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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA A Força Aérea Brasileira e a investigação acerca de objetos aéreos não identificados (1969-1986): segredos, tecnologias e guerras não convencionais. JOÃO FRANCISCO SCHRAMM Brasília 2016

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

A Força Aérea Brasileira e a investigação acerca de objetos aéreos não

identificados (1969-1986): segredos, tecnologias e guerras não convencionais.

JOÃO FRANCISCO SCHRAMM

Brasília

2016

JOÃO FRANCISCO SCHRAMM

A Força Aérea Brasileira e a investigação acerca de objetos aéreos não

identificados (1969-1986): segredos, tecnologias e guerras não convencionais.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em História da Universidade de

Brasília como requisito parcial para obtenção do

título de Mestre em História.

Área de concentração: Sociedade, cultura e política

Linha de pesquisa: Poder, instituições e sociedade

Orientador: Virgílio Caixeta Arraes

Brasília

2016

AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL

DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU

ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO DE PESQUISA, DESDE QUE

CITADA A FONTE.

Catalogação na Publicação

Serviço de Biblioteca e Documentação

Departamento de História da Universidade de Brasília

JOÃO FRANCISCO SCHRAMM

SCHRAMM, João Francisco.

A Força Aérea Brasileira e a investigação acerca de objetos aéreos não identificados (1969-

1986): segredos, tecnologias e guerras não convencionais.

/ João Francisco Schramm; orientador: Virgílio Caixeta Arraes l. –Brasília, 2016.

269 fl10 il.

Dissertação (Mestrado – Programa de Pós-Graduação em História. Área de concentração:

Sociedade, cultura e política. Linha de pesquisa: Poder, instituições e sociedade

Departamento de História da Universidade de Brasília.

Orientador: Prof. Dr. Virgílio Caixeta Arraes

Palavras-chave: FAB, Oanis, Óvni, Guerra Aérea, Tecnologia, Segredo.

JOÃO FRANCISCO SCHRAMM

A Força Aérea Brasileira e a investigação acerca de objetos aéreos não

identificados (1969-1986): segredos, tecnologias e guerras não convencionais.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em História da Universidade de

Brasília como requisito parcial para obtenção do

título de Mestre em História.

Banca Examinadora:

________________________________________

Prof. Dr. Virgílio Caixeta Arraes (Orientador)

_______________________________________

Prof. Dr. Pio Pena Filho (IREL/UnB)

_______________________________________

Prof. Dr. Carlos Eduardo Vidigal (HIS/UnB)

______________________________________

Suplente

Prof. Dr. Thiago Gehre Galvão (IREL/UnB)

Brasília

2016

Essa pesquisa é dedicada aos agentes anônimos, civis e

militares, que, sem imaginar as consequências de seus atos,

lutaram por tornar pública a documentação da FAB sobre

eventos insólitos, seja por vazamentos, seja por meios legais.

AGRADECIMENTOS

- Ao professor Virgílio Caixeta Arraes pela valiosa orientação, que tornou

possível essa pesquisa. Seu exemplo como professor, que sempre potencializa as

sugestões e comentários de seus alunos, é um fato marcante que me acompanhará

quando assumir essa responsabilidade;

- Aos professores Pio Penna Filho e Carlos Eduardo Vidigal que, durante o

exame de qualificação, mostraram valiosas informações sobre os limites apropriados a

serem construídos nessa pesquisa;

- A professora Maria Filomena, aos professores Estevão de Rezende Martins e

André Leme Lopes pela motivação e esclarecimentos acerca do potencial dessa

pesquisa e pelas sugestões durante a disciplina de Seminário de Pesquisa Histórica;

- Aos colegas Eduardo Carreira e Camila de Deus Pereira pelo entusiasmo que

fez me criar um maior interesse pelo tema;

- A Fernando de Aragão Ramalho pelo seu trabalho junto ao processo de

desclassificação de documentos sigilosos;

- A Claudio Tsuyoshi Suenaga pelo pioneirismo e informações presentes em

sua pesquisa inesgotável;

- A Dayane Augusta da Silva pelo constante interesse e participação na

composição desse tema;

- A CAPES pelo apoio financeiro ao longo dos dois anos de mestrado.

RESUMO

Esta pesquisa tem como tema discutir o envolvimento da Força Aérea Brasileira (FAB)

no estudo e investigação de fenômenos relacionados aos objetos aéreos não

identificados (Oanis) no séc. XX. Em 1969 foi criado pela IV Zona Aérea o Sistema de

Investigação de Objetos Aéreos Não Identificados (Sioani), que tinha como missão

empreender pesquisas científicas sobre o tema. Mesmo com o encerramento do Sioani

em 1972, a FAB, em 1977, investigou o fenômeno durante a Operação Prato, no norte

do Pará, em solicitação das autoridades locais, já que era alegada uma atitude hostil de

Oanis junto a população nativa. Já em 1986, a FAB empreendeu uma missão de

interceptação em resposta a invasão do espaço aéreo nacional por Oanis, evento que

veio a público, em cerimônia no Palácio do Planalto, na decisão do ministro da

Aeronáutica na época. Tendo em vista esses eventos, o objetivo dessa pesquisa é

analisar as diferentes posturas da FAB sobre ao fenômeno dos Oanis no séc. XX, por

meio dos seus documentos oficiais, ao relacionar as principais evidencias coletadas por

essa instituição sobre esses fenômenos sob um contexto de guerra aérea e de utilização

de tecnologias não convencionais.

Palavras-chave: FAB; Oanis; Óvni; Guerra Aérea; Tecnologia; Segredo.

ABSTRACT

The objective of this research is to discuss the involvement of the Brazilian Air Force

in the study and research of the phenomena related to unidentified aerial objects (Oanis)

in the XX century. In 1969, the IV Air Zone created the Research System of

Unidentified Aerial Objects (SIOANI), with the mission to carry out scientific research

on the subject. Even with the closure of SIOANI in 1972, the Air Force in 1977,

investigated the phenomenon during Operation Prato, in the northern state of Pará, upon

request of the local authorities, who alleged a hostile attitude of the Oanis towards the

native population. In 1986, the Brazilian Air Force undertook an interception mission

in response to the invasion of national airspace by Oanis, an event that became to the

public in a ceremony at the Presidential Palace, by decision of the Air Force minister

at the time. Given these events, the objective of this research is to analyze the different

positions of the Brazilian Air Force regarding the phenomenon of Oanis in the 20th

century, through its official documents, and in relation to the main evidence collected

by the institution of these phenomena under the context of an air war and of the use of

unconventional technologies.

Keywords: Brazilian Air Force; UFOs; Air War; Technology; Secret.

SUMÁRIO

Introdução .................................................................................................................... 13

1.1 O emprego estratégico do poder aéreo no séc. XX ................................................ 20

1.2 O avanço tecnológico do poder aéreo na Guerra Fria ............................................ 31

1.3 Os Oanis como um desafio de segurança no Brasil ............................................... 44

2.1 A pesquisa científica e militar brasileira sobre objetos aéreos não identificados .. 50

2.2 A elaboração da metodologia de pesquisa do Sioani ............................................. 58

2.3 Estudos de casos empreendidos pelo Sioani: quando os militares se aproximaram

do insólito..................................................................................................................... 70

Capítulo 3 ..................................................................................................................... 83

3.1 Operação Prato – Os militares protagonistas do insólito ....................................... 83

3.2 – A tentativa de interceptação de Oanis em maio de 1986 .................................. 102

Conclusão ................................................................................................................... 119

Referências ................................................................................................................. 126

Bibliografia ................................................................................................................ 127

Anexo I....................................................................................................................... 131

Anexo II ..................................................................................................................... 132

Anexo III .................................................................................................................... 139

Anexo IV .................................................................................................................... 147

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Aeronaves Fokker DR1 alemã .................................................................. 28

Figura 2 - Aeronaves Sopwith F-1 Camel britânica .................................................. 28

Figura 3 - Aeronave de bombardeio da USAF B-17 Flying Fortress ....................... 30

Figura 4 - Aeronave alemã de múltiplos usos Messerschmitt 109E .......................... 31

Figura 5 - Aeronave caça alemã de propulsão a jato Messerschmitt 262 .................. 31

Figura 6 - Míssil balístico V-2 ................................................................................... 32

Figura 7 - Réplica da Fat Man, bomba atômica ......................................................... 33

Figura 8 - Desenho do protótipo da aeronave alemã Sack AS 6 ................................ 41

Figura 9 - Aeronave de única asa discoide da USAF Vought XF5U ......................... 42

Figura 10 - A aeronave Avro Canada VZ-9 da USAF ............................................... 43

Figura 11 - Aeronave antirradar F-117 ...................................................................... 44

Figura 12 - Desenho artístico da aeronave alemã Horten 2-29 .................................. 44

Figura 13 - Protótipo sem asas da Horten 2-29 capturada pelos EUA ....................... 45

Figura 14 - Aeronave de bombardeio antirradar B-2 Spirit ....................................... 45

Figura 15 - Momentos finais na construção da aeronave Horten 2-29 ...................... 46

Figura 16 - Aeronave Horten 2-29 em campo preparada para o teste ....................... 47

Figura 17 e 18 - Desenhos de um Oani do 2º. Boletim Sioani .................................. 80

Figura 19 - Desenhos atribuído ao caso investigado no.4 do 2º.Boletim Sioani ........ 81

Figura 20 - Desenho atribuído ao caso no. 8 do 2º. Boletim Sioani ........................... 82

Figura 21 - Desenho atribuído ao caso no. 28 do 2º. Boletim Sioani ......................... 82

Figura 22 - Desenho atribuído ao caso no. 29 do 2º. Boletim Sioani ......................... 83

Figura 23 - Desenho atribuído ao caso no. 36 do 2º. Boletim Sioani ......................... 84

Figura 24 - Desenho atribuído ao caso no. 43 do 2º. Boletim Sioani ......................... 84

Figura 25 - Desenho atribuído ao caso no. 43 do 2º. Boletim Sioani ......................... 85

Figura 26 - Mapa dos Comares e Cindactas ............................................................... 90

Figura 27 - Desenho atribuído a um Oani do relatório da Operação Prato de 1977..103

Figura 28 - Aeronave Northrop YB-49. ................................................................... 104

Figura 29 - A “espiral da Noruega” ........................................................................ 105

Figura 30 - Aeronave executiva modelo Xingu da Embraer ................................... 109

Figura 31 - Mapa sobre a missão de interceptação de maio de 1986 ....................... 111

Figura 32 - Aeronave Northrop F5 E da FAB .......................................................... 112

Figura 33 - Aeronave Dassault Mirage III F-2000 da FAB ..................................... 112

Figura 34, 35 - Oani observado em São Paulo no dia 30 de maio de 1986 .............. 119

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

Cindacta - Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo

Cioani - Central de Investigação de Objetos Aéreos Não Identificados

Comar - Comando Aéreo Regional

Comda - Comando Aéreo de Defesa Aérea.

Comdabra - Comando de Defesa Aeroespacial

ESG - Escola Superior de Guerra

FAB - Força Aérea Brasileira

FEB - Força Expedicionária Brasileira

Ioani - Investigador de Objetos Aéreos Não Identificados

Nasa - Agencia Espacial dos EUA

Nioani - Núcleo de Investigação de Objetos Aéreos Não Identificados

NPVs - Núcleos de Proteção de Voo

Oani - Objeto Aéreo Não Identificado

Óvni - Objeto Voador Não Identificado

Seti - Pesquisa por Inteligência Extraterrestre

Shaef - Quartel General Supremo da Força Expedicionária Aliada

Sioani - Sistema de Investigação de Objetos Aéreos Não Identificados

UFO - Objeto Voador Não Identificado

Usaf - Força Aérea dos EUA

Vants - Veículos Aéreos Não Tripulados

Xoani - Pessoa que relata observação de um Oani

13

Introdução

Fenômenos insólitos relacionados com objetos voadores não identificados,

luzes no céu ou discos voadores são comumente ligados pela ciência ao universo do

entretenimento, das crenças sobrenaturais ou mesmo da fraude científica. Nesse sentido,

a maior parte das pesquisas que abordam essa temática alinha suas perspectivas aos

estudos culturais dos folclores ou do surgimento de novos mitos modernos.1

Essencialmente vinculado a uma vertente de análise psicológica, esse tema é

tratado como um estudo cultural, no âmbito da crença e do imaginário social. No

entanto, existem fontes, bastante tradicionais para a História, que persistem em tratar

temas insólitos como uma realidade presente, para além do espectro cultural e do reino

das crenças.2

Com especial destaque a uma documentação recém liberada para consulta

pública do Estado brasileiro em que são narradas diversas situações incomuns, esse

estudo propõe-se a ressaltar situações em que militares brasileiros investigaram

fenômenos relacionados com objetos aéreos não identificados. 3 Seguindo essa

perspectiva, que procura analisar situações não ordinárias por meio de fontes históricas

tradicionais, essa pesquisa, em amplos aspectos, objetiva discutir eventos em que

militares da Força Aérea Brasileira (FAB) lidaram com situações insólitas.

Por conseguinte, os documentos disponíveis no Arquivo Nacional de Brasília

revelam um amplo envolvimento dos militares em operações e pesquisas sobre

fenómenos insólitos, tornando públicas diversas ocasiões em que agentes do Estado

tiveram de lidar com situações inconclusivas e cientificamente controversas.

Dentre tal documentação que concentra diferentes situações, que vão desde o

ano de 1950 até o ano de 2000, essa dissertação discutirá três grupos distintos de fontes:

o primeiro grupo se relaciona ao Sistema de Investigação de Objetos Aéreos Não

Identificados, órgão da FAB de pesquisa de campo sobre o fenômeno das presenças

1 O estudo pioneiro acerca desses novos mitos relacionados ao tema dos objetos aéreos não identificados

foi a obra Um Mito Moderno Sobre Coisas Vistas Nos Céus de Carl Jung de 1957. Outros autores, como

Martins (2011 e 2014), aprofundaram essa discussão seguindo o viés da psicologia social. 2 As fontes a que me refiro, que serão detalhadas nas próximas páginas, são documentos oficiais da Força

Aérea Brasileira, recentemente liberados para consulta pública. 3 O recém processo de liberação de documentos não será analisado por esta dissertação. Para maiores

informações ver Almeida (2015).

14

desconhecidas nos céus, que atuou de 1969 a 1972, único momento em que a instituição

destacou um interesse direto e não apenas reativo sobre o tema, ao produzir um estudo

próprio; o segundo grupo concerne a Operação Prato, de 1977, em que militares da

FAB tiveram de lidar com desconcertantes eventos no litoral norte do Brasil, agora de

forma reativa e a pedido das autoridades locais, provavelmente os arquivos mais

controversos da instituição sobre o tema em si; e por fim, será abordada a missão de

interceptação a objetos aéreos não identificados que ocorreu em maio de 1986, em que

aeronaves caça da FAB foram acionadas a fim de perseguirem objetos não identificados

que eram detectados pelos radares dos centros de controle, situação incomum que levou

o ministro da Aeronáutica na época discutir abertamente acerca dos eventos sob os

quais ele era responsável direto.

Tendo em vista a apresentação das fontes primárias dessa dissertação e o seu

tema geral, que se volta ao estudo de documentos sigilosos de fontes militares que

foram liberados para consulta pública e que se relacionam a estranhos fenômenos

ligados a objetos aéreos não identificados, é interessante ressaltar o problema aqui

colocado em relação ao tema e a suas fontes – o intuito dessa pesquisa é analisar, por

meio de arquivos da FAB, se existem evidências de atividades militares sigilosas em

certos eventos em que foi relatada a presença de objetos aéreos não identificados.

Nesse sentido, para discutir a hipótese da origem militar de determinados relatos

sobre presenças desconhecidas nos céus, essa dissertação irá analisar o contexto

tecnológico da proeminência do poder aéreo no século XX, a fim de se compreender a

possível relação entre o lançamento de vetores tecnológicos aéreos e o relato de

presenças desconhecidas nos céus, tendo como pano de fundo a Segunda Guerra

Mundial e a Guerra Fria.

A fim de se ter uma melhor compreensão do que esse trabalho irá discutir de

uma forma mais específica, especialmente com relação às publicações que de alguma

maneira se aproximam desse tema, é interessante tornar evidente a proposta dessa

dissertação no momento em que ela poderá ser vista em contraste ao conjunto dos

trabalhos já publicados na área, no contexto geral a que essa temática faz referência, a

contar com a raridade de publicações4 sobre esse tema não só na História, mas nas

humanidades como um todo.

4 Dentre as publicações nacionais na área das humanidades, entre monografias, dissertações e teses,

excluindo artigos, encontra-se, seguindo a ordem da mais antiga a mais nova, o departamento a qual se

15

À exceção de publicações que certamente existem e que não fazem parte deste

corpus, percebe-se com clareza que a maior parte foi publicada pela Antropologia (ao

total seis obras, das quinze elencadas), notavelmente pelo departamento da UnB, que

contou com um projeto pioneiro, por meio de uma dissertação de 1984, de Ferreira Neto,

e que contou também com a publicação da primeira tese nacional sobre o tema, em

agosto de 2015, de Rafael Almeida.

Esse mesmo departamento abrigou outras duas monografias, uma inclusive

publicada pelo autor dessa presente dissertação, em 2011 e outra em 1996 de Wilson

Oliveira. O Programa de Pós Graduação em Antropologia do Museu Nacional da UFRJ

também abrigou uma dissertação correlata ao tema no ano de 1990, de Jayme Aranha.

Depois da Antropologia, foram a História e a Psicologia que contaram com o

maior número de publicações na área, cada uma com quatro publicações. No ano de

1999 foi publicada a dissertação de Suenaga, trabalho inaugural na História. Com

relação ao conteúdo dessas publicações, de uma forma geral, pode-se distinguir que ao

vinculam, o título da obra e o autor, as seguintes publicações (cuja descrição completa encontra-se na

bibliografia):

Dissertação de 1984 (Antropologia UnB) A Ciência dos Mitos e o Mito da Ciência. José Fonseca

Ferreira Neto;

Dissertação de 1990 (Antropologia UFRJ) Inteligência extraterrestre e evolução: as especulações sobre

a possibilidade de vida em outros planetas no meio científico moderno. Jayme Moraes Aranha Filho;

Monografia de 1996 (Antropologia UnB) O movimento ufológico: reflexo da necessidade de um modelo

de compreensão da realidade. Wilson G. de Oliveira;

Dissertação de 1999 (História Unesp – Assis) A dialética do real e do imaginário: Uma Proposta de

Interpretação do Fenômeno OVNI. Cláudio Tsuyoshi Suenaga;

Monografia de 2005 (Psicologia Estácio de Sá) Uma Contribuição para a Psicologia Acerca do

Fenômeno OVNI a partir da obra de Carl Gustav Jung intitulada “Um Mito Moderno Sobre Coisas

Vistas nos Céus”. João Batista de Oliveira Filho;

Dissertação de 2006 (História UFC) “Giram os Sputniks nas Alturas, Ferve a Imaginação nas

Planuras”: a ciência e o bizarro no Ceará em fins da década de 1950. Tácito Thadeu Rolim;

Dissertação de 2006 (Psicologia PUC-SP) Deuses de outros mundos: o culto a extraterrestres e discos

voadores no Brasil. Michelle Veronese;

Dissertação de 2007 (Antropologia Ufscar) Extraterrestres: ciência e pensamento mítico no mundo

moderno. Daniel Pícaro Carlos;

Dissertação de 2009 (História UFRS). As luzes no céu e a Guerra Fria. Do limiar do conflito ao

imaginário sobre os discos voadores. Milton José Giaconetti.

Dissertação de 2009 (História Unicamp) A Invenção dos Discos Voadores: Guerra Fria, Imprensa e

Ciência no Brasil (1947-1958). Rodolpho Gauthier dos Santos;

Dissertação de 2011 (Psicologia USP) “Contatos imediatos”: investigando personalidade,

transtornos mentais e atribuição de causalidade em experiências subjetivas com óvnis e alienígenas.

Leonardo Breno Martins;

Monografia de 2011 (Antropologia UnB) Alteridade alienígena no discurso militar. João Francisco

Schramm;

Monografia de 2014 (Direito UFPR) A ordem Jurídica sob a hipótese do contato extraterrestre. Gilson

Fais;

Tese de 2015 (Antropologia UnB). Objetos intangíveis: Ufologia, ciência e segredo. Rafael Antunes

Almeida;

Tese de 2015 (Psicologia USP) - Na trilha dos alienígenas: uma proposta psicológica integrativa sobre

experiências "ufológicas" e "paranormais". Leonardo Breno Martins.

16

menos cinco dessas publicações fazem menções direta ao estudo do universo dos

pesquisadores ufólogos, seja na pesquisa de campo etnográfica juntamente a grupos de

ufologia,5 como na dissertação de Ferreira Neto (1984), seja no estudo psicológico de

um novo mito moderno, ao acompanhar o pioneirismo de Jung, que envolve os relato

acerca de objetos aéreos não identificados, a exemplo do trabalho de Oliveira Filho

(2005).

Já as publicações de Martins (2011 e 2015) tecem uma análise sobre uma

pesquisa de campo e laboratorial, de cunho psiquiátrico, sobre a personalidade de certas

pessoas que relatam ter-se envolvido com objetos aéreos não identificados e tripulantes

alienígenas, ou mesmo aqueles que pesquisam esses relatos, como os pesquisadores

ufólogos. No tocante às experiências subjetivas, os trabalhos consecutivos de Martins

(2011 e 2015) se destinam a estudar o perfil psiquiátrico dessas pessoas.

Existem também estudos sobre a relação de alteridade entre ufólogos e seus

“objetos/máquinas de fazer segredo”, como na tese de Almeida (2015), ou mesmo numa

discussão acerca dos principais tópicos de um grupo de ufologia associado a

Universidade de Brasília, GEU (Grupos de Estudos Ufológicos), atualmente

subordinado pelo Nefp (Núcleo de Estudos de Fenômenos Paranormais) do Ceam

(Centro de Estudas Avançados Multidisciplinares), como na monografia de Oliveira

(1996).

Em suas respectivas áreas, todos esses trabalhos são originais e ainda inéditos.

Ainda assim, boa parte deles tem como foco o universo ufológico. Os demais trabalhos

se dirigem a questões comuns ao tema, mas com abordagens em que a ufologia é tratada

de forma secundária. Dentre essas publicações, a dissertação de Giaconneti (2009) faz

uma síntese histórica do surgimento dos primeiros relatos sobre objetos aéreos não

identificados antes, durante e depois da Segunda Grande Guerra, tecendo especial

destaque para o período da Guerra Fria.

Já a dissertação de Santos (2009) promove um debate acerca da construção de

um imaginário acerca dos discos voadores, seguindo o editorial da revista O Cruzeiro,

logo no início do encerramento da Segunda Guerra Mundial, a contar com uma

discussão profunda sobre o papel da indústria cultural na criação desse imaginário, na

promoção de um constante debate entre pesquisadores ufólogos, militares e cientistas

acerca das mais diversas situações insólitas.

5 Área de pesquisa não acadêmica voltada ao fenômeno dos objetos aéreos não identificados.

17

Já a publicação de Schramm (2011) procurou discutir, a partir de um grupo

extenso de fontes primárias, diferentes formas de alteridade narradas por militares em

situações insólitas, numa proposta de alteridade não convencional, segundo as

diferentes formas de alteridade discutidas pela antropologia.

Pode-se destacar também a dissertação de Jayme Aranha, que analisou o projeto

Seti (Pesquisa por Inteligência Extraterrestre) da agência espacial norte-americana.

Este trabalho, diferente dos demais supracitados, concentra-se em expor e analisar os

bastidores de um projeto amplamente discutido pela comunidade científica

internacional.

O projeto, que tem como propósito a busca por civilizações extraterrestres,

buscou sinais de rádio artificiais, ao passo que também emitiu para um grupo de estrelas

sinais com mensagens de contato teoricamente decodificáveis, ao mesmo tempo que

lançou mensagens físicas ao espaço, acopladas a satélites que hoje estão vagando no

espaço depois de se desprenderem da força gravitacional solar, após o cumprimento de

suas missões específicas.

Todos esses projetos empreendidos pelo Seti foram analisados por Aranha,

incluindo aí as proposições teóricas acerca do contato entre civilizações, discutidas

especialmente por Carl Sagan e Frank Drake. Nesse sentido, pode-se afirmar que a

dissertação de Aranha tem o compromisso de aproximar as discussões da comunidade

científica internacional com as mais recentes proposições teóricas acerca do contato

entre civilizações extrassolares.

Dentre estas publicações supracitadas, observa-se que ao menos cinco delas

convergem de uma forma especial com a proposta desse projeto, com especial destaque

para a dissertação de Suenaga (1999) e de Almeida (2015). As duas publicações

concentram uma volumosa e variada pesquisa e, em certos capítulos, acabam por

discutir diretamente alguns tópicos sobre o órgão de investigação brasileiro de 1969,

Sioani, assim como a Operação Prato de 1977 e a missão de interceptação a objetos

aéreos não identificados de 1986.

Feita essa digressão, é interessante ressalta o lugar que essa dissertação ocupa

ante os trabalhos supracitadas. Diferentemente da maioria dessas pesquisas, a presente

dissertação tem como fontes principais os documentos da FAB sobre eventos insólitos

relacionados a presenças desconhecidas nos céus. De forma específica, essa dissertação

discutirá o seguinte problema: dado que durante a Segunda Grande Guerra e

posteriormente durante a Guerra Fria houve um grande avanço técnico do poderio

18

bélico relacionado a vetores aéreos, existe a possibilidade de que em alguns desses

documentos da FAB, especialmente daqueles relacionados à Operação Prato de 1977 e

à missão de interceptação de objetos aéreos não identificados de maio de 1986,

contenham evidências de atividades militares sigilosas de superpotências, ou mesmo o

teste de vetores aéreos ultrassecretos? Em outras palavras, haveria a possibilidade

desses eventos relacionados a presenças desconhecidas nos céus fazerem parte de

algum tipo de atividade militar sigilosa? Para tanto, essa dissertação promoverá uma

análise do avanço tecnológico do poder aéreo durante o séc. XX, a fim de melhor

compreender o contexto do lançamento de novos vetores secretos e sua relação com o

relato das presenças aéreas desconhecidas.

No primeiro capítulo, o leitor encontrará uma pesquisa histórica sobre o

emprego estratégico do poder aéreo no século XX, uma vez que o estudo de fontes

militares sobre objetos aéreos não identificados está intrinsicamente relacionado com o

papel que a guerra aérea desempenhou desde as duas Grandes Guerras até a Guerra Fria,

especialmente em relação ao lançamento de novos vetores tecnológicos de tipos

radicais de aeronaves.

No segundo capítulo será exposto o contexto histórico de criação do Sioani

(Sistema de Investigação de Objetos Aéreos Não Identificados) em 1969, o único órgão

da FAB que esteve empenhado em uma pesquisa direta acerta das presenças aéreas

desconhecidas. O capítulo servirá como introdução sobre como que FAB lidou com

tema das presenças aéreas desconhecidas de forma especializada ao se discutir as

características mais marcantes da metodologia de pesquisa aplicada pelo Sioani. Essa

discussão servirá como ponto de partida para se compreender os meios pelos quais a

FAB lida historicamente com o tema das presenças.

Já no terceiro capítulo serão analisados dois eventos marcantes em que a FAB

agiu reativamente à presença de objetos aéreos não identificados no espaço aéreo

brasileiro. Tendo acesso a um numeroso e diversos grupo de fontes primárias, que

fazem parte desde arquivos governamentais até a depoimentos oficiais e extraoficiais,

a Operação Prato de 1977 e a missão de interceptação a Oanis de maio de 1986 serão

discutidas segundo o próprio ponto de vista da FAB sob tais presenças.

Por fim, esses eventos serão analisados segundo a possibilidade de existirem

evidencias documentais de atividades militares sigilosas, no uso de vetores

tecnológicos ultrassecretos, ou mesmo no teste uma guerra não convencional, que se

19

utilizaria de inventos até então desconhecidos na época, mas que, devido ao

distanciamento temporal, podem ser vistos sob uma nova perspectiva.

Sobre essas presenças comumente chamadas de discos voadores, existem

variados nomes que indicam também a peculiaridade dos grupos de que as nomeiam.

Incialmente durante os bombardeios aéreos na Europa durante Segunda Guerra

Mundial, as primeiras referências a corpos luminosos desconhecidos que

acompanhavam as Aliadas foram chamadas de foo fighters, apelido dado por tripulantes

e pilotos que faziam referência a aeronaves do tipo caça (fighter) de fogo (feu, em

francês).6 Suspeitavam esses objetos serem de origem alemã, devido ser a Alemanha a

grande potência tecnológica da época, especialmente em relação aos inventos aéreos.

No entanto, a sigla UFO (Unidentified Flying Objetc) é a mais comum mundo

afora, principalmente nos países de língua inglesa. Segundo Giaconetti (2009), o termo

UFO foi criado em 1951 pelo capitão Edward J Ruppelt, chefe das investigações do

projeto Blue Book, com o intuito de substituir a expressão popular flying saucer.

Inclusive, a sigla UFO serviu como um neologismo científico para os pesquisadores

especializados nesse tema, os ufólogos. No Brasil, comumente se utiliza a sigla Ovni

(objeto voador não identificado), sigla esta que já foi incorporada nos dicionários atuais

como um substantivo masculino, sendo a palavra uma paroxítona, ou seja, acentuada:

óvni.7

Como essa pesquisa irá tratar de documentos militares, daqui por diante o termo

Oani ou óvni será utilizado segundo a referência documental a que ele se refere ou se

origina, incluindo ai a sigla UFO, ou mesmo a expressão disco voador. Ainda assim,

evidencia-se certas consequências da substituição do termo óvni pelo Oani, já que o

Oani, ao enfatizar o vetor “aéreo” no lugar do “voador”, concede espaço para

fenômenos naturais, conhecidos ou desconhecidos, que ocorrem no espaço aéreo e que

não têm a qualidade de voar, mas de ocorrerem no céu. Nesse sentido, a sigla Oani será

utilizada com preferência nessa pesquisa, já que inclui uma maior amplitude de eventos,

em especial na descrição de fenômenos naturais que podem ocorrer no céu.

6 JUNG, Carl. Um mito moderno. Minotauro, 1961, p.15. 7 HOUAISS, Antônio, VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de

Janeiro: Objetiva, 2009.

20

Capítulo 1

1.1 O emprego estratégico do poder aéreo no séc. XX

Dentre todas as obrigações de um Estado, existe uma prioridade fundamental

que é garantir a sobrevivência de sua população. Nesse sentido, as Forças Armadas são

encarregadas oficialmente dessa responsabilidade e fazem parte de um componente

essencial na manutenção das instituições e da ordem social vigente. Por conseguinte, é

de responsabilidade do Estado a promoção da segurança de sua população, mesmo que

uma ameaça venha de algo que apenas aparenta ser real.

Enquanto o cidadão comum poder mesclar o fascínio, a curiosidade ou mesmo

o temor acerca de objetos aéreos não identificados, o agente militar, além de também

estar sujeito a esses fatores, mantém uma postura distinta devido a suas atribuições e

responsabilidades, uma vez que, quando Oanis são detectados invadindo o espaço aéreo

nacional, eles têm potencial de pôr em risco o tráfego aéreo de aeronaves autorizadas.

É por meio dessa perspectiva que os militares lidam com os objetos aéreos não

identificados, o que torna claro a ligação desse tema com a guerra aérea e com as

preocupações correntes com a defesa do espaço aéreo

Por conseguinte, este capítulo tem como objetivo discutir o contexto histórico

da guerra aérea e o lançamento de novos vetores tecnológicos que reestruturaram

estratégias de defesa e de segurança nacional, questões axiais que facilitam

compreender o desafio que são os objetos aéreos não identificados sob a perspectiva

militar. A atenção dos militares brasileiros às presenças desconhecidas nos céus está

correlacionada a uma estratégia já existente, que se debaterá adiante, que teve sua

origem no emprego do poder aéreo, a contar com as duas experiências das grandes

guerras do século XX.

Esse conhecimento e prática de defesa foi criado como resposta às novas

modalidades de guerra, na proeminência do poder aéreo como estratégia de combate.

Para tanto, o objetivo desse capítulo, além de analisar o contexto da guerra aérea, é

expor os registros históricos que acompanham o emprego estratégico desse poder e sua

relação com novas tecnologias de guerra a fim de buscar uma melhor compreensão do

lugar que os objetos aéreos não identificados ocupam nas preocupações militares

correntes.

21

A título de referência, é interessante notar que sobre esses fenômenos, Carl

Gustav Jung em Um mito moderno sobre coisas vistas no céu, de 1957, atesta ser

durante a Segunda Guerra Mundial o momento em que ocorrem os primeiros relatos de

pessoal qualificado, na maioria pilotos e operadores de radares, sobre o estranho

fenômeno dos objetos aéreos não identificados. Aponta Jung:

O prelúdio dos discos voadores constituiu-se em torno das

observações de projéteis misteriosos, nos últimos anos da guerra, por

sobre a Suécia (atribuía-se a sua descoberta e origem aos russos), e

dos boatos dos foo-fighters, claridade que acompanhava os

bombardeiros aliados por cima da Alemanha (do francês Feu: Foo =

feu ; fogo).16

Não é objetivo desse trabalho subscrever a linha do Jung, que analisou, devido

à constante “circular” do formato visual atribuído a boa parte dos Oanis, o arquétipo da

circularidade no inconsciente coletivo da humanidade. Por mais que esse tema seja

tratado em outros campos da ciência humana, como na psicologia social, sob uma

assertiva mitológica, tendo em vista que essa dissertação se trata de uma pesquisa no

campo da História, ela não se debruçará sobre esse tipo de análise.

