universidade do estado do rio de janeiro · em perspectiva lexicográfica e lexicológica, carlos...

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Centro de Educação e Humanidades

Instituto de Letras

Reitor Ruy Garcia Marques Vice-Reitora Maria Georgina Muniz Washington Sub-Reitora de Graduação Tania Maria de Castro Carvalho Netto Sub-Reitora de Pós-Graduação Egberto Gaspar de Moura Sub-Reitora de Extensão e Cultura Elaine Ferreira Torres Diretor do C. de Educação e Humanidades Lincoln Tavares Silva Diretora do Instituto de Letras Magali dos Santos Moura Vice-Diretora do Instituto de Letras Márcia Regina de Faria da Silva

Rua São Francisco Xavier, 524, 11º andar, Bloco B, sala 11.020 - Secretaria dos Departamentos Maracanã, CEP 20559-900, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Tel./Fax:+55( 21) 2334-0245 / 2334-0196 / 2334-0165 - e-mail: [email protected]

CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/NPROTEC

I19 Idioma / Centro Filológico Clóvis Monteiro. Ano 1, n.1 (jun. 1981) - - Rio de Janeiro: UERJ,

Instituto de Letras, Centro Filológico Clóvis Monteiro, 1981 - . v. Semestral. Periodicidade irregular 1981-2012. ISSN 1414-0837 (impresso) | ISSN 2317-5400 (eletrônico)

1. Filologia – Periódicos. 2. Língua portuguesa – Periódicos. I. Centro Filológico Clóvis Monteiro.

CDU 801

IDIOMA

Nº 30, 1º semestre de 2016 ISSN 1414-0837 (impresso) | ISSN 2317-5400 (eletrônico) CONSELHO CONSULTIVO Antônio Martins de Araújo – UFRJ / ABF Benjamin Abdala Júnior – USP Bertha Rojas López – Universidad Nacional del Centro del Perú Bethânia Mariani – UFF Bruno Bassetto – USP Castelar de Carvalho – UFRJ / ABF Claudio Cezar Henriques – UERJ Cristina Rigoni – UNIRIO Darcilia Marindir Pinto Simões – UERJ Dieter Messner – Universidade de Salzburgo Dora Riestra – Universidad Nacional del Comahue Edwaldo Machado Cafezeiro – UFRJ Evanildo Bechara – ABL / ABF Ieda Maria Alves – USP Iremar Maciel de Brito – UERJ

Luiz Cláudio de Medeiros – UFRRJ Magda Bahia Schlee Fernandes – UERJ Maria Aparecida Lino Pauliukonis – UFRJ Maria Teresa Gonçalves Pereira – UERJ Mariângela Rios de Oliveira – UFF Marina Machado Rodrigues – UERJ Mário Eduardo Viaro – USP Monica Rector – University of Noth Carolina, Chapel Hill Nadiá Paulo Ferreira – UERJ Ofélia Paiva Monteiro – Universidade de Coimbra Regina Silva Michelli – UERJ Sérgio Nazar David – UERJ Vania Lucia Rodrigues – Dutra – UERJ Victor Quelca – Universidad Autônoma René Moreno

CONSELHO EDITORIAL Profª. Drª. Claudia Amorim Prof. Dr. Claudio Cezar Henriques Profª. Drª. Cynthia Elias de Leles Vilaça Profª. Drª. Denise Salim Santos Prof. Dr. Flávio de Aguiar Barbosa Prof. Dr. Marcelo Moraes Caetano Profª. Drª. Tania Maria Nunes de Lima Camara EDITORAÇÃO E REVISÃO Elir Ferrari Karen Cristina Schuler da Silva ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Rua São Francisco Xavier, 524, 11º andar, Maracanã, Rio de Janeiro, RJ – CEP 20559-900 A MATÉRIA DA COLABORAÇÃO ASSINADA É DA RESPONSABILIDADE DOS AUTORES NIHIL SINE LABORE

Apresentação .................................................................................................................................... 5

Artigos

O GÊNERO CHARGE E A CONSTRUÇÃO DE LEITORES CRÍTICOS Renata Amaral de Matos Rocha e Bruno de Assis Freire de Lima ........................................................

7

PROCESSOS SINTÁTICOS DE JUNÇÃO DE ORAÇÕES APLICADOS AO ENSINO DA PRODUÇÃO DE TEXTO Camila Sequetto Pereira e Fernanda Pinheiro Barros .........................................................................

19

PODER E ASSIMETRIAS EM UMA SALA DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA MULTICULTURAL Daniel Augusto de Oliveira e Denise Barros Weiss ............................................................................

41

AS LÍNGUAS NACIONAIS COMO PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL DO BRASIL Roberto Botelho Rondinini, Jamilis Machado Vicente e Joseane Cristina Marcondes .........................

62

ESTUDO DA PALAVRA SEGURANÇA E TRADUÇÕES PARA O INGLÊS SAFETY E SECURITY À LUZ DE DICIONÁRIOS Carlos Eduardo Piazentine Costa .......................................................................................................

73

O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E A PRODUÇÃO DOS DISCURSOS na escola e nos contextos profissionais Fábio André Cardoso Coelho ............................................................................................................

84

NOTAS DE INVESTIGAÇÃO SOBRE O MEMORIAL DOS MILAGRES DE CRISTO, DE SOROR MARIA DE MESQUITA PIMENTEL Fabio Mario da Silva ..........................................................................................................................

93

“CACHAÇA NÃO É ÁGUA, NÃO?” A sinonímia de cachaça na cultura brasileira Flávio Barbosa ...................................................................................................................................

102

Recensão

MAIS SUBSÍDIOS PARA O TRABALHO DE PRODUÇÃO TEXTUAL Maria Teresa Gonçalves Pereira ........................................................................................................

116

Normas para publicação de artigos ....................................................................................................

117

Mais um número da Revista Idioma se põe à disposição de seus leitores.

Nesta publicação estão em pauta os estudos de produção textual e ensino, lexicografia e lexicologia,

literatura portuguesa, filologia e português para estrangeiros.

O artigo de Bruno de Lima e Renata Rocha discute a presença do gênero charge nas aulas de língua

portuguesa como mais uma estratégia pedagógica para o desenvolvimento de um leitor crítico, nas aulas de

Língua Portuguesa

O texto de Fábio André Coelho é voltado também para a produção textual, desta vez centrado

nos discursos da escola e no contexto profissional, valorizando “as escolhas que o usuário faz em

diferentes ocasiões”

Camila Pereira e Fernanda Barros propõem uma reflexão sobre o trabalho com produção textual por

meio de atividades voltadas para “o ensino dos processos de junção das orações (coordenação e subordinação)

aplicados ao ensino, considerando o texto como unidade de ensino, entre outros aspectos.

A questão da identidade cultural do Brasil vem posta no texto de Roberto Rondinini, Jamilis Vicente e

Cristina Marcondes, que consideram a presença e a participação de diversos povos e culturas na constituição

da nacionalidade brasileira como possibilidade de se promover equidade entre povos distintos.

Em perspectiva lexicográfica e lexicológica, Carlos Eduardo Costa apresenta o resultado de pesquisa a

respeito das palavras safety e security, cujo objetivo foi verificar a propriedade dos dicionários e a maneira

como eles contribuem, ou não, para o trabalho nas aulas de língua estrangeira e nas atividades de tradução.

Flávio Barbosa apresenta interessante e alentado levantamento sobre a questão de sinônimos para a

palavra “cachaça”, dando a oportunidade de observar “a expressão de identidade brasileira, marcada por

centenas de designações exclusivamente nacionais”.

No campo de ensino de Português para estrangeiros, Denise Weiss e Daniel Oliveira divulgam o

resultado de pesquisa realizada entre alunos estrangeiros em um curso de PLE, vendo-a como “ um passo na

direção de uma melhor compreensão das interações dos alunos entre si, pouco levadas em conta, mas de alta

relevância para se apreender a dinâmica das relações em sala de aula”.

“Notas de Investigação sobre o Memorial dos Milagres de Cristo de Soror Maria de mesquita Pimentel”,

é o estudo em que Fabio Silva traz a literatura portuguesa a esta edição a partir de um estudo filológico do texto

que é “a segunda parte da trilogia épica da monja cisterciense Soror Maria de Mesquita Pimentel.”

Encerrando esta edição, Maria Teresa Gonçalves Pereira faz a recensão do livro “Produção textual”,

organizado pelos professores Fábio André Coelho e Roza Palomanes.

Nossos agradecimentos a todos que contribuíram de alguma forma para a publicação da

Revista Idioma 30.

Boa leitura!

Profa. Dra. Denise Salim Santos Profa. Dra. Tania Maria Nunes de Lima Camara

Organizadoras

Renata Amaral de Matos ROCHA1

Bruno de Assis Freire de LIMA2

RESUMO Como usar os gêneros para ensinar leitura e produção de textos nas práticas pedagógicas? Os textos têm formato próprio, suporte específico, possíveis propósitos de leitura, ou seja, se constituem pelas chamadas características sociocomunicativas, definidas pelo conteúdo, pela função, pelo estilo e pela composição do material a ser lido. E é essa soma de características que define os diferentes gêneros. No entanto, explorar apenas as características de cada texto contribui muito pouco para com o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita de determinado gênero por parte dos nossos alunos. Faz-se necessário discutir por que e para quem se escreve um texto, dentro de um determinado contexto comunicativo. Essa é a diferença entre tratar os gêneros como conteúdos em si e ensiná-los no interior das práticas de leitura e escrita. Neste texto, tratamos do gênero charge como instrumento de formação de leitores críticos, a partir da noção de linguagem como interação. PALAVRAS-CHAVE: Gêneros textuais. Charge. Leitores críticos.

ABSTRACT How can we use genres to teach reading and writing in the classroom? Texts have specific size and support and possible reading purposes, they constitute the so-called sociocomunicative characteristics defined by content, function, style and composition of the material to be read. It is the sum of those features that define different genres. However, exploring only the characteristics of each text contributes very little to the development of reading and writing skills of certain genres by our students. It is necessary to discuss why and for whom a person writes a text, within a certain communicative context. That's the difference between treating genres as content itself and teaching them inside reading and writing practices. In this paper, we will treat the charge as gender training tool of critical readers, from the notion of language as interaction. KEYWORDS: Text genres. Charge. Readers critics.

Nas nossas aulas de português como língua materna, precisamos fazer com que as atividades de leitura

e escrita sejam realmente práticas comunicativas, e não, apenas, tarefas escolares com fins avaliativos. Nossos

alunos são sujeitos inseridos em uma sociedade, na qual gêneros textuais diversos são produzidos e recebidos

a todo instante, no processo de interação com o outro e com o mundo. Logo, na escola, temos o dever de

1 Doutoranda em Estudos Linguísticos pela FALE/UFMG, professora do Centro Pedagógico da UFMG.

2 Doutorando em Estudos Linguísticos pela FALE/UFMG, professor do Instituto Federal de Minas Gerais.

conduzir o processo de ensino de português por um caminho de construção de leitores e produtores textuais

críticos e reflexivos, para oportunizar aos estudantes uma participação ativa em seu contexto sociocultural.

Nosso foco específico, neste trabalho, é a prática de leitura; a formação de leitores críticos, na escola.

Escolhemos o gênero charge porque ele traz em seu âmago a marca da interdiscursividade, pois, ao

transitar entre o discurso jornalístico e o discurso humorístico, acaba por assumir características de ambos. No

entanto, é o tom jocoso que torna a charge diferente e, portanto, sedutora. Mais que isso, a torna transgressora.

Segundo Teixeira (2005), essa transgressão é positiva tanto para o jornal, quanto para o leitor, pois é uma

estratégia que proporciona a ambos uma subversão diária, “uma ‘travessura’ acima de controles e regras, além

do tédio, da mesmice e da chatice do dia-a-dia” (TEIXEIRA: 2005, p. 14).

Além disso, esse gênero textual contempla tanto a linguagem imagética quanto a verbal escrita; é

riquíssimo em sentidos, desperta o gosto pela leitura, tende a tratar de temas atuais com certa dose de humor e

crítica. Dessa forma, exige um conhecimento linguístico e de mundo maior para que, de fato, ocorra a

construção de sentido. Para tanto, devem ser trabalhados todos os seus aspectos textuais e discursivos,

permitindo, assim, que os alunos compreendam o texto em suas múltiplas faces.

Dessa forma partimos da seguinte problemática: o uso do gênero textual/discursivo Charge pode

auxiliar o ensino de leitura numa perspectiva crítica? Como pode ser desenvolvida essa prática? Para

fundamentar nosso trabalho utilizamos PCN (2000), Marcuschi (2008), Soares (2010), Bakhtin (2003) entre

outros, os quais corroboram para um ensino sociointeracionista da linguagem, o qual assumimos.

Os termos língua e linguagem têm sido amplamente usados, com os mais diversos significados, em

diferentes contextos e ciências. Nesta pesquisa, assumirmos a linguagem como atividade linguístico-cognitiva

e social, entendendo “atividade” no sentido de um fato social que possibilita e proporciona a interação entre as

pessoas. Consideramos, aqui, a língua em uso, ou seja, a linguagem como uma atividade constitutiva,

interacional, especificamente, a língua portuguesa em uso, nas modalidades oral e escrita.

Em consonância com essa concepção, compreendemos que “um texto é um evento comunicativo no

qual convergem ações linguísticas, sociais e cognitivas” (BEAUGRANDE: 1997, p. 10), entendendo por evento

“aquilo que acontece quando um texto é reconhecido como tal através da produção de sentido que ele

permite”, como definido por Oliveira (2002) apud Nascimento e Oliveira (2004, p. 286), seja ele oral ou escrito.

Esse evento constitui-se, basicamente, a partir do processo de interação entre os interlocutores e, também, pela

atuação conjunta de fatores de ordem linguística, situacional, cognitiva e sociocultural.

Sendo assim, entendemos, com base em Beaugrande & Dressler (1981, p. 3), que

Um TEXTO será definido como uma OCORRÊNCIA COMUNICATIVA que reúne sete fatores de TEXTUALIDADE. Se qualquer um desses fatores não for considerado e satisfeito, o texto não será comunicativo. Assim, os textos não-comunicativos são tratados como não-textos.3

Costa Val (2006, p. 3), na mesma perspectiva de Beaugrande, define o texto como “ocorrência

linguística falada ou escrita, de qualquer extensão, dotada de unidade sociocomunicativa, semântica e formal”.

E acrescenta: “um texto é uma unidade de linguagem em uso, cumprindo uma função social identificável num

dado jogo de atuação sociocomunicativa”. Ainda segundo a autora, para que o texto seja bem compreendido,

precisa atender a três aspectos: o pragmático, que tem a ver com seu funcionamento enquanto atuação

informacional e comunicativa; o semântico-conceitual, de que depende sua coerência; e o formal, que diz

respeito à sua coesão.

Para Costa Val, com que concordamos, o “texto é dotado de unidade de sentido”; o sentido do texto

não está nele inscrito, pronto e acabado, mas é construído através da ação desenvolvida pelos interlocutores,

mediante a atuação e influência de diversos fatores contextuais.

Nesta perspectiva, para aprender a utilizar a linguagem, é necessário que o sujeito esteja diretamente

ligado à sua atividade, ou seja, a construção de textos, e isso realiza-se “através dos gêneros que as práticas de

linguagem materializam nas atividades dos aprendizes”, como colocam Schneuwly & Dolz (2004, p. 74). Dessa

maneira, nota-se a importância de intensificar o contato dos discentes com os gêneros, explorando seus aspectos

linguísticos e comunicativos.

Ao assumir essas concepções, o ensino de língua portuguesa passa a se ancorar em uma perspectiva

sociointerativa, dinâmica e real, visando o trabalho com a língua em uso efetivo e compreendendo o aluno

como um sujeito ativo e inserido em uma sociedade, na qual ele precisa ser proficiente no uso da língua para

se colocar e interagir neste contexto.

Nas últimas décadas, o ensino de língua portuguesa vem passando por interessantes mudanças,

fundamentações e concepções, visando o desenvolvimento de competências e habilidade voltadas para a

3 Tradução livre. Texto original: “A TEXT will be defined as a COMMUNICATIVE OCCURRENCE which meets seven standards of

TEXTUALITY. If any of these standards is not considered to have been satisfied, the text will not be communicative. Hence, non-communicative texts are treated as non-texts” (Beaugrande & Dressler: 1981, p. 3).

interação efetiva, em diversos contextos comunicativos, ao invés da antiga forma, voltada para a análise,

descrição e nomenclaturas. Por isso, na seção acima, apresentamos as concepções de língua, linguagem e texto

que assumimos, pois são a base para o ensino de português.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL: 1998, p. 33), marco formal e oficial deste

processo de mudança, asseguram que o “o objetivo do ensino de língua é a consolidação dos

conhecimentos do aluno para agir em práticas letradas, o que inclui os diversos gêneros textuais e os

diferentes meios nos quais estes circulam”.

A proposta de incluir os gêneros textuais na escola, sobretudo nas aulas de português, tem por objetivo

tornar a sala de aula um espaço de leitura, discussão e reflexão sobre a língua e a sociedade, e, assim,

transformá-la em um espaço dinâmico, significativo e verossímil para o aluno, de modo que reflita o que

realmente acontece linguisticamente na vida, em sociedade. Nesta perspectiva, deve-se eleger o texto como

centro do processo de ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa, já que “são os textos que favorecem a

reflexão crítica e imaginativa, o exercício de formas de pensamento mais elaboradas e abstratas, os mais vitais

para a plena participação numa sociedade letrada” (BRASIL: 2000, p. 30).

Nessa perspectiva, os gêneros devem ser trabalhados em sala de maneira que os estudantes possam

compreendê-los como práticas comunicativas de interação com o outro e com o mundo, partindo do que eles

já conhecem e ampliando seus referenciais epistemológicos para o que será aprendido, de acordo com a função

comunicativa de cada gênero.

No curso dos anos escolares, é de extrema importância trabalhar com gêneros variados e com níveis

de complexidade diversos, conforme etapa escolar, para que os discentes façam um percurso progressivo,

de modo que seu nível de compreensão e de linguagem vá se ampliando cada vez mais. Esse domínio

aumenta de acordo com o constante contato com os gêneros, por meio de leituras e discussões, porquanto

não basta apenas o contato com essas formas linguísticas; é imprescindível a exploração de todos os aspectos

textuais e linguísticos que os compõem para ter um bom domínio dos gêneros. Corroborando esse ponto de

vista, Soares afirma que é refletindo sobre como e por que razão um certo gênero é produzido que o aluno

se habituará a lê-lo de forma crítica e a produzi-lo de forma mais adequada, quando isso lhe for solicitado.

“[...] isso só é possível se a escola sair da rotina de identificar características óbvias e explorar estratégias de

levantamento e checagem de hipóteses, inferências, comparações, sínteses e extrapolações, dentre outras

coisas” (SOARES: 2010, p. 92).

Segundo Dolz & Schneuwly (2004, p. 179), “quando um gênero textual entra na escola, produz-se um

desdobramento: ele passa a ser, ao mesmo tempo, um instrumento de comunicação e aprendizagem”. Os

gêneros textuais devem ser colocados dentro do contexto de sala de aula e explorados neste âmbito para que

os alunos “[...] se tornem capazes não só de reconhecê-los e compreendê-los, mas também de construí-los de

modo adequado, em seus variados eventos sociais” (SCHNEUWLY: 2004, p. 21).

No entanto, essa competência/habilidade só é desenvolvida quando os professores abordam a

funcionalidade do gênero para além da forma, da denominação, embora sejam, também, parte do processo de

ensino. Sabemos que os textos têm formato próprio, suporte específico, possíveis propósitos de leitura, ou seja,

se constituem pelas chamadas características sociocomunicativas, definidas pelo conteúdo, a função, o estilo e

a composição do material a ser lido. E é essa soma de características que define os diferentes gêneros. No

entanto, explorar apenas as características de cada texto contribui muito pouco para com o desenvolvimento

das habilidades de leitura e escrita de determinado gênero por parte dos nossos alunos. Faz-se necessário

discutir por que e para quem se escreve um texto, dentro de um determinado contexto comunicativo. Essa é a

diferença entre tratar os gêneros como conteúdos em si e ensiná-los no interior das práticas de leitura e escrita.

A seleção das charges pode ser aleatória ou temática. O ideal é que sejam atuais, ligadas a fatos que

estão sendo divulgados na mídia, para que o estudante perceba a veracidade da prática comunicativa do texto

estudado em sala de aula e para que o contexto contribua para que o aluno compreenda a charge e para que ela

desperte o interesse dele. As charges podem ser selecionadas dos jornais impressos e on-line supracitados ou em

sites próprios, como http://charges.uol.com.br/arquivo.php, http://www.chargeonline.com.br/, entre outros.

Para esta proposta de trabalho, optamos por selecionar três charges que tratam sobre o mesmo tema,

mas de modo diferente. Acreditamos que será bastante enriquecedor, pois, além do trabalho com o gênero,

poderemos focar, também, nos diálogos e comparações entre eles; nos posicionamentos enunciativos dos

personagens para se atingir o objetivo comunicativo comum às três charges, o que será muito enriquecedor e

aguçará ainda mais o caráter crítico do ato de ler.

Estas são as charges selecionadas:

TEXTO 1:

https://goo.gl/LKFNXR. Acesso: 20/09/16. Charge 1.

TEXTO 2:

http://goo.gl/hoxiKF. Acesso: 28/05/14 - Charge 2.

TEXTO 3:

SALVADOR, S. Charge. Estado de Minas, Belo Horizonte, 27/04/2014 – Charge 3.4

A charge é um tipo especial de cartum (maneira de emitir opinião sobre os acontecimentos do dia a

dia). Ela tem por objetivo a crítica humorística e até satírica de um fato social. Para compreendê-la é necessário

conhecer o assunto a que se refere. Esse gênero textual está presente nos principais diários, ilustrando jornais e

revistas, fazendo sátiras sociais revestidas de cunho político, irreverência e bom humor. Estão situadas no tempo

e no espaço real, razão pela qual se encontram sempre apontando para um personagem da vida pública em

geral, às vezes um artista, outras vezes um político, entre outros. Enfim, trata-se de uma excelente ferramenta

nas aulas de leitura, na perspectiva da formação crítica do aluno. O humor, na maioria das vezes presente nesse

gênero, também cumpre um importante papel de denúncia social.

Sugerimos ao docente, que, inicialmente, desenvolva um trabalho coletivo e oral. Proponha à turma

a formação de uma roda de bate-papo e projete a primeira charge para iniciar a discussão. Na sequência, em

caráter de comparação e ampliação, projete a segunda e, depois, a terceira charge.

No processo de interpretação do texto, procure conduzir os estudantes na consideração de alguns

aspectos, tais como: o tempo e o espaço de construção do discurso chargístico; o conhecimento do assunto

4 Charge adaptada por Glauber Bernardes Ferreira Rogério, em 28/04/14.

apresentado na charge; a identificação da pessoa ou instância a que a charge se refere; o entendimento do

traço, do exagero proposto pela caricatura, comumente presente no gênero; a relação entre linguagem verbal

e não verbal; as cores, saliências e efeitos. Isso porque a leitura está para além da decifração; está para além,

também, de uma simples descrição de imagens presentes na charge, porque esse gênero textual visa a crítica.

Em síntese, conduza o processo de modo que os estudantes tenham clareza sobre:

1. o tema tratado;

2. quem é o enunciador do texto (quem ‘fala’);

3. quem é o enunciatário do texto (para quem se fala);

4. o tempo e espaço de produção e recepção do texto;

5. o objetivo textual;

6. o posicionamento enunciativo, entre outras questões possíveis.

No caso das charges selecionadas, o tema central é a Declaração de Imposto de Renda da Pessoa

Física (IRPF). Esse tema faz parte da vida de todo adulto, trabalhador e que tenha tido renda superior a R$

25.661,70, em 2013, ou seja, um público específico. No entanto, como se trata de um tema amplamente

divulgado na mídia e, possivelmente, por ser tratado também nos lares dos estudantes, de alguns, pelos menos,

acreditamos ser possível o trabalho com essas charges. Além disso, a terceira charge traz dois ricos elementos:

o diálogo com as duas anteriores e o caráter intertextual com a primeira e com o conto da Chapeuzinho

Vermelho, de amplo conhecimento social.

A charge 1 apresenta uma situação esperada para o contexto: um declarante totalmente atordoado

com a entrega da Declaração do Imposto de Renda de Pessoa Física, possivelmente, por causa do alto valor do

imposto a pagar; e a figura do Leão, que ruge forte diante do declarante, amedrontando-o. A sátira estaria sendo

feita em relação a um possível abuso da cobrança dos impostos e ao medo que essa cobrança cria nas pessoas

que devem efetuar tal pagamento.

Nesse momento, seria interessante explorar a figura do leão. Segundo informações do site da Receita

Federal (http://www.receita.fazenda.gov.br), o leão ruge pela primeira vez no final de 1979, quando a Secretaria

da Receita Federal encomendou uma campanha publicitária para divulgar o Programa Imposto de Renda. O

leão foi imaginado como símbolo da ação fiscalizadora da Receita Federal e, em especial, do imposto de renda.

De início, a ideia teve reações diversas, mas, mesmo assim, a campanha foi lançada. A escolha do leão levou

em consideração algumas de suas características: é o rei dos animais, mas não ataca sem avisar; é justo; é leal;

é manso, mas não é bobo.

As peças publicitárias começaram a ser veiculadas no início de 1980. A campanha resultou, de

imediato, numa identificação pela opinião pública do leão com o imposto de renda. Em dez anos, foram

realizados cerca de trinta filmes. O sucesso da campanha publicitária foi tão grande que chegou aos dicionários.

O Houaiss define Leão como o órgão responsável pela arrecadação do imposto de renda. Segundo o Aurélio,

Leão é o órgão arrecadador do imposto de renda. Para o Sacconi, Leão é o serviço de arrecadação do imposto

de renda. Na definição do Dicionário da Academia Brasileira de Letras, Leão é o órgão encarregado de recolher

o imposto de renda. Pelos conceitos emanados dos dicionários, verifica-se a relação do Leão com o imposto de

renda e não com a Receita Federal. Também se observa que se liga o felino à arrecadação, embora, no início,

a afinidade fosse forte com a fiscalização. Embora hoje em dia a Receita Federal não use a figura do leão, a

imagem do símbolo ficou guardada na mente dos contribuintes, numa das mais bem-sucedidas peças

publicitárias da mídia brasileira.

A charge 2 apresenta uma situação inesperada. Temos um pretenso indivíduo-declarante e a figura do

leão, que representa o imposto de renda, o recolhimento do imposto, e que deveria imprimir uma sensação de

medo, como ocorre na primeira charge. No entanto, ao contrário dela, essa charge nos surpreende ao apresentar

a relação inversa: o leão mais frágil, frustrado, sem ação diante do indivíduo. Essa situação se configura porque

o personagem humano da charge representa uma outra parcela da população, a dos isentos, palavra expressa

no balão da charge. Esse grupo não paga imposto sobre a renda, alvo do leão. Há uma inversão de valores

nessa charge, o cidadão é que se mostra seguro, dono da situação e que “ruge” para o leão. E o humor é

instaurado justamente nessa inversão.

A charge 3 apresenta uma situação inusitada. O leão revela força, vigor, coragem, tenacidade frente

ao seu interlocutor, mas ele é a Chapeuzinho Vermelho, uma menina travessa e curiosa que tem o objetivo de

levar doces para a vovó. Logo, ela se mostra indiferente e passa a questionar o leão, que retoma a figura do logo

do conto, que tem final trágico na história.

Como se pode observar, as três charges em análise, de mesmo gênero textual, transitam entre

humorístico e o jornalismo. Elas ancoram-se no mesmo fato, com o objetivo de satirizar a cobrança de imposto

pelo governo, mas o tratam de modo diferente. Na primeira, ressaltando o desespero do declarante; na segunda;

focando a frustração do Leão; e a na terceira fazendo uma comparação do Leão com o Lobo do conto

Chapeuzinho Vermelho que, embora seja assustador, pode ter um fim trágico frente ao seu interlocutor.

Essa construção da teia textual, nos gêneros analisados, se dá pelas informações e pelos diálogos e

intertextos neles costurados e articulados e viabilizam uma ampliação do processo de leitura, para além da

imagem, da forma e da letra. Esses elementos têm grande importância na construção textual, mas acreditamos

que são parte de um processo amplo de leitura e que, talvez, não devessem ser o ponto de partida.

A charge é um texto e, como tal, possui elementos que caracterizam sua construção. Em se tratando

da linguagem, a charge costuma associar linguagem verbal (texto escrito, curto e informal) e não-verbal

(desenhos, caricaturas, balões, cores e traçados). Na ilustração, caricata ou não, embora comumente seja, os

chargistas utilizam-se de traços específicos para enfatizarem as características do personagem que está sendo

caricaturado. Todos esses elementos contribuem para que o autor da charge manifeste a sua opinião a respeito

de fatos da vida real. O feito de sua composição é o humor (que se situa na força do leão frente ao homem e

vice-versa) entremeado com a crítica e/ou sátira (sobre o IRPF, imposto tão questionado).

A charge é um gênero predominantemente imagético, utilizado para criticar fatos ou situações,

provocar o leitor a partir de crítica contundente ou expor uma atitude de protesto. Sua construção conta com

alguns elementos básicos, como os observados nas charges acima, a saber:

• Ilustrações, desenhos, caricatura: o homem, o leão, a personagem Chapeuzinho Vermelho.

• Balões indicativos de fala: balão em formado de nuvem.

• Cores e efeitos gráficos: cor forte no entorno do leão e clara no entorno no homem.

• Texto verbal curto: “não enche porque eu sou isento”, “Para que essa boca tão grande”.

• Formato quadrado ou retangular: quadrado.

Para melhor compreensão do modo como o gênero charge é construído, apresentamos este quadro:

Quadro 1 - Esquema de construção do gênero charge.

É evidente a necessidade de se implementar nas salas de aulas uma metodologia que verdadeiramente

vise o trabalho com a leitura em sua acepção plena. Segundo o que diz Foucambert (1994), faz-se necessário

uma visão de leitura como formulação de juízo sobre a escrita, um ato de questionar e explorar o texto na busca

de respostas textuais e contextuais que geram uma ação crítica do sujeito no mundo.

O gênero charge atrai muito o público leitor, não só por sua linguagem acessível a todos os níveis

de leitura, mas também por tratar de temas atuais, os quais envolvem política e causas sociais de forma leve

e com uma dosagem de humor, crítica e/ou sátira. Segundo Nascimento (2010, p. 77), a charge é “uma

representação crítica do cotidiano que, utilizando uma visão bem-humorada ou satírica, transmite uma

mensagem de caráter opinativo e através de sua linguagem verbal e não verbal”. Logo contribui para um

posicionamento crítico do leitor.

Diante do exposto podemos afirmar que o trabalho com esse gênero favorece a discussão em sala de

aula, bem como contribui para a formação de leitores assíduos e críticos.

CHARGE

Crítica satírica e/ou humorística de falos sociais.

Função social: Criticar fatos ou situações; provocar o leitor a partir de uma crítica contundente ou expor uma atitude de protesto.

Construção do texto: Ilustrações, desenhos, caricatura; Balões indicativos de fala; Cores e efeitos gráficos; Texto verbal curto; Formato quadrado ou retangular.

Linguagem: Texto verbal curto e informal; Predominância de texto não-verbal.

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

______; VOLOSHINOV, V. N. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Trad. Michel Lahud e Yara F. Vieira. 11 ed. São Paulo: Hucitec, 2004.

BRONCKART, J. P. Atividade de Linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo. Trad. Anna Rachel Machado. São Paulo: Educ, 1999.

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Data de submissão: set./2016. Data de aprovação: out./2016.

Camila Sequetto PEREIRA1

Fernanda Pinheiro BARROS2

RESUMO Este artigo tem dois objetivos principais: propor uma reflexão sobre o ensino da produção textual escrita e o ensino de gramática, além de apresentar uma proposta de atividade para o ensino dos processos sintáticos de junção de oração (chamados pela gramática tradicional, de subordinação e coordenação) aplicados ao ensino da produção textual. Acreditamos que a produção textual em sala de aula precisa constituir uma ação de linguagem efetiva, o que pode ser alcançado com a elaboração de um projeto de comunicação, que consiste na organização de um conjunto de atividades a serem desenvolvidas pelos alunos, com o objetivo de fazer circular socialmente um dado gênero. Em relação aos conhecimentos linguísticos, defendemos um trabalho que pressupõe: o texto como unidade de ensino; a articulação entre a gramática e os outros eixos de ensino; exercícios que privilegiam não apenas a apreensão de conceitos, mas também o entendimento dos efeitos de sentido derivados do uso de determinado recurso linguístico. PALAVRAS-CHAVE: Ensino de produção textual. Ensino de gramática. Processos sintáticos de junção de orações.

