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UNIVERSIDADE DA FORÇA AÉREA MESTRADO EM CIÊNCIAS AEROESPACIAIS MARIA CLÁUDIA DE JESUS MACHADO Ensino de Espanhol e suas Implicações para a Integração e a Cooperação Militar na América do Sul: Percepções, Cultura e Identidade Rio de Janeiro 2016

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UNIVERSIDADE DA FORÇA AÉREA

MESTRADO EM CIÊNCIAS AEROESPACIAIS

MARIA CLÁUDIA DE JESUS MACHADO

Ensino de Espanhol e suas Implicações para a Integração e a Cooperação

Militar na América do Sul: Percepções, Cultura e Identidade

Rio de Janeiro

2016

Page 2: UNIVERSIDADE DA FORÇA AÉREA MESTRADO EM CIÊNCIAS … · Para ello se utilizó un cuestionario en una escala de cinco niveles de concordancia, con el fin de analizar las percepciones

MARIA CLÁUDIA DE JESUS MACHADO

Ensino de Espanhol e suas Implicações para a Cooperação Militar na América

do Sul: Percepções, Cultura e Identidade

D isser tação ap resen tada ao

P rograma de Pós -Graduação

em C iênc ias Ae roespac ia i s da

Un ive rs idade da Fo rça Aérea ,

como requ is i to pa rc ia l pa ra

ob tenção do t í tu lo de Mest re

em C iênc ias Ae roespac ia is .

O r ien tado ra : P ro f ª Dra . Mar ia

Cé l ia Ba rbosa Re is da S i l va

Rio de Janeiro

2016

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MARIA CLÁUDIA DE JESUS MACHADO

Ensino de Espanhol e suas Implicações para a Cooperação Militar na América

do Sul: Percepções, Cultura e Identidade

D isser tação ap resen tada ao

P rograma de Pós -Graduação

em C iênc ias Ae roespac ia i s da

Un ive rs idade da Fo rça Aé rea

Aprovado por:

_______________________________________________________________

Presidente, Professora Doutora Titular Maria Célia Barbosa Reis da Silva-

UNIFA/ESG

_______________________________________________________________

Professor Doutor Guilherme Sandoval Góes - ESG

______________________________________________________________

Professora Doutora Andréa Costa da Silva - UNIFA

_______________________________________________________________

Professora Doutora Jaqueline Santos Barradas - ESG

Rio de Janeiro

Março de 2016

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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da UNIFA

M149

Machado, Maria Cláudia de Jesus.

Ensino de espanhol e suas implicações para a integração e a

cooperação militar na América do Sul: percepções, cultura e

identidade / Maria Cláudia de Jesus Machado. – Rio de Janeiro:

Universidade da Força Aérea, 2016.

139 f.: il., enc.

Orientadora: Maria Célia Barbosa Reis da Silva.

Dissertação (mestrado) – Universidade da Força Aérea, Rio

de Janeiro, 2016.

Referências: f. 126-132

1. Língua espanhola. 2. Identidade cultural. 3. Integração

regional. 4. Defesa. I. Título. II. Silva, Maria Célia Barbosa Reis da.

III. Universidade da Força Aérea.

CDU:

811.134.2:37

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Esta dissertação é dedicada a todos que

nutrem um carinho especial pela América

Latina.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela sabedoria.

À querida orientadora Profª Drª Maria Célia Barbosa Reis da Silva e aos membros

da banca examinadora, Prof. Dr. Guilherme Sandoval Góes, Profª Drª Andréa Costa

da Silva e Profª Drª Jaqueline Santos Barradas pelas leituras atentas e pelos

valiosos comentários.

A todos os professores que passaram pela minha vida, especialmente aos

professores de espanhol, na universidade, que tanto me incentivaram e

despertaram o amor pela língua espanhola e pela cultura hispânica.

À Universidade da Força Aérea pela acolhida.

Aos queridos colegas e amigos da turma do Mestrado pelas alegrias compartilhadas.

À minha mãe, que sempre apoiou as minhas escolhas, e à Manuela, minha filhinha

de estimação, sempre ao meu lado nas horas de estudo.

Aos cadetes Jucélio Álvaro Garcia do Nascimento e Matheus Augusto de Andrade,

da Turma Tupã, pelo auxílio com os Formulários Google e com a formatação.

À Força Aérea Brasileira.

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Aunque el término haya sido inventado por otros, a los

latinoamericanos nos corresponde “inventar” su contenido y darle

nuestra propia significación. Si la intención de quienes lo crearon fue

subrayar nuestra dependencia y definirla como zona neocolonial del

continente, nuestro desafío consiste en utilizar el concepto como

expresión de un nuevo nacionalismo que venga a fortalecer la unidad

de nuestros pueblos.

Carlos Tünner Bernheim

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RESUMO

Este estudo, de natureza qualitativa e quantitativa, tem como objetivo verificar nos cadetes da Academia da Força Aérea a existência ou não do sentimento de pertencimento, de identificação com a língua e cultura dos povos hispânicos da América do Sul, bem como uma sensibilidade efetiva por parte deles aos usos da Língua Espanhola no contexto militar como instrumento de comunicação e como elemento integrador e colaborador para a construção de uma possível identidade compartilhada Brasil – Nações Sul-Americanas, principalmente no âmbito da Defesa. Para tanto, foi utilizado um questionário em uma escala de concordância em cinco níveis com o intuito de analisar as percepções dos sujeitos com relação aos seguintes eixos: apreço pela língua espanhola e pela cultura hispânica, fortalecimento da identidade sul-americana, integração regional e cooperação militar na América do Sul. Parte-se da premissa de que não existe uma sensibilidade efetiva por parte dos cadetes da AFA ao componente linguístico-cultural-identitário compartilhado, mesmo que este possa agregar poder geopolítico e militar à região. Concluiu-se que a sensibilidade existe, mas que não está estruturada em bases sólidas. Palavras-chave: Língua espanhola. Identidade cultural. Integração regional. Defesa.

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ABSTRACT

This study of qualitative and quantitative nature aims to verify the cadets at the Air Force Academy to whether or not the feeling of belonging, identification with the language and culture of the Hispanic peoples of South America, as well as an effective sensitivity by them to use the Spanish language in the military context as a communication tool and as integrator and developer for the construction of a possible shared identity Brazil - South American Nations, especially in the context of Defense. For that a questionnaire in a concordance scale of five levels was used in order to analize the perceptions of individuals with regard to the following axes: appreciation of the Spanish language and the Hispanic culture, strengthening of South American identity, regional integration and military cooperation in South America. It starts with the premise that there is no effective sensitivity by the cadets of the AFA to the linguistic, cultural and identity shared component, even if it can add geopolitical and military power in the region. It was concluded that the sensitivity is there, but that is not structured on solid foundations.

Keywords: Spanish language. Cultural identity.Regional integration. Defense.

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RESUMEN

Este estudio de naturaleza cualitativa y cuantitativa, tiene como objetivo verificar en los cadetes de la Academia de la Fuerza Aérea la existencia o no del sentimiento de pertenencia, de identificación con la lengua y la cultura de los pueblos de América del Sur, así como una sensibilidad efectiva por parte de ellos al uso del idioma español en el contexto militar como una herramienta de comunicación y como integrador y desarrollador para la construcción de una posible identidad compartida Brasil - Naciones de América del Sur, especialmente en el contexto de la Defensa. Para ello se utilizó un cuestionario en una escala de cinco niveles de concordancia, con el fin de analizar las percepciones de los individuos en relación con los siguientes ejes: aprecio por la lengua española y la cultura hispana, el fortalecimiento de la identidad suramericana, la integración regional y la cooperación militar en América del Sur. Se parte de la premisa de que no existe una sensibilidad efectiva por los cadetes de la AFA para el componente lingüístico, cultural e identitario compartido, incluso si se puede añadir poder geopolítico y militar en la región. Se concluyó que la sensibilidad está presente; sin embargo, no está estructurada sobre bases sólidas. Palabras clave: Lengua española. Identidad cultural. Integración regional. Defensa.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Entrelaçamento entre defesa, geopolítica sul-americana, identidade

cultural e língua espanhola .......................................................................................83

Figura 2 - Países sul-americanos megadiversos ......................................................90

Figura 3 - Minerais estratégicos na América do Sul ................................................. 91

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AFA – Academia da Força Aérea

ALADI - Associação Latino-Americana de Integração

ALCA - Associação de Livre Comércio das Américas

BOLBRA - Bolívia-Brasil

CAN - Comunidade Andina de Nações

CDS - Conselho de Defesa Sul-Americano

CELAC - Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos

CFO - Curso de Formação de Oficiais

COLBRA - Colômbia-Brasil

CRUZEX - Cruzeiro do Sul

DOMREP -Missão de Paz na República Dominicana

END - Estratégia Nacional de Defesa

EUA - Estados Unidos da América

FAB - Força Aérea Brasileira

IBEU - Instituto Brasil-Estados Unidos

ICA - Instrução do Comando da Aeronáutica

KFC - Kentucky FriedChicken

MAPP - Missão de Apoio ao Processo de Paz na Colômbia

MERCOSUL - Mercado Comum do Sul

OEA - Organização dos Estados Americanos

ONU - Organização das Nações Unidas

OTAN - Organização do Tratado do Atlântico Norte

OTCA - Organização do Tratado de Cooperação Amazônica

PARBRA - Paraguai-Brasil

SICOFAA - Sistema de Cooperação entre as Forças Aéreas Americanas

UNASUL- União das Nações Sul-americanas

UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization

URUBRA - Uruguai-Brasil

VAS - Visual Analogue Scales

VENBRA - Venezuela-Brasil

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................................................................................................15

1 CONTEXTO HISTÓRICO E ATUAL DE ORDENAMENTOS GEOPOLÍTICOS

............................................................................................................................... ...21

1.1 De Westfália à Segunda Guerra Mundial ....................................................... ...21

1.2 Do Pós-Guerra ao término da Guerra Fria .........................................................26

1.3 A globalização das relações entre Estados .................................................... ...28

1.4 A política expansionista norte-americana na América Latina nos séculos XIX e

XX ......................................................................................................................... ...35

1.5 Geopolítica sul-americana .............................................................................. ...44

2 LÍNGUA E IDENTIDADE CULTURAL .............................................................. ...57

2.1 Cultura e imperialismo cultural ...........................................................................57

2.2 A questão da identidade .....................................................................................66

2.3 Língua e poder ...................................................................................................74

3 COOPERAÇÃO MILITAR REGIONAL ................................................................. 83

3.1 A cooperação militar na América do Sul e a formação de uma comunidade de

segurança .................................................................................................................83

3.2 A cooperação militar regional com ênfase no âmbito da Força Aérea ...............89

4 METODOLOGIADA PESQUISA ............................................................................96

4.1 Conhecendo o contexto da pesquisa ..................................................................97

4.2 Conhecendo os participantes da pesquisa .......................................................100

4.3 Instrumentos de coleta e procedimentos de análise dos dados .......................102

5 ANÁLISE DOS DADOS .......................................................................................105

CONCLUSÃO .........................................................................................................123

REFERÊNCIAS .......................................................................................................127

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APÊNDICES E ANEXOS.........................................................................................134

APÊNDICE A: Carta de informação ........................................................................134

APÊNDICE B: Questionário aplicado aos cadetes ..................................................135

ANEXO A: Espanhol para todos e já........................................................................140

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INTRODUÇÃO

Em 2009, assumíamos as aulas de língua espanhola no Curso de Formação

de Oficiais na Academia da Força Aérea, na cidade de Pirassununga, estado de São

Paulo.

Aos poucos, percebíamos que estávamos inseridos em um contexto

diferenciado por se tratar de um contexto militar com uma cultura peculiar, pois as

necessidades de aprendizagem transcendiam as necessidades do meio civil.

Começamos a participar dos Encontros Pedagógicos do Ensino Superior Militar, dos

Congressos Acadêmicos de Defesa, das palestras proferidas na Academia da Força

Aérea (AFA) e a ler notícias e textos científicos relacionados à área militar. As

conversas informais com cadetes e com colegas mais antigos também aportaram e

aportam informações para compreender a conjuntura em que o ensino está inserido

e, consequentemente, conformar a ideia do “ser professor no contexto militar”, mais

especificamente, professor de Língua Espanhola.

Com relação ao objetivo primeiro do Curso de Formação de Oficiais: formar

líderes para atuar tanto em tempos de paz como de conflitos, pressupõe-se que o

conhecimento de idiomas é uma das habilidades requeridas ao futuro líder e oficial,

tanto na sua perspectiva instrumental como integracionista, pois ser líder implica não

ter apenas a formação militar para ser um guerreiro, ou um piloto, ou um piloto-

guerreiro no caso do Curso de Formação de Oficiais Aviadores, mas uma formação

humanística e multidisciplinar também, pois esta propicia uma visão de mundo mais

ampla, relacionada ao ambiente em que vai atuar. Nesse sentido, o conhecimento

da língua espanhola e da cultura hispânica1 pode atuar como um elemento facilitador

do processo de integração regional, como uma ponte entre culturas, dado que o

Brasil pode ser considerado o epicentro da América do Sul; não nos referimos a uma

liderança hegemônica, mas sim a uma liderança moderadora 2 , que promova a

cooperação mútua nas áreas de interesse da região, considerando que são Estados

dentro de um espaço contíguo e que as fronteiras geográficas, geopolíticas e

culturais da língua portuguesa e da língua espanhola são fluidas e permeáveis, e

1 Referimo-nos ao núcleo comum das culturas dos países de língua espanhola, especialmente aqueles situados na América do Sul, mas lembrando que cada país possui suas peculiaridades. Como núcleo comum, entendemos a língua, os aspectos políticos, econômicos e sociais compartilhados ao longo da história. 2 Considerando ageoestratégia brasileira na América do Sul, o Brasil assumiria as funções de estabilizador político, dinamizador econômico, coordenador da integração e intermediador de conflitos.

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tenderão a aumentar na medida que defendamos nosso espaço como um bloco com

interesses afins.(SILVA, 2014).

Entendemos que para haver uma cooperação efetiva em matéria de defesa, a

região deve estar integrada, unida, interdependente, com convergência de

interesses e objetivos, com confiança recíproca, pois a integração implica a

interligação e o aprofundamento das relações entre os países da região no âmbito

político, econômico, social, cultural e da defesa, com o objetivo de proporcionar-lhe

poder e competitividade internacional. Cooperar, por sua vez, é agir conjuntamente

com o outro ou interagir em vista à realização de um objetivo comum com a

participação ativa de todos os atores, com base em um conjunto de regras e em um

acordo sobre o modo de coordenação das ações. Portanto, integração e cooperação

são conceitos interdependentes.

Diante do exposto, seria desejável que os cadetes desenvolvessem o

sentimento de pertencimento, de identificação com a língua e a cultura dos nossos

vizinhos, sentimento que amenizasse preconceitos, eliminasse estereótipos e

promovesse a aproximação a um universo tão distante sentimentalmente, mas ao

mesmo tempo tão próximo geograficamente e socialmente.

Propõe-se nesta pesquisa verificar nos cadetes da Academia da Força Aérea

a existência ou não do sentimento de pertencimento, de identificação com a língua e

cultura dos povos hispânicos da América do Sul, bem como, a existência ou não de

uma sensibilidade efetiva aos usos da Língua Espanhola no contexto militar como

instrumento de comunicação e como elemento integrador e colaborador para a

construção de uma possível identidade compartilhada Brasil – Nações Sul-

Americanas, principalmente no âmbito da Defesa.

Parte-se da premissa de que não existe uma sensibilidade efetiva por parte

dos cadetes da AFA ao componente linguístico-cultural-identitário compartilhado,

mesmo que este possa agregar poder geopolítico e militar à região.

Percebe-se que o aprendizado de línguas estrangeiras, mais especificamente

da Língua Espanhola, é significativo para a formação dos oficiais da Força Aérea

Brasileira (FAB) considerando o contexto geográfico no qual o Brasil está inserido e

o estreitamento das relações tanto no âmbito político como militar com as nações da

América do Sul e a sua posição de líder moderador.

A concentração de Estados dentro de um espaço contíguo e a atual

conjuntura política e econômica possibilitam a circulação entre os países da região –

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as fronteiras terrestres brasileiras se estendem por 16,5 mil quilômetros e são

partilhadas com 10 países, sendo 7 hispano-americanos; a criação da União de

Nações Sul-Americanas (UNASUL), tratado formado pelos doze países da América

do Sul , que tem como objetivo construir, de maneira participativa e consensual, um

espaço de articulação no âmbito cultural, social, econômico e político entre seus

povos; o Conselho de Defesa Sul-Americano é um dos integrantes da UNASUL, que

visa construir uma doutrina de defesa própria da região, que implica o fomento ao

intercâmbio em matéria de formação e acapacitação militar, o treinamento entre as

Forças Armadas da região, a cooperação acadêmica dos centros de estudo de

defesa, o intercâmbio de experiências em operações conjuntas tais como ações

humanitárias, operações de manutenção da paz, defesa da região, entre outras.

Além disso, a Estratégia Nacional de Defesa, documento elaborado pelo

Ministério da Defesa, em sua diretriz 18, expõe a importância do estímulo à

integração e à cooperação militar regional.

Somando-se a isso, o Sistema de Cooperação entre Forças Aéreas

Americanas (SICOFAA) foi criado para promover o intercâmbio de experiências,

conhecimento e treinamento entre as Forças Aéreas do continente.

Comitivas das Forças Aéreas das nações amigas fazem constantes visitas à

AFA. Esta também é responsável pela formação de cadetes dessas mesmas nações

há 40 anos.

Pode-se inferir que o conhecimento de línguas estrangeiras, bem como de

sua respectiva cultura ou culturas revela um oficial proativo, e lhe permite maior

adaptabilidade, interatividade e que se comunique de uma maneira mais eficiente

com seus pares de outras nações, no âmbito diplomático, em cursos de formação,

missões de paz e em operações conjuntas, e com os próprios habitantes dos países

onde o espanhol é falado, já que o Brasil é o único país de Língua Portuguesa na

América Latina.

Segundo as Orientações Curriculares para o Ensino Médio – Linguagens,

Códigos e suas Tecnologias3, documento elaborado pelo Ministério da Educação,

documento elaborado pelo Ministério da Educação, além da capacitação do aprendiz

para usar uma determinada língua estrangeira para fins comunicativos, é um meio

3 2006. No que se refere ao aspecto educacional do ensino de línguas estrangeiras, entendemos que os princípios apresentados no documento citado se aplicam também ao ensino superior, além de que a Força Aérea carece de um documento norteador.

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de ampliar a formação do indivíduo e fazer com que dialogue com outras culturas e

se constitua cidadão do mundo. No caso da FAB, além de cidadão, um oficial do

mundo. No que se refere à Língua Espanhola, um cidadão nos países vizinhos, pois

a língua aproxima, reunifica, cria laços, compromete, facilita o entendimento, permite

dialogar, comunicar, negociar, ações vitais para a manutenção da paz entre os

povos.

Os resultados desta investigação, portanto, poderão auxiliar os docentes de

Língua Espanhola, inseridos nesse contexto, a desenvolverem uma prática mais

eficaz e reflexiva enovas pesquisas relacionados ao tema, contribuindo, desse

modo, para o processo de formação do cadete e futuro oficial. Somando-se a isso,

os resultados obtidos e os encaminhamentos propostos poderão ser utilizados para

elaborar um plano de ação mais efetivo para o ensino de espanhol na AFA, bem

como para esclarecer questões em outros contextos de ensino e aprendizagem de

línguas.

Quanto à metodologia adotada, trabalhamos com a abordagem qualitativa e

quantitativa, pois, por meio das análises das percepçõesdos cadetes do 3º e 4º

esquadrões da AFA do ano de 2015 com respeito aos quatro eixos que compuseram

o questionário que lhes foi aplicado: apreço pela língua espanhola e pela cultura

hispânica, fortalecimento da identidade sul-americana, integração regional e

cooperação militar na América do Sul, objetivou-se verificar a existência ou não do

sentimento de identificação dos cadetes com a língua espanhola e a cultura

hispânica e o seu entrelaçamento com geopolítica sul-americana, cultura e defesa.

Apoiamo-nos, também, em fontes bibliográficas, uma vez que livros e

periódicos sobre Geopolítica e questões culturais e identitárias constituíram base de

dados; o Tratado Constitutivo da UNASUL, a Política Nacional de Defesa, a

Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional também foram

consultados para verificar as informações a respeito da cooperação militar regional.

A pesquisa foi realizada na Academia da Força Aérea durante os anos de

2014 e 2015 por ser nessa Organização que os futuros oficiais recebem a formação

básica. A pesquisadora é docente civil de Língua Espanhola na comunidade

pesquisada. Os participantes foram cadetes do 3º e do 4º anos por possuírem maior

experiência no contexto militar e de aprendizagem de Língua Espanhola, o que

confere maior riqueza de informações e, portanto, maior credibilidade à pesquisa.

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Para desenvolver o tema de nosso trabalho, que entrelaça Geopolítica,

Língua Espanhola, Identidade Cultural e Defesa, no âmbito da Geopolítica e das

Relações Internacionais, recorremos a Santos (2014), Castro, T. (2012), Visentini

(2012), Santos, M. (2006), Guimarães (2005), Magnoli (2004),Mattos (2002), Correa

(2000) e Raffestin (1993)para esclarecer questões relacionadas à quebra de

ordenamentos no sistema internacional e para tratar de questões relacionadas ao

espaço e ao poder. Para discutir a teoria construtivista nas Relações Internacionais,

que norteia nossa pesquisa, nos apoiamos em Wendt (1999), segundo o qual, o

sistema internacional é uma construção social e não determinado pela natureza.

Ainda no que se refere à teoria construtivista, utilizamos Adler e Barnett (1998) para

discutir a formação das comunidades de segurança, que emergem quando alguns

Estados se integram para criar uma ordem estável e para defender-se de ameaças

externas. Hall (2006), Bauman (2001), Laraia (2001) e Ferreira (1995) ofereceram

suporte para abordar a questão do dinamismo dos sistemas culturais, e da

construção e desconstrução da identidade do sujeito pós-moderno; García Canclini

(2008) para tratar da economia cultural latino-americana; Castro, C. (1990), para

abordar a construção da identidade militar, e Moura (1986), para abordar o

imperialismo cultural e suas consequências. Tivemos em Fiorin (2013), (2014),

Coracini (2007), (2003) e Revuz (1998) o apoio para tratar a dimensão psíquica

inerente ao processo de ensino e aprendizagem de uma língua estrangeira que

inclui, entre outros, a identidade e a proximidade com a língua e sua cultura, o

preconceito, os estereótipos, a integração e o sentimento de pertencimento ao

universo linguístico e cultural, que podem acionar ou não o fator motivação para o

estudo da língua estrangeira. Finalmente, nos apoiamos na Política Nacional de

Defesa (2012), na Estratégia Nacional de Defesa (2012), no Livro Branco de Defesa

Nacional (2012) e no Tratado Constitutivo da UNASUL (2008), para abordar as

questões relacionadas à cooperação militar regional, uma vez que se alinham à

perspectiva construtivista.

Dessa forma, este trabalho estruturou-se em cinco capítulos.

No primeiro capítulo, apresentamos um percurso que mostra a constante

quebra de ordenamentos no sistema internacional, e que a geopolítica é o resultado

da interação entre Geografia, História e Política. Iniciamos no século XVII com os

Tratados de Westfália, dos quais se originou o Estado Nação, passamos pela

Segunda Guerra Mundial, pelo período pós-guerra, marcado pela bipolaridade,

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20

caracterizada pela confrontação russo-americana para chegar à globalização das

relações entre os Estados, colocando ênfase nas questões relacionadas à

geopolítica sul-americana.

No segundo capítulo, tratamos do componente linguístico-cultural-identitário

compartilhado como requisito à integração e como fator agregador de poder

geopolítico à região, mais precisamente, à América do Sul. Para tanto, discorremos

sobre o imperialismo cultural na América Latina; discutimos a existência de uma

identidade ibero-americana e, numa dimensão menor, sul-americana. Tratamos,

também, do poder de uma língua como elemento de coesão de uma nação ou

região, que contribui para o fortalecimento da identidade.

No terceiro capítulo, abordamos a cooperação militar na América do Sul e a

formação de uma comunidade de segurança, pois esta implica a resolução pacífica

dos conflitos internos e, ao mesmo tempo, um mecanismo de disuasão das ameaças

externas. Mencionamos, ainda, as iniciativas para promover o intercâmbio de

experiências, conhecimento e treinamento entre a FAB e demais Forças Aéreas sul-

americanas, considerando, ao mesmo tempo, a questão do uso da língua como

instrumento de comunicação para a realização desses intercâmbios, assim como

elemento colaborador à construção de uma identidade compartilhada no âmbito da

Defesa.

No quarto capítulo, oferecemos, primeiramente, um panorama sobre o

contexto da pesquisa e o perfil de seus participantes, para que se tenha uma ideia

sobre as suas características. Logo, esclarecemos os procedimentos de coleta de

dados e os instrumentos para analisá-los.

No último capítulo procedemos à análise dos dados.

Concluímos a pesquisa ressaltando os resultados, posicionando-nos a

respeito do ensino de espanhol no contexto pesquisado e propondo alguns

encaminhamentos.

Salientamos que a teoria construtivista nas Relações Internacionais norteou

todo o nosso trabalho.

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21

1 CONTEXTO HISTÓRICO E ATUAL DE ORDENAMENTOS GEOPOLÍTICOS

1.1 De Westfália à Segunda Guerra Mundial

A formação e a dissolução das ordens mundiais, que estão atreladas ao

momento histórico e ao espaço geográfico, fazem com que novos atores emirjam,

acarretando mudanças na política internacional, no padrão de comportamento dos

Estados e, inclusive, nas relações militares entre eles. Essa sucessão de ordens

mundiais, caracterizadas pela configuração de novas lideranças também se

encontra apoiada nos paradigmas econômicos, sociais, políticos, culturais e

tecnológicos de cada momento.

A construção dos sistemas internacionais não é um fenômeno que emergiu do

mundo atual, mas que remonta à passagem da Idade Média para a Moderna com o

início das grandes navegações, que dão início à revolução comercial e à

consequente construção do capitalismo. É o início da expansão comercial dos reinos

europeus.

Conforme afiança Visentini (2012, p.16):

As monarquias dinásticas, legitimadas como atores principais das relações internacionais pela Paz de Westfália (1648) e apoiadas no capitalismo comercial, protagonizaram a estruturação de um sistema mundial liderado sucessivamente por Portugal, Espanha, Holanda e França. Tratava-se de uma “globalização” que ocidentalizava ou europeizava o mundo. (grifo do autor)

A partir deste ponto, julgamos conveniente abordar o conceito de Geopolítica,

pois a palavra está associada aos assuntos que envolvem relações internacionais,

acordos diplomáticos e todo tipo de conflito entre países, culturas ou disputas

territoriais4.

O conceito de Geopolítica formulado por Mattos (2002, p. 33) resume o

pensamento: “Geopolítica é a Política aplicada aos espaços geográficos sob a

inspiração da experiência histórica”.

Ainda, segundo Mattos (2002, p. 6):

Estando a Geopolítica fundamentada na aplicação do Poder do Estado ao espaço geográfico que ocupa, isto é, ao seu território, não se pode ignorar que as mudanças ocorridas no instrumental de ação do agente político e

4 Segundo José Willian Vesentini, o termo geopolítica foi criado no início do século XX, mais precisamente em 1905, num artigo denominado "As grandes potências", escrito pelo jurista sueco Rudolf Kjllén. No entanto, a temática é bem mais antiga.

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nas condições de aproveitamento deste mesmo espaço e sua correlação com os espaços externos inferem na sua importância política, para mais ou para menos.

Infere-se, portanto, que a Geopolítica tem caráter dinâmico, pois considera-se

a operacionalidade do homem no espaço geográfico para o seu uso político, cujo

objetivo é a geração de poder, que, por sua vez, pode dar um novo direcionamento

ao destino das nações, contribuindo para a construção ou reconstrução da história.

Para dissertar a respeito do entrelaçamento entre Geopolítica, Defesa, Língua

Estrangeira e Identidade Cultural, faz-se necessário remeter às origens do Estado,

pois este tem relação com cada um desses componentes, além de ser o elo e o

elemento comum entre eles. Segundo Castro (2012, p. 99), “o Estado é o principal

componente do amplo fenômeno personificado da interação internacional”.“É o ente

principal e norteador em termos de estática e dinâmica das Relações Internacionais

e é produto de um largo momento de transição do medievalismo para o

renascimento humanista dos séculos XVI e XVII” (CASTRO, 2012, p. 100).

Se a criação do Estado Nacional foi um marco na transição do mundo

medieval para o renascentista, entende-se que foi o resultado de um processo de

mudança social, político, histórico e cultural. Durante esse processo, as crenças e os

valores religiosos tradicionais foram perdendo a sua influência sobre as variadas

esferas da sociedade.

No século XVII, quando, basicamente, quase todas as potências europeias

viviam sob o regime das monarquias absolutistas com muita concorrência entre elas,

disputas religiosas, dinásticas, territoriais e comerciais, com o interesse de ampliar

poderes, desencadearam uma série de conflitos na Europa, cujo conjunto foi

denominado Guerra dos Trinta Anos (1618-1648).

Os Tratados de Paz de Westfália, no século XVII, colocaram fim à Guerra e

tiveram como antecedente o Tratado de Augsburgo de 1555, que garantiu liberdade

de culto no interior do Sacro Império Romano, pois cada príncipe definia a religião

local, protestante ou católica. A partir dos Tratados de Westfália ocorreu o início do

sistema moderno do Estado-Nação, reconhecendo pela primeira vez a soberania de

cada Estado inserido em um sistema internacional. Segundo Castro (2012, p. 449),

“o pilar do cujus regio, ejus religio5 do Tratado de Augsburgo teria sido a semente

5 De tal região, (segue) a sua religião. Tradução disponível em:<www.dicionariodelatim.com.br>. Acesso em: 07/12/2015.

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plantada para o reconhecimento da soberania estatal com exercício de poder

autônomo no seu território delimitado”. É a partir dosTratados de Westfália, também,

que os conflitos posteriores não teriam como motivo principal a religião e, sim, as

questões que giravam em torno do Estado, pois tais Tratados tinham um caráter

estritamente político, e manifestavam a existência de uma consciência internacional.

De acordo com Gomes (2012), a maior importância de Westfália está em seus

pressupostos ideológicos, pelo fato de admitir, oficialmente, a ideia de uma

comunidade internacional integrada por Estados iguais e soberanos.

Magnoli descreve a visão de Paul Kennedy quanto ao aspecto da soberania

dos Estados:

O aspecto mais significativo do cenário das grandes potências, depois de 1660, foi o amadurecimento de um sistema realmente multipolar de Estados europeus, cada qual com a tendência cada vez mais acentuada de tomar decisões sobre a guerra e a paz à base dos “interesses nacionais”, e não por motivos transnacionais, religiosos. (KENNEDY, 1989 apud MAGNOLI, 2004, p. 35, grifo do autor).

