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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UnB FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO, CONTABILIDADE E CIÊNCIA DE INFORMAÇÃO E DOCUMENTAÇÃO (FACE) PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇAO EM ADMINISTRAÇÃO (PPGA) VIRGÍNIA GOMES DE CALDAS NOGUEIRA PRESSÕES NO TRABALHO E A CRIATIVIDADE NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL Brasília – DF 2007

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UnB FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO, CONTABILIDADE

E CIÊNCIA DE INFORMAÇÃO E DOCUMENTAÇÃO (FACE) PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇAO EM ADMINISTRAÇÃO (PPGA)

VIRGÍNIA GOMES DE CALDAS NOGUEIRA

PRESSÕES NO TRABALHO E A CRIATIVIDADE NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

Brasília – DF 2007

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VIRGÍNIA GOMES DE CALDAS NOGUEIRA

PRESSÕES NO TRABALHO E A CRIATIVIDADE NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

Dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação em Administração, da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Ciência da Informação e Documentação (FACE), da Universidade de Brasília, como requisito parcial à obtenção de grau de Mestre em Gestão Social e Trabalho. Orientadora: Profª. Drª. Maria de Fátima Bruno de Faria

Brasília – DF 2007

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VIRGÍNIA GOMES DE CALDAS NOGUEIRA

PRESSÕES NO TRABALHO E A CRIATIVIDADE NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

Dissertação de Mestrado aprovada pela seguinte Comissão Examinadora:

_______________________________________ Profª Drª Maria de Fátima Bruno-Faria

Programa de Pós-Graduação em Administração Universidade de Brasília – UnB

Orientadora

_______________________________________ Profª Drª Albertina Mitjáns Martínez

Universidade de Brasília – UnB Examinadora interna

_______________________________________ Profª Drª Denise de Souza Fleith, Ph.D

Universidade de Brasília – UnB Examinadora interna

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Ao meu esposo Walter e ao meu filho Arthur pelo amor, carinho, paciência e sobretudo

pelo apoio incondicional durante a realização deste trabalho.

Aos meus pais, Hélio de Caldas Nogueira e Helena Maria Gomes de Caldas Nogueira

e ao meu irmão, Luiz Ricardo, por toda contribuição e incentivo à minha aprendizagem.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter estado sempre ao meu lado, concedendo-me forças para concluir este trabalho. À Professora Dra. Maria de Fátima Bruno-Faria, que com toda sua paciência e carinho, zelou pelo para que o meu trabalho apresentasse qualidade. Às Professoras Dras. Albertina Mitjánz Martínez, Denise de Souza Fleith e Eunice Soriano Alencar por terem aceitado participar como examinadoras na minha da minha banca de avaliação, com presteza e dedicação contribuindo com sugestões e orientações valiosas à minha dissertação desde a apresentação do meu projeto de pesquisa. Ao Professor Dr. Tomás de Aquino, firme e ao mesmo tempo sereno em seu incentivo e dedicação aos alunos. À Professora Dra. Catarina Odelius, por se prontificar em avaliar o presente trabalho como membro suplente na Comissão Examinadora. Aos amigos Caroline Marcon, Leonardo Hoff, Marcelo Almeida e Rosana Câmara pelo incentivo, contribuição e apoio durante todo curso. Aos amigos Denise Andretta, Fabiana Reis, Fernanda Carvalho, Fernanda Morato, Múcio Marinho, Onofre Silva e Ricardo Denaldi, que me possibilitaram realizar esta pesquisa. Aos colegas da secretaria da pós-graduação em administração, por toda atenção recebida.

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“Será que é o tempo que lhe falta prá perceber Será que temos esse tempo prá perder

E quem quer saber A vida é tão rara (tão rara)”

Lenine e Dudu Falcão

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RESUMO

Este estudo teve como principal objetivo caracterizar as formas de pressão no contexto de

trabalho, sua influência sobre a criatividade e as estratégias utilizadas pelas pessoas para

lidar com situações de pressões. Foi realizada uma pesquisa qualitativa em uma das

maiores empresas de varejo do segmento de supermercados do país, tendo como técnica de

coleta de dados a pesquisa documental e grupos focais. Participaram da pesquisa dezenove

Chefes de Seção, subdivididos em três grupos focais, realizados em três lojas diferentes.

Para análise e interpretação de resultados empregou-se a técnica de análise de conteúdo

proposta por Bardin (2004). A análise de conteúdo permitiu categorizar os tipos de pressão

identificados no contexto de trabalho da organização pesquisada, as estratégias individuais

e grupais utilizadas para fazer frente às situações de pressão e a estratégia organizacional

para estímulo à criatividade. Constatou-se, a partir dos resultados desta pesquisa, que, na

percepção dos participantes do estudo, as pressões vivenciadas no contexto organizacional

influenciam a criatividade podendo, contudo, provocar nas pessoas maneiras diferentes de

reagir e de enfrentar situações de pressão em cada sujeito. Os tipos de pressão mais citados

pelos participantes como prejudiciais ao processo criativo no contexto de trabalho foram: a

pressão de tempo (89,47%), a auto-exigência elevada (89,47%), a pressão da família e dos

amigos (63,16%) e a pressão por resultados (57,89%). As estratégias para criar mais citadas

nesse contexto, como formas para enfrentar às situações de pressão, foram o planejamento

de tempo e tarefas (68,42%) como estratégia individual; a troca de idéias e experiências

entre colegas de trabalho (47,37%) como estratégia do grupo; e a estratégia da organização,

caracterizada pela implementação de programas estruturados de estímulo à criatividade

(31,58%). Percebeu-se que os tipos de pressão identificados se inter-relacionam de forma

complexa, exercendo influências diferenciadas nos sujeitos. Sugere-se que para estudos

futuros se considerem recortes mais específicos sobre as pressões e estratégias identificadas

como forma de ampliar o conhecimento a respeito dos impactos que podem provocar sobre

a expressão da criatividade de indivíduos e grupos no contexto de trabalho.

Palavras-chave: pressão do trabalho, pressão de tempo, auto-exigência elevada, pressão da

família e dos amigos e pressão para resultados, estratégias para criar e criatividade nas

organizações.

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ABSTRACT

This study had as main objective to characterize the forms of pressure in a work environment

and its influence on creativity, as well as which strategies are used by people to deal with

situations of pressures. A qualitative research was conducted in one of the Country’s largest

retail companies in the supermarket segment, using documental research and focal groups as

techniques for collecting data. Nineteen section supervisors of the supermarket participated in

the research subdivided in three focal groups, conducted at three different stores. The

technique of content analysis proposed by Bardin (2004) was used for analysis and

interpretation of results. The content analysis allowed the classification of the identified types

of pressure in the work environment of the researched organization, the individual and group

strategies used to confront pressure situations and the organizational strategy used to incentive

creativity. It was verified starting from the results of this research that the pressure

experienced in the organizational context influences creativity, however it could provoke

different ways of reacting and of facing pressure situations. The types of pressure types most

mentioned by the participants as harmful to the creative process in the work context were:

time pressure (89,47%), high self-demand (89,47%), friends and family pressure (63,16%)

and the pressure for results (57,89%). The strategies to increase creativity most mentioned in

that context as forms to face the pressure situations were planning of time and tasks (68,42%)

as an individual strategy; the exchange of ideas and experiences among work colleagues

(47,37%) as a group strategy; and organization’s strategy, characterized by the

implementation of structured programs to incentive creativity (31,58%). It was noticed that

the identified types of pressure interrelate in a complex way, exercising different influences in

individuals. It is suggested for future studies to concentrate specifically in one of the forms of

pressures in order to enhance knowledge on it’s impacts on individuals and groups in a work

environment.

Key words: work pressure, time pressure, high self-demand, friends and family pressure,

pressure for results, strategies to create and creativity in the organizations.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Fatores referentes a estímulos à criatividade no

ambiente de trabalho................................................................................ 27

Quadro 2 Fatores referentes a obstáculos à criatividade no

ambiente de trabalho................................................................................ 28

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Distribuição dos grupos focais por loja e participantes............................ 48

Tabela 2 Pressões prejudiciais ao processo criativo nas organizações.................... 57

Tabela 3 Estratégias para criar em ambientes de pressão........................................ 74

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Os três componentes da criatividade........................................................ 21

Figura 2 A visão de sistemas da criatividade.......................................................... 23

Figura 3 Impacto do ambiente organizacional na criatividade............................... 25

Figura 4 Inter-relação dos conceitos de criatividade, inovação e mudança organizacional.......................................................................................... 26

Figura 5 Teoria componencial da criatividade...................................................... 34

Figura 6 Apresentação esquemática dos resultados do estudo................................ 56

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SUMÁRIO

1 - INTRODUÇÃO .............................................................................................. 11

1.1 – Contextualização do problema de pesquisa ................................ 12

1.2 – Objetivos ..................................................................................... 15

1.2.1 Objetivo geral .................................................................... 15

1.2.1 Objetivos específicos ......................................................... 15

1.3 – Justificativa e relevância .............................................................. 15

2 - REFERENCIAL TEÓRICO ........................................................................... 18

2.1 – Criatividade nas organizações: definições e conceitos correlatos 18

2.2 – A influência do contexto do trabalho na criatividade .................. 26

2.3 – A influência da pressão de tempo e da sobrecarga de

trabalho na criatividade ......................................................................... 33

3 - METODOLOGIA .............................................................................................. 42

3.1 – Tipo de pesquisa ........................................................................... 42

3.2 – Características da organização ..................................................... 43

3.3 – Participantes da pesquisa .............................................................. 43

3.4 – Instrumentos de coleta de dados ................................................... 44

3.4.1 – Pesquisa documental ........................................................ 44

3.4.2 – Roteiro de entrevista – grupos focais ............................... 44

3.5 – Procedimentos de coleta de dados ................................................ 47

3.5.1 – Coleta de dados da pesquisa documental ......................... 47

3.5.2 – Coleta de dados dos grupos focais ................................... 48

3.6 – Análise de Dados .......................................................................... 49

4 - RESULTADOS E DISCUSSÃO......................................................................... 52

4.1 – Pesquisa documental ...................................................................... 52

4.2 – Grupos focais .................................................................................. 53

4.3 – Categorias e definições operacionais ............................................. 53

4.4 – Tipos de pressão ............................................................................ 56

4.4.1 – Categoria I – Pressão de tempo ........................................ 57

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4.4.2 – Categoria II – Auto-exigência elevada ............................. 66

4.4.3 – Categoria III – Pressão da família e dos amigos .............. 68

4.4.4 – Categoria IV – Pressão para resultados ............................ 69

4.5 – Estratégias para criar: individuais, grupais e organizacionais ....... 73

4.5.1 – Categoria I – Estratégia individual: planejamento de

tarefas e de tempo ......................................................................... 74

4.5.2 – Categoria II – Estratégia grupal: troca de idéias e

experiências .................................................................................. 77

4.5.3 – Categoria III – Estratégia organizacional: programas

estruturados de estímulo à criatividade ........................................ 78

5 - CONCLUSÕES...................................................................................................... 81

REFERÊNCIAS ................................................................................................... 85

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1. INTRODUÇÃO

Nas pesquisas sobre criatividade nas organizações, percebe-se uma preocupação maior

não só com a compreensão do fenômeno, mas também em descobrir caminhos para estimular

a expressão da criatividade no ambiente de trabalho e reduzir o impacto dos fatores negativos

desse ambiente que possam prejudicar a produção criativa das pessoas. Percebendo essa

realidade Bruno-Faria (1996, p. 7) justifica o crescente interesse pelo tema afirmando que “as

mudanças constantes que ocorrem no mundo exigem das empresas adaptações rápidas,

devendo contar com pessoas e ambientes criativos...”.

Surgem, então, nas organizações, as premiações por resultados, bônus e remuneração

variável, como estímulos para motivar o indivíduo no sentido de estimular a sua criatividade.

Em muitos desses programas de incentivo e recompensa, o resultado de uma ação criativa é

utilizado como um indicador para medir o desempenho individual e compor o retorno

financeiro para o empregado, por meio de instrumentos como a avaliação de desempenho

quando atrelada a sua remuneração variável. A criatividade, que passa a ser freqüentemente

observada, avaliada e medida, torna-se um fenômeno de grande relevância nas organizações e,

este cenário competitivo parece aumentar o ritmo de trabalho e as pressões para que

resultados sejam atingidos.

Tal situação é observada por Zijlstra e Roe (1999, p. 2) ao ressaltarem que “vários

estudos sugerem que a pressão do trabalho aumentou entre a população trabalhadora”. Apesar

de não haver uma definição clara do termo, os autores conceituam a pressão do trabalho como

“estado energético cognitivo que pode ser resultado da avaliação que as pessoas fazem entre o

impacto das demandas de trabalho em relação ao trabalho que ainda precisa ser feito”, ou seja,

de acordo com esses autores, a pressão de trabalho pode ser resultado de uma alta exigência

em situações de trabalho. Eles afirmam que quando as pessoas percebem uma elevada carga

de trabalho e se sentem incapazes de lidar com ela, experimentam a pressão de trabalho. As

pessoas precisam investir bastante esforço para lidar com essa carga excessiva e tal esforço

conduz à fadiga. Segundo Zijlstra e Roe (1999), pressão do trabalho e sobrecarga de trabalho

são conceitos que mantêm relação entre si, pois quando o indivíduo percebe que o trabalho

está exigindo muito dele mesmo, experimenta a sensação de sobrecarga de trabalho. Assim,

carga de trabalho está relacionada com as demandas funcionais que um indivíduo possui e

que, dessa forma, sua intensidade pode causar algum efeito na criatividade dos indivíduos.

Dentre as pressões do trabalho, parecem se destacar no atual contexto das

organizações, a pressão de tempo e a sobrecarga de trabalho. Por este motivo o foco principal

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desta pesquisa recai sobre essas duas formas de pressão, que guardam estreita relação entre si

e na investigação sobre a maneira como influenciam a expressão criativa das pessoas.

O referencial teórico e a literatura pesquisada indicam que as pessoas reagem de

maneiras diferentes à pressão de tempo; algumas percebendo-a como um estímulo para buscar

soluções mais criativas e outras encarando a pressão de tempo como uma barreira que as

impede de criar algo novo (AMABILE et al., 2002; ANCONA et al., 2001; MAINEMELIS,

2002; PERLOW, 1999; ROXBURGH, 2004; UNSWORTH, 2004; WALLER et al., 2001).

Dessa forma, surge uma oportunidade de aprofundar a compreensão sobre o impacto que as

pressões do trabalho, mais especificamente a pressão de tempo e sobrecarga de trabalho,

podem ocasionar nas pessoas, nas mais diversas situações. E, aprofundando essa

compreensão, também compreender melhor quais são as estratégias individuais e grupais que

as pessoas utilizam para fazer frente às pressões do trabalho e criar nesse contexto.

Esta pesquisa está organizada em capítulos, de acordo com os tópicos a seguir:

Capítulo 1: Introdução. Este capítulo identifica o objeto de estudo, contextualiza o

problema de pesquisa, descreve objetivo geral e objetivos específicos, delimita o estudo e

apresenta a justificativa do tema.

Capítulo 2: Referencial teórico. Apresenta as principais abordagens teóricas sobre

criatividade nas organizações, os estudos empíricos anteriormente realizados encontrados na

literatura revisada sobre o tema e, em especial, sobre as suas relações com a pressão de tempo.

Capítulo 3: Metodologia. Define os procedimentos metodológicos utilizados no

sentido de responder à questão da pesquisa.

Capítulo 4: Resultados. Apresenta os resultados obtidos discutidos à luz do referencial

teórico e dos estudos científicos encontrados na literatura revisada sobre o tema criatividade,

pressão de tempo e outros tipos de pressão encontrados no contexto de trabalho.

Capítulo 5: Conclusões. São apresentadas as conclusões pertinentes à pesquisa e

sugeridas algumas recomendações quanto a pesquisas futuras sobre o tema.

1.1. Contextualização do Problema de Pesquisa

O objetivo inicial deste estudo, exposto na apresentação do projeto de pesquisa, era o

de investigar a influência da pressão de tempo sobre a criatividade dos indivíduos e grupos no

contexto de trabalho, contudo, no decorrer da coleta de dados, surgiram vários tipos de

pressão do trabalho, além da pressão de tempo. As formas de pressão identificadas, de acordo

com a percepção dos participantes da pesquisa, influenciavam de alguma maneira a sua

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capacidade de criar no contexto de trabalho. Por este motivo, os objetivos desta pesquisa

foram ampliados com objetivo de caracterizar as formas de pressão encontradas no contexto

de trabalho daquela organização e a sua influência sobre a criatividade.

Neste estudo, a criatividade nas organizações é entendida como a capacidade de gerar

elementos “novos e de valor”. Uma organização é considerada criativa “em função da ação

criativa dos indivíduos e dos grupos que a integram” (MARTÍNEZ, 2000, p. 62).

Amabile (1998), baseada em seus estudos em organizações, constata que a criatividade

tem sido muito mais reprimida do que estimulada. Atualmente, a pressão do trabalho por

resultados é um aspecto cada vez mais presente na vida das pessoas em seu ambiente de

trabalho. Essa pressão muitas vezes é acompanhada da imposição de deadlines, prazos

apertados e imprevistos, que ocorrem quase sempre, em função do tempo. Nas organizações e

na vida as pessoas parecem acreditar que o tempo nunca está a seu favor, pois ele nunca é

suficiente para executar suas tarefas (AMABILE et al., 2002; PERLOW, 1999). Por outro

lado, aumentou-se significativamente a necessidade por conhecimento, sobretudo por

tecnologia de ponta, multifuncionalidade, por quadro de pessoal extremamente reduzido, por

aumento da produtividade. O resultado disso tudo é a sobrecarga de trabalho.

Esperava-se que, por meio dos atuais recursos tecnológicos para o trabalho, advindos

da revolução da ciência nos últimos cinqüenta anos, as pessoas pudessem adotar um estilo de

vida mais equilibrado entre a vida profissional e a social/familiar, contudo não é essa a

realidade percebida nas organizações.

Ocorre que “as soluções que vinham sendo adotadas nas últimas décadas já não

atendem à realidade atual”, conforme explicam Bruno-Faria e Alencar (1998, p. 86). As

organizações necessitam de pessoas criativas, hábeis para lidar com problemas que surgem a

partir de um contexto de trabalho globalizado. Dessa forma, conforme ressaltam essas autoras,

“abrir espaços para a criatividade é essencial para as organizações atuais que pretendem

superar os constantes desafios com os quais se defrontam em seu dia-a-dia”.

Martínez (2000, p. 60) afirma que “se reconhece a importância crescente da

criatividade na sociedade atual” e que a complexidade e a diversificação presentes nesse

contexto exigem novas maneiras para tratar dos problemas e responder aos desafios de

maneira eficaz e criativa. Observa-se, também, que, na década passada, as organizações

passaram por muitas reestruturações em busca de eficiência, baixos custos e staff reduzido ao

mínimo e, com isso, foi necessário absorver mais atividades, antes realizadas por outras

pessoas para que o trabalho fosse realizado (ZIJLSTRA; ROE, 1999).

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Neste novo cenário organizacional, onde a pressão do trabalho se faz cada vez mais

presente e é exigido das pessoas que respondam com eficiência e eficácia às demandas que

lhes são impostas, percebe-se uma importante característica do contexto a ser observada: a

sensação de pressão de tempo e de sobrecarga de trabalho. Amabile et al. (2002, p. 1)

questionam a possibilidade de que a pressão de tempo, “definida tanto como pressão de tempo

subjetivamente percebida quanto como a imposição de um prazo final”, poderia estar

sabotando os esforços organizacionais para produção de novas idéias e, por isso, ressaltam a

importância do estudo dos efeitos da pressão do tempo, que se apresentam como um novo e

apropriado objeto de estudo. Esses autores encontraram, em 2002, apenas quatro pesquisas

sobre o tema: três delas relataram efeitos negativos e uma relatou efeitos positivos da pressão

do tempo sobre a criatividade. Nesses estudos, observou-se, que a pressão de tempo e da

carga de trabalho percebidas estavam relacionadas entre si e que, além disso, foi constatado

que uma maior carga de trabalho estava associada com projetos de grupos menos criativos nas

organizações.

Perlow (1999, p. 1) observou que muitos profissionais podem apresentar o sentimento

de “fome de tempo” (time famine), o que essa autora define como o “sentimento de ter muito

para se fazer e não ter tempo suficiente para fazê-lo”. Segundo essa autora, esses profissionais

são pessoas estressadas, exaustas, que trabalham mais que 70 ou 80 horas por semana. A

autora explica que os indivíduos agem de acordo com uma determinada tendência de

comportamento, em resposta ao ritmo de tempo e de trabalho presente em um determinado

ambiente social, que se torna também meio de interação entre as pessoas e que, dessa forma,

também regula seu comportamento.

Associada à idéia de pressão de tempo, pode-se observar grande preocupação da

humanidade em não perder tempo. Jacobs e Gerson (2001), de acordo com suas pesquisas,

relatam que as pessoas que sentem a pressão de tempo em seu trabalho, que se deparam

constantemente com deadlines, tendem freqüentemente a superestimar a quantidade de horas

que trabalham quando comparadas com indivíduos que não percebem seu trabalho como

estressante. E ainda, com respeito à natureza do trabalho, Jacobs (2001) afirma que pessoas

com agenda irregular (sujeita a interrupções, agenda muito flexível – o que provoca atrasos

em todos os compromissos) podem cometer mais erros e exagerar o tempo gasto no trabalho

do que pessoas com agendas regulares (onde se respeita o horário de cada compromisso).

Os estudos sugerem que a pressão de tempo e o excesso de carga de trabalho

prejudicam a criatividade nas organizações, “contudo apesar de apontar geralmente para uma

relação negativa, o corpo de evidência empírica sobre o tema está longe de ser robusto”

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(AMABILE et al., 2002, p. 2). Dessa maneira, torna-se relevante buscar a forma como

acontece a criatividade nas organizações em ambientes de pressão de tempo e de sobrecarga

de trabalho.

Esta pesquisa buscou responder à seguinte questão: de que maneira as pessoas

percebem a influência das pressões do trabalho, mais especificamente da pressão de tempo e

da sobrecarga de trabalho, na expressão da sua criatividade?

1.2. Objetivos

1.2.1. Objetivo geral

Caracterizar as formas de pressão percebidas no contexto de trabalho e sua influência

sobre a criatividade.

1.2.2. Objetivos específicos

Como objetivos específicos, pretendeu-se:

a) descrever as formas de pressão percebidas no contexto do trabalho

investigando as possíveis relações entre elas;

b) identificar as estratégias que os indivíduos utilizam no ambiente de trabalho

para enfrentar situações de pressão.

