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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM POLÍTICAS SOCIAIS TERRITORIALIDADE E A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NA CIDADE DE PIEDADE SP; CONEXÕES E RUPTURAS ENTRE FAMÍLIA E TERRITÓRIO LUCIANA HELENA MARIANO LOPES Orientadora: Profa. Dra. Dirce Harue Ueno Koga Dissertação apresentada ao Mestrado em Políticas Sociais, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Políticas Sociais. SÃO PAULO 2014

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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM POLÍTICAS SOCIAIS

TERRITORIALIDADE E A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA

SOCIAL NA CIDADE DE PIEDADE – SP; CONEXÕES E

RUPTURAS ENTRE FAMÍLIA E TERRITÓRIO

LUCIANA HELENA MARIANO LOPES

Orientadora: Profa. Dra. Dirce Harue Ueno Koga

Dissertação apresentada ao Mestrado em Políticas Sociais, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Políticas Sociais.

SÃO PAULO

2014

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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA

FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA

UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

L856t

Lopes, Luciana Helena Mariano Territorialidade e a política de assistência social na cidade de

Piedade – SP; conexões e rupturas entre família e território / Luciana Helena Mariano Lopes -- São Paulo; SP: [s.n], 2014.

138 p. : il. ; 30 cm. Orientadora: Dirce Harue Ueno Koga Dissertação (mestrado) - Programa de Pós-Graduação em

Políticas Sociais, Universidade Cruzeiro do Sul. 1. Assistência social 2. Territorialidade 3. Políticas sociais -

Piedade (São Paulo – SP) 4. Família I. Koga, Dirce Harue Ueno. II. Universidade Cruzeiro do Sul. Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais. III. Título.

CDU: 36(043.3)

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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

TERRITORIALIDADE E A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA

SOCIAL NA CIDADE DE PIEDADE – SP; CONEXÕES E

RUPTURAS ENTRE FAMÍLIA E TERRITÓRIO

Luciana Helena Mariano Lopes

Dissertação de mestrado defendida e aprovada

pela Banca Examinadora em 14/08/2014.

BANCA EXAMINADORA:

Profa. Dra. Dirce Harue Ueno Koga

Universidade Cruzeiro do Sul

Presidente

Profa. Dra. Dalva Azevedo de Gois

Universidade Cruzeiro do Sul

Profa. Dra. Carola Carbajal Arregui

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

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Aos meus, pela cumplicidade, pelas desventuras de viver em família,

pelo apoio, pelo amor e pelo carinho...

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AGRADECIMENTOS

“Viver é traçar um ponto na linha do tempo, fazendo curvas dia a dia,

seguindo a trajetória do vento. Pontuando todo momento. Viver é olhar para o futuro,

contemplando o caminho presente, é seguir mesmo no escuro,

prosseguindo sempre em frente. Viver é acordar cada dia e contemplar imagens,

ver as cores dos jardins, é sentir o cheiro de um jasmim,

aprender com as paisagens, colhendo suas mensagens.

Viver é agradecer todos os dias Dias, meses e anos,

é ter saúde, paz, harmonia, força, vigor ou ânimo.

colhendo suas mensagens. Viver é agradecer todos os dias...

Dias, meses e anos, é ter saúde, paz , harmonia,

força, vigor ou ânimo.”

Rinaldo Pedro

É por viver, por saber viver, pela vida diária e pelas trajetórias que venho

agradecer.

Neste percurso, neste caminho, nestes territórios percorridos, na vida

cotidiana e na vida acadêmica, tenho muito a que agradecer...

Agradeço a Deus, pelo dom da vida, por sua infinita misericórdia, pela sua

graça, pela renovação diária, pelo auxilio e pela perseverança.

Aos meus pais, Airton e Neuci, pela vida, pelo amor e pelo carinho transmitido

a cada dia, a cada palavra, pelos ensinamentos quanto à vida, pela força, pelo

otimismo e pelas palavras de conforto, pelas lembranças e pela participação neste

momento tão especial.

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As minhas irmãs Mara e Rafaela, pelo sentido de pertencer, pelo auxílio, pela

compreensão e pela interpretação mesmo no alheamento, pela cumplicidade e pela

escuta nos momentos difíceis.

Aos meus lindos sobrinhos, Sarah, Leonardo e Thiago, os quais tanto amo e

que souberam compreender a dedicação, a ausência em alguns momentos. Amo

muito vocês.

Aos amigos, de ontem e hoje. Às amigas Camila e Cleide, grandes amigas,

amigas de muitas horas e de muitos anos e processos, que em todos estes

percursos me proporcionaram apoio, carinho e compreensão.

Ao amigo Edson Batista, pelo apoio, pela paciência, pelo carinho, pela

compreensão, pela grande participação neste trajeto, pela troca diária, pelas

“filosofias” na hora do cafezinho e pelo auxílio grandioso nesta construção.

À amiga Silvia, companheira, que muito me acolheu, pela amizade, pelo

carinho, pela contribuição e pela paciência histórica em meio a tantas loucuras do

cotidiano institucional e profissional.

Aos amigos da Diretoria de Ação Social, Cidadania e Habitação do município

de Piedade e da Prefeitura de Piedade, Sandrinha, Paulinha, Sr. Cristóvio, Renildo,

Regina, Iraci. Obrigada pela amizade, pela contribuição diária, por me auxiliarem a

amadurecer o tema, pela acolhida e pelas oportunidades diárias.

A colega de profissão Maria Cristina Ponce, pelo carinho da acolhida inicial,

pelo conhecimento, pela experiência compartilhada, pelo auxílio e pelo

companheirismo.

À colega de profissão e amiga Simone Alves Nabarrete, pela força diária, por

trazer e renovar as premissas pelas quais tanto lutamos e nas quais tanto

acreditamos, por acreditar e suscitar mudanças necessárias. Obrigada Si, pela força

e por impulsionar a finalização deste sonho...

Agradeço à família Sampaio pelo carinho nas palavras, pelo brilho nos olhos

verificado em cada encontro, por mostrarem que o conhecimento se constrói assim,

de memórias faladas e vividas. Agradeço imensamente esta família. Mais que

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sujeitos desta pesquisa, foram amigos e amáveis em me acolher, abrindo suas vidas

e histórias a fim de contribuir com minha pesquisa.

Agradeço ao historiador Rodrigo Ayres de Araújo, pela contribuição valiosa,

por partilhar suas histórias, seus ensaios sobre o povo que tanto ama.

Agradeço imensamente aos meus queridos alunos da Universidade Paulista –

UNIP – Sorocaba. A todos, sem exceção, pelas reflexões diárias nas aulas, pelo

apoio e pelo carinho.

Agradeço à minha orientadora, professora Dra. Dirce Koga, a qual admiro

imensamente e que, pela paixão e inspiração, arrebatou-me para o “território de

vivência”, conduzindo-me e guiando-me de maneira tão especial e única. Com seu

sorriso sincero, fez com que, a cada troca, a cada orientação, eu me apaixonasse

mais pelo tema. Fez-me transpirar e inspirar. Obrigada, professora, pela forma tão

carinhosa que conduziu este processo e participou dele, orientando, auxiliando,

suscitando ainda mais a crítica, partilhando de seu conhecimento e experiência para

esta composição.

Agradeço as professoras Dra. Carola Carbajal Arregui e Dra. Dalva Azevedo

de Gois, integrantes da banca examinadora, pelas contribuições, pelo carinho na

condução as quais me fez admirar ainda mais.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES,

agradeço o apoio financeiro.

Agradeço a todos meus companheiros do Mestrado em Políticas Sociais. Aos

professores, agradeço pelo conhecimento adquirido, pelas reflexões e conduções.

Aos colegas de turma, agradeço pelas horas que pude passar em companhia, pela

partilha, pelo auxílio nas inquietações e dúvidas, pelas sugestões, pelo carinho.

Obrigada pela força compartilhada a cada dia e que me fez continuar...

Muito obrigada!

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“O saber deve ser como um rio, cujas águas doces, grossas, copiosas,

transbordem do indivíduo, e se espraiem, estancando a sede dos outros.

Sem um fim social, o saber será a maior das futilidades.”

Gilberto de Mello Freyre

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LOPES, L. H. M. Territorialidade e a política de assistência social na cidade de Piedade – SP; conexões e rupturas entre família e território. 2014. 138 f. Dissertação (Mestrado em Políticas Sociais)-Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2014.

RESUMO

O presente estudo visa compreender e analisar o imbricamento das questões família

e território na conformação da cidade de Piedade e os desafios colocados para a

gestão da política de assistência social. O território e a família apresentam-se como

categorias fundamentais na operacionalização da política de assistência social,

principalmente em âmbito municipal, pois elegem em sua efetivação territórios com

famílias em situação de vulnerabilidade social e que devem ser foco de recursos e

ações diferenciadas e territorializadas. Sob essa perspectiva, a partir dessas

categorias, procurou-se discorrer sobre a conceituação, como também sobre a

gestão da assistência social na cidade de Piedade, foco dessa pesquisa. Elegeu-se

a pesquisa qualitativa realizada por meio da coleta de depoimentos de sujeitos que

têm sua trajetória marcada pela vivência territorial e familiar. Espera-se, com este

estudo, contribuir para análise e debate da temática, especialmente no que se refere

ao imbricamento das categorias território e família na gestão de políticas sociais.

Palavras-chave: Territorialidade, Política de assistência social, Território, Família,

Cidadania.

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LOPES, L. H. M. Territoriality policy and welfare in the city of Piedade – SP; connections and ruptures between family and territory. 2014. 138 f. Dissertação (Mestrado em Políticas Sociais)-Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2014.

ABSTRACT

The present study aims to understand and analyze the overlapping issues of family

and territory in the conformation of the town of Piedade and the challenges for the

management of social welfare policy. The territory and the family are presented as

fundamental categories in the operationalization of Social Welfare Policy, especially

at the municipal level, as elect in their territories effectiveness with families facing

social vulnerability and that should be the focus of resources and differentiated

actions and territorialized. From this perspective, based on these categories, also

sought to discuss its concept, as the management of social assistance in the town

that is the focus of this research. Qualitative research was made after collecting

testimonials from individuals who have a history marked by territorial and family

experiences. It is hoped that this study contribute to analysis and discuss the subject,

especially with regard to the overlapping categories of family planning and the

management of social policies.

Keywords: Territoriality, Social welfare policy, Territory, Family, Citizenship.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Formação Populacional em 1908 a 1980 ................................... 70

Figura 2 Taxa de crescimento populacional anual .................................. 71

Figura 3 Participação dos setores no PIB da cidade em 2010 ............... 73

Figura 4 Níveis de vulnerabilidade social ................................................ 75

Figura 5 Valores da Pactuação PAIF 2010-2013 ...................................... 88

Figura 6 Visão Panorâmica de Piedade .................................................... 97

Figura 7 Mapa do Ciclo do Tropeirismo ................................................... 99

Figura 8 Represa de Itupararanga – Bairro do Piratuba ....................... 105

Figura 9 Creche Recanto Vovó Xanda .................................................... 108

Figura 10 Dona Virgilia e Senhor José Nicolau Sampaio ....................... 116

Figura 11 Dona Nadir de Camargo, filha de Lazara, Dona Lazinha e

Senhor José Nicolau Sampaio. ................................................ 117

Figura 12 José Nicolau Sampaio .............................................................. 118

Figura 13 Bairro do Piratuba Sampaio – “o Bairrinho” ........................... 119

Figura 14 Piratuba Sampaio ...................................................................... 125

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LISTA DE MAPAS

Mapa 1 Cidade de Piedade e região ........................................................ 69

Mapa 2 IPVS de Piedade - 2010 ............................................................... 75

Mapa 3 Bairro do Piratuba ..................................................................... 102

Mapa 4 Localização da Rede Socioassistencial da cidade de Piedade ...

.................................................................................................... 110

Mapa 5 Vulnerabilidade social no Piratuba Sampaio .......................... 113

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 População total dividida por gênero, população urbana e rural.

...................................................................................................... 72

Tabela 2 Distribuição das principais culturas agrícolas ......................... 74

Tabela 3 Indicadores Habitacionais .......................................................... 77

Tabela 4 Índice de Desenvolvimento Humano em Piedade .................... 77

Tabela 5 Renda, Pobreza e Desigualdade Social em Piedade. ............... 79

Tabela 6 Vulnerabilidade Social em Piedade ........................................... 79

Tabela 7 Distribuição da população em extrema pobreza por faixa etária

Piedade......................................................................................... 80

Tabela 8 Renda por Situação de Pobreza ................................................. 81

Tabela 9 Transferência de Renda .............................................................. 85

Tabela 10 Características do Setor Censitário do Piratuba .................... 109

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................... 14

1 O TERRITÓRIO E A ASSISTÊNCIA SOCIAL: ENTRE MARCOS

LEGAIS E VIVÊNCIAS ........................................................................ 22

1.1 Percursos e Percalços da Política de Assistência Social: Entre o

Território Administrativo e o Território de Vivência ....................... 23

1.2 Percursos Conceituais sobre o Território ....................................... 44

1.3 A Família na Política de Assistência Social: Desconexão do

Território ............................................................................................. 54

2 O TERRITÓRIO DE PIEDADE E GESTÃO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

.................................................................................................................

............................................................................................................. 61

2.2 Os Territórios de Piedade na Contemporaneidade ........................ 69

2.3 Gestão Municipal da Assistência Social em Piedade ..................... 82

3 CONEXÕES ENTRE TERRITÓRIO E FAMÍLIA EM PIEDADE:

TRAJETÓRIAS E RETORNOS ........................................................... 90

3.1 Percursos e Percalços: Retorno à Metodologia da Pesquisa ....... 90

3.2 Marcas e Marcos: Conexões entre Histórias e Formações

Territoriais .......................................................................................... 97

3.3 O Bairro do Piratuba ........................................................................ 102

3.4 O Bairro do Piratuba Sampaio e a Família Sampaio: Conexão entre

Marcos e Marcos.............................................................................. 114

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 130

REFERÊNCIAS ................................................................................. 135

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INTRODUÇÃO

“Há hora de somar E hora de dividir.

Há tempo de esperar E tempo de decidir. Tempos de resistir.

Tempos de explodir. Tempo de criar asas, romper as cascas

Porque é tempo de partir. Partir partido, Parir futuros,

Partilhar amanheceres.

Porque são tempos de decidir, Dissidiar, dissuadir,

Tempos de dizer Que não são tempos de esperar

Tempos de dizer.”

Mauro Luís Iasi

É tempo de somar, tempo de dividir, tempos de resistência, de criar as asas e

sobrevoar espaços, de explorar e explodir, eclodir em frases e parágrafos

conhecimentos e pensamentos...

É hora, agora é hora de partilhar.

Os movimentos e caminhos desta pesquisa começaram num trajeto anterior

aos balizamentos acadêmicos, que fizeram minhas reflexões criarem corpo. Foram

tempos de projetar e reprojetar, de criar objetivos, de tecer esta dissertação.

Foi um retornar e também um avançar nas questões já percorridas desde a

escolha da profissão e, depois, nas trajetórias acadêmicas, na vida cotidiana, na

qual família e território também se entrecruzavam nos meus caminhos.

Território e famílias se entrecruzavam neste momento, presentes no cotidiano

da atuação profissional, nas expressões de luta e resistência da formação deste

território.

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A escolha de trabalhar com família em seu território de vivência se iniciava ali,

à medida que se iniciavam também as inquietações e percepções das conexões e

entraves junto às políticas sociais.

Esta pesquisa, assim dizendo, demarca o encontro de múltiplas aspirações,

inspirações e respirações da ação enquanto profissional de serviço social, que foi

amadurecendo e tecendo suas estruturas.

O interesse do pesquisador pelo território da cidade de Piedade partia das

perambulações pelos territórios de abrangência e de referência do Centro de

Referencia de Assistência Social – CRAS Pietá.

Nestas idas e vindas, as particularidades e peculiaridades do território rural

foram se evidenciando, conformando-se e confrontando-se com a política social,

pelos desvios de rotas que estas imprimiam na prática, as quais aguçavam mais o

interesse do pesquisador.

E foi assim que surgiu o interesse em estudar os imbricamentos entre as

categorias fundamentais da Política de Assistência Social – PNAS: família e

território.

O território escolhido foi a cidade de Piedade, situada no interior de São

Paulo, próxima à Sorocaba, distante 131 km da capital paulista, com uma população

total residente de 52.214 habitantes (Censo 2010 – IBGE).

A singularidade de Piedade está no fato de ser uma cidade de perfil

predominantemente rural, onde a configuração territorial é formada por bairros, cujas

nomenclaturas fazem referência às suas famílias fundadoras: Buenos, Leites,

Furtados, Limas, Goes, Telheiros e, em especial, Sampaio.

Partindo-se do fato de que a centralidade da Política Nacional de Assistência

Social - PNAS desde 2004 assenta-se sobre as categorias “família e território”, a

cidade de Piedade se apresenta como um desafio interessante no sentido de

compreender até onde sua configuração socioterritorial, baseada no imbricamento

entre essas duas categorias, impacta o cotidiano da gestão da assistência social.

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Neste prisma, é justamente neste contexto que o serviço social tem sua

intervenção, no refletir e interligar a cidade e seus territórios, famílias e territórios,

como modos de vivência prática.

A escolha do território de Piedade não fora, portanto, uma escolha aleatória,

fora fruto do amadurecimento das “ideias foras do lugar e o cotidiano fora da política”

(tomando emprestado o título de trabalho de livre docência da Profa. Ermínia

Maricato) 1, fora de seu atrelamento à metodologia de história oral, na pesquisa

qualitativa.

Foi nesse percurso, nesses pontos de encontro e reencontro, que o lugar foi

tomando sentido e a escolha de pesquisar um território familiar e tradicional

trouxeram os fios condutores e condensadores das categorias família e território.

Neste desabrochar, no colocar das ideias dentro da política, família e território

se apresentam como categorias chave, merecendo atenção especial e necessária

conexão na gestão da assistência social.

A PNAS elege como matrizes de interpretação do contexto social três

categorias: o território, a unidade sociofamiliar e a dinâmica social das populações

numa perspectiva socioterritorial.

A família parece ter sido (re) descoberta como a “instituição” capaz de

centralizar as possibilidades de superação das condições de exclusão e de

vulnerabilidade social. Nessa direção, a centralidade sociofamiliar juntamente com a

territorialização pauta a PNAS/2004.

No âmbito da PNAS, a família é entendida como o lugar de pertencimento,

relacionada com a identidade dos indivíduos, como um conjunto de pessoas unidas

1 Para a autora, as ideias fora do lugar referem-se ao deslocamente entre as matrizes que

fundamentaram o planejamento e a legislação urbana no Brasil, em contrapartida à realidade socioambiental da cidade, em especial do crescimento da ocupação ilegal e das favelas. O planejamento urbano não se compromete com a realidade concreta, mas com uma ordem que diz respeito a uma parte da cidade apenas. Há, portanto, uma lógica perversa de formação, que não leva em consideração o ser humano, mas sim os equipamentos urbanos, remetendo-se à cidade como legal, regulamentada por seus aparelhos, e ilegal, fora das ideias, sem planos e ordem, fazendo valer apenas a legalidade em detrimento das pessoas. As ideias fora do lugar, portanto, se referem à ordem aplicada a todos os indivíduos, de acordo com a racionalidade burguesa. Já as ideias no lugar se aplicam a uma parcela da sociedade, reafirmando desigualdades e privilégios. Para a cidade ilegal, não há planos, nem ordem, nem acesso, nem política. (MARICATO, 2011)

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por laços de consanguinidade, de afetividade ou de solidariedade. Por ser o primeiro

núcleo de apoio, a convivência familiar é entendida como um direito.

O território é evidenciado no eixo estruturante juntamente com a

descentralização politico-administrativa, como territorialização a qual representa uma

nova lógica de organização da política de assistência social nos diferentes territórios.

Assim, o território é a base da organização do Sistema Único de Assistência Social -

SUAS, em seus múltiplos espaços urbanos e rurais, e que vem a expressar

diferentes demandas e configurações sociais das populações que deles se utilizam.

Neste trabalho, partindo de um ponto central - a cidade de Piedade, localizada

no interior do Estado de São Paulo - de uma referência - o CRAS Pietá - e de um

ponto cardeal - o Bairro do Piratuba Sampaio - tecem-se fios condutores que

entrelaçam as categorias família e território.

As particularidades do centro (cidade de Piedade) se apresentam pela sua

formação e conformação territorial alicerçadas por um processo histórico de

composição familiar. A referência é identificada (CRAS Pietá) por representar um

ponto de partida, via inserção profissional, pelo fato de sua área de abrangência ser

composta, em sua maioria, por território rural e, pela economia caracterizar-se pela

vulnerabilidade. E, finalmente, o ponto cardeal (Bairro do Piratuba Sampaio), pelo

seu evidente imbricamento entre família e território e, ao mesmo tempo, seu

descompasso em relação à gestão de assistência social.

Neste encontro e tessitura, determinou-se, portanto, o território do Bairro

Piratuba Sampaio como espaço deste imbricamento, pela formação

majoritariamente familiar e por trazer à tona esse processo e esse descompasso.

Através deste processo e das movimentações, permeados de objetivações e

intenções, reconhecemos como sujeitos da pesquisa três moradores do bairro, três

sujeitos com sua vida cotidiana marcada pelas lutas diárias, pela sobrevivência no

espaço, pela sociabilidade e pela vulnerabilidade. Três sujeitos com trajetórias

traçadas a partir da família Sampaio em seus encontros e desencontros pelos

territórios, especialmente no território Pirituba, que, não sem motivos, passa a ser

reconhecido como “Piratuba Sampaio”.

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O território, como chão dos que vivem e chão da política, apresentou-se como

espaço de luta e de vivência, de situações adversas e de vulnerabilidade social

desses sujeitos. Segundo Koga (2008, p. 46), ao se tratar das vulnerabilidades

sociais, das respostas quanto à proteção social, faz-se importante considerar o chão

concreto onde elas ocorrem, colocando em evidência a escala do cotidiano pelos

sujeitos que as vivenciam.

A partir daí, pode-se pensar a questão do território, do pertencimento, (re)

pensado a partir do acompanhamento sociofamiliar e das histórias de vida destes

sujeitos, pois, ainda segundo Koga (Op. cit, p. 47), suas características estão

associadas às características dos lugares onde se encontram e esta vinculação vem

a definir os territórios e suas vulnerabilidades.

Diante deste cenário, algumas questões se apresentaram: qual a relação

dessas famílias com o território que vivem? Qual o reconhecimento ou não da

presença do Estado sob o olhar das famílias que se inserem junto a esses

territórios? Como a relação território-família se dá em Piedade, considerando as

particularidades e singularidades de formação dos bairros dessa cidade? Como essa

relação território-família incide no processo de gestão da política de assistência

social na perspectiva da garantia de proteção social das famílias no território?

Assim, com todas estas inquietações, começamos nosso percurso...

Esta dissertação tem por objetivo compreender e analisar o imbricamento das

questões família e território na conformação da cidade de Piedade e os desafios

colocados para a gestão da política de assistência social.

Ainda objetivou-se, especificamente, nesta pesquisa:

Conhecer o histórico de formação dos territórios e das famílias de Piedade;

Reconhecer o histórico de formação dos territórios de Piedade a partir das histórias

das famílias;

Compreender os processos de formação territorial a partir das particularidades das

formações dos bairros familiares e das famílias;

Identificar as concepções de território e de família a partir da análise das legislações

que regem a assistência social no Brasil;

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Identificar os diferentes perfis da população de Piedade a partir da análise dos

dados do Censo IBGE 2010, PNUD (Atlas do Desenvolvimento Humano 2010),

Fundação SEADE (Índice Paulista de Vulnerabilidade Social 2013) e Sistema de

Informações do MDS (Data Social 2.0) em relação ao perfil familiar, ocupacional,

situação de vulnerabilidade social e a gestão da assistência social na cidade de

Piedade.

Este trabalho de investigação foi desenvolvido a partir de uma pesquisa

documental e bibliográfica, levantando aspectos teóricos e metodológicos dos

temas: política social, assistência social, família e território, ainda de modo

exploratório.

A fim de assegurar a coerência e atualização a respeito deste tema, recorri à

produção teórica de autores reconhecidos por suas experiências e produções sobre

a temática tais como Dirce Koga (2004, 2008, 2011), Rodrigo Aparecido Diniz

(2012), Aldaíza Sposati (2008, 2013), Milton Santos (1978, 1982, 1988, 1997, 2003,

2004, 2006), Marcos Aurélio Saquet (2013), Vera Telles (2006).

Utilizamos a pesquisa qualitativa como método mais eficaz no alcance de

nossas proposituras, visto que o território de abrangência do CRAS/Pietá é

composto por cerca de 40 (quarenta) bairros referenciados, a partir dos quais foi

escolhida uma família apenas, de um bairro mais tradicional e de formação territorial

familiar.

Quanto à pesquisa qualitativa, segundo Minayo (1994, p. 21,22)

(...) preocupa-se com um nível de realidade que não pode ser quantificado, trabalhando dentro de um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, correspondendo a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

E nos termos de Martinelli (1999, p. 21):

(...) tem por objetivo trazer à tona o que os participantes pensam a respeito do que está sendo pesquisado, não só a minha visão de pesquisador em relação ao problema, mas é também o que o sujeito tem a me dizer a respeito.

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Para isso, foram coletados depoimentos desses sujeitos, visto que o uso da

história oral traz a presença do passado no presente, garantindo o sentido social à

vida, ganhando alcance mediante o grupo do qual faz parte, explicitando seu

contexto e modos de vida (MEIHY, 2005).

Neste reconhecimento, realizamos algumas aproximações necessárias, as

quais teceram e corporificaram os capítulos desta dissertação.

No primeiro capítulo, intitulado “O Território e a Assistência Social: entre

marcos legais e vivências”, buscamos traçar a questão dos percursos galgados pela

Política de Assistência Social no Brasil após a Constituição Federal de 1988 e

retornar a ela para analisar seu desenvolvimento e seus avanços.

Nesta seção, ainda buscamos evidenciar, a partir da PNAS 2004 e de suas

categorias chave - família e território -, questões inerentes ao território e suas

diferenciações enquanto uma categoria administrativa e uma categoria vivida. Nesse

percurso, traçamos ainda algumas referências conceituais em torno do território e da

territorialidade, como também em relação à família na política de assistência social,

buscando situar suas conexões e desconexões com o próprio território.

O segundo capítulo, intitulado “O território de Piedade e a gestão da

assistência social”, versará sobre a formação sócio histórica da cidade de Piedade e

sobre a construção de seus territórios sob a visão contemporânea.

Traremos aqui nessa seção as particularidades e singularidades do território

de Piedade sob uma visão administrativa e social, atrelada ao caráter eleito pela

gestão municipal da assistência social e, ao mesmo tempo, estabeleceremos a

analise entre os dados dos aparatos oficiais, a fim de sinalizar a questão do

imbricamento e das desconexões entre as categorias fundantes: família e território.

No terceiro e último capítulo, intitulado “Conexões entre território e família em

Piedade: trajetórias e retornos”, tecemos os processos de retorno, os caminhos e as

trajetórias da pesquisa, galgados pelos sujeitos em seu espaço comum,

evidenciando nossa opção pela pesquisa qualitativa e pela coleta de depoimentos

na construção de história oral. Temos aqui a evocação da memória como recurso de

reconstrução da busca pelas razões e escolhas dos sujeitos desta pesquisa, a partir

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da vida vivida nesse molde e nesse território, das maneiras de sociabilidade e de

sobrevivência.

Desta maneira, caminhamos para uma breve caracterização do território do

bairro do Piratuba e do Piratuba Sampaio, trazendo suas histórias, marcos e marcas,

os quais justificam suas escolhas. Ainda nesta sistematização, vieram à tona as

histórias dos sujeitos desta pesquisa, a fim de justificar o imbricamento entre as

categorias território e família.

A fim de finalizarmos, analisamos as descobertas feitas durante esta

pesquisa, construindo, estabelecendo e imbricando as categorias território e família,

em suas conexões e desconexões nas respostas da gestão municipal da assistência

social. Tais resultados sinalizaram os descompassos entre gestão e sujeitos.

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1 - O TERRITÓRIO E A ASSISTÊNCIA SOCIAL: ENTRE MARCOS

LEGAIS E VIVÊNCIAS

O território representa muito mais do que o espaço geográfico. Assim, o município pode ser considerado um território, mas com múltiplos espaços intraurbanos que expressam diferentes arranjos e configurações socioterritoriais.

Os territórios são espaços de vida, de relações, de trocas, de construção e desconstrução de vínculos cotidianos, de disputas, contradições e conflitos, de expectativas e de sonhos, que revelam os significados atribuídos pelos diferentes sujeitos. (BRASIL, 2008, p. 54).

