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Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Ciências Sociais
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Gabriela Maria Costa da Silva
Política e fé: a missão religiosa no Brasil holandês
Rio de Janeiro
2012
Gabriela Maria Costa da Silva
Política e fé: a missão religiosa no Brasil holandês
Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: História Política.
Orientador: Profª. Dra.Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira.
Coorientador: Profª. Dra.Célia Cristina da Silva Tavares
Rio de Janeiro
2012
CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/ BIBLIOTECA CCS/A
Autorizo apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação, desde que citada a fonte. _____________________________________ ___________________________ Assinatura Data
S586p Silva, Gabriela Maria Costa da Política e fé: a missão religiosa no Brasil holandês / Gabriela
Maria Costa da Silva. – 2012. 85 f. Orientador: Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira. Coorientador: Célia Cristina da Silva Tavares. Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. . Bibliografia. 1. Brasil – História – Domínio holandês, 1624-1654 - Teses.
2. Religião e política - Brasil – Séc. XVII – Teses. I. Ferreira, Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz. II. Tavares, Célia Cristina da Silva. III. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. IV. Título.
CDU 981.026
Gabriela Maria Costa da Silva
Política e fé: a missão religiosa no Brasil holandês
Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: História Política.
Aprovada em 23 de novembro de 2012. Banca Examinadora:
_________________________________________________________
Profª. Dra.Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira (Orientadora)
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - UERJ _________________________________________________________
Profª. Dra. Célia Tavares (Coorientadora)
Faculdade de Formação de Professores - UERJ
_________________________________________________________
Profª. Dra. Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - UERJ ________________________________________________________
Prof. Dr. William de Souza Martins
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais - UFRJ
Rio de Janeiro
2012
AGRADECIMENTOS
Ao final de todo trabalho, a sensação que nos invade é de dever cumprido, esse
sentimento me faz lembrar dos colaboradores que foram tão importantes para a conclusão
desta pesquisa.
Gostaria de agradecer em primeiro lugar a Deus, por colocar pessoas tão
maravilhosas, e essenciais na minha vida.
Agradeço aos meus amados pais, Joana e Paulo, sempre presentes, preocupados,
maiores incentivadores em toda minha trajetória, responsáveis pela minha educação e
verdadeiros exemplos para mim em todos os aspectos da vida. A primeira me ajudou não
apenas sendo mãe incrível, incentivadora e excelente profissional, mas também sendo uma
avó babona e presente, que ficou com a netinha de quatro meses, quando eu precisava me
concentrar, ler e escrever. Dedicou seus poucos horários folgas e finais de semana ajudando
com a bebê. Me emociono de pensar em seu sorriso que me sempre acalma e nas ordens de
“vai escrever” que sempre me dava. Serei grata para sempre. Meu pai, que viveu o mestrado
comigo desde a cobrança no processo de seleção para entrada na pós-graduação, agradeço
sua participação, interesse, curiosidade e discussões dos textos que eram passados nas aulas.
Acho graça ao lembrar que mesmo antes de saber se estava tudo bem, vinha empolgado com
a pergunta: “E o mestrado?”.
Aos meus irmãos-companheiros João Paulo e Bárbara, que em muito participam da
minha vida e jamais permitem meu desânimo. Obrigada pelo amor e pela força de sempre.
Não posso deixar de mencionar a Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
instituição sem a qual não aprenderia tantas lições desde a graduação. Agradeço a todo o
corpo docente do PPGH, pelas aulas incríveis e esclarecedoras e, em especial minha querida
orientadora Tania Bessone, grande historiadora, paciente e sempre disponível quando
precisei. Agradeço a Célia Tavares, minha coorientadora essencial para discussão, correção e
conclusão da pesquisa.
Agradeço ao Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, pelo incentivo ao
mestrado, desde a liberação para assistir as aulas até as conversas com meus queridos amigos
historiadores. Agradeço ao seu corpo de amigos-funcionários, principalmente da Divisão de
Documentos Permanentes. Uma atenção especial, aos amigos Clarissa Ramos, Gabriel
Alencar, Gabriel Mourão, Mírian Teixeira e Teresa Bandeira de Mello que seguraram o setor
com as minhas ausências que me apoiaram, e divertiram sempre.
Por fim, à família que formei e que só me traz felicidade. À Cecília, meu maior
presente, que com poucos meses de vida colaborou com a mamãe até com as sonecas mais
longas durante o dia, e em ficar calminha com o papai e com a vovó em minha ausência. À
Amora, filha canina que esteve deitadinha aos meus pés ao longo de todo trabalho. E por fim,
mas de toda importância, ao meu marido José Paulo que me renova diariamente, exemplo de
homem, professor e historiador que eu tenho a sorte de conviver, aprender e crescer junto.
Obrigada por ser meu companheiro de vida por estar sempre ao meu lado e por ser minha
base. Termino fazendo minhas as palavras dele, que sempre cabe muito bem: “que o seu
sorriso continue enfeitando a minha vida, os meus pensamentos e as minhas projeções por
toda a existência que nos cabe”.
RESUMO SILVA, Gabriela Maria Costa da. Política e fé: a missão religiosa no Brasil holandês. 2012. 85 f. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
O objetivo deste trabalho é analisar a presença da Igreja Protestante e, a propagação da fé reformada entre os indígenas durante a ocupação holandesa no Nordeste brasileiro, nos de 1630 a 1654. É discutido ainda como se deu a relação dos nativos com os invasores neerlandeses. Como foi realizada a evangelização dos índios, que por sua vez, já haviam sido catequizados pelos portugueses católicos, principalmente os religiosos da Companhia de Jesus, e quais as dificuldades encontradas frente a uma (re)catequização. Aborda ainda o interesse econômico aliado ao religioso que compunha o quadro do século XVII, além de todo o processo de alfabetização o qual os brasilianos passaram, resultando assim em uma mudança da estrutura cultural e social no tempo e espaço supracitados. Palavras-chave: Brasil holandês. Religião. Evangelização. Indígenas
ABSTRACT
The objective of this work is to analyze the presence of Protestant Church e, the propagation of the remodelled faith enters the indígenas during the dutch occupation in the Brazilian Northeast, in the ones of 1630 the 1654. It is argued still as if it gave the relation of the natives with the neerlandeses invaders, as the evangelização of the indians was carried through, who in turn already had been catequizados for the Portuguese catholics, mainly the religious ones of the Company of Jesus, and which the joined difficulties front to one (re)catequização. Still approach the economic interest ally to the religious one that it composed the picture of century XVII, beyond the process of alfabetização which the brasilianos had all passed, thus resulting in a change of the cultural and social structure in the above-mentioned time and space. Keywords: Dutch Brazil. Religion. Process of evangelization. Indians.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................... 10
1 A CHEGADA DOS HOLANDESES E A DIFUSÃO DE SUA FÉ
PROTESTANTE.................................................................................................
16
1.1 A formação dos invasores.................................................................................. 16
1.2 O rascunho do Brasil Holandês......................................................................... 22
1.3 A presença de Nassau......................................................................................... 26
1.4 A presença protestante....................................................................................... 31
2 A IGREJA CRISTÃ REFORMADA E A (RE) EVANGELIZAÇÃO DOS
NATIVOS............................................................................................................
36
2.1 Católicos e Protestantes..................................................................................... 36
2.2 Protestantismo no Brasil Holandês.................................................................. 38
2.3 Idealização prática da catequização protestante............................................. 42
3 ORGANIZAÇÃO, ESTRUTURA E ENSINAMENTOS NA PRÁTICA: O
RESULTADO DA EDUCAÇÃO CALVINISTA PARA OS INDÍGENAS..
53
3.1 Os missionários protestantes............................................................................. 53
3.2 Os indígenas como foco da missão.................................................................... 60
3.3 Conflitos internos na missão.............................................................................. 66
3.4 Sobre a liberdade indígena................................................................................ 70
3.5 O declínio e o fracasso........................................................................................ 72
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 79
REFERÊNCIAS.................................................................................................. 81
10
INTRODUÇÃO
No século XVII, percebendo a vulnerabilidade das colônias portuguesas por aqui
instaladas, os holandeses colocaram parte de seus planos em prática, invadindo e se
estabelecendo no nordeste do Brasil, travando uma luta árdua contra portugueses, espanhóis
e mesmos os nativos.
O principal aspecto a ser abordado nessa pesquisa, a partir da invasão holandesa,
refere-se à questão do ensinamento da religião protestante dos holandeses, aos indígenas do
território pernambucano. Ou seja, identificar aspectos sociais e religiosos, no que tange o
relacionamento com os índios e a mentalidade da população local no período.
Houve três tentativas de implantação da Igreja Protestante no Brasil Colônia, sendo
que em todas, esta foi expulsa pelos portugueses católicos. A primeira tentativa se deu com a
Igreja Reformada dos franceses no Rio de Janeiro de 1557 a 1558; a segunda, com os dos
Holandeses na Bahia de 1624 a 1625, e a terceira ocorreu ainda no nordeste por holandeses,
alemães, ibéricos, ingleses, franceses e índios, quase que trinta anos depois.
Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco constituíam os três principais centros urbanos
do Brasil Colônia do século XVIII. A riqueza produzida pelo açúcar brasileiro ajudava a
consolidar o domínio Espanhol, enquanto procurava estrangular a jovem República dos
Países Baixos.
Entre os motivos que impulsionaram a invasão holandesa no Brasil, encontram-se tais
divergências entre a Espanha e os Flamengos. Na Holanda, pouco depois de 1500, a casa de
Habsburgo chegou ao poder reunindo possessões alemãs, espanholas e holandesas nas mãos
de Carlos V. Em 1580, com a União Ibérica comandada pela Espanha e Portugal, seus
domínios também passaram a fazer parte dos Habsburgos.
Em meados do século XVI, eclode na Europa a Reforma Protestante, com isso, Felipe II
rei da Espanha decidiu eliminar os protestantes de seus territórios, o que levou resultou na a
Guerra dos 80 anos (1568-1648), também chamada de Revolta Holandesa. Com o Tratado
de Vestfália1, em 1648, os Países Baixos obtiveram o reconhecimento de sua independência,
não apenas pela Espanha, como também pelo Império Alemão.
A intenção da Holanda era constituir uma potência mundial, e tal idéia era facilitada
por sua localização litorânea, favorecendo a navegação, e com isso um comércio
1 O Tratado Hispano-Holandês, que pôs fim à Guerra dos Oitenta Anos, foi assinado no dia 30 de janeiro de 1648, na cidade de Münster. Esse tratado reconheceu oficialmente as Províncias Unidas e a Confederação Suíça.
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ultramarino. Outra vantagem era que Hinterland2 do Império Alemão lhe era atribuído como
mercado consumidor. Até fins do século XVI, os Países Baixos detinham seu comércio
marítimo com os países ibéricos, enviando produtos como o trigo e a madeira, e recebendo
produtos tropicais de suas colônias. No momento em que a Espanha assumiu esse comércio,
os holandeses iniciaram sua navegação transoceânica, chegando a colônias do Império luso-
espanhol.
O vigoroso comércio ultramarino formado pelos holandeses organizou duas
companhias para o fortalecimento da cooperação entre as empresas e para a sua proteção
frente aos espanhóis. Assim, em 1602, foi criada a Companhia das Índias Orientais (VOC),
que foi o resultado do esforço holandês a partir de interesses políticos, econômicos e
militares no extremo oriente e, em 1621, quando retomada a luta contra a Espanha, foi criada
a Companhia das Índias Ocidentais (WIC), que tinha no Atlântico, sua área de atuação –
tratava-se de um misto de sociedade mercantil e empresa colonizadora. Seu objetivo fora
garantir o mercado fornecedor e, quando possível, criar colônias nas regiões produtoras. Sua
interferência atingiu também o tráfico negreiro, até então monopolizado por Portugal e
indispensável ao modelo de produção açucareira instaurado no Brasil e uma reação às ações
Espanholas.
Cientes de que as maiores riquezas da inimiga Espanha provinham das Américas, os
flamengos começaram a pensar na conquista de parte das colônias americanas como forma
de estancar a fonte de sustentação econômica das forças espanholas. Ao chegarem ao Brasil
enxergaram na Bahia uma grande oportunidade de ali se estabelecer, invadindo dessa forma
a cidade de Salvador, contudo, essa a conquista foi perdida em um ano. Os holandeses,
porém, decidiram prosseguir com a empreitada, agora voltada para Pernambuco, assim, o
sucesso do projeto deu início ao Brasil Holandês.
Um campanha mais bem organizada em 1630 resultou na invasão de Olinda, região
rica em pau-brasil e, principal área de produção de açúcar. Sendo ainda um apreciavel centro
comercial, religioso e artístico do Nordeste brasileiro.
Após a diminuição das rivalidades, os holandeses procuraram organizar a sua nova
conquista, adotando uma política mercantilista, na tentativa de obter lucros. No entanto, um
dos pontos inovadores do governo neerlandês foi a liberdade religiosa.
Durante esse período, houve um capítulo pouco conhecido, porém instigante, da
história eclesiástica brasileira, a da Igreja Cristã Reformada, como era chamada a Igreja 2 A palavra é de origem alemã e, é aplicada a região junto a um porto, de direito do estado que responde pela costa. A área de onde produtos são entregues a um porto para embarque é chamada de o hinterland do porto.
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Protestante na Holanda. Era uma Igreja do Estado, situação dessas instituições no Ocidente,
seja nos países católicos, ou nos protestantes. A Igreja Cristã Reformada veio para o Brasil
sob a bandeira holandesa, e foi expulsa com ela.
Na medida em que holandeses implantavam o território conquistado, eram
implantadas congregações reformadas. Durante algum tempo, existiram vinte e duas igrejas
protestantes no Nordeste, sendo a de Recife de maior porte, contando, até mesmo com
congregações inglesa e francesa. Esta se reunia no templo gálico, onde Maurício de Nassau
era o membro mais ilustre e a pastoreação era exercida pelo espanhol Vicentius Soler.
Entretanto, nas leituras de documentos da época, surgia uma Igreja cercada de pessoas
dispostas a expulsá-la de sua terra como a religião dos invasores.
Contudo, para os nativos, os holandeses não representavam invasores, mas sim
“libertadores”, o que levou a missão reformada no Nordeste a fazer uma opção pelo apoio
indígena.
O período escolhido para ser estudado nesta pesquisa, se inicia em 1630 a 1654,
tempo de grande transformação política, econômica e social no nordeste brasileiro com a
ocupação holandesa na região de Pernambuco, e foi nesse momento que houve uma intensa
relação com os índios.
Tupis e os tapuias foram grandes colaboradores de guerra e ajudaram a conquista
flamenga no Nordeste Brasileiro. Com isso, intensificou-se a relação amistosa, acarretando
uma série de medidas no governo dos holandeses em relação aos indígenas, como o
reconhecimento da liberdade, por exemplo, o que será discutido adiante.
A Igreja Cristã Reformada também crescia com grande influxo de refugiados,
perseguidos por sua fé evangélica. Chegaram a organizar congregações eclesiásticas de
língua francesa e inglesa. Porém, mais importante do que o crescimento numérico foi a
preocupação de zelar uma qualidade com a expressão holandesa do puritanismo.
Essa Igreja procurou evangelizar também portugueses que aqui viviam, entretanto,
essa conversão não foi bem sucedida, pois a religião protestante sempre foi considerada
pertencente aos invasores. E para esses, era mais fácil aceitar a dominação de um povo
Católico, a de Protestantes.
Em um primeiro momento a, delimitação espacial era compreendida apenas pela
capitania de Pernambuco, já que foi o local onde os holandeses se fixaram e construíram um
governo mais estruturado, entretanto, com o desenvolvimento da pesquisa, principalmente
pelas fontes encontradas, os espaços a serem estudados estenderam-se até o Maranhão.
13
A presente pesquisa procura primeiramente tratar do plano de expansão holandesa, e
a relação direta que seus objetivos políticos e econômicos travavam com a dimensão
religiosa. O trabalho se inicia desde as ações de suas Companhias de Comércio, e os
primeiros atos religiosos na tentativa de implantação da Igreja Reformada no Brasil.Visa,
ainda, entender o processo de evangelização e a maneira como esta se dava. Aborda quem
eram esses homens recém chegados, quais seus objetivos, como se deu o desenrolar da
missão, e as consequências do contato entre nativos e invasores.
Objetiva também, estudar questões como o uso da alfabetização como meio levar o
indígena a crença e conhecimento da religião reformada, a estrutura dos missionários, bem
como suas funções e papéis nas aldeias. Abordando ainda o conflito entre esses segmentos e
problemas enfrentados com outros religiosos durante o período.
Houve a associação da missão material com a espiritual, utilizando a religião como um
meio de aceitação de uma parcela da população que há anos sofria com a dominação de
outra metrópole.
Um importante aspecto analisado foi o uso da estrutura da missão católica, na
conversão dos indígenas, como instrumento rápido de alcance e compreensão por parte dos
nativos. Tornava-se necessária a existência de uma língua-padrão para atingir um número
maior de adeptos, seria preciso, dessa maneira, a utilização da língua nativa. A
complexidade dessa tarefa não consistiria apenas na tradução dos termos, mas nas
associações e tradições culturais. Dessa forma, o processo foi realizado através do uso de
palavras utilizadas pelos primeiros catequizadores, os católicos, principalmente os jesuítas.
A dificuldade da apreensão do idioma dificultou a relação e conversão dos índios, bem
como os diferentes interesses entre religiosos e companhia de comércio, além da relação
estabelecida com os primeiros colonizadores que consistiu em outra derrota na tentativa de
aceitação por parte dos protestantes.
Houve a associação da missão material com a espiritual, utilizando a religião como um
meio de aceitação de uma parcela da população que há anos sofria com a dominação de
outra metrópole.
Esta pesquisa busca reconstruir não os costumes da sociedade indígena, mas
estimular uma maior compreensão do que significou a relação com uma nova cultura. Serão
utilizadas correspondências trocadas entre Conselhos Políticos na Holanda, representantes
do poder no Brasil, notícias sobre conflitos entre religiosos católicos e protestantes, relações
com os indígenas presentes nas Nótulas Diárias do Alto Governo Neerlandês no Brasil ,
registro diário das deliberações do governo colegiado que regia as capitanias dominadas
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pelos neerlandeses e administrado pela Companhia das Índias Ocidentais no Brasil entre
1635 e 1654, ano da restauração pernambucana.
Duas obras são de fundamental importância e estarão presentes ao longo de todo
trabalho, são eles: Igreja e Estado no Brasil Holandês, de Frans Leornar Schalkwijk, pastor
e estudioso de religião no Brasil Holandês, que trata em sua pesquisa da organização da
Igreja Reformada, da função e abrangência desta na colônia, dos homens que nela atuavam,
de sua organização, bem como do trabalho missionário entre os indígenas. E a teses de
doutorado defendida por Maria Aparecida Ribas, O leme espititual do navio mercante: a
missionação calvinista no Brasil Holandes que desbrava a alfabetização, literatura,
aprendizado e o relacionamento dos invasores com os indígenas.
De extrema importância para a análise da sociedade após a invasão holandesa, o livro
Tempo dos Flamengos – Influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do Norte do
Brasil, de José Antônio Gonsalves de Mello, consiste em um estudo completo sobre a
relação dos invasores e as transformações feitas por estes no Nordeste brasileiro. Outro
clássico utilizado é do inglês Charles Boxer, Os Holandeses no Brasil, clássico que aborda o
viés da invasão a partir do campo político, esclarecendo as relações entre Holanda e
Espanha, o confronto e guerras que se disseminaram com a chegada dos holandeses. Obras
relevantes não apenas para informações, mas principalmente para a contextualização do
período.
A partir de então, este trabalho destina-se a adequação em uma nova abordagem dos
campos historiográficos social e político, trabalhando um tema bastante estudado, visto sob
outra perspectiva. A expectativa é que se torne uma contribuição bibliográfica sobre o tema
e um bom exemplo de aplicação teórico metodológica.
Sobre os capítulos
Os seguintes capítulos se dividirão em três momentos. O primeiro, intitulado “A
chegada dos holandeses e a difusão de sua fé protestante” trata do plano de expansão
holandesa, e a relação direta que seus objetivos políticos e econômicos travavam com a
dimensão religiosa. Apresento o início das ações de suas Companhias de Comércio, e os
primeiros atos religiosos na tentativa de implantação da Igreja Reformada no Brasil. Analiso
a formação do Estado Moderno Holandês e sua relação com Portugal e Espanha ao longo
dos séculos XVI e XVII, bem como os interesses holandeses na economia colonial brasileira
que levaram às invasões. Observo o regime político colonial implementado pelos holandeses
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diante da estrutura encontrada no território invadido, iniciando as discussões a partir da
ordem colonial ibérica e as mudanças pretendidas pelos novos ocupantes, que alteraram a
ordem política, economica, jurídica e religiosa encontrada no Brasil. A intenção é demarcar
os interesses e introduzir as relações teóricas entre a política e a religião que serão discutidas
a seguir. Por fim, trato dos fundamentos da Igreja Protestante recém chegada no Brasil,
principalmente do Calvinismo, religião oficial neerlandesa, bem como suas crenças,
estrutura e os pontos de divergência entre membros da mesma religião, com ênfase na
descrição minuciosa dos caracteres calvinistas e na constatação de sua heterogeneidade, bem
como seus responsáveis.
O segundo capítulo “A Igreja Cristã Reformada e a (re)evangelização dos nativos”,
destaco as principais diferenças entres o Catolicismo e o Calvinismo no que diz respeito à
prática da religião. Além disso, faço a distinção da evangelização para os calvinistas, e qual
era o olhar do protestante em relação aos indígenas. Trato ainda da utilização por parte dos
protestantes do modelo de educação jesuíta implantada pelos católicos no período anterior a
invasão, para facilitar o entendimento e comunicação com os indígenas, bem como dos
ajustes, adequações e ferramentas para o ensino da nova religião.
O terceiro e último capítulo, sob o título “Organização, estrutura e ensinamentos na
prática: o resultado da educação calvinista para os indígenas” aborda questões como o uso
da alfabetização como meio levar o indígena à crença e conhecimento da religião reformada,
a estrutura dos missionários, bem como suas funções e papéis nas aldeias. Trata ainda do
conflito entre esses segmentos e dificuldades encontradas durante o período.
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1 A CHEGADA DOS HOLANDESES E A DIFUSÃO DE SUA FÉ
PROTESTANTE
1.1 A formação dos invasores
Para melhor entender o período abordado nesta pesquisa, é importante conhecer a
Holanda e sua formação política, diferente das outras potencias europeias, não se tratando de
um modelo de monarquia absoluta, no entanto não era a única exceção (WHELING, 2004,
p. 13). Os Países Baixos eram formados por dezessete províncias, incluindo Bélgica e
Luxemburgo, constituindo um território mais amplo que o atual. “No sul falava-se francês,
denominado valão; no norte frísio ou flamengo, com vários dialetos incompreensíveis (...)”.
