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UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADOR PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA FAMÍLIA MESTRADO EM POLÍTICAS SOCIAIS E CIDADANIA MILTON JORDÃO DE FREITAS PINHEIRO GOMES PRISÃO E RESSOCIALIZAÇÃO: UM ESTUDO SOBRE O SISTEMA PENITENCIÁRIO DA BAHIA. Salvador 2009

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADOR PROGRAMA DE PÓS­GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA FAMÍLIA MESTRADO EM POLÍTICAS SOCIAIS E CIDADANIA

MILTON JORDÃO DE FREITAS PINHEIRO GOMES

PRISÃO E RESSOCIALIZAÇÃO: UM ESTUDO SOBRE O SISTEMA PENITENCIÁRIO DA BAHIA.

Salvador 2009

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MILTON JORDÃO DE FREITAS PINHEIRO GOMES

PRISÃO E RESSOCIALIZAÇÃO: UM ESTUDO SOBRE O SISTEMA PENITENCIÁRIO DA BAHIA.

Dissertação apresentada ao Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica do Salvador, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre.

Orientador: Ângela Maria Carvalho Borges, Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia.

Salvador 2009

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UCSal.Sistema de Bibliotecas. Setor de Cadastramento.

G633p Gomes, Milton Jordão de Freitas Pinheiro. Prisão e ressocialização: um estudo sobre o sistema penitenciário da Bahia / Milton

Jordão Pinheiro Gomes. ­ Salvador: UCSal: Programa de Pós­Graduação em Ciências da Família. Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania, 2009.

163 f.

Dissertação apresentada ao Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica do Salvador, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre.

Orientadora: Profª Drª Ângela Maria Carvalho Borges

1. Sistema Penitenciário ­ Bahia. 2. Prisão ­ Ressocialização. 3. Prisão ­ Pena ­ Código Penal Brasileiro (CPB). 4. Cárcere ­ Brasil ­ Bahia. 5. Sistema penal ­ Justificação. 6.Crimina­ lidade ­ Enfrentamento ­ Política pública. 7. Dissertação. II. Universidade Católica do Salva­ do..Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania. III. T.

CDU 343.811(813.8)P(043.3)

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Dedico este estudo:

A minha família: Jane, Milton, Rita, Tiago e Ana

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AGRADECIMENTOS

Toda obra individual é sempre atribuída a um único autor, porém, me furto a esta lógica, pois tenho a convicção que nenhuma obra é individual. Nós somos um pouco de cada um que nos rodeia, além disso, as etapas de construção do pensamento são repletas de interseções que nos marcam, às vezes até o crepúsculo da vida.

E, nesta perspectiva, teço aqui diminutos agradecimentos que, sem estas pessoas, nada do que existe nesta dissertação seria possível.

Primeiramente, toda honra e glória a Deus, que apesar de minha distância, tem estendido a sua mão sobre mim, dando­me benções, sendo

exemplo maior de amor que consigo conceber.

À Jane, a melhor definição humana de amor que conheço. Agradeço o incentivo, a insistência a as férias perdidas por mim. Este trabalho tem sua

participação direta.

À professora Ângela Borges, que com sua candura e sutileza, fizeram com que enxergasse além das fronteiras do jurídico.

À minha família, Milton Sousa Gomes, Rita Izabel Gomes, Tiago Jordão Gomes e Ana Izabel Jordão Gomes, pela devoção e amor, que

desde os remotos tempos de minha vida, me permitiram alçar os vôos necessários para hoje realizar este trabalho.

À Selma Santana por confiar sempre em meu potencial e acreditar em mim, inclusive, em algumas oportunidades, mais do que eu mesmo.

Aos colegas de escritório, Maurício Vasconcelos, Fabiano Vasconcelos, Fabiana Mueller e Wanda Pimentel, que com seu

companheirismo renovam a minha fé na amizade.

À Carla Alonso e todos da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, assim como a Isidório Orge e todos no Complexo Penitenciário

Lemos Brito pela atenção e auxílio prestado nesta pesquisa.

Por fim, não poderia esquecer, sob pena da eterna mácula da ingratidão, de agradecer a Kleber Leitão e ao Poeta Birão, por ter, em tempos

primitivos de meu pensamento, haver sido peças importantes para desenvolver idéias aqui esposadas.

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“Propomo­nos a fazer saber o que é a prisão: quem entre nela, como e por que se vai parar nela, o que se passa ali, o que é a vida dos prisioneiros, e igualmente, a do

pessoal de vigilância, o que são os prédios, a alimentação, a higiene, como funcionam, se sai dela e o que é, em nossa sociedade, ser um daqueles que saiu.”

(Manifesto do Grupo de Informações sobre a Prisão – J­M. Domenach, M. Foucalt, P. Vidal­Nequet, Paris, 8.2.1971)

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RESUMO

Prisão e capitalismo nutrem entre si laços antigos e sólidos. Desde os primeiros esboços do encarceramento humano como substituição às punições corporais, um dos elementos de conferiram ao cárcere o pleno desenvolvimento e a sua fixação como pena­rainha foi o modelo econômico que vigia à época: o capitalismo. Analisar, portanto, as relações entre prisão e capitalismo, permeando o estudo com incursão sobre o mito ressocialização do condenado é a meta principal desta Dissertação. Inaugura­se o presente debate, por um viés histórico, partindo do nascimento do cárcere até a sua sedimentação na legislação e cultura ocidental. Desnuda­se as relações entre prisão e capitalismo (do mercantilismo à acumulação flexível), demonstrando que ao longo dos tempos um dependeu do outro para atingir metas pretendidas. Culmina­se o enfrentamento do tema com uma análise empírica, especialmente documental, sobre atualidades do sistema carcerário baiano, incrementando o questionamento quanto a validade desta forma de punir ante as suas metas declaradas.

Palavras­chave: Penitenciário; Prisão; Cárcere; Ressocialização; Pena.

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ABSTRACT

Prison and capitalism have nourished long­lasting ties. Since the first outlines of human imprisonment as a substitution to corporal punishments, one of the elements to confer prison the full development and its attachment as main­penalty was the economic model then existent: capitalism. Therefore, analyzing the relations between imprisonment and capitalism, by pervading the study with an incursion over the myth of resocialization of the condemned individual is the main purpose of this Dissertation. The present debate is inaugurated by a historical bypass, starting from the birth of the jail up to its sedimentation within occidental legislation and culture. The relations between imprisonment and capitalism are then denuded (from the mercantilism to the flexible accumulation), which demonstrates that all along history one depended upon the other one in order to reach the intended goals. The approach of the theme is now in a particularly documental, empirical analysis, over the actual reality of the prison system in Bahia, by arousing the questions on the validity of this form of punishment, face to the already declared goals.

Key­words: Penitentiary; Prison; Jail; Resocialization; Penalty.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Orçamento do Ministério da Justiça, 2004­2008................................................. 33

Tabela 2 – Brasil: estabelecimentos prisionais estaduais, 2004­2007................................ 101

Tabela 3 – Evolução da População Carcerária da Bahia (2003­2007) ............................... 103

Tabela 4 – População carcerária total da Bahia (Presos Definitivos e Provisórios)........... 105

Tabela 5 – Fluxo de saída de presos do sistema penitenciário do Estado da Bahia, 2006­ 2007 ................................................................................................................ 107

Tabela 6 – Faixa Etária da População Carcerária da Bahia (2005­2007)........................... 109

Tabela 7 – Grau de Instrução da População Carcerária (2005­2007) ................................ 110

Tabela 8 – População Economicamente Ativa (PEA), Desocupados e taxa de desocupação, RMS, 2006....................................................................................................... 111

Tabela 9 – População Taxa de Desocupação da população residente em domicílios com renda per capita de até 1 SM........................................................................... 112

Tabela 10 – População Carcerária da Bahia segundo a Cor de pele/etnia, 2007............... 113

Tabela 10 – Tempo de Pena a ser cumprida no Sistema Penitenciário Baiano ................. 114

Tabela 12 – Tipos Penais e População Carcerária ............................................................ 116

Tabela 13 – Reingresso no sistema penitenciário baiano .................................................. 120

Tabela 14 – Presos Primários Condenados e Reincidentes no sistema prisional baiano (2005 – 2007) .................................................................................................. 122

Tabela 15 – Laborterapia: Trabalho Externo...................................................................... 125

Tabela 16 – Laborterapia: Trabalho Interno. ...................................................................... 126

Tabela 17 – O Trabalho na Penitenciária Lemos Brito (2007 – 2008) ............................... 132

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LISTA DE ABREVIATURA

CP – Código Penal

DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional

LEP – Lei de Execução Penal

MJ – Ministério da Justiça

PLB – Penitenciária Lemos Brito

PRONASCI – Programa Nacional de Segurança com Cidadania

RDD – Regime Disciplinar Diferenciado

SEC ­ Secretaria de Educação e Cultura

SENAC ­ Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

SENAI ­ Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SJCDH – Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos

SSP – Secretaria de Segurança Pública

SUDESB ­ Superintendência de Desporto da Bahia

UED – Unidade Especial Disciplinar

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 13

2. DIREITO DE PUNIR DO ESTADO: DAS PENAS CRUÉIS À PRISÃO. ....................... 22 2.1 O DIREITO DE PUNIR E ESTRUTURA SOCIAL ................................................... 22 2.2 PRISÃO: ANTECEDENTES HISTÓRICOS E ATUALIDADES. .............................. 24 2.3 A CRIMINALIDADE E SUAS FORMAS DE CONTENÇÃO .................................... 32

3. DISCURSOS LEGITIMADORES E DESLEGITIMADORES DA PRISÃO..................... 37 3.1 DIREITO PENAL E LEGITIMAÇÃO DA PENA DE PRISÃO................................... 37 3.1.1 Teorias Retribucionistas (Absolutas) ............................................................... 39 3.1.2 Teorias Prevencionistas (Relativas) ................................................................. 43 3.1.3 Teorias Unificadoras (Ecléticas ou Mistas)...................................................... 49

3.2 TEORIAS DESLEGITIMADORAS DA PENA DE PRISÃO.......................................... 52 3.3 RESSOCIALIZAÇÃO: DICOTOMIA ENTRE O DISCURSO E A REALIDADE............ 56

4. PRISÃO E CAPITALISMO: DO MERCANTILISMO À ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL. .... 64 4.1 O NASCIMENTO E EVOLUÇÃO DA PRISÃO NA SOCIEDADE CAPITALISTA. ... 64 4.2 NOVOS TEMPOS: DO FORDISMO À ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL. REFLEXOS NO

SISTEMA PENAL................................................................................................... 76 4.3 O NASCIMENTO DO CÁRCERE: BRASIL E BAHIA.............................................. 86 4.4 A PENA DE PRISÃO NO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO (CPB) E NA LEI DE

EXECUÇÃO PENAL (LEP). ................................................................................... 93

5. POLÍTICAS E PROGRAMAS PÚBLICOS DESTINADOS AO SISTEMA PENITENCIÁRIO (CONDENADOS E EGRESSOS). .................................................... 98

5.1 O APRISIONAMENTO COMO POLÍTICA PÚBLICA DE ENFRENTAMENTO DA CRIMINALIDADE. .................................................................................................. 98

5.2 SISTEMA PENITENCIÁRIO BAIANO: REALIDADE DESCORTINADA ATRAVÉS DE NÚMEROS..................................................................................................... 102

5.2.1 População carcerária, vagas, defict e fluxo de saída do sistema penitenciário. ................................................................................................... 103

5.2.2 Grau de instrução e faixa etária...................................................................... 109 5.2.3 Cor de pele/etnia. ............................................................................................. 113 5.2.4 Tempo de pena e tipos penais mais frequentes. ........................................... 114 5.2.5 Reingresso no sistema penitenciário (fugas, abandonos e novas

condenações)................................................................................................... 119 5.2.6 Laborterapia (trabalho externo e interno) ...................................................... 124

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5.3 PROGRAMAS PÚBLICOS DE RESINSERÇÃO SOCIAL NO COMPLEXO PENITENCIÁRIO LEMOS BRITO. ....................................................................... 128

5.3.1 Ponto de vista dos condenados sobre cárcere, trabalho, liberdade e ressocialização. ............................................................................................... 138

5.4 A ONDA DE PRIVATIZAÇÃO E O SISTEMA CARCERÁRIO BAIANO. ............... 143

6. CONCLUSÕES........................................................................................................... 146

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 153

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1. INTRODUÇÃO

A contenção da criminalidade e violência é uma máxima na sociedade

brasileira. Ultimamente, periódicos nacionais estampam em suas manchetes

inúmeras notícias de crimes que causam, no seio social, mescla de consternação,

ódio e medo generalizados. Tais sentimentos impulsionaram os temas segurança

pública e sistema penitenciário a assumirem papéis centrais nas discussões mais

recentes. Nos grandes centros urbanos esta realidade é mais evidente, face maior

aglomeração populacional e diferenças econômicas abissais.

Por certo, a questão social torna­se central na discussão da criminalidade.

Nunca houve por parte dos sucessivos governos nacionais qualquer preocupação

em adentrar no cerne da questão, pois sempre se enfrentou a criminalidade,

manifesta na violência do crime, por meio da violência policial, às vezes nos

estreitos limites da legalidade, noutras oportunidades (a maioria), ao arrepio da lei 1 .

Nesta última hipótese, especialmente, contando com a leniência e tácita aceitação

da sociedade. Sobre este tópico, em particular, assevera Bastos Neto (2006, p. 153):

A contenção da pobreza e seus ‘desvios’, através do uso sistemático e corriqueiro da violência física, da repressão de qualquer forma de descontentamento, ou até mesmo rebelião, se tornou algo tão natural, que ainda hoje, boa parte da população defende a violência policial contra o criminoso pobre.

O Brasil, por meio de códigos e leis penais, centrou como forma

institucionalizada de repressão ao crime punição por meio da privação da liberdade.

O Direito Penal se tornou, com isso, o mais habitual instrumento de controle social

institucionalizado ante a escalada dos índices de criminalidade, ou, como diz Costa

(2005, p.107), é “alçado como único instrumento de controle social capaz de

solucionar os problemas da criminalidade hodierna”. Por conseguinte, a solução

encontrada pelo Estado resultou no incremento e reforço do aparato policial e

penitenciário, semeando uma cultura de encarceramento, que sempre tem

questionada sua eficácia quando observados os resultados.

1 Zaffaroni e Batista (2003, p. 69­70) denominam estas práticas como sendo fruto de um sistema penal subterrâneo ou paralelo.

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Apesar desta exponencial evolução da política de aprisionamento, a

infraestrutura carcerária (número de penitenciárias, presídios e cadeias públicas)

nunca foi e nem é suficiente para abrigar o número de presos, embora os

investimentos dos governos estadual e federal tenham sido significativos,

promovendo grande crescimento do sistema penitenciário. Quiçá, o mais grave de

toda a expansão da prisãosão as condições degradantes que a maioria dos

encarcerados se veem submetidos, pouco importando a diretriz constitucional do

respeito à humanidade 2 , afinal, o preso conserva o status de cidadão (art. 5°, incisos III, V, X e LXIV).

As prisões brasileiras sempre foram tidas como locais pútridos em que

reinavam as mais diversas violações aos direitos humanos. Frequentemente se

noticiam rebeliões e motins pugnando por melhores condições e respeito à

dignidade humana. O desleixo e desrespeito do Estado ante esta realidade sempre

foi reinante, ocasionando, por exemplo, situações como o massacre do Carandiru,

em 1992. Sempre se tratou o cárcere como algo distante, isolado e sem qualquer

comunicação com a sociedade, as pessoas eram lançadas ali e a preocupação da

comunidade existia somente quando estas findavam as penas, ou seja, o dilema

seria se regressariam para a vida do crime ou se enquadrariam nos seus ditames

seculares da sociedade.

No entanto, a questão carcerária e de segurança pública têm sido alçadas a

temas de primeira ordem. Tal obsessão por leis penais e rediscussão constante da

prisão foi impulsionada, inclusive, recentemente, nos anos de 2005 e 2006, quando

ratificada a ineficácia do modelo de sistema penitenciário e a sua interação com a

sociedade livre. Eventos ocorridos em São Paulo e Rio de Janeiro, envolvendo

organizações criminosas, denominadas Primeiro Comando da Capital (PCC) e

Comando Vermelho (CV), respectivamente, em que seus líderes de dentro dos cárceres comandaram ataques a policiais, delegacias e até mesmo uma cadeia de

2 MORAES (2003, p. 128­129) assim conceitua tal princípio: “a dignidade da pessoa humana é um valor espiritual inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo­se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merece todas as pessoas enquanto seres humanos”. Em adendo, LUISI (1991, p. 31) afirma sobre o referido princípio que “consiste no reconhecimento do condenado como pessoa humana, e que como tal deve ser tratado”.

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rebeliões em presídios ­ fatos antes inacreditáveis ­ provocaram caos e medonestas

duas grandes metrópoles e, por conseguinte, no Brasil, que assistiu atônito a tudo

isso pela televisão.

Vive­se, atualmente, tempo de revisão de conceito e busca de soluções para

tão preocupante dilema: como punir e obter êxito para com aquele que sofre a

sanção. Investir em políticas públicas que não sejam, exclusivamente, de matriz

repressiva. Reconhecer as mazelas do sistema e os erros das administrações

anteriores é uma realidade que vem sendo tratada pelo Ministério da Justiça e os

governos estaduais.

O tema desta dissertação se insere neste debate que tangencia discursos do

Direito Penal, da Sociologia e da Criminologia, se prendendo à análise do sistema

penitenciário somente. A discussão em torno do instituto da prisão­pena, assim

como a investigação do seu objetivo declarado ­ a ressocialização – se revela oportuna, principalmente, em tempos em que a privação da liberdade foi eleita como

a mais importante política de Estado para o enfrentamento do crime e contenção da

criminalidade no Brasil.

Antes, porém, é de bom alvitre esclarecer o conceito de ressocialização. Por ser o presente estudo interdisciplinar, na sua formulação contemplam­se pontos de

interseção entre saberes distintos (por exemplo: o Direito e a Sociologia), que lhes

conferem diversas conceituações e interpretações. Portanto, nada melhor do que

delimitar este conceito.

A ideia de ressocialização está intimamente vinculada à pena. Nem sempre

os seus defensores a viam da mesma maneira. Cuida­se, seguramente, de conceito

vago e impreciso para o Direito Penal. Talvez o seu êxito se deva a estas

características, afinal, qualquer um poderá manejar o conceito de ressocialização de

acordo com a sua ideologia pessoal, como bem diz MUÑOZ­CONDE (1991, p. 91).

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Os clássicos 3 discutiram a necessidade de emenda do condenado para

regressar à sociedade. No entantonunca foi objeto central no que concerne à pena

criminal. O tema em comento, no período setecentista, foi deveras explorado por

John Howard, sheriff de Bedford, na Inglaterra, que preocupado com as condições carcerárias, empreendeu interessante estudo empírico por cárceres ingleses,

visando comprovar a necessidade de reforma do sistema penitenciário, numa

perspectiva mais humanitária (BITENCOURT, 2009, p. 42­43).

Não sem razão, a ressocialização ganha maior destaque no derradeiro quartel

do século XIX 4 , com os cultores da Escola Positiva 5 , que preconizavam este ideal

marcadamente pela ótica médica (ideologia do tratamento), ou seja, transformar o criminoso em cidadão apto à convivência social. Ressalve­se, não todo e qualquer criminoso, somente aquele tido readaptável à vida social, como concebeu Enrico

Ferri (1996, p. 342) 6 .

No entanto, adotar­se­á o ideal ressocializador na perspectiva da reintegração

social, livre da metodologia e conceituação positivistas que via no criminoso um

anátema que merecia ser objeto de tratamento para fins curativos, senão combate,

como se inimigo fosse. Ademais, todo o ideário positivista deu azo à concepção de

tipos de criminosos, resultando na criminalização de pessoas não pelo que fizeram,

mas pelo que são.

3 Adota­se aqui a nomenclatura que os estudiosos do Direito Penal conferem aos primeiros doutrinadores, após Beccaria, que se filiaram aos ideais iluministas, chamada de Escola Clássica, entre eles: Francesco Carrara (Itália), Pelegrino Rossi (Itália), Karl Binding (Alemanha), Paul Anselm von Feuerbach (Alemanha), dentre outros. 4 A doutrina entende que esta mudança de paradigma no enfrentamento da questão criminal se deu após a publicação do livro L’uomo delinqüente, em 1876, de autoria do médico psiquiatra Cesare Lombroso. 5 “A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos métodos de observação e investigação que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia, Antropologia, etc). Teve como corifeus Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Rafaele Garófolo. Esta corrente de política criminal influenciou deveras o mundo (inclusive o Brasil) com suas ideias sobre o crime e o criminoso. Reverberou o sentimento de uma sociedade movida pelo cientificismo, transformando o Direito Penal em seu objeto de deleite, nascendo daí outros ramos do estudo como a Antropologia Criminal, Sociologia Criminal, Genética Criminal, etc. 6 Ferri (1996, p.251­268) estabeleceu cinco tipos de criminosos: nato ou instintivo ou por tendência congênita; louco; habitual; ocasional; e passional. Destes, reconhecia como mais próximos da boa readaptação social, o quarto e quinto tipos.

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Tem­se, portanto, a ressocialização na perspectiva do modelo político­criminal

construído pela Nova Defesa Social (ARAÚJO JÚNIOR, 1991, p. 65­70), que teve

grande difusão e influência na doutrina penal pátria, em meados da década de

oitenta. Neste período foram concebidas as leis federais da Reforma da Parte Geral

do Código Penal (Lei n° 7.209/84) e de Execução Penal (Lei n°7.210). Nesta

perspectiva, cunhou­se que a atividade ressocializadora a ser exercida através do

regime penitenciário, demanda colocação, à disposição do condenado, de meios e

condições que permitam, voluntariamente, não mais voltar a delinquir (ARAÚJO

JÚNIOR, 1991, p. 70). Pretende ver apartado deste conceito o ideal meramente

retributivo e repressivoue sempre permeou o discurso jurídico­penal ­ seja clássico,

seja positivista. Ressocializar implicaria na revisão conceitual e estrutural da pena

dentro do ordenamento jurídico e na práxis, se valendo da interdisciplinaridade para

servir de reforço a esta tarefa. Contudo, um dos primados deste pensamento é o

respeito à individualidade, ou seja, à humanidade do condenado.

Assim, portanto, esta Dissertação consiste na análiseteórica e empíricado

instituto da prisão, seu objetivo declarado e das políticas ou programas que o Estado

reservou aos condenados e egressos, para ver cumprida sua meta, tomando como

exemplo o caso do sistema penitenciário do Estado da Bahia, nos anos de 2005 até

2007 e o primeiro quadrimestre de 2008. Tal estudo se pautará nas relações

incongruentes entre a realidade e o discurso legal, ou seja, a função declarada de

ressocialização e aqueloutras ocultas: seletividade e estigmatização.

Nela busca­se investigar a prisão – do seu nascimento à ascensão a principal

punição no sistema capitalista – e a sua função declarada de ressocialização à luz

das abordagens formuladas, em suma, pela Criminologia Crítica, pautadas pelo

interacionismo simbólico e, principalmente, pelo materialismo histórico marxista. A

análise destas correntes do pensamento humano far­se­á através de um panorama

da evolução do direito penal no Brasil e do papel atribuído à prisão.

Outrossim, observar­se­á a evolução e características do sistema

penitenciário do Estado da Bahia, tomado como universo à pesquisa de campo.

Foram analisados as políticas e os programas penitenciários, que são desenvolvidos

neste Estado, no período de referência da pesquisa para identificar a eficácia destas

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políticas ou programas, mantidos pelas agências estatais (Ministério da Justiça,

Secretarias de Justiça, dentre outras), assim como a efetiva manifestação da

pretendida ressocialização.

No que se refere à metodologia empregada, para se traçar o perfil do “cliente”

e eficiência do regime imposto no sistema penitenciário, a pesquisa de campo se

dirigiu à colheita de estatísticas oficiais do Ministério da Justiça e Secretaria de

Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado da Bahia, obtidas junto ao

Infopen 7 , relativas ao período de 2005 a 2007 e o primeiro quadrimestre de 2008.

Realizaram­se, também, entrevistas semiestruturadas com condenados

cumprindo pena em regime fechado e regime semiaberto, na Penitenciária Lemos

Brito, em Salvador/BA. Nesta incursão empírica, buscou­se manter contato

reservado, dentro do próprio cárcere, longe da supervisão dos agentes públicos.

Objetivou­se, assim, dialogar com tais pessoas com maior grau de liberdade. As

entrevistas realizadas não puderam ser gravadas porque a Direção entendeu haver

risco à segurança, havendo sido feitas observações em diário de campo.

Não se pretendeu, através de tais contatos, definir um papel ou perfil do

homem encarcerado, afinal, a amostra colhida não é significativa o suficiente para

tanto. Outrossim, a forma como foram expostas as entrevistas, sem a transcrição

textual do que aqueles condenados falaram, não objetiva podar sua livre expressão,

adequando­a ao que o investigador argumenta teoricamente. Foi feita uma síntese

de cada uma das entrevistas, que, ao máximo, é descritiva, sem qualquer valoração.

Somente não foi possível se valer de meios que possibilitassem a transcrição exata

do que fora dito pelos informantes, em virtude da proibição do estabelecimento

penitenciário – que alegou questão de segurança.

O terceiro e quarto pilares da investigação promovida constituíram em uma

pesquisa documental sobre as ações da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos

Humanos do Governo do Estado da Bahia e em entrevistas semiestruturadas com

informantes qualificados, funcionários desta Secretaria, para subsidiar a discussão

7 Sistema do Ministério da Justiça (MJ) que reúne as informações estatísticas de todos os estabelecimentos penitenciários do Brasil (disponível no sítio oficial do MJ <www.mj.gov.br>).

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das políticas e programas públicos penitenciários fomentados e desenvolvidos pelo

referido órgão estatal.

Como se verá, a análise de tais políticas e programas públicos penitenciários

dirigidos à ressocialização, intra e extramuros, constitui­se em importante elemento

na argumentação teórica sobre as funções ocultas de seletividade e estigmatização

do cárcere. Assim, portanto, com este estudo, almeja­se desnudar nuances do

instituto da prisão que, propositalmente, são encobertas pelo manto da quimérica

ressocialização do homem.

Ademais, na esteira de argumentos teóricos sugeridos pela Criminologia

Crítica e dos dados oficiais colhidos junto ao Ministério da Justiça e Secretaria de

Justiça e Direitos Humanos do Estado da Bahia, pretende­se enfrentar e apontar

que a prisão consiste num braço do Estado na promoção e manutenção do sistema

capitalista e que o seu entorno (sejam políticas e programas públicos para os

encarcerados e egressos) se contamina por estas funções ocultas.

Ao longo dos capítulos vindouros, enfrentam­se estes objetivos. No

primeiro momento, debate­se a própria legitimidade da prisão, enquanto pena

criminal, na doutrina penal. As ideias retribucionistas, partindo de Hegel e Kant; o

utilitarismo de Bentham, Beccaria; a coação psicológica de Feuerbach; a

ideologia preventiva de tratamento de Liszt; a prevenção geral de Jakobs e a

teoria unificadora dialética de Roxin.

Em contraposição a todo o discurso de legitimação do cárcere, de acordo com

as premissas oriundas da Criminologia Crítica, do materialismo histórico de Marx e

correntes de pensamento sociológico, trouxe­se como referencial teórico da crítica à

prisão autores como Pausukanis, Rusche, Kirchheirmer, Melossi, Pavarini, Zaffaroni,

Baratta, Foucault, Juarez Cirino dos Santos, Cláudio Guimarães e Vera Regina de

Andrade.

Abordou­se, também, como aspecto relevante da pesquisa, o

aprofundamento da relação existente entre cárcere e capitalismo, observando a

evolução deste e sua atualidade, da estabilidade do trabalho assalariado à

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precarização, pautando­se, neste particular, nas discussões trazidas por Marx,

Polaniy, Hobsbawn, Harvey, Castel, Braveman, Bauman, Borges e Ponchman.

Especialmente, sobre as atualidades da relação mercado de trabalho x cárcere,

observou­se os estudos de Wacquant e Jinkings.

Neste ponto, merece salientar que não se está a dizer ser a prisão exclusiva

do modelo capitalista, até porque, os gulags soviéticos são deveras conhecidos. Ocorre que o fenômeno da prisionização no socialismo tinha matriz a ideologia

política, distintamente do capitalismo, onde há, conforme demonstrado alhures, uma

seletividade da clientela carcerária. Outrossim, não se imputa ao capitalismo a

gênese de todo o homem em conflito com a lei penal, há situações em que as

causas para a delinquência residem noutro âmbito da vida. Não se desconhece tal

hipótese, porém, demonstrar­se­á seu caráter residual.

No que concerne à discussão empírica, colheu­se, principalmente, na

produção científica de Julita Lemgruber, Nilo Batista Augusto Alvino de Sá, Milton

Júlio de Carvalho Filho e Zygmut Bauman.

A análise feita aqui visa reavivar temas que frequentam a literatura penal e

sociológica, sem o apego ao materialismo histórico que influenciou, principalmente,

a Criminologia Crítica; mas buscar compreender o papel da prisão em tempos pós­

modernos, em sociedades pós­industriais.

A dissertação apresenta a seguinte estrutura: esta introdução, quatro

capítulos e conclusões. No primeiro capítulo, será preciso, inicialmente, discorrer

sobre o histórico da pena privativa de liberdade desde os primórdios até tempos

mais recentes, assim como a sua contextualização ante o discurso repressor e a

crescente criminalidade.

No segundo capítulo, serão abordadas as teorias que o direito concebeu

para justificar a existência do cárcere como sanção ideal, bem como aqueloutras,

forjadas no materialismo histórico marxista, que o combatem firmemente. Nesta

linha, a discussão sobre a efetividade do princípio da ressocialização frente a tais

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teorias será enfrentada. Igualmente, a compreensão da transformação do homem

em criminoso.

O terceiro capítulo discute as reais relações entre o capitalismo e a prisão,

desde as suas origens até o presente. Procura­se o entrelaçamento entre cárcere e

interesse capitalista, desde os primórdios da era mercantilista, passando pelo auge

do fordismo, no Welfare State, até a vigente acumulação flexível, configurada no capitalismo de especulação financeira. Isto é, perceber como a prisão foi, é e será

útil a este modelo econômico é imprescindível para compreensão do objeto da

pesquisa.

No quarto e último capítulo de desenvolvimento do tema, são analisadas as

entrevistas feitas com condenados; os dados, indicadores e documentação

referentes ao sistema penitenciário do Estado da Bahia e aos programas de ação da

SJCDH para os condenados egressos.

Por fim, serão expandidas as conclusões desta dissertação, construída numa

perspectiva histórico­crítica da criação da prisão enquanto pena criminal e sua

relação com o modelo capitalista de produção, visando trazer ao debate as verdades

e fantasias da função ressocializadora do cárcere.

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2. DIREITO DE PUNIR DO ESTADO: DAS PENAS CRUÉIS À PRISÃO.

2.1 O DIREITO DE PUNIR E ESTRUTURA SOCIAL

A conduta desviante convive nas estruturas sociais há muito tempo. Aliás, o

estabelecimento de padrões de comportamento são marcas indeléveis de qualquer

agrupamento humano. Fixar o limite entre o “certo” e o “errado”, “permitido” e

“proibido” é consequência da vida humana em comum. Enfim, toda sociedade

produzirá, formal ou informalmente, regras para o convívio entre os seus

componentes. Logicamente que tais ofensas à vontade da maioria (ou dos mais

fortes) significará ato passível de repreensão. Assim, à luz deste quadro, nasce o

questionamento sobre o direito de punir, que, nas palavras de Barreto (2004, p.

165), constituía “uma necessidade imposta pelo organismo social por força do seu

próprio desenvolvimento”.

A princípio, cabe asseverar que as aludidas condutas desviantes, em

longínquos tempos, significavam ofensas aos postulados divinos ou totêmicos, mais

adiante, acintes à vontade do soberano, e, modernamente, contrariedade ao Direito,

havendo a evolução de sua classificação, de pecado à infração penal.

Em resumo, todo o direito penal positivo atravessa regularmente os seguintes estágios: primeiro, domina o princípio da vindicta privada, a cujo lado também se faz valer, conforme o caráter nacional, ou etnológico, a expiação religiosa; depois, como fase transitória, aparece a compositio, a acomodação daquela vingança por meio da multa pecuniária; e logo após, um sistema de direito penal público e privado; finalmente, vem o domínio do direito social de punir, estabelece­se o princípio da punição pública. (BARRETO, 2004, p. 178).

A história registra inúmeras formas de punição destinadas àqueles que agiam

contrariamente às normas criadas pelo seu grupo social. O enfrentamento do desvio

atualmente este fenômeno é nominado de criminalidade é mais complexo do que

nos tempos de Hamurabi 8 , bem como a forma de punição não é semelhante

8 Ver item 2.2, p. 24.

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(BRUNO, 1963, p. 67­90; FRAGOSO, 1995, p.25­32; GARCIA, 1967, p. 12­19;

OLIVEIRA, 2000, p.35­45; MIOTTO, 1975, p. 13­22).

De fato, como asseverou Barreto (2004, p. 171):

O que é verdade do direito em geral, acentua­se com maior peso quanto ao direito de punir, cujo processus histórico tem sido mais rápido e mais cheio de transformações, trazendo, contudo, ainda hoje na face sinais evidentes de sua origem bárbara e traços que recordam a sua velha mãe: a necessidade brutal e intransigente.

O discurso oficial do Direito requer, atualmente, que o infrator legal tenha

oportunidade de tornar­se “sociável” novamente. Contudo, nem sempre se constatou

este desiderato nas punições da Antiguidade ou do Medievo. Em suma, as formas

de se punir estavam sempre atreladas à violação da incolumidade física ou

extermínio da vida, tinham como tônica externar o desgosto do ofendido ante a

conduta infamante perpetrada pelo agressor, ou seja, mera retribuição, sem

pretensão de atingir qualquer finalidade senão pagar o mal injusto do crime com o

mal justo da pena.

A ideia de se privar a liberdade do infrator criminal, aparentemente, surge com

o iluminismo, quando se desenvolve um ideal de humanidade, exigindo­se do

Estado respeito aos direitos fundamentais do cidadão.

A mudança no tratamento da questão criminal, quando ao invés de pensar no

extermínio do homem ou da inflição de sofrimento como forma ideal e adequada de

se promover a Justiça, melhor dizendo, como aparato da Justiça Penal,

necessariamente, não se deveu a uma mudança paradigmática da filosofia dos

Estados ­ remodelados pelas novas luzes. Entrementes nota­se que um dos maiores

impulsos, a aceitação da privação da liberdade como forma de punir se deveu à

necessidade advinda com a promoção e desenvolvimento do modelo capitalista de

produção.

Não é demais citar tal constatação feita por Melossi e Pavarini (2006, p, 21):

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Num sistema de produção pré­capitalista, o cárcere como pena não existe. Essa afirmação é historicamente verificável, advertindo­se que a realidade feudal não ignora propriamente o cárcere como instituição, mas sim a pena do internamento como privação de liberdade.

Aprisionar alguém, como se pode perceber, era somente um meio de se

acautelar uma sentença condenatória, não era pena em si. Entrementes, uma vez

recepcionada como punição mais humana e mais afeita ao modelo econômico

vigente, a instituição prisão difundiu­se por todo o globo, ganhando espaço na mente

e coração dos homens, entronizada e (quase) eternizada nos Códigos e Leis

vigentes.

Com efeito, a segregação da liberdade pessoal é sempre dolorosa, pois priva

o homem do convívio com os seus e traz outras consequências sociais para sua

vida futura. Até os dias de hoje estas questões são debatidas, no entanto, sem que

se tenha extraído qualquer solução para dirimí­las ou mesmo para substituir a prisão

por outra forma de se punir.

De fato, existe uma grande e crescente preocupação com os efeitos de quase

duzentos e cinquenta anos de prisão como pena­rainha, pois seus efeitos são

sentidos em toda a extensão da sociedade. O Estado e a sociedade civil têm voltado

os olhos para soluções; não sem razão, busca­se, hodiernamente, a implementação

de políticas públicas para o condenado e egresso, posto que as fórmulas até então

utilizadas foram ineficazes e reforçam ainda mais o insucesso secular do cárcere,

que é tido como um mal necessário.

2.2 PRISÃO: ANTECEDENTES HISTÓRICOS E ATUALIDADES.

Controlar o indivíduo sempre foi preocupação perene na mente dos líderes

dos mais diversos grupamentos humanos, dos mais simples aos mais complexos.

Impedir que o desviante exercesse seus anseios de forma livre, especialmente em

contraposição aos desígnios da maioria é uma realidade que se enfrenta há muito. O

direito penal nasceu daí. As penas também.

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Punir, então, sempre foi conduta típica entre os homens. Todo ato que

desagrade uma maioria produz consequências, graves ou leves. Com isso, advém a

necessidade de se definir os limites da liberdade humana, até onde se pode agir,

quais as fronteiras do livre proceder. Enfim, devem, portanto, ser fixados os direitos

e aclaradas as punições por sua violação, como disse Liszt (2003, p. 74), “o ponto

de partida história da pena coincide com o ponto de partida da história da

humanidade”.

Novamente, Liszt (2003, p. 75) relata que nas comunidades mais primitivas, o direito de punir nasce como próprio e exclusivo da vítima ou de seus familiares, mais tarde sendo associado aos ideais religiosos de cada povo:

Nas sociedades de estrutura familial que precederam a fundação do Estado (comunidades que têm o sangue por base) encontramos duas espécies de pena, ambas igualmente primitivas: 1° a punição do membro da tribo que na sua intimidade se fez culpado para com ela ou com os companheiros; 2° a punição do estranho que veio de fora invadir o círculo do poder da vontade da sociedade ou de algum de seus membros. No primeiro caso, a pena aparece­nos principalmente como privação da paz social sob todas as suas diversas formas, como proscrição. No segundo caso, aparece­nos principalmente como luta contra o estrangeiro e toda sua raça, como vindita ou vingança do sangue (blutrache), exercida de tribo a tribo até que sucumba uma das partes contendoras ou a luta cesse por esgotamento das forças de ambas. Em um e outro caso, a pena revela traços acentuadamente religiosos (caráter sacro); como a paz está sob a proteção dos deuses, a vingança tem o seu fundamento no preceito divino.