RESUMEN Este artículo tiene dos objetivos principales: proponer una reflexión acerca de la enseñanza de la producción textual escrita y la enseñanza de la gramática, y presentar una propuesta de actividad para la enseñanza de los procesos sintácticos de unión de oración (llamados por la gramática tradicional de subordinación y coordinación) aplicados a la enseñanza de la producción textual. Creemos que la producción textual en clase necesita constituir una acción de lenguaje efectivo, lo que se puede alcanzar con la elaboración de un proyecto de comunicación que consiste en una organización de un conjunto de actividades desarrolladas por los alunmos, con el objetivo de hacer circular socialmente un género determinado. Con relación a los conocimientos linguísticos, defendemos un trabajo que presupone: el texto como unidad de enseñanza; una articulación entre la gramática y los otros ejes de enseñanza; ejercicios que privilegian no solamente la aprehensión de conceptos, sino también la comprensión de los efectos de sentido derivados del uso de cierto recurso linguístico. PALABRAS-CLAVE: Ensenãnza de producción textual. Ensenãnza de gramática. Procesos sintácticos de unión de oraciones.

1 Mestra em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Autora da coleção didática Universos Língua Portuguesa.

2 Doutora em Linguística do Texto e do Discurso pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora adjunta do Departamento de Ciências da Educação da Universidade Estadual de Santa Cruz (DCIE-UESC). Professora do Mestrado Profissional do PPGE da UESC. Autora da coleção didática Universos Língua Portuguesa.

Este artigo tem dois objetivos principais: propor uma reflexão sobre o ensino da produção textual

escrita e o ensino de gramática, além de apresentar uma proposta de atividade que articule esses dois eixos de

ensino. Em um primeiro momento, faremos um breve histórico do ensino da produção textual e da gramática

para situarmos o ensino desses eixos no contexto atual das escolas brasileiras de ensino fundamental e médio.

Em um segundo momento, apresentaremos uma proposta de atividade para o ensino dos processos sintáticos

de junção de oração (chamados pela gramática tradicional, de subordinação e coordenação) aplicados ao

ensino da produção textual.

Por entender que o ensino da produção escrita e da gramática são, fortemente, influenciados pelas

concepções de língua, decidimos fazer uma rápida explanação sobre duas perspectivas que têm orientado os

estudos de linguagem e que, de alguma maneira, representaram mudança de paradigma no ensino: a língua

como sistema e a língua como atividade.

A noção de língua como sistema remonta aos estudos de Saussure que vê a língua como código, como

estrutura idealizada constituída de elementos e regras de combinações entre eles, ou ainda, como produto

acabado que independe dos falantes e das situações em que eles se encontram. Bronckart (1999) esclarece que

essa perspectiva conduz à produção de gramáticas, tanto daquelas inspiradas na tradição greco-latina quanto

das que são baseadas em metodologias de análise mais modernas, como as do estruturalismo e do gerativismo.

Embora trate essa perspectiva como legítima e, em certa medida, até eficaz, tendo em vista que “certas unidades,

categorias e regras de uma língua podem ser identificadas e definidas independentemente de seu contexto de

utilização e, portanto, podem ser consideradas como propriedades do sistema” (Bronckart, 1999, p. 70), ele faz

uma ressalva importante:

(...) nessa perspectiva, só podem ser descritas as características estruturais das frases e de seus constituintes e, mesmo restringindo-nos a esse nível frasal, há um certo número de unidades que escapam parcialmente às restrições do sistema e que só podem ser completamente analisadas considerando-se aspectos do contexto e do cotexto. (BRONCKART, 1999, p. 70)

As teorias que abordam a língua como objeto abstrato de regras relativamente estáveis nos níveis

fonológico, lexical e sintático, pautaram e pautam, ainda hoje, o ensino de português em nossas escolas. Em

outras palavras, o ensino de língua materna é, ainda, por vezes, confundido com o ensino, via memorização,

de conceitos, terminologias, regras e preceitos da Gramática, embora a eficácia disso já tenha sido bastante

questionada. No Brasil, Geraldi (1984) foi um dos primeiros a questionar a artificialidade da aula de português.

A forte influência dessa perspectiva no trabalho dos professores trouxe consequências para o ensino

da produção escrita. Os alunos não produzem o texto para interagir, mas para demonstrar o que aprenderam

sobre os conteúdos gramaticais estudados. Não raro escrevem, ainda hoje, a partir de títulos estereotipados,

indicados pelo professor, como “Dia do folclore”, “Dia da natureza” ou “Dia das mães”. Segundo Barros (2012)

Textos dos alunos em mãos, os professores se ocupam, por horas e horas, em assinalar os erros ortográficos, as faltas de concordância, a marcação de parágrafos esquecida, o título não centralizado, a linha que não foi “pulada” entre o título e o corpo do texto, a ausência de ponto final. A crença é de que a adequação a essas normas e o respeito às convenções da língua escrita serão suficientes para garantir a qualidade dos textos que os alunos produzem. (BARROS, 2012, p. 21)

Na outra perspectiva, encontram-se vertentes teóricas que estudam a organização e o funcionamento

dos textos em uso. Algumas delas centram sua análise exclusivamente na estrutura interna do texto; outras,

sobretudo as contemporâneas, adotam, segundo Bronckart (1999), “uma perspectiva externa ou contextual”,

isto é, lançam mão de uma abordagem que não perde de vista “os efeitos que as diferentes situações de

comunicação exercem sobre as produções, nem os efeitos que essas mesmas produções provocam sobre o meio

humano” (BRONCKART, 1999, p. 70-71).

Como parte significativa dos problemas enfrentados por professores no trabalho com a produção

escrita é decorrente de um pensamento que preconiza a exclusividade ora do ensino da estrutura interna do

texto, ora do ensino baseado no contexto; vamos defender, neste artigo, que uma perspectiva integradora é a

mais adequada na construção de outros modos de se ensinar a escrever. É preciso considerar tanto os

componentes da estrutura interna do texto (recursos léxico-gramaticais, coesivos, discursivos), como os

relacionados ao contexto (para quem se escreve, para que se escreve, para circular onde).

Depois dessas breves considerações sobre as visões da língua como sistema e da língua como

atividade, cabe perguntar como elas se relacionam com o ensino da escrita e da gramática. Vamos, então, tentar

explicar essas relações.

Nos anos 60, a linguística começa a tecer sua rede de influências. No entanto, a base da reflexão era

a teoria tradicional da gramática, apoiada nas técnicas da retórica clássica: de postura declaradamente

prescritivo-normativista, pautava-se pela aplicação das regras do bem escrever. Nessa linha, inscreve-se a

abordagem retórico-lógica ou retórico-gramatical.

Difundida num contexto em que predominam a reprodução e a descontextualização, a abordagem

retórico-gramatical compreende a produção escrita como um produto regulado pela gramática da chamada

língua padrão. As atividades de ensino propostas desconsideram o sujeito-escritor, a situação de escrita e o

papel discursivo e social do texto. Alinhada à concepção de língua como sistema e de texto como tradução do

pensamento lógico, portador de uma mensagem que contém um significado e que precisa ser decodificada pelo

receptor, essa abordagem preocupa-se fundamentalmente com a correção e a normatividade dos recursos

lexicais e gramaticais usados no texto. Um manual se tornou um dos clássicos dessa abordagem, acolhido e

aclamado, à época, como revolucionário, para os chamados problemas de expressão: Comunicação em prosa

moderna: aprenda a escrever, aprendendo a pensar3, de Othon Moacyr Garcia. O autor ilustra assim os

objetivos de sua obra:

Comunicação em prosa moderna não é uma gramática, como não é tampouco um manual de estilo em moldes clássicos ou retóricos. Pretende ser, isto sim, uma obra cujo principal propósito é ensinar a pensar, vale dizer, a encontrar ideias, a coordená-las, a concatená-las e a expressá-las de maneira eficaz, isto é, de maneira clara, coerente e enfática. (GARCIA, 1985, p. IX)

Uma das máximas de Garcia, coordenar ideias e concatená-las, remete a uma das técnicas mais

utilizadas pelos usuários da abordagem retórico-gramatical: o desenvolvimento de mecanismos de articulação

das orações no período.

As propostas de escrita aplicadas na abordagem retórico-gramatical são descontextualizadas, sem

qualquer atenção ao papel dos aspectos sociais do texto. Seu objetivo é reproduzir categorias gramaticais e

macroestruturais do texto, com ênfase nos discursos de base/sequências tipológicas que o estruturam.

Segundo Bonini (2002), a finalidade central dessa abordagem é o treinamento de estruturas. O livro

Técnica de redação, de Magda Soares e Edson Nascimento Campos, cuja primeira edição é de 1978, apresenta

forte vínculo com a abordagem retórico-gramatical. Em seu prefácio, a obra assume que suas técnicas de ensino

estão a serviço da apropriação de esquemas básicos de textos:

Várias são as intenções de quem escreve, várias são as formas de escrita. Pode-se ter a intenção de considerar um objeto e enumerar, em destaque, as suas características: (…) Esta intenção constitui um conteúdo particular que aparece numa forma específica de redação chamada descrição. Pode-se ter a intenção de considerar, de modo

3 A primeira edição da obra é de 1967.

predominante, um fato (…) Tal intenção produz um outro conteúdo particular, expresso numa forma de redação denominada narração. Pode-se também ter a intenção de considerar, em relevo, uma ideia em torno de fenômenos ou processos, eventos ou ações que geram fatos e objetos (…) Neste caso, o conteúdo é expresso numa forma de redação chamada dissertação. (SOARES e NASCIMENTO, 2004, p. IV)

Para não cometermos uma leviandade com a obra, é preciso que se diga que, embora as propostas de

escrita sejam apresentadas sem a delimitação de um projeto de comunicação, o livro Técnicas de redação já

sinaliza uma preocupação com o “para quê” se escreve:

Delimitado o assunto, torna-se fácil fixar o objetivo que deve orientar o que será escrito. A fixação do objetivo facilita a seleção das ideias e sua ordenação. Determinar para quê se vai escrever sobre determinado assunto, e com que finalidade, para atingir quais objetivos, é uma etapa indispensável no planejamento do ato de escrever. (SOARES e NASCIMENTO, 2004, p. 56)

Muitas das técnicas de escrita da abordagem retórica-gramatical, como desenvolver um texto a partir

de um tema, continuar um texto a partir da introdução dada, a partir de figuras ou de perguntas, são ainda muito

utilizadas pelos professores. Segundo Barros (2012), que entrevistou professores em seu trabalho de tese,

(…) essas técnicas não compõem, propriamente, um conjunto de atividades para ensinar a escrever; os professores as utilizam muito mais como estratégia motivacional, pois, segundo eles, a maior dificuldade de ensinar a escrever é fazer com que os alunos se sintam motivados a escrever. Essa motivação, no entanto, não é buscada no cuidado com a delimitação de condições de produção, mas na oferta de elementos que os professores consideram “facilitadores” para a escrita, como figuras, perguntas, introdução de um texto, discussão de um tema. (BARROS, 2012, p. 63-64)

Sobram críticas à abordagem retórico-gramatical. Dentre essas críticas, destacam-se as que a acusam

de apostar em um ensino baseado na manipulação de regras sintáticas e a de ser isenta de qualquer

responsabilidade comunicativa. No nosso entendimento, essas críticas procedem. Entretanto, cabe-nos ressalvar

que não há enunciação, que não há sujeito-enunciador sem enunciado; não basta ao sujeito querer assumir o

papel de enunciador em uma determinada situação, também é necessário que ele reúna as condições

linguísticas para produzir o texto em sua materialidade. Por isso, defendemos que o ensino da produção escrita

precisa incluir, como uma de suas etapas, o trabalho com a produção de enunciados, como o fazem nas

atividades sugeridas por Soares e Nascimento (2004) e Garcia (1986). Em função disso, inserimos técnicas

próprias dessa abordagem na proposta de atividade de ensino da escrita apresentada na segunda parte deste

artigo, que se baseia no modelo didático elaborado por Schneuwly e Dolz (2004)4.

No final da década de 70, em um esforço para fugir da postura prescritivista, novas propostas de ensino

são delineadas, com a veiculação dos estudos da Linguística Textual – que toma como base os mecanismos de

estruturação de textos, sobretudo a coesão e a coerência – e da Psicolinguística – que busca entender os

processos mentais envolvidos na atividade de escrita.

Nesse outro contexto teórico, surge a abordagem textual-comunicativa, que busca explicar por meio de

teorias da Linguística do Texto – sua principal base – os processos de produção e de leitura de textos. Há, ainda,

pouca atenção ao papel do discurso e das condições sociais de produção, distribuição e consumo de textos.

Teorias sobre a construção da coerência e da coesão textuais tornam-se o eixo temático das diversas discussões.

A concepção de texto se desloca de um paradigma estrutural – conjunto de unidades linguísticas

através do qual se pode expressar claramente um pensamento –, característica da abordagem retórico-lógica,

para ser apresentada a partir do conceito de ocorrência linguística dotada de unidade de significação global.

Na década de 90, a obra Redação e Textualidade (1991), de Maria da Graça Costa Val, tornou-se um

importante instrumento de divulgação das ideias de Beaugrande e Dressler no Brasil, fundamentadas no

estabelecimento de princípios de textualidade – coerência, coesão, informatividade, intencionalidade,

aceitabilidade, situacionalidade, intertextualidade5. Conforme a própria autora concluiria mais tarde, o texto

era visto como um produto à espera de uma correção.

Entre os princípios de textualidade, aqueles centrados no texto – coerência e coesão – foram

privilegiados. Essa ênfase era plenamente justificável: a coesão e a coerência eram as bases para a análise das

redações dos alunos, favorecendo a elaboração de um diagnóstico dos textos do ponto de vista da textualidade,

como o fizeram Bastos (1994) e Costa Val (1991). A primeira dedicou-se à compreensão da coerência e da

coesão em narrativas escolares; a segunda analisou, segundo esses mesmos princípios da textualidade, cem

redações elaboradas por candidatos ao curso de Letras da UFMG no vestibular de 1983.

Vistas como propriedades do texto, a coesão e a coerência são exploradas para levar os alunos ao

desenvolvimento de formas de construção ainda não dominadas por eles e para explicar e corrigir falhas

observadas em suas redações. A verdade é que os fundamentos didáticos são praticamente os mesmos da

4 Em várias sequências didáticas para o ensino da escrita, elaboradas para a Universos, coleção de Língua Portuguesa aprovada nas

duas últimas edições do PNLD do Ensino Fundamental II (2014 e 2017), utilizamos técnicas da abordagem retórico-gramatical.

5 O trabalho de Alcir Pécora, Problemas de redação, de 1981, foi um dos primeiros de influência nas discussões sobre a necessidade de se redefinir o ensino da produção textual.

abordagem retórico-gramatical, mas altera-se a concepção de sujeito, que deixa de ser visto apenas como um

assimilador de regras e passa a ser visto como alguém que precisa desenvolver uma capacidade textual,

fundamental para que ele seja um comunicador.

A abordagem textual-comunicativa é criticada, principalmente, pelo que se pode chamar de

semipresença dos elementos da situação de produção. Vislumbra-se a necessidade de se considerar a produção

textual como processo, mas, na prática, preserva-se a perspectiva do produto. Embora reconheçamos que essa

seja uma limitação importante da abordagem textual-comunicativa, consideramos que ela reúne um conjunto

de saberes indispensáveis. Por isso, também defendemos a inserção de técnicas próprias dessa abordagem no

trabalho com a produção textual, desde que trabalhadas como módulos de ensino dentro de uma sequência

didática, e não como propostas de redação independentes.

A mudança de paradigma no ensino da escrita – do produto para o processo, que adquire um viés

dinâmico e consciente – configura-se mais explicitamente com a abordagem textual-psicolinguística, que

procura identificar e explicar as capacidades mentais relativas à escrita, organizadas em etapas: planejamento,

revisão e reescrita dos textos. Bonini (2002) define assim o principal objetivo, as estratégias e os processos da

abordagem textual-psicolinguística:

O objetivo central (…) é desenvolver capacidades relativas à escritura, mediante o modelo que apresenta uma amostragem passo a passo do processo. O modelo fundador é o de Hayes e Flower (1980), que concebe todo o processo como um ato de resolução de problema. Escrever, neste sentido, consiste, metaforicamente, em elaborar as etapas de uma equação para se chegar a um resultado final, à solução do problema. As estratégias e os processos, detectados em pesquisas experimentais, passam a servir como técnicas de ensino (…). É marcante, nessas técnicas, a preocupação com os processos de planejamento e revisão do texto, pois são os momentos mais propícios para a intervenção didática. (BONINI, 2002, p. 32)

Diferentemente das abordagens retórico-lógica e textual-comunicativa, o foco do ensino-

aprendizagem da produção escrita nesta abordagem não são os recursos lexicais e sintáticos. O foco se

desloca do produto para o processo. Entretanto, a preocupação com a produção enquanto processo

psicológico predomina sobre a preocupação com essa atividade enquanto processo social, vista ainda como

pouco relevante.

Em No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística (1986), manual teórico de abordagem

psicolinguística mais conhecido no Brasil, Mary Kato nega explicitamente que o dom seja um pré-requisito

para a escrita.

Há muito não se acredita mais que rescrever seja uma simples questão de inspiração, que pode ser expressa pela fórmula mágica pensou-escreveu. Sabe-se hoje que até mesmo os produtos mais criativos envolvem uma fase de pré-escritura e também uma de pós-escritura. (KATO, 1986, p. 86)

Segundo Barros (2012), nos relatos feitos pelos professores sujeitos de sua pesquisa, parte significativa

deles citou as etapas da abordagem psicolinguística. Em um dos relatos, uma professora diz: “depois que eles

escrevem, eu mando darem uma última conferida pra ver se é necessário reescrever alguma parte antes de

entregarem pra mim” (p. 80). Para a pesquisadora, essa parte do relato sugere que,

(...) embora o professor demonstre ter compreendido a necessidade de mandar revisar e reescrever, também fica evidenciado que não há quaisquer instruções para o aluno sobre como deve processar a revisão e uma eventual reescrita. Sem parâmetros para realizarem a revisão, os alunos acabam por fazer mesmo “uma última conferida”, modo como o professor nomeou, no relato, a revisão. (BARROS, 2012, p. 81)

Ainda segundo Barros, quando, durante os relatos, os professores eram perguntados sobre como

instruíam a revisão e a reescrita, as respostas eram quase sempre as mesmas: tem de revisar a ortografia e a

concordância, e ficar de olho na pontuação e no parágrafo. No nosso entendimento, as instruções dos

professores concorrem para que os alunos construam uma concepção de revisão e de reescrita associada à

identificação de problemas no nível das convenções da escrita – ortografia, paragrafação, pontuação – e no

nível da língua padrão – concordância.

Uma atividade de reescrita de uma lenda para compor uma coletânea, retirada de documento

destinado aos professores, publicado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo em 2010, faz uso das

etapas da abordagem textual psicolinguística.

(…) Para isso, combine com os alunos que o texto será produzido considerando-se algumas etapas: • Planejar o que se vai escrever, tendo em mente quem serão os leitores da coletânea

e as características que observaram nas lendas que já conhecem. • Fazer uma primeira versão, com perspectiva de rascunho (ler enquanto se está

escrevendo para controlar questões de discurso – referentes à expressão das ideias – e também notacionais – referentes à ortografia e à pontuação).

• Revisar o texto produzido, observando se está claro e coerente, e corrigir aspectos ortográficos e gramaticais.

• “Passar a limpo” a versão final, que comporá a coletânea. (São Paulo, 2010, p. 83)

Esse documento se declara sociointeracionista e essa filiação fica evidente na parte em que, ao

descrever a etapa do planejamento, destaca a importância de se ter em mente “quem serão os leitores da

coletânea”, e utiliza etapas da abordagem textual-psicolinguística; o que, no nosso entendimento, não constitui

um problema. O que nos preocupa é o fato de, ao tratar da revisão, indicar aos professores que recomendem

aos alunos observar se o texto está claro e coerente. Nossa experiência em sala de aula na escola básica tem

nos mostrado que, mesmo alunos que detectam esses tipos de problemas em seus textos, não têm autonomia

para resolvê-los. Seria preciso instrumentalizá-los para a resolução das dificuldades.

A nosso ver, é desejável rever o papel da psicolinguística como procedimento didático. Os modelos

psicolinguísticos de produção textual são um artefato teórico desenvolvido para orientar a compreensão e a

verificação de como se dá o processo de construção da escrita na prática. Na avaliação de Bonini (2002), com

a qual concordamos, os estudos desses pesquisadores conduziram a, pelo menos, três pressupostos importantes:

a) os conteúdos mentais apresentam natureza diversa e, em função disso, são organizados mediante princípios

também diversos; b) a produção textual exige a instanciação e a organização desses conteúdos de acordo com

as demandas da tarefa; e c) o processo de produção apresenta subprocessos básicos, como o planejamento, a

linearização e a revisão, que podem ou não demandar a reescrita. Esses pressupostos nos fazem considerar

junto com Bonini (2002, p. 33) que “a finalidade básica [da psicolinguística] é desvendar o processamento de

produção e recepção, mas não ensinar a escrever ou ler”. Eles não podem, portanto, ser confundidos com um

método didático. Bonini defende que o modelo psicolinguístico seja entendido como um conhecimento que o

professor precisa ter para avaliar o processo de desenvolvimento do aluno, não devendo, assim, ser ensinado

como se fosse um conteúdo.

Essas considerações, entretanto, não devem ser interpretadas como uma desvalorização dos resultados

alcançados pelos estudos psicolinguísticos. A nosso ver, a grande contribuição da psicolinguística ao ensino

está na elucidação de que as proficiências em leitura e em escrita passam pelo domínio de um conjunto de

estratégias e, como tal, podem ser ensinadas.

No caso específico do ensino da produção de textos, o trabalho com estratégias cognitivas pode

ocorrer nos três níveis de processamento: planejamento, textualização e revisão. Isso pode se dar tanto no que

se refere às intervenções do professor quanto no desenvolvimento de habilidades pelo aluno. Esse trabalho

provavelmente facilitaria a visualização, por parte do discente, de seus progressos e de como ele está sendo

avaliado pelo docente. Em outras palavras, o aprendiz não estaria submetido a um modelo considerado certo;

o seu percurso é que seria tomado como critério para anotar seus avanços – deslocamento efetivo do produto

para o processo.

Nesse contexto de deslocamento, constitui-se a abordagem interacionista. Ela defende que a produção

textual precisa acontecer em um ambiente em que o aluno se constitua como um autêntico produtor de sentido,

mediante a execução de uma ação de linguagem. Bonini (2002) apresenta o objetivo central, as etapas e os

procedimentos da abordagem interacionista.

O objetivo central é a reprodução de jogos cênicos, que implica a criação de possibilidades de uma

comunicação autêntica por parte dos alunos. A produção textual precisa constituir uma ação de linguagem

efetiva, o que pode ser alcançado com a elaboração de um projeto didático – a produção de um jornal ou de

uma rádio escolar –, que consiste na organização de um conjunto de atividades a serem desenvolvidas pelos

alunos, com o objetivo de fazer circular socialmente um dado gênero. A impossibilidade de realização de um

projeto didático, entretanto, não inviabiliza o ensino da escrita com base na abordagem sociointeracionista: é

possível simular uma situação comunicativa.

As etapas da abordagem sociointeracionista são: a) apresentação da situação, b) produção inicial, c)

realização de módulos de ensino, d) produção final. Cada uma dessas etapas será retomada mais à frente,

quando formos apresentar uma proposta de atividade para o ensino dos processos sintáticos de junção de oração

aplicados ao ensino da produção textual.

Até o momento, nós descrevemos e comentamos quatro abordagens para o ensino da produção textual

segundo as quais o aprendizado acontece mediante: i) o exercício de descobertas, conduzido pela própria

prática (abordagem interacionista); ii) o desenvolvimento de procedimentos para aguçar a percepção e

desenvolver processos e capacidades (abordagem textual-psicolinguística); iii) a análise e a aplicação de

princípios da gramática do texto e da perspectiva funcional da frase (abordagem textual-comunicativa); iv) o

desenvolvimento de atividades de fixação, para exercitar aspectos específicos da linguagem (abordagem

retórico-gramatical). A partir de agora, faremos algumas considerações sobre o ensino de gramática.

Conforme os PCN, a abordagem dos conhecimentos linguísticos deve se organizar para que os alunos

possam “pensar sobre a linguagem para poder compreendê-la e utilizá-la apropriadamente às situações e aos

propósitos definidos” (BRASIL, 1998, p. 18-19). Mendonça (2007) apresenta uma série de perguntas para iniciar

a reflexão sobre o ensino de gramática:

Por que os títulos de notícias são frases curtas? Os verbos nesses títulos estão no presente ou no passado? Por quê? Já notaram que muitos poemas, ao serem lidos em voz alta, revelam um certo ritmo, musicalidade? Como se conseguiu esse ritmo no exemplo que estamos analisando? Por que se usa ‘coloque’ e não ‘coloquei’ nas receitas? Ou o que indica o uso de verbos no imperativo nas receitas? (MENDONÇA, 2007, p. 73)

Essas perguntas, se feitas por um professor de português a seus alunos, tornariam a aula mais

interessante. Perguntas como essas inseririam o trabalho com a linguagem num paradigma sociointeracionista,

“que toma os gêneros não como meras estruturas formais, mas os compreende como parte da atividade humana

e, portanto, organizados em função dos objetivos comunicativos que ajudam a cumprir nos diversos contextos

de interação social” (Mendonça, 2007, p. 74). Entretanto, a sala de aula de Português não acolhe, com

tranquilidade, esse paradigma sociointeracionista.

Nossa experiência tem mostrado que, na escola, convivem três formas de abordar a gramática: a) a

gramática da palavra e da frase, b) o texto como pretexto para ensinar gramática e c) análise linguística. Vamos

procurar concretizar, com exemplos do estudo do verbo, esses três movimentos.

Na perspectiva da gramática da palavra e da frase, o ponto de partida é a definição:

Leia a definição de verbo.

O verbo é usado para indicar ação, acontecimento, fenômeno da natureza, ou para ligar uma característica ou um estado ao ser. O verbo indica tempo (passado, presente, futuro), pode estar no singular ou no plural.6

O segundo passo é o exemplo:

Veja os exemplos. Maria Fernanda passeou pela praça. Eu caí da escada. Choveu tanto, que não fui à praia. Você estava linda na festa.

O terceiro passo é o exercício:

Pinte os verbos de vermelho.

a) Governo anuncia aumento no preço da gasolina.

b) O pneu furou no meio da viagem.

c) Nevou durante a noite em Nova York.

d) O vestido de Sandra era o mais bonito da festa.

Na perspectiva do texto como pretexto, os dois primeiros passos são os mesmos: a definição e o

exemplo. Já o terceiro é a leitura do texto:

6 Essas atividades foram adaptadas do livro do 6º ano da coleção Universos: língua portuguesa (PEREIRA, BARROS e MARIZ, 2015).

Leia o texto.

Tartaruga marinha ingere lixo e morre após resgate pela polícia ambiental, no RN

Uma tartaruga marinha da espécie verde morreu na manhã de domingo (18) no Aquário Natal, localizado na Praia da Redinha, litoral Norte do RN. O animal chegou ao local durante a madrugada, levada por policiais ambientais de Mossoró.

A tartaruga havia ingerido lixo e estava sem conseguir se alimentar há algum tempo. “Ela tinha mais de um metro de comprimento e deveria ter cerca de 150 kg, mas estava com apenas 50 kg”, afirmou o biólogo do Aquário Natal, Douglas Brandão.

[...]

O quarto passo é o exercício:

Pinte de vermelho os verbos do título da notícia.

Tartaruga marinha ingere lixo e morre após resgate pela polícia ambiental, no RN

Embora o texto faça parte do conjunto de atividades, ele foi usado apenas como pretexto para o ensino

transmissivo do conteúdo gramatical. Sua leitura poderia ter sido dispensada sem qualquer prejuízo para a

atividade. Dessa maneira, pode-se afirmar que a primeira e a segunda abordagem não se diferenciam, embora

muitos professores acreditem estar favorecendo a análise linguística ao proporem aos alunos a última.

Na perspectiva da análise linguística, o ponto de partida é a leitura do texto. O segundo passo é a

reflexão epilinguística, isto é, a reflexão sobre os usos da língua. No exemplo em questão, a observação de

efeitos de sentido decorrentes do uso do verbo no presente do indicativo em títulos de notícias.

1. Qual a função do título em uma notícia?

2. Releia.

Tartaruga marinha ingere lixo e morre após ser resgatada pela polícia ambiental

a) As palavras destacadas servem para:

• Apontar uma característica da tartaruga e indicar como ela foi regatada pelos policiais.

• Relatar o que a tartaruga fez com o lixo e o que aconteceu com ela depois que foi

resgatada.

b) O título relata uma ação que já aconteceu, que está acontecendo ou que vai acontecer?

c) As palavras em destaque indicam passado, presente ou futuro?

d) Esse título poderia ter sido escrito de outra forma. Leia.

Tartaruga marinha ingeriu lixo e morreu após ser resgatada pela polícia ambiental Qual das duas formas dá a ideia de que o fato permanece atual? Explique.

3. As palavras destacadas são verbos. Por que, no título de notícias, o verbo costuma estar no

presente, se o fato relatado já aconteceu?

[…]

O terceiro passo é a reflexão metalinguística. Caso os alunos ainda não tenham consolidado um

conhecimento sobre o verbo, pode ser útil que o professor proponha uma reflexão sobre essa classe de palavra,

suas características formais e semânticas. Ao final das atividades, espera-se que os alunos concluam que o verbo

é usado para indicar ação, acontecimento, fenômeno da natureza, ou para ligar uma característica ou um estado

ao ser; e pode sofrer flexão de tempo, de número, de modo e de pessoa.

Verbo - Modo Indicativo

(…) você viu que, no título de notícias, os verbos geralmente ficam no presente, para aproximar o leitor do fato relatado. Já no corpo da notícia, os verbos em geral ficam no passado, pois o fato relatado já aconteceu. Agora, faça as atividades a seguir para recordar algumas características importantes do verbo e conhecer outras.

1. As palavras em destaque nas frases abaixo foram inventadas. Copie no caderno as frases em que

a palavra inventada funciona como verbo. Justifique oralmente sua resposta.

a) Eu funtei da escada.

b) Minha amiga comprou a roupa mais plindona da loja.

c) Pedro foi ao adatrim com vários amigos.

d) Penesceu tanto que não fui à praia.

e) Você catrava linda na festa.

f) Os alunos sempre comeguem ao professor a mesma coisa.

g) Maria Fernanda sonescou pela praça.

h) Ela tuterá na próxima semana para Belém.

2. Indique em que tempo – passado, presente ou futuro – está cada um dos verbos inventados da

atividade 1. Converse com os colegas e o professor sobre as pistas que você seguiu para dar sua

resposta.

[…]

O chamado caminho tradicional, como se pode ver, organiza-se a partir da apresentação da teoria,

dos exemplos e dos exercícios, nessa ordem. O que muitos pesquisadores – e os PCN – propõem é a subversão

dessa ordem: o aluno começa o trabalho da prática para chegar à teoria, ele vai do concreto (o texto

materializado) para o abstrato (a apreensão da teoria gramatical).

Em síntese, o que defendemos, em sintonia com a maioria dos pesquisadores, é que se deve propor

um trabalho reflexivo com os conhecimentos linguísticos. Isso pressupõe: o texto como unidade de ensino;

a articulação entre a gramática e os outros eixos de ensino; exercícios que privilegiam não apenas a

apreensão de conceitos, mas também o entendimento dos efeitos de sentido derivados do uso de determinado

recurso linguístico.

Estamos em um momento de tentativa de adotar novos paradigmas para o ensino de português, como

bem atestam os documentos oficiais sobre o currículo dessa disciplina (PCN, PCN+, OC). O objetivo atual do

ensino de língua é o de “contribuir significativamente para que os alunos ampliem sua competência no uso oral

e escrito da língua portuguesa” (ANTUNES, 2003, p. 14).

A partir das reflexões propostas na seção anterior, é possível defender que os processos sintáticos de

junção de oração devem ser ensinados de forma contextualizada e articulada aos demais eixos e ensino; em

nosso caso, o eixo da produção escrita.

Pensando sobre o ensino da produção de textos, Schneuwly, Dolz e Noverraz (2004) propõem uma

sequência didática que se organiza em quatro etapas: i) apresentação da situação, em que o professor deve

expor de forma clara aos alunos o projeto de comunicação que será realizado – o gênero a ser produzido, os

leitores (para quem) o objetivo da produção (para quê), o suporte de circulação – (dimensão discursiva) e

colaborar para que o aluno faça a preparação do conteúdo do texto (dimensão semântica); ii) primeira

produção, momento em que o aluno mostra para si e para o professor o que sabe (e o que não sabe) sobre o

gênero. Essa primeira produção servirá de avaliação diagnóstica para o professor decidir o que ensinar na

próxima etapa; iii) módulos, etapa em que o professor vai elaborar módulos de ensino para ajudar os alunos a

superarem os problemas diagnosticados na primeira produção; iv) produção final, momento em que o aluno

poderá colocar em prática o que aprendeu durante os módulos.

