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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE ENGENHARIA DE LORENA
CRISTINA FEDERICCI LIMA
Potenciais Aplicações da Quitosana nas Áreas de
Biotecnologia, Agroindústria e Farmacêutica
Lorena/2015
CRISTINA FEDERICCI LIMA
Potenciais aplicações da quitosana nas áreas de biotecnologia,
agroindústria e farmacêutica
Monografia apresentada como requisito parcial para a conclusão de Graduação do Curso de Engenharia Química Orientadora: Heizir Ferreira de Castro
Lorena/2015
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIOCONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema Automatizadoda Escola de Engenharia de Lorena,
com os dados fornecidos pelo(a) autor(a)
Lima, Cristina Federicci Potenciais aplicações da quitosana nas áreas debiotecnologia, agroindústria e farmacêutica /Cristina Federicci Lima; orientadora Heizir Ferreirade Castro. - Lorena, 2015. 42 p.
Monografia apresentada como requisito parcialpara a conclusão de Graduação do Curso de EngenhariaQuímica - Escola de Engenharia de Lorena daUniversidade de São Paulo. 2015Orientadora: Heizir Ferreira de Castro
1. Quitosana. 2. Resíduo indústria pesqueira. 3.Aplicações técnicas. I. Título. II. Castro, HeizirFerreira de, orient.
Em memória ao meu amado avô, Domingos Federicci.
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais, Abdias e Linda, por nunca terem desistido de me
apoiar, mesmo após longos anos de faculdade.
Ao meu irmão, Roberto, por todos os momentos de descontração nas horas mais
difíceis.
Ao André, pela paciência, compreensão, incentivo e companheirismo.
Aos meus familiares e amigos, por entenderem a minha ausência em diversas
ocasiões e por estarem sempre dispostos a esperar pela próxima oportunidade de
algum encontro.
Aos amigos que dividiram a caminhada em Lorena, por aliviarem o peso das
decepções e compartilharem momentos excepcionais.
A minha orientadora, Profª Heizir, pelo suporte e ensinamento.
Àqueles que de alguma forma contribuíram para a minha caminhada até aqui.
“Nenhum projeto é viável se não começa a construir-se desde já: o futuro será o que começamos a fazer dele no presente.”
Içami Tiba
RESUMO
LIMA, C. F. Potenciais aplicações da quitosana nas áreas de biotecnologia, agroindústria e farmacêutica. 2015. 41 p. Monografia de graduação em Engenharia Química – Escola de Engenharia de Lorena, Universidade de São Paulo, Lorena, 2015.
A quitosana é a forma desacetilada da quitina, o segundo polímero mais
abundante na natureza depois da celulose, e constitui a maior fração dos
exoesqueletos de crustáceos. É um produto natural, de baixo custo, renovável e
biodegradável, de grande importância econômica e ambiental. As carapaças de
crustáceos são resíduos abundantes e rejeitados pela indústria pesqueira, que em
muitos casos as consideram poluentes. Sua utilização reduz o impacto ambiental
causado pelo acúmulo nos locais onde é gerado ou estocado. As características
físico-químicas da quitosana que resultam em propriedades como fácil formação
de géis, capacidade filmogênica e resistência mecânica, tornam esse material
potencialmente atraente para usos diversos, principalmente nos segmentos de
biotecnologia, agroindústria e farmacêutica. Desta forma, realizou-se um
levantamento bibliográfico abordando tópicos referentes a conceitos, estrutura,
propriedades e aplicações da quitosana. Com base nestes tópicos foi realizada
uma visão geral do estado da arte do conhecimento e das aplicações técnicas da
quitosana.
Palavras chave: Quitosana, resíduo indústria pesqueira, aplicações técnicas.
ABSTRACT
LIMA, C. F. Potential applications of chitosan in the biotechnological, pharmaceutical and agribusiness fields. 2015. 41 p. Monograph for Chemical Engineering (Bachelor degree), Escola de Engenharia de Lorena, Universidade de São Paulo, Lorena, 2015.
Chitosan is the deacetylated form of chitin, the second most abundant polymer in
nature after cellulose, and constitutes the major fraction of the exoskeletons of
crustaceans. It is a natural, renewable and biodegradable product, which has great
economic and environmental importance. The outer covering of crustaceans is an
abundant waste rejected by fishing industry, which in many cases is considered to
be as pollutants. Its use reduces the environmental impact caused by the
accumulation in places where it is generated or stored. The physicochemical
characteristics of chitosan that results in properties such as easy formation of gels,
capacity of making films and mechanical strength, make this potentially attractive
material for many uses, especially in biotechnological, agribusiness and
pharmaceutical segments. Thus, this work aimed to review the published literature
covering topics related to concepts, structure, properties and applications of
chitosan. Based on these topics an overview of the state of the art and techniques
for chitosan applications were given.
