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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências Sociais Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Gabriela Maria Costa da Silva Política e fé: a missão religiosa no Brasil holandês Rio de Janeiro 2012

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Gabriela Maria Costa da Silva

Política e fé: a missão religiosa no Brasil holandês

Rio de Janeiro

2012

Gabriela Maria Costa da Silva

Política e fé: a missão religiosa no Brasil holandês

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: História Política.

Orientador: Profª. Dra.Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira.

Coorientador: Profª. Dra.Célia Cristina da Silva Tavares

Rio de Janeiro

2012

CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/ BIBLIOTECA CCS/A

Autorizo apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação, desde que citada a fonte. _____________________________________ ___________________________ Assinatura Data

S586p Silva, Gabriela Maria Costa da Política e fé: a missão religiosa no Brasil holandês / Gabriela

Maria Costa da Silva. – 2012. 85 f. Orientador: Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira. Coorientador: Célia Cristina da Silva Tavares. Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado do Rio de

Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. . Bibliografia. 1. Brasil – História – Domínio holandês, 1624-1654 - Teses.

2. Religião e política - Brasil – Séc. XVII – Teses. I. Ferreira, Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz. II. Tavares, Célia Cristina da Silva. III. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. IV. Título.

CDU 981.026

Gabriela Maria Costa da Silva

Política e fé: a missão religiosa no Brasil holandês

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: História Política.

Aprovada em 23 de novembro de 2012. Banca Examinadora:

_________________________________________________________

Profª. Dra.Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira (Orientadora)

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - UERJ _________________________________________________________

Profª. Dra. Célia Tavares (Coorientadora)

Faculdade de Formação de Professores - UERJ

_________________________________________________________

Profª. Dra. Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - UERJ ________________________________________________________

Prof. Dr. William de Souza Martins

Instituto de Filosofia e Ciências Sociais - UFRJ

Rio de Janeiro

2012

AGRADECIMENTOS

Ao final de todo trabalho, a sensação que nos invade é de dever cumprido, esse

sentimento me faz lembrar dos colaboradores que foram tão importantes para a conclusão

desta pesquisa.

Gostaria de agradecer em primeiro lugar a Deus, por colocar pessoas tão

maravilhosas, e essenciais na minha vida.

Agradeço aos meus amados pais, Joana e Paulo, sempre presentes, preocupados,

maiores incentivadores em toda minha trajetória, responsáveis pela minha educação e

verdadeiros exemplos para mim em todos os aspectos da vida. A primeira me ajudou não

apenas sendo mãe incrível, incentivadora e excelente profissional, mas também sendo uma

avó babona e presente, que ficou com a netinha de quatro meses, quando eu precisava me

concentrar, ler e escrever. Dedicou seus poucos horários folgas e finais de semana ajudando

com a bebê. Me emociono de pensar em seu sorriso que me sempre acalma e nas ordens de

“vai escrever” que sempre me dava. Serei grata para sempre. Meu pai, que viveu o mestrado

comigo desde a cobrança no processo de seleção para entrada na pós-graduação, agradeço

sua participação, interesse, curiosidade e discussões dos textos que eram passados nas aulas.

Acho graça ao lembrar que mesmo antes de saber se estava tudo bem, vinha empolgado com

a pergunta: “E o mestrado?”.

Aos meus irmãos-companheiros João Paulo e Bárbara, que em muito participam da

minha vida e jamais permitem meu desânimo. Obrigada pelo amor e pela força de sempre.

Não posso deixar de mencionar a Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

instituição sem a qual não aprenderia tantas lições desde a graduação. Agradeço a todo o

corpo docente do PPGH, pelas aulas incríveis e esclarecedoras e, em especial minha querida

orientadora Tania Bessone, grande historiadora, paciente e sempre disponível quando

precisei. Agradeço a Célia Tavares, minha coorientadora essencial para discussão, correção e

conclusão da pesquisa.

Agradeço ao Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, pelo incentivo ao

mestrado, desde a liberação para assistir as aulas até as conversas com meus queridos amigos

historiadores. Agradeço ao seu corpo de amigos-funcionários, principalmente da Divisão de

Documentos Permanentes. Uma atenção especial, aos amigos Clarissa Ramos, Gabriel

Alencar, Gabriel Mourão, Mírian Teixeira e Teresa Bandeira de Mello que seguraram o setor

com as minhas ausências que me apoiaram, e divertiram sempre.

Por fim, à família que formei e que só me traz felicidade. À Cecília, meu maior

presente, que com poucos meses de vida colaborou com a mamãe até com as sonecas mais

longas durante o dia, e em ficar calminha com o papai e com a vovó em minha ausência. À

Amora, filha canina que esteve deitadinha aos meus pés ao longo de todo trabalho. E por fim,

mas de toda importância, ao meu marido José Paulo que me renova diariamente, exemplo de

homem, professor e historiador que eu tenho a sorte de conviver, aprender e crescer junto.

Obrigada por ser meu companheiro de vida por estar sempre ao meu lado e por ser minha

base. Termino fazendo minhas as palavras dele, que sempre cabe muito bem: “que o seu

sorriso continue enfeitando a minha vida, os meus pensamentos e as minhas projeções por

toda a existência que nos cabe”.

RESUMO SILVA, Gabriela Maria Costa da. Política e fé: a missão religiosa no Brasil holandês. 2012. 85 f. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.

O objetivo deste trabalho é analisar a presença da Igreja Protestante e, a propagação da fé reformada entre os indígenas durante a ocupação holandesa no Nordeste brasileiro, nos de 1630 a 1654. É discutido ainda como se deu a relação dos nativos com os invasores neerlandeses. Como foi realizada a evangelização dos índios, que por sua vez, já haviam sido catequizados pelos portugueses católicos, principalmente os religiosos da Companhia de Jesus, e quais as dificuldades encontradas frente a uma (re)catequização. Aborda ainda o interesse econômico aliado ao religioso que compunha o quadro do século XVII, além de todo o processo de alfabetização o qual os brasilianos passaram, resultando assim em uma mudança da estrutura cultural e social no tempo e espaço supracitados. Palavras-chave: Brasil holandês. Religião. Evangelização. Indígenas

ABSTRACT

The objective of this work is to analyze the presence of Protestant Church e, the propagation of the remodelled faith enters the indígenas during the dutch occupation in the Brazilian Northeast, in the ones of 1630 the 1654. It is argued still as if it gave the relation of the natives with the neerlandeses invaders, as the evangelização of the indians was carried through, who in turn already had been catequizados for the Portuguese catholics, mainly the religious ones of the Company of Jesus, and which the joined difficulties front to one (re)catequização. Still approach the economic interest ally to the religious one that it composed the picture of century XVII, beyond the process of alfabetização which the brasilianos had all passed, thus resulting in a change of the cultural and social structure in the above-mentioned time and space. Keywords: Dutch Brazil. Religion. Process of evangelization. Indians.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................... 10

1 A CHEGADA DOS HOLANDESES E A DIFUSÃO DE SUA FÉ

PROTESTANTE.................................................................................................

16

1.1 A formação dos invasores.................................................................................. 16

1.2 O rascunho do Brasil Holandês......................................................................... 22

1.3 A presença de Nassau......................................................................................... 26

1.4 A presença protestante....................................................................................... 31

2 A IGREJA CRISTÃ REFORMADA E A (RE) EVANGELIZAÇÃO DOS

NATIVOS............................................................................................................

36

2.1 Católicos e Protestantes..................................................................................... 36

2.2 Protestantismo no Brasil Holandês.................................................................. 38

2.3 Idealização prática da catequização protestante............................................. 42

3 ORGANIZAÇÃO, ESTRUTURA E ENSINAMENTOS NA PRÁTICA: O

RESULTADO DA EDUCAÇÃO CALVINISTA PARA OS INDÍGENAS..

53

3.1 Os missionários protestantes............................................................................. 53

3.2 Os indígenas como foco da missão.................................................................... 60

3.3 Conflitos internos na missão.............................................................................. 66

3.4 Sobre a liberdade indígena................................................................................ 70

3.5 O declínio e o fracasso........................................................................................ 72

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 79

REFERÊNCIAS.................................................................................................. 81

10

INTRODUÇÃO

No século XVII, percebendo a vulnerabilidade das colônias portuguesas por aqui

instaladas, os holandeses colocaram parte de seus planos em prática, invadindo e se

estabelecendo no nordeste do Brasil, travando uma luta árdua contra portugueses, espanhóis

e mesmos os nativos.

O principal aspecto a ser abordado nessa pesquisa, a partir da invasão holandesa,

refere-se à questão do ensinamento da religião protestante dos holandeses, aos indígenas do

território pernambucano. Ou seja, identificar aspectos sociais e religiosos, no que tange o

relacionamento com os índios e a mentalidade da população local no período.

Houve três tentativas de implantação da Igreja Protestante no Brasil Colônia, sendo

que em todas, esta foi expulsa pelos portugueses católicos. A primeira tentativa se deu com a

Igreja Reformada dos franceses no Rio de Janeiro de 1557 a 1558; a segunda, com os dos

Holandeses na Bahia de 1624 a 1625, e a terceira ocorreu ainda no nordeste por holandeses,

alemães, ibéricos, ingleses, franceses e índios, quase que trinta anos depois.

Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco constituíam os três principais centros urbanos

do Brasil Colônia do século XVIII. A riqueza produzida pelo açúcar brasileiro ajudava a

consolidar o domínio Espanhol, enquanto procurava estrangular a jovem República dos

Países Baixos.

Entre os motivos que impulsionaram a invasão holandesa no Brasil, encontram-se tais

divergências entre a Espanha e os Flamengos. Na Holanda, pouco depois de 1500, a casa de

Habsburgo chegou ao poder reunindo possessões alemãs, espanholas e holandesas nas mãos

de Carlos V. Em 1580, com a União Ibérica comandada pela Espanha e Portugal, seus

domínios também passaram a fazer parte dos Habsburgos.

Em meados do século XVI, eclode na Europa a Reforma Protestante, com isso, Felipe II

rei da Espanha decidiu eliminar os protestantes de seus territórios, o que levou resultou na a

Guerra dos 80 anos (1568-1648), também chamada de Revolta Holandesa. Com o Tratado

de Vestfália1, em 1648, os Países Baixos obtiveram o reconhecimento de sua independência,

não apenas pela Espanha, como também pelo Império Alemão.

A intenção da Holanda era constituir uma potência mundial, e tal idéia era facilitada

por sua localização litorânea, favorecendo a navegação, e com isso um comércio

1 O Tratado Hispano-Holandês, que pôs fim à Guerra dos Oitenta Anos, foi assinado no dia 30 de janeiro de 1648, na cidade de Münster. Esse tratado reconheceu oficialmente as Províncias Unidas e a Confederação Suíça.

11

ultramarino. Outra vantagem era que Hinterland2 do Império Alemão lhe era atribuído como

mercado consumidor. Até fins do século XVI, os Países Baixos detinham seu comércio

marítimo com os países ibéricos, enviando produtos como o trigo e a madeira, e recebendo

produtos tropicais de suas colônias. No momento em que a Espanha assumiu esse comércio,

os holandeses iniciaram sua navegação transoceânica, chegando a colônias do Império luso-

espanhol.

O vigoroso comércio ultramarino formado pelos holandeses organizou duas

companhias para o fortalecimento da cooperação entre as empresas e para a sua proteção

frente aos espanhóis. Assim, em 1602, foi criada a Companhia das Índias Orientais (VOC),

que foi o resultado do esforço holandês a partir de interesses políticos, econômicos e

militares no extremo oriente e, em 1621, quando retomada a luta contra a Espanha, foi criada

a Companhia das Índias Ocidentais (WIC), que tinha no Atlântico, sua área de atuação –

tratava-se de um misto de sociedade mercantil e empresa colonizadora. Seu objetivo fora

garantir o mercado fornecedor e, quando possível, criar colônias nas regiões produtoras. Sua

interferência atingiu também o tráfico negreiro, até então monopolizado por Portugal e

indispensável ao modelo de produção açucareira instaurado no Brasil e uma reação às ações

Espanholas.

Cientes de que as maiores riquezas da inimiga Espanha provinham das Américas, os

flamengos começaram a pensar na conquista de parte das colônias americanas como forma

de estancar a fonte de sustentação econômica das forças espanholas. Ao chegarem ao Brasil

enxergaram na Bahia uma grande oportunidade de ali se estabelecer, invadindo dessa forma

a cidade de Salvador, contudo, essa a conquista foi perdida em um ano. Os holandeses,

porém, decidiram prosseguir com a empreitada, agora voltada para Pernambuco, assim, o

sucesso do projeto deu início ao Brasil Holandês.

Um campanha mais bem organizada em 1630 resultou na invasão de Olinda, região

rica em pau-brasil e, principal área de produção de açúcar. Sendo ainda um apreciavel centro

comercial, religioso e artístico do Nordeste brasileiro.

Após a diminuição das rivalidades, os holandeses procuraram organizar a sua nova

conquista, adotando uma política mercantilista, na tentativa de obter lucros. No entanto, um

dos pontos inovadores do governo neerlandês foi a liberdade religiosa.

Durante esse período, houve um capítulo pouco conhecido, porém instigante, da

história eclesiástica brasileira, a da Igreja Cristã Reformada, como era chamada a Igreja 2 A palavra é de origem alemã e, é aplicada a região junto a um porto, de direito do estado que responde pela costa. A área de onde produtos são entregues a um porto para embarque é chamada de o hinterland do porto.

12

Protestante na Holanda. Era uma Igreja do Estado, situação dessas instituições no Ocidente,

seja nos países católicos, ou nos protestantes. A Igreja Cristã Reformada veio para o Brasil

sob a bandeira holandesa, e foi expulsa com ela.

Na medida em que holandeses implantavam o território conquistado, eram

implantadas congregações reformadas. Durante algum tempo, existiram vinte e duas igrejas

protestantes no Nordeste, sendo a de Recife de maior porte, contando, até mesmo com

congregações inglesa e francesa. Esta se reunia no templo gálico, onde Maurício de Nassau

era o membro mais ilustre e a pastoreação era exercida pelo espanhol Vicentius Soler.

Entretanto, nas leituras de documentos da época, surgia uma Igreja cercada de pessoas

dispostas a expulsá-la de sua terra como a religião dos invasores.

Contudo, para os nativos, os holandeses não representavam invasores, mas sim

“libertadores”, o que levou a missão reformada no Nordeste a fazer uma opção pelo apoio

indígena.

O período escolhido para ser estudado nesta pesquisa, se inicia em 1630 a 1654,

tempo de grande transformação política, econômica e social no nordeste brasileiro com a

ocupação holandesa na região de Pernambuco, e foi nesse momento que houve uma intensa

relação com os índios.

Tupis e os tapuias foram grandes colaboradores de guerra e ajudaram a conquista

flamenga no Nordeste Brasileiro. Com isso, intensificou-se a relação amistosa, acarretando

uma série de medidas no governo dos holandeses em relação aos indígenas, como o

reconhecimento da liberdade, por exemplo, o que será discutido adiante.

A Igreja Cristã Reformada também crescia com grande influxo de refugiados,

perseguidos por sua fé evangélica. Chegaram a organizar congregações eclesiásticas de

língua francesa e inglesa. Porém, mais importante do que o crescimento numérico foi a

preocupação de zelar uma qualidade com a expressão holandesa do puritanismo.

Essa Igreja procurou evangelizar também portugueses que aqui viviam, entretanto,

essa conversão não foi bem sucedida, pois a religião protestante sempre foi considerada

pertencente aos invasores. E para esses, era mais fácil aceitar a dominação de um povo

Católico, a de Protestantes.

Em um primeiro momento a, delimitação espacial era compreendida apenas pela

capitania de Pernambuco, já que foi o local onde os holandeses se fixaram e construíram um

governo mais estruturado, entretanto, com o desenvolvimento da pesquisa, principalmente

pelas fontes encontradas, os espaços a serem estudados estenderam-se até o Maranhão.

13

A presente pesquisa procura primeiramente tratar do plano de expansão holandesa, e

a relação direta que seus objetivos políticos e econômicos travavam com a dimensão

religiosa. O trabalho se inicia desde as ações de suas Companhias de Comércio, e os

primeiros atos religiosos na tentativa de implantação da Igreja Reformada no Brasil.Visa,

ainda, entender o processo de evangelização e a maneira como esta se dava. Aborda quem

eram esses homens recém chegados, quais seus objetivos, como se deu o desenrolar da

missão, e as consequências do contato entre nativos e invasores.

Objetiva também, estudar questões como o uso da alfabetização como meio levar o

indígena a crença e conhecimento da religião reformada, a estrutura dos missionários, bem

como suas funções e papéis nas aldeias. Abordando ainda o conflito entre esses segmentos e

problemas enfrentados com outros religiosos durante o período.

Houve a associação da missão material com a espiritual, utilizando a religião como um

meio de aceitação de uma parcela da população que há anos sofria com a dominação de

outra metrópole.

Um importante aspecto analisado foi o uso da estrutura da missão católica, na

conversão dos indígenas, como instrumento rápido de alcance e compreensão por parte dos

nativos. Tornava-se necessária a existência de uma língua-padrão para atingir um número

maior de adeptos, seria preciso, dessa maneira, a utilização da língua nativa. A

complexidade dessa tarefa não consistiria apenas na tradução dos termos, mas nas

associações e tradições culturais. Dessa forma, o processo foi realizado através do uso de

palavras utilizadas pelos primeiros catequizadores, os católicos, principalmente os jesuítas.

A dificuldade da apreensão do idioma dificultou a relação e conversão dos índios, bem

como os diferentes interesses entre religiosos e companhia de comércio, além da relação

estabelecida com os primeiros colonizadores que consistiu em outra derrota na tentativa de

aceitação por parte dos protestantes.

Houve a associação da missão material com a espiritual, utilizando a religião como um

meio de aceitação de uma parcela da população que há anos sofria com a dominação de

outra metrópole.

Esta pesquisa busca reconstruir não os costumes da sociedade indígena, mas

estimular uma maior compreensão do que significou a relação com uma nova cultura. Serão

utilizadas correspondências trocadas entre Conselhos Políticos na Holanda, representantes

do poder no Brasil, notícias sobre conflitos entre religiosos católicos e protestantes, relações

com os indígenas presentes nas Nótulas Diárias do Alto Governo Neerlandês no Brasil ,

registro diário das deliberações do governo colegiado que regia as capitanias dominadas

14

pelos neerlandeses e administrado pela Companhia das Índias Ocidentais no Brasil entre

1635 e 1654, ano da restauração pernambucana.

Duas obras são de fundamental importância e estarão presentes ao longo de todo

trabalho, são eles: Igreja e Estado no Brasil Holandês, de Frans Leornar Schalkwijk, pastor

e estudioso de religião no Brasil Holandês, que trata em sua pesquisa da organização da

Igreja Reformada, da função e abrangência desta na colônia, dos homens que nela atuavam,

de sua organização, bem como do trabalho missionário entre os indígenas. E a teses de

doutorado defendida por Maria Aparecida Ribas, O leme espititual do navio mercante: a

missionação calvinista no Brasil Holandes que desbrava a alfabetização, literatura,

aprendizado e o relacionamento dos invasores com os indígenas.

De extrema importância para a análise da sociedade após a invasão holandesa, o livro

Tempo dos Flamengos – Influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do Norte do

Brasil, de José Antônio Gonsalves de Mello, consiste em um estudo completo sobre a

relação dos invasores e as transformações feitas por estes no Nordeste brasileiro. Outro

clássico utilizado é do inglês Charles Boxer, Os Holandeses no Brasil, clássico que aborda o

viés da invasão a partir do campo político, esclarecendo as relações entre Holanda e

Espanha, o confronto e guerras que se disseminaram com a chegada dos holandeses. Obras

relevantes não apenas para informações, mas principalmente para a contextualização do

período.

A partir de então, este trabalho destina-se a adequação em uma nova abordagem dos

campos historiográficos social e político, trabalhando um tema bastante estudado, visto sob

outra perspectiva. A expectativa é que se torne uma contribuição bibliográfica sobre o tema

e um bom exemplo de aplicação teórico metodológica.

Sobre os capítulos

Os seguintes capítulos se dividirão em três momentos. O primeiro, intitulado “A

chegada dos holandeses e a difusão de sua fé protestante” trata do plano de expansão

holandesa, e a relação direta que seus objetivos políticos e econômicos travavam com a

dimensão religiosa. Apresento o início das ações de suas Companhias de Comércio, e os

primeiros atos religiosos na tentativa de implantação da Igreja Reformada no Brasil. Analiso

a formação do Estado Moderno Holandês e sua relação com Portugal e Espanha ao longo

dos séculos XVI e XVII, bem como os interesses holandeses na economia colonial brasileira

que levaram às invasões. Observo o regime político colonial implementado pelos holandeses

15

diante da estrutura encontrada no território invadido, iniciando as discussões a partir da

ordem colonial ibérica e as mudanças pretendidas pelos novos ocupantes, que alteraram a

ordem política, economica, jurídica e religiosa encontrada no Brasil. A intenção é demarcar

os interesses e introduzir as relações teóricas entre a política e a religião que serão discutidas

a seguir. Por fim, trato dos fundamentos da Igreja Protestante recém chegada no Brasil,

principalmente do Calvinismo, religião oficial neerlandesa, bem como suas crenças,

estrutura e os pontos de divergência entre membros da mesma religião, com ênfase na

descrição minuciosa dos caracteres calvinistas e na constatação de sua heterogeneidade, bem

como seus responsáveis.

O segundo capítulo “A Igreja Cristã Reformada e a (re)evangelização dos nativos”,

destaco as principais diferenças entres o Catolicismo e o Calvinismo no que diz respeito à

prática da religião. Além disso, faço a distinção da evangelização para os calvinistas, e qual

era o olhar do protestante em relação aos indígenas. Trato ainda da utilização por parte dos

protestantes do modelo de educação jesuíta implantada pelos católicos no período anterior a

invasão, para facilitar o entendimento e comunicação com os indígenas, bem como dos

ajustes, adequações e ferramentas para o ensino da nova religião.

O terceiro e último capítulo, sob o título “Organização, estrutura e ensinamentos na

prática: o resultado da educação calvinista para os indígenas” aborda questões como o uso

da alfabetização como meio levar o indígena à crença e conhecimento da religião reformada,

a estrutura dos missionários, bem como suas funções e papéis nas aldeias. Trata ainda do

conflito entre esses segmentos e dificuldades encontradas durante o período.

16

1 A CHEGADA DOS HOLANDESES E A DIFUSÃO DE SUA FÉ

PROTESTANTE

1.1 A formação dos invasores

Para melhor entender o período abordado nesta pesquisa, é importante conhecer a

Holanda e sua formação política, diferente das outras potencias europeias, não se tratando de

um modelo de monarquia absoluta, no entanto não era a única exceção (WHELING, 2004,

p. 13). Os Países Baixos eram formados por dezessete províncias, incluindo Bélgica e

Luxemburgo, constituindo um território mais amplo que o atual. “No sul falava-se francês,

denominado valão; no norte frísio ou flamengo, com vários dialetos incompreensíveis (...)”.