1.3. Justificativa e relevância

As pressões do trabalho e mais notoriamente a pressão de tempo e sobrecarga de

trabalho têm sido uma realidade cada vez mais presente nas organizações. As pessoas

parecem enfrentar a cada dia maiores níveis de pressão de tempo e ainda assim, de alguma

forma, encontram meios para executar suas tarefas e desenvolver projetos e trabalhos

criativos. Contudo, conforme Amabile et al. (2002, p. 1):

Pesquisadores têm prestado atenção insuficiente a essa questão, e o conhecimento exposto inclui visões contraditórias sobre os efeitos da pressão de tempo. Algumas pessoas acreditam que isso as estimula a fazer o seu melhor trabalho; outros dizem que isso torna altos níveis de desempenho quase impossíveis.

Amabile et al. (2002) também relatam a descoberta em seus estudos de efeitos

negativos à criatividade decorrentes da pressão de tempo e da carga de trabalho percebidas.

As evidências encontradas nesses estudos foram sugestivas, porém fracas, de que em grupos

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menos criativos havia maior carga de trabalho. Esses resultados também foram encontrados

por Bruno-Faria e Alencar (1998), na investigação sobre barreiras à criatividade no ambiente

de trabalho, indicando efeitos negativos à criatividade quando havia excesso de atividades,

volume de serviço, falta de funcionários e intensa pressão de tempo.

Parece ser consenso que as organizações desejam ter pessoas criativas que possam

conduzir desde a simples melhoria de seus trabalhos a grandes inovações. As organizações

incentivam ações criativas, muitas vezes levando indivíduos e grupos a repensarem a maneira

como as tarefas são realizadas. Esse comportamento organizacional é impulsionado pela

intensa competitividade que aflige o mundo corporativo e pela velocidade com que é

necessário absorver novos conhecimentos e assimilar novas tecnologias.

A pressão de tempo no trabalho é uma característica cada vez mais marcante nas

organizações e esta característica do contexto ou ambiente organizacional parece atingir as

pessoas de maneira diferente. Em princípio, algumas são motivadas pela pressão de tempo,

outras se sentem extremamente prejudicadas em seu desempenho, enfrentando as mesmas

situações de pressão de tempo (UNSWORTH, 2004).

Martínez (2000, p. 65) diz que perceber as potencialidades e limitações individuais

ajuda a traçar metas de desenvolvimento pessoal, pois as pessoas são diferentes e, diante

disso, “conhecer quais são os elementos pessoais ou sociais que podem deter a criatividade e

identificar com clareza quais estão presentes em nós mesmos ou em nossos ambientes mais

próximos, constituem uma condição essencial para poder superá-los”.

Observa-se também, que os estudos sobre criatividade concentravam-se nas

características do indivíduo, em sua personalidade criativa e não em fatores do contexto e do

ambiente de trabalho. Estudos posteriores passaram a considerar fatores socioambientais,

especialmente no âmbito das organizações como influenciadores da criatividade (BRUNO-

FARIA; ALENCAR, 1998).

Bruno-Faria (1996, p. 4) argumenta que a criatividade ocupa lugar de destaque cada

vez maior nas organizações, pois, de modo geral, necessitam de funcionários criativos, para

que possam responder com eficácia às exigências de mercado, mas, “embora haja amplo

reconhecimento da necessidade de pessoas criativas nas organizações, é muito reduzido o

número de pesquisas relativas a como tornar esses ambientes de trabalho mais fecundos à

expressão da criatividade”.

Amabile et al. (2002, p. 1) afirmam que a pressão de tempo tem se tornado

característica presente no ambiente de trabalho e questionam o quanto este fenômeno tem

prejudicado os esforços organizacionais para produzir idéias novas e úteis. Os autores

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sugerem que “a pressão de tempo, embora possa ser estímulo para algumas pessoas

trabalharem mais, pode também minar precisamente o tipo de pensamento requerido para

criatividade no trabalho” (AMABILE et al., 2002, p. 1).

Nesse contexto, a criatividade no ambiente de trabalho torna-se uma preocupação de

gestores e empresários, para que as organizações possam se consolidar no atual cenário.

Além disso, há outro aspecto que deve ser considerado nesse contexto, pois a criatividade não

é importante apenas para a organização:

a produção criativa do sujeito pode significar uma fonte de realização pessoal e bem-estar emocional, com implicações importantes no desenvolvimento de sua autovalorização, consolidação de suas motivações e na elaboração de projetos pessoais e outros aspectos (MARTÍNEZ, 2000, p. 61).

A pressão de tempo, a imposição de deadlines e a sobrecarga de trabalho são

fenômenos cada vez mais comuns nas organizações. Torna-se relevante procurar entender de

que maneira a criatividade pode ser afetada nessas condições; identificar as estratégias que as

pessoas adotam para que, inseridas nesse contexto sejam capazes de criar, além de realizar

seus trabalhos rotineiros. Ainda, há de se considerar que, diante das características atuais e

provavelmente futuras do mundo do trabalho, não é possível imaginar que a pressão de tempo

possa de maneira geral diminuir e as pessoas passarem a ter tempo para elaborar suas idéias e

apresentar resultados mais criativos.

Embora a influência da pressão de tempo na expressão da criatividade tenha sido

evidenciada por alguns autores, tais como Amabile et al. (2002), Perlow (1999) e Unsworh

(2004), faz-se necessária maior compreensão não só dos impactos que a percepção da pressão

de tempo e da sobrecarga de trabalho podem provocar na criatividade dos indivíduos e no

quanto poderá ser criativo o trabalho que realizam, mas também identificar quais seriam as

estratégias utilizadas para lidar com esse contexto de pressão e encontrar as respostas criativas

de que necessitam.

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2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. Criatividade nas organizações: teorias e modelos da criatividade.

A criatividade nas organizações se expressa pela capacidade de seus membros de

gerar, na execução de suas atividades em seus postos de trabalho, algo novo que possa ser útil

para o alcance dos objetivos e metas organizacionais (MARTÍNEZ, 2000).

A caracterização da criatividade apresenta ampla gama de concepções, algumas

consideram o processo criativo, outras se concentram em seu produto ou, ainda, nas

habilidades cognitivas e na personalidade das pessoas criativas. Há outros autores que se

preocupam com fatores do contexto que podem facilitar ou inibir o processo criativo ou,

ainda, com a inter-relação complexa entre os diferentes aspectos: indivíduo, grupo, contexto

interno e externo à organização (BRUNO-FARIA, 2004, 2005).

Diversos campos da ciência demonstram interesse pelo tema criatividade. Sternberg e

Lubart (1999, p. 9) fazem a seguinte observação a respeito:

[...] entretanto, diferentes campos tenderam a usar termos diferentes e a focalizá-los em aspectos diferentes do que parecia ser o mesmo fenômeno básico. Por exemplo, as dissertações sobre negócios usaram o termo inovação e tenderam a olhar no nível organizacional, visto que o termo utilizado em dissertações da psicologia falam em criatividade e olham o nível do indivíduo.

Segundo Amabile (1998, p. 78) também aparecem confusões conceituais quando se

associa criatividade apenas à originalidade artística, o que acaba conduzindo as pessoas a

pensar sobre qual é o lugar da criatividade nas organizações. Essa autora explica que a

criatividade se refere ao modo com as pessoas pensam, à maneira como solucionam seus

problemas, usando a imaginação e que a criatividade pode trazer muitos benefícios às

organizações. Nas organizações, “para ser criativa, uma idéia deve ser apropriada, útil e

aplicável. Deve de alguma forma influenciar o caminho que o negócio deve seguir –

melhorando um produto ou abrindo um novo caminho para melhorar um processo”. Amabile

(1996) afirma que qualquer pessoa é capaz de criar em algum momento e que o ambiente

social pode influenciar o comportamento criativo. Para ser considerado criativo, um produto,

ou uma idéia, deve ser diferente daquilo que já foi produzido, deve ser apropriado, valioso ou

de significado expressivo. Essa mesma autora afirma também que os maiores erros

conceituais quanto à criatividade são: a) a idéia de que a criatividade é uma característica de

indivíduos com personalidade excêntrica; b) de que se limita a manifestações artísticas; c) ou

de que é resultado apenas da inteligência ou apenas de boas ações. Uma idéia para ser criativa

precisa ser útil e aplicável, seja no lançamento de um produto ou no desenvolvimento de uma

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nova maneira de conduzir um processo. Contudo, pensar imaginativamente, é apenas uma

parte da criatividade, é preciso possuir, além disso, motivação e conhecimento (AMABILE,

1998).

Bruno-Faria (1996) registra que, independentemente da definição que se adote sobre

criatividade nas organizações, geralmente se menciona o quanto algo novo e de valor é

relevante para as organizações, e ainda enfatiza que o papel do ambiente organizacional é

fundamental na produção de idéias criativas e inovadoras. Contudo, ainda são poucos os

estudos sobre a influência de fatores do ambiente de trabalho nas organizações, o que dificulta

a compreensão do fenômeno e a adoção de estratégias que promovam um ambiente que

favoreça a criatividade.

Martínez (2000, p. 60) concorda que existe consenso sobre o conceito de criatividade

como “um processo ou capacidade humana que se expressa na produção de algo ‘novo’ que

tenha ‘valor’”, mesmo que criatividade e valor possuam critérios relativos. A autora explica:

A criatividade na organização se expressa na capacidade que têm seus membros em gerar, em seus postos de trabalho, elementos “novos” que contribuam à execução dos objetivos e metas da organização. Consideramos importante enfatizar que a organização é criativa em função da ação criativa dos indivíduos e dos grupos que a integram, são os indivíduos e os grupos dentro da organização os que percebem novas possibilidades, produzem novas idéias, elaboram projetos inovadores e são ousados na tomada de decisões, ou seja, geram produtos criativos (MARTÍNEZ, 2000, p. 62).

A criatividade é um fenômeno importante tanto para o indivíduo quanto para a

sociedade. Quando se trata do nível individual, é importante na solução de problemas tanto na

esfera do trabalho quanto no dia-a-dia. Para a sociedade, a criatividade pode conduzir a novas

descobertas científicas, novos programas sociais, inovações e novos movimentos nas artes

(STERNBERG; LUBART, 1999).

Para a economia de um país, a importância da criatividade também é bastante clara,

pois segundo Sternberg e Lubart (1999), promove o desenvolvimento de novos produtos, cria

novos empregos e mantêm a competitividade, conduzindo indivíduos, organizações e

sociedades a se adaptar às mudanças necessárias. Esses autores ressaltam que o interesse pelo

tema criatividade surgiu por volta dos anos 50, contudo, tradicionalmente, a criatividade tem

sido estudada quase que unicamente pela psicologia.

Embora não se trate especificamente da criatividade no âmbito das organizações,

Alencar e Fleith (2003a) em revisão teórica sobre o tema, afirmam que as principais

contribuições teóricas mostram uma ênfase em aspectos do contexto social como preditores,

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em maior ou menor grau, da expressão criativa dos indivíduos. Vale ressaltar a importância da

teoria da Gestalt, que descreve a representação da criatividade por meio do fenômeno do

insight, que é observado em momentos em que a criatividade surge de forma súbita na

solução de problemas. Rogers, Maslow e Rollo May também são autores apontados por

Alencar e Fleith (2003a) como reconhecidos por tratar do tema, especificamente

relacionando-o à tendência humana de auto-realização, como mobilizadora da criatividade.

São múltiplos os componentes que promovem a criatividade, as teorias combinam

fatores cognitivos e elementos da personalidade como a conexão de idéias, a percepção de

similaridades e diferenças, a flexibilidade, o gosto pelo estético, a ortodoxia e a motivação

(STERNBERG; LUBART, 1999). A Teoria do Investimento da Criatividade de Sternberg e

Lubart (1999, p 10) prevê que pessoas criativas “compram baixo para vender alto no reino das

idéias”, ou seja, comprar baixo significa perseguir idéias que são desconhecidas, ou

aparentemente fora do contexto, mas com potencial de desenvolvimento e vender alto

significa potenciar essas idéias transformando-as em oportunidades.

A Teoria do Investimento da Criatividade (STERNBERG; LUBART, 1999) propõe a

confluência de seis recursos distintos, mas inter-relacionados. São eles: habilidades

intelectuais, conhecimento, estilo de pensamento, personalidade, motivação e ambiente. Três

dessas habilidades intelectuais são particularmente importantes:

a) habilidade sintética para enxergar problemas de maneira diferente e escapar da forma

convencional de pensar sobre eles;

b) habilidade analítica para reconhecer porque uma idéia é melhor que a outra;

c) habilidade prática contextual para persuadir outros sobre o valor de suas idéias.

A inter-relação entre essas três habilidades intelectuais são importantes, pois segundo

esses autores alguém que possui somente habilidade analítica e não as demais será

provavelmente uma pessoa crítica, e não criativa. Dessa forma, é necessário que haja

equilíbrio entre essas habilidades. Desses seis recursos da Teoria do Investimento da

Criatividade, um em especial é extrínseco ao indivíduo: o ambiente. Sternberg e Lubart

(1999) consideram que se necessita de um ambiente de suporte que recompense idéias

criativas, pois de nada adiantarão os recursos internos dos indivíduos se o ambiente não

garantir este suporte.

Amabile (1998), por sua vez, afirma que a criatividade é função de três componentes:

expertise/conhecimento, raciocínio criativo e motivação. As pesquisas da autora indicam que

existem dois tipos de motivação que impactam a criatividade: a motivação extrínseca e a

intrínseca. A motivação extrínseca vem de fora do indivíduo, ou seja, pode ser comparada a

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uma “cenoura” (numa analogia a uma recompensa), ou um incentivo para ação. A motivação

intrínseca é caracterizada pelo desejo de fazer alguma coisa, a paixão e o interesse são os

“combustíveis” para a ação. E enfatiza que “pessoas podem ser mais criativas quando se

sentem motivadas inicialmente por seus interesses, satisfações e desafios do seu próprio

trabalho e não por pressões externas”. Muito tempo pode ser consumido na tentativa de

aumentar a expertise/conhecimento e as habilidades para o raciocínio criativo, por isso é mais

fácil e rápido estimular a motivação intrínseca, pois os resultados são mais imediatos. As

habilidades para o pensamento criativo podem ser estimuladas por meio da proposição de

desafios, da liberdade de ação, da disponibilidade de recursos, do estímulo do trabalho em

grupo, do encorajamento do superior hierárquico e do suporte organizacional. Esses três

componentes estão ilustrados na Figura 1:

Expertise: refere-se ao

conhecimento técnico,

processual e intelectual

Os três componentes da Criatividade Em cada indivíduo, criatividade é uma função de três componentes: expertise, raciocínio criativo e motivação. Podem os gerentes influenciar esses componentes? A resposta é um enfático sim – para

melhor ou para pior – através de práticas e condições de trabalho.

Raciocínio criativo: determina de que maneira a pessoa

resolve seus problemas de maneira

imaginativa

Nem toda motivação é criada de maneira igual. Uma paixão interna para resolver problemas produz mais criatividade do que recompensas externas. Este componente, chamado de motivação intrínseca, é

o que pode ser mais rapidamente influenciado pelo ambiente de trabalho.

Expertise Raciocínio criativo

Motivação

Criatividade

Figura 1: Os três componentes da criatividade Fonte: Amabile (1998, p. 78).

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Amabile (1998, p. 79) afirma que as pessoas podem possuir conhecimento e

pensamento criativo, que são seus “recursos naturais”, mas é o terceiro componente que irá

determinar a ação: a motivação. As formas mais comuns para estimular a motivação

extrínseca são as premiações financeiras por resultados.

Csikszentmihalyi (1999) propõe em sua teoria que a criatividade é um fenômeno

muito mais cultural e social do que um evento psicológico. O autor explica que, quando

começou a estudar a criatividade, também acreditava que se tratava de um evento puramente

psicológico, mas ao conduzir diversas pesquisas longitudinais, começou a perceber que

pessoas com alto potencial para as artes pararam de criar e outras com poucos atributos

criativos perseveraram e criaram obras expressivas como realizações criativas importantes.

Esse autor percebeu que estudos em psicologia indicavam que nem sempre uma idéia criativa

se transformava em um produto. Essa constatação se justificava por duas abordagens teóricas

diferentes. Uma delas afirmava que algo criativo não necessitava de reconhecimento público,

pois o que era importante não era o resultado do processo, mas o próprio processo. Contudo, o

autor contesta essa posição teórica argumentando que sem reconhecimento público não há

como se constituir criatividade, uma vez que em sua própria definição, algo criativo é

resultado de um processo onde um produto, ou idéia nova, é adotado por outras pessoas.

Desta forma Csikszentmihalyi (1999, p. 314) explica:

Assim, o fato de uma idéia ou um produto ser criativo, não depende apenas de suas próprias qualidades, mas do efeito que se pode produzir no outro que lhe é exposto. Conseqüentemente o que nós chamamos criatividade é um fenômeno construído através da interação entre o criador e outras pessoas. A criatividade não é um produto individual, mas dos sistemas sociais que fazem julgamentos sobre produtos dos indivíduos.

O autor preconiza que os julgamentos sociais são essenciais para o reconhecimento de

que uma idéia ou produto é criativo, mas isso também depende da capacidade de persuasão

que o indivíduo deve possuir, pois, “se você não pode persuadir o mundo de que sua idéia é

criativa, como saberemos se ela realmente é?” (CSIKSZENTMIHALYI, 1999, p. 314).

Csikszentmihalyi (1999) considera tanto o indivíduo como o ambiente em que está

inserido, na compreensão do fenômeno da criatividade, e para isto delimita sua concepção de

ambiente em dois aspectos: um cultural, simbólico, que denomina de domínio e o outro que

denomina de campo. A criatividade ocorre quando mudanças de domínio acontecem através

do tempo, pois ele entende que a criatividade depende de determinados padrões e o novo só

possui significado por meio do que é antigo ou obsoleto – as mudanças só são adotadas

quando sancionadas por um grupo social. Campo é definido pelo autor como o domínio social

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da organização e como exemplo, explica que psicólogos envolvidos em pesquisas sobre

criatividade compõem o ‘campo’ para esse tema.

Csikszentmihalyi (1999, p. 316) afirma que o modelo de sistemas, representado na

Figura 2, ajuda na compreensão de processos de evolução. “A evolução ocorre quando um

organismo individual produz uma variação que é selecionada pelo ambiente e transmitida para

as próximas gerações.” Dessa maneira, o autor sugere que a criatividade pode ser vista como

um “caso especial de evolução” e que a teoria de sistemas auxilia a compreender que o

indivíduo pode introduzir uma mudança criativa, reconhecendo que fatores individuais são

importantes para o processo criativo. A Figura 2 ilustra a visão de sistemas da criatividade

proposta por Csikszentmihalyi (1999, p. 315).

Cultura

Sociedade

Bagagem

Profissional

Domínio

Campo Indivíduo

Seleciona o novo Transmite informações

Produz o novo

Estimula o novo

Figura 2: A Visão de Sistemas da Criatividade Fonte: Csikszentmihalyi (1999, p. 315).

Para Alencar e Fleith (2003b), existem condições que são necessárias para que as

pessoas possam desenvolver de forma plena seu potencial de criar. Estilos de pensamento,

valores, motivações pessoais são algumas delas, mas existem também os fatores

sócioculturais, que exercem forte influência sobre indivíduos, interferindo diretamente na sua

capacidade de criar.

De fato, o tema criatividade tem sido apontado como um fenômeno complexo, o que

leva a uma infinidade de definições e um grande interesse de várias áreas, como psicologia,

sociologia, administração, engenharias etc (BRUNO-FARIA, 2003). Contudo, a prática

organizacional carece de mais pesquisas a respeito do tema, e espera-se que, por meio da

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produção científica, haja uma maior contribuição no que diz respeito à criatividade nas

organizações.

Quando se trata de criatividade nas organizações é difícil não se falar em inovação,

pois esses fenômenos possuem clara relação. De acordo com Bruno-Faria (2003),

criatividade:

é entendida como a geração de idéias, processos, produtos e/ou serviços novos – para aquele indivíduo/grupo ou naquele contexto – que produzam alguma contribuição valiosa para organização e/ou para o bem-estar das pessoas que trabalham naquele contexto e que possuam elementos essenciais à sua implementação (BRUNO-FARIA, 2003, p. 116).

E inovação é o:

resultado da implementação de idéias, processos, produtos e serviços originários dos indivíduos e/ou grupos na organização, bem como da introdução de novas tecnologias e outros novos elementos originados fora da organização, considerados como valiosos para os resultados da organização e/ou bem-estar das pessoas que nela trabalham (BRUNO-FARIA, 2003, p. 122).

Amabile (1996, p. 1) afirma que “a inovação é a implementação bem-sucedida das

idéias criativas dentro das organizações”. Em seu modelo componencial da criatividade,

Amabile (1996) também destaca um lugar para a inovação, no ambiente organizacional. A

autora apresenta um modelo esquemático que descreve a influência do ambiente

organizacional na criatividade das pessoas e de grupos de trabalho e, conseqüentemente, a

influência das pessoas e grupos de trabalho na inovação organizacional. De acordo com a

Figura 3, os três círculos superiores representam os componentes organizacionais necessários

para que haja inovação, eles são compostos por características da organização e

conjuntamente caracterizam o ambiente organizacional onde as pessoas estão inseridas. Os

três círculos inferiores representam os componentes individuais, necessários para que ocorram

idéias criativas.

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Criatividade individual/grupal

Impacto

Ambiente de trabalho

Práticas gerenciais

Figura 3: Impacto do ambiente organizacional na criatividade Fonte: Amabile (1996, p. 9).

Amabile (1996) procura demonstrar, dessa maneira, que os elementos do ambiente

organizacional irão sempre impactar a expressão da criatividade das pessoas, ou seja, o

ambiente social vai influenciar na expressão da criatividade, na medida em que influencia

cada pessoa na organização. Essa influência pode representar estímulos e/ou barreiras à

criatividade nas organizações.

Outra proposta de modelo para compreensão da inter-relação entre criatividade e

inovação é apresentada por Bruno-Faria (2003), que, além disto, acrescenta a relação com a

mudança organizacional de acordo com a Figura 4:

Recursos

Motivação Organizacional

Inovação

Expertise

Motivação Para tarefa

Habilidade

Criativa

Criatividade

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Criatividade

Inovação Implementação

De indivíduos e grupos na organização

Idéias,

produtos, serviços,

tecnologias, etc.

produzidos fora da

organização.

Mudança organizacional

Forças externas à Organização.

Mercado, mudanças, Macroeconômicas, crises, mudanças

Regulatórias e legais, política mundial, etc.

Figura 4: Inter-relação dos conceitos de criatividade, inovação e mudança organizacional Fonte: Bruno-Faria (2003, p. 136).

Bruno-Faria (2003) aborda as principais relações entre criatividade e inovação e

afirma que a literatura científica reconhece essa distinção. Muitas vezes, a relação entre esses

fenômenos é explicita. Contudo, às vezes são tratados como se fossem similares, pois tendem

a caminharem juntos, principalmente por sua relação de interdependência.

2.2 - A influência do contexto do trabalho na criatividade

Martínez (2000, p. 64) afirma que o contexto organizacional tem significado especial

na expressão do comportamento criativo. Apesar de características individuais serem

importantes, o contexto apresenta fatores que estimulam ou dificultam o aparecimento da

criatividade. Percebe-se o efeito do contexto organizacional diante das “oportunidades que o

meio oferece, as exigências que impõe, seu grau de complexidade e essencialmente, o clima

psicológico que o caracteriza, constituem importantes mediadores da expressão criativa”.

