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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM
DESENVOLVIMENTO SOCIOECONMICO - PPGDS
MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO SOCIOECONMICO
FBIO VISINTIN
COOPERATIVISMO LUZ DA GESTO SOCIAL
DEMOCRTICA: UM ESTUDO DE CASO NA COOPERJA
Dissertao apresentada ao Programa
de Ps-Graduao em
Desenvolvimento Socioeconmico da
Universidade do Extremo Sul
Catarinense - UNESC, como requisito
parcial para a obteno do ttulo de
Mestre em Desenvolvimento
Socioeconmico.
Orientador: Prof. Dr. Dimas de
Oliveira Estevam
Coorientador: Prof. Dr. Reginaldo de
Souza Vieira
CRICIMA
2016
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Dados Internacionais de Catalogao na Publicao
V831c Visintin, Fbio.
Cooperativismo a luz da gesto social democrtica : um
estudo de caso na COOPERJA / Fbio Visintin ; orientador
: Dimas de Oliveira Estevam ; coorientador : Reginaldo de
Souza Vieira. Cricima, SC : Ed. do Autor, 2016.
140 p. : il. ; 21 cm.
Dissertao (Mestrado) - Universidade do Extremo Sul
Catarinense, Programa de Ps-Graduao em
Desenvolvimento Socioeconmico, Cricima, 2016.
1. Cooperativismo. 2. Cooperativas agrcolas. 3. Gesto
social democrtica. 4. Desenvolvimento socioeconmico.
5. Cooperativa Agroindustrial COOPERJA. I. Ttulo.
CDD 22. ed. 334.683 Bibliotecria Eliziane de Lucca Alosilla CRB 14/1101
Biblioteca Central Prof. Eurico Back - UNESC
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Dedico este trabalho aos meus Pais
Joaquim e Teresinha, e minha
Esposa Mirelli. Sem o apoio, amor
e dedicao de vocs, nada disso
seria possvel.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo a Deus pelo privilgio de existir e com isso poder
desfrutar da vida e da realizao dos meus sonhos.
Agradeo tambm aos meus Pais Joaquim e Teresinha, pois sem
eles jamais conseguiria chegar aonde cheguei. Ao meu Pai, pelo
exemplo de vida que este me repassa, pela luta e renncias que fez e
ainda faz para que possamos ter uma vida mais digna e minha Me
pelas renncias que fez e faz, mas tambm pelo amor incondicional.
minha Esposa Mirelli vila Elias Visintin, por acreditar e
apoiar meus sonhos.
s minhas Irms Sandra Regina, Adriana e Vera Lcia, pelos
cuidados e pela fora que prestaram para que eu pudesse vencer
inmeras barreiras.
Aos meus Sobrinhos Maria Eduarda, Ana Carolina, Joo Vitor,
Luis Felipe e Alice: os momentos que passamos juntos me fazem ter
certeza que teremos uma nova gerao que pode mudar o mundo.
Aos meus avs Afonso (in memorian), Santina (in memorian),
Francisco (in memorian), e Rosa (in memorian), pelos cuidados, carinho
e incentivos recebidos.
Ao meu sogro Claudio Luiz Elias e minha sogra Maria Aparecida
Amrico de Avila Elias, a quem considero minha segunda famlia.
Aos meus Scios Guilherme Bardini Fascin, Samuel Brulezi
Furlanetto e Tiago Burigo e Equipe do escritrio Visintin & Fascin,
Camila Schotten, Eliandra Cesrio da Rosa, Gabriela de Souza Tomasi,
Rafaela de Jesus Colares e Fabiola de Oliveira, pelo contato dirio e os
momentos de descontrao que tornam mais leve a pesada rotina da
advocacia.
Ao meu Professor-orientador Doutor Dimas de Oliveira Estevam,
pela simplicidade, pacincia e conhecimento.
Ao meu Professor coorientador Doutor Reginaldo de Souza
Vieira, pelo conhecimento, humildade e pela confiana em meu
trabalho, desde a graduao.
Ao PPGDS da UNESC, pelo apoio e suporte para a realizao
deste trabalho.
A todos que de uma forma ou de outra contriburam para a
realizao deste sonho.
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O objetivo primordial e necessrio
de toda a existncia deve ser a
felicidade, mas a felicidade no
pode ser obtida individualmente;
intil se esperar pela felicidade
isolada; todos devem compartilhar
dela, ou ento a maioria nunca ser
capaz de goz-la.
Robert Owen
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RESUMO
A presente pesquisa trata o paradigma do Cooperativismo luz da
Gesto Social Democrtica, tendo como plano de fundo o estudo de
caso na Cooperativa Agroindustrial COOPERJA. O Cooperativismo
surgiu como um movimento social e econmico alternativo s
desigualdades sociais provocadas pelo sistema capitalista e ao
individualismo. Os principais precursores do pensamento cooperativo
foram citados com o intuito de entender quais os ideais que estes
propunham e quais os princpios norteadores do cooperativismo. Tendo
este embasamento terico, foi possvel traar um panorama histrico de
como este movimento espalhou-se pelo Brasil, bem como a sua
ampliao com a participao poltica e o seu papel no processo de
desenvolvimento socioeconmico e da Cidadania. Fez-se necessrio um
estudo sobre o ordenamento jurdico que rege as Cooperativas com o
intuito de entender os trmites legais e a previso constitucional destas
organizaes. Constatou-se que a participao dos associados assume
um papel fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade
cooperativista mais justa e que a cidadania participativa no
cooperativismo carrega consigo a descentralizao, o respeito
comunidade e o desenvolvimento socioeconmico. Todos estes pontos
norteados com justia social, igualdade de oportunidades, alternativas
no campo produtivo e melhoria da qualidade de vida. Cabe salientar que
estes fatores no seriam possveis se a democracia no se fizesse
presente nestas relaes e em prol de um objetivo comum: uma
evoluo socioeconmica conduzida pelos princpios da solidariedade e
do apoio mtuo, visando o desenvolvimento scio econmico. Para fins
de realizao desta pesquisa, houve a anlise na Cooperativa
Agroindustrial Cooperja, com o objetivo de verificar se h conservao
dos valores sociais cooperativistas, tendo como foco a gesto social
democrtica. Os procedimentos metodolgicos adotados neste trabalho
foi o bibliogrfico, por meio de fontes secundrias, entre as quais se
destacam: livros, artigos cientficos, atas, imagens e entre outros. Ao
final da pesquisa restou comprovado que a Gesto Social Democrtica
aplicada na Cooperativa por meio de diversos canais de interao entre a
cooperativa e o cooperado.
Palavras-chave: Cooperativismo. Gesto Social Democrtica.
Desenvolvimento Socioeconmico. Cooperja.
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ABSTRACT
This research is the paradigm of the Cooperative in light at the Social
Democratic management, with the background of the case study in
Agroindustrial Cooperativa COOPERJA. The Cooperative has emerged
as an alternative social and economic movement to social inequalities
caused by the capitalist system and individualism. The main precursors
of the cooperative thought were cited in order to understand what the
ideals that they proposed and what the guiding principles of
cooperativism. Having this theoretical basis, it was possible to trace a
historical overview of how this movement spread throughout Brazil, as
well as its expansion with political participation and their role in the
socioeconomic development process and Citizenship. a study of the
legal system was necessary governing cooperatives in order to
understand the legal procedures and the constitutional provision of these
organizations. It was found that the participation of the members plays a
fundamental role in the development of a more just society cooperative
and participatory citizenship in cooperative carries decentralization,
respect for the community and socioeconomic development. All these
points guided by social justice, equal opportunities, alternatives in the
production field and improving the quality of life. It should be noted that
these factors would not be possible if democracy did not present these
relations and towards a common goal: a socio-economic development
driven by the principles of solidarity and mutual support, aimed at socio
economic development. For purposes of this research, there was the
analysis of Cooperativa Agroindustrial Cooperja, in order to check for
conservation of cooperative social values, focusing on democratic social
management. The methodological procedures adopted in this work was
the literature, through secondary sources, among which are: books,
papers, minutes, images and others. At the end of the survey remains
proved that the Social Democratic Management is applied to the
Cooperative through various channels of interaction between the
cooperative and the cooperative.
Keywords: Cooperative. Social Democratic Management.
Socioeconomic Development. Cooperja.