A citação anterior dá margem a inferir que os Estados estão vulneráveis a

situações de guerra, uma vez que são autônomos, focam os próprios interesses,

mas formam parte de um sistema internacional, resultando na impossibilidade de

assumirem uma posição isolacionista. Ainda, considerando a possibilidade de

geração de conflitos, desde uma perspectiva realista, para defender os interesses

nacionais é preciso, muitas vezes, violar a soberania do outro. Por outro lado, pode-

se pensar nos Estados formando parte de uma comunidade internacional e

respeitando os direitos uns dos outros. As escolas realista e idealista, surgidas a

partir de Westfália, expressam bem as duas posições. Para a primeira, o sistema

internacional tem potencial conflitivo e o Estado tem legitimidade para agir de acordo

com seus interesses; este enxerga o mundo a partir de sua perspectiva. Para a

segunda, oriunda do pensamento iluminista, os Estados formam uma comunidade

internacional a qual compartilha valores, propensa à cooperação e assentada sobre

um contrato moral baseado na noção de justiça.

Segundo Magnoli (2004, p. 29), “as divergências entre os autores realistas a

respeito das condicionantes do comportamento dos Estados originaram a corrente

neorealista”. Os neorealistas preferiram identificara busca da segurança como causa

última da prática política no sistema internacional e não tanto do poder, que se

alinhava mais à escola realista.

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Dentro do sistema internacional, como nos mostra a realidade, há Estados,

que se projetam devido à riqueza de sua economia e também ao seu poderio militar,

e convertem-se em potências hegemônicas, cujas ações têm como base os

interesses nacionais e defendem, portanto, a manutenção do status quo.

Dado que o sistema internacional é dinâmico, desde Westfália, observa-se

uma constante quebra de ordenamentos. Inicia-se com uma estrutura multipolar,

pois cada Estado-Nação, mais especificamente europeu, orientava-se pelos

interesses nacionais.

No século XVIII, com a Revolução Industrial, o capitalismo alcança a sua

maturidade e assiste-se ao domínio do sistema mundial pela Inglaterra, potência

econômica internacional com um crescente império colonial, grandes somas de

capital e hegemonia naval. Segundo Visentini (2012), o pioneirismo da Inglaterra

neste processo propiciou a construção deuma hegemonia internacional que

perdurou até o fim do século XIX e se transformou, gradativamente,num sistema

mundial liderado pelos anglo-saxões em seu conjunto.

No final do século XVIII e início do XIX,a paz de Westfália foi abalada pelas

guerras napoleônicas. Como resultado, os Estados perceberam a sua

vulnerabilidade aos conflitos e passaram a enxergar-se como potenciais aliados ou

inimigos, e coalizões foram se formando: Inglaterra com a Áustria, Prússia e Rússia,

por exemplo. Ao término das Guerras, o próprio Congresso de Viena teve uma

orientação geopolítica porque seu objetivo era reorganizar a Europa e assegurar o

equilíbrio de poder entre aspotências.

Ainda no século XVIII, uma nova e significativa reconfiguração acontece: a

independência das colônias norte-americanas e, no século XIX, as colônias da

América Espanhola e Portuguesa também se tornam independentes, com o apoio

norte-americano, que tinha interesse no território. A Doutrina Monroe, formulada em

1823, apresentava osEstados Unidos como uma possível liderança hemisférica após

a independência dos países ibero-americanos6 . Segundo Visentini (2012), entre

1865 e 1889, após a Guerra Civil, os EUA passaram poruma rápida e profunda

modernização de sua economia,com altos níveis de crescimento e de produção.

Ainda, conforme o autor supracitado:

A emergência dos Estados Unidos na política mundial representa uma nova etapa do capitalismo norte-americano, constituindo a necessidade e o

6 Sobre o expansionismo norte-americano na América Latina, ver seção 1.4 deste capítulo.

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desejo de participar ativamente dos assuntos políticos e de assumir um papel decisivo nas relações internacionais. (VISENTINI, 2012, p. 69)

Era o início de sua expansão para além das fronteiras do continente

americano. Dessa forma, a liderança da ordem mundial anglo-saxônica, que se

iniciou com a Revolução Industrial, estava,na passagem do século, gradativamente

passando das mãos da Grã-Bretanha para as dos Estados Unidos. Conforme

Visentini (2012), assistia-se ao advento de uma Segunda Revolução Industrial, pois

O planeta parecia integrar-se econômica e culturalmente, sob o impulso do desenvolvimento das comunicações (telégrafo, cinema), dos transportes de longa distância (ferrovias e navios a vapor), dos fluxos comerciais e financeiros, da urbanização e da adoção quase universal de padrões culturais ocidentais.(VISENTINI, 2012, p. 113).

Além disso, havia grande circulação de mão de obra, com milhões de

imigrantes se estabelecendo nas Américas.

No entanto, no século XX, o capitalismo entrou na fase imperialista ou

neocolonialista: as potências europeias expandiram suas áreas de dominação

política e econômica na África e na Ásia, criando impérios econômicos. O processo

de unificação da Alemanha, junto com o italiano, que fez surgir potências

economicamente fortes, contribuiu para o acirramento das disputas entre as

economias europeias. Essas disputas imperialistas geraram tensões políticas que

acabaram deflagrando a Primeira Guerra Mundial, que terminou com a Alemanha

derrotada.

Outro acontecimento marcante que contribuiu ao reordenamento geopolítico

no século XX foi a Revolução Russa de 1917 orientada pela doutrina comunista, que

derrubou o Czar Nicolau II, impôs um governo socialista e criou a União das

Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Com as penalidades impostas pelo Tratado de Versalhes aos países

derrotados na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha, o país mais atingido, entrou em

uma crise social, política e econômica. O mundo vivia um período de grandes

instabilidades políticas e diplomáticas. Surgiram ditaduras implantadas na Alemanha

e Itália, representadas nas figuras de Hitler e Mussolini, respectivamente, e a

consequente onda de imperialismo. Estava aberto o caminho para a eclosão da

Segunda Guerra Mundial.

As duas grandes guerras mundiais marcaram as relaçõesinternacionais como

um período de disputa estratégica entre potências e contribuíram para a queda do

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ordenamento multipolar e para a ascensão do sistema bipolar, vigente de 1945 até o

final dos anos 80. Este período representou, principalmente, o declínio da Europa

como centro do sistema mundial e a emergência dos Estados Unidos e da União

Soviética como grandes potências mundiais.

1.2 Do Pós-Guerra ao término da Guerra Fria

A Segunda Guerra Mundial terminou com a derrota do nazifascismo e com a

Europa materialmente e economicamente devastada.

Com relação aos Estados Unidos, estes tiveram a oportunidade de expandir

seu parque industrial. Sua economia tornou-se mundialmente dominante,

respondendo por quase 60% da produção industrial de 1945, posição reforçada pela

semidestruição de seus rivais (Alemanha, Itália e Japão) e pelo enfraquecimento dos

aliados capitalistas (França e Grã-Bretanha), que se tornavam devedores dos

Estados Unidos (VISENTINI, 2012). No plano político-militar, os EUA detinham o

poder aéreo, naval e terrestre, bem como a bomba atômica. Em termos financeiros e

comerciais, o dólar começou a ser utilizado como moeda principal do comércio

mundial. No que se refere à União Soviética, esta terminou a guerra com prestígio

diplomático e militar, e com influência junto as suas fronteiras europeias. O poderio

soviético também foi reforçado pelo fortalecimento da esquerda e pelo crescimento

do comunismo, visto pelos norte-americanos como uma ameaça ao capitalismo.

A ordem bipolar foi caracterizada pela confrontação russo-americana em

termos ideológicos, econômicos e militares, portanto, por dois polos de poder: o

socialista e o capitalista, cada um com suas zonas de influência, e centrado em uma

política expansionista. Lembrando que a Conferência de Yalta em fevereiro de 1945,

com a participação dos Estados Unidos, Inglaterra e Rússia, ocorreu para decidir o

fim da Segunda Guerra Mundial e a repartição das zonas de influência entre o Oeste

e o Leste. As diretrizes afirmadas nesta reunião determinaram boa parte da ordem

durante a Guerra Fria, precisando as zonas de influência e a ação dos blocos

antagônicos, capitalista e socialista. Posteriormente, o Acordo de Potsdam, ocorrido

no mesmo ano, com os mesmos participantes da Conferência de Yalta, os vitoriosos

aliados da Segunda Guerra Mundial, estabeleceu a divisão da Alemanha e da

Áustria em zonas de ocupação e a similar divisão de Berlim e Viena em quatro

zonas (americana, britânica, francesa e soviética). Posteriormente, em 1961, a zona

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aliada (americana, britânica, francesa) em Berlim seria isolada do resto da Alemanha

Oriental pelo Muro de Berlim, que completou a fronteira interna alemã.

A transição para a Guerra Fria fora assinalada pela Doutrina Truman,

enunciada no início de 1947, centrada numa política de defesa da Europa do pós-

guerra contra o avanço do comunismo (MAGNOLI, 2004). Somando-se a isso, o

Plano Marshall, também de 1947, e proposto pelos Estados Unidos, possibilitou a

reconstrução econômica da Europa devastada pela guerra e plantou a semente para

a formação de um bloco econômico e político europeu, com o intuito de criar regimes

políticos baseados no liberalismo e, portanto, aliados aos Estados Unidos na luta

contra os comunistas, que exerciam influência sobre a Europa do Leste, liderados

pela União Soviética.

Com relação à criação de um bloco econômico e político europeu, o Tratado

de Roma, assinado em 1957,institui a Comunidade Econômica Europeia (CEE) ou

Mercado Comum. Com a queda do Muro de Berlim (1989)e o fim da Guerra Fria

(1991), o confronto entre o comunismo e o capitalismo praticamente chegou ao fim,

resultando na vitória do segundo, o que permitiu uma maior aproximação dos países

integrantes do continente europeu como um todo. Em 1992, então, foi assinado o

Tratado de Maastricht, que representou um marco na união da Europa fixando a

integração econômica e a consequente unificação política. O novo bloco que se

formou no continente, a União Europeia, substituiu a Comunidade Econômica

Europeia.No que tange as suas relações com os Estados Unidos em matéria de

política externa, segundo o Parlamento Europeu:

Os EUA são os aliados mais próximos da União Europeia em matéria de política externa. Os parceiros cooperam de forma estreita, consultando-se mutuamente sobre as respectivas prioridades internacionais e envidando frequentemente esforços para promover os seus interesses coincidentes em

fóruns multilaterais. (PARLAMENTO EUROPEU, 2016)

Pelo exposto, está claro que a ideologia norte-americana vai ao encontro da

abordagem realista do sistema internacional devido a sua visão pragmatista,

utilitária, em que seus interesses predominam, considerando a Europa como seu

potencial aliado, na qual pretende exercer certo controle, mostrado através das

medidas protecionistas citadas: Doutrina Truman e Plano Marshall. Aplica-se,

portanto, a concepção de poder como a capacidade de produzir efeitos no sujeito,

falhando o poder falha o controle. Os Estados com maior poder bélico, econômico e

cultural acabam se projetando. A mesma situação faz remeter à obra Leviatã, de

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Thomas Hobbes em que o governo central seria uma espécie de monstro - o Leviatã

- que concentraria todo o poder em torno de si, e propiciaria o ordenamento de todas

as decisões da sociedade. A eterna luta de todos contra todos só poderia ser evitada

por um governo central forte.

A Guerra Fria, caracterizada por um clima de tensão militar, acabou

favorecendo os Estados Unidos, pois a ideia da ameaça comunista lhes permitia

manter a unidade do mundo capitalista e o controle político e econômico tanto sobre

seus aliados industriais europeus como sobrea periferia, sobretudo latino-americana,

ao mesmo tempo que lhes conferia uma posição privilegiada para consolidar sua

expansão econômica.

No final da década de 80 e início dos anos 90, os regimes socialistas

encontravam-se em decadência devido a sérias dificuldades no plano econômico, à

estagnação interna, à incapacidade de responder aos desafios externos, aos

protestos gerados pela insatisfação popular pela falta de democracia. Esses fatores

levaram à queda desses regimes: cai o Muro de Berlim e a Alemanha se reunifica, a

Glasnost (1985), reforma política, e a Perestroika (1985), reestruturação econômica,

são implementadas na União Soviética, que começa a trilhar o caminho da

desintegração, seguida por outros países do bloco, que passaram a implementar

mudanças políticas e econômicas com o objetivo de sair de uma posição de

isolamento, retornar à democracia e engajar-se na economia de mercado.

1.3 A globalização das relações entre Estados

O deslocamento dos eixos mundiais de poderapós a Segunda Guerra

Mundial, ocupados pelos Estados Unidos e União Soviética, destruiu os pilares de

sustentação do colonialismo. Durante a Guerra Fria surgiram os nacionalismos

asiáticos e africanos anti-imperialistas, pois esta funcionou como moldura para o

processo de descolonização, que dissolveu os impérios coloniais erguidos entre os

séculos XVI e XIX. Emergiu, também, o Terceiro Mundo, que reclamava influência

na ONU e não aceitava subordinar-se às superpotências nucleares (MAGNOLI,

2004). Com relação à União Soviética, esta se encontrava estagnada

economicamente. Conforme mencionado na seção anterior, a abertura política e

econômica no final da década de 80 foi inevitável, bem como a queda do muro de

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Berlim em 1989. Como consequência, o bloco soviético no leste Europeu se desfez,

e a Guerra Fria chegava ao fim.

Após esse período, a bipolaridade cede lugar a uma distribuição unipolar do

poder, sob a liderança estratégica dos Estados Unidos, marcada por uma tendência

à ruptura de diversos tratados e acordos internacionais, em nome da guerra

preventiva contra o terror, adotando a política do hard power, que coloca a defesa do

Estado em primeiro lugar.

No entanto, segundo Magnoli (2004, p. 200), “a reconstrução da economia

capitalista mundial produziu uma redistribuição geográfica da riqueza”. A identidade

entre poder e armas começou a perder força em detrimento da identidade entre

poder e desenvolvimento econômico e tecnológico.

Um novo ordenamento começa a surgir, marcado pelos polos de poder

emergentes: países em desenvolvimento e prováveis protagonistas no cenário

internacional, bem como potências economicamente fortes que começam a afirmar

seus interesses nacionais, como Japão e Alemanha, e o surgimento de blocos

geoeconômicos macrorregionais. No entanto, o novo ordenamento não elimina a

liderança estratégica dos Estados Unidos.

Huntington (1997 apud MAGNOLI, 2004, p. 202) sugere que o sistema

internacional atual parece funcionar segundo a dinâmica “unimultipolar”, “uni”

referindo-se ao poder militar da superpotência e “multipolar” ao poder econômico

das várias grandes potências, membros de blocos geoeconômicos macrorregionais:

Existe, agora, apenas uma superpotência. Mas isso não significa que o mundo é unipolar. Um sistema unipolar teria uma superpotência, nenhuma grande potência e diversas potências menores. Como resultado, a superpotência poderia, de modo efetivo, resolver sozinha importantes assuntos internacionais e nenhuma coalizão entre outros Estados teria o poder de impedi-la de agir assim. Durante diversos séculos, o mundo clássico sob Roma [...] aproximou-se desse modelo. Um sistema bipolar como o da Guerra Fria tem duas superpotências, e as relações entre elas são centrais para a política internacional. [...] Um sistema multipolar tem várias grandes potências de força comparável que cooperam e competem entre si, segundo padrões cambiantes. [...] A política internacional contemporânea não se ajusta em qualquer desses três modelos. Ela consiste num estranho híbrido, um sistema uni/multipolar, com uma superpotência e várias grandes potências. A solução para assuntos internacionais cruciais requer a ação da única superpotência, mas sempre em alguma combinação com outras grandes potências; a superpotência pode, contudo, em assuntos cruciais, vetar a ação pretendida por uma coalizão dos outros Estados.

A nova geopolítica resultante da mudança de ordenamento trará à luz

questões relacionadas à estrutura do sistema internacional, às condições básicas

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para a paz, aos fatores condicionantes da política exterior e às decisões que a

afetam, aos conflitos e às crises, aos processos de integração regional e às

organizações internacionais (CASTRO, 2012). Nessa nova ordem, poder e espaço

estão imbricados, pois países pertencentes a uma mesma região geográfica se

unem com o objetivo de se fortalecerem econômica e militarmente, pois os conflitos

não estão descartados. Juntam-se também com o objetivo de se projetarem no

concerto internacional, como é o caso de países do sudeste asiático, do Brasil e

demais países sul-americanos, países árabes e Europa.

Inclusive, a dinâmica de integração comercial tem profundas repercussões

sobre a política externa e sobre as relações sociais entre as diferentes culturas, pois

o indivíduo passa a viver em um mundo no qual a necessidade de se relacionar com

pessoas de outras culturas torna-se mais evidente. A sociedade passa a ser cada

vez mais multicultural. Os deslocamentos por questões profissionais, políticas e

comerciais aumentam dia a dia em uma sociedade aberta ao intercâmbio

internacional7. O desenvolvimento da tecnologia associado ao desenvolvimento dos

meios de comunicação e o desejo do ser humano de conquistar novos espaços e

novos mercados para os seus produtos, de se relacionar com outros seres humanos

em âmbito pessoal e profissional tornaram possível a formação deste mundo

globalizado, em que as barreiras físicas, em muitos casos, são facilmente rompidas.

No entanto, ainda existem barreiras culturais e linguísticas, que podem ser

amenizadas à medida que o indivíduo se conscientizar a respeito da diversidade

cultural e linguística e se abrir ao conhecimento de novos sistemas culturais e

linguísticos.

Portanto, a exploração do espaço geográfico é a base de sustentação da

geopolítica, uma vez que esta resulta da interação da geografia, da história e da

política, que está relacionada ao poder do Estado.

Citamos a criação dos espaços econômicos, culturais e de defesa

fundamentados nas características comuns de uma região, como a União Europeia

(EU), o mercado Comum do Sul (MERCOSUL), a União das Nações Sul-Americanas

(UNASUL) e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

7 Com relação às questões sociais, nota-se, atualmente, um fechamento da sociedade e, consequentemente, a imposição de barreiras que impedem a mobilidade de habitantes de países subdesenvolvidos aos países desenvolvidos, como mostra o fenômeno da imigração.

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A união fundamentada em características geográficas comuns ou pela

contiguidade do território carrega, muitas vezes, implícita ou explicitamente um

ideário de caráter histórico-cultural-nacionalista. Os objetivos específicos 9 e 15 da

UNASUL expressam a necessidade da consolidação de uma identidade sul-

americana ao mesmo tempo que promovem a valorização das diversas identidades

que compõem o território:

9- A consolidação de uma identidade sul-americana através do reconhecimento progressivo dos direitos aos nacionais de um Estado Membro residentes em qualquer outro Estado Membro, com o objetivo de alcançar uma cidadania sul-americana. (tradução nossa) 15- A promoção da diversidade cultural e das expressões da memória e dos conhecimentos e saberes dos povos da Região, para o fortalecimento de suas identidades. (UNASUR, 2008, tradução nossa)

Associado ao fator espaço, está o fator tempo, pois a exploração do espaço

geográfico com fins políticos foi intensificada pelo uso de recursos resultantes do

avanço científico e tecnológico, tais como as comunicações, a informática, a

eletrônica, os satélites, as armas poderosas, os transportes e, dentro dessa

modalidade, os aviões, utilizados como arma de guerra e para o transporte de

passageiros, permitindo o domínio do espaço aéreo. Como consequência, as

mudanças passaram a ocorrer em uma velocidade muito maior devido à redução do

tempo de operação. Outra questão resultante da revolução tecnológica associada ao

fator espacial e temporal é a que envolve o conceito de fronteira e soberania que,

por sua vez, está associada ao fator político do qual não se pode desvincular o

poder extraterritorial exercido por Estados poderosos no âmbito militar, econômico,

político e tecnológico no território de outros países.

Não estamos considerando apenas a invasão física, como a perpetrada pelas

tropas norte-americanas no Oriente Médio, mas também a invasão do território

através das redes de comunicação, gerando episódios de espionagem, por parte do

governo norte-americano, por exemplo, como o ocorrido no Brasil em 2013 e em

outros países que se projetam no cenário internacional. Somando-se a isso, é

preciso considerar a invasão cultural, política e econômica por parte dos mesmos

Estados poderosos nos países menos desenvolvidos. Nessa nova conjuntura, como

reação, os Estados recorrem ao reagrupamento regional com o objetivo de se

fortalecerem e defenderem seus interesses comuns, sejam eles econômicos,

políticos, culturais ou militares. Vale lembrar que a defesa dos interesses culturais

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está relacionada com a preservação, a consolidação ou o fortalecimento de uma

identidade ou identidades.

O espaço, conforme Raffestin (1993), tem duas faces: uma é o plano da

expressão, constituída por superfícies, distâncias e propriedades, e a outra é o plano

do conteúdo, constituído pelas superfícies, pelas distâncias e propriedades

reorganizadas, que têm seu significado dado pelos atores sociais, posto que estes

constituem a fonte do poder, o próprio fundamento do poder, por sua capacidade de

inovação ligada ao seu potencial de trabalho.

Pode-se falar, então, de espaço e território que, para Raffestin (1993), não

são termos equivalentes. O território se forma a partir do espaço, como resultado da

ação do homem, entendida como apropriação, que pode ocorrer tanto no plano

concreto como abstrato. Em ambos os planos, existem relações marcadas pelo

poder, pois é uma nova realidade construída intencionalmente.

Se fizermos um recorrido pela história, veremos que está inteiramente

marcada pela apoderação de espaços que foram transformados em territórios pela

ação dos conquistadores: romanos, celtas, iberos, bárbaros, árabes, espanhóis,

portugueses, ingleses, franceses, holandeses. Podemos considerar também os

espaços que já haviam sido convertidos em territórios pela população local antes da

chegada dos conquistadores, como os impérios inca, maia e azteca. Nesses casos,

os feudos e, posteriormente, as urbanizações e a criação do Estado-Nação são

outros exemplos da territorialização de espaços no plano concreto. Segundo

Raffestin (1993), é preciso lembrar que o fato de delimitar parcelas, de marcá-las,

cercá-las não é uma simples relação com o território, pois a questão da alteridade

também deve ser considerada, ou seja, as relações com os indivíduos ou grupos

que aí se inserem. Essa interação procura modificar tanto as relações com a

natureza como as relações sociais, e os atores se automodificam também. Como

exemplo, citamos a conquista muçulmana da Península Ibérica. Após sua ocupação,

os muçulmanos permaneceram na região por oito séculos, foram ampliando suas

conquistas territoriais e foram influentes com sua cultura. Os moçárabes, cristãos

ibéricos que viviam sob o governo muçulmano no Al-Andalus, adotaram elementos

da língua e cultura árabe.

A territorialidade também funciona como um instrumento para comunicar um

ideário: a preservação oua construção de uma identidade, a proteção ou dissuasão

de ameaças extraterritoriais, por exemplo.

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Por outro lado, a emergência de um meio técnico-científico-informacional

acabou definindo uma nova realidade espacial: a territorialização do espaço no

plano abstrato. Através das redes de comunicação, a cultura, a ideologia de um país

pode penetrar em outros países e territorializar o seu espaço, principalmente quando

se trata de um país ou países que ocupam uma posição hegemônica no cenário

internacional.

Conforme Raffestin (1993), o poder é parte intrínseca de toda relação. Uma

das proposições de Foucault (1988 apud Raffestin, 1993) é que as relações de

poder não estão em posição de exterioridade no que diz respeito a outros tipos de

relações (econômicas, de conhecimento, sociais, sexuais etc.), mas lhes são

imanentes.

No que se refere à Geopolítica, a população, o território e os recursos são os

três elementos chave nas relações de poder, pois o conflito de dois Estados pela

posse de uma região não é apenas um conflito pela aquisição de uma parcela de um

território, mas também pelo que ele contém de população e de recursos. Na

população residem as capacidades virtuais e reais de transformação; ela constitui o

elemento dinâmico de onde procede a ação. O território é a cena do poder e o lugar

de todas as relações. Os recursos determinam os horizontes possíveis da ação.

Segundo Lapierre (1968 apud RAFFESTIN, 1993, p. 56):

[...] o que fundamenta o poder não é a necessidade natural, mas a capacidade que os homens têm de transformar, por seu trabalho e, ao mesmo tempo, a natureza que os circunda e suas próprias relações sociais. Pela inovação técnica e econômica, os homens transformam seu meio natural. Pela inovação social e cultural, transformam seu meio social.

Essa perspectiva vai ao encontro da teoria construtivista nas Relações

Internacionais, um dos fundamentos de nossa pesquisa 8 , cujo foco está na

construção social da política internacional; o poder é constituído principalmente por

ideias e contextos culturais, uma vez que, dentro dessa ótica, a convivência social

modifica os agentes e as ideias.

Com relação aos arranjos espaciais, Santos, M. (2006) considera, na atual

conjuntura, as horizontalidades e as verticalidades. As primeiras dizem respeito às

relações entre pontos inseridos em extensões contínuas, que formam uma região.

Como exemplo, citamos a América do Sul e, por conseguinte, a UNASUL, tratado já

mencionado. Por outro lado, as verticalidades se referem às relações entre pontos

8 Para detalhes da teoria construtivista nas Relações Internacionais, ver 1.5.

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inseridos em espaços descontínuos, facilitadas pela tecnologia, sendo elas as

responsáveis pelo funcionamento da sociedade e da economia em nível global, pois

as redes são globais e, desse modo, transportam o universal ao local. Cada lugar é,

ao mesmo tempo, objeto de uma razão global e de uma razão local, convivendo

dialeticamente.

Ainda no que se refere às horizontalidades, Santos, M. (2006) pondera:

[...] os mesmos interesses criam uma solidariedade ativa, manifestada em formas de expressão comum, gerando, desse modo, uma ação política”. “Na escala do globo, o motor implacável de tantas reorganizações, sociais, econômicas, políticas e, também, geográficas, é essa mais-valia global, cujo braço armado é a competitividade, que neste nosso mundo belicoso, é a mais guerreira de todas as ações. (SANTOS, M., 2006, p. 226)

As ações locais, ou seja, horizontais, constituem uma forma de reagir à

verticalização das relações espaciais, que tendem a ser dominadas pelas forças

econômicas hegemônicas, pois outras formas de aproximação “podem criar a

solidariedade, laços culturais e, desse modo, a identidade”. (GUIGOU, 1995 apud

SANTOS, M., 2006, p. 216). Os Conselhos Ministeriais e Setoriais da UNASUL, que

são Conselhos temáticos, respondem à demanda de aproximação entre os países

da região não apenas no que se refere ao âmbito econômico, mas também ao

cultural, ao social, ao da saúde, da educação, da segurança, da defesa, por

exemplo.

Compreende a integração como uma totalidade e não só através de uma

perspectiva puramente econômica. Ao mesmo tempo, infere-se que a aproximação

dos países sul-americanos no âmbito da defesa foi articulada com o objetivo de

proteção das ações geradas pela competitividade no espaço vertical. A aproximação

entre países inseridos em espaços contínuos também nos remete ao conceito de

região que, segundo Correa (2000, p.12), está ligado “à noção fundamental de

diferenciação de área, quer dizer, à aceitação da ideia de que a superfície da Terra é

constituída por áreas diferentes entre si”. Tais diferenças podem ser vistas por uma

perspectiva naturalista, ou seja, seus elementos: clima, relevo, vegetação, geologia

caracterizam-se pela uniformidade e encontram-se integrados e em interação. A

segunda perspectiva agrega o elemento humano entrelaçado com a natureza,

modelando-a pela influência de sua cultura. Na terceira perspectiva, a região é

definida como “um conjunto de lugares onde as diferenças internas entre esses

lugares são menores que as existentes entre eles e qualquer elemento de outro

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conjunto de lugares” (CORREA, 2000, p. 17), sendo as diferenças mensuradas

estatisticamente.

A divisão da superfície terrestre em regiões implica complexidade, uma vez

que múltiplos critérios ou dimensões podem ser considerados. Claval(2004 apud

CORREA, 2000, p. 17), por sua vez, lembra o fato de que, “por não haver um critério

sistemático para se identificar regiões, os resultados obtidos indicam a sua

diversidade, às vezes constituindo uma realidade natural, mas na maioria dos casos

condicionada histórica e economicamente”.

Conclui-se que o cenário geopolítico evolui paralelamente ao curso da

história, e tendo esta um caráter dinâmico e sendo protagonizada por atores sociais,

usando a terminologia de Raffestin (1993), ou por agentes sociais, empregando a

terminologia de Castro (2012), o palco em que atuam está em constante

transformação: os espaços são reorganizados, consequentemente, polos de poder

são criados ou deslocados, surgem novas estruturas e novos sentidos localmente

constituídos. A ordem local é associada a uma população contínua de objetos,

reunidos pelo território e como território, regidos pela interação.

1.4 A política expansionista norte-americana na América Latina nos séculos

XIX e XX

Julgamos pertinente, neste momento, fazer algumas ponderações a respeito

da política expansionista norte-americana na América Latina, pois não é possível

tratar o tema do presente trabalho sem fazer-lhe referência, pois grande foi a sua

influência na região fazendo, inclusive, com que cidadãos latino-americanos

passassem a desprezar suas próprias pátrias e, por conseguinte, suas culturas e

admirar o ideal americano de progresso e superioridade, bem como o modo de vida

americano 9 , progresso alcançado, em grande parte, devido a essa política

expansionista.

Quando os norte-americanos sereferem a si mesmos como americanos

somente repetem a famosa frase do presidente James Monroe, proferida no

congresso dos Estados Unidos em 1823: "A América para os americanos". O

contexto se referia à interferência europeia nas então colônias em fase de

9 Tradução da expressão inglesa american way of life, comumente usada em inglês em textos em língua portuguesa.

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independência nas Américas. Era a origem do pan-americanismo, numa perspectiva

norte-americana, fundado na supremacia dos Estados Unidos sobre os demais

Estados americanos.

A Doutrina Monroe colocou em prática a sua hegemonia sobre os países da

América Latina, usando recursos doutrinários como “cooperação”, “boa vizinhança” e

marcou as relações do tipo imperialista desenvolvidas entre ambos, relações estas

de caráter econômico, político, militar e cultural assimiladas pelos governos desses

países.

Em 1901, início da gestão do presidente Theodore Roosevelt, adotou-se a

política do big stick, que fazia referência ao tipo de diplomacia empregada como

corolário da Doutrina Monroe, que consistia no papel de polícia internacional que os

Estados Unidos deveriam assumir na América Latina. As intenções desta diplomacia

eram proteger os interesses econômicos dos Estados Unidos,mantendo um ar

amistoso e cordial nas negociações, e ao mesmo tempo deixando evidente a

possibilidade de usar a força para alcançar seus objetivos. Dessa forma, os países

latino-americanos passavam da condição colonial para neocolonial.

Turner, na obra The frontier in americanhistory (1893), assenta a fronteira

como o ponto de encontro entre a barbárie e a civilização, fazendo referência ao

processo de expansão territorial estadunidense comumente denominado de "Marcha

para o Oeste", que contribuiu para expandir consideravelmente o território do país no

século XIX. Soma-se a isso, o "Destino Manifesto", ideologia surgida na imprensa

norte-americana no início do século XIX, que acabou sendo apropriada pelas

autoridades políticas como argumento de defesa para a marcha para o oeste. É uma

filosofia que expressa a crença de que o povo dos Estados Unidos foi eleito por

Deus para comandar o mundo, sendo o expansionismo geopolítico norte-americano

apenas uma expressão desta vontade divina. O sentimento de superioridade racial

sobre outros povos americanos descendentes de indígenas, hispânicos e escravos

negros pode explicar também a política expansionista norte-americana até a

América do Sul, que estabeleceu uma relação de subserviência aos norte-

americanos, observada até hoje, embora com alguma resistência por parte de

alguns governos latino-americanos. Citamos, como exemplo, a Área de Livre

Comércio das Américas (ALCA), ideia lançada pelos Estados Unidos em 1994,

durante a Cúpula das Américas, que gerou resistência por parte do Brasil e outros

países da América Latina, por temerem o controle de toda a economia da região

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pelos norte-americanos (CONGRESSO NACIONAL. COMISSÃO PARLAMENTAR

CONJUNTA DO MERCOSUL, [200-?]).