Keywords: Chitosan, waste-fishing industry, technical applications.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Fluxograma simplificado do processo de obtenção da quitosana........17
Figura 2 - Estrutura dos biopolímeros celulose, quitina e quitosana.....................19
Figura 3 - Célula unitária ortorrômbica de quitosana.............................................20
Figura 4 - Tipos de poros da quitosana.................................................................20
Figura 5 - Reação de reticulação da quitosana com glutaraldeído........................22
Figura 6 - Micrografia da quitosana reticulada com glutaraldeído.........................22
Figura 7 - Mecanismo de interação dos íons metálicos com a quitosana.............26
Figura 8 – Aspecto genérico das faces cortadas (revestidas e não-revestidas) após oito dias de armazenamento.........................................................................33
Figura 9 – Microscopia eletrônica de varredura da fratura de filme de HPMC e polpa de mamão: (a) sem NPQS; (b) com NPQS .................................................34
Figura 10 – Métodos de imobilização de enzimas em suporte: (a) adsorção; (b) ligação covalente; (c) encapsulação......................................................................35
Figura 11 – Ilustração da imobilização de enzimas por encapsulação em: (a) membrana; (b) matriz polimérica...........................................................................37
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Quantidade média de quitina em alguns organismos..........................16
Tabela 2 - Comparação da remoção de íons metálicos em solução (com e sem quitosana)..............................................................................................................26
Tabela 3 – Prolongamento da vida útil de frutas revestidas com quitosana..........33
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Resumo das principais aplicações da quitosana.................................23
Quadro 2 – Aplicação de quitosana no tratamento de água e efluentes...............28
Quadro 3 - Aplicação de quitosana como suporte de imobilização de diferentes enzimas..................................................................................................................38
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
DMG - Dimetilglioxima
EDTA - Ácido etilenodiaminotetracético
EPI - Epicloridrina
GLI – Glicidol
GLU - Glutaraldeído
HPMC – Hidroxipropil metilcelulose
NPQS – Nanopartículas de quitosana
QS - Quitosana
TPP – Tripolifosfato de sódio
TNBS – Ácido 2,4,6 trinitrobenzenossulfônico
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 14
1.1 OBJETIVO GERAL ...................................................................................... 14
1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ........................................................................ 14
1.3 JUSTIFICATIVA ........................................................................................... 15
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .............................................................................. 16
2.1 FONTE DE QUITOSANA ............................................................................. 16
2.2 PROCESSO DE OBTENÇÃO DA QUITOSANA.......................................... 17
2.3 CARACTERÍSTICAS DA QUITOSANA ....................................................... 19
2.4 FORMAS DA QUITOSANA ......................................................................... 21
2.5 PRINCIPAIS APLICAÇÕES DA QUITOSANA ............................................. 23
3 METODOLOGIA ................................................................................................ 24
4 APLICAÇÕES .................................................................................................... 25
4.1 TRATAMENTO DE ÁGUA E EFLUENTES .................................................. 25
4.2 USO EM COSMÉTICOS .............................................................................. 29
4.3 USO EM SAÚDE E NUTRIÇÃO .................................................................. 30
4.4 AGROINDÚSTRIA ....................................................................................... 32
4.5 SUPORTE DE IMOBILIZAÇÃO DE ENZIMAS ............................................ 35
5 CONCLUSÃO .................................................................................................... 39
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 40
14
1 INTRODUÇÃO
Quitosana é um polímero natural, biodegradável, extremamente abundante
e atóxico. É um polissacarídeo amino, derivado do processo de desacetilação da
quitina, que constitui a maior fração dos exoesqueletos de insetos e crustáceos,
ou seja, sua fácil obtenção se dá principalmente por se tratar de rejeitos da
indústria pesqueira. Suas características físico-químicas resultam em
propriedades como fácil formação de géis, capacidade filmogênica e resistência
mecânica e acaba sendo potencialmente atraente para segmentos de
biotecnologia, agroindústria e farmacêutica.
A quitosana é um copolímero biodegradável constituído de unidades β (1→
4)-2-amino-2-desoxi-D-glicopiranose e β (1→4)-2-acetamido-2-desoxi- D-
glicopiranose. É uma poliamina linear de alta massa molar, facilmente solúvel em
soluções aquosas ácidas (pH<5,5) e com grupos amino e hidroxilas reativos. A
quitosana é empregada em inúmeras aplicações industriais, as quais serão
identificadas e descritas no trabalho.
Dentre suas principais características, destacam-se: biocompatibilidade,
biodegradabilidade, propriedades antibacterianas, emulsificante e quelante e não
toxicidade (MENDES et al., 2011).
1.1 OBJETIVO GERAL
O objetivo deste projeto é apresentar uma visão geral do estado da arte do
conhecimento e das aplicações técnicas da quitosana.
1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Os objetivos específicos deste trabalho envolvem levantar os estudos mais
recentes disponíveis em bases de dados e identificar as diferentes aplicações da
quitosana na agroindústria, na indústria farmacêutica e no desenvolvimento
biotecnológico.
15
1.3 JUSTIFICATIVA
Um biopolímero obtido através de tratamento principalmente de rejeitos da
indústria pesqueira, de produção simples e por ser biodegradável e biocompatível
vem ganhando cada vez mais espaço nas pesquisas. A quitosana é considerada
a “fibra do futuro” e cada vez mais pesquisas são realizadas para definir suas
finalidades. Sua aplicação vai desde a purificação de águas residuárias e
prolongamento do tempo de prateleira de alimentos frescos até a engenharia de
tecidos, com a pele artificial desenvolvida para proteger lesões. A pesquisa com
quitosana é muito promissora, o que incentivou o desenvolvimento deste trabalho.
16
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1 FONTE DE QUITOSANA A quitosana é um polissacarídeo amino, derivado do processo de
desacetilação da quitina, que constitui a maior fração dos exoesqueletos de
insetos e crustáceos. Por se tratar de um produto natural, há variação na
qualidade e quantidade da quitina encontrada nos organismos, pois alterando a
espécie e o nível de desenvolvimento dos organismos, varia-se o tamanho da
cadeia polimérica e a localização dos grupos funcionais (AZEVEDO et al., 2007). A
Tabela 1 ilustra a quantidade de quitina encontrada em algumas espécies, em
porcentagem em massa.