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LISTA DE IMAGENS
Figura 01 - Organograma Organizacional da Cooperja ........................ 79
Figura 02 - Alguns dos pioneiros da Cooperja em viagem para conhecer
outras Cooperativas, acompanhados do engenheiro Agrnomo Joaquim
Pedro Coelho, em 1969 ......................................................................... 86
Figura 03 - Primeiro pavilho da Cooperja construdo em 1970 ......... 86
Figura 04 - Prejuzos causados com vendaval em 09/12/1974 ............. 90
Figura 05 - Prejuzos causados com vendaval em 09/12/1974 .............. 91
Figura 06 - Pavilho alguns anos aps a reconstruo do vendaval em
09/12/1974............................................................................................. 98
Figura 07 - Vista panormica da Unidade da Cooperja de Jacinto
Machado/SC ........................................................................................ 113
Figura 08 - Vista panormica da Unidade da Cooperja de Santo Antnio
da Patrulha/RS .................................................................................... 113
Figura 09 - Sede da Cooperja - Conselho de Administrao ............. 115
Figura 10 - Campo Demonstrativo Cooperja ..................................... 119
Figura 11 - Supermercado Cooperja de Praia Grande/SC .................. 121
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LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 - Assembleias Gerais Ordinrias (1969-1983) ...................... 96
Grfico 2 - Assembleias Gerais Extraordinrias (1969-1983) .............. 97
Grfico 3 - Assembleias Gerais Ordinrias (1984-1990) .................... 105
Grfico 4 - Assembleias Gerais Extraordinrias (1984-1990) ............ 106
Grfico 5 - Assembleias Gerais Ordinrias (1991-2002) .................... 111
Grfico 6 - Assembleias Gerais Extraordinrias (1991-2002) ............ 112
Grfico 7 - Assembleias Gerais Ordinrias (2003-2016) .................... 125
Grfico 8 - Assembleias Gerais Extraordinrias (2003-2015) ............ 126
Grfico 9 - Participao nas Assembleias Gerais Ordinrias (1970-2016)
............................................................................................................. 130
Grfico 10 - Participao nas Assembleias Gerais Extraordinrias (1969-
2015) ................................................................................................... 131
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACARESC Associao de Crdito e Assistncia Rural do
Estado de Santa Catarina
ACI Aliana Cooperativa Internacional
AMESC Associao dos Muncipios do Extremo Sul
Catarinense
ART. Artigo
CDC Campo Demonstrativo Cooperja
CIDASC Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrcola de
Santa Catarina
COFINS Contribuio para o Financiamento da Seguridade
Social
CREDIJA Cooperativa de Credito de Livre Admisso de
Associados Litornea
DNPM Departamento Nacional de Produo Mineral
EPAGRI Empresa de Pesquisa Agropecuria e Extenso Rural
de Santa Catarina
FECOAGRO Federao das Cooperativas Agropecurias de Santa
Catarina
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
ICMS Imposto Sobre Circulao de Mercadorias e Servios
INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria
IRPJ Imposto de Renda de Pessoa Jurdica
PIS Programa Integrao Social
SAP Santo Antnio da Patrulha
TRR Transportador Revendedor Retalhista
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SUMRIO
1. INTRODUO ............................................................................... 23
2. ORIGEM E EVOLUO DO COOPERATIVISMO ................ 29
2.1. O SURGIMENTO DO COOPERATIVISMO ............................... 29
2.1.1. Precursores do Pensamento Cooperativo ................................ 32 2.2. CONCEITOS E PRINCPIOS DO COOPERATIVISMO ............ 34
2.3. COOPERATIVISMO NO BRASIL E SEU ORDENAMENTO
JURDICO............................................................................................. 43
2.3.1. Evoluo Histrica do Cooperativismo no Brasil ................... 43
2.3.2. Previso Constitucional das Sociedades Cooperativas ........... 45
2.3.3. Legislao Infraconstitucional e Cooperativismo ................... 48
2.3.3.1. Lei n. 5.764/71 - Lei do Cooperativismo ................................ 48
2.3.3.2. O Cdigo Civil, o Cdigo Tributrio e as Sociedades
Cooperativistas ...................................................................................... 49
3. GESTO SOCIAL DEMOCRTICA NO COOPERATIVISMO
............................................................................................................... 51
3.1. CONCEITO E OBJETIVO DA GESTO SOCIAL
DEMOCRTICA ................................................................................. 51
3.1.1. Conceito de Cidadania e Democracia ...................................... 51
3.2. GESTO SOCIAL DEMOCRTICA .......................................... 59
3.3. GESTO SOCIAL DEMOCRTICA NA COOPERJA ............... 71
3.3.1. Contexto Regional e o Histrico da Cooperativa
Agroindustrial Cooperja ..................................................................... 71
3.3.2. Estatuto Social da Cooperja ..................................................... 75
4. REFLEXOS DA APLICAO DA GESTO SOCIAL
DEMOCRTICA NA COOPERJA .................................................. 83 4.1. FUNDAO E EVOLUO DA COOPERJA ........................... 85
4.1.1. Fundao da Cooperja e os Desafios dos Fundadores - 1969 a
1983 ....................................................................................................... 85
4.1.2. Esforos Para Reestruturao da Cooperja 1984 a 1990 .... 97
4.1.3. Perodo de Consolidao 1991 a 2002 ................................ 106
4.1.4. A Fase Expansionista da Cooperja 2003 a 2015 ............... 112
4.1.5. Consideraes Finais do Captulo ......................................... 126
5. CONSIDERAES FINAIS........................................................ 132
REFERNCIAS ................................................................................ 136
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1. INTRODUO
O modelo de cooperativismo, conhecido atualmente, um
movimento social que surgiu na Europa no Sculo XVIII, momento
histrico em que o conflito entre capital e o trabalho atingiu seu pice, e
fez com que alguns trabalhadores industriais viessem a propor um ideal
alternativo ao individualismo (o cooperativismo) e uma organizao
alternativa empresa capitalista (a cooperativa).
Singer (2002) explica que no incio as cooperativas surgiam de
greves e grupos de sindicalistas, que no buscavam apenas melhorar a
situao dos assalariados, mas eliminar o assalariamento substituindo-o
pela autogesto das cooperativas.
Desde ento, as cooperativas evoluram gradativamente, pautadas
nos princpios dos pioneiros de Rochdale, teceles que sob os efeitos
prejudiciais da Revoluo Industrial reuniram-se em 1843, tendo como
objetivo sugerir propostas como: a emigrao, abstinncia de bebidas
alcolicas e a fundao de um armazm cooperativo (BECHO, 2008),
abarcando ao cooperativismo o meio pelo qual as pessoas se unem por
objetivos especficos, atravs de um acordo de cooperao mtua.
Assim, segundo ACI (1996) possvel afirmar que as
cooperativas representam associaes autnomas onde as pessoas se
unem, de forma voluntria, para suprir aspiraes, necessidades
econmicas, sociais e culturais, atravs de uma organizao coletiva e
democrtica.
Para Presno Amodeo (1999) as cooperativas so organizaes
bastante especficas, em que gesto social e gesto organizacional
devem estar alinhadas e articuladas para alcanar xito. Ou seja, no h
sucesso e crescimento em uma cooperativa que no possua essas gestes
em sintonia.
Benecke (1980) completa o pensamento destacando que mesmo
possuindo qualidades individualizadas das demais empresas
pertencentes ao mercado capitalista, devem ser geridas de acordo com as
regras desse sistema, ou seja, devem estar em sintonia com o sistema
econmico vigente. Assim, possvel visualizar as cooperativas sob
dois prismas: a de natureza associativa, visto que a participao e
incluso poltica dos associados na gesto so de suma importncia e,
tambm natureza econmica.
Contudo, se faz necessrio tambm atividades de comunicao e
educao direcionadas aos associados, que reforcem o quo essencial a
participao e o comprometimento destes na prtica administrativa de
uma cooperativa, e que vo muito alm das assembleias gerais
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obrigatrias.
Valadares (1995, p.18) acredita que a natureza social das
cooperativas se afirma na medida em que busca superar a dominao
mediante a gerao de uma capacidade de resposta coletiva embasada na
canalizao da participao de seus membros associados. Ou seja, para
enraizar este esprito democrtico e participativo, preciso exercer
atividades que tenham como objetivo aumentar o relacionamento com o
cooperado.
A gesto social deve complementar a gesto econmica e no
serem tratadas de forma individualizada, uma vez que adotando a
postura integrante alcanar-se-ia [...] um maior sentimento de
pertencimento, de identidade dos associados com a cooperativa da qual
fazem parte, alando, desta forma, aumento da fidelidade e confiana
dos cooperados para com a cooperativa (FERREIRA, 2005, p. 4).
Porm, notvel que as cooperativas vm passando por grandes
transformaes em sua conjuntura social que exigem mudanas
profundas para sobreviverem em um mundo globalizado, uma vez que
no atual contexto capitalista surgem facetas de no cooperao,
competitividade e centralizao do poder. Tal plano de fundo naturaliza
uma postura mais egocntrica dos indivduos ao invs de
posicionamentos de cooperao, inclusive dentro das cooperativas.
Assim, cada cooperado visa prioritariamente a benefcios individuais e
no coletivos, o que acaba fulminando com o propsito dos
idealizadores de Rochdale.
Tais modificaes e suas consequncias so estudadas nesta
pesquisa, onde se analisou a Cooperativa Agroindustrial Cooperja sob o
enfoque da gesto social democrtica.
Alm disso, o sistema econmico atual tem um papel importante
nas mudanas e inovaes vividas pela humanidade nas ltimas
dcadas. Verifica-se, atualmente, um perodo de revoluo no meio
cientfico e tecnolgico, assim todas essas transformaes surgem em
uma velocidade constante e crescente. Tal sistema, na medida em que
traz benefcios tambm apresenta suas contradies, como uma crise
econmica que acelera o processo de centralizao do capital, realidade
que pode ser observada nas frequentes fuses de empresas e
corporaes.
Neste vis, o setor financeiro est adquirindo autonomia nas
decises e um maior controle sobre o setor produtivo. Em contrapartida,
esse processo liderado por multinacionais que visam expandir sua
produo e diminuir despesas acarretando uma crescente explorao dos
trabalhadores.
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Dentro desta perspectiva, observa-se como problemtica a
concluso trazida por Sandra Mayrink Veiga (2002), que traa o
panorama atual e evolutivo do cooperativismo no Brasil, ressaltando que
esse enorme desenvolvimento pode ter transformado as cooperativas em
grandes empresas estritamente capitalistas, as quais esto desvinculadas
dos princpios norteadores do cooperativismo. Todavia, com o presente
estudo de caso analisou-se a Cooperativa Agroindustrial Cooperja, a fim
de verificar se h permanncia dos valores sociais cooperativistas, tendo
como foco a gesto social democrtica.
Dessa forma, vlida a premissa de que a era globalizada
permitiu avanos, mas em compensao tambm gerou consequncias
econmicas e sociais negativas, entre elas concentrao de riqueza,
desemprego, desequilbrio ambiental, monoplios, entre outros.
Entende-se que a pesquisa sobre a temtica proposta est
vinculada a linha de pesquisa desenvolvimento e gesto social do
PPGDS, contribuir para a percepo do papel das cooperativas na
sociedade atual, bem como os fatores que determinam sua atuao e
existncia, j que dentre as peculiaridades das cooperativas a principal
delas, na sua essncia, defender princpios no individualistas, uma
vez que os fundamentos do movimento cooperativista esto pautados
nos valores sociais acima dos econmicos, por no visarem o lucro.
Sabendo que as cooperativas, como a Cooperja, lutam contra os
princpios do capitalismo desenfreado, pautado no lucro pelo lucro,
possuindo seu carter prprio em prol das famlias que vivem na
agricultura sob o regime de economia familiar, de suma importncia
dissecar se a organizao das cooperativas impulsionada por uma
Gesto Social Democrtica.
Entende-se por gesto social democrtica o controle democrtico
dos scios, a participao destes nas tomadas de decises
administrativas que determinam a produo, a comercializao ou a
prestao dos servios na cooperativa e para terceiros, ao passo que cada
scio possui direito de voto independente do nmeros do nmeros de
quotas, sendo que por outro lado as maiorias decidem.
