam
a ser a favor da sua manutenção. ([...] Você vai ficar aqui três anos e a tua opinião vai
mudar. Eu também pensava assim...” - Aluno 08).
Para encerrar este tópico não poderia deixar de destacar a sugestão de um aluno
participante da pesquisa para que a escola se torne menos violenta: o fato de que os
agredidos procurem ajuda e denunciem as agressões para que não busquem reparar a
agressão que sofreram futuramente contra outras pessoas/alunos.
Assim escreveu o aluno:
153
Proponho que os colegas agredidos conversem, contem aos professores as
agressões que estão sofrendo e que mais tarde não repassem a agressão sofrida a
outros, só porque já foram agredidos. (Aluno 97).
Considera-se muito pertinente a colocação deste aluno, que consegue ter a clareza
dos reais motivos que levam a maioria dos alunos a agredirem os colegas, a vingança. Ouvir
os alunos, dar voz aos participantes é de suma importância, pois nos revela muito de sua
vivência, dos relacionamentos, dos modos como lidam com as situações, e isso é
fundamental para entendermos a dinâmica do fenômeno bullying. A escola de posse destes
dados, precisa buscar alternativas para quebrar este círculo vicioso que gera violência e que
vem mantendo as relações de poder – dominadores e dominados dentro da instituição.
Conforme Rolim (2010, p. 100) após a identificação deste ciclo a escola assinala um desafio
que a impedirá de tratar do problema como se ele estivesse estruturado em dois grupos
isolados: autores de um lado e vítimas de outro, pois estes papéis se invertem e os atores
assumem diferentes posições no decorrer de sua permanência dentro da escola. Esse modelo
de instituição e de relações trazem enraizadas atitudes que são repetidas ano após ano pelos
seus membros, quase que inconscientemente, que precisam ser colocadas em destaque, ser
debatidas com a comunidade. Para isso é necessário traçar metas de combate e prevenção
que devem abarcar conscientizações e atividades educacionais voltadas a superação de um
contexto escolar violento.
A diversão e a não preocupação com os sentimentos dos outros – a crise de
valores – Percebe-se que os alunos participantes da pesquisa entendem que a estrutura e a
organização do grupo são o motor dos maus-tratos entre iguais, elucidando fatores como o
hedonismo60
coletivo, o exercício de poder ou o domínio sobre os outros. Em busca de
diversão e prazer o grupo pratica atos de gozação, humilhação, sem se preocupar com os
sentimentos dos colegas atingidos. Muitos se utilizam, por exemplo, de colocar apelidos,
para se divertir, dar risada, zoar do outro, e nem se preocupam com o sentimento que isso
possa provocar nos alvos. Por outro lado, outros tantos podem também se utilizar de
apelidos para diminuir outros colegas e desta forma, ganhar destaque no grupo como os
“bons”, os “populares”. Tognetta e Vinha (2008, p. 07) colocam que o autor de bullying é
alguém que “aprendeu a resolver seus problemas de falta de valor a si mesmo buscando
rebaixar os outros. Esconde também outra dificuldade: acha que todos devem atender a seus
60
É a doutrina geral do prazer. É a busca sem limites pelo que proporciona prazer.
154
desejos de imediato e não consegue, do ponto de vista psicológico, sair de si e colocar-se no
lugar do outro.”
De acordo com Maldonado (2011, p. 29, grifo do autor) “a dificuldade de empatia é
outra raiz que alimenta muitas ações de bullying.” Centrado em seu próprio prazer ou na
necessidade de conquistar mais poder, o autor das agressões simplesmente não desenvolve
uma relação de respeito e de consideração pelos outros e nem sequer percebe a extensão e a
profundidade dos danos que causa em suas vítimas; eles também não conseguem delimitar
uma linha divisória entre o que é brincadeira e o que é agressão.
Tognetta (2010) fala que os autores dos maus tratos carecem de sensibilidade
moral, uma espécie de capacidade de sair de si, do ponto de vista cognitivo e afetivo para
ver o outro como um sujeito digno de respeito. Eles são muitas vezes incapazes de
reconhecer seus próprios sentimentos e consequentemente os sentimentos dos outros. É a
falta de sentimento de empatia que impede o interessar-se em compreender os sentimentos
dos outros. Pode-se dizer que o autor de bullying não é empático com o sofrimento e a dor
do outro. Falta-lhes, sensibilidade moral, um conjunto de capacidades necessárias a uma
ação moral: uma, do ponto de vista cognitivo, diz respeito à distinção entre o certo e errado
partindo de uma hierarquia de valores que a pessoa tem. Outra, é a capacidade de atribuir
valor a outra pessoa como alguém que merece ser tratado bem.
Podemos destacar também a “crise de valores” que enfrentamos atualmente na
sociedade em geral. Com destaque para o individualismo, o egoísmo, a busca do prazer a
qualquer custo, a impunidade. Situações onde o bem e o mal aparecem muito próximos,
como se fazer o bem ou o mal tivesse o mesmo significado. Na sociedade as grandes
desigualdades sociais, a valorização do ter ao invés do ser, o consumismo exacerbado e os
padrões de beleza valorizados pela mídia e pelo mercado econômico, acabam influenciando,
muitas vezes, às pessoas a buscarem e satisfazerem seus desejos a qualquer custo, o que
acaba degradando-as, influenciando também negativamente as crianças e adolescentes, o que
pode ser percebido em muitas atitudes e formas de expressão dos alunos no cotidiano
escolar. Maldonado (2011, p. 25) destaca justamente essa característica dos agressores: eles
“querem obter o que desejam a qualquer preço e afirmam que ‘os fins justificam os meios’.”
Estes exemplos nos mostram que a crise de valores geralmente vem associada à
crise das instituições, como por exemplo, a família e a escola.
A sociedade, hoje, é marcada por uma “anorexia moral”, que se reflete no
descompromisso causado pelo sentimento individual de apatia em relação à vida
155
social, na ausência de utopias, na perda do sentido de viver, na falta de
solidariedade, na ausência de parâmetros definidos sobre o que é certo e errado
(CANDAU; LUCINDA; NASCIMENTO, 2001, p. 38).
No contexto atual, percebemos que os problemas relacionados à violência e ao
desrespeito ao próximo estão diretamente interligados à crise de valores presente na
sociedade e consequentemente entre as pessoas. Diante de tantas mudanças sociais e
tecnológicas, as pessoas passaram a dar menos importância a valores, como a solidariedade,
o respeito, a cooperação, o amor ao próximo.
Precisamos dentro do processo educacional, estimular o respeito mútuo, a justiça, o
diálogo, a autoestima, levando os alunos a refletirem e a fazerem opções positivas frente à
realidade. A escola é um espaço formal de educação, um tempo e um contexto de
aprendizagem e desenvolvimento, é nela que os alunos ampliam suas relações sociais,
formam grupos com pares, convivem com a diversidade, conhecem regras e normas num
contexto social maior do que aquele vivido no ambiente familiar. “Colocar abertamente
valores a serem conjuntamente vividos é uma tarefa iniludível de todo o processo
educativo.” (CANDAU; LUCINDA; NASCIMENTO, 2001, p.94). A escola deve, portanto,
ser o local onde o aluno poderá ter sua formação e educação melhorada. Nesse espaço
educacional deve-se abordar temas como: paz, respeito, responsabilidade, valorização do
“eu”, amor e felicidade, possibilitando situações pedagógicas que levem os alunos à reflexão
sobre o seu papel na sociedade.
Destaca-se a importância do diálogo como forma de enfrentamento da questão da
violência na escola. O diálogo pode ser considerado como instrumento
privilegiado para alcançar tal objetivo. Dar voz aos estudantes, discutir com eles
sobre suas próprias expectativas, desvendar os ingredientes ideológicos da tarefa
educacional, desenvolver formas participativas de construção de normas são
fatores que podem contribuir significativamente para a construção de um ser social
capaz de falar, de respeitar, de lutar pela transformação da sociedade. (CANDAU;
LUCINDA; NASCIMENTO, 2001, p. 51).
Não podemos deixar de destacar a importância destes direcionamentos para estes
alunos, adolescentes em formação, fase essa de definição da identidade e de escolhas
importantes para a vida toda. É muito importante que a escola esteja mais atenta a qualidade
das assimilações provenientes do cotidiano escolar e dos grupos ali formados, observando e
acompanhando o convívio diário dos alunos (principalmente os alunos internos), observando
como se relacionam, para poder identificar os problemas existentes na instituição e mais que
isto, trabalhar no sentido de superação, de mudanças no espaço e nas concepções.
156
Valorizar os anseios e ações de justiça, despertar os valores morais e sociais
existentes nestes adolescentes, através de ações claras e debatidas com toda a comunidade
escolar, se apresenta como um caminho promissor que a instituição pode seguir para a
concretização de seu papel no desenvolvimento e formação destes adolescentes. A escola
precisa estar atenta aos modelos educativos utilizados e dar voz e vez aos alunos, que devem
ser os protagonistas das mudanças. Os alunos não podem ser meros espectadores a espera de
ações milagrosas que venham a melhorar o ambiente e as relações na escola, até porque, se o
problema é a relação entre pares, é no grupo e com o grupo que se devem buscar e debater as
possíveis soluções. Conforme Tognetta61
“nossos alunos não são espectadores que aguardam
pelas nossas ações. Devem ser atuantes porque podem decidir, podem escolher, podem
restaurar a paz mediados por professores que entendem do desenvolvimento humano e
permitem a expressão do que sentem e o que pensam.”
Diante de todo o exposto, encerramos este capítulo reiterando que a violência e o
bullying possuem múltiplas causas. Na escola pesquisada não é diferente. Os alunos sofrem
muita influência da cultura escolar e do contexto histórico da instituição. Destaca-se que o
poder e hierarquia estão envolvidos com as agressões praticadas. Além disso, o fato de já ter
sofrido bullying antes, faz com que muitos repitam às mesmas ações e/ou comportamentos
sofridos em outros colegas, indicando a presença do círculo vicioso alvo-autor.
No próximo capítulo, dar-se sequência a descrição e análise dos dados, dando
ênfase às percepções e sentidos atribuídos pelos alunos aos episódios de bullying,
abrangendo como eles percebem o ambiente e a convivência escolar, as influências e os
prejuízos causados pelo bullying, os sentimentos despertados, a importância do grupo de
amigos, o papel dos pais e da escola diante do bullying.
61
Tognetta, Luciene R. P. Em prefácio da obra de José Avilés (2013, p. 12).
157
4.2 – A PERCEPÇÃO DOS ALUNOS SOBRE A VIOLÊNCIA E O DESRESPEITO
NA INSTITUIÇÃO DE ENSINO: SENTIDOS ATRIBUÍDOS AOS EPISÓDIOS
DE BULLYING.
4.2.1 – O Ambiente e a convivência escolar
Visando conhecer a opinião dos alunos a respeito da temática ambiente escolar
foram abordadas questões sobre como estes percebem a escola, seu ambiente, as
características que mais apreciam e aquelas que não gostam na escola e como se sentem
estudando neste ambiente.
Nas tabelas apresentadas a seguir apontam-se as respostas assinaladas pelos alunos
e sua referida frequência para as questões nº 1, 2, 3, 4 do questionário que serão expostas e
depois comentadas (estas questões não indicavam a possibilidade de escolha de mais de uma
resposta, porém a maioria dos alunos optou por assinalar múltiplas respostas).
Perguntamos aos alunos: Como você considera o ambiente escolar? As respostas
estão
Tabela 11 – Como os alunos consideram o ambiente escolar
OPÇÕES RESPOSTAS TOTAL (%)
Agradável 142 67%
Desagradável 18 8,61%
Seguro 31 14,83%
Inseguro 19 9,1%
Indiferente 31 14,83%
Fonte: Pesquisa de Campo (2013)
Observa-se na tabela acima, que a maioria dos alunos (67%) consideram o
ambiente escolar agradável e 14,83% se sentem seguros na escola.
158
Tabela 12 – Como os alunos se sentem estudando na escola
OPÇÕES RESPOSTAS TOTAL (%)
Sozinho (a) e sem amigos (as) 03 1,43%
Feliz e enturmado (a) 107 51,2%
Não gosto, quero mudar de escola 09 4,3%
Triste, por causa dos apelidos e
brincadeiras de mau gosto
08 3,8%
Satisfeito 106 50,71%
Fonte: Pesquisa de Campo (2013)
Um fator positivo encontrado na pesquisa, que pode ser visualizado nas tabelas 11
e 12 e que também foi percebido nos relatos dos alunos, durante as entrevistas, consiste na
satisfação destes com a escola, sendo que 67% dos alunos consideram o ambiente escolar
agradável e 50,71% se sentem satisfeitos com a escola. Além disso, 51,2% se consideram
felizes e enturmados na escola, 47,37% disseram gostar das aulas e oportunidades de
aprendizagem que a escola proporciona e 49,85% apontam que o que mais gostam na escola
são os colegas. Isto é importante, pois estes fatores atraem o adolescente, motivando-o à
frequência escolar e favorecendo seu rendimento enquanto se encontra na posição de
educando.
Tabela 13 – O que os alunos mais gostam na escola
OPÇÕES RESPOSTAS TOTAL (%)
Colegas 103 49,28%
Espaço Físico 36 17,22%
Professores 27 12,92%
Outros funcionários 10 4,78%
Aulas/Oportunidades de aprendizagem 99 47,37%
Lazer/esporte 65 31,10%
Fonte: Pesquisa de Campo (2013)
159
Os indicativos expostos nas tabelas 12 e 13 são muito positivos dentro da
pesquisa, aspectos estes também primordiais a uma boa passagem pelo período da
adolescência. A satisfação dos alunos com a escola e com boa parte dos professores
demonstra uma interação positiva entre os mesmos, fator indispensável para o crescimento
físico, social e psicológico do adolescente. Ainda apontamos outro aspecto de caráter
positivo dentro da pesquisa, o lazer/esporte, citado por 31,10% dos sujeitos, e que é
indispensável para uma boa manutenção da saúde física e mental do adolescente,
principalmente dos alunos internos – que residem na escola.
Porém, outros indicativos também chamaram a atenção. Aqui não se trata de
gostar ou não da escola ou de estudar, visto que a maioria dos alunos considera o ambiente
escolar agradável, mas de sentir-se bem neste ambiente, dos tipos de relações que se
estabelecem neste espaço. Parece contraditório, mas 58,85% dos alunos relataram que o
menos gostam na escola são os colegas, conforme dados apontados na tabela 14. Por que
será? Isto pode estar indicando que algo não está bem nas relações.
Em se tratando de amigos, a quantidade de amigos indicadas pelos pesquisados
foi em média de dois ou três por aluno (39,7%). Enquanto 8,13% afirmaram não ter nenhum
bom amigo dentro da escola, número este bastante significativo, se considerarmos que os
alunos são adolescentes.
Tabela 14 – O que os alunos não gostam na escola
OPÇÕES RESPOSTAS TOTAL (%)
Colegas 123 58,85%
Espaço Físico 32 15,31%
Professores 34 16,27%
Outros funcionários 36 17,22%
Aulas/Oportunidades de
aprendizagem
12 5,74%
Lazer/esporte 11 5,26%
Outros 4 1,91%
Não responderam 11 5,26%
Fonte: Pesquisa de Campo (2013)
160
Este é um aspecto negativo apontado pela pesquisa, sendo que nesta fase da vida
destes alunos – a adolescência – o grupo, os amigos significam muito. Nesta fase a relação
com a família passa a não ser o suficiente e o grupo de amigos se torna muito importante,
por isso o adolescente sente a necessidade de estar em sua companhia. A vivência com a
família proporcionou ao adolescente a base para a formação de sua identidade que poderá
agora se enriquecer com os novos relacionamentos grupais que propiciarão crescimento,
integração e sociabilidade. Por isso, o adolescente sem turma, com dificuldade de firmar
relações encontrará mais dificuldade para elaborar suas crises vitais e pode sofrer por não ter
com quem dividir suas incertezas, dúvidas e desejos, próprios desta fase.
Pertencer a um grupo social e manter boas relações é uma questão fundamental no
processo de construção de identidade pelo qual os adolescentes passam.
[...] é no ambiente escolar, onde passa a maior parte de seu tempo, que o
adolescente está à caça de um “grupo de iguais” para se autoafirmar como
indivíduo e tornar-se mais independente da família, mesmo que ainda precise
muito dela. Por isso há grande frustração quando é rejeitado por grupos ou pessoas
específicas. (OLIVEIRA; ANTONIO, 2006, p. 4).
Conforme Abramovay (2009, p. 107) as amizades são:
[...] responsáveis por transformar o ambiente escolar em um local de interações
agradáveis e divertidas, onde vínculos afetivos fortes se constroem e muitas vezes
permanecem durantes anos. É principalmente nesta fase da vida de adolescência e
juventude que a sociabilidade entre pares adquire um valor fundamental. [...] os
sentimentos de amizade produzem satisfação, alimentam a autoestima e ampliam o
capital social e cultural.
Lopes Neto (2005, p. S165) aponta que, em virtude do grande valor que a escola
tem para os adolescentes, os alunos que não gostam dela podem acabar tendo um
desempenho insatisfatório, comprometimentos físicos e emocionais à sua saúde ou
sentimentos de insatisfação com a vida. Sendo assim, pode-se dizer que se o bullying estiver
presente na escola, este irá afetar o rendimento escolar e também as relações sociais
estabelecidas na instituição de ensino.
Pazio (2010, p. 97), ao analisar a ocorrência do bullying na sala de aula como um
entrave não percebido no processo ensino-aprendizagem, também é enfática ao expor que as
relações sociais na escola constituem-se como pano de fundo para a ocorrência de atos
violentos.
161
Abramovay (2009, p. 107) complementa dizendo:
A construção de amizades interfere na afinidade que se tem com a escola. Um
ambiente agradável é responsável por maior interesse no que se está fazendo,
inclusive nas questões relacionadas ao estudo e à aprendizagem. As relações
positivas são, inclusive, responsáveis pela diminuição de comportamentos
violentos e perturbadores.
Os relatos dos alunos expressam o gostar da escola, porém evidenciam que algo nas
relações não está bem:
A escola é boa, se comparada as outras de Concórdia, ela é melhor, é federal. Pena
que os alunos, não todos, não mereçam estar aqui dentro. Muitos não dão valor
para o que tem aqui dentro. Só pensam: “Ah, vamos quebrar tudo, vamos fazer
bagunça!” Não estudam e não deixam os outros que querem estudar. São muitos
conflitos que acontecem e isso tira a atenção principal que é estudar. (Aluno 01).
A escola nos oferece uma estrutura bem boa, com condições de nos formarmos e
nos darmos muito bem lá fora, só que os alunos estragam; então, eu não me sinto
bem aqui dentro. E isso me prejudica. (Aluno 02).
[...] não adianta a escola ter boa fama, ter bons professores (cheio de mestre,
doutor), ter os melhores laboratórios, se os alunos que vem estudar ali não são bem
selecionados. Eu acho que a escola é ótima, mas é difícil viver aqui dentro. Só os
muito fortes conseguem não se desligar do seu objetivo. É bem difícil aguentar
tudo que a gente aguenta de maldades aqui dentro, a aflição, o medo, as
perseguições, não dá para confiar em ninguém. (Aluno 06).
Era o meu sonho estudar aqui no colégio, pois ele é muito bom. Mas fiquei
decepcionada depois que entrei, pois a gente se depara com cada coisa aqui, é
muita pressão, muito medo, muita maldade das pessoas. É muita fofoca, intrigas, o
relacionamento não é bom aqui... eu preferia muito mais a minha escola de antes.
Não por causa do estudo... porque aqui ele é muito bom. Eu não tenho as melhores
notas, mas todas estão na média. E as aulas, assim, são muito boas aqui, muito
melhores do que as da escola que eu vim. Lá a escola era boa, mas aqui o estudo é
mais forte do que lá. E, assim, com relação as aulas e a escola não tem porque
querer sair daqui, é pesado, mas a gente enfrenta. Mas em relação as coisas que
acontecem com a gente aqui da sim... (Aluno 10).