O discurso político passado e presente refletem claramente a ideologia

expansionista norte-americana. O presidente James Buchanan, no discurso de sua

posse em 1857, deixou bem claro a determinação do domínio norte-americano: "A

expansão dos Estados Unidos sobre o continente americano, desde o Ártico até a

América do Sul, é o destino de nossa raça [...] e nada pode detê-la” (JAMES

BUCHANAN, 2015).

Da mesma forma, o candidato à presidência daquele país, Mitt Romney, no

discurso de abertura de sua campanha, em 2012, disse: "Deus não criou este país

para que fosse uma nação de seguidores. Os Estados Unidos não estão destinados

a ser apenas um dos vários poderes globais em equilíbrio. Os Estados Unidos

devem conduzir o mundo ou outros o farão" (SANTAYANA, 2012).

Pode-se dizer que o início do expansionismo norte-americano na América

Latina iniciou-se com a agitada formação do Estado mexicano que, pelo Tratado de

Guadalupe-Hidalgo de 1848, que pôs fim à Guerra Mexicano-Americana, o México

cedeu aos norte-americanos os territórios do Novo México, Arizona, Alta Califórnia,

Nevada e Colorado (QUESADA, 2005). Somou-se a isso a forte pressão dos

Estados Unidos pela independência das últimas colônias espanholas na América:

Cuba e Porto Rico, com a intervenção direta no conflito em 1898, que ficou

conhecido como Guerra Hispano-Americana, com a vitória dos Estados Unidos

sobre a Espanha. A luta contra a Espanha foi feita sob o pretexto de defender o

povo cubano da repressão espanhola, mas, os seus motivos reais estavam na

importância econômica e estratégica em exercer o controle efetivo dos mais

relevantes territórios espanhóis. Cuba tornou-se independente da Espanha em 1902,

mas permaneceu ligada à política e aos interesses dos EUA, o que fazia da ilha, na

prática, uma colônia, situação que continuou por várias décadas. Porto Rico até hoje

forma um estado associado aos EUA. Ainda, como consequência do pan-

americanismo, criaram o Estado do Panamá com o objetivo de construir e controlar

um canal de comunicação entre os oceanos Atlântico e Pacífico, interviram na

política das repúblicas da América Central através da companhia United Fruit10,

10A United Fruitfoi uma companhia que constituiu um instrumento valioso a serviço do intervencionismo norte-americano nas chamadas “repúblicas bananeiras”. Impôs o monocultivo de bananas e café, sobretudo, em latifúndios que comandava e administrava à margem do ordenamento legal; fixava o preço dos produtos no

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criada em 1899, e seu exército também participou em algumas ações bélicas no

continente (QUESADA, 2005).

Vale lembrar que, em 1890, aconteceu a primeira Conferência Pan-

americana, que propunha uma moeda comum no continente americano, o dólar,

uma união aduaneira, um conselho de arbitragem de conflitos militares e

econômicos em Washington, além de cobrança de tributos de “proteção”. O Brasil e

a Argentina opuseram-see receberam retaliações econômicas do bloco liderado

pelos norte-americanos. Ainda com relação ao Brasil, também houve o domínio e a

compra de muitas terras, gerando gigantescos oligopólios, e a compra de

companhias brasileiras por muitos empresários norte-americanos do início do século

XX até a década de cinquenta do mesmo século. Grande parte das atividades

extrativistas, construção de estradas de ferro, rodovias, mineração, geração de

energia elétrica, águas e esgotos, transportes, indústrias de papel, metalúrgicas,

mecânicas, navais entre outras, pertenciam a aqueles grupos.

Na sequência, após a Segunda Guerra Mundial, com o Plano Marshall, que

visava à reconstrução e à recuperação econômica dos países europeus aliados,

objetivando o fortalecimento do sistema capitalista, os países periféricos acabaram

se convertendo, paradoxalmente, em exportadores de matérias-primas e em

mercados consumidores dos produtos industrializados dos países centrais, seguindo

na condição de subdesenvolvimento e subordinação. Esta situação vai ao encontro

da abordagem realista das Relações Internacionais, pois não era interessante aos

Estados Unidos colocar os países periféricos no mesmo patamar de

desenvolvimento que o seu e dos demais países europeus, pois isso iria conferir-

lhes autonomia política e econômica, tirando-lhes da posição de provedores de

matérias-primas e espaço para a inversão de capitais. Conforme Romanova (1968),

foi o capital estrangeiro que destruiu os embriões da independência econômica

latino-americana, e os primeiros grandes investimentos dos Estados Unidos na

América Latina foram dedicados à agricultura, ou mais exatamente, às plantações

de açúcar, cacau, café, banana e algodão; mais adiante, quando a sua indústria teve

necessidade de grande quantidade de matérias-primas minerais, foram descobertos

enormes recursos na região, focalizando sua atenção nos ramos extrativos da

exterior, opunha-se a qualquer projeto reformista contrário aos seus interesses e intervinha diretamente na política interna dos Estados (QUESADA, 2005).

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indústria. O Brasil, até hoje, continua exportando produtos agrícolas e minerais aos

países industrializados.

Outro fato apresentado por Romanova (1968) está relacionado ao fechamento

da primeira usina de fundição de ferro em fornos elétricos, estabelecida no Brasil na

segunda década do século XX em Ribeirão Preto, estado de São Paulo, cujo método

teria fornecido grandes vantagens econômicas ao país. No entanto, começou a

funcionar com interrupções, devidas em grande parte ao fato de que as centrais

elétricas, pertencentes aos Estados Unidos, negaram-se a lhe fornecer energia.

Alegando-se o esgotamento de minério de ferro naquela região, esta usina foi

fechada em 1929. Também no Brasil, já durante a Segunda Guerra Mundial, os

monopólios norte-americanos estabeleceram seu controle sobre a extração de

nióbio, mineral estratégico utilizado na indústria aeronáutica, inclusive, pouco tempo

depois,com uma concessão do governo brasileiro para explorar as jazidas.

A indústria automobilística norte-americana, bem como de aparelhos

eletrodomésticos, através de seus monopólios, também se apoderaram do mercado

interno brasileiro e de demais países latino-americanos.

Conforme assinala Romanova (1968), com o tempo, as companhias norte-

americanas foram abertas para a participação de investidores nacionais, os

capitalistas locais, transformando-as em empresas mistas. Além disso, começaram a

incorporar mais amplamente empregados latino-americanos, pretendendo criar uma

aparência de “cooperação”, mas com o intuito de assegurar a exportação de capital

e o funcionamento das empresas existentes, inculcando-lhes o “modo de vida

americano” e ganhando sua adesão.

Segundo Ianni (1974), estas relações podem ser colocadas em termos de

dependência estrutural, dado que as nações latino-americanas são histórica e

constitutivamente dependentes, pois foram criadas como colônias pelas metrópoles

europeias surgidas com a expansão do mercantilismo. Portanto, nestas sociedades,

muitas instituições (econômicas, políticas, jurídicas, educacionais, militares,

religiosas) se organizaram de modo a atender às exigências do próprio

funcionamento e expansão do colonialismo mercantilista. Isso significa que a

dependênciaem relação às antigas metrópoles apenas mudou de mãos. Passaram a

ser sociedades capitalistas “subdesenvolvidas”, dependentes estruturalmente das

sociedades capitalistas desenvolvidas, dependência esta que transcende o plano

econômico, revelando-se também nos acordos políticos, militares, culturais e de

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assistência técnica, pois os países subordinados não são detentores do

conhecimento tecnológico, e que começa a tornar-se prática cotidiana no

pensamento e nas ações da sociedade dependente.

O Office of Inter-American Affairs, criado em 1940, foi o órgão utilizado pelo

governo dos Estados Unidos com o objetivo de formular e executar programas nas

áreas comercial, econômica, cultural, educacional para estreitar os laços entre as

nações americanas. Na verdade, seu real objetivo era implantar o modo de vida

desse país na América Latina como um meio de diminuir a influência do Eixo nesse

continente, além de visar à consolidação do domínio político e benefícios

econômicos. Pode-se dizer que atuou como instrumento de poder brando, que é a

capacidade de obter os resultados desejados mais pela via da atração do que da

coerção.11

O intervencionismo político e econômico na América Latina resultou no

empobrecimento e endividamento dos países e na consequente dependência

econômica dos Estados Unidos, bem como no caos político, marcado por conflitos,

golpes e o surgimento de ditaduras, fatos observados até nossos dias. Ficou claro

que o capital privado estrangeiro nunca se interessou em investimentos destinados a

formar o capital social dos povos latino-americanos, como investimentos em saúde,

educação, aumento do bem-estar.

Como bem disse Eduardo Galeano em As veias abertas da América Latina

(1970, p. 14):

É a América Latina, a região das veias abertas. Desde o descobrimento até nossos dias, tudo se transformou em capital europeu ou, mais tarde, norte-americano, e como tal tem-se acumulado e se acumula até hoje nos distantes centros de poder.

Com base no exposto e nas palavras de Galeano, julgamos conveniente fazer

o seguinte questionamento: Por que as veias abertas da América Latina não se

fecharam após a declaração de sua independência dos países colonizadores?

Interesses particulares locais estavam acima dos interesses nacionais; faltou

patriotismo, sentido de unidade e valorização do território latino-americano com sua

abundância de recursos naturais e humanos, e de seus traços culturais peculiares. A

famosa frase de James Monroe, já citada, “A América para os americanos”, que faz

referência à soberania do território americano como um todo, visando aos interesses

11 O capítulo Língua e Identidade Cultural tratará a questão mais detalhadamente.

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norte-americanos, deveria ter sido repensada e adaptada ao contexto latino-

americano pelos seus próprios habitantes: a “América Latina para os latino-

americanos” como forma de valorizar e de defender a sua soberania.

Simón Bolívar almejou a construção de uma nação única, mas apesar de todo

seu empenho, o desejo ficou apenas em sua imaginação, pois o território estava

dividido pelas deformações do sistema colonial: não existia um sistema econômico

forte e unificado; existiam polos de poder que atendiam às necessidades europeias.

Segundo Galeano (1970, p. 279), “qualquer das corporações multinacionais opera

com maior coerência e sentido de unidade do que este conjunto de ilhas que é a

América Latina, desgarrada por tantas fronteiras e tantas incomunicações”.

Podemos interpretar os termos “fronteiras” e “incomunicações” não apenas

por uma perspectiva geográfica, expressando a carência de conexões terrestres

entre os países latino-americanos 12 , mas também por uma perspectiva

integracionista, que ultrapassa a dimensão física. Ao mesmo tempo, é preciso

considerar a falta de integração interna desses países, marcada por disputas

políticas, governos corruptos e desníveis sociais e econômicos, bem como pela

incapacidade e falta de disposição dos governos para sanar tais problemas, dado

que a dificuldade de integração interna pode constituir uma barreira à integração

regional.

Cuba se rebelou contra a presença norte-americana em seu território. No

entanto, seguiu por caminhos tortuosos, o que impediu o seu desenvolvimento. A

Venezuela também pode ser citada como exemplo de país reacionário ao

intervencionismo norte-americano, levantando a bandeira do bolivarianismo, mas um

bolivarianismo um tanto desvinculado daqueles ideais propostos por Simón Bolívar,

mais direcionado a resgatar a figura do herói nacional e justificar as ações do

governo.

O contexto brasileiro e de demais países latino-americanos, hoje, pouco difere

do contexto inicial da neocolonização, passamos da condição de subdesenvolvidos

para emergentes, mas uma emergência que se estagnou. Nenhum país latino-

americano conseguiu converter-se em uma potência industrial desenvolvida. A

colocação de Ianni (1974, p.123) resume o passado e o presente dos países latino-

americanos: “O problema é que o poder político nos países da América Latina nunca

12 As ferrovias e as estradas eram construídas para transportar a produção ao exterior por rotas mais diretas. Ver Galeano (1970).

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conseguiu libertar-se ou superar a contradição entre sociedade nacional, por um

lado, e economia dependente, por outro”. Ainda, segundo o mesmo autor:

Os governantes dos países da América Latina rejeitam o “jogo democrático” sempre que os instrumentos de mando e decisão sobre diretrizes econômicas e políticas (internas e externas) começam a ser disputadas pelas classes assalariadas. Sempre que se configura a possibilidade de uma reformulação real (ainda que reduzida) das estruturas de poder, devido à participação das massas assalariadas no processo político, então ocorre o golpe de estado. (IANNI, 1974, p. 123).

A transição do governo de Salvador Allende para o de Augusto Pinochet no

Chile (1973) e de João Goulart para o de Castelo Branco no Brasil (1964) ilustram a

citação anterior.

Conforme Galeano (1970, p. 281), “para que a América Latina possa

renascer, terá de começar por derrubar seus donos, país por país”. A frase pode ser

interpretada tanto sob a perspectiva do intervencionismo estrangeiro como dos

governos locais desleais à pátria que atuam privilegiando seus interesses

particulares e de membros de seu partido ou aliados, constituindo entraves para que

os países superem a condição de emergentes.

Julgamos conveniente acrescentar as contribuições de García Canclini (2008)

com respeito à projeção da América Latina no cenário global. Para ele, a indústria

cultural é significativa para promover a expansão econômica na região e fomentar a

integração, pois favorece o desenvolvimento de outras áreas como transporte,

turismo e investimentos. O autor indaga “por que a América Latina não soma sua

criatividade e variedade literária, musical e comunicacional para converter-se em

uma economia cultural de escala, mais interconectada e com maior capacidade

exportadora” (GARCÍA CANCLINI, 2008, p. 34). Alerta que essa economia cultural

de escala deve ser inclusiva, possibilitando que os países periféricos, indígenas e

pobres urbanos também comuniquem suas vozes e suas imagens. Ele ainda

apresenta, seguindo pela via cultural, algumas medidas que poderiam contribuir para

recolocar a América Latina no mundo.

Em primeiro lugar, sugere identificar na região as áreas estratégicas do

desenvolvimento, verificando quais produtos materiais e simbólicos próprios podem

melhorar as condições de vida das populações latino-americanas e potencializar a

comunicação com os demais: a consolidação do patrimônio histórico tangível e

intangível, da produção audiovisual, do turismo, com o apoio dos ministérios da

cultura.

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Em segundo lugar, sugere o desenvolvimento de práticas socioculturais que

promovam o avanço tecnológico e a expressão multicultural das sociedades latino-

americanas, centradas no crescimento da participação democrática dos cidadãos.

Em terceiro lugar, voltar a situar as políticas culturais nas áreas estratégicas

de desenvolvimento endógeno e de cooperação internacional.

Por último, cultivar e proteger legalmente a diversidade latino-americana

situando-a na variedade de tendências que contém a globalização, assim como criar

instrumentos internacionais de conhecimento e avaliação do desenvolvimento

sociocultural.

Observa-se que García Canclini (2008) enfatiza em seu discurso a construção

cultural da cidadania latino-americana, ou seja, que a recolocação da América Latina

no cenário global se dê pela via cultural com participação cidadã, abrangendo todos

os seguimentos populacionais, cujos benefícios retornem para a própria população

da América Latina.

Entende-se que, a partir do momento em que os países latino-americanos

começarem a ver a si mesmos como nações e a desenvolver um sentimento

nacional e de pertencimento, a pensar no seu potencial econômico e cultural, em

suas raízes, em sua identidade real, como colocaram em suas obras o escritor

cubano José Martí e o nicaraguense Rubén Darío, expoentes do modernismo

hispano-americano, outros escritores e artistas no século XIX, e músicos

participantes do movimento da Nueva Canción13, na década de 60, como Mercedes

Sosa, Violeta Parra, e a tomar medidas para que se abra o caminho para o

fortalecimento da região e que lhe confiram de fato a soberania, esta começará a

abandonar a posição periférica em que se encontra, o que poderá contribuir,

inclusive, com o processo de integração e cooperação militar na América do Sul,

nosso objeto de estudo.

13 Movimento nascido na Argentina e no Uruguay na década de 1960, que encontrou eco em iniciativas da mesma natureza em países vizinhos, cujo objetivo era produzir música em diálogo com as raízes culturais folclóricas e populares (PRADO, 2014).

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1.5 Geopolítica sul-americana

Antes de abordar a geopolítica sul-americana, julgamos conveniente tecer

algumas considerações a respeito de toda Ibero-América14.

No final do século XV, a Espanha havia restabelecido a unidade, os reinos

medievais hispânicos se uniram em uma organização política que resultou na

formação da Monarquia Hispânica. A necessidade de procurar metais preciosos,

base da doutrina mercantilista, predispôs a Espanha e Portugal a empreender

expedições marítimas, que se realizaram sob o signo da rivalidade. Por outro lado,

vale lembrar o fator cultural, que também motivou tal empreendimento: o ideal

cavalheiresco medieval que animou os espanhois e portugueses a imitar as

façanhas dos heróis clássicos e medievais, que pareciam irrealizáveis. Tudo isso

resultou no descobrimento e na conquista do Novo Mundo, bem como na criação do

extenso império hispano-americano e português na América, o primeiro grande

império colonial dos tempos modernos.

A partir da chegada dos povos ibéricos no continente americano, uma nova

geopolítica começou a ser configurada, pois o Tratado de Tordesilhas e,

posteriormente, o Tratado de Madri demarcaram as fronteiras entre terras

espanholas e portuguesas.

Os espanhóis criaram um império que se estendia desde o sul dos Estados

Unidos até a Terra do Fogo. Pacificaram e colonizaram territórios extensos,

fundaram cidades, dividiram terras, construíram vias de comunicação, pontes e

portos; desenvolveram a agricultura, a produção de manufaturas e o comércio e

exploraram os recursos minerais; obrigaram os índios a trabalhar e importaram

escravos africanos. Nota-se a divisão tripartida a serviço do poder: a população, o

território e os recursos, o que não foi diferente no Brasil, considerando que o poder é

parte intrínseca de toda relação.

Diante da exploração e injustiças adotas pela Espanha na América, a partir do

século XVIII começa a brotar um movimento de resistência nas colônias, liderado

pelos descendentes de espanhóis nascidos na América. Além dos laços culturais

que tinham com o continente americano, viam na independência uma forma de

14 A denominação “Ibero-América” foi escolhida porque os países envolvidos na pesquisa são apenas os colonizados por portugueses e espanhóis e, além disso, formam parte de um território contínuo. Consideramos, também, o território insular: Cuba, República Dominicana e Porto Rico.

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obtenção de poder político. Muitos eram comerciantes e proprietários de terras e,

por meio da independência, poderiam obter liberdade para seus negócios,

aumentando assim seus lucros. Vale lembrar também que muitos descendentes

estudaram na Europa, onde tomaram contato com os ideais de liberdade

propagados pelos iluministas, o que contribuiu para que o movimento se

transformasse em ideologia.

O grau de insatisfação e revolta da população americana com o domínio

espanhol havia atingido o ponto máximo no começo do século XIX. Foi nesta época

também que os aristocratas conseguiram organizar movimentos emancipacionistas

em todos os vice-reinos.

Após o processo de independência, os vice-reinos foram divididos, tornaram-

se Estados e adotaram o sistema republicano de governo, ao contrário do Brasil

que, após sua independência em 1822, adotou a monarquia constitucional. Uma vez

mais se observa a reconfiguração da geopolítica no território iberoa-mericano.

A independência da América Hispânica, por um lado, favoreceu

financeiramente e politicamente a aristocracia, formada pelos descendentes de

espanhóis nascidos na América, que se perpetuavam no poder. Por outro, não

contribuiu para a diminuição das desigualdades e injustiças sociais.

Simón Bolívar, militar, político e intelectual venezuelano,foi um dos principais

líderes das lutas pela independência nos países da América Hispânica, fato que lhe

outorgou o título honorífico de “El Libertador”. Idealizou a América Hispânica como

uma grande nação. O desejo de articulação de uma confederação hispano-

americana foi proposto no Congresso do Panamá em 1826, sendo um de seus

princípios a formação de uma aliança, uma confederação das repúblicas hispânicas,

com o objetivo de defesa comum, solução pacífica de conflitos e preservação da

integridade dos territórios dos estados-membros. Vale mencionar que na Carta da

Jamaica (1815), Simón Bolívar já havia demonstrado seu desejo de formar uma

confederação hispano-americana com as regiões que anteriormente pertenciam ao

Império Espanhol, baseado no fato de elas terem um passado histórico em comum,

essas instituições, professarem idêntica religião, a católica, e terem o espanhol

como a sua língua dominante.

Na carta, Bolívar analisa os acontecimentos históricos no continente

americano relacionados à luta pela independência até aquele momento, expõe as

razões da luta e termina sua reflexão com a crença na necessidade da união entre

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os países ibero-americanos, constante que atravessa todo o texto da Carta da

Jamaica. Abaixo transcrevemos um fragmento:

É uma ideia grandiosa pretender formar do novo mundo uma só nação com um único vínculo que ligue suas partes entre si e com o todo. Como tem uma origem, uma língua, costumes e uma religião deveria, por conseguinte, ter um só governo que confederasse os diferentes Estados que hão de formar-se, mas não é possível porque climas remotos, situações diversas, interesses opostos, caracteres diferentes dividem a América. (QUESADA, 2005, p. 83, tradução nossa).

Outra grande figura da independência foi o líder militar argentino José de San

Martín cujas lutas foram decisivas para a declaração da independência da Argentina,

Chile e Peru.

No entanto, as aspirações regionalistas não tardaram em promover a

desagregação da grande nação. Desse modo, a divisão política da América Ibérica

se consumou.

Hoje são dezenove países ibero-americanos que têm o espanhol como língua

materna. Se consideramos, de uma maneira especial, a América do Sul, dos dez

países iberoamericanos que a formam, um tem o português como língua materna, e

os demais, o espanhol. Trata-se de países, cuja história se parece muito à brasileira,

que compartilham aspectos como a conquista, a colonização, a política, o

desenvolvimento, a proximidade geográfica, a abundância de recursos naturais. No

entanto, dois séculos se passaram e o ideal de integração ainda não se concretizou.

A Ibero América ou, em uma dimensão menor, a América do Sul, parecem formar

um grande quebra-cabeça cujas peças ainda não se encaixaram efetivamente,

apesar das tentativas já ocorridas de integração, principalmente no plano econômico

com a formação de blocos.

Infere-se que apenas a aproximação econômica não é suficiente para criar

laços fortes e estáveis entre os países de um bloco. A complexidade é muito maior

quando se fala em integração regional, pois, conforme Claval (2004 apud CORREA,

2000, p. 17) mencionado anteriormente, não há um único critério para identificar

regiões, podendo estas constituírem uma realidade natural ou serem condicionadas

histórica e economicamente. No caso da América do Sul, nosso objeto de pesquisa,

os três fatores estão imbricados. Não obstante, a constituição de uma região não

implica necessariamente que seus territórios estejam integrados, pois a integração

está relacionada com entrosamento, construção de um todo, coordenação de

esforços, planificação conjunta e a convivência pacífica entre as partes que

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conformam o grupo, sem perder a sua individualidade. No âmbito da Geopolítica, o

fato de territórios estarem incorporados a uma unidade maior sem o estreitamento

de laços, considerando apenas suas características geográficas, econômicas,

históricas e sociais comuns ou análogas não confere à região um significado pleno.

Cabe questionar quão comuns são essas características e o seu teor de contribuição

à construção de uma identidade sul-americana.15

Na visão de Richard (2014, parágrafo 46), a integração regional é definida

como “o processo pelo qual uma parcela do espaço, pouco importa seu tamanho, é

pouco a pouco ‘preenchida’ por bastante substância social, econômica, institucional

política, cultural, identitária, etc. para tornar um sistema distinto dos outros e ser

finalmente percebido como tal”.

A globalização fortaleceu a tendência à integração regional mais como

estratégia para fortalecer os países frente ao novo cenário econômico. Com relação

ao cenário cultural, notam-se as seguintes vertentes: por um lado, a assimilação de

elementos culturais como comportamentos, formas de pensamento e ideias

advindos de centros economicamente dominantes em detrimento dos valores locais

e tradicionais, por outro, a valorização dos elementos locais frente à interposição dos

globais. No entanto, se nos distanciarmos um pouco dessa visão maniqueísta do

processo de globalização, podemos considerá-lo como uma oportunidade de

aproximação entre os povos e, assim, conhecer a diferença, compreendê-la e

aprender com ela. Desse modo, a alteridade é uma condição que pode ser verificada

quando há interação entre o “eu” e o “outro”, ao reconhecermos que somos uma

cultura possível entre tantas outras, mas não a única, constituindo, inclusive, uma

forma de amenizar preconceitos.

Portanto, os componentes social e cultural devem ser considerados quando

se trata o tema da integração, podendo contribuir ao fortalecimento dos laços

políticos, econômicos e militares entre os países de uma região.

Se considerarmos a participação do Brasil em iniciativas para fortalecer a

América do Sul e a América Latina como um todo no cenário internacional,

verificamos a formação dos seguintes blocos regionais (BRASIL. MINISTÉRIO DAS

RELAÇÕES EXTERIORES, 2015):

15 As questões identitárias serão tratadas no capítulo 3.

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ALADI: associação criadapara promover o desenvolvimento econômico

e social da região, que visa ao estabelecimento, de forma gradual e

progressiva, de um mercado comum latino-americano.

MERCOSUL: à dimensão econômica e comercial do bloco, somam-se

outras iniciativas no âmbito das telecomunicações, da ciência e

tecnologia, infraestrutura, educação, agricultura, cooperação

fronteiriça, do meio ambiente, entre outras. Todos os países da

América do Sul estão vinculados ao bloco, seja como Estado Parte

(Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela), seja como

Associado (Bolívia, Chile, Peru, Colômbia, Equador, Guiana e

Suriname).

OTCA: bloco formado pelos Estados que partilham o território

Amazônico: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru,

Suriname e Venezuela, cujos programas se centram nas áreas

ambiental, social, de ciência e tecnologia, saúde, turismo, segurança e

defesa.

CELAC: Comunidade criada com o objetivo de estabelecer um

processo de cooperação que abrangesse toda a região latino-

americana e caribenha. Os programas giram em torno de 19 eixos,

entre eles: educação, cultura, infraestrutura, ciência e tecnologia,

desenvolvimento industrial, comércio, assistência humanitária,

narcotráfico.

UNASUL: tratado mais recente aprovado em 2008 entre 12 países da

América do Sul: Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile, Equador,

Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela com o

objetivo de construir um espaço de integração no âmbito cultural,

econômico, social e político dos povos sul-americanos, privilegiando o

diálogo entre eles e um modelo de “desenvolvimento para dentro”, bem

como o relacionamento com o resto do mundo de forma integrada.

Panamá e México são membros associados. O Tratado uniu o

MERCOSUL à CAN formada por Bolívia, Colômbia, Equador e Peru.

Vale lembrar que o “desenvolvimento desde fora”, durante o século XIX e

parte do século XX, apoiado pela Inglaterra e pelos Estados Unidos provocou um

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distanciamento entre os Estados latino-americanos. Em contraposição, os Tratados

condensam interesses comuns e proporcionam uma moldura para o gerenciamento

de conflitos entre Estados que são parceiros antigos. Nessa moldura, o exercício de

influência substitui em grande medida o exercício do poder.

O “desenvolvimento desde fora” está relacionado à dependência e à

subordinação a ambas aspotências, fruto de um processo histórico que se organizou

em torno de estruturas hegemônicas de poder, questão já comentada na seção

anterior. Com relação a esse tema, Guimarães (2005) coloca que os grandes

Estados periféricos, em cuja categoria o Brasil se insere, ainda hoje enfrentam um

cenário internacional semelhante, pois ainda estão sujeitos ao impacto das ideias,

dos costumes e das políticas geradas pelos Estados centrais, difundidas pelos

meios globais de comunicação. O autor esclarece que “grandes Estados periféricos”

são aqueles países não desenvolvidos, com grande população e extenso território,

não inóspito, razoavelmente capaz de exploração econômica e onde se formaram

estruturas industriais e mercados internos significativos. Pode-se vincular, portanto,

uma população numerosa, em um território extenso, com um grande potencial

econômico, científico-tecnológico, militar e político. O território extenso, por um lado,

implica a presença de uma grande variedade de recursos naturais, produção

agrícola diversificada, assim como a necessidade de pesquisa em áreas que

alavanquem o desenvolvimento do país. A exploração dessas potencialidades,

segundo Guimarães (2005), resultaria em menor dependência externa, o que

reduziria a vulnerabilidade a pressões políticas e militares das potências centrais.

Além disso, os Estados periféricos ganhariam capacidade de exercer influência

política nas esferas regional e mundial.

Não obstante, para alcançar a autonomia, há obstáculos a serem superados:

disparidades internas, vulnerabilidades externas, baixo nível de escolaridade da

população, instabilidade social, política e econômica, e o enfrentamento com as

potências hegemônicas e suas estratégias de preservação e de expansão de poder,

como a criação de organizações internacionais sob seu controle, como o Fundo

Monetário Internacional, a Organização Mundial do Comércio, geradores de

ideologias. As tentativas de enfraquecimento de programas de fortalecimento

político, econômico, militar ou tecnológico de caráter nacional ou regional, como os

blocos geoeconômicos; as elites políticas, intelectuais formadores de opinião,

latifundiários e grandes empresários simpatizantes dos ideais e das políticas das

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potências hegemônicas também constituem obstáculos a serem superados se os

Estados periféricos quiserem trilhar o caminho da autonomia.

Guimarães (2005, p. 169) aponta os Estados Unidos como o grande desafio

para a política externa brasileira, devido à situação geopolítica do Brasil na América

do Sul, o que pode levar a situações conflitivas:

[...] tem fronteira com dez países; sua capacidade para articular iniciativas em defesa dos interesses da região, interesses que os Estados Unidos nem sempre compartilham; os exercícios militares norte-americanos realizados em regiões próximas às fronteiras com o Brasil; as operações contra o narcotráfico e o terrorismo, com a participação de assessores norte-americanos nos países vizinhos; as constantes insinuações sobre a internacionalização da Amazônia por razões ambientais e com o pretexto da futura escassez de água; e a visão norte-americana de que as forças armadas dos países da América do Sul devem reduzir-se ao mínimo e cumprir funções apenas de polícia interna.

Nesse cenário, no que se refere ao âmbito militar brasileiro, o autor

supracitado também apresenta como desafio da política externa brasileira, a

construção da capacidade militar para ser usada com o objetivo de defender o

território, caso os Estados hegemônicos usem a força para controlar a periferia.