Em adesão, leia­se, também, Carrara (2002, p. 53­54):

O sentimento inato de vingança privada foi elevado, nas sociedades primitivas, de sua natureza de desejo à altura de um direito: direito exigível, direito hereditário, direito resgatável ao arbítrio do ofendido, direito que por vários séculos foi considerado como exclusivo do ofendido e de sua família. (...) Depois, civilizando­se os homens por obra da religião, assumiu esta a direção universal de seus sentimentos. Daí a ideia de que os sacerdotes deviam ser os reguladores da vingança privada. Por isso, uma vez introduzida na penalidade a concepção religiosa, e levados os juízos à forma teocrática ou semiteocrática, o conceito de vingança divina se foi substituindo ao da vingança privada.

Neste período da história humana, a pena, enquanto castigo, “era aplicada

por delegação divina, pelos sacerdotes, como penas cruéis, desumanas,

degradantes, cuja finalidade maior era a intimidação” (BITENCOURT, 2004, p. 26),

devendo se somar uma pretensa finalidade de purificação do que violou a vontade

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dos deuses. Este traço é peculiar nas legislações do Oriente, tais como: Código de

Manu (Índia), Cinco Livros (Egito), Livro das Cinco Penas (China), Avesta (Pérsia),

Pentateuco (Israel).

Com o desenvolvimento organizacional das sociedades humanas em

Estados, a vingança divina passa a ser mediada por este, antes de se tornar monopólio, culminando na denominada vingança pública.

Nesta fase, o objetivo da repressão criminal é a segurança do soberano ou monarca pela sanção penal, que mantém as características da crueldade e da severidade, com o mesmo objetivo intimidatório (BITENCOURT: 2004, p. 27).

Um dos primeiros marcos de legislação penal é encontrado na Mesopotâmia,

precisamente, na Babilônia, do Rei Khammu­rabi, no 18º século A.C., que ficou

conhecido como o Código de Hamurabi. Este corpo de regras jurídicas, escrito em

pedras de basalto, estabelece condutas humanas criminosas, cominando sempre

penas duras, que, como assevera Bruno (1967, p. 75), visavam unicamente a

“vingança pública, cuja medida é geralmente o talião, e por essa medida chega a

muitas vezes excessos que repugnariam, por absurdos e iníquos, à nossa

consciência jurídica”.

Em Roma, por exemplo, há evidente evolução – não obstante a finalidade da

pena seja a mesma de outrora ­, como leciona Prado (2006, p. 66­67):

Dentre as principais características do Direito Penal romano, devem­se ressaltar as seguintes: a) a afirmação do caráter público e social do Direito Penal; (...) g) a pena entendida como uma reação pública correspondendo ao Estado a sua aplicação; h) a distinção entre crimina publica, delicta privada e a previsão dos delicta extraordinária.

Tais fatos são comprovados na Lei das XII Tábuas, promulgada em 453­51

A.C., durante a República, fruto da peleja entre plebeus e patrícios, que, ao fim, fixou

limites à vindita privada, adotou princípios talionais, prescreveu formas de punição

alternativas às penas de morte e corporais (v.g.: compositio). No Império, gradualmente, houve o fortalecimento do poder público, tomando para si o

monopólio da administração da justiça e aplicação da pena criminal.

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Na Grécia não houve considerável inovação. Assim como os romanos, eles

não tinham um código penal ou sistema penal mais sofisticado, ainda persistiam

punições corporais e a morte. No entanto, ali nasceram importantes questionamentos

que, no futuro, deram azo a mudanças quanto às penas. Discutiu­se deveras sobre a

natureza do direito de punir e a sua finalidade, por exemplo, encontra­se em Sócrates

a sistematização da teoria retributiva, em Aristóteles, comezinha ideia de uma função

de prevenção geral, e em Platão, o debate da pena como instrumento de defesa

social (BRUNO, 1967, p. 78­79; OLIVEIRA, 1998, p. 44­45).

Assim, portanto, as penas na Antiguidade, em sua maioria, visavam atingir o

corpo do condenado, não obstante a grandiosidade do Império Romano e o

desenvolvimento que ali teve o Direito, ou mesmo, os inúmeros pensadores que a

Grécia ofertou ao mundo ocidental. Porém, estas civilizações são importantes por

estabelecer, de fato, que a questão criminal é matéria de ordem pública, sua

aplicação é exclusiva do Estado.

Com o declínio do Império Romano, o mundo ocidental ingressa numa nova

fase, a Idade Média, que, também, descortina a face mais fria e cruel do direito de

punir. A punição calcada na extremada violência ao corpo, atentando,

majoritariamente, contra a vida do infrator, foi marca indelével das leis e dos

costumes medievais – este período é retratado nos manuais como sendo o do direito

penal do terror. Como bem descreve Bruno (1967, 88­89):

Nesse longo e sombrio período da história penal, o absolutismo do poder público, com a preocupação da defesa do príncipe e da religião, cujos interesses se confundiam, e que introduziu o critério da razão de Estado de Direito Penal, o arbítrio judiciário, praticamente sem limites, não só na determinação da pena, como ainda, muitas vezes, na definição dos crimes, criavam em volta da justiça punitiva uma atmosfera de incerteza, insegurança e justificado terror. Justificado por esse regime injusto e cruel, assente sobre a iníqua com a pena capital aplicada com monstruosa frequência e executada por meios brutais e atrozes, como a forca, a fogueira, a roda, o afogamento, a estrangulação, o arrastamento, o arrancamento das vísceras, o enterramento em vida, o esquartejamento; as torturas, em que a imaginação se exercitava na invenção dos meios mais engenhosos de fazer sofrer, multiplicar e prolongar o sofrimento; as mutilações, como as de pés, mãos, línguas, lábios, nariz, orelhas, castração; os açoites.

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Com o advento do Iluminismo e a consolidação do Capitalismo, a ideia de

cuidar da questão penal através da prisão torna­se central, como disse Foucault

(1998b, p. 14), “as práticas punitivas se tornaram pudicas”. Pois esta atendia, com

plenitude, os objetivos pretendidos pela filosofia do novo modelo político e

econômico do Estado Burguês, inaugurando assim tempos contemporâneos:

A acumulação de capital era necessária para a expansão do comércio e da manufatura, mas estava sendo obstacularizada pela resistência que as novas condições permitiam. Os capitalistas foram obrigados a apelar ao Estado para garantir a redução dos salários e a produtividade do capital. (RUSCHE e KIRCHHEIMER, 2004, p. 47)

Até meados do século XVII a prisão não era tida como pena principal, como

se infere do que fora dito antes, usava­se somente como meio de reter o acusado

até o momento em que fosse julgado. Era vigente o brocardo latino: Carcer enim ad homines nona ed puniendos haberi debet 9 .

Some­se que muitos foram os reclames contra as punições corporais,.

Ademais, o novo modelo econômico impunha aos governantes necessidades para

seu pleno e perfeito funcionamento.

Prender o indivíduo é uma prática que remonta às origens da sociedade. Contudo, apenas nos últimos trezentos e cinquenta anos aproximadamente, a custódia surge como um importante instrumento do Estado para lidar com os delinquentes. No início, a detenção foi um período nebuloso, um estágio em direção ao processo legal, onde o suspeito aguardava o carrasco. Jousse, jurista francês sustentou que, no final de 1771, a detenção não era um método punitivo, mas um meio de deter o suspeito antes do julgamento. Apenas no século XIX a detenção atingiu a atual eminência como sanção penal principal (SELLIN, 1932 apud SYKES, 1958). (GOMES e CHAMOUND, 2006)

Concomitantemente aos reclames de ordem política pugnando por mudanças

no modelo punitivo, interesses de natureza econômica para definitiva consagração

do capitalismo, convergiram em torno da prisão.

Como se empreendeu, no século XVII, medidas que expurgavam homens,

mulheres e crianças do campo, tirando­lhes o mínimo sustento que tinham, criou­se,

9 As prisões existem apenas para prender os homens e não para puni­los.

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assim, uma turba totalmente desfiliada da rede de sociabilidade. Portanto, tornando­

os “vagabundos”.

Entretanto, é de bom alvitre explanar que nem todo vagabundo derivou de tal

fato, “a maior parte deles vem da plebe quando as circunstâncias sociais e

individuais jogam­nos nas estradas” (CASTEL, 2005, p. 133), por outro lado, outros

optam por desfiliar­se de per si. Esta figura peculiar da realidade européia, desde a Idade Média, é definida por Castel (2005, 128) nos seguintes termos:

Mas, realmente, quem são os vagabundos? Perigosos, predadores que vagueiam pelas margens da ordem social, vivendo de roubos e ameaçando bens e a segurança das pessoas? É assim que são apresentados e isto é que justifica um tratamento fora do comum: romperam o pacto social – trabalho, família, moralidade, religião – e são inimigos da ordem pública.

Ante esta realidade, os Estados Europeus, optaram por tratar desta questão

por meio de políticas repressivas, visando moldar o caráter humano desta turba,

fazendo crer ser o trabalho o meio mais enobrecedor vigente. Mais uma vez, invoca­

se o escólio de Castel (2005, p. 136­137):

A condenação do vagabundo é o caminho mais curto entre a impossibilidade de suportar uma situação e a impossibilidade de transformá­ la profundamente. Nas sociedades pré­industriais, a questão social levantada pela indigência válida e móvel não pode ser tratada senão como questão de polícia.

Mas, não foram somente os “vagabundos” a serem alvo do direito penal sob

égide do capitalismo, como asseveram Melossi e Pavarini (2006, p. 55):

Os pobres, os jovens, as mulheres prostitutas enchem, no século XVII, as casas de correção. São eles as categorias sociais que devem ser educadas ou reeducadas na laboriosa vida burguesa, nos bons costumes. Eles não devem aprender, mas sim ser convencidos.

Na Inglaterra, nasceu a house of correction, um misto de prisão e reformatório, era destinado a criminosos e vagabundos. Vivia­se, naquele momento

histórico, o florescer do modelo capitalista, e se fazia preciso combater o ócio,

criando uma classe para poder atender à nova demanda. Veja­se, como ilustração

disto, a descrição de Bitencourt (1993, p. 24) sobre as referidas instituições inglesas:

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A suposta finalidade da instituição, dirigida com mão de ferro, consistia a reforma dos delinquentes por meio do trabalho e da disciplina. O sistema orientava­se pela convicção, como todas as ideias que inspiraram o penitenciarismo clássico, de que o trabalho e a férrea disciplina são um meio indiscutível para reforma do recluso. Ademais, pretendia desestimular a outros a vadiagem e a ociosidade. (...). O trabalho que se desenvolvia era do ramo têxtil, tal como a época exigia. Esta experiência deve ter alcançado notável êxito, já que em pouco tempo surgiram em vários lugares da Inglaterra houses of correction ou bidwells, tal como eram denominadas, indistintamente.

Frise­se que este novo modelo punitivo se dissemina por todo território

europeu, em cada nação adotando­se uma instituição similar, por exemplo:

Criaram­se em Amsterdam, no ano de 1596, casas de correção para homens (Rasphius), em 1597, outra prisão, a Spinhis, para mulheres, e em 1600 uma seção especial para jovens. (BITENCOURT, 1993, p. 25)

Por seu turno, na Itália nasceu o Hospício de San Felipe Néri, em 1667, que, inicialmente, era dedicado à reforma de infantes. Em França, foram criados os Hôpitaus Généraux, com os mesmos fundamentos e objetivos.

As house of correction, workhouses, Rasphius, Spinhis, Hôpitaus Généraux, bem como os demais estabelecimentos similares, tinham uma função, que consistia

em domesticar o homem para servir ao novel modelo econômico. Criava­se uma

cultura, e este aparelho repressivo vinha consagrar este rito de passagem, do

bucolismo feudal ao frenético ritmo do capital. Leia­se o que revelam Melossi e

Pavarini (2006, p. 45):

Assim, fica claro o motivo pelo qual, quando se trata de colocar o problema da gestão de um setor da força de trabalho, que é necessário disciplinar e inserir compulsoriamente no mundo da manufatura, tende­se a escolher aquele processo produtivo que tornava o operário mais dócil e menos munido de um saber e de uma habilidade próprios que lhes fornecessem meios de resistência.

Seguem ainda os supracitados autores italianos:

O que importa é que a casa de trabalho estava destinada ao ‘tipo criminológico’, característico desse período, que nasce ao mesmo tempo que o capitalismo, e que tende a se desenvolver simultaneamente com ele. O trabalho era considerado particularmente adequado para os ociosos e os preguiçosos (os quais, como consequência dessa atividade, às vezes literalmente quebravam a espinha dorsal). Era esse também o motivo com o qual se justificava a escolha do método de trabalho mais cansativo. (2006, p. 43)

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Melossi, ao prefaciar o livro “Miséria Governada pelo Sistema Penal”, de

Alessandro Gregori (2006, p. 13), encerra, com firmeza, este quadro evolutivo da

prisão, assim:

Os cárceres tiveram antepassado a “casa de trabalho”, espécie de manufatura reservada às massas que, expulsas dos campos, afluíram para as cidades, dando lugar a fenômenos que preocupavam as elites mercantis (e proto­capitalistas) da época: banditismo, mendicância, pequenos furtos e, last but not least, recuso a trabalhar nas condições impostas por essas elites. A casa de trabalho – um “proto­cárcere” ­ que seria depois tomado como modelo da forma moderna do cárcere no período iluminista, isto é, quando ocorreu a verdadeira “invenção penitenciária” – não parecia ser outra coisa senão uma instituição de adestramento forçado das massas ao modo de produção capitalista; afinal, para elas, esse modo de produção era uma absoluta novidade (e nesse sentido, a casa de trabalho era uma instituição “subalterna”à fábrica).

A concepção da prisão como pena criminal foi marcada por interesses

humanitários e econômicos (estes de forma mais preponderantes, cite­se). A partir

daí, o cárcere foi adotado por quase que a totalidade das legislações penais das

nações européias, em seguida, difundiu­se por todo o globo.

Hodiernamente, as funções do cárcere são amplamente questionadas, afinal,

o resultado ­ o que se vê ­ não é nada alentador. Um dos maiores problemas

consiste na superpopulação carcerária, que se torna um entrave ao desenvolvimento

dos ideais mais primitivos, que impulsionaram a prisão de acessório a principal nas

legislações penais mundo afora.

Talvez, se pode argumentar que o incremento da política de encarceramento

das massas se deva ao aumento da criminalidade, ou, no mínimo, da prática de

crimes mais violentos. Entretanto, isso não pode prosperar. Este mesmo fenômeno

ocorrera na década de noventa em muitos países da Europa e nos Estados Unidos

da América.

O fato de a população carcerária ter quadruplicado em duas décadas não se explica pelo aumento da criminalidade violenta, mas sim pela extensão do recurso ao aprisionamento para uma gama de crimes e delitos a começar por infrações menores na legislação dos entorpecentes e pelos atentados à ordem pública. (WACQUANT, 2003, p. 21)

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Desta forma, exige­se, pelo menos, que se proceda a um profundo reexame

da utilização indiscriminada do cárcere (para tudo e contra todos), minimamente,

devendo se avaliar os seus práticos resultados – se brecou a crescente

criminalidade, restabeleceu a paz pública, regenerou os encarcerados, etc. Porém, nada disso tem sido relevante para o novo modelo de Estado Penal, que surge no

século XX, onde o que importa é “punir com eficácia e intransigência”

(WACQUANT, 2001, p. 50).

2.3 A CRIMINALIDADE E SUAS FORMAS DE CONTENÇÃO

A violência urbana é tema de última hora, sempre está a frequentar as

manchetes de jornais e telejornais, assim como é objeto de audiências públicas dos

Poderes Executivo e Legislativo, seminários, palestras, simpósios. Enfim, sem

qualquer dúvida, é um grave problema tanto para o leigo como para o acadêmico.

Naturalmente, como fruto desta preocupação da sociedade, busca­se sempre

uma solução imediata, que faça com que a violência desmedida, bem como a taxa

de criminalidade desapareçam com uma velocidade incomum.

A alteração do arsenal legislativo é sempre a primeira opção. Pensa­se que

mudando uma lei, tornando­a draconiana, suprimindo garantias, estabelecendo

limites entre “bem” e “mal” poderá se reduzir a produção de violência e delitos.

Nesta perspectiva, no Brasil, as políticas criminais repressivas, oriundas do

Movimento de Lei e Ordem 10 , surgem como saída imediata e resposta vigorosa para

tais mazelas da sociedade moderna. Nisso, a prisão surge como punição ideal,

afinal, a pena capital (morte) fere postulado fundamental da Constituição Federal: o

ideal de humanidade.

10 Segundo Araújo Júnior (1991, p. 70­74), os movimentos de lei e ordem são reflexo de medidas repressivas que visam conter e combater a criminalidade através do recrudescimento das penas e do aparato policial.

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Vive­se, nos dias atuais, uma esquizofrenia constante, tem­se medo de tudo e

todos. As leis penais têm se multiplicado; junto com as forças policiais militar e civil,

se encontram as guardas municipais. A cada ano a segurança pública ganha espaço

nos debates das casas legislativas, havendo, inclusive, reclame insistente de

acréscimos de verbas nos orçamentos governamentais.

Veja­se que o Fundo Penitenciário Nacional 11 (FPN), que é gerido pelo

Ministério da Justiça, investiu em modernização do sistema penitenciário, no período

de 2004 a 2006, R$ 649.623.017,00 12 . Apesar deste considerável investimento,

existem graves problemas e tem­se que nada está resolvido.

Saliente­se, também, que a dotação orçamentária que o Congresso Nacional

tem destinado ao Ministério da Justiça, desde 2004, tem sido bem impressionante,

conforme se comprova dos relatórios de execução orçamentária 13 :

Tabela 1 – Orçamento do Ministério da Justiça, 2004­2008

Ano Orçamento (R$)

2004 1.384.389.716,00

2005 1.870.582.002,00

2006 1.620.253.540,00

2007 2.096.793.945,00

2008 3.780.092.323,00

Fonte: Elaboração própria com base nos relatórios de execução orçamentária do Ministério da Justiça.

Tal orçamento, logicamente, não é exclusivo de melhorias e/ou construções

de novos estabelecimentos penitenciários, mas também é destinado a todo o

aparato da segurança pública, (v.g.: polícia federal, polícia rodoviária federal, etc),

11 Conforme definição do Ministério da Justiça: “O Fundo Penitenciário Nacional foi criado pela Lei Complementar nº 79, de 7 de janeiro de 1994, com a finalidade de proporcionar recursos e meios para financiar e apoiar as atividades de modernização e aprimoramento do Sistema Penitenciário Brasileiro. O Funpen encontra regulamentação no Decreto nº 1.093, de 3 de março de 1994”. Disponível em: < http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJC0BE0432ITEMID962415EA0D314F48ACAFD9ED8FB27E6EPT BRIE.htm> Acessado em 13.07.08 12 Informações colhidas no sítio oficial do Ministério da Justiça <www.mj.gov.br>. 13 Fundo Penitenciário Nacional. Disponível em: < http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJ5F415D03ITEMIDA7399733ADB9444790A20E74472A98EBPTB RIE.htm> Acessado em 13.7.08.

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modernização do judiciário, despesas com pessoal e outros programas de

competência do Ministério da Justiça. Porém, deste último orçamento, por exemplo,

algo em torno de 20%, que significam R$ 600 milhões, são exclusivamente

destinados ao Programa Nacional de Segurança Pública e ao sistema penitenciário.

No entanto, não se deve esquecer que a gestão das unidades prisionais no

Brasil é feita pelos Estados Federados, ou seja, há contingente de verbas dos

próprios Estados para este fim. Este papel somente foi incorporado no orçamento da

União recentemente, com a construção de presídios e penitenciárias federais.

Obviamente, o Governo Federal sempre auxiliou aos Estados, seja com a criação de

programas e/ou projetos em parceria com os Estados.

Em 2007, os Governadores de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e

Espírito Santo se reuniram visando criar o denominado “Gabinete de Gestão

Integrada de Segurança Pública”, também para pressionar o Governo Federal

promover acréscimos nas verbas destinadas às políticas de segurança pública e

penitenciária, conforme noticiou o Valor Econômico 14 .

No Paraná, por exemplo, o orçamento de 2008 será R$ 1,2 Bilhão, o dobro,

quando comparado com a gestão anterior, em 2003 15 , que somava R$ 623 milhões.

O Secretário de Segurança Pública Luiz Fernando Delazari, comenta que “está mais que comprovada a prioridade que este governo estabeleceu para a segurança pública. Multiplicamos em seis vezes o nosso orçamento, tudo para dar à população do Paraná uma polícia preparada, bem equipada e bem paga”.

A realidade também não é diferente no Estado da Bahia. Os temas

Segurança Pública e Sistema Penitenciário passam a integrar a agenda dos

sucessivos governos, sendo a cada ano, acrescido o volume de investimentos neste

setor. De 2003 a 2006, os repasses federais de verba destinadas à segurança foram

14 Valor Econômico. Disponível em: <http://www.valoronline.com.br/valoronline/Geral/brasil/Governadores+do+Sudeste+pedem+aumento +de+verbas+federais+para+seguranca+publica,,,5,4095367.html> Acessado em 08.07.2008. 15 Disponível em: <http://www.agenciadenoticias.pr.gov.br/modules/news/article.php?storyid=36845> Acessado em 8.7.2008.

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em torno de R$ 48,7 milhões 16 , voltados para a qualificação e valorização dos

funcionários da segurança pública, investimentos na construção e reforma de

presídios e penitenciárias, aquisição de viaturas e aparelhos de alta tecnologia.

O Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça

(DEPEN/MJ) publicou dados consolidados do sistema penitenciário dos Estados

brasileiros e infere­se o aumento dos investimentos na Bahia, ao constatar que em

2006 existiam 16 unidades penitenciárias, contemplando 6.762 vagas, passando,

no ano seguinte, para 21 unidades penitenciárias e 7.104 vagas. Ou seja, um

crescimento assaz considerável.

Mais recentemente, no final do mês de junho de 2008, o Governo da Bahia

recebeu R$ 35 milhões do Programa Nacional de Segurança com Cidadania

(PRONASCI), e receberá ainda mais R$ 36 milhões a serem percebidos do Governo

Federal até o final do ano 17 .

Além da necessidade de maiores gastos, os governos, estadual e federal, têm

enfrentado inúmeros problemas para gerir a segurança pública e o sistema

penitenciário. Seja por que os grupos criminosos se organizaram sobremaneira,

alguns, inclusive, se infiltraram nas estruturas do Estado e ante a ausência deste,

passaram a atuar mais livre e destemidamente.

De fato, a solução não perpassa por meras ações policiais ou construção de

presídios e penitenciárias, mas por reformas nas políticas de Estado, em diversas

áreas, especialmente, a social, face o defict que existe hoje no país.

Em nosso País, por exemplo, muitas leis penais puramente repressivas estão a todo o momento sendo sancionadas, como as leis de crimes hediondos, a prisão temporária, a criminalização do porte de arma, a lei de combate ao crime organizado, etc, sempre para satisfazer a opinião pública (previamente manipulada pelos meios de comunicação), sem que se atente para a boa técnica legislativa e, o que é pior, para a sua constitucionalidade. E, mais: o encarceramento como base para a repressão. (MOREIRA, 2008)

16 Jornal Local. Disponível em: < http://www.jornalocal.com.br/noticias/?id=895> Acessado em 13.7.08. 17 PRONASCI. Disponível em: <http://www.correiodabahia.com.br/aquisalvador/noticia.asp?codigo=156409> Acessado em 8.7.2008.

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Nesse sentido, o Ministério da Justiça tem fomentado a diversificação das

punições criminais. Ou por meio de penas alternativas, como forma de contornar o

problema do excesso populacional do cárcere, que resulta em maior degradação do

condenado e retorno ao “mundo do crime”. Como assevera o Gomes apud Moreira (2008) esta espécie de punição tem as seguintes metas:

1) Diminuir a superlotação dos presídios, sem perder de vista a eficácia preventiva geral e especial da pena; 2) Reduzir os custos do sistema penitenciário; 3) Favorecer a ressocialização do autor do fato pelas vias alternativas, evitando­se o pernicioso contato carcerário, bem como a decorrente estigmatização; 4) Reduzir a reincidência; 5) Preservar, sempre que possível, os interesses da vítima.

Na Bahia, por exemplo, foi aprovada a Lei Estadual n° 11.042/2008, que

instituiu dez novas centrais de acompanhamento e fiscalização às penas

alternativas, que tem como função interiorizar e difundir a aplicação desta espécie

menos aflitiva de punição.

Apesar de todos estes esforços de contenção da criminalidade, a prisão ainda

tem sido a arma mais utilizada, principalmente, para combater o grosso dos crimes

que são cometidos.

Assim, portanto, novas formas de contenção do fenômeno da criminalidade

devem ser contempladas, inclusive, como maneira lúcida de frear o excessivo

encarceramento que o Poder Judiciário – na maioria das vezes, a pedido do

Ministério Público ­ tem promovido, sem observar, cautelosamente, as

consequências futuras.

Conforme se demonstrará, a utilização quase que exclusiva da prisão, assim

como a escassez de programas e políticas públicas para condenados e egressos, é

ineficaz para conter os índices de criminalidade, ao revés, serve como instrumento

de sua reprodução.

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3. DISCURSOS LEGITIMADORES E DESLEGITIMADORES DA PRISÃO

3.1 DIREITO PENAL E LEGITIMAÇÃO DA PENA DE PRISÃO.

A pena privativa de liberdade se constitui uma realidade nas legislações

penais, desde o século XVIII. No entanto, antes de se encetar debate sobre suas

funções declaradas e as que, propositalmente, são ocultadas, conforme se infere

dos discursos oficiais de Política Criminal, mister se faz expor algumas teorias que

servem como esteio a este instituto do direito penal simbólico 18 .

A pena de prisão nasce do chamado direito de punir (ius puniedi), assim, portanto, é necessário compreender as transformações que esta faculdade estatal

sofreu, especialmente, na passagem da Idade Moderna para a Contemporânea.

A punição, na Antiguidade, sempre foi atribuída ao divino ou sobrenatural,

também era direito exclusivo da vítima ou dos seus familiares. Com o

desenvolvimento das civilizações, o arsenal punitivo passou a ser visto como meio

de controle da sociedade, trasladando o fundamento do direito de punir (divino ou

sobrenatural) e a titularidade para os interesses do Estado.

Assim, aperfeiçoando­se as leis, lançava­se ali o embrião do Direito Penal.

Logicamente, com as definições de condutas proibidas (crimes ou delitos) existia um

castigo (pena), que, em suma, visava atingir o corpo do homem, seja por meio de

mutilações, torturas ou até mesmo a própria morte.

Exatamente no período Absolutista, quando a Europa se via dividida em

monarquias e todo o poder era devido ao monarca, o direito penal teve função de

manter este poder, servindo, de fato, como “braço armado” do Estado.

18 Esta denominação tem origem nas alterações iluministas sobre o Direito Penal do século XVIII, que perduram até os dias de hoje.

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A gravidade dos suplícios em nome da vingança pública, se fez sentir em vários países. Como relata João Bernardino Gonzaga, na Itália ‘chegou­se a criar uma forma de execução que durava o número simbólico de quarenta dias. Dias após dia, tudo meticulosamente estudado, cortava­se um pedaço do corpo do paciente, de modo a que somente no quadragésimo dia ele afinal expirasse. As execuções se faziam em praça pública, aos olhos do povo. Para lá transportava­se o sentenciado em carroça, o que constituía, tradicionalmente, sinal de ignomínia. Era proclamado ao público o crime cometido e, a seguir, passava­se à longa imposição de tormentos’. (MARQUES, 2000, p. 47)

A punição, neste período, é marcadamente uma demonstração de poder do

monarca. Ela não se fundava em nenhum postulado científico, consistia tão somente

numa exposição pública das partes do corpo do condenado e retratava a força

absoluta do poder, com o objetivoo de incutir temor na população (cf. MARQUES,

2000, p. 48).

No final do século XVIII, o clamor por mudanças legislativas era ainda contido,

quando Cesar de Bonesa, Marquês de Beccaria, publica “Dos delitos e das penas”,

uma crítica iluminista franca e direta às penas cruéis e de morte. Este livro foi

editado em momento propício, quando não mais se poderia manter o poder único e

exclusivo das monarquias, especialmente, na seara punitiva, marcada por

severidade e terror. Assim sendo, serviu de esteio para as novas legislações

européias da Ibéria ao Império Prussiano, inaugurando uma fase que os autores

denominavam de “Direito Penal Moderno ou Simbólico”.

Esta mudança foi assim identificada por Foucault (1998, p. 12):

A punição pouco a pouco deixou de ser uma cena. E tudo o que pudesse implicar em espetáculo desde então terá um cunho negativo; e como as funções da cerimônia penal deixavam pouco a pouco de ser compreendidas, ficou a suspeita de que tal rito que dava um “fecho” ao crime mantinha com ele afinidades espúrias: igualando­o, ou mesmo ultrapassando­o em selvageria, acostumando os espectadores a uma ferocidade ou que todos queriam vê­los afastados, mostrando­lhes a frequência dos crimes, fazendo do carrasco se parecer com criminosos, os juízes aos assassinos, invertendo no último momento os papéis, fazendo do suplicado um objeto de piedade e admiração.

Nesse diapasão, pode­se dizer que toda a Europa inaugura essa nova fase.

Uma gama de garantias passa a fazer parte dos códigos, em especial, a vedação de

punições cruéis, infamantes e de morte. Desta maneira, a privação de liberdade, por

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exclusão, seria a melhor hipótese para reprimir os ditos criminosos, respeitando os

seus mais fundamentais direitos (à dignidade, incolumidade física e vida):

O corpo encontra­se ai em posição de instrumento ou de intermediário; qualquer intervenção sobre ele pelo enclausuramento, pelo trabalho obrigatório visa privar o indivíduo de sua liberdade considerada ao mesmo tempo como um direito e como um bem. (...) O sofrimento físico, a dor do corpo não são mais os elementos constitutivos da pena. O castigo passou de uma arte das sensações insuportáveis a uma economia dos direitos suspensos. (FOUCAULT, 1998, p. 14)

A prisão necessitava de fundamentação teórica, face ao rigor científico que se

apoderava da Europa, principalmente devido às contribuições iluministas.

Naturalmente, o que se quis foi legitimar o instituto da prisão, por um discurso

científico (filosófico e jurídico), tanto que a cada mudança social (e do aparato

jurídico) surge uma teoria para legitimá­la.

Assim, portanto, têm­se, hodiernamente, três correntes teóricas: absoluta, também denominada retribucionista, vinculadas à expiação; relativas, que se divide em prevenção geral e especial; e, finalmente, as ecléticas ou unificadoras da pena.

3.1.1 Teorias Retribucionistas (Absolutas)

As teorias retribucionistas se arrimam na compensação ao crime cometido

através da pena imposta àquele que o cometeu. Através delas, sustenta­se que a

pena seria uma expiação do delito perpetrado. De forma sintética e simples: a pena é o mal justo ao mal injusto que é o crime.

A retribuição ­ embora presente nas sociedades, desde a Antiguidade

(BRUNO, 1984, p. 36/37) ­ obteve grande expressão no Estado Absolutista, o que

se infere das espetaculosas execuções e maneira como eram administradas as

punições. Naquele período, saliente­se, a justificativa da pena residia na vontade do

monarca e na expressão da vontade de Deus:

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As características mais significativas do Estado Absolutista eram a identidade entre o soberano e o Estado, a unidade moral e o Direito, entre o Estado e a religião, além da metafísica afirmação de que o poder do soberano era­lhe concedido diretamente por Deus. (...) A ideia de que então se tinha da pena era a de ser um castigo como o qual se expiava o mal (pecado) cometido. De certa forma, no regime do Estado absolutista, impunha­se uma pena a quem, agindo contra o soberano, rebelava­se também, em sentido mais que figurado, contra o próprio Deus. (BITENCOURT, 2004, p. 73)

Embora o retribucionismo tenha raízes no período do Absolutismo, com o

advento do capitalismo e do iluminismo, esta teoria servia como esteio da nova

pena (a prisão). Entretanto, acrescendo o esteio jusfilosófico, marca da época das

Luzes, afinal, “com esta concepção liberal de Estado, a pena já não pode continuar mantendo seu fundamento baseado na já dissolvida identidade entre Deus e o soberano, religião e Estado” (BITENCOURT, 2004, p. 74).

Infere­se, enfim, desta teoria que, de fato, não há pretensão além da própria

compensação do mal injusto pelo mal justo, ou seja, a pena esgota­se em si

mesma 19 . Nesse particular, veja­se o que dizia Bettiol (2003, p. 150):

O homem deve ser punido, porque sua natureza moral postula uma punição pelo crime, para além de qualquer consideração utilitarística ou finalística. A ideia retributiva não pode ser minimizada, ou violentada na medida em que é a expressão de um dever ser que não admite compromissos de qualidade. Punitur quia peccatum é a expressão que ainda sintetiza com perfeição a necessidade de que a pena – como valor encontre em si mesma a sua razão de ser.

Com efeito, o retribucionismo preconiza o ideal de proporcionalidade entre o

delito e a pena, muito embora, nem sempre, em algumas situações, este

fundamento seja o mais adequado para melhor solução. Na verdade, a pena

retributiva ao se encerrar em si mesma, se revela como o próprio fim, inexiste outro

objetivo com sua aplicação, senão sancionar alguém por haver violado ou ferido a

Lei. Como assevera Queiroz (2001, p. 45­46),

19 Como assevera Figueredo Dias (1999: p. 91): “Não se desconhece como, para o grupo de teorias agora em consideração, a essência da pena criminal reside na retribuição, expiação, reparação ou compensação do mal do crime e nesta essência se esgota”

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a pena não serve para nada, pois sua legitimação decorre do simples fato de haver sido cometido um delito. A pena se justifica, assim, quia peccatum est (pune­se porque pecou), nisto esgotando o seu conteúdo.

Dentre muitas correntes defensoras deste pensar, destacam­se duas: a kantiana e a hegeliana. A primeira delas é extraída da construção teórica da filosofia de Immanuel Kant (1724­1804), que concebia a pena como imperativo categórico,

forma única de se materializar a justiça. Para o filósofo alemão, o Direito Penal se

prestava a estabelecer um rol de condutas proibidas, que significavam limites ao

exercício da liberdade do homem em sociedade. Assim, se porventura, algum dos

cidadãos provocasse a ofensa a um destes postulados legais, somente através da

imposição da pena a Justiça se faria. Contudo, inadmitia Kant que houvesse

exceção à regra sob pena de ver toda a sociedade contaminada pela mácula da

injustiça, materializada no perdão ou na não aplicação da devida sanção. Convém

reproduzir a síntese de Puig (2007, p. 59) sobre o pensamento kantiano:

É bastante expressivo o famoso exemplo de Kant de uma ilha cuja população decidisse dissolver­se e dispersar­se pelo mundo, e na qual se formulasse a questão de se deveria manter a punição pendente dos delinquentes, questão esta a que o autor alemão responde da seguinte forma: ainda que resultasse de todo inútil para tal sociedade – posto que a mesma deixaria de existir – dever­se­ia executar até o último assassino que se encontrasse na prisão, unicamente, ‘para que todos compreendessem o valor de seus atos’. Vê­se aqui claramente uma consequência fundamental da concepção retributiva: segundo a mesma, a pena deve ser imposta ao delito cometido, ainda que resulte desnecessária para o bem da sociedade.

Em reforço, conclui assim Bitencourt (2004, p. 77):

A pena jurídica, poena forensis, ­ afirma Kant – não pode nunca ser aplicada como um simples meio de procurar outro bem, nem em benefício do culpado ou da sociedade; mas deve sempre ser contra o culpado pela simples razão de haver delinquido.

A outra corrente, representada por Hegel (1770­1831), inaugura a chamada

retribuição jurídica, que:

Considera o crime como negação do direito e a pena negação da negação, como ‘anulação do crime, que de outro modo continuaria a valer’ e, por isso, como ‘restabelecimento do direito’. E acrescenta que inquinar esta consideração absoluta da pena com quaisquer fins de prevenção seria como ‘levantar pau contra um cão e tratar o ser humano não segundo sua honra e liberdade, mas como um cão (DIAS: 1999, p. 92).

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Conforme afirma Pessina (2006, p.171):

O fim último da pena é negar o delito, não no significado vulgar de fazer algo que não tenha sido realizado, (...) mas no sentido de anular a desordem contida na aparição do delito, reafirmando soberania do Direito sobre o indivíduo.

Portanto, ao revés de Kant, Hegel pretender imprimir na pena retributiva a

ideia de que, ao invés de um mal, impor­se­á justiça através da pena, que estaria,

assim, afastando­se da forma irracional que se revela na vingança, característica da

retribuição. Para o mencionado filósofo, a liberdade e a racionalidade são a base do

Direito, que é a vontade geral. Assim, o crime, enquanto vontade irracional e

particular, precisa ser neutralizado pela vontade geral racional. No dizer de

Raymond Polin apud Marques (2000, p. 62):

O essencial na pena não é seu elo de ligação com a pessoa lesada, mas sua relação lógica com a Justiça. O crime, como expressão da violação do direito, na qual se inclui a do próprio criminoso. Por isso, a vontade manifestada no crime é contraditória em si mesma. Com a punição, então, visa­se suprimir a existência empírica do crime, reafirmando, dessa forma, o Direito.

A pena em Hegel carrega, também, conteúdo talional. Exige­se que a

reprimenda seja na medida da lesão causada, portanto, “o quantum ou a intensidade da negação do Direito, assim também será o quantum ou intensidade da nova negação que é a pena” (BUSATO, 2003, p. 208; PESSINA, 2006, p. 173­174).

De maneira similar ao pensamento kantiano, a pena em Hegel não trazia

nenhuma finalidade, porque “se degrada a personalidade de quem a recebe”

(BUSATO, 2003, p. 208).

Estas são as duas correntes mais influentes das Teorias Retribucionistas,

muito embora existissem outros autores, tais como Carrara (a pena é consequência do desejo de reação face a violação do direito), Binding (pena como retribuição do mal por outro mal), Mezger (irrogação de mal que se adapta à gravidade do fato cometido contra a ordem jurídica), Welzel (retribuição justa ao valor dos atos praticados, em que se afirma um juízo ético­social, sendo tolerada como expiação

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justa de um ato injusto), que, não obstantes ilustres para o Direito Penal, neste particular, não lograram êxito de superar os postulados Kant ou Hegel.

Em muitos dos citados autores, nota­se uma revisão das ideias centrais das

principais correntes assinaladas retribucionistas, sem, contudo, haver inovação que

lhes distanciasse. Outrossim, é de matiz retribucionista a antiga ética cristã, onde a

punição do pecado se funda no castigo, havendo, assim, a sua expiação (COSTA,

2007, p. 45­46; BUSATO, 2003, p. 209­210; BITENCOURT, 2004, p. 80).

