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Universidade de Brasília - UnB

Instituto de Artes - IdA

Pós-Graduação em Arte

Por Darli P. Nuza

Orientação e companheirismo, Profª. Dra. Fátima A. dos Santos

Entre Feiras: Uma poética sobre feiras e o mercado de arte e tecnologia

Brasília - DF

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2019

Darli P. Nuza

Entre Feiras: Uma poética sobre feiras e o mercado de arte e tecnologia

Tese apresentada ao doutorado do Programa de Pós-Graduação

do Instituto de Artes da Universidade de Brasília, como requisito

parcial para obtenção do Título de Doutora em Arte.

Orientadora: Profª. Dra. Fátima Aparecida dos Santos

Área de concentração: Arte Contemporânea

Linha de pesquisa: Arte e Tecnologia

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Brasília – DF

2019

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Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus!

Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos.

Romanos 11:33

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Gratidão

A Deus, honra, arte e glória. Ao Matheus Teles, companheiro e suporte, principalmente nos momentos em que o

(dou)torado se apresentou como (dor)torado. Deveras pensar é bom, mas dói.

Gratidão à minha família. Aos meus pais, Lindolfo e Lourdes, e meus irmãos: obrigado por acreditarem mais do

que eu. Aos amigos, uma família de bons risos em todo tempo.

Intensamente grata pela caminhada com a professora Fátima Santos. Bondade divina ter você nesta pesquisa. Sei

que deveria ser objetivamente uma orientadora, mas foi companheira, exemplo de força e alegria em dias difíceis.

Obrigado pela compreensão, parceria e vigor em cada encontro.

Ao PPG-Artes | UnB e à Capes pelo apoio.

À banca examinadora: Alexandre Rocha, Daniela Garrossini, Débora Gasparetto, Emerson Dionísio G. de Oliveira

e Nara C. Santos. Imensamente grata por fazerem parte desse processo com ricas contribuições.

Aos colegas e professores que, entre conversas e boas risadas, acrescentaram críticas, bibliografias, opiniões e

considerações a este trabalho. Aos artistas que, com suas obras, me deram a oportunidade de encantamento e

estranhamento, fazendo-me tecer perguntas e matutar respostas nesse processo de escrita. Todos colaboraram

para que eu pudesse escrever esse texto.

Às instituições de arte que me receberam, em especial à Galeria Vermelho (SP), que atenciosamente atendeu-me

sempre que necessário. Às feiras, seja de arte ou feiras livres: quanto aprendizado caminhando pelas suas ruas e

bancas. Agradecida pelos temperos, cheiros, conversas, acessibilidades e burocracias.

Gratidão pela beleza de aprender e reaprender durante esse tempo. Gratidão pelo longo tecido que esta pesquisa

me propôs e também pelos fios soltos, nós e alinhavos que mantêm o desejo por pesquisar. Gratidão!

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Resumo

Nesta pesquisa, pretende-se investigar a existência ou não de um mercado de arte & tecnologia. Embora pareça

simples, compreendemos que as indagações e demandas sobre o tema perpassam o tecido mercadológico da arte

ao mesmo tempo em que repuxam seus fios. Questões como “há uma produção em arte & tecnologia emergente

que infiltra um mercado de arte robusto?” e/ou “como se configura o mercado de arte & tecnologia?” perpassam

essa pesquisa norteando a construção deste texto. Busca-se, também, investigar sobre as configurações do

mercado, especificamente as possíveis dinâmicas e subversões trazidas pelas possibilidades de um mercado de

Arte & Tecnologia. Os conceitos que envolvem esses campos e suas configurações são apontados em suas

perspectivas por meio de alguns autores como, Christopher Alexander (2013), Débora Aita Gasparetto (2014 e

2016), Xavier Greffe (2013), George Kornis, e Fábio Sá-earp (2016), Don Thompson (2012), Viviane Vedana (2012),

dentre outros. Constrói-se também, por meio da produção teórico-poética - como obras autorais em Arte e

Tecnologia - relações feitas com o mercado de feirantes. A escolha do Mercado de Feirantes como lugar para esses

processos artísticos surge da ideia de encontros de analogias entre o Mercado de Arte (em especial, as feiras) e o

Mercado de Feirantes (burocracias, públicos, mediações, vendas e trocas, cultura e especificidades desses lugares).

Além disso, há de se encontrar também distinções entre esses espaços, que podem ser as mesmas causas pelas

quais os tornam potentes, com latências para reflexões e processos. A diversidade de encontro nessas instituições

é vasta e por hora convidamos o leitor a percorrer o mesmo caminho que nós: a Arte de Mercado e Mercado de

Arte, a Arte na Feira e Feira na Arte, os Feirantes artistas e artistas feirantes, as galerias de frutos e as de fruto-

obra, os curadores de obra e de sementes, dentre outros.

Palavras-chave: Arte e tecnologia, Mercado de Arte, feiras, poética, instituições.

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Abstract

In this research it is intended to investigate the existence or non-existence of an art & technology market.

Although it may seem simple, we understand that the inquiries and demands about the theme pass through the

art marketing fabric at the same time it pulls back its strings. Questions such as “Is there an emergent production

in art & technology that infiltrates a robust art market?” and/or “How is the art & technology market configured?”

permeate this research guiding the construction of this text. It also sought to investigate the market's

configurations, specifically the possible dynamics and subversions brought by the possibilities of an Art &

Technology market. The concepts that surround these fields and their configurations are pointed out in their

perspectives by some authors such as Christopher Alexander (2013), Débora Aita Gasparetto (2014 and 2016),

Xavier Greffe (2013), George Kornis, and Fabio Sá-earp (2016), Don Thompson (2012), Viviane Vedana (2012),

among others. It further builds, through the theoretical-poetic production - by authorial works in Art and

Technology - relationships with the Venders Market. The choice of the Venders Market as a place for these artistic

processes arises from the idea of meetings of analogies between the Art Market (especially the fairs) and the

Venders Market (bureaucracies, audience, mediations, sales and exchanges, culture and specificities of these

places). In addition, there must also be distinctions between these spaces, which may be the same causes that

makes them powerful, with latencies for reflection and processes. The diversity of encounter in these institutions

is vast and for the moment we invite the reader to walk the same path as us: the Market’s Art and the Art Market,

Art in the Fair and Fair in the Art, the art venders and venders artists, the fruit galleries and the fruit-work, the

work curators and the seed curators, among others.

Key-words: art & technology, Art market, Venders Markets, poetic, institutions.

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Lista de Figuras

Figura 1. Duo/1: De grão em grão o mercado enche o papo. Fotografia. Arquivo pessoal........................26

Figura 2. Duo/2: De grão em grão o mercado enche o papo. Fotografia. Arquivo pessoal .......................27

Figura 3. (...) de cidade em cidade o mercado enche o papo. Mercado Central Christo Raeff (MG, 2017.

Fotografia: Arquivo Pessoal..........................................................................................................................37

Figura 4. Isto não é um museu I. Fotografia, 2016. Acervo pessoal...........................................................61

Figura 5. Isto não é um museu II. Fotografia, 2016. Acervo pessoal..........................................................62

Figura 6. Série 1/3. Curador. Feirante. Marchand. 2016. Arquivo pessoal................................................68

Figura 7. Série 2/3. Curador. Feirante. Marchand. 2016. Arquivo pessoal................................................69

Figura 8. Série 3/3. Curador. Feirante. Marchand. 2016. Arquivo pessoal................................................70

Figura 9. O repolho que paga as contas. Fotografia. 2016. Arquivo pessoal..............................................84

Figura 10. Paciência. Fotografia. Arquivo pessoal.......................................................................................85

Figura 11. Cor empilhada, malabarismo ‘pras’ vistas. Fotografia. Arquivo Pessoal.................................86

Figura 12. Disco cromático, convite às vistas. Fotografia. Arquivo Pessoal..............................................87

Figura 13. Expografia de uma Feira (SP, 2017). Fotografia. Arquivo Pessoal...........................................90

Figura 14. Feira de Arte ou bancas de feira?! (SP, 2017). Fotografia. Arquivo pessoal.............................91

Figura 15. Feira. Arquivo FLAC. 2017.........................................................................................................92

Figura 16. Série de Fotografias. ‘Entre ruas e sinalizações: feiras. 1/5. (SP Arte). Arquivo pessoal........95

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Figura 17. Série de Fotografias. ‘Entre ruas e sinalizações: feiras’. 2/5. (Mercado de São Paulo). Arquivo

pessoal ............................................................................................ .............................................................96

Figura 18. Série de Fotografias. ‘Entre ruas e sinalizações: feiras’. 3/5. (Mercado M. de Uberlândia - MG).

Arquivo pessoal ............................................................................................................................................97

Figura 19. Série de Fotografias. ‘Entre ruas e sinalizações: feiras’. 4/5. (Mercado C. de Fortaleza – CE e

SP Arte). Arquivo pessoal .............................................................................................................................98

Figura 20. Série de Fotografias. ‘Entre ruas e sinalizações: feiras’. 5/5. (SP Arte). Arquivo pessoal

.......................................................................................................................................................................99

Figura 21. Tecnologias. (SP Arte). Fotografia. Arquivo pessoal................................................................115

Figura 22. O que será?! (SP Arte) Fotografia. Arquivo pessoal..................................................................116

Figura 23. Burburinhos (SP Arte). Fotografia. Arquivo pessoal..............................................................117

Figura 24. Abraham Palatnik (SP Arte). Fotografia. Arquivo pessoal......................................................121

Figura 25. Uns ‘dendiai’ de expectativa sobre as feiras. Arquivo pessoal.................................................122

Figura 26. Garimpando (Mercado M. de Montes Claros – MG) Fotografia. Arquivo pessoal...................123

Figura 27. A feira na feira. (SP Arte). Fotografia, 2016. Acervo pessoal..................................................140

Figura 28. (detalhe). A vida, o mundo e as escolhas de Philippe Delarbre, Sayat, Puy-de-Dôme, France.

Rosangela Rennó. (SP Arte). Arquivo pessoal............................................................................................142

Figura 29. A vida, o mundo e as escolhas de Philippe Delarbre, Sayat, Puy-de-Dôme, France. Rosangela

Rennó. (SP Arte). Arquivo pessoal..............................................................................................................143

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Figura 30. Série de fotografias 1/3. Saquinhos vazios não param em pé. (Mercado M. de Montes Claros).

Arquivo Pessoal...........................................................................................................................................170

Figura 31. Série de fotografias 2/3. Saquinhos vazios não param em pé. (Mercado M. de São Paulo).

Arquivo Pessoal...........................................................................................................................................171

Figura 32. Série de fotografias 3/3. Saquinhos vazios não param em pé. (Mercado M. do Rio de Janeiro).

Arquivo Pessoal...........................................................................................................................................172

Figura 33. Obra: Mercado no zói do zoto é refresco. Detalhe da instalação: projeção mapeada e saquinhos

de temperos. (Exposição EmMeio#10 - 2018, Museu Nacional – DF). Arquivo pessoal...........................175

Figura 34. Obra: Mercado no zói do zoto é refresco. Instalação. Projeção mapeada e saquinhos de

temperos. (Exposição EmMeio#10 - 2018, Museu Nacional – DF). Arquivo pessoal.................................176

Figura 35. Obra: Mercado no zói do zoto é refresco. Instalação. Projeção mapeada e saquinhos de

temperos. (Exposição ‘Se eu fosse dizer que é aqui’ Galeria Nave – DF). Arquivo pessoal.....................177

Figura 36. Obra: Mercado no zói do zoto é refresco. Detalhe da instalação: projeções sendo mapeadas

sobre os saquinhos de temperos. (Exposição ‘Se eu fosse dizer que é aqui’ Galeria Nave – DF). Arquivo

pessoal.........................................................................................................................................................181

Figura 37. Obra: Mercado no zói do zoto é refresco. Detalhe da instalação: tempero. (Exposição

EmMeio#10 - 2018, Museu Nacional – DF). Arquivo pessoal...................................................................182

Figura 38. Obra: Mercado no zói do zoto é refresco. Detalhe da instalação: canela. (Exposição EmMeio#10

- 2018, Museu Nacional – DF). Arquivo pessoal.........................................................................................183

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Figura 39. Obra: Mercado no zói do zoto é refresco. Instalação: projeção mapeada e saquinhos de

temperos. (Exposição ‘Se eu fosse dizer que é aqui’ Galeria Nave – DF). Arquivo pessoal.....................184

Figura 40. Robôs gigantes no centro de Seattle apresentados pela Art Fair. 2018. Mark Pauline........207

Figura 41. Robôs nos corredores da Seattle Art Fair. 2018. Mark Pauline...............................................208

Figura 42. Rain Room. Do estúdio colaborativo “Andom International”. 2012.........................................214

Figura 43. Strata series. Strata #3. Quayola. Vídeo Projeção. Dimensões variadas. 2009.......................218

Figura 44. Obra: www.ifnoyes.com - Rafaël Rozendaal. 2013. Vendido para coleção de Benjamin Palmer

e Elizabeth Valleau.....................................................................................................................................222

Figura 45. Art Website Sales Contract. Rafael Rozendaal……...............................................................224

Figura 46. A eterna dúvida sobre qual doce ou autor “panhá’’. (Mercado M. de Uberlândia - MG). 2018.

Arquivo pessoal...........................................................................................................................................232

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Sumário

Introdução/Convite ...………………………………………………………………………………………............15

Seção 1 |Iniciando a Caminhada: ladeiras e feiras, padrões e códigos ....................................................19

Passos largos na caminhada: de cidade em cidade o mercado enche o papo ...…………….......................30

1.1 Mercado ...……………………………………………………………………………………………..............31

1.2 Mercado de Arte: contexto ..…………………………………………………………………………….......40

1.3 Do lado de dentro: mercado primário …………………………………………………………...…….......51

Seção 2 | Feiras ……………………………………………………………………………………………….........60

2.1 Feiras/mercados de feirantes: bancas e galerias que apontam para outra feira…………………….65

2.2 Feira/mercado de feirantes: caminhos e história …………………………………………………..........71

2.3 Feira/mercado de feirantes: pelos corredores, hoje ...………………………………………………...….76

2.4 Feiras: entre bancas, história e cartografias……………………………………………………..............90

2.5 Feiras de Arte: entre bancas, histórias e monopólios ...………………………………………...…......100

2.6 Feiras de Arte: logo ali nas capitais ……………………………....……………………………………….115

2.7 Feiras de Arte: SP Arte e ArtRio ………………………………………………………………………….124

Seção 3 | Mercado de Arte & tecnologia? …………………………………….………………………………...139

3.1 Arte & Tecnologia e o mercado de arte: contextos …………………………………………………...…151

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3.2 Entre feiras: temperos, mercados e arte & tecnologia ………………………………….....................170

3.3 Arte & tecnologia como subversão no mercado de arte ………………….…………………………….185

3.4 Distribuição e compartilhamento, difusão e visibilidade ……………….…………………………….192

3.5 Arte & Tecnologia e suas atuais vias de comercialização …………………………………………….204

Considerações Finais .................................................................................................................................227

Referências ……………………………….………………………………………………………………………....233

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Introdução/Convite

Este texto se constrói por meio da produção teórico-poética em Arte & Tecnologia a partir do encontro e

vivências nas feiras de arte e mercados/feiras de feirantes. Por poética, entendemos uma projeção da

forma de pensar e ver sobre a forma de construir sintaxes, de modo a deslocar cada elemento do seu

significado usual para duplos significados (Jakobson, 1995). Assim, deslocando determinados elementos

– migrando-os de seus contextos -, busca-se ressignificar um valor já atribuído, dando novos sentidos a

esses. Esse processo está ligado ao imaginário, às conexões promovidas pelo fazer artístico, onde a

atribuição de outros significados, analogias, discrepâncias e deslocamentos é uma constante. Deste modo,

as sintaxes apresentadas a seguir são o reflexo do caminhar e sentir as feiras e suas ramificações. De

antemão, essa é uma leitura ora acadêmica, ora poética, ora narrativa. A composição das frases e orações,

muitas vezes, é um convite ao leitor à sensação de apreender uma caminhada pelos olhos de uma artista

que pesquisa e narra as feiras e configurações deste circuito. A proposta também estende a caminhada

pelas instituições ligadas às artes, apresentando-as e compreendendo suas tramas e disposições de

quando se trata de preços e valores artísticos.

Ao caminhar, sente-se pulsar as ruas, divisórias, muros e sons. Todos estão para cidade como para

instituições, como a galeria. Essas amostras e padrões se repetem e conectam em trama o interno e o

externo. Como já dito, este texto é um convite a uma caminhada, e todo caminhar começa por um desejo.

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Passos pelas feiras, seja de arte ou do mercado de feirantes, é realizar o desejo dos sentidos: alimentar-

se, olhar, sentir o cheiro, comer com os olhos, tocar, abismar-se, pensar, ouvir. Conectar o interno com o

externo, ou perceber suas discrepâncias e desconexões. O leitor decide por onde começar tendo em vista

os muitos “fios da meada” propostos pela tessitura do campo da Arte, especificamente, o mercado (feiras)

e a arte & tecnologia.

Discorrendo de uma transcrição visual sobre as instituições aqui tratadas, as escolhas variam entre

imaginar, visualizar, percorrer, traçar uma abordagem crítica ou poetizar. Esta escrita - ora acadêmica,

ora poética, ora narrativa - permite que o leitor inicie o embarque onde lhe couber. Pensando sobre as

questões político-econômicas, sociais e culturais, que apontam as proximidades e discrepâncias das

feiras, esse texto busca apresentar as feiras (de arte e de feirantes) a partir de uma via circular/anelar;

ou seja, um espaço que apresenta continuidade, movimento passível de mudança. Pensar as feiras

circularmente é pensar nos seus cruzamentos, sobreposições e intercessões. Basta imaginarmos círculos

sobrepostos sobre um mapa e pensarmos sobre as hibridizações em suas fronteiras e interseções: às vezes

fecundos, às vezes inférteis. Há também circularidade na maneira de observar os objetos aqui envolvidos.

Caminhando pelo mercado de feirantes, onde vejo seus diversos elementos (bancas, temperos, objetos,

frutos, sacas, artefatos), observo-o e penso sobre as feiras de arte. Ganho assim a possibilidade, por meio

da poética, de se falar e fazer arte & tecnologia e, a partir desta poética, discutir a

possibilidade/existência de um mercado de arte & tecnologia. Assim, o mercado de feirante e a feira de

arte são objetos de reflexão junto às novas tramas que a arte tecnológica está tecendo nesses círculos já

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estabelecidos. Essas novas linhas e intercessões trazidas pela Arte & Tecnologia apontam para uma

reorganização do sistema com diversos momentos de subversão no/do mercado tradicional de arte.

Esta caminhada também passa sobre questionamentos advindos das resistências encontradas no

mercado tradicional para comercialização destas obras. Exposições, ruas, laboratórios, pesquisa,

universidade, experimentos, museu, feiras, bancos: cruzamentos. Desses e nesses lugares saem

experimentos artísticos, obras, misturas entre linguagens e novos formatos a partir de tecnologias

contemporâneas. Ausente de seus suportes tradicionais (tela, tinta, pigmento, moldura), a pintura, a

linguagem imperativa no mercado de arte, agora adentra as instituições por meio de tecnologias

contemporâneas. Sua virtualidade e interatividade atrai a crítica e suas questões como “isso é pintura?”,

mas provoca desajustes e recusa nos olhares negociadores que ainda se mantêm sobre objetos

“palpáveis”. Muitas vezes, no processo artístico, esses experimentos esbarram em interesses

institucionais advindos do mercado de arte, como o seu preço e/ou viabilidade de venda. As instituições

também questionam a participação dessas obras e sua (im)possível permanência no circuito de arte e o

custo para que haja funcionalidade, preservação e conservação plena. Esses três últimos pontos incidem

diretamente na durabilidade e consequentemente na legitimação e historicização da obra.

As indagações e suas demandas sobre o tema perpassam esse tecido mercadológico ao mesmo tempo em

que repuxam seus fios. Se há uma produção em arte & tecnologia emergente que infiltra um mercado de

arte tão robusto, como se configura a comercialização dessas produções e seus respectivos aparatos? Fora

do cubo branco, o espetáculo, os softwares, o amontoado de links apontam a efemeridade e a necessidade

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de adaptações, ajustamentos para adentrar as exposições. Mas esse trabalho seria vendável? Passível de

colecionismo, leilão, trocas? Rentável? Vendável seria um sinal, e rentável, outra história.

Os processos artísticos tecnológicos apresentam um tecido que, ora é ilusório, digital - caracterizado pelo

mercado como impalpável -, ora mesclado com linguagens tradicionais. E são esses tecidos movediços

que, postos à comercialização, apontam a robustez do mercado tradicional ao mesmo tempo em que o

freme com suas inconstâncias e efemeridades.

E é pensando esse emaranhado de questões que apanho aqui a sacola com esses objetos e caminho entre

as bancas e galerias. Entre conversas, partilhas e muitas anotações, observo o corredor cheio que sinaliza

artefatos e frutos ao chão, clientela apertada em volta dos feirantes: pode ser uma caminhada complexa,

mas ainda assim, uma boa caminhada. Degustação e aprendizado em ambas as feiras.

Então, bem-vindo à caminhada sobre a poética advinda das feiras, que se encontram para perguntas e

respostas sobre o mercado de arte & tecnologia.

Boa caminhada!

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Seção 1 | Iniciando a caminhada: ladeiras e feiras, padrões e códigos

A cidade constitui-se hiperbólica em suas mais variadas e diversas configurações. É um lugar que abriga

signos e, com esses, instituições que também hospedam outros inúmeros signos, que retroalimentam

ciclos, regras, (trans)formações. Em sua estrutura, a cidade comporta as mais diversas e complexas

instituições, que naturalmente possuem suas redes e, muitas vezes, mais que tramas, propõem laços;

como por exemplo, nossos famosos mercados de feirantes. Para reconhecer essas instituições e permear

por suas bordas, é preciso levar em consideração o local e seu contexto, tanto objetiva e subjetivamente.

Percorrer esse emaranhado sistema na tentativa de apreender ou traçar leituras, ora objetiva, ora

subjetivamente, é complexo e inquietante. O conjunto de complexidades que cabem dentro de um único

termo, seja ele cidade, feira, seja instituição, o faz um objeto inquieto, inconstante, com processos

variáveis, algumas vezes pontuais, outros finos, quase imperceptíveis, mas que auxilia e impulsiona toda

essa conjuntura. O diverso me parece ser a regra base.

Por isso, a feira de arte e o mercado de feirante – pequenas cidades hospedadas na cidade – são aqui

relacionados e ambos têm pontos de encontro e/ou distanciamentos por meio de analogias e metáforas.

São instituições de cidades hiperbólicas, ora objetiva, ora subjetivamente. São termos que comportam

uma diversidade de significados, que abrem espaço para poética, me propondo na caminhada conectar

os contextos da cidade, da escrita e da poética.

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Em meio a essa caminhada pela cidade e por essas instituições, ora estarão em feiras, ora estarão a céu

aberto. Às vezes, o olhar trará a proposta de um exame a fundo abordando e questionando pequenos

ângulos; outras vezes, o convite é olhar o exterior, ou dar um giro de 360° nestes objetos. Apresento as

instituições e suas definições a partir das observações e idas a campo, ora poeticamente com analogias,

ora apresentando suas discrepâncias. O mercado de arte como um sistema1 (BERTALANFFY, 1975) e

as tecnologias contemporâneas como ferramentas de produção de arte2. Além da familiaridade do termo

neste campo, opto pelo uso de Arte & tecnologia por abarcar e ser sinônimo de “artes eletrônicas, poéticas

tecnológicas”, dentre outras (MACHADO, 2007). Abrange também qualquer experiência artística que

utilize dispositivos, métodos e recursos recentemente desenvolvidos, como as tecnologias digitais, no

campo das redes, informática, engenharia e eletrônica, além das possíveis conexões entre arte e ciência.

A proposta da escrita não é separar os objetos, mas observar criticamente seus encontros e misturas,

pensar suas estruturas e compreender suas características. Nessa trajetória, tenho algumas vezes as

instituições que compõem a cidade – casas, bancos, comércio, galerias, mercados, etc. – como pequenas

1 Bertalanffy (1975) apresenta em sua publicação uma teoria geral de sistemas. A Teoria de Sistema permite reconceituar os

fenômenos em uma abordagem global, permitindo a inter-relação e integração de assuntos que são, na maioria das vezes, de

natureza completamente diferentes. Sistema pode ser definido como um conjunto de elementos interdependentes que

interagem com objetivos comuns formando um todo. E/ou um conjunto de partes coordenadas e não relacionadas, formando

um todo complexo ou unitário conjunto de elementos, concretos ou abstratos, intelectualmente organizados. 2 Produções de artes & Tecnologias contemporâneas como vídeo mapping, interatividade sonora e visual, realidade virtual,

artes telemáticas – realizadas em espaços distintos geograficamente interligados por rede de informação, artes para GPS,

3G, tecnologia móvel; ambientes/instalações imersivas e sensoriais, software art, nanoarte, bioarte, dentre outras linguagens

desenvolvidas a partir de atualizações ou com os novos adventos.

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cidades, acreditando que seus conteúdos saltam (em alguma medida) seus muros, mesclando alguns de

seus padrões. Claro que o contrário também incide, tendo em vista os diversos elementos da cidade

encontrados nesses espaços, seja objetiva, seja subjetivamente, como, por exemplo, o conteúdo de obras

que estabelecem conexões com o espaço externo.

A partir daqui, caminhemos então pela cidade. Subamos a primeira ladeira e percorramos sobre padrões

e suas repetições.

Não é preciso ir longe. Façamos um recorte do nosso dia e coloquemos a cidade diante de nós: encontros,

rua, uma árvore no meio do caminho com flores novas, que não estarão ali no próximo mês, uma escola

com fluxo intenso, um acidente porque o asfalto esburacou, um desvio da rota como ganho de tempo, uma

descoberta de caminho novo e daí por diante. É nesta potência de cidade, neste circuito na qual vivemos

que encontramos todas as outras. É espaço contínuo, que se desdobra, torna-se excessiva, cheia, com

sinais de oscilação.

Imaginemos agora outras cidades dentro desta cidade, como, por exemplo, as instituições. Cidades

compostas pelas artes e seus agentes, como as galerias e institutos de Artes. Lugares de construção, de

recepção, de ideias e pessoas, de fomentação de outros contextos da cidade, dinâmicos e movediços, com

organização própria. Essa troca contínua entre a cidade macro e “as pequenas cidades/instituições”

permite que certos padrões se sobreponham e convivam. Por exemplo, encontramos um conjunto de

eventos, padrões e códigos que determinam o que é um espaço rural, e outro conjunto que caracteriza o

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espaço urbano e as características específicas deste contexto. E, é claro, lugares que permitem coabitar

ambas as estruturas e operam seus padrões e códigos sobrepostos.

Um exemplo, são os laboratórios. Um laboratório, com diversas características, pode existir em ambos

os lugares – urbs e rus3 - com construções diferentes, mas mantendo padrões iguais ou semelhantes. Um

lugar de investigação, com aparatos tecnológicos, com pessoas ligadas diretamente a urbs, que aprendem

e dialogam com o contexto do campo, mas que possuem ligação direta com a composição da cidade. Pode-

se, então, ressaltar graus de diferença entre a cidade e o campo no lugar de uma total oposição? Pode-se

perceber – objetiva e subjetivamente – fragmentos e padrões desses lugares, deslocados de suas origens?

Podemos ver códigos e padrões de ambos os lugares que, sobrepostos, criam novas dinâmicas para os

mesmos?

Sobre esses padrões e a coexistência dos mesmos, Christopher Alexander ressalta que, “nenhum padrão

é uma entidade isolada. Cada padrão existe somente porque é sustentado por outros padrões: os padrões

maiores, dentro dos quais ele se inclui, os padrões do mesmo tamanho, que o circundam, e os padrões

menores, nele inserido” (Alexander, 2013, p. XVI). Há de se perceber aqui a ligação entre eles e uma

espécie de circularidade de padrões em camadas.

3 Do latim, URBS: “cidade grande”. URBANUS era o morador da cidade. O termo que o contrapõe é justamente do latim

RUS, rural: “pedra, rocha”, dando a ideia de um lugar não preparado para a habitação. Campo, terra para a agricultura,

espaço rústico (Dicionário Latim).

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Um exemplo simples seria a repetição da figura do ser humano em todos estes espaços, constituindo um

padrão. A sua constituição biológica, social, psicológica, econômica – dentre outros pontos – trazem

consigo padrões de diferenciação. As diversas maneiras e relações do ser humano com os espaços

interferem na composição e os (des)caracterizam como tal. Pensando então a partir dos padrões e

relações propostos por Alexander (2013), construo uma experimentação poética substantiva, isto é,

escolho palavras (substantivos) que formam uma rede semântica, uma aliteração, um período composto

por similaridades, uma breve rede de padrões que caracterizam: o mercado, a feira de arte, a

feira/mercado de feirantes, a arte e tecnologia e a cidade que comporta todas elas.

Caminhemos pelos padrões:

mercado: campo, cidade, vastidão, elite, administração, dinheiro, valor, trabalho, instituições, produção,

redes, oferta, irrigação, galerias, agentes, público, comércio, arte, economia, caminhos, costumes,

serviços, nebulosidade, coleção, oportunidade, (in)certezas, leilões, feiras, transações, poder, troca,

petróleo, queda, investimento, inflação, pesquisa, concorrência;

feira de arte: cidade, caminhos, comercialização, cor, obras, conversa, elite, administração, dinheiro,

degustação, valor, galerias, transações, oportunidade, nebulosidade, oferta, coleção, agentes, apreciação,

público, poder, holofotes, pesquisa, (in)certezas, encontros, seleções, legitimação, performance,

preferências, concorrência;

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feira/mercado de feirantes : caminhos, cidade, comida, cor, comercialização, conversa, cheiro, degustação,

público, dinheiro, apreciação, exposição, artefatos, pesquisa, valor, temperos, bancas, galerias, frutos,

combinados, apertos, hibridez, venda, ímã de geladeira, caixas, maturação, desperdício, poética, barulho,

barro, artesanato, suor, tecido, propaganda;

arte & tecnologia: caminhos, campo, computador, cidade, cor, obras, virtual, dinheiro, projeções, digital,

público, interatividade, eletrônico, diverso, fios, energia, (in)certezas, galerias, coletivo, propaganda,

sensores, poética, programação, pesquisa, luz, desdobramento, exposição, software, técnica, hibridez,

espetacularização, imagens, efêmero, links, valor, clic’s, botões;

cidade: (des)governo, administração, dinheiro, oferta, planejamento, propaganda, poética,

oportunidades, trabalho, mapas, (in)certezas, relações, ruas, rede de esgoto, abastecimento de água,

asfalto, morte, meio fio, postes, economia, comércios, casas, quintais, cômodos, moradores, essências,

vontades, oportunidades, transações, costumes, instituições, cor, valor, encontros, apagamentos,

barulho, árvores, coletivo, privado, silêncio, petróleo, nascimento;

Percebe-se, acima, a repetição de alguns padrões, mesmo tratando-se de esferas diferentes. Os

cruzamentos de padrões também compõem esses lugares e os completam demonstrando assim a

convivência e não a oposição ou enrijecimento das áreas.

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Reconhecer esse conjunto de padrões não é, claro, abarcar os termos em sua totalidade, mas usar este

método como fio da meada para poética e reflexão crítica sobre eles. Além disso, erguendo um punhado

de padrões, observo os seus códigos e componho poeticamente com/sobre os objetos.

Continuemos a caminhada pelos padrões e seus códigos e, a seguir, o mercado.

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Figura 1. Duo/1: De grão em grão o mercado enche o papo. Fotografia. Arquivo pessoal

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Figura 2. Duo/2: De grão em grão o mercado enche o papo. Fotografia. Arquivo pessoal

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mercado: campo, cidade, vastidão, elite, administração, dinheiro, valor, trabalho, instituições,

produção, redes, oferta, irrigação, galerias, agentes, público, comércio, arte, economia, caminhos,

costumes, serviços, nebulosidade, coleção, oportunidade, (in)certezas, leilões, feiras, transações, poder,

troca, queda, investimento, inflação, pesquisa, concorrência

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Passos largos na caminhada:

de cidade em cidade o mercado enche o papo

As leis do mercado não perdoam: a arte, uma vez que assume valor de troca, torna-se mercadoria como

qualquer presunto”

Mario Pedrosa4

...algumas páginas fitam os olhos por mais tempo. Quando se trata de ‘arte tornar-se mercadoria como

qualquer presunto’, os olhos fitam por muito mais tempo. Primeiro: emerge rapidamente a imagem

intangível do mercado, negociações e dinheiro e um mundo complexo de configurações quando uso a

expressão “mercado de arte”. Então, logo a imagem escorre, afunilando o campo, unindo arte e alimento,

propondo-me um de seus espaços: feiras. Segundo: a rasa e imediata ligação dos termos e proposição de

um lugar específico para ambos se dilui, apontando a necessidade de aprofundamento para compreensão

de suas particularidades e lugares. Terceiro: quando acesso um punhado de padrões de ambos – mercado,

4 PEDROSA, Mário. Mundo, homem, arte em crise. São Paulo, SP: Perspectiva, 1975, p. 257.

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feira – vejo suas semelhanças e distâncias e assim, cá me situo na diversidade de desdobramentos que

uma fala, que inicia com “leis do mercado” e termina com “presunto”, pode ter.

Logo, se uma curta citação do autor apresenta aos meus sentidos a complexidade do tema em suas

palavras – leis, mercado, arte, valor, troca, mercadoria –, imagino e suponho a vastidão deste campo

chamado Mercado. Se afunilo o tema e alio este termo à arte & tecnologia, acesso uma outra área – em

formação – com seus melindres e especificidades. Certeza: padrões e códigos disponíveis com diversas

possibilidades de vias para pesquisa e criação poética.

Pensando sobre a dimensão e importância do tema, desejo caminhar por uma de suas vias. Via esta que

considero trânsito, (des)encontros: as feiras. Este é um fio da meada, uma plataforma que compõe esta

tessitura maior – o mercado de arte. Feito rede que embala instâncias intangíveis, ao mesmo tempo em

que apresenta objetividades em suas transações. Que negócio é esse?!

Com a vontade de aprofundamento e possível compreensão sobre tantas coisas presentes entre “arte

tecnológica e feiras”, passemos então pelo macro, onde estamos situados, pelo contexto onde esse fio da

meada é composto. Assim, matutando e caminhando por essas vias mercadológicas, avistaremos

possíveis respostas à urdidura proposta pelo encontro entre arte tecnológica, comercialização e feiras.

Mercado:

Sandroni (1999, p. 378), em seu Dicionário de Economia, descreve que

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[...] o termo mercado designa um grupo de compradores e vendedores que estão em

contato suficientemente próximos para que as trocas entre eles afetem as condições

de compra e venda dos demais. Um mercado existe quando compradores que

pretendem trocar dinheiro por bens e serviços estão em contato com vendedores desses

mesmos bens e serviços. Desse modo, o mercado pode ser entendido como o local,

teórico ou não, do encontro regular entre compradores e vendedores de uma

determinada economia. Concretamente, ele é formado pelo conjunto de instituições

em que são realizadas transações comerciais (feiras, lojas, Bolsas de Valores ou de

Mercadorias etc.)5.

Alfred Marshall – clássico economista inglês –, em seu livro “Princípios da Economia (1982)6, parafraseia

outros dois autores economistas: Antoine Augustin Cournot (1897) e William Stanley Jevons (1897),

apresentando alguns conceitos sobre o que seria o tão citado mercado:

(...) os economistas entendem por mercado não um lugar determinado onde se

consumam compras e as vendas, mas toda uma região em que compradores e

vendedores se mantêm em tal livre intercâmbio uns com os outros que os preços das

mesmas mercadorias tendem a nivelar-se fácil e prontamente (COURNOT apud

MARSHALL, 1982, p. 16)7.

5 SANDRONI, Paulo. Novíssimo Dicionário de Economia. São Paulo: Best Seller, 1999, p. 378. 6 Livro V, Capítulo 1, de Princípios de Economia, Alfred Marshall (1982, p. 15-20). 7 Marshall parafraseando Antoine Augustin Cournot.

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Ao transcrever Jevons, Marshall aponta que não só a objetividade contida no termo mercado como um

lugar, mas também suas subjetividades, como as relações e preferências entre as pessoas e seus negócios,

geram pluralidade ao termo, garantindo múltiplos significados ainda que em contextos próximos.