Para o entendimento da política brasileira de assistência social na

contemporaneidade, faz-se necessário contextualizar o conjunto das expressões das

desigualdades da sociedade capitalista e suas particularidades na realidade

brasileira, nas relações sociais envolvendo as famílias e os territórios, que se

configuram no texto da Política Nacional de Assistência Social como dois pilares.

Nessa perspectiva, interessa perceber até onde tem sido possível estabelecer

uma articulação entre as diretrizes propostas nos marcos regulatórios da política de

assistência nos últimos anos e as práticas cotidianas de gestão, especialmente em

contextos de cidades de pequeno e médio porte, que conformam a grande maioria

das cidades brasileiras (95%) e do estado de São Paulo (quase 90%).

O presente estudo traz como contexto de análise a cidade de Piedade,

situada no interior de São Paulo, próxima à Sorocaba, distante 131 km da capital

paulista, com uma população total residente de 52.214 habitantes (Censo 2010 –

IBGE). A singularidade de Piedade está no fato de ser uma cidade de perfil

predominantemente rural, onde a configuração territorial é formada por bairros, cujas

nomenclaturas fazem referência às famílias fundadoras dos mesmos: Buenos,

Leites, Furtados, Limas, Goes, Telheiros.

Partindo do fato de que a centralidade da Política Nacional de Assistência

Social desde 2004 assenta-se sobre as categorias “família e território”, a cidade de

Piedade se apresenta como um desafio interessante no sentido de compreender até

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que ponto sua configuração socioterritorial - baseada no imbricamento dessas duas

categorias - impacta o cotidiano da gestão da assistência social.

Para iniciar esse diálogo, este capítulo se propõe a compreender como a

política de assistência social tem se aproximado da perspectiva socioterritorial,

entendendo que família e território se configuram como categorias autônomas,

porém, na dinâmica do cotidiano vivenciado nas cidades, conformam-se em um

único processo, que aqui será referenciado como socioterritorial.

1.1 Percursos e Percalços da Política de Assistência Social: Entre o Território

Administrativo e o Território de Vivência

Pensando na questão do território e suas interlocuções político-

administrativas, no Brasil, a assistência social no período anterior à Constituição de

1988 não era considerada sob a ótica universalizante, como um direito do cidadão e

um dever do Estado. As particularidades dos indivíduos não eram incorporadas a

seus espaços.

A assistência social, presente desde o Brasil colonial, era atrelada à obra

caritativa, meritocrática, de troca de favores e logo se transformou em um novo

modo de operar a política de tutelamento dos mais pobres. Nesse processo,

consolidou-se como um dever moral de ajuda aos necessitados, pobres, excluídos,

despossuídos, abandonados, conformando os campos de ação da benemerência e

da filantropia que, por sua vez, direcionam o protagonismo da função exercida pela

primeira dama, no estabelecimento de ações caritativas e das multifacetadas ações

de solidariedade presentes até hoje na sociedade brasileira do século XXI.

Como tem identificado Aldaíza Sposati (2002), a sociedade brasileira possui a

marca de uma “regulação social tardia” e, no caso da assistência social, mesmo com

a regulação prévia na década de 1930, na Era Vargas (1930-1945) 2, ela ainda se

2 A Era Vargas foi um período de grande impulso industrial e surgimento do movimento sindical

operário - que começou a se organizar para reivindicar melhorias nas condições de trabalho e higiene dentro das fábricas. Tentando frear os movimentos mais radicais, Getúlio Vargas - além de usar a

força policial - iniciou uma série de políticas para regulamentar o ambiente de trabalho nas indústrias

(BEHRING; BOSCHETTI, 2006). Uma das principais medidas adotadas por ele foi a criação do

Ministério do Trabalho. Assim, o Estado passou a intervir na economia e a normatizar alguns benefícios aos trabalhadores, como carteira de trabalho, 13° salário, aposentadoria, auxílio doença e

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configurava como um conjunto de práticas desarticuladas, fragmentadas, baseadas

nas referências religiosas e filantrópicas. Apesar de a Era Vargas ter inaugurado

algumas regulações voltadas às ações de assistência social, foi somente na década

de 1940 que as práticas assistenciais começaram a ser pensadas e organizadas a

partir da criação da Legião Brasileira de Assistência – LBA.

Os aparatos legais anteriores à Constituição de 1988 não demonstravam ou

evidenciavam as particularidades presentes na área de assistência social, que se

conformava como uma prática transversal às demais políticas sociais.

Importa ressaltar que o marco regulatório das políticas sociais no Brasil se

efetivou a partir da Constituição Federal de 1988, complementado através das

legislações reguladoras, como a Lei Orgânica de Assistência Social de 1993, que

marca o contexto contemporâneo da política assistencial. A abrangência e o

significado da assistência social, a partir de então, são configurados por garantir o

direito, a qualquer cidadão, aos benefícios, aos serviços, aos programas e aos

projetos socioassistenciais. A assistência social é reconhecida como uma das

políticas que constituem a Seguridade Social brasileira, juntamente com a Saúde e a

Previdência Social.

As políticas sociais, portanto, não se apresentam como instrumentos de mera

realização do bem-estar na forma de favor pelo Estado, mas configuram-se como

direito social e, no caso da assistência social, um direito não contributivo,

diferenciando-se, assim, da previdência social, cujo acesso se dá pela via do

trabalho.

A assistência social no Brasil, dentro desta visão de política pública de

direitos, de cidadania e dever do Estado, é decorrente de todo um aparato legal que

se iniciou com a promulgação da Constituição Federal de 1988, evoluiu com a LOAS

em 1993, e foi galgando sua plenitude com os aparatos mais recentes, a fim de

oferecer parte das respostas de proteção social frente às situações de

vulnerabilidade e de risco social.

licença maternidade. Nesse período, também houve a criação de outras políticas de fundamental importância, como o sistema público de previdência – o Instituto de Aposentadoria e Pensões, IAP (1930) - e o Ministério da Educação e Saúde Pública (1930). Era o início do Estado de bem-estar social nas políticas públicas do Brasil. Voltado à população mais necessitada, teve como principais características o estado de providência e o combate à fome.

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Com a inserção na Seguridade Social, a política da assistência social é tida

como Política de Proteção Social, pois comporta as demandas sociais, as pessoas,

as circunstâncias e suas famílias. Define no título VIII: Da ordem Social – capítulo I,

no seu artigo 193 que “a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como

objetivo o bem-estar e justiça sociais (BRASIL, 1988)”.

A assistência social, segundo esta nova ótica, busca a inclusão social sob a

égide do direito, sob a inspiração de princípios, dentre os quais se destacam o

direito de pertencer, de estar incluso, de integrar uma sociedade,

independentemente de sua cor, idade, gênero, tipo de necessidade especial ou

qualquer outro atributo pessoal.

A assistência social é elencada no tripé da Seguridade Social a qual

estabelece o seguinte em seu artigo 203:

A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei (BRASIL, 1988).

A assistência, sob este prisma, evidencia a questão dos entes federados – em

especial o município - e seu papel junto ao Estado com a perspectiva de

municipalização das atenções. Aqui já se evidencia que caminhos seriam traçados

para um direcionamento único da gestão das políticas sociais, o que adiante será

denominado descentralização politico-administrativa.

Já a Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS foi sancionada apenas em 7

de dezembro de 1993, exatamente cinco anos após o marco regulatório de todas as

demais políticas sociais – Constituição de 1988. A primeira redação da LOAS,

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datada do ano de 1993, consolidou os conceitos estabelecidos pela Constituição e

regulamentou a assistência social.

Em seus primeiros artigos, a LOAS evidenciou o que fora estabelecido pela

Carta Magna, visto que, anteriormente, a assistência social não se apresentava

enquanto uma política pública delimitada e específica. Suas ações estavam ligadas

a um leque de outras ações que destoavam dos princípios hoje elegidos.

O que há de se evidenciar é que a visão territorial e as particularidades que

ela expressa na efetivação da política de assistência social no Brasil tiveram uma

inserção tardia, pois não há na redação da LOAS de 1993 a inclusão da questão do

âmbito territorial.

Além disso, não havia, quanto à questão do território, uma discriminação

entre as populações e seus territórios, de forma que eram considerados

equivalentes os territórios rurais e urbanos, como expressa o artigo 4º e inciso IV.

As ações da LOAS, portanto, tem por base o território expresso através da

vida e da vivência dos indivíduos e suas famílias.

Pereira (2009, p. 117), quanto à questão da presença da visão territorial na

LOAS, evidencia que há uma indicação

(...) apenas no campo formal da gestão a responsabilidade do ente municipal sobre a titularidade do serviço. A dimensão da descentralização está presente apenas no limite do repasse das responsabilidades de gestão aos municípios, considerando, claro, a implementação dos mecanismos necessários à gestão plena (conselho - fundo - plano), sob preceitos democráticos.

Dessa maneira, o território não é observado como categoria válida, mas

encarado como uma forma de concretizar os princípios por esta lei estabelecidos.

Pondera-se, ainda, quanto ao conceito de assistência social, que há neste momento

uma definição clara do que é assistência social, como

(...) direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas (BRASIL, 1993).

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A utilização do conceito de território permite compreender a forma como as

relações sociais se configuram num dado espaço, como são produzidas e

reproduzidas as desigualdades sociais, a fim de planejar e executar intervenções.

Tal apropriação vem a sinalizar que as potencialidades ou vulnerabilidades das

famílias e indivíduos são, em certa medida, reflexo das características do território

em que estão inseridos.

Seus objetivos rememoram as questões já objetivadas pela Constituição o

que pode trazer à luz critérios de impessoalidade para seu acesso. Remete-se ainda

a uma dimensão local como forma de acesso a direitos e participação de sua

gestão, elegidos como forma de democratizar e equiparar populações urbanas e

rurais.

Mesmo com a evidência de que há diferenciações entre populações urbanas

e rurais, estas não são observadas, como se a equiparação já vislumbrasse as

particularidades de cada meio e não segmentasse e particularizasse as atenções de

assistência. Pensando neste principio, há de se rememorar que a vivência territorial,

seja ela urbana ou rural, denota a vivência dos indivíduos em um espaço permeado

de particularidades e de expressões diferenciadas da questão social. Para fazer

valer este princípio, elas devem ser mapeadas.

Dentro desta ótica, o que se pode observar é que, na perspectiva territorial,

determinadas nuances são objetivadas apenas como generalidades e não como

particularidades dentro de um município e que poderão ser administradas a partir de

uma visão descentralizada dos serviços e atenções de assistência.

Segundo a autora Tatiana Dahmer Pereira (2009, p. 122, 123), ao verificar a

questão da descentralização da assistência social e de sua relação com o território,

é desafiante reduzir os limites aos serviços, visto em sua operacionalização o

território se apresenta como administrativo dos recursos apenas.

Ou seja, as ações de municipalização e descentralização só se

estabeleceram de fato após o ano de 1997, com a primeira redação da Norma

Operacional Básica de Descentralização – NOB e não pelo município enquanto

território administrativo.

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O território, na primeira redação, não era evidenciado como uma categoria

válida na implantação e na implementação da política de assistência social e só

começou de fato a ser observado como categoria a partir do ano 2000, quando as

atenções elencadas pela própria política elegeram indicadores para mensurar as

particularidades dos indivíduos e suas famílias.

Pereira (Op. cit, p. 128) observa que esta necessidade é fruto da emergência

após o Censo 2000, que aferiu ser necessário uma “cartografia social” que

(...) expressasse as desigualdades intraurbanas da capital e desmembrasse indicadores demonstrando processos de segregação e de vulnerabilidade sociais em uma cidade com indicadores sociais médios relativamente bons se comparados ao restante do país.

Dessa maneira, tornava-se iminente categorizar as múltiplas expressões da

questão social, a pobreza e seus níveis e a chamada vulnerabilidade social3.

No ano de 2004, foi aprovada a Política Nacional de Assistência Social -

PNAS, que definiu a implantação de um sistema integrado, um sistema que visava

abarcar todas as necessidades sociais.

3 Uma observação válida é quanto ao conceito de vulnerabilidade social. O que se pode observar é

que não há uma unidade conceitual que possa englobar todas as particularidades de um sujeito, em suas perspectivas de totalidade e subjetividade, suas interlocuções e inserções sociais e em seus territórios de vivências. Aqui, a vulnerabilidade não é só apreendida como um fator em si, mas sim como um processo, formada por seus agentes locais e sociais que os tornam vulneráveis. Ela, nos termos de Francisco de Oliveira (1995), não repousa só no econômico, ainda que este seja elemento indispensável, mas se associa ao processo de discriminação social, no qual o mercado é o produtor mais amplo da própria discriminação. O pesquisador Henri Acsekrad (2006) apresenta a vulnerabilidade social como um processo associado a três fatores – individuais, políticos-institucionais e sociais. São os processos sofridos e que infringem no cotidiano dos sujeitos que os tornam vulneráveis, que os vitimizam a uma proteção desigual pelos parâmetros políticos, que ao focalizar suas ações apenas mensuram os déficits nas capacidades de autodefesa dos sujeitos. O que se pode evidenciar é a condição do Estado em afirmar a suplementação de uma carência e não uma ação sobre o processo de “vulnerabilização”. Acsekrad (2006, p. 02) apresenta que a vulnerabilidade “(...) está associada à exposição aos riscos e designa a maior ou menor susceptibilidade de pessoas, lugares, infraestrutura sofrerem algum tipo particular de agravo”. A vulnerabilidade, portanto, é uma relação e não uma carência, não podendo ser atacada através de oferta compensatória. Para aprofundamento consultar as obras de Arregui e Wanderley (2009) e de Acselrad (1995). ARREGUI, Carola Carbajal; WANDERLEY, Mariangela B. A vulnerabilidade Social é atributo da pobreza? In: Serviço Social & Sociedade: Serviço Social, história e trabalho. São Paulo: Cortez, 2009. ACSELRAD, Henri. Vulnerabilidade ambiental, processos e relações. Rio de Janeiro: Anais do II Encontro Nacional de Produtores e Usuários e de Informações Sociais, Econômicas e Territoriais, FIBGE, 2006. OLIVEIRA, Francisco de. A Questão do Estado: vulnerabilidade social e carência de direitos, Cadernos ABONG, São Paulo. Série especial: Subsídios a I Conferência Nacional de Assistência Social – 1. 1995.

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Tal objetivo já é evidenciado na parte introdutória da “análise situacional”,

como pode ser percebido no fragmento reproduzido abaixo.

(...) a situação atual para a construção da política pública de assistência social tem que levar em conta três vertentes de proteção social: as pessoas, suas circunstâncias, e dentre elas seu núcleo de apoio primeiro, isto é, a família. A proteção social exige a capacidade de maior aproximação do cotidiano da vida, pois é nele que riscos e vulnerabilidade se constituem. Sob esse ponto de vista é necessário relacionar as pessoas e seus territórios, no caso os municípios, que do ponto de vista federal, são a menor escala administrativa governamental. O município, por sua vez, poderá ter territorialização intraurbana, já na condição de outra totalidade que não é a nação. A unidade sociofamiliar, por sua vez, permite o exame da realidade a partir das necessidades, mas também dos recursos de cada núcleo / domicílio (PNAS, 2004, p.15).

Dentro desta perspectiva, a família e o território são evidenciados como eixos

estruturantes e centrais no conduzir de ações e condutas, relacionando-os a um

espaço delimitado e demarcado, no qual se vislumbram ações de proteção social.

A PNAS, além destes eixos centrais, apresenta como princípios norteadores

três frentes de atuação: uma que alinha a defesa da inclusão social ao acesso a

direitos sociais; uma segunda que proporciona o acesso aos direitos à renda e à

segurança alimentar e, por fim, a que proporciona o acesso à assistência social. Ela

ainda elege como matrizes de interpretação do contexto social três categorias: o

território, a unidade sociofamiliar e a dinâmica social das populações numa

perspectiva socioterritorial.

Ela assegura às famílias e a seus indivíduos seguranças tais como a

segurança comunitária e social, segurança de acolhida, de renda, de convívio ou

vivência familiar, de desenvolvimento da autonomia individual, familiar e comunitária;

do alcance de sua autonomia, independência e condições de bem estar e do acesso

a informações sobre seus direitos, ampliando a capacidade protetiva da família

(PNAS, 2004).

A assistência social, com esta nova roupagem, no campo dos direitos, da

universalização e da responsabilidade estatal, é consolidada através do Sistema

Único da Assistência Social - SUAS como ação estratégica na construção de um

sistema de proteção social que verse num direcionamento único.

O SUAS definiu e organizou a assistência social em torno de três objetivos: a

proteção social, a vigilância social e a defesa dos direitos socioassistenciais,

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instaurando em todo o território brasileiro um mesmo regime geral de gestão e

inscrevendo as atenções de assistência social no campo público e no campo dos

direitos humanos e sociais, estruturados pela matricialidade sociofamiliar;

descentralização político-administrativa e territorialidade. O SUAS também elencou

novas bases para a relação entre Estado e sociedade civil: financiamento, controle

social e participação popular/cidadão usuário (PNAS, 2004).

A partir da nova concepção instaurada na assistência social com a

Constituição Federal de 1988, portanto, a assistência social passou a ser

compreendida como política pública social, universalizante em sua cobertura, com

ações planejadas e monitoradas para com a rede de serviços sociais. Dessa forma,

vigilância social passou a ser presente nos territórios de maior vulnerabilidade e

riscos sociais.

Sob essa visão, vislumbrou-se a necessidade de não apenas elencar as

famílias e seus indivíduos, mas sim identificar o chão em que pisam, seu espaço

particular, o território em que vivem e vivenciam as viscitudes da problemática

social.

É emblemático, dentro desta constatação, que o cotidiano vivido pelas

populações em seus territórios começa a ser contemplado, evidenciando a

vinculação entre o território e a desigualdade social, em suas subjetividades e

objetividades (KOGA; RAMOS, 2011). Tal fato, segundo constata Santos (2006),

traz uma visualização dos indivíduos em seu espaço de vivência, uma maneira de

ver seu lugar, seu mundo.

Santos (Op. cit, p. 214) interpreta esta vinculação ressaltando que “uma dada

situação não pode ser plenamente apreendida se, a pretexto de contemplarmos sua

objetividade, deixamos de considerar as relações intersubjetivas que a

caracterizam”.

Ou seja, para se implementar a política e seus percalços, deve-se contemplar

o individuo e suas famílias em seus espaços, com contextos e pretextos particulares

e ímpares, suas relações sociais, suas relações com o espaço e seu “mundo”,

interpretando assim os atores que dele (território) se utilizam.

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Coloca-se, portanto, algumas linhas, linhas essas tênues que relacionam e

cruzam a família e o território, pois se verifica que só dá para entender e

operacionalizar uma política social no chão em que ela acontece, nas

particularidades e capilaridades territoriais em que ela se passa.

Sob esta perspectiva

(...) é necessário relacionar as pessoas e seus territórios, no caso os municípios que, do ponto de vista federal, são a menor escala administrativa governamental. O município, por sua vez, poderá ter territorialização intraurbanas, já na condição de outra totalidade que não é a nação. A unidade sociofamiliar, por sua vez, permite o exame da realidade a partir das necessidades, mas também dos recursos de cada núcleo/domicílio (MDS, 2005, p. 15).

Inaugurou-se aqui, uma visão da política de “dentro para fora”, vislumbrando

as particularidades instaladas nos territórios e nas famílias.

Tal interpretação alude ao necessário “reconhecimento da dinâmica que se

processa no cotidiano das populações” (Op. cit., p. 16), pois é na vivência cotidiana

que se expressam as múltiplas expressões da questão social, e que, segundo Koga

(2008), possuem imbricações nas denominadas situações de pobreza, exclusão

social e vulnerabilidade social.

Koga (2011, p. 16) evidencia que o território se dá, portanto, como uma

expressão dos atores que dele se utilizam, como “fator dinâmico no processo de

inclusão/exclusão”.

Ou seja,

Ao agir nas capilaridades dos territórios e se confrontar com a dinâmica do real, no campo das informações, essa política inaugura uma outra perspectiva de análise ao tornar visíveis aqueles setores da sociedade brasileira tradicionalmente tidos como invisíveis ou excluídos das estatísticas – população em situação de rua, adolescentes em conflito com a lei (MDS, 2005, p. 16).

O território, sob este prisma, traz em si o cotidiano, a vida cotidiana das

famílias em seus espaços de vivências, inerente à construção do lugar. Mais uma

vez parafraseando Koga (2011), é na ação cotidiana que o homem faz uso do

território e que se constrói uma relação de construção de situações e significados.

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O cotidiano, nos termos de Santos (1972, apud LEFEBVRE, 1958), envolve

concepções e apreciações, ao mesmo tempo, aprofundadas e superficiais. O autor

ainda evidencia que as ações cotidianas é que enriquecem o espaço, contribuindo

para sua dinâmica e para as conexões humanas estabelecidas ali.

O que ganha destaque aqui é a questão do uso e da apropriação da “terra”,

do território como lugar, que engloba o termo territorialidade como um modo de

apropriação, de uso do território, que se “faz pelos significados e ressignificados que

os sujeitos vão construindo em torno de usas experiências de vida” no território, no

“pedaço” que lhes pertence (KOGA, op. cit, p. 39).

Para o geografo Milton Santos (2004, p. 22) a questão do território vai além

de um conceito, uma vez que “só se torna um conceito utilizável para a análise

social quando o consideramos a partir do seu uso, a partir do momento em que o

pensamos juntamente com aqueles atores que dele se utilizam”.

O território, aqui, pensado sob essa perspectiva, engloba não apenas o local,

mas também quem vive nele, a vivência dos indivíduos e suas famílias e em seu

território, e sua representatividade para com estes. Tal noção de território contempla,

portanto, o chão, o chão daqueles que vivem, como território vivo e vivido.

Vera Telles (2006, p. 24, 25) retoma, ao pensar no território, a questão das

cidades, como sendo “também os lugares da família e este é também um prisma

pelo qual perceber as recomposições sociais dos tempos que correm”, sendo que as

famílias têm suas vivências e interpretações, seus

(...) destinos ligados aos lugares da cidade que foram conquistados. Trata-se, sobretudo, de observar os processos de constituição de um espaço privado como espaço de interação, que, aos poucos e ao longo das destinações de uma vida comum, vai construindo suas regras e os sentidos de convivência interna e que é capaz de se articular com as diversas facetas do mundo público, nos diversos cenários que aí se apresentam.

Essas interações dos espaços privados com os recursos públicos, dos

espaços públicos, traz em si a necessária interpretação das ações a partir das

pessoas nos territórios, uma vez que as relações sociais entre os indivíduos e suas

famílias se dão em territórios de vivência, onde se expressam as desigualdades.

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Dessa forma, há uma interpretação que engloba, nos termos de Koga (2011),

não só as necessidades, mas sim a condição de sujeitos históricos destes indivíduos

e de suas famílias, inclusive considerando sua dimensão subjetiva.

Em síntese, nos termos de Diniz (2012, p. 80), estas interpretações vêm a

revelar, que o

(...) território é mais que um conjunto de construção no qual trabalhamos, moramos, circulamos e passamos o tempo. O espaço apresenta um dado simbólico, linguístico regional, uma cultura herdada pelo uso do solo, que está em constante processo de mudança e adaptação (...). E quando este processo é revelado pela análise crítica e consciente, a alienação tende a ser desmitificada, cedendo lugar ao entendimento e às possibilidades de novas significações.

Ou seja, evidenciar e analisar de forma crítica tais espaços, territórios,

famílias, vivências familiares e territoriais, é desvendar as possibilidades de ações, o

que, citando mais uma vez Diniz (op. cit), é interpretar a cidade como um espaço de

revelação, que abriga diferentes realidades e diferentes lugares sociais.

As ações estabelecidas pela PNAS, portanto, se configuram dentro desta

visão inovadora, que “deve” contemplar as famílias, as vivências, os territórios, sob a

ótica de um sistema de proteção social, de garantia de seguranças sociais, tais

como a segurança social de sobrevivência, de acolhida, de convívio ou de

convivência familiar.

Em linhas gerais, já evidenciava Koga (2008, p. 90), ao observar as

especificidades do cotidiano vivido são exigidos instrumentos de gestão como,

elencado pela própria PNAS, o Centro de Referência de Assistência Social – CRAS

que

(...) é uma unidade pública estatal de base territorial, localizado em áreas de vulnerabilidade social, que abrange um total de até 1.000 famílias/ano. Executa serviços de proteção social básica, organiza e coordena a rede de serviços socioassistenciais locais da política de assistência social (MDS, 2004, p. 36).

Nessa linha de gestão do território e da política realizada pela PNAS, se

estabeleceu um sistema, o Sistema Único de Assistência Social – SUAS, que

constitui um modelo de gestão descentralizada e participativa, de ações

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socioassistenciais, regularizando e organizando em todo território nacional as ações

socioassistenciais, priorizando a família, seus membros e o território no acesso a

serviços, programas e projetos.

O SUAS é resultante do pacto federativo, o qual definiu a função e organizou

a assistência social, assegurando proteção social, vigilância social e defesa dos

direitos socioassistenciais, instaurando em todo o território brasileiro um mesmo

regime geral de gestão e inscrevendo as atenções de assistência social no campo

público e no campo dos direitos humanos e sociais.

Os eixos estruturantes do SUAS são elencados da seguinte forma:

• Matricialidade sociofamiliar; • Descentralização político-administrativa e territorialização; • Novas bases para a relação entre Estado e sociedade civil; • Financiamento; • Controle social; • O desafio da participação popular/cidadão usuário; • A política de recursos humanos e a informação, o monitoramento e a avaliação (MDS, 2005).

No eixo que se refere à descentralização politico-administrativa se situam as

questões territoriais e da territorialização, com a incorporação de uma leitura afinada

ao território como expressão de relações, condições e acessos. Aqui também se

compreende a questão da descentralização como sinônimo de universalização da

assistência social como meio de acesso à cidadania social.

A territorialização aqui é compreendida nos termos de Saquet (2013) e de

Raffestin (2010), ou seja, como uma ação de fortalecimento das relações de poder

em um determinado território, através de ações dos homens e seus mediadores,

com instrumentos específicos, a fim da obtenção de maior autonomia sobre o

espaço físico e social.

Nessa interpretação, associa-se a questão do território a ações que

vislumbrem o monitoramento e a sistematização dos serviços socioassistenciais

através da vigilância social, a qual

(...) refere-se à produção, sistematização de informações, indicadores e índices territorializados das situações de vulnerabilidade e risco pessoal e social que incidem sobre famílias/pessoas nos diferentes ciclos da vida

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(crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos); pessoas com redução da capacidade de pessoal, com deficiência ou abandono; crianças e adultos vítimas de formas de exploração, de violência e de ameaças; vítimas de preconceito por etnia, gênero e opção pessoal; vítimas de apartação social que lhes impossibilite sua autonomia e integridade, fragilizando sua existência; vigilância sobre os padrões de serviços de assistência social em especial aqueles que operam na forma de albergues, abrigos, residências, semirresidências, moradias provisórias para os diversos segmentos etários. Os indicadores a serem construídos devem mensurar no território as situações de riscos sociais e violação de direitos (MDS, 2005, p. 39, 40).

O território é evidenciado no eixo estruturante juntamente com a

descentralização político-administrativa, como territorialização a qual representa

uma nova lógica de organização da política de assistência social nos diferentes

territórios. Assim, o território é a base da organização do SUAS, em seus múltiplos

espaços urbanos e rurais e quem vem a expressar diferentes demandas e

configurações sociais.

Vislumbram-se as contribuições de Milton Santos (2003), que interpreta essas

ações com um olhar vivo, de movimento, a partir dos “atores que dele se utilizam”.

Instala-se, aqui, a perspectiva de território usado. Nas palavras de Santos

(2003, p. 96)

O território é o chão e mais a população, isto é uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais e da vida, sobre as quais ele influi. Quando se fala em território deve-se, pois, de logo, entender que está falando em território usado, utilizado por uma população.

O que para Koga (2011, p. 33) “também representa o chão do exercício da

cidadania”, pois é nele que “as desigualdades sociais tornam-se evidentes”.

Dentro ainda deste eixo, remetendo ainda a Koga (2011, p. 26), tal

entendimento vincula a política e as pessoas ao direcionamento que a própria

política irá imprimir aos direitos, à qualidade de vida e ao cotidiano delas. Fica

evidente para a autora que as interlocuções da política dentro dessa ótica aludem à

necessidade de uma visão de totalidade e de integração.

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A PNAS identifica tais ações como de interlocução e de transferência de

poder, de competências e recursos, operacionalizando a política sob a perspectiva

de rede, ou seja, rede de serviços socioassistenciais.

A atuação em rede perpassa, mais uma vez, o conhecimento e

reconhecimento da rede e do território, a serem desenhados a partir de indicadores

territoriais.