Os Estados Unidos têm a sua grande estratégia muito clara desde os tempos

da Doutrina Monroe, e continua bem atuante, pois seu objetivo ainda está focado na

expansão de poder hegemônico. O Brasil e demais países da América do Sul

precisam encontrar o caminho para o desenvolvimento por meio de um projeto

consistente, e o seu consequente fortalecimento como nações culturalmente,

politicamente, economicamente independentes e democraticamente fortes. Com o

fortalecimento político, econômico e cultural, o fortalecimento da capacidade militar

seria imprescindível. Dessa forma, o Brasil, na condição de grande Estado periférico

sul-americano, poderia desempenhar o papel de líder regional pró-ativo, de

elemento de coesão entre os Estados da América do Sul para formar um

agrupamento forte, com interesses convergentes, e dessa forma, reduzir a

vulnerabilidade da região, já que a política externa brasileira optou por um modelo

de inserção internacional alicerçado no regionalismo e no multilateralismo.

Como bem expõe Góes (2008), o Brasil precisa de uma grande estratégia, um

projeto de engrandecimento que transforme potencial em poder e lhe confira uma

soberania de fato, com voz ativa no processo decisório internacional, pois “um país

sem estratégia é um país sem rumo, à deriva, facilmente atraído por concepções

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alienígenas, que nada mais fazem senão projetar seus próprios interesses sobre o

espaço jurídico de suas vítimas” (GÓES, 2008, p. 42).

Pensamos que todas as nações sul-americanas, principalmente as signatárias

do Tratado Constitutivo da UNASUL, precisam de uma grande estratégia que lhes

possibilite construir uma política de desenvolvimento soberana e eficaz que as faça

deixar a sua condição de periféricas. Guimarães (2005), com muita sensibilidade,

cita a tríade “esforço, confiança, autoestima” como elementos necessários para

avançar no caminho do desenvolvimento e, dessa maneira, usufruir dos benefícios

de um progresso econômico sustentável, de uma justiça social crescente e do

exercício da democracia real.

Pensamos que a UNASUL pode ser parte dessa tão necessária estratégia de

desenvolvimento regional, pois o projeto de integração e união abrange os âmbitos

cultural, social, econômico, político e militar.

A UNASUL é estruturada por Conselhos formados por Chefes de Estado, por

Chanceleres e por Delegados, por uma Secretaria-Geral – que passa por uma fase

de consolidação e fortalecimento – e por doze Conselhos Setoriais, que tratam de

temas específicos: energia, defesa, saúde, desenvolvimento social,infraestrutura,

problema mundial das drogas,economia e finanças, eleições, educação, cultura,

ciência, tecnologia e inovação, segurança cidadã, justiça e coordenação de ações

contra a delinquência organizada transnacional.

Segundo o Ministério de Relações Exteriores brasileiro:

A integração regional é prioridade para a diplomacia brasileira. O Brasil incentiva esse projeto não apenas por estar convicto dos benefícios para a inserção e a projeção do país e da região em um mundo cada vez mais multipolar, mas também porque se trata de objetivo determinado pela Constituição Federal à nossa política externa. Em seu artigo 4º, parágrafo único, estabelece que "a República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações". (BRASIL. MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2015).

Pensar no desenvolvimento brasileiro requer pensar em seus vizinhos, todos

países sul-americanos.

Barrios (2011) tece algumas considerações a respeito da posição privilegiada

e estratégica do Brasil na América do Sul: está no centro do subcontinente, situação

que lhe permite desempenhar o papel de articulador interno entre o norte e o sul,

pois ao norte estão a Amazônia, Colômbia e Venezuela, e estes são a articulação

com a zona caribenha, mexicana e centro-americana. A oeste está o Peru, também

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na fronteira da Amazônia, e é a conexão entre o norte e o sul hispano-americano,

entre a Comunidade Andina e o Cone Sul hispano-americano. A região corresponde

ao enlace entre a Comunidade Andina e o MERCOSUL e associados, que,

posteriormente, originou a UNASUL. Ainda, para Barrios (2011), na América Latina,

é a América do Sul, seu grande corpo, que proporciona solidez geopolítica. Para

tanto, é preciso que haja uma estratégia bem delineada para contribuirà formação de

um Estado Continental Industrial no cenário internacional, que inclua a

industrialização e a integração. Outros requisitos que também contribuem a viabilizar

a sua formação são: o poder alimentar, o poder aquífero, o poder energético e o

poder demográfico, recursos abundantes na região. Sua legitimidade dependerá da

criação de um pensamento unitário e deve sustentar-se em função de um poder

multidimensional que, segundo Barrios (2011), abrange ideias e crenças, população,

espaço, recursos e tecnologia, e organização.

Prestaremos atenção especial às ideias e crenças porque são consideradas

elementos mobilizadores da comunidade, que interagem com a realidade política,

social e econômica. Ideias implicam possibilidade de transformação, que é motivada

por uma ação que, por sua vez, é motivada por um pensamento advindo de um

agente. As transformações estão relacionadas a mudanças em padrões culturais.

Portanto, o processo de integração sul-americano deverá passar,

imprescindivelmente, em maior ou menor grau, por uma quebra de paradigmas no

âmbito cultural. Qual o significado de ser latino-americano ou, em uma dimensão

menor, sul-americano para um brasileiro, argentino ou para outros cidadãos dos

demais países sul-americanos?

Analisando o Tratado Constitutivo da UNASUL, percebe-se que está

fundamentado na teoria construtivista das Relações Internacionais, ou seja, na

construção social da política internacional, uma vez que os construtivistas analisam

as relações internacionais sob a ótica social mais que estritamente material, dado

que o mundo é socialmente e historicamente construído; as Relações Internacionais

consistem primariamente em fatos sociais. Estamos cientes de que o construtivismo

é uma subcorrente do idealismo kantiano, do final do século XVIII, que busca a

democracia em nível global. No entanto, notamos que alguns princípios podem ser

aplicados à América do Sul para então desenvolver o tema do nosso trabalho: a

integração e a cooperação militar na região.

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O projeto de Kant (1795) visava estabelecer uma paz perpétua entre os povos

europeus, e depois espalhá-la pelo mundo inteiro. Tratou-se de um manifesto

iluminista a favor do entendimento permanente entre os homens, elaborado após a

Revolução Francesa, retomando uma ideia anterior de consegui-la através da

formação de uma sociedade das nações, defendida pelo padre Saint-Pierre. A sua

constituição está fundamentada nos princípios da liberdade de todos os membros da

sociedade, no princípio de dependência em que todos estão submetidos a uma única

legislação em comum e, finalmente, no princípio da igualdade de todos os cidadãos

(SCHILLING, 2002). Para ele, a moral e a política devem atuar juntas, e o princípio

da amizade sólida deve nortear as relações entre os Estados. No entanto, a cultura

Kantiana não nega a possibilidade de existência de conflitos, quando coloca que

estes devem ser resolvidos sem guerra ou ameaça desta – a regra da não violência

- e que os Estados deverão lutar como uma equipe caso a segurança de qualquer

um seja ameaçada por um terceiro – a regra da ajuda mútua (WENDT, 1999).

Segundo Wendt (1999), o construtivismo pode ser visto como um tipo de

idealismo estrutural, pois encontra-se no meio termo entre a abordagem idealista e a

holista ou estruturalista. A primeira coloca ênfase no compartilhamento de ideias,

mais do que nas forças materiais que agem na constituição da estrutura profunda da

sociedade, e que a identidade e os interesses dos atores são construídos por essas

ideias compartilhadas e não determinados por tais forças. A segunda enfatiza os

poderes que emergem das estruturas sociais quando se compartilham ideias e

conhecimento, em oposição à visão individualista relacionada a essas estruturas.

Porém, isto não significa que o construtivismo desconsidere a importância das forças

materiais, é que, para esta subcorrente, o que imprime significado a estas forças é o

conhecimento e valores compartilhados. Ao mesmo tempo, os construtivistas

acreditam que o mundo material oferece resistência quando agimos sobre ele.

Na verdade, tanto construtivistas como materialistas reconhecem o papel das

ideias e das forças materiais na estrutura social. O que diferencia é a crença de

cada um no teor dos efeitos na estrutura. Para os materialistas, as forças materiais

predominam no direcionamento das forças sociais.

Sobre a organização das forças materiais, Wendt (1999, p. 23) pondera:

Os materialistas acreditam que o fato mais fundamental sobre a sociedade é a natureza e organização das forças materiais. Ao menos cinco fatores materiais estão presentes no discurso materialista: (1) natureza humana; (2) recursos naturais; (3) geografia; (4) forças de produção; e (5) forças de

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destruição. Tais forças têm importância: permitindo a manipulação do mundo, conferindo poder a alguns atores sobre outros, conduzindo pessoas à agressão, criando ameaças, e assim por diante. Essas possibilidades não descartam as ideias, mas creem que os efeitos das forças não materiais são secundários. (tradução nossa)

No âmbito da política internacional, a principal questão dentro da teoria

construtivista reside na incógnita: Como são formados os interesses dos Estados?

Dentro das perspectivas tradicionais, os Estados, assim como as pessoas, teriam

uma natureza pré-social, ou seja, a vida em sociedade não modifica as pessoas e os

Estados. O construtivismo, em contraste, como acredita que a convivência social

modifica os agentes, os Estados não podem ser considerados como verdades

exógenas. No caso, as ideias e normas possuem um papel fundamental tanto na

constituição da realidade e dos agentes, quanto na definição de identidades e

interesses, pois exercem um efeito constitutivo nos atores.

Para Wendt (1999), o poder é construído por ideias e contextos culturais. Se

os Estados compartilham ideias e valores através da interação social e cultural,

pode-se conduzir à produção de novos conhecimentos, novas subjetividades, novas

identidades, novos interesses, provocando efeito constitutivo, o que mostra que a

cultura foi internalizada. Tal fato poderá levar à formação de uma identidade coletiva,

o que permitiria aos atores encontrar soluções comuns aos problemas, o que, por

sua vez, pode definir a estrutura do sistema internacional. O fato dos Estados

compartilharem ideias implica que não se veem como inimigos – passa-se da

estratégia de confrontação à cooperação, que implica processos de comunicação,

interação, e, posteriormente, ação.

A teoria construtivista é indissociável da questão da alteridade: o homem,

como ser social, existe a partir da visão e do contato com o outro ou outros, a

coletividade. Estabelece-se entre eles uma relação de interação e dependência. E

se a alteridade implica em enxergar o outro, interagir com ele e entendê-lo, a língua

é um meio que facilita a compreensão mútua e propicia a comunhão de

pensamentos.

Wendt (1999, p. 354) chama a atenção para as consequências derivadas do

individualismo no que se refere à relação entre os Estados de uma Comunidade:

As diferenças internas podem ser fonte de conflitos externos. A redução dessas diferenças aumentará o grau de coincidência dos interesses dos Estados e promoverá a formação de uma identidade coletiva reduzindo a lógica para a existência das identidades individuais. (tradução nossa).

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A teoria construtivista mostra que os entendimentos coletivos constituem o

caminho para a formação de uma identidade coletiva. No caso do presente trabalho,

essa identidade coletiva restringe-se à América do Sul e não à totalidade do sistema

internacional.

Como exemplo, citamos o Tratado Constitutivo da UNASUL, cujo objetivo

geral e termos presentes no preâmbulo e nos objetivos específicos sinalizam um

forte embasamento na teoria construtivista, uma vez que os agentes ou atores

sociais interagem entre si e com seus contextos políticos e socioculturais,

propiciando novas aprendizagens e, como consequência, mudança de

comportamento e transformação de sua realidade:

A União da Nações Sul-americanas tem como objetivo construir, de maneira participativa e consensual, um espaço de integração e união no âmbito cultural, social, econômico e político entre seus povos, priorizando o diálogo político, as políticas sociais, a educação, a energia, a infraestrutura, o financiamento e o meio ambiente, entre outros, com vistas a eliminar a desigualdade socioeconômica, alcançar a inclusão social e a participação cidadã, fortalecer a democracia e reduzir as assimetrias no marco do fortalecimento da soberania e independência dos Estados. (Objetivo geral) Construção de um futuro comum. (Preâmbulo) Construção de uma identidade e cidadania sul-americanas. (Preâmbulo) Desenvolvimento de um espaço regional integrado. (Preâmbulo) Cultura de paz. (Preâmbulo) Solidariedade; cooperação; democracia; pluralismo; direitos humanos universais; redução de assimetrias; harmonia com a natureza para o desenvolvimento sustentável. (Preâmbulo) Integração. (Preâmbulo) Diálogo político. (Objetivos Específicos) Acesso universal à educação de qualidade. (Objetivos Específicos) Desenvolvimento social e humano. (Objetivos Específicos) Cooperação econômica e comercial. (Objetivos Específicos) Integração industrial e produtiva. (Objetivos Específicos) Promoção da diversidade cultural. (Objetivos Específicos) Participação cidadã através de mecanismos de interação e diálogo entre a UNASUL e os diversos atores sociais na formulação de políticas de integração sul-americana. (Objetivos Específicos) Intercâmbio de informação e de experiências em matéria de defesa (Objetivos Específicos). (UNASUR, 2015, tradução nossa).

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Palavras-chave como união, integração, cooperação, intercâmbio, construção,

diálogo, solidariedade, cultura de paz, direitos humanos universais vão ao encontro

da teoria construtivista nas Relações Internacionais.

Na prática, observam-se iniciativas, por parte da UNASUL, que contribuem

para a concretização da proposta integração: reuniões anuais com os Chefes de

Estado dos países membros; ações e projetos promovidos pelos Conselhos

Ministeriais e Setoriais; reuniões com ministros e embaixadores; conferências,

participação em fóruns latino-americanos; criação dos Centros de Estudos

Estratégicos de Defesa e da Escola Sul-Americana de Defesa, que funcionará como

um centro de altos estudos, articulado para a formação de civis e militares, com

cursos compartilhados e troca de experiências na área da defesa regional; criação

do Café UNASUL, que procura construir uma consciência sul-americana a partir do

diálogo com jovens das universidades dos países membros para tratar de temas

relacionados aos direitos humanos, ao meio ambiente, ao emprego, à educação.

Com essa atividade, pretende-se abrir a visão estratégica e as políticas da UNASUL

a diferentes setores da sociedade que permita, mediante o diálogo, construir uma

consciência sul-americana. Encontra-se em debate a livre circulação de seus

cidadãos na região, em um modelo similar ao adotado pelo MERCOSUL (UNASUR,

2015). A quebra de barreiras no plano físicopropiciará uma maior aproximação e a

consequente quebra de barreiras no plano cultural.

Conclui-se que as ações, nos mais diversos âmbitos, são necessárias para

gerar a aproximação e a interação entre os países membros da UNASUL e para o

despertar da consciência sul-americana e, posteriormente, o sentimento de

cidadania sul-americana. O processo poderá ser lento e enfrentar uma série de

obstáculos, pois os atores sociais já são detentores de suas próprias visões de

mundo e já têm conformada uma identidade. No entanto, estes mesmos atores não

são passivos e estão em constante processo de interação com o seu meio, o que

lhes possibilita adquirir novas experiências, novas visões de mundo e reconstruir sua

identidade.

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2 LÍNGUA E IDENTIDADE CULTURAL

2.1 Cultura e imperialismo cultural

Cada indivíduo nasce em um contexto cultural marcado por características

peculiares que assimila, em maior ou menor grau, ao longo de um processo de

socialização.

Claude Lévi-Strauss, (1976 apud LARAIA, 2001), antropólogo francês,

considera que a cultura surgiu no momento em que o homem convencionou a

primeira regra, a primeira norma.

Leslie White (1955 apud LARAIA, 2001), antropólogo norte-americano

contemporâneo, considera que a passagem do estado animal para o humano

ocorreu quando o cérebro do homem foi capaz de gerar símbolos, que não são

perceptíveis pelos sentidos, mas sim pela cultura que os criou.

Para Santos, J. L. (1996, p. 7),

Cultura é uma preocupação contemporânea, bem viva nos tempos atuais. É uma preocupação em entender os muitos caminhos que conduziram os grupos humanos às suas relações presentes e suas perspectivas de futuro. O desenvolvimento da humanidade está marcado por contatos e conflitos entre modos diferentes de organizar a vida social, de se apropriar dos recursos naturais e transformá-los, de conceber a realidade e expressá-la.

Desde as ponderações dos antropólogos citadose de Santos, J. L. (1996),

infere-se que o homem é produtor e produto da cultura e que esta se manifesta na

heterogeneidade: na linguagem, no pensamento, na concepção e expressão da

realidade e na maneira pela qual o indivíduo se comporta em situações sociais

concretas. A sociedade, através de uma série de signos, símbolos, transmite um

sistema de valores amplo que acaba por caracterizar e diferenciar as culturas.

Na definição de cultura, intervém uma série de fatores: “o meio ambiente; a

psique projetada, formada por mitos, contos, crenças, superstições, ritos; os

elementos de conduta, como cerimônias, práticas, crenças mágico-religiosas; o nível

de desenvolvimento; as relações familiares; a língua; etc.” (GARCÍA, 1999, p. 113).

As definições são variadas. Algumas se baseiam em conteúdos: costumes,

crenças, normas artísticas, hábitos, adquiridos mediante educação formal e informal.

Outras se baseiam na herança social, transmitida de geração em geração. Outras,

nas normas, conhecimento, valores e ideias, o que se aprende e é necessário para

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saber cumprir as normas dos demais. Há definições que colocam ênfase nos

símbolos: linguagem, instrumentos, utensílios, instituições, sentimentos.

Seguindo uma perspectiva antropológica, Laraia (2001) elucida que os

antropólogos estão totalmente convencidos de que as diferenças genéticas não são

determinantes das diferenças culturais, ou seja, não existe correlação significativa

entre a distribuição dos caracteres genéticos e a distribuição dos comportamentos

culturais, mas que essas diferenças se explicam, antes de tudo, pela história cultural

de cada grupo, pelo tipo de aprendizado de cada um em oposição à ideia de

aquisição inata, transmitida por mecanismos biológicos16. Do mesmo modo, não é

possível admitir a ideia do determinismo geográfico para tratar de questões culturais,

ou seja, que o indivíduo é um ser passivo frente à ação das forças naturais. As

forças decisivas estão na própria cultura e na história da cultura e, sendo a cultura

um processo acumulativo resultante de toda experiência histórica das gerações

anteriores, tem um caráter dinâmico; o mundo, protagonizado por atores sociais,

está em constante evolução, as transformações no ambiente ocorrem provocando

um processo de mudanças adaptativas. Os indivíduos têm a capacidade de

questionar os seus próprios hábitos e modificá-los; portanto, os sistemas culturais

estão em processo contínuo de modificação devido às forças internas e ao contato

com outros sistemas culturais, pois os povos não estão isolados. Isso nos leva a

pensar que a compreensão da cultura exige que se penseos diversos povos,

nações, sociedades e grupos humanos, que hoje, mais do que em qualquer outro

momento, estão em constante processo de interação, seja pelo contato físico ou

pelos meios de comunicação social.

No entanto, Laraia (2001, p. 51) faz o seguinte comentário a respeito das

mudanças ocasionadas pelo processo de interação:

Cada mudança, por menor que seja, representa o desenlace de numerosos conflitos. Isto porque em cada momento as sociedades humanas são palco do embate entre as tendências conservadoras e as inovadoras. As primeiras pretendem manter os hábitos inalterados, muitas vezes atribuindo aos mesmos uma legitimidade de ordem sobrenatural. As segundas contestam a sua permanência e pretendem substituí-los por novos procedimentos.

Nesse sentido, infere-se que a cultura é um processo permanente de

construção, desconstrução e reconstrução, uma produção histórica no marco das

16 O autor faz ressalva com relação a certos instintos, por exemplo, o ato de um bebê buscar e sugar o seio materno ao nascer.

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relações dos grupos sociais entre si, sendo o homem o produtor e o seu produto.

Essa perspectiva está de acordo com a teoria construtivista, que norteia o nosso

trabalho.

Dado que a cultura expressa o mundo em que vivemos e, com ela,

interpretamos os fatos que nele acontecem, condicionados por nossas próprias

experiências e expectativas que os membros de nosso grupo nos depositam, com

respeito a nossos comportamentos e atitudes, delimitando o que é correto ou não,

positivo e negativo e o que é indiferente, os códigos culturais em contato com outros

códigos culturais dão origem a situações de coexistência, assimilação, rejeição e/ou

marginalização. Com respeito às duas últimas situações mencionadas, observa-se,

por parte de algumas culturas, a adoção de uma postura etnocêntrica ou

centralizadora, o que faz acreditar que elas próprias são superiores à cultura do

outro ou que existe uma cultura dominante de onde emana um modelo de valores.

Segundo Santos, J. L. (1996, p. 14), essa é uma visão hierarquizada de cultura,

uma visão que utilizava concepções europeias para construir a escala

evolutiva, e que, além do mais, servia aos propósitos de legitimar o

processo que se vivia de expansão e consolidação do domínio dos

principais países capitalistas sobre os demais povos do mundo.

Se falamos de cultura dominante, temos que falar em relação de poder entre

um dominador e um dominado, em desigualdades de poder que hierarquizam os

povos e nações, o que, inevitavelmente, acaba envolvendo outros tipos de questões

como a intolerância, o preconceito, a discriminação, o racismo. Por parte do

dominado, pode ocorrer a perda da crença nos valores de sua cultura e, em casos

extremos, conforme Ianni (1974), há o comprometimento da própria personalidade

de pessoas e grupos de pessoas da cultura subordinada.

Com relação aos paradigmas culturais ao longo da história, é preciso

considerar, de acordo com Santos, J. L. (1996), surgimentos e rompimentos: o

cristianismo, por exemplo, teve força para se impor na definição de práticas e

comportamentos; a visão de mundo cristã medieval oferecia à Europa os modelos

principais que ordenavam o conhecimento e a interpretação do mundo e das

relações sociais. Em contraponto, com o advento do antropocentrismo, tornou-se

dominante uma visão menos teocêntrica do mundo social e da vida humana.

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Ainda no que se refere às quebras de paradigmas e aos contatos entre

sistemas culturais e a sua consequente coexistência e “imposição”, remetemos às

conquistas de territórios e poder durante a Idade Antiga, Idade Média e Idade

Moderna. Os conquistadores providos de seus sistemas culturais chegavam e

subjugavam os povos autóctones, submetendo-os a um processo de aculturação.

Exemplo marcante na América Ibérica foi a catequese dos índios pelos religiosos

europeus.

Desse momento em diante, passamos a tecer algumas críticas a respeito do

longo período de imperialismo cultural pelo qual a Ibero-América atravessou e ainda

atravessa, que se iniciou com a chegada dos espanhóis e portugueses ao continente

e resultou na marginalização das minorias étnico-culturais, principalmente das

populações indígenas e negras, na exclusão social, no caudilhismo, na violência

política. Somou-se, posteriormente, aos abusos históricos cometidos pelas potências

colonizadoras, o intervencionismo norte-americano no território. Em todos os casos,

houve a “imposição” das concepções culturais do colonizador e interventor aos

povos sob domínio e controle, pelo fato de considerarem a sua cultura superior, a

marca da civilização, em oposição ao estado de selvageria e barbárie no qual

acreditavam viver os povos que habitavam o território. A crença na suposta

superioridade cultural era uma forma de legitimar a dominação colonial, conforme

colocado por Santos, J. L. (1996).

A partir do exposto, observa-se uma estreita relação entre cultura e poder.

Segundo Santos, J. L. (1996), a cultura faz parte tanto da história do

desenvolvimento científico quanto da história das relações internacionais de poder.

Portanto, na sociedade capitalista moderna, as nações política e economicamente

dominantes, de grande âmbito de influência e detentoras do conhecimento científico

e tecnológico são vistas como nações culturalmente ricas, o que vai ao encontro de

seus interesses de afirmação de poder. Estas mesmas nações trabalham no sentido

de fazerem as demais nações acreditarem, principalmente as emergentes, em cujo

grupo se inserem as nações que formam parte do nosso objeto de pesquisa

(signatárias do Tratado Constitutivo da UNASUL), que a cultura deve ser tratada

como uma realidade imutável, de características acabadas, para justificar a crença

na sua superioridade cultural e manter o status quo.

Conforme o conteúdo abordado no capítulo 1 do presente trabalho, a

proposta de integração sul-americana e de cooperação no âmbito militar

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apresentada pelo Ministério da Defesa deve ser vista como uma quebra de

paradigmas na história das relações internacionais. É a tomada de consciência da

necessidade de cooperação para o desenvolvimento como meio de contribuir para a

paz e a segurança regional. Mais ainda, é a tomada de consciência de que os vários

países falantes da língua espanhola nas Américas e o Brasil, apesar das diferenças

encontradas antes da chegada do colonizador e dos fatores histórico-sociais que

marcaram e marcam suas trajetórias, apresentam, na própria condição de ex

colônias, fator unificador na construção de identidade, de autoafirmação e de

legitimação dos países formadores da Comunidade Linguística Ibero-americana,

além de compartilhar paisagens naturais – hidrografia, relevo, clima e vegetação –,

ter interesses geopolíticos comuns e fazer parte de blocos econômicos da região. Ao

mesmo tempo, é o desejo e a necessidade de tomar posse verdadeiramente do que

lhes é próprio, específico, em relação às nações política e economicamente

dominantes após tantas décadas de intervenção.

Apesar de não ser objeto da pesquisa, cabe indagar se o desejo de maior

aproximação entre as nações sul-americanas e a consequente integração é um

desejo compartilhado por muitos e como será o acesso da grande parcela da

população à proposta.

É preciso considerar que o processo de dissolução das fronteiras culturais

resulta mais complexo que o processo de dissolução das fronteiras físicas. A

almejada integração econômica, política, social, a cooperação em matéria de

defesa, a construção da unidade sul-americana, a consolidação da identidade,

dificilmente alcançarão a sua plenitude se atenção especial não for dispensada ao

componente cultural, pois o homem conhece o outro por meio das trocas culturais e

são elas que fomentam as aproximações.

Conforme abordado no capítulo anterior, embora o Brasil e os países hispano-

americanos compartilhem uma trajetória bastante parecida ao longo da história, com

uma pluralidade de culturas sobre a base comum, ameríndia e ibérica e tenham

formado um sistema cultural com características próprias e isso se traduza em uma

riqueza cultural valiosa, tanto do ponto de vista estético como do patrimônio histórico

e social, algumas marcas forjadas no passado e que se mantém vivas até o

presente acabam constituindo óbices à valorização dessa riqueza cultural e ao

processo de integração. Valoriza-se mais a cultura exógena, europeia e norte-

americana, pela crença em sua suposta superioridade, crença esta inculcada pelos

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próprios colonizadores europeus e pelos norte-americanos aos povos latino-

americanos como estratégia de dominação, conforme já mencionado. Muitos

brasileiros expressam, inclusive, uma visão pejorativa a respeito dos países

hispanoamericanos, o que pode estar associado ao preconceito étnico; não estariam

os mesmos negando suas próprias origens já que tanto hispanoamericanos como

brasileiros compartilham uma base ameríndia e ibérica comum? Formadores de

opinião brasileiros dos diversos âmbitos e setores conservadores da sociedade

acreditam nas vantagens de uma política de alinhamento aos Estados Unidos, país

cuja penetração cultural e ideológica, ao longo de décadas, contribuiu a relegar à

periferia a valorização do nosso patrimônio cultural17.

Como defendemos a importância da consciência cultural como requisitoao

fortalecimento do poder geopolítico da região, julgamos conveniente comentar os

métodos utilizados para que a cultura norte-americana penetrasse na América Latina

visivelmente a partir da década de 40, adquirisse raízes tão profundas e servisse de

suporte à política externa dos Estados Unidos na região, entendendo-se cultura,

segundo Moura (1986, p. 8) “no sentido amplo dos padrões de comportamento, da

substância dos veículos de comunicação social, das expressões artísticas e dos

modelos de conhecimento técnico e saber científico”. Segundo o mesmo autor, era a

influência do american way of life para promover a política da boa vizinhança entre

os Estados Unidos e os demais países americanos, que, na teoria, se apresentava

como uma política de intercâmbio de valores culturais e de cooperação entre as

duas partes, alternativa à política do big stick. Trocava-se o hard power pelo soft

power18. No entanto, a influência ocorreu mais de lá para cá devido à abundância de

recursos de difusão por parte dos Estados Unidos, que pretendiam projetar-se no

cenário internacional como uma grande potência imperialista, corrida iniciada com a

guerra contra a Espanha em 1898, conforme exposto no capítulo 1.

Como primeira medida, em 1940 criou-se o Birô Interamericano19 destinado a

coordenar os esforços dos Estados Unidos no plano das relações econômicas e

culturais com a América Latina. Na verdade, segundo Moura (1986), era uma

17 Tema tratado nas próximas páginas. 18Termo usado na teoria de relações internacionais para descrever a habilidade de um corpo político, como um Estado, para influenciar indiretamente o comportamento ou interesses de outros corpos políticos por meios culturais ou ideológicos. O conceito foi desenvolvido pelo professor de Harvard Joseph Nye em seu livro Soft Power: The Means to Success in World Politics. 19 Decidimos usar o mesmo termo usado por Moura (1986). No capítulo 1 usamos o termo inglês Office of Inter-American Affairs.

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agência ligada à segurança nacional norte-americana, portanto, subordinada ao

Conselho de Defesa Nacional dos Estados Unidos, cujas ações visavam ao

interesse da defesa nacional através do apoio dos governos e das sociedades latino-

americanas para a causa daquele país, já que a Segunda Guerra Mundial estava em

curso. Para isso, vendiam a imagem da colaboração hemisférica para ganhar os

corações e mentes tanto dos líderes políticos e militares como também dos grupos

sociais infuentes na formulação de políticas, e da massa da população também

politicamente significativa.

Hoje é possível compreender com clareza a eficácia do plano de penetração

econômica e cultural na América Latina, pois o Birô estava muito bem-estruturado:

comportava as divisões de comunicações, relações culturais, saúdee

comercial/financeira. Segundo Moura (1986, p. 23):

Comunicações abrangia rádio, cinema, imprensa, viagens e esportes; relações culturais incluía arte, música, literatura, publicações, intercâmbio e educação. Saúde trabalhava com problemas sanitários em geral. A Divisão comercial/financeira lidava com prioridades de exportação, transporte, finanças e desenvolvimento.

O Birô tinha o apoio das embaixadas em 20 países latino-americanos e

contava também com comitês de coordenação compostos por empresários norte-

americanos, representantes de multinacionais norte-americanas nesses países. Os

programas foram aplicados no Brasil nas áreas de informação, saúde e alimentação.

A primeira foi a mais importante pela capacidade de penetração cultural e ideológica,

e abrangia as seções de imprensa, cinema, rádio, ciência/educação e análise de

opinião pública 20.

A seção de imprensa colocava ênfase nas relações interamericanas e

publicava notícias favoráveis aos Estados Unidos e sobre a América Latina, bem

como folhetos, panfletos e posters com propaganda anti-Eixo, bandeiras e retratos

dos presidentes norte-americanos. Os profissionais brasileiros da área viajavam até

os Estados Unidos para aprender novas técnicas jornalísticas e editoriais.

Com relação ao cinema, o acordo do Birô com Hollywood consistia na

exibição de filmes “politicamente corretos”, ou seja, que não ferissem a imagem de

qualquer instituição norte-americana ou as susceptibilidades dos latino-americanos.

Foram patrocinadas viagens de astros e estrelas de Hollywood à América Latina e

20 As informações a respeito de cada área foram elaboradas com base no livro Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana, de Gerson Moura.