Tabela 1 - Quantidade média de quitina em alguns organismos
Crustáceos Quitina (% em massa) Câncer (caranguejo) 72,1(c) Callinectes (caranguejo azul) 14,0(a) Pleuroncodes (caranguejo vermelho) 35,0(b), 10,4(a), 1,3-1,8(b) Crangon (camarão) 5,8(d), 11,6(d), 69,1(c) Macrobranchium rosenbergii (camarão de água doce)
25,3±0,2(e), 24,4±1,0(f)
Nephrops (lagosta) 69,8(c) Homarus (lagosta) 60,8-77,0(c) “Krill” (zooplancton de mares frios) 40,2-42,0(d) Insetos Bombyx (bicho-da-seda) 44,2(c) Pieris (borboleta) 64,0(c) Aranha 38,2(d) Moluscos Conchas de moluscos 6,1 Gládios de lulas 40,0 Fungos Aspergillus niger 42,0(g) Lactarius vellereus (cogumelo) 19,0 Mucor rouxii 44,5 a) massa úmida do corpo; b) massa seca do corpo, c) fração orgânica da cutícula; d) massa total seca da cutícula; e) massa seca do abdômen; f) massa seca das cascas; g) massa seca da parede celular. Fonte: CAMPANA-FILHO et al., 2007
Para obter a quitina livre de contaminações tais como proteína, carbonato
de cálcio, lipídeos e pigmentos, é necessário que os exoesqueletos e carapaças
17
passem por processos de desmineralização, desproteinização e despigmentação
(STREIT, 2004).
2.2 PROCESSO DE OBTENÇÃO DA QUITOSANA Para obter a quitosana é necessário desacetilar parcialmente a quitina, que
é encontrada e extraída principalmente da carapaça de crustáceos, lagostas,
camarões, caranguejos e siris. Com a desacetilação, os grupamentos acetamido
(-NHCOCH3) da quitina são transformados em grupos amino (-NH2), em graus
variados, dando origem a quitosana. Atribui-se o nome quitosana genericamente
ao polímero cujo número de unidades monoméricas contendo o grupamento NH2
é suficiente para tornar o polímero solúvel em ácidos fracos. A quitosana é reativa
e pode ser caracterizada como um polieletrólito catiônico, sendo geralmente
purificada na forma neutra (STREIT, 2004). A Figura 1 apresenta um fluxograma
simplificado do processo utilizado na obtenção da quitosana a partir de
exoesqueleto de camarão.
Figura 1: Fluxograma simplificado do processo de obtenção da quitosana a partir de exoesqueleto de camarão
Fonte: STREIT, 2004
18
A primeira etapa do processo consiste na redução de tamanho do material
e posterior tratamento para remoção de proteínas, realizado com hidróxido de
sódio ou mesmo pela digestão do material com enzimas proteolíticas (papaína,
pepsina, tripsina). Em seguida, é feita a desmineralização utilizando soluções
aquosas de diferentes ácidos, como HCl, HNO3, H2SO4, HCOOH ou H3CCOOH
(STREIT, 2004).
A temperatura e tempo de tratamento que podem variar entre 0 e 100ºC e
de 30 min até 48h, respectivamente, tomando cuidado para não se atingir
situações severas que possam causar a despolimerização. A remoção dos
pigmentos, tais como melaninas e carotenoides, pode ser efetuada por meio de
extração com permanganato de potássio 0,02% a 60 ºC, obtendo desta forma a
quitina. A quitina é então tratada com hidróxido de sódio concentrado (50%) a 100
ºC, por um período que pode variar de 2 a 5 horas para que ocorra a
desacetilação, originando então a quitosana. Para evitar a degradação da cadeia
do polímero devido as fortes condições alcalinas, é necessário realizar a
desacetilação na presença de tiofenol ou borohidreto de sódio ou sob atmosfera
inerte/nitrogênio (CAMPANA-FILHO et al., 2007).
Os principais fatores que afetam o grau de desacetilação e,
consequentemente, as características da quitosana obtida são temperatura,
tempo de reação, concentração da solução de álcali, razão quitina/álcali, tamanho
das partículas da quitina e presença de agentes que evitem a despolimerização
(CAMPANA-FILHO et al., 2007; GOY et al., 2004).
Para facilitar a obtenção de quitina e quitosana é interessante estar
próximo a regiões onde há atividade pesqueira. A maioria das indústrias que
produzem quitina e quitosana em escala comercial está localizada no Japão, onde
mais de 100 bilhões de toneladas de quitosana são manufaturadas por ano, a
partir de carapaças de caranguejo e camarão. São necessários 6,3kg de HCl,
1,8kg de NaOH, 0,5t de água para o processo e 0,9t de água de resfriamento
para obter 1kg de quitosana 70% desacetilada utilizando as carapaças de
caranguejo (MENDES et al., 2011).
19
2.3 CARACTERÍSTICAS DA QUITOSANA
Quitosana é um biopolímero que possui uma estrutura molecular
quimicamente similar à celulose, diferenciando-se somente nos grupos funcionais
Grupos hidroxila (OH) estão dispostos na estrutura geral dos biopolímeros, mas a
principal diferença entre eles é a presença de grupos amino (NH2) na estrutura da
quitosana. Ela é solúvel em meio ácido diluído, formando um polímero catiônico,
com a protonação do grupo amino (NH3+), que confere propriedades especiais
diferenciadas em relação às fibras vegetais (MENDES et al., 2011). A Figura 2
mostra a estrutura química dos biopolímeros celulose, quitina e quitosana.
Figura 2: Estrutura dos biopolímeros celulose, quitina e quitosana
Fonte: MENDES et al., 2011
No estado sólido, a quitosana é um polímero semicristalino. Sua morfologia
vem sendo estudada, tendo na literatura a menção de muitos polimorfismos
(AZEVEDO et al., 2007). Obtêm-se cristais de quitosana por desacetilação completa
da quitina de baixo massa molecular. Na difração de raios-X da quitosana, pode-
se observar uma célula unitária ortorrômbica com parâmetros a = 0,807nm, b =
0,844 nm e c = 1,034 nm, conforme ilustrado na Figura 3.
20
Figura 3: Célula unitária ortorrômbica de quitosana
Fonte: AZEVEDO et al., 2007
Com o auxílio de um microscópio eletrônico de varredura, pode-se
observar a morfologia dos alguns tipos de poros encontrados na estrutura da
quitosana, como mostram as imagens da Figura 4.