Dentro da temtica suscitada, surgem alguns questionamentos
que merecem ser trabalhados: O princpio cooperativo da Gesto Social
Democrtica praticado na Cooperativa Agroindustrial Cooperja? Em
caso afirmativo, existe um modelo de Gesto Social Democrtica
adotado na Cooperja? Atualmente, h na Cooperja a preocupao com a
formao de associados luz dos princpios da Gesto Social
Democrtica?
O objetivo deste trabalho analisar o cooperativismo luz da
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gesto social democrtica: estudo do caso na Cooperativa Agroindustrial
Cooperja. Como ramificao deste objetivo realizar-se- um estudo
sobre as sociedades cooperativistas, a fim de entender seu conceito,
objetivo, evoluo histrica, seus princpios institucionais e suas
peculiaridades. Analisar-se- a Gesto Social Democrtica no
Cooperativismo atual. Avaliar-se- a Gesto Social Democrtica na
Cooperja.
O procedimento metodolgico desta pesquisa bibliogrfico,
dando enfoque aos temas Cooperativismo e Gesto Social Democrtica.
Para Cervo, Bervian e da Silva (2007, p.61), tal forma de pesquisa
constitui o procedimento bsico para os estudos monogrficos, pelos
quais se busca o domnio do estado da arte sobre determinado tema. Ou
seja, desenvolvida tendo base em materiais publicados em livros,
dissertaes, artigos, teses, atas, estatuto social e entre outros.
Para adentrar na temtica proposta, de fundamental relevncia
buscar uma anlise bibliogrfica e documental, sobre o surgimento do
cooperativismo, seu conceito e peculiaridades, verificando a importncia
das cooperativas para o desenvolvimento das comunidades onde esto
inseridas, ainda, estudar a trajetria histrica da sociedade
cooperativista, demonstrando a evoluo e sua natureza jurdica no
Brasil, analisando seus princpios e normas, sua constituio e
funcionamento.
As respostas para as questes levantadas foram buscadas atravs
de pesquisa qualitativa, que se caracteriza basicamente pelo simples fato
de utilizar-se de material emprico qualitativo, diferenciando-se da
pesquisa quantitativa, pois esta focaliza seu estudo sob a forma de
nmeros, sendo assim o inverso da que ir se proceder neste trabalho a
fim de atingir o objetivo proposto (POUPART, 2008).
Nesta perspectiva, a problemtica fora analisada, trazendo luz
respostas decorrentes da observao do fenmeno. Para tanto, salienta-
se que a pesquisa foi documental, uma vez que o estudo utilizou-se de
bases documentais. Esta anlise est contida nas pesquisas de arquivo,
que podem ser registros estatsticos, documentos escritos, comunicao
de massa, imagens, entre outros.
Um dos mtodos utilizados foi do estudo de caso, pois trata-se de
uma metodologia de investigao adequada para entender, pesquisar e
descrever acontecimentos. Para Yin (1994) estudo de caso pode ser
definido com base nas caractersticas do fenmeno em estudo e com
base num conjunto de caractersticas associadas ao processo de recolha
de dados e s estratgias de anlise dos mesmos.
O estudo de caso foi concludo por meio da obteno das
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informaes de fontes secundrias junto a Cooperja, entre as quais: atas,
documentos internos da cooperativa, publicaes em peridicos,
imagens, estatutos, atas e outros.
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2. ORIGEM E EVOLUO DO COOPERATIVISMO
2.1 O SURGIMENTO DO COOPERATIVISMO
Os primeiros passos para a proposta cooperativista, segundo Rech
(2000), aconteceram nos grmios do antigo Egito, que reuniam
agricultores escravos incentivados pelo estado; nas orglonas e tiasas na
Grcia, formadas por cidados livres e escravos para a garantia de
funerais; nos colgios romanos, formados por carpinteiros e serralheiros,
nas solidalistas dos romanos, tambm para a garantia de enterros; e nas
gapes dos primeiros cristos, que tinham como objetivo atender as
necessidades de consumo dos seus integrantes.
O autor destaca ainda que na Amrica, os Incas e os Astecas
tambm tinham formas expressivas de cooperao no trabalho e na vida.
Porm, o modelo atual cooperativista s viria a surgir mais tarde.
De acordo com os entendimentos de Pinho (1966), o
cooperativismo moderno um movimento social brotado por um
determinado perodo do capitalismo, mais precisamente no final do
sculo XVIII e incio do sculo XIX. Naquela poca, o conflito entre
capital e trabalho atingiu o seu auge, e as pssimas condies de vida da
classe trabalhadora incentivaram trabalhadores da Inglaterra, que
participavam da corrente do socialismo utpico, a propor um ideal
alternativo ao individualismo (o cooperativismo) e uma organizao
alternativa empresa capitalista (a cooperativa).
Desta forma, diante de um contexto no qual existiam altos preos
dos bens de primeira necessidade, foi criada em 1760 a mais antiga
cooperativa com existncia documental. Como explicam Veiga e
Fonseca (2002), empregados de estaleiros na Inglaterra fundaram
moinhos de cereais cooperativistas para no pagar altos preos cobrados
por moleiros que formavam um monoplio local. J a cooperativa de
consumo mais antiga, de acordo com os autores, foi a dos teceles de
Fenwick, fundada em 1769.
Porm, considerando as muitas tentativas, a experincia
cooperativa mais exitosa at ento, s surgiria mais tarde, com a
Cooperativa de consumo dos Pobros Pioneiros de Rochdale. Segundo
Becho (2008), em busca de encontrar meios alternativos de
sobrevivncia, diante de sua difcil realidade e de um cotidiano
miservel, sob os efeitos prejudiciais que a Revoluo Industrial vinha
causando em suas vidas, 28 teceles da cidade de Rochdale reuniram-se
em 1843, tendo por intento sugerir em reunio algumas propostas,
como: a emigrao, abstinncia de bebidas alcolicas e a fundao de
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um armazm cooperativo.
Pinho (2004) relata que essa sociedade cresceu mais que
rapidamente. Em 1845 eram 80 associados, j em 1851 contava com 630
associados. Em 1857 atingiu 1850, e depois de dez anos atingiu um
nmero de 5.300 associados. Conforme Silva Filho (2001), o sucesso de
Rochdale inspirou o movimento cooperativista pelo mundo, de tal modo
que os valores e os princpios elaborados pelos Probos Pioneiros so,
at hoje, adotados pelos movimentos cooperativistas, considerando
pequenas alteraes, so eles:
Escolha da direo da sociedade mediante
eleies em assembleias gerais; - livre adeso e
desligamento dos scios; - cada associado tem um
voto independentemente do capital que tenha
investido; - pagamento de juros limitados ao
capital; - distribuio dos ganhos
proporcionalmente s compras efetuadas pelos
associados, depois de descontadas as despesas de
administrao; - quotas de reserva para aumento
de capital destinadas extenso das operaes e
porcentagem para a educao; - as vendas
deveriam ser efetuadas a dinheiro, isto , vista,
para que os associados s assumissem
compromissos dentro de suas possibilidades
oramentrias; - a sociedade s venderia produtos
puros e de boa qualidade (esta regra trouxe
enormes benefcios para a cooperativa, pois, na
poca, a adulterao dos produtos era muito
comum); - neutralidade poltica e religiosa (esta
regra tem relao direta com a de livre adeso e
desligamento dos scios, pois se a cooperativa
assumisse carter poltico ou religioso ela
excluiria implicitamente os que pensassem de
outro modo). (VEIGA e FONSECA, 2002, p. 21).
Nesse contexto, Perius (2001) afirma que o sistema cooperativista
surge das entranhas do povo, fruto das grandes crises e da premente
necessidade dos trabalhadores, tornando-se uma fora viva que busca beneficiar toda a coletividade.
Portanto, percebe-se j nestes perodos que h vestgios de
caractersticas presentes no cooperativismo, todavia foi somente no
sculo XIX, que as cooperativas se consolidaram no modelo atual.
Schneider (1982) destaca que o cooperativismo surgiu como um sistema
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formal e simples baseado nos princpios de ajuda mtua e do controle
democrtico, onde os associados seriam simultaneamente proprietrios e
usurios.
Nas palavras de Bulgarelli (2000), pode-se definir cooperativa
como sendo um conjunto de pessoas independentes que se associam de
forma voluntria, objetivando satisfazer suas necessidades e anseios,
sejam elas de ordem econmica, social, cultural, atravs de uma
entidade de propriedade comum e gerida de forma democrtica.
Entidade essa, que teve seu ideal disseminado por todo o mundo e em
praticamente todos os setores da economia, sendo aceito e reconhecido
em todos os pases como a frmula mais adequada, participativa, justa,
democrtica e indicada para atender as necessidades e interesses
especficos da populao (CARVALHO, 2011, p. 24).
Conforme Silva Filho (2001), o sucesso de Rochdale inspirou o
movimento cooperativista pelo mundo, de tal modo que os valores
(solidariedade, igualdade, fraternidade, democracia, equidade,
responsabilidade social, transparncia) e os princpios (adeso livre e
voluntria, controle democrtico pelos scios, participao econmica
dos scios, autonomia e independncia, educao, treinamento e
informao, cooperao entre cooperativas, preocupao com a
comunidade) elaborados pelos Probos Pioneiros so, at hoje,
adotados pelos movimentos cooperativistas, considerando pequenas
alteraes.
Em constante crescimento e evoluo o movimento
cooperativista prosperou em todas as suas bases. Desta forma, os
trabalhadores no satisfeitos em apenas constitu-la, estavam tambm
preocupados em estabelecer toda a base de ideias e regras gerais sobre a
atuao e seu funcionamento, ao passo que a cooperativa surge como
uma alternativa de organizao popular, a fim de renovar e resgatar a
fraternidade e a vida no ambiente de trabalho. (RECH, 2000).
Conclui-se que com o surgimento da Revoluo Industrial na
Europa Ocidental no incio do sculo XIX h o desencadeamento do
pensamento cooperativo moderno. De acordo com Veiga e Fonseca
(2001), a partir da contribuio de inmeros pensadores da poca,
formou-se a filosofia que embasa o cooperativismo em todo o mundo,
sendo realizado o estudo dos precursores a seguir.