(SCHALKWIJIK, 1986)
Em teoria, a República Holandesa constituía uma federação em que as sete províncias eram iguais, em teoria, Amsterdã não passava de uma das dezoito cidades na província da Holanda, mas na prática, a elite de Amsterdã tinha meios de conseguir o que queria, pois pagava cerca de 44% dos impostos da província da Holanda, e a província da Holanda (desde 1612, quando foi fixada a quota) pagava 57% dos impostos de toda a República Holandesa. (BURKE, p. 61 ).
Suas funções políticas eram voltadas para as cidades e a soberania estava presente
nas províncias que constituíam o país. A organização política estava atrelada as questões
econômicas, característica dos estados mercantilistas.
Enquanto a economia portuguesa declinava, a Holanda crescia em seu importante
comércio de tecidos. Com o desenvolvimento de sua navegação, a Holanda passa a competir
com o domínio marítimo até então atribuído a Espanha e Portugal. Confiantes com seus
bons resultados obtidos, tanto em estratégias políticas com sua independência como também
em seu poderio comercial, decide elaborar um plano para atacar as colônias portuguesas, por
meio de um modelo já conhecido: uma Companhia de Comércio, representando uma fusão
entre negócio e guerra.
O vigoroso comércio ultramarino formado pelos holandeses organizou duas
companhias para o fortalecimento da cooperação entre as empresas e para a sua proteção
frente aos espanhóis. Assim, em 1602, foi criada a Companhia das Índias Orientais (VOC), e
em 1621, quando retomada a luta contra a Espanha, foi criada a Companhia das Índias
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Ocidentais (WIC), atuante no Atlântico, como citado anteriormente. Dessa forma, a
expansão holandesa se organizou e se manteve, graças a essas companhias de comércio.
Estas que eram uma forma de influenciar o resto da República
Contudo, não podemos limitar a criação dessas empresas comerciais apenas a
interesses políticos e econômicos. O intento de converter e conquistar fiéis para o calvinismo
era claro, principalmente em razão da Holanda possuir aquele como uma religião oficial, o
que caracteriza um Estado confessional, a exemplo de outros países Europeus.
No aspecto econômico, franceses, ingleses e holandeses chegaram a possuir
engenhos nas Antilhas. Mesmo com toda concorrência, o cultivo do açúcar no Brasil
garantia lucratividade para Portugal. Cientes de que as maiores riquezas da inimiga Espanha
provinham das Américas, os flamengos começaram a pensar na conquista de parte das
colônias americanas como forma de estancar a fonte de sustentação econômica das forças
espanholas. Ao chegarem ao Brasil enxergaram na Bahia uma grande oportunidade de ali se
estabelecer, invadindo dessa forma a cidade de Salvador. Contudo, essa a conquista foi
perdida em um ano. Os holandeses, decidiriam prosseguir com a empreitada em momento
posterior, dessa vez, voltada para Pernambuco. Assim, o sucesso do projeto daria início ao
Brasil Holandês.
Um campanha mais bem organizada em 1630 resultou na invasão de Olinda, região
rica em pau-brasil e, principal área de produção de açúcar, sendo ainda um apreciavel centro
comercial, religioso e artístico do Nordeste brasileiro. No entanto, é preciso ter em mente
que a conquista não ocorreu simultaneamente em todo território. Em um primeiro momento
era importante o domínio militar, para aos poucos instituir as funções políticas práticas
comerciais.
Após a diminuição das rivalidades, os holandeses procuraram organizar a sua nova
conquista, adotando uma política mercantilista, na tentativa de obter lucros. No entanto, um
dos pontos inovadores do governo neerlandês foi a liberdade religiosa.
Durante esse período, houve um capítulo pouco conhecido, porém instigante, da
história eclesiástica brasileira, a da Igreja Cristã Reformada, como era chamada a Igreja
Protestante na Holanda. Era uma Igreja do Estado, situação dessas instituições no Ocidente,
seja nos países católicos, ou nos protestantes. A Igreja Cristã Reformada veio para o Brasil
sob a bandeira holandesa, e foi expulsa com ela.
Na medida em que holandeses implantavam o território conquistado, eram
implantadas congregações reformadas. Durante algum tempo, existiram vinte e duas igrejas
protestantes no Nordeste, sendo a de Recife de maior porte. Esta se reunia no templo gálico,
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onde Maurício de Nassau era o membro mais ilustre e a pastoreação era exercida pelo
espanhol Vicente Soler. Entretanto, nas leituras de documentos da época, podemos descobrir
uma Igreja cercada de pessoas dispostas a expulsá-la de sua terra como a religião dos
invasores.
Dentre estas pessoas, não podemos destacar os indígenas. Para alguns deles, os
holandeses não representavam invasores, mas sim “libertadores”. Isto levaria a missão
reformada no Nordeste a fazer uma opção pelo apoio indígena.
O período escolhido para ser estudado nesta pesquisa tem início na invasão de 1630
até 1654, período em que ocorreu a ocupação holandesa na região de Pernambuco, e houve
uma intensa relação com os indígenas.
Tupis e os tapuias foram grandes colaboradores de guerra e ajudaram a conquista
flamenga no Nordeste Brasileiro. Com isso, intensificou-se a relação amistosa, acarretando
uma série de medidas no governo dos holandeses em relação aos indígenas, como o
reconhecimento da liberdade, por exemplo.
A Igreja Cristã Reformada também crescia com grande influxo de refugiados,
perseguidos por sua fé evangélica. Chegaram a organizar congregações eclesiásticas de
língua francesa e inglesa. Porém, mais importante do que o crescimento numérico foi a
preocupação de zelar por uma qualidade com a expressão holandesa do puritanismo.
A Igreja procurou evangelizar também portugueses que aqui viviam, entretanto, essa
conversão não foi bem sucedida, devido à identificação da religião protestante como
pertencente aos invasores. Para aqueles, era mais fácil aceitar a dominação de um povo
Católico, a de Protestantes.
Em um primeiro momento, a delimitação espacial estudada nesta dissertação foi
compreendida apenas pela capitania de Pernambuco, já que foi o local onde os holandeses se
fixaram e construíram um governo mais estruturado. Entretanto, com o desenvolvimento da
pesquisa, principalmente pelas fontes encontradas, os espaços a serem estudados
estenderam-se até o Maranhão.
O Brasil viveu durante três décadas do século XVII o período de dominação por
parte da Companhia das Índias Ocidentais. Esta experiência deixou duradouras marcas no
país, particularmente no Nordeste.
Até 1640, Portugal estava sob o domínio espanhol, uma grande e importante potência
européia, e a Holanda por sua vez, lutava por uma hegemonia no comércio, principalmente o
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marítimo. A rivalidade entre holandeses e espanhóis era clara. Para compreender tais
disputas, é preciso remeter à formação do Estado holandês.
A organização política dos Países Baixos é vista pela historiografia clássica como
uma exceção ao modelo de monarquia absoluta. As províncias que formavam o país eram
soberanas, representadas nos Estados Gerais, constituídos por representantes de cada
província. “Um representante da Casa de Orange ocupava, quase sempre, mas não
obrigatoriamente, o cargo de stathouder, por escolha dos estados gerais” (WHELING,
2004, p. 11)
Durante o século XVI, os Países Baixos mantinham relações comerciais estáveis com
os portugueses. Entretanto, com o domínio de Felipe II, houve a formalização de um
conjunto de medidas mercantilistas, como o protecionismo, a regulamentação das atividades
econômicas, o reforço do monopólio e o incremento de ações de conquista do território.
Ações como o fechamento dos portos ibéricos aos holandeses, caracteriza uma das
motivações da invasão por parte dos flamengos que visavam à exploração comercial do
nordeste brasileiro.
Um importante momento a ser analisado nesta época, foi o governo de João Maurício
de Nassau-Siegen. Sob sua administração (1637-1644) o domínio neerlandês no Brasil
atingiu o auge. (MELLO, 1998, p. 9) Consolidada a ocupação militar de Pernambuco,
expandiu a conquista com a anexação do litoral das Capitania do Ceará, Sergipe e
Maranhão, mas fracassou em uma nova tentativa de conquistar a Bahia (1639), sobretudo
por falta de meios.
Os navegadores e corsários holandeses, atores importantes do comércio
internacional, há muito frequentavam o litoral brasileiro. No século XVII, dois centros
urbanos atraíram particularmente sua atenção: Salvador, então capital do Brasil, e Olinda,
uma das principais vilas de Pernambuco. Vale lembrar que a primeira tentativa de conquista
holadesa no Brasil ocorreu na Bahia, em 1624, e foi expulsa no ano seguinte.
A respeito das motivações e o momento da criação das Companhias de Comércio e
também sobre o papel atuante de ambas no contexto da invasão, podemos destacar que, em
1578, com a morte do Cardeal Dom Henrique, sem deixar sucessor direto, Portugal ficaria,
em 1580, sob o domínio espanhol. Isto modificaria, como já referido, sensivelmente suas
relações amistosas com a Holanda, desde o reinado de Dom Manuel I, o venturoso. Seria
aclamado, então, aclamado, então, Felipe II de Espanha - Felipe I, de Portugal.
20
Depois das conquistas dos reinados dos Reis Católicos e de Carlos V, no chamado
Ciclo do Ouro, Felipe II iniciou a ocupação dos territórios da América do Sul, Chile e da
região do Rio da Prata. E fruto da União Ibérica ainda dominou localidades portuguesas do
Extremo Oriente. Como Católico idealizava uma Europa
Efetivamente, temos conhecimento ao lado dos atos de comércio e pirataria, os
neerlandeses dominaram o comércio do açúcar no Brasil. O que envolvia sua compra, refino
e distribuição do produto final. Esta atividade era reconhecida pelos portugueses, no entanto
embutida de taxas e cobranças.
Nesta época o comércio entre Portugal e Holanda era muito intenso e fértil. Todavia,
essa situação veio a se modificar quando a monarquia espanhola assumiu o poder em
Portugal controlando toda a península, e rei passou a criar grandes embaraços aos
comerciantes holandeses. A partir de 1585, o Rei de Portugal Felipe II ordenou o confisco
de todos os navios holandeses ancorados em seus portos, aprisionando-lhes as tripulações.
Com a situação reinante nesta época não deixou aos holandeses outra saída senão tomarem o
rumo de suas navegações para as regiões produtoras de mercadorias.
Até 1591, os holandeses conseguiriam manter relações comerciais com Portugal, no
entanto, com a interdição dos portos de Portugal aos estrangeiros, neste mesmo ano, a
economia holandesa foi atingida. Terminavam aí a colaboração entre esses dois países.
Felipe II assim estipulou:
Nenhuma nau, nem navio estrangeiro ou estrangeiras, de qualquer sorte, e qualidade que seja, possa ir e nem vá nos portos deste Reino, nem fora deles as conquistas do Brasil, Mina, Costa da Malagueta, Reino de Angola, Ilha de São Tomé, e Cabo verde e qualquer outros lugares da Guiné sem licença minha passada por Alvará por mim assinado. (DOCUMENTOS para a história do açúcar, p. 380)
Com o objetivo de estimular a economia e, expandir suas rotas, os mercadores se
organizaram e criaram companhias privadas de comércio. O primeiro caminho escolhido -
por objetivos políticos, econômicos e militares - foi a penetração no Oriente, responsável
pela produção de especiarias e possíveis lucros. Um grande número de Companhias de
Comércio foi criado, no entanto, durante esta primeira experiência, não tardaram a aparecer
problemas.
Enquanto essas organizações comerciais holandesas se mantivessem separadas,
cultivariam concorrência entre si, restringindo-se a captura de navios mercantes e
21
ocasionalmente a pequenas realizações comerciais. As dificuldades não eram apenas estas.
Diante de tal situação, houve um aumento exorbitante de preço das especiarias, praticado
pelos comerciantes locais. Como reação, os neerlandeses finalmente perceberam que uma
efetiva colonização não poderia ser realizada sem a criação de uma única poderosa
companhia.
Além disso, era indispensável a obtenção de novas rotas comerciais e a detenção de
produtos em demanda. Aliado a isso o poderio militar que a criação de uma sociedade
comercial lhes proporcionariam, significaria uma força real diante do Rei Felipe II.
A Companhia das Índias Orientais, também simbolizada pela sigla VOC3,
conservava o monopólio de navegação, administração, e claro, de comércio das Índias do
Oriente. Sua criação aconteceu sob a intervenção do estadista Johan Van Oldenbarnevelt.
Seu estatuto permitia ações individuais, sem a fixação de cotas, o que permitia tanto a
participação de valores altos, quantos baixos.
Sua direção foi designada aos dezessete maiores acionistas, e a administração estava
dividida em cinco Câmaras, situadas nas cidades de Amsterdã, Midelburgo, Enkhuizen, Delf
e Roterdã. A razão para essa distribuição tinha base “(...) no capital que haviam disposto na
formação inicial da empresa. Por ter Amsterdã a maior participação de capital, abrigou a
sede da Companhia”. (RIBAS, 2007, p. 23)
Embora a criação da Companhia das Índias Orientais tenha ocorrido no ano de 1602,
não é correto acreditar que a expansão marítima holandesa tenha sido iniciada a partir do
mesmo ano. Desde de fins do século XVI, as rotas neerlandesas já começaram a ser traçadas,
e estes navegadores freqüentavam o norte do Brasil, mesmo que em atividades limitadas ao
comércio e pirataria.
Capitais flamengos, não holandeses, haviam participado em fins do século 15, começos do 16, da instalação do sistema açucareiro da Ilha da Madeira, em concorrência, aliás, com capitais florentinos. No Brasil de Quinhentos, pode-se também detectar, e já Stols o fez, a presença desses flamengos, a começar do célebre engenho dos Erasmos, em São Vicente, e, na segunda metade da centúria, nas capitanias açucareiras do Nordeste. Nada, porém, que possa ser considerado atuação dominante. 4 (MELLO, 2000.)
3 Vereenigde Oost-Indische Compagnie
22
A chamada Trégua dos doze anos foi firmada em 1609 entre as Províncias Unidas e a
Espanha. No curso da Guerra dos Oitenta Anos, representou a concessão da autonomia às
Províncias Unidas da Holanda.
1.2 O rascunho do Brasil Holandês
Nesse período, o calvinista natural de Brabante (VAINFAS, 2009, p. 147), Willen
Usselincx demonstrou ambição de promover uma ligação mais estreita entre a Holanda e o
Novo Mundo, seguindo o exemplo da Companhia de Comércio das Índias Orientais.
Desejava fundar uma empresa semelhante, na qual os Estados Gerais deveriam manter o
monopólio de comércio com a África Ocidental e a América, objetivando a fundação de
colônias e a dominação das rotas neste lado do oceano. Este estadista defendia que “a
riqueza do império espanhol não se reduzia às minas de ouro e prata do Peru e do México”
(VAINFAS, 2009, p. 147). Acreditava então na importância de dominar do açúcar do Brasil.
Estudiosos como Charles Boxer reiteram que, além do caráter econômico, estava embutido
nos planos de colonização de Usselincx um caráter religioso, a idéia de implantar no Novo
Mundo a Igreja Reformada. (BOXER, 1961, p. 06)
Este projeto da companhia constituiu um ponto de discórdia entre grandes estadistas
holandeses, contudo, devido à política de Oldenbarnevelt, dá-se a vitória da idéia
pacificadora. O projeto da companhia é posto a margem, e a partir de 1607 o interesse pelo
plano da sua fundação foi aos poucos se extinguindo. Em 9 de Abril de 1609, firma-se então
a trégua, com duração de doze anos. No decorrer deste armistício reanimou-se o intercâmbio
comercial com Portugal e através de Portugal com o Brasil, o que Oldenbarnevelt
considerava satisfatório e uma das razões para a não criação de uma sociedade comercial no
ocidente.
O estadista não discordava de Ussilincx apenas nos aspectos políticos e econômicos.
Maria Aparecida Ribas reitera em sua tese “O Leme espiritual do Navio Marcante: a
missionação calvinista no Brasil holandês (1624-1654)”, que o aspecto religioso também
era um ponto de conflito entre os dois, pois “(...) o calvinismo não era um sistema de
crenças homogêneo ou monolítico”. (RIBAS, 2007, p. 24) Para Ussilincx, a criação de uma
23
companhia holandesa no ocidente deveria representar uma “expansão da verdadeira
religião cristã”.(VAINFAS, 2009, p. 147).
Está aí um exemplo de como o campo religioso está associado a outros interesses:
Não obstante o clero calvinista ortodoxo ter conseguido impor-se no Sínodo de Dordt (1618 -1619) e estabelecido a versão gomarista do calvino - que se apoiava no dogma da predestinação [ao contrário do arminianismo]- como a religião oficial das Províncias Unidas dos Países Baixos(...), não significou a adesão de todos os neerlandeses a tal doutrina. (RIBAS, 2007, p. 24)
Oldenbarnevelt divergia quanto ao ponto de vista religioso, já que era partidário de
Arminius - teólogo reformado holandês – e era acusado de diminuir a soberania de Deus,
pois discordava quanto ao dogma da predestinação, tendo ainda interesses em questões
regionais. Observamos aí, então, o entrelaçamento de questões políticas e religiosas,
apresentadas como um conflito. O Príncipe Maurício de Nassau fazia parte do grupo dos
contra-remonstrante, contrário a argumentação anterior, de Oldenbarnevelt, sendo ainda
favorável à centralização política.
Depois de vários anos dedicando as suas atividades para outras empresas, Ussilincx
reapareceu em público e levou para a apreciação do conde Maurício de Nassau o seu plano
de colonização das Índias Ocidentais. Aproximadamente dez anos depois, em 3 de Junho de
1621, superadas as intermináveis hesitações e, dada a decapitação de Oldenbarnevelt, em
1619, finalmente foi criada a Companhia das Índias Ocidentais, identificada através da sigla
WIC.
Para a nova sociedade foi concedido um monopólio comercial de vinte e quatro anos
para a costa ocidental da África, para as Américas do Norte e do Sul, e para o Oceano
Pacífico e leste da Nova Guiné. Também foi conferido o direito de estabelecer alianças e
tratados comerciais com os soberanos nativos de todas as regiões que tivessem de ocupar, ou
de construir fortes, de nomear governadores e funcionários os quais deveriam obedecer as
ordens da companhia. O Estado ficou obrigado a fornecer armas e tropas que fossem
necessárias para execução do empreendimento. Já o soldo e a manutenção das tropas
ficariam a cargo da companhia. Também foram criadas cinco câmaras de comércio, sendo
elas: Amsterdã, Middelburgo, Maasquartier, Norderquartier e Groninga e o chamado
Conselho dos Dezenove, os Heeren XIX, encarregado da direção geral, e composto de
membros dessas câmaras. O conselho diretor dos XIX era composto dos maiores cotistas
24
representantes das cinco câmaras proporcionalmente, e mais um diretor nomeado pelos
Estados Gerais. (RIBAS, 2007, p. 25)
Logo após sua criação, discutiu-se para onde deveria ser dirigida a primeira atuação.
Prevaleceu a idéia de uma expedição na Bahia, cujas defesas não eram empregadas com o
máximo de interesse e preocupação. O ataque foi considerado como a primeira tentativa dos
holandeses para o fim de obterem um ponto de apoio na costa brasileira.
Diante da invasão, a população baiana resistiu e, um ano após a conquista, os
neerlandeses foram expulsos. Em 1625 a Espanha enviou, como reforço, uma poderosa
armada, sob o comando de D. Fadrique de Toledo Osório, marquês de Villanueva de
Valduesa. Esta expedição derrotou e expulsou definitivamente os invasores holandeses da
Capitania da Coroa.
O enorme gasto com a fracassada invasão às terras da Bahia foi recuperado quatro
anos mais tarde. Num audacioso ato de corso, no mar do Caribe, o Almirante Pieter Hein, a
serviço da WIC., interceptou e saqueou a frota espanhola que transportava o carregamento
anual de prata extraída nas colônias americanas.
Sob posse desses recursos, os neerlandeses armaram nova expedição, desta vez mais
organizada, à região Nordeste do Brasil. O seu objetivo declarado era o de restaurar o
comércio do açúcar com os Países Baixos, proibido pelos espanhóis. Investiram, neste
sentido, sobre a Capitania de Pernambuco, em 1630, conquistando inicialmente Olinda, e
depois, Recife. O plano de ataque foi elaborado a partir de um, certo conhecimento holandês
do território e de suas condições de defesa, como escreve a autora Heloísa Gesteira, em sem
artigo “O Recife holandês: História natural e colonização neerlandesa (1624-1654)”:
(...) A decisão de atacar Pernambuco foi fácil visto que os holandeses estavam bem informados sobre as condições em que se encontrava aquela capitania. Pelas cartas do governador, Matias de Albuquerque, interceptadas durante a campanha da Bahia, ficaram eles conhecedores de que as fortificações de Olinda e Recife estavam desaparelhadas. Albuquerque dava também conhecimento que a milícia local não excedia 400 homens pouco experimentados, na sua maioria cristãos-novos, em que se não podia depositar confiança. (GESTEIRA, 2004)
Em um primeiro momento, a população não ofereceu resistência diante da falta de
preparo frente ao ataque. Qualquer forma de embate viria mais tarde, liderada por Matias de
Albuquerque, e concentrando-se no Arraial do Bom Jesus, nos arredores de Recife. A
dominação total do território, contudo, seria demorada.
25
O autor Evaldo Cabral Mello divide em três principais períodos, o momento da
invasão holandesa. O primeiro seria a invasão a Olinda em 1630, até a retirada das tropas
luso-hispânicas em 1637, caracterizando aí uma tentativa de resistência, que acabou por ter
como definição a vitória da investida neerlandesa. O segundo momento abrangeria os anos
de 1637 a 1645, o que incluiria o governo de Maurício de Nassau (1637-1644), e que se
encerra com a reação luso-brasileira, fechando o chamado “ciclo” da idade de ouro do Brasil
Holandês. A terceira e última fase, entre os anos de 1645 a 1654, abriga a guerra de
restauração, a rendição e expulsão dos neerlandeses das terras brasileiras. (MELLO, 1998,
p.15)
A demora de sete anos para a dominação do território, mesmo frente à capacidade de
defesa desprezível pode ser facilmente compreendida. Antevendo as investidas de tomada da
Região Nordeste do Brasil, os holandeses, naquele princípio de século XVII, buscaram e
dominaram todas as etapas da produção de açúcar, desde plantio da cana-de-açúcar ao refino
e distribuição. Com o controle do mercado fornecedor de escravos africanos, passou a
investir na região das Antilhas. O açúcar produzido nessa região tinha um menor custo de
produção devido, entre outros, à isenção de impostos sobre a mão-de-obra e ao menor custo
de transporte, o que levou os portugueses à queda das exportações do produto. Somado a
isso, o fato de considerar a vulnerabilidade das fronteiras das colônias, “os defensores da
iniciativa aduziam estas razões: que as costas do Brasil estavam abertas e sem proteção
contra o inimigo externo” (BARLÉUS, 2005, p.30)
Desta forma, não demorou para que os holandeses se preparassem para o ataque a
Pernambuco, não executado imediatamente, devido a confronto com espanhóis em seus
territórios na Europa. O que permitiu aos portugueses que pudessem se armar para a chegada
dos corsários holandeses na costa de Pernambuco.