Figura 4: Tipos de poros da quitosana
Fonte: AZEVEDO et al., 2007
21
A quitosana pode se ligar seletivamente a outras substâncias e, desde que
o meio em que ela se encontra não esteja fortemente ou moderadamente
acidificado, é possível obter filtros, membranas ou colunas sem a necessidade de
adição de substituintes. Em soluções de ácidos fracos diluídos, a quitosana é
facilmente dissolvida, devido à protonação dos grupos amino. Em meio neutro, a
quitosana apresenta limitações para se solubilizar em água e, uma vez que essa
é a condição que as enzimas fisiológicas necessitam para exercer suas funções,
reduz as possibilidades de seu uso para aplicações farmacêuticas. É necessário
então que se faça preparados com derivados da quitosana a fim de melhorar a
solubilidade, aumentando significativamente as suas aplicações. Em meio
alcalino, ela pode se solubilizar quando adicionado carbamato de amônio
(NH4HCO3) ao meio, conforme a equação 1.
Para aumentar a solubilidade em água, sabe-se que é melhor utilizar
quitosana de baixa massa molecular, que facilitará a homogeneidade e diminuirá
a viscosidade do sistema (SILVA; SANTOS; FERREIRA, 2006). Tem-se utilizado
também a combinação da quitosana com outros polímeros e materiais inorgânicos
para a produção de materiais compósitos (LARANJEIRA; FÁVERE, 2009).
2.4 FORMAS DA QUITOSANA
Uma das grandes vantagens deste biopolímero é a possibilidade de
prepará-lo em formas diferentes. De acordo com Laranjeira e Valfredo (2009), é
possível obter a quitosana em forma de “pós, flocos, microesferas,
nanopartículas, membranas, esponjas, colmeias, fibras e fibras ocas”. Para
aumentar sua estabilidade química e física, tem-se utilizado a técnica de
reticulação com diferentes agentes de ativação (MENDES et al., 2011). Um
exemplo de agente de ativação é o glutaraldeído, que ao formar ligações
cruzadas com a quitosana, reticula o biopolímero e aumenta seu poder de
adsorver cátions metálicos. Essa ligação está representada na Figura 5.
CHIT-N�� + ���� �� ↔ CHIT - NHCO �� + �����
�� (1)
22
Figura 5: Reação de reticulação da quitosana com glutaraldeído
Fonte: PESCARA; PRADO; ZARA, 2008
A Figura 6 ilustra, utilizando a microscopia eletrônica de varredura,
microesferas de quitosana reticuladas obtidas por spray drying. Por apresentarem
maior área superficial que as partículas em pó, as microesferas de quitosana
melhor adsorvem os íons metálicos.
Figura 6: Micrografia da quitosana reticulada com glutaraldeído
Fonte: VITALI et al., 2009
23
2.5 PRINCIPAIS APLICAÇÕES DA QUITOSANA
Apesar da ampla utilização da quitosana na purificação de água, no
processamento de alimentos e na quelação de íons metálicos, são diversas as
potenciais aplicações da quitosana, como pode ser verificado no Quadro 1.
Quadro 1 - Resumo das principais aplicações da quitosana
Setor Atuação/ação
Indústria Purificação de águas residuárias de indústrias
Estabilizantes de gorduras em preparações de alimentos
Estabilizante de aromas
Meio de troca iônica
Cosméticos
Encapsulação de fragrâncias, pigmentos e ingredientes ativos.
Loções e cremes protetores; Umectantes
Produtos dentários; Agentes cicatrizantes
Xampus e condicionadores
Saúde/nutrição
Agente absorvedor de gorduras; Redução de colesterol LDL
Regeneração de ferimentos
Auxiliar no controle da pressão arterial
Regenerador de estrutura óssea
Redução do nível de ácido úrico
Promoção da perda de peso; Auxilia na redução do colesterolL
Bactericida/antiviral
Inibe a formação de placas dentárias
Aumenta a absorção de cálcio
Membranas artificiais
Agroindústria Absorvente na remoção de metais pesados
Proteção bactericida de sementes
Estabilizante de frutas e verduras perecíveis
Biotecnologia Suporte de imobilização de enzimas e células microbianas
Fonte: MENDES et al., 2011
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3 METODOLOGIA
Diante do objetivo de avaliar o uso potencial de quitosana em diversos
segmentos, o presente projeto orientou sua metodologia para o cumprimento de
três etapas: aquisição de informações; o tratamento das informações e análise
crítica dos dados descritos na literatura. Por ser uma pesquisa bibliográfica, a
abordagem foi qualitativa, descritiva e exploratória e utilizou como instrumento de
coleta de dados a revisão da literatura.
Definiu-se como parte inicial da metodologia, o levantamento de
informações tecnológicas em bases de dados de artigos científicos, tais como
Scielo e Google Acadêmico para que fosse possível obter informações sobre as
diferentes aplicações da quitosana na agroindústria, na indústria farmacêutica e
no desenvolvimento biotecnológico. Na elaboração do texto, a bibliografia baseou-
se em fontes como livros, revistas, trabalhos científicos e internet.
No desenvolvimento da monografia foram usados dados coletados e
refinados, sendo inseridos na forma de textos, quadros, tabelas e imagens. Na
avaliação dos resultados obtidos através da literatura, foi empregada análise mais
detalhada a fim de se obter conclusões mais elaboradas. Desta forma, foram
inseridos dados através de planilhas comparando resultados.
Na análise crítica foram apresentadas as limitações relacionadas ao uso de
quitosana de uma forma genérica. Assim, baseado nos resultados obtidos, pôde-
se apresentar uma visão geral do estado da arte do conhecimento e das
aplicações técnicas mais promissoras da quitosana.
25
4 APLICAÇÕES
4.1 TRATAMENTO DE ÁGUA E EFLUENTES
A quitosana vem sendo usada pelas indústrias para remover material
oleoso e finas partículas de matéria que contaminam a água após a sua utilização
nos processos industriais. Para clarificar e purificar a água, membranas com
propriedades semipermeáveis estão sendo desenvolvidas. Quitosana é também
utilizada para imobilizar cepas de bactérias, com o intuito de biodegradar
micropoluentes orgânicos, como clorofenóis e desintoxicar o meio (MENDES,
2009).