Mas como e quando os processos sintáticos de junção de oração devem ser abordados na sequência

didática de Schneuwly e Dolz (2004)? De que maneira o domínio desses processos pode contribuir para um

melhor desempenho da competência escrita dos alunos?

Vamos começar pela última pergunta. De acordo com a gramática tradicional, as orações organizam-

se no período por dois processos: o de coordenação e o de subordinação. Saber como funcionam esses

processos é fundamental para que o aluno, produtor de textos, selecione uma ou outra estrutura sintática para

atingir o efeito expressivo desejado. Ele precisa saber, por exemplo, que as orações reduzidas são usadas quando

se quer evitar, estilisticamente, excesso ou repetição de conectivos. Mas não basta dizer que essas orações têm

essa função, é preciso ir além e mostrar em que momento isso é ou não pertinente. A repetição de conectivos

em poemas para produzir determinado efeito de sentido pode ser adequada, mas se se trata de um texto

enciclopédico, em que se objetiva apresentar um conjunto de informações sobre determinado assunto, com um

estilo mais elegante, usar orações reduzidas pode ser a saída para se evitarem repetições de conectivos.

Na sequência didática proposta por Schneuwly e Dolz, os processos sintáticos de junção de oração

podem ser trabalhados nos módulos de ensino, momento em que os alunos, com a ajuda do professor, vão,

entre outras coisas, refletir sobre como podem materializar o que escolheram dizer para atingir o objetivo

pretendido. Feitas as atividades, ou seja, os módulos de ensino, na produção final, os alunos se sentirão seguros

e estarão instrumentalizados para fazer a revisão de sua própria escrita e superarem os problemas dessa natureza

que porventura encontrem.

A partir de agora, vamos apresentar uma sequência didática que encaminha a produção de um

folder turístico para alunos de um curso técnico de turismo. No contexto deste curso, o trabalho com o folder

turístico é adequado já que a leitura e a escrita desse gênero farão possivelmente parte da trajetória

profissional desses alunos.

Na apresentação da situação, foram definidos os elementos do projeto de comunicação: a escrita de

um folder sobre roteiros turísticos de uma determinada região do Brasil para ser distribuído em aeroportos com

o intuito de divulgar as atrações dessa região e atrair turistas. Na preparação dos conteúdos, o aluno deve fazer

um levantamento de lugares turísticos da região em que mora e selecionar um lugar para organizar um possível

roteiro. Os alunos devem elaborar perguntas para orientar a pesquisa e selecionar imagens da região para

compor o folder turístico.

Na primeira produção, os alunos vão escrever uma primeira versão do conteúdo do trabalho. Essa

etapa é crucial para a organização da sequência, pois o professor irá fazer o diagnóstico, a partir do qual

elaborará os módulos de ensino. A quantidade deles vai depender do tempo de que o docente dispõe para a

realização da sequência. Ela não deve ser muito extensa, pois pode-se perder o foco do trabalho.

Na etapa de módulos, propomos a realização de um que trate dos processos sintáticos de junção de

orações. Os objetivos específicos desse módulo são:

• Promover a reflexão sobre período simples, período composto, oração coordenada, oração

subordinada e conjunção;

• Promover a reflexão sobre os processos de junções das orações e seus possíveis efeitos de sentido a partir

da retomada de trechos dos textos produzidos pelos alunos, analisando: o tipo de período, a função de

cada oração, o tipo de relação entre as orações, a função das conjunções no contexto dos períodos;

• Reescrever o período, se necessário.

Trechos selecionados dos textos dos alunos para o trabalho em sala de aula:

Período 1: “Nós vamos apresentar roteiros e somos a Salvatur que vão deixar você encantado com a Bahia.” Período 2: “A Chapada Diamantina é um verdadeiro parque de diversões a céu aberto, porque está nos planos de muitos aventureiros.” Período 3: “Na Chapada, vá à distante Gruta da Lapa Doce, ainda que esteja acompanhado de crianças.”

A partir da apresentação do período 1, o professor deve recordar, com os alunos, a classificação do

período. Como um dos objetivos do módulo é torná-los mais capazes de optar pelo período simples ou pelo

composto, considerando o efeito de sentido que desejam alcançar, apropriar-se dessas nomenclaturas pode

facilitar o trabalho no nível epilinguístico.

O próximo passo é pedir aos alunos que identifiquem a informação que cada oração carrega. A

primeira, “Nós vamos apresentar roteiros”, sinaliza o que vai ser feito; a segunda, “e somos a Salvatur”, identifica

a empresa; a terceira, “que vão deixar você encantado com a Bahia”, caracteriza alguma coisa ou alguém.

Oração 1: /Nós vamos apresentar roteiros/ (o que vai ser feito) Oração 2: /e somos a Salvatur/ (identificação da empresa) Oração 3: /que vão deixar você encantado com a Bahia/ (caracterização de algo/alguém)

Durante a análise da relação semântica entre as orações, os alunos devem identificar o termo

caracterizado pela oração “que vão deixar você encantado com a Bahia”. Um dos problemas sintáticos do período

em análise é que, embora a oração 3 caracterize o termo “roteiros”, presente na oração 1, ela está próxima do

termo “Salvatur”, na oração 2. Isso, provavelmente, trará dificuldades para o trabalho de processamento pelo leitor.

Uma estratégia que pode ser utilizada pelo professor para facilitar o trabalho dos alunos é chamar a atenção para

a locução verbal “vão deixar”, na terceira oração. Como o verbo está no plural, ele deve se referir a um termo

também no plural, no caso, “roteiros” e não a um termo no singular, “Salvatur”, como sugere a escrita do aluno.

A análise sugere que o período precisa passar por uma reescrita, com uma operação de deslocamento da oração

caracterizadora para perto do termo caracterizado. Com essa operação, teríamos:

1ª Reescrita do Período 1: “Nós vamos apresentar roteiros (oração 1) que vão deixar você encantado com a Bahia (oração 3) e somos a Salvatur (oração 2)”.

Nesse momento, pode ser discutido o conceito de subordinação: a oração 3 está subordinada à

oração 1, ou seja, a oração 3 é sintaticamente dependente da outra, já que caracteriza um termo que aparece

na oração 1. Ainda é possível discutir com os alunos a classificação dessa oração subordinada: trata -se de

uma oração subordinada adjetiva, porque, ao caracterizar o substantivo “roteiros”, ela exerce a função

sintática peculiar dos adjetivos.

Mesmo depois dessa reescrita, o período continuaria com problema, localizado na relação entre o

bloco de informações composto pelas orações 1 e 3 (Nós vamos apresentar roteiros / que vão deixar você

encantado com a Bahia) e a oração 2 (e somos a Salvatur). Embora não haja dependência sintática entre esses

dois blocos, há uma relação de dependência semântica que está sinalizada de forma inadequada. Primeiro,

apresentamos quem somos para depois dizermos o que pretendemos fazer. Assim, é possível propor uma

segunda reescrita, invertendo a ordem das informações:

2ª Reescrita do período 1: “Nós somos a Salvatur (oração 2) e vamos apresentar roteiros (oração 1) que vão deixar você encantado com a Bahia (oração 3)”.

Realizadas a análise e a reescrita, é o momento oportuno para discutir o conceito de coordenação –

processo em que se pressupõe um paralelismo de funções e valores sintáticos idênticos entre si: a oração 2 e o

bloco de informações composto pelas orações 1 e 3 estão coordenados entre si.

Considerando-se o objetivo do gênero trabalhado, persuadir turistas a fazer determinado roteiro

turístico (nível discursivo), e por questões estilísticas, podemos propor mais uma operação sintática (nível

gramatical) para destacar uma informação (nível semântico): transformar esses dois blocos em períodos distintos:

3ª Reescrita do período 1: “Nós somos a Salvatur. Vamos apresentar roteiros que vão deixar você encantado com a Bahia”.

Com essa operação, a chamada inicial do folder turístico destaca duas informações importantes: a

identificação da empresa (Nós somos a Salvatur) e a de dizer o que será feito (Vamos apresentar roteiros/que

vão deixar você encantado com a Bahia).

Procedimento similar pode ser utilizado com o período 2: “A Chapada Diamantina é um verdadeiro

parque de diversões a céu aberto, porque está nos planos de muitos aventureiros.”

Os alunos serão solicitados inicialmente a classificar o período (simples ou composto). Em seguida,

deverão identificar as informações que cada oração “carrega” e a relação que se estabelecem entre si. Na oração

1, caracteriza-se a Chapada Diamantina; na oração 2, explica-se o motivo de tal caracterização.

Oração 1: /A Chapada Diamantina é um verdadeiro parque de diversões a céu aberto,/ (caracterização da Chapada Diamantina) Oração 2: /porque está nos planos de muitos aventureiros./ (explicação para tal caracterização)

A análise da relação entre as orações tem o objetivo de levar o aluno a perceber que há um problema

semântico entre elas: o fato de a Chapada Diamantina estar nos planos de muitos aventureiros não explica o

fato de ela ser um verdadeiro parque de diversões a céu aberto. Para resolver essa questão, poderíamos

reescrever o trecho de inúmeras formas. Uma primeira possibilidade seria:

1ª Reescrita do período 2: “A Chapada Diamantina é um verdadeiro parque de diversões a céu aberto (oração 1), porque possui inúmeras cachoeiras, lagos, lagoas, cavernas (oração 2).”

Nesse caso, construímos uma nova oração para apresentar um motivo que pudesse explicar a

caracterização da Chapada Diamantina: o fato de possuir inúmeras cachoeiras, lagos, lagoas, cavernas explica

o fato de a Chapada ser um verdadeiro parque de diversões a céu aberto. Outras possíveis reescritas seriam:

2ª Reescrita do período 2: “A Chapada Diamantina está nos planos de muitos aventureiros, porque é um verdadeiro parque de diversões a céu aberto.” 3ª Reescrita do período 2: “Porque a Chapada Diamantina é um verdadeiro parque de diversões a céu aberto, está nos planos de muitos aventureiros”

As duas sugestões de reescrita sugerem relações de explicação aceitáveis: o fato de a Chapada

Diamantina ser um parque de diversões a céu aberto pode ser uma explicação para o fato de ela estar nos

planos de muitos aventureiros.

Há outras maneiras de relacionarmos as duas orações coordenadas, alterando-se as conjunções. Na

reescrita do período, no entanto, devemos convidar os alunos a refletirem sobre os efeitos de sentido implicados

na escolha de cada conjunção e sobre a adequação dessa escolha:

4ª Reescrita do período 2: “A Chapada Diamantina é um verdadeiro parque de diversões a céu aberto e está nos planos de muitos aventureiros.” 5ª Reescrita do período 2: “A Chapada Diamantina é um verdadeiro parque de diversões a céu aberto, mas está nos planos de muitos aventureiros.”

6ª Reescrita do período 2: “A Chapada Diamantina é um verdadeiro parque de diversões a céu aberto, por isso, está nos planos de muitos aventureiros.” 7ª Reescrita do período 2: “A Chapada Diamantina é um verdadeiro parque de diversões a céu aberto ou está nos planos de muitos aventureiros.”

Nos períodos acima, somente as conjunções usadas na 4ª e na 6ª reescrita estabelecem, no contexto,

relações de sentido possíveis. É relevante, também, refletir sobre os diferentes efeitos de sentido decorrentes do

uso das conjunções “e” e “por isso”. Quando usamos o termo “e”, a relação semântica entre as informações “a

Chapada Diamantina é um verdadeiro parque de diversões a céu aberto” e “está nos planos de muitos

aventureiros” fica enfraquecida, pois estamos apenas somando informações. Com o uso da conjunção “por

isso”, embora as orações continuem sintaticamente independentes, reforça-se a relação de dependência

semântica entre as informações “a Chapada Diamantina é um verdadeiro parque de diversões a céu aberto” e

“está nos planos de muito aventureiros”. Portanto, pode-se afirmar que a escolha da conjunção “por isso” é

mais adequada para o texto introdutório do folder turístico, uma vez que valoriza, destaca uma característica

do local a ser visitado. Este é um momento oportuno para o professor discutir a função e os valores semânticos

das conjunções, trabalhando para que os alunos concluam que a seleção de uma ou de outra conjunção é

determinada pelo objetivo do texto.

No período 3, depois de os alunos identificarem, no período composto, as duas orações, eles devem

novamente reconhecer as informações que cada uma “carrega”: a oração 1 sugere um lugar de visitação, a

oração 2 faz referência aos acompanhantes de quem vai à Gruta da Lapa Doce.

Oração 1: /Na Chapada, vá à distante Gruta da Lapa Doce,/ (sugestão de onde ir) Oração 2: /ainda que esteja acompanhado de crianças./ (ressalva a essa indicação)

A análise das orações deve levar os alunos a perceber não somente que elas mantêm entre si uma

relação de subordinação, mas que a junção entre elas é necessária e adequada. A oração 2, “ainda que esteja

acompanhado de crianças”, sinaliza uma circunstância do verbo ir (vá), presente na oração 1, ou seja, ela é

sintaticamente e semanticamente dependente da oração principal “vá à distante Gruta da Lapa Doce na

Chapada”. Isso quer dizer que a circunstância de o visitante estar acompanhado de crianças não deve impedi-

lo de ir à Gruta da Lapa Doce, pois a beleza do local compensa sua distância e os cuidados que o turista

precisará tomar se tiver acompanhado de criança.

Também convém chamar a atenção para o termo “distante”, pois ele esclarece e reforça a necessidade

do uso da conjunção “ainda que”. Caso queira, o professor pode avançar na análise metalinguística, propondo

aos alunos que observem que a oração 2, por exercer o papel comumente exercido por um advérbio e indicar

uma concessão ao fato expresso pelo verbo, é classificada como oração subordinada adverbial concessiva.

Para finalizar o módulo, o professor pode, caso julgue importante, propor uma sistematização no nível

da metalinguagem com os conceitos trabalhados e, em seguida, pedir a reescrita dos textos dos alunos. Uma

atividade de sistematização poderia ser, por exemplo, a elaboração de um quadro como o que mostramos a seguir:

Conceito Definição Exemplo Período simples Formado apenas por uma oração Nós somos a Salvatur. Período composto Formando por duas ou mais

orações Vamos apresentar roteiros que vão

deixar você encantado com a Bahia. Oração coordenada É independente sintaticamente A Chapada Diamantina é um

verdadeiro parque de diversões a céu aberto, / por isso está nos planos de

muitos aventureiros. Oração subordinada É dependente sintaticamente Vamos apresentar roteiros que vão

deixar você encantado com a Bahia. Oração subordinada adverbial Indica circunstância do fato

expresso pelo verbo Na Chapada Diamantina, vá à distante Gruta da Lapa Doce, ainda que esteja

acompanhado de crianças. Oração subordinada adjetiva Determina ou caracteriza o

substantivo Vamos apresentar roteiros que vão

deixar você encantado com a Bahia. Conjunção Liga, une as orações. Ela pode

sinalizar relações de adição, adversidade, alternância,

explicação, concessão etc.

e, porque, ainda que

Outros módulos podem ser elaborados ainda nesta terceira parte da sequência. Ela se encerra com a

produção final, momento em que o aluno escreve a última versão de seu texto, após ter participado dos módulos

de ensino e ter sido instrumentalizado a analisar e resolver problemas diagnosticados em seu folder turístico.

Dessa forma, o educando se torna protagonista de seu próprio ensino/aprendizagem, pois é ele quem vai

analisar, avaliar, apontar e resolver possíveis problemas, com a mediação do professor.

Como ainda atravessamos um momento conturbado de convivência concomitante de diferentes

paradigmas no ensino de língua materna, avaliamos que parte significativa dos professores pode não se sentir

atraído por um estudo centrado apenas na epilinguagem. Por isso, propusemos, neste artigo, um trabalho que

contempla também a reflexão e a sistematização metalinguística.

Ao mesmo tempo, acreditamos que o ensino da língua baseado apenas em exercícios mecânicos e

estruturais (nível gramatical) não levará o aluno a refletir, de fato, sobre os fenômenos da língua, já que ela é

viva, dinâmica e está sujeita a variações e mudanças. Desejamos, portanto, que esse trabalho esteja sempre a

serviço dos falantes e de suas atividades linguajeiras nas mais diversas atividades humanas. Isso não significa,

entretanto, excluir a dimensão gramatical da língua de nossas aulas de Português, pelo contrário, ela deve estar

sempre presente, mas em função das dimensões discursiva e semântica.

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Data de submissão: fev./2016. Data de aprovação: mar./2016.

Daniel Augusto de OLIVEIRA1

Denise Barros WEISS2

RESUMO O objetivo deste artigo é apresentar resultados de uma pesquisa sobre relações entre alunos de diferentes nacionalidades, aprendizes em um curso de português para estrangeiros em uma universidade brasileira. A partir das noções de poder na perspectiva foucaultiana e de assimetria (HERITAGE: 1997; LINELL; LUCKMAN: 1991), observa-se como um grupo de alunos reunidos para executar uma tarefa dada pelo professor se organiza e interage. Localizaram-se situações de assimetria entre os participantes que mimetizam a interação professor-aluno. Essa assimetria ocasionou disputas pelo poder entre alunos, administradas e resolvidas por eles no correr do trabalho. Esta pesquisa é um passo na direção de uma melhor compreensão das interações dos alunos entre si, pouco levadas em conta, mas de alta relevância para se apreender a dinâmica das relações em sala de aula. PALAVRAS-CHAVE: Português língua estrangeira. Interação entre alunos. Assimetria.

ABSTRACT The purpose of this article is to present results of a research on the relationships of university students among various nationalities in Brazil, who attend to a course of Portuguese as a foreign language at a Brazilian institution of higher education. From Foulcault’s power perspective and the notion of asymmetry (HERITAGE: 1997; LINELL; LUCKMAN: 1991), we observed how students, divided in groups, interact and orient to a task given by the teacher. We noticed that there were asymmetrical sequences that mimetize teacher -student interaction. This asymmetry caused some dispute for power amongst students, who managed and resolved the quarrel along the work. This research represents a step for a better comprehension of student-student interaction, which is not considerably investigated, but is of utmost relevance for one to learn about a classroom’s interactional dynamics. KEYWORDS: Portuguese as a foreign language. Student-student interaction. Asymmetry.

A sala de português como língua estrangeira é ainda hoje uma situação social relativamente pouco

estudada, em especial no que se refere às relações entre os alunos. Este artigo resulta de reflexões apresentadas

na pesquisa que deu origem à dissertação de mestrado “Temos que falar Português: o protagonismo discente

1 Mestre em Linguística pela Universidade Federal de Juiz de Fora.

2 Doutora em Linguagens pela Universidade Federal Fluminense. Professora da Universidade Federal de Juiz de Fora.

em uma sala de Português para estrangeiros”, de Oliveira (2015). A pesquisa faz parte do macroprojeto

“Interação em sala de aula” coordenado pela professora Denise Barros Weiss e levado a cabo no âmbito da

Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Com base nas noções de assimetria (HERITAGE: 1997; LINELL; LUCKMAN: 1991) e de poder

(FOUCAULT: 1972), apresentaremos uma análise de transcrições de uma sessão de trabalho em grupo gravada

em uma aula de português como língua estrangeira em uma universidade, com alunos de diferentes

nacionalidades e de diferentes níveis de conhecimento da língua portuguesa.

Os dados da gravação correspondem a uma atividade de conversação proposta pela professora, da

qual participaram somente os alunos estrangeiros, sem a presença de professor ou de alunos brasileiros. Para o

desenvolvimento da tarefa, foi proposta a leitura de um texto que discute a questão da diferença entre as pessoas

na sociedade atual. A seguir, foram propostas questões para os alunos discutirem em grupo: 1) Qual é o

comportamento padrão em sua comunidade? 2) Em que medida você é diferente na comunidade em que vive?

3) Em que medida você é diferente em relação à sua comunidade no Brasil? 4) O que você mudaria em sua

comunidade de origem? 5) O que você mudaria em sua comunidade no Brasil? 6) Em que medida você se sente

diferente em sua comunidade no Brasil? 7) O que você faz que te aproxima/distancia de sua comunidade de

origem/no Brasil? 8) Você já sofreu algum tipo de preconceito em sua comunidade em seu país de origem/no

Brasil? 9) O que você considera como diferente em sua comunidade em seu país/Brasil?

Parte-se do ponto de vista de que a sala de aula é um ambiente institucional, de caráter complexo,

que congrega um feixe de relações permeadas pelo poder e marcadas pela assimetria. Essa assimetria pode ser

maior ou menor, conforme as dinâmicas interacionais.

As traduções apresentadas ao longo do texto são todas de nossa responsabilidade. As convenções

empregadas neste artigo correspondem ao formato proposto inicialmente por Jefferson, arrolado em Sacks,

Schegloff e Jefferson (2003 [1974]) e apresentado também em Gago (2002).

Uma sala de aula de português como língua estrangeira é um contexto multicultural. Em se falando

desse ambiente, é imperativo compreender a interação entre um conjunto de participantes cujas práticas

discursivas denunciam posicionamentos distintos em relação à sua comunidade de origem e à sua comunidade

no país em que estão estudando. A partir disso, trata-se da noção de cultura adotada neste trabalho.

Street (1993) percebe a noção de cultura como um processo dinâmico, que favorece a apreensão de

significados das interações. A proposta do autor não é considerar o termo “cultura” a partir de um ponto de

vista de sua essência, mas, sim, como algo que seja desencadeador de outros processos, a partir da indagação

“O que a cultura faz?”. A partir das discussões do autor, nos estudos de Luk e Lin (2007, p. 34), representa “[...]

um processo de significação relacionado à construção ativa do significado”, em que ideias são definidas, com

possibilidades para se questionarem as circunstâncias em que essas instanciações aparecem e o motivo de elas

ocorrerem em determinados momentos. Essa visão permite uma ideia dinâmica de significado na medida em

que a cultura é considerada um processo ativo de emergência de sentidos, considerando-se as práticas

interacionais e as interpretações dos participantes dessas práticas. No caso de uma sala de aula, o professor e

os alunos são ativos. Nas palavras de Luk e Lin:

[...] a construção conjunta de práticas interacionais pelos professores e pelos alunos, e sua interpretação mútua das práticas interacionais de um e de outro não são processos estáticos e consistentes, mas dependentes do contexto, e potencialmente específicas em relação a gênero e classe social (LUK; LIN: 2007, p. 35).

Essa afirmação pode ser considerada um caminho para se analisar o contexto como resultado da

coconstrução de significados, portanto, instâncias não estáticas de que emergem as interpretações dos

interactantes. A análise do significado está na coconstrução das práticas interacionais, que permitem a

apreensão das orientações dos participantes aos significados pela análise de suas produções e, por conseguinte,

reveladoras, a partir da análise turno a turno, da cultura dos interactantes.

Luk e Lin (2007) assinalam que há debates no tocante a esse significado, afirmando que as discussões

acerca do termo dizem respeito à possibilidade de se considerar também o termo “transcultural” como um item

lexical que poderia substituir a expressão “intercultural”. Porém, como as estudiosas expõem, a distinção proposta

por Thereza Austin (1998), no que tange ao uso do termo “transcultural” ou intercultural, está relacionada à ideia

de que este reflete a realização de mútuo entendimento e aquele o movimento entre duas culturas.

Observa-se a necessidade de se considerarem as diferentes perspectivas culturais de uma sala de aula.

Com isso, nesta pesquisa, adotam-se as ideias discutidas por Luk e Lin (2007) acerca dos termos intercultural e

transcultural, a partir das quais se tem a noção de relação e contato entre falantes de culturas distintas que

buscam interpretações de suas ações comunicativas. A instância de existência ou não de entendimento entre

os interactantes é englobada pelo termo “transcultural” e, como as autoras afirmam, o emprego do termo

intercultural está vinculado ao desempenho comunicativo por meio de culturas. Não há mais sentido em se

referir à cultura de maneira singular (LUK; LIN: 2007). O que se deve levar em consideração são os movimentos

de povos no mundo globalizado e o estabelecimento de relações mais complexas entre os seres humanos. A

partir disso, a diversidade cultural denuncia a necessidade de se fazer referência a culturas.

No que diz respeito ao universo educativo, por exemplo, uma instituição pode ser reconhecida a partir

de alguma denominação, como, por exemplo, liberal, conservadora, social-democrata, mas possui salas de aula

com estudantes com diferentes bagagens culturais. Como ponderam Luk e Lin (2007, p. 35): “[...] com o

aumento global de atividades diaspóricas, até mesmo leigos estão cientes de que a equação ‘uma nação-uma-

cultura-uma língua’, em que a definição de ‘transcultural’ é baseada, raramente permanece”. Isso sustenta a

necessidade de se tratar a cultura com uma definição que revele a riqueza e a diversidade de perspectivas do

mundo contemporâneo. Em uma sala de aula, por exemplo, os interactantes possuem diferentes bagagens

culturais, reagindo de maneiras distintas a partir das variadas perspectivas em relação ao tópico discutido.

Com os estudos da relação entre cultura e discurso, estabeleceu-se que há uma conexão que permite

afirmar que a linguagem é uma via pela qual as práticas culturais são exprimidas por meio das ações linguísticas

dos indivíduos, sendo que, a partir delas, podem-se interpretar os significados envolvidos nos jogos

interacionais. Vale lembrar: o que ilumina a natureza socialmente construída das práticas culturais é o situar de

interpretações culturais em momentos discursivos. Kramsch, em uma proposta de abordagem ao ensino de

língua e cultura, afirma que o discurso é o locus da cultura na medida em que esta pode ser analisada momento

a momento, e aquele como o

[...] momento de integração em que a cultura é vista, não meramente como comportamentos a serem adquiridos ou fatos a serem aprendidos, mas como uma visão de mundo a ser descoberta na língua em si e na interação de interlocutores que usam essa língua (KRAMSCH 1991 apud LUK; LIN: 2007, p. 36).

Sugere-se, com isso, que o discurso seja analisado como a base para as interações dos indivíduos em

ambientes interculturais, como revelador das práticas sociais no ambiente estudado, sendo “[...] mais que

simplesmente um alinhamento gramatical de palavras sobre os níveis da sentença ou oração, mas a língua em

uso que reflete as práticas sociais” (LUK; LIN: 2007, p. 37).

A nossa visão de interação reflete a noção do discurso intercultural. A análise do discurso intercultural,

como informado anteriormente, desvela as interpretações de mundo daqueles envolvidos em um determinado

jogo interacional. A partir disso, tem-se que a interação adotada nesta pesquisa é uma perspectiva de interação

intercultural, tendo como base o discurso intercultural. Uma vez que o nosso foco de estudo é a sala de aula,

e, em uma sala de aula, há o envolvimento de diversas realidades culturais, lançar mão de uma visão

intercultural de interação significa reconhecer essa diversidade, mesmo em um ambiente considerado um

construto institucional (LUK; LIN: 2007), no qual se tem, conforme Kumaravadivelu (1999) expõe, um contexto

regrado e regulado, exibindo ações rotineiras e ritualísticas.

O contexto institucional de sala de aula é um sistema em que há duas instâncias de interação:

professor-aluno e aluno-aluno. Esta última é percebida de maneira menos intensa do que aquela, por exemplo,

em uma aula considerada tradicional. Porém essa instância de interação tem relevância quando se pretende

compreender esse microsssistema social. Carvalho (2002, p. 105) afirma, ao distinguir relações entre professor

e aluno, que “[...] em termos de visibilidade, [essa relação] é qualitativa e quantitativamente assimétrica,

verificando-se uma maior intensidade e dominância no sentido do professor para o aluno, o que interfere

decisivamente na organização das funções dos alunos”. Esse processo de interação a que Carvalho faz

referência tende a apresentar inequivalências nos processos de interação (LINELL; LUCKMAN: 1991), levando-

se em consideração não só aspectos qualitativos, como também quantitativos.

Linell e Luckmann (1991) referem-se à noção de assimetria como uma expressão geral que designa

uma gama de fenômenos linguísticos relacionados a desigualdades ou, como descrevem, “inequivalências” no

processo de diálogo. O termo, tal como o expõem, abrange tanto padrões de interações globais como locais:

A ‘assimetria’ como um termo abrangente pode ser usado tanto no que diz respeito a padrões globais manifestos (por exemplo, o que se chama de ‘dominância’) quanto a propriedades locais. As assimetrias locais podem estar ligadas a trocas únicas (pares adjacentes) (uma saudação e uma ação recíproca seriam apenas ligeiramente assimétricas, enquanto, por exemplo, uma promessa e seu aceite formaria um par muito mais assimétrico) ou a turnos únicos (LINELL; LUCKMAN: 1991, p. 4).

Segundo Heritage (1997), há seis lugares básicos para investigar a ‘institucionalidade’ de uma dada

interação: (i) na organização de tomada de turnos; (ii) na organização estrutural global da interação; (iii) na

organização da sequência; (iv) no modelo de turno; (v) na escolha lexical e (vi) na assimetria epistemológica e

de outras formas (HERITAGE: 1997, p. 164).

A assimetria epistemológica é uma das dimensões que Heritage (1997) realça como um dos loci para

se examinar a institucionalidade em segmentos interacionais e que nos interessa mais de perto nesta pequisa.

Essa assimetria se manifesta na diferença no que se refere ao conhecimento acerca da instituição por parte

daquele que é o seu representante institucional em relação ao conhecimento dos demais participantes da

interação. Essa assimetria emerge de uma diferença, ou, comumente, uma tensão entre a perspectiva do

representante da organização ou instituição, que trata o cliente como um ‘caso rotineiro’ e a perspectiva desse

cliente, para quem o caso é pessoal e único (HERITAGE: 1997).

Na situação de sala de aula, pode-se observar que as interações são mais complexas, já não envolvem

apenas uma relação de um para um – entre o representante da instituição (professor) e cliente (aluno) – mas

relações entre esses clientes (alunos). E nestas relações a assimetria também ocorre. Verifica-se (conforme será

mostrado na próxima seção) que estudantes engajados em processos interacionais também protagonizam cenas

cujas ações favorecem este ou aquele, seja na ajuda provida ao colega, seja na condução da interação.

Das assimetrias de conhecimento deriva a cautela epistemológica. Heritage salienta que essa cautela

é imperativa em contextos institucionais. E é nessa situação social cujo objetivo é a transmissão do

conhecimento que se observa de modo mais agudo o que o linguista aponta como superioridade de

conhecimento especializado. Heritage assim se pronuncia sobre essa característica das funções marcadas pela

representação de uma instituição:

Ao mesmo tempo em que profissionais e representantes institucionais são cautelosos ao elaborarem afirmações, eles também dispõem de bases superiores de conhecimento funcionalmente especializado e distintivo que podem transmitir uma autoridade específica de experto às afirmações produzidas no domínio de conhecimento relevante (HERITAGE: 1997, p. 178).

Na sala de aula, o professor modaliza a linguagem no manejo das atividades, em debates e

discussões e na transmissão do conhecimento linguístico, por exemplo, no tocante às possibilidades de uso

de um item lexical com diferentes nuances semânticas. Esse é o conhecimento especializado a que Heritage

faz referência: o mestre dispõe de conhecimento e se projeta como uma autoridade naquele assunto na

medida em que oferece aos alunos chances de refletirem, no caso de uma aula de língua estrangeira, sobre

os diferentes usos de um termo.

Por fim, outra assimetria relacionada ao contexto institucional são os direitos de acesso ao

conhecimento. Nessa dimensão, ocorre uma limitação quanto ao que os participantes são autorizados a saber

e como eles sabem. Heritage assim se expressa sobre o assunto:

A assimetria de conhecimento emerge quando pessoas – usualmente pessoas que não detêm conhecimento especializado – possuem recursos limitados para responderem às perguntas ‘o que sei?’ e ‘como sei isso?’. Porém essas mesmas pessoas podem, também, ter recursos limitados para responderem às questões ‘o que estou autorizado a saber?’ e ‘como estou autorizado a saber isso?’ Uma limitação nesse sentido é uma assimetria nos direitos de acesso ao conhecimento (HERITAGE: 1997, p. 178).

Um aluno pode deter conhecimento linguístico de que o professor dispõe em um dado momento da

interação de sala de aula, mas não está autorizado a acessá-lo. Nesse sentido, na interação institucional de sala

de aula, bem como em outras interações institucionais, o conhecimento pode não ser suficiente: “[...] deve-se

estar autorizado ao conhecimento, além de tê-lo acessado de uma maneira apropriada” (HERITAGE: 1997).

Pode-se afirmar que a assimetria é uma dimensão da institucionalidade provocada pela diferença

de poder entre os participantes – no caso desta pesquisa, alunos e professores. A sala de aula é um ambiente

em que há diferentes níveis de assimetrias nos jogos interacionais entre diversos participantes, tanto na

estrutura professor-aluno quanto na estrutura aluno-aluno, e essas assimetrias sinalizam uma orientação à

interação institucional. É, então, um contexto em que se pode analisar a redução ou o aumento de assimetrias

em interações específicas, ocasionado por uma mudança de enquadre, que, algumas vezes, requer trabalho

de face (GOFFMAN: 1974).