Ainda que com um maior tempo para se proteger, os portugueses não obtiveram
sucesso e em dois ataques simultâneos, os holandeses, iniciaram a ocupação de Pernambuco,
invadindo e destruindo a cidade de Olinda. Na tarde de 16 de Fevereiro:
Compreendendo que a queda de Recife se mostrava inevitável, visto como a maioria de seu pessoal não obedecia ao comando, às primeiras horas do dia 17 de fevereiro ateava Matias de Albuquerque fogo em todos os navios e armazéns de açúcar existentes no porto. Variam as opiniões no que respeita ao que se destruíra desta maneira, mas segundo o próprio Albuquerque, lograra ele com isso privar os holandeses de uma presa equivalente a 1 600 000 cruzados. Os fortes de Recife (...) conseguiram resistir durante uma quinzena, mas a 3 de março toda resistência cessou, celebrando os holandeses com uma ação de graças a captura de Olinda, Recife e da vizinha ilha de Antônio Vaz. (BOXER, 1961, p. 55-56)
26
Apesar da conquista rápida sobre os portugueses, os holandeses tiveram dificuldades
em administrar essa importante vitória, e não conseguiam ultrapassar os limites destas duas
cidades e avançar para o interior. Embora Portugal - em união com a Espanha - que refletia
suas dificuldades financeiras da época em seu exército na colônia, não demonstrasse
capacidade de impedir a invasão, a Holanda, não investia em seu seus homens, obrigando-os
a não avançar, já que eram precárias condições de continuar a batalha. Mesmo com toda essa
dificuldade, os holandeses não estavam nada satisfeitos com as posições conquistadas no
Brasil. “Ficaram os diretores muito contrariados ao saber que, em vez de terem conquistado
toda a capitania de Pernambuco, estavam os holandeses encurralados em Olinda e Recife”.
(BOXER, 1961, p.64)
Foi com a ajuda de um mulato português, Domingos de Calabar, que ocorreram
alguns avanços holandeses. Em pouco tempo, incursões a Paraíba e ao Rio Grande do Norte,
fizeram com que os portugueses se afastassem cada vez mais de Pernambuco, ampliando
seus domínios. Tudo isso preocupava e muito os portugueses, que assistiam a investida e
conquista da toda a faixa costeira, desde o Rio Grande do Norte até o cabo de Santo
Agostinho por parte holandesa. Isto inviabilizava a chegada dos soldados lusos pelo mar.
Em algumas obras, observamos a narrativa de concessões por parte dos holandeses,
para que os colonos reconhecessem o novo governo. Fala-se não apenas de liberdade de
consciência, mas também de liberdade de culto. No entanto, é preciso analisar cada questão
com cuidado, já que com a invasão holandesa, a religião Católica Romana, então dominante,
teve o seu culto público proibido, e alguns dos seus templos passam a servir ao ministério
dos predicantes da Igreja Cristã Reformada, (SANTIAGO, 1640, p.164) o que será discutido
mais adiante.
1.3 A presença de Nassau
Em meio a esse cenário de guerra, os holandeses, já cientes de que o território estava
sob seu domínio, resolveram nomear para o local um governador, comandante geral. O
conselho dos Heeren XIX, escolheu Johan Mauritis, conde de Nassau-Siegen, para ocupar o
cargo.
27
João Maurício de Nassau-Siegen, foi nomeado “Governador, Capitão e Almirante-
genenal das terras conquistadas ou por conquistar pela Companhia das Índias Ocidentais
no Brasil, assim como de todas as forças de terra e mar que a Companhia aí tiver”
(HOLLANDA, 2003, p.264), trouxe em sua comitiva de pintores, como Frans Post e Albert
Eckhout, escultores, astrônomos, arquitetos e outros cientistas. Sua administração tornou-se
conhecida pelos trabalhos dos profissionais que o acompanharam, exploraram e retrataram a
nova terra, suas belezas naturais e seus habitantes. Aceitou o convite da WIC para
administrar os domínios por ela conquistados na região Nordeste do Brasil recebendo e
salário mensal de 1.500 florins. (HOLLANDA, 2003, p.264)
No início de fevereiro do mesmo ano em que iniciou seu governo, atacou Porto
Calvo, em Alagoas, o local que era o último foco de resistência contra a ocupação holandesa
conseguindo vencer as tropas luso-brasileiras. Fez com que estes recuassem até a margem
direita do rio São Francisco para a região onde hoje se situa o estado de Alagoas. Durante a
sua administração no Brasil, ampliou o domínio, fazendo com que o Brasil Holandês,
obtivesse a sua maior expansão, compreendendo as capitanias do Maranhão, Ceará, Rio
Grande do Norte, Paraíba, Itamaracá, Pernambuco, Alagoas e Sergipe.
Após a vitória contra os portugueses, e a ampliação do território do Brasil Holandês,
João Maurício de Nassau, viu a necessidade de criar um centro administrativo para gerir o
comando das novas terras holandesas. Decidiu pela a ilha de Antônio Vaz. Situada entre os
rios Capibaribe e Beberibe, ficava em uma posição estratégica, e foi o primeiro marco na
administração de Nassau, no âmbito da fixação de Recife como principal centro
administrativo de Pernambuco. Assim, tornou-se conhecida a ilha de Antônio Vaz como a
cidade Maurícia (Mauritsstad) – hoje o bairro de Santo Antônio, construída para ser o centro
do poder no Brasil. Promoveu melhorias urbanas, calçou ruas com pedras, proibiu o tráfego
de carros de boi para não destruir as vias, criou um corpo de bombeiros voluntário,
implantou o imposto territorial urbano, construiu casas e pontes, dois palácios suntuosos, um
aviário, um jardim zoológico e um jardim botânico.
Repartida em ruas, praças e canais, como as cidades, com belos edifícios, dotada de armazéns de mercadorias, já tem habitantes. Foi-lhe dado o nome de Mauriciópole pela pública autoridade do Supremo Conselho, dos escultetos e dos escabinos. (BARLÉU, p.180)
Na cidade Maurícia, foram erguidos dois palácios que serviram para sua residência, o
palácio de Boa Vista e o Palácio de Friburgo ou Vrijburg:
28
Foi construído o Palácio Vrijburg, aonde Nassau fixou residência. A construção era rodeada por um jardim, ocupado por plantas e animais, o Jardim do Conde. O palácio era também o local de onde Nassau governava; ali ele despachava, recebia seus colaboradores e amigos, como o frei Manuel Calado (GESTEIRA, 2004, p.09)
Com a chegada de novos colonos, como respeitáveis homens de negócios,
empresários e comerciantes, era de se esperar também que viessem pessoas que agiam de má
fé. Isso fez com a segurança fosse uma preocupação de Nassau, buscando a manutenção da
disciplina e ordem na colônia.
Como protestante, João Maurício de Nassau, se esforçou para implantar o
Calvinismo no Brasil Holandês, mas para seu desapontamento, o número de convertidos não
era muito grande. O Conde nomeou ministros reformados para as regiões ocupadas e indicou
o tratamento a ser usado com índios, católicos e judeus. Para o historiador Charles Boxer,
“Pode-se afirmar que durante os anos de governo de João Maurício a liberdade religiosa
de que gozava o Brasil neerlandês era maior do que a existente em qualquer parte do
mundo ocidental”. (BOXER, 1961, p.174)
No campo econômico, várias medidas foram tomadas para que a produção do açúcar
voltasse a ser tão imponente quanto antes da guerra de ocupação, período no qual ela
diminuíra drasticamente. Nassau confiscou e vendeu em leilão as plantações de cana e os
engenhos abandonados. Seus proprietários, teriam fugido com o avanço holandês por receio
do que poderia lhes acontecer ou por lealdade a Coroa Portuguesa. Preocupado com a
utilização das terras apenas para a plantação de cana, Nassau incentivou o cultivo de outros
gêneros alimentícios em áreas determinadas e a criação de gado.
Em relação aos católicos, matinha uma postura de tolerância, assim como com os
portugueses. Frei Manuel Calado afirma que o governador lhe disse “(...) em secreto que
também lhe daria licença para dizer missa às portas fechadas” (HOLLANDA, 2003.P.266)
. Já em relação aos portugueses, escreveu em seu chamado “Testamento Político”, que “(...)
os portugueses serão submissos se forem tratados com benevolência, [sic] por experiência
que o português é uma gente que faz mais caso da cortesia e do bom tratamento do que de
bens”. (HOLLANDA, 2003.P.267) Nassau foi um administrador hábil e atuante em
diversas esferas da sociedade A admiração tanto dos holandeses quanto dos portugueses a
João Maurício de Nassau era visível, tanto que ele recebera títulos de honrarias portuguesas
mesmo sendo um holandês protestante:
29
O Senado da Câmara de Pernambuco, por ser o primeiro dentre todas as câmaras das províncias, na dignidade, população, poder e comércio, conferiu solenemente a Nassau o título de Patrono, pela singular proteção por ele dispensada ao Brasil e à gente portuguesa, pelo apreço que mostrava àquela corporação e aos cidadãos, pela sua honrosa atuação na paz e na guerra e pelo fulgidíssimo nome da casa de Nassau. Significavam com tal título que reconheciam o governador por Pai, Defensor e Salvador da Pátria, por cujo patrocínio eram garantidos, tanto no Brasil como na Holanda, os interesses e bens deles (BARLÉU, p.190)
Após todos estes anos de serviços prestados ao Conselho dos Heeren XIX, como
governador e administrador geral do Brasil Holandês, o contrato de Nassau chegaria ao fim,
e este deveria retornar a Holanda. Porém, Nassau mandou a Europa seu secretário particular,
Tollner para que este prestasse esclarecimentos sobre a administração nassoviana.
O Conselho dos XIX prorrogou a permanência do Conde no governo do Brasil
Holandês, até que uma mudança no cenário internacional nos fins de 1640 iria dar novo
formato ao destino do Brasil-Holandês e de João Maurício de Nassau. Portugal, até então em
união com a Espanha se separam, e o Brasil-Português e as colônias portuguesas da África
imediatamente aclamariam o Rei D. João IV.
Sem o conhecimento da trégua firmada entre Holanda e Portugal em 1640, Maurício
de Nassau continuou a sua expansão pelo nordeste do Brasil, e em operações rápidas ocupou
as capitanias de Sergipe, entre Pernambuco e a Bahia - com quem a trégua era negociada - e
também avançou rumo ao norte, onde o governador da capitania do Ceará, ciente da trégua
foi pego de surpresa. Avançando ainda mais ao norte, o Maranhão passava para o controle
do Brasil Holandês.
Afora estes dois territórios conquistados, Nassau equipou uma expedição com
destino à África, que chegou a Luanda em agosto de 1641, capturando esse centro do tráfico
de escravos dos portugueses. Em outubro do mesmo ano, foi conquistada a ilha de São
Tomé, na costa da África. Todas essas atitudes tomadas por Nassau, fizeram apenas
enfurecer os portugueses que começavam a traçar um plano para a destruição e a expulsão
dos holandeses de Pernambuco.
A reconquista da independência de Portugal em relação à Espanha, associada à
manutenção da postura de conquista de Nassau sobre os territórios citados fez, portanto, com
que a partir de 1640, os lusos-brasileiros retomassem a ideia de extinguir a presença
holandesa do território de sua colônia.
Em junho de 1641 o embaixador Tristão de Mendonça Furtado assinou com o
governo neerlandês um tratado de trégua por 10 anos, com oposição das duas Companhias
comerciais. Em Lisboa, indignada com a perda de Angola, Sergipe e Maranhão, exigia-se o
30
recurso às armas para vingar a traição do novo aliado. Altos funcionários começariam a
organizar um levante luso-brasileiro no Brasil holandês que, entretanto, só se concretizaria
em junho de 1645, quando Nassau já havia deixado o Brasil.
Este retorna à Holanda em 1644. Chamado de volta aos Países Baixos pela WIC, os
conselheiros do Brasil insistem na permanência dele. Em maio de 1644 João Maurício de
Nassau, embarcou para a Holanda:
Sua partida não passou despercebida, nem foi pouco lamentada, causando impressão as aclamações por ele recebidas quando partiu a cavalo de Recife para a Paraíba, a fim de tomar o navio. Acompanhado por uma centena de cavaleiros, encontrou a estrada atulhada de gente de todas as raças, classes e condições, que tinha ido testemunhar-lhe o pesar causado pela sua partida. Os ricos e poderosos procuravam aperta-lhe a mão, os pobres e humildes tocar na aba de seu paletó. (BOXER, 1961, p. 219-220)
Deixou a seus sucessores um documento, dando conselhos sobre a administração do
Brasil, documento este que foi considerado seu testamento político. Após sua saída, o
Nordeste foi palco de sangrentas batalhas entre os luso-brasileiros e os batavos, que lutavam
pela ocupação da terra, até a definitiva saída dos holandeses, em 1654. Os portugueses que
eram leais a coroa viram a chance de que Pernambuco retornasse ao poder luso e rebeliões
não tardaram a acontecer. Todo o esplendor que Recife vivera no período em que Maurício
de Nassau a governou não seria mais percebido e a cidade sofreria mudanças.
Após o retorno da capitania de Pernambuco ao Brasil colonial português, muitas das
construções e obras feitas no governo de Nassau, foram demolidas e destruídas e deram
lugar a novas construções. Durante o governo de Maurício de Nassau, o Recife
experimentou seu apogeu enquanto cidade colonial, ascendendo como importante centro
urbano, comercial e cultural. A administração nassoviana absorveu características ímpares, e
seus habitantes, reconheceram a importância que teve Nassau na história do Recife, como
administrador da capital do Brasil Holandês.
31
1.4 A presença protestante
Antes da invasão, a religião católica era a oficial e única permitida nos domínios da
Coroa, dominada pelo rei espanhol Felipe II, já que estava em vigor o período da União
Ibérica. No entanto, no mesmo século XVII, com a presença holandesa no Brasil, a Igreja
Reformada se intitucionalizou nas capitanias do nordeste.
A estrutura do catolicismo há muito estava consolidada em territórios colonias, por
meio de suas ordens religiosas e práticas de catequeses, inclusive de indígenas. Para impedir
a difusão de outras religiões, a Igreja Romana contava com alguns mecanismos como a
Inquisição, que reprimia um possível avanço de outras religiões ou seitas e, ainda punia
condutas consideradas impróprias. No entanto, após a invasão de Pernambuco, a progressão
do calvinismo foi tamanha, que, em pouco tempo, a religião Reformada tornou-se a oficial
do Brasil Holandês.
Assim como nas Províncias Unidas dos Países Baixos5, havia uma certa tolerência
religiosa em relação a católicos e judeus na colônia, já que a existência de um clero e a
celebração de missas, eram permitidam desde que em capelas privadas, pois era de extrema
dificuldade, impor uma nova religião ao território recém conquistado.
A política de conciliação que adotou e sua peça fundamental, a tolerância da religião católica, eram certamente um imperativo da dependência em que se achava a produção de açúcar em relação aos senhores de engenho, lavradores de cana e artesãos da nação portuguesa. Mas não se deve afirmar grosseiramente que a atitude de Nassau e das autoridades batavas decorresse apenas das exigências do sistema produtivo. A liberdade de consciência era doutrina oficial da República dos Países Baixos e assim foram proclamada na sua carta fundamental, a União de Utrecht (...) Sua atitude para com a comunidade judaica, porém, foi menos benevolente. 6 (MELLO, 2006, p.37)
Graças, sobretudo, à tolerância religiosa garantida nos domínios dos Países Baixos
pelo Regimento do governo das praças conquistadas ou que foram conquistadas, concedido
pelos Estados à Companhia das Índias Ocidentais, datado da Haia, 13 de outubro de 1629,
permitia-se aos que residiam nas terras aonde se viesse a estabelecer a soberania holandesa,
quer fossem espanhóis, portugueses e nativos, católicos ou judeus, "(...) que não sejam
5 Onde a partir da União de Ultrecht foi estabelecido o laço confederativo entre as sete províncias protestantes do norte, formando as Províncias Unidas dos Países Baixos.
32
molestados ou sujeitos a indagações em suas consciências ou em suas casas particulares"7.
(REGIMENTO, 1886, p.292)
Essa tolerância religiosa, não deve ser confundida com liberdade total. Existe clara
diferença entre a liberdade de opinião e a liberdade de culto. As missas e rituais católicos
eram permitidos em capelas privadas, já que seus templos foram invadidos e transformados
em Igrejas Protestantes, com a retirada de imagens e símbolos. Toda essa postura tem a ver
até mesmo com a formação política do país, como afirma Ronaldo Vainfas:
Formada em meio à luta pela liberdade de consciência, a República dos Países Baixos jamais proibiu a existência de outras confissões religiosas em seu território. A maior ou menor tolerância religiosa variou conforme a legislação das províncias e das municipalidades, cuja autonomia institucional era grande. Mas se comparada à política adotada nos reinos ibéricos, a tolerância religiosa do neerlandês foi enorme. (VAINFAS, 2010, p.25)
Todavia, é preciso salientar que havia gradações na política de tolerância religiosa.
Algumas províncias eram mais condescendentes que outras: “Utrecht era a mais tolerante;
a Zelândia a mais inflexível. A Holanda ocupava situação intermediária nesse quadro, mas
Amsterdã era, sem dúvida, a cidade que mais abrigava católicos, em números absolutos,
dentre as cidades da república”. (VAINFAS, 2010, p.25)
Um grande responsável pelas pesquisas relativas ao Brasil Holandês foi o escritor e
pesquisador José Hygino que abordou a ocupação holandesa no Brasil, traduzindo o acervo
de documentos sobre Nassau e a ocupação holandesa no Nordeste do Brasil nos Arquivos
dos Estados Gerais e no Arquivo da Companhia das Índias Ocidentais.
Em 1885, interessado nos estudos sobre o domínio holandês no Brasil, o Instituto
Arqueológico e Geográfico Pernambucano apoiou a pesquisa de Hygino em arquivos dos
Países Baixos. O relatório do estudioso foi publicado na edição de dois de setembro de 1886
do Diário de Pernambuco.
Em carta traduzida por ele, de 28 a 30 de Janeiro de 1637, ainda a respeito dos
holandeses diante de outras religiões, descreve:
Com relação à religião deles, nós os deixaremos livres e em paz, para que possam viver de acordo com a opinião deles (...). Com relação a suas imagens nós não sabemos se encontram em alguma parte, mas caso eles saibam deverão nos informar. (NÓTULAS diárias, 04 maio 1637)
33
Toda estrutura religiosa era discutida e aprovada pelos representantes da Igreja
Reformada. No período posterior aos primeiros anos da invasão, entre os anos de 1636-1637
essa tolerância se estendeu a todos os habitantes da capitania. Ainda de acordo com o
Regimento citado acima, ficava estabelecido que:
Em primeiro lugar vos deixaremos livres o exercício de consciência do mesmo modo como tendes usado antes, freqüentando as igrejas, e praticado os sacrifícios divinos, conforme os seus ritos e preceito; não roubaremos as vossas igrejas nem deixaremos roubar, nem ofenderemos as imagens nem os padres nos atos religiosos ou fora deles. (REGIMENTO, 1886, p.292)
Entretanto, na prática, essa liberdade de culto permitida a outras religiões, não
resultou em um convívio pacífico, já que tradições, costumes e crenças de naturezas distintas
não eram respeitados. Como grandes templos católicos foram transformados em Igrejas
Protestantes, como anteriormente dito, as celebrações católicas limitavam-se a templos
privados. A situação era um pouco diferente na zona rural, que por estar distante fisicamente
do governo, sofria menos perseguições.
Outra derrota sofrida pelos católicos, com a invasão, foi a proibição de renovação do
seu clero, cujo número foi reduzido ao longo do tempo, seja por morte ou prisão de seus
membros. Foi o caso dos jesuítas, expulsos em 1635 pelos Dezenove Senhores, os Heeren
XIX, além da perseguição de religiosos de outras ordens, como beneditinos, carmelitas e
franciscanos.
Nos séculos XVI e XVII, dificilmente poderíamos separar motivações políticas e
religiosas, mesmo porque essas duas esferas se misturam o tempo todo. A colonização foi
feita e, como toda colonização efetiva, ela permeou todas as esferas da vida do dominado,
inclusive a espiritual. Garantir a aos católicos seu culto, era imprescindível para manter a
população sob controle. A tão citada liberdade de culto, também estava ligada aos demais
interesses na colônia, não ocorria apenas por respeito a alteridade ou crença.
Para entender melhor o papel das Companhias de Comércio nesse contexto, podemos
enumerar interesses objetivando o enriquecimento de seus sócios, a tentativa de debilitar o
domínio espanhol, visando a supremacia neerlandesa e a intensa busca pelo lucro.
Lembrando, entretanto, que todos esses fatores estão relacionados ao componente religioso,
que como já citado na pesquisa estava associado a outras estruturas.
Para Henry Méchoulan, a criação dessas Companhias reunia “(...) a ambição, a
evangelização e o lucro”. (MÉCHOULAN, 1992, p.110) É importante aí, ressaltar a questão
34
do poder espiritual e material. No entanto, embora relacionados às estruturas políticas,
econômicas, a religião apresentaria características próprias e determinadas variações.
A cristianização estava embutida no conjunto dos movimentos da época. E para
Usselincx, “(...) a implantação da religião verdadeira para levar muitos milhares de
pessoas à luz da verdade eterna” (SCHALKWIJK, 1986, p.51), para isso é importante levar
“(...) a verdadeira religião de Cristo” (BOXER, 1961, p.6) para outros territórios. A
missionação era o ponto alto do projeto, contudo, existiam outros aspectos relevantes.
Nas palavras ex-frade agostiniano, convertido ao calvinismo, Vicente Joaquim Soler,
considerado pai da missão reformada no Brasil, em carta enviada para os diretores da
Câmara Zelandesa da WIC, em Middelburg, a discordância entre os próprios protestantes era
grande:
A desordem e a confusão daqui são inimagináveis. Cada um só pensa em si, e pouco ou nada no bem da Companhia. Não há nenhum vestígio de temor a Deus, nenhuma justiça, e os vícios pululam A gente de bem, cujo número é muito reduzido, é ridicularizada e desprezada, testemunha o Senhor Soorskerk ainda que conselheiro político, seus confrades fazem tanto caso dele como de mim, quer dizer como de nada; porque a maior parte dos negócios são concluídos sem comunicar-lhe detalhe. (SOLER, 1999, p.11)
O religioso em seguida ainda acusa, afirmando que:
Os que deveriam reprimir os vícios são os mais viciados (...). Desde a minha chegada tenho podido obter que se dessem ordem para 500 pessoas, tanto negros quanto índios, venham à predicação espanhola (...). Numa palavra, como já disse a confusão era universal (...). (SOLER, 1999, p.11)
Soler foi considerado um grande incentivador e executor de projetos com vistas a
missionação dos indígenas. Este ex-frade, pertenceu a Ordem Agostiniana dos frades
recoletos descalços de Espanha, mesma ordem de Martinho Lutero, e após sua conversão
teve maior empenho em trabalhar para a propagação da nova fé. Este missionário não
evangelizou apenas indígenas. Por conhecer outras línguas atuou predicando brasilianos,
35
negros, católicos e principalmente aqueles que falavam o idioma francês8.(RIBAS, 2007,
p.67)
Mas é claro que entre os neerlandeses não existia uma coesão, seus interesses
político-administrativos muitas vezes não estavam de acordo com as doutrinas religiosas. E
durante os anos de intensa convivência entre os praticantes de diferentes religiões,
observam-se confrontos que resultaram em fiéis feridos, imagens quebradas e pessoas
condenadas a morte, tais enfrentamentos são bem indicados nas palavras de José Antônio
Gonsalves de Mello, que afirma que foi no campo religioso que “(...) azedaram
terrivelmente as relações entre brasileiros e holandeses”. (MELLO, 2001, p.205)
O protestantismo, grupo que surge na França por João Calvino apoia-se em três
pilares principais: a supremacia da palavra de Deus, exposta na Bíblia; a exaltação da fé; e a
predestinação.