Em face dessa referência descrita anteriormente, segundo Hernández, no final

da Segunda Guerra Mundial, as potências aliadas registraram um fenômeno que

passaria a ser denominado de foo-fighters.17 Segundo o autor, a primeira referência

oficial sobre o fenômeno dos foo-fighters ocorrera no dia 13 de fevereiro de 1944,

quando o Quartel General Supremo da Força Expedicionária Aliada (SHAEF), em Paris,

enviou uma nota de imprensa sobre uma suposta arma alemã na linha de frente aérea

ocidental.18

O comunicado informava a presença de “esferas de cor prateada no espaço aéreo

alemão” que foram relatadas pelos pilotos da Força Aérea dos Estados Unidos.

Considerava-se a possibilidade desses objetos serem “como uma arma de defesa

antiaérea, embora não haja informação de como se sustenta, o que há em seu interior

ou para que serve de verdade”.19

16 JUNG, C. G. Um mito moderno. Rio de Janeiro: Centauro, 1961, p.36. 17 Jesús Hernández é historiador e jornalista autor de vários livros sobre a Segunda Grande Guerra. 18 Os foo-fighters, ou caças de fogo, são conhecidos por serem as primeiras referências modernas de

origem militar que fazem parte daquilo que chamamos hoje de objetos aéreos não identificados. As

suspeitas de sua origem, durante algum tempo, foram direcionadas ao arsenal secreto alemão, devido ao

pioneirismo dessa nação no lançamento de novas tecnologias relacionadas ao poder aéreo. No entanto,

nada disso pôde ser comprovado. 19 HERNÁNDEZ Jesús. Enigmas e Mistérios da Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Madras, 2005,

p.188.

22

A par dessas ocorrências de eventos observados, mas ainda não explicados

durante a Segunda Grande Guerra, faz-se necessário discutir o papel das aeronaves de

combate quanto às estratégias utilizadas no emprego do poder aéreo. As invasões do

espaço aéreo de uma nação por aeronaves, misseis ou quaisquer outros tipos de vetores

tecnológicos são assuntos de suma importância no que concerne os desafios externos a

sua segurança nacional. Nesse contexto, o Estado, por meio de radares, aeronaves de

interceptação e de sistemas de defesa antiaéreo, esforça-se em responder a qualquer

tipo de violação do seu espaço aéreo correspondente.

Essa resposta é dada a diferentes tipos de vetores, que vão desde de aeronaves

de narcotráfico e contrabando, até a aquelas utilizadas para espionagem ou mesmo

mísseis balísticos.20 Devido ao crescimento do tráfego aéreo de passageiros, cargas e

mercadorias, grande é o esforço dos centros de controle em organizar e vigiar as

autorizações de planos de voos e rotas. No Brasil, essa organização é de

responsabilidade da Força Aérea Brasileira (FAB), preparada em tese para responder a

qualquer tipo de movimentação não autorizada que possa ocorrer nas fronteiras

nacionais.

Essa atenção e controle do espaço aéreo, de movimentação cada vez mais

crescente, tanto no tráfego civil e comercial, quanto nas possibilidades de engajamento

militar, teve seu primeiro impulso já na Primeira Guerra Mundial, no lançamento de

uma grande variedade de vetores tecnológicos. Tendo como característica marcante o

uso intensivo de artefatos bélicos produzidos em escala industrial, assim como o

desgaste da guerra de trincheiras, a Primeira Guerra Mundial foi palco de um grande

número de testes de novos armamentos.

Conhecida por ser o período histórico em que ocorreu a utilização de carros de

combate, aviação e submarinos, a Primeira Grande Guerra foi a transição entre o que

se discute hoje por guerra de segunda geração (produção industrial, poder de fogo e

desgaste) e guerra de terceira geração (poder de fogo e manobra). A guerra de terceira

geração, em que se combinam novas táticas militares, inclui a utilização simultânea de

infantaria, de carros de combate e de aeronaves, ao exemplo da guerra relâmpago

(blitzkrieg), utilizada pelos alemães na Segunda Grande Guerra.

20 Um míssil balístico é semelhante a um foguete espacial. Tem capacidade de cobrir grandes distancias

ao atingir uma altura de voo sub-orbital em sua trajetória. Os alemães durante a Segunda Grande Guerra

foram os primeiros a desenvolver essas tecnologias com os mísseis V1 e V2, tecnologia que mais tarde

foi assimilada pelos EUA, URSS e Inglaterra. Várias nações hoje detêm essa tecnologia.

23

Mesmo tendo um papel secundário e irrisório comparado com o seu emprego

na Segunda Guerra Mundial, o emprego do poder aéreo durante a Primeira Grande

Guerra desenvolveu-se bastante tanto nos meios técnicos, como no seu uso tático.

Mesmo tendo sido pouco sua influência no resultado final da guerra, aeronaves já eram

utilizadas no começo das hostilidades apenas para fins de reconhecimento. Nos anos

finais do conflito, os novos usos da aviação de combate incluíam aviões caças

acoplados com metralhadoras, que voavam em numerosos esquadrões, assim como

bombardeiros, que lançavam bombas cada vez mais potentes.

A experiência da Primeira Guerra Mundial, mesmo que incipiente no emprego

de aviões de caça e bombardeio, mostrou que tanto o emprego tático do poder aéreo,

em apoio às forças de superfície, como o estratégico,21 de profundidade no território

inimigo, teriam um papel fundamental nas guerras futuras devido ao ininterrupto

avanço tecnológico que possibilitou novos usos da aviação de combate em um conflito.

Figuras 1 e 2 – Exemplo de aeronaves caça utilizadas na Primeira Guerra Mundial:

respectivamente, Fokker DR1 alemã e Sopwith F-1 Camel britânica.

Fonte: Oliver Thiele (2006) Fonte: Museu da USAF22 (2006)

21 Os empregos táticos e estratégicos do poder aéreo se diferenciam da seguinte maneira: enquanto o uso

tático serve de apoio às forças de superfície (Exército e Marinha), tanto em combate em batalhas,

reconhecimento e apoio logístico, o uso estratégico se destina a ações de profundidade sobre o território

inimigo, tendo como alvo o seu potencial. De forma complexa, o potencial do inimigo pode ser visto

segundo variadas formas, tanto materiais como abstratas. Assim como o emprego estratégico pode ser

usado contra a estrutura industrial, energética e os meios de transporte do inimigo, ele pode ser usado

contra o “moral” da sua população, quando ela passa a ser alvo dos bombardeios, prática essa conhecida

como bombardeio por área. 22 Força Aérea estadunidense.

24

Por conseguinte, na medida em que se desenvolvia uma maior capacidade

técnica das aeronaves de combate, ao possuírem também um maior alcance e uma maior

autonomia, era possível utilizá-las em outras atividades. Tendo como princípio o

reconhecimento de terreno e da mobilização inimiga, a aviação de combate passou a

ser usada no apoio às forças terrestres e marítimas.

Com uma maior autonomia e alcance de voo, as novas estratégias passaram a

incluir o bombardeio de ferrovias, afim de obstaculizar e interditar a movimentação e

o suprimento das forças inimigas. O contínuo avanço possibilitou também tomar como

alvos as fábricas de munições e as indústrias, com a finalidade de prejudicar o potencial

e a capacidade de produção. Esse tipo de ataque é um dos princípios do bombardeio

estratégico, em que o poder aéreo é usado não apenas como força de apoio, mas como

força que penetra no interior do território inimigo e causa dano a sua estrutura produtiva.

Todos esses usos do poder aéreo durante o conflito pouco contribuíram para seu

resultado final, como observa Howard (1996).23 Mesmo incipiente, o poder aéreo na

Primeira Grade Guerra foi utilizado de variadas formas. No entanto, esses múltiplos

usos somente foram ter um efeito decisivo durante o próximo conflito bélico, a Segunda

Grande Guerra.

Portanto, o desenvolvimento estratégico do poder aéreo durante a Primeira

Guerra Mundial acompanhou os avanços técnicos da aeronáutica. Devido a maior

autonomia das aeronaves, elas poderiam agora serem utilizadas em missões em

profundidade no território inimigo, ao bombardear alvo industriais, sistemas de

transporte, de energia ou mesmo, sob a perspectiva dos teóricos do poder aéreo,

dimensões mais “abstratas”, como o moral do inimigo, ao se posicionar contra alvos

civis. Mesmo tendo um papel incipiente ou mesmo irrelevante na Primeira Guerra

Mundial, o uso estratégico do poder aéreo serviu como experiência para as futuras

guerras, como ficará evidente na Segunda Guerra Mundial.

Foi justamente na Segunda Guerra Mundial que o emprego estratégico do poder

aéreo encontrou sua forma mais devastadora e ostensiva. A estratégia incluía desde

23 HOWARD, Michael. O Conceito de Poder Aéreo: Uma Avaliação Histórica. Air Space Power

Journal, 4o. Trimestre, 1996, p3. Disponível em

http://www.airpower.maxwell.af.mil/apjinternational/apj-p/1996/4tri96/howard.html. Disponível

19/02/2016. Sobre o de bombardeio de terror durante a Primeira Guerra Mundial, Howard diz “A

possibilidade de fazê-lo fora, certamente, prenunciada por profetas da guerra aérea como H. G. Wells,

antes mesmo que existissem os mecanismos para isso, e os alemães já tinham feito uma tentativa abortada

de consegui-lo com seus ataques de Zeppelin à Inglaterra, em 1915.” (Ibid., p.3).

25

manobras no interior do território inimigo, ao atingir estruturas industriais, de

transporte e energia, até mesmo táticas de terror, nos bombardeios dirigidos a alvos

civis. Além disso, ela combinava o uso maciço de aeronaves de bombardeio e caça

convencionais com o lançamento dos primeiros aviões a jato e dos primeiros mísseis

balísticos. Deve-se contar também o uso dos artefatos atômicos em 1945, como se verá

a seguir.

Figura 3 – Aeronave de bombardeio da USAF B-17 Flying Fortress, “Fortaleza

Voadora” da empresa Boeing. Conhecida por ser a aeronave que lançou a maior

quantidade de bombas durante a campanha dos EUA contra a Alemanha durante a

Segunda Guerra Mundial, assim como a primeira bomba atômica em Hiroshima.

Fonte: USAF (1942)

Concernente a evolução técnica, mesmo havendo um grande número de

lançamento de novos vetores tecnológicos, especialmente pela indústria alemã, ainda

assim a utilização maciça de aeronaves e bombas convencionais foram peças chaves

para o resultado final da guerra. O bombardeio maciço e sem trégua a alvos civis foi

uma característica marcante da Segunda Grande Guerra.

26

Figura 4 - Aeronave alemã de múltiplos usos Messerschmitt 109E. Na história

da aeronáutica foi a aeronave caça mais produzida até hoje, com mais de 30.000

unidades produzidas durante a Segunda Guerra Mundial.

Fonte: Museu de Guerra Australiano (1941)

Figura 5 - O Messerschmitt 262 foi o primeiro caça a jato desenvolvido. Mesmo

com uma maior capacidade técnica em comparação aos caças inimigos, sua entrada

tardia na guerra comprometeu seu potencial em função da ofensiva aérea dos aliados.

Fonte: Museu da USAF (ano desconhecido)

27

Figura 6 – Míssil balístico V-2, sigla em alemão para Vergeltungswaffe, “arma

de represália”, capturado pelos EUA e levado para o Campo de Teste de Mísseis White

Sands, no Novo México. Durante a Segunda Guerra Mundial, o V-2 foi lançado em

vários pontos da Alemanha tendo como principal alvo a Inglaterra.

Fonte: US Navy (Marinha dos Estados Unidos) (1946)

28

Figura 7 – Réplica da Fat Man, lançada em Nagasaki em 1945. O nome da

segunda bomba atômica lançada sobre o Japão faz alegoria à anterior de menor potência,

Little Boy, lançada em Hiroshima.

Fonte: US Armed Force (Forças Armadas dos Estados Unidos) (data desconhecida)

Essa nova modalidade de guerra inaugurou um contexto em que as fronteiras

entre as linhas de combate dos exércitos e das forças navais eram ultrapassadas pela

aviação militar, que agora detinha uma autonomia de voo muito maior do que aquela

que possuía na Primeira Guerra Mundial, pois contava também com os mísseis

balísticos lançados no solo e com um raio de alcance de centenas de quilômetros.

Por essa razão, tanto as aeronaves quanto os mísseis balísticos (no caso, de

monopólio alemão) dispunham de poder técnico suficiente para levar a guerra para o

interior das nações de forma maciça.

Essa distinta característica de guerra, possibilitada pelo avanço técnico do poder

aéreo, necessariamente trouxe uma maior complexidade para as estratégias de defesa e

segurança das nações, que tinham agora que elaborar respostas e se adaptar aos novos

desafios que a invasão do espaço aéreo impunha à guerra convencional.

Nessa perspectiva, a partir da Segunda Guerra Mundial, o emprego estratégico

do poder aéreo se tornou ferramenta indispensável para qualquer planejamento militar,

pois o uso de aeronaves possibilitou um amplo espectro de atuações no interior da nação

29

inimiga, como, por exemplo, o corte de suas linhas de suprimento, a destruição de

depósitos de munições, de equipamentos e de víveres, ou mesmo a destruição de suas

estradas, pontes e linhas de trem, além de contar também com o bombardeio à

instalações militares, industriais e, num contexto de guerra total, o bombardeio a bairros

densamente povoados. O poder aéreo possibilitou também o uso de aeronaves nos

mares, não somente contra navios e porta-aviões, mas também no lançamento de minas

aquáticas. Com o avanço técnico, passou-se a utilizar aeronaves também na detecção e

ataque a submarinos. 24

As consequências do uso ostensivo de aeronaves de combate durante a Segunda

Guerra Mundial trouxeram ao mundo do pós-guerra a necessidade de elaboração de

novas estratégias que incluíssem projeções do emprego desses novos armamentos. É

sobre esse contexto de reelaboração que o general Oswaldo Cordeiro de Faria, primeiro

comandante da ESG (Escola Superior de Guerra), criada em 1949, diz que a expressão

“segurança nacional” não existia até 1939.

Antes disso, os círculos militares discutiam desafios de “defesa nacional”: no

caso de uma hostilidade estrangeira vinda do oceano atlântico por embarcações e navios,

por exemplo, seriam estabelecidas as guarnições dos portos das principais cidades,

precauções seriam tomadas em relação ao desembarque de tropas inimigas em locais

remotos do litoral, mas pouco se discutia sobre as incursões de aeronaves, que somente

eram utilizadas como forças de apoio às forças terrestres e marítimas.25

Portanto, diferentemente da primeira Lei de Segurança Nacional decretada em

04 de abril de 193526, que trata essencialmente de crimes contra a ordem pública e

social, ou seja, desafios internos, assim como a posterior Doutrina de Segurança

Nacional elaborada pelos estrategistas da ESG, que se ocupavam em grande medida a

lidar com a influência comunista em questões externas e internas, a expressão

“segurança nacional” também se aplica nas transformações estratégicas relacionadas à

ameaças externas, fruto da experiência e do pensamento militar brasileiro sobre a guerra

total e sua complexidade.

24 É consenso entre vários autores que estudam o emprego do poder aéreo na Segunda Grande Guerra

que o uso maciço de aeronaves foi o fator determinante na resolução conflito. Dentre esses autores, pode-

se considerar os trabalhos de Howard (1996), Fadok, Boyd e Warden (2001), Motta (2001), Oliveira

(2007) e Siqueira (2012), 25 REZNIK, Luís. Democracia e segurança nacional: polícia e política no pós-guerra. Rio de Janeiro:

FGV, 2004. 26 Ver a lei no sítio do Palácio do Planalto. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1930-1949/L0038.htm Acesso em: 23/032016.

30

Nesse quadro de revisão estratégica de guerra podemos contar também com a

criação do Ministério da Aeronáutica em 20 de janeiro de 1941 e no destacamento da

Força Aérea Brasileira como força singular em relação ao Exército e à Marinha, pois,

antes disso, o pessoal, as aeronaves, as instalações e as tradições estavam incorporadas

à arma da Aeronáutica do Exército e ao Corpo de Aviação Naval.

Os pilotos de guerra brasileiros que lutaram ao lado dos combatentes da Força

Aérea dos Estados Unidos atuaram nos céus da Itália com duas Unidades: o 1o Grupo

de Aviação de Caça, o “Senta Pua!”, e a 1o. Esquadrilha de Ligação e Observação que

teve o cognome de “Olho Nele!” subordinada à FEB (Força Expedicionária Brasileira)

e diretamente ligada à Artilharia Divisionária, comandada pelo general Oswaldo

Cordeiro de Faria.27

Por conseguinte, discutir um programa de “defesa nacional” se mostrava

insuficiente, pois guerra agora poderia ser levada ao interior das nações. Em um

contexto de “guerra total”, cidades inteiras a centenas de quilômetros dos fronts

poderiam ser destruídas por incursões que muitas vezes contavam com milhares de

aeronaves. Casos marcantes como o de Hiroshima e Nagasaki foram acompanhados

também pela destruição de Dresda (Dresden) e tantas outras cidades que, no clímax da

guerra, foram transformadas em verdadeiros escombros. 28

Essas novas estratégias inauguraram uma maior complexidade nos teatros de

guerra que agora iam muito além das fronteiras. Nesse novo paradigma a população

necessariamente teria de se envolver: além do racionamento de víveres, as projeções de

novos contextos bélicos demandam a construção de abrigos subterrâneos, a disciplina

em manter as luzes das casas apagadas à noite para dificultar sua localização, a criação

de equipes contra incêndio e de busca e salvamento sobre escombros, etc.

Por conseguinte, percebe-se que é sob tal contexto histórico que os fenômenos

relacionados a objetos aéreos não identificados, sob o ponto de vista militar, estão

ligados sincronicamente à proeminência da guerra aérea, no uso ostensivo de aeronaves

do tipo caça e principalmente de bombardeio que ocorreram durante a Segunda Grande

Guerra.

O contínuo avanço técnico dos engenhos relacionados às aeronaves, os radares,

os sistemas de defesa, os mísseis balísticos transatlânticos, assim como às ogivas

27 LIMA, R. M. Senta a pua! Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980. 28 GADDIS, J. L. História da Guerra Fria. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p.54.

31

nucleares acopladas a estes perfazem os meios pelos quais a guerra aérea se torna tema

crucial para as novas possibilidades de conflito e as estratégias neles envolvidas.

1.2 O avanço tecnológico do poder aéreo na Guerra Fria

Outra questão pertinente ao contexto do confronto aéreo que ocorre logo no pós-

guerra era a discrepância cada vez mais acentuada entre os EUA, a URSS e as demais

nações menos poderosas quanto ao desenvolvimento de novos vetores. A febril corrida

pelo desenvolvimento de mísseis balísticos intercontinentais e artefatos nucleares a

estes acoplados criou uma ruptura tecnológica durante a Guerra Fria.

Ainda assim, esse novo contexto de distanciamento tecnológico foi

acompanhado passo a passo com inúmeros outros projetos secretos, especialmente

relacionados a aeronaves de tecnologia espacial. No entanto, é interessante notar que

esses projetos haviam sido impulsionados pelo desmonte da indústria alemã e a

consequente captura de seus projetos e pessoal técnico científico.

Sobre o papel pioneiro da Alemanha como nação desenvolvedora de tecnologia

durante a Segunda Guerra Mundial, Rolim descreve, após a derrota desse país, a forma

como essas tecnologias mais tarde foram incorporadas à URSS e aos EUA. Pode-se

citar, os motores a jato, os mísseis e os foguetes que acabaram sendo aproveitadas por

essas duas grandes nações.

Foram conduzidas operações militares durante e logo após a Segunda

Guerra pelos Aliados para destruir e capturar o que restou da

capacidade militar alemã naquele campo (...) Técnicos, engenheiros e

cientistas alemães, bem como foguetes e mísseis (montados e / ou

desmontados), e blueprints (planos ou esquemas detalhados)

capturados foram todos enviados aos Estados Unidos para serem

aproveitados no incipiente programa naquele campo que existia do

outro lado do Atlântico. 29

Por conseguinte, o poderio militar das duas grandes potências vencedoras era

inquestionavelmente superior em comparação com o do restante do mundo, a despeito

inclusive da Inglaterra que devia grande parte de sua campanha na Segunda Grande

Guerra aos EUA e demoraria para se erguer agora em um mundo com novo equilíbrio

de poder.

29 ROLIM, Tácito. Brasil e Estados Unidos no contexto da “Guerra Fria” e seus subprodutos: Era

Atômica e dos Mísseis, Corrida Armamentista e Espacial, 1945-1960. Rio de Janeiro: UFF, 2012, p. 19.

32

No entanto, é interessante notar o vetor tecnológico que faz do quadro político

do pós-guerra um tempo histórico de uma guerra fria: é mais o impedimento do uso de

armas de destruição em massa, devido a autodestruição mútua, do que o cisma político

e ideológico entre capitalismo e comunismo que “esfria” a possibilidade de uma nova

guerra total.

É nesse sentido que Tácito Rolim afirma: “o selo da importância estratégica na

“Guerra Fria” é dado pelas armas atômicas (...) e não pela ideologia política. Uma ilha

apinhada de comunistas a 50 km dos Estados Unidos só representou uma ameaça

concreta quando mísseis atómicos foram enviados para lá”.30

Essa nova tecnologia, que trouxe em si um fator de igualdade de aniquilamento,

foi capaz de unir as lideranças das nações ocupadas em negociar os limites resultantes

desse novo equilíbrio de poder. Segundo Gaddis, a possibilidade de destruição mútua

fez com que lideranças bastantes diferentes concordassem com postulados comuns, já

que “uma vez que uma guerra com emprego de armas nucleares poderia destruir o que

pretendia defender”, essa guerra não poderia ocorrer.31

A Guerra Fria teve somente duas potências, porque todas as demais estiveram

exauridas e tampouco desenvolveram armamentos nucleares. As demais nações que

outrora eram poderosas, independente de terem encerrado a guerra no lado vencedor ou

no perdedor, saíram totalmente exauridas do conflito. É nesse sentido que Henry

Kissinger afirma que “apenas dois poderes (...) possuem o monopólio do poderio militar.

Na verdade a distância, em poderio militar, entre os dois países nucleares e o resto do

mundo tende a aumentar do que a se reduzir no referido período.” 32

Juntamente com os primeiros relatos de objetos aéreos não identificados que

ocorreram durante a Segunda Guerra Mundial, ocorria também o desenvolvimento

desenfreado de novos vetores de tecnologia aérea, tendo como pioneira a indústria

bélica alemã. As primeiras notícias de estranhos objetos aéreos presumivelmente

identificados como artefatos secretos alemães, mas que não foram confirmados como

tal, ocorreram durante os maciços bombardeios na Europa nos anos finais da guerra,

como foi exposto na primeira parte desse capítulo nas referências de Jung e Hérnandez

sobre os foo-fighters.

30 Ibid., p. 169. 31 GADDIS, 2001, p.62. 32 KISSINGER, 1969, p. 57.

33

No entanto, Suenaga também registra no lado japonês e no lado alemão

referências oficiais sobre observações dos foo-fighters, que eram apontados como de

tecnologia aliada, durante a Segunda Guerra Mundial. Segundo o autor

Um bombardeiro B-24 foi seguido por uma formação de quinze foo

fighters. A tripulação de um B-29, em missão de bombardeio sobre o

Japão, também os avistou. Nessa época, os alemães travavam suas

derradeiras batalhas, e os estranhos objetos pareciam um recurso

desesperado. Com o término da guerra, o mistério agravou-se. Os

Aliados examinaram os documentos inimigos e constataram que os

alemães e os japoneses tinham ficado igualmente intrigados com o

que para eles eram armas secretas ocidentais. As explicações

estenderam a plausibilidade até o limite, já que é altamente

improvável que um número tão grande de pilotos, de ambos os lados,

pudessem ter sido afetados por alucinações. Os foo fighters

continuaram a aparecer durante todo o ano de 1946. Tripulações de

bombardeiros que sobrevoaram o Pacífico e militares que lutaram nas

guerras da Coréia e do Vietnã, reportariam fenômenos semelhantes.

Os ingleses, preocupados, chegaram a formar uma comissão, sob o

comando do tenente-general Massey, para determinar sua origem. Os

nazistas, que chamavam os foo fighters de krauts fireballs,

constituíram outra em 1944. Os inquietantes informes procedentes dos

pilotos da Luftwaffe, instaram a criação do “Sonder Büro no 13”, cujas

atividades se ocultaram sob o nome em código de “Operação Uranus”.

Integravam a Base Especial no 13, oficiais da aviação, engenheiros

aeronáuticos e conselheiros científicos ligados ao Estado-Maior

Superior do Exército do Ar. 33

Como já mencionado, a Segunda Grande Guerra trouxe um grande avanço

tecnológico. A guerra não foi travada somente nos campos de batalha, mas inclusive

em laboratórios em que eram experimentadas novas armas em sigilo absoluto. Vários

engenhos até então desconhecidos eram lançados com uma grande preocupação de não

serem capturados pelo inimigo.

Era comum na guerra a mobilização de cientistas e técnicos no estudo e na

engenharia reversa dos arsenais que eram capturados. Certamente podemos supor que

com esses fenômenos dos “caças de fogo” ocorrera algo similar. A origem deles é

atribuída ao inimigo, como uma arma secreta, ainda que, devido a suas evidências

visuais, das luzes aéreas, e de seu comportamento furtivo, que acompanhavam os

bombardeios e logo sumiam, produziam relatórios desconcertantes, pois os seus efeitos,

como arma, ficaram ainda sob suspenso.

33 SUEAGA, C. T. A Dialética do Real e do Imaginário: Uma Proposta de Interpretação do

Fenômeno OVNI. 1999. 396 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Estadual Paulista,

Assis, São Paulo, 1999, p.10.

34

Nesse sentido, esses primeiros relatos de objetos aéreos não identificados na

Segunda Guerra Mundial fazem referência a esses contextos de lançamento de novos

vetores, mesmo mantendo as características psicológicas do fascínio e ao mesmo tempo

do receio do encontro com aquilo que desconhecemos a origem.

Por mais que essas referências possam sugerir que os objetos aéreos não

identificáveis eram investigados tanto pelas nações Aliadas quanto pelas do Eixo, os

alemães, como pioneiros em inovações tecnológicas, tiveram vários de seus projetos

assimilados posteriormente pela indústria estadunidense e soviética. Projetos esses que,

em alguns casos, muito se assemelhavam com o design e características de voo de Oanis.

O arsenal secreto alemão, mesmo tendo lançado várias tecnologias utilizadas na

guerra, como os primeiros aviões a jato e mísseis balísticos, teve de ser abandonado e

deixado para trás como espólio de guerra. Foram abandonados inúmeros projetos

nascentes que não foram destruídos antes de serem capturados, juntamente com

cientistas, engenheiros e técnicos. Sobre essa questão, o chefe do projeto Blue Book,

da força aérea norte-americana, Ruppelt, diz que

Ao fim da Segunda Guerra Mundial, os alemães trabalhavam em

diversos tipos radicais de aeronaves e mísseis teleguiados. A maioria

dos projetos encontravam-se nos estágios preliminares, mas eram os

únicos conhecidos que se aproximavam das características de voo dos

OVNIs. Assim como os Aliados depois da Segunda Guerra Mundial,

os soviéticos obtiveram dados completos dos mais recentes inventos

alemães. Os rumores de que os russos desenvolviam febrilmente as

ideias alemãs provocaram não pouco alarme. À medida que novas

observações se processavam nas proximidades do campo de provas

do Exército em White Sands, onde se fabricavam bombas atômicas, a

Air Technical Intelligence Center (ATIC) redobrava seus esforços nas

pesquisas. 34

Outro ponto de discussão pertinente é a questão dos relatos, de ambos os lados

em guerra, sobre objetos aéreos não identificados, os foo-fighters discutidos pelos

Aliados e os krauts-fireballs pelos alemães.

Por mais que existam referências sobre a criação dessas comissões de

investigação sobre Oanis em ambos os lados da guerra, como aponta Suenaga, deve-se

estar aberto para a possibilidade dos alemães estarem construindo projetos secretos que

só eram conhecidos por um público restrito. Por essa razão, os informes dados pelos

pilotos da Luftwaffe sobre as krauts fireballs podem fazer referências a armas secretas

alemãs desconhecidas pela maioria de seus pilotos e oficiais.

34 RUPPELT apud., SUENAGA, 1999, p.12.

35

Em uma referência acerca desses projetos pioneiros, Suenaga diz:

Os alemães produziram uma máquina voadora em forma de disco, de

perfil baixo, alcunhado de Feuerball (Bola de Fogo), usada como

dispositivo anti-radar e arma psicológica contra os Aliados. Uma

versão melhorada, o Kugelblitz, projetado por Rudolph Scriever e

montado numa fábrica da BMW perto de Praga, em 1944, tornou-se o

primeiro avião capaz de pousar e decolar verticalmente. Seu primeiro

voo ocorreu em fevereiro de 1945 sobre o complexo subterrâneo de

pesquisas de Kahla, na Turíngia, Alemanha, uma área montanhosa

onde, de acordo com informações confidenciais, Hitler pretendia

construir seu último bastião, guardado pelas últimas armas secretas

que Herman Wilhelm Göring, comandante da Luftwaffe, vinha lhe

prometendo. Uma notícia filtrada no Ocidente em 17 de abril de 1944,

dizia que os técnicos nazistas tinham construído o V-7, um objeto em

forma de disco, nos laboratórios do 10o Exército em Essen, Dortmund,

Stettino e Peenemunde, locais em que se efetuaram as primeiras

experiências com as V-1 e V-2.35

Os mísseis balísticos V-1 e V-2 foram importantes porque esses dois projetos,

especialmente o V-2, adaptados à indústria soviética e à norte-americana, propiciaram

a construção não apenas dos mísseis intercontinentais, a que foram acopladas ogivas

nucleares, mas também dos foguetes espaciais. Da tecnologia alemã adaptada à

indústria norte-americana e soviética, ao lado das aeronaves à jato, os mísseis balísticos

V-1 e V-2 são os mais conhecidos, tendo o cientista e engenheiro Werner von Braun

um papel de destaque nessa questão, já que ao projeto do V-2 é dada a sua autoria.

Werner von Braun, erradicado nos EUA logo no início pós-guerra, apenas ficaria

conhecido como o “pai” dos foguetes espaciais depois do sucesso de sua carreira na

Nasa.

É interessante ressaltar também a possibilidade de que os norte-americanos e os

soviéticos assimilaram projetos menos conhecidos, especialmente em relação àqueles

que desenvolviam tipo radicais de aeronaves. Essa discussão pode nos transportar para

a possibilidade dos EUA e da URSS terem desenvolvido por meio do desmonte da

indústria alemã não só mísseis balísticos e aviões a jato, como é largamente conhecido,

mas também aeronaves que carregam semelhança em formato e características de voo

atribuídos a Oanis, a exemplo da aeronave Sack AS 6, da Luftwaffe.

35 Ibid., p.11.

36

Figura 8 – Desenho do protótipo da aeronave Sack AS 6. Ressalta-se sua forma

discoide e sua analogia com um “disco voador”. 36

Fonte: MYHRA, David (2012)

Nos EUA, durante a Segunda Guerra Mundial, fora testada uma aeronave

similar conhecida como Vought XF5U, da empresa Vought, pioneira na construção de

aeronaves no país. Com uma única asa em forma discoide, com duas hélices e

constituída de aço, a produção da aeronave fora abandonada em 1947 devido aos novos

modelos a jato que estavam sendo desenvolvidos. Os modelos a jato conferiam maior

estabilidade durante o voo e, já que esse era o principal problema da Vought XF5U,

impuseram-se diante dos demais modelos.

36David Myhra possivelmente é o historiador que mais publicou livros sobre as aeronaves alemãs

desenvolvidas durante a Segunda Grande Guerra, tanto sobre aquelas que ficaram apenas em projetos,

quanto as que foram criadas e utilizadas na guerra. MYHRA, David. Sack AS 6: Source of Nazi

Germany UFO Claims? RCW Technology S&S, e-book, 2012. Disponível em:

http://www.amazon.com/Sack-Source-Nazi-Germany-Claims-ebook/dp/B008QQYKGU. Última visita:

23/02/2016.

37

Figura 9 – Aeronave de única asa discoide Vought XF5U.

Fonte: Smithsonian National Air and Space Museum (data desconhecida)

Por mais que sua produção tenha sido interrompida devido a problemas técnicos

de estabilidade em voo, juntamente com o fato de que os modelos a jato suscitarem um

maior interesse de produção devido a sua velocidade, potência e segurança, ainda assim

outro projeto secreto que fora desenvolvido pela USAF era capaz de reunir as duas

características – uma aeronave em formato discoide e movida a turbinas à jato e de

propulsão vertical. Sobre essa aeronave Suenaga disserta:

A USAF divulgou à imprensa em 1954 diferentes concepções

artísticas de um disco voador ultrassecreto que estava sendo

aperfeiçoado em parceria com a fábrica canadense Avro. A máquina

era equipada com uma turbina para ascensão vertical, que mudava a

direção do voo expelindo o sopro do motor na direção desejada

através de orifícios na periferia. A cortina de segredo foi descerrada

em meados de 1957, quando liberaram o disco Avro ao público.

Seguiram-se meses de testes razoavelmente satisfatórios, até serem

oficialmente interrompidos. 37

37 SUENAGA, 1999, p. 51.

38

Figura 10 – A aeronave Avro Canada VZ-9 teve grande potencial de ter sido

confundida com um Oani durante seus testes nos EUA.

Fonte: Museu da USAF (ano desconhecido)

Nesse sentido, Suenaga aponta que o governo estadunidense utilizou o projeto

da aeronave como forma de alegar que as observações de Oanis na época não passavam

de testes de engenhos secretos. No entanto, já em 1960, fora declarado que o projeto

já não era satisfatório, pois “o disco se elevava a uns poucos pés de altura do solo, que

sua velocidade máxima era de uns escassos 50 km/h e que era de difícil controle. A

USAF despendeu US$ 10 milhões no projeto antes de finalmente cancelá-lo.”38

A USAF desenvolveu outro projeto aeronáutico, agora de tecnologia stealth,

parcialmente invisíveis a radares, o que faz uma notável conexão com o projeto alemão

da Segunda Guerra Mundial. Tendo seus primeiros testes em 1981, o avião F117

Nighthawk, da empresa Lockheed Corporation, tem um formato anatômico semelhante

ao projeto Horten 2-29 movido a jato da Luftwaffe.