Estes são alguns relatos selecionados, em que os alunos fazem referência ao gostar
da escola, o fato dela ser uma escola com bom conceito na sociedade, porém também é
evidenciado que algo nas relações interpessoais não está bom e isto está prejudicando os
alunos que têm vontade de estudar. É como o aluno 06 manifestou, não adianta a escola só
se preocupar em ter bons profissionais, professores bem qualificados, uma ótima biblioteca,
bons laboratórios, se esta não estiver atenta ao tipo de relações que estão se estabelecendo lá
dentro. O fato da maioria dos participantes (58,85%) terem declarado que o que menos
162
gostam na escola são os colegas, estes estavam se referindo ao tipo de relações que estão
sendo estabelecidas e das dificuldades encontradas nestas relações, ou seja, estavam se
referindo a convivência escolar com os colegas. Conforme Frick (2011, p.163) existe uma
forte influência das relações interpessoais estabelecidas sobre o modo como os alunos
interagem e resolvem conflitos entre pares, bem como sobre a prática do bullying. O que
reforça o fato de que a escola precisa estar atenta à qualidade das relações que está
promovendo.
Se partirmos do pressuposto de que a aprendizagem e o desenvolvimento são
facilitados pelo envolvimento das pessoas em uma interação, com certeza em um local em
que há problemas nos relacionamentos, onde o bullying e outras formas de violência
imperam, o desempenho e a aprendizagem serão afetados. Também cabe ressaltar que a
ausência de um bom clima de convivência é o primeiro sinal de que as coisas não vão bem
numa instituição, e isso vale tanto para o relacionamento de alunos com alunos, alunos com
funcionários, funcionários com funcionários.
Para Abramovay (2009, p. 106): “Um clima de desrespeito, intimidação e ataques
pessoais é responsável por causar instabilidade emocional, além de servir como obstáculo
para o processo de aprendizagem e para a missão educativa da escola.”
Sabemos que o convívio na escola, que deveria ser uma relação de parceria e
respeito mútuo entre os alunos, nem sempre se configura dessa forma. Sabemos que a escola
é um microcosmo62
social e numa sociedade composta por tantas diferenças, exclusões,
injustiças, violências, intolerâncias, preconceitos e racismos, as relações de colaboração
necessárias para a construção coletiva do conhecimento são, muitas vezes, marcadas por
contradições, levando-nos a questionar se a escola que temos é compatível com as
necessidades sociais vigentes e mesmo com o projeto de homem e de sociedade desejados.
Conforme aponta Francisco (2010, p. 19) “a escola não deve centrar-se somente em
saberes concretos, mas necessita estar atenta a elementos pertinentes ao convívio social de
seus protagonistas e agentes. Entendê-la diante desse prisma, possibilita um olhar mais
articulado.”
Se a escola pesquisada está se configurando num local propício para que atos de
violência ocorram, esta precisa despertar para isso e buscar alternativas eficazes para a
solução dos problemas, pois uma escola não é formada apenas de prédios, livros,
laboratórios, ela é formada por seres humanos em interação. Conforme Frick (2001, p. 163)
62
Microcosmo, neste caso, usado no sentido de “miniatura da sociedade”.
163
é necessário que a escola retome o papel da educação, destacando a formação integral do
indivíduo para a ética e para a autonomia. “A escola precisa se dar conta e assumir seu
percentual de responsabilidade sobre a educação moral dos alunos, percebendo essa
educação como processo integrante e intrínseco do ato de educar.” (ibid).
Sendo assim, os dados apresentados por esta pesquisa podem constituir-se
indicadores de como as relações estão se configurando dentro da escola e podem servir de
base para os primeiros passos na direção de possíveis ações para prevenção e combate dos
conflitos e da violência entre alunos.
4.2.2 – Prejuízos causados pelo bullying
Uma das melhores formas de demonstrar a gravidade do fenômeno bullying é
apresentando o quanto prejudiciais podem ser as suas consequências, seja para os
protagonistas, seja para a escola, seja para a sociedade em geral.
As consequências do bullying comprometem muito a vida dos indivíduos
envolvidos, prejudica o convívio social, a aprendizagem, a saúde física e emocional,
principalmente das vítimas, que se sentem excluídas, sozinhas e humilhadas,
comprometendo o processo de formação de sua identidade, baixando sua autoestima,
causando medo de voltar à escola, sentindo-se inseguras e desprotegidas (FANTE, 2005, p.
78-79). Portanto, pode-se dizer que este fenômeno coletivo acarreta, sobretudo, implicações
psicossociais aos sujeitos envolvidos, no caso desta pesquisa – adolescentes –
comprometendo sua saúde, influenciando negativamente na sua qualidade de vida e
condições de aprendizagem.
Embora seus efeitos mais visíveis sejam contra as vítimas, o bullying atinge tanto
os alvos, quanto os autores ou os espectadores, podendo prejudicar o rendimento escolar,
trazendo dificuldades sociais e emocionais para todos os envolvidos.
Gomes e Sanzovo (2103, p. 137) concordam que não apenas as vítimas, mas sim
toda a comunidade escolar (protagonistas, testemunhas, demais alunos do colégio,
professores, funcionários, pais) acabam sofrendo ou tendo prejuízos com o bullying.
Como já apontado, na Instituição pesquisada, os efeitos das ações agressivas entre
os pares gera a represália, ou seja, a reprodução da violência, onde na maioria dos casos, os
164
alvos (vítimas) do bullying, com o tempo, passam à condição de autores de bullying com o
intuito de vingança.
Lopes Neto (2011, p. 107) aponta que adolescentes envolvidos em situações de
bullying podem apresentar sintomas físicos e alterações de ordem psicológica, psíquica e
distúrbios sociais. O autor também assinala que o estresse causado pela vitimização pode
levar ao surgimento de patologias. (ibid, p. 108).
Com relação às consequências do bullying sobre a saúde, o relato de um aluno
(alvo de bullying) aponta várias implicações e sintomas:
[...] Por exemplo, está acontecendo umas coisas comigo... eu me sinto mal, eu não
consigo dormir, eu estou tenso, meus ombros estão doendo, tá tudo doendo em
mim, meu corpo está pedindo socorro, sabe... (o aluno se emociona e chora). [...]
O meu dente também dói... bastante! Isso que eu já tentei até trocar de escova. Eu
estou falando contigo aqui, mas essa parte dos meus dentes está doendo. O meu
ombro aqui está doendo muito, muito. O meu peito dói. A minha cabeça então...
dói que não adianta nem remédio. Eu não consigo mais dormir, eu estou dormindo
na sala de aula, mas no quarto eu não consigo mais dormir. Eu me sinto cansado,
estressado demais, demais. Eu já tive vários resfriados, dores de estômago e até
diarreia... do nada... parece que não melhoro nunca. (Aluno 08).
Podemos identificar que as queixas apontadas pelo aluno (dores de cabeça, dor no
estômago, diarreia, dores musculares, insônia, problemas respiratórios, cansaço, estresse,
dores generalizadas – dentes, peito, corpo, ombros) coincidem com as descritas pelos
autores e podem ser fator indicativo de maus-tratos praticados por colegas.
[...] o estresse é responsável por cerca de 80% das doenças da atualidade, pelo
rebaixamento da resistência imunológica e sintomas psicossomáticos
diversificados, principalmente próximos ao horário de ir à escola, como dores de
cabeça, tonturas, náuseas, ânsia de vômito, dor no estômago, diarreia, enurese,
sudorese, febre, taquicardia, tensão, dores musculares, excesso de sono ou insônia,
pesadelos, perda ou aumento do apetite, dores generalizadas, dentre outras. Podem
surgir doenças de causas psicossomáticas, como gastrite, úlcera, colite, bulimia,
anorexia, herpes, rinite, alergias, problemas respiratórios, obesidade e
comprometimento de órgãos e sistemas. (FANTE E PEDRA, 2008, p. 83).
Na fala de outro aluno também foi possível identificar indícios dos males do
bullying sobre a saúde:
Quando eu vou para casa no final de semana, chega domingo de tarde na hora de
aprontar as coisas para pegar o ônibus, já começa a me doer a cabeça, doer de dar
ânsia de vômito. Está tudo bem e de repente vem aquela dor, acho que eu fico
nervoso, agitado. Me bate uma sensação ruim, de angústia, sei lá. [...] Aqui no
colégio, não consigo dormir e fico cansado demais, mas em casa não, lá eu durmo
bem. (Aluno 05).
165
No relato do aluno 05 é possível identificar sintomas que podem estar ligados
diretamente a resistência em ir para a escola. As dores de cabeça, ânsia de vômito,
nervosismo, angustia são as consequências prejudiciais à saúde do aluno, que surgem
próximas ao horário de ir para a escola. A insônia e o cansaço, também apontados, podem
estar relacionados à insegurança por estar na escola, já que o mesmo coloca não sofrer com
insônia quando está em casa.
Tognetta (2005, p. 7) aponta com relação às vítimas que com frequência “têm dores
de cabeça, pouco apetite, dores de estômago, tonturas sempre próximo aos horários de ir
para a escola ou a um grupo social ao qual pertencem e mantém uma convivência com
outros pares.”
Rolim (2010, p. 56) traz em seu estudo que “vítimas de ‘bullying’ possuem até três
vezes mais chances de sofrer com dores de cabeça e com dores abdominais, até 5 vezes mais
chances de ter insônia [...] “isto quando comparadas a não-vítimas.
Diante do exposto, constata-se que as consequências do bullying são muito sérias e
merecem atenção por parte da escola e dos profissionais de saúde que lá trabalham e que
atendem estes adolescentes. Ser alvo de maus-tratos por um período longo de tempo pode,
além de afetar a saúde – como apontado pelos alunos – contribuir no rebaixamento da
autoestima e criar sentimentos de medo, depressão e falta de confiança nos alunos. É ainda
mais preocupante se considerarmos que os pares podem evitar o contato com colegas
vitimizados, aumentando seus problemas de autoimagem e ajustamento emocional. É como
traz Eyng (2011, p. 107), “os agredidos podem se sentir ainda mais vitimizados pelo grupo
que também não o respeita.”
4.2.2.1 - Influência do bullying sobre o rendimento escolar
O bullying afeta sobremaneira as práticas pedagógicas e o convívio em sala de aula.
Dentre as implicações desse fenômeno, podem ser provocadas: a exclusão, o fracasso
escolar, a evasão, a angústia, a ansiedade e consequências a longo prazo na adolescência e
na vida adulta.
Ele gera ainda, no espaço escolar, sentimentos de medo, em variados graus de
intensidade, bem como produz um impacto negativo sobre os estudos, prejudicando à
aprendizagem. Mostra-se, portanto, um obstáculo à educação de qualidade.
166
Visando conhecer o que os alunos pensam a respeito das consequências do bullying
sobre o rendimento escolar, questionamos os alunos participantes da pesquisa e estes foram
unânimes em relação à influência negativa do bullying sobre os estudos:
É pior coisa que tem aqui dentro, atrapalha muito, muito os estudos. Essa rotina,
essa pressão não deixam a gente estudar, e não é por falta de tempo como muitos
dizem, é porque você não consegue se concentrar. É muita coisa acontecendo ao
mesmo tempo e você não consegue desligar, sentar para estudar, fazer um
tema...(silêncio)... está sempre ligado no que te aconteceu, remoendo o assunto.
Você não sabe o que fazer para resolver a situação, fica tenso, nervoso. (Choro)
(Aluno 01).
As situações de bullying aqui no colégio são bem complicadas. Quanto tu vê já
está envolvida nas coisas sem saber. Mesmo você não sendo a vítima primeira das
fofocas e das maldades, você precisa ficar longe, pois se tentar fazer alguma coisa,
logo é você que estará envolvido. Eu sempre fico com medo que aconteça comigo,
quero ficar longe de confusão, tenho medo até que me contem as barbaridades que
fazem com uns coitados aqui dentro. Às vezes, eu nem consigo dormir, pois a
gente vive sobre pressão, isso te deixa nervoso, sem concentração na aula, parece
até um pesadelo. (Aluno 02).
Pode influenciar nos estudos sim, já aconteceu e vai acontecer mais uma vez.
Como aconteceu com dois amigos meus que já desistiram, não aguentaram mais as
ameaças. E tem mais dois ou três querendo desistir, pois eles ficam cobrando coca,
pressionando, perseguindo e está atrapalhando os estudos deles, e eles estão com
notas baixas, pois se preocupam mais com essas coisas do que estudar. Isso
atrapalha sim nos estudos, porque a pessoa pode ir muito bem na aula, mas quando
acontece situações assim, ela pode começar a pensar no que aconteceu e não mais
nos estudos, não se concentra, pensa mais nisso do que no estudo, por motivo de
tristeza. Nossa, como atrapalha! (Aluno 04).
Imagine nas últimas aulas, você dentro da sala pensando assim: “meu, daqui a
pouco tenho que sair de dentro da sala e ir lá para o quarto”, já começa bater
aquele medo, pânico de ser ameaçado, o que será que vai me acontecer hoje? Terei
que dar dinheiro para os do 3º, será que vão me ameaçar, será que poderei ir jantar,
será que alguém poderá ir junto comigo na biblioteca (porque você não pode andar
sozinho aqui dentro), Meu Deus! Tenho que estudar, ... não dá para se concentrar...
é horrível... só quem passa para saber. Os estudos são muito prejudicados nesses
casos. (Aluno 05).
Eu acho que influencia quase que diretamente nos estudos e na autoestima da
pessoa que é afetada. Se você sofre na turma é o mais complicado, pois serão três
anos na mesma turma, com os mesmos colegas. Então se no 1º ano você começa a
se incomodar com eles, pode saber que terá mais dois anos para sofrer. Dá aquela
vontade de ir embora, desistir da escola mesmo! Já aconteceu comigo, isso de
ficarem me maltratando muito, de dar vontade de desistir da escola... isso interfere
nos estudos sim, você fica mais reservado, isolado, você não consegue se soltar.
Até mesmo na apresentação de trabalhos, você sabe que tem pessoas que te
perseguem ou não gostam de você ali assistindo, você fica nervoso, inquieto, com
vergonha, com medo de ser debochado, ai não fala tudo que sabe, não consegue
desempenhar seu potencial. Até para tirar uma dúvida na sala você não faz, porque
será zoado com certeza, e estas dúvidas podem te fazer não entender todo um
167
conteúdo passado. Até o lugar onde sentar na sala faz a pessoa sofrer, pois a
tendência é ir sentar mais no fundo ou nos lados para ficar mais isolado, com medo
de ficar na frente deles (de eles ficarem jogando bolinhas, fazendo coisas pelas
tuas costas), a pessoa precisa estar cuidando o que eles estão fazendo, sempre com
medo das próximas coisas. (Aluno 06).
Isso atrapalha muito! Muito! Muito! Muito! Você pode imaginar o quanto
atrapalha, mas não vai saber com certeza o quanto isso atrapalha, o quanto me
atrapalhou, o quanto atrapalha outras pessoas que sofrem com bullying. Cara é de
120%! Atrapalha muito! Você nunca sofreu uma aflição de estar na sala de aula
fazendo uma prova... e lembrar que quando o sinal bater... quando você sair...
quando não tiver nenhum professor por perto... tua vida vira um inferno! Você tem
que pagar coca prá formando e provavelmente apanhar (silêncio e choro). Com
que cabeça você vai estudar (silêncio e choro). Tirando a convivência, as horas de
sono perdidas, o estresse, a má alimentação (porque tem pessoas que não vão no
refeitório por causa disso). Tem pessoas que não convivem que se isolam. E neste
isolamento que entra de novo o estresse, a má alimentação, eles não querem mais
estudar, não tão nem ai prá eles nem para os estudos. Simplesmente perdem o
amor pelas coisas. (Aluno 08).
Ah! Atrapalha! Atrapalha e muito! Porque o que acontece: o cara se estressa, sofre
um monte diante de situações constrangedoras e humilhantes diante de vários
colegas, daí ele tem que fazer um tema, fazer um trabalho, fazer um texto. O cara
estressado não vai fazer com a mesma qualidade que ele iria fazer se ele estivesse
tranquilo, porque ele não vai conseguir se concentrar, não vai conseguir fazer coisa
muito boa. Na cabeça dele ao invés de vim aquele conteúdo bom, vai começar a
vim besteiras. Ele não vai conseguir se desligar, vai continuar pensando no que
aconteceu, vai ter dor de cabeça, não vai conseguir se concentrar... Atrapalha em
muito nos estudos! Imagine estudar para uma prova difícil... nem pensar... não dá.
A pessoa precisa estar bem senão os estudos não vão bem também. (Aluno 09).
Sofrer qualquer tipo de humilhação e bullying influência muito nos estudos e na
autoestima da gente, porque incomoda, se você estiver bem você tem ânimo para ir
prá sala de aula, prá estudar,... se estiver mal, você se fecha, se isola por causa do
que aconteceu e por causa disso você não consegue prestar atenção na aula, porque
você fica martirizado, fica só pensando no que aconteceu, porque é como se você
fosse humilhado, daí parece que todo mundo, toda vez que te ver, vão dar risada
daquele fato que aconteceu, então isso influência muito, porque quando você passa
no meio dos outros, por mais que eles não estejam falando disso, parece que sim...
é o psicológico da pessoa que fica abalado. Eu acho que influência muito sim,,,
(Aluno 10).
Percebe-se através destes relatos que os alunos focaram-se em descrever como e o
quanto o bullying pode ser prejudicial, principalmente aos estudos. É possível destacar que
todos se referem aos prejuízos a que são acometidos os alvos – aqueles que sofrem com os
maus tratos. Evidencia-se também, que os relatos foram marcados por sentimentos fortes,
silêncios, lágrimas, queixas, isto porque, ser acometido pelo bullying traz muitos prejuízos
aos que sofrem (alvos), mas também para os que estão próximos destes, no caso colegas e
168
amigos. Além destes, os agressores e os espectadores, como já comentado anteriormente,
também sofrem consequências no rendimento escolar.
Conforme Lopes Neto (2011, p. 42):
Todos os estudantes perdem com a prática do bullying e com a falta de programas
voltados à sua prevenção e redução. Sentimentos de descontentamento por estar na
escola e queda do rendimento escolar são os sinais mais precoces percebidos.
(LOPES NETO, 2011, p. 42).
Através dos relatos evidencia-se que os alunos conseguem apontar muitas das
implicações do bullying: a pessoa busca o isolamento, fica deprimida, com vergonha,
preocupada, quer abandonar os estudos/desistir da escola, apresenta queda no rendimento
escolar (notas baixas, dificuldade de concentração, dificuldade de aprendizagem, falta de
motivação para estudar). Os alunos apontaram que a vitimização na escola impede a plena
realização do potencial dos adolescentes, que acabam perdendo a concentração nos estudos e
o entusiasmo pela escola, levando muitas vezes a desistência ou troca de escola.
De acordo com Fante (2005) muitas vítimas passam a ter baixo desempenho
escolar, apresentam queda no rendimento, déficit de concentração, prejuízos no processo de
aprendizagem, resistência ou recusa a ir para a escola, trocam de colégios com frequência ou
abandonam os estudos.
Francisco (2010, p. 21) acrescenta que a violência escolar está relacionada com
repercussões negativas nos processos de ensino aprendizagem. “O aluno, diante de um
ambiente no qual não se sente protegido, acaba adquirindo aversão à escola, bem como os
conteúdos escolares tornam-se menos interessantes diante de um espaço no qual não há um
bom convívio social.” Além disso, os casos de evasão podem ser reflexo da violência
escolar.
Tognetta (2005, p. 8) coloca que os alvos de bullying “apresentam baixo
rendimento escolar, o que consequentemente, acaba interferindo na estima de si baixa
demais que não lhe permite nem aprender, nem crescer em seus estudos.”
A dificuldade de concentração e motivação para o estudo foi evidenciado nas falas
dos alunos: Aluno 01: ([...] essa pressão não deixa a gente estudar, e não é por falta de
tempo como muitos dizem, é porque você não consegue se concentrar. É muita coisa
acontecendo ao mesmo tempo e você não consegue desligar, sentar para estudar); Aluno
02: ([...] Às vezes eu nem consigo dormir, pois a gente vive sobre pressão, isso te deixa
nervoso, sem concentração na aula, parece até um pesadelo.) Aluno 04: ([...] ela pode
169
começar a pensar no que aconteceu e não mais nos estudos, não se concentra, pensa mais
nisso do que no estudo); Aluno 05: ([...] não dá para se concentrar... é horrível... só quem
passa para saber. Os estudos são muito prejudicados nesses casos.) Aluno 09: ([...] O cara
estressado não vai fazer com a mesma qualidade que ele iria fazer se ele estivesse tranquilo,
porque ele não vai conseguir se concentrar, não vai conseguir fazer coisa muito boa);
Aluno 08: ([...] eles não querem mais estudar, não tão nem ai prá eles nem para os estudos.