A predestinação ensina que Deus escolhe previamente aqueles que serão "salvos" -
ou seja, os "eleitos". A busca da realização material também é valorizada por essa doutrina,
que enaltece a importância do trabalho do homem, no sentido de "aperfeiçoar" a criação
divina. Além disso, a prosperidade material pode ser entendida como um sinal de salvação,
isto é, de predestinação positiva. Nesse ponto, o calvinismo apresentou uma abordagem
muito mais confortável para a burguesia que florescia na Europa daquele período, em
contraposição à ideia da pobreza vista como virtude, defendida por algumas correntes do
catolicismo.
O protestantismo será de extrema importância no processo de estabelecimento dos
holandeses no Brasil e ainda vai se beneficiar de um modelo preexistente – católico - como
será visto no próximo capítulo. O que facilitou o contato com os indígenas, a maneira com
que este foi realizado, bem como a estrutura montada para a reevangelização. Embora cada
relação deva ser entendida como única e distinta, um primeiro contato com uma cultura
diferente, contribuiu para revelar um pouco do povo que aqui se encontrava, e qual o melhor
meio se aproximar e conquistar o apoio indígena.
36
2 A IGREJA CRISTÃ REFORMADA E A (RE) EVANGELIZAÇÃO DOS NATIVOS
2.1 Católicos e Protestantes
Católicos e protestantes são agentes religiosos presentes no Brasil desde a segunda
metade do século XVI. O interesse na conversão do gentio pode ser apontado como
primordial no alcance e dominação do território americano. Apesar deste seu interesse
salvacionista, ou expansionista, a Companhia de Jesus a partir de 1549, contribuiu também
para a instrução pública no país e
indiretamente ampliou e trouxe as primeiras leituras para o Brasil. Mesmo leituras obrigatórias e para servir de cópias aos modelos clássicos ou eclesiásticos, aos poucos vieram alicerçar a formação social e literária da Colônia. (ARAÚJO, 1999, p. 23,32).
Em cartas, os missionários jesuítas solicitavam livros e bibliotecas aos líderes da
Companhia de Jesus, apesar de não terem registrado os títulos. Deveriam se tratar de
publicações de devoção e outras destinadas à evangelização dos nativos. Neste contexto,
para doutrinar os colonos portugueses e indígenas, em especial as crianças, José de Anchieta
produziu um catecismo bilíngue, em uma língua geral de origem tupi, e em português,
provavelmente no ano de 1560. A respeito da língua dos indígenas, é importante saber que:
Havia no Brasil, nesta mesma época, várias línguas indígenas relacionadas à base cultural de cada tribo. Entre estas tribos, havia línguas que possuíam entre si certas afinidades morfológicas, sintáticas e semânticas e, por causa deste fenômeno, foi possível estabelecer um conjunto de relações ou intercâmbio linguístico através da adoção de uma língua comum. Deste contato entre língua indígena e diversas variedades linguísticas regionais e sociais portuguesas foi criada uma língua “franca” para que os colonizadores pudessem estabelecer um contato efetivo com os índios que também não entendiam o português. Cada indígena falava sua língua original com os membros do grupo e, quando em contato com os portugueses ou outras tribos, utilizavam- se desta língua franca (PIRES, 2009).
Coube aos representantes eclesiásticos da Companhia de Jesus, por delegação da
Coroa Portuguesa, a educação dos habitantes do território em processo de conquista pelo
exercício da Catequese. Assim a catequese era um instrumento de aproximação e imposição
37
de outra cultura. Para tal, era importante um conhecimento prévio do meio indígena, bem
como suas crenças e costumes para inserir outras tradições.
Já as primeiras incursões dos seguidores de Lutero em terras brasileiras, datam de
meados do século XVI, concomitante à presença dos jesuítas. A inquisição, um fenômeno
que conseguiu impor-se por seu aspecto divino e, combinava estratégias políticas e
religiosas que visavam o poder, teria grande importância naquele cenário. O Santo Ofício
veio ao Brasil com o objetivo, para além da perseguição judaizante, de refrear as incursões e
a “má” influência de piratas e corsários franceses, holandeses e ingleses que infestavam a
costa brasileira com suas ideias luteranas “heréticas”; fortalecer o mercado europeu com
produtos nativos; como também, controlar a entrada de imigrantes nas Capitanias da Bahia e
de Pernambuco, área onde estava concentrado o maior número de luteranos e cristãos-novos.
(NASCIMENTO, 2006).
Em meio a fatores socioeconômicos característicos do processo de colonização, uma
necessidade se impunha: a expansão da fé católica, com o objetivo de garantir não só o
espaço da Igreja e conter o Protestantismo, como também de promover uma unidade
religiosa que fortaleceria Portugal.
Muitas são as diferenças entre as duas práticas religiosas em questão, e antes de
abordar a maneira com que estas atuaram no Brasil colonial, é necessário conhecer um
pouco suas crenças.
Uma das primeiras e importantes diferenças entre o Catolicismo e o Protestantismo é
a questão da suficiência e autoridade das Escrituras. Os protestantes acreditam que somente
a Bíblia é a única fonte da revelação de Deus à humanidade, e como tal ela ensina a tudo o
que é necessário para a salvação do pecado. Os protestantes entendem a Bíblia como o
padrão pelo qual todo o comportamento cristão deverá ser medido, norma para fé e
comportamento (SCHALKWIJK, p.39). Comumente se refere a esta crença como Sola
Scriptura e é uma das “Cinco Solas” (sola é a palavra latina para “única”) que veio da
Reforma Protestante como resumo de algumas diferenças importantes entre os católicos e
protestantes. As cinco solas são, Sola Fide (somente fé), Sola Scriptura (somente a
escritura), Sola Christus (somente Cristo), Sola Gratia (somente graça) e Soli Deo Gloria
(Glória somente a Deus).
Os católicos, por outro lado, rejeitam a doutrina da Sola Scriptura e acreditam que
tanto a Bíblia quanto a sagrada tradição católica romana combinadas se equiparam no
Cristianismo. A visão que se tem das Escrituras está na raiz de muitas das diferenças entre
católicos e protestantes.
38
Outra diferença entre o Catolicismo e Protestantismo diz respeito à salvação. A
chamada Sola Fide (somente pela fé), afirma a doutrina bíblica da justificação somente pela
graça, através da fé. Entretanto, para o Catolicismo Romano, o homem não pode ser salvo
somente pela fé. Os Sete Sacramentos são essenciais à doutrina Romana Católica de
salvação, os quais são: Batismo, Crisma, Eucaristia, Penitência, Extrema-unção, Ordem e
Matrimônio. (ENCICLOPÉDIA Católica – Sacramentos)
Católicos e protestantes também discordam no que significa ser justificado perante
Deus. Para os católicos, a justificação envolve que se seja feito justo e santo. Eles creem que
a fé em Cristo é apenas o início da salvação, e que a pessoa deve fazer que isto cresça com
boas obras, pois “o homem deve fazer por merecer a graça de Deus da justificação e eterna
salvação”. Apesar o reconhecimento protestante de que as obras são importantes, estes
creem que aquelas são o resultado ou fruto da salvação, mas nunca o meio para ela.
E finalmente, a última diferença a ser apresentada aqui entre católicos e protestantes
diz respeito ao pós-morte. Enquanto ambos acreditam que os incrédulos passarão a
eternidade no inferno, há diferenças significantes e importantes no que diz respeito ao que
acontece aos crentes. Devido à tradições da Igreja e a apropriação de livros não-canônicos,
os católicos desenvolveram a doutrina do purgatório. O purgatório, de acordo com a
Enciclopédia Católica, é um “lugar ou condição de punição temporal para aqueles que,
deixando esta vida na graça de Deus, não estão totalmente livres de faltas menores, ainda
não pagaram totalmente a reparação devida por suas transgressões”. A doutrina católica
do purgatório, portanto, apresenta um homem que pode ou mesmo deve pagar ou compensar
seus próprios pecados. (ENCICLOPÉDIA Católica – Purgatório)
2.2 O protestantismo no Brasil holandês
Em discussão mais restrita ao assunto aqui abordado, os holandeses no Brasil criaram
sua própria igreja estatal aos moldes da Igreja Reformada da Holanda. Durante os 24 anos de
dominação, foram organizadas 22 igrejas e congregações, dois presbitérios e um sínodo. As
igrejas foram servidas por mais de 50 pastores (predicantes), além de pregadores auxiliares
(proponentes) e outros oficiais. Havia também muitos professores de escolas paroquiais.
Esse nome, predicante, dava-se por referência ao seu trabalho de pregar. (SCHALKWIJK,
p.147) “Embora todos fossem pregadores, o campo de trabalhos os distinguiu uns dos
outros. O pastor Andrae menciona cinco categorias: pastores de cidade e do campo, no
exército e na frota e ainda entre os índios”. (SCHALKWIJK, p.148)
39
As igrejas destacaram-se pela sua atuação beneficente e sua ação missionária junto
aos índios. Havia planos de preparação de um catecismo, tradução da Bíblia e ordenação de
pastores indígenas.
Após citar as principais diferenças, para melhor entender a questão da evangelização,
é importante conhecer os principais atores e disseminadores da fé reformada na colônia,
desde a chegada até suas movimentações e permanências na colônia.
A presença do protestantismo no Brasil se institucionalizou, pela primeira vez, no
século XVII, quando da dominação holandesa em parte do nordeste brasileiro, entre o Ceará
e o Rio São Francisco. Com efeito, tal dominação estava relacionada às disputas pelo
território português na América. Mas, para os homens e mulheres dos séculos XVI e XVII,
estas questões geopolíticas e econômicas não poderiam ser desassociadas do aspecto
religioso. Portanto, há que se considerar, para além das questões econômicas e políticas da
disputa de poder, o projeto missionário, bem como as diversas reações e conflitos que
aconteceram no desenrolar dessa fase.
Foi no Sínodo Nacional de Dordt, em 1618 e 1619, que a missionação foi abordada e
tratada como política dos Estados Gerais:
Para que as pessoas possam ser trazidas à fé, Deus misericordiamente envia proclamadores dessa jubilosa mensagem às pessoas que ele quer no momento que ele quer. E por meio deste ministério as pessoas são chamadas ao arrependimento e à fé no Cristo crucificado. Por que crerão naquele de quem não ouviram? (ARTIGO 3. Cânones de Dordretcht 1618-1619)
Ainda nesse documento, é apontada claramente a intenção de “(...) ser anunciada e
declarada sem diferenciação ou discriminação a todas as nações e povos, a quem Deus em
seu bom propósito enviar seu evangelho”. (ARTIGO 5. Cânones de Dordretcht 1618-1619)
indo ao encontro do fim de estender essa missionação a outros territórios.
Em relação aos indígenas, faz-se necessário entender a maneira como foi constituído
o processo pelo qual o evento histórico de evangelização foi levado a efeito pela Igreja
Cristã Reformada, como chegou e foi assimilado pelas culturas nativas a partir de suas
próprias visões de mundo.
É preciso ter em mente, que a região de dominação era composta de índios já
catequizados pela Igreja Católica e que estes sofrem, num segundo momento, uma (re)
catequização da Igreja Cristã Reformada. Há dessa forma, que se problematizarem as
40
especificidades históricas e as singularidades culturais desse complexo processo. A intenção
de missionar alcançaria um povo conhecedor da realidade de outra religião, atribuindo a essa
conversão um conjunto de ações e reações distintas. Procuraram assim, conhecer nativos,
suas ideias sobre divindade, com o objetivo final de iniciar sua evangelização, pois era
desconhecida para os neerlandeses a noção indígena de Deus e o entendimento que os
brasilianos tinham de religião. (SCHALKWIJK, 1986.) Para esta dissertação, foi preciso
problematizar as especificidades históricas e as singularidades culturais desse complexo
processo de reconversão do convertido, no caso, que há muito esteve em contato com a
evangelização católica.
Os holandeses desconheciam o quanto os potiguares eram dotados de espírito de
guerreiro e presumiram que tinha sido fácil para os portugueses conquistar índios “mal
armados ou inteiramente desarmados” (HEMMING, 2007, p.421). A falta de conhecimento
inicial e as diferenças entre indígenas e europeus, prejudicaram a relação entre esses dois
grupos com a convivência.
O encontro da palavra Reformada com os brasilianos, certamente, constitui tema
fascinante, mas que no momento, suscitará mais perguntas do que respostas. A falta de
trabalhos que problematizem a presença da fé reformada em terras brasílicas e a limitação
documental torna difícil tal proposta. O objetivo deste estudo é analisar, um panorama da
catequese Reformada junto aos índios no Brasil holandês, com o propósito de avaliar sua
importância no âmbito dos encontros culturais que se deram na América portuguesa.
Conforme informação da administração do Brasil Holandês,os índios eram católicos por imposição, sabendo tão somente a oração dominical, e o símbolo dos apóstolos. Van Der Dussen em relatório à Companhia diz deles que, sabiam apenas o nome de Deus, Jesus Cristo e Nossa Senhora e que de forma geral não sabiam explicar as razões da fé e o fundamento da salvação. (RIBAS, 2007, p. 106)
Portanto, capacitá-los a dar razão da fé e conforme recomendação dos XIX Senhores,
extirpar a heresia papista, esta seria a tarefa dos missionários reformados no Brasil holandês.
Com efeito, o Conde Maurício de Nassau ordenou aos “pregoeiros da palavra divina zelo
sério e flagrante das almas e que atraíssem os bárbaros com o exemplo de uma doutrina e
vida mais austera; que os impregnassem com o suco salutaríssimo da fé cristã (...)”.
(BARLÉU, p.191)
O reverendo David van Doorenslaer foi o primeiro missionário a ser enviado para
uma aldeia na Paraíba. Como parte do projeto de evangelização os pastores reformados
decidiram por elaborar um Catecismo para a instrução dos indígenas nos preceitos da
41
Religião Cristã Reformada. O catecismo foi publicado na cidade de Enkhuizen, Holanda, em
1641, porém nunca foi encontrado um único exemplar. Ele já foi procurado nos arquivos
sinodais na Holanda, num dos arquivos reais da Holanda, no catálogo central da Biblioteca
Real de Haia, nos arquivos de Siegen e Kleve entre outros. (RIBAS, 2007, p. 218.)
Convidado, o pastor David Dooreslaer mudou-se da capital da Paraíba para a aldeia
de Maurícia. Doreslaer e o pastor inglês Johannes Eduardus ampliaram o trabalho
missionário e deram início a um trabalho educativo. O primeiro professor protestante entre
os índios foi o espanhol Dionísio Biscareto, casado com uma holandesa. Biscareto foi
nomeado professor em Itapecerica, a maior aldeia da região de Goiana. Para as aldeias
paraibanas, foi indicado o professor inglês Thomas Kemp. Em 1640, começou o trabalho de
brasilianização, termo utilizado pelo estudioso Schalkwijk, para o ensino nas aldeias,
movimento idealizado pelo pastor Soler, da Igreja Francesa no Recife. Ele conheceu um
brasiliano razoavelmente experimentado nos princípios da religião, e no ler e escrever, capaz
de instruir os índios. O pastor Eduardus, por sua vez, lembrou a existência de índios em
idênticas condições em Goiana. Assim, solicitaram ao governo que esses índios fossem
nomeados professores nas aldeias, com um salário mensal de 12 florins, soldo de um cabo
do exército. Esses dois índios foram os primeiros professores indígenas da Igreja Protestante
na América do Sul. (SCHALKWIJK, 1986)
No projeto de colonização empreendido pelos holandeses, ficou decidido que as
terras sergipanas seriam doadas ao Conselheiro de Justiça, o holandês Nommo Oliferdi,
através de Escritura de 28 de fevereiro de 1642, a qual determinava no Art. 25 que os
próprios colonos deveriam assumir o salário do governador e do pastor. E nos Art. 3º e 4º
que se referem à liberdade religiosa dos católicos romanos em território sergipano, ficou
estabelecido que não praticasse nem permitiriam outro culto sem a devida permissão da
autoridade local. (NASCIMENTO ; BARRETO, 2008)
O governo holandês estabeleceu uma situação político-religiosa que tendia à
formação de uma teocracia cristã reformada, concedendo tolerância de consciência, porém,
restringindo o exercício dos cultos para os não reformados e desconsiderando a autoridade
clerical. As cerimônias católicas só poderiam ocorrer dentro das igrejas e,
consequentemente, estavam proibidas as procissões e outras atividades públicas
(NASCIMENTO, 2002).
42
2.3 Idealização prática da catequização protestante
O primeiro desafio do projeto seria a questão do idioma. Tornava-se necessária a
existência de uma língua-padrão para atingir um número maior de adeptos, seria preciso,
dessa maneira, um meio mais eficaz: a utilização da língua nativa. (POMPA, 2003, p. 86) A
complexidade dessa tarefa não consistiria apenas na tradução dos termos, mas nas
associações e tradições culturais. Processo esse realizado pelos primeiro catequizadores, os
católicos, principalmente os jesuítas:
Bispo é Pai-guaçu, quer dizer, pajé maior. Nossa Senhora, Tupansy, mãe de Tupã. O reino de Deus é Tupâretama, terra de Tupã. Igreja, coerentemente é tapâoka, casa de Tupã. Alma é anga. (...) Demônio é anhangá, espírito errante e perigoso. Para a figura bíblico-cristã do anjo (...) karaibebê, profeta voador (...).(BOSI ,1992, p.63)
Ao firmarem-se no Nordeste brasileiro, os missionários protestantes tinham em
pensamento que a catequização católica já fazia parte da realidade indígena. Já tinham sido
criados e apresentados conceitos, palavras, referências e associações. Com isso, toda uma
estrutura já havia sido elaborada e estava em andamento, o que poderia dificultar as
pretensões dos invasores.
Como parte do ideal de evangelização os pastores reformados decidiram por elaborar
um Catecismo para a instrução dos indígenas nas verdades da Religião Cristã Reformada
para reforçar seus fundamentos, atingir uma parcela maior da população e esclarecer, assim,
prováveis dúvidas em relação à nova religião.
Os catecismos já existiam antes da Reforma, todavia a principal diferença é que
a partir de então, as orações e os principais elementos da doutrina passaram a ser elaborados
na forma de perguntas e respostas alternadas. Esses documentos foram, primeiramente,
guias para os que ensinavam. Eram elaborados em um primeiro momento para ser o livro de
quem ensinaria, em pouco tempo tornaram-se uma espécie de livro auxiliar:
Exemplo disso foi o pequeno catecismo de Lutero, elaborado com a finalidade de auxiliar pastores incultos, mas que em pouco tempo passou a fazer parte da vida dos leigos. Daí, afirmando a seu respeito, que se tornara a “Bíblia do comum”, “um curto resumo de todas as Sagradas Escrituras”. Para os reformados, o catecismo tornou-se tão importante como via de instrução religiosa laica que em muitas partes da Europa a capacidade de responder de forma correta as perguntas deste, constituía um pré-requisito para a admissão a Ceia do Senhor, principal ritual das Igrejas Protestantes. (RIBAS, 2007, p. 93)
43
Dessa maneira, o papel que o catecismo desempenhava, era de extrema importância
como via de instrução religiosa. Desse modo, em outubro de 1638 a liderança da Igreja
Reformada, reunida no Recife, decidiu elaborar um novo Catecismo, já que o Catecismo do
reverendo Joaquim Soler elaborado em 1637, em espanhol, não retornava da metrópole,
lugar onde seria impresso.
Optaram por elaborar “(...) um breve, sólido e claro compendio da religião christã”
(RIHGB, 1912, p.730), contendo também formulários e outras atribuições da Igreja, como o
batismo. Desta vez, teve como responsável o pastor David van Doreslaer com a ajuda do
pastor Soler, revisado pelo pastor Van der Poel e Polhemius. Esse catecismo recebeu o título
de “Uma instrução simples e breve da Palavra de Deus nas línguas brasiliana, holandesa e
portuguesa, confeccionada e editada por ordem e em nome da Convenção Eclesial
Presbiterial no Brasil, com formulários para batismo e santa ceia acrescentados”.
(SCHALKWIJK, 1986, p. 732)
O trabalho foi encaminhado à Câmara da Companhia das Índias Ocidentais em
Amsterdã, e de lá, ao Presbítero de Amsterdã, “(...) quanto ao catecismo organizado e
revisto por alguns irmãos, ficou resolvido mandá-lo para Metrópole, a fim de ser impresso
em três línguas, a saber: holandesa, portuguesa e tupi”. (SCHALKWIJK,1986, p. 749)
A comissão, escolhida pelo Presbitério, para a análise do Catecismo, concluiu não
haver, propriamente, nada de errado com a obra. Mas ressaltava a preferência por seguir
mais de perto a ordem do Catecismo de Heidelberg. Perguntas extensas com respostas não
tão longas, também não agradaram a comissão. E, por último, que as fórmulas sobre o
Batismo e a Santa Ceia eram diferentes das aprovadas pelo Sínodo de Dordt, incluindo as
orações. Portanto, concluindo ser perigosa a elaboração de novas fórmulas, o Presbitério
sentenciou que tal manuscrito fosse devolvido à Companhia das Índias Ocidentais, sem
autorização para a impressão e que se informasse a decisão à Igreja no Brasil. O que o
Presbitério em Amsterdã denominou de “novas fórmulas”, foi o resultado da tradução da fé
reformada, principalmente o que diz respeito ao Catecismo de Heidelberg e das fórmulas
para o Batismo e a Comunhão, para a língua brasiliana.