A criatividade, como fenômeno complexo, depende de diversos aspectos, tanto

individuais quanto do ambiente ou contexto organizacional, o que tem chamado a atenção de

pesquisadores, pois “poucos, porém, dedicaram-se ao estudo de estímulos e obstáculos à

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expressão criativa a partir de estudos empíricos e teóricos” (BRUNO-FARIA; ALENCAR,

1996, p. 51).

Em artigo sobre estudo realizado numa instituição bancária, com o objetivo de

descrever o processo de construção e validação de um instrumento de medida da percepção de

estímulos e barreiras à criatividade no ambiente de trabalho, Bruno-Faria e Alencar (1998)

tinham como objetivo identificar os fatores presentes no ambiente de trabalho que estimulam

ou inibem a criatividade. Para isso, realizaram inicialmente uma pesquisa exploratória, cujo

objetivo principal era o de investigar quais eram os estímulos e barreiras à criatividade no

ambiente organizacional, ou seja, investigar a influência do ambiente sobre a criatividade

(BRUNO-FARIA; ALENCAR, 1996). A importância dessa pesquisa é clara, uma vez que

poucos pesquisadores até então, direcionaram seus estudos para identificar os estímulos e

barreiras à criatividade nas organizações, e ainda, tais estudos não consideravam as

características das organizações brasileiras. Assim, a partir de entrevistas com os sujeitos,

identificou-se um conjunto de estímulos e barreiras à criatividade no ambiente de trabalho.

Esse conjunto de fatores encontrados por Bruno-Faria e Alencar (1998) apresentava alguns

elementos comuns aos encontrados na literatura sobre criatividade como relevantes ao

fenômeno nas organizações. A partir dos dados coletados, foram elaborados 184 itens, que

após a análise semântica e de juízes, resultaram em 142 itens referentes a aspectos do

ambiente de trabalho que estimulam ou inibem a criatividade. Os quadros a seguir indicam os

itens que obtiveram maior carga fatorial, representando os estímulos e obstáculos à

criatividade no ambiente de trabalho:

FATOR ITEM COM MAIOR CARGA FATORIAL NO FATOR (em ordem decrescente)

Ambiente físico adequado Disponho do mobiliário que necessito em meu local de trabalho.

Clima social favorável entre colegas de trabalho

O clima entre colegas de trabalho é de confiança e respeito mútuo.

Incentivo a novas idéias Meus colegas de trabalho incentivam-me na produção de novas idéias.

Liberdade de ação Sinto-me à vontade para agir de forma diferente da dos meus colegas.

Atividades desafiantes As tarefas que realizo no meu trabalho exigem o melhor de mim.

Ações da chefia e da organização em apoio a novas idéias

O(s) meu(s) chefe(s) estimula(m) os seus funcionários na busca de novas idéias e soluções para os problemas da organização.

Disponibilidade de recursos materiais Eu tenho recursos de que necessito para a realização do meu trabalho

Quadro 1 – Fatores referentes a estímulos à criatividade no ambiente de trabalho. Fonte: Bruno-Faria e Alencar (1998, p. 88).

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Entre os itens que fazem parte do instrumento elaborado por Bruno-Faria e Alencar

(1998), quatro dizem respeito às barreiras ou obstáculos à criatividade. Um desses fatores,

conforme descrito no Quadro 2, diz respeito ao excesso de serviços e à falta de tempo para

realizar suas atividades, fator que apresentou a maior carga fatorial referente a barreiras,

caracterizando-o como inibidor da expressão da criatividade nas organizações.

FATOR ITEM COM MAIOR CARGA FATORIAL NO FATOR (em ordem decrescente)

Excesso de serviços e escassez de tempo O excesso de serviços impede que eu tenha tempo para refletir sobre o melhor modo de realizá-los.

Bloqueio a idéias novas Meu chefe imediato bloqueia minhas iniciativas no trabalho.

Resistência a idéias novas Os chefes não se arriscam a tentar novas alternativas de trabalho.

Problemas organizacionais Para implementar-se uma idéia nova é necessário ter a aprovação de vários níveis hierárquicos

Quadro 2 – Fatores Referentes a Obstáculos à Criatividade no Ambiente de Trabalho. Fonte: Bruno-Faria e Alencar (1998, p. 89).

Bruno-Faria e Alencar (1998) constataram na literatura sobre o assunto que são poucos

os estudos que associam a influência do tempo na expressão da criatividade, mas que muito se

fala sobre o indivíduo ter tempo para criar e elaborar melhor suas idéias. A influência da

pressão de tempo sobre a criatividade no ambiente organizacional também foi constatada por

Bruno-Faria (1996) em uma das categorias relativas a barreiras à criatividade. O volume de

serviços indicava o excesso de atividades, a falta de funcionários e a intensa pressão de tempo

como uma barreira à criatividade. A pressão de tempo nas organizações é uma realidade

presente e clara no cenário competitivo da atualidade, assim é importante perceber se a

criatividade acontece apenas em função do tempo disponível, ou se além de outros fatores,

dos recursos e do ambiente no qual estamos inseridos.

A literatura parece indicar que as barreiras à expressão da criatividade são de ordem

pessoal ou social, ou seja, fazem parte do contexto em que vivem as pessoas. Alencar e Fleith

(2003b) ressaltam que barreiras à criatividade têm recebido destaque pela literatura da

Psicologia da Criatividade, mas são poucos os estudos empíricos que relacionam as barreiras

pessoais à criatividade com os fatores percebidos no ambiente de trabalho.

Outro aspecto que merece atenção no contexto organizacional quanto à influência na

criatividade dos indivíduos diz respeito ao papel do líder. O líder geralmente é a pessoa

responsável por cumprir metas, em prazos previamente determinados, e que conduz grupos de

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trabalho para esse objetivo. Martínez (2000, p. 68) demonstra a importância do líder para a

criatividade identificando de que maneira pode contribuir dentro do contexto organizacional:

a) como um membro criativo da organização, que contribui com novas propostas de

trabalho;

b) como um líder criativo, ou seja, na capacidade de conduzir uma equipe de maneira

criativa, adotando novas formar de exercer o papel de líder;

c) como facilitador de clima favorável à criatividade, ou seja desenvolvendo um

ambiente de segurança e confiança para expressão de novas idéias.

A necessidade de compreender que tipo de prática gerencial estimula ou dificulta a

expressão da criatividade se faz premente nas organizações. Segundo Amabile (1998),

gerentes podem influenciar os três componentes da criatividade, que são o conhecimento ou

expertise/conhecimento, o raciocínio criativo e a motivação. Contudo, influenciar os dois

primeiros componentes é muito mais difícil e consome muito mais tempo do que estimular a

motivação do indivíduo. Mudanças sutis podem ser implementadas para estimular a

motivação intrínseca, isso não significa que gerentes não devam realizar ações para melhorar

o conhecimento e o pensamento criativo, mas motivar as pessoas levará a resultados mais

imediatos.

Amabile (1998) desenvolveu um instrumento de pesquisa chamado KEYS, palavra

que denomina um questionário que avalia o clima para criatividade e inovação existente num

grupo de trabalho, divisão ou organização. Esse instrumento procura medir as práticas

gerenciais que impactam o ambiente de trabalho incentivando a inovação. A autora enfatiza

que “gerentes podem influenciar todos os três componentes da criatividade:

expertise/conhecimento, raciocínio criativo e motivação, mas o fato é que os dois primeiros

são mais difíceis e consomem mais tempo do que para influenciar a motivação” (AMABILE,

1998, p. 79). Dessa forma, a autora explica que para aumentar a criatividade é preciso:

a) Oferecer desafios: para estimular a motivação intrínseca Amabile (1998) sugere que

gerentes possam combinar conhecimento (expertise) e raciocínio criativo. Contudo,

para isso, gerentes devem conhecer profundamente seus empregados e as atividades

que executam. Essa tarefa não é tão simples assim e isto pode explicar um dos mais

comuns caminhos para que gerentes “matem” a criatividade, pois não tentam obter

todas as informações necessárias para combinar pessoas e tarefas.

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b) Dar liberdade: é conceder às pessoas autonomia para definir os meios a se chegar

num objetivo, ou seja, “você pode dar autonomia para que decida como escalar uma

montanha em particular. Você não precisa deixá-lo escolher que montanha escalar.”

(AMABILE, 1998, p. 81). Ter objetivos claramente definidos estimula a criatividade

das pessoas. Gerentes geralmente administram mal a liberdade de ação de um

funcionário quando freqüentemente mudam seus objetivos ou falham em defini-los

claramente. Ou ainda, quando concedem uma pequena dimensão para esta liberdade.

c) Oferecer recursos: “Os dois principais recursos que afetam a criatividade são o

tempo e o dinheiro” (AMABILE, 1998, p. 82). O mesmo cuidado com que se deve

oferecer desafios aos funcionários se deve ter decidindo quanto tempo e dinheiro

poderão se conceder a um grupo de trabalho para realizar um projeto, de maneira que

esses recursos sirvam de suporte, não para matar a criatividade. A autora afirma que

em alguns casos a pressão de tempo pode intensificar a criatividade, desde que isto

tenha a conotação de desafio. Contudo, quando as organizações criam prazos

impossíveis de se alcançar para conclusão de trabalhos, geram nas pessoas descrença e

posteriormente podem causar a síndrome de burnout. Nesses dois casos as

conseqüências negativas para a motivação são irreversíveis.

d) Observar as características do grupo: gerentes devem ter muita atenção na

formação dos seus grupos de trabalho. Quanto mais diversificados forem e quanto

mais experiências diferentes tiverem, provavelmente serão mais criativos. Grupos

homogêneos contribuem muito pouco com a criatividade. Diversidade de perfis e

opiniões tem sido associada à maior criatividade em grupos.

e) Encorajar a equipe: Amabile (1998) destaca que é interessante notar que gerentes

geralmente são extremamente ocupados e são extremamente pressionados por

resultados. Talvez por esse motivo muitas vezes falhem em encorajar as pessoas a

realizar suas tarefas. As pessoas podem até trabalhar sem receber reconhecimento,

porém, apenas por um curto período. Amabile (1998, p. 83) constata que “quando

alguém sugere um novo produto ou processo, gerentes seniores levam semanas para

responder.” Denota um comportamento gerencial que prejudica imensamente a

motivação intrínseca do indivíduo. O ideal seriam gerentes que servissem de modelo

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por meio de suas atitudes e comportamentos, encorajando as pessoas e, assim,

estimulando a criatividade.

f) Oferecer suporte organizacional: de acordo com Amabile (1998), deve-se ter

cuidado especial com este aspecto. Procurar recompensar pessoas com dinheiro pode

fazer que se sintam “subornadas”, por outro lado, não prover reconhecimento

suficiente pode causar sentimentos negativos em relação à organização, as pessoas

podem se sentir usadas, depreciadas por seus esforços criativos. A autora afirma que é

importante compartilhar as informações e estimular a colaboração entre as pessoas.

A expressão da criatividade também pode sofrer influência do estilo de gestão ao qual

as pessoas estão submetidas. Contudo, é muito difícil encontrar alguma organização que

estimule as pessoas a enfrentar suas chefias e desafiá-las ao perceber que podem estar

equivocadas em relação a alguma idéia criativa relativa a seu trabalho. Geralmente, a pressão

no trabalho, é vista de maneira oposta por gerentes e empregados, por um lado gerentes

percebendo a necessidade de pressionar para que seus funcionários trabalhem mais e por

outro, empregados percebendo pressão excessiva para realização de suas tarefas (PERLOW,

1999).

Sternberg (2005) apresenta seu modelo de liderança organizacional – WICS (wisdom,

intelligence and creativity, synthesized) MODEL, que é um acrônimo, ou seja, um

agrupamento das primeiras letras de várias palavras, que se refere em português a sabedoria,

inteligência e criatividade, sintetizadas. O autor propõe que, para ser um líder efetivo, é

necessário possuir esses três componentes funcionando juntos. O autor também afirma que a

criatividade é importante para a liderança porque é um componente que produzirá idéias que

outros irão seguir. “O líder carente de criatividade pode ir além e levar outros além, mas ele

ou ela pode levá-los além com idéias pobres” (STERNBERG, 2005, p. 98). As habilidades e

atitudes de um líder de sucesso, segundo Sternberg (2005), prevêem: a) a redefinição do

problema a partir do seu próprio julgamento, geralmente de maneira diferente das outras

pessoas; b) a análise do problema; c) a venda das soluções encontradas para problemas; d) a

decisão de assumir riscos calculados; e) a disposição para superar obstáculos; f) a crença de

que são capazes de fazer com suas próprias mãos (auto-eficácia); g) a tolerância à

ambigüidade; h) a identificação de motivadores extrínsecos, como recompensas para

estimular as pessoas a realizarem aquilo que gostariam de fazer de qualquer maneira; i) a

busca pelo conhecimento e pela experiência.

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Para compreender como Sternberg (2005) conceitua criatividade e liderança, é preciso

entender como o autor relaciona esses dois conceitos com inteligência. Sternberg (2005)

afirma que a criatividade é um aspecto da inteligência. A inteligência, segundo ele é a

habilidade de adaptar-se ao ambiente. No seu modelo, a inteligência é uma habilidade para

alcançar determinado objetivo, em determinado contexto sociocultural, adaptando-se as

formas, selecionando os ambientes por meio do equilíbrio entre habilidades analíticas,

criativas e práticas. “A criatividade é a habilidade de formular e resolver problemas para

produzir soluções que são relativamente novas e de alta qualidade” (STERNBERG, 2005, p.

97), envolve inteligência criativa na geração de idéias, no detalhe, no conhecimento e no

desejo de pensar de novas maneiras. Para ser criativo, é preciso ter tolerância à ambigüidade,

ter propensão ao risco, possuir o desejo de superar obstáculos, ter motivação intrínseca, ser

focado na tarefa e estar inserido em um ambiente que estimule a criatividade.

Inteligência analítica e prática são importantes para a criatividade, pois a inteligência

analítica determina qual é a melhor solução para se resolver problemas e a prática auxilia na

implementação da solução e no convencimento de outros de que aquela solução é a melhor.

Inteligência, conhecimento e criatividade reforçam uma à outra. Sternberg (2005, p. 97)

afirma que:

Para ser criativa, a pessoa tem que ser inteligente em algum nível, usando a inteligência criativa para formular bons problemas, deve ter inteligência analítica para assegurar as melhores soluções, e deve possuir inteligência prática, para persuadir outras pessoas sobre o valor de suas idéias.

Sternberg (2005) compara indivíduos criativos e indivíduos inteligentes afirmando que

os criativos são “descobridores” do problema, eles canalizam seus recursos para resolver os

problemas, já os inteligentes sabem como resolver os problemas, mas não canalizam recursos

para resolver problemas importantes.

Sternberg (2005) acredita que a criatividade é importante para liderança porque por

meio dela surgirão as idéias que outros seguirão. Líderes criativos oferecem recompensas

extrínsecas para tarefas que as pessoas gostariam de fazer de qualquer maneira. Assim, o

papel do líder deve ocupar espaço importante nas reflexões sobre o impacto das ações

gerenciais no ambiente de trabalho e o quanto essas ações podem influenciar a criatividade no

contexto do ambiente organizacional.

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2.3 - A influência da pressão de tempo e da sobrecarga de trabalho na criatividade

O tempo é, de maneira geral, um fator de extrema importância para a humanidade, em

quase todas as situações da vida. É provável que algumas pessoas tenham a sensação de que

vivem em função do tempo e que esse tempo pode ser percebido de maneira diferente por

cada pessoa. Mainemelis (2002) discute a respeito do ciclo do tempo e criatividade, esse autor

define ciclo de tempo como aspectos periódicos e repetitivos do tempo, como as estações do

ano. O autor fala que a natureza social existe em função do ciclo de tempo e que isso se torna

bastante evidente nas organizações de trabalho. São múltiplas as concepções de ciclo de

tempo, elas aparecem nas rotinas de trabalho, nas agendas, nas produções sazonais, mas isso

não significa que a relação com o tempo seja apenas prejudicial, contudo quando as pessoas

não podem estruturar suas rotinas e elas são estruturadas por outras pessoas, geralmente

acontecem prejuízos para criatividade.

Amabile et al. (2002, p. 1) definem pressão de tempo como “a imposição de um prazo

final”. A Teoria Componencial de Amabile et al. (2002) traz uma contribuição importante

para compreensão dos efeitos da pressão de tempo na expressão da criatividade. De acordo

com essa teoria, a pressão de tempo tem influência negativa sobre a criatividade. Essa

influência pode se apresentar de duas maneiras: afetando o processo cognitivo ou os

mecanismos motivacionais do indivíduo. Sua teoria diz que a pressão de tempo, que leva as

pessoas a trabalhar mais, pode “minar” especificamente o tipo de pensamento requerido ao

trabalho criativo. Amabile et al. (2002, p. 1) relatam que, em pesquisas anteriores, os efeitos

da pressão do tempo sobre o desempenho no trabalho, apontam “resultados bem menos

consistentes sobre a qualidade da performance”. A Figura 5 apresenta uma modificação,

introduzida por Amabile et al. (2002) na teoria componencial da criatividade proposta por

Amabile em 1996, que inclui a pressão de tempo como um dos aspectos do ambiente que

influenciam na expressão da criatividade.

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Pressão de tempo (um dos aspectos

do ambiente organizacional)

Resultado Criativo

Processo cognitivo criativo Identificação do problema ou tarefa Preparação Resposta Validação e comunicação

Domínio – Habilidades relevantes

Criatividade – Processos e habilidades

relevantes

Motivação intrínseca

Foco do estudo atual

Figura 5: Teoria Componencial da Criatividade Fonte: Amabile et al. (2002, p. 30).

De acordo com a Figura 5, o processo cognitivo criativo possui quatro elementos

básicos:

a) identificação ou compreensão do problema ou tarefa;

b) preparação, envolvendo o aprendizado e lembrança;

c) geração de respostas, ou criação de idéias para solucionar um problema;

d) validação e comunicação da resposta.

O indivíduo transita por esses quatro elementos até que visualize a solução do seu

problema ou conclua seu trabalho e, quanto mais se envolve nesse processo, mais criativas

tendem a ser suas respostas (AMABILE et al., 2002).

A hipótese de Amabile et al. (2002), apresentada nesse estudo, considera que, a

pressão de tempo, em níveis de moderado a alto, provoca um efeito negativo sobre o processo

cognitivo que envolve a criatividade. Sua teoria componencial contempla que a criatividade é

determinada por um componente extrínseco e três componentes intrínsecos ao indivíduo. O

componente extrínseco refere-se ao ambiente externo, ao contexto em que está inserido o

indivíduo, no ambiente organizacional, proveniente do clima organizacional, comportamentos

gerenciais, da pressão da tarefa – que inclui a pressão de tempo para concluir seu trabalho.

Dessa maneira, “deve haver tempo suficiente devotado para processo cognitivo envolvido em

brincar intelectualmente com as idéias e possíveis trilhas de solução” (AMABILE et al., 2002,

p. 3).

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Amabile et al. (2002, p. 04) concluíram que “a literatura sugere que a pressão de

tempo provavelmente resulta em pensamento superficial, estreito, conservativo – o oposto de

pensamento criativo.” Esse tipo de pensamento afetaria a exploração de novas idéias, que se

refere à geração de respostas na teoria componencial e deveria também afetar cada um dos

elementos do processo cognitivo criativo, como por exemplo: o indivíduo pode ter

dificuldades em entender um problema (identificação do problema ou da tarefa), por estar sob

pressão de tempo. Ou ainda, não ter condições de se preparar para resolver seus problemas, e

nem sequer validar suas respostas. Assim, sua primeira hipótese é de que “quanto mais sob

pressão de tempo as pessoas estiverem, menos provavelmente elas se engajarão no processo

cognitivo criativo” (AMABILE et al., 2002, p. 4).

Contudo, na teoria componencial, está prevista uma segunda maneira pela qual a

pressão de tempo poderá influenciar a criatividade: por meio de um mecanismo motivacional.

A autora afirma que cada um dos componentes intrínsecos pode ser diretamente afetado pelo

ambiente organizacional, mas seu foco principal é no componente motivacional, pois as

habilidades de domínio e processos criativos são mais estáveis do que a motivação do

indivíduo e as influências do ambiente. O ambiente de trabalho pode “minar” a motivação

intrínseca do indivíduo, causando um efeito negativo sobre a criatividade. Desta forma, a

pressão de tempo reduz a motivação intrínseca, pois é o ambiente que nesse caso, controla o

indivíduo. Para explicar a motivação extrínseca, Amabile et al. (2002) ressaltam que, quando

as pessoas se sentem controladas por um fator específico do ambiente de trabalho, seu

comprometimento com a tarefa se deve a essa fonte externa, o que faz que se sintam menos

motivadas, ou seja, apresentam menor interesse intrínseco pela tarefa. Quando isso acontece,

as pessoas têm menos interesse em se engajar em comportamentos exploratórios,

restringindo-se apenas à superficialidade da tarefa.

Em pesquisa para investigar as relações entre pressão de tempo e criatividade,

Amabile et al. (2002) encontraram resultados que demonstravam ligação direta entre a

motivação intrínseca e a criatividade. Em trabalhos onde foram induzidos estímulos para

motivação intrínseca e extrínseca, foram apresentados melhores resultados naqueles cujo

estímulo afetou a motivação intrínseca. Os autores relatam que não encontraram estudo algum

que relacionasse simultaneamente a pressão de tempo, a motivação intrínseca e a criatividade,

assim apresentam sua segunda hipótese: “motivação intrínseca parcialmente mediará a relação

negativa entre pressão de tempo e processo cognitivo criativo” (AMABILE et al., 2002, p. 5).

Para testar e investigar suas hipóteses, os autores analisaram relatórios diários, de 177

participantes, de forma que fosse possível observar os eventos do processo cognitivo criativo,

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por meio de narrativas, que foram enviadas aos participantes para que fossem usadas em

momentos específicos de descobertas, geração de idéias e outros processos presentes na teoria

componencial. A pressão de tempo e a motivação intrínseca foram analisadas por meio de

escalas numéricas, também enviadas diariamente aos participantes. Os questionários diários

apresentavam vários itens em escala e um de resposta livre. O item de resposta livre pedia aos

participantes que: “brevemente descrevessem um evento de hoje que se destaca na sua mente

como relevante para o projeto alvo, seus sentimentos a respeito do projeto, seu trabalho no

projeto, o sentimento do seu grupo sobre o projeto, ou o trabalho do seu grupo no projeto”

(AMABILE et al., 2002, p. 7). Expressões como “a pressão de tempo hoje estava bastante

extrema” e “eu tive coisas demais para fazer hoje” caracterizavam pressão de tempo e carga

de trabalho (volume de serviços). Expressões como “gostei do meu trabalho”, “envolvido no

meu trabalho”, “desafiado pelo meu trabalho”, “motivado por interesse no meu trabalho”,

caracterizam a motivação intrínseca (AMABILE et al., 2002, p. 9).