Ela pode também ser utilizada como agente quelante no tratamento de
efluentes industriais que contenham elevados teores de metais pesados. Seu
grupo funcional -NH2 tem a habilidade de formar ligações coordenadas covalentes
com íons metálicos, o que aumenta a eficiência de sua remoção (MENDES,
2009). A capacidade de adsorção é alta, maior que 1mmol do cátion metálico/g de
quitosana para a maioria dos íons metálicos, variando conforme o grau de
desacetilação e quantidade de grupos amino, a cristalinidade e afinidade por água
(JANEGITZ et al., 2007).
Janegitz et al. (2007) propuseram um método de co-precipitação com
quitosana em meio básico para a remoção dos íons metálicos Cu2+, Cr3+, Pb2+,
Cd2+ e Hg2+ de águas residuárias. O biopolímero foi dissolvido em ácido clorídrico
para que o íon metálico se ligue ao agrupamento amino, onde há a substituição
do hidrogênio pelo íon metálico, conforme observado na Figura 7.
A solução contendo os íons contaminantes foi colocada então em contato
com quitosana e hidróxido de sódio e após decantação e filtração, foi determinada
a concentração final do íon. Para efeito de controle, a solução de base foi
adicionada diretamente na solução dos cátions metálicos, sem a presença do
biopolímero. Os valores obtidos foram comparados com os limites estabelecidos
pelo CONAMA (Conselho Nacional de Meio Ambiente), órgão que determina a
tolerância ambiental desses íons, conforme mostra a Tabela 2.
26
Figura 7: Mecanismo de interação dos íons metálicos com a quitosana
Fonte: JANEGITZ et al., 1997
Tabela 2 - Comparação da remoção de íons metálicos em solução (com e sem quitosana) Espécie metálica
Concentração inicial dos íons
(mg L-1)
Concentração final dos íons (mg L-1)
Limite CONAMA (mg L-1) Tratamento na
presença de quitosana
Tratamento na ausência de quitosana
Cu(II) 109,3 <0,002 0,26 ± 0,01 0,5
Pb(II) 183,7 <0,00001 2,7 ± 0,1 0,05
Cd(II) 215,0 0,09±0,01 2,6 ± 0,5 0,01
Cr(III) 109,3 <0,006 5,5 ± 0,5 0,5
Hg(II) 46,0 <0,014 1,4 ± 0,5 0,002
Fonte: JANEGITZ et al., 1997
O tratamento efetuado apenas com o hidróxido de sódio foi eficiente
somente para a remoção do Cu(II). Com a adição do biopolímero, as
27
concentrações finais dos íons Cu(II), Pb(II) e Cr(III) foram inferiores aos limites
estabelecidos pelo CONAMA. A concentração no filtrado de Cd(II) foi menor com
a utilização da quitosana mas não atingiu o limite estabelecido pelo Conselho. A
concentração no filtrado de Hg (II) foi inferior ao limite de detecção do método
analítico empregado e não teve, portanto a sua concentração determinada com
exatidão.
Valentini et al. (2000), com o intuito de reter íons metálicos de Cobre (II) e
Níquel (II) em soluções aquosas originárias de águas utilizadas em regiões de
mineração, concluíram que a propriedade da quitosana de complexar íons
metálicos era aumentada quando utilizada quitosana com superfície porosa. Para
tanto, utilizaram uma blenda formada pelo biopolímero e álcool polivinílico (PVA),
e posteriormente as cápsulas formadas foram colocadas em contato com agentes
complexantes, como dimetilglioxima (DMG) e ácido etilenodiaminotetracético
(EDTA). Em blendas há apenas mistura física entre materiais, com o intuito de
obter melhoria de propriedades. Não ocorre interação química entre os
componentes. O Ni(II) retido foi duas vezes superior nas cápsulas de quitosana
adsorvidas com DMG e a capacidade de adsorção de Cu(II) aumentou em dezoito
vezes quando as cápsulas estavam adsorvidas com EDTA.
Laus et al. (2006) avaliaram a quitosana reticulada com tripolifosfato de
sódio, na forma de microesferas para remediar as águas contaminadas pela
mineração do carvão. O efluente de mineração apresentava características
ácidas, resultado da oxidação da pirita (FeS2), conforme as equações a seguir.
2 FeS� (s) + 7 O� (g) + 6 H�O (l) ↔ 2 Fe�� + 4 SO��� + 4 H�O� (1)
4 Fe�� + 18 H�O (l) + O�(g) ↔ 4 Fe(OH)�(s) + 8 H�O� (2)
4 Fe�� + "
�O�(g) + 2 H�O� ↔ 4Fe�� + 3H�O (l) (3)
FeS�(s) + 14 Fe�� + 24 H�O(l) ↔ 15 Fe�� + 2 SO��� + 16 H�O� (4)
Os rejeitos provenientes da mineração podem, além de danificar o solo,
atingir os mananciais hídricos e assim promover a dispersão dos contaminantes
em solução e na forma particulada de maneira ampla. A faixa de pH dos cursos
d’água próximos à regiões mineradoras varia entre 1,5 e 4,0 e a concentração de
28
ferro dissolvido e outros metais tóxicos é elevada. Utilizando o tripolifosfato de
sódio (Na5P3010) dissolvido em solução de quitosana, a reticulação iônica entre os
íons tripolifosfato (TPF) e os grupos amino protonados do biopolímero foi
induzida. Vários testes foram conduzidos para investigar a eficiência da blenda e
os resultados foram promissores, entre os quais foram destacados:
a) 0,1g da blenda em 25 mL de água contaminada, após 10h de
contato, o pH aumentou de 2,5 para 4,7;
b) 0,1g de microesferas, 100% do ferro (III) foi removido
c) 0,4g, 90% de manganês (II) foi retido.