[...] originalmente um mercado era uma praça pública de uma cidade, na qual as

provisões e outros objetos eram expostos para venda; mas a palavra foi generalizada,

de forma a significar qualquer conjunto de pessoas em estreitas relações de negócios

e que efetuam largas transações com uma mercadoria qualquer. Uma grande cidade

pode conter tantos mercados quantos os ramos de negócios, e esses mercados podem

ser localizados ou não. O ponto central de um mercado é a Bolsa Pública, empório ou

sala de pregões, onde os comerciantes combinam em encontrar-se e fazer negócios. Em

Londres, a Bolsa de Valores, o Mercado de Trigo, o de Carvão, o de Açúcar e muitos

outros têm localização própria; em Manchester, o Mercado de Algodão, o de Restolhos

de Algodão (Cotton Waste Market) e outros. Mas a localização distinta não é

indispensável. Os comerciantes podem estar espalhados em toda uma cidade, na

região ou no país, e mesmo assim constituem um mercado se, por meio de feiras,

reuniões, anúncios de preços, correio ou qualquer outra via, vivem em comunicação

estreita uns com os outros (JEVONS apud MARSHALL, 1982, p. 16).

Enquanto a definição de Sandroni (1999) apresenta objetivamente a complexidade do termo, Marshall

(1982) vai apontar também o subjetivo, as variações e a diversidade de fatores que constituem o termo

mercado. A oração “...uma grande cidade pode conter tantos mercados quantos os ramos de negócios”

ilustra o quão amplo e aberto à dilatações o termo pode ser. Além disso, junto aos padrões deste campo,

é possível perceber não só a nível macro, a composição do termo, mas também, o que eu chamaria de

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“códigos” do mercado, ou seja, aquelas situações/conexões que acontecem diariamente nos encontros

instaurados pela comercialização/mercado, e são tão rotineiras e naturalizadas que muitas vezes não são

percebidas – em seu real valor – mas fazem parte e compõem o mercado. Por exemplo, os “códigos”,

podem ser experenciados e vistos em lugares como o mercado público, o famoso mercado de feirante.

Onde ocorrem a socialização nas cidades e os feirantes sabem as cores e maturação das frutas que seus

clientes gostam. Lugar onde a mão erguida é sinal imediato de “chegou mercadoria nova”.

Transbordamento de cores que nos convencem sem palavras a comprar. Onde percebo a identidade local

e o cheiro de comercialização perpassado e derribado pelo cheiro dos temperos. É a esse invólucro8 de

micros situações que chamo de “código”. Estes fazem parte de um cenário maior que, para mim, são

relevantes para relações neste campo.

Não é proposição desta escrita encerrar-se sobre uma única definição do que seria mercado, mas de

perpassar sobre o tema, chegando ao Mercado de arte – em especial, às feiras – e apontar caminhos por

onde o mercado de arte & tecnologia se desdobra e perspicazmente se engendra. Pensando assim...

caminhemos mais uma ruela.

8 Por vezes compreendo os códigos lado a lado com os padrões, outras vezes como invólucro, envoltório, revestimento; mas

sempre permeando as relações e contextos.

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Passando por definições sobre mercado e suas conjunturas, Glauco Schultz (2018) vai apontar, em seu

livro “Mercados e comercialização”, que o mercado e seus mecanismos são assentados em múltiplas

bases:

[...] intercâmbio de direitos de propriedade; fóruns de busca de consenso sobre os

preços; comunicação de informações sobre produtos, preços, quantidades,

compradores potenciais e vendedores potenciais; contatos entre clientes; meios de

transporte; mecanismos legais de regulação; relações mediadas por regras, costumes

e práticas consolidadas; existência de contratos implícitos ou explícitos de proteção

das partes envolvidas, com controles e sanções; e mecanismo de preços como regulador

das transações SCHULTZ (2018, p.101)9.

Junto aos apontamentos relacionados a essas bases, o autor salienta em seu texto a existência de diversos

mercados. Ele cita, como exemplo, mercado para bens de consumo (alimentação, carros, equipamentos

de esporte, etc.), mercado de serviços (limpeza, consultorias, etc.) e mercado financeiro (ações, títulos

privados e estatais, etc.) (op. Cit. p.94). Vale ressaltar que são muitos mercados, e que cada um é regido

por suas regras internas e não utilizam da mesma forma, ou no mesmo grau, essas bases. No mercado

financeiro, por exemplo, usam-se contratos implícitos ou explícitos de proteção das partes envolvidas,

9 SCHULTZ, Glauco. Mercado e Comercialização: Perspectivas teórica e histórica sobre os universos da produção e do consumo. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2018.

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mas, em menor grau, os meios de transporte, tendo em vista a informatização do sistema e a utilização

de transações por meios eletrônicos.

Não somente as necessidades das cidades e seus habitantes, em contato com condições econômicas,

viabilizam o surgimento de novos mercados, como também os serviços considerados terciários ou

supérfluos, também criam novos mercados. Inclusive, este último, apropria-se justamente do subjetivo,

do sensível e das experiências emocionais para atingir um consumidor ávido por experiências estéticas

e produtos supérfluos que atendam suas demandas (LIPOVETSKY e SERROY, 2015). O chamado setor

terciário, setor de serviços e comércio é considerado o setor que mais cresceu desde 201110. O crescimento

de alguns setores transborda de tal forma que abre margem para ramificações e hibridizações entre os

mercados, por exemplo, o surgimento do setor quaternário, que, é também conhecido como setor da

ciência e da tecnologia (TOMELIN, 1988)11. Com o crescimento dos 3 primeiros setores e a expansão da

tecnologia, este setor se ramifica sobre todos os outros e reuni atividades intelectuais, de produção do

saber e da informação. E assim, de cidade em cidade, o mercado enche o papo. E assim o mercado vai

abarcando produtos tangíveis e fazendo do intangível, produto.

10 Ver gráfico e mais informações sobre este setor em http://www.mdic.gov.br/index.php/comercio-servicos/a-secretaria-de-

comercio-e-servicos-scs/402-a-importancia-do-setor-terciario 11 Setor quaternário: “...caracterizado pela ação de conceber, criar, interpretar, organizar, dirigir, controlar e transmitir,

com a intervenção do ambiente científico e técnico, atribuindo a esses atos um valor econômico” TOMELIN, Mário. O

quaternário: seu espaço e poder. Brasília. Ed. UnB, 1988, p. 71.

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Figura 3. (...) de cidade em cidade o mercado enche o papo. Mercado Central Christo Raeff (MG, 2017)

Fotografia. Arquivo Pessoal

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A imagem anterior faz parte de uma série de recortes fotográficos que se apresentaram a mim como

sinônimo do mercado e seus engendramentos12. O título faz referência a um ditado corriqueiro, do

mercado de feirante: de grão em grão a galinha enche o papo. Na composição da imagem, alguns

elementos (óbvios) que representam a cidade e o campo: as casinhas, a escultura de um homem com seu

animal (canto superior esquerdo), temperos, especiarias. As peças de madeira, postas ao centro, as

desempenadeiras, remetem ao cotidiano da cidade e do mercado: construção. A lata de ferro, ao fundo,

apresenta-me a reutilização dos objetos pelo mercado como forma de reaproveitamento e lucro. Antes,

uma lata de milho, agora uma chaleira. Vários segmentos de mercados aqui representados: imobiliário,

alimentício, artístico, dentro de um grande mercado.

Peças que apresentam a possibilidade de cruzamentos dos mercados, que aparentemente não se

comunicariam; ou por ventura imaginaríamos achar uma desempenadeira, objeto da construção civil em

uma banca com pimentas e feijão de corda? Eu, pelo menos, não.

Todo dia uma montagem no mercado, produtos novos, construção de novos laços, freguesia. Aos poucos,

comercializa aqui, vende lá, perde acolá e de grão em grão os propósitos e objetivos são alcançados.

Vende, negocia, cresce. Paredes removidas; e a feira se alarga. Na cidade, o padrão se repete: moradias

12 Pesquisa de Campo com idas aos mercados/feiras de feirantes de Minas Gerais (MG), São Paulo (SP), Fortaleza (CE), Rio

de Janeiro (RJ) e Brasília (DF).

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e instituições são erguidas. O mercado imobiliário, por exemplo, vorazmente faz seus apagamentos pelas

ruas em nome do novo. Muitas vezes, verticalmente, a cidade aponta os excessos do mercado e seu

crescimento desenfreado. As instituições seguem a linha, verticalizam em suas estruturas físicas e

econômicas. Constrói aqui e acolá. A arte, o design, torna-se a massa final, aquele reboco fininho, bem-

alisado que a desempenadeira repuxa, dando acabamento a esses lugares.

Os objetos de arte, imersos no mercado, deixam pimenta no olho e provocam desassossego com o preço

salgado. E claro, o pilão ao fundo (as instituições), que socam a produção bruta, as especiarias (produção

artística), para retirarem o melhor tempero, as melhores obras. Em meio à cidade, há pilões e produtos

frescos, o tempero é oferecido pelo mercado que nem avisa que é preciso ter paladar apurado para

discerni-los. Exercício. Várias idas e vindas, visitas e degustações.

E assim, sobre um mar de serviços (representados pela lona azul na fotografia), o mercado se faz com

sua banca de objetos e negociadores. Eu de cá com a câmera peço licença e fotografo, enquanto ouço:

“levar um feijãozinho, moça?”. Oferta. Venda. Mercado.

Dentro desse grande mercado e suas formas de encher o papo, enveredo agora por um de seus mercados:

o mercado de arte.

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1.2 | Mercado de Arte: contexto

O mercado de arte, mais conhecido, resumidamente, como “o lugar onde se vende obra de arte”, é, antes

de tudo, mais que um “lugar”, pois seu crescimento o tornou uma estrutura com (in)visibilidades nos

mais diferentes aspectos, que além de se mesclar com outros mercados, como por exemplo o mercado de

investimentos financeiros, utiliza obras de arte como moeda de investimento para suas negociações13.

Dentre tantos mercados e suas misturas, o que configura o mercado de artes?! Em qual contexto se

encontra esta vertente?!

Em uma linha do tempo, Lipovetsky e Serroy (2015), relembra que “...depois da arte-para-os-deuses, da

arte-para-os-príncipes e da arte-pela-arte, triunfa agora arte-para-o-mercado (Lipovetsky, 2005). A arte

sempre teve, de alguma forma, relações com aspectos mercadológicos, sejam elas por meio de trocas,

dinheiro, sejam por conveniências. Em menor ou maior escala, arte e mercado sempre tiveram conexões

e, atualmente, essa relação se apresenta em maior grau.

13 Arte como forma de investimento: O Brazil Golden Art – BGA Fundo de Investimentos e Participações (FIP BGA) é o

primeiro fundo voltado exclusivamente para o segmento de artes plásticas no Brasil. O Fundo é gerido pelo banco Brasil

Plural, e possui consultoria permanente de especialistas em arte brasileira e as aquisições das obras são feitas de

colecionadores, galerias, feiras, agentes credenciados e diretamente dos artistas. Mais informações em:

http://www.brazilgoldenart.com.br/site.

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Teixeira Coelho (2013), apresentando historicamente o mercado de arte, ratifica a fala acima expondo os

momentos da arte e suas dependências financeiras. A Igreja por muito tempo financiou os artistas e,

quando o Estado substituiu firmemente a Igreja, as funções da igreja passaram a ser do Estado de modo

igualmente absoluto. Perguntas como “o valor de uma obra de arte pode ser aferido pelo modo como ela

representa um interesse religioso?” passaram então a ser “o valor de uma obra de arte pode ser aferido

pelo modo como ela representa um interesse político?” O autor relembra assim que a resposta continuou

a ser a mesma: sim, a arte que representa bem os pontos doutrinários do partido político, ou pontos

doutrinários religiosos é uma boa arte, inclusive, temos o exemplo de demonstrações pelos estados

fascistas, nazistas e comunistas da primeira metade do século XX. (COELHO, 2013, p. 12).

Aos poucos, gradativamente, veio a consolidação do mercado cada vez mais livre da Igreja e do Estado,

embora, por este regulado nos tempos modernos, pareceu a utopia possível para o artista, que se viu livre

para produzir o que quisesse (COELHO, 2013).

Imaginemos, então, alguém que poderia agora pintar, desenhar, escrever o que desejasse, expor em seus

trabalhos a autonomia no fazer. Depois disso, disponibilizar para alguém que, interessado em seu

trabalho, comprasse-o. Com essa abertura tão objetiva entre o artista e o mercado, revela-se novas

práticas comerciais na arte. Assim, o autor também destaca que

Em princípio, o valor econômico de uma obra de arte, tornava-se o modo objetivo de

traduzir valores subjetivos. Esse valor, objetivo, é por assim dizer, neutro, e um

sistema de cotações tornava ainda mais igualitário o modo de avaliar obras diversas

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de um mesmo artista ou de artistas diferentes. O valor de uma obra dependia não de

seu conteúdo imaterial, mas de coisas bem duras em sua materialidade como a cor

usada em uma tela (um certo azul) ou material específico como ouro para o fundo da

pintura e até a quantidade de horas despendidas pelo artista na execução a obra. A

situação não poderia ser mais objetiva, aparentemente (COELHO, 2013, p. 13).

Mas, as coisas logo se apresentam complexas. A autonomia trouxe consigo fricções para práticas

comerciais e as transações feitas com a obra alteraram o curso desse raciocínio. Teixeira Coelho

apresenta um exemplo que ilustra bem o quão complexo se tornou o mercado para o artista.

Parafraseando-o: “se um mesmo artista pinta duas telas iguais, do mesmo tamanho, tema e mês e as

duas são autenticas e são igualmente bem quistas; mas uma acaba de ser vendida para um senhor

desconhecido e outra para um grande colecionador. Em um dado momento em um leilão as duas são

oferecidas e adivinha qual será mais cara? Certamente a obra advinda do conhecido colecionador”.

Neste momento vejo instaurar questões básicas entre preço e valor. O primeiro – o preço – é uma forma

objetiva, tangível de se traduzir e objetivar o valor. Além disso, o preço se volta para a materialidade,

como a composição de materiais especificamente requisitados (como dito o exemplo acima: o ouro), as

cores e até o tempo de produção, uma espécie de quantificação ou soma desses fatores. O segundo, o

valor, perpassa fatores amplamente imensuráveis como lugares e pessoas que adquiriram tal obra. O

valor é uma construção social ou humana produzida num sistema de relações ativado pelos desejos

humanos (ALPERS, 2010). Para “agregar valor”, arrastam-se as mais variadas oportunidades dos

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contextos e créditos, inclusive, modificando assim o preço. Fatores externos e internos como, por

exemplo, prêmios, exposições e bolsas, dentre outros; são qualidades que agregam valor à carreira do

artista e consequentemente à sua produção. Logo, preço e valor, em conjunto, operam ao máximo a partir

dos dados e informações que circuncidam o caminho percorrido na construção e mostra da obra para

alcançar o objetivo de uma precificação ou valor inestimado.

O fato é que, em meio a tantas variáveis para se comercializar arte, o artista não tem seu sustento

garantido pelo mercado. Basta olharmos a balança desigual entre artistas com formação que trabalham

em outros segmentos e os que trabalham com dedicação exclusiva à produção artística e são sustentados

pela comercialização de suas produções. O certo é que a questão ‘como sobreviver em uma sociedade

dominada pela lógica do mercado?’ logo chega e exige respostas, de preferência, práticas aos artistas.

Antes, a igreja e o estado eram mantenedores e agora, pós-autonomia, além de alavancar diversas

questões, o Mercado passa a ser o tutor da arte. Assim, a configuração igreja - mecenas -, patronos -

artistas, passa a atuar como mercado – agentes – artistas. Essa atual configuração revela um mercado

de arte com diferentes segmentos e que busca, obviamente, o que é mais rentável, fazendo com que o

artista precise de seu deferimento para firmar-se profissionalmente. Neste caso, o mercado além de

custear o artista, passa a chancelar sua legitimação. A questão ‘como sobreviver em uma sociedade

dominada pela lógica do mercado?’ não é só uma preocupação com um espaço de venda dentro do

mercado, mas com a possiblidade de ser legitimado e obter mais que o sustento financeiro. Junto a isso

vem a fama, prestígio, notoriedade, reconhecimento. Nesse processo, alguns negam claramente o

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mercado e optam por carreiras paralelas, fora dos principais circuitos artísticos e, justamente por negá-

lo, podem se tornar objeto de desejo mercadológico. Ironias mercadológicas: negar e depois ser absorvido.

Nessas situações de desejo exacerbado do mercado para absorver os artistas – por meio de seus agentes

–, observa-se “um sistema maior”, onde estaria embebido o sistema de arte e engendrado nas lógicas

mercadológicas, gerando assim a vertente aqui tratada, o mercado de arte. Lipovetsky e Serroy (2015)

abordam o tema e apontam por diversas conexões, uma nova era artisticamente capitalista. Essa nova

era, o chamado capitalismo artista, segundo os autores, não data de hoje, claro. Suas primeiras

manifestações apareceriam já no início da segunda metade do século XIX e trariam mudanças sem volta

ao sistema artístico. Os autores fazem questão de ressaltar que esse capital não é exclusivo das artes

visuais e que é preciso pensá-lo como um todo, uma sistematização, uma trama que abrange as diversas

áreas: moda, arquitetura, alimentação, indústria, dentre outros inúmeros segmentos.

Os autores defendem como ‘capitalismo artista’ uma formação que

[...] liga o econômico à sensibilidade e ao imaginário, ele se baseia na interconexão do

cálculo e do intuitivo, do racional e do emocional, do financeiro e do artístico. O

capitalismo artista tem de característico o fato de que cria valor econômico por meio

do valor estético e experiencial: ele se afirma como um sistema conceptor, produtor e

distribuidor de prazeres, de sensação de encantamento (LIPOVETSKY e SERROY,

2015, p.43).

Não se pode reduzir o capitalismo artista/estético ao sistema do mercado de arte, mas podemos atribuir

muitas das configurações do mercado das artes à era do capitalismo artista.

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Consideremos aqui um sistema onde, o mercado de arte faz parte e atua com grande significância. O

mercado tem suas configurações e reguladores que norteiam sua atuação em todas as áreas que lhe

prouver. Na arte, os seus agentes (galeristas, artistas, ateliês, feirantes, colecionadores) se engendram

nessas configurações, compõem e se submetem a algumas leis que regem a economia.

Como vimos, antes, os artistas trabalhavam para atender a uma demanda prévia feita pela igreja,

patronos, mecenas e nobres (encomenda e produção), agora produz para o mercado em nome de um

público (ainda específico), mas baseado na oferta e procura. Isso se dá justamente nessa era que

“artealiza e capitaliza” os diversos campos e tem as Artes como veículo para tal. Por exemplo, a

arquitetura urbana, grandes cidades históricas, fábricas, monastérios desativados são

considerados/convertidos em parques artísticos e dentro disso, as Artes Visuais são instaladas e

espetacularizadas – inclusive com mediação tecnológica – dando novas características e finalidades a

esses espaços (LIPOVETSKY e SERROY, 2015, p. 51).

Há uma atuação interconexa, de retroalimentação entre o capitalismo artístico e o mercado nas Artes

Visuais, pois este segundo se estabelece fortemente na era do capitalismo criativo. Lipovetsky e Serroy

apontam quatro círculos fundamentais dentro do capitalismo artista. Dentre eles, o universo da Arte

seria o terceiro círculo (galerias, centro de arte, exposições, bienais, feiras, empresas de leilões,

exposições, etc.).

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O primeiro círculo de “indústrias da cultura e da comunicação” é onde se encontra música, cinema,

edição, videogames, HQs, portais, site de difusão, plataformas de compartilhamento de vídeos na web.

O segundo círculo seria tudo o que os autores chamam de “elementos concretos”, que estão relacionados

a ambientes, a existência cotidiana mais estética e recreativa (design, arquitetura, decoração, parques,

jardins, gastronomia, sítios de patrimônio, etc). Por último, o quarto círculo é considerado o menos ‘puro’

e o mais distante do núcleo central do sistema e engloba as indústrias manufatureiras cujos produtos

possibilitam as produções e os consumos culturais dos artistas e do público. Esses círculos não são

isolados o que, em sua extensão, de maneira heterogênea, não deixa de apresentar cruzamentos e

interconexões (LIPOVETSKY e SERROY, 2015, p. 69). Podemos pensá-los também como tecidos

sobrepostos, tramas aproximadas com pontos onde linhas os perpassam.

Os cruzamentos desses círculos podem ser vistos de diversas formas e instâncias. Espaços como galpões

são transformados em galerias e expõem diversas linguagens artísticas fixas ou efêmeras, em

arquiteturas históricas, apresentando uma marca ao público: ambos demonstram essas conexões14. A

conectividade por meio das tecnologias, a comercialização nas diversas instâncias, o aumento

demográfico, o mercado imobiliário e o crescimento industrial – dentre outros fatores – compõem e

agitam os grandes centros e reverberam no mercado de Arte outro círculo. Isso pode ser atestado nos

14 https://www.hypeness.com.br/2015/01/conheca-5-lugares-abandonados-pelo-mundo-que-viraram-galerias-de-arte-

espontaneas/

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mais diversos eventos híbridos, exposições, shows, feiras, congressos, encontros informais, até nas

conversas de botecos que carregam em si a troca, negociações, a comercialização desses lugares.

O capitalismo artista e o cruzamento de seus círculos são mais evidentes nos grandes centros,

logicamente pela capacidade desses lugares de reunir densidade populacional, economia ativa e circular

e forte produção cultural. Kornis e Sá-Earp (2015, p. 65) apontam, por exemplo, o mercado de arte na

década de 70; concentrado em dois Arranjos Produtivos Locais (Rio de Janeiro e São Paulo), teve

crescimento significativo devido ao milagre econômico. Apesar de breve, isso se deu ao mesmo tempo em

que a classe média aumentou junto com seu nível de informação, acesso a viagens, bibliografias e a

instituições artísticas (como galerias). Com o advento da internet, os leilões eletrônicos, por exemplo,

proliferaram diminuindo distâncias e favorecendo melhorias na difusão e consumo de arte.

Grandes cidades – como, por exemplo, São Paulo (Brasil) – são consideradas megalópoles principalmente

por seu alto nível de integração econômica, que atrai investidores e consumidores de toda parte. As

operações como trocas e vendas podem ser feitas de qualquer lugar por meios eletrônicos, mas as

tecnologias ainda não superaram a comercialização presencial. Aqui, a aglomeração de agentes

econômicos e as conexões econômicas político/sociais devido à proximidade geográfica conectam

comprador e obra.

Cassiolato e Lastres (2003) definem esses (APL)Arranjos Produtivos Locais como:

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[...] formação de pequenas e médias empresas com governança em rede. Um

aglomerado territorial de agentes econômicos políticos e sociais que tem foco em um

conjunto específico de atividades econômicas vinculadas (2003, p. 27).

Esses espaços adquirem eficácia e competitividade, coletivamente. Temos vários exemplos desses

lugares, em sua maioria metrópoles. Nos Estados Unidos, por exemplo, o mercado de arte está centrado

em Nova York, seguido de Londres (Inglaterra) e Paris (França). O mercado americano representava

sozinho quase a metade do mercado mundial e o do Reino Unido, um quarto (MOULIN, 2007). Mas em

2012, a TEFAF Maastricht, uma das mais importantes e antigas feiras de arte do mundo, em relatório

sobre o mercado mundial, anunciou que, a participação da China15 no mercado global de arte subiu de

23% em 2010 para 30% em 2011, empurrando os Estados Unidos, com 29%, para o segundo lugar. A

autora Clare McAndrew chamou o desenvolvimento de “talvez uma das mudanças mais fundamentais e

importantes nos últimos 50 anos”.16 Em 2017, os Estados Unidos retomou novamente sua posição em

primeiro lugar com 42% do mercado, seguido agora da China com 21%, que superou o Reino Unido com

20% das vendas totais. Juntos, representam 83% do total de vendas em valor17. Essas mudanças

apontam como as oscilações econômicas, políticos e sociais reverberam bruscamente nos mercados de

artes.

15 Este recorde se deu principalmente porque a China cresceu demasiadamente na comercialização de antiguidades. 16 Disponível em: https://www.artlistings.com/Magazine/The-International-Art-Market-in-2011-Observations-on-the-Art-

Trade-over-25-Years-73337 17 Disponível em: http://www.touchofclass.com.br/index.php/2018/03/20/mercado-global-de-arte-cresce-pela-primeira-vez-em-

dois-anos/

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Alguns países se beneficiam com mais de um APL, que conversam entre si ou possuem conexões com

outros países. Um exemplo é a Galeria Luisa Strina 18com sede situada no Brasil-SP, mas expõe e atua

em feiras de arte nos Estados Unidos. Outro destaque desses polos é a disposição de instituições que

atuam na formação: encontra-se com facilidade “escolas formadoras de artistas, coleções privadas,

principais museus e casas leiloeiras, críticos de maior destaque, dentre outros elementos” (KORNIS e

SÁ-EARP, 2016, p. 39).

Esses aportes atuam diretamente na construção cultural e socioeconômica das APLs. No Brasil, os

Arranjos Produtivos Locais são pela região Sudeste, a começar por São Paulo, com 60% das vendas,

seguido do Rio de Janeiro, com 20% de vendas. Porto Alegre e Belo Horizonte seguem com 6%, sendo que

esta última com destaque para Festivais de Inverno e Festival Internacional de Fotografia, fomentando

a comercialização artística. Salvador, Recife e Vitória apresentam 2% das vendas19. Apls são sinônimos

de trânsitos econômicos e movimentações artísticas. Logo, lugares onde essas vias se cruzam, auxiliam

de diversas formas a composição do mercado de arte.

Falando especificamente sobre o mercado de arte brasileiro nos Arranjos Produtivos locais, temos três

quartos do mercado brasileiro concentrados no eixo Rio−São Paulo, sendo que a presença no Rio de

Janeiro é minoritária. Segundo George Kornis (2012, p. 43), a presença dos demais estados se limita a

esse um quarto restante, que tem polos com alguma atividade, como Belo Horizonte e Porto Alegre;

18 Mais dados sobre a galeria, disponível em: http://www.galerialuisastrina.com.br/ 19 In: Sá-Earp e Kornis, 2016.

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ausência quase total no Nordeste do Brasil e ausência nas regiões Centro-Oeste e Norte do país. Inexiste,

portanto, um mercado de arte na Região Norte e a existência de um mercado mínimo na Região Centro-

Oeste, com observação para o Distrito Federal. O autor aponta diferenciações para o Distrito Federal e

o exclui da região Centro-Oeste, pois esse é um caso isolado. Por ser a capital do país, lugar visivelmente

político, base para embaixadas e lugar de trânsitos diplomáticos, Brasília faz jus a uma pesquisa mais

específica sobre seu mercado de arte e suas respectivas configurações.

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1.3| Do lado de dentro: Mercado primário

Existem dois mercados de arte: o mercado de arte primário e o mercado de arte secundário. Abordarei

nesta pesquisa especificamente o mercado primário, levando em consideração que as obras de arte &

tecnologia são vistas pelas plataformas do mercado de arte como produções novas; logo, ainda não

comercializadas, inéditas ao mercado, com possível adesão desta primeira esfera (mercado primário).

Este recorte não exclui o conhecimento de um mercado de arte primário que dialoga com o mercado

secundário consciente de suas distinções e funções. Vale lembrar que o mercado secundário é onde atuam

escritórios de arte, galerias e casas de leilão, cujo foco é a revenda da obra já anteriormente

comercializada. O leiloeiro é um dos protagonistas do mercado secundário (Fialho, 2014, p.37).

Xavier Greffe (2003) apresenta o mercado primário como o lugar que “aparecem obras que recebem um

preço pela primeira vez, preço do qual se pode pensar que adéqua um valor econômico a um valor estético

(p. 148)”. Por sua vez, Letícia Fialho (2014) aponta o mercado primário “formado pelas galerias que

representam artistas em atividade e se ocupam de obras que estão sendo comercializadas pela primeira

vez”. Ela também sinaliza em seu texto, “O mercado e seus agentes”, os principais agentes do mercado

primário: o artista, o galerista e o colecionador.

Além dessa divisão objetiva e categórica, o mercado de arte também pode ser classificado a partir das

produções artísticas: mercado de arte antiga e de arte contemporânea. As divisões e classificações a

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respeito do mercado de arte são importantes para compreender, matutar e/ou servir-se do mesmo, além

de clarificar sobre os comportamentos e peculiaridades específicas deste nicho. Mesmo com

categorizações tão específicas deste ramo, vale ressaltar que, não é possível apreender o mercado de arte

como uma única entidade homogênea, com regras que operam metodicamente, pois o mercado de arte

opera a partir de diversos circuitos de comercialização que se comunicam, mas agem em diferentes graus,

com específicas lógicas de ação, de acordo com suas demandas e procuras, atores e práticas.

Encontraremos, portanto, muitas classificações a respeito desta vertente. Por exemplo, Quemin (2014),

em seu texto sobre a evolução do mercado de arte, destaca esses segmentos, dizendo

Sobre o primeiro – mercado de arte antiga - os valores tanto estéticos quanto

financeiros estão amplamente estabilizados, ainda que a mudanças de gosto e a moda,

possam afetar as reputações e os preços. De seu lado, o mercado de arte

contemporânea se caracteriza pela incerteza que afeta o valor estético e financeiro.

Portanto, grande parte da atividade em torno da qual se organiza o mundo da arte

contemporânea consiste em resolver coletivamente a incerteza sobre o valor, sendo

então o trabalho de perícia validar a obra de arte enquanto tal (QUEMIN, 2014, p.

12).

Há de se levar em conta também outras divisões de mercado para arte, como mercado local, mercado

regional, mercado internacional. Claro que, a quantidade de produção artística e obras espalhadas por

essas camadas, não exclui o alto grau de autoridade e reconhecimento das produções por parte do sistema

internacional.

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Além dessas camadas, há de se apontar também os cruzamentos entre os segmentos, por exemplo,

galerias que atuam tanto no mercado primário como no secundário. O escritório de arte, Paulo

Kuczynski20, por exemplo, é um escritório que tem em sua grade artistas já comercializados e artistas

inéditos para o mercado, o que classifica a atuação deste escritório em ambos os segmentos. Esses

cruzamentos têm por objetivo a comercialização, mas também trazem consigo o que Ana Fialho chama

de tensões entre os mercados:

Enquanto o mercado primário trabalha na construção gradual e sustentável dos

preços, atrelados à consolidação na carreira do artista, o mercado secundário investe

na maximização do preço, o que pode provocar uma instabilidade, sobretudo quando

determinadas obras batem recordes de venda e atingem preços que em muito se

distanciam dos valores praticados no mercado primário (FIALHO, 2014, p.40)21.

Essas tensões e desacordos nos valores e preços se dão também pela falta de diálogo entre os agentes

que, com as incertezas econômicas do mercado de arte, veem a maximização do preço como sinônimo de

20 Escritório de Arte Paulo Kuczynski, mais informações em https://www.artpk.com.br/sobre/ 21 Isso foi o que aconteceu com Adriana Varejão e Beatriz Milhazes. O Mágico, de Beatriz Milhazes, foi vendida em 2018 pela

Sotheby’s em Nova York, por US$1,049 milhão. A obra havia sido negociada no mercado primário em 2002, pela galeria Elba

Benítez, por US$ 27,000. Já Parede com incisões a la Fontana II, de Adriana Varejão, comercializada por US$ 34,000 pela

galeria Victoria Miro em 2001, foi vendida em 2011, pela Christie’s em Londres por US$ 1,1 milhão. Informações sobre

resultados das primeiras vendas informados em palestra de Alessandra D’Aloia, sócia da galeria Fortes Vilaça, que representa

ambas as artistas, na faculdade, Santa Marcelina, SP, 2001. In: FIALHO, Ana Letícia. O valor da obra de Arte. Meta livros,

SP, 2014.

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oportunidade singular para inserir o artista no mercado e alcançar vendas. Sarah Thornton, em seu livro

‘Sete dias no mundo da arte’, também descreve estas implicações entre o mercado primário e secundário:

Os marchands primários, que representam artistas, costumam ver os leilões como

quase maus. Os marchands secundários, por outro lado, têm pouca relação com os

artistas, trabalham intimamente com as casas de leilões e fazem vendas de forma

cuidadosa. É comum marchands primários evitarem vender para pessoas que irão

“jogar” as obras de arte em leilão, para não perder o controle dos preços e seus artistas.

Muitos consideram os leilões o barômetro do mercado da arte (THORNTON, 2010, p.

2922).

Imagine um trabalho exposto em uma galeria por um milhão que depois de um tempo chega ao leilão por

menos de um quarto do preço inicial? Nota-se que é preferível construir, gradativamente, uma carreira

sólida, onde paulatinamente os valores e preços crescem, do que imprimir seu trabalho precipitadamente

nos leilões e ver o preço do trabalho destoar do preço inicial, trazendo ‘mal-estar’ para futura

comercialização.

O mercado primário, como dito, é o responsável pela primeira precificação da obra. Costuma ser o lugar

onde acontecem as primeiras tessituras da legitimação artística: investimento nos artistas como o

financiamento e organização de exposições individuais, participação em mostras, apoio crítico com

curadores, documentação e organização de portfólio. Isso demanda tempo e preparo da galeria além de

22 THORNTON, Sarah. Sete dias no mundo da arte: Bastidores, tramas e intrigas de um mercado milionário. Rio de Janeiro:

Agir, 2010.

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uma rede de contatos e comunicação artística onde é possível difundir os artistas e erguê-los. Esta etapa

demanda uma administração efetiva com assistência econômica e cultural.

Com o advento das tecnologias e redes sociais, muitos artistas desenvolvem, até certo ponto, a gerência

da própria carreira, construindo certa visibilidade e conexões. Mas, naturalmente quando seu trabalho

alcança espaço mercadológico, galeristas e marchands estabelecem conexões e instalam uma

administração efetiva, investindo na possibilidade de transformar o artista em marca e disseminar sua

produção no mercado. O estilo de vida, os gostos, a personalidade e a formação junto a instituições e

agentes de prestígio (artistas, marchands, museus, galeristas, colecionadores, etc.) podem estabelecer o

artista como marca, como “artista de sucesso”. Uma observação peculiar é que não é qualquer marketing

que consegue promover uma obra ou um artista no mercado, precisa-se buscar genuinidade e

autenticidade que diferencie o artista dos outros milhares e o faça ser visto por suas particularidades.

Um artista que convença o público e seja objeto de desejo sem que ‘force tanto a barra'.

Os marchands primários, que representam artistas, são também chamados “marchands de marca”. Eles

administram a carreira do artista, expondo-o a colecionadores, a feiras de arte, fazendo contato com

marchands internacionais e trabalhando com museus. Como dito acima, não é usado qualquer marketing

para se posicionar entre artistas do topo. Don Thompson (2012) ratifica que grande parte desse

marketing não é direcionada para venda imediata, e sim para consolidação da marca do marchand junto

ao artista e para que o artista ganhe espaço nas publicações de arte, objetivando vendas. O marchand

de marca se responsabiliza por uma série de atividades, muitas delas ações peculiares para tal exercício.

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Relações públicas, propaganda, exposições, empréstimos. O marketing começa pelas

relações públicas: jantares particulares para apresentar clientes e críticos a novos

artistas, brunches e coquetéis na inauguração das mostras. Quanto mais elevado o

status do negociante, menos a galeria age como empresa comercial e menos aprece um

espaço comercial. Sem exibições de preço (THOMPSON, 2012, p, 46).

Por meio das tecnologias, esse marketing e contatos são acelerados. Em grupos ou conexões particulares,

expõem novos talentos, legitimam ou apagam. A tecnologia perpassa assim as diversas esferas do

mercado e para além de ferramentas de marketing e comunicação, as novas tecnologias vêm alterando,

inclusive, as negociações e vendas por meio de canais on-line. No momento em que o mercado, como um

todo, perdeu força, os canais de vendas on-line mostraram taxas altas de crescimento. Essas vendas, por

enquanto, representam uma pequena parte do mercado internacional de arte em termos de valor, mas

muitos sinais apontam uma participação cada vez maior em termos de volume nos próximos anos

(TEFAF, 2017, p. 8).23 No relatório preparado por Rachel A.J. Pownall (TEFAF, 2017), a autora aponta

as facilidades que as tecnologias podem trazer para o tradicional mercado de arte, em alguma medida,

democratizando-o.

Considere que colecionadores, usando vários dispositivos, podem recorrer à tecnologia

hoje para construir suas coleções, obter proveniência e informações valiosas, financiar

e garantir peça recém-adquirida e gerenciar ativamente sua coleção. A próxima

23 Relatório disponível em

https://www.tefaf.com/tefaf/media/website/fair%20images/tefaf%20maastricht/2017/art%20symposium/tefaf-art-market-

report-online-focus.pdf

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geração de potenciais colecionadores, tão importante para garantir um mercado de

arte vibrante, tem ainda maior conforto com a tecnologia que permite navegar pela

arte de qualquer vendedor no mundo a partir de qualquer dispositivo, sempre que

quiserem, de onde quer que estejam. Eles são uma geração que vem comprando on-

line; é uma segunda natureza para eles. Dados mostram que 57% dos americanos

entre 25 e 34 anos, uma clara maioria, estão confortáveis comprando arte online.