-
31
2.1.1 Precursores do Pensamento Cooperativo
O pensamento cooperativo teve seu surgimento na Europa
Ocidental, no incio do sculo XIX, com o advento da Revoluo
Industrial. Veiga e Fonseca (2001, p. 22) relatam que as consequncias
econmicas e sociais da Revoluo Industrial deram origem a um rico
movimento de ideias nos pases europeus que se encontravam em plena
via de industrializao.
Os principais precursores filosficos do movimento
cooperativista so: Plockoy, Robert Owen, Willian King, Lnge,
Charles Fourier, Philippe Buchez e Louis Blanc. (VEIGA e
FONSECA, 2001, p. 23). Neste estudo ser dado destaque aos
idealizadores: Robert Owen, William King, Charles Fourier e Charles
Gide.
Segundo Cruz (2000), Roberto Owen (1771-1858) foi o
protagonista do socialismo utpico ingls; industrial e filantropo.
Considerado o pai do cooperativismo ingls, Owen era agnstico e de
moral laical, negava o livre arbtrio, e acreditava que as condies de
vida das classes menos favorecidas poderiam ser melhoradas com a
aplicao dos princpios da cincia da moral.
O autor afirma ainda que Owen acreditava que o egosmo
humano residia na existncia da propriedade privada e, por isso, props
que os trabalhadores fossem agrupados em cooperativas.
Cruz (2000) explica que Owen implantou em sua empresa suas
teses, reduzindo a jornada de trabalho dos operrios, aumentando os
salrios e proibindo o trabalho de crianas menores de 10 anos de idade,
o que era normal na poca. Ele ainda construiu escolas gratuitas para os
filhos de seus operrios, amparou a velhice e deu incio as prticas
previdencirias que no existiam at ento.
De acordo com Singer (2002) Owen se tornou objeto de
admirao e respeito, j que com o tratamento generoso que dava aos
seus operrios conseguiu alcanar maior produtividade e melhores
resultados. Pessoas do mundo inteiro visitavam sua indstria para saber
como o dinheiro gasto no bem-estar dos operrios era recuperado em
forma de lucro.
Vale citar que na segunda metade do sculo XIX, depois do
governo britnico negar a implantao de um de seus planos, Owen
partiu para os Estados Unidos [...] com a inteno de erguer num meio
social mais novo, e por isso menos deteriorado, uma Aldeia Cooperativa
que seria um modelo da sociedade do futuro, a ser imitado por pessoas
de boa vontade mundo afora (SINGER, 2002, p. 26).
-
32
Singer (2002) explica que a Aldeia Cooperativa de Owen foi
implantada em 1825, em New Harmony, no estado de Indiana, mas
sofreu vrias cises, que fizeram com que ele retornasse Inglaterra em
1829. Porm, seus discpulos continuaram a pr em prtica suas ideias,
criando sociedades cooperativas em vrias partes.
Por sua vez, William King (1786-1865), mdico de grande
sensibilidade social e que foi um dos principais discpulos de Robert
Owen, viu na cooperao a maneira de eliminar os males da sociedade
moderna e criar melhores formas de vida. Cruz (2000) afirma que ele foi
um dos responsveis pelo desenvolvimento do cooperativismo de
consumo ingls.
Veiga e Fonseca (2001) relatam que King desenvolveu sua teoria
de cooperao a partir de 1828, atravs de uma revista mensal que
ganhou milhares de adeptos entre os trabalhadores da Gr-Bretanha.
Segundo a teoria dele, cada associado deveria colaborar levando uma
quantidade de produtos por semana e, com o valor arrecadado, abria-se
uma tenda. Os lucros formavam um fundo comum, para a compra de
terras ou casas.
Nascido em Marselha, Charles Fourier (1772-1837) outro
pensador da poca que contribuiu para a formao da filosofia do
cooperativismo. Seus pensamentos colaboraram para a concepo de
diversas cooperativas em toda a Europa, em especial na Frana, e dentre
elas as cooperativas integrais de produo e os kibutzim em Israel.
De acordo com Veiga e Fonseca (2001), Fourier defendia que o
homem devia descobrir e viver de acordo com leis morais e intelectuais,
das quais dependia a ordem social. Ele argumentava ainda que a
organizao da sociedade deveria dar liberdade s paixes e desejos dos
homens que, se desenvolvidas sob condies apropriadas, iriam levar a
uma sociedade perfeita. Sociedade na qual a indstria deveria ser
conduzida pelo Falanstrio.
Cruz (2000) exemplifica o Falanstrio como uma associao de
trabalho e de vida, constituda por pessoas agrupadas em pequenas
comunidades, reunidas de acordo com suas especialidades produtivas,
visando o bem comum.
Para o autor, ainda hoje, nos Estados Unidos, atravs do trabalho
de um dos seus discpulos, Victor Considerant, o iderio do Falanstrio
fonte permanente de consulta para organizao de comunidades
cooperativas (CRUZ, 2000, p. 29-30)
Por fim e no menos importante, o advogado, filsofo e professor
de Economia Poltica, nascido no interior da Frana, Charles Gide (1874
1932) defendia a ideia de substituir o sistema capitalista por um
-
33
modelo de repblica cooperativa. Veiga e Fonseca (2001) explicam que
a proposta de Gide era de que os setores da economia se organizassem
em um sistema cooperativista onde o consumidor fosse soberano e as
relaes de mercado beneficiassem a todos.
Cruz (2000) relata que Gide considerava o cooperativismo como
algo superior a qualquer outro sistema econmico, visto que apresentava
doze virtudes prprias, entre elas viver melhor atravs da ajuda mtua;
instruir e incentivar a participao das mulheres; educar o povo para a
autogesto econmica e poltica; substituir a propriedade privada pela
propriedade coletiva; e valorizar a satisfao das necessidades do
homem e no a obteno de lucros.
Com base nestas iniciativas os trabalhadores, no satisfeitos em
apenas constituir essa chamada sociedade ideal, onde as classes
buscassem interesses comuns, abdicando da busca incessante pelo lucro
e, consequentemente, vivessem em harmonia, estavam tambm
preocupados em estabelecer toda a base de ideias e regras gerais sobre a
atuao e funcionamento do cooperativismo.
Com essas experincias baseadas nos ideais dos pensadores e
precursores do movimento cooperativista, foi possvel aprimorar e
constituir a cooperativa dos Probos Pioneiros de Rochdale. Referida
sociedade restou pautada em princpios basilares bem como fora
possvel realizar um conceito sobre o que era a cooperativa, e que sero
objetos de anlise conforme veremos a seguir.
2.2 CONCEITOS E PRINCPIOS DO COOPERATIVISMO
Robert Owen tinha o entendimento de que o cooperativismo o
caminho para uma nova ordem econmica e social. Ele interpretava o
cooperativismo como o incio de uma nova sociedade, na qual [...] as
pessoas poderiam trabalhar conjuntamente, libertando-se do jugo do
capital e suprindo interesses pessoais e coletivos (RECH, 2000, p. 10).
Portanto o cooperativismo surgia como uma alternativa para a superao
dos males do capitalismo.
Diante desse patamar, enfrentando diversos problemas, Bulgarelli
(2000) relata que o cooperativismo surge como um movimento social e
econmico, entre pessoas que tm um objetivo comum: promover o
desenvolvimento econmico e o bem-estar social de todos os
envolvidos. Tem por base os fundamentos da participao democrtica,
solidariedade, independncia e autonomia. Com isso formaram-se
instituies concretas com elevado teor moral, sendo difundido por
vrios pases.
-
34
Sendo assim, a ideia do cooperativismo veio da constatao de
que a cooperao - fazer coisas junto com outras pessoas era a melhor
maneira para encontrar as solues que interessavam a determinado
grupo de indivduos (RICCIARDI e LEMOS, 2000, p.58).
Veiga e Fonseca (2001) afirmam com propriedade que o
cooperativismo uma filosofia do homem na sociedade em que vive,
filosofia que tem como objetivo o aprimoramento social, econmico e
cultural do ser humano, preocupando-se com a construo de uma
sociedade mais equitativa, democrtica e sustentvel. Para os autores, o
cooperativismo procura uma nova maneira de processar a economia com
base no trabalho e no no lucro; com ajuda mtua e, no com
concorrncia e competio; atenta nos valores e necessidades humanas
e, no na acumulao individual do dinheiro.
Deste modo, podemos afirmar que o plano de fundo das
cooperativas tem como base os valores fundados na tica, resistindo-se
aos valores individualistas e exclusivamente econmicos, prprios da
sociedade dita capitalista.
Vale destacar que o cooperativismo no prega a ideia da extino
da propriedade, muito menos se impe contra as iniciativas e as
liberdades individuais, entretanto, motiva que os indivduos em
solidariedade uns com os outros, busquem atender suas necessidades.
(RICCIARDI e LEMOS, 2000).
Nesta seara, Nascimento (2000) argumenta que, o cooperativismo
algo to singular que poderia ser considerado um regime econmico, e
no se deixar transformar em partidos polticos, grmios estudantis,
instrumento corporativista, sindicatos, consrcios, agncias do governo
ou meras casas comerciais.
De acordo com Luiz Ricciardi e Roberto Jenkis de Lemos (2000),
o cooperativismo utiliza um mtodo de trabalho conjugado, ao mesmo
tempo em que pode ser visto como um sistema econmico
caracterstico, onde o trabalho chefia o capital. que as pessoas que se
associam cooperativamente so as donas do capital e as proprietrias dos
demais meios de produo (terras, mquinas, equipamentos, instalaes
e outros), assim so proprietrias da prpria fora de trabalho. Essa
disposio e unio de associarem-se busca a elevao dos padres de
qualidade de vida desses associados.
Neste contexto, Ricciardi e Lemos (2000) afirmam que
conceitualmente o cooperativismo promove a elevao dos padres de
qualidade de vida de seus associados ante a conjugao de esforos.
O cooperativismo tem como peculiaridade a liberdade de
trabalhar em comunidade possuindo a cooperao duas condies
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35
importantes e imprescindveis: liberdade e comunidade; trabalho livre e
grupal, caractersticas que se opem competio e concorrncia.