38 Ibid., p. 51.

39

Figura11 – Note que o F-117, primeira aeronave de tecnologia stealth dos EUA,

tem em sua forma vários ângulos que refletem ondas eletromagnéticas.

Fonte: ALLMON Aaron, (2002)

Na Iugoslávia, no dia 27 de março de 1999, durante a Guerra do Kosovo (1998-

1999), uma aeronave F-117 fora abatida por um míssil terra-ar do Exército da

Iugoslávia, que detinha antigos radares soviéticos.

Figura 12 - Desenho artístico da aeronave Horten 2-29.

Fonte: MYHRA David, (1999)

40

Figura 13 – Protótipo sem asas da Horten 2-29 capturada pelos EUA.

Fonte: LONG Erick, (2009)

A aeronave alemã da Segunda Guerra Mundial Horten 2-29 é tida como a

primeira aeronave desenvolvida com uma tecnologia antirradar. Pode ter servido nos

EUA na engenharia reversa de outros projetos de aeronaves antirradar all-wing

(modelos que seguem a forma de uma asa inteira), a aeronave antirradar da USAF B-2

Spirit é a que mais se assemelha ao design da Horten 2-2.

Figura 14 – Aeronave de bombardeio antirradar B-2 Spirit.

Fonte: USAF (ano desconhecido)

41

No ano de 2009, o canal de televisão National Geographic produziu o

documentário que acompanhou a recriação do modelo Horten 2-29 por uma equipe de

especialistas em aeronaves antirradar. A Northrop Grumman utilizou arquivos originais

do projeto da aeronave, arquivos esses liberados pelo governo, além do único exemplar

capturado pelos EUA, a fim de recriar o engenho, objetivando que sua capacidade

antirradar fosse colocada à prova.39

A capacidade antirradar se daria não só pelo seu design de “asa voadora”, que,

devido à ausência de protuberâncias verticais, produziria assinaturas menores aos

radares. A tecnologia stealth das aeronaves era obtida, também, em função da

porosidade de sua estrutura, que contava com várias camadas de pó de carvão coladas

a finas placas de madeira que poderiam absorver parte das ondas eletromagnéticas

emitidas pelos radares que não receberiam a resposta do sinal emitido, o que poderia

dificultar a detecção da aeronave.

Figura 15 - Momentos finais na construção da aeronave Horten 2-29.

Fonte: National Geographic, (2009)

39 National Geographic. Hitler’s Stealth Fighter, 2009. Disponível em:

http://channel.nationalgeographic.com/video/?tab=all&sort=recent&filter=all&q=Hitler's%20stealth%

20Fighter. Última visualização: 25/02/2016. O documentário encontra-se disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=MqgfjXaJxV8. Última visualização: 25/02/2016.

42

Figura 16 – Aeronave Horten 2-29 em campo preparada para o teste.

Fonte: National Geographic (2009)

O teste produzido pela Northtrop, que elevou a aeronave sobre um grande pilar

mantendo-a estática para conferir suas assinaturas de radar, concluiu que o Horten 2-

29, caso fosse utilizado na época de sua produção original, poderia dificultar seriamente

os sistemas de radares ingleses utilizados durante a Segunda Grande Guerra. No entanto,

sua eficácia contra os radares dos dias atuais fora contestada. Mesmo hoje, por mais

que tecnologia stealth dificulte a detecção de aeronaves, ainda assim, a depender dos

sistemas de radares, elas podem ser detectadas e consequentemente abatidas por

sistemas de defesa antiaéreo, como ocorrera na Iugoslávia em 1999.

Nessa síntese sobre o desenvolvimento de diferentes tipos de aeronaves no

século XX, pode-se observar não um contexto em que diferentes projetos secretos

serviram de base para a criação de tipos radicais de aeronaves. De certa maneira, essas

aeronaves não convencionais poderiam ser confundidas com Oanis, já que, por um bom

tempo, elas faziam parte de projetos secretos que somente mais tarde vieram ao

conhecimento público.

43

Nesse sentido, é interessante ressaltar que existe uma estreita relação entre as

ondas de relatos sobre Oanis nos EUA e o desenvolvimento e consolidação da indústria

bélica e espacial das duas grandes potências durante a Guerra Fria. Sobre isso, Suenaga

afirma

Simultaneamente aos lançamentos do primeiro satélite artificial da

Terra, o soviético Sputnik em 4 de outubro de 1957, e do primeiro

satélite orbital norte-americano, o Explorer em 31 de janeiro de 1958,

registraram-se um grande número de avistamentos de OVNIs. As

principais ondas ocorrem nos anos de intensas atividades missilísticas

e sobretudo espaciais.40

Ainda assim, Suenaga explora a questão do envolvimento dos EUA no

acobertamento de seus projetos secretos ao se utilizar do relato sobre observações de

Oanis como forma de despistar os testes desses projetos. Essa discussão nos remete ao

complexo envolvimento dos EUA com sua indústria bélica, projetos secretos e a

utilização política e midiática dos Oanis como forma de acobertamento desses projetos.

Indo além, Suenaga aponta que a política de secretismo dos EUA levou o

governo estadunidense a se aproveitar dos numerosos relatos de Oanis vinculados pela

imprensa durante a Guerra Fria como forma de desviar a atenção do público para seus

próprios projetos secretos, o que contribuiria também para despistar a atenção da

espionagem soviética. Em alguns projetos secretos de aeronaves estadunidenses, o

governo propositalmente utilizava o sensacionalismo midiático sobre Oanis, na época

mais conhecidos como “discos voadores”, a fim de que fossem confundidos com algo

misterioso e desconhecido.

Por décadas, a indústria caseira dos OVNIs prosperou na suposição de

que o governo norte-americano ocultava a presença de extraterrestres.

A CIA veio a público no início de agosto de 1997 e admitiu que as

autoridades do seu país mentiram deliberada e sistematicamente

acerca dos OVNIs vistos nas décadas de 50 e 60, que não passavam,

na maioria dos casos, de aviões espiões U-2 e SR-71 Blackbird. Para

esconder dos russos a existência das aeronaves, espalharam falsos

relatórios atribuindo-lhes origem extraterrestre, quando não os

enquadravam na categoria de fenômenos naturais (ilusões de ótica

provocadas por cristais de gelo, inversões de temperatura, etc.).41

Como consequência, a questão que envolve a influência de vetores tecnológicos

como fatores de complexidade em relação as estratégias militares do século XX não se

limitam apenas às possibilidades do emprego estratégico do poder aéreo convencional,

40 SUENAGA, 1999, p. 54. 41 Ibid., p.58.

44

mas fazem referência também ao lançamento de novos vetores tecnológicos oriundos

das indústrias militares das grandes potências.

Nesse novo contexto de desenvolvimento da aviação de combate e de

espionagem, a política de sigilo em relação às novas tecnologias que eram

desenvolvidas incluía também, como forma de despiste, a utilização dos Oanis como

máscara para projetos secretos. Como corolário, esses elementos fazem parte de um

contexto de distanciamento tecnológico que, de forma veloz e de aceleração

ininterrupta, criou um hiato entre as grandes potências mundiais em relação as demais

nações. Havia muitas possibilidades de suspeitas sobre os objetos aéreos não

identificados, e uma delas, certamente, recaía sobre vetores tecnológicos das grandes

potências mundiais.

1.3 Os Oanis como um desafio de segurança no Brasil

Como foi visto na primeira e segunda parte desse capítulo, o desenvolvimento

da aviação de combate em todo o século XX inaugurou novas formas de se fazer a

guerra. Em uma incipiente acepção, já na Primeira Guerra Mundial, a aviação de

combate fora crucial para o desfecho da Segunda Grande Guerra, havendo, nesse

conflito, o lançamento inúmeros projetos tecnológicos de destaque.

No pós-guerra, a questão tecnológica fez-se proeminente no novo equilíbrio de

poder que se inaugurava entre as duas superpotências. Elas dispunham de grandes

recursos e de pessoal especializado. Engenheiros, técnicos, cientistas, assim como os

projetos, da Alemanha derrotada contribuíram na construção de novas tecnologias que

combinariam agora o poder aéreo com o poder espacial.

Presumivelmente, esse novo contexto de discrepância tecnológica fazia com

que os militares de outras nações, que não detinham esses recursos, suspeitassem de

que qualquer coisa não identificada nos céus fosse rapidamente associada a um vetor

secreto ou soviético, ou estadunidense.

Como exemplo dessa suspeita, em uma entrevista feita no ano de 2010 pela rede

SBT sobre os arquivos secretos liberados pelo governo, o ex-comandante do Comdabra

(Comando de Defesa Aeroespacial) e brigadeiro da reserva José Carlos Pereira, um dos

responsáveis pela reorganização e liberação de vários documentos, nos dá um exemplo

acerca dessa suspeita nos meios militares:

45

Pergunta o repórter Roberto Cabrini – “Porque durante tanto tempo

essas informações ficaram sob sigilo?” “Olha, isso nós temos que

voltar após a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria, onde todo e

qualquer aparição, qualquer fenômeno estranho que acontecesse no

planeta, sempre era visto como uma arma soviética ou uma arma

secreta americana.” Repórter – “Mas existe a noção de que durante

muito tempo a aeronáutica tentou esconder informação sobre

ufologia, sobre objetos voadores não identificados, o senhor sabe

disso?” “Claro, e o mundo todo fazia isso.” “E o senhor tentou

esconder” “Tentei não, eu escondi.” “Porque?” “Porque era necessário

para a segurança nacional que isso fosse escondido.” (Transcrição do

Autor). 42

Por meio desse depoimento, pode-se considerar que existia no meio militar

brasileiro a suspeita de que certos fenômenos concernentes a Oanis estavam

relacionados a tecnologias soviéticas ou norte-americanas e, juntamente a essa suspeita,

havia a necessidade de se manter sigilo sobre os documentos que acompanhavam a

detecção e relato desses objetos.

Essa discussão necessariamente é transposta para as estratégias militares que

lidam com a invasão do espaço aéreo, com a defesa a informação e, em especial, com

a contraespionagem. Nessa situação, o sigilo de documentos que fazem referência a

essas situações ganha o status de pertencer às sensíveis questões relacionadas à

segurança nacional.

A própria política de sigilo do Estado brasileiro sobre documentos relacionados

a Oanis é um exemplo a mais sobre a questão desse assunto ser tratado como um desafio

de segurança nacional. Isso pode ser observado inclusive no processo de

desclassificação desses documentos. Desde o ano de 2005, os documentos vinculados

aos Oanis foram organizados e passaram por um processo de liberação gradual de

vários malotes por décadas. Os primeiros malotes liberados foram os dos anos 50.

No entanto, a liberação gradual desses arquivos indica, além de uma certa

dificuldade em se organizar uma documentação provavelmente esparsa em várias

instituições militares, uma espécie de censura, agravada ainda pelo fato de que em 1977

foi baixado o decreto 79.099, que permitia a destruição de arquivos sigilosos. Ainda

assim, segundo o coronel da Aeronáutica Alexandre Emílio Spengler, responsável pelo

Serviço de Informações ao Cidadão do Ministério da Defesa, muitos desses documentos

42 Rede SBT, Conexão Repórter: Ovnis Arquivo Secreto. 2010. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=kXnN8e5yiiI. Acesso em 23/03/2016.

46

são mantidos em sigilo justificado pelo fato de serem assuntos relacionados à segurança

nacional, classificados como secretos e ultrassecretos. 43

Nesse sentido, pode-se considerar uma situação em que, por exemplo, um vetor

tecnológico não identificado poderia testar nossa capacidade de reação à invasão do

espaço aéreo por meios, até então, não convencionais. Possivelmente se pode supor que

todos os esforços dos militares nacionais em acompanhar essas invasões teriam de ser

necessariamente sigilosos para que certas informações vitais acerca de nossa reação

sejam encobertas. Nesse contexto, a manutenção do grau de sigilo desses documentos

tenta dificultar o conhecimento da inteligência militar espiã sobre a reação de nossos

militares.

Se no contexto da Guerra Fria havia a possibilidade de manutenção do sigilo

devido às suspeitas de que certos Oanis pudessem fazer parte de algum armamento

sofisticado de uma superpotência mundial, essa mesma situação, num regime ditatorial

militar, envolvia um sigilo redobrado, uma vez que, em um regime centralizado, a

centralização dificultaria, inclusive, o vazamento de informações.

Ainda assim, persistem outras motivações para a manutenção de sigilo, nesse

caso, secundárias, como por exemplo o risco de se expor ao ridículo a que estão sujeitos

aqueles que narram experiências relacionadas a objetos aéreos não identificados é

certamente motivação para o sigilo dos documentos que fazem menção a esses objetos.

A motivação de sigilo que envolve a tentativa de se evitar se expor ao ridículo não

envolve apenas os documentos, mas especialmente os relatos oficiais e extraoficiais

acerca desses eventos.

Como derivação, existe a tentativa de se manter uma salvaguarda que está ligada

diretamente a um contexto psicológico e subjetivo de se evitar o risco de se expor ao

ridículo, que, usualmente, ocorrerem com todos aqueles que divulgam informações

sobre Oanis. Comumente relacionados com um imaginário de discos voadores,

pesquisadores excêntricos, fraudes científicas, extraterrestes e etc., divulgar

abertamente uma crença, uma informação pessoal ou mesmo um conhecimento acerca

de objetos aéreos não identificados é se arriscar a se expor a um tema comumente

tratado com desconfiança pela ciência e com sensacionalismo pelo meio jornalístico.

43 Acesse a entrevista com o coronel em: http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-04-

19/ministerio-da-defesa-e-ufologos-abrem-canal-para-troca-de-informacoes-sobre-ovnis. Último acesso

em 12/03/2016.

47

Para além do risco de ridicularização de um tema controverso e para além dos

desafios de segurança do espaço aéreo contra diferentes formas de espionagem e testes

de novas tecnologia não convencionais, existe uma motivação de sigilo que se relaciona

aos riscos de possíveis distúrbios sociais que poderiam decorrer de declarações oficiais

acerca de temas que já fazem parte de um imaginário coletivo e que poderiam ser

interpretados à revelia, sugerindo um apelo a interpretações sensacionalistas e possíveis

causadores de histeria coletivas.

Ainda assim, muitas vezes esses objetos surgem no espaço aéreo como um

tráfego não autorizado e, por esse motivo algo deve ser feito, inclusive como tentativa

de identificação. Nessas situações, essas presenças não identificadas podem ser

analisadas segundo uma suspeita de vetores tecnológicos provenientes de complexos

industriais militares de grandes potências, como analisa o brigadeiro José Carlos Pereira

em entrevista à Rede SBT.

Sobre essas suspeitas, durante os primeiros anos da Guerra Fria, existiram

referências que identificavam os Oanis a projetos soviéticos, como aponta Suenaga.

O temor de que os discos voadores fossem armas secretas russas não

se constituía um absurdo. Afinal, o cinema hollywoodiano, a serviço

do macartismo, alimentava a paranoia comunista, metaforizando o

perigo vermelho. O semanário Noite Ilustrada do Rio de Janeiro,

estampava na capa da edição de 5 de agosto de 1952 a seguinte

manchete: “Vêm da zona russa os discos voadores! Afirma o homem

que viu decolar um desses aparelhos, no setor leste de Berlim”. Com

exclusividade, a revista trazia aos leitores brasileiros a sensacional

reportagem de Antony Terry, correspondente em Berlim do jornal

Sunday Graphic de Londres, que a publicara em sua edição de 6 de

julho de 1952. Assistiram a decolage o ex-prefeito Oskar Linke,

foragido da zona ocupada pelos soviéticos na Alemanha, e sua

enteada. 44

Esse é apenas um exemplo do potencial que os Oanis tiveram em participar das

questões culturais que envolveram a Guerra Fria, tanto no tocante ideológico, quanto

no tecnológico, na acepção de que eles poderiam fazer parte de um engenho secreto de

uma superpotência.

Por conseguinte, o interesse de acompanhar o relato de Oanis sob o prisma da

tecnologia militar se deve à possibilidade de discutir esses relatos junto a um contexto

histórico. Nesse sentido, o interesse dos militares brasileiros com os Oanis não se dirige

apenas a questões reativas, como uma preocupação de defesa do espaço aéreo. Desde

44 SUENAGA, 1999, p.27.

48

1954 temos referências de que os militares nacionais dirigiram sua atenção sobre o

fenômeno dos Oanis com outras perspectivas. Sobre essas referências, Suenaga

prescreve

Por ordem da ESG, o coronel aviador João Adil de Oliveira, chefe do

Serviço de Informações do EMA (Estado Maior da Aeronáutica),

proferiu em novembro uma conferência na Escola Técnica do

Exército. Na plateia, o alto escalão das Forças Armadas __ inclusive o

chefe do EMA, brigadeiro Duncan, e o tenente-brigadeiro Eduardo

Gomes __, técnicos, cientistas e convidados credenciados. Oliveira

patenteou a posição do governo brasileiro: “Sendo apaixonante como

é, o problema dos discos voadores pode dar lugar a tudo o que se possa

imaginar como atitude face a eles. Afirma-se, duvida-se, nega-se,

havendo até aqueles que, comodamente, se recusam a tomar

conhecimento. [...] É que o ‘jogo’ é realmente perigoso e o terreno

escorregadio. Recomenda-se prudência, se quisermos dar um nome a

ela, usando um eufemismo.45 (Parênteses do Autor).

Na década de 1950, um dos militares interessados por esse tema era o então

coronel aviador João Adil de Oliveira, que, mais tarde, seria reformado como general.

Videira diz que o cel. Adil foi o chefe de uma primeira “Comissão de Investigação de

Discos Voadores” brasileira, criada por um ato do ministro da Aeronáutica na época, o

brigadeiro Eduardo Gomes. 46

Essa conferência demostra que o incipiente interesse dos militares nacionais

pelo fenômeno dos Oanis era visto não somente como um desafio relacionado à invasão

do espaço aéreo nacional, mas sim como um problema maior que certamente envolvia

a necessidade da FAB em dar uma resposta para a população brasileira. Ainda sobre o

pioneirismo do cel. Adil, Videira diz que ele foi responsável por uma primeira

aproximação entre militares da aeronáutica com pesquisadores ufólogos:

Os ufólogos do passado e do presente têm-no como uma engrenagem

importante na aproximação de militares da Aeronáutica com a

Ufologia, mas enxergam que isso não se concretizaria se não

recebesse apoio de seus chefes, Tenentes-Brigadeiros Eduardo Gomes

e Gervásio Duncan de Lima Rodrigues, ambos possuidores de visão

45 Ibid., p.74. 46 VIDEIRA, A. C. Apreciação de Sinais Inteligentes – O Novo Sistema de Investigação de Objetos

Voadores Anômalos. Ideias em Destaque. Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, maio/ago. 2009.

p. 26. Disponível em: http://www2.fab.mil.br/incaer/images/eventgallery/instituto/Ideias/Textos/

ideias_30.pdf. Ultima visualização em 22/02/2016. Ainda segundo Videira, a conferência ministrada

por João Adil de Oliveira na Escola Técnica do Exército (hoje Instituto Militar de Engenharia), que tinha

como plateia os principais oficiais superiores das Forças Armadas na época, além de jornalistas da revista

“O Cruzeiro” (repórteres João Martins e Ed Keffel), teve um intuito psicossocial, de dar uma resposta

pública da FAB um sobre um fenômeno que àquela época ganhava destaques nos jornais, revistas e

rádios. Essa resposta, mesmo que inconclusiva, arguia sobre a seriedade do fenômeno em si.

49

futura quanto a outras possibilidades da Força Aérea, mediante as

tecnologias que, naquela época, eclodiam.47

Ainda assim, ao lado desses duas formas de abordagens, que demonstram

diferentes contextos em relação aos Oanis, como no caso dessa conferência em que o

tema era apresentado publicamente por membros da cúpula da FAB e outros

convidados em 1954, assim como nos casos que envolveram questões reativas contra

esses objetos agora presentes no espaço aéreo brasileiro e que vinham sendo tratados

sob uma perspectiva de segurança nacional, existiu também no Brasil uma abordagem

distinta em que os militares da FAB empreendiam pesquisas científicas sobre o

fenômeno, contando com a organização de um sistema de investigação.

Por essa razão, pode-se distinguir diferentes formas de atuação que a FAB teve

em relação a Oanis, formas essas que se aplicaram também a contextos distintos, como

será analisado no próximo capítulo, que se destina a acompanhar os estudos científicos

sobre Oanis no Sistema de Investigação de Objetos Aéreos Não Identificados, criado

pela FAB e que atuou entre os anos de 1969 e 1972.

47 Ibid., p.28.

50

Capítulo 2

2.1 A pesquisa científica e militar brasileira sobre objetos aéreos não identificados

A premiada série de ficção científica Arquivo X (1993-2002) serve como um

bom exemplo para discutir esse capítulo. Os protagonistas da série, dois agentes do FBI

(Agencia Federal de Investigação na sigla em inglês), investigam misteriosos casos,

nos quais são feitas referências a situações insólitas. Ambos carregam em si

personalidades bastante diferentes: enquanto um supõe a participação de seres

desconhecidos em muitos desses casos, a outra possui uma personalidade cética e tende

a analisá-los a partir de sua especialidade de médica legista.

Ao se aprofundarem nos casos, a dupla se depara com situações em que outros

agentes secretos atuam no acobertamento, destruição de provas e ameaças veladas. Esse

clima conspiratório cria uma desconfiança por parte dos policiais acerca da existência

de algo maior relacionado ao segredo de investigações não solucionados, ao aludir uma

possível conspiração governamental. 48 Essa dicotomia entre ceticismo e crença no

sobrenatural, que caracteriza a personalidade dos dois agentes, é uma marca que

também está presente no contexto histórico e cultural acerca das pesquisas

empreendidas pelo Estado brasileiro sobre os objetos aéreos não identificados, como é

o caso do Sioani.

Nas narrativas militares, pode-se encontrar elementos estruturais que poderiam

figurar até na série acima citada: a presença do objeto não identificado narrada em

documentos oficiais é normalmente caracterizada por um cerrado sigilo, ainda que haja

um imperativo sobre a inconclusividade científica desses acontecimentos.49

48 Em suma, os agentes acabam se deparando com situações em que forças governamentais secretas

atuam na manutenção do sigilo desses casos, o que faz com que os dois investigadores desconfiem do

envolvimento do governo com esses mistérios, já que eles encontram razões suficientes para essa

desconfiança. 49 Duroselle (2000) promove uma interessante discussão sobre a diferença entre fenômeno e

acontecimento. Para o autor, o conhecimento histórico é melhor compreendido como uma narrativa de

acontecimentos singulares, dado que a ideia de fenômeno expressa a identificação de algo reincidente.

Nesse sentido, Duroselle rejeita a ideia de fenômeno, nesse caso, por ela fazer referência à uma

identificação prévia de uma situação singular a uma ideia preconcebida. No caso do Sioani, observa-se

que existe por parte dos agentes governamentais a necessidade de aglutinação dos eventos singulares

investigados em um fenômeno em si, que tente unir essas narrativas diversas. Nesse caso, isso pode ser

visto como uma necessidade metodológica, dada a dificuldade de se lidar com um tema controverso, daí

a sua simplificação. Ainda assim, essa simplificação demonstra um certo paradoxo, pois tais eventos

fazem alusão a situações extraordinárias, o que implica uma singularidade ímpar. No entanto, devido a

escassez de pesquisas sobre o tema, tratar esses eventos como um fenômeno é uma forma de generalizá-

lo, o que permite uma abordagem mais ampla.

51

Esse duplo posicionamento conduz a um confronto que surge quando, ao

encontro com essa presença desconhecida, fica-se impossibilitado de compreende-lo

com clareza. A partir de então, há a necessidade da busca de novas perspectivas com

objetivo de tratar o evento em si.

Sob essa perspectiva que será abordado o Sistema de Investigação de Objetos

Aéreos Não Identificados, o órgão da FAB que atuou durante os anos de 1969 a 1972

na questão dos Oanis. Serão analisados seus objetivos, estrutura e doutrina, além de sua

metodologia de pesquisa e resultados. O Sioanis foi um único momento história, pois

se pode constatar uma aproximação explícita da Aeronáutica em relação a este

controverso acontecimento.

O Sioani, criado pelo IV Zona Aérea, com suas instalações no IV Comar

(Comando Aéreo Regional) em São Paulo, foi um órgão de pesquisa direta, diferente

dos casos em que a FAB atuara reativamente à presença dos Oanis, como na Operação

Prato de 1977, e na missão de interceptação de Oanis de maio de 1986, casos que serão

analisados no Capítulo III. Diferentemente desses casos, no Sioani os militares

montaram uma estrutura que propiciou uma pesquisa de campo.

Estruturado durante a ditadura de Médici por oficiais de alta patente da FAB, o

Sistema de Investigação contava com a participação de militares de diversas bases

aéreas, como os oficias que atuavam nos núcleos de proteção de voo (NPVs). Contava

também com o auxílio de civis vinculados com o tema.50

Os militares da FAB que compunham o quadro de oficiais do Sioani,

comandados pelo brigadeiro José Vaz da Silva, organizaram um órgão investigativo

que tinha como propósito tecer uma resposta oficial sobre um tema controverso. Os

Oanis, naquela época, eram explorados pelos órgãos de imprensa sob um princípio

sensacionalista, que os tratava como algo extraterreno.51

Os meios de comunicação veiculavam uma grande variedade de reportagens

sobre “discos voadores”, o que demandava, de certa forma, uma postura pública dos

militares sobre o assunto, especialmente os da FAB, já que a segurança do espaço aéreo

nacional é de sua responsabilidade. Por esse viés, a criação do Sioani pode ser vista

50 SUENAGA, 1999, p. 123. 51 A pesquisa de Santos (2009) analisa volumoso grupo de publicações da imprensa brasileira das

décadas de 1950 e 1960, notavelmente do periódico O Cruzeiro, ao discutir o papel da indústria cultural

na criação do imaginário acerca dos Oanis, na época, mais conhecidos como discos voadores.

52

como uma continuação do que já havia ocorrido em 1954, a partir de posicionamentos

do brigadeiro João Adil de Oliveira sobre o tema. 52

Pode-se considerar um marco inicial as primeiras sínteses sobre o tema

estruturadas pelo então cel. Adil de Oliveira. Nesse sentido, Videira afirma

Foi a ação psicossocial de uma Força Singular, mas, muito mais do

que isso, a coragem das lideranças da Aeronáutica, na pessoa do Cel.

Adil, em um momento crucial para o Brasil, devido as tensões

políticas do pós-suicídio do Presidente Getúlio Vargas e também as

efervescentes aparições de OVNIs, como as da Base Aérea de

Gravataí (Canoas), as da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro e a do voo

Varig, pilotado pelo Comandante Nagib Ayub, no trecho Porto Alegre

– Rio de Janeiro, tudo nos anos cinquenta. 53

A própria criação do termo Oani, objeto aéreo não identificado, foi um primeiro

passo em direção a uma proposta investigativa que afirmava categoricamente o

distanciamento frente à frequente exploração sensacionalista do tema por parte dos

órgãos de imprensa e de publicações editoriais, que até então referenciavam o

fenômeno segundo a expressão do disco voador.

Nesse sentido, as variadas denominações que os Oanis receberam no século XX

revelam diferentes contextos em que era relatada a observação do fenômeno. Durante

a Segunda Grande Guerra, os primeiros relatos de Oanis, na figura dos foo-fighters,

ocorreram inicialmente quando os pilotos da USAF sobrevoavam o continente europeu.

Essas observações narravam estranhos objetos luminosos de formas esféricas

que passarem a ser chamadas, devido ao próprio contexto de guerra e da suposição de

fazer parte do arsenal secreto inimigo, de foo-fighters (uma tradução errônea do francês

feu, fogo). Nesse sentido, a primeira denominação militar dos Oanis no século XX fazia

uma analogia com aeronaves “caça de fogo”, devido a sua característica luminosa, ao

contexto de guerra e à possibilidade de uma nova tecnologia inimiga.

Mais tarde, com o fim do conflito mundial, as novas referências a Oanis vinham

em grande medida de um público civil. Nesse novo contexto, essas presenças já não

tinham a mesma conotação que poderiam receber quando eram provenientes de relatos

de pilotos em situação de combate. Foi nessa situação que diversos termos populares

52 A revista O Cruzeiro chegou a acompanhar a atuação do brig. na conferência de 1954 sobre os discos

voadores, em que foram convidadas autoridades militares além de jornalistas vinculados a revista,

momento em que o brig. Oliveira expôs sua preocupação em relação ao tema. 53 VIDEIRA, A. C. Apreciação de Sinais Inteligentes – O Novo Sistema de Investigação de Objetos

Voadores Anômalos. Ideias em Destaque. Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, maio/ago. 2009.

p. 27. Disponível em: http://www2.fab.mil.br/incaer/images/eventgallery/instituto/Ideias/Textos/

ideias_30.pdf. Acesso em: 22/02/2016.

53

ganharam forma em referência ao fenômeno: flying saucer nos EUA, pires voador em

Portugal e disco voador no Brasil, por exemplo.

Essa primeira identificação popular pôde aglutinar variadas narrativas sob um

denominador comum, como uma tentativa de fazer referência a um fenômeno que

incluía, na maior parte dos casos, a observação de uma presença desconhecida nos céus,

mas que poderia abrigar também as mais variadas possibilidades de situações insólitas.

Os meios de comunicação no Brasil, a par dessa nova expressão popular,

consolidaram a expressão “disco voador” como referência direta ao fenômeno. Mesmo

hoje, para grande parte dos brasileiros, a expressão permanece ainda como primeira

referência sobre o fenômeno dos Oanis, ao lado agora da palavra-sigla óvni, que já fora

incorporada aos dicionários e que lentamente tende a substituir o termo disco voador

devido a sua adoção não só pelos meios de comunicação de forma geral, mas também

pelos órgãos governamentais e militares.

A sigla Ovni (Objeto Voador Não Identificado) havia sido estabelecida segundo

a tradução da sigla UFO (Unidentified Flying Objetc) em 1947, quando o capitão

Edward J. Ruppelt, veterano da Segunda Guerra da USAF, agora como chefe do projeto

Grudge, o primeiro programa oficial sobre o estudo do fenômeno nos EUA, resolveu

criar uma expressão que pudesse substituir o termo popular dos flying saucers. Nesse

sentido, os militares que compuseram os primeiros quadros do Sioani tinham

semelhante intenção ao forjar a expressão objeto aéreo não identificado. No Brasil, até

então, a expressão popular de disco voador era a mais utilizada.

O termo Oani reunira também toda uma possibilidade praticamente ilimitada de

situações que envolvem tais presenças, no que ficou conhecido como fenômeno Oani.

Tudo isso indica uma busca por uma depuração linguística sobre uma expressão

que identificasse um tema que, justamente por ser controverso, demandava um

distanciamento de suas referências populares e de menor precisão, muitas vezes

associadas a um uso sensacionalista comum aos órgãos de imprensa.

Nessa digressão histórica e contextual que envolveu a criação do Sioani em

1969, percebe-se que o órgão seguia a iniciativa e a postura de alguns oficiais da FAB,

como o brig. João Adil de Oliveira, no que concerne a preocupação com um fenômeno

que abrigava em si as mais fantásticas situações insólitas, mas que tinha como

denominador comum os numerosos relatos sobre de presenças desconhecidas nos céus.

De certa forma, essas inúmeras aparições levava a responsabilidade de sua explicação

54

oficial e científica ao pessoal da FAB, os responsáveis pela defesa do espaço aéreo

nacional.

Por essa razão, pode-se afirmar que o fenômeno Oanis suscitava diferentes

preocupações no meio militar, inclusive pela sincronia entre as ondas de observação

vinculadas pela imprensa e o lançamento de novos vetores tecnológicos. Esses incluíam

tipos radicais de aeronaves e testes de mísseis balísticos, já que a Guerra Fria, como

discutido no capítulo primeiro, havia criado uma grande ruptura tecnológica entre as

duas superpotências e as demais nações, que poderia facilmente desaguar na suspeita

que um Oani pudesse ser originário de um projeto ultrassecreto, como relatado pelo

brig. José Carlos Pereira no ano de 2010 em entrevista à rede SBT.

Segundo Suenaga, o sigilo acerca das atividades do sistema só fora quebrado

quando, em maio de 1987, o pesquisador Ademar José Gevaerd, na época presidente

do Centro Brasileiro de Pesquisa de Discos Voadores, decidira publicar uma parcela

dos documentos oficiais que detinha acerca do funcionamento do Sioani na revista PSI-

UFO daquele ano.

Três anos antes, em setembro de 1984, para evitar represálias junto aos militares,

ele protocolou um pedido de autorização de publicação do material, solicitada junto ao

IV Comar de Cambuci, São Paulo, antiga sede do sistema de investigação.