O contexto de sala de aula é um ambiente em que há relações de poder analisáveis por meio de ações

baseadas em interações professor-aluno e aluno-aluno. Nessa estrutura, os participantes estão envolvidos em

um processo dinâmico, cujas ações sociais podem ser moldadas a partir das diferentes situações em que os

interactantes se encontram.

Utiliza-se o termo “estruturas”, uma vez que o poder é considerado um emaranhado de ações

interligadas para a caracterização desse arcabouço. Por essa razão, refere-se a uma sala de aula como um

ambiente em que o poder pode ser examinado, porquanto apresenta jogos interacionais de naturezas distintas

que se unificam e convergem para o ambiente institucional em questão.

Em uma série de entrevistas e escritos coletados sobre a relação entre poder e conhecimento, Foucault

(1972) apresenta a ideia de que o entendimento a respeito daquele, à sua época, esteve relacionado a um

exercício subjetivo absoluto. O autor afirma: “No aspecto de seu exercício, o poder é concebido como um tipo

de grande Sujeito absoluto que pronuncia o interdito” (FOUCAULT: 1972, p. 140). Isso imporia a essa noção

uma ideia objetificada, pois seria, então, algo que se pudesse possuir. Essa visão inicial transporta o poder como

sendo desempenhado somente por um sujeito, em uma relação de dominação sobre o outro.

Posteriormente, a visão do filósofo a respeito do poder se amplia e recai sobre o fato de este ser algo

de que indivíduos não podem escapar. A estrutura de poder, desse modo, está direcionada a todos os

participantes de um determinado jogo de relações, em que se analisam influências mútuas. Não seria, portanto,

uma composição dominadora como a visão inicial de “amor ao mestre” ou de relações totalitárias. Como o

autor expõe, no momento em que é indagado acerca das técnicas de poder sendo opostas aos discursos fascistas

de poder como objetos: “Parece-me que o poder está ‘já sempre lá’, que não se está nunca ‘fora’ dele, que

não há ‘margens’ àqueles que quebram o sistema para escaparem” (FOUCAULT: 1972, p. 141).

Percebe-se, dessa forma, uma noção mais sistemática de poder, em que os mecanismos de interação

entre os envolvidos são considerados, e não uma força única que o detém e que pode usá-lo a seu favor ou em

favor de outros. As relações propostas por Foucault (1972) sugerem um olhar interativo a esse fenômeno e ao

ambiente de sala de aula. Como é explicitado por Manke:

[...] reconhecer que as relações de poder em salas de aula são construídas interativamente não significa abandonar a proposta individual de um participante para esse contexto. Pelo contrário, é aceitar que a proposta individual de um participante será, usualmente, uma em um número de propostas concorrentes, as quais serão atualizadas na construção das relações de poder (MANKE: 1997, p. 132).

Embora Foucault exponha que o poder já integre qualquer contexto social, salienta que:

[...] isso não necessariamente implica a necessidade de aceitar uma forma inescapável de dominação ou um privilégio absoluto ao lado da lei. Dizer que não se pode nunca estar ‘fora’ do poder não significa que se está preso e condenado a vencer, não importa de que maneira (FOUCAULT: 1972, p. 141-142).

O estudioso aborda que a consideração do poder como algo incorporado a uma estrutura, não se

podendo estar fora dela, permite a percepção de que há diferentes possibilidades nessa estrutura de relações,

em que se pode, além de estar em uma posição superior, participar de uma posição inferior. Nesse sentido, há

uma relação de coincidência com a estrutura social. Ela não está livre do poder, em qualquer instância, seja

em um momento no qual há manifestação da linguagem cotidiana ou institucional. Foucault sugere algumas

ideias acerca dessa noção. A primeira está relacionada ao fato de que, como exposto anteriormente, o poder

vai “[...] coincidir com o corpo social” (FOUCAULT: 1972, p. 142). Assim, a noção de poder levaria à ausência

de uma liberdade primordial. Conforme o autor sugere, além de haver essa relação coincidente entre poder e

estrutura social, “não há espaços de liberdade básica entre os fios dessa rede” (FOUCAULT: 1972, p. 142).

Emerge, com isso, a relação com a instituição, em que as ações dos participantes possuem uma ordem,

estão orientadas a objetivos específicos, sem haver, portanto, liberdade para a fala.

Foucault discute também a ideia de que há uma conexão entre as relações de poder e outros tipos

de relação. Segundo ele “[...] as relações de poder estão entrelaçadas a outras relações (produção,

parentesco, família, sexualidade), em razão das quais elas possuem, ao mesmo tempo, um papel

condicionante e condicionado” (FOUCAULT: 1972, p. 142). Assim, nota-se que há um direcionamento

dialético entre a estrutura de poder moldada pelas relações sociais (e aqui destacam-se as relações

institucionais) e as demais relações desenhadas a partir das identidades assumidas e atribuídas pelos

indivíduos que interagem naquela situação social.

Segundo Foucault (1972, p. 142), “[...] essas relações não tomam unicamente a forma de proibição e

punição, mas são de múltiplas formas”. Com essa colocação, observa-se que a multiplicidade de formas em que

as relações de poder se manifestam são consonantes com o ambiente de sala de aula, em que, além de possuir

manifestações na forma de proibição e punição, possuem manifestações de indagação, ordenação, pedido etc.

Uma quarta colocação do filósofo está relacionada ao fato de que, com as conexões entre essas

relações, desenha-se, nessa movimentação, uma relação em que há o envolvimento de uma dominância. Além

disso, essas relações não necessariamente pressupõem a existência de uma estrutura dominadora e uma

estrutura dominada, uma relação de adaptação e reforço. Foucault (1972, p. 142) defende, assim, que as

relações de poder e “[...] suas interconexões delineiam condições gerais de dominação, e esta dominação está

organizada em uma forma estratégica mais ou menos coerente e unitária”.

Afirma, ainda, que “[...] procedimentos de poder dissipados, heteromorfos e localizados são

adaptados, reforçados e transformados por essas estratégias globais, tudo isso sendo acompanhado por inúmeros

fenômenos de inércia, deslocamento e resistência” (FOUCAULT: 1972, p. 142). Nota-se, a partir dessa

afirmação, que o poder está em uma relação que envolve uma dinamicidade de ações, transformáveis ao longo

do curso das ações em um determinado contexto.

Pensa-se, portanto, em uma sala de aula, ambiente em que inúmeras ações são realizadas, como um

ambiente interacional dinâmico no qual as relações de poder as moldam, e estas são moldadas por essas ações.

Verifica-se uma relação de dominação, mas esta deve ser pensada não como a condição básica para a

estruturação das relações de poder, mas como uma dominação que é moldada, dinâmica ao longo dos

processos interacionais. Essas relações de dominação são dinâmicas, portanto,

[...] não se deve assumir uma condição básica e massiva de dominação, como uma estrutura binária, com dominadores de um lado e dominados do outro, mas como uma produção multiforme de relações de dominação que são parcialmente suscetíveis à integração em estratégias gerais (FOUCAULT: 1972, p. 142).

Ainda que, em princípio, como o autor sugere, as estruturas de poder em um determinado contexto

sejam moldadas, dinamicamente, pelas ações de interação entre os participantes e suas escolhas, há restrições

no que concerne a essas escolhas.

Em um texto que defende a visão da sala de aula como uma estrutura de relações, em que há uma

interdependência entre os participantes daquele sistema, Manke (1997) lança mão da ideia de que, muito

embora possa haver a noção de que, nesse ambiente, cada participante está “livre” para dar suas contribuições,

as quais ocorrerão de acordo com a ordem de trabalhos dos participantes, inter-relacionadas na estrutura, em

uma perspectiva que considera as ações do “eu” e do “outro”,

[...] escolhas serão restritas pelas ordens dos trabalhos compartilhadas por todos os membros (ordens de trabalhos constituídas por meio das ações e respostas de outros) e por ações de outros que constituem suas ordens de trabalho individuais. Essas restrições são tão reais para os professores (que não podem evitar o fato de serem membros do grupo que convive em sala de aula) quanto para os alunos. São as funções das relações de poder que têm sido construídas e estão, constantemente, sendo construídas na sala de aula (MANKE: 1997, p. 131).

Ao mostrar que a sala de aula é um ambiente em que há uma interdependência de ações cujos

mecanismos impactam a estrutura geral na medida em que, continuamente, esse contexto é moldado por

elas, a autora enfatiza uma perspectiva relacional desse ambiente e indica que os estudantes são responsáveis

por ações na estrutura tanto quanto o professor, posicionando a interação como o cerne da sala de aula. Essa

responsabilidade não desautoriza o professor e nem significa um abandono das ordens de trabalho para a

sala de aula, uma vez que “o professor é um membro importante da turma, com um papel institucional que

apoia ações que contribuem largamente com a forma das relações de poder construídas na sala de aula”

(MANKE: 1997, p. 131) e que haverá uma ordem de trabalho nesse ambiente concorrente com outras

perspectivas e ações.

Ressalta-se, com isso, juntamente com a colocação de Foucault, que as relações de poder não

implicam uma relação dicotômica entre oprimidos e opressores, mas, como delineado, um sistema dinâmico

em que existe a possibilidade de o poder estar inserido em formas interativas distintas. Por conseguinte, em uma

sala de aula, em uma interação professor-aluno, pode existir não só uma relação em que o professor é condutor

da ação do aluno, mas também esse aluno pode impactar a ação do docente ou de outro estudante.

As relações de poder estão a serviço de um sistema de ações, não de um sistema que é, de antemão,

tomado como principal agente motivador da existência dessas relações. A partir disso, descrevem-se as relações

de poder como algo que funciona em favor de um grupo de ações utilizadas por interactantes, em um

determinado ambiente, visto que, de fato, “[...] ‘servem’, mas de nenhuma forma pelo fato de estarem ‘a

serviço’ de um interesse econômico considerado principal, mas por serem capazes de serem utilizadas em

estratégias” (FOUCAULT: 1972, p. 142).

Uma visão de poder que considera as influências que interactantes podem ter sobre os outros

participantes suscita uma visão específica sobre a interação em sala de aula e como as relações entre esses

participantes são influenciadas pela institucionalidade do ambiente, como a interferência desta em um encontro

e os efeitos dela, mesmo quando o representante não participa das atividades.

O professor é aquele participante que detém o comando do encontro ao longo dos jogos

interacionais, regendo ações orientadoras da interação dos alunos, sendo, como representante institucional,

referência aos discentes. Desse modo, no que diz respeito à orientação da interação dos participantes, o

representante institucional exerce atos cujas funções contribuem para o engajamento dos estudantes nas

tarefas (LUK; LIN: 2007). A partir desses atos, os alunos reconhecem seu papel nos momentos em que essas

ações são exercidas pelos professores.

Sinclair e Coulthard (1975) e Mehan (1979) asseveram que há, em linhas gerais, três tipos de atos

funcionais no ambiente de sala de aula no que tange às atividades pedagógicas. O primeiro, denominado

elicitação, está relacionado à ação de indagar o aluno a respeito de um assunto específico. O professor, nesse

caso, muitas vezes, detém uma resposta, previamente conhecida. Trata-se da primeira ação em uma sequência

típica no jogo da sala de aula (GARCEZ: 2006), a iniciação. Nessa primeira ação, o docente espera um retorno

dos alunos quanto à indagação para prosseguir com a sequência da aula. O segundo ato proposto pelas

estudiosas é denominado diretivo. Por meio dele, é levada a cabo a ação de “fazer agir”, promovendo uma

ordem aos interlocutores ratificados (GOFFMAN: 1974) do jogo, ao mesmo tempo em que o docente monitora

se as ações dos estudantes satisfazem o direcionamento dado. O terceiro ato proposto, chamado de informativo,

refere-se à orientação dos trabalhos em uma sala de aula.

Importa ressaltar que esses atos funcionais estão relacionados a uma dimensão da institucionalidade

denominada por Heritage (1997, p. 166) “organização global da interação”, que focaliza a estruturação da

interação para análise de encontros. Geralmente, esses atos propostos ocorrem em momentos específicos da

interação, como, por exemplo, uma ação de orientação de trabalhos pode ocorrer na abertura ou no fechamento

do encontro. Na abertura, o professor necessita deixar clara a orientação ao(s) objetivo(s) e, no fechamento, por

exemplo, para retomar e encerrar o assunto discutido, deliberar sobre tarefas para a aula seguinte ou mesmo

para encerrar formalmente o encontro.

Outro aspecto que corrobora a figura do professor como o interactante que detém o controle do

encontro é o fato de os alunos recorrerem a ele, em grande medida, caso tenham alguma dúvida. Essa

recorrência ao representante institucional pode ser analisada nas aulas observadas ao longo da pesquisa e

mostra a referência que o professor representa. Essa contribuição proposta pela estudiosa supracitada refere-se

à organização de tempo e espaço. Manke afirma:

Os professores frequentemente consideram as formas que organizam o tempo e o espaço em suas salas de aula como parte do manejo desse ambiente. As autoridades da área chamam isso de manejo pró-ativo, manejo que evita a ocorrência de problemas, antes de ter que lidar com isso depois que ocorre. Os professores arranjam as carteiras a fim de que possam ver todos os estudantes, prover uma atividade para ser iniciada assim que adentram o recinto, e deixam espaço suficiente próximo à porta para os alunos ficarem de pé em uma fila não muito longa. Eles arranjam os móveis para que os alunos tenham que se movimentar de uma maneira controlada de uma área até a outra; eles se certificam de que os estudantes tenham mais que o suficiente para fazerem durante o período da aula, assim, evitando ‘tempo morto’ quando um problema ocorre. Todas essas são táticas que os professores utilizam na busca de seu planejamento para controlar o comportamento a fim de que os estudantes possam aprender (MANKE: 1997, p. 63).

Observa-se, no trecho citado, que a autora focaliza o papel do professor em estruturar o encontro, no

que se refere a tempo e espaço, a fim de que os estudantes estejam engajados em atividades designadas de uma

forma específica, por um determinado período de tempo. Essa maneira específica é um mecanismo anterior ao

encontro que também molda a estrutura das relações de poder da aula, faz referência ao tipo de interação

esperada por docentes para aquele encontro. Assim, além do controle exercido pelas ações do docente no

transcorrer da aula (seja para dar ordens, orientar, informar ou avaliar), o que se planeja anteriormente ao

encontro também contribui para a estruturação de outras formas para controlar a interação no ambiente, e isso

é central na tarefa desse profissional (MANKE: 1997).

O docente é aquele que é visto pelos alunos como detentor de conhecimento, além de conhecer a

instituição. Heritage (1997), em seus estudos, apresenta, como caracterizadoras do contexto institucional –

assimétrico por natureza –, as assimetrias interacionais relativas ao conhecimento. Linell e Luckman (1991)

apontam a assimetria de conhecimento não como aspectos cognitivos, mas observável nos processos interacionais:

Isso significa que meras desigualdades de estados cognitivos, por exemplo, A sabendo coisas que B não sabe, e vice-versa, não são por si próprias, de interesse principal. Ao contrário, deve-se analisar as inequivalências de conhecimento com respeito às interações particulares e suas fases sob análise (LINELL; LUCKMAN: 1991, p. 5).

Além disso, considera-se o professor como aquele que detém um cuidado epistemológico acerca do

que está em jogo: a aula e o ensino, ou seja, o professor, em vários momentos da interação em sala de aula,

evita tomar posições acerca do conteúdo ministrado.

Ao receber instrução do professor, sendo formado pelo docente em um determinado assunto estudado,

com orientações de como agir e do momento em que ações podem ser executadas, no ambiente institucional

de sala de aula, a figura do aluno representa possibilidades interacionais mais instáveis no que diz respeito à

estrutura de poder. O aluno é aquele que recebe orientações a respeito de como agir em sala de aula, ações

orientadas para o aprendizado de um assunto em específico. Nelas, enquadram-se, em sua grande maioria, as

respostas às indagações dos professores, orientações a questões de discussão e, em muitos casos, notam-se jogos

colaborativos entre os discentes.

Em um dado assunto estudado, o aluno é considerado aquele que necessita de ser informado, educado.

Na ótica de Carvalho (2002, p. 110), entendem-se, inicialmente, de um modo global, as funções dos alunos

como “sendo o conjunto das atividades por eles desenvolvidas no sentido da sua educação/instrução”. Entende-

se, a partir das palavras da estudiosa, que essas atividades estejam relacionadas, de maneira mais específica, às

ações dos discentes voltadas para sua educação/instrução.

Na visão de Heritage (1997) acerca da institucionalidade das interações, o ambiente de sala de aula

pode ser considerado um contexto leigo-profissional, em que interagem participantes que detêm conhecimentos

referentes a mecanismos interacionais do encontro e do conhecimento do tópico estudado, e o estudante seria

aquele que busca conhecimento, ou tem oportunidades de participação mais restritas em relação ao

representante institucional.

Weiss (2007), na direção do que Heritage afirma, considera que, no contexto institucional, haja

uma tendência à passividade do aluno. Isso se deve ao fato de a estrutura de relações estabelecida nesse

ambiente suscitar uma dominância por parte do professor. Como a linguista defende, “na s ala de aula, as

posições institucionais são bastante marcadas. De modo geral, a tendência dos alunos é se manterem em

posição passiva, respondendo ao que é perguntado, cumprindo as tarefas propostas, escutando o que é dito”

(WEISS: 2007, p. 51).

Entretanto, Manke (1997) assevera que é comum ocorrerem jogos interacionais na sala de aula em

que, sem o aluno ser autorizado pelo professor, provê assistência a um colega que comete algum erro. Nota-se,

além disso, que, em alguns casos, o aluno corretor avalia diretamente o equívoco do colega, ou procura elucidar

um colega em dúvida, inseguro em relação a uma resposta dada. Todavia, no tocante às atividades de

conversação em sala de aula de língua estrangeira, a fim de que a interação seja bem-sucedida e os objetivos

da tarefa sejam satisfeitos, o aluno pode e precisa ser mais ativo do que em outros momentos de sua participação

em sala de aula.

Weiss, a respeito do assunto, afirma:

[...] na aula de língua estrangeira, porém, em que a atividade do aluno é crucial para o sucesso da interação, essa postura passiva pode ser substituída, especialmente em certas atividades, como na conversação, por uma atitude que revela um interesse maior em buscar informações (WEISS: 2007, p. 51).

Segundo a autora, um dos contextos em que isso acontece mais fortemente, no caso específico da

aprendizagem de língua estrangeira, é aquele em que o aluno está em um contexto no qual a língua que está

aprendendo é aquela falada pela grande maioria de pessoas (senão todas) com quem ele tem contato. Nessa

situação, há a necessidade de os estudantes se engajarem em práticas sociais na comunidade em que estão

inseridos. Na sala de aula, essas práticas sociais são mimetizadas em atividades de conversação, as quais

representam uma mudança na estrutura de participação, de professor-aluno para aluno-aluno, e,

consequentemente, uma mudança nas regras de tomada de turnos. Em alguns casos, como exposto por Weiss

(2007), a partir de suas observações de sala de aula, o envolvimento dos estudantes na discussão é tal que eles

dominam o chão, controlam a distribuição de turnos de fala e exercem controle sobre a fixação de

conhecimento na discussão.

Enquanto em atividades nas quais os alunos adotam uma postura mais passiva, como repetição e em

tipos de correção em que o professor provê respostas aos aprendizes, ficam bem marcados os papéis de

professor e aluno (WEISS: 2007), em atividades de conversação, nas trocas interacionais aluno-aluno, são

diversos os papéis que os estudantes podem assumir. Trata-se de um repertório que, como enfatiza a

pesquisadora, engloba, por exemplo, o discente que fala como o mais velho do grupo, como o único

representante de seu país, como iniciante em português. Assim, Weiss conclui:

Os alunos têm na sala de aula de língua estrangeira um papel bem menos passivo do que aquele tradicionalmente exigido deles em outras situações de ensino-aprendizagem. Cabe a eles não apenas a função de ouvir o professor, mas de ouvir, igualmente, seus colegas de sala – fontes também importantes de informação sobre a língua e a cultura em estudo. Cabe também a cada um contribuir para a construção dos tópicos. Sem essa participação, seu aproveitamento daquela oportunidade de aprendizagem será bastante restrito (WEISS: 2007, p. 52).

Os alunos, portanto, podem possuir um papel ativo na sala de aula na contribuição à apreensão da

língua e cultura estudadas, informando tanto sobre a língua quanto sobre a cultura. É notável que isso represente

uma condução da interação por parte deles, de onde emergem as diversas possibilidades de aprendizado. No

momento em que aparecem oportunidades para os alunos ouvirem seus colegas, há diferentes maneiras de

como a estrutura de relações de poder é moldada.

Cunha (2007, p. 58), a respeito do âmbito brasileiro, assevera que “a própria sala de aula de Português

como segunda língua é um universo distinto da sala de aula de línguas estrangeiras [...]”, uma vez que:

[...] nestas, nativo ou não, o professor tem como público-alvo, quase que totalmente, estudantes brasileiros que estão inseridos em seu próprio sistema educacional. Ao contrário do que acontece no ensino de língua estrangeira a brasileiros, nem sempre os alunos do português como L2 (segunda ou outra língua) são falantes do mesmo idioma ou membros da mesma cultura (CUNHA: 2007, p. 59).

A primeira implicação desse comentário é o reconhecimento de que há uma pluralidade de culturas

presentes nas salas de aula – alunos de distintos países não compartilhando os mesmos valores culturais, pois

fazem o que suas culturas fazem (STREET: 1993). Outra implicação é a de que, em os alunos nem sempre sendo

falantes do mesmo idioma, há distintas possibilidades interacionais na sala de aula. Essas diversas possibilidades

de ações, por meio de diferentes línguas, carregam, assim, uma cultura diferente daquela de uma sala de aula

de língua estrangeira em que, em sua maioria, estão presentes alunos brasileiros.

Nesta seção, analisaremos dois excertos, extraídos dos registros da aula estudada. A primeira passagem

ocorre no início dos trabalhos do grupo 1, composto por cinco estudantes – Jade, da Austrália; Juan, do Equador;

Kathy, dos Estados Unidos; Honda, do Japão; e Inácia, do Uruguai. A segunda representa o princípio da

discussão do grupo 3, formado por quatro discentes – Fune, da Coreia do Sul; Robert, dos Estados Unidos;

Sylvia, da Costa Rica; e Mercedes, da Colômbia. Os nomes foram trocados, para preservação do anonimato

exigido de trabalhos dessa natureza.

Observa-se que, ao iniciarem a atividade de discussão, integrantes do grupo 1 controlam a interação,

protagonizando uma cena em que se observa a emergência de assimetrias (Trecho 1 dos registros em áudio da

aula examinada):

01 ((ruído externo e ambiente)) 02 Honda (h) (h) (h) 03 Professora isso.

04 Kathy (h) (h) (h) 05 Inácia você é de onde? 06 Kathy dos Estados Unidos= 07 Inácia a::: 08 ((ruído ambiente)) 09 Jade Austrália 10 Kathy Austrália

11 Juan Equador= 12 Kathy =Equador 13 Inácia Uruguai= 14 Kathy =Uruguai 15 Honda Japão 16 Kathy ok. puedo hablar en español, pero non portugués. 17 Juan (incompreensível) 18 Kathy Sim 19 Juan a::: 20 Kathy y inglês 21 Jade yeah::: 22 Kathy [(h)(h) (h) 23 Honda [(h)(h) (h) 24 Inácia mas temos que falar português

No Trecho 1, os alunos do grupo 1 se apresentam à aluna novata. Essa apresentação é iniciada na

linha 5, no turno de Inácia. Observa-se que sua indagação acerca da nacionalidade da aluna visitante irrompe

uma cadeia de turnos de apresentações, culminando, na linha 15, no turno de Honda, informando sua origem

aos demais. Após, Kathy, aparentemente pela preocupação a respeito de conseguir se comunicar ou não

naquela comunidade, informa que é falante de espanhol, na linha 16, e completa, na linha 20, a informação

de que é falante, também, de inglês. A aluna Inácia, na linha 24, em referência à fala de Kathy, transcrita na

linha 16, estabelece a regra para aquela discussão em grupo, ou seja, falar português e não outra língua.

No que diz respeito às atividades pedagógicas, entre os atos funcionais básicos arrolados por Sinclair

e Coulthard (1975) e Mehan (1979), na condução da aula pelo professor, está o que denominaram “diretivo”,

que representa uma ação relacionada ao “fazer agir”, promovendo uma ordem aos interlocutores ra tificados.

Além de sugerir que a regra exposta pela representante institucional foi apreendida, a ação de Inácia pode ser

interpretada como o estabelecimento de um padrão para aquele grupo, a partir de um ato funcional diretivo,

cujos interlocutores ratificados são os demais estudantes no grupo.

Nesse excerto, observa-se que a dominância estudada por Foucault (1972) deve ser pensada como

algo dinâmico, moldado ao longo dos processos interacionais. A aluna Inácia utilizou-se de uma ação que

controla a interação, orientando, além do grupo, principalmente, Kathy; e essa ação é característica do professor

em sala de aula. Em a aluna Inácia controlando a interação, no instante em que reitera a regra de que os alunos

devessem discutir as questões em português, observa-se, no sistema, uma transferência das relações de

dominância da interação, uma vez que a orientação de Inácia está para o papel da professora, bem como para

o papel de aluna, sujeita a comandos da professora. A ação da aluna caracteriza uma orientação inicial aos

trabalhos daquele grupo específico.

Cria-se, com isso, um outro ambiente de relações nesse contexto institucional, uma subcomunidade

de prática. É nesse sentido que Luk e Lin (2007) estabelecem que a elaboração conjunta de práticas

interacionais e a interpretação mútua dessas práticas pelos interactantes são processos não estáticos,

dependentes do contexto. No excerto analisado, emerge uma assimetria (HERITAGE: 1997; LINELL;

LUCKMAN: 1991) entre a estudante e os demais colegas, porquanto a aluna uruguaia reconhece a regra para

o grupo e tenta controlar a interação.

A sequência seguinte, ocorrida no grupo 3 (Trecho 2 dos registros em áudio da aula examinada), ocorre

após uma pausa longa, posteriormente à distribuição das questões orientadoras aos alunos, durante a qual se

procedeu à leitura silenciosa das perguntas propostas pela professora.

25 Fune o que significa padrão? 26 Mercedes [padrão 27 Sylvia [padrão é::: 28 Mercedes Standard 29 Sylvia é, sim. é uma coisa que (pausa) todo mundo faz igual é::: 30 Mercedes por ejemplo, um [padrón de 31 Sylvia [padrón 32 33

Mercedes de comportamento das pessoas um padrão de comportamento na Coreia

34 Fune ah::: 35 ( ) ou o padrão 36 Sylvia [pattern 37 Robert [pattern? 38 Sylvia Yeah 39 Robert padrão? 40 Sylvia padrão! yeah. 41 42

Mercedes por exemplo, o padrão aqui é quando as pessoas se encontram dão um beijo e um abraço

43 Fune ah::: 44 Mercedes nos Estados Unidos, isso não é um padrão. e::: 45 Robert pattern? 46 Sylvia pattern= 47 Mercedes padrão, padrão 48 Sylvia então, Fune, queremos saber (duvidoso)

No Trecho 2, na linha 25, Fune pergunta aos demais membros o significado de “padrão”, presente na

primeira questão proposta pela professora. Assim, ele inicia a negociação de sentido desse item lexical. A

sobreposição de turno que segue, nas linhas 26 e 27, sugere que duas alunas, Sylvia e Mercedes, a fim de

esclarecerem a dúvida de Fune, agem em função de um objetivo específico, ou seja, fazer com que o discente

compreenda o significado do termo e, consequentemente, entenda a questão proposta.

Nota-se que, nesse momento, há o estabelecimento de assimetria de ação no grupo. As duas alunas se

colocam em posição alta, atuando como explicadoras, ao passo que Fune fica, nesse momento, em posição mais

baixa. Entre as duas alunas, por outro lado, não se percebe nenhuma assimetria nessa ação. Porém, logo a seguir

isso se altera: Mercedes exerce o papel de tradutora para ajudar o aluno, na linha 28, e, ao fazê-lo, se destaca por

tomar a iniciativa de solucionar o problema usando estratégia diferente. O apoio dado por Sylvia ratifica essa

posição de Mercedes (linha 29) com um segmento complementar explicativo. Sylvia avalia, autoriza e explica o

que Mercedes havia expressado. Percebe-se que a aluna colombiana, tendo iniciado o turno de tradução, disparou

um turno de avaliação por parte da discente costa-riquenha, juntamente com a explicação do termo standard. Pela

análise da sequência, nota-se que essa avaliação de Sylvia funcionou, também, como uma confirmação de que se

tratava de um termo correto a ser usado para se fazer referência à palavra “padrão” e, além disso, para introduzir

e reforçar a explicação que seria posteriormente fornecida, haja vista a ênfase dada no começo por Sylvia, pela

parada na fala (o ponto final mostra isso). Nota-se que esse turno predominantemente de explicação é seguido por

exemplificação, por Mercedes, na linha 30. As duas alunas atuam em uma função característica do papel de

professor, exercendo ações que se complementam para ajudar Fune.

Mercedes é interpelada por Sylvia, na linha 31, sobrepondo seu turno àquele de Mercedes. Esta

completa, em seguida, nas linhas 32 e 33, o exemplo iniciado anteriormente, aplicando-o ao país de origem

de Fune, que, na linha 34, sugere, pelo prolongamento da expressão “ah”, ter compreendido o explicitado

pelas duas alunas.

Na linha 35, há uma tentativa de Mercedes de iniciar um novo exemplo ao aluno sul-coreano sobre a

dúvida, complementando o que ela e Sylvia haviam explicitado; todavia, não se observa a continuidade desse

novo exemplo, haja vista o fato de Sylvia usar a expressão em inglês que, comumente, designa padrão no

contexto da pergunta proposta pela professora. Ela inicia, assim, na linha 36, uma sequência de negociação de

sentido acerca do item lexical “padrão”, com o aluno Robert.

Nota-se, mais uma vez, uma sobreposição de turno na interação do grupo, mas trata-se de uma

sobreposição que não apresenta redução de assimetria entre Mercedes e Sylvia, pois as duas se revezavam no

papel de explicadoras. Nesse caso, no jogo interacional entre Sylvia e Robert, a aluna, utilizando-se da língua

inglesa, realiza um papel de ligação entre os outros alunos e o discente estadunidense, executando um papel

de tradutora e explicadora, e o aluno exercendo papel de aluno.

Na sobreposição de turnos, nas linhas 36 e 37, o aumento entoacional de Robert mostra que lhe é

necessária, ainda, uma confirmação a respeito do sentido da palavra “padrão”, e se segue um turno de avaliação

de Sylvia, na linha 38. Na linha 39, percebe-se uma extensão de resposta pós-avaliação, que, também, pode

funcionar como uma reafirmação da necessidade de ser confirmado o sentido a Robert, mas também, nesse

caso, a correta pronúncia da palavra em Português, já que o aluno estadunidense lança mão, dessa vez, do item

lexical nessa língua. Robert obtém de Sylvia a confirmação do termo “padrão” em português, seguido de uma

avaliação da aluna costa-riquenha, na linha 40. Nota-se que o início dessa sequência entre esses dois

participantes – disparado pela tradução feita por Sylvia – gera dúvidas por parte de Robert – preocupado em

utilizar a palavra em língua portuguesa. Exercendo um papel de avaliadora, Sylvia checa a pronúncia e o

vocábulo em questão.

Após essa sequência de negociação, a interação no grupo prossegue com Mercedes fornecendo um outro

exemplo sobre o termo motivo da discussão, nas linhas 41 e 42, recorrendo ao que, a seu ver, considera como

padrão de comportamento no Brasil e obtém, mais uma vez, a confirmação de Fune, na linha 43. Além disso, ela

completa a exemplificação com informações a respeito daquilo que vê como um não padrão, nos Estados Unidos,

na linha 44, sugerindo que essa comparação auxilie na confirmação do entendimento por parte de Fune.

O final do turno de Mercedes, na linha 44, sugere que a aluna continuaria a exemplificação. Robert,

novamente, mostra a necessidade de confirmação, na linha 45, do sentido da palavra “padrão” e, em inglês,

direciona sua pergunta a Sylvia. Essa análise é possível pelo fato de esse turno de questionamento ser seguido

por uma pronta resposta dessa aluna, na mesma língua, na linha 46. Nota-se que a contiguidade da elocução

de Mercedes, na linha 47 – expressando, novamente, o termo “padrão” duas vezes na língua-alvo do encontro

– em relação ao final do turno de Sylvia, sugere a atenção da aluna colombiana à nova troca interacional entre

Sylvia e Robert e demonstra a orientação daquela ao “falar português”, objetivo proposto pela professora. A

sequência de negociação de sentido é finalizada, na linha 48, com Sylvia se direcionando a Fune, solicitando

que ele responda à primeira questão orientadora.