O processo cognitivo criativo foi analisado nessa pesquisa, por meio de medidas de

freqüência das narrativas obtidas, que foram posteriormente categorizadas, identificando o

tipo de atividade cognitiva, ilustradas a partir dos relatos de alguns participantes: a)

Identificação da tarefa ou problema: “Eu descobri que um código que eu pensei que estivesse

funcionando; na verdade não estava”; b) Preparação: “Eu falei com um professor da

universidade a respeito de tecnologia de metalização fotolítica... Estou começando a pegar o

sentido geral de onde posso pegar este conceito e ampliá-lo”; c) Geração da resposta:

“Trabalhando com dois colegas de time, cheguei a uma idéia para eliminar o desencontro

entre dois elementos de hardware”; d) Comunicação e validação da resposta: “Testei meu

padrão de adesivo [...] no laboratório. Ele não funcionou muito bem, mas fiz algumas

observações interessantes que me ajudaram a entender o problema um pouco melhor”

(AMABILE et al., 2002, p. 10).

Amabile et al. (2002, p. 14) concluíram que seu estudo sugere fortemente que a

pressão de tempo exerce influência negativa sobre a criatividade nas organizações, pois as

pessoas terão menos oportunidades de pensar criativamente. Outro resultado que a pesquisa

evidenciou é de que os efeitos da pressão da carga de trabalho, que está associada à pressão de

tempo, sugerem efeitos cumulativos com o passar do tempo. A relação observada foi de que

quanto maior a pressão de tempo, menor o engajamento com o pensamento criativo. Assim,

concluem os autores: “embora a pressão de tempo possa levar as pessoas a trabalhar mais

arduamente, parece que também faz com que tenham menos chance de usar seus recursos

cognitivos em pensamento criativo”.

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Em relato de resultados de uma pesquisa a respeito das barreiras à criatividade, onde

era solicitado que professores completassem a sentença: “Eu seria mais criativo se...” Alencar

e Fleith (2003b, p. 67) constataram que a falta de tempo/oportunidade foi o fator mais citado

pelos respondentes. As respostas se caracterizavam a partir das seguintes expressões que

ilustram este fator: “Eu seria mais criativo se... tivesse mais oportunidade de por em prática as

minhas idéias”, ou “(...) tivesse mais tempo para elaborar minhas idéias”, por exemplo, que

apontam a escassez de tempo como inibidor à expressão da criatividade.

Outra autora que contribuiu para a compreensão da influência da pressão de tempo na

criatividade foi Unsworth (2004). Essa autora define inovação como o processo de gerar e

implementar idéias como novos produtos, serviços ou processos. A inovação inclui a

criatividade do indivíduo, ou seja, para inovar é preciso ser criativo. Ela comenta que a

literatura sobre o assunto ainda não apresenta dados conclusivos a respeito da relação entre

pressão de tempo e criatividade, ora os estudos indicam que a pressão de tempo diminui a

capacidade de inovar e criar, ora que estimula a criação e inovação, especialmente se existe

um desafio que motive o indivíduo.

Unsworth (2004) conduziu sua pesquisa em duas grandes organizações aeroespaciais e

de defesa européias, com o objetivo de investigar e compreender os efeitos da pressão de

tempo sobre a capacidade de inovar dos empregados. A pesquisa contou com 65 (sessenta e

cinco) participantes, sendo apenas três mulheres. Eram em sua maioria engenheiros, mas

também havia técnicos e balconistas. Realizou entrevistas semi-estruturadas com duração de

60 a 90 minutos, tendo subdividido as entrevistas em cinco partes: na primeira parte, falou

sobre o papel do entrevistador; na segunda parte, tratou da geração da idéia; a terceira parte,

da implementação; a quarta parte determinou as proporções dos diferentes tipos de idéias que

são geradas e a quinta parte da entrevista abordou aspectos gerais do trabalho. A autora se

concentrou nos significados e nas interpretações das narrativas dos participantes para realizar

a análise de dados. Em seu estudo, os resultados indicavam que a pressão do tempo faz que

as pessoas priorizem tarefas, realizando apenas as mais urgentes. Nesses casos, a criatividade

ou a inovação não era uma prioridade, como exemplifica o relato de um dos participantes:

“uma das frustrações de meu trabalho é que eu tenho muitas coisas para fazer e não tenho

tempo suficiente para sentar em um canto com um pedaço de papel e pensar em novas idéias”

(UNSWORTH, 2004, p. 8). A pressão de tempo faz que se aumente também a aversão a

riscos, dessa forma, idéias pouco “cozidas” (halfbaked) tendem a ser rejeitadas, resultado que

corrobora com o que diz a literatura sobre o assunto (UNSWORTH, 2004).

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Nos resultados obtidos em sua pesquisa, Unsworth (2004, p 12) encontrou evidências

de que a pressão de tempo pode ter efeitos tanto positivos quanto negativos no processo de

inovação. A autora comenta que:

(...) quando a inovação é prioridade elevada, a pressão do tempo é facilitada, mas quando a inovação é prioridade baixa então a pressão do tempo é uma barreira; quando um foco estreito é apropriado, como durante o despertar dos estágios da inovação, pressão do tempo é facilitada, mas quando um foco mais largo é apropriado, como durante a definição de problema e os estágios da geração da idéia, pressão do tempo é uma barreira; e a pressão do tempo aumenta a aversão ao risco durante a avaliação e a execução da inovação, diminuindo não obstante em outras circunstâncias.

Zijlstra e Roe (1999) realizaram estudos a respeito da pressão no trabalho e

constataram que o que traz conseqüências negativas não é trabalhar duramente. Trabalhar

duro não traz problemas de saúde, como estresse ou a síndrome de burnout. Segundo esses

autores, a síndrome de burnout abala as pessoas e deixa-as emocionalmente esgotadas.

Quando o trabalho exige demais, e as pessoas percebem excesso de sua carga de trabalho, têm

de empreender grande esforço a fim de lidar com a situação, e esse investimento, que tende,

muitas vezes, a durar por período bastante prolongado, geralmente conduz à fadiga e à

exaustão. A sensação de pressão de trabalho surge quando a pessoa percebe que não é capaz

de lidar com essa carga aumentada de trabalho (ZIJLSTRA; ROE, 1999).

Nem todas as pessoas que experimentam a pressão no trabalho irão desenvolver a

síndrome de burnout, segundo Zijlstra e Roe (1999), pois a pressão no trabalho é condição

necessária, mas não suficiente para o desenvolvimento dessa doença. De fato, há de se

analisar como outros aspectos da vida contribuem para tal, inclusive da vida privada de cada

um. Os resultados apontados em sua pesquisa procuram distinguir as pessoas que adquirem a

síndrome de burnout das pessoas que não adquirem a síndrome quando vivenciam as mesmas

condições. Outro aspecto observado pela pesquisa foram as “complicações” do trabalho, ou

seja, situações da rotina normal de trabalho, acrescidas de problemas eventuais que aparecem

e que devem ser resolvidos – isto requer recursos adicionais para resolvê-los e um grande

investimento de esforço para a realização de suas atividades.

Zijlstra e Roe (1999) destacam que as organizações sofreram mudanças estruturais e

tiveram seus quadros reduzidos na última década e essa carga de trabalho excedente foi

absorvida por outras pessoas nas organizações. Acontece que poucas vezes ocorre uma

contrapartida em reconhecimento a esse esforço extra, não somente mediante recompensas

financeiras, mas também mediante a “tapinha nas costas”. Dessa maneira, argumentam os

autores, não é surpresa que muitas chefias tenham sempre muito trabalho a fazer. Os

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resultados a que chegaram demonstram que a síndrome de burnout tem relação direta com

altos esforços no trabalho sem o reconhecimento adequado e que, em comparação entre

grupos expostos a alta e baixa exaustão, os fatores relatados (horas de trabalho, investimento

do esforço no trabalho e recompensas) são exatamente os fatores que apresentam diferença.

Em sua pesquisa, fatores relacionados com a vida privada (número de filhos, tempo para

cuidar da casa) apresentaram resultados interessantes no que diz respeito a questões de

gênero. O homem geralmente tem uma parceira em casa para apoiá-lo com relação às

atividades domésticas, o que conseqüentemente causa o efeito contrário na mulher que

trabalha, pois a mulher gasta muito mais tempo do que o homem com as tarefas de casa e com

os cuidados com os filhos (ZIJLSTRA; ROE, 1999).

Entende-se nesta pesquisa, que o contexto de trabalho caracterizado por diversas

formas de pressão pode tornar mais complexa a compreensão de seus impactos sobre a

criatividade. Martínez (2000, p. 63), ao tratar dos elementos que possibilitam a criatividade,

explica que ela “é um processo plurideterminado.” As características do contexto

organizacional e as características do indivíduo, acumuladas em suas experiências de vida,

são articuladas de maneira complexa e seu resultado, possibilita ou não a expressão da

criatividade. Essa autora defende a tese de que a expressão da criatividade depende também,

dentre outros fatores, da natureza personológica do indivíduo, ou seja, a estrutura da sua

personalidade tem papel fundamental nesse processo. Em seus estudos, observou que os

indivíduos pesquisados apresentavam alguns elementos comuns:

a) alto grau do desenvolvimento da motivação em relação à profissão. A profissão é

uma tendência orientadora da personalidade;

b) clara orientação para o futuro na esfera profissional;

c) força da individualidade – a autovalorização como importante elemento dinâmico

de expressão criativa;

d) orientação muito ativa para superação;

e) orientação consciente para criação (MARTÍNEZ, 1997, p. 115).

Dessa maneira, é preciso considerar “de que criatividade está se tratando, em que tipo

de organização e em que sociedade” (BRUNO-FARIA, 1996, p. 8). Martínez (2000) também

considera que são necessárias estratégias sistêmicas para o desenvolvimento da criatividade e

atribui esta necessidade ao fato de que possui múltiplas determinações. Deste modo,

incrementar a criatividade nas organizações depende de uma abordagem em três níveis, o

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individual, o grupal e a respeito dos aspectos particulares da organização como um todo. No

nível do indivíduo, Martínez (2000) ressalta que a preocupação deve estar presente desde o

processo de seleção, passando pelo desenvolvimento de programas específicos de

treinamento, na preservação de um clima saudável de trabalho e reforça a importância de que

sejam participativos em processos de mudança. Sobre este ponto, a autora descreve um

aspecto fundamental para compreensão e expressão da criatividade individual, conforme

segue:

Não é incomum encontrar pessoas que justificam a falta de criatividade individual alegando condições físicas adversas, climas autoritários, falta de tempo pelo trabalho excessivo ou por outras inúmeras razões, que tem a ver com as condições e clima psicológico predominante no trabalho. Sabemos que muitas vezes estes elementos, pela sua magnitude e grau de sua generalização, constituem verdadeiros obstáculos para o desenvolvimento da criatividade, porém não é menos verdadeiro afirmar que, alguns sujeitos, percebem mais obstáculos do que os realmente existentes, ou ainda assumem posturas totalmente passivas frente a eles. Desta forma insistimos que, junto à análise e às estratégias geradoras de ambientes favoráveis, é necessário fortalecer o papel ativo do sujeito em relação ao próprio contexto (MARTÍNEZ, 2000, p. 73).

Em se tratando de grupo, a produção criativa acontece como resultado de uma ação

conjunta, muitas vezes caracterizada por comitês, conselhos de direção que têm a

oportunidade e recursos para fortalecer a criatividade na organização (MARTÍNEZ, 2000).

Referindo-se ainda ao enfoque sistêmico comentado pela autora, ainda existe outro nível que

diz respeito aos aspectos particulares da organização como um todo. Esse nível envolve

cultura e clima organizacional e sua estrutura, além de aspectos como composição

hierárquica, níveis de decisão e grau de formalização, também outros como acesso à

informação.

Bruno-Faria (2005, p. 155) afirma que existem poucos estudos sobre o processo

criativo nas organizações e que predominam pesquisas quantitativas, “nas quais a criatividade

é decomposta em variáveis em que se buscam relações para evidenciar regularidades que

possam ser generalizadas de amostras para populações, a partir de modelos estatísticos.” Ao

se compreender a criatividade como um fenômeno complexo, que também ocorre em um

ambiente complexo, como o ambiente organizacional, todo esse contexto organizacional

passa a ser percebido como um espaço de interação entre as pessoas, de troca permanente e

constante entre si.

Desse modo, o contexto das organizações é um lugar de expressão do sujeito em sua singularidade, tanto no que se refere ao modo como age no ambiente, quanto nas influências que esse ambiente exerce sobre ele. Além disto, acredita-se que são vários os fatores determinantes da expressão desse criar no ambiente de trabalho.

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Embora o ambiente não seja visto como algo generalizado, que tenha os mesmos efeitos sobre diferentes sujeitos, acredita-se que algumas condições favorecem vivências emocionais, as quais, por sua vez, fortalecem e/ou mobilizam recursos pessoais que estimulam a ação criativa (BRUNO-FARIA, 2005, p. 161).

Considerando os aspectos de um processo de subjetivação que ocorre entre indivíduo e

contexto, compreende-se que não é possível haver um ambiente comum para criatividade,

pois “cada sujeito, a partir de sua subjetividade e, mais especificamente, de sua personalidade,

dá um sentido a esse ambiente, se apropria desse ambiente e investe nele de forma

diferenciada” (BRUNO-FARIA, 2005, p. 165).

São vários os aspectos que influenciam a criatividade no contexto de trabalho. As

pressões do trabalho, de tempo e sobrecarga de trabalho, são conceitos que se relacionam e

podem provocar efeitos diversos nos indivíduos e em sua criatividade.

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3 – METODOLOGIA

A seguir, são descritas as estratégias metodológicas utilizadas para realização desta

pesquisa, cujo objetivo foi investigar a relação entre as pressões do trabalho, mais

especificamente a pressão de tempo e a sobrecarga de trabalho sobre a criatividade nas

organizações. Apresentam-se neste capítulo as etapas desenvolvidas neste estudo, desde o tipo

de pesquisa adotada à tecnica utilizadas para análise dos dados.

3.1 – Tipo de Pesquisa

Segundo Cassel e Symon (2004), a metodologia qualitativa abre uma perspectiva

epistemológica alternativa, que auxilia na busca de novos conhecimentos, por outro lado, a

pesquisa social na atualidade tem sido fortemente marcada por estudos predominantemente

quantitativos, inclusive nas pesquisas conduzidas sobre criatividade nas organizações, onde “a

criatividade é decomposta em variáveis em que se buscam relações para evidenciar

regularidades que possam ser generalizadas de amostras para populações, a partir de modelos

estatísticos” (BRUNO-FARIA, 2005, p. 155). Por esse motivo, a pesquisa qualitativa foi a

opção metodológica utilizada, pois a cuidadosa observação dos fenômenos organizacionais

leva o pesquisador a perceber “que a realidade é socialmente construída (...) por ser assim,

não pode ser apreendida e expressa por meio de estudos do tipo levantamento e, muito menos,

por meio de experimentos, que são, geralmente, desenhos quantitativos de pesquisa”

(VIEIRA, 2004, p.15). Gaskell (2002, p. 68) corrobora essa opinião ao mencionar que a

finalidade da pesquisa qualitativa “não é contar opiniões ou pessoas, mas ao contrário,

explorar o espectro de opiniões, as diferentes representações sobre o assunto em questão”.

Contudo, é importante destacar que neste estudo, foram descritas as freqüências de respostas

por categoria, a fim de melhor caracterizar as respostas dos sujeitos, considerando que o

emprego de análises estatísticas pode complementar os resultados obtidos com a análise

qualitativa.

Assim, quanto aos fins, esta pesquisa se caracterizou por ser exploratória por ainda

não existirem muitos estudos sobre a relação entre criatividade e pressões no trabalho. Com

esse objetivo, a pesquisa foi conduzida por meio da técnica de grupos focais, que permitiu

captar, experiências, sentimentos, atitudes a respeito do tema. A pesquisa procurou identificar

a percepção dos participantes quanto à influência das pressões no trabalho na expressão da

criatividade, através dos relatos e da análise de conteúdo realizada. Quanto aos meios, a

pesquisa pode ser classificada como de campo e documental. Segundo Vergara (2000, p. 47) a

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pesquisa de campo ocorre “no local onde ocorre ou ocorreu um fenômeno ou que dispõe de

elementos para explicá-lo.” Documental porque foram analisados todos os formulários de

avaliação de desempenho dos cargos de chefia que participaram da pesquisa com o objetivo

de analisar se a criatividade era requerida formalmente pela organização e também de

conhecer e entender o que é esperado do trabalho de cada participante. A pesquisa teve corte

transversal, pois descreveu e analisou o fenômeno no momento em que os dados foram

coletados (VERGARA, 2000; VIEIRA; 2004).

3.2 – Características da organização

Foi escolhida uma das maiores empresas do varejo do País, com atuação no segmento

de super e hipermercados, de natureza privada e capital aberto. A empresa possui mais de 50

anos de funcionamento e em torno de 70 mil funcionários, está presente em 15 estados do

país, com mais de 500 lojas.

A pesquisa foi realizada em uma única organização, em três das cinco lojas que possui

no Distrito Federal. No Distrito Federal, a empresa possui cerca de 5 mil funcionários diretos

e cerca de 500 em cada loja pesquisada. Devido à dificuldade de se realizar pesquisas no

segmento do varejo, não foi possível a participação de outras empresas do mesmo segmento,

especificamente por atuarem com quadro de pessoal enxuto e com pouca disponibilidade de

interrupção. A empresa conta com processos formais e estruturados de recrutamento e

seleção, treinamento e desenvolvimento, avaliação de desempenho e programas de qualidade

de vida e de estímulo à criatividade.

3.3 – Participantes da pesquisa

Participaram do presente estudo 19 empregados de cinco lojas no Distrito Federal.

Esses sujeitos foram escolhidos a partir da indicação da diretoria de cada loja, sob a condição

de que deveriam ser pessoas que comprovadamente trabalhassem com prazos curtos e metas

predefinidas. Assim, foram escolhidos chefes de seção de vários departamentos das lojas, tais

como têxtil, padaria, bazar, frente de caixa, etc., pois são responsáveis diretos pelos resultados

de sua área, por atuarem em ambiente altamente competitivo, caracterizado por forte pressão

de tempo e necessidade de atuar de maneira criativa a cada dia.

Todos possuíam o ensino médio completo, 53% eram homens e 47% mulheres; as

mulheres tinham em média 31 anos, dez anos de trabalho no varejo e seis anos de empresa. Os

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homens possuíam em média de 35 anos de idade, 14 anos de trabalho no varejo e 7 anos de

empresa.

3.4 – Instrumentos de Coleta de Dados

A coleta e a interpretação dos dados relativos ao estudo de determinado fenômeno

dependerá, em grande parte, da base epistemológica em que se fundamenta o autor e da

maneira como percebe o fenômeno. Por esse motivo, o planejar a coleta de dados qualitativos

pressupõe reflexão minuciosa sobre “o que focalizar, quem e, principalmente, por que vamos

interrogar pessoas” (ZANELLI, 2002, p. 82). Assim, com o objetivo de compreender aspectos

da organização relativos ao objeto de estudo desta pesquisa, a coleta de dados se iniciou por

meio de pesquisa documental que também contribuiu para a construção do roteiro de

entrevista que conduziria os grupos focais.

3.4.1 – Pesquisa documental

A pesquisa documental é uma técnica que costumeiramente é utilizada para

complementar informações reveladas por outras formas de coleta de dados (LÜDKE;

ANDRÉ, 1986). Nesse caso, a pesquisa documental serviu para identificar práticas

organizacionais que visam incentivar a criatividade, a inovação, o cumprimento de metas com

prazos previamente estabelecidos e o senso de urgência, entre outros temas relacionados ao

objeto da pesquisa, especialmente porque os documentos podem apresentar evidências sobre

os temas de interesse da pesquisa, pois “surgem num determinado contexto e fornecem

informações sobre esse mesmo contexto” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 39).

3.4.2 – Roteiro de Entrevista – Grupos Focais

A pesquisa foi realizada em duas etapas complementares. Na primeira etapa foi

elaborado um roteiro de entrevista, com tópicos-guia que possibilitassem o surgimento de

novas perguntas durante as entrevistas com os grupos focais. Cada pergunta visava explorar

aspectos relevantes para a compreensão do problema de pesquisa.

Assim, cada pergunta possuía um objetivo específico, conforme relacionado abaixo:

Roteiro de entrevista semi-estruturada – primeira etapa:

a) Quais são seus sentimentos em relação ao trabalho que realiza?

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Objetivo: Caracterizar os sentimentos e as percepções de cada participante com relação ao

seu trabalho.

b) Descreva-me um dia do trabalho de vocês.

Objetivo: Identificar se o trabalho descrito acontece em um contexto de pressão de tempo.

c) Como são os prazos para realização dos seus trabalhos?

Objetivo: Constatar se os participantes trabalham com prazos curtos e metas previamente

estabelecidas.

d) Como vocês lidam com o cumprimento desses prazos?

Objetivo: Perceber as diferentes atitudes diante das situações de cobrança de prazos.

e) Quais são seus sentimentos em relação à quantidade de trabalho que vocês têm e o tempo

que possui para realizá-lo?

Objetivo: Constatar se existe sobrecarga de trabalho e se esta é associada pelos participantes

com a pressão de tempo.

f) Nessa pesquisa, criatividade é a capacidade de criar algo novo e de valor. A empresa em

que vocês trabalham espera criatividade de sua parte?

Objetivo: Saber se a criatividade é requerida formalmente e abertamente em suas atividades.

g) De que maneira, nesse contexto de prazos curtos e mudanças rápidas vocês conseguem

criar?

Objetivo: Identificar as estratégias utilizadas pelos participantes para lidar com situações de

pressão de tempo e ainda assim expressar sua criatividade.

h) Descrevam uma situação em que vocês pessoalmente tenham criado algo novo e de valor

e as estratégias que utilizaram para criar no contexto em que trabalham.

Objetivo: Perceber quais as estratégias mais freqüentemente adotadas pelos participantes para

criar em ambientes de pressão de tempo.

i) Como última pergunta, gostaria de saber se existe alguma coisa a mais sobre criatividade

que vocês desejam falar e que ainda não havia sido mencionada.

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Objetivo: Estimular a fala sobre outros aspectos da criatividade no ambiente de trabalho

relacionados às pressões ou a criatividade anteriormente não mencionadas.