A resposta, numa carta de duas páginas, demonstra vários pontos sobre a história

Sioani. Além disso, explica também os motivos de seu fechamento, ao mesmo tempo

que ressalva o interesse em não se publicar as informações que estavam em posse dos

ufólogos. Eis o conteúdo da carta:

I) Incumbiu-me o exmo. sr. comandante de, em atenção à sua carta

supra referenciada, servir-me deste ofício para historiar e em seguida

responder às principais indagações dessa entidade discológica, da

forma que se segue: 1) A atividade de pesquisa de objetos aéreos não

identificados, nesta organização, reporta-se ao ano de 1969 na IV

Zona Aérea e foi fruto do interesse pelo assunto por parte do então

comandante ten.- brig. R/R José Vaz da Silva e de alguns oficiais que

aqui serviam; 2) De 1969 a 1972, as atividades ufológicas nesta

Organização foram as mais variadas, incluindo elaboração de boletins

informativos, esboço de regulamento do SIOANI, contatos com

interessados, palestras, catalogação de contatos e outras, sempre

visando contribuir neste campo de pesquisa que já era bem conhecido

no Brasil; 3) De 1973, com a criação do IV Comar, para cá, essas

atividades foram diminuindo não pelo desinteresse dos Comandos que

se sucederam, mas sim, pelo aumento dos encargos administrativos

que foram atribuídos ao novo Comando que se criava; 4) Ao mesmo

tempo, essas atividades foram sendo centralizadas pelo EMA (4a

Subchefia), o qual hoje detém um acervo mais consistente e que,

segundo nosso julgamento, seria a Organização ideal para contatos

55

futuros e cujo endereço segue ao pé do ofício; 5) Também é do

conhecimento do Comandante a carta no 255/84 datada de 5 de

setembro de 84, expedida por essa coordenadoria e enviada à Base

Aérea de Campo Grande. Nela, v. s. acusa a posse de dois boletins (1

e 2) do SIOANI, bem como nos consulta sobre a utilização do referido

material para divulgação junto à comunidade pesquisadora brasileira;

6) É entendimento do Comando, que, dado o caráter apenas ilustrativo

e informativo da documentação em seu poder bem como da

classificação ostensiva quanto ao sigilo atribuído, não haver

inconveniente em que o mesmo seja divulgado única e

exclusivamente junto ao público citado anteriormente. Aproveito a

oportunidade para lembrá-lo que deve ser evitado a sua divulgação à

imprensa, de forma a evitar embaraços desnecessários. II) Sendo só

para o momento, valho-me desta oportunidade para renovar os

protestos de alta estima e distinta consideração. (Of. no 19/EM-

4/4035).54

É interessante notar nessa carta vários pontos. O primeiro deles se dirige ao

pessoal que integrou o primeiro quadro, em 1969, e que tinham um interesse especial

no assunto, no caso, o comandante tenente brigadeiro José Vaz da Silva e alguns de

seus oficiais. Mas segundo a carta, já a partir de 1973, o desinteresse pelo programa se

deu não pelas sucessivas trocas dos comandos do IV Comar, mas sim pelas novas

atribuições e encargos administrativos que eram criados.

É interessante notar também a expressão utilizada para descrever “as atividades

ufológicas nesta Organização”. Os militares do Sioani, assim como os seus colegas,

retratam o trabalho feito pelo órgão como ufologia, não apenas nesse documento, mas

também em outros produzido pelo órgão e que veremos mais adiante. Aqui, podemos

levantar a questão que envolve não somente a relação entre ufologia e pesquisa

científica militar, mas também entre diferentes abordagens e perspectivas ufológicas,

nesse caso, uma pesquisa ufológica oficial e militar.55 De certa forma, esse ponto faz

com que os militares admitam a pesquisa ufológica como uma prática de pesquisa

aceitável. Nesse sentido, identifica-se entre militares e pesquisadores civis

(popularmente ufólogos), uma metodologia similar.

Outro ponto interessante da carta revela as atividades do órgão, que entre os anos

de 1969 a 1972, empreenderam variadas “atividades ufológicas”, como boletins

54 SUENAGA, 1999, p. 124. 55 Em relação a esse ramo de pesquisa, a ufologia oficial e militar do Sioani se assemelha a um ramo da

ufologia que pode ser descrito como ufologia científica. Já que a ufologia não é uma ciência consagrada,

e devido a isso abriga uma grande variedade temática sob seu signo, a ufologia científica é aquela em

que se alia as práticas de pesquisa comuns à ciência no seu método, jargão e organização de congressos

e conferências. Ela carrega também um especial interesse em reunir o envolvimento de um Estado em

relação ao fenômeno dos Oanis.

56

informativos, palestras, catalogação de contatos, no caso “sempre visando contribuir

nesse campo de pesquisa que já era bem conhecido no Brasil”. Nessa passagem, os

militares admitem que seu intuito era de contribuir com um campo de pesquisa que já

existia, mesmo que sua aceitação, no meio científico, ainda fosse ausente.

Videira coloca o mentor do sistema de investigação, brig. José Vaz da Silva, ao

lado do brig. João Adil Oliveira, como os dois grandes nomes da FAB que se

aproximaram do fenômeno dos Oanis abertamente, e que, cada um no seu tempo,

conseguiram aproximar também as pesquisas e preocupações militares com a ufologia:

(...) o Major-Brigadeiro-do-Ar José Vaz da Silva, pela coragem em

criar uma das maiores redes humanas de comunicação na detectação

de OVNIs, denominado Sistema de Investigação de Objetos Aéreos

Não Identificados (SIOANI), não pode ficar excluído da plêiade dos

homens dentro do Governo que contribuíram para a pesquisa

ufológica brasileira. O SIOANI foi algo inédito que surgiu sob a

orientação desse homem, cuja conceituação era “o conjunto de

recursos de pessoal e de material destinado à investigação e pesquisa

do fenômeno Objeto Aéreo Não Identificado (OANI)”. 56

A par dessa interessante ligação entre os militares brasileiros que elaboraram

um diálogo institucional com pesquisadores civis sobre o fenômeno dos Oanis, o cel.

Videira, ao discutir sobre a estrutura do sistema, a que ele respondia, o seu modo de

operação, suas instalações e como sistema organizava suas atividades dentro da FAB,

diz que ele era constituído de:

• Central de Investigação de Objetos Aéreos Não Identificados

(CIOANI) – Órgão Central do Sistema;

• Zona de Investigação de Objetos Aéreos Não Identificados

(ZIOANI) – Área geográfica onde estavam contidos os Núcleos de

Investigação de Objetos Aéreos Não Identificados (NIOANI).

Existiam seis ZIOANIs.

• Núcleo de Investigação de Objetos Aéreos Não Identificados

(NIOANI) – Órgão executor de observações, investigações e coleta

de materiais para pesquisas de OANI. Sua função podia ser executada

por órgão militar, instituição pública ou por pessoa física. O NIOANI

era vinculado ao seu respectivo ZIOANI.

• Laboratórios de Pesquisas e Análises (LIOANI) – Órgãos auxiliares,

para o cumprimento da missão de pesquisas e análises de materiais

referentes à OANI.

• Transporte de Pessoal e Material (TIOANI) – Meios de transporte,

em princípio, fornecido por órgãos oficiais, militares ou civis, por

solicitação da CIOANI, da ZIOANI ou do NIOANI. Na falta de

transporte oficial, podia ser utilizado o comercial. O meio de

transporte tinha que ser adequado, eficiente e rápido. A rapidez na

chegada ao local, onde ocorria o fenômeno ufológico era básico, para

que não houvesse alteração de vestígio ou deturpação do fato. Por

56 Ibid., p.31.

57

isso, existiam 5 (cinco) aeronaves de pequeno porte, dois bimotores e

três monomotores, sediadas no Parque de Material Aeronáutico de

São Paulo e administradas pela 4ª Zona Aérea. Essas aeronaves

atendiam aos serviços normais da Organização, como, também,

àqueles demandados pelo SIOANI.

• Rede de Comunicação (RIOANI) – consistia em uma teia

envolvendo as já existentes redes de comunicação da FAB, das demais

Forças Singulares (Exército e Marinha), Forças Policiais e ainda a

rede radioamador, visando à rápida transmissão das ocorrências

fenomenológica ou mesmo o fluxo de informações entre os elos do

sistema. 57

Segundo o cel. Videira, o órgão esteve subordinado ao ministério da

Aeronáutica, no entanto, os resultados de suas pesquisas eram destinados ao Estado-

Maior da Aeronáutica. O pessoal que compunha o quadro do sistema de investigação

exercia suas atividades no órgão sem prejuízo das suas funções em suas respectivas

unidades militares. Ainda segundo Videira, o Sioani organizava-se numa estrutura

“horizontal planificada”, semelhante ao que é comum hoje no mundo corporativo e

empresarial. Não havia remuneração especial para o seu trabalho, que funcionava num

sistema de voluntariado.

Por essa razão, o Sioani mantinha uma estrutura composta por uma rede

heterogênea de pesquisadores, nesse caso, o Niaoni. Cada núcleo de investigação

poderia abrigar desde grupos civis vinculados ao Sioani, a outras instituições militares

ou até mesmo investigadores pessoais, que tinham o apoio de um sistema de

comunicações e um sistema de transportes que tornavam possível a mobilização do seu

pessoal para a pesquisa de campo. O objetivo era coletar o máximo de informações

possíveis sobre a pessoa que alegava ter participado de um evento relacionado ao

fenômeno dos Oanis, o que incluía também uma investigação sobre o local e as

circunstâncias em que ocorreram o evento, afim de se construir um relatório completo

sobre o caso em particular. Este relatório deveria também inquirir sobre o perfil

psicológico do observador, como forma de se balizar sua narrativa.

Ao considerar o Sioani em suas dimensões culturais e em sua relação histórica

com a proeminência do poder aéreo e do lançamento de novas tecnologias, assim como

nas crescentes observações do fenômeno vinculadas pelos órgão de imprensa, percebe-

se que o intuito do órgão certamente recaía na necessidade de se afirmar uma posição

oficial sobre o tema. Ou seja, esse programa carregava em si uma preocupação não

57 Ibid., p.29-30.

58

somente científica, mas também social, afim de se dar uma resposta ou ao menos tecer

uma consideração sobre um fenômeno controverso.

Por consequência, pode-se acompanhar como que o Sioani definiu sua

metodologia de pesquisa, compreendendo-a como uma forma organizacional que

envolva os aspectos globais da pesquisa, que permeiam tanto a sua delimitação temática

(que inclui uma leitura histórica sobre o tema), quanto a delimitação e relação entre

suas fontes primárias e seus objetivos. Além disso, tece-se uma justificativa e um

conjunto de técnicas de pesquisa que serão adotadas a fim de conquistar tais objetivos

propostos, que nesse caso, destinavam-se a esclarecer definitivamente esse fenômeno.

2.2 A elaboração da metodologia de pesquisa do Sioani

Antes de ir a fundo na metodologia de pesquisa desenvolvida pelo Sioani, é

interessante discutir quais serão os documentos utilizados. Em março de 1969 foi

elaborado um primeiro boletim do órgão. Este documento contém vários elementos do

seu propósito, estrutura e método de pesquisa e inclui também uma construção histórica

do fenômeno – na dissecção de seus principais dilemas e desafios. O primeiro boletim

do Sioani é uma ótima referência introdutória sobre o tema que se mantém atual nos

dias de hoje.58

A publicação do primeiro boletim do Sioani em março de 1969, que discute seu

propósito, doutrina e contexto histórico, foi feita com um intento inicial de fazer

circular por diferentes instituições militares, como se pode observar na primeira página

do documento, queé assinado pelo comandante da IV Zona Aérea (São Paulo), major

brig. José Vaz da Silva.

Remeto-vos o primeiro boletim do Sistema de Investigação dos

Objetos Aéreos Não Identificados” (SIOANI), organizado nesta 4o.

Zona Aérea. Solicito-vos a designação urgente de um representante

credenciado dessa corporação, a fim de entrar em contato imediato

com esta CIOANI (Central de Investigação de Objetos Aéreos Não

Identificados). (Segundo parênteses do Autor).59

58 Os documentos referentes ao primeiro e ao segundo boletim do Sioani, estão guardados no Arquivo

Nacional de Brasília, com o código de referência BRDFANBSBARX.0.0.59 e

BRDFANBSBARX.0.0.60, respectivamente. Disponível em:

http://www.an.gov.br/sian/multinivel/multinivel_consulta4.asp?v_codReferenciaPai_ID=+1013345#un

defined. Acesso em: 07/03/2016. 59 1o. Boletim Sioani, Força Aérea Brasileira, IV Zona Aérea, março de 1969, p. 1. A partir de agora, as

citações que tem como conteúdo a transcrição do texto dos boletins do Sioani serão dispostas segundo a

ordem dos parágrafos originais do texto, como forma de se facilitar a leitura assim como de organizar as

ideias expostas.

59

O Cioani, que reunia a chefia e comando do sistema de investigação,60 também

produzira um documento para ser entregue, agora não somente para outras instituições

militares, mas também para todos os órgãos que cooperavam com as atividades do

Sioani, contribuindo para suas pesquisas. Esses grupos eram compostos inclusive por

pesquisadores do tema não vinculados às Forças Armadas. Esse documento é

interessante por tecer uma apresentação do tema e qual seria a postura do órgão em

relação a ele.

Qual a natureza dos fenômenos que tem sido observados nas

mais variadas partes do globo terrestre? Seriam psicológicos,

meteorológicos, astronômicos? É nosso dever investigar-lhes as

origens.

Sem sombra de dúvidas, somos do parecer que os responsáveis

pelas organizações técnicas e culturais não devem, não podem omitir-

se, fechando os olhos para este problema – o do Oani – que dia a dia

se torna crescente.

Observações idôneas, relativas às incidências desse fenômeno,

mostram-nos que sua frequência e disseminação, em diversos países,

tem crescido consideravelmente.

O grupo de homens de ciência, dedicados ao estudo dos Oani’s,

tem-se enriquecido com nomes de alta categoria profissional, fato que

sugere a necessidade de um estudo científico; muitas ocorrências têm

sido reportadas por pessoas idôneas, sendo nosso dever dedicar

atenção ao fenômeno.

Sabemos que, em muitos casos, as pessoas que nos informam

sobre tais ocorrências podem estar influenciadas por “imaginação”;

mas, ainda assim, cremos que a ocorrência deva ser investigada. Há

um fato, um novo fato, um fato gerador que necessita ser explicado

convenientemente.

É preciso realizar-se uma investigação metódica, científica.

Não devemos partir da premissa da existência objetiva do Oani. Nem

podemos ser céticos. Qualquer desses extremos define posição não

científica.

Admitir a “possibilidade” da existência do Oani é atitude

científica que justifica sua pesquisa. Penetrar no âmago do fenômeno,

investigando-o sob os aspectos psiquiátricos, psicológicos,

sociológicos, astronômicos, meteorológicos, jurídicos etc., constitui

uma necessidade.

Eis aí a posição em que se coloca o Ministério da Aeronáutica,

através do Comando da Quarta Zona Aérea, onde foi organizada a

Central de Investigação de Objetos Aéreos Não Identificados

(CIOANI).61

60 Não confundir Sioani (Sistema de investigação de Objetos Aéreos Não Identificados), com Cioani

(Central de Investigação de Objetos Aéreos Não Identificados), que é onde se reúne a chefia e o comando

do Sioani. 61 Ibid., p. 19.

60

Já na sua introdução histórica, observa-se claramente a atenção do brig. Vaz no

estudo e acompanhamento do fenômeno dos Oanis de uma forma abrangente, que inclui

uma análise cultural sobre as distintas perspectivas sobre um fenômeno que, segundo

ele, merece o interesse da FAB especialmente pelo gigantesco volume de referências

sobre sua existência.

Imenso é o noticiário da imprensa mundial sobre o

aparecimento do fenômeno conhecido como “DISCOS

VOADORES”, que passaremos a denominar de OANI (OBJETOS

AÉREOS NÃO IDENTIFICADOS).

A partir de 1947, em ondas sucessivas, as notícias se projetam

nas páginas dos jornais, a povoar a imaginação dos sonhadores, a

fortalecer os argumentos filosóficos dos míticos, a aguçar a

curiosidade do homem quotidiano, a ferir o ceticismo dos cientistas, a

desafiar a inteligência humana para o equacionamento de um

problema cujos valores parecem extrapolar o quadro dimensional do

mundo em que vivemos.

Vasta é a bibliografia sobre o assunto, cujo aspecto sedutor

parece atrair toda a gama de habilidades de nossa potencialidade

imaginativa. O material aí está, a desafiar, em suas páginas, a argúcia

dos que, no silêncio de suas bibliotecas, buscam a resposta de suas

interrogações.

No Brasil houve também essa tendência e, em certa época,

atribuía-se à FAB um impressionante “dossier”, produto de acurado

estudo sobre o assunto. Entretanto nada disso houve. Apenas um ou

outro apaixonado platônico sem qualquer fundamento científico.

Jamais, antes da fase atual, a FAB possuiu qualquer organização ou

qualquer elemento dedicado ao estudo científico do assunto.

Há pouco temos conhecemos um trabalho de compilação da

Força Aérea Americana – uma publicação de reunia 5 milhões de

notícias sobre a ocorrência do fenômeno, no mundo, nesses últimos

anos. Esses dados porém, apesar de não possuírem nenhuma

fundamentação científica, pois são apenas notícias sobre o fenômeno

ou pretensas aparições de Oani, servem para admitir-se a existência

de alguma coisa que deve ser pesquisada, que deve ser cientificamente

investigada. É isto a que se propôs a IV Zona Aérea.62

Nesta breve síntese histórica, percebe-se que o propósito do sistema de

investigação foi empreender uma pesquisa científica sobre o tema que tente suprir uma

falta, dada a carência de um estudo formal da FAB sobre o fenômeno. Essa pesquisa

científica, no caso, contaria com uma organização de um acervo, baseado no

recolhimento de um amplo material, que pudesse depois ser analisado.

Ainda assim, o documento deixa bem claro as variadas possibilidades de

interpretação do fenômeno, desde um ponto de vista místico ou meramente especulativo,

62 Ibid., p. 2-3.

61

e os perigos a que estão envolvidos os que se debruçam sobre ele, que preferem o

resguardo em relação a suas pesquisas.

Com relação ao mundo científico, o texto ressalva a recusa dos cientistas em

acompanhar essa fenomenologia, mesmo que aponte para um crescente interesse em

pequenos passos:

O mundo científico recusou-se categoricamente a tomar

conhecimento do assunto. Para os cientistas em geral, o fenômeno não

passava de alterações fisiológicas, psicológicas ou psíquicas dos

observadores; quando muito admitiam, por vezes, a ocorrência de

fenômenos meteorológicos ou atmosféricos.

A ciência não julgava azado ainda o momento para cuidar do

fenômeno, ou melhor, ela se recusava a catalogar como tal o

fenômeno dos Objetos Aéreos Não Identificados.

A ocorrência, porém, de alguns fatos sensacionais nos EE.UU.

e o impacto de verdadeiras ondas de notícias, tanto na América do

Norte quanto na Europa, começaram a atrair a atenção de alguns

elementos do mundo científico.

Receosos, contudo, de um possível ridículo e temerosos das

consequências do sensacionalismo desenfreado da imprensa, os

cientistas, só com muita cautela e excessiva discrição, ousaram lançar

suas vistas à fenomenologia OANI.

E assim lentamente, da frieza do mudo científico, começou a

emergir uma pequena parcela que, pouco a pouco, foi tomando a

característica de grupo aglutinado em torno de um pensamento: o

fenômeno já se define e merece ser estudado.

Alguns cientistas mais afoitos começaram a pontilhar nas

notícias e nos debates sobre o assunto, mas a maioria conservou-se no

anonimato, a estudar no silêncio de seus laboratórios a sedutora

fenomenologia OANI.

Várias teorias, inúmeras teses, diversas hipóteses, numerosas

doutrinas se construíram para abrigar o fenômeno. OFICIALMENTE,

PORÉM, A CIÊNCIA AINDA NÃO SE DIGNOU A TRATAR DO

ASSUNTO OANI, E OS CIENTISTAS DE RESPONSABILIDADE,

QUE ESTUDAM O FENÔMENO, FAZEM-NO COM A MAIS

ABSOLUTRA DISCRIÇÃO.

O que resta aqui, fora o mundo científico, no mundo profano,

a agitar-se na fenomenologia dos OANI’s, é um amontoado de

controvérsias, onde o feitiço, a ignorância, a farsa, o “vedetismo”

misturam-se com a vontade de saber, de evoluir, de desvendar, com

as interrogações e perquirições filosóficas, com a coisa séria e bem

intencionada.

Mas, em meio a esse universo de controvérsias, a esse aparente

mundo caótico, em que pese o lado negativo de suas exteriorizações,

temos certeza de que há um fenômeno que deve ser estudado, que

deve ser levado à sério, que deve ser tratado com austeridade.

A esse fenômeno é que a FORÇA AÉREA BRASILEIRA

resolveu dedicar parte de sua atenção, de sua capacidade, de suas

puras e honestas intenções.63

63 Ibid., p. 5-4. As palavras em caixa alta fazem parte da transcrição original do documento.

62

É com essas palavras que o documento constrói o desfecho do tópico “A atenção

do mundo científico – as controvérsias”. Esse mosaico de “atenções” pode ser tido

como um documento paradigmático, pois fala bastante sobre os militares e suas

preocupações com o que ocorre no espaço aéreo brasileiro, além de servir, claramente,

como uma introdução ao tema dos Oanis, tanto em sua síntese histórica, quanto em suas

expressões culturais.

É interessante ressaltar também o momento em que o texto aborda o receio dos

cientistas em “lançar suas vistas à fenomenologia OANI”, devido às consequências do

sensacionalismo da imprensa. O texto, além de tecer a ligação intrínseca entre o receio

científico e os usos sensacionalista do tema, faz referência também a uma questão

central e preliminar, do ponto de vista científico, sobre os Oanis, que é a sua expressão

fenomenológica. Nesse sentido, os militares do Sioani demonstram uma disposição de

discutir o tema não somente na constatação da existência de um fenômeno, mas também

na investigação dos fatores que envolvem a sua percepção.

O primeiro boletim do Sioani também inclui em suas páginas uma discussão

histórica e contextual sobre a ocorrência dos objetos aéreos no Brasil. Essa discussão

expõe o grande papel que a imprensa tem na divulgação e exposição dos mais diversos

casos que carecem obviamente de uma aproximação científica para analisá-los.

O texto do boletim expõe o importante papel que muitos pesquisadores

nacionais têm exercido na tentativa de situar o fenômeno, ao publicarem livros sobre o

assunto, em que se identifica um esforço sincero de aproximar cientificamente do tema,

mesmo contando com poucos recursos para tanto. Nesse caso, o Sioani entraria como

um órgão completo, com instalações, equipamentos, laboratórios, técnicos, cientistas e

metodologia específica para contribuir, junto a essas pesquisas, na resolução de um

problema que carece de uma expressão científica satisfatória.

Inúmeras são as obras escritas por estudiosos e curiosos

brasileiros e várias são as estrangeiras traduzidas para o nosso idioma.

Todas fazem referência quase que aos mesmos fatos e

procuram explicar o fenômeno mais de acordo com suas convicções

do que como resultado de uma pesquisa com base científica.

Acreditamos na sinceridade e honestidade de muitos de nossos

patrícios que procuraram, com pertinácia, a explicação sobre o

fenômeno, apesar dos parcos meios que dispunham.

Mas os aventureiros, os espertos, os farsantes, os

sensacionalistas, etc., como sempre contribuíram para desacreditar a

fenomenologia, afastando, com isso, a maioria dos bem intencionados

ou obrigando-os a se refugiarem no silêncio ou no anonimato.

63

As notícias diminuíram de intensidade até que, a partir de

agosto de 1968, voltaram ao conhecimento público, num crescente

que vem abalando até os mais céticos.

São Paulo parece ter sido escolhido para o palco principal dos

acontecimentos. Raro tem sido o dia em que a imprensa não divulga

a notícia de um Oani neste Estado.

Em sua quase totalidade, as aparições têm sido anunciadas

sobre regiões de pouca densidade demográfica e seus observadores,

em grande maioria, são pessoas simples, de pouca instrução. Os

contatos, que se propalaram, foram com criaturas de baixo nível

cultural.

É bem possível que os homens de certa instrução ou nível

social evitem a divulgação de qualquer ocorrência, com o natural

receio de serem tomados como loucos, farsantes ou mentirosos.

Mas, o que se tem anunciado, principalmente os fatos mais

sensacionalistas, parecem ocorrer com criaturas de modesto nível

cultural e em lugares ermos, pouco habitados.

Desde que estamos no problema, verificamos essa

peculiaridade; contudo, à proporção que o público toma conhecimento

da atuação da FAB, é óbvio, algumas pessoas de nível mais elevado

nos têm procurado, sigilosamente, para trazer notícias sobre o assunto.

Porém, permanece ainda a grande maioria enquadrada na

peculiaridade referida. 64

Como consequência, fica evidente que, para o Sioani, e deve-se a isso um dos

motivos de sua criação, existe uma carência generalizada de uma abordagem científica

satisfatória relativa à fenomenologia dos Oanis, fato que é evidente quando se examina

a vasta bibliografia publicada sobre o assunto.

Juntamente à justificativa de pesquisa, nota-se também uma certa peculiaridade,

pois boa parte dos relatos acerca dos Oanis são provenientes de observações de pessoas

com pouca ou nenhuma instrução formal. Sobre essa característica comum a uma parte

considerável dos observadores, o Sioani discutiu a necessidade de se buscar relatos de

pessoas de maior instrução formal, na medida em que essas pessoas tem um menor risco

de confundir um Oani com algum fenômeno natural, aeronave etc.

O sistema ressalta também a existência do medo das pessoas de maior instrução

em se expor ao ridículo – existe, nesse medo, uma estreita relação do uso

sensacionalista midiático do qual as pessoas mais instruídas têm conhecimento e não

querem fazer parte. O sistema deixa claro então que, por mais credenciado que seja a

observação de uma pessoa instruída, existe a possibilidade dela se resguardar. Ao passo

que as pessoas mais simples e de pouca instrução, como pouco sabem do risco de

64 Ibid., p. 6.

64

ridicularização, ou não se importam ao todo, sentem-se mais à vontade para narrar suas

observações.

Nesse sentido, o medo de se expor ao sensacionalismo se deve à conotação

fantástica que o tema recebe face ao contexto secular e cientificista, a que essas pessoas

foram iniciadas e respondem. Em suas considerações finais, o boletim define uma

posição de crítica a essa abordagem sensacionalista:

O sensacionalismo, “vedetismo” em torno do assunto e do

SISTEMA NÃO SERÃO EM HIPÓTESE ALGUMA

PERMITIDOS, incorrendo em expulsão imediata dos quadros a

organização ou indivíduo que contrariar esta orientação.

As conclusões ou resultados e comentários sobre investigações

ou pesquisas somente poderão vir a público por intermédio da Chefia

do CIOANI.

Os órgãos de difusão, devidamente credenciados, poderão ter

acesso ao conhecimento do trabalho, recebendo material selecionado

para o cumprimento de sua missão, pois é de interesse do SISTEMA

que o público seja permanentemente bem informado.

Entendemos que o assunto é sério e com seriedade será tratado.

Qualquer intromissão indébita em área de trabalho do SIOANI, em

seus assuntos ou deformação de noticiários será energeticamente

reprimida e responsabilizados seus autores.65

A preocupação do Sioani em evitar o uso sensacionalista de suas investigações

se relaciona não somente com os órgãos de imprensa, mas também com o mundo

científico, afim de que seja separada de seu trabalho toda e qualquer abordagem

indevida, para que as pessoas de maior educação formal possam interagir com o órgão,

contribuindo com suas pesquisas.

Isso levanta a questão que o ato de narrar a observação de um objeto

desconhecido nos céus, ou mesmo a narrativa de algo sem explicação, facilmente pode

transportar a pessoa que relata essa observação para uma situação indesejável, pois

esses temas, não aceitos ou pouco discutidos cientificamente, tendem a ser associados

a situações tidas como puramente metafísicas. Nesse contexto, é aceita apenas a

existência subjetiva desse fenômeno como uma crença movida por um sentimento

religioso, por um engano ou mesmo por uma alucinação.

Considerados esses fatores, que tendem a criar obstáculos para a participação

nas pesquisas dos Sioani de observadores de maior formação educacional, o papel do

órgão seria o de criar um contexto favorável para a troca de conhecimento ao dar-lhes

um meio pelo qual não estariam sujeitas ao ridículo por expressarem aquilo que

65 Ibid., p.10

65

observaram. Essa atitude está estreitamente ligada a uma pesquisa científica

empreendida por agentes do Estado.

Por conseguinte, para o órgão, a busca de se criar um contexto em que as pessoas

com alto grau de instrução possam relatar suas observações sem temer se expor ao

ridículo, dirige-se especialmente pelo fato de que essa narrativa “especializada” é

importante para a aproximação científica da pesquisa do órgão unicamente porque uma

pessoa com maior formação educacional tende a se enganar com menos frequência ao

eventualmente se deparar com algo estranho nos céus. O maior contato desse grupo de

pessoas com informações à respeito de meteorologia, astronomia, tecnologias aéreas,

entre outras, legitimaria suas narrativas.

Por serem essas observações mais credenciadas devido à possibilidade de que

elas possam ter um julgamento mais apropriado daquilo que fora observado,

especialmente quando um Oani pode ser confundido com um fenômeno meteorológico

ou mesmo com um engenho humano, a busca por reunir o maior número possível de

pessoas credenciadas, de alto grau escolar, compõe assim uma parte da metodologia

científica do Sioani.

Nesse sentido, no tópico intitulado como “A atenção da IV Zona Aérea para o

fenômeno e a ideia de estuda-lo” torna compreensível, de forma geral, a metodologia

de pesquisa que fora utilizada pelo sistema, que se baseou na busca por relatos de

observações de pessoal credenciado.

É evidente que a onda de notícias sobre o aparecimento do

Oani no Estado de São Paulo tem aumentado gradativamente; esse

fato chamou a atenção da FAB e em particular da IV Zona Aérea.

Resolvemos, então, criar um Sistema de Investigação que nos

orientasse normativa e cientificamente na pesquisa do fenômeno,

objetivando sua definitiva explicação; suas peculiaridades ditaram os

princípios da organização e seu funcionamento.

Entendemos que o fator mais importante do problema, em face

daquelas características, seja o observador do fenômeno, aquele ou

aqueles que dizerem ter tomado contato com o Oani; essa importância

é diretamente proporcional à intimidade da anunciada observação.

Quem declara, por exemplo, um contato com tripulantes do

Oani, valoriza mais seu depoimento, comparativamente, àquele que

nos diz ter visto apenas seu sobrevoo. Muito maior valor haverá, é

obvio, se o observador declara ter viajado no Oani.

Assim, para respectivo estudo, a aceitação do fato observado

dependerá do grau de credibilidade do observador que deve ser nossa

principal preocupação, pois ele far-nos-á chegar ao fenômeno. 66

66 Ibid., p. 7.

66

Nota-se que, feita uma devida introdução sobre o interesse da IV Zona Aérea

de São Paulo sobre o fenômeno inicialmente relatado pelos órgãos de imprensa, o

Sioani estabeleceu como objetivo alcançar uma explicação definitiva sobre o fenômeno.

A princípio, a questão que fica aberta é saber como que o Sioani poderia objetivar uma

explicação definitiva de um fenômeno por meio de relatos indiretos e secundários. Em

outras palavras, informações de “segunda mão”. O órgão deixa claro que sua proposta

é coletar um grande número de relatos e de buscar ao máximo pessoas credenciadas

que não possam confundir Oanis com coisas identificáveis, já que é por meio de relatos

que o órgão pode se aproximar do fenômeno.

Ainda assim, mesmo contando com um grande número de relatos com uma

grande variedade de detalhes sobre o ambiente, o narrador e o que foi visto, o Sioani

não poderia afirmar que cada um desses eventos particulares faria parte de um mesmo

fenômeno que os unisse e os identificasse como o fenômeno Oani, porque, segundo

seus objetivos de se alcançar uma definitiva explicação do fenômeno, essa explicação

necessariamente teria de incluir algo em comum a esses eventos particulares.

Naturalmente, ao tratar dos fenômenos, a presente dissertação se refere a

eventos singulares que carregam certas semelhanças entre si e, como tal, podem ser

enquadrados como um fenômeno particular, que faz referências a todos esses eventos

singulares.

Os militares do Sioani tinham a intenção de envolver a sociedade brasileira em

um quadro maior, à medida que se almejava a participação da juventude e dos

universitários em estudos relacionados à temática do Oanis, como a astronomia, por

exemplo. Nessa passagem, o Sioani descreve quais são as suas maiores expectativas

quanto ao desenvolvimento de suas pesquisas em relação a sociedade brasileira.

Não pretendemos, contudo, circunscrever a observação,

pesquisa, a investigação e o estudo apenas nos limites da FAB.

É nossa ideia, e isto já vem acontecendo com explêndidos (sic)

resultados, levar tal interesse às demais Forças Armadas e ao meio

civil.

Algumas organizações civis idôneas já estão em contato

conosco, aguardando apenas nossa orientação para se integrarem no

SISTEMA.

A juventude será mobilizada em torno desse assunto, que

poderá dar origem a uma verdadeira CRUZADA. Universitários e

colegiais, com quem estabelecemos contato, sentiram a

responsabilidade com que estamos tratando o assunto e se

entusiasmaram com a ideia de integração no SISTEMA.

(...) Despertaremos, assim, a mocidade para o interesse no

estudo da astronomia, da astronáutica, do mundo que ai está nas

67

palpitantes viagens cósmicas, mundo que para se entregar exige

instrução, cultura, seriedade, trabalho, ordem e disciplina; mundo que

já é o mundo de hoje para as nações adiantadas e que será o mundo do

“nunca mais” para nós, se não apressarmos o nosso passo, se não

arregaçarmos as nossas mangas e não nos atinarmos ao trabalho e ao

estudo; mundo da ciência, da tecnologia e da cibernética. Mundo do

Terceiro Milênio que aguarda também a nossa participação, desde que

nos coloquemos em condições de prestá-la.

Já estamos recebendo alguns telescópios que vão ser

encaminhados a grupos de jovens interessados nos estudos da

astronomia.

Assim, ao criar e ativar o nosso “SISTEMA DE

INVESTIGAÇÃO DE OBJETOS AÉREOS NÃO

IDENTIFICADOS”, o SIOANI, estaremos também mobilizando a

nossa juventude para o interesse, o estudo e o trabalho de conquista

desse mundo maravilhoso que só os HOMENS poderão possuir,

restando aos demais, apenas o tomar dele conhecimento por “OUVIR

DIZER”.