Dessa forma, como afirma Koga (op. cit, p. 39), “a territorialidade se faz pelos

significados e ressignificados que os sujeitos vão construindo em torno de suas

experiências de vida em dado território”. Ou seja, não há como identificar o território

sem aferir a vivência territorial dos indivíduos junto a este, ao chão que pisam, ao

seu pedaço de mundo “cada lugar é, à sua maneira, o mundo”. (SANTOS, 2006, p.

213)

O território é sua parcela do mundo, seu pedaço. Esse conceito fica bem

evidenciado nas palavras de Magnani (1998, apud KOGA, 2011, p. 116),

reproduzidas a seguir.

(...) [Território] designa aquele pedaço intermediário entre privado (a casa) e o público, onde se desenvolve uma sociabilidade básica, mais ampla que a fundada nos laços familiares, porém mais densa, significativa e estável que as relações formais e individualizadas impostas pela sociedade.

A nova configuração da política de assistência social brasileira iniciada,

portanto, com a Constituição Federal de 1988, galgou passos importantes com a

LOAS em 1993, foi redefinida com a PNAS em 2004, fortalecida com a NOB/SUAS

em 2005, e, em 2011, alcançou seu ápice com a incorporação dos princípios que

norteiam o SUAS no texto da LOAS.

A nova visão socioterritorial incorporada pela Norma Operacional Básica –

NOB/SUAS de 2012 fez uma retomada quanto à questão do território.

Para a compreensão das novas interpretações da questão territorial na

NOB/SUAS de 2012, faz-se necessária uma identificação prévia junto a NOB/SUAS

que a antecedem, de 2005 e de 2010.

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Quanto à funcionalidade da NOB, esta tem por objetivo organizar a

operacionalização da gestão pública da política de assistência social no território

brasileiro, exercida de forma sistêmica pelos entes federados, em consonância ao

que é preconizado na Constituição da República de 1988, na LOAS e nas

legislações complementares. Objetiva ainda elencar os parâmetros para o

funcionamento do Sistema Único de Assistência Social - SUAS.

Mesmo com outras NOB elaboradas em anos anteriores, apenas a

NOB/SUAS de 2005 trouxe novos rumos para a política de assistência social, visto a

aprovação da própria PNAS em 2004.

A NOB/SUAS 2005 apresenta-se, portanto, como um divisor de águas na

estruturação da política, adequando os serviços socioassistenciais à realidade dos

territórios em que vivem as populações em situação de vulnerabilidade social.

Conforme consta no MDS, a NOB/SUAS

(...) disciplina a operacionalização da gestão da Política de Assistência Social, conforme a Constituição Federal de 1988, a LOAS e legislação complementar aplicável nos termos da Política Nacional de Assistência Social de 2004, sob a égide de construção do SUAS, abordando, dentre outras coisas: a divisão de competências e responsabilidades entre as três esferas de governo; os níveis de gestão de cada uma dessas esferas; as instâncias que compõem o processo de gestão e controle dessa política e como elas se relacionam; a nova relação com as entidades governamentais e não governamentais; os principais instrumentos de gestão a serem utilizados; e a forma de gestão financeira, que considera os mecanismos de transferência, os critérios de partilha e de transferência de recursos (MDS, 2005, p. 84).

O caráter da NOB é de disciplinar as ações de assistência social em nível

nacional a partir de um sistema integrado de ações e condutas – o SUAS. Suas

ações tem uma função protetiva, termo este já inaugurado na CF/88, e retomado

aqui, que se ocupa “das vitimizações, fragilidades, contingências, vulnerabilidades e

riscos que o cidadão, a cidadã e suas famílias enfrentam na trajetória de seu ciclo de

vida” (Op. cit, p. 89). Ou seja, trata dos entraves cotidianos dos indivíduos e de suas

famílias a partir de suas interlocuções no seu espaço de vivencia.

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O território na NOB/SUAS é compreendido como uma categoria analítica para

se pensar as ações do SUAS. Ele é evidenciado como um dos eixos estruturantes

de gestão, como territorialização.

A perspectiva territorial incorporada pela NOB/SUAS vem a propor que as

ações e condutas na área da assistência social sejam planejadas territorialmente,

assim como as proteções por ela já evidenciadas.

Apresenta-se, portanto, a territorialização como um princípio que “(...) significa

o reconhecimento da presença de múltiplos fatores sociais e econômicos, que levam

o indivíduo e a família a uma situação de vulnerabilidade, risco pessoal e social.”

(MDS, 2005, p. 91).

Enquanto princípio, esse possibilita orientar a proteção social de assistência

social, conforme evidencia a citação a seguir,

- Na perspectiva do alcance de universalidade de cobertura entre indivíduos e famílias, sob situações similares de risco e de vulnerabilidade;

- Na aplicação do princípio de prevenção e proteção proativa, nas ações de Assistência Social;

- No planejamento da localização da rede de serviços, a partir dos territórios de maior incidência de vulnerabilidade e riscos (Op.cit, p. 91).

Fundamentar as ações de proteção social na territorialização supõe conhecer

os riscos, as vulnerabilidades sociais a que estão sujeitos os usuários, bem como as

potencialidades, dentro de uma visão emancipatória. Significa, em síntese, refletir

sobre a dinâmica socioterritorial para além das necessidades, englobando também

potencialidades para se superar a condição atual.

A territorialização como uma ação evidencia o território através da vigilância

socioassistencial que

(...) consiste no desenvolvimento da capacidade e de meios de gestão assumidos pelo órgão público da Assistência Social para conhecer a presença das formas de vulnerabilidade social da população e do território pelo qual é responsável (MDS, 2005, p. 93).

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A interpretação quanto às ações de vigilância socioassistencial versa o

conhecimento das famílias em seu cotidiano, em seu lócus de vivência, ou seja, “a

partir de condições concretas do lugar onde elas vivem e não só as médias

estatísticas” (Op.cit, p. 93).

Esta interpretação é compreendida a partir de alguns critérios de

(...) oferta capilar de serviços, baseada na lógica da proximidade do cotidiano de vida do cidadão; localização dos serviços para desenvolver seu caráter educativo e preventivo nos territórios com maior índice de população em vulnerabilidades e riscos sociais. (MDS, 2005, p. 95).

A NOB/SUAS 2010, quanto à incorporação da categoria território, não se

diferencia da redação de 2005, vislumbrando o território a partir da territorialização.

Ressalta-se ainda, em sua operacionalização, no enquadramento do território

junto à proteção social básica, o que já se vislumbrava na redação de 2005, a qual

deixava implícito que ações territorializadas têm por direção o desenvolvimento

humano e social e os direitos de cidadania (MDS, 2010, p. 17).

A questão da territorialização na redação de 2010 apresenta a “necessária

compreensão da dinâmica presente nos espaços territoriais e seus determinantes

para a compreensão das situações de vulnerabilidade e risco sociais, bem como

para seu enfrentamento” (Op.cit, p. 18).

Essa redação, até mesmo pelas novas legislações que se estabeleceram

neste percurso, trouxe à luz novas nuances, novas formas de operacionalização a

gestão da política de assistência social em nível nacional, o que vem circunscrito já

intitulação da redação de 2010 – NOB/SUAS – Aprimoramento da Gestão e

Qualificação dos Serviços Socioassistenciais.

Ou seja, só se pode organizar e operacionalizar a política de assistência

social em âmbito nacional a partir de princípios totalizantes, que vislumbrem todas

as singularidades e particularidades das famílias e indivíduos que circulam nos

serviços socioassistenciais. Segundo esta interpretação, deve-se ir além da questão

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que reduzia a família apenas ao espaço privado do domicilio, abrindo-se as suas

portas, percorrendo seus entornos, pisando no chão onde vivem.

A vigilância socioassistencial na redação de 2010 tem características técnicas

para o conhecimento e reconhecimento da vulnerabilidade social no território, tendo

como responsabilidade

(...) detectar e informar as características e dimensões das situações de precarização, que vulnerabilizam e trazem riscos e danos aos cidadãos, a sua autonomia, à socialização e ao convívio familiar. Deve buscar conhecer a realidade específica das famílias e as condições concretas do lugar onde elas vivem, e não somente as médias estatísticas ou números gerais. A identificação de territórios vulneráveis no âmbito da cidade, do Estado, do país, assim como a identificação das famílias em maior vulnerabilidade, são essenciais para que a Assistência Social realize o monitoramento dos riscos e das violações de direitos e desenvolva ações de prevenção (MDS, 2010, p. 21, 22).

Pauta-se, portanto, em ações preventivas e centradas no desenvolvimento de

potencialidades e habilidades dos usuários e dos territórios.

A questão da vigilância social interpretada a partir da leitura territorial torna

público alguns conceitos no campo da descentralização, os quais expressam um

conjunto de relações que possibilitam a formulação de políticas públicas

interpretadas a partir das condições de vida, da análise do cotidiano, do estudo da

população que vive nesse território. Essa interpretação “traz novos elementos para o

debate da ética e da cidadania nas políticas públicas”. (KOGA, 2011, p. 29.)

A redação da NOB/SUAS de 2012 concretizou as premissas já elencadas

pela LOAS e pelas legislações posteriores, que estabeleceram o SUAS.

Nessa redação, o território é identificado, como nas redações anteriores, nas

diretrizes estruturantes na gestão do sistema. É retomada a importância da gestão e

do reconhecimento do território, o que já fora elencado pela versão de 2010,

trazendo a necessidade de uma compreensão afinada do território e de seus

desdobramentos.

A territorialização, como o território é denominado por este aparato político-

administrativo, deve ser compreendida “como instrumento fortalecedor da

democratização por permitir o conhecimento objetivo das diferenças de acesso, a

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partir de condições concretas principalmente, em contextos de desigualdade”

(SPOSATI, 2008, p. 01).

Sob a observação da autora Aldaíza Sposati, evidenciar a questão da

territorialidade é compreender de forma democrática a própria formação territorial,

considerando, dentro da perspectiva de totalidade, a particularidade vivida por cada

indivíduo em seu espaço de vivência.

Há, portanto, um “retorno” à questão do território, nos termos de Santos

(2006) e Sposati (2008). Isso fica claro no fragmento reproduzido a seguir.

Território não é um terreno no sentido de uma dimensão de terra. Território

é dinâmica, pois para além da topografia natural, constitui uma “topografia

social” decorrente das relações entre os que nele vivem e suas relações

com os que vivem em outros territórios. Território não é gueto, apartação,

ele é mobilidade. Por isso, discutir medidas de um território é assunto bem

mais complexo do que definir sua área com densidade. Implica considerar o

conjunto de forças e dinâmicas que nele operam (SPOSATI, 2008, p. 9).

Dessa maneira, o reconhecimento do território traz sentido à ação, pela sua

“mobilidade” e versatilidade na condução das ações nele impressas.

A partir desta premissa, a NOB 2012 traz novamente a importância da

vigilância socioassistencial na gestão do território caracterizada como

(...) uma das funções da política de assistência social e deve ser realizada por intermédio da produção, sistematização, análise e disseminação de informações territorializadas, e trata:

I – das situações de vulnerabilidade e risco que incidem sobre famílias e indivíduos e dos eventos de violação de direitos em determinados territórios;

II – do tipo, volume e padrões de qualidade dos serviços ofertados pela rede socioassistencial. (MDS, 2012, p. 50)

A vigilância apresenta-se, portanto, como uma via de proximidade entre

indivíduos e territórios, na operacionalização da política de assistência social, porém

tem por função operacionalizar questões administrativas de gestão.

Observa-se, portanto, que

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Os territórios administrativos se constituem em uma importante e essencial referência para a gestão da política de assistência social e para a construção de uma visão territorializada, tanto sobre as demandas como sobre as respostas de proteção social (MDS, 2013, p. 21)

A vigilância, sob este prisma,

(...) ao referenciar-se nos territórios de vivência das populações, envolve o reconhecimento não somente de situações pontuais de vulnerabilidade e risco sociais, mas também da presença (ou não) das políticas públicas nesses territórios, da oferta de serviços públicos com que contam e das sociabilidades construídas por meio de conflitos, e que terminam compondo as capacidades protetivas dos territórios, enquanto processos de luta e de conquista de direitos sociais. A capacidade protetiva das famílias, que para poder ser exercida, precisa da proteção social do Estado (MDS, 2013, p. 22).

Koga (2004, p. 56) sintetiza tal apreensão no fragmento reproduzido a seguir:

Ao tratar a cidade e seus territórios como chão da política pública, a perspectiva de gestão faz girar seu foco para outros ângulos além da setorialidade tradicionalmente definida. O movimento de giro de eixo que esse chão impulsiona ao processo de gestão é que permite perceber o território como mais do que um instrumento do social.

Em síntese, a cidade apresenta-se em perspectiva. Seus indivíduos e o

território no qual circulam e interagem são pensados a partir de parâmetros que, nos

termos de Telles (2006, p. 61) separam as informações do conhecimento, com

grandes distâncias e com mediações a serem percorridas.

Neste percurso, percorrer um território preestabelecido e previamente

escolhido se faz necessário a fim de compreender as trajetórias de vida e as

vivências territoriais de algumas famílias da cidade de Piedade.

Fruto de um movimento iniciado logo após sua aprovação em 1993, a LOAS

no ano de 2011, com a aprovada a Lei nº 12.435, em 06 de julho de 2011, fora

alterada. A lei veio alterar os artigos 1o, 2o, 3o, 6o, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 20, 21, 22,

23, 24, 28 e 36 da LOAS, incorporando o SUAS como sistema a ser implantado na

operacionalização da assistência social em território nacional.

Com a nova redação da LOAS, o território passou a ser evidenciado,

verificado, pensado. Não há como se negar que o território já era visto como foco

das ações junto aos indivíduos e suas famílias contempladas pela política de

assistência social, pela condição de pertencimento, de estar em algum lugar, de

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morar, de residir. Porém, o que se verifica é que as famílias - antes vistas apenas

pela ótica da matricialidade sociofamiliar, pertencentes a um dado território, a um

lócus que influencia suas relações, suas vivências - passam a ser caracterizadas

como vivências territoriais também.

No texto da LOAS, a questão da análise territorial é evidenciada com a

incorporação no artigo 2º e inciso II da questão da vigilância socioassistencial.

II - a vigilância socioassistencial, que visa a analisar territorialmente a capacidade protetiva das famílias e nela a ocorrência de vulnerabilidades, de ameaças, de vitimizações e danos;

A questão da vigilância socioassistencial já havia sido evidenciada na

NOB/SUAS de 2005, a qual já imprimia a necessária observação das

vulnerabilidades territoriais.

A vigilância socioassistencial consiste no desenvolvimento da capacidade e de meios de gestão assumidos pelo órgão público gestor da assistência social para conhecer a presença das formas de vulnerabilidade social da população e do território pelo qual é responsável. (BRASIL, 2005, p. 21)

A vigilância ainda é expressa e incorporada no artigo 6º-A em seu parágrafo

único como “um dos instrumentos das proteções da assistência social que identifica

e previne as situações de risco e vulnerabilidade social e seus agravos no território”.

A vigilância socioassistencial, portanto, está relacionada à produção do

conhecimento, de conceitos e categorias que buscam instruir uma abordagem

específica para a produção de conhecimentos aplicados ao planejamento e

desenvolvimento da política de assistência social. Tal abordagem se apropria e

utiliza três conceitos-chave que propiciam um modelo para análise das relações

entre as necessidades e demandas de proteção social no âmbito da assistência

social e as respostas desta política em termos de oferta de serviços e benefícios à

população. Estes conceitos-chave que buscam analisar as relações entre

necessidades e ofertas são: risco, vulnerabilidade e território.

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1.2 Percursos Conceituais sobre o Território

O conceito de território na atualidade apresenta-se como inovador e só pode

ter sentido ao contextualizar as vivências que perpassam e entrecruzam as ruas, os

bairros, as cidades, os municípios, os espaços pré-determinados de vivência de

famílias e indivíduos que são foco das políticas sociais contemporâneas.

A questão do território, portanto, não se perde, por ora, em uma conceituação

ligada à geografia, mas sim acresce no sentido da sua interlocução com a questão

da identidade e do pertencimento, das raízes criadas pelos indivíduos neste espaço.

Já a questão da identidade do individuo junto ao espaço está intimamente

ligada a sua própria formação, o que pode evidenciar que as famílias e os territórios

se ligam, se cruzam, podendo até sugestionar uma categoria diferenciada de

formação familiar: família-território.

Em algumas formações territoriais em especial, é a família, a partir de sua

ocupação do espaço, que determina as formações territoriais, suas regras e

costumes, imprimindo suas próprias características nestes espaços como “territórios

familiares” ou “território de famílias”, tema este que será retomado ao situar a cidade

de Piedade como lócus de famílias-território.

Numa abordagem conceitual e histórica, sob a ótica etimológica, a palavra

território vem do latim territorium, que significa pedaço de terra apropriado. O

vocábulo latino terra é fundamental para se entender o significado da palavra

território, pois explicita sua estreita ligação com a terra, como um fragmento do

espaço onde se constroem relações tanto de base materialista quanto de base

idealista.

Terra aqui é apreendida, portanto, como o espaço, a área de posse de um

determinado indivíduo – seja ele humano ou animal – de uma organização ou

instituição de modo particularizado. Pensando em sua função mais administrativa,

há uma abordagem que caracteriza o território como Estado, Nação, determinando

certa região político administrativa. Tal abordagem será retomada posteriormente

quando abordarmos a questão do território como categoria analítica nas políticas

sociais contemporâneas.

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O período de surgimento da conceituação do termo território tem por base as

formulações de Friedrich Ratzel4, no contexto histórico da unificação alemã em 1871

e a institucionalização da geografia como disciplina nas universidades europeias. O

território, para ele, é uma parcela da superfície terrestre apropriada por um grupo

humano. Tal grupo é quem iria determinar a necessidade e o uso do território, de

seus recursos naturais e se esses seriam suficientes para sua população.

Determinaria, também, a utilização de tais recursos a partir das capacidades

tecnológicas existentes, criando suas fronteiras, delimitando seu uso e espaço útil.

O conceito formulado por Ratzel tem como referencial o Estado, trazendo à

luz as relações de poder que esse imprime em determinado espaço demarcado.

Para esse autor, a questão do Estado traduzia a defesa quanto à expansão

territorial.

Uma observação quanto ao conceito circunscrito por Ratzel é que este não

associa à questão do território o homem que nele habita e sua relação com a

natureza. Para o autor, conforme relatam Spagnoli; Alves e Ferreira (2009, apud

MORAES 1990, p.72), a noção de território está calcada na ideia de habitat vinda da

biologia e usada para delimitação de áreas de domínio de determinada espécie ou

grupo de animais:

Pode-se, portanto aceitar como regra que uma grande parte dos progressos da civilização são obtidos mediante um desfrute mais perspicaz das condições naturais, e que neste sentido esses progressos estabelecem uma relação mais estreita entre povo e território. Pode-se dizer ainda, em um sentido mais geral, que a civilização traz consigo o fortalecimento de uma ligação mais íntima entre a comunidade e o solo que a recebe.

Ratzel evidencia, então, a constituição do território sem a presença do

homem, que não possuiria uma função política no mesmo. Ratzel somente

4 Segundo Luciana de Lima Martins, em seu artigo intitulado “Friedrich Ratzel” apresentado para a

Universidade Federal Fluminense – UFF em 2000, Friedrich Ratzel (1844-1904) é considerado por muitos o fundador da moderna geografia humana, sendo responsável também pelo estabelecimento da geografia política como disciplina. A abrangente produção ratzeliana deixa transparecer a integração de fatos da modernidade e do rápido desenvolvimento da sociedade no contexto da Alemanha que se unificava. Reflexões sobre o Estado, a história, as raças humanas, o ensino da geografia e a descrição de paisagens perpassam a obra do geógrafo, que se preocupava em aferir uma identidade comum à nação em formação. No Brasil, o Ratzel determinista se destaca na produção historiográfica da geografia, resultado da leitura da obra ratzeliana através da literatura francesa, sobretudo da obra de Lucien Febvre - La Terre et L’Évolution Humaine (1922) (cf. Moreira, 1989, p. 32 e Moraes, 1990, p. 13).

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considerava a presença e o domínio do Estado no espaço e desconsiderava que as

relações entre sociedade e território são determinadas pelas necessidades de

habitação, alimentação, recursos naturais e condições naturais para a efetivação da

vida humana e sua sobrevivência.

O território sob a ótica de Ratzel não se apresenta como uma formação

humana e social, mas sim uma formação com características administrativas sob o

domínio do Estado.

Tomando enquanto base a formação territorial brasileira, Raffestin (2010, p.

14) afirma que no Brasil “quando os portugueses chegaram em 1500, encontraram

um território sistematizado pelos habitantes”. Ou seja, as características de seus

habitantes, naquele momento, denotaram suas formações, interlocuções, com

características humanas e sociais. Ainda segundo o autor, mesmo formado, o

território não era demarcado, e por isso fora considerado pelos portugueses como

“espaço dado”, passivo de suas transformações. A formação territorial é, portanto,

fruto de determinações sócio históricas, humanas, que remetem ao seu uso e

apropriação enquanto espaço vivido e de vida, ou enquanto espaço usado e de

vivência, como um território material produto de processos produtivos.

Ermínia Maricato (2011, p. 150), ao se referir às formações territoriais, afirma

que elas sofreram os percalços da colonização, da apropriação privada da terra e do

espaço, como patrimônio. A autora ainda afirma que as próprias legislações desde o

início favoreciam a especulação imobiliária.

Raffestin, dentro dessa mesma perspectiva, evidencia que

Na produção territorial, há sempre um ponto de partida que nunca está desligado das ações do passado. O processo territorial desenvolve-se no tempo, partindo sempre de uma forma precedente, de outro estado de natureza ou de outro tipo de território (RAFFESTIN, op.cit, p. 21).

O território, nessa perspectiva, é compreendido, em síntese, como formações

históricas, com precedentes históricos, formado por homens e suas interações com

o meio em que vive.

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Koga, Ramos e Nakano (2008), fazem uma reconstrução histórica da

formação do território brasileiro e ressaltam a importância da expansão comercial

nesse processo. Instaladas na orla marítima e rota das mercadorias exportadas

pelos portugueses, as cidades Recife, Salvador, São Vicente, Santos e Rio de

Janeiro, ainda hoje são as regiões mais populosas do Brasil.

As constatações anteriores se fazem presentes também nas interlocuções de

Rogério Haesbaert (2007, p. 42). Ele constata que o território nasce juntamente com

a humanidade, com a civilização e vice-versa. O homem toma consciência do

espaço em que se insere, numa conotação subjetiva, ao mesmo tempo em que se

apropria e levanta divisas – o que denota uma visão mais objetiva, a construção

física de seu território.

Suas considerações versam sobre a questão do território como um “território

vivo” - formado e produzido por aqueles que dele se apropriam, que nele circulam - e

não um território estanque. Há de se evidenciar que essa apropriação é perpassada

pela questão da historicidade, pois aqui o território apresenta-se como produto social

e histórico de trajetórias individuais e coletivas, que envolvem relações não só

espaciais, mas também sociais.

O que se afere aqui, portanto, é que os espaços, os lugares, denotam

historias e vivências, com dimensões concomitantemente objetivas e subjetivas que

não podem ser descartadas, o que faz erigir, dentro da apropriação, transformação

ou mesmo formação dos espaços, outras categorias como a identidade territorial, o

enraizamento, o pertencimento e a questão da totalidade.

Diniz (2012, p. 80) refere-se ainda a uma percepção parcial e fragmentada do

espaço, “humanamente desvalorizada”, pressionada pelo processo de globalização.

Para ele, mesmo com as particularidades objetivas e subjetivas elencadas por

Haesbaert (2007), as questões econômicas e territoriais esvaziam o espaço/território

dos significados humanos.

As interpretações aqui trazem em si uma visão utilitarista do território, pelo

uso e pelo valor que este imprime, regida por regras econômicas de apropriação do

espaço, apartando-se de questões como o direito ao pertencer a determinado

espaço, o direito de moradia, entre outros.

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Haesbaert, a fim de definir um conceito teórico de território, apresenta três

vertentes conceituais para realizar tal intento:

- política ou jurídico-política – onde o território é visto como um espaço delimitado e controlado através do qual se exerce um determinado poder, muitas vezes – mas não exclusivamente – relacionados ao poder do Estado.

- cultural ou simbólico-cultural: aquela que prioriza a dimensão simbólica e mais subjetiva, em que o território é visto, sobretudo, como o produto da apropriação/valorização simbólica de um grupo em relação ao seu espaço vivido.

- econômica: enfatiza a dimensão espacial das relações econômicas, o território como fonte de recursos e/ou incorporado no embate entre classes sociais e na relação capital-trabalho, como produto da divisão “territorial” do trabalho, por exemplo. (HAESBAERT, 1997, p. 39, 40).

A formação do território tem características materialistas - como um objeto

material – idealistas - pensadas a partir da ação do homem na comunidade - e

relacionais - que engloba a articulação dos processos sociais e do espaço.

A apropriação de determinado espaço pelo homem evidencia que não há

como desvencilhar as relações capitalistas das relações de produção e sociais que

elas imprimem ao território. O sistema capitalista, sob a visão contemporânea, dita

como e onde o espaço será formado, determina as verticalizações, planificações e

exclusões necessárias para o alcance da globalização.

A autora Tatiana Dahmer Pereira (2009, p. 54) ao se referir a dinâmica da

acumulação capitalista, trata que o capital produz respostas parciais nos modos de

vida, evidenciando que estabelecer relações sociais e de produção, também

conquistam melhorias nos seus modos e qualidade de vida, mesmo que o acesso a

distribuição de renda seja parcial.

Parciais ou não, os espaços, os territórios têm sido formados e formulados

como expressão e síntese destas situações, a partir da ação de atores sociais,

econômicos e territoriais.

Numa retomada conceitual recente, já nos anos de 1970, segundo Lefebvre

(1972 apud SAQUET, 1978), o território apresenta-se com um produto de conflitos e

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contradições sociais, ligado à reprodução das relações de produção, explicadas a

partir da teoria marxista.

As relações que perpassam o território, portanto, apresentam-se como

relações de poder, que produzem e reproduzem as relações sociais de produção

dentro de espaços privados e delimitados. Essas relações são apresentadas como

produtoras do espaço, ainda nos termos de Marx, na circulação espacial e territorial

e no poder na configuração dos territórios.

O poder, nos termos de Saquet (2013, p. 32), demonstra a submissão dos

cidadãos a um determinado Estado, produzido nas relações complexas da vida em

sociedade. O poder sobre as relações sociais e sobre o espaço.

Saquet (2013) rememora ainda o poder exercido através de relações

desiguais, hierárquicas, permeadas por relações de força, que operacionalizam os

aparatos de produção, nas famílias, nos grupos, permeadas de intenções e

objetividades, de resistência, conflitos.

Nesta perspectiva, ainda segundo Saquet (op.cit, p. 33), o território deve

contemplar esta “multidimensionalidade do mundo”, mudando significados e

conceituações, que consequentemente alteram as relações de poder.

O território, portanto, está intimamente ligado ao poder exercido em

determinado espaço, ao seu uso, à questão do cidadão e sua circulação (ou não)

em áreas geográficas distintas, a um espaço, a um lugar, contribuindo para a

apreensão das diferenças e das desigualdades que caracterizam as distintas formas

de produção, apropriação, valor e uso dos territórios nos diferentes momentos

históricos da sociedade.

Não cabe aqui realizar uma retomada às questões inerentes à teoria marxista

e das contradições por ele elencadas, oriundas do sistema capitalista e de suas

relações excludentes. Pretende-se, sim, demonstrar que as relações, além de

possuir uma interface social, são provenientes de todo percurso que remete a elas -

como o percurso das relações sociais de produção, da relação do homem com a

natureza, do homem com outros homens - e que as relações que ficam organizadas

em espaços de vivências, em seu território de vivência.

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O território, sob a visão do poder e das relações que nele se instalam,

apresenta-se, portanto, como produto da práxis social contida sobre o principio de

totalidade.

Retornando ainda à abordagem de Dematteis (1970, apud SAQUET, 1978), o

território se apresenta como uma

(...) construção social, com desigualdades (em níveis territoriais, que variam do local ao planetário), com características naturais (clima, solo...), relações horizontais (entre pessoas, produção, circulação...) e verticais (clima, tipos de culturas, distribuição do habitat...), isto é, significa uma complexa combinação particular de certas relações territoriais (horizontais e verticais).

O território, enquanto construção, é fruto de relações de poder, apresentando-

se como um espaço de ocupação, apropriado e controlado, um lugar permeado por

símbolos e significados que denotam a interação do homem em um determinado

espaço. O território não diz respeito apenas às relações econômicas que o

perpassam, mas também às relações do homem com outros homens em seu

entorno e com a vizinhança que criam “solidariedade, laços culturais e desse modo a

identidade”, impondo interdependência (SANTOS, 1997, p. 255).

