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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO - PPGDS MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO FÁBIO VISINTIN COOPERATIVISMO À LUZ DA GESTÃO SOCIAL DEMOCRÁTICA: UM ESTUDO DE CASO NA COOPERJA Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Socioeconômico da Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento Socioeconômico. Orientador: Prof. Dr. Dimas de Oliveira Estevam Coorientador: Prof. Dr. Reginaldo de Souza Vieira CRICIÚMA 2016

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  • UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM

    DESENVOLVIMENTO SOCIOECONMICO - PPGDS

    MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO SOCIOECONMICO

    FBIO VISINTIN

    COOPERATIVISMO LUZ DA GESTO SOCIAL

    DEMOCRTICA: UM ESTUDO DE CASO NA COOPERJA

    Dissertao apresentada ao Programa

    de Ps-Graduao em

    Desenvolvimento Socioeconmico da

    Universidade do Extremo Sul

    Catarinense - UNESC, como requisito

    parcial para a obteno do ttulo de

    Mestre em Desenvolvimento

    Socioeconmico.

    Orientador: Prof. Dr. Dimas de

    Oliveira Estevam

    Coorientador: Prof. Dr. Reginaldo de

    Souza Vieira

    CRICIMA

    2016

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao

    V831c Visintin, Fbio.

    Cooperativismo a luz da gesto social democrtica : um

    estudo de caso na COOPERJA / Fbio Visintin ; orientador

    : Dimas de Oliveira Estevam ; coorientador : Reginaldo de

    Souza Vieira. Cricima, SC : Ed. do Autor, 2016.

    140 p. : il. ; 21 cm.

    Dissertao (Mestrado) - Universidade do Extremo Sul

    Catarinense, Programa de Ps-Graduao em

    Desenvolvimento Socioeconmico, Cricima, 2016.

    1. Cooperativismo. 2. Cooperativas agrcolas. 3. Gesto

    social democrtica. 4. Desenvolvimento socioeconmico.

    5. Cooperativa Agroindustrial COOPERJA. I. Ttulo.

    CDD 22. ed. 334.683 Bibliotecria Eliziane de Lucca Alosilla CRB 14/1101

    Biblioteca Central Prof. Eurico Back - UNESC

  • Dedico este trabalho aos meus Pais

    Joaquim e Teresinha, e minha

    Esposa Mirelli. Sem o apoio, amor

    e dedicao de vocs, nada disso

    seria possvel.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo a Deus pelo privilgio de existir e com isso poder

    desfrutar da vida e da realizao dos meus sonhos.

    Agradeo tambm aos meus Pais Joaquim e Teresinha, pois sem

    eles jamais conseguiria chegar aonde cheguei. Ao meu Pai, pelo

    exemplo de vida que este me repassa, pela luta e renncias que fez e

    ainda faz para que possamos ter uma vida mais digna e minha Me

    pelas renncias que fez e faz, mas tambm pelo amor incondicional.

    minha Esposa Mirelli vila Elias Visintin, por acreditar e

    apoiar meus sonhos.

    s minhas Irms Sandra Regina, Adriana e Vera Lcia, pelos

    cuidados e pela fora que prestaram para que eu pudesse vencer

    inmeras barreiras.

    Aos meus Sobrinhos Maria Eduarda, Ana Carolina, Joo Vitor,

    Luis Felipe e Alice: os momentos que passamos juntos me fazem ter

    certeza que teremos uma nova gerao que pode mudar o mundo.

    Aos meus avs Afonso (in memorian), Santina (in memorian),

    Francisco (in memorian), e Rosa (in memorian), pelos cuidados, carinho

    e incentivos recebidos.

    Ao meu sogro Claudio Luiz Elias e minha sogra Maria Aparecida

    Amrico de Avila Elias, a quem considero minha segunda famlia.

    Aos meus Scios Guilherme Bardini Fascin, Samuel Brulezi

    Furlanetto e Tiago Burigo e Equipe do escritrio Visintin & Fascin,

    Camila Schotten, Eliandra Cesrio da Rosa, Gabriela de Souza Tomasi,

    Rafaela de Jesus Colares e Fabiola de Oliveira, pelo contato dirio e os

    momentos de descontrao que tornam mais leve a pesada rotina da

    advocacia.

    Ao meu Professor-orientador Doutor Dimas de Oliveira Estevam,

    pela simplicidade, pacincia e conhecimento.

    Ao meu Professor coorientador Doutor Reginaldo de Souza

    Vieira, pelo conhecimento, humildade e pela confiana em meu

    trabalho, desde a graduao.

    Ao PPGDS da UNESC, pelo apoio e suporte para a realizao

    deste trabalho.

    A todos que de uma forma ou de outra contriburam para a

    realizao deste sonho.

  • O objetivo primordial e necessrio

    de toda a existncia deve ser a

    felicidade, mas a felicidade no

    pode ser obtida individualmente;

    intil se esperar pela felicidade

    isolada; todos devem compartilhar

    dela, ou ento a maioria nunca ser

    capaz de goz-la.

    Robert Owen

  • RESUMO

    A presente pesquisa trata o paradigma do Cooperativismo luz da

    Gesto Social Democrtica, tendo como plano de fundo o estudo de

    caso na Cooperativa Agroindustrial COOPERJA. O Cooperativismo

    surgiu como um movimento social e econmico alternativo s

    desigualdades sociais provocadas pelo sistema capitalista e ao

    individualismo. Os principais precursores do pensamento cooperativo

    foram citados com o intuito de entender quais os ideais que estes

    propunham e quais os princpios norteadores do cooperativismo. Tendo

    este embasamento terico, foi possvel traar um panorama histrico de

    como este movimento espalhou-se pelo Brasil, bem como a sua

    ampliao com a participao poltica e o seu papel no processo de

    desenvolvimento socioeconmico e da Cidadania. Fez-se necessrio um

    estudo sobre o ordenamento jurdico que rege as Cooperativas com o

    intuito de entender os trmites legais e a previso constitucional destas

    organizaes. Constatou-se que a participao dos associados assume

    um papel fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade

    cooperativista mais justa e que a cidadania participativa no

    cooperativismo carrega consigo a descentralizao, o respeito

    comunidade e o desenvolvimento socioeconmico. Todos estes pontos

    norteados com justia social, igualdade de oportunidades, alternativas

    no campo produtivo e melhoria da qualidade de vida. Cabe salientar que

    estes fatores no seriam possveis se a democracia no se fizesse

    presente nestas relaes e em prol de um objetivo comum: uma

    evoluo socioeconmica conduzida pelos princpios da solidariedade e

    do apoio mtuo, visando o desenvolvimento scio econmico. Para fins

    de realizao desta pesquisa, houve a anlise na Cooperativa

    Agroindustrial Cooperja, com o objetivo de verificar se h conservao

    dos valores sociais cooperativistas, tendo como foco a gesto social

    democrtica. Os procedimentos metodolgicos adotados neste trabalho

    foi o bibliogrfico, por meio de fontes secundrias, entre as quais se

    destacam: livros, artigos cientficos, atas, imagens e entre outros. Ao

    final da pesquisa restou comprovado que a Gesto Social Democrtica

    aplicada na Cooperativa por meio de diversos canais de interao entre a

    cooperativa e o cooperado.

    Palavras-chave: Cooperativismo. Gesto Social Democrtica.

    Desenvolvimento Socioeconmico. Cooperja.

  • ABSTRACT

    This research is the paradigm of the Cooperative in light at the Social

    Democratic management, with the background of the case study in

    Agroindustrial Cooperativa COOPERJA. The Cooperative has emerged

    as an alternative social and economic movement to social inequalities

    caused by the capitalist system and individualism. The main precursors

    of the cooperative thought were cited in order to understand what the

    ideals that they proposed and what the guiding principles of

    cooperativism. Having this theoretical basis, it was possible to trace a

    historical overview of how this movement spread throughout Brazil, as

    well as its expansion with political participation and their role in the

    socioeconomic development process and Citizenship. a study of the

    legal system was necessary governing cooperatives in order to

    understand the legal procedures and the constitutional provision of these

    organizations. It was found that the participation of the members plays a

    fundamental role in the development of a more just society cooperative

    and participatory citizenship in cooperative carries decentralization,

    respect for the community and socioeconomic development. All these

    points guided by social justice, equal opportunities, alternatives in the

    production field and improving the quality of life. It should be noted that

    these factors would not be possible if democracy did not present these

    relations and towards a common goal: a socio-economic development

    driven by the principles of solidarity and mutual support, aimed at socio

    economic development. For purposes of this research, there was the

    analysis of Cooperativa Agroindustrial Cooperja, in order to check for

    conservation of cooperative social values, focusing on democratic social

    management. The methodological procedures adopted in this work was

    the literature, through secondary sources, among which are: books,

    papers, minutes, images and others. At the end of the survey remains

    proved that the Social Democratic Management is applied to the

    Cooperative through various channels of interaction between the

    cooperative and the cooperative.

    Keywords: Cooperative. Social Democratic Management.

    Socioeconomic Development. Cooperja.

  • LISTA DE IMAGENS

    Figura 01 - Organograma Organizacional da Cooperja ........................ 79

    Figura 02 - Alguns dos pioneiros da Cooperja em viagem para conhecer

    outras Cooperativas, acompanhados do engenheiro Agrnomo Joaquim

    Pedro Coelho, em 1969 ......................................................................... 86

    Figura 03 - Primeiro pavilho da Cooperja construdo em 1970 ......... 86

    Figura 04 - Prejuzos causados com vendaval em 09/12/1974 ............. 90

    Figura 05 - Prejuzos causados com vendaval em 09/12/1974 .............. 91

    Figura 06 - Pavilho alguns anos aps a reconstruo do vendaval em

    09/12/1974............................................................................................. 98

    Figura 07 - Vista panormica da Unidade da Cooperja de Jacinto

    Machado/SC ........................................................................................ 113

    Figura 08 - Vista panormica da Unidade da Cooperja de Santo Antnio

    da Patrulha/RS .................................................................................... 113

    Figura 09 - Sede da Cooperja - Conselho de Administrao ............. 115

    Figura 10 - Campo Demonstrativo Cooperja ..................................... 119

    Figura 11 - Supermercado Cooperja de Praia Grande/SC .................. 121

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 - Assembleias Gerais Ordinrias (1969-1983) ...................... 96

    Grfico 2 - Assembleias Gerais Extraordinrias (1969-1983) .............. 97

    Grfico 3 - Assembleias Gerais Ordinrias (1984-1990) .................... 105

    Grfico 4 - Assembleias Gerais Extraordinrias (1984-1990) ............ 106

    Grfico 5 - Assembleias Gerais Ordinrias (1991-2002) .................... 111

    Grfico 6 - Assembleias Gerais Extraordinrias (1991-2002) ............ 112

    Grfico 7 - Assembleias Gerais Ordinrias (2003-2016) .................... 125

    Grfico 8 - Assembleias Gerais Extraordinrias (2003-2015) ............ 126

    Grfico 9 - Participao nas Assembleias Gerais Ordinrias (1970-2016)