Embora a transcrição da segunda parte da fala de Sylvia seja duvidosa, o turno dessa participante

caracteriza-se como de ordem e orientação, exibindo um dos atos propostos por Sinclair e Coulthard (1975) e

Mehan (1979), denominado diretivo. Por meio dele, realiza-se a ação de “fazer agir”, promovendo uma ordem

aos interlocutores ratificados (GOFFMAN: 1974) da interação, porquanto, ela conclama o aluno sul-coreano a

responder à questão, na primeira parte “então, Fune”. A atribuição de turno praticada pela aluna sugere que ela

assume, nesse momento, um papel de orientadora e, por conseguinte, de controladora da interação, ao ratificar

o participante sul-coreano e sinalizar ao grupo que, a partir daquele instante, o objetivo principal seria o

seguimento da atividade.

Sylvia, no início desse recorte, atua em função semelhante à de uma professora, explicitando a

tradução, já sabendo do que se tratava; considera-se um turno de esclarecimento de sentido. Nota-se que, no

início da interação, na linha 28, Mercedes também utiliza a mudança de código para esclarecer a dúvida de

Fune. Portanto, nessa sequência, as duas participantes, Sylvia e Mercedes, exercem funções que são,

tipicamente, reconhecidas como atribuições do representante institucional na condução da interação, no

contexto de sala de aula de língua estrangeira, traduzir, ratificar e avaliar.

Neste artigo, o objetivo foi apresentar a análise de interação entre alunos de português como língua

estrangeira, de nacionalidades diferentes e de línguas maternas também diferentes.

A análise das relações entre os alunos evidencia a dinamicidade da estrutura de poder desse contexto,

em que ações do papel de professor são exercidas por aqueles que estão, hierarquicamente, em uma camada

diferente à do docente. Essa dinamicidade apontada por Foucault (1972) pode ser analisada com base na relativa

maleabilidade das funções desses participantes nos grupos, pois, na relação com o colega, os alunos exercem,

também, funções características dessa posição. Assim, observa-se que, nesse microcosmo, as funções e as

assimetrias decorrentes dessas funções não são estabelecidas a priori, segundo a estrutura ditada pela

institucionalidade do evento, mas são objeto constante de negociação, especialmente quando não está presente

o representante padrão da instituição.

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Data de submissão: jun./2016. Data de aprovação: jul./2016.

Roberto Botelho RONDININI1

Jamilis Machado VICENTE2

Joseane Cristina MARCONDES3

RESUMO A compreensão do papel desempenhado pelas línguas nacionais na construção da identidade cultural do Brasil e o entendimento da existência de um patrimônio nacional que se consolida em aspectos materiais e imateriais parecem ser, na atualidade, tópicos ainda pouco explorados no ambiente escolar e fora dele, apesar de importantes avanços já identificados. A presença e a participação de diversos povos e culturas na constituição da sociedade brasileira devem, a nosso ver, fazer parte das reflexões promovidas nas atividades pedagógicas com vistas a promover uma maior equidade entre grupos sociais distintos. Nesse sentido, este artigo traz reflexões acerca de questões correlacionadas à constituição do patrimônio cultural imaterial do Brasil e da função das línguas nacionais nesse contexto. No que se refere às influências históricas na formação do Português do Brasil, fundamentamo-nos em Teyssier (2001), Silva (2004) e Ilari (2006); em relação a aspectos legais e ao ensino das Culturas Africana e Indígena na Educação Básica, adotamos a Constituição Federal (BRASIL: 1988) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL: 1996, 2003, 2008); por fim, nos assuntos relacionados ao patrimônio cultural, baseamo-nos nos textos finais das Convenções da Unesco voltadas para o tema (UNESCO: 1972, 2003). PALAVRAS-CHAVE: Línguas Nacionais. Patrimônio Imaterial. Ensino. Cultura. ABSTRACT To the present day, understanding the role of national languages in the construction of cultural identity of Brazil and understanding the existence of a national asset which is consolidated in material and immaterial aspects seem to be topics that are largely unexplored at school and elsewhere, although important advances have been identified. In our view, the presence and participation of various groups of peoples and cultures in the Brazilian society’s composition should be included in the discussions promoted in educational activities in order to promote greater fairness among different social groups. In this regard, this article reflects on issues correlated to the creation of the intangible cultural heritage of Brazil and the role of national languages in this context. With respects to the historical influence on the construction of Brazilian Portuguese, our academic foundation was in the Teyssier (2001), Silva (2004) and Ilari (2006); regarding legal aspects and the teaching of African and Indigenous Cultures in basic education, we adopted the Federal Constitution (BRASIL: 1988) and law guidelines and education bases (BRASIL: 1996, 2003, 2008); Finally, in matters related to cultural heritage, we relied on UNESCO Convention’s latest texts on the subject in question (UNESCO: 1972, 2003). KEYWORDS: National Languages. Intangible Heritage. Education. Culture. 1 Doutor em Língua Portuguesa pela UFRJ. Professor Adjunto de Língua Portuguesa da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

Coordenador PIBID/CAPES da Área de Língua Portuguesa do Instituto Multidisciplinar.

2 Graduanda em Letras – Português/Literaturas e Bolsista do subprojeto de Língua Portuguesa PIBID/CAPES da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

3 Graduanda em Letras – Português/Literaturas e Bolsista do subprojeto de Língua Portuguesa PIBID/CAPES da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

O presente artigo surgiu a partir das reflexões promovidas no âmbito do subprojeto de Língua

Portuguesa do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID/CAPES) desenvolvido na

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Ao longo do ano de 2015, o grupo debateu questões

relacionadas à habilidade H20 da Matriz de Referência da Área de Códigos, Linguagens e suas Tecnologias do

Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que destaca “a importância do patrimônio linguístico para a

preservação da memória e da identidade nacional” (BRASIL: 2012).

Nesse contexto, buscamos identificar em que medida temas como multiculturalismo, línguas oficiais

e nacionais, patrimônio material e imaterial, preservação de memória e construção de identidade nacional,

dentre vários outros, eram compreendidos e tratados no ambiente escolar, mais especificamente, nas aulas de

Língua Portuguesa para o Ensino Médio.

A relevância de tais reflexões situa-se na constatação da posição periférica ocupada, em sala de

aula, por diferentes culturas e línguas que, de fato, fizeram, e ainda fazem, parte da identidade cultural do

Brasil e que, historicamente, não têm tido uma visibilidade no mesmo patamar de importância das suas

contribuições. Destacamos, sob esse enfoque, o relevante papel desempenhado pelos povos indígenas e

africanos na construção da identidade nacional e, consequentemente, a importância de uma prática

pedagógica que promova não somente o resgate e a preservação de suas línguas, mas também que leve à

compreensão, por parte dos alunos, dos impactos sociais e históricos dessa herança cultural na construção

do Brasil como uma nação plural.

O Português utilizado no Brasil é, inegavelmente, resultado da contribuição histórica de vários povos.

Houve, no entanto, três grandes grupos que apresentaram marcante influência tanto linguística quanto cultural

na formação do país, são estes: os indígenas, primeiros habitantes do país; os negros, trazidos para trabalhar de

maneira escrava e os brancos europeus, conquistadores do território.

Nas palavras de Teyssier,

Quando os portugueses se instalaram no Brasil, o país era povoado de índios. Importaram, depois, da África grande números de escravos. O português europeu, o índio e o negro constituem, durante o período colonial, as três bases da população brasileira. Mas, no que se refere à cultura, a contribuição do português foi de longe a mais importante. (TEYSSIER: 2001, p. 93)

É evidente que a língua e a cultura portuguesas trazidas pelos europeus são, na atualidade,

hegemônicas e, talvez, por esse motivo, o autor tenha destacado a sua importância. Embora se tenham

sobressaído em relação às línguas e culturas indígenas e africanas, parece -nos consenso que todas as

contribuições foram de suma importância para a constituição da nossa cultura e do português utilizado no

Brasil e que nenhuma dessas colaborações deve ser entendida ou interpretada, no meio escolar ou fora dele,

como melhor ou pior.

Em cada uma das cinco regiões do Brasil, podemos identificar variantes linguísticas do português que

caracterizam diferentes falares. A diversidade, entretanto, para além de meras nuances de pronúncia da língua

oficial e de variações nas escolhas lexicais, é uma realidade que reflete um verdadeiro multilinguismo proveniente

da coexistência de diversos idiomas em nossa sociedade. Desse modo, nosso país não está à margem da discussão

quando tratamos de vários idiomas dentro de uma mesma nação. A esse respeito, diz-nos Silva:

Multilinguismo que perdura até hoje, mas localizado, porque, apesar de a língua portuguesa ser a língua oficial (não mais nacional, desde a Constituição Federal de 1988), e amplamente majoritária no Brasil, persistem/resistem entre 150 a 180 línguas autóctones indígenas, também consideradas nacionais, usadas por uma população à volta de 260.000 indivíduos, mínima parte da população geral do Brasil que será 157.000.000, segundo contagem de população feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). (SILVA: 2004, p. 93)

Cabe enfatizar que o Brasil possui várias línguas nacionais, além da língua oficial utilizada em

documentos e comunicações oficiais, visto haver outras línguas faladas por comunidades que compartilham

significados étnicos ou culturais. Aliado a isso, sabe-se que uma dada língua nacional diz respeito à língua

materna do indivíduo, que pode coincidir, hegemonicamente ou não, com a língua oficial estabelecida num

país. Portanto, um país multilíngue é aquele que carrega em si, além da língua oficial, outras línguas que

comportam o sentido do que é ser uma língua nacional.

Silva (2004) afirma que, além das línguas indígenas encontradas pelos colonizadores portugueses e

que constituem o mosaico cultural brasileiro, chegaram, juntamente com as pessoas que vieram por meio do

tráfico negreiro, entre 200 e 300 línguas africanas, podendo ser essas divididas em dois grandes grupos: um da

área oeste-africana e outro da área banto.

Disso resulta que tanto as contribuições das línguas ameríndias quanto as das línguas africanas atuaram

na composição do idioma português que se conhece hoje, em suas variadas particularidades e que o diferem

daquele falado e escrito em Portugal. A esse respeito, Ilari (2006) destaca que houve, também, relevante

influência dos diferentes falares do arquipélago açoriano e das regiões Norte e Sul de Portugal.

Até o século XVIII, permaneceu, no Brasil, uma situação de bilinguismo decorrente da superioridade

da população indígena, coexistindo, assim, o português europeu e o tupinambá (ou tupi antigo). O autor afirma,

ainda, que o contato com as línguas africanas foi muito mais intenso do que com as línguas indígenas em virtude

dos dezoito milhões de escravos integrantes das culturas banto e sudanesa trazidos ao Brasil ao longo de três

séculos. Já a estimativa do número de índios que povoavam o território na época em que os europeus aqui

chegaram era de um milhão.

Esse breve levantamento histórico mostra evidências da dimensão que as línguas nacionais possuem

na construção da identidade do povo brasileiro ao longo dos séculos e da cultura multifacetada existente nas

diferentes regiões do país.

Nesse sentido, torna-se importante ressaltar a necessidade de abordagem dessas temáticas no ambiente

educacional com vistas a estudar e resgatar aspectos da constituição da língua portuguesa e das influências

advindas dos diferentes povos que participaram, historicamente, da construção do Brasil. Assim sendo, busca-

se valorizar o entendimento do conjunto de elementos subjacente à formação da nossa identidade multifacetada

que vai além do conhecimento da língua portuguesa. Essa, por sua vez, pode e deve ser compreendida na sua

relevância social, política e econômica, mas, em uma visão mais ampla, não devem os seus estudos

desconsiderar as línguas nativas, as línguas advindas de outras nações estrangeiras e as línguas provenientes do

contato que já fazem parte da vida e da cultura de diferentes grupos sociais situados em variadas áreas do

território brasileiro.

Com o intuito de garantir o acesso a todas as fontes que fazem parte da cultura nacional e, ainda, a

liberdade de manifestação da expressão cultural e, consequentemente, manter resguardado o amplo exercício

dos direitos culturais de todos os povos e grupos sociais no país, a Constituição Federal (1988), no artigo 215,

afirma que o Estado tem o dever de garantir, proteger, apoiar e incentivar as manifestações culturais que

compõem o patrimônio cultural brasileiro, ou seja, seus bens materiais e imateriais, incluindo as formas de

expressão, a maneira de viver, as danças e as religiões existentes em nosso território. Está, ainda, tal patrimônio,

relacionado ao modo de se fazer e de se integrar como nação, ou seja, às práticas coletivas de domínio social

que se manifestam por meio de vários conhecimentos.

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.§ 1.º O Estado protegerá as manifestações das culturas

populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. (BRASIL: 1988, art. 215, 1)

A Constituição legitima, ainda, a importância de assegurar os direitos sociais e individuais de cada

população. E, para garantir esses direitos, propõe a salvaguarda do patrimônio cultural como identidade dos

diferentes grupos sociais, reconhecendo o Brasil como um país de pluralidade cultural, a fim de evitar

preconceitos e promover a harmonia entre os diversos grupos populacionais, como evidenciamos a seguir:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira [...]. (BRASIL: 1988, art. 216)

Nessa perspectiva, busca-se promover o desenvolvimento humano, social e econômico,

preservando o direito de expressão das diferentes culturas. Tal concepção está em consonância com a

Convenção do Patrimônio Mundial realizada pela Unesco em 21 de novembro de 1972, em cujo documento

final se afirma que

Cada Estado-parte da presente Convenção reconhece que lhe compete identificar, proteger, conservar, valorizar e transmitir às gerações futuras o patrimônio cultural e natural situado em seu território. O Estado-parte envidará esforços nesse sentido, tanto com recursos próprios como, se necessário, mediante assistência e cooperação internacionais às quais poderá recorrer, especialmente nos planos financeiro, artístico, científico e técnico. (UNESCO: 1972, p. 3)

A Convenção de 1972, promovida pela Unesco, foi realizada em virtude da grande preocupação com

a preservação da história cultural dos países, entendo-a como patrimônio da humanidade. Decidiu-se, então,

empenhar recursos e ressaltar a importância da preservação desse patrimônio para a manutenção da memória

dos povos. Entretanto, nessa salvaguarda, somente foram considerados os patrimônios materiais e naturais, o

que não abarcou a imaterialidade histórica.

Com o passar dos anos, sentiu-se a necessidade da preservação do patrimônio imaterial, por isso a

Unesco, em conformidade com a convenção de 1972 e complementando-a, promoveu a Salvaguarda do

Patrimônio Cultural Imaterial em 17 de outubro de 2003, como se verifica no seguinte trecho:

Reconhecendo que os processos de globalização e de transformação social, a par das condições que criam para um diálogo renovado entre as comunidades, trazem igualmente consigo, à semelhança dos fenômenos de intolerância, graves ameaças de degradação, desaparecimento e destruição do património cultural imaterial, devido em

particular à falta de meios de salvaguarda deste [...] Aprova, neste dia dezessete de Outubro de 2003, a presente Convenção. (UNESCO: 2003, p. 4)

Ainda que o fenômeno da globalização seja positivo, visto permitir uma possível interação entre

diversas culturas, propicia, ao mesmo tempo, uma desvalorização de grupos em condição marginal por meio

de maior disseminação e valorização cultural de povos provenientes de países desenvolvidos economicamente.

Em decorrência, revitalizar e assegurar os patrimônios imateriais é uma forma de preservar a diversidade cultural

de cada povo, evitando a sua degradação e o seu desaparecimento. Como já dissemos, certos povos encontram-

se em situação de vulnerabilidade em relação à preservação desse patrimônio intangível que sofre, ainda,

mutações de acordo com o tempo, uma vez que a maior parte dele é transmitido oralmente.

O documento da Unesco (2003) define, em seu texto final, patrimônio cultural imaterial como sendo

[...] as práticas, representações, expressões, conhecimentos e competências – bem como os instrumentos, objetos, artefatos e espaços culturais que lhes estão associados – que as comunidades, grupos e, eventualmente, indivíduos reconhecem como fazendo parte do seu patrimônio cultural. (UNESCO: 2003, p. 5)

O patrimônio cultural imaterial, visto estar relacionando a saberes, línguas, músicas e várias outras

manifestações transmitidas oral e gestualmente, está continuamente sendo reinventado pelos grupos sociais e

comunidades em consonância com os contextos social e histórico em que estão inseridos, conferindo-lhes um

sentimento de elaboração e reelaboração ininterruptas de suas identidades e de promoção da diversidade cultural.

É a partir da análise desses diferentes aspectos que se depreende a relevância da convenção de

2003 e, com base nisso, podem-se identificar também os estudos culturais africanos e indígenas como de

fundamental importância não somente para a compreensão das diversas influências sofridas pelo portugu ês

falado no Brasil, mas também para a preservação da cultura de vários grupos por meio do registro, análise,

manutenção e disseminação das línguas nacionais. O fato de muitas dessas línguas serem ágrafas, ou seja,

não possuírem registros escritos, coloca-as em grande vulnerabilidade e risco de degradação, ratificando a

necessidade dessa preservação.

Com o propósito de manter vivas essas culturas, foi estabelecida a obrigatoriedade do ensino de

história e cultura afro-brasileira nas escolas públicas e privadas no Brasil. Apesar de a lei 10.639 de 2003

preceder a Convenção da Salvaguarda do Patrimônio Imaterial, houve concomitância no que se refere à

valorização e à importância dadas para a integridade e conservação das línguas como patrimônio imaterial; ou

seja, embora a lei brasileira tenha antecedido a convenção feita pela Unesco, corrobora, em parte, o que esta

última estabelece ao afirmar que “Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares,

torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira” (BRASIL: 2003, art. 26-A).

Depreende-se que tal artigo engloba diversificadas possibilidades de atuação pedagógica e de

conteúdos programáticos, sobretudo nas áreas de Educação Artística, Língua Portuguesa, Literatura e História,

tais como o estudo da história da África e dos povos africanos, a influência africana na constituição do léxico

do Português do Brasil, a luta pela igualdade de direitos dos negros no país, a cultura afro-brasileira e o papel

do africano na formação da sociedade nacional, dentre tantos outros. Todos esses temas têm a finalidade de

resgatar a contribuição da população negra na economia, nas áreas sociais e políticas intrínsecas à história do

Brasil, promovendo, por meio da educação, uma crescente harmonia e integração entre as diferentes

manifestações culturais do país.

Cabe ressaltar, ainda, que a lei 10.639 entra em vigor como resultado das reivindicações contínuas de

movimentos negros ao longo da história, em busca da redução das desigualdades raciais vigentes. Sob essa

perspectiva e entendida como importante a promoção da igualdade entre os diversos povos de diferentes raças,

o dia 20 de novembro foi instituído, no calendário escolar, como o “Dia Nacional da Consciência Negra”

(BRASIL: 2003, art. 79-B).

Mesmo com a preocupação em preservar o patrimônio intangível, a obrigatoriedade do ensino de

cultura indígena somente foi incluída na lei brasileira em 2008, sob a forma da lei 11.645, em alteração ao

texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, nos seguintes termos: “Nos estabelecimentos de ensino

fundamental e médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e

indígena” (BRASIL: 2008, art. 26-A).

Em consonância com as indicações históricas e as diretrizes legais elencadas, o grupo do subprojeto

de Língua Portuguesa PIBID/CAPES da UFRRJ elaborou uma proposta de intervenção junto aos alunos do

Ensino Médio da escola parceira. Nossa proposta de sistematização pedagógica está calcada na associação

de competências, habilidades e conteúdos, tendo como parâmetro para o desenvolvimento das atividades, a

Matriz de Referência do Enem (BRASIL: 2012). Desse modo, a Habilidade 20 (Competência 6), que trata do

patrimônio linguístico imaterial, serviu como ponto de partida para nossas reflexões, sendo essa descrita da

seguinte forma: “Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da

identidade nacional” (BRASIL: 2012).

Baseando-nos nessa habilidade, trabalhamos com o vídeo intitulado “Unha Preta”4 produzido pela

Comissão Regional de Povos e Comunidades Tradicionais e também pelo Centro de Agricultura Alternativa do

Norte de Minas, com o apoio da Coordenadoria Ecumênica de Serviço.

O documentário foi selecionado por retratar a vida do povo gurutubano, que constitui comunidades

quilombolas (descendentes de escravos) residentes no Vale do rio Gorutuba. Essas comunidades remontam ao

século XVIII e se formaram nas terras próximas ao rio Gorutuba, região norte do estado de Minas Gerais . Na

época, a malária assolava a região, e a maior resistência dos africanos em relação à doença tornou o Vale

do Gorutuba um refúgio seguro para muitos negros, escravizados ou não.

Em relação a esse povo, Costa Filho (2008) afirma que

O cenário norte-mineiro oferece, com toda a sua diversidade, um quadro complexo de unidades socioculturais, dentre os quais os Gurutubanos, moradores do vale do rio Gorutuba, que conjugam uma territorialidade e agricultura peculiar, uma racionalidade própria na construção das relações sociais e econômicas, e uma religiosidade fruto de concepções e práticas do catolicismo popular associadas a ritos africanos. (COSTA FILHO: 2008, p. 10)

Hoje, o povo gurutubano é formado por pequenas comunidades espalhadas por diversos municípios

da região, totalizando cerca de 600 famílias. Esses povos possuem modo particular de organização, costumes

próprios e a religião católica cultuada com mesclas de ritos africanos. Grande parte dessas pessoas trabalha nas

fazendas que estão no entorno, cultivando as plantações. Os relacionamentos se dão, principalmente, por meio

de pessoas com certo grau de parentesco, normalmente primos. A taxa de analfabetismo é alta, e os índices de

escolaridade baixos, mesmo havendo, em muitas comunidades, escolas de Ensino Fundamental.

O falar dessas comunidades foi escolhido como material pedagógico devido à maneira peculiar

como o português rural gurutubano se delineou, visto ser o resultado do amálgama de particularidades de

línguas africanas, indígenas e portuguesa e à diversidade de características que tornam a sua fala única em

nosso território. O dialeto utilizado pelos moradores dessa região apresenta muitos arcaísmos e também se

difere dos falares de outras regiões brasileiras pela sonoridade, entonação e ritmo . A respeito disso, Coelho

(2012) assevera que

Nossa investigação aponta que o linguajar gurutubano apresenta um sistema sonoro diferenciado daquele observado no português brasileiro urbano e bastante próximo do português brasileiro falado nas áreas rurais brasileiras e em alguns lugarejos de Portugal, conforme anunciado por estudiosos de além e de aquém-mar. Observa-se uma entoação diferente das que já ouvimos em outras regiões mineiras e em outros espaços

4 Vídeo disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=m0qWO6td2gs>. Acessado em julho de 2015.

brasileiros por onde andamos e, ainda, de pessoas com que convivemos. Esse linguajar nos lembra sons vocálicos nordestinos, mesclados por fricativas cariocas que nos dão a certeza de que “parece, mas, não é”, o sotaque baiano ou o carioca, mas uma melodia única daquela gente única, isto é, o povo gurutubano com uma melodia gurutubana. (COELHO: 2012, p. 102- 103)

Por meio desse rico material linguístico e cultural, explicamos o que são os povos quilombolas e

destacamos a importância da preservação de sua identidade e língua para a construção da identidade nacional

que se caracteriza pela pluralidade de manifestações culturais e linguísticas em meio a uma diversidade de

grupos sociais das mais variadas origens étnicas e geográficas. Tratamos, ainda, de questões específicas de

prosódia, como entoação, ritmo, duração e tom, além da constituição do léxico e das escolhas feitas pelos

falantes gurutubanos5, para, por fim, tratarmos do seu modo de subsistência.

Ao longo do texto, pudemos perceber como o conceito de patrimônio está entrelaçado à história. A

origem das práticas voltadas para a identificação do patrimônio cultural no mundo moderno remonta ao século

XIX e está estreitamente associada aos processos de formação dos estados nacionais. Nesse contexto, coube aos

historiadores registrar a memória das nações e considerar vários monumentos arquitetônicos como patrimônios

nacionais, uma vez que estes descrevem culturalmente as sociedades, respaldando, assim, o estabelecimento

precípuo das identidades nacionais por meio da legitimação de um patrimônio tangível.

No século XX, porém, com a evolução exponencial da ciência e da tecnologia, surgiram conflitos

culturais e ideológicos, conduzindo os cientistas a repensar o lugar ocupado pelo intelectual no mundo

contemporâneo e, também, levando-os a refletir sobre como preservar a cultura intangível dos povos e nações.

Sob essa nova perspectiva, houve profundas alterações em relação à preservação da memória e do

patrimônio de um povo, uma vez que, na medida em que se considera o patrimônio imaterial, há também a

necessidade de especificá-lo e preservá-lo, entendendo-o como uma expressão cultural que abrange as

tradições de diferentes grupos que as mantêm e que as transmitem às futuras gerações.

Atualmente, identificamos, nas universidades, pesquisas sobre o conceito de patrimônio que

propiciam a expansão dessa temática. Segundo Chuva (2012), devem-se considerar dois aspectos fundamentais:

5 Alguns trechos do documentário com depoimentos de moradores locais são legendados em função da variedade linguística típica

do seu modo de falar.

O primeiro deles é o questionamento feito, de modo explícito ou não, sobre o sentido da divisão entre materialidade e imaterialidade do patrimônio cultural que ainda se apresenta na atualidade. O segundo se refere ao caráter interdisciplinar da reflexão e da ação no âmbito da preservação cultural. Nenhuma disciplina tem condições de assumir, na sua totalidade, as discussões sobre a preservação cultural, tampouco a formação de profissionais para atuarem nessa seara. (CHUVA: 2012, p. 15-16)

Cabe destacar que o ensino de cultura africana e indígena nas escolas, seja por interferência de

políticas públicas, seja por um processo natural de aprimoramento de conhecimentos decorrentes da atuação

das diferentes disciplinas escolares, não abrange a totalidade das discussões. Há a necessidade de uma contínua

preocupação em promover e preservar a cultura no país sob uma perspectiva plural que permita aos cidadãos

em formação conhecer a diferença, compreender a diferença e aprender com a diferença, respeitando, assim,

o ser humano individual e coletivamente, além de colaborar para a construção de uma sociedade mais justa,

harmônica e igualitária.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p.

______. Ministério da Educação. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília, 1996.

______. Ministério da Educação. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Modifica as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília (1996), 2003.

______. Ministério da Educação. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Modifica as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília (1996), 2008.

______. Ministério da Educação e Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Matriz de Referência para o ENEM 2012. Brasília, Distrito Federal, 2012. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/downloads/2012/matriz_referencia_enem.pdf>. Acesso em: nov. 2015.

CHUVA, Márcia. História e Patrimônio. Curitiba: Finaliza, 2012.

COELHO, Maria do Socorro Vieira. Aspectos da linguagem falada pelos gurutubanos. Revista (CON)TEXTOS Linguísticos, Vitória, v. 6, n. 6, 2012. Disponível em: <http://periodicos.ufes.br/contextoslinguisticos/article/view/4726>. Acesso em: nov. 2015.

COSTA FILHO, Aderval. Os Gurutubanos: territorialização, produção e sociabilidade em um quilombo do centro norte-mineiro. 2008. 293 f. Tese (Doutorado em Antropologia) - Universidade de Brasília, Brasília, 2008.

ILARI, Rodolfo. Linguística Românica. São Paulo: Ática, 2006.

SILVA, Rosa Virgínia Mattos e. Ensaios para uma sócio-história do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2004.

TEYSSIER, Paul. História da língua portuguesa. Tradução Celso Cunha. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

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______. Convenção para a salvaguarda do patrimônio cultural imaterial. 2003. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001325/132540por.pdf>. Acesso em: nov. 2015.

Data de submissão: abr./2016. Data de aprovação: maio/2016.

Carlos Eduardo Piazentine COSTA1

RESUMO Este trabalho objetiva investigar a palavra segurança em português e suas traduções para o inglês “safety” e “security”, segundo uma abordagem lexicográfica. Analisamos oito obras incluindo dicionários monolíngues, bilíngues português/inglês, um dicionário etimológico, um dicionário de termos técnicos, um dicionário de sinônimos do inglês e um aplicativo eletrônico gratuito. A investigação recobre o conteúdo das entradas dessas palavras, focando em como esses produtos as abordam em relação ao seu significado e campo semântico. Analisamos a visão lexicológica e lexicográfica adotada sobre as palavras selecionadas para o estudo e quanto à tradução para o inglês. Verificamos também se as obras em questão auxiliam na compreensão dessas palavras e se conseguem fornecer informações que ajudem a sanar o problema tradutório em discussão. Pretendemos contribuir com dados que auxiliem professores de inglês como língua estrangeira e tradutores. PALAVRAS-CHAVE: Campo semântico. Abordagem dicionarista. Segurança. Safety. Security.

ABSTRACT This paper aims at observing the word “segurança” in Portuguese and its translations “safety” and “security” into English under a lexicographer approach. We analised eight dictionaries, including monolinguals, bilinguals Portugues/English, one etymological dictionary, a technical terms one, an English synonyms one and a free of charge electronic dictionary. The study covers the content of each dictionary item regarding the selected words, focusing on how these materials direct to them concearning their meanings and semantic field. We observed the lexicological and lexicographical approaches adoped for the words. We also verified if our dictionaries are helpfull tools to understand when to use “safety” or “security” when dealing with its translation toward this problem. We were intended to providing teachers of English as a foreign language and translators with useful data regarding the safety/security theme. KEYWORDS: Semantic field. Lexicographer approach. Segurança. Safety. Secutity.

1 Mestrando em Estudos da Tradução, na USP; professor de línguas inglesa e espanhola, tradutor inglês/português/espanhol;

pesquisador, sob orientação da profa. Dra. Diva Cardoso de Camargo, convidada da USP São Paulo e profa. Titular da UNESP, São José do Rio Preto.

A motivação desta pesquisa surgiu da união de interesses relacionados tanto a meu trabalho de

tripulante aeronáutico, no qual lido diretamente com o tema da segurança, como também a minha formação

acadêmica como professor de língua inglesa, com mais de uma década de experiência na realização de

trabalhos de tradução em áreas diversas.

Em um primeiro olhar, os dicionários de língua inglesa, tanto monolíngues como bilíngues português-

inglês, inglês-português, de modo geral abordam as palavras “safety” e “security” de modo sinonímico e as

traduzem como “segurança” (MARQUES & DRAPER: 1995, p. 277, 285). Até mesmo dicionários monolíngues

definem-nas de maneira muito próxima ou idêntica e, como consequência, tanto na aprendizagem da língua,

como na tradução, podem gerar confusões, enganos e erros.

Partindo dessa questão tradutória, é apresentado um estudo das palavras “segurança”, “safety” e

“security” sob uma abordagem dicionarista, propondo investigar como dicionários de diferentes modalidades

trazem as palavras em estudo. O intuito é descrever e possibilitar uma melhor compreensão delas, auxiliando

tradutores, professores de língua inglesa, estudantes e profissionais que atuam com esse tema, além de permitir

uma reflexão para os profissionais da área lexicográfica quanto à abordagem de sinônimos na produção de

obras terminográficas.

A tradução, compreendida como recurso de acessibilidade a informações e textos entre línguas

diversas, tem função de possibilitar a compreensão da linguagem tanto para falantes nativos, como para falantes

de línguas estrangeiras. Os idiomas utilizados em seus atos reservam peculiaridades bastante curiosas que

refletem características culturais que são únicas e merecem destaque.

Quando tratamos de tradução, é importante salientar que cada aspecto envolvido no processo ganha

uma visibilidade muito mais abrangente quando se observa, com proximidade, os códigos linguísticos

envolvidos e suas particularidades.“A própria natureza de cada código resulta em soluções diferentes, não

paralelas, não espelhadas, conforme a direção adotada no ato tradutório em questão” (AUBERT: 1993, p.34).

Em relação aos códigos envolvidos no ato tradutório, o autor acrescenta:

De início, competiria, talvez, admitir que o conceito de visão de mundo, na sua acepção corriqueira, é algo vago, requerendo, se não uma definição precisa, ao menos um delinear nocional suficiente para fundamentar uma argumentação. Tal como entendida aqui, uma determinada visão de mundo corresponde a um conjunto de representações da realidade que, privilegiada, mas não exclusivamente, encontram-se entremeadas na estrutura e no uso de determinada língua. (AUBERT: 1993, p. 35)

Considerando sua visão, no que se refere ao par português-inglês, como códigos utilizados em uma

dada tradução, a forma de expressão que a cultura de língua inglesa apresenta ao abordar o tema segurança

é distinta e ao menos mais complexa do que a utilizada pela cultura de língua portuguesa. Isso acontece

porque sua tradução corresponde a uma palavra polissêmica, no caso do português, e geralmente a duas

palavras, no caso do inglês.

“A polissemia constitui uma situação em que dois ou mais conceitos, em relação de oposição

transitiva, são designados por uma mesma unidade lexical ou terminológica” (BARROS: 2004, p. 225). Para

a autora, em uma oposição de identidade, há sinonímia quando um mesmo conceito é designado por

significantes diferentes.