Na viso de Veiga e Fonseca (2001) o cooperativismo
reconhecido como o sistema de cooperao econmica que envolve
diversas formas de produo e de trabalho, e que ao mesmo tempo em
que aparece junto com o capitalismo, se prope como uma forma de
super-lo. Sendo tambm, o mais adequado, participativo, justo,
democrtico e indicado para atender as necessidades e interesses dos
trabalhadores, proporcionando o desenvolvimento do indivduo atravs
do coletivo.
Sob este prisma, de acordo com a Aliana Cooperativa
Internacional (ACI) entidade mxima do movimento cooperativo
global a cooperativa atualmente compreendida como: Uma associao autnoma de pessoas, unidas
voluntariamente, para atender s suas
necessidades e aspiraes econmicas, sociais e
culturais comum, atravs de uma empresa coletiva
e democraticamente controlada (Congresso
Centenrio da ACI. Manchester - Inglaterra,
setembro de 1995). J segundo a Organizao
Internacional do Trabalho (OIT), cooperativa
uma associao de pessoas que se uniram
voluntariamente para realizar um objetivo comum,
atravs da formao de uma organizao
administrada e controlada democraticamente,
realizando contribuies equitativas para o capital
necessrio e aceitando assumir de forma
igualitria os riscos e benefcios do
empreendimento no qual os scios participam
ativamente (Recomendao 2 127) (MEINEN e
PORT, 2012, p.29).
Veiga e Fonseca (2001) definem a cooperativa como sendo uma
associao voluntria, sem fins lucrativos, porm com fins econmicos,
exercendo atividade laboral com objetivos em comum, contribuindo
equitativamente para a formao do capital necessrio por meio da
aquisio de quotas-partes e aceitam assumir de forma igualitria os
riscos e benefcios do empreendimento. Tendo trs caractersticas
peculiares bsicas: a gesto, a propriedade e a repartio das sobras cooperativas.
Em outras palavras, pode-se definir cooperativa como sendo um
conjunto de pessoas independentes que se associam de forma voluntria,
objetivando satisfazer suas necessidades e anseios, sejam elas de ordem
-
36
econmica, social, cultural, atravs de uma entidade de propriedade
comum e gerida de forma democrtica. (BULGARELLI, 2000).
Vale lembrar que a criao do conceito de cooperativas como
conhecido hoje se originou em Rochdale, em 1844, quando depois da
derrota em uma greve teceles adotaram princpios que se tornaram os
princpios universais do cooperativismo, sendo eles:
1) que nas decises a serem tomadas cada
membro teria direito a um voto,
independentemente de quanto investiu na
cooperativa; 2) o nmero de membros da
cooperativa era aberto, sendo em princpio aceito
quem desejasse aderir. Por isso este princpio
conhecido como o da porta aberta; 3) sobre
capital emprestado a cooperativa pagaria uma taxa
de juros fixa; 4) as sobras seriam divididas entre
os membros em proporo s compras de cada um
na cooperativa; 5) as vendas feitas pela
cooperativa seriam sempre feitas vista; 6) os
produtos vendidos pela cooperativa seriam sempre
puros (isto , no adulterados); 7) a cooperativa
se emprenharia na educao cooperativa; 8) a
cooperativa manter-se-ia sempre neutra em
questes religiosas e polticas (SINGER, 2002, p.
39-40).
Veiga e Fonseca (2002) afirmam que estes teceles representaram
um marco na fundao do cooperativismo moderno, por serem os
nicos, at ento, a conseguirem seguir esse conjunto de princpios e ao
mesmo tempo operar de forma eficiente no mercado e trazer benefcios
para seus associados, exercendo sua funo social. Os autores explicam
que na poca essa experincia se tornou um exemplo para outros grupos,
por se mostrar uma alternativa ganncia capitalista, se espalhando pela
Europa. Em 1881 j existiam por volta de mil cooperativas de consumo
e 550 mil associados.
As sociedades cooperativistas foram evoluindo desde a sua
criao pelos Probos de Rochdale, que idealizaram o seu movimento
baseados em alguns princpios bsicos a serem seguidos. Com o passar
do tempo houve a necessidade de novos ideais, os quais foram
aprovados no XXXI Congresso de Manchester, em 1995, pela Aliana
Cooperativa Internacional, foram votados e aprovados os 07 princpios
cooperativistas, como anota Bulgarelli (2000): 1 Adeso Livre e
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37
Voluntria; 2 Gesto Democrtica Pelos Cooperados; 3 Participao
Econmica dos Cooperados; 4 Autonomia e Independncia; 5
Educao, Formao e Informao; 6 Intercooperao e 7 Interesse
pela Comunidade.
Percebe-se ento que o arcabouo principiolgico das
cooperativas est repleto de normas, que resplandecem o termo
cooperativo, fundado em valores humansticos, da fraternidade e da
ajuda mtua, servindo de norte para a conduo das sociedades
cooperativistas.
Por sua vez, Schneider (1991) parte do pressuposto de que no
somente os princpios so elementos essenciais, haja vista que se torna
necessrio, para o bom funcionamento da cooperativa, condies
concretas para que estes princpios possam ter aplicabilidade no plano
prtico.
Os princpios do cooperativismo so linhas orientadoras, em que
so praticados os seus valores. Alm disso, invertem as relaes entre
empresa e cliente ou empresa e trabalhadores. O cooperativismo [...]
como a unidade econmica e espao de convvio e transformao dos
seus integrantes [...], um sistema que tem como objetivo estar
articulado com questes globais, regionais e locais. (VEIGA e
FONSECA, 2001, p. 18).
Neste contexto, nas definies mais relevantes sobre o
cooperativismo mundial est presente a preocupao imediata com os
valores e ideais humanitrios. E, segundo Meinen e Port (2012) a est a
grande distino em relao a outras iniciativas de carter empresarial,
os quais so os alicerces conceituais do cooperativismo, com os valores
dando origem aos princpios, e os princpios passveis de reviso ao
longo do tempo - traduzindo os valores e os levando prtica, como
uma forma de ponte que liga as ideias aes no ambiente cooperativo.
Meinen e Port (2012) ainda apresentam os valores do
cooperativismo. No existe demarcao expressa em torno da matria,
como ocorre com os princpios do cooperativismo, sendo um rol
exemplificativo: solidariedade, liberdade, democracia, equidade,
responsabilidade, igualdade, honestidade, transparncia e
responsabilidade socioambiental.
Um dos princpios do cooperativismo o da Adeso Livre, que
garante que todas as pessoas so aptas a usar seus servios e [...]
dispostas a aceitar as responsabilidades de scio sem discriminao
social, racial, poltica ou religiosa e de gnero. (MEINEN e PORT,
2012, p. 30). Tal princpio, segundo Crzio (2002), disciplina
admisso de pessoas na cooperativa e impede a admisso de
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38
aventureiros, ao mesmo tempo em que descarta qualquer tipo de
discriminao, condicionando a admisso com a compatibilidade entre
os objetivos do interessado e os da cooperativa, propiciando sempre o
interesse comum e as necessidades coletivas.
Acrescenta ainda Veiga e Rech (2002) que segundo o Princpio
da Adeso Livre ningum ser compelido a associar-se ou a permanecer
associado, sugerindo que os estatutos [...] prevejam mecanismos de
entrada de novos associados de maneira a preservar de fato a
democracia e a participao de todos. Se a associao se torna muito
grande, a sua democracia interna pode ficar comprometida, quando
faltar o devido cuidado. (VEIGA e RECH, 2002, p. 13).
Carvalho (2011, p.36) completa dizendo que esse princpio
possibilita o ingresso ou a retirada do cooperado, voluntariamente, sem
coero ou discriminao por motivos polticos, religiosos, ticos ou
sociais.
Outro princpio cooperativista o do Controle Democrtico pelos
Scios, o qual assegura que a cooperao tem que ser organizada,
todavia o cooperativismo tem um diferencial, qual seja, o carter de
inovao institucional: Precisamos de instituies econmicas que
democratizem a economia de mercado, descentralizando o acesso s
oportunidades e aos recursos o cooperativismo atende a isso
plenamente. (RICCIARDI e LEMOS, 2000, p.55).
Segundo CRZIO (2000), o princpio do controle democrtico
dos scios possibilita aos mesmos, dentre outros, a participao das
decises administrativas que determinam a produo, a comercializao
ou a prestao dos servios na cooperativa e para terceiros.
Para Schneider o princpio da gesto democrtica o mais
importante dos princpios, uma vez que no primeiro estatuto de
Rochdale consta: [...] Este princpio consta logo aps o prembulo, ou
o artigo ou a lei primeira que traa as grandes linhas de transformao
econmica e social, a mdio e a longo prazo desejadas pelos Pioneiros.
(1991, p. 77).
Portanto, garante este princpio que a sociedade cooperativista,
quanto sua governana, deve guiar-se pelos princpios prprios da
democracia, que pressupe a atuao responsvel de todos os membros.
Votar e ser votado, de acordo com as condies estatutrias, constituem
direitos e, por consequncia, deveres basilares do associado. (MEINEN
e PORT, 2012, p. 32).
Participar da vida da cooperativa condio
inarredvel para o seu sucesso, cumprindo a quem
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39
est na liderana assegurar todas as condies
para a prtica desse direito dever, incluindo a
instituio de canais e outros mecanismos
adequados e transparentes de acesso a
informaes e participao dos cooperados. O
regime democrtico, em que as decises so
tomadas por maioria (simples ou especial, de
acordo com a matria), pressupe o exerccio
representativo do poder, tendo a assembleia geral
como frum principal (trata-se do rgo social
mximo da sociedade). Quer dizer, alguns so
escolhidos para representar a todos, com a
responsabilidade que a lei e o estatuto
estabelecem (MEINEN e PORT, 2012, p. 32).
J no princpio da Participao Econmica dos Scios, os
cooperados tm que contribuir de forma equitativa e realizar o controle
democrtico do capital de sua cooperativa. Parte desse capital
propriedade comum das cooperativas. Usualmente, os scios recebem
juros limitados (se houver algum) sobre o capital, como condio de
sociedade. (CRZIO, 2002, p.30). Segundo Carvalho (2011, p. 36)
todos contribuem igualmente para a formao do capital da
cooperativa, que sua base de sustentao econmica e
funcionamento.