É essa nossa ideia, nossa doutrina, o nosso escopo, a nossa

intenção, a nossa diretiva.

É esse o objetivo de nosso trabalho.

Haveremos de alcança-lo. 67

Constata-se na citação acima que o Sioani não foi concebido como um grupo

de pesquisa voltado para o fenômeno dos Oanis de cunho exclusivamente militar.

Mesmo que sua documentação tenha sido reservada sob sigilo durante quase quarenta

anos,68 o propósito inicial do sistema previa o seu engajamento com a sociedade civil

brasileira como um todo.

Mesmo sendo uma iniciativa militar, inclusive para a manutenção e empenho

científico de suas atividades, o sistema contava com planos futuros de crescimento e de

envolvimento com a sociedade civil. Esses planos incluíam, ao lado da busca por relatos

de Oanis por observadores credenciados, o incentivo ao estudo de disciplinas voltadas

aos cosmos, como a astronomia. O objetivo era incentivar jovens estudantes a somarem

seus interesses com o tema. Sobre essas parcerias e planos futuros que o sistema

almejava, o cel. A. C. Videira diz:

O envolvimento de jovens, principalmente estudantes, como

observadores dos fenômenos ufológicos, alavancava o interesse da

mocidade para o estudo da Astronomia, Astronáutica, Astrofísica e

outras matérias coadjuvantes. Era intenção adquirir e distribuir

telescópios, através da 4ª Zona Aérea, às comunidades de estudantes,

quer nos estabelecimentos de ensino, quer nos laboratórios, servindo

de elemento convergente à pesquisa científica. É notável a visão

estratégica do Brig. Vaz que, através do SIOANI, procurava

67 Ibid., p. 8-9. 68 O processo de desclassificação de documentos militares sobre Oanis será discutido no terceiro capítulo

dessa dissertação.

68

aproximar a área militar com a universitária, em um período

acirradamente político, com a assinatura do Ato Institucional nº. 5,

surgindo os movimentos estudantis. O choque de posições não

impedia a união de pesquisadores, não importando suas classes e

origens, para o desvendamento das bruxuleantes aparições de OVNIs,

vindo, assim, revigorar o senso da pesquisa compartilhada, mesmo

que ínfima, naqueles segmentos. 69

É por esse motivo que o Sioani, mesmo sendo um programa criado no seio

militar durante o regime de 1964, no governo Médici, sob a vigência do AI-5, ou seja,

durante um momento de grande centralização do poder, repressão a grupos dissidentes

e censura dos órgãos de imprensa, o que certamente antagonizava o poder constituído

com sociedade civil, tinha como meta envolver a sociedade brasileira nas suas

atividades. Talvez a descrição desse propósito viera como uma reação contrária ao que

o país vivia naquele momento, como um desejo do brig. José Vaz da Silva em fazer do

Sioani uma influência a mais na união entre o Estado e a sociedade num momento de

turbulência nacional.

A par desse intento, a proposta metodológica do Sioani incluía também a busca

por analisar o quadro psicológico do observador do Oani, a fim de se ter uma melhor

aproximação com a veracidade daquilo que fora narrado. Ainda assim, por mais que

sua metodologia explore, por meio de questionários e investigação, a credibilidade do

observador, o órgão se atenta para a ligação desse fenômeno com a alta tecnologia, com

a cibernética e com a astronomia, como fora mencionado na citação anterior, o que

demonstra que, para o órgão, o estudo científico relacionado a Oanis tem de fazer

referência também aos conhecimentos astronômicos, cibernéticos, espaciais e etc.

É interessante notar também a relação que o sistema estabeleceu com os

pesquisadores do fenômeno quando estes contribuíram diretamente com suas pesquisas

para o sistema. Sobre essa relação, Almeida afirma:

A existência da proposta de cooperação – marcada pelo envio de

relatórios de alguns ufólogos ao órgão – nos ensina algo sobre as

relações entre militares e grupos ufológicos na década de 60 e início

da década de 70. O que se nota é que tais domínios não apenas não se

colocam em posições opostas desde o ponto de vista do interesse pela

pesquisa sobre óvnis (...), como sua produção textual sobre os Objetos

Voadores Não Identificados é semelhante. Este ponto faz sentido se

consideramos que tanto os boletins dos grupos, como os documentos

gerados pelo SICOANI (sic), tomam como objeto primordial de suas

69 VIDEIRA, A. C. Apreciação de Sinais Inteligentes – O Novo Sistema de Investigação de Objetos

Voadores Anômalos. Ideias em Destaque. Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, maio/ago. 2009.

p. 31-32. Disponível em: http://www2.fab.mil.br/incaer/images/eventgallery/instituto

/Ideias/Textos/ideias_30.pdf. Acesso em 22/02/2016.

69

publicações a análise “casos”, isto é, eventos marcados pelo relato de

uma testemunha ou o registro fotográfico de um UFO.70

Nesse sentido, percebe-se que, para o Sioani, sua metodologia de pesquisa de

campo não poderia ser diferente da empreendida por muitos pesquisadores da área. As

pesquisas, em aspectos gerais, destinavam-se a analisar casos em que determinadas

pessoas narravam histórias sobre observações ou mesmo interações com Oanis.

Por esse meio da busca de observadores credenciados, o sistema empreenderia

suas pesquisas a semelhança do trabalho de um historiador. O acadêmico, na busca por

se distanciar da ficção que é regida pela livre criatividade, baseia sua narrativa em

fontes credenciadas do passado. Essas fontes, sob um ponto de vista metodológico, de

certa forma conduziriam o pesquisador para uma realidade, para algo que ocorrera de

fato.

Nesse sentido, para o Sioani, as fontes credenciadas, ou seja, aquelas que foram

aprovadas e que passaram pelo escrutínio dos investigadores do sistema, seriam as

fontes primárias que levariam o sistema a uma aproximação com o fenômeno dos Oanis.

Nesse caso, certas narrativas que passaram por um processo de depuração, narrativas

essas que tecem uma alteridade entre sujeitos e Oanis, serviriam como o principal fator

de compreensão e aproximações científica do fenômeno.

Portanto, a busca do órgão era estabelecer, na distinção entre observadores mais

ou menos credenciados, relatos sobre Oanis que passassem à prova de enganos e

equívocos. Da mesma forma, poder-se-ia submeter o observador dos fenômenos a

exames psiquiátrico, a fim de se ter conhecimento se a pessoa está sujeita a delírios ou

alucinações. Assim, de certa forma, o Sioani buscava distinguir de uma maneira geral

aquelas observações tidas como fictícias daquelas que mais se aproximavam com o que

pudesse ter ocorrido, por mais fantástico que seja seu conteúdo.

O que tornaria uma narrativa válida, nesse caso, não seria ela ser mais ou menos

fantástica considerando o conteúdo da relação entre o sujeito observador e o Oani, mas

sim na separação daquelas tidas como fictícias das que comprovadamente não fazem

parte desse grupo. O sucesso da busca do Sioani, segundo sua metodologia, dar-se-ia

pela credibilidade que os pesquisadores do órgão conferissem sobre o sujeito narrador.

70 ALMEIDA, R. A. “Objetos intangíveis”: Ufologia, ciência e segredo. 2015, 508 f. Tese (Doutorado

em Antropologia) – Universidade de Brasília, Brasília, 2015, p. 162.

70

Ainda assim, no Sioani, seria acrescentado, além da possibilidade de que certas

narrativas poderiam ser fruto de alucinações, delírios, ou mesmo mentiras intencionais,

o risco de que em certas situações as pessoas, mesmo sendo sinceras em suas narrativas,

poderiam estar equivocadas na possibilidade de confundirem um Oani com algo que

pudesse ser identificado, a exemplo de fenômenos atmosféricos raros ou engenhos

humanos de alta tecnologia.

É sobre essa técnica de separação que o Sioani construiu sua metodologia de

pesquisa. Ela tinha como foco o sujeito narrador do fenômeno dos Oanis, que passaria

agora por processo de depuração, separando aquilo que fora identificado como pura

criação, delírio ou engano, daquilo que pudesse ser confirmado como válido, não pelo

seu conteúdo, mas pela credibilidade de seu interlocutor. Assim, o que tornaria válida

uma narrativa não seria ela ser mais ou menos fantástica, mas sim a credibilidade de

sua fonte e não por que ela detém a realidade, mas porque a ela fora separada do engano,

da loucura ou da mentira.

Nesse sentido, tendo em vista a exposição da metodologia do Sioani, é

interessante agora nos debruçarmos sobre alguns casos investigados pelo sistema, a fim

de termos uma visão mais clara de como essa metodologia fora aplicada de fato e quais

foram os frutos ou as conclusões dessas pesquisas, segundo o caso analisado.

2.3 Estudos de casos empreendidos pelo Sioani: quando os militares se

aproximaram do insólito

A publicação do segundo boletim do Sioani, em agosto de 1969, reuniu uma

série de resumos e de sínteses de estudos de casos além de uma exposição estatística,

em forma de gráficos, dos principais elementos que configuravam esses estudos. Este

documento, que agrupa um total de 44 páginas, está presente no Arquivo Nacional de

Brasília.71 Antes de expor a sua apresentação, é interessante termos em vista algumas

siglas que foram elaboradas pelo órgão e que fazem parte de sua linguagem interna e

também das suas pesquisas, ao tecerem também a estrutura organizativa do sistema.

Serão aqui expostas as principais siglas que compõem o Sioani, segundo a finalidade

de compreensão do que será exposto nesta pesquisa.

71 Seu código de rastreio é: BRDFANBSBARX.0.0.60. Sua referência está disponível em:

http://www.an.gov.br/sian/multinivel/multinivel_consulta4.asp?v_codReferenciaPai_ID=+1013345#un

defined. Acesso em: 07/03/2016.

71

O órgão que reunia a chefia e o comando do Sioani, responsável por dirigir e

coordenar todo o sistema, recebia a sigla de Cioani (Central de Investigação de Objetos

Aéreos Não Identificados). Os núcleos de investigação do Sioani, órgãos que foram

responsáveis pela execução, observações, investigações e coletas de material, e que

foram compostos tanto por militares como por outros grupos e instituições que

estiveram incorporadas ao Sioani, recebera a sigla de Nioani (Núcleo de Investigação

de Objetos Aéreos Não Identificados).

Já os investigadores e pesquisadores que participavam diretamente da pesquisa,

eram admitidos apenas pessoas com formação universitária e que tivessem sido

aprovados em uma prova realizada pelo pessoal do Cioani, recebiam a denominação de

Ioani (Investigador de Objetos Aéreos Não Identificados).

Sobre essa prática de seleção, o cel. Videira destaca o papel do chefe do Cioani

na época, major Zani.

O Maj. Zani, como chefe da CIOANI, credenciava instituições e

pessoas para a função de observador do fenômeno ufológico. Na

seleção do pessoal ou mesmo na análise dos depoimentos levava em

consideração requisitos de ordem profissional, moral e cultural. O

perfil psicográfico dos depoentes, também, influía a fim de não serem

considerados relatos eivados de devaneios psicóticos. 72

Sobre os depoentes, aquelas pessoas que disseram ter tido contato com o

fenômeno dos Oanis, fora dada a sigla de Xoani. Tendo exposto essas quatro siglas

principais: Cioani (comando), Nioani (núcleo de investigação), Ioani (investigador) e

Xoani (observador), podemos prosseguir para a análise do conteúdo do segundo

boletim do Sioani, que reúne uma síntese dos vários casos estudados.

O segundo boletim informa que o órgão conseguira compilar um amplo material

em pouco mais de cinco meses. No entanto, os estudos completos desses casos

investigados foram guardados sob sigilo, e nesse boletim foram publicados apenas as

sínteses de algumas dezenas desses estudos. Em sua introdução, o documento diz:

A área de nossas investigações ampliou-se; o quadro de nossos

NIOANI’s e IOANI’s aumentou e o nível dos XOANI’s está atingindo

a faixa cultural, econômica e social compatível com a profundidade e

seriedade de investigação que estamos procedendo. Isto porque o

conhecimento de que a FAB está realizando estudos e pesquisas sobre

tão palpitante assunto vem afastando os aventureiros e farsantes e

72 VIDEIRA, A. C. Apreciação de Sinais Inteligentes – O Novo Sistema de Investigação de Objetos

Voadores Anômalos. Ideias em Destaque. Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, maio/ago. 2009.

p. 33. Disponível em: http://www2.fab.mil.br/incaer/images/eventgallery/instituto/Ideias/Textos/

ideias_30.pdf. Acesso em: 22/02/2016.

72

atraindo as pessoas cuja posição social, educação e principalmente

formação moral, não permitiriam uma possível e até provável

confusão com aqueles marginais. E assim, confiantes na FAB,

elementos categorizados tem saído do anonimato e se apresentando

como preciosas testemunhas de nossas investigações. Neste boletim

no.2, publicamos a relação de nossos NIOANI’s, de nossos IOANI’s,

e iniciamos o relato dos casos que, desde outubro de 1968, vem

chamando nossa atenção e nos proporcionando algum estudo dentro

de nossas possibilidades. 73

É interessante notar que os fatores de influência que trazem crédito a um

depoente não se associam apenas ao seu grau de escolaridade ou posição social. Para o

Sioani, haveria ainda de serem identificadas qualidades morais, que, nesse caso, se

compreendem não apenas como uma postura séria, capaz de sustentar um relato

verídico, por mais “palpitante” que seja, mas pela sinceridade, não embuste. O

documento ressalva ainda um quadro que contém a relação completa dos núcleos de

investigação, Nioanis, espalhados pelo território brasileiro, que perfazem um total de

42 núcleos, em sua maioria em cidades do Estado de São Paulo. 74

Também é exposta no documento uma variedade de quadros estatísticos sobre

diferentes características que foram recolhidas pelos pesquisadores e que fazem parte

da metodologia e dos questionários aplicados in loco nas pesquisas e que incluem uma

grande variedade temática.75

Nestes quadros, em que estão reunidas uma grande variedade de amostras, é

interessante notar precisamente que dezoito observadores foram sujeitos a exames

psiquiátricos. Fato que pode sugerir que, durante a pesquisa de campo, foi detectada

por parte do investigador a necessidade de tal exame, caso fosse possível também ter a

presença de psiquiatra para tanto.

Dessas dezoito pessoas examinadas, treze não tiveram nenhuma psicopatologia

definida. Outras cinco tiveram diagnosticado sujeições a delírios, alucinações e ou

sugestionamentos. Ainda foram diagnosticados também quatro pessoas com desvios de

73 2o. Boletim Sioani, Força Aérea Brasileira, IV Zona Aérea, agosto de 1969, p. 2. 74 Ver Anexo I (quadro com relação e localização dos Nioanis espalhados pelo Brasil). 75 Os gráficos expõem as seguintes situações – exames psiquiátricos; características geográficas

marcantes dos locais de observação; tipo de vegetação local; momento da observação (alvorecer, dia

anoitecer, noite); temperatura; humidade do ar; localidade (ermo, habitada, iluminada etc.); idade; sexo;

estado civil; tipo físico: religião; grau de escolaridade e condição financeira do observador; condições

psicofísicas durante a observação (jejum, alimentado, com teor alcoólico, cansado, trabalhando,

distraído); tensões familiares, políticas, etc.; porte de arma no momento da observação; se a observação

fora feita com olho nu, óculos ou binóculos; se houvera interferência em circuitos elétricos durante a

observação; pontos de ocorrência (escola, casas, fábricas, ferrovias etc.) e por fim, a coloração dos Oanis

observados (alaranjado, vermelho, amarelo, verde, azul ou metálico “cor de alumínio”).

73

personalidade, como o desvio místico, ostentativo e ou delirante. E por fim, quatro

observadores foram diagnosticados com tendência à mitomania.

Nesse sentido, pode-se observar que esteve presente na metodologia de pesquisa

do Sioani uma busca por uma extensa variedade de dados que compunham o fenômeno,

que incluíam desde o questionamento sobre o perfil psicológico do observador, até as

características do ambiente em que ocorrera a observação, a contar também com os

aspectos visuais do Oani observado.

Tendo em consideração esses dados iniciais, podemos agora prosseguir na

descrição e análise de alguns casos que foram sintetizados e reunidos no segundo

boletim do Sioani, de abril de 1969. Esses casos contêm uma síntese do evento e, em

sua maioria, também o desenho relacionado ao relato do Oani.

No entanto, devido a necessidade de se elaborar um quadro sucinto dos setenta

casos expostos, a maior parte das informações estatísticas foram suprimidas, restando

apenas aquelas tidas como mais relevantes: o grau de escolaridade do observador, sua

profissão, se este possui aparelho televisivo, o município e o Estado da ocorrência, o

horário da ocorrência, o local (ermo, habitado etc.) e se havia alguma presença nas

imediações (cidades, escolas, pessoas, etc.).

Os casos serão expostos de uma forma sucinta, juntamente com os desenhos a

eles associados, ao final de sua exposição, e, também, serão discutidos em conjunto, na

medida em que ele podem fornecer diversas considerações sobre a tentativa do Sioani

de produzir um conhecimento científico por meio dessas pesquisas particulares.

O primeiro caso investigado é significativo, pois ele destaca diferentes

características visuais que foram atribuídas ao Oani. Este objeto desconhecido fora

narrado a princípio como tendo uma forma luminosa intensa de luz amarelo dourada e

que depois, supostamente com a sua luminosidade tendo sido atenuada, ele assumira a

forma de um disco de cor alumínio e com janelas de luz azul.

O caso narra a observação feita por um zelador de uma fazenda do município

de Bauru, São Paulo, que ocorrera no ano de 1968 (não foram dispostos o dia e o mês

da ocorrência), às 23h, numa localidade habitada. O grau de escolaridade do observador

era nulo, sendo que o mesmo não possuía aparelho televisivo.

Na íntegra, a síntese do caso é a seguinte: “Fonte luminosa intensa, amarelo

claro, cuja visão fazia os olhos lacrimejarem. OANI com uma cúpula onde havia uma

74

fileira de luzes azuis; parte inferior, outra cúpula escura; ao meio uma plataforma

circular.” 76

Figura 17 e 18 – Desenhos elaborados a partir do relato de uma observação de

um Oani.77

É interessante notar também que, como o caso ocorrera em 1968, um ano antes

da própria criação do Sioani, o órgão fizera sua investigação transcorridos meses após

o dia de sua ocorrência, o que teria dificultado a datação completa do evento.

O caso de número quatro narra que o observador do Oani teria interagido de

forma não amistosa com os tripulantes de um engenho em formato de chapéu. A

observação fora feita por um guarda noturno num local ermo da cidade de Bauru, São

Paulo, na madrugada do dia primeiro de outubro de 1968. A síntese do caso, em sua

íntegra, é a seguinte:

OANI bastante grande; formato chapéu; parte inferior uma plataforma

circular; havia uma porta onde entraram três tripulantes semelhante

aos humanos; vestes normais. XIOANI (observador) teria sido

fisicamente imobilizado pelo três, antes de tomarem o veículo:

externamente o OANI parecia azul-claro-metálico; pela porta, via-se,

internamente uma luz amarelada. (Parênteses do Autor).78

76 Ibid., p. 13. 77 As referências sobre as fontes das figuras presentes no segundo boletim do Sioani de agosto de 1969

serão omitidas para facilitarem a leitura do texto. Ainda assim, além de serem originárias do mesmo

documento, não existe informações que identifique uma autoria do desenho. Nesse caso, a partir de agora,

subtende-se que a fonte das imagens utilizadas nessa sessão seja: 2o. Boletim Sioani, (1969). 78 Ibid., p. 14.

75

Figura 19 – Desenhos atribuído ao Oani do caso investigado no.4.

Uma característica interessante desse caso é que fora narrado que os tripulantes

do engenho ilustrado acima teriam imobilizado o guarda noturno antes de adentrarem

no veículo. Como a aparência e as vestes dos tripulantes eram comuns à dos humanos,

certamente o observador só teria se apercebido da anormalidade da situação quando

seus agressores se dirigiam para o engenho que foi relatado.

Outro caso presente no boletim semelhante a este que merece destaque é o caso

de no. 8. Esse caso foi narrado por um estudante secundarista na cidade de Botucatu,

em São Paulo, num local habitado, por volta das 12h do dia primeiro de julho de 1968.

Segundo sua síntese, quando o estudante se encontrava próximo a uma faculdade de

medicina, ele disse ter se apercebido de um Oani com cerca de 30 metros de diâmetro.

79

O engenho fora descrito como tendo uma cúpula superior branca e uma cúpula

inferior vermelha, estando pousado no chão por um tripé, havendo também uma

pequena escada que saia pela cúpula inferior. Ele informa que recebera uma luz

paralisante da qual não sabia a direção que fora emitida. Após ouvir um barulho

proveniente de uma serraria das proximidades, ele observou o fechamento da cúpula

superior do Oani, que estava aberta, além do o recolhimento do tripé e da escada. Disse

também que o Oani emitiu um ruído metálico intermitente.

79 Ibid., p. 16.

76

Figura 20 – Desenho do Oani do caso no. 8.

.

O próximo caso, de no. 28, narra uma tentativa de comunicação entre os

tripulantes do Oani com o seu observador, no caso, um vendedor de frutas da cidade de

Piraçununga, em São Paulo. O evento teria ocorrido na manhã do dia seis de fevereiro

de 1969, num local ermo, próximo a uma escola de tratorista agrário. Sua síntese narra

que o Oani era pequeno, com uma cúpula pronunciada sobre uma plataforma de cor de

alumínio

Figura 21 – Desenho atribuído ao caso no. 28.

A síntese do caso informa que da abertura de cúpula do Oani teriam saído,

levitando, dois tripulantes, “totalmente protegidos de nossa atmosfera”, com cerca de

1,40m de altura e de troncos fortes. Eles semelhante a humanos e com os olhos

defasados, sendo que outros dois deles haviam ficado no interior do Oani. Ainda

segundo a descrição, havia tido uma tentativa de comunicação entre o observador e os

tripulantes do Oani, que foram descritos tendo uma voz muito grave e rouca.

77

O caso de no. 29 é interessante porque ele tivera como fonte um engenheiro

agrônomo que pôde observar o Oani por meio de um teodolito, instrumento ótico de

medição de ângulos verticais e horizontais e que tem uma luneta acoplada.

A observação ocorrera na cidade de Tatuí, em São Paulo, por volta das 19:00h,

próximo a uma estação experimental do Ministério da Agricultura. Sua síntese, na

íntegra, é a seguinte: “Grande OANI, visto com instrumento ótico (Teodolito), todo

irizado; duas cúpulas (superior e inferior); na parte média da cúpula superior, haveria

uma fileira de para-brisas retangulares.”80

Figura 22 – Desenho atribuído ao caso no. 29.

No caso de no. 36, em sua descrição, diz-se que Oani foi observado por um

grande número de pessoas. Narrado por um administrador do Parque Turístico da

cidade de Serra Negra, em São Paulo, o caso ocorrera na noite (20:00h) do dia doze de

outubro de 1968 da mesma cidade, em um local ermo, próximo a construções

desabitadas. Foi descrito que o Oani tinha uma “cúpula superior, grande plataforma

circular e antenas luminosas ao redor da plataforma”.

80 Ibid., p. 24-25.

78

Figura 23 – Desenho do caso no. 36.

O próximo caso, no. 43, descreve uma observação narrada por um militar, de

formação universitária, que ocorreu num local ermo próximo a uma fazenda em Brasília,

Distrito Federal. O horário e o dia da ocorrência não foram relatados. A síntese do caso

diz o seguinte: “OANI arredondado; haste central; parte superior transparente e inferior

(formato de meia-lua) opaca; tripulante protegido totalmente pelas vestes; fonte

luminosa na parte inferior”. 82

Figura 24 - Desenho atribuído ao Oani do caso no. 43.

O próximo caso foi narrado pelo prefeito da cidade de Franco da Rocha, São

Paulo. A observação ocorrera no dia quatorze de maio de 1969, às 19:45h, numa mata

82 Ibid., p.31.

79

perto da cidade, próximo a uma linha de alta tensão. Sua síntese diz: “Fonte luminosa

circular; no centro alaranjado e na periferia avermelhado”:

Figura 25 – Desenho atribuído ao caso no 43.

Nesses casos observa-se uma grande semelhança no formato dos Oanis

descritos, tendo a sua maioria a forma ovalada, discoide e com cúpulas, enquanto outros

são descritos apenas como esferas de luz. Além disso, eles revelam não somente uma

variedade de situações, mas também um conjunto de observadores de diferentes origens,

escolaridade, ocupações etc.

Como havia argumentado, em seu primeiro boletim, o Sioani expõe diferentes

profundidades de contato com o Oani. Além disso, o sistema de investigação conta

muitas vezes com o impacto emotivo que esse contato teve no observador, à medida

que o relato de uma pessoa possa ser desde apenas uma observação trivial de algo não

identificado no céu até o de uma pessoa que, além de identificar o Oani como uma

aeronave forânea ou extraterrena, interagiu com os seus tripulantes.

Por mais simplistas que possam parecer esses casos, as suas narrativas

completas, em parte presente em outros documentos do Arquivo Nacional de Brasília,

não nos oferecem maiores dados que possam enriquecer o que já fora exposto

anteriormente. Esses oitos casos foram escolhidos porque, em seu conjunto, eles

exemplificam várias formas de contato entre os observadores e os Oanis, assim como é

paradigmática a diversidade de pessoas em que se originam essas narrativas.

Ainda assim, em relação à proposta de pesquisa do sistema, nota-se a ausência

de uma conclusão, ou mesmo de uma postura dos agentes do Sioani quanto à resolução

dos casos, suas impressões finais, etc. Fato que nos leva a considerar que a pesquisa

80

científica desses casos em particular se esgota na mera descrição daquilo que foi

observado, já que é pouco provável seguir uma linha de pensamento que possa explica-

lo.

Por isso, mesmo havendo um grande número de casos em que o testemunho do

observador é narrado com maior detalhamento, as informações presentes nas pesquisas

do Sioani não compreendem uma conclusão, ou mesmo uma tentativa de explicação

desses eventos, como os militares, em seu projeto, acreditavam possível ocorrer. No

decorrer das investigações e coletas de dados, eles notaram a impossibilidade de se ater

a uma conclusão, muito menos a uma explicação definitiva, pois o problema mostrou-

se mais complexo.

Isso demonstra a dificuldade em se tratar cientificamente esse tema, na medida

em que era o propósito do Sioani ir além da pesquisa de campo e compilação de relatos

sobre o fenômeno. Percebe-se então que apenas por meio da reunião de um grande

número de casos não seria possível para o Sioani realizar seus objetivos iniciais, pois

era impossível tecer uma conclusão científica acerca da natureza desses fenômenos

inconsistentes e ao mesmo tempo tão diversos.

Assim, na separação dos enganos e daquilo que podia ser identificado, essas

narrativas resultantes apenas apontariam para a existência de algo sem explicação.

Nesse sentido, a pesquisa do Sioani compilou uma grande quantidade de narrativas

insólitas à semelhança da ufologia A prática adotada pode ser definida também como

uma modalidade de pesquisa que tende a conferir a um evento misterioso em particular,

depois de que todas as tentativas de identificação falharam, justamente a constante do

“não explicável”.

Nesse sentido, quando surge uma explicação científica convincente sobre um

evento relacionado a Oanis, esse caso não faz parte mais do interesse da ufologia, pois

ela se define como um campo de pesquisa que mantém sua dinâmica na constatação de

algo que só existe nos seus rastros e que não pode ser explicado ao todo. Sobre essa

característica da pesquisa ufológica, Rafael Almeida, que fizera uma etnografia junto a

pesquisadores brasileiros, diz:

Em uma palavra, o modo de ação dos UFOs é a produção de rastros.

Um alien é aquele que deixa rastros, é aquele que vive nos rastros. Um

alien é um rastro. Aprendi isto com os habitantes da Ilha de Colares-

Pa que, na década de 70, tiveram suas carnes marcadas pelos raios

chupa-chupa, aos quais reputam provável origem extraterrestre. O

mesmo ocorria com as fotografias produzidas pelos militares aí

presentes para “investigar o fenômeno”: nas chapas não se distinguia

81

outra coisa senão rastros de luzes, borrões e formas dificilmente

definíveis. Não demorei a entender isto. Mas talvez tenha sido com

Toni Inajar, ufólogo, perito criminal e chefe da equipe de análise de

imagens da Revista UFO, o primeiro a me mostrar os modos de

operação das naves extraterrestres. Em seu escritório no Instituto de

Criminalística do Paraná, Toni abria numerosas imagens de UFOs e

assim me ensinava a distinguir as fraudulentas e o que chamava de

“erros de interpretação”, de outras, que continham um gradiente de

“não-identificado”. Depois de “tratar” a fotografia com um processo

de saturação, o especialista em imagens me mostrava que naquela luz

era possível distinguir um contorno, o que dava mostras da presença

de um objeto. De minha parte eu acompanhava aquele curioso

movimento: as imagens que identificam os UFOs – em sua diferença

– eram aquelas que não se podia identificar. Desta feita, reconhecia-

se que caso os rastros levassem a algum lugar, não estaríamos ali

diante de fotos legítimas mas, de outro feita, perante pareidolias,

efeitos atmosféricos, comprometimentos das lentes, ou ainda, de

aeronaves humanas potencialmente confundidas. (...) Os UFOs são

máquinas, ninguém disputaria. São máquinas de fazer segredo. 83

Nesse sentido, por mais que o Sioani estabelecesse para si uma metodologia

científica que almejava a elaboração de conclusões e de definições sobre o fenômeno

dos Oanis, o que ele fizera foi apenas sustentar a existência de situações inexplicáveis

como a única característica marcante desse fenômeno.

Assim, o Sioani acabara por se ver numa situação semelhante àquela em que se

encontravam seus pesquisadores na época e que se encontram, ainda hoje, em relação

aos pesquisadores tradicionais desse tema. Característica marcante da pesquisa

ufológica é a busca por separar aquilo que pode ser explicado daquilo que não se pode,

compilando, assim, um grande número de material sobre situações inexplicáveis. O

Sioani pretendia, em seu documento inaugural, ir mais além. No entanto, existe uma

grande diferença entre aceitar a existência de fenômenos sem explicações e tentar

explica-los. O Sioani, assim como a maior parte das pesquisas ufológicas, permanece

na primeira situação, mesmo que esse não fosse seu propósito inicial.

Por conseguinte, encontra-se aqui uma grande abertura para o fantástico, dado

que o órgão se aproximou dos variados relatos sobre Oanis de uma forma aberta, sem

tentar reduzi-los a uma mera realidade subjetiva de representação ou imaginário. Em

muitas dessas observações, foram narradas situação insólitas das mais diversas, sendo

83 ALMEIDA, Rafael. Mariposas, ontologias alienígenas e seus quefazeres terrestres. ReACT – Reunião

de Antropologia da Ciência e Tecnologia. Campinas, SP, v.2, n. 6,2015, p.11-12. Disponível em:

http://ocs.ige.unicamp.br/ojs/react/article/view/1371. Acesso em: 14/03/16.

82

que a metodologia de pesquisa do órgão estabeleceu como foco a busca por

observadores credenciados, ao invés de buscar as narrativas “críveis”.

Além disso, seus membros não detinham um treinamento voltado para esse tipo

de investigação, tampouco a equipe do Sioani contava com a presença de físicos,

astrônomos ou engenheiro aeronáuticos. Além disso, considerando também com a

escassez de recursos da FAB, percebe-se as dificuldades com que os membros do órgão

lidavam, o que contribuiu para que seus objetivos maiores não fossem conquistados.

Por esse motivo, o Sioani acabou por enfrentar um desafio que o impossibilitava

de conferir uma inserção científica que fosse além de uma metodologia de pesquisa de

campo clássica, já que necessariamente as conclusões que o órgão pudesse elaborar por

meio desses eventos seria a constante afirmação daquilo que permanece inexplicável.

Ao conter aí um paradoxo em relação ao que se espera de uma conclusão ou

mesmo de uma explicação científica definitiva, a afirmativa do inexplicável não é capaz

de fornecer respostas a um fenômeno, ela apenas tem o poder de negar qualquer uma

resposta, pois, caso uma seja oferecida, ela carregará em si as características do evento

insólito, presente em sua narrativa originária, o que é bastante comprometedor do ponto

de vista científico.

Nesse sentido, esse fator de afirmação de uma “constante inexplicável” pode ter

influenciado no fechamento de atividades do órgão, que, em suma, produziu um amplo

material de narrativas fantásticas. Com o desenrolar de suas atividades, deve ter ficado

claro para o sistema que ele estava a se envolver com um desafio para além de suas

capacidades, dada seu propósito original, de buscar uma solução definitiva para o

fenômeno por meio de suas pesquisas de campo. Então, o que restaria ao sistema seria

apenas reafirmar, por meio dessas pesquisas, a existência de fenômenos inexplicáveis.

83

Capítulo 3

3.1 Operação Prato – Os militares protagonistas do insólito

Com o fim das atividades do Sioani em 1972, toda sua documentação e os

relatórios de suas pesquisas foram resguardados sob sigilo. Nesse mesmo ano, a IV

Zona Aérea de São Paulo, que abrigava as instalações do órgão, sofrera uma troca de

comando. Em decorrência dessa troca de comando, foi decidida a criação do IV Comar

(Comando Aéreo Regional) que trouxe maiores atribuições para essas duas novas

instituições. 84 Essa nova equipe de oficiais decidiu por abandonar as atividades

investigativas sobre Oanis.

No início da década 1970, a FAB já não mais dispunha de um órgão de

investigação direta sobre o fenômeno dos Oanis. No entanto, isso não significava que

a FAB deixaria de se envolver com o problema, como se observa na numerosa

documentação tornada pública hoje sobre a década de 1970. Nesses documentos se

destacam as mais diversas situações sobre objetos aéreos não identificados.85

Dentre essa documentação da década de 1970, a mais pertinente é aquela que

se refere à Operação Prato, que ocorrera apenas cinco anos depois do fim das atividades

do Sioani, em de 1977. A sua importância se deve pela intensidade do envolvimento

que os militares da operação tiveram em investigar um fenômeno extraordinário que

ocorria no litoral norte do Brasil e pela grande repercussão que essa operação teve a

partir das primeiras narrativas extraoficiais e oficiais que vieram ao público.