Para Barros (2004, p. 40), a “palavra” é uma unidade léxica (ou unidade lexical), ou seja, é um signo

linguístico, composto de expressão e conteúdo, que pertence a uma das grandes classes gramaticais

(substantivo, verbo, adjetivo ou advérbio). Assim, adotamos “palavra” para nos referirmos ao objeto de estudo

“segurança” e seus correspondentes em inglês “safety” e “security”. Observamos que, ao fazer a tradução para

o inglês, temos duas correspondências, a partir da palavra da língua portuguesa, com seus traços semânticos

recobrindo as duas formas do inglês. Desse modo, trata-se de uma palavra polissêmica em português, ao referir-

se a uma forma ou designação que apresenta mais de um conceito ou conteúdo.

Na língua inglesa, as palavras “safety” e “security” são ambas traduzidas para o português como

“segurança” e recobrem traços semânticos parecidos e bastante semelhantes. As duas são compreendidas, no

inglês, como sinônimos. Ainda de acordo com Barros, há sinonímia quando um mesmo conceito é designado

por significantes diferentes, o que ocorre com o correspondente de “segurança” na língua inglesa.

“A sinonímia ou sinonímia próxima é um fenômeno linguístico comum ainda que complexo. Enquanto

os sinônimos expressam basicamente o mesmo conceito, eles ainda o fazem em diferentes estilos, para

diferentes contextos, e/ou em diferentes perspectivas” (LIU: 2010, p.56). Assim, considerando as palavras

“safety” e “security”, entendemos que esses sinônimos próximos trazem aspectos, estilos e perspectivas que

possam ser distintos e necessitam maior observação. Analisamos neste estudo, de forma descritiva, como

dicionários de diferentes modalidades abordam seus significados.

A tradução vista como recurso comunicativo entre determinados códigos linguísticos inclui formas

que são compreendidas como correspondentes dentro dos idiomas utilizados entre falantes.

Para Camargo (2005, p. 293-294), embora a conceituação de equivalência ainda não tenha chegado

a um consenso entre os teóricos da tradução, já haveria, atualmente, uma unanimidade entre os pesquisadores

da Terminologia. Dessa maneira, com base em Dubuc (1985, p. 69), o termo de uma língua A que recobre

somente de forma parcial os traços semânticos de uma língua B não é equivalente e, sim, correspondente.

Adotaremos, neste estudo, para a tradução da palavra “segurança” em língua portuguesa, os correspondentes,

em língua inglesa, “safety” e “security”, uma vez que esses dois vocábulos recobrem parcialmente traços

semânticos presentes no correspondente em língua portuguesa.

Os propósitos do uso do dicionário são diversos. Servem para aquisição de competência linguística

em língua materna, em segunda língua, ou em língua estrangeira, assim como para propósitos de aquisição de

competência tradutória e para subsidiar o trabalho de tradutores e profissionais das mais distintas áreas. É

irrefutável o importante papel que os dicionários possuem na história cultural e comercial das civilizações.

Segundo Béjoint, os ‘verdadeiros’ dicionários aparecem quando as sociedades começam a ter relações

comerciais ou culturais com comunidades que usavam línguas diferentes e precisavam de traduções. (BÉJOINT:

2000, apud Duran, 2008). Dessa forma, um estudo sobre como dicionários recobrem uma palavra e seus

correspondentes tradutórios para outra língua é mais uma de suas várias facetas que busca contribuir para

melhor compreensão dos códigos envolvidos no universo da tradução.

“As pesquisas sobre uso de dicionários constituem uma das áreas de estudo da metalexicografia e são

realizadas com diversos fins e metodologias, mas, principalmente, visando a aprimorar as obras lexicográficas

para públicos específicos, com necessidades específicas” (ZUCCHI: 2010, p.133). Seguindo essa visão, na

questão dicionários e sinônimos, pode-se semear a investigação desse fenômeno tão comum e presente nas

linguagens a fim de buscar um aprimoramento na elaboração dessa vertente de obras de referência.

O presente estudo qualitativo propõe investigar a palavra “segurança” em português e seus

correspondentes tradutórios para o inglês “safety” e “security” nos dicionários.

Utilizamos oito referências, sendo sete dicionários impressos organizados de forma semasiológica

(ordem alfabética) e um aplicativo eletrônico bastante conhecido que opera com a digitação da palavra de

busca, descritos individualmente a seguir:

1 – Aurélio Século XXI, O Dicionário da Língua Portuguesa (ALP). É monolíngue, para falantes de

língua portuguesa;

2 – The Oxford English Dictionary (OED). É um dicionário monolíngue para falantes de língua inglesa;

3 – Oxford Advanced Learner’s Dictionary (OAL). Monolíngue e desenvolvido para aprendizes de

língua inglesa como língua estrangeira;

4 – Dicionário Inglês-Português Antônio Houaiss (DIPH). É um dicionário bilíngue para falantes de

inglês como segunda língua;

5 – Etymological Dictionary of the English Language (EDE). É um dicionário etimológico monolíngue,

desenvolvido para falantes nativos de língua inglesa;

6 – Crabb’s English Synonyms (CES). Dicionário monolíngue de sinônimos do inglês, direcionado a

falantes nativos dessa língua;

7 – Eugênio Furstenau Novo Dicionário de Termos Técnicos Inglês-Português (DTT). Dicionário

bilíngue desenvolvido para falantes de português nativos e de inglês como língua estrangeira;

8 – Aplicativo eletrônico Google Tradutor (GT). É multilíngue e gratuito, para o estudo, sua versão é

em língua portuguesa. Disponível em formato para microcomputador, telefone celular e tablet.

A escolha dos dicionários e fontes descritos se dá pela intenção de utilizar modalidades distintas, entre

elas monolíngues nas duas línguas em estudo, bilíngues português-inglês, dicionário etimológico, dicionário de

termos técnicos, dicionário de sinônimos e a inclusão de um aplicativo eletrônico consagrado e bastante

conhecido, considerando as novas tecnologias como modalidade importante e presente na utilização de

dicionários na atualidade. Outros critérios utilizados na escolha do material da análise foram a disponibilidade

desses dicionários em bibliotecas universitárias e o reconhecimento de suas editoras por parte do meio

acadêmico, entre elas a Oxford e a editora Globo, que representam grande parte da circulação desse tipo de

obra de referência em âmbito nacional e de representativa divulgação e conhecimento do público consulente.

Todas as consultas foram realizadas em novembro de 2015. O aspecto considerado para a análise foi

o conteúdo da entrada das palavras “segurança”, “safety” e “security”, considerando sua abordagem e

descrição, uma vez que os demais itens componenciais da microestrutura desses dicionários não fazem parte

de nosso escopo. Também ressaltamos que mantivemos nosso foco no campo semântico das palavras

selecionadas, como unidade lexical, não havendo necessidade de lematização dos objetos de estudo.

As análises foram realizadas respeitando a etiquetagem numérica de cada dicionário, sua abreviação

e a ordem, conforme mencionado anteriormente na descrição de cada um.

O ALP inicia a entrada da palavra “segurança” por sua composição: segurar + ança. Ele traz o total de

dez acepções abordando o estado ou condição de seguro, certeza, convicção, garantia e menciona um exemplo

composto da palavra (alfinete de segurança). Destaca também a pessoa responsável pela segurança pessoal de

alguém − o guarda-costas. Mostra ainda cinco exemplos de uso para facilitar a compreensão de contexto. “Ex:

Mal entrou no avião, foi apertando o cinto de segurança”.

Este dicionário monolíngue aborda informações gerais, traz sinônimos, exemplos e a formação da

palavra. Tais dados contribuem para a compreensão da língua portuguesa corrente e geral.

O OED traz de início “safety” com registro diacrônico de suas grafias antigas e diversas,

diacronicamente e uma única definição: “1. The state of being safe; exemption from hurt or injury; freedom

from danger.” Menciona depois o comitê de segurança criado na Inglaterra em 1659 e, em seguida, traz uma

sequência de eventos históricos e literários ingleses, com trechos utilizando a palavra da entrada tanto com sua

grafia atual, quanto com formas gráficas antigas.

Na entrada de “security” a organização é exatamente a mesma. Primeiro o OED mostra as distintas

formas gráficas ao longo do tempo e, depois, traz a definição única: 1. The condition of being secure. The

condition of being protected from or not exposed to danger; safety. Na sequência, o dicionário também registra

uma sequência de eventos com datas, apresentando a palavra com grafias antigas e a atual.

Este dicionário aborda a primeira palavra num aspecto de cuidado e atenção. A segunda traz uma

carga de proteção a um risco ou perigo. Sugere, em um primeiro momento, uma distinção semântica, porém,

no caso de “security”, acrescenta “safety” como sinônimo. Com isso, não há clareza quanto à utilização de uma

palavra em contraste com a outra, o que pode gerar imprecisão e confusão sobre seu entendimento.

O OAL apresenta cinco acepções para “safety”, sendo as três primeiras acompanhadas de exemplo,

uma com sugestão da remissiva “safety catch” (um tipo de trava de segurança) e a última com seu significado

no contexto de futebol, sem exemplo. Em seguida, ele aborda em diversas outras entradas, separadamente,

expressões derivadas da palavra, como por exemplo, “safety belt” e “safety glass”.

Na entrada de “security” este dicionário apresenta quatro subentradas, explicando seus sentidos, sendo

o primeiro com significado de proteção, o segundo de sensação de felicidade/segurança, o terceiro sobre um

empréstimo de valor e o quarto sobre ações de empresas/financeira. Todas elas seguem uma definição e

exemplo naquele sentido explicitado anteriormente. Igualmente ao caso de “safety”, na disposição

semasiológica, a obra traz expressões derivadas, como “security blanket”, por exemplo.

Por se tratar de um dicionário direcionado para aprendizes avançados de língua inglesa como língua

estrangeira, o OAL aparentemente é mais detalhado em suas explicações e suas definições são estruturadas

utilizando um vocabulário corrente e simples. A respeito das semelhanças e distinções semânticas, embora o

conteúdo de suas entradas destaque diversos traços de significado das palavras observadas, não fica claro

quando utilizar uma ou outra.

O DIPH mostra a palavra “segurança”, na seção português-inglês, traduzida como “security”, “safety”,

“reliability”, “assurance” e “certainty”. Embora encontremos alternativas várias, fica vago quando utilizar um

ou outro. O dicionário sugere essas opções como sinônimas. Quando se observa seus exemplos, as confusões

ficam menos prováveis, uma vez que a obra mostra expressões como “safety-belt” –- cinto de segurança e

“security lock” – trava de segurança. Apesar disso, seria necessário um enorme número de exemplos para cobrir

toda uma língua de forma representativa.

Na seção inglês-português, as palavras “safety” e “security” são abordadas com maior delineação. A

primeira é traduzida como “segurança, salvação, salvamento, proteção e custódia”. A segunda aparece como

“segurança, certeza, estabilidade, despreocupação, tranquilidade; proteção e defesa; garantia”. Novamente,

cada entrada aborda traços sêmicos específicos e distintivos, mas alguns deles são repetidos na tradução das

duas palavras para o português e sua representação fica vaga e imprecisa em alguns pontos.

A análise seguinte é conduzida em uma obra de caráter etimológico, o EDE. De início percebe-se a

ausência das entradas das palavras de pesquisa do inglês, em sua forma substantiva. Foi possível encontrar

ambas, apenas na forma adjetiva, ou seja, “safe” e “secure”. Apesar disso, suas análises permanecem, tendo em

vista que o foco deste estudo é seu campo semântico.

A entrada da palavra “safe” traz, em seu início, “unharmed”, “secure”, “free from danger”.

Posteriormente, encontramos uma sequência de referências a obras que mostram as formas antigas de grafia e

algumas derivações. É, inclusive onde aparece o substantivo “safety”, na expressão “sauf and sound”

(correspondente a “são e salvo”, em português, porém com sua grafia de época de registro) e uma remissão a

“salvation” e ao verbo “save”.

Em relação a “secure”, a entrada começa com “free from care or anxiety, safe, sure”. Observamos

também formas derivadas, inclusive “security”, uma menção da palavra na obra Hamlet de Shakespeare e

novamente uma remissiva ao prefixo “se” e ao verbo “cure”.

De fato, o EDE, cumpre, por meio dos esclarecimentos contidos nessas duas palavras, sua função de

trazer informações sobre seu registro por parte da comunidade linguística à qual se refere. Ainda que as

definições das duas entradas auxiliem a compreensão de seus significados, o fato de ambas trazerem uma à

outra, como sinônimos, não nos permite chegar a um entendimento qualitativo, pode resultar em confusão.

O dicionário de sinônimos CES apresenta também apenas a entrada para o adjetivo “safe” e a

primeira informação que a obra traz é “secure”. Em seguida, observamos o estabelecimento de sua origem

do latim, como correspondente “salvus”, uma remissão para “certain” e uma explicação detalhando que no

sentido de isenção de perigo, “safety” expressa muito menos que “security”: nós podemos estar seguros (safe)

sem utilizar nenhuma medida particular; mas de modo algum podemos considerar qualquer grau de

segurança (security) sem grande precaução. A obra conclui essa explicação com o exemplo: uma pessoa

pode estar segura (safe) em cima de um sofá durante o dia; mas se ela deseja estar segura (secure), à noite e

evitar cair dele, ela deve estar amarrada.

Sobre “security”, encontramos tanto o substantivo como o adjetivo, em duas entradas separadas. As

duas palavras trazem apenas remissões, sendo “secure” para “certain”; “preparedness”; “safe” e “security” para

“deposit”; “fence”; “guarantee”, cujas traduções são “cofre”, “cerca” e “garantia”.

Embora na segunda palavra do inglês, o conteúdo seja apenas de remissivas com referência a sentidos

específicos, esta obra parece ser a única que apresenta uma preocupação em explicar o aspecto semântico

distintivo entre os dois itens lexicais, dada sua função e natureza sinonímica. Na questão de esclarecimento de

seus usos, recai em imprecisão, dada sua abordagem de uma palavra pela outra.

O dicionário de termos técnicos de nossa análise, DTT, traduz “segurança” para o inglês como

“safety”, “security”, “certainty”, “surveillance” e em seguida apresenta uma série de expressões específicas

como “válvula de segurança” com traduções. Na sessão de inglês-português, ele traduz “safety” como

“segurança”; “seguridade”; “salvação” e traz uma sequência de termos como “safety brake” (freio de segurança).

O mesmo ocorre com a entrada de “security”. A palavra é traduzida para o português como

“segurança”; “segurança do patrimônio” (edifícios, dinheiro, documentos, informações, etc.) e o dicionário

ainda mostra exemplos de termos como “security key” (tecla de segurança).

Esta obra parece suprir sua proposta de apresentar termos técnicos e é ampla em exemplos, porém foi

observado que, na questão de esclarecimento dos traços semânticos, permanece vaga.

Nossa análise do aplicativo eletrônico GT mostra “segurança”, traduzida para o inglês como “security”;

“safety”; “certainty”; “reliability”; “dependability”; “assuredness”; “coverage”; “shelter”; “indemnity”;

“dependence”; “salvation”; “dependency”; e “self-assurance”. Este dicionário gratuito digital mostrou ser uma

ferramenta prática, moderna, rápida e de fácil manuseio. Porém, apesar de trazer uma lista com 13 possíveis

traduções para a palavra de busca, elas são exibidas de forma descontextualizada, ausentes de exemplos e

irrefutavelmente não apresenta, neste caso, solução ou alternativas de responder a questão da descrição do

campo semântico de nosso estudo.

Esta pesquisa propõe uma investigação de como dicionários de diferentes modalidades abordam o

significado da palavra “segurança” em português e seus correspondentes no inglês “safety” e “security”. Nosso

escopo é verificar se esses dicionários representam o campo semântico dessas palavras de forma a prover uma

compreensão qualitativa delas e também se eles conseguem esclarecer, no caso da língua inglesa, quando

podemos utilizar “safety” ou “security”.

Os resultados mostram que, em português, os dicionários analisados recobrem de forma qualitativa o

campo semântico da palavra de estudo com suas definições e exemplos contidos em suas entradas. Em inglês,

porém, as análises sugerem definições imprecisas e em diversos casos, abordam a palavra “safety” e “security”

como sinônimos e não esclarecem quando empregar uma ou outra. O dicionário de sinônimos CES se destaca,

pois é o único que apresenta uma explicação sobre seus usos quanto à intensidade e tenta distinguir traços

sêmicos dessas palavras, com exemplo, além de fornecer evidência para o entendimento.

A abordagem dicionarista das palavras selecionadas sugere inconsistências por parte das obras de

referência utilizadas, com ressalva na tentativa de explicação no caso do dicionário de sinônimos (CES), embora

cada uma das obras pareça suprir sua função em relação a suas especificidades. Vale ressaltar que cada tipo ou

modalidade de dicionário possui propostas distintas e peculiares em sua macro e microestrutura, sendo, assim,

imperativo que o consulente refine suas expectativas e pretensões de consulta e/ou pesquisa a fim de ter êxito.

Como encaminhamentos futuros, sugerimos uma pesquisa com metodologia que permita o estudo

dessas palavras de forma contextualizada e em grandes volumes de textos a fim de que possam ser

representativos do mapeamento de seus traços semânticos na língua portuguesa e na língua inglesa. Isso de

modo a permitir que se busque a compreensão real de seu uso e propor esclarecimentos que possam ser úteis

para aprendizes de inglês como língua estrangeira assim como para o problema tradutório em questão.

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Data de submissão: out./2016. Data de aprovação: nov./2016.

Fabio André Cardoso COELHO1

RESUMO É importante pensar o funcionamento da Língua Portuguesa, levando em conta os padrões de uso, nos variados grupos sociais, lugares distintos e épocas. A questão do ensino da língua e a aprendizagem mais eficaz. De que maneira essa língua é utilizada nos contextos profissionais e a produção dos discursos. Essas são algumas questões abordadas nesse texto, com o propósito de apontarmos a produtividade de algumas expressões utilizadas nas situações de trabalho, que colaboram para que o processo de construção linguística se realize com mais eficácia, mais objetividade e atinja seus propósitos comunicativos. Levaremos em consideração, ao longo desse estudo, alguns apontamentos de Travaglia (2000), Halliday, McIntosh e Strevens (1974), Orlandi (1987), Mattoso Câmara Jr. (1986), dentre outros, sobre as variedades da língua quanto ao seu uso, isto é, as escolhas que o usuário faz em diferentes ocasiões, inclusive nas relações de trabalho, aos conceitos de discurso, à importância da fala e da escrita nos processos de interação verbal, tentando construir uma rede de elementos linguísticos significativos e necessários de se aprender e como se revelam nas expressões do mundo do trabalho. PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Língua Portuguesa. Discurso. Escola. Trabalho.

RESUMEN Es importante pensar en el funcionamiento de la Lengua Portuguesa, llevando en cuenta los patrones de uso, en los variados grupos sociales, lugares distintos y épocas. La cuestión de enseñanza de lengua y aprendizaje más eficaz. De qué manera esa lengua es utilizada en los contextos profesionales y la producción de discursos. Esas son algunas de las cuestiones abordadas en ese texto, con propósito de señalarnos la productividad de algunas expresiones utilizadas en las situaciones de trabajo, que colaboran para que el proceso de construcción lingüística se realice con más eficacia, más objetividad y alcance sus propósitos comunicativos. Llevaremos en consideración, al largo de ese estudio, algunos apuntamientos de Travaglia (2000), Halliday, McIntosh y Strevens (1974), Orlando (1987), Mattoso Câmara Jr. (1986),entre otros, sobre las variedades de la lengua cuanto a su uso, es decir, las elecciones que el usuario haz en diferentes ocasiones, incluso en las relaciones de trabajo, a los conceptos de discurso, a la importancia del habla y de la escrita en los procesos de interacción verbal, intentando construir una red de elementos lingüísticos significativos y necesarios de se aprender y como se revelan en las expresiones del mundo del trabajo. PALABRAS CLAVE: Enseñanza de Lengua Portuguesa. Discurso. Escuela. Trabajo.

1 Doutorado em Língua Portuguesa, pela Universidade do Estado Rio de Janeiro (UERJ-2010/2013). Professor Adjunto de Língua

Portuguesa e Filologia, do Instituto de Letras, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor pesquisador do Grupo de Pesquisa Descrição e Ensino de Língua: Pressupostos e Práticas (CNPq).

Várias são as perguntas que surgem, ao pensarmos de que maneira a Língua Portuguesa pode ser

ensinada pelo professor e apre(e)ndida pelo aluno, para que, em situações do cotidiano e de trabalho, as

interações verbais se realizem de forma prática, funcional e eficaz. Há de se pensar que um modelo de

padronização para o aprendizado da língua não nos leva a um ensino produtivo. Os diferentes tipos de situação

comunicativa nos leva a refletir sobre o uso da língua de modos variados e de seus registros. Nas esferas de

trabalho, das realizações organizacionais, a expectativa se concentra na utilização de uma língua que atenda

às estratégias de comunicação empresarial.

A Língua Portuguesa, por longa data, foi e ainda é ensinada com vistas à modalidade padrão, da

normatividade, do “certo” e “errado”, do que se pode ou não falar. Sempre foi assim, porque o “bom uso da língua”

sempre esteve associado à aplicação das regras gramaticais e, consequentemente, ao status social do falante. Em

contrapartida, descartar a norma padrão é um equívoco. Acreditamos que por mais que o ensino não se concentre

apenas nas regras gramaticais, conhecer a língua e a sua estrutura é um direito do aluno. Não podemos furtá-lo,

jamais, de conhecer o seu código linguístico. Aliás, diante dos Códigos Civil, Penal, Criminal, de Trânsito e de

tantos outros, será esse o único Código que não devemos respeitar? Talvez seja o tal “preconceito linguístico às

avessas” que nos impeça de enxergar a potencialidade expressiva e histórica da nossa língua. É a partir da estrutura

do idioma que podemos partir para as mudanças, variações múltiplas de sentido, de grafia, criações neológicas,

tantas outras possibilidades morfológicas, sintáticas, estilísticas e registros de uso.

No tangente às variações de registro da língua, o status se apresenta como uma das dimensões distintas

de sintonia e pode revelar grandes diferenças na utilização dos recursos linguísticos e da formalidade

pretendida. Quanto às distinções de status, Travaglia nos define:

As distinções de status poderiam talvez ser descritas em termos de variantes de grau de formalismo. Contudo, há diferenças que não podem ser facilmente explicadas em termos de níveis de formalidade, tais como a linguagem, que um homem usa para falar com o próprio filho, comparada à linguagem usada para falar com a esposa. Nos dois casos, a variante é familiar, mas há traços de entonação e seleção de vocabulário e mesmo de certos elementos da morfologia (flexões, sufixos), que claramente marcam uma diferença explicada pelo status, contrastando dois tipos de relação social (TRAVAGLIA: 2000, p. 57).

Em extensão, podemos pensar na situação dos contextos profissionais, percebendo que os níveis de

formalidade/informalidade de um funcionário com outro não serão os mesmos utilizados por ele com o seu

chefe. Há certos fatores que determinarão os registros social/empresarial e que marcarão que tipo de relação

social o contexto apresenta. Citamos aqui, como exemplos, apenas dois: os propósitos comunicativos e os

sujeitos dos contextos.

É também Travaglia quem aponta os tipos de ensino de língua (prescritivo, descritivo e produtivo) e

nos propõe algumas reflexões teórico-metodológicas. E é ele quem nos esclarece:

O ensino produtivo é sem dúvida o mais adequado à consecução do primeiro objetivo de ensino de língua materna que arrolamos no capítulo 1, ou seja, o de desenvolver a competência comunicativa, já que tal desenvolvimento implica a aquisição de novas habilidades de uso da língua e o ensino produtivo visa especificamente o desenvolvimento de novas habilidades. Como já dissemos, estariam incluídos aqui o desenvolvimento do domínio da norma culta e o da variante escrita da língua. Aliás, o ensino da variedade escrita da língua é todo ele produtivo, uma vez que o aluno não apresenta, quando entra para a escola, nenhuma habilidade relativa a essa variedade (TRAVAGLIA: 2000, p. 40).

A defesa por uma comunicação linguística eficaz fica-nos latente nas palavras do autor e nos motiva

a pensar que mais importante do que instrumentalizar os usuários da língua com tratados gramaticais é

desenvolver a sua competência comunicativa, tornando-os reflexivos e criativos nas práticas linguístico-

discursivas. Respeitar as variedades e modalidades da escrita seria um passo mais do que decisivo para

estabelecer sucesso na vida linguístico-social dos sujeitos, nas suas atuações pessoais, sociais e profissionais.

É importante ressaltar que não se deve excluir nenhum dos outros dois tipos de ensino de língua. Na

verdade, o que se deseja é uma articulação entre as concepções teórico-metodológicas dos três tipos, de acordo

com os objetivos das atividades ligadas ao aprendizado da língua. Percebemos, ao longo de nossa trajetória no

magistério, que o ensino prescritivo tem deixado lacunas no que se refere às suas propostas, pois não tem

cumprido com seu objetivo maior que é levar o aluno a ter uma competência valorizada no uso da norma culta

e da escrita da língua.

O que se tem percebido, há algumas décadas, é que mudanças no âmbito da comunicação vêm

acontecendo. Vislumbra-se o que, em tempos modernos, de globalização, da era da informatização e da

tecnologia, apresenta-se como valor interacional de troca linguística: o processo da comunicação mais

condensado e econômico, dada a rapidez das mensagens.

A objetividade do que se pretende dizer e fazer representar está associada ao que podemos denominar

eficácia. Espera-se, no âmbito organizacional, que a comunicação aconteça de forma plena, alcançando os

objetivos estratégicos de plena interação social e profissional. Os sujeitos das relações de trabalho necessitam

estar atentos às adequações de seus textos, no que se referem às produções semântica, léxica e sintática das

frases utilizadas em seus documentos, textos e discursos. Segundo Halliday, McIntosh e Strevens:

Não é preciso grande esforço para mostrar que um comentário esportivo, um serviço religioso ou uma lição escolar são linguisticamente inteiramente distintos. Uma única

frase de qualquer destes tipos de situação, e de muitos outros mais, bastar-nos-ia para identificá-lo corretamente (HALLIDAY; McINTOSH; STREVENS: 1974, p. 111).

Deve-se levar em conta a ideia de que toda construção verbal dos funcionários de uma empresa está

associada ao marketing empresarial, reiterando os caminhos da imagem eficaz para o sucesso pretendido.

Assim, a Língua Portuguesa se confirma como o suporte, ou seja, o que sustenta a comunicação para o sucesso

das relações empresariais/organizacionais, oferecendo aos sujeitos do mundo do trabalho as qualidades

necessárias para um texto oral e/ou escrito pertencente ao discurso empresarial: concisão, clareza, objetividade,

coerência, linguagem formal, ou informal e não rebuscada e, por fim, a correção gramatical. Aqui, fica-nos

clara a ideia de que há outros elementos significativos para a construção de um texto, além da correção

gramatical. Não vamos nos deter nas definições de cada elemento citado, mas, ao tocarmos no discurso

empresarial, é preciso esclarecermos algumas questões sobre discurso.

Recorremos à definição presente no Dicionário de Línguística e Gramática, de Mattoso Câmara Jr.,

para entendermos a noção do discurso:

Em sentido lato, é o termo que melhor corresponde em português ao termo francês PAROLE, estabelecido por Saussure (SAUSSURE, 1922, p. 30s). É “a atividade linguística nas múltiplas e infindáveis ocorrências da vida do indivíduo” (CÂMARA, 1950, p. 20). É, portanto, a língua (v.) atualizada num momento dado, por um dado indivíduo, quer como FALA (discurso oral), quer como ESCRITA (discurso escrito). Pode-se dizer assim que é a MENSAGEM, na base de um CÓDIGO, que é a língua. A língua, sistêmica, superindividual e unificadora ou centrípeta, nos dá a compreensão dos discursos, que se desenrolam apoiados nela com seus aspectos assistemáticos, individuais e dispersivos ou centrífugos (cf. JAKOBSON, 1962, p. 285). [...] O discurso está para a língua como a execução para o modelo formal a que se cinge a execução; nele, o esforço para a expressividade (v. expressão) leva a um modo especial de utilizar os elementos da língua, chamado estilo (v.) (CÂMARA Jr., 1986, p. 99).

Primeiramente, há de se destacar o que se refere à fala e à escrita (discurso oral e escrito). É preciso,

mais uma vez, atentarmo-nos para a importância do caráter individual e social da língua, pois a fala está para

o indivíduo, assim como está para a escrita, confirmando que o sujeito é responsável pela sua produção de fala

e seus efeitos e também pela sua produção escrita e implicações. Ora, se a língua representa o código, devemos

respeitá-la e aplicá-la de forma a produzir sentidos múltiplos, variados, mas, acima de tudo, objetivos, focados

nos participantes da ação verbal. A partir desse pensamento, podemos refletir sobre qualquer produção

linguística nas relações do cotidiano e de trabalho.

Num segundo momento, a partir do que nos descreve Mattoso Câmara Jr. (1986), torna-se relevante

destacar o papel da expressividade da língua, como algo que nos leva a uma maneira especial de utilizá-la, o

que podemos denominar estilo. Cada falante, cada grupo social, representará seu discurso com a finalidade de

se fazer interpretável e legível. Assim também é nas relações de trabalho, nas grandes organizações, nas

situações empresariais. Os funcionários de uma empresa (por excelência, integrantes de um determinado grupo,

com características individuais e sociais definidas) também desenvolvem estilos próprios de representarem suas

instituições, obedecendo algumas exigências implícitas ou explícitas desses contratos verbais. Há uma

qualidade e algumas marcas formais que são pertinentes ao discurso, mas que não se definem por um traço

exclusivo (ORLANDI: 1987). Sobre isso, aponta-nos a autora:

Em termos de sua constituição formal, o que determinará o tipo de discurso é o modo como esse traço aparece em um discurso, em relação às suas condições de produção. Por isto é preciso se observar o funcionamento discursivo e se trabalhar com a noção de processo. Assim, o que define o discurso é como o traço se estabelece no funcionamento discursivo (ORLANDI: 1987, p. 235).

Estabelece-se, assim, todo o conjunto pertencente à produção do discurso. O tipo do discurso

(religioso, publicitário, empresarial) é construído com base no modo, no jeito, na maneira de sua estruturação,

levando em conta todos os elementos externos ao discurso. Isso quer dizer que o discurso é moldado a partir

de elementos individuais (de cada participante) e sociais (de tudo o que circunda a produção verbal). Ao tratar

sobre a questão do processo do discurso, a autora nos elucida o quanto é importante estarmos atentos para as

etapas, as partes de um todo discursivo. Se o discurso não é algo estático, logo temos que dedicar nossa atenção

também para essa flexibilidade discursiva, direcionando todo o processo de sua construção para aquilo que irá

defini-lo, no caso de nosso estudo, nos contextos profissionais.

Quem nos oferece uma definição singular e esclarecedora sobre a relação entre discurso, texto e

sentido é Travaglia, ao nos apresentar que:

O discurso é visto como qualquer atividade produtora de efeitos de sentido entre interlocutores, portanto qualquer atividade comunicativa (não apenas no sentido de transmissão de informação, mas também no sentido de interação), englobando os enunciados produzidos pelos interlocutores e o processo de sua enunciação, que é regulado por uma exterioridade sócio-histórica e ideológica que determina as regularidades lingüísticas e seu uso, sua função. Essa mesma exterioridade, o sujeito e as regularidades lingüísticas (estas como condição de possibilidade, como condição de base) são as condições de produção da atividade comunicativa, da ação pela linguagem (discurso) que resulta no texto, enquanto unidade complexa de sentido, todo significativo em relação à situação. O sentido tem a ver com a intenção comunicativa e, portanto, com a função dos elementos linguísticos, entendendo-se função como o

papel lingüístico-discursivo de uma marca formal que é dado pela interpretação dos usuários da língua, ou seja, o papel de uma marca lingüística na comunicação e funcionamento discursivo de um texto para o cumprimento de uma intenção comunicativa, de uma finalidade específica (TRAVAGLIA: 2000, p. 68).

Tais palavras nos colocam diante de um discurso presentemente associado à prática e à função da

língua, o texto como um produto verbal associado à situação em que a língua se apresenta e o sentido ligado

à intencionalidade comunicativa, configurando-se, assim, um contexto para o efetivo ato de comunicação.

Muito mais do que exigir do usuário da língua que ele seja um mero reprodutor de toda instrumentalização

adquirida ao longo de sua vida escolar/acadêmica, é pensar em formar um cidadão com sua competência

gramatical ou linguística e sua competência textual. Com elas, o sujeito produzirá sequências linguísticas

pelo estabelecimento e uso das regularidades linguístico-discursivas, e produzirá, classificará e

compreenderá textos, pelo estabelecimento e uso de regularidades e princípios de organização e

funcionamento textual (TRAVAGLIA: 2000).