    ............................................................................................................. 130

    Grfico 10 - Participao nas Assembleias Gerais Extraordinrias (1969-

    2015) ................................................................................................... 131

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ACARESC Associao de Crdito e Assistncia Rural do

    Estado de Santa Catarina

    ACI Aliana Cooperativa Internacional

    AMESC Associao dos Muncipios do Extremo Sul

    Catarinense

    ART. Artigo

    CDC Campo Demonstrativo Cooperja

    CIDASC Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrcola de

    Santa Catarina

    COFINS Contribuio para o Financiamento da Seguridade

    Social

    CREDIJA Cooperativa de Credito de Livre Admisso de

    Associados Litornea

    DNPM Departamento Nacional de Produo Mineral

    EPAGRI Empresa de Pesquisa Agropecuria e Extenso Rural

    de Santa Catarina

    FECOAGRO Federao das Cooperativas Agropecurias de Santa

    Catarina

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    ICMS Imposto Sobre Circulao de Mercadorias e Servios

    INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria

    IRPJ Imposto de Renda de Pessoa Jurdica

    PIS Programa Integrao Social

    SAP Santo Antnio da Patrulha

    TRR Transportador Revendedor Retalhista

  • SUMRIO

    1. INTRODUO ............................................................................... 23

    2. ORIGEM E EVOLUO DO COOPERATIVISMO ................ 29

    2.1. O SURGIMENTO DO COOPERATIVISMO ............................... 29

    2.1.1. Precursores do Pensamento Cooperativo ................................ 32 2.2. CONCEITOS E PRINCPIOS DO COOPERATIVISMO ............ 34

    2.3. COOPERATIVISMO NO BRASIL E SEU ORDENAMENTO

    JURDICO............................................................................................. 43

    2.3.1. Evoluo Histrica do Cooperativismo no Brasil ................... 43

    2.3.2. Previso Constitucional das Sociedades Cooperativas ........... 45

    2.3.3. Legislao Infraconstitucional e Cooperativismo ................... 48

    2.3.3.1. Lei n. 5.764/71 - Lei do Cooperativismo ................................ 48

    2.3.3.2. O Cdigo Civil, o Cdigo Tributrio e as Sociedades

    Cooperativistas ...................................................................................... 49

    3. GESTO SOCIAL DEMOCRTICA NO COOPERATIVISMO

    ............................................................................................................... 51

    3.1. CONCEITO E OBJETIVO DA GESTO SOCIAL

    DEMOCRTICA ................................................................................. 51

    3.1.1. Conceito de Cidadania e Democracia ...................................... 51

    3.2. GESTO SOCIAL DEMOCRTICA .......................................... 59

    3.3. GESTO SOCIAL DEMOCRTICA NA COOPERJA ............... 71

    3.3.1. Contexto Regional e o Histrico da Cooperativa

    Agroindustrial Cooperja ..................................................................... 71

    3.3.2. Estatuto Social da Cooperja ..................................................... 75

    4. REFLEXOS DA APLICAO DA GESTO SOCIAL

    DEMOCRTICA NA COOPERJA .................................................. 83 4.1. FUNDAO E EVOLUO DA COOPERJA ........................... 85

    4.1.1. Fundao da Cooperja e os Desafios dos Fundadores - 1969 a

    1983 ....................................................................................................... 85

    4.1.2. Esforos Para Reestruturao da Cooperja 1984 a 1990 .... 97

    4.1.3. Perodo de Consolidao 1991 a 2002 ................................ 106

    4.1.4. A Fase Expansionista da Cooperja 2003 a 2015 ............... 112

    4.1.5. Consideraes Finais do Captulo ......................................... 126

    5. CONSIDERAES FINAIS........................................................ 132

    REFERNCIAS ................................................................................ 136

  • 23

    1. INTRODUO

    O modelo de cooperativismo, conhecido atualmente, um

    movimento social que surgiu na Europa no Sculo XVIII, momento

    histrico em que o conflito entre capital e o trabalho atingiu seu pice, e

    fez com que alguns trabalhadores industriais viessem a propor um ideal

    alternativo ao individualismo (o cooperativismo) e uma organizao

    alternativa empresa capitalista (a cooperativa).

    Singer (2002) explica que no incio as cooperativas surgiam de

    greves e grupos de sindicalistas, que no buscavam apenas melhorar a

    situao dos assalariados, mas eliminar o assalariamento substituindo-o

    pela autogesto das cooperativas.

    Desde ento, as cooperativas evoluram gradativamente, pautadas

    nos princpios dos pioneiros de Rochdale, teceles que sob os efeitos

    prejudiciais da Revoluo Industrial reuniram-se em 1843, tendo como

    objetivo sugerir propostas como: a emigrao, abstinncia de bebidas

    alcolicas e a fundao de um armazm cooperativo (BECHO, 2008),

    abarcando ao cooperativismo o meio pelo qual as pessoas se unem por

    objetivos especficos, atravs de um acordo de cooperao mtua.

    Assim, segundo ACI (1996) possvel afirmar que as

    cooperativas representam associaes autnomas onde as pessoas se

    unem, de forma voluntria, para suprir aspiraes, necessidades

    econmicas, sociais e culturais, atravs de uma organizao coletiva e

    democrtica.

    Para Presno Amodeo (1999) as cooperativas so organizaes

    bastante especficas, em que gesto social e gesto organizacional

    devem estar alinhadas e articuladas para alcanar xito. Ou seja, no h

    sucesso e crescimento em uma cooperativa que no possua essas gestes

    em sintonia.

    Benecke (1980) completa o pensamento destacando que mesmo

    possuindo qualidades individualizadas das demais empresas

    pertencentes ao mercado capitalista, devem ser geridas de acordo com as

    regras desse sistema, ou seja, devem estar em sintonia com o sistema

    econmico vigente. Assim, possvel visualizar as cooperativas sob

    dois prismas: a de natureza associativa, visto que a participao e

    incluso poltica dos associados na gesto so de suma importncia e,

    tambm natureza econmica.

    Contudo, se faz necessrio tambm atividades de comunicao e

    educao direcionadas aos associados, que reforcem o quo essencial a

    participao e o comprometimento destes na prtica administrativa de

    uma cooperativa, e que vo muito alm das assembleias gerais

  • 24

    obrigatrias.

    Valadares (1995, p.18) acredita que a natureza social das

    cooperativas se afirma na medida em que busca superar a dominao

    mediante a gerao de uma capacidade de resposta coletiva embasada na

    canalizao da participao de seus membros associados. Ou seja, para

    enraizar este esprito democrtico e participativo, preciso exercer

    atividades que tenham como objetivo aumentar o relacionamento com o

    cooperado.

    A gesto social deve complementar a gesto econmica e no

    serem tratadas de forma individualizada, uma vez que adotando a

    postura integrante alcanar-se-ia [...] um maior sentimento de

    pertencimento, de identidade dos associados com a cooperativa da qual

    fazem parte, alando, desta forma, aumento da fidelidade e confiana

    dos cooperados para com a cooperativa (FERREIRA, 2005, p. 4).

    Porm, notvel que as cooperativas vm passando por grandes

    transformaes em sua conjuntura social que exigem mudanas

    profundas para sobreviverem em um mundo globalizado, uma vez que

    no atual contexto capitalista surgem facetas de no cooperao,

    competitividade e centralizao do poder. Tal plano de fundo naturaliza

    uma postura mais egocntrica dos indivduos ao invs de

    posicionamentos de cooperao, inclusive dentro das cooperativas.

    Assim, cada cooperado visa prioritariamente a benefcios individuais e

    no coletivos, o que acaba fulminando com o propsito dos

    idealizadores de Rochdale.

    Tais modificaes e suas consequncias so estudadas nesta

    pesquisa, onde se analisou a Cooperativa Agroindustrial Cooperja sob o

    enfoque da gesto social democrtica.

    Alm disso, o sistema econmico atual tem um papel importante

    nas mudanas e inovaes vividas pela humanidade nas ltimas

    dcadas. Verifica-se, atualmente, um perodo de revoluo no meio

    cientfico e tecnolgico, assim todas essas transformaes surgem em

    uma velocidade constante e crescente. Tal sistema, na medida em que

    traz benefcios tambm apresenta suas contradies, como uma crise

    econmica que acelera o processo de centralizao do capital, realidade

    que pode ser observada nas frequentes fuses de empresas e

    corporaes.

    Neste vis, o setor financeiro est adquirindo autonomia nas

    decises e um maior controle sobre o setor produtivo. Em contrapartida,

    esse processo liderado por multinacionais que visam expandir sua

    produo e diminuir despesas acarretando uma crescente explorao dos

    trabalhadores.

  • 25

    Dentro desta perspectiva, observa-se como problemtica a

    concluso trazida por Sandra Mayrink Veiga (2002), que traa o

    panorama atual e evolutivo do cooperativismo no Brasil, ressaltando que

    esse enorme desenvolvimento pode ter transformado as cooperativas em

    grandes empresas estritamente capitalistas, as quais esto desvinculadas

    dos princpios norteadores do cooperativismo. Todavia, com o presente

    estudo de caso analisou-se a Cooperativa Agroindustrial Cooperja, a fim

    de verificar se h permanncia dos valores sociais cooperativistas, tendo

    como foco a gesto social democrtica.

    Dessa forma, vlida a premissa de que a era globalizada

    permitiu avanos, mas em compensao tambm gerou consequncias

    econmicas e sociais negativas, entre elas concentrao de riqueza,

    desemprego, desequilbrio ambiental, monoplios, entre outros.

    Entende-se que a pesquisa sobre a temtica proposta est

    vinculada a linha de pesquisa desenvolvimento e gesto social do

    PPGDS, contribuir para a percepo do papel das cooperativas na

    sociedade atual, bem como os fatores que determinam sua atuao e

    existncia, j que dentre as peculiaridades das cooperativas a principal

    delas, na sua essncia, defender princpios no individualistas, uma

    vez que os fundamentos do movimento cooperativista esto pautados

    nos valores sociais acima dos econmicos, por no visarem o lucro.

    Sabendo que as cooperativas, como a Cooperja, lutam contra os

    princpios do capitalismo desenfreado, pautado no lucro pelo lucro,

    possuindo seu carter prprio em prol das famlias que vivem na

    agricultura sob o regime de economia familiar, de suma importncia

    dissecar se a organizao das cooperativas impulsionada por uma

    Gesto Social Democrtica.