Na análise preliminar das primeiras entrevistas, por meio do que é denominado de

“leitura flutuante” (BARDIN, 2004), levantou-se a possibilidade de haver outro tipo (ou

outros tipos) de pressão, diferente da pressão de tempo e da pressão do trabalho propriamente

dita e que poderia influenciar de alguma maneira a criatividade no contexto do trabalho. Por

esse motivo e para confirmar outras hipóteses, optou-se por desenvolver uma segunda etapa

de coleta de dados. Para esse fim foi elaborado um segundo roteiro de entrevista, destinado a

ser aplicado no segundo encontro com os grupos focais, conforme descrito abaixo:

Roteiro de entrevista semi-estruturada – segunda etapa:

a) Durante nosso primeiro encontro, foi identificado por meio do relato de vocês que as

pressões do trabalho poderiam ocorrer por dois motivos:

Pela pressão por resultados:

exercida pela chefia para se atingir resultados num determinado prazo de

tempo e pelo trabalho diário que precisa ser realizado.

Pela sobrecarga de trabalho, que está relacionada com:

excesso de tarefas;

falta de recursos materiais e de pessoas;

pouco tempo para realizar as tarefas.

Vocês concordam? Existem outras formas de pressão além dessas identificadas que

podem influenciar na criatividade? Diante disso, existem estratégias diferenciadas para

criar em cada um desses casos?

Objetivo: Identificar outras formas de pressão e esclarecer o entendimento do grupo a

respeito do tema.

b) Identificou-se também que para que a criatividade ocorra no ambiente em que trabalham

vocês consideram necessário:

ter tempo livre destinado a criar coisas novas e de valor para o trabalho;

realizar o planejamento das ações diárias, a fim de facilitar a realização das atividades

e ter tempo para criar;

conversar com outras pessoas para trocar idéias e informações;

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contar com pessoas qualificadas que sejam capazes de dividir responsabilidades

/tarefas com vocês.

Existe mais alguma coisa necessária para estimular a criatividade no ambiente de

trabalho?

Objetivo: Confirmar os dados apurados e acrescentar outras informações sobre o tema da

pesquisa.

c) O que vocês consideram que dificulta a criatividade nesse ambiente de pressão?

Objetivo: Identificar fatores que dificultam a expressão da criatividade no ambiente de

trabalho, caracterizado como um ambiente de pressão.

d) Vocês apontaram algumas dificuldades para expressar a criatividade nesse ambiente

caracterizado pela pressão. Também indicaram algumas formas de enfrentar isso. Haveria

mais alguma maneira de lidar com isso?

Objetivo: Identificar mais alguma estratégia para lidar com as pressões do trabalho que ainda

não havia sido relatada.

e) Resumindo, de que maneira a pressões do trabalho podem influenciar na sua capacidade

para criar?

Objetivo: Perceber qual a influência que as pressões do trabalho exercem sobre os

participantes desta pesquisa.

Durante o primeiro e o segundo encontros o roteiro serviu como uma guia preliminar

para análise das transcrições, mas, no decorrer das entrevistas com os grupos focais, outras

perguntas surgiram, com a intenção de eliminar dúvidas, esclarecer as afirmações feitas pelos

participantes, confirmar a compreensão do pesquisador e/ou dos participantes a respeito dos

temas abordados.

3.5 – Procedimentos de coleta de dados

3.5.1 – Coleta de dados da pesquisa documental

Inicialmente foram realizadas pesquisas nos conteúdos da página da internet da

organização, em documento denominado Declaração da Cultura da empresa, em formulários

de Avaliação de Desempenho e na descrição de Papéis e Responsabilidades e em documentos

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sobre o Planejamento Estratégico da organização. A escolha por tais fontes de informação não

foi aleatória. Tais documentos, segundo o responsável pela área de Recursos Humanos da

região, são os principais guias do comportamento esperado pela organização. Assim, a

pesquisa documental serviu para compreender a natureza do negócio e do trabalho da empresa

escolhida para pesquisa, norteou também a busca por pessoas que ocupassem cargos de

chefia, pois nesta organização possuem a responsabilidade direta pelos resultados.

3.5.2 – Coleta de dados dos grupos focais

O grupo focal contribui com a pesquisa social, uma vez que envolve a discussão

organizada de um grupo, para obtenção de informações sobre o ponto de vista e opiniões por

meio através de uma atividade coletiva (KITZINGER; 1995). Kitzinger (1995) argumenta que

o grupo focal ajuda as pessoas a explorar e esclarecer pontos de vista diferentes com maior

facilidade do que em entrevistas individuais. Gaskell (2002, p. 79) define grupo focal como

“um debate aberto e acessível a todos: os assuntos em questão são de interesse comum; as

diferenças de status entre os participantes não são levadas em consideração; e o debate se

fundamenta em uma discussão racional”. Gaskell (2002) propõe que grupos focais sejam

constituídos por seis a oito membros, em ambiente agradável e que dure entre uma e duas

horas. Foram formados três grupos focais, sendo dois grupos com seis participantes e um

grupo com sete. Cada grupo pertencia a uma loja diferente e com cada um desses grupos

foram realizados dois encontros com duração entre 01h30min e 01h50min.

Apesar de terem sido indicados pelas diretorias das lojas, a pesquisadora convidou

formalmente os participantes por meio de correio eletrônico e contatos telefônicos,

informando a importância e a relevância do estudo para a organização e para o meio

acadêmico. Foi solicitado aos participantes que confirmassem sua participação na pesquisa,

pois esta deveria ser voluntária e o pesquisador precisava garantir o número mínimo de

participantes para realização das reuniões. Como informado anteriormente, foi formado um

grupo focal em cada um das três lojas que confirmaram a participação na pesquisa, seguindo a

seguinte distribuição apresentada na tabela 1:

Tabela 1: Distribuição dos grupos focais por loja e participantes

Grupo Loja 1º Encontro 2º Encontro Quantidade de participantes

Grupo Focal I A 15/09/06 23/09/06 7 Grupo Focal II B 4/11/06 13/11/06 6 Grupo Focal III C 2/12/06 4/12/06 6

Total de participantes 19

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A preocupação com a condução apropriada do grupo focal foi uma das prioridades da

pesquisadora. Todos os encontros agendados foram minuciosamente preparados para que os

debates ocorressem sem transtornos. As salas para os encontros foram previamente limpas e

arrumadas para realização dos debates. Água, café, refrigerante e biscoitos estavam

disponíveis aos participantes enquanto aguardavam o início dos trabalhos. Na condução da

dinâmica do grupo focal todos ficavam em círculo, em cadeiras confortáveis e com apoio de

braço. A condução da primeira etapa dos debates com os grupos focais seguiu os passos

abaixo:

a) apresentações pessoais;

b) apresentação do tema e dos objetivos do trabalho;

c) observações e recomendações necessárias. Nesse momento, foi enfatizado pela

pesquisadora que não havia opiniões certas ou erradas, que o maior objetivo do

encontro era ouvir a opinião de cada um a respeito daquilo que sentiam sobre os

temas abordados; que se considerava que as pessoas podiam não ter o mesmo

ponto de vista e podiam perceber a mesma questão de diferentes maneiras e enfim,

que todos ficassem à vontade para participar;

d) solicitação de autorização para gravar os depoimentos.

No segundo encontro com os grupos focais, a condução do grupo transcorreu com

mais espontaneidade, ainda assim o pesquisador voltou a falar sobre a importância da

pesquisa, o objetivo do segundo encontro e novamente solicitou permissão para gravar os

depoimentos.

Durante os debates outras perguntas foram feitas, além das que estavam previstas no

roteiro, para esclarecer melhor as respostas ou as declarações de cada participante. Apenas a

questão “d” parecia desnecessária (Vocês apontaram algumas dificuldades para expressar a

criatividade nesse ambiente caracterizado pela pressão. Também indicaram algumas formas

de enfrentar isso. Haveria mais alguma maneira de lidar com isso?), pois em todos os grupos

era apenas repetido o que já havia sido falado.

3.6 – Análise de Dados

Tanto os documentos obtidos na organização quanto o material colhido nas entrevistas

com os grupos focais foram submetidos à técnica de análise de conteúdo, segundo

metodologia proposta por Bardin (2004). Para Bardin (2004), a análise de conteúdo deve

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passar por três fases distintas: a pré-análise; a exploração do material e o tratamento dos

resultados; as inferências e as interpretações do material coletado. A análise de conteúdo

decompõe o discurso e categoriza-o com a finalidade de obter uma descrição objetiva e

sistemática. As questões elaboradas para os roteiros de entrevista na primeira e segunda etapa

funcionaram “como um esquema preliminar para a análise das transcrições” (GASKELL,

2002, p. 67).

Após a realização dos grupos focais, as gravações dos debates foram várias vezes

escutadas pela pesquisadora que transcrevia pessoalmente os trechos, inicialmente de acordo

com as questões do roteiro, que foram previamente definidas; e posteriormente, formando

uma matriz de objetivos e finalidades da pesquisa que ajudou a elaborar as categorias para

análise de conteúdo (BARDIN, 2004). Ao realizar várias escutas das gravações realizadas, a

pesquisadora teve como principal objetivo procurar padrões, conexões e relações entre as

falas e o referencial teórico que fundamenta a pesquisa.

A transcrição dos debates gerou 67 folhas de papel A4 de material transcrito resumido,

ou seja, apenas com os trechos relevantes para a pesquisa, extraídos das gravações originais.

Foram suprimidos das transcrições trechos onde os participantes fugiam do tema da pesquisa

e comentavam sobre outros assuntos, como por exemplo, sobre quando elogiavam o lanche

servido, falavam de futebol ou do que fariam ao final do expediente.

A análise de conteúdo é uma técnica de pesquisa, que analisam dados e informações,

que auxiliam na produção de inferências sobre o contexto social, cuja intenção pode ser tratar

estatisticamente, ou não, as unidades de texto à luz do referencial teórico a respeito do tema

em questão. O referencial teórico e o problema da pesquisa foram os norteadores para

categorização do texto e os resultados da análise de conteúdo ajudaram a identificar o que

explica essa influência (BAUER, 2002). Desse modo, foram constituídas categorias que

caracterizassem os tipos de pressão evidenciados na pesquisa empírica e as diferentes

estratégias empregadas pelos sujeitos para fazer frente à pressão do tempo, na intenção de

expressar sua criatividade.

De acordo com Bardin (2004, p. 62), “a análise é essencialmente temática” e

transversal, ou seja, “as entrevistas são recortadas em redor de cada tema-objeto”. Por esse

motivo, a unidade de registro utilizada para nomear as categorias foi o tema, bastante

utilizado quando a intenção é investigar opiniões, valores e comportamentos e se caracteriza

por ser uma afirmação sobre o assunto, “consiste em descobrir núcleos de sentido que

compõem a comunicação” (BARDIN, 2004, p. 99). A partir da análise de conteúdo

(BARDIN, 2004), pode-se caracterizar as formas de pressão existentes no contexto de

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trabalho e identificar as estratégias para criar em ambientes de pressão, embora, analisar o

sentido e a significação do conteúdo dos relatos tenha sido mais relevante do que verificar

apenas freqüência com que uma palavra aparece no texto.

Desse modo, foram criadas sete categorias que serão discutidas em capítulo seguinte.

A pressão de tempo foi uma categoria definida a priori, com base na revisão de literatura

sobre o tema, e as demais categorias definidas a posteriori, a partir da análise de conteúdo dos

debates com grupos focais. Foram criadas categorias que expressassem diferentes tipos de

pressão, assim como aquelas que retratassem estratégias utilizadas pelas pessoas para criar

nesse contexto de trabalho caracterizado pela pressão, assim como das ações organizacionais

voltadas ao estímulo da criatividade.

As categorias identificadas foram submetidas à análise de cinco juízes, especialistas no

tema criatividade, sendo quatro mestres e um doutor, os quais analisaram a pertinência dos

itens às categorias. Adotou-se como critério de manutenção das categorias, a concordância de

80% entre as análises dos juízes, observando o que recomenda Pasquali (1998). Foram

relacionados relatos extraídos dos debates entre os participantes para que os juízes associem

às respectivas categorias previamente definidas pela pesquisadora. Desse modo, os juízes

indicavam se os relatos correspondiam aos tipos de pressão, às estratégias individuais e

grupais e a estratégia organizacional sugeridos inicialmente pela pesquisadora. Também havia

a alternativa para indicar que o relato não se referia a nenhuma das opções sugeridas e, ainda,

foi aberto um espaço para sugestão de outras categorias não identificadas. Foi possível

confirmar, a partir da análise dos juízes, quatro categorias que caracterizaram as estratégias

individuais e grupais para fazer frente às situações de pressão e criar e, uma categoria que

descreveu a estratégia organizacional de estímulo à criatividade.

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4 – RESULTADOS E DISCUSSÃO

Neste capítulo, serão apresentados e discutidos os resultados da pesquisa obtidos por

meio da análise de documentos internos e grupos focais.

4.1 – Pesquisa documental

Buscou-se identificar na análise documental evidência de que a criatividade fosse

estimulada e desejada no contexto organizacional. Em todos os documentos pesquisados

surgiram palavras como “criatividade” e “inovação”, “criatividade e espírito inovador”,

“iniciativa e criatividade” e “atitudes empreendedoras”. Em informações relativas à área de

Recursos Humanos, “criatividade” aparece como requisito para contratação. O requisito é

generalista e indica que todos que desejam ocupar um cargo na organização devem possuir

entre outras características “criatividade, espírito inovador” e “perfil empreendedor”, além de

ser “motivados para assumirem desafios, riscos e atitudes inovadoras”.

A organização pesquisada possui um programa estruturado de incentivo à criatividade,

onde comitês de loja, que são grupos formados por cerca de oito colaboradores, se dispõem a

compartilhar idéias e realizar ações com foco no cliente, no público interno, na empresa e na

comunidade. As lojas possuíam comitês com autonomia para desenvolver ações de acordo

com o perfil de cada localidade, visando a agregar valor à marca. Entre elas, estão eventos

comemorativos, ações em prol de instituições sociais, atividades motivacionais e de

integração dos colaboradores. O estímulo à criatividade também é percebido em várias das

frases que expressam a cultura organizacional, como por exemplo: “99% das novas idéias

vêm das lojas”, “Desafie o óbvio”, “Precisamos ser modernos”, entre outras.

Por meio da análise documental foi constatado que empresa pesquisada se destacava

em ações inovadoras e buscava estimular fortemente a ação criativa de seus funcionários

mediante comunicações internas e programas de incentivo à criatividade. Devido à grande

preocupação com a inovação, a empresa criou em 2005 um grande Centro de Inovação que

tem como principal objetivo desenvolver novos produtos, embalagens e marcas. Na análise

dos documentos sobre o planejamento estratégico da empresa, a Visão de Futuro revela a

intenção de ser uma das empresas mais admiradas por sua rentabilidade, inovação e

eficiência.

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4.2 – Grupos focais

O grupo focal permitiu identificar as percepções dos participantes sobre pressões no

trabalho e criatividade, compreender as influências envolvidas nesse contexto e ainda

perceber quais são as principais estratégias para lidar com um ambiente de pressão.

Inicialmente, a proposta deste estudo era analisar a influência da pressão de tempo sobre a

criatividade, contudo, no decorrer da coleta de dados outros tipos de pressão foram

identificados, tendo sido necessário criar categorias que abrangessem os demais tipos de

pressão descritos pelos participantes.

4.3 – Categorias e definições operacionais

Foram identificadas por meio da análise de conteúdo categorias que distinguem os

tipos de pressão, assim como aquelas que descrevem as estratégias para criar usadas pelos

participantes no contexto de trabalho caracterizado por diferentes tipos de pressão e das ações

organizacionais voltadas ao estímulo da criatividade (BARDIN, 2004). Para cada categoria foi

estabelecida uma definição operacional, pois, segundo Pasquali (1998), a criação e a descrição

de categorias podem subsidiar a construção de instrumentos de medida em pesquisas futuras.

Foram identificadas quatro diferentes tipos de pressão, descritos a seguir:

Tipos de pressão

Categoria I – Pressão de tempo

Definição operacional: percepção de falta de tempo ou tempo insuficiente para

execução de tarefas, que está relacionada com a sobrecarga de trabalho por falta de pessoas e

recursos materiais, excesso de tarefas e pouco tempo para realizá-las; provoca esforço extra,

leva ao estresse e prejudica a qualidade de vida.

Categoria II – Auto-exigência elevada

Definição operacional: Muitas vezes mencionada como uma forma de pressão

psicológica, é resultado da cobrança que o próprio indivíduo faz a si próprio, devido à

necessidade de ser reconhecido, de não ser punido ou penalizado pela chefia ou colegas de

trabalho pelos resultados de seu trabalho ou de seu comportamento.

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Categoria III – Pressão da família e dos amigos

Definição operacional: cobrança da família e dos amigos pela ausência, isolamento

social e desequilíbrio entre trabalho e vida pessoal.

Categoria IV – Pressão por resultados

Definição operacional: cobrança por parte da chefia para que um trabalho seja

realizado, geralmente associada à necessidade de atingir algum resultado previamente

estabelecido por metas e indicadores financeiros e tarefas a ser concluídas,

independentemente da disponibilidade de pessoal e de recursos.

Além das categorias que expressam os tipos de pressão identificados no contexto da

organização pesquisada, emergiram categorias que evidenciam as estratégias que as pessoas

usam para criar nesse contexto, que são descritas a seguir:

Estratégias para criar

Categoria I – Estratégia individual: planejamento de tarefas e de tempo

Definição operacional: comportamento de traçar um plano para realizar uma meta,

organizar ações e tarefas de maneira racional a fim de alcançar algum resultado final. Envolve

responsabilidade pelo gerenciamento e administração do tempo, planejamento de atividades,

análise de riscos e priorização de tarefas.

Categoria II – Estratégia grupal: troca de idéias e experiências

Definição operacional: cooperação e participação de colegas e grupos de trabalho em

suas atividades laborais, contribuição direta ou indireta com idéias ou críticas construtivas nos

projetos de trabalho que envolvem criatividade. É o comportamento de compartilhar

conhecimento, trocar idéias, dialogar e valorizar da equipe.

Além das estratégias individuais e grupais para criar, foi identificada mais uma

categoria que indica as ações organizacionais voltadas ao estímulo à criatividade, conforme a

seguir:

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Categoria III – Estratégia organizacional: programas estruturados de

estímulo à criatividade.

Definição operacional: Ações e estratégias desenvolvidas pela empresa que

estimulam a criatividade individual ou de equipe, seja por meio de programas formais de

estímulo à criatividade seja pelo incentivo informal e pelo apoio a novas idéias ou ações

criativas que tragam retorno para organização que favorecem a percepção de suporte da

organização, reconhecimento e valorização do trabalho.

Com base nas categorias encontradas neste estudo, foi possível ilustrar o contexto

organizacional pesquisado, caracterizado pelos tipos de pressão identificados por intermédio

da análise de conteúdo e as estratégias que indivíduos e grupos adotam para fazer frente às

dificuldades da sua rotina de trabalho e ainda assim, criar. Para Bardin (2004, p. 93),

“formular hipóteses consiste, muitas vezes, em explicitar e precisar – e, por conseguinte, em

dominar – dimensões e direções de análise, que apesar de tudo funcionam no processo”.

Assim, procura-se apresentar de forma esquemática o contexto de trabalho que foi objeto de

pesquisa, a partir das categorias observadas, resultado da pesquisa empírica realizada neste

estudo e do referencial teórico encontrado na literatura sobre os temas em questão.

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Pressão de tempo

Estratégias para criar

Estratégia organizacional: Programas estruturados e de

estímulo à criatividade

Tipos de Pressão

Estratégia grupal: troca de idéias e experiências

Estratégia individual: planejamento de tarefas e de

tempo

Ações Criativas

Estratégias para Criar

Auto-exigência elevada

Pressão por resultados

Pressão da família/amigos

Ambiente de Trabalho

Figura 6: Apresentação esquemática dos resultados do estudo.

4.4 – Tipos de pressão

Embora o objetivo inicial desta pesquisa fosse apenas compreender a influência das

pressões no trabalho, mais especificamente da pressão de tempo e sobrecarga de trabalho na

criatividade, outras formas de pressão foram identificadas. Neste estudo se considerou

importante incluir todas outras formas de pressão identificadas a partir da análise de conteúdo

das falas dos sujeitos no contexto de trabalho, como forma de ampliar a compreensão sobre

aspectos do contexto do trabalho que influenciam a criatividade de indivíduos e grupos. A

pressão por resultados, a auto-exigência elevada, a da família e dos amigos e a pressão por

resultados guardam estreita relação com a pressão de tempo e as condições necessárias ao

indivíduo para criar. Em alguns relatos, percebe-se claramente que os tipos de pressão

encontrados e categorizados como pressão tempo, auto-exigência elevada, pressão da família

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e dos amigos e pressão por resultados, encontrados nesse ambiente se sobrepõem e se

relacionam gerando impacto na capacidade do indivíduo de criar. A seguir, encontra-se um

exemplo da inter-relação entre as formas de pressão:

no dia da minha folga ter que vir aqui... Não muda a escala de um hora pra

diciais ao processo

criativo de indivíduos e grupos estão demonstradas na Tabela 2, a seguir:

s prejudiciais ao processo cr g

“A pressão psicológica e a pressão da família interferem diretamente na minha capacidade de criar, eu vou lhe dizer por quê: eu sou uma pessoa que tenta ser ao máximo organizada, eu detesto atrasar com as coisas, eu detesto atrasar com o pão, sabe? Então, no que você puder, você não pode levar a vida assim reta, não tem como, tem os contratempos de que nós já falamos tanto aqui, mas naquilo que é possível você facilitar, já que a gente trabalha 12 horas por dia, de domingo a domingo no que for possível, tem de haver aquela escala de folga certa, eu adoro minha família, adoro meu trabalho e de maneira nenhuma quero mudar isso, mas eu não querooutra...”

As pressões identificadas que mais se destacaram como preju

Tabela 2: Pressõe iativo nas or anizações

Tipos de Pressão Freqüência Percentual Pressão de tempo 17 89,47% Pressão psicológica 17 89,47% Pressão da família e social 12 63,16% Pressão para resultados 11 57,89%

Nota e o

percentual excede 100%, pois alguns entrevistados fizeram referência a mais de um tipo de pressão.

tipos de pressão encontrados e sua influência sobre a criatividade de

indivíduos e grupos.

4.4.1 – Categoria I – Pressão de tempo

mpo para realizá-las;

provoc

: Na Tabela 2 acima, a totalização da freqüência excede o número de entrevistados (19 participantes)

As categorias identificadas neste estudo serão discutidas a seguir, de acordo com os

objetivos da pesquisa e a revisão de literatura sobre tema, apresentando em muitos relatos a

inter-relação entre os

A pressão de tempo caracteriza-se pela percepção de falta de tempo ou tempo

insuficiente para execução de tarefas, que está relacionada com a sobrecarga de trabalho por

falta de pessoas e recursos materiais, excesso de tarefas e pouco te

a esforço extra, leva ao estresse e prejudica a qualidade de vida.