Desta forma, os autores concluíram que a adição do tripolifosfato contribui
significativamente para o aumento do pH e remoção desses íons metálicos
presentes no meio aquoso. Utilizando 1kg dessa blenda, pode-se aumentar o pH
de 125 L de águas residuárias de 2,5 para 6,0.
Quadro 2 – Aplicação de quitosana no tratamento de água e efluentes
Fonte: PRÓPRIO AUTOR
Forma da Quitosana
Tratamento de Modificação
Íon(s) Retido(s)
Eficiência Referência
Solução ácida
Dissolução da quitosana em meio ácido e precipitação com cátion metálico em meio básico
Cobre II, Cromo III, Chumbo II, Cádmio II e Mercúrio II
Removeu com eficiência superior quando utilizada a quitosana
JANEGITZ et al., 2007
Blenda: quitosana e PVA
Cápsulas de quitosana adsorvidas com solução de agente complexante
Cobre II e Níquel II
Removeu com eficiência superior quando utilizados agentes complexantes adsorvidos à cápsula
VALENTINI et al., 2000
Blenda: quitosana e tripolifosfato de sódio
Microesferas de quitosana reticulada com tripolifosfato
Ferro III e Manganês II
Aumento do pH e eficiente remoção dos íons
LAUS et al., 2006
29
4.2 USO EM COSMÉTICOS
A quitosana é um hidrocolóide que possui uma capacidade bioadesiva, o
que confere grande importância para a área cosmética. Em pH biológico, a
quitosana apresenta carga global positiva, ou seja, comporta-se como um
polímero policatiônico, enquanto a maioria dos hidrocolóides que estão nas
mesmas condições apresentam carga negativa. Pele e cabelo, por exemplo,
apresentam cargas negativas. Tecidos negativamente carregados interagem com
as cargas positivas da quitosana. Assim, adicionando-se quitosana aos xampus,
condicionadores e cremes, haverá a formação de uma película. O filme que se
forma da interação da quitosana com a queratina dos cabelos além de
proporcionar mais brilho que os polímeros sintéticos, ainda apresenta maior
estabilidade em alta umidade, diminuindo a tendência à adesão e a formação de
carga estática, facilitando a escovação e penteado (SILVA; SANTOS; FERREIRA,
2006).
No contato com a pele, a quitosana é utilizada para formar camadas
protetoras transparentes que retém a umidade, mas que não causam alergias.
Por ter partes hidrofílicas e hidrofóbicas em sua cadeia e apresentar baixo pH, o
polímero é útil na estabilização de emulsões (LARANJEIRA; FÁVERE, 2009).
30
4.3 USO EM SAÚDE E NUTRIÇÃO
Da degradação enzimática da quitosana obtêm-se oligossacarídeos que
possuem propriedades biológicas, como atividades antimicrobianas e
cicatrizantes, e são totalmente absorvíveis pelo organismo (SILVA; SANTOS;
FERREIRA, 2006).
Uma potencial aplicação é no tratamento de lesões na pele. A pele humana
funciona como uma barreira protetora do corpo, evitando que bactérias presentes
no ambiente nos causem infecções. Quando ocorre uma lesão no tecido epitelial
e ele não é regenerado rapidamente, fica suscetível a agentes externos. A enzima
presente naturalmente no fluido de lesões, lisozima, despolimeriza o biopolímero
nos açúcares N-acetilglicosamina e glicosamina, que auxiliam no tratamento de
feridas e na reepitelização com formação de cicatriz lisa. Além de apresentar
características bactericidas, fungicidas e cicatrizantes, ela vem sendo utilizada
para reparar o tecido epitelial e por esse motivo o seu grande potencial em ser o
principal constituinte da “pele artificial”, a ser aplicada sobre ferimentos ou em
intervenções cirúrgicas (SILVA; SANTOS; FERREIRA, 2006).
A quitosana vem sendo explorada na engenharia de tecidos por ter uma
superfície que permite adesão e crescimento celular, ser biocompatível,
apresentar estrutura tridimensional, ter porosidade suficiente para aumentar a
área superficial de interação da célula com as matrizes extracelulares (ou
arcabouço) e ter espaços para a regeneração da matriz extracelular. Blendas de
quitosana com colágeno, gelatina ou poli-hidroxial-canoatos podem oferecer boas
propriedades mecânicas e de adesão de células, além de ser intrinsicamente
antibacterial (LARANJEIRA; FÁVERE, 2009).
Pode-se utilizá-la para suprir a dor em regiões superficiais. Quando em
contato com a bradicinina, hormônio responsável pela sensação de dor numa
área inflamada, o biopolímero consegue capturar “hidrogênios ácidos liberados no
local da inflamação pela ionização do grupo amínico a NH��”, apresentando assim
ação analgésica tópica potente (SILVA; SANTOS; FERREIRA, 2006).
A inclusão de quitosana na alimentação de animais com intuito de reduzir a
taxa de colesterol no sangue já é bastante consolidada na literatura. Avaliações
feitas em ratos obesos também comprovaram a eficácia no decréscimo de glicose
31
e triglicerídeos após duas semanas ingerindo o biopolímero. Em humanos, os
pacientes que apresentam falência renal e necessitam de hemodiálise tiveram
queda no nível de colesterol em praticamente metade do valor inicial. Ainda não
há consenso sobre a capacidade de reduzir peso em pessoas obesas sem
necessidade de alteração de dieta. Seu comportamento de se ligar e formar
complexos consegue interferir na digestão e na absorção da gordura pelo trato
gastrintestinal. Ao invés de ser transferida para a corrente sanguínea, a gordura
seria eliminada pelas fezes (SILVA; SANTOS; FERREIRA, 2006).