Através de uma carta endereçada ao Presbitério de Amsterdã, diante de todos os
acontecimentos, o pastor David van Doreslaer, autor do catecismo justifica a forma como o
Catecismo foi elaborado. Diz ele que a:
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simplicidade dos brasilianos exigia uma maneira um tanto infantil de ensinar, e ele procurou regular-se por esse fato. Além disso, era-lhe impossível usar literalmente as expressões da forma da ceia do Senhor, porque a língua brasiliana era tão bárbara, que nela não era possível expressar todas as idéias teológicas; (...) Na própria Escritura todo o trabalho de redenção se expressa muitas vezes somente na palavra “sofrimento de Cristo”, e por isso maravilhava-se de que a Holanda tanto se assustasse. Posteriormente, quando soubesse melhor a língua, acharia se Deus quisesse, palavras para descrever essa imputação da justiça ativa. (SCHALKWIJK, 1986. Carta de 15/06/1642)
O Presbitério aceitou a explicação do pastor Doreslaer, porém mais uma vez insistiu
em que ele deveria ter sido mais cuidadoso com suas palavras. (SCHALKWIJK, 1986, p.324).
Todavia, o propósito do pastor não era fazer uma cópia fiel do Catecismo de Heidelberg,
apenas traduzi-lo para a chamada língua geral dos brasilianos, elaborando um texto com os
princípios do Catecismo, no entanto, acessível à população.
A tabela abaixo foi apontada por Gaspar Schmalkalden como elaborada em conjunto
por um mestre-escola e um brasiliano. O conhecimento prévio do português pelo indígena
indica que tal tradução lhe foi ensinada pela catequização anterior, ou seja, dos inacianos.
HOLANDÊS LÍNGUA GERAL PORTUGUÊS GOTT TUPANA DEUS
ENGEL CETECIMBAÈ ANJO CHRISTI CARAÎBEBÈI CRISTO HIMMEL IBÀIA CÉU SONNE CORACÎ SOL MONDE IACI LUA STTEEM INCITATÀ ESTRELA
WOLCKEN IBATINGA NUVENS HAGEL AMÁNDIBA GRANIZO
DONNER AMACÚNÚNGA TROVÃO BLITZ AMABERABA RELÂMPAGO WIND IBÚTÛ VENTO
WASSER IG ÁGUA BERGE IBITIRA MONTANHA BAUM YA ÁRVORE EISEN ITA FERRO STEIN ITÂ PEDRA GELD TAIUIUBA DINHEIRO GOLD ABÂ SER HUMANO/ HOMEM
MENSH ANGA ALMA
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LEIB TETÊ CORPO9 O desejo dos holandeses, conforme aparece nas tentativas de evangelização, era o de
alfabetizar não somente os indígenas, mas os jovens nativos, para que a língua da
colonização anterior – a portuguesa- caísse no esquecimento, bem como sua religião.
(RIBAS, 2007, p.120) Tal objetivo era ainda mais difícil de ocorrer, dada a utilização do
português para a tradução dos termos.
Uma grande dificuldade foi relacionar as palavras e termos religiosos para o
vocabulário indígena. Auxiliado involuntariamente pela catequização anterior – católica- o
resultado da relação de palavras era dúbio, pois se por um lado facilitaria uma
recatequização, por outro, limitaria o uso daquelas palavras já apresentadas por parte dos
protestantes. O brasiliano, chamado também língua geral, ou brasiliana é também usada
genericamente para referir-se aquelas línguas que tornaram-se línguas de contato
intercultural, de colonização, sendo faladas por índios de diferentes nações, tupi ou não, por
portugueses e descendentes. Pierre Moreau por meio de suas crônicas indica a participação
jesuíta na criação de uma ortografia para a língua dos índios. E noticia que os missionários e
mestres-escola da Religião Reformada se valiam desta mesma língua para seu trabalho
missionário entre os índios.
Os jesuítas são dignos de louvor por terem organizado uma ortografia que exprima todas as palavras e dicções de sua língua, muito próxima da pronúncia nativa, em letras de nossos caracteres (...). Os holandeses, depois, também sempre mantiveram pregadores e mestre-escolas para evangelizá-los e ensinar-lhes a religião cristã nessa mesma língua. (MOREAU, p.86)
O mesmo autor ainda chama atenção ao que tange essa apropriação:
Os holandeses pregavam por toda a parte (...); dirigiam-se aos brasilianos pelos ministros que, desde a juventude, tinham aprendido a sua língua (...) os quais residiam entre eles como professores, ensinando a ler e a escrever em cada aldeia. (MOREAU, p.30)
A carta do pastor David van Doreslaer, que constitui uma das poucas referências, até
o momento, para pensarmos na transposição da mensagem cristã reformada para o interior
dos códigos Tupi, ou mais precisamente para o interior da língua geral, foi escrita porque a
Companhia das Índias, não considerando o parecer do Presbitério de Amsterdã, publicou o
“Catecismo brasiliano”. Não seria pouca a movimentação negativa que tal decisão provocou.
9 “A viagem de Gaspar Schmalkalden de Amsterdã para Pernambuco no Brasil”. In: 9 RIBAS, Maria Aparecida de Araújo Barreto. O Leme espiritual do Navio Marcante: a missionação calvinista no Brasil holandês (1624-1654). 2007. p.118
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No entanto, do pequeno Catecismo brasiliano, o que se sabe é que parece ter desaparecido
junto com os índios reformados do Brasil Colonial. Documento importante, de parte de
nossa história e que nos ajudaria a pensar, entre outras coisas, nas questões de traduções.
(RIBAS, 2007, p.124)
Comprovada esta utilização, é possível afirmar, que não apenas o português, mas o
domínio da língua geral para o dialeto colonial foi utilizado no catecismo elaborado pelos
protestantes. De qualquer maneira, há muitas questões a serem pensadas a partir da presença
reformada entre os índios de parte do nordeste brasileiro, já cristianizados pelos católicos e
suas ordens religiosas. De modo que procuramos salientar mais uma vez, que a história dos
índios só pode ser entendida a partir do relacionamento com a história européia. E que, faz-
se necessária a identificação dos processos, as negociações e os instrumentos através dos
quais se processaram as transformações pelas quais passaram os grupos indígenas em
contato com as sociedades ocidentais.
De acordo com Schalkwijk, alguns pontos devem ser levados em consideração para
melhor entender o conflito que desencadeou a publicação de Catecismo brasiliano, após a
não aprovação por parte da Igreja. Em primeiro lugar, sabendo dos interesses econômicos
além dos religiosos, tal ato dos XIX Senhores deixaria claro a separação entre o poder
religioso e o poder temporal. O que leva a segunda ideia, de quebra de acordo com as Igrejas
Reformadas, estabelecida no Sínodo de Dordt. São elas as “Três Fórmulas de União”, a
saber: Confissão Neerlandesa, Catecismo de Hildeberg e Cânones de Dordt, que não seria
cumprido com a publicação.
A terceira - e para o estudioso a mais importante -, foi o conflito em relação a uma
missão nunca antes realizada. Embora existisse todo um plano de missão, na prática,
questões impensadas na teoria se apresentariam, e com isso haveria necessidade de alguma
mudança. Existia uma grande preocupação por parte da Igreja de se alterar seus
ensinamentos, e a impressão do catecismo não aprovado pela Igreja-Mãe, conferiu um grau
de insubordinação por parte da Companhia.
É importante perceber que este conflito ultrapassa questões religiosas, políticas e
econômicas como citadas em toda a pesquisa, e chega ao plano cultural. No caso do
“Catecismo proibido”, as questões envolviam linguagem, tradução e conversão de uma
cultura diferente da realidade da Igreja Reformada. Para Alfredo Bosi,
a urgência da missão precisou mudar o código não por motivo de mensagem, mas de destinatário. O novo público e mais do que público participante, de um novo e
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singular teatro, requer uma linguagem que não pode absolutamente ser a do colonizador (BOSI, 1992, p.31)
Para além das tensões já esperadas de utilização da língua geral, ou de um modelo de
evangelização anterior, o contato com os indígenas, apresentou um conflito cultural, mais
um decorrente dessa nova relação. As ações da Igreja não gerariam conflitos apenas entre os
idealizadores do projeto. Mesmo a vinda e a relação com os nativos seriam mais um
exemplo de dificuldades encontradas na vida tão diferente na colônia.
O primeiro culto da Igreja Cristã Reformada em Olinda foi realizado na Páscoa de
1630, na Igreja Matriz do Salvador do Mundo, um templo anteriormente católico, que teve
suas imagens e representações retiradas para servir ao culto protestante. O predicante Johan
Baers foi o responsável por esta celebração e contou que: “Pela Páscoa os Srs Conselheiros
mandaram abrir a principal igreja paroquial de Olinda, orná-la e prepara-lá, onde no dia
da Páscoa fiz a primeira prédica (...)”. (RIBAS, 2007, p.38)
Despojados dos adereços da fé católica, doravante os templos reformados passavam a caracterizar-se pela singeleza minimalista e iconoclasta de seu exterior, bem como de seu interior, cujas paredes eram caiadas de branco, sem nenhum quadro ou imagem de escultura, contendo apenas um púlpito, numa estante de coro e bancos para membresia. (RIBAS, 2007, p.38)
Diogo Lopes Santiago relata também as características dos novos templos adaptados,
em sua História da guerra de Pernambuco. O morador do Arraial Novo do Bom Jesus
descreve com surpresa que,
(...) o inimigo tanto que se apoderou da vila de Olinda, sábado 16 de fevereiro de 1630, fez mil exorbitâncias, e insultos, não perdoando a coisa alguma; entrando nos templo, executou a perfídia herética, nas sagradas imagens, vasos, e vestes sacerdotais, com muitos impropérios, roubando tudo (...). (RIBAS, 2007, p. 38)
Em sua obra O Valeroso Lucideno, frei Manuel Calado escreve uma crônica da
resistência portuguesa ao invasor Neerlandês, à época da segunda das Invasões ao Brasil. A
obra, predominantemente em prosa, apresenta caráter clássico e refere-se aos protestantes
como hereges invasores e destruidores dos templos católicos.
Embora o já citado predicante Baers tenha sido o primeiro religioso a registrar os
primeiros dias da Igreja Cristã Reformada em Pernambuco, não significava que ele estivesse
sozinho. A autora Maria Aparecida Ribas reitera que ele :
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(...) não foi o primeiro predicante a incorporar a expedição de conquista: ao menos mais um clérigo participou da expedição na qualidade de capelão do almirante Hendrickcs Lonck(...)É possível que o predicante a acompanhar o almirante, e que ficou em terra, tenha sido o pastor Willelmus Pistorious, pois numa correspondência do coronel Waerdenburch aos Dezenove Senhores, datada de 1631, há referência a este predicante, assim como em outras correspondêsncias deste mesmo ano, no entanto, outros nomes (...) figuram na documentação de1631.(RIBAS, 2007, p.39)
Em sua pregação, o religioso Baers pede a Deus, “(...) Abençoai os pequenos
fundamentos que ali estão lançados [na Ordem de Dordt] , dai crescimento às prédicas de
Vossas divinas palavras que ali, por graça Vossa, na medida dos nosos dotes planejamos.”
(BAERS, 1978, p.98)
Os predicantes que deixavam a Holanda para pregar no exterior tinham suas funções
definidas na chamada Instrução. Para o Brasil holandês foram enviados, portanto, predicantes
(pastores) e mestres escola (professores) com o fim específico de trabalhar nas aldeias indígenas
sob domínio neerlandês.
A Ordem de Dordt instituía entre outras coisas que,
(...) o Conselho cuidará primeiramente do estabelecimento e exercício do culto público por meio de ministros, segundo a ordem seguida na igrja cristã reformada destas Províncias Unidas, a palavra Santa de Deus e o ritual da união aceito pelas mesmas Províncias(REGIMENTO apud RIAHP, 1886, p. 292)
Cabiam aos predicantes levar a palavra de Deus para onde fossem, administrar os
sacramentos, entre outras funções. Boa parte dos que atuaram no Brasil Holandês, tinham
seus nomes escritos em livros de Confissões da Classe de Amsterdã e Walchcheren. E
embora servissem a Igreja Protestante, estes eram contratados pela Companhia de Comércio.
(SCHALKWIJK, 1986, p. 166)
Seu tempo de permanência variou de dois a quatro anos de trabalho na colônia, no
entanto, ao final do seu contrato, muitas vezes era pedido ao predicante que ampliasse o
período de continuidade de seus afazeres, já que “(...) a carência de obreiros e a
enormidade das tarefas levavam os predicantes a pedirem a permanência de seus colegas
na colônia” (RIBAS, 2007, p.41)
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Até 1636, é difícil encontrar documentações referentes as atividades protestantes no
nordeste, pois foi a partir de então que instituiram-se duas reuniões anuais para tratar de
tópicos eclesiásticos, as chamadas reuniões de Classe (nomenclatura eclesiástica que designa
um grupo de igrejas da mesma região organizada numa convenção ou um presbitério).
Foram esses encontros que gearam um número grande de interessantes informações acerca
do período em questão. Trata-se da relação dos predicantes com o Conselho Político de
Recife, com os Dezenove Senhores, alta cúpula da Companhia, e sobre a população.
A necessidade da educação indígena aparece exaustivamente nos documentos
neerlandeses, especialmente nos da Igreja Reformada. Em todas as ocasiões em que discutiram a
catequese indígena, afirmavam a necessidade de mais professores para a alfabetização indígena,
a fim de inculcar-lhes solidamente os preceitos da fé reformada. Seja nas reuniões da Classe8,
nas reuniões do Governo, nas cartas às Igrejas na pátria, às Câmaras das Províncias, nas cartas a
particulares, faziam coro os missionários reformados: “dar maior educação aos brasileiros”.
No ano de 1636 ocorreu ainda a chegada de Vicente Joaquim Soler, considerado o
pai da missão Reformada no Brasil, e responsável por muitos documentos utilizados nesta
pesquisa, principalmente suas correspondêsncias com a metrópole. Soler chama atenção para
alguns vícios que os religiosos protestantes possuíam, e que além de pecaminosos,
impediam o andamento do projeto de missionação. Por muitas vezes a embriaguez atingia
um bom número de religiosos, que mesmo antes de chegarem a colônia detinham essa
criticada prática.
Ao Brasil holandês chegaram vários exemplares do livro Ló Sóbrio, de autoria do predicante Daniel Souterius, certamente com o mesmo pelo qual fora publicado na metrópole, de autoria do predicante Daniel Souterius, certamente com o mesmo objetivo pelo qual foi publicvado na metróple: auxiliar os predicantes a lidar com os excessos etílicos de muitas ovelhas do rebanho calvinista, bem como de alguns de seus pastores. Com efeito, a julgar por uma série de indícios, o predicante Joducus Stetten não foi o único predicante a sucumbir ao vício nacional. Em 1634, um predicante em Erichem, Jan Swartenius, sofreu as mesmas penas que, em 1637, Stetten sofreria: foi expulso do ministério pastoral por sua persistência no vício da embraguez. (RIBAS, 2007, p. 41)
Vicente Joaquim Soler em carta a André Rivert, em Haia, datada de 16 de Julho de
1636, adverte quanto a impressão que tem da colônia e o temor da dificultade que teria para
implantar o projeto, mas que almejam conquistar definitivamente a região, todavia para isso
necessitaria mais aparatos que dispunha:
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Assim, não temos aqui senão fezes da Holanda, Zelância, etc.; gente que não sabe o que é civilidade ou honra e menos ainda temos ao Soberano. Essa gentefica tão escandalizada disso, que mais aconselhável seria participar de um baile, do que persuadi-los a abraçar a Religião. O país é bom e mauito agradável, e se fosse livre, seria uma residência conforme todos os desejos. Que Deus nos dê vitórias todos os dias. E segundo o juízo humano, se tivéssemos ainda 1.400 ou 1.500 homens, expulsaríamoso inimigo totalmente. Na terra temos tantos homesn que ele; no mar não dispõem de nenhum navio, ao passo que nós temos uma boa armada, dirigida por um valeroso Almiranmte. (SOLER, 1636-1643, 1999, p.24)
Além do vício da bebida alcoólica, algumas atitudes de predicates deixavam Soler
insatisfeito. A falta da utilização de roupa adequada, e compra de grandes propriedas foram
atitudes condenadas pelo religioso. “ Consta que Schagen era o único presicanteno Brasil
holandês a não se trajar como os demais, que vestiam ao modo da pátria, com bata preta
com colarinho à semelhança do pessoal da justiça”. (RIBAS, 2007, p.47)
O mesmo religioso comprou de Antonio de Souza Moura, o engenho de São Tomé.
O que chama atenção nesse dado é que o antigo proprietário se declarou satisfeito com o
negócio. Levando em consideração o baixo salário de um predicante, 100 florins, e o valor
médio de um engenho que, segundo o historiador Evaldo Cabral Mello, variava em torno de
30 e 40 mil florins, tal negociação pode ter sido realizada às custas da Companhia das Índias
Ocidentais. (SOLER 1636-1643, 1999, p.11) Dada a inquirição, foi comprovada que as
acusações de Soler tinham fundamento, ampliando ainda o número de predicantes de má
conduta, ou agindo de má fé.
A despeito da enorme necessidade de predicantes para darem prossegumento à “fundação da Igreja de Cristo no Brasil”, os predicantes responsáveis pela Igreja no Brasil holandês não estavam mais dispostos a tolerar o relaxamento da conduta ou despreparo teológico de alguns membros do corpo eclesiástico. Não havia mais lugar para predicantescom conduta inadequada e tampouco para aqueles que não possuíam conhecimento teológico suficiente para o desempenho de suas funções. (RIBAS, 2007, p.56)
Não somente no campo religioso, a preocupação com uma boa conduta e vida
regrada também incluia o trabalho na admistração laica, além do quadro eclesiástico. “A
qualidade era mais importante que a quantidade: uma ética da continência, uma moral da
santidade e uma razoável formação teológico-doutrinárias mais do que nunca eram
necessários para o serviço” (RIBAS, 2007, p.60)
Era necessário rigor na avaliação do comportamento do predicante, pois apenas dessa
forma que a missão alcançaria êxito. O número de homens enviados para a colônia sempre
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foi muito abaixo do solicitado, no entanto, permanecer com pregadores que não seguiam os
ensinamentos religiosos ou não cumpriam com suas obrigações nas aldeias, não era a itenção
dos líderes da Igraja Reformada.
“Em nome de Deus, senhores, mandai-nos quatro pessoas tanto de doutrina, de boa
vida, como amantes da paz”. (SOLER 1636-1643, 1999, p.39) Suplica Soler em pedido
encaminhado aos Diretores da Câmara Zelandesa da Companhia das Índias Ocidentais em
Mildeburgo, por mais reigiosos para a colônia.
Por mais que a Classe fizesse o requerimento à metrópole de envio de mais religiosos
aptos ao ensino, e mesmo que a metrópole demontrasse atenção e empenho ao envio desses
predicantes, o número deles na colônia sempre esteve abaixo do ideal. Muitas vezes o
problema começava na própria viagem, como ocorreu com o primeiro predicante Joahan
Bears, que perdeu seu filho, e o próprio Soler:
Deus me fez chegar a bom porto depois duma viagem muito feliz; mas sem mercador de Colônia, de mim desconhecido, que me hospedou cinco semanas na sua casa, ainda estaria balanceando-me sobre o mar com minha mulher e minha filha, as quais estiveram muito doentes; ou melhor dito, todos juntos tivéssemos servido de comida de peixes. (SOLER 1636-1643, 1999, p.59)
Em terra as dificuldades não cessaram, tendo alguns pastores sido mortos em
emboscadas, ou mesmo desaparecidos. No que se refere a realidade da “Guerra do Açúcar”
travada nesse período, foi de interesse dos predicantes evangelizar os dois grupos que dela
participavam. Porém, os benefícios a eles permitidos pelo governo neerlandês batiam de
frente com qualquer ânimo de missionação dos pedicantes. Não era possível alongar a
evangerlização aos luso-brasileiros católicos e judeus, pois tal medida entraria em
contradição com os interesses econômicos e políticos da WIC, como afirma Pedro Puntoni
ao asseverar que “(...) interesse em agradar e permitir aos portugueses a livre prática
religiosa estava associada aos interesses imediatos da Companhia de mantê-los como fiéis
colaboradores (...)”. (RIBAS, 2007, p.56)
Um ponto de acordo entre a Companhia das Índias Ocidentais e os predicantes foi
em relação aos índios. Ambos acreditavam que este grupo seria aliado fundamental para a
conquista. Foi sobre eles que a missionação reformada incidiu mais fortemente, e alcançou
resultados satisfatórios.
Em relação a esta missionação indígena, a maior parte da missão holandesa acabou
buscando esta conversão. A história do desenvolvimento dessa missão foi descrita pelo o
historiador da igreja Frans Leonard Schalkwijk, com destaque para a obra Igreja e Estado no
Brasil Holandês. Ali, as missões protestantes seriam divididas em três etapas - assim como
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fez o Evaldo Cabral Mello ao tratar da dominação - que podemos classificar como:
preparação (1630-1636), expansão (1937-1644) e conservação (1645-1954).
(SCHALKWIJK, 1986, p.99-100). Temáticas que serão desenvolvidas mo próximo capítulo.
3 ORGANIZAÇÃO, ESTRUTURA E ENSINAMENTOS NA PRÁTICA: O
RESULTADO DA EDUCAÇÃO CALVINISTA PARA OS INDÍGENAS
3.1 Os missionários protestantes
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“De Olinda à Holanda não há mais que uma mudança de um ‘i’ em ‘a’, e esta Vila
de Olinda se há de mudar em Holanda e há de ser abrasada pelos holandeses antes de
muitos dias; porque, pois falta a justiça na terra, há de acudir a do céu” (CAMARGO,
1955.P.146). Um ano antes da invasão holandesa, o frei Antônio Rosado, dominicano,
alertou em sua pregação. Pernambuco, como uma das principais regiões do Brasil Colônia,
tinha em Olinda uma vila em pleno desenvolvimento econômico, entretanto, observando-se
acentuado declínio moral.
A Igreja Cristã Reformada também crescia em número de refugiados, perseguidos
por sua fé evangélica. Chegaram a organizar congregações eclesiásticas de língua francesa e
inglesa. Contudo, mais importante do que o crescimento quantitativo, foi a preocupação de
se zelar pela qualidade, como expressão holandesa do puritanismo. Esforçavam-se para
aplicar os preceitos bíblicos em seu cotidiano.
Como já abordado no primeiro capítulo, essa Igreja procurou evangelizar também os
portugueses que aqui se encontravam. Porém, a conversão não foi grande, já que a religião
protestante sempre foi vista como a religião dos invasores para os colonos, já sob o domínio
dos católicos, antes mesmo da chegada dos protestantes (RIBAS, 2007, p. 61). Em relação
aos indígenas, a situação foi diferente, tanto que a maior parte da missão holandesa acabou
buscando a conversão. Como já dito anteriormente, a história dessa missão desenvolveu-se
em três etapas que podemos classificar, de acordo com o pesquisador da Igreja Frans
Leonard Schalkwijk, em sua obra Igreja e Estado no Brasil Holandês em três períodos. São
eles: preparação (1630-1636), expansão (1937-1644) e conservação (1645-1954).
(SCHALKWIJK, 1986, p. 99-100).
Na medida em que a conquista se alargava foram implantadas as congregações
reformadas, e na medida em que os luso-brasileiros recapturavam o terreno estas
desapareceram, porque não havia lugar para qualquer igreja evangélica debaixo da
hegemonia ibérica.