3.1.2 Teorias Prevencionistas (Relativas)

As teorias prevencionistas, ou relativas, nascem de dissenso em relação ao

pensamento estrito do retribucionismo, onde a pena serviria, de forma exclusiva,

para satisfação do Direito ou da Justiça 20 , sendo vazia no que tange ao sentido ou

fim atribuído à punição.

Busca­se, então, com a prevenção conferir à pena um sentido, um fim, um

desiderato. Este escopo deve ser ter como meta de utilidade à sociedade, ou seja, o

criminoso deve ser submetido a uma pena que lhe oriente a permitir reingresso no

seio social. Como assevera Puig (2007, 63­64):

Trata­se de uma função utilitária, que não se funda em postulados religiosos, morais ou mesmo idealistas, mas na consideração de que a pena é necessária para a manutenção de determinados bens sociais (grifo original).

E prossegue:

A pena não se justificaria como mero castigo pelo mal, como pura resposta retributiva perante o delito (já) cometido, senão como instrumento dirigido à prevenção de futuros crimes. Enquanto a retribuição visa o passado, a prevenção visa o futuro. Na terminologia clássica (que desde Protágoras, passando por Platão e Sêneca, chega até Grocio) não se pune quia peccatum est, sed ne peccetur. (grifos do autor)

20 No modelo kantiano, justiça deve ser interpretada à luz da moral.

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Um dos arautos do prevencionismo contemporâneo foi Cesare Bonsena,

Marquês de Beccaria, que, conforme dito antes, com seu livro “Dos delitos e das

penas”, inaugurou nova fase na política criminal européia (talvez, mundial). Entendia

ele que as penas deveriam ser moderadas, não por compaixão ao condenado, mas,

por força do racionalismo iluminista:

Os berros de um desgraçado nas torturas poderão tirar do seio do passado, que não retorna mais, uma ação já praticada? Não. Os castigos têm por finalidade única obstar o culpado de tornar­se futuramente prejudicial à sociedade e afastar os seus patrícios do caminho do crime (BECCARIA, 1983, p. 43)

Inclusive, interessante notar a reflexão que Beccaria (1983, p. 46­47) faz

sobre a funcionalidade da pena capital, quando comparada com a prisão, calcada

na prevenção:

O espetáculo atroz, porém momentâneo, da morte de um criminoso, é freio menos poderoso para o crime, do que o exemplo de um homem a quem se tira a sua liberdade, que fica até certo ponto como uma besta de carga e que paga com trabalhos penosos o prejuízo que causou à sociedade. Essa íntima reflexão do espectador: “Se eu praticasse um delito, estaria toda a minha existência condenada a essa miserável condição – essa ideia tétrica causaria mais assombro aos espíritos de que o temor da morte, que se entrevê apenas um momento numa obscura distância que diminui o seu horror.

Outro expoente, contemporâneo de Beccaria (1738­1794), foi Jeremy Betham

(1748­1832), que, também, aderiu aos postulados prevencionistas. Ressalte­se que

Bentham é tido como um dos maiores defensores do utilitarismo, tanto que dedicou

boa parcela da sua vida ao desenvolvimento da Penalogia, sempre à procura de

modelos punitivos que harmonizassem a dignidade humana (leia­se, proteção a

incolumidade física) com vigilância, controle e reforma do condenado 21 . No seu

“Tratado das Penas Legais”, Bentham dizia dever ser o fim das penas:

O modo geral de prevenir os crimes é declarar a pena que lhe corresponde, e fazê­la executar, na acepção geral e verdadeira serve de exemplo. O castigo em que o réu padece é um painel que todo homem pode ver o retrato do que lhe teria acontecido, se infelizmente incorresse no mesmo crime. Este é o fim principal das penas, é o escudo com que elas se defendem. Considerando o delito que passou na razão de um fato isolado, que não torna a aparecer, a pena teria sido inútil; seria ajuntar um mal a outro mal; mas quando se observa que um delito impune deixaria o

21 O próprio Jeremy Bentham desenvolveu uma estrutura prisional que primava pela plena vigilância, denominda de panóptico.

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caminho livre não só ao réu, mas a todos os mais que tivessem os mesmos motivos e ocasiões para se abalançarem ao crime, logo se conhece que a pena aplicada a um indivíduo é o modo de conservar o todo. (BENTHAM, 2002, p. 23­4)

Não poderia deixar de somar aos excertos citados, o que asseverou Liszt

(2005, p. 39):

A pena correta, isto é, justa, é a pena necessária. A Justiça, no direito penal, significa atender­se a uma medida de pena necessária segundo a ideia da vontade. (...) O absoluto vínculo da potestade punitiva à ideia do escopo é o ideal da justiça.

O discurso da teoria da prevenção objetiva se valer da pena como forma de

controlar os indivíduos que serão punidos e aqueles que compõem a sociedade.

Assim, portanto, fica evidente que a teoria prevencionista se distancia da

retribucionista porque seu objetivo vai além da própria pena, ademais, visa ainda

corrigir o criminoso. Muito embora, a pena ainda seja considerada como mal

necessário, igualmente para os retribucionistas (BITENCOURT, 2004, p. 81).

Convém ressaltar que os ideais de prevenção se dividem em duas vertentes: prevenção geral e especial, que, em tópicos próprios, serão devidamente analisadas.

3.1.2.1 prevenção geral.

Esta corrente é firmada na função preventiva que a punição imposta aos

delitos, devido ao princípio da legalidade 22 , exerceria sobre a comunidade,

pretendendo obter sua fidelidade em relação ao cumprimento das leis.

A prevenção geral tem suas raízes fincadas na “teoria da coação psicológica”

de Paul Johann Anselm Ritter Von Feuerbach (1775­1833), que é considerado o

fundador do moderno direito penal alemão. Em síntese, consiste na intimidação do

22 Pode ser assim resumido: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (vide artigos 1º, Código Penal, e 5°, inciso XXXIX, CF/88).

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potencial criminoso através da imposição de penas severas. Noutros termos, o

prazer de se cometer o ilícito, advindo do fundamento psicológico da sensualidade ­

que é ínsita neste ­, seria obstado pela certeza de punição (dor, aflição) por um mal

maior: a pena (ROXIN, 2006, p. 89­90). Como exemplifica DIAS (1999, p. 99­100):

A alma do criminoso potencial seria assim arena onde se digladiam as motivações conducentes ao crime e as contramotivações derivadas do conhecimento do mal da pena, em definitivo importando que estas últimas sejam suficientemente poderosas para vencer as primeiras e, deste modo, contribuirem eficazmente para a prevenção.

A ideia de coação psicológica funciona como uma constante ameaça, feita

através da edição de leis penais duras. Porém, para surtir o efeito almejado,

deverá sempre contar com o efetivo cumprimento. Extrai­se, enfim, que a sua

única finalidade termina por ser a própria intimação, sem que possa se atribuir

qualquer outro fim à pena. Por tais razões, denomina­se esta doutrina de

prevenção geral negativa.

Por outro lado, a prevenção geral tem uma vertente chamada de positiva.

Este corrente parte da premissa de funcionalidade do direito penal (por conseguinte,

da pena, também) ao sistema social. Hodiernamente, Günter Jakobs é quem

representa e sustenta esta finalidade à pena criminal. Não se deve deixar de

recordar que o discurso de Hans Welzel (1997, p. 1­6) sobre juízo ético­social e

Direito Penal é um dos pilares deste modelo punitivo ora defendido por Jakobs,

embora aquele se filie aos retribucionistas modernos 23 .

A pena tem a missão de manter a norma como modelo de orientação às

pessoas, não mais como meio dissuasório de comportamentos proibidos, expurga­

se o caráter cogente de sua função, ou seja, distancia­se das ideias de Feuerbach.

Em síntese:

A reação punitiva (a pena) tem como função principal restabelecer a confiança e reparar ou prevenir os efetivos negativos que a violação da norma (seu descumprimento) produz para a estabilidade do sistema e para a integração social. (QUEIROZ, 2006, p. 89)

23 Neste particular, interessa apontar que Zaffaroni e Batista (2003, p. 116), entendem que Welzel seria ícone duma corrente de prevenção geral positiva, por eles denominada de eticizante, distinguindo de Jakobs, que integraria outra chamada de sistêmica.

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Trabalha­se com a fidelidade do homem à norma, afinal, deverá ponderar

racionalmente sobre prós e contras em violá­la. A função do Direito Penal (e da

pena) será a de devolver ao sistema social conspurcado com o delito, que é tido

como ofensa à lei instituída, a normalidade.

Assim, na prevenção geral positiva em Jakobs, à guisa de conclusão, a pena:

Serve precisamente para que as expectativas normativamente fundadas não fiquem anuladas por sua defraudação, no caso concreto; para sua manutenção “contrafática”, isto é, para sua manutenção, apesar da definição como defeituosa da conduta do autor, e não da expectativa de que este se comportasse conforme a norma. A pena, portanto, consiste em uma contradição da violação da norma que se executa a custa de seu autor. (RAMOS, 2003, p. 8­9)

Inclusive, deve­se dizer, que para Mir Puig apud Mayrink (2007, p. 55), a prevenção geral, na perspectiva de Jakobs, seria uma remodelagem da retribuição.

3.1.2.2 Prevenção Especial.

A prevenção especial, ao contrário da geral, que se volta para a

coletividade, é concebida exclusivamente para determinada pessoa que cometeu

um delito (PUIG, 2007, p. 66). Assim, previne­se que o delinquente volte,

novamente, a cometer futuros crimes. A finalidade da pena é de conter este

ímpeto na pessoa do criminoso.

Como informa Bitencourt (2004, p. 86) muitas são as correntes que a

defendem, desde a Escola Positiva (positivismo criminológico) de Ferri, Lombroso e

Garófalo, na Itália do fim do século XIX; a Escola Correcionalista da Espanha,

liderada por Dorado Monteiro; a Escola Moderna Alemã de Franz Von Liszt, que foi

embrião da União Internacional do Direito Penal (UIDP); e mais recentemente com

Marc Ancel e a Nova Defesa Social, que foi um movimento de proporções globais.

Destes, registre­se, os mais influentes foram os dois últimos.

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Em suma, a prevenção especial se calcará numa intervenção penal que vise

a ressocialização do homem, para tanto, moldando a aplicação às suas

peculiaridades. Na ótica de seus cultores, a função da pena é servir de instrumento

de defesa social, ou seja, deverá se incumbir a pena de proteger a sociedade, para

tanto, servindo de meio de contenção daqueles que ofendem as leis penais. A pena

se transmuta de castigo e passa a ser tratamento, que objetiva promover a

adaptação social do criminoso (URZÚA, 2005, p. 68­69).

A teoria da prevenção especial parte da consideração que o autor de um delito é portador de um desvio social que demanda uma correção. A correção que compete à pena como função está relacionada às diferentes características pessoais dos sujeitos. Haverá, então, distintos momentos de reagir. (BUSATO, 2003, p. 221)

Tal qual a prevenção geral, a especial pode ser negativa ou positiva. Diz­se

negativa quando a missão da punição criminal reside na profilaxia social, o

criminoso passa a ser visto como um anátema, um inimigo de toda a sociedade,

assim passando a se administrar em seu desfavor medidas que visem a exclusiva

segregação por tempo indeterminado, até mesmo em definitivo, nalguns casos,

propondo a sua execução.

O delinquente é considerado um doente, pelo que seu estudo deve estar submetido a critérios clínicos. A pena, portanto, de conotações retributivas deve ceder passo às medidas de segurança que se relacionam com a periculosidade do sujeito, mas não com a gravidade do delito. (BUSATO, 2003, p. 222)

Em muitos modelos de sistemas criados com esteio na prevenção especial,

erigiu­se um arcabouço ideológico voltado para a chamada defesa social,

substituindo, pouco a pouco, penas por medidas indeterminadas, sob o manto de

que as tendências criminais (internas) não podem ser combatidas por penas com

tempo pré­fixado. Ou seja, pretendeu­se a relativização de princípios e valores

jurídico­penais no que tange àqueles rotulados de “incorrigíveis”, “não

readaptáveis”, até se regressar a um conceito – absurdo – de criminoso nato

(QUEIROZ, 2006, p. 93).

A prevenção especial positiva se funda no princípio da ressocialização, sendo

que a execução da pena deveria ser feita com marcante interdisciplinaridade,

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visando a recuperação do condenado. Muito embora, a matriz seja idêntica à

negativa, nesta existe maior respeito ao princípio da dignidade humana, por mais

que se tenha o criminoso/condenado como sendo um perigoso. Não sem razão Dias (1999, p. 104) afirmar ser esta também prevenção de socialização.

3.1.3 Teorias Unificadoras (Ecléticas ou Mistas).

Atualmente, as teorias ecléticas se revelam como a alternativa de correção

de equívocos das teorias absolutas e relativas, sendo, inclusive, deveras adotada

pelas legislações penais 24 . Como aponta Queiroz (2006, p. 96):

A justificação da pena depende, há um tempo, da justiça de seus preceitos e da sua necessidade para a preservação das condições essenciais da vida em sociedade (proteção de bens jurídicos). Busca­se, assim, unir a justiça e utilidade, razão pela qual a pena somente será legítima à medida que seja contemporaneamente justa e útil. Por conseguinte, a pena ainda que justa, não será legítima se for desnecessária (inútil), tanto quanto se, embora necessária (útil), não for justa. Semelhante perspectiva se caracteriza, pois, por um conceito pluridimensional da pena que, apesar de orientado pela ideia de retribuição, a ela não se limita.

Consoante se infere do trecho acima reproduzido, objetivam as teorias

unitárias simplificar os postulados das outras duas matizes teóricas, congregando

pontos positivos de cada uma delas, embora, a princípio soe inconsistente tal

proposição, afinal, o retribucionismo é o oposto do prevencionismo. Assim, poder­

se­ia, indagar como conciliar distintos valores e finalidade que se conferem à pena

criminal. Quiçá, como resposta, Molina apud Busato (2003, p. 239) afirma:

Reclamam uma pena proporcionada à culpabilidade, no marco da culpabilidade, se bem que dentro deste âmbito admitem que possam operar os princípios preventivos; o que a efeitos da graduação da pena significa: a pena ajustada a um fim, mas só no marco que oferece a ‘retribuição justa’; a pena justa ou dita de outro modo: a retribuição será o ‘limite máximo’ da prevenção.

24 O Brasil, por exemplo, inseriu no art. 59, Código Penal, função unificadora à pena (repressão e prevenção)

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A construção de uma teoria dos fins da pena eclética implica na admissão de

uma doutrina diacrônica: a ameaça abstrata (lei penal) é manifestação da prevenção

geral; após, no instante em que o Poder Judiciário fosse impor a pena,

fundamentado na culpabilidade do agente, atribuir­se­ia efeito retributivo; por fim,

quando da execução, orientando­se por valores político­criminais de

ressocialização, a prevenção especial (DIAS, 1999, p. 109).

Zaffaroni e Batista (2003, p. 140­141) afirmam que tais teorias mistas, além

de incoerentes do plano da construção teórica, se revelam mais autoritárias que as

próprias teorias puras e configuram a “entrega do direito penal à arbitrariedade e

consequente renúncia à sua função mais importante” (a solução do conflito

jurídico­penal).

Dentre as várias correntes de teóricos que reafirmam as teorias mistas como

sendo a solução para as mazelas da retribuição e prevenção, destaca­se o

pensamento de Claus Roxin, através da denominada “Teoria Dialética Unificadora”,

consoante aponta Queiroz (2006, p. 97) 25 , que assevera:

Para Roxin, a finalidade básica do direito penal é a prevenção geral subsidiária de delitos (positiva­negativa). Prevenção geral porque fim da norma penal é, essencialmente, dissuadir as pessoas do cometimento de delitos e, consequentemente, atuarem conforme o direito; subsidiária porque o direito penal somente deve ter lugar quando fracassem outras formas de prevenção e controles sociais (...). Mas não apenas prevenção negativa, pois, segundo Roxin, cabe ao direito penal também fortalecer a consciência jurídica da comunidade, intervindo, assim, positivamente.

Arremata Queiroz (2006, p. 97), dizendo que, para Roxin, a prevenção especial é o último fim da pena, no sentido de intimidar o condenado a não reincidir. O próprio autor alemão fundamenta a sua teoria unificadora, nos seguintes termos:

As teorias monistas, quer atendam à culpabilidade [retribuição], à prevenção geral ou à especial, são necessariamente falsas, porque quando se trata da

25 Neste particular, na doutrina penal brasileira, há divergência quanto à classificação, pois em BITENCOURT (2004, p. 90), percebe­se que o autor faz críticas às teorias mistas, se valendo do texto de Roxin. Além disso, o rotula como sendo defensor de uma teoria da prevenção geral, que, inclusive, adiciona o termo limitadora (BITENCOURT, 2004, p. 94). Neste trabalho, entende­se que o referido autor não anda bem, sem desmerecer sua autoridade, ao divergir dos demais, especialmente, porque o próprio Claus Roxin (2006, p. 103), em seu manual, sustenta que a teoria das penas deve congregar valores preventivos gerais e especiais, o que, enseja, na adoção duma teoria de cariz misto.

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relação do particular com a comunidade e com o Estado, a realização estrita de um só princípio ordenador tem forçosamente como consequência a arbitrariedade e a falta de verdade.(...) Vimos, de início, quais os seus resultados nas teorias das penas: a intimidação unilateral, o tratamento do delinquente sem restrições e no sentido da adaptação social e a ampla retribuição da culpabilidade obedecendo a um mandado metafísico, convertem o direito penal em um lugar de força protetora e constritiva, num instrumento de opressão que escraviza a mentalidade. A história do direito penal, é de resto, claramente ilustrativa a este respeito. (1998, 43­44)

Também, não pretende o autor alemão fazer uma adição de todas as teorias

legitimadoras existentes como solução a este secular problema do fim das penas.

Pugna­se por uma teoria que se aproxime da realidade social, não permaneça

somente num mundo de abstração, mas que possa ser utilizada como forma de

resolver a inidoneidade daquele que violou as normas de convivência da

comunidade, e que esta pessoa possa ser submetida ao tratamento mais adequado

sem que sua intimidade seja conspurcada, afinal, é integrante desta mesma

comunidade.

Destaca­se, ainda, que a punição somente virá a ter efeito se necessária ao

sistema social. Reconhece­se que esta aproximação entre ideia do homem e

realidade é o maior ponto de conflito, por isso adota­se a prevenção geral, que

primará por fixar padrões mínimos de condutas proibidas, sempre vinculada aos

preceitos constitucionais de uma comunidade.

Por conseguinte, em sede de aplicação prática do Direito Penal, a punição

iria ser regulada pelos interesses do sistema social, ou seja, a prevenção especial

estaria voltada para um ideal de ressocialização, pautada em parâmetros

constitucionais, que impediriam abusos e exageros no tratamento do condenado.

Interessante, também, deste conceito roxiniano é que o tratamento penal (punição)

deve estar limitado, sem ver ou ter o desviante (criminoso) como inimigo a ser

vencido, pois, é tão interessante para ele como para a comunidade que a pena a ser

imposta não o fira. E, principalmente, preserve os ideais de humanidade, entre eles,

a intimidade, posto que servirá de elemento impulsionador da recuperação da

idoneidade do mesmo.

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Mas, enfim, pode­se dizer que o maior mérito da teoria unificadora dialética

de Roxin, segundo a doutrina brasileira, reside em afastar do seu conceito eclético a

ideia de retribuição 26 . Ou seja, somente combina as espécies de prevenção (geral e

especial), o que, também é defendido por Dias (1999, p. 111 e 135), inclusive como

modelo ideal a ser seguido em Portugal.

3.2 TEORIAS DESLEGITIMADORAS DA PENA DE PRISÃO.

A sugestão de Beccaria de se adotar o encarceramento das pessoas como

forma generalizada de se punir ecoou por todo o globo, como já assinalado antes;

porém, é verdade que não é uma unanimidade. Desde a década de sessenta, no

século XX, alguns pensadores reveem o aprisionamento humano, desnudando as

suas negativas repercussões para a vida do preso e da sociedade. Cada vez mais

se percebe a distância entre o discurso e a realidade.

Nesse sentido, a Criminologia Crítica 27 28 reúne pensadores de distintas

vertentes, origens profissionais e nacionalidades, propondo a ruptura com o

modelo punitivo vigente. Concluíram que o Estado não é ente legitimado para

poder usurpar a dor da vítima e impor ao indivíduo infrator o sofrimento (castigo)

que ele (Estado) acha e entende como necessário. Em síntese, as práticas

26 Em sentido contrário, anota Selma Pereira de Santana (2006, p. 325), citando Anabela Rodrigues, que Roxin, embora afaste o princípio da compensação de culpa e ao estabelecer a culpa como limite máximo da pena, não consegue ver­se livre de críticas da sua teoria do fim das penas ser tida como versão modernizada da retribuição. 27 É digno registrar­se ou Vale ressaltar que é comum que se adotem nomenclaturas diversas: criminologia radical, nova criminologia, criminologia de reação social, política criminal alternativa, etc. Na verdade, os pensadores que integram a corrente criminológica, necessariamente, não formam um grupo voltado para tal objeto; contudo, a similitude de ideais e convergência de ideias – o que não exclui divergências pontuais – é a marca desta vertente crítica ao establishment. Leia­se: ARAÚJO, João Marcelo (org.). Sistema penal para o terceiro milênio – Atos do colóquio Marc Ancel. Rio de Janeiro: Editora Revan, 1991. 28 Importante contribuição à teoria criminológica da pena se encontra na construção de Howard Becker do labelling approach (teoria do etiquetamento), fruto do interacionismo simbólico da Escola de Chicago, que constrói um mundo a partir da percepção do rotulado, analisando as regras sociais e aplicação prática destas regras (SANTOS, 1981, p. 13­14), ver também tópico infra.

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punitivas estatais são seletivas e reproduzem a criminalidade que se arvorou deter

(QUEIROZ, 2001, p. 60) 29 .

As principais críticas à pena criminal se manifestam, segundo Santos (2005,

p. 14), em duas vertentes distintas: a teoria negativa ou agnóstica da pena, elaborada por Eugênio Raúl Zaffaroni, e Nilo Batista; e na teoria materialística ou dialética da pena, representada, principalmente, por Pausukanis, Rusche,

Krichheimer, Melossi, Pavarini, Baratta; no Brasil, por Juarez Cirino dos Santos e

Vera Regina Pereira de Andrade. Embora estas teorias divirjam quanto aos

métodos, têm um propósito comum em desconstruir o ideário punitivo atual.

A teoria negativa ou agnóstica da pena se pauta em se contrapor ao avanço

do Estado de polícia, inserto nas estruturas do Estado democrático de direito,

comprovado no fracasso das teorias positivas das penas. Portanto, pretende­se,

com a negação de tais teorias, fixar horizontes ao direito penal por meio de

agências judiciais que sirvam de redução do poder punitivo estatal.

Dizem os defensores desta teoria que “a pena é uma coerção, que impõe

uma privação de direitos ou uma dor, mas não repara, nem restitui, nem tampouco

detém as lesões em curso ou neutraliza perigos iminentes” (ZAFFARONI, 2003, p.

99). Extrai­se o seu conceito por exclusão: a pena constitui exercício de poder.

Trata­se de um conceito de pena que é negativo por duas razões: a) não concede qualquer função positiva à pena; b) é obtido por exclusão (trata­se de coerção estatal que não entra no modelo reparador nem no administrativo direto). É agnóstico quanto à sua função, pois confessa não conhecê­la. Essa teoria negativa e agnóstica da pena permite incorporar as leis penais latentes e eventuais ao horizonte do direito penal e, por conseguinte, fazer delas sua matéria, assim como desautoriza os elementos discursivos negativos do direito penal dominante. (grifos dos autores) (ZAFFARONI, 2003, p. 99­100)

29 Não interessa, nesta pesquisa, incursionar sobre as correntes abolicionistas, que negam legitimidade do sistema e comungam dos mesmos valores dos postulados críticos da criminologia. No entanto, radicalizam quanto à necessidade da existência do direito e sistema penal, propondo, em suma, a total extinção de ambos, substituindo­os por outras instâncias de solução de conflitos. Neste tópico, somente limitar­se­á a discussão sobre a pena, especialmente, a prisão. Para maior aprofundamento sobre o abolicionismo: ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. Tradução de Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopes da Conceição. Rio de Janeiro: Editora Revan, 1991; PASSETTI, Edson (org.). Curso livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004; PASSETTI, Edson. Anarquismos e sociedade controle. São Paulo: Cortez, 2003.

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Com este pensar, Nilo Batista e Eugênio Raúl Zaffaroni declaram

francamente a falácia das teorias positivas da pena, porque se revelam como

incapazes de cumprir suas promessas e ofertar soluções adequadas ao modelo

democrático assumido pela maioria dos Estados modernos, afinal, a punição tem

fundamento político. Portanto, apesar de existirem as leis penais, a sua

interpretação e aplicação justa são pontos eficazes na contenção da excessiva

seleção e criminalização de classes sociais vulneráveis (ZAFFARONI, 2003, p. 108).

A construção desta teoria é bem próxima da realidade ou por meio dela,

propõe­se a desconstrução do sistema de injustiças e abusos às classes

vulneráveis sem que requeiram mudanças estruturais do sistema penal 30 ou da

legislação vigente. Pugna­se, para tanto, a construção de um novo Direito Penal:

A partir de uma teoria negativa de toda função manifesta do poder punitivo e agnóstica a respeito de sua função latente: a pena (a e todo o poder punitivo) é um fato de poder que o poder dos juristas pode limitar e conter, mas não eliminar. Uma teoria do direito penal que o programe para limitar e reduzir o poder punitivo até o limite do poder das agências jurídicas é racional porque se orienta para o único objetivo possível dentro de seu âmbito decisório programável. Não se pretende legitimar o poder de outros, mas legitimar e ampliar o poder jurídico, o único cujo exercício é capaz de ver­se orientado, tendo em vista que as agências jurídicas não dispõem diretamente de qualquer outro. (ZAFFARONI, 2003, p. 109­110)

Note­se que na construção desta teoria os autores não investigam a prisão,

especificamente, que, por certo, lhes renderia outra série de argumentos em

desfavor do modelo vigente. O referencial adotado é distinto da orientação

materialista, pois não se pretende mudar o sistema, somente conter os excessos,

embora se reconheça que estes ainda se farão presentes 31 . Ressalve­se que estes

sempre negam legitimidade ao direito de punir do Estado, somente admitem a sua

existência e vigência e constroem a sua teoria dentro desta perspectiva.

O discurso de origem marxista, concebido na crítica materialista à pena

criminal, objetiva por analisar as repercussões do Direito Penal forjado pela ideologia

30 Leia­se: as agências estatais que cuidam da vigilância e aplicação da lei penal (polícia, ministério público, instituições totais) 31 Santos (2005, p. 18) tece críticas ao abandono de importantes referenciais da Criminologia Crítica pelos autores para confecção da teoria negativa ou agnóstica da pena.

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capitalista. E nisso, a pena, como consequência jurídica do crime, é ferramenta

essencial de controle social dos homens.

Rusche e Kirhheimer (2004, p. 20) já diziam que “todo sistema de produção

tende a descobrir formas punitivas que correspondem às suas relações de

produção”. E o capitalismo, como sistema produtivo não fugiu à regra. Adotou­se

como padrão, o encarceramento dos homens. O pagamento do crime se daria na

usurpação do tempo livre. Segundo Santos (2005, p. 19), seria a pena de prisão a

forma de retribuição equivalente devido:

Aos seus fundamentos materiais e ideológicos das sociedades fundadas na relação capital/trabalho assalariado, porque existe como ‘forma de equivalência’ jurídica fundada nas relações de trabalho das sociedades capitalistas contemporâneas.

Ou, ainda, como pontuou Pausukanis (1989, p. 158):

A privação da liberdade, ditada pela sentença do tribunal, por um certo período de tempo é a forma específica pela qual o direito penal moderno, burguês­capitalista, realiza o princípio da reparação equivalente. Essa forma está inconscientemente, embora profundamente, ligada à representação do homem abstrato e do trabalho humano abstrato avaliados em tempo. Não foi por acaso que esta modalidade de apenamento foi implantada e tida como natural precisamente no século XIX, ou seja, em uma época na qual a burguesia pôde desenvolver e aprimorar todas as suas características. (...) Para que a ideia de possibilidade de reparar o delito com a privação de um quantum de liberdade pudesse nascer foi necessário que todas as formas concretas de riquezas social estivessem reduzidas à forma mais abstrata e simples – o trabalho humano medido em tempo.

E, apesar de haver escrito sua obra na década de vinte, retrata hipótese

similar aos dias de hoje sobre a pena, delinquente e ressocialização:

As questões sobre a reforma penitenciária só interessam a um pequeno grupo de especialistas. Ao contrário, a questão que, para o público, se o encontra no centro de suas atenções é a de saber se a sentença corresponde ou não à gravidade do delito. Para a opinião pública, desde que o tribunal tenha determinado corretamente o equivalente, tudo está regulamentado, e o destino ulterior do delinquente não interessa quase a ninguém.

A despeito disto, a escolha pela prisão deve­se à adoção de política de

controle social através da violência, ademais, os efeitos desta espécie de pena são

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antagônicos àqueles que declarados pelo sistema penal, conforme adverte

Guimarães (2007, p. 70­71):

Assim, ao invés de combater­se a injustiça social, pedra de arrimo da violência estrutural – essencial ao capitalismo – e causa de grande parte das mazelas sociais, combate­se através do sistema penal sua consequência, qual seja, a crescente e incontrolável onda de violência criminal, haja vista que seria, no mínimo, um paradoxo, que o poder combatesse algo que é pressuposto de sua existência. (...) Ademais, é exatamente no cárcere, em razão dos efeitos produzidos serem contrários aos oficialmente almejados – prevenção geral e especial – que se consolidam as carreiras criminosas, vez que há a introjeção da cultura delinquencial, ou seja, os detentos e reclusos em razão do longo tempo expostos aos malefícios imanentes à privação da liberdade acabam por assumir atitudes, modelos de comportamentos e valores característicos da subcultura carcerária.

Finalmente, tem­se em Baratta (1997, p. 190) a perfeita conclusão da crítica

materialista a esta problemática:

Em suma, é impossível enfrentar o problema da marginalização criminal sem incidir na estrutura da sociedade capitalista, que tem necessidade de desempregados, que tem necessidade por motivos ideológicos e econômicos, de uma marginalização criminal.

Seguramente, “a pena como retribuição equivalente representa forma de punição específica e característica da sociedade capitalista, que deve perdurar

enquanto subsistir a sociedade de produtores de mercadorias” (SANTOS, 2005, p.

24), o que revela predicados de seletividade e desigualdade inerentes ao direito e ao

sistema penal.

3.3 RESSOCIALIZAÇÃO: DICOTOMIA ENTRE O DISCURSO E A REALIDADE.

De acordo com o exposto, extrai­se que o ideal reinante, inclusive na

Constituição Federal de 1988, é de que pena privativa de liberdade possa promover

a ressocialização do criminoso já condenado.

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Com efeito, o ideal de ressocialização constitui uma quimera. O histórico da

prisão credencia que se decrete a sua falência. Aliás, declara­se este ideal, no

entanto, ocultam­se outros mais perversos, que implicam no oposto.

Para compreender que o discurso dos que defendem a prisão é falso, porque

irrealizável, é preciso fazer algumas digressões para chegar à conclusão de que o

cárcere serve como forma de se estigmatizar pessoas, que foram previamente

selecionadas pelo sistema punitivo.

Toda estrutura social moderna é dividida em classes econômicas. O sistema

de produção capitalista vigente termina por criar lacunas ­ cada vez maiores ­ entre

elas, implicando em uma grande diferença sócio­econômica e cultural. Devido a

estes choques de interesses entre as classes, há evidente proscrição de condutas

comuns a certos grupos sociais (independendo de serem de classes dominantes ou

dominadas, contudo, as diferenças revelam­se mais entre as segundas). Tais

condutas passam a ser repudiadas (punidas) pelo grupo social mais forte, por serem

contrárias ao seu padrão e interesses; portanto, nasce a “conduta desviante” (DIAS

E ANDRADE, 1997, p.48­52; CUÑARO, 1992, p. 27­30).

Esta, necessariamente, não tem natureza delitiva, embora algumas delas

integrem as leis penais. No instante em que determinada conduta humana passa a

ser tida como nociva ao tecido social, utiliza­se a produção de leis criminais para

poder segregar os infratores e tentar assim se evitar a repetição do indesejável.

Aciona­se assim o Sistema Penal (SP). Complementa Andrade (2003, p. 42­3)

conceituando­o e apontando seus limites:

O sistema penal não se reduz ao complexo estático de normas penais, mas é concebido como processo articulado e dinâmico de criminalização ao qual concorrem todas as agências do controle social formal, desde o Legislador (criminalização primária), passando pela Polícia, Ministério Público e a Justiça (criminalização secundária) até o sistema penitenciário e os mecanismos de controle social informal (família, escola, mercado de trabalho, mídia).

A conduta passará a ser um rótulo para aqueles que a praticam algo que os

discernirá dos “normais” (nos padrões estabelecidos em sociedade); caso esta

conduta componha o grupo integrante das leis penais, o sujeito está selecionado a

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integrá­lo (BISSOLI FILHO, 1998, p.180). Surge a rotulação e seleção de

determinados grupos (frise­se, que, em regra, sempre são os mais débeis) 32 .

Ressalve­se que a vulnerabilidade destes não é necessariamente por causa da lei,

afinal, vive­se sob a égide do postulado capitalista da igualdade jurídica; contudo, a

ruptura desta isonomia dá­se na distribuição e aplicação da justiça criminal

Consoante exposto, passará o selecionado a sofrer uma criminalização

primária (prática de ato tido como crime), então, ele será submetido a um outro

processo: o contato com as agências de controle e vigilância: a Polícia, o Ministério

Público, o Poder Judiciário e os Estabelecimentos Penitenciários (BISSOLI FILHO,

1998, p. 181­182).

Como se percebe, a marca de criminoso faz parte daquele submetido a estes

processos, pois a integração social primária é de repúdio pela sua conduta,

seguindo de exposição e segregação, conduzindo o sujeito a uma aceitação de sua

realidade nova (PAVARINI, 1995, p. 118).

Sem dúvida, o rotulado passa a se ver como foi identificado pela sociedade

um delinquente, como foi tratado pelas agências de controle social formal. Ademais,

os ritos da polícia judiciária 33 , do sumário de culpa (processo penal) e o trato na

prisão (pelos detentos e funcionários) levam a esta adoção da carreira criminal.

32 Assim diz Andrade (2003, p. 41): “Uma conduta não é criminal ‘em si’ (qualidade negativa ou nocividade inerente) nem seu autor um criminoso por concretos traços de sua personalidade ou influências do meio ambiente. A criminalidade se revela, principalmente, como um status atribuído a determinados indivíduos mediante um duplo processo: a ‘definição’ legal de crime, que atribui à conduta o caráter criminal, e a ‘seleção’ que etiqueta e estigmatiza um autor como criminoso entre todos aqueles que praticam tais condutas.(...) Por isso, mais apropriado que falar da criminalização (e do criminalizado), e esta é uma das várias maneiras de construir a realidade social”. E prossegue: “Esta tese, da qual provém sua própria denominação (‘etiquetamento’, ‘rotulação’), se encontra definitivamente formulada na obra de Becker (1971, p. 19), nos seguintes termos: ‘os grupos sociais criam o desvio ao fazer as regras cuja infração constitui o desvio e aplicar ditas regras a certas pessoas em particular e qualificá­las de marginais (estranhos). Desde esse ponto de vista, o desvio não é uma qualidade do ato cometido pela pessoa, senão uma consequência da aplicação que os outros fazem das regras e sanções para um ‘ofensor’. O desviante é uma pessoa a quem se pode aplicar com êxito dita qualificação (etiqueta); a conduta desviante é a conduta assim chamada pela gente’. 33 Polícia Judiciária seria as Polícias Civil e Federal, instituições constitucionalmente encarregadas de investigar delitos, cumprir mandados judiciais, instaurar inquéritos policiais, efetuar registros de criminosos, etc.

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Goffman (1992, p.23, 69) já tratava deste assunto ao analisar a vida em

prisão e instituições totais. O rótulo vira estigma. O preso nunca mais é visto como

um cidadão comum; distintamente da vida extramuros, às normas a que é

submetido, o lento processo penal enseja a uma ausência de escolhas e aceitação

tácita desta nova realidade.

Símbolos de estigma, ou seja, signos que são especialmente efetivos para despertar a atenção sobre uma degradante discrepância de identidade que quebra o que poderia, de outra forma, ser um retrato global coerente, com uma redução consequente em nossa valorização do indivíduo. (GOFFMAN, 1988, p. 53)

A prisão é um estigma que persiste e provoca menoscabo da imagem do

condenado ou do egresso. Qualquer deste terá sempre a desconfiança alheia

pensando sobre si, se, porventura, ainda é um criminoso, agora melhor preparado,

inclusive, ou, se, por absurdo (uma exceção), foi ressocializado. Como afirma

Mayrink (2007, p.49), a macrossociedade teme que o liberado [egresso do cárcere] reincida e não acredita em sua mudança de postura crítica em relação a ela.

Há no inconsciente coletivo a ideia de que a prisão não ressocializa,

entretanto, conscientemente, ela é sustentada por quem lhe censura

inconscientemente. Um paradoxo. Semelhante à ideia de re­socializar alguém, privando­lhe a oportunidade de relacionar­se com outros seres humanos.

É possível se indagar se o sistema punitivo na prisão é a decisão mais

acertada. Assim como, se a reclusão de alguém seria, verdadeiramente, a melhor

forma de se “ressocializar”. A resposta parece ser negativa. Cervini (1991, p. 30) diz

que é praticamente impossível educar alguém a ser livre prendendo­o. É um fato.

Uma verdade. Saliente­se que, aliado ao grave quadro revelado, o tratamento

carcerário é extremamente prejudicial ao ideal de reinserção social. Ou, como disse

Baratta (1997, p. 186) tecendo comentários sobre a relação entre sociedade e preso:

Antes de tudo, esta relação é uma relação entre quem exclui (sociedade) e quem é excluído (preso). Toda técnica pedagógica de reinserção do detido choca contra a mesma natureza desta relação de exclusão. Não se pode, ao mesmo tempo, excluir e incluir.

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A vida intra­muros impõe uma nova realidade ao condenado Existem regras

de convivência próprias entre os presos e dos presos para com o corpo diretivo. Há,

por certo, uma cultura do encarceramento, que afasta deveras alguém da vida em

liberdade (MUÑOZ­CONDE, 1999, p. 97­102). Na perspectiva de Santos (2005, p.