A repercussão da operação da FAB ao grande público se deve especialmente

pela produção de reportagens e documentários. A Operação Prato é hoje um dos casos

ufológicos de maior destaque, conhecido mundialmente, no que tange uma

documentação oficial que revela o envolvimento de um Estado na investigação de um

evento insólito relacionado ao fenômeno Oani.

A operação teve início quando o prefeito do município de Colares, Pará, fez um

pedido de socorro para o I Comar (Comando Regional da Força Aérea Brasileira), já

84 Essa informação acerca do fechamento das atividades do Sioani devido às novas atribuições da IV

Zona Aérea depois da criação do IV Comar pode se evidenciada na carta em resposta aos ufólogos que

foi a exposta no capítulo II. 85 Informações do Arquivo Nacional de Brasília, disponível em:

http://www.an.gov.br/sian/multinivel/multinivel_consulta4.asp?v_codReferenciaPai_ID=+1013345#un

defined. Acesso em: 19/03/2016.

84

que a população do município se encontrava numa situação desconcertante, em que era

relatada uma atitude agressiva por parte de Oanis. O fenômeno envolveu, naquela época,

não só a população do munícipio, mas de uma vasta região ao redor.

Figura 26 – Mapa com a distribuição dos sete Comandos Aéreos Regionais da Força

Aérea Brasileira e dos quatro Cindactas. (Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle

de Tráfego Aéreo).

Fonte: Leandro Maldonado (ano desconhecido) 86

86 Disponível em: http://www.defesabr.com/Fab/fab_quadro.htm. Acesso em: 21/03/2016.

85

Antes de dar início à narrativa da operação e dos eventos que ocorriam na

localidade, faz-se necessário justificar ao leitor que os documentos liberados sobre a

Operação Prato e que se encontram no Arquivo Nacional de Brasília não contemplam

o relatório completo da operação. O acervo comtempla um grupo disperso de fotocopias

reorganizadas daquilo que viria a ser o relatório da operação. Não existe capa, ou

mesmo um texto conclusivo que contenha a opinião do chefe da operação, na época, o

capitão da FAB Uyrânge Hollanda. Supõe-se que seu relatório final completo tenha

sido adaptado para liberação pública numa versão parcial.

Portanto, a documentação da FAB acerca da Operação Prato, que ocorreu entre

os meses de setembro e dezembro de 1977, é distinta daquela referente ao Sioani de

1969, por exemplo, em que se encontra um documento coeso. Ao contrário, a

documentação da Operação Prato disponível no Arquivo Nacional é dispersa, sendo

constituída de fragmentos de um relatório.

À semelhança dos casos registrados pelo Sioani, observa-se uma descrição

sucinta da observação, com dados gerais da coleta do material (localidade, dia e horário,

descrição do objeto, cor, forma, tamanho aparente, velocidade, altitude e distância

estimada e observadores). Em alguns desses casos existem croquis em forma de mapa

com a trajetória do Oanis, assim como o desenho a ele atribuído. No Anexo II encontra-

se uma amostra da documentação da Operação Prato presente no Arquivo Nacional de

Brasília com a descrição de alguns casos sobre a presença de Oanis, com croquis das

trajetórias dos mesmos e os desenhos a eles associados.

No entanto, diferentemente do Sioani, em que não existe um material acessível

em forma de entrevista com os membros e participantes do órgão, sobre a Operação

Prato existe um grande número de reportagens e documentários que veiculam

entrevistas com diversas pessoas que acompanharam as atividades da FAB durante a

operação, incluindo ai o seu chefe, Uyrangê Hollanda.

Portanto, comparada a esses relatos e entrevistas, a documentação oficial da

Operação Prato permanece, de certa forma, insípida quanto ao seu potencial narrativo.

Nela, percebe-se uma grande quantidade de informações detalhadas sobre diversas

situações, que incluem questionários sobre a observação de Oanis, mapas que

86

descrevem rotas da atuação desses objetos, além de desenhos e fotos atribuídos a eles

que indicam uma grande variedade de formatos e características de voo.88

No entanto, o conjunto desses documentos carece de uma continuidade

narrativa que possa fornecer os elementos necessários para uma compreensão

abrangente daquilo que ocorreu naquele tempo e espaço com aquela população. Ao

contrário da documentação do Sioani, por exemplo, em que se encontra uma

continuidade narrativa explícita a incluir também a síntese de algumas de suas

pesquisas de campo, a documentação da Operação Prato faz referência a numerosos

eventos particulares, mas permanece incompleta como um agrupamento documental

coeso.

Antes de discutir o envolvimento dos militares com a Operação Prato, é

interessante reconstruir os primeiros eventos sobre Oanis que eram relatados no litoral

norte do Brasil em 1977. Os primeiros relatos publicados em jornais sobre a presença

de luzes no céu, na região litorânea entre os estados do Maranhão e Pará, ocorreram já

no começo do ano, antes do envolvimento dos militares da Operação Prato com o

fenômeno, que ocorrera somente nos meses finais de 1977.

Um primeiro evento que ganhou notoriedade pública na região aconteceu no

final de abril daquele ano, numa experiência fatídica que envolveu quatro pessoas que

estavam a bordo de uma embarcação próxima a Ilha dos Caranguejos, na Baia de São

Marcos, a leste da ilha de São Luís do Maranhão, capital do estado. Um dos tripulantes

foi encontrado morto pelos seus companheiros em sua rede, sendo que outros dois

estavam com queimaduras de segundo grau e outro estava ileso.

Os jornais da época rapidamente associaram o incidente com as luzes no céu

que também vinham sendo relatadas na época. Aniceto faz uma interessante

retrospectiva acerca desses eventos relatados pelos meios de comunicação da época. O

autor, em referência a esse evento em particular, diz:

Rapidamente a mídia, incluindo televisão e rádio, criou uma história

fantasiosa, associando a tragédia ao fenômeno das luzes aéreas,

presente na região. Em julho noticiários de televisão de São Luiz

continuavam a falar de luzes misteriosas, sobrevoando o município de

Cajapió, nas proximidades da baia de São Marcos e a poucos

quilômetros da ilha dos Caranguejos. E no Pará, o jornal O Liberal

tratava de divulgar o caso para o estado, também noticiando o ocorrido

88 Sobre o relatório parcial da Operação Prato foram liberados um conjunto de 160 folhas datilografadas

produzidas pelo Ministério da Aeronáutica – Primeiro Comando Aéreo Regional. Nesses documentos

encontram-se mapas sobre a trajetórias de Oanis, recortes de jornais e fotos. Almeida (2015), faz um

estudo detalhado do envolvimento dos pesquisadores ufólogos sobre esse evento em particular, a contar

também com o vazamento de uma vasta documentação extraoficial sobre a Operação Prato.

87

em Cajapió e dizendo sobre o povo de São Luiz: “todos se

recordavam que, em meados de maio último, uma luz misteriosa e

muito brilhante, surgindo repentinamente, provocou a morte de um

homem a bordo de uma embarcação ancorada ao largo da ilha dos

Caranguejos”. Nenhuma das vítimas relatou a imprensa ou a

pesquisadores do fenômeno ufológico essa versão. O cenário estava

preparado. As luzes desconhecidas atacavam, queimavam e matavam

homens. Nascia um boato. 89

Jornais de outras unidades da federação mais distantes também divulgavam

essas notícias. Aniceto expõe uma edição de 30 de julho de 1977 do Jornal de Brasília,

que trazia uma matéria sobre as observações de estranhas luzes do Maranhão, ao passo

que informava o leitor também sobre uma extensa área geográfica a que eram atribuídos

os relatos dessas luzes. Segundo a matéria, habitantes de vários municípios interioranos

sofriam de crises nervosas, mas sem registros de queimaduras, numa clara referência

ao evento na Ilha dos Caranguejos. Assim, desvela-se a associação existente na época

sobre os relatos de luzes no céu, com a agravante de elas carregaram uma possível ação

hostil.90

Esse boato que associava às luzes no céu uma atitude hostil e até letal espalhou-

se juntamente com os novos casos que surgiam e que cobriam uma extensa área

geográfica, incluindo não só o Maranhão, mas também o estado do Pará. Nesse estado,

as primeiras publicações em jornais sobre eventos semelhantes ocorreram no município

Viseu, próximo à fronteira com o Maranhão.

Nesses novos rumores, era relatado que essas luzes sugavam o sangue das

pessoas, que rapidamente passaram a acreditar que esses objetos tinham uma origem

diabólica, em consonância com a religiosidade católica da maioria delas. O contexto

socioeconômico da população que habitava a região era, comparado às pessoas dos

centros urbanos, de penúria, como expos o estudo de Aniceto.

(...) o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) de

Viseu em 1980 era 0,307 de uma escala de 0 a 1, considerado baixo.

A dimensão renda per capita, uma das três consideradas no cálculo,

era 0,187. Na área rural, cenário principal dos supostos ataques, onde

estava a parcela majoritária de seus cidadãos, aproximadamente 84%,

faltavam os melhores empregos, os principais centros comerciais,

consequentemente, a renda devia ser bem inferior à do centro urbano

e da média apurada pelo IDH-M. E deviam contar com parcos recursos

89 ANICETO, H. A. R. Corpos Luminosos: Uma Operação Militar em Busca de Respostas. Niterói

RJ: Edição do Autor, 2014, p.2. Disponível em: http://pt.slideshare.net/helioaniceto7/corpos-luminosos.

Acesso em: 21/03/2016. 90 Ibid., p. 2.

88

públicos e privados. Era uma vida difícil, penosa, de subsistência.

(Ibid., p.3).

Era sob esse contexto, ligado a pessoas simples, de religiosidade

majoritariamente católica, espalhados sobre uma ampla região rural próxima a

pequenos municípios, que os rumores sobre luzes que queimavam e sugavam as pessoas

se espalhavam rumo ao oeste, passando pelo litoral maranhense e penetrando no Pará e

seu interior norte, até alcançar aquelas localidades presentes nos documentos da

Operação Prato. É nessa região, formada, por exemplo, pelo município de Vigia de

Nazaré, próximo à Belém, capital do estado, aérea de controle do I Comar (Comando

Aéreo Regional), em que os militares se alojaram e empreenderam investigações.

A pedido das autoridades do município de Viseu, a que ilha de Colares fazia

parte na época, os militares do I Comar enviaram uma equipe preliminar para investigar

o que ali ocorria, pois, naquele momento, vários povoados e municípios viviam o

abandono de seus moradores, pois, temerosos com fenômeno das luzes do céu, fugiam

de uma suposta perseguição desses objetos.

Carlos Mendes, jornalista do Estado do Pará, traz interessantes informações

sobre o acontecimento:

Recebi as primeiras informações por telefone através das pessoas

ligadas a cidade. Pediam para que o jornal fosse lá. As pessoas

estavam aterrorizadas com as aparições das luzes. Uma mulher estava

em sua casa à noite quando de repente viu um clarão e percebeu que

a luz brilhava em sua casa. O raio perfurou o teto e iluminou sua cama.

Ela contou que suas pernas e braços foram paralisados e no dia

seguinte ela notou algo estranho em seu peito. Haviam marcas como

se alguém o tivesse perfurado continuamente no mesmo local com um

alfinete. (...) Não entendiam o porquê dos ataques. Mas afirmavam

terem sido atacadas com violência. Eu tentava entender o motivo dos

acontecimentos e se as luzes realmente apareciam para aquelas

pessoas. Eu não vi. Mas pude ver a sensação de pavor e percebi que

aquilo, era um pedido de socorro. 91

A diretora de uma unidade de saúde na época que atendeu centenas de pacientes,

Dra. Wellaide Carvalho, achava curioso o fato de pessoas que moram às vezes mais de

cem quilômetros distantes uma das outras relatarem os mesmos eventos. Mas, ainda

assim, relutava em acreditar nas histórias. Acreditava que seus pacientes estivessem

participando de uma espécie de histeria coletiva. No entanto, em entrevista, Dra.

91 History Channel, Operação Prato: O caso Roswell brasileiro. 2005. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=TKR0T66xHOo. Acesso em: 20/03/2016.

89

Carvalho diz que, quando voltava para casa depois de um plantão no posto de saúde,

um evento a fez mudar de perspectiva.

Eu olhava para cima e vi aquilo que eu recusava em acreditar. Eu

pensava que aquilo era delírio, loucura invenções de pessoas em busca

de atenção. Mas eu vi o objeto flutuando na altura de um prédio de

dez andares. Não tinha cor de aço inoxidável, nem cor de prata, era

diferente de tudo que eu conhecia. Tinha uma cor nunca vista, se

movia em círculos. Estava em cima de minha cabeça. Fazia

movimentos circulares e voltava.92

Esse evento que fez com que Dra. Carvalho reconsiderasse as histórias que seus

pacientes contavam e então ela pressionou o prefeito a tomar alguma previdência para

que algo fosse feito em vista de acalmar aquela população que já apelidava os Oanis de

“chupa-chupa”. Os civis envolvidos acreditavam que esses objetos luminosos sugavam

seu sangue.

O prefeito enviou um pedido para o I Comar em Belém, que encaminhou uma

equipe que foi responsável por produzir um relatório inicial. Segundo o jornalista

Carlos Mendes, o teor desse relatório previa que, se algo não fosse feito, a saúde mental

dos mais fracos corria sérios riscos. Algumas cidades estavam sendo abandonadas por

seus cidadãos e os militares logo perceberam que lidavam com um fato incomum.

A segunda equipe que foi enviada a Colares, além de investigar o fenômeno em

si, tinha a missão de também tentar controlar o pânico que estava ocorrendo na

população local. Chefiada pelo capitão da FAB Uyrangê Hollanda, a operação foi

batizada de Operação Prato, em uma analogia à expressão portuguesa de “pires

voadores”.

Em depoimento, Nelsonita Costa da Silva, moradora de Colares que foi

entrevistada pela Rede Globo, diz: “pensava assim, que fosse, enviado por Deus né, um

castigo, né. (...) eles diziam (os militares) que não era para se apavorar, que aquilo né,

devia ter vindo do céu, do planeta, uma coisa, ai, ia confortando as pessoas” (parênteses

do Autor). Uma das missões paralelas da operação era tranquilizar uma população em

fuga.

Escolhido para chefiar a operação, Uyrangê Bolívar Soares Nogueira de

Hollanda Lima era capitão da intendência da Aeronáutica na época. Com ampla

experiência no contato com populações indígenas, o cap. Hollanda era um especialista

em operações de selva, tendo ingressado na FAB em 1958 aos dezessete anos de idade.

92 Ibid.

90

Atuou como oficial de finanças, piloto, paraquedista e era fluente em inglês e francês.

Durante o regime de 1964, chefiou uma unidade de combate à guerrilha no sul do Pará,

além de ter sido membro do A-2, serviço de inteligência da FAB. 93

Hollanda, como militar, tinha prestígio entre seus colegas, como se pode

observar no depoimento do brig. José Carlos Pereira, que diz o ter conhecido

pessoalmente, ao responder, em entrevista, sobre a existência da própria Operação

Prato.94

Durante quatro meses, munidos de câmeras fotográficas e filmadoras, a equipe

de Hollanda em Colares empreendeu uma minuciosa pesquisa, ao entrevistar os

habitantes da localidade e registrar também as notícias de contatos visuais e

perseguições por parte dos Oanis. Nas palavras de Hollanda, a operação teve início nas

seguintes condições.

A informação foi dada pelo prefeito da região aonde estavam

ocorrendo essas coisas, pedindo providências para o comandante do

primeiro Comar. O ofício foi recebido e foi mandado uma equipe de

agentes para que fosse tirar a limpo essa, esses avistamentos, saber

realmente o que estava acontecendo. Eu estava fora quando retornei,

me foi passada, o início da operação, a documentação inicial, de que

eu chefiasse a equipe que ficaria encarregada daí pra frente por quatro

meses, que ninguém sabia que era quatro meses, não sabia quanto

tempo, mas era uma operação contínua, não foi um fato, vou lá vou

olhar e vou voltar. Foram quatro meses de, dia a dia, noites inteiras

observando, vigílias, olhando o céu e perseguindo as informações que

eram dadas; ‘apareceu em tal lugar’, a equipe se deslocava para tal

lugar, aí depois, num certo tempo agente já tinha uma ideia mais ou

menos, das probabilidades de surgimentos, desses, desses, dessas

luzes, dessas coisas que estavam ocorrendo. E o resto era entrevistar

o pessoal, vê em loco.95

Hollanda narra seu primeiro contato com um Oani da seguinte forma:

Estava em cima de nós um objeto muito grande, acredito que uns trinta

metros de diâmetro, de forma discoide; nós ficamos olhando,

estupefatos, assustados, parado em cima da gente duzentos metros de

altura (...) O que eu vi não tinha me satisfeito até aquele momento.

Dali pra frente não tinha mais dúvida nenhuma. (...) Os agentes

93 Disponível em: http://www.ufo.com.br/artigos/uyrange-hollanda-um-verdadeiro-filho-do-brasil.

Acesso em: 20/03/2016. 94 Rede SBT. Ovnis Arquivo Secreto. 2010. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=kXnN8e5yiiI: Acesso em: 23/03/2016. 95 A entrevista de Uyrânge Hollanda ocorrera em 1997, quando este já estava na reserva. Ele convidou

os editores da revista UFO, Ademar José Gevaerd e Marcos Antonio Petit, para esclarecer sua

participação na Operação Prato, agora que estava aposentado e não precisava mais manter sigilo sobre a

operação. O material obtido pelos pesquisadores foi utilizado para a produção de várias edições da revista

UFO, sendo utilizado também em produções da Rede Globo e do History Channel. A entrevista completa

com o cel. Hollanda encontra-se disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ql0djKXTn7U.

Acesso em: 20/03/2016.

91

brincavam muito comigo, ‘e agora chefe, é e agora?’, não é que vocês

ganharam não, vocês não ganharam, eu cheguei a me convencer. Tá.

Porque vocês sempre estiveram certos, vocês chegaram antes de mim

na operação, e viram coisas que eu não tinha visto, o que eu vi não

tinha me satisfeito até aquele momento. (Ibid.)

Por meio dessas primeiras informações, nota-se que, diferentemente do Sioani,

em que os militares iam buscar depoimentos de pessoas que diziam ter tido contato com

Oanis, na Operação Prato, além de contar com esses relatos, os próprios militares na

FAB se viram nessa situação e puderam narrar suas observações, o que é explícito nas

entrevistas e no relatório parcial da operação que fora liberado para consulta pública.

Além disso, na Operação Prato, os militares da FAB lidavam com esse fenômeno de

forma reativa, indo ao seu encontro devido ao requerimento das autoridades do

município de Colares, Pará.

Comparado aos do Sioani, os documentos produzidos pelos militares da

Operação Prato contêm em si relatórios detalhados de observações feitas pelos

moradores locais, entrevistas, fotos, filmes, mapas e desenhos, sendo que boa parte

desse material, especialmente com relação a fotos e filmes, não foi liberado para

consulta pública por motivos desconhecidos.96

Sobre essa documentação, Hollanda diz:

Bom, fotografia mais de quinhentas, bem mais de quinhentas

fotografias, mas numa faixa de quinhentas (...) numa caixa, guardado,

esses negativos, com muito cuidado, tá. Em filme foram feitos quatro:

um era da força aérea, da FAB, foi mandado para trazer esse filme de

Brasília para mim, para que fosse feito esse filme, e três filmes outros

foram feitos e eram meus, eu comprei e mandei colocar na máquina

para que fosse feito esse filme, esses filmes foram, depois que o

relatório foi mandado para Brasília, tempos depois eles mandaram

pedir os negativos, filmes, mais as fotografias, e os filmes, que nós

tínhamos feito na filmadora, o que tinha sido filmado. Tudo foi

encaminhado, foi entregue ao comandante, de lá encaminhado ao

Comando em Brasília e eu não sei realmente aonde está. Não sei. Eu

nunca mais ouvi falar dos meus filmes, eu até brincava, as vezes

quando entrava em contato, ‘Cadê meus filmes? Ah, está guardado’. 97

96 Segundo Alexandre Emílio Spengler, coronel da Aeronáutica responsável pelo Serviço de Informações

ao Cidadão do Ministério da Defesa, os documentos solicitados que ainda não foram liberados se

encaixam em quatro categorias: encontram-se à disposição nos arquivos da Marinha, do Exército e no

Arquivo Nacional; não foram encontrados; foram destruídos; nunca existiram. Disponível em

:http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-04-19/ministerio-da-defesa-e-ufologos-abrem-

canal-para-troca-de-informacoes-sobre-ovnis. Acesso em 12/03/2016. 97 A entrevista completa com o cel. Hollanda encontra-se disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=ql0djKXTn7U. Acesso em: 20/03/2016.

92

Hollanda revelou também em entrevista que tinham conhecimento do incidente

na Ilha do Caranguejo, a respeito da pessoa que havia morrido meses antes e em que

outras duas ficaram feridas. Hollanda discute a possibilidade de que a energia que

irradiava do Oanis pudesse ter sido a responsável pela morte e pelas queimaduras

daquelas pessoas. “Na Ilha dos Caranguejos houve uma, o sobrevoo de uma

embarcação, houve morte, de um pescador, os pescadores ficaram queimados pela

radiação dessa, dessa, dessa energia que movia essa nave, um deles morreu.”98

Os muitos casos de queimaduras, que causavam o real pânico na população de

Colares e cercanias, faziam suspeitar uma possível intencionalidade hostil por parte dos

Oanis. Quando os entrevistadores pediram uma explicação de Hollanda a respeito dessa

suposta hostilidade, ele respondeu:

(...) os nossos, os habitantes nativos, que atiravam, atiravam com

arma, jogavam foguete, estes foguetes de São João, eles que reagiam

de forma agressiva. Deles nunca, a própria, os próprios relatos diziam

que viam seres que eles apontaram era uma, uma, como se fosse essa

pistola de sinalização, de vacinação; eles apontavam primeiro um raio

verde, a pessoa ficava meio adormecida, meia amortecida, dormente,

e logo em seguida o raio vermelho, esses seres nunca fizeram mais do

que isso, nunca fizeram nada; mesmo nas pessoas que apontavam

armas. (Ibid.)

Em seguida, Uyrânge relata um caso exemplar de profunda assimetria

tecnológica, ao narrar o momento em que um morador chegou a apontar com uma

espingarda a um Oani:

(...) teve um relato de um marceneiro, um senhor de idade, que ia

sendo focado por uma nave dessa, ele apontou uma arma; ela

respondeu com uma luz, ele ficou dormente sem mobilidade por uns

quinze dias, ele não conseguia andar; mas não foi, não tinha sido

alvejado por nenhum projétil, não foi, não houve nenhuma agressão,

não ficou nenhuma marca, somente um choque, de uma energia mais

forte, para que ele não conseguisse, é, o objetivo dele que era atirar,

eles paralisaram, a pessoa, através de uma luz que soltava uma energia

que ninguém sabe o que que é. (Ibid.)

Ainda assim, ao lado dessas numerosas narrativas incomuns, a maior evidência

material desses objetos, no contato entre Oanis e os moradores da região, era uma marca,

uma pequena queimadura, registrada pela Dra. Carvalho, clínica geral da unidade de

saúde presente em Colares, em diversas pessoas. Uyrânge destaca:

Esse objeto, essa luz, essa incidência vinha nas mulheres,

preferentemente nas mulheres, no seio esquerdo e marcava, ficava

uma queimadura, no lugar e marca como se fosse furada de agulha,

98 Ibid.

93

um pontinho, dois pontinhos, e eles diziam que eles estavam sugando,

estavam chupando o sangue das pessoas, e virou o “chupa-chupa”,

chupando o sangue, “chupa-chupa”. Era um nome engraçado,

esquisito, mas foi isso que os nativos deram para essa aparição. (Ibid.)

A Dra. Carvalho, afirma que dois de seus pacientes enviados para Belém haviam

morrido, talvez pelas reações nervosas e emocionais acerca das ações dos Oanis sobre

elas, pois, em um desses casos, a pessoa chegou em sua presença inconsciente,

carregada pelos familiares, com o corpo totalmente enrijecido e estirado, de tal modo

que seus familiares tiveram que a colocar em um automóvel pelo porta-malas.99

Ao relatar suas impressões sobre as queimaduras, a doutora disse: “as marcas

causadas pelas queimaduras ficavam pretas de repente, como se estivessem acontecido

há dez dias, mas muitas vezes, haviam sido feitas à dez minutos!”100 Daniel Rebisso

Giese, outro médico que acompanhou os eventos na Ilha Colares, também descreveu

suas impressões:

As marcas ficavam geralmente na altura do tórax. Havia marcas nos

ombros, nos peitos, na coxa, na perna e geralmente as queimaduras

eram pequenas, não eram grandes, mediam no máximo 15 cm de

diâmetro. A Dra. Wellaide observou pequenas papilas, como se

fossem pequenas injeções no local das feridas. (Ibid.)

A meticulosidade da pesquisa de Hollanda em seguir as pistas dadas pelos

moradores da região, acrescida pelo contato que teve com os oficiais militares de sua

equipe, fez com que o relatório apresentasse vários detalhes dessas entrevistas, além da

atuação dos militares junto à população paraense, segundo os inúmeros registros do

impacto do “foco”. Estão incluindos aí mapas dos percursos que foram traçados pelos

Oanis: as pessoas estavam sujeitas a serem perseguidas e queimadas, mesmo que sem

a hostilidade da forma que sugere Hollanda. Tal fato indica que, talvez, a maior parte

dos danos associados às pessoas vítimas do “chupa-chupa” vinham da própria reação

emocional, isto é, o choque com uma situação desconcertante.

Quando foi questionado pelos pesquisadores sobre as possíveis intenções dos

Oanis que atuavam sobre a população paraense, Hollanda, favorecido pela experiência

que teve com os índios da selva amazônica e no diálogo informal com diversos

pesquisadores nacionais e internacionais que vieram estudar o incidente em Colares,

expôs o que acreditava sobre a possível intenção desses Oanis e seus tripulantes:

99 History Channel, Operação Prato: O caso roswell brasileiro. 2005. 100 Iden.

94

(...) eu já tinha intuído uma, uma solução, uma, formado uma ideia a

respeito do que, o que que eu faria se tivesse no lugar deles, por que

que eles estavam fazendo aquilo, como eu te disse, eu fui oficial de

operações especiais de selva, fiz muita operação de selva, e a gente

tinha muito cuidado, e eu tinha muito cuidado de chegar, me

aproximar de um agrupamento indígena, e sem querer, eu transmitir

a eles, doenças que eu portava e que estavam perfeitamente

equilibradas em meu corpo, eu tinha anticorpos que mantinham sobre

controle essa doença, todos nós temos, é, varíola, sarampo, catapora,

difteria, tuberculose, gripe, gripe pra eles é um negócio que mata, e

eu tinha muito cuidado, na minha aproximação, por que eu

involuntariamente, tivesse colocando naquela população indígena,

algum veículo transmissor de doença, eu tinha muito essa

preocupação, da mesma forma eu raciocinei que eles também

tivessem esse cuidado, de se precaver, de um contato necessário

futuro; isso prevê que futuramente teriam um contato, ou terão um

contato, aberto, franco, aproximado, sem nenhum problema mais

nenhum. Eu, se fosse eles, faria a mesma coisa, eu coletaria material

para conseguir uma forma de me proteger, inserir no meu corpo

aqueles anticorpos, desenvolver uma coisa de forma sorológica, que

eu pudesse proteger meu corpo do contato conosco. E isso aí foi

passado pro Rafael Sempere Durá que achou que era a ideia mais

lógica, a mais perfeita explicação que ele tinha obtido, que ele tinha

daquele fato era o que eu estava passando para ele naquele momento.

A mesma ideia Bob Prat, que conversando com Jacques Valée ele

disse, a coisa mais lógica realmente é essa sua ideia.

Uyrânge Hollanda, um oficial de operação de selva, colocou-se no lugar dos

índios para tentar chegar em alguma explicação sobre o motivo dos Oanis emitirem

raios de luz sobre as pessoas como uma preparação de contato. A relação biológica

entre ocidentais e índios é a experiência que ele encontra para tentar explicar a relação

entre alienígenas e a humanidade.

A lógica é invertida. São os alienígenas, portadores de uma tecnologia superior,

que se protegem do contato com os humanos, coletando material e produzindo vacinas.

Eles se preparam para se protegerem de nossas doenças. Se os ocidentais podem levar

doença aos índios, a espécie humana pode levar doenças aos alienígenas.

Naturalmente, para os pesquisadores que estudaram o incidente em Colares,

Uyrânge era uma testemunha chave. Convocado pelo Estado em missão oficial, sua

equipe tentou acalmar uma população em pânico, ao passo que produziu um relatório

vasto que relatava em minúcias o que ocorria com essa população.

Por isso, a sugestão de Hollanda para tentar explicar a provável intenção desses

tripulantes de Oanis foi levada em conta por diversos pesquisadores da ufologia que

entraram em contato com ele, considerando assim a hipótese de coleta de material

humano como a mais razoável.

95

Comparando as informações presentes no incompleto relatório da Operação

Prato presente no Arquivo Nacional de Brasília com a entrevista de Hollanda (1997),

narrativas separadas por quase vinte anos, notamos certa coerência temática. Aquilo

que os documentos relatam, Uyrânge detalhou em entrevista, acrescentando outros

dados a mais. Uyrânge disse ainda que na época, durante a operação, tudo que ele

dissesse soaria como oficial, por isso manteve segredo acerca do seu envolvimento com

a operação.101

A morte de Hollanda poucos meses após sua entrevista é capaz de gerar grandes

debates ainda hoje. No entanto, mesmo que as teses conspiratórias possam reunir

argumentos suficientes que mantenham a suspeita de assassinato, a personalidade

depressiva de Hollanda e suas outras tentativas de pôr fim em sua vida favorecem o

argumento do suicídio.

No entanto, em ambas as suspeitas, a morte de Hollanda está relacionada à

Operação Prato, seja por ele dizer o que sabe, seja pelo sentimento de missão não

cumprida. Assim, essa operação é um dos mais significativos eventos do envolvimento

da FAB com o fenômeno dos Oanis, já que Hollanda sempre fora reconhecido no meio

militar. A operação ainda alcançou uma repercussão mundial devido especialmente à

produção cinematográfica sobre ela, que pôde atingir um grande público.102

101 Hollanda foi encontrado morto em seu quarto três meses após a entrevista dada aos ufólogos.

Enforcado por um cinto de roupão, Hollanda, no inquérito policial, cometera suicídio. Segundo o

brigadeiro José Carlos Pereira, que o conheceu pessoalmente, a depressão de Hollanda pode ter sido

agravada pelo sentimento de missão não cumprida, versão mantida pelos pesquisadores que o

entrevistaram e que tiveram contato com ele em outras circunstancias e que afirmam que Hollanda já

havia tentado suicídio em outras ocasiões. A morte de Hollanda levanta várias interpretações, desde

aquelas que incluem uma conspiração contra a pessoa que revelou eventos que deveriam permanecer

secretos, até aquelas que afirmam um quadro de depressão profunda, agravada agora pelo “fantasma” de

uma missão não cumprida, já que Hollanda era conhecido por ter um espírito militar em que isso não

tolerável. Para mais informações, ver a entrevista do piloto da operação, Ubiratan Pinón Frias em: Rede

Globo, Linha Direta Especial, Operação Prato. 2005.

https://www.youtube.com/watch?v=gUrxu2p8evM 102 Entendo aqui como produção cinematográfica os diversos formatos audiovisuais que tiveram como

roteiro a Operação Prato. Sobre esse evento em particular, existe uma grande variedade de material

produzido, desde reportagens da época, que remontam a um período em que os militares não haviam se

envolvido ainda com o fenômeno, até livros, trabalhos acadêmicos e documentários televisivos que nesse

caso ressaltam, em especial, o papel da FAB acerca de eventos insólitos que ocorreram no norte do Brasil

no final da década de 1970. Destacam-se as publicações editoriais de Arnoni e Cianfa (2007) e Aniceto

(2014). As principais publicações acadêmicas nacionais que discutem a Operação Prato podem ser

encontradas em Suenaga (1999), Schramm (2011) e Almeida (2015). A mais recente publicação

cinematográfica em parceria com a Floresta Vídeo e com a TV Cultura do Pará é o filme Chupa-Chupa:

a história que veio do céu. Direção de Adriano Barroso e Roger Elarrat, 2007. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=RFRAiBo06iI. Acesso em: 17/03/2016. Além desse filme,

encontramos também o seguintes materiais jornalísticos: Rede Globo, Linha Direta Especial: Operação

Prato. 2005. Disponível em: https://vimeo.com/95162193. Acesso em: 17/03/2016 e History Channel,

Arquivos Extraterrestres: O Caso Roswell Brasileiro. 2005. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=TKR0T66xHOo. Acesso em: 21/03/2016.

96

Durante a produção do programa da Rede Globo, em 2005, foi remitida para a

FAB uma carta contendo dezenas de perguntas sobre a operação. Determinados trechos

da resposta da FAB foram vinculados na reportagem. Sobre as atividades da instituição,

a resposta diz que:

(...) muitas vezes se pode imaginar que a Aeronáutica realiza

investigações científicas a respeito de todo tipo de fenômeno aéreo.

Na verdade, o Comando da Aeronáutica não dispõe de uma estrutura

especializada para empreender tal atividade. 103

É interessante notar que a FAB em 1969 dispunha de um órgão investigativo

exclusivamente dedicado para estudar esse tipo de fenômeno aéreo. As investigações

do Sioani foram baseadas em relatos indiretos, de segunda mão, por assim dizer. Ao

contrário, na Operação Prato, os próprios militares da FAB relataram as mais diversas

observações sobre Oanis.