A Maior Igreja Reformada do período era a de Recife, acrescida ainda das
congregações inglesa e francesa. Esta se reunia no "templo gálico" onde o próprio Nassau
era o membro mais ilustre, sob o pastorado do predicante espanhol Vincentius Soler10. Com
o aumento da conquista organizou-se a "classe", uma convenção eclesial, o Presbitério do
Brasil, e durante alguns anos existiu até o Sínodo do Brasil, com dois presbitérios: o de
Pernambuco e o da Paraíba.
10 Pastor e grande incentivador do trabalho missionário, servindo neste campo, pregando e escrevendo. Segundo o historiador Schalkwijw, não seria denominá-lo “pai da missão evangélica entre os índios” ou “apóstolo dos brasilianos”.
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Havia igrejas grandes e pequenas, com seus predicantes ou sem pastores; com seus presbíteros e diáconos ou sem condições de escolher oficiais; com seu "proponente" (um estudante de teologia licenciado) ou seu "consolador" (um evangelista); com seu professor na escolinha ou quase abandonada; com sua visão missionária ou com sua falta desta visão. Na leitura dos documentos surge uma igreja como a conhecemos hoje em dia, mas com um problema específico: rodeada de pessoas que queriam expulsá-la da sua terra. Apesar disto a igreja procurou evangelizar os moradores portugueses, inclusive com literatura evangélica.” (SCHALKWIJK, artigo)
“No que se refere à proteção dispensada pelo Estado aos povos indígenas, pode
dizer-se que a situação no Brasil Holandês em nada era melhor do que no Brasil
Português”. (NEME, 1971, p. 178). Entre os nativos, havia dois principais grupos de
indígenas que estabeleceram contatos com os invasores, são eles os tupis chamados pelos
holandeses de ‘brasilianos’ (MELLO, 2001, p. 197-225), e os tapuias, que não constituíam
uma única tribo, eram índios de diversas localidades não subjugados (SCHALKWIJK, 1986,
p.245).
Como os tapuias são tantos e estão tão divididos em bandos, costumes e linguagem, para se poder dizer deles muito, era de propósito e devagar tomar grandes informações de suas divisões, vida e costumes; mas, pois ao presente não é possível. (SOARES DE SOUSA, 1971 [1587], 338 apud MONTEIRO, 2001, p.20)
De acordo com a documentação, esse grupo apresentava maior resistência frente a
uma possível dominação, “fiando-se basicamente naquilo que seus informantes tupis lhes
passavam, escritores coloniais como Gabriel Soares costumavam projetar os grupos tapuias
como a antítese da sociedade tupinambá, portanto descrevendo-os quase sempre em termos
negativos” (MONTEIRO, 2001, p.20): (...) estes mais ferozes e insubordinados, eram refratários a qualquer forma de convivência com os brancos, os tupis aceitavam viver em aldeia localizadas junto de vilas e povoações, dirigidas e fiscalizadas por capitães holandeses, além de assistidas por praticantes calvinistas - como já vinha acontecendo, sob capitães e padres católicos, no tempo do portugueses. (MELLO, 2001, p.197-225)
A partir da leitura da obra citada, temos a informação que nem em todos os
aldeamentos os pastores protestantes estavam presentes. De acordo com o Sínodo de
Pernambuco, não passava de quatro o número de predicantes responsáveis por missionar
índios nas aldeias. Ao final de 1639, segundo o mesmo documento, eram vinte e um
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encarregados nas capitanias de Pernambuco, Itamaracá (Goiana), Paraíba e Rio Grande.
(RIHGB, 1915, v.1, p.748)
Cada um de acordo com sua função tinha responsabilidades específicas. “(...) Aos
(capitães) predicantes competia ensinar os índios a ler e escrever, encaminha-los pela
catequese para a doutrina reformada e educar nas ‘maneiras civis’ dos europeus (...)”
(NEME, 1971, p.179)
A capacidade de aproximação com a cultura indígena, entretanto, não seria em nada
empírica. Após a derrota na Bahia, a frota holandesa navegou para o norte em busca de um
local para se reabastecer antes de seguir para as Ilhas Caribe. Ao aportarem na Baía da
Traição (9 km ao norte da Paraíba), os índios locais da tribo Potiguar, viram os flamengos
como libertadores, tanto que ao perceberem que a frota não permaneceria por muito tempo,
muitos nativos, quiseram embarcar. No entanto, os holandeses levaram apenas seis nativos.
Os seis índios, entre eles Pedro Poti, permaneceram por cinco anos nos Países
Baixos, onde aprenderam a ler, escrever e foram instruídos na religião Cristã Reformada. Tal
medida tomada pela Companhia das Índias Ocidentais não era sem propósito. Com a invasão
a Pernambuco, logo alguns desses nativos voltaram ao Brasil para aqui servirem de
tradutores no contato com outras aldeias do Nordeste.
Em relação à leitura, não conhecemos dados sobre experiências de índios nesse
aspecto. O que temos acesso são cartas que se referem a conversão de Pedro Poti e Antonio
Paraupaba, documentos esses que não tratam especificamente de tal objeto. (RIHGB, 1912,)
Contudo, sabemos que ao aprender a religião reformada, os indígenas teriam que aprender o
idioma neerlandês, sendo feita assim a leitura de documentos e o ensinamento da “nova
língua” para os demais nativos. É importante perceber que, introduzindo esse hábito na vida
dos índios, seus usos e costumes também se transformariam, de modo que evangelização e
alfabetização compunham um conjunto de medidas adotadas a partir do interesse dos
invasores.
Nas Instruções de 1636, segundo Gonsalves de Mello, em “Tempo dos Flamengos” é
preciso reafirmar o Regimento de 1629 que objetiva garantir o respeito para com os nativos
“(...) nas praças conquistadas ou que venham a ser conquistadas”, deviam os nativos “ser
deixados em liberdade e de modo algum escravizados”. (RIAHGP, 1886, p.292). Ainda de
acordo com o mesmo autor “(...) várias vezes o reconhecimento dessa liberdade foi
reafirmado”, o que dimensiona os abusos sofridos pelos nativos. (MELLO, 2001)
No final da década de 1630, o Rio Grande do Norte tinha cinco aldeias de
brasilianos, a Paraíba sete, Itamaracá cinco e Pernambuco quatro (SCHALKWIJK, artigo).
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Contudo, o número de nativos litorâneos desde o início da colonização portuguesa estava
declinando. Durante o Brasil Holandês, diferente do que muitos autores consideram, partia
da WIC, e não do Conde de Nassau o respeito em relação aos indígenas.
Através desses brasilianos vindos da Europa, o trabalho missionário da Igreja
Reformada foi difundido. O governo holandês apoiou essa tarefa, sem dúvida por interesses
políticos, pois precisava da colaboração dos nativos na luta contra os portugueses. Com esta
orientação, muitos se tornaram obreiros nas aldeias, e a Igreja como organização também
passou a atuar em tais localidades. Essa relação passou por momentos mais tranquilos e em
outros de guerras, durante os anos de revolta lusitana. Alguns nomes tiveram maior
participação neste processo, seja por sua conversão ou pelo papel desempenhado no período.
Na importante obra sobre este período, entitulada “Traição, um jesuíta a serviço do
Brasil Holandês processado pela inquisição”, Ronaldo Vainfas apresenta a vida de um
intrigante personagem que se destacou e mudou de lado no período de domínio holandês.
Responsável pela catequese aqui discutida, a análise de suas correspondências são valiosas
para conhecer o período em questão. Manoel de Moraes era mameluco, nascido em São
Paulo de Piratininga, filho de mameluco e irmão de bandeirantes apresadores de índios. Não
teve o mesmo destino de seus familiares por se interessar pela religião, e, desde cedo, fez
votos solenes no Colégio da Bahia, tornando-se jesuíta, em 1623. (VAINFAS, 2008, p.24)
Ainda jesuíta em Pernambuco, Manoel de Moraes foi um dos missionários da
Companhia de Jesus que logo aceitara a convocação do governador, Matias de Albuquerque,
para a defesa das capitanias do Norte, “Manoel integrou, portanto, a linha de defesa erigida
pelos jesuítas, à frente dos índios, contra o avanço holandês. Primeiro com a “assistência
espiritual” e, segundo, “com ajuda corporal”, liderando os índios em combate”
(VAINFAS, 2008, p.43) formando grande resistência. Entretanto, o padre, nunca poderia ter
sido um capitão oficial de guerra, uma vez que era então jesuíta.
Após muito atuar ainda do lado português, com a conquista da Paraíba, em 1634,
Manoel de Moraes se entregara as forças holandesas, “o limite entre a rendição e a traição
de Manoel nesses momentos finais da guerra paraibana é quase invisível. Ou bem ele se
rendeu e, ato contínuo, traiu, ou bem traiu e depois se rendeu” (VAINFAS, 2008, p.65).11
Manoel de Moraes de prisioneiro passou a informante flamengo, nomeando aldeias de índios
e suas respectivas lideranças, bem como servindo de mediador entre holandeses e indígenas.
11 Mais tarde, acusado por traição pelos oficiais militares luso-portugueses, em sua defesa no Tribunal do Santo Ofício, as rivalidades entre Manuel de Moraes e outro militar português ganharam um novo capítulo, ao afirmar ele que Martim Soares Moreno - comandante das forças potiguares e inimigo de Moraes - (VAINFAS, 2008, p.53) o havia abandonado à própria sorte em uma das mais importantes batalhas na Paraíba.
57
As informações passadas por ele no período de guerras era de extremo valor (VAINFAS,
2008, p.71).
Em Recife, chegou mesmo a lutar ao lado dos holandeses contra os filhos da terra,
vestido como “flamengo” em traje militar. Com mudança dos trajes o ex-jesuíta havia
mudado mesmo de identidade:
Garboso e cheio de si, Manoel não trazia mais a tonsura que sempre tinha usado, mesmo quando lutava contra os holandeses na defesa da capitania, senão cabelo comprido e barba crescida. Já na aparência, nosso Manoel achou por bem mudar de identidade, assumindo a estampa do vencedor holandês (VAINFAS 2008. p. 75).
Ao mudar de lado e deixar para trás o sacerdócio, Manoel aumentou a fúria que já
lhe era devida pelos militares e religiosos. Para os primeiros, ele era mais um grande traidor,
para os últimos, todavia, um herege que merecia a fogueira. “De sorte que Manoel deixou o
ofício de capitão de índios e reassumiu sua função de letrado, agora não mais a serviço da
Companhia de Jesus, mas da Companhia das Índias”. (VAINFAS, 2008, p. 75)
Nos oito anos em que vivera nos Países Baixos calvinistas, entre 1635 e 1643, o ex-
jesuíta casou duas vezes, contraindo as segundas núpcias à moda de Calvino após enviuvar-
se. Protegido do humanista Joannes de Laet – renomado intelectual e diretor da WIC - a
quem auxiliava em seus escritos sobre o Brasil, conseguiu entrar na prestigiada
Universidade de Leiden e obter o grau de Licenciado em Teologia. (VAINFAS, 2008, p.
131)
Dentre as suas obras, a mais importante foi um “plano para o bom governo dos
índios”, documento de localização desconhecida, mas citado em uma carta dos Dezenove
Senhores ao Conselho Político de Recife, em 1635, que previa o reconhecimento das
lideranças indígenas leais e o reforço do trabalho dos missionários calvinistas e, como
atentou Ronaldo, tratava-se de “um modelo de catequese calvinista com metodologia
inaciana” (VAINFAS, 2008, p.121).
Seu período do lado holandês é conhecido nas já citadas correspondências entre os
primos Pedro Poti e Felipe Camarão, índios potiguaras que defendiam lados distintos –
protestante e católico respectivamente – nesses anos de guerra do Brasil colonial.
Em 1643 Manoel voltou a Pernambuco após pegar um empréstimo com a WIC, e se
tornou um explorador de pau-brasil. Vainfas, mais uma vez, sintetiza em poucas linhas os
meandros da vida de seu biografado: “Manoel tornou-se um senhor de escravos como tantos
58
outros, tinha escrava em casa, sua mulher estava na Holanda, e de padre ele já não tinha
nem o hábito” (VAINFAS, 2008, p. 233).
Em Recife, o ex-jesuíta e então ex-calvinista passa a frequentar as igrejas e capelas;
como seu passado era católico e, mesmo sob a acusação de traidor que lhe era movida,
buscou se reconciliar com a Igreja Católica, e poder defender-se no próprio Tribunal do
Santo Ofício, em Lisboa. De certa maneira, “Manoel vivia com a consciência pesada.
Identidade fragmentada”. (p. 245) se preocupando mais com o Santo Ofício do que com
ampla dívida contraída com a WIC.
Acusado de heresia pelo tempo em que vivera na Holanda, onde contraiu dois
casamentos, o réu insistirá que não conhecia nem mesmo o holandês, mas que fugia da
alçada da inquisição, preocupada com os crimes de fé (VAINFAS, 2008, p. 287).
Entre 13 de abril e 23 de outubro de 1646, Manoel de Moraes preso nos cárceres de
Lisboa, sustentará sua versão católica de que, no Brasil e na Holanda, deu provas de sua
identidade católica, mas nada disso convenceu seus acusadores. Sem confessar, os ministros
do Tribunal, o ex-jesuíta foi mandado ao suplício na “sala do tormento”, com o fim de ser
içado pelos pulsos até o teto e de lá ser despencado ao chão numa polé. Sem opção, e
temendo o tempo de sua reclusão naquela atmosfera de ser queimado vivo, não viu
alternativa e confessou que havia sido calvinista, escapando da fogueira, mas condenado a
penas menores. (VAINFAS, 2008. p.123)
A partir do plano de catequese elaborado por este ex-jesuíta chamado Manoel de
Moraes, seria tomada a decisão de dar início ao serviço missionário no Brasil Holandês. Em
reunião tomada no Conselho Eclesiástico da Igreja Reformada do Recife, em 1937, decidem
adotar o plano e elaboram uma carta com os métodos a serem utilizados e a enviam ao
Presbítero de Amsterdã.
Neste importante documento, eram solicitados “(...) oito proponentes licenciados,
bem educados e aptos para o pastorado, para que aprendessem a língua brasiliana”. 12
Além disso, em Recife, foram reivindicados professores primários, que deveriam ser de
preferência casados e com filhos, sendo sugerido ainda que fossem levados aos Países
Baixos, jovens brasilianos com o intuito de aprender holandês e serem educados na religião
protestante. O Presbitério de Amsterdã levou o assunto à Companhia, responsável pelos
salários Eclesiásticos. O objetivo era
12 Carta do Conselho dos XIX ao Conselho Político, datada de Amsterdã, 1 de Agosto de 1635.
59
(...) enviar 25 meninos índios a estudar na Holanda e sugeriu que igual número de órfãos holandeses fossem remetidos para o Brasil para que se aperfeiçoassem no estudo da língua portuguesa, difundido por intermédio da religião reformada. 13
Em 1636, o Conselheiro Servaes Carpentier foi enviado às Províncias Unidas como
núncio apostólico do Governo do Brasil Holandês. Na instrução apresentada aos Dezenove
Senhores, Carpentier reiterava a necessidade de predicantes para a catequese, assim como
professores para o ensino. (SCHALKWIJK, artigo)
Para alcançarem maturidade religiosa, necessitavam de educação. Essa necessidade
aparece colocada exaustivamente nos documentos neerlandeses, especialmente nos da Igreja
Reformada. Em todas as ocasiões em que discutiram a catequese indígena, afirmavam a
necessidade de mais professores para a alfabetização indígena, a fim de inculcar-lhes
solidamente os preceitos da fé reformada.
A Diretoria da Companhia decidiu pelo apoio ao trabalho missionário, mas não em
relação à ideia de levar jovens para a Holanda, pois o caso de Pedro Poti lhes havia mostrado
como os nativos esqueciam parcialmente a língua materna. O desafio acerca do melhor
método missionário ainda permanecia, pois a dificuldade estava em evangelizar nômades e
seminômades através de um padrão cultural desconhecido. Os recursos também não
chegaram de imediato. O Conselho permaneceu em silêncio diante da investida dos
protestantes na colônia.
A intenção era em primeiro lugar a elaboração de um catecismo resumido na língua
espanhola 14, com orações e ensinamentos. Posteriormente, o plano era deixar alguns índios
em Recife, sob despesas da WIC, para que fossem “(...) instruídos na Igreja da Religião
Cristã, por Joaquim Soler, que promete aplicar-se a esta obra”. (SCHALKWIJK apud
RIBAS, 2007, p. 150). Por fim, “(...) estabelecer mestres de escolas, tanto holandeses como
índios, si for possível, nas aldeias de índios”. (SCHALKWIJK apud RIBAS, 2007, p. 150)
Em relação ao pedido de manter alguns índios à custa da Companhia, a fim de serem
educados na Religião Reformada, a resposta não tardou a chegar, e foi negativa. Diante das
dificuldades encontradas, em 1638, um novo plano teria que ser esboçado para dar
continuidade às pretensões de catequese calvinista. (RIHGB,1912)
13 Carta do Conselho dos XIX ao Conselho Político, datada de Amsterdã, 1 de Agosto de 1635. 14 Segundo Schalkwijk, devido a União Ibérica, os holandeses confundiam-se ao chamar a língua portuguesa de espanhola. Dessa forma, considera-se aqui que o catecismo foi elaborado na língua portuguesa, ou melhor, na língua falada no período.
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3.2 Os indígenas como foco da missão
A atividade missionária reformada estava direcionada principalmente aos indígenas,
e sua organização seria muito importante para alcançar seu objetivo. O sistema de
aldeamento dos índios havia sido iniciado pelos padres católicos e continuou na época
holandesa. O número de índios litorâneos, que já declinava muito, durante o período de
domínio holandês continuou caindo, fosse por conta de doenças ou de conflitos.
Entre esse número cada vez mais reduzido de brasilianos teve início o trabalho
missionário da igreja reformada, em cima do fundamento lançado pelos padres. Tinham
aprendido algumas orações e a confissão apostólica, conheciam os nomes de Jesus Cristo e
"nossa Senhora," e tinham sido batizados. Desde a chegada dos holandeses, a igreja
reformada reconheceu seu dever de evangelizar os índios, e o governo apoiou o trabalho
missionário, sem dúvida inclusive por motivos políticos: precisava deles na sua luta contra
os portugueses. E muitos foram os obreiros que serviram nas aldeias, eram eles: pastores e
"consoladores," professores e "proponentes", (RIBAS, 2007, p.230).
Não apenas obreiros individuais, mas também a igreja como organização, começou o
seu trabalho missionário. Durante o governo de Maurício de Nassau (1637-1644) tudo
ocorreu numa situação de relativa paz, mas durante os anos da revolta lusa, o panorama seria
de guerra (1645-1654).
Para demonstrar a queda do número de indígenas, podemos observar a seguinte
tabela que trata da população das aldeias, elaborada pelo o autor Frans Leonard Schalkwijk,
a partir de documentos de autoria do Padre Manuel de Morais em 1635, (SCHALKWIJK,
1986, p.249) do relatório do Comandante Willen Donckers em 1639 (SCHALKWIJK, 1986,
p.249) e dados disponíveis em 1645:
Ano 1635 1639 1645
Capitania Ald PT Sold. Ald PT Sold. Ald PT Sold.
Rio Grande
Paraíba
Itamaracá
6 1.500 -
6 1.500 800
3 2.500 880
5 - 223
7 - 620
5 - 843
- - -
- - -
- - -
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Pernambuco
3 2.400 770
4 - 237
- - -
Total 18 7.900 2.450 21 6.000(?) 1.923 12(?) 3.5830 1.38315
A tabela demonstra claramente o declínio do número de indígenas litorâneos,
diminuição que ocorreu ao longo do século e se acentuou com a expulsão dos holandeses.
No período holandês, as principais causas de morte dos índios eram as guerras e epidemias,
com a saída dos flamengos, o número de morte cresceria por conta de “expedições punitivas
dos portugueses” (SCHALKWIJK, 1986, p.250).
Grande parte das tribos já havia sido batizada, assim, os holandeses reconheceram
que boa parte dos “brasileiros16 eram cristãos por profissão”. “Eles tinham aprendido com
os católicos as orações cristãs, como a oração dominical, o símbolo dos apóstolos,
ignorando tudo o mais” (BARLÉU apud SCHALKWIJK, 1986, p.250). A Igreja Cristã
Reformada reconheceu o batismo da Igreja Católica Romana, apesar de certas dúvidas que
surgiram entre ministros evangélicos que entraram na herança missionária romana. O
presbitério decidiu, então, que filhos de pais já batizados podiam receber o sinal da aliança
desde que seus pais "confessassem a Jesus Cristo". Um período de ensino bíblico era
necessário, e depois de ter certeza de que esses pais criam no Senhor Jesus prometendo
obedecer-lhe, seus filhos podiam ser batizados. Era um tipo de reafirmação pública da sua fé
por parte dos pais antes de seus filhos poderem receber o selo do pacto da graça. As crianças
brasilianas cujos batismos foram registrados no Livro de Batismo da Igreja Reformada do
Recife.
Enquanto o Presbitério de 1637 tinha sido basicamente de purificação do corpo
ministerial, o de janeiro de 1638 tornou-se principalmente uma convenção missionária.
Iniciava-se, portanto, a etapa denominada de Expansão (SCHALKWIJK, 1986, p.99-100) do
plano de missão.
A essa altura, a ideia de internato dos índios, cogitada anteriormente, seria descartada
uma vez percebido que não funcionava na prática. Desse modo, o presbitério decidiu colocar
um pastor nas aldeias para a pregação da palavra de Deus, administração dos sacramentos e
15 SCHALKWIJK, Frans Leonard. Igreja e Estado no Brasil Holandês. 1630-1654. Recife: Fundarpe, 1986, p.249. 16 Embora ao longo desse trabalho brasiliano tenha sido o termo utilizado para se referir aos indígenas, o autor citado utiliza o termo brasileiro com o mesmo sentido.
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execução da disciplina eclesiástica, sendo essas as três marcas da Igreja. Além disso, como
já citado, hábeis professores deveriam residir nas vilas para ensinar crianças e idosos a ler e
escrever, como também dar-lhes instrução sobre os fundamentos da religião Cristã. A partir
de então, vários serviços missionários começaram a desenvolver-se, como a pregação,
educação, produção literária, e a diaconia.
(...) colocar um predicante nas Aldeias para pregar a palavra de Deus, ministrar os Sacramentos e exercer a disciplina religiosa; e que se devia juntar a esses para os auxiliarem dois preletores [professores] versados na língua espanhola, a fim de ensinarem as crianças e os adultos a ler e escrever e instruí-los nos elementos da religião cristã. (SCHALKWIJK apud RIBAS, 2007, p.151).