São muitos os aspectos que podem ser analisados em relação ao tempo. A percepção

de tempo para cada pessoa difere em relação aos seus sentimentos sobre timing (percepção do

tempo certo para agir ou dar uma resposta), velocidade, ritmo de cada pessoa, ciclo de tempo,

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algumas vezes até mesmo por diferenças culturais acerca das percepções sobre o tempo

(ANCONA et al., 2001). O tempo em si mesmo parece determinar as relações que cada um

terá co

u as pressões do dia-a-dia para criar é muito mais pesaroso, conforme relato

seguinte...

uita sobrecarga de trabalho, muita,

... do q

o é bom e que pressão demais é ruim, mas a

ivar o cara, elogiar o que ele faz de diferente, mesmo uma coisa muito

m o seu trabalho, consigo mesmo e com sua família e amigos.

Ancona et al. (2001, p. 646) afirmam que as atividades em relação ao tempo podem

ser programadas, aceleradas, adequadas a um determinado prazo. “O tempo pode ser

objetivamente retratado e interpretado com base no tempo medido, linear, movendo para

frente e exato. Também pode refletir a experiência subjetiva de cada indivíduo.” Assim o

tempo se torna uma nova lente de pesquisa através da qual podem ser analisados os

fenômenos organizacionais. O tempo pode ser programado, medido e planejado em relação às

atividades laborais e de lazer de cada pessoa e experimentado de acordo com a percepção

subjetiva. Por esse motivo percebe-se em vários relatos que para algumas pessoas, administrar

seu tempo o

“Hoje tudo sobrecarrega, antigamente tinha um chefe de líquida, tinha um chefe de seca, tinha um chefe de DPH, tinha milhões de funcionários, milhões de promotores, hoje não, é um chefe para várias áreas. É mmuita... Nós não temos tempo fácil para nada.”

ue para outras, como se pode constatar a seguir:

“A capacidade de abrir os horizontes que você tem, de trabalhar no chão de loja é tão infinitamente superior do que quando eu trabalhava na parte administrativa financeira, você começa a perceber as coisas de vários pontos de vista, não é de outro ponto de vista, isso eu acho muito bacana. Essa pressão de ter que cumprir os prazos até estimula a gente a pensar e criar mais, é um desafio responder na hora cada problema do dia-a-dia, a gente tem que decidir, sem essa de ter muito tempo para criar uma alternativa, claro que ter tempgente vive assim, acostuma, se adapta.”

“Para lidar com as pressões e incentivar a criatividade dos nossos funcionários temos que incentsimples.”

Tempo e criatividade podem se relacionar de diversas maneiras, assim propõe

Mainemelis (2002), que observa a relação entre tempo e criatividade por meio de três modos

temporais: o tempo cíclico, o linear e a eternidade. O tempo cíclico é caracterizado por

aspectos repetitivos do tempo, ou pela sensação de que fatos ocorrem novamente. O tempo

linear é entendido como o processo do nascimento, vida e morte, onde os momentos

importantes não são marcados pelos minutos de um relógio, mas por vivências significativas

da vida. O tempo cíclico e o linear, em qualquer cultura ou época têm uma influência

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importante na maneira como as pessoas se percebem e estabelecem seus objetivos. Essa

influência do tempo extrapola o ambiente de trabalho e muitas vezes induzem à percepção de

que se vive em função desse tempo. O relato a seguir descreve as conseqüências na vida de

um dos participantes da pesquisa, na época em que trabalhava mais de 15 horas por dia, todos

os dias.

assa a ser

mpo, ou do tempo necessário para criar ou realizar suas atividades, conforme relato

a seguir:

a as pessoas, tem que ter prazer no que faz, assim a gente

tmo de trabalho, é do varejo, quem trabalha no varejo

“O que dificulta a criatividade é o excesso de pressão. Houve uma época em que para mim não existia lazer, não existia família, quase separei no casamento, pois eu era um pai apenas financeiro, um marido só de colocar dinheiro dentro de casa, porque eu chegava em casa cansado, sem ânimo prá nada, o domingo que às vezes você tinha era para dormir, para descansar, pois muitas das vezes no domingo você era convocado para trabalhar e passávamos quinze, vinte dias sem tirar uma folga, quer dizer, era meio escravidão, quando a pessoa te escraviza a pessoa pimprodutivo, você apenas vai fazer aquilo que te pressionaram a fazer...”

Por outro lado, Mainemelis (2002) comenta sobre o conceito de fluxo (flow), também

tratado por Csikszentmihalyi (1999) e explica que quando um indivíduo tem uma experiência

muito intensa, na realização de alguma atividade, a noção de tempo parece desaparecer devido

à intensidade prazerosa daquela vivência. Feynman e Pöppel (1988 apud MAINEMELIS,

2002, p. 235) dizem que “tempo é o que acontece quando nada mais acontece… quando nós

temos uma ótima experiência não pensamos no tempo”. Percebe-se que a experiência

prazerosa parece contribuir positivamente em relação à percepção subjetiva de cada pessoa

sobre o te

“Você tem que deixar a loja diferente todo dia para o cliente pensar, opa, lá tem uma surpresa e aí você começa a ouvir sugestões de funcionários (...) aí você começa a conversar e também tá aprendendo e eu acho que assim, a criatividade, falando em termos de tempo, eu penso muito na coisa da produtividade, então assim, você trabalha no horário, trabalhnem vê o tempo passar...”

“Eu só estou no varejo porque eu acho que não há outro espaço que te proporcione mais oportunidades para criar. Quem trabalha no varejo trabalha com paixão, porque gosta, não importa o risabe que se trabalha demais.”

Waller et al. (2001) realizaram uma pesquisa com o objetivo de entender como a

urgência de tempo e as perspectivas de tempo afetam a percepção de prazo final (deadline) e

como as diferentes perspectivas de prazo final afetam a performance de uma equipe. Em sua

pesquisa, definiram tempo como um recurso-chave para equipes que trabalham em ambiente

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competitivo; prazo final (deadline) como o tempo em que determinada tarefa deve ser

concluída e percepção como o resultado do processamento das informações, julgamentos e

compreensão de cada indivíduo. Dessa forma, considerando as diferenças individuais, Waller

et al. (2001) procuraram entender quais percepções poderiam influir na capacidade de uma

equipe em trabalhar sobre pressão de tempo e atender prazos. Os autores acreditam que as

diferentes percepções sobre prazo final poderiam ser preditoras da performance de equipes

em ambientes competitivos, pois diferentes percepções resultariam em diferentes escolhas e

ações, assim, a percepção e a importância de ‘a que tempo’ se deve ser entregar um trabalho

pode ser bastante diferente entre as pessoas e os membros de uma equipe. É o que se

constatou nos dois relatos a seguir que apresentam diferentes percepções sobre prazo final e

diferentes posturas em relação a um possível desempenho ou nível de performance:

. Lógico que às

às vezes não dá mesmo, perdemos o prazo, quer dizer, não dá para fazer

tem pouco tempo para realizar suas tarefas, caracteriza o

sentimento de pressão de tempo:

ntes

s autores, o excesso de controle e a alta pressão podem causar danos irreparáveis

nas pessoas:

“Eu não vou perder tempo me estressando porque me pediram um relatório em cima da hora, eu vou pego e faço. Assim eu já ganhei tempo. Agora com a reestruturação da empresa isso está muito forte. Se tiver prazo, eu vou pego e cumprovezes a gente perde um prazo, mas em geral minha meta é atendê-lo.”

“Em geral, quer dizer, os prazos até são suficientes, pois sempre temos 24 horas, 48 horas, mas tudo acontece dentro de uma loja, são coisas que não te deixam pegar uma tarefa do início e concluí-la de uma só vez até o fim, temos que parar o tempo todo, por isso tudo...”

Amabile et al. (2002) afirmam que a pressão de tempo, embora possa estimular para

que as pessoas produzam mais, pode “minar”, prejudicar o pensamento criativo, que é

necessário à geração de idéias. A imposição de um prazo final (deadline) e a percepção

subjetiva do indivíduo, de que

“Quando eu tô tranqüila com o tempo eu consigo criar bem mais... Ontem eu tava bem tranqüila e consegui montar um processo supersimples de um trabalho que aera extremamente difícil. Eu tive tempo pra isso. Não precisa ter tanta pressão.”

Amabile et al. (2002) alertam que as organizações rotineiramente prejudicam a

criatividade, ao adotar prazos extremamente apertados e impossíveis de se alcançar, que essa

pressão de tempo pode causar desmotivação e posteriormente a síndrome de burnout.

Segundo esse

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“Resumidamente é isso, a pressão até certo ponto, sem ser excessiva é bom e até motiva, estimula, quer dizer, eu vejo isso no meu time quando eles estão correndo atrás de alguma coisa, mas quando é daquele jeito que te falei, desumano, cruel, não

duais e os diferentes níveis de

lerân

r em um processo criativo. Sobre esse estudo

Amabile et al. (2002, p

ficiente. Em outras palavras, a verdadeira relação entre pressão de tempo e criatividade, por toda possível amplitude de pressão

as pudessem criar, esse

tempo

que não realizemos algo do jeito que imaginamos. Talvez sem a pressão os processos criativos

se

adaptar

adrão, vou até estranhar se trabalhar na moleza. Sem pressão não me sinto tão criativo. Tenho que ter prazos. A criatividade flui melhor quando há prazos estipulados.”

adianta nada. Não sai criatividade.”

Os resultados obtidos nesta pesquisa foram bastante semelhantes aos resultados

apresentados por Amabile et al. (2002), em estudo sobre a pressão do tempo e criatividade nas

organizações. Percebe-se no relato acima que uma forte pressão de tempo pode contribuir

para que as pessoas trabalhem mais, mas pode prejudicar o pensamento criativo. Percebe-se,

assim como Amabile et al. (2002), que as diferenças indivi

to cia ao estresse também são moderadores desta relação.

Andrews e Farris (1972 apud AMABILE et al., 2002, p.19) descreveram um estudo

em que se observou uma relação curvilínea entre sobrecarga de trabalho e inovação. Nesse

estudo a inovação foi mais alta quando a pressão de tempo se encontrava no nível de

preferência dos sujeitos. A pesquisa realizada também sugere que a relação entre pressão de

tempo e criatividade é antagônica, ou seja, quanto maior a pressão de tempo, menor será a

probabilidade de um indivíduo se engaja

.19) comentam que:

É inteiramente provável que idéias criativas não serão freqüentemente produzidas em completa ausência de pressão de tempo, auto-imposta ou imposta externamente; sob tais condições, dadas outras demandas dos indivíduos, o trabalho pode simplesmente não receber atenção su

de tempo, pode ser bastante curvilínea.

Amabile et al. (2002) constataram a partir de suas pesquisas que tempo suficiente

deveria ser destinado ao processo cognitivo criativo para que as pesso

seria destinado à exploração de novas idéias e possibilidades.

“A pressão de tempo pode influenciar positivamente fazendo que eu crie para atender prontamente e ser reconhecida por isso. Mas a pressão desgasta, faz com

poderiam ser mais consistentes, com menor possibilidade de erros futuros...”

Contudo, em outros relatos percebe-se que algumas pessoas se sentem capazes de

às condições de pressão do ambiente e se sentir estimuladas pela pressão de tempo:

“Ao longo do tempo fui desenvolvendo a capacidade de criar em curtos espaços de tempo, sob pressão. Percebo que já me adaptei a este p

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Amabile et al. (2002) alertam para o fato de que em algumas organizações a pressão

de tempo pode ser completamente arbitrária, e servir apenas para controlar o comportamento

das pessoas – o que produz efeito negativo na motivação intrínseca do indivíduo e

consequentemente na capacidade de criar.

“As pessoas que planejam lá em cima, esse povo de SP que não conhece loja, determina uma série de atividades para o chefe fazer, mas não sabe o trabalho que realmente a gente tem, nenhum deles conhece a rotina de loja e não sabe as dificuldades que temos, mas falam o tempo todo que temos que reduzir despesas e cortar pessoas... Há alguns anos atrás a gente vivia outra realidade, tinha o dobro de gente para trabalhar, acontece que se reduz o quadro achando que com menos gente se vai dar conta, mas, pode ver, a gente perde atendimento, perde qualidade e as pessoas sequer olham nos olhos das outras porque não têm tempo para isso.”

No relato acima pode-se observar outra forma de perceber a pressão de tempo que é

quando há a necessidade de concluir um trabalho num determinado tempo ou de fazer várias

atividades ao mesmo tempo, dessa maneira a pressão de tempo seria inerente ao trabalho

(AMABILE et al. 2002). Essa percepção é confirmada em muitos dos relatos obtidos,

conforme se pode verificar abaixo:

“(...) a senhora perguntou de prazos, tem coisa que a gente acaba no prazo-limite e até estourando o prazo. A gente vai tentar levar aquela informação porque é cobrado... Existe uma sobrecarga grande de trabalho e um prazo apertado de tempo para tanta coisa. Se o tempo fosse maior e o trabalho fosse o mesmo a gente dava conta mais fácil, mas o tempo não pára, né?”

“(...) aí entra a questão do tempo, que a gente gostaria que o dia não tivesse 24 horas, mas 40 horas... Eu admiro no varejo quem consegue trabalhar no varejo e ter uma atividade fora.”

“(...) às vezes é um relatório sobre sua rotina de trabalho, para SOX, que tem que passar às 10:00h, tem que fazer aquele relatório e às vezes eu não consigo sentar no prazo para entregar aquele relatório no prazo.”

Por outro lado, Mainemelis (2002) confronta a necessidade de se ter tempo para

incubação de idéias, ou para o pensamento criativo quando em outras áreas de atuação de uma

pessoa esse tempo parece não ser necessário, pois a criatividade pode envolver improvisação

e espontaneidade, como no teatro, na dança ou em caso de contadores de estória. Um dos

relatos apresentados confirma esse pressuposto:

“Quando a gente trabalha no varejo, a gente aprende muito é a improvisar, a gente se torna um verdadeiro artista, o tempo todo improvisando, é assim que a gente cria mesmo, vem de uma dificuldade, mas a gente chega lá, a gente muda uma coisa,

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quando se prepara para apresentar aquele trabalho já tem que mudar de novo e é aquela correria, a gente cria o tempo todo. Querendo ou não esse corre-corre até ajuda a criar mais...”

Unsworth (2004) afirma que as pessoas em seu ambiente de trabalho enfrentam a cada

dia maiores e maiores níveis de pressão de tempo, contudo, que isso contribui fortemente com

a inovação. Ela procura entender os efeitos da pressão de tempo sobre os processos de

inovação nas organizações e comenta que pesquisas anteriores ainda apontam para resultados

conflituosos. Em sua pesquisa, Unsworth (2004) encontrou resultados que indicam que

quando a inovação é de alta prioridade, a pressão do tempo facilitaria a inovação e quando a

inovação é de baixa prioridade a pressão de tempo impediria a inovação. A própria autora

considera seus resultados ainda preliminares e enfatiza a importância de novas pesquisas

sobre o tema. Assim como diversos outros autores (AMABILE, 1998; ANCONA, 2001;

MAINEMELIS, 2002; PERLOW, 2004), Unsworth (2004) acredita que a criatividade e

conseqüentemente a inovação leva tempo e sob pressão de tempo é possível que criar e inovar

se tornem processos mais difíceis. Uma pressão de tempo extremamente alta pode não

permitir que o indivíduo tenha tempo suficiente para pensar e elaborar boas idéias, ou seja,

uma alta pressão de tempo ao invés de estimular a criatividade provocará efeito inversamente

proporcional, prejudicando a elaboração de idéias criativas (AMABILE et al. 2002). Isso fica

claramente caracterizado no relato a seguir:

“Eu já tive chefia que essa pressão de tempo que às vezes eu falo que foi pior foi porque esse cara me pressionava muito mais, ele me sufocava, por exemplo, ligando para minha casa 10, 11 horas, meia noite querendo saber de resultado do dia seguinte, quer dizer, nem começou o dia de amanhã e ele já me pressionava com dez tarefas para eu amanhecer o dia com dez tarefas na cabeça, então passava a noite toda com medo de perder aquele tempo, aquela lá foi uma das piores épocas da minha vida... Foi a pior época com relação à sobrecarga de trabalho e tempo. Essa pressão toda não ajuda a ser mais criativo, como a gente consegue assim?”

Segundo Schvaneveldt, Gómez e Reid (1997) a carga de trabalho é um fenômeno

multifacetado, que pode estar relacionado a fatores fisiológicos (estresse, esforço mental,

pressão de tempo), fatores de performance (quantidade e qualidade de trabalho) e fatores ou

critérios subjetivos, como graus de esforço. Os autores sugerem que estudos sobre carga de

trabalho devem envolver medidas de performance, impressões subjetivas de carga de trabalho

e indicadores fisiológicos sobre trabalho e estresse. Os autores se concentraram nas medidas

subjetivas de carga de trabalho, alertando que “é também importante considerar que a carga

de trabalho subjetiva representa o grau ao qual um indivíduo experimenta suas demandas de

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trabalho, e esta experiência por si só apresenta conseqüências nos níveis de estresse e

realização” (SCHVANEVELDT; GÓMEZ; REID, 1997, p. 2).

Ainda, procuraram entender quanta carga de trabalho é possível uma pessoa suportar e

a partir de que momento a qualidade do trabalho fica comprometida devido à sobrecarga

(SCHVANEVELDT; GÓMEZ; REID, 1997). Pode-se constatar que existe um limite na

tolerância da sobrecarga de trabalho, entendendo que esse limite é diferente para cada pessoa.

Percebe-se que os participantes dessa pesquisa se sentem sobrecarregados e que essa

sobrecarga influencia a criatividade em vários relatos:

“O problema para ser mais criativo ou simplesmente fazer suas tarefas não é só o tempo e sim esta relação (de tempo) X estrutura de pessoal enxuta. Quem sabe o quanto mais vão cortar? Gente é atendimento, mas o varejo tá enxugando mesmo, hoje a gente faz o que quatro ou cinco faziam antes. Não vê quantos compradores a gente tinha, hoje eles compram vários produtos juntos, mesmo sem conhecer direito.”

“A empresa está passando por uma reestruturação e às vezes a adaptação disso é um pouco demorada, então eu acho que essa coisa realmente, de você fazer mil coisas ao mesmo tempo, não seria a palavra pressão que eu colocaria, eu acho que até de certa forma seria uma sobrecarga de trabalho, é eu acho que é uma sobrecarga de trabalho, acho que isso aí cairia melhor, a sobrecarga de trabalho dificulta a criatividade, mesmo sendo por causa de uma reestruturação, que a gente no futuro se adapta, mas atrapalha.”

Os relatos acima demonstram novamente a relação direta entre pressão de tempo e

sobrecarga de trabalho. Se você tem poucas atividades para fazer ou se tem tempo suficiente

para realizá-las, provavelmente não haverá sentimento de pressão de tempo ou de sobrecarga

de trabalho.

Percebe-se nos relatos obtidos durante os debates com os grupos focais que em sua

maioria a exaustão emocional, o estresse e o desgaste físico são mais freqüentes do que

relatos que indicam o enfrentamento da situação, onde o indivíduo encontra estratégias para

lidar com a pressão de tempo e sobrecarga de trabalho. Para Tamayo e Tróccoli (2002), o

esgotamento profissional, característico da síndrome de burnout, produz sentimentos e

atitudes negativas entre o indivíduo e o seu trabalho, comprometendo negativamente o seu

desempenho. Em alguns dos relatos, percebe-se que se torna muito difícil criar nesse

contexto. A exaustão emocional é conseqüência do estresse e do desgaste físico, causados

pela sobrecarga de trabalho, pelas relações interpessoais, conflitos, expectativas do indivíduo

com relação a si próprio e a empresa em que trabalha. Esses autores definem exaustão

psicológica como o sentimento de esgotamento e cansaço que é resultado da relação entre o

indivíduo e seu trabalho. Essa sensação se caracteriza pelo sentimento de que está sendo mais

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exigido do que suporta, levando-o ao limite de sua resistência. Esses autores constataram em

suas pesquisas que a exaustão psicológica (ou emocional) possui uma alta correlação com a

sobrecarga de trabalho, sendo esta sua preditora, o que corrobora, segundo Tamayo e Tróccoli

(2002) a literatura sobre burnout.

Para Costa (2002, p. 75), a identidade, relações com o mundo e com as outras pessoas

podem determinar as diferenças subjetivas entre as pessoas. Dessa forma “o trabalho é

fundamental na construção da identidade (do que o indivíduo é) e de como ele se percebe

(autoconceito)”. Um relato em especial mostrou a importância do trabalho para um dos

participantes, que se percebe valorizado e notado pelos outros, adaptando-se a esse contexto

de trabalho caracterizado por vários tipos de pressão, inclusive atribuindo a essa adaptação o

reconhecimento de sua existência enquanto pessoa:

“(...) então assim, eu meti a cara no serviço, prá esquecer tudo, então ali meu serviço foi aparecendo entendeu? (...) Porque igual ao que ela falou, todo o tempo nosso é exclusivo aqui (na empresa) praticamente;então assim, foi muito bom, a partir do momento que eu comecei a perceber isso, aí eu comecei a existir.”

Segundo Costa (2002, p. 76), o trabalho produz prazer, mas a qualquer momento pode

transformar-se em desprazer e sofrimento, segundo essa autora:

Os fatores que levam a atitudes positivas no trabalho são assim considerados porque levam à satisfação da necessidade de auto-atualização ou auto-realização do indivíduo. Existem então, dois grupos distintos que formam a população, um grupo tem a necessidade de desenvolver uma ocupação como fonte de crescimento pessoal e o segundo opera com a base essencial do primeiro e associa a isto um tratamento justo, supervisão e condições de trabalho, entre outros.

Assim, o trabalho como “influenciador” de uma relação de prazer e desprazer, como

fonte de realização profissional e crescimento também depende da noção de “autoconceito”,

ou seja, de que maneira o indivíduo se percebe em relação ao seu trabalho ou ainda, qual “a

percepção que o indivíduo tem de si mesmo em relação às tarefas que executa” (COSTA,

2002, p. 77). A noção de autoconceito e a forma como o indivíduo se percebe em relação ao

seu trabalho também podem influenciar na maneira como encontra soluções para enfrentar

esse contexto de trabalho.

Roxburgh (2004) encontrou resultados que indicam que a pressão de tempo está

associada à depressão e que as mulheres são mais fortemente afetadas porque além do

trabalho possuem também suas rotinas domésticas. Para essa autora, a experiência pessoal e

subjetiva de cada indivíduo pode ser um mecanismo importante no surgimento da depressão.

A autora comenta que norte-americanos sentem que têm menos tempo do que no passado e

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que se sentem mais ocupados do que antes, contudo existe ainda uma dúvida, não explorada

pelas recentes pesquisas de que a experiência pessoal e subjetiva das pessoas pode ser

resultado deste interessante fenômeno cultural. Ainda, segundo esta autora, a pressão de

tempo subjetiva percebida pelas pessoas poderia ter correlação com a percepção de

sobrecarga de trabalho, uma vez que remete a aumento de trabalho e diminuição das horas de

lazer. Os resultados em sua pesquisa indicaram que a experiência subjetiva de pressão de

tempo está positivamente relacionada com a depressão em homens e mulheres, mas com

maiores níveis de depressão em mulheres empregadas do que em homens empregados,

especialmente pela rotina doméstica que assumem.