(SCHALKWIJIK, 1986)

Em teoria, a República Holandesa constituía uma federação em que as sete províncias eram iguais, em teoria, Amsterdã não passava de uma das dezoito cidades na província da Holanda, mas na prática, a elite de Amsterdã tinha meios de conseguir o que queria, pois pagava cerca de 44% dos impostos da província da Holanda, e a província da Holanda (desde 1612, quando foi fixada a quota) pagava 57% dos impostos de toda a República Holandesa. (BURKE, p. 61 ).

Suas funções políticas eram voltadas para as cidades e a soberania estava presente

nas províncias que constituíam o país. A organização política estava atrelada as questões

econômicas, característica dos estados mercantilistas.

Enquanto a economia portuguesa declinava, a Holanda crescia em seu importante

comércio de tecidos. Com o desenvolvimento de sua navegação, a Holanda passa a competir

com o domínio marítimo até então atribuído a Espanha e Portugal. Confiantes com seus

bons resultados obtidos, tanto em estratégias políticas com sua independência como também

em seu poderio comercial, decide elaborar um plano para atacar as colônias portuguesas, por

meio de um modelo já conhecido: uma Companhia de Comércio, representando uma fusão

entre negócio e guerra.

O vigoroso comércio ultramarino formado pelos holandeses organizou duas

companhias para o fortalecimento da cooperação entre as empresas e para a sua proteção

frente aos espanhóis. Assim, em 1602, foi criada a Companhia das Índias Orientais (VOC), e

em 1621, quando retomada a luta contra a Espanha, foi criada a Companhia das Índias

17

Ocidentais (WIC), atuante no Atlântico, como citado anteriormente. Dessa forma, a

expansão holandesa se organizou e se manteve, graças a essas companhias de comércio.

Estas que eram uma forma de influenciar o resto da República

Contudo, não podemos limitar a criação dessas empresas comerciais apenas a

interesses políticos e econômicos. O intento de converter e conquistar fiéis para o calvinismo

era claro, principalmente em razão da Holanda possuir aquele como uma religião oficial, o

que caracteriza um Estado confessional, a exemplo de outros países Europeus.

No aspecto econômico, franceses, ingleses e holandeses chegaram a possuir

engenhos nas Antilhas. Mesmo com toda concorrência, o cultivo do açúcar no Brasil

garantia lucratividade para Portugal. Cientes de que as maiores riquezas da inimiga Espanha

provinham das Américas, os flamengos começaram a pensar na conquista de parte das

colônias americanas como forma de estancar a fonte de sustentação econômica das forças

espanholas. Ao chegarem ao Brasil enxergaram na Bahia uma grande oportunidade de ali se

estabelecer, invadindo dessa forma a cidade de Salvador. Contudo, essa a conquista foi

perdida em um ano. Os holandeses, decidiriam prosseguir com a empreitada em momento

posterior, dessa vez, voltada para Pernambuco. Assim, o sucesso do projeto daria início ao

Brasil Holandês.

Um campanha mais bem organizada em 1630 resultou na invasão de Olinda, região

rica em pau-brasil e, principal área de produção de açúcar, sendo ainda um apreciavel centro

comercial, religioso e artístico do Nordeste brasileiro. No entanto, é preciso ter em mente

que a conquista não ocorreu simultaneamente em todo território. Em um primeiro momento

era importante o domínio militar, para aos poucos instituir as funções políticas práticas

comerciais.

Após a diminuição das rivalidades, os holandeses procuraram organizar a sua nova

conquista, adotando uma política mercantilista, na tentativa de obter lucros. No entanto, um

dos pontos inovadores do governo neerlandês foi a liberdade religiosa.

Durante esse período, houve um capítulo pouco conhecido, porém instigante, da

história eclesiástica brasileira, a da Igreja Cristã Reformada, como era chamada a Igreja

Protestante na Holanda. Era uma Igreja do Estado, situação dessas instituições no Ocidente,

seja nos países católicos, ou nos protestantes. A Igreja Cristã Reformada veio para o Brasil

sob a bandeira holandesa, e foi expulsa com ela.

Na medida em que holandeses implantavam o território conquistado, eram

implantadas congregações reformadas. Durante algum tempo, existiram vinte e duas igrejas

protestantes no Nordeste, sendo a de Recife de maior porte. Esta se reunia no templo gálico,

18

onde Maurício de Nassau era o membro mais ilustre e a pastoreação era exercida pelo

espanhol Vicente Soler. Entretanto, nas leituras de documentos da época, podemos descobrir

uma Igreja cercada de pessoas dispostas a expulsá-la de sua terra como a religião dos

invasores.

Dentre estas pessoas, não podemos destacar os indígenas. Para alguns deles, os

holandeses não representavam invasores, mas sim “libertadores”. Isto levaria a missão

reformada no Nordeste a fazer uma opção pelo apoio indígena.

O período escolhido para ser estudado nesta pesquisa tem início na invasão de 1630

até 1654, período em que ocorreu a ocupação holandesa na região de Pernambuco, e houve

uma intensa relação com os indígenas.

Tupis e os tapuias foram grandes colaboradores de guerra e ajudaram a conquista

flamenga no Nordeste Brasileiro. Com isso, intensificou-se a relação amistosa, acarretando

uma série de medidas no governo dos holandeses em relação aos indígenas, como o

reconhecimento da liberdade, por exemplo.

A Igreja Cristã Reformada também crescia com grande influxo de refugiados,

perseguidos por sua fé evangélica. Chegaram a organizar congregações eclesiásticas de

língua francesa e inglesa. Porém, mais importante do que o crescimento numérico foi a

preocupação de zelar por uma qualidade com a expressão holandesa do puritanismo.

A Igreja procurou evangelizar também portugueses que aqui viviam, entretanto, essa

conversão não foi bem sucedida, devido à identificação da religião protestante como

pertencente aos invasores. Para aqueles, era mais fácil aceitar a dominação de um povo

Católico, a de Protestantes.

Em um primeiro momento, a delimitação espacial estudada nesta dissertação foi

compreendida apenas pela capitania de Pernambuco, já que foi o local onde os holandeses se

fixaram e construíram um governo mais estruturado. Entretanto, com o desenvolvimento da

pesquisa, principalmente pelas fontes encontradas, os espaços a serem estudados

estenderam-se até o Maranhão.

O Brasil viveu durante três décadas do século XVII o período de dominação por

parte da Companhia das Índias Ocidentais. Esta experiência deixou duradouras marcas no

país, particularmente no Nordeste.

Até 1640, Portugal estava sob o domínio espanhol, uma grande e importante potência

européia, e a Holanda por sua vez, lutava por uma hegemonia no comércio, principalmente o

19

marítimo. A rivalidade entre holandeses e espanhóis era clara. Para compreender tais

disputas, é preciso remeter à formação do Estado holandês.

A organização política dos Países Baixos é vista pela historiografia clássica como

uma exceção ao modelo de monarquia absoluta. As províncias que formavam o país eram

soberanas, representadas nos Estados Gerais, constituídos por representantes de cada

província. “Um representante da Casa de Orange ocupava, quase sempre, mas não

obrigatoriamente, o cargo de stathouder, por escolha dos estados gerais” (WHELING,

2004, p. 11)

Durante o século XVI, os Países Baixos mantinham relações comerciais estáveis com

os portugueses. Entretanto, com o domínio de Felipe II, houve a formalização de um

conjunto de medidas mercantilistas, como o protecionismo, a regulamentação das atividades

econômicas, o reforço do monopólio e o incremento de ações de conquista do território.

Ações como o fechamento dos portos ibéricos aos holandeses, caracteriza uma das

motivações da invasão por parte dos flamengos que visavam à exploração comercial do

nordeste brasileiro.

Um importante momento a ser analisado nesta época, foi o governo de João Maurício

de Nassau-Siegen. Sob sua administração (1637-1644) o domínio neerlandês no Brasil

atingiu o auge. (MELLO, 1998, p. 9) Consolidada a ocupação militar de Pernambuco,

expandiu a conquista com a anexação do litoral das Capitania do Ceará, Sergipe e

Maranhão, mas fracassou em uma nova tentativa de conquistar a Bahia (1639), sobretudo

por falta de meios.

Os navegadores e corsários holandeses, atores importantes do comércio

internacional, há muito frequentavam o litoral brasileiro. No século XVII, dois centros

urbanos atraíram particularmente sua atenção: Salvador, então capital do Brasil, e Olinda,

uma das principais vilas de Pernambuco. Vale lembrar que a primeira tentativa de conquista

holadesa no Brasil ocorreu na Bahia, em 1624, e foi expulsa no ano seguinte.

A respeito das motivações e o momento da criação das Companhias de Comércio e

também sobre o papel atuante de ambas no contexto da invasão, podemos destacar que, em

1578, com a morte do Cardeal Dom Henrique, sem deixar sucessor direto, Portugal ficaria,

em 1580, sob o domínio espanhol. Isto modificaria, como já referido, sensivelmente suas

relações amistosas com a Holanda, desde o reinado de Dom Manuel I, o venturoso. Seria

aclamado, então, aclamado, então, Felipe II de Espanha - Felipe I, de Portugal.

20

Depois das conquistas dos reinados dos Reis Católicos e de Carlos V, no chamado

Ciclo do Ouro, Felipe II iniciou a ocupação dos territórios da América do Sul, Chile e da

região do Rio da Prata. E fruto da União Ibérica ainda dominou localidades portuguesas do

Extremo Oriente. Como Católico idealizava uma Europa

Efetivamente, temos conhecimento ao lado dos atos de comércio e pirataria, os

neerlandeses dominaram o comércio do açúcar no Brasil. O que envolvia sua compra, refino

e distribuição do produto final. Esta atividade era reconhecida pelos portugueses, no entanto

embutida de taxas e cobranças.

Nesta época o comércio entre Portugal e Holanda era muito intenso e fértil. Todavia,

essa situação veio a se modificar quando a monarquia espanhola assumiu o poder em

Portugal controlando toda a península, e rei passou a criar grandes embaraços aos

comerciantes holandeses. A partir de 1585, o Rei de Portugal Felipe II ordenou o confisco

de todos os navios holandeses ancorados em seus portos, aprisionando-lhes as tripulações.

Com a situação reinante nesta época não deixou aos holandeses outra saída senão tomarem o

rumo de suas navegações para as regiões produtoras de mercadorias.

Até 1591, os holandeses conseguiriam manter relações comerciais com Portugal, no

entanto, com a interdição dos portos de Portugal aos estrangeiros, neste mesmo ano, a

economia holandesa foi atingida. Terminavam aí a colaboração entre esses dois países.

Felipe II assim estipulou:

Nenhuma nau, nem navio estrangeiro ou estrangeiras, de qualquer sorte, e qualidade que seja, possa ir e nem vá nos portos deste Reino, nem fora deles as conquistas do Brasil, Mina, Costa da Malagueta, Reino de Angola, Ilha de São Tomé, e Cabo verde e qualquer outros lugares da Guiné sem licença minha passada por Alvará por mim assinado. (DOCUMENTOS para a história do açúcar, p. 380)

Com o objetivo de estimular a economia e, expandir suas rotas, os mercadores se

organizaram e criaram companhias privadas de comércio. O primeiro caminho escolhido -

por objetivos políticos, econômicos e militares - foi a penetração no Oriente, responsável

pela produção de especiarias e possíveis lucros. Um grande número de Companhias de

Comércio foi criado, no entanto, durante esta primeira experiência, não tardaram a aparecer

problemas.

Enquanto essas organizações comerciais holandesas se mantivessem separadas,

cultivariam concorrência entre si, restringindo-se a captura de navios mercantes e

21

ocasionalmente a pequenas realizações comerciais. As dificuldades não eram apenas estas.

Diante de tal situação, houve um aumento exorbitante de preço das especiarias, praticado

pelos comerciantes locais. Como reação, os neerlandeses finalmente perceberam que uma

efetiva colonização não poderia ser realizada sem a criação de uma única poderosa

companhia.

Além disso, era indispensável a obtenção de novas rotas comerciais e a detenção de

produtos em demanda. Aliado a isso o poderio militar que a criação de uma sociedade

comercial lhes proporcionariam, significaria uma força real diante do Rei Felipe II.

A Companhia das Índias Orientais, também simbolizada pela sigla VOC3,

conservava o monopólio de navegação, administração, e claro, de comércio das Índias do

Oriente. Sua criação aconteceu sob a intervenção do estadista Johan Van Oldenbarnevelt.

Seu estatuto permitia ações individuais, sem a fixação de cotas, o que permitia tanto a

participação de valores altos, quantos baixos.

Sua direção foi designada aos dezessete maiores acionistas, e a administração estava

dividida em cinco Câmaras, situadas nas cidades de Amsterdã, Midelburgo, Enkhuizen, Delf

e Roterdã. A razão para essa distribuição tinha base “(...) no capital que haviam disposto na

formação inicial da empresa. Por ter Amsterdã a maior participação de capital, abrigou a

sede da Companhia”. (RIBAS, 2007, p. 23)

Embora a criação da Companhia das Índias Orientais tenha ocorrido no ano de 1602,

não é correto acreditar que a expansão marítima holandesa tenha sido iniciada a partir do

mesmo ano. Desde de fins do século XVI, as rotas neerlandesas já começaram a ser traçadas,

e estes navegadores freqüentavam o norte do Brasil, mesmo que em atividades limitadas ao

comércio e pirataria.

Capitais flamengos, não holandeses, haviam participado em fins do século 15, começos do 16, da instalação do sistema açucareiro da Ilha da Madeira, em concorrência, aliás, com capitais florentinos. No Brasil de Quinhentos, pode-se também detectar, e já Stols o fez, a presença desses flamengos, a começar do célebre engenho dos Erasmos, em São Vicente, e, na segunda metade da centúria, nas capitanias açucareiras do Nordeste. Nada, porém, que possa ser considerado atuação dominante. 4 (MELLO, 2000.)

3 Vereenigde Oost-Indische Compagnie

22

A chamada Trégua dos doze anos foi firmada em 1609 entre as Províncias Unidas e a

Espanha. No curso da Guerra dos Oitenta Anos, representou a concessão da autonomia às

Províncias Unidas da Holanda.

1.2 O rascunho do Brasil Holandês

Nesse período, o calvinista natural de Brabante (VAINFAS, 2009, p. 147), Willen

Usselincx demonstrou ambição de promover uma ligação mais estreita entre a Holanda e o

Novo Mundo, seguindo o exemplo da Companhia de Comércio das Índias Orientais.

Desejava fundar uma empresa semelhante, na qual os Estados Gerais deveriam manter o

monopólio de comércio com a África Ocidental e a América, objetivando a fundação de

colônias e a dominação das rotas neste lado do oceano. Este estadista defendia que “a

riqueza do império espanhol não se reduzia às minas de ouro e prata do Peru e do México”

(VAINFAS, 2009, p. 147). Acreditava então na importância de dominar do açúcar do Brasil.

Estudiosos como Charles Boxer reiteram que, além do caráter econômico, estava embutido

nos planos de colonização de Usselincx um caráter religioso, a idéia de implantar no Novo

Mundo a Igreja Reformada. (BOXER, 1961, p. 06)

Este projeto da companhia constituiu um ponto de discórdia entre grandes estadistas

holandeses, contudo, devido à política de Oldenbarnevelt, dá-se a vitória da idéia

pacificadora. O projeto da companhia é posto a margem, e a partir de 1607 o interesse pelo

plano da sua fundação foi aos poucos se extinguindo. Em 9 de Abril de 1609, firma-se então

a trégua, com duração de doze anos. No decorrer deste armistício reanimou-se o intercâmbio

comercial com Portugal e através de Portugal com o Brasil, o que Oldenbarnevelt

considerava satisfatório e uma das razões para a não criação de uma sociedade comercial no

ocidente.

O estadista não discordava de Ussilincx apenas nos aspectos políticos e econômicos.

Maria Aparecida Ribas reitera em sua tese “O Leme espiritual do Navio Marcante: a

missionação calvinista no Brasil holandês (1624-1654)”, que o aspecto religioso também

era um ponto de conflito entre os dois, pois “(...) o calvinismo não era um sistema de

crenças homogêneo ou monolítico”. (RIBAS, 2007, p. 24) Para Ussilincx, a criação de uma

23

companhia holandesa no ocidente deveria representar uma “expansão da verdadeira

religião cristã”.(VAINFAS, 2009, p. 147).

Está aí um exemplo de como o campo religioso está associado a outros interesses:

Não obstante o clero calvinista ortodoxo ter conseguido impor-se no Sínodo de Dordt (1618 -1619) e estabelecido a versão gomarista do calvino - que se apoiava no dogma da predestinação [ao contrário do arminianismo]- como a religião oficial das Províncias Unidas dos Países Baixos(...), não significou a adesão de todos os neerlandeses a tal doutrina. (RIBAS, 2007, p. 24)

Oldenbarnevelt divergia quanto ao ponto de vista religioso, já que era partidário de

Arminius - teólogo reformado holandês – e era acusado de diminuir a soberania de Deus,

pois discordava quanto ao dogma da predestinação, tendo ainda interesses em questões

regionais. Observamos aí, então, o entrelaçamento de questões políticas e religiosas,

apresentadas como um conflito. O Príncipe Maurício de Nassau fazia parte do grupo dos

contra-remonstrante, contrário a argumentação anterior, de Oldenbarnevelt, sendo ainda

favorável à centralização política.

Depois de vários anos dedicando as suas atividades para outras empresas, Ussilincx

reapareceu em público e levou para a apreciação do conde Maurício de Nassau o seu plano

de colonização das Índias Ocidentais. Aproximadamente dez anos depois, em 3 de Junho de

1621, superadas as intermináveis hesitações e, dada a decapitação de Oldenbarnevelt, em

1619, finalmente foi criada a Companhia das Índias Ocidentais, identificada através da sigla

WIC.

Para a nova sociedade foi concedido um monopólio comercial de vinte e quatro anos

para a costa ocidental da África, para as Américas do Norte e do Sul, e para o Oceano

Pacífico e leste da Nova Guiné. Também foi conferido o direito de estabelecer alianças e

tratados comerciais com os soberanos nativos de todas as regiões que tivessem de ocupar, ou

de construir fortes, de nomear governadores e funcionários os quais deveriam obedecer as

ordens da companhia. O Estado ficou obrigado a fornecer armas e tropas que fossem

necessárias para execução do empreendimento. Já o soldo e a manutenção das tropas

ficariam a cargo da companhia. Também foram criadas cinco câmaras de comércio, sendo

elas: Amsterdã, Middelburgo, Maasquartier, Norderquartier e Groninga e o chamado

Conselho dos Dezenove, os Heeren XIX, encarregado da direção geral, e composto de

membros dessas câmaras. O conselho diretor dos XIX era composto dos maiores cotistas

24

representantes das cinco câmaras proporcionalmente, e mais um diretor nomeado pelos

Estados Gerais. (RIBAS, 2007, p. 25)

Logo após sua criação, discutiu-se para onde deveria ser dirigida a primeira atuação.

Prevaleceu a idéia de uma expedição na Bahia, cujas defesas não eram empregadas com o

máximo de interesse e preocupação. O ataque foi considerado como a primeira tentativa dos

holandeses para o fim de obterem um ponto de apoio na costa brasileira.

Diante da invasão, a população baiana resistiu e, um ano após a conquista, os

neerlandeses foram expulsos. Em 1625 a Espanha enviou, como reforço, uma poderosa

armada, sob o comando de D. Fadrique de Toledo Osório, marquês de Villanueva de

Valduesa. Esta expedição derrotou e expulsou definitivamente os invasores holandeses da

Capitania da Coroa.

O enorme gasto com a fracassada invasão às terras da Bahia foi recuperado quatro

anos mais tarde. Num audacioso ato de corso, no mar do Caribe, o Almirante Pieter Hein, a

serviço da WIC., interceptou e saqueou a frota espanhola que transportava o carregamento

anual de prata extraída nas colônias americanas.

Sob posse desses recursos, os neerlandeses armaram nova expedição, desta vez mais

organizada, à região Nordeste do Brasil. O seu objetivo declarado era o de restaurar o

comércio do açúcar com os Países Baixos, proibido pelos espanhóis. Investiram, neste

sentido, sobre a Capitania de Pernambuco, em 1630, conquistando inicialmente Olinda, e

depois, Recife. O plano de ataque foi elaborado a partir de um, certo conhecimento holandês

do território e de suas condições de defesa, como escreve a autora Heloísa Gesteira, em sem

artigo “O Recife holandês: História natural e colonização neerlandesa (1624-1654)”:

(...) A decisão de atacar Pernambuco foi fácil visto que os holandeses estavam bem informados sobre as condições em que se encontrava aquela capitania. Pelas cartas do governador, Matias de Albuquerque, interceptadas durante a campanha da Bahia, ficaram eles conhecedores de que as fortificações de Olinda e Recife estavam desaparelhadas. Albuquerque dava também conhecimento que a milícia local não excedia 400 homens pouco experimentados, na sua maioria cristãos-novos, em que se não podia depositar confiança. (GESTEIRA, 2004)

Em um primeiro momento, a população não ofereceu resistência diante da falta de

preparo frente ao ataque. Qualquer forma de embate viria mais tarde, liderada por Matias de

Albuquerque, e concentrando-se no Arraial do Bom Jesus, nos arredores de Recife. A

dominação total do território, contudo, seria demorada.

25

O autor Evaldo Cabral Mello divide em três principais períodos, o momento da

invasão holandesa. O primeiro seria a invasão a Olinda em 1630, até a retirada das tropas

luso-hispânicas em 1637, caracterizando aí uma tentativa de resistência, que acabou por ter

como definição a vitória da investida neerlandesa. O segundo momento abrangeria os anos

de 1637 a 1645, o que incluiria o governo de Maurício de Nassau (1637-1644), e que se

encerra com a reação luso-brasileira, fechando o chamado “ciclo” da idade de ouro do Brasil

Holandês. A terceira e última fase, entre os anos de 1645 a 1654, abriga a guerra de

restauração, a rendição e expulsão dos neerlandeses das terras brasileiras. (MELLO, 1998,

p.15)

A demora de sete anos para a dominação do território, mesmo frente à capacidade de

defesa desprezível pode ser facilmente compreendida. Antevendo as investidas de tomada da

Região Nordeste do Brasil, os holandeses, naquele princípio de século XVII, buscaram e

dominaram todas as etapas da produção de açúcar, desde plantio da cana-de-açúcar ao refino

e distribuição. Com o controle do mercado fornecedor de escravos africanos, passou a

investir na região das Antilhas. O açúcar produzido nessa região tinha um menor custo de

produção devido, entre outros, à isenção de impostos sobre a mão-de-obra e ao menor custo

de transporte, o que levou os portugueses à queda das exportações do produto. Somado a

isso, o fato de considerar a vulnerabilidade das fronteiras das colônias, “os defensores da

iniciativa aduziam estas razões: que as costas do Brasil estavam abertas e sem proteção

contra o inimigo externo” (BARLÉUS, 2005, p.30)

Desta forma, não demorou para que os holandeses se preparassem para o ataque a

Pernambuco, não executado imediatamente, devido a confronto com espanhóis em seus

territórios na Europa. O que permitiu aos portugueses que pudessem se armar para a chegada

dos corsários holandeses na costa de Pernambuco.