Os proponentes eram predicantes auxiliares, que, com o passar do tempo poderiam
ser alcançar a categoria de predicantes. Exerciam suas funções em igrejas locais, recebiam o
título do Dom e a autorização de participarem das reuniões do Presbitério, entretanto, sem
direito a voto. Não tinham permissão para realizarem batismos, no entanto, na ausência do
predicante poderiam oficializar casamentos. Na Igreja Cristã Reformada, ao contrário da
Católica Romana, somente o batismo e a Ceia do Senhor são sacramentos, não sendo
considerado assim o casamento.
A avaliação aos candidatos a proponentes era constituída em duas partes:
(...) na primeira delas, os candidatos tinham que elaborar e apresentar uma prédica a partir de um texto bíblico escolhido no ato pela banca examinadora; na segunda parte, tinham que dissertar oralmente sobre questões colocadas individualmente pelos membros da banca.. Seria interessante saber quais eram essas perguntas; infelizmente, em nenhuma das vezes em que se realizou este exame elas foram apontadas ou anotadas em ata. (RIBAS, 2007, p.63)
E segue:
(...) os predicantes no Brasil Holandês eram em sua maioria homens preparados teologicamente, guardiões da doutrina reformada, do exemplo de vida e da prática pastoral; homens que, orientados pela idéia de serviço e imbuídos de um profundo sentimento de missão espiritual salvacionista, trabalharam incansavelmente, chegando a implantar vinte e duas igrejas ao longo da costa, de Sergipe ao Ceará. Ao longo dos anos da ocupação, essas igrejas foram servidas por um total de 54 predicantes e cerca de noventa evangelistas, os chamados consoladores de enfermos. (RIBAS, 2007, p.66)
63
Na reunião seguinte, de outubro de 1638, foi apresentada por um missionário a
informação da aceitação dos brasilianos, pois esses frequentavam os cultos de oração,
cânticos, pregação e atendiam as censuras. Na verdade, a questão da separação dos
Sacramentos aos índios, que aparecia para a missão reformada naquele momento, surgiu na
Idade Média, acentuando-se no século XVI especialmente na América, quando milhões de
índios foram batizados pelos padres. Em 1539, uma segunda junta apostólica romana do
México decidiu que os índios só poderiam participar da Eucaristia depois de serem
instruídos na fé católica. Para a Igreja Reformada:
que entrou na herança missionária romana, a praxe, sem dúvida, corria paralela à seguida no batismo dos adultos: a) instrução bíblica para os catecúmenos; b) batizar somente quando pudessem ser admitidos também à mesa do Senhor; c) pedir aos já batizados pelos padres que fizessem uma pública profissão de fé, antes de admiti-los à mesa da comunhão. (SCHALKWIJK, 2004, p.6)
O Reverendo David van Doorenslaer, cujo conhecimento da língua portuguesa e
competência são atestados por Frans Leonard em “A Religião Reformada no Brasil”, foi o
escolhido para dar início ao novo projeto. Embora ainda solteiro, esse jovem predicante
casara-se em 1641, com a filha de Petrus Doornick, pastor calvinista na Paraíba.
(SCHALKWIJK, 1986, p.259)
Aparentemente o trabalho do pastor David no sul da capitania da Paraíba foi
recebido com muita satisfação, porque os representantes do Presbitério do Brasil escreveram
aos XIX Senhores que eles tinham "boa esperança" na conversão dos nativos e nunca os
sinais da conversão tinham sido maiores.
Na reunião citada, o missionário David apresentou seu primeiro relatório,
informando que os brasilianos estavam frequentando diariamente os cultos de oração,
cânticos e pregação, e atendiam às admoestações, mas que era cedo demais para celebração
da Ceia do Senhor, pois havia problemas de embriaguez. (SCHALKWIJK, artigo, p.6)
Para combater esses problemas foram encaminhadas para os membros do Supremo Conselho, com objetivo da aprovação e, de conceder os capitais necessários para o empreendimento, sendo descrito ainda todo o trabalho a ser realizado:
O senhor Kesselerius e o senhor Daperius, representantes da Classe da Igreja Cristã Reformada no Recife deixaram saber que eles decidiram encarregar o Predicante Doorenslaer para predicar aos brasileiros e tendo isto como objetivo ele irá residir nas aldeias entre a Paraíba e Goiânia. Ele viajará a todos os lugares para fazer a predicação na língua portuguesa e servir os sacramentos, e ao lado disto dois professores espanhóis lhe acompanharão que irão ensinar as rezas e outras
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coisas aos brasileiros; um se chama Dionisiuus, que acabou de ser enviado de Amsterdã e que irá residir em uma das aldeias de Goiânia, o outro irá residir em uma das aldeias da Paraíba e ainda tem que ser encontrado. Para isto eles pedem nossa permissão o que eles receberam, e em seguida eles requerem se nós pagaremos os custos dos predicantes como foi deliberado na reunião de Classe. Foi decidido que quando eles retornarem que eles deverão apresentar suas declarações ao senhor Herckmans que está encarregado de fazer seus pagamentos em nome da Companhia. 17
Com o consentimento e custeamento da WIC, Dooreslaer partiu para a aldeia na
Paraíba, onde passou a residir e servir também às aldeias vizinhas. Assim, David foi o
primeiro predicante enviado à missionação em tempo integral em uma aldeia. “(...) nas
Aldeias da Paraíba o predicante Doorenslaer faz diligencia por aprender-lhes a língua e
instruí-los na religião, e já tão adiantado que pode conversar com eles em português (...)”.
(MELLO, 2001, p.184)
Em 1640, o Conselheiro Adrian van der Dussen relata:
Para instruir essa gente simples e ignorante, era desejo que se apresentasse alguém que aceitasse estudar a língua usada por eles: a isto decidiu-se finalmente o predicante David Doorenslaer, para aplicar-se inteiramente ao estudo e tomar a seu cargo o ensino dos brasilianos, tendo sido designado para predicante deles. Fixou residência nas Aldeias Jaocque e Pindaúna situadas próximas uma a outra, aldeias que agora se chamam Maurícia, na Capitania da Paraíba, a qual é a mais importante de toda esta região. Dedica-se com toda diligência a aprender a língua dos brasilianos, no estudo da qual já conseguiu muito progresso, realizando boa obra educativa e dirigindo-os. Vai de tempos em tempos de aldeia em aldeia, visitando-as e ensinando as crianças, batizando e casando. (MELLO, 2001, p.184)
No Nordeste Brasileiro, a Igreja Cristã Reformada ingressou na herança missionária
romana. Quanto ao batismo dos adultos, primeiro dava-se a instrução bíblica para os
catecúmenos, batizava-se somente quando estes pudessem ser admitidos também à mesa do
Senhor. E aos batizados, pediam que exercessem uma profissão de fé, antes de admiti-los a
mesa da comunhão.
Em Julho de 1640 realizou-se na Paraíba a primeira Ceia do Senhor, reunindo
indígenas de várias aldeias. Até então a participação de índios nessa cerimônia não era
permitida. Além do ministério da pregação, teve início o da educação, entretanto, para isso,
precisavam encontrar professores que falassem o português. O primeiro professor
17 Nótulas Diárias de 9/01/1638. Disponível em: < http://www.liber.ufpe.br/monummentahigyna>. Acesso em: 15 dez. 2011.
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evangélico dos índios foi o Espanhol Dionísio Biscareto, casado com Dona Ana, holandesa.
(SCHALKWIJK, 2004) O trabalho ia sendo bem executado, contudo, o idioma ainda
representava um empecilho. O governo Holandês sempre desejou que a língua holandesa
fosse ensinada nas aldeias.
Como o ano de 1640 foi muito importante para a área da pregação devido a
realização da primeira Ceia, o setor de ensino alcançou grandes progressos, “a
brasilianização” idealizada pelo pastor Soler. Foi observado por esse religioso, durante a
segunda reunião do Presbitério, que na aldeia de Maurício de Nassau, próximo a sua casa,
havia um brasiliano razoavelmente experimentado nos princípios da religião, na leitura e na
escrita, sendo capaz de instruir os indígenas.
O primeiro professor evangélico entre os índios foi o espanhol Dionísio Biscareto.
No mesmo dia em que foi decidido que David seria o "predicante" entre os índios, Dionísio
foi nomeado professor para Itapecerica, a maior aldeia da região de Goiana. Mas somente
depois de muita procura acharam um professor para as aldeias paraibanas, o inglês Thomas
Kemp, cuja longa folha de excelente serviço na obra do Senhor pede uma biografia
posterior. De certo foi indicado para a aldeia de Massurepe. (SCHALKWIJK, 2004, p.6) O pastor Eduardus, então, lembrou que havia alguns outros assim também em Goiana. Decidiu-se sugerir ao governo que tais índios fossem nomeados professores nas aldeias, solicitando-se para eles um salário de 12 florins mensais, como um cabo do exército. Os XIX Senhores, na Holanda, alegraram-se muito ao ouvir que brasilianos podiam instruir a sua própria nação "no conhecimento do verdadeiro Deus e do caminho reto da salvação". (SCHALKWIJK, 2004, p.7)
A partir de então se decidiu sugerir ao governo que tais índios fossem nomeados
professores nas aldeias, sendo solicitado um salário de 12 florins mensais para eles. A
Diretoria da Companhia das Índias Ocidentais se alegrou com a notícia de que alguns
brasilianos poderiam instruir suas próprias nações no conhecimento do verdadeiro Deus, e
para o caminho da salvação (SCHALKWIJK, 2004).
Certamente, foi um desenvolvimento muito importante, pois estes foram os primeiros
indígenas da Igreja Evangélica da América do Sul. Desde o início de 1641, dois professores
nativos estavam trabalhando ao lado de obreiros espanhóis, ingleses e holandeses, sendo
eles, João Gonsalves e Melchior Francisco. (SCHALKWIJK, 1997)
Além do Livro Sagrado era necessário que houvesse um catecismo em tupi; como o
português era um idioma conhecido dos brasilianos, surgiu a idéia de realizar-se o catecismo
em ambas as línguas, além do holandês. O Presbitério incumbiu então o pastor Vicente
Joaquim Soler, responsável pela idéia do catecismo, ao lado do Reverendo David Doreslear
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de confeccionar uma breve, básica e clara instrução na religião cristã. Anteriormente, David
residia e atuava na Paraíba, mas a pedido do Presbitério mudou-se para Pernambuco, "(...)
convencido em seu coração da necessidade e importância do caso, aceitou o chamado no
temor do Senhor”. Após a elaboração e o atento exame do Presbitério, o documento foi
enviado à Holanda sob o título de “Uma instrução simples e breve da palavra de Deus nas
línguas brasiliana, holandesa e portuguesa, confeccionada e editada por ordem e em nome
da Convenção Eclesial Presbiterial no Brasil com formulários para o batismo e santa ceia
acrescentados”. (SCHALKWIJK, 2004)
Na Holanda, o Presbitério de Amsterdã achou que não havia nada de errado com a
obra, no entanto, observou que o livro devia seguir mais de perto a Ordem do Catecismo de
Heidelberg, sendo esta, uma síntese doutrinária teológica muito importante da Reforma, com
suas divisões básicas sobre a perdição, salvação e gratidão brasiliana. As perguntas foram
consideradas muito longas, enquanto as respostas bem resumidas. Estabeleceu-se então, que
o livro deveria voltar para o Brasil.
3.3 Conflitos internos na missão
A partir de Julho de 1641, inicia-se um ano turbulento para os missionários, pois a
Companhia das Índias Ocidentais ordena a impressão de um pequeno livro "Uma instrução
simples e breve da Palavra de Deus nas línguas brasiliana, holandesa e portuguesa,
confeccionada e editada por ordem e em nome da Convenção Eclesial Presbiterial no Brasil
com formulários para batismo e santa ceia acrescentados.", de autoria de David. em clara
oposição à atitude do Presbitério de Amsterdã. Com isso, na gráfica de Enkhuizen, ao norte
da Holanda, foram feitas cópias do livro. O assunto foi levado ao Sínodo da Holanda, o
que aparentemente não incomodou a diretoria da WIC, já que a Companhia enviou os
catecismos para o Brasil da mesma forma. Por outro lado, a Companhia pareceu
conscientizar-se de que aquelas publicações estavam causando problemas, e numa carta ao
governo de Recife advertiu os conselheiros sobre o uso do catecismo brasiliano.
(SCHALKWIJK, 2004, p.8)
O mais evidente em toda essa querela, era a tensão entre a Igreja e o Estado. Para
todos os efeitos, a Companhia representava no Brasil o governo estabelecido, e sua diretoria
considerava no catecismo trilingüe um projeto de unificar de suma importância no Nordeste,
publicando o livro mesmo com a desaprovação da Igreja. Outro ponto era o fato de que a
própria Igreja temia que o Brasil se desviasse das três “Fórmulas de União”, adotadas pela
67
Instituição Reformada, no Sínodo Nacional de Dordt, em 1619, sendo elas: a Confissão
Neerlandesa, o Catecismo de Heidelberg, e os Cânones de Dordt. 18
Além do ministério de pregação e educação, esboçava-se o aspecto da assistência
social. Os pastores se preocupavam com a saúde dos índios alertando o governo para a falta
de alimentos, remédios e outros. O que resultava, inclusive, na grave diminuição da
população indígena.
Um relevante aspecto a se considerar, foi a intenção de alfabetizar os índios, sob o
objetivo de “(...) ensinarem as crianças e os adultos a ler e escrever e instruí-los nos
elementos da religião Cristã”. (SCHALKWIJK, 1986, p. 723). Essa era a posição da Classe
reunida em Recife, no ano de 1637.
Para dar início e continuidade a tentativa de alfabetização, o primeiro professor em
uma aldeia foi escolhido, seu nome era Dionisius Biscareto, um “(...) homem muito bom”
(SOLER 1636 -1643, 1999, p.12), de acordo com Soler. Biscareto atuou na aldeia de
Carasse, pertencente a Câmara de Goiana, e seu trabalho de catequese indígena foi
determinado durante a reunião de Classe, e aprovado por seu conselho. O professor
receberia ainda “(...) um rancho de Tenente por causa de sua numerosa família”.
(NÓTULA diária de 5 jun. 1641)
Em 1638, um segundo professor foi designado para a função de professor, Thomas
Kemp19. Um fator que reforçou a escolha do proponente foi a necessidade de um
representante de tal função ser falante da língua inglesa. Ao perceberem que Thomas
também detinha conhecimento da língua portuguesa, foi escolhido pela Classe em definitivo.
(SCHALKWIJK, 734, apud, RIBAS, 2007) Consta ainda a informação de que em 1638,
mais um professor passou a trabalhar na evangelização indígena.
Dorenslaer e Edwards solicitam a sua Excelência e ao Alto Conselho que fossem
contratados dois professores brasilianos, embora um já estivesse realizando seu trabalho
“(...) com louvor durante dois anos na aldeia Rabucurama”. (NÓTULA diária de 29 nov.
1641)
. Já o segundo requisitado foi apresentado na reunião da Classe em Novembro de
1640, e era um índio capacitado a ensinar e, morador da aldeia do Conde Maurício de
Nassau. (SCHALKWIJK, 1986, p. 756)
18O catecismo foi publicado na cidade de Enkhuizen, Holanda, em 1641, porém nunca foi encontrado um único exemplar. Ele já foi procurado nos arquivos sinodais na Holanda, num dos arquivos reais da Holanda, no catálogo central da Biblioteca Real de Haia, nos arquivos de Siegen e Kleve na Alemanha, na Biblioteca doVaticano, no Bristish Museum em Londres, no antigo Missionary Research Library em Nova York. 19 O sobrenome desse proponente foi encontrado escrito de várias maneiras.
68
Não se sabe, entretanto, se a eficácia e conhecimento por parte desses dois
professores brasilianos era obra dos missionários protestantes, ou ainda, se esses dois
escolhidos haviam sido alfabetizados por padres jesuítas antes da invasão neerlandesa, nesse
caso, tendo sido submetidos a uma total conversão. Observamos a partir da documentação,
porém, que somente indivíduos aptos eram determinados a exercer funções na missionação e
grandes conhecedores dos fundamentos da religião Reformada: “(...) se soube que ele ainda
não tinha a necessária instrução para esse fim, e também recebendo-se aviso de que ele não
tinha a necessária instrução para esse fim, é recusado(...).”(SCHALKWIJK, 1986, p. 725)
Além do conhecimento religioso, obviamente era exigido o domínio da língua dos índios.
Vale lembrar, que os designados a exercer os trabalhos nas aldeias, poderiam ser elevados a
proponentes e predicantes dos nativos.
Soler era o predicante na aldeia de Nassau - “(...) perto da casa de Sua Excelência
ficaram sempre na sua aldeia, e por isso também pude continuar entre eles os Santos
Exercícios todos os domingos” (SOLER 1636-1643, 1999, p.76)- e, com o passar dos anos
encaminhou pedidos de ampliação do templo onde predicava, pois
(...) a galeria do edifício da Companhia é pequena de mais para abrigar todos os brasileiros da aldeia Maurícia para escutar a palavra de Deus , pela qual os brasileiros irão se ocupar pela mandeira da construção e outros materiais. (SCHALKWIJK, 1986, p. 756)
A Classe também foi informada, que ainda em 1640, nas aldeias de Goiana sob a
responsabilidade de Edwards, existia um índio apto ao ensino aos demais brasilianos. Nota-
se que nos anos que se seguiram, encontramos mais nativos capacitados a serem professores.
O predicante Soler deixou saber, que na aldeia de sua Excelência mora um brasileiro, que também tem boa experiência e conhecimento dos fundamentos da religião, em leitura e na escrita que poderia muito bem exercer um papel na educação dos brasileiros. Pergunta se , se sua ajuda não seria necessária. A mesma questão foi feita por Eduardi (...). Aprovado, e cada um receberá temporariamente 12 florins por mês como salário. (NÓTULA diária de 17 jul. 1641)
Em momento algum os agentes religiosos, predicante e professor, foram separados
do projeto iniciado em 1637, nem mesmo durante a Guerra de Restauração. Em narrativas de
neerlandeses, a catequese e alfabetização nas aldeias eram citadas. E, um fator observado, o
mesmo que procuro ressaltar nesse capítulo, foi a relação que o ensino da língua e a escrita
tinham com o objetivo final de converter os indígenas à Religião Cristã Reformada:
69
Importava não pouco ao zêlo da piedade e à propagação da religião cristã reformada uma solícita educação da infância e a fundação de escolas por toda parte, para incutir nos bárbaros os preceitos de nossa fé e formá-los para um culto melhor. (...). (BARLÉU, 1974, p. 248)
A alfabetização era um meio de alcançar um propósito final. Era uma forma de
alterar costumes e crenças indígenas e apresentar-lhes a religião dos neerlandeses.
O ponto de vista do colono é pouco abordado em meio à documentação, no entanto,
em junho de 1638, o predicante Polhemius indaga ao Supremo Conselho que:
“(...) três aldeias de brasileiros se encontram perto da ilha, Braquoe, São Lourenço,
Roetaggwij, que contam com poucas pessoas, e que persistem na idéia de receber um
predicante, que poderá instruí-los na religião Cristã.” - batizassem seus filhos e casassem
seus jovens. (NÓTULA diária de 02 jun. 1638).
Um problema social enfrentado era a situação matrimonial caótica em geral, também
entre os índios. Muitos brasilianos casados viviam separados das suas esposas, pela guerra,
ou mesmo outros motivos. Não podiam casar-se novamente, embora alguns quisessem fazê-
lo.
A Bíblia, para regular estes casos, era a principal obra apresentada aos indígenas,
embora, cartilhas com fundamentos e doutrinas cristãs também fossem utilizadas, na
educação dos índios. Materiais estes definidos por Frei Manuel Calado como “cartilhas de
herética seita”. O Presbitério então considerou em 1638:
Não podendo (os brasilianos) ficar sem a comunhão matrimonial, pergunta-se de que maneira e por que meio podem ser assistidos na sua necessidade. O concílio foi de opinião de que a parte desertora deveria ser citada dentro de um período determinado, por um edital público do juiz civil. Além disto, depois daquele período, a parte abandonada deveria ser considerada, e declarada livre da parte desertora. E o assunto subiria ao magistrado para aprovação. Foi uma tentativa para se trazer alguma solução legal à situação matrimonial confusa reinante. De fato, foi o primeiro projeto de reconciliação ou divórcio legal na América do Sul, reconhecendo a dureza dos corações humanos. (SCHALKWIJJK, artigo)
Todavia, é importante ressaltar que essa documentação foi produzida pelos
neerlandeses. Dessa forma, é de extrema dificuldade avaliar a real posição frente à
catequização por parte dos invasores.
70
Sem dúvida, mais uma vez volto a afirmar o poder, o qual foi atribuído a
alfabetização para um real entendimento. A conversão viria, portanto, após a leitura e
compreensão dos fundamentos, para que então a palavra de Deus agora entendida, pudesse
ser seguida em todos os níveis.
3.4 Sobre a liberdade indígena
Ao se tratar da escravidão indígena, uma solução demandava solução urgente. Desde
o início da invasão holandesa no Brasil, havia se tornado claro que o tratamento conferido
aos brasilianos seria caracterizado por uma dada liberdade, tanto para os tupis, quanto para
os tapuias. Dessa forma, a liberdade seria fundamental na Constituição do Brasil Holandês, o
que efetivamente não ocorreu.
Devemos concluir que a sua atitude (da Companhia das Índias Ocidentais) em favor da liberdade do índio não era ditada por escrúpulos religiosos ou por um princípio de doutrina cristã, o que, aliás, se verificava na área dominada pelos portugueses. (NEME, 1971, p.180)
A Diretoria da WIC insistiu na libertação plena dos indígenas que tinham sido
escravizados pelos portugueses em 1625. Para Mário Neme, o conhecimento dos indígenas
pelos holandeses é anterior a esta data, antecede a invasão à Pernambuco. Gonsalves de
Mello, em seu livro “Tempo dos Flamengos” afirma que uma das “(...) preocupações
constantes da política dos invasores foi, sem dúvida, a aliança das tribos indígenas do país,
aliança que procurava angariar e manter por todos os meios”. (MELLO, 2001, p.231)
Algumas das formas encontradas para estabelecer um bom relacionamento entre brancos e
indígenas, era presentear esses últimos com objetos que lhes atraíssem, ou mesmo mantê-los
como força auxiliar de guerra.