Simplesmente perdem o amor pelas coisas.) Aluno 10: ([...] se você estiver bem você tem
ânimo para ir prá sala de aula, prá estudar... se estiver mal, você se fecha por causa do que
aconteceu e por causa disso você não consegue prestar atenção na aula, porque você fica
martirizado, fica só pensando no que aconteceu).
O fator desistência ou troca de escola pode ser observado nos relatos dos alunos:
Aluno 06: ([...] Dá aquela vontade de ir embora, desistir da escola mesmo!); Aluno 04:
([...] Como aconteceu com dois amigos meus que já desistiram, não aguentaram mais as
ameaças. E tem mais dois ou três querendo desistir, ...).
O aluno 05 também se refere a desistência quando comenta:
A preocupação é muito grande... Sim!... Um monte de gente já quis desistir da
escola porquê... ou não fez amizade direito ou... todo mundo... ninguém gostou
dela ou... falam mal ou... porque fez alguma coisa e todo mundo fica comentando.
(Aluno 05).
Ainda a respeito da evasão escolar outro aluno manifesta:
O que leva o aluno a desistir da escola é a carga de pressão que ele recebe, as
humilhações, as cobranças, porque não tem um motivo sincero, um motivo claro.
É difícil aguentar tantas coisas que acontecem aqui. É mais fácil desistir, ir
embora, do que denunciar, falar, eles preferem desistir do que contar a verdade.
Por mais que os pais queiram que eles fiquem aqui, se formem, eles não
conseguem obrigar o filho a ficar. Muitos pais não acreditam no que acontece aqui,
e querem obrigar o filho a ficar, dizem para eles não se importarem, para não
ligarem que é só brincadeira, mas não é fácil. (Aluno 04).
Lopes Neto (2005) considera que a evasão escolar pode ser tanto da parte das
vítimas quanto das testemunhas, que se sentem exaustos pelas agressões que sofrem ou
veem seus colegas sofrer no dia-a-dia no ambiente escolar. Assim a saída de escape é
geralmente a troca de escola, no entanto, porém o problema em si não foi resolvido, pois os
agressores continuarão como agressores e outras vítimas continuarão a existir.
170
Conforme Maldonado (2011, p. 89) muitos alunos sofrem em silêncio, por
vergonha de relatar o que está acontecendo, sentem-se incompetentes para resolver o
problema por conta própria ou temem ser criticados por não conseguir enfrentar o agressor.
Outros se calam para evitar que a situação fique ainda pior. Muitos preferem não contar o
que está acontecendo por temer ser desacreditado ou ver seu problema minimizado (“Que
bobagem ficar perturbado desse jeito, é só uma brincadeira!”). Nesses casos, a desistência da
escola aparece como uma solução aos alvos para tentar se livrar das agressões, já que muitas
vezes não encontram amparo na escola e na família.
Outra consequência do processo de vitimização destacado das falas dos alunos foi a
questão do isolamento do convívio com os colegas. Isso pode ser identificado nas falas dos
alunos: Aluno 10: [...] você se fecha, se isola por causa do que aconteceu [...] daí parece
que todo mundo, toda vez que te ver, vão dar risada daquele fato que aconteceu [...]; Aluno
06: ([...] isso interfere nos estudos sim, você fica mais reservado, isolado, você não
consegue se soltar. Até mesmo na apresentação de trabalhos, você sabe que tem pessoas
que te perseguem ou não gostam de você ali assistindo, você fica nervoso, inquieto, com
vergonha, com medo de ser debochado, ai não fala tudo que sabe, não consegue
desempenhar seu potencial.); Aluno 08: [...] Tem pessoas que não convivem que se isolam.
E neste isolamento que entra de novo o estresse, a má alimentação, eles não querem mais
estudar, não tão nem ai prá eles nem para os estudos[...].
Percebe-se, através dos relatos, que o isolamento dos alvos dos demais colegas
ocorre por diferentes razões, sendo gerado principalmente por vergonha dos colegas, por
medo e receio de novas humilhações.
O evento do bullying simboliza efetivo impacto e metamorfose na vida destas
vítimas. A transformação atinge tamanha proporção que interfere no próprio
comportamento destes alvos. Reprimidos, abalados e, mais, amedrontados, podem
isolar-se do convívio escolar, segregando-se dos demais alunos (tanto dos
agressores como dos espectadores) pelo receio de nova “avalanche” de deboches e
humilhações. (GOMES e SANZOVO, 2013, p. 139, grifo do autor).
É comum, diante de acontecimentos vexatórios e humilhantes, que os atingidos se
sintam envergonhados e tendam a se afastar dos demais, por receio de serem, a qualquer
momento, atacados novamente. Vale apontar, inclusive, que estes acabam, conforme já
apontado pela pesquisa, evitando de frequentar alguns ambientes, como por exemplo, o
refeitório da escola. Até mesmo, em sala de aula, como comenta o aluno 06, os alvos se
171
isolam e em caso de dúvidas a respeito do conteúdo, temem saná-las por saber que serão
zoados e debochados.
Também foi possível identificar nos relatos dos alunos, outro fator gerado pelo
bullying: a ansiedade antecipatória ou sofrimento por antecipação (BEANE, 2010, p. 188).
Isto ocorre quando o alvo já sabe a violência que o espera, pois como o bullying caracteriza-
se pela ação repetida dos agressores, este já prevê a agressão futura. Isto pode ser
identificado nas falas dos alunos: Aluno 05: [...] Imagine nas últimas aulas, você dentro da
sala pensando assim: “meu, daqui a pouco tenho que sair de dentro da sala e ir lá para o
quarto”, já começa bater aquele medo, pânico de ser ameaçado, o que será que vai me
acontecer hoje? Terei que dar dinheiro para os do 3º, será que vão me ameaçar, será que
poderei ir jantar, será que alguém poderá ir junto comigo na biblioteca [...]; Aluno 06: [...]
Até para tirar uma dúvida na sala você não faz, porque será zoado com certeza, e estas
dúvidas podem te fazer não entender todo um conteúdo passado. [...] a pessoa precisa estar
cuidando o que eles estão fazendo, sempre com medo das próximas coisas); Aluno 08: [...]
Você nunca sofreu uma aflição de estar na sala de aula fazendo uma prova... e lembrar que
quando o sinal bater... quando você sair... quando não tiver nenhum professor por perto...
tua vida vira um inferno! Você tem que pagar coca prá formando e provavelmente apanhar
[...].
Conforme Gomes e Sanzovo (2013, p. 139, grifo do autor):
[...] o bullying representa um processo nefasto, devastador e cruel de vitimização.
Muitas vezes, ininterrupto e destrutivo, acarretando, além dos prejuízos físicos e
mentais, o próprio abalo no desempenho educacional do aluno.
É possível concluir, após a análise dos relatos, que os alunos da Instituição
pesquisada estão sofrendo as consequências do bullying, que vão desde o medo e
preocupação, passando pelos problemas gerados à saúde e atingindo diretamente o interesse
pelo estudo e o rendimento escolar, levando muitas vezes a reprovação e a evasão escolar.
Conforme a opinião dos alunos, o maior impacto da violência repetitiva entre os pares dá-se
justamente no processo de ensino e aprendizagem dos alvos (vítimas).
Cabe destacar, que embora os problemas relacionados ao rendimento escolar sejam
os mais visíveis e precocemente percebidos, estes não são os efeitos mais danosos do
bullying. Conforme Beane (2010, p. 195) a vergonha tóxica pode ser uma consequência
ainda mais severa e nociva aos alvos do bullying. Conforme o autor, essa vergonha não é
172
uma simples timidez, inibição ou constrangimento natural diante de acontecimentos
corriqueiros. A vergonha tóxica é mais devastadora e perigosa, pois gera sensação de
fracasso e inferioridade extremos na pessoa, que passa a se sentir inútil, impotente. É essa
vergonha que gera a descrença na vítima de que o fenômeno bullying possa ser interrompido
4.2.2.2 – Os sentimentos despertados
Ainda abordando a problemática do bullying e suas consequências, buscou-se
investigar os sentimentos provocados pelos maus-tratos oriundos de episódios de bullying na
escola pesquisada.
A descrição do bullying para os alvos pode ser expresso pelos sentimentos, ao invés
de palavras. Todas as pessoas são diferentes e também são diferentes as reações que cada
uma vai ter diante do bullying. As dores, as emoções de quem sofre os maus tratos pode
envolver: sofrimento, tristeza, depressão, mágoa, lágrimas, medo, exclusão, raiva, vergonha,
entre tantos outros.
O que os autores do assunto trazem é que dependendo da estrutura psicológica de
cada vítima, diversos sentimentos e patologias poderão surgir, tais como ansiedade, medo,
raiva, tensão, tristeza, angústia, desgosto, sensação de abandono, impotência e rejeição,
mágoa, retraimento, desejo de vingança, depressão, fobias, hiperatividade, entre outros.
(FANTE e PEDRA, 2008; GOMES e SANZOVO, 2013, p. 138)
Fante e Pedra (2008, p. 85) enfatizam ainda que:
No caso dos envolvidos em bullying, principalmente os que foram vitimizados,
sendo expostos a situações intimatórias e constrangedoras, pode ocorrer a
formação de uma estrutura psicológica caracterizada por autoestima rebaixada e
inabilidades relacionais. Eles poderão ter suas mentes dominadas por pensamentos
e emoções marcadas por excessiva insegurança, ansiedade, angústia, medo,
vergonha, etc., prejudicando sua capacidade de raciocínio e aprendizado, [...].
Nesse caso, o indivíduo poderá ter comprometimentos no desenvolvimento da
inteligência, da capacidade de criatividade e liderança, bem como sérios problemas
no desenvolvimento afetivo, familiar, social e laboral.
Estas foram alguns relatos dos alunos participantes a respeito dos sentimentos
despertados durante e após os eventos de bullying:
173
Eu me sinto muito mal! Horrível! É muito difícil ver todo mundo se divertindo as
tuas custas, olhando você, assim... é... bate um sentimento, uma vontade de sumir,
de não ver ninguém, de querer ficar sozinho... pensar. (Aluno 01).
Quando a gente está se sentindo humilhada, a gente não enxerga mais nada, só
consegue ouvir vozes e risos, você quer sair dali, fugir, mas não tem pra onde
fugir. A gente fica com vergonha no início, até que chega uma hora que a gente
não sente mais nada, pois dói tanto as humilhações, saber que eles fazem isso em
qualquer lugar, até na frente dos professores, não importa o lugar onde você está e
com quem está, a única coisa que você quer fazer é chorar. Eu corro lá para o
bloco e choro muito, muito. (Aluno 02).
A vítima da perseguição se sente humilhada, porque ela está ali, quer se misturar
junto com os outros, ela está querendo entrar no grupo, mas não consegue, porque
o grupo humilha, espalha boatos, fala besteiras dela por ai, ela vai ficar muito mal,
magoada. (Aluno 04).
Eu já passei por isso e... (silêncio) posso dizer que não é nada bom!...Você se sente
um lixo! Primeiro as pessoas precisam te conhecer..., por certo motivo acham que
você é anormal. Você se sente muito rebaixada! (Choro...) Muito... muito mal!
(Aluno 05).
Tem pessoas que ficam tristes, que choram, que tem vontade de ir embora do
colégio e nunca mais voltar. Eu já cheguei a ficar muito chateado com algumas
histórias por ai, daí tu fica com vergonha de sair, não sabe o que os outros estão
pensando de você. É ruim chegar num lugar e ser isolado, ninguém falar com
você, você se sente um nada. (Aluno 06).
Olha sinceramente, eu tento não dar bola, porque se eu parar para pensar, vai
muito fundo. Mas a maioria das pessoas se sente repudiadas pelo resto da
sociedade, constrangidas, se sentem enganadas, desprotegidas. [...] Se sentem
muito mal, sem saber o que fazer.. (Aluno 08).
Na hora te dá vontade de pegar os cara e encher de lixo, [...] Dá raiva! Bastante
raiva! Dá vontade de sair batendo nos cara, só que não tem o que fazer, porque são
todos da 3ª. Eu me sinto mal numa hora dessas. [...] (Aluno 09).
Ah! A gente fica com vergonha, fica meio deprimida, não tem vontade de ir ali no
meio dos outros, a gente fica mais num canto, recolhida (silêncio e choro), porque
se sente mal é muito dolorido tentar chegar próximo de alguém pra conversar e
eles saírem de perto ou senão ter a sensação que estão comentando e rindo de
você. (Aluno 10).
Independente da forma como a violência tenha sido vivenciada pelos alvos,
observou-se nas falas, nas expressões e no conteúdo subjetivo das mesmas que as agressões
geram sentimentos diversos, mas essencialmente de cunho negativo.
Através da análise das unidades textuais, evidencia-se, de forma geral, que os
alunos se sentem incomodados com as atitudes dos colegas. Eles apontaram ser acometidos
por sentimentos diversos: tristeza, mágoa, revolta, vergonha, constrangimento, isolamento,
raiva, vontade de fazer a mesma coisa com os agressores, vontade de desistir/mudar de
escola, entre outros. Deste modo, é possível interpretar que os sentimentos vivenciados pelos
174
alunos vitimizados estão relacionados com sentimentos de menos valia, isolamento social, e
de medo ou raiva reprimida, causando mal-estar psicológico entre as vítimas.
A citação de sentimentos ruins e incoerentes com boa saúde mental foi fortemente
evidenciada nos relatos. Humilhação, tristeza e sofrimento devido a rejeição, ao isolamento
pela aparência física, devido aos apelidos pejorativos, foram marcantes dentro da pesquisa.
Estes relatos confirmaram o que antes já havíamos considerado, que as marcas
deixadas pelo bullying no adolescente são profundas, magoando-o no íntimo de seu ser,
desestruturando áreas de sua vida, principalmente relacionadas à autoestima e socialização.
É possível perceber porque o bullying predispõe os alvos a uma ampla gama de
problemas psicológicos, e está associada à maior número de encaminhamentos para os
serviços de saúde mental, na escola pesquisada inclusive.
Percebemos em alguns alunos relatos de indignação diante da disseminação do
bullying no ambiente escolar.
Eu sofri no 1º ano, não irei fazer outros sofrer, mas geralmente é isso que
acontece... tem pessoas que não conseguem fazer porque sabem o quanto é ruim,
mas outros já pensam em se vingar. (Aluno 02).
Eu fico indignado com essa história de que todo o 1º ano deve sofrer e o 3º ano
mandar. Se acabasse com isso, tudo ficaria melhor na escola, as relações seriam
mais amigas e menos interesseiras. Isso precisa acabar, os alunos não podem mais
seguir pensando assim, ensinados pelos outros mais antigos a terem que agir
assim. Eu não posso falar pelos outros meus colegas do 1º, mas eu não vou agir
assim e não vou querer deixar amigo meu fazer isso. (Aluno 04).
Eu fico indignado, cara! Eu não vou fazer com os meus calouros o que estão
fazendo comigo. Eu digo: Não vou fazer com eles o que fazem comigo!” (Aluno
08).
Outra questão já evidenciada, e contrária também acontece. Em consequência dos
sentimentos negativos despertados pelas diferentes formas de bullying observou-se, pela
análise dos conteúdos das verbalizações dos entrevistados, que muitos dos envolvidos com o
bullying desenvolvem um verdadeiro sentimento de vingança e, em determinado momento,
passam de vítimas a agressores, passando a repetir com outros colegas os mesmos maus
tratos a que era submetida. Esses comportamentos decorrem de um processo complexo que
envolve a dinâmica do bullying evidenciada na escola (círculo-vicioso).
É fato que todas as pessoas em um contexto geral querem ser reconhecidas e
respeitadas pelos outros, pelo grupo ao qual pertence. Com o adolescente isso não poderia
ser diferente. Dentro da pesquisa, os sofrimentos diante dos maus tratos, constrangimentos e
175
gozações aos alvos de bullying, forneceram dados de alerta acerca do problema. Por mais
que os entrevistados tentassem disfarçar e calar os sentimentos, era visível a tristeza e o
descontentamento dos indivíduos afetados.
A escola pesquisada de posse de dados tão significativos precisa com urgência
pensar em práticas preventivas e de combate ao bullying, pois não é mais possível que
jovens que procuram a escola pensando em ter futuro melhor, acabem sendo afetados de
maneira tão severa pela prática de bullying.
4.2.3 – Como os alunos percebem os maus tratos entre os pares e suas consequências
Além dos prejuízos acadêmicos e dos problemas no âmbito da saúde física e
emocional, outra consequência do bullying que merece destaque, pois ocorre na instituição
pesquisada, é o fato da reprodução e da naturalização da violência. Com o passar do tempo,
as atitudes de intimidação e agressão adotadas pelos autores de bullying, passaram a fazer
parte do cotidiano da escola, gerando certa acomodação e psicoadaptação – os alunos
acabam agindo como se isto fosse normal. É como apontam Gomes e Sanzovo (2013, p.
143, grifo do autor) “[...] seja nos casos de maus-tratos ou agressões meramente pontuais,
seja nos casos de bullying, a conclusão é certeira: a violência acarreta, dentre outras mazelas
e sequelas, mais violência, incitando, ao invés de minimizar, a prática do bullying.”
O fato é que na medida em que a escola não consegue intervir nessas situações, ou
não dá a devida importância, acaba legitimando e contribuindo com o modelo de relações de
convívio que vai se estabelecendo entre os alunos, constituindo-se em um saber difundido
como “certo, justo e normal” dentro da escola.
Constata-se que, no geral, que os comportamentos agressivos que ocorrem na
escola passam a ser admitidos como naturais, sendo habitualmente ignorados ou não
valorizados, tanto por alunos, como por professores, quanto pelos pais. Na própria fala dos
alunos, os mesmos não reconhecem muitas vezes, como expressões que agrediam os demais:
A gente coloca apelido, mas todo mundo gosta e também coloca nos outros.
(Aluno 01).
Aqui no colégio, desde sempre, por exemplo, formando dá as regras, manda e
“bixo” obedece. Foi assim com o meu pai, quando ele estudou aqui e continua
comigo. Não se pode acabar com a tradição, isso de sofrer você se acostuma,
fizeram para você e depois você faz para os outros... é assim que deve ser. (Aluno
10).
176
Os relatos evidenciam a naturalização da violência existente no âmbito escolar, tal
como se observa no trecho do aluno 10: “[...] você se acostuma, fizeram para você e depois
você faz para os outros.” Os alunos convivem neste ambiente e acabam considerando
situações de violência como normais, algo inerente a própria condição da instituição. “Isso
faz parte da cultura da escola, é algo inquestionável, todos terão a oportunidade de passar
por todas as séries e aproveitar. Agora é a nossa vez.” Este foi o relato de um aluno
participante da pesquisa que se encontrava no 3º ano.
Nas exposições dos alunos isso fica bem evidente e percebe-se o conformismo e o
fato não se importar com os sentimentos do outro.
Aqui no colégio agrícola não é lugar de criancinhas, que não suportam
brincadeiras, esses devem ficar em casa, pois são um empecilho na vida dos outros
estudantes, que muitas vezes recebem punições desnecessárias, por coisas tipo
apelidos, cobrança de coca... isso é coisa normal de acontecer. (Aluno 01).
Discussões são normais aqui, alguns mandam e os outros tem que baixar a orelha,
sabe, isso é cultura da escola (Aluno 03).
Você brigar, xingar, implicar, debochar com os outros é normal com essa piazada
aqui, não é real, é aquelas “briga de brincadeira”, “é normal entre nós”, só se
estressa quem quer ser diferente... tem que entrar nessa onda... apelidar, zoar,
detonar os outros também. (Aluno 09).
São poucos os alunos que observam a violência e os conflitos como uma prática
não admissível e que deve ser abolida da escola, porque todos os alunos têm os mesmos
direitos (e estes, normalmente são alunos do 1º ano), que são os que mais sofrem com os
maus tratos.