    Entende-se por gesto social democrtica o controle democrtico

    dos scios, a participao destes nas tomadas de decises

    administrativas que determinam a produo, a comercializao ou a

    prestao dos servios na cooperativa e para terceiros, ao passo que cada

    scio possui direito de voto independente do nmeros do nmeros de

    quotas, sendo que por outro lado as maiorias decidem.

    Dentro da temtica suscitada, surgem alguns questionamentos

    que merecem ser trabalhados: O princpio cooperativo da Gesto Social

    Democrtica praticado na Cooperativa Agroindustrial Cooperja? Em

    caso afirmativo, existe um modelo de Gesto Social Democrtica

    adotado na Cooperja? Atualmente, h na Cooperja a preocupao com a

    formao de associados luz dos princpios da Gesto Social

    Democrtica?

    O objetivo deste trabalho analisar o cooperativismo luz da

  • 26

    gesto social democrtica: estudo do caso na Cooperativa Agroindustrial

    Cooperja. Como ramificao deste objetivo realizar-se- um estudo

    sobre as sociedades cooperativistas, a fim de entender seu conceito,

    objetivo, evoluo histrica, seus princpios institucionais e suas

    peculiaridades. Analisar-se- a Gesto Social Democrtica no

    Cooperativismo atual. Avaliar-se- a Gesto Social Democrtica na

    Cooperja.

    O procedimento metodolgico desta pesquisa bibliogrfico,

    dando enfoque aos temas Cooperativismo e Gesto Social Democrtica.

    Para Cervo, Bervian e da Silva (2007, p.61), tal forma de pesquisa

    constitui o procedimento bsico para os estudos monogrficos, pelos

    quais se busca o domnio do estado da arte sobre determinado tema. Ou

    seja, desenvolvida tendo base em materiais publicados em livros,

    dissertaes, artigos, teses, atas, estatuto social e entre outros.

    Para adentrar na temtica proposta, de fundamental relevncia

    buscar uma anlise bibliogrfica e documental, sobre o surgimento do

    cooperativismo, seu conceito e peculiaridades, verificando a importncia

    das cooperativas para o desenvolvimento das comunidades onde esto

    inseridas, ainda, estudar a trajetria histrica da sociedade

    cooperativista, demonstrando a evoluo e sua natureza jurdica no

    Brasil, analisando seus princpios e normas, sua constituio e

    funcionamento.

    As respostas para as questes levantadas foram buscadas atravs

    de pesquisa qualitativa, que se caracteriza basicamente pelo simples fato

    de utilizar-se de material emprico qualitativo, diferenciando-se da

    pesquisa quantitativa, pois esta focaliza seu estudo sob a forma de

    nmeros, sendo assim o inverso da que ir se proceder neste trabalho a

    fim de atingir o objetivo proposto (POUPART, 2008).

    Nesta perspectiva, a problemtica fora analisada, trazendo luz

    respostas decorrentes da observao do fenmeno. Para tanto, salienta-

    se que a pesquisa foi documental, uma vez que o estudo utilizou-se de

    bases documentais. Esta anlise est contida nas pesquisas de arquivo,

    que podem ser registros estatsticos, documentos escritos, comunicao

    de massa, imagens, entre outros.

    Um dos mtodos utilizados foi do estudo de caso, pois trata-se de

    uma metodologia de investigao adequada para entender, pesquisar e

    descrever acontecimentos. Para Yin (1994) estudo de caso pode ser

    definido com base nas caractersticas do fenmeno em estudo e com

    base num conjunto de caractersticas associadas ao processo de recolha

    de dados e s estratgias de anlise dos mesmos.

    O estudo de caso foi concludo por meio da obteno das

  • 27

    informaes de fontes secundrias junto a Cooperja, entre as quais: atas,

    documentos internos da cooperativa, publicaes em peridicos,

    imagens, estatutos, atas e outros.

  • 28

    2. ORIGEM E EVOLUO DO COOPERATIVISMO

    2.1 O SURGIMENTO DO COOPERATIVISMO

    Os primeiros passos para a proposta cooperativista, segundo Rech

    (2000), aconteceram nos grmios do antigo Egito, que reuniam

    agricultores escravos incentivados pelo estado; nas orglonas e tiasas na

    Grcia, formadas por cidados livres e escravos para a garantia de

    funerais; nos colgios romanos, formados por carpinteiros e serralheiros,

    nas solidalistas dos romanos, tambm para a garantia de enterros; e nas

    gapes dos primeiros cristos, que tinham como objetivo atender as

    necessidades de consumo dos seus integrantes.

    O autor destaca ainda que na Amrica, os Incas e os Astecas

    tambm tinham formas expressivas de cooperao no trabalho e na vida.

    Porm, o modelo atual cooperativista s viria a surgir mais tarde.

    De acordo com os entendimentos de Pinho (1966), o

    cooperativismo moderno um movimento social brotado por um

    determinado perodo do capitalismo, mais precisamente no final do

    sculo XVIII e incio do sculo XIX. Naquela poca, o conflito entre

    capital e trabalho atingiu o seu auge, e as pssimas condies de vida da

    classe trabalhadora incentivaram trabalhadores da Inglaterra, que

    participavam da corrente do socialismo utpico, a propor um ideal

    alternativo ao individualismo (o cooperativismo) e uma organizao

    alternativa empresa capitalista (a cooperativa).

    Desta forma, diante de um contexto no qual existiam altos preos

    dos bens de primeira necessidade, foi criada em 1760 a mais antiga

    cooperativa com existncia documental. Como explicam Veiga e

    Fonseca (2002), empregados de estaleiros na Inglaterra fundaram

    moinhos de cereais cooperativistas para no pagar altos preos cobrados

    por moleiros que formavam um monoplio local. J a cooperativa de

    consumo mais antiga, de acordo com os autores, foi a dos teceles de

    Fenwick, fundada em 1769.

    Porm, considerando as muitas tentativas, a experincia

    cooperativa mais exitosa at ento, s surgiria mais tarde, com a

    Cooperativa de consumo dos Pobros Pioneiros de Rochdale. Segundo

    Becho (2008), em busca de encontrar meios alternativos de

    sobrevivncia, diante de sua difcil realidade e de um cotidiano

    miservel, sob os efeitos prejudiciais que a Revoluo Industrial vinha

    causando em suas vidas, 28 teceles da cidade de Rochdale reuniram-se

    em 1843, tendo por intento sugerir em reunio algumas propostas,

    como: a emigrao, abstinncia de bebidas alcolicas e a fundao de

  • 29

    um armazm cooperativo.

    Pinho (2004) relata que essa sociedade cresceu mais que

    rapidamente. Em 1845 eram 80 associados, j em 1851 contava com 630

    associados. Em 1857 atingiu 1850, e depois de dez anos atingiu um

    nmero de 5.300 associados. Conforme Silva Filho (2001), o sucesso de

    Rochdale inspirou o movimento cooperativista pelo mundo, de tal modo

    que os valores e os princpios elaborados pelos Probos Pioneiros so,

    at hoje, adotados pelos movimentos cooperativistas, considerando

    pequenas alteraes, so eles:

    Escolha da direo da sociedade mediante

    eleies em assembleias gerais; - livre adeso e

    desligamento dos scios; - cada associado tem um

    voto independentemente do capital que tenha

    investido; - pagamento de juros limitados ao

    capital; - distribuio dos ganhos

    proporcionalmente s compras efetuadas pelos

    associados, depois de descontadas as despesas de

    administrao; - quotas de reserva para aumento

    de capital destinadas extenso das operaes e

    porcentagem para a educao; - as vendas

    deveriam ser efetuadas a dinheiro, isto , vista,

    para que os associados s assumissem

    compromissos dentro de suas possibilidades

    oramentrias; - a sociedade s venderia produtos

    puros e de boa qualidade (esta regra trouxe

    enormes benefcios para a cooperativa, pois, na

    poca, a adulterao dos produtos era muito

    comum); - neutralidade poltica e religiosa (esta

    regra tem relao direta com a de livre adeso e

    desligamento dos scios, pois se a cooperativa

    assumisse carter poltico ou religioso ela

    excluiria implicitamente os que pensassem de

    outro modo). (VEIGA e FONSECA, 2002, p. 21).

    Nesse contexto, Perius (2001) afirma que o sistema cooperativista

    surge das entranhas do povo, fruto das grandes crises e da premente

    necessidade dos trabalhadores, tornando-se uma fora viva que busca beneficiar toda a coletividade.

    Portanto, percebe-se j nestes perodos que h vestgios de

    caractersticas presentes no cooperativismo, todavia foi somente no

    sculo XIX, que as cooperativas se consolidaram no modelo atual.

    Schneider (1982) destaca que o cooperativismo surgiu como um sistema

  • 30

    formal e simples baseado nos princpios de ajuda mtua e do controle

    democrtico, onde os associados seriam simultaneamente proprietrios e

    usurios.

    Nas palavras de Bulgarelli (2000), pode-se definir cooperativa

    como sendo um conjunto de pessoas independentes que se associam de

    forma voluntria, objetivando satisfazer suas necessidades e anseios,

    sejam elas de ordem econmica, social, cultural, atravs de uma

    entidade de propriedade comum e gerida de forma democrtica.

    Entidade essa, que teve seu ideal disseminado por todo o mundo e em

    praticamente todos os setores da economia, sendo aceito e reconhecido

    em todos os pases como a frmula mais adequada, participativa, justa,

    democrtica e indicada para atender as necessidades e interesses

    especficos da populao (CARVALHO, 2011, p. 24).

    Conforme Silva Filho (2001), o sucesso de Rochdale inspirou o

    movimento cooperativista pelo mundo, de tal modo que os valores

    (solidariedade, igualdade, fraternidade, democracia, equidade,

    responsabilidade social, transparncia) e os princpios (adeso livre e

    voluntria, controle democrtico pelos scios, participao econmica

    dos scios, autonomia e independncia, educao, treinamento e

    informao, cooperao entre cooperativas, preocupao com a

    comunidade) elaborados pelos Probos Pioneiros so, at hoje,

    adotados pelos movimentos cooperativistas, considerando pequenas

    alteraes.

    Em constante crescimento e evoluo o movimento

    cooperativista prosperou em todas as suas bases. Desta forma, os

    trabalhadores no satisfeitos em apenas constitu-la, estavam tambm

    preocupados em estabelecer toda a base de ideias e regras gerais sobre a

    atuao e seu funcionamento, ao passo que a cooperativa surge como

    uma alternativa de organizao popular, a fim de renovar e resgatar a

    fraternidade e a vida no ambiente de trabalho. (RECH, 2000).

    Conclui-se que com o surgimento da Revoluo Industrial na

    Europa Ocidental no incio do sculo XIX h o desencadeamento do

    pensamento cooperativo moderno. De acordo com Veiga e Fonseca

    (2001), a partir da contribuio de inmeros pensadores da poca,

    formou-se a filosofia que embasa o cooperativismo em todo o mundo,

    sendo realizado o estudo dos precursores a seguir.