Atualmente, aproximadamente 8% das vendas de leilões de arte foram realizadas on-

line. Para os negociantes de arte, 4% de suas vendas globais de US $ 26 bilhões

ocorreram online. Embora o mercado para vendas online seja relativamente pequeno

para arte, antiguidades e colecionáveis, o crescimento da receita on-line declarado

pelos negociantes em uma pesquisa global de negociantes da Universidade de

Maastricht é muito saudável, em quase 19% (TEFAF, 2017, p. 8).

Apesar dos números e índices animadores, o setor de vendas on-line passa também por um problema

corriqueiro do mercado de arte: a nebulosidade das transações. Muitos relatórios passam por problemas

ou não conseguem acessar as informações sobre as transações e seus reais preços. Esta questão abarca

tanto o mercado primário quanto o mercado secundário. Percebe-se assim o quão foi e é maléfica, para

comercialização da arte e reunião destes dados, a ideia subliminar de que arte não se deve misturar com

o mercado e/ou que não combinam, ou que o sistema não é benéfico para a produção artística,

demonizando assim o mercado. Assim, evita-se falar em preços, partilhar informações e apontar valores,

culminando em dubiedade dos dados.

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A professora Dra. Rachel Pownall, responsável pelo relatório do mercado de arte TEFAF24, aponta que

classificações básicas como antiguidades, belas artes, dentre outros nichos, ainda são misturadas no

mercado e isso levanta questões que permanecem sem respostas. As decisões arbitrárias de expor apenas

preços altos, por exemplo, fazem com que um mercado, onde a análise é tanto arte quanto ciência, deixe

mais de 60% do seu volume de negócios anualmente não reportado (TEFAF, 2017). Esta nebulosidade

nas informações também é um problema encontrado nas feiras de arte. Em 2016, na SP Arte, por

exemplo, a notícia que imperou foi a negociação da obra da artista Beatriz Milhazes, sendo a maior venda

da edição, tornando-a alvo de manchetes e visibilidade25.

É comum encontrar nos relatórios, observações a respeito da ausência de informações por parte das

feiras, em especial as galerias que, muitas vezes, são omissas e não reportam todas as suas transações.

No relatório The Art Market 2019 (Art Basel e UBS Report) – também de autoria da Dra. Clare

McAndrew –, aponta-se a ausência de relatos nas coletas de dados efetuadas em 2018. É importante

destacar que, mesmo com as defasagens de informações, é possível aferir crescimento contínuo deste

segmento. Em seu relatório a autora diz que

24 Relatório disponível em

https://www.tefaf.com/tefaf/media/website/fair%20images/tefaf%20maastricht/2017/art%20symposium/tefaf-art-market-

report-online-focus.pdf 25 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/04/1758353-tela-de-beatriz-milhazes-e-vendida-por-r-16-

milhoes-na-abertura-da-sp-arte.shtml

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Em geral, as feiras de arte não relatam detalhes ou informações agregadas sobre suas

vendas. No entanto, todos os dados que podem ser coletados apontam para o fato de

que estes eventos se tornaram cada vez mais importantes para os negociantes,

gerando uma participação cada vez maior de vendas. Usando estimativas com base

nos dados reportados pelos revendedores sobre a parte de suas vendas feitas através

de diferentes canais ponderados pelo volume de negócios, as vendas da feira de arte

foram estima-se que tenha atingido US $ 16,5 bilhões em 2018, ou aumento de 6%

ano-a-ano. A parte do valor total do revendedor global as vendas feitas em feiras de

arte cresceram de menos de 30% em 2010 para 46% em 2018, e a proporção de valor

gerado em eventos internacionais também tem expandido. Feiras internacionais

consistentemente dominou o valor das vendas por galerias em feiras nos últimos três

anos (McANDREW, 2019, p. 225)26.

É claro aqui o crescimento do mercado de arte e suas comercializações e, ao mesmo tempo, a ausência de

informações reais, gerando notícias dúbias. Mas, aparentemente, esses percalços relacionados à dubiedade de

dados são usados – de alguma forma – a favor do próprio mercado. “Burburinhos” entre os agentes, as suposições

ao redor das precificações, a divulgação de um preço incerto e discrepante entre as fontes (jornais, revistas,

agentes), dentre outros. Culminou-se que as “incertezas propositais”, lançadas sobre uma obra e suas transações,

tornaram-se ferramentas, “jogada”, “expertise”, possibilidade de ganho, mesmo com altos riscos e/ou abdicações

da ética.

26 Relatório The Art Market 2019 (Art Basel e UBS Report) disponível em: https://www.artbasel.com/news/art-market-

report-2019-findings

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Seção 2 |Feiras

feira/mercado de feirantes : caminhos, cidade, comida, cor, comercialização, conversa, cheiro, degustação,

público, dinheiro, apreciação, exposição, artefatos, pesquisa, valor, temperos, bancas, galerias, frutos,

combinados, apertos, hibridez, venda, imã de geladeira, caixas, maturação, desperdício, poética, barulho, barro,

artesanato, suor, tecido, propaganda

feira de arte : cidade, caminhos, comercialização, cor, obras, conversa, elite, administração, dinheiro, degustação,

valor, galerias, transações, oportunidade, nebulosidade, oferta, coleção, agentes, apreciação, público, poder,

holofotes, pesquisa, (in)certezas, encontros, seleções, legitimação, performance, preferências, concorrência

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Figura 4. Isto não é um museu I. Fotografia, 2016. Acervo pessoal.

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Figura 5. Isto não é um museu II. Fotografia, 2016. Arquivo Pessoal.

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Isto não é um museu I é uma fotografia do interior do Mercado Municipal de São Paulo de minha autoria.

Apresentei-a para algumas pessoas sem, no entanto, lhe atribuir um título ou uma descrição, e assim,

desprovida de traduções verbais, a imagem foi vista e considerada como igreja, museu e/ou instituto

histórico de arte. Ao revelar o lugar, as pessoas - desacreditadas - demonstraram reações adversas como

surpresa e curiosidade sobre o restante do ambiente. A surpresa, de que aquela imagem não apresentava

de fato um museu, delongou entre a conversa e questionamentos dessas pessoas.

Após horas de caminhada na feira de arte, fui fotografar o mercado de feirantes. Ainda embebida com a

feira de arte e suas peculiaridades, o mercado Municipal apresentou aos meus olhos um amontoado de

códigos que me remeteram ao mercado de arte. Fitei por um bom tempo a arquitetura e vitrais.

Pesquisando a procedência, fui surpreendida ao saber que a arquitetura foi projetada por Ramos de

Azevedo, que os azulejos são belgas e os mais de 60 vitrais foram importados da Alemanha, de autoria

do artista Conrado Sorgenicht Filho (Junqueira e Peetz, 2015). Construído a partir de produções

internacionais, o mercado se apresenta majestoso, com um teto todo torneado e com seus vitrais

iluminados naturalmente. Ambos se apresentam, de alguma forma, pomposos.

É como olhar um céu nude, talhado com camadas de ornamentos iluminados pelos vitrais. Esse céu nude

me remeteu ao cubo branco da feira de arte (Fotografia ‘Isto não é um museu II’), que com a iluminação

baixa tornou o branco opaco, nude, discreto. Uma peculiaridade do lugar que, ao receber tantas obras,

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regulam sua iluminação27. Quando mostro a imagem ‘Isto não é um museu II’, percebo quase as mesmas

surpresas recebidas na fotografia ‘Isto não é um museu I’. A maior diferença é que em ‘Isto não é um

museu II’, a obra da artista Beatriz Milhazes, ao meio, denuncia-o como espaço intencionalmente

artístico. A curiosidade é que as pessoas chamam este espaço de galeria, enquanto a feira de feirantes -

‘Isto não é um museu I’ - é chamado de museu. Quando digo que ambos são feiras - uma de arte e uma

de feirante - a reação é unânime: “sério?”

São sobre esses dois espaços, seus padrões e códigos que escreverei daqui para frente. Na caminhada por

eles, algumas ruas são mais largas, outras ruelas, apertadas pelas bancas. Chão cheio, bancas também.

Ou, chão vazio, vãos, paredes cheias. Frutos expostos, obras expostas. Mãos erguidas demonstrando

menor preço, ou mãos erguidas anunciando mercadoria nova. Ambos comercializando: um vendendo

fruto, outro vendendo fruto do processo artístico. Alguns códigos iguais, outros códigos diferentes que se

encontram ou se distanciam. Códigos discrepantes que apontam diferenças entre as feiras. Começo agora

a caminhada, porta adentro, de dois espaços, onde mais caminhei observando possíveis respostas, que

no fim me deram bons quilos de perguntas. Frutos.

27 Escolhi não editar as fotografias. Era nítido a diferença entre a iluminação externa e interna e queria muito gravar isso

sem edições. Ao entrar, o balanço na iluminação: holofotes focados diretamente na obra, como manda uma boa expografia. O

tom da luz sob medida, como convite apontando para o destino dos olhos. Ao sair, os olhos apertavam como defesa diante de

toda luz – natural - externa.

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2.1 | Feira/mercado de Feirantes: bancas e galerias que

apontam para outra feira

Mãos erguidas. Quem dá mais pelas verduras? Pelas frutas? Pelos artefatos? Mãos erguidas, risos e

conversas, manchetes verbais sobre os produtos. Hortifrutigranjeiros: pela extensão da palavra imagina-

se a quantidade de coisas atribuídas a este lugar. Na porta indícios de lugar cheio. Muita gente,

circulação intensa (Às vezes, não. Às vezes, parado). Cheiro de acessível, popular, democrático (às vezes,

não). Na porta alguns carrinhos de mão não cadastrados no sistema local. Desfrutam, participam,

permeiam o sistema, vendem, mostram e insistem. Pronto! Dentro da sacola mais um dado: compra feita.

Do lado de dentro, outros cem (alguns sem cadastro). Alimentam-se das raízes providas pela cidade.

Cidade mercado. São dinâmicos e se movimentam à medida em que essas raízes crescem. Reconhecem

outros terrenos e suas respectivas raízes, mas, fazem questão das suas. Fabricam, colhem, manuseiam.

Reúnem, se organizam, demarcam feito ponto cruz e mantém o tecido sendo costurado, todos os dias. Às

vezes, as linhas estão caras e a manutenção da máquina também. Expressam-se inserindo outros meios.

Remendam.

Percebem-se outros artefatos ao lado das bancas de mangas. Oh! Uma banca de artesanato (?!), a palha

tirada do milho verde cobre a escultura. As flores avistadas durante a colheita de quiabo agora são

sempre-vivas. O que muitos chamam de terra solta agora é modelagem, escultura, queimas. O que era

casca virou doce. Tecnologias. Nas imagens para identificação dos produtos, habitam técnicas

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fotográficas. O feirante recorre ao bolso. O celular avisa que está por vir produtos novos. Também avisa

o cliente que tem produto fresco. Interação. Tratamentos pessoais são feitos: até puxam a cadeira: sente-

se. Amizades são costuradas e as mãos continuam a erguer. O trabalho continua: hasta.

Meu primeiro contato com o mercado de feirante veio cedo, junto à arte. Mãos dadas com adultos e a ida

à feira. Barulho, cheiros, movimentos frenéticos e cores. O segundo contato, anos depois, sem mãos que

acompanham ou direcionam: outra perspectiva. Dali em diante as visitas não seriam iguais e a cada ida

uma perspectiva diferente: os diversos cheiros e cores marcando as seções. Algumas vezes, de tão cheio,

bancas fora do lugar; outras vezes os corredores largos apontando ausência do público. Hoje, percebo

essa oscilação – um dia agitado pela multidão, ou apaziguado pelo vazio – em outros espaços como o

museu ou galeria28, por exemplo. A composição cultural, os laços sociais da feira, de alguma forma me

causou curiosidade e aos poucos apanharam meu tempo e andança. Horas e horas entre bancas

alimentando os olhos e estômago. O dia que observei o feirante da banca separando diligentemente as

sementes com o “copo curador” (figura n° 6) 'desemborquei' em pesquisa. Essa ação do feirante se juntou

a questões que outrora me fizeram: “como você irá vender as telas que agora são pintadas por projeção

mapeada?!”

28 Junho de 2016 e a fila extensa fazia curva na portaria da Caixa Cultural de Brasília ao apresentar a exposição Frida Kahlo:

Conexões entre mulheres surrealistas no México. A mostra reuniu obras da artista Mexicana e de outras 14 artistas mulheres

nascidas ou radicadas no México. Com entrada franca, os corredores ficaram dias apertados com o público. Dia após o

encerramento, o silêncio e a monotonia retornaram aos corredores da galeria. Ambos os dias apontam legitimações diferentes.

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O “copo curador” foi um dos primeiros objetos que fitei no mercado. Com a ponta do copo, o feirante

passava tempo usando-o para retirar as sementes danificadas de dentro da saca. Depois, o objeto

ganhava outra função: era o copo que apanhava os temperos e grãos, um medidor. O objeto me trouxe a

mente o curador29, o marchand, ao feirante. Papéis diferentes, mas com certa liquidez em tempos de

campos com tantas aberturas e em busca de suas legitimações. O marchand que atua junto ao curador e

ambos cooperam para a apresentação dos processos do artista. O separar, eleger, tirar do lugar, ‘limpar’,

pesar, medir, averiguar a produção artística, ‘cuidar das sementes’: curadoria. Anunciar, propagar,

selecionar, administrar, relacionar, ‘marketear os grãos’, exibir: merchandising 30. Seletividade. Os

melhores grãos na frente. Certa pureza entre eles atrai o olhar. As cores também os diferenciam. As

29 deriva do latim cūra, que significa cuidado, diligência, administração e, de cūrātor “aquele que tem cuidado”, tutor. Se

relaciona, ainda, com o conceito de ser curioso (curiositas), no sentido de “cuidar” ou de ter grande desejo de

ver/aprender/saber, se interessar pela pintura, escultura, gravura, música (e outros) (RODRIGUES, 1875, p. 131). Disponível

em http://purl.pt/977.

Autores como CHIARELLI (1999) e RAMOS (2010) discutem amplamente o termo e suas implicações nas Artes. Mais sobre

o tema em: CHIARELLI, Tadeu. As Funções do Curador, o Museu de Arte Moderna de São Paulo e o Grupo de Estudos em

Curadoria do MAM. In: Grupo de Estudos em Curadoria: Exposições Realizadas em 1998. São Paulo: MAM-SP. 1999

RAMOS, Alexandre Dias. (Org.). Sobre o ofício do curador. 2010. Porto Alegre: Zouk. 30 Merchandising é um termo originário do francês merchand, que tem o significado de comerciante ou negociante. Não

existindo um termo apropriado em português para o significado de merchandising, podemos considerar o termo como

"operação com mercadorias". É um conceito estabelecido dentro da área de marketing, através do qual são aplicadas técnicas

de planejamento e promoção de um produto no tempo e no local adequados para que produzam resultados efetivos. Disponível

em: https://www.meusdicionarios.com.br/merchandising

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sacas com grãos mais viscosos ficam à frente. Volta e meia o barulho do copo nos grãos anuncia que mais

uma medida foi selecionada. Venda feita.

Figura 6. Série 1/3. Curador. Feirante. Marchand. 2016. Arquivo pessoal

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Figura 7. Série 2/3. Curador. Feirante. Marchand. 2016. Arquivo pessoal.

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Figura 8. Série 3/3. Curador. Feirante. Marchand. Série de Fotografias. 2016. Arquivo pessoal.

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2.2 | Feira/mercado de Feirantes: caminhos e história

As feiras, os encontros para trocas de mantimentos e hortifrutigranjeiros podem ser considerados

fenômenos econômicos sociais muito antigos. Junqueira e Peetz (2015) destacam que encontramos as

raízes das feiras no seio das transformações da sociedade feudal europeia, do século X para o século XI.

São consideradas tradição urbana, que representa uma experiência expressiva de sociabilidade e de

utilização dos espaços públicos, em que vivencia um ambiente cheio de sons, movimento e muita cor.

Inicialmente, como ponto de encontro para venda e atendimento aos viajantes, a feira foi expandindo e

diversificando, promovendo integração entre diversas comunidades e espaços.

Para Sousa (2004, p.194), a formação de excedentes de produção foi “a principal causa da origem das

feiras”. Segundo o autor, o intercâmbio das mercadorias se deu porque o excedente de um era a

necessidade do outro. Inicialmente entre grupos e depois em lugares, partilhavam e encontravam a

mercadoria necessária. Primeiramente em espécie (mercadorias por mercadorias) e depois com a

utilização de dinheiro (mercadoria por dinheiro). As feiras eram estrategicamente localizadas nos

entroncamentos das principais rotas comerciais, o que facilitava o fluxo de trocas de mercadorias e de

dinheiro, motivo pela qual foram uma das principais estimuladoras e o embrião das casas de câmbio e

das compensações monetárias (JUNQUEIRA e PEETZ, 2015). Os autores ressaltam que é importante

lembrar que naquele período, onde as feiras estavam impondo suas raízes e bases, essas possuíam

sentido bem diferente de hoje, inclusive em relação aos mercados. Os mercados eram menores, voltados

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para o mercado local com mercadorias agrícolas. Enquanto as feiras eram instalações imensas e ali se

negociavam, por atacado, gêneros de todos os lugares do mundo. Os feirantes eram, portanto,

especializados e diferenciados em relação aos outros revendedores. Os mercados se realizavam com

periodicidade semanal, já as feiras realizavam apenas uma, ou no máximo duas ao ano, e demandavam

vários dias consecutivos no preparo e execução (JUNQUEIRA e PEETZ, 2015, p. 22).

As nomenclaturas também variaram. Hibridizaram-se os nomes e o que era classificado como mercado

tornou-se sinônimo de feira. Apenas no Brasil e em alguns países de colonização hispânica, como Chile

e México, as feiras contemporâneas passaram a ser chamadas feiras livres em referência ao fato de as

mercadorias ali comercializadas serem, em sua maioria, isentas de impostos públicos. Originalmente,

eram chamadas de mercados francos, feiras francas. Internacionalmente, as denominações mais comuns

para as feiras contemporâneas são mercados de rua ou mercados públicos (SATO, 2012).

Por sua vez, em sua pesquisa sobre os espaços de feirantes, Vedana (2008) analisa esses espaços e aponta

as feiras como arranjos sociais decorrentes das práticas e gestos dos habitantes das cidades. Para a

autora, os mercados são espaços importantes de sociabilidades, “de trocas sociais, e de afirmação de laços

sociais que configuram certas formas de viver o cotidiano urbano e que apontam para outros aspectos”

(VEDANA, 2008, p.10). Além de destacar a importância destes espaços, a autora aponta uma série de

saberes e experiências dos agentes deste lugar que demonstram uma capacidade peculiar de “interação

com o outro e de um jogo social com fregueses e mesmo outros feirantes, além da maestria de instaurar

as jocosidades e consolidar vínculos com fregueses”. Esse mesmo agente é participante ativo dos arranjos

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urbanos: os cruzamentos entre a cidade e o campo desde a colheita, a exposição do produto ou como

mediador de vendas, na socialização que, naturalmente, é ferramenta para difusão dos produtos até à

comercialização dos mesmos. A sua atuação é local, mas extrapola o espaço do mercado, tendo em vista

todos os cruzamentos de informações, negociações, além do conhecimento sobre os produtos, seus preços

e valores. Há uma escrita própria deste lugar, descrita pelos seus agentes e costumes:

[...] que extrapola muito o contexto circunscrito do mercado (ou, enfim, acabam

engajando a feira em uma dimensão mais ampla e global), colocando esse trabalhador

em sintonia com os processos de globalização e transformações sociais, econômicas e

urbanas, ainda que, em alguns casos, não se expressem nesses termos (VEDANA,

2013, p.45)31.

As relações engendradas entre feirante e público, os círculos de troca e manutenção dos artefatos e

suportes da feira, a comunicação em busca da melhor negociação, os pedidos, os favores, o café partilhado

em meio a conversas, sobre a economia, política, futebol, vida cotidiana e particular. O acompanhar até

a porta, auxiliando com as sacolas, o pedido do telefone para que os próximos dias tenham compra e

venda garantida: agenciamentos. A troca de interesses que aponta itinerários próximos: vias e rotinas

que se cruzam. Símbolos e especificidades cíclicas entre mercados, feiras, feirante e freguês. Há

especificidades deste lugar que mantém sua estrutura viva e peculiar, apesar dos rearranjos da

31 Fazer a feira e ser feirante: a construção cotidiana do trabalho em mercados de rua no contexto urbano. Horizontes

Antropológicos, Porto Alegre. Ano 19, n. 39. p. 41-68. 2013 Disponível em.

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104- 71832013000100003

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economia, como o surgimento de outras vias de comercialização de hortifrutigranjeiros - hipermercados,

por exemplo - e burocracias para ter uma autorização para comercialização. Observando a história dos

mercados de feirantes, percebem-se as oscilações de público e brusca queda na comercialização à medida

que a economia ditava suas mudanças, o estado negligenciava o amparo a esses espaços ou a cidade era

reorganizada com novas burocracias. Por exemplo, o principal mercado de São Paulo32 tem em sua

história o pedido de tombamento ligado a inúmeras polêmicas que vão desde o abandono do poder público

até enchentes33, como a ocorrida em 1966. Além da precariedade e abandono da estrutura, os mercados

enfrentaram a modernização e crescimento dos hipermercados que criavam e passavam a imagem de

“lugar do novo”, do conforto aliado à limpeza e higiene, enquanto os mercados eram vistos como lugar

informal, de transtorno e sujeira (DOLZANI, 2008).

Mesmo com a precariedade na estrutura e oscilação de público, as feiras conservaram, recriaram e

reafirmaram ciclicamente seus caracteres e atributos originais, mantendo sua identidade milenar,

reconhecível em qualquer lugar do mundo (JUNQUEIRA e PEETZ, 2015, p.27). Desde a Europa

Renascentista (meados do século XVII e XVIII), as feiras e os mercados se consolidaram como locais

privilegiados não apenas para o provimento alimentício, mas também para manifestações políticas e

32 O Mercado Central de São Paulo foi projetado em 1926 pelo engenheiro-arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo. Com início das

obras, também em 1926, a construção do mesmo fora finalizada em 1933. 33Uma compilação de documentos e jornais da época sobre os problemas estruturais e o processo de tombamento do Mercado Central de São

Paulo, estão disponíveis em: http://www.arquicultura.fau.usp.br/images/arquicultura/Processo_26399-88_-

_Edificio_do_Mercado_Municipal_Vol1.Image.Marked.pdf

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para greves. Esses fatos agregaram história e resistência aos costumes e práticas dos feirantes,

corroborando para a preservação e permanência das feiras. Junqueira e Peetz (2015) apontam a

vivacidade desses lugares dizendo que:

Os mercados são vivos, dinâmicos, móveis, alegres, insubordinados. Montam-se e

desmontam-se. Alimentam e reproduzem a vida, as informações e os vínculos sócio

afetivos entre as pessoas e as mercadorias, entre o urbano e o rural. Põem em

movimento símbolos, valores e sentidos que tornam habitável e humana a mais fria,

impessoal e cosmopolita das metrópoles contemporâneas (p. 27).

No Brasil não foi diferente. Mesmo com estrutura precária, sujeira e problemas relacionados à economia

e fiscalização, as feiras com toda sua dinamicidade e insubordinação, migravam de lugar, vinculavam-

se a outros arranjos locais. Todo esse processo de incerteza e vulnerabilidade dos feirantes começou a ser

pensado e normalizado por meados de 1900. O cenário econômico do país era desolador, as reivindicações

dos trabalhadores organizados, como pedido urgente de barateamento dos gêneros alimentícios dentre

outros, fizeram emergir o marco de articulação contra a carestia em 1913 (JUNQUEIRA e PEETZ 2015,

p. 99). Assim, o governo começou a ver as feiras livres como real via de organização dos gêneros

alimentícios e seu possível barateamento.

No Brasil, algumas capitais tomam a dianteira da organização e formalização das feiras/mercados livres.

É por onde passaremos a seguir: feiras e mercados no Brasil.

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2.3 | Feira/mercado de Feirantes: pelos corredores, hoje

No Brasil, em 1900, a capital mineira - Belo Horizonte - inaugura seu mercado de feirantes. Com rápido

crescimento da população e dos feirantes, em 1929 é construído um novo mercado, com estrutura superior

na atual Avenida Augusto de Lima (COSTA, 2006, p. 33). O Rio de Janeiro, por sua vez, inaugura sua

primeira central de abastecimento em 1907 que, por burocracias e rupturas de contratos, precisou ser

deslocada. Em 1957, dá-se o início de sua construção, sendo inaugurada em 1962 na Benfica, onde ainda

mantêm suas instalações34. Já o estado de São Paulo inicia de fato, em 1914, a sua organização e

formalização das feiras urbanas. Por meio de um Ato, as feiras passam a ser denominadas ‘mercados

francos’, com referência aos produtos que, em sua maioria, não estariam sujeitos a impostos

(JUNQUEIRA e PEETZ, 2015, p. 99). Em meados de 1900, alavanca-se a construção de diversos

mercados paulistas, dentre eles, o atual Mercado Municipal, sendo inaugurado em 1932, substituiu o

antigo mercado da rua 25 de Março. De lá para cá, apesar da oscilação da economia, dentre outros fatores,

as feiras livres e mercados cresceram e se desdobraram pela cidade, apontando a pujança e sofisticação

deste ramo.

34 História do Mercado Municipal do Rio de Janeiro, disponível em: https://www.cadeg.com.br/historia

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Em pesquisa realizada no Brasil em 2014/2015, o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e

Nutricional (SISAN, 2015), apresentou dados que chamaram atenção a respeito da quantidade de

feiras/mercados de feirantes nos municípios brasileiros. Em 1.176 municípios, existem 5.119 feiras livres.

O mapeamento revela ainda a existência de 951 mercados públicos ou populares em 621 municípios.

Essas feiras e mercados têm papel importante na promoção da segurança alimentar, pois são

contribuintes diretos de produtos acessíveis, principalmente para o público em situação de

vulnerabilidade social35. Só em São Paulo são, em média, 850 feiras regularizadas.

Mas nem sempre se atribuíram organização e importância merecida às feiras. Desde sua gênese, as

feiras e os mercados no Brasil passaram por diversas questões e mudanças em relação ao funcionamento.

Os mercados de feirante, por serem um grande pavimento, com acesso limitado a entradas e saídas

específicas, funcionam, em sua maioria, em horário comercial (entre 5h da manhã e 6h da tarde). Os

mercados recebem o público varejista, mas acumula também outro atributo importante: abastece muitos

feirantes menores que são considerados as veias feirantes na cidade36. Na cidade do Rio de Janeiro, por

exemplo, a feira livre atua em praticamente toda a malha urbana, das zonas residenciais nobres aos

mais distantes e pauperizados bairros da periferia metropolitana (MASCARENHAS e DOLZANI, 2008).

35 Dados encontrados na pesquisa promovida pelo Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). Disponível

em: http://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/ferramentas/docs/MapaSAN_final.pdf 36 Até meados da década de 60, o abastecimento em atacado de frutas, legumes, verduras, pescados, aves e ovos dos feirantes

da cidade de são Paulo terá como seu principal ponto de concentração o Mercado Central In: (Junqueira e Peetz 2015, p. 176).

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É possível encontrar feirantes que atuam nas duas frentes: possuem uma banca dentro do mercado de

feirante e outra a céu aberto em algum lugar da cidade.

Os feirantes extrapolam a cobertura do mercado e, como nômades, penetram/cortejam a cidade. Os

chamados feirantes livres constituem a modalidade de mercado varejista ao ar livre, de periodicidade

semanal, organizada como serviço de utilidade pública pela municipalidade e voltada para a distribuição

local de gêneros alimentícios e produtos básicos. Herança em certa medida da tradição ibérica (também

de raiz mourisca), posteriormente mesclada com práticas africanas, está presente na maioria das cidades

brasileiras (MASCARENHAS e DOLZANI, 2008).

Os feirantes brasileiros não se limitam a comercialização de gêneros alimentícios. Alguns feirantes

comercializam também roupas e outras miudezas em tecido e acessórios. Flores, panelas, artesanato,

quinquilharias, brinquedos, materiais para cozinha, cestos, dentre outros. Algumas bancas chegam a ter

características próximas a bancas de camelôs. Essa hibridez demostra que as feiras brasileiras são, em

sua maioria, democráticas. Em toda sua autenticidade, a feira rompe o cotidiano e as segregações entre

as classes. Ali, entre as bancas e toda sua bagunça há um ‘faz de conta’ que nivela e aproxima os corpos,

independentemente de sua classe. O abonado e o desprovido erguem as mãos sobre as frutas do mesmo

feirante, partilhando o mesmo espaço.

Em relação a tantos nomes dados a esse espaço: anos e contextos distintos, com nomenclaturas

diferentes, nota-se a diversidade da feira/mercados de feirantes. Há de se concordar que, um comércio

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onde o sujeito moderno interage animadamente com estranhos e se confronta a um misto de formas,

cores e cheiros que seus olhos não são capazes de discernir ou classificar rapidamente37, teria obviamente

dificuldades para se enquadrar brevemente em classificações ou nomenclaturas fixas. Enquanto no

sudeste do país nomeia-se como feira livre, no centro-oeste utilizam apenas a nomenclatura mercados.

Não dá para se enveredar na armadilha de pensar que haja um modelo brasileiro padrão, um exemplo

mor, ou totalizante de se fazer mercados. Mesmo com a propensa ideia de se construir estruturas com

características aproximadas, o “mercadejar” é peculiar em cada feira, cultura e país. O Brasil que o diga.

A diversidade – principalmente étnica-cultural – cria seus próprios códigos econômico-sociais, gerando

discrepâncias entre as regiões. Em levantamento realizado no ano de 196438, identificou-se que 55% dos

feirantes atuantes na rede de feiras livres paulistanas eram brasileiros. O alto percentual encontrado

para os estrangeiros, de 45%, fazia as feiras livres se diferenciarem entre todos os ramos de comércio

feitos na cidade. Os mercados apresentam estas peculiaridades. Em Fortaleza (CE), por exemplo, o

Mercado Municipal da cidade é especializado em produtos artesanais cearenses com uma parte voltada

para culinária local39. Fui surpreendida por não encontrar nenhuma banca ou loja que comercializasse

especiarias, como temperos e condimentos, enquanto que, no Mercado Municipal do Rio de Janeiro, a

diversidade de temperos era vasta.

37 Mascarenhas e Dolzani (2008). 38 Guimarães, Olmária (1966). 39 História do Mercado Central de Fortaleza, disponível em https://www.mercadocentraldefortaleza.com.br/

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As diferenças e semelhanças extrapolam os tipos de produtos e são encontradas nas relações entre

fregueses e feirantes, no cheiro, nas cores, nas bancas e sua organização, nas abordagens e nos sabores.

Mesmo com autos e baixos, dificuldades econômicas e precariedade em muitas de suas estruturas,

principalmente com a criação maciça de supermercados40, hipermercados e shoppings41, as feiras

brasileiras tornaram-se mais que abastecedoras de alimento, são lugar e evento. Lugar de afeto, trocas

simbólicas, construções imaginárias, sofisticações e modéstias no mesmo lugar. Cada feira é considerada

única, pois é intrínseco, em suas características, a diversidade de códigos da localidade a qual está

40 Os supermercados antes eram chamados de pegue e pague, ou seja, um tipo de comércio pronto atendimento. Ao contrário

deles, nas feiras tradicionais o cliente no máximo seleciona os produtos que vai adquirir, é o feirante quem pesa, balanceia,

cobra, ensaca. O supermercado apresenta-se inicialmente como um lugar no qual os produtos já vinham pesados e embalados,

além de não ter a figura do anunciador, do pregoeiro. No supermercado os cartazes de promoção fazem o papel dos gritos do

feirante. Mesmo nos espaços de atendimento personalizado como açougues, padarias e frios os cartazes em tamanhos

hiperbólicos gritam o preço e o atendente apenas embala (SANTOS, Fátima. 2019 | Curiosidade apontada por uma

excepcional orientadora semioticista). 41 Mascarenhas e Dolzani (2008), ao tratar da feira livre e a cultura na metrópole contemporânea, apontam essas dificuldades,

principalmente na década de 60 com o boom dos hipermercados. As feiras nas cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, por

exemplo, sofreram ameaça de extinção no passar desta década (Mascarenhas, 1991). Os autores também ressaltam que é

importante lembrar que o conflito entre feirantes e supermercados não se restringiu às esferas econômica e jurídico-política.

No plano do imaginário, recriam-se as feiras livres como territórios do desconforto, do informal, do transtorno, do atraso, do

barulho e sujeira das ruas, enquanto os supermercados são massivamente apresentados como portadores do novo, do belo, do

conforto, do "american way of life". A grande imprensa, entre 1969 e 1974, intensifica brutalmente o volume de reportagens

sobre aspectos negativos das feiras livres (insegurança, sujeira, atravancamento do tráfego), mesmo numa época em que

ainda funcionavam com performance bastante satisfatória. Em muitas ocasiões se levantou a absurda hipótese de suspensão

definitiva de todas as feiras livres, no Rio de Janeiro, em São Paulo, e várias outras cidades brasileiras (Mascarenhas e

Dolzani, 2008).

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inserida, e, por isso, torna-se um evento. A musicalidade, os burburinhos aliados aos sabores fazem da

feira um palco que

Como lugar, extrapolam o simples local físico e geográfico, do ponto de encontro entre

a oferta de mercadorias, para significar o conjunto complexo de relações entre agentes

sociais, produtos, serviços, materialidades e símbolos que se tecem no interior de suas

trocas mercantis. Como evento, circunscreve e reforça seu caráter de transitoriedade,

impermanência e precariedade estrutural no espaço público (JUNQUEIRA e PEETZ,

2015, p. 154).

Como lugar, extrapolaram as paredes dos mercadões e das ruas, alavancando um fenômeno denominado

‘shoppinização’. O que outrora causou esvaziamento de bancas nas feiras, agora era visto como

possibilidade de extensão mercadológica. Junqueira e Peetz (2015) apontam esse fenômeno em alta, por

volta de 1995, e trazem exemplos de shoppings paulistas que dedicaram espaço exclusivo ao comércio de

produtos perecíveis, como frutas, hortaliças e carnes.

Primeiro o Morumbi shopping e o Leste Aricanduva. Em outubro foi a vez do Shopping

Ibirapuera inaugurar um mercado hortícola interno, na qual foram implantadas 23

lojas e 20 boxes, projetando a atender a 2 milhões de consumidores. Os feirantes

participantes da iniciativa foram escolhidos a dedo em alterativas similares já

implantadas em outros shopping centers, no Mercadão, na Ceagesp e principais feiras

livres da cidade (op. cit. p. 143).

A resistência e o desdobramento da feira se dão de forma peculiar, adentrando a lugares que optam por

outros códigos de funcionamento visivelmente discrepantes da feira. O surgimento de shoppings, por

exemplo, trouxe receio ao feirante que, após baixas e retomadas de público, infiltrou por esse espaço,

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capturando para si outros públicos. Isso se dá porque a feira instaura território próprio, que altera e

subverte a rotina com seus cheiros, texturas e cores. O feirante embasa-se em sua capacidade de, em

qualquer lugar ou público, sob certa medida, construir e manter laços socioafetivos com as pessoas,

fazendo e reafirmando formas de sociabilidades e de identidades. É uma forma de trama, costura, uma

construção diária.

Esse lugar de encontro também tem suas ‘ludicidades’. No Brasil, especialmente em lugares

culturalmente mais afetuosos, o humor lúdico funciona como um “quebra gelo” fazendo com que as

relações entre feirantes e fregueses percam distância. “Bom dia, linda”, “mulher bonita não paga, mas,

também não leva”, “você está mais bonita do que minha banca toda” são expressões que quebram os

protocolos entre desconhecidos. Estes comportamentos seriam estranhos em outros ambientes e nas

feiras são fios condutores não só de comercialização, mas, de conversas e partilhas. Essa espécie de código

por meio de conversas e partilhas perpassa a relação feirante-público, público-público e entre os

feirantes. ‘Hoje a melancia está cara’, ‘fulano vai fazer mais barato ou não?’ ‘vou olhar na banca de

ciclano’ são expressões que atravessam o público e o privado. São ouvidas por quem está sendo atendido

e por quem está do outro lado da banca negociando seu produto. Entre os feirantes, alguns códigos como

medidas de proteção da comercialização e do produto. Muitos deles se amparam e apontam a banca do

outro indicando algum produto. Há quem também monte um arsenal de propagandas e chamativos como

forma de capturar a clientela e sobressair diante da competição do mercado.