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de artistas latino-americanos aos Estados Unidos, como Carmen Miranda. Filmes de

Walt Disney que promoviam a solidariedade hemisférica eram exibidos; o mesmo

criou o personagem Zé Carioca e sua amizade com o Pato Donald para simbolizar

as boas relações entre Brasil e Estados Unidos. Milhares de sessões de cinema

foram patrocinadas no Brasil. Documentários sobre a América Latina que mostravam

paisagens tropicais, festas, folclore, sítios arqueológicos, artesanato e produção de

bens primários eram exibidos nos Estados Unidos enquanto de lá eram mostradas

as indústrias bélica, aeronáutica, cinematográfica, siderúrgica, ótica e os avanços

técnico-científicos, além de suas belezas naturais, o sistema educacional e a cultura

em geral.

No que se refere ao rádio, a política do Birô consistiu em atingir o público

latino-americano a partir de transmissões diretas dos Estados Unidose de emissoras

locais. Eram transmitidos noticiários, programas sobre o estilo de vida americano,

sobre a guerra privilegiando os Aliados, programas esportivos e musicais. O rádio

funcionou como um importante instrumento ideológico a serviço da propaganda

norte-americana.

No âmbito da ciência e educação, o Birô proporcionava programas de

assistência na forma de treinamentos a estudantes e técnicos brasileiros levados

aos Estados Unidos, assim como assessoria para a criação de escolas e

implantação de cursos na América Latina com fornecimento dos materiais

necessários nas áreas de interesse dos norte-americanos para que pudessem

implantar seus modelos institucionais, como na área das ciências agrárias, por

exemplo. Não se pode deixar de mencionar o impulso dado ao IBEU (Instituto Brasil-

Estados Unidos), órgão promotor da língua inglesa e cultura norte-americana no

Brasil, assim como ao fortalecimento e ampliação das escolas americanas em

território brasileiro frequentadas pelas elites. Os programas de intercâmbio

funcionaram mais como via de mão única, pois poucos brasileiros foram aos

Estados Unidos comparando como o número de norte americanos, das mais

variadas profissões, que vieram ao Brasil com o propósito de exploração, inseridos

em “missões de boa vontade”.

A seção de análise de opinião pública encarregava-se da elaboração de

enquetes para coletar informações a respeito das ações do Birô.

Os programas implantados em pontos estratégicos do território brasileiro, nos

âmbitos da saúde e da alimentação, tiveram um propósito utilitarista velado. No

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primeiro caso, com o objetivo de melhorar as condições sanitárias locais para

receber as forças militares norte-americanas que provavelmente iriam ser enviadas

para alguns locais da América Latina, e também para assegurar as melhores

condições de trabalho nas regiões produtoras de matéria-prima. No segundo caso,

prover alimentos às unidades militares norte-americanas e brasileiras no Nordeste e

na Amazônia, regiões estrategicamente importantes.

Conclui-se que as ações do Birô visavam angariar aliados para ajudar os

Estados Unidos a vencer a guerra contra o fascismo e o nazismo e a concretizar o

seu projeto hegemônico.

Os Estados Unidos foram eficazes na conquista das mentes e dos corações

latino-americanos de todas as classes sociais com efeitos a longo prazo, produzindo

algumas incoerências no Brasil com relação aos países hispânicos observadas

atualmente: nos cinemas brasileiros raramente são exibidos filmes hispano-

americanos; as emissoras de rádio divulgam pouco a música em espanhol e notícias

de nossos vizinhos; consulta-se pouca bibliografia em língua espanhola, embora sua

indústria editorial seja forte; há pouco interesse pelo estudo da língua espanhola e

da cultura hispânica, fato que pode ser comprovado pela enorme demanda por

cursos de inglês comparada à de espanhol. O patrimônio histórico e cultural

hispano-americano, com suas cidades declaradas patrimônio da humanidade pela

UNESCO, é pouco visitado pelos brasileiros se comparado com as visitas aos

Estados Unidos e à Europa (PORTAL BRASIL, 2015), o que contrasta com os dados

apresentados pelo Anuário Estatístico de Turismo 2015, que coloca a América do

Sul como a região do globo que mais enviou turistas ao Brasil em 2013 e 2014

(BRASIL. MINISTÉRIO DO TURISMO, 2016).

Outros efeitos observados nos dias atuais, entre tantos, é o vasto número de

palavras de origem inglesa incorporadas ao léxico da língua portuguesa, que

passaram a fazer parte da comunicação; frases em língua inglesa estampadas em

camisetas; a presença de restaurantes de fastfood como Bob’s, Mac Donald’s,

Burguer King, KFC, Outback, Subway; as calças jeans da tradicional marca Levi’s; a

Coca-Cola com o seu poder de substituir o suco na mesa dos brasileiros; as viagens

à Disney que se tornaram quase uma regra entre as famílias brasileiras de classe

média e alta; a comemoração do Halloween.

Entende-se que há, de forma geral, uma cultura colonizada no Brasil que

valoriza cegamente quase tudo que provêm dos EUA e da Europa.

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Se considerarmos a pluralidade étnica e cultural, as afinidades geográficas,

históricas e linguísticas, a herança colonial compartilhada, as múltiplas experiências

sociais, políticas, econômicas pelas quais passou a região, a influência das redes

globais de comunicação, é pertinente indagar, nesse ponto, como se afigura a

identidade latino-americana ou identidades latino-americanas, ou numa dimensão

um pouco menor, ibero-americana e, posteriormente, sul-americana.

2.2 A questão da identidade

A Ibero-América já nasceu com uma identidade quando foi descoberta e

transformada em uma grande colônia?

Há uma única América Ibérica ou diversasAméricas Ibéricas?

Do ponto de vista geográfico, uma grande extensão encontra-se sob a

influência do clima tropical. No entanto, a diversidade também se faz presente pelas

florestas, desertos, pradarias e picos nevados da Cordilheira dos Andes.

Do ponto de vista étnico, compartilha uma base ameríndia e ibérica,

somando-se aos dois grupos, os negros e imigrantes de outras nacionalidades

europeias, e asiáticos que aqui também chegaram. Com relação à base ibérica,

temos a base espanhola e a portuguesa. Alguns grupos de ameríndios como os

incas, maias e aztecas na América Hispânica alcançaram níveis de progresso

incomparáveis enquanto outros viviam em estado primitivo. Os imigrantes europeus,

apesar da denominação comum, procediam de diferentes culturas, principalmente

italiana, portuguesa, espanhola e alemã. O mesmo se aplica aos asiáticos:

japoneses, sírios, libaneses e, atualmente, no Brasil, considera-se também o grande

contingente de chineses e coreanos (MUSEU DA IMIGRAÇÃO DO ESTADO DE

SÃO PAULO, 2016).

No plano socioeconômico, observa-se o contraste entre desenvolvimento e

subdesenvolvimento em todos os países da Ibero-América.

No que se refere à política, o período após a independência foi conturbado na

América Hispânica, pois o território se fragmentou em pequenas e frágeis repúblicas,

o que favorecia a intervenção estrangeira. Na segunda metade do século XX, a vida

política na América Ibérica caracterizou-se pela falta de democracia, guerrilhas,

revoluções, golpes de Estado e intervenção estrangeira. Com a recuperação da

democracia e o fim da Guerra Fria, começou-se a pensar em um modelo político

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mais autônomo voltado para os interesses da região (QUESADA, 2005). Portanto, a

formação dos blocos geoeconômicos e, mais recentemente, a firma do Tratado

Constitutivo da UNASUL, no contexto sul-americano, são iniciativas representativas

do novo modelo político para a região.

Seria, então, a identidade ibero-americana polifacética ou estaria associada a

um conjunto de traços comuns, de algum modo a se perpetuarem através do tempo

ou mesmo a se transformarem juntos, constituindo um amálgama de caracteres

próprios e comuns que se diferenciam do que quer que não seja latino-americano ao

longo do devenir histórico? Ou estaria a América Ibérica e o seu subconjunto, a

América do Sul, à procura de uma identidade?

Os teóricos nos quais nos apoiamos para tratar a questão identitária

concordam com o seu alto grau de complexidade.

Considerando os atores sociais, Castells (1999, p. 22) entende por identidade

“o processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou

ainda, um conjunto de atributos culturais inter- relacionados, [...]”.

Nas palavras de Calhoun (1994 apud Castells, 1999, p. 22), “Não temos

conhecimento de um povo que não tenha nomes, idiomas ou culturas em que

alguma forma de distinção entre o eu e o outro, nós e eles, não seja estabelecida

[...]”.

No caso da Ibero-América, o idioma, entre outros atributos, constitui uma das

bases para o processo de construção de significado proposto por Castells. Dos 20

países que a formam, 19 têm o espanhol como idioma comum e 1 o português, que,

por sua vez, compartilha a mesma origem do espanhol.

Com relação às concepções de identidade, Hall (2006) distingue três ao longo

da história: a do sujeito do iluminismo, a do sujeito sociológico e a do sujeito pós-

moderno. A primeira é uma identidade estável, e o sujeito racional, centrado e

unificado, possui um núcleo interior sólido. A segunda começa a refletir a

complexidade do mundo moderno e resulta da interação do sujeito, mais

especificamente de seu núcleo interior, com o seu meio, pois os demais sujeitos que

o habitam são mediadores de um sistema de valores, sentidos e símbolos que

caracterizam uma cultura e fazem com que sua identidade seja formada. Esta, por

sua vez, prende o sujeito à estrutura social e cultural. O sujeito pós-moderno é um

ser fragmentado, portanto possuidor de várias identidades definidas historicamente,

transitórias, não unificadas ao redor de um núcleo, devido à multiplicidade de

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sistemas de significação e representação cultural com os quais tem contato e pode

se identificar. Segundo Hall (2006, p. 13), “a identidade plenamente unificada,

completa, segura e coerente é uma fantasia”.

Se as identidades do sujeito pós-moderno são múltiplas, fugazes e definidas

historicamente é porque são frutos das mudanças constantes e rápidas ocorridas na

sociedade modernanos âmbitos econômico, social e cultural, relacionadas ao

processo de globalização. Giddens (1990 apud HALL, 2006, p. 15) sintetiza o ritmo e

o alcance das mudanças: “à medida em que as áreas diferentes do globo são postas

em interconexão umas com as outras, ondas de transformação social atingem

virtualmente toda a superfície da terra”.

Bauman (2001) define essa época de tranformações como “modernidade

líquida” caracterizada pela fluidez, volatilidade, incerteza e insegurança. É, nesta

época, que toda a solidez, rigidez e todos os referenciais morais da época anterior,

denominada pelo autor como modernidade sólida, são substituídos pela lógicado

consumo, da exclusão, das desconexões; inclusive os humanos são transformados

em mercadorias que podem ser consumidas e descartadas a qualquer momento.

No que se refere à desconstrução da identidade, para Bauman (2005), esta

está ligada ao colapso do Estado de bem-estar social, insegurança, corrosão do

caráter, manifestação da profunda ansiedade que caracteriza o comportamento, a

tomada de decisões e os projetos de vida na sociedade ocidental na era da

modernidade líquida. Como consequência, “as identidades ganharam livre curso, e

agora cabe a cada indivíduo capturá-las em pleno voo, usando os seus próprios

recursos e ferramentas” (BAUMAN, 2005, p. 35). Para o autor, no entanto, algumas

identidades ainda são de nossa própria escolha, e é preciso estar em alerta

constante para defendê-las.

Para Ferreira (1995), a perda de referências é mais visível nas sociedades

dependentes, cujas populações estão mais expostas à ação da nova mídia como

expressão cultural e como educadora. A nova mídia acabou criando uma “cultura

planetária” 21 , expressa pela tecnologia, a qual atua sobre a sensibilidade, o

imaginário social, modificado atitudes e comportamentos, interferindo no cotidiano

da sociedade e tranformando a relação entre cultura e comunicação, provocando

efeitos desestruturadores sobre a identidade cultural. A autora parte da premissa de

21 Termo usado por Ferreira (1995).

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que não existe sujeito individual ou coletivo que não tenha identidade própria, por

ser esta uma espécie de guia através da realidade instável em que vive, e é

justamente esta identidade o alvo do doutrinamento cultural da mídia.

Uma vez mais na história estamos assistindo ao poder da mídia como

instrumento de penetração cultural e ideológica, atingindo a sensibilidade das

populações, mas de uma maneira mais sofisticada, abrangente e poderosa, fruto

dos avanços tecnológicos.

Além disso, segundo a autora supracitada, no modelo neoliberal, que defende

a liberdade de mercado, o sistema comunicacional já não representa um serviço de

caráter público oferecido pelo Estado, transformou-se em mercadoria, sujeita às leis

desse mercado. Portanto, o sistema de informação e comunicação está alinhado à

cultura hegemônica e torna-se o seu reprodutor.

Julgamos conveniente, nesse momento, tecer alguns comentários sobre a

identidade nacional. Segundo Ferreira (1995), a discussão sobre a identidade de um

povo, de uma cultura passa pela construção da identidade nacional, antes da análise

do que vem a ser identidade cultural, pois, a necessidade de situar-se no espaço, no

tempo e no movimento do Universo é uma necessidade exclusiva do homem entre

todas as espécies, e é essencial para ele. É situando-se em determinado espaço

que o homem inicia a construção de seu espaço individual e, mais amplamente, o

nacional.

Para Hall (2006, p. 47), “as culturas nacionais em que nascemos se

constituem em uma das principais fontes de identidade cultural”; estão relacionadas

às nossas origens. Se estamos em outro país, por exemplo, é inevitável que não nos

definamos pela nacionalidade, como se esta fosse parte de nossa natureza, pois o

sentimento de pertencimento é inerente ao homem, pertencimento a uma sociedade,

Estado, nação. Esta última “não é apenas uma entidade política mas algo que

produz sentidos – um sistema de representação cultural. As pessoas não são

apenas cidadãos/ãs legais de uma nação; elas participam da ideia da nação tal

como representada em sua cultura nacional” (HALL, 2006, p. 49). A nação, então,

está relacionada à ideia de sentimento de lugar, portanto, de identidade nacional.

No que se refere à identidade nacional, citamos Thiesse (1999 apud Fiorin,

2013, p. 149):

A identidade nacional é o conjunto de traços que unifica um povo e, ao mesmo tempo, o distingue de todos os outros. Uma nação deve apresentar um conjunto de elementos simbólicos e materiais: uma história, que

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estabelece uma continuidade com os ancestrais mais antigos; uma série de heróis, modelos das virtudes nacionais; uma língua; monumentos culturais; um folclore; lugares importantes e uma paisagem típica; representações oficiais, como hino, bandeira, escudo; identificações pitorescas, como costumes, especialidades culinárias, animais e árvores-símbolo.

Segundo Ernest Renan (1990 apud HALL, 2006, p. 58), há três coisas que

constituem o princípio espiritual da unidade de uma nação: “a posse em comum de

um rico legado de memórias, o desejo de viver em conjunto e a vontade de

perpetuar, de uma forma indivisiva, a herança que se recebeu”.

Pensando em termos regionais, por um lado, a construção da identidade

ligada ao território e às origens é mais forte na América Hispânica, pois um dos

elementos que modernamente aparece como identitário são as culturas pré-

colombianas: Incas, Maias, Astecas, fundadores míticos dos países da região. No

Brasil, segundo Ferreira (1995), o elemento autóctone não se sustenta na

construção de uma identidade porque não existia em quantidades suficientes ou foi

substituído pelos africanos. Nesse sentido, a discussão das identidades culturais

não será igual para cada região. Por outro lado, apoiando-nos em Canclini (2008),

podemos dizer que o latino-americano resulta de uma construção híbrida, na qual

contribuíram, inicialmente, europeus, indígenas e africanos, e esse hibridismo inicial,

posteriormente, recebeu a influência cultural norte-americana,que foi uma constante

em todo o território.

Segundo as historiadoras Prado e Pellegrino (2014, p. 87):

Desde muito cedo, ainda durante as lutas pela independência, já se indagava sobre ‘nossas diferenças’ em relação ao Velho Mundo e sobre a “originalidade” das Américas. Afirmava-se que aqui as sociedades não eram como as europeias, pois havia índios, negros e mestiços.

Podemos concluir, então, que há uma unidade dentro da diversidade, ou seja,

que há uma base partilhada, uma essência, a mestiçagem, que nos permite falar em

uma identidade comum latino-americana dentro de um espaço multiétnico e

multicultural?

Segundo Bernheim (2007, p. 5), “el mestizaje es lo que define nuestro ser y

quehacer como latinoamericanos. Define nuestra personalidad y, a la vez, define

nuestras posibilidades como pueblos, nuestra originalidad y poder creador”. Para o

autor, a afirmação da identidade e da unidade da região será fruto de um processo

que está em curso, pois não se pode negar a existência da Nação latino-americana

subjacente na raíz dos Estados:

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A pesar de más de siglo y medio que llevan nuestros países en ensayar, aislados los unos de los otros, su propia vida independiente, la Nación latinoamericana, “subyacente en la raíz de nuestros Estados Modernos, persiste como fuerza vital y realidad profunda”. Aun reconociendo las diferencias, a veces abismales, que se dan entre nuestros países, no cabe hoy día negar la existencia de América Latina como entidad ni las

posibilidades que encierra su unidad esencial. (BERNHEIM, 2007, p. 3).

Podemos vincular a existência da Nação latino-americana, mencionada por

Bernheim, às palavras de Fiorin (2013) e à ideia da unidade dentro da diversidade,

pois para haver uma nação, deve haver elementos identificadores que conduzam à

unidade. No caso da América Latina, há uma unidade essencial, mas ao mesmo

tempo, como são várias nações compondo a grande nação, há diferenças entre

elas, então, a consciência da alteridade faz-se necessária:

A nação é vista como uma comunidade de destino, acima das classes, acima das regiões, acima das raças. Para isso, é preciso adquirir uma consciência de unidade, a identidade, e, ao mesmo tempo, é necessário ter consciência da diferença em relação aos outros, a alteridade. (FIORIN, 2013, p. 149).

Com relação ao isolamento entre os países da região, mencionado por

Bernheim, citamos Ferreira (1995), que coloca que o fator decisivo foi a barreira

ideológica e política construída pelas elites locais estimulando o regionalismo, o ódio

ao vizinho e rivalidades dentro de um mesmo país; não se incentivou a ideia de

pátria. Daí que um dos elementos que pode funcionar como instrumento unificador,

segundo a autora, é o resgate da memória histórica das culturas que tem a sua base

nas lutas pela independência e que, ao longo de vários séculos de dominação,

construíram um imaginário histórico que ontem e hoje continua a integrar amplos

setores das populações latino-americanas, dentro e fora das fronteiras geográficas.

Concluímos que a UNASUL, que surge com o objetivo de promover a

integração da região, com um discurso identitário de base histórico-cultural, constitui

um apoio significativo para o fortalecimento das identidades, desde que se atue

efetivamente através de seus conselhos setoriais e que a diplomacia de cada país

se envolva de fato na concretização dos objetivos propostos. Quanto mais fortes

forem as identidades, maior será a resistência e menor a dependência cultural.

Acreditamos que um verdadeiro processo de integração sul-americana passa

pela construção de uma rede de comunicação que ajude a diminuir as distâncias

entre nossos povos e culturas: acesso recíproco aos canais de rádio e de televisão

dos países sul-americanos, mais acesso por parte dos brasileiros aos fimes e ao

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mercado editorial em espanhol e vice-versa, incentivo ao turismo na região, bem

como ao intercâmbio de estudantes e pesquisadores. A aproximação e o

estabelecimento de diálogos interculturais, ou seja, de uma troca de ideias aberta,

respeitadora e baseada na compreensão mútua, são formas de promover

conhecimento, eliminar estereótipos, amenizar preconceitos e gerar aceitação, o que

resultaria em maior coesão social e na consequente criação de uma consciência

integracionista.

O Livro Branco do Conselho da Europa sobre o Diálogo Intercultural22 (2008)

coloca que esse tipo de interação favorece o sentimento de objetivos comuns e

contribui para a integração política, social, cultural e económica. No entanto, há

barreiras que entravam esse diálogo. O desconhecimento da língua do outro, a

discriminação, o racismo, os grupos que apregoam o ódio ao estrangeiro são

exemplos de entraves citados no documento. Deve-se considerar, então, a questão

da alteridade, o reconhecimento da existência do outro, de que somos uma cultura

entre tantas outras, que há pessoas diferentes que habitam territórios diferentes com

bagagens culturais peculiares, forjadas ao longo da história. E que os valores de

uma cultura não podem ser considerados como únicos, como um modelo a ser

seguido pelos demais. É preciso, portanto, olhar o próprio sistema cultural do ponto

de vista do outro e perguntar-se “Como os outros nos vêem?” e perceber que a

diversidade é fonte de riquezas de informações e de experiências.

O Livro Branco sobre o Diálogo Intercultural propõe cinco abordagens de

ação política para promover o diálogo intercultural: governança democrática da

diversidade cultural, cidadania democrática e participação, ensino e aprendizagem

das competências interculturais, criação de espaços de diálogo intercultural e o

diálogo intercultural nas relações internacionais.

O documento elucida que uma cultura política que valoriza a diversidade deve

estar assentada sobre valores democráticos, direitos humanos e liberdades

fundamentais.

A cidadania é colocada como elemento essencial para o diálogo intercultural

por promover o sentimento de igualdade entre os cidadãos, e o seu acesso se faz

através da adoção de medidas legislativas e educativas.

22 Os princípios contidos nesse documento podem ser aplicados a outros contextos culturais.

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Com relação ao ensino e aprendizagem das competências interculturais, a

educação cívica, histórica, política e relativa aos direitos humanos, a educação

sobre o contexto mundial das sociedades e sobre o património cultural são

essenciais, assim como a aprendizagem de línguas, pois “ajuda os estudantes a

evitar a criação de uma imagem estereotipada dos outros, a desenvolver a

curiosidade e a abertura à alteridade, assim como a descobrir outras culturas

(CONSELHO DA EUROPA, 2008, p.37)”. Acrescenta que “a aprendizagem de

línguas ajuda a perceber que a interação com pessoas com uma identidade social e

uma cultura diferentes é enriquecedora” (CONSELHO DA EUROPA, 2008, p. 37). O

ensino de História, com base em uma abordagem crítica, contribuirá para elucidar

fatos que foram omitidos ou falsificados, o que é importante para a eliminação de

preconceitos e estereótipos. Conclui que os estabelecimentos de ensino

desempenham, em todos os níveis, um papel essencial na promoção do diálogo

intercultural.

No que se refere aos espaços interculturais, o âmbito cultural pode favorecer

o respeito pela alteridade: “as artes perpassam fronteiras, estabelecem conexões e

falam diretamente às emoções das pessoas” (CONSELHO DA EUROPA, 2008, p.

41). Os âmbitos profissional, esportivo e da comunicação social também prestam

uma grande contribuição aos diálogos entre culturas. Exposições, estudo do

patrimônio cultural, criação de itinerários culturais e de fóruns de diálogo intercultural

são exemplos de iniciativas nesse sentido.

O engajamento dos Estados em programas de cooperação internacional

promove o diálogo no âmbito das relações internacionais, segundo o documento.

No Brasil, a Fundação Memorial da América Latina, instituída em 1989 pela

Lei Estadual 6.472, com sede na cidade de São Paulo, foi uma grande iniciativa para

promover o estreitamento das relações culturais, políticas e sociais do Brasil com os

demais países da América Latina. Os artigos 3º e 4º da citada lei esclarecem os

objetivos da Fundação e os meios para alcançá-los:

Artigo 3º – A Fundação terá por finalidade a divulgação e o intercâmbio da cultura brasileira e latino-americana e sua integração às atividades intelectuais do Estado. Artigo 4º – Para a consecução de seus fins, compete à Fundação: I – promover cursos, seminários e congressos sobre temas de interesse brasileiro e latino-americano; II – promover eventos culturais e artísticos com personalidades brasileiras e latino-americanas; III – organizar e manter biblioteca, discoteca, cinemateca, videoteca e centro de documentação contemplando o que de mais importante se produz

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no Brasil e na América Latina, nos mais variados campos das ciências, da literatura e das artes; IV – promover periodicamente a publicação da “Revista Nossa Nuestra América”; V – manter centro de criatividade para divulgar e incentivar as artes brasileiras e latino-americanas; VI – promover o intercâmbio e o desenvolvimento de pesquisadores, artistas e escritores nacionais e estrangeiros, por meio da concessão ou complementação de bolsas de estudo ou pesquisas no País ou no exterior; VII – promover a publicação e a divulgação de obras relacionadas com suas atividades e finalidades; VIII – outorgar os “Prêmios Estado de São Paulo” para artes, literatura, ciências humanas e desenvolvimento científico; IX – realizar outros atos relacionados com suas finalidades.

No âmbito da FAB, as visitas das Forças Aéreas das Nações Amigas à AFA,

a formação de oficiais estrangeiros também das nações amigas na AFA, a

cooperação na área de instrução de voo, as operações conjuntas entre as Forças

Aéreas da América do Sul, a participação de militares nas missões de ajuda

humanitária e de manutenção da paz, a presença de cadetes em competições

esportivas em países sul-americanos também constituem espaços para o diálogo

intercultural.

2.3 Língua e poder

Julgamos pertinente iniciar a exposição com a definição de “língua”. Para

Saussure (1987, p. 17), a língua é , ao mesmo tempo, “um produto social da

faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo

corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos”. É um sistema

de signos que exprime ideias que refletem os traços próprios de uma comunidade.

Os costumes de uma nação têm repercussão na língua, e é em grande parte a

língua que constitui a nação, que também está associada ao sentimento e à

consciência coletiva, aos valores, costumes e tradições culturais compartilhados por

um grupo de pessoas organizado em sociedade.

Conforme o Relatório Mundial da Unesco: Investir na Diversidade Cultural e

no Diálogo Intercultural (2009, p. 12):

As línguas são os vetores das nossas experiências, dos nossos contextos intelectuais e culturais, dos nossos modos de relacionamento com os grupos humanos, com os nossos sistemas de valores, com os nossos códigos sociais e sentimentos de pertencimento, tanto no plano coletivo como individual.[...] as línguas não são somente um meio de comunicação, mas representam a própria estrutura das expressões culturais e são portadoras de identidade, valores e concepções de mundo.

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Fiorin (2013, p. 147) acrescenta:

[...] um idioma é a condensação da história de um povo, das influências que ele sofreu, dos seus desejos, de suas expectativas, de seus preconceitos, do modo de ser sua gente, de sua música, de sua literatura.

Saussure (1987, p. 261) estabelece também uma relação de reciprocidade

entre língua e etnismo, sendo este definido pelo autor como “unidade que repousa

em relações múltiplas de religião, de civilização, de defesa comum etc., as quais se

podem estabelecer mesmo entre povos de raças diferentes e na ausência de todo

vínculo político”. O etnismo, caracterizado pelo vínculo ou filiação social, tende a

criar a comunidade linguística e imprime, talvez, ao idioma determinados caracteres;

inversamente é a comunidade linguística que constitui, em certa medida, a unidade

étnica. Ter uma língua como própria de um país funciona como um elemento de sua

identidade política e cultural. Nesse sentido, a língua nacional caracteriza-se como

uma em virtude de uma relação de unidade imaginária da língua que é atribuída à

Nação. No entanto, cada país pode ter mais de uma língua oficial em virtude de ter

na sua história e constituição povos diferentes. Citamos como exemplo a Espanha,

que além do espanhol ou castelhano, em nível nacional, tem o galego, o basco e o

catalão como línguas oficiais em suas respectivas comunidades. A preservação

destas línguas está relacionada ao desejo de preservação das identidades destes

povos. Com relação à questão identitária, acrescentamos que na Espanha, durante

o franquismo, estava proibido usar outro idioma que não fosse o castelhano,

justamente, pela crença de Franco na língua como elemento de poder para a

manutenção da coesão, da unidade e da identidade do povo espanhol.

Ao mesmo tempo em que a língua tem uma estreita relação com a nação e

etnia por integrar os indivíduos num mesmo universo, contribuindo, desse modo, à

criação de um sentimento de identidade nacional, ela é usada como meio de

persuasão porque age sobre o pensamento. Borba (1984) cita o exemplo da

liderança cujo requisito, entre outros também essenciais, é a destreza para o uso do

idioma. Usar bem o idioma implica não apenas empregá-lo com eficiência para agir

sobre o outro, mas também não se deixar levar pelo outro. Por outro lado, é a língua

que permite a cooperação entre os homens e a troca de informações e de

experiências, pois, praticamente, a totalidade dos principais aspectos da cultura

humana depende da linguagem para ser transmitida.

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Outra manifestação do poder de uma língua, mais precisamente de uma

língua estrangeira, é a que tem a ver com as línguas de prestígio internacional

definidas pelo poder político, econômicoe cultural atribuído ao país ou países onde

são faladas, e também por sua abrangência.

Uma questão preocupante a ser considerada quando se trata da relação entre

língua e poder é a imposição direta ou indireta de uma língua falada por grupos

majoritáriosou de prestígio a grupos minoritários considerados subalternos, como foi

o caso da relação entre colonizador e colonizado no antigo sistema colonial, e

também de missionários estrangeiros que se propõem a passar os valores dos

“civilizados”. As ONGs estrangeiras na Amazônia que atuam na defesa dos direitos

dos indígenas, cujas reservas se situam sobre algumas das mais ricas reservas

minerais do planeta também merecem ser citadas. Se uma língua sempre traduz um

universo peculiar, esses contatos trouxeram e trazem mudanças culturais profundas

no sistema de crenças, hábitos, valores morais e materiais dos grupos em contato

com o sistema linguístico dos grupos mais influentes.

Infere-se que a língua, além de instrumento de comunicação para transmitir

significados, tem também uma função integradora e agregadora de poder e, por

conseguinte, de formação de uma identidade.

Para Fiorin (2014), as relações de poder perpassam as relações entre as

línguas e o seu uso é acompanhado de uma dimensão política. O mesmo cita o

exemplo da Indonésia, que impôs sua língua aos timorenses depois de ter invadido

o país. Em contrapartida, o português ficou sendo a língua da resistência à

ocupação indonésia, durante a luta pela independência.

Considerando a questão de poder, cabe indagar se há línguas superiores a

outras. O poder de influência de uma língua não está relacionado às suas

características linguísticas, mas sim ao grupo que a fala, como reflexo do poder que

ele tem, sobre tudo, nas relações econômicas. Portanto, o grupo dominante que

impõe seu modo de produção impõe também a sua língua, como meio para

mediatizar relações políticas, econômicas, sociais e culturais num espaço e num

tempo. Portanto, a língua manifesta poder.

Com relação ao grupo dominante, que acaba ditando também um modelo

cultural além do linguístico, não lhe interessa que os modelos culturais locais ou

periféricos se fortaleçam, pois estes se opõem à ideia do homogêneo. Conforme

Raffestin (1993), se a periferia ganha poder, ganha também espaço. Para o autor,

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isso justifica o aparecimento de movimentos regionalistas que tentam resgatar o

domínio e a utilização de sua língua.

Com base no exposto, conclui-se que, no contexto sul-americano, o

componente linguístico também contribuiria a agregar poder geopolítico à região. A

língua espanhola veicula uma cultura rica e própria, pois peculiaridades advindas

dos povos que habitavam cada região colonizada foram somadas à cultura trazida

pelos colonizadores, semelhante ao ocorrido no Brasil. Não há como negar o traço

de latinidade que une brasileiros e hispano-americanos em termos linguísticos e

culturais e, portanto, na composição da memória que delineia identidades (SILVA,

2014).