4.4.2 – Categoria II – Auto-exigência elevada

A auto-exigência elevada foi citada várias vezes pelos participantes da pesquisa, como

uma forma de pressão psicológica. A definição operacional elaborada após análise dos relatos

indica que é resultado da cobrança sobre si mesmo pela necessidade de ser reconhecido, de

não ser punido ou penalizado pela chefia ou colegas de trabalho pelos resultados do seu

trabalho ou do seu comportamento. É uma forma de pressão exercida pelo indivíduo a si

próprio, conforme se pode perceber no relato a seguir:

“Tem a pressão da seguinte forma: a gente sabe que a gente que trabalha no varejo a gente tem um tempo de maior movimento e de menor movimento. Do dia 1º ao dia 15º a loja entope e a gente vive a loucura constante, certo? Do dia 17 ao dia 30 dá uma acalmada, então a gente não tem tanto trabalho com atendimento, assim nesse período, todo mundo poderia ir embora mais cedo, chegar mais tarde, mas ninguém faz isso, porque já tem a pressão de que a gente tem que ficar das 7h as 19h, é uma pressão psicológica.”

Percebe-se que a auto-exigência elevada, em algumas situações se sobrepõe a outras

formas de pressão impactando de maneira mais forte a capacidade de criar:

“Acho que a pressão psicológica atrapalha a pressão do tempo, se me deixassem trabalhar apenas com a pressão do tempo eu trabalho melhor. A pressão do tempo algumas vezes atrapalha a minha capacidade de criar, eu sou um cara assim, mas calmo, não é que meu trabalho seja lento, mas gosto de fazer as coisas com paciência.”

“Não tem jeito de lidar com a pressão psicológica... impede de a gente trabalhar direito e impede da gente criar. Muitas vezes essa pressão psicológica não vem do chefe dela, mas da própria pessoa que não quer sair daqui no claro, antes de anoitecer: Tá claro ainda não vou embora agora... Eu sinto isso, às vezes não é o chefe, sou eu mesmo, pela minha responsabilidade, por eu estar sem um líder num mês

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forte de venda, passava na minha cabeça: Não amanhã não vou folgar, não amanhã não vou folgar, no outro domingo não vou folgar, entendeu? Eu me sinto cansado com isso, eu realmente me sinto supercansado, exausto, sobrecarregado.”

A constatação da interação entre as pressões encontradas no contexto de trabalho nos

permite compreender não só cada tipo de pressão isoladamente, mas como uma pode

potencializar os efeitos de outra, prejudicando a capacidade criativa dos indivíduos.

Outra forma de pressão psicológica observada foi abordada por Masclet (2003), que

aponta o ostracismo como uma das mais radicais formas de pressão numa organização. O

ostracismo se caracteriza como a pressão de pares (colegas de trabalho) que excluem os

indivíduos desaprovados da interação com aquele grupo social. Segundo Masclet (2003, p.

867) “a idéia central da pressão de pares é que o grupo está na melhor posição para disciplinar

e controlar seus membros.” A pressão de pares pode gerar várias sanções aos membros de um

grupo. Os resultados de sua pesquisa mostraram que os sujeitos excluem as pessoas que

‘julgam’ apresentar comportamentos injustos com a equipe ou quando deixam de apresentar

um comportamento padrão, característico daquele grupo e o grupo ainda espera que as

exclusões possam provocar uma mudança de comportamento, mostrando de que maneira

aquele grupo deve efetivamente se comportar.

“O que acontece também, o exemplo que deram do Fulano e da Fulana não folgarem, o Fulano eu nem conto, mas da Fulana que é mulher e agora que tá entrando muita mulher aqui como chefe – ai vão virar e vão falar assim: ‘Beltrana folga todo domingo, a Cicrana no dia que trabalha no domingo ela folga na semana e aí a Fulana fica 20 dias no mês sem folgar e não acha ruim, trabalhando das 7h às 23 horas. Então por que a Cicrana não vai fazer isso?’ Isso é um comportamento que causa uma pressão psicológica.”

“No último feriado, a única pessoa que não estava na loja era eu, porque minha escala dizia que era minha folga, mas quantas vezes eu não ouvi piadinha de falar é você não tava ai... Noutra folga que eu tive, eu tive que vir de madrugada porque me colocaram para vir num treinamento, e eu posso deixar de vir? A pressão psicológica é muito forte.”

“Todo mundo sabe que causa pressão psicológica, ninguém se importa com isso, quer saber? Quando eu mudo de horário que chego de 12 horas para sair 22 horas ou mais, eu escuto dos colegas, que nunca mais me vêem na loja, mas não vê que eu cheguei mais tarde para sair mais tarde, aí eu digo: ‘Meu horário é meio-dia’. E eu escuto: ‘Onde é que dá o nome?’.”

A pressão de pares foi identificada na pesquisa empírica, mas com poucos relatos a

respeito, possivelmente porque não foi explorada mais intensivamente por não ser foco

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principal dessa pesquisa, contudo, sugere-se que em estudos futuros a influência da pressão de

pares sobre a criatividade de indivíduos e grupos seja investigada.

A pressão de tempo e a auto-exigência elevada se destacaram no contexto de trabalho

que foi objeto desta pesquisa, foram citadas com mais freqüência como prejudiciais à

criatividade, influenciando negativamente sobre a criatividade de indivíduos e grupos e

provocando estresse e exaustão física e emocional.

4.4.3 – Categoria III – Pressão da família e dos amigos

A pressão da família e dos amigos é resultado da cobrança dos mesmos pela ausência,

pelo isolamento social e pelo desequilíbrio entre trabalho e vida pessoal relatada pelos

participantes e é ponderada pela necessidade do trabalho pelo sustento do lar, dos filhos,

conforme se pode constatar com o próximo relato.

“Tem um outro tipo de pressão que é da família. No dia da minha folga eu não marco dentista, eu não marco nada, só para poder ficar em casa. Aí um dia eu estava empolgada, fiz gelatina, fiz bolo, fiz tudo, e minha menina que tem 18 anos disse o seguinte: ‘Ah mamãe você podia não trabalhar e ficar só em casa cuidando da gente, você nunca cuidou da gente’. Aí eu disse à ela: Filha, como eu nunca cuidei de você?”

A pressão da família e dos amigos apresenta forte relação com a pressão de tempo e a

sobrecarga de trabalho, pois o resultado destas é exatamente a falta de tempo para família:

“(...) uma das principais coisas que (o varejo) deixa é a falta de tempo que não tem muito para curtir seu filho, mas é um privilégio estar aí trabalhando para dar o sustento para ele (...).”

Percebe-se que a pressão da família e dos amigos influencia na percepção de que há

um desequilíbrio na balança trabalho/família, que pode provocar sentimentos de frustração e

sofrimento, influenciando no desempenho do trabalho e conseqüentemente na capacidade de

criar, contudo, não em todas as pessoas:

“todas essas pressões dificultam prá gente criar alguma coisa, como pode? A falta de tempo, cobrança de resultado a carga de trabalho do nosso dia-a-dia, junta tudo isso aí e já gera um outro tipo de pressão, acaba gerando a pressão em casa, da família, porque você já chega cansado, já quer dormir para vir trabalhar no outro dia, aí a família te cobra, os filhos te cobram...”

“Já a pressão da família não atrapalha minha criatividade, eu sei que vou chegar em casa e vai ter um série de questionamentos de horário, disso e aquilo, mas a partir do momento que eu chego aqui, em relação a minha família, a única coisa que penso é

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tentar fazer de tudo para que pelo menos eu saia no meu horário, porque se eu sair depois, quando eu chegar em casa vai ter os questionamentos.”

A compreensão sobre a influência que a pressão da família e dos amigos pode exercer

sobre a criatividade de indivíduos e grupos deve ser considerada em estudos futuros, pois em

se tratando de pressões no trabalho pode se perceber que ela se caracteriza de diversas formas:

ora pelo sentimento do isolamento social, do afastamento da família ora pelo sentimento de

que o trabalho é necessário para o seu sustento.

4.4.4 – Categoria IV – Pressão por resultados

A pressão no trabalho por resultados surgiu como um aspecto constante e corriqueiro

no contexto da organização pesquisada, sendo resultado da cobrança por parte da chefia para

que um trabalho seja realizado, geralmente associada à necessidade de se atingir algum

resultado previamente estabelecido por metas e indicadores financeiros e a tarefas a ser

concluídas, independentemente da disponibilidade de pessoal e de recursos, conforme se pode

perceber nos relatos a seguir:

“É muito forte a pressão para resultado, quer dizer, você fica naquela de que tem que vender R$100.000,00 hoje, tem que vender R$200.000,00 hoje, você vive aquela pressão de ter que vender, de ter que fazer...”

“(...) lógico que tem a pressão por resultado, isso aperta muito, toda nossa vida aqui dentro é para atingir os resultados. Se uma loja tá fraca de venda, mandam o cara mais criativo e experiente para lá, é assim. E o resultado só existe no tempo, ninguém tem que vender um milhão no tempo que quiser...”

Percebe-se no relato acima que a pressão por resultados não está dissociada da pressão

de tempo.

Zijlstra e Roe (1999, p. 2) afirmam que “vários estudos sugerem que a pressão do

trabalho está crescendo entre a população trabalhadora” e alertam que o problema não é

trabalhar muito, pois por si mesmo o trabalho não provoca doença, mas que o limite máximo

de pressão no trabalho parece ter sido atingido em algumas organizações. Observa-se no

relato abaixo que esse limite máximo parece ter sido atingido em todos os tipos de pressão

identificados na pesquisa: a pressão de tempo, psicológica e da família e social e por

resultados parecem não estabelecer limites entre si.

“Ontem, veja só: a gente chega, vê o cartazeamento na loja, mais ou menos o que a gente combinou, algumas coisas tem que tá dentro do padrão, aí Ok. Aí a gente começa a pontuar durante o dia, acompanhar as vendas e tal, e durante a tarde a

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gente vai lá, umas 18 horas fiz uma simulação da venda. Vamos vender quanto hoje? Vamos vender, a meta era 250 mil, né? Fiz a projeção, tava dando menos... Caramba, se a gente não fizer algo não vai dar. Aí por volta de 19 horas eu falo com o nosso diretor, né? ‘Olha Doutor, é o seguinte, tá faltando muito prá meta chefe, se a gente não se mexer não vai bater a meta não.’ (...) Aí começou aquele exercício às 18 horas; vamos fazer promoções, baixar o preço de mercadorias... Até umas 21 horas a gente buscando venda. Foi a hora que eu fui embora. Aí a gente chega em casa aí, será que vai fazer a meta? Ligo para o Fulano que era o plantão da loja, pergunto como é que tá a venda aí? E ele diz: ‘Ih, a meta? Eu não sei se vai chegar não... Porque vai ter umas anulações e tal...’ Isso aí já era umas 22 horas e pouco. Aí 23 horas ligo novamente: ‘E aí, Fulano?’ ‘Ih, tem pouco cliente na loja, mas a gente tá com 215 aí, com as anulações e tal, não sei não...’ Aí meia noite, aí eu lembrei que tinha que separar um frango pra uma cliente, né? Aí será que separou o frango, aí liga vê se separou aí, faz ação pro cliente, separa o frango... Então beleza, aí fui dormir a meia noite. Fui dormir e acordei tipo umas 3 horas da manhã aí, deixa eu ver, aí acordei umas 3 horas, aí eu pensando assim, será que bateu a meta? Aí dormi de novo, por volta de 4h e30 da manhã, e aí não dormi mais não... Aí já levantei, fui tomar banho, e esperei ali o horário pra vir trabalhar...”

O relato acima ilustra o contexto de trabalho e os reflexos na qualidade de vida do

entrevistado. Pode-se pressupor que esse contexto não deve apresentar as condições

necessárias para que o indivíduo possa criar; ainda, que as condições de trabalho impõem uma

severa pressão psicológica e alta sobrecarga de trabalho, extrapolando os limites de pressão

que uma pessoa pode suportar. Em sua pesquisa, Zijlstra e Roe (1999, p.2) procuraram

identificar quais condições poderiam desenvolver a síndrome de burnout e quais condições

estariam dentro dos limites aceitáveis de pressão. Esses autores concordam que pressão no

trabalho pode ser conseqüência das situações de trabalho, ou seja, de um “estado energético

que pode ser resultado da avaliação pessoal entre o impacto das demandas de trabalho e o

gerenciamento do trabalho que ainda tem que ser feito”. Esses autores explicam que quando

as pessoas percebem que estão absorvendo alta carga de trabalho, necessitam aumentar o

esforço para enfrentar determinada tarefa. Esse esforço pode conduzir à fadiga e ao

sentimento de incapacidade em relação à carga de trabalho a realizar, somado a isto, se gera

preocupações com relação ao gerenciamento do restante das tarefas, o indivíduo experimenta

a sensação de pressão do trabalho, dessa forma o indivíduo investe muito esforço para

realização das tarefas sem ter a certeza de que dará conta de tudo que tem que ser feito. Os

relatos a seguir ilustram esse quadro:

“Essa pressão para resultado não era uma pressão para o que você conseguisse alcançar não, se você alcançasse um mês, mês que vem era maior e cada dia que passa esse chefe queria ser melhor, mas que para ele ser melhor ele tinha que matar a equipe dele mais ainda... Não dava para ser criativo.”

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“a pressão para resultado atrapalha a criatividade, a pessoa realmente fica naquele negócio, poxa, hoje tem que dar o resultado esperado, de todos os itens da DLP (demonstrativo de lucros e perdas), é estoque, é quebra, é gente, é hora extra, manutenção, tudo isso também interfere no resultado, então sempre depende da venda para cobrir, tem que fazer, tem que vender.”

Zijlstra e Roe (1999) alertam que experimentar alta carga de trabalho não é

determinante para adquirir a síndrome de burnout, mas significa que a pressão no trabalho é

um fator necessário, mas não isoladamente suficiente. Em sua pesquisa, os autores

preocuparam-se em investigar quando as pessoas adquirem a síndrome e quais são as

condições em que isso não ocorre, além de procurar observar se é um problema relacionado

apenas ao trabalho ou se há aspectos da vida particular que também a propiciam (ZIJSTRA;

ROE, 1999). Entre outros objetivos, nesse mesmo artigo, os autores procuraram esclarecer os

conceitos de demandas de trabalho, carga de trabalho, pressão no trabalho, estresse e burnout.

Considerando os aspectos da subjetividade humana, acreditam que nem todas as pessoas que

experimentam alta carga de trabalho vão se sentir exaustos ou adquirir burnout, alguns irão

identificar estratégias para lidar com a pressão de trabalho. Nessa pesquisa também foram

identificadas estratégias para criar nesse contexto de trabalho caracterizado por diversos tipos

de pressão. Essas estratégias serão discutidas mais adiante.

Na pesquisa realizada por Zijstra e Roe (1999), foram desenvolvidas escalas para

mensurar a pressão no trabalho com base na revisão de literatura que resultou em uma lista de

sintomas relacionados com a pressão no trabalho, como por exemplo: “eu tenho dificuldade

para dormir quando vou para cama”; “o trabalho está exigindo muito de mim”, “eu acho

difícil relaxar no final do dia”, ou ainda, “pela manhã eu sinto como se estivesse começando

com atraso”. Percebem-se nos relatos a seguir os mesmos sintomas indicados por esses

autores:

“(...) hoje em dia eu ainda não aprendi a sair daqui e desligar, ficar em “off” eu absorvo ainda muito a loja, chego em casa cansada, preocupada com alguma coisa que possa acontecer, será que vai dar certo, então ainda estou absorvendo muito a loja, e eu sei que está errado, mas a gente tem que dar o resultado que a seção precisa.”

“Por exemplo, eu, quando eu viajo, tiro uma folga, fico ligando aqui de meia em meia hora, como é que tá por aí? Como é que tá a loja? Sério, nem dormindo paro de pensar na loja, às vezes dormindo penso no que tenho que fazer amanhã, então aquilo acaba ficando na sua cabeça e você não consegue descansar a mente, você fica o tempo todo ligado no resultado, fica fisicamente e mentalmente cansado, não dá para ser criativo assim, eu não consigo, podia fazer muito melhor se a pressão não fosse tão forte assim..”

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Os relatos acima demonstram que não há espaços para criatividade nesse contexto,

pois quando a pressão excede o limite do indivíduo, produzindo esgotamento físico e mental,

é difícil que o indivíduo se engaje no desenvolvimento de uma idéia criativa. O incentivo ao

alcance de metas e resultados deve ser saudável e é inerente ao trabalho.

Alguns dos itens relacionados por Zijlstra e Roe (1999, p.3) para carga de trabalho

(carga funcional) foram os seguintes: “Você precisa trabalhar mais rápido do que o que você

consegue?”, “Você acha difícil cumprir as demandas das suas tarefas?”, “Você tem tempo

para pensar sobre outras coisas enquanto você está trabalhando?” Os autores acreditam que a

dimensão energética parece ser a mais significante entre aqueles que adquirem burnout e

aqueles que não adquirem a síndrome. O que se configura como maior problema é que os

indivíduos que têm uma alta carga de trabalho e investem muitos esforços em seus trabalhos,

também enfrentam as complicações da rotina normal de trabalho, problemas que aparecem

intempestivamente e que precisam ser resolvidos (ZIJSTRA; ROE, 1999).

Zijlstra et al. (1999), em estudo sobre fatores temporais relacionados ao trabalho e aos

efeitos das interrupções das atividades laborais, trazem à tona a importância do controle

cognitivo da atividade. Esses autores explicam que as interrupções têm um impacto negativo

nas pessoas, pois a realização das tarefas acontece com um alto custo psicológico. Os autores

afirmam que as pessoas lidam com essa situação de duas maneiras: mantendo um alto nível de

performance ou mobilizando esforço adicional. As pessoas reagem de maneira diferente, tanto

no modo de tratar as interrupções, quanto na resposta às interrupções. Esses mesmos autores

chamam a atenção de que na última década as organizações enxugaram muito seu quadro de

pessoal, reduzindo ao mínimo possível, o que significa que as pessoas que ficaram precisaram

absorver o trabalho de outros e que por isso tem que trabalhar duro para realizar suas

atividades.

“(...) a gente sabe que o varejo tá enxugando cada dia mais, então a gente sabe que o volume de trabalho está sobrecarregando em cima do chefe da seção, então se a gente não tiver formado uma pessoa na equipe o trabalho só vai aumentado e a gente vai absorvendo todo trabalho e tendo que dar resultados ainda maiores...”

“A empresa espera criatividade da gente, mas não dá recurso para você criar mais. A gente cria porque esse é o nosso papel, mas se a gente tivesse mais condições, sejam máquinas e equipamentos novos. [...]. E gente também. Veja que hoje meu quadro de pessoal é 40% menor de quando eu entrei na companhia. Eu não sei o que esse povo pensa quando mandam cortar gente, um dia não vai dar mais, eu acho que já não dá mais.”

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Em contraste, percebe-se nos relatos a seguir que a criatividade é importante para o

alcance de metas e resultados:

“Olha, são várias as ações, mas eu te digo que posso até ter tido uma idéia criativa inicial, mas depois de trocar com a equipe, já não era mais a mesma... Eu sempre chamo a equipe porque sei que uma idéia pode se transformar numa grande idéia, não é só porque é bonitinho chamar as pessoas. Eu valorizo a minha equipe, vejo o valor que isso dá ao trabalho. Minha estratégia é compartilhar idéias, problemas e expectativas. Sempre deu certo. Fizemos uma parceria para implementar o bicicletário sem gastar um centavo, aí eu acho que é a criatividade, a criatividade é muito boa para resultados financeiros, principalmente. Nós fizemos uma parceria com uma loja lá da loja, ele apenas colocou uma propagandinha, não gastei um centavo de meu caixinha operacional”.

“Produtos que às vezes não vendiam e você buscava lá no fundo do baú, e apresentava a mercadoria, com teatralização e muita criatividade, e apresentava a mercadoria, e com isso acontecia a venda, sabe, os pontos-chave, atratividade, degustação, mostrar o produto para o cliente. E, sabe? É assim, acho que foi um grande diferencial lá pro diretor da loja, inclusive próximo a isso ele fez a venda recorde da loja, era final de ano, a loja tava toda teatralizada, toda arrumada, prêmio performance desse jeito, então acho que isso ajuda muito nos resultados (...)”.

Percebe-se nos relatos acima que o contexto do trabalho que foi objeto desta pesquisa

ora impacta negativamente na criatividade de indivíduos e grupos, ora influencia

positivamente conforme as demandas de trabalho, da redução de quadro de pessoal, da

necessidade de atingir os resultados.

4.5 – Estratégias para criar: individuais, grupais e organizacionais.

A seguir serão apresentadas as estratégias para criar, relatadas pelos participantes, para

fazer frente ao ambiente de trabalho, caracterizado por diversos tipos de pressão,

especialmente pela pressão de tempo e sobrecarga de trabalho. O planejamento de tarefas e

de tempo foi identificado como uma estratégia individual para criar no contexto de

trabalho caracterizado por diversos tipos de pressão. A troca de idéias e experiências

caracteriza-se como uma estratégia do grupo para fazer frente às pressões do trabalho, de

tempo e os demais tipos de pressão para criar nesse contexto. A organização, por outro lado,

percebendo a necessidade de estimular a criatividade nesse contexto altamente competitivo,

desenvolve estratégias de apoio. Essas estratégias encontram-se a seguir na Tabela 3.

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Tabela 3: Estratégias para criar em ambientes de pressão

Estratégias para criar Freqüência Percentual Planejamento de tarefas e de tempo 13 68,42% Troca de idéias e experiências 9 47,37% Programas estruturados de estímulo à criatividade 6 31,58%

Nota: Na tabela 3 acima, a totalização da freqüência excede o número de entrevistados (19 participantes) e o

percentual excede 100%, pois alguns entrevistados fizeram referência a mais de um fator.

4.5.1 – Categoria I – Estratégia individual: planejamento de tarefas e de tempo

O planejamento de tarefas e de tempo remete ao comportamento de traçar um plano

para realizar uma meta, organizar ações e tarefas de maneira racional, a fim de se alcançar

algum resultado final. Envolve responsabilidade pelo gerenciamento e administração do

tempo, planejamento de atividades, análise de riscos e priorização de tarefas.

Claessens (2004) comenta que, nas últimas duas décadas, houve maior

reconhecimento da importância do tempo no ambiente organizacional. A dimensão temporal

do trabalho tem sido largamente ampliada dada às demandas de um mundo globalizado e

altamente competitivo. A administração do tempo não é um assunto novo, a grande questão

da atualidade é que mesmo com planejamento do tempo e administração de prioridades

muitas tarefas ainda deixam de ser feitas, principalmente quando há alta pressão de tempo.