Com o princpio da Autonomia e Independncia fica claro que as
cooperativas tornam-se organizaes autnomas de ajuda mtua, as
quais so controladas por seus membros. Se firmarem acordos com
outras organizaes, incluindo instituies pblicas, ou recorrem a
capital externo, devem faz-lo em condies que assegurem o controle
democrtico pelos seus membros e mantenham autonomia da
cooperativa. (MEINEN e PORT, 2012, p.36). Possibilitando aos
associados:
Firmar convnios, contratos etc., com terceiros,
mantendo, ao mesmo tempo, a autonomia e a
independncia da cooperativa, principalmente em
relao aos objetivos econmicos, poltico e social
almejados pela associao. Fiscalizar o
cumprimento da misso e dos objetivos iniciais da
cooperativa, defendendo-a contra possveis
intervenes externas de atravessadores,
oportunistas, agiotas ou prestamistas etc. Exigir
que todos na cooperativa se responsabilizem pelo
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40
acompanhamento e controle da administrao
interna, considerando a autonomia e a
independncia nas relaes comerciais dentro e
fora da associao (CRZIO, 2002, p. 31).
Ainda segundo Crzio (2002), o cooperativismo adota tambm o
princpio da Educao, Treinamento e Informao, o qual garante que as
cooperativas devem proporcionar educao e treinamento aos seus
scios, dirigentes, administradores e funcionrios, contribuindo para o
seu desenvolvimento, uma vez que a cooperativa objetiva
permanentemente efetivar aes e recursos para educar e capacitar seus
associados visando a prtica cooperativista, alm de disseminar
populao as vantagens da cooperao organizada, buscando tambm a
insero do ensino do cooperativismo no sistema de ensino.
(CARVALHO, 2011)
Outro princpio o da Cooperao entre as Cooperativas, o qual
tem como objetivo o fortalecimento do movimento cooperativo, atravs
de estruturas nacionais, regionais e internacionais, onde as cooperativas
trabalhem juntas. Serve tal princpio ao fortalecimento do movimento
cooperativista atravs da troca de experincias e informaes.
(CRUZIO, 2002).
A Intercooperao uma das formas pelas quais se pratica o
valor da solidariedade, j que de interesse (na sua concepo mais
nobre) de qualquer cooperativa que as entidades coirms do mesmo e de
outros ramos se desenvolvam e se mantenham saudveis. (MEINEN e
PORT, 2012, p.42).
Crzio ainda apresenta o princpio Um Homem, Um Voto, o qual
deixa claro que cada cooperado representa um voto, indiferentemente da
quantidade de quotas-partes. Possuindo o direito de votar e ser votado.
Ou seja:
Direitos iguais aos benefcios gerados pela
economia da cooperativa, independentemente das
situaes econmica, poltica e social de cada um,
dentro e fora da associao. Atravs do voto,
emitir opinio e influenciar nas decises gerais da
cooperativa, desde a determinao dos objetivos
gerais da cooperativa at a escolha dos dirigentes
e conselheiros fiscais. Atravs do voto, participar
das decises administrativas relativas a preos,
quantidade, qualidade, prazos, contratos etc. dos
produtos a serem comercializados com a
-
41
cooperativa, ou relativas prestao de servios
aos tomadores de servios (CRZIO, 2002, p.
37).
O princpio do Retorno das Sobras, tambm apresentado por
Crzio (2002) define que a cooperativa no visa lucros, e que havendo
sobras no balano do ano, essas ficaro nos fundos previstos no Estatuto
da cooperativa, e o destino do restante, os cooperados definem em
Assembleia Geral. E continua Crzio ao afirmar que tal princpio
possibilita aos associados que opinem e decidam de forma livre e
consciente a forma de aplicao das sobras ou lucros lquidos, alm de
opinar e decidir sobre todas as questes financeiras relevantes.
Diante destes princpios apresentados, perceptvel que o
cooperativismo tem inmeras particularidades frente sociedade, assim
como, frente s empresas comuns do sistema econmico atual. As
peculiaridades, conforme CARVALHO (2011) ocorrem em razo dos
princpios cooperativistas constiturem atitudes direcionadas
comunidade, favorecendo a autonomia do cooperado na filiao e na
igualdade de investimento.
Partindo destas premissas, os atos cooperativos apresentam-se de
forma to diferenciada que so capazes de caracterizar um novo ramo do
direito: o direito cooperativo. Esse Direito seria aquele destinado a
reger as sociedades cooperativas e as suas relaes jurdicas, sem
subordinao a outros ramos do Direito, por incompatvel a sistemtica
jurdica das cooperativas com a orientao e o contedo das normas
desses ramos do Direito (BULGARELLI, 2000, p. 19-20).
Complementa Crzio (2000) que as cooperativas diferem das empresas
comuns em muitos aspectos, isto porque tem caractersticas que lhes so
prprias.
Bulgarelli (2000) menciona que por mais que exista a dificuldade
expressa de caracterizar o cooperativismo como novo ramo do direito,
as cooperativas possuem peculiaridades que as tornam singulares se
comparadas as demais sociedades existentes, distinguindo-as das
sociedades civis e comerciais. Tanto isso verdade, que as legislaes
de todos os pases onde o cooperativismo se implantou, o que equivale a
dizer, hoje, do mundo inteiro, acabaram por reconhecer essas
caractersticas, conferindo-lhe um regime jurdico prprio.
(BULGARELLI, 2000, p. 20-21). No Brasil no diferente, por isso se
faz necessrio um estudo do cooperativismo no pas e seu ordenamento
jurdico.
-
42
2.3. COOPERATIVISMO NO BRASIL E SEU ORDENAMENTO
JURDICO
2.3.1. Evoluo Histrica do Cooperativismo no Brasil
O cooperativismo no Brasil surge como um movimento social e
econmico entre pessoas que tm um objetivo comum, o de promover o
desenvolvimento econmico e o bem-estar social de todos os
envolvidos. Tem por base os fundamentos da participao democrtica,
solidariedade, independncia e autonomia. Com isso, se formaram
instituies concretas com elevado teor moral, sendo difundido por
vrios pases (BULGARELLI, 2000).
Os ideais cooperativistas no Brasil se relacionam ao padre jesuta
de origem sua Thodor Amstadt. Fundamentado na solidariedade, no trabalho coletivo e na mtua ajuda, teve como base as mximas crists,
junto as pequenas comunidades, e o objetivo inicial de promover o bem-
estar comum.
Filho de pequenos comerciantes, Amstadt (1981) teve sua
ordenao de sacerdote na Inglaterra e posteriormente foi enviado ao Sul
do Brasil, juntamente com imigrantes alemes, com o intuito de
prosperarem essa regio.
A literatura denomina-o como uma personalidade notvel, que
marcou a histria do Estado do Rio Grande do Sul. Menciona-se que
desenvolveu diversos trabalhos focados no bem estar social da
populao, mas ganhou notvel destaque por enraizar ideais do
cooperativismo e do associativismo. Pinho (2004), afirma que sua
atuao se destacou na criao da Associao Riograndense de
Agricultores.
Contudo, Veiga e Fonseca (2001) mencionam que no Brasil
foram fundadas as primeiras cooperativas por volta de 1887, sendo elas
a Cooperativa de Consumo dos Empregados da Companhia Paulista, em
Campinas (SP) e a Sociedade Econmica Cooperativa dos Funcionrios
Pblicos de Minas Gerais.
Ainda de acordo com os autores, na cidade de Limeira (SP), no
ano 1899 foi criada a Associao Cooperativa dos Empregados da
Companhia Telefnica; no Rio de Janeiro (RJ), no ano de 1894, a
Cooperativa Militar de Consumo e, tambm em 1895, a de Camaragibe
(PE). J em 1902, em Nova Petrpolis (RS), surge a primeira
cooperativa de crdito fundada por produtores de vinho e, no mesmo
estado em 1906, a primeira cooperativa agropecuria.
-
43
De 1913 a 1929, outras cooperativas continuaram a aparecer,
dentre elas, em 1913, no Rio de Janeiro, a Cooperativa dos Empregados
e Operrios da Fbrica de Tecidos da Gvea e, em Santa Maria (RS),
ocorreu fundao da Cooperativa de Consumo dos Empregados da
Viao Frrea - COOPFER. Em 1917, os ferrovirios fundaram
cooperativas de consumo.
De acordo com Jos Odelso Schneider (1982), diante do
panorama da depresso de 1929, o governo passou a ter interesse pelo
cooperativismo, especialmente como instrumento de poltica agrcola.
Porm, segundo Pinho (2004) com a falta de legislao especfica, as
cooperativas mais se assemelhavam as sociedades annimas,
associaes profissionais e sindicatos.
Assim, em 1932, no governo de Getlio Vargas, foi implantado o
Decreto n 22.239 que regulamentou a organizao e funcionamento das
cooperativas. Essa foi a primeira lei fundamental que tratou das
principais caractersticas das cooperativas no pas, consagrando seu
embasamento rochdaleano. Pinho (2004) destaca que nas Constituies
de 1934 e 1946, e na Carta Constitucional de 1937, a liberdade de
associao foi assegurada, porm o cooperativismo no foi tratado
expressamente.
Pinho (2004) explica que entre 1966 a 1970, a Ditadura Militar
marcou a fase cooperativista de forte centralismo estatal e oposicionista
ao cooperativismo de crdito rural e urbano. Nessa fase eram toleradas
apenas as cooperativas de economia e crdito-mtuo, e as sees de
crdito de cooperativas agrcolas mistas, que logo foram extintas.
O ponto forte desse perodo, entretanto, foi a
pacificao do movimento cooperativista
brasileiro, at ento dividido. Graas
intermediao de Antnio Jos Rodrigues Filho,
os cooperativistas compreenderam a necessidade
de somar esforos para impulsionar um
movimento cooperativo unificado (PINHO, 2004,
p. 36).
Passado esse perodo, o cooperativismo brasileiro teve uma
renovao legal, estrutural e instrumental em 1971, atravs da
promulgao da lei n. 5.764, que instituiu o regime jurdico das
sociedades cooperativas.
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44
Conforme PERIUS (2001), aps cinquenta anos de interveno
estatal que findou em 1988, sendo a Carta de 1988 o marco divisor do
cooperativismo no mais tutelado pelo estado.