Entretanto, observa-se uma aproximação mais efetiva entre o Brasil e demais

países sul-americanos que têm o espanhol como língua materna no plano político e

econômico, ao contrário do que se observa no plano linguístico-cultural-identitário,

pois nesse plano a aproximação se mostra muito frágil e pouco concreta. Tal fato

constitui um paradoxo: fala-se em integração econômica, política, social e cultural,

cooperação em matéria de defesa, construção da unidade sul-americana,

consolidação da identidade, sem priorizar o componente linguístico e cultural, pois é

através do seu fortalecimento que os intercâmbios nos âmbitos citados poderão ser

mais favoráveis.

Cabe mencionar o relato de Bagno (2013) sobre uma viagem de trabalho que

fez ao México e à Colômbia. O linguista observa e critica a falta de sensibilidade

linguística dos brasileiros em terras hispano falantes, por se comunicarem em inglês

ou em um portunhol imcompreensível com os nativos. Critica, também, a falta de

prestígio da língua espanhola no sistema educacional brasileiro e o distanciamento

entre o Brasil e os países hispano-americanos.

Um fato citado por Fiorin (2014) corrobora a posição de Bagno: na fronteira do

Brasil e do Paraguai, os paraguaios falam espanhol, guarani e português, enquanto

os brasileiros falam apenas o português. O autor coloca a questão como uma

demonstração da relação de forças entre essas línguas, o que remete à questão da

hierarquia. Infere-se que, para o brasileiro, a língua portuguesa está acima da

espanhola e, talvez, até da cultura veiculada por ela, enquanto o paraguaio coloca o

português em uma relação de equivalência com o espanhol e o guarani.

Se a língua é um dos mais poderosos meios de identidade e de coesão de

que dispõe uma população, constituindo, assim, instrumento de poder, e se ocupa

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um lugar fundamental na cultura, desempenhando um papel educativo e formador,

por ser um meio de conhecer o outro e seu universo, de expressar-se, de produzir o

próprio discurso, de conceder a ele a sua voz, seria importante que houvesse mais

intercâmbio linguístico entre o Brasil e os países sul-americanos, bem como ações

culturais de mão dupla.

Acreditamos que se não houver uma quebra de paradigma no âmbito

linguístico e cultural, motivado pela tomada de consciência da valorização do ibero-

americano23, principalmente, por parte dos brasileiros, de forma a contrabalançar o

poder da língua inglesa, esta e a cultura norte-americana continuarão a ocupar uma

posição hegemônica no contexto sul-americano, ofuscando as nossas línguas e

culturas.

Embora a língua portuguesa e a espanhola tenham a mesma origem e

convivam neste continente com identidades geopolíticas em sintonia, e isso possa

gerar a construção de um espaço simbólico de identificação cultural em que as

línguas se tocam, se influenciam e se ressignificam, vale lembrar que são duas

línguas estrangeiras, e todo processo de aprendizagem de uma língua estrangeira24

envolve uma dimensão psíquica, a do sujeito com a língua e a cultura estrangeira.

Coracini (2003) coloca a importância de se considerar as representações que

os sujeitos têm da língua e da cultura estrangeira para a compreensão da identidade

dos mesmos e das implicações para o processo de ensino-aprendizagem. Como os

sujeitos veem a língua e a cultura estrangeira, que imagens têm da língua, do país

ou países onde é falada, dos povos que a falam, e quais são as consequências para

a constituição da identidade do sujeito?

A diferença, segundo Fiorin (2014), muitas vezes, é convertida em

inferioridade, sendo a língua do outro classificada como ridícula, feia e grosseira, o

mesmo ocorrendo com a cultura ou culturas dos povos que a falam.

Dessa forma, a visão que um sujeito tem de uma língua estrangeira está

condicionada, em grande parte, pelo seu posicionamento perante a cultura veiculada

por ela.

Conforme Coracini (2007, p. 152),

[...] a língua estrangeira traz sempre consigo consequências profundas e indeléveis para a constituição do sujeito: serão sempre outras vozes, outras culturas, outra maneira de organizar o pensamento, outro modo de ver o

23 Referimo-nos ao conjunto das características que configuram a América Ibérica. 24 O processo de aprendizagem foi citado por estar relacionado ao contexto da pesquisa.

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mundo e o outro, vozes que se cruzam e se entrelaçam no inconsciente do sujeito, provocando reconfigurações identitárias, rearranjos subjetivos, novos saberes [...].

Para Revuz (1998, p. 217), “toda tentativa para aprender uma outra língua

vem perturbar, questionar, modificar aquilo que está inscrito em nós com as palavras

dessa primeira língua”.

Deriva-se daí que aprender uma língua estrangeira e interagir nessa língua

envolve uma segunda dimensão psíquica – a do sujeito com a sua língua e cultura -,

pois não se pode ignorar a história do aprendiz com a sua língua materna, com o

seu país, com os membros de sua comunidade, e o contato com o mundo do outro

implica, muitas vezes, a necessidade do rompimento de barreiras, de mudanças de

paradigmas, o que gera desconforto e resistência.

Os seres humanos são seres complexos, na sua totalidade, considerando

suas crenças, valores, preferências, relacionamento com o outro, consigo mesmo ou

com o seu meio, e, por sua vez, estão inseridos em contextos diversos. Portanto, o

processo de aprendizagem de uma língua estrangeira é um processo complexo e

não poderia ser diferente, pois há uma gama enorme de fatores intervenientes e

imbricados. Nessa perspectiva, a aprendizagem de uma língua estrangeira pode ser

melhor compreendida sob a ótica da teoria dos sistemas complexos, pois estes não

são lineares, nem previsíveis, são compostos por partes que se relacionam de

maneira intrincada.

Conclui-se que, no caso do nosso objeto de pesquisa, que envolve a questão

linguística, cultural e identitária, as quebras de ordenamentos resultam mais

complexas, menos tangíveis e não ocorrem paralelamente à quebra de

ordenamentos no sistema internacional, mesmo que ambas as questões estejam

estreitamente vinculadas, como é o caso do processo de integração regional na

América do Sul e a sua vinculação com a questão línguística.

A respeito desta questão, julgamos necessário tecer alguns comentários a

respeito das políticas linguísticas para o ensino de espanhol no Brasil a partir da

primeira metade do século XX, que podem ajudar a compreender melhor a a posição

atual ocupada por esta língua.

Rodrigues (2010) assinala que no início do século XX, as línguas latina,

portuguesa, francesa, inglesa e alemã estavam presentes na grade curricular das

escolas brasileiras. O Decreto de 1942 incorporou o espanhol no primeiro ano do

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curso clássico e científico com uma carga horária simbólica se comparada ao inglês

e ao francês, línguas que já estavam inseridas na grade curricular do ginasial com

uma carga horária de quatro anos cada uma. Segundo a autora, a presença da

língua espanhola estava associada apenas ao saber atribuído aos grandes

escritores, pois sobre ela incidia a visão de uma língua parecida e fácil, por sua

proximidade com o português.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961, no tocante às

línguas estrangeiras, não considerou nenhuma de caráter obrigatório, deixando a

escolha ao centro docente. A esse respeito, Morales e Porto (1964 apud Rodrigues,

2010, p. 89) explicam que:

[...] a pesar de la igualdad legal, dado que la enseñanza de español no estaba definitivamente consolidada, se produjo su casi total extinción, ya que no podia competir con el interés inmediato de una lengua comercial y de fundamental literatura científica y técnica, como el ínglés, ni con la arraigada tradición del francés, siempre viva gracias a um trabajo cultural continuo y eficiente de Francia.

Pouco a pouco, o inglês se transforrmou em sinônimo de língua estrangeira.

Crescia o número de professores de inglês e de materiais de ensino, fato que pode

estar associado ao apoio norte-americano à difusão de sua cultura no Brasil,

conforme tratado neste capítulo.

A LDB de 1971, segundo Rodrigues (2010) desvinculou a língua estrangeira

da situação cotidiana de sala de aula, convertendo-a em componente extracurricular,

não obrigatório. A Resolução de 1976 determinou a inclusão de língua estrangeira

moderna no currículo do 2º grau se hovesse condições que o permitissem, mas não

determinou qual língua.

A LDB de 1996 colocou ênfase na educação como instrumento preparador

para o trabalho e determinou a presença obrigatória de pelo menos uma língua

estrangeira nos quatro últimos anos do ensino fundamental, uma no ensino médio e

uma segunda de caráter optativo.

Observa-se que as políticas linguísticas começaram a se movimentar em

função das demandas da economia.

A autora informa que dezenove Projetos de Lei foram encaminhados à

Câmara dos Deputados entre 1958 e 2007, que propunham a inclusão do espanhol

nas escolas brasileiras, mas apenas um se transformou em norma jurídica, que deu

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origem à Lei 11.161/2005. Sete Projetos de Lei também foram apresentados ao

Senado Federal entre 1987 e 2003, também referentes à questão do espanhol.

As justificativas para a inclusão do espanhol apresentadas nos Projetos de

Lei, conforme Rodrigues (2010) estavam relacionadas à necessidade de dar novos

rumos ao pan-americanismo (PL 1958), ao fortalecimento da integração latino-

americana que passa, necessariamente, pelo conhecimento do idioma falado nas

demais nações irmãs (PL 1987), à importância à consolidação das relações entre os

países americanos de origem ibérica (PL 1993), e à difusão de uma língua com mais

de 400 milhões de falantes, importante para a integração econômica, social e

cultural do Brasil com os demais países, considerando que a integração passa pela

compreensão recíproca (PL 2000).

Infere-se, pelas justificativas dos PL’s que a integração é um fato político-

linguístico, ou seja, algo a que se pode chegar por meio do conhecimento da língua

espanhola. Vale lembrar que a questão da integração já havia sido colocada na

Constituição de 1988, que dispõe, em seu artigo 4º, que “A República Federativa do

Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da

América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de

nações”.

No que se refere às circunstâncias em que os PL´s citados foram criados,

Rodrigues (2010), para o PL 1958, aponta o projeto Operação Pan-Americana, que

visava à cooperação econômica interamericana para erradicar o

subdesenvolvimento latino-americano. Para o PL 1987, foi significativo o processo

de redemocratização pós ditadura militar, período marcado por tentativas de

aproximação, declarações de intenções e tratados de cooperação. A oposição ao

regime militar exaltava a integração cultural, política e econômica do Brasil com a

América Latina. Para o PL 1993, as visitas do presidente e encontros com

mandatários dos países sul-americanos, a IV Reunião do conselho do MERCOSUL

no Paraguai, a III Conferência Ibero-americana de Chefes de Estado e de Governo

na Bahia, no ano de 1993, e a criação do MERCOSUL, em 1991, foram

determinantes para a sua gênese. Para o PL 2000, as Conferências Ibero-

americanas, na sua 10ª edição, a abertura para o mercado global com os

investimentos espanhóis no Brasil, na segunda metade da década de 90,

influenciaram a sua criação.

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Conclui-se, pelo exposto, que a inclusão do espanhol nas escolas brasileiras

está vinculada a motivos políticos, ao desejo do Brasil de deixar a sua situação de

isolamento com relação aos demais países sul-americanos, situação de auto-

exclusão que se produziu entre o Brasil e os demais países da América do Sul

desde a época colonial, pelas demarcações territoriais, por ter o português como

língua materna, fatos que, no imaginário, lhe conferiram uma identidade diferente. A

noção de alteridade também se faz presente nos discursos das justificativas, pois à

medida que o Brasil reconhece a sua situação de isolamento, reconhece a

existência de um outro e a necessidade e os benefícios da aproximação.

O ensino da língua espanhola, apesar das inúmeras tentativas de

consolidação, continua enfrentando muitas barreiras, como a carga horária reduzida

se comparada à de língua inglesa, sendo preterido por esta em muitos centros de

ensino; a falta de prestígio; a crença na facilidade e na semelhança com o

português, bem como a crença na superioridade da língua inglesa e da cultura

veiculada por ela.

Muito tempo se passou desde o Decreto de 1942 e os paradigmas ainda não

se romperam. No entanto, o discurso da integração latino-americana ou sul-

americana continua em evidência. Discurso este, fundamentado na teoria

construtivista que permeia todo o nosso trabalho.

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3 COOPERAÇÃO MILITAR REGIONAL

3.1 A cooperação militar na América do Sul e a formação de uma comunidade

de segurança

No presente trabalho, a Geopolítica Sul-Americana, a Língua Espanhola, a

Identidade Cultural e a Defesa estão sendo tratadas de forma entrelaçada, pois

acreditamos que para alcançar a cooperação em matéria de defesa naAmérica do

Sul, conforme proposto pela Estratégia Nacional de Defesa e pelo Tratado

Constitutivo da UNASUL, por meio do Conselho de Defesa Sul-americano, e demais

documentos citados elaborados pelo Ministério da Defesa, a interdependência dos

quatro componentes deve ser considerada.

Figura 1 – Entrelaçamento entre defesa, geopolítica sul-americana, identidade cultural e língua espanhola

Fonte: O autor.

Para tanto, abordamos questões relacionadas à geopolítica, sobre tudo à

geopolítica sul-americana, que começou a ser configurada com a chegada dos

portugueses e espanhóis no território, passando pela demarcação das fronteiras

entre terras portuguesas e espanholas; pelo processo de independência e formação

dos Estados hispano-americanos, que, juntamente com o Brasil, ocupam um espaço

contiguo; pelo fracasso do sonho de Simón Bolívar de formar a “Pátria Grande”; pela

Defesa

Língua Espanhola

Identidade Cultural

Geopolítica Sul-

americana

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formação dos blocos geoeconômicos, bem como dos blocos com objetivos mais

holísticos, que contemplam a região nos aspectos social, político, cultural e militar,

além do econômico, todos deixando transparecer uma fundamentação na

perspectiva construtivista.

Posteriormente, abordamos as questões culturais, identitárias e linguísticas,

pois a questão territorial – espacial implica a presença de recursos naturais, muitos

considerados estratégicos, de atores sociais, no caso, brasileiros e de dezenove

nacionalidades hispano-americanas habitando esses espaços e agindo sobre eles,

com identidades próprias, mas em processo permanente de construção,

desconstrução e reconstrução, e idiomas também próprios, mas, ao mesmo tempo,

unidos por uma base ibérica, ameríndia e africana e uma multiplicidade de aspectos

históricos comuns. Com relação às questões linguísticas, tratamos das funções

integradora e instrumental do idioma.

A cooperação em matéria de defesa, por sua vez, remete à ideia de uma

coletividade, de atores sociais dentro de um território formado por dois ou mais

Estados e detentores de uma identidade ou identidades, ou de uma cultura comum,

que falam o mesmo idioma ou idiomas diferentes. Esta é a razão pela qual

consideramos o entrelaçamento dos quatro componentes anteriormente

mencionados.

Mais especificamente, a cooperação em defesa consiste na coordenação e no

ajuste recíproco das políticas de dois ou mais Estados com relação à ameaça, ao

uso e ao controle da força nas relações interestatais. Pressupõe que cada parte

modifique seu comportamento em função de mudanças no comportamento do outro.

(TAMS, 1999 apud ABDUL HAK, 2013, p. 25). Infere-se que envolve, também, a

criação de uma identidade em matéria de defesa.

Nessa concepção, os membros do grupo se veem como unidade e se ajudam

mutuamente, pois a força é usada com propósito coletivo porque se sentem

coletivamente ameaçados, e a unidade não se desfaz acabada a ameaça. Essa

perspectiva se alinha à cultura kantiana no âmbito das Relações Internacionais

porque esta se baseia no companheirismo entre os Estados, pois há um propósito

de identificação amplo entre eles – estes esperam que cada um observe as

seguintes regras: que os conflitos endógenos sejam solucionados sem guerra - pela

negociação, arbitragem - ou sem ameaça, e que lutem como uma equipe caso sua

segurança seja ameaçada por Estados alheios ao grupo. Tais regras se referem,

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respectivamente, a dois princípios: ao da não violência e ao da ajuda mútua

(WENDT, 1999).

No contraponto da cultura kantiana, está a cultura hobbesiana, segundo a

qual, cada Estado vê o outro como inimigo e age segundo seus próprios interesses.

Em situações de conflito ou ameaça, tenta destruir o inimigo ou conquistá-lo, sem

observar limite para a violência (WENDT, 1999).

Entre a cultura kantiana e a hobbesiana situa-se a cultura lockeana. Para o

autor, nessa cultura, os Estados se veem como rivais, mas esperam que cada um

reconheça a sua soberania e a vida e a liberdade como um direito e, que, portanto,

não tente conquistar ou dominar um ao outro. Os conflitos devem ser contidos. No

entanto, se ocorrerem, a violência não é descartada e, geralmente, estão associados

a disputas territoriais.

No tocante à identificação grupal ou internalização das normas, Wendt (1999)

aponta três níveis: o primeiro diz respeito ao desejo dos Estados de violarem as

regras, estes se comportam de forma egoísta e calculista visando os próprios

interesses; no segundo nível, os Estados seguem as regras por razões de interesse

individual; e no terceiro, os membros da comunidade se identificam e veem a

segurança do outro como sendo a sua segurança, ou seja, uma ameaça a um

membro é considerada uma ameaça coletiva, o bem-estar de um inclui o bem-estar

do outro; os Estados devem ser amigos de verdade e não apenas agir como se

fossem.

Comparando o fator “amizade” nas três culturas, pode-se dizer que até o

segundo nível, esta é uma estratégia que os Estados escolhem para obter

benefícios para si mesmos como indivíduos, recorrendo aos demais Estados quando

a sua segurança é ameaçada; não há a identificação do eu com o outro, nem a

equiparação dos interesses nacionais com os internacionais, e a suposta amizade

pode transformar-se em rivalidade ou inimizade conforme a dinâmica da política

internacional.

Com base nas três visões de cultura presentes no sistema internacional -

hobbesiana, lockeana e kantiana - pode-se considerar o processo de cooperação

militar na América do Sul alinhado à cultura kantiana, por um lado, e lockeana, por

outro. A primeira, por sua vez, está alinhada à teoria construtivista nas Relações

Internacionais, tema discutido no capítulo 1. O alinhamento à cultura lockeana é

explicado com base nas relações da América do Sul, como comunidade, com os

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Estados alheios a ela. Como exemplo, citamos a sua relação com os Estados

Unidos, tema também discutido no capítulo 1.

Ilustramos a afirmação acima transcrevendo os objetivos do Conselho de

Defesa Sul-Americano, um dos conselhos temáticos da UNASUL, e a Diretriz 18 da

Estratégia Nacional de Defesa que coloca a importância do estímulo à integração e

à cooperação militar regional na América do Sul, respectivamente:

Objetivos do Conselho de Defesa Sul-Americano: 1- Consolidaruma zona de paz sul-americana. 2- Construir uma visão comum em matéria de defesa. 3- Articular posições regionais em foros multilaterais sobre defesa. 4- Cooperar regionalmente em matéria de defesa. 5- Apoiar ações para eliminação de minas, prevenção, mitigação eassistência a vítimas de desastres naturais. (CONSEJO DE DEFENSA SURAMERICANO, 2008, tradução nossa)

Essa integração não somente contribui para a defesa do Brasil, como possibilita fomentar a cooperação militar regional e a integração das bases industriais de defesa. Afasta a sombra de conflitos dentro da região. Com todos os países, avança-se rumo à construção da unidade sul-americana. O Conselho de Defesa Sul-Americano é um mecanismo consultivo que se destina a prevenir conflitos e fomentar a cooperação militar regional e a integração das bases industriais de defesa, sem que dele participe país alheio à região. Orienta-se pelo princípio da cooperação entre seus membros (ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA, 2012, p. 58).

Ambos os discursos mostram traços tanto da teoria construtivista como da

realista, pois, por um lado, o foco é colocado tanto na cooperação militar coletiva

como na integração sul-americana; por outro, infere-se que a força será utilizada

caso haja a necessidade de defesa. Tal perspectiva também se alinha aos princípios

das Comunidades de Segurança propostos por Adler e Barnett (1998). Os autores

definem essas comunidades como “um grupo de pessoas que se tornou integrado

ao ponto de haver a certeza de que os membros da comunidade não resolverão

suas controvérsias pela violência, e sim por outros meios” (ADLER; BARNETT,

1998, p. 6., tradução nossa).

Ainda, segundo os autores:

Associando segurança e comunidade, os Estados estão revendo os significados convencionais de segurança e poder. Alguns Estados estão revendo o conceito de poder para incluir a capacidade de uma comunidade para defender os seus valores e expectativas de comportamento adequado contra uma ameaça externa e para atrair novos estados com ideias que transmitem uma sensação de segurança nacional e do progresso material. (ADLER; BARNETT, 1998, p. 4, tradução nossa).

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As comunidades de segurança podem se amalgamadas, onde haveria um

governo comum, ou pluralísticas, com governos diferentes.

Considerando o contexto sul-americano, as comunidades pluralísticas seriam

mais viáveis, pois pressupõem integração, e esta pressupõe comunicação, que torna

imprescindível o uso de um código linguístico comum. Nesse caso, a língua

desempenharia uma dupla função: de instrumento para a realização da

comunicação, bem como de instrumento de aproximação e de identificação entre os

interlocutores25.

Deustch (1966 apud ADLER; BARNETT, 1998, p. 7) aponta a importância da

comunicação em uma comunidade de segurança: a “comunicação permite ao grupo

pensar junto, enxergar junto, e agir junto”. Adler e Barnett acrescentam que:

Os processos de comunicação e fluxos de trocas entre os povos tornam-se não apenas “meios para atenção”, mas também fábricas de identificação partilhada. Através das trocas como o comércio, a migração, o turismo, os intercâmbios culturais e educacionais, bem como a utilização de meios de comunicação físicos, constrói-se um tecido social, não apenas entre as elites, mas também entre as massas, incutindo-lhes um sentido de comunidade. (ADLER; BARNETT, 1998, p. 7, grifo do autor, tradução nossa).

Para os autores, uma comunidade é definida por três características: os

membros compartilham identidades, valores e propósitos; as interações são diretas,

cara a cara, e frequentes entre os membros; a manifestação de reciprocidade nas

relações entre os membrosexpressa interesses de longo prazo, que derivam do

conhecimento mútuo,e até altruísmo, que pode ser compreendido como o senso de

obrigação e responsabilidade (ADLER;BARNETT, 1998). O respeito às normas

deriva do senso de comunidade que gera simpatias, lealdades, confiança e

consideração mútua.

Os processos de comunicação e os fluxos de troca entre os povos como

requisitos para a formação de um tecido social, citados pelos autores, nos remetem

à proposta dos diálogos interculturais tratada no capítulo 2.

Somando-se à END (2012) e ao CDS (2008), o Livro Branco de Defesa

Nacional (BRASIL, 2012), segundo o então Ministro de Defesa Celso Amorim, foi

elaborado também com o objetivo de fortalecer a cooperação com os países da

América do Sul.

Segundo o Livro Branco de Defesa Nacional:

25 Tema tratado no capítulo 2.

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Na América do Sul, delineia-se uma clara tendência de cooperação em matéria de defesa. Essa tendência tem sido constantemente reforçada desde a criação da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) e, especialmente, de seu Conselho de Defesa (CDS). Vê-se surgir na América do Sul uma “comunidade de segurança”, motivada pelo fato de os países vizinhos compartilharem experiências históricas comuns, desafios de desenvolvimento semelhantes e regimes democráticos, que facilitam a compreensão recíproca e propiciam uma acomodação pacífica dos diversos interesses nacionais. (LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL, 2012, p. 29).

Com relação ao intercâmbio e à cooperação com outros países, no mesmo

documento consta que a Força Aérea mantém uma série de atividades de

intercâmbio e de cooperação com outras Nações, especialmente com os países da

América do Sul e África, pois, na relação com outros países, o Brasil dá ênfase a seu

entorno geopolítico imediato, constituído pela América do Sul, o Atlântico Sul e a

costa ocidental da África.

A cooperação militar na América do Sul, que visa contribuir para a

manutenção da paz na região e para a sua defesa, é parte do processo de

integração que começou a ganhar destaque na região com os processos de

redemocratização a partir do final da década de 1980, quando começa a emergir um

novo ordenamento no sistema internacional. Esse novo ambiente caracteriza-se pela

ampliação de redes de interdependência e fluxos de toda ordem e o consequente

crescimento da circulação entre os países da região.

Segundo Abdul Hak (2013), além dos processos de redemocratização,

podemos citar outros fatores que impulsionaram a cooperação militar na América do

Sul, mais precisamente no Cone Sul: a Guerra das Malvinas, que contribuiu para a

reorganização dos padrões de defesa regionais; a retomada do intervencionismo

americano durante a Administração Reagan (1981-89), o que fez com que a política

externa brasileira promovesse a criação de confiança com a Argentina, mediante a

assinatura do Acordo de Cooperação para o Desenvolvimento e a Aplicação dos

Usos Pacíficos da Energia Nuclear. A criação do MERCOSUL que, embora tenha

sido criado com fins comerciais, buscava um duplo objetivo: promover a estabilidade

sub-regional após a redemocratização e fortalecer a inserção internacional de seus

Estados-membros. Houve também, durante a década de 90, o aumento do número

de exercícios combinados e o intercâmbio de pessoal para treinamento e formação.

Acordos bilaterais foram negociados pelo Brasil ao longo da década de 2000 com

todos os países da América do Sul, com exceção da Venezuela.

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Todos os documentos citados reforçam a importância da integração regional

para alcançar os objetivos da defesa nacional fixados pela Política Nacional de

Defesa, dado que a confiança, o desenvolvimento social, econômico e ambiental,

easegurança caminham juntos.

Portanto, os documentos mostram que a questão da defesa nacional

transcende as fronteiras brasileiras e alcança os demais países da América do Sul,

já que a segurança de um país é afetada pelo grau de estabilidade da região em que

ele está inserido, fazendo-se necessário uma atuação coletiva, conforme proposto

pelas comunidades de segurança. Além disso, a cooperação tende a gerar maior

poder de dissuasão frente às intervenções externas.

Para concluir, fazemos referência a Castells (1999), que menciona a criação

das identidades de resistência e de projeto. A primeira é criada por atores que se

encontram em posições desvalorizadas pela lógica da dominação, e a segunda,

quando os atores sociais, utilizando qualquer tipo de material cultural26, constroem

uma nova identidade capaz de redefinirsua posição na sociedade27 e, assim, buscar

a transformação de toda a estrutura social.

Percebe-se que a assinatura do Tratado Constitutivo da UNASUL tem fortes

motivações em ambas as identidades. No entanto, no que se refere à segunda,

busca-se o caminho para a sua concretização.

3.2 A Cooperação militar regional com ênfase no âmbito da Força Aérea

Julgamos conveniente fazer algumas considerações estratégicas sobre os

países ibero-americanos situados na América do Sul, que justifiquem a necessidade

de integração e de cooperação em matéria de defesa como proposto nos

documentos já citados.

Esses países ocupam um território de 18.346.630 km² e têm uma população

de 370.715.890 habitantes (ANUARIO IBEROAMERICANO 2012).

A região possui vastos recursos naturais (hídricos, minerais, energéticos),

uma grande biodiversidade que abriga uma imensa variedade de ecossistemas.

26 No caso da UNASUL, o material cultural poderia ser o discurso de base histórico – cultural que compõe o texto do Tratado. 27 No caso da América do Sul, fazemos referência à sociedade internacional.

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Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela estão entre os 17 países mais diversos

do mundo.

Figura 2 – Países sul-americanosmegadiversos

Fonte: Forti (2013, p.7).

Caso consideremos os recursos hídricos, a região possui a Bacia Amazônica,

que é a maior do mundo e abrange Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia,

Venezuela e Guiana, bem como a Bacia do Prata, que corresponde à união de três

sub-bacias: Paraná, Paraguai e Uruguai. O Aquífero Guarani está entre as maiores

reservas subterrâneas de água doce do mundo e estende-se, em cerca de 70% de

sua totalidade, pelo território brasileiro (840 mil km2). Com um reservatório de água

subterrânea de capacidade estimada em 45 mil km3, representa uma fonte

importante de abastecimento da população, bem como de desenvolvimento de

atividades econômicas.

Forti (2013) faz algumas considerações a respeito da necessidade de

proteção dos recursos naturais da região. Considerando a sua carência, se um

recurso é escasso para um país, este se converte em estratégico para quem o

possui, o que configura cenários de conflitos, sempre no território de abundância; o

seu valor econômico também representa uma fonte potencial de conflito, assim

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como seu valor como ativo-estratégico, ou seja, quando a sua aplicação tanto no

âmbito militar como civil seja de vital importância e não possua substitutos

disponíveis. Para o mesmo autor, a América do Sul, por suas reservas e produção,

constitui uma região de extrema relevância em nível global em matéria de minerais

estratégicos, somando-se a eles os recursos não renováveis como os minerais

energéticos.

Figura 3 – Minerais estratégicos na América do Sul

Fonte: Forti (2013, p. 10).

As características da região trazem desafios e oportunidades, que requerem

tratamento coordenado e diferenciado – o que é proposto pela Organização do

Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), bloco socioambiental formado pelos

Estados que partilham o território Amazônico: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador,

Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Atualmente, estão em execução mais de 20

iniciativas, projetos e programas, em áreas como meio ambiente, assuntos

indígenas, ciência e tecnologia, saúde, turismo e inclusão social. Entre eles,

destaca-se o Projeto Monitoramento da Cobertura Florestal na Região Amazônica,

cujo objetivo é contribuir para o desenvolvimento regional da capacidade de

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monitoramento da Floresta Amazônica, por meio de instalação de salas de

observação nos países-membros e de capacitação e intercâmbio de experiências

em sistemas de monitoramento (BRASIL. MINISTÉRIO DE RELAÇÕES

EXTERIORES, 2015).

Passando ao tema da participação brasileira nas forças de paz da ONU,

citamos a Missão de Paz na República Dominicana – DOMREP, de 1965 a 1966, o

Grupo de Observação das Nações Unidas na América Central – ONUCA,de 1989 a

1992; Missão de Observação das Nações Unidas em El Salvador – ONUSAL, de

1991 a 1995; a Missão de Verificação das Nações Unidas de Guatemala –

MINUGUA, em 1997; a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti –

MINUSTAH, iniciada em 2004, e outras não lideradas pela ONU, como a Missão de

Observadores Militares do Equador – Peru – MOMEP, de 1995 à 1999, e a Missão

de Auxílio à Remoção de Minas na América Central – MARMINCA, bem como a

Missão de Apoio ao Processo de Paz na Colômbia – MAPP, implementada em

2004, sob a égide da OEA (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS FORÇAS

INTERNACIONAIS DE PAZ DA ONU, 2009).

No tocante à ajuda humanitária,militares da FAB participaram levando ajuda

ao Chile, por ocasião do terremoto em 2010, ao México e a El Salvador pelos

terremotos nos anos 80, e à Bolívia, por ocasião das inundações ocorridas em 2008.

Soma-se a essas missões, a atuação em combate a incêndios no Chile em 2014.

Com relação às operações militares conjuntas entre a Força Aérea Brasileira

e as Forças Aéreas dos países sul-americanos citamos: Cruzeiro do Sul (CRUZEX),

Paraguai-Brasil (PARBRA), Bolívia-Brasil (BOLBRA), Venezuela-Brasil (VENBRA),

Uruguai-Brasil (URUBRA) e Colômbia-Brasil (COLBRA).