  • 31

    2.1.1 Precursores do Pensamento Cooperativo

    O pensamento cooperativo teve seu surgimento na Europa

    Ocidental, no incio do sculo XIX, com o advento da Revoluo

    Industrial. Veiga e Fonseca (2001, p. 22) relatam que as consequncias

    econmicas e sociais da Revoluo Industrial deram origem a um rico

    movimento de ideias nos pases europeus que se encontravam em plena

    via de industrializao.

    Os principais precursores filosficos do movimento

    cooperativista so: Plockoy, Robert Owen, Willian King, Lnge,

    Charles Fourier, Philippe Buchez e Louis Blanc. (VEIGA e

    FONSECA, 2001, p. 23). Neste estudo ser dado destaque aos

    idealizadores: Robert Owen, William King, Charles Fourier e Charles

    Gide.

    Segundo Cruz (2000), Roberto Owen (1771-1858) foi o

    protagonista do socialismo utpico ingls; industrial e filantropo.

    Considerado o pai do cooperativismo ingls, Owen era agnstico e de

    moral laical, negava o livre arbtrio, e acreditava que as condies de

    vida das classes menos favorecidas poderiam ser melhoradas com a

    aplicao dos princpios da cincia da moral.

    O autor afirma ainda que Owen acreditava que o egosmo

    humano residia na existncia da propriedade privada e, por isso, props

    que os trabalhadores fossem agrupados em cooperativas.

    Cruz (2000) explica que Owen implantou em sua empresa suas

    teses, reduzindo a jornada de trabalho dos operrios, aumentando os

    salrios e proibindo o trabalho de crianas menores de 10 anos de idade,

    o que era normal na poca. Ele ainda construiu escolas gratuitas para os

    filhos de seus operrios, amparou a velhice e deu incio as prticas

    previdencirias que no existiam at ento.

    De acordo com Singer (2002) Owen se tornou objeto de

    admirao e respeito, j que com o tratamento generoso que dava aos

    seus operrios conseguiu alcanar maior produtividade e melhores

    resultados. Pessoas do mundo inteiro visitavam sua indstria para saber

    como o dinheiro gasto no bem-estar dos operrios era recuperado em

    forma de lucro.

    Vale citar que na segunda metade do sculo XIX, depois do

    governo britnico negar a implantao de um de seus planos, Owen

    partiu para os Estados Unidos [...] com a inteno de erguer num meio

    social mais novo, e por isso menos deteriorado, uma Aldeia Cooperativa

    que seria um modelo da sociedade do futuro, a ser imitado por pessoas

    de boa vontade mundo afora (SINGER, 2002, p. 26).

  • 32

    Singer (2002) explica que a Aldeia Cooperativa de Owen foi

    implantada em 1825, em New Harmony, no estado de Indiana, mas

    sofreu vrias cises, que fizeram com que ele retornasse Inglaterra em

    1829. Porm, seus discpulos continuaram a pr em prtica suas ideias,

    criando sociedades cooperativas em vrias partes.

    Por sua vez, William King (1786-1865), mdico de grande

    sensibilidade social e que foi um dos principais discpulos de Robert

    Owen, viu na cooperao a maneira de eliminar os males da sociedade

    moderna e criar melhores formas de vida. Cruz (2000) afirma que ele foi

    um dos responsveis pelo desenvolvimento do cooperativismo de

    consumo ingls.

    Veiga e Fonseca (2001) relatam que King desenvolveu sua teoria

    de cooperao a partir de 1828, atravs de uma revista mensal que

    ganhou milhares de adeptos entre os trabalhadores da Gr-Bretanha.

    Segundo a teoria dele, cada associado deveria colaborar levando uma

    quantidade de produtos por semana e, com o valor arrecadado, abria-se

    uma tenda. Os lucros formavam um fundo comum, para a compra de

    terras ou casas.

    Nascido em Marselha, Charles Fourier (1772-1837) outro

    pensador da poca que contribuiu para a formao da filosofia do

    cooperativismo. Seus pensamentos colaboraram para a concepo de

    diversas cooperativas em toda a Europa, em especial na Frana, e dentre

    elas as cooperativas integrais de produo e os kibutzim em Israel.

    De acordo com Veiga e Fonseca (2001), Fourier defendia que o

    homem devia descobrir e viver de acordo com leis morais e intelectuais,

    das quais dependia a ordem social. Ele argumentava ainda que a

    organizao da sociedade deveria dar liberdade s paixes e desejos dos

    homens que, se desenvolvidas sob condies apropriadas, iriam levar a

    uma sociedade perfeita. Sociedade na qual a indstria deveria ser

    conduzida pelo Falanstrio.

    Cruz (2000) exemplifica o Falanstrio como uma associao de

    trabalho e de vida, constituda por pessoas agrupadas em pequenas

    comunidades, reunidas de acordo com suas especialidades produtivas,

    visando o bem comum.

    Para o autor, ainda hoje, nos Estados Unidos, atravs do trabalho

    de um dos seus discpulos, Victor Considerant, o iderio do Falanstrio

    fonte permanente de consulta para organizao de comunidades

    cooperativas (CRUZ, 2000, p. 29-30)

    Por fim e no menos importante, o advogado, filsofo e professor

    de Economia Poltica, nascido no interior da Frana, Charles Gide (1874

    1932) defendia a ideia de substituir o sistema capitalista por um

  • 33

    modelo de repblica cooperativa. Veiga e Fonseca (2001) explicam que

    a proposta de Gide era de que os setores da economia se organizassem

    em um sistema cooperativista onde o consumidor fosse soberano e as

    relaes de mercado beneficiassem a todos.

    Cruz (2000) relata que Gide considerava o cooperativismo como

    algo superior a qualquer outro sistema econmico, visto que apresentava

    doze virtudes prprias, entre elas viver melhor atravs da ajuda mtua;

    instruir e incentivar a participao das mulheres; educar o povo para a

    autogesto econmica e poltica; substituir a propriedade privada pela

    propriedade coletiva; e valorizar a satisfao das necessidades do

    homem e no a obteno de lucros.

    Com base nestas iniciativas os trabalhadores, no satisfeitos em

    apenas constituir essa chamada sociedade ideal, onde as classes

    buscassem interesses comuns, abdicando da busca incessante pelo lucro

    e, consequentemente, vivessem em harmonia, estavam tambm

    preocupados em estabelecer toda a base de ideias e regras gerais sobre a

    atuao e funcionamento do cooperativismo.

    Com essas experincias baseadas nos ideais dos pensadores e

    precursores do movimento cooperativista, foi possvel aprimorar e

    constituir a cooperativa dos Probos Pioneiros de Rochdale. Referida

    sociedade restou pautada em princpios basilares bem como fora

    possvel realizar um conceito sobre o que era a cooperativa, e que sero

    objetos de anlise conforme veremos a seguir.

    2.2 CONCEITOS E PRINCPIOS DO COOPERATIVISMO

    Robert Owen tinha o entendimento de que o cooperativismo o

    caminho para uma nova ordem econmica e social. Ele interpretava o

    cooperativismo como o incio de uma nova sociedade, na qual [...] as

    pessoas poderiam trabalhar conjuntamente, libertando-se do jugo do

    capital e suprindo interesses pessoais e coletivos (RECH, 2000, p. 10).

    Portanto o cooperativismo surgia como uma alternativa para a superao

    dos males do capitalismo.

    Diante desse patamar, enfrentando diversos problemas, Bulgarelli

    (2000) relata que o cooperativismo surge como um movimento social e

    econmico, entre pessoas que tm um objetivo comum: promover o

    desenvolvimento econmico e o bem-estar social de todos os

    envolvidos. Tem por base os fundamentos da participao democrtica,

    solidariedade, independncia e autonomia. Com isso formaram-se

    instituies concretas com elevado teor moral, sendo difundido por

    vrios pases.

  • 34

    Sendo assim, a ideia do cooperativismo veio da constatao de

    que a cooperao - fazer coisas junto com outras pessoas era a melhor

    maneira para encontrar as solues que interessavam a determinado

    grupo de indivduos (RICCIARDI e LEMOS, 2000, p.58).

    Veiga e Fonseca (2001) afirmam com propriedade que o

    cooperativismo uma filosofia do homem na sociedade em que vive,

    filosofia que tem como objetivo o aprimoramento social, econmico e

    cultural do ser humano, preocupando-se com a construo de uma

    sociedade mais equitativa, democrtica e sustentvel. Para os autores, o

    cooperativismo procura uma nova maneira de processar a economia com

    base no trabalho e no no lucro; com ajuda mtua e, no com

    concorrncia e competio; atenta nos valores e necessidades humanas

    e, no na acumulao individual do dinheiro.

    Deste modo, podemos afirmar que o plano de fundo das

    cooperativas tem como base os valores fundados na tica, resistindo-se

    aos valores individualistas e exclusivamente econmicos, prprios da

    sociedade dita capitalista.

    Vale destacar que o cooperativismo no prega a ideia da extino

    da propriedade, muito menos se impe contra as iniciativas e as

    liberdades individuais, entretanto, motiva que os indivduos em

    solidariedade uns com os outros, busquem atender suas necessidades.

    (RICCIARDI e LEMOS, 2000).

    Nesta seara, Nascimento (2000) argumenta que, o cooperativismo

    algo to singular que poderia ser considerado um regime econmico, e

    no se deixar transformar em partidos polticos, grmios estudantis,

    instrumento corporativista, sindicatos, consrcios, agncias do governo

    ou meras casas comerciais.

    De acordo com Luiz Ricciardi e Roberto Jenkis de Lemos (2000),

    o cooperativismo utiliza um mtodo de trabalho conjugado, ao mesmo

    tempo em que pode ser visto como um sistema econmico

    caracterstico, onde o trabalho chefia o capital. que as pessoas que se

    associam cooperativamente so as donas do capital e as proprietrias dos

    demais meios de produo (terras, mquinas, equipamentos, instalaes

    e outros), assim so proprietrias da prpria fora de trabalho. Essa

    disposio e unio de associarem-se busca a elevao dos padres de

    qualidade de vida desses associados.

    Neste contexto, Ricciardi e Lemos (2000) afirmam que

    conceitualmente o cooperativismo promove a elevao dos padres de

    qualidade de vida de seus associados ante a conjugao de esforos.

    O cooperativismo tem como peculiaridade a liberdade de

    trabalhar em comunidade possuindo a cooperao duas condies

  • 35

    importantes e imprescindveis: liberdade e comunidade; trabalho livre e

    grupal, caractersticas que se opem competio e concorrncia.