O geógrafo Milton Santos, em suas inúmeras obras, ratifica essa maneira de

pensar a questão do território. Segundo esse autor, território

(...) não é um conceito. Ele só se torna um conceito utilizável para a analise social quando o consideramos a partir do seu uso, a partir do momento em que pensamos juntamente com aqueles atores que dele se utilizam (SANTOS, 2004, p. 22).

Pensar o território, ou seja, trazer à luz um conceito que contemple sua

totalidade implica pensar a relação dos sujeitos com e no território, sua utilização,

pensar na “circulação” destes nos lugares, nos espaços comuns e privados.

Nesta linha, nos termos de Koga (2011, p. 36), não há como “engendrar

significado nenhum, mas o seu uso e sua interação com os homens é o que pode

encher de sentido o termo aqui em discussão”.

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Sob esta ótica, para compreender o território, faz-se necessário compreender

as interlocuções dos indivíduos em seus espaços de vivências, nos lugares que

circulam e nas relações que se estabelecem. Rememorando mais uma vez Santos

(Op. cit, p. 22, 23), essa relação dialógica só é possível “porque os lugares e o

mundo tornaram-se conhecidos, porque a informação circula rapidamente”, pelo

processo de globalização vivenciado e pela força que este imprime no “processo de

ordenação do uso do território”.

Santos (2006, p. 15,16), a partir deste fato, afirma que “é o uso do território, e

não o território em si (...)”, e traz “formas, mas sim o território usado são objetos de

ações, sinônimo de espaço humano, espaço habitado”. Ou seja, o território deve ser

interpretado a partir de seu uso, de sua apropriação, pelas ações que os sujeitos

estabelecem junto ao espaço.

Dentro desta compreensão, o território apresenta-se como dinâmico e

inseparável da própria dinâmica dos sujeitos que “circulam”. Através dessa dinâmica

- relacionada às relações sociais de produção e à questão socioeconômica da vida

destes indivíduos – os sujeitos imprimem sentido a suas vidas e a seus espaços, ou

seja, passam a considera-lo como um espaço de vida e de vivências onde se come,

trabalha, transita...

Dessa maneira, evidencia-se a relação dialética entre o homem e seu

território, dialogando entre as personificações humanas que esta relação imprime

neste território. Estas interlocuções demonstram relações de poder e de controle

sobre o espaço usado, das produções e vivências.

Apresenta-se, dessa forma, além da questão da vivência, a do espaço e de

seu uso, referenciando o território como território usado que vem a evidenciar as

necessidades e possibilidades de ação política dentro dele. Esse uso do território

inclui os atores que nele circulam, o diálogo com a sociedade, as demandas,

possibilidades e heranças sociais. Além disso, contempla o movimento contínuo,

inscrevendo o território num sistema mais planetário, na relação da Terra com os

homens. (SANTOS, 2004)

Dessa forma, o território é verificado como

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(...) não apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas. O território tem de ser entendido como o território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida. (SANTOS, 2004, p. 10.)

O lugar, remetendo-se à questão do território como espaço de vivência do

indivíduo, nos termos de Pereira (2009, p. 34), não é tido como referência, sendo

referido apenas como “relevante para as determinações sociohistóricas de produção

e de existência do dinheiro sob condições específicas para as relações sociais”.

Milton Santos (1997, 2006) ao se referir ao lugar também o trata como espaço

de resistência dos indivíduos, mesmo permeado de fragmentações e de uniões,

como uma parcela própria do mundo.

Essa questão faz referência, também, à própria questão da exploração

exercida no território, o que para muitos autores está a serviço da economia,

retomando sempre ao ciclo estabelecido pelo sistema capitalista. Os espaços,

portanto, segundo Diniz (2012), atendem aos anseios do capitalismo e das relações

econômicas nele estabelecidas, não estão a serviço dos indivíduos que nele

circulam.

Esta percepção, para Rodrigo Diniz (2012) é uma percepção parcial do

espaço, fragmentada e que traz em si uma desvalorização do ser humano enquanto

sujeito de transformação do e no espaço.

Alguns autores diferenciam a questão do espaço e a do território, trazendo

conceituações diferentes a estes, porém, na maioria das vezes, suas interpretações

são similares e, em síntese, fazem referência ao chão onde os indivíduos circulam.

Santos (1996) alerta para não se confundir o espaço com o território,

nomeando o território como uma configuração territorial e definida em sua totalidade.

Quanto ao espaço, é conceituado como a totalidade verdadeira, semelhante a uma

relação entre a configuração territorial, a paisagem e a sociedade.

Para o autor:

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Podem as formas, durante muito tempo, permanecer as mesmas, mas como a sociedade está sempre em movimento, a mesma paisagem, a mesma configuração territorial, nos oferecem, no transcurso histórico, espaços diferentes. (SANTOS, 1996, p. 77).

Estes espaços diferentes, as espacialidades singulares, são resultados das

articulações entre a sociedade, o espaço e a natureza. Assim, o território poderá

adotar espacialidades particulares, conforme haja o movimento da sociedade (nos

seus múltiplos aspectos: sociais, econômicos, políticos, culturais e outros).

O território, como espaço “é um verdadeiro campo de forças, cuja formação é

desigual. Eis a razão pela qual a evolução espacial não se apresenta de igual forma

em todos os lugares”. (SANTOS, 1978, p. 122)

E ainda

(...) O espaço por suas características e por seu funcionamento, pelo que ele oferece a alguns e recusa a outros, pela seleção de localização feita entre as atividades e entre os homens, é o resultado de uma práxis coletiva que reproduz as relações sociais, (...) o espaço evolui pelo movimento da sociedade total. (SANTOS, 1978, p. 171).

Portanto, para se “entender” o território é necessário compreender que a

própria formação espacial é desigual, que os lugares são formados por sujeitos

singulares, realizando ocupações e apropriações de modos e maneiras diferentes,

as quais denotam a dependência destes sujeitos ao sistema capitalista. Ou seja, as

expressões da questão social que se inserem em determinado espaço foram

também base para a formação dele.

Dentro desta reflexão, as formações territoriais não são iguais, de modo que

não cabe uma generalização em seu trato, nem uma padronização em sua análise.

Ou seja, há uma diferenciação entre território e territórios, rurais ou urbanos,

que deve ser contemplada em nível político-administrativo.

Santos (1978, p. 145) se refere ao “(...) o espaço organizado pelo homem ser

como as demais estruturas sociais, uma estrutura subordinada subordinante. É

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como as outras instâncias, o espaço, embora submetido à lei da totalidade, dispõe

de uma certa autonomia”.

Essa forma de se compreender o espaço corrobora para a visão de que sua

organização é social, definida historicamente. Parafraseando o materialismo

histórico e dialético de Marx, o espaço é compreendido como o lócus de morada do

homem e o lugar de vida.

Ou seja, a questão conceitual do território envolve as relações sociais do

homem com o espaço, como uma recuperação desse processo na interpretação do

lugar dentro do processo de reprodução do capital. (SANTOS, 1978; DINIZ, 2012).

Há que se vislumbrar que as cidades e seus territórios são categorias

presentes nas ações cotidianas e profissionais, através de políticas específicas

como “uma matriz relacional entre território e políticas públicas” como dimensões

para organização de sistemas de gestão. (DINIZ, 2012, p. 90).

1.3 A Família na Política de Assistência Social: Desconexão do Território

As articulações sobre família serão demarcadas a partir do século XX,

marcando que até a família moderna muitas transformações aconteceram que

refletiram nas articulações entre família e as políticas sociais contemporâneas.

No Brasil, o conceito de família teve forte orientação do Estatuto da Família

de 1939, inspirado numa visão conservadora, que estabelecia seus preceitos a partir

do casamento, como importante para aumentar a população do país e a de

consolidar e proteger a família em sua estrutura tradicional.

Remetendo-se ao contexto contemporâneo e moderno, a introdução do

conceito de família moderna separa esse núcleo do mundo e o opõe à sociedade,

constituindo um núcleo familiar solitário formado por pais e filhos, como uma

instituição ao mesmo tempo forte e fragilizada.

Entende-se a família como lugar de pertencimento, relacionada com a

identidade dos indivíduos, como um conjunto de pessoas unidas por laços de

consanguinidade, de afetividade ou de solidariedade, núcleo de apoio primeiro das

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pessoas. É um todo articulado em que há relações de gênero e de geração

definidas, que implicam hierarquia e poder.

A convivência familiar é vista como um direito e não um dever, aparado

legalmente. Essa compreensão busca superar a concepção tradicional de família, o

modelo padrão, a unidade homogênea idealizada. A ampliação do conceito de

família implica reconhecer arranjos distintos, em constante movimento e

transformação.

A família aparece repaginada nos novos aparatos legais. A partir da

Constituição Brasileira de 1988, outros aspectos foram regulados à família,

mostrados em duas faces: uma protetiva e outra que denota ingerência na vida dos

indivíduos. O artigo 5º já denota a igualdade entre os sujeitos, sem distinção de

qualquer natureza. Já o artigo 226 é especifico a esta relação, afirmando ser a

família a base para as atenções dispensadas pelo Estado, foco de atenção e

proteção especializada. (BRASIL, 1988).

Desde a década de 1990, há uma tendência da centralidade na e da família

junto à execução da política pública. Segundo Carvalho (2003, p. 268), “o Estado e a

família desempenham papeis similares, em seus respectivos âmbitos de atuação:

regulam, normalizam, impõem direitos de propriedade, poder e deveres de proteção

e assistência. ”

Dessa maneira, pode-se verificar que as próprias funções da família e das

políticas se conectam, o que é imprescindível para o desenvolvimento e a

articulação do sistema de proteção social.

A centralidade da família nas políticas sociais está associada ao fato de a

família ser considerada como espaço insubstituível de proteção e de socialização

primárias dos indivíduos, como agente privado de proteção social, porém ainda não

há uma política específica de família. Portanto, a família constitui o núcleo básico e

matricial das seguranças assistenciais, porém para isto se faz necessário que ela

seja entendida através de um novo olhar, um olhar que a compreenda não apenas

como um conjunto de pessoas, mas sim como aquelas pessoas que se encontram

unidas não só por vínculos consanguíneos, mas também por laços afetivos e de

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cooperação, o que para Cabanes (2006, p. 397) explicita como sendo a prevalência

de sua função de “proteção social”.

Ainda quanto às articulações de Cabanes (Op. cit, p. 390, 391), a família

apresenta-se como um elo de articulação entre os espaços públicos, como um

“objeto de controle das políticas públicas”.

A família, portanto, coloca-se como objeto e foco das políticas públicas, por

apresentar-se como um elo e agente de socialização primária de seus indivíduos

com o mundo e sua articulação, a partir e nos espaços, com a política.

Segundo as autoras Dalva Azevedo Gueiros e Thais Felipe Silva dos Santos

(2011, p. 76), a família, sob este prisma, apresenta-se como espaço privilegiado de

socialização, “para o desenvolvimento da cidadania, da proteção e do cuidado de

seus membros” como primordiais e que determinaram “sua primazia na concepção e

implementação da política de assistência social”, assumindo, portanto, a

centralidade e elegendo a matricialidade sociofamiliar que vem a “colocar em foco as

necessidades e peculiaridades das famílias, entendendo-as como sujeito coletivo”.

A família, segundo as autoras, apresenta-se como uma unidade relacional,

plural, construída historicamente por seus modos de vivências e sobrevivências

cotidianas, pelas desigualdades sociais que perpassam seu cotidiano, por suas

relações sociais e de trabalho e por sua interação com o mundo.

Dentro desta abordagem, ainda as autoras Gueiros e Santos (op. cit, p. 78,

79) evidenciam que

A matricialidade sociofamiliar e a centralidade na família fazem parte da agenda das políticas públicas em vigor, conforme se constata nos marcos legais alavancados pela Constituição Federal de 1988, espraiadas na Política Nacional de Assistência Social, no Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária e, mais ultimamente, na Lei Federal nº 12.010, de 03/08/09, que também trata de convivência familiar de crianças e adolescentes.

Sob o prisma de sua articulação junto às políticas públicas, as legislações

advindas após a Constituição Federal de 1988, especificamente a PNAS, entendem

a família como

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(...) mediadora das relações entre os sujeitos e a coletividade, delimitando continuamente os deslocamentos entre o público e o privado, bem como geradora de modalidades comunitárias de vida. Todavia, não se pode desconsiderar que ela se caracteriza como um espaço contraditório, cuja dinâmica cotidiana de convivência é marcada por conflitos e geralmente, também, por desigualdades, além de que nas sociedades capitalistas a família é fundamental no âmbito da proteção social (MDS, 2004, p. 41).

A PNAS considera a família como central em suas interlocuções cotidianas e

de vivências, trazendo-a como diretriz para ações e condutas, por sua função

protetiva e de promoção, mesmo em meio às adversidades.

A partir dessa aproximação, a autora Mariângela Belfiore Wanderley (2008, p.

14), embasada nos princípios da própria PNAS, interpreta a família como

(...) núcleo social básico de acolhida, convívio, autonomia, sustentabilidade e protagonismo social, (...) como um núcleo afetivo, vinculada por laços consanguíneos, de aliança ou afinidade, onde os vínculos circunscrevem obrigações recíprocas e mútuas (...).

Ou seja, para ela, a família deve ser apoiada e fortalecida enquanto foco de

proteção social.

Dessa maneira, nos termos de Gueiros e Santos (2011, p. 76)

Todavia, para além da centralidade da família, a PNAS estabelece a matricialidade sociofamiliar, colocando em foco as necessidades e peculiaridades das famílias, entendendo-as como sujeito coletivo, conforme referencia Sposati (2009). Conjecturamos que pensar a matricialidade sociofamiliar significa compreender o momento e a situação social da família, com a perspectiva de gerir tais aspectos a partir de suas especificidades.

O que se denota aqui é a família sob o prisma da política, a partir da questão

da matricialidade sociofamiliar que, segundo Couto et al. (2010, p. 44), realiza um

deslocamento da abordagem individual para o núcleo familiar, “entendendo-a como

mediação fundamental na relação entre sujeitos e sociedade”.

Ainda segundo Couto et al. (2010, p. 54), a matricialidade familiar “significa

que o foco da proteção social está na família, principio ordenador das ações a serem

desenvolvidas no âmbito do SUAS”, observando seus arranjos, suas configurações,

suas condições sociais a partir de seus indivíduos.

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Nos termos de Gueiros e Santos (Op.cit, p. 86), esse novo prisma “exige que

novas formas de enfrentamento das expressões da questão social sejam traçadas

para e com a família, de modo integrado e articulado com os serviços

socioassistenciais e as demandas”.

Segundo a PNAS, a família é o núcleo básico de acolhida, de convívio, de

autonomia, de sustentabilidade e de protagonismo social, não determinando um

modelo único de família a ser seguido, mas sim famílias, com modos de

organizações, arranjos, rearranjos, combinações e recombinações familiares

variadas.

Segundo Carvalho (2003, p. 272) a família enquanto núcleo central na PNAS

assegura ao indivíduo a segurança de pertencimento social, projetando processos

de seguranças e inclusões.

Os eixos estruturantes, preconizados pela PNAS/2004 e contemplados pelo

SUAS sob o olhar na família, são a matricialidade sociofamiliar e a centralidade,

verificando, portanto, que o núcleo familiar é mediador dos serviços oriundos da

PNAS e do SUAS.

Segundo as autoras Yazbek, Silva e Silva e Raichelis (Op.cit, p. 56) ao

colocar a família como central nas ações estabelecidas pelo SUAS, é imposto que

algumas questões sejam contempladas, relacionadas aos arranjos familiares

diversos que caracterizam muitas famílias pobres, à família como “grupo afetivo

básico, capaz de oferecer a seus membros as condições fundamentais para seu

desenvolvimento pleno; e também ao reconhecimento das singularidades e do

pertencimento da família a uma classe social.

A centralidade na família como eixo estruturante da política de assistência

suscita novas formas e concepções de família: a monoparentalidade, a questão de

gênero, os valores, os comportamentos, as relações e a vida social, ou seja, aquela

vivida no concreto, com suas diferenças internas, de gerações e de gênero, e no seu

contexto, em termos de suas relações e condições sociais, culturais, econômicas e

políticas.

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Em síntese, remete-se, portanto, às particularidades e singularidades

expressas em um núcleo familiar, permeado de reflexos da sociedade, do território

em que vive. Os pilares do SUAS não culpam as famílias pela situação vivida ou

pela pobreza que as abate, mas sim as encaram como reflexo das interlocuções

cotidianas vividas por elas.

Em síntese, ainda remetendo-se a questão da matricialidade familiar e da

família como centro das atenções (COUTO et al., 2011), os novos arranjos

familiares, a questão da proteção social estabelecida pelas famílias, as ações

estabelecidas na unidade familiar, sua singularidade e pertencimento à determinada

classe social devem ser observadas e contempladas.

Em outras palavras, as famílias são o palco no qual a política de assistência social finca seus alicerces e busca, junto com esses sujeitos, engendrar possibilidades de inserção social, para garantir sua sobrevivência, o acolhimento de suas necessidades e interesses e o convívio familiar e comunitário – enfim, a proteção social. (GUEIROS; SANTOS, 2011, p. 85).

Não cabe aqui reduzir, portanto, a família a um conceito, mas sim ampliá-lo,

adotando “um conceito amplo, incluindo a perspectiva de formação a partir de laços

que transcendem o parentesco e o domicílio” (GUEIROS; SANTOS, 2011, p. 83-84),

ultrapassando “os limites da casa, envolvendo a rede de parentesco mais ampla”,

como uma “rede, com ramificações que envolvem o parentesco como um todo”,

viabilizando “sua existência como apoio e sustentação básicos”. (SARTI, 2005, p.

28-29) .

Dessa maneira, para incorporar esta concepção inovadora de família, foi

necessário articulá-la ao território, pela conexão que este realiza entre a vivência e o

espaço, entre o pertencimento e a vinculação, que entrecruzam condições objetivas

e subjetivas e denotam a vulnerabilidade dos territórios e das famílias.

O território se conecta aqui como um espaço de vida, da vida cotidiana ou,

nos termos de Koga (2011), como o chão para as políticas públicas.

Retoma-se aqui o imbricamento que estas categorias apresentam, porém que

se desconectam na interpretação da formação territorial de Piedade e se tornam

categorias distintas para a gestão da política de assistência social.

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Neste sentido, o próximo capítulo objetiva decifrar a formação sócio-histórica

da cidade de Piedade a fim de subsidiar as interpretações das conexões e

desconexões entre território e família.

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2 - O TERRITÓRIO DE PIEDADE E GESTÃO DA ASSISTÊNCIA

SOCIAL

“Ninguém foi mais andejo do que o paulista. Ele esteve presente nos quatro cantos cardiais do Brasil.

Ele não foi apenas o conquistador, o alargador de fronteiras, foi antes de tudo o povoador.

E quem povoa transmite seus usos e costumes e um acervo de lendas.“

Alceu Maynard Araújo

Refletir sobre a formação territorial de uma cidade implica romper com uma

visão generalista e permeada de reproduções. Implica percorrer os lugares, as ruas,

os entornos e contornos, observar as pessoas, seus passos e mudanças dentro do

espaço, o que, nos termos de Diniz (2012) requer conhecer e reconhecer os modos

de vida existentes e suas histórias, como um espaço do modo de vida.

É no território que as histórias acontecem, que a vida se estabelece, que há a

reprodução das necessidades, dos modos de vida.

O território, sob este prisma, remete-se ao espaço de vivência de indivíduos e

suas famílias, conforme referencia a autora Dirce Koga:

O território também representa o chão do exercício da cidadania, pois cidadania significa vida ativa no território, onde se concretizam as relações sociais, as relações de vizinhança e solidariedade, as relações de poder (KOGA, 2011, p. 33).

A questão da cidade, portanto, é a uma formação complexa e viva, formada

de pessoas, em um espaço, em um chão de vivências e formações.

A cidade cria forma através de seus atores e interlocutores, como espaço

vivo, o que nas observações de Kurka (2008, p. 72) são espaços do “concreto onde

vivem cidadãos, o material, o conjunto das infraestruturas e dos equipamentos (...)

onde está o conjunto da materialidade que permite a vida coletiva”.

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Nas interlocuções entre a questão do território e da própria política se

evidencia a questão da cidade como “a maior aproximação territorial enquanto

referencia para a configuração de prioridades para políticas públicas”. (KOGA, op.

cit, p. 89)

Dessa forma, entender a formação de um território, de uma cidade é

necessário para se pensar as interlocuções da gestão política em determinados

espaços.

Dentro dessa perspectiva, este capítulo se propõe a compreender a formação

territorial da cidade de Piedade e as interlocuções desta formação na gestão da

política de assistência social municipal, pois, como já delineado no capítulo anterior,

a singularidade dessa cidade está na sua conformação socioterritorial, em que

família e território se vinculam de tal forma que a identidade territorial se confunde

com a própria identidade da família de formação.

2.1 A Formação Sócio Histórica de Piedade

Piedade, juntamente com outras 15 cidades, pertence à região de Sorocaba,

nas encostas da Serra do Paranapiacaba. Segundo historiadores, a cidade

permaneceu inexplorada até o ano de 1750. Nessa época, Sorocaba já era

considerada vila e era relativamente povoada, o que veio a refletir nas ocupações

territoriais das cidades circunvizinhas, que eram rota do tropeirismo.

Segundo Rodrigo Ayres de Araújo, historiador natural de Piedade e que

estuda o território há mais de 15 anos,

A fundação da cidade de Piedade está intimamente ligada ao Tropeirismo e suas expedições realizadas na maioria das cidades da região de Sorocaba, devido à rota dos tropeiros e que tiveram sua maior concentração na cidade de Sorocaba e que deve ser contada antes de sua fundação no ano de 1840 (Depoimento colhido em setembro de 2013).

O estudioso Antônio Leite Netto, em seus estudos sobre a formação territorial

de Piedade, afirma que a região da Província de São Paulo, situada entre Sorocaba,

Cotia, Iguape e Cananéia permaneceram inexploradas até meados do século XVIII.

Eram terras de sertão e entre serras - São Francisco e Paranapiacaba - com

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terrenos acidentados e de difícil acesso. Além disso, a variação climática não

favorecia a permanência de pessoas ali.

Netto (1987, p. 13) relata que, devido a essas particularidades, havia índios e,

por consequência, jesuítas, que procuravam ouro nos entornos da região,

principalmente próximo ao rio das Lavras, região de Ibiúna, onde edificaram um

colégio na Ressaca.

Até 1750, somente índios, garimpeiros e jesuítas circularam pelos entornos

de Piedade. Neste mesmo ano, foi criado, em Sorocaba, o Registro de Animais para

a cobrança de impostos das tropas que vinham do sul do país pela estrada aberta

por Cristóvão Pereira de Abreu. Tal situação “forjou” a mudança de rota para os

entornos do rio Pirapora, formando caminhos de passagens e paragens, onde se

formava lentamente um povoamento.

Esses dados históricos ecoam na narrativa de Rodrigo Ayres de Araújo,

segundo o qual:

Durante a época dos tropeiros e do ciclo do Tropeirismo, a região de Piedade era foco e rota para a passagem das tropas, visto que em muitas das regiões da cidade as pastagens eram vastas e serviam para alimentar os gados e cavalos que seguiam junto às tropas. Durante estas passagens pela cidade apareceram alguns conglomerados populacionais e logo após, a formação de um vilarejo. Esta ainda vai além da época do tropeirismo, que a formação do território pode ter sofrido influencia das Sesmarias e de Portugal, visto que aqui, pela rota própria que o Vale do Ribeira fazia, pois aqui na cidade a questão da passagem do Rio Pirapora. (Depoimento colhido em setembro de 2013).

Na mesma época, foram distribuídas as sesmarias – exatamente no ano de

1779 - com o registro da paragem de Pirapora, porém sem povoamento. Já em

1809, os primeiros desbravamentos foram acontecendo, com as paragens do rio

Turvo e Pirapora, ideais para tropeiros que procuravam pouso, lugares que

oferecem água e pastagem para seus animais (NETTO, 1987).

Rodrigo Ayres de Araújo, em seu ensaio intitulado “A ocupação dos Altos do

Paranapiacaba” (s/d), quando aborda as sesmarias, identifica que a ocupação das

terras no século XIX era realizada por famílias e que os bairros que se formavam

recebiam os sobrenomes dessas famílias.

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Na paragem do Pirapora surgiu o primeiro povoamento, exatamente na região

central da cidade, o que se justifica pelos fatos elencados por Rodrigo Ayres de

Araújo, reproduzidos a seguir:

(...) a maioria das áreas pertencentes à região central da cidade eram de pastagens, de plantas gramíneas, como também de algumas plantações, tais como a de algodão que era mais localizada onde hoje é o Bairro dos Moreiras. Ainda hoje nos Moreiras ainda há um único algodoeiro que comprova tal fato (Depoimento colhido em setembro de 2013).

A primeira contagem populacional e reconhecimento do território de Piedade

como espaço ocupado ocorreu em 1836. Segundo Netto (1987, p. 16), o povoado

era composto por “45 famílias num total de 205 pessoas, entre os quais três

escravos e 69 pardos”, que produziam milho, fumo e feijão.

O que se pode evidenciar aqui também é a conformação territorial de Piedade

desde o seu inicio como formação territorial familiar.

Numa prévia identificação das origens de muitas das famílias que dão nome aos bairros da cidade, muitos dos antepassados vieram da região do Vale do Ribeira e das cidades circunvizinhas, até mesmo sua família que ocupou neste período a área central da cidade (Rodrigo Ayres de Araújo, depoimento colhido em setembro de 2013).

Segundo Netto (op. cit, p. 19), os primeiros moradores a se instalarem

próximo ao rio Pirapora, juntamente com os capitães Francisco José Moreira e

Francisco Antônio de Moraes, construíram o primeiro povoado nas terras doadas por

Vicente Garcia. Lá, edificaram uma capela Nossa Senhora da Piedade, em 29 de

maio de 1840. A imagem de Nossa Senhora da Piedade - ou de Pietá - fora doada à

referida igreja entre os anos de 1831 e 1835, pelo mascate Vicente Garcia.

Nos anos subsequentes, o povoado atraiu novos moradores após a edificação

da capela, pela própria cultura interiorana e religiosa da época, que perdura até os

dias atuais.

Não há como se afirmar ao certo quem foi o fundador de Piedade. Muitos

historiadores e estudiosos da formação territorial da cidade atribuem sua fundação a

Vicente Garcia, a Manuel Ribeiro, a Francisco Moreira, a José Francisco Rosa e

Demétrio Machado.

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A lei nº 16, de 03 de março de 1847, elevou o povoado de Piedade à condição

de “Freguesia”, pertencente à Câmara de Itu. Uma observação importante é que a

cidade de Itu, sob uma visão geográfica, está distante 70 km de Piedade, porém, a

própria administração local observou ser a cidade mais próxima para administrá-la.

No ano de 1850, o fluxo migratório para Piedade começou a diversificar a

produção agrícola, antes voltada ao cultivo do milho, do feijão e do fumo.

Em 1857 a população era de 3.445 habitantes, que produziam produtos

agrícolas tais como café e açúcar, além de criar gado de corte. A produção de

algodão era grande, devido à implantação das fiações e tecelagens em Sorocaba e

devido, também, à Guerra de Secessão nos Estados Unidos, que destruiu a

produção algodoeira do sul do país, obrigando a Inglaterra - grande produtora de

tecido na época - a adquirir este produto do Brasil. Desde o início, a economia da

cidade era voltada para a produção agrícola, que perdura até a atualidade.

Com o crescimento ocorrido nesse período, tornou-se emergente a criação de

estratégias administrativas para a cidade em formação. Por isso, em 1857, foi

instalada a Câmara Municipal, porém as atividades de fato só se iniciaram no ano

subsequente (NETTO, 1987).

No mesmo ano, a Lei Provincial de nº 8, de 24 de março de 1857, elevou a

Freguesia de Nossa Senhora da Piedade à condição de Vila, que foi instalada em 22

de setembro de 1857, desmembrando-a de Sorocaba.

Rodrigo Ayres de Araújo, remetendo-se a esse fato, relembra a influência de

Sorocaba na formação territorial de Piedade. Segundo ele:

(...) hoje tal fato é esquecido visto que a população em si observa que a influencia maior sempre foi de Sorocaba. A população de fato só reproduz a história que é comum a todos e contada, não evidenciando ao certo as influências externas.

(...) não há de fato uma história da formação condizente com os fatos históricos que permeavam a sua formação (Depoimento colhido em setembro de 2013).

Há forte influencia de Sorocaba na formação territorial de Piedade, visto que

pela própria proximidade e pelas áreas de pastagem, a região tornou-se rota do ciclo

do tropeirismo.