Ainda que com um maior tempo para se proteger, os portugueses não obtiveram

sucesso e em dois ataques simultâneos, os holandeses, iniciaram a ocupação de Pernambuco,

invadindo e destruindo a cidade de Olinda. Na tarde de 16 de Fevereiro:

Compreendendo que a queda de Recife se mostrava inevitável, visto como a maioria de seu pessoal não obedecia ao comando, às primeiras horas do dia 17 de fevereiro ateava Matias de Albuquerque fogo em todos os navios e armazéns de açúcar existentes no porto. Variam as opiniões no que respeita ao que se destruíra desta maneira, mas segundo o próprio Albuquerque, lograra ele com isso privar os holandeses de uma presa equivalente a 1 600 000 cruzados. Os fortes de Recife (...) conseguiram resistir durante uma quinzena, mas a 3 de março toda resistência cessou, celebrando os holandeses com uma ação de graças a captura de Olinda, Recife e da vizinha ilha de Antônio Vaz. (BOXER, 1961, p. 55-56)

26

Apesar da conquista rápida sobre os portugueses, os holandeses tiveram dificuldades

em administrar essa importante vitória, e não conseguiam ultrapassar os limites destas duas

cidades e avançar para o interior. Embora Portugal - em união com a Espanha - que refletia

suas dificuldades financeiras da época em seu exército na colônia, não demonstrasse

capacidade de impedir a invasão, a Holanda, não investia em seu seus homens, obrigando-os

a não avançar, já que eram precárias condições de continuar a batalha. Mesmo com toda essa

dificuldade, os holandeses não estavam nada satisfeitos com as posições conquistadas no

Brasil. “Ficaram os diretores muito contrariados ao saber que, em vez de terem conquistado

toda a capitania de Pernambuco, estavam os holandeses encurralados em Olinda e Recife”.

(BOXER, 1961, p.64)

Foi com a ajuda de um mulato português, Domingos de Calabar, que ocorreram

alguns avanços holandeses. Em pouco tempo, incursões a Paraíba e ao Rio Grande do Norte,

fizeram com que os portugueses se afastassem cada vez mais de Pernambuco, ampliando

seus domínios. Tudo isso preocupava e muito os portugueses, que assistiam a investida e

conquista da toda a faixa costeira, desde o Rio Grande do Norte até o cabo de Santo

Agostinho por parte holandesa. Isto inviabilizava a chegada dos soldados lusos pelo mar.

Em algumas obras, observamos a narrativa de concessões por parte dos holandeses,

para que os colonos reconhecessem o novo governo. Fala-se não apenas de liberdade de

consciência, mas também de liberdade de culto. No entanto, é preciso analisar cada questão

com cuidado, já que com a invasão holandesa, a religião Católica Romana, então dominante,

teve o seu culto público proibido, e alguns dos seus templos passam a servir ao ministério

dos predicantes da Igreja Cristã Reformada, (SANTIAGO, 1640, p.164) o que será discutido

mais adiante.

1.3 A presença de Nassau

Em meio a esse cenário de guerra, os holandeses, já cientes de que o território estava

sob seu domínio, resolveram nomear para o local um governador, comandante geral. O

conselho dos Heeren XIX, escolheu Johan Mauritis, conde de Nassau-Siegen, para ocupar o

cargo.

27

João Maurício de Nassau-Siegen, foi nomeado “Governador, Capitão e Almirante-

genenal das terras conquistadas ou por conquistar pela Companhia das Índias Ocidentais

no Brasil, assim como de todas as forças de terra e mar que a Companhia aí tiver”

(HOLLANDA, 2003, p.264), trouxe em sua comitiva de pintores, como Frans Post e Albert

Eckhout, escultores, astrônomos, arquitetos e outros cientistas. Sua administração tornou-se

conhecida pelos trabalhos dos profissionais que o acompanharam, exploraram e retrataram a

nova terra, suas belezas naturais e seus habitantes. Aceitou o convite da WIC para

administrar os domínios por ela conquistados na região Nordeste do Brasil recebendo e

salário mensal de 1.500 florins. (HOLLANDA, 2003, p.264)

No início de fevereiro do mesmo ano em que iniciou seu governo, atacou Porto

Calvo, em Alagoas, o local que era o último foco de resistência contra a ocupação holandesa

conseguindo vencer as tropas luso-brasileiras. Fez com que estes recuassem até a margem

direita do rio São Francisco para a região onde hoje se situa o estado de Alagoas. Durante a

sua administração no Brasil, ampliou o domínio, fazendo com que o Brasil Holandês,

obtivesse a sua maior expansão, compreendendo as capitanias do Maranhão, Ceará, Rio

Grande do Norte, Paraíba, Itamaracá, Pernambuco, Alagoas e Sergipe.

Após a vitória contra os portugueses, e a ampliação do território do Brasil Holandês,

João Maurício de Nassau, viu a necessidade de criar um centro administrativo para gerir o

comando das novas terras holandesas. Decidiu pela a ilha de Antônio Vaz. Situada entre os

rios Capibaribe e Beberibe, ficava em uma posição estratégica, e foi o primeiro marco na

administração de Nassau, no âmbito da fixação de Recife como principal centro

administrativo de Pernambuco. Assim, tornou-se conhecida a ilha de Antônio Vaz como a

cidade Maurícia (Mauritsstad) – hoje o bairro de Santo Antônio, construída para ser o centro

do poder no Brasil. Promoveu melhorias urbanas, calçou ruas com pedras, proibiu o tráfego

de carros de boi para não destruir as vias, criou um corpo de bombeiros voluntário,

implantou o imposto territorial urbano, construiu casas e pontes, dois palácios suntuosos, um

aviário, um jardim zoológico e um jardim botânico.

Repartida em ruas, praças e canais, como as cidades, com belos edifícios, dotada de armazéns de mercadorias, já tem habitantes. Foi-lhe dado o nome de Mauriciópole pela pública autoridade do Supremo Conselho, dos escultetos e dos escabinos. (BARLÉU, p.180)

Na cidade Maurícia, foram erguidos dois palácios que serviram para sua residência, o

palácio de Boa Vista e o Palácio de Friburgo ou Vrijburg:

28

Foi construído o Palácio Vrijburg, aonde Nassau fixou residência. A construção era rodeada por um jardim, ocupado por plantas e animais, o Jardim do Conde. O palácio era também o local de onde Nassau governava; ali ele despachava, recebia seus colaboradores e amigos, como o frei Manuel Calado (GESTEIRA, 2004, p.09)

Com a chegada de novos colonos, como respeitáveis homens de negócios,

empresários e comerciantes, era de se esperar também que viessem pessoas que agiam de má

fé. Isso fez com a segurança fosse uma preocupação de Nassau, buscando a manutenção da

disciplina e ordem na colônia.

Como protestante, João Maurício de Nassau, se esforçou para implantar o

Calvinismo no Brasil Holandês, mas para seu desapontamento, o número de convertidos não

era muito grande. O Conde nomeou ministros reformados para as regiões ocupadas e indicou

o tratamento a ser usado com índios, católicos e judeus. Para o historiador Charles Boxer,

“Pode-se afirmar que durante os anos de governo de João Maurício a liberdade religiosa

de que gozava o Brasil neerlandês era maior do que a existente em qualquer parte do

mundo ocidental”. (BOXER, 1961, p.174)

No campo econômico, várias medidas foram tomadas para que a produção do açúcar

voltasse a ser tão imponente quanto antes da guerra de ocupação, período no qual ela

diminuíra drasticamente. Nassau confiscou e vendeu em leilão as plantações de cana e os

engenhos abandonados. Seus proprietários, teriam fugido com o avanço holandês por receio

do que poderia lhes acontecer ou por lealdade a Coroa Portuguesa. Preocupado com a

utilização das terras apenas para a plantação de cana, Nassau incentivou o cultivo de outros

gêneros alimentícios em áreas determinadas e a criação de gado.

Em relação aos católicos, matinha uma postura de tolerância, assim como com os

portugueses. Frei Manuel Calado afirma que o governador lhe disse “(...) em secreto que

também lhe daria licença para dizer missa às portas fechadas” (HOLLANDA, 2003.P.266)

. Já em relação aos portugueses, escreveu em seu chamado “Testamento Político”, que “(...)

os portugueses serão submissos se forem tratados com benevolência, [sic] por experiência

que o português é uma gente que faz mais caso da cortesia e do bom tratamento do que de

bens”. (HOLLANDA, 2003.P.267) Nassau foi um administrador hábil e atuante em

diversas esferas da sociedade A admiração tanto dos holandeses quanto dos portugueses a

João Maurício de Nassau era visível, tanto que ele recebera títulos de honrarias portuguesas

mesmo sendo um holandês protestante:

29

O Senado da Câmara de Pernambuco, por ser o primeiro dentre todas as câmaras das províncias, na dignidade, população, poder e comércio, conferiu solenemente a Nassau o título de Patrono, pela singular proteção por ele dispensada ao Brasil e à gente portuguesa, pelo apreço que mostrava àquela corporação e aos cidadãos, pela sua honrosa atuação na paz e na guerra e pelo fulgidíssimo nome da casa de Nassau. Significavam com tal título que reconheciam o governador por Pai, Defensor e Salvador da Pátria, por cujo patrocínio eram garantidos, tanto no Brasil como na Holanda, os interesses e bens deles (BARLÉU, p.190)

Após todos estes anos de serviços prestados ao Conselho dos Heeren XIX, como

governador e administrador geral do Brasil Holandês, o contrato de Nassau chegaria ao fim,

e este deveria retornar a Holanda. Porém, Nassau mandou a Europa seu secretário particular,

Tollner para que este prestasse esclarecimentos sobre a administração nassoviana.

O Conselho dos XIX prorrogou a permanência do Conde no governo do Brasil

Holandês, até que uma mudança no cenário internacional nos fins de 1640 iria dar novo

formato ao destino do Brasil-Holandês e de João Maurício de Nassau. Portugal, até então em

união com a Espanha se separam, e o Brasil-Português e as colônias portuguesas da África

imediatamente aclamariam o Rei D. João IV.

Sem o conhecimento da trégua firmada entre Holanda e Portugal em 1640, Maurício

de Nassau continuou a sua expansão pelo nordeste do Brasil, e em operações rápidas ocupou

as capitanias de Sergipe, entre Pernambuco e a Bahia - com quem a trégua era negociada - e

também avançou rumo ao norte, onde o governador da capitania do Ceará, ciente da trégua

foi pego de surpresa. Avançando ainda mais ao norte, o Maranhão passava para o controle

do Brasil Holandês.

Afora estes dois territórios conquistados, Nassau equipou uma expedição com

destino à África, que chegou a Luanda em agosto de 1641, capturando esse centro do tráfico

de escravos dos portugueses. Em outubro do mesmo ano, foi conquistada a ilha de São

Tomé, na costa da África. Todas essas atitudes tomadas por Nassau, fizeram apenas

enfurecer os portugueses que começavam a traçar um plano para a destruição e a expulsão

dos holandeses de Pernambuco.

A reconquista da independência de Portugal em relação à Espanha, associada à

manutenção da postura de conquista de Nassau sobre os territórios citados fez, portanto, com

que a partir de 1640, os lusos-brasileiros retomassem a ideia de extinguir a presença

holandesa do território de sua colônia.

Em junho de 1641 o embaixador Tristão de Mendonça Furtado assinou com o

governo neerlandês um tratado de trégua por 10 anos, com oposição das duas Companhias

comerciais. Em Lisboa, indignada com a perda de Angola, Sergipe e Maranhão, exigia-se o

30

recurso às armas para vingar a traição do novo aliado. Altos funcionários começariam a

organizar um levante luso-brasileiro no Brasil holandês que, entretanto, só se concretizaria

em junho de 1645, quando Nassau já havia deixado o Brasil.

Este retorna à Holanda em 1644. Chamado de volta aos Países Baixos pela WIC, os

conselheiros do Brasil insistem na permanência dele. Em maio de 1644 João Maurício de

Nassau, embarcou para a Holanda:

Sua partida não passou despercebida, nem foi pouco lamentada, causando impressão as aclamações por ele recebidas quando partiu a cavalo de Recife para a Paraíba, a fim de tomar o navio. Acompanhado por uma centena de cavaleiros, encontrou a estrada atulhada de gente de todas as raças, classes e condições, que tinha ido testemunhar-lhe o pesar causado pela sua partida. Os ricos e poderosos procuravam aperta-lhe a mão, os pobres e humildes tocar na aba de seu paletó. (BOXER, 1961, p. 219-220)

Deixou a seus sucessores um documento, dando conselhos sobre a administração do

Brasil, documento este que foi considerado seu testamento político. Após sua saída, o

Nordeste foi palco de sangrentas batalhas entre os luso-brasileiros e os batavos, que lutavam

pela ocupação da terra, até a definitiva saída dos holandeses, em 1654. Os portugueses que

eram leais a coroa viram a chance de que Pernambuco retornasse ao poder luso e rebeliões

não tardaram a acontecer. Todo o esplendor que Recife vivera no período em que Maurício

de Nassau a governou não seria mais percebido e a cidade sofreria mudanças.

Após o retorno da capitania de Pernambuco ao Brasil colonial português, muitas das

construções e obras feitas no governo de Nassau, foram demolidas e destruídas e deram

lugar a novas construções. Durante o governo de Maurício de Nassau, o Recife

experimentou seu apogeu enquanto cidade colonial, ascendendo como importante centro

urbano, comercial e cultural. A administração nassoviana absorveu características ímpares, e

seus habitantes, reconheceram a importância que teve Nassau na história do Recife, como

administrador da capital do Brasil Holandês.

31

1.4 A presença protestante

Antes da invasão, a religião católica era a oficial e única permitida nos domínios da

Coroa, dominada pelo rei espanhol Felipe II, já que estava em vigor o período da União

Ibérica. No entanto, no mesmo século XVII, com a presença holandesa no Brasil, a Igreja

Reformada se intitucionalizou nas capitanias do nordeste.

A estrutura do catolicismo há muito estava consolidada em territórios colonias, por

meio de suas ordens religiosas e práticas de catequeses, inclusive de indígenas. Para impedir

a difusão de outras religiões, a Igreja Romana contava com alguns mecanismos como a

Inquisição, que reprimia um possível avanço de outras religiões ou seitas e, ainda punia

condutas consideradas impróprias. No entanto, após a invasão de Pernambuco, a progressão

do calvinismo foi tamanha, que, em pouco tempo, a religião Reformada tornou-se a oficial

do Brasil Holandês.

Assim como nas Províncias Unidas dos Países Baixos5, havia uma certa tolerência

religiosa em relação a católicos e judeus na colônia, já que a existência de um clero e a

celebração de missas, eram permitidam desde que em capelas privadas, pois era de extrema

dificuldade, impor uma nova religião ao território recém conquistado.

A política de conciliação que adotou e sua peça fundamental, a tolerância da religião católica, eram certamente um imperativo da dependência em que se achava a produção de açúcar em relação aos senhores de engenho, lavradores de cana e artesãos da nação portuguesa. Mas não se deve afirmar grosseiramente que a atitude de Nassau e das autoridades batavas decorresse apenas das exigências do sistema produtivo. A liberdade de consciência era doutrina oficial da República dos Países Baixos e assim foram proclamada na sua carta fundamental, a União de Utrecht (...) Sua atitude para com a comunidade judaica, porém, foi menos benevolente. 6 (MELLO, 2006, p.37)

Graças, sobretudo, à tolerância religiosa garantida nos domínios dos Países Baixos

pelo Regimento do governo das praças conquistadas ou que foram conquistadas, concedido

pelos Estados à Companhia das Índias Ocidentais, datado da Haia, 13 de outubro de 1629,

permitia-se aos que residiam nas terras aonde se viesse a estabelecer a soberania holandesa,

quer fossem espanhóis, portugueses e nativos, católicos ou judeus, "(...) que não sejam

5 Onde a partir da União de Ultrecht foi estabelecido o laço confederativo entre as sete províncias protestantes do norte, formando as Províncias Unidas dos Países Baixos.

32

molestados ou sujeitos a indagações em suas consciências ou em suas casas particulares"7.

(REGIMENTO, 1886, p.292)

Essa tolerância religiosa, não deve ser confundida com liberdade total. Existe clara

diferença entre a liberdade de opinião e a liberdade de culto. As missas e rituais católicos

eram permitidos em capelas privadas, já que seus templos foram invadidos e transformados

em Igrejas Protestantes, com a retirada de imagens e símbolos. Toda essa postura tem a ver

até mesmo com a formação política do país, como afirma Ronaldo Vainfas:

Formada em meio à luta pela liberdade de consciência, a República dos Países Baixos jamais proibiu a existência de outras confissões religiosas em seu território. A maior ou menor tolerância religiosa variou conforme a legislação das províncias e das municipalidades, cuja autonomia institucional era grande. Mas se comparada à política adotada nos reinos ibéricos, a tolerância religiosa do neerlandês foi enorme. (VAINFAS, 2010, p.25)

Todavia, é preciso salientar que havia gradações na política de tolerância religiosa.

Algumas províncias eram mais condescendentes que outras: “Utrecht era a mais tolerante;

a Zelândia a mais inflexível. A Holanda ocupava situação intermediária nesse quadro, mas

Amsterdã era, sem dúvida, a cidade que mais abrigava católicos, em números absolutos,

dentre as cidades da república”. (VAINFAS, 2010, p.25)

Um grande responsável pelas pesquisas relativas ao Brasil Holandês foi o escritor e

pesquisador José Hygino que abordou a ocupação holandesa no Brasil, traduzindo o acervo

de documentos sobre Nassau e a ocupação holandesa no Nordeste do Brasil nos Arquivos

dos Estados Gerais e no Arquivo da Companhia das Índias Ocidentais.

Em 1885, interessado nos estudos sobre o domínio holandês no Brasil, o Instituto

Arqueológico e Geográfico Pernambucano apoiou a pesquisa de Hygino em arquivos dos

Países Baixos. O relatório do estudioso foi publicado na edição de dois de setembro de 1886

do Diário de Pernambuco.

Em carta traduzida por ele, de 28 a 30 de Janeiro de 1637, ainda a respeito dos

holandeses diante de outras religiões, descreve:

Com relação à religião deles, nós os deixaremos livres e em paz, para que possam viver de acordo com a opinião deles (...). Com relação a suas imagens nós não sabemos se encontram em alguma parte, mas caso eles saibam deverão nos informar. (NÓTULAS diárias, 04 maio 1637)

33

Toda estrutura religiosa era discutida e aprovada pelos representantes da Igreja

Reformada. No período posterior aos primeiros anos da invasão, entre os anos de 1636-1637

essa tolerância se estendeu a todos os habitantes da capitania. Ainda de acordo com o

Regimento citado acima, ficava estabelecido que:

Em primeiro lugar vos deixaremos livres o exercício de consciência do mesmo modo como tendes usado antes, freqüentando as igrejas, e praticado os sacrifícios divinos, conforme os seus ritos e preceito; não roubaremos as vossas igrejas nem deixaremos roubar, nem ofenderemos as imagens nem os padres nos atos religiosos ou fora deles. (REGIMENTO, 1886, p.292)

Entretanto, na prática, essa liberdade de culto permitida a outras religiões, não

resultou em um convívio pacífico, já que tradições, costumes e crenças de naturezas distintas

não eram respeitados. Como grandes templos católicos foram transformados em Igrejas

Protestantes, como anteriormente dito, as celebrações católicas limitavam-se a templos

privados. A situação era um pouco diferente na zona rural, que por estar distante fisicamente

do governo, sofria menos perseguições.

Outra derrota sofrida pelos católicos, com a invasão, foi a proibição de renovação do

seu clero, cujo número foi reduzido ao longo do tempo, seja por morte ou prisão de seus

membros. Foi o caso dos jesuítas, expulsos em 1635 pelos Dezenove Senhores, os Heeren

XIX, além da perseguição de religiosos de outras ordens, como beneditinos, carmelitas e

franciscanos.

Nos séculos XVI e XVII, dificilmente poderíamos separar motivações políticas e

religiosas, mesmo porque essas duas esferas se misturam o tempo todo. A colonização foi

feita e, como toda colonização efetiva, ela permeou todas as esferas da vida do dominado,

inclusive a espiritual. Garantir a aos católicos seu culto, era imprescindível para manter a

população sob controle. A tão citada liberdade de culto, também estava ligada aos demais

interesses na colônia, não ocorria apenas por respeito a alteridade ou crença.

Para entender melhor o papel das Companhias de Comércio nesse contexto, podemos

enumerar interesses objetivando o enriquecimento de seus sócios, a tentativa de debilitar o

domínio espanhol, visando a supremacia neerlandesa e a intensa busca pelo lucro.

Lembrando, entretanto, que todos esses fatores estão relacionados ao componente religioso,

que como já citado na pesquisa estava associado a outras estruturas.

Para Henry Méchoulan, a criação dessas Companhias reunia “(...) a ambição, a

evangelização e o lucro”. (MÉCHOULAN, 1992, p.110) É importante aí, ressaltar a questão

34

do poder espiritual e material. No entanto, embora relacionados às estruturas políticas,

econômicas, a religião apresentaria características próprias e determinadas variações.

A cristianização estava embutida no conjunto dos movimentos da época. E para

Usselincx, “(...) a implantação da religião verdadeira para levar muitos milhares de

pessoas à luz da verdade eterna” (SCHALKWIJK, 1986, p.51), para isso é importante levar

“(...) a verdadeira religião de Cristo” (BOXER, 1961, p.6) para outros territórios. A

missionação era o ponto alto do projeto, contudo, existiam outros aspectos relevantes.

Nas palavras ex-frade agostiniano, convertido ao calvinismo, Vicente Joaquim Soler,

considerado pai da missão reformada no Brasil, em carta enviada para os diretores da

Câmara Zelandesa da WIC, em Middelburg, a discordância entre os próprios protestantes era

grande:

A desordem e a confusão daqui são inimagináveis. Cada um só pensa em si, e pouco ou nada no bem da Companhia. Não há nenhum vestígio de temor a Deus, nenhuma justiça, e os vícios pululam A gente de bem, cujo número é muito reduzido, é ridicularizada e desprezada, testemunha o Senhor Soorskerk ainda que conselheiro político, seus confrades fazem tanto caso dele como de mim, quer dizer como de nada; porque a maior parte dos negócios são concluídos sem comunicar-lhe detalhe. (SOLER, 1999, p.11)

O religioso em seguida ainda acusa, afirmando que:

Os que deveriam reprimir os vícios são os mais viciados (...). Desde a minha chegada tenho podido obter que se dessem ordem para 500 pessoas, tanto negros quanto índios, venham à predicação espanhola (...). Numa palavra, como já disse a confusão era universal (...). (SOLER, 1999, p.11)

Soler foi considerado um grande incentivador e executor de projetos com vistas a

missionação dos indígenas. Este ex-frade, pertenceu a Ordem Agostiniana dos frades

recoletos descalços de Espanha, mesma ordem de Martinho Lutero, e após sua conversão

teve maior empenho em trabalhar para a propagação da nova fé. Este missionário não

evangelizou apenas indígenas. Por conhecer outras línguas atuou predicando brasilianos,

35

negros, católicos e principalmente aqueles que falavam o idioma francês8.(RIBAS, 2007,

p.67)

Mas é claro que entre os neerlandeses não existia uma coesão, seus interesses

político-administrativos muitas vezes não estavam de acordo com as doutrinas religiosas. E

durante os anos de intensa convivência entre os praticantes de diferentes religiões,

observam-se confrontos que resultaram em fiéis feridos, imagens quebradas e pessoas

condenadas a morte, tais enfrentamentos são bem indicados nas palavras de José Antônio

Gonsalves de Mello, que afirma que foi no campo religioso que “(...) azedaram

terrivelmente as relações entre brasileiros e holandeses”. (MELLO, 2001, p.205)

O protestantismo, grupo que surge na França por João Calvino apoia-se em três

pilares principais: a supremacia da palavra de Deus, exposta na Bíblia; a exaltação da fé; e a

predestinação.