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Claro que há também quem não admite gracejos e outros tipos de tratamento. Alguns feirantes preferem

manter distante este tipo de chiste e abordam seus fregueses com limitações no tratamento. Mesmo com

métodos diferentes de abordagem e comercialização, é unânime reconhecerem que toda graça,

atrevimentos e desenvoltura nos tratamentos, são características da feira e são parte de sua composição.

Em uma manhã de feira, pode se ver muita coisa, o público mudando, os cheiros ressaltando, algumas

bancas vazias denunciando as preferências. Verduras descascadas. Picadinho. Ralado, debulhado.

Facilidades para o freguês. Burburinhos, amizade, falsidade também. Disputa, parcerias entre feirantes,

vitalidade nas relações, pais, filhos e netos cuidando de bancas, esperança. Futricas, inveja do produto

do outro. Clientes felizes e, claro, alguns reclamões. Preços altos e ao fim dos frutos, promoções. A famosa

xepa que remete à liquidação das frutas e hortaliças que se verifica ao final de cada feira.

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Figura 9. O repolho que paga as contas. Fotografia. Arquivo pessoal, 2016.

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Figura 10. Paciência. Fotografia. Arquivo pessoal.

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Figura 11. Cor empilhada, malabarismo ‘pras’ vistas. Fotografia. Arquivo Pessoal

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Figura 12. Disco cromático, convite às vistas. Fotografia. Arquivo Pessoal.

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Em meio a essa tessitura chamada feira, um amontoado de cenas e objetos aguça minha mente e me

remete à feira de arte. Penso sobre a montagem e intensa organização para se apresentar, anualmente,

à feira de Arte, e logo volto as vistas à realidade e lembro que a feira é, diariamente, esse lugar pujante

- onde sou ludibriada pelas cores e cheiros - um lugar alicerçado com muito trabalho. Alguns feirantes

comentam que “normalmente ficamos na feira entre 10 e 13 horas por dia. Iniciamos no raiar do sol,

alguns até mais cedo. E ficamos até tarde da noite colocando as mercadorias em dia, administrando para

facilitar o outro dia.”

Os códigos não se dão somente na esfera das relações entre vendedores e público, mas perpassam o

trabalho e ciência dos feirantes. Há regras de conduta entre eles e hierarquias sutis entre as famílias.

Estão, a todo o momento, atentos com os preços e a hora de baixá-los, como também atentos à

manutenção da banca e reposição dos alimentos. A isso, integram-se os saberes dos feirantes e seus

conhecimentos sobre os produtos

[...] a origem, as safras, propriedades nutricionais e terapêuticas, modo de preparar e

consumir. Os cálculos matemáticos, a logística e a arquitetura das barracas e das

cargas e as táticas de venda. Trata-se de saberes decorrentes de longos processos de

aprendizagem, na maioria das vezes transmitidos de pais para filhos e de

empregadores para empregados, numa prática de ‘aprender fazendo e fazer

aprendendo’ (JUNQUEIRA e PEETZ, 2015, p. 220)

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A construção desses saberes é diária. Em conversa com os feirantes, bem objetivos, dizem: ‘’aprendi a ser

feirante, sendo feirante, vindo todo dia e antenado no movimento e na minha banca. Converso, brinco,

sento, mas também reponho, limpo, bulino, remexo isso aqui tudo’’. Cada um tem sua banca como uma

vitrine.

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2.4 | Feiras: entre bancas, história e cartografias

Figura 13. Expografia de uma Feira (SP, 2017). Fotografia. Arquivo Pessoal.

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Figura 14. Feira de Arte ou bancas de feira?! (2017). Fotografia. Arquivo pessoal.

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Figura 15. Feira. Arquivo FLAC42. 2017

42 Disponível em http://flac.art.br/wp-content/uploads/2017/10/Planta-FLAC-FINAL-colorida.pdf

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A outra Feira. Os outros cheiros. Degustações discrepantes.

Primeiro dia na feira de Arte. Longa fila para compra dos ingressos e entrada. Movimento. Mãos erguidas

convidando para ver. Esculturas, fotografias, pinturas, visibilidade. Burburinhos sobre os produtos.

Grupos seletos. Outros idiomas apontam a internacionalização. Agentes próprios daquele lugar:

marchands, fotógrafos, colunistas, colecionadores degustam, levam suas doses de participação, deixam

seus rastros e textos por meio de clics, blocos de anotações, burburinhos ao telefone, conexão de dados,

prognósticos. Mistura de públicos. Propaganda. Grandes marcas. Cores neutras. Fotos. Luz baixa. Cubos

brancos erguidos. Frutos. Obras.

No primeiro instante, um amontoado de informações às vistas. Procuro o catálogo para me situar e ao

abri-lo vejo o mapa. Os temas da feira, programações, estágios e linhas do Pavilhão resumidos e

organizados em forma de mapa. Surpresa com as aproximações com o outro mapa que acabara de olhar.

Estava a pouco vendo o mapa do Mercado de Feirante e fiquei surpresa ao ver salas de leilões, ruas

organizadas de acordo com produtos, cores auxiliando na organização. Dos mercados de feirantes que

frequentei, esse era o primeiro em que vi salas exclusivas para leilões. Fotografei. Algum tempo depois,

as mostrei em uma apresentação, sem seus respectivos títulos. A reação foi bastante parecida com ‘Isto

não é um museu I e II’ (Figuras 4 e 5). A princípio, a fotografia ‘Expografia de uma Feira’ (Figura 13) foi

logo apontada como lugar de arte, um mapa de uma instituição de exposição de arte, tendo em vista no

mapa a “sala de leilões”. Alguns comentaram também que as cores remetiam a marcações feitas para

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exposição de obras, “amontoados de coisas de arte”, o que entendi como possíveis instalações. Já a

fotografia ‘Feira de Arte ou bancas de feira?!’ (acima, Figura 14) foi vista como bancas organizadas,

quadradinhos de venda de produtos setorizados. Depois de verem o título e aproximarem nos detalhes

dos mapas, as pessoas riram da proximidade do conteúdo das fotografias e ressaltaram que poderia

trocar facilmente os títulos, mesmo com os detalhes que revelavam ser outro lugar.

Feira de Arte ou bancas de feira?! (2017) é o mapa da SP Arte (falarei sobre esta feira, posteriormente),

a primeira feira que passei horas, embebida pelo nude, luz temperada, muitas obras, desprovido de

cheiros, público diferenciado, quase exclusivo. Observando o mapa, remeti-o a todas as bancas que vi,

organizadamente na feira de feirantes. Não podia dizer o mesmo dos cheiros do mercado de feirante: saí

impregnada. Levei o cheiro das bancas no corpo. Na feira de Arte, discrepâncias. Já não via mais jalecos

e facas, convites para experimentar, mas cartões cortando as conversas como sugestão de uma possível

visita à galeria. Não eram mais cores de tudo quanto é tom e temperatura, mas o nude permeava por

todo lugar, nos trajes, nos ambientes; deixando quase que exclusivo as cores vibrantes para as obras.

Muita coisa para degustar, descrever, compreender. Em ambas as feiras, as placas indicavam os setores

e caminhos. Em ambos me perdi entre galerias e bancas. Depois de algumas horas, degustando frutos-

obras, tornara-se proveitoso “se perder”: outra perspectiva, outros produtos, experimentações.

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Figura 16. Série de Fotografias. ‘Entre ruas e sinalizações: há uma feira’. 1/5. (SP Arte). Arquivo pessoal

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Figura 17. Série de Fotografias. ‘Entre ruas e sinalizações: feiras’. 2/5. (Mercado de São Paulo). Arquivo pessoal

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Figura 18. Série de Fotografias. ‘Entre ruas e sinalizações: feiras’. 3/5. (Mercado M. de Uberlândia - MG). Arquivo pessoal

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Figura 19. Série de Fotografias. ‘Entre ruas e sinalizações: feiras’. 4/5. (Mercado de Fortaleza – CE e SP Arte).

Arquivo pessoal

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Figura 20. Série de Fotografias. ‘Entre ruas e sinalizações: feiras’. 5/5. (SP Arte). Arquivo pessoal

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2.5 | Feira de Arte: entre bancas, histórias e monopólios

Tratando-se de mercado de arte – e feiras - são recorrentes alguns nomes ou instituições. Alguns são

referências e detém em seu controle grande parte da economia da Arte. Isso demostra o quanto o mercado

de Arte ainda é seleto, regido por poucas instituições e com ascensões exclusivas. É o caso das duas

grandes casas de leilões, Christie’s e Sotheby’s, ambas inglesas, criadas no século XVIII, possuem fama,

nome e reconhecimento e exercem no sistema mercadológico da arte, praticamente um duopólio. Por

exemplo, é impossível tocar no cerne dos leilões sem citar ambas as casas. Para se ter uma noção do

alcance destas instituições, a Christie's tem uma presença global em 46 países, com 10 salões em todo o

mundo, incluindo Londres, Nova York, Paris, Genebra, Milão, Amsterdã, Dubai, Zurique, Hong Kong e

Xangai. Mais recentemente, a Christie's liderou o mercado com iniciativas expandidas em mercados em

crescimento, como Rússia, China, Índia e Emirados Árabes Unidos, com vendas e exposições de sucesso

em Pequim, Mumbai e Dubai43.

Por sua vez, a Sotheby's, duas décadas mais velha que a Christie’s, une colecionadores desde 1744. A

Sotheby's tornou-se a primeira casa de leilões internacional quando expandiu de Londres para Nova

York (1955), a primeira a vender em Hong Kong (1973), Índia (1992) e França (2001). A primeira casa

43 Mais sobre a instituição, disponível em https://www.christies.com/

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internacional de leilões de arte na China (2012). Hoje, a Sotheby's apresenta leilões em dez salas de

vendas diferentes, incluindo Nova York, Londres, Hong Kong e Paris, e o programa Bid Now da Sotheby's

permite que os visitantes visualizem todos os leilões on-line ao vivo e façam lances de qualquer lugar do

mundo. A Sotheby's apresenta oportunidades de venda privada em mais de 70 categorias, incluindo

diamantes, joias, vinhos. Em 2015, a RM Auctions formou uma parceria estratégica com a Sotheby's

para se tornar a RM Sotheby’s, a maior casa de leilões do mundo para automóveis com qualidade de

investimento. A Sotheby's possui uma rede global de 80 escritórios em 40 países, inclusive com escritório

no Brasil44. É também a empresa mais antiga listada na Bolsa de Valores de Nova York (BID) 45. O que

começou unindo colecionadores e suas obras, transbordou em uma diversidade de produtos, ampla

comercialização e um volume espantoso de dinheiro.

São essas duas marcas que vendem e agregam as obras com maior valor de mercado. Normalmente se

alternam na posição de primeiro colocado em rankings, como vendas milionárias e/ou quebra de recordes.

O problema é que tal ascensão tornou essas casas - para muitos do sistema da arte – utopias. Há

parâmetros, triagem, avaliações, peritagem, recorte e preferência do que é posto a mostra. Opta-se por

participar do mercado secundário, por meio de leilões com crivo e exigência amena. Em sua maioria, há

um caminho a trilhar pelo artista e sua obra. Isso leva tempo e cautela para que o mercado secundário

absorva e não colida com preços executados no mercado primário, como já dito no capítulo I sobre as

44 A Bossa Nova Sotheby’s International Realty é a representante da marca no Brasil desde 2015. Disponível em https://www.bnsir.com.br/ 45 Informações disponíveis em https://www.sothebys.com/en/

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diferenças entre esses mercados. Assim, é notável a relação e trato entre esses segmentos, mas também

certa concorrência. Expondo em seu texto, sobre casas leiloeiras e marchands, Thompson (2012) descreve

que muitos marchands se sentem frustrados pela dificuldade de concorrer com o glamour dos leilões.

Alguns têm histórias de “colecionador que pagou muito acima em leilão por uma obra de múltiplas

versões, embora tivesse várias delas disponíveis em galerias por uma fração do preço”46. Além dessas

eventuais frustrações, as casas leiloeiras cresceram a tal ponto que se extrapolaram os muros do mercado

secundário, posicionando-se no mercado primário de arte. Thompson relembra que em 2007 a Christie’s

comprou a galeria Haunch of Venison47. O autor ressalta que não foi uma venda motivada por problemas

financeiros: “o diretor executivo Ed Dolman anunciou a aquisição (65 milhões de libras) como parte do

programa de expansão de longo prazo da Christie’s (p.240).

Assim, os marchands e galeristas precisavam de uma vantagem competitiva que contrapunha ao mundo

esplêndido dos leilões e suas casas muito bem abastadas. Uma das maneiras encontradas para competir

com tal influência do mercado secundário são as feiras com marketing maciço. As feiras de arte são

singulares e caracterizadas por reunir em um espaço - com período de tempo estipulado - público,

compradores e agentes do mercado de arte. Nestes espaços, em poucos dias são ofertados um número

46 Um exemplo especialmente caro é a escultura kitsch de um porco cor-de-rosa, intitulada Ushering in Banality, 1988

(Anunciando a banalidade) de Jeff Koons, vendida na Sotheby’s de Nova York em novembro de 2006 por 4 milhões de dólares.

O porco saiu em edição de quatro exemplares. Havia uma segunda versão disponível por 2,25 milhões a apenas dez quadras

da casa leiloeira. In (THOMPSON, 2012, p. 246). 47 A Haunch of Venison é uma galeria fundada em 2002 pelos marchands Harry Blain e Graham Southern. A Hounch é

uma presença de peso com unidades em Londres, Zurique e Berlim.

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alto de produções, onde marchands se reúnem comprando e vendendo o que julgam excepcional. A

própria palavra feira, do latim feria,ae significa dia de festa. Era, na sua origem, empregada no plural –

feria, arum – para designar dias reservados ao repouso, festanças e férias. No latim vulgar, traduzia o

mercado e a feira, uma vez que era nos dias e oportunidades da realização das festas religiosas que se

aproveitavam para realizar o comércio popular de mercadorias48. A primeira feira de arte

contemporânea, a Cologne (Art Cologne), foi montada por volta de 1966, seguida da feira de Basileia (Art

Basel), em 1970 (QUEMIM, 2014, p. 25).

As feiras também ganharam sua notoriedade como marcas importantes, podendo competir - de certa

forma - com os leilões. Hoje, o conjunto de trabalhos oferecidos nas melhores feiras de arte

contemporânea se equipara em qualidade e quantidade ao que oferecem as casas leiloeiras numa

temporada inteira de leilões (THOMPSON, 2012, p. 248). O autor aponta a origem desse fenômeno - em

meados do século XV - de Pand, na Antuérpia.

Era realizada nos claustros da catedral durante seis semanas seguidas. Nas bancas

vendiam-se quadros, faziam-se molduras e moíam-se tintas. Quatrocentos anos

depois, no final do século XIX, Paris realizava exposições grandiosas e a Royal

Academy, em Londres, mantinha uma feira onde os artistas expunham suas obras. A

primeira feira do século XX, foi a Armory de 1913, em Nova York, aberta a “pintores

progressistas geralmente negligenciados”, incluindo Braque, Duchamp e Kandinsky.

Várias Bienais operavam como feiras disfarçadas, somente em 1968 a Bienal de

Veneza deixou de comercializar as obras que expunha. (Em 2007, um colecionador

48 HOUAISS, Antônio; VILLAR, M. S.; FRANCO. F. M. M. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. RJ, Objetiva, 2001.

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ainda podia ‘reservar’ uma obra exposta em Veneza, mas a palavra ‘compra’ nunca

podia ser mencionada) (THOMPSON, 2012, p. 248).

Um ponto importante a se observar é que a gênese da feira de arte tem certa semelhança com as feiras

livres. Ambas eram organizadas anualmente ou bianualmente e tinham caráter festivo, em lugares

religiosos e serviam para comercializar não apenas produtos tradicionais, como obras, mas também

artefatos como tintas, dentre outros. Acolhiam também todo tipo de mercador e tipos de gêneros nos mais

longínquos territórios (JUNQUEIRA e PEETZ, 2015, p. 22). A feira nasce de poucos encontros e não

como são conhecidas hoje: algumas fixas, outras itinerantes, mas constantemente em seus postos,

abertas para comercializações.

Don Thompson descreve que o começo do século XXI também foi o começo de uma década marcada pelas

feiras de arte. Em 2008, estavam programadas 205 feiras relativamente importantes em todo mundo,

contra 55 em 2001. É visivelmente discrepante o número, apontando desenvolvimento elevado deste

segmento.

A nível mundial, temos hoje quatro marcas sólidas, que se destacam: A TEFAF (The European Fine Art

Fair, Maastricht e Nova York), a Art Basel (Basiléia, Suiça), Art Basel de Miami Beach e a Frieze

(Londres). De acordo com Reviriego (2014), também há outras que compõem o quadro das maiores feiras:

Armory Show (Nova York), Fiac, ARCO Madrid, por exemplo.

A TEFAF é uma feira holandesa, fundada em 1988. Considerada uma feira proeminente no mundo da

arte, antiguidades e design. A TEFAF realiza três feiras internacionalmente - a TEFAF Maastricht, que

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abrange 7.000 anos de história da arte; TEFAF New York Spring, focada em arte moderna e

contemporânea e design; e a TEFAF New York Fall, cobrindo arte fina e decorativa desde a antiguidade

até 192049. A Art Basel, feira Suíça, fundada em 1970 pelos galeristas da Basileia Ernst Beyeler, Trudl

Bruckner e Balz Hilt, recebeu em sua primeira edição 90 galerias e viu esse número – cinco anos depois

– subir para 300 expositores de mais de 20 países. Assim, é também conhecida por ser uma feira de

projetos inovadores, como a introdução à plataforma Art Unlimited, em 2002, que transcende o conceito

do estande de exposição clássico com um ambiente de plano aberto, que hospeda todos os tipos de mídia

contemporânea ambiciosa e, em 2014, quando a feira fez uma parceria com o Kickstarter para criar

uma iniciativa de crowdfunding50, destinada a financiar organizações de artes visuais sem fins

lucrativos51.

Por sua vez, a Frieze é uma empresa de mídia fundada em 1991, que se desdobrou em Feira de arte em

2003. Com sede em Londres, a marca conta hoje com outras três feiras internacionais, quatro feiras de

49 Estes e outros dados sobre a feira TEFAF, disponível em https://www.tefaf.com/home 50 O termo crowdfunding, em inglês, significa literalmente "financiamento através da massa" e se refere a uma campanha de

financiamento baseada no patrocínio popular, na qual certo número de pessoas realizam pequenas contribuições, de modo

que a soma por volume de doadores permite reunir uma grande quantidade de dinheiro. Disponível em:

https://conceitos.com/crowdfunding/ 51 Sobre a Art Basel, disponível em https://www.artbasel.com/about/history

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arte internacionais: a Frieze LA, a Frieze New York e a Frieze Masters. A cada ano, cerca de 500 galerias

aplicam suas inscrições para concorrer a um espaço nesta feira52.

Já a Armory Show (Nova York), completa, em 2019, seus 25 anos. Em 1994, a feira foi concebida

inusitadamente em quartos do lendário Gramercy Park Hotel, em Nova York. Quatro negociantes – Colin

de Land, Pat Hearn, Matthew Marks e Paul Morris – se reuniram para realizar uma feira internacional

de arte neste espaço. A Gramercy International Art Fair, como era chamada, foi a primeira “feira de

hotéis” do gênero e rapidamente se tornou um evento de sucesso e cult, admirado por exibir

exclusivamente novas obras de artistas vivos53. Este modelo viria a se repetir, anos depois,

principalmente por proporcionar acolhimento, possibilidade de contemplação e limite de pessoas.

Todas essas feiras têm em comum o status ‘show/grande festival de arte”. A feira Armory Show, por

exemplo, já carrega em sua nomenclatura esse status. Atualmente, esta feira recebe mais de 65.000

visitantes. As diversas atividades têm por objetivo abarcar o máximo de visitantes. Desde visita guiada

a trabalhos específicos para o público infantil, essas feiras também oferecem livrarias, serviços

gastronômicos, encontros com artistas, residências, mesas de debates, palestras acadêmicas sobre os

mais diversos assuntos no campo das Artes, premiações e processos artísticos ao vivo, dentre outros.

52 Informações disponíveis em https://frieze.com/ 53 Informações sobre a feira Armory Show, disponível em https://www.thearmoryshow.com/info/about-us

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Essas ações formam o quebra-cabeça, montado em forma de feira para atrair não só compradores, mas

distintos públicos que de alguma forma popularizam, divulgam e propagam essas marcas. Por isso essas

feiras, além do caráter econômico, possuem caráter cultural/social. São feiras tidas como grandes

exposições de artes, inclusas nos calendários oficiais das cidades, também conhecidas como festivais. A

Art Basel por exemplo, a cada mostra, leva ao público cerca de quatro mil artistas.

As feiras citadas acima são todas de caráter internacional. Além dos expositores, elas atraem também

agentes e comerciantes estrangeiros. Por reunir, em pouco tempo, empresas, galerias e instituições, as

feiras são plataformas que funcionam como condutoras para internacionalização dessas empresas. As

galerias, por exemplo, que possuem em seus currículos feiras internacionais, são facilmente vistas no

cenário da Arte e tendem a ter maior índice de comercialização.

Os galeristas compreenderam rapidamente o quão é benéfico para os negócios as participações em feiras

deste porte e investem durante todo o ano, trabalhando para alcançar os quesitos exigidos por esses

eventos e assim concorrer aos tão sonhados metros quadrados de uma feira. A Arco Madrid (Espanha),

por exemplo, disponibiliza todos os pré-requisitos que uma galeria deve possuir para candidatar-se à

feira. Dentre os requisitos, a galeria precisa ter no mínimo dois anos de abertura contínua e no mínimo

quatro exposições ao ano54. Assim, observa-se também a importância de feiras locais e o investimento

54 Catálogo com Programa geral e regras da Feira Arco Madrid, disponível em:

http://www.ifema.es/PresentacionInet/groups/public/documents/formulario/if_148414.pdf

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das galerias nestas feiras, além de exposições individuais e programas educativos. Essas medidas são

uma espécie de reputação das galerias: inicia-se a carreira inserida em feiras menores e, galgando pelo

mercado, busca alcançar feiras de impacto internacional e consequentemente visibilidade de suas ações.

Esses estágios de evolução podem acontecer, ou não, a depender do foco e pretensão da galeria e seus

agentes. A multiplicação de eventos e a ascensão das grandes franquias Art Basel (Suíça-Miami-Hong

Kong) e Frieze (Londres-Nova York-Los Angeles) fazem com que feiras um pouco menores, como as de

Madri (Arco), Genebra (artgenève) e Bruxelas (Art Brussels), procurem nichos para fazer a

diferença, num circuito que movimentou US$ 15,5 bilhões (R$ 58 bilhões), em 2017, segundo relatório

produzido pelo UBS e Art Basel. Com 195 galerias de 35 países, a Artissima (Itália), por exemplo,

concentra cada vez mais seu foco em artistas emergentes.

Há centenas de feiras menores, inclusive internacionais. Junto a isso, ainda temos, durante o ano, as

bienais. Don Thompson aponta que, em 2007, por exemplo, houve oito feiras simultâneas, somente em

Nova York. Essa espécie de epidemia gerou no mundo da arte a chamada “fadiga das feiras”. Michaela

Neumeister, sócia da Phillips de Pury, diz: “sempre que ouço falar de uma nova feira de arte começando,

quase me dói fisicamente. O mundo da arte virou um circo cigano55”.

55 (in: Don Thompson, 2012, p. 249)

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Essas feiras se tornaram lugares disputados e imperdíveis. São a chance dos marchands e galeristas

empatarem com as casas de leilões. As maiores feiras atraem os maiores colecionadores, que por sua vez

querem encontrar com os melhores marchands. Ou seja, um círculo de superestrelas que se

retroalimentam. Há um grupo seleto de marchands, Tim Marlow (White Cube), Harry Blain (Haunch

the Venison), Ileana Sonnabend (Sonnabend Gallery), por exemplo, que sempre estão nas feiras do topo

e não perdem a oportunidade de usar estes espaços e conectar novos talentos e grandes colecionadores.

As feiras, além de lugar de encontro dos agentes, também são sinônimas de praticidade. O número de

artistas ali representados por suas obras é muito grande e oportuniza aos marchands, por exemplo, ver

e apresentar, em uma única reunião, obras que ele demoraria meses para reunir. Algumas feiras se

parecem a shoppings centers, pois reúnem diversos nichos de uma só vez: moda, gastronomia,

antiguidades, dentre outros. As conversas são mais informais e o conforto do lugar é explícito.

Todo esse momento de encontro de superestrelas, conforto, novos talentos, agentes e visibilidade, custam

caro. A feira de arte consome, tempo e dinheiro das galerias e requer tempo e preparo para que tenham

bons resultados quando lá estiverem. Por exemplo, participar das cinco principais feiras mundiais aqui

citadas custa ao marchand cerca de 200 a 300 mil libras. Os estandes de Maastricht podem chegar a

custar 50 mil euros. Mesmo assim, os marchands fazem fila para participar (Thompson, 2012).

Em 2008, 610 marchands fizeram inscrição e 220, de quinze países, foram aceitos na

feira de Maastricht. Nenhum negociante ou colecionador quer perder Maastricht. Por

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causa dos altos impostos holandeses, poucas vendas são realmente finalizadas em

Maastricht. A feira é um local onde colecionadores e negociantes combinam negociar

depois. O marchand volta a um ambiente mais amigável em termos tributários –

geralmente Canadá, Estados Unidos, Suíça – para formalizar a venda e despachar a

peça para o destino escolhido pelo comprador.

Mesmo com essas limitações encontradas neste contexto, rapidamente se encontram dribles que auxiliem

na efetivação da compra. Essa só pode acontecer se o agente estiver lá. É uma espécie de “marcar

presença, ser visto, manter status”, inclusive para não gerar a impressão de não ter sido aceito naquela

edição.

Quanto à visibilidade das obras, a feira hospeda um paradoxo: abrigar mais de 3 mil artistas e ser um

lugar terrível para contemplá-los. “A feira é o melhor exemplo da pior maneira de ver arte (THOMPSON,

2012)”. A quantidade de pessoas e espaço comedido para trânsito não favorecem a contemplação.

Algumas feiras se preocupam com a curadoria e disposição das obras, mas outras permitem a disposição

aleatória, sem um senso de ordem. A iluminação, muitas vezes, causa fadiga às vistas, desfavorecendo a

observação prolongada do público.

Essas desvantagens são atenuadas por meio da concorrida ‘noite de abertura’. A noite de abertura das

feiras é apenas para convidados como jornalistas, grandes compradores, marchands, por exemplo. Há

mais espaço; mas, a mesma correria em busca da melhor obra e oferta. Os compradores correm de

estande em estande comprometendo-se com uma peça e pedindo para ‘segurar’. Nada parecido com a

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abordagem que ocorre na galeria “Volto no fim de semana ou posso levar para casa por trinta dias?”

(THOMPSON, 2012). A abertura é um momento primordial e isso faz com que as feiras ofertem ingressos

com preços diferenciados. A Armory Show, por exemplo, altera o custo do ingresso dependendo da hora

da entrada. Para entrar às cinco da tarde, custa mil dólares, para entrar às cinco e meia, custa 500

dólares, e para entrar às sete da noite, 250 dólares (THOMPSON, 2012, p. 254).

A Art Basel de Miami Beach é outro exemplo. Conhecida também como Basel Miami, teve seu início em

2002, mas já em 2005 era a maior feira de arte contemporânea do mundo. A Basel Miami seleciona

duzentos expositores entre os 620 inscritos e o custo total para montar um estande de oitenta metros

quadrados sai por volta de 110 mil dólares. Calcula-se que 25% das 5 mil pessoas mais ricas dos Estados

Unidos passam por lá (THOMPSON, 2012, p. 256). Com isso, esta feira cresce em visibilidade e se torna

exemplo de marketing e modelo de feiras contemporâneas. A Art Basel se tornou um evento tão lucrativo

que seu principal patrocinador, o banco suíço UBS, não precisa ser aprovado por um comitê diretor do

banco, como é de praxe. Essas feiras não são mais eventos pontuais, que afetam somente o mundo da

Arte; mas, sim, abarcam para si outros contextos e interferem em outras economias.

Patrocinadores da Art Basel de Miami são também fornecedores de artigos de luxo

Cristais Swarovski e BMW – que fornece sedãs série 7 com motoristas para os vips, -

e a NetJets, que mandou 216 voos a Miami para a feira de 2006. Esse número

ultrapassa o que a empresa aérea fornece para o Super Bowl de futebol americano, e

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só fica atrás dos 240 voos que enviou para a cerimônia do Oscar naquele mesmo ano

(THOMPSON, 2012, p. 257)

Obviamente, vê-se assim as descompensações do mundo da arte e a ausência de moderação em nome da

comercialização do estético. As feiras do topo são um espetáculo à parte e com alto crivo criam muros e

evidenciam o elitismo, criando uma barreira não só financeira, mas também psicológica. Para alguns

pode ser como adentrar a uma grife e ficar perdido sem saber o que escolher de fato. Um exemplo disso

são as feiras que acontecem paralelas a Basel. Elas recebem as centenas de galerias que não conseguem

entrar na Basel Miami. São por volta de dez feiras satélites em galpões, pousadas de luxo, com exposições

de nomes como Pulse56, Aqua Art57, dentre outras. Essas feiras apresentam um diferencial: expõem

artistas jovens e outros nichos não tão comuns a feiras, como videoarte e arte digital. De quebra, os

expositores se sentem e espalham uma autopromoção como se estivessem expondo na Art Basel. Afinal,

a Art Basel não só atrai holofotes, mas também o é. A essa altura do campeonato, as galerias fazem de

tudo para verem o holofote já que não estão debaixo dele.

Em algumas leituras sobre as grandes feiras, pude observar o dissabor de alguns agentes ao relatarem

o quanto é desconfortante a contemplação nestes espaços, principalmente pela quantidade de pessoas,

dentre outros motivos. As paredes brancas, erguidas momentaneamente, cortam o fluxo do caminho e a

56 https://www.pulseartfair.com/ 57 https://www.aquaartmiami.com/

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possibilidade de acolhimento. As pessoas e os flashes atravessam em meio à contemplação e à quantidade

de galerias, trazendo à memória o quanto ainda tem para se ver. Claro que muitos agentes estão

preparados para todos esses agravantes, principalmente se já sabem o que querem adquirir. Mas há

quem queira associar o útil ao agradável: comprar e contemplar.

Pensando nisso, o colecionador Dean Valentine e os negociantes Alberto e Mills Morán, propuseram a

feira Felix LA (Los Angeles), retomando um modelo já citado aqui: feira de arte em um hotel58. Como o

modelo atual, com todo seu glamour, tornou-se inacessível para muitas galerias, a ideia central era

promover um lugar que levasse as galerias de nível médio a participarem, sem que esta participação as

levassem a falência com taxas exorbitantes, além de custos de viagem e estandes. Inclusive, rever o atual

modelo econômico, tornando-o mais viável e acessível para participação de outras galerias, é

indispensável e - em algum momento - deve tornar-se assunto importante nas pautas das feiras.

Retornando ao modelo de feira de hotel, A Felix LA fez sua primeira edição no famoso hotel Hollywood

Roosevelt. O custo para esta feira foi bem menor, devido ao fato de ser em um hotel. Para um grande

estande, as megas-galerias precisam pagar mais de US $ 75.000. Enquanto isso, uma galeria na Felix

LA pode obter um estande por apenas US $ 4 mil59. Outro ponto interessante é o fato de a Felix LA ser

58 Mais informações sobre a feira de arte FELIX LA, disponível em: https://www.artsy.net/article/artsy-editorial-future-art-

fairs-hotel-hollywood-boulevard e http://www.artnews.com/2019/02/15/everything-feels-intimate-felix-la-brings-new-life-art-

fair-circuit/ 59 Nate Freeman, 2019 (Artsy).

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gratuita e aberta ao público, permitindo, por exemplo, a muitos marchands e colecionadores - que não

estão dispostos a pagar ingressos tão caros - acesso a tantos artistas. Sobre a feira, Claire Warner, da

Chicago's Volume Gallery, diz que, “hoje, os colecionadores simplesmente passam, tiram uma foto e vão

embora, enquanto que, na Felix, os visitantes estavam mais propensos a desacelerar e a conversar.”

Isso se dá com maior facilidade em feiras menores, com caráter mais acolhedor e com número máximo

de cinquenta galerias. Mas é notável também que, o fato de ser em um hotel, proporciona aos

participantes toda uma estrutura mais íntima, aconchegante e receptiva. Se imagine observando uma

obra, sentada em uma cama, uma parede com janelas, pequenos móveis e peças decorativas, como se

você estivesse no ambiente de sua casa. Quando exaurir os olhos você pode subir até a cobertura,

consumir a gastronomia do hotel e desfrutar da piscina. Esses são os confortos do capitalismo artístico

nas feiras de arte hoteleiras. Se prevalecerão proporcionando essas vantagens ao público, ou se serão

abarcadas por modelos que transformam tudo em dinheiro - ou ambos - o tempo dirá.

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2.6 | Feiras de Arte, logo ali nas capitais

Figura 21. Tecnologias. (SP Arte). Fotografia. Arquivo pessoal

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Figura 22. O que será?! (SP Arte) Fotografia. Arquivo pessoal

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Figura 23. Burburinhos (SP Arte). Fotografia. Arquivo pessoal

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A fila avisa interesse do público. Público seleto nos primeiros dias. Poder de compra elevado e

burburinhos indicando as preferências. Enquanto a fila anda, as conexões são feitas pelo telefone. Vips

entrando, cumprimentos e apresentações. Dinheiro. Trabalho. Investimentos. Produzem e fazem

circular.

Ingresso pago, curiosidade debulhando e de graça, que nem réstia de alho. Adentrei a feira. Gastronomia

à vista, composição gourmet. Livraria também, com sabor. Optei primeiramente pelo gosto do livro.

Primeiro piso, livrarias e museus. Nas livrarias, a pergunta: “Livro sobre mercado de arte no Brasil?”

Apenas um. Aceito. “Livro sobre mercado de arte e tecnologia no Brasil?” Nenhum. O pensamento logo

atina: “perceptível como as defasagens sobre o assunto reverberam nos ambientes - mais óbvios - onde o

tema deveria transbordar’’. Mais caminhada, catálogo nas mãos. Panfletos dos museus ali presentes.

Revistas e mídia também. Propaganda na linha dos olhos e das mãos. Meia volta em direção às galerias.

Na entrada um espetáculo de tecnologias. Luzes que não indicam obras de arte. Automóvel exposto.

Luzes e modelos fazem a exibição da máquina-propaganda. Passam os holofotes do marketing e adentro

aos cubos brancos da feira.

Gente, cores neutras, nude. A branquitude aponta público seleto. Flashes e gente. E mais gente. Pouca

contemplação e atravessamentos indicam “você está em uma feira e não em um museu”. Os olhos passam

pelo catálogo, e suas páginas indicam dezenas de galerias para serem vistas. Os olhos perpassam o

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ambiente no desejo de encontrar um nicho específico. Os sentidos encontram arte moderna, clássicos

brasileiros, artistas internacionais, instalações, gente e burburinhos de quem será o destaque da feira.

A bolsa pesa e procuro lugar de pausa. Aproveito para sentar em uma galeria e conversar com os

expositores. Entre comprimentos e recepções: você é a...? De onde? Logo, um leve distanciamento do

galerista quando exponho que sou pesquisadora. Isso exclui a possibilidade de que eu seria uma potencial

compradora. Fato. Mas fico mais um pouco e peço dois minutos para uma pergunta. Introduzo o assunto

e “vocês já comercializaram alguma obra de arte e tecnologia?! A resposta vem objetiva e curta: nem

vídeos, algumas fotografias. Mas vocês percebem a possível existência desse mercado?! Se tem, ainda

não chegou aqui. Mas esse nicho não é nosso foco, estamos oferecendo o que o mercado ainda deseja,

quadros e esculturas. Você conseguirá mais informações com as galerias que tem projetos

contemporâneos. Deixe-me ver aqui: ah sim, a Vermelho. Ela trouxe vídeo para feira.

E lá me vou. O primeiro contato aconteceu.

Subo pensando quanta coisa para ver, quanta obra para conhecer e o quanto de arte e tecnologia poderia

encontrar. Mas o primeiro encontro já podou as expectativas que eram como réstia de alho e agora só

sobrara um “dente”.