Sobre o conteúdo do relatório da Operação Prato, a carta diz:

Com relação à Operação Prato, o Comando da Aeronáutica possui

apenas registros baseados em dados que teriam sido repassados por

um dos participantes dessas atividades. Foi produzido um relatório

com diversos depoimentos, aparentemente sem fundamentação

científica. (Ibid.)

A falta de fundamentação científica não é somente argumentada para evitar

qualquer tipo de explicação, ou mesmo para desqualificar o relatório da operação. Ela

é real, pois, mesmo se os militares quisessem, nessa carta, expor o que o comandante

da operação acreditava, suas impressões sobre a intenção dos Oanis etc., como foi

exposto sobre o seu ponto de vista acerca de um preparativo de contato, essa afirmação

não passaria de uma suposição. Ainda assim, mesmo com uma estrutura especializada,

a FAB não conseguiu chegar a nenhuma conclusão sobre esses fenômenos, como foi

discutido no Capítulo II, sobre as atividades do Sioani.

Nas narrativas audiovisuais lançadas ao grande público, como na produzida pela

Rede Globo e pelo History Channel, encontra-se um roteiro bastante similar: as

recriações de certos eventos, entrevistas com as mesmas pessoas especiais (prefeito,

médica local que atendia os moradores, jornalistas, chefe da operação etc.), takes de

documentos oficiais vazados em conjunto com a narração do texto e uma sonoplastia

de suspense que tende a conduzir o espectador à suposição extraterrestre do caso em si.

103 Rede Globo, Linha Direta Especial, Operação Prato. 2005. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=gUrxu2p8evM. Acesso em: 20/03/2016.

97

É interessante notar que ambas as produções focaram sua narrativa na exposição

extraterrestre do fenômeno, inclusive sendo essa a explicação de Hollanda para os

eventos. No entanto, por meio dos próprios documentos da operação, pode-se distinguir

outros tipos de possibilidades que também são interessantes. No exemplo a seguir, nota-

se um desenho atribuído a observação do voo de um Oani que se assemelha em sua

forma aos projetos de aeronaves “asa voadora” discutidos no primeiro capítulo dessa

pesquisa.

Figura 27 – Desenho atribuído a observação de um Oani presente no relatório

da Operação Prato de 1977. Nota-se sua semelhança às aeronaves antirradar discutidas

no primeiro capítulo.

Fonte: Força Aérea Brasileira (1977)

98

É interessante notar esse documento referente à Operação Prato, porque nele

consta um desenho que se assemelha em vários aspectos às aeronaves antirradar que

temos conhecimento hoje. Essas aeronaves vão desde os primeiros projetos alemães da

Segunda Guerra Mundial, como o Horten 2-29, até a aeronave B-2 Spirit, estadunidense.

Figura 28 – Aeronave Northrop YB-49, lançada em 1947. Nota-se sua

semelhança com o desenho anterior, atribuído a um Oani.

Fonte: USAF (ano desconhecido)

Como foi exposto nas figuras 23 e 24, existe uma semelhança no formato

descrito do Oanis observados na praia do Ararirá, em Santarém, Pará, com alguns

projetos radicais de aeronaves que foram desenvolvidos já desde a Segunda Grande

Guerra, como a aeronave da Northrop YB-49, que faz parte daqueles projetos de

formato “asa-voadora” e de tecnologia antirradar.

Essa linha de pensamento, que se configura apenas como uma suspeita, é capaz

de sugerir que os acontecimentos que assombraram a população de Colares e

redondezas faziam parte de um teatro de testes de guerra psicológica, que utilizavam

99

tecnologias que produzam ilusões, ou mesmo falsas impressões de coisas

extraordinárias que podem ocorrem nos céus. O fenômeno que ocorreu nos céus da

Noruega no dia 09 de dezembro 2009, quando logo nas primeiras horas da manhã fora

observado um estranho fenômeno aéreo, que foi registrado por várias pessoas e que

produz até hoje um debate controverso, amplamente divulgado pela rede, jornais etc.,

é um exemplo de um outro possível teste de guerra psicológica.

Figura 29 - A “espiral da Noruega”. O fenômeno em si carrega uma qualidade

imagética poderosa, capaz de suscitar várias suspeitas acerca de sua origem.

Fonte: Jan-Petter Jørgensen (2009)

O evento gerou inúmeras explicações das mais diversas. Algumas delas incluem,

inclusive, uma mensagem para o presidente dos EUA, Barack Obama, que estava em

Oslo para receber o prêmio Nobel da Paz, no dia seguinte da ocorrência da misteriosa

luz. No entanto, poucos dias após o ocorrido, o Ministério da Defesa da Rússia afirmara

por meio de seu porta-voz que o fenômeno ocorrera devido à falha de um míssil Bulava,

que estava em fase testes e que fora lançado por um submarino. 104

Essa explicação oficial, mesmo que não sendo suficiente para explicar de forma

definitiva o evento, que ainda é analisado por especialistas, a exemplo do artigo de

104 O fórum de debate above the top secret reúne um grande número de publicações sobre o evento.

Disponível em: http://www.abovetopsecret.com/forum/thread539943/pg1. Acesso em: 20/03/2016.

100

Tony Spell, 105 é capaz de fornecer elementos interessantes para os eventos que

ocorreram na Operação Prato, no que tange aos efeitos visuais que certas tecnologias

podem explorar.

A explicação oficial russa que confere diz ser a espiral da Noruega o resultado

da falha de um míssil levanta a suspeita da existência de armamentos especialmente

desenvolvidos para produzir efeitos psicológicos diversos, como criar ilusões

luminosas no céu, à semelhança do que ocorrera na Noruega, que, antes do

posicionamento do Ministério da Defesa russo, abria a possibilidade para explicações

fantásticas.

Nesse sentido, dentre os fenômenos que são atribuídos à Operação Prato, é

interessante também registrar a possibilidade de que parte dos relatos atribuídos a Oanis

pudessem ser oriundos de testes de sofisticadas armas secretas, capazes de criar ilusões

celestes, usadas juntamente com aeronaves radicais, a exemplo do Oani em formato de

“asa voadora”, num exercício de guerra psicológica em que esses elementos

trabalharam coordenadamente. O exemplo do míssil russo é interessante porque mesmo

se um teste falho tenha produzido inúmeras abordagens fantásticas, devido aos efeitos

visuais, imagine-se uma arma produzida especialmente com essa finalidade, com o

potencial de criar efeitos psicológicos.

A esses elementos poderia somar também testes de raios lasers, que explicariam

os feixes luminosos que atuavam na população, como uma tecnologia militar que

somente viera ao mercado e ao conhecimento público décadas depois. Nessa concepção,

a região de Colares e cercanias teria sido escolhida como palco de teste devidamente a

sua baixa densidade demográfica e seu grande isolamento, sendo que a cobertura

ufológica do evento, especialmente pelos órgãos de imprensa, e sua temática

extraterrestre ofereceria a camuflagem ideal para esse tipo de teste.

Além do mais, como aborda o cel. Videira, hoje, com o conhecimento que se

tem sobre os Vants (Veículos Aéreos Não Tripulados), a Operação Prato tomaria outros

rumos, já que certos Oanis observados poderiam ser investigados segundo a

possibilidade de serem oriundos de “plataformas de espionagem de potências

estrangeiras”, como vetores aéreos não tripulados. 106 Em seu artigo, Videira não aponta

105 SPELL, T. Estimation of the Location, Trajectory, Size, and Altitude of the “Norway Spiral”

Phenomenon. 2012. Disponível em: http://www.spellconsulting.com/reality/Norway_Spiral.html.

Acesso em: 23/03/2016. 106 VIDEIRA, A. C. Apreciação de Sinais Inteligentes – O Novo Sistema de Investigação de Objetos

Voadores Anômalos. Ideias em Destaque. Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, maio/ago. 2009.

101

quais seriam os possíveis motivos da espionagem estrangeira, mesmo sendo a região

norte Brasil um rico local de extração de urânio, havendo inclusive notícias acerca do

contrabando desse estratégico minério.107 Ainda assim, há de se considerar também a

possibilidade desse evento fazer parte de um teste de uma guerra não convencional,

tendo a região sido escolhida devido sua vastidão, proximidade com o mar e pelo seu

isolamento de grandes centros urbanos.

No entanto, para além de todas essas suspeitas e conclusões controversas, a

publicação midiática e o devido conhecimento público da Operação Prato e dos

fenômenos que ocorriam na região tiveram um amplo desdobramento sobre a

população que vive em Colares hoje. A cidade se tornou destino de turismo de curiosos

e de pesquisadores de todo o mundo que vem principalmente a Ilha para fazer suas

próprias entrevistas com as vítimas do chupa-chupa, visitar os locais de observações e

conversar com seus anciões sobre os eventos que assolavam a Ilha nos anos de 1977 e

1978.

Sobre essa influência dos fenômenos que ocorreram em Colares e região e que

vão além do envolvimento dos militares na Operação Prato, Maria Albuquerque diz:

O acontecimento dos ufos impactou a vida dos moradores,

influenciando o cotidiano da ilha sob diversos aspectos: cultural,

turístico, econômico, religioso. Exemplos dessa invasão cultural dos

ufos são as estratégias de marketing para atrair turistas interessados

em contatar seres extraterrestres, bem como a venda no comércio e

nas praias locais de suvenires cujo motivo central são naves espaciais

ou a típica criatura verde com cabeça e olhos grandes que caracteriza

o clássico imaginário sobre os ETs. Além disso, é possível visualizar

figuras de naves e de extraterrestes em vários pontos da ilha, tais como

barbearias, mercados, praças, bares, muros de casas; essas

representações imprimem em seu cotidiano uma identidade singular.

O imaginário sobre os ETs também atravessa o carnaval de Colares,

que conta com o famoso Bloco do ET. O bloco reúne centenas de

brincantes que cantam e relembram esse acontecimento, contribuindo,

dessa forma, para tornar constantemente viva essa memória. 108

Por mais insólitos que puderam ser os eventos que ocorreram na região e por

mais controversas que possam ser as fontes militares a eles destinados, o incidente em

p. 23. Disponível em: http://www2.fab.mil.br/incaer/images/eventgallery/instituto/Ideias/Textos/

ideias_30.pdf. Acesso em 21/03/2016. 107 Disponível em http://istoe.com.br/21854_O+CONTRABANDO+DO+URANIO+BRASILEIRO/.

Acesso em 21/03/2016. 108 ALBUQUERQUE, Maria B. B. Narrativas orais sobre religiosidade e saberes escolares no município

de Colares (PA). História Oral. v.18, n2, p. 179-206, jul./dez 2015. Disponível em:

http://revista.historiaoral.org.br/index.php?journal=rho&page=issue&op=view&path%5B%5D=36&pa

th%5B%5D=showToc. Acesso em: 21/03/2016.

102

Colares repercute até hoje no cotidiano e na vida social de toda aquela população, o que

demonstra que, mesmo sob um posicionamento cético quanto a esses documentos e

relatos, há de se admitir que algo extraordinário ocorreu naquela localidade. 109

Na próxima sessão, será discutido o primeiro momento em que militares da

FAB narraram para a imprensa uma missão de interceptação a Oanis logo após seu

cumprimento. Essa missão ocorreu nos céus de São Paulo, Minas Gerais e Rio de

Janeiro no dia 19 de maio de 1986. Esse evento, que ficou conhecido como “A noite

oficial dos óvnis”, é um marco histórico devido justamente à postura aberta da FAB,

que logo após a missão de interceptação a cerca de 21 Oanis que invadiram o espaço

aéreo nacional, convocou a imprensa para uma cerimônia no Palácio do Planalto, afim

de prestar esclarecimentos sobre os detalhes da missão.

3.2 – A tentativa de interceptação de Oanis em maio de 1986

O problema que muitas vezes afronta os militares dos centros de controle e

defesa do espaço aéreo brasileiro é saber como lidar com presenças desconhecidas,

sendo que as únicas informações disponíveis são aquelas dadas pelos radares, que

apontam uma presença, uma localidade, uma velocidade e um tamanho aproximado. É

sobre esse tipo de situação que será exposta uma missão da FAB, que teve como motivo

inicial a detecção, nos radares, de tráfegos aéreos não autorizados em uma importante

região industrial do Brasil.

Enquanto na Operação Prato os militares da FAB atuavam em uma região

isolada no norte do país, de baixa densidade demográfica e em contato com populações

ribeirinhas, em maio de 1986 a FAB teve que lidar com a invasão do espaço aéreo

109 Nessa descrição e análise da Operação Prato, a preferência pela transcrição do relato oral, deveu-se

pelo fato do relato oral carregar em si uma qualidade informacional capaz de transportar o leitor

diretamente ao evento em uma dimensão privilegiada. Comparado à fonte documental, em suas

dimensões técnicas, descritivas e científicas, que não obstante, enfatiza os detalhes e o agrupamento de

pormenores, na narrativa oral esses detalhes são omitidos segundo à própria dinâmica da expressão

linguística que tende a se concentrar nos elementos mais expressivos daquilo que é narrado, no momento

da entrevista. Apesar da análise e descrição da Operação Prato ocorrer nesta pesquisa de uma forma

sintética, ela carrega uma quantidade de elementos intrigantes, oriundos de diversas fontes, desde oficiais

a extraoficiais, de história oral, de jornais impressos, presentes também em documentários, livros,

publicações acadêmicas etc. A Operação Prato carrega em si uma profundidade temática com potencial

de fazer parte de uma pesquisa de doutoramento totalmente dedicada a ela. No entanto, como esta

pesquisa fora organizada segundo uma cronologia de longa duração, ao discutir o desenvolvimento do

emprego estratégico do poder aéreo a partir das Duas Grande Guerras, até Guerra Fria e a posição

brasileira quanto ao fenômeno dos Oanis desde os anos de 1950 até hoje, não seria possível excluir essa

operação sem correr o risco de omitir um grupo de fontes de grande interesse sobre o envolvimento da

FAB com os Oanis, quiçá, o mais controverso e intrigante.

103

nacional por Oanis em centros urbanos e regiões densamente povoadas e industriais

como São José dos Campos, em São Paulo.

O evento teve início com a detecção nos radares dos centros de controle do

surgimento de tráfegos não autorizados em São José dos Campos no dia 19 de maio de

1986. O Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo de Brasília

(Cindacta I) acionou o avião Xingu que se aproximava da cidade, copilotado pelo

comandante Alcir e que tinha como piloto o recém empossado presidente da Petrobrás

na época, o coronel da aeronáutica Ozíres Silva, em viagem de volta para São Paulo,

ao retornar da cerimônia de posse em Brasília.

Figura 30 - Aeronave executiva modelo Xingu da Embraer.

Fonte: Centro Histórico Embraer (ano desconhecido)

Quando Ozíres pediu autorização para o centro de controle para aproar a

aeronave que estava se aproximando de São Paulo (sair da altura de cruzeiro para uma

altura menor, antes do pouso), o operador do centro informou que haviam três alvos

não identificados nos radares, perguntando a Ozíres se ele via algo estranho no ar.

Ozíres não confirmou nenhum contato visual, mas pediu autorização para efetuar a

descida e quando chegou próximo a São José dos Campos, ele perguntou para o

operador do centro de controle a localidade desses alvos. 111

111 Ozíres relata essa sucessão de acontecimentos em entrevista para a TV Infa (Instituto Nacional de

Investigação de Fenômenos Aeroespaciais) no ano de 2006. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=S-YbRyjL2kY. Acesso em: 20/03/2016.

104

O operador indicou a localização de um deles, que estava sobre São Paulo, e

Ozíres voou naquela direção. A partir desse voo que ele narra o primeiro objeto que

pode observar como tendo um formato oblongo e de cor avermelhada, à semelhança de

um astro “o que não era astro sem dúvida nenhuma, era porque estava no radar e astro

não aparece no radar, então era um objeto qualquer.”112

Sobre a reação do objeto em sua presença, Ozíres diz que, na medida em que se

aproximava, ele desaparecia aos poucos. O gradual desaparecimento do objeto era

confirmado por outros pilotos, que conversavam, àquele instante, por rádio: “isso foi

confirmado por um piloto da Varig, (...) e ele também observou isso, tinha um avião da

FAB um F5, ficou todo mundo na conversa ‘tá sumindo, tá sumindo’ e realmente ele

estava sumindo.” 113

Após informar ao Centro de Brasília sobre o contato visual e o sucessivo

desaparecimento do “objeto astro”, Ozíres decidiu fazer contato visual com outro alvo

do radar. Com a nova localização dada pelo operador do cento de controle, Ozíres foi

ao encontro do alvo. “Voei na direção desse objeto, de fato vi um ponto no espaço, e

esse ponto no espaço, eu cheguei até a circundá-lo; ele estava num nível mais baixo que

o avião, era noite, portanto não era possível baixar mais da altitude que eu estava.” 114

Ozíres afirma que não poderia descer mais por estar de noite em uma região

montanhosa, ao sul de Taubaté. Esse novo objeto estava bem próximo ao solo e ele

tinha a forma de uma “grande lâmpada florescente, gigantesca, cumprida”, que poderia

ser um engano, porque os radares não poderiam detectar aquela presença pelo fato da

circunferência da Terra não permitir a detecção de objetos próximos ao solo. 115

No entanto, Ozíres admitia também a possibilidade de um problema de

comunicação com o centro de controle, já que o objeto poderia ter descido próximo ao

solo no momento de sua aproximação.116 Ainda assim, esse era apenas o prelúdio de

112 Ibid. 113 Ibid. 114Rede Globo, Fantástico, 1986. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UsTzHsGWkpY.

Acesso em: 20/03/2016. 115 TV Infa, Dr. Ozires Silva Fala Sobre o Seu Avistamento na Noite Oficial dos OVNIs, 2006.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=S-YbRyjL2kY 116 Em uma passagem de sua entrevista para a TV Infa, Ozíres diz que seu copiloto questionou sua

decisão de ir atrás dos Oanis, temeroso “Eu diria, para, uma espécie de medo do Alcir, pedi autorização

para proar, e o Alcir, ficava me puxando dizendo “o senhor não sabe que aqueles que perseguiram esses

troços acabaram desaparecendo?”. Eu falei bom, vamos dar uma olhada pra ver o que que é esse negócio,

então eu aproei, na direção desse objeto e fui voando na direção. (...) O Alcir estava impactado, ele ficou

realmente incomodado, evidentemente eu era o comandante do avião e ele estava como copiloto,

evidentemente à bordo a autoridade maior do avião é do comandante e ele realmente não contestou minha

decisão de acompanhar esses objetos, mas ele pisou no chão em São José como se estivesse nascido de

105

evento bem mais interessante para os militares da FAB. Na mesma noite do encontro

do cel. Ozíres Silva e de seu copiloto Alcir com o inesperado, os centros de controle

detectaram outros 21 objetos voadores não identificados sobre os céus de São Paulo e

do Rio de Janeiro em alta velocidade e em formação.

A violação maciça de objetos aéreos não identificados, em uma região de

intenso tráfego de aeronaves, testou a prontidão da FAB. A reação dos militares do

Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo (Cindacta) foi a de

enviar, preparados para qualquer situação, cinco aviões supersônicos ─ dois Mirage e

três F5 ─ com a missão de fazer contato visual, identificar os objetos e interceptá-los.

Figura 31 – Mapa em que estão representadas as posições do Oanis detectados, os

centros de controles e a bases aéreas. 117

Fonte: RAAD, Mariana (2006)

novo”. De cera forma, isso demonstra que as notícias sobre pilotos e aeronaves que desaparecerem em

perseguições à Oanis tem um certo impacto na vida daqueles que pilotam aeronaves. 117 RAAD, Mariana. A Noite. Força Aérea. Rio de Janeiro: Action Editora, no 43, ago. 2006, p.44-55.

Infelizmente o sítio da revista Força Aérea (http://www.forcaaerea.com.br/), não disponibiliza a matéria

da edição 43 para download, mas podemos encontrá-la em sua integra no sítio:

http://www.saindodamatrix.com.br/archives/2007/06/a_noite_dos_ufo.html. Acesso em 20/03/2016. No

entanto, uma versão em italiano da matéria de Mariana Raad encontra-se disponível em

http://paolog.webs.com/CASI/BRAS/NUUB/NUUBrevFA-Ita.pdf. Acesso em 20/03/2016

106

Figura 32 – Aeronave Northrop F5 E da FAB

Fonte: FAB (2011)

Figura 33 - Aeronave Dassault Mirage III F-2000 da FAB

Fonte: FAB (2013)

107

No final de setembro de 2009, o governo brasileiro liberou para consulta pública

um malote, que se encontra no Arquivo Nacional de Brasília, com mais de 800 páginas

de documentos sobre Oanis da década de 1980. Dentro desse malote há um relatório de

ocorrência sobre a missão de interceptação, datado de 02 de junho de 1986, assinado

pelo então brigadeiro-do-ar José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, na época

comandante interino do Comda (Comando Aéreo de Defesa Aérea), órgão vinculado

ao Ministério da Aeronáutica.118

O relatório de ocorrência, enviado para o ministro da aeronáutica, na época o

tenente-brigadeiro-do-ar Otávio Moreira Lima, é uma descrição técnica com os

pormenores da missão. Ele reuniu informações do órgão de controle do tráfego aéreo e

dos pilotos, limitando-se à “narração simples dos fatos, de forma a não dar margem a

especulações que envolvam o Ministério da Aeronáutica.” 119

Em suas considerações iniciais, o relatório diz que o Sistema de Defesa

Aeroespacial Brasileiro na época contava com radares que tinham como finalidade

primária o controle do tráfego aéreo, “não sendo, portanto, específico para emprego em

Defesa Aérea”. O documento ainda descreve certas dificuldades desse equipamento e

de seus operadores em manter a visualização dos alvos da ocasião. 120

Tendo em vista essa peculiaridade, o relatório, em seguida, descreve a sucessão

dos fatos, em ordem cronológica, nos quais, às 23h15 do dia 19/05/86, os centros de

controle de Brasília e São Paulo trocam informações sobre as observações da Torre de

Controle de São José dos Campos sobre luzes que se deslocavam pela cidade, que

apresentavam predominância de cor vermelha, mudando para verde, amarelo e

alaranjado.

Às 00h08 do dia 20, o documento narra o contato feito pelo cel. Ozíres Silva.

“O piloto, por iniciativa própria, efetuou uma observação das referidas luzes não

conseguindo se aproximar das mesmas”.121 Às 00:14, 00h23 foram acionados oficiais

de sobreaviso de operações de defesa aérea. Já às 00h39 foi acionada a primeira

aeronave da base aérea de Santa Cruz, em determinação à “detecção radar de alguns

“PLOTS”, na área de S. José dos Campos.”122

Sobre essas detecções radares, o documento diz:

118 O relatório na íntegra encontra-se no Anexo III.

119 Ministério da Aeronáutica, Comda, Relatório de Ocorrência, 02/07/1986, p. 2. 120 Iden., p.2. 121 Ibid., p.3 122 Ibid., p.4.

108

Tais detecções, embora não tendo se constituídos em ecos radar

definidos, foram utilizados na vetoração das aeronaves de

interceptação com o intuito de posicionar os vetores, para que os

mesmos tivessem condições de prosseguir na interceptação,

utilizando o radar de bordo. (Ibid., p.4).

O documento prossegue ao relatar que às 01h10 o Controle do Tráfego Aéreo

de Anápolis detectou ecos em seu radar e em seguida foi acionado o estado de alerta da

Base Aérea de Anápolis. Já às 01h18 foi solicitado à Base Aérea de Santa Cruz o

acionamento de mais duas aeronaves e às 01h34 houve a decolagem, na Base Aérea de

Santa Cruz, da primeira aeronave que foi enviada para a interceptação de alvos em São

José dos Campos.

O relato da missão dessa primeira aeronave é o seguinte:

O piloto da aeronave informou quando estabilizou no FL 170 (cerca

de 5km de altura) que estava avistado uma luz branca abaixo do seu

nível e que posteriormente foi subindo mantendo 10o acima de sua

aeronave. O acompanhamento foi feito até o FL 300 (cerca de 10,3

km de altura). Informou ainda que por um momento a luz mudou de

branca para vermelho, verde e novamente branca prevalecendo esta

cor. Durante o acompanhamento, obteve contato com o equipamento

de bordo que indicava estar entre 10 e 12 milhas de distância,

confirmando o contato visual. O acompanhamento se deu em direção

ao mar até aproximadamente 180 milhas (288 km) de Santa Cruz,

quando foi feito o abandono em virtude de não se ter uma razão

positiva de aproximação das luzes e por estar perto do Combustível

Mínimo para Abandono. (Parênteses do Autor). (Ibid., p. 5).

Já a decolagem da segunda aeronave ocorrera às 01h48, da Base Aérea de

Anápolis.

O piloto efetuou cinco apresentações obtendo contato e aquisição com

seu radar de bordo, não conseguindo porém nenhum contato visual.

De todas as apresentações chegou por uma vez a 2 milhas (3,2 km) do

contato radar cuja trajetória ora mantinha-se em zique-zaque, ora em

curva acentuada pela direita. Sua velocidade variava de forma a

permitir uma aproximação como também afastava-se repentinamente,

mesmo estando o interceptor em velocidade supersônica, o que

ocasionou a perda do contato, sendo então abandonada a perseguição.

(ibid., p.6)

A terceira aeronave (01h50), decolou da Base Aérea de Santa Cruz. Foi a

segunda aeronave a decolar dessa base. A descrição de seu voo, que foi enviado a

interceptar ecos em São José dos Campos, é a seguinte:

O piloto informou estar avistando uma luz vermelha na posição

informada pelo COpM (Centro de Operações Militares), confirmando

assim a detecção radar de solo. Após alguns minutos constatou que a

luz não se aproximava e que em seguida apagou, ao mesmo tempo em

109

que se perdia o contato radar. Um fato marcante durante esta

vetoração foi o aparecimento por um momento de treze plotes a cauda

da aeronave, a qual foi comandada uma curva de 180o não tendo

porém obtido nenhum contato visual ou do radar de bordo. (Parênteses

do Autor). (ibid., p.6-7)

As duas outras aeronaves que decolaram da Base Aérea de Anápolis (02h17 e

02:36h) não obtiveram nenhum contato visual ou de radar. Além dessas descrições,

interessante é notar as considerações finais presentes no documento, pois elas fornecem

um resumo da visão geral do alto comando da FAB sobre esse evento em particular.

1 – Da análise dos acontecimentos este Comando é de parecer, de

acordo com as informações dos controladores, pilotos e relatórios

anteriormente elaborados pelo I CINDACTA, que alguns pontos são

coincidentes no que tange ao eco radar, aceleração, iluminação,

velocidades e comportamento, tanto pelas detecções técnicas como

visualizações efetuadas.

2- Alguns que podemos citar são os fenômenos que apresentam certas

características constantes a saber:

a- Produzem ecos radar não só do Sistema de Defesa Aérea, como

também das aeronaves interceptadores simultaneamente, com

comparação visual pelos pilotos.

b- Variam suas velocidades da gama subsônica até supersônica, bem

como manteêm-se (sic) em voo pairado.

c- Variam suas altitudes abaixo do FL-050 (aprox. 1,5km) até

altitudes superiores FL-400 (aprox.12.000km).

d- As vezes são visualizados devido às luzes de cores brancas,

verdes, vermelho, outras vezes não se tem indicação luminosa.

e- Tem capacidade de acelerar e desacelerar de modo brusco.

f- Capacidade de efetuar curvas com raios constantes e outras vezes

com raios indefinidos.

3- Como conclusão dos fatos constantes observados, em quase todas

as apresentações, este Comado é de parecer que os fenômenos são

sólidos e refletem de certa forma inteligência, pela capacidade de

acompanhar e manter distância dos observadores como também voar

em formação, não forçosamente tripulados.

4- Por oportuno, cabe ressaltar a eficiência das Unidades Aéreas

engajadas na operação, pois de acordo com o previsto cada uma dessas

unidades mantem uma aeronave de alerta à 45 minutos e com menos

de 30 minutos após o acionamento, 7 (sete) vetores armados estavam

disponíveis para emprego. (Parênteses do Autor).

Tendo ciência desta retrospectiva e estudo do alto comando da FAB sobre a

missão de interceptação, um relato que tece características atribuídas aos Oanis, que

foram detectados e perseguidos, além de fornecer os pormenores do atuação dos centros

de controle, das bases aéreas e dos pilotos, é interessante contrastar esse documento,

produzido em menos de duas semanas depois da missão, com as declarações feita pelo

110

então ministro da Aeronáutica na época, brig. Otávio Moreira Lima, a equipe de solo e

os pilotos, em cerimônia no Palácio do Planalto, no dia 20, aberta para a imprensa.

Consta no jornal Correio Braziliense de 22 de maio de 1986 que antes do evento,

o ministro Moreira Lima conversou com o presidente José Sarney, que não demonstrou

preocupação, mas sentiu curiosidade a respeito do episódio. Na entrevista, estavam na

mesa o brig. Otávio Moreira Lima, os pilotos e o pessoal de terra envolvidos na

perseguição. Depois do discurso do ministro e das perguntas feitas a ele, todos os

pilotos e controladores de voo relatam a missão e são interrogados por jornalistas, sendo

tudo isso veiculado em cadeia nacional.

A seguir, serão expostos alguns depoimentos de pilotos, de um controlador de

voo e do ministro Moreira Lima, que possibilitará o contraste com o que foi narrado no

relatório de ocorrência.

A cerimônia foi aberta com um discurso do ministro Moreira Lima, sendo

aberto depois um momento em que ele respondia perguntas para jornalista. Em

determinado momento, ele diz acerca do procedimento militar em investigações sobre

os Oanis:

Toda vez que é detectado um objeto não identificado, evidentemente

há um processo bastante eficiente se é uma aeronave que está voando

com um plano de voo aprovado e etc. Mas quando se comprova que

é algo diferente as aeronaves são acionadas. O que ocorreu é que os

radares detectaram vários objetos não identificados na área de São

Paulo, São José dos Campos e Rio de Janeiro. 123

O primeiro piloto a decolar da Base Aérea de Santa Cruz com uma aeronave F5,

Kleber Caldas Marinho, na época tenente aviador, foi entrevistado por uma jornalista

da extinta Rede Manchete.

O ponto de luz que estava sendo observado, de início ele estava se

deslocando da direita para a esquerda, e a partir daquele momento que

eu aproei aquele ponto de luz, ele parou aquele deslocamento e passou

a se deslocar no mesmo sentido que meu avião, oposto ao meu avião,

então o que aconteceu nesse instante, ele estava um pouco mais baixo,

eu tive que descer para colocá-lo no mesmo nível do meu avião, a

partir daí então ele começou a se deslocar em sentido vertical,

começou a subir, ok?. Nesse instante, quando tive contanto visual, eu

liguei o meu radar de bordo e obtive um contato radar, realmente com

ele na minha frente a 10, 12 milhas, precisamente a 12 milhas, 24km,

123Rede Globo, Fantástico, 1986. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UsTzHsGWkpY.

Acesso em: 20/03/2016.

111

e esse ponto de luz se deslocou até 33mil pés, que dá na faixa de 10km

(altura).124 (Parênteses do Autor).

O piloto Márcio Brisola Jordão, na época capitão, que decolou com a segunda

aeronave F5 da Base Aérea de Santa Cruz, também deu seu depoimento para a mesma

jornalista.

Após apresentar as credenciais do piloto, a jornalista faz referência

aos Oanis que circularam sua aeronave e pergunta sobre o ocorrido:

“bom, assim que nós decolamos em direção a área da busca em que

presumivelmente existiria algum contanto, eu recebi informação do

controle de terra, que havia uma série de contatos a minha frente,

aproximadamente 20 milhas, uma média de dez a treze contatos, na

medida em que eu fui me deslocando em direção a São José dos

Campos ele foi me informando que eu estava me aproximando,

abaixou para 15 milhas, 5 milhas, de repente ele me informou que eles

estavam atrás de mim, imóveis, a duas milhas de distância, me

acompanhando.” 125

Em seguida, é entrevistado o controlador de voo, Francisco Hugo Freitas,

responsável pelo diálogo com os pilotos da Base Aérea de Santa Cruz.

Controlador de voo: “a primeira aeronave F5 que se dirigiu a região

de São José dos Campos, observou uma luz, um ponto de luz. A

segunda aeronave, F5, nós observamos em nosso radar que houve a

formação de diversos ecos à sua cauda, em torno de seis ou sete ecos

à esquerda e à direita da aeronave.” Repórter pergunta: “Isso pode se

dizer que esse F5 foi perseguido?” Ele responde, depois de um breve

momento de pausa: “Poderia, poderia dizer que foi perseguido porque

durante um certo período de tempo os ecos acompanhavam esse F5.”

Ela pergunta: “Quantos sinais interceptavam esse F5, em que

posição?” Ele responde: “Eram em torno de treze, ao todo, eles

estavam seis de um lado da aeronave e sete do outro lado da aeronave,

ou seja, à sua esquerda e à sua direita.” Ela pergunta: “No total foram

quantos nessas três horas de voo desses supersônicos?” Ele responde:

“Nessas três horas de voo, na área de Anápolis e na área de São José

dos Campos, observamos num total de vinte ecos.”126

Esses novos rastros do Oanis, diferentemente da documentação da Operação

Prato e do Sioani, em que junto a esses documentos era anexadas apenas impressões

visuais, desenhos e algumas fotos, ao lado de uma profusão de depoimentos, na missão

de interceptação de maio de 1986 os Oanis figuraram nas telas dos radares dos centros

de controle, de bases aéreas e nos equipamentos de bordo das aeronaves.

124 Rede Manchete, Jornal da Manchete, 1986. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=PB1GS9sQuew. Acesso em: 20/03/2016. A Rede Manchete errou

com os créditos da legenda do piloto ten. Kleber, o confundido com o controlador de voo Francisco Hugo

Freitas. 125 Ibid. 126 Ibid.