28), a prisão só ensina a viver na prisão. E prossegue asseverando que ela “prisionaliza o preso que, depois de aprender a viver na prisão, retorna para as mesmas condições sociais adversas que determinaram a criminalização anterior”

(SANTOS, 2005, p. 28).

Tem­se visto que é quase impossível se valer da prisão como forma de

ressocializar ou reintegrar. Cabe, ainda, apontar que tais metas, tão anunciadas nas

legislações criminais de várias nações, contudo, são falsas premissas. O sistema

penitenciário não é concebido para tal fim. Aliás, com perspicácia, afirma Muñoz­

Conde (1999, p. 91) que “o termo ressocialização se converteu em uma palavra da

moda que todo mundo emprega, sem que ninguém saiba muito bem o que é, que se

quer dizer com ela”.

Conforme dito anteriormente, o homem selecionado ao ser preso e

processado passa por um processo de criminalização, nascendo dali um estigma,

ele passa a ser visto pelos demais membros da sociedade como um celerado, um

marginal, o verdadeiro “criminoso nato”. Este primeiro processo, ganha contornos

mais definidos com uma eventual condenação, configurando­se, assim, a

criminalização secundária. Poder­se­ia dizer que a sentença criminal condenatória é

a certidão de nascimento do selecionado e estigmatizado.

Aquele “criminoso”, que ainda – formalmente ­ tinha a seu favor o princípio da

inocência, passa a ser a confirmação do que todos previam: o inimigo social, o

anátema. Inclusive, esta perspectiva não é somente da sociedade para o

condenando, mas é compartilhada, pois o próprio condenado assume o papel que a

sociedade lhe atribui de criminoso.

Assim, a exclusão e seleção que o Direito Penal faz utilizando a prisão,

direcionado, em suma maioria, às populações mais debilitadas economicamente – ou

como afirmam Zaffaroni e Batista (2005, p. 47) os mais vulneráveis ao sistema penal –

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criam entre estes grupos a marginalização. E mais, o estigma permanece, mesmo

após de cumprida a pena. Tais funções do cárcere são “reproduções das relações

sociais e manutenção da estrutura vertical da sociedade” (Baratta, 1997, p. 175).

Portanto, resta esclarecido que a verdade do cárcere é mais dura do poderia

parecer. Os condenados enfrentam preconceitos que, em muitos casos, os impedem

de voltar a sentirem­se cidadãos, optando, por vezes, pela carreira criminosa.

Alessandro Baratta (1997) sustenta que deve ser implementada uma maior

integração cárcere­sociedade, assim como a despenalização de algumas condutas,

a criação e proposição de novas formas de se punir, sem, contudo, ferir a dignidade

humana. Assim ensinava o professor italiano que “parece importante insistir no princípio político da abertura do cárcere para a sociedade e, reciprocamente, da abertura da sociedade ao cárcere” (BARATTA, 1991, p. 254).

A pena de prisão tem se prestado, na maioria das vezes, para servir de local

onde devem ser enviados os celerados; porém, esta aparente desídia é substituta da

raiva e ódio. Benevistes apud Messuti (2003, p. 19) “assinala que a origem do termo em grego era poine, que correspondia exatamente ao significado de vingança, ódio: a retribuição destinada a compensar um crime, a expiação de sangue”. Ou, como

reclamava Ernest Von Beling (2007, p. 83­84), já no liminar século XX:

Pena é textualmente retribuição (é retribuição in malam partem, assim como “prêmio” o é in bonam partem). A ideia de retribuição imprime sua marca nos direitos penais existentes. Quando na história jurídica universal a pena substituiu a vingança, não surgiu em lugar da retribuição algo diferente, mas apenas em lugar da retribuição instintiva, ilimitada e apaixonada, nasceu uma retribuição aperfeiçoada (“objetivada”).

Pretende­se manter o cárcere como ele é, porque não se quer “ressocializar”

ou “reintegrar”. Estes são verbos empregados num discurso falso, que se

demonstrou vazio porque é divergente da realidade.

Conclui­se, portanto, que a função da pena tem sido retributiva, como era

desde os primórdios da história humana. Ou seja, o sentimento de vingança, na sua

essência, não mudou. Qualquer avanço somente será possível se houver um

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rompimento com a perversa realidade da prisão, na esteira do que ensinou Baratta

(1997), se inovar no tratamento da questão criminal e penitenciária.

Outro ponto que merece enfoque nesta discussão sobre a ressocialização

reside nos limites que terá o Estado para impor o programa destinado a tal escopo,

uma vez que as nações adotaram o modelo do Estado Democrático de Direito, o que

implica em assunção irrestrita do princípio da dignidade da pessoa humana.

A Constituição Federal do Brasil traz, no seu art. 1°, inciso III, o dever de

propalar e defender sempre a humanidade 34 . O conceito de ressocialização é ainda

algo deveras abstrato que não se definiu com clareza necessária, podendo esbarrar

neste postulado constitucional.

O que, portanto, deve ser tido por ressocializar? Quais seriam as suas

fronteiras? Tais questões devem ser respondidas levando­se sempre em

consideração que se vive numa democracia, onde é lícito se adotar posturas

internas sem que isso implique em eventual ofensa às normas e leis instituídas pelo

próprio Estado. Indaga­se isto, pois houve, há e haverá sempre interesse em se ter

o criminoso encarcerado como “marionete” do sistema penal, afinal, o seu

afastamento do meio social deveu­se, por assim dizer, a uma falta para com os

valores petrificados em normas penais.

Então, tem­se, no senso comum, que ele somente poderá retornar ao

convívio social se devidamente submetido a uma punição que, preferencialmente, o

“ressocialize”, o docilze, como diria Foucault, torne­o “bonzinho” de novo, faça­o acreditar, convictamente, que errou e se arrepende do mal por ele provocado.

Até onde poderá, num Estado Democrático de Direito, se submeter,

compulsoriamente, aquele que cometeu um delito à alteração da própria

personalidade? Assevera Nuvolone (1981, p. 266) ao discutir esta questão na

esfera do Direito Penal italiano que:

34 Talvez seja o maior legado do iluminismo depois da racionalidade.

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O castigo pelo crime é legítimo, mas a modificação de uma personalidade não doente, para “normalizá­la”, segundo as linhas vetoras da maioria, poderia não ser legítima, porquanto incidiria no direito que cada um tem de ser o que é.

Some­se, ainda, a este impasse os meios que se imporiam para atingir tal

meta, que, seguramente, ofenderiam a dignidade da pessoa humana, em especial, o

direito à intimidade e ao princípio da lesividade ou ofensividade 35 .

Portanto, tem­se evidenciado que o ideal de ressocialização é uma quimera

desejada pelos cultores da prisão enquanto pena, sonhada pelos idealistas deste

modelo vigente, porém, algo nunca atingido como fruto da punição pelo

encarceramento, muito embora, seja possível se colher impressões e exemplos de

alguns poucos que, após determinado período de encarceramento, regressaram

devidamente “ressocializados”. No entanto, estes integram a exceção, e não a regra.

35 Como conceitua Queiroz (2006, p. 59): “Somente podem ser erigidos à categoria de criminosos comportamentos lesivos de bem jurídico alheio (por isso também conhecido como princípio de exclusiva proteção de bens jurídicos), público ou particular, entendendo­se como tal os pressupostos existenciais e instrumentais de que a pessoa necessita para a sua autorrealização na vida social, não comportando a criminalização de condutas que não ofenda, seriamente, bem jurídico determinado ou que representem má disposição de interesse próprio (...)”.

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4. PRISÃO E CAPITALISMO: DO MERCANTILISMO À ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL.

4.1 O NASCIMENTO E EVOLUÇÃO DA PRISÃO NA SOCIEDADE CAPITALISTA.

A adoção do direito penal como forma institucionalizada de controle social se

consolidou desde a formação dos estados nacionais europeus. A presença das leis

já se fazia sentir, pouco a pouco, como algo relevante naquelas sociedades, apesar

de se viver sob a supremacia da vontade do soberano, o absolutismo.

No entanto, com o seu declínio e a ascensão dos burgueses ao poder, o que

implicou numa mudança de rumo do modelo econômico vigente, se impuseram

mudanças de costumes, pensamento e até mesmo comportamentos. Assim, o

descortinar deste novel período inaugurou transformações profundas e intensas nas

sociedades européias e, por repercussão, em todo o globo terrestre.

Consoante anunciado ao longo desta dissertação, não poderiam mais se

manter as práticas punitivas que atravessaram os séculos: as sanções corporais,

cruéis e a capital. Exigia­se uma nova forma que contemplasse o respeito aos

direitos mais comezinhos do ser humano. E, na prisão, achou­se algo além disso.

As raízes do cárcere estão fincadas muito tempo antes da sua existência

propriamente dita, enquanto instituição exclusivamente destinada aos condenados

da justiça criminal. No primeiro momento, a prisão esteve diretamente a serviço do

modelo econômico capitalista embrionário, pois foi alavanca para moldar as mentes

com o valor de que, a partir dali, o trabalho seria o elo do homem à sociedade, não

mais a terra.

O homem passaria a ser visto como fonte de trabalho e a sua única forma de

sobreviver à miséria e a fome seria por meio da mercancia desta energia em troca

de dinheiro.

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Os séculos XVI, XVII e XVIII serviram como período preparatório para o

ingresso definitivo do capitalismo como modelo econômico reitor dos Estados.

Conviveu­se nestes trezentos anos com as mais diversas realidades, países que

conseguiram impor limite ao poder dos seus reis e rainhas e outros que tiveram que

conviver com isto.

De fato, o que se pode constatar como elemento incomum das nações

européias era que a maioria da população vivia da terra, ou seja, a força produtiva

estava no campo, como expôs Hobsbawm (2004, p. 28):

O mundo em 1789 era essencialmente rural e é impossível entendê­lo sem assimilar este fato fundamental. (...) De fato, fora algumas áreas comerciais e industriais bastante desenvolvidas, seria difícil encontrar um grande Estado europeu no qual ao menos quatro de cada cinco habitantes não fossem camponeses. E até mesmo na Inglaterra, a população urbana só veio a ultrapassar a população rural pela primeira vez em 1851.

Na última década do século XVIII somente duas cidades européias se

destacavam, Londres, com uma população em torno de um milhão de pessoas e

Paris, com a metade (HOBSBAWN, 2004, p. 28). Por certo, alguns traços do

feudalismo permaneciam em regiões do continente europeu, no que concerne ao

desenvolvimento da economia agrícola.

Na Inglaterra, este pensamento foi superado rapidamente, pois ainda este

período se destacara pelo desenvolvimento de uma agricultura puramente

capitalista 36 . Além disso, com o controle das colônias norte­americanas, que

exportavam matéria­prima com preço de custo mais barato e em grande quantidade.

Importantes rotas econômicas foram criadas, sendo cruciais para a difusão

destes produtos por toda a Europa, incrementando e integrando os mercados.

Concomitantemente, em reforço, desenvolvia­se o pensamento científico, o

iluminismo, que se voltou, em grande parte, aos interesses comerciais e industriais

(HOBSBAWM, 2004, p. 40).

36 Polanyi (2000, p. 52) revela que, na Inglaterra, já no século XV, o capitalismo tinha semeadas suas raízes: A indústria caseira já se difundia na segunda metade do século XV, e um século mais tarde ela já era um aspecto marcante no campo.

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Não obstante este ambiente se construía em prol do sistema capitalista, que

mais adiante seria projetado na Revolução Industrial em 1848. As economias

européias se encaminhavam para uma nova sociedade, regida pelos mercados, de

forma livre e autorregulável, embora isso fosse contido há mais de duzentos anos:

A partir do século XVI, os mercados passaram a ser mais numerosos e importantes. Na verdade, sob o sistema mercantil, eles se tornaram a preocupação principal dos governos. Entretanto, não havia ainda sinal de que os mercados passariam a controlar a sociedade humana.

O mercantilismo, que preconizava o máximo acúmulo de riqueza possível,

estimulou o comércio europeu com a descoberta das Américas e a maior exploração

comercial da África e Ásia. A cada dia chegavam aos portos produtos até então

desconhecidos, que passaram a compor o dia­a­dia da população européia, como o

açúcar, por exemplo. Diga­se que o crescimento do mercantilismo, nos séculos XV e

XVI, foi fundamental para mitigar as barreiras protecionistas que eram praxe das

municipalidades, desde a Idade Medieval. Começa a ser estimulada a criação de um

mercado nacional e não mais local.

Naquele momento, onde havia rígido controle das atividades econômicas,

marcadas pelos monopólios das atividades comerciais, se valorizava bastante o

comércio local entre os distritos mais próximos. Não havia integração deste com o

de longa distância. Infere­se, portanto, deste quadro pós­medievo que os mercados

eram isolados e contidos por regras provinciais. Coube à nova formatação que os

Estados assumissem estimular a integração dos mercados locais, ainda

permanecendo forte proteção, agora, desta feita, ao novo mercado nacional.

Desta maneira, ao se promover o crescimento da atividade comercial,

buscou­se ofertar alternativa às economias essencialmente agrárias da Europa.

Portanto, as condições básicas para o desenvolvimento do capitalismo estavam bem

calcadas na estrutura dos Estados europeus (POLANYI, 2000).

Restava somente adequar a mentalidade do homem à sociedade do porvir: o

capitalismo. O mendigo e o camponês não se encaixavam no perfil ideal para a futura

realidade. Foi preciso adotar medidas duras contra estas figuras para talhar o proletário.

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Desde o século XIV, a sociedade européia convive com a figura do mendigo, que simbolizou aquele que estava fora da rede de proteção social da Idade Média,

sendo que este vivia sem rumo certo, dependente da caridade alheia, em especial,

da Igreja Católica.

A miséria vista como um problema social passa, também, a ser administrada

pelas autoridades legais, além das eclesiásticas (CASTEL, 2005, p. 72). No entanto,

uma distinção passa a ser fundamental para gozar da caridade cristã da Igreja e

sociedade civil: a utilidade do mendigo, pois se pudesse trabalhar perdia a simpatia

daqueles, sendo, definitivamente, expulso desta rede de proteção social.

As inúmeras crises econômicas, aliadas ao crescimento populacional

forçaram que se buscasse pôr termo à mendicância, buscando assim a reforma dos

capazes de trabalhar e dos jovens, restando somente os enfermos e inválidos como

sujeitos às benesses da caridade cristã. A partir daí, deflagra­se por todo o

continente uma verdadeira luta contra a mendicância, que passa a se chamar, vagabundagem, impondo­se uma política de encerramento. Esta política, afirma Castel (2005, p. 75), visava resgatar o ideal de pertencimento comunitário, visto que

os mendigos representavam povo independente, desconhecedor das leis, religião,

autoridade, enfim, dos valores da comunidade.

Dentre as políticas públicas que foram adotadas para acelerar o avanço rumo

ao capitalismo, a principal delas ocorreu na Inglaterra, com a expulsão de grande

massa de camponeses com o processo de cercamento dos campos e a

transformação destes em pastos para caprinos. Simultaneamente, como estímulo da

nova cultura econômica, optou­se por uma rígida legislação contra a vadiagem,

como assinala Marx (1973, p. 179):

Todos os homens assim privados de seus meios de vida não poderiam ser absorvidos pela manufatura nascente tão prontamente quanto ficavam disponíveis. De outra parte, bruscamente, arrancados de seu gênero de vida habitual, não se podiam ajustar da noite para o dia à disciplina da nova situação. Muitos dentre eles se fizerem ladrões, bandidos, vagabundos, uns por tendência natural, outros – os mais numerosos – por força das circunstâncias. É por isso que, pelo fim do século XV e durante todo o século XVI houve em toda a Europa ocidental uma legislação sanguinária contra a vadiagem. Os avós dos operários atuais foram primeiramente punidos por se

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deixarem transformar em vagabundos e miseráveis. A legislação os tratou como criminosos voluntários, supondo que dependia unicamente de suas boas vontades continuar a trabalhar nas condições que não existiam mais.

Castel (2005) expõe o vagabundo como um parasita social, alguém sem

pertencimento comunitário, sem trabalho, que, pouco a pouco foi combatido como

criminoso, principalmente, após os progressos iluministas. Relata ainda que a

primeira medida de combate ao vagabundo era o banimento. Porém, constatou­se

que esta era uma fantasiosa e ineficaz forma de se enfrentá­los, pois somente

trasladava­se o problema.

Na França, registra a história que, desde 1556, existem decretos reais

impondo pena de morte contra aqueles tidos como vagabundos, até mesmo o

Código Penal Napoleônico reprimiu esta figura da sociedade européia. Algumas

sanções, como trabalhos forçados em obras públicas, condenações às galeras e

internações nos chamados hospitais gerais compunham o arsenal punitivo do

Estado francês contra o vagabundo. Sobre esta última espécie de punição, que,

claramente, é um antecedente da prisão, assevera Castel (2005, p. 126) que “o

trabalho em instituições fechadas sempre foi um fiasco. O hospital geral não

ressocializou a ‘nação libertina e preguiçosa’ dos indigentes válidos”.

A Inglaterra do século XIV contemplava severo combate à vagabundagem,

principalmente por meio de éditos reais que impunham de sanções corporais até a

escravidão. Porém, foi através do isolamento de vagabundos e criminosos de

pequena monta para submissão a trabalhos forçados, que, em meados do século

XVI, nasceu a instituição que deu origem à moderna prisão, precisamente, em 1555,

na cidade de Londres surgia a Birdwell:

Por solicitação de alguns expoentes do clero inglês, alarmados com as proporções alcançadas pela mendicância em Londres, o rei autorizou o uso do castelo de Birdwell para acolher vagabundos, os ociosos, os ladrões e os autores de delitos de menor importância. O objetivo da instituição, que era dirigida com mão de ferro, era reformar os internos através do trabalho obrigatório e disciplina. Além disso, ela deveria desencorajar outras pessoas a seguirem o caminho da vagabundagem e do ócio, e assegurar o próprio autossustento através do trabalho, a sua principal meta. (...) A experiência deve ter sido coroada com sucesso, pois, em pouco tempo, house of correction, chamadas indistintamente de birdwells, sugiram em diversas partes da Inglaterra (MELOSSI, 2006, p. 36).

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Esta inovação se encaixava com perfeição nos interesses dos capitalistas,

porque serviu como coerção para fabricar fileira de homens que se submeteriam a

quaisquer condições de trabalho, desde que estivessem em liberdade.

O mercado livre de trabalho, à época, praticava altos salários, afinal, a mão­

de­obra disponível e qualificada para o trabalho era diminuta, a exceção da própria

Inglaterra, que com sua política de cercamento dos campos, criou o excedente da

mão­de­obra.

Assim, portanto, como a máxima capitalista reside na obtenção de mais valia,

era preciso se desenvolver algum mecanismo capaz de influir na realidade,

provocando um aumento da oferta da força de trabalho, o que, naturalmente,

acarretaria diminuição dos salários.

Desta maneira, como diziam Rusche e Kirchheimer (2004, p. 47), “os

capitalistas foram obrigados a apelar ao Estado para garantir a redução dos salários

e produtividade do capital”. A forma encontrada foi por meio de incremento das

punições contra os vagabundos, especialmente, através das casas de correção, o

que acarretou na criação de um exército de reserva.

Ou seja, aqueles que eram submetidos às condições degradantes das casas

de correção preferiam trabalhar livremente com salários irrisórios a cumprir novo

período de reclusão novamente. Esta seria uma das suas principais funções. O

objetivo do incremento do reforço punitivo era controlar a força do trabalho, enfim,

domesticá­la.

O melhor exemplo destas formas primitivas do cárcere, também denominadas

de ‘casas de trabalho’, se detectou na Holanda, que no século XVII, se destacava

como país que mais desenvolvia o capitalismo. Ali foram criados dois

estabelecimentos, um para homens (rasp­hius) e outro para mulheres (sphin­haus). Ambos congregavam ideais que nortearam casas de assistência aos pobres,

oficinas de trabalhos e instituições de caráter penal.

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A meta a ser cumprida era a “reciclagem” da força inútil de trabalho em útil

aos interesses sociais do capitalismo holandês. Pretendia­se que aqueles

submetidos a determinado tempo de trabalhos forçados, pudessem, ao sair,

motivarem­se a procurar por um espaço no mercado de trabalho.

O modus operandi consistia em impor uma série de trabalhos pesados. Aliás, era marca registrada destas casas de trabalho a adoção de técnicas ultrapassadas,

que primavam por exigir dos trabalhadores grande dispêndio de força física, que

além de soarem mais perversas, promoviam altos lucros, com baixos custos.

Frise­se que o objetivo das casas de correção residia também na produção de

dividendos para o Estado, o que, em algumas oportunidades, causou embates com

comerciantes, que pugnavam sua extinção por ser concorrência prejudicial.

A instituição tinha base celular, porém, em cada cela conviviam diversos detentos. O trabalho era praticado na cela ou no grande pátio central, segundo a estação do ano. Tratava­se de uma aplicação do modelo produtivo então dominante: a manufatura. A casa de trabalho holandesa era conhecida por toda parte pelo termo Rasp­hius, porque a atividade de trabalho fundamental que ali se desenvolvia consistia em raspar, com uma serra de várias lâminas, um certo tipo de madeira até transformá­la em pó, do qual os tintureiros retiravam o pigmento usado para tingir os fios. Esse processo de pulverização da madeira podia ser feito, basicamente, de dois modos: com uma pedra de moinho, e este era o método comumente usado por quem empregava este trabalho livre, ou, na maneira já descrita, na casa de trabalho. A duríssima madeira, importada da América do Sul, (Pau­ Brasil) era colocada sobre um cavalete e dois trabalhadores internos a pulverizavam, manejando as duas extremidades de uma serra muito pesada. O trabalho era considerado particularmente adequado para os ociosos e os preguiçosos (os quais, como consequência dessa atividade, às vezes literalmente quebravam a espinha dorsal). Era esse também o motivo com o qual se justificava a escolha do método de trabalho mais cansativo. É interessante notar que aqueles que compravam o pó de madeira da Rasp­ hius reclamavam da sua má qualidade se comparada com o pó produzido no moinho. (MELOSSI, 2006, p. 43)

As casas de trabalho holandesas tinham um público­alvo composto por vadios

e mendigos aptos (saudáveis), desempregados, prostitutas, ladrões, inclusive, à

medida que ganhavam credibilidade, alguns cidadãos chegaram a internar as suas

próprias crianças (RUSCHE, 2004, p. 69).

A experiência holandesa termina por impulsionar o surgimento dessas casas

em outros países, como Alemanha (Zuchthaus e Spinnhaus, Bremen, 1609), França

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(Hospital Geral de Paris, 1656), Itália (Hospício de San Filipo Neri, Florença, 1667).

Muitos desses novos institutos copiaram os regulamentos e até mesmo o projeto

arquitetônico original dos Países Baixos.

Nota­se que tanto ocapitalismo quanto a prisão, ambos em fases

embrionárias, se entrelaçavam, cresciam juntamente:

O desenvolvimento do regime de produção capitalista e do cárcere, enquanto principal forma de controle social daquele, não se afasta dessa característica geral, trazendo, isto sim, uma outra característica de crucial importância: a concomitância em que tais instituições foram se expandindo, o que pode ser considerado mesmo como uma interdependência existencial. (...) Uma das questões cruciais para o correto entendimento do aparecimento e desenvolvimento concomitante da pena privativa de liberdade e da sociedade capitalista em seu primeiro momento, o mercantilismo, passa, necessariamente, pela mudança de concepção sobre a necessidade de trabalho daqueles que se configuravam como sua força produtora. (GUIMARÃES, 2007, p. 116­117)

O encarceramento de massas, simbolizada na conversão dos vagabundos em

trabalhador, foi a saída encontrada para promover considerável redução salarial,

através de criação do excedente de mão­de­obra, bem como para domesticar os

novos trabalhadores, disciplinando­os sob os férreos termos capitalistas.

Naturalmente que este não foi fato isolado, contou com importante reforço da

religião, em especial, o protestantismo, que exortava o trabalho e a produção do

lucro, sendo o primeiro mandamento dirigido aos proletários e o outro aos

capitalistas (WEBER, 2002).

Nos países católicos, o aprisionamento era oriundo do direito canônico,

despido dos interesses burgueses; mas, concessões e reformas teóricas no

catolicismo defendido até então foram necessárias para ajustá­los à nova realidade.

Sintetizam Rusche e Kirchheimer (2004, p. 62) esta mudança nos seguintes termos:

O fato de ambas as doutrinas religiosas, a velha e a nova, colaborarem para o desenvolvimento da nova instituição prova que pontos de vista puramente ideológicos ocuparam lugar secundário em relação às motivações econômicas enquanto força motriz de todo o movimento.

Este momento do grande salto do capitalismo é assim relatado por Bauman

(2003, p. 30):

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O moderno arranjo – capitalista – do convívio humano tinha forma de Jano: uma face era emancipatória, a outra coercitiva, cada uma voltada para um setor diferente da sociedade. (...) Para dizê­lo de maneira curta e grossa: a emancipação de alguns exigia a supressão de outros. E foi isso exatamente que aconteceu: esse acontecimento entrou para a história com o nome um tanto eufemístico de ‘revolução industrial’. As ‘massas’ tiradas da velha e rígida rotina (a rede de interação comunitária governada pelo hábito) para serem espremidas na nova rígida rotina (o chão da fábrica governado pelo desempenho de tarefas), quando sua supressão serviria melhor à causa da emancipação dos seus supressores.

Portanto, a inserção da prisão como pena definitiva era mera questão de

tempo. Por longos anos, impunham­se punições como as galés 37 e deportações

para colônias 38 ; mas, estas, à medida que o mundo se tornava mais avançado,

enfim, “menor”, perdiam sua função, tornavam­se vazias.

Nesse sentido, a construção de prisões, locais próprios para criminosos, seria

a saída para solucionar este impasse, afinal, os trabalhadores estavam

domesticados e os valores humanistas/iluministas, que foram alimento na derrubada

do Antigo Regime, vedavam aplicação de penas aflitivas.

A sociedade capitalista não poderia mais abrir mão de ter ao seu lado o

cárcere, ele servia como elemento inconsciente que prendia o homem aos valores

do trabalho assalariado. Como resume Jinkings (2007, p. 7):

É este direcionamento que guia a administração carcerária até os dias de hoje: o detento deve ter condições de existência bastante inferiores ao mais pobre trabalhador livre para que ‘o crime não compense’.

37 Os condenados serviam como remadores de navios. Este trabalho passou a ser aplicado aos criminosos já condenados porque os homens livres não tinham interesse, pois era extremamente arriscado, principalmente, num período de intensas guerras marítimas. A motivação desta punição era exclusivamente de cunho econômico (RUSCHE, 2004, p. 85). 38 Esta forma de punir era muito comum aos países Ibéricos, principalmente, no século XV. A Inglaterra também se utilizou da deportação para poder promover a colonização de suas colônias ultramar, porque as colônias precisaram de mão­de­obra, vez que não obtiveram êxito com a escravização dos nativos, que por vezes fugiam ou morriam em virtude de guerras e doenças. A deportação de homens deixa de ser vantajosa às colônias com a chegada dos escravos negros. A partir daí medidas foram sendo implementadas para encerrar com o envio de criminosos, o que, efetivamente, teve termo com a Revolução e Independência dos Estados Unidos da América (RUSCHE, 2004, p.90­94).

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As casas de correção não avançaram muito além do século XVIII, passaram

por uma transformação crucial, a partir daquele momento, o isolamento era

exclusivo dos criminosos.

Com a formação de um mercado de trabalho propício ao capital, produzindo­

se uma cultura direcionada ao trabalho, alimentada por um sedento excedente

populacional, extinguia­se a necessidade de casas de correção, tanto que o seu

declínio deveu­se principalmente a dois fatores. concorrência com mercado livre de

trabalhadores e alto defict por força da evolução tecnológica da indústria, que fez sucumbir a manufatura.

O modelo de instituição carcerária que marcou a contemporaneidade surge

oficialmente nos Estados Unidos da América, como revela Jinkings (2007, p.8):

Do outro lado do Oceano Atlântico, nos EUA do final do século XVIII, foram fundadas prisões que se tornariam, rapidamente, modelos a serem seguidos. A prisão de confinamento solitário, gerida pelos quakers, tinha como base o isolamento celular, com o trabalho solitário na cela e a religião para buscar a transformação do detento em trabalhador honesto, aqui os internos não tinham contato entre si. Este sistema diminuiu sobremaneira os custos com vigilância, mas, por outro lado, não permitia a organização de trabalho coletivo entre os detentos. No isolamento total, a ideia é de que o trabalho não precisa ser produtivo, mas um instrumento para educar e transformar os detentos em pessoas submissas à disciplina do trabalho, qualquer que seja este, realizado numa fábrica ou numa penitenciária. O cárcere do tipo confinamento solitário é a materialização do sonho benthamiano de arquitetura da instituição penal. Este sistema se mostra como modelo das relações sociais burguesas: o isolamento do detento explicita o desejo burguês do operário não­organizado, a disciplina e a falta de concorrência oferecem ao empresário uma situação ideal de disponibilidade de força de trabalho, a educação do internado está voltada à sua sujeição à autoridade e à dependência em relação ao proprietário.

A princípio, quatro fatores foram os alicerces da prisão moderna: isolamento (a separação do corpo social era visto como predicado de correção), trabalho (método eficiente de correção, pois cria o hábito regular), religião (a reconciliação do pecador com Deus era o caminho para a reconciliação com a sociedade), educação (ensinamento dos valores sociais e morais vigentes para o preso).

A história da pena/prisão é conturbada, pois, desde a sua adoção, a falência

da meta que se dispôs cumprir fora declarada como impossível; assim, a

segregação humana para fins de correção ou ressocialização é uma premissa falsa.

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Porém, o debate encetado ao longo dos séculos sobre a punição sempre

gira ao redor da prisão, nunca houve a sua superação. Buscou­se reformá­la

sempre. A sua reinvenção nunca deixou de contemplar os mesmos valores que

informam a sua criação.

Desta forma, servirá sempre o cárcere ao seu mestre − o capital, e produzirá

idêntico resultado àquele que se quis mudar através da sua reforma. Como aponta

Sozzo (2007, p. 93), referindo­se ao instituto carcerário:

A perpétua e onipresente ‘reforma penitenciária’ que ao longo do tempo e espaço tem gestado mutações no projeto normalizador/disciplinante/correcional, modificando certos aspectos de discursos e práticas que a compõe, agregando outros, mas sem gerar nenhuma ruptura a respeito de seus princípios fundacionais.

Aliás, Michel Foucalt (p. 131­132), na década de setenta, já sustentava

esta posição:

Minha hipótese é que a prisão esteve, desde sua origem, ligada a um projeto de transformação dos indivíduos. Habitualmente se acredita que a prisão era uma espécie de depósito de criminosos, depósito cujos inconvenientes se teriam constatado por seu funcionamento, de tal forma que se teria dito ser necessário reformar as prisões, fazer delas um instrumento de transformação dos indivíduos. Isto não é verdade: os textos, os programas, as declarações de intenção estão aí para mostrar. Desde o começo, a prisão devia ser um instrumento tão aperfeiçoado quanto à escola, à caserna, ou o hospital, e agir com precisão sobre os indivíduos. Desde 1820, se constata que a prisão, longe de transformar os criminosos em gente honesta, serve apenas para fabricar novos criminosos ou para afundá­los ainda mais na criminalidade. Foi então que houve, como sempre nos mecanismos de poder, uma utilização estratégica daquilo que era um incoveniente. A prisão fabrica delinquentes, mas os delinquentes são úteis tanto no domínio econômico como no político. Os delinquentes servem para alguma coisa.

Em síntese, se demonstra que a maior função do cárcere é a de servir aos

anseios do sistema capitalista, consoante assevera Alessandro de Giorgi (2006, p. 44):

Do ponto de vista da economia política da pena, a contribuição das instituições e das tecnologias da pena foi, nesse sentido, fundamental: a penitenciária nasce e se consolida como instituição subalterna à fábrica, e como mecanismo pronto a atender as exigências do nascente sistema de produção industrial. A estrutura penitenciária, sob o perfil tanto organizativo quanto ideológico, não pode ser compreendida se, paralelamente, não for observada a estrutura dos locais de produção; é o conceito de disciplina do trabalho que deve ser proposto aqui como termo que faz a mediação entre cárcere e fábrica.

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Portanto, assim nasceu a prisão; da soma de reclames dos pensadores

iluministas contra as penas cruéis e corporais, e, principalmente, pelas escolhas

políticas do Estado em favor das necessidades capitalistas de se criar um mercado

de trabalho que possibilitasse obtenção de maior lucratividade. Então, a docilização

da força de trabalho e criação do exército de reserva forjaram as funções reais do

encarceramento:

As necessidades disciplinantes do tempo são as próprias vinculadas à formação da força de trabalho, ou melhor, da produção do trabalho como mercadoria. Esta necessidade obriga a pensar na prática institucional como aquela em que, nos estreitos espaços de exclusão, seja possível educar coercitivamente aquele fator de produção que é o trabalho à disciplina do capital. (PAVARINI, 1995, p.27)

Ou, ainda, como diria Bauman (1999, p. 117):

Fossem quais fossem seus outros propósitos imediatos, as casas panópticas de confinamento eram antes e acima de tudo fábricas de trabalho disciplinado. O mais comum era serem também soluções instantâneas para aquela tarefa suprema – colocavam os internos imediatamente para trabalhar e em especial nos tipos de trabalho menos desejado pelos ‘trabalhadores livres’ e que era menos provável executarem por livre e espontânea vontade, por mais atraentes que fossem as recompensas prometidas. Fosse qual fosse o seu propósito declarado a longo prazo, as instituições eram, francamente, na maioria, casas de trabalho.

Este foi o primeiro momento, pois assim que o mercado de trabalho se

revelou autossuficiente para produzir mão­de­obra, o labor intramuros deixa de ser

meta da prisão, como pontuou Jinkings (2007, p. 10):

Portanto, o nexo histórico entre cárcere e fábrica ilustra como o primeiro foi fundamental na ‘domesticação’, como proletários, de uma massa de camponeses indóceis recém expulsa dos campos. Nesse sentido, o cárcere produziu um setor de marginalizados úteis em situações de superexploração de força de trabalho carcerária. Ao mesmo tempo, o cárcere deixa de ser local de trabalho, principalmente, porque também numa conjuntura de desemprego, os trabalhadores não querem mais essa competição.

Deve servir de alerta que a prisão é uma arma utilizada tal como um dia foi a

pena de morte, a sua real função dependerá dos rumos que indiquem o sistema

econômico vigente. Nas primeiras fases do capitalismo ela se prestou, conforme

detalhado anteriormente, à promoção de um melhor ambiente de desenvolvimento

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do capitalismo. Não sem razão, a prisão serviu como instrumento de disciplina e

docilização de corpos, especialmente, por meio das regras internas da vida

intramuros. Esta cultura de conformismo, que servia como mordaça, se impunha

tanto àquele custodiado, quanto ao homem livre, sendo que este é pressionado para

não se ver na condição daquele (SOZZO, 2007, p. 91).

Portanto, qualquer mutação no capitalismo, por certo, promoverá significativa

alteração nas funções reais do cárcere, não obstante, cinicamente, se proponha

sempre à ressocialização humana através dele.

4.2 NOVOS TEMPOS: DO FORDISMO À ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL. REFLEXOS NO SISTEMA PENAL.

Conforme se tem esboçado, o capitalismo se consagrou como modelo

econômico vigente e desde a sua consolidação vem passando por transformações

constantes.

Como leciona Braveman (1987, p. 54), “a produção capitalista exige

intercâmbio de relações, mercadorias e dinheiro, mas sua diferença específica é a compra e venda da força de trabalho”.

A relação patrão versus empregado sempre foi e será conflitante, afinal, este deseja a valorização de sua força de trabalho, enquanto aquele lutará por diminuição

de custos e a mais valia. Esta, com efeito, é a lógica do capitalismo. Como dizem Marx e Engels (1978, p. 64):

O operário abandona o capitalista ao qual se aluga, tão logo o queira, e o capitalista o despede quando lhe apraz, desde que dele não mais de extraia nenhum tipo de lucro ou não obtenha o lucro almejado. Mas, o operário, cujo único recurso é a venda de sua força de trabalho não pode abandonar toda a classe dos compradores, isto é, a classe capitalista, sem renunciar à vida. (grifos originais).

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O capitalista, detentor dos meios de produção, aluga a força de trabalho do

proletário, que se valoriza de acordo com a demanda do mercado, ou seja, se

houver carência ela encarece, se houver excesso, é desvalorizada.

Atualmente, pode­se afirmar que o mercado de trabalho é competitivo no que

concerne às habilidades pessoais dos trabalhadores, bem como no preço cobrado

por sua força, pois existe mais mão­de­obra do que demanda de postos de trabalho.

Portanto, vence aquele que for mais habilitado e cujo valor não extrapole a

larga margem de lucro do capitalista. O trabalhador deve ser produtivo, o que

implicará na sua alienação no processo de produção, ele estará “cego” para poder

cumprir as metas, batê­las, ultrapassá­las, tudo para que não venha a ser

substituído por outro nas mesmas condições que ele.

Marx e Engels (1978, p. 80) alertavam sobre a alienação, aduzindo os riscos

advindos dela:

O resultado é que quanto mais trabalha, menos recebe de salário, pela simples razão de que à medida que concorre com seus companheiros de trabalho faz deles seus concorrentes, que se vendem em condições tão más quanto as deles; de tal forma que, em última análise, é a si próprio que ele faz concorrência, como membro que é da classe operária. (grifos originais).

Desta maneira, como assevera Braveman (1987, p. 59), tornou­se:

Fundamental para o capitalista que o controle sobre o processo de trabalho passe das mãos do trabalhador para as suas próprias. Esta transição apresenta­se na história como a alienação progressiva de produção do trabalhador; para o capitalista, apresenta­se como o problema de gerência. (grifos do autor)

Naturalmente, ante este quadro percebe­se que os trabalhadores estão em

desvantagem, pois por não disporem dos meios de produção, são forçados a

vender a única coisa que têm: a sua força de trabalho. E, estando sozinhos, são

presas mais fácies para os interesses do capitalista. Atento a este fator, o embate

daquele que detém os meios de produção consiste na desmobilização da classe

trabalhadora, o incentivo ao individualismo, o acirramento da competição como

meio de impedir uma coesão em prol dos interesses comuns dos trabalhadores

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(v.g.: pagamento de horas­extras, diminuição da jornada de trabalho, melhor salário­mínimo, etc.).