A predestinação ensina que Deus escolhe previamente aqueles que serão "salvos" -

ou seja, os "eleitos". A busca da realização material também é valorizada por essa doutrina,

que enaltece a importância do trabalho do homem, no sentido de "aperfeiçoar" a criação

divina. Além disso, a prosperidade material pode ser entendida como um sinal de salvação,

isto é, de predestinação positiva. Nesse ponto, o calvinismo apresentou uma abordagem

muito mais confortável para a burguesia que florescia na Europa daquele período, em

contraposição à ideia da pobreza vista como virtude, defendida por algumas correntes do

catolicismo.

O protestantismo será de extrema importância no processo de estabelecimento dos

holandeses no Brasil e ainda vai se beneficiar de um modelo preexistente – católico - como

será visto no próximo capítulo. O que facilitou o contato com os indígenas, a maneira com

que este foi realizado, bem como a estrutura montada para a reevangelização. Embora cada

relação deva ser entendida como única e distinta, um primeiro contato com uma cultura

diferente, contribuiu para revelar um pouco do povo que aqui se encontrava, e qual o melhor

meio se aproximar e conquistar o apoio indígena.

36

2 A IGREJA CRISTÃ REFORMADA E A (RE) EVANGELIZAÇÃO DOS NATIVOS

2.1 Católicos e Protestantes

Católicos e protestantes são agentes religiosos presentes no Brasil desde a segunda

metade do século XVI. O interesse na conversão do gentio pode ser apontado como

primordial no alcance e dominação do território americano. Apesar deste seu interesse

salvacionista, ou expansionista, a Companhia de Jesus a partir de 1549, contribuiu também

para a instrução pública no país e

indiretamente ampliou e trouxe as primeiras leituras para o Brasil. Mesmo leituras obrigatórias e para servir de cópias aos modelos clássicos ou eclesiásticos, aos poucos vieram alicerçar a formação social e literária da Colônia. (ARAÚJO, 1999, p. 23,32).

Em cartas, os missionários jesuítas solicitavam livros e bibliotecas aos líderes da

Companhia de Jesus, apesar de não terem registrado os títulos. Deveriam se tratar de

publicações de devoção e outras destinadas à evangelização dos nativos. Neste contexto,

para doutrinar os colonos portugueses e indígenas, em especial as crianças, José de Anchieta

produziu um catecismo bilíngue, em uma língua geral de origem tupi, e em português,

provavelmente no ano de 1560. A respeito da língua dos indígenas, é importante saber que:

Havia no Brasil, nesta mesma época, várias línguas indígenas relacionadas à base cultural de cada tribo. Entre estas tribos, havia línguas que possuíam entre si certas afinidades morfológicas, sintáticas e semânticas e, por causa deste fenômeno, foi possível estabelecer um conjunto de relações ou intercâmbio linguístico através da adoção de uma língua comum. Deste contato entre língua indígena e diversas variedades linguísticas regionais e sociais portuguesas foi criada uma língua “franca” para que os colonizadores pudessem estabelecer um contato efetivo com os índios que também não entendiam o português. Cada indígena falava sua língua original com os membros do grupo e, quando em contato com os portugueses ou outras tribos, utilizavam- se desta língua franca (PIRES, 2009).

Coube aos representantes eclesiásticos da Companhia de Jesus, por delegação da

Coroa Portuguesa, a educação dos habitantes do território em processo de conquista pelo

exercício da Catequese. Assim a catequese era um instrumento de aproximação e imposição

37

de outra cultura. Para tal, era importante um conhecimento prévio do meio indígena, bem

como suas crenças e costumes para inserir outras tradições.

Já as primeiras incursões dos seguidores de Lutero em terras brasileiras, datam de

meados do século XVI, concomitante à presença dos jesuítas. A inquisição, um fenômeno

que conseguiu impor-se por seu aspecto divino e, combinava estratégias políticas e

religiosas que visavam o poder, teria grande importância naquele cenário. O Santo Ofício

veio ao Brasil com o objetivo, para além da perseguição judaizante, de refrear as incursões e

a “má” influência de piratas e corsários franceses, holandeses e ingleses que infestavam a

costa brasileira com suas ideias luteranas “heréticas”; fortalecer o mercado europeu com

produtos nativos; como também, controlar a entrada de imigrantes nas Capitanias da Bahia e

de Pernambuco, área onde estava concentrado o maior número de luteranos e cristãos-novos.

(NASCIMENTO, 2006).

Em meio a fatores socioeconômicos característicos do processo de colonização, uma

necessidade se impunha: a expansão da fé católica, com o objetivo de garantir não só o

espaço da Igreja e conter o Protestantismo, como também de promover uma unidade

religiosa que fortaleceria Portugal.

Muitas são as diferenças entre as duas práticas religiosas em questão, e antes de

abordar a maneira com que estas atuaram no Brasil colonial, é necessário conhecer um

pouco suas crenças.

Uma das primeiras e importantes diferenças entre o Catolicismo e o Protestantismo é

a questão da suficiência e autoridade das Escrituras. Os protestantes acreditam que somente

a Bíblia é a única fonte da revelação de Deus à humanidade, e como tal ela ensina a tudo o

que é necessário para a salvação do pecado. Os protestantes entendem a Bíblia como o

padrão pelo qual todo o comportamento cristão deverá ser medido, norma para fé e

comportamento (SCHALKWIJK, p.39). Comumente se refere a esta crença como Sola

Scriptura e é uma das “Cinco Solas” (sola é a palavra latina para “única”) que veio da

Reforma Protestante como resumo de algumas diferenças importantes entre os católicos e

protestantes. As cinco solas são, Sola Fide (somente fé), Sola Scriptura (somente a

escritura), Sola Christus (somente Cristo), Sola Gratia (somente graça) e Soli Deo Gloria

(Glória somente a Deus).

Os católicos, por outro lado, rejeitam a doutrina da Sola Scriptura e acreditam que

tanto a Bíblia quanto a sagrada tradição católica romana combinadas se equiparam no

Cristianismo. A visão que se tem das Escrituras está na raiz de muitas das diferenças entre

católicos e protestantes.

38

Outra diferença entre o Catolicismo e Protestantismo diz respeito à salvação. A

chamada Sola Fide (somente pela fé), afirma a doutrina bíblica da justificação somente pela

graça, através da fé. Entretanto, para o Catolicismo Romano, o homem não pode ser salvo

somente pela fé. Os Sete Sacramentos são essenciais à doutrina Romana Católica de

salvação, os quais são: Batismo, Crisma, Eucaristia, Penitência, Extrema-unção, Ordem e

Matrimônio. (ENCICLOPÉDIA Católica – Sacramentos)

Católicos e protestantes também discordam no que significa ser justificado perante

Deus. Para os católicos, a justificação envolve que se seja feito justo e santo. Eles creem que

a fé em Cristo é apenas o início da salvação, e que a pessoa deve fazer que isto cresça com

boas obras, pois “o homem deve fazer por merecer a graça de Deus da justificação e eterna

salvação”. Apesar o reconhecimento protestante de que as obras são importantes, estes

creem que aquelas são o resultado ou fruto da salvação, mas nunca o meio para ela.

E finalmente, a última diferença a ser apresentada aqui entre católicos e protestantes

diz respeito ao pós-morte. Enquanto ambos acreditam que os incrédulos passarão a

eternidade no inferno, há diferenças significantes e importantes no que diz respeito ao que

acontece aos crentes. Devido à tradições da Igreja e a apropriação de livros não-canônicos,

os católicos desenvolveram a doutrina do purgatório. O purgatório, de acordo com a

Enciclopédia Católica, é um “lugar ou condição de punição temporal para aqueles que,

deixando esta vida na graça de Deus, não estão totalmente livres de faltas menores, ainda

não pagaram totalmente a reparação devida por suas transgressões”. A doutrina católica

do purgatório, portanto, apresenta um homem que pode ou mesmo deve pagar ou compensar

seus próprios pecados. (ENCICLOPÉDIA Católica – Purgatório)

2.2 O protestantismo no Brasil holandês

Em discussão mais restrita ao assunto aqui abordado, os holandeses no Brasil criaram

sua própria igreja estatal aos moldes da Igreja Reformada da Holanda. Durante os 24 anos de

dominação, foram organizadas 22 igrejas e congregações, dois presbitérios e um sínodo. As

igrejas foram servidas por mais de 50 pastores (predicantes), além de pregadores auxiliares

(proponentes) e outros oficiais. Havia também muitos professores de escolas paroquiais.

Esse nome, predicante, dava-se por referência ao seu trabalho de pregar. (SCHALKWIJK,

p.147) “Embora todos fossem pregadores, o campo de trabalhos os distinguiu uns dos

outros. O pastor Andrae menciona cinco categorias: pastores de cidade e do campo, no

exército e na frota e ainda entre os índios”. (SCHALKWIJK, p.148)

39

As igrejas destacaram-se pela sua atuação beneficente e sua ação missionária junto

aos índios. Havia planos de preparação de um catecismo, tradução da Bíblia e ordenação de

pastores indígenas.

Após citar as principais diferenças, para melhor entender a questão da evangelização,

é importante conhecer os principais atores e disseminadores da fé reformada na colônia,

desde a chegada até suas movimentações e permanências na colônia.

A presença do protestantismo no Brasil se institucionalizou, pela primeira vez, no

século XVII, quando da dominação holandesa em parte do nordeste brasileiro, entre o Ceará

e o Rio São Francisco. Com efeito, tal dominação estava relacionada às disputas pelo

território português na América. Mas, para os homens e mulheres dos séculos XVI e XVII,

estas questões geopolíticas e econômicas não poderiam ser desassociadas do aspecto

religioso. Portanto, há que se considerar, para além das questões econômicas e políticas da

disputa de poder, o projeto missionário, bem como as diversas reações e conflitos que

aconteceram no desenrolar dessa fase.

Foi no Sínodo Nacional de Dordt, em 1618 e 1619, que a missionação foi abordada e

tratada como política dos Estados Gerais:

Para que as pessoas possam ser trazidas à fé, Deus misericordiamente envia proclamadores dessa jubilosa mensagem às pessoas que ele quer no momento que ele quer. E por meio deste ministério as pessoas são chamadas ao arrependimento e à fé no Cristo crucificado. Por que crerão naquele de quem não ouviram? (ARTIGO 3. Cânones de Dordretcht 1618-1619)

Ainda nesse documento, é apontada claramente a intenção de “(...) ser anunciada e

declarada sem diferenciação ou discriminação a todas as nações e povos, a quem Deus em

seu bom propósito enviar seu evangelho”. (ARTIGO 5. Cânones de Dordretcht 1618-1619)

indo ao encontro do fim de estender essa missionação a outros territórios.

Em relação aos indígenas, faz-se necessário entender a maneira como foi constituído

o processo pelo qual o evento histórico de evangelização foi levado a efeito pela Igreja

Cristã Reformada, como chegou e foi assimilado pelas culturas nativas a partir de suas

próprias visões de mundo.

É preciso ter em mente, que a região de dominação era composta de índios já

catequizados pela Igreja Católica e que estes sofrem, num segundo momento, uma (re)

catequização da Igreja Cristã Reformada. Há dessa forma, que se problematizarem as

40

especificidades históricas e as singularidades culturais desse complexo processo. A intenção

de missionar alcançaria um povo conhecedor da realidade de outra religião, atribuindo a essa

conversão um conjunto de ações e reações distintas. Procuraram assim, conhecer nativos,

suas ideias sobre divindade, com o objetivo final de iniciar sua evangelização, pois era

desconhecida para os neerlandeses a noção indígena de Deus e o entendimento que os

brasilianos tinham de religião. (SCHALKWIJK, 1986.) Para esta dissertação, foi preciso

problematizar as especificidades históricas e as singularidades culturais desse complexo

processo de reconversão do convertido, no caso, que há muito esteve em contato com a

evangelização católica.

Os holandeses desconheciam o quanto os potiguares eram dotados de espírito de

guerreiro e presumiram que tinha sido fácil para os portugueses conquistar índios “mal

armados ou inteiramente desarmados” (HEMMING, 2007, p.421). A falta de conhecimento

inicial e as diferenças entre indígenas e europeus, prejudicaram a relação entre esses dois

grupos com a convivência.

O encontro da palavra Reformada com os brasilianos, certamente, constitui tema

fascinante, mas que no momento, suscitará mais perguntas do que respostas. A falta de

trabalhos que problematizem a presença da fé reformada em terras brasílicas e a limitação

documental torna difícil tal proposta. O objetivo deste estudo é analisar, um panorama da

catequese Reformada junto aos índios no Brasil holandês, com o propósito de avaliar sua

importância no âmbito dos encontros culturais que se deram na América portuguesa.

Conforme informação da administração do Brasil Holandês,os índios eram católicos por imposição, sabendo tão somente a oração dominical, e o símbolo dos apóstolos. Van Der Dussen em relatório à Companhia diz deles que, sabiam apenas o nome de Deus, Jesus Cristo e Nossa Senhora e que de forma geral não sabiam explicar as razões da fé e o fundamento da salvação. (RIBAS, 2007, p. 106)

Portanto, capacitá-los a dar razão da fé e conforme recomendação dos XIX Senhores,

extirpar a heresia papista, esta seria a tarefa dos missionários reformados no Brasil holandês.

Com efeito, o Conde Maurício de Nassau ordenou aos “pregoeiros da palavra divina zelo

sério e flagrante das almas e que atraíssem os bárbaros com o exemplo de uma doutrina e

vida mais austera; que os impregnassem com o suco salutaríssimo da fé cristã (...)”.

(BARLÉU, p.191)

O reverendo David van Doorenslaer foi o primeiro missionário a ser enviado para

uma aldeia na Paraíba. Como parte do projeto de evangelização os pastores reformados

decidiram por elaborar um Catecismo para a instrução dos indígenas nos preceitos da

41

Religião Cristã Reformada. O catecismo foi publicado na cidade de Enkhuizen, Holanda, em

1641, porém nunca foi encontrado um único exemplar. Ele já foi procurado nos arquivos

sinodais na Holanda, num dos arquivos reais da Holanda, no catálogo central da Biblioteca

Real de Haia, nos arquivos de Siegen e Kleve entre outros. (RIBAS, 2007, p. 218.)

Convidado, o pastor David Dooreslaer mudou-se da capital da Paraíba para a aldeia

de Maurícia. Doreslaer e o pastor inglês Johannes Eduardus ampliaram o trabalho

missionário e deram início a um trabalho educativo. O primeiro professor protestante entre

os índios foi o espanhol Dionísio Biscareto, casado com uma holandesa. Biscareto foi

nomeado professor em Itapecerica, a maior aldeia da região de Goiana. Para as aldeias

paraibanas, foi indicado o professor inglês Thomas Kemp. Em 1640, começou o trabalho de

brasilianização, termo utilizado pelo estudioso Schalkwijk, para o ensino nas aldeias,

movimento idealizado pelo pastor Soler, da Igreja Francesa no Recife. Ele conheceu um

brasiliano razoavelmente experimentado nos princípios da religião, e no ler e escrever, capaz

de instruir os índios. O pastor Eduardus, por sua vez, lembrou a existência de índios em

idênticas condições em Goiana. Assim, solicitaram ao governo que esses índios fossem

nomeados professores nas aldeias, com um salário mensal de 12 florins, soldo de um cabo

do exército. Esses dois índios foram os primeiros professores indígenas da Igreja Protestante

na América do Sul. (SCHALKWIJK, 1986)

No projeto de colonização empreendido pelos holandeses, ficou decidido que as

terras sergipanas seriam doadas ao Conselheiro de Justiça, o holandês Nommo Oliferdi,

através de Escritura de 28 de fevereiro de 1642, a qual determinava no Art. 25 que os

próprios colonos deveriam assumir o salário do governador e do pastor. E nos Art. 3º e 4º

que se referem à liberdade religiosa dos católicos romanos em território sergipano, ficou

estabelecido que não praticasse nem permitiriam outro culto sem a devida permissão da

autoridade local. (NASCIMENTO ; BARRETO, 2008)

O governo holandês estabeleceu uma situação político-religiosa que tendia à

formação de uma teocracia cristã reformada, concedendo tolerância de consciência, porém,

restringindo o exercício dos cultos para os não reformados e desconsiderando a autoridade

clerical. As cerimônias católicas só poderiam ocorrer dentro das igrejas e,

consequentemente, estavam proibidas as procissões e outras atividades públicas

(NASCIMENTO, 2002).

42

2.3 Idealização prática da catequização protestante

O primeiro desafio do projeto seria a questão do idioma. Tornava-se necessária a

existência de uma língua-padrão para atingir um número maior de adeptos, seria preciso,

dessa maneira, um meio mais eficaz: a utilização da língua nativa. (POMPA, 2003, p. 86) A

complexidade dessa tarefa não consistiria apenas na tradução dos termos, mas nas

associações e tradições culturais. Processo esse realizado pelos primeiro catequizadores, os

católicos, principalmente os jesuítas:

Bispo é Pai-guaçu, quer dizer, pajé maior. Nossa Senhora, Tupansy, mãe de Tupã. O reino de Deus é Tupâretama, terra de Tupã. Igreja, coerentemente é tapâoka, casa de Tupã. Alma é anga. (...) Demônio é anhangá, espírito errante e perigoso. Para a figura bíblico-cristã do anjo (...) karaibebê, profeta voador (...).(BOSI ,1992, p.63)

Ao firmarem-se no Nordeste brasileiro, os missionários protestantes tinham em

pensamento que a catequização católica já fazia parte da realidade indígena. Já tinham sido

criados e apresentados conceitos, palavras, referências e associações. Com isso, toda uma

estrutura já havia sido elaborada e estava em andamento, o que poderia dificultar as

pretensões dos invasores.

Como parte do ideal de evangelização os pastores reformados decidiram por elaborar

um Catecismo para a instrução dos indígenas nas verdades da Religião Cristã Reformada

para reforçar seus fundamentos, atingir uma parcela maior da população e esclarecer, assim,

prováveis dúvidas em relação à nova religião.

Os catecismos já existiam antes da Reforma, todavia a principal diferença é que

a partir de então, as orações e os principais elementos da doutrina passaram a ser elaborados

na forma de perguntas e respostas alternadas. Esses documentos foram, primeiramente,

guias para os que ensinavam. Eram elaborados em um primeiro momento para ser o livro de

quem ensinaria, em pouco tempo tornaram-se uma espécie de livro auxiliar:

Exemplo disso foi o pequeno catecismo de Lutero, elaborado com a finalidade de auxiliar pastores incultos, mas que em pouco tempo passou a fazer parte da vida dos leigos. Daí, afirmando a seu respeito, que se tornara a “Bíblia do comum”, “um curto resumo de todas as Sagradas Escrituras”. Para os reformados, o catecismo tornou-se tão importante como via de instrução religiosa laica que em muitas partes da Europa a capacidade de responder de forma correta as perguntas deste, constituía um pré-requisito para a admissão a Ceia do Senhor, principal ritual das Igrejas Protestantes. (RIBAS, 2007, p. 93)

43

Dessa maneira, o papel que o catecismo desempenhava, era de extrema importância

como via de instrução religiosa. Desse modo, em outubro de 1638 a liderança da Igreja

Reformada, reunida no Recife, decidiu elaborar um novo Catecismo, já que o Catecismo do

reverendo Joaquim Soler elaborado em 1637, em espanhol, não retornava da metrópole,

lugar onde seria impresso.

Optaram por elaborar “(...) um breve, sólido e claro compendio da religião christã”

(RIHGB, 1912, p.730), contendo também formulários e outras atribuições da Igreja, como o

batismo. Desta vez, teve como responsável o pastor David van Doreslaer com a ajuda do

pastor Soler, revisado pelo pastor Van der Poel e Polhemius. Esse catecismo recebeu o título

de “Uma instrução simples e breve da Palavra de Deus nas línguas brasiliana, holandesa e

portuguesa, confeccionada e editada por ordem e em nome da Convenção Eclesial

Presbiterial no Brasil, com formulários para batismo e santa ceia acrescentados”.

(SCHALKWIJK, 1986, p. 732)

O trabalho foi encaminhado à Câmara da Companhia das Índias Ocidentais em

Amsterdã, e de lá, ao Presbítero de Amsterdã, “(...) quanto ao catecismo organizado e

revisto por alguns irmãos, ficou resolvido mandá-lo para Metrópole, a fim de ser impresso

em três línguas, a saber: holandesa, portuguesa e tupi”. (SCHALKWIJK,1986, p. 749)

A comissão, escolhida pelo Presbitério, para a análise do Catecismo, concluiu não

haver, propriamente, nada de errado com a obra. Mas ressaltava a preferência por seguir

mais de perto a ordem do Catecismo de Heidelberg. Perguntas extensas com respostas não

tão longas, também não agradaram a comissão. E, por último, que as fórmulas sobre o

Batismo e a Santa Ceia eram diferentes das aprovadas pelo Sínodo de Dordt, incluindo as

orações. Portanto, concluindo ser perigosa a elaboração de novas fórmulas, o Presbitério

sentenciou que tal manuscrito fosse devolvido à Companhia das Índias Ocidentais, sem

autorização para a impressão e que se informasse a decisão à Igreja no Brasil. O que o

Presbitério em Amsterdã denominou de “novas fórmulas”, foi o resultado da tradução da fé

reformada, principalmente o que diz respeito ao Catecismo de Heidelberg e das fórmulas

para o Batismo e a Comunhão, para a língua brasiliana.

Através de uma carta endereçada ao Presbitério de Amsterdã, diante de todos os

acontecimentos, o pastor David van Doreslaer, autor do catecismo justifica a forma como o

Catecismo foi elaborado. Diz ele que a:

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simplicidade dos brasilianos exigia uma maneira um tanto infantil de ensinar, e ele procurou regular-se por esse fato. Além disso, era-lhe impossível usar literalmente as expressões da forma da ceia do Senhor, porque a língua brasiliana era tão bárbara, que nela não era possível expressar todas as idéias teológicas; (...) Na própria Escritura todo o trabalho de redenção se expressa muitas vezes somente na palavra “sofrimento de Cristo”, e por isso maravilhava-se de que a Holanda tanto se assustasse. Posteriormente, quando soubesse melhor a língua, acharia se Deus quisesse, palavras para descrever essa imputação da justiça ativa. (SCHALKWIJK, 1986. Carta de 15/06/1642)

O Presbitério aceitou a explicação do pastor Doreslaer, porém mais uma vez insistiu

em que ele deveria ter sido mais cuidadoso com suas palavras. (SCHALKWIJK, 1986, p.324).

Todavia, o propósito do pastor não era fazer uma cópia fiel do Catecismo de Heidelberg,

apenas traduzi-lo para a chamada língua geral dos brasilianos, elaborando um texto com os

princípios do Catecismo, no entanto, acessível à população.

A tabela abaixo foi apontada por Gaspar Schmalkalden como elaborada em conjunto

por um mestre-escola e um brasiliano. O conhecimento prévio do português pelo indígena

indica que tal tradução lhe foi ensinada pela catequização anterior, ou seja, dos inacianos.