Ressalta-se que afirmações do tipo: é cultural, é tradição, sempre foi assim, é
normal entre nós (presentes nos relatos dos alunos), precisam ser avaliadas pela instituição
pesquisada, pois já se demonstrou os problemas decorrentes desse modelo de relações de
convivência presentes no cotidiano escolar. Se essa linguagem faz parte do dia-a-dia da
escola, há indícios de que isso não está sendo considerado ou não se dá a devida atenção.
Diante disso, a violência passa a ser normal no ambiente, não apenas para os alunos, mas
para toda a comunidade escolar. Diante desse contexto é importante analisar também, em
que grau a instituição pode estar reforçando tais pensamentos por meio de seu fazer
pedagógico, pois tudo que se vive lá dentro resulta em aprendizagens que se estendem para
toda a vida, principalmente para quem está em um período de reafirmação e ressignificação
177
de valores, que busca apoio nas relações de amizades, e, nesse contexto, as relações
interpessoais são fundamentais.
Percebe-se também através dos relatos, que os alunos, a partir de seu ingresso na
instituição, sofrem influências que os conduzem ao modelo culturalmente instituído naquele
ambiente. Esses ensinamentos aos novatos ocorrem a partir das relações interpessoais, no
repasse das experiências pelos alunos mais velhos e isto se acentua quando se trata dos
alunos internos. O relato do aluno 01 vem ao encontro do exposto:
Conforme vão passando os anos a gente vai mudando a nossa concepção aqui
dentro. Vai vendo que o que nós achávamos ruim no 1º ano, o que faziam com a
gente não era para maltratar e sim ensinar como nós deveríamos ser quando
estivéssemos no 3º ano, a fim de manter a ordem das coisas. (Aluno 01).
Esse modelo de relacionamento está tão enraizado na instituição que até mesmo os
alunos mais inconformados acabam se moldando, muitas vezes por medo, outras vezes por
indiferença. É interessante destacar nas falas dos adolescentes, o medo que alguns possuem
em sofrer represálias, em razão dos conflitos que ocorrem na escola devido a essa “cultura”
institucionalizada, tais como se relata:
Tem uns que dizem não e não acontece nada, já teve outros que disseram não ou
questionaram algumas atitudes e que apanharam. Eu tenho certeza que isso não foi
para a diretoria, pois ninguém tem coragem de ir contra ao que eles estabelecem.
(Aluno 04).
A indiferença também é usada por muitos alunos como estratégia de defesa frente
aos conflitos.
A indiferença para mim é a melhor coisa nessas horas. Quanto mais mostrar que tu
se incomoda, mais eles vão fazer. E não adiante nem bater! (Aluno 02).
É melhor ficar na sua. Bater de frente é pior. (Aluno 09).
Sei lá, a gente acaba se acostumando a ter que levar na esportiva, porque é melhor
fazer isso do que bater de frente, ir denunciar e tal... E se você se incomodar, daí é
que eles fazem... porque se eles percebem que você se incomoda, fica chateado, se
deixa atingir, daí que eles aprontam mesmo. (Aluno 10).
A sociedade e a cultura contribuem para o estabelecimento de códigos da
sociabilidade adolescente que produzem práticas de aceitação ou intimidação entre os jovens
no contexto escolar. Nesse sentido, tais práticas podem incorrer em situações de difícil
178
intervenção e compreensão, pois tendem a ser legitimadas (ensinadas e aprendidas) como
fatos banais, levando a violência ao processo de naturalização pela própria comunidade
escolar – fato este evidenciado nos relatos dos alunos. E a triste consequência é que:
violência gera mais violência.
Constata-se, diante do exposto, a urgência de se refletir, enquanto escola, com
relação aos modelos de relações instituídos. Conforme alerta Eyng (2011, p. 112, grifo do
autor) “O bullying não pode ser naturalizado ou ignorado.” É necessário verificar se o
projeto educativo institucional oferece o suporte necessário para quebrar esse ciclo vicioso
violento estabelecido nas formas de relacionamento entre alunos, que a muito tempo vem
sendo aceito praticamente sem questionamentos.
Toda a comunidade escolar precisa estar disposta a conhecer o que se passa com os
alunos, pois é necessário o envolvimento de todos no processo educativo da Instituição,
visando a resolução dos problemas identificados.
4.2.4 – A importância do grupo de amigos
Os adolescentes vão se desvinculando de seus pais e as relações com os
colegas/grupo de amigos ganham em importância, em intensidade e em estabilidade,
passando a ser o contexto de socialização mais influente. Dessa forma, os valores do grupo
de semelhantes são muito importantes para o adolescente. E sendo assim, os conflitos que
envolvem grupos de adolescentes e a desvalorização do sujeito perante os colegas
contribuem muito para a expressão de sentimentos negativos.
Conforme Silva (2010, p. 67, grifo nosso):
A adolescência pressupõe riscos, aventuras, inquietações, angústias, descobertas,
irresponsabilidades pontuais, insensatez, paixões, emoções exacerbadas etc. [...]
Elas são, na maioria absoluta dos casos, manifestações exasperadas, ainda que
disfuncionais e socialmente inaceitáveis, de jovens se lançando na busca de sua
própria identidade. [...] Nesse contexto de dúvidas, incertezas e agressividade, o
grupo vem a ser o lugar privilegiado do reconhecimento individual e, por isso,
objeto afetivo de enorme relevância. É no grupo que o sentimento de vínculo do
adolescente encontra canal para se expressar na forma de linguagem verbal, física
e comportamental.
O ser humano sente a necessidade de se adequar ao grupo ao qual pertence, e com
os adolescentes não é diferente. Segundo Campos (2010, p. 102) “Os companheiros de
idade, a roda de amigos e a turma ajudam o adolescente a encontrar sua própria identidade,
179
em um contexto social.” E é por isso que, muitas vezes, as pessoas aceitam os maus tratos,
sem se impor. A insegurança, o receio da rejeição, o desejo de ter valor e de ser reconhecido,
de ser parte de um grupo é comum aos seres humanos, especialmente àqueles que estão se
desenvolvendo. Conforme Tognetta (2010) “é desconcertante ir contra um grupo em que se
está inserido, ser diferente” No caso particular do adolescente, a necessidade de pertencer ao
grupo é um fator preponderante nessa faixa etária. A tendência dos adolescentes é unirem-se
ao grupo de iguais e neles buscar apoio para os desafios que vão se apresentando. Conforme
indica Campos (2010, p. 40) quando surge um dilema, em resposta a ele os jovens procuram
apoio em seus companheiros de idade. Eles vão preferir pedir ajuda e conselhos aos pares do
que procurar os pais ou os professores. Isso fica muito evidente nas falas dos alunos
participantes da pesquisa, quando discorrem a respeito do significado dos amigos para eles
dentro da escola:
Eles significam bastante coisa! Aqui dentro eles são que nem irmão, que nem uma
irmã, irmão... pai, as vezes pai e mãe. Que todo mundo tem mais liberdade com o
pai ou a mãe, ou nem sempre com eles... então eles significam bastante aqui
dentro... ficar sem um, oh! Ficar sem um amigo é bem difícil. (Aluno 02).
Eles representam uma segunda família aqui, né, porque você não tá em casa. A
gente se vê bastante, eles te acolhem quando você tá mal, que nem, tipo... uma
segunda mãe... assim... uma segunda família, eles ajudam a entender os problemas,
você pode contar com eles sempre. Sem eles você se sente sem nada... você se
sente desnorteada. (Aluno 05).
Ah! Os meus amigos são um motivo prá mim estar aqui dentro ainda. Prá mim
descansar, prá mim relaxar, prá mim tá ligado, prá tirar a cabeça dos estudos, prá
mim conseguir descansar. E se eu não tivesse eles, se por acaso fosse excluído... aí
eu... num caso desses não aguentaria ficar aqui dentro do colégio. Eu acho que não
estaria mais aqui. Sem meus amigos, com certeza, eu não estaria mais aqui.
(Aluno 09).
As relações com os pares desempenham um papel central na vida dos adolescentes.
É com os colegas que eles contam intensamente durante a adolescência para suporte
emocional e amizades. Então ter uma participação no grupo de pares é vital para o indivíduo
nesta fase do desenvolvimento humano. A turma ou grupo são uma base segura, da qual ele
se apropria e movimenta-se em direção a uma solução singular do processo de identidade.
Observando-se os relatos dos alunos compreende-se ainda mais a necessidade destes laços
no decorrer da adolescência. Trata-se de um mecanismo efetivo no qual as interações
funcionam como um elemento de autoafirmação e fornecedora de segurança emocional. Em
alguns dos relatos os alunos declararam que se porventura não tivessem amigos dentro da
180
escola, esse seria um motivo para abandoná-la. Em outros relatos, percebe-se claramente
que, muitas vezes, os adolescentes relacionam a figura do amigo com familiares ou parentes
próximos (atribuem o mesmo significado). Pode-se sintetizar, por meio da análise dos
relatos, que a definição de “amigo” para sujeitos da pesquisa é a de alguém com quem “se
pode contar” e o fato de cultivar amigos e ser aceitos por estes é visto como necessário para
todos os entrevistados.
Um fator bastante relevante na ocorrência de bullying diz respeito às relações
estabelecidas com os pares. Para os adolescentes a posição que ocupam entre seus pares é
muito importante, por isso, não ser aceito pelos pares ou não ser estimado por eles, oferece
menos oportunidades dele desenvolver suas habilidades sociais.
A existência de vínculos afetivos significativos entre os alunos, sejam eles das
relações estabelecidas de amizade ou de namoro, são importantes tanto pelo seu papel
socializador e de formação de identidade, como também por permitirem que os adolescentes
partilhem o conhecimento, já que eles podem constantemente estudar juntos.
O relato de um aluno exemplifica a importância do grupo de colegas no momento
dos trabalhos de aula em grupo:
[...] Às vezes, quando eu não tinha grupo, ficava sozinha, daí eu via os outros
grupos fazendo o trabalho e ficava pensando: “Ah, bem que a gente podia estar
fazendo juntos, a gente poderia estar estudando e brincando ao mesmo tempo. Daí
eu ficava assim... com preguiça.... ficava meio triste e sem vontade de fazer o
trabalho. Ficava isolada, sem fazer nada. (Aluno 02).
Ver-se isolado, excluído perante um grupo de colegas evoca sentimentos negativos
nos alunos participantes do estudo e fica explícito no relato do aluno 02. Ser preterido pelos
colegas numa atividade coletiva é muito frustrante e dolorido para as vítimas, que além do
isolamento, apresentam sentimentos de tristeza, desânimo, falta de vontade de estudar.
A importância dada à existência dos vínculos de amizade confirma a noção de que,
na adolescência, os relacionamentos com outros indivíduos e com grupos diversos,
diferentes da família, são priorizados. (PEREIRA, 2005; CAMPOS, 2010).
Buscando compreender o grau de entrosamento dos alunos com os amigos,
perguntamos: “Quantos bons amigos (amigos de verdade) você tem na escola?”
181
Tabela 15 – Quantos bons amigos você tem na escola
OPÇÕES RESPOSTAS TOTAL (%)
Apenas um 15 7,18%
Dois ou três 51 24,40%
Quatro ou cinco 83 39,71%
Mais de seis 43 20,57%
Não tenho nenhum bom amigo 17 8,13%
Fonte: Pesquisa de Campo (2013)
A análise dos resultados dos questionários mostra que a maioria dos alunos indicou
possuir amigos dentro da escola. Percebe-se que 4 ou 5 amigos é a quantidade apontada por
39,71% dos respondentes do questionário. Com as entrevistas foi possível compreender que
as amizades são muito valorizadas e os vínculos de confiança que se estabelecem entre os
alunos são extremamente importantes para “aguentar” (termo utilizado pelos alunos) ficar na
escola, morar no internato, longe da família. Nota-se que se as relações de amizade que até
então costumavam ser orientadas pelas atividades (brincar, estudar, etc.), na adolescência
tornam-se mais autoconscientes e mais analíticas, sendo construídas a partir do
estabelecimento de vínculos afetivo.
Outro fator que merece destaque é o número significativo de alunos que apontaram
não possuir nenhum bom amigo dentro da escola (8,13%). Estes alunos enfrentam uma
situação muito difícil, pois já destacamos a importância do grupo de iguais na adolescência.
Isto ficou evidente na fala do aluno 05:
É muito difícil viver aqui sem ninguém com quem contar, sem ninguém
para desabafar, conversar, ou mesmo dar umas risadas. Eu já sofri muito
com o isolamento aqui. Hoje, Agora vou na Psicóloga e tomo remédio para
depressão. (Aluno 05).
Percebe-se que a escola é um espaço conveniente e fundamental ao estabelecimento
de relações, que podem marcar de forma decisiva a vida dos adolescentes. Apesar das
relações próximas serem extremamente importantes para pessoas de todas as idades, é na
adolescência que emergem as primeiras relações verdadeiramente íntimas.
182
4.2.5 – Quanto à intervenção dos pais nos casos de bullying
O bullying é uma violência velada, silenciosa, e os alvos nem sempre tem
condições e habilidades pessoais para livrar-se das agressões sozinhos ou nem sempre
encontram espaço na família para compartilhar a aflição pela qual estão passando.63
Porém,
os filhos sinalizam de alguma forma seus problemas e os pais precisam estar atentos a estes
indicadores, que muitas vezes são desesperados pedidos de ajuda. Pode-se destacar: o
desinteresse pela escola, a vontade de abandonar os estudos/trocar de escola, medo da
escola, marcas de intimidação, sinais de isolamento, mudanças de comportamento, entre
outros.
Segundo os alunos, as atitudes individuais dos alvos de bullying na tentativa de
interromper as agressões não surtem muito efeito. Isso gera ainda mais sentimentos de
impotência e vergonha aos alvos.
Não adianta eu já fiz de tudo, quanto mais fala, mais eles tentam me atingir. É
pior, a gente fica cada vez mais exposto, mais gente fica sabendo. Quando eu
mandei relatório para o CGAE, daí que eles ficaram espalhando boatos para todo
mundo de coisas que nem existiam. (Aluno 02).
Não adianta falar. Melhora por uns dias depois voltar a acontecer e até pior.
(Aluno 05).
Na maioria das vezes, os alvos não buscam ajuda e acabam sofrendo em silêncio.
Porém, quando já tentaram resolver os problemas e conflitos sozinhos e não obtiveram êxito,
uma saída é recorrer aos pais. O relato abaixo evidencia que a possibilidade de intervenção
dos pais, nos casos de violência e maus tratos entre colegas, pode gerar resultados positivos:
É bem difícil... Eu liguei prá mãe: “Eu quero ir prá casa! Não quero mais ficar
aqui... Tá terrível!” A gente chora no telefone. Daí a minha mãe veio aqui,
conversou com a direção, daí me convenceu a ficar. Prá mim resolveu, valeu a
pena. Eu falei e foi resolvido. E se eu não tivesse falado para minha mãe, ia
continuar acontecendo e ninguém ia saber, só eu ia ficar lá sofrendo, sozinha.
Porque se ninguém souber não tem como te ajudar. Acho que tem que falar para os
pais e denunciar os colegas que agridem. (Aluno 10).
63
É comum que a vítima mantenha a lei do silêncio, pois, na maioria das vezes, as agressões são apenas morais
e não deixam vestígios. Ela tem medo e vergonha de falar sobre as humilhações e, em muitos casos, teme que o
problema se agrave se for tornado público. Outras vítimas temem, inclusive, a reação desproporcional ou
escandalosa dos pais e preferem ficar em silêncio. Por último, muitas vítimas temem que a escola não possa
fazer nada para ajuda-las. (CALHAU, 2011, p. 43).
183
Já em outros casos parece ocorrer o contrário:
Eu comentava a situação com os meus pais. Só que eles iam conversar no colégio.
Conversavam, daí um dia resolvia e depois voltava tudo a mesma coisa. Daí não
adiantava nada. (Aluno 02).
Eu estava muito triste pelas coisas que vinham acontecendo no colégio, daí
conversei com a minha mãe, e ela veio aqui. Isso só piorou a situação, porque daí
eles tinham mais um motivo para tirar com a minha cara. Tipo: “Vai chorar...
chama a mamãe!” (Aluno 05).
Embora os alunos tenham relatado situações de êxito e também de não resolução
dos problemas de maus tratos após a intervenção da família, acredita-se que o papel dos
pais, diante de situações que envolvam violência na escola, seja o de acompanhar o caso
com os gestores da escola, estando sempre atentos às providências que foram adotadas para
que a segurança dos filhos seja assegurada. Os pais não devem ter receio de procurar a
escola e de reclamar, sugerir, exigir que esta tome providências no sentido de prevenção e
combate a violência.
Com relação a intervenção dos pais, Silva (2010, p. 69) traz:
As “ferramentas” que os adultos devem utilizar para intervir, evitando as
consequências mais dramáticas nessa difícil fase de transição para a vida adulta,
são: o estímulo ao diálogo, a escuta atenta e empática, a construção de vínculos
afetivos fortes, o desenvolvimento de uma reflexão crítica, o incentivo à
participação familiar e escolar, a orientação para a responsabilização por si
mesmos e pelos outros, a criação e a implementação de regras e o estabelecimento
precoce (desde os primeiros anos de vida) de limites bem definidos.
Com relação ao papel da família diante do bullying, Pereira et al (2011, p. 147)
coloca que este é decisivo no desenrolar das práticas agressivas estabelecidas no contexto da
escola. A participação da família na dinâmica da escola é necessária e insubstituível. A
participação da família na vida escolar dos filhos vai além de simplesmente conhecer
professores e diretores.64
O acompanhamento da trajetória escolar dos filhos, por meio do
diálogo constante, é determinante ao perfil comportamental do estudante. Os autores trazem
64
Existe um distanciamento das famílias com as escolas, motivado pelo entendimento de que a relação das
crianças e adolescentes com seus colégios seja restrito ao ensino e ao aprendizado. Portanto, os meios pelos
quais os pais avaliam o desempenho escolar de seus filhos são a verificação de notas nos boletins, a frequência
e os cadernos de anotações. Raramente existe a preocupação sobre o que sentem ao estar na escola, as
amizades, o ambiente, o comportamento de seu filho e dos colegas, etc. (LOPES NETO, 2011, p. 86).
184
ainda que “há evidências de que o estilo parental se relaciona às condutas manifestadas pelos
alunos nos contextos escolares.” (ibid).
A dinâmica familiar pode reforçar a violência, principalmente quando faltam regras
claras, quando falta coerência entre valores proclamados e vivenciados e, sobretudo, quando
falta afetividade nas relações familiares. Nesse sentido, “a aproximação família e escola é
um desafio à espera de respostas e que está diretamente relacionado à origem e aos
desdobramentos das práticas de bullying.” (PEREIRA, et al, 2011, p. 147).
A linguagem da violência está, infelizmente, muito enraizada na sociedade e nos
meios de comunicação e é amplamente utilizada em algumas famílias: as crianças
absorvem e reproduzem, desde cedo, os padrões de relacionamento com os quais
convivem. [...] Será que é em casa que seu filho está aprendendo que a agressão é
uma ferramenta básica para se relacionar com os outros? (MALDONADO, 2011,
p. 136).
A autora levanta por meio desta pergunta um chamado a muitos pais para que
observem os padrões de relacionamento em suas famílias. Será que dentro de casa não
ocorrem situações de maus tratos, humilhações, agressões, xingamentos, insultos, colocação
de apelidos, rótulos (burro, desligado, imprestável)? Nem sempre os pais se dão conta de
que certos comportamentos que o filho manifesta são aprendidos em casa, como resultado da
interação entre os familiares. (FANTE, 2005, p. 76). Além disso, como é o tempo de
convívio das famílias? Atualmente, percebe-se, cada vez mais, pais trabalhando muito para
proporcionar o “melhor” aos filhos; filhos cheios de atividades (inglês, natação, futebol,
judô); e cada qual mergulhado em seus próprios interesses, sem tempo para encontros e
atividades conjuntas.