Já não é novidade que “os interesses do capital e os interesses do trabalho

assalariado são diametralmente opostos” (MARX e ENGELS, 1978, p. 75). Assim,

portanto, o capitalismo passa a ganhar espaço através da compra de força de

trabalho voltada para produção de mercadorias que haveriam de circular no

mercado, produzindo a riqueza para o capitalista.

No limiar do século XX, após as revoluções industriais, o avanço tecnológico

permitiu que nascesse a sociedade de massas. O principal agente de difusão desta

nova cultura foi Henry Ford, pensando num novo modelo capitalista, onde o

trabalhador pudesse ter poder de consumo daquilo que produzia. Um estilo de

vida, isso era o fordismo. Não era simplesmente uma maneira diferente de se

promover o capitalismo, porém, significava profunda mudança cultural. Como

ensina Harvey (1993, p. 131):

O fordismo do pós­guerra tem de ser visto menos como um mero sistema de produção de massa do que como um modo de vida total”. Produção em massa significava padronização do produto e consumo em massa, o que implicava toda uma nova estética e mercadificação da cultura que muitos neoconservadores como Daniel Bell mais tarde considerariam prejudicial à preservação de ética do trabalho e de outras supostas virtudes capitalistas.

O fordismo foi implantado como um projeto que “dependia da assunção pela

nação ­ Estado de um papel muito especial no sistema geral de regulamentação

social” (HARVEY, 1993, p. 130).

Nos países desenvolvidos, as políticas públicas visavam atingir a todos os

cidadãos, principalmente, no que concerne aos empregos. Havia a meta do pleno

emprego, o índice de desemprego era mínimo, quase zero. Em outras palavras, o

mundo do trabalho abarcava quase que todos os cidadãos, portanto, todos estavam

incluídos nos sistemas de proteção social, eram tempos do welfare state ou estado de bem­estar social (HARVEY, 1993, p. 125).

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Contudo, este modelo, nascido no começo do século passado, atingiu o ápice

no pós­guerra, durando somente até meados da década de setenta, quando é

substituído por um capitalismo de mercado de capitais.

Muitos acontecimentos ensejaram a mudança do fordismo por um modelo de

acumulação flexível. Foi, pode­se dizer, uma conjuntura de fatores que ensejou esta

virada na forma de se fazer o capitalismo:

Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital fixo de larga escala e longo prazo em sistema de produção em massa que impediam a flexibilidade de planejamento e presumiam crescimento estável em mercados de consumo invariantes. Havia problemas de rigidez nos mercados, na alocação e nos contratos de trabalho (especialmente no chamado setor “monopolista”). E toda tentativa de superar esses problemas de rigidez encontrava a força aparentemente invencível do poder profundamente entrincheirado da classe trabalhadora (...). A rigidez do compromisso do Estado foi se intensificando à medida que programas de assistência (seguridade social, direitos de pensão, etc.) aumentavam sob a pressão para manter a legitimidade num momento em que a rigidez na produção restringia expansões da base fiscal para gastos públicos. (HARVEY, 1993, p. 135­136).

O quadro descrito acima traduz a tensão que permeou a mudança do

sistema fordista para a acumulação flexível, inaugurando uma forma de se fazer

capitalismo que remonta às origens, de volta ao liberalismo. O capitalista quebrou

os grilhões que lhe prendiam ao Estado. Bauman (1998, p, 50) sintetiza o momento

vivido assim:

Atualmente, ‘racionalizar’ significa cortar e não criar empregos, e o progresso tecnológico e administrativo é avaliado pelo ‘emagrecimento’ da força de trabalho, fechamento de divisões e redução de funcionários. Modernizar a maneira como a empresa é dirigida consiste em tornar o trabalho mais ‘flexível’ – desfazer­se de mão­de­obra e abandonar linhas e locais de produção de uma hora para outra, sempre que uma relva mais verde se divise em outra parte, sempre possibilidades comerciais mais lucrativas, ou mão­de­obra mais submissa e menos dispendiosa, acenem ao longe.

Arremata, logo em seguida, o sociólogo polonês (1998, p. 51):

Poucos de nós lembram hoje de que o estado de bem­estar foi, originalmente, concebido como um instrumento manejado pelo Estado a fim de reabilitar os temporariamente inaptos e estimular os que estavam aptos a se empenharem mais, protegendo­os do medo de perder a aptidão no meio do processo (...).Isso era verdade – ou poderia a ser – na época em que a indústria proporcionava trabalho, subsistência e segurança à maioria da população. O estado de bem­estar tinha de arcar com os custos marginais

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da corrida do capital pelo lucro, e tornar a mão­de­obra deixada para trás empregável novamente – um esforço que o próprio capital não empreenderia ou não poderia empreender. Hoje, com um crescente setor da população que provavelmente nunca reingressará na produção e que, portanto, não apresentaria interesse presente ou futuro para os que dirigem a economia, a ‘margem’ já não é marginal e o colapso das vantagens do capital ainda o faz parecer menos marginal – maior, mais inconveniente e embaraçoso – do que o é. A nova perspectiva se expressa na frase da moda: ‘Estado de bem­estar? Já não podemos custeá­lo.

Borges (2000, p. 182­183) resume o dilema aqui debatido:

Soberano, o capital livra­se de todas as amarras e limites sociais construídos nos últimos séculos e, principalmente, no pós­guerra, e assume, sem disfarces, a sua verdadeira índole: conquistador, saqueador, sem controles institucionais ou sociais. Na sua reprodução, leva partes inteiras da economia a caírem no que, há poucas décadas atrás, era chamado de economia clandestina, de economia submersa. E não se trata de apenas atividades marginais, nem de atividades tangenciais ao crime, ou socialmente assim reconhecidas. È o coração mesmo do processo de acumulação contemporâneo que se torna opaco, ilegível, incomensurável, intransparente: hoje controla­se tão pouco o capital financeiro quanto o tráfico de drogas ou armas.

O cenário que se tem traçado aponta uma realidade mundial: o alto índice de

desemprego. Esta realidade não é casual, adveio de políticas macroeconômicas

neoliberais que visavam a “desvalorização dos custos de contratação,

desregulamentação do mercado de trabalho e a flexibilização das normas de

relacionamento entre capital e trabalho” (POCHMANN, 2001, p. 85).

Não obstante isto há que se adicionar a relevância da globalização para

engrossar as fileiras dos desempregados, afinal, como a economia dos Estados

nacionais não têm mais fronteiras, facilita que as grandes empresas, tendo em vista

melhores condições (diga­se, menores custos), deixem um país em direção a outro,

criando de uma hora para outra uma nova população de desempregados.

Outrossim, a tecnologia tem auxiliado no sentido de cada vez mais tornar o

trabalhador figura prescindível dentro das linhas de produção.

Desta forma, ante uma epidemia de desemprego, o resultado natural será a

exclusão do mercado de trabalho e rede de proteção social. A falta de renda cria um

abismo, que cresce quando esta aumenta. O sistema capitalista exige que para se

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ter acesso à educação, saúde, lazer, etc., qualquer cidadão deverá possuir dinheiro. Caso este não tenha como obter renda, será excluído:

A irrevogabilidade da exclusão é uma consequência direta, embora prevista, da decomposição do Estado social – como uma rede de instituições estabelecidas, mas talvez mais significativamente como um ideal e um projeto segundo os quais as realidades são avaliadas e as ações estimuladas. (...) Em vez de ser a condição de estar ‘desempregado’ (termo que implica um afastamento da norma que é ‘estar empregado’, uma aflição temporária que pode e deve ser curada), estar sem emprego parece cada vez mais um estado de ‘redundância’ – ser rejeitado, rotulado de supérfluo, inútil, não empregável e destinado a permanecer ‘economicamente inativo’. Estar sem emprego implica ser descartável, talvez até ser descartado de uma vez por todas, destinado ao lixo do ‘progresso econômico’ – essa mudança que se reduz, em última instância, a fazer o mesmo trabalho e obter os mesmos resultados econômicos, porém, como uma força de trabalho mais reduzida e com ‘custos de mão­de­obra’menores que antes (BAUMAN, p. 75)

A exclusão da rede de proteção social e do mercado de trabalho afasta o

cidadão, colocando­o à margem da vida em sociedade. Apesar de integrá­la

formalmente, perde a voz, sobre si pairam as trevas. Hoje, estar trabalhando é

produzir, poder consumir, é estar inserido no contexto social, é poder usufruir, com

plenitude, da cidadania, o que, novamente, constata Bauman (2005, p. 67):

As instituições do ‘Estado de bem­estar’ são desmanteladas aos poucos e ficam defasadas, enquanto restrições antes impostas às atividades comerciais e ao livre jogo da competição do mercado e suas consequências removidas. As funções protetoras do Estado se reduzem para atingir uma pequena minoria tenda a ser dos não­empregáveis e dos inválidos, embora até mesmo essa minoria tenda a ser reclassificada e passar de assunto do serviço social para uma questão de lei e ordem – a incapacidade de participar do mercado tende a ser cada vez mais criminalizada. O Estado lava as mãos à vulnerabilidade e à incerteza provenientes da lógica (ou da ilogicidade) do mercado livre, agora redefinida como assunto privado, questão que os indivíduos devem tratar e enfrentar com os recursos de suas posses particulares.

O desemprego, no capitalismo, não tem solução. No máximo, pode­se

minorá­lo, por algum tempo. O seu combate implica em choque direto com algumas

políticas que sustentam o modelo de acumulação flexível. É mister um incentivo ao

crescimento econômico visando a criação de novos postos de trabalho,

desconcentração de renda para que surjam mais consumidores, a realização de

reforma agrária para conter o êxodo rural, e, por fim, o retorno do estado de bem­

estar (principalmente, educação). Adicione­se ainda como solução uma reforma no

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direito do trabalho, para que se evite a precarização e a flexibilização das normas da

relação patrão versus empregado (CASTEL, 2004, p. 62).

Nos dias atuais, o hiato entre ricos e pobres enseja a mantença deste status quo. Inexistem chances reais de ascensão social, uma vez que há pouca oportunidade de emprego ou trabalho, tornando­se mais árdua a possibilidade de

alguém emergir da base da pirâmide social para o seu vértice. À medida que o

tempo passa, aumenta o número de pessoas que se encontram nesta situação.

Offe e Hinrich (1989, p. 43) asseveram que “as crises econômicas se definem

por provocarem o desemprego e o subemprego como fenômeno de massas”.

Aduzem ainda os autores que este fenômeno não ocorreu ao acaso, ele é

estruturado, pois limitará o acesso de determinados grupos de pessoas ao tão

sonhado mercado de trabalho. Aqueles que forem excluídos sobreviverão de

subempregos, no mundo da informalidade econômica, quando não forem

despejados como mão­de­obra para a criminalidade. Geralmente, estes grupos de

excluídos são os mais vulneráveis nas sociedades, os “grupos vulneráveis” (v.g.: mulheres, jovens, negros, imigrantes, homossexuais, dentre outros).

Tal política de segregação é chamada pelos referidos autores de “fechamento

social”, pautada exclusivamente em padrões de status criados no seio da sociedade. Necessariamente, não precisa de apoio institucional do Estado, é algo que nasce no

próprio mercado de trabalho (OFFE e HINRICH, 1989, p. 63).

Esta seleção do mercado de trabalho nunca deixará de existir, pois este

nunca absorverá a demanda existente. Contudo, criticam­se os parâmetros

estabelecidos, que se pautam em valores distintos dos necessários para se formar

um bom profissional.

À guisa de conclusão, é pertinente reproduzir a arguta observação feita por

Borges (2002, p. 7) sobre os efeitos da vulnerabilidade social, fruto da precarização

e desestruturação do trabalho no Brasil, porém, que podem servir também para

outras realidades:

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O acesso a um emprego – e a qualidade desse emprego – tornaram­se cruciais para a determinação do grau de integração social, das condições de vida e do acesso a bens e serviços da maioria da população, onde os efeitos desagregadores da ausência – ou perda – do emprego não podem mais ser eficazmente atenuados por outras esferas da vida social e onde uma maior precarização dos empregos se traduz, imediatamente, na elevação do grau de vulnerabilidade social.

Além disso, como consequência lógica congela­se uma maior ascensão

social, tornando­se privilégio de poucos. Mas, a regra passa a ser a mobilidade

descendente por parte dos grupos mais atingidos pelas mudanças do mercado de

trabalho (BORGES, 2002, p. 8).

Restou evidenciado que a transformação que o capital financeiro produziu

sobre o mercado de trabalho tem reflexos em todo o tecido social, causando

naqueles que foram e ainda são abarcados pelas mudanças a inequívoca exclusão

(da rede de proteção social).

A mudança que passou o capitalismo remodela as estruturas ideológicas da

prisão. Até aqui, ficou demonstrado que a segregação é fruto direto das

necessidades políticas do modelo econômico recém­adotado. Toda estrutura

carcerária se arrima nos interesses do capitalismo. Destarte, se este muda de rumo,

naturalmente aquela também se inclinará noutro sentido. Não sem razão afirma

Jinkings (2007, 10):

Recentemente, por outro lado, com a formação de uma grande massa de pessoas excluídas, a função educativa do cárcere estará talvez definitivamente superada. Não há mais necessidade de transformar o homem e produzir o trabalhador. Bastará limitar essas massas a guetos controlados policialmente para discipliná­las. Assim, a crescente substituição, a partir de meados da década de 1970, de políticas de controle como a liberdade vigiada, a liberdade condicional e o regime semiaberto, por um regime de encarceramento, se explica pelo fim do mito do pleno emprego keynesiano, pelo consequente crescimento do subemprego e do desemprego causados pela “racionalização” dos meios de produção, pela elevação dos índices de produtividade das empresas, com o uso de menos força de trabalho, e pela consequente geração de uma massa marginalizada que necessita ser controlada. Tal regime de controle baseado no encarceramento se materializa no crescimento contínuo, desde a metade da década de 1970 até os dias de hoje, da população encarcerada no mundo, especialmente, nos EUA.

Foi dito antes que o pós­guerra revelou ao mundo uma sociedade moderna

que objetivou a inclusão dos cidadãos, através da aquisição do status de cidadão,

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conceito este que conjuga direitos individuais (liberdade de ir e vir, de expressão, de

profissão, de fé), políticos e sociais. Via­se, por toda a Europa, um mundo em que

quase a totalidade do corpo social estava empregada. Havia uma sólida rede de

assistência social. O modo de produção era o fordismo, que preconizava o estímulo

ao consumo através de boa remuneração dos trabalhadores, políticas

governamentais corporativas e, principalmente, estabilidade no emprego. Era o

tempo do Welfare State.

Contudo, após a década de setenta, houve uma mudança nos rumos do

capitalismo. Aquela sociedade inclusiva deu vazão à exclusão. O avanço tecnológico

e a crescente globalização, a abertura de novos mercados, significaram redução de

mão­de­obra, que implica em incremento no número de desempregados. Alie­se à

mudança cultural, que criticava os padrões modernistas, com o objetivo de unificar o

pensamento. A meta, agora, é a diversidade, o hedonismo desenfreado e

autorrealização. Como bem expõe Young (2002, p. 28):

A vida urbana estava mudando, movida numa corrente de consumismo dirigida pelo mercado: a sociedade consumo emergente, com sua multiplicidade de escolhas, prometia não apenas a satisfação dos desejos imediatos, mas também a geração de uma expressão característica do final do século XX – estilos de vida.

Nisso formam­se dois grandes grupos: incluídos e excluídos (da rede de

proteção). E, entres estes existem várias divisões; seja por etnia, às vezes lugar

onde se mora, como se veste, o que se ouve, etc. Em reforço, conclui novamente

Young (2002, p. 31) que:

A dialética da exclusão está em curso, uma amplificação do desvio que acentua progressivamente à marginalidade, num processo empírico que envolve tanto a sociedade mais ampla como, crucialmente, seus próprios autores, os quais, na melhor hipótese, se metem na armadilha de uma série de empregos sem nenhuma perspectiva, ou, na pior, de uma subclasse de ociosidade e desespero.

Atento a estas mudanças, é salutar reproduzir o vaticínio de Bauman (1998,

p. 26) enfocando a nova ótica punitiva da sociedade excludente:

A busca da pureza moderna expressou­se diariamente com a ação punitiva contra as classes perigosas; a busca da pureza pós­ moderna expressa­se diariamente com a ação punitiva contra os

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moradores das ruas pobres e das áreas urbanas proibidas, os vagabundos, os indolentes.

O conceito de desvio estará calcado em dois prismas: um na própria exclusão

em si, outro na tentativa de grupos em promover a inclusão e se virem numa luta

contra outros que se opõem. A mudança de paradigma traz reflexos imediatos no

sistema penal, nas causas da criminalidade e na forma de controle do desvio. Há um

incremento no uso do encarceramento como meio de se promover o controle dos

excluídos, incidindo, basicamente, naqueles mais vulneráveis à violência

institucionalizada.

A prisão que antes servia de forma de difusão da cultura capitalista muda o

rumo, sendo mero elemento de segregação daqueles que não ascendem ao grupo

dos incluídos. Esvazia­se qualquer função de ressocialização ou reeducação que,

porventura, se quis impor no passado.

Conforme dito e ressaltado, também, por Bauman (1998, p. 55), a

criminalidade crescente é produto da sociedade de consumidores. Veja­se que o

frequente estímulo ao consumo é indistinto, atinge e conquista a todos, havendo,

portanto, uma necessidade de se consumir. Como existem grandes distorções

econômicas, alguns grupos serão privados da satisfação deste anseio incutido,

sendo, por vezes, conduzidos ao desvio.

Caberá, nesta nova fase, à prisão servir de reforço à exclusão destes

criminosos, dos que desviam, ou como bem adjetiva o professor polonês, os

consumidores falhos. Tem­se, neste novo período, a ideia de classes de

criminosos, não mais o ideal de classes perigosas, pune­se pelo que a pessoa é,

e não pelo que fez.

A falta de políticas públicas para intervir no mercado de trabalho, para dar

freios aos impulsos do capitalista, ou mesmo, para oportunizar chances reais

àqueles que são excluídos tem sido suprida por políticas inspiradas no movimento

de lei e ordem. O tema do momento é a segurança. O medo de sair de casa e não

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voltar aumenta ainda mais o hiato entre ricos e pobres, o estigma de marginal se

encaixa perfeitamente neste.

Nisso, a prisão reafirma­se como solução para tais percalços. O

encarceramento das populações pobres é usado como política de Estado para

resolver os impasses advindos do desemprego e exclusão social. Wacqüant (2001,

p. 76) assevera que:

A mão invisível do mercado e o punho de ferro do Estado, combinando­se e complementando­se, fazem as classes baixas aceitarem o trabalho assalariado dessocializado e a instabilidade social que ele traz em seu bojo. Com isso, após um longo eclipse, a prisão retornou ao pelotão de frente das instituições responsáveis pela manutenção da ordem social.

Os caminhos abertos pela acumulação flexível promoveram câmbio em todos

os setores da sociedade, alterando a estrutura secular da prisão, que hoje, não tem

como meta preparar o “soldado de reserva”, função, hodiernamente, do próprio

mercado, como revela Bauman (1999, p. 123):

O que sugere a acentuada aceleração da punição através do encarceramento, em outras palavras, é que há novos e amplos setores da população visados por uma razão ou outra como uma ameaça à ordem social e que sua expulsão forçada do intercâmbio social através da prisão é vista como um método eficiente de neutralizar a ameaça ou acalmar a ansiedade pública provocada por essa ameaça.

O cárcere se revela. É o ponto máximo da exclusão da rede de

proteção.Torna­se a certificação institucional de que o homem está à margem da

sociedade produtiva. Seu retorno ou sua redenção, que cada vez se torna mais

difícil de ocorrer, não está prevista no novo projeto capitalista.

4.3 O NASCIMENTO DO CÁRCERE: BRASIL E BAHIA.

Desenvolveu­se, neste capítulo, uma análise da pena de prisão que

perpassava pela enumeração de fatos históricos que deram conta da sua afirmação

na sociedade capitalista contemporânea. Naturalmente, o mesmo deverá ser feito

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em relação à realidade brasileira. No Brasil 39 , o cárcere é erigido à pena principal no

Código Penal do Império, sancionado em 16 de dezembro de 1830, muito em razão

da forte influência do Iluminismo, como se aduz das “Annotações Theoricas e

Práticas ao Código Criminal”, de Alves Júnior (1864, p. 85­86):

A tortura, as mutilações e as mãos cortadas foram banidas. Ainda, é verdade, resta a prisão como meio de impedir o homem de commeter o crime; mas o que alcança a humanidade com privar­se por certo tempo do homem, para sempre talvez, no caso de prisão pertétua? Na 1ª hypothese, fica livre por algum tempo do autor de certos males, mas não crê que elles se não reproduzão logo que cesse o impedimento physico. Na 2ª hypothese, em lugar de ganhar o estado um cidadão, o perde para sempre, ­ e no entanto, a missão do estado é, não aniquilar os homens, e sim tornar melhores e aproveita­los.(...) É preciso que a prisão não faça murchar o futuro do homem, e sim o habilite a gozá­lo, no trilho opposto ao que até então tinha seguido.

No trecho reproduzido, apesar de redigido em 1864, a grande preocupação

de Alves Júnior (1864) é de que o homem possa ser emendado, ou seja, “se torne

melhor do que quando entrou”: o ideal de ressocialização, derivada do pensamento

utilitarista benthamiano 40 . Aliás, o Código Criminal do Império foi marcado por

influências iluministas 41 , contemplando avanços como a adoção dos princípios da

legalidade 42 e culpabilidade 43 ; embora os escravos fossem severamente punidos e a

pena de morte não fosse proscrita, somente os seus acessórios cruéis e infamantes.

Uma das primeiras prisões brasileiras somente foi construída em 1850,

denominada de Casa de Correição da Corte 44 , inspirada no projeto auburniano.

Previa o silêncio absoluto e utilizava­se do trabalho como forma de “extrair dos

corpos dos condenados o máximo de seu tempo e forças, obrigando­os a bons

39 Neste estudo, somente será analisada a legislação referente a pena de prisão a partir da independência do Brasil, em 1822. 40 Bernardo Vasconcelos, autor do projeto do Código Criminal de 1830, era influenciado pelas ideias de Bentham, pois, segundo Zaffaroni e Batista (2003, 432), ele “leu Bentham e valeu­se intensamente das opiniões dele em seu projeto; muitas delas foram ter ao código imperial”. 41 Discute­se, hoje, as influências que teve o Código Criminal brasileiro, apontam Zaffaroni e Batista (2003, p. 430­433) que as principais foram os Códigos Naopleônico e Bávaro, as ideias de Jeremy Bentham, Eduardo Livingston e Mello Freire. 42 Exige que todo o crime e pena sejam previamente previstos em lei. 43 Vedava a condenação sem a responsabilização subjetiva do agente. 44 Atualmente, chama­se de Complexo Frei Caneca, no Rio de Janeiro (RJ).

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hábitos” (PORTO, 2008, p. 14). Inclusive, era compulsória a tosa de cabelos, o uso

de roupas listradas, açoites e acorrentamentos.

A Casa de Correição tem projeto arquitetônico inspirado no panóptico de Jeremy Bentham, como retrata Porto (2008, p. 15):

Nesse sistema, as celas possuem duas janelas, uma voltada para o interior e a outra para o exterior, permitindo que a luz atravesse o ambiente de lado a lado. A arquitetura dessa composição é marcada pela formação de anéis nas extremidades, em que ficam as celas, e por uma torre central, com visão ampla do ambiente.

O Código Penal de 1890, o primeiro editado na vigência da república, também

contemplou, no seu art. 43, sete espécies de penas, sendo que quatro delas são

privativas de liberdade. Conservou­se, ainda, o banimento, a multa, a interdição de

direito e suspensão e perda de emprego público. Vedou­se a existência de penas

infamantes, estabelecendo como limite máximo às penas de prisão 30 anos (art. 44).

Como anotou Silva (2004, p. 30), “a liberdade é o bem jurídico preferido para

incidência e organização das penas”.

A pena de prisão e trabalho forçado era destinada aos mendigos vadios,

infratores e aos capoeiras 45 reincidentes (art. 393, 400 e 403, do Código Penal de

1890). Ou seja, o Brasil tentou criar regras similares àquelas já referidas neste

estudo sobre as casas de correção do século XVII e XVIII, que eclodiram por toda a

Europa. O decreto n° 145, de 12 de julho de 1893, autorizou os Estados, às próprias

expensas, construírem colônias correcionais agrícolas, onde seriam montadas

fábricas ou oficinas para realização dos trabalhos forçados dos condenados.

O governo de São Paulo, através de lei n° 844, de 10 de outubro de 1902,

fundou uma colônia correcional na Ilha dos Porcos, que, em 1914, foi transferida

para Taubaté, passando a denominar­se de Instituto Correcional. A lei n° 947, de

24 de dezembro de 1902, autorizou a União a criar colônias no Distrito Federal,

com as finalidades acima assinaladas. Foi assim que em 1908, aprovado o

45 O termo era atribuído pejorativamente aos praticantes da capoeira, espécie de luta criada por negros escravos, que foi criminalizada em 1890. Somente em 1937 houve a descriminalização e em 1972, o Conselho Nacional do Desporto a reconhece como um esporte.

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decreto n° 6.994, inaugurou­se a Colônia Correcional de Dois Rios, no Rio de

Janeiro (SILVA, 2004, p. 119­120).

Curioso notar que, apesar da pena de prisão e trabalho forçado existir na lei

penal desde 1830, esta nunca pôde, de fato, ser testada, pois o Brasil não dispunha

de unidades penitenciárias apropriadas para tal fim. Somente em, no Estado de São

Paulo, foi construída uma capaz de se aplicar “mais ou menos” a referida pena. Em

síntese, “nunca foi possível avaliar, praticamente, o merecimento deste sistema”

(SILVA, 2004, p. 80).

Oportuna análise sobre o mesmo problema fez Soares (2004, p. 144), nos

seus comentários ao Código:

Não temos penitenciárias preparadas para o regime penitenciário do Código. As existentes nos Estados e no Distrito Federal, construídas no tempo do Império, obedecem ao sistema de Auburn, em voga naquela época, passando por mais adiantado em ciência penitenciária e aconselhado pela comissão nomeada para o estudo do assunto. Em Niterói, há construído, no Fonseca, um raio que obedece a um plano de construção panóptica de uma penitenciária auburniana. E ficou nisto. As penitenciárias de Pernambuco, Bahia, São Paulo, a Casa de Correção da Capital Federal, todas auburnianas, não se prestam à prática do regime progressivo idealizado pelo Código. Concluímos, portanto, que a reforma penitenciária é questão de atualidade que impõe­se ao nosso legislador.

Não obstante a existência de pena privativa de liberdade e trabalho forçado

que era destinada à determinadas pessoas, o art. 53, do Código, estabelecia que

“ao condenado será dado, nos estabelecimentos onde tiver de cumprir a pena,

trabalho adaptado às suas habilitações e precedentes ocupações”.

Infere­se que a lei penal brasileira, no que concerne às penas, estava

intimamente vinculada à massificação do capitalismo, os seus dispositivos punitivos

eram voltados para a docilização das massas de encarcerados dentro dos moldes

do referido modelo econômico. Interessante reproduzir alguns conceitos esboçados

por Silva (2004, p. 167­168):

O trabalho carcerário – problema dos mais graves no domínio da ciência penitenciária – deve ser organizado de modo que o sentenciado, ao ser restituído à liberdade, se ache habilitado a prover, honestamente, pelo exercício de um ofício ou profissão à própria subsistência. (...) Quanto maior for a adaptação, maior será a eficácia do trabalho como meio corretivo.

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E, arremata a questão, assumindo o vínculo aos interesses de implementação

do capitalismo, pontuando que “como todo trabalho, também o carcerário precisa ser

recompensado. Está isso no próprio interesse do Estado” (SILVA, p. 173).

O Código Penal de 1890 foi concebido às pressas para atender a transição da

monarquia para república. Em virtude deste fato, a nova lei penal apresentou uma

série de falhas e lacunas, que foram, pouco a pouco, sendo retificadas e supridas,

respectivamente, por leis esparsas. Pouco tempo depois, havia reclames por mais

uma reforma na legislação.

Com a ascensão de Getúlio Vargas, na década de trinta, instituiu­se comissão

para conceber um novo Código Penal, o que veio a ocorrer no final de 1940. Este

novo diploma simplificou a aplicação da pena de prisão, ao invés de quatro

espécies, eram duas (reclusão e detenção), cuja distinção residia somente em razão

da gravidade do delito e perda de alguns direitos (por exemplo: dizia o parágrafo

único do art. 31 que o condenado à pena de detenção poderia escolher o tipo de

trabalho, nas conformidades de suas aptidões e ocupações anteriores). Porém, não

desapareceu a obrigação do condenado ser submetido ao trabalho, não o de caráter

forçado, ou seja, a punição feria somente a liberdade, não mais se impunha o labor

compulsório, como nas primeiras experiências penitenciárias pátrias.

Neste período, em termos de prisão, estavam deveras em voga as colônias

agrícolas ou fabris, espelhando­se no exemplo do Presídio de Witzwill, na Suíça,

que desenvolvia atividades comerciais e se mantinha, com saúde financeira,

segundo relata Garcia (p. 434).

A doutrina penitenciária exultava a “nova” maravilha, o trabalho prisional:

O trabalho é uma imperiosa necessidade no cárcere. Um provérbio em língua inglesa judiciosamente informa que a mente desocupada é o domínio do demônio. Para ser possível a regeneração do delinquente, é indispensável que se entregue a atividades úteis, que lhe constituam meio de cura, tolhendo­o de voltar aos seus antigos maus pensamentos, às suas perversas maquinações, e que lhe favoreçam a obtenção de meios para viver honestamente depois que saiu do cárcere. (...) O trabalho penal visando a regeneração do delinquente, deve também colimar a sua ressocialização, no sentido de que lhe torne acessível mais tarde viver como elementos prestantes, integrado à comunhão social. (GARCIA, p. 441­442)

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Mais recentemente, em 1977, o Código Penal de 1940 sofreu mudanças

específicas sobre às penas e sua execução. Entrementes, a reforma de 1984,

alterou toda parte geral do Código, através da Lei n° 7.209 e se instituiu a Lei de

Execução Penal, sob n° 7.210.

A nova parte geral, ainda vigente, consagra como pena­rainha a privação de

liberdade. Em sede de execução, o trabalho prisional é mantido como um misto de

direito e dever do condenado. Mantém­se intocável a máxima de ressocialização

através do cárcere, embora, autores modernos como Mayrink (2007, p. 84) assim se

manifestem publicamente:

Convenci­me de que nosso caminho, no terceiro milênio, será no sentido de aumentar o espectro das penas e medidas formais alternativas à pena de prisão, ao lado de uma política social realística e eficiente de inclusão social, pois o mal da prisão é a própria prisão. (grifos do autor)

Feita a evolução do instituto da prisão no Brasil, parece de bom alvitre

recordar um pouco da história penitenciária da Bahia. Com a edição da Lei de 1° de

outubro de 1828, nascia a “Casa de Prisão com Trabalho”, que somente veio a ser

construída três anos depois, em 1831.

Cuidava­se de estabelecimento destinando a servir como uma penitenciária.

Contudo, demonstram os parcos registros históricos existentes, que a “Casa de

Prisão com Trabalho” tinha outra função, a de retirar de circulação pessoas

indesejáveis, que tiravam o bonito colorido da capital baiana (vadios, mendigos,

escravos). Sua população majoritária era composta de negros e mulatos.

Embora a unidade prisional contemplasse em sua estrutura física cinco

oficinas de trabalho, uma das características marcantes deste estabelecimento era a

insalubridade e as degradantes condições de custódia, contrariando flagrantemente

os ideais que nortearam o Legislador quando da edição do Código do Império de

1830 (SANTANA, 2006, p. 8­9). Somente em 1902, mudou­se o nome do referido

estabelecimento para Penitenciária da Bahia, sendo que durante o período de sua

existência registrou­se aproximadamente cinco mil pessoas que por ali passaram.

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No fim do século XIX, a partir do Decreto Lei n° 115, de 16 de agosto de

1895, foram criadas as Secretarias de Segurança Pública e Justiça, bem como

instituído o Sistema Penitenciário da Bahia.

A Penitenciária José Gabriel Lemos Brito 46 foi construída na antiga Feira do

Curtume, atual bairro da Baixa do Fiscal, onde funciona o Hospital de Custódia e

Tratamento. Em 1951, o estabelecimento foi transferido para uma nova área,

distante do centro de Salvador ­ o bairro da Mata Escura ­, e ampliada

consideravelmente. O seu principal pavilhão foi concebido com base nas linhas

arquitetônicas do panóptico de Jeremy Bentham 47 , sendo que hodiernamente, este

prédio foi desativado, ante a falência da proposta benthamiana – assim como as

suas péssimas condições de utilização, afinal, desde a década de setenta que não

se faz nenhuma reforma importante nas estruturas físicas do complexo.

O conjunto arquitetônico da Penitenciária Lemos Brito tem seu projeto original concebido sob a influência das realizações panópticas, concepção esta de J. Bentham que, no final do século XVIII, publica o célebre panopticon, no qual descreve a figura arquitetônica ideal para permitir a aplicação de dois novos modelos de “tratamento”: o grande fechamento de um lado, a boa reeducação de outro.

Na década de setenta, somente exista a Penitenciária Lemos Brito, com

capacidade de 600 vagas, e a Casa de Detenção, sediada num antigo Forte, Largo

do Santo Antônio, que tinha 200 vagas. Ainda compunham o sistema penitenciário

daquela época, o Presídio de Mulheres (localizado no mesmo Forte da Casa de

Detenção) e o Manicômio Judiciário. Dez anos mais tarde, são construídos a Casa

de Albergado e Egressos, a Penitenciária Feminina, o Presídio São Salvador – que

substituiu a Casa de Detenção, inicialmente, contando com 540 vagas ­, e o Presídio

Regional de Feira de Santana. A década de noventa é marcada pelo planejamento

de interiorização do sistema penitenciário baiano (AGUIAR, 2001).

Atualmente, a Bahia tem 22 (vinte e dois) estabelecimentos penitenciários ­

entre eles; penitenciária 48 , presídio 49 , hospitais de custódia e tratamento 50 , central

46 Em 1939, passou a denominar­se somente de Penitenciária Lemos Brito. 47 Vide Capítulo 4, supra. 48 Local destinado aos presos definitivos, que são aqueles cuja condenação transitou em julgado. Ou seja, é o local adequado para cumprimento de pena.

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médica penitenciária 51 ­, sendo que 9 (nove) destes são sediados em Salvador e

13 (treze) no interior do Estado: Feira de Santana (01), Jequié (01), Teixeira de

Freitas (01), Ilhéus (01), Vitória da Conquista (01), Esplanada (01), Simões Filho

(01), Paulo Afonso (01), Valença (01), Juazeiro (01), Serrinha (01), Itabuna (01) e

Lauro de Freitas (01).

O Complexo Penitenciário Lemos Brito é o maior e mais importante, tem sede

na capital baiana, conta com a Penitenciária Lemos Brito (PLB), formada por cinco

pavilhões; o Presídio Feminino – que ocasionalmente funciona como penitenciária; o

Presídio São Salvador (Casa de Detenção); o Centro de Observações Penais

(COP); Central Médica Penitenciária (CMP); e a Unidade Especial Disciplinar (UED).

Compõe também o complexo, a Casa de Albergado e Egressos, onde são

cumpridas as penas em regime aberto. Ainda, em Salvador, está sediada, no bairro

de Castelo Branco, a Colônia Lafayete Coutinho, antigo Reformatório Penal Agrícola

de Pedra Preta 52 , onde são cumpridas as penas do regime semi­aberto.

4.4 A PENA DE PRISÃO NO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO (CPB) E NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL (LEP).

O legislador brasileiro da Reforma de 1984 ­ apesar de haver ocorrido sob a

égide do derradeiro governo militar ­ trouxe importantes mudanças para o

ordenamento jurídico nacional, porque não se revelou como um diploma

essencialmente draconiano.

No entanto, tanto a Nova Parte Geral do Código Penal, quanto a Lei de

Execução Penal foram inspiradas na necessidade de reduzir índices de

49 Local destinado aos presos provisórios, que são aqueles que ainda respondem a uma ação penal. 50 Local destinado aos inimputáveis, que são pessoas que cometeram atos ilícitos, contudo, são enfermos mentais ou têm distúrbios mentais. 51 Estabelecimento de saúde destinado à população carcerária. 52 No período da ditadura militar esta unidade foi utilizada como palcos de torturas e prisões arbitrárias.

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criminalidade e rever o tratamento penitenciário ao condenado, conforme se infere

da Exposição de Motivos da Lei n°7.209/84 (Alteração do Código Penal):

Apesar desses inegáveis aperfeiçoamentos [refere­se às leis que antecederam a reforma], a legislação penal continua inadequada às exigências da sociedade brasileira. A pressão dos índices de criminalidade e suas novas espécies, a constância da medida repressiva como resposta básica ao delito, a rejeição social dos apenados e seus reflexos no incremento da reincidência, a sofisticação tecnológica, que altera a fisionomia da criminalidade contemporânea, são fatores que exigem o aprimoramento dos instrumentos jurídicos de contenção do crime, ainda, os mesmos concebidos pelos juristas na primeira metade do século [XX].

Resta evidente que os argumentos que sedimentaram a reforma da lei

criminal, em meados da década de oitenta, são semelhantes ao discurso vigente. No

que concerne à prisão, foi­lhe outorgada papel de principal pena a ser imposta 53 ,

muito embora, o quanto lançado na Exposição de Motivos do Código Penal indique

que a política criminal brasileira adotaria rumo oposto, inspirada nos postulados da

Nova Defesa Social.

Nesse sentido, criou­se a pena restritiva de direitos 54 ­ 55 (também

denominadas de substitutivas ou alternativas), pena de multa 56 , a suspensão

condicional da pena (sursis) 57 , o livramento condicional 58 e a reabilitação 59 .