HOLANDÊS LÍNGUA GERAL PORTUGUÊS GOTT TUPANA DEUS

ENGEL CETECIMBAÈ ANJO CHRISTI CARAÎBEBÈI CRISTO HIMMEL IBÀIA CÉU SONNE CORACÎ SOL MONDE IACI LUA STTEEM INCITATÀ ESTRELA

WOLCKEN IBATINGA NUVENS HAGEL AMÁNDIBA GRANIZO

DONNER AMACÚNÚNGA TROVÃO BLITZ AMABERABA RELÂMPAGO WIND IBÚTÛ VENTO

WASSER IG ÁGUA BERGE IBITIRA MONTANHA BAUM YA ÁRVORE EISEN ITA FERRO STEIN ITÂ PEDRA GELD TAIUIUBA DINHEIRO GOLD ABÂ SER HUMANO/ HOMEM

MENSH ANGA ALMA

45

LEIB TETÊ CORPO9 O desejo dos holandeses, conforme aparece nas tentativas de evangelização, era o de

alfabetizar não somente os indígenas, mas os jovens nativos, para que a língua da

colonização anterior – a portuguesa- caísse no esquecimento, bem como sua religião.

(RIBAS, 2007, p.120) Tal objetivo era ainda mais difícil de ocorrer, dada a utilização do

português para a tradução dos termos.

Uma grande dificuldade foi relacionar as palavras e termos religiosos para o

vocabulário indígena. Auxiliado involuntariamente pela catequização anterior – católica- o

resultado da relação de palavras era dúbio, pois se por um lado facilitaria uma

recatequização, por outro, limitaria o uso daquelas palavras já apresentadas por parte dos

protestantes. O brasiliano, chamado também língua geral, ou brasiliana é também usada

genericamente para referir-se aquelas línguas que tornaram-se línguas de contato

intercultural, de colonização, sendo faladas por índios de diferentes nações, tupi ou não, por

portugueses e descendentes. Pierre Moreau por meio de suas crônicas indica a participação

jesuíta na criação de uma ortografia para a língua dos índios. E noticia que os missionários e

mestres-escola da Religião Reformada se valiam desta mesma língua para seu trabalho

missionário entre os índios.

Os jesuítas são dignos de louvor por terem organizado uma ortografia que exprima todas as palavras e dicções de sua língua, muito próxima da pronúncia nativa, em letras de nossos caracteres (...). Os holandeses, depois, também sempre mantiveram pregadores e mestre-escolas para evangelizá-los e ensinar-lhes a religião cristã nessa mesma língua. (MOREAU, p.86)

O mesmo autor ainda chama atenção ao que tange essa apropriação:

Os holandeses pregavam por toda a parte (...); dirigiam-se aos brasilianos pelos ministros que, desde a juventude, tinham aprendido a sua língua (...) os quais residiam entre eles como professores, ensinando a ler e a escrever em cada aldeia. (MOREAU, p.30)

A carta do pastor David van Doreslaer, que constitui uma das poucas referências, até

o momento, para pensarmos na transposição da mensagem cristã reformada para o interior

dos códigos Tupi, ou mais precisamente para o interior da língua geral, foi escrita porque a

Companhia das Índias, não considerando o parecer do Presbitério de Amsterdã, publicou o

“Catecismo brasiliano”. Não seria pouca a movimentação negativa que tal decisão provocou.

9 “A viagem de Gaspar Schmalkalden de Amsterdã para Pernambuco no Brasil”. In: 9 RIBAS, Maria Aparecida de Araújo Barreto. O Leme espiritual do Navio Marcante: a missionação calvinista no Brasil holandês (1624-1654). 2007. p.118

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No entanto, do pequeno Catecismo brasiliano, o que se sabe é que parece ter desaparecido

junto com os índios reformados do Brasil Colonial. Documento importante, de parte de

nossa história e que nos ajudaria a pensar, entre outras coisas, nas questões de traduções.

(RIBAS, 2007, p.124)

Comprovada esta utilização, é possível afirmar, que não apenas o português, mas o

domínio da língua geral para o dialeto colonial foi utilizado no catecismo elaborado pelos

protestantes. De qualquer maneira, há muitas questões a serem pensadas a partir da presença

reformada entre os índios de parte do nordeste brasileiro, já cristianizados pelos católicos e

suas ordens religiosas. De modo que procuramos salientar mais uma vez, que a história dos

índios só pode ser entendida a partir do relacionamento com a história européia. E que, faz-

se necessária a identificação dos processos, as negociações e os instrumentos através dos

quais se processaram as transformações pelas quais passaram os grupos indígenas em

contato com as sociedades ocidentais.

De acordo com Schalkwijk, alguns pontos devem ser levados em consideração para

melhor entender o conflito que desencadeou a publicação de Catecismo brasiliano, após a

não aprovação por parte da Igreja. Em primeiro lugar, sabendo dos interesses econômicos

além dos religiosos, tal ato dos XIX Senhores deixaria claro a separação entre o poder

religioso e o poder temporal. O que leva a segunda ideia, de quebra de acordo com as Igrejas

Reformadas, estabelecida no Sínodo de Dordt. São elas as “Três Fórmulas de União”, a

saber: Confissão Neerlandesa, Catecismo de Hildeberg e Cânones de Dordt, que não seria

cumprido com a publicação.

A terceira - e para o estudioso a mais importante -, foi o conflito em relação a uma

missão nunca antes realizada. Embora existisse todo um plano de missão, na prática,

questões impensadas na teoria se apresentariam, e com isso haveria necessidade de alguma

mudança. Existia uma grande preocupação por parte da Igreja de se alterar seus

ensinamentos, e a impressão do catecismo não aprovado pela Igreja-Mãe, conferiu um grau

de insubordinação por parte da Companhia.

É importante perceber que este conflito ultrapassa questões religiosas, políticas e

econômicas como citadas em toda a pesquisa, e chega ao plano cultural. No caso do

“Catecismo proibido”, as questões envolviam linguagem, tradução e conversão de uma

cultura diferente da realidade da Igreja Reformada. Para Alfredo Bosi,

a urgência da missão precisou mudar o código não por motivo de mensagem, mas de destinatário. O novo público e mais do que público participante, de um novo e

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singular teatro, requer uma linguagem que não pode absolutamente ser a do colonizador (BOSI, 1992, p.31)

Para além das tensões já esperadas de utilização da língua geral, ou de um modelo de

evangelização anterior, o contato com os indígenas, apresentou um conflito cultural, mais

um decorrente dessa nova relação. As ações da Igreja não gerariam conflitos apenas entre os

idealizadores do projeto. Mesmo a vinda e a relação com os nativos seriam mais um

exemplo de dificuldades encontradas na vida tão diferente na colônia.

O primeiro culto da Igreja Cristã Reformada em Olinda foi realizado na Páscoa de

1630, na Igreja Matriz do Salvador do Mundo, um templo anteriormente católico, que teve

suas imagens e representações retiradas para servir ao culto protestante. O predicante Johan

Baers foi o responsável por esta celebração e contou que: “Pela Páscoa os Srs Conselheiros

mandaram abrir a principal igreja paroquial de Olinda, orná-la e prepara-lá, onde no dia

da Páscoa fiz a primeira prédica (...)”. (RIBAS, 2007, p.38)

Despojados dos adereços da fé católica, doravante os templos reformados passavam a caracterizar-se pela singeleza minimalista e iconoclasta de seu exterior, bem como de seu interior, cujas paredes eram caiadas de branco, sem nenhum quadro ou imagem de escultura, contendo apenas um púlpito, numa estante de coro e bancos para membresia. (RIBAS, 2007, p.38)

Diogo Lopes Santiago relata também as características dos novos templos adaptados,

em sua História da guerra de Pernambuco. O morador do Arraial Novo do Bom Jesus

descreve com surpresa que,

(...) o inimigo tanto que se apoderou da vila de Olinda, sábado 16 de fevereiro de 1630, fez mil exorbitâncias, e insultos, não perdoando a coisa alguma; entrando nos templo, executou a perfídia herética, nas sagradas imagens, vasos, e vestes sacerdotais, com muitos impropérios, roubando tudo (...). (RIBAS, 2007, p. 38)

Em sua obra O Valeroso Lucideno, frei Manuel Calado escreve uma crônica da

resistência portuguesa ao invasor Neerlandês, à época da segunda das Invasões ao Brasil. A

obra, predominantemente em prosa, apresenta caráter clássico e refere-se aos protestantes

como hereges invasores e destruidores dos templos católicos.

Embora o já citado predicante Baers tenha sido o primeiro religioso a registrar os

primeiros dias da Igreja Cristã Reformada em Pernambuco, não significava que ele estivesse

sozinho. A autora Maria Aparecida Ribas reitera que ele :

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(...) não foi o primeiro predicante a incorporar a expedição de conquista: ao menos mais um clérigo participou da expedição na qualidade de capelão do almirante Hendrickcs Lonck(...)É possível que o predicante a acompanhar o almirante, e que ficou em terra, tenha sido o pastor Willelmus Pistorious, pois numa correspondência do coronel Waerdenburch aos Dezenove Senhores, datada de 1631, há referência a este predicante, assim como em outras correspondêsncias deste mesmo ano, no entanto, outros nomes (...) figuram na documentação de1631.(RIBAS, 2007, p.39)

Em sua pregação, o religioso Baers pede a Deus, “(...) Abençoai os pequenos

fundamentos que ali estão lançados [na Ordem de Dordt] , dai crescimento às prédicas de

Vossas divinas palavras que ali, por graça Vossa, na medida dos nosos dotes planejamos.”

(BAERS, 1978, p.98)

Os predicantes que deixavam a Holanda para pregar no exterior tinham suas funções

definidas na chamada Instrução. Para o Brasil holandês foram enviados, portanto, predicantes

(pastores) e mestres escola (professores) com o fim específico de trabalhar nas aldeias indígenas

sob domínio neerlandês.

A Ordem de Dordt instituía entre outras coisas que,

(...) o Conselho cuidará primeiramente do estabelecimento e exercício do culto público por meio de ministros, segundo a ordem seguida na igrja cristã reformada destas Províncias Unidas, a palavra Santa de Deus e o ritual da união aceito pelas mesmas Províncias(REGIMENTO apud RIAHP, 1886, p. 292)

Cabiam aos predicantes levar a palavra de Deus para onde fossem, administrar os

sacramentos, entre outras funções. Boa parte dos que atuaram no Brasil Holandês, tinham

seus nomes escritos em livros de Confissões da Classe de Amsterdã e Walchcheren. E

embora servissem a Igreja Protestante, estes eram contratados pela Companhia de Comércio.

(SCHALKWIJK, 1986, p. 166)

Seu tempo de permanência variou de dois a quatro anos de trabalho na colônia, no

entanto, ao final do seu contrato, muitas vezes era pedido ao predicante que ampliasse o

período de continuidade de seus afazeres, já que “(...) a carência de obreiros e a

enormidade das tarefas levavam os predicantes a pedirem a permanência de seus colegas

na colônia” (RIBAS, 2007, p.41)

49

Até 1636, é difícil encontrar documentações referentes as atividades protestantes no

nordeste, pois foi a partir de então que instituiram-se duas reuniões anuais para tratar de

tópicos eclesiásticos, as chamadas reuniões de Classe (nomenclatura eclesiástica que designa

um grupo de igrejas da mesma região organizada numa convenção ou um presbitério).

Foram esses encontros que gearam um número grande de interessantes informações acerca

do período em questão. Trata-se da relação dos predicantes com o Conselho Político de

Recife, com os Dezenove Senhores, alta cúpula da Companhia, e sobre a população.

A necessidade da educação indígena aparece exaustivamente nos documentos

neerlandeses, especialmente nos da Igreja Reformada. Em todas as ocasiões em que discutiram a

catequese indígena, afirmavam a necessidade de mais professores para a alfabetização indígena,

a fim de inculcar-lhes solidamente os preceitos da fé reformada. Seja nas reuniões da Classe8,

nas reuniões do Governo, nas cartas às Igrejas na pátria, às Câmaras das Províncias, nas cartas a

particulares, faziam coro os missionários reformados: “dar maior educação aos brasileiros”.

No ano de 1636 ocorreu ainda a chegada de Vicente Joaquim Soler, considerado o

pai da missão Reformada no Brasil, e responsável por muitos documentos utilizados nesta

pesquisa, principalmente suas correspondêsncias com a metrópole. Soler chama atenção para

alguns vícios que os religiosos protestantes possuíam, e que além de pecaminosos,

impediam o andamento do projeto de missionação. Por muitas vezes a embriaguez atingia

um bom número de religiosos, que mesmo antes de chegarem a colônia detinham essa

criticada prática.

Ao Brasil holandês chegaram vários exemplares do livro Ló Sóbrio, de autoria do predicante Daniel Souterius, certamente com o mesmo pelo qual fora publicado na metrópole, de autoria do predicante Daniel Souterius, certamente com o mesmo objetivo pelo qual foi publicvado na metróple: auxiliar os predicantes a lidar com os excessos etílicos de muitas ovelhas do rebanho calvinista, bem como de alguns de seus pastores. Com efeito, a julgar por uma série de indícios, o predicante Joducus Stetten não foi o único predicante a sucumbir ao vício nacional. Em 1634, um predicante em Erichem, Jan Swartenius, sofreu as mesmas penas que, em 1637, Stetten sofreria: foi expulso do ministério pastoral por sua persistência no vício da embraguez. (RIBAS, 2007, p. 41)

Vicente Joaquim Soler em carta a André Rivert, em Haia, datada de 16 de Julho de

1636, adverte quanto a impressão que tem da colônia e o temor da dificultade que teria para

implantar o projeto, mas que almejam conquistar definitivamente a região, todavia para isso

necessitaria mais aparatos que dispunha:

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Assim, não temos aqui senão fezes da Holanda, Zelância, etc.; gente que não sabe o que é civilidade ou honra e menos ainda temos ao Soberano. Essa gentefica tão escandalizada disso, que mais aconselhável seria participar de um baile, do que persuadi-los a abraçar a Religião. O país é bom e mauito agradável, e se fosse livre, seria uma residência conforme todos os desejos. Que Deus nos dê vitórias todos os dias. E segundo o juízo humano, se tivéssemos ainda 1.400 ou 1.500 homens, expulsaríamoso inimigo totalmente. Na terra temos tantos homesn que ele; no mar não dispõem de nenhum navio, ao passo que nós temos uma boa armada, dirigida por um valeroso Almiranmte. (SOLER, 1636-1643, 1999, p.24)

Além do vício da bebida alcoólica, algumas atitudes de predicates deixavam Soler

insatisfeito. A falta da utilização de roupa adequada, e compra de grandes propriedas foram

atitudes condenadas pelo religioso. “ Consta que Schagen era o único presicanteno Brasil

holandês a não se trajar como os demais, que vestiam ao modo da pátria, com bata preta

com colarinho à semelhança do pessoal da justiça”. (RIBAS, 2007, p.47)

O mesmo religioso comprou de Antonio de Souza Moura, o engenho de São Tomé.

O que chama atenção nesse dado é que o antigo proprietário se declarou satisfeito com o

negócio. Levando em consideração o baixo salário de um predicante, 100 florins, e o valor

médio de um engenho que, segundo o historiador Evaldo Cabral Mello, variava em torno de

30 e 40 mil florins, tal negociação pode ter sido realizada às custas da Companhia das Índias

Ocidentais. (SOLER 1636-1643, 1999, p.11) Dada a inquirição, foi comprovada que as

acusações de Soler tinham fundamento, ampliando ainda o número de predicantes de má

conduta, ou agindo de má fé.

A despeito da enorme necessidade de predicantes para darem prossegumento à “fundação da Igreja de Cristo no Brasil”, os predicantes responsáveis pela Igreja no Brasil holandês não estavam mais dispostos a tolerar o relaxamento da conduta ou despreparo teológico de alguns membros do corpo eclesiástico. Não havia mais lugar para predicantescom conduta inadequada e tampouco para aqueles que não possuíam conhecimento teológico suficiente para o desempenho de suas funções. (RIBAS, 2007, p.56)

Não somente no campo religioso, a preocupação com uma boa conduta e vida

regrada também incluia o trabalho na admistração laica, além do quadro eclesiástico. “A

qualidade era mais importante que a quantidade: uma ética da continência, uma moral da

santidade e uma razoável formação teológico-doutrinárias mais do que nunca eram

necessários para o serviço” (RIBAS, 2007, p.60)

Era necessário rigor na avaliação do comportamento do predicante, pois apenas dessa

forma que a missão alcançaria êxito. O número de homens enviados para a colônia sempre

51

foi muito abaixo do solicitado, no entanto, permanecer com pregadores que não seguiam os

ensinamentos religiosos ou não cumpriam com suas obrigações nas aldeias, não era a itenção

dos líderes da Igraja Reformada.

“Em nome de Deus, senhores, mandai-nos quatro pessoas tanto de doutrina, de boa

vida, como amantes da paz”. (SOLER 1636-1643, 1999, p.39) Suplica Soler em pedido

encaminhado aos Diretores da Câmara Zelandesa da Companhia das Índias Ocidentais em

Mildeburgo, por mais reigiosos para a colônia.

Por mais que a Classe fizesse o requerimento à metrópole de envio de mais religiosos

aptos ao ensino, e mesmo que a metrópole demontrasse atenção e empenho ao envio desses

predicantes, o número deles na colônia sempre esteve abaixo do ideal. Muitas vezes o

problema começava na própria viagem, como ocorreu com o primeiro predicante Joahan

Bears, que perdeu seu filho, e o próprio Soler:

Deus me fez chegar a bom porto depois duma viagem muito feliz; mas sem mercador de Colônia, de mim desconhecido, que me hospedou cinco semanas na sua casa, ainda estaria balanceando-me sobre o mar com minha mulher e minha filha, as quais estiveram muito doentes; ou melhor dito, todos juntos tivéssemos servido de comida de peixes. (SOLER 1636-1643, 1999, p.59)

Em terra as dificuldades não cessaram, tendo alguns pastores sido mortos em

emboscadas, ou mesmo desaparecidos. No que se refere a realidade da “Guerra do Açúcar”

travada nesse período, foi de interesse dos predicantes evangelizar os dois grupos que dela

participavam. Porém, os benefícios a eles permitidos pelo governo neerlandês batiam de

frente com qualquer ânimo de missionação dos pedicantes. Não era possível alongar a

evangerlização aos luso-brasileiros católicos e judeus, pois tal medida entraria em

contradição com os interesses econômicos e políticos da WIC, como afirma Pedro Puntoni

ao asseverar que “(...) interesse em agradar e permitir aos portugueses a livre prática

religiosa estava associada aos interesses imediatos da Companhia de mantê-los como fiéis

colaboradores (...)”. (RIBAS, 2007, p.56)

Um ponto de acordo entre a Companhia das Índias Ocidentais e os predicantes foi

em relação aos índios. Ambos acreditavam que este grupo seria aliado fundamental para a

conquista. Foi sobre eles que a missionação reformada incidiu mais fortemente, e alcançou

resultados satisfatórios.

Em relação a esta missionação indígena, a maior parte da missão holandesa acabou

buscando esta conversão. A história do desenvolvimento dessa missão foi descrita pelo o

historiador da igreja Frans Leonard Schalkwijk, com destaque para a obra Igreja e Estado no

Brasil Holandês. Ali, as missões protestantes seriam divididas em três etapas - assim como

52

fez o Evaldo Cabral Mello ao tratar da dominação - que podemos classificar como:

preparação (1630-1636), expansão (1937-1644) e conservação (1645-1954).

(SCHALKWIJK, 1986, p.99-100). Temáticas que serão desenvolvidas mo próximo capítulo.

3 ORGANIZAÇÃO, ESTRUTURA E ENSINAMENTOS NA PRÁTICA: O

RESULTADO DA EDUCAÇÃO CALVINISTA PARA OS INDÍGENAS

3.1 Os missionários protestantes

53

“De Olinda à Holanda não há mais que uma mudança de um ‘i’ em ‘a’, e esta Vila

de Olinda se há de mudar em Holanda e há de ser abrasada pelos holandeses antes de

muitos dias; porque, pois falta a justiça na terra, há de acudir a do céu” (CAMARGO,

1955.P.146). Um ano antes da invasão holandesa, o frei Antônio Rosado, dominicano,

alertou em sua pregação. Pernambuco, como uma das principais regiões do Brasil Colônia,

tinha em Olinda uma vila em pleno desenvolvimento econômico, entretanto, observando-se

acentuado declínio moral.

A Igreja Cristã Reformada também crescia em número de refugiados, perseguidos

por sua fé evangélica. Chegaram a organizar congregações eclesiásticas de língua francesa e

inglesa. Contudo, mais importante do que o crescimento quantitativo, foi a preocupação de

se zelar pela qualidade, como expressão holandesa do puritanismo. Esforçavam-se para

aplicar os preceitos bíblicos em seu cotidiano.

Como já abordado no primeiro capítulo, essa Igreja procurou evangelizar também os

portugueses que aqui se encontravam. Porém, a conversão não foi grande, já que a religião

protestante sempre foi vista como a religião dos invasores para os colonos, já sob o domínio

dos católicos, antes mesmo da chegada dos protestantes (RIBAS, 2007, p. 61). Em relação

aos indígenas, a situação foi diferente, tanto que a maior parte da missão holandesa acabou

buscando a conversão. Como já dito anteriormente, a história dessa missão desenvolveu-se

em três etapas que podemos classificar, de acordo com o pesquisador da Igreja Frans

Leonard Schalkwijk, em sua obra Igreja e Estado no Brasil Holandês em três períodos. São

eles: preparação (1630-1636), expansão (1937-1644) e conservação (1645-1954).

(SCHALKWIJK, 1986, p. 99-100).

Na medida em que a conquista se alargava foram implantadas as congregações

reformadas, e na medida em que os luso-brasileiros recapturavam o terreno estas

desapareceram, porque não havia lugar para qualquer igreja evangélica debaixo da

hegemonia ibérica.

A Maior Igreja Reformada do período era a de Recife, acrescida ainda das

congregações inglesa e francesa. Esta se reunia no "templo gálico" onde o próprio Nassau

era o membro mais ilustre, sob o pastorado do predicante espanhol Vincentius Soler10. Com

o aumento da conquista organizou-se a "classe", uma convenção eclesial, o Presbitério do

Brasil, e durante alguns anos existiu até o Sínodo do Brasil, com dois presbitérios: o de

Pernambuco e o da Paraíba.

10 Pastor e grande incentivador do trabalho missionário, servindo neste campo, pregando e escrevendo. Segundo o historiador Schalkwijw, não seria denominá-lo “pai da missão evangélica entre os índios” ou “apóstolo dos brasilianos”.