    Na viso de Veiga e Fonseca (2001) o cooperativismo

    reconhecido como o sistema de cooperao econmica que envolve

    diversas formas de produo e de trabalho, e que ao mesmo tempo em

    que aparece junto com o capitalismo, se prope como uma forma de

    super-lo. Sendo tambm, o mais adequado, participativo, justo,

    democrtico e indicado para atender as necessidades e interesses dos

    trabalhadores, proporcionando o desenvolvimento do indivduo atravs

    do coletivo.

    Sob este prisma, de acordo com a Aliana Cooperativa

    Internacional (ACI) entidade mxima do movimento cooperativo

    global a cooperativa atualmente compreendida como: Uma associao autnoma de pessoas, unidas

    voluntariamente, para atender s suas

    necessidades e aspiraes econmicas, sociais e

    culturais comum, atravs de uma empresa coletiva

    e democraticamente controlada (Congresso

    Centenrio da ACI. Manchester - Inglaterra,

    setembro de 1995). J segundo a Organizao

    Internacional do Trabalho (OIT), cooperativa

    uma associao de pessoas que se uniram

    voluntariamente para realizar um objetivo comum,

    atravs da formao de uma organizao

    administrada e controlada democraticamente,

    realizando contribuies equitativas para o capital

    necessrio e aceitando assumir de forma

    igualitria os riscos e benefcios do

    empreendimento no qual os scios participam

    ativamente (Recomendao 2 127) (MEINEN e

    PORT, 2012, p.29).

    Veiga e Fonseca (2001) definem a cooperativa como sendo uma

    associao voluntria, sem fins lucrativos, porm com fins econmicos,

    exercendo atividade laboral com objetivos em comum, contribuindo

    equitativamente para a formao do capital necessrio por meio da

    aquisio de quotas-partes e aceitam assumir de forma igualitria os

    riscos e benefcios do empreendimento. Tendo trs caractersticas

    peculiares bsicas: a gesto, a propriedade e a repartio das sobras cooperativas.

    Em outras palavras, pode-se definir cooperativa como sendo um

    conjunto de pessoas independentes que se associam de forma voluntria,

    objetivando satisfazer suas necessidades e anseios, sejam elas de ordem

  • 36

    econmica, social, cultural, atravs de uma entidade de propriedade

    comum e gerida de forma democrtica. (BULGARELLI, 2000).

    Vale lembrar que a criao do conceito de cooperativas como

    conhecido hoje se originou em Rochdale, em 1844, quando depois da

    derrota em uma greve teceles adotaram princpios que se tornaram os

    princpios universais do cooperativismo, sendo eles:

    1) que nas decises a serem tomadas cada

    membro teria direito a um voto,

    independentemente de quanto investiu na

    cooperativa; 2) o nmero de membros da

    cooperativa era aberto, sendo em princpio aceito

    quem desejasse aderir. Por isso este princpio

    conhecido como o da porta aberta; 3) sobre

    capital emprestado a cooperativa pagaria uma taxa

    de juros fixa; 4) as sobras seriam divididas entre

    os membros em proporo s compras de cada um

    na cooperativa; 5) as vendas feitas pela

    cooperativa seriam sempre feitas vista; 6) os

    produtos vendidos pela cooperativa seriam sempre

    puros (isto , no adulterados); 7) a cooperativa

    se emprenharia na educao cooperativa; 8) a

    cooperativa manter-se-ia sempre neutra em

    questes religiosas e polticas (SINGER, 2002, p.

    39-40).

    Veiga e Fonseca (2002) afirmam que estes teceles representaram

    um marco na fundao do cooperativismo moderno, por serem os

    nicos, at ento, a conseguirem seguir esse conjunto de princpios e ao

    mesmo tempo operar de forma eficiente no mercado e trazer benefcios

    para seus associados, exercendo sua funo social. Os autores explicam

    que na poca essa experincia se tornou um exemplo para outros grupos,

    por se mostrar uma alternativa ganncia capitalista, se espalhando pela

    Europa. Em 1881 j existiam por volta de mil cooperativas de consumo

    e 550 mil associados.

    As sociedades cooperativistas foram evoluindo desde a sua

    criao pelos Probos de Rochdale, que idealizaram o seu movimento

    baseados em alguns princpios bsicos a serem seguidos. Com o passar

    do tempo houve a necessidade de novos ideais, os quais foram

    aprovados no XXXI Congresso de Manchester, em 1995, pela Aliana

    Cooperativa Internacional, foram votados e aprovados os 07 princpios

    cooperativistas, como anota Bulgarelli (2000): 1 Adeso Livre e

  • 37

    Voluntria; 2 Gesto Democrtica Pelos Cooperados; 3 Participao

    Econmica dos Cooperados; 4 Autonomia e Independncia; 5

    Educao, Formao e Informao; 6 Intercooperao e 7 Interesse

    pela Comunidade.

    Percebe-se ento que o arcabouo principiolgico das

    cooperativas est repleto de normas, que resplandecem o termo

    cooperativo, fundado em valores humansticos, da fraternidade e da

    ajuda mtua, servindo de norte para a conduo das sociedades

    cooperativistas.

    Por sua vez, Schneider (1991) parte do pressuposto de que no

    somente os princpios so elementos essenciais, haja vista que se torna

    necessrio, para o bom funcionamento da cooperativa, condies

    concretas para que estes princpios possam ter aplicabilidade no plano

    prtico.

    Os princpios do cooperativismo so linhas orientadoras, em que

    so praticados os seus valores. Alm disso, invertem as relaes entre

    empresa e cliente ou empresa e trabalhadores. O cooperativismo [...]

    como a unidade econmica e espao de convvio e transformao dos

    seus integrantes [...], um sistema que tem como objetivo estar

    articulado com questes globais, regionais e locais. (VEIGA e

    FONSECA, 2001, p. 18).

    Neste contexto, nas definies mais relevantes sobre o

    cooperativismo mundial est presente a preocupao imediata com os

    valores e ideais humanitrios. E, segundo Meinen e Port (2012) a est a

    grande distino em relao a outras iniciativas de carter empresarial,

    os quais so os alicerces conceituais do cooperativismo, com os valores

    dando origem aos princpios, e os princpios passveis de reviso ao

    longo do tempo - traduzindo os valores e os levando prtica, como

    uma forma de ponte que liga as ideias aes no ambiente cooperativo.

    Meinen e Port (2012) ainda apresentam os valores do

    cooperativismo. No existe demarcao expressa em torno da matria,

    como ocorre com os princpios do cooperativismo, sendo um rol

    exemplificativo: solidariedade, liberdade, democracia, equidade,

    responsabilidade, igualdade, honestidade, transparncia e

    responsabilidade socioambiental.

    Um dos princpios do cooperativismo o da Adeso Livre, que

    garante que todas as pessoas so aptas a usar seus servios e [...]

    dispostas a aceitar as responsabilidades de scio sem discriminao

    social, racial, poltica ou religiosa e de gnero. (MEINEN e PORT,

    2012, p. 30). Tal princpio, segundo Crzio (2002), disciplina

    admisso de pessoas na cooperativa e impede a admisso de

  • 38

    aventureiros, ao mesmo tempo em que descarta qualquer tipo de

    discriminao, condicionando a admisso com a compatibilidade entre

    os objetivos do interessado e os da cooperativa, propiciando sempre o

    interesse comum e as necessidades coletivas.

    Acrescenta ainda Veiga e Rech (2002) que segundo o Princpio

    da Adeso Livre ningum ser compelido a associar-se ou a permanecer

    associado, sugerindo que os estatutos [...] prevejam mecanismos de

    entrada de novos associados de maneira a preservar de fato a

    democracia e a participao de todos. Se a associao se torna muito

    grande, a sua democracia interna pode ficar comprometida, quando

    faltar o devido cuidado. (VEIGA e RECH, 2002, p. 13).

    Carvalho (2011, p.36) completa dizendo que esse princpio

    possibilita o ingresso ou a retirada do cooperado, voluntariamente, sem

    coero ou discriminao por motivos polticos, religiosos, ticos ou

    sociais.

    Outro princpio cooperativista o do Controle Democrtico pelos

    Scios, o qual assegura que a cooperao tem que ser organizada,

    todavia o cooperativismo tem um diferencial, qual seja, o carter de

    inovao institucional: Precisamos de instituies econmicas que

    democratizem a economia de mercado, descentralizando o acesso s

    oportunidades e aos recursos o cooperativismo atende a isso

    plenamente. (RICCIARDI e LEMOS, 2000, p.55).

    Segundo CRZIO (2000), o princpio do controle democrtico

    dos scios possibilita aos mesmos, dentre outros, a participao das

    decises administrativas que determinam a produo, a comercializao

    ou a prestao dos servios na cooperativa e para terceiros.

    Para Schneider o princpio da gesto democrtica o mais

    importante dos princpios, uma vez que no primeiro estatuto de

    Rochdale consta: [...] Este princpio consta logo aps o prembulo, ou

    o artigo ou a lei primeira que traa as grandes linhas de transformao

    econmica e social, a mdio e a longo prazo desejadas pelos Pioneiros.

    (1991, p. 77).

    Portanto, garante este princpio que a sociedade cooperativista,

    quanto sua governana, deve guiar-se pelos princpios prprios da

    democracia, que pressupe a atuao responsvel de todos os membros.

    Votar e ser votado, de acordo com as condies estatutrias, constituem

    direitos e, por consequncia, deveres basilares do associado. (MEINEN

    e PORT, 2012, p. 32).

    Participar da vida da cooperativa condio

    inarredvel para o seu sucesso, cumprindo a quem

  • 39

    est na liderana assegurar todas as condies

    para a prtica desse direito dever, incluindo a

    instituio de canais e outros mecanismos

    adequados e transparentes de acesso a

    informaes e participao dos cooperados. O

    regime democrtico, em que as decises so

    tomadas por maioria (simples ou especial, de

    acordo com a matria), pressupe o exerccio

    representativo do poder, tendo a assembleia geral

    como frum principal (trata-se do rgo social

    mximo da sociedade). Quer dizer, alguns so

    escolhidos para representar a todos, com a

    responsabilidade que a lei e o estatuto

    estabelecem (MEINEN e PORT, 2012, p. 32).

    J no princpio da Participao Econmica dos Scios, os

    cooperados tm que contribuir de forma equitativa e realizar o controle

    democrtico do capital de sua cooperativa. Parte desse capital

    propriedade comum das cooperativas. Usualmente, os scios recebem

    juros limitados (se houver algum) sobre o capital, como condio de

    sociedade. (CRZIO, 2002, p.30). Segundo Carvalho (2011, p. 36)

    todos contribuem igualmente para a formao do capital da

    cooperativa, que sua base de sustentao econmica e

    funcionamento.