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Vi muita coisa. Vi muita coisa boa. Passei um bom tempo desfrutando dos objetos cinéticos de Abraham

Palatnik. Que destreza. Chegam, ao encanto, as engrenagens. Olhei, olhei, quis tocar. É muito...! (a

primeira reação ao ver Palatnik, todas às vezes). Ele é muito. Surpresa também ao passar pelas caixas

de flipbook animadas, do Juan Fontanive, chamadas Vivarium60. Excelente oportunidade para ver a

destreza do Juan por meio de pequenos motores e eletrônicos. Hibridez entre desenho e circuito

eletrônico. Trouxe-me à memória as infinitas possibilidades de desdobramentos das linguagens com as

tecnologias contemporâneas. Pausa novamente: sentidos dispostos.

Voltando à caminhada. Subindo as rampas. As placas indicam mudança de pavimento e categorias.

Andei depressa. À frente, o setor de galerias prestigiadas. Mais uma caminhada e outras conversas

partilhadas. De repente, vídeo na parede e um galerista aberto a trocas sobre arte e tecnologia no

mercado. Apresentação da galeria, quadros na parede, apontamentos sobre a feira, mas com um veredito:

“você encontrará pouca coisa ou quase nada deste nicho”. Você disse, pouca coisa?! Pode-se então pensar

que, uma hora dessas - em alguma edição -, esbarro em alguma obra à venda de arte e tecnologia?! Quem

sabe.

Segui a visita.

60 Quanta poesia em Viveiro. Obra disponível em http://www.juanfontanive.com/vivarium/

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Figura 24. Abraham Palatnik (SP Arte). Fotografia. Arquivo pessoal.

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Figura 25. Uns ‘dendiai’ de expectativa sobre as feiras. Arquivo pessoal

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Figura 26. Garimpando (Mercado M. de Montes Claros – MG) Fotografia. Arquivo pessoal.

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2.7 | Feiras de Arte: SP-Arte e ArtRio

Para o mercado de arte, as feiras tornaram-se essenciais para as vendas; um lugar de evidência, um

altar para as galerias. A principal preocupação do TEFAF Art Market Report (2017) foi a capacidade

para adquirir novos clientes. Ao mesmo tempo em que a Tefaf apontou a internet, a segunda ferramenta

mais importante que permite aos negociantes conhecerem novos compradores em potencial, considerou

as feiras de arte e trocas a plataforma mais importante, parte dos negociantes responderam que eles

encontram de 20% a 70% de seus novos e potenciais compradores em feiras de arte. Em contraste, quase

um terço dos negociantes satisfaz 10% do seu novo e potenciais compradores na internet, e metade dos

negociantes encontram entre 20% e 40% de seus novos compradores, online (TEFAF, 2017, p. 58). É

perceptível o quanto as tecnologias interviram e ainda podem alterar o mercado de arte, mas também

como a plataforma de comercialização - neste caso, a feira - ainda é a principal ferramenta do mercado

primário. O encontro, partilhas, contatos e conexões marcam esses eventos e ainda são lugares onde os

agentes exercem junto à comercialização, o status e visibilidade.

O Brasil aproveitou esta plataforma de comercialização, tardiamente. Em entrevista a Isaura Botelho

(Observatório Itaú Cultural), o pesquisador e também colecionador de arte George Kornis (2012) fala

sobre o desenvolvimento do mercado de artes visuais no Brasil. Ao tratar especificamente sobre as feiras,

o autor expõe que:

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[...] feira de arte brasileira é coisa nova. O Brasil aderiu muito tardiamente a esse

processo de feiras – o Armory Show americano é uma experiência centenária61, e o

Brasil inaugurou algo semelhante há pouco mais de uma década, portanto, estamos

falando aqui de uma defasagem de mais ou menos um século. O que aparece aqui como

novidade tem um século de idade, e havia mistificação na ideia de que estávamos

inovando ao fazer a SP-Arte, o que, certamente, não corresponde minimamente ao

exame mais elementar (KONIS, 2012, p. 41).

Essas defasagens se dão em um contexto marcado por incertezas político-econômico-sociais e que

reverberam claramente na formação do mercado de Arte. No Brasil, após 1994, depois de altos e baixos

na economia, como a troca de moeda e inflação oscilante, a moeda brasileira foi estabilizada, gerando

alguns financiamentos de atividades culturais, criação de políticas voltadas para cultura, exposições e

apontamentos para possível internacionalização da produção artística. Em meio a essa fase confiante,

diversas galerias que temos hoje foram fundadas após esses eventos. Por exemplo, dentre as integrantes

da Associação brasileira de Arte Contemporânea (Abact), foram criadas nesse período as galerias

Amparo 60, Celma Albuquerque, Lemos de Sá, Fortes Vilaça, Leme, Mercedes Viega, Athena

Contemporânea, Vermelho, Pilar, Zipper, Estação, Gentil Carioca, dentre outras (FIALHO, 2013, p.14).

61 (nota inserida por mim) A Armory Show foi iniciada como exposição em 17 de fevereiro a 15 de março de 1913

no 69thRegiment Armory na Lexington Avenue e na 25th Street. Foi chamada à exposição mais importante já realizada nos

Estados Unidos. Uma exposição impressionante de quase 1.400 objetos que incluiu obras americanas e europeias. Dentre os

presentes estavam Pablo Picasso, Henri Matisse, Marcel Duchamp, Paul Gauguin, Paul Cézanne e Vincent Van Gogh. Hoje,

com alta visibilidade no mercado de arte mundial, completa seus 25 anos de feira, oficialmente. Mais informações disponíveis

em http://armory.nyhistory.org/about/

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Décadas depois, o que temos hoje? Um mercado de arte com dinamismo, mas ainda nacionalista. Em

edição da Art Rio, por exemplo, alguns galeristas estrangeiros apontaram que os compradores brasileiros

só compravam obras de artistas brasileiros, acusando-os de bairristas (STOCCO, 2011). As galerias

brasileiras ainda têm curto alcance, uma baixa tradição unida a uma experiência limitada. Somos

objetos de um crescente interesse por parte dos operadores internacionais e as galerias de porte

internacional estão vindo se instalar no Brasil, não somente galerias, mas também filiais de grandes

instituições, como a Sotheby’s em 2015. Mesmo com essas dinâmicas, estamos na periferia do mercado

mundial de arte. O desenvolvimento recente do mercado de arte no Brasil produziu apenas uma melhoria

da nossa posição relativa na periferia desse mercado mundial (KORNIS, 2012).

Ao contrário das feiras/mercados de feirante que tem longa história no país, as feiras de arte no Brasil

foram a novidade dos primeiros anos do milénio. A SP Arte62, criada em 2005, a ArtRio63 em 2011, em

2015, a Stand Marketing Cultural e o promotor Nilso Farias, organizam a ArtBH64. Por sua vez, a feira

Parte65, com foco em arte contemporânea e novos talentos, é criada em 2011 e se desdobra na Art/BH em

2018. A FLAC66 (Feira Livre de Arte Contemporânea), de Belo Horizonte (MG), é produzida em 2017,

mas até agora não apresentou uma sequência/segunda edição. Outras feiras também estão surgindo no

62 https://www.sp-arte.com/ 63 http://artrio.art.br/ 64 https://estilominas.com.br/2015/05/29/primeira-feira-de-arte-moderna-e-contemporanea-mineira-foi-um-sucesso/ 65 https://www.feiraparte.com.br/sobre/ 66 http://flac.art.br/

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Brasil, objetivando outros públicos e métodos: A Outra Feira, por exemplo, é um evento itinerante que

acontece duas vezes ao ano aos finais de semana em espaços culturais da capital paulista desde 2016.

Esta feira recebe aproximadamente 50 artistas e, diferente das outras feiras, é o próprio artista quem

faz a mediação da venda e entra em contato direto com seu público67. Característica esta, corriqueira na

feira livre, onde os feirantes vendem o que produzem, dando a oportunidade do público negociar

diretamente com eles.

As duas maiores feiras do Brasil – SP Arte e ArtRio – reforçam a concentração artística e mercadológica

do país. Antecedem a estas feiras alguns salões, como o Salão da Hebraica Paulista (desde 1994), com

comercialização de diversos nichos, eclética, abarcando, inclusive, antiguidades. Atenho-me aqui,

especialmente, às duas primeiras feiras. São eventos que, desde a abertura, mantêm a constância de

suas edições, além de movimentarem o mercado brasileiro, terem abertura para internacionalização e

serem organizadas nos moldes de feiras internacionais.

Com o surgimento das feiras brasileiras, as galerias ganharam a oportunidade de se legitimar e ter um

espaço ao sol do mercado de arte. Algumas operam na feira apenas com o mercado primário, revelando

talentos e há as que levam também seu acervo, proveniente do mercado secundário. Segundo o relatório

da Pesquisa Setorial Latitude (2015), cerca de 40% das vendas das galerias brasileiras ocorreram nas

67 https://www.aoutrafeira.com/about

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feiras de arte. Todas as galerias entrevistadas participaram de feiras nacionais e/ou internacionais e a

média de feiras realizadas por galeria passou de 4,5 em 2013 para 5 em 201468. Para muitas galerias,

ficar de fora destes eventos pode causar impacto negativo, má visibilidade ou impressão de insucesso.

Além disso, é um momento de visibilidade e experiência para as galerias e seus agentes que querem

galgar participação em feiras internacionais. Com a junção de dezenas de galerias, museus, grandes

marcas, dentre outros, em um só lugar, a feira também aponta a formação e existência de um mercado

nacional, mesmo com suas defasagens; diga-se de passagem, as feiras de artes nacionais têm contribuído

para internacionalização da arte brasileira, ainda que com número mínimo de artistas. É o caso, por

exemplo, de nomes como Cildo Meireles, Tunga e Beatriz Milhazes69.

Mesmo contando com o aparecimento de feiras, bienais, criação de galerias, visibilidade de artistas, o

Brasil não ocupa o mercado de arte global. No Brasil, o mundo da arte contemporânea evoluiu

reproduzindo o modelo internacional, mas operando, em sua maioria, em âmbito nacional. O mercado

consolidou-se usando a produção contemporânea como fachada, mas realizando-se comercialmente

através da venda dos grandes nomes do modernismo brasileiro, fundados principalmente no eixo Rio–

São Paulo e que evoluíram em torno da arte local e de uma clientela também local (Bueno, 2005)70. O

68 Disponível em http://latitudebrasil.org/media/uploads/publicacoes/issuu/4-pesquisa-seto.pdf 69 https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/04/1758353-tela-de-beatriz-milhazes-e-vendida-por-r-16-milhoes-na-

abertura-da-sp-arte.shtml 70 Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69922005000200006&script=sci_abstract&tlng=pt

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que temos são artistas e trabalhos pontuais que se destacam em eventos internacionais, como leilões e

feiras.

Pela primeira vez na história, em 2013, o Brasil é citado nos relatórios internacionais sobre o mercado

de arte. No TEFAF Art Market Report (2013)71, produzido pela economista, especializada em Artes,

Clare McAndrew72, mensurou-se o mercado de arte brasileiro e sua representatividade em relação ao

mercado global. Em 2012, com aproximadamente € 455 milhões em vendas, o mercado brasileiro

corresponderia a 1% do volume do mercado de arte global. O poder de compra dos colecionadores no

Brasil teve crescimento notado mesmo diante do obstáculo de impostos e leis de regulamentação.

Segundo este relatório, um grande obstáculo no desenvolvimento internacional do mercado brasileiro

tem sido suas leis e, principalmente, regulamentações de importação, o que tornou muito difícil para as

galerias brasileiras a internacionalização e, para coleções públicas no Brasil, importar arte ou construir

coleções internacionais (TEFAF, 2013, p. 15). Diante disso, as feiras brasileiras, como a Sp Arte e ArtRio,

recebem isenção ou diminuição da carga tributária sobre as obras comercializadas durante os eventos.73

71 “The Global Art Market, with a focus on China and Brazil ” Disponível em: http://tbamf.org.uk/portfolio/the-tefaf-art-

market-report-2014-the-global-art-market-with-a-focus-on-the-us-and-china/ 72 Dr McAndrew é uma economista cultural especializada em artes, antiguidades e mercados de colecionáveis. Ela criou a

Arts Economics em 2005 para pesquisa e análise de mercado de arte, e trabalha com uma rede de consultores privados e

acadêmicos em diferentes regiões ao redor do mundo fornecendo serviços de pesquisa e consultoria para a arte global.

https://d2u3kfwd92fzu7.cloudfront.net/asset/pressreleases/The_Art_Market_2018_Press_Release-2.pdf

73Isenção de carga tributária sobre obras de arte disponível em: http://www.diaadiatributario.com.br/governador-isenta-de-

icms-obras-comercializadas-na-sp-arte-2016.html e/ou

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Voltando a esses dois principais eventos de arte, a SP Arte passa, em 2017, de feira de arte moderna e

contemporânea para Festival e é considerada a maior feira da América Latina74. Ampliando suas ações,

em 2017, este festival reúne lançamentos editoriais, debates, prêmios, bolsas e eventos pela cidade.

Tanto a SP Arte quanto a ArtRio são feiras recentes e foram criadas na expectativa de serem grandes

feiras de arte da América Latina, (re)afirmando o papel de suas cidades-sede – respectivamente São

Paulo e Rio de Janeiro – de polos culturais (STOCCO, 2011). No entanto, ambas apresentam suas

distinções e pontos em comum.

A SP Arte, criada por Fernanda Feitosa em 2005, vem acontecendo anualmente entre abril e maio no

pavilhão da Bienal de São Paulo, no parque do Ibirapuera. Em 2019, o pavilhão receberá a 15ª edição da

feira. A SP Art apresenta pioneirismo nesta forma de organizar feira de arte no Brasil. Somente em

2011, com a criação da ArtRio, o Brasil passa a ter duas feiras com moldes internacionais.

Por sua vez, a ArtRio, reconhecida como um dos principais eventos de arte da América Latina, abre sua

primeira feira em 2011 sob a coordenação do quarteto Brenda Valansi, Elisangela Valadares, Alexandre

Accioly e Luiz Calainho. A feira começa com um número alto de galerias internacionais, ultrapassando

o número da SP Arte, que contou com 40 galerias nacionais e uma galeria internacional75. As primeiras

http://www.fazenda.rj.gov.br/sefaz/faces/oracle/webcenter/portalapp/pages/navigation-

renderer.jspx?_afrLoop=11015864276170490&datasource=UCMServer%23dDocName%3AWCC297376&_adf.ctrl-

state=stfrj3znw_36 74 Mais informações no catálogo da Feira, disponível em https://www.sp-arte.com/a-feira/publicacoes/2017/ 75 Disponível em http://opiniaoenoticia.com.br/cultura/sp-arte-2012-feira-internacional-de-arte/

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edições aconteceram no Pier de Mauá, mas atualmente ocupam o espaço na Marina da Glória76. Sua

segunda edição dobrou de tamanho e recebeu 120 galerias, ocupando o total de 7 mil metros do Píer

Mauá, revitalizado especialmente para a feira. Entre os destaques internacionais, estava previsto

também um espaço na feira para as casas de leilões Sotheby’s e Christie’s77.

A ArtRio chegou em 2018 com oito programas. Dentre eles, atividades artísticas pedagógicas e prêmios.

Destaque para o programa MIRA78, com curadoria de David Gryn, que reuniu além de obras de videoarte,

música ao vivo do DJ inglês Max Reinhardt. Acredito que esse programa pode se tornar o nicho de

abertura para possíveis diálogos sobre arte tecnológica na feira e, esperançosamente, comercialização de

arte e tecnologia no Brasil. Há de se esperar que todos os avanços tecnológicos e as possíveis mudanças

na economia da Arte cheguem a estas instancias e encontrem guarita para desenvolverem-se. Fio da

meada nós temos (mesmo que poucos). Espera-se que há quem os puxe e borde essas novas tramas.

Outro programa da ArtRio foi o Brasil Contemporâneo, dedicado a artistas fora do eixo Rio – São Paulo,

com curadoria de Bernardo Mosqueira. O balanço feito em 2018 apontou ânimos positivos depois da crise

no país. Com um público de 48 mil pessoas, contra 45 mil em 2017, a ArtRio, aparentemente, conseguiu

superar a crise econômica e a tensão pré-eleitoral, consolidando sua presença na região em sua segunda

76 Disponível em http://www.timeout.com.br/rio-de-janeiro/arte/events/826/art-rio-2012 77 Disponível em http://colunas.revistaepoca.globo.com/brunoastuto/2012/05/29/a-artrio-feira-internacional-de-arte-

contemporanea-do-rio-de-janeiro-vai-dobar-de-tamanho/ 78 Disponível em http://artrio.art.br/noticias/projeto-mira

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edição fora do Cais do Porto. A avaliação vem tanto da organização quanto de galeristas, que registraram

boas vendas durante a feira e negócios futuros79.

A SP Arte também chegou em 2018 retomando crescimento nas vendas e apontou otimismo com a

participação de 132 galerias nacionais e internacionais de arte e de 33 expositores de design, entre

galerias e artistas independentes. Cerca de 34 mil pessoas passaram pelo Pavilhão da Bienal durante os

cinco dias de evento que reuniu mais de 160 expositores, aproximadamente 2 mil artistas e mais de 5

mil obras. “Todos os indicadores econômicos recentes já sinalizavam para uma recuperação da economia

brasileira. Iniciamos essa edição bastante otimistas e a nossa expectativa se confirmou: tivemos a

concretização de ótimos negócios e um volume de vendas superior ao dos dois últimos anos”, afirma

Fernanda Feitosa, diretora e idealizadora da SP-Arte80. A cada edição, os galeristas e feirantes se

apresentam motivados para mostra; mas, a realidade é que as feiras brasileiras não sobrevivem de

otimismo e são marcadas também por resistência às oscilações político-econômicas nacionais e mundiais.

Essas incertezas reverberam no crescimento lento e gradual das mesmas. No texto “Brazil’s art market

resists…”, o Artprice, em 2018, aponta que:

Em uma crise política e econômica, o Brasil passa por um período crítico. O país é

prejudicado por escândalos de corrupção e abalado por atos de violência. Este contexto

79 Disponível em https://oglobo.globo.com/cultura/artes-visuais/artrio-tem-publico-de-48-mil-avaliacao-positiva-de-

galeristas-23114813 80 Disponível em https://www.sp-arte.com/app/uploads/2018/04/sparte2018-release-balanco.pdf

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parece ter impactado o mercado de arte do país. A perda de confiança no mercado

interno pode ter sido exacerbada pela decisão do White Cube em 2015 de fechar sua

filial brasileira apenas alguns meses após o início do escândalo da Petrobras. No

entanto, os galeristas brasileiros não cederam ao pessimismo e até mesmo a White

Cube manteve contato com o Brasil através da feira de arte de São Paulo (SP Arte),

cuja última edição foi particularmente lucrativa para a galeria britânica. O mercado

de arte do Brasil está resistindo. Na SP-Arte - a maior feira de arte internacional da

América Latina - as grandes galerias internacionais presentes (incluindo David

Zwirner, Marian Goodman e White Cube) também geraram lucros consideráveis. As

vendas da feira mostraram bons resultados para grandes assinaturas internacionais

(incluindo Allan McCollum, Antony Gormley, Damien Hirst e Tracey Emin) e também

para artistas brasileiros. Um trabalho de Tunga arrecadou US $ 140.000, enquanto

vários trabalhos de Vik Muniza, Os Gêmeos, Carlito Carvalhosa, e artistas ainda mais

jovens, como Paulo Nimer PJota (1988) rapidamente encontraram

compradores. Representantes de instituições culturais também aproveitaram a feira

para agregar suas coleções: o Museu Reina Sofia de Madri comprou uma obra de Cildo

Meireles e a Fundação Dia em Nova York adquiriu uma escultura de Renata Lucas.81

Essas oscilações não foram somente a nível nacional, mas também internacionalmente, e suas raízes

possuem mais tempo do que se imagina. As grandes transformações que afetaram o mercado de arte

ocorreram num contexto instável desde os últimos 30 anos. A crise nos anos 90 e abalo econômico em

2001, devido aos atentados de 11 de setembro de 2001, e a crise econômica de 2008 acentuaram a

desaceleração da economia (QUEMIN, 2014). No Brasil, segundo a Pesquisa Setorial Latitude (2015), os

81 Disponível em https://www.artprice.com/artmarketinsight/brazils-art-market-resists?from=search

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principais obstáculos apontados pelas galerias no que se refere ao desenvolvimento do setor foram, em

ordem de importância: a instabilidade do país (22%), a carga tributária (19,5%), seguida da dificuldade

de acesso a colecionadores institucionais (17,1%)82. Consequentemente, estes pontos vividos pelas

galerias reverberam na participação e atuação nas feiras.

Por outro lado, em meio a essas oscilações econômico-político-sociais, em alguns momentos, o crescimento

econômico se deu – para ambas as feiras brasileiras – devido à negociação com o estado, que culminou

em um alívio fiscal durante as feiras, já citado aqui. Durante o evento, os impostos sobre as obras caem,

em média, de 50% para 15%. Assim, a maioria das transações financeiras é finalizada durante a feira

como forma de aproveitamento fiscal. Outro fator que auxilia nas vendas é o investimento em marketing.

As novas mídias sociais auxiliam diretamente na produção e marketing desses eventos, propagando as

suas diversas ações enquanto se alcança visibilidade. A propaganda, os contatos e o marketing utilizam

as novas tecnologias e essas ações são convertidas em público, visitas e possibilidade de comercialização.

Lembro aqui do mercado de feirante que, na contemporaneidade, também foi agitado pelas tecnologias

e essas, de certa forma, dilataram-no. O mesmo feirante que aguardava o freguês e possuía uma

quantidade específica de produtos, agora se move com maior facilidade na feira e comunica aos seus

fregueses sua rotina e chegada de mercadorias. A comunicação mediada por tecnologias tornou-se

intensa e rápida e os produtos já não faltam com tanta frequência, devido à rapidez na comunicação e

82 Disponível em http://www.latitudebrasil.org/publicacoes/

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troca. A banca agora tem página nas redes sociais e por lá a freguesia tira dúvidas e aprecia a mercadoria.

Na feira de arte, a comunicação, as redes sociais, e propagação na mídia são fatores importantes na

venda do “peixe”.

A localização e a estrutura também incidem sobre esses eventos. Para o público leigo e para a

comunidade artística em geral (estudantes, agentes, dentre outros), a SP Arte, por exemplo, é uma

oportunidade única de se ver vários artistas no mesmo lugar, mas que não costumam estar disponíveis

com facilidade, pela cidade. Siegel (2010, p. 107) reforça esse aspecto: “(...) as galerias acumulam também

a função de oferecer arte para a contemplação estética, que é tradicionalmente o papel do museu. A arte

mostra na galeria seus dois papéis: “símbolo de valores não comerciais (culturais) e também mercadoria”.

Por diversas vezes, encontrei na feira obras de artistas internacionais que não vemos com facilidade.

Outras vezes, entre os burburinhos do público, pessoas comentaram que tem a feira como lugar de

apreciação de arte e atualização sobre a cena artística do país.

Em relação aos interesses e resultados da SP Arte e Art Rio, vale salientar que ambas apresentam o

objetivo de constituir, fundamentar e manter aquecido o mercado de artes no país. Mas, enquanto a SP

Arte se volta para o incentivo a colecionadores, interação entre instituições e galerias, comercialização

de Artes plásticas, a Art Rio promove ações para formação e extensão de seu público, democratizando o

acesso à arte, abrindo novas plateias. Nota-se isto no número de visitantes que algumas vezes superaram

a SP Arte (como em 2018, por exemplo). A Art Rio também investe em ações como as diversas atividades

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artísticas e pedagógicas em parceria com ONGs cariocas que ampliam o acesso de crianças e adultos à

cultura e à arte. Essas atividades auxiliam na construção e educação de novos públicos que convergirá

não só para o crescimento e visibilidade do evento, mas também para disseminação de arte na cidade.

Sobre as duas feiras e seus resultados, Daniela Stocco (2011) destaca que

A ArtRio, em sua primeira edição, foi de longe mais exitosa que qualquer edição da

SP Arte; entretanto, sem o caminho anteriormente trilhado pela feira paulistana,

muito provavelmente galeristas, colecionadores e outros que circulam pelo mercado

de arte, e mesmo seus patrocinadores não teriam a confiança necessária para

participar e investir na feira. De certa forma, elas podem ser vistas como

complementares. A SP Arte permitiu indiretamente que a Arte Rio pudesse acontecer;

o sucesso da Art Rio pode ser um fator de risco para a SP Arte, mas também pode

apresentar novos desafios e novos conceitos, além de contribuir para um montante

maior de vendas, implementado por sua vez pela confiança no mercado respaldada

pela Art Rio (STOCCO, 2011)83.

Ambas as feiras possuem suas singularidades e experiências. Possuem também desafios e pontos para

perfazer. Mesmo com o sistema econômico cobrando ponderações, desdobramentos também trariam

atualizações para as feiras, como, por exemplo, abertura para diálogos com outros nichos, como a arte e

tecnologia e a educação, por exemplo. A Artíssima (Turim), por exemplo, lançou em 2018 uma área de

expansão da feira, com uma seção dedicada a obras sonoras. Cerca de 15 instalações sonoras, com

83 Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=3792127

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curadoria de Yann Chateigné Tytelman e Nicola Ricciardi 84. Essas ações apontam uma feira voltada

para um viés curatorial que não está preocupado apenas com a demanda de oferta e procura, mas em

apresentar também trabalhos curados e desafiadores para o mercado. Os colecionadores se atualizam

com essas novidades e com essas ações, as feiras iniciam um processo educacional em relação a esse

nicho. Afinal, se o público não vê, como assimilar, contemplar, digerir e consumir? Outro ponto seria

incentivo à entrada de novas galerias nacionais e internacionais, com diminuição dos encargos para

participação. A SP Arte, por exemplo, já foi considerada uma das feiras que tem os encargos mais caros

do mundo. O valor do m² para os expositores galeristas já chegou a US$ 620. Na mesma época, a

disputada feira de Londres, Frieze Art, custava em média US$ 470 e a de Basel na Suíça (a maior do

mundo) por volta de US$ 51485.

Além das burocracias e altos custos destas plataformas e suas configurações, somos cercados pelo receio

de inovar como, por exemplo, inserir linguagens tecnológicas e/ou arte híbrida junto aos nichos

tradicionais. Há de se lembrar, ainda, de certa preocupação e cautela que ronda os agentes em relação à

procura do público. Uma procura que ainda opta por linguagens tradicionais e não ousa diversificar sua

coleção e adesões diante de uma oferta que também opta por nichos específicos visando manter

transações com esta procura. Diante do sistema econômico proposto, é clara a necessidade de considerar

demandas, ofertas e procuras quando se trata de comercialização de arte. Mas esta mesma dinâmica

84 Disponível em https://news.artnet.com/market/artissima-2018-1386148 85 Disponível em http://opiniaoenoticia.com.br/cultura/sp-arte-2012-feira-internacional-de-arte/

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também exige diversificação e inovação do conteúdo e das práticas comerciais, tanto para renovação do

mercado de arte quanto para permanente atualização destas plataformas (principalmente em relação ao

seu conteúdo). Presente aqui, a “faca de dois gumes” do mercado de feirante: de um lado o mercado

consolidado e confortável por nichos específicos e, do outro, práticas artísticas inovadoras despontando

no sistema artístico e mercadológico.

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Seção 3 | Mercado de Arte e Tecnologia?

mercado: campo, cidade, vastidão, elite, administração, dinheiro, valor, trabalho, instituições, produção,

redes, oferta, irrigação, galerias, agentes, público, comércio, arte, economia, caminhos, costumes,

serviços, nebulosidade, coleção, oportunidade, (in)certezas, leilões, feiras, transações, poder, troca,

petróleo, queda, investimento, inflação, pesquisa, concorrência

arte e tecnologia: caminhos, campo, computador, cidade, cor, obras, virtual, dinheiro, projeções, digital,

público, interatividade, eletrônico, diverso, fios, energia, (in)certezas, galerias, coletivo, propaganda,

sensores, poética, programação, pesquisa, luz, desdobramento, exposição, software, técnica, hibridez,

espetacularização, imagens, efêmero, links, valor, clic’s, botões

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Figura 27. A feira na feira. (SP Arte). Fotografia, 2016. Acervo pessoal.

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Caminhada em fluxo. Segue a visita.

Avisto luzes, um amontoado de neon. Obra ligada. Tecnologia. Deveras. Logo à frente, obra de Alê Jordão,

“Playlist supermarkettrolley” (2015), neon e carrinho de supermercado. Ao fundo, o Coletivo Bijari

“Praças (Im)possíveis #01” (2015). Arte-móvel–estrutura-híbrida (bicicleta/mobiliário urbano). De frente

para o carrinho de compras – um bom símbolo do mercado –, observo a bicicleta utilizada por muitos

feirantes de rua. Ambos da feira/mercados, na maior feira de arte da América Latina. Encontro de

padrões dos mercados e das feiras dentro de um cubo chamado galeria. Sentei para digerir enquanto

ouvia sobre o foco da galeria86: arte urbana e novas linguagens contemporâneas. Contato limitado.

Respostas curtas sobre a questão carregada por toda a feira “a existência ou não de um mercado de arte

e tecnologia”.

86 https://www.choquecultural.com.br/pt/

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Figura 28 (detalhe). A vida, o mundo e as escolhas de Philippe Delarbre, Sayat, Puy-de-Dôme, France.

Rosangela Rennó. (SP Arte). Arquivo pessoal.

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Figura 29. A vida, o mundo e as escolhas de Philippe Delarbre, Sayat Puy-de-Dôme, France.

Rosangela Rennó. (SP Arte). Arquivo pessoal.

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Ergue-se a caminhada novamente.

Subo mais um pouco e encontro uma projeção de imagens instalada. Estou frente à obra da artista

Rosangela Rennó “A vida, o mundo e as escolhas de Philippe Delarbre, Sayat, Puy-de-Dôme, France - da

série Imagem de sobrevivência”87. O leve barulhinho da máquina passando os slides indica tecnologia

Low Tech. Algumas imagens já estão “estouradas pela luz, perdendo suas nuances e tons”. A obra é

construída a partir de várias coleções de diapositivos adquiridos em diversos mercados de pulgas e feiras

de artigos de segunda mão, em vários países. A estrutura expõe 4 projetores do tipo Kodak Carousel, que

projetam as imagens em transparência, simultaneamente, sobrepondo-as. O resultado é uma projeção

múltipla, que ao longo do tempo se modifica constantemente, sem jamais se repetir, até que a luz dos

projetores a consumam totalmente, para que sejam substituídas por outras.

Permaneci olhando as sobreposições das imagens projetadas na parede e considerei a passagem de slide

lenta. Claro, os passos acelerados para conhecer mais stands e a ânsia por encontrar arte e tecnologia

deixaram os sentidos frenéticos. Ri dessa pressa descabida e degustei a projeção esperando o seu tempo.

Enquanto isso os ouvidos marcavam o momento da passagem dos slides.

Os diapositivos são fruto de uma tecnologia popularizada entre as décadas de 1950 e 1980; então, tornada

87 Disponível em http://www.rosangelarenno.com.br/obras/about/62

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obsoleta e hoje, praticamente, inexistente. São signos de uma época em que o ato de ver imagens era um

hábito social, compartilhado com a família e os amigos. Contemplar o lazer, o ócio ativo, o verão, a quebra

da rotina, a aventura, a paisagem, a viagem; são imagens dotadas de um dinamismo intrínseco, mas

latente, que difere daquelas contidas no álbum de família, sempre disponível, mas de forma intimista

(Rennó, 2015).

A observação dos diapositivos trouxe à minha mente questões relacionadas à obsolescência,

relembrando-me sobre questões que a rodeiam e que são temas em diversas conversas a respeito da arte

e tecnologia. Pensei também sobre as datações que resumem os processos artísticos a um recorte de

tempo, e no caso da arte e tecnologia um recorte aparentemente menor. Ou deverias nascer já datadas e

com seus artefatos destinados a ruir? Depende, ora (Haja feira/mercado de feirante para tanta questão).

Esses slides têm um pouco mais de cinco décadas de existência e lá se vão para o grupo de tecnologias

obsoletas. Já? Sim, já. Torna-se também mais raro no mercado e provavelmente um fetiche para

interessados. Estamos em tempos que o tempo de passagem de slides é considerado longo, como foi para

mim. Tempos onde as obras levam menos tempo “incubadas” para agregarem valor, onde os clics geram

mais visibilidade do que a visita presencial e onde a contemplação minuciosa de álbuns e fotografias

intimistas é substituída por uma rolagem frenética de telas. Sinto que a obsolescência assusta alguns,

mas, dependendo do contexto, ela é exaltada e aguardada para que haja a chegada do tão desejado “novo”.

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(Eu tive pressa). Na feira, a pressa por negócios é estimulada pelos tempos tecnológicos, e torna-se hábito

rotineiro. Mas é outra pressa: um encurtador do tempo/condensador de ações. Ansiedade pela negociação,

recepção de público, registros, trocas, manchetes, investimentos. Horários, visibilidade. Condensa-se

contatos, transações, resultados, dinheiro e arte em cinco dias. Lembro-me aqui do já citado Thompson

(2012), quando diz que a feira é o melhor exemplo da pior maneira de ver arte. Lembrando-me disso,

volto à realidade e lembro que tudo aquilo tem outra perspectiva e finalidade, que, provavelmente, não

é pensar na qualidade da minha contemplação. Sorrio e fico ali olhando, uma projeção de slide – marcada

por outro tempo – que celebra, ao mesmo tempo, o compartilhamento e contemplação.

Mas há também lá suas vagarosidades. É nítida a resistência para diálogos sobre arte e tecnologia. Em

nome da lei da oferta e da procura, apresenta-se larga escala do mesmo nicho, reforçando a ideia que se

oferta aquilo que o público pede e quer ver. Morosidade em desafiar o contexto, o lugar e seu tempo.

Tempos em que novas tecnologias, artistas e criatividade convergem (aliás, o artista vive disposto a

usar/experimentar as ferramentas do seu tempo). Lentidão para galgar novos desafios porque o

“mercado” ainda considera tudo ‘muito novo’ – e o novo assusta, diga-se de passagem. Lentidão na

acessibilidade, na democratização da arte, apresentando-se para outros públicos; e, para o público

consolidado, outras artes/processos artísticos.

“Calma, moça! Porque mal começamos e as pernas do mercado de arte brasileiro já passaram por corridas

e quedas”. Ouço isso, pensando cá comigo: que coisa! ...somos um mercado jovem provinciano, deitado

em berço esplêndido, fitados no celular.

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Em meio a esse pensar, avisto os agentes responsáveis pela galeria. Deixo a obra e, com a distância, o

som dos slides vai partindo. Atravesso o espaço e pauso novamente para conversas e questões.

Atenciosos, me recebem com sorriso e disposição para conversa na galeria Vermelho.

Apresento-me e sou recebida por dois agentes da galeria. Pós-conversas introdutórias, conto meu objeto

de pesquisa e pergunto se há abertura e, se sim, como eles veem a inserção da arte e tecnologia no

mercado de arte. A resposta aponta o mercado internacional: nos países centrais estamos vendo isso com

mais força e dinamismo. Mas, você vê arte e tecnologia (como projeção mapeada, por exemplo), no

mercado de arte? Você daria uma porcentagem? Então...não saberia dar uma porcentagem. Há feiras

mais específicas, como em Barcelona por exemplo. O número de filmes, longas, cresceu. A nossa galeria,

inaugura uma sala de cinema. Mas o número de galeria com essas linguagens, ainda é menor. Em

momentos de crise, as galerias arriscam menos.

Dentre as expressões mais escutadas, vez ou outra esta aparece: “arriscam menos”. Já nas minhas

primeiras conversas na feira, percebi o quanto – para muitos – a arte e tecnologia chega com essa carga

de risco. Aquela que pode ser compreendida como a arte que apresenta dubiedade, novidades bruscas,

artefatos muito novos com alta complexidade. Mas há outras linguagens contemporâneas que também

apresentam mutabilidade em seus artefatos e mesmo assim são vistas nas feiras, não?! (Instalações, por

exemplo). Ok. Sim. Mas as tecnologias apresentam comportamentos particulares. A interatividade, a

conectividade, a imersão, o tempo real, a variabilidade, são alguns deles. Esses muitos comportamentos

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alteraram as relações com a obra e óbvio que questões de valores e preços também. Imagine alguém que

quantificava o material, a técnica, o tamanho e até as cores e agora, além disso, passa a precificar sua

complexidade, conectividade, etc.? É... por essas e outras observações que tecer diálogos entre mercado

e arte e tecnologia seria o início para desmistificar as possíveis zonas cinzas sobre essas esferas, além de

trazer à tona novas possibilidades de comercialização e financiamentos para ambos.

A conversa se prolongou por mais um tempo perpassando os interessantes projetos e obras da galeria.