Diante do exposto, podemos afirmar que a base familiar revela-se como um apoio,
um abrigo para os filhos, principalmente para os adolescentes. Os pais devem favorecer em
casa um ambiente participativo, aberto ao diálogo, buscar entender e ajudar este jovem nas
situações de dificuldades com o grupo de iguais, e nunca favorecer a baixa autoestima e
carência afetiva, devendo fornecer sustentação emocional nesse período do desenvolvimento
humano, marcado por tantas incertezas e dificuldades. Os pais necessitam preocupar-se com
as atitudes e os exemplos e participar da vida social e escolar dos filhos, pois é numa
estrutura familiar sólida que o adolescente vai suprir suas necessidades de valorização,
limites, amor. Valores estes que contribuem para o desenvolvimento de autodefesa e
autoafirmação.
185
Fante (2005, p. 76) acrescenta que é necessário que os pais acompanhem dia a dia o
andamento escolar do filho, sendo esta tarefa obrigatória de ambos (pai e mãe), procurando
incentivá-lo com entusiasmo e corrigi-lo com brandura. Somente assim, observando e
acompanhando o filho com atenção é que os pais poderão detectar sinais de vitimização e/ou
indícios de agressividade.
Quando os pais suspeitarem ou perceberem algum comportamento diferente ou
estranho do filho, estes devem estabelecer uma conexão direta com ele, buscando
informações, detalhes do que está ocorrendo. Fante (2005, p. 75-76) diz que em casos de
vitimização “os pais devem procurar elevar a autoestima dos seus filhos, ressaltar sempre
suas qualidades e capacidades, procurar não culpá-los pelo que lhes está ocorrendo nem
incentivá-los a revidar os ataques, pois isso somente aumentaria a violência.”
Infelizmente, temos assistido ainda, principalmente entre as famílias cujas crianças
são vítimas de qualquer violência, pais que incentivam seus filhos a baterem de
volta, a também utilizarem violência física ou verbal para com seus agressores. É
compreensível que em sua indignação esses pais se revoltem e atuem junto a seus
filhos, julgando melhores a coragem, a força e a virilidade para a autodefesa. No
entanto, é preciso que levemos em conta a nossa condição enquanto adultos: nós
temos a possibilidade de pensar sob mais de uma possibilidade para resolver os
problemas, principalmente de forma mais evoluída que supere as tendências de
uma justiça retributiva que se traduza em revide da violência sofrida. É possível,
no entanto, que auxiliemos as vítimas dando a elas a possibilidade de se indignar.
Quando questionamos, por exemplo: “Por que você deixou que ele te batesse? O
que você pode fazer para que isso não aconteça novamente?” Estamos
contribuindo para que a criança tome consciência de sua importância e que ela
pode se defender. (TOGNETTA, 2005, p. 16).
4.2.6 – Quanto à atuação da escola frente ao bullying.
O bullying ocorre em todas as escolas e se manifesta diariamente, em maior ou
menor grau. Conforme Fante e Pedra (2008, p. 52) o bullying sempre existiu no ambiente
escolar, porém, muitas escolas ainda não admitem a existência do fenômeno, ou seja, não
percebem, não aceitam ou não dão a devida importância às dificuldades de relacionamento
entre os alunos dentro de seus muros. Contudo, o despreparo e o desconhecimento dos
profissionais da educação diante do fenômeno bullying não são justificativas para a falta de
posicionamento adequado da escola frente às situações de bullying.
Sabe-se que o papel da escola sofreu mudanças drásticas, e atualmente vai além da
função de formação acadêmica, agregando também funções como a socialização, formação
186
de caráter e a cidadania. Seus objetivos vão além de ensinar conteúdo. A escola é um espaço
de interação entre seus participantes, é também um lugar onde os adolescentes aprendem a
se relacionar, adquirem valores e crenças, desenvolvem senso crítico, autoestima e a
segurança.
Minayo (1999, p. 114) traz que uma escola ideal é aquela que favorece um
ambiente saudável:
[...] é aquela que respeita e estimula os alunos a pensar. São escolas em que, além
de o aluno aprender as matérias, se permite que ele cresça como pessoa e cidadão.
Ou seja, ela é a instituição que realiza, ao mesmo tempo, sua função de construir
conhecimentos, convivências, experiências e crítica social e, assim, cumpre
importante papel socializador.
Entende-se que o papel da escola diante do bullying deve ser, primeiro, o de
reconhecer a existência da problemática, para depois poder traçar estratégias para preveni-lo
e extingui-lo. Acredita-se, que a prevenção começa pelo conhecimento. Conforme Tognetta
2005, p.14) em primeiro lugar, é preciso se faça um diagnóstico da situação escolar que
comprove que na instituição se encontram vítimas e agressores de bullying. É preciso que as
escolas pesquisem a sua realidade e reconheçam a existência do bullying e, sobretudo,
estejam conscientes de seus prejuízos para a personalidade e o desenvolvimento
socioeducacional dos alunos.
Rolim (2008) destaca, que a preocupação de prevenir o bullying e a violência em
geral devem ser pensadas desde os primeiros anos de vida do indivíduo, dessa forma a
família deveria ser a primeira a se preocupar em transmitir uma cultura de paz, porém a
escola, a sociedade e o Estado não estão eximidos dessa responsabilização, pelo contrário,
possuem um papel de extrema importância na continuidade da formação das crianças e
adolescentes.
Faz parte, então, do papel da escola a construção de habilidades sociais, incluindo a
comunicação, o ato de fazer amigos e a resolução de conflitos.
Visando conhecer a opinião dos alunos sobre a forma como a escola lida com os
casos de violência, perguntamos a eles: “Como você acha que o CGAE/direção da escola
lidam com os casos de violência, preconceito, desrespeito e agressão repetitiva entre
colegas?
As respostas a esta questão estão apresentadas na tabela a seguir:
187
Tabela 16 – Opinião dos alunos a respeito de como a escola lida com os casos de violência,
desrespeito e agressão repetitiva.
OPÇÕES RESPOSTAS TOTAL (%)
Normalmente eles nem ficam sabendo 79 37,80%
Normalmente quando sabem não tomam nenhuma
providência
32 15,31%
Normalmente quando sabem buscam punir os culpados 65 31,10%
Normalmente quando sabem buscam resolver o problema,
orientar os culpados, mas sem puni-los
33 15,78%
Fonte: Pesquisa de Campo (2013)
Diante dos dados da tabela acima, percebe-se que a maioria dos alunos (53,11%)
demonstrou descrença na atuação da escola frente aos casos de bullying, sendo que 37,80%
afirmaram que, normalmente, os responsáveis nem ficam sabendo do que ocorre entre os
alunos, e somam-se a estes 15,31% dos alunos que apontaram que, normalmente, quando a
escola sabe não toma nenhuma providência.
Tem muitas coisas que acontecem e a maioria dessas coisas o CGAE não vê,
porque os alunos são espertos. Mas tem outras que acontecem que o CGAE não vê
não porque não consegue, a maioria dessas coisas o CGAE não vê porque não
quer. (Aluno 08).
Evidencia-se então, a questão velada da violência entre pares, já que “a escola”, na
maioria das vezes, nem fica sabendo da ocorrência de bullying entre os alunos, mas ele
ocorre em grande percentual.
O fato de 15,31% dos pesquisados terem apontado que diante dos casos de bullying
a escola não toma providências, pode segundo Lopes Neto (2011, p. 105), contribuir para o
aumento dos índices de agressividade entre os alunos. “Ao perceber que o bullying é
tolerado pelas escolas e que seus autores não sofrem punições e gozam de popularidade,
destaque social e poder, muitos estudantes podem aderir a esse tipo de comportamento
também, aumentando os índices de agressividade entre os escolares. (ibid).
Outra questão a ser discutida, são as providências tomadas pela escola em caso de
identificação de situações de bullying. Segundo os alunos, normalmente, quando os
responsáveis ficam sabendo de situações envolvendo bullying, eles buscam punir os
culpados – isto foi apontado por 31,10% dos pesquisados.
188
Stival et al (2011, p. 195) baseados em Fante (2005) trazem algumas orientações
imediatas que devem sem seguidas pela escola no caso de observância de casos de bullying:
[...] intervir imediatamente e tomar consciência imediata quando for percebida
uma situação de bullying; falar com os envolvidos separadamente (no caso de
professores) e encaminhar a mesma conversa para os pais dos mesmos para que a
continuidade dessa conversa seja apreciada no contexto familiar; Se houver mais
de um participante direto da situação, quer seja agressor, observador ou vítima, ser
cuidadoso com a abordagem para não expor ainda mais a vítima (que deve ser
observada em sigilo); No caso da vítima, pedir que os pais lhe deem proteção e
sempre mostrem interesse sobre o assunto já que ela estará sentindo medo e a
intimidação de uma futura retaliação; Consultar outros professores e funcionários,
pais e demais familiares e fazer uma maior leitura sobre o problema, alertando-os
na colaboração. (STIVAL et al, 2011, p. 195, grifo do autor).
A escola não pode jamais fechar os olhos diante de casos de maus-tratos entre
estudantes, sob pena de incitar este tipo de comportamento. Percebe-se que a intervenção
precisa ser imediata e que os cuidados no trato com os envolvidos é de extrema importância,
sempre visando a não exposição dos alunos, que normalmente possuem idade inferior a 18
anos – nesses casos a família deve ser sempre solicitada a acompanhar o caso.
Tognetta (2005, p. 15) fala que a escola tem que agir com cautela, “para que as
vítimas não sejam colocadas mais em exposição do que já estão e mesmo aos agressores,
porque tais ações nada mais acarretarão do que a ampliação do problema.”
Porém, vale destacar que estas medidas – embora necessárias – são o “remédio”,
servem para lidar com as situações de bullying que já ocorreram. Mas, a escola precisa ir
além, ela deve pensar em estratégias de intervenção e prevenção (“vacina” antibullying).
Somente um trabalho efetivo e diferenciado, com toda a comunidade escolar será capaz de
reduzir as ocorrências de bullying. É necessário se pensar na formação dos profissionais que
lidam com os alunos, para que estes estejam aptos a lidar com as situações que ocorrem no
dia-a-dia. Com os alunos é importante pensar em projetos de convivência, onde seja
garantida a participação de todos.
Os relatos dos participantes demostraram o desejo pela intervenção por parte da
escola nos casos de bullying e também indicaram que esperam punições mais rigorosas para
os que praticam atos de violência contra os colegas:
Nos casos de bullying, tem que por os culpados para fora da escola, expulsar, seria
a melhor coisa do mundo. Senão, acontece o que está acontecendo, o caso vai para
a direção, lá se conversa, os culpados prometem, juram para todos os santos que
não vão mais fazer. É mentira! Saem de lá e no corredor continuam provocando,
não resolve nada!. (Aluno 01).
189
Teria como se resolver a situação se a direção tomasse uma atitude de colocar mais
monitores alguma coisa assim e começar a fazer cumprir as regras, fazer valer o
que está escrito nas regras, pode ser que mude. Porque a maioria das coisas que
estão escritas nas regras eles não estão fazendo valer, nesses casos. (Aluno 04).
Se eles aplicassem punições mais severas para essa prática de quem não tem o que
fazer, iria diminuir o número de brigas aqui no colégio. (Aluno 05).
Aqui na escola é necessário mais atenção por parte do CGAE, porque é preciso se
cumprir as regras. Não adianta passar a mão na cabeça, dar chance, dar horas, é
preciso punir os culpados, senão não vai impor respeito. Quanto mais chance dá,
mais eles enfrentam. Como não acontece nada, todo mundo se acha no direito de
humilhar, de expor os outros. Eles dizem: “Ah, não dá nada!”. (Aluno 10).
As falas acima evidenciam o desejo dos alunos pelo cumprimento das regras
(Regimento) – isso é expressado pelos alunos 04 e 10 – e pela punição dos agressores. Nota-
se no relato do aluno 10, justamente o que coloca Lopes Neto (2011, p. 105), se a escola
tolerar casos de bullying e não tomar providências, outros alunos se sentirão no direito de
fazer a mesma coisa. O aluno 01, por sua vez, manifesta o desejo de punições mais severas,
como a expulsão/troca de escola, talvez por entender que esta seja a única forma de uma
vítima se sentir segura – ou seja, com o agressor não estando mais no ambiente da escola. A
ideia de punições mais severas é expressada também pelo auno 05.
Seguindo-se a investigação e buscando-se saber mais a respeito do que os alunos
pensam sobre os encaminhamentos que devem ser dados diante dos casos de bullying,
perguntamos aos alunos: “Na sua opinião, qual deve ser o encaminhamento da escola
diante de situações de violência entre pares?
Tabela 17 – Qual deve ser o encaminhamento da escola diante de situações de bullying
OPÇÕES RESPOSTAS TOTAL (%)
Expulsão / transferência dos alunos envolvidos 80 38,28%
Conversa de orientação entre equipe da escola, os
responsáveis e os envolvidos na situação.
86 41,15%
Se for aluno interno, deve perder o internato 45 21,53%
Outros 18 8,61%
Fonte: Pesquisa de Campo (2013).
Comprova-se diante dos resultados, que todos os participantes da pesquisa indicam
que os autores de bullying devem sofrer alguma pena. Desses, 41,15% querem punições
mais educativas, como por exemplo: conversas de orientação entre equipe da escola, os
190
responsáveis e os envolvidos na situação. Porém, 38,28% são mais severos: acreditam que
os alunos que maltratam os colegas devem ser expulsos da instituição. Ainda, 21,53%
colocam que os autores de bullying devem perder o direito ao internato (casa do estudante).
As punições podem até evitar que as brincadeiras que oprimem e maltratam
aumentem, mas não são suficientes quando se pensa em prevenir novos eventos. O problema
do bullying e da violência velada é muito mais sério do que parece, quem causa o bullying
não precisa apenas de punição rigorosa, precisa também de acompanhamento da escola, da
participação dos pais, da ajuda de todos que estão à sua volta.
Conforme Tognetta (2010) “comumente usamos formas de punições, que são
também tão violentas quanto às formas de violência que assistimos em nossas escolas.”
Os recursos para reduzir o bullying, conforme os pesquisadores do assunto, não
estão em ações rígidas e punições rigorosas aos autores da violência, e sim num trabalho de
resgate de valores e de conscientização sobre o que é certo e o que é errado, que deve ser
desenvolvido com os alunos.
Lopes Neto (2011, p. 70) fala a respeito das punições:
[...] a suspensão ou exclusão de estudantes autores de bullying podem ser vistas
como atitudes graves e inadequadas à uma criança ou adolescente que,
supostamente, necessite ser tão apoiado quanto o colega que sofre suas agressões.
Mas podem ser medidas que fortalecem a sensação de segurança para as
testemunhas e alvos.
Com base nesta colocação de Lopes Neto, percebe-se que os alunos, principalmente
os que são vítimas do bullying querem se livrar do agressor e por isso são favoráveis a
expulsão e a perda do internato como medida punitiva. Porém, sabe-se que estarão se
livrando deste agressor, mas logo outro poderá ocupar o seu lugar, já que esta medida
punitiva em nada contribui para evitar novos casos de violência.
O questionário proporcionava a opção Outros, deixando espaço aberto a diferentes
entendimentos sobre os encaminhamentos que poderiam ser adotados pela escola em casos
de bullying. Nesta opção surgiram as seguintes propostas de encaminhamentos, na opinião
dos alunos:
Fazer os alunos pagar horas de trabalho na escola. (4,3%)
Encaminhar o caso para a polícia/promotor de justiça. (2,87%)
191
Chamar/falar com os pais dos envolvidos. (1,91%)
A escola deve dar advertência verbal, pois punições geram mais raiva aos
agressores. (0,96%)
A escola deve motivar o aluno a mudar de atitude e ver as coisas de outra forma
(0,48%)
Vigiar e punir mais. (0,48%)
A escola deve deixar os alunos seguir a tradição. (0,96%)
A escola deve deixar acontecer, pois no próximo ano o aluno afetado se vinga.
(0,48%)
Não adianta nenhuma medida por parte da escola, pois qualquer coisa só faz
aumentar as agressões. (0,48%)
Embora poucos alunos tenham manifestado encaminhamentos diferentes dos já
propostos no questionário, as propostas nos trouxeram algumas possibilidades de análise. A
proposta de pagamento de horas de trabalho, sugerida por 4,3% dos participantes, já é uma
alternativa adotada pela Instituição em estudo, e isso mostra que alguns alunos
compreendem que ela seja eficaz.
Já outros 2,87% dos participantes sugerem encaminhar o caso para a
polícia/promotor de justiça. Esta é uma medida cabível, principalmente em casos mais
graves, já que as condutas do bullying encontram perfeita correspondência com os crimes
previstos no código penal (xingamentos – injúria; fofocas – difamação; agressão física –
lesão corporal; entre outras manifestações), porém isso não exime a escola de se posicionar
sobre o caso. Os principais estudiosos do assunto costumam ser contrários a
neocriminalização do bullying, pois esta apenas atingirá as consequências e não as causas
desencadeadoras dos eventos agressivos. (GOMES e SANZOVO, 2013, p. 55). O
enfrentamento e o combate ao fenômeno bullying demandam ações e programas
preventivos, desenvolvidos pela e na escola e direcionados a especificidade desta. Ainda
segundo os autores, a melhor política a ser adotada pela escola é a prevenção. (ibid).
Outra proposta, marcada por 1,91% dos participantes, foi chamar/falar com os pais
dos envolvidos, visto que os envolvidos são menores e precisam ser representados pelos
pais, que mais do que isso, precisam acompanhar a vida escolar dos filhos e são
imprescindíveis, nesta atuação conjunta com a escola, visando o enfrentamento do bullying.
Outras opções aparecem com menor representatividade, porém duas delas merecem
ser comentadas: “A escola deve deixar os alunos seguir a tradição”, apontada por 0,96%
192
dos participantes e “A escola deve deixar acontecer, pois no próximo ano o aluno afetado se
vinga”, opção de 0,48% dos participantes. Embora os índices não sejam tão significativos,
destaca-se nestas opções a questão da naturalização da violência, tema já abordado neste
trabalho. Alguns alunos acreditam que a escola não deve tomar providências em casos de
bullying, pois os alunos que sofrem terão a oportunidade de “vingar-se”, das agressões
sofridas em outros colegas, e assim o círculo-vicioso da violência (ou “tradição” como
preferem dizer os alunos), continua.
Para concluir, na questão nº 25 do questionário, fechamos com uma questão aberta
buscando sugestões dos alunos para que a escola se torne um local menos agressivo e mais
agradável de conviver.
A tabela 17 apresenta algumas sugestões de melhoria fornecidas pelos alunos na
questão e podem servir como parâmetros para possíveis estratégias da escola no combate ao
bullying65
:
Tabela 18 – Sugestões de melhoria
SUGESTÔES FREQUÊNCIA TOTAL (%)
Mais vistorias e acompanhamento dos alunos 04 1,91%
Trabalhos de orientação/conscientização, sobre respeito às
diferenças, convívio, desigualdades, preconceito, etc.
32 15,31%
Mais funcionários para cuidar e acompanhar os alunos 18 8,61%
Punições justas / mais severas / cumprimento das regras 42 20,10%
Proporcionar mais atividades grupais, como gincanas,
passeios, lazer, atividades esportivas e de integração
08 3,83%
Melhores condições de convívio, infraestrutura,
principalmente nos alojamentos e áreas comuns (refeitório,
locais de estudo, lazer)
12 5,74%
Colocar mais segurança, mais câmeras de monitoramento 16 7,65%
Fonte: Pesquisa de Campo (2013).
As sugestões apontadas pelos participantes demonstram o envolvimento dos alunos
com a causa em questão e a vontade dos mesmos de poder conviver em um ambiente mais
65
Para fins de explanação neste item foram consideradas apenas as respostas que traziam sugestões de
melhorias, outros comentários surgidos nesta questão aberta serão, quando pertinentes ao estudo, serão trazidos
durante o trabalho.
193
agradável e fraterno. Todas as sugestões deveriam ser analisadas e poderão ser aproveitadas
pela escola, pois representam as reais necessidades dos alunos.