    Com o princpio da Autonomia e Independncia fica claro que as

    cooperativas tornam-se organizaes autnomas de ajuda mtua, as

    quais so controladas por seus membros. Se firmarem acordos com

    outras organizaes, incluindo instituies pblicas, ou recorrem a

    capital externo, devem faz-lo em condies que assegurem o controle

    democrtico pelos seus membros e mantenham autonomia da

    cooperativa. (MEINEN e PORT, 2012, p.36). Possibilitando aos

    associados:

    Firmar convnios, contratos etc., com terceiros,

    mantendo, ao mesmo tempo, a autonomia e a

    independncia da cooperativa, principalmente em

    relao aos objetivos econmicos, poltico e social

    almejados pela associao. Fiscalizar o

    cumprimento da misso e dos objetivos iniciais da

    cooperativa, defendendo-a contra possveis

    intervenes externas de atravessadores,

    oportunistas, agiotas ou prestamistas etc. Exigir

    que todos na cooperativa se responsabilizem pelo

  • 40

    acompanhamento e controle da administrao

    interna, considerando a autonomia e a

    independncia nas relaes comerciais dentro e

    fora da associao (CRZIO, 2002, p. 31).

    Ainda segundo Crzio (2002), o cooperativismo adota tambm o

    princpio da Educao, Treinamento e Informao, o qual garante que as

    cooperativas devem proporcionar educao e treinamento aos seus

    scios, dirigentes, administradores e funcionrios, contribuindo para o

    seu desenvolvimento, uma vez que a cooperativa objetiva

    permanentemente efetivar aes e recursos para educar e capacitar seus

    associados visando a prtica cooperativista, alm de disseminar

    populao as vantagens da cooperao organizada, buscando tambm a

    insero do ensino do cooperativismo no sistema de ensino.

    (CARVALHO, 2011)

    Outro princpio o da Cooperao entre as Cooperativas, o qual

    tem como objetivo o fortalecimento do movimento cooperativo, atravs

    de estruturas nacionais, regionais e internacionais, onde as cooperativas

    trabalhem juntas. Serve tal princpio ao fortalecimento do movimento

    cooperativista atravs da troca de experincias e informaes.

    (CRUZIO, 2002).

    A Intercooperao uma das formas pelas quais se pratica o

    valor da solidariedade, j que de interesse (na sua concepo mais

    nobre) de qualquer cooperativa que as entidades coirms do mesmo e de

    outros ramos se desenvolvam e se mantenham saudveis. (MEINEN e

    PORT, 2012, p.42).

    Crzio ainda apresenta o princpio Um Homem, Um Voto, o qual

    deixa claro que cada cooperado representa um voto, indiferentemente da

    quantidade de quotas-partes. Possuindo o direito de votar e ser votado.

    Ou seja:

    Direitos iguais aos benefcios gerados pela

    economia da cooperativa, independentemente das

    situaes econmica, poltica e social de cada um,

    dentro e fora da associao. Atravs do voto,

    emitir opinio e influenciar nas decises gerais da

    cooperativa, desde a determinao dos objetivos

    gerais da cooperativa at a escolha dos dirigentes

    e conselheiros fiscais. Atravs do voto, participar

    das decises administrativas relativas a preos,

    quantidade, qualidade, prazos, contratos etc. dos

    produtos a serem comercializados com a

  • 41

    cooperativa, ou relativas prestao de servios

    aos tomadores de servios (CRZIO, 2002, p.

    37).

    O princpio do Retorno das Sobras, tambm apresentado por

    Crzio (2002) define que a cooperativa no visa lucros, e que havendo

    sobras no balano do ano, essas ficaro nos fundos previstos no Estatuto

    da cooperativa, e o destino do restante, os cooperados definem em

    Assembleia Geral. E continua Crzio ao afirmar que tal princpio

    possibilita aos associados que opinem e decidam de forma livre e

    consciente a forma de aplicao das sobras ou lucros lquidos, alm de

    opinar e decidir sobre todas as questes financeiras relevantes.

    Diante destes princpios apresentados, perceptvel que o

    cooperativismo tem inmeras particularidades frente sociedade, assim

    como, frente s empresas comuns do sistema econmico atual. As

    peculiaridades, conforme CARVALHO (2011) ocorrem em razo dos

    princpios cooperativistas constiturem atitudes direcionadas

    comunidade, favorecendo a autonomia do cooperado na filiao e na

    igualdade de investimento.

    Partindo destas premissas, os atos cooperativos apresentam-se de

    forma to diferenciada que so capazes de caracterizar um novo ramo do

    direito: o direito cooperativo. Esse Direito seria aquele destinado a

    reger as sociedades cooperativas e as suas relaes jurdicas, sem

    subordinao a outros ramos do Direito, por incompatvel a sistemtica

    jurdica das cooperativas com a orientao e o contedo das normas

    desses ramos do Direito (BULGARELLI, 2000, p. 19-20).

    Complementa Crzio (2000) que as cooperativas diferem das empresas

    comuns em muitos aspectos, isto porque tem caractersticas que lhes so

    prprias.

    Bulgarelli (2000) menciona que por mais que exista a dificuldade

    expressa de caracterizar o cooperativismo como novo ramo do direito,

    as cooperativas possuem peculiaridades que as tornam singulares se

    comparadas as demais sociedades existentes, distinguindo-as das

    sociedades civis e comerciais. Tanto isso verdade, que as legislaes

    de todos os pases onde o cooperativismo se implantou, o que equivale a

    dizer, hoje, do mundo inteiro, acabaram por reconhecer essas

    caractersticas, conferindo-lhe um regime jurdico prprio.

    (BULGARELLI, 2000, p. 20-21). No Brasil no diferente, por isso se

    faz necessrio um estudo do cooperativismo no pas e seu ordenamento

    jurdico.

  • 42

    2.3. COOPERATIVISMO NO BRASIL E SEU ORDENAMENTO

    JURDICO

    2.3.1. Evoluo Histrica do Cooperativismo no Brasil

    O cooperativismo no Brasil surge como um movimento social e

    econmico entre pessoas que tm um objetivo comum, o de promover o

    desenvolvimento econmico e o bem-estar social de todos os

    envolvidos. Tem por base os fundamentos da participao democrtica,

    solidariedade, independncia e autonomia. Com isso, se formaram

    instituies concretas com elevado teor moral, sendo difundido por

    vrios pases (BULGARELLI, 2000).

    Os ideais cooperativistas no Brasil se relacionam ao padre jesuta

    de origem sua Thodor Amstadt. Fundamentado na solidariedade, no trabalho coletivo e na mtua ajuda, teve como base as mximas crists,

    junto as pequenas comunidades, e o objetivo inicial de promover o bem-

    estar comum.

    Filho de pequenos comerciantes, Amstadt (1981) teve sua

    ordenao de sacerdote na Inglaterra e posteriormente foi enviado ao Sul

    do Brasil, juntamente com imigrantes alemes, com o intuito de

    prosperarem essa regio.

    A literatura denomina-o como uma personalidade notvel, que

    marcou a histria do Estado do Rio Grande do Sul. Menciona-se que

    desenvolveu diversos trabalhos focados no bem estar social da

    populao, mas ganhou notvel destaque por enraizar ideais do

    cooperativismo e do associativismo. Pinho (2004), afirma que sua

    atuao se destacou na criao da Associao Riograndense de

    Agricultores.

    Contudo, Veiga e Fonseca (2001) mencionam que no Brasil

    foram fundadas as primeiras cooperativas por volta de 1887, sendo elas

    a Cooperativa de Consumo dos Empregados da Companhia Paulista, em

    Campinas (SP) e a Sociedade Econmica Cooperativa dos Funcionrios

    Pblicos de Minas Gerais.

    Ainda de acordo com os autores, na cidade de Limeira (SP), no

    ano 1899 foi criada a Associao Cooperativa dos Empregados da

    Companhia Telefnica; no Rio de Janeiro (RJ), no ano de 1894, a

    Cooperativa Militar de Consumo e, tambm em 1895, a de Camaragibe

    (PE). J em 1902, em Nova Petrpolis (RS), surge a primeira

    cooperativa de crdito fundada por produtores de vinho e, no mesmo

    estado em 1906, a primeira cooperativa agropecuria.

  • 43

    De 1913 a 1929, outras cooperativas continuaram a aparecer,

    dentre elas, em 1913, no Rio de Janeiro, a Cooperativa dos Empregados

    e Operrios da Fbrica de Tecidos da Gvea e, em Santa Maria (RS),

    ocorreu fundao da Cooperativa de Consumo dos Empregados da

    Viao Frrea - COOPFER. Em 1917, os ferrovirios fundaram

    cooperativas de consumo.

    De acordo com Jos Odelso Schneider (1982), diante do

    panorama da depresso de 1929, o governo passou a ter interesse pelo

    cooperativismo, especialmente como instrumento de poltica agrcola.

    Porm, segundo Pinho (2004) com a falta de legislao especfica, as

    cooperativas mais se assemelhavam as sociedades annimas,

    associaes profissionais e sindicatos.

    Assim, em 1932, no governo de Getlio Vargas, foi implantado o

    Decreto n 22.239 que regulamentou a organizao e funcionamento das

    cooperativas. Essa foi a primeira lei fundamental que tratou das

    principais caractersticas das cooperativas no pas, consagrando seu

    embasamento rochdaleano. Pinho (2004) destaca que nas Constituies

    de 1934 e 1946, e na Carta Constitucional de 1937, a liberdade de

    associao foi assegurada, porm o cooperativismo no foi tratado

    expressamente.

    Pinho (2004) explica que entre 1966 a 1970, a Ditadura Militar

    marcou a fase cooperativista de forte centralismo estatal e oposicionista

    ao cooperativismo de crdito rural e urbano. Nessa fase eram toleradas

    apenas as cooperativas de economia e crdito-mtuo, e as sees de

    crdito de cooperativas agrcolas mistas, que logo foram extintas.

    O ponto forte desse perodo, entretanto, foi a

    pacificao do movimento cooperativista

    brasileiro, at ento dividido. Graas

    intermediao de Antnio Jos Rodrigues Filho,

    os cooperativistas compreenderam a necessidade

    de somar esforos para impulsionar um

    movimento cooperativo unificado (PINHO, 2004,

    p. 36).

    Passado esse perodo, o cooperativismo brasileiro teve uma

    renovao legal, estrutural e instrumental em 1971, atravs da

    promulgao da lei n. 5.764, que instituiu o regime jurdico das

    sociedades cooperativas.

  • 44

    Conforme PERIUS (2001), aps cinquenta anos de interveno

    estatal que findou em 1988, sendo a Carta de 1988 o marco divisor do

    cooperativismo no mais tutelado pelo estado.