Como o som dos slides, que foi-se exaurindo, pifou-se o tempo e segui a olhar as outras obras, mas já

pensando na hora de caminhar também pelo mercado de feirante. Sempre tive a sensação de que lá

degusto melhor sobre cá.

Primeiro dia, aquela imersão bastava. Porta a fora, trânsito. O caminho indica alguns minutos do

mercado/feira de feirantes. Enquanto o caminho vai se fazendo, vou pensando.

Avisto agora outra feira. As caixas na entrada apontam descarregamento de itens. O pedido para que

não batam uma caixa na outra devido à “sensibilidade dos frutos” soa no mesmo tom de “cuidado com as

obras”, ouvido na outra feira. Obras estas, fruto das ideias, poéticas, artefatos, pincéis, tempo, processos

dos artistas. Frutos, verduras, trabalhos clássicos ou contemporâneos dentro do mesmo material: caixas

de madeira. Ambos serão degustados, ou servirão ao status decor, fetiches da cidade dentro de inúmeras

casas.

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As obras de arte e tecnologia também chegam em suas respectivas caixas, em segurança. Quando

expostas, algumas vezes, não exigem proteção ao toque do público e, inversamente, admitem e

necessitam de interação, a fim de obter uma apresentação e propósito completo. São frutos, artefatos à

espera do toque e da apreciação. Na galeria ou na banca – em alguns momentos – encontramos frutos

abertos à espera de degustação ao alcance do público.

O feirante pode ser o dono da banca, o mediador da venda, o apresentador dos produtos. Alguns propõem

degustação, convencem o público. Sorrisos à clientela apresentam a confiança do que se comercializa.

Expressões como “pode pegar”, “fique à vontade”, “experimente”, “vamos levar?”, são as mais ouvidas: há

um alfabeto específico das feiras de feirantes. Lembro que, na feira de arte, algumas destas cenas se

repetem: frutos criativos expostos e seus mediadores a cruzar o espaço, apresentando-os discretamente.

Ao degustar uma fruta-híbrida e perguntar sobre sua classificação, o feirante sorri e diz que pode ser

cajá-manga, mas também manga-cajá. “Oh moça, depende de qual das frutas tu sente mais o gosto

(risos)”. As poucas, obras de arte e tecnologia que avistei na feira usavam as vias tradicionais de

exposição: nas paredes ao lado das telas, no teto ou no piso, como as esculturas. Algumas não pertencem

apenas a uma linguagem ou técnica específica. Não são quadros, nem peças utilitárias e, por não

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pertencerem a uma única categoria, são considerados não objetos88. Para mim, lembrança nítida do cajá-

manga. Diversa.

88 como por exemplo, as primeiras obras cinéticas (1951) do artista Abraham Palatnik.

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3. 1 | Arte & tecnologia e o Mercado de arte: contexto

Assim como o mercado de arte experimenta dissenções em suas configurações, a arte & tecnologia

também possui suas fricções a respeito de suas origens, configurações e nomenclaturas. Além disso, para

ambas as vertentes, é preciso levar em consideração fatores econômicos, sociais, geográficos e políticos

do país. Pensando sobre isso, é possível observar aproximações destas vertentes em suas origens e

construções?! Proponho aqui breves apontamentos, paralelos, sobre os caminhos construídos por estas

vertentes – mercado e arte e tecnologia – no Brasil.

Para alguns, a arte & tecnologia nasce no ambiente da videoarte, com as primeiras experiências do

alemão Wolf Vostell e do coreano Nam June Paik. A videoarte se estabelece no início dos anos 60, mas

há registros do húngaro-americano Ernie Kovacs, desde o início dos anos de 1950, dirigindo e

interpretando programas fulminantemente inventivos nos EUA, conhecidos depois como

desconstrutivos: dissociação entre imagem e som, desmistificação das técnicas ilusionistas, constante

referência à televisão como dispositivo (MACHADO, 2007, p. 28). Na mesma década, no Brasil, Abraham

Palatnik compõe os aparelhos cinecromáticos com seus pequenos motores. No primeiro momento,

inclassificáveis, são chamados de não objetos, abrindo o debate sobre esse nicho e tornando o artista o

percussor da arte cinética no país (OSÓRIO, 2004). Alguns artistas surgem por meios populares como a

TV, outros pelas vias das galerias e salões, mas todos com uma característica em comum: a

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experimentação a partir de novos meios de sua época. Diferente do processo de adesão de feiras de arte,

a arte & tecnologia no Brasil não se deu tardiamente. Arlindo Machado (2007) destaca que as poéticas

tecnológicas se definiram muito rapidamente com duas características marcantes:

1) Sintonia e sincronia com o que estava sendo produzido fora do Brasil, o que dava

aos brasileiros uma condição de atualidade, quando não até mesmo de precocidade

em alguns casos específicos; 2) ao mesmo tempo e paradoxalmente, um certa

diferença de abordagem, motivada principalmente pelo veio crítico de boa parte

dos trabalhos, fruto do enfrentamento de uma ditadura militar, o que tornava as

obras um tanto distintas em relação ao que se fazia no exterior (MACHADO, 2007,

p. 50).

O autor também indaga sobre estarmos entre os poucos países da América Latina a atingir certo patamar

de experiências com arte tecnológica. Desde cedo, o país contou com a inserção do computador que logo

fazia parte de criações artísticas. A poesia concreta abriu espaço, na década de 70, para as primeiras

poesias geradas por computador, tal como foi concebida por Erthos Albino de Souza (MACHADO, 2007).

Também em 1970, iniciaram os experimentos no Mac/USP. Waldemar Cordeiro (1925-1973), percussor

de poéticas e pesquisas teóricas na área, começou a trabalhar com computadores no Centro de

Processamento de Imagens da Unicamp e realizou, em 1971, em São Paulo, a mostra Arteônica – O Uso

Criativo dos Meios Eletrônicos em Arte89. Já em 1973, Aracy Amaral foi responsável por organizar para

89 ARTE Tecnológica. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2019.

Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3907/arte-tecnologica

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a firma Grife, de São Paulo, a mostra Expoprojeção, com audiovisuais, filmes super-8 e discos de 42

artistas brasileiros90.

Observando o histórico do mercado de arte no Brasil, concluo que, nesta época, tanto o mercado quanto

a arte & tecnologia estavam em margens diferentes do rio. Enquanto exposições importantes, como

Arteônica, internacionalizava a produção brasileira, o mercado de arte, com foco nacionalista, estava

aflorando por meio de três galerias, todas no Rio de Janeiro. Como destaca Bulhões (2007):

[...] Bonino, a Petite Galerie e a Relevo. Inaugurada em 1960, a galeria Bonino

introduziu, em um meio artístico ainda incipiente, a experiência de marchands

argentinos. Conforme palavras da proprietária: “Nós trazíamos know how de Buenos

Aires, aqui o mercado era fraco, quase inexistente. Havia algumas galerias, mas

nenhuma se dedicava exclusivamente a isso”. O prestígio e a influência da galeria

Bonino foram enormes ao longo das décadas de 60 e 70. Franco Terranova foi uma das

personalidades mais atuantes nos anos 60, com a Petite Galerie, no Rio de Janeiro,

adquirida em 54, e com a inauguração, em 1962, de uma filial em São Paulo. A Petite

Galerie dinamizou o meio de arte, organizando importantes eventos. Jean Boghici,

responsável pela criação, em 1960, da Galeria Relevo, no Rio de Janeiro, desenvolveu

90 Foi o primeiro levantamento que se fez no Brasil da produção artística com essas novas mídias. Entre os participantes estão

Antonio Dias (1944), Antonio Manuel (1947), Artur Barrio (1945), Carlos Vergara (1941), Cildo Meireles (1948), Décio

Pignatari (1927-2012), Frederico Morais (1936), Hélio Oiticica (1937-1980), Iole de Freitas (1945), Luiz Alphonsus (1948),

Marcello Nitsche (1942), Mario Cravo Neto (1947), Olívio Tavares de Araújo, Raymundo Colares (1944-1986) e Rubens

Gerchman (1942 - 2008). Disponível em http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3907/arte-tecnologica

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uma ação destacada na difusão das novas tendências estéticas, principalmente pelo

apoio dado aos jovens da vanguarda carioca.91

Nota-se a existência desde cedo, de uma concentração econômica e artística nos polos Rio – São Paulo,

tanto para artistas-tecnólogos quanto para o mercado de arte por meio das galerias. Os eventos de arte

& tecnologia aparecem isolados e não possuem força para competir com a legitimação e difusão da arte

contemporânea nas galerias, principalmente porque as tecnologias eram consideradas estranhas e até

indesejáveis nesses contextos.

Na década de 80, os computadores chegam para uso pessoal nos países desenvolvidos, alavancando o

acesso à digitalização e CD-ROM, por exemplo (MACHADO, 2017). Santaella (2003) também aponta que

é por volta do início dos anos 80 que começaram a intensificar os encontros entre linguagens e meios,

misturas essas que funcionam como um multiplicador de mídias.

Ao mesmo tempo, novas sementes começaram a brotar no campo das mídias com o

surgimento de equipamentos e dispositivos que possibilitaram o aparecimento de uma

cultura do disponível e do transitório: fotocopiadoras, videocassetes e aparelhos para

gravação de vídeos, equipamentos do tipo walkman, acompanhados de uma

remarcável indústria de vídeo clips e vídeo games, juntamente com a expansiva

91 Disponível em https://www.ufrgs.br/artereflexoes/site/2007/08/07/capitulo-antigas-ausencias-novas-presencas-o-mercado-no-circuito-

das-artes-visuais/

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indústria de filmes em vídeo para serem alugados nas videolocadoras, tudo isso

culminando no surgimento da TV a cabo92.

O surgimento dessas novas mídias e o aparecimento da cultura do disponível e do transitório são aliados

aos desdobramentos de muitas linguagens, apresentando produções, gêneros e técnicas híbridas. Já no

final dos anos 1980, o termo “hibridismo” tornou-se palavra-chave para caracterizar as sociedades

contemporâneas, especialmente as latino-americanas. Depois da explosão das redes planetárias de

comunicação e da WWW (World Wide Web), o uso das palavras “hibridismo”, “híbrido” e “hibridização”

ou “hibridação”93 aparecem referindo-se à convergência e mistura de linguagens (SANTAELLA, 2008).

Enquanto esse contexto de produções híbridas aflorava, o mercado de arte no Brasil caminhava com foco

na arte moderna – em especial, a pintura – com leilões e galerias pontuais nas capitais. Os leilões eram

destinados às elites, enriquecidos pelo processo de acumulação. Esses leilões eram eventos considerados

status sociais que recebiam lucros dos monopólios, que por sua vez se legitimavam por meio do consumo

de arte. Por volta de 1984, a tão conhecida Geração 80, que marcou consideravelmente a produção de

arte brasileira nesta década, surge com uma série de exposições com foco em ruptura e inovação

92 Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/3229 93 Em minha dissertação denominada “Pintura Híbrida: processos criativos com pintura e projeção mapeada (2014), eu trato sobre esses

termos (além de mestiçagem) e os apresento sobre a ótica de Canclini (2008), Gruzinsky (2011), Macluhan (1969), Santaella (2008), Vargas (2004), Cattani (2007) e Narloch (2007). Disponível em: http://repositorio.unb.br/handle/10482/17109

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(BULHÕES, 2007). Observa-se aqui, um contexto em que os artistas debruçaram sobre os

desdobramentos das linguagens e experimentações que transbordavam as técnicas tradicionais.

Enquanto as pesquisas e eventos em arte & tecnologia cresciam, principalmente em São Paulo e Rio de

Janeiro94, inicia-se uma espécie de dinamização do mercado de arte brasileiro, emergindo galerias e

estabelecendo articulações em diversos estados, como: Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Goiás, Bahia e

muitos outros.

Essas foram inovações bastante significativas, pois, pela primeira vez, configuraram-

se certos mercados regionais de arte moderna no país. Entretanto, essa articulação foi

e continua sendo bastante frágil, embora a hegemonia do eixo Rio-São Paulo tenha se

mantido preponderante no circuito nacional. Nos anos 80 destacaram-se marchands

que se dedicaram à difusão dessa produção emergente, como, por exemplo, Thomas

Cohn, no Rio de Janeiro, Paulo Figueiredo, João Sattamini, Luisa Strina e Regina

Boni, em São Paulo (BULHÕES, 2007).

A fragilidade das articulações nas artes em outros estados brasileiros e a hegemonia do eixo Rio-São

Paulo, apontadas pela autora, continuam reverberando. Belo Horizonte (MG), por exemplo, ainda não

legitimou uma feira de arte com agenda anual. Como já citado aqui, teve sua primeira edição em 2015 e

94 Em 1981, a 16ª Bienal de São Paulo, monta uma sala especial de âmbito internacional sobre arte postal, com curadoria de

Júlio Plaza e apresentação de Walter Zanini. Este define a mail art como uma atividade processual que evidencia o fenômeno

de desmaterialização da arte. Outro evento desta década foi uma das exposições abrangentes de arte tecnológica que Júlio

Plaza organizou para o MAC/USP, em setembro de 1985.

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outra mostra em 2018. Ao mesmo tempo em que o eixo Rio-São Paulo mantém, anualmente, as duas

principais feiras do país.

A década de 1990, por sua vez, trouxe para a arte & tecnologia o surgimento de mais polos de pesquisa

na área. Brasília, por exemplo, inicia suas pesquisas neste nicho, em 1991, pela Universidade de Brasília

(UnB)95. Suponho que este seja um dos paradoxos que rodeiam a arte & tecnologia no país: ao mesmo

tempo em que o meio universitário a fortaleceu, legitimando-a principalmente por meio de pesquisas,

esses mesmos espaços são vistos como burocráticos e distantes do público. Ao convidar o público para

exposição de Arte & tecnologia96, ouvi por diversas vezes, de outros pesquisadores, que a arte produzida

na Universidade é de difícil acesso intelectual. Sobre esse ponto, seria interessante pensar em meios que

abaixem os muros entre as pesquisas e poéticas em arte & tecnologia e o público: pensar sobre as diversas

maneiras de divulgação, tradução e mediação por exemplo.

Voltando à década de 90, para a arte & tecnologia, os ventos sopravam a favor com a expansão de

linguagens como a videoarte, computer art, computer music, art-comunicação, holografia, poesia

intersemiótica e interseção arte-ciência, aliviados das tensões no campo político, dando continuidade aos

princípios dos pioneiros, fazendo expandir as diversas experiências na área, abarcando quase todo o

95 Organizado pela artista e pesquisadora Suzete Venturelli, Brasília (DF) sedia o Encontro Internacional de Arte e Tecnologia

(#ART), que em 2019 chega a sua 18ª edição. 96 Exposição Reconvexo Intinerante – BSB na Caixa Cultural. Catálogo disponível em http://www.youblisher.com/p/1212773-

Catalogo-Reconvexo-Itinerante-BSB e Exposição EmMeio#10, realizada no Museu Nacional de Brasília, junto ao #17.ART.

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universo das poéticas tecnológicas (MACHADO, 2007). As hibridizações e reconfigurações nas artes

expostas pelas poéticas tecnológicas também continuavam a todo vapor, como na década de 80.

Cabe pensar no caráter antropofágico da arte produzida com as novas mídias a partir

dos anos 90 no Brasil. Os artistas que dela fazem parte não apenas se apropriam de

experiências relacionadas aos ambientes tecnológicos, como também os reconfiguram

sob a forma de diálogos intertextuais: transformam estes ambientes em proposições

poéticas inusitadas. Nesta direção, há a expansão do imaginário por meio das

tecnologias videográficas, do computador, da internet, da realidade virtual, das redes

de comunicação móveis, da inteligência artificial e da engenharia genética (MELLO,

2005)97.

Os artistas e pesquisadores pioneiros na arte & tecnologia chegam à década de 90 apresentando

trabalhos que se tornaram base para tantos outros, além de apontar possíveis reconfigurações para a

produção e comercialização de arte. Júlio Plaza, por exemplo, dedica-se às imagens digitais, revisitando

os temas explorados na década anterior como o videotexto e a holografia, adaptando-os ao novo contexto

digital98. Seu campo de ação foi em torno do videotexto, dos painéis eletrônicos, da sky art, da holografia,

das imagens digitais e da interatividade e teve forte presença no Brasil, tanto como artista quanto como

crítico, além de um relevante trabalho teórico e curatorial em torno das linguagens eletrônico-digitais.

Ele realizou também uma série de experiências pioneiras no Brasil em contextos interativos e

97 Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-53202005000100009 98 Biografia do artista/pesquisador disponível em http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa3438/julio-plaza

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telemáticos e foi uma das presenças mais estimulantes e investigativas no decorrer dos anos 80 e 90

(MELLO, 2005). Percursos como o de Plaza podem ser observados também em artistas como

Philadelpho Menezes, Diana Domingues, Regina Silveira, Eduardo Kac, Gilbertto

Prado, Silvia Laurentiz, Suzete Venturelli, Tânia Fraga, Artur Matuck, André

Parente, Kátia Maciel, Analívia Cordeiro, o grupo SCIArts (Fernando Fogliano,

Milton Sogabe, Renato Hildebrand e Rosangella Leote) e o Poéticas Digitais (ECA-

USP), Daniela Kutschat e Rejane Cantoni, entre outros. Estes criadores dialogam, no

âmbito científico, com abordagens experimentais para as linguagens tecnológicas e

inserem seus trabalhos no campo da invenção em novas mídias (MELLO, 2005).

Já para o mercado de arte, a crise econômica dos anos 90, com as restrições impostas ao mercado interno,

fizeram as galerias recuarem e outras fecharem seus trabalhos. Até então, em sua maioria com foco

nacionalista, passam a repensar a ausência da arte brasileira no mercado internacional, observado até

então. O ditado “na crise que se tem boas ideias” foi bem executado com as galerias repensando seus

métodos diante das crises do mercado:

Um novo tipo de atuação passou a ser conduzida por alguns galeristas, como Luiza

Strina, Thomas Cohn e Camargo Vilaça, esta última criada bem mais recentemente

(1992). Eles buscavam adequar-se às novas regras da globalização, trabalhando em

regime de exclusividade, com um número restrito de artistas e investindo basicamente

no seu reconhecimento. A galeria Camargo Vilaça, por exemplo, aparece como um

novo fenômeno, dispondo de hype em jornais, adotando o sistema de crediário ao

negociar com museus, produzindo catálogos e eventos, atuando declaradamente no

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sentido de construir uma inserção internacional para seus artistas. Com uma visão

política do circuito internacional da arte, fez bloco com latino-americanos

contemporâneos na difusão internacional de seus artistas (BULHÕES, 2007).

Como parte das estratégias das galerias brasileiras, os galeristas passaram a investir na participação

de feiras internacionais. Exemplo disso é a participação (1992) de Luisa Strina na Feira de Basel e a

designação de Marcantônio Vilaça, em 1999, como conselheiro dessa conceituada feira. A presença,

mesmo que em doses pequenas, dessas e de outras galerias brasileiras nas feiras internacionais, tais

como a ARCO e a FIAC, mostram o empenho em participar destes circuitos por parte de muitos

marchands locais (BULHÕES, 2007).

A essa altura do campeonato, a Art Basel, considerada a maior feira, já passa de seus 20 anos e dita

muitas das configurações para o mercado de arte mundial. Na década de 90, a Basel também lança o

setor de Art Film, dedicado a filmes de e sobre artistas99. No Brasil, em São Paulo, surge por volta de

1994 o Salão de Arte e Antiguidades do clube A Hebraica, que até hoje tem edições anuais e comercializa

tanto obras de arte quanto antiguidades num formato bem diferente das feiras de arte contemporânea

internacionais (STOCCO, 2011). O mercado de arte brasileiro só veio a receber uma feira de arte nos

padrões internacionais praticamente mais de uma década depois do surgimento do Salão.

99 Disponível em: https://www.artbasel.com/about/history

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Adentrando ao século XXI, as novas tecnologias receberam mais espaço por meio da presença

indissociável da internet no cotidiano, nos muitos modos de captação e circulação das mídias e também

como meio para produção artística. Essas dinâmicas foram sinônimas da popularização dos meios

digitais no Brasil. Mesmo com oscilações econômicas no país, as pesquisas se mantiveram e muitas

culminaram em eventos específicos para a área de arte & tecnologia. Além disso, destacam-se inúmeros

festivais, evidenciando ainda mais o caráter evolutivo da vertente no país. Em sua importante pesquisa

sobre a arte digital no Brasil, Débora Aita Gasparetto (2014) apresenta um levantamento desses festivais

apontando a variedade de eventos que tivemos no país desde o ano 2000:

Tivemos o FILE - Festival Internacional de Linguagem Eletrônica (2000 -, São Paulo

e descentralizado), o Emoção Art.ficial - Bienal Internacional de Arte e Tecnologia do

Itaú Cultural (2002-2012, São Paulo), o #. ART - Encontro Internacional de Arte e

Tecnologia, desde 1989, mas anualmente a partir de 2007, em Brasília, o On_Off

(2005-, São Paulo), o Vivo Arte.Mov (2006-2012, Belo Horizonte e descentralizado), o

Simpósio de Arte Contemporânea PPGART/UFSM que em diversas edições esteve

direcionado à arte e tecnologia (2006-, Santa Maria) e que em 2014 traz o FACTORS

1.0 - Festival de Arte Ciência e Tecnologia do RS, o FAD - Festival de Arte Digital

(2007-, Belo Horizonte), a Mlc Mostra Live Cinema (2007-, Rio de Janeiro), o FAM -

Festival Internacional de Arte e Mídia (2009-2010, Brasília), o Continuum - Festival

de Arte e Tecnologia do Recife (2009-), o FAT - Festival de Arte e Tecnologia (2009-,

Mato Grosso do Sul), a Mostra 3M de Arte Digital (2010-, São Paulo), o Hiperorgânicos

– Simpósio Internacional e Laboratório Aberto de Pesquisa em Arte, Hibridação e

Biotelemática (2010-, Rio de Janeiro), o Encontro Internacional de Grupos de

Pesquisa: “Convergências entre Arte, Ciência, Tecnologia & Realidades Mistas” –

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Latitudes-Atitudes (2010-, São Paulo), o Salão Xumucuís de Arte Digital (2011-,

Belém), o 10 Dimensões: Diálogos em rede, corpo, arte e tecnologia (2011-, Natal), o

SP_Urban Digital Festival (2012-, São Paulo), o SIIMI - Simpósio Internacional de

Inovação em Mídias Interativas (2012-, Goiás), FAM - Festival Amazônia Mapping

(2013-, Belém), Reconvexo - Festival Nacional de Vídeo-Projeções Mapeadas (2013-,

Recôncavo Baiano), Tropixel – Arte, Ciência, Tecnologia e Sociedade (2013, Juiz de

Fora e Ubatuba) e o # FIART – Festival Internacional de Arte e Tecnologia (2014,

Brasília) (GASPARETTO, 2014)100.

Importante também salientar a criação da primeira galeria a céu aberto da América Latina, a Galeria

de Arte Digital do SESI-FIESP101, criada em 2012, apresentando uma gama de artistas nacionais e

internacionais. O edifício Fiesp/Sesi-SP já foi coberto por pixels luminosos criados pelos artistas

paulistanos VJ Spetto (United VJs), o coletivo BijaRi e a Goma Oficina. Também já passou pela galeria

o colombiano Esteban Gutierrez, o francês Antoine Schmitt e a dupla Mar Carnet & Varvara Guljajeva,

da Espanha e Estônia, respectivamente. O artista multimídia Rafaël Rozendaal e o brasileiro Francisco

Barreto, com a obra Balance, também já iluminaram o edifício com seus pixels.

Quanto ao mercado, algumas criações marcaram a primeira década do século XXI apontando o boom

mundial de criação de feiras de arte. Em 2005, se dá a criação da primeira feira de arte brasileira nos

moldes internacionais: a SP Arte. A Art Basel, por exemplo, estreia suas filiais em Miami (2012) e em

100 Disponível em http://www.revistas.udesc.br/index.php/palindromo/article/view/2175234606112014079 101 Disponível em: http://www.sesisp.org.br/cultura/galeria-de-arte-digital-sesi-sp

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Hong Kong (2013). Na virada do século, a Basel introduz também a plataforma Art Unlimited, que altera

o conceito do estande de exposição clássico com um ambiente de plano aberto, hospedando todos os tipos

de mídia contemporânea ambiciosa102. Nota-se, aqui, visivelmente a abertura desta feira para produções

midiáticas.

No Brasil, além da SP Arte, inaugurou-se em 2011 a ArtRio. Em seu ano de estreia, recebeu o dobro do

público esperado, chegando a 46 mil visitantes103. Nota-se crescimento também em relação às galerias,

principalmente entre 2010 e 2013104. Por exemplo, as galerias: Lume (SP), a Athena Contemporânea

(RJ), Luciana Caravello Arte Contemporânea (RJ), Jaqueline Martins (SP), Galeria Pilar (SP) e a SIM

Galeria (PR) foram todas criadas em 2011.

O investimento na internacionalização, iniciado na década de 90 pelas galerias e agentes de arte no

Brasil, começou a dar frutos no início do século XXI. Os artistas Vik Muniz (1961-), liderando a lista dos

brasileiros, seguido por Beatriz Milhazes (1960-), Adriana Varejão (1964-), Cildo Meireles (1948-), os

Gêmeos (1974-), Antônio Dias (1944-) e Sebastião Salgado (1944-) aparecem na lista da ArtNet (2015)105

entre os 25 artistas vivos mais bem cotados da América Latina. Além destes artistas brasileiros com

colocações nos rankings internacionais, artistas internacionais também passaram a ocupar galerias

102 Disponível em: https://www.artbasel.com/about/history 103 Disponível em https://oglobo.globo.com/cultura/estreia-da-artrio-palestras-internacionais-marcaram-2011-3513956 104 Mais informações sobre os índices relacionados as galerias na Pesquisa Setorial Latitude (2014), disponível em

http://latitudebrasil.org/media/uploads/arquivos/arquivo/relatorio_por-1.pdf 105 Disponível em https://news.artnet.com/market/top-25-most-collectible-latin-american-artists-287201

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brasileiras. Por exemplo, o artista chinês Ai Weiwei, que ocupou em exposição individual a galeria Pilar

(SP) em 2013106 e em 2014 a mostra coletiva “Partir do erro” com os artistas Rafael Munárriz (Espanha)

e Ricardo Alcaide (Venezuela) na mesma galeria. É o caso também da galeria Vermelho (SP), que não

somente recebeu exposição como também se tornou representante de artistas internacionais. O artista

Iván Argote (1983-), por exemplo, é de Bogotá, vive e trabalha em Paris e é um dos representados pela

galeria107. As feiras também apresentaram confiança no mercado devido à crescente comercialização e

crescimento do público. É o caso da ArtRio, que em 2012 estava em sua segunda edição e comemorava a

participação de galerias internacionais renomadas, como a Gagosian (EUA) e a Wite Cube (UK)108.

Muitos dos índices sobre o mercado de arte brasileiro aparentam ser animadores, mas estão

engatinhando se comparados a outros mercados de arte. Alguns fatores contribuíram para vagarosidade

do mercado tradicional de arte brasileiro e, consequentemente, as possibilidades de abertura de novos

mercados, como o de arte & tecnologia, não são incentivadas, promovidas ou fomentadas. Do lado da

oferta temos poucas feiras e estas abarcam um público restrito. Talvez fosse benéfico intentar para

expansão das feiras já existentes, visando formação de novos públicos, democratização da arte e

consequentemente, possível valorização e fortalecimento do mercado. Do lado da procura, a desigualdade

econômico-social do país é legível a cada feira. Um púbico restrito, onde a minoria detém real poder de

106 Disponível emhttp://galeriapilar.com/exposicoes/becoming/ 107 Disponível em https://galeriavermelho.com.br/pt/artista/5222/ivan-argote/curriculo 108 Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1152650-gagosian-e-white-cube-faturam-mais-de-us-5-milhoes-

na-artrio.shtml

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acesso e compra. Um breve comparativo é pensarmos que a cidade de São Paulo possui 12 milhões de

habitantes, mas, a maior feira da América Latina, que acontece no coração da cidade, recebe por volta

de 33 mil visitas em seus cinco dias de evento, ou seja, apenas 0,28% do público da cidade acessam esta

programação. Consideremos a possibilidade dessa porcentagem ser menor tendo em vista que a feira

recebe público externo e internacional. Estes números apontam o quão seletivo ainda são estes espaços

e que o engajamento na expansão e alcance de novos púbicos é um dos pontos a se considerar.

Outro fator importante – mas que possuem seus abismos – é a nebulosidade e/ou a falta de informações

sobre este objeto. Falando sobre mercados e seu funcionamento, Schultz (2018, p. 101) comenta sobre as

variações possíveis do mercado e aponta suas mudanças destacando que os “mercados de ontem colidem

com os de amanhã” e que é justamente dos desajustes, da falta de uniformidade e da falta de sincronia

na “transferência entre atores, instrumentos, produtos e instituições” que se originam suas anomalias.

O autor também aponta que “os ruídos oriundos dos mercados são informações ou sinais que devem ser

interpretados e utilizados na administração de um determinado sistema econômico”. Ou seja, é válido

pensar que estes desajustes e assimetrias são informações e estas devem ser usadas como ferramentas

para se discutir, avaliar e interpretar determinado mercado, neste caso, o mercado de arte.

Quando se lida com fatores econômicos, há de se ter métodos e registros no intuito de constituir

históricos, visando comparações, revisões, (re)planejamentos, sobreposição e cruzamentos de dados,

dentre outros. Esses são ferramentas que viabilizam melhorias, aprofundamento e crescimento para o

campo. Infelizmente, estamos aquém no quesito informações e estatísticas claras sobre o mercado de

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arte e possível existência de um mercado de arte & tecnologia. O mercado de arte brasileiro sofre falta

de pesquisa e divulgação na área e consequentemente isto reverberará em qualquer possibilidade de

mercado novo, como é o caso de arte & tecnologia. Vale ressaltar que não é só o Brasil que passa por

oscilações em relação a dados e pesquisa. Duas grandes feiras, provedoras de dados sobre a área,

pararam de emitir – em 2018 – os grandes relatórios por causa das informações dúbias no mercado de

arte109.

No texto sobre a importância de estudos e pesquisas na formulação de políticas públicas para a cultura,

as autoras Fialho e Goldstein (2012) apontam que

Até o final da década de 1990, não havia, no Brasil, levantamentos amplos e

sistemáticos sobre o segmento cultural. Foi no início dos anos 2000 que o Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Ministério da Cultura (MinC), o

Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) e a Fundação Casa de Rui

Barbosa se uniram com o intuito de produzir uma base de informações relacionadas

ao setor cultural. A proposta se concretizou em 2004, com a assinatura de uma

parceria entre o IBGE e o MinC (p. 26).

Este déficit de pesquisas no segmento cultural do país abarcou muitos nichos e consequentemente

reverberou em fendas e ausências de dados – específicos – sobre o mercado de arte nacional. Em conversa

109 Após 18 anos produzindo relatório para o campo mercadológico, o organizador da feira de arte holandesa anunciou que

interromperá seu relatório anual, que buscou quantificar o valor exato do mercado global de arte. Em seu lugar, a TEFAF

publicará uma série de relatórios analíticos que investigam mais profundamente assuntos particulares. Disponível em:

https://news.artnet.com/market/after-18-years-tefaf-scraps-art-market-report-1202942

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com alguns galeristas na feira de arte, percebi o quanto era delicado e custoso falar sobre preços e

especificidades de certas vendas. Em alguns momentos, a nebulosidade em torno da comercialização era

uma espécie de “propósito” como forma de aguçar a curiosidade do público e as especulações. Isso me

remeteu ao texto de Pinho (1989), ao tratar sobre arte como investimento

[...] porque a demanda não inclui todos os consumidores de arte, nem todos os artistas

estão integrados no fluxo da oferta, nem os preços das obras são transparentes. Isto

porque parte das vendas acontece no mercado informal. A regra básica do mercado de

arte é o segredo, pelos possíveis riscos fiscais, os artistas não querem ser tachados de

mercantilistas, e há ainda o mercado de falsificações (PINHO, 1989, p. 58).

É necessário pensar sobre as artimanhas – em forma de segredos – que tem se tornado sinônimo de falta

de dados e obstruções de informações no mercado de arte. Há de se observar uma cultura do silêncio em

prol da especulação e burburinhos no mercado. As diversas conversas que obtive com agentes foram

antes expostas por meio de perguntas enviadas oficialmente às galerias, mas sem respostas. Somente no

encontro presencial, nas feiras, que tive breve abertura para perguntas sobre esse objeto de pesquisa.

Acredita-se também, esperançosamente, em novos pontos de pesquisa que estão emergindo, auxiliando

na formação de dados e fontes estatísticas sobre o mercado. Vale apontar aqui a pesquisa Latitude110. O

programa para a promoção internacional do setor de arte contemporânea brasileira foi criado em 2007

pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) em parceria com a

110 Disponível em: http://www.latitudebrasil.org/sobre-nos/abact/

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Fundação Bienal de São Paulo e de um grupo de galerias de arte brasileiras do mercado primário111.

Atualmente, a plataforma conta com a participação de 52 galerias, localizadas em sete estados

brasileiros, que no conjunto representam mais de 1.000 artistas. O primeiro relatório da Pesquisa

Setorial Latitude foi feito no ano de 2012.

Vale apontar também a iniciativa do Ministério da Cultura (MinC) e a Agência Brasileira de Promoção

de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), que em 2018 efetuou a I edição do Mercado das Indústrias

Criativas do Brasil (MicBR). Considerado um evento de grande porte, reuniu em SP empresas,

empreendedores e artistas do Brasil e de outros países. O evento contou com seminários, palestras,

mentorias sobre negócios criativos, dentre outros. Estava previsto que o MicBR movimentaria mais de

US$ 10 milhões em negócios. Um ponto que destaco desse evento foi o número de palestras sobre diversos

temas e nichos e suas relações com o mercado112. Outro destaque do MicBR foi o lançamento do Guia do

Artista Visual: Inserção e Internacionalização113. Este guia traz informações sobre políticas públicas,

editais e prêmios (públicos e privados), plano de negócios e estratégias, dicas de conservação, restauro,

armazenagem, marketing, certificados de autenticidade, planejamentos de ações socioeducativas e

monitoria ao artista visual. Também estão disponíveis dados sobre o processo de internacionalização do

111 Mais sobre o programa e suas configurações no artigo “A emergência de novas latitudes no mundo das artes: o projeto

Latitude e a inserção da arte brasileira no mercado global”, por Bruna Wulff Fetter (2014). 112 Estas palestras, por exemplo, propuseram arte & tecnologia, realidade aumentada e mercado, dentre outros. Disponível

em http://micbr.cultura.gov.br/evento/nichos-de-mercado-em-novos-conteudos-imersivos e

http://micbr.cultura.gov.br/evento/construindo-parcerias-para-o-mercado-global-de-xr 113 Guia disponível em http://cultura.gov.br/minc-disponibiliza-guia-do-artista-visual-para-download/

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artista, questões jurídicas, procedimentos alfandegários, processo de importação e exportação, dentre

outros inúmeros modos de operar no mercado como artista. É um direcionamento para artistas que

querem adentrar as vias mercadológicas. No mesmo cenário vemos – pontualmente - iniciativas que

discorrem e refletem sobre o Mercado de Arte, ao mesmo tempo em que temos também este mesmo

panorama necessitando de outros enfoques de pesquisa, exposição de dados e cruzamentos de áreas,

como é caso de pesquisas que vão de encontro ao mercado, mas desconsideram as possibilidades da

comercialização de práticas artísticas tecnológicas (dentre outras), por exemplo.

Esses eventos e novas pesquisas vão ao encontro de um cenário ainda inexplorado, pelo menos

teoricamente. É conveniente pensarmos que seria de grande valia se as experiências e práticas vividas

no mercado de arte fossem registradas e analisadas de tal modo a clarificar as informações e contribuir

para o desenvolvimento do mercado de arte no Brasil, viabilizando, inclusive, desdobramentos do

mercado e aquisição de outras vertentes da arte.

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3.2 | Entre feiras: temperos, mercados e arte & tecnologia

Figura 30. Série de fotografias 1/3. Saquinhos vazios não param em pé.

(Mercado M. de Montes Claros – MG). Arquivo Pessoal

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Figura 31. Série de fotografias 2/3. Saquinhos vazios não param em pé.

(Mercado de São Paulo). Arquivo Pessoal.

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Figura 32. Série de fotografias 3/3. Saquinhos vazios não param em pé.

(Mercado M. do Rio de Janeiro). Arquivo Pessoal.

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“Saco vazio não para em pé” era o ditado que passava em minha mente em meio ao mercado de feirante,

enquanto via onde arriar as pernas e preencher o estômago, depois de horas seguidas na feira de arte.