A política dos holandeses é definida da seguinte forma em “O Domínio Colonial
Holandês no Brasil”:
71
Quanto mais fiéis se conservassem os índio aos governantes protestantes, quanto mais firmemente se soubesse trazê-los acorrentados à Holanda e quanto mais se alimenta-se o seu ódio aos portugueses- tanto mais calmamente poderiam os holandeses viver em Pernambuco, tanto melhor, por via de conseqüência, floresceria aí a indústria açucareira. (WATJEN, 1951)
Nítidos interesses econômicos estavam intrínsecos nas atitudes políticas, e nas
questões sociais, no que tange a relação dos invasores com os nativos:
A semi-escravidão também começou a ser combatida. O governo lembrou aos fazendeiros de Alagoas que índios só poderiam trabalhar nas lavouras, se essa fosse a vontade deles, e mediante remuneração. Em caso de não cumprimento por parte dos moradores ou capitães, os pastores-missionários poderiam reclamar junto aos magistrados. (SCHALKWIJK, 1997, p.11)
Outra forma de exploração era o ‘sub-pagamento’, onde capitães (sejam holandeses
ou índios) abusavam do seu poder, cobrando um pagamento antecipado por um número de
indígenas, enviando, portanto, um número mais baixo que o combinado, sem que o serviço
terminasse. Com isso, o governo estipulou que em caso de exploração ou abuso de poder, os
capitães deveriam ser castigados. Ou como chegou a ocorrer na Paraíba, o governador
deveria usar pastores como mediadores entre fazendeiros e trabalhadores nativos. A
liberdade, visada pelos indígenas não era somente espiritual, mas também sócio-política,
incluindo todos os direitos humanos do período. (SCHALKWIJK, artigo, p.11)
3.5 O declínio e o fracasso
Após a euforia dos primeiros anos, surgiram dúvidas acerca dos métodos usados em
relação aos indígenas. E uma reflexão mais profunda foi dificultada devido ao regresso à
Holanda de três grandes obreiros: Soler, Doreslaer e Eduardus.
O último período da Igreja Cristã Reformada, o chamado de Conservação pode ser
denominado como a época da paciência e esperança, buscando a manutenção da obra
iniciada. Assim, inauguraram-se duas importantes assembleias, uma eclesiástica e outra
72
política. À mesa das Assembleias Gerais da Igreja chegaram vários pedidos de tribos que
queriam receber os seus próprios obreiros. (SCHALKWIJK, 1986, p.99-100)
Índios rebeldes à Coroa Portuguesa foram incluídos no Perdão Geral da Capitulação
Taborda de 26 de Fevereiro de 1654. Entretanto, a maioria fugiu, não acreditando em
promessas.
Dentro de poucos meses, Paraupaba apresentou na Holanda, uma “Remonstrância”,
em nome da nação indígena dirigida ao governo central, os Estados Gerais dos Países
Baixos. Reivindicavam que esses, como “(...) senhores alimentadores da Igreja verdadeira
de Deus mandassem socorro o quanto antes, caso contrário, seus brasilianos seriam
extirpados” (SCHALKWIJK, artigo). O governo apoiou o pedido, mas não fez muita coisa.
Até que ponto esses tapuias tinham sido evangelizados pelos holandeses, não sabemos, “(...)
na rendição dos holandeses em 1654 os tapuias foram incluídos no perdão geral”.
(SCHALKWIJK, 1997)
Enquanto isso, no Nordeste, o jesuíta Antônio Vieira visitou a Serra de Ibiapaba.
Conforme ele observou, a influência do ensino religioso havia sido mais profunda do que se
imaginava. Os padres ficaram surpresos diante do traje fino dos indígenas, da arte de ler e
escrever e, principalmente de sua fé, pois como observamos no artigo Índios Protestantes no
Brasil Holandês, de Francisco Leonardo Schalkwijk: “(...) muitos deles eram tão calvinistas
e luteranos como se houvessem nascido na Inglaterra ou Alemanha, considerando a Igreja
Romana falsa”. (SCHALKWIJK, artigo)
Vieira relata e se surpreende com o a cultura dos indígenas após o contato com os
holandeses, afirmando que sabiam ler e escrever. Essa alfabetização foi financiada pela
Companhia das Índias Ocidentais com a manutenção de escolas e mestres-escolas para cada
aldeia. (REVISTA HISTORIAR, 2010, p. 21) Consta no catecismo de Heildelberg que “as
escolas cristãs devem ser mantidas”. Saber ler a Bíblia é fundamental para a religião
reformada, é parte integrante da prática religiosa protestante. É através dela que se sabe
como o fiel pode agradar a Deus, o mesmo catecismo diz: “A verdadeira fé é o
conhecimento e a certeza de que é verdade tudo o que Deus nos revelou em sua Palavra.”.
(CATECISMO de Hildeberg)
O padre relatou pelo menos duas das respostas de cartas que enviou aos índios, que
diz: “Eis aqui como era verdade e que até agora todos cuidávamos; e como os Padres não
tiveram nunca outro intento se não de nos arrancar de nossas terras para nos fazerem
escravos de seus parentes, os brancos.” (VIEIRA, 1904, p.117). Ou seja, os portugueses
mais uma vez percebem a ligação etnia/religião.
73
A outra diz: “Se por sermos vassallos de El-Rey, quereis que vamos para o
Maranhão, estas terras também são de El-Rey; e se por sermos Christãos, filhos de Deus,
Deus está em toda parte.” (VIEIRA, 1904, p. 117) Para pessoas que não confiavam nos
portugueses, dos quais acabam de afirmar que só queria escravizá-los, esta frase é cheia de
confiança e obediência, pois aprenderam com os mestres-escolas holandeses a não temer os
poderes dos governantes, uma vez que estes foram instituídos por Deus e só fazem o que
Deus permite. Também aprenderiam a confiar que o seu Deus sempre os protegeria, e
mesmo que morressem, como Poti, que teria como sua recompensa o Reino dos céus:
No catecismo de Heildelberg lê-se sobre as autoridades isto: Devo prestar toda honra, amor e fidelidade a meu pai e mãe e todos os meus superiores; devo submeter-me à sua boa instrução e disciplina com a devida obediência, e também ter paciência com seus defeitos; porque Deus nos quer governar pelas mãos deles.” E sobre a confiança em Deus: Para que tenhamos paciência em toda adversidade e mostremos gratidão em toda prosperidade e para que, quanto ao futuro, tenhamos a firme confiança em nosso fiel Deus e Pai, de que criatura alguma nos pode separar do amor dEle. Porque todas as criaturas estão na mão de Deus, de tal maneira que sem a vontade dEle não podem agir e nem se mover. (CATECISMO de Heidelberg, 2005, p. 60)
Para ter esse conhecimento sobre o batismo no catecismo de Heildelberg, eram
necessários 26 domingos, isso significa que no mínimo receberam cinco meses de doutrina
protestante, ou seja muito conhecimento reformado. Sobre “O sacramento da Confissão he
o de que mais fugião, e mais abominavão; e tambem havia entre elles quem lhes pregasse
que a confissão se havia de fazer só á Deus, e não aos homens.”(VIEIRA, 1904, p. 121)
Não é preciso sequer o comentário de que se trata da doutrina do sacerdócio universal. O
catecismo dizia que só Jesus era o mediador entre Deus e os homens.
Em seu relato vemos que os protestantes participaram de uma celebração da Semana
Santa em uma igreja católica, mas acredito que isto foi mais por estratégia de sobrevivência
do que de abandono da fé, pois segundo o padre sua devoção se acabava quando começava a
doutrina, ou seja, a missa. Na verdade muitos deles permaneceram firmes na sua fé até o fim
“e os da Serra sem o exemplo e doutrina dos Pernambucanos, que erão os seus maiores
dogmatistas.” (VIERA, 1904, p. 137)
No último período da missão da Igreja Reformada inaugurou-se com duas
assembléias importantes, uma eclesiástica, outra política. À mesa da assembléia geral das
igrejas chegaram vários pedidos de tribos que queriam receber os seus próprios obreiros,
tanto no sul, na região do Rio São Francisco, como no Rio Grande do Norte. Aliás, de lá, até
74
o cacique dos tapuias, Nhandui, pediu ajuda. Foi difícil achar as pessoas necessárias. O
professor Dionísio Biscareto foi ordenado pastor, e dois brasilianos nomeados professores;
no mais, os obreiros das igrejas também ajudariam.
Por outro lado, o próprio governo requisitou a assistência da igreja. Reconhecendo que deviam ser mais cuidadosos no contato transcultural, pediram ao Sínodo que alguns pastores "que conhecem melhor o caráter dos índios" traçassem um regulamento para a vida diária nas aldeias. Sob orientação do pastor Kemp preparou-se um projeto com uma aplicação do Decálogo à sociedade indígena, o qual foi aprovado pelo governo e implantado nas aldeias. (SCHALKWIJK, 1997, p. 12)
Poucos meses antes do começo da revolta em 1645, reuniu-se em Itapecerica, na
capitania de Itamaracá, a primeira grande assembleia indígena com 120 representantes.
Foram organizadas três câmaras, sob responsabilidade de três "regedores": a câmara de
Itamaracá, sob o índio Carapeba; a câmara de Paraíba, sob o índio Pedro Poti; e a câmara do
Rio Grande, sob o índio Antônio Paraupaba. Ao lado deles o governo holandês nomeou
Johannes Listri como comandante geral. (MAIOR, Fastos Pernambucanos, 1912, p.405)
O teste final e violento da política governamental e da missão reformada veio três
meses depois da assembleia indígena, com a eclosão da guerra da restauração portuguesa. A
fidelidade dos brasilianos refugiados ao redor das fortalezas litorâneas foi impressionante,
atestada por todos os documentos. Os mais famosos destes são as chamadas "cartas tupis",
basicamente uma correspondência entre dois primos brigados, escritas em sua língua
materna: o capitão-mor Filipe Camarão e seus oficiais e Pedro Poti e seus homens. O
primeiro era o grande defensor do lado luso-romano na guerra do açúcar, o segundo o
decisivo parceiro do lado flamengo-reformado, disposto a "viver ou morrer" com os
holandeses. (MAIOR, Fastos Pernambucanos, 1912, p. 420-421)
Em todas essas cartas está patente a estreita ligação entre fé e nação, igreja e estado.
Filipe Camarão escreveu: "... não quero reconhecer a Antônio Paraupaba nem a Pedro
Poti, que se tornaram hereges ..." O índio Poti por sua vez respondeu numa longa carta
datada do dia 31 de outubro de 1645, talvez de propósito no dia comemorativo da reforma
protestante. Nessa carta Poti afirma que seus índios viviam em maior liberdade do que os
outros, enfatizando que os portugueses queriam escravizá-los. Lembrou as matanças da Baía
da Traição e de Sirinhaém, havia poucas semanas, onde, depois da rendição da força
holandesa, os portugueses mataram cruelmente todos os 23 índios prisioneiros de guerra,
apesar das condições acordadas. Mencionou ainda como foi educado na Holanda e
confessou ser cristão "crendo somente em Cristo, não desejando contaminar-se com a
75
idolatria", exercitando-se diariamente na fé. Convidou finalmente seus parentes e amigos a
passar para "o lado dos piedosos", que "nos reconhecem no nosso país e nos tratam bem”.
SCHALKWIJK, Índios Protestantes no Brasil Holandês, 2004 )
As cartas seguiram para a Holanda, ou na forma original ou em cópia. Ali foram
traduzidas pelo pastor Eduardus, utilizando o vocabulário que ainda possuía da língua tupi.
Em verdade elas formam um ponto alto na história da missão reformada, num momento
crucial dos anos da ocupação flamenga do Nordeste brasileiro. Nenhum dos primos, porém,
veria o desfecho final da luta sangrenta. Filipe Camarão faleceu em 1648, depois da primeira
batalha de Guararapes, e, no ano seguinte, seu primo Pedro Poti foi aprisionado na segunda
batalha naquelas colinas perto do Recife.
Depois de restabelecido um pouco de paz, o trabalho missionário continuou. Um
passo muito importante foi dado, não quantitativo, mas qualitativo: a brasilianização dos
pregadores. A partir de 1647 nomes de pregadores indígenas começam a se destacar. O
conhecido professor índio João Gonsalves, que já trabalhava durante cinco anos numa das
aldeias da Paraíba, por sugestão do missionário Kemp foi promovido a "consolador de
enfermos", e o Presbitério pediu maior salário para ele, sendo agora evangelista. Deve ter
havido mais um consolador indígena, e com estes dois a primeira igreja indígena estava
tomando uma forma mais autêntica. O surgimento de diáconos, presbíteros e pastores era
uma questão de tempo (SCHALKWIJK, 1986.)
Também na área do ensino a brasilianização continuou e o Presbitério nomeou mais
dois professores índios, Álvaro Jacó e seu colega Bento da Costa, sendo colocados na folha
de pagamento dos funcionários eclesiásticos pagos pelo governo no Recife.
Ao lado do trabalho da pregação e do ensino destacou-se nesse tempo difícil a
diaconia. A população indígena, junto com seus aliados europeus, comprimida numa faixa
estreita do litoral pela revolta lusa, estava passando por "incrível miséria". A maior parte
havia se refugiado na ilha de Itamaracá. Por isso, uns mil e duzentos, especialmente
mulheres e crianças, foram levados ao Rio Grande onde era mais fácil protegê-los contra os
ataques dos portugueses. O presbitério apelou para que a Holanda ajudasse os brasilianos,
"de grande fidelidade e da nossa religião, havendo-se convertido a Cristo”. (SCHALKWIJK,
1986)
As igrejas na Holanda reagiram, Amsterdã em primeiro lugar, mas também o próprio Nassau, mandando entre outras coisas boa quantidade de linho, muito cobiçado pelos índios. Depois de serem transportados gratuitamente pela Companhia, os donativos haviam de ser distribuídos no Brasil. Sabemos de pelo menos três distribuições. A primeira realizou-se em 1647 sob orientação do pastor
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Kemp, entre os refugiados decerto ao redor do Castelo Reis Magos no Rio Grande. A segunda ocorreu perto do forte "Cabo Dello" na Paraíba, sob controle do pastor Biscareto. Aí, entre os 60 nomes registrados aparecem somente 10 homens; de 15 senhoras foi dito especificamente que eram viúvas, cada família recebendo entre 3 e 7 "côvados". A terceira distribuição foi feita no forte Wilhem, na capitania de Itamaracá, pelo pastor Apricius na presença do regedor Carapeba e seus oficiais, alcançando 135 pessoas, sendo que eram somente mulheres e crianças. (SCHALKWIJK, 1986)
A gratidão das igrejas indígenas foi grande, "não podendo admirar-se o bastante de
como era possível que irmãos que nunca os viram lhes dessem provas de tão grande
afeição". A ajuda, entretanto,não podia ser mais do que um alívio temporário; não podia
evitar que a situação entre os índios chegasse a ser desesperadora. (SCHALKWIJK, 2004)
O domínio holandês estava terminando. Em 1649, na segunda batalha de Guararapes,
o regedor Pedro Poti foi preso, não podendo esperar nenhuma compaixão dos seus juízes.
Conforme testemunho de Antônio Paraupaba ele foi lançado num poço, onde permaneceu durante seis meses. Quando retirado, de vez em quando, padres, juntamente com seus parentes, saltavam sobre ele, tentando força-lo a abjurar a religião reformada. Mas, disse Paraupaba, o Deus de toda misericórdia na vida e na morte, que o havia trazido da escuridão para a luz, fortaleceu aquele junco frágil, transformando-o num pilar da fé. Todos que estavam presos com ele naquele tempo no Cabo Santo Agostinho puderam testemunhar isto. Depois foi embarcado para Portugal, "viagem que não acabou, atalhada da morte. (SCHALKWIJK, artigo 2004)
Quando não houve mais condições de segurar o Recife, com as tropas de Francisco
Barreto às portas das fortificações e uma armada lusa a forçar a entrada do porto, o Nordeste
foi devolvido a Portugal. Terminou também forçosamente a missão cristã reformada, a qual
era impossível sem a proteção de um país protestante.
De fato, os índios "rebeldes à coroa de Portugal" foram incluídos no perdão geral da
capitulação de Taborda de 26 de fevereiro de 1654. Mas a maioria fugiu, não acreditando
nas promessas. Percorreram mais de 750 quilômetros de sertão para a Serra de Ibiapaba,
longe no oeste do Ceará. Ali se juntaram aos índios tabajaras. Com os refugiados a
população deve ter chegado a umas quatro mil pessoas, um verdadeiro "Palmares dos
índios". Sem dúvida, corsários holandeses mantiveram contato com eles, e foi num desses
navios que embarcou Antônio Paraupaba, com dois dos seus filhos, como representantes
dos refugiados.
Enquanto isso, no Nordeste, o padre jesuíta Antônio Vieira visitou a Serra de
Ibiapaba ainda em 1654. Conforme ele, a região tinha se tornado uma verdadeira "Genebra
de todos os sertões do Brasil". A influência do ensino religioso havia sido mais profunda do
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que se imaginava à primeira vista. Os padres ficaram atônitos diante do traje fino dos
indígenas, da arte de ler e escrever e especialmente do lado religioso, porque "muitos deles
eram tão calvinistas e luteranos como se houvessem nascido na Inglaterra ou Alemanha",
considerando a igreja romana uma "igreja de moanga", uma igreja falsa.
Quando de viagem a Portugal, Antônio Vieira reteve para os jesuítas o encargo de
cuidar espiritualmente dos índios em geral, com uma recomendação especial pela
"reformação" dos indígenas influenciados pelos holandeses. Com muito cuidado, a missão
de Ibiapaba finalmente conseguiu arrebanhar os índios novamente à obediência de Roma. Se
tivesse existido liberdade religiosa poderiam ter permanecido como a primeira igreja
indígena evangélica nas Américas, à semelhança da igreja indígena reformada nas ilhas do
arquipélago da Indonésia. Mas debaixo da bandeira portuguesa, isto era absolutamente
impossível.
O último vestígio da missão reformada no Nordeste apareceu durante a "Guerra dos
Bárbaros". Foi uma árdua luta ocorrida no oeste do Rio Grande do Norte durante os últimos
anos do século XVII, em que os tapuias nhanduis foram exterminados por serem
considerados selvagens e difíceis de ser tornarem aliados.
Até que ponto esses tapuias tinham sido evangelizados pelos holandeses, não sabemos. Depois do convite do cacique Nhandui, o "ema pequena", os pastores Kemp e Apricius e outros obreiros devem ter estado com eles, mas na verdade perdemos os rastros concretos da sua evangelização. Sabemos, contudo, que o contato com eles se estremeceu poucos meses depois da eclosão da revolta lusa. É que o pastor Stetten, acompanhado por um grupo de soldados, foi mandado ao Rio Grande para refrear os tapuias para não acabarem com todos os portugueses, pressentindo, de certo, que tinha chegado a hora da verdade: ou os portugueses, ou eles haviam de morrer um dia. (SCHALKWIJK, 1997, p.16)
Na rendição dos holandeses em 1654 os tapuias foram incluídos no perdão geral. É
certo que nem todos aceitaram, contudo, em um cenário onde os fiéis ao protestantismo
eram poucos e os holandeses eram expulsos do convívio, a palavra reformada não seguiu
adiante com os indígenas. A catequização indígena realizada era, para além de toda querela
de interesses, uma atuação educativa.
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Finalmente, ao avaliar o trabalho missionário da Igreja Cristã Reformada no
Nordeste, logo percebemos que o número dos missionários era muito reduzido.
(SCHALKWIJK, 1986) No entanto, convém destacar os esforços no conjunto total dos
obreiros disponíveis. Entre os índios trabalharam três tipos de irmãos: pastores
(“proponentes” ou licenciados), consoladores (ou evangelistas) e professores (ou leitures).
Os documentos nos fornecem alguns nomes de evangelistas e professores, mas é
extremamente difícil definir quantos deles estavam entre os índios.
Quantos aos pastores, as informações são mais específicas, ao todo houve quarenta e
sete ministros no Nordeste durante os anos de ocupação holandesa. Dentre eles, seis eram
missionários de tempo integral, e alguns faziam trabalho em tempo parcial, ou serviam a
79
causa indígena indiretamente. Podemos afirmar que uma grande parte do esforço pastoral
esteve voltada para os indígenas e, durante os anos de domínio holandês esse número tendeu
a crescer.
É importante ressaltar que o interesse religioso dos invasores, estava diretamente
relacionado a aspectos econômicos e, a incessante busca de poder da Companhia das Índias.
A respeito da contribuição dessa evangelização, em geral, as opiniões divergem. Os
aspectos considerados negativos são inspirados por sentimentos como os do frei Manuel
Calado, que escreveu em 1648 que “(...) os índios foram traidores, à lei de Deus e à Pátria
amada...”. As avaliações positivas geralmente se inspiram na fonte da reforma evangélica
do século XVI, como o luterano Helmut Andrae ou o presbiteriano Domingos Ribeiro, em
estudos valiosos baseados na tradução das Atas do Presbitério do Brasil. No entanto, o que
não se tem dúvida é quanto ao caráter do homem presente nesse tempo e espaço abordado.
A apropriação de um modelo anterior facilitou o contato e o trabalho protestante, no
entanto, a alfabetização e ensinamento da língua holandesa, foi um aspecto ímpar, que
solidificou a evangelização reformada. A questão da alfabetização, que levou a criação de
um corpo de leitura religiosa especificamente para a leitura dos brasilianos demonstrou a
importância da palavra para tal empreendimento, o que levou muitos indígenas como aliados
dos holandeses.
Em relação aos índios, poucos documentos revelam certa confiança nos obreiros
reformados, e lealdade à causa evangélica.
Ao lado da pregação e ensino, houve a preparação de um catecismo na língua nativa.
Outros projetos incluíam a tradução das escrituras e ordenação de pastores indígenas, o que
não chegou a efetivar-se, principalmente, após a expulsão dos holandeses.
Apesar da tão falada liberdade de culto, a situação entre os religiosos era tensa. Com
freqüência identificamos hostilidades entre católicos e protestantes estes últimos, acusados
muitas vezes de atacar com injúrias e xingamentos freis e clérigos da Igreja Católica. Entre
os protestantes, havia também conflitos e acusações:
Temos estado a bordo de um precipício. Atribuo a falta dos meus colegas; não só porque têm sido cachorros mudos e sem prática de disciplina, mas tanto mais porque têm sido cúmplices de luxúrias e roubos. (SOLER 1636-1643, 1999, p.39)
Um último e relevante aspecto a se ressaltar, como colocado ao longo do trabalho, é
um receio holandês em manter uma continuidade de sua religião. Com a expulsão dos
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europeus, fontes nos revelam a preocupação de mandar novos religiosos com a intenção de
não deixarem os índios perderem a crença, ou não passarem adiante a palavra de Deus de
acordo com a religião Reformada. O que nos faz refletir se existia realmente uma fé indígena
no protestantismo, ou se de alguma maneira os índios eram levados a tal posição. A
catequização indígena realizada pelos jesuítas era, também, uma atuação educativa, na
medida em que formar o cristão era forjar uma parte importante e essencial da cultura
ocidental, bem como o homem que dela era expressão.
É importante enfatizar a questão do ensino, como instrumento de catequese e
deixaram seu legado, pois é impossível nos referirmos à educação no período colonial sem
ao menos citar os missionários da Companhia de Jesus e posteriormente os protestantes.
Considero esta uma interessante passagem da História do Brasil Colonial, contudo,
ainda pouco discutida, principalmente pela escassez de fontes, já que, a maioria encontra-se
em arquivos holandeses, manuscritos e não traduzidas. No entanto, alguns pesquisadores e
mesmo religiosos despertaram por tratar de uma outra face da presença holandesa em solos
do ‘Novo Mundo’, lado este que envolveu intensas relações, posições, costumes e tradições
de indivíduos de diferentes culturas no dado tempo e espaço.
REFERÊNCIAS
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