A cooperação na área de instrução de voo na AFA também é frequente entre

a FAB e as Forças Aéreas dos países sul-americanos.

No que se refere às visitas das Forças Aéreas das Nações Amigas à AFA,

apenas em 2014, foram recepcionadas comitivas da Força Aérea da Bolívia, Peru,

Chile, Colômbia, Paraguai e Argentina, algumas incluíam oficiais e cadetes. Além

disso, a formação de oficiais estrangeiros das nações amigas na AFA vem

acontecendo desde 1975, contabilizando, até 2016, 92 cadetes de nações hispano-

americanas.

Somando-se a isso, o Sistema de Cooperação entre Forças Aéreas

Americanas (SICOFAA), cuja primeira Carta Constitutiva data de 7 de maio de 1965:

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[...] tem como finalidade principal conseguir que todas as Forças Armadas que integram o sistema, afiancem os laços de amizade que as unem, e poder conseguir assim os procedimentos que garantam a eficiência para quando tenham que agir em conjunto, em obediência aos compromissos internacionais assumidos pelos respectivos governos na Carta da OEA (SICOFAA, 1965).

O mesmo tem como missão “promover o intercâmbio de experiências,

conhecimento e treinamento que permita o fortalecimento das capacidades das

Forças Aéreas e seus equivalentes, a fim de oferecer apoio aos requerimentos de

seus membros”. A orientação geral do SICOFAA está dirigida à troca de

experiências, meios, treinamento e instrução de pessoal, e tudo aquilo que facilite a

elaboração de procedimentos para atuar de forma integrada, no cumprimento do

disposto pelos respectivos governos. O artigo 5 da Carta Constitutiva de julho de

2007 trata dos temas de interesse para o sistema, tais como: operações aéreas;

recursos humanos, educação e treinamento; busca e salvamento e assistência em

casos de desastres; controle de voos não identificados; informática e

telecomunicações; logística; medicina aeroespacial; meteorologia; prevenção de

acidentes aéreos; desenvolvimento científico e tecnológico; direito aeronáutico;

doutrina do SICOFAA.

O SICOFAA está composto pelos seguintes membros: Argentina, Bolívia,

Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, El Salvador, Estados Unidos, Guatemala,

Guiana, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República

Dominicana, Uruguai e Venezuela. Seu lema “UNIDOS-ALIADOS” resume a sua

filosofia.

Cabe, nesse momento, fazer algumas ponderações a respeito da relação

entre as operações que demandam cooperação entre as Forças Armadas Brasileiras

e as Forças Armadas dos países hispânicos envolvidos nas operações. Tais

ponderações estão relacionadas à questão linguística. Se a língua é nosso

instrumento básico de comunicação, é pertinente perguntar qual é o código

linguístico usado nessas operações. Conforme colocado no capítulo 2, a língua,

além de instrumento de comunicação para a transmissão de significados, tem

também uma função integradora e agregadora de poder e, por conseguinte, de

formação de uma identidade. Essas operações conjuntas constituem a grande

oportunidade para concretizar todo o discurso presente nos documentos citados ao

longo do trabalho. Ao falarmos em integração sul-americana, temos que falar no uso

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de uma língua ou línguas comuns – no caso, o espanhol e/ou o português. Embora

na região existam dois países cujas línguas maternas são o inglês e o holandês, nos

referimos ao espanhol e ao português pela questão identitária mencionada no

capítulo 2.

Mencionamos, também, a importância de haver mais intercâmbio linguístico

entre o Brasil e os países sul-americanos, nesse caso, intercâmbios linguísticos de

mão dupla, envolvendo tanto o espanhol como o português, adequando ambas as

línguas às situações de comunicação. Por exemplo, segundo o artigo 7 da Carta

Constitutiva de 2007 do SICOFAA, que trata do idioma oficial, todas as atividades e

documentos serão realizados no idioma espanhol, sendo facultativo à força aérea

anfitriã de uma atividade, oferecer serviços de interpretação ou tradução em outro

idioma. Em situações nas quais o número de falantes de espanhol for superior ao de

falantes de português, é natural que o primeiro seja usado, principalmente em terras

hispânicas. Outra situação, delicada, é aquela relacionada à ajuda humanitária, cujo

principal objetivo é salvar vidas, aliviar o sofrimento, e manter a dignidade humana, e

aquela relacionada às missões para a manutenção da paz, pois é importante que o

militar consiga se comunicar tanto com a população local em seu idioma para

conseguir compreendê-la e ajudá-la de uma maneira mais eficiente, como com os

militares de outras nações durante a missão.

Falar a língua do outro aproxima, cria laços e confiança, gera aprendizagem e

compreensão sobre ele e seu mundo, sobre suas perspectivas, colabora para a

eliminação de barreiras, sendo possível, a partir daí, falar em formação de uma

identidade.

Cabe retomar algumas considerações sobre a questão linguística, mais

precisamente sobre língua e poder. A importância de uma língua mede-se levando

em conta, entre outros fatores, seu número de falantes, sua extensão geográfica, o

número de países nos quais é tida como oficial, a capacidade comercial dos países

onde essa língua é oficial, seu papel na diplomacia multilateral. Atualmente, o inglês

se destaca em todos esses critérios, mas tanto o espanhol como o português

também preenchem esses requisitos.

O espanhol é a segunda língua mais falada do mundo, como língua nativa,

segunda ou estrangeira com 500 milhões de falantes, e a segunda língua de

comunicação internacional. Na América do Sul a população hispânica é de

194.515.552 de pessoas (ANUARIO 2013). O Brasil conta com quase 191 milhões

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de habitantes e o português é a quinta língua mais falada do mundo com quase 240

milhões de pessoas (BRASIL. MINISTÉRIO DE RELAÇÕES EXTERIORES). O país

possui cerca de 8,5 milhões de km2de área terrestre, 4,5 milhões de km2 de área

marítima e faz fronteira com 9 países sul-americanos, sendo 7 hispano-americanos

(LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL, 2012, p.13).

Conclui-se que o âmbito militar oferece aos oficiais brasileiros muitas

oportunidades de comunicação em língua estrangeira, mais precisamente em língua

espanhola se consideramos a constante interação entre os membros das Forças

Armadas sul-americanas. Esse contato pode gerar um efeito construtivo e constituir

um fator motivador e sensibilizador a uma maior aproximação entre as culturas.

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4 METODOLOGIA DA PESQUISA

Esta pesquisa tem como proposta verificar nos cadetes da Academia da

Força Aérea a existência ou não do sentimento de pertencimento, de identificação

com a língua e cultura dos povos hispânicos da América do Sul, bem como uma

sensibilidade efetiva por parte dos mesmos aos usos da Língua Espanhola no

contexto militar como instrumento de comunicação e como elemento integrador e

colaborador para a construção de uma possível identidade compartilhada Brasil –

Nações Sul-Americanas, principalmente no âmbito da Defesa.

Parte-se da premissa de que não existe uma sensibilidade efetiva por parte

dos cadetes da AFA ao componente linguístico-cultural-identitário compartilhado,

mesmo que este seja fator agregador de poder geopolítico e militar à região.

No decorrer da investigação, observamos que desde a assinatura do Tratado

Constitutivo da UNASUL, um número crescente de pesquisas passou a considerar a

integração regional como tema de investigação. A maioria se insere na área de

Ciência Política. A seguir, destacamos algumas.

Magalhães (2010) estudou a integração e a segurança na América do Sul sob

o marco teórico do conceito de comunidade de segurança. Colocou ênfase nas

relações do Brasil com o Chile e com a Venezuela, no processo de construção da

América do Sul e nas dinâmicas de segurança regional, com o objetivo de saber se

há condições para o desenvolvimento de comunidades de segurança na região.

Ferraz (2012) investigou como a identidade sul-americana é construída ou

reproduzida por diferentes atores estatais, empregando estratégias discursivas

diversas para estabelecer uma identidade coerente com interesses e objetivos

particulares. Essas estratégias fazem uso de símbolos sul- americanos, memórias

históricas e valores culturais e políticos, os quais são analisados em relação com as

distintas percepções da integração regional.

Saraiva (2012) apresenta uma perspectiva de integração que vai além de

uma agenda comercial, mostrando a convergência entre a cultura, o poder e a

informação na América do Sul do século XXI. Para tanto, apresenta um

mapeamento das iniciativas que promovem o processo de integração cultural da

América do Sul, baseado nas discussões sobre poder, informação e cultura nas

relações internacionais. Sua pesquisa também se apoia na teoria construtivista.

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O volume 1 (julho/dezembro 2014) da Revista Brasileira de Estudos de

Defesa apresenta artigos que exploram aspectos da defesa conjunta na América do

Sul. Citamos Tibiletti (2014) que examina a busca de uma identidade de defesa sul-

americana com base nas identidades estratégicas dos países da UNASUL.

Trabalhos apresentados em conferências e mesas-redondas nos Encontros

da Associação Brasileira de Estudos de Defesa também enfocam a questão da

construção da segurança na América do Sul, com destaque para a UNASUL e seu

Conselho de Segurança. Celi (2014), por exemplo, destaca a recuperação do papel

dos Estados e de suas inter-relações como ferramenta para o seu posicionamento

estratégico visando uma gestão mais autônoma dos interesses da região.

Duarte (2012), em uma pesquisa realizada no Curso de Altos Estudos de

Política Estratégica da Escola Superior de Guerra, realizou um estudo sobre os

embasamentos teóricos encontrados nas teorias das relações internacionais que

fundamentaram as motivações da criação do Conselho de Defesa Sul-Americano.

Tema que permeia a problemática da pesquisa proposta, orientada pelo objetivo de

investigar a possibilidade de evolução do atual estágio de cooperação regional para

um nível mais avançado de integração em matéria de Defesa.

Apesar do crescente número de pesquisas que discorrem sobre a questão da

integração regional seja com ênfase na construção de uma identidade sul-

americana, na formação de uma comunidade de segurança ou na integração

cultural, desconhecemos trabalhos que enfocam o entrelaçamento entre Defesa,

Geopolítica Sul-americana, Identidade Cultural e Língua Espanhola.

4.1 Conhecendo o contexto da pesquisa

Esta pesquisa foi realizada durante os anos de 2014 e 2015 na Academia da

Força Aérea, estabelecimento de ensino superior, responsável pela formação básica

dos oficiais da Força Aérea Brasileira, localizado na cidade de Pirassununga, interior

do estado de São Paulo.

O Curso de Formação de Oficiais tem a duração de quatro anos e está

formado pelos quadros da Aviação, Intendência e Infantaria. Ao final do quarto ano,

o cadete aviador recebe o grau de bacharel em Administração Pública e em Ciências

Aeronáuticas, o intendente, em Administração Pública e em Ciências da Logística, e

o infante, em Administração Pública e em Ciências Militares.

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Na grade curricular dos três quadros há a presença de duas línguas

estrangeiras – espanhol e inglês -, de caráter obrigatório, durante os quatro anos do

curso; o espanhol com uma carga horária de 180 tempos para cada quadro, e o

inglês com 320 tempos para a Aviação, 280 para a Intendência e 280 para a

Infantaria, incluindo provas e exames28.

O restante da grade do CFO é composto por 78 disciplinas para o quadro da

Aviação, 72 para o da Intendência e 82 para o da Infantaria, distribuídas entre os

campos geral, técnico-especializado e militar. Não há disciplinas eletivas, todas são

obrigatórias.

As disciplinas do Campo Geral têm por objetivo a formação científico e

cultural do cadete, com ênfase aos conteúdos de Administração Pública; as

disciplinas do Campo Técnico-Especializado têm por objetivo a sua formação teórica

e prática que varia conforme o quadro ao qual pertence; e as disciplinas do Campo

Militar têm por objetivo a formação militar e moral do combatente, envolvendo

permanentes treinamentos e constante doutrinamento.

A vida militar depende dos graus obtidos em todas as provas, os conceitos

militares e graus de voo que recebeu, sendo que tudo isso compõe sua nota final.

As ICAs 37-113/2014, 37-66/2014 e 37-89/2014, referentes aos quadros da

Aviação, Intendência e Infantaria, respectivamente, documento elaborado pelo

Departamento de Ensino da Aeronáutica, que define o perfil profissional dos oficiais

e cadetes, no que se refere às línguas estrangeiras, estabelece que:

[...] após o curso de formação, o oficial seja capaz de entender e comunicar-

se, oralmente e por escrito, no mínimo em nível intermediário, nos idiomas

inglês e espanhol, com ênfase na fraseologia técnico-especializada,

inerentes à sua área de atuação. (COMANDO DA AERONÁUTICA, ICA 37-

113/2014)

No que tange ao desenvolvimento de competências, no mesmo documento,

consta que o oficial deve estar apto a “participar de treinamentos e operações

militares no Brasil e no exterior, podendo atuar em Operações de Paz e outras

missões em apoio à política externa brasileira”.

28 A carga horária apresentada, tanto de inglês como de espanhol, corresponde à carga horária total durante os quatro anos do curso para cada quadro. Cada tempo corresponde a 45 minutos de aula.

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A AFA abriga uma média de 700 cadetes do sexo masculino e do feminino,

sendo o primeiro grupo muito mais numeroso que o segundo, e forma, anualmente,

uma média de 170 aspirantes.

É importante destacar, conforme pondera Castro, C. (1990), em seu estudo

de Antropologia Social realizado na Academia Militar das Agulhas Negras, que a

formação de oficiais não se resume aos quatro anos de Academia; ao contrário,

consiste de várias etapas. Na Aeronáutica, o aspirante aviador realiza o Curso de

Tática Aérea. Quando oficial, cursará, no posto de capitão, a Escola de

Aperfeiçoamento dos Oficiais da Aeronáutica e, alguns anos mais tarde, realizará o

Curso de Comando e Estado Maior na Escola de Comando do Estado Maior da

Aeronáutica, que tem por objetivo capacitar os Oficiais Superiores nos postos de

Major e Tenente-Coronel para o exercício das funções de Comandantes, Chefes,

Diretores e Oficiais de Estado-Maior. Posteriormente, o oficial poderá tentar o

ingresso na Escola de Comando do Estado Maior da Aeronáutica, para realizar o

Curso de Política e Estratégias Aeroespaciais, destinado aos Oficiais Superiores do

posto de Coronel, que tem por objetivo fornecer conhecimentos que os capacitem a

formular e conduzir a Política Militar da Aeronáutica, considerando a Política de

Defesa Nacional, estabelecendo a correlata Estratégia Militar da Aeronáutica.

Retomando o contexto AFA, com relação ao seu corpo docente, este é

composto por civis concursados, militares de carreira e militares do quadro

temporário, ou seja, com permanência máxima de oito anos na instituição. As

línguas estrangeiras são ministradas por docentes civis e militares temporários, fator

que impossibilita a formação de um corpo docente sólido, pois, muitas vezes, a

saída de um docente militar não é compensada pela chegada de outro, causando

prejuízo ao curso. Se não há um número satisfatório de docentes, as aulas não

podem ser ministradas nas salas de aulas menores, exclusivas para o ensino de

línguas, equipadas com multimídia, dado que comportam no máximo 22 cadetes.

Nesse caso, as aulas são ministradas nas salas convencionais com uma média de

40 cadetes, o que dificulta o emprego da metodologia comunicativa no seu sentido

pleno.

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4.2 Conhecendo os participantes da pesquisa

Neste estudo contamos com a participação de 136 cadetes brasileiros do 3º e

4º esquadrões do ano de 2015. A escolha por estes esquadrões se justifica por

possuírem maior experiência de aprendizagem de Língua Espanhola, bem como das

disciplinas do campo militar, o que confere maior confiabilidade à pesquisa.

Discorreremos com maior detalhe sobre o perfil dos participantes, buscando

revelar alguns traços de sua identidade e focar alguns momentos de sua história

como aprendizes de língua espanhola.

A Academia da Força Aérea é um contexto diferenciado e complexo por ser

um contexto militar com uma cultura peculiar. Os cadetes, jovens de 18 a 23 anos,

procedem das mais diversas regiões do Brasil e das mais diversas classes sociais,

com histórias de vida, histórias de aprendizagem, personalidades, sentimentos e

processos cognitivos diferentes, cada um com seus valores e crenças e,

consequentemente, com sua própria identidade, ou melhor, identidades. São

recrutados na Escola Preparatória de Cadetes do Ar, localizada em Barbacena, nos

colégios militares e nos colégios do meio civil.

O espaço que os abriga é hierárquico, regrado, cerceador, punitivo, o que vai

de encontro ao espaço exterior à AFA que os abriga nos finais de semana, quando

não há atividade prevista, pois vivem em regime de internato, fato que, segundo

Castro, C (1990), contribui para uma grande coesão ou homogeneidade interna. Tal

homogeneidade acaba se refletindo no pensamento e comportamento do cadete.

Para Dornsbuch (1955 apud CASTRO, C. 1990, p. 32), “a academia isola os cadetes

do mundo de fora, ajuda-os a identificar-se com um novo papel, e assim muda sua

autoconcepção”. Nesse sentido, Mills (1975 apud CASTRO, C. 1990, p. 32) afirma

que a iniciação severa nas academias militares “revela a tentativa de romper com os

antigos valores e sensibilidades civis, para implantar mais facilmente uma estrutura

de caráter o mais nova possível”.

No tocante as suas atividades diárias, estas começam às 6 horas e terminam

por volta das 20 horas. O curso de Ciências da Administração que lhes confere o

grau de bacharel recebe muitas críticas dos cadetes, principalmente do quadro da

aviação e infantaria. Os primeiros acreditam que o curso não vai ao encontro de

suas necessidades e que saber pilotar um avião é suficiente para ser oficial da FAB.

Dessa maneira, o cadete aviador dá prioridade à instrução de voo, fundamentada

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em princípios rígidos, devido ao alto grau de periculosidade e reprovação. As

atividades do curso de infantaria demandam rusticidade por parte do cadete. Os

cadetes que pertencem ao quadro de intendência aceitam melhor o curso de

Ciências da Administração, pois suas atividades como futuro oficial estarão

relacionadas à logística da FAB. A sua vida militar ao deixar a AFA dependerá dos

graus obtidos em todas as provas, os conceitos militares e graus de voo que

recebeu, porque esse conjunto comporá sua nota final.

De acordo com o exposto, entende-se que o cadete é um ser fragmentado

dentro do todo, com identidades conflitantes, assumidas após o seu ingresso na

AFA, que se agregam àquelas já existentes ou as transformam. A grande questão

gira em torno de dar mais atenção às disciplinas relacionadas ao curso de

Administração ou às disciplinas relacionadas ao âmbito militar, pois os momentos

que podem ser destinados ao estudo fora de sala de aula são poucos. Portanto, o

estabelecimento de prioridades faz parte da cultura do cadete, embora a demanda

por um alto grau de desempenho em todas as atividades que realizam é muito

grande.

A pesquisadora é docente civil de Língua Espanhola na comunidade

pesquisada e ministra aulas a 50% dos cadetes do3º e 4º esquadrões, fato que

possibilitou o estreito contato entre ambos. As aulas correspondentes à porcentagem

de cadetes restantes são ministradas por docentes militares do quadro temporário.

Durante os anos de docência na instituição militar, a pesquisadora observou

um comportamento padrão entre os cadetes com relação à língua espanhola: há um

grupo relativamente pequeno que manifesta muito interesse pela sua aprendizagem,

outros que não se identificam e um grupo maior que expressa certa neutralidade.

Quando questionados pela docente, durante as aulas, a respeito da sua

identificação ou não com a língua em questão e a cultura ou culturas veiculadas por

ela, os cadetes que têm o hábito de viajar pela América do Sul durante as férias ou

que já estiveram em algum país hispânico por outro motivo, uma competição

esportiva, por exemplo, respondem que se sentem muito motivados para aprendê-la.

Outro grupo responde que prefere a língua inglesa, principalmente, pela história de

aprendizagem com esta língua. Uma grande parcela responde que tem ciência da

importância do conhecimento da língua espanhola na atual conjuntura, que gosta de

ter aulas de espanhol porque são aulas mais interativas, mas que não tem tempo de

dedicar-se a ela além da sala de aula. Nota-se, com frequência, que os cadetes

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chegam às aulas cansados, por dormirem pouco, por um acionamento durante a

noite, por permanecerem estudando para provas ou fazendo algum trabalho

solicitado. Outra observação feita com regularidade pela pesquisadora é que quanto

mais comunicativa é a aula com variedade de atividades e materiais, maior é a

motivação, especialmente quando a atividade envolve o componente cultural e as

aulas ocorrem nas salas com equipamento multimídia. Somando-se a isso, a

participação do cadete estrangeiro durante as aulas também constitui um fator

motivador à aprendizagem, uma vez que o docente saiba envolvê-lo na aula. No

entanto, nem todas as classes contam com a presença de um, devido ao número

reduzido de cadetes das nações amigas, que realizam o Curso de Formação de

Oficiais no Brasil.

Os cadetes que participam da viagem de estudos à Espanha, oferecida

anualmente pelo Banco Santander 29 , voltam muito motivados, inclusive para

participar mais das aulas, com uma mentalidade mais cosmopolita. Os comentários

são unânimes: “ampliação da visão de mundo”, “importância do contato com a

diversidade”, “quebra de estereótipos”, “olhar crítico para a própria cultura”.

Vale salientar que a língua inglesa também está presente na grade curricular,

com uma carga horária alta, conforme mencionado, à qual, por razões históricas,

sempre foi atribuída uma grande importância. No contexto AFA, acrescenta-se a

necessidade do conhecimento de inglês técnico pelos cadetes aviadores, o status

atribuído ao poderio aéreo norte-americano e a sua histórica participação em

guerras, lembrando, também, que os cadetes são preparados para elas. Estes

fatores também podem fazer com que o espanhol fique um pouco ofuscado no

contexto em questão.

4.3 Instrumento de coleta e procedimentos de análise dos dados

Para a realização desta pesquisa apoiamo-nos em fontes bibliográficas e em

um levantamento de dados, pois recorremos à literatura especializada para nos

fornecer uma base teórica com o objetivo de elucidar questões geopolíticas,

linguísticas, culturais e identitárias. Recorremos, também, à solicitação de

29 Anualmente, um grupo de dez cadetes líderes do 4º ano são contemplados com uma bolsa de estudos na Univerdidade de Salamanca oferecida pelo Banco Santander com a duração de 24 dias, em média.

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informações aos participantes, cujas percepções relacionadas ao objeto da pesquisa

se desejava conhecer.

Para a coleta dos dados foi utilizado um questionário fechado na forma de

uma escala de Likert com 22 afirmações30 e quatro questões introdutórias. A escala

de Likert nos permite medir a intensidade dos sentimentos, das atitudes e opiniões

dos sujeitos com relação às afirmações propostas. Segundo Ospina et al (2003) , é

uma das mais usadas para medir atitudes, definidas como o conjunto de crenças,

sentimentos e tendências de um indivíduo, que produz um determinado

comportamento.

O método aqui considerado consistiu em escrever uma afirmação e pedir

respostas em uma escala de concordância em cinco níveis. Quanto mais próximo do

1, menor era o grau de concordância com a afirmação. Quanto mais próximo do 5,

maior era o grau de concordância. Ressaltamos que não havia resposta correta ou

incorreta. O questionário teve por objetivo obter informações relacionadas aos

seguintes eixos: apreço pela língua espanhola e pela cultura hispânica,

fortalecimento da identidade sul-americana, integração regional e cooperação militar

na América do Sul.

No final do questionário, foi reservado um espaço para comentários caso o

cadete quisesse fazê-los. Inserimos um pequeno texto informativo no início para

esclarecer o seu objetivo, bem como a importância de respondê-lo com

autenticidade 31 . Antes de ser aplicado, foi testado com um pequeno grupo de

cadetes com o objetivo de verificar possíveis problemas.

Optamos pela aplicação eletrônica do questionário; para isso, contamos com

o auxílio da ferramenta Formulários Google.

A tabulação dos dados foi feita pela própria ferramenta. A distribuição das

respostas (porcentagens que estão de acordo, em desacordo com a afirmação etc.)

pode ser visualizada num gráfico em colunas, que expressa uma relação de

proporcionalidade, em que todos os dados somados compõem o todo do aspecto

que se deseja verificar.

Pelo fato de estarmos trabalhando com percepções, além do tratamento

quantitativo, demos, também, um tratamento qualitativo aos dados, apoiando-nos na

teoria construtivista, que permeia nosso trabalho, e nas informações levantadas, por

30 Ver Apêndice B. 31 Ver Apêndice A.

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meio das fontes bibliográficas, a respeito de questões relacionadas à geopolítica, à

defesa e às questões linguísticas, culturais e identitárias para, desse modo, verificar

o grau de identificação dos cadetes com a língua espanhola e a cultura hispânica e

as suas percepções a respeito do entrelaçamento entre Geopolítica, Língua

Espanhola, Identidade Cultural e Defesa, objetivo da pesquisa. Apoiamo-nos,

também nas observações da pesquisadora, fruto de sua experiência como docente

na Instituição pesquisada.

Passaremos, no capítulo seguinte, à apresentação dos resultados e à análise

dos dados.

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5 ANÁLISE DOS DADOS

Este capítulo tem como finalidade analisar quali-quantitativamente os dados

coletados. Possibilitará uma melhor compreensão da postura do cadete perante a

língua espanhola e a cultura veiculada por ela com base nas suas respostas ao

questionário aplicado.

Questionário32

Você já esteve em algum(ns) país(es) de língua espanhola?

Caso tenha respondido "Sim" na questão anterior, para qual região?

32 Os números em negrito e os percentuais à direita dos gráficos correspondem ao número de cadetes que responderam a questão, num total de 136. Nas afirmações, a sequência de números de 1 a 5 corresponde aos níveis da escala de concordância.

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Qual o motivo de sua viagem?

Por quanto tempo permaneceu no país?

Com relação às quatro perguntas anteriores, comentaremos em um mesmo

bloco por se apresentarem em uma relação de dependência.

Observa-se que a porcentagem de cadetes que já viajaram é visivelmente

menor que a porcentagem daqueles que ainda não empreenderam viagens a algum

país hispânico. Observa-se, também, uma estreita relação entre destino, motivo da

viagem e tempo de permanência. Como já havíamos comentado no capítulo

anterior, a América do Sul é o destino escolhido para férias, e as competições

esportivas também ocorrem na região. Segundo relatos de sala de aula, as viagens

de lazer duram, em média, uma semana. As viagens à Espanha se justificam pela

bolsa de estudos concedida, com a duração de 24 dias, fato também comentado no

capítulo anterior.

Verifica-se que a América do Sul se sobrepõe como destino com relação às

demais regiões onde o espanhol é o idioma materno. Fundamentando-nos na teoria

construtivista, este fator é positivo, uma vez que promove o contato dos cadetes com

o contexto dos países vizinhos, o que pode colaborar para uma maior aproximação

entre as culturas, para o estabelecimento do diálogo intercultural, para o despertar

do sentimento de pertencimento, de alteridade e para uma consequente

reconfiguração identitária.

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1- As línguas e culturas estrangeiras me atraem.

Nesta questão, nota-se que os maiores percentuais se aproximam do nível 5,

que indica concordância. A discrepância é grande em relação aos demais níveis.

O resultados mostra que conhecer o outro, falar a sua língua é um desejo

manifestado pela maioria dos participantes. Pensamos que a atração por línguas e

culturas estrangeiras é um construto inerente ao ser humano, fator colaborador para

a aceitação da diversidade.

2- Sinto uma grande vontade de conhecer muitos aspectos da língua

espanhola e da cultura hispânica e/ou dos países que falam espanhol.

Observa-se, pelas porcentagens, uma atitude positiva dos cadetes com

relação à língua espanhola, à cultura e aos países hispânicos, pois a somatória das

porcentagens dos que concordam e concordam parcialmente é bastante superior à

porcentagem dos que discordam e discordam parcialmente. Pensamos que este

fator deveria estar diretamente relacionado com a motivação em sala de aula. No

entanto, pelas observações da pesquisadora, estes dados vão de encontro ao

contexto sala de aula. Infere-se que existem outras variáveis que podem interferir no

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seu comportamento, como o cansaço gerado pelo excesso de atividades de sua

rotina, característica observada pela pesquisadora durante as aulas.

3- Estudar espanhol é importante porque vou precisar dele na minha profissão.

A somatória da porcentagem dos cadetes que concordam e concordam

parcialmente com a afirmação é ostensivamente maior que a somatória dos que

discordam, discordam parcialmente e dos que são indiferentes. Este fato mostra

conscientização por parte do cadete. No entanto, reconhecer que um idioma é

significativo para a carreira não implica, necessariamente, motivação e dedicação ao

seu estudo.

4- Preferiria passar mais tempo nas aulas de espanhol do que nas outras

aulas.

Para esta questão, o resultado mostra-se mais equilibrado, a diferença do

percentual da somatória dos que discordam e discordam parcialmente é 5,2% mais

alta que a somatória dos que concordam e concordam parcialmente com a

afirmação. É justamente esse quase equilíbrio que revela certa desmotivação ao

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estudo da língua, contradizendo, parcialmente, o resultado da segunda questão.

Ressaltamos que a desmotivação pode estar relacionada à má utilização da

metodologia em sala de aula por parte de algum professor ou professores que

ministram aulas nos esquadrões pesquisados.

5- Tenho uma imagem positiva dos países onde o espanhol é falado, bem

como dos povos hispânicos.

Apesar de 34,6% dos cadetes serem indiferentes, 42,6% têm uma imagem

positiva dos países hispânicos e de seus povos, contra 22,8% que manifestam uma

visão negativa. Infere-se que os cadetes que manifestam tal visão fazem parte do

grupo de brasileiros que nutre certo preconceito e uma visão estereotipada sobre os

países e os povos em questão.

6- Saber espanhol é um dos objetivos na minha vida.

Comparando o percentual dos cadetes que discordam com os que

concordam, a diferença é de 3,7% a mais para os primeiros. No entanto, se

compararmos aqueles que discordam parcialmente com os que concordam

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parcialmente, verifica-se uma vantagem de 16,9% para os últimos. O resultado

mostra uma atitude positiva para com a língua espanhola.

7- Sinto que o meu país e a minha cultura são um pouco melhores que os

países hispano-americanos e suas culturas.

Para esta questão, 41,2% optaram pela neutralidade. No entanto, os que

concordam ou concordam parcialmente somam 33,9% contra 25% dos que

discordam ou discordam parcialmente. Aqui, observa-se a anulação da noção de

alteridade, de igualdade entre culturas, somados ao esquecimento, por parte dos

primeiros, que o Brasil e demais países hispano-americanos compartilham uma base

ameríndia e ibérica e muito aspectos históricos. Este fato é preocupante, pois a

parcela dos 33,9% entende a cultura como algo passível de hierarquização e de

manifestação de poder, o que constitui uma barreira para o estabelecimento do

diálogo intercultural e à integração regional e ao fortalecimento de uma identidade

sul-americana proposta pela UNASUL.

8- Os projetos políticos conjuntos como a UNASUL, que surgem com o

objetivo de promover a integração da região, constituem um apoio para o

fortalecimento de uma identidade sul-americana.