No transcorrer dessas ideias, cabe-nos apontar a pertinência da proposta de ensino de Língua

Portuguesa sugerida por Travaglia. Com ela, temos a dimensão do que, de fato, pode ser aplicado e convém

ser ensinado aos usuários da língua, para que tenham, além das competências associadas à língua, a

competência profissional:

A proposta é também trabalhar a gramática numa perspectiva formal mais ampla, na dimensão do funcionamento textual-discursivo dos elementos da língua, uma vez que a língua funciona em textos que atuam em situações específicas de interação comunicativa e não em palavras e frases isoladas e abstraídas de qualquer situação ou contexto de comunicação. A perspectiva textual tem a possibilidade de fazer com que a gramática seja flagrada em seu funcionamento, evidenciando que a gramática é a própria língua em uso. Isto muda também o conceito de gramática que será usado no ensino de língua materna, pois se passa a ver como integrando a gramática tudo o que é utilizado e/ou interfere na construção e uso dos textos em situações de interação comunicativa e não só o conhecimento de alguns tipos de unidades e regras da língua restritas ao nível morfológico (classes de palavras, flexão verbal e nominal e as categorias que elas expressam: gênero, número, pessoa, tempo, modo, voz e aspecto) e sintático (termos da oração, tipos de orações e períodos, regras de concordância e regência, etc.) (TRAVAGLIA, 2000, p. 109).

Saber utilizar a língua de maneira eficaz, que produza o sentido pretendido, que faça o ouvinte/leitor

entender a mensagem proposta só reitera nossa atenção no que se refere ao registro, ao discurso, à competência

comunicativa, dentre outros elementos favoráveis à construção do texto, não só empresarial, mas de qualquer

tipo de texto. Na ausência dessa prática eficaz da língua, constatamos algumas situações desconfortáveis para

alguns profissionais, como é o caso dos candidatos que deslizam no uso da língua e, em algumas vezes, perdem

a vaga oferecida. É válido ratificar que a importância da linguagem não está vinculada apenas ao uso das normas

gramaticais, mas às seleções discursivas feitas pelo sujeito enunciador. Um exemplo claro, apontado por

Luciano Segura, é o exposto a seguir:

Se o chefe entra na sala e diz que você precisa ser mais pró-ativo ou proativo (este é o correto, derivado do Inglês proactive – forma registrada em 1933). Na verdade seu chefe mal sabe se é “pró-ativo” ou “proativo”, mas cobra “proatividade”, palavra que mesmo o moderno dicionário Houaiss não registra. Já sobre “proativo”, o dicionário diz ser relativo àquele “que visa antecipar futuros problemas, necessidades ou mudanças; antecipatório”, exatamente o mesmo significado da palavra em inglês. Será que era isso mesmo que ele queria dizer? Talvez estivesse pedindo para ter mais iniciativa, ou simplesmente querendo que fosse participativo. Mas não importa: desde que os lucros sejam “maximizados face às exigências do mercado”... Como diria Stanislaw Ponte Preta, o economês e o empresês fazem parte do febeapá atual – são línguas à parte (SEGURA, 2008).

Para representar de que maneira a linguagem tem se apresentado nos contextos empresariais,

citaremos algumas expressões consagradas no discurso empresarial e que, por vezes, são empregadas sem

representarem algo que, de fato, contribuam para os objetivos comunicativos. O que percebemos é que a

convenção do uso faz muito mais sentido do que propriamente o que elas significam. Chamamos a atenção,

mais uma vez, do usuário para o ensino produtivo da língua, a contextualização da produção discursiva e para

a exploração eficaz dos elementos linguístico-expressivos. Os exemplos foram retirados do cotidiano

empresarial. Eis alguns:

• Agregar valor – expressão usada para que algo passe a ser mais valioso. Já escorregou para a linguagem popular e hoje é importante fazer parte de uma ação que agregue. O Houaiss (2001) define agregar como “reunir em uma só todas as partes que não têm entre si uma ligação natural; fazer com que se juntem (pessoas ou coisas); reunir, congregar, tornar(-se) associado; acrescentar(-se), anexar(-se)”.

• Alinhar – é outra expressão usada quando uma empresa precisa pôr seus objetivos em harmonia; quando precisa “afinar a equipe”. Pode também significar que a empresa quer apresentar produtos ou soluções ligadas ou dirigidas diretamente ao cliente.

• Customizar – é adaptar um produto ao gosto do cliente (customer, em inglês). Essa palavra tem suas primas esquisitas: “fulcrar” – derivado de fulcro, “ponto de apoio; sustentáculo, base”, segundo o Houaiss (2001) – e “ociar” (relativo a quem não trabalha). É também vizinha de “lincar” (unir, criar relação, etc., derivada do inglês to link). Além dessa, existem ainda “atachar” (to attach), “clicar” (to click), “escanear” (to scan), “postar” (to post) e o constrangedor “upar”, abreviação do inglês to up load, que significa carregar dados para um disco virtual, geralmente na internet.

• Flexibilização – pode ter qualquer significação. Por exemplo, não costuma ser bem recebida pelos sindicatos, para quem “flexibilizar” significa, em rigor, “retirar direitos do trabalhador”. Flexível tem

significado próximo: quem aceita ordens sem questionar. Esse tipo de visão é quase sempre do empregador a respeito do empregado.

• Foco no cliente – A expressão se caracteriza por uma vagueza de sentido. Partindo do princípio de que uma empresa existe para produzir e vender, por exemplo, qual a importância objetiva de se afirmar que a empresa tem foco no cliente?

• Levantar a torcida – outra expressão desgastada para significar elemento algum. Levantar a torcida é agradar, é “fazer bem feito”, é dar ibope.

• Mudar de paradigma – outra expressão muito precisa que dá conta de toda a existência humana, quando se trata de apontar qualquer elemento, seja ele qual for. Mudança de paradigma é, nas empresas, tanto o upgrade nos funcionários (outra expressão que não faz o menor sentido) quanto à troca da lâmpada do corredor. Outra forma de falar sobre isso é “choque de gestão”.

• Sinalizar – simplesmente “avisar”. É comum que empregados “sinalizem” que gostariam de aumento. E que empregadores “sinalizem” enfaticamente que a empresa passa por um momento de recessão, de crise, quando é necessário “minorar” (diminuir) os custos.

• Vestir a camisa – significa, em resumo, “fique feliz por estar aqui”. Ou, na pior das hipóteses, “você não é mais necessário”, quando se ouve “você não vestiu a camisa da empresa”.

Com tais exemplos, percebemos o quanto os usuários da língua empregam expressões nem sempre

tão eficientes, nos contextos profissionais, para atingirem seus objetivos comunicativos. Também notamos que

se torna necessário observar as aplicações da língua, para que ela seja utilizada de modo a produzir o efeito de

sentido que realmente se quer. Ela deve ser entendida como uma entidade dinâmica, continuamente alterada e

enriquecida por novas gírias, expressões e palavras importadas, mas não tratada como um território sem leis. A

atenção ao equilíbrio da forma e do conteúdo, inclusive nas variações de registro, motiva-nos a perceber que a

nossa realidade nos estimula a observar os recursos da língua no dia a dia e aplicá-los de forma producente nas

variadas situações do cotidiano, inclusive, nas relações profissionais.

CÂMARA Jr, Mattoso Joaquim. Dicionário de Linguística e Gramática. Petrópolis: Vozes, 1986.

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TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2000.

Data de submissão: set./2016.

Data de aprovação: out./2016.

Fabio Mario da SILVA1

Ao Professor Doutor Abel Pena, pelos diálogos sobre mitologia

RESUMO Memorial dos Milagres de Cristo e Triunfo do Divino Amor é a segunda parte da trilogia épica da monja cisterciense Soror Maria de Mesquita Pimentel, epopeia essa que será objeto de uma nova edição como projeto de pós-doutorado, sediado na Universidade de São Paulo e com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.2 Apesar de ter publicado ainda em vida Memorial da Infância de Cristo e Triunfo do Divino Amor, primeira epopeia publicada em língua portuguesa por uma mulher, em 1639, e da existência do Memorial da Paixão de Cristo e Triunfo do Divino Amor (terceira parte), no mesmo manuscrito do Memorial dos Milagres, nosso objetivo é apenas apresentar, sucintamente, algumas nuances deste segundo tomo. PALAVRAS-CHAVE: Memorial dos Milagres de Cristo, epopeia, Soror Maria de Mesquita Pimentel

ABSTRACT Memorial of the Miracles of Christ and the Triumph of the Divine Love is the second part of the epic trilogy by the Cistercian nun Soror Maria de Mesquita Pimentel, the epopee that will be the subject of a new edition as postdoctoral project based at the University of São Paulo, with financial support from the São Paulo State Foundation of Support of Research. [1] Despite having published still in life the Memorial of the Infancy of Christ, the first epic poem published in the Portuguese language by a woman in 1639, and in spite of the existence of the Memorial of the passion of Christ (third part) in the same manuscript of the Memorial of Miracles, our goal is to present only briefly, some nuances of this second volume. KEYWORDS: Memorial of the Miracles of Christ, epic, Soror Maria de Mesquita Pimentel.

Sob o código 406 da Coleção Manizola da Biblioteca Pública de Évora encontra-se a referência a uma cópia do manuscrito em estudo, que conteria as 2.ª e 3.ª partes do Memorial da Infância de Cristo (1639), impresso ainda em vida de Soror Maria de Mesquita Pimentel, referindo a sua possível posse pela Livraria de Alexandre Metello de Souza Menezes, conselheiro de D. João V. O documento possui, na sua totalidade, 1090 imagens e 545 fólios (retro e verso) enumerados pela Biblioteca Pública de Évora, sendo que, destes, 295 perfazem o total do Memorial dos Milagres de Cristo e Triunfo do Divino Amor (segunda parte). Esta obra obedece quase à mesma organização das outras partes: está dividida em 13 cantos com versos em oitava rima, estando cada um dos quais precedido por um resumo, o “Argumento” de cada canto, também com oito versos.

1 Pós-doutorando em Literatura Portuguesa da Universidade de São Paulo/FAPESP e pesquisador do CLEPUL (Centro de Literaturas

Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa).

2 Um dos objetivos do nosso projeto é publicar no Brasil a trilogia épica da autora, com estudos introdutórios e filológicos.

Imagem do primeiro fólio do primeiro canto.

No Memorial dos Milagres, a narradora se apresenta com grande humildade, assumindo ter o pincel

“tam rude” e de “grosseiras tintas”, como forma de cumprir o decoro literário de pedir inspiração divina (ao

Deus cristão e aos deuses gregos): “Meu génio é incapaz, fraco o talento”3 (canto I, est. 2), incorporando “a

imitação da ‘baixeza’ camoniana, de uma certa modéstia afetada” (SILVA: no prelo) e que, para Isabel Morujão,

igualmente cumpriria a função de um ethos cuja fragilidade resulta ainda mais vincada, “pois a pena será tanto

mais rude quanto mais ignorante for o emissor” (MORUJÃO: 2013, p. 21).

A narrativa deixa evidente que teria por objetivo “glorificar” e “salvar” os seus leitores que estarão

instruídos nos divinos milagres, como assim se refere no Prólogo: “O Céu permita que gratos/ Almas lerem esta

3 Todas as citações do Memorial dos Milagres de Cristo se referem à cópia manuscrita depositada na Biblioteca Pública de Évora,

uma vez que a edição moderna com estudos introdutórios desta obra, de nossa lavra, ainda está em curso. Assim, tomaremos a liberdade de apenas referir o canto e a estrofe a que pertence cada excerto transcrito.

historia,/ Pelos seus merecimentos/ Todos se vejam na Gloria” (Prólogo). Desta maneira, a narrativa busca

cumprir a função didático-pedagógica própria das obras de escritoras monásticas.4

O canto I faz referência à condição de Jesus, que, de tão humano, sentira sede e fome; narra-se seu

convívio, já adulto, com sua família, e sua devoção ao trabalho, vivida na labuta com o seu pai, José, bem

como a premonição da Virgem Maria, que sentirá futuramente um “rayo fatal ferir lhe o peito” (canto I, est. 28),

encarnando a imagem de Nossa Senhora das Dores, que, sob o fardo futuro de viver muitos sofrimentos e

angústias, entende também que seu filho, já visto pela mãe como o Senhor, tem um propósito maior a seguir:

Em nome de Deus Padre omnipotente e no vosso que sois sabedoria e no daquele espirito, doce ardente que de ambos procedendo é vossa guia Sahi pera salvar a humana gente que como o pai eterno vos emvia a mai fara às dores resistencia pois como vos lhe observa obediência (canto I, est. 34)

O primeiro canto celebra e dá especial destaque à importância do Batismo como remissão do

pecado e fala da relação harmoniosa de Jesus com o seu primo, João Batista : “e como porque o homem seja

herdeiro/ do çeo e fique livre do pecado/ ordeno por remedio verdadeiro/ que primeiro renasça baptisado”

(canto I, est. 65).

O segundo canto, por seu turno, foca os 40 dias de jejum de Cristo no deserto e seu confronto com

Lúcifer, descrição que nos remete às lutas das epopeias clássicas, como a Ilíada, com referências a trajes de

guerra, incluindo uma citação en passant à deusa da guerra Belona, um diálogo entre Lúcifer e Belzebu e

diversas referências aos continentes e animais africanos. Neste momento da narrativa, evidencia-se aquilo que

os críticos denominam como uma das características principais de uma epopeia, pois elas podem ser “canções

guerreiras” (SARAIVA: 2004, p. 21), cumprindo as seguintes características, descritas por Bowra: “An epic poem

is by common consert a narrative of some length and deals with events wich have a certain grandeur and

importance and come from a life of action, especially of violent action such as war” (BOWRA: 1962, p. 1). Por

isso, Soror Pimentel caracteriza essas personagens bíblicas, Jesus e Lúcifer, com vestimentas medievais. Os trajes

descritos para esta luta se associam às qualidades dos combatentes: se, por um lado, Lúcifer está trajado com

4 É o que revela Ana Hatherly ao concluir que os textos monásticos femininos são efetivamente marcados por esta vertente

pedagógica, num sentido também formativo, didático, moral e emotivo, como assim verificou nos estudos sobre várias obras de Soror Maria do Céu, paradigmas estético-funcionais que também podemos estender à epopeia de Soror Maria PimentelC (cf. HATHERLY: 1990, p. 34).

três lanças, a gula, a vanglória e a ambição, armado também de inveja e soberba, e possui um capacete de

vaidade, (alusão aos sete pecados capitais), por outro, Cristo se traja da seguinte maneira:

Vem com candidas armas de pureza elmo rico de sua omnipotençia o Arnez sem igual de fortaleza a vizeira da lus da sapiençia a singular manopla de firmeza o escudo invençivel de sciençia espada de inclemençia em confiança que aqui se quer mostrar Deos de vingança (canto II, est. 58)

A narrativa, refere como este ser maligno tenta persuadir o herói Jesus (canto II, est. 61, 62, 63 e 66)

que o golpeia vencendo a liça (canto II, est. 67 a 82). Com a vitória sobre o mal, Cristo se regozija num banquete

entre seres celestes que vêm venerá-lo:

Comia o Rei da gloria entre milhares de Anjos que o servião humildemente aquelas iguarias singulares que lhe manda seu pai omnipotente elles entre dulçissimos cantares Suspencão cada hum suave sente se bem que era rascida de motivos dignos de sentimentos excessivos (canto II, est. 97)

Esta descrição acontece porque é preciso celebrar os feitos dos heróis épicos, que devem ser mais

gloriosos e portentosos do que os que lhes antecederam, numa tentativa de superação dos atos incríveis e,

neste tomo, Jesus figura como personagem principal. Philip Hardie explica a construção desta imagem

gloriosa que deve permear as epopeias: “from the beginning hero and poet are joined symbiotically in a

common purpose, the creation of kleos, ‘glory’ or ‘fame’, the hero through the performance of memorable

deeds, the poet through the commemoration of those deeds” (HARDIE: 1993, p. 99). Em seus escritos, Soror

Pimentel acentua essa imagem de estimado valor, sendo, para ela, Cristo Salvador o maior exemplo de

heroísmo aguerrido.

No terceiro canto, narra-se a saída de Jesus do deserto, sua peregrinação pela Palestina e passagem

por Cafarnaum, para, em seguida, celebrar um dos feitos mais conhecidos de Cristo: o milagre das Bodas de

Caná, quando, aconselhado por sua mãe, ele transforma a água em vinho, cena na qual Soror Pimentel introduz

deidades que acompanham a Virgem.

O quarto canto alude às leis antigas e aos males da ociosidade, exaltando-se a labuta diária, tal como

o fizeram Jesus, seus discípulos, a Virgem Maria, Moisés e David:

O trabalho poem freo ao penssamento por que velos se não va despenhamdo e o trabalho apura o emtendimento se no saber se vai exercitando o trabalho grangea o mantimento pois todos o alcançam trabalhando e quem trabalha só (segundo alcanco) sente o sabor que se açha no descanço (canto IV, est. 9)

Para introduzir o milagre dos peixes (estrofes 23 e 24), recorre-se à mitologia grega: “abrio Thetis as

liquidas moradas/ e as fes de seu thesouro carregadas” (canto IV, est. 28). Tais peixes representam as almas que

André e Pedro doutrinaram para a mesa divina do Senhor, cuja façanha conquista outros dois pescadores que

estavam em uma outra barca, Jacó e João. Neste canto, há também a referência à expulsão de um espírito

maligno por intervenção de Cristo, bem como à sua ida ao templo, que se tornara um espaço de negócio e de

cobiça do ser humano.

O canto V é, porventura, aquele em que se relatam mais milagres. Seguindo a jornada de Jesus por

várias terras, narram-se curas de paralíticos, coxos, cegos, leprosos, mudos e figuras malignas que vivem à volta

dos enfermos. Jesus cura também, por exemplo, uma mulher com hemorragias, só por esta lhe tocar as vestes,

atos que despertaram a ira dos Judeus, visto que Jesus descumprira algumas leis judaicas.

No canto VI, encontra-se o relato da ressurreição, por Jesus, do filho de uma viúva (passagem contida

em Lucas, Cap. 7), para, em seguida, relatar uma das passagens mais interessantes desta epopeia: as aflições e

tormentos dos Apóstolos que navegam com Cristo (est. 47) em águas agitadas, as quais Soror Pimentel atribui

aos deuses greco-romanos:

Neptuno de tal bem não ignorante Seu tridente inclinou (alto portento) christo adorou, lancando se dos peitos que a elle seus poderes são sogeitos o facundo occeano que apregoa que de çhristo o poder no mar se estende lhe humilhou a riquissima coroa em lhe Beijar seus pes somente entende (canto VI, est. 53)

Numa cena que desemboca em nereidas a cantar o poder de Jesus, que caminha sobre as águas, cuja

passagem se aproxima muito do canto IX de Os Lusíadas, Soror Pimentel deseja então mitificar uma ação real

– a que, para ela, realmente importa e é tida como única verdade, a história bíblica – através da subserviência

do caráter ficcional da mitologia. Para ela, esses deuses nunca existiram realmente e se compõem – quase –

como alegorias, num processo retórico importante para a composição do épico: “a matéria épica se faz

autonomamente através de um longo processo de desrealização do fato histórico, pela aderência mítica

incorporada” (SILVA: 1984, p. 18).

O canto VII, por seu turno, referencia as virtudes de Jesus, o milagre da multiplicação dos peixes e a

necessidade do alimento espiritual, referindo também a adoração a outras divindades, como Apolo, Marte e

Júpiter, que seriam falsos deuses. Essa estrutura de intercalar uma estória dentro de outra acontece como a

maestria de uma composição épica, que Soror Pimentel domina tão bem, pois a epopeia é, segundo Yves

Stalloni, geralmente, uma composição de grande amplitude que abarca uma vasta temporalidade,5 recorrendo

a muitas e variadíssimas personagens: “O narrador tem toda a liberdade para multiplicar os episódios ou

intercalar as histórias secundárias” (STALLONI: 2009, p. 74), pois a exaltação dos méritos, principalmente da

figura dos heróis, teria a função de “revelar ao público qual é o caminho da luz, da libertação, da felicidade

colectiva” (STALLONI: 2009, p. 75).

Por sua vez, o canto VIII relata a conversão de Matheus, que se tornará Apóstolo, designado a cobrar

impostos, como também de Zaqueu, publicano do Império Romano e homem rico que hospeda Jesus em sua

casa – fato transgressor por si só, visto que os judeus encaravam os publicanos como traidores, já que ajudavam

a cobrar os excessivos impostos de Roma.

O canto IX exalta, como processo valorativo do feminino – característica que Soror Pimentel tenta

celebrar desde o Memorial da Infância –, a glória das mulheres:

Ó não guardemos musa para tarde e se dos homens cantastes tanta gloria Das molheres o bem, que se bem guarde, por seculos eternos na memoria, cantemos Muza ja, que o peito arde por cantar os triumphos e a vitoria que entre as obras de christo e seus poderes Tiverão as ditosissimas molheres (canto IX, est. 1)

5 O próprio Aristóteles já referira em sua Poética que as epopeias dispõem de um tempo cronológico ilimitado (ARISTÓTELES: 2011,

p. 47).

Pimentel tem a intenção de demonstrar a realidade das mulheres, por isso reforça que tais histórias de

figuras femininas (como, por exemplo, a da boa Samaritana) são verídicas e nada têm de ficcional, no sentido

de demonstrar a grandiosidade das mulheres:

Isto não são historias fabulozas Nem patranhas sonhadas de poetas Douradas com as tintas mais lustrozas Dos pinçeis singulares dos planetas Mas são verdades puras numerozas Tiradas lá das minas mais secretas Da historia do texto sacrosancto Como agora veremos neste canto (canto IX, est. 5)

Isto é uma forma de, por um lado, Soror Pimentel revelar e combater tanto o desprezo dos escribas

pelas mulheres quanto outros posicionamentos preconceituosos, e, por outro, de introduzir e realçar a vida de

Maria Madalena, a quem dedica um canto inteiro, o X. Invocando a musa, para em seguida recorrer à Virgem

Maria, Soror Pimentel refere também, neste canto, as personagens Marta e Maria, para, adiante, descrever a

beleza e o caráter erótico de Madalena – o qual é condenado por Jesus – e de qualquer mulher que represente

a sensualidade. É revelado também uma possível vontade de cometer suicídio por parte de Madalena:

Eu pecando, a mim propria quis matar me e na minha alma dei mortaes feridas queis a penas eternas condenar me por glorias que em chegando ja são idas Dos verdadeiros bens fui dezerdar me pelas imagens falças e fingidas Douradas co pinçel do çego engano que disfraçou, em bem, meu mortal dano (canto X, est. 35)

O canto undécimo relata vários acontecimentos e descreve várias personagens, desde cegos, surdos e

mudos, passando pela expulsão de demônios, mais exatamente de uma mulher que tem a filha atormentada

por um espírito maligno, destacando a persistência e valores femininos, para, depois, no canto XII, dar vazão a

uma revista da grandeza de Deus e à sua relação com o filho amado, aludindo aos seus dons sobrenaturais,

bem como a solidão em orações e os seguidores que o acompanham, como, por exemplo, São Pedro.

Por fim, no último canto, é narrada a ressurreição de Lázaro e o clamor de suas chorosas irmãs, Marta

e Maria, ato que fará despertar a ira dos “vingativos judeus”. A grande façanha de Cristo, neste caso, está no

milagre da superação da putrefação da carne, visto Lázaro já ter morrido há dias:

[…] Senhor tão largo tempo bem descobre que de seu corpo a terra estava farta e cauzara seu çheiro tal tormento que não podia sofresse hũ só momento. (canto XII, est. 58) De pees e mãos atado, a vida unimdo por modo milagrozo extraordinario Do sepulcro os degraos vinha subimdo Com ser ja sido à morte tributario mais o milagre estava descobrimdo, Verem todos no seu rostro o sudario E mortalha com que fora cuberto Quamdo se vio no mais imtimo aperto (canto XII, est. 62).

A superação da putrefação, quer dizer, do macabro e do invisível, neste milagre do último canto do

Memorial dos Milagres será retomada com mais afinco no Memorial da Paixão, sendo o próprio Cristo o milagre

maior, encarnado na sua própria ressurreição. As grandes epopeias se preocupam com feitos valorosos e com

as grandes façanhas da história da humanidade. Por isso, para Soror Pimentel, a vida de Cristo se constitui como

mote exemplar de composição épica. Apesar de estar tratando do tema maior do cristianismo e de sua condição

monástica, Soror Pimentel introduz significativamente várias personagens da mitologia numa tentativa de seguir

modelos de outras epopeias, demonstrando, assim, toda a sua erudição e conhecimento não apenas mitológico

e bíblico, mas histórico, geográfico e filosófico, principalmente sob o prisma das várias referências que faz ao

longo dos três tomos da trilogia. Infelizmente, o Memorial dos Milagres não escapou ao patíbulo dos censores,

permanecendo quase 400 anos inédito, para este manuscrito ser descoberto.6 Certamente, a autora representa

dos grandes vultos da literatura de autoria feminina portuguesa antes do século XIX, cuja produção só agora

vem despertando o interesse da crítica.

ARISTÓTELES. Poética. Trad.: Eudoro de Sousa. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2001.

6 Antónia Fialho Conde é a primeira estudiosa a referenciar este manuscrito, encontrado na Biblioteca Pública de Évora, sob a cota

“Cód. 406” do fundo Manizola, o que seria a continuação desta trilogia épica: o Memorial dos Milagres e o Memorial da Paixão de Cristo (cf. CONDE: 2009, p. 176).

BÍBLIA SAGRADA. Trad.: Euclides Martin Balancin e José Luís Gonzaga do Prado. 12. ed. São Paulo: Paulus, 2000.

BOWRA. Cecil M. From Virgil to Milton. London: Macmillian & Co Ltd., 1962.

CONDE, Antónia Fialho. Cister ao Sul do Tejo: o Mosteiro de S. Bento de Cástris e a Congregação Autónoma de Alcobaça (1576-1776). 2009. Tese (Doutorado em História) – Universidade de Évora, Évora. 2009.

HARDIE, Philip. The epic successors of Virgil: a study in the dynamics of a tradition. Cambridge: University of Cambridge, 1993.

HATHERLY, Ana. Estabelecimento de texto e estudos introdutórios. In: CÉU, Sóror Maria do. A Preciosa. Edição atualizada do códice 3773 da Biblioteca Nacional. Lisboa: Instituto de Investigação Científica, 1990. p. 7-123.

MORUJÃO, Isabel. O monte Parnaso fui deixado: cristianismo e cultura clássica na épica conventual feminina em Portugal. Revista de escritoras ibéricas, Madrid, v. 1, n. 1, p. 9-10, 2013. Disponível em: <http://e-spacio.uned.es/revistasuned/index.php/REI/ article/view/5638>. Acesso em: 13 jan. 2016.

PIMENTEL, Soror Maria de Mesquita. Memorial da Infancia de Christo e Triumpho do Divino Amor: primeira parte. Lisboa: Officina de Jorge Rodriguez, 1639.

______. Memorial dos Milagres e Memorial da Paixão [Manuscrito]. Acessível na Biblioteca Pública de Évora, Évora, Portugal. Cod.406. Fundo Manizola.

SARAIVA, António José. Introdução. In: CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. Lisboa: Figueirinha, 2004. p. 9-49.

SILVA, Anazildo Vasconcelos da. Semiotização literária do discurso. Rio de Janeiro: Elo Ed., 1984.

SILVA, Fabio Mario da. Introdução. In: PIMENTEL, Soror Maria de Mesquita. Memorial da Infância de Cristo e Triunfo do Divino Amor (primeira parte). São Paulo: Editora Todas as Musas, no prelo.

STALLONI, Yves. Os géneros literários. Narrativa, teatro e poesia. Trad.: Claudete Soares. 2. ed. Mem Martins: Europa-América, 2009.

Data de submissão: set./2016.

Data de aprovação: out./2016.

Flávio BARBOSA1

RESUMO O propósito deste trabalho é estudar uma das mais produtivas sinonímias do português do Brasil: a da palavra cachaça. O estudo é desenvolvido em três etapas: 1) resenha das contribuições de alguns linguistas para a conceituação de sinonímia. Tomarei principalmente por base os estudos de Palmer (1976), subsidiados pelos de Dubois (1991), Ilari e Geraldi (1995), Lyons (1981), Marques (1990) e Valente (1998); 2) exame da sinonímia de cachaça, agrupando-se os sinônimos estudados de acordo com quatro aspectos: as variações diatópica, diastrática e diafásica e as associações designativas envolvidas na produção dessa sinonímia. Nessa tarefa, tomarei por referência o registro do verbete cachaça no Dicionário Houaiss (2001), que contém um extenso levantamento sinonímico, com cerca de 420 sinônimos registrados; 3) cruzamento das características observadas no estudo da sinonímia de cachaça com as informações resenhadas, com o objetivo de fazer uma demonstração prática dos princípios teóricos apresentados. Pelo estudo dessa lista de palavras tem-se a oportunidade de observar a expressão da identidade brasileira, marcada em centenas de designações exclusivamente nacionais, algumas difundidas por todo o país, outras características de diferentes regiões; a grande popularidade da bebida; a riqueza expressiva dos sinônimos que ressaltam diversas noções relacionadas ao ato de beber, ao aspecto visual da bebida, aos efeitos causados por ela, a fatores históricos e sociais envolvidos em sua produção e consumo, à relação afetiva que o bebedor cria com sua “camarada” e às consequências trágicas possíveis quando essa relação se torna doentia. PALAVRAS-CHAVE: Semântica. Relações lexicais. Cachaça. Filologia Portuguesa. Diversidade linguística. ABSTRACT This study focuses on the synonymy of the word cachaça, which includes about 420 words in Houaiss Dictionary of the Portuguese Language (2001). It is developed in three parts: 1) concept of synonymy, according to Palmer (1976), Dubois (1991), Ilari and Geraldi (1995), Lyons (1981), Marques (1990) and Valente (1998); 2) grouping of the synonymy of cachaça from diatopic, diaphasic and diastratic perspectives, and also with regard to the designative associations which were observed; 3) data analysis correlating the information of the two previous sections. This is an opportunity to observe a relevant aspect of Brazilian Culture: the great popularity of this liquor, with words that are disseminated throughout the country and others that are typical of certain regions, the richness and expressivity of its synonymy, with words that emphasize ideas related to the act of drinking, to the visual aspect of the liquor, to its effects on the drinker, to historical and social factors related to its production, to the affective relationship between the drinker and its “comrade”, and to the possible tragic consequences that take place when this relationship becomes unhealthy. KEYWORDS: Semantics. Lexical relations. Cachaça. Portuguese Philology. Linguistic diversity.

1 Professor Adjunto de Filologia Românica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Neste estudo, que representa um desenvolvimento das informações já apresentadas em Barbosa

(2011), apresenta-se uma análise da lista de palavras registradas como sinônimos no verbete cachaça do

Dicionário Houaiss da língua portuguesa (HOUAISS e VILLAR, 2001)2. A relação inclui centenas de sinônimos,

o que indica que o referente da palavra está profundamente entranhado na cultura brasileira, que se apropriou

do mesmo criando numerosas formas de designação, para enfatizar variadas maneiras de enfocá-lo.

John Lyons (1981) define sinonímia como identidade de significado, distinguindo a partir dessa

definição dois tipos dela: a completa e a absoluta. A sinonímia completa, relativamente rara, é o mesmo

significado descritivo, expressivo e social em uma determinada faixa de contextos. O mais comum seria

encontrar palavras com mesmo significado descritivo, mas com diferentes significados expressivos e sociais.

A sinonímia absoluta, praticamente inexistente, é a identidade de distribuição e mesmo significado

descritivo, expressivo e social em todos os contextos de ocorrência. Lyons (1981) comenta que a sinonímia

absoluta está provavelmente restrita a um vocabulário altamente especializado que é puramente descritivo.

Marques (1990, p.106), ao estudar a sinonímia, cita a seguinte definição de Katz:

...uma forma linguística A é sinônima de outra forma linguística B num de seus significados, se ambas têm pelo menos uma leitura em comum. A sinonímia ocorre, quando uma forma linguística A e outra forma linguística B têm os mesmos conjuntos de leituras. A paráfrase é uma sinonímia entre sintagmas ou sentenças.

Note-se que essa definição considera contexto linguístico, dizendo que sinonímia é a identidade de

leituras possíveis (definidas a partir do contexto) de dois vocábulos.

Ilari e Geraldi (1995) conceituam sinonímia partindo da noção de paráfrase. Definem-na como

“equivalência de significado” e afirmam ser a sinonímia um dos possíveis fatores para a ocorrência da relação

de paráfrase entre duas frases. Distinguem-se as duas noções porque a paráfrase ocorre entre frases e a

sinonímia entre palavras.