“Saco vazio não para em pé” foi substituído por “saquinhos vazios não param em pé”, de tanto observar

os temperos pendurados pelo caminho. Para mim, esculturas, instalações. Alguns amontoados, sem

espaços entre. Outros organizados, lado a lado, atraindo o olhar pelas cores e cheiros. Outros com preços

estampados, códigos de barra, nomeação e validade.

Tomilho, tempero verde, salsão, alho, pimenta do reino, canela, orégano, pimenta calabresa, cravo,

gengibre, erva doce, louro, alcaparra, mostarda, curry, açafrão, alecrim, coentro, cominho, manjericão,

noz moscada, sálvia, dentre tantos outros. Alguns, inéditos para meus sentidos. Saquinhos cheios em pé,

outros pela metade, alguns deitados, diversas formas de organização me lembrando dos diversos

formatos de feiras que encontrei no mercado de arte e nos mercados de feirantes. Todas cheias, todas

desejando ficar de pé.

A pausa é certa nos temperos. O cheiro ajuda na apetência. Retiro da instalação os saquinhos desejados.

O feirante sorri e dá dicas de uso e combinações. Os preços são diversos e cada saquinho com o seu. Mas

os cheiros começam a misturar-se e já não defino mais qual é qual. Perdida entre os cheiros, entre as

cores e obras por diversas vezes, nas duas feiras.

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Pronto: vou levar esses aqui. É dito o preço e embalado os saquinhos. Estes passam a ter outro valor.

Observando-os, a ideia instaura e o processo artístico é iniciado. Agora são saquinhos de temperos, que

de cheios em pé passaram para pendurados em espaços expositivos. Começo a dividir o tempero, e outros

saquinhos vazios adentram a possível instalação. A canela incendeia o ar e o cravo não deixa por menos.

O cheiro das pimentas também alastra. O pensar é atravessado por outro ditado. Mercado no zói do zoto

é refresco (2018)114 é uma referência ao ditado ‘’Pimenta nos olhos dos outros é refresco’’, também ouvido

constantemente no mercado de feirante. Composta pelos inúmeros saquinhos de tempero da

feira/mercado de feirantes, recebe projeção mapeada115 e eixos de nylon onde são pendurados116.

114 Vídeo da obra disponível em https://www.youtube.com/watch?v=eQfFl5CjNyk 115 A projeção mapeada veio inovar a tela bidimensional, comprovando que as imagens não usam somente a superfície plana

para ser projetada, ela considera a arquitetura tridimensional, obedecendo aos declínios e perspectivas. Para melhor

compreensão deste processo, Costa (2011) descreve que as projeções mapeadas sobre o cenário transformam a tela

bidimensional em um espaço de visualização arquitetural tridimensional, uma imagem fluida, codificada pelo computador.

Pense em uma projeção feita por meio de um datashow33 em que é preciso uma superfície plana para que haja uma boa

visualização da imagem, sem deformidades ou distorções. Neste ponto que se assinala a inovação: a projeção mapeada não

estipula um único tipo de superfície. Ela respeita todos os espaços íngremes declinados da superfície, sem que deforme a

imagem quando esta encontra uma aresta, ou seja, é plenamente possível que a imagem projetada passe a “obedecer” a toda

a superfície, seja ela côncava ou convexa. (Mais sobre em: NUZA, Darli. Pintura híbrida: processos criativos com pintura e

projeção mapeada. 2014. http://repositorio.unb.br/handle/10482/17109) 116 Obra exposta no Museu Nacional da República (DF), na Exposição de arte computacional EmMeio#10 (2018), paralela ao

17° Encontro Internacional de Arte e Tecnologia (#17.ART) https://art.medialab.ufg.br/p/24132-17o-encontro-internacional-

de-arte-e-tecnologia-17-art

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Figura 33. Obra: Mercado no zói do zoto é refresco.

Detalhe da instalação: projeção mapeada e saquinhos de temperos.

(Exposição EmMeio#10 - 2018, Museu Nacional – DF). Arquivo pessoal.

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Figura 34. Obra: Mercado no zói do zoto é refresco. Instalação: projeção mapeada e saquinhos de temperos.

(Exposição EmMeio#10 - 2018, Museu Nacional – DF). Arquivo pessoal

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Figura 35. Obra: Mercado no zói do zoto é refresco. Instalação. Projeção mapeada e saquinhos de temperos.

(Exposição ‘Se eu fosse dizer que é aqui” Galeria Nave – DF, 2018). Arquivo pessoal

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Esta obra é composta pelos diversos temperos advindos do mercado, citados acima; saquinhos colhidos

nas caminhadas entre as feiras e mercados de feirantes. Esses saquinhos são atravessados por

projeções117 mapeadas, que por sua vez alcançam a parede formando sombras fantasmagóricas, ruídos.

A transparência dos saquinhos embaçada pelos temperos me remete à nebulosidade do mercado de arte

e suas configurações. As incertezas nas negociações, as previsões dúbias, as variações sobre a arte. Os

escapes e dribles do artista para manter-se fora e dentro destas vias mercadológicas: ao atravessar a

projeção nos saquinhos, os ruídos, a poeira digital que surge e dança na superfície das paredes. Algumas

carregadas e visíveis, outras finas e discretas, quase imperceptíveis, mas lá. A obra é o ponto de encontro

dos mercados, em especial das feiras que transitei (tanto de arte como de feirantes) e são as tecnologias

(projeção mapeada, vídeo etc.) que me oportuniza trabalhar esses cruzamentos e desdobrar essa

produção em questões sobre o próprio mercado de arte e a possibilidade de um mercado para arte &

tecnologia.

É observando os condimentos que relembro muitos dos temperos e destemperos em dias de feira de arte:

alguns estandes e agentes acessíveis, outros nem tanto. Especulações e preços dúbios, alguns pimentões

se apresentando como pimenta. Vi público eufórico, aproveitando ao máximo, sem se importar com as

117 As projeções mapeadas foram feitas por meio do software PHD Gil. Este software é uma ferramenta específica de

projeção mapeada desenvolvida por Paulo Henrique Dias Costa. Desenvolvido em CPP (também chamado de C++) com

código aberto. Software de projeção mapeada phdGil, disponível em:

http://phdias.wordpress.com/2013/04/03/phdgilmapping-software/ . Mais sobre essa ferramenta e processos artísticos do

autor em: COSTA, Paulo Henrique Dias. Cena-Corpo-Código: Imagens e Codificações do Corpo e da Cena. Dissertação

apresentada a Universidade Federal da Bahia – UFBA. 2011.

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interrupções, passagens de outras pessoas ou flashes. Ouvi pessoas transbordando satisfação e convictas

de um mundo da arte glamoroso e acessível, democrático e tangível. Vi também pessoas com olhares

cansados, apreciação exausta. Houve também quem queria mais: mais vendas, mais público, mais

acessibilidade. Senti a balança subir e descer, ora favorável a uns, ora a outros.

Mapeando as projeções nos saquinhos e lembrando desse lugar (a feira de arte) - literalmente – lugar de

projeções. As obras como frutos, sinal de galerias com boa safra, artistas protuberantes: “corujas gabando

seus tocos”, com razão. A saliência e comichão aparecem nos olhos: deveras ser os temperos, pimenta e a

luz da tecnologia, o brilho dos saquinhos. Pausa para ajustar a altura dos temperos. Sobe e desce de

escadas, mudança de lugar, deslocamentos das máquinas e experimentações com as projeções: processos

em arte & tecnologia. Inquietações e mudanças de materiais, ajustes de luz, lugar, temperos.

Finalizando os mapeamentos, observando os números nas margens, os cálculos dos espaços em evidência.

Quanto vale?! (uma das perguntas mais ouvidas na feira). Anexo as imagens feitas outrora no mercado

de feirantes e os movimentos começam a dançar pelas paredes. As imagens das feiras perpassadas pelo

ruído da tecnologia refazendo o círculo de pensamentos e questões sobre a possível (ou não)

comercialização destes processos.

Essa obra também instaura um momento de pausa depois de inúmeras idas às Feiras. Pausa para

degustar um amontoado de coisas vistas e ainda não sentidas de fato. Pausa para olhar as imagens dos

mercados sendo projetadas e lembrar as feiras de arte quando as imagens se vão, fantasmagoricamente.

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Uma breve suspensão para sentir os cheiros e ver a tecnologia unindo os propósitos. Momento de parada

para as andanças entre as bancas, stands e galerias e apreciar as seleções que fiz por lá. Pausa para

polir, abandonar algumas colheitas e catar outros frutos. Apagar alguns, memoriar outros. Permitir que

o filme desses espaços e contextos passe pelas vistas e me deixe ver mais ‘itens esquecidos’.

Observar as inúmeras possibilidades de desdobramento poético que podem acontecer a partir dessa obra

e estender o mesmo pensamento ao mercado de arte: ‘poderias um dia ver um mercado – considerável -

de Arte & Tecnologia?’ Pausa para ver as incontáveis cores, linhas e texturas que a tecnologia faz na

superfície relembrando as assimetrias que encontrei nesses lugares. Pausa para uma possível

(re)organização das diversas vias de pensar e sentir que abri quando caminhei pelas feiras.

Respiro. Pausa e apreciação de um processo que semeou tempero na mente e na alma.

Romanos 11:36

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Figura 36. Obra: Mercado no zói do zoto é refresco.

Detalhe da instalação: projeções sendo mapeadas sobre os saquinhos de temperos.

(Exposição “Se eu fosse dizer que é aqui” Galeria Nave – DF). Arquivo pessoal

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Figura 37. Obra: Mercado no zói do zoto é refresco.

Detalhe da instalação: tempero.

(Exposição EmMeio#10 - 2018, Museu Nacional – DF). Arquivo pessoal.

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Figura 38. Obra: Mercado no zói do zoto é refresco.

Detalhe da instalação: canela.

(Exposição EmMeio#10 - 2018, Museu Nacional – DF). Arquivo pessoal.

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Figura 39. Obra: Mercado no zói do zoto é refresco. Instalação: projeção mapeada e saquinhos de temperos.

(Exposição “Se eu fosse dizer que é aqui” Galeria Nave – DF). Arquivo pessoal

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3.3 | Arte & tecnologia como subversão no mercado de Arte

Como já vimos, o mercado de arte possui suas configurações e é influenciado por inúmeros fatores – e

paradoxos - e quando adicionamos as questões e possibilidades relacionadas à arte tecnológica, os

caminhos são outros. Se é que podemos dizer que realmente há caminhos sólidos sobre o assunto, devido

às distâncias e alguns abismos no circuito da arte. Opto por pensar que os processos com novas

tecnologias, por lidar com suportes, conceitos e processos diferentes, fazem com que as questões acerca

dessa criem outros caminhos, normalmente trilhas diferentes das já estabelecidas. Pensar sobre o

mercado de arte tecnológica é percorrer essas diferentes trilhas e, muitas vezes, o caminho estará em

construção à medida que essas obras se tornam as aberturas para discutir o tema ao mesmo tempo em

que dão forma às vias.

Diante desses novos processos, é esperada a necessidade de novas vias para distribuição e

comercialização destes. Algumas vezes, as vias, os tecidos e linhas vão se cruzar. Como a bordadeira da

feira de feirantes que usou a própria linha do tecido para bordar, considero que na arte & tecnologia -

algumas vezes - será preciso fazer o caminho enquanto se caminha.

Proponho então, para este capítulo, pensarmos a arte & tecnologia, o mercado de arte e suas plataformas

(neste caso, a feira) como tecidos. Levando em consideração que em alguns pontos deste há transparência

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(em outras partes não118), podem estar/ser sobrepostos, com linhas e texturas diferentes, mas não

necessariamente opostas por possuírem seus pontos de encontros, cruzamentos e nós.

Primeiro tecido: mercado tradicional de arte (especificamente, as feiras) – em sua maioria baseada na

fisicalidade/presença da materialidade, tangíveis, ‘objetos palpáveis’ (telas, pinturas, esculturas,

desenhos, materiais mistos, objetos) - com regras, instituições estabelecidas e consolidadas para

comercialização. Segundo tecido: Arte tecnológica, tecido em constante construção com linhas soltas, que

podem se comunicar com o primeiro tecido e perpassar algumas configurações (linguagens e agentes, por

exemplo) e lugares. Em sua maioria composta por (método e equipamento) industrializados, digitais.

Pixels, imaterialidade, virtual, simulação. Tessitura com pontas assimétricas, apontando para outra

lógica e formação de novos circuitos, outros bordados.

Pensando por esse viés, proponho aqui olharmos esse segundo tecido, suas proposições e desdobramentos

diante do primeiro. Algumas linhas serão encontradas em ambos: instituições, agentes e artistas, por

exemplo. Outras são composições da arte & tecnologia, urdidura do campo: imaterialidade, por exemplo.

No campo das Artes, a obra costuma ser submetida aos códigos e preceitos de sua categoria – pintura,

fotografia, desenho, escultura - e, em sua maioria, são tateáveis, sólidas, palpáveis. Logo, para

118 Por exemplo, devido à pouca transparência e legitimada nebulosidade do mercado da arte em relação aos preços e

transações.

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distribuição e comercialização da obra, há planos e critérios solidificados, regras consolidadas pelo

mercado e também pelas práxis dos agentes, além do marketing, das plataformas, tempo e instituições.

Na prática, a comercialização de uma obra pode, por exemplo, passar por processos rigorosos devido a

sua influência cultural, valor, precificação e instituição envolvida. Outras valem de regras como um

documento/nota comprobatória que ateste originalidade e atestado de compra e venda. As questões

relacionadas à distribuição também têm suas formas de bordar no tecido: o registro, o marketing, a

propaganda, o compartilhamento, disseminação, atrelados ao objetivo final: aquisição. Em meio a esse

processo, já estabelecido para/nas artes tradicionais, a arte tecnológica subverte as regras já legitimadas

no sistema de arte por se compor de outros limiares: a imaterialidade e efemeridade, por exemplo.

Entende-se aqui subversão como ato ou efeito de transtornar o funcionamento normal ou o considerado

bom de (alguma coisa); tumulto, perturbação, desassossego, inquietação, levantamento, ato de

(re)direcionamento para outra direção.

Esses levantamentos, inquietações e redirecionamentos surgem junto às primeiras ideias. Ao compor a

obra que envolve criação com tecnologias, o artista terá processos bem diferentes dos tradicionais. Nas

linguagens clássicas da arte há certa similaridade nos processos de criação, começando pelo lugar de

produção. O ateliê, eleito pelo artista como incubador de ideias, ainda é visto como lugar do gênio. A

pintura, o desenho, ou a escultura são linguagens que envolvem processos solitários. Alguns artistas

dotados de aptidão e habilidade extrema produzem suas obras sem compromissos com a academia, ou

seja, não frequentam esses espaços e não fazem questão de seguirem estudos sistemáticos como base

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para suas produções. Seus processos criativos são baseados na experiência, em suas práxis diárias, no

fazer, no corrigir e refazer: um regurgitar da produção que amadurece o processo, tornando-o excelente.

Normalmente, há uma coletânea de materiais que variam de acordo com a linguagem. É quase unânime

falar o termo pintura e imaginarmos uma tela, tinta, pincéis, cavaletes, molduras. No mesmo caso, a

escultura é lembrada como um objeto de três dimensões composto por algum material (pedra, madeira,

cimento, argila etc.). Dependendo dos recursos dispostos para tal produção, o preço é proposto. As cores

usadas na pintura, por exemplo, já determinaram o valor de uma obra. Um certo azul era mais caro do

que um verde e o preço final da obra dependia de quanto azul podia ser pago pelo comprador (ou de

algum material especificamente requisitado, ouro para o fundo da pintura, por exemplo) e, mais

prosaicamente, da quantidade de horas despendidas pelo artista na execução da obra (GREFFE, 2013,

p.12).

Hoje, os processos de produção estão cada vez mais hibridizados. Vale ressaltar que as mudanças no

processo criativo e suas concepções não são exclusivas da arte tecnológica, mas tem sua gênese nos

cruzamentos e experimentações junto a outras linguagens e no desenvolvimento das tecnologias. O

clássico, o moderno e o contemporâneo sobrevivem lado a lado apesar das resistências do mercado de

arte. A pintura passou a ser digital (calcularemos a quantidade de pixel?), o desenho apresenta

interatividade e pode ser visto de diversos tamanhos, a escultura é composta por meios eletrônicos e daí

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por diante119. O capitalismo criativo já citado, funciona melhor nesses cruzamentos, nessa impureza

híbrida, propondo sua conexão através de várias linguagens e suas misturas, afinal, tal obra permite

diferentes suportes que são explorados pelo sistema de geração de capital.

A produção com as tecnologias contemporâneas convida o artista a sair de seu ateliê. A internet passa a

ser mais que local de pesquisa e distribuição, torna-se também a plataforma onde a obra se faz, funciona.

Além disso, as diversas conexões que se fazem na rede, são vias legitimadoras e anunciantes das

propostas. Em busca de códigos, equipamentos, sensores, conceito e espaços - artefatos que não são tão

comuns à arte - o gênio autônomo dilui-se em Coletivos, grupos de trocas120. A obra muitas vezes é aberta

e só se completa com a ação do público. A dependência antes vista sobre um único autor é distribuída por

outras vias: a rede online (disponível em:), público (interatores) e colaboradores (técnicos,

programadores). Ao lado dos pincéis, o computador se torna a tela principal e a rede é usada para

execução e envio de parte da obra, por exemplo. O próprio dispositivo tecnológico é alterado pelo artista

que propositalmente subverte as funções da máquina, reinventando-as, desviando a tecnologia do seu

projeto inicial (MACHADO, 2007). O data show é inserido e projeta o processo, ao vivo, executado em

119 Por exemplo, o longa metragem “Loving Vincent” 2016, da cineasta polonesa Dorota Kobiela e Hugh Welchman, foi

produzido a partir da técnica de óleo sobre tela e ganharam movimento por meio do vídeo. Disponível em:

http://join.lovingvincent.com/ 120 Por exemplo, o LaboCA - Laboratório de Computação e Arte - Grupo de artistas e pesquisadores que por meio do Google

groups, reúnem e trocam ideias sobre métodos, tecnologias e aplicação da ciência da computação para fins de expressão

artística.

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outro ambiente. Os códigos usados podem ser vistos e estão disponíveis na rede, democratizando e

permitindo o desdobrar/replicar da obra, sua visibilidade.

A rede não é somente uma plataforma de divulgação e legitimação, mas o lugar de execução, o lugar de

se fazer e de se propor o trabalho (tema discutido no próximo capítulo). Nessa fase os tecidos se tocam

por meio das linhas, nesse caso, a internet: a mesma plataforma usada para o marketing e visibilidade

do mercado tradicional é também usada como obra ou parte dela. Um exemplo disso é o caso do artista

Rafaël Rozendaal (1980- ) com a obra paper toilet121, dentre outras, onde o comprador possui

o nome de domínio do trabalho adquirido, comprando a página como obra. (no próximo capítulo

falaremos sobre as obras do artista e as vias de comercialização).

Essas pequenas mudanças também afetam as configurações e métodos de quem patrocina ou agencia

estes processos artístico e seus autores. A economia de intermediação está sendo substituída por uma

economia da produção (MOULIM, 2010). Em um debate a respeito da economia da Arte, Raymonde Molin

aponta uma das mudanças que a produção em arte & tecnologia trouxe para o campo das artes e sua

economia, dizendo que

O marchand atua como intermediário quando compra a obra de um artista, se

encarrega de promovê-la e vende. A galeria também intervém de modo semelhante,

desempenhando o papel de intermediária. Novas formas de apresentação artística

(instalações, videoinstalações, vídeo performances, fotografias e pinturas em escala

121 http://www.papertoilet.com/

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gigantesca) exigem um esquema produtivo que é novidade nas artes plásticas, embora

já seja comum na indústria cultural, especialmente no show business. No novo

esquema de produção, um produtor público ou privado, ou grupo de produtores,

fornece aos artistas recursos financeiros necessários a realização de um projeto. Um

exemplo muito citado é o do pacote financeiro (em torno de um milhão de dólares) que

teve de ser reunido para produzir o trabalho de Mariko Mori na Bienal de Veneza –

1999 (MOULIN, 2010, p. 202)122.

Ou seja, o que era mediado pós-produção agora é pré-financiado e pré-acordado123. Esta prática pode ser

vista entre colecionadores que desejam projetos audaciosos e encontram artistas que também desejam

produzi-los, mas ainda não possuem condições viáveis para tal.

122 A autora Raymonde Moulin em debate com outros autores – dentre eles, Lane Relyea e Kate Siegel - sobre economia da

Arte. Debate completo publicado em SIEGEL, Kate e MATTICK, Paul. Arte e Dinheiro. Zahar, RJ. 2010. 123 Sobre esta via “patronagem”, será apresentada no próximo capítulo.

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3.4 | Distribuição, compartilhamento, difusão e visibilidade

Como visto anteriormente, a hibridização de linguagens, a autonomia na produção, flexibilização e uso

de outros espaços expositivos (lugares públicos, por exemplo) proporcionam aos processos artísticos

outras vias de distribuição e difusão. A maioria das obras – tidas como único exemplar (artesanal) –

passa a ser reprodutível (industrial) e agora com as novas tecnologias ela se faz na rede ou fica disponível

em links (eletrônico digital). Este último estado, subverteu não só a criação, como também a distribuição

e difusão.

O registro bibliográfico, fotográfico ou por meio de vídeo são as vias mais usadas e apresentadas por meio

das plataformas legitimadoras (publicações, salões, feiras, bienais, espaços independentes, dentre

outros), inclusive online. Contrapondo a exacerbada e atual fixação pelo registro, há de se lembrar que

a ausência de registro é proposta em diversos processos artísticos e que esse e suas diversas formas e/ou

sua ausência se tornaram lugar de pesquisa, questões e discurso e isso reverbera também em outras

etapas, como a difusão.

No sistema artístico, encontramos as mais diversas instâncias legitimadoras como, por exemplo: o leilão,

a crítica, a feira, o prêmio, as redes sociais, a visita ao ateliê (curadores) e as bienais. Acrescenta-se aqui

a internet, que se tornou plataforma legitimadora e hoje é indispensável para conectar tantas outras

plataformas de difusão e distribuição de arte.

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A distribuição e difusão em suas diversas formas – partilha, divisão, compartilhamento, divulgação,

oferta, doação, disposição – é um meio de democratizar a visibilidade da obra. Inclusive, em algumas

produções, as vias de distribuição são vistas como desdobramento do trabalho, por exemplo, registros

fotográficos feitos durante o processo são devolvidos ao espaço expositivo ou distribuídos ao público, e/ou

todo processo criativo é desenvolvido por meio de novas tecnologias e depois impresso para

comercialização124. Por isso, na arte & tecnologia, a mesma obra pode se desdobrar em outras muitas

linguagens e pertencer a mais de um dono, tendo em vista também as muitas plataformas disponíveis.

Nosso mercado tende a consumir estas variáveis (fotografias, vídeos, suportes) porque são “mais

tangíveis” do que uma composição completa, inteira com tecnologias contemporâneas. Na exposição da

obra “Mercado no zóio do zoto é refresco (Figura 32 a 37)”, fui questionada como comercializaria as

projeções mapeadas, mas que, caso desejasse vender os saquinhos de tempero ou fotografias, teria

comprador. Vê-se aqui o interesse por fragmentos palpáveis substituindo a possível comercialização da

obra completa. Um parêntese: lembrei-me imediatamente do fetiche pelo ímã de geladeira como

lembrança do mercado de feirante. Um fragmento da obra como possibilidade, potência de se tê-la. Um

fragmento não só do mercado/feira de feirante, mas encontrado também em pequenas lojas/cafés de

museus e galerias, que fazem seus apetrechos e lembrancinhas para saciar o público da vontade de se

124 É o caso da artista Anne-Sarah Le Meur que usa a linguagem de computador para criar suas imagens e as imprime para

comercialização. Suas imagens adotam também outras formas: gravadas, impressões fotográficas ou projetadas em

performance. Disponível em https://www.artsper.com/fr/artistes-contemporains/france/3585/anne-sarah-le-meur

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ter, levar para casa, palpavelmente, um fragmento, uma memória ‘tangível’ do lugar de arte, da obra, da

feira.

Voltando...

A internet – plataforma contemporânea que abarca inúmeras linguagens – oferece ao artista/produtor

uma diversidade de ferramentas que perpassa tanto o processo de construção quanto sua distribuição e

divulgação. O mercado de arte, registra, anuncia suas obras (por meio das galerias virtuais. por exemplo)

e as negocia. O artista também exerce sua própria exposição encurtando o caminho entre público e autor.

Milhares de artistas e revendedores já vendem online. Para artistas, a capacidade de vender online e

terceirizar o processo de venda e marketing tem sido libertador, eliminando a necessidade de entrar em

relacionamentos ou contratos com revendedores. Em tais casos, artistas podem reter total liberdade para

negociar preços e vendas. Podem também apresentar seus portfolios online, e uma série de sites que

permitem aos artistas projetar seus próprios websites (TEFAF, 2017). As feiras com seus sites são

promovidas como ápice de encontro entre galeristas e também fazem transações on-line. A ArtRio, por

exemplo, tem em seu site, uma página dedicada à venda online125, com diversas categorias (pintura,

escultura, livros), mas até o momento nenhuma categoria referente a vídeo ou a arte & tecnologia. Estas

transações on-line (inclusive nos leilões) têm crescido e apresentado impacto no rendimento do mercado

125 Disponível em https://artrio.art.br/marketplace/

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de arte. A rede torna-se plataforma para os diversos registros e divulgação, mas também ponto de

encontro entre fornecedor e investidor, oferta e procura.

Na arte e tecnologia, a obra ultrapassa esse modo de uso da internet, subvertendo a prática de um lugar

dedicado à divulgação/distribuição/visibilidade. Obras que são anunciadas por QR code, por exemplo, e

que levam o público à rede, convidam para interação em tempo real. Ao mesmo tempo em que é

plataforma de difusão, é também lugar onde a obra se faz, ou se completa126. Em 1999, o artista Eduardo

Kac criou a obra “Gênesis127,” onde mutações cromáticas em bactérias eram realizadas por meio de

radiação. Ao acionar a luz UV (na galeria ou através da Internet), participantes causavam mutação do

código genético e assim mudavam o texto contido no corpo das bactérias, completando o processo proposto

pela obra.

Outro exemplo são os happenings via rede, como o projeto ATRAVES \\128 que transmite - via Youtube

– produção de arte em tempo real, inúmeros processos artísticos e seus criadores. Obras e projetos como

esses proporcionam ao público, reflexões sobre o que é a obra e como se dá essa distribuição: desde “como

mostrá-las” até “como adquiri-las”. Tive a oportunidade de conhecer o projeto exposto na feira de arte

em uma tela com transmissão ao vivo. Considerei a presença do projeto na feira bastante desbravador,

126 Considerando aqui completude como sinônimo de cumprimento total de uma proposta e não

defechamento/enclausuramento da obra. Afinal, um trabalho artístico pode se desdobrar em outros inúmeros experimentos. 127 Sobre a obra: http://www.ekac.org/genesis.portugues.html 128 Disponível em http://atraves.tv/nossa-historia/

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tendo em vista que era um projeto ilhado, pois o espaço não possuía outras obras relacionadas a arte &

tecnologia com transmissão em tempo real. Em conversa com a idealizadora, Georgia Guerra, perguntei

sobre o projeto e se a mesma via possibilidades para comercialização de arte & tecnologia no Brasil.

A gente tem que ter um pouco de paciência. Só o fato de estarmos na feira, já é uma

boa aventura e esta possibilidade pode ser questão de tempo. Esta não é uma questão

só brasileira, demorou bastante para outros lugares terem essa aceitação. Há uma

tendência de as coisas chegarem aqui depois e um pouco separadas. Um exemplo: a

projeção mapeada ainda é vista como uma arte do vídeo, do VJ, mais urbana, voltada

para interferência. É preciso aceitar que a rua e o espaço indoor/espaço outdoor são

uma coisa só. Temos que trazer pra cá [Brasil] isso. Mas os muros ainda são altos, eu

sei. Enquanto o mercado continuar consumindo arte em espaços silenciosos,

ostensivos, branco com pilastras e que tem todo um processo, absolutamente já

demarcado, [a gente] enquanto não romper isso, derrubar isso, enquanto as coisas não

acontecerem, acho que vai ser mais difícil colocar todo mundo junto. Algumas galerias

até fazem videoinstalações, mas muito pontualmente. Eles não misturam tanto e é

como se as coisas [arte] não pudessem se comunicar. Mas aos poucos vai se

conquistando isso, espero. [sobre o público] [...] os públicos se comunicariam se eles

[galerias e agentes] fizessem esse movimento: colocarem mais coisas, mais nichos no

mesmo lugar, isso geraria comunicação129.

O projeto ATRAVES \\ foi exposto em 2016 e não esteve presente nas edições seguintes. Segundo a

idealizadora, o projeto está perpassando outras dinâmicas [público], plataforma, processos diferentes dos

129 Conversa tida na SP Arte (2016) com a idealizadora e diretora do projeto: Georgia Guerra Peixe.

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propósitos das feiras e neste momento, as feiras brasileiras ainda não proporcionam reais diálogos com

estas propostas.

Em relação às galerias brasileiras, ainda em minoria, algumas recebem obras com tecnologias

contemporâneas130 e têm como principais alvos os colecionadores, já que são obras que precisam de

ambiente e manutenção específica. Essas mesmas galerias estão nas feiras e, devido a interesses

específicos, apresentam outras produções neste espaço, sendo o mínimo de arte & tecnologia. Por

exemplo, a galeria Choque cultural (SP), que é referência em arte urbana e mídias variáveis, possui em

seu acervo instalações, projeções mapeadas, mas destaca para feira outras vertentes como pintura,

estêncil, grafite. Em 2016, na SP Arte, a galeria apresentou esculturas de neon, sendo uma das poucas

galerias que tinham em sua mostra arte & tecnologia. Percebi dois pontos que valem salientar: de um

lado artistas que não desejam se submeter aos polimentos e regras do mercado – a fim de apresentarem

uma obra moldada e “viável para comercialização” – porque estão mais interessados em oferecer uma

obra para livre acesso do que se inclinar às regras mercadológicas e inibirem a liberdade em suas

produções. Do outro lado, agentes que querem ofertar uma obra com o mínimo de trabalho e regras para

o comprador, o que nem sempre acontece com arte e tecnologia, tendo em vista suas especificidades. Esta

última observação me remete aos apontamentos de Edmond Couchot, que em 2006 já dizia que “os

130 A galeria Vermelho (SP), por exemplo, tem como projeto de arte & tecnologia a Sala Antônio, como também artistas que

trabalham com esta vertente: o coletivo Chelpa Ferro é um deles. Disponível em

https://www.galeriavermelho.com.br/pt/artista/65/chelpa-ferro

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curadores e críticos tendem a não se interessar muito pela arte digital, porque esse tipo de trabalho que

nós fazemos não se encaixa nas regras do mercado de arte”: esse contexto, aparentemente, permanece.

Nesses casos, o suporte é lembrado e apresenta alguns impasses para distribuição. Ao conversar com

galeristas sobre a ausência de arte e tecnologia na feira, eles ressaltam questões como logística e

manutenção dos artefatos. Aparentaram que - para alguns galeristas - é dispendioso apresentar

trabalhos na feira com artefatos que precisam ser ligados, desligados, acionados softwares ou projeções,

direcionar o público para possível interatividade, dentre outros.

Há de levar em consideração que a cultura do “compre e leve o objeto imediatamente debaixo do braço”

sobressai nas feiras, pois, este é o objetivo final destes encontros: vender. Enquanto que com obras de

arte & tecnologias, ao comercializá-las, expõe-se a cultura do “compre e leve com manual de uso e

substituição de artefatos, dentre outros”. Ou seja, enquanto as linguagens – ditas mais mercadológicas

–, como pintura e escultura, não oferecem tantas exigências extras ao longo do tempo para seu

comprador, a arte & tecnologia – em muitos casos – precisam de seus respectivos manuais e podem

apresentar o que os compradores não apreciam: obsolescência, fim.

Por isso, a maioria das obras ainda baseia sua distribuição em registros. Por exemplo, obras que foram

apresentadas em espaços expositivos específicos e serão desligadas, são registradas por meio de vídeo e

fotografias e são expostas como tal. Este também é um campo que apresenta discussões já que muitas

vezes a obra vendida não é a obra apresentada, por mais que seja derivada da mesma. Questões como

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“Não seria um desdobramento da obra primária?” ou “esta peça é a original?” costumam surgir no circuito

de arte. O que, aparentemente, desdobra-se em partilhamento da obra em outras linguagens e técnicas

abre espaço para questões sobre a unicidade e originalidade da mesma. Moulin aponta para essas

questões, advertindo que a

[...]partir do momento em que se trata não mais de obras singulares, mas de múltiplas

perpetuamente reprodutíveis, existe o risco não apenas de uma evolução rumo a

banalização das imagens por sua abundância e sua divulgação, mas também de uma

desvalorização social e econômica da arte pelo desaparecimento da raridade (2007, p.

93).

A raridade artística é produzida para ser economicamente valorizada. A declaração de Marcel Duchamp

“é a raridade que confere o certificado artístico” ainda está em voga e não perdeu a sua validade. A autora

Raymonde Moulin reflete também que, mesmo com a mundialização da economia e desenvolvimento

acelerado das tecnologias, a constituição dos valores, no que tange à unicidade e raridade, resiste bem,

inclusive às próprias transformações artísticas. Podemos confirmar que estas certificações seguem

resistindo, mas há de se pensar também que, com a hibridização e o alargamento das linguagens aliado

às tecnologias contemporâneas, hoje, temos maior abertura para questionamentos e proposições

relacionados à autenticidade da obra131. Isso traz novas indagações para o campo como: O que sucederá

com as obras desenvolvidas em computadores e transmitidas para suportes contemporâneos como HDs,

131 Por exemplo, nas poéticas contemporâneas. É possível ver estas questões na obra “13 tentativas de ser”, do artista

Gabriel Brisola. Disponível em https://gabrielbrisola.com.br/trabalhos/13-tentativas-de-ser/

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microchips, dentre outros?! E as fixadas em mais de uma linguagem ao mesmo tempo (instalação com

vídeos e impressões fotográficas do mesmo, por exemplo)?!

Em conversa, durante a Feira SP Arte, com as galerias Luiza Strina e Choque Cultural (sendo esta

última uma representante de artistas que produzem com tecnologias contemporâneas), ambos os

representantes destacaram a preocupação e despreparo em comercializar produtos que precisam de

substituição de hardwares e softwares com o passar do tempo. Destacaram a necessidade de aprofundar

nessas questões, tendo em vista a transição de uma era – entendem-se também os deslocamentos

socioeconômicos, políticos e culturais – que comercializa “objetos acabados”, materiais sem tempo

determinado de validade, para uma era que comercializa objetos efêmeros, digitais, o que chamaram de

“obras invisíveis” e/ou “investimento de risco”.

Sobre esta transição e necessidade de observar estas mudanças, os autores Barreto e Perissinotto

(2011)132 apontam que talvez estejamos entre uma coisa e outra no “interstício de múltiplas perspectivas,

onde antigas instituições e antigas pragmáticas não conseguem mais expressar e nem detectar as atuais

manifestações culturais e não basta ligá-las às redes mundiais numa aparência de mobilismo, há que se

mudar também as estratégias e mentalidade”. Essas questões me remetem a fala da Georgia Guerra

(idealizadora do projeto ATRAVES \\ - já citado), que aponta a necessidade de ‘paciência’ com as

transições e possíveis encontros destas vertentes com estas plataformas. Isso requer tempo e disposição

132 Fala a respeito do Festival Internacional de Linguagem Eletrônica. 2001. In: Arte digital e circuito expositivo: um ‘curto’

em torno do File. Gasparetto, Débora Aita. 2012.

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- de ambos os lados - para conhecerem seus potenciais e defasagens, ou seja; os artistas, galeristas,

colecionadores, feirantes e outros agentes do circuito de arte precisam se dispor a conhecer, partilhar

informações, pesquisar sobre essas novas produções, antes de tratá-las como “novidades inviáveis para

comercialização”, obstruindo as possíveis entradas dessas obras nestas plataformas.

Outro ponto que perpassa o compartilhamento da obra é sua legitimação (e vice-versa). A legitimação da

obra de arte passa por diversas vias como a crítica e a Academia. Instituições de Arte como as

universidades servem aos artistas formando-os e validando seus processos por meio de seus mecanismos.