Os dois eventos acima, promulgao da lei n. 5.764/71 e a
Constituio Federativa do Brasil de 1988 registravam um novo
relacionamento entre cooperativas e o Estado, que se disps a oferecer
maior autonomia s cooperativas, originando-se o Decreto n 90.393/84,
pelo qual o INCRA poderia delegar suas funes ao prprio sistema de
cooperativas. (PERIUS, 2001)
Bulgarelli (2000) afirma que a disciplina jurdica das sociedades
cooperativas foi modificada na Constituio Federal de 1988, tendo
acrescentado s antigas normas o chamado perodo de liberalizao,
advindo da no interveno do Estado nas cooperativas:
Merece reiterar que a Constituio da Repblica,
como eixo central do ordenamento jurdico
brasileiro, conferiu verdadeira autonomia ao
cooperativismo, o que, por si s, constitui um
grande estmulo ao desenvolvimento do setor. O
tratamento conferido ao cooperativismo pelo novo
Cdigo Civil bem reflete esse prestgio
(ALMEIDA e BRAGA, 2006, p. 107).
Tal como ser adiante pormenorizado, ainda que o processo de
liberalizao tenha incentivado a criao de cooperativas, a
aplicabilidade prtica do comando constitucional constitui em mais um
daqueles comandos principiolgicos de pouca efetividade social, uma
vez que sua operacionalizao condicionada no apenas mera
previso constitucional, mas existncia de polticas pblicas e
econmicas que permitam sua aplicabilidade no plano prtico.
2.3.2. Previso Constitucional das Sociedades Cooperativas
Tocante ao texto constitucional de 1988, destaca-se, a previso
sobre a ordem econmica nacional e sobre a explorao das atividades
econmicas no territrio brasileiro, onde claramente nota-se a
possibilidade de organizao de sociedades cooperativas como vetores
de positivao dos princpios insertos no art.170 da Carta
Constitucional, que prioritariamente trata de instrumentos hbeis de
produo e distribuio de riquezas. Vejamos o teor do comando
constitucional:
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45
A ordem econmica, fundada na valorizao do
trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existncia digna, conforme os
ditames da justia social, observados os seguintes
princpios: I - soberania nacional; II - propriedade
privada; III - funo social da propriedade; IV -
livre concorrncia; V - defesa do consumidor; VI -
defesa do meio ambiente, inclusive mediante
tratamento diferenciado conforme o impacto
ambiental dos produtos e servios e de seus
processos de elaborao e prestao; VII -
reduo das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento
favorecido para as empresas de pequeno porte
constitudas sob as leis brasileiras e que tenham
sua sede e administrao no Pas.
Pargrafo nico. assegurado a todos o livre
exerccio de qualquer atividade econmica,
independentemente de autorizao de rgos
pblicos, salvo nos casos previstos em lei.
(BRASIL A, 2016).
Ainda veja-se que o texto constitucional menciona a finalidade da
ordem econmica, com seus fundamentos, como forma de assegurar a
existncia digna de todos conforme ditames da justia social.
O prprio texto constitucional indica que a valorizao do
trabalho humano pilar fundamental da ordem econmica brasileira.
Assim, temos que o exerccio da atividade econmica pela via das
sociedades cooperativas mostra-se possibilidade estimulada e prevista
em comandos constitucionais, j que o incentivo criao de sociedades
cooperativas est expresso no rol de direitos fundamentais, indicando o
direito livre associao e a vedao interveno estatal nos
empreendimentos cooperativos:
Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem
distino de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a
inviolabilidade do direito vida, liberdade,
igualdade, segurana e propriedade, nos
termos seguintes:
[...]
XVII - plena a liberdade de associao para fins
lcitos, vedada a de carter paramilitar;
XVIII - a criao de associaes e, na forma da
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46
lei, a de cooperativas independem de autorizao,
sendo vedada a interferncia estatal em seu
funcionamento; [...] (BRASIL A, 2016).
Nesse sentido, segue ensinamento do Doutrinador Alexandre de
Moraes, in verbis:
plena a liberdade de associao, de tal forma
que ningum poder ser compelido a associar-se
ou mesmo permanecer associado, desde que para
fins lcitos, vedada a de carter paramilitar, sendo
que sua criao e, na forma da lei, a de
cooperativas independem de autorizao, vedada a
interferncia estatal em seu funcionamento,
constituindo-se um direito que, embora atribudo a
cada pessoa (titular), somente poder ser exercido
de forma coletiva, com vrias pessoas. (2008, p.
80).
No menos importante, no ttulo constitucional destinado
Ordem Econmica e Financeira, a previso no art. 174, 2, que
menciona que a lei apoiar o cooperativismo e outras formas de
associativismo, positivando no pargrafo seguinte o favorecimento
visando a organizao da atividade garimpeira em cooperativas,
inclusive com prioridade de autorizao e concesso de lavra junto ao
rgo competente (DNPM). Do mesmo modo, quando trata da poltica
agrcola, fundiria e da reforma agrria no captulo III, menciona no
art.187, inciso VI, o cooperativismo, prevendo no caput que a poltica
agrcola ser planejada e executada na forma da lei, com a participao
efetiva do setor de produo, envolvendo produtores e trabalhadores
rurais, bem como dos setores de comercializao, de armazenamento e
de transportes, [...] (BRASIL A, 2016).
J quanto ao tratamento tributrio relacionado s cooperativas, o
art.146, inciso III, alnea c, estabelece que atravs de Lei
Complementar estabelecer-se- adequado tratamento tributrio ao ato
cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas, ratificando o
comando constitucional o vis incentivador de sociedades cooperativas
(BRASIL A, 2016).
Tambm, a regulamentao legal das sociedades cooperativas
remonta Lei 5.764, de 16 de dezembro de 1971, sendo recepcionada
pela Carta de 1988, esta que estimula a criao de sistemas econmicos
cooperativos.
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47
2.3.3. Legislao Infraconstitucional e Cooperativismo
2.3.3.1. Lei n. 5764/71 - Lei do Cooperativismo
Atualmente, as sociedades cooperativas brasileiras so
disciplinadas pela Lei n 5.764, de 16 de dezembro de 1971, que define
que so sociedades de pessoas, com forma e natureza jurdica prpria,
de natureza civil, no sujeitas falncia, constitudas para prestar
servios aos associados [...]. O objetivo, assim, est voltado para os
cooperados e no para a sociedade, e em sua razo social deve estar
contida a expresso cooperativa. (POLNIO, 1999).
Embora a lei n. 5.764/71 no traga em seu texto meno
explcita aos princpios norteadores do cooperativismo, isso no
significa que eles no existam em nossa legislao. Logo, referenciamos
o art. 4, o mais rico, uma vez que traz claramente expresso a real
natureza jurdica das cooperativas: adeso voluntria; quotas-parte aos
associados; nmero ilimitado de associados; variabilidade do capital
social; limitao do nmero de quotas-partes do capital para cada
associado; retorno das sobras lquidas; singularidade do voto; prestao
de assistncia aos associados e pregam a no discriminao, pontos
esses importantssimos que servem como princpios do cooperativismo.
(BRASIL D, 2016)
Cabe ressaltar que o artigo 3 da Lei n. 5.764, de 16 de dezembro
de 1971, define as obrigaes, contribuies e os servios para celebrar
contrato de sociedade cooperativa. (BRASIL D, 2016)
J o art. 6 prev nmero mnimo de scios, dependendo do tipo
de cooperativa constituda. Nesse ponto, explicam Almeida e Braga
(2006, p.26): [...] o nmero mnimo de scios variar segundo se trate
de cooperativa singular (20 pessoas fsicas ou, excepcionalmente,
jurdicas), cooperativa central ou federao de cooperativas (03
cooperativas singulares) ou confederao de cooperativas (03 federaes
de cooperativas)..
Ressalta-se tambm que a Lei n. 12.690 de 2012, que regula as
denominadas Cooperativas de Trabalho, prev em seu art.6 que dever
ser constituda com nmero mnimo de sete scios. (BRASIL F, 2016)
Contrariamente, se h limitao ao nmero mnimo de scios de
uma sociedade cooperativa, no h limitao ao nmero mximo,
referindo Almeida e Braga (2006), que se trata do conhecido princpio
da porta aberta, este que decorre da natureza social-altrusta da
cooperativa, no podendo esta agir de forma excludente aos que
pretendem nela associar-se.
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48
Por fim, tratando-se de Lei que remonta ao ano de 1971,
enquanto que a constituio vigente refere-se ao ano de 1988, esta de
vis liberalizador, houve o necessrio cuidado visando a recepo da
legislao infraconstitucional pela nova Carta, que no apenas
recepcionou como incutiu dever ao Estado de apoio a criao e
manuteno das cooperativas, sem a interferncia estatal.
2.3.3.2. O Cdigo Civil, o Cdigo Tributrio e as Sociedades
Cooperativas
As singularidades que permeiam a criao e a finalidade da
sociedade cooperativa trazem dvidas quando a sua classificao
jurdica, ou seja, se devem ser classificadas como do ramo empresarial
ou do ramo civil. Justificando, Bulgarelli (2000) menciona que o que
faz das cooperativas algo to singular o fato das mesmas serem
reguladas por princpios de natureza tica e doutrinria ao contrrio das
capitalistas.
Nesta toada, Bulgarelli (2000) menciona o surgimento de um
novo ramo do direito, o Direito Cooperativo, posio rechaada por
Francisco de Assis Alves e Imaculada Abenante Milani (2002), que
entendem serem as sociedades cooperativas como de natureza civil j
que prestam servios a seus associados.
Independente da classificao jurdica adequada, tanto o Cdigo
Civil quando o Cdigo Tributrio trazem dispositivos especficos acerca
de sociedades cooperativas.
O Cdigo Civil de 2002 prev em seu artigo 982 que
independente de seu objeto, considera-se empresria a sociedade por
aes; e, simples, a cooperativa. (BRASIL B, 2016). Abrange ainda a
legislao cooperativista no mesmo Cdigo os artigos 1.093 1.096,
que tratam sobre incidncia do Cdigo Civil em questes relativas s
sociedades cooperativas (com a ressalva da legislao especial); as
caractersticas da sociedade cooperativa; a responsabilidade limitada ou
ilimitada dos scios e aplicao das regras concernentes s sociedades
simples em casos de omisso do previsto no Cdigo Civil de 2002.