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No período compreendido entre 1850 a 1859, a cidade exportava produtos

agrícolas e gado, e sua população vinha aumentando com a vinda de imigrantes,

principalmente portugueses.

Os portugueses que migraram para Piedade influenciaram sua formação

política. Com a criação da Câmara Municipal em 1857, João Rodrigues de Silva

Passos, um dos primeiros portugueses a migrar para Piedade, começou a participar

da formação política da cidade: primeiramente inseriu-se como professor a depois

atuou como político.

A questão da imigração na formação territorial de Piedade é muito forte:

houve grande influência econômica e cultural de imigrantes portugueses, alemães,

espanhóis, japoneses e italianos.

Ainda quanto à presença de imigrantes, a formação territorial, principalmente

aquela localizada em território rural, contou com a formação de bairros familiares.

Retoma-se, aqui, a concepção da formação de “famílias – territórios” como, a título

de exemplo, o bairro da Roseira, constituído pela família alemã Güller; o bairro de

Vila Élvio, formado por imigrantes da família Piccin e Bortolini; os bairros Batata

Doce, Liberdade e Sarapuí de Cima, formados pelas famílias de imigrantes

japoneses Abe, Katsuragawa, Ono, Saito, Nagao, Hatadani, Hassegawa.

A região central teve sua formação territorial influenciada pela colônia

portuguesa - como a família Parada - e a colônia espanhola - Sanches, Rojo,

Rodrigues, Ijano, Martins, Jimenez, Gusmão, Domingues, Ortega, Robles, Henares,

Escanhoela, Surano, Canalles e Brum.

Os espanhóis trouxeram para a cidade o cultivo da cebola, responsável por

torná-la a “Capital da Cebola”. A colônia japonesa fortaleceu a produção de

hortaliças, tomate, alface, cenoura, alcachofra, morango, caqui e pêssego. Os

demais tinham o traquejo comercial, fortalecendo ainda mais a economia

piedadense.

Os primeiros bairros, portanto, tiveram essa característica de “bairro familiar

ou bairro de famílias” e foram nomeados com os sobrenomes destas famílias. Após

a instalação da câmara, esta identificou a presença de alguns bairros que

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antecediam a própria formação de Piedade enquanto vila, tais como Jurupará,

Piraporinha, Pereatuba, das Lavras Velhas, Mato Dentro, Batea, Ortiz, Sarapuí,

Ribeirão Grande, Turvinho, Boa Vista, Poço, Pirapora, Loureiro, Corrêas, Caetezal e

Funil, datados de 1877.

Com a proclamação da República, outros bairros foram surgindo ou

modificando sua nomenclatura enquanto outros se extinguiram. Os bairros que se

formaram após este período foram Ortizes, Mato Dentro, Garcias, Piratuba, Poço,

Oliveiras, Sarapuí, Sarapuí de Cima, Turvo, Turvo de Cima, Caetezal, Bonito, Rosa

Soares, Lavras, Alegre, Jurupará, Sarapuí de Baixo, Corrêas, Fogaça, Boa Vista,

Pirapora, Bateia, Furnas, Ciriaco e Liberdade.

Quanto à formação cultural da cidade, Rodrigo Ayres de Araújo informa que

(...) a cidade não dispõe de uma cultura típica de Piedade, tal como comida típica e costumes que se relacionam com a sua formação cultural.

(...) as atividades que se desenvolvem na cidade e que entram em seu calendário como atividades culturais nada mais são do que ações de “aculturamento”, pois não desenvolvem nada que é próprio da cidade e nem da região. Sinto muito quanto esta questão do aculturamento junto aos jovens, pois na maioria das escolas em que lecionei esta questão era muito evidente, pois na maioria das vezes as influências culturais e de comportamento que recebiam eram externas e, na maioria das vezes, um aculturamento midiático (Depoimento colhido em setembro de 2013).

O autor Rodrigo Diniz, ao tratar da formação territorial, evidencia que não há

como separá-la do conceito de cultura, o que diverge do depoimento de Rodrigo

Ayres de Araújo. O que se pode aferir aqui não é uma ausência, mas sim resultado

da própria formação sócio-histórica brasileira do território e da cidade, nas qual se

agregam valores culturais dos colonizadores.

Para Diniz (2012, p. 70) “(...) entendemos a cultura como um processo

organizativo sócio-histórico, que diz respeito às ações e ao modo como os homens

se organizam para construírem suas vidas”.

Dessa maneira, é a partir da cultura que o homem cria sentido ao seu modo

de existir em sociedade, em determinado espaço, criando respostas sobre suas

necessidades sociais e materiais. (DINIZ, 2012 apud CHAUÍ, 2004, p. 246).

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Nessa perspectiva, poderíamos aproximar o processo sócio-histórico em

Piedade com a dimensão da territorialidade, que se distingue da questão do território

ao mesmo tempo em que a contém. Segundo Saquet:

A territorialidade é um fenômeno social que envolve indivíduos que fazem arte de grupos interagidos entre si, mediados pelo território; mediações que mudam no tempo e no espaço. Ao mesmo tempo, a territorialidade não depende somente do sistema territorial local, mas também de relações intersubjetivas; existem redes locais de sujeitos que interligam o local com outros lugares do mundo e estão em relação com a natureza. O agir social é local, territorial e significa territorialidade. (SAQUET, 2007, p.115)

O comércio, a política e a religião eram atraiam imigrantes e migrantes para a

cidade, o que suscitava um aumento significativo da população nesta época.

A urbanização só veio nos anos de 1880, com a construção da Matriz, com a

criação do Club Literário em 1875 e outros eventos que sinalizavam de certo modo o

progresso em cena.

Maricato (2011) ao referendar a questão do espaço urbano, afirma que as

interlocuções que suscitam sua formação vão além das relações sociais, e também

perpassam a questão da dominação econômica e do espaço.

Em síntese, a formação do espaço urbano está para além das relações

sociais, pois interligam, além delas, relações econômicas e de produção e relações

de produção e social, o que evidencia as relações de poder, conforme evidencia a

teoria marxiana.

No entanto, o desenvolvimento de Piedade dependeu de sua comunicação

com Sorocaba, que até 1907 era feita mediante tropas de burros, o que limitava a

economia. Porém, ao ser elevada à categoria de “Cidade” pela Lei Estadual n° 1038,

de 19 de dezembro de 1906, Piedade alcançou sua independência, foi contemplada

com a construção de uma estrada que melhor atendia suas demandas.

A partir de sua elevação como cidade, Piedade foi reflexo de todo movimento

histórico da própria política brasileira, que só apresentou reflexos maiores após o

ano de 1930.

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Uma grande lacuna histórica se apresenta aqui, pois todos os ensaios e

publicações sobre a formação territorial da cidade de Piedade foram feitos após a

década de 1930. Observam-se apenas algumas associações do contexto sócio-

histórico brasileiro e seu reflexo na cidade, porém há uma ausência documental que

os comprove.

2.2 Os Territórios de Piedade na Contemporaneidade

Mapa 1: Cidade de Piedade e região

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2013.

Piedade integra, hoje, a Região Administrativa de Sorocaba. Quanto à sua

dinâmica demográfica, segundo o Censo IBGE de 2010, possuía 52.143 habitantes.

De acordo com o porte populacional estabelecido pela Política Nacional de

Assistência Social – PNAS, Piedade se identifica como uma cidade média, embora

pela dinâmica local possa ser identificada mais como uma cidade de pequeno porte.

Num recorte histórico, a partir de um levantamento do recenseamento

realizado entre os anos de 1908 a 1980, pode-se observar, na figura a seguir, que

taxa de crescimento fora significativa, porém, pequena se comparada à evolução

econômica vivenciada pelo país durante o mesmo período.

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Figura 1: Formação Populacional em 1908 a 1980

Entre os anos de 1908 a 1980, pode-se verificar uma expansão populacional.

Conforme o gráfico, o primeiro recenseamento após sua elevação à cidade, fora no

ano de 1908. Naquele ano, a população recenseada era de 10.000 habitantes, não

discriminado a população urbana ou rural nem a quantidade de domicílios.

No censo de 1940, a população era de 15.220 habitantes. Foi considerado

um baixo crescimento para um período de 32 anos. Segundo Netto (1987), esse fato

se dá pelo momento histórico da cidade, pois foi um período de crise econômica e

de recessão, que suscitava a migração dos moradores de Piedade para outras

cidades da região.

O censo de 1940 diferenciava a população entre urbana e rural, e evidenciava

o reflexo da economia majoritariamente agrícola. Naquele período, a população rural

era de 11.202 habitantes, enquanto a urbana era de apenas 1.225. É interessante

notar a identificação de 1.129 estrangeiros, além de 417 habitantes considerados de

“periferia”, e mais 2.376 habitantes residentes na divisa entre Piedade e Tapiraí,

área de fronteira.

Já o censo de 1950 revelava uma população de 20.577 habitantes,

preponderantemente da área rural, com 16.952 habitantes, ou seja, 82% da

população, enquanto a zona urbana contava apenas com 2.911 moradores ou 18%

da população de Piedade.

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Na década de 1960, o crescimento foi pequeno para o período, aumentando

para 21.728 habitantes. Isso se deu devido ao desmembramento do distrito de

Tapiraí do território de Piedade.

A década de 1970 também apresentou um pequeno crescimento

populacional, indo para 27.647 habitantes, sendo 20.701 do território rural e 6.947

do urbano.

O censo de 1980 evidenciou um crescimento mais significativo, totalizando

35.793 habitantes, sendo 13.054 moradores da área urbana e 22.739 da área rural.

Aquela década coincidiu com o período chamado de “Milagre Econômico”, que teve

reflexos expressivos na cidade.

Numa comparação com a população do estado de São Paulo e do Brasil,

pode-se observar que, nos últimos recenseamentos – Censo de 2000 e 2010, a

cidade aumentou 0,40%5 ao ano, obtendo um avanço populacional de 50.119 para

52.143 habitantes. Essa taxa foi inferior àquela registrada no Estado, que ficou em

1,10% ao ano, e inferior à de 1,06% ao ano da Região Sudeste, o que se pode

observar na figura a seguir.

Figura 2: Taxa de crescimento populacional anual

5Os dados utilizados neste estudo referem-se ao estudo realizado pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome no ano de 2013 a fim de subsidiar a elaboração do Plano Municipal de Assistência Social e o Plano Plurianual – PPA 2014-2017. Tais articulações encontram-se em: http://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/METRO/metro_ds.php?p_id=359&p_ibge=35&p_geo=0, acessado em 30 de outubro de 2013).

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No período de 2000 a 2010, também houve alteração na taxa de população

urbana, que passou de 44% para 45,57%. Já a população rural foi 54,43% da

população total.

Esses dados comprovam que a cidade possui um território rural em

expansão, porém com algumas migrações para o centro urbano. Um fato que

contribuiu para este crescimento é a caracterização de alguns bairros como de “zona

urbana estendida”, o que alterou a formação e extensão territorial, urbanizando a

cidade, conforme pode ser observado na tabela a seguir.

Tabela 1: População total dividida por gênero, população urbana e rural.

A economia de Piedade é essencialmente agrícola, cerca de 90 %. A cidade

faz parte do cinturão verde, que abastece a metrópole de hortifrutigranjeiros da

grande São Paulo, responsável pelo significativo desenvolvimento da região. É

atualmente a maior produtora de alcachofra do estado. Como já evidenciado, a

população da cidade está localizada em sua maioria no território rural, visto que sua

economia gira em torno das atividades desenvolvidas neste lócus.

Ainda quanto ao aspecto econômico, entre 2006 e 2010, segundo dados

extraídos do IBGE (2010), o Produto Interno Bruto (PIB) da cidade cresceu 48,1%,

passando de R$ 400,2 milhões para R$ 589,4 milhões. O crescimento percentual foi

inferior ao verificado no Estado (55,4%). A participação do PIB da cidade na

composição do PIB estadual diminuiu de 0,05% para 0,03% no período de 2006 a

2010, conforme mostra a figura a seguir.

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Figura 3: Participação dos setores no PIB da cidade em 2010

Apesar de o setor agrícola ter forte influência na economia local, o setor de

prestação de serviços é o que mais injeta dinheiro na economia piedadense, A

estrutura econômica municipal demonstrava participação expressiva do setor de

serviços, o qual responde por 67,1% do PIB municipal. Cabe destacar o setor

secundário ou industrial, cuja participação no PIB era de 14,4% em 2010 contra

13,8% em 2006. Os dados de Piedade apontam para o sentido contrário ao

verificado no Estado, cuja participação industrial decresceu de 25,3% em 2006 para

24,2% em 2010.

O setor de serviços aqui identificado é formado em sua maioria pelos serviços

públicos efetivados pelo governo municipal, de forma direta e indireta.

Quanto à questão da agricultura, pela própria interferência climática, a

produção é sazonal e com rotatividade de produtos, dentre eles leguminosas,

tubérculos, hortaliças, frutas e cereais.

Na tabela a seguir, pode-se verificar a produção conforme sua temporalidade.

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Tabela 2: Distribuição das principais culturas agrícolas

Uma análise da dinâmica vulnerabilidade social / proteção social em Piedade

evidencia que a população em situação de vulnerabilidade social, a qual denota

ações de proteção social - em especial a básica - está localizada em perímetro rural

ou urbano estendido da cidade. Esses dados enquadram a cidade com uma das

mais vulneráveis da região.

A análise das condições de vida dos habitantes de Piedade, realizada pelo

IPVS (2010) 6, mostra que a renda domiciliar média de Piedade era de R$1.648,

sendo que em 25,6% dos domicílios não ultrapassava meio salário mínimo per

capita. Em relação aos indicadores demográficos, a idade média dos chefes de

domicílios era de 47 anos e aqueles com menos de 30 anos representavam 14,3%

do total. Dentre as mulheres responsáveis pelo domicílio, 15,0% tinham até 30 anos,

sendo uma parcela destas com crianças com menos de seis anos, o que equivalia a

8,0% do total da população.

O IPVS estabelece níveis de vulnerabilidade social que vão das categorias

baixíssimo a muito alto. Observa-se um alto percentual de população na condição de

vulnerabilidade social, somando-se desde a baixa até a alta (rurais), conforme

evidenciado na figura a seguir.

6 Dados utilizados para identificar o perfil social e de vulnerabilidade social foram extraídos do Índice

Paulista de Vulnerabilidade Social – IPVS do ano de 2010, desenvolvido pela Fundação Sistema de Analise Social – SEADE, através do endereço eletrônico: http://www.iprsipvs.seade.gov.br/view/index.php, acessado em 30 de outubro de 2013.

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Figura 4: Níveis de vulnerabilidade social

Fonte: Censo 2010, IPVS 2010.

Ou seja, cerca de 65% da cidade de Piedade, segundo o IPVS 2010,

encontra-se na condição de vulnerabilidade social, com destaque para 18% na área

rural e 6,3% na área urbana. Enquanto a média do Estado de vulnerabilidade alta na

área rural é de 1,0%, a mesma situação medida em Piedade atinge 18% da

população.

O mapa do IPVS 2010 evidencia esse cenário, indicando os setores rurais

com mais alta vulnerabilidade social, como se observa a seguir.

Mapa 2: IPVS de Piedade - 2010

Fonte: Fundação Seade, 2013.

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A cidade de Piedade, segundo o IPVS 2010, apresenta um alto índice de

vulnerabilidade social, com maior concentração no território rural. Evidências disso

são a crise na produção agrícola e as questões territoriais e espaciais.

A área central apresenta um índice alto de vulnerabilidade, identificado

através de alguns bairros: Bom Pastor, Moreiras, Paulas e Mendes. A região central,

considerada como “Centro”, não apresenta situação de vulnerabilidade social, visto

que sua formação territorial e familiar imprime certa estabilidade sociofinanceira.

Os territórios rurais mais vulneráveis estão localizados nas bordas da cidade,

o que denota que o afastamento do centro urbano, do perímetro urbano mesmo que

estendido, privando os moradores dessas regiões do direito à cidade e a seus

recursos, de seus serviços socioassistenciais e aos demais bens e serviços.

Esses territórios são os mais afastados do centro urbano e da rede de serviço

socioassistencial, cerca de 30 a 40 km em média. Ficam, portanto, excluídos de

todos investimentos, dos mínimos sociais necessários para uma sobrevivência

digna, tais como acesso à rede de abastecimento de água e esgoto, acesso à

iluminação elétrica, à moradia digna, entre outros.

A maioria destes bairros rurais é de formação familiar, tais como Oliveiras,

Miguel Russo, Vila Moraes, Piratuba. Eles ainda desenvolvem ações de agricultura

familiar. Em substituição das ações do Estado, a família aqui não é vislumbrada

como rede de proteção social, visto que, com as fragilidades observadas – déficit

educacional e desigual distribuição de renda e de serviços – a própria solidariedade

é frágil e as inseguranças sociais acometem a maioria das famílias desses bairros.

Um dado que merece destaque é a vulnerabilidade habitacional na cidade de

Piedade. A cidade recentemente aderiu a alguns programas governamentais – como

o Minha Casa Minha Vida, Casa Paulista e o Programa Nacional de Habitação Rural

– a fim de dirimir as expressões da questão social, que perpassa a questão

habitacional. Porém, o déficit habitacional é de mais de 50%, sendo em sua maioria

na área rural. Isso ocorre porque, além das más condições de acesso, não há

documentação civil – tanto do imóvel quanto do indivíduo - como também há a

condição de comodato e de arrendatário, que priva os habitantes da zona rural do

direito de posse.

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Tabela 3: Indicadores Habitacionais

Fonte: PNUD, 2014

Segundo o Índice de Desenvolvimento Humano - IDH7, o Índice de

Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de Piedade foi de 0,716, em 2010. A

cidade está situada na faixa de Desenvolvimento Humano Alto (IDHM entre 0,700 e

0,799). Entre 2000 e 2010, a dimensão que mais cresceu foi Educação (com

crescimento de 0,177), seguida por Longevidade e por Renda. Entre 1991 e 2000, a

dimensão que mais cresceu em termos absolutos foi Educação (com crescimento de

0,230), seguida por Longevidade e por Renda, conforme se observa na tabela a

seguir.

Tabela 4: Índice de Desenvolvimento Humano em Piedade

7 Os dados utilizados nesta pesquisa foram retirados do Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil

2013, realizado pelo PNUD, que estabelece a consulta ao Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – IDHM - de 5.565 municípios brasileiros, além de mais de 180 indicadores de população, educação, habitação, saúde, trabalho, renda e vulnerabilidade, com dados extraídos dos Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010. Eles encontram-se disponíveis em http://atlasbrasil.org.br/2013/pt/perfil/piedade_sp, acessado em 08 de agosto de 2013.

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Segundo o exposto em relação ao perfil da cidade, verifica-se que Piedade

ocupava a 1.427ª8 posição, em 2010, em relação às 5.565 cidades do Brasil, sendo

que 1.426 (25,62%) cidades estão em situação melhor do que o referido município e

4.139 (74,38%) cidades estão em situação igual ou pior. Em relação às 645 outras

cidades de São Paulo, Piedade ocupa a 500ª posição, sendo que 499 (77,36%)

cidades estão em situação melhor e 146 (22,64%) cidades estão em situação pior ou

igual. Ou seja, no estado de São Paulo, a cidade de Piedade, segundo o IDH 2010,

está em uma das últimas posições.

Piedade hoje é a cidade mais vulnerável socialmente das 15 cidades que

compõem a região de Sorocaba. Está abaixo de cidades que possuem PIB menores

que o dela e ainda não tem uma rede de proteção social estabelecida.

Numa análise recente, ainda traçando o IDH de Piedade, observa-se que a

renda per capita média de Piedade cresceu 67,85% nas últimas duas décadas,

passando de R$358,25 em 1991 para R$552,06 em 2000 e R$601,32 em 2010. A

taxa média anual de crescimento foi de 54,10% no primeiro período e 8,92% no

segundo. A extrema pobreza (medida pela proporção de pessoas com renda

domiciliar per capita inferior a R$ 70,00, em reais de agosto de 2010) medida pelo

Índice Gini9, passou de 7,78% em 1991 para 6,56% em 2000 e para 2,43% em 2010,

como consta na tabela a seguir.

8 Dados extraídos do Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil 2013.

9 O Índice Gini é um instrumento usado para medir o grau de concentração de renda, ou seja, para

calcular a desigualdade social expressa através da distribuição desigual de renda. Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de 0 a 1, sendo que 0 representa a situação de total igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda, e o valor 1 significa completa desigualdade de renda, ou seja, se uma só pessoa detém toda a renda do lugar. Conceito extraído de http://atlasbrasil.org.br/2013/pt/perfil/piedade_sp#vulnerabilidade, acessado em 10 de janeiro de 2014.

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Tabela 5: Renda, Pobreza e Desigualdade Social em Piedade.

Ainda quanto à questão da vulnerabilidade social, pode-se sintetizar que as

expressões da questão social que mais influenciam os modos de vida da população

de Piedade estão ligadas ao acesso precário ou ao não acesso a recursos

socioassistenciais ou a algumas políticas públicas e de proteção social, conforme se

afere na tabela a seguir.

Tabela 6: Vulnerabilidade Social em Piedade

Remetendo-se ainda às condições de vida da população piedadense,

traçando um perfil social desta população pela gestão municipal da política de

assistência social, pode-se observar que o último relatório socioterritorial realizado

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pelo MDS no final de 2013 traça e delimita os territórios e lócus de maior

vulnerabilidade social na cidade10.

As maiores inseguranças sociais estão no acesso ou não da renda,

evidenciado pelos baixos índices de inserção no mercado de trabalho e baixa renda

familiar, configurações familiares frágeis e más condições de moradia – moradia

aqui se configura como condições dignas de habitar em espaço salubre socialmente,

com acesso a abastecimento de água, luz e de esgoto como direito a um mínimo

social.

Conforme dados do Censo (2010), a população total da cidade era de 52.143

residentes, dos quais 2.239 se encontravam em situação de extrema pobreza, ou

seja, com renda domiciliar per capita abaixo de R$ 70,00. Isto significa que 4,3% da

população municipal viviam nesta situação. Do total de extremamente pobres, 1.141

(50,9%) viviam no meio rural e 1.098 (49,1%), no meio urbano.

O Censo também revelou que na cidade havia 147 crianças em situação de

extrema pobreza na faixa de 0 a 3 anos e 112 na faixa entre 4 e 5 anos. O grupo de

6 a 14 anos, por sua vez, totalizou 447 indivíduos na extrema pobreza, enquanto no

grupo de 15 a 17 anos havia 116 jovens nessa situação. Foram registradas 158

pessoas com mais de 65 anos na extrema pobreza. 36,8% dos extremamente

pobres da cidade têm de zero a 17 anos.

Quanto aos níveis de pobreza, em termos proporcionais, 3,8% da população

está na extrema pobreza, com concentração maior na área rural (4,5% da população

na extrema pobreza na área rural contra 2,9% na área urbana) (Censo, 2010).

Tabela 7: Distribuição da população em extrema pobreza por faixa etária

Piedade

População em situação de extrema pobreza por faixa etária Idade Quantidade

0 a 3 147

10

Os dados foram extraídos do sistema Data Social 2.0, no endereço eletrônico:

http://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/METRO/metro_ds.php?p_id=235, acessado em 30 de outubro de 2013.

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4 a 5 112

6 a 14 447

15 a 17 116

18 a 39 800

40 a 59 459

65 ou mais 158

Total 2.239

Fonte: IBGE 2010

A tabela 7 explicita que o maior índice de situação de pobreza está na fase

adulta, dos 18 aos 39 anos, e se associa à questão da inclusão - ou não inclusão -

na vida produtiva. Na sequência, aparece a faixa etária dos 6 aos 14 anos, o que se

reflete na gestão da assistência social através dos benefícios assistenciais.

A tabela a seguir explicita ainda mais tal situação vivenciada.

Tabela 8: Renda por Situação de Pobreza

Com foco nos dados sociais e nas particularidades que expressam quanto à

formação territorial da cidade de Piedade, algumas respostas devem ser

construídas, a fim de colaborarem para a interpretação da gestão municipal da

assistência social em estabelecer respostas.

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Sob este enfoque, buscaremos explicitar como é a gestão municipal da

assistencial social em Piedade, a fim compreender os fios que entrelaçam a política

de assistência social e imbricam as categorias família e território.

2.3 Gestão Municipal da Assistência Social em Piedade

Por se tratar de uma cidade tipicamente interiorana e com uma história

fortemente marcada pela religião, o catolicismo, as primeiras iniciativas de uma

política assistencial tiveram início no século XIX, no bojo da igreja católica, com

caráter caritativo. Rastros dessa origem assistencialista, ligada à doutrina social da

Igreja, perduram até hoje na região e dificultam que o senso comum seja capaz de

distinguir política assistencial de assistencialismo.

Na década de 50, iniciaram-se algumas ações que fomentaram uma política

de assistência social. A partir do incipiente programa de transferência de renda para

famílias pobres, mantido pelo Serviço de Colocação Familiar, ligado ao Poder

Judiciário, estabelecido no Estado de São Paulo, iniciaram-se as primeiras práticas.

Tais ações eram ligadas à visão de policiamento, fortemente ligada às premissas do

Código de Menores de 1927, com resquícios da visão doutrinária e eclesiástica.

Criado pela Lei Estadual nº 560, de 27 de dezembro de 1949, o serviço

repassava a essas famílias, por meio do Juizado de Menores, um auxílio financeiro

para que elas pudessem manter os filhos.

Outras ações assistenciais se iniciaram na cidade, iniciativas da sociedade

civil, através da criação de instituições assistenciais que atendiam, de início, essa

demanda – crianças e adolescentes que perambulavam pelas ruas. Porém, muitas

dessas instituições ainda eram ligadas à Igreja, à caridade, ao assistencialismo,

tendo uma visão reduzida e patológica das expressões da questão social, uma visão

muito atrelada a “situações problemas”, “casos”, “pessoa-problema”, “pessoa-

problemática”, “família-desestruturada”, “delinquência”, afastada de uma visão

inclusiva, de totalidade, que abarcasse uma dimensão social a tais expressões.

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Em 1984, o governo do Estado de São Paulo transferiu esse serviço para o

Poder Executivo, sob o nome de Instituto de Assuntos da Família (IAFAM) 11, que

passou a integrar a estrutura da então Secretaria de Promoção Social. A atribuição

do IAFAM era proporcionar às crianças e adolescentes pobres condições favoráveis

ao pleno desenvolvimento físico e mental. Para isso, fornecia ajuda financeira às

famílias, que se comprometiam a participar de reuniões coordenadas por um

assistente social. Buscava-se fortalecer as relações familiares no âmbito das

relações sociais, transformando o subsídio financeiro em instrumento de política

social.

Segundo Maria Cristina Ponce Abreu12, a primeira assistente social a

estabelecer a prática do Serviço Social na cidade, o IAFAM foi a primeira prática

mais atrelada à política de assistência social sob a ótica não assistencialista, pois

demonstrava um avanço visto o contato com as famílias e seus indivíduos. Ela

relatou, porém, que o serviço não era bem estruturado, visto que ainda havia certo

descompasso e uma falta de sincronismo com os demais serviços. Não havia

interligação e o Serviço Social era responsável por muitas atribuições.

Sendo assim, o IAFAM, passou a responder, a partir de 1984 até 1996, pelas

ações específicas de atendimento à família, buscando proporcionar às crianças e

aos adolescentes condições favoráveis ao pleno desenvolvimento físico e mental por

intermédio das seguintes ações:

● Prestação de auxílio à própria família;

● Transferência a lar substituto;

11

O Instituto de Assuntos da Família (IAFAM) foi criado pelo governador do Estado de São Paulo,

Franco Montoro, pelo decreto Nº 23.625, de 1.º de julho de 1985, que regulamenta a Lei nº 4.467, de 19 de dezembro de 1984, que transfere para o Poder Executivo o Serviço de Colocação Familiar, o mesmo que introduziu o Fundo Social de Solidariedade no Estado. Para maior aprofundamento, consultar http://www.seplag.rs.gov.br e (http://www.desenvolvimentosocial.sp.gov.br/usr/File/2006/imprensa/Inovaes%20em%20Gesto%20Social%20Transferencia%20Renda.pdf), acessados em 19/07/2013.

12 Seu depoimento foi colhido no ano de 2010 para a realização de um levantamento quanto à Política

de Assistência Social, que compôs o trabalho monográfico intitulado “O acompanhamento sociofamiliar no Centro de Referência de Assistência Social – CRAS/Garcias: uma experiência profissional do assistente social no município de Piedade/SP, no período de 2008 A 2010”, apresentado a Universidade de Brasília – UnB para titulação de especialista.

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● Realização de todas as atribuições do antigo Serviço de

Colocação Familiar;

● Fornecimento de informes sobre características e transformações

familiares.