Na opinião dos alunos algumas medidas por parte da escola poderiam contribuir
para minimizar a existência de conflitos, principalmente nos alojamentos (local apontado
como o mais propício a ocorrência de bullying na escola). Entre outros, destaca-se: i) a
existência de um acompanhamento mais sistemático e mais próximo por parte da equipe de
assistentes e coordenadores (alguém que possa exercer um papel de mediador nas situações
de conflito e violência); ii) a realização de trabalhos em grupo que possibilitassem a reflexão
constante dos alunos e de toda a comunidade escolar acerca de aspectos como comunicação,
liderança, conflitos, violência, bullying, cooperação, os quais fazem parte da vida em
ambiente coletivo; iii) proporcionar mais atividades integrativas entre os alunos; iv)
proporcionar melhorias na infraestrutura do internato e nos locais de convívio (menor
número de alojados por quarto, existência de banheiros privativos e de local adequado ao
estudo, melhor limpeza dos alojamentos, etc).
20,10% dos alunos esperam que a escola, em casos de bullying, cumpra com as
regras, seja mais severa, porém ofereça punições justas aos envolvidos. 15,31% acreditam
que são imprescindíveis os trabalhos de orientação/conscientização de toda comunidade
escolar, sendo sugeridos inclusive temas a serem abordados: respeito às diferenças,
convívio, desigualdades, preconceito, entre outros. Através deste trabalho de informação e
conscientização os índices de desrespeito podem ser diminuídos e o convívio se tornará
menos agressivo e mais cordial entre colegas.
Foram apontadas também, necessidade de mais profissionais para acompanhar os
alunos e melhorias nas condições de convívio, infraestrutura, principalmente nos
alojamentos e áreas comuns (refeitório, locais de estudo, lazer). Estas melhorias
representam, principalmente, a necessidade de uma alteração na estrutura e funcionamento
do internato, por exemplo, redução do número de alunos por quarto, banheiros privativos,
melhorias que poderiam diminuir as situações de enfrentamento e consequentemente reduzir
os casos de bullying.
Proporcionar mais atividades grupais, como gincanas, passeios, lazer, atividades
esportivas e de integração, também, na visão dos alunos isto facilita o entrosamento e torna
o convívio melhor.
194
4.2.6.1 – Atuação da escola – algumas considerações
Diante de todo o exposto, percebe-se que a escola não está totalmente passiva
diante dos problemas de violência entre os pares. Pode-se mencionar a sua posição de tentar
evitar as situações de violência e também as de tentar descobrir quem são os envolvidos
(alvos e autores), quando estes colocam câmeras de vigilância nos ambientes mais propícios
aos acontecimentos de bullying, a exemplo, nos alojamentos. Porém, diante dos
acontecimentos e dos dados da pesquisa evidencia-se que tais iniciativas não têm conseguido
evitar e muito menos empreender uma visível transformação ou prevenção do bullying e
outros tipos de violência dentro da instituição, pelo menos, não aos olhos dos alunos
participantes da pesquisa.
Conforme expõem Tognetta e Vinha, é necessário:
[...] olhar para as intervenções que a escola tem realizado, posto que, apesar de
bem intencionadas, não raro têm gerado aumento da violência e da manutenção da
heteronomia, tornando mais desgostosos e desmotivados alunos e professores.
Consideremos que talvez o perigo esteja na acomodação e na manutenção de um
sistema escolar falido que não dá mais conta de educar para a complexidade de
nossa sociedade contemporânea e que a oportunidade pode estar na possibilidade
de transformação, de reestruturação desse sistema, adaptando-o às novas
necessidades e circunstâncias. (TOGNETTA E VINHA, 2011, p.14, grifo do
autor).
Nota-se que as ações da escola diante dos casos de violência entre pares são
apoiadas em instrumentos corretivos. Conforme Tognetta (2010) “a escola se preocupa
demasiadamente com os problemas de indisciplina e se esquece de um problema que é
frequente entre meninos e meninas – o bullying” e na escola pesquisada não é diferente. E
ao considerar e tratar tudo que ocorre envolvendo os alunos na escola como indisciplina,
quando estes acontecimentos chegam ao conhecimento dos responsáveis, são aplicadas
sanções punitivas, de acordo com o regimento disciplinar dos alunos.
Tognetta e Vinha (2008, p. 04) complementam dizendo que “Infelizmente, as
atenções dos adultos que educam estão voltadas às formas de indisciplina, ou mesmo aos
constantes desinteresses dos educandos às matérias escolares.” E que de maneira geral,
professores e educadores não estão atentos aos casos de bullying.
Observa-se na Instituição pesquisada que a intervenção dos responsáveis, na
maioria das vezes efetuada por meio de ações corretivas e punitivas, não tem conferido aos
195
alvos o resultado que eles desejam, ou seja, o cessar da vitimização. Também não tem
contribuído em nada para a prevenção do fenômeno.
Aprender a identificar potenciais situações de risco é o grande desafio da instituição
pesquisada. Isso se faz com programas de prevenção – e não por atividades pontuais, como
chamar um especialista para dar uma palestra sobre o tema na escola e depois nunca mais
falar do assunto. É muito importante entendermos que apenas as punições aos autores de
bullying não resolverão os casos. O autor precisa da atenção responsável de toda a
comunidade escolar (pais, professores, gestores), para que estes, conjuntamente, possam
auxiliá-lo numa mudança de atitudes e de comportamento.
Conforme Tognetta (2010) embora os autores de bullying “sintam prazer em
provocar os outros, precisam ser vistos como também necessitando de ajuda, pois carecem
de um ‘mal’ cujo remédio também é de responsabilidade da escola: carecem de sensibilidade
moral [...] espécie de capacidade de sair de si, do ponto de vista cognitivo e afetivo para ver
o outro como um sujeito digno de respeito.” Ou seja, os autores de bullying, embora tenham
a intenção de maltratar o alvo, também precisam de apoio porque não conseguem se ver
como valor e são normalmente incapazes de reconhecer seus próprios sentimentos e
consequentemente os sentimentos dos outros.
Conforme Tognetta (2010) “as ações iniciais para vencer o bullying precisam ser da
escola.” A autora traz ainda, que normalmente, o que ocorre hoje nas escolas é querer
terceirizar o trabalho de ação contra o bullying, já que se acredita que chamando por
exemplo, o Conselho Tutelar, a Polícia, discando 0800... se resolverá o problema do
bullying. Mas, é “dentro da escola que as ações para ajudar esses adolescentes a superarem
esses atos violentos, a falta de valor, a ausência de reconhecimento de sentimentos deve
começar.” (ibid). Lopes Neto (2011, p. 16) também defende que a solução para o problema
da violência escolar e do bullying “está dentro das estruturas e redes da própria escola.”
Um espaço comprometido com a formação e com o educar – seja na escola, na
família ou em qualquer ambiente de convivência – precisa estar preparado para acolher
autores, alvos e espectadores, caso contrário será reprodutor da intolerância. Pereira et al,
(2011, p. 141) complementa dizendo que “introduzir na escola processos formativos
voltados à educação emocional, com práticas cotidianas de convívio respeitoso, nas diversas
interações, pode contribuir para a melhoria do convívio e prevenção da violência.”
196
E mais, todos na escola devem estar informados e empenhados nesse combate, não
somente o Orientador, o Psicólogo ou o Diretor da escola. Esse é um trabalho conjunto e que
necessita do comprometimento e do empenho de todos.
Tognetta e Vinha (2008, p. 222) ressaltam que:
[...] a implantação de um projeto anti-bullying requer uma reflexão da
comunidade educativa em relação às próprias condutas. Sim, pois o compromisso
de um projeto como esse engloba orientadores, professores, diretores, alunos, pais,
enfim, todos que integram o que chamamos de comunidade educativa.
Nesse sentido, a Instituição precisa se empenhar na identificação das causas desses
conflitos e violências e trabalha-las em conjunto. Fica evidente que não basta atacar os
sintomas por meio das punições e da vigilância, é necessário desenvolver por meio da
prática diária atitudes de respeito no convívio com o outro. Fante (2005, p. 90, grifo do
autor) traz que justamente “a única forma de obtenção de sucesso na redução do bullying é a
cooperação de todos os envolvidos: alunos, professores, gestores e pais.” E Lopes Neto
(2011, p. 63) reforça: “Não há projetos antibullying bem-sucedidos sem o envolvimento de
toda a comunidade escolar, professores, funcionários, pais e estudantes.”
Para combater o bullying as escolas necessitam compartilhar e unificar os esforços
de todos os seus membros. Ideias claras e compartilhadas sobre como abordar a
criação de um projeto de atuação comum contra o maltrato são necessárias. A
soma das decisões, estratégias e esforços de todos finalmente conformarão um
instrumento (o Projeto Antibullying) que deverá servir para diminuir os níveis de
bullying proporcionar ambientes de convivência mais sadios e mais estáveis.
(AVILÉS, 2013, p. 14, grifo do autor.)
A respeito da forma como alguns professores lidam com o problema do bullying
um aluno manifestou na entrevista:
Eu te digo, você que está trabalhando com o problema do bullying, o problema do
bullying aqui na escola não vai melhorar, porque na sala os professores deixam
acontecer as coisas, eles acabam só se preocupando com a matéria, passar os
conteúdos. Tudo que fica acontecendo ao redor parece que não importa, eles não
se importam com as coisas que os alunos fazem uns para os outros. Na minha sala
é muito complicado. Mas o pior ainda, o pior... são professores que reforçam e
parecem que concordam com as atitudes de bullying que acontecem, porque
também chamam os alunos de apelidos, fazem zoação, dão risada quando alguns
são humilhados... Só tem uma professora que é firme e não permite que essas
coisas ocorram na aula dela. Então não adianta nada você aqui, se preocupando
com tudo isso, se lá na nossa sala acontece essas coisas. (Aluno 03).
197
A fala do aluno 03 retrata muito bem a forma como alguns professores lidam com
as situações de mal tratos entre alunos na escola pesquisada. Percebe-se que muitos parecem
não dar importância, outros não tomam providências e permitem que isto ocorra durante as
suas aulas, outros ainda, reforçam e participam das situações. Cabe destacar, que estar atento
às atitudes, comportamentos dos alunos e poder intervir no momento exato, é essencial no
combate ao bullying, e é tarefa de todos. Estando o professor em contato direto e mais
próximo dos alunos, eles possuem um papel primordial na tarefa de prevenção e
intervenção.
Quanto ao papel e participação de professores na resolução e prevenção do
bullying, Pereira et al (2011, p. 146) traz que estes:
[...] sentiam que alguém, não eles próprios, deveria lidar com a situação: o diretor
da escola, o coordenador pedagógico, o orientador ou o psicólogo escolar, mas não
o professor da turma. [...] parece claro que muitos professores têm receio pessoal
de intervir e o desejo de evitar a responsabilidade de agir diretamente.
Consideramos que as possíveis incertezas dos professores nesta área disciplinar
podem encorajar os agressores. Além de contribuir para o sentimento de falta de
confiança e de segurança na escola, por parte das vítimas, esse dado ajuda a
explicar a alta incidência de alunos que não informam aos professores, mesmo
quando estão a ser seriamente vitimados por um colega ou grupo de colegas.
Gomes e Sanzovo (2013, p. 94) também concordam que a omissão dos professores
frente a violência escolar propicia um ambiente favorável para a ocorrência do bullying.
“[...] quando professores ignoram a prática agressiva, conferem condições necessárias para
que a impunidade impere e a violência se perpetue.” (ibid).
Lopes Neto (2011, p. 45) complementa colocando que a omissão dos professores
diante da violência e do bullying é decorrente do próprio desconhecimento do fenômeno.66
“[...] eles não sabem o que fazer...”. (ibid). Não sabem como lidar diante de acontecimentos
agressivos e entendem que os alunos devem encontrar as soluções para seus problemas.
“Conhecer uma determinada realidade não significa saber lidar com essa realidade”
(PEREIRA et al, 2011, p. 152).
Fante (2005, p. 68) também contribui colocando que o:
66
Conforme Gisi (2011, p. 50) Em relação ao bullying, as dificuldades sentidas, por parte dos professores, têm
relação direta com a formação recebida, que não dá conta de lidar com a diversidade social e cultural hoje
existente nas escolas. A autora complementa: “É fundamental que os professores tenham formação adequada
para lidar com as situações de bullying em todos os momentos em que se manifesta na escola, em especial para
atuar na sua prevenção.” (ibid, p. 63, grifo do autor).
198
[...] despreparo dos professores ocorre porque, tradicionalmente, nos cursos de
formação acadêmica e nos cursos de capacitação, são treinados com técnicas que
unicamente os habilitam para o ensino de suas disciplinas, não sendo valorizada e
necessidade de lidarem com o afeto e muito menos com os conflitos e com os
sentimentos dos alunos.
Tognetta (2010) aponta que está na “formação dos professores um canal para a
compreensão desse fenômeno humano e a possibilidade de intervenção.” A autora também
concorda que a formação dos professores é falha neste sentido, e por isto eles tendem a olhar
para o bullying como brincadeira, perdendo uma grande oportunidade de, a partir de um
conflito, trabalhar o conviver, criar espaços para que os alunos possam compreender que
existem outras formas de se resolver um conflito.
Isso acaba sendo um reforço à tolerância a violência, onde a maioria dos casos de
bullying é ignorada, fazendo com que muitos alunos não contem nada aos professores sobre
seus sofrimentos, pois sabem que nada ou muito pouco será feito para defendê-los, e que, ao
se expor, a situação pode se agravar ainda mais. Diante disso, percebe-se que os professores
têm um papel importante e decisivo na prevenção e no combate ao bullying.
A escola tem em suas mãos o compromisso em educar não somente para os testes,
para o vestibular, para uma profissão, mas para a vida. Conforme Gomes e Sanzovo (2013,
p.58) “[...] a escola desempenha uma função social indiscutivelmente fundamental na vida
do aluno. Mediante a transmissão de conceitos, valores e ensinamentos, objetiva não apenas
a formação profissional do indivíduo, mas, sobretudo, sua própria socialização. E, ai se pode
pensar nos conflitos vividos pelos seus alunos como oportunidade de promover
aprendizagem, reflexão e internalização de valores (TOGNETTA; VINHA, 2010). “Se a
formação ética é, portanto, tarefa da escola, superar a violência o é por extensão”
(TOGNETTA, 2009, p. 8), entretanto, a ação de transformar conflitos em formação moral
desafia as escolas que ainda priorizam a educação formal e o conhecimento unicamente
científico.
Avaliar o bom desempenho dos estudantes pelas notas dos testes e cumprimento
das tarefas não é suficiente. Perceber e monitorar as habilidades ou possíveis
dificuldades que possam ter os jovens em seu convívio social com os colegas passa
a ser atitude obrigatória daqueles que assumiram a responsabilidade pela educação,
saúde e segurança de seus alunos, pacientes e filhos. (LOPES NETO, 2005, p.
S169)
Através da pesquisa e da fala dos sujeitos foi possível identificar que no cotidiano
da escola há algo a ser modificado em sua estrutura que opta por conteúdos que excluem
199
uma necessidade notadamente humana – a de se aprender a resolver conflitos. Normalmente
quando o professor identifica um conflito ou a situação chega até ele de outro modo, sua
preocupação é em resolver o mais breve possível para que possa retomar sua “tarefa
principal”, a de ensinar o conteúdo programático. Sua intervenção tende a ser pontual
demais, sem avaliar o que houve por trás deste conflito ou simplesmente (e normalmente é o
que mais ocorre) encaminhar o caso para a Coordenação responsável.
Talvez seja esse contexto um fator permissivo para que o bullying aconteça. Afinal,
e segundo Tognetta (2010), a escola está mais preocupada com a indisciplina de seus alunos
e em criar novas regras para que eles se comportem dentro dos padrões, em vez de voltar seu
olhar para as relações.
Reforça-se o desenvolvimento cognitivo e intelectual e, não se deixa espaço para
desenvolver habilidades pessoais e grupais para solucionar os conflitos. Neste ambiente
orientado à supervalorização da cognição questões fundamentais ficam sem resposta, como
exemplo: Como evitar a violência? Como enfrentar as agressões e as humilhações? Em
quem confiar? A quem pedir ajuda? Como enfrentar os conflitos interpessoais?” Nota-se que
a questão da solução para os casos de bullying está muito mais implícita e é mais intensa do
que puramente defender o “alvo” e condenar o “autor”.
Conforme nos traz Lopes Neto (2011, p. 52) atitudes puramente punitivas ou
excludentes, que se “baseiam na lógica de expurgar o mau, sem se preocupar em criar um
ambiente seguro, saudável e prazeroso, não são estratégias efetivas no controle e redução do
bullying.”
Gomes e Sanzovo (2013, p. 53) complementam dizendo que, pela
multidisciplinaridade que envolve o bullying, também não é eficiente o seu combate através
da ferramenta penal, mas, sim, com medidas, ações e planos preventivos. “A intervenção do
direito penal só tem sentido em último caso, para situações muito graves, que mereçam
algum tipo de sanção e eventual reparação de danos” (ibid, p. 56). O sistema penal é a última
ratio, segundo os autores. Não se previne e combate o fenômeno bullying através da
tipificação penal e sim com programas antibullying aplicados de acordo com a realidade e o
contexto de cada estabelecimento de ensino, com a participação de todos os envolvidos.
É necessário, nas escolas, acabar com a ideia ilusória de que respostas oriundas de
organismos policiais e judiciais serão suficientes para reduzir condutas agressivas entre os
estudantes. “É preciso ficar atento a essa tendência, que fragiliza a escola em sua natureza
200
educativa e a supõe como uma réplica de uma instituição policial, cujos métodos de
excelência são a repressão e a punição” (PEREIRA et al, 2011, p. 149).
Somente um trabalho conjunto e cooperativo poderá sustentar um modelo de
intervenção que responda de forma eficaz às necessidades e demandas da escola. Somente
uma educação voltada à moral será capaz de dar espaço para que crianças e adolescentes não
somente compreendam como lidar com situações de violência, mas também tenham a
oportunidade de contribuir para uma discussão construtiva sobre o porquê essas situações
ocorrem, como o alvo, o autor e a testemunha se sentem respectivamente em seus papéis.
Não há outra forma mais eficiente de aprender valores, senão pela prática, pela confrontação
direta entre “o que acontece” e o “o que eu posso fazer”. Em outras palavras, dar voz aos
alunos. Eles precisam e querem espaço para participar, para poder falar sobre suas vivências,
suas dificuldades e serem ouvidos, poderem opinar. Isso ficou muito claro nos discursos dos
participantes da pesquisa.
Tognetta (2010, p. 10) traz uma contribuição valiosa no combate a violência entre
pares:
[...] superar formas de violência significa dar a essas crianças espaços para que
elas possam compreender que existem outras maneiras de se resolver um conflito.
Pouco adianta punir o autor de bullying e afirmar que ele é mau já que é preciso
ajudá-lo a perceber a perspectiva do outro. E como fazemos isso? Primeiro este
outro terá que falar como se sente e não o professor, porque quando falamos, o
valor está em nos obedecer e não respeitar àquele que sofreu as ofensas. Por essa
razão crianças e adolescentes precisam ser acostumadas a dizer como se sentem.
Esses alunos, autores ou alvos, infelizmente, não têm espaço para dizer como se
sentem, se chateados ou revoltados, porque quando se sentem revoltados agem da
mesma maneira, causando revolta nos outros.
O diálogo aberto e a reflexão devem ser estratégias básicas no trabalho educativo
com os adolescentes. Segundo o educador Paulo Freire, o diálogo é uma exigência em
qualquer relacionamento e consiste em uma relação horizontal e não vertical entre as
pessoas implicadas, principalmente entre sujeitos em processo de formação. Esta
compreensão é o que dá sentido a esta frase célebre de Paulo Freire: “Ninguém educa
ninguém. Ninguém se educa sozinho. Os homens se educam juntos na transformação do
mundo.” (FREIRE, 1987, p. 52). É no diálogo coletivo – sustentado pelo respeito, pelo
amor, pela humildade, pela confiança, pela esperança – que se aprecia o saber de todos.
201
Tognetta (2005, p. 15) acrescenta a respeito do diálogo:
É através do diálogo que conseguimos a tomada de consciência do problema. No
entanto, o diálogo às vezes é confundido por pais ou professores com extensos
sermões. Passam horas a fio fazendo um sermão e depois não sabem porque, na
manhã seguinte, o interlocutor está se comportando do mesmo jeito. Exatamente
porque para a tomada de consciência, é preciso que quem antecipe as
consequências de suas ações, quem reconstitua mentalmente os fatos acontecidos,
quem compare as possibilidades de resolução do problema, seja o próprio sujeito
envolvido.