Já no mercado tradicional de arte, há uma espécie de “espera”, cautela pela oportunidade de expor,

(criação de expectativa). As obras que atualmente estão em voga na arte contemporânea estão sendo

vistas e cogitadas para o mercado; enquanto isso, as impressionistas/modernas, por exemplo, já sofreram

uma consagração que as legitimaram no circuito e, por isso, alimentam as negociações públicas e

privadas com maior rapidez. A crítica, por meio de estudos, suposições e análises, já

“decodificaram/classificaram” estas obras e por isso são visadas e apresentadas com mais segurança aos

diversos públicos, inclusive para o mercado secundário. Há uma espera, um gerar desejo, uma seleção,

um “aguardar” pelo amadurecimento da visibilidade do artista e do objeto que agora sai da zona de

“investimento de risco”. O Marketing, o museu, a galeria, o colecionador, os estudos, as críticas, dentre

outros, incubam a obra com suas ações, aquecendo sua visibilidade. Com o advento da internet, a cautela

não foi extinta, mas os agentes e instituições alteraram e agregaram alguns métodos para legitimação e

difusão.

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Hoje a legitimação opera não só pela via do tempo, difusão e crítica, como também dispõe de outras

maneiras. Com as novas tecnologias o tempo de amadurecimento do produto diminuiu e isto oscila o

processo de consagração tanto do artista quanto da obra. O mesmo artista que pode acordar com sua

obra em todas as redes sociais e com visibilidade no topo, pode ser apagado pelas mesmas redes. Alguns

mecanismos de legitimação não aparentam justos, mas vale ressaltar que os apagamentos fazem parte

deste organismo artístico e é natural do circuito a visibilidade e seleção de uns e invisibilidade de outros.

Por exemplo, um trabalho que seu suporte e composição é o digital, o seu alcance estará a um clic. E há

de se pensar em quem está acessando o trabalho: pode ser o público em massa ou um curador de museu,

ou um comprador anônimo. Visibilidades diferentes para o mesmo fim: legitimação, comercialização.

Hoje, a legitimação e difusão passam pelo tecido do marketing, desde “pessoas certas” a “horários de

lançamento na rede”.

O público, agora com as novas tecnologias, não só legitima por meio de acesso como também atua na

distribuição/difusão. O “boca a boca” agora se tornou “clique a clique”. Em um clique, a obra é partilhada

e vista por inúmeras pessoas em lugares distintos. Em um clique, compram-se obras, enviam-se

processos artísticos, publicam críticas, legitimam ou acentuam apagamentos. O número de “curtidas”133

tornou-se indícios de aceitação, visibilidade, outra face da legitimação. E se, porventura, algum agente

renomado o “curtir” ou citar a obra, traz para o artista tantos outros olhares e cliques. Os outros meios

133 Ferramenta muito comum e empregada em redes sociais como Facebook e Instagram onde milhares de artistas e

instituições disponibilizam seus portfólios, eventos e conteúdo.

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de legitimação, como o jornalismo, revistas, críticos de arte, dentre outros, também utilizam a internet

e fazem do “clique a clique” a ferramenta para visibilidade própria e também do artista.

Esse é um dos pontos que intensifica a democratização, o acesso à imagem; além de descentralizar sua

distribuição e visibilidade. Acostumamos a ver muitas exposições ou obras nos deslocando para um único

lugar com hora marcada e/ou por meio de registros (livros, catálogos, fotografias). Hoje, usando as redes

como lugar de composição, os artistas nivelam para o público a visualização de suas criações artísticas.

As galerias, por exemplo, fazem questão de operar via rede social, na internet; contando com o público

como agente que observa e curte, mas que também compartilha, divulga, difunde e distribui,

“trabalhando” ao seu favor.

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3.5 | Arte & Tecnologia e suas atuais vias de comercialização

Após anos de visitas às feiras de artes, torna-se notável a seleção de produções artísticas e os propósitos

destas plataformas. Objetiva-se oportunidade de apreciação para o público, lucro e exposição para

galerias, visibilidade para os artistas e agentes, crescimento e comercialização para o circuito de arte.

Os nichos mais vistos e expostos – arte moderna, arte contemporânea, design, antiguidades – se

destacam pelos nomes que carregam e pela demasia de obras apresentadas. A SP Arte, por exemplo,

costuma ter em suas edições cerca de 2 mil artistas e mais de 5 mil obras. Oportunidades não só de

negócios, mas também de apreciação de arte e novos vínculos. Cinco dias intensos para os agentes

desvendarem tendências do mercado de arte e testar seus próprios interesses e preferências.

A preferência das feiras brasileiras ainda está restrita ao mercado de arte contemporânea, arte moderna

e antiguidades. Em alguns anos observando esses eventos, é visível a inclinação para estes nichos e a

ausência de arte & tecnologia nestes espaços. Em 2010, a SP Arte abriu espaço a uma curadoria que

envolvia algumas obras de arte digital134. Seis anos depois (2016), a feira recebe por meio de galerias

algumas obras que envolvem poéticas digitais como, por exemplo, as esculturas de neon, do artista Alê

134 In: Gaparetto, 2016, p. 247.

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Jordão135. Abertura também para o projeto ATRAVES \\, já citado neste texto, apresentando seus

processos em tempo real. Em 2018, a ArtRio abriu espaço para a videoarte por meio do programa

MIRA136, que aliou a linguagem com música ao vivo do DJ inglês Max Reinhardt e, para 2019, a SP Arte

convidou o projeto aarea137, para intervenção em suas mídias, da revista física às redes sociais, prevista

para a ocasião da próxima edição em Abril. Espera-se que a inclinação para o uso da arte & tecnologia

apenas como marketing não seja o caso.

Os últimos anos não são considerados favoráveis à exposição de arte & tecnologia nas feiras brasileiras,

tendo em vista a oscilação e distância entre uma inserção e outra de arte tecnológica nestas plataformas.

Além disso, as admissões dessas obras são pontuais e apresentadas, em sua maioria, por pouquíssimas

galerias. Mas a ausência de arte & tecnologia é uma fenda típica desta plataforma? Não. É possível

encontrarmos projetos e obras desse nicho em outras feiras, além de incentivo para o desenvolvimento

de debate e pesquisas destas. As feiras internacionais, por sua vez, vêm concedendo mais espaço à arte

& tecnologia. Um exemplo é o espaço Vídeo Cube da FIAC, como também o setor Art Unlimited da feira

135 Disponível em: https://www.choquecultural.com.br/pt/artista/ale-jordao/ 136 Disponível em http://artrio.art.br/noticias/projeto-mira 137 Criado em 2017, o projeto aarea, amplia o conceito de site specific para o ambiente cibernético: as obras são construídas

tendo a virtualidade e a temporalidade da web como elementos-chave. A plataforma reabre antigas discussões sob o prisma

do mundo digital, problematizando concepções em torno da autoria, da ativação do espectador, da aura do objeto artístico e a

datação e autonomia da obra de arte. Disponível em: https://www.sp-arte.com/noticias/a-arte-no-campo-ampliado-da-internet/

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de Basel, particularmente renomada por suas grandes instalações e suas projeções de vídeo. O preço do

vídeo varia de acordo com a reputação do artista e da tiragem (da fita única à tiragem ilimitada)

(MOULIN, 2007). Com curadoria de Gianni Jetzer, Unlimited é a pioneira plataforma de exposições da

Art Basel, que expõe todo ano projetos que transcendem o estande de arte clássica, incluindo projeções

de vídeo, instalações em grande escala e apresentações ao vivo138.

Além das exposições anuais, a Basel também tem apresentado mesas de debate sobre o tema. Em 2018,

por exemplo, foi a vez do debate com Jacolby Satterwhite, Masha Faurschou e François Quintin durante

a Art Basel Miami Beach, intitulada “VR, Celebrity and Innovation”. Discutiu-se sobre o uso da realidade

virtual na arte contemporânea, abordando as diversas razões pelas quais os artistas trabalham com

RV139. Outra mesa de debate foi com o galerista e o artista Harm van den Dorpel e Martijn Dijkstra, da

Upstream Gallery, sobre sistemas informáticos incestuosos, inteligência artificial e o lugar das novas

práticas nas galerias tradicionais140.

Outro exemplo é a Seattle Art Fair, que, em sua quarta edição, abriu a feira apresentando robôs

gigantescos no CenturyLink Field, no centro de Seattle. A performance é o trabalho do artista Mark

Pauline, que constrói robôs a partir de materiais encontrados e encena esses tipos de batalhas violentas

sob o nome de Survival Research Laboratories (SRL).

138 Disponível em: https://www.artbasel.com/basel/the-show 139 Disponível em: https://www.artbasel.com/news/virtual-reality-technology-and-art 140 Disponível em: https://www.artbasel.com/news/meet-the-artists-harm-van-den-dorpel-upstream-gallery

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Figura 40. Robôs gigantes no centro de Seattle apresentados pela Art Fair. Mark Pauline (2018).

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Figura 41. Robôs nos corredores da Seattle Art Fair. Mark Pauline (2018).

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A presença do artista Pauline se estendia dentro da feira com um robô dinâmico (Figura 39) que percorria

os corredores se aproximando dos visitantes e às vezes estendendo um braço para oferecer um aperto de

mão rudimentar. Como este, a maioria dos projetos especiais da feira reflete o interesse de seus criadores

em fundir arte e tecnologia de uma forma que pareça mais generativa do que incompreensível, o que é

bastante interessante para uma feira que foi apoiada pelo colecionador de arte e cofundador da Microsoft,

Paul Allen141.

Dentre esses exemplos, encontram-se também debates feitos por outros agentes do circuito

(colecionadores, galeristas, curadores) não só sobre a comercialização de obras tecnológicas, mas também

as configurações e a utilização de outras formas de efetuar estas compras. É o caso da tecnologia de

registro Blockchains e as criptomoedas, que já estão sendo debatidos pelos agentes internacionais. A

promessa de criptomoeda é supostamente um tipo de descentralização libertária e um novo nível de

precisão à prova de erros nas transações online, além de protegê-las de fraudes. Como o excessivo

encantamento pelas tecnologias não é bem visto em meio a comercializações, a prudência é ponto de

partida para que esses agentes reflitam sobre essas novidades tecnológicas apresentadas pelo mercado.

Assim, o galerista e empreendedor Adam Lindemann, visando explorar as ligações da arte com a

tecnologia blockchain, juntou-se à diretora do New Museum, Lisa Phillips e o curador do Museu de Arte

141 Disponível em: https://news.artnet.com/market/art-and-robots-start-the-seattle-art-fair-with-a-bang-1328162

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Moderna, Stuart Comer, com convidados como o vice-presidente da Pace, Adam Sheffer, e a diretora da

Armory Show, Nicole Berry, para debater sobre o assunto142.

Mesmo com as atuais ausências em algumas plataformas, carências em pesquisas e estatísticas sobre a

área, o encontro da arte & tecnologia com o mercado contemporâneo parece inevitável. Há de se pensar

também que, caso o mercado abarque completamente essas produções e suas variáveis, há um caminho

longo a ser trilhado, além das reconfigurações que emergirão. Para as plataformas brasileiras, revisões

e reconfigurações do/no atual sistema mercadológico serão necessárias se dispostas a diversificar e

internacionalizar suas produções e vendas.

Em visita ao Brasil, Edmond Couchot foi entrevistado sobre poéticas com tecnologias e a interatividade

da arte e relatou a ausência de um mercado preparado para esta vertente

[...] na minha opinião, a arte digital está à margem. Não há crítica e ela não é

vendida. Não se encontra esse tipo de arte em galerias, exceção feita a

raríssimos casos. Quando os críticos de arte tradicional falam da arte digital,

normalmente é para dizer que a interação invalida aquilo como arte. Esse tipo

de trabalho exige novos críticos e novos organizadores. O sistema de

142 Disponível em: https://theartofblockchains.com/agenda , também em https://news.artnet.com/art-world/art-of-

blockchains-1411054 e https://www.forbes.com/sites/rachelwolfson/2018/12/12/blockchains-impact-on-the-billion-dollar-art-

market-debated-during-miami-art-week/#775af6fa239a

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legitimação da arte contemporânea, da arte tradicional, não funciona com a

digital143.

Este quadro, apresentado por Couchot em 2006, é visto hoje, com avanços lentos, mas assentados em

bases firmes (apesar das diversas oscilações nos contextos econômico-políticos e socioculturais). Talvez,

esta seja uma das características que faz com que a arte & tecnologia se desenvolva: a pesquisa.

Com o investimento na década de 90 por parte de artistas e pesquisadores, o Brasil despontou em

poéticas dessa vertente. A pesquisa na área também ganhou adeptos, junto aos artistas, programadores,

teóricos e críticos na área. Mesmo em pequeno número, com produções pontuais, estabeleceram bons

debates para a base de arte & tecnologia no Brasil. Assim, destaca-se o primeiro financiador e

legitimador da arte & tecnologia: a universidade e os laboratórios. Segundo Gasparetto

Os financiadores desta rede fluida, até agora, são as universidades, incluindo bolsas,

algumas instituições privadas, com prêmios e residências, e as leis de incentivo à

cultura, ou internacionalmente, o apoio direto do Estado. Sua crítica foi construída

pelos próprios pares, especialmente pelos artistas e teóricos da comunicação. As

instâncias de legitimação deste modelo são fundamentalmente os festivais e as

mostras que aproximam tal produção do público, internacionalmente, centros

especializados são responsáveis por defendê-lo e mantê-lo (GASPARETTO, 2016, p.

103).

143 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1807200607.htm

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Temos como exemplo esses espaços colaborativos e interdisciplinares, o Laboratório LATE144. Um espaço

híbrido fundado em 2011 por um coletivo para-acadêmico denominados (ar/cien)tistas abertos para a

exploração e desenvolvimento de projetos que permeiam a arte, ciência e tecnologia. Nesse cenário

também se destacam pesquisas no âmbito das universidades que investem nessas produções,

contribuindo para o alcance de prêmios internacionais. Um exemplo disso é a instalação “Culturas

Degenerativas” do pesquisador do Instituto de Artes (IA) da Unicamp. O pesquisador/artista Cesar Baio

trabalhou com a artista californiana Lucy HG Solomon desenvolvendo a obra com arte digital que reúne

fungos, rede social e inteligência artificial. A obra recebeu o prêmio Lumen Prize British Computer

Society Artificial Intelligence, uma competição global da instituição Lumen Art Projects Ltd, baseada no

Reino Unido e dedicada à promoção de artistas digitais ao redor do mundo145.

Nas pesquisas, festivais e prêmios, aos poucos, entre essas linhas e tecidos, o mercado de arte tecnológica

vem bordando, perfazendo sua própria urdidura. Mesmo com dificuldades visíveis no mercado da arte, a

arte digital, pouco a pouco, vem ganhando espaço a partir de iniciativas – isoladas ou coletivas – que

possibilitam a sua distribuição. Nesta urdidura que se compõe, diversos agentes tecem as linhas,

conectam ações, fazendo o tecido. Os colecionadores, por exemplo, por meio da compilação, de ‘ações de

coleta’, colecionam inúmeras linguagens e muitas vezes propõem todo o projeto e não só sua aquisição.

144 Disponível em: http://late.art.br/# 145 Disponível em: https://www.unicamp.br/unicamp/ju/noticias/2019/01/04/obra-de-arte-digital-reune-fungos-rede-social-e-

inteligencia-artificial

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Como é o caso dos colecionadores Maxine e Stuart Frankel, fundadores da The Maxine and Stuart

Frankel Foundation, sediada em Michigan (EUA). Ambos são diretamente responsáveis pelo

financiamento da obra “Rain Room146” do estúdio colaborativo “rAndom International” criado em 2005

por Hannes Koch, Florian Ortkrass e Stuart Wood. Rain Room é um campo de 100 metros quadrados de

água caindo para os visitantes percorrerem e experimentarem como se sentiriam se controlassem a

chuva. Ao entrar na curva, o visitante ouve o som da água e sente a umidade no ar antes de descobrir

milhares de gotas que respondem à sua presença e movimento - mapeando o corpo, sem molhá-lo - usando

tecnologia de ponta. Rain Room já passou por exposições e foi possível graças ao apoio da Fundação

Maxine e Stuart Frankel, formada pela dupla de colecionadores.

146 Disponível em: http://blog.barbican.org.uk/2012/10/random-international-present-rain-room/

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Hoje a obra (figura acima) está em instalação permanente na Sharjah Art Foundation, uma fundação

de arte contemporânea e cultural sediada em Sharjah, nos Emirados Árabes Unidos. Em uma palestra

na SPArte147 – 2016, perguntei aos colecionadores Maxine e Stuart Frankel quais dificuldades

encontraram na negociação desta obra. Responderam que foi um projeto ousado e mágico, pois fugia das

propostas comuns ao mercado, mas que todo o trabalho tinha seus protocolos, os artistas disponíveis

para ajustes e um manual com as diretrizes para realização.

Essa é uma das formas que viabiliza a comercialização da arte tecnológica, derrubando o receio e algumas

questões apontadas por galerias que se esquivam das “propostas tecnológicas”. Algumas apontam que

produzir todo um protocolo ou guia ainda é “um grande risco”, tendo em vista a obsolescência das

tecnologias e dificuldades em relação à compreensão/(re)criação dos códigos, caso precise de

manutenções, por exemplo. Ao mesmo tempo, esse posicionamento vai de encontro a uma fala – muito

frequente – entre os artistas tecnólogos: “não estamos fazendo para eternizar, estamos produzindo para

que seja visualizado, apreciado ‘para o agora’... se a obra perdura ou é efêmera e não há (re)exposição,

ambas condições são válidas e aceitáveis.” Esta proposição de respeito à efemeridade e despreocupação

147 Em parceria com a ARTE!Brasileiros, a 12ª edição da SP-Arte realizou, nos dias 07 e 08 de abril de 2016, a série de debates

Talks. O ciclo recebeu Maxine e Stuart Frankel, fundadores da The Maxine and Stuart Frankel Foundation. Vídeo disponível

em: https://www.youtube.com/watch?v=1TfXAXQSOVU

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com a longevidade da produção é uma característica comum a artistas que produzem arte tecnológica e

trazem à tona discursões sobre a aura, materialidade, e permanência da obra de arte.

Claro que não é somente a longevidade da obra que a torna adequada ou inadequada para o mercado.

Desde a sua constituição, a obra perpassa por outras vias, com regras próprias, com parâmetros

diferentes, inclusive, díspares dos circuitos já institucionalizados. É possível, como já dito, que os tecidos

se cruzem, mas ambos apresentam tessituras com suas diferenças e especificidades. É o caso de obras

que são construídas para cidades (projeções mapeadas ou luminosas, por exemplo), feitas em espaço

público e que perpassam o mercado tradicional de arte quando adentram às galerias – algumas vezes –

mudando seu formato inicial, adequando-se ao espaço, projeto expositivo, dentre outros. Estas galerias

executam papel importante no circuito mercadológico: expõem, financiam, agenciam e mediam relações

e negociações entre clientes e artistas. Outros agentes, como marchands, utilizam desse espaço para

visitas, assessoria e assistência a possíveis compradores. Mesmo com esse potencial, principalmente

como mediadoras, algumas galerias ainda nutrem certa resistência à arte tecnológica e sua possível

comercialização.

Por outro lado, há galerias que, desde suas gêneses, foram pensadas como espaços para mediar, gerir e

negociar arte tecnológica. Por exemplo, criada em 2001 por Steven Sacks, a Bitforms Gallery (New York)

gerencia artistas estabelecidos em meio de carreiras e emergentes, dedicados criticamente a novas

tecnologias. Abrangendo a rica história da arte da mídia através de seus desenvolvimentos atuais, o

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programa da galeria oferece uma perspectiva direta sobre os campos das formas de arte digital, internet,

baseada em novas mídias.148

Em sua página, a equipe Bitform é objetiva ao apoiar e defender coleções de obras de arte efêmeras,

temporais e digitais desde o início, inclusive, muitos dos seus artistas estão em coleções de museus e

instituições que possuem uma perspectiva próxima ou alinhada com essas vertentes. O Museu Solomon

R. Guggenheim, Nova York; o Centro de Arte e Mídia (ZKM), Karlsruhe; Centre Pompidou, Paris; Museu

Stedelijk, Amsterdã; e Borusan Contemporary, Istambul, dentre outras instituições.149

148 Disponível em https://bitforms.art 149 Informações disponíveis em https://bitforms.art

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Figura 43. Strata series. Strata #3. Quayola. Vídeo Projeção. Dimensões variadas. 2009150

150 Mais informações e detalhes sobre a obra em https://www.quayola.com/strata3/

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Na imagem acima, uma das obras do artista Davide Quayola (1982- ), representado pela Bitforms.

Quayola cria espaços híbridos de pintura e escultura animada, que envolve uma prática de desempenho

audiovisual, desenho, fotografia e programação de software. Agenciado pela galeria Bitforms, Quayola

teve acesso excepcional e raro à arte e arquitetura de igrejas, teatros e museus na Europa, como a

Catedral de Notre Dame. Em seu trabalho, obras-primas e coleções originais tornam-se telas cruas,

enquanto Quayola ancora uma exploração baseada em vídeo, colagem, dentre outros. No Brasil, Quayola

já expôs em São Paulo e Rio de Janeiro e desenvolve e comercializa seu trabalho, colaborando em projetos

musicais, orquestras, dentre outros151.

Dentre obras comercializadas pela Bitforms, estão esculturas digitais, instalações de som e vídeo, obras

híbridas e software art. As obras são vendidas com manual e garantia. Outras obras são vendidas em

CD com assinatura do artista, seguida também de manual. Com o crescimento das vendas da Bitforms,

Sacks abriu em 2005 uma galeria online para software art. No momento, o site está inativo. Neste mesmo

ano, a galeria Bitforms superou US $ 1 milhão em receita de revenda e consignação, levando os críticos

a considerarem Sacks o rei da comercialização da arte digital.152

151 Mais informações sobre a vida e carreira do artista em https://bitforms.art/artists/quayola/biography 152 Mais informações e curiosidades sobre a galeria, negociações e seu desenvolvimento mercadológico, em

https://www.wired.com/2005/09/sacks/

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Outra instituição que também é considerada pioneira na comercialização de arte tecnológica é a Galeria

Postmasters. Criada em 1984, situada em New York, está com seus 33 anos agenciando trabalhos

inovadores no campo da arte. No site da galeria, seus diretores Magdalena Sawon e Tomas Banovich são

objetivos e arrojados quanto ao interesse e expectativas pelo campo da arte tecnológica e sua

comercialização

Queremos nos dar a oportunidade de mostrar a arte que o mercado ainda não está engolindo

por inteiro. Queremos continuar promovendo o trabalho com conteúdo desafiador, que pode

levar tempo para ser amado, apreciado e adquirido. Queremos procurar arte por artistas - velhos

e jovens - que nos confunda e que não conhecemos ou entendemos. Não queremos antecipar o

mercado e tentar atender às suas demandas. Queremos desafiar o mercado e talvez ensiná-lo.

Afinal, vendemos algumas coisas impossíveis no passado. Queremos pesquisar em profundidade

e largura para colecionadores que compartilham essa visão.153

As vendas também perpassam mídias como CDs que são vendidos com manuais e assinatura do artista.

Oferecem suporte direto e apontam possível migração do dispositivo, como em casos de venda de

vídeos/filmes. Em 2014, devido ao seu crescimento, a Postmasters foi considerada a principal galeria de

arte com inteligência pelo Village Voice, na categoria “Best art gallery”. Um ponto inovador da galeria é

153 (tradução da autora) - Disponível em http://www.postmastersart.com/

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ter em suas mostras e catálogo de vendas, artistas jovens. Desde pintores, artistas de produção híbridas,

até artistas digitais e de novas mídias, como o artista Rafaël Rozendaal.154

O artista Rafaël Rozendaal (1980-) é representado pela galeria Postmasters. É um artista

visual holandês-brasileiro que vive em Nova York. É também palestrante e produz webart e

videoinstalação, gravura e escrita, dentre outras vertentes. É considerado um dos primeiros artistas a

vender sites como objetos de arte. Seus sites são vendidos para colecionadores, galerias, anônimos. Como

ele mesmo propõe, “[...] meu trabalho é público por natureza e quero manter dessa forma [...]”, Rozendaal

ressalta suas obras como públicas e totalmente acessíveis para visualização, fazendo seus compradores

assinarem um contrato para manter o site ativo e acessível ao público.

O comprador então possui o nome de domínio do trabalho adquirido. Tanto o artista quanto o comprador

assinam um contrato para que o trabalho permaneça publicamente acessível. O nome do proprietário é

colocado no código-fonte e no título da página da web. É o caso, por exemplo, da obra abaixo.

154 Disponível em http://www.postmastersart.com/ e

http://www.postmastersart.com/archive/diao13/PostmastersMovetoFranklinStreet.pdf

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Figura 44. Obra: www.ifnoyes.com - Rafaël Rozendaal. 2013. Vendido para coleção de Benjamin Palmer e

Elizabeth Valleau.155

155 Disponível em http://www.ifnoyes.com/

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Rozendaal disponibiliza também o Art Website Sales Contract, que é um documento público que pode

ser usado por qualquer artista ou colecionador. A intenção do artista é, além de manter sua obra pública

por meio do contrato, colaborar nas compras e vendas de sites públicos. Em 2013,

o site http://www.ifnoyes.com da Rozendaal foi vendido em um leilão na Phillips (leiloeiros) em Nova

York por US $ 3.500.

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Figura 45. Art Website Sales Contract. Rafael Rozendaal 156

156 Disponível em http://www.artwebsitesalescontract.com/

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Em seu texto crítico sobre Rozendaal e sua forma de produção e comercialização de arte, o curador Marti

Manen157 destaca um diferencial no trabalho do artista: “Os sites do Rozendaal não oferecem

informações; elas são a ‘informação’, uma espécie de construção abstrata que acontece e está

acontecendo, às vezes com interação do usuário, às vezes com o usuário mantendo uma distância

observacional”. Junto a outros diferenciais, o curador ressalta questões importantes como “Por que é tão

difícil definir sites como peças de arte? Nós os aceitamos como obras de arte? Por que a história da

Net.art é obscura e amplamente desconhecida? Por que é tão difícil manter um registro do tempo e da

história na rede?”. Estas são questões que exigem não só observação e reflexão, mas também ações que

rompam com mitos e resistências a respeito de arte tecnológica, alimentadas no mercado de arte.

E por último – não menos importante – a Art Micro Patronage, uma plataforma criada por Eleanor e

Oliver Hanson, para financiamento de processos artísticos. Nesta plataforma, são exibidas on-line

exposições mensais de trabalhos digitais, com novas mídias e híbridos. À medida que os visitantes

navegam pelas exposições, eles podem tornar-se micro-patronos das produções ali apresentadas, com

pequenos valores monetários. Os clientes recebem um link e uma imagem como reconhecimento por sua

disposição financeira e podem acompanhar os trabalhos que eles patrocinaram. A ideia de patronagem

157 Texto disponível em https://www.newrafael.com/texts/

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foi vista em outros momentos da História da Arte e, atualmente, também auxilia na produção de arte

tecnológica, mas com um diferencial: o foco é a doação e não a propriedade. Os autores da plataforma

apontam claramente a necessidade de se pensar outras vias para o financiamento e consequentemente

o sustento dos artistas. Finalizando esses exemplos de possíveis vias de comercialização de arte

tecnológica, os autores da plataforma, Eleanor e Oliver Hanson, manifestam sobre o financiamento de

artistas para produção de arte:

“[...] como apreciadores on-line, somos encorajados a mostrar nossos agradecimentos

compartilhando ou repostando, com a promessa de que a notoriedade traz segurança

financeira. Não estamos totalmente convencidos dessa lógica. É preciso haver uma luz no fim

deste túnel, porque ser "amado" ainda não paga as contas. É por isso que construímos uma

maneira alternativa de mostrar apreço, uma maneira que permite que os criadores continuem

fazendo coisas maravilhosas. Com o AMP, queremos facilitar o máximo possível o suporte a um

ótimo trabalho. Eleanor e Oliver Hanson.”158

Em nosso país, ainda estamos distantes de um sistema mercadológico que pensa as especificidades e comercializa

a arte tecnológica contemporânea. Isso reverbera em desabafos, como dos autores acima, mas também suscita

pesquisas e indagações no campo. Mesmo com todas as complexidades envolvendo arte e tecnologia e o sistema

mercadológico as alternativas aqui apresentadas demonstram que é possível pensar e operar novos mecanismos

para o mercado e suas vias de atuação. É exequível também experimentar desdobramentos das ferramentas e

modos já existentes, como no caso acima, a patronagem.

158 Disponível em http://artmicropatronage.org/about#

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Considerações Finais

Inicialmente, três tecidos propostos para pesquisa: Feiras de Arte, Feiras livres/Mercados de feirantes,

Arte & tecnologia. Três tecidos que foram sobrepostos com/por meio de processos teórico-práticos,

produção artística, analogias, pesquisas e narrativas. Tecidos que, ora bordados por variadas dúvidas,

ora costurados com outros autores. Urdiduras perpassadas por diversas caminhadas: idas e vindas entre

as feiras. Temperos e destemperos, ora feira de arte, ora arte de feirantes, frutos/obras, bancas, galerias

de arte e galerias de condimentos, expografias (na feira de rua/na feira de arte), dentre outros. Pausas

para organizá-los em forma de poética, por meio dos processos em arte & tecnologia. E paulatinamente,

a caminhada por esses contextos junto ao processo artístico apontaram linhas soltas, lacunas, tecidos

desfiados, discrepâncias.

Questões iniciais, como por exemplo - “existe um mercado de arte & tecnologia? O mercado tradicional

absorve esta produção’’ - desdobraram-se em outras indagações como “se existe um mercado de arte &

tecnologia e/ou se esta produção infiltra o mercado de arte tradicional?” e “se há uma produção em arte

& tecnologia emergente, como se configura a comercialização e circulação dessas produções?”. Aos poucos

a investigação apontou respostas da mesma forma que abriu outros objetos para análise. Objetos como

as instituições, os agentes e seus contextos que, perpassam por esses tecidos e movimentam seus fios,

alteram suas tramas, texturas e disposição.

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Algumas configurações do mercado tradicional de arte - em especial as feiras de arte - foram expostas e

observadas, me permitindo pensar dentro desse sistema as possíveis dinâmicas e subversões que o

mercado de Arte & Tecnologia podem efetuar. É possível pontuar que a partir das lógicas estabelecidas

no mercado tradicional de arte - inclusive nas feiras - ainda estamos longe de apontar um mercado de

arte & tecnologia no Brasil. Em nosso cenário mercadológico, este nicho é praticamente inexistente.

Outras vias são criadas e percorridas pela produção de arte & tecnologia, como por exemplo, o foco na

experiência e compartilhamento nos mais diversos espaços. Coletivos universitários, laboratórios, grupos

de pesquisa, eventos e exposições independentes, dentre outros, fomentam a disseminação da Arte &

tecnologia e o contato com o público no país. Até o dado momento, também é possível perceber que os

artistas tecnólogos vinculam suas produções com outras áreas e linguagens, a fim de manterem ativa a

carreira e assim continuarem com seus processos e experimentos em Arte & tecnologia.

Há de se apontar também que, a produção artística concebida por meio das tecnologias

contemporâneas159 possui suas características e peculiaridades específicas como a efemeridade, a

imaterialidade, o virtual, a simulação, dentre outros. Isso a coloca diante de olhares curiosos que desejam

conhecer e apreciar tais inovações, ao mesmo tempo que, a considera “obras invisíveis” e/ou

“investimento de risco”, principalmente no que tange a comercialização.

159 Produções de artes & Tecnologias contemporâneas como vídeo mapping, interatividade sonora e visual, realidade virtual,

artes telemáticas – realizadas em espaços distintos geograficamente interligados por rede de informação, artes para GPS,

3G, tecnologia móvel; ambientes/instalações imersivas e sensoriais, software art, nanoarte, bioarte, dentre outras linguagens

desenvolvidas a partir de atualizações ou com os novos adventos.

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É necessário aprofundar nessas questões, tendo em vista a transição de uma era – considera-se também,

os deslocamentos socioeconômicos, políticos e culturais - que comercializa “objetos acabados”, materiais

sem tempo determinado de validade, para uma era que comercializa objetos efêmeros, digitais,

“invisíveis”.

Retomo aqui a fala dos autores Barreto e Perissinotto (2011), sobre esta transição e necessidade de

observar estas mudanças e pensar ações sobre elas: “talvez estamos entre uma coisa e outra no interstício

de múltiplas perspectivas, onde antigas instituições e antigas pragmáticas não conseguem mais

expressar e nem detectar as atuais manifestações culturais e não basta ligá-las às redes mundiais numa

aparência de mobilismo, há que se mudar também as estratégias e mentalidade”. Isso demostra por

exemplo, quando os artistas (ou instituições) se deparam com entraves no processo de absorção (pelo

mercado) das obras de arte & tecnologia, em sua completude. Assim, em contato com o mercado de arte

– culmina-se na opção de comercializar os possíveis desdobramentos, como os registros fotográficos, ou

partes “palpáveis” da obra, por exemplo. O forte desejo de apropriar-se do objeto/produção de alguma

forma e/ou medida. Isto aponta para a hipótese de que, o sistema mercadológico ainda não absorve estas

produções em sua totalidade, mas, opta pelas hibridizações e desdobramentos que estas obras permitem.

Ou seja, os processos artísticos desenvolvidos com tecnologias contemporâneas são também abertos e

estendidos às linguagens já consolidadas como a fotografia, pintura, dentre outros. Por exemplo, um

holograma que possui em seus artefatos limitações previstas como a obsolescência programada, também

chegará às vias comerciais e ao público em forma de fotografias, vídeos, etc. Um fragmento, uma breve

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parcela da obra, do todo. A intrínseca tentativa e o desejo de prolongar e/ou manter permanentemente o

que se é, em sua essência, efêmero.

Também foram encontrados outros desafios que vão de encontro a arte e tecnologia e sua inserção

mercadológica. As muitas visitas e análises feitas nas feiras de artes, tornaram visível a ausência de

uma crítica especializada em arte & tecnologia para sanar lacunas sobre o tema, suas composições e

conceitos. As especificidades da área - muitas vezes – são negligenciadas devido a carência de

esclarecimento e difusão clara do tema. É preciso pensar em inserções de especialistas nos espaços

mercadológicos, que pensam e discorram a respeito das particularidades da área e clarifique tal objeto,

de forma a amenizar mistificações que colocam a arte & tecnologia como sinônimo de “investimento de

risco”, “obsolescência total”, dentre outros. Além disso, ampliar as discussões e debates a respeito de

novos mecanismos que amparam e assistam temáticas como a durabilidade, o armazenamento, modos

de exposição e limitações do campo.

É manifesto também a necessidade de atualização das instituições e seus agentes: desde produtores para

a modalidade às políticas de incentivo, ou seja, quem atua diretamente com o fazer até quem financia e

estrutura as condições para esses trabalhos. O tratamento dado às obras tradicionais já não contempla

o tratamento necessário a trabalhos compostos com/por tecnologias contemporâneas. Em exposições de

arte, por exemplo, a dinâmica do espaço, a expografia propriamente dita, torna-se outra devido aos

artefatos e composição das obras. É preciso que haja atualização contínua dos agentes e suas instituições

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para lidarem da melhor forma com as peculiaridades desta vertente, evitando desconfigurar o trabalho

proposto.

E por último, um ponto que abarca todas as instâncias do sistema mercadológico das artes: ética na

comercialização. A arte tem sido alvo de diversas situações complexas envolvendo produções artísticas,

recorrentemente. A ausência de ética ao tratar preços e valores de uma obra causa danos ao sistema,

desde hipervalorização de obras - transformando as em fetiches - à escândalos que envolvem diversos

agentes desse processo. O uso da nebulosidade e dubiedade de preços como maneira de “expertise” para

alavancar negócios trazem sim impasses para o sistema e claro, obstáculos para uma reunião de dados

fidedigna e transparente. É preciso lembrar que, o circuito de arte e seus agentes, o mercado e toda a

produção artística se retroalimentam e por isso gerir as regras de todo esse circuito com ética, deveria

tornar-se procedimento para todo o sistema. A arte tecnológica traz a vista esses pontos justamente por

fremir e subverter algumas “lógicas” já estabelecidas pelo sistema mercadológico. A exposição destes

pontos não vem como solução, mas como ponto de partida para repensar as regras e mecanismos - da

concepção à recepção - ditados pelo mercado. Alguns prognósticos, sem pontos finais. Costuras novas e

algumas linhas soltas no encontro de todos esses tecidos. A necessidade de críticas e ponderações sobre

o encontro da Arte & tecnologia com o Mercado e as possibilidades de uma reorganização no circuito e/ou

criação de um circuito próprio para Arte tecnológica.

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Figura 46. A eterna dúvida sobre qual doce ou autor “panhá”. (Mercado M. de Uberlândia - MG). 2018.

Arquivo pessoal.

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