Em ambientes de pressão de tempo, o gerenciamento do tempo e o auto gerenciamento

são duas ferramentas importantes para realização do trabalho diário e para criatividade. O

gerenciamento do tempo pode ser entendido com uma maneira de monitorar e controlar o

tempo disponível para suas atividades, já o auto gerenciamento se refere ao monitoramento e

controle de si próprio. Claessens (2004) define gerenciamento do tempo como o

comportamento que produz um eficiente e eficaz uso do tempo. Essa autora apresenta um

estudo que demonstra relação positiva entre consciência do tempo que possui e das tarefas

que precisa realizar, estabilidade emocional e a realização de tarefas planejadas. Claessens

(2004, p. 142) examinou detalhes do planejamento, como a priorização e a conclusão de

tarefas planejadas e também examinou estilos individuais (ritmo – pacing styles), “que

representam a maneira como as pessoas tendem a dividir suas atividades do trabalho pelo

tempo” e encontrou resultados que comprovam que as pessoas com diferentes estilos pensam

e agem de maneira diferente a respeito do planejamento, da priorização de tarefas, do controle

de tempo percebido e dos resultados do seu trabalho (performance).

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Claessens (2004) verificou em seus resultados que o comportamento de planejar e as

características do trabalho são afetados de maneira significativa pelo controle de tempo

percebido, que está positivamente relacionado com a satisfação no trabalho e performance; e

negativamente relacionado com tensão no trabalho. Também encontrou uma relação direta

entre o comportamento de planejar e a performance no trabalho. Claessens (2004), em sua

revisão de literatura, não encontrou estudos que focassem em detalhes do planejamento, como

na previsão de possíveis obstáculos durante a execução das tarefas. A autora acrescentou em

seus estudos a descrição e a observação de dois comportamentos de gerenciamento de tempo:

o comportamento de avaliação de tempo, que pressupõe autoconsciência do uso do tempo e a

decisão de aceitar tarefas; e a monitoração de comportamentos, que se refere entre outras

coisas, a avaliação da tarefa em relação ao tempo disponível e aos resultados que poderão ser

alcançados. Claessens (2004) estudou a relação entre o comportamento de avaliação de

tarefas, o comportamento de planejar, de monitorar o tempo, do controle de tempo percebido,

da auto-eficácia ocupacional e de resultados no trabalho. Os resultados de sua pesquisa

mostraram que alguns comportamentos de gerenciamento do tempo estão diretamente

relacionados com performance, eficiência e tensão no trabalho. O controle de tempo

percebido é preditor da performance no trabalho. “As interrupções no trabalho e o surgimento

de tarefas não planejadas são provavelmente parte das razões pelas quais as pessoas podem

não concluir suas tarefas planejadas” e aponta que aspectos motivacionais podem também ser

uma razão para isto (CLAESSENS, 2004, p. 149). A seguir, percebem-se dois relatos que

mostram esse contraste:

“Eu acredito que dá para reorganizar a divisão do trabalho, assim dá para aliviar a sobrecarga de trabalho. A responsabilidade será sempre nossa.”

Apesar disto, Claessens (2004) afirma que os resultados das pesquisas realizadas são

modestos e não são conclusivos no que diz respeito ao gerenciamento do tempo e

performance no trabalho, apesar de outros autores também terem encontrado relações

positivas.

Unsworth (2004) conduziu uma pesquisa qualitativa, com entrevistas semi-

estruturadas, subdivididas em cinco partes. A primeira procurava examinar o contexto e o

papel do indivíduo; a segunda parte procurou identificar a geração da idéia; a terceira parte a

implementação dessas idéias. A autora utilizou para observar o proposto na segunda e terceira

partes a técnica de análise de incidentes críticos. Na quarta parte, procurou identificar os

diferentes tipos de idéias geradas pelos participantes e, na quinta parte, explorou questões

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gerais do trabalho. A pressão de tempo foi um dos muitos fatores relativos ao contexto que

emergiram do estudo que realizou sobre inovação. Os participantes da pesquisa concordaram

fortemente que o tempo foi um fator importante. Os resultados mostraram que a inovação foi

afetada em situação de pressão de tempo por três mecanismos diferentes: a priorização, o

direcionamento do foco de trabalho e o aumento da aversão a riscos.

Em sua pesquisa, Unsworth (2004) verificou que as tarefas foram priorizadas e apenas

as de alta prioridade foram executadas. Alguns participantes relataram que se houvesse mais

tempo, seria possível criar e inovar com mais facilidade. Outro participante relatou que se

sentia frustrado por não ter tempo bastante para criar. A priorização de tarefas é uma maneira

para lidar com a pressão de tempo. Os resultados obtidos nessa pesquisa também comprovam

o que foi constatado por Unsworth:

“Se não planejar não dá. Tem que ter calma e tranqüilidade para estruturar suas tarefas e administrar durante todo o dia. Mas também tem que ter o mínimo de tempo pra fazer algo diferente e criativo.”

“É vai tudo do planejamento, né? Se você tem planejamento você tem tempo de criar; se você deixar tudo pra agora você não consegue.”

“Eu mesma não vejo outra coisa, é tudo isso que você disse, mas disso tudo o mais importante é planejar, ter tempo para pensar, criar, mexer numa planilha, analisar um problema, tentar olhar por outro lado, porque você sabe, muita coisa vira paisagem quando você olha para ela todo dia.”

Manter o foco nas tarefas mais importantes pode ajudar quando em situação de pressão

de tempo o indivíduo precisa criar. Contudo é preciso entender que criatividade e inovação

são conceitos distintos, contudo muitas vezes compreendidos como conceitos similares pelos

participantes desta pesquisa. Unsworth (2004) constatou que quando a inovação não era o

objetivo da tarefa, a pressão de tempo substancialmente reduziria a probabilidade de se criar

algo novo e de valor. Em outras palavras, quando a tarefa envolvia inovação e havia foco no

trabalho, a pressão de tempo estimulava a inovação. Quando não envolvia inovação, a pressão

de tempo diminuía ainda mais a possibilidade de surgir algo novo e de valor. O relato abaixo

ilustra essa afirmação:

“O tempo influencia diretamente na criatividade sabia? Porque hoje você corre muito, corre muito, com essas decisões e com que o chefe te pede ao longo do dia, entendeu? Igual te falei, vou fazer a árvore de natal de panetone, sabe para que horas eu marquei? Marquei para 19h30, 19h30 já era pra eu ta lá em casa, descansando, eu marquei para 19h30 porque todos os chefes já foram embora e eu vou poder direcionar meu pensamento naquela árvore, cê ta entendendo? Se eu for fazer de

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manhã alguém vai me chamar pelo rádio, vai me interromper. O tempo tá ligado na criatividade diretamente. É o contratempo que atrapalha o tempo criativo.”

O terceiro mecanismo apontado por Unsworth (2004) foi a aversão a riscos. Em sua

pesquisa, em situação de pressão de tempo a aversão a riscos prejudicaria a inovação, além de

haver menor probabilidade de que uma idéia nova fosse positivamente avaliada, haveria

também certa preocupação na implementação de algo novo. Nessa pesquisa, a aversão a riscos

foi identificada como um fator que inibe a criatividade:

“A empresa espera muita criatividade. Mas às vezes não diz o que quer, a gente que tem que criar sozinho. Às vezes passa um diretor e gosta do que fizemos, às vezes no mesmo dia passa outro que detona o que foi feito...”

“Outra coisa que atrapalha a criatividade é o medo, medo de não agradar, de levar um banho de água fria na cabeça... Dependendo de quem é que fez e recebeu uma reclamação, a pessoa nunca mais faz nada....”

O planejamento de tarefas e de tempo foi apontado como uma estratégia para lidar

com situações de pressão e criar quando é necessário, mas também como forma de

administrar sua rotina diária de trabalho.

4.5.2 – Categoria II – Estratégia grupal: troca de idéias e experiências

A troca de idéias e experiências identificada como outra estratégia para criar nesse

contexto, remete ao conhecimento técnico, conhecimento da tarefa e do aprendizado coletivo.

Caracteriza-se pela cooperação e participação de colegas e grupos de trabalho em suas

atividades laborais, contribuição direta ou indireta com idéias ou críticas construtivas nos

projetos de trabalho que envolve criatividade. É o comportamento de compartilhar

conhecimento, trocar idéias, dialogar e valorizar da equipe.

Amabile (1998) demonstrou, em sua teoria componencial da criatividade, a

importância da expertise, ou seja, do conhecimento profundo a respeito da tarefa que

proporcionará ao indivíduo condições de avaliar as alternativas para solução de problemas e

consequentemente a condição para apresentar também uma solução criativa. Nesta pesquisa,

observa-se que a troca de idéias e a experiência se configuram como estratégias para aliviar a

sobrecarga de trabalho, na criação de algo novo e de valor e na execução de tarefas;

compartilhar conhecimento aumenta a possibilidade de êxito nos processos criativos,

conforme constatado nos relatos a seguir:

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“(...) a criatividade surge mesmo de um bate-boca, de uma conversa, de uma orientação (...)”

“(...) com relação à criatividade e tempo, né? Pra gente criar algo não é necessário a gente ter que parar ficar aqui uma, duas horas pensando, entendeu? (...) a gente tá conversando então a gente tá criando, entendeu?”

A troca de idéias e experiência é estimulada na organização e contribui para o

reconhecimento público de que aquela idéia seja realmente criativa, conforme preconiza

Csikszentmihalyi (1999).

4.5.3 – Categoria III – Estratégia organizacional: programas estruturados de

estímulo à criatividade.

Outra estratégia identificada na pesquisa empírica parte da própria organização. São

todas as ações e estratégias desenvolvidas pela empresa que estimulam a criatividade

individual ou de equipe, seja por meio de programas formais de estímulo à criatividade, seja

pelo incentivo informal e pelo apoio a novas idéias ou ações criativas que tragam retorno para

organização que favoreçam a percepção de suporte da organização, reconhecimento e

valorização do trabalho. Foi percebido grande interesse da organização em reconhecer o

trabalho e as iniciativas criativas que seus funcionários pudessem adotar. Programas para

reconhecer o valor das idéias criativas foram implantados, como o prêmio de excelência ou o

prêmio performance.

Mendes e Tamayo (2001, p. 41) explicam que:

As vivências de prazer-sofrimento formam um único constructo composto por três fatores: valorização e reconhecimento, que definem o prazer; e desgaste com o trabalho, define o sofrimento. O prazer é vivenciado quando são experimentados sentimentos de valorização e reconhecimento no trabalho. A valorização é o sentimento de que o trabalho tem sentido e valor por si mesmo, é importante e significativo para a organização e a sociedade. O reconhecimento é o sentimento de ser aceito e admirado no trabalho e ter liberdade para expressar sua individualidade.

Pode-se constatar nas verbalizações a seguir que a organização se preocupa com o

estímulo à criatividade e oferece condições para que por meio das ações criativas, as pessoas

sintam-se reconhecidas pelo seu trabalho:

“Temos um programa estruturado de criatividade, com regras claras, é o Excelência em Serviços, que tem 4 focos de trabalho: Comunidade, Resultados, Colaborador e Cliente. Todos os meses têm que se apresentar 4 idéias diferentes e novas. É um dos melhores projetos da empresa. Como uma empresa teve a capacidade de criar um

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sistema de gestão da criatividade que valoriza a base? Aí eu te falo: as melhores idéias são da base.”

Para qualquer organização, “não é suficiente que uma idéia seja original, ela deve ser

útil, apropriada e aplicável” (AMABILE, 1998, p. 75).

“(...) as idéias criativas são avaliadas assim: o primeiro critério é inovação (para escolha das idéias): alguém já fez? O segundo, qual o resultado que isso vai proporcionar? Por exemplo, no foco empresa ele é um resultado mesmo de valor. Agora foco cliente não, porque você medir emoção é uma coisa totalmente subjetiva. A criatividade é muito boa para resultados, financeiros.”

O suporte organizacional, os programas e sistemas desenvolvidos pela organização

para estimular a criatividade indicam que é uma prioridade inovar, pois a organização

estimula a implantação das idéias criativas que trarão resultados para empresa e a

disseminação dessa mesma idéia em outras lojas da rede. As premiações financeiras para as

melhores idéias de cada loja têm destino coletivo, para melhoria da qualidade de vida dos

funcionários da loja ganhadora. O prêmio é geralmente utilizado para criar ambientes de

descontração na loja, como sala de TV e vídeo, bibliotecas, salas de lazer com jogos, entre

outras. O prêmio não é destinado à pessoa autora da idéia, pois como prática da organização

as idéias são debatidas em um comitê de funcionários e com isto se tornam coletivas. A gestão

participativa proporciona aos funcionários a possibilidade de se engajar diretamente em ações

que trazem retorno à organização. Amabile (1998) destaca que um meio de estimular o

pensamento criativo dos empregados de uma organização é fazer com que participem, é expô-

los aos problemas e proporcionar que identifiquem um caminho para a solução dos

problemas.

A percepção de suporte organizacional está relacionada às crenças e expectativas das

pessoas a respeito do reconhecimento da organização sobre seu trabalho. Questões como a

qualidade do tratamento que o indivíduo recebe em retribuição ao seu trabalho, como forma

de reconhecimento dos seus esforços são sentimentos que possuem uma natureza afetiva que

pode fortalecer ou não a relação entre empregado e empresa e motivá-lo mais a atingir os

objetivos e metas da organização (OLIVEIRA-CASTRO; PILATI e BORGES-ANDRADE,

1999).

“Eu me coloco no lugar dos meus funcionários, e me vejo também um cara assim que precisa de apoio do chefe. Você sabe, nosso chefe cobra o resultado, mas ele te dá suporte, apoio para você fazer do seu jeito. Se errar conserta depois, mas em geral ele é importante para mim e eu sou importante para minha equipe quando eu dou asas

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para eles criarem. Então, assim, se você tem apoio do chefe você tem uma equipe naturalmente criativa.”

Alguns fatores podem ajudar a estimular a criatividade no ambiente de trabalho,

segundo Amabile (1998, p. 83), o apoio gerencial é apenas um deles. Essa autora afirma que

gerentes são extremamente ocupados e que também sofrem pressão por resultados, mas alerta

que “as pessoas podem achar seu trabalho interessante ou excitante mesmo sem uma seção de

aplausos (...) Mas para assegurar paixão, a maior parte de pessoas têm de sentir que o seu

trabalho é importante para organização...”.

“(...) o que me segura assim, sabe aquela coisa do gás, mesmo, é essa oportunidade de você pensar diferente, fazer diferente, de poder abusar da criatividade, viver diferente todo dia, isso é adrenalina, é vitamina.”

“Ter um ambiente de amparo é importante. A chefia deve dar suporte para que a criatividade aconteça. Uma equipe integrada, onde se tenha liberdade de troca de informações também ajuda muito, né?”

Sendo assim, as estratégias individuais e dos grupos para criar e as estratégias

organizacionais de estímulo à criatividade podem fazer frente às pressões do trabalho e se

configurar como ferramentas eficazes no estímulo à criatividade e nas condições que

contribuam para qualidade de vida no trabalho.

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6 – Conclusões

O propósito dessa pesquisa foi o de caracterizar as formas de pressão no contexto de

trabalho e a sua influência sobre a criatividade além das estratégias que as pessoas utilizam no

ambiente de trabalho para enfrentar situações de pressões. Contatou-se, a partir dos resultados

desta pesquisa, que as experiências de pressão percebidas pelos participantes e vivenciadas no

contexto organizacional influenciam a criatividade, contudo podem provocar nas pessoas

diferentes maneiras de reagir e de enfrentar essas situações.

Para tanto, foi utilizada a pesquisa documental e grupos focais para coleta de dados e a

técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (2004) para análise de resultados. Assim,

os resultados desta pesquisa puderam confirmar a influência do contexto de trabalho

caracterizado por diversos tipos de pressão sobre a criatividade no contexto organizacional e

constatar que os indivíduos reagem de maneira diferente a essas pressões, ora ocasionando

impacto e influência negativa ora lidando com as situações de pressão adotando estratégias

para criar nesse contexto.

Com relação aos resultados obtidos nesta pesquisa, pode-se constatar que os tipos de

pressão mais citados, que geralmente prejudicam a expressão da criatividade no contexto do

trabalho, foram: a pressão de tempo, auto-exigência elevada, pressão da família e dos amigos

e a pressão para resultados. Tais resultados corroboram a literatura pesquisada sobre pressão

de tempo e sobrecarga de trabalho e a ocorrência de imprevistos e contratempos, contudo é

importante salientar que as pressões no trabalho se caracterizam de diversas formas e assim se

tornam um importante fenômeno a ser amplamente estudado, pois não foram encontradas

referências na literatura sobre as formas que as pressões do trabalho podem assumir.

Em contrapartida, de acordo com os resultados obtidos neste estudo, evidenciou-se

que os indivíduos desenvolvem estratégias para criar no contexto de trabalho caracterizado

por diversas formas de pressão. Essas estratégias favorecem o processo criativo em ambientes

de pressão e podem ser reforçadas pela estratégia organizacional de estímulo à criatividade. O

planejamento de tarefas e de tempo foi identificado como uma estratégia individual para criar;

a troca de idéias e experiências uma estratégia do grupo para fazer frente às situações de

pressão no contexto de trabalho e a estratégia organizacional de estímulo à criatividade

destacaram-se como maneiras de lidar com as pressões do trabalho e com o ambiente

competitivo em que a organização está inserida.

Ficou evidenciado que o que para alguns é uma grande dificuldade, para outras pode

ser apenas mais uma etapa do trabalho a ser cumprida. Os relatos apontam para a direção de

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que a intensidade da pressão de tempo é relativa e vai depender da percepção subjetiva de

cada indivíduo; a possível graduação como baixa, alta ou muito alta, são percebidas de

maneira diferente pelas pessoas. Dessa forma, assim como visto na literatura, os níveis de

tolerância à pressão também são diferentes e vão depender de características individuais,

aspectos motivacionais, conhecimento e auto-regulação de cada pessoa, ou seja, também

depende da natureza personológica do indivíduo, assim como preconiza Martínez (2000).

Outro fato que também corrobora a literatura pesquisada é que a pressão de tempo está

relacionada diretamente com a sobrecarga de trabalho, que por sua vez se relaciona com as

interrupções e contratempos no trabalho. A carga de trabalho está relacionada com as

demandas funcionais que um indivíduo possui e esta carga de trabalho pode causar alguma

influência na criatividade dos indivíduos. A habilidade para lidar com a carga de trabalho e

com a resolução dos imprevistos que surgem e para lidar com aspectos organizacionais como

enxugamento de quadro (downsizing), falta de suporte organizacional ou de programas de

estímulo à criatividade vai depender das características de cada indivíduo e quais estratégias

ou comportamentos adotará para que apesar das circunstâncias possa efetivamente criar.

Analisando a influência das interrupções no trabalho e dos imprevistos que ocorrem no

dia-a-dia da rotina laboral, assim também como na literatura (ZIJLSTRA, et al., 1999),

constatou-se que o controle cognitivo da atividade é um dos aspectos mais importantes da

subjetividade humana, que se transforma em ferramenta ou estratégia não só para criar, mas

para realizar os trabalhos e projetos previstos. O controle cognitivo da atividade pode

diferenciar as pessoas, sua performance e seus resultados.

Conforme também previsto pela literatura é possível que fortes níveis de pressão de

tempo ou de trabalho sejam apenas instrumentos de controle de equipes, com a justificativa de

se estimular uma maior produtividade, o que também foi constatado nos relatos.

Outro aspecto a ser observado em organizações extremamente competitivas, seja em

busca de maior rentabilidade, seja como resultado das características do negócio, diz respeito

à percepção de que todas as formas de pressão que podem existir num ambiente

organizacional estão aumentando a cada dia. Amabile et al. (2002), Perlow (2004), Zijlstra e

Roe (1999) já alertavam que a pressão de tempo e a pressão do trabalho já atingiam níveis

extremamente altos e que a população trabalhadora parecia estar no limite do que podia

suportar. Certamente tais pressões encontradas no trabalho já resultaram em pesquisas sobre

prazer e sofrimento e ainda estimulam novas pesquisas a respeito do tema. Deve haver um

limite muito sutil entre qual é a fronteira de uma pressão positiva e estimulante e o nível de

pressão que provoca doenças e conseqüências irreparáveis para o ser humano.

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É possível que entre as estratégias para criar em ambientes de forte pressão de tempo

estejam a improvisação, a espontaneidade, até mesmo a intuição, pois são necessárias para se

tomar decisões rápidas (MAINEMELIS, 2002). É provável que isso aconteça muito mais do

que se pode imaginar no mundo corporativo. Novas pesquisas poderiam explorar a

improvisação criativa – que depende de decisões rápidas – e avaliar a qualidade que essas

ações apresentam.

Assim, a criatividade pode acontecer em função do tempo disponível, mas também

depende dos recursos internos que os sujeitos possuem para planejar o tempo e tarefas, da

disposição para trocar idéias e experiências aumentando o conhecimento e do suporte

organizacional que recebem. Ainda assim, entende-se que cada pessoa tem seu ritmo e isso

não significa que as idéias mais criativas surgirão apenas quando se tem muito tempo para

elaborá-las. O mundo corporativo e as empresas extremamente competitivas exigem

profissionais que pensem agilmente, que tomem rapidamente as decisões que em fração de

segundo podem levar a maior resultado operacional.

Mecanismos motivacionais podem estimular a criatividade mesmo em ambientes

caracterizados pela pressão de tempo ou pelas demais pressões identificadas, pois o ambiente

de trabalho pode “minar” a motivação intrínseca do indivíduo, causando efeito negativo sobre

a criatividade. Dessa forma, a pressão de tempo reduz a motivação intrínseca, pois é o

ambiente que nesse caso, controla o indivíduo (AMABILE et at. 2002). Nesse contexto o

indivíduo não se sente motivado a se engajar em comportamentos exploratórios, necessários

para construir idéias criativas, limita-se apenas à execução das suas tarefas rotineiras.

O presente estudo pode evidenciar a complexidade de fatores que interferem na

criatividade no contexto organizacional, especialmente as pressões no trabalho, assim como

apontam a interação entre subjetividade e ambiente de trabalho, a partir das evidências das

diferentes vivências dos trabalhadores.

Os resultados obtidos podem servir como referencial para estudos futuros que ampliem

a compreensão dos impactos que ambientes de pressão podem causar sobre a criatividade de

indivíduos e grupos de trabalho nas organizações. Pode também subsidiar a construção de

instrumento destinado a avaliar diferentes tipos de pressão no contexto de trabalho. Outras

estratégias metodológicas também podem ser usadas, tais como a observação ou entrevistas

em profundidade que permitam explorar mais as especificidades das pressões no trabalho.

Recomendam-se, para pesquisas futuras, a utilização de outras técnicas complementares de

coleta de dados, além de estudos longitudinais que considerem o processo criativo desde o

momento em que surge a necessidade de criar, ou em que se inicia o processo de elaboração

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de uma idéia criativa até os resultados alcançados pela organização com o processo de

inovação. Outros estudos devem considerar organizações de diversos segmentos do mercado

além do comércio, da indústria e dos serviços e, se possível, fazer um recorte específico para

focar em determinado tipo de pressão, como a pressão psicológica ou a pressão de pares,

pouco abordada pela literatura pesquisada.

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