É importante ainda dar suporte a todos os envolvidos nos casos de bullying de
forma individual, pensando na preservação de cada sujeito. Mas é importante também, que
se aborde o tema com o coletivo, com a finalidade especial de prevenir episódios futuros, de
explanar as consequências dos maus tratos e a importância em lidar adequadamente com
eles quando ocorrerem. Isso diz respeito inclusive, e talvez, principalmente, aos
espectadores, no sentido de que percebam-se como sujeitos ativos, responsáveis pelo bem
estar do outro a medida em que denunciam a violência, que desprezam os maus tratos e que
deixam de ser o público que incentiva o autor e intimida o alvo.
Tognetta (2010) apresenta que “boas soluções para combater o bullying na escola,
implicariam então, formas de ajudar os nossos meninos e meninas que são em número muito
maior – o público, a se indignarem contra as injustiças que veem dia-a-dia.”
É pensando na educação moral que, a escola apresenta-se como referência para que
se lide com a problemática do bullying. A escola, conforme coloca Pereira et al (2011, p.
144) é uma das principais agências educadoras, tendo força e legitimidade para se consolidar
como gestora de processos de formação humana, voltados a prevenir e reduzir os
comportamentos de bullying.
202
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A intolerância, a ausência de parâmetros que orientem a
convivência pacífica e a falta de habilidade para resolver os
conflitos são algumas das principais dificuldades detectadas
no ambiente escolar. Atualmente, a matéria mais difícil da
escola não é a matemática ou a biologia; a convivência, para
muitos alunos e de todas as séries, talvez seja a matéria mais
difícil de ser aprendida. (FANTE, 2005, p.91).
Embora a expressão e o adequado conceito de bullying ainda sejam novos para
muitas pessoas, vale ressaltar que este fenômeno é antigo, sendo mais uma faceta da
violência que impregna as relações humanas em todas as sociedades, estando
intrinsecamente relacionado à intolerância e ao desrespeito. As estereotipias associadas ao
tema também conservam a compreensão dicotômica e simplista do problema, como ainda é
comum observar-se nas nossas escolas. Isso apenas contribui para a cultura da naturalização
do bullying e de outras atitudes agressivas, principalmente quando o problema é ignorado e
concebido como “brincadeiras típicas da idade”.
Diante de tal realidade e de tantos casos de alunos que apresentam mal-estar e
dificuldades de relacionamento na escola, surgiu o interesse em pesquisar o assunto –
bullying escolar. Ciente das consequências negativas que o bullying pode trazer a vida dos
envolvidos, associado à ausência de dados de pesquisas em escolas com internato
(alojamento) no Brasil, ressalta-se a relevância do estudo da temática neste ambiente
especifico, visando contribuir para um diagnóstico da realidade da escola e futuras
intervenções.
O presente estudo teve como objetivo principal investigar a dinâmica do fenômeno
bullying, dos sujeitos envolvidos e dos aspectos motivadores implicados na incidência de
episódios de desrespeito e violência no Instituto Federal Catarinense – Campus Concórdia.
Para sua realização, foi utilizada uma pesquisa descritiva, de cunho exploratório e de
natureza quanti-qualitativa. Participaram do estudo 209 alunos dos cursos Técnico Integrado
ao Ensino Médio (Agropecuária e Alimentos). Os dados foram coletados através de um
questionário, envolvendo 209 alunos de diversas turmas e séries; e de uma entrevista,
abrangendo 5% dos alunos que responderam ao questionário, identificando saberes e
concepções dos sujeitos da pesquisa a respeito da violência e bullying escolar.
Inicialmente aplicou-se o questionário aos alunos – com a finalidade de
diagnóstico, através do qual foi possível identificar e descrever o nível de conhecimento e a
203
relação dos adolescentes com o bullying (dentre o coletivo dos alunos o que conhecem sobre
o bullying; se estiveram envolvidos em situações desta natureza; quais formas de violência
mais ocorrem no contexto escolar, locais onde ocorrem, entre outros). Na sequência, foram
utilizadas entrevistas (tendo como base de coleta e análise dos dados o método clínico
piagetiano combinado ao uso de situações-problemas) com a finalidade de criar situações
hipotéticas alusivas ao assunto estudado, que oferecessem aos sujeitos participantes um
cenário para instigar a conversa, de maneira que eles pudessem explicitar seus pensamentos,
colocar-se no lugar da cena. Através desta, foi possível dar voz aos alunos, esclarecer e
compreender o ponto de vista deles sobre a temática em questão, aprofundando assuntos já
presentes no questionário.
De acordo com os dados da pesquisa, a maioria dos alunos identifica situações de
conflitos e violência na escola. Cabe destacar, porém, que para que os episódios de violência
sejam considerados bullying é necessário considerar algumas características básicas: ocorre
entre pares; existe a intencionalidade do dano por parte do autor das agressões; a
periodicidade dos atos violentos; a produção de um efeito negativo para os alvos; o fato do
autor receber apoio de um grupo (espectadores); a falta de motivos para a conduta agressiva
e a fragilidade do alvo. Como pode ser observado nas características citadas, além dos alvos,
o fenômeno bullying envolve outros personagens, como: os autores do bullying e os
espectadores.
O estudo realizado no IFC – Campus Concórdia confirmou o que outras pesquisas
realizadas no país já evidenciaram: que o fenômeno bullying está presente no âmbito
escolar, consistindo-se em um dos principais fatores intervenientes para a violência na
escola. A pesquisa forneceu ainda, dados importantes acerca da gravidade da problemática
existente dentro do ambiente escolar pesquisado. Os resultados encontrados permitem
afirmar conforme Tognetta e Vinha (2010a) que existe no cotidiano da escola uma violência
silenciosa que acomete os alunos (alvos de bullying), e que aponta o fato de outros tantos
alunos (autores de bullying) também precisarem de ajuda para inverter uma hierarquia de
valores que coloca a força, o poder, a virilidade, a intolerância à diferença como
privilegiados.
As formas de violência mais percebidas no cotidiano da escola pesquisada não são
em sua maioria materialmente explícitas: são formas sutis de violência. Conforme
apontaram os participantes da pesquisa, a violência psicológica é a que mais ocorre na
204
escola, e é manifestada através de agressão verbal, apelidos, humilhações, ameaças,
constrangimento, fofocas.
A violência velada está presente no cotidiano dos alunos e foi demonstrada na
análise qualitativa da pesquisa. As falas dos alunos, durante as entrevistas, evidenciaram que
os mesmos sentem-se incomodados quando recebem apelidos pejorativos, quando são
rejeitados por seus pares na hora das tarefas em grupo; quando sofrem algum tipo de
intimidação, a exemplo, na fila do refeitório, no intervalo, na cantina, nos alojamentos ou
quando são alvos de mentiras, chacotas e fofocas por parte dos colegas. Os dados apurados
apontaram que um número expressivo de alunos (63,63%) se identificaram como alvos de
mal tratos repetitivos por parte dos colegas.
Outro elemento significativo apontado pelo estudo, é que na Instituição, a presença
da violência é tão comum no cotidiano dos indivíduos, que tende a ser interiorizada como
natural. As agressões e conflitos, normalmente, não são observados pelos alunos como
violência, e em geral, os professores também costumam abordar os episódios violentos com
descaso ou como “brincadeiras”. A naturalização/banalização do bullying, bem como de
outras formas de conflitos, apenas camufla situações de violência a que são submetidos os
alunos, e por consequência, dificultam a identificação e a intervenção por parte da escola.
Os dados coletados evidenciaram um processo complexo que envolve a dinâmica
do bullying na escola – que tende a provocar um círculo-vicioso – no qual muitas vítimas
acabam se tornando os agressores de novos sujeitos em outras oportunidades, ou seja,
passam a repetir com outros colegas os mesmos maus tratos a que foram submetidos,
provocando um crescimento dos índices de violência no IFC – Concórdia.
Com relação às consequências e implicações do bullying, os alunos revelaram que é
comum os alvos buscarem o isolamento, ficarem deprimidos, com vergonha e preocupados.
Além disso, os reflexos nos estudos são evidentes – apresentam queda no rendimento
escolar (notas baixas, dificuldade de concentração, dificuldade de aprendizagem, falta de
motivação para estudar). Apontaram também que a vitimização na escola impede a plena
realização do potencial dos adolescentes, que acabam perdendo a concentração nos estudos e
o entusiasmo pela escola, o que leva na maioria das vezes à desistência do curso ou troca de
escola. Porém, as consequências do bullying incidem não somente nos alvos e autores, mas
em toda a rede social constituída na escola, incluindo colegas, professores e profissionais.
Essa compreensão sistêmica é de suma importância quando se pensa em intervenções que
205
objetivem minimizar a violência e o bullying na escola, bem como, quando se pondera o
alcance e eficácia dessas medidas.
Chegando-se ao final deste trabalho, temos a consciência de que a violência escolar,
e em especial o fenômeno bullying, não é um problema fácil de ser resolvido e que não
existem soluções simples e prontas para se combater e prevenir o bullying. Trata-se de um
problema complexo e de causas múltiplas. Portanto, cada escola, diante da sua realidade
precisa desenvolver estratégias próprias para reduzi-lo e preveni-lo.
Concorda-se com Catini (2004, p. 168) quando esta diz que “uma transformação é
um processo de mudança, exige tempo, exige mudança na postura de todos os profissionais
da escola.” Se estes não estiverem convencidos e conscientes da necessidade de construir
uma ética de relacionamento baseada na cooperação, na igualdade de direitos, no respeito às
diferenças individuais, não poderão mediar esta transformação.
Torna-se necessário que todos os que trabalham no ambiente escolar estejam
capacitados, não só para perceber os atos de bullying que ocorrem no cotidiano escolar, mas
também, para agir de forma eficaz, transformando momentos de conflitos em oportunidades
de aprendizagem. Para isso, faz-se indispensável, profissionais preocupados e
comprometidos com uma educação mais humana e igualitária.
Os recursos propostos para o combate e prevenção do bullying são, na grande
maioria das vezes, voltados a melhorar a supervisão dos alunos, penalidades/punições,
denúncia ao conselho tutelar, palestras isoladas, cartilhas e leis antibullying. Entretanto,
assinala-se a insuficiência destes métodos interventivos pontuais – que até colaboram para a
informação e para “remediar” casos de bullying já ocorridos – mas não são eficientes
quando o objetivo é melhorar a qualidade das relações interpessoais dos alunos e realmente
prevenir o bullying. Sendo assim, considera-se que os processos de prevenção e intervenção
contra o bullying precisam ser da escola, baseados na sua realidade e devem recair sobre as
relações interpessoais, não só de alunos, mas de toda a comunidade escolar. Além disso, as
propostas de intervenção precisam operar sobre alvos, autores e espectadores de bullying,
desmistificando a idéia de que precisamos, apenas, prestar ajuda aos alvos de bullying e punir os
agressores. Ressalta-se, ainda, que os espectadores possuem um papel importante no
fenômeno, eles influenciam diretamente no estímulo ou na inibição aos autores de bullying.
E, nesse sentido, é importante que as propostas de prevenção e intervenção ao bullying
tenham esse grupo como um dos principais públicos-alvo.
206
É fundamental que o bullying não seja visto como um problema pessoal de um
aluno específico, e sim, que a violência que ocorre entre pares é um problema de toda a
comunidade escolar, uma vez que as consequências são danosas para todos os seus
integrantes. Ressalta-se que as estratégias de prevenção e intervenção só serão eficazes se
houver o empenho e a cooperação de todos os envolvidos: professores, funcionários, alunos
e pais. É necessário que se estabeleçam reflexões coletivas e se oportunize a afetiva
participação de todos nesse processo.
Embora este trabalho não objetivasse levantar dados ou fazer um estudo mais
aprofundado sobre as possibilidades de intervenção, destaca-se algumas alternativas que a
escola poderá utilizar, considerando um trabalho antibullying na Instituição. O primeiro
passo seria tomar conhecimento da realidade escolar (para conscientização e compromisso)
e o segundo passo seria a adoção de estratégias de intervenção, prevenção e modificação da
realidade escolar.
Um trabalho antibullying necessita: priorizar a capacitação (sensibilização,
formação e atuação) de todos os profissionais da escola; propiciar a toda comunidade escolar
a reflexão sobre sua própria realidade, buscando coletivamente a solução dos problemas
apresentados; envolver os pais dos alunos, procurando informá-los, conscientizá-los e tê-los
como aliados no processo; realizar reflexões sobre as diversas formas de violência, buscando
conscientizar os alunos através da análise das próprias experiências vivenciadas no
cotidiano; que os alunos através da interiorização de valores humanos, possam desenvolver a
capacidade de empatia; realizar ações que trabalhem a autoestima dos alunos (gostar-se,
estimar-se, respeitar-se); estabelecer e aplicar as regras contra o bullying; trabalhar temas
relacionados a cidadania, convivência na diversidade, valores sociais, tolerância,
relacionamento interpessoal, entre outros, mas não em blocos independentes e indissociados,
mas integrados aos componentes curriculares (abordagem de modo transversal e vivencial);
formar grupos de apoio (que auxiliam na reflexão e solução de casos de bullying); entre
outras.
Para finalizar, destaca-se que os apontamentos e as análises exibidos neste estudo,
representam verdades temporárias, relativas ao contexto e ao momento histórico pesquisado
e que não esgotam as possibilidades de compreensão do fenômeno bullying. Registra-se
também, que alguns tópicos não puderam ser analisados mais profundamente, considerando
que os procedimentos de coleta de dados não deram conta de levantar todas as informações
necessárias. Porém, a riqueza de dados apresentados pode contribuir, em muito, com a
207
equipe gestora e com a equipe de assessoria pedagógica, como diagnóstico da realidade e
poderá ser utilizado para reflexões sobre o assunto. Um estudo mais concreto a respeito da
prevenção e da intervenção ao bullying na instituição pesquisada é de suma importância para
se estabeleçam objetivos, se tracem caminhos a percorrer, visando a solução dos problemas
apontados pela pesquisa. Indica-se também que este estudo pode se constituir em objeto de
futuras investigações e estudos.
De maneira geral, aponta-se também a necessidade de que mais pesquisas tratem a
respeito das estratégias de intervenção ao bullying, sua aplicabilidade, resultados positivos,
facilidades ou dificuldades na implantação, entre outros. Outra questão importante, diz
respeito a projetos que possam contemplar a capacitação dos profissionais que atuam nas
escolas, a fim de trabalhar com o fenômeno bullying.
.
208
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215
APÊNDICES
216
APÊNDICE A – Instrumento de Coleta de dados 01 – Questionário
PESQUISA: BULLYING NA INSTITUIÇÃO EDUCATIVA – AUTOR, ALVO,
ESPECTADOR: “DE QUE” E “DE QUEM” ESTAMOS FALANDO?
QUESTIONÁRIO PARA OS ALUNOS 67
Prezado (a) estudante:
Esta pesquisa tem por objetivo investigar o fenômeno bullying no IFC – Campus Concórdia.
Gostaríamos de saber o que, de fato, acontece nas relações entre os estudantes desta escola. Se eles
se respeitam, se todos estão se sentindo bem no ambiente escolar, ou se há problemas que podem ser
identificados, enfrentados e resolvidos para que o ambiente realmente favoreça o aprendizado e o
crescimento pessoal dos estudantes.
Você NÃO deve escrever seu nome neste questionário, porque nossa intenção não é conhecer o autor
das respostas, porém solicitamos que todos sejam sinceros e contem o que realmente ocorre na
escola.
Agradecemos a participação de todos!
01 - Como você considera o ambiente da sua escola?
( ) Agradável.
( ) Desagradável.
( ) Seguro.
( ) Inseguro.
( ) Indiferente.
02 - Como você se sente estudando no IFC- Campus Concórdia?
( ) Sozinho(a) e sem amigos(as).
( ) Feliz e enturmado(a).
( ) Não gosto, quero mudar de escola.
( ) Triste, por causa dos apelidos e brincadeiras de mau gosto.
( ) Satisfeito.
03 - O que você mais GOSTA na escola?
( ) Colegas.
( ) Espaço Físico.
( ) Professores.
( ) Outros funcionários.
( ) Aulas/Oportunidades de aprendizagem.
( ) Lazer/esporte.
04 - O que você NÃO gosta na escola?
( ) Colegas
( ) Espaço Físico.
( ) Professores.
67
Questionário adaptado em Fante e Pedra (2008) e Rolim (1995).
217
( ) Outros funcionários.
( ) Aulas/Oportunidades de aprendizagem.
( ) Lazer/esporte.
05 - Quantos “bons amigos” (amigos de verdade) você tem na escola? ( ) Apenas um.
( ) Dois ou três.
( ) Quatro ou cinco.
( ) Mais de seis.
( ) Não tenho nenhum bom amigo.
06 - Você identifica conflitos/violência na sua escola?
( ) Sim.
( ) Não.
07 - Você se sente seguro dentro da escola?
( ) Sim.
( ) Não.
08 - Quais as principais formas de violência existentes na sua escola?
( ) Violência física (brigas, socos, pontapés, empurrões, etc).
( ) Violência psicológica (humilhações, ameaças, constrangimento, fofocas, etc).
( ) Violência ao patrimônio (quebrar cadeiras, carteiras, vidros, lâmpadas, etc).
( ) Discriminação na escola (seja por cor, sexo, raça, idade, entre outros).
09 - Quais os principais tipos de violência que ocorrem na sua escola? (você pode
assinalar mais de uma alternativa):
( ) Briga entre alunos (socos, pontapés, empurrões).
( ) Apelidos maldosos.
( ) Trotes.
( ) Agressão verbal (xingamento).
( ) Humilhações.
( ) Ameaças.
( ) Perseguições.
( ) Constrangimento.
( ) Fazem fofocas e espalham mentiras.
( ) Escondem, estragam ou furtam objetos pessoais.
( ) Isolamento de colegas (não deixam fazer parte do grupo).
10 - O lugar mais comum onde o bullying ocorre na escola é: (você pode assinalar mais
de uma alternativa):
( ) Na entrada da escola (portão).
( ) Na saída da escola.
( ) Na rua, durante deslocamento de ida e volta para a escola.
( ) No transporte escolar.
( ) Na sala de aula, quando o professor não está presente.
( ) Na sala de aula, com a presença do professor (durante a aula).
( ) Nos alojamentos.
( ) Durante o recreio/intervalo, no pátio da escola.
218
( ) Nos banheiros da escola.
( ) No ginásio da escola.
( ) No bar/cantina da escola.
( ) Na fila do refeitório.
( ) Pelo celular.
( ) Pela internet (Skype, msn, facebook, e-mail...).
11 - Você já maltratou (xingou, bateu, humilhou, ameaçou, etc) algum colega de escola?
( ) Sim, desde o ano passado maltrato alguns colegas.
( ) Sim, comecei a maltratar alguns colegas este ano.
( ) Sim, já maltratei alguns colegas, porém não faço mais isso.
( ) Sim, maltrato alguns colegas, pois já fui maltratado.
( ) Não, nunca maltratei nenhum colega de escola.
12 - Você já foi maltratado por seus colegas de escola?
( ) Sim, desde o ano passado meus colegas me maltratam.
( ) Sim, meus colegas começaram a me maltratar este ano.
( ) Sim, já fui maltratado por colegas, porém não sou mais.
( ) Não, nunca fui maltratado por colegas de escola.
13 - Você é ou já foi vítima de algum desses problemas (você pode assinalar mais de
uma alternativa):
( ) Receber apelidos pejorativos.
( ) Ser xingado.
( ) Ser motivo de piada (riram de você, humilharam).
( ) Ser alvo de fofocas ou mentiras a seu respeito.
( ) Ser furtado ou danificarem as suas coisas ou dinheiro.
( ) Ser agredido fisicamente – empurrado , puxado ou chutado.
( ) Ser intimidado, ameaçado.
( ) Ser vítima de ciberbullying – ser humilhado, ameaçado, constrangido, vítima de fofoca
através da internet (via e-mail, facebook, Orkut, MSN, blogs) e celular (torpedos).