54

Havia igrejas grandes e pequenas, com seus predicantes ou sem pastores; com seus presbíteros e diáconos ou sem condições de escolher oficiais; com seu "proponente" (um estudante de teologia licenciado) ou seu "consolador" (um evangelista); com seu professor na escolinha ou quase abandonada; com sua visão missionária ou com sua falta desta visão. Na leitura dos documentos surge uma igreja como a conhecemos hoje em dia, mas com um problema específico: rodeada de pessoas que queriam expulsá-la da sua terra. Apesar disto a igreja procurou evangelizar os moradores portugueses, inclusive com literatura evangélica.” (SCHALKWIJK, artigo)

“No que se refere à proteção dispensada pelo Estado aos povos indígenas, pode

dizer-se que a situação no Brasil Holandês em nada era melhor do que no Brasil

Português”. (NEME, 1971, p. 178). Entre os nativos, havia dois principais grupos de

indígenas que estabeleceram contatos com os invasores, são eles os tupis chamados pelos

holandeses de ‘brasilianos’ (MELLO, 2001, p. 197-225), e os tapuias, que não constituíam

uma única tribo, eram índios de diversas localidades não subjugados (SCHALKWIJK, 1986,

p.245).

Como os tapuias são tantos e estão tão divididos em bandos, costumes e linguagem, para se poder dizer deles muito, era de propósito e devagar tomar grandes informações de suas divisões, vida e costumes; mas, pois ao presente não é possível. (SOARES DE SOUSA, 1971 [1587], 338 apud MONTEIRO, 2001, p.20)

De acordo com a documentação, esse grupo apresentava maior resistência frente a

uma possível dominação, “fiando-se basicamente naquilo que seus informantes tupis lhes

passavam, escritores coloniais como Gabriel Soares costumavam projetar os grupos tapuias

como a antítese da sociedade tupinambá, portanto descrevendo-os quase sempre em termos

negativos” (MONTEIRO, 2001, p.20): (...) estes mais ferozes e insubordinados, eram refratários a qualquer forma de convivência com os brancos, os tupis aceitavam viver em aldeia localizadas junto de vilas e povoações, dirigidas e fiscalizadas por capitães holandeses, além de assistidas por praticantes calvinistas - como já vinha acontecendo, sob capitães e padres católicos, no tempo do portugueses. (MELLO, 2001, p.197-225)

A partir da leitura da obra citada, temos a informação que nem em todos os

aldeamentos os pastores protestantes estavam presentes. De acordo com o Sínodo de

Pernambuco, não passava de quatro o número de predicantes responsáveis por missionar

índios nas aldeias. Ao final de 1639, segundo o mesmo documento, eram vinte e um

55

encarregados nas capitanias de Pernambuco, Itamaracá (Goiana), Paraíba e Rio Grande.

(RIHGB, 1915, v.1, p.748)

Cada um de acordo com sua função tinha responsabilidades específicas. “(...) Aos

(capitães) predicantes competia ensinar os índios a ler e escrever, encaminha-los pela

catequese para a doutrina reformada e educar nas ‘maneiras civis’ dos europeus (...)”

(NEME, 1971, p.179)

A capacidade de aproximação com a cultura indígena, entretanto, não seria em nada

empírica. Após a derrota na Bahia, a frota holandesa navegou para o norte em busca de um

local para se reabastecer antes de seguir para as Ilhas Caribe. Ao aportarem na Baía da

Traição (9 km ao norte da Paraíba), os índios locais da tribo Potiguar, viram os flamengos

como libertadores, tanto que ao perceberem que a frota não permaneceria por muito tempo,

muitos nativos, quiseram embarcar. No entanto, os holandeses levaram apenas seis nativos.

Os seis índios, entre eles Pedro Poti, permaneceram por cinco anos nos Países

Baixos, onde aprenderam a ler, escrever e foram instruídos na religião Cristã Reformada. Tal

medida tomada pela Companhia das Índias Ocidentais não era sem propósito. Com a invasão

a Pernambuco, logo alguns desses nativos voltaram ao Brasil para aqui servirem de

tradutores no contato com outras aldeias do Nordeste.

Em relação à leitura, não conhecemos dados sobre experiências de índios nesse

aspecto. O que temos acesso são cartas que se referem a conversão de Pedro Poti e Antonio

Paraupaba, documentos esses que não tratam especificamente de tal objeto. (RIHGB, 1912,)

Contudo, sabemos que ao aprender a religião reformada, os indígenas teriam que aprender o

idioma neerlandês, sendo feita assim a leitura de documentos e o ensinamento da “nova

língua” para os demais nativos. É importante perceber que, introduzindo esse hábito na vida

dos índios, seus usos e costumes também se transformariam, de modo que evangelização e

alfabetização compunham um conjunto de medidas adotadas a partir do interesse dos

invasores.

Nas Instruções de 1636, segundo Gonsalves de Mello, em “Tempo dos Flamengos” é

preciso reafirmar o Regimento de 1629 que objetiva garantir o respeito para com os nativos

“(...) nas praças conquistadas ou que venham a ser conquistadas”, deviam os nativos “ser

deixados em liberdade e de modo algum escravizados”. (RIAHGP, 1886, p.292). Ainda de

acordo com o mesmo autor “(...) várias vezes o reconhecimento dessa liberdade foi

reafirmado”, o que dimensiona os abusos sofridos pelos nativos. (MELLO, 2001)

No final da década de 1630, o Rio Grande do Norte tinha cinco aldeias de

brasilianos, a Paraíba sete, Itamaracá cinco e Pernambuco quatro (SCHALKWIJK, artigo).

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Contudo, o número de nativos litorâneos desde o início da colonização portuguesa estava

declinando. Durante o Brasil Holandês, diferente do que muitos autores consideram, partia

da WIC, e não do Conde de Nassau o respeito em relação aos indígenas.

Através desses brasilianos vindos da Europa, o trabalho missionário da Igreja

Reformada foi difundido. O governo holandês apoiou essa tarefa, sem dúvida por interesses

políticos, pois precisava da colaboração dos nativos na luta contra os portugueses. Com esta

orientação, muitos se tornaram obreiros nas aldeias, e a Igreja como organização também

passou a atuar em tais localidades. Essa relação passou por momentos mais tranquilos e em

outros de guerras, durante os anos de revolta lusitana. Alguns nomes tiveram maior

participação neste processo, seja por sua conversão ou pelo papel desempenhado no período.

Na importante obra sobre este período, entitulada “Traição, um jesuíta a serviço do

Brasil Holandês processado pela inquisição”, Ronaldo Vainfas apresenta a vida de um

intrigante personagem que se destacou e mudou de lado no período de domínio holandês.

Responsável pela catequese aqui discutida, a análise de suas correspondências são valiosas

para conhecer o período em questão. Manoel de Moraes era mameluco, nascido em São

Paulo de Piratininga, filho de mameluco e irmão de bandeirantes apresadores de índios. Não

teve o mesmo destino de seus familiares por se interessar pela religião, e, desde cedo, fez

votos solenes no Colégio da Bahia, tornando-se jesuíta, em 1623. (VAINFAS, 2008, p.24)

Ainda jesuíta em Pernambuco, Manoel de Moraes foi um dos missionários da

Companhia de Jesus que logo aceitara a convocação do governador, Matias de Albuquerque,

para a defesa das capitanias do Norte, “Manoel integrou, portanto, a linha de defesa erigida

pelos jesuítas, à frente dos índios, contra o avanço holandês. Primeiro com a “assistência

espiritual” e, segundo, “com ajuda corporal”, liderando os índios em combate”

(VAINFAS, 2008, p.43) formando grande resistência. Entretanto, o padre, nunca poderia ter

sido um capitão oficial de guerra, uma vez que era então jesuíta.

Após muito atuar ainda do lado português, com a conquista da Paraíba, em 1634,

Manoel de Moraes se entregara as forças holandesas, “o limite entre a rendição e a traição

de Manoel nesses momentos finais da guerra paraibana é quase invisível. Ou bem ele se

rendeu e, ato contínuo, traiu, ou bem traiu e depois se rendeu” (VAINFAS, 2008, p.65).11

Manoel de Moraes de prisioneiro passou a informante flamengo, nomeando aldeias de índios

e suas respectivas lideranças, bem como servindo de mediador entre holandeses e indígenas.

11 Mais tarde, acusado por traição pelos oficiais militares luso-portugueses, em sua defesa no Tribunal do Santo Ofício, as rivalidades entre Manuel de Moraes e outro militar português ganharam um novo capítulo, ao afirmar ele que Martim Soares Moreno - comandante das forças potiguares e inimigo de Moraes - (VAINFAS, 2008, p.53) o havia abandonado à própria sorte em uma das mais importantes batalhas na Paraíba.

57

As informações passadas por ele no período de guerras era de extremo valor (VAINFAS,

2008, p.71).

Em Recife, chegou mesmo a lutar ao lado dos holandeses contra os filhos da terra,

vestido como “flamengo” em traje militar. Com mudança dos trajes o ex-jesuíta havia

mudado mesmo de identidade:

Garboso e cheio de si, Manoel não trazia mais a tonsura que sempre tinha usado, mesmo quando lutava contra os holandeses na defesa da capitania, senão cabelo comprido e barba crescida. Já na aparência, nosso Manoel achou por bem mudar de identidade, assumindo a estampa do vencedor holandês (VAINFAS 2008. p. 75).

Ao mudar de lado e deixar para trás o sacerdócio, Manoel aumentou a fúria que já

lhe era devida pelos militares e religiosos. Para os primeiros, ele era mais um grande traidor,

para os últimos, todavia, um herege que merecia a fogueira. “De sorte que Manoel deixou o

ofício de capitão de índios e reassumiu sua função de letrado, agora não mais a serviço da

Companhia de Jesus, mas da Companhia das Índias”. (VAINFAS, 2008, p. 75)

Nos oito anos em que vivera nos Países Baixos calvinistas, entre 1635 e 1643, o ex-

jesuíta casou duas vezes, contraindo as segundas núpcias à moda de Calvino após enviuvar-

se. Protegido do humanista Joannes de Laet – renomado intelectual e diretor da WIC - a

quem auxiliava em seus escritos sobre o Brasil, conseguiu entrar na prestigiada

Universidade de Leiden e obter o grau de Licenciado em Teologia. (VAINFAS, 2008, p.

131)

Dentre as suas obras, a mais importante foi um “plano para o bom governo dos

índios”, documento de localização desconhecida, mas citado em uma carta dos Dezenove

Senhores ao Conselho Político de Recife, em 1635, que previa o reconhecimento das

lideranças indígenas leais e o reforço do trabalho dos missionários calvinistas e, como

atentou Ronaldo, tratava-se de “um modelo de catequese calvinista com metodologia

inaciana” (VAINFAS, 2008, p.121).

Seu período do lado holandês é conhecido nas já citadas correspondências entre os

primos Pedro Poti e Felipe Camarão, índios potiguaras que defendiam lados distintos –

protestante e católico respectivamente – nesses anos de guerra do Brasil colonial.

Em 1643 Manoel voltou a Pernambuco após pegar um empréstimo com a WIC, e se

tornou um explorador de pau-brasil. Vainfas, mais uma vez, sintetiza em poucas linhas os

meandros da vida de seu biografado: “Manoel tornou-se um senhor de escravos como tantos

58

outros, tinha escrava em casa, sua mulher estava na Holanda, e de padre ele já não tinha

nem o hábito” (VAINFAS, 2008, p. 233).

Em Recife, o ex-jesuíta e então ex-calvinista passa a frequentar as igrejas e capelas;

como seu passado era católico e, mesmo sob a acusação de traidor que lhe era movida,

buscou se reconciliar com a Igreja Católica, e poder defender-se no próprio Tribunal do

Santo Ofício, em Lisboa. De certa maneira, “Manoel vivia com a consciência pesada.

Identidade fragmentada”. (p. 245) se preocupando mais com o Santo Ofício do que com

ampla dívida contraída com a WIC.

Acusado de heresia pelo tempo em que vivera na Holanda, onde contraiu dois

casamentos, o réu insistirá que não conhecia nem mesmo o holandês, mas que fugia da

alçada da inquisição, preocupada com os crimes de fé (VAINFAS, 2008, p. 287).

Entre 13 de abril e 23 de outubro de 1646, Manoel de Moraes preso nos cárceres de

Lisboa, sustentará sua versão católica de que, no Brasil e na Holanda, deu provas de sua

identidade católica, mas nada disso convenceu seus acusadores. Sem confessar, os ministros

do Tribunal, o ex-jesuíta foi mandado ao suplício na “sala do tormento”, com o fim de ser

içado pelos pulsos até o teto e de lá ser despencado ao chão numa polé. Sem opção, e

temendo o tempo de sua reclusão naquela atmosfera de ser queimado vivo, não viu

alternativa e confessou que havia sido calvinista, escapando da fogueira, mas condenado a

penas menores. (VAINFAS, 2008. p.123)

A partir do plano de catequese elaborado por este ex-jesuíta chamado Manoel de

Moraes, seria tomada a decisão de dar início ao serviço missionário no Brasil Holandês. Em

reunião tomada no Conselho Eclesiástico da Igreja Reformada do Recife, em 1937, decidem

adotar o plano e elaboram uma carta com os métodos a serem utilizados e a enviam ao

Presbítero de Amsterdã.

Neste importante documento, eram solicitados “(...) oito proponentes licenciados,

bem educados e aptos para o pastorado, para que aprendessem a língua brasiliana”. 12

Além disso, em Recife, foram reivindicados professores primários, que deveriam ser de

preferência casados e com filhos, sendo sugerido ainda que fossem levados aos Países

Baixos, jovens brasilianos com o intuito de aprender holandês e serem educados na religião

protestante. O Presbitério de Amsterdã levou o assunto à Companhia, responsável pelos

salários Eclesiásticos. O objetivo era

12 Carta do Conselho dos XIX ao Conselho Político, datada de Amsterdã, 1 de Agosto de 1635.

59

(...) enviar 25 meninos índios a estudar na Holanda e sugeriu que igual número de órfãos holandeses fossem remetidos para o Brasil para que se aperfeiçoassem no estudo da língua portuguesa, difundido por intermédio da religião reformada. 13

Em 1636, o Conselheiro Servaes Carpentier foi enviado às Províncias Unidas como

núncio apostólico do Governo do Brasil Holandês. Na instrução apresentada aos Dezenove

Senhores, Carpentier reiterava a necessidade de predicantes para a catequese, assim como

professores para o ensino. (SCHALKWIJK, artigo)

Para alcançarem maturidade religiosa, necessitavam de educação. Essa necessidade

aparece colocada exaustivamente nos documentos neerlandeses, especialmente nos da Igreja

Reformada. Em todas as ocasiões em que discutiram a catequese indígena, afirmavam a

necessidade de mais professores para a alfabetização indígena, a fim de inculcar-lhes

solidamente os preceitos da fé reformada.

A Diretoria da Companhia decidiu pelo apoio ao trabalho missionário, mas não em

relação à ideia de levar jovens para a Holanda, pois o caso de Pedro Poti lhes havia mostrado

como os nativos esqueciam parcialmente a língua materna. O desafio acerca do melhor

método missionário ainda permanecia, pois a dificuldade estava em evangelizar nômades e

seminômades através de um padrão cultural desconhecido. Os recursos também não

chegaram de imediato. O Conselho permaneceu em silêncio diante da investida dos

protestantes na colônia.

A intenção era em primeiro lugar a elaboração de um catecismo resumido na língua

espanhola 14, com orações e ensinamentos. Posteriormente, o plano era deixar alguns índios

em Recife, sob despesas da WIC, para que fossem “(...) instruídos na Igreja da Religião

Cristã, por Joaquim Soler, que promete aplicar-se a esta obra”. (SCHALKWIJK apud

RIBAS, 2007, p. 150). Por fim, “(...) estabelecer mestres de escolas, tanto holandeses como

índios, si for possível, nas aldeias de índios”. (SCHALKWIJK apud RIBAS, 2007, p. 150)

Em relação ao pedido de manter alguns índios à custa da Companhia, a fim de serem

educados na Religião Reformada, a resposta não tardou a chegar, e foi negativa. Diante das

dificuldades encontradas, em 1638, um novo plano teria que ser esboçado para dar

continuidade às pretensões de catequese calvinista. (RIHGB,1912)

13 Carta do Conselho dos XIX ao Conselho Político, datada de Amsterdã, 1 de Agosto de 1635. 14 Segundo Schalkwijk, devido a União Ibérica, os holandeses confundiam-se ao chamar a língua portuguesa de espanhola. Dessa forma, considera-se aqui que o catecismo foi elaborado na língua portuguesa, ou melhor, na língua falada no período.

60

3.2 Os indígenas como foco da missão

A atividade missionária reformada estava direcionada principalmente aos indígenas,

e sua organização seria muito importante para alcançar seu objetivo. O sistema de

aldeamento dos índios havia sido iniciado pelos padres católicos e continuou na época

holandesa. O número de índios litorâneos, que já declinava muito, durante o período de

domínio holandês continuou caindo, fosse por conta de doenças ou de conflitos.

Entre esse número cada vez mais reduzido de brasilianos teve início o trabalho

missionário da igreja reformada, em cima do fundamento lançado pelos padres. Tinham

aprendido algumas orações e a confissão apostólica, conheciam os nomes de Jesus Cristo e

"nossa Senhora," e tinham sido batizados. Desde a chegada dos holandeses, a igreja

reformada reconheceu seu dever de evangelizar os índios, e o governo apoiou o trabalho

missionário, sem dúvida inclusive por motivos políticos: precisava deles na sua luta contra

os portugueses. E muitos foram os obreiros que serviram nas aldeias, eram eles: pastores e

"consoladores," professores e "proponentes", (RIBAS, 2007, p.230).

Não apenas obreiros individuais, mas também a igreja como organização, começou o

seu trabalho missionário. Durante o governo de Maurício de Nassau (1637-1644) tudo

ocorreu numa situação de relativa paz, mas durante os anos da revolta lusa, o panorama seria

de guerra (1645-1654).

Para demonstrar a queda do número de indígenas, podemos observar a seguinte

tabela que trata da população das aldeias, elaborada pelo o autor Frans Leonard Schalkwijk,

a partir de documentos de autoria do Padre Manuel de Morais em 1635, (SCHALKWIJK,

1986, p.249) do relatório do Comandante Willen Donckers em 1639 (SCHALKWIJK, 1986,

p.249) e dados disponíveis em 1645:

Ano 1635 1639 1645

Capitania Ald PT Sold. Ald PT Sold. Ald PT Sold.

Rio Grande

Paraíba

Itamaracá

6 1.500 -

6 1.500 800

3 2.500 880

5 - 223

7 - 620

5 - 843

- - -

- - -

- - -

61

Pernambuco

3 2.400 770

4 - 237

- - -

Total 18 7.900 2.450 21 6.000(?) 1.923 12(?) 3.5830 1.38315

A tabela demonstra claramente o declínio do número de indígenas litorâneos,

diminuição que ocorreu ao longo do século e se acentuou com a expulsão dos holandeses.

No período holandês, as principais causas de morte dos índios eram as guerras e epidemias,

com a saída dos flamengos, o número de morte cresceria por conta de “expedições punitivas

dos portugueses” (SCHALKWIJK, 1986, p.250).

Grande parte das tribos já havia sido batizada, assim, os holandeses reconheceram

que boa parte dos “brasileiros16 eram cristãos por profissão”. “Eles tinham aprendido com

os católicos as orações cristãs, como a oração dominical, o símbolo dos apóstolos,

ignorando tudo o mais” (BARLÉU apud SCHALKWIJK, 1986, p.250). A Igreja Cristã

Reformada reconheceu o batismo da Igreja Católica Romana, apesar de certas dúvidas que

surgiram entre ministros evangélicos que entraram na herança missionária romana. O

presbitério decidiu, então, que filhos de pais já batizados podiam receber o sinal da aliança

desde que seus pais "confessassem a Jesus Cristo". Um período de ensino bíblico era

necessário, e depois de ter certeza de que esses pais criam no Senhor Jesus prometendo

obedecer-lhe, seus filhos podiam ser batizados. Era um tipo de reafirmação pública da sua fé

por parte dos pais antes de seus filhos poderem receber o selo do pacto da graça. As crianças

brasilianas cujos batismos foram registrados no Livro de Batismo da Igreja Reformada do

Recife.

Enquanto o Presbitério de 1637 tinha sido basicamente de purificação do corpo

ministerial, o de janeiro de 1638 tornou-se principalmente uma convenção missionária.

Iniciava-se, portanto, a etapa denominada de Expansão (SCHALKWIJK, 1986, p.99-100) do

plano de missão.

A essa altura, a ideia de internato dos índios, cogitada anteriormente, seria descartada

uma vez percebido que não funcionava na prática. Desse modo, o presbitério decidiu colocar

um pastor nas aldeias para a pregação da palavra de Deus, administração dos sacramentos e

15 SCHALKWIJK, Frans Leonard. Igreja e Estado no Brasil Holandês. 1630-1654. Recife: Fundarpe, 1986, p.249. 16 Embora ao longo desse trabalho brasiliano tenha sido o termo utilizado para se referir aos indígenas, o autor citado utiliza o termo brasileiro com o mesmo sentido.

62

execução da disciplina eclesiástica, sendo essas as três marcas da Igreja. Além disso, como

já citado, hábeis professores deveriam residir nas vilas para ensinar crianças e idosos a ler e

escrever, como também dar-lhes instrução sobre os fundamentos da religião Cristã. A partir

de então, vários serviços missionários começaram a desenvolver-se, como a pregação,

educação, produção literária, e a diaconia.

(...) colocar um predicante nas Aldeias para pregar a palavra de Deus, ministrar os Sacramentos e exercer a disciplina religiosa; e que se devia juntar a esses para os auxiliarem dois preletores [professores] versados na língua espanhola, a fim de ensinarem as crianças e os adultos a ler e escrever e instruí-los nos elementos da religião cristã. (SCHALKWIJK apud RIBAS, 2007, p.151).

Os proponentes eram predicantes auxiliares, que, com o passar do tempo poderiam

ser alcançar a categoria de predicantes. Exerciam suas funções em igrejas locais, recebiam o

título do Dom e a autorização de participarem das reuniões do Presbitério, entretanto, sem

direito a voto. Não tinham permissão para realizarem batismos, no entanto, na ausência do

predicante poderiam oficializar casamentos. Na Igreja Cristã Reformada, ao contrário da

Católica Romana, somente o batismo e a Ceia do Senhor são sacramentos, não sendo

considerado assim o casamento.

A avaliação aos candidatos a proponentes era constituída em duas partes:

(...) na primeira delas, os candidatos tinham que elaborar e apresentar uma prédica a partir de um texto bíblico escolhido no ato pela banca examinadora; na segunda parte, tinham que dissertar oralmente sobre questões colocadas individualmente pelos membros da banca.. Seria interessante saber quais eram essas perguntas; infelizmente, em nenhuma das vezes em que se realizou este exame elas foram apontadas ou anotadas em ata. (RIBAS, 2007, p.63)

E segue:

(...) os predicantes no Brasil Holandês eram em sua maioria homens preparados teologicamente, guardiões da doutrina reformada, do exemplo de vida e da prática pastoral; homens que, orientados pela idéia de serviço e imbuídos de um profundo sentimento de missão espiritual salvacionista, trabalharam incansavelmente, chegando a implantar vinte e duas igrejas ao longo da costa, de Sergipe ao Ceará. Ao longo dos anos da ocupação, essas igrejas foram servidas por um total de 54 predicantes e cerca de noventa evangelistas, os chamados consoladores de enfermos. (RIBAS, 2007, p.66)

63

Na reunião seguinte, de outubro de 1638, foi apresentada por um missionário a

informação da aceitação dos brasilianos, pois esses frequentavam os cultos de oração,

cânticos, pregação e atendiam as censuras. Na verdade, a questão da separação dos

Sacramentos aos índios, que aparecia para a missão reformada naquele momento, surgiu na

Idade Média, acentuando-se no século XVI especialmente na América, quando milhões de

índios foram batizados pelos padres. Em 1539, uma segunda junta apostólica romana do

México decidiu que os índios só poderiam participar da Eucaristia depois de serem

instruídos na fé católica. Para a Igreja Reformada:

que entrou na herança missionária romana, a praxe, sem dúvida, corria paralela à seguida no batismo dos adultos: a) instrução bíblica para os catecúmenos; b) batizar somente quando pudessem ser admitidos também à mesa do Senhor; c) pedir aos já batizados pelos padres que fizessem uma pública profissão de fé, antes de admiti-los à mesa da comunhão. (SCHALKWIJK, 2004, p.6)

O Reverendo David van Doorenslaer, cujo conhecimento da língua portuguesa e

competência são atestados por Frans Leonard em “A Religião Reformada no Brasil”, foi o

escolhido para dar início ao novo projeto. Embora ainda solteiro, esse jovem predicante

casara-se em 1641, com a filha de Petrus Doornick, pastor calvinista na Paraíba.