O auxílio financeiro variava de um décimo a um terço do salário mínimo, de

acordo com a condição social da família. Em caso de moléstia grave ou de motivos

julgados excepcionais, o valor concedido poderia ser acrescido de até 1/4 (um

quarto) do salário mínimo per capita.

No ano de 1997, a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social –

SADS dinamizou e ampliou o atendimento às famílias e propôs a implantação do

Programa Família, que se subdividia em dois subprogramas: Complementando a

Renda e Fortalecendo a Família. O primeiro concedia uma complementação da

renda familiar no valor mensal de até R$ 50,00/pessoa, enquanto o segundo

desencadeava um conjunto de ações com enfoque socioeducativo, tendo em vista o

fortalecimento do grupo familiar e o resgate da cidadania.

Em 1991, a Secretaria Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social –

SEADS substituiu o Programa Complementando a Renda pelo Programa Renda

Cidadã. O Programa Renda Cidadã, instituído em setembro de 1991, teve como

principais diferenças em relação ao seu antecessor, a abrangência territorial, os

valores dos benefícios e a focalização.

O Programa Renda Cidadã atende hoje 140 famílias em situação de

vulnerabilidade social.

A partir do ano 2000, com a inserção dos programas estaduais de assistência

social, a cidade de Piedade alavancou a implementação da política pública municipal

de assistência social, com adesão e pacto posterior em âmbito federal, implantando

uma rede socioassistencial municipal.

Um dos programas com tal pactuação é o Programa de Transferência de

Renda Bolsa Família, o qual teve um crescimento considerável desde sua adesão

em 2006.

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De acordo com os registros de abril de 2014 do Cadastro Único e com a folha

de pagamentos de maio de 2014 do Programa de Transferência de Bolsa Família, a

cidade de Piedade tem hoje 5.949 famílias registradas no Cadastro Único, sendo

que destas, 1.802 famílias são beneficiárias do Programa Bolsa Família (12,29 % da

população da cidade). Das famílias atendidas entre 2011 e 2014, apenas 106 das

cadastradas se encontravam em situação de extrema pobreza.

Das famílias cadastradas:

- 1.269 com renda per capita familiar de até R$70,00;

- 3.769 com renda per capita familiar de até R$ 140,00;

- 5.402 com renda per capita até meio salário mínimo.

Tal fato se dá por ainda não serem estabelecidas ações de vigilância social e

de busca ativa, que são vitais para o acesso desses indivíduos à garantia de renda.

Tabela 9: Transferência de Renda

Fonte: MDS, 2014

A gestão municipal, a fim de atingir e cumprir as metas estabelecidas pelo

programa Bolsa Família, buscou aprimorar-se a fim de “alcançar” os cidadãos

inatingíveis. A partir de ações pontuais, tais como centralização dos beneficiários por

território e um “ensaio” para a descentralização do programa, nos últimos anos

aumentou significativamente o número de cadastros.

Mesmo com os índices de vulnerabilidade social apontados, a cidade de

Piedade ainda apresenta sérias deficiências em atingir as famílias foco dos

programas sociais, principalmente do programa Bolsa Família, pois, pelo que se vê

na tabela 9, o número de famílias com renda inferior a R$70,00 é bem pequeno

perto da vulnerabilidade social já evidenciada inicialmente.

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Ainda em referência à pactuação ocorrida em 2006 junto ao governo federal e

preconizada pela PNAS e NOB-SUAS, a cidade implantou no mês de janeiro, o

Centro de Referência de Assistência Social. Pelo porte da cidade neste momento,

pequeno porte II, este aderiu a duas unidades, ambas localizadas em território de

maior vulnerabilidade social que, segundo contexto recente, devido à grande crise

que atingiu a economia local, concentrava-se no perímetro rural. Por desenvolver

atividade agrícola e ainda não estabelecida, a gestão municipal da assistência social

verificou ser o território rural o que melhor contemplava as demandas exigidas por

esta política.

A cidade de Piedade, após esta pactuação, instalou nos territórios que

considerava mais vulneráveis 02 (dois) CRAS: um no bairro dos Pintos e outro no

bairro dos Garcias.

Pelo próprio histórico da cidade, a formação territorial de Piedade está

intimamente ligada aos percursos de muitas famílias no território. Os bairros,

principalmente os localizados em território rural, são formados por famílias que

chegaram aqui na época do ciclo do tropeirismo.

Os territórios de abrangências dos CRAS comportam a maioria destes

bairros familiares, tais como Vila Moraes, Piratuba Sampaio, Miguel Russo,

Oliveiras, Castanhos, Ortizes, Moreiras, Cotianos, Santos, Bento Ruivo, Garcias,

como também aqueles que comportam algumas particularidades – produção

agrícola, pecuária, tais como Carneiros, Monos, Goiabas, Ribeirão Bonito, entre

outros.

Nesta formação, já incide o imbricamento das questões familiares e do

território de formação, pois segundo relatos orais, foi a partir dos percursos destas

famílias nos espaços que as particularidades e singularidades de Piedade se

apresentaram como de vital importância para traçar os caminhos para a

territorialização das ações de assistência social.

Segundo Lopes (2010), o CRAS do bairro dos Garcias está localizado a 4 km

do centro urbano da cidade e hoje atende uma área de abrangência que, somada,

chega a mais de 300 km². Predominantemente, seu território de abrangência está

localizado no perímetro rural e é de difícil acesso, pois só se dá via meios de

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transporte e encontra muitos problemas nas estradas vicinais. Mesmo localizado

próximo ao território de maior vulnerabilidade social, há uma grande dificuldade

quanto ao acesso, visto que este só pode ser feito via meio de transporte, que, na

maioria das vezes, circulam em média duas vezes durante a semana e só duas

vezes ao dia.

Ainda segundo Lopes (2010), o território de abrangência deste CRAS abarca

os bairros: Castanhos, Juruparazinho, Ortizes, Garcias, Vila Quintino, CDHU Marino

Godinho, CDHU Ezequiel, Moreiras, Piratuba, Piratuba Sampaio, Fazenda Limal,

Goiabas, Fazendinha, Jurupará, Bento Ruivo, Jardim São Paulo, Rosário, Pintinhos,

Capela de São Roque, Ciriaco, Vila Olinda, Paulas e Mendes, Bom Pastor, CDHU

Airton Senna, Cotianos, CECAP, Jardim Secol, Jardim Sinibaldi, Centro, Jardim São

Bartolomeu, Vila do Grácio, Sacilão, Nova Olinda e Santos.

A cidade de Piedade, a partir do Censo de 2010, e de acordo com o

estabelecido pela PNAS, modificou seu porte, sendo agora enquadrada como cidade

de “médio porte”, o que vem a suscitar mudanças significativas na gestão social.

A partir de fevereiro de 2011, visto a dificuldade de acesso, o CRAS dos

Garcias foi transferido para a região central e passou a ser chamado de CRAS Pietá.

A gestão da assistência social justificava essa mudança como sendo um facilitador

no acesso ao equipamento.

Instalado, portanto, em território central e de localização estratégica, próximo

à pequena rede de serviços socioassistenciais, o território precisou ser mapeado a

fim de contemplar todas as particularidades que a população em situação de

vulnerabilidade social vivenciava em seu cotidiano e que denotavam a ação da

assistência social municipal.

De acordo com o CADSUAS (MDS, 2013), a cidade conta com 2 CRAS(s),

que possuem cofinanciamento do MDS. O valor pactuado para cofinanciamento

mensal do(s) CRAS(s) na cidade é de R$ 24.000,00, com previsão de

cofinanciamento no ano de 2013 de R$ 288.000,00. Os CRAS(s) cofinanciados

possuem uma capacidade de atendimento de 2.000 de famílias/ano e capacidade de

referenciamento para 10.000 de famílias, conforme demonstra a figura a seguir.

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Figura 5: Valores da Pactuação PAIF 2010-2013

Fonte: MDS, Data Social 2.0, 2013.

Ainda de acordo com os dados extraídos do MDS (2013) e com os registros

do Sistema Nacional de Informação do Sistema Único de Assistência Social (Rede

Suas), em dezembro de 2013 foram registradas 395 famílias em acompanhamento

pelo PAIF. Dessas famílias, 17 se encontravam em situação de extrema pobreza e

32 eram do Programa Bolsa Família. Nesse mesmo período, foi contabilizado um

total de 385 atendimentos individualizados nos CRAS da cidade.

Mesmo com a crescente demanda por uma gestão da assistência social que

contemplasse as particularidades sociais e territoriais, observa-se que, mesmo com

todo percurso da própria política de assistência social na cidade, não se identificava

um diagnóstico socioterritorial que elucidasse as vivências familiares a partir de seu

território ou indicadores que, segundo a autora Vera Telles (2006, p. 60),

apresentam-se como

Grades complexas de indicadores sociais e sofisticadas cartografias urbanas fazem o traçado da pobreza no conjunto da cidade, dos pontos críticos de concentração da exclusão territorial e vulnerabilidade social à distribuição desigual dos equipamentos urbanos e serviços sociais. E no seu conjunto vão desenhando os contornos de uma cidade muito desigual, mas também heterogênea, com diferenciações importantes atravessando e compondo os territórios da pobreza.

Ou seja, ainda nos termos de Telles (2006, p. 62)

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O fato hoje é que sabemos mais e melhor sobre as características da pobreza urbana, o modo como ela se distribui nos espaços das cidades e as variáveis que compõem as situações de vulnerabilidade social e exclusão territorial. Mas sabemos pouco sobre as dinâmicas, processos e práticas sociais operantes nesse cenário tão modificado de nossas cidades. Sabemos mais e melhor sobre a escala dos problemas sociais e os pontos críticos espalhados pela cidade e seus territórios. Mas não sabemos discernir as linhas de força que atravessam essas realidades.

Relacionando-se com essa questão, Koga (2011, p. 60) concluiu que, nas

interlocuções da política social, as questões subjetivas e da proteção social fazem

parte do território, pois relacionam-se as relações estabelecidas pelos sujeitos, na

condição de habitante e de morador de um determinado espaço.

Dessa maneira, partindo dos próprios pilares da Política Nacional de

Assistência Social, “família e território”, a gestão da assistência social da cidade de

Piedade busca, a partir da territorialização, interpretar seus reflexos.

O que se retoma, portanto, é a questão do território, sob a interpretação de

Aldaíza Sposati (2008, p. 01), como “um espaço dinâmico de relações onde

necessidades e possibilidades se confrontam no cotidiano”. Deste modo, retoma-se

a questão de pertencimento, das trajetórias como decisórias nas ações da própria

gestão. Ou, nas palavras de Sposati (Op. cit, 9):

(...) na perspectiva da análise territorial o processo metodológico exige que se plantem os dados após ressignificados pela análise, isto é, que sejam criadas raízes nos dados, no mesmo chão de onde foram extraídos e submetidos a abstrações e generalizações desterritorializadas. No caso, destacam-se os dados que dizem respeito ao cotidiano, à dinâmica da luta pela vida ou às condições objetivas de reprodução social cotidiana e de representação e convívio sócio-político.

Sob esse prisma, a gestão da assistência social baseada nesses pilares, em

síntese, deve considerar a interpretação das vivências territoriais como um espaço

que vai além da habitação, do domicilio, mas que engloba, também, a própria

questão da vivência e da convivência, do pertencer e se identificar com este espaço.

Ou seja, faz-se necessário, portanto, evidenciar “as trajetórias individuais e

coletivas a fim de orientar a análise da organização social e o papel do indivíduo”, os

“fios da meada” que tecem a relação entre espaço e indivíduo, na perspectiva das

relações, da identidade e da historicidade. (RAMOS; KOGA, 2011, p. 345, 347).

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3 - CONEXÕES ENTRE TERRITÓRIO E FAMÍLIA EM PIEDADE:

TRAJETÓRIAS E RETORNOS

“Para estudar o passado de um povo, de uma instituição, de uma classe, não basta aceitar ao pé da letra tudo quanto nos deixou a

simples tradição escrita. É preciso fazer falar a multidão imensa dos figurantes mudos que

enchem o panorama da história e são muitas vezes mais interessantes e mais importantes do que os outros, os que apenas

escrevem a história.”

Sergio Buarque de Holanda

3.1 Percursos e Percalços: Retorno à Metodologia da Pesquisa

Territorializar é construir e reconstruir sem cessar pelo comportamento do ator social, materialmente e em suas representações: pelo indivíduo e seu grau de poder ou de influência; para o indivíduo é uma alquimia entre o pessoal e o coletivo, onde nosso aparelho cognitivo não pode inventar tudo. (DI MÉO, 1996, p. 21 apud KOGA; RAMOS 2004, p. 58).

Pesquisar as conexões entre território e família pressupõe um movimento de

retorno, complexo e particular, pois questiona a vida social dos homens em seu

território, com suas características singulares e particulares e seus modos de

pertencimento e vivência.

Conectar e imbricar tais categorias traz em si a responsabilidade na escolha

do tipo de pesquisa e da metodologia adequada, para que a pesquisa contemple a

amplitude expressa nessas conexões.

Seria um retorno à cidade, retornar à cidade de Piedade, a fim de conectá-la

às famílias e ao território, como modus operandi em alcançar o objetivo desta

pesquisa.

A escolha da cidade de Piedade é fruto de uma vivência própria, iniciada na

vivência laborativa, uma vez que a pesquisa parte do cotidiano vivido.

Ao percorrer seus territórios, encontrei “graça” em suas formações e

edificações, chegando até famílias que ora conectavam-se ao todo; ora se

desconectavam dele.

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Vivenciando o cotidiano, o olhar vai se modificando, trazendo especificidades

do lugar que a práxis não poderia responder em si sem interligar e imbricar questões

elencadas na política social, no território e nas famílias.

A cidade traz em si conexões e desconexões, determinantes históricos que

remetem ao território usado, interpretado na perspectiva da totalidade em

movimento, através da compreensão de que eventos e particularidades da cidade

incidem tanto nos lugares quanto nos indivíduos que os habitam.

Esse território usado, segundo Milton Santos (2003, p. 96) é formado pelo

“(...) chão e mais a população, isto é uma identidade, o fato e o sentimento de

pertencer àquilo que nos pertence”, o que remete a um espaço que cria vida, um

espaço humano e habitado.

Além da questão da vivência, a questão do espaço e de seu uso – que

cunhou a expressão território usado - evidencia as necessidades e possibilidades de

ação política. Esse uso do território inclui os atores que nele circulam, o diálogo com

da sociedade, as demandas, possibilidades, herança social e seu movimento

contínuo (SANTOS, 2004). Essa visão inscreve o território num sistema mais

planetário, na relação da Terra com os homens, ou, nas palavras de Santos (2002,

p.10), o território é verificado como:

(...) não apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas. O território tem de ser entendido como o território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida.

O território como método de análise é entendido na perspectiva do método

como “uma trajetória teórica, movimento teórico que se observa na explicação sobre

o ser social”. (YAZBEK, 2000, p. 23).

A cidade e seus territórios são, portanto, expressões das relações sociais, dos

movimentos projetados sobre um espaço, que se evidenciam na vida de indivíduos e

famílias. Por isso, só podem ser compreendidas a partir de seus “contextos sociais,

econômicos, políticos e culturais que incidem na globalidade das relações sociais,

que se presentificam no território”. (DINIZ, 2012, p. 96)

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Para a autora Anita Burth Kurka (2008, p. 94)

(...) a formação de um território não leva em conta apenas as causalidades na relação os entre elementos, mas também o contexto, pois cada lugar possui sua especialidade e suas variáveis que se relacionam a partir e nos contextos, no movimento do todo, na relação com a história.

Assim, dentro deste prisma, utilizar como categorias de análise território e

família se faz necessário a fim de interpretar as conexões entre a formação do

espaço e a formação familiar, na busca por compreender seu imbricamento e

expressões nas respostas das políticas sociais, especialmente na política de

assistência social, para a qual família e território constituem-se como dois pilares.

A família, como o território, apresenta e imprime nuances diferenciadas de

interpretação que só podem ser compreendidas, muitas vezes, quando se percorre o

chão onde ela pisa. Isso nem sempre é marcado por um trajeto retilíneo, fácil de ser

percorrido, sem curvas ou paradas.

Esse percurso em si traz nuances das trajetórias percorridas pelos indivíduos

nos territórios.

Chegar até os indivíduos e seus territórios usados e de vivências implica

conhecer as caminhadas realizadas por cada um deles no espaço determinado,

suas dificuldades, suas vitórias, sua sobrevivência dentro de territórios que denotam

vulnerabilidades sociais, muitas mazelas e inseguranças.

A vivência territorial aqui se expressa como uma forma peculiar de

pertencimento, pois viver e pertencer a determinado espaço apresentam-se como

sinônimos.

Este estudo sobre o território e a família parte desse pressuposto, alinhando-o

aos métodos qualitativos de pesquisa, com uma metodologia privilegiada que busca

apreender o real a partir de seus sujeitos sociais.

O olhar qualitativo busca significados desses processos sociais, os quais não

podem ser conferidos apenas por dados estatísticos e numéricos. Retoma-se, aqui,

categorias fundamentais, tais como a historicidade dos fatos que constroem

contextos sociais e fundam territórios.

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Nessa perspectiva, a partir da historicidade dos sujeitos, histórias começam a

ser ouvidas e traçadas. Elas são fundamentais para interpretar o território como um

conceito relacional, “tecido e movimentado pelos indivíduos”, (DINIZ, 2012, p. 99)

que justifica o estudo da sociabilidade dos sujeitos por este viés.

(...) trazer à tona o que os participantes pensam a respeito do que está sendo pesquisado, não só a minha visão de pesquisador em relação ao problema, mas é também o que o sujeito tem a me dizer a respeito. (MARTINELLI, 1999, p. 21)

É neste sentido que objetivamos evidenciar o que o sujeito da pesquisa pensa

sobre o que está sendo pesquisado, compreendendo e interpretando suas

significações, essenciais para a construção do conhecimento, uma vez que a

finalidade desta modalidade de pesquisa é a construção conjunta e não solitária,

privilegiando a interação entre o pesquisador e o sujeito.

Assim, a pesquisa qualitativa pressupõe esta relação direta com o sujeito e o

pesquisador, de modo intencional, que implica em interações e trocas, valorizando a

própria dinâmica expressa em seu cotidiano social.

Trata-se, portanto, de uma nova ambiência, uma imersão na vida social do

sujeito, ouvindo suas expressões, relatos, ou mesmo seus silêncios.

A pesquisa qualitativa, portanto, se interessa em conhecer os modos de vida

dos sujeitos, seus valores, seus sentimentos, suas crenças e suas opiniões e

também suas atitudes e representações, suas experiências, sua compreensão e

interpretação de determinados fatos e como estes repercutiram ou não em suas

vidas.

Significa que “o viver histórico cotidiano do sujeito, a sua experiência social

expressa a sua cultura”, seu modo de enxergar e interpretar o mundo, traduzindo

também, seus interesses e lutas. (MARTINELLI, 1999, p. 23)

Partir da experiência se torna primordial para o conhecimento do particular,

pois possibilita dimensionar o sujeito dentro do seu espaço – parte do todo – e de

seu universo singular e particular.

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Os valores, segundo Diniz (2012, p. 100), são apreendidos nesta experiência

vivida, “na vida material e espiritual dos homens, no processo de apreensão dos

sentimentos, das normas e dos costumes”. Por isso, os valores constroem-se na

família e em suas relações.

No processo de construção do modo de vida do sujeito a metodologia da

história oral se faz presente e necessária a fim alcançar o objetivo proposto em

pesquisa.

Para Martinelli (1999, p. 23)

É em direção a essa experiência social que as pesquisas qualitativas, que se valem da fonte oral, se encaminham, é na busca dos significados de vivências para os sujeitos que se concentram os esforços do pesquisador. Assim, podemos afirmar que, nessa metodologia de pesquisa, a realidade do sujeito é conhecida a partir dos significados que por ele lhe são atribuídos.

Optamos trabalhar com a fonte oral de coleta de dados pela relação de troca

entre o sujeito e o pesquisador, tecendo uma dinâmica de interações. Dessa forma,

rompe-se com a ideia de que a coleta de dados é feita através de instrumentos

estáticos e reconhece-se que ela é uma dinâmica aberta para a troca com o sujeito

de pesquisa.

Esta interação traz em si a participação do pesquisador ao transmitir não só

apenas o coletado, mas também os sentimentos vividos, percepções, inspiração e

transpiração, tornando o pesquisador sujeito da pesquisa também.

Martinelli (1999, p. 26) evidencia tal fato na possibilidade de conhecer o outro,

sendo que esta “depende do conhecimento que temos de nossa subjetividade e

também de nossa disponibilidade para também nos revelarmos neste encontro”,

como um exercício político e social.

Deste modo, os sentidos são aguçados e a observação e a escuta atenta se

tornam primordiais para a feitura da pesquisa.

Neste sentido, como já mencionado anteriormente, a coleta da história oral e

observação participante nortearam as trajetórias metodológicas como necessárias e

presentes no alcance de nossos objetivos.

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A história oral possibilita um momento de escuta, de ouvir histórias não

ouvidas, de voltar o olhar, os sentimentos e emoções para o outro, numa vivência

dialógica, de interação e com objetivos claros. É o momento de dar voz ao sujeito,

de torná-lo visível, de torná-lo sujeito de sua própria história, de registar suas

trajetórias individuais.

Diniz (2012, p. 104) evidencia que a questão da história oral traz um “novo

olhar, um novo jeito de se pensar e movimentar a pesquisa” que visa romper com as

questões tradicionais elencadas em muitas pesquisas. As histórias orais possibilitam

compreender o que significam as histórias cotidianas e a cultura para os sujeitos e

como são vivenciadas por eles. Além disso, elas são capazes de explicitar situações

de determinado segmento social.

Essa metodologia exige, ainda, sensibilidade na coleta, na interpretação e na

análise dos dados, dinamizando e tecendo linhas entre os contextos e territórios,

entre marcas e marcos.

Analisar a dimensão do território já “é em si constituinte do objeto, ou seja,

interessa saber a forma como se dá a relação entre espaço e individuo na

perspectiva relacional, identitária e histórica”, ou seja, se faz necessário conectar o

indivíduo a seu espaço de vivência. (KOGA; RAMOS, 2011, p. 347)

As coletas destes depoimentos - através do contar de suas histórias, nas

entrevistas, conversas ou diálogos - revelam muito do que os sujeitos pesquisados

realizam enquanto sujeitos históricos, que dão sentido e vida à narrativa.

São expressões de memórias, reflexões e palavras que ampliam a percepção

do fato histórico, de suas marcas, como expressão de sua existência social e

histórica.

A história oral, portanto, tem esta finalidade: contribuir para a interpretação

dos sujeitos e de seus territórios, de famílias e territórios, seus modos e meios de

vida e, nos termos de Diniz (2012), da sociabilidade neles imbricadas.

Sobre essa metodologia de pesquisa, é importante ressaltar o fragmento

abaixo, escrito por uma historiadora.

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Investigar suas narrativas tem possibilitado descortinar espaços e modos de trabalhar e moras nas dimensões simbólicas de cartográficas de cidades, além de permitir identificar e compreender melhor os modos de como esses moradores projetam, disputam, constroem seus territórios na cidade, nos modos como circulam por ela, usam-na e dela se apropriam, enraizando-se. Lugares trazidos pela memória aparecem como referências simbólicas de experiências vividas, das relações disputadas, da mesma forma que neles produzem novas experiências (KHOURY, 2001, p. 96).

Nesta dinâmica, as narrativas orais vêm a favorecer a compreensão dos

modos de vida dos sujeitos na cidade ou em seu “pedaço particular” dela, suas

diversidades e adversidades, que imprimem marcos e marcas no espaço vivido,

revelando memórias e sentimentos.

Recorremos, nesse percurso, intencionalmente, ao uso de depoimentos

colhidos, pois assim se estabeleceria um diálogo entre a política de assistência

social e as categorias elegíveis, família e território se imbricando. Seguimos um

roteiro de perguntas de certa forma inacabado, pois ao longo do caminho

procuramos flexibilizá-lo a fim de entrelaçar categorias teóricas e metodológicas ao

diálogo estabelecido entre o pesquisador e o pesquisado.

Com essa intenção deu-se voz aos sujeitos desta pesquisa, a fim de colher,

em suas falas, seu pensamento sobre o território e seu entorno, sobre a cidade e

suas complexidades ou simplificações, sobre o viver em território-família ou família-

território.

Para que os sujeitos relatassem suas experiências e interpretações sobre o

espaço vivido e sua relação com a família, os diálogos foram captados pelo recurso

do gravador, pois este apresentava com efetividade a captação da voz, de seus tons

e agudos, dos silêncios e lacunas, de suas experimentações cotidianas.

Optamos, também, pelo uso de captação de imagens a fim de justificar os

trajetos metodológicos de escolha do espaço e dos sujeitos.

Os caminhos dessa pesquisa envolvem diálogos, algumas histórias e trocas,

que vão tecendo os fios condutores na interpretação do imbricamento entre território

e família.

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3.2 Marcas e Marcos: Conexões entre Histórias e Formações Territoriais

Imprimir as marcas do lugar implica retornar, inicialmente, ao todo, à cidade

de Piedade a fim de sintonizá-la ao cenário escolhido como foco da pesquisa,

Piratuba Sampaio.

Um dos marcos mais notórios na cidade de Piedade é sua formação territorial

composta por famílias desde sua fundação.

Figura 6: Visão Panorâmica de Piedade

Fonte: Fotógrafo Ado Moraes, maio de 2013.

Famílias e territórios, neste momento, se imbricam, e só podem ser

compreendidos e interpretados no (re) conhecimento de suas formações e

conformações, de seus marcos e marcas.

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Há aqui uma retomada das questões iniciais de escolha e identificação do

território, as quais, compreendidas como marcos, trazem em si as marcas expressas

e imbricadas no território e na família.

Durante este percurso, não realizamos uma descrição do passado, mas sim

uma compreensão dele a partir da história e vivência do outro, pois se entende que

interpretar é melhor do que apenas reproduzir.

Piedade está situada nas encostas da serra de Paranapiacaba, fazendo

limites com Votorantim, Salto de Pirapora, Ibiúna, Pilar do Sul e Tapiraí. Uma das

marcas destes limites é a represa de Itupararanga, a qual imprime como marco a

vinda de muitas famílias para a cidade.

A cidade, em sua formação, estava situada na rota das tropas que

comercializavam muares. Era utilizada como pouso na rota de “fuga” para escapar

da cobrança do imposto, ocasiões em que os tropeiros buscavam caminhos

alternativos. Piedade oferecia também, como vantagem, o fato de encurtar a

distância em 36 quilômetros.

Rodrigo Ayres de Araújo (s/d), em seus estudos, descreve que as tropas que

circulavam na referida região eram oriundas do Rio Grande do Sul de São Pedro e

iam até o campo largo de Sorocaba.

O tropeiro Cristóvão Pereira de Abreu, no ano de 1732, em suas explorações

pela região, ao buscar um caminho alternativo para chegar à província de São

Paulo, realizou a proeza de ligar Curitiba à Sorocaba, explorando e abrindo

caminhos pela Serra de Paranapiacaba, abrindo rota para muitos outros tropeiros.

Tal rota coloca Piedade em perspectiva, pois foi um marco a vinda das tropas

para a cidade em busca de pouso, como lugar de descanso antes da Feira de

Muares.

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Figura 7: Mapa do Ciclo do Tropeirismo

Fonte: Rafael Straforini, 2001.

A ocupação e movimentação dos tropeiros tiveram como objetivo fugir dos

impostos cobrados por Sorocaba, por volta de 1800.

Os estudos realizados por Rodrigo Ayres de Araújo (s/d) sobre as sesmarias

sinalizam que, no século XIX, durante as peregrinações pelo território de Piedade,

muitas famílias ocuparam fazendas da cidade. Depois, uma porção dessas

comunidades transformou-se em bairros que passaram a ser denominados pelo

mesmo nome da família em questão.

Muitos estudiosos atribuem sua fundação ao mascate Vicente Garcia, um

comerciante que recepcionava e atendia as tropas que por lá passavam, porém

ainda há outras versões da história de formação, nas quais se atribui a fundação da

cidade a outras pessoas.

No século XIX, diversas famílias vindas de localidades vizinhas, especialmente de Sorocaba, estabeleceram-se na margem esquerda do Rio Pirapora, um pouco abaixo da confluência com o Ribeirão do Cotianos, formando um pequeno povoado que tinha como pioneiro Vicente Garcia. Entre 1831 e 1835, um tropeiro doou a Vicente Garcia uma imagem de Nossa Senhora da Piedade que, em louvor da qual, apressou-se em construir uma pequena Capela, que foi benta a 20 de maio de 1840, que hoje é considerado o dia da fundação da cidade. A lei n.º 16, de 03 de março de 1847, elevou o povoado de Piedade à condição de freguesia e a Lei n.º 8, de 24 de março de 1857, elevou a freguesia de Nossa Senhora da Piedade à de Vila, que foi instalada em 22 de setembro de 1857. Seus fundadores foram Vicente Garcia, Manuel Ribeiro, Francisco Moreira, José Francisco Rosa e Demétrio Machado (NETTO, 1987, p. 18,19).