32
4.4 AGROINDÚSTRIA
O processo de refrigeração geralmente está envolvido após a colheita de
frutas e hortaliças. Para alcançar maior durabilidade, cada espécie colhida deveria
ter temperatura e umidade controladas até a comercialização final (ASSIS;
BRITO, 2014). Tecnologias alternativas estão sendo desenvolvidas, para alterar
essa realidade.
Utilizando a quitosana em soluções ácidas diluídas, formam-se filmes que
podem preservar e conservar frutas e verduras frescas. Este filme protege o
alimento contra agressões externas e é semipermeável, reduzindo a taxa de
respiração e retardando o amadurecimento, possibilitando assim maior tempo de
estocagem (LUVIELMO; LAMAS, 2012). Diversos estudos apontam o biopolímero
como um conservante ideal devido às suas características antifúngicas, por
induzir a produção de quitinase, enzima de defesa contra agentes agressores, e
por ser atóxico para consumo humano. O filme deve ter boa aderência e não
alterar o gosto nem a coloração do material a ser protegido. Ele se torna ainda
mais interessante por não apresentar valor calórico uma vez que é constituído por
fibras não digeríveis pelo organismo humano (ASSIS; LEONI, 2003).
Assis e Leoni (2003) testaram em maçãs fatiadas ao meio, a eficácia do
filme através de cobertura por imersão em solução e por nebulização via sistema
de pressão manual (spray). O excesso de gel foi escoado e a secagem ocorreu
espontaneamente. Utilizando microscopia de força atômica, concluiu-se que a
imersão é o método que melhor permite a respiração mínima da fruta, por
apresentar estrutura contínua e não ter porosidade residual. Ela garante que toda
a superfície entre em contato com a solução filmogênica e possibilita uma
deposição mais homogênea, uma vez que a leve agitação permite o
desprendimento de bolhas (ASSIS; BRITO, 2014).
Por meio de monitoramento fotográfico, notou-se o crescimento
espontâneo de colônias nas superfícies cortadas. Após cinco dias do corte,
detectou-se o surgimento de fungos nas maçãs que não foram revestidas com o
filme. A Figura 8 mostra imagens do oitavo dia de armazenamento. São os grupos
amino livres da cadeia polimérica da quitosana que permitem que haja atividade
antimicrobiana.
33
Figura 8 - Aspecto genérico das faces cortadas (revestidas e não-revestidas) após oito dias de armazenamento.
COM COBERTURA SEM COBERTURA
Fonte: ASSIS; LEONI, 2003.
Assis e Brito (2014) fizeram um levantamento sobre o prolongamento do
tempo de prateleira dos alimentos, quando revestidos com o biopolímero e
refrigerados (Tabela 3). A interação eletrostática entre os grupos protonados NH3+
da quitosana e os resíduos negativos da superfície dos microrganismos faz com
que haja maior proteção nos alimentos.
Tabela 3 - Prolongamento da vida útil de frutas revestidas com quitosana
Fruta Condição Temperatura (ºC)
Prolongamento (dias)
Maçã Fatiada 5 6 Papaia Intacto 25 6
Morango Intacto 4 21 Melão Fatiado 10 15
Banana Intacta 26 10 Manga Fatiada 7 6
Fonte: ASSIS; BRITO, 2014
A fim de agregar propriedades nutricionais e sensoriais aos filmes
comestíveis, Lorevice, Moura e Mattoso (2014) adicionaram o filme do
biopolímero comestível hidroxipropil metilcelulose (HPMC) a polpa de mamão
incorporada em nanopartículas de quitosana (NPQS).
34
O filme feito apenas com polpa de mamão apresentou coloração laranja
forte característica da polpa, aroma brando da fruta, pouca resistência e
manuseabilidade. O HPMC auxiliou na formação de um filme mais homogêneo,
com menores zonas de opacidade ou cores diferentes e ausência de rupturas e
fraturas quando manuseado e/ou após a secagem. A adição de NPQS melhorou
as propriedades mecânicas e a barreira de vapor de água, não influenciando na
coloração e no aroma do filme.
Na Figura 9 é possível observar a diminuição na quantidade de poros
presentes na matriz quando foi utilizada NPQS, resultando tanto na melhoria da
resistência quanto na barreira dos filmes. Por ser obtido por meio de fonte
renovável e ser biodegradável, este material se torna uma interessante alternativa
na aplicação de novos revestimentos.
Figura 9 - Microscopia Eletrônica de Varredura da fratura de filme de HPMC e polpa de mamão: (a) sem NPQS; (b) com NPQS
Fonte: LOREVICE, MOURA, MATTOSO, 2014.
35
4.5 SUPORTE DE IMOBILIZAÇÃO DE ENZIMAS
Imobilizar enzima significa confiná-la em um suporte sólido para poder
reutilizar o biocatalisador ao final do processo, aumentando assim o seu tempo de
meia-vida. A quitosana se destaca como um suporte orgânico natural para a
imobilização, pois além de ser vantajosa economicamente, pouco altera a
conformidade estrutural da enzima e pode ser facilmente degradada, não
causando danos ao meio ambiente. Sua variedade de configurações geométricas
(pó, fibras, escamas, hidrogéis, membranas, cápsulas e outras) permite a
utilização de diferentes métodos de imobilização. As enzimas podem ser
imobilizadas de diferentes maneiras, não havendo um procedimento padrão a ser
seguido. Pode-se generalizar o método de imobilização a partir de informações
sobre as características do suporte e o efeito dos métodos empregados
(MENDES et al., 2011).
Dentre os tipos de imobilização de enzimas em suporte, podemos destacar
a adsorção, ligação covalente e encapsulamento.