(SCHALKWIJK, 1986, p.259)

Aparentemente o trabalho do pastor David no sul da capitania da Paraíba foi

recebido com muita satisfação, porque os representantes do Presbitério do Brasil escreveram

aos XIX Senhores que eles tinham "boa esperança" na conversão dos nativos e nunca os

sinais da conversão tinham sido maiores.

Na reunião citada, o missionário David apresentou seu primeiro relatório,

informando que os brasilianos estavam frequentando diariamente os cultos de oração,

cânticos e pregação, e atendiam às admoestações, mas que era cedo demais para celebração

da Ceia do Senhor, pois havia problemas de embriaguez. (SCHALKWIJK, artigo, p.6)

Para combater esses problemas foram encaminhadas para os membros do Supremo Conselho, com objetivo da aprovação e, de conceder os capitais necessários para o empreendimento, sendo descrito ainda todo o trabalho a ser realizado:

O senhor Kesselerius e o senhor Daperius, representantes da Classe da Igreja Cristã Reformada no Recife deixaram saber que eles decidiram encarregar o Predicante Doorenslaer para predicar aos brasileiros e tendo isto como objetivo ele irá residir nas aldeias entre a Paraíba e Goiânia. Ele viajará a todos os lugares para fazer a predicação na língua portuguesa e servir os sacramentos, e ao lado disto dois professores espanhóis lhe acompanharão que irão ensinar as rezas e outras

64

coisas aos brasileiros; um se chama Dionisiuus, que acabou de ser enviado de Amsterdã e que irá residir em uma das aldeias de Goiânia, o outro irá residir em uma das aldeias da Paraíba e ainda tem que ser encontrado. Para isto eles pedem nossa permissão o que eles receberam, e em seguida eles requerem se nós pagaremos os custos dos predicantes como foi deliberado na reunião de Classe. Foi decidido que quando eles retornarem que eles deverão apresentar suas declarações ao senhor Herckmans que está encarregado de fazer seus pagamentos em nome da Companhia. 17

Com o consentimento e custeamento da WIC, Dooreslaer partiu para a aldeia na

Paraíba, onde passou a residir e servir também às aldeias vizinhas. Assim, David foi o

primeiro predicante enviado à missionação em tempo integral em uma aldeia. “(...) nas

Aldeias da Paraíba o predicante Doorenslaer faz diligencia por aprender-lhes a língua e

instruí-los na religião, e já tão adiantado que pode conversar com eles em português (...)”.

(MELLO, 2001, p.184)

Em 1640, o Conselheiro Adrian van der Dussen relata:

Para instruir essa gente simples e ignorante, era desejo que se apresentasse alguém que aceitasse estudar a língua usada por eles: a isto decidiu-se finalmente o predicante David Doorenslaer, para aplicar-se inteiramente ao estudo e tomar a seu cargo o ensino dos brasilianos, tendo sido designado para predicante deles. Fixou residência nas Aldeias Jaocque e Pindaúna situadas próximas uma a outra, aldeias que agora se chamam Maurícia, na Capitania da Paraíba, a qual é a mais importante de toda esta região. Dedica-se com toda diligência a aprender a língua dos brasilianos, no estudo da qual já conseguiu muito progresso, realizando boa obra educativa e dirigindo-os. Vai de tempos em tempos de aldeia em aldeia, visitando-as e ensinando as crianças, batizando e casando. (MELLO, 2001, p.184)

No Nordeste Brasileiro, a Igreja Cristã Reformada ingressou na herança missionária

romana. Quanto ao batismo dos adultos, primeiro dava-se a instrução bíblica para os

catecúmenos, batizava-se somente quando estes pudessem ser admitidos também à mesa do

Senhor. E aos batizados, pediam que exercessem uma profissão de fé, antes de admiti-los a

mesa da comunhão.

Em Julho de 1640 realizou-se na Paraíba a primeira Ceia do Senhor, reunindo

indígenas de várias aldeias. Até então a participação de índios nessa cerimônia não era

permitida. Além do ministério da pregação, teve início o da educação, entretanto, para isso,

precisavam encontrar professores que falassem o português. O primeiro professor

17 Nótulas Diárias de 9/01/1638. Disponível em: < http://www.liber.ufpe.br/monummentahigyna>. Acesso em: 15 dez. 2011.

65

evangélico dos índios foi o Espanhol Dionísio Biscareto, casado com Dona Ana, holandesa.

(SCHALKWIJK, 2004) O trabalho ia sendo bem executado, contudo, o idioma ainda

representava um empecilho. O governo Holandês sempre desejou que a língua holandesa

fosse ensinada nas aldeias.

Como o ano de 1640 foi muito importante para a área da pregação devido a

realização da primeira Ceia, o setor de ensino alcançou grandes progressos, “a

brasilianização” idealizada pelo pastor Soler. Foi observado por esse religioso, durante a

segunda reunião do Presbitério, que na aldeia de Maurício de Nassau, próximo a sua casa,

havia um brasiliano razoavelmente experimentado nos princípios da religião, na leitura e na

escrita, sendo capaz de instruir os indígenas.

O primeiro professor evangélico entre os índios foi o espanhol Dionísio Biscareto.

No mesmo dia em que foi decidido que David seria o "predicante" entre os índios, Dionísio

foi nomeado professor para Itapecerica, a maior aldeia da região de Goiana. Mas somente

depois de muita procura acharam um professor para as aldeias paraibanas, o inglês Thomas

Kemp, cuja longa folha de excelente serviço na obra do Senhor pede uma biografia

posterior. De certo foi indicado para a aldeia de Massurepe. (SCHALKWIJK, 2004, p.6) O pastor Eduardus, então, lembrou que havia alguns outros assim também em Goiana. Decidiu-se sugerir ao governo que tais índios fossem nomeados professores nas aldeias, solicitando-se para eles um salário de 12 florins mensais, como um cabo do exército. Os XIX Senhores, na Holanda, alegraram-se muito ao ouvir que brasilianos podiam instruir a sua própria nação "no conhecimento do verdadeiro Deus e do caminho reto da salvação". (SCHALKWIJK, 2004, p.7)

A partir de então se decidiu sugerir ao governo que tais índios fossem nomeados

professores nas aldeias, sendo solicitado um salário de 12 florins mensais para eles. A

Diretoria da Companhia das Índias Ocidentais se alegrou com a notícia de que alguns

brasilianos poderiam instruir suas próprias nações no conhecimento do verdadeiro Deus, e

para o caminho da salvação (SCHALKWIJK, 2004).

Certamente, foi um desenvolvimento muito importante, pois estes foram os primeiros

indígenas da Igreja Evangélica da América do Sul. Desde o início de 1641, dois professores

nativos estavam trabalhando ao lado de obreiros espanhóis, ingleses e holandeses, sendo

eles, João Gonsalves e Melchior Francisco. (SCHALKWIJK, 1997)

Além do Livro Sagrado era necessário que houvesse um catecismo em tupi; como o

português era um idioma conhecido dos brasilianos, surgiu a idéia de realizar-se o catecismo

em ambas as línguas, além do holandês. O Presbitério incumbiu então o pastor Vicente

Joaquim Soler, responsável pela idéia do catecismo, ao lado do Reverendo David Doreslear

66

de confeccionar uma breve, básica e clara instrução na religião cristã. Anteriormente, David

residia e atuava na Paraíba, mas a pedido do Presbitério mudou-se para Pernambuco, "(...)

convencido em seu coração da necessidade e importância do caso, aceitou o chamado no

temor do Senhor”. Após a elaboração e o atento exame do Presbitério, o documento foi

enviado à Holanda sob o título de “Uma instrução simples e breve da palavra de Deus nas

línguas brasiliana, holandesa e portuguesa, confeccionada e editada por ordem e em nome

da Convenção Eclesial Presbiterial no Brasil com formulários para o batismo e santa ceia

acrescentados”. (SCHALKWIJK, 2004)

Na Holanda, o Presbitério de Amsterdã achou que não havia nada de errado com a

obra, no entanto, observou que o livro devia seguir mais de perto a Ordem do Catecismo de

Heidelberg, sendo esta, uma síntese doutrinária teológica muito importante da Reforma, com

suas divisões básicas sobre a perdição, salvação e gratidão brasiliana. As perguntas foram

consideradas muito longas, enquanto as respostas bem resumidas. Estabeleceu-se então, que

o livro deveria voltar para o Brasil.

3.3 Conflitos internos na missão

A partir de Julho de 1641, inicia-se um ano turbulento para os missionários, pois a

Companhia das Índias Ocidentais ordena a impressão de um pequeno livro "Uma instrução

simples e breve da Palavra de Deus nas línguas brasiliana, holandesa e portuguesa,

confeccionada e editada por ordem e em nome da Convenção Eclesial Presbiterial no Brasil

com formulários para batismo e santa ceia acrescentados.", de autoria de David. em clara

oposição à atitude do Presbitério de Amsterdã. Com isso, na gráfica de Enkhuizen, ao norte

da Holanda, foram feitas cópias do livro. O assunto foi levado ao Sínodo da Holanda, o

que aparentemente não incomodou a diretoria da WIC, já que a Companhia enviou os

catecismos para o Brasil da mesma forma. Por outro lado, a Companhia pareceu

conscientizar-se de que aquelas publicações estavam causando problemas, e numa carta ao

governo de Recife advertiu os conselheiros sobre o uso do catecismo brasiliano.

(SCHALKWIJK, 2004, p.8)

O mais evidente em toda essa querela, era a tensão entre a Igreja e o Estado. Para

todos os efeitos, a Companhia representava no Brasil o governo estabelecido, e sua diretoria

considerava no catecismo trilingüe um projeto de unificar de suma importância no Nordeste,

publicando o livro mesmo com a desaprovação da Igreja. Outro ponto era o fato de que a

própria Igreja temia que o Brasil se desviasse das três “Fórmulas de União”, adotadas pela

67

Instituição Reformada, no Sínodo Nacional de Dordt, em 1619, sendo elas: a Confissão

Neerlandesa, o Catecismo de Heidelberg, e os Cânones de Dordt. 18

Além do ministério de pregação e educação, esboçava-se o aspecto da assistência

social. Os pastores se preocupavam com a saúde dos índios alertando o governo para a falta

de alimentos, remédios e outros. O que resultava, inclusive, na grave diminuição da

população indígena.

Um relevante aspecto a se considerar, foi a intenção de alfabetizar os índios, sob o

objetivo de “(...) ensinarem as crianças e os adultos a ler e escrever e instruí-los nos

elementos da religião Cristã”. (SCHALKWIJK, 1986, p. 723). Essa era a posição da Classe

reunida em Recife, no ano de 1637.

Para dar início e continuidade a tentativa de alfabetização, o primeiro professor em

uma aldeia foi escolhido, seu nome era Dionisius Biscareto, um “(...) homem muito bom”

(SOLER 1636 -1643, 1999, p.12), de acordo com Soler. Biscareto atuou na aldeia de

Carasse, pertencente a Câmara de Goiana, e seu trabalho de catequese indígena foi

determinado durante a reunião de Classe, e aprovado por seu conselho. O professor

receberia ainda “(...) um rancho de Tenente por causa de sua numerosa família”.

(NÓTULA diária de 5 jun. 1641)

Em 1638, um segundo professor foi designado para a função de professor, Thomas

Kemp19. Um fator que reforçou a escolha do proponente foi a necessidade de um

representante de tal função ser falante da língua inglesa. Ao perceberem que Thomas

também detinha conhecimento da língua portuguesa, foi escolhido pela Classe em definitivo.

(SCHALKWIJK, 734, apud, RIBAS, 2007) Consta ainda a informação de que em 1638,

mais um professor passou a trabalhar na evangelização indígena.

Dorenslaer e Edwards solicitam a sua Excelência e ao Alto Conselho que fossem

contratados dois professores brasilianos, embora um já estivesse realizando seu trabalho

“(...) com louvor durante dois anos na aldeia Rabucurama”. (NÓTULA diária de 29 nov.

1641)

. Já o segundo requisitado foi apresentado na reunião da Classe em Novembro de

1640, e era um índio capacitado a ensinar e, morador da aldeia do Conde Maurício de

Nassau. (SCHALKWIJK, 1986, p. 756)

18O catecismo foi publicado na cidade de Enkhuizen, Holanda, em 1641, porém nunca foi encontrado um único exemplar. Ele já foi procurado nos arquivos sinodais na Holanda, num dos arquivos reais da Holanda, no catálogo central da Biblioteca Real de Haia, nos arquivos de Siegen e Kleve na Alemanha, na Biblioteca doVaticano, no Bristish Museum em Londres, no antigo Missionary Research Library em Nova York. 19 O sobrenome desse proponente foi encontrado escrito de várias maneiras.

68

Não se sabe, entretanto, se a eficácia e conhecimento por parte desses dois

professores brasilianos era obra dos missionários protestantes, ou ainda, se esses dois

escolhidos haviam sido alfabetizados por padres jesuítas antes da invasão neerlandesa, nesse

caso, tendo sido submetidos a uma total conversão. Observamos a partir da documentação,

porém, que somente indivíduos aptos eram determinados a exercer funções na missionação e

grandes conhecedores dos fundamentos da religião Reformada: “(...) se soube que ele ainda

não tinha a necessária instrução para esse fim, e também recebendo-se aviso de que ele não

tinha a necessária instrução para esse fim, é recusado(...).”(SCHALKWIJK, 1986, p. 725)

Além do conhecimento religioso, obviamente era exigido o domínio da língua dos índios.

Vale lembrar, que os designados a exercer os trabalhos nas aldeias, poderiam ser elevados a

proponentes e predicantes dos nativos.

Soler era o predicante na aldeia de Nassau - “(...) perto da casa de Sua Excelência

ficaram sempre na sua aldeia, e por isso também pude continuar entre eles os Santos

Exercícios todos os domingos” (SOLER 1636-1643, 1999, p.76)- e, com o passar dos anos

encaminhou pedidos de ampliação do templo onde predicava, pois

(...) a galeria do edifício da Companhia é pequena de mais para abrigar todos os brasileiros da aldeia Maurícia para escutar a palavra de Deus , pela qual os brasileiros irão se ocupar pela mandeira da construção e outros materiais. (SCHALKWIJK, 1986, p. 756)

A Classe também foi informada, que ainda em 1640, nas aldeias de Goiana sob a

responsabilidade de Edwards, existia um índio apto ao ensino aos demais brasilianos. Nota-

se que nos anos que se seguiram, encontramos mais nativos capacitados a serem professores.

O predicante Soler deixou saber, que na aldeia de sua Excelência mora um brasileiro, que também tem boa experiência e conhecimento dos fundamentos da religião, em leitura e na escrita que poderia muito bem exercer um papel na educação dos brasileiros. Pergunta se , se sua ajuda não seria necessária. A mesma questão foi feita por Eduardi (...). Aprovado, e cada um receberá temporariamente 12 florins por mês como salário. (NÓTULA diária de 17 jul. 1641)

Em momento algum os agentes religiosos, predicante e professor, foram separados

do projeto iniciado em 1637, nem mesmo durante a Guerra de Restauração. Em narrativas de

neerlandeses, a catequese e alfabetização nas aldeias eram citadas. E, um fator observado, o

mesmo que procuro ressaltar nesse capítulo, foi a relação que o ensino da língua e a escrita

tinham com o objetivo final de converter os indígenas à Religião Cristã Reformada:

69

Importava não pouco ao zêlo da piedade e à propagação da religião cristã reformada uma solícita educação da infância e a fundação de escolas por toda parte, para incutir nos bárbaros os preceitos de nossa fé e formá-los para um culto melhor. (...). (BARLÉU, 1974, p. 248)

A alfabetização era um meio de alcançar um propósito final. Era uma forma de

alterar costumes e crenças indígenas e apresentar-lhes a religião dos neerlandeses.

O ponto de vista do colono é pouco abordado em meio à documentação, no entanto,

em junho de 1638, o predicante Polhemius indaga ao Supremo Conselho que:

“(...) três aldeias de brasileiros se encontram perto da ilha, Braquoe, São Lourenço,

Roetaggwij, que contam com poucas pessoas, e que persistem na idéia de receber um

predicante, que poderá instruí-los na religião Cristã.” - batizassem seus filhos e casassem

seus jovens. (NÓTULA diária de 02 jun. 1638).

Um problema social enfrentado era a situação matrimonial caótica em geral, também

entre os índios. Muitos brasilianos casados viviam separados das suas esposas, pela guerra,

ou mesmo outros motivos. Não podiam casar-se novamente, embora alguns quisessem fazê-

lo.

A Bíblia, para regular estes casos, era a principal obra apresentada aos indígenas,

embora, cartilhas com fundamentos e doutrinas cristãs também fossem utilizadas, na

educação dos índios. Materiais estes definidos por Frei Manuel Calado como “cartilhas de

herética seita”. O Presbitério então considerou em 1638:

Não podendo (os brasilianos) ficar sem a comunhão matrimonial, pergunta-se de que maneira e por que meio podem ser assistidos na sua necessidade. O concílio foi de opinião de que a parte desertora deveria ser citada dentro de um período determinado, por um edital público do juiz civil. Além disto, depois daquele período, a parte abandonada deveria ser considerada, e declarada livre da parte desertora. E o assunto subiria ao magistrado para aprovação. Foi uma tentativa para se trazer alguma solução legal à situação matrimonial confusa reinante. De fato, foi o primeiro projeto de reconciliação ou divórcio legal na América do Sul, reconhecendo a dureza dos corações humanos. (SCHALKWIJJK, artigo)

Todavia, é importante ressaltar que essa documentação foi produzida pelos

neerlandeses. Dessa forma, é de extrema dificuldade avaliar a real posição frente à

catequização por parte dos invasores.

70

Sem dúvida, mais uma vez volto a afirmar o poder, o qual foi atribuído a

alfabetização para um real entendimento. A conversão viria, portanto, após a leitura e

compreensão dos fundamentos, para que então a palavra de Deus agora entendida, pudesse

ser seguida em todos os níveis.

3.4 Sobre a liberdade indígena

Ao se tratar da escravidão indígena, uma solução demandava solução urgente. Desde

o início da invasão holandesa no Brasil, havia se tornado claro que o tratamento conferido

aos brasilianos seria caracterizado por uma dada liberdade, tanto para os tupis, quanto para

os tapuias. Dessa forma, a liberdade seria fundamental na Constituição do Brasil Holandês, o

que efetivamente não ocorreu.

Devemos concluir que a sua atitude (da Companhia das Índias Ocidentais) em favor da liberdade do índio não era ditada por escrúpulos religiosos ou por um princípio de doutrina cristã, o que, aliás, se verificava na área dominada pelos portugueses. (NEME, 1971, p.180)

A Diretoria da WIC insistiu na libertação plena dos indígenas que tinham sido

escravizados pelos portugueses em 1625. Para Mário Neme, o conhecimento dos indígenas

pelos holandeses é anterior a esta data, antecede a invasão à Pernambuco. Gonsalves de

Mello, em seu livro “Tempo dos Flamengos” afirma que uma das “(...) preocupações

constantes da política dos invasores foi, sem dúvida, a aliança das tribos indígenas do país,

aliança que procurava angariar e manter por todos os meios”. (MELLO, 2001, p.231)

Algumas das formas encontradas para estabelecer um bom relacionamento entre brancos e

indígenas, era presentear esses últimos com objetos que lhes atraíssem, ou mesmo mantê-los

como força auxiliar de guerra.

A política dos holandeses é definida da seguinte forma em “O Domínio Colonial

Holandês no Brasil”:

71

Quanto mais fiéis se conservassem os índio aos governantes protestantes, quanto mais firmemente se soubesse trazê-los acorrentados à Holanda e quanto mais se alimenta-se o seu ódio aos portugueses- tanto mais calmamente poderiam os holandeses viver em Pernambuco, tanto melhor, por via de conseqüência, floresceria aí a indústria açucareira. (WATJEN, 1951)

Nítidos interesses econômicos estavam intrínsecos nas atitudes políticas, e nas

questões sociais, no que tange a relação dos invasores com os nativos:

A semi-escravidão também começou a ser combatida. O governo lembrou aos fazendeiros de Alagoas que índios só poderiam trabalhar nas lavouras, se essa fosse a vontade deles, e mediante remuneração. Em caso de não cumprimento por parte dos moradores ou capitães, os pastores-missionários poderiam reclamar junto aos magistrados. (SCHALKWIJK, 1997, p.11)

Outra forma de exploração era o ‘sub-pagamento’, onde capitães (sejam holandeses

ou índios) abusavam do seu poder, cobrando um pagamento antecipado por um número de

indígenas, enviando, portanto, um número mais baixo que o combinado, sem que o serviço

terminasse. Com isso, o governo estipulou que em caso de exploração ou abuso de poder, os

capitães deveriam ser castigados. Ou como chegou a ocorrer na Paraíba, o governador

deveria usar pastores como mediadores entre fazendeiros e trabalhadores nativos. A

liberdade, visada pelos indígenas não era somente espiritual, mas também sócio-política,

incluindo todos os direitos humanos do período. (SCHALKWIJK, artigo, p.11)

3.5 O declínio e o fracasso

Após a euforia dos primeiros anos, surgiram dúvidas acerca dos métodos usados em

relação aos indígenas. E uma reflexão mais profunda foi dificultada devido ao regresso à

Holanda de três grandes obreiros: Soler, Doreslaer e Eduardus.

O último período da Igreja Cristã Reformada, o chamado de Conservação pode ser

denominado como a época da paciência e esperança, buscando a manutenção da obra

iniciada. Assim, inauguraram-se duas importantes assembleias, uma eclesiástica e outra

72

política. À mesa das Assembleias Gerais da Igreja chegaram vários pedidos de tribos que

queriam receber os seus próprios obreiros. (SCHALKWIJK, 1986, p.99-100)

Índios rebeldes à Coroa Portuguesa foram incluídos no Perdão Geral da Capitulação

Taborda de 26 de Fevereiro de 1654. Entretanto, a maioria fugiu, não acreditando em

promessas.