    Os dois eventos acima, promulgao da lei n. 5.764/71 e a

    Constituio Federativa do Brasil de 1988 registravam um novo

    relacionamento entre cooperativas e o Estado, que se disps a oferecer

    maior autonomia s cooperativas, originando-se o Decreto n 90.393/84,

    pelo qual o INCRA poderia delegar suas funes ao prprio sistema de

    cooperativas. (PERIUS, 2001)

    Bulgarelli (2000) afirma que a disciplina jurdica das sociedades

    cooperativas foi modificada na Constituio Federal de 1988, tendo

    acrescentado s antigas normas o chamado perodo de liberalizao,

    advindo da no interveno do Estado nas cooperativas:

    Merece reiterar que a Constituio da Repblica,

    como eixo central do ordenamento jurdico

    brasileiro, conferiu verdadeira autonomia ao

    cooperativismo, o que, por si s, constitui um

    grande estmulo ao desenvolvimento do setor. O

    tratamento conferido ao cooperativismo pelo novo

    Cdigo Civil bem reflete esse prestgio

    (ALMEIDA e BRAGA, 2006, p. 107).

    Tal como ser adiante pormenorizado, ainda que o processo de

    liberalizao tenha incentivado a criao de cooperativas, a

    aplicabilidade prtica do comando constitucional constitui em mais um

    daqueles comandos principiolgicos de pouca efetividade social, uma

    vez que sua operacionalizao condicionada no apenas mera

    previso constitucional, mas existncia de polticas pblicas e

    econmicas que permitam sua aplicabilidade no plano prtico.

    2.3.2. Previso Constitucional das Sociedades Cooperativas

    Tocante ao texto constitucional de 1988, destaca-se, a previso

    sobre a ordem econmica nacional e sobre a explorao das atividades

    econmicas no territrio brasileiro, onde claramente nota-se a

    possibilidade de organizao de sociedades cooperativas como vetores

    de positivao dos princpios insertos no art.170 da Carta

    Constitucional, que prioritariamente trata de instrumentos hbeis de

    produo e distribuio de riquezas. Vejamos o teor do comando

    constitucional:

  • 45

    A ordem econmica, fundada na valorizao do

    trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim

    assegurar a todos existncia digna, conforme os

    ditames da justia social, observados os seguintes

    princpios: I - soberania nacional; II - propriedade

    privada; III - funo social da propriedade; IV -

    livre concorrncia; V - defesa do consumidor; VI -

    defesa do meio ambiente, inclusive mediante

    tratamento diferenciado conforme o impacto

    ambiental dos produtos e servios e de seus

    processos de elaborao e prestao; VII -

    reduo das desigualdades regionais e sociais;

    VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento

    favorecido para as empresas de pequeno porte

    constitudas sob as leis brasileiras e que tenham

    sua sede e administrao no Pas.

    Pargrafo nico. assegurado a todos o livre

    exerccio de qualquer atividade econmica,

    independentemente de autorizao de rgos

    pblicos, salvo nos casos previstos em lei.

    (BRASIL A, 2016).

    Ainda veja-se que o texto constitucional menciona a finalidade da

    ordem econmica, com seus fundamentos, como forma de assegurar a

    existncia digna de todos conforme ditames da justia social.

    O prprio texto constitucional indica que a valorizao do

    trabalho humano pilar fundamental da ordem econmica brasileira.

    Assim, temos que o exerccio da atividade econmica pela via das

    sociedades cooperativas mostra-se possibilidade estimulada e prevista

    em comandos constitucionais, j que o incentivo criao de sociedades

    cooperativas est expresso no rol de direitos fundamentais, indicando o

    direito livre associao e a vedao interveno estatal nos

    empreendimentos cooperativos:

    Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem

    distino de qualquer natureza, garantindo-se aos

    brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a

    inviolabilidade do direito vida, liberdade,

    igualdade, segurana e propriedade, nos

    termos seguintes:

    [...]

    XVII - plena a liberdade de associao para fins

    lcitos, vedada a de carter paramilitar;

    XVIII - a criao de associaes e, na forma da

  • 46

    lei, a de cooperativas independem de autorizao,

    sendo vedada a interferncia estatal em seu

    funcionamento; [...] (BRASIL A, 2016).

    Nesse sentido, segue ensinamento do Doutrinador Alexandre de

    Moraes, in verbis:

    plena a liberdade de associao, de tal forma

    que ningum poder ser compelido a associar-se

    ou mesmo permanecer associado, desde que para

    fins lcitos, vedada a de carter paramilitar, sendo

    que sua criao e, na forma da lei, a de

    cooperativas independem de autorizao, vedada a

    interferncia estatal em seu funcionamento,

    constituindo-se um direito que, embora atribudo a

    cada pessoa (titular), somente poder ser exercido

    de forma coletiva, com vrias pessoas. (2008, p.

    80).

    No menos importante, no ttulo constitucional destinado

    Ordem Econmica e Financeira, a previso no art. 174, 2, que

    menciona que a lei apoiar o cooperativismo e outras formas de

    associativismo, positivando no pargrafo seguinte o favorecimento

    visando a organizao da atividade garimpeira em cooperativas,

    inclusive com prioridade de autorizao e concesso de lavra junto ao

    rgo competente (DNPM). Do mesmo modo, quando trata da poltica

    agrcola, fundiria e da reforma agrria no captulo III, menciona no

    art.187, inciso VI, o cooperativismo, prevendo no caput que a poltica

    agrcola ser planejada e executada na forma da lei, com a participao

    efetiva do setor de produo, envolvendo produtores e trabalhadores

    rurais, bem como dos setores de comercializao, de armazenamento e

    de transportes, [...] (BRASIL A, 2016).

    J quanto ao tratamento tributrio relacionado s cooperativas, o

    art.146, inciso III, alnea c, estabelece que atravs de Lei

    Complementar estabelecer-se- adequado tratamento tributrio ao ato

    cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas, ratificando o

    comando constitucional o vis incentivador de sociedades cooperativas

    (BRASIL A, 2016).

    Tambm, a regulamentao legal das sociedades cooperativas

    remonta Lei 5.764, de 16 de dezembro de 1971, sendo recepcionada

    pela Carta de 1988, esta que estimula a criao de sistemas econmicos

    cooperativos.

  • 47

    2.3.3. Legislao Infraconstitucional e Cooperativismo

    2.3.3.1. Lei n. 5764/71 - Lei do Cooperativismo

    Atualmente, as sociedades cooperativas brasileiras so

    disciplinadas pela Lei n 5.764, de 16 de dezembro de 1971, que define

    que so sociedades de pessoas, com forma e natureza jurdica prpria,

    de natureza civil, no sujeitas falncia, constitudas para prestar

    servios aos associados [...]. O objetivo, assim, est voltado para os

    cooperados e no para a sociedade, e em sua razo social deve estar

    contida a expresso cooperativa. (POLNIO, 1999).

    Embora a lei n. 5.764/71 no traga em seu texto meno

    explcita aos princpios norteadores do cooperativismo, isso no

    significa que eles no existam em nossa legislao. Logo, referenciamos

    o art. 4, o mais rico, uma vez que traz claramente expresso a real

    natureza jurdica das cooperativas: adeso voluntria; quotas-parte aos

    associados; nmero ilimitado de associados; variabilidade do capital

    social; limitao do nmero de quotas-partes do capital para cada

    associado; retorno das sobras lquidas; singularidade do voto; prestao

    de assistncia aos associados e pregam a no discriminao, pontos

    esses importantssimos que servem como princpios do cooperativismo.

    (BRASIL D, 2016)

    Cabe ressaltar que o artigo 3 da Lei n. 5.764, de 16 de dezembro

    de 1971, define as obrigaes, contribuies e os servios para celebrar

    contrato de sociedade cooperativa. (BRASIL D, 2016)

    J o art. 6 prev nmero mnimo de scios, dependendo do tipo

    de cooperativa constituda. Nesse ponto, explicam Almeida e Braga

    (2006, p.26): [...] o nmero mnimo de scios variar segundo se trate

    de cooperativa singular (20 pessoas fsicas ou, excepcionalmente,

    jurdicas), cooperativa central ou federao de cooperativas (03

    cooperativas singulares) ou confederao de cooperativas (03 federaes

    de cooperativas)..

    Ressalta-se tambm que a Lei n. 12.690 de 2012, que regula as

    denominadas Cooperativas de Trabalho, prev em seu art.6 que dever

    ser constituda com nmero mnimo de sete scios. (BRASIL F, 2016)

    Contrariamente, se h limitao ao nmero mnimo de scios de

    uma sociedade cooperativa, no h limitao ao nmero mximo,

    referindo Almeida e Braga (2006), que se trata do conhecido princpio

    da porta aberta, este que decorre da natureza social-altrusta da

    cooperativa, no podendo esta agir de forma excludente aos que

    pretendem nela associar-se.

  • 48

    Por fim, tratando-se de Lei que remonta ao ano de 1971,

    enquanto que a constituio vigente refere-se ao ano de 1988, esta de

    vis liberalizador, houve o necessrio cuidado visando a recepo da

    legislao infraconstitucional pela nova Carta, que no apenas

    recepcionou como incutiu dever ao Estado de apoio a criao e

    manuteno das cooperativas, sem a interferncia estatal.

    2.3.3.2. O Cdigo Civil, o Cdigo Tributrio e as Sociedades

    Cooperativas

    As singularidades que permeiam a criao e a finalidade da

    sociedade cooperativa trazem dvidas quando a sua classificao

    jurdica, ou seja, se devem ser classificadas como do ramo empresarial

    ou do ramo civil. Justificando, Bulgarelli (2000) menciona que o que

    faz das cooperativas algo to singular o fato das mesmas serem

    reguladas por princpios de natureza tica e doutrinria ao contrrio das

    capitalistas.

    Nesta toada, Bulgarelli (2000) menciona o surgimento de um

    novo ramo do direito, o Direito Cooperativo, posio rechaada por

    Francisco de Assis Alves e Imaculada Abenante Milani (2002), que

    entendem serem as sociedades cooperativas como de natureza civil j

    que prestam servios a seus associados.

    Independente da classificao jurdica adequada, tanto o Cdigo

    Civil quando o Cdigo Tributrio trazem dispositivos especficos acerca

    de sociedades cooperativas.

    O Cdigo Civil de 2002 prev em seu artigo 982 que

    independente de seu objeto, considera-se empresria a sociedade por

    aes; e, simples, a cooperativa. (BRASIL B, 2016). Abrange ainda a

    legislao cooperativista no mesmo Cdigo os artigos 1.093 1.096,

    que tratam sobre incidncia do Cdigo Civil em questes relativas s

    sociedades cooperativas (com a ressalva da legislao especial); as

    caractersticas da sociedade cooperativa; a responsabilidade limitada ou

    ilimitada dos scios e aplicao das regras concernentes s sociedades

    simples em casos de omisso do previsto no Cdigo Civil de 2002.