53 Diz­se isso com arrimo no art. 32, inciso I, CP, que estabelece as espécies de pena e traz a prisão como a primeira delas. Ademais, alerte­se que a pena privativa de liberdade é aplicada à imensa maioria dos tipos penais trazidos tanto na parte especial do Código como das leis especiais penais. Ou seja, não obstante discursar­se contra a prisão (pontos 26­29, da Exposição de Motivos), ela, seguramente, é a base do modelo punitivo brasileiro. 54 Vide artigos 43­48. 55 É necessário pontuar que as penas restritivas de direito são substitutivas da pena de prisão. Portanto, não existem isoladamente, e para sua aplicação, dependem da constatação da existência de determinados requisitos (art. 44, CP). A reforma de 1984 fixou que a substituição somente teria efeito aos delitos cujas penas impostas não fossem maiores do que 1 (um) ano. Porém, com o advento da Lei n° 9.714/98, que alterou o quanto disposto sobre estas penas no Código Penal, este patamar foi elevado para 4 (quatro) anos, sendo que não se aplica aos crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa. Atualmente, o Ministério da Justiça tem incentivado, verdadeiramente, como uma política criminal de Estado, a aplicação das penas restritivas de direito. Inclusive, como forma de combate ao uso indiscriminado do cárcere. Pode­se dizer que os resultados, analisando­se dez anos após a vigência da mencionada (da?) lei n° 9.714/98, são satisfatórios. Para maiores detalhes, recomenda­se consultar Gomes (2008). 56 Vide artigos 49­52. 57 Vide artigos 77­82. 58 Vide artigos 83­90. 59 Vide artigos 93­95.

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A Lei n° 7.210/84 (Lei de Execução Penal), além destes institutos, trouxe a

permissão de saída 60 e as saídas temporárias 61 . Somem­se, também, outros

dispositivos que permitem ao condenado a redução do tempo de pena (remição 62 ) e

severidade do regime de privação da liberdade (progressão de regime penal 63 ).

Este mesmo diploma, em seus primeiros artigos, desfila uma série de direitos do

condenado, reforçando o ideal de ressocialização como meta a ser atingida por meio

do tratamento penitenciário 64 .

Utilizou­se, assim como nos outros códigos que o antecederam, o trabalho como elemento capaz de promover o elo com os valores sociais supostamente

perdidos com o cometimento do crime:

32. O trabalho, amparado pela Previdência Social, será obrigatório em todos os regimes e se desenvolverá segundo as aptidões ou ofício anterior do preso, nos termos das exigências estabelecidas. (Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal)

Dessume­se, portanto, que, apesar de se proclamar não ser a pena privativa

de liberdade melhor resposta ao delito, conforme dito acima, no seu entorno

desenvolveu­se uma série de institutos que visavam reduzir, gradativamente, o

malefício que provoca àquele que é submetido ao encarceramento. Ou seja, as

alterações legais de 1984 não tinham por escopo superar a prisão, contudo, buscar

mitigar sua aplicação e retificar os equívocos provados ao longo do tempo, por meio

das experiências empíricas de estudos penitenciários:

26. Uma política criminal orientada no sentido de proteger a sociedade terá de restringir a pena privativa da liberdade aos casos de reconhecida necessidade, como meio eficaz de impedir a ação criminógena cada vez maior do cárcere. Esta filosofia importa obviamente na busca de sanções outras para delinquentes sem periculosidade ou crimes menos graves. Não se trata de combater ou condenar a pena privativa da liberdade como resposta penal básica ao delito. Tal como no Brasil, a pena de prisão se encontra no âmago dos sistemas penais de todo o mundo. O que por ora se discute é a sua limitação aos casos de reconhecida necessidade.

60 Vide artigos 120­121.

61 Vide artigos 122­125.

62 Vide artigos 126­130.

63 Vide artigo 112.

64 Vide artigos 10­26

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27. As críticas feitas a todos os países que empregam à pena privativa da liberdade fundamentam­se em fatos de crescente importância social, tais como o tipo de tratamento penal frequentemente inadequado e quase sempre pernicioso, a inutilidade dos métodos até agora empregados no tratamento de delinquentes habituais e multirreincidentes, os elevados custos da construção e manutenção dos estabelecimentos penais, as consequências maléficas para os infratores primários, ocasionais ou responsáveis por delitos de pequena significação, sujeitos, na intimidade do cárcere, a sevícias, corrupção e perda paulatina da aptidão para o trabalho.

Assim, portanto, denota­se que a prisão ainda é paradigma da punição no

Brasil. A lei instituída define que privação da liberdade poderá ser mediante reclusão

ou detenção 65 e que a execução poderá ocorrer em três regimes: fechado,

semiaberto ou aberto.

O regime fechado é o mais severo que existe. Os estabelecimentos

reservados são aqueles de segurança máxima e média, sendo que o condenado

deverá cumprir a pena intramuros (art. 34, Código Penal). O semiaberto promove

uma maior interação entre o condenado e a sociedade, tanto que o art. 35, do

Código Penal, estabelece que deve ser executada a pena em colônias agrícolas ou

industriais. O regime aberto é o mais brando, pugna a autorresponsabilidade entre o

Estado e o condenado, pois, nesta hipótese, a pena será cumprida na Casa de

Albergado, onde este ficará livre durante o dia e regressará ao estabelecimento

penitenciário para pernoitar e ficar o fim de semana (art. 36, Código Penal).

Aliás, o seu incremento é notório, especialmente, pelo desenvolvimento duma

nova forma de se aprisionar, inserida através da Lei n° 10.792/2003, que alterou a

Lei de Execução Penal, criando o Regime Disciplinar Diferenciado 66 (RDD). O RDD

consiste na máxima forma de isolamento do preso. Este somente tem direito as

suas visitas semanais, por duas horas, excluindo­se a presença de crianças; duas

horas diárias de sol, após o recolhimento à cela. O novo regime poderá ser aplicado

aos presos definitivos e provisórios, nos termos dos parágrafos 2° e 3°, do art. 52, da

65 As penas de reclusão e detenção são espécies da privação da liberdade. Apesar de haver intenso reclame da unificação, a Reforma da Parte Geral do CP em 1984 não atendeu a tais apelos. Há sim distinção formal entre reclusão e detenção, sendo a primeira é reservada aos delitos mais graves e poderá ser aplicada em quaisquer dos regimes penais. Quanto a detenção, é tida como punição mais adequada aos crimes menos graves e poderá ser imposta somente aos regimes semiaberto e aberto, em regra geral (BITENCOURT, 2008, p. 451). 66 Vide artigo 52, da Lei de Execução Penal.

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Lei de Execução Penal. Na Bahia, segundo informações oficiais da Secretaria de

Justiça Cidadania e Direitos Humanos, existe somente uma unidade prisional que

atende às especificidades desde novo modelo de prisão, a UED 67 , em Salvador.

Com efeito, evidente que a legislação penal pátria revela incongruências

político­criminais, ora retrocede ao recrudescer o sistema punitivo, ora avança ao

conceber alternativas à prisão. Não há, seguramente, uma lógica que direcione a

criação e/ou revogação de leis; não há diretrizes firmes da atividade parlamentar que

orientem a política criminal nacional num rumo, o que, por certo, traz prejuízos

àqueles que são selecionados pelo sistema penal.

67 UED. Disponível em: <http://www.sjcdh.ba.gov.br/sap/unidades_prisionais.htm#UNIDADE_ESEPCIAL_DISCIPLINAR___(N OVO)> Acessado em 27.07.08

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5. POLÍTICAS E PROGRAMAS PÚBLICOS DESTINADOS AO SISTEMA PENITENCIÁRIO (CONDENADOS E EGRESSOS).

5.1 O APRISIONAMENTO COMO POLÍTICA PÚBLICA DE ENFRENTAMENTO DA CRIMINALIDADE.

No primeiro capítulo deste estudo, assinalou­se quão relevante os temas

“segurança pública” e “sistema penitenciário” têm se tornado na sociedade brasileira.

Não sem razão, os orçamentos públicos do governo federal e da maioria dos

estaduais têm se direcionado para estes setores, cada vez mais vertendo milhões de

reais para aquisição de armas, viaturas, construção de novas prisões, contratação e

treinamento de novos policiais. Enfim, responder à altura dos índices de

criminalidade figura como um dos objetivos principais de qualquer governante

brasileiro, atualmente.

Apesar de se falar na prisão como sendo o último recurso criminal contra

quem ofende às regras do Estado, a realidade revela­se de maneira distinta.

Macaulay (2006, p. 22) afirma que o sistema prisional tem três objetivos: proteger o

público − incapacitando os criminosos, puni­los e reabilitá­los. Entretanto, estes

objetivos não estão sendo cumpridos, principalmente, por conta do cárcere trazer

consigo, além da privação da liberdade, “formas cruéis, desumanas e degradantes

de punição e tratamento, desde torturas, surras, comida estragada, negação de

cuidados médicos e falta de acesso à assistência jurídica” (MACAULAY, 2006, p.23).

O que, seguramente, se apresenta como a perversão do que seria a pena justa.

O endurecimento do tratamento penal é uma máxima capitaneada pelos

Estados Unidos da América, que mantém, aproximadamente, dois milhões de

pessoas encarceradas 68 . O debate sobre o acerto desta política gira em torno de ser

68 Pode­se destacar como exemplos desse endurecimento: a manutenção da pena de morte na maioria dos Estados, a lei dos thress stkies (aplicação de pena perpétua na hipótese de três condenações criminais), trhut sentencing (obrigação de cumprimento de, pelo menos, 85% da pena imposta em sentença) e mandatory minimums (obrigação legal da aplicação de penas severas e elevadas a determinados crimes).

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cost­effective para o Estado, noutros termos, há boa relação custo­benefício. As vultosas somas investidas nas prisões seriam justificadas por melhora de índices

sociais e redução da criminalidade.

Contudo, pesquisas apontam o contrário. Entre 1991 e 1998, os Estados

americanos que mais investiram nesta política de encarceramento em massa,

chegando a um aumento de 72% da população carcerária, apresentou somente

decréscimo de 13% nas taxas de criminalidade. Enquanto que outros que tiveram

aumento de 30% da população carcerária obtiveram declínio de 17% na taxa de

criminalidade (LEMGRUBER, 2002, p. 164).

Portanto, incrementar políticas públicas voltadas para o encarceramento não

significa que a segurança pública será restaurada. Entrementes, é certo que haverá

considerável aumento no orçamento público destinado a este setor.

Macaulay (2006, p. 23) ao analisar o sistema prisional e sua efetividade e

eficácia destaca outras formas de pena criminal que poderiam ser incrementadas

no Brasil:

Há diferentes formas de os criminosos ‘quitarem sua dívida com a sociedade’ e é altamente questionável se essa dívida deve ser paga em uma economia de dor e degradação ou por outras formas de reparação como a multa, o serviço à comunidade ou ainda por meio de recentes inovações como a justiça restaurativa, na qual, o criminoso deve reparar o dano causado à vítima por meio de pagamento dos danos ou pedido de desculpas.

No entanto, segundo matéria publicada no jornal Estado de São Paulo 69 , em

24 de julho de 2008, no ano de 2007 haviam 423.737 pessoas custodiadas no Brasil

e outras 422.522 cumpriam as chamadas penas alternativas, ratificando a prioridade

atribuída ao encarceramento.

69 Cidades Geral. Disponível em: http://www.estadao.com.br/geral/not_ger211167,0.htm> Acessado em 27.07.08

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Entretanto, informa o periódico paulista que, de acordo com as projeções do

Ministério da Justiça ­ após dez anos de intensa promoção da aplicação das penas

alternativas por este órgão –, em 2008, ocorreu a inversão do quadro:

Pela primeira vez, o número de pessoas cumprindo penas e medidas alternativas no Brasil disparou em relação aos presos. Os dados, não consolidados oficialmente, foram obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo com exclusividade e se referem ao primeiro semestre deste ano. Até 30 de junho, 498.729 pessoas cumpriam pena ou medida em liberdade (PMA), 13,4% a mais dos que os 439.737 encarcerados, segundo dados do Infopen, sistema de estatísticas do Departamento Penitenciário Nacional (Depen).

Saliente­se que esta forma alternativa de punição se circunscreve, em regra,

aos tipos penais cujas penas não sejam superiores a quatro anos, a exceção dos

crimes considerados culposos que não têm limites para a sua aplicação, e os crimes

dolosos que não promovam violência ou grave ameaça à pessoa. Também, o

reincidente em delito doloso somente fará jus à substituição da prisão pela pena

alternativa se não for específico (ou seja, não tenha cometido o mesmo delito) e nos

outros casos, se a medida se mostrar socialmente recomendável (artigo 44, § 3°,

Código Penal).

Categoricamente, diz Macaulay (2006, p. 25) que o “desencarceramento, isto

é, a redução deliberada do número de criminosos mantidos em custódia tem

ocorrido de forma lenta no Brasil”. E conclui pontuando assim:

Um sistema prisional em permanente expansão não é a solução mais efetiva para o problema da criminalidade e violência social no Brasil. O número crescente de presídios não irá necessariamente possibilitar ao Estado retomar o controle dos estabelecimentos prisionais. O que o Brasil precisa é de um conjunto de reformas em diferentes fronts, desde o Código Penal e de Processo Penal passando pelo debate público sobre respostas efetivas e pela maior integração dos sistemas de segurança pública, para que o sistema prisional não seja visto como um depósito de mazelas sociais, mas sim como um conjunto de respostas possíveis à criminalidade e como um sistema que deveria ser usado com mais atenção e discernimento (MACAULAY, 2006, p. 28).

Lemgruber (2002, p. 179) endossa a assertiva anterior, sugerindo uma via

alternativa à prisão e sua utilização excepcional:

Se, em outros países, não se consegue demonstrar que o encarceramento é justificável em termos de custo­benefício, há muito pouco realismo em se

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supor que, no Brasil, a mera multiplicação de prisões e de presos, com um gigantesco aumento de gastos, poderia produzir resultados compensadores no controle da criminalidade. Mais realista é investir na diversificação de formas e dos recursos punitivos à disposição da justiça, reservando a pena privativa de liberdade para aqueles que, efetivamente, precisam ser afastados do convívio social.

No Brasil, a prisão ainda é a política pública de combate a criminalidade que

o Estado se utiliza com maior frequência. A título de exemplo, observe­se que nos

anos de 2004 a 2007, o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) 70 ,

apresentou os seguintes dados consolidados de todos os estabelecimentos

prisionais estaduais no Brasil:

Tabela 2 – Brasil: estabelecimentos prisionais estaduais, 2004­2007

Especificação 2004 2005 2006 2007

Total de Estabelecimentos ­­­ 1.006 1.051 1.094

População do Sistema Penitenciário 262.710 296.919 339.580 366.576

Vagas do Sistema Penitenciário 200.417 206.559 236.148 249.515

Secretaria de Segurança Pública 73.648 64.483 61.656 56.014

População Prisional do Estado 336.358 361.402 401.236 422.590

Fonte: DEPEN – Censo Penitenciário.

Há uma política de encarceramento sendo amplamente aplicada. No ano de

2004, a taxa de cidadãos encarcerados a cada cem mil habitantes era de 183,8 71 ,

num curto período de três anos, elevou­se ao patamar de 229,57 72 .

Nos próximos itens, far­se­á análise desta realidade, pautada em incursões

empíricas, feitas através da coleta dos dados mais recentes do sistema

penitenciário baiano; da exposição das experiências de programas que envolvem

trabalho e estudo intra e extramuros já desenvolvidas e em desenvolvimento no Estado da Bahia; e, da análise das informações obtidas em entrevistas com

70 Disponível em: <http://www.mj.gov.br/Depen/sistema/consolidado%202007.pdf> Acesso em 09.072007. 71 URVIO: Revista Latinoamericana de Seguridad Ciudadana.­ Quito: FLACSO­ Ecuador, 2007, p. 51. 72 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Dados Consolidados

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funcionários da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado da

Bahia e com condenados que cumprem pena em regimes fechado e semiaberto.

5.2 SISTEMA PENITENCIÁRIO BAIANO: REALIDADE DESCORTINADA ATRAVÉS DE NÚMEROS.

No presente tópico serão enfrentados os dados estatísticos colhidos junto ao

Ministério da Justiça (MJ) e Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do

Estado da Bahia (SJCDH), referentes ao sistema penitenciário baiano.

Ressalte­se que, por iniciativa do MJ, a partir de 2005, os dados oriundos das

unidades prisionais brasileiras, que detalham o perfil do condenado, vêm sendo

coletados com muito mais rigor, o que auxilia qualquer estudo sobre o cárcere e

políticas públicas a serem definidas pelo Estado.

Nos últimos anos a Bahia tem exibido uma crescente população carcerária.

Segundo dados do Ministério da Justiça (LEMGRUBER, 2002, p. 175), a taxa de

encarceramento, em 2001, era de 37,2 presos a cada 100 mil habitantes, sendo

esta terceira menor taxa do Brasil. Seis anos depois, em 2007, constata­se um

aumento de 165%, ou seja, este número foi de 98,85 presos a cada 100 mil

habitantes, sendo esta a quinta menor taxa do país (DEPEN, 2008).

No ano de 2000, haviam, no estado da Bahia, 14 (catorze) estabelecimentos

penitenciários, disponibilizando 3.968 vagas e com uma população de 4.528 presos.

Em 2007, elevaram­se para 21 (vinte e um) os estabelecimentos 73 , com 7.104 vagas

e população de 8.260 segregados. Estes números apontam que, ao longo de sete

anos, aumentou­se em 50% o número de unidades prisionais, enquanto registrou­se

um crescimento de 79% no número de vagas e houve um acréscimo ainda maior da

massa carcerária (82%).

73 Em 2008, foi construída a Colônia de Simões Filhos, somando­se, agora, 22 estabelecimentos prisionais na Bahia.

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Ressalte­se que estes dados somente cuidam do contingente de presos sob

a guarda da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SJCDH).

Excluem­se, portanto, aqueles custodiados em delegacias, sob vigilância da

Secretaria de Segurança Pública, que, por exemplo, em 2007, totalizaram 5.659

presos, equivalentes a 40,6% do total de presos no Estado da Bahia.

Antes de se adentrar na investigação empírica, deve ser dito que a pesquisa

ocorre num momento em que houve uma mudança de ordem política do Estado da

Bahia. Em 2006, o Partido dos Trabalhadores (PT) assumiu o comando do governo

estadual após dezesseis anos de comando do Partido da Frente Liberal (PFL) –

hodiernamente, denominado de Democratas (DEM), na verdade. No plano do

debate político, cuidam­se de agremiações de ideais e propostas opostas, dizem­se

de esquerda e direita, respectivamente. Resta somente perceber se a mudança

ocorreu unicamente no plano político ou se as formas e práticas quanto ao sistema

carcerário foram modificadas.

5.2.1 População carcerária, vagas, defict e fluxo de saída do sistema penitenciário.

Note­se que houve sensível aumento na população carcerária baiana, nos

últimos seis anos. Embora houvessem sido feitos investimentos, o defict de vagas para o sistema penitenciário é uma constante.

Tabela 3 – Evolução da População Carcerária da Bahia (2003­2007)

Ano População Incremento relativo Vagas Incremento

relativo Defict

de vagas Deficit %

2003 5.317 ­­ 4.364 ­­ 953 21,8

2004 5.883 10,6 4.726 8,3 1.157 24,5

2005 7.244 23,1 5.256 11,2 1.988 37,8

2006 7.743 6,9 6.762 28,7 981 14,5

2007 8.260 6,7 7.104 5,1 1.156 16,3 2003­2007 2.943 55,4 2.740 62,8 203 7,4

Fonte: Ministério da Justiça (Dados Consolidados 2004­2007)

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A tabela 4 demonstra que houve crescimento de 62,8% nas vagas no sistema

penitenciário da Bahia, de 2003 a 2007. Ao se estabelecer comparativo entre o

quadro nacional que, no mesmo período, cresceu apenas 39%, infere­se o firme

direcionamento do Governo Estadual e Poder Judiciário baianos, desse período, no

sentido da consolidação de uma política pública, na esfera criminal, destinada ao

encarceramentoàs pessoas.

Observando­se os dados do primeiro quadrimestre de 2008, infere­se que

houve sensível crescimento de 7% da população carcerária do Estado, embora o

número de vagas tenha permanecido o mesmo que o ano anterior.

Deve­se apontar que até o ano 2005, quando foi registrado o maior defict de vagas do sistema, existiam 16 unidades prisionais no estado da Bahia. No ano

seguinte, duas novas unidades passaram a funcionar, diminuindo

consideravelmente, de 37,8% para 13% (conferir: 14,5% em 2006).

Entretanto, o defict novamente cresceu para 16,3%, em 2007, não obstante o

considerável acréscimo de estabelecimentos penitenciários, de 18 para 21, além do

aumento de 5% no número de vagas. Os números do primeiro quadrimestre de

2008 indicam que este defict continua a crescer (24,4%), revelando um permanente

descompasso entre o número de presos e as vagas existentes no sistema.

A consequência disto será a superpopulação carcerária, que inviabiliza êxito

de ações pedagógicas sobre os presos, transformando o cárcere em um depósito

de gente, como se ali estivesse sendo lançado o excesso sem utilidade social, como

se infere da reflexão de Bauman (2005, p. 107):

O sistema penal fornece esses contênieres. No sucinto e preciso resumo de David Garland sobre a transformação atual, as prisões, que na era da reciclagem, ‘funcionavam como a extremidade do setor correcional’, hoje são ‘concebidas de modo muito mais explícito como um mecanismo de exclusão e controle’. São os muros, e não o que acontece dentro deles, que ‘agora são vistos como o elemento mais importante e valioso da instituição’. Na melhor das hipóteses, a intenção de ‘reabilitar’, ‘reformar’, ‘reeducar’ e devolver a ovelha desgarrada ao rebanho é ocasionalmente louvada da boca para fora – e, quando isso acontece, se contrapõe ao coro raivoso clamando por sangue, com os principais tablóides no papel de maestros e a liderança política fazendo todos os solos. De forma explícita o principal e

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talvez único propósito das prisões não é ser apenas um depósito de lixo qualquer, mas o depósito final, definitivo.

Este excedente populacional é prejudicial à instalação e execução de

programas públicos que visem a reinserção social do condenado, porque,

naturalmente, traduzir­se­á na criação de condenados que nunca poderão ser

atingidos por estes programas, como se provará em tópico infra.

Observe­se ainda que, na Bahia, a prisão, ao contrário do que seria sua

lógica, não é usada somente como pena definitiva. Muito se vale o Poder Judiciário

das prisões provisórias (v.g.: flagrante, preventiva, temporárias, etc), como se infere da tabela a seguir:

Tabela 4 – População carcerária total da Bahia (Presos Definitivos e Provisórios)

Ano Presos SJCDH (definitivo)

Presos SJCDH (provisório)

Presos SSP (provisório) Total provisório Total

2004 2.930 2.953 4.601 7.554 10.434

2005 3.622 3.622 ... 7.244

2006 3.897 3.846 5.252 9.098 12.995

2007 4.594 3.666 5.659 9.325 13.919

Fonte: Elaboração própria com base nos Dados Consolidados do DEPEN de 2004 e Relatório de 2008.

Tal realidade se desnuda como alarmante quando se constata que há uma

antecipação da imposição da pena de prisão, por meio da segregação cautelar 74 .

Em 2004, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou ao Ministério da

Justiça 75 , que a Bahia tinha 28% de presos definitivos; 28% de presos provisórios

custodiados pela SJCDH; e expressivos 44% de presos provisórios em

repartições da SSP.

Em 2005, como somente a SJCDH prestou as informações devidas, não é

possível avaliar o percentual de presos provisórios, mas, em 2006, os condenados

74 Na maioria dos casos, cuida­se de prisão em flagrante e preventiva. 75 Segundo planilha dos Dados Consolidados de 2004, não se informou o número de mulheres sob custódia da SSP.

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em definitivo eram apenas 30% da população de presos do Estado da Bahia; 29,6%

dela era formada por presos provisórios mantidos em estabelecimentos da SJCDH e

40,4% de detentos em delegacias e cadeias públicas da SSP.

No ano seguinte (2007), houve um pequeno acréscimo no número de presos

provisórios, sendo que aqueles mantidos pela SJCDH significavam 26,3% e os da

SSP, 40,7%; por fim, os presos definitivos atingiram o patamar de 33%. Esse

quadro se mantém em 2008: até abril, registrou­se que 26,8% são presos

provisórios sob vigilância da SJCDH, enquanto 38,7% pela SSP; restando, enfim,

34,5%, de custodiados em definitivo. O que traça um quadro preocupante de que

dois terços dos custodiados não foram ainda julgados pelo Poder Judiciário.

É evidente que o Poder Judiciário tem se valido deveras das várias espécies

de prisão provisória, apesar dos últimos números registrarem uma redução de 6,5%

de presos provisórios, também chamados de presos sem condenação, no período

de 2004 a 2008. Como esta ainda é uma redução recente e diminuta, ainda não é

possível avaliar se ela indica uma tendência da Justiça Criminal à diminuição do uso

da prisão­processual.

Por certo, múltiplos são os fatores que podem influir para o decréscimo da

população carcerária de presos provisórios. O próprio fomento às penas alternativas

e a interiorização das centrais que fiscalizam o seu cumprimento é uma hipótese,

entrementes, a presente pesquisa não objetivou incursionar sobre este dado.

Depreende­se da leitura destes dados, portanto, que no período de 2004 ao

primeiro quadrimestre de 2008 houve um sensível crescimento (6,5%) no número de

presos definitivos no Estado, mas que ainda assim permanece o uso indiscriminado

das medidas acautelatórias, bem como a morosidade da máquina judiciária em

promover apreciação das ações penais. Além disso, apesar do expressivo

acréscimo de vagas no sistema penitenciário baiano no mesmo lapso (54,4%), a

SJCDH não conseguiu absorver grande parcela dos presos sob custódia na SSP.

Saliente­se, ainda, que nos dois últimos anos, como se vê na Tabela 5, o

fluxo de saída do sistema é insuficiente (11,5%, em 2006 e 17%, em 2007) quando

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somando ao ingresso de novos condenados (6,5%, em 2006 e 6%, em 2007) e com

o defict de vagas. Reforça­se o natural colapso do sistema penitenciário baiano, o que só reafirma uma firme política de encarceramento, especialmente, por medidas

acautelatórias.

Tabela 5 – Fluxo de saída de presos do sistema penitenciário do Estado da Bahia, 2006­2007

Motivo de saída Número de Presos 2006 2007

Livramento Condicional 334 898 Indulto Natal 38 27 Alvará de Soltura 594 666 Extinção de Pena 37 71 Total 1.006 1.662

Fonte: Elaboração própria, com base nos Relatórios da SJCDH.

O encarceramento provisório é um grave problema identificado por meio da

análise das tabelas acima reproduzidas. Afinal, cuida­se de pessoas que são

submetidas ao confinamento, sem que, necessariamente, façam jus a tal medida

repressiva estatal. Há uma ruptura de laços familiares, sociais, laborais, enfim,

antecipa­se a culpa, senão jurídica, a social. Não há como fugir desta realidade, o

lançamento do acusado na prisão, mesmo a título provisório, causa tremendo efeito

em sua vida.

Assevera Ferrajoli (2006, p. 511), que toda prisão sem julgamento ofende o sentimento comum de justiça, sendo entendido como um ato de força e arbítrio. Traduz a aceitação e difusão da prisão provisória um descompasso entre realidade

judiciária e o modelo de processo penal adotado (acusatório), sem mencionar o

abuso constante às garantias constitucionais do cidadão.

A prisão provisória é um dos primeiros passos para a consolidação da

criminalização do homem, pois, embora inexista ainda a condenação, padece o

custodiado dos malefícios que a prisão provoca. Ademais, digno de nota que não se

pode, nesta hipótese, se falar sequer em tratamento penitenciário, afinal, a

segregação cautelar visa atingir os escopos do processo, nada além.

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Tal qual afirma ANDRADE (2003, p. 54), a clientela do sistema penal é

formada por pessoas pobres (desvalidas economicamente), não por razões

científicas (criminosos natos), mas porque tem maiores chances e oportunidades de serem criminalizados. Com o uso indiscriminado da prisão provisória como meio de

contenção dos índices de criminalidade, naturalmente, os cárceres são preenchidos

por estas pessoas. Além do que, persiste forte estigma, porque uma vez preso,

reverbera neste a imagem de criminoso, que é visto assim por sua família, vizinhos,

comunidade local, o ambiente de trabalho. Enfim, a custódia cautelar é meio

eficiente na produção da futura massa carcerária, seja pelo fato que deu causa à

prisão, senão, por associação pelos agentes de controle formal (Polícia, Ministério

Público e Juízes) pelo simples fato deste homem já haver “passado pelo sistema”.

Nesse sentido, impressiona a inferência de ANDRADE (2003, p. 53) sobre a

forma de seleção do sistema penal:

Isto significa, enfim, que impunidade e criminalização, em vez de serem condicionadas pelas variáveis que formalmente vinculam a tomada de decisões (os códigos legais e instrumental dogmático) dos agentes do controle social formal (Polícia, Ministério Público e Juízes) e que deveriam reenviar à conduta praticada, são condicionadas por variáveis latentes e não legalmente reconhecidas que reenviam à “pessoa” do autor (e da vítima). Assim, a regularidade a que obedece a distribuição seletiva da criminalidade tem sido atribuída às leis de um código social (second code, basic rules) latente integrado por mecanismos de seleção dentre os quais tem se destacado a importância central dos “estereótipos” de autores e vítimas além da “teoria de todos os dias” (teorias do senso comum) dos quais são portadores os agentes do controle social formal e informal (a opinião pública) além de processos derivados da estrutura organizacional e comunicativa do sistema penal.

Os índices trazidos a lume merecem atenção, principalmente, por parte do

Poder Judiciário, que, por meio de decisões, tem alimentado o sistema penal,

antecipando a criminalização de acusados, por meio da sua prisão provisória. Não

sem lógica, o acréscimo de unidades prisionais no interior do Estado se deu em

virtude desta demanda de vagas para presos provisórios.

Cada vez mais, ano após ano, o número de cidadãos com passagem pelo

cárcere aumenta. Estes passam a carregar consigo o estigma de preso – que para o inconsciente coletivo está associado a condenado e a bandido, criminoso ­ nos

registros junto ao Poder Judiciário, às demais agências de controle formal

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(principalmente, a Polícia), bem como perante a sua comunidade, sem que se

vislumbre um câmbio deste quadro.

5.2.2 Grau de instrução e faixa etária.

Constata­se, na tabela abaixo, que o cárcere é destinado aos mais jovens.

Infere­se esta conclusão ao se observar que os dados fornecidos pela SJCDH

indicam como sendo base da massa carcerária homens e mulheres que estão na

faixa etária de 18 a 35 anos ­ ao longo dos três anos estudados, nota­se que

significam quase dois terços dos presos provisórios e definitivos. Estas faixas

etárias (18 a 24 e 25 a 35 anos) são, também, base da população economicamente

ativa, o que é relevante no que tange à inserção destes futuros egressos no

mercado de trabalho.

Tabela 6 – Faixa Etária da População Carcerária da Bahia (2005­2007)

Faixa Etária (Anos) Presos SJCDH (%) 2005 2006 [1] 2007

18­24 28,6 28,2 30,6 25­34 30,8 46,4 44,8 35­60 9,9 23,9 23,5 Maior de 60 1,0 1,0 0,9 Não Informado 29,5 0,5 0,3 Total 100,0 100,0 100,0 [1] O Ministério da Justiça constou que somente 17 unidades prisionais informaram estes dados, ou seja. 94% do total, significando uma população de 7743 pessoas.

Fonte: Elaboração própria, com base nos Relatórios do Ministério da Justiça.

No período de janeiro a abril de 2008, a realidade permanece quase a

mesma, 0,4% dos encarcerados são tidos como jovens 76 (18 a 24 anos), enquanto

o restante do contingente populacional se encontra na idade adulta, sendo 44,6% na

76 Adota­se o conceito da UNESCO, que define como sendo jovem o ser humano com 15 a 24 anos de idade.

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faixa etária de 25 a 34 anos (adultos jovens); 24,9% de 35 a 60 anos e apenas 0,9%

de pessoas maiores de 60 anos.

O recente perfil da população carcerária baiana, de acordo com dados da

SJCDH, demonstra que a prisão contempla entre os seus eleitos, majoritariamente,

pessoas muito jovens e com baixo nível de instrução escolar. Deve ­se observar que

78% não concluíram o ensino fundamental.

Tabela 7 – Grau de Instrução da População Carcerária (2005­2007)

Grau de Instrução Presos SJCDH (%)

2005 2006[1] 2007 Analfabeto 8,8 16,4 15,8 Alfabetizado 12,2 17,4 19,0 Ensino Fundamental Incompleto 30,8 46,7 43,2 Ensino Fundamental Completo 6,5 7,3 8,4 Ensino Médio Incompleto 6,9 6,2 7,1 Ensino Médio Completo 7,2 4,7 5,2 Ensino Superior Incompleto 1,5 0,4 0,5 Ensino Superior Completo 1,5 0,3 0,3 Pós­graduado (completo/incompleto) 0,0 0,0 0,0 Não Informado 24,7 0,6 0,4 Total 100,0 100,0 100,0 [1] O Ministério da Justiça constou que somente 17 unidades prisionais informaram estes dados, ou seja. 94% do total, significando uma população de 7743 pessoas. Fonte: Elaboração própria, com base nos Relatórios do Ministério da Justiça.

Os dados do primeiro quadrimestre de 2008 também realçam a mesma

realidade dos períodos anteriores analisados: 77,8% da massa carcerária é

integrada, majoritariamente, por homens e mulheres que não chegaram sequer a

concluir o ensino fundamental. Por certo, eis evidente óbice ao ideal de reinserção

social desses indivíduos, haja vista a contínua elevação da escolaridade da

população ocupada na Bahia (e, em especial, na Região Metropolitana de

Salvador), as crescentes exigências dos empregadores e, também, a crescente

dificuldade de inserção também dos mais escolarizados, acompanhada da

precarização dos empregos existentes.

Atualmente, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), com um

contingente expressivo de jovens com curso médio completo e com grande oferta

de vagas nos cursos de nível superior, já há em profusão pessoas deveras

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qualificadas que se encontram desempregadas. Este fenômeno, que se desenrola

desde a década de noventa, termina por diminuir os postos de trabalho(s) para

aqueles que são menos qualificados, pois, os desempregados portadores de

diploma de nível superior acabam em competir com os portadores de nível médio e,

mesmo, do fundamental (BORGES, 2006).

Na discussão sobre as chances de inserção no mercado de trabalho desses

presos após o cumprimento da pena é importante estabelecer um comparativo entre

este perfil etário e de baixa escolaridade e os recentes dados do IBGE sobre a taxa

de desocupação na RMS:

Tabela 8 – População Economicamente Ativa (PEA), Desocupados e taxa de desocupação, RMS, 2006

RMS – 2006 PEA DESOC TX DESOC

De 18 a 24 anos 380.159 125.842 33,1

De 25 a 29 anos 302.137 50.214 16,6

De 30 a 34 anos 251.476 28.904 11,5

Fonte: IBGE/PNAD

Observe­se que entre os jovens (18­24 anos), 33,1% são desocupados e que

os encarcerados não foram contabilizados para fins desta pesquisa do IBGE. Assim,

portanto, mais uma vez, deve se ponderar sobre a oportunidade de reinserção dos

jovens egressos frente a um quadro tão desfavorável até mesmo para aqueles que

se encontram em liberdade e sem qualquer histórico de condenação criminal.

Analisando­se, ainda na mesma pesquisa, os dados relativos às pessoas

residentes em domicílios com renda percapita de até um salário mínimo, constata­ se que nas classes mais depauperadas – de onde se origina grande parte dos

presos, a taxa de desocupação entre jovens é maior do que a média geral, como se

vê­ na Tabela 9.

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Tabela 9 – População Taxa de Desocupação da população residente em domicílios com renda per capita de até 1 SM

Classes de idade PEA DESOC TX DESOC

De 18 a 24 anos 223.003 93.452 41,9 De 25 a 29 anos 144.343 37.394 25,9 De 30 a 34 anos 127.147 23.255 18,3 Fonte: IBGE/PNAD

Inclusive, consoante diz Jinkings (2007, p. 17), similarmente aos EUA, a taxa

de desemprego do Brasil provavelmente seria acrescida se a população carcerária

fosse contabilizada 77 .

As tabelas 6 e 7 apenas corroboram o quanto delineado ao longo desta

dissertação: a prisão é formada por pobres e, majoritariamente, jovens. É possível,

por meio de sua leitura, concluir que o grosso da massa carcerária sequer terminou

o nível médio do ensino regular, um óbice natural à colocação no mercado de

trabalho. Outrossim, ao se estabelecer comparativo da tabela 7 com as de números

8 e 9, ratifica­se que cada vez mais será árduo reposicionamento nalgum posto de

trabalho, afinal, há grande contingente de jovens de baixa renda – que não têm passagem pelo sistema – em situação de desemprego.

Caso não haja desenvolvimento de programas ou políticas públicas

destinados aos egressos, sua chance de ver­se reinserido na rotina veloz da

sociedade (ou seja, no mercado de trabalho) é quase nula. Em condições de

igualdade, este homem ou mulher estigmatizado será sempre preterido, nem

tanto pela associação à figura do criminoso, e sim pelo seu despreparo –

notadamente, a falta de qualificação educacional ­ para lidar com a intensa

competitividade do mercado.

77 Jinkings, Isabella. Ob cit, p. 17: Nesse sentido, podem­se relacionar as baixas taxas de desemprego norte­americanas nas décadas de 1980 e 1990 com o crescimento desproporcional do encarceramento. O baixo índice de desemprego teria sido resultado não somente das políticas de flexibilização do mercado de trabalho, mas do encarceramento (e óbvio ocultamento nas taxas de desemprego) de parte significativa da população pobre norte­americana. A taxa de desemprego dos EUA seria, pelo menos, dois pontos percentuais mais alta se incluísse a população carcerária. No caso dos negros, sobretudo, a taxa de desemprego oficial estaria subestimada em um terço. Assim, nos EUA, “a gestão do desemprego e da precariedade social parece ter passado, em suma, do universo das políticas sociais para o da política criminal.” (DE GIORGI, 2006, p. 53) Além disso, é interessante lembrar que o contingente de trabalhadores empregados na indústria da segurança também é um número bastante considerável.

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Portanto, à luz dos dados oficiais, tem­se como falsa a premissa de que o

cárcere serve como ambiente para que o condenado possa ser mantido para, anos

após, retornar ao convívio em sociedade ressocializado. É uma quimera querer emprestar tão nobre função à prisão, que, na sua própria concepção (a segregação),

é antagônica à lógica de interação numa sociedade que, constantemente, se

transmuta.

5.2.3 Cor de pele/etnia.

Há um clichê que se repete constantemente, em que se assevera ser a prisão

reservada aos chamados três “pês” (pretos, pobres e prostitutas). Naturalmente, que na Bahia, especialmente em Salvador, a reserva ao primeiro “pê” tenderá a ser maior,

afinal, a história descreve maciça presença de escravos negros africanos, desde o

século XVI e, hoje, negros e mestiços representam quase 80% da população da

Região Metropolitana, proporção que é ainda

mais elevada entre os segmentos mais pobres.