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A formação territorial, dentro dessa perspectiva, se desenvolveu a partir do

fomento agrícola, que por muitas décadas representou a base econômica da cidade.

Vale destacar que a agricultura passou por várias fases descritas pelo historiador

Antônio Leite Netto como responsabilidade da fertilidade das terras locais.

O antigo pouso dos tropeiros ia se transformando em bairros e progredia rapidamente a mercê da fertilidade da terra. Já em 1836, o então bairro do Pirapora Acima com suas 45 famílias plantavam milho e um pouco de fumo e feijão. Colheram, nesse ano, 3.462 alqueires de milho, 876 de feijão e 21 arrobas de algodão. A partir de 1850, com o fluxo migratório para as terras às margens do Pirapora, começou a diversificação da produção agrícola (NETTO, 1987, p. 20).

Uma característica identitária da cidade, uma marca, portanto, é sua formação

familiar – território-família – e o desenvolvimento agrícola. Sua formação, sob o

prisma da historicidade dos fatos, apresenta-se como de característica familiar, pois

as vindas das famílias de Vicente Garcia, Manuel Ribeiro, Francisco Moreira, José

Francisco Rosa e Demétrio Machado se conformaram nos primeiros bairros da

cidade – Garcias, Moreiras, e em especial, o Bairro do Piratuba, formado por

familiares do tropeiro José Francisco Rosa, o senhor Inácio Rosa.

Piedade está situada no interior do Estado de São Paulo, a 131 km da capital

e a 32 km de Sorocaba.

Na pesquisa censitária concretizada em 2000, através de dados apresentados

pelo IDV – Identificação de Localidades e Famílias em Situação de Vulnerabilidade,

do MDS, e colhidos da citada fonte em novembro de 2011, estabeleceu-se que a

questão de vulnerabilidade social e suas expressões não estavam presentes do

território rural.

Já o Censo de 2010 revelou que sua população conta hoje com 52.214

habitantes, dos quais 45,57% residem em área urbana e 54,43% em área rural.

Identificou-se que a população residente em território rural merecia atenções

diferenciadas e suas necessidades deveriam ser mapeadas e analisadas. Por isso,

percorrer e escolher um território localizado na área rural não fora meramente uma

escolha aleatória, mas sim intencional, pois suas marcas imprimem particularidades

e singularidades que, ao mesmo tempo, conectam-se ao todo da cidade e se

desconectam dele.

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Sob esse prisma, a partir dos dados censitários, um dos marcos da cidade é

que 28.420 habitantes são de território rural, sinalizando que para além da cidade, o

território rural é marcado como prioridade das atenções sociais.

Esta característica rural da cidade mostra ainda uma forte conjunção entre a

agricultura praticada e as culturas dos habitantes, muito ligadas às atividades

agrícolas e ao ato de habitar o campo.

Além disso, a vulnerabilidade social alta encontra índices maiores nos setores

rurais, onde, dos mais de 28 mil habitantes, 9.225 pessoas classificam-se no índice

mais alto de vulnerabilidade.

Tal particularidade evidencia que o território deve ir além da visão micro, uma

vez que “as próprias condições de vida do lugar remetem diretamente às relações

entre populações e lugares, entre um pedaço e outro da cidade, entre o lugar e a

totalidade da cidade”. Além disso, essa característica sinaliza que a situação do

lugar deve ser evidenciada e contemplada pelas políticas “que se direcionam à

manutenção ou à transformação das condições de vida”. (KOGA, 2011, p. 59)

Nesta perspectiva, evidenciar o território rural é retornar, também, às

categorias-pilares da própria política de assistência social e interpretar as

particularidades e as vulnerabilidades sociais de um dado espaço.

Koga (op.cit, p. 248) afirma que, ao se estudar a cidade, muitos “abandonos”

são estabelecidos, principalmente do território, que torna frágil o “conhecimento

sobre as diferenças e desigualdades existentes entre cidades e no interior de cada

uma delas”.

A cidade é conhecida por suas demandas, portanto, que se segmentam em

atenções as ações políticas e que desconectam território e família, pois trabalham

com “público-alvo” e demandas apenas.

Porém, buscamos imprimir na presente pesquisa que a cidade é um espelho,

o qual reflete a realidade e a necessidade de imbricar categorias como família e

território - neste caso, o território rural do Piratuba Sampaio. Essa visão expressa um

movimento ativo de relações sociais, da sociedade organizada e projetada no lugar,

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imprimindo, na vida prática, reflexos sociais, econômicos, políticos e culturais, que

devem ser conhecidos e interpretados.

A cidade, portanto, abarca nuances e expressões que merecem ser

particularizadas, pela pluralidade e diferenciação que seus territórios e os que nele

habitam trazem em seus modos de vivência e de mediação no espaço.

Dentro dessa perspectiva, buscaremos neste momento evidenciar as marcas

e marcos da história impressa na formação territorial em Piedade.

3.3 O Bairro do Piratuba

Mapa 3: Bairro do Piratuba

Fonte: http://jovensadventistaspiedade.blogspot.com.br/2009/05/piedade-sp.html, acesso em

abril/2014

Retomar a história do “entorno” é necessário a fim de conectá-la à formação

territorial, pois não há como remeter-se à questão da formação do Piratuba Sampaio

sem compreender as marcas que o entorno dele imprimiu nesse território.

A formação histórica da cidade de Piedade é marcada pelo fato de muitos dos

bairros, principalmente os de formação familiar, terem surgido já na fundação da

cidade, por volta de 1840.

Antes do surgimento do bairro familiar Piratuba Sampaio, já estava

consolidada a formação do bairro do Piratuba.

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Antônio Leite Netto, um dos principais historiadores e estudiosos da formação

de Piedade, através de documentação oficial da Câmara Municipal de Piedade e da

coleta de depoimentos de moradores mais antigos do bairro, relatou em depoimento

concedido à imprensa oficial da cidade, no ano de 2010, a formação do Bairro do

Piratuba.

Antônio Leite Netto revelava que, no ano de 1733, já existiam famílias

morando no bairro, conhecido na época por Pereatuba. Os primeiros proprietários -

Inácio Rosa, Capitão Furtado e Joaquim Furtado e, anos depois, Sebastião Ruivo -

iniciaram o desmatamento para desenvolver a agricultura e formação de pastagem.

Na época, as divisas das terras eram em espigão, cordilheira ou picadas,

sendo de propriedade daquele que fizesse a maior quantidade de terras em sua

divisa. Segundo relatos do pesquisador, a divisão era consensual e respeitosa e

ninguém invadia as terras dos demais.

As terras eram chamadas de Pereatuba, pois não se evidenciava referência a

uma família em particular.

Rodrigo Ayres de Araújo, historiador da formação territorial de Piedade há

mais de 15 anos, ainda relata que, antes da denominação do bairro ser Pereatuba,

ele era chamado de Inácio Rosa, nome do proprietário da maior fazenda da região,

onde provavelmente os tropeiros faziam seus negócios.

No ano de 1873, os proprietários e os moradores que trabalhavam no bairro

se reuniram a fim de abrir um caminho, o que chamavam de picadão, em sistema de

mutirão. Apesar de ser um caminho para transporte em tropas de animais, já

previram que no futuro haveria passagem de veículos.

Por muitos anos, esse caminho serviu de ida e vinda de tropas em seus

carroções com mercadorias que eram vendidas ou compradas em Sorocaba. Essa

estrada foi conservada por Jorge Torres.

Não há relatos concisos quanto a Jorge Torres, sobre suas terras ou se ele

era apenas empregado das fazendas locais. Os historiadores Rodrigo Ayres de

Araújo e Antônio Leite Netto afirmam, apenas, que ele era responsável pela

conservação da estrada e que sua atuação foi de grande importância.

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Em 1877, a cidade de Piedade se dividiu em Distritos, e o bairro do

Pereatuba, foi incluído no 2º Distrito com os bairros do Jurupará, Ribeirão Grande e

Lavras Velhas.

Por ser um território banhado por muitos rios e córregos, em 1886, Antônio

Pereira Inácio descobriu o encontro das águas dos rios Sorocabussu, Sorocamirim e

rio de Una (antigo nome da cidade de Ibiúna, que faz divisa com Piedade) que, em

seu desague formava um só rio, formando uma cachoeira perto de Vossoroca, um

bairro da cidade de Votorantim.

O terreno deste encontro de águas era de João Custódio, fazendeiro, e foi

alvo de especulação da empresa Companhia Light. Um estudo realizado por

ingleses, empregados desta empresa, demonstrou que esse encontro de águas

possibilitaria a construção de uma barragem. O projeto foi denominado de “Represa

do Itupararanga”.

Segundo Rodrigo Ayres de Araújo (s/d), João Custódio fez um acordo com o

proprietário da empresa, realizando uma permuta de terras, na qual trocou suas

terras por outras mais ao sul do próprio bairro, terras essas que se localizavam em

ponto estratégico, pois ficavam entre os bairros dos Garcias, próximo do Bairro do

Colégio e Paruru, em Ibiúna.

Em 1896, teve início a construção da barragem da Light. Mais de dois mil

homens trabalhavam diariamente em diversos setores da obra, a qual dividiu as

cidades de Piedade, Sorocaba e Votorantim. A construção durou cerca de 18 anos e

é uma das maiores usina hidroelétrica da região.

A represa de Itupararanga foi um marco para o crescimento econômico do

bairro, pois a presença dos trabalhadores e de suas famílias representou o

crescimento para o bairro e seu entorno, formando novos bairros.

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Figura 8: Represa de Itupararanga – Bairro do Piratuba

Fonte: Fotógrafo Adilson Karafa, dezembro de 2011.

O bairro era rota do tropeirismo, ponto de partida para muitas tropas pelas

características, pelos trajetos e pelos limites que fazia com outras cidades.

A origem do nome do bairro está interligada à questão da presença das

águas, como marco para sua denominação. Os primeiros moradores do bairro

Pereatuba, na exploração do território, encontraram em suas águas uma grande

quantidade de peixes nos rios Sorocabussu, Sorocamirim e Uma. Como esses

peixes saltavam para procriar em suas cabeceiras, os moradores passaram a

chamar o bairro de Piratuba, que em tupi guarany significa “lugar de muitos peixes”.

O bairro, neste ínterim, fora dividido entre as famílias que o compunham,

dividindo o território em três partes distintas, conforme particularidades e

singularidades descritas a seguir.

Na área central do bairro, localizava-se a família do senhor Naor Torres. Era

onde funcionava a escola e o posto de saúde.

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A parte localizada mais acima, a qual faz limite ao bairro vizinho do

Juruparazinho e onde está localizado o Piratuba de Cima, era formada pelas famílias

Fernandes de Matos e Granjeiro. Nessa região fora construída a primeira Escola

Estadual, hoje desativada, a Igreja Católica de São Pedro e a Igreja Evangélica

Assembleia de Deus.

Na área mais baixa e mais próxima à represa de Itupararanga, fica o Piratuba

de Baixo, formado pela família do senhor Pedro Guerra. Nessa região ficam

importantes instalações, como ACM, pertencente ao núcleo da cidade de Sorocaba,

estância Oásis, Marina Náutica Belas Artes, Micro Empresa de Própolis e Cartilagem

de Tubarão e Roberg Alimentos da Natureza Ltda., que exporta para Japão, Coréia

do Sul e Taiwan.

Uma marca do Piratuba de Baixo é a inserção política e social do senhor

Pedro Guerra, que imprimiu marcas na formação do bairro, tais quais a infraestrutura

urbana e o serviço socioassistencial.

Senhor Pedro Guerra trabalhava como engenheiro na empresa Grupo

Votorantim. Iniciou sua carreira lá quando ainda era um jovem estudante. Na época,

residia na cidade de São Paulo com sua família, porém uma transferência o fez

mudar de planos.

Sendo assim, ele procurou casas pela região da empresa e na cidade

também. Porém, ao conhecer o bairro – que fazia divisa com Votorantim e , por isso,

dava fácil acesso ao seu local de trabalho - se encantou e imediatamente transferiu-

se com sua família para lá.

Muitos moradores antigos do bairro relatam que sua presença mudou muito a

visão organizacional do bairro, pois ele trouxe “progresso pro bairro”.

Pedro Guerra, por seu engajamento, buscou levar seus ideais para além do

bairro e, nas décadas de 1960 e 1970, engajou-se na política. Em 1965, por

influência dos amigos que trabalhavam no Grupo Votorantim, saiu candidato a

vereador e foi eleito com 187 votos pela U.D.N.(União Democrática Nacional).

Em seu mandato, não recebia salário como vereador e, segundo muitos

depoimentos, trabalhava por amor, gastando o dinheiro do próprio bolso para ajudar

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o povo necessitado. Como não entendia nada de política, resolveu fazer estágio na

Prefeitura de São Bernardo do Campo, por ordem do empresário José Ermínio de

Moraes Filho, dono do Grupo Votorantim.

Senhor Pedro buscou por algumas vezes galgar sua inserção pública na

cidade de Piedade, porém, pela grande concorrência local, apesar de chegar

sempre muito perto de ser eleito, nunca conseguiu um cargo político em Piedade.

O bairro contava também com outros percussores políticos que sempre

buscavam, sem sucesso, a eleição. Os candidatos que se elegeram foram Darci

Fernandes de Matos, Ademir Fernandes de Matos, Dirceu Torres, Orlando Granjeiro,

Anézia Maria Borba (Nézinha), Amarildo Pedroso, João Granjeiro, Marcelo Cabeção

e Rêne.

Apesar de não ser eleito, Pedro Guerra teve uma grande inserção política e

social no bairro, sendo um dos primeiros a criar uma associação de amigos e

moradores do bairro, criando no ano de 1990 a Associação de Amigos da Família do

Bairro do Piratuba que, alguns anos mais tarde, idealizaria a creche comunitária

“Recando da Vovó Xanda”.

A creche Vovó Xanda é a maior referência em educação infantil para a

cidade, pois trabalha com princípios inovadores e organizacionais diferenciados. Ela

foi fundada no ano de 1998 pela professora Margueritte Guerra, educadora

aposentada e esposa do Senhor Pedro Guerra.

Dona Margueritte também é referência para o bairro, pois seu engajamento

social expressou e fundamentou a maioria dos avanços para o bairro e entorno, tais

como a construção da escola municipal Mauricio Pires, que fica ainda na estrada,

com a represa ao fundo, em seu quintal, porém dá acesso aos bairros circunvizinhos

como Ortizes, Juruparazinho, Limal, Fazendinha e Jurupará.

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Figura 9: Creche Recanto Vovó Xanda

Fonte: http://recantodavovoxanda.blogspot.com.br/2011_10_01_archive.html, acessado em

abril/2014.

O bairro de Piratuba, localizado no território rural de Piedade, a 10 km do

centro da cidade, e com mais de 281 anos, tem sua história marcada por ser um

território de passagem, como evidenciado na época do tropeirismo e de acessos,

pelos limites que realiza com outras cidades.

A população total residente nesse bairro, indicada no último recenseamento

em 2010, é de 662 habitantes, porém com características peculiares evidenciadas

na tabela a seguir.

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Tabela 10: Características do Setor Censitário do Piratuba

Fonte: IDV, MDS, 2014.

O Censo de 2010 recenseou o bairro do Piratuba em sua totalidade, visto que

nos mapeamentos oficiais o bairrinho do Piratuba Sampaio não é considerado como

um bairro, como se observa na tabela 11, que exclui o Piratuba Sampaio,

considerando-o como um setor interno.

Mesmo com a evidência de que muitos dos territórios mais vulneráveis estão

em território rural da cidade de Piedade, como se verifica no mapa 2 e nos dados

colhidos do IDV, a rede socioassistencial permanece distante do foco das atenções

sociais, como se verifica no mapa a seguir.

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Mapa 4: Localização da Rede Socioassistencial da cidade de Piedade

Fonte: IDV, MDS, 2014.

O bairro do Piratuba fica a 11,5 km do serviço socioassistencial mais próximo,

o CRAS Pietá, que neste mapeamento já estava instalado em área central da

cidade. O Piratuba está identificado pela seta localizada no mapa, a fim de ilustrar

essa desconexão.

A cidade de Piedade possui hoje dois CRAS instalados em territórios distintos

da cidade. O CRAS dos Pintos está localizado em território rural, dentro da

comunidade que, segundo o MDS, apresenta altos índices de vulnerabilidade social,

na capilaridade do território.

O CRAS dos Garcias, até o ano de 2011, estava localizado no bairro dos

Garcias, bairro de origem familiar que apresentava muitas famílias em situação de

vulnerabilidade social e de risco. No ano de 2011, a gestão municipal optou por

transferir este aparelho para o centro da cidade, com a justificativa de que a

mobilidade e o acesso seriam facilitados.

Segundo dados colhidos junto à assistente social Maria Cristina Ponce Abreu,

os CRAS foram instalados nestes territórios já na adesão ao serviço de proteção

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social básica em janeiro do no ano de 2006, na cidade. Ela relata que o município

aderiu a tais serviços e instalou-os em dois bairros distintos, dividindo ao meio o

município e instalando-os nos dois extremos municipais.

Maria Cristina, ainda no depoimento colhido, relatou que não houve

inicialmente um mapeamento ou diagnóstico social preciso, porém a gestão

municipal da assistência social se embasou nos índices coletados no

Cadastramento Único, que apontavam muitas famílias daquela região cadastradas

e/ou recebendo benefícios de transferência de renda.

Considerando-se o porte da cidade de Piedade, a rede socioassistencial do

município é pequena, uma vez que conta com apenas oito instituições.

Dentro os serviços oferecidos no âmbito de proteção social básica encontram-

se a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE, Associação de

Amparo às Crianças e Adolescentes – AMAR, Associação Amigos dos Autistas de

Piedade – AMAP, Educandário Coração de Jesus e Associação Educacional da

Juventude de Piedade – AEJUPI.

Já a rede socioassistencial de proteção social especial conta com os serviços

de acolhimento institucional para crianças e adolescentes Lar da Mônica e de

acolhimento para idosos, Lar São Vicente de Paulo e Casa Esperança.

Apenas dois destes serviços estão situados próximo aos territórios rurais e

com maior índice de vulnerabilidade social: o serviço de acolhimento Lar da Mônica,

situado no Bairro das Furnas, a mais de 20 km da região central da cidade, e o

serviço de acolhimento institucional Casa Esperança, no Bairro do Miguel Russo.

Em consonância com a rede socioassistencial cadastrada no Conselho

Municipal de Assistência Social, o MDS reconhece como serviço socioassistencial,

em detrimento a PNAS, apenas cinco (grifo meu) desses serviços, quatro em

território central e um apenas em área rural.

Conectando a rede socioassistencial às características elencadas pela própria

PNAS, verificamos que a rede socioassistencial imprime como marca uma relação

estática juntamente com os que “vivem na pele a política”, ou seja, dos que são foco

das atenções. Ao se estabelecer a rede apenas em territórios centrais, ocorrem

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marcas e estacas que dificultam uma leitura da dinâmica das relações que se dão

em alguns territórios mais longínquos.

Aldaíza Sposati (2013, p.06) ao abordar a política de assistência social e o

território, traz, em outros termos, as particularidades da família vivida neste espaço

comum. Para ela, a concepção de território supõe “movimento, isto é, a concepção

de território não se confunde com uma área de abrangência”, mas sim deve ser

compreendida historicamente a partir da vivência histórica dos indivíduos que nele

circulam, pois “constitui e controla sua identidade em uma dimensão de relações”.

A política social se dá, portanto, em território e espaços em si, que devem

denotar suas particularidades e suas especificidades, pois

(...) estabelecer um determinado espaço de referência não significa criar isolamento ou barreiras. Pelo contrário, referir-se a um espaço vinculado a um conjunto de interesses ou características é uma forma de identificá-lo, o que abre a possibilidade de sua conexão com base no reconhecimento social. Essa conexão é a antítese da segregação, podendo, inclusive, ser um passo no caminho de uma ação política ou de uma estratégia, dentre diretrizes políticas de ação (Op.cit, p. 07).

Trazer, portanto, como marca a centralização dos serviços socioassistenciais,

e não a sua descentralização, evidencia que os equipamentos, assim esvaziados

das presenças daqueles que realmente precisam de assistência, não chegam a

operacionalizar os serviços que deveriam prestar e acabam fadados ao fracasso.

Nesta busca, a fim de imbricar família e território, a cidade de Piedade

estabeleceu uma longa área de abrangência, vislumbrando ser o caminho para não

tornar oco um serviço.

A fala a seguir, de um membro de uma família, residente em Piratuba

Sampaio, elucida bem o quanto esse equipamento fundamental não é reconhecido

pelos que precisam do atendimento.

O CRAS? O que ficava lá nos Garcias? Nunca o conheci. Nunca conheci. Não, nunca fui, nunca fui lá não. (José Nicolau Sampaio, depoimento colhido em junho de 2014).

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No mapa a seguir, propositalmente se evidencia a localização do bairro e, em

contrapartida, o lócus de maior índice de vulnerabilidade social da cidade de

Piedade.

Mapa 5: Vulnerabilidade social no Piratuba Sampaio

Fonte: Fundação Seade, 2013.

Numa comparação entre a rede de serviços socioassistenciais, expressa no

mapa 4, e as áreas de maior índice de vulnerabilidade social, elencadas no mapa 5,

algumas desconexões se instalam.

Os maiores índices de vulnerabilidade social estão presentes em territórios

rurais, porém a rede de serviços socioassistenciais está localizada em sua maioria

em área central. Na proteção social básica estão situados três serviços de

convivência e fortalecimento e o CRAS Pietá; e na proteção social especial localiza-

se um serviço de acolhimento institucional para idoso e, futuramente, um CREAS. Já

no território rural, apenas três serviços estão presentes, sendo um na proteção

social básica, o CRAS Pintos, e dois de proteção social especial, um serviço de

acolhimento institucional para idoso e um de acolhimento infantil.

Segundo Sposati (2013), por a oferta da política social se operacionalizar “por

meio de serviços, distribuídos pelas áreas de uma cidade”, trazê-la mais perto de si

representa para a gestão facilidades na administração e no seu controle.

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Trazer mais perto de si ou deslocar para o centro, nem sempre, portanto,

evidencia um distanciamento da cidade real, vivida cotidianamente e permeada por

situações limites e de vulnerabilidade.

Em síntese, o que se pode concluir é que as categorias centrais da política de

assistência social não têm sido contempladas em sua totalidade, pois aqui começam

as desconexões entre família e território.

Nesse contexto tão complexo, encontram-se as particularidades de um

território em particular, que oficialmente não consta como um bairro legalmente

identificado e regularizado, o qual será identificado, através das histórias familiares e

das particularidades da conformação territorial, como território vivido pelos sujeitos

de nossa pesquisa.

3.4 O Bairro do Piratuba Sampaio e a Família Sampaio: Conexão entre Marcos

e Marcos

“Essa lembrança que nos vem às vezes...

folha súbita

que tomba

abrindo na memória a flor silenciosa

de mil e uma pétalas concêntricas...

Essa lembrança...

Mas de onde? De quem?

Essa lembrança talvez nem seja nossa,

mas de alguém que, pensando em nós, só possa

mandar um eco do seu pensamento

nessa mensagem pelos céus perdida...

Ai! Tão perdida

que nem se possa saber mais de quem!”

Mario Quintana

Nosso estudo optou pela metodologia da história oral, com objetivo de, ao

despetalar as memórias, compreender e analisar o imbricamento entre a família e o

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território, pois são estes sujeitos que vivenciam estas conformações e imbricamento

cotidianamente no Bairro do Piratuba Sampaio. A escolha dos sujeitos foi

intencional: duas mulheres e um homem da mesma família, que residem desde a

formação do território e conhecem suas particularidades, desenhos, geografia, seus

aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos. Sujeitos que tem muito a dizer,

mesmos em seus silêncios, carregando um grande conhecimento sobre a história e

a dinâmica do bairro. São sujeitos que não estiveram só de passagem pelo bairro,

mas, sim, que fundaram suas estruturas e qualificaram o lugar.

Este despetalar se deu a partir da coleta de depoimentos através do uso do

recurso do gravador, como já mencionado, pois se compreendeu que este captaria

como intensidade e clareza os diálogos e falas, seus tons e silêncios.

Um instrumento utilizado neste percurso foi o diário de campo do

pesquisador, o qual pode ir além do som, captando as particularidades e

singularidades observadas em cada encontro e que muito contribuiu para a tecedura

desta pesquisa.

Na análise, passamos a tecer os fios condutores que buscavam imbricar as

categorias analíticas e objetivadas, através da construção de confabulações entre a

história contada e a história documentada.

Entre as passagens, uma família em particular fez uma parada forçada por

uma situação fatídica na área do Piratuba de Baixo, imprimindo sua marca no

território.

No ano de 1941, Antônio Nicolau Sampaio, sua esposa - Maria Rolim de

Oliveira - e seus seis filhos - Eliseu, Virgilia, Clarice, Aparecida, Lazara e o recém-

nascido José - fizeram uma parada mais na porção baixa do bairro, entre a

passagem do rio e a antiga escolinha, perto da antiga casa do Senhor Ruivo.

Na subida, em seu pino, na parte mais alta, perto da mina de água, do

desvalado, José adquiriu dois alqueires de terra.

Sua história com o lugar começava aí...

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O despetalar das memórias se inicia com a releitura da trajetória das irmãs

Virgilia Rolim de Oliveira e Lazara Rolim de Oliveira em sua chegada ao lugar, no

seu território de vivência.

Virgilia Rolim de Oliveira tem 86 anos, é viúva, reside sozinha em uma casa

de quatro cômodos na parte alta do bairro. Ela é a irmã mais velha da família

Sampaio, não é alfabetizada e veio para o bairro aos 13 anos.

Figura 10: Dona Virgilia e Senhor José Nicolau Sampaio

Fonte: Luciana Helena Mariano Lopes, junho de 2014.

Lazara Rolim de Oliveira, 82 anos, viúva, reside com um filho “solteiro agora”,

na parte da entrada do bairro, próximo aos outros filhos. É analfabeta funcional, veio

para o bairro com apenas nove anos. É nascida no bairro do Jurupará.

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Figura 11: Dona Nadir de Camargo, filha de Lazara, Dona Lazinha e

Senhor José Nicolau Sampaio.

Fonte: Luciana Helena Mariano Lopes, junho de 2014.

José Nicolau Sampaio, 73 anos, solteiro e sem filhos, reside na parte central

do bairro com sua sobrinha e sua família. Mora na casa do irmão falecido, Eliseu

Nicolau Sampaio. Estudou até a terceira série. Nasceu no bairro do Limal e mudou-

se, ainda com poucos meses de vida, para o bairro Piratuba.

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Figura 12: José Nicolau Sampaio

Fonte: Luciana Helena Mariano Lopes, novembro de 2013.

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Figura 13: Bairro do Piratuba Sampaio – “o Bairrinho”

Fonte: Luciana Helena Mariano Lopes, novembro de 2013.

Antônio Nicolau Sampaio residia em uma fazenda própria, no bairro do

Jurupará, em sua porção retirada, afastada da região central, próxima à fiação

elétrica, ladeando a hoje represa de Itupararanga.

Era produtor rural, tinha uma rocinha modesta, familiar, sem muitos

funcionários, apenas ele e uns dois mais, já sendo suficiente para o que produzia.

Produzia o peculiar: cebola, verduras, alguns poucos legumes, nada em muita

demasia, pra vender um pouco e subsistir.

A mãe, trabalhava em casa, cuidava dos fio, da roupa. Não tinham muita letra, quase nada, não tinha leitura. Aqui nem a gente tem leitura, nois, só o José, só os home estudaram na época. Então, era assim, mãe e pai, moravam lá no Jurupará, numa casinha de madeira, sapé, só nóis... Um dia, teve uma chuva, uma chuva grande, e um raio pego na casa... Nois tava tudo lá no dia da chuva. O raio pego e pego na casa, queimou tudo. Queimou a casa, queimou lá. E então pai, pra sair de lá, comprou aqui... Não tinha nada aqui, só a terra...

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De primeiro, fomo morar no porão da casa do Nacio Rosa. (Virgilia, mais conhecida como Versilha, depoimento colhido em junho de 2014).