Matoso Câmara Júnior, no seu Dicionário de lingüística e gramática (1992 [1956]), define sinonímia

como a “propriedade de dois ou mais termos poderem ser empregados um pelo outro sem prejuízo do que se

pretende comunicar”. A definição fornecida por Matoso está em consonância com outras aqui apresentas. A

2 Por necessidade de economia de espaço, não citarei o verbete completo do dicionário Houaiss. Entretanto, a lista de sinônimos de

420 itens será apresentada nos agrupamentos feitos neste estudo.

novidade da sua consideração está na expansão do âmbito de abrangência das relações de sinonímia: ao invés

de considerá-la apenas em nível lexical, Matoso diz que pode ocorrer “em todos os planos das formas

linguísticas”: afixos, palavras, vocábulos gramaticais, locuções, frases. A partir dessa afirmação, observa-se que,

diferentemente de outros teóricos apresentados, Matoso não estabelece uma variedade de equivalência de

significado no nível lexical (sinonímia) e outra no nível frasal (paráfrase). Além disso, acrescenta novos níveis

inferiores ao do léxico nos quais essa relação também ocorre.

Dubois (1991, p. 155) afirma haver duas acepções possíveis para o termo sinonímia: 1) Possibilidade

de dois termos se substituírem em um único enunciado isolado (haveria uma lista de sinônimos para uma dada

palavra em um dado contexto). 2) Possibilidade de dois termos se substituírem em todos os contextos.

Dubois ressalta a importância do contexto linguístico para estabelecer a relação de sinonímia entre

dois termos e distingue dois tipos de sinonímia, com a ressalva de que ela deve ser considerada em graus:

tendência maior ou menor à identidade de significado e à possibilidade de intercambiamento em um mesmo

contexto. Não fala, entretanto, em sinonímia completa nos mesmos termos de Lyons; usa a oposição entre

sinonímia completa e incompleta para apreciar outras possíveis distinções entre sinônimos: na completa

agrupa palavras de mesmo senso cognitivo (denotativo) e afetivo (conotativo); já na incompleta há

coincidência apenas no senso cognitivo.

Palmer (1976) também conceitua sinonímia como “igualdade de significado”. Comenta, em seguida,

o tratamento dos dicionários, dizendo que a partir dessa noção de igualdade de significado, várias listas de

palavras podem ser apresentadas, mas é importante fornecer ao leitor informações adicionais sobre as relações

semânticas existentes.

A partir de informações de Palmer (1976), é possível sistematizar os possíveis níveis de diferenciação

entre os sinônimos: segundo ele, dados dois sinônimos, é possível estabelecer as diferenças existentes entre eles

por cinco maneiras diferentes:

1) A diferença de dialetos ‒ variação lexical a partir da localização geográfica. Diferentes variedades

de uma mesma língua com vocabulário diferente.

2) A diferença de estilo ou registro ‒ a distinção entre estilos é menos clara do que entre variedades

linguísticas geograficamente determinadas; pode-se mudar de estilo em uma mesma conversa, mas raramente

mudar de dialeto. O uso de vocábulos diferentes em um dado contexto também causa efeitos diversos.

3) As diferenças de significado emotivo e valorativo ‒ o significado cognitivo pode ser o mesmo entre

dois sinônimos valorativamente diferentes; o que muda é a visão que se transmite em relação a esse significado.

Não se deve tentar separar o significado cognitivo do valorativo: não é fácil determinar com precisão seus

limites. Outra razão para não se fazer isso é que certas palavras têm pouco ou nenhum significado cognitivo

(belo, bom etc.), sendo usadas apenas valorativamente.

4) A limitação de ocorrência das palavras pelo contexto ‒ sinônimos absolutos podem não ser

intercambiáveis em qualquer contexto.

Para esse caso, Valente (1998) cita o exemplo de matar/assassinar, que têm sua seleção determinada

pelo objeto verbal: matar é mais genérico do que assassinar, que costuma ser usado apenas quando o objeto

apresenta o traço [+ humano]. É graças a esse tipo de diferença que se obtém, por exemplo, o humor em frases

como “assassinaram o camarão”, no samba Tragédia no fundo do mar (Zeré e Ibrain, 1974). Nessa letra, a

infração da restrição léxico-semântica já mencionada é a primeira pista de que, na verdade, os animais marinhos

passam por humanização. Vejamos um trecho do samba:

Assassinaram o camarão Assim começou a tragédia no fundo do mar O caranguejo levou preso o tubarão Siri sequestrou a sardinha tentando fazer confessar O guaiamu que não se apavora Disse: — Eu que vou investigar! Vou dar um pau nas piranhas lá fora Vocês vão ver, elas vão ter que entregar.

A metáfora, que começa a ser construída com o uso de assassinar, prossegue: camarão e sardinha

representam pessoas frágeis; caranguejo, siri e guaiamu, crustáceos encouraçados, são agentes da lei; o tubarão

apropriadamente faz as vezes de um criminoso potencial; piranha tradicionalmente faz referência a prostituta.

Assim os compositores fazem uma crônica bem-humorada do cotidiano, traçando diferentes perfis sociais

envolvidos em uma investigação policial.

A necessidade do estudo dos sinônimos levando em conta o contexto linguístico, assim como a

situação de uso, é uma tônica das considerações de Marques (1990). A autora critica, por exemplo, as

concepções estruturalistas, que enfocam fenômenos semânticos apenas em nível paradigmático, abstrato e

formal, e ressalta a importância do contexto para a compreensão das atualizações de sentido que ocorrem para

um mesmo vocábulo, além da importância de fatores como as restrições de significado ocasionadas por razões

sintáticas e da interferência situacional no uso linguístico do falante.

É, ainda, comum entre muitos teóricos a ideia de que o contexto linguístico tem tanta influência nas

relações de significado que pode até anular oposições de significado (em “o meu cachorro acaba de ter

cachorrinhos”, anula-se a oposição cachorro/cadela, ou a distinção entre o hiperônimo cachorro, que

englobaria o animal em ambos os sexos), ou mesmo criar oposições entre palavras normalmente consideradas

sinônimas (poderíamos imaginar a frase “não me chame de careca. Eu sou é calvo!”).

5) A existência de pontos de contato no significado de determinados conjuntos de vocábulos, que em

última análise, não são completamente sinônimos. Os dicionários exploram esse conceito “um pouco frouxo”

de sinonímia. Por vezes, procurando sinônimos para cada palavra em uma lista sinonímica, chega-se a novas

listas diferentes para cada caso (por isso se defende a listagem de sinônimos por acepção nos dicionários).

Muitos dicionários não explicitam as relações semânticas existentes entre sinônimos, o que dá a impressão de

correspondência perfeita entre palavras.

Finalmente, após estabelecer esses cinco níveis de diferenciação entre sinônimos, Palmer (1976)

propõe dois critérios de teste: a substituição de sinônimos em diferentes contextos e a comparação com palavras

opostas, também em diversos contextos. É basicamente a regra da comutação, usada para o estudo comparativo

de elementos linguísticos de vários níveis, que também é produtiva para a análise da sinonímia.

Tomando por base a sinonímia registrada no Houaiss (2001), considerarei apenas a acepção

“aguardente obtida da destilação da borra do caldo de cana, ou do cabaú, ou do caldo de cana extraído esp.

para esse fim, após ter passado por processo prévio de fermentação alcoólica; aguardente de cana”, por ser essa

a mais atual e a de maior riqueza sinonímica.

Agrupamentos desses sinônimos serão feitos considerando-se quatro variáveis: as variações diatópica,

diastrática e diafásica e as associações designativas envolvidas.

Quadro 1: Sinônimos agrupados diatopicamente. 1 – Palavras usadas em âmbito lusofônico: cachaça e aguardente.

2 – Brasileirismos: abre, abre-bondade, abre-coração, abrideira, abridora, ácido, acuicui, água-bórica, água-branca, água-bruta, agundu, alpiste, anacuíta, apaga-tristeza, aquela que matou o guarda, aquiqui, arapari, ardosa, ardose, ariranha, assina-ponto, azeite, azulada, azulina, bafo de onça, bafo de tigre, baga, bagaceira, baronesa, bataclã, bichinha, bicho, bico, boresca, branca, brande, brasa, braseira, braseiro, brasileira, brasileirinha, brava, briba, cachorro de engenheiro, caiana, caianarana, caianinha, cambraia, cambrainha, camulaia, cana, cana-capim, caninha, caninha-verde, canjica, cascavel, catrau, catrau-campeche, catuta, cauim, caxiri, cem-virtudes, chá de cana, champanha da erra, chatô, chica, chica-boa, chora-menina, chorinho, choro, chuchu, cidrão, cipinhinha, cobreia, concentrada, crislotique, cumbeca, cumbica, cura-tudo, danada, danadinha, danadona, desmanchada, desmanchadeira, doidinha, dona-branca, dormideira,

ela, elixir, engenhoca, engasga-gato, espridina, esquenta aqui dentro, esquenta-corpo, esquenta-dentro, estricnina, faz-xodó, ferro, filha do engenho, filha do senhor do engenho, fogo, fogosa, forra-peito, fragadô, gengibirra, girgolina, gororoba, gororobinha, granzosa, gravanji, guampa, guarupada, insquento, isbelique, já-começa, jeriba, jeribita, jinjibirra, juçara, jurubita, lamparina, limpa-goela, limpa-olho, limpinha, limpinha, lisinha, malavo, mamadeira, manduraba, mangabinha, maria-marvada, marvadinha, mata-bicho, mindubinha, mistria, moça-loura, molhadura, morretiana, muncadinho, não sei quê, nó-cego, nordígena, óleo de cana, oranganje, orontanje, oti, otim, otim-fim-fim, panete, parati, parda, pé de briga, pílcia, piloia, pindaíba, pinga, pingada, pinga-mansa, pinguinha, piraçununga, pirita, pitula, presepe, pringomeia, purona, quindim, rija, roxo-forte, salsaparrilha de brístol, samba, santamarense, santinha, sinhazinha, sorna, suruca, tafiá, teimosinha, tempero, terebintina, tinguaciba, titara, tome-juízo, uca, uma-aí, unganjo, urina de santo, vela, venenosa, xarope de grindélia, xarope-galeno, ximbica, ximbira, xinabre.

2.1 – Centro-oeste:

2.1.1 – Mato Grosso: restilo.

2.1.2 – Mato Grosso do Sul: igarapé-mirim.

2.2 – Nordeste: água, água-benta, azulzinha, branquinha, bicha, caeba, delas-frias, dengosa, espiridina, espírito, filha de senhor de engenho, levanta-velho, limpa, lisa, maçaranduba, malunga, malvada, mandureba, mateus, minduba, mundureba, otim-fifum, patrícia, pilora, purinha, semente de arrenga, sete-virtudes, sinhaninha, sumo de cana torta, supupara.

2.2.1 – Alagoas: junça, azuladinha, jurupinga, negrita.

2.2.2 – Bahia: aca, água-lisa, água que passarinho não bebe, amorosa, bicarbonato de soda, birinaite, birrada, boa pra tudo, bom pra tudo, capote de pobre, congonha, conguruti, crua, cruaca, danguá, espanta-moleque, extrato-hepático, gás, gaspa, iaiá me sacode, lanterneta, lebrea, maria-meu-bem, mata-paixão, meleira, mindorra, miscorete, omim-fum-fum, pau no burro, petróleo, pindonga, pitianga, tindola, tira-calor.

2.2.3 – Ceará: boa, canicilina, cascarobil, corta-bainha, cumbe, desmancha-samba, mamãe-sacode, mungango, pau de urubu, rama, teimosa.

2.2.4 – Maranhão: café-branco, quebra-jejum, restilo.

2.2.5 – Paraíba: jura, legume, perigosa, piribita, siúba, suor de alambique.

2.2.6 – Pernambuco: água que passarinho não bebe, a que incha, a que matou o guarda, assovio de cobra, canha, chambirra, fruta, gramática, homeopatia, imaculada, incha, lágrima de virgem, maçangana, melé, meropeia, mijo de cão, monjopina, mulatinha, pelecopá, preciosa, suor de cana torta, virge, virgem, zuninga.

2.2.7 – Rio Grande do Norte: penicilina, retrós, xarope dos bebos.

2.2.8 – Sergipe: água de cana, água pra tudo, aguarrás, angico, birinata, borbulhante, braba, cândida, cascabulho, caxirim, cipó, cotreia, delegado de laranjeiras, friinha, girumba, lapinga, laprinja, maciça, mamãe de aluana, mangaba, mariquinhas, miana, porongo, quebra-goela, quebra-munheca, pau-selado, santo onofre de bodega, sipia, tanguara, tira-juízo, tira-teima, tira-vergonha, três-martelos.

2.3 – Norte: aninha, azulzinha, branquinha, caxixi, dindinha, esquenta por dentro, imbiriba, levanta-velho, mateus, minduba, pela-goela, sumo de cana torta, tiúba.

2.3.1 – Acre: garapa-doida.

2.3.2 – Amazonas: cotreia, dengosa, igarapé-mirim, tiquara.

2.3.3 – Pará: camarada, dengosa, desmancha-samba, igarapé-mirim, tiguara, tiquara.

2.4 – Sudeste

2.4.1 – Espírito Santo: pevide.

2.4.2 – Rio de Janeiro: azulzinha, birita, boa, calibrina, cumulaia, cândida, glostora, goró, malafa, marafo, meu-consolo, pevide, remédio.

2.4.3 – Minas Gerais: azougue, caxaramba, espiridina, goró, januária, lebreia, maria-branca, oroganje, pau no burro, restilo, xinapre.

2.4.4 – São Paulo: água que passarinho não bebe, a do ó, água de setembro, água-pé, água que gato não bebe, alicate, canjebrina, cobertor de pobre, jamaica, maria-branca, moça-branca, montuava, morrão, óleo, parnaíba, restilo, santa-branca, sumo da cana, tíner, três-tombos, veneno.

2.5 – Sul: aço, alicate, canguara, caúna, prego, upa.

2.5.1 – Paraná: gasolina.

2.5.2 – Rio Grande do Sul: canha.

2.5.3 – Santa Catarina: água de briga, amarelinha, azulzinha, arrebenta-peito, bitruca, catinguenta, coco, martelo, marumbis, mulata, número-um.

3 – Lusismos: água-bórica, alpista, girgolina, rija.

4 – Africanismos

4.1 – Angola: malafo.

4.2 – Cabo Verde: grogue, cana.

4.3 – Guiné-Bissau: cana.

Observação 1: A grande quantidade de palavras agrupadas apenas como brasileirismos pode ter dupla

interpretação: é possível que isso se deva à real abrangência de uso das mesmas em todo o território nacional;

entretanto, a alta ocorrência de brasileirismos sem maiores delimitações também pode ser reflexo da falta de

investigações dialetológicas mais aprofundadas.

Apesar da plausibilidade da segunda hipótese, inegavelmente o consumo de cachaça é um traço cultural

brasileiro; assim, não seria totalmente descabida a grande quantidade de designações difundidas por todo o país.

Observação 2: Após consultas a Houaiss (2001) e a Ferreira (2000), dicionários gerais, restava uma

lista consideravelmente maior de brasileirismos genéricos; consultando o dicionário de Souto Maior (1973), foi

possível reagrupar muitas. O menor detalhamento por parte dos dois outros dicionários pode ser devido ao seu

caráter geral. Pode-se explicar, ainda, essa disparidade supondo-se que Souto Maior tenha considerado apenas

a região da criação das designações de cachaça para a delimitação geográfica, que, entretanto, já tenham se

expandido e alcançado maior amplitude de uso.

Observação 3: Não é consenso entre os dicionários o uso de cachaça em âmbito lusofônico.

Entretanto, por esse ser o nome comercial da bebida, além de servir de hiperônimo para o agrupamento dos

demais sinônimos, o registro pareceu razoável.

Observação 4: Algumas separações nos agrupamentos diatópicos lexicográficos parecem não se

justificar: palavras no grau neutro, no diminutivo e no aumentativo, a princípio não deveriam vir separadas no

registro diatópico: o uso do grau neutro implica a possibilidade de uso dos demais, principalmente no campo

semântico de alimentação, no qual o diminutivo afetivo é muito comum. Assim, não parece apropriado agrupar

branca como brasileirismo e branquinha como regionalismo do norte/nordeste. O mesmo ocorre com variantes

fonéticas, que também não devem ser separadas, a não ser que sejam comprovadamente características de

determinadas regiões. É o caso de manduraba (brasileirismo, segundo Houaiss) / mandureba (regionalismo do

Nordeste, segundo Houaiss, Aurélio e Souto Maior) / mundureba (brasileirismo segundo Houaiss, regionalismo

da Bahia segundo Aurélio e do Nordeste segundo Souto Maior).

Observação 5: É marcante a predominância dos sinônimos em uso no Nordeste do país. Isso é

explicável por fatores históricos, já que nessa região é tradicional o cultivo de cana-de-açúcar e a produção de

seus derivados nos engenhos de cana.

Nesse caso, agrupamento dos sinônimos de cachaça é bastante regular: à exceção de aguardente e

cachaça, todos os demais sinônimos podem ser classificados como populares e informais. Esse fato merecerá

mais comentários adiante.

Alguns dos sinônimos vão aqui agrupados em nove campos associativos: associações com animais;

aspecto físico visual da cachaça; o ato de beber; os efeitos causados pela bebida; fatores históricos ou sociais a

ela relacionados; referências negativas genéricas; referências positivas genéricas, além de dois agrupamentos

mais abrangentes: sinônimos relacionados a línguas, povos ou culturas africanas; sinônimos relacionados a

línguas, povos ou culturas indígenas. Nem sempre foi possível descobrir o vínculo entre o sinônimo e o

referente, mas essa investigação poderá ser aprofundada posteriormente.

Quadro 2: Animais aquiqui, ariranha, assovio de cobra, briba, cachorro de engenheiro, cascavel.

Quadro 3: Aspecto físico visual água, água-benta, água-bórica, água-branca, água-bruta, água de briga, água de cana, água de setembro, água-lisa, água que passarinho não bebe.

Quadro 4: O ato de beber O ato de beber: abre, abrideira, abridora, bico, birinaite, birinata, birita, mamadeira, pela-goela, pinga, pingada, pinga-mansa, pinguinha, quebra-jejum.

4.1 – pedir ou servir a bebida: chora-menina, chorinho, molhadura, muncadinho. 4.2 – reações ao ato de beber: mungango, upa.

Quadro 5: Efeitos da cachaça

5.1 – Financeiros: pindaíba, pindaíva. 5.2 – Físicos: a que incha, incha.

5.2.1 – benefícios à saúde: bicarbonato de soda, bicho, boa pra tudo, bom pra tudo, canicilina, cura-tudo, elixir, extrato-hepático, homeopatia, mata-bicho. 5.2.3 – entorpecimento: birrada, dormideira, iaiá me sacode, três-martelos. 5.2.4 – propriedades letais: a que matou o guarda, estricnina, veneno, venenosa. 5.2.5 – percepções sensoriais: ácido, ardose, arrebenta-peito, bafo de onça.

5.3 – Psicológicos: 5.3.1 – Positivos: abre-coração, apaga-tristeza, azougue, já-começa. 5.3.2 – Negativos: alicate, assina-ponto, nó-cego, retrós, tira-juízo.

Quadro 6: Fatores históricos e sociais bataclã, brasileira, brasileirinha, delegado de laranjeiras, jamaica, patrícia, pau de urubu, samba.

6.1 – Localidades produtoras: a do ó, januária, monjopina, parati, Parnaíba.

6.2 – A mulher: baronesa, chica, chica-boa, dindinha, dona-branca, ela, filha de senhor de engenho, filha do senhor do engenho, mamãe de aluanda.

6.3 – Processo de produção da cachaça: baga, bagaceira, caiana, caianarana, caianinha, cana, cana-capim, canha, caninha, caninha-verde, engenhoca.

6.4 – Referências a outras bebidas: brande, café-branco, cauim, champanha a erra, chá de cana, cidrão,

gengibirra, malafo.

6.5 – Religião: santa-maria, santinha, santo onofre de bodega.

Quadro 7: Referências negativas em geral braba, brava, corta-bainha, crua, cruaca, isca, malvada, marvada, marvadinha, pé de briga, perigosa, pirita, roxo-forte, suruca.

Quadro 8: Referências positivas em geral boa, camarada, cem-virtudes, sete-virtudes.

Quadro 9: Sinônimos relacionados a línguas, povos ou culturas africanas angico, caxaramba, caxixi, cumbe, jeriba, jeribita, jura, jurubita, maçangana, omim-fum-fum, oti, otim, otim-fifum, otim-fim-fim, piribita, ximbica.

Quadro 10: Sinônimos relacionados a línguas, povos ou culturas indígenas brasileiras

acuicui, arapari, canguara, cumbeca, cumbica, igarapé-mirim, imbiriba, juçara, mangaba, mangabinha, piraçununga.

Este estudo é mais uma demonstração da inviabilidade da concepção de sinonímia como identidade

de significado em todos os usos possíveis de uma palavra. As próprias delimitações que foram necessárias para

o estudo são uma prova disso.

Ao terminar a extensa sinonímia, Houaiss (2001) esclarece: “deixaram-se de registrar locuções,

fraseologia e os nomes de cachaça com misturas, assim como os das cachaças feitas com outra coisa que não

a cana-de-açúcar”. Também foi preciso escolher uma acepção específica do verbete para excluir do estudo os

sinônimos de mania.

Seguem considerações sobre a sinonímia da cachaça, com base nos cinco níveis de Palmer:

1) Quanto à questão dialetal, os sinônimos são amplamente distribuídos, desde o nível lusofônico até

o de brasileirismo regional. Assim, cachaça e aguardente não marcam nitidamente a identidade dialetal do

falante, pois têm uso geral na língua portuguesa. Entretanto, quem se refere a cachaça como chambirra está

marcando por seleção lexical a sua inserção em uma comunidade linguística diferente da de quem usa a

designação a do ó. Não se pode, portanto, considerar que essas duas formas de referência tenham a mesma

carga semântica. Um escritor pode, por exemplo, usar uma delas ao caracterizar um personagem, reforçando

sua identidade regional.

2) Considerando as variações de registro e estilo, mencionou-se anteriormente que os sinônimos de

cachaça têm dois pontos quase genericamente comuns: são informais e populares. Por isso mesmo fica mais

forte a distinção expressiva existente entre aguardente e a que matou o guarda, por exemplo.

A ironia, inclusive, é um dos efeitos estilísticos mais presentes na sinonímia da cachaça. Seu uso pode

estar relacionado à grande repressão historicamente relacionada ao consumo da bebida no Brasil. A cachaça

praticamente já nasceu estigmatizada: no século XVI era bebida energética dada a bestas e escravos; seu

consumo difundiu-se a partir da metade do século XVI até pôr em risco os interesses econômicos da metrópole

portuguesa: a bagaceira, aguardente de uva produzida e comercializada pelos portugueses, teve seu consumo

reduzido por causa da popularidade da cachaça. Seguiram-se diversas tentativas frustradas de impedir o seu

fabrico e os portugueses, finalmente, decidiram tirar vantagem do consumo da bebida, passando a taxá-la no

século XVIII. A cachaça tem sido alvo de preconceitos por diferentes razões, desde o moralismo até o descrédito

sistemático por elementos característicos da cultura brasileira. Entre as motivações dessa imagem negativa da

bebida há também as justificadas, como os seus efeitos naqueles que se viciam.

3) O que se disse anteriormente já enfatiza diferenças de significado valorativo entre os sinônimos.

Como afirmou Palmer, o usuário faz claras escolhas de valoração positiva ou negativa (mesmo que irônica)

entre, por exemplo, cem-virtudes e venenosa.

Sobre a carga valorativamente positiva normalmente atribuída aos empréstimos estrangeiros,

comentada por Marques (1990), a cachaça tem alguns sinônimos produzidos a partir de nomes de bebidas

estrangeiras (como brande, champanha da terra e gengibirra). Usando esses empréstimos, o falante busca

transferir um traço positivo à designação, já que as bebidas estrangeiras têm uma imagem mais sofisticada.

4) A dificuldade de intercambiamento de sinônimos em diferentes contextos também se aplica à

sinonímia da cachaça. Observamos que alguns dos contextos mais exigentes para que isso ocorra são aqueles

nos quais se busca um efeito estético, ou se faz referência a características formais da palavra. Vejamos dois

desses exemplos:

Mulher, não vá se afobar Não tem que pôr a mesa, nem dar lugar Põe os pratos no chão e o chão tá posto E prepara as linguiças pro tira-gosto

Uca, açúcar, cumbuca de gelo e limão E vamos botar água no feijão

(Feijoada Completa – Chico Buarque de Hollanda)

Millôr Fernandes, apud Valente [1998]

No primeiro exemplo acima, uca é um dos poucos sinônimos de cachaça que podem servir para criar

um efeito de assonância com açúcar e cumbuca. Já na charge de Millôr Fernandes, o artista explora a

configuração gráfica da palavra pitu, que tem as mesmas letras de IPTU em ordem diferente. Nesse contexto

pode-se dizer que pitu é o único sinônimo de cachaça capaz de produzir o efeito comunicativo desejado.

5) Considerando-se a questão das relações entre sinônimos que têm apenas pontos de contato nos

quais se observa a identidade de significado, mas cuja extensão semântica geral é bastante diferente, podemos

observar sinônimos como água, vela, lamparina, petróleo, ferro, virgem, entre outros, que, quanto à designação

da cachaça, podem ser considerados sinônimos, mas cuja disparidade é observável pela consulta aos verbetes

correspondentes em um dicionário: sua extensão semântica é muito grande e a referência a cachaça é apenas

uma das possibilidades, por associação entre a bebida e determinada característica desses elementos. Teríamos,

portanto, uma lista diferente de sinônimos para cada uma das acepções consultadas.

Pelo estudo da sinonímia da cachaça tem-se a oportunidade de considerar a identidade brasileira,

expressa por centenas de designações exclusivamente nacionais, algumas difundidas por todo o país, outras

características de diferentes regiões; a grande popularidade da bebida, usada em alguns casos para suavizar as

mazelas vividas pelo povo, o que é verificável em sinônimos como cobertor de pobre, camarada, boa pra tudo

etc.; a riqueza expressiva dos sinônimos que ressaltam diversas noções relacionadas ao ato de beber, ao aspecto

visual da bebida, aos efeitos causados por ela, a fatores históricos e sociais envolvidos em sua produção e

consumo, à relação afetiva que o bebedor cria com sua camarada e às consequências trágicas possíveis quando

essa relação se torna doentia.

Essas observações demonstram como é inadequado dizer que os sinônimos são unidades lexicais

perfeitamente cambiáveis: mesmo que o objeto extralinguístico referido seja o mesmo, a forma de concebê-lo,

as valorações atribuídas, as intenções expressivas e mesmo a identidade social do usuário que a ele se refere

dificilmente serão iguais.

Outro ponto relevante é a demonstração da importância da cachaça na cultura brasileira: as muitas

designações indicam a diversidade experiencial por parte de uma comunidade linguística que, apesar de manter

relações contraditórias com essa instituição social, tem-na inegavelmente como expressão da sua história, das

suas crenças, dos seus problemas, do seu comportamento, dos seus valores, da sua vida.

ALMEIDA, Rômulo. Um cálice de história. Disponível em: <http://www.me-zochi.st/calice_historia.htm>.

BARBOSA, Flávio de Aguiar. Um estudo sobre a palavra “cachaça”. In: HENRIQUES, Claudio Cezar. Léxico e semântica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

CÂMARA JÚNIOR, Joaquim Matoso. Dicionário de lingüística e gramática: referente à língua portuguesa. 16.ed. Petrópolis: Vozes, 1992 [1956].

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro, 1954.

DUBOIS, Jean et al. Dicionário de linguística. São Paulo: Cultrix, 1991.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda. Novo Aurélio – século XXI, o dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. CD-ROM.

ILARI, Rodolfo; GERALDI, João Wanderley. Semântica. São Paulo: Ática, 1995.

LYONS, John. Linguagem e Lingüística: uma Introdução. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981.

MARQUES, Maria Helena Duarte. Iniciação à semântica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.

PALMER, F. R. A Semântica. Coleção Signos. São Paulo: Martins Fontes, 1976.

SOUTO MAIOR, Mário. Dicionário folclórico da cachaça. Recife, 1973.

VALENTE, André. A linguagem nossa de cada dia. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.

Data de submissão: jul./2016.

Data de aprovação: ago./2016.

Maria Teresa Gonçalves PEREIRA1

COELHO, Fábio; PALOMANES, Roza (Orgs.). Ensino de produção textual. São Paulo: Contexto, 2016.

A produção textual constitui um tema já intensamente tratado por teorias, estudos e pesquisas. Apesar

disso, os problemas persistem, estamos sempre procurando, senão resolvê-los, minimizá-los. Assim, obras que

abordam o assunto são bem-vindas, principalmente quando também apresentam práticas que estimulem o leitor

a experimentá-las. No livro, autores de diferentes procedências e enfoques formam um painel variado, com

abordagens de aspectos que perfazem a gama de questões relativas à produção textual. A leitura, sem dúvida,

trará subsídios de ordem crítica que levarão os leitores às reflexões pertinentes e necessárias a um trabalho

produtivo.

1 Professora Titular de Língua Portuguesa na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

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• O texto deverá ter, no mínimo, 10 (dez) páginas e, no máximo, 25 (vinte e cinco) páginas, em papel

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iniciando em 1. Nessa nota de rodapé, informar a maior titulação acadêmica, os vínculos institucionais de interesse e demais detalhes que julgue necessário sobre o autor, como, por exemplo, vínculos de orientação/supervisão, vínculos com projetos de pesquisa, participação em GTs etc.

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RESUMO).

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em parágrafo sem recuos ou avanços, nem entrada da primeira linha, com a expressão PALAVRAS-CHAVE toda em maiúscula, seguida de dois-pontos <:>; e de, no mínimo, 3 (três) e, no máximo, 6 (seis).

• Após as PALAVRAS-CHAVE, tecla-se, deixando-se uma marca de parágrafo sem texto.

• Logo após esse parágrafo sem texto (na linha logo abaixo à linha vazia), inicia-se o RESUMO EM LÍNGUA

ESTRANGEIRA (inglês, francês, espanhol ou italiano), em parágrafo sem recuos ou avanços da primeira linha. A palavra RESUMO, na língua estrangeira escolhida, toda em maiúscula, seguida de dois-pontos <:> e do texto do RESUMO com, no mínimo, 150 e, no máximo, 250 palavras.

• Após o RESUMO EM LÍNGUA ESTRANGEIRA, tecla-se, deixando-se uma marca de parágrafo sem texto

(linha vazia logo abaixo do RESUMO).

• Logo após esse parágrafo sem texto (na linha logo abaixo à linha vazia), iniciam-se as PALAVRAS-CHAVE,

em parágrafo sem recuos ou avanços, nem entrada da primeira linha, com a expressão PALAVRAS-CHAVE, na língua estrangeira escolhida, toda em maiúscula, seguida de dois-pontos <:>; e de, no mínimo, 3 (três) e, no máximo, 6 (seis).

• Após as PALAVRAS-CHAVE, tecla-se, deixando-se uma marca de parágrafo sem texto.

• Logo após esse parágrafo sem texto (na linha logo abaixo à linha vazia), inicia-se o texto, que é o CORPO

DE TEXTO.

• O parágrafo de CORPO DE TEXTO deverá ter espaço 1,5 (um e meio) de entrelinhas, ser justificado e

adentrado na primeira em 1,25cm (tabulação padrão do Word).

• O parágrafo de citação (apenas quando a citação exceder em 3 linhas no CORPO DE TEXTO ou for

composta de versos) deverá ter espaço simples de entrelinhas, ser justificado, sem adentramento na primeira linha e ter recuo de 2,5cm à esquerda.

• As citações no CORPO DE TEXTO devem ser feitas “entre aspas” (não em itálico); as citações em

parágrafo de citação não deverão vir nem “entre aspas” nem em itálico. Após as citações, as referenciações devem vir entre parênteses, da seguinte maneira: (SOBRENOME: ano, p. XX). Nas REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, ao final do texto, devem ser incluídos apenas os títulos efetivamente citados ou referenciados ao longo do texto.

• Nas REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, deve-se seguir o modelo padrão da ABNT NBR 6023 2002:

SOBRENOME, Nome. Título. Cidade: Editora, ano.

Veja exemplo extraído da ABNT NBR 6023 2002:

GOMES, L. G. F. F. Novela e sociedade no Brasil. Niterói: EdUFF, 1998.

• Os artigos devem ser acompanhados de breve biografia do autor, e as notas de rodapé devem ser

evitadas.

• Somente serão publicados os textos que seguirem, rigorosamente, essas normas de apresentação do

original, sendo seu teor e redação – inclusive quanto a eventuais erros de digitação, gramaticais ou conceituais – de inteira responsabilidade do(s) autor(es), não havendo compromisso de revisão dos textos por parte dos Editores.

Os artigos podem ser enviados como anexos para o e-mail: [email protected].

O endereço para correspondência: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE LETRAS

Secretaria dos Departamentos

Rua São Francisco Xavier, 524, 11º andar, Bloco B, sala 11.020, Maracanã

Rio de Janeiro, RJ -- CEP 20559-900.

A correspondência deve ser posta aos cuidados dos professores Claudia Amorim, Tania Camara e Flávio Barbosa.

Tel./Fax: +55( 21) 2334-0245 / 2334-0196 / 2334-0165 - e-mail: [email protected]