Por oportuno, registre­se que ao

contrário do que ocorre nas pesquisas do IBGE,

onde a cor é autodeclarada, nos dados abaixo,

oriundos dos registros administrativos do

Ministério da Justiça, a atribuição de cor da

pele, geralmente, é feita por funcionários da

administração penitenciária, sendo portanto,

incomparáveis com os primeiros.

Os dados de 2007 mostram que a maioria dos custodiados são negros e

pardos (estes outrora chamados de mulatos), representando, em média, 80%, da

população carcerária, quadro semelhante ao encontrado na primeira prisão

construída na Bahia, segundo registros históricos do século XIX, conforme

exposto supra (4.3).

Tabela 10 – População Carcerária da Bahia segundo a Cor de pele/etnia, 2007

Cor de Pele 2007

Branca 12,6 Negra 17,4 Parda 68,0 Indígena 0,0 Amarela 0,1 Outras 1,9 Não Informado 0,0 Total 100,0 Fonte: Elaboração própria, com base nos Relatórios do Ministério da Justiça.

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No conjunto, os dados apresentados permitem inferir que a prisão seleciona

pessoas de baixa renda e jovens, em sua maioria, um exército de negros e pardos,

no Estado da Bahia 78 , especialmente devido à formação histórica do povo baiano.

Tendo em vista que a pesquisa empreendida não pretendeu incursionar nos

debates sobre raça ou etnia, este tópico somente tem como função retratar esta

realidade, sem promover maiores análises sobre existência ou não de discriminação

ou seleção prévia de negros pelo sistema prisional.

5.2.4 Tempo de pena e tipos penais mais frequentes.

Importante aspecto a ser analisado, no que concerne à pena de prisão.

Resulta na observação da quantidade de tempo imposta como punição.

Tabela 11 – Tempo de Pena a ser cumprida no Sistema Penitenciário Baiano

Tempo de Pena Porcentagem da População SJCDH (%) 2005 2006 [1] 2007

Até 4 anos 16,8 15,9 19,8 Mais de 4 até 8 anos 31,4 28,2 34,7 Mais de 8 até 15 anos 21,8 26,7 21,8 Mais de 15 até 20 anos 12,1 13,3 12,6 Mais de 20 até 30 anos 8,2 7,3 7,7 Mais 30 até 50 anos 2,9 2,8 3,1 Mais de 50 até 100 anos 0,1 0,1 0,3 Não Informado 6,7 5,7 0,0 Total 100,0 100,00 100,00 [1] O Ministério da Justiça constou que somente 17 unidades prisionais informaram estes dados, ou seja, 94% do total, significando uma população de 7743 pessoas.

Fonte: Elaboração própria, com base nos Relatórios do Ministério da Justiça.

78 Anteriormente foi comentado sobre o clichê dos três “pês”, porém, nem sempre será possível constatá­lo, afinal, como o fizeram Gomes e Chamon (2007) ao investigar a realidade de um estabelecimento penitenciário no Vale do Paraíba, São Paulo, onde se detectou que 62% da sua população era de brancos. Na pesquisa coordenada pelo Dr. Edson José Biondi, em que foi analisado, por cinco anos, o perfil da população carcerária do Estado do Rio de Janeiro, constatou­se maioria de brancos (46,6% do sexo masculino, 42,6%, sexo feminino) (RIO DE JANEIRO, 2006, p. 30).

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Percebe­se que, em média, a maioria das condenações não ultrapassa 8

anos, significando, ao longo do período analisado, mais da metade da população

carcerária. Desta porcentagem, um terço cumpre pena em tempo inferior a 4 anos,

que poderia ser abreviado, visto que os efeitos do aprisionamento são mais efetivos

e deletérios junto àqueles submetidos à privação da liberdade por curto período 79 .

Registre­se que nos próximos anos poderá haver substancial crescimento da

população com penas maiores do que 4 até 8 anos, porque a Nova Lei Antidrogas 80 ,

que entrou em vigor em setembro de 2006 promoveu o aumento da punição mínima

para o tráfico de drogas (art. 33), de 3 para 5 cinco anos e vedou qualquer hipótese

de substituição para penas restritivas de direito (alternativas), como vinha sendo

sedimentado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores (art. 44, Lei

n°11.343/2006).

É preocupação antiga, no discurso da Criminologia Crítica 81 , a política de

repressão ao consumo e venda de substâncias entorpecentes, consideradas como drogas ilícitas. O Brasil, recentemente, editou novel diploma legal endurecendo as penas e definindo a prisão como pena única para a punição daqueles que

cometerem delito de tráfico e/ou condutas assemelhadas. Tendo em vista que a lei

data de 2006, há perspectiva de que nos anos vindouros os delitos patrimoniais

percam o primeiro posto entre os crimes mais cometidos, ou pelo menos o dividam

com os condenados sob timbre da nova Lei Antidrogas.

Ressalve­se, ainda, que, abstratamente, se admite punição por meio da

prisão à penas inferiores a dois anos, o que é contraproducente para fins de ressocialização, fato este percebido desde o século XIX, por Franz von Listz 82 .

79 A privação da liberdade significa uma ruptura radical com a liberdade, com os laços sociais, profissionais e familiares. Assim sendo, a sua aplicação àqueles por curto período de tempo provoca muito mais efeitos nocivos do que aos demais cujas penas são mais severas. Inclusive, ainda no século XIX, Franz Von Liszt (2003, p. 153) criticava a existência de pequenas penas de prisão, asseverando que “elas não corrigem, não intimidam, nem põe o delinquente fora do estado de prejudicar, ao contrário, muitas vezes encaminham definitivamente para o crime o delinquente novel”. 80 Lei n° 11.343/2006. 81 Ver: OLMO, Rosa del. Las Drogas y sus discursos. In: PIERANGELI, José Henrique (org.). Direito Criminal, volume 5. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. 82 Segundo Bitencourt (2009, p. 63), uma das características do pensamento de Liszt, no que tange às penas, residia na luta pela “eliminação ou substituição das penas privativas de liberdade de curta

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Também devem ser analisados, cuidadosamente, os tipos penais que têm

sido objeto de prisões provisórias e definitivas por parte do Poder Judiciário para se

apreender a necessidade ou não da custódia, considerando­se os efeitos do

encarceramento no homem e a meta ressocializadora do sistema. No que concerne

a estes, far­se­á divisão de acordo com o objeto de proteção da norma penal:

a) Vida (art. 121 até 128, CP e Genocídio); b) Incolumidade física (art. 129, §§ 1°, 2° e 3°, CP, Lei de Tortura); c) Liberdade (art. 148, CP) d) Propriedade sem violência ou ameaça à pessoa (art. 155, 171, 180 CP); e) Propriedade com violência e ameaça à pessoa (art. 157, 158 e 159); f) Tráfico de drogas; g) Crimes sexuais (art. 213, 214, 218, CP); h) Coletividade (Estatuto de Desarmamento, art. 288 e 273, CP); i) Fé Pública (art. 297 a 334, CP); j) Administração Pública (art. 312 a 337ª, CP); k) Outros crimes.

Tabela 12 – Tipos Penais e População Carcerária Tipos Penais Porcentagem da População SJCDH (%)

2005 2006 [1] 2007 Grupo A 20,60 20,00 18,06 Grupo B 0,01 0,04 0,07 Grupo C 0,33 0,20 0,24 Grupo D 9,25 8,60 11,08 Grupo E 26,46 34,00 34,28 Grupo F 13,05 17,00 16,80 Grupo G 2,50 8,00 9,60 Grupo H 4,15 3,70 5,20 Grupo I 0,25 0,60 0,40 Grupo J 0,20 0,14 0,17 Grupo K 4,30 7,00 4,10 Não Informado 19,80 0,71 0,00 Total 100,00 100,00 100,00 [1] O Ministério da Justiça constou que somente 17 unidades prisionais informaram estes dados, ou seja, 94% do total, significando uma população de 7743 pessoas.

Fonte: Elaboração própria, com base nos Relatórios do Ministério da Justiça.

duração”, o que, diga­se, “representa o início de uma busca incessante de alternativas às penas privativas de liberdade de curta duração, começando efetivamente a desenvolver uma verdadeira política criminal liberal”. Não sem razão, o Código Penal contempla a hipótese legal da suspensão condicional da pena (art. 77 e ss.), para condenação não superiores a dois anos.

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Fica evidente que quatro grandes grupos se destacam: os crimes contra a

vida (A), os crimes contra o patrimônio sem (D) e com (E) violência ou grave

ameaça à pessoa e o tráfico de drogas (F), que somados representam em torno de

80% de toda população carcerária custodiada pela SJCDH.

Frise­se que os crimes que formam os Grupos D, H, I, J, que totalizam

uma média de 20% do sistema penitenciário baiano, admitem a substituição de

pena de prisão por restritiva de direito (alternativas), o que, seguramente, pode

servir como medida mais propensa à reinserção para criminosos de pequena

monta e, principalmente, diminuição considerável da população carcerária, pois

este percentual é superior ao deficit de vagas do sistema carcerário baiano, que foi de 16,3%.

Inclusive, merece registro que, em se tratando de crimes patrimoniais

cometidos com violência, aquele que mais se destaca é o roubo (art. 157, caput, § 1° e § 2°, do Código Penal), e não outros que revelem maior “periculosidade” do

agente, considerados como hediondos 83 , v.g.: o latrocínio (7,00%), extorsão

mediante sequestro (0,33%) e a extorsão seguida de morte (0%), dados de 2007.

Afirmou­se algures que o sistema penal é seletivo, volta o seu arsenal

punitivo para as classes mais debilitadas economicamente. Isso se comprova, por

meio da leitura dos números sobre tipos penais, que há uma seletividade.

O sistema penal é apresentado como igualitário, atingindo igualmente as pessoas em função de suas condutas, quando na verdade seu funcionamento é seletivo, atingindo apenas determinadas pessoas, integrantes de determinados grupos sociais, a pretexto de suas condutas (as exceções, além de confirmarem a regra, são aparatosamente usadas para a reafirmação do caráter igualitário). (BATISTA, 2002, p. 25­26

Sobre o mesmo aspecto, Wacquant (2001, p. 119) compreende que a política

penal severa, muito defendida atualmente, é consectária da falência das políticas

sociais e modelo de estado providência. Ante esta novel realidade, a seletividade

que era direcionada para os mais pobres, tornou­se exclusiva:

83 Vide art. 1º, Lei n° 8.072/90.

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O tratamento carcerário da miséria (re)produz sem cessar as condições de sua própria extensão: quanto mais se encarceram pobres, mais estes permanecem pobres, mais estes têm certeza, se não ocorrer nenhum imprevisto, de permanecerem pobres por bastante tempo e, por conseguinte, mais oferecem um alvo cômodo à política de criminalização da miséria. A gestão penal da insegurança social alimenta­se assim de seu próprio fracasso programado. (WACQUANT, 2001, p. 145)

Zaffaroni e Batista (2003, p. 48) apontam que a criminalização de alguém é

fruto da prévia existência de leis penais, porém, tem maior aplicação junto aos que

têm maior grau de vulnerabilidade, ou seja, são menos favorecidos. Embora existam

crimes que tangenciam condutas mais comuns às classes mais abastadas, como

dos delitos de “colarinho branco”, as agências estatais (polícia, ministério público)

ocupadas com a fiscalização do cumprimento de leis são impotentes na sua

persecução, o que, saliente­se, não quer dizer que não ocorram prisões e

condenações por estes crimes. Entretanto, o aparato punitivo é inclinado para

determinadas figuras sociais que preenchem o estereótipo criminal, segundo os

mencionados autores, configuradas nas:

Pessoas em posição social desvantajosa e, por conseguinte, com educação primitiva, cujos eventuais delitos, em geral, apenas podem ser obras toscas, o que só faz reforçar ainda mais os preconceitos racistas e de classe, à medida que a comunicação oculta o resto dos ilícitos cometidos por outras pessoas de maneira menos grosseira e mostra as obras toscas como os únicos delitos.

E arrematam, extraindo conclusão que ao se comparar com os índices e

números do sistema penitenciário baiano atestam a efetiva seleção de pessoas

ora debatida:

Isto leva à conclusão pública de que a delinquência se restringe aos segmentos subalternos da sociedade, e este conceito acaba sendo assumido por equivocados pensamentos humanistas que afirmam serem a pobreza, a educação deficiente, etc, as causas do delito (...) (ZAFFARONI e BATISTA, 2003, p. 48).

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5.2.5 Reingresso no sistema penitenciário (fugas, abandonos e novas condenações).

Todo o discurso da legitimidade do sistema prisional é assentado na

perspectiva de mudança daquele que é submetido ao cárcere poder voltar ao

convívio social e reintegrar­se. Assim, naturalmente, merecem especial atenção os

índices de reingresso no sistema. No âmbito da SJCDH contabiliza­se unicamente o

registro de retorno, sem, contudo, apontar a razão, seja, por exemplo, por recaptura

ou nova condenação.

A população carcerária, caracteriza­se em suma, por pessoas que têm uma

experiência prisional anterior. Os números colhidos junto aos órgãos oficiais

demonstram este preocupante dado, que lança por terra a função de reintegração

social. Por exemplo, no período de três anos, tem­se a taxa de reingresso em

26,5%, que se pode dizer como alta, levando­se em consideração os princípios que

norteiam a instituição da prisão. Contudo, facilmente compreensível ao se constatar

com as verdadeiras funções do cárcere anteriormente expostas.

Este número quer dizer que de integralidade populacional um quarto termina

sempre retornando, seja por novos delitos ou recapturas. Muito embora, neste caso,

mereça destaque que, dentro do sistema penitenciário controlado pela SJCDH, o

número de fugas é bem diminuto, o que demonstra que o aprisionamento nos

moldes estatuídos não deve ser o meio mais hábil de promoção da ressocialização.

A tabela abaixo traz o número mensal de presos admitidos e que têm prévia

passagem pelos estabelecimentos penitenciários na Bahia (para internos provisórios

e definitivos), nos anos de 2005 a 2007. Infere­se que há frequência na carreira

criminal, pois ao longo dos anos há tendência de retorno de pessoas que estiveram

encarceradas previamente, ou seja, já marcadas pelo sistema.

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Tabela 13 – Reingresso no sistema penitenciário baiano Meses Número de Presos

2005 2006 2007 Janeiro ­­­ 538 746 Fevereiro 21 561 682 Março 536 581 1186 Abril 432 604 1142 Maio 479 590 1112 Junho 397 563 1086 Julho 428 591 1076 Agosto 437 604 1081 Setembro 472 600 1149 Outubro 438 606 1149 Novembro 454 687 1099 Dezembro 460 624 1105

Fonte: Elaboração própria, com base nos Relatórios da SJCDH.

Veja­se que, no final de 2007, da população carcerária total 84 , 13% foi fruto

de reingresso, representando, assim, uma estatística elevada à luz dos valores de

recuperação e reintegração do interno. Em 2006, este número era de 8%, enquanto

no ano anterior, era aproximadamente de 6,4%, apontando, portanto, evolução da

taxa de criminalidade e maior expansão do aparato de controle penal.

A Tabela de reingresso é muito influenciada pelos presos provisórios que têm

maior número de entrada e saída ao longo do ano. Não obstante, tal aspecto

chama a atenção do grande contingente populacional que é marcado pelo sistema

penitenciário que, por certo, provoca efeitos imediatos nas vidas destes presos, seja

dentro ou fora dos muros da prisão.

Outro fator que deve ser analisado mais detidamente dentro do sistema

penitenciário baiano, tem­se estampado nas informações da Tabela 14, abaixo

transcrita. Ali se expõe o índice de reiteração da atividade criminosa, configurada na

reincidência penal ou múltiplas condenações, outra forma comum de reingresso.

Antes de se enfrentar analiticamente os dados da tabela supramencionada,

importa estabelecer os conceitos de primariedade ou portador de bons antecedentes,

reincidência e portador de maus antecedentes, dentro da técnica jurídica.

84 Ver Tabela 6, p. 104.

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Diz­se primário ou portador de bons antecedentes, quele condenado que

nunca teve contra si imposta outra condenação, mesmo que, existam inquéritos ou

processos criminais em curso. Ou seja, é considerada primariedade pela

inexistência de antecedentes (nos termos do art. 59, CP), condenações com trânsito

em julgado que sejam anteriores. Neste sentido flui a jurisprudência mais crítica do

Supremo Tribunal Federal 85 . Descarta­se, para este fim, a consideração de

processos ou procedimento em curso, face o princípio constitucional da inocência

(art. 5°, inciso LVII, CF/88).

Por esse turno, o conceito de reincidência está grafado nos artigos 63 e 64 do

Código Penal 86 , que consiste na comissão de novel delito após haver transitado em

julgado sentença condenatória por crime anterior. Quer dizer, o agente cometeu um

crime e por ele foi condenado. No curso do cumprimento desta pena ou dentro de

cinco anos após a sua extinção, ele infringe, mais uma vez, a lei penal. Assim

sendo, quando da apreciação judicial deste novo fato, deverá ser considerado quantum de acréscimo à pena em virtude da recidiva 87 .

85 E M E N T A: HABEAS CORPUS ­ INJUSTIFICADA EXACERBAÇÃO DA PENA COM BASE NA MERA EXISTÊNCIA DE INQUÉRITOS OU DE PROCESSOS PENAIS AINDA EM CURSO ­ AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL ­ PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO­ CULPABILIDADE (CF, ART. 5º, LVII) ­ PEDIDO DEFERIDO, EM PARTE. ­ O princípio constitucional da não­culpabilidade, inscrito no art. 5º, LVII, da Carta Política não permite que se formule, contra o réu, juízo negativo de maus antecedentes, fundado na mera instauração de inquéritos policiais em andamento, ou na existência de processos penais em curso, ou, até mesmo, na ocorrência de condenações criminais ainda sujeitas a recurso, revelando­se arbitrária a exacerbação da pena, quando apoiada em situações processuais indefinidas, pois somente títulos penais condenatórios, revestidos da autoridade da coisa julgada, podem legitimar tratamento jurídico desfavorável ao sentenciado. Doutrina. Precedentes. 86 Art. 63 ­ Verifica­se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.

Art. 64 ­ Para efeito de reincidência:

I ­ não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação;

II ­ não se consideram os crimes militares próprios e políticos. 87 O instituto penal da reincidência, desde muito, é objeto de crítica por parte de setores mais liberais do pensamento penal brasileiro. Para SANTOS (2005, p. 120­121) “o reconhecimento oficial da ‘ação criminógena’ (EM, n.26), demonstrada pela pesquisa criminológica universal, exige redefinição do conceito de reincidência criminal, excluindo a hipótese formal irrelevante da reincidência ficta, incapaz de indicar a indefinível presunção de periculosidade, e definindo a situação concreta relevante da reincidência real como produto da ação criminógena da pena (e do processo de criminalização) sobre o condenado, por falha do projeto técnico­corretivo da prisão. (...) Em conclusão, nenhuma das hipóteses de reincidência real ou de reincidência ficta indica situação de rebeldia contra a ordem social garantida pelo Direito Penal: a reincidência real deveria ser circunstância atenuante e a reincidência ficta é, de fato, um indiferente penal”. Traz ainda SANTOS (2005, p. 121) a ofensa ao

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No que tange aos portadores de maus antecedentes − é um conceito obtido

por exclusão, qual seja, são aqueles que têm contra si decisão judicial transitada em

julgado, que não se coaduna no conceito legal de reincidência 88 .

Tabela 14 – Presos Primários Condenados e Reincidentes no sistema prisional baiano (2005 – 2007)

Status Número de Presos

2005 2006 2007 Presos Primários com Uma condenação anterior 1.100 990 3.629 Presos Primários com Mais de uma condenação anterior 248 220 305

Presos Reincidentes 460 684 1.105

Fonte: Elaboração própria, com base nos Relatórios do Ministério da Justiça.

Resta, portanto, evidenciado que o tratamento prisional é ineficaz para conter

a reincidência criminal, segundo os números apresentados pelo Ministério da

Justiça. À guisa de exemplo, em 2007, dentro do universo de 8.620 custodiados,

5.039 foram condenados em outra oportunidade, configurando assim 61% da

população. Destes, 1.410 já tiveram anterior passagem pelo cárcere. Portanto, dos

presos definitivos (4.954), 28,5% reincidiram após haver cumprido no passado. Fora

de qualquer dúvida, uma alta taxa, que demonstra existirem imperfeições nesta

forma de punição.

Como assevera Gomes (2008, p. 194) ao comentar os índices de reincidência

do sistema penitenciário do Brasil apresentado pelo Governo Federal, variável entre

70% e 85%:

princípio constitucional do no bis in idem como sendo um dos argumentos hábeis a desconstituir a reincidência no ordenamento jurídico­penal. Neste particular, a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul tem firme posicionamento em defesa da inconstitucionalidade da reincidência face esta argumentação. Porém, os Tribunais Superiores afastam este pensar ao reconhecer a constitucionalidade deste instituto. 88 O Superior Tribunal de Justiça editou súmula exigindo que não fosse confundido pelos juízes e tribunais os conceitos de reincidência e maus antecedentes. Veja­se: STJ Súmula nº 241 (23/08/2000 ­ DJ 15.09.2000): Reincidência ­ Circunstância Agravante ­ Circunstância Judicial. A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial.

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Dessa forma, fica patente que a utilização da prisão não tem cumprido a sua função preventiva especial reclamada pela pena que, embora não possa ser medida única e exclusivamente por meio de índices de retorno ao crime por parte daqueles egressos do sistema carcerário, tem, neste ponto nevrálgico, um fortíssimo indicativo deste fracasso.

Ou seja, o cárcere como medida principal de combate à criminalidade serve

como instrumento de replicar infratores, novos e velhos, ou como diria Foucault

(1998b, p. 221), “as prisões não diminuem a taxa de criminalidade: pode­se

aumentá­las, multiplicá­las ou transformá­las, a quantidade de crimes e criminosos

permanece estável, ou, ainda pior, aumenta.”

Sentencia Thompson (2007, p. 99) sobre a reincidência e as funções

declaradas da prisão:

A recidiva implica a prova incontestável de que a instituição falhou no objetivo regeneração (assim como na meta intimidação): submetido ao tratamento, com frequência por vários, muitos anos, o indivíduo continuou tão criminoso como antes.

Ao longo deste período (2005­2007), registraram­se ainda a ocorrência de 62

fugas dos três regimes, 45 abandonos de cumprimento de pena em regime

semiaberto e aberto e 62 reinclusões no sistema 89 . Os dados de 2008, embora não

sejam ainda definitivos, se demonstram graves, indicam 166 fugas e 93 abandonos

em apenas quatro meses, ambos do regime semiaberto, sendo que somente se

conseguiu fazer 35 reinclusões.

As informações acima confirmam, portanto, que “a detenção provoca

reincidência; depois de sair da prisão, se têm mais chance que antes de voltar para

ela, os condenados são em proporção considerável, antigos detentos” (FOUCAULT,

1998b, p. 221).

89 A reinclusão significa a recaptura do fugitivo ou de quem abandonou o cumprimento da pena.

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5.2.6 Laborterapia (trabalho externo e interno)

A vida intramuros reserva poucas atividades ao preso, a principal delas é o

trabalho, que além de servir como meio de reduzir a pena – por meio do instituto da

remição 90 ­, serve como uma redenção do condenado para retornar aos moldes

vigentes na sociedade. O trabalho na Lei de Execução Penal é “dever social e condição

de dignidade humana. Terá finalidade educativa e produtiva” (vide artigo 28).

Como diz Bitencourt (2009, p. 503), “é a melhor forma de ocupar o tempo

ocioso do condenado e diminuir os efeitos criminógenos da prisão, e a despeito de

ser obrigatório, é um direito­dever do apenado”. Ademais, é nítida a persistente ideia de que ele redime. Enfim, de que é o caminho mais rápido para a almejada

ressocialização.

Não obstante o labor carcerário tenha suma importância, tanto no sistema

baiano, como no restante do país, há, ainda, insuficiência de postos. Ou seja, nem

todo custodiado tem efetivamente direito ao trabalho. Este tema, inclusive, foi

adredemente explorado no Relatório “Situação do Sistema Carcerário Brasileiro”,

realizado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias − Câmara dos Deputados

em parceria com a Pastoral Carcerária – CNBB, em julho de 2006, sendo

formuladas, sobre este tema, as seguintes propostas:

­ Que o Estado estabeleça convênios com o Sistema “S” – SESC, SENAI, SENAT para profissionalização dos internos. ­ Criação de programas sociais que possibilitem ao egresso real integração na sociedade com acompanhamento médico, psicológico e econômico. ­ Criação de programas que possibilitem a formação de uma população carcerária útil e produtiva para a sociedade.

90 A remição é instituto concebido em sede de execução penal que estabelece que a cada três dias trabalhados, será abatido um dia de pena, para fins de livramento condicional (art. 126­130, LEP). No entanto, a jurisprudência nacional pacificou entendimento que a remição pode ser também utilizada para progressão de regime. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula 341, que estende os benefícios da remição aos que estudam.

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A Pastoral Carcerária fez um relatório próprio e qualificou a realidade

baiana assim: DA FALTA DE ATIVIDADES LABORATIVAS PARA OS PRESOS ­ RESSOCIALIZAÇÃO: Com exceção do Conjunto Penal de Jequié, onde um número maior de presos trabalha, na maioria das unidades da Bahia, pouquíssimos presos têm acesso ao trabalho. Atividades de ressocialização dos presos ainda são um sonho na Bahia. (PASTORAL CARCERÁRIA DA BAHIA, 2007)

As recentes estatísticas do sistema carcerário comprovam a lacuna

identificada pelos parlamentares e clérigos. No modelo vigente o trabalho se divide

em externo e interno; o primeiro mais afeto aos presos que cumprem pena no

regime semiaberto e aberto e, excepcionalmente (c. f. art. 36, LEP), para aqueles do

regime fechado.

Atualmente, o trabalho prisional é explorado, basicamente, por empresas

privadas, embora, no passado, o próprio Estado tenha abrigado, na administração

direta e indireta, alguns condenados. Esta forma se revela como importante, pois

propicia ao condenado maior contato e interação com a sociedade livre.

Tabela 15 – Laborterapia: Trabalho Externo.

Trabalho externo Número de Presos

2005 2006 [1] 2007 Empresa Privada 190 12 177 Administração Direta 3 9 0 Administração Indireta 24 0 0 Total 216 21 177 [1] O Ministério da Justiça constou que somente 17 unidades prisionais informaram estes dados, ou seja, 94% do total, significando uma população de 7743 pessoas.

Fonte: Elaboração própria, com base nos Relatórios do Ministério da Justiça.

O trabalho interno se verifica entre os presos submetidos ao regime

fechado e semiaberto, sendo comum a profusão de artesanato e “apoio ao

estabelecimento penal” – que consiste em realizar tarefas de limpeza e pequenos

consertos nas unidades.

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Tabela 16 – Laborterapia: Trabalho Interno.

Trabalho interno Número de Presos

2005 2006 [1] 2007 Artesanato 504 778 1.077 Apoio ao Estabelecimento Penal 442 608 542 Atividade Rural 37 265 35 Outros 80 1.385 796 Total 1.063 3.036 2.450 [1] O Ministério da Justiça constou que somente 17 unidades prisionais informaram estes dados, ou seja, 94% do total, significando uma população de 7743 pessoas. Fonte: Elaboração própria, com base nos Relatórios do Ministério da Justiça.

Merece registro o fato de que o trabalho carcerário se destina,

majoritariamente, aos que cumprem pena em definitivo, embora existam presos

provisórios que exerçam atividade laboral.

De todo o contingente populacional, percebe­se que houve um crescimento

do número de envolvidos nestas atividades de 2005 para 2006, de 17,7% para

39,5%. Porém, de 2006 para 2007, houve considerável decréscimo de postos de

trabalho externo e interno, uma queda de 7,7%. Os primeiros índices de 2008 (jan­

abr) demonstram retomada de novas frentes de trabalho, especialmente as

remuneradas, que, aproximadamente, quintuplicaram, de 177 para 883 pessoas. Em

relação ao ano anterior, também se confirma aumento de 4,6% da população

carcerária que exerce atividade laboral.

Esta oscilação do número de presos com atividades laborais revela que o

trabalho dos presos ainda não está estruturalmente incorporado ao sistema, não se

constituindo, portanto, em componente de uma política pública voltada para viabilizar

e assegurar a ressocialização, apregoada como uma das metas do sistema

penitenciário.

Destaca­se deveras o aumento da iniciativa privada na exploração da mão­

de­obra carcerária, preferencialmente, àqueles que cumprem pena em regime

fechado. Explica­se este interesse por algumas razões, − a parceria entre Estado e

empresa é benéfica a esta porque os custos de produção são bem diminuídos, pois

aquele lhe cede o local para funcionamento da produção e energia sem qualquer

ônus; a relação entre preso e empresa não cria vínculo trabalhista, além disso, há

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um teto mínimo de remuneração fixado em três quartos do salário mínimo vigente,

sendo somente o empresário compelido a recolher as contribuições previdenciárias,

a teor do art. 29 e 30, da Lei n°7.210/84.

A mão­de­obra prisional vê o trabalho como uma ocupação que lhe traz boa

estima perante o corpo funcional e a Justiça de Execução Penal; também, pode

diminuir sua pena através da remição 91 ; e a remuneração lhe serve como forma de

sustentar a família e a si próprio, durante o período de encarceramento.

Por outro lado, há constante decréscimo de utilização da força de trabalho

dos presos em apoio ao estabelecimento prisional (prestação de pequenos reparos,

serviços de limpeza, serviços gerais, etc). Entende­se este fenômeno ­ uma inversão na administração penitenciária brasileira, que sempre se serviu dos custodiados

para tais afazeres ­ como uma consequência da crescente terceirização dos serviços

de competência do Estado 92 .

O quadro fático é grave, pois se cobra do encarcerado a disposição e o

trabalho, porém, dificilmente se conseguirá criar novos postos e frentes de trabalho.

A realidade do sistema prisional brasileiro (e baiano) é de escassas oportunidades

de incorporação dos presos à atividade produtiva, dentro ou fora das penitenciárias.

Outra crítica a ser feita reside no tipo de atividades exploradas, nenhuma

delas, ou quase nenhuma, tem aplicabilidade na vida futura de um egresso. São

passageiras e inúteis para a vida extramuros. Não há empresas de tecnologia ou

serviço que possibilitem melhor inserção no mercado de trabalho externo. Conclui­

se, assim, que o mercado de trabalho prisional é composto por empresas que optam

por uma redução de custo, marcadamente, pela admissão de mão­de­obra menos

qualificada e desenvolvimento de atividade mais braçal e menor relevância

econômica. Isso, com efeito, é desvantagem que o egresso leva consigo quando do

seu retorno à sociedade.

91 Vide nota de rodapé n° 91. 92 Do ano de 2006, quando 608 presos exerciam estas atividades caiu este número para 542, em 2007, e até o mês de abril/2008, 415.

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5.3 PROGRAMAS PÚBLICOS DE RESINSERÇÃO SOCIAL NO COMPLEXO PENITENCIÁRIO LEMOS BRITO.

Conforme exposto anteriormente, uma das funções declaradas do cárcere é a

ressocialização, que, no modelo penitenciário vigente, é simbolizada pelo

incremento e reforço da correção por meio do trabalho e educação. Nesse sentido,

a Lei de Execução Penal (LEP) garante ao preso alguns direitos, que inspiram as

frentes de trabalho para os presos:

Art. 10 ­ A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo único ­ A assistência estende­se ao egresso. Art. 11 ­ A assistência será: I ­ material; Il ­ à saúde; III ­ jurídica; IV ­ educacional; V ­ social; VI ­ religiosa. Art. 13 ­ O estabelecimento disporá de instalações e serviços que atendam aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração. Art. 14 ­ A assistência à saúde do preso e do internado, de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico. Art. 17 ­ A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado. Art. 22 ­ A assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará­los para o retorno à liberdade: V ­ promover a orientação do assistido, na fase final do cumprimento da pena, e do liberando, de modo a facilitar o seu retorno à liberdade

A ideologia de ressocializar por meio do trabalho é realidade nacional, como

se vê na própria Lei de Execução Penal, no entanto, não há uma política pública

do Estado brasileiro para o sistema penitenciário. Na verdade, cada unidade da

federação desenvolve suas próprias políticas (ou programas ou projetos)

destinadas ao sistema carcerário, de forma independente e desarticulada.

Provavelmente, por tal quebrantamento inexista, de fato, uma política de Estado e,

somente, programas isolados.

Na Bahia, a maioria dos programas existentes tem como objetivo estimular

desenvolvimentos de atividades ligadas ao trabalho, afinal, este é o elo do preso

com a sociedade. O outro pilar é a educação, − embora somente se verifiquem

cursos de ensino fundamental e médio. A SJCDH, responsável por zelar pela

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administração penitenciária, tem investido em programas para desenvolvimento de

atividades laborais e educacionais.

Cumpre registrar que há ânsia de se estimular mais programas que se voltem

ao ideal de ressocialização. Em entrevista feita junto à coordenação de laborterapia

da SJCDH, informou­se que este órgão público enfrentava uma mudança de

mentalidade. Inicialmente, para se poder discutir e desenvolver estratégias de

ressocialização foi preciso promover a qualificação daqueles que trabalham em

contato direto com os condenados: os agentes penitenciários. Para tanto, criou­se a

Escola Penitenciária, que tem como meta requalificar o corpo técnico provocando

sua constante valorização e enfrentando temas conflitantes desta atividade.

Em 2007, foram firmados convênios com o Serviço Nacional de

Aprendizagem Comercial (SENAC) e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

(SENAI) para realização de 78 cursos profissionalizantes. No entanto, este esforço

conseguirá, no máximo, atender a um público estimado de 1305 custodiados, o

equivalente a apenas 15,8% da população carcerária daquele ano.

A maioria dos cursos do SENAI cinge­se à construção civil (assentador de

piso, pedreiro polivalente, eletricista predial, pintura em madeira) 93 , enquanto os do

SENAC são afetos a serviços (barbeiro, manicure, mega hair, preparação de abará e acarajé, garçom e relações humanas, higiene e manipulação de alimentos) e artes

(pintura em tela, escultura em porcelana, velas artesanais).

Carvalho Filho (2004) já reclamava ações como estas, que por meio do

empreendedorismo promovem maior capacitação do futuro egresso para realocação

num mercado de trabalho extremamente competitivo:

É importante que haja uma maior reflexão sobre o que significa capacitar para o trabalho, no momento em que a economia mundial reduz drasticamente os postos formais de trabalho. A capacitação para o trabalho autônomo, empreendedor e sustentável é muito mais eficaz no sentido de oportunizar a geração mais imediata de ocupação e consequentemente de renda.

93 Além destes são oferecidos: fabricação de brinquedos, pintura em tecido, jardinagem, costura industrial, panificação e mecânico de motor. Este último, inclusive, não será mais realizado, ante a falta de equipamentos e estrutura adequados.

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Além destes, funcionam nas dependências da Penitenciária Lemos Brito

(PLB) 8 oficinas de trabalho (Vasourart, Ducarro, Salomon, Requinte Móveis,

Premoldart, Himalaia, Renascer e Frastec), fruto de parceria entre o Estado e a

iniciativa particular, que empregaram, até junho de 2008, apenas 70 internos.

Uma conhecida marca de equipamentos esportivos explorava o trabalho

prisional na Bahia. Em 2007, foram computados 122 costuradores de bola. No

entanto, as atividades da empresa na PLB (e outros estabelecimentos penitenciários

da Bahia) foram encerradas em 2008. A sua saída paulatina do sistema carcerário

baiano ocasionou uma queda considerável nos postos de trabalho disponíveis no

sistema − na capital e interior, uma vez que ela era responsável, sozinha, por nada

menos que 34,4% das vagas do “mercado de trabalho carcerário”. Assim, apenas

no primeiro semestre de 2008, registrou­se um defict de 38% de vagas oferecidas e

preenchidas, quando comparado ao mês de janeiro do mesmo ano.

Conforme dito alhures, é patente, portanto, que a integração do homem

condenado ao trabalho prisional tenha sido feita pela participação ativa da

iniciativa privada, que, dos aproximados 160 empregadores, se encontram

empresas, pessoas físicas, igrejas, etc. No ano anterior, somente três entidades

faziam parte do Estado − os Correios, que admitiu vinte e seis condenados e as

Secretarias municipais de Agricultura e Saúde de Ilhéus, que juntas absorveram

quatro. Ou seja, 3% de toda a população carcerária empregada. As empresas

privadas que têm em seus quadros condenados, em maioria, são afetas aos

terceiro setor prestação de serviços.

Naturalmente, não se pode esperar que o Estado abrace a todos que

cumprem penas; porém, é evidente a necessidade de um maior incentivo e

participação na abertura de frentes de trabalho, para cumprir metas que o ele se

obrigou visando a ressocialização.

Saliente­se, ainda, que a obtenção de trabalho por um condenado não

significa que ele será devidamente realocado no mercado de trabalho após a

obtenção da liberdade, pois o interesse maior de sua contratação deve­se às

facilidades e menor custo do que o trabalhador livre. Assim, findo o seu tempo de

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pena, principalmente para os condenados ao regime fechado, perde­se a vaga, e

volta­se à estaca zero: o desemprego.

Não sem razão, há crescente estímulo por parte da SJCDH ao denominado

empreendedorismo, haja vista os cursos profissionalizantes ofertados. O trabalho

intramuros reverbera a realidade externa, onde a flexibilização conduziu ao

incremento da precarização do labor assalariado e ao desemprego. A alternativa do

empreendedorismo tem sido colocada como alternativa para os que não conseguem

uma inserção no mercado de trabalho.

No caso do egresso, além das dificuldades de reingresso ao mercado formal

de trabalho que padece um desempregado, ele enfrenta ainda o rótulo de ex­ presidiário, muito associado à imagem de criminoso nato, sempre marginalizado. Logicamente, exceções existirão.

Com efeito, há insuficiência de vagas, quando comparado ao número de

pessoas que integram o sistema carcerário baiano (item 5.1.6 supra). Inclusive,

algumas alternativas têm sido utilizadas para dar vazão a esta realidade −

atividades como a limpeza da própria cela, de áreas comuns, enfim, manutenção

das unidades, têm servido como postos de trabalho. Embora não se remunere por

isso, opera­se a remição, além de servir como prova de “boa conduta carcerária”, o

que o coloca mais próximo de futura vaga no trabalho remunerado.