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Nota-se a manifestação de uma imagem de muita confiançanos projetos

políticos que visam à integração regional, pois a somatória dos que concordam ou

concordam parcialmente superou em 55% a somatória dos níveis 1 e 2. Não

obstante, comparando com o resultado da questão anterior, conclui-se que os

cadetes, cujas respostas fazem parte dos níveis 4 e 5, não estão cientes dos

requisitos para o fortalecimento de uma identidade sul-americana.

9- As potências dominantes exercem influência cultural sobre o Brasil e

demais países sul-americanos, dificultando a formação de uma identidade

regional.

O resultado da somatória dos níveis 4 e 5 foi significativamente mais alto se

compararmos com o resultado da somatória dos níveis 1 e 2, o que mostra que os

cadetes reconhecem a influência cultural por parte das nações consideradas

hegemônicas.

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10- Se eu me comunicar em espanhol com falantes nativos, vou ser mais

valorizado e respeitado.

O grau de concordância com esta afirmação é muito alto. Os cadetes, cujas

respostas se inserem nos níveis 4 e 5, manifestaram que as noções de valor e de

respeito são muito fortes. A pesquisadora observa, no contexto em que atua, que

estes atributos são muito cultivados ao longo do processo de formação do cadete.

No tocante à língua estrangeira, transparece a necessidade de mostrar o

conhecimento da língua e da cultura do outro, ou seja, além de não se deixar colocar

em uma posição inferior ao outro, pelo desconhecimento, ao mesmo tempo é uma

forma de abertura ao estrangeiro, no caso, os países hispânicos, sobre tudo os da

América do Sul de onde parte a maioria das comitivas que visitam a AFA.

11- Há um traço de latinidade que une brasileiros e hispano-americanos em

termos linguísticos e culturais, sendo este fator importante para a constituição

de uma identidade regional.

Para esta afirmação o grau de concordância também é muito alto,

considerando a somatória dos níveis 4 e 5. No entanto, este resultado contradiz, em

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parte, o da questão 7, pois o reconhecimento de que há um traço de latinidade que

une hispano-americanos e brasileiros é incompatível com a crença, por parte de

33,9% dos cadetes, na superioridade cultural dos brasileiros.

12- Sinto que o Brasil tem pouco em comum com os países hispano-

americanos.

O resultado para esta afirmação foi bem equilibrado, o que também contradiz,

em parte, o resultados da questão anterior. Infere-se que o traço de latinidade que

une brasileiros e hispano-americanos, que 66,2% acreditam existir, não é suficiente

para criar um elo entre estes países.

13- Tenho orgulho de ser sul-americano.

A disparidade é bem marcada entre os que se orgulham de ser sul-

americanos e aqueles que não se orgulham. O percentual de vantagem do nível 5

para o nível 1 é de 38,9%, e se somadas e comparadas as porcentagens dos níveis

1 e 2 com as dos níveis 4 e 5, a vantagem dos últimos passa a ser de 54,4%. O

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resultado revela um forte sentimento de pertencimento ao território, fator colaborador

à criação de uma identidade sul-americana, sobre tudo, no âmbito da defesa.

14- A questão da defesa nacional vai além das fronteiras brasileiras e alcança

os demais países da América do Sul.

Nesta questão, a disparidade entre os níveis 1 e 5 também é bem marcada, e

mais discrepante ainda é o resultado da comparação da somatória dos níveis 1 e 2 e

dos níveis 4 e 5. O mesmo comentário tecido para a questão anterior aplica-se a

esta questão: a consciência da noção de cooperação, fator colaborador à criação de

uma identidade sul-americana, sobretudo, no âmbito da defesa.

15- Se falamos em integração sul-americana, temos que falar no uso de uma

língua ou línguas comuns – no caso, o espanhol e/ou o português.

O grau de concordância com esta afirmação é alto, o que mostra, por parte

dos cadetes, cujas respostas se inserem nos níveis 4 e 5, a consciência da

necessidade do uso de uma língua ou línguas regionais, fator favorável ao

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estabelecimento do diálogo intercultural, à aproximação, à coesão, ao fortalecimento

da identidade regional e à agregação de poder geopolítico à região.

16- Se um cadete ou oficial brasileiro viaja a um país hispano-americano, ou se

um cadete ou oficial hispano-americano vem ao Brasil e se comunica em

inglês em vez de português ou espanhol, tal fato mostra falta de sensibilidade

linguística de ambas as partes.

O grau de concordância com esta afirmação também é alto e os mesmos

comentários da questão anterior podem ser aplicados, acrescentando que o uso do

inglês poderia ficar mais restrito à situação de voo, caso haja necessidade, dado que

é o código linguístico da aviação.

17- É importante que haja mais intercâmbio linguístico e cultural entre o Brasil

e demais países sul-americanos.

O grau de concordância com esta afirmação é extremamente alto, 90,4% e

reflete nitidamente a opinião dos cadetes manifestadas em sala de aula e

observadas pela pesquisadora: a necessidade de um contato maior com o mundo

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hispânico, pois a aproximação gera conhecimento, elemento necessário à

identificação com o outro, com a sua cultura.

Pensamos que a sala de aula funciona como um laboratório de experiências,

mas o resultado do processo de aprendizagem de uma língua estrangeira é

perceptível quando os aprendizes interagem com falantes da língua alvo, o que os

torna mais motivados.

18- Há pouca conexão entre línguas e culturas estrangeiras, geopolítica e

defesa.

As porcentagens revelam um resultado muito equilibrado. A somatória das

porcentagens daqueles cadetes que concordam ou concordam parcialmente é de

42,6% contra 41,9% daqueles que discordam ou discordam parcialmente. A

percepção da pesquisadora é que o entrelaçamento dos quatro elementos não está

claro na mente dos cadetes. Não há uma disciplina na grade curricular do CFO que

trate de questões geopolíticas para que os docentes de língua espanhola pudessem

realizar um trabalho interdisciplinar.

19- É melhor para o Brasil se alinhar a uma grande potência que aos países da

América do Sul.

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Nesta questão a disparidade entre os níveis 1 e 5 também é bem marcada, e

mais discrepante ainda é o resultado da comparação da somatória dos níveis 1 e 2 e

dos níveis 4 e 5, fato que contradiz fortemente os resultados da questão seguinte.

20- O Conselho de Defesa Sul-Americano, um dos conselhos que compõem a

UNASUL, bem como a Diretriz 18 da Estratégia Nacional de Defesa e o Livro

Branco de Defesa Nacional, que colocam a importância do estímulo à

integração e à cooperação militar na América do Sul, constituem um passo

importante para o avanço do pensamento em defesa na região, uma vez que os

países sul-americanos precisam uns dos outros para se defenderem de

ameaças internas e externas.

Comparando os resultados desta questão com os resultados da questão

anterior, conforme já comentamos, a disparidade é evidente. Cabe questionar se os

cadetes, em matéria de defesa, consideram o alinhamento com os demais países

sul-americanos, e em matéria de economia, o alinhamento com as grandes

potências. Pensamos que é uma incoerência, pois no capítulo 3 foi apresentada a

relação entre defesa e necessidade de proteção dos recursos estratégicos de um

território, que são recursos econômicos, visados pelas grandes potências.

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21- A língua, além de instrumento de comunicação para transmitir significados,

tem também uma função integradora e agregadora de poder a uma nação ou

região e, por conseguinte, de formação de uma identidade. Considerando a

América do Sul, a língua espanhola pode ser vista como um meio comum de

comunicação, bem como de aproximação e integração de todos os países sul-

americanos.

Se compararmos os resultados desta questão com os resultados das

questões 11, 15 e 17, que são questões afins, observamos que a as porcentagens

resultantes da somatória dos níveis 4 e 5 destas questões, são bem altas: 72,8%,

66,2%, 66% e 90,4%, respectivamente. Nota-se que, quando se toca na questão da

integração regional associada às questões linguísticas e/ou às questões culturais e

identitárias, há uma maior sensibilização por parte dos cadetes. O conjunto dos

elementos – integração, língua e identidade cultural – remete à ideia de posse, de

pertencimento a um território, de nação, no caso a nação latino-americana ou sul-

americana. São traços unificadores, que contribuem para a construção do sujeito e

que lhe mostram as suas origens.

22- Tenho conhecimento sobre as operações militares conjuntas e a troca de

experiências entre a Força Aérea Brasileira e as Forças Aéreas dos países sul-

americanos.

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Nesta questão, as porcentagens mostram que os cadetes não têm

conhecimento total do intercâmbio entre as Forças Aéreas Sul-Americanas. O seu

conhecimento constituiria um fator sensibilizador para o estudo da língua espanhola

e fortalecedor da identidade sul-americana em matéria de defesa conforme proposto

pelo Conselho de Defesa Sul-Americano e pela Estratégia Nacional de Defesa.

Comentários dos cadetes33

– O maior elemento formador da cultura espanhola no aluno é poder estar

entre hispânicos e falar com nativos. Muitíssimo importante proporcionar

intercâmbio aos cadetes (verdadeiros objetivos da formação).

– Em minha opinião, o Brasil desempenha e deve desempenhar um papel de

nação hegemônica, que detém maior poder geopolítico em relação aos seus

vizinhos. Tal fato é resultado das características geográficas nacionais, no que

diz respeito à extensão territorial e disponibilidade de recursos, além do

desenvolvimento econômico e tecnológico aqui encontrado, se comparado

com outras nações. Dessa forma, creio que o Brasil deve ser responsável por

ter capacidade de decisão efetiva nas questões político-econômicas regionais,

utilizando de seu poder dissuasório para, além de impor seus interesses, gerar

integração e boas relações entre o Brasil e outros países sul-americanos.

Tendo em vista as diferenças culturais/linguísticas entre o Brasil e os países

latinos, torna-se muito difícil gerar laços diplomáticos harmoniosos entre estas

nações. Assim sendo, faz-se necessário que tanto civis e militares que

33 Os comentários foram transcritos sem quaisquer alterações.

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estejam envolvidos em questões diplomáticas referentes ao contexto sul-

americano, procurem maneiras de romper estas barreiras culturais naturais,

com o intuito de estreitar laços entre os países da América do Sul.

Informamos que apenas dois cadetes se propuseram a tecer comentários a

respeito das afirmações.

O primeiro enfatiza a importância do contato intercultural, como forma de

aperfeiçoar o idioma e promover as trocas culturais, o que mostra a consciência da

importância do contato com a diversidade como papel formador.

O segundo menciona o papel do Brasil como nação hegemônica na América

do Sul e justifica pela assimetria com as demais nações da região. No entanto,

foram observadas ideias contrastantes: uma nação hegemônica que “impõe seus

interesses”, mas que, ao mesmo tempo, promova a integração e “as boas relações”

com os demais países sul-americanos. Outro ponto que nos chamou a atenção diz

respeito à menção ao papel de mediadores das relações entre os países sul-

americanos atribuído a civis e militares do âmbito diplomático, pois, segundo o

cadete, as diferenças culturais e linguísticas entre o Brasil e os demais países da

região dificultam a aproximação.

Pensamos que as diferenças culturais e linguísticas não devem ser vistas

como barreiras de difícil transposição, e que o papel da diplomacia é essencial na

promoção da integração regional, mas que a abertura ao diálogo intercultural

também deve partir de setores e indivíduos conscientes e simpatizantes da proposta

apresentada no Tratado Constitutivo da UNASUL.

Concluímos o capítulo fazendo uma síntese dos resultados.

As 22 afirmações que compõem o questionário giram em torno de 4 eixos:

apreço pela língua espanhola e pela cultura hispânica, fortalecimento da identidade

sul-americana, integração regional e cooperação militar na América do Sul.

Com relação à integração destes eixos, retomamos os comentários que

tecemos para a afirmação 22: “quando se toca na questão da integração regional

associada às questões linguísticas e/ou às questões culturais e identitárias, há uma

maior sensibilização por parte dos cadetes. O conjunto dos elementos – integração,

língua e identidade cultural – remete à ideia de posse, de pertencimento a um

território, de nação, no caso a nação latino-americana ou sul-americana. São traços

unificadores, que contribuem para a construção do sujeito e que lhe mostram as

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suas origens”. Voltamos a recorrer a Hall (2006, p. 47) para corroborar o

pensamento citado: “as culturas nacionais em que nascemos se constituem em uma

das principais fontes de identidade cultural”.

Define-se, pelos resultados auferidos, que o cadete sente que pertence a este

território, que sua essência está conectada com ele e, inclusive, tem orgulho de ser

sul-americano porque estas são as suas origens. Retomamos Ferreira (1995), que

acrescenta que não existe sujeito individual ou coletivo que não tenha identidade

própria, por ser esta uma espécie de guia através da realidade instável em que vive.

Os resultados também informam que os projetos políticos de integração

regional, incluindo a cooperação em matéria de defesa, são apoiados pelos cadetes,

o que vai ao encontro da teoria construtivista, segundo a qual os entendimentos

coletivos constituem o caminho para a formação de uma identidade coletiva. A teoria

construtivista é indissociável da questão da alteridade: o homem, como ser social,

existe a partir da visão e do contato com o outro ou outros, a coletividade. No

entanto, algumas atitudes reveladas pelos resultados, como a preferência pelo

alinhamento do Brasil a uma grande potência e não aos países da região, e a crença

na superioridade do Brasil e da cultura brasileira em relação aos países hispano-

americanos contradizem o apoio manifestado aos projetos de integração.

Na prática, não estaria a cultura militar assentada, ainda, em sólidas bases

realistas? Não seria uma cultura conservadora, que enxerga o mundo a partir de sua

perspectiva e da perspectiva das potências hegemônicas?

Por outro lado, se considerarmos que o sujeito pós-moderno é um ser

fragmentado, possuidor de várias identidades definidas historicamente, transitórias,

não unificadas ao redor de um núcleo, devido à multiplicidade de sistemas de

significação e representação cultural com os quais tem contato e pode se identificar,

as atitudes que acabamos de mencionar são justificadas. Ao longo do nosso

trabalho, fizemos referência à influência cultural norte-americana sobre a América

Latina, assim como à comunicação em nível global, facilitada pela tecnologia, que

permite transportar o universal ao local. Pode-se inferir que o cadete, jovem, sofre

influência dessa cultura colonizadora. Nesse sentido, as suas atitudes também são

justificadas. Segundo Hall (2006, p. 13), “a identidade plenamente unificada,

completa, segura e coerente é uma fantasia.” Essa teoria também contribui para

explicar as oscilações verificadas no questionário.

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Com relação às questões linguísticas, a língua espanhola é vista sob uma

perspectiva positiva, como instrumento de comunicação, necessário à profissão, e

como elemento de aproximação e integração. No entanto, o seu conhecimento não

constitui um dos objetivos da vida do cadete.

Partimos da premissa de que não existe uma sensibilidade efetiva por parte

dos cadetes da AFA ao componente linguístico-cultural-identitário compartilhado,

mesmo que este seja fator agregador de poder geopolítico à região. Os resultados

do questionário nos mostraram o contrário, que existe, mas que não está estruturada

em bases sólidas.

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CONCLUSÃO

Tendo como base a premissa da qual partimos, apresentada na introdução, o

propósito desta dissertação foi verificar nos cadetes da Academia da Força Aérea a

existência ou não do sentimento de pertencimento, de identificação com a língua e

cultura dos povos hispânicos da América do Sul, bem como uma sensibilidade

efetiva por parte dos mesmos aos usos da Língua Espanhola no contexto militar

como instrumento de comunicação e como elemento integrador e colaborador para a

construção de uma possível identidade compartilhada Brasil – Nações Sul-

Americanas, principalmente no âmbito da Defesa.

Para elucidar o entrelaçamento entre a defesa, a geopolítica sul-americana, a

identidade cultural e a língua espanhola como fator colaborador à construção da

citada identidade, discorremos sobre as sucessivas quebras de ordenamento no

sistema internacional. Iniciamos pelos Tratados de Paz de Westfália e chegamos à

globalização das relações entre Estados. Demos ênfase especial à geopolítica sul-

americana mostrando os percalços enfrentados pela região desde a chegada do

colonizador, bem como os diversos blocos formados na região na tentativa de

aproximar os países, principalmente no âmbito econômico, para alavancar as suas

economias. Ressaltamos a importância da via cultural como forma de projetar a

região em nível global, e do estabelecimento do diálogo intercultural como

instrumento de aproximação e de criação de uma identidade compartilhada.

Traçamos esse percurso para expor que, atualmente, no âmbito da defesa, as

ações estão direcionadas à cooperação militar e à possível criação de uma

comunidade de segurança na América do Sul. A cooperação implica interação e o

uso de um código linguístico comum, no caso, o espanhol e o português, que além

de instrumento de comunicação podem exercer o papel de elemento de

aproximação entre as respectivas culturas. Visto que a pesquisadora atua como

docente de língua espanhola no contexto pesquisado, a ênfase foi colocada na

língua espanhola.

Nesse ponto, retomamos a premissa de que não existe uma sensibilidade

efetiva por parte dos cadetes da AFA ao componente linguístico-cultural-identitário

compartilhado, mesmo que este possa agregar poder geopolítico à região. Os

resultados, conforme relatamos, mostram o contrário, que existe, mas que não está

estruturada em bases sólidas. Pensamos que faltam maturidade e conhecimento ao

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cadete para tratar de temas relacionados à geopolítica e à integração e cooperação

militar regional,

Uma visão menos realista, voltada à América do Sul, a inserção na grade

curricular do Curso de Formação de Oficiais de uma disciplina da área de Relações

Internacionais proporcionaria ao cadete conhecimentos sobre geopolítica, bem como

palestras periódicas que abordassem o tema da integração e da cooperação militar

na região.

O conhecimento por parte de todos os professores de espanhol de questões

relacionadas à geopolítica sul-americana e à defesa e o tratamento desses temas

em sala de aula também contribuiriam a despertar o interesse do cadete pelo seu

estudo.

No que tange ao ensino das línguas estrangeiras e mais especificamente ao

ensino de espanhol na AFA, julgamos pertinente retomar os seguintes comentários:

que os seres humanos, no caso, os cadetes, são seres complexos devido à

diferença de crenças, percepções, valores, preferências, de maneiras de se

relacionar com o outro, consigo mesmo ou com o seu meio. Além disso,provêm de

contextos diversos para se inserir em um contexto diferenciado com uma cultura

peculiar. No entanto, se considerarmos o atual cenário geopolítico no qual o Brasil

está inserido e se estivéssemos trabalhando com um sistema linear, previsível, as

evidências que mostram a necessidade do conhecimento da língua e da cultura

hispânica no contexto em questão seriam suficientes para que os cadetes se

sensibilizassem um pouco mais à importância de sua aprendizagem.

Embora uma parcela dos cadetes ainda não se identifique com a língua, com

os seus sons, suas estruturas, pela suposta semelhança com o português como

muitas vezes relatado, e não se sinta integrada ao processo de aprendizagem,

pequenas mudanças começam a surgir, observadas em sala de aula, como uma

maior sensibilidade e abertura ao estudo do espanhol, seja por alguma característica

de personalidade, por alguma viagem a algum país hispânico ou por algum estímulo

oferecido pelo professor.

Uma das causas que dificulta um maior envolvimento pode estar relacionada

ao fato de que a aprendizagem ocorre dentro de um contexto institucional, artificial,

onde não se nota uma necessidade comunicativa autêntica, com poucas horas de

aula ao ano, insumo restrito à sala de aula e uma agenda diária lotada que não lhes

permite ampliar de maneira satisfatória o seu conhecimento. A má formação de

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alguns professores, a prioridade dada às atividades militares, a crença de que não é

possível aprender língua estrangeira nesse contexto podem constituir obstáculos

que impedem que uma chama se acenda.

Além dos fatores relacionados ao ambiente, é preciso considerar os fatores

bio-cognitivo-afetivos que também podem interferir na motivação, como os estilos

cognitivos, a personalidade de cada cadete, aliados às particularidades culturais, à

identidade ou identidades de cada um. Mais uma questão deve ser considerada:

cada cadete é mais um elemento dentro de um coletivo ou é um indivíduo

considerado quanto às suas características particulares? Ou ambos? Vale ressaltar

que são seres humanos, portanto, seres complexos inseridos num sistema

complexo, e numa dimensão mais ampla, num mundo complexo.

Refletimos que uma história de aprendizagem positiva, viagens, mas,

sobretudo, uma relação de empatia entre professor e cadete, o empenho do primeiro

em criar um ambiente acolhedor e motivador, através da diversificação do material

didático e das atividades, da abordagem do componente cultural bem como da

realização de um trabalho desde uma perspectiva intercultural, incluindo temas de

geopolítica,contribuirão para sensibilizar o cadete. Afinal, são seres humanos

dotados de vontade, de sensibilidade e, portanto, passíveis à motivação e à

transformação.

Ressalte-se que a ação do professor é significativa, mas este deveria poder

contar com alguma forma de apoio por parte da Academia, como a criação de um

projeto intercultural que envolvesse os cadetes brasileiros e os cadetes estrangeiros,

ou a realização de uma semana cultural, com exibição de filmes, apresentações

artísticas e palestras proferidas por membros dos consulados dos países hispânicos.

Em suma, que se criassem projetos que fomentassem uma maior

aproximação ao universo hispânico, um universo distante sentimentalmente,

conforme já mencionamos, mas, ao mesmo tempo, tão próximo, não apenas em

termos geográficos, mas culturais e históricos também.

Os resultados desta investigação mostram a interdisciplinaridade existente

entre Língua Espanhola, Identidade Cultural, Geopolítica e Defesa. Portanto,

poderão auxiliar os docentes de Língua Espanhola inseridos no contexto militar, a

desenvolverem uma prática mais eficaz e reflexiva, fazendo com que trabalhem em

sala de aula conteúdos que vão além daqueles apresentados pelo livro didático,

como questões relacionadas à integração sul-americana e à defesa da região.

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Com relação às futuras pesquisas relacionados ao tema, sugere-se a

elaboração de uma proposta didática, que tenha como base o eixo temático, para

ser aplicada nas aulas de língua espanhola nos cursos de formação de oficiais das

Forças Armadas, o que constituirá um fator motivador e sensibilizador à

aprendizagem, uma vez que o docente trabalhará, principalmente, com temas

diretamente relacionados aos interesses e necessidades do âmbito militar, tais

como: defesa, geopolítica, história e cultura ibero-americana. O docente poderá,

inclusive, utilizar conteúdos de outras disciplinas. Desse modo, os esforços não

ficarão concentrados apenas no conteúdo lingüístico, ou seja, a língua estrangeira

não será apenas uma ferramenta ou um instrumento de comunicação, mas também

um meio de ampliar a formação do indivíduo.

Somando-se a isso, os resultados obtidos poderão ser utilizados em outros

contextos de ensino e aprendizagem de língua espanhola para sensibilizar docentes

e discentes à importância da aproximação aos povos dos países vizinhos e do

estabelecimento do diálogo intercultural com vistas ao fortalecimento da cidadania e

da identidade sul-americana, o que vem a ser uma justificativa para a inserção deste

idioma na grade curricular das escolas brasileiras.

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APÊNDICES E ANEXOS

APÊNDICE A - CARTA DE INFORMAÇÃO AOS PARTICIPANTES

Caro(a) cadete,

O Sr.(a) está sendo solicitado(a) a responder um questionário que tem por

objetivo coletar dados para a pesquisa sobre a relação entre Defesa, Geopolítica,

Língua Espanhola e Identidade Cultural que integrará a dissertação de Mestrado da

Profª Maria Cláudia Machado, desta Academia, sob a orientação da Profª. Dra.

Maria Célia Barbosa Reis da Silva.

A autenticidade das respostas será de fundamental importância para o

alcance dos objetivos e a confiabilidade dos resultados, visto que o tratamento dos

dados ocorrerá sobre essas respostas.

Os questionários preenchidos serão mantidos sob a guarda do pesquisador e

de seu orientador e manuseados exclusivamente por eles.

Não há necessidade de identificação do participante.

Agradecemos a sua valiosa contribuição.

Rio de Janeiro, Campo dos Afonsos, 06 de outubro de 2015.

Maria Célia Barbosa Reis da Silva - Orientadora

Maria Cláudia de Jesus Machado - Orientanda

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APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO DE PESQUISA

*Obrigatório

Você já esteve em algum(ns) país(es) de língua espanhola? *

Sim

Não

Caso tenha respondido "Sim" na questão anterior, para qual região?

América do Sul

América Central

Europa (Espanha)

Qual o motivo de sua viagem?

Estudo

Passeio

Competição

Outros

Por quanto tempo permaneceu no país?

Menos de 2 semanas

2 semanas a um mês

Mais de um mês

Para cada afirmação,marque o número que indique o seu grau de

concordância na escala de 1 a 5. Quanto mais próximo do 1, menor é o grau de

concordância com a afirmação. Quanto mais próximo do 5, maior é o grau de

concordância. Não há resposta correta ou incorreta.

1 Em desacordo

2 Parcialmente em desacordo (discordo mais do que concordo)

3 Indiferente

4 Parcialmente de acordo (concordo mais do que discordo)

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5 De acordo

As línguas e culturas estrangeiras me atraem.

1 2 3 4 5

Sinto uma grande vontade de conhecer muitos aspectos da língua espanhola e da

cultura hispânica e/ou dos países que falam espanhol.

1 2 3 4 5

Estudar espanhol é importante porque vou precisar dele na minha profissão.

1 2 3 4 5

Preferiria passar mais tempo nas aulas de espanhol do que nas outras aulas.

1 2 3 4 5

Tenho uma imagem positiva dos países onde o espanhol é falado, bem como dos

povos hispânicos.

1 2 3 4 5

Saber espanhol é um dos objetivos na minha vida.

1 2 3 4 5

Sinto que o meu país e a minha cultura são um pouco melhores que os países

hispano-americanos e suas culturas.

1 2 3 4 5

Os projetos políticos conjuntos como a UNASUL, que surgem com o objetivo de

promover a integração da região, constituem um apoio para o fortalecimento de uma

identidade sul-americana.

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1 2 3 4 5

As potências dominantes exercem influência cultural sobre o Brasil e demais países

sul-americanos, dificultando a formação de uma identidade regional.

1 2 3 4 5

Se eu me comunicar em espanhol com falantes nativos vou ser mais valorizado e

respeitado.

1 2 3 4 5

Há um traço de latinidade que une brasileiros e hispano-americanos em termos

linguísticos e culturais, sendo este fator importante para a constituição de uma

identidade regional.

1 2 3 4 5

Sinto que o Brasil tem pouco em comum com os países hispano-americanos.

1 2 3 4 5

Tenho orgulho de ser sul-americano.

1 2 3 4 5

A questão da defesa nacional vai além das fronteiras brasileiras e alcança os demais

países da América do Sul.

1 2 3 4 5

Se falamos em integração sul-americana, temos que falar no uso de uma língua ou

línguas comuns – no caso, o espanhol e/ou o português.

1 2 3 4 5

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Se um cadete ou oficial brasileiro viaja a um país hispano-americano ou se um

cadete ou oficial hispano-americano vem ao Brasil e se comunicam em inglês em

vez de português ou espanhol, tal fato mostra falta de sensibilidade linguística de

ambas as partes.

1 2 3 4 5

É importante que haja mais intercâmbio linguístico e cultural entre o Brasil e demais

países sul-americanos.

1 2 3 4 5

Há pouca conexão entre línguas e culturas estrangeiras, geopolítica e defesa.

1 2 3 4 5

É melhor para o Brasil se alinhar a uma grande potência que aos países da América

do Sul.

1 2 3 4 5

O Conselho de Defesa Sul-Americano, um dos conselhos que compõem a UNASUL,

bem como a Diretriz 18 da Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de

Defesa Nacional, que colocam a importância do estímulo à integração e à

cooperação militar na América do Sul, constituem um passo importante para o

avanço do pensamento em defesa na região, uma vez que os países sul-americanos

precisam uns dos outros para se defenderem de ameaças internas e externas.

1 2 3 4 5

A língua, além de instrumento de comunicação para transmitir significados, tem

também uma função integradora e agregadora de poder a uma nação ou região e,

por conseguinte, de formação de uma identidade. Considerando a América do Sul, a

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língua espanhola pode ser vista como um meio comum de comunicação, bem como

de aproximação e integração de todos os países sul-americanos.

1 2 3 4 5

Tenho conhecimento sobre as operações militares conjuntas e a troca de

experiências entre a Força Aérea Brasileira e as Forças Aéreas dos países sul-

americanos.

1 2 3 4 5

Acrescente comentários se desejar.

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ANEXO A – ESPANHOL PARA TODOS E JÁ

Como não sou cristão, não temo ser castigado pelo pecado da vaidade, é bom logo avisar. É que estive há pouco tempo na Colômbia e no México, a trabalho, e pude me envaidecer, sim, com os diversos elogios que recebi pela qualidade do espanhol que usava para interagir com as pessoas, fosse no âmbito acadêmico, na rua, nas lojas etc. Ao mesmo tempo, me deixava (e sempre me deixa) espantado a total falta de sensibilidade lingüística dos nossos conterrâneos quando estão em terras hispanofalantes. Uma brasileira, na recepção do hotel em Bogotá, repetia insistentemente para o atendente que o número de seu quarto era “dois meia meia”, sem se dar conta que “meia” como equivalente de 6 só se usa em português. Outro colega perguntava se era possível localizar o professor “Jamón”, e só pôde receber a resposta de que no hotel não estava hospedado nenhum professor “Presunto” (jamón em espanhol), já que o nome próprio é “Ramón”, com um R- muito vibrado, que os brasileiros, por injustificada vergonha, se recusam a produzir. Mas o ápice do espanto foi ver brasileiros falando em inglês com colombianos nas lojas e nos museus.

Durante mais de mil anos de sua história, Portugal sempre se viu ameaçado pela vizinha Espanha, maior e mais poderosa. Uma das maneiras que os portugueses encontraram de reforçar sua autonomia foi o isolamento lingüístico, a recusa de qualquer ação que representasse uma aproximação com o espanhol. Por isso, na grafia, adotaram o LH e o NH do provençal e não o Ñ e o LL do espanhol. Enquanto os espanhóis sempre adotaram uma política de adaptação ou criação de termos próprios em sua língua, os portugueses se vincularam umbilicalmente à França durante séculos, importando centenas de palavras e até construções sintáticas do francês, para não falar de nomes próprios como Alexandre (que deveria ser Alexandro, pois é com O que terminam os nomes masculinos em português).

Assim, a língua espanhola sempre foi desprezada nos nossos sistemas educacionais. Primeiro foi o domínio quase exclusivo do francês. Em seguida, e até hoje, a transformação do inglês em sonho de consumo. Só muito recentemente é que o espanhol se tornou matéria presente nas escolas. Agora, temos que correr para recuperar séculos de atraso. Na minha opinião, todo brasileiro razoavelmente letrado deveria ser de um bilinguismo fluente em português e em espanhol, para que a integração latino-americana se realizasse. Quando estou em algum país da América Latina e ligo a televisão, fico sabendo de coisas que acontecem no México, na Guatemala, no Chile, na Venezuela, na República Dominicana e por aí vai. Os quase vinte países dé língua espanhola do continente, apesar das muitas divergências, se reconhecem numa comunidade maior, graças à língua. Só poderemos realmente nos reconhecer como latino-americanos quando abandonarmos certos preconceitos (como o de considerar o espanhol “cafona” ou “ridículo”) e nos esforçarmos com vigor para falar e entender o muito que nossos vizinhos têm a nos dizer.

Marcos bagno é linguista, escritor e professor da UNB.