112

Essa nova qualidade de rastro, que serve como evidência dessas luzes que foram

perseguidas, podem ser acompanhadas agora também por algumas imagens

semelhantes àquelas descritas por Ozíres Silva. Essas imagens, que serão expostas a

seguir, foram filmadas na madrugada do dia 30 de maio de 1986, durante a produção

de um comercial, no topo do edifício Banespa, no centro da grande São Paulo.

O cinegrafista, Heraldo Canales, tinha a intenção de filmar estrelas para a

produção do comercial e, ao perceber o objeto, resolveu filmá-lo, fazendo várias

tomadas, ampliando e reduzindo a imagem, sem perceber nada de anormal com aquela

situação. Ele estava em companhia de uma colega de trabalho, uma fotógrafa. 127

Heraldo Canales em entrevista diz que depois de fazer as tomadas e desligar a

câmera, percebeu um estranho movimento do objeto que tinha filmado. Em suas

palavras “quando desliguei a câmera, aquele mesmo ponto pulsou, umas duas vezes e

saiu à minha direita numa velocidade assim, muito rápida.”128 Canales relata que só foi

ter percepção melhor daquilo que havia filmado quando a imagem estava no monitor

da ilha de edição, quando pode notar que o objeto mudava de cores.

Ele relata ainda que filmou o objeto sem perceber que se tratava de algo

incomum, que ele estava mais interessado em terminar o trabalho e ir para casa

descansar e que a polêmica somete ocorreu depois quando a imagem já estava na edição.

Dada a situação inusitada na ilha de edição, ele diz que "chamaram pessoas que

sabiam, que pudessem opinar, ai, disseram que era um disco voador, outros disseram

que não, ficou naquela polêmica, porque se eu soubesse que era realmente eu teria

continuado a gravação a fita inteira.” 129

Diz ainda que, depois desse evento em que ele e uma colega avistaram essa luz

e seu movimento, ele havia formado uma opinião a respeito do assunto:

(...) pelo vídeo, você pode até duvidar, pelo que eu vi, quando ele foi

embora, com a velocidade que ele saiu e essa pulsação que ele teve,

porque eu vi isso, não está gravado, agora se eu soubesse que era um

óvni, teria, lógico, eu já comentei, feito a vida!

Figura 31, 32 – Oani observado em São Paulo no dia 30 de maio de 1986. Ele se

assemelha à descrição do objeto relatado por Ozíres Silva.

127 A entrevista, feita por uma equipe da TV INFA (Instituto Nacional de Investigação de Fenômenos

Aeroespaciais), inclui também a filmagem original e sem corte feita por Canales, além de uma matéria

de Rede Globo, no programa Fantástico de 1986, que expos o caso, utilizando-se do material. Disponível

em: https://www.youtube.com/watch?v=K4zrcWfrJy4. Acesso em: 20/03/2016. 128 Idem. 129 Ibid.

113

Fonte: Heraldo Canales (1986) Fonte: Heraldo Canales (1986)

Na reportagem da Rede Globo, Daniel Gomes, chefe da equipe televisiva que

filmou o objeto, destaca algumas de suas características: “você pode perceber que ele

gira e fica com cores verdes, laranja, rosa; fica girando no seu próprio eixo com várias

cores, é muito interessante, as cores vão mudando.” 130

Na sequência, os repórteres entrevistam o professor de astronomia da USP,

Roberto Boczko, que diz:

A melhor semelhança seria com a lua, mas como a lua foi filmada do

lado direito, então não pode ser. Quanto a um planeta, nenhum deles

apresenta um brilho com tamanha magnitude; e estrela também, nessa

posição, não existe nenhuma com esse brilho. De modo que

(ininteligível) que seja algum tipo de refracção anómala, uma espécie

de miragem, que faz com que a imagem apareça em algum lugar em

realmente ela não está; esse objeto não deve ser confundido com

nenhum astro celeste e a explicação deve ser procurada em alguma

outra atividade e não na parte de astronomia. (Ibid.)

Essas imagens, filmadas no dia 30 de maio de 1986, fazem parte do único acervo

visual de acesso público de Oanis relatados em maio de 1986, o mês em que Oanis

foram perseguidos por caças da FAB na mesma região onze dias antes, 19 de maio.

Elas fazem parte de um evento que ficou conhecido como a “onda de maio de 1986”,

em referência aos numerosos relatos sobre Oanis, evento que foi discutido

anteriormente.

Não somente uma onda de observações de Oanis ocorreu no mês de maio, mas

também, devido ao envolvimento da FAB com a perseguição de alguns desses objetos,

ao mesmo tempo em que esse envolvimento veio ao conhecimento público com a

130 Ibid.

114

cerimônia do dia 20 de maio, no Palácio do Planalto, esse evento em si também é

conhecido como “a noite oficial dos óvnis”, pela iniciativa inovadora da FAB em

discutir abertamente o tema, situação única e que não se repetiu.

A missão de interceptação de maio de 1986 não foi apenas uma novidade quanto

o relacionamento da FAB com o fenômeno dos Oanis. Essa missão, depois do

envolvimento da FAB na Segunda Guerra Mundial, foi o único momento em que a

FAB usou suas melhores aeronaves e pilotos na época para interceptar tráfegos não

autorizados.

Esse contexto de guerra é acionado em diferentes situações, como sugere o

ministro Moreira Lima, em uma de suas hipóteses sobre esses objetos. Mesmo

admitindo ter essa hipótese uma chance mínima de ser provada, diz o ministro que a

FAB naquele dia poderia estar lidando com um tipo de guerra eletrônica, em que

equipamentos de nações estrangeiras causariam confusões em radares, produzindo

falsos ecos, falsas presenças ou mesmo testando nossa capacidade de reação.131

Contribui com um dado interessante sobre tal contexto de guerra eletrônica a

entrevista publicada por Raad com o comandante da Varig, Geraldo Souza Pinto, em

que ele narra suas observações de Oanis num voo com um Boeing 707 cargueiro, que

decolou do aeroporto de Guarulhos, São Paulo, para o aeroporto do Galeão, no Rio de

Janeiro, logo após o retorno das aeronaves da FAB em missão de interceptação na

madrugada do dia 20 de maio de 1986. Durante o voo, o comandante foi acionado pelo

Cindacta para confirmar visualmente a presença de um tráfego não identificado que

estava próximo a sua localização.

Logo após ser informado da localização do Oani pelo controlador de voo do

Cindacta, o comandante afirma ter notado a presença do objeto. Sobre esse instante

particular, ele diz:

Uma luz muito forte brilhou, como um farol branco. A emoção que eu

tenho até hoje se confunde com a certeza de que ele estava

acompanhando nossa fonia. No mesmo momento em que nos

perguntaram se estávamos avistando o tráfego e eu respondi que não,

ele piscou, como que diz: ‘estou aqui’. (RAAD, 2006, p.51).

131 O ministro da Aeronáutica Moreira Lima discute nessa reportagem sobre a impossibilidade de se

efetuar uma conclusão técnica do evento, se limitando a apenas narrar o ocorrido, mesmo que algumas

hipóteses possam ler levantadas, como a de uma eventual guerra eletrônica. Disponível em

https://www.youtube.com/watch?v=Df9wIaj8ZtE. Acesso em 20/03/2016.

115

Esse dado, sobre o acompanhamento da conversa via rádio do comandante com

o controlador de voo por parte do Oani, é mais um elemento a ser considerado no que

concerne à possibilidade de uma guerra eletrônica, já que sob tal contexto, além de

haver produção de falsos alvos em radar, haveria também, ao mesmo tempo, uma

interceptação de sinais de rádio e comunicação dos centros de controle com aeronaves.

Esse contexto de guerra incomum, segundo as evidencias expostas pela FAB,

teria de incluir uma variedade de atividades complexas. No caso em questão, elas

seriam: a combinação de uma guerra eletrônica com vetores de guerra psicológica, em

que tecnologias de ilusões visuais seriam utilizadas conjuntamente com os falsos sinais

de radar; e poderia ser incluída também a utilização de Vants (Veículos Aéreos Não

Tripulados), de tipos radicais, ultrassecretos e não convencionais, em nada semelhante

com os drones atualmente utilizados nos diversos conflitos mundiais.

Tais Vants teriam que dispor de efeitos visuais que eventualmente nublassem

seu formato, expondo uma aparência luminosa. Além disso, eles necessitariam de

tecnologias não convencionais de propulsão e combustão, dado suas capacidades de

manobra, aceleração e velocidade expostas pelo relatório de ocorrência da FAB, que

afirma ainda a possibilidade desses Oanis não serem “forçosamente tripulados” em sua

conclusão.

No entanto, o exemplo dessa missão é capaz de demonstrar que o

relacionamento da FAB com os Oanis nesse caso específico foi baseado num contexto

de guerra aérea, na medida em que tráfegos aéreos não autorizados, mesmo que não

passíveis de identificação, são tratados segundo a suposição de serem vetores de outras

nações. Para tanto, a pronta reação da FAB fez-se necessária. Onze anos após o ocorrido,

o brig. Moreira Lima reitera a ausência de explicação apesar da certeza do evento:

(...) na realidade os contatos existiram, foram realmente, tanto que

provocou a necessidade de decolar, a decolagem de várias aeronaves,

para inclusive testar e verificar essas incursões que ocorreram na área

basicamente de São Paulo, então, isso é incontestável, que houve, não

há a menor contestação, mas tecnologicamente, na realidade nós não

tivemos uma explicação. (Grifo do Autor). 132

A necessidade de uma investigação do mundo científico é dita em diferentes

momentos, mas, sem dúvida, no caso desse evento em particular, a declaração quanto

à falta de conhecimentos científicos sobre a tecnologia que estava ali sendo empregada

132 Rede Manchete, Jornal da Manchete, 1997. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=gMEBuCAvQTw. Acesso em: 20/03/2016.

116

é utilizada para limitar qualquer tipo de explicação sobre esses objetos voadores

luminosos, dado que os militares não dispõem de maiores evidências daquelas que

foram narradas, tanto em entrevistas, como no relatório de ocorrência produzido em

1986, e liberado para consulta pública em 2009.

Sobre este relatório em particular, as diferentes posições de um proeminente

ufólogo e um oficial de alto escalão da FAB acabam por reconduzir essas experiências

militares para a situação em que a explicação científica e final desses eventos fica em

aberto. É possível observar a falta de uma conclusão na conversa entre Gaevard, editor

da revista UFO, e o brig. Pereira vinculada em matéria jornalística da rede SBT:

Afirma Gaevard “Através dessa campanha que estamos movendo, para pedir

para que governo reconheça o fenômeno dos discos voadores, nós já

obtivemos algumas centenas de páginas de documentos, entre eles esse que

é do Ministério da Aeronáutica produzido em 1986 em que conclui que

discos voadores ou objetos, chamados nesses documentos como óvnis,

perseguidos sobre São Paulo eram sólidos e estavam sobre controle

inteligente. Havendo essa admissão por parte dos militares há alguma

chance de o governo brasileiro algum dia talvez na próxima administração,

reconheça a materialidade do fenômeno ufo, e que nós estamos sendo

visitados por outras espécies inteligentes?” Brig. Pereira responde “A

palavra sólido não significa inteligente e a palavra inteligente não significa

necessariamente sólido, o que está no documento é que os objetos eram

sólidos e aparentemente conduzidos por entidades inteligentes. Os objetos

não eram inteligentes, eram conduzidos por uma inteligência, certo. É bem

diferente. Todo objeto capturado por radar em princípio é sólido. Radar não

faz captação de fantasma. O fato de se desviar de um avião voando a uma

velocidade supersônica leva a entender uma manobra inteligente. E o

documento só quis dizer isso. Agora se é extraterrestre, de onde veio essa

inteligência, o documento não faz nenhuma referência a isso.” Gaevard

pergunta “Você acredita que toda essa documentação gerada pelos militares

brasileiros possa estimular o governo a vir admitir que nós estamos sendo

visitados por outras espécies?” Brig. Pereira responde “Eu considero uma

coisa profundamente arriscada um governo, seja ele qual for, afirmar

peremptoriamente que o seu país está sendo visitado por extraterrestres, eu

acho muito mais prudente, mais sensato, mais sólido e muito mais

inteligente, que ele diga que o seu país está sendo sobrevoado por objetos

que ele não tem competência para identificar e apelar à Ciência do mundo,

rezar que a Ciência do mundo pesquise e vá a fundo nisso e descubra a

origem dessas coisas.” (Transcrição do Autor). 133

Essa passagem, ao expor as diferentes posições entre pesquisadores ufólogos e

militares sobre o tema dos Oanis, evidencia certos pontos de vista sobre as

consequências em se afirmar a existência desse fenômeno. Enquanto Gaevard defende

a tese de que o governo brasileiro deveria expor para a sua população que “nós estamos

sendo visitados por outras espécies inteligentes”, ao pressupor que os Oanis de 1986

133 Rede SBT. Ovnis Arquivo Secreto. 2010. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=_xXgk1VfveY. Acesso em: 23/03/2016.

117

teriam origem em uma civilização extraterrestre, o brig. Pereira afirma, ao contrário,

que tanto os documentos, assim como os militares, não tem competência para afirmar

o que são aqueles objetos, mesmo considerando sua materialidade como engenho

tecnológico e que são movidos por alguma inteligência dado sua coordenação de voo.

Portanto, diferentemente dos ufólogos, os militares não dizem que os Oanis são

aeronaves extraterrestres, por exemplo, mas afirmam que as evidências os apontam

como tecnologias incompreensíveis. Paradoxalmente, sobre este mesmo evento, a

posição de Gaevard impõe mais limites do que a do brig. Pereira, que ao não afirmar

nenhuma origem desses objetos, acaba por deixar todas em aberto.

Ainda assim, mesmo não havendo a possibilidade de referendar a origem

civilizacional de tais Oanis, existe a possibilidade de se discutir as motivações do fato

de eles estarem presentes nos céus do Brasil em maio de 1986, ao suspeitar sua origem

em projetos secretos de grandes potências. Por conseguinte, caso se queira projetar essa

possibilidade, há de se admitir que tais Oanis estariam em missão de teste num ambiente

vigiado por uma Força Aérea de tecnologia assimétrica, como no caso da realidade

brasileira.

Mesmo ao se considerar o desenvolvimento técnico e uso massivo de Vants

convencionais nos diversos conflitos armados atuais, não existem elementos e

evidencias suficientes que apontem serem os Oanis de 1986 vetores tecnológicos

ultrassecretos de superpotências. No entanto, a ausência de evidências não impossibilita

essa suspeita, já que a esses objetos foram referendadas características tecnológicas

devido a sua materialidade (detectados por radar), seu comportamento coordenado (voo

em formação) e sua reação à presença dos caçadores da FAB.

Portanto, ao se considerar uma presença tecnológica desconhecida e avançada,

e devido a seu distanciamento e elevado grau tecnológico, incompreendida por nosso

raciocínio lógico, há de se reconhecer a existência de uma civilização que é a portadora

desse engenho. O que fica em aberto seria detectar se essa civilização é humana ou não.

Nesse sentido, devido às evidencias apontadas pelos militares da FAB em sua

documentação e nos relatos diretos sobre objetos aéreos não identificados, tanto aqueles

relativos ao Sioani, quanto aqueles à Operação Prato e à missão de interceptação de

maio de 1986, mesmo havendo certos elementos que apontem para atividades militares

ultrassecretas, esses elementos não são suficientes para que uma resposta definitiva seja

feita acerca dessa hipótese. As características atribuídas aos Oanis nesses três grupos

de fontes são bastantes radicais para a comparação com alguma tecnologia conhecida e

118

disponível para pesquisa, havendo apenas a certeza da existência um segredo que

envolve presenças desconhecidas nos céus e que certamente fazem parte das

preocupações daqueles que são responsáveis pela defesa do espaço aéreo brasileiro.

119

Conclusão

A história recente da FAB e a investigação acerca do fenômeno dos Oanis

tiveram dois momentos distintos. A instituição, ou seja, seus oficiais, demonstrou que,

desde a década de 1950, já havia o interesse em se debater os rumores acerca dos discos

voadores. O Brasil não era diferente das demais nações, especialmente dos EUA, com

relação à circulação de informações acerca de presenças desconhecidas nos céus, tanto

em meios civis, quanto militares. Mas foi somente em 1969 que a FAB resolveu

investigar diretamente o tema por meio do Sioani e sua rede de coleta de dados e

trabalho em campo. Portanto, o Sioani representa um momento relevante nessa história,

pois ele é prova de um interesse direto que a instituição teve acerca desse fenômeno

durante os três anos que o órgão conduziu suas atividades.

Infelizmente, eventos marcantes como a Operação Prato e a interceptação de

Oanis em maio de 1986 não puderam ser acompanhados pelo Sioani. Caso o Sioani

tivesse sido mantido ativo após 1972, haveria a possibilidade de observar como que os

militares do órgão atuariam num campo em que a própria instituição estaria a lidar

diretamente com o fenômeno, já que a pesquisa do Sioani esteve direcionada quase

exclusivamente no relato de civis.

O segundo momento se estende desde o período anterior e posterior ao Sioani,

e é marcado por uma investigação indireta ou reativa à presença de Oanis no território

nacional. Observa-se nos registros da FAB que, desde de a década de 1950 até hoje, é

mantida uma produção diversa de documentos sobre tais presenças. Esses dados gerais

podem ser observados em um resumo estatístico de Oanis elaborado pelo FAB em

fevereiro de 2001. O documento do Comando de Defesa Aeroespacial reúne

informações gerais acerca de todo acervo de casos de Oanis da instituição.134

O resumo estatístico demonstra que os estados do Pará, de São Paulo e o Distrito

Federal reúnem o maior número de ocorrências. No Pará, onde ocorreu a Operação

Prato, e em São Paulo, região central da missão de interceptação de maio de 1986, os

meses de maior ocorrência de Oanis coincidem com o momento em que ocorreram

esses dois eventos em particular, abordados por esta dissertação. Portanto, a Operação

Prato e a missão de interceptação de Oanis em maio de 1986 são dois eventos relevantes

134 Ver Anexo IV: Resumo Estatístico de OVNIs, fevereiro de 2001.

120

sobre a relação da FAB na investigação acerca do fenômeno das presenças aéreas

desconhecidas devido ao grande número de ocorrências relatadas nos documentos da

FAB e face ao conjunto geral das situações em que a FAB lidou com o fenômeno, como

apontado pelo resumo estatístico.

Portanto, os três grupos de fontes que foram reunidos na elaboração desta

pesquisa e que se relacionam respectivamente ao Sioani, à Operação Prato e à missão

de interceptação de maio de 1969, demonstram, em amplos aspectos, uma visão

abrangente sobre a história do envolvimento da FAB acerca do fenômeno dos Oanis.

Certamente foi durante as atividades do Sioani que a instituição demonstrou um maior

interesse pelo tema, como se observa pela documentação do órgão que discute inclusive

o fenômeno em sua dimensão histórica. No entanto, mesmo tendo a FAB desistido de

ter uma estrutura especializada para pesquisa e investigação do fenômeno, no abandono

das atividades do Sioani em 1972, apenas cinco anos depois, na Operação Prato, outros

agentes militares da mesma força puderam relatar, agora de forma direta, as mais

diversas situações incomuns sobre estes objetos.

De tão controverso que foi o envolvimento e o relatório da equipe da operação,

a instituição tomou posturas evasivas quanto à liberação do material vinculado, que é

disperso e confuso, como se pode observar na documentação que existe hoje acessível

para a consulta pública. Nesse caso, na Operação Prato, diferentemente do Sioani, em

que se existe uma documentação coesa, os documentos são dispersos. Ainda assim,

sobre essa operação existe uma grande quantidade de testemunhos, a contar também

com o depoimento direto do chefe da operação, o que possibilita, ao menos, o acesso

ao que essas pessoas acreditavam estar ocorrendo ali durante os eventos insólitos que

foram narrados, tanto em documentos, quanto em entrevistas.

Como foi debatido no Capítulo II, o Sioani defendia uma postura investigativa

que não partisse da premissa de existência objetiva dos objetos aéreos não identificados,

ao admitir apenas a possibilidade da existência deles. No entanto, em 1977, os próprios

militares da instituição foram testemunhas diretas do fenômeno, assim como em 1986,

por meio de indícios diretos coletados tanto por radares como por pilotos civis e os da

própria FAB. Por meio de evidencias, os militares puderem admitir a existência

material desses objetos em particular, mesmo sem discorrer sobre sua origem. Portanto,

no período que compreende os anos de 1977 a 1986, a FAB pôde atuar em situações

reais marcadas pela presença de Oanis. Era esse tipo de situações que o Sioani buscava

121

encontrar, mas somente o fazia no relato indireto, de terceiros, ou seja, no relato de

observadores que não faziam parte da instituição.

Paradoxalmente, enquanto no Sioani os militares expuseram seus

conhecimentos a fim de iniciar uma pesquisa científica sobre o fenômeno, indo

diretamente a seu encontro, na Operação Prato, assim como na missão de interceptação

de maio de 1986, esse encontro “forçado” e não intencional produziu uma rica

documentação. Esses dois grupos de eventos expõem que, mesmo sem manter um

interesse direto sobre o fenômeno em si, os militares da FAB recorrentemente têm de

lidar com tráfegos não autorizados no espaço aéreo nacional.

Sob o tema específico desta pesquisa, interessante foi notar a presença de certos

indícios que apontam para a suspeita de atividades militares sigilosas de potências

estrangeiras na documentação da FAB, como exposto no Capítulo III, o que é uma

novidade face ao costume de atribuir aos Oanis uma origem alienígena e não humana.

A possibilidade de uma ação militar nesses contextos permanece ainda apenas como

uma suspeita sem comprovação. No entanto, o próprio problema em si, que é, no caso,

como uma Força Aérea investiga presenças desconhecidas nos céus, está

intrinsecamente ligado ao tema da guerra aérea, ao acompanhar o desenvolvimento

técnico que possibilitou não só o uso de aeronaves no transporte, combate, bombardeio

etc., mas também no desenvolvimento de projetos ultrassecretos que por ventura têm o

potencial de lançar tecnologias inicialmente incompreensíveis. O contexto de guerra

aérea permanece mesmo sem saber ao certo com o que se está lidando, o que equivale

a dizer que mesmo sem saber a origem desses objetos, o que se observa na relação da

FAB com eventos insólitos são movimentações de inteligências militares.

No entanto, um dos maiores problemas em se cogitar eventos relacionados a

Oanis com atividades militares sigilosas de potencias estrangeiras é admitir um avanço

técnico muito além das tecnologias convencionais utilizadas hoje nos conflitos mundo

afora, já que, segundo as evidencias da FAB, tais Oanis de 1986, ou mesmo da

Operação Prato, dispunham de características de formato e voo bastante radicais.

Portanto, admitir essa possibilidade é o mesmo que admitir a existência de projetos

secretos que detém tecnologias avançadas ao ponto de serem confundidas como tendo

origem em civilizações não humanas.

Nesse caso, a suspeita de atividades militares sigilosas de superpotências é até

mais comprometedora de se admitir, pois ela admite que o grande mistério e segredo

de tais presenças está na própria humanidade. No caso, na relação entre os segredos

122

tecnológicos e complexos industriais militares. No entanto, a impossibilidade em se

determinar a origem dos Oanis apresentados pela FAB não é um empecilho para

discussão do tema em si. Nessa situação, se nenhuma origem é certa, a questão que

envolve os Oanis e o teste de vetores secretos permanece aberta.

Portanto, segundo essa perspectiva, se hoje se acompanha o desenvolvimento e

uso maciço de Vants nos diversos conflitos armados, a possibilidade de que os Oanis

de 1986, ou mesmo de 1977, pudessem fazer parte de uma atividade militar sigilosa

poderia estar ligada a um teste de uma tecnologia não convencional em um ambiente

vigiado por uma força aérea de tecnologia assimétrica, como no caso da realidade

brasileira, sem um motivo geopolítico aparente. Nesse contexto, o local dos testes foi

escolhido apenas por ser um ambiente propício para esse tipo de teste complexo, sob o

ponto de vista da nação invasora.

Sob essa mesma motivação, na Operação Prato, os militares da FAB podem ter

lidado com um contexto em que eram testadas novas tecnologias com a combinação de

vários elementos não convencionais, sendo a região escolhida especialmente devido as

suas características de baixa densidade demográfica, distante de grandes centros

urbanos, rodeada por rios, mares e florestas, o que seria, nessa suposição, um ambiente

propício para o teste combinado de armamentos sofisticados.

Durante a Segunda Grande Guerra existiu um esforço colossal para se

desenvolver em segredo, inclusive do congresso norte-americano, o projeto Manhattan,

pioneiro na produção de bombas atômicas. Sabe-se que tamanho esforço envolveu não

somente um grande número de eminentes cientistas e técnicos, mas também um

complexo industrial que na época era comparável a toda indústria automobilística dos

EUA. 135

Com um enorme emprego de recursos, instalações, indústrias e pessoal

qualificado, tudo no mais absoluto sigilo, o projeto Manhattan desenvolveu uma

tecnologia de destruição até então inimaginável. Portanto, o desenvolvimento

tecnológico da Guerra Fria gerou enormes programas ultrassecretos, que, num esforço

gigantesco, produziram os maiores segredos industriais de nossa época.

Assim, ao se discutir sobre a existência de programas secretos relacionados a

tecnologias aéreas que por ventura poderiam estar presentes nos eventos investigados

135 CAULLIRAUX, Heitor Biolchini. Hiroshima 45, o grande golpe: da concepção do átomo à

tragédia de Hiroshima. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.

123

pela FAB e que foram abordados por essa pesquisa, há de se considerar a Guerra Fria

como um tempo histórico de avanço tecnológico ímpar, em que o projeto Manhattan é

paradigmático e serve de analogia para tais suspeitas: os complexos industriais militares

de superpotências podem guardar armamentos e vetores tecnológicos que não serão

revelados a não ser quando entrarem em ação.

Logo, a impossibilidade de uma guerra total fez com que as grandes potências

não se enfrentassem diretamente. No entanto, elas poderiam estar a desenvolver

também um novo tipo de guerra não convencional, que, ao contrário das guerras

indiretas, em que os armamentos de maior tecnologia e potencial destrutivo, como

bombas termonucleares, não são utilizados. Do mesmo modo, essas potências poderiam

estar a aguardar o momento propício para o uso de tecnologias tão discrepantes como

as de poderio nuclear, quiçá semelhantes aos Oanis descritos pela FAB, num contexto

de guerra novo, não convencional. Esse novo modelo de guerra se utilizaria de efeitos

visuais ou mesmo de vetores aéreos semelhante aos dos Oanis descritos pela FAB, já

discutidos no Capítulo III, e que os militares da FAB não conseguiram identificar,

apesar de afirmarem serem eles materiais e frutos de uma tecnologia incompreensível.

O que ficou claro nessa pesquisa é que a intenção dos militares da FAB em se

investigar o fenômeno das presenças desconhecidas nos céus de forma direta, como na

experiência do Sioani, com o propósito de se buscar uma posição definitiva sobre o

tema, como era o interesse expresso pelo órgão, somente poderia ser concretizada caso

a pesquisa transcendesse o relato, seja de terceiros, seja de seu próprio pessoal. Nesse

caso, para se fazer ciência sobre esse fenômeno, os militares teriam de coletar

evidências materiais. Essas evidências somente poderiam ser coletadas caso um

engenho desses, como os descritos pela Operação Prato e especialmente os descritos na

missão de interceptação de maio de 1986, fossem abatidos e seus destroços capturados

para eventuais estudos.

Por mais absurda que possa parecer tal sugestão, fica evidente que somente por

esses meios os militares alcançariam uma resposta científica acerca da origem desses

objetos. Uma resposta agressiva quanto a essas presenças logicamente poderia trazer

riscos para a vida dos pilotos, ou mesmo do pessoal em terra que esteja dirigindo os

armamentos antiaéreos contra o Oani invasor.

No entanto, essa seria uma resposta soberana, já que além de invadir o espaço

aéreo nacional, tais presenças, como descrito na Operação Prato, em variadas ocasiões

puderam ferir a integridade física de cidadãos brasileiros. Além disso, devido a todo o

124

segredo que envolve tais presenças, certamente não haveria uma retaliação direta,

franca e aberta caso um Oani fosse abatido, pois não haveria nesse caso o interesse da

potência originária em admitir possuir tal tipo de tecnologia, uma vez que isso seria o

mesmo que abrir mão do segredo. Portanto, tal situação seria a única alternativa para a

FAB realmente tecer uma investigação direta sobre esse fenômeno, pois, como pode se

observar pelas atividades do Sioani, a busca por relatos de observadores apenas reforça

a ausência de uma explicação definitiva, tornando-se uma coletânea de narrativas

insólitas.

Para além dessa questão controversa, todo esse conjunto de narrativas expostas

nessa pesquisa surge num contexto político, social e tecnológico em que as

possibilidades de guerra são fantásticas em decorrência da gravidade, do seu potencial

destrutivo e de seu segredo vinculado. Numa dimensão cultural, esse conjunto de

fatores foi capaz de operar de uma forma poderosa sobre toda uma mentalidade

coletiva. A Guerra Fria tem uma tez tanto de fascínio, como de temor pela tecnologia.

Esse fascínio pela tecnologia abarca também a suspeita de que existe um

segredo, em que são lançados novos vetores, cada vez mais avançados, que podem

tomar a forma da presença de objeto aéreo não identificável. Essas presenças acabam

por suscitar variadas suposições acerca de sua origem, tais como as suposições

extraterrestres por parte dos pesquisadores ufólogos, por exemplo, ou mesmo as

suposições de fenômenos inexplicáveis, como por parte do brig. Pereira, ou, como no

caso dessa pesquisa, as suposições de tecnologias humanas bastante avançadas.

Sobre o papel da FAB em discutir se tais eventos eram verídicos, ou se foram

fruto de um exagero, pouco importa no momento contemporâneo. O que está em jogo

é que o ambiente da dicotomia bipolar pode ter exacerbado essas posições. Por essa

razão, a presente pesquisa centrou-se num estudo sobre a possibilidade dos Oanis serem

provenientes de vetores tecnológicos, não como uma hipótese a ser comprovada, mas

como um tema a mais a ser discutido em relação aos segredos envolvidos em um

contexto de Guerra Fria no lançamento de tecnologias incomuns, entre as quais as

voltadas para a guerra aérea.

No entanto, observa-se hoje que a informação circula com maior liberdade e

existe portanto uma certa saturação de informações sobre esse tema com o advento da

popularidade das redes digitais nos últimos anos. Desse modo, caso eventos

semelhantes ocorressem hoje, a FAB iria trabalhar de outra forma, devido inclusive à

possibilidade de uma proposital saturação midiática, como se observou em maio de

125

1986, em que a instituição deixou para a grande imprensa os julgamentos acerca da

missão de interceptação. Nesse evento, a FAB manteve uma posição aparentemente

neutra na forma do relato acima exposto.

A discussão presente nesses capítulos acabou por expor, em diferentes

contextos, novas posturas da FAB com vistas aos objetos aéreos não identificados. Com

um interesse genuíno, mas que tomava a forma de um contato indireto, os militares,

mesmo ao abandonar uma estrutura especializada de investigação do fenômeno,

acabaram por se envolver em novos contextos, agora reativos, em que os Oanis eram

protagonistas de situações incomuns, que produziram, no meio militar, referências

sobre “fenômenos inexplicáveis”.

Mesmo mantendo essa posição de uma constante inexplicável, essas narrativas

ressaltam certas evidências sobre esses objetos. Tais evidências possibilitaram novas

discussões, especialmente em relação ao contexto de guerra aérea, na suspeita de uma

utilização de tecnologias não convencionais. Inoportunamente, esse assunto ainda é

muito distante do cotidiano de potências periféricas ou subdesenvolvidas como é o caso

do Brasil.

Por fim, ao se observarem os diferentes contextos expostos por essa pesquisa,

as narrativas militares se assemelham mais a uma ficção científica que insiste em virar

realidade. É o etéreo metafísico, o irrelevante objeto cultural, folclórico e sobrenatural

que só existe no reino das crenças e portanto é inofensivo, mas que agora tenta ganhar

a forma física, que teima em fazer parte da realidade, saindo aos poucos de uma forma

puramente metafísica para se situar em algum lugar da matéria. Tornando-se capaz,

portanto, de ser um fator de preocupação militar unicamente devido a sua presença e

suposta materialidade.

Em um período militar ditatorial, em que a circulação de informações é

reduzida, o fascínio pelo acesso à informação por parte da população é maior, haja vista

o anseio por explicação ou justificativa. Nesse sentido, em plena disputa ideológica,

entender a manifestação dos Oanis poderia ser importante para se compreender se o

país era um campo de testes real, em função de parceria tecnológica com os Estados

Unidos ainda que de maneira contida ou indesejada, ou vítima de incursões não

autorizadas, fosse pelos adversários reais como a União Soviética ou quem sabe por

outros ainda desconhecidos.

126

Referências

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Brasília:

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Rede Globo, Linha Direta Especial, Operação Prato, 2005. 140

137 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TKR0T66xHOo.Acesso em 23/03/2016.

138 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PB1GS9sQuew. Acesso em 23/03/2016.

139 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kXnN8e5yiiI. Acesso em 23/03/2016.

140 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gUrxu2p8evM. Acesso em: 23/03/2016.

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131

Anexo I

Localização dos Núcleos de Investigação de Objetos Aéreos Não Identificados

132

Anexo II

Amostra de documentos referentes à Operação Prato

133

Registro dos casos 07 e 08

134

Desenho atribuído ao Oani caso 07

135

Desenho atribuído ao caso 08

136

Croqui com a trajetória do Oani do caso 08

137

Registro dos casos 15 e 16

138

Croqui com a trajetória do Oani do caso 16

139

Anexo III

Registro de Ocorrência sobre a missão de interceptação de 19/20 de maio de 1986

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141

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Anexo IV

Resumo estatístico de Oanis

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