Segundo dados oficiais da administração da Penitenciária Lemos Brito, no

primeiro semestre de 2008, 35% dos seus internos estavam exercendo atividade

laboral, sem ou com remuneração. No entanto, este aparente resultado exitoso ao

ser comparado com o ano anterior, revela­se como decepcionante, pois houve

decréscimo de 30,5% em todas as espécies de postos de trabalho e aumento da

população carcerária.

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Tabela 17 – O Trabalho na Penitenciária Lemos Brito (2007 – 2008)

Tipo de Trabalho Número de Presos que trabalham

2007 2008 94

Artesanato 514 438 Manutenção da Unidade 33 28 Empresa Privada (Remunerada) 258 93 Total 805 559

Fonte: Elaboração própria, com base nos nas informações fornecidas pela SJCDH.

Analisando os dados do labor prisional na Penitenciária Lemos Brito (PLB),

no ano de 2007, observa­se, de janeiro a dezembro, aumento de 25% de internos

em atividades laborais remuneradas. Nos seis meses iniciais de 2008, a mesma

realidade não se reflete, mas, uma queda acentuada de ­55%. Das nove empresas

parceiras, com oficinas na PLB, sete promoveram redução de pessoal e uma delas

– a maior – como foi dito, passou a não mais explorar a mão­de­obra carcerária.

Este é um dado preocupante, afinal, se constata uma crescente população

carcerária. De dez/2007 até abril/2008 foi de 8,1%, com uma taxa de saída diminuta

de 2,6%, o que causa excesso de ingresso no sistema, alargando o grande defict de vagas e postos de trabalho existentes – o que contraria os ideais de transformação

do homem criminoso em sociável, preconizados na Lei de Execução Penal.

Investe­se, também, em programas que promovam a educação, já que

grande parcela dos internos nem mesmo completou o ensino médio. A maior

dificuldade encontrada reside na ausência de locais apropriados para servir como

salas de aula ou bibliotecas, por esta razão muitas unidades não conseguem manter

frequência necessária às escolas dentro das unidades penitenciárias 95 .

De acordo com dados fornecidos pelas unidades prisionais, em 2007, 11,6%

da população carcerária da Bahia foi atendida como aluna nas diversas escolas

existentes intramuros. Em média, as taxas de evasão foram pontuais, como nos

conjuntos penais de Feira de Santana, Jequié, Juazeiro e na Colônia Lafayete

94 Os dados referentes a 2008 são somente referentes aos meses de janeiro até junho. 95 As escolas penitenciárias, no âmbito do estabelecimento prisional, são criadas pela SJCDH, que contrata professores para lecionar aos internos.

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Coutinho, e nos demais houve grande adesão. Na PLB o crescimento ao longo do

ano foi de 39%.

Por certo, a tendência será de evolução do contingente de alunos e escolas,

principalmente, com a edição da Súmula 341 do STJ 96 , que admite a remição por

meio de estudo 97 . Um simples exemplo tem­se na colheita de dados de 2008, antes

das férias escolares, no mês de março, que aponta existirem 1267 alunos

matriculados; 20,8% a mais que no mesmo período do ano anterior.

Os menores índices de alunos matriculados se constata nas unidades que

custodiam presos provisórios, enquanto nas que têm presos definitivos os índices

são maiores. No contexto global, os condenados matriculados constituem 12% da

população carcerária total. Cite­se que, no primeiro semestre de 2008, havia registro

de 60 professores contratados, embora em nove unidades nenhum deles atuasse

por por não haver sido instalada a escola.

Recentemente, algumas iniciativas pontuais vêm sendo implementadas, a

partir de 2007, no sistema penitenciário baiano. No Conjunto Penal de Itabuna,

desenvolve­se uma oficina de música com 20 internos; o Centro Cultural Itabunense

tem um projeto que objetiva montar um curso para maestro; a Superintendência de

Desporto da Bahia (SUDESB) tem um projeto que visa implantar a prática de

atividades desportivas nas diversas unidades do Estado. Há, ainda, convênio da

SJCDH com a Secretaria de Educação e Cultura (SEC) para promover a instalação

de “Pontos de Leitura”, que seriam montados no pátio de cada unidade prisional e

serviriam tanto para os internos como para os agentes penitenciários.

O Ministério da Justiça em parceria com as Secretarias de Justiça dos

Estados desenvolveram um projeto que mescla educação e trabalho, denominado

“Arca das Letras”. Esta iniciativa nasce de ação interministerial (Ministérios da

Cultura, Justiça e Meio ambiente), visando a instalação de pequenas bibliotecas em

96 Verbete: "A frequência à curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob regime fechado ou semiaberto". 97 No Estado da Bahia, segundo informações da SJCDH, tem­se fixado que a cada doze horas de estudo, abater­se­á um dia de pena.

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comunidades rurais. Caberá aos custodiados, escolhidos mediante aptidão para o

serviço e interesse, a confecção das arcas, onde serão colocados os livros. Na

Bahia, este programa funciona com um grupo de 21 pessoas, sendo que uma delas

será o coordenador. Todo o trabalho desenvolvido neste programa é remunerado 98 .

Quase a totalidade dos programas e projetos desenvolvidos pela SJCDH é

direcionada para aqueles que ainda cumprem a pena e são pautados pelas

conhecidas regras de labor e educação. Entretanto, a maior dificuldade de quem

passa pelo cárcere é o retorno ao convívio social, pois, geralmente, o re­

enquadramento é árduo, pela própria escassez de emprego no mercado livre de

trabalho, e a ruptura dos laços familiares, profissionais e sociais, que, na maioria

dos casos, é abrupta e prolongada pela rotulação de ex­presidiário ou, ainda, que

faz parte do “mundo do crime” − uma qualidade negativa vista como inerente ao

egresso. Enfim, múltiplos fatores podem servir como percalço à reinserção social.

O Governo do Estado da Bahia, desde 2003, busca construir um programa

que possa servir para preencher esta lacuna, que é facilmente identificada. Ainda

naquele ano, foi concebido o “Menos presos, mais cidadãos”, que contemplava em

uma de suas vertentes os egressos. Basicamente, consistia no cadastramento de

empresas que empregassem recém­liberados, seja por livramento condicional ou

cumprimento da pena, arcando com parte da remuneração (até R$ 200,00 –

duzentos reais) deste por um ano.

Com a mudança na cúpula da SJCDH, o antigo projeto foi remodelado. A

primeira mudança foi o nome, passando a ser denominado: “Liberdade e

Cidadania”. O programa se arrima no cultivo da responsabilidade social do setor

privado, que consiste num modelo gerencial que pretende obter e manter a

sustentabilidade econômica, qualificando eticamente a empresa e a sociedade.

Pretende­se construir um conceito de cidadania empresarial, ou seja, promover a

maior interação entre empresariado e projeto de natureza social, um compromisso

com melhor e maior qualidade da vida em sociedade. O programa já está em

andamento, havendo iniciado o curso de formação dos futuros egressos.

98 O coordenador perceberá R$622,00 (seiscentos e vinte e dois reais), enquanto os demais a metade.

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Para a execução deste programa a SJCH firmou convênio com a Fundação

Dom Avelar Brandão Vilela, entidade da Arquidiocese de São Salvador Bahia, e a

Pastoral Carcerária. Existem dois eixos de ações para promoção do acesso dos

egressos ao mercado de trabalho: incentivo ao emprego formal; implementação de

projetos de geração de ocupação e renda (empreendedorismo).

O “Liberdade e Cidadania” tem como público­alvo os egressos, que

cumpriram a pena ou estejam em livramento condicional, e condenados que têm

direito ao trabalho externo. O objetivo do programa é promover a reintegração

produtiva do egresso, direcionada e acompanhada, por meio de sua inserção no

mercado de trabalho. O Estado incentiva as empresas privadas a participarem deste

programa arcando com 50% dos vencimentos dos egressos, limitado a R$ 320,00

(trezentos e vinte reais), por um período máximo de um ano.

Os egressos serão escolhidos após consultas ao Serviço Social do

Conselho Penitenciário, Vara de Execuções Penais, SOS Presídios, Agente da

Pastoral Carcerária ou Patronato de Presos e Egressos. Em seguida, submetido

a atendimento por equipe multidisciplinar para refinar o grupo ideal para

participar do programa.

Assim, portanto, definido o grupo, os egressos serão submetidos a um curso,

onde lhes será apresentado o projeto, expondo seus objetivos e metas. Após, serão

realizadas sessões para verificação de habilidades interpessoais, visando resgate

do bom convívio familiar, social e profissional.

O curso é chamado de “Preparando para a Liberdade” e conta com

profissionais da área jurídica, sociológica, e psicológica. Enfrenta temas recorrentes

para os egressos e serve de acomodação ao futuro status. Outra função do curso é traçar perfil psicológico e profissional do egresso, para, no momento posterior,

prepará­lo para os desafios do mercado de trabalho, por meio de dinâmicas e

oficinas, simulando situações vindouras como abertura de negócio, planejamento de

ações, apresentação, dentre outras.

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O programa ainda contempla duas fases, a inserção do egresso no mercado

de trabalho, que poderá ocorrer por meio de empresas que aderiram, e prospecção

de atividade empreendedora. Uma vez que o egresso obtiver a colocação

profissional, a coordenação irá manter acompanhamento, avaliação de seu

desempenho e, ao final, prestar contas, encerrando­se, assim, o papel do Estado

para com aquele homem. Esta interação entre Estado, representado na

coordenação do programa, é deveras importante como ação preventiva de futura

recidiva, afinal, aponta Sá (1987, p. 26):

Assim é de crucial importância o fato do egresso ter família que o acolha ou não, e a forma como se dá essa acolhida; a aceitação junto aos seus grupos de amizade e de trabalho; a confiança ou desconfiança com que é acolhido; as oportunidades de emprego, de autossustentação.

O “Liberdade e Cidadania” é um programa que ainda tem reduzida

abrangência no contingente populacional do sistema penitenciário baiano (somente

vinte vagas), por isso não se poder tecer maior análise, vez que não existem

resultados de sua primeira edição. Apesar disso, os seus postulados e a forma

como foi construído, indicam uma transição da segregação à liberdade, que

possibilita ao egresso o autoconhecimento, a conscientização sobre seu papel, e

apoio para enfretamento do estigma que paira sobre si e da disputa no mercado de

trabalho.

Outrossim, está em discussão, e, futuramente, poderá ser ferramenta útil

junto a este programa, o Projeto de Lei Estadual n°16.851/2007, de autoria do

Deputado Estadual Fernando Torres, que pretende obrigar as empresas

tercerizadas, que mantém contrato com o Governo do Estado da Bahia, a reservar,

no mínimo, 1% da sua mão­de­obra para egressos (aqueles que cumpriram pena ou

estão em livramento condicional).

Pires e Gatti (2006) anotam experiência similar no projeto Reciclando Papéis

e Vidas, envolvendo egressos da Penitenciária de Brasília, que, num primeiro

momento eram descrentes com a empreitada, porém, ao final, os resultados foram

compensadores. Entretanto, o maior entrave para a reinserção social reside na

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“recuperação da autoestima, dos vínculos familiares que se têm, da superação das

‘regras da cadeia’ e recuperação da confiança” (PIRES e GATTI, 2006, p. 64).

Implicitamente, a discussão sobre a vida em liberdade auxilia vencer um

grave equívoco alimentado pelo sistema penitenciário: o bom preso será bom

cidadão. A mudança do mundo sem liberdade para o mundo da liberdade requer

este período de adaptação, pois “o mundo da prisão é completamente diferente,

em muitos pontos antagônicos, daquele existente extramuros” (THOMPSON,

1980, p. 12).

Como afirma, categoricamente, Augusto Thompson (1980, p. 13­14):

Gostaria de anotar que, se adaptação à prisão não significa adaptação à vida livre, há fortes indícios de que adaptação à prisão implica em desadaptação à vida livre. Dostoieviski, através da dolorosa experiência como prisioneiro, extraiu a conclusão de que o convicto ‘regenerado’ é apenas uma múmia ressequida e meio louca. E Papillon atribuiu seu sucesso de adaptação à vida livre exatamente à circunstância de ter sido sempre, o inverso de um ‘bom’ preso.

O sucesso do programa “Liberdade e Cidadania” consistirá em fazer os

futuros egressos desaprenderem tudo que até ali criam ser o modelo

comportamental para a liberdade, pois o “bom preso” só é útil dentro da prisão.

Na esteira do que dizia Alessandro Baratta (1991), assegura Sá (2007, p.

117) que “a reintegração social do preso se viabilizará na medida em que se

promover uma aproximação entre ele e a sociedade”. Deste modo, este programa

pode ser uma ferramenta útil para que possa “o cárcere se abrir para a sociedade e

esta se abrir para o cárcere” (SÁ, 2007, p. 117), mas no atual estágio nada pode ser

dito quanto aos seus resultados efetivos, nem sobre o envolvimento de empresas e

sociedade civil.

O Estado da Bahia, tal qual o Brasil, não se ocupa em tratar a questão do

condenado e egresso por meio de políticas – e não meros programas ou projetos –

públicas de reinserção social. Há resistência em se instituir planejamento

direcionado a suprir as mazelas e lacunas desnudadas por meio da análise das

estatísticas oficiais do sistema penitenciário.

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5.3.1 Ponto de vista dos condenados sobre cárcere, trabalho, liberdade e ressocialização.

Nos tópicos anteriores foram explorados os dados de todo o sistema e os

programas que são desenvolvidos pela SJCDH. Naturalmente, além das

investigações documentais, para se comprovar a eficiência e eficácia do modelo

punitivo adotado, deve­se ouvir quem padece o encarceramento. E, desta imensa

massa carcerária, buscou­se o acesso àqueles que se encontram engajados no

“mercado de trabalho carcerário” ou integrados à escola, simbolizando os pilares da

prisão transformadora.

Explica­se tal opção porque tanto o labor como a educação são as duas

vertentes escolhidas como formas de ressocialização (e diminuição de pena). Foram

colhidas as impressões deles em relação ao sistema penitenciário, a justiça criminal,

a vida intramuros e ao trabalho prisional.

No entanto, perde a presente pesquisa um pouco da pujança que teria, em

virtude de não haver sido possível reprodução das palavras dos condenados

entrevistados, porquanto vedado o ingresso intramuros com gravador.

E.M.S. cumpre pena em regime fechado. Foi condenado a 23 anospelo crime

de homicídio e roubo. É pai de dois filhos, estudou até a 8ª série, e antes do

cárcere percebia em torno de um salário­mínimo. Ao dialogar sobre a sua

condenação, em nenhum momento se disse injustiçado. Atribui seu ingresso no

“mundo do crime” por necessidade econômica, e devido ao uso de drogas roubou

para sustentar o vício.

Ele cumpre pena há 8 anos e desde 2004 trabalha no cárcere. Iniciou através

do artesanato, e em seguida obteve vaga na oficina Ducarro. Neste interregno

participou de dois cursos: um de fabricação de brinquedos e outro de assentamento

de piso. Assevera que os cursos lhe foram deveras úteis, pois sinalizam perspectiva

de obter rendimentos no mundo externo. Se sente qualificado para enfrentar o

mercado de trabalho, por meio do próprio negócio.

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Muito embora se entenda como “ressocializado”, E.M.S se sente

envergonhado perante seus entes próximos e diz ser do seu desejo reverter este

quadro abandonando qualquer vínculo futuro com o crime e dedicando­se ao labor e

ao estudo.

J.R.S.C. foi condenado por dois roubos, totalizando uma pena de 12 anos e 5

meses, estando custodiado desde o ano de 2000. Antes de ser preso era técnico de

dedetização numa empresa privada. Percebia em torno de dois salários mínimos e

meio, é casado e tem cinco filhos. Ao tempo do delito era usuário de drogas.

A história de vida no cárcere de J.R.S.C. é, no mínimo, curiosa. Ele foi

condenado a um dos roubos – o qual admite haver cometido­, sendo­lhe imposta

pena em regime semiaberto. Naquele estabelecimento, fez um curso e iniciou a

trabalhar. Posteriormente, foi contratado por uma empresa e chegou a perceber o

equivalente a três salários­mínimos. Informa que naquele ambiente de trabalho não

percebeu qualquer discriminação por sua condição de condenado, inclusive, revela

que os seus patrões tinham muita confiança em si.

Ocorre que ele termina por se envolver com alguém que lhe imputa prática de

novo roubo – ele nega peremptoriamente este delito e sente­se injustiçado. Como

fruto desta nova condenação, regride de regime, do semiaberto para o fechado –

onde, hoje, cumpre pena.

Num primeiro instante, a sua família o relegou, porém, com o passar do

tempo, as visitas foram se tornando regulares. Atualmente, encontra resistência por

parte da família de sua esposa. Pensa, ao sair do cárcere, abrir um negócio próprio

valendo­se dos ensinamentos que obteve nos cursos que participou.

J.R.S.C. afirma, categoricamente, que a prisão para ele é uma barreira que

foi vencida, se arrepende e envergonha do primeiro crime (o único que assume),

porém, não se sente diminuído por isso, se diz ciente de que o ex­presidiário sofre

restrições, mas espera não encontrá­las, como ocorria no seu antigo trabalho.

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J.C.S. é natural da cidade de Entre Rios, interior da Bahia. Cumpre pena de 8

anos por roubo, foi preso em 2003 e estudou até a 4ª série. Nunca tinha usado

drogas, e ganhava, antes de ser preso, em torno de dois salários­

mínimos.Trabalhava com perfuração de poços de petróleo para uma empresa

terceirizada da Petrobrás.

Informa que desde que se viu encarcerado começou a trabalhar no

artesanato. Até hoje não fez nenhum curso, somente participa da escola. Para ele,

sua prisão foi fruto de injustiça, porém, destaca que, apesar das suas graves

mazelas (citando a gestão de saúde), teve ali boas oportunidades.

Diz que sua família não vem lhe visitar em virtude das condições econômicas

precárias e que, quando obteve direito à saída temporária, foi bem recebido por

todos eles em sua cidade natal. Contudo, assegura que embora deseje voltar a

residir em Entre Rios, não trabalhará lá e sim em cidades circunvizinhas, pois teme

ser visto como “criminoso”, uma pessoa sempre vista com reservas pelos outros.

Reclama J.C.S. que a “justiça” não dá oportunidade às pessoas de demonstrar

quem elas são e que, após a condenação, ela as esquece e humilha. Indagado

sobre o significado do que é prisão, disse que era um submundo, uma escola para

coisas boas e ruins.

E.S. sofreu uma condenação de 9 anos, por roubo. É natural de Pojuca/BA.

Iniciou dizendo ser a sua condenação injusta, que havia sido preso antes, em 1997,

por outro fato, sugerindo que a sua nova prisão motivou­se na anterior passagem

pela Polícia. Exercia a função de operador de jato de areia, em empresa terceirizada

da Petrobrás, percebendo não mais do que um salário­mínimo e meio.

A nova condenação ocorreu em 2005 e desde que chegou ao cárcere

encontrou como trabalho prisional, o artesanato. Porém, não crê que lhe será

deveras útil uma vez livre. A prisão foi marco negativo para ele, pois perdeu o

emprego, sua companheira com poucos meses o abandonou, levando consigo o

filho do casal, e sua família não tem como visitar­lhe, por razões financeiras.

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A expectativa de E.S. é de reaver a liberdade, mas não cogita voltar a

Pojuca/BA, pois se sente perseguido por ser visto como alguém ligado a atividades

criminosas. Diz que pretende afastar­se de qualquer coisa que o vincule ao crime,

para mostrar para si próprio, devido aos horrores que enfrentou, que é capaz disso.

Para ele, a prisão é submundo, mas que tem como se regenerar, pois “você tem

que ver seu lado”.

O angolano A.I.C.E. foi condenado por tráfico internacional de drogas e se

encontra preso desde 2006. Disse que era residente em São Paulo, porém, se

encontrava irregular no Brasil. É pai de uma criança, cuja mãe é brasileira. Antes

de ser preso fazia artesanato nas ruas da capital paulista. Diz que o crime, para

ele, não valeu a pena e que a prisão no Brasil era muito dura, ainda assim quer

ficar no país.

J.R.A., natural de Ilhéus/BA, foi condenado a uma pena de 5 anos e 4 meses,

por haver praticado roubo. Informou que trabalhava como cabeleireiro, ganhava em

torno de um salário mínino e havia estudado até a 1ª série. Assim que foi

recambiado de Ilhéus para Salvador, iniciou a trabalhar no artesanato e como

cabeleireiro. Entende que a sua condenação foi justa e que reavalia a conduta como

equivocada, porém, não se sente envergonhado. Os laços familiares, a princípio,

foram abalados, no entanto, com o passar do tempo, se sentem aptos a recebê­los

de volta. Porém, acha que a sociedade nunca o aceitará.

Afirma que a prisão em sua vida foi algo necessário, uma “obra divina”. Hoje,

convertido, pensa, após sair, tornar­se cantor gospel. Diz contar com apoio dos seus pares, membros da igreja evangélica que faz parte.

E.C.S. foi condenado a 7 anos e 9 meses, acusado de roubo. Para ele, que é

natural de Guanambi/BA, a condenação foi justa e o que lhe serve de alimento é a

esperança. Segundo afirma, as pessoas acham que o cárcere não regenera.

Mesmo assim, quer voltar a residir na sua cidade natal, com a sua família, que o

tem recebido bem em suas saídas temporárias, embora ainda se sinta abatido com

a própria condenação. Disse, também, que assim que ingressou no cárcere

participou de atividades laborais, não obstante nada lhe acrescentou, pois já tem

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profissão definida (mecânico). Fez constar que existe proposta de emprego para

ele, o que reforçaria sua esperança num regresso menos árduo.

As experiências pessoais acima reportadas, à exceção das duas primeiras,

foram colhidas de internos que cumprem pena em regime semiaberto que, pouco

a pouco, se descortina à liberdade. Os discursos se entrelaçam no medo do

porvir, uma possível repulsa social, especialmente para aqueles que vivem em

cidades do interior.

A vida intramuros, para a maioria, é uma terrível experiência em que opera

uma transformação no ser humano. A partir dali, eles devem ser irrepreensíveis,

extremamente corretos, sob pena de sempre recair no “mundo do crime”. Note­se,

outrossim, que o trabalho nem sempre é visto como forma de qualificação pessoal

ou meio de se realocar no mercado de trabalho externo (livre); porém, como uma

forma de estar ocupado e obter direitos, como à redução da pena.

Os entrevistados que estavam submetidos ao regime semiaberto estavam

somente matriculados na escola, não lhe oportunizaram qualquer opção de trabalho,

salvo o artesanato; o que contraria a máxima do sistema onde quem estar por sair

deveria ter grau mais acentuado de “socialização”.

A prisão é vista como um submundo, uma nova realidade que tem regras

próprias e também porque ali é, de fato, escola para o crime. O alegado

“esquecimento” da Justiça e as péssimas condições de habitação, saúde e

alimentação reiteram para o condenado um menoscabo por sua própria imagem e

pessoa, assim como reforçam sentimentos de raiva e ódio por não serem vistos

como seres humanos.

Muitos dos entrevistados deixaram evidente que o cárcere serve àquele que

pretende viver sob as regras vigentes da sociedade (insertos na legalidade) e aos

demais que pretendem incursionar pelo “mundo do crime” (à margem da

legalidade). Esta é uma opção delicada, que cada condenado enfrentará ao passar

a conviver sob as regras da prisão. O que poderia ser construído, para melhor

assessorá­los nesta escolha seria a promoção de esperança de sucesso na vida

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secular (dentro dos limites da legalidade), que passará por maior grau de interação

entre externo (sociedade) e interno (presos).

Caso contrário, se permanecer o afastamento e a falsa crença de que por

meio da segregação, nos moldes vigentes, aprende­se a se exercer a liberdade, as

chances de reversão dos efeitos negativos da prisão sobre homem e, por

conseguinte, a sociedade são assaz exíguas, para que não se diga, nenhuma.

É necessária mudança de paradigma no que concerne à pena criminal;

reconhecer a ausência de função positiva da prisão sobre o homem e sociedade,

para a partir daí, buscar­se uma forma mais sincera e menos violenta de sanção.

5.4 A ONDA DE PRIVATIZAÇÃO E O SISTEMA CARCERÁRIO BAIANO.

Os Estados Unidos da América, na década de noventa, iniciaram um

programa de privatização de prisões, que chamou a atenção de outros países,

dentre eles, o Brasil. O tão propalado fracasso do tratamento prisional pelo Estado

também inspirou governos a pensarem que a alternativa mais adequada, inclusive,

para fins de economia de custos fosse a entrega das prisões ao particular.

Entrementes descortina­se a verdadeira intenção com esta nova política para

o cárcere, ao se constatar que “o modelo de parceria prevalecente nos EUA é o da

remuneração das empresas com base nos números de presos custodiados. Cadeias

superlotadas propiciam taxas de retorno mais generosas a seus administradores”

(MINHOTO, 2008). Assim, no sistema capitalista, o particular não investirá sem que

haja o retorno devido para o investimento.

Experiências negativas, como o massacre do Carandiru, servem de esteio ao

discurso privatista, aliado à alegada ineficiência pública para poder cumprir com as

metas e funções que se destinaria ao cárcere, além de suposto custo mais baixo

(RODRIGUES, 1995, p. 25­31).

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Porém, este último argumento é refutado por Lemgruber (2002), que informa

que os empresários têm buscado a redução de custos para que as prisões

terceirizadas sejam mais lucrativas, o que promove queda de qualidade,

principalmente, da mão­de­obra especializada.

Adverte Lemgruber (2002, p. 174) que “privatizar prisões é permitir que o

dinheiro dos impostos encha o bolso de aventureiros e que nosso já combalido

sistema de justiça criminal se torne refém de interesses de quem lucra com o crime”.

A privatização soou no Brasil como o futuro das prisões, no entanto, a

realidade tem demonstrado que pouco se mudou. Não obstante, como revela Sá

(2003), as prisões privatizadas se mostraram, a princípio, mais “humanizadas”, seja

pela arquitetura, conservação do espaço e corpo funcional mais propenso às

práticas de ressocialização. A obtenção do lucro com o encarceramento tem

demonstrado a verdadeira face do negócio que é a privatização da prisão.

Na Bahia, existem, atualmente, as unidades prisionais de Valença (01),

Juazeiro (01), Serrinha (01), Itabuna (01) e Lauro de Freitas (01). Funcionam em

regime de co­gestão com uma empresa particular, tendo o Estado a obrigação de

construir a estrutura física, sendo que compete à empresa a sua administração e

exploração. A exceção do diretor geral, diretor adjunto e o chefe de segurança que

são funcionários públicos, todos os demais funcionários que integram são da

iniciativa privada, cuja contratação cabe à empresa gestora.

Segundo a SJCDH, estas unidades abrigam 1.789 presos, sendo o custo de

cada um deles estimado em R$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos reais). Todas estas

unidades têm número definido de custodiados, não podendo haver superlotação,

sob pena de configurar quebra contratual, o que implica em maior dispêndio de

verbas públicas.

Pode­se dizer que a experiência baiana apresenta pontos positivos e

negativos. Os números demonstram que a maioria destas unidades em co­gestão

tem altos índices de presos envolvidos em atividades laborais e educacionais; há

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uma rede de serviços (médico, psicológico e assistência jurídica) úteis ao

custodiado, que não são tão comuns nas prisões públicas.

Contudo, a maioria delas tem uma população sempre aquém do seu limite e

carecem sempre de investimentos estruturais e de pessoal, o que implica em custos

adicionais e incremento dos efeitos negativos da prisionização sobre os

condenados. Note­se, também, que o custo de manutenção das unidades em co­

gestão é deveras alto, pois em média um preso detido em prisões públicas, no

Brasil, sai aos cofres públicos entre R$ 600,00 (seiscentos reais) e R$ 1.000,00

(hum mil reais) (GOMES, 2008, p. 200­201).

A solução do modelo carcerário adotado pelo Brasil não perpassa pela

entrega das chaves à iniciativa privada; mas, a uma mudança de cultura, a utilização

em menor escala da prisão e a sua maior interação com a sociedade livre.

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6. CONCLUSÕES.

O epílogo é um momento importante em qualquer trabalho acadêmico, as

conclusões são ápice do labor empreendido. No entanto, nem sempre significam

esgotamento do tema objeto do estudo ou que as hipóteses alçadas tenham sido

comprovadas. Na presente dissertação, as inferências expendidas traduzem que o

debate sobre Prisão e Ressocialização não se encerrará, pelo menos, até que

aquela seja superada e que, apesar dos mais de duzentos anos de sua existência,

revela­se sempre como assunto candente. Ao invés de assertivas, que definiriam os

destinos da pesquisa como fronteiras, nasceram indagações, estímulos a uma

constante revisão e releitura do debate encetado.

A prisão, longe de qualquer dúvida, é a reação jurídica ao delito que o Brasil

adotou como principal. Quase que à totalidade das penas criminais ­ sejam elas

fixadas no Código Penal ou em leis especiais ­ comina­se à privação de liberdade. O

Estado ao adotá­la cuidou de promover a sua legitimação jurídica, por meio do

reconhecimento na Constituição Federal e na legislação federal vigente. E o fez, sob

argumentação política tributária do iluminismo, ser a privação de liberdade maneira

racional e mais humana de se punir. O Direito Penal se incumbiu de construir teorias

que alicerçaram a prisão servindo como base teórica de sua legitimidade.

O atual Código Penal, no artigo 59, estabelece que a pena criminal deverá

atender aos critérios de repressão e prevenção. Com isso, impõe­se à prisão o

dever de ressocialização do condenado.

Os recentes índices de criminalidade têm impulsionado o Estado a rediscutir o

tema Segurança Pública e, também, abordar o sistema penitenciário com mais

contumácia. O medo e a incerteza compõem um quadro que revitaliza o papel da

prisão como instrumento de combate ao criminoso e ao crime.

Todo o discurso que se erige ante este novo quadro é marcado por uma

irracional ânsia por soluções rápidas e eficazes a problemas antigos da realidade

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brasileira, que emergem com mais pujança e visibilidade. Tratam­se questões de

ordem social por meio da repressão policial. Substituiu­se o Estado Social pelo Penal.

Neste combate, propositalmente concebido sob prisma maniqueísta (“bem” versus “mal”), se utiliza o Estado do Direito Penal como a forma de controle social institucionalizada mais efetiva. Este ramo das ciências jurídicas, por sua natureza, é

seletivo, pois a criminalização primária (descrição de conduta proibida em lei) já se

constitui como meio de definir aqueles que simbolizam o “mal”: os criminosos.

Evidencia­se, então, que a cominação legal de condutas proibidas pode ser

associada a determinados grupos.

O Estado define, por meio de lei, quem são os delinqüentes. Eles não

nascem, são forjados, politicamente, de acordo com os interesses preponderantes

para a criação da legislação criminal. E, a estes, na maioria dos casos, destina­se

a prisão. Naturalmente, fala­se do grosso daqueles que cometem crimes. Existem,

por certo, uns e outros que movidos por emoções ou outros sentimentos

enveredam por este caminho, sem passarem pela seleção aqui exposta. Inclusive

estes, havendo “passado pelo sistema penal”, se igualam àqueles selecionados, sob um único estigma.

A privação de liberdade é utilizada, de forma indiscriminada, como solução

frente à escalada dos níveis de criminalidade. Pensa­se que a sua contenção dar­

se­á por meio de incremento das formas de repressão e punição, entrementes, a

realidade não condiz com esta lógica. Cada vez mais, à medida que se investe nesta

política repressiva, marcada pelo encarceramento em massa, os resultados

apresentados não justificam a sua manutenção. Ocorre, em muitos casos, o inverso.

Ademais, o cárcere ao invés de promover ressocialização, função que se declara

como sua, termina por reproduzir a própria criminalidade.

A concepção de prisão como ambiente inóspito se traduz na ruptura da vida

em liberdade, com a quebra de laços de vínculo social, como família e emprego; na

mortificação da individualidade (a adequação obrigatória aos padrões standart, o “bom preso”); nos excessos praticados em nome da disciplina pela administração

(surras e abusos de poder); as péssimas condições de salubridade e acomodações

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desagradáveis; enfim, todo um conjunto de práticas que são diametralmente opostas

ao que se tem por viver em liberdade.

Assim, pensa­se, levianamente, em transformar o homem que delinque em ser

humano útil à sociedade. Mas, a soma destes fatores potencializa a especialização

nos caminhos da delinquência. Aqueles que se afastam tornam­se exceções.

O projeto prisional nasce, no século XVIII, com as casas de correção inglesas,

que objetivavam desenvolver naquela sociedade a cultura do trabalho. O

encarceramento era dirigido a vagabundos, pequenos criminosos e delinquentes

juvenis. Ou seja, a custódia serviria como forma de se compelir estes sujeitos, que

ainda não se encaixavam nos interesses gerais do capitalismo incipiente, a “desejar”

viver para o trabalho. Servia, também, para infligir temor àqueles que mesmo não

querendo se submeter ao trabalho livre optavam por ele como forma de esquivar­se

do encarceramento e trabalho forçado.

Uma vez que se havia transformado a antiga população campesina em

industrial e urbana, restou à prisão a função de custodiar os criminosos. Porém, não

se desgarrou de sua vinculação com o modelo econômico que motivara a existência

da ancestral casa de correção.

O cárcere passa a servir aos interesses capitalistas, no liberalismo como

sinônimo de repressão aos anarquistas e sindicalistas, no welfare state cuidando da produção do exército de reserva e, hodiernamente, servindo de depósito de

pessoas, um aterro de seres humanos descartáveis.

A relação entre cárcere e capitalismo se evidencia até o presente e,

dificilmente, aquele se desvencilhará deste. Necessário, também, salientar que a

prisão foi utilizada nas sociedades comunistas como pena. No entanto o fomento era

distinto: político, em suma maioria. Porém, com a queda do Muro de Berlim e do

regime soviético pode­se dizer (excepcionando­se Cuba, China e Coréia do Norte)

que o mundo é capitalista. E, foi neste modelo econômico, que o cárcere se amoldou

e criou sólidas raízes.

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Curiosamente, aliado ao discurso punitivo de massificação da prisão, tem­se

insistido que é possível obter­se a ressocialização do criminoso. Desde a sua

primitiva formatação, atribui­se à prisão pecha de pena mais humanitária. Talvez,

adotada como referencial as severas sanções da antiguidade ou medievo. Não sem

razão, cunhou­se o ideal de ressocialização por meio da prisão. Quer dizer, o

criminoso é alguém que se desviou dos padrões comportamentais vigentes e que,

por isso sofrerá o castigo tido como justo. A punição deverá ser marcada pela

transformação compulsória do criminoso que foi condenado, a meta é tê­lo como útil

à sociedade.

A base deste conceito de ressocialização é centrada, basicamente, em dois

pilares: educação e trabalho. A maioria dos sistemas penitenciários tem

desenvolvido projetos que envolvam um ou outro. Na Bahia, existe uma série de

programas voltados para fomento do trabalho e estudo intramuros.

A quimera ressocializadora cruzou séculos sendo presente em qualquer

discurso oficial sobre a prisão. Diz­se, inclusive, que esta é um mal necessário.

Sabe­se que esta função dificilmente se promoverá; porém, crê­se, com leviandade,

como possível.

No entanto, foi preciso que teóricos da Criminologia Crítica rompessem com

este paradigma, diagnosticando o cárcere como ele é: seletivo e estigmatizante. A

realidade do tratamento penitenciário revela que, nas atuais condições (diga­se, que

não se distanciam muito das primitivas), indica que em raros casos dar­se­á a

almejada ressocialização. É um conceito irrealizável. Seja porque as condições

existentes não bastam ou porque não se pode impor nova socialização a ninguém.

Poder­se­ia indagar se estaria em crise o sistema penitenciário. A resposta a

este questionamento é negativa. O sistema penitenciário foi concebido para servir ao

capitalismo, não aos homens que a ele são submetidos. Não há crise. Nem colapso.

A prisão é um estigma sobre o homem. Trata­se de marca invisível,

porém, vista por toda a sociedade e por ele próprio, ao ponto de não se crer

como possível o seu afastamento do “mundo do crime”. Ou seja, apesar de se

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proclamar os fins do modelo punitivo com a ressocialização, os meios

empregados apontam em sentido diverso.

Com efeito, demonstrou­se que tudo o que se aponta como mazela da

prisão é condição ínsita à sua existência. Ou seja, o debate, para se poder evoluir,

deve ser conduzido no sentido da superação do cárcere enquanto pena criminal.

Quiçá, esta etapa soe assaz radical. Assim, portanto, como recomenda Barata

(1991), o caminho mais próximo seja propiciar maior interação entre a prisão e a

sociedade. O objetivo da custódia é que o condenado regresse ao convívio social.

Desta forma, somente se pode ensinar alguém preso a viver em liberdade se as

zonas de intersecção se tornem maiores.

A colheita dos dados oficiais do sistema penitenciário baiano ratifica as

observações expendidas acerca das funções ocultas do instituto prisão. Seleciona­

se um perfil de “cliente”, que conforme se extrai da leitura crítica de tais índices, o

escolhido é um homem ou mulher; em suma, jovem, com baixa escolaridade,

geralmente negro ou pardo e de baixa renda. A resposta ofertada pelos condenados

entrevistados demonstra e expõe a segunda função oculta do cárcere, consistindo

na preocupação que estes têm em relação ao estigma de criminoso que lhes é

atribuído pela sociedade.

Não há uma política pública de Estado para enfrentar a questão de frente.

Existem experiências e programas que vão artesanalmente se prestando ao

combate dos males que advém do cárcere, tanto para o egresso, como para a

sociedade. A maioria dos programas públicos destinados ao cárcere, que incentiva o

labor prisional e o estímulo à educação, revela­se incapaz de atingir a totalidade dos

aprisionados. O trabalho intramuros, para a maioria dos condenados, não tem

utilidade futura; como exemplo o artesanato e o “apoio ao estabelecimento” servem

como ocupação do tempo ocioso e o abatimento da pena por meio da remição. As

atividades laborais que são remuneradas somente servem ao condenado durante o

seu tempo de clausura, pois as empresas que exploram o trabalho prisional não

absorvem os egressos.

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Recentemente, a SJCDH revitalizou um programa dirigido aos futuros

egressos (denominado “Liberdade e Cidadania”), que tem por escopo prepará­los e

acompanhá­los nos primeiros passos na vida extramuros. O objetivo é de promover

um retorno menos tortuoso à sociedade, contando com uma assessoria que lhe

possibilite sentir­se amparado e não tão sozinho. Soa, a princípio, como uma

evolução ante os tradicionais programas desenvolvidos, muito embora, ainda, não

se possa tecer