Dentro de poucos meses, Paraupaba apresentou na Holanda, uma “Remonstrância”,

em nome da nação indígena dirigida ao governo central, os Estados Gerais dos Países

Baixos. Reivindicavam que esses, como “(...) senhores alimentadores da Igreja verdadeira

de Deus mandassem socorro o quanto antes, caso contrário, seus brasilianos seriam

extirpados” (SCHALKWIJK, artigo). O governo apoiou o pedido, mas não fez muita coisa.

Até que ponto esses tapuias tinham sido evangelizados pelos holandeses, não sabemos, “(...)

na rendição dos holandeses em 1654 os tapuias foram incluídos no perdão geral”.

(SCHALKWIJK, 1997)

Enquanto isso, no Nordeste, o jesuíta Antônio Vieira visitou a Serra de Ibiapaba.

Conforme ele observou, a influência do ensino religioso havia sido mais profunda do que se

imaginava. Os padres ficaram surpresos diante do traje fino dos indígenas, da arte de ler e

escrever e, principalmente de sua fé, pois como observamos no artigo Índios Protestantes no

Brasil Holandês, de Francisco Leonardo Schalkwijk: “(...) muitos deles eram tão calvinistas

e luteranos como se houvessem nascido na Inglaterra ou Alemanha, considerando a Igreja

Romana falsa”. (SCHALKWIJK, artigo)

Vieira relata e se surpreende com o a cultura dos indígenas após o contato com os

holandeses, afirmando que sabiam ler e escrever. Essa alfabetização foi financiada pela

Companhia das Índias Ocidentais com a manutenção de escolas e mestres-escolas para cada

aldeia. (REVISTA HISTORIAR, 2010, p. 21) Consta no catecismo de Heildelberg que “as

escolas cristãs devem ser mantidas”. Saber ler a Bíblia é fundamental para a religião

reformada, é parte integrante da prática religiosa protestante. É através dela que se sabe

como o fiel pode agradar a Deus, o mesmo catecismo diz: “A verdadeira fé é o

conhecimento e a certeza de que é verdade tudo o que Deus nos revelou em sua Palavra.”.

(CATECISMO de Hildeberg)

O padre relatou pelo menos duas das respostas de cartas que enviou aos índios, que

diz: “Eis aqui como era verdade e que até agora todos cuidávamos; e como os Padres não

tiveram nunca outro intento se não de nos arrancar de nossas terras para nos fazerem

escravos de seus parentes, os brancos.” (VIEIRA, 1904, p.117). Ou seja, os portugueses

mais uma vez percebem a ligação etnia/religião.

73

A outra diz: “Se por sermos vassallos de El-Rey, quereis que vamos para o

Maranhão, estas terras também são de El-Rey; e se por sermos Christãos, filhos de Deus,

Deus está em toda parte.” (VIEIRA, 1904, p. 117) Para pessoas que não confiavam nos

portugueses, dos quais acabam de afirmar que só queria escravizá-los, esta frase é cheia de

confiança e obediência, pois aprenderam com os mestres-escolas holandeses a não temer os

poderes dos governantes, uma vez que estes foram instituídos por Deus e só fazem o que

Deus permite. Também aprenderiam a confiar que o seu Deus sempre os protegeria, e

mesmo que morressem, como Poti, que teria como sua recompensa o Reino dos céus:

No catecismo de Heildelberg lê-se sobre as autoridades isto: Devo prestar toda honra, amor e fidelidade a meu pai e mãe e todos os meus superiores; devo submeter-me à sua boa instrução e disciplina com a devida obediência, e também ter paciência com seus defeitos; porque Deus nos quer governar pelas mãos deles.” E sobre a confiança em Deus: Para que tenhamos paciência em toda adversidade e mostremos gratidão em toda prosperidade e para que, quanto ao futuro, tenhamos a firme confiança em nosso fiel Deus e Pai, de que criatura alguma nos pode separar do amor dEle. Porque todas as criaturas estão na mão de Deus, de tal maneira que sem a vontade dEle não podem agir e nem se mover. (CATECISMO de Heidelberg, 2005, p. 60)

Para ter esse conhecimento sobre o batismo no catecismo de Heildelberg, eram

necessários 26 domingos, isso significa que no mínimo receberam cinco meses de doutrina

protestante, ou seja muito conhecimento reformado. Sobre “O sacramento da Confissão he

o de que mais fugião, e mais abominavão; e tambem havia entre elles quem lhes pregasse

que a confissão se havia de fazer só á Deus, e não aos homens.”(VIEIRA, 1904, p. 121)

Não é preciso sequer o comentário de que se trata da doutrina do sacerdócio universal. O

catecismo dizia que só Jesus era o mediador entre Deus e os homens.

Em seu relato vemos que os protestantes participaram de uma celebração da Semana

Santa em uma igreja católica, mas acredito que isto foi mais por estratégia de sobrevivência

do que de abandono da fé, pois segundo o padre sua devoção se acabava quando começava a

doutrina, ou seja, a missa. Na verdade muitos deles permaneceram firmes na sua fé até o fim

“e os da Serra sem o exemplo e doutrina dos Pernambucanos, que erão os seus maiores

dogmatistas.” (VIERA, 1904, p. 137)

No último período da missão da Igreja Reformada inaugurou-se com duas

assembléias importantes, uma eclesiástica, outra política. À mesa da assembléia geral das

igrejas chegaram vários pedidos de tribos que queriam receber os seus próprios obreiros,

tanto no sul, na região do Rio São Francisco, como no Rio Grande do Norte. Aliás, de lá, até

74

o cacique dos tapuias, Nhandui, pediu ajuda. Foi difícil achar as pessoas necessárias. O

professor Dionísio Biscareto foi ordenado pastor, e dois brasilianos nomeados professores;

no mais, os obreiros das igrejas também ajudariam.

Por outro lado, o próprio governo requisitou a assistência da igreja. Reconhecendo que deviam ser mais cuidadosos no contato transcultural, pediram ao Sínodo que alguns pastores "que conhecem melhor o caráter dos índios" traçassem um regulamento para a vida diária nas aldeias. Sob orientação do pastor Kemp preparou-se um projeto com uma aplicação do Decálogo à sociedade indígena, o qual foi aprovado pelo governo e implantado nas aldeias. (SCHALKWIJK, 1997, p. 12)

Poucos meses antes do começo da revolta em 1645, reuniu-se em Itapecerica, na

capitania de Itamaracá, a primeira grande assembleia indígena com 120 representantes.

Foram organizadas três câmaras, sob responsabilidade de três "regedores": a câmara de

Itamaracá, sob o índio Carapeba; a câmara de Paraíba, sob o índio Pedro Poti; e a câmara do

Rio Grande, sob o índio Antônio Paraupaba. Ao lado deles o governo holandês nomeou

Johannes Listri como comandante geral. (MAIOR, Fastos Pernambucanos, 1912, p.405)

O teste final e violento da política governamental e da missão reformada veio três

meses depois da assembleia indígena, com a eclosão da guerra da restauração portuguesa. A

fidelidade dos brasilianos refugiados ao redor das fortalezas litorâneas foi impressionante,

atestada por todos os documentos. Os mais famosos destes são as chamadas "cartas tupis",

basicamente uma correspondência entre dois primos brigados, escritas em sua língua

materna: o capitão-mor Filipe Camarão e seus oficiais e Pedro Poti e seus homens. O

primeiro era o grande defensor do lado luso-romano na guerra do açúcar, o segundo o

decisivo parceiro do lado flamengo-reformado, disposto a "viver ou morrer" com os

holandeses. (MAIOR, Fastos Pernambucanos, 1912, p. 420-421)

Em todas essas cartas está patente a estreita ligação entre fé e nação, igreja e estado.

Filipe Camarão escreveu: "... não quero reconhecer a Antônio Paraupaba nem a Pedro

Poti, que se tornaram hereges ..." O índio Poti por sua vez respondeu numa longa carta

datada do dia 31 de outubro de 1645, talvez de propósito no dia comemorativo da reforma

protestante. Nessa carta Poti afirma que seus índios viviam em maior liberdade do que os

outros, enfatizando que os portugueses queriam escravizá-los. Lembrou as matanças da Baía

da Traição e de Sirinhaém, havia poucas semanas, onde, depois da rendição da força

holandesa, os portugueses mataram cruelmente todos os 23 índios prisioneiros de guerra,

apesar das condições acordadas. Mencionou ainda como foi educado na Holanda e

confessou ser cristão "crendo somente em Cristo, não desejando contaminar-se com a

75

idolatria", exercitando-se diariamente na fé. Convidou finalmente seus parentes e amigos a

passar para "o lado dos piedosos", que "nos reconhecem no nosso país e nos tratam bem”.

SCHALKWIJK, Índios Protestantes no Brasil Holandês, 2004 )

As cartas seguiram para a Holanda, ou na forma original ou em cópia. Ali foram

traduzidas pelo pastor Eduardus, utilizando o vocabulário que ainda possuía da língua tupi.

Em verdade elas formam um ponto alto na história da missão reformada, num momento

crucial dos anos da ocupação flamenga do Nordeste brasileiro. Nenhum dos primos, porém,

veria o desfecho final da luta sangrenta. Filipe Camarão faleceu em 1648, depois da primeira

batalha de Guararapes, e, no ano seguinte, seu primo Pedro Poti foi aprisionado na segunda

batalha naquelas colinas perto do Recife.

Depois de restabelecido um pouco de paz, o trabalho missionário continuou. Um

passo muito importante foi dado, não quantitativo, mas qualitativo: a brasilianização dos

pregadores. A partir de 1647 nomes de pregadores indígenas começam a se destacar. O

conhecido professor índio João Gonsalves, que já trabalhava durante cinco anos numa das

aldeias da Paraíba, por sugestão do missionário Kemp foi promovido a "consolador de

enfermos", e o Presbitério pediu maior salário para ele, sendo agora evangelista. Deve ter

havido mais um consolador indígena, e com estes dois a primeira igreja indígena estava

tomando uma forma mais autêntica. O surgimento de diáconos, presbíteros e pastores era

uma questão de tempo (SCHALKWIJK, 1986.)

Também na área do ensino a brasilianização continuou e o Presbitério nomeou mais

dois professores índios, Álvaro Jacó e seu colega Bento da Costa, sendo colocados na folha

de pagamento dos funcionários eclesiásticos pagos pelo governo no Recife.

Ao lado do trabalho da pregação e do ensino destacou-se nesse tempo difícil a

diaconia. A população indígena, junto com seus aliados europeus, comprimida numa faixa

estreita do litoral pela revolta lusa, estava passando por "incrível miséria". A maior parte

havia se refugiado na ilha de Itamaracá. Por isso, uns mil e duzentos, especialmente

mulheres e crianças, foram levados ao Rio Grande onde era mais fácil protegê-los contra os

ataques dos portugueses. O presbitério apelou para que a Holanda ajudasse os brasilianos,

"de grande fidelidade e da nossa religião, havendo-se convertido a Cristo”. (SCHALKWIJK,

1986)

As igrejas na Holanda reagiram, Amsterdã em primeiro lugar, mas também o próprio Nassau, mandando entre outras coisas boa quantidade de linho, muito cobiçado pelos índios. Depois de serem transportados gratuitamente pela Companhia, os donativos haviam de ser distribuídos no Brasil. Sabemos de pelo menos três distribuições. A primeira realizou-se em 1647 sob orientação do pastor

76

Kemp, entre os refugiados decerto ao redor do Castelo Reis Magos no Rio Grande. A segunda ocorreu perto do forte "Cabo Dello" na Paraíba, sob controle do pastor Biscareto. Aí, entre os 60 nomes registrados aparecem somente 10 homens; de 15 senhoras foi dito especificamente que eram viúvas, cada família recebendo entre 3 e 7 "côvados". A terceira distribuição foi feita no forte Wilhem, na capitania de Itamaracá, pelo pastor Apricius na presença do regedor Carapeba e seus oficiais, alcançando 135 pessoas, sendo que eram somente mulheres e crianças. (SCHALKWIJK, 1986)

A gratidão das igrejas indígenas foi grande, "não podendo admirar-se o bastante de

como era possível que irmãos que nunca os viram lhes dessem provas de tão grande

afeição". A ajuda, entretanto,não podia ser mais do que um alívio temporário; não podia

evitar que a situação entre os índios chegasse a ser desesperadora. (SCHALKWIJK, 2004)

O domínio holandês estava terminando. Em 1649, na segunda batalha de Guararapes,

o regedor Pedro Poti foi preso, não podendo esperar nenhuma compaixão dos seus juízes.

Conforme testemunho de Antônio Paraupaba ele foi lançado num poço, onde permaneceu durante seis meses. Quando retirado, de vez em quando, padres, juntamente com seus parentes, saltavam sobre ele, tentando força-lo a abjurar a religião reformada. Mas, disse Paraupaba, o Deus de toda misericórdia na vida e na morte, que o havia trazido da escuridão para a luz, fortaleceu aquele junco frágil, transformando-o num pilar da fé. Todos que estavam presos com ele naquele tempo no Cabo Santo Agostinho puderam testemunhar isto. Depois foi embarcado para Portugal, "viagem que não acabou, atalhada da morte. (SCHALKWIJK, artigo 2004)

Quando não houve mais condições de segurar o Recife, com as tropas de Francisco

Barreto às portas das fortificações e uma armada lusa a forçar a entrada do porto, o Nordeste

foi devolvido a Portugal. Terminou também forçosamente a missão cristã reformada, a qual

era impossível sem a proteção de um país protestante.

De fato, os índios "rebeldes à coroa de Portugal" foram incluídos no perdão geral da

capitulação de Taborda de 26 de fevereiro de 1654. Mas a maioria fugiu, não acreditando

nas promessas. Percorreram mais de 750 quilômetros de sertão para a Serra de Ibiapaba,

longe no oeste do Ceará. Ali se juntaram aos índios tabajaras. Com os refugiados a

população deve ter chegado a umas quatro mil pessoas, um verdadeiro "Palmares dos

índios". Sem dúvida, corsários holandeses mantiveram contato com eles, e foi num desses

navios que embarcou Antônio Paraupaba, com dois dos seus filhos, como representantes

dos refugiados.

Enquanto isso, no Nordeste, o padre jesuíta Antônio Vieira visitou a Serra de

Ibiapaba ainda em 1654. Conforme ele, a região tinha se tornado uma verdadeira "Genebra

de todos os sertões do Brasil". A influência do ensino religioso havia sido mais profunda do

77

que se imaginava à primeira vista. Os padres ficaram atônitos diante do traje fino dos

indígenas, da arte de ler e escrever e especialmente do lado religioso, porque "muitos deles

eram tão calvinistas e luteranos como se houvessem nascido na Inglaterra ou Alemanha",

considerando a igreja romana uma "igreja de moanga", uma igreja falsa.

Quando de viagem a Portugal, Antônio Vieira reteve para os jesuítas o encargo de

cuidar espiritualmente dos índios em geral, com uma recomendação especial pela

"reformação" dos indígenas influenciados pelos holandeses. Com muito cuidado, a missão

de Ibiapaba finalmente conseguiu arrebanhar os índios novamente à obediência de Roma. Se

tivesse existido liberdade religiosa poderiam ter permanecido como a primeira igreja

indígena evangélica nas Américas, à semelhança da igreja indígena reformada nas ilhas do

arquipélago da Indonésia. Mas debaixo da bandeira portuguesa, isto era absolutamente

impossível.

O último vestígio da missão reformada no Nordeste apareceu durante a "Guerra dos

Bárbaros". Foi uma árdua luta ocorrida no oeste do Rio Grande do Norte durante os últimos

anos do século XVII, em que os tapuias nhanduis foram exterminados por serem

considerados selvagens e difíceis de ser tornarem aliados.

Até que ponto esses tapuias tinham sido evangelizados pelos holandeses, não sabemos. Depois do convite do cacique Nhandui, o "ema pequena", os pastores Kemp e Apricius e outros obreiros devem ter estado com eles, mas na verdade perdemos os rastros concretos da sua evangelização. Sabemos, contudo, que o contato com eles se estremeceu poucos meses depois da eclosão da revolta lusa. É que o pastor Stetten, acompanhado por um grupo de soldados, foi mandado ao Rio Grande para refrear os tapuias para não acabarem com todos os portugueses, pressentindo, de certo, que tinha chegado a hora da verdade: ou os portugueses, ou eles haviam de morrer um dia. (SCHALKWIJK, 1997, p.16)

Na rendição dos holandeses em 1654 os tapuias foram incluídos no perdão geral. É

certo que nem todos aceitaram, contudo, em um cenário onde os fiéis ao protestantismo

eram poucos e os holandeses eram expulsos do convívio, a palavra reformada não seguiu

adiante com os indígenas. A catequização indígena realizada era, para além de toda querela

de interesses, uma atuação educativa.

78

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Finalmente, ao avaliar o trabalho missionário da Igreja Cristã Reformada no

Nordeste, logo percebemos que o número dos missionários era muito reduzido.

(SCHALKWIJK, 1986) No entanto, convém destacar os esforços no conjunto total dos

obreiros disponíveis. Entre os índios trabalharam três tipos de irmãos: pastores

(“proponentes” ou licenciados), consoladores (ou evangelistas) e professores (ou leitures).

Os documentos nos fornecem alguns nomes de evangelistas e professores, mas é

extremamente difícil definir quantos deles estavam entre os índios.

Quantos aos pastores, as informações são mais específicas, ao todo houve quarenta e

sete ministros no Nordeste durante os anos de ocupação holandesa. Dentre eles, seis eram

missionários de tempo integral, e alguns faziam trabalho em tempo parcial, ou serviam a

79

causa indígena indiretamente. Podemos afirmar que uma grande parte do esforço pastoral

esteve voltada para os indígenas e, durante os anos de domínio holandês esse número tendeu

a crescer.

É importante ressaltar que o interesse religioso dos invasores, estava diretamente

relacionado a aspectos econômicos e, a incessante busca de poder da Companhia das Índias.

A respeito da contribuição dessa evangelização, em geral, as opiniões divergem. Os

aspectos considerados negativos são inspirados por sentimentos como os do frei Manuel

Calado, que escreveu em 1648 que “(...) os índios foram traidores, à lei de Deus e à Pátria

amada...”. As avaliações positivas geralmente se inspiram na fonte da reforma evangélica

do século XVI, como o luterano Helmut Andrae ou o presbiteriano Domingos Ribeiro, em

estudos valiosos baseados na tradução das Atas do Presbitério do Brasil. No entanto, o que

não se tem dúvida é quanto ao caráter do homem presente nesse tempo e espaço abordado.

A apropriação de um modelo anterior facilitou o contato e o trabalho protestante, no

entanto, a alfabetização e ensinamento da língua holandesa, foi um aspecto ímpar, que

solidificou a evangelização reformada. A questão da alfabetização, que levou a criação de

um corpo de leitura religiosa especificamente para a leitura dos brasilianos demonstrou a

importância da palavra para tal empreendimento, o que levou muitos indígenas como aliados

dos holandeses.

Em relação aos índios, poucos documentos revelam certa confiança nos obreiros

reformados, e lealdade à causa evangélica.

Ao lado da pregação e ensino, houve a preparação de um catecismo na língua nativa.

Outros projetos incluíam a tradução das escrituras e ordenação de pastores indígenas, o que

não chegou a efetivar-se, principalmente, após a expulsão dos holandeses.

Apesar da tão falada liberdade de culto, a situação entre os religiosos era tensa. Com

freqüência identificamos hostilidades entre católicos e protestantes estes últimos, acusados

muitas vezes de atacar com injúrias e xingamentos freis e clérigos da Igreja Católica. Entre

os protestantes, havia também conflitos e acusações:

Temos estado a bordo de um precipício. Atribuo a falta dos meus colegas; não só porque têm sido cachorros mudos e sem prática de disciplina, mas tanto mais porque têm sido cúmplices de luxúrias e roubos. (SOLER 1636-1643, 1999, p.39)

Um último e relevante aspecto a se ressaltar, como colocado ao longo do trabalho, é

um receio holandês em manter uma continuidade de sua religião. Com a expulsão dos

80

europeus, fontes nos revelam a preocupação de mandar novos religiosos com a intenção de

não deixarem os índios perderem a crença, ou não passarem adiante a palavra de Deus de

acordo com a religião Reformada. O que nos faz refletir se existia realmente uma fé indígena

no protestantismo, ou se de alguma maneira os índios eram levados a tal posição. A

catequização indígena realizada pelos jesuítas era, também, uma atuação educativa, na

medida em que formar o cristão era forjar uma parte importante e essencial da cultura

ocidental, bem como o homem que dela era expressão.

É importante enfatizar a questão do ensino, como instrumento de catequese e

deixaram seu legado, pois é impossível nos referirmos à educação no período colonial sem

ao menos citar os missionários da Companhia de Jesus e posteriormente os protestantes.

Considero esta uma interessante passagem da História do Brasil Colonial, contudo,

ainda pouco discutida, principalmente pela escassez de fontes, já que, a maioria encontra-se

em arquivos holandeses, manuscritos e não traduzidas. No entanto, alguns pesquisadores e

mesmo religiosos despertaram por tratar de uma outra face da presença holandesa em solos

do ‘Novo Mundo’, lado este que envolveu intensas relações, posições, costumes e tradições

de indivíduos de diferentes culturas no dado tempo e espaço.

REFERÊNCIAS

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● BARLÉU, Gaspar. História dos fatos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. São Paulo: EDUSP, 1974 ● CALADO, Manuel. O valeroso lucideno. Belo Horizonte: Itatiaia, v.I, II, 1987. ● CATECISMO DE HILDEBERG, 1563. ● Dezessete Cartas de Vicente Joaquim Soler 1636-1643. Rio de Janeiro: Editora Index, 1999 ● ENCICLOPÉDIA CATÓLICA. ● GALINDO, Marcos, HULSMAN, Lodewijk ; DANTAS SILVA, L.A. Guia de fontes para a historia do Brasil holandês: acervos de manuscritos em arquivos holandeses. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2001. Referência: (SL-2,2)- Classificação 981.03- Biblioteca Nacional. ● História ou Annaes dos feitos da Companhia das Índias Occidentais desde o seu começo até o seu fim do anno de 1636 por Joannes de Laet, ABNRJ, v.30:36,1912. ● MELLO, José Antonio Gonçalves de. Fontes para a história do Brasil holandês: a economia açucareira. Vol. I, 2 ed. Recife: CEPE, 2004. ● ________. Fontes para a história do Brasil holandês: a administração da conquista. Vol. II, 2 ed. Recife: CEPE, 2004. ● MONTALVÃO, Marques de, CASTILHOS, Jorge de, ALBUQUERQUE, Jorge de. Ofício do conselho solicitando o rei de Portugal nomeação do padre Manoel Calado do Salvador para a administração eclesiástica de Pernambuco. Coleção Brasil Holandês, Lisboa,19 de Novembro de 1646. ● NÓTULAS diárias, disponível em: <http://www.liber.ufpe.br/hyginia> ● Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. Editor, Cia Editora de Pernambuco. Pernambuco, Imprensa Oficial 1931-1946, sigla MSS.IMP. 18,1,16;1,17;1,18;1,19 (Biblioteca Nacional). ● Sobre a Conquista Neerlandesa -1624, Rio de Janeiro: Index, 1999. Manuscritos (IMP21,2,8-10), Classificação 981.03- Biblioteca Nacional. ● TEENSAMA, B.N. (Org) Brasil Holandês. Dezessete Cartas de Vicente Joaquim Soler 1636-1643. Rio de Janeiro: Editora: Index, 1999.

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