( ) Ser discriminado por conta de sua cor, raça, opção sexual.
14 - Se sim, há quanto tempo você está se sentindo incomodado(a) com a maneira como
é tratado pelos seus colegas:
( ) Desde o início deste ano.
( ) Desde que entrei na escola.
( ) Não me sinto incomodado.
15 - Quantas vezes você sentiu-se incomodado (a) com brincadeiras de mau gosto na
última semana:
( ) Nenhuma.
( ) Uma vez.
( ) Duas vezes.
( ) Três vezes.
( ) Todos os dias da semana.
219
16 - Se você já sofreu algum tipo de violência na escola, você contou para alguém?
( ) Sim. Para quem? ( ) pais / ( ) professor (a) / ( ) cgae/direção ( ) colega/amigo.
( ) Não. Não contei para ninguém.
( ) Isso nunca aconteceu comigo.
17 - Você já presenciou algum colega praticando bullying (maltratando repetidas vezes
um mesmo colega)?
( ) Sim, várias vezes.
( ) Sim, apenas uma vez.
( ) Não, nunca presenciei colega (s) praticando bullying.
18 - Você conhece um ou mais colegas que tenham sido agredidos, ameaçados, isolados
ou humilhados propositalmente (“por gosto”) por outros colegas?
( ) Sim.
( ) Não.
19 - Como você costuma reagir quando vê algum colega sofrendo bullying (ex.: sendo
ameaçado, desrespeitado, humilhado, agredido) por um ou mais estudantes?
( ) Quando vejo cenas assim, procuro sair de perto e faço de conta que nem vi.
( ) Fico parado assistindo a cena.
( ) Procuro ajudar quem está sendo agredido (“saio em defesa do agredido”).
( ) Normalmente dou risada em casos assim.
( ) Peço aos agressores que “parem” com a violência.
( ) Não faço nada porque isso é normal entre os colegas.
( ) Conto para um responsável pela escola (professor, direção, coordenação).
( ) Conto para os colegas.
( ) Eu nunca vi uma situação deste tipo.
20 - Como você se sente ao presenciar cenas deste tipo (bullying)?
( ) Fico com medo que possa acontecer comigo também.
( ) Fico chateado/triste, pois já fizeram isto comigo também.
( ) Fico preocupado com os colegas agredidos.
( ) Acho engraçado.
( ) Não sinto nada, são brincadeiras.
( ) Eu nunca vi situações deste tipo.
21 - Em que (série/turma) estão os alunos que costumam maltratar/praticar bullying
com os colegas da escola? (pode marcar mais de uma resposta)
( ) Estudam na mesma série.
( ) Estudam em outra série. Qual? ( ) 1ª série / ( ) 2ª série / ( ) 3ª série
22 - Na sua opinião, o que leva um estudante a praticar bullying contra o colega?
(Você pode assinalar mais de uma opção).
( ) Ele faz isto porque quer ser mais popular, sentir-se poderoso.
( ) Ele faz isto porque é mais forte.
( ) Ele faz isto porque se “acha melhor” que os outros.
( ) Ele faz isto por diversão.
( ) Ele faz isto porque é uma pessoa que não se preocupa com os sentimentos do outro.
220
( ) Porque ele deve ter uma relação familiar na qual tudo se resolve pela violência
verbal ou física e ele reproduz isso no ambiente escolar.
( ) Ele faz isto, porque fizeram isto com ele (já sofreu com o bullying).
( ) Ele faz isto por não aceitar que as pessoas são diferentes.
( ) Ele faz isto porque não é punido.
( ) Ele faz isto porque as vítimas merecem, elas provocam.
23 - Na sua opinião, qual deve ser o encaminhamento da escola diante de situações de
violência?
( ) Expulsão / transferências dos alunos envolvidos.
( ) Conversa de orientação entre equipe da escola, os responsáveis e os envolvidos na
situação.
( ) Se for aluno interno, deve perder o internato.
( ) Outros. Qual: _____________________________________________________
24 - Como você acha que o CGAE/direção da escola lidam com casos de violência,
preconceito, desrespeito e agressão repetitiva entre os colegas?
( ) Normalmente, eles nem ficam sabendo.
( ) Normalmente quando sabem, não tomam nenhuma providência.
( ) Normalmente quando sabem, buscam punir os culpados.
( ) Normalmente quando sabem, buscam resolver o problema, orientar os culpados, mas
sem puní-los.
25 - O que você propõe para melhorar a sua escola – para que ela se torne um lugar
menos agressivo e violento e se torne uma escola mais justa, solidária e feliz?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
221
APÊNDICE B – Instrumento 02: Entrevista baseada em histórias de conflitos na escola
PESQUISA: BULLYING NA INSTITUIÇÃO EDUCATIVA – AUTOR, ALVO,
ESPECTADOR: “DE QUE” E “DE QUEM” ESTAMOS FALANDO?
HISTÓRIAS DE CONFLITOS NA ESCOLA (DILEMAS MORAIS)68
1 - Você está na fila do refeitório a mais de 30 min aguardando para almoçar. Vem um
colega e empurra você para fora da fila, exigindo, sob ameaça, que você deixe outros alunos
passarem na sua frente.
Esta é uma situação que ocorre na sua escola?
Com que frequência?
Alunos de que turma sofrem com esta situação?
Como você se sentiria diante desta situação? Tente descrever detalhadamente os
sentimentos de quem vivencia esta situação.
Se fosse você como resolveria/o que faria nesta situação? Por quê?
Ele deve contar para a sua família? Deve procurar os responsáveis pela sua escola e
entregar os colegas?
Você conhece algum caso semelhante a este que ocorreu na sua escola.
Enfrentar uma situação desta com o grupo de colegas pode influenciar na auto-estima
deste aluno a ponto de atrapalhar nos seus estudos?
2 - Vamos supor que alguém da sua classe, por algum motivo, não vai com a cara de um
colega. Ao invés de tentar um diálogo para mudar a situação, essa pessoa começa a fazer
intrigas, influenciar um grupo de pessoas que passam a evitar sua presença (isolam o dito
colega, não querem aceitá-lo nos grupos de trabalhos escolares, excluem-no de
eventos/festas/encontros) e passam a espalhar mentiras (boatos) a respeito deste colega. Sem
contar as gozações e piadinhas que ouvia diariamente.
Esta é uma situação que ocorre na sua escola?
O que leva os alunos a agirem desta forma com o colega?
68
Inspirados em Fante (2005).
222
Como você se sentiria diante desta situação? Tente descrever detalhadamente os
sentimentos de quem vivencia esta situação.
O que você faria neste caso?
Aceitaria não se relacionar com este colega, mesmo não tendo nada contra ele? Faria
isto somente para não ser a próxima vítima (vai que resolvam te isolar também)? Ou
Desafiaria a ordem de não se relacionar com ele e o convidaria para fazer um
trabalho em dupla?
Enfrentar uma situação desta com o grupo de colegas pode atrapalhar a auto-estima
deste aluno a ponto de influenciar negativamente nos seus estudos?
Você conhece algum caso semelhante a este que ocorreu na sua escola.
3 - Maria Sempre foi uma daquelas alunas que tirava notas altas, caprichava nos trabalhos,
estudava bastante para as provas, frequentava a biblioteca da escola, e por isso era vista
como CDF. Seus colegas a criticavam, por isso não tinha amigos, sofria preconceito e era
ridicularizada. Maria entendia que estava fazendo as coisas de forma correta, já que estava
na escola para estudar e se formar, porém isto estava lhe custando um preço muito alto. Seus
colegas sentiam inveja dos elogios e comparações feitas pelos professores e passaram a
excluí-la.
Esta é uma situação que ocorre na sua escola?
Conte algum caso semelhante a este que ocorreu na sua escola.
O que leva os colegas a agirem assim com Maria?
O que você acha que Maria deve fazer?
Será que se ela for diferente será aceita pelo grupo? Abrir mão do seu sonho e
fazer como seus colega – levar “tudo” na brincadeira?
Enfrentar uma situação desta com o grupo de colegas pode influenciar na auto-estima
deste aluno a ponto de atrapalhar nos seus estudos?
4 - João era um garoto muito tímido. Logo que entrou na escola para cursar o Ensino Médio
passou a ser infernizado por um colega que cismou em desafiá-lo... Provocava, armava
situações, e colocava-o em situações difíceis… Durante o “trote” foi forçado a fazer
atividades constrangedoras, levou muitos empurrões, tapas, socos na cabeça. Devido a isto
223
ficou com o braço machucado e hematomas pelo corpo. Se isto não bastasse estava sendo
alvo de apelidos maldosos. Ele não poderia frequentar alguns locais da escola e teria que dar
suas roupas e dar dinheiro para outro aluno (que passava cobrando a “capelinha” todo santo
dia), caso contrário apanharia. O aluno não possuía mais camisetas do uniforme, pois foi
obrigado a dar todas. Isso ofendia-o de sobremaneira, levando-o a pensar em desistir da
escola e inclusive parar de estudar. Porém, o aluno não queria decepcionar seus pais que
com tanto esforço investiram todo o dinheiro que tinham para que ele pudesse seguir nos
estudos em uma boa escola.
Você já presenciou uma situação como esta na sua escola?
Conte algum caso semelhante a este que ocorreu na sua escola.
Ele deve procurar os responsáveis pela sua escola e entregar os agressores ou
isto pode ser considerado “brincadeira entre alunos”, por isso ele não deve falar nada
para ninguém.
Quando ele for “formando” terá sua oportunidade de passar trotes nos “bixos” e se
cobrar.
Enfrentar uma situação desta com o grupo de colegas pode influenciar na auto-
estima deste aluno a ponto de atrapalhar nos seus estudos?
224
ANEXOS
225
ANEXO A –
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)
DESTINADO AOS PAIS OU RESPONSÁVEIS
Título da pesquisa:
BULLYING NA INSTITUIÇÃO EDUCATIVA – AUTOR, ALVO, ESPECTADOR:
“DE QUE” E “DE QUEM” ESTAMOS FALANDO?
Eu, Michelle Sperotto Bortoncello, aluna do Programa de Pós-graduação em
Educação - Mestrado em Educação da Universidade do Oeste de Santa Catarina, residente
em Concórdia/SC, telefone para contato (49) 9964-1025, estou desenvolvendo uma
atividade de pesquisa sobre o tema Bullying Escolar.
Seu filho ________________________________ está sendo convidado (a) a
participar desta pesquisa. O objetivo da pesquisa é investigar a dinâmica do fenômeno
bullying (maus tratos entre escolares), dos sujeitos envolvidos e dos aspectos motivadores
implicados na incidência de episódios de desrespeito e violência no Instituto Federal
Catarinense – Campus Concórdia.
Pretende-se investigar o fenômeno bullying, pois somente ampliando os
conhecimentos sobre a temática é que poderemos propor alternativas de intervenção
(teoricamente embasadas) que inspirem mudanças significativas nas práticas educativas,
prevenindo as manifestações do bullying e buscando favorecer um educar transformador de
uma sociedade agressiva e violenta em uma sociedade mais justa, solidária e feliz. Sem que
haja um profundo estudo da realidade concreta da escola – campo de intervenção – não faz
sentido delinearem-se objetivos, estratégias ou acordarem-se as técnicas e recursos a utilizar,
pois o bullying é contextual e suas manifestações estão vinculadas à especificidade de cada
instituição. Desta forma, percebe-se a necessidade de compreender como os alunos do
Instituto Federal Catarinense – Campus Concórdia percebem a crescente violência e
desrespeito com as diferenças entre os pares e ao mesmo tempo dar voz a estes adolescentes
(alunos), para que, enquanto sujeitos pertencentes a um determinado processo histórico,
percebam-se como integrantes deste.
A pesquisa terá como participantes alunos do ensino técnico integrado ao médio do
IFC – Campus Concórdia, de todas as séries. Ao autorizar a participação de seu filho (a)
nesse estudo você permitirá que o pesquisador inicialmente aplique um questionário de
226
pesquisa (com a finalidade de diagnóstico, visando identificar e descrever o nível de
conhecimento e a relação dos adolescentes com o bullying). Num segundo momento alguns
alunos serão selecionados para uma entrevista individual com o pesquisador (nesta fase o
pesquisador utilizará dilemas morais – pois estes apresentam situações de vida real –
seguido de um inquérito/entrevista). Por fim, haverá a seleção de alguns alunos para a
participação em um grupo focal (grupo de discussão que irá dialogar sobre o tema em
questão – visando identificar percepções, sentimentos, atitudes e idéias dos participantes, a
respeito do tema bullying e suas possíveis causas no ambiente escolar).
Os encontros (entrevista e grupo focal) serão gravados em áudio e serão feitas
anotações acerca do ambiente e do assunto em questão. Nos questionários não haverá espaço
para identificação dos sujeitos. Todos os materiais, depois de transcritos e analisados,
ficarão sob a responsabilidade do pesquisador e serão utilizados apenas para fins científicos
vinculados ao presente projeto de pesquisa. Ninguém terá acesso às respostas do
questionário, dados da entrevista e grupo focal, nem mesmo a família, amigos, professores e
a direção da escola.
Os possíveis benefícios desta pesquisa serão o de apresentar um estudo, um inventário
do fenômeno bullying na instituição. Esperamos que este estudo traga informações
importantes, de forma que o conhecimento construído possa subsidiar propostas para o
enfrentamento do problema, minimizando os efeitos negativos do bullying sobre
adolescentes que se encontram vitimizados (as) por esta forma de violência escolar;
A participação nesta pesquisa não traz complicações legais, podendo talvez mobilizar
alguns sentimentos desagradáveis, devido a temática tratada. Nenhum dos
procedimentos usados oferece riscos à sua dignidade e não acarretará nenhum
preconceito, discriminação ou desigualdade social;
Haverá garantia de acompanhamento e assistência em todas as fases da pesquisa
prestando informações e primando pela transparência, ética e compromisso com o rigor
científico durante a pesquisa;
Os resultados deste estudo podem ser publicados, mas o nome ou identificação de seu
filho não serão revelados (garantia de sigilo aos dados confidenciais envolvidos na
pesquisa);
Seu filho (a) não terá nenhum tipo de despesa para participar desta pesquisa, bem como
não haverá remuneração ou ajuda de custo (ressarcimento) pela participação dele nesta
pesquisa.
227
Quaisquer dúvidas que você tiver em relação à pesquisa ou à participação de seu filho,
antes ou depois do consentimento, poderão ser esclarecidas e respondidas pela pesquisadora
Michelle Sperotto Bortoncello, telefone: (49) 9964-1025, e-mail: michelle.sperotto@ifc-
concordia.edu.br; ou ainda pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da
Unoesc/Hust, telefone: (49) 3551-2012.
Assim, este termo está de acordo com a Resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde,
de 10 de outubro de 1996, para proteger os direitos dos seres humanos em pesquisas.
Qualquer dúvida quanto aos direitos de seu filho como sujeito participante em pesquisas, ou
se sentir que seu filho foi colocado em riscos não previstos, você poderá contatar o Comitê
de Ética em Pesquisa para esclarecimentos.
Li as informações acima, recebi explicações sobre a natureza, riscos e benefícios do
projeto. Assumo a participação de meu filho e compreendo que posso retirar meu
consentimento e interrompê-lo a qualquer momento, sem penalidade ou perda de benefício.
Ficaremos muito gratos em poder contar com participação e colaboração de seu filho.
Por favor, preencha os dados abaixo e após rubrique/assine todas as folhas deste
documento.
Assinatura do pai ou responsável ou impressão dactiloscópica
.
Assinatura: _________________________________________
Nome legível:________________________________________
Endereço: __________________________________________
RG.: _______________________________________________
Fone: ______________________________________________
Data ______/______/______
_______________________________________
Michelle Sperotto Bortoncello
Pesquisadora Responsável
I m p r e s s ã o
d a c t i l o s c ó p i c a
228
ANEXO B
Termo de Assentimento (TA) para adolescentes participantes da Pesquisa
Você está sendo convidado(a) como voluntário(a) a participar da pesquisa “BULLYING NA INSTITUIÇÃO
EDUCATIVA – AUTOR, ALVO, ESPECTADOR: “DE QUE” E “DE QUEM” ESTAMOS FALANDO?”. Neste
estudo pretendemos conhecer um pouco do que você pensa sobre o bullying (maus tratos entre escolares), suas causas,
consequências, bem como, o que seria necessário para podermos enfrentá-lo, com o propósito de prevenir e diminuir sua
incidência no meio escolar. Somente ampliando os conhecimentos sobre a temática é que poderemos propor alternativas de
intervenção que inspirem mudanças significativas nas práticas educativas.
O motivo que nos leva a estudar esse assunto é perceber que a cada dia, mais crianças e adolescentes são
vitimizados pela violência nas escolas. Percebemos que muitos alunos apresentam mal-estar, medo e sérias dificuldades na
relação pessoal com seus colegas. Sentem-se humilhados, vítimas de apelidos maldosos, zombarias, intimidações, dentre
outras hostilidades, que provocam necessidade de ajuda.
Para este estudo adotaremos o(s) seguinte(s) procedimento(s): inicialmente aplicaremos um questionário de
pesquisa (com a finalidade de diagnóstico). Num segundo momento alguns alunos serão selecionados para uma entrevista
individual com o pesquisador (nesta fase o pesquisador utilizará dilemas morais – pois estes apresentam situações de vida
real – seguido de um inquérito/entrevista). Por fim, haverá a seleção de alguns alunos para a participação em um grupo
focal (grupo de discussão que irá dialogar sobre o tema em questão – visando identificar percepções, sentimentos, atitudes e
ideais dos participantes, a respeito do tema bullying e suas possíveis causas no ambiente escolar).
Para participar deste estudo, o responsável por você deverá autorizar e assinar um termo de consentimento. Você
não terá nenhum custo, nem receberá qualquer vantagem financeira. Você será esclarecido(a) em qualquer aspecto que
desejar e estará livre para participar ou recusar-se. O responsável por você poderá retirar o consentimento ou interromper a
sua participação a qualquer momento. A sua participação é voluntária e a recusa em participar não acarretará qualquer
penalidade ou modificação na forma em que é atendido(a) pelo pesquisador que irá tratar a sua identidade com padrões
profissionais de sigilo. Você não será identificado em nenhuma publicação. Este estudo apresenta risco mínimo, isto é, o
mesmo risco existente em atividades rotineiras como conversar, tomar banho, ler etc. Apesar disso, você tem assegurado o
direito a ressarcimento ou indenização no caso de quaisquer danos eventualmente produzidos pela pesquisa.
Os resultados estarão à sua disposição quando finalizada a pesquisa. Seu nome ou o material que indique sua
participação não será liberado sem a permissão do responsável por você. Os dados e instrumentos utilizados na pesquisa
ficarão arquivados com o pesquisador responsável por um período de 5 anos, e após esse tempo serão destruídos. Este
termo de consentimento encontra-se impresso em duas vias, sendo que uma cópia será arquivada pelo pesquisador
responsável, e a outra será fornecida a você.
A sua opinião é fundamental para enriquecer nosso estudo e para que os adultos entendam que os
adolescentes têm muito a dizer sobre o bullying.
Eu, __________________________________________________, portador(a) do documento de Identidade nº
____________________ fui informado(a) dos objetivos do presente estudo de maneira clara. Sei que a qualquer momento
poderei solicitar novas informações junto ao pesquisador responsável listado abaixo ou ainda com o Comitê de Ética em
Pesquisa em Seres Humanos da Unoesc e Hust, telefone (49) 3551-2012. Estou ciente que o meu responsável poderá
modificar a decisão da minha participação na pesquisa, se assim desejar. Tendo o consentimento do meu responsável já
assinado, declaro que concordo em participar desse estudo. Recebi uma cópia deste termo assentimento e me foi dada a
oportunidade de ler e esclarecer as minhas dúvidas.
______________, ____ de ______________ de 20____ .
Assinatura do(a) menor.
Assinatura: ______________________________________
Nome legível :____________________________________
Endereço: _______________________________________
RG. ____________________________________________
Fone: __________________________________________
Data _______/______/______
__________________________________
Michelle Sperotto Bortoncello
Pesquisadora Responsável
Fone: (49) 99641025
Data ____/____/____
229
ANEXO C – Parecer Consubstanciado do CEP
230
231