No que tange a regulao tributria infraconstitucional, o sistema
jurdico brasileiro prev a sistematizao legal primeiramente atravs da
previso constitucional de determinado tema, sendo ali estabelecidos os
contornos que devero ser observados pelo legislador ao estabelecer o
tratamento tributrio diferenciado.
Segundo Almeida e Braga (2006), ao governo compete estimular
o cooperativismo, enquanto regulador de atividade econmica. No
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49
entanto, por outro lado, o prprio Estado interfere nessa atividade, por
meio de tributo. Para tanto, os Autores afirmam que o regime tributrio
s cooperativas deve buscar fomentar o cooperativismo, atravs de
mecanismos prprios, como a concesso de benefcios fiscais.
Desta forma, o art.146, inciso III, c, da Carta de 1988, prev o
adequado tratamento tributrio s sociedades cooperativas, tratamento
este que deve ser estabelecido atravs de lei complementar. (BRASIL A,
2016)
Entretanto, quando a Constituio menciona o termo adequado
tratamento tributrio, sem, contudo, balizar parmetros para tanto,
implica ao legislador infraconstitucional tarefa interpretativa que no lhe
cabe. Assim, o termo adequado tratamento tributrio pode ser
interpretado, como iseno fiscal, imunidade fiscal e mesmo benefcio
fiscal, este ltimo que, quando analisado de forma sistmica aos
incentivos para criao de cooperativas previsto na Constituio de
1988, nos parece a mais adequada interpretao (ALMEIDA e BRAGA,
2006).
Novamente, discorrem: Um benefcio fiscal alcanado com a
minimizao da incidncia tributria sobre um
determinado fato imponvel, considerando-se,
como causa a prpria natureza desse fato
(benefcio fiscal objetivo) ou do agente que o
pratica (benefcio fiscal subjetivo). Tal
minimizao pode se dar por meio da no-
incidncia, imunidade, iseno ou reduo dos
critrios quantitativos (base de clculo e alquota)
da regra matriz do tributo (ALMEIDA E BRAGA,
2006, p. 227).
A priori, as espcies tributrias que comumente incidem sobre as
sociedades cooperativas e suas atividades, tratam-se do imposto de
renda de pessoa Jurdica (IRPJ), contribuio para o financiamento da
seguridade social (COFINS), contribuio ao programa de integrao
social (PIS) e contribuio previdenciria sobre a folha de salrios. Pelo
todo exposto, verifica-se que as sociedades cooperativistas possuem
tratamento especial na legislao brasileira.
O presente captulo fez um estudo do surgimento do
cooperativismo atual, seus percursores, conceitos, princpios e evoluo
histrica, inclusive restou analisado o cooperativismo no Brasil e seu
ordenamento jurdico. Nesse momento, analisaremos o princpio da
gesto social democrtica no cooperativismo e suas peculiaridades.
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50
3. GESTO SOCIAL DEMOCRTICA NO COOPERATIVISMO
3.1 CONCEITO E OBJETIVO DA GESTO SOCIAL
DEMOCRTICA
3.1.1. Conceito de Cidadania e Democracia
Conforme observado no captulo anterior, de fundamental
importncia a participao dos associados nas cooperativas.
Rech (2000) destaca a importncia do trabalho conjunto, ajuda
mtua, a participao das pessoas com o intuito de difundir ideias e
garantir uma vida digna a todos. Principalmente quando presentes os
benefcios da interajuda e da f numa sociedade em que os associados
tenham resguardados os mesmos direitos e as mesmas possibilidades.
H diversas organizaes que alm de difundirem os princpios
cooperativistas, vo alm e buscam atravs do seu objeto social
promover um engajamento das comunidades em geral: A cooperao
tem sido uma forma poderosa para reduzir desequilbrios e se existe
algum contedo ideolgico nessa viso ele tem apenas o condo de
mostrar a crena de que o solidarismo pode impulsionar o ser humano a
continuar perseguindo os seus sonhos. (NASCIMENTO, 2000, p.10).
Diante disso, trazer a anlise do conceito de cidadania se faz
necessrio para atrel-lo ao princpio da gesto social do
cooperativismo. Essa seria uma das particularidades das cooperativas
para a incluso social e econmica, resgatando e reforando a cidadania,
garante-se um espao deliberativo, e por fim o cooperativismo, estudo,
portanto, necessrio, a fim de abarcar na Gesto Social Democrtica no
Cooperativismo.
Marshall (1967, p.62) define cidadania como uma espcie de
igualdade humana bsica associada com o conceito de participao
integral na comunidade. Para Souza, cidadania uma conquista e
efetivao de direitos, quando conceitua movimento social:
O movimento social, como conceito analtico,
geralmente aparece associado s ideias de
cidadania e de participao scio-poltica. A
primeira entendida como conquista e efetivao
de direitos, ao lado da ideia de participao como
negociao, gesto ou cogesto da populao no
cenrio poltico e social do pas (SOUZA, 2003,
p. 78).
-
51
Assim, a cidadania expressa um conjunto de direitos que d
pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de
seu povo. Quem no tem cidadania est marginalizado ou excludo da
vida social e da tomada de decises, ficando numa posio de
inferioridade dentro do grupo social. (DALLARI, 1998. p.14).
Desta forma, Comparato (1993) relata que a cidadania foi
exercida pelos antigos em um cenrio de democracia direta
considerando as limitaes da poca. Contudo, na sua viso, os
modernos construram e desenvolveram a cidadania dentro de um
modelo da democracia representativa, originando a democracia
formal, apresentando assim, claro impedimento soberania do povo.
Ao analisar a democracia antiga e a moderna, Bobbio (2000)
assegura que democracia significava o que a palavra designa
literalmente: poder do demos e no, como hoje, poder dos representantes
do demos. J naqueles tempos os cidados deliberavam na gora (praa) os assuntos que eram de interesse de toda a coletividade com a
participao de todos, buscando assim o bem comum.
A democracia evoluiu da garantia dos direitos
polticos (direito a votar e ser votado, direito a
constituir e optar por partidos e outras
organizaes polticas) para progressiva garantia
dos direitos sociais (liberdade sindical, direito ao
trabalho e a uma remunerao justa, direito ao
lazer, segurana e previdncia social) e desta
para a garantia os direitos econmicos (direito a
uma participao equitativa no produto social, ou
seja, remoo das causas da pobreza absoluta, e
dos grandes desnveis de renda, reduo dos
desnveis regionais, melhoria na participao no
processo produtivo) (SCHNEIDER, 1982, p. 180)
Nessa mesma linha de pensamento, cita-se o estudo desenvolvido
por Marshall (1967) em sua clssica obra, Cidadania, Classe Social e
Status. Tem-se aqui o marco que se apresenta como de fundamental
importncia para que se fixe o alcance e desenvolvimento da cidadania. Marshall (1967) definiu trs elementos essenciais para o conceito
de cidadania: civil, poltico e o social. Durante a idade mdia os mesmos
foram confundidos e acabaram por distanciar-se na formao do estado
liberal. Segundo Reginaldo de Souza Vieira (2013, p. 117) o projeto
liberal burgus, que se fundamentou num molde economicamente
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52
capitalista e na racionalidade humana, queria firmar uma estrutura
poltica e jurdica impondo a propriedade privada como direito natural
do homem. [...] a limitao do Estado, atribuindo-lhes um papel
mnimo, deixando ao privado as outras esferas das relaes sociais e
econmicas existentes. Porm, pode-se mencionar pocas distintas para
a apario de cada um deles: os direitos civis no sculo XVIII; os
polticos no sculo XIX; e os direitos sociais no sculo XX.
Corra (2002) cita que os direitos sociais, prprios do sculo XX,
surgiram em estreita ligao com os direitos polticos, com uma
participao mais ativa nas comunidades locais e nas associaes
funcionais. Foi apenas no sculo XX que os direitos sociais foram
abrangidos e assumidos como parte do status da cidadania.
Pinho conceitua e traa um panorama da cidadania ao longo dos
anos.
Cidadania pode ser entendida como um conjunto
de direitos e deveres reconhecidos a todas as
pessoas, de modo idntico. Ao longo do tempo,
surgiram, sucessivamente: a cidadania cvica, ou
reconhecimento dos direitos cvicos depois das
revolues americana e francesa, no sculo 18,
que defendiam a liberdade de pensamento e de
expresso, igualdade diante da lei, justia etc.; a
cidadania poltica, com o sufrgio universal na
Frana, em 1848 para os homens e em 1944 para
as mulheres; no Brasil, em 1932 para as mulheres
(Governo Getlio Vargas); a cidadania social, no
decorrer do sculo 20, com o reconhecimento dos
direitos econmicos e sociais educao, sade,
bem-estar econmico e outros (2004, p. 104)
Segundo Corra (2002), cidadania tem a ver essencialmente com
a participao na comunidade poltica, na qual o cidado est inserido
pelo vnculo jurdico e desta forma preciso estabelecer um nexo entre
cidadania e espao pblico.
Muito bem esclarece Rocha sobre o tema aludido ao expor sobre
direitos fundamentais e participao poltica:
A organizao poltica amadurecida na cidadania
participativa direta e permanente assegura o
exerccio do poder pelo prprio povo. Este o
retoma, determina que o Estado se abra a sua
presena, afirma uma imperiosa reestruturao da
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53
entidade poltica, pois essa passa a ser conduzida
efetivamente pelo povo: o governo ou o
governante que no se afeioar a essa condio
no pode permanecer no cargo de poder, salvo
pela fora, que, como a histria vem ensinando,
tem prazo curto, pois a fora no dispe de
alimento que se baste por muito tempo. A
cidadania , pois, fruto de uma mudana na raiz
do conceito e do exerccio do poder poltico.
(1996, p. 124).
Atualmente, a cidadania pode ser caracterizada como um
conjunto de direitos reconhecidos de modo idntico e associados a
todas as liberdades pblicas inscritas na Declarao dos Direitos do
Homem e do Cidado (1789) e das liberdades reconhecidas pela
Constituio de cada pas (PINHO, 2004, p. 104).
Por este prisma, Liszt Vieira (2004) faz meno de que a
cidadania, definida pelos princpios da democracia, constitui-se na
criao de espaos sociais de luta (movimentos sociais) e na definio
de instituies permanentes para a expresso poltica,