Lazinha também relembra a chegada da família, como se pode observar no

fragmento a seguir:

Eu vim, eu era menina. Eu se eu tivesse uns 7 ano por aí. Um 7 ano mais ou meno, num me alembro direito... Antes disso, eu morava no Limal. Morava sim. Vou contar tudo disso pro cê. Vou contar tudo bem... Eu morava no Limal sim, morava ali na fazenda. Dai veio meu pai comprou pra cá. Vou contar bem certo como foi a nossa vida... Então se vou contar tudo certinho como foi a nossa vida, como foi a vida da gente. Então nois num morava aqui. Eu nasci, quando nasci, eu nasci no Jurupará, com pai e mãe. Nasci no Jurupará lá em baixo. Então daí aconteceu uma coisa lá, feia lá, lá em casa. Caiu um raio na casa, caiu um raio 2 vezis e dai minha mãe se entristeceu muito e precisou vir morar aqui na fazenda, em um porão numa fazenda do Limal. A dona que era a Xanda, nhá Xanda. Aquela que deu o nome da escola. É aquele que deu o porão pra nóis mora. Ele morava em cima, numa casona de taipa que tinha ali. Faz muito anos isso, faz muito tempo isso. Dai nois moremo um tempo lá, porque a minha mãe não quis ficar mais tempo morando lá. Dai apressou em vender lá dai o meu pai comprou este terreninho aqui pra nóis. Passando o tempo ele vendeu lá daí comprou este terreno aí pra nóis. Faz muito tempo, eu era menina. Eu não tenho bem lembrança como é que foi. (Lazara, mais conhecida como Lazinha, depoimento colhido em junho de 2014)

A família, após o ocorrido, veio morar em um porão desocupado, por gentileza

do Senhor Inácio Rosa, tropeiro que fez marca no bairro.

É esse Piratuba eu conheço que faz muito tempo que é o mesmo Piratuba! Antigamente tinha uma turma lá na cangalha lá em cima que chamava de Inacio Rosa. É, a turma conhece nóis como Inacio Rosa, mais é o bairro Piratuba mesmo. (José Nicolau Sampaio, depoimento colhido em junho de 2014).

Nesse percurso, marca-se o lugar pela chuva que dizimou a moradia dos

Sampaios entre as décadas de 1930 e1940.

Essa marca remete-se às questões da cidade, de suas tramas e de sua

ocupação explicitadas pela autora Vera Telles (2006, p. 24) que aborda esse

movimento de transitar pelas situações vividas, como modo de sobreviver às

adversidades da vida vivida cotidianamente.

Para a autora, transitar nestes momentos adversos é percorrer passos que

implicam decisões, escolhas, mudanças, que podem decidir a vida e o sentido dela.

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Sobreviver, portanto, traz e trouxe um novo sentido para a vida da família

Sampaio, pois representou decidir a vida, os rumos e a história, marcando

movimentos de mudança, de recomeço.

As questões de sobrevivência apresentaram traços fortes nos depoimentos de

Virgilia e Lazara, pois os movimentos de mudanças e rupturas demonstravam que

era necessário sobreviver às adversidades, mesmo que estas representassem

romper com a rede de solidariedade e de sociabilidade.

É presente na oralidade de Dona Lazara o pertencer ao lugar. O

pertencimento para essa senhora é muito forte, lembrando a si que não há vivência

fora daquele espaço comum e familiar.

Em seu depoimento, ela afirma que estar perto dos seus é de vital

importância para a construção de uma rede de proteção familiar, de pertencimento.

Eu? Eu não, eu nunca mudei daqui. Só quando casei que mudei pra lá, Por que meu marido morava pra lá, mais depois nóis viemo. Foi feita a casinha e viemo mora qui. Como meu irmão falou: deu um lugar pra mim... Ele falou: vem morar aqui com a gente da gente, vem morar aqui perto de nóis. Dai deu um lugar pra mim e falou: faça sua casa aqui, é seu lugar, foi feito pra mora aqui. Dai fez, dai meu marido feiz a casa aqui, isso faiz mais de quarenta... Cinquenta anos, cinquenta e poucos anos que eu moro aqui. Faz tudo isso que eu to morando aqui de novo, mais eu fui pra lá de novo. Eu já era aqui, Toda vida morei aqui, toda vida sou daqui. Fui lá e já voltei... Acho que morei pouco tempo pra lá uns doze anos por ai. Ah, eu gosto daqui. De lá eu não gostava por que não era meu. Era terra da fazenda ali do bairro do Limal. Mudei mais por precisão, pelo trabaio. (Lazinha, depoimento colhido em junho de 2014).

A escolha pelo lugar imprime uma marca na vida da senhora Lazara, pois as

relações que ele imprime no cotidiano vivido por sua família trazem em si situações

que geraram escolhas.

O trabalho e o casamento são marcos para a vida dessa sujeita da pesquisa,

pois, nesses momentos, por precisar - “por precisão”, como ela diz - modificamos

nossas relações, nosso cotidiano, nossa rede de sociabilidade e nosso lugar

comum.

O trabalho, nos termos de Marx (1975), expressa em si outras relações e

produz espaços e territórios, uma vez que na apropriação dos meios, os indivíduos

se modificam, modificam a natureza e, por sua extensão, o espaço vivido. É através

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do trabalho que o homem se humaniza, cria, portanto, outras relações e busca

novos espaços de sociabilidade. A marca que o trabalho imprimiu na vida de Dona

Lazara representava modificar seu espaço de vivência, mudar sua vida, seu espaço

protetivo. Porém, pela situação de pertença, de enraizamento no lugar, o movimento

de volta sempre era realizado.

Esses relatos apontam para os dizeres de Rodrigo Aparecido Diniz (2011, p.

185) acerca da sociabilidade. Ela está “imbricada nas relações dos sujeitos,

justamente pela práxis interativa e pela cooperação (formas de intercambio entre os

sujeitos)”. Ou seja, está contida nas relações estabelecidas pelo trabalho e na

cooperação e interação dos sujeitos em espaços comuns.

Cria, portanto, relações de dependência, que permitem “poder contar” e para

as quais se pode “apelar” nos momentos de adversidade, como demonstram os

depoimentos de José e Dona Lazara, que nos momentos adversos “apelam para os

parentes” como rede de solidariedade e de proteção.

A família, os parentes, portanto, criam uma rede própria de proteção social

que substitui as deficiências que a política não abarca. Tal rede justifica, assim, a

permanência no espaço, no território de vivência e traz em si a proteção social via

solidariedade que justifica a permanência.

Faz setenta e três anos que moro aqui... Por que esse bairrinho é tudo parente, sobrinho, irmã, minhas irmã. (José Nicolau Sampaio, depoimento colhido em junho de 2014).

Aqui tem sim, a filha dela, a minha neta. Todos moram aqui no bairro só a minha neta que mora lá em Piedade. As filha de Virgilia que casou e saiu daqui. Mais tem a Gilda, a Gilda que saiu e saiu daqui também (Dona Lazara, depoimento colhido em junho de 2014)

Neste sentido de pertença, de sociabilidade e de pertencer ao que é comum,

a família é muito forte e traz uma marca que expressa a preocupação em justificar a

ausência do sobrenome da família.

Naquela época o meu pai já tinha morrido e só tinha minha mãe só, a minha mãe era viúva... [Pausa na fala] Então era difícil... Num puseram, num puseram a assinatura de pai, a assinatura inteira de pai... Só puseram só de mãe – Rolim de Oliveira. Puseram só Rolim de Oliveira. Lazara Rolim de Oliveira. Não tenho mais o sobrenome do povo daqui também. Peguei tudo agora do meu marido. Lazara de Camargo. A Virgilia não sei, acho que

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deve ser eu é que peguei o nome de mãe. Quando eu casei já não tinha mais meu pai, dai é que fizeram isso. Eu tinha certidão de nascimento, dai passou isso. Como a gente que é anarfabeto, a gente num entendia as coisas, num entendia isso. Dai fizeram lá o que eles entenderam e colocaram o sobrenome da minha mãe, porque meu pai já tinha falecido. (Dona Lazara, depoimento colhido em junho de 2014).

A própria geografia do lugar traz em si o que e quem pertence ao bairro, que

tem “nossa assinatura”, privilegiando de certo modo os seus. A família Sampaio

reside na parte alta do bairro, a qual é abastecida pela nascente de água, composta

por vinte e cinco casas. Na parte de baixo, reside o único morador que não é da

família Sampaio, Hélio, que segundo José Nicolau Sampaio.

(...) o Hélio veio mora aqui, veio da cidade, da Vila Quintino. É o único que não tem nossa assinatura. Só vem ‘”gente de fora” a passeio... (José Nicolau Sampaio, depoimento colhido em novembro de 2013).

Ainda nos termos de Diniz (2011, p. 185), a questão da sociabilidade,

“pressupõe a construção de necessidades e modos de satisfação cada vez mais

humanizados e sociais”, que não podem estar isolados de qualquer relação social,

mas sim imbricados nas formas de atividades sociais, sejam elas de solidariedade

ou de trabalho.

É nesta perspectiva relacional que o espaço ganha forma e vigor, que se traz

sentido ao território como um processo articulado entre as determinações sociais e

as formas de vivências cotidianas. Assim, o território traz em si determinações e

interações dos sujeitos na constituição do espaço, que vão adquirindo outras

características a partir de melhorias mínimas.

Ai sim, então, mudo, quando eu vim morar aqui não tinha energia, nóis morava na casinha fundo de sapé, depois que foi melhorando as coisas, aos poucos foram fazendo casinha de material, foi melhorandinho. Aos poucos, devagarzinho. Bom o que faz um confortinho na vida não? Eu acho que é conforto porque nóis não tinha estas coisas que nóis temos agora, não tinha energia elétrica, sempre foi toda vida não tinha chuveiro, não tinha nada e agora tem tudo e é um conforto isso aí, é pelo menos eu acho, que melhora a vida. A vida nossa de fora das coisa de antigamente e mioro. Agora nóis tem diferente né, num tinha força aqui, num tinha luz, num tinha nada aqui. Faiz mais de vinte anos. Primeiro não tinha, vivia só no escuro, na luz do cruzeiro. Num tinha energia, nem pra uma luizinha. Depois que veio a força elétrica, a luz, meioro cem porcento. (José Nicolau Sampaio, depoimento colhido em junho de 2014).

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Nos depoimentos de Dona Lazara, ela referenda o acesso ao abastecimento

elétrico e o caracteriza como um meio de “sair da pobreza”.

Num tinha força, Zé. Num faiz muitos anos né, uns vinte anos, né. É vinte anos que veio a força aqui, e lembra que foi por ai memo, que naquela casa ali... Mais só depois que veio, nóis moro vinte anos naquela casa lá, e agora que nóis desmanchemo aquela casinha de pau a pique né. E depois fizemo outra que era de madeira dai duro vinte ano a casinha. Mais graças a Deus, Deus preparou o dinheiro, meu fio cresceu e usou o dinheiro para fazer essa casa aqui. Aquele tempo é muito atrasado... Fala a verdade era muita pobreza. Não passo mais necessidade, acho que não, né Zé. Já tô aposentada, né. É depois de aposentada fica mais forgado, né. (Dona Lazara, depoimento colhido em junho de 2014).

As mudanças e melhorias em si trazem um fato interessante, que as

entrelaçam e às consideram uma via de saída para a situação de pobreza. A

travessia e a saída da condição de pobreza são pensadas, nos depoimentos

colhidos, a partir de seu acesso a um mínimo de sobrevivência, seja o

abastecimento elétrico, a renda ou o benefício previdenciário.

Aldaíza Sposati (2013, p. 15), quanto ao acesso à renda via previdência

social, observa que

(...) a única política social com tal característica é a previdência social, ou o seguro social público, que se acerca de um percentual da população que possui a relação de trabalho formal e é contribuinte previdenciária. Essa política não se equaciona ou se analisa por territórios.

Uma particularidade do território apresentada na fala de José Nicolau

Sampaio versa quanto a oficialidade da determinação do espaço e sua

denominação. Nas documentações oficiais e nos mapeamentos realizados pela

administração pública municipal, o bairro não é contemplado como território válido,

pois apenas o bairro do Piratuba é reconhecido.

Sempre foi o nome do nosso bairro é Piratuba Sampaio, a comunicação da gente é essa, Piratuba Sampaio. Por causa do antigo meu pai e dos filhos dele, mais o meu pai antigamente chamavam de Antônio Sampaio e o Eliseu é o meu irmão. (José Nicolau Sampaio, depoimento colhido em junho de 2014).

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Denominar e imprimir uma marca no espaço e na história representa,

portanto, reafirmar contextos históricos construídos e denominados por

particularidades, por um nome, um familiar.

Apenas quem vive neste cotidiano reconhece o espaço vivido e procura

articular sua vivência imprimindo marca no espaço, como se pode observar na figura

a seguir.

Figura 14: Piratuba Sampaio

Fonte: Luciana Helena Mariano Lopes, novembro de 2013.

O geógrafo Milton Santos (2006), ao caracterizar o lugar, o lugar de cada um

no espaço, no cotidiano vivido, retrata-o como sendo um mundo próprio. Para ele,

“cada lugar é, à sua maneira, o mundo, sendo todos os espaços virtualmente

mundiais”. (Op. cit, p. 213).

Neste mundo, as relações se expressam e as desconexões com a cidade se

refletem.

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Percebe-se, então, que a conexão com o espaço é muito presente na família

Sampaio, pois nos diálogos estabelecidos, a mundialidade expressa no espaço

vivido desconecta os sujeitos da cidade de Piedade.

Nos depoimentos de José Nicolau Sampaio isso é muito presente. Observa-

se que, em muitas de suas falas, ele distancia e virtualiza seu território de vivência

do todo, da cidade de Piedade. Só há conexões entre a cidade e seu território a

partir de fatos marcantes, como problemas de saúde ou alguma outra fatalidade.

As veis aqui quando não tem ônibus nóis apela pros parentes aqui não. Num momento que eu fiquei doente aqui, sai de madrugada... Fui para Piedade. O Reinaldo meu sobrinho me levo de madrugada eu mesmo lá... E fiquei internado sete dias naquela veis. Por caso de... De... Fecho o fôlego. (José Nicolau Sampaio, depoimento colhido em junho de 2014).

Piedade se desconecta de um dos territórios mais vulneráveis, não apenas

pela ausência de recursos, da rede afastada, mas também pela questão da

mobilidade, do direito de ir e vir.

Uma dessas conexões se expressa na retirada do direito à mobilidade dos

moradores do bairro do Piratuba Sampaio e seu entorno, pois, aos fins de semana, o

transporte público não chega até o bairro e, nos dias da semana, o direito a ele é

limitado a apenas três vezes ao dia.

Mais a gente vai lá, sempre, tem que ir. O ônibus não vem até aqui, desce no Fião e tem que descer até lá. Pelo menos às sete e meia tem o ônibus aí. O ônibus tem na sete e meia, depois meio dia e meio vem outro pra cá, vem outro pra piedade. Depois às quatro horas é o ultimo, chega às quatro e meia, quatro e quarenta e depois não tem mais, não tem mais ônibus. Se perder, tem só o ônibus para nos Garcias, dos Garcias até aqui é uma perna só, um pé só. Dos Garcias até aqui num dá, não. Sempre tem que procurar ir nestas horas que chega aqui no bairro. É tudo no horário do ônibus. A gente sempre vai sempre no sete e meia e se quiser vortar no de meio dia e meio vorta, ou se não vorta no de quatro e meia. De sábado não tem ônibus aqui. Porque antes ele vinha de quarta, vinha em sábado. Depois ele passou vir de segunda, terça, quarta, quinta, todos os dias. De sábado e de domingo ele não vem aqui. Num passa não, antes só de sábado. Quando num tem, tem que se virar com o carro né. Com os carros de tudo a gente aqui. Tudo é só durante a semana... É que tinha... Começou vim em sábado, mais tinha muito pouca sorteza de passageiro. O ônibus num vem mais aqui de domingo e de sábado porque não tinha mais sorteza de passageiro, porque o ônibus andar sem família não tem jeito né, mesmo tendo muita família. Porque descem tudo de semana e fais tudo o que tem que faze... (José Nicolau Sampaio, depoimento colhido em junho de 2014).

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A falta de acesso a um direito desconecta território e família do todo, de seu

direito, de uma política social em si. O lugar deve ser uma referência, não uma

interferência em si, pois, como nos informa Milton Santos (2003), é a própria política

que deve se territorializar, confrontando a organização e a espontaneidade.

Se tivesse um postinho perto... Aqui falta um postinho... Aqui tinha, no bairro do Piratuba tinha, mais fechou, né. Teve, sim, posto de saúde, fechou... Tinha um posto aqui. O posto tá fechado, de primeiro qualquer coisa a gente corria ali. Agora tá fechado. Então, num sei se você conheceu a Neide Torres? Filha do Naor? Ela que era enfermeira aqui. Depois ela falece. Ela faleceu e depois o posto fecho e nunca mais abriu. E promessa de abrir teve bastante, mais abrir, abrir memo não abriu mais não... Aqui não tem mais nada perto... Só a crechinha da vovó Xanda. Depois não tem mais nada perto. É... Acho que é. Depois não tem mais nada perto não.

Depois tudo tem que ir pra cidade... (José Nicolau Sampaio, depoimento

colhido em junho de 2014).

Uma marca, portando, é a desterritorialização dos serviços, que em uma

tendência administrativa se centralizam e se desconectam do território de vivência.

Para Milton Santos, o lugar é “o quadro de referência pragmática ao mundo

do qual lhe vêm solicitações e ordens precisas de ações condicionadas” (SANTOS,

2006, p. 218). Ou seja, o lugar deve determinar as ações políticas e sociais, pela

representatividade do mundo que imprime no cotidiano de muitas famílias.

O lugar deve ser referência e não contrareferencia para a política, pois deve

imbricar e conectar a família ao território, ao município, pela referência que expressa

na totalidade, entre os entes federativos.

Milton Santos (2006) ainda versa sobre a mobilidade, que pode em si ser um

fator capaz de obscurecer o brilho das particularidades do espaço, pois ao percorrer

o território, não em sua lentidão, mas sim em sua rapidez, acaba a ver pouco do

mundo, do lugar.

Numa abordagem recente, o MDS já reafirma a questão do território como

referência. Segundo o documento, o território é

(...) um ponto de partida tanto para a proteção e defesa, como para a compreensão das condições concretas e das relações que se estabelecem nos territórios de vivência. O território é essencialmente dinâmico. (MDS, 2013, p. 43)

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A realidade de cada indivíduo e de sua família, em particular da família

Sampaio, imprime marcas que devem ser referências para a política, pois cada lugar

é distinto, particular, importante e representa os sentidos de viver e de vivências em

muitos territórios de uma cidade.

A realidade vivenciada pela família Sampaio tem como marco seu modo

particular de viver, de “sobreviver às adversidades”, uma realidade vivida a seu

modo e meio, sem e a presença do Estado, tendo apenas a sociabilidade como rede

de proteção. Mas a realidade vivida pode trazer à luz, por sua distinção,

semelhanças com outros lugares, que, muitas vezes, também se desterritorializaram

do foco da política.

Quanto ao lugar e suas vivências, Milton Santos já revelava que este

expressa como

(...) um cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas, firmas e instituições – cooperação e conflito são a base da vida comum. Porque cada qual exerce uma ação própria, a vida social se individualiza; e porque a contiguidade é criadora de comunhão, a política se territorializa com o confronto entre organização e espontaneidade (SANTOS, 2006, p. 218).

O território vivido e o território de vivência devem se conectar, pois

apresentam as nuances para as mediações necessárias entre o todo e o uno, entre

as vivências e sua transposição em políticas.

As trajetórias de famílias entrecruzam a própria trajetória do lugar, que nem

sempre são abarcadas em sua totalidade. Ao serem contadas e contempladas, as

experiências particulares se aproximam e se distanciam dos marcos legais.

As marcas do lugar, das famílias, dos Sampaio em si, deveriam ser mediadas

junto ao mundo, na cidade. Estas mediações não deveriam rejeitar estes lugares,

pois as marcas, mesmo não sendo marco para uma política, fazem com que o lugar,

reconhecido ou não, aja como uma norma, mesmo que só na interpretação desta

família.

Neste imbricamento entre território e família, portanto, é que se evidenciam as

desconexões que atrelam a política social à cidade.

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Ao entender e compreender o território rural, evidencia-se que, mesmo sendo

territórios particulares, muitas vezes o acesso aos serviços e aos equipamentos só

se dá no acesso à cidade e suas franjas mais próximas.

A cidade, nessa interpretação, representa o acesso, a cidadania, o acesso ao

direito de ir e vir, de ser protegido e reconhecido como cidadão.

Nos depoimentos colhidos, a questão da cidade, com todos seus brilhos e

serviços, coloca-se como pano de frente - não de fundo - na interpretação de que as

vias de sobrevivência nos territórios referenciados podem se dar pelas relações de

solidariedade e sociabilidade, e não pelo acesso à política de assistência social

dentro de sua totalidade.

A cidadania, portanto, à luz dos depoimentos, só se dá pelo acesso à cidade,

com todas as suas particularidades e singularidades, que excluem os que vivem na

cidade não legal.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

“O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher.”

Cora Coralina

Ao chegarmos às considerações finais, muitas questões emergem e

movimentam os caminhos, as caminhadas realizadas até aqui. Muitos caminhos e

mudanças de rota foram percorridos nesta pesquisa. Eles demonstram a

complexidade de resultados e muitas incertezas ao longo deste processo, que

apontam para muitos quesitos a serem problematizados diante do imbricamento

entre família e território, territorialidade e gestão da assistência social.

São ainda evidências de uma consideração e não uma conclusão, pois os

passos percorridos expõem apenas os fios que entrelaçam a cidade ao território e as

relações que ele imbrica e conecta junto às famílias.

Esquadrinhar os espaços, os territórios e desafiar-se em interpretar os modos

de vivência e de sobrevivência dentro de um espaço particular exige muitos

movimentos de idas e vindas.

Percorrer o território com os passos de quem o vive no cotidiano evidencia

que muitas desconexões se exprimem quando se incorporam categorias, como as

estudadas: família e território.

O território percorrido apresenta-se como espaço comum, espaço de vivência

e que muito tem a dizer dos que nele circulam. Como espaço vivido, a vida ali se

expressa como forma de sobreviver, sobreviver em família e na família. O território

denota questões que perpassam o enraizamento e o sentimento de pertença.

O lugar apresenta uma força - a força do lugar expressa por Milton Santos

(2006) - que faz repensar os movimentos de mudança, que faz retornar ao ponto

cardeal, que imbrica as relações de família e em família ao território.

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Assim, família e território se imbricam, num movimento que, ora os conectam

À cidade e ora os desconectam dela.

É no território, em especial da família Sampaio, que os sujeitos lutam, criam

outras formas de sobrevivência, que “apelam” para os seus, que retornam, que

criam laços e redes de solidariedade e sociabilidade, que se mobilizam para superar

as desigualdades. O território pesquisado traz em si a marca da territorialidade pelas

lutas, pelo significado social que este imprime, pela resistência, pela solidariedade

nos momentos difíceis, pois é um território onde um ajuda o outro, um corre atrás do

outro nos momentos de dificuldades. Esta dinâmica, em si, revela que nesse

território a proteção social existe, mesmo que forjada, terceirizada à família e à rede

de vizinhança.

Pensar a cidade e seus entornos é interpreta-la para além da visão de

município, que traz em si características meramente administrativas e de gestão.

Falar em cidade e não em município foi estratégico, pois veio a demonstrar que a

cidade, ao ser sinalizada como município, tem como finalidade administrar e

gerenciar serviços, políticas, programas, destoando em sua totalidade, que pode

abranger particularidades e singularidades que consideradas apenas

administrativamente não são contempladas.

A cidade é pensada por meio e a partir de seus serviços, nas tramas de

oportunidades que se estabelecem, de seu acesso, das relações que os sujeitos

estabelecem por meio do trabalho e de outras relações que ele proporciona. Acessá-

la, portanto, promove uma relação de pertencimento, de cidadania.

As narrativas dos sujeitos desta pesquisa trazem à luz o fato de que nem

sempre a cidade torna o pertencimento fácil, acessível, e que há uma tendência à

centralização, que desconecta um território da cidade.

A cidade de Piedade, por sua conformação territorial ser, desde sua gênese,

composta por famílias que ocuparam a porção rural, desconecta estes territórios do

todo. E são justamente esses os territórios mais vulneráveis socialmente.

Essa desconexão imprime um alheamento da própria gestão municipal de

assistência social em relação à política de assistência social, a qual estabelece a

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territorialidade como forma de interpretar o território sob um olhar social, nos termos

de Saquet (2007).

Porém, nos cursos desta pesquisa, verifica-se que a territorialidade vai

perdendo seu sentido social, minando para características mais administrativas

apenas.

A autora Dirce Koga (2008, p. 39), versa a respeito da territorialidade e afirma

que “esta se faz pelos significados e ressignificados que os sujeitos vão construindo

em torno de suas experiências de vida em dado território”. Ou seja, a questão do

território sinaliza que não há como identificar o território sem aferir a vivencia

territorial dos indivíduos junto a ele, ao chão que pisam, ao seu pedaço de mundo,

“cada lugar é, à sua maneira, o mundo”. (SANTOS, 2006, p.213).

A autora Aldaíza Sposati (2008), também, ao evidenciar a questão da

territorialidade, analisa que se faz necessário compreender de forma democrática a

própria formação territorial, considerando, dentro da perspectiva de totalidade, a

particularidade vivida por cada indivíduo em seu espaço de vivência.

A percepção, portanto, no cotidiano da gestão da política de assistência social

sobre a cidade, tem sido parcial e não territorializada, pois desconecta os sujeitos e

suas redes de sociabilidade, as famílias e muitos territórios de vivência,

fragmentando e polarizando ações, dividindo a cidade em territórios de abrangência

que não abarcam a questão elegida pela própria política: territorialidade.

Ao imbricar família e território, no bairro do Piratuba Sampaio, a partir dos

depoimentos colhidos junto à família Sampaio, Sra. Lazara, Sra. Virgilia e Sr. José,

mostram que há pontos desconectados, fios que ainda não foram entrelaçados junto

às tramas da cidade e que demandam estudos sobre a dinâmica territorial.

Se quisermos conhecer de fato o território e tomá-lo como uma categoria

válida na gestão municipal da política de assistência social, ele deve ser interpretado

e alinhado à família, pois são estes sujeitos que constroem e reconstroem suas

vidas no espaço, num processo dialético de relações e imbricamentos.

A família Sampaio muito teve a dizer quanto tais questões, pois em seus

depoimentos referendaram que a cidade é acessada apenas através de seus

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serviços, que tendem a se retirar do espaço de vivência por facilidades de gestão

apenas. Neste jogo de ausências, a família, conforme citam mais de uma vez os

sujeitos de pesquisa, encontra maneiras de suprir as ausências da gestão.

É neste chão de relações que a territorialidade deve andar, construindo um

processo de ação e reação, de intervenção e construção contínua a partir da

interação dos homens em seu território de vivência, pois é na casa, no bairro, no

Piratuba Sampaio que a história se movimenta, complexa e simplificada ao mesmo

tempo em relação ao pertencimento, ao sentir-se incluso. A identidade que cada

sujeito imprime em seu espaço, portanto, merece atenção e interpretação.

Nas especificidades desta pesquisa, observamos que a construção do

território do Piratuba Sampaio está assentada na luta cotidiana de sobreviver às

adversidades, na perseverança em meio às lutas, nos contratempos, na guerra

travada em que sobrevivem em família e em um território excluso, sem

investimentos e recursos públicos, com qualidade de vida deficitária, com mobilidade

reduzida e com tantas outras ausências.

Mas é neste território também que verificamos as potencialidades da cidade

de Piedade, pela criação de redes e teias de solidariedade que se mobilizam na

superação das adversidades.

Por isso, a cidade deve ser entendida como “espaços de revelação, possíveis

de serem sentidos e compreendidos como espaços de vínculos e criação de

sociabilidades humanas” (DINIZ, 2011, p. 80) não apenas como um instrumento de

enquadramento, de nivelamento, operacionalizada a partir de instrumentos.

Entrelaçar família e território nesta pesquisa traz à luz que estes não são

instrumentos apenas, mas sim categorias vivas e mutantes que devem ser

interpretadas através e a partir dos movimentos que efetivam dentro da cidade,

mesmo que os espaços sejam longínquos e descentralizados.

Entrecruzar família, território, territorialidade e a gestão local da assistência

social em Piedade, imbricá-los e conectá-los é pensar na vida real e cotidiana vivida

pelo sujeito em seu espaço, é estar atento a como e de que modo eles acessam

seus direito e como, de fato, a cidadania se concretiza em suas vidas.

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Conectar e imbricar território e família nos coloca mais próximos da realidade

de quem vive a vida, da vida real dos sujeitos e de suas relações, pois ao refletir

sobre essa dinâmica, estamos repensando a política, a gestão, a territorialidade.

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