    No que tange a regulao tributria infraconstitucional, o sistema

    jurdico brasileiro prev a sistematizao legal primeiramente atravs da

    previso constitucional de determinado tema, sendo ali estabelecidos os

    contornos que devero ser observados pelo legislador ao estabelecer o

    tratamento tributrio diferenciado.

    Segundo Almeida e Braga (2006), ao governo compete estimular

    o cooperativismo, enquanto regulador de atividade econmica. No

  • 49

    entanto, por outro lado, o prprio Estado interfere nessa atividade, por

    meio de tributo. Para tanto, os Autores afirmam que o regime tributrio

    s cooperativas deve buscar fomentar o cooperativismo, atravs de

    mecanismos prprios, como a concesso de benefcios fiscais.

    Desta forma, o art.146, inciso III, c, da Carta de 1988, prev o

    adequado tratamento tributrio s sociedades cooperativas, tratamento

    este que deve ser estabelecido atravs de lei complementar. (BRASIL A,

    2016)

    Entretanto, quando a Constituio menciona o termo adequado

    tratamento tributrio, sem, contudo, balizar parmetros para tanto,

    implica ao legislador infraconstitucional tarefa interpretativa que no lhe

    cabe. Assim, o termo adequado tratamento tributrio pode ser

    interpretado, como iseno fiscal, imunidade fiscal e mesmo benefcio

    fiscal, este ltimo que, quando analisado de forma sistmica aos

    incentivos para criao de cooperativas previsto na Constituio de

    1988, nos parece a mais adequada interpretao (ALMEIDA e BRAGA,

    2006).

    Novamente, discorrem: Um benefcio fiscal alcanado com a

    minimizao da incidncia tributria sobre um

    determinado fato imponvel, considerando-se,

    como causa a prpria natureza desse fato

    (benefcio fiscal objetivo) ou do agente que o

    pratica (benefcio fiscal subjetivo). Tal

    minimizao pode se dar por meio da no-

    incidncia, imunidade, iseno ou reduo dos

    critrios quantitativos (base de clculo e alquota)

    da regra matriz do tributo (ALMEIDA E BRAGA,

    2006, p. 227).

    A priori, as espcies tributrias que comumente incidem sobre as

    sociedades cooperativas e suas atividades, tratam-se do imposto de

    renda de pessoa Jurdica (IRPJ), contribuio para o financiamento da

    seguridade social (COFINS), contribuio ao programa de integrao

    social (PIS) e contribuio previdenciria sobre a folha de salrios. Pelo

    todo exposto, verifica-se que as sociedades cooperativistas possuem

    tratamento especial na legislao brasileira.

    O presente captulo fez um estudo do surgimento do

    cooperativismo atual, seus percursores, conceitos, princpios e evoluo

    histrica, inclusive restou analisado o cooperativismo no Brasil e seu

    ordenamento jurdico. Nesse momento, analisaremos o princpio da

    gesto social democrtica no cooperativismo e suas peculiaridades.

  • 50

    3. GESTO SOCIAL DEMOCRTICA NO COOPERATIVISMO

    3.1 CONCEITO E OBJETIVO DA GESTO SOCIAL

    DEMOCRTICA

    3.1.1. Conceito de Cidadania e Democracia

    Conforme observado no captulo anterior, de fundamental

    importncia a participao dos associados nas cooperativas.

    Rech (2000) destaca a importncia do trabalho conjunto, ajuda

    mtua, a participao das pessoas com o intuito de difundir ideias e

    garantir uma vida digna a todos. Principalmente quando presentes os

    benefcios da interajuda e da f numa sociedade em que os associados

    tenham resguardados os mesmos direitos e as mesmas possibilidades.

    H diversas organizaes que alm de difundirem os princpios

    cooperativistas, vo alm e buscam atravs do seu objeto social

    promover um engajamento das comunidades em geral: A cooperao

    tem sido uma forma poderosa para reduzir desequilbrios e se existe

    algum contedo ideolgico nessa viso ele tem apenas o condo de

    mostrar a crena de que o solidarismo pode impulsionar o ser humano a

    continuar perseguindo os seus sonhos. (NASCIMENTO, 2000, p.10).

    Diante disso, trazer a anlise do conceito de cidadania se faz

    necessrio para atrel-lo ao princpio da gesto social do

    cooperativismo. Essa seria uma das particularidades das cooperativas

    para a incluso social e econmica, resgatando e reforando a cidadania,

    garante-se um espao deliberativo, e por fim o cooperativismo, estudo,

    portanto, necessrio, a fim de abarcar na Gesto Social Democrtica no

    Cooperativismo.

    Marshall (1967, p.62) define cidadania como uma espcie de

    igualdade humana bsica associada com o conceito de participao

    integral na comunidade. Para Souza, cidadania uma conquista e

    efetivao de direitos, quando conceitua movimento social:

    O movimento social, como conceito analtico,

    geralmente aparece associado s ideias de

    cidadania e de participao scio-poltica. A

    primeira entendida como conquista e efetivao

    de direitos, ao lado da ideia de participao como

    negociao, gesto ou cogesto da populao no

    cenrio poltico e social do pas (SOUZA, 2003,

    p. 78).

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    Assim, a cidadania expressa um conjunto de direitos que d

    pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de

    seu povo. Quem no tem cidadania est marginalizado ou excludo da

    vida social e da tomada de decises, ficando numa posio de

    inferioridade dentro do grupo social. (DALLARI, 1998. p.14).

    Desta forma, Comparato (1993) relata que a cidadania foi

    exercida pelos antigos em um cenrio de democracia direta

    considerando as limitaes da poca. Contudo, na sua viso, os

    modernos construram e desenvolveram a cidadania dentro de um

    modelo da democracia representativa, originando a democracia

    formal, apresentando assim, claro impedimento soberania do povo.

    Ao analisar a democracia antiga e a moderna, Bobbio (2000)

    assegura que democracia significava o que a palavra designa

    literalmente: poder do demos e no, como hoje, poder dos representantes

    do demos. J naqueles tempos os cidados deliberavam na gora (praa) os assuntos que eram de interesse de toda a coletividade com a

    participao de todos, buscando assim o bem comum.

    A democracia evoluiu da garantia dos direitos

    polticos (direito a votar e ser votado, direito a

    constituir e optar por partidos e outras

    organizaes polticas) para progressiva garantia

    dos direitos sociais (liberdade sindical, direito ao

    trabalho e a uma remunerao justa, direito ao

    lazer, segurana e previdncia social) e desta

    para a garantia os direitos econmicos (direito a

    uma participao equitativa no produto social, ou

    seja, remoo das causas da pobreza absoluta, e

    dos grandes desnveis de renda, reduo dos

    desnveis regionais, melhoria na participao no

    processo produtivo) (SCHNEIDER, 1982, p. 180)

    Nessa mesma linha de pensamento, cita-se o estudo desenvolvido

    por Marshall (1967) em sua clssica obra, Cidadania, Classe Social e

    Status. Tem-se aqui o marco que se apresenta como de fundamental

    importncia para que se fixe o alcance e desenvolvimento da cidadania. Marshall (1967) definiu trs elementos essenciais para o conceito

    de cidadania: civil, poltico e o social. Durante a idade mdia os mesmos

    foram confundidos e acabaram por distanciar-se na formao do estado

    liberal. Segundo Reginaldo de Souza Vieira (2013, p. 117) o projeto

    liberal burgus, que se fundamentou num molde economicamente

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    capitalista e na racionalidade humana, queria firmar uma estrutura

    poltica e jurdica impondo a propriedade privada como direito natural

    do homem. [...] a limitao do Estado, atribuindo-lhes um papel

    mnimo, deixando ao privado as outras esferas das relaes sociais e

    econmicas existentes. Porm, pode-se mencionar pocas distintas para

    a apario de cada um deles: os direitos civis no sculo XVIII; os

    polticos no sculo XIX; e os direitos sociais no sculo XX.

    Corra (2002) cita que os direitos sociais, prprios do sculo XX,

    surgiram em estreita ligao com os direitos polticos, com uma

    participao mais ativa nas comunidades locais e nas associaes

    funcionais. Foi apenas no sculo XX que os direitos sociais foram

    abrangidos e assumidos como parte do status da cidadania.

    Pinho conceitua e traa um panorama da cidadania ao longo dos

    anos.

    Cidadania pode ser entendida como um conjunto

    de direitos e deveres reconhecidos a todas as

    pessoas, de modo idntico. Ao longo do tempo,

    surgiram, sucessivamente: a cidadania cvica, ou

    reconhecimento dos direitos cvicos depois das

    revolues americana e francesa, no sculo 18,

    que defendiam a liberdade de pensamento e de

    expresso, igualdade diante da lei, justia etc.; a

    cidadania poltica, com o sufrgio universal na

    Frana, em 1848 para os homens e em 1944 para

    as mulheres; no Brasil, em 1932 para as mulheres

    (Governo Getlio Vargas); a cidadania social, no

    decorrer do sculo 20, com o reconhecimento dos

    direitos econmicos e sociais educao, sade,

    bem-estar econmico e outros (2004, p. 104)

    Segundo Corra (2002), cidadania tem a ver essencialmente com

    a participao na comunidade poltica, na qual o cidado est inserido

    pelo vnculo jurdico e desta forma preciso estabelecer um nexo entre

    cidadania e espao pblico.

    Muito bem esclarece Rocha sobre o tema aludido ao expor sobre

    direitos fundamentais e participao poltica:

    A organizao poltica amadurecida na cidadania

    participativa direta e permanente assegura o

    exerccio do poder pelo prprio povo. Este o

    retoma, determina que o Estado se abra a sua

    presena, afirma uma imperiosa reestruturao da

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    entidade poltica, pois essa passa a ser conduzida

    efetivamente pelo povo: o governo ou o

    governante que no se afeioar a essa condio

    no pode permanecer no cargo de poder, salvo

    pela fora, que, como a histria vem ensinando,

    tem prazo curto, pois a fora no dispe de

    alimento que se baste por muito tempo. A

    cidadania , pois, fruto de uma mudana na raiz

    do conceito e do exerccio do poder poltico.

    (1996, p. 124).

    Atualmente, a cidadania pode ser caracterizada como um

    conjunto de direitos reconhecidos de modo idntico e associados a

    todas as liberdades pblicas inscritas na Declarao dos Direitos do

    Homem e do Cidado (1789) e das liberdades reconhecidas pela

    Constituio de cada pas (PINHO, 2004, p. 104).

    Por este prisma, Liszt Vieira (2004) faz meno de que a

    cidadania, definida pelos princpios da democracia, constitui-se na

    criao de espaos sociais de luta (movimentos sociais) e na definio

    de instituies permanentes para a expresso poltica,