Figura 10 – Métodos de imobilização de enzimas em suporte: (a) adsorção; (b) ligação
covalente e (c) encapsulação
(a) (b) (c)
Fonte: MIRANDA, 2004
O método de imobilização por adsorção é o mais comum, pois trata-se de
um procedimento simples e envolve interações reversíveis entre a enzima e o
suporte. A enzima é imobilizada em um suporte sólido por interações de Van der
Waals ou hidrofóbicas, ligações de hidrogênio e iônicas, entre outras. O sucesso
36
e a eficiência da adsorção de uma enzima em um suporte, que em geral é na
superfície, dependem de vários parâmetros, tais como tamanho da enzima a ser
adsorvida, área superficial do adsorvente e, principalmente, da porosidade e
tamanho dos poros. Além disso, o suporte pode ser facilmente recuperado para
uma sucessiva imobilização (ZANIN; MORAES, 2004). Entretanto, esta técnica
apresenta limitações em função do elevado grau de dessorção da enzima
causada pelas variações de pH, força iônica e temperatura do meio reacional
(MIRANDA, 2004).
Para superar tais limitações, recomenda-se a técnica de imobilização por
ligação covalente, na qual a ligação suporte insolúvel/enzima ocorre entre os
grupos reativos existentes no suporte e os grupos dos resíduos de aminoácidos
localizados na estrutura da enzima, de preferência, em posições não estratégicas
para a catálise. Deste modo, a dessorção da enzima no suporte é dificultada, se
comparada a outros tipos de imobilização (DALLA-VECCHIA; NASCIMENTO;
SOLDI, 2004).
A interação entre o suporte e a enzima pode ser obtida por ligação direta
entre os componentes ou por meio de uma ligação intercalada de comprimentos
diferentes, denominado espaçador. A molécula do espaçador proporciona um
grau de mobilidade superior à enzima imobilizada, de modo que a sua atividade
pode, sob certas circunstâncias, ser maior do que se estivesse diretamente unida
ao suporte (ADLERCREUTZ, 2013).
O uso da ligação covalente para imobilizar enzimas possui vantagens
como: a ligação forte entre a enzima e o suporte a fácil interação
enzima/substrato devido à localização superficial do catalisador, o aumento da
termoestabilidade em decorrência da forte interação com o suporte. Entretanto, há
desvantagens apresentadas por este tipo de imobilização, tais como:
susceptibilidade de estruturas ativas da macromolécula aos reagentes utilizados
e/ou às tensões conformacionais impostas pela união ao suporte, redução da
atividade catalítica devido à forte ligação existente entre o suporte e a enzima,
dificuldade para recuperar o suporte utilizado neste processo (ZANIN; MORAES,
2004).
37
De acordo com Pereira (1999), na encapsulação a enzima fica distribuída
no interior de uma membrana polimérica semipermeável ou matriz polimérica
formada por polímero insolúvel em água, havendo apenas uma retenção física,
conforme ilustra a Figura 11.
Figura 11 – Ilustração da imobilização de enzimas por encapsulação em: (a) membrana; (b) matriz polimérica
(a) (b)
Fonte: PEREIRA, 1999
A encapsulação está fundamentada na diferença de tamanho entre a
molécula do catalisador e do soluto, nas quais duas aproximações têm sido
adotadas: (a) a formação de uma estrutura porosa na presença da enzima,
envolvendo-a numa estrutura tridimensional, ou (b) o biocatalisador é retido em
uma membrana porosa. Nestes casos a enzima tem sua mobilidade mantida, pois
não são envolvidas ligações físicas ou químicas entre a enzima e o suporte.
Consequentemente, somente substratos de baixa massa molecular podem ser
empregados com este tipo de enzimas imobilizadas.
O Quadro 3 descreve exemplos de utilização da quitosana como suporte
de imobilização de diferentes enzimas, utilizando diferentes métodos de
imobilização, bem como a aplicação do sistema imobilizado.
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Quadro 3 – Aplicação de quitosana como suporte de imobilização de diferentes enzimas
Enzima
Fonte Suporte Ativação Método de imobilização
Aplicação
α-amilase Bacillus subtilis Flocos modificados com ácidos L-glutâmico e 4-aminobutírico
GLU Ligação covalente Hidrólise do amido
Bromelina Abacaxi Nanopartículas de hidrogel de carboximetilcelulose-quitosana modificado com ácido linoleico
- Adsorção Hidrólise de caseína
Celulase Trichoderma reesei
Polieletrólito de quitosana-alginato
GLU/GLI Ligação covalente Produção de etanol
Lacase Cogumelo shimeji-preto
Membranas - Adsorção Remoção do corante azo-ácido Black 10 BX de efluentes
Lipase Candida rugosa Partículas de hidrogel reticulado com TPP
- Encapsulação Hidrólise de ésteres
Lipase Thermomyces lanuginosus
Polieletrólitos de quitosana reticulados por TNBS
GLU/EPI GLU
Ligação covalente Síntese de biodiesel
Papaína Mamão Membranas de afinidade contendo ligantes azo
- Adsorção (afinidade) Purificação da papaína do extrato do mamão
Penicilina G acilase
Bacillus megatherium
Partículas de quitosana-poliestireno
GLU Ligação covalente Produção de antibióticos semissintéticos
Peroxidase Rabanete Hidrogel depositado em nanotubos de carbono
- Encapsulação Detecção de óxido nítrico (biossensor)
Fonte: MENDES et al, 2011
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5 CONCLUSÃO
Além da concepção de destinar os resíduos abundantes gerados nas áreas
de costas marítimas para reciclagem, a transformação da quitina em um
biopolímero (quitosana) mais importante transcende a viabilidade ecológica e
econômica. Por ser atóxico, biodegradável e biocompatível a exploração dos
estudos com a quitosana tem caráter promitente.
O mercado atual de produção e fornecimento de quitosana é controlado
essencialmente pelo Japão e poucas empresas multinacionais e o Brasil tem
grande potencial para suprir parte dele.
As pesquisas realizadas com a quitosana são promissoras, em todas as
áreas de estudo. Sua versatilidade já foi comprovada e o interesse pelas suas
variadas propriedades tende a crescer ainda mais com o passar do tempo,
permitindo assim análises mais aprofundadas e descobertas sobre novas e
importantes aplicações.
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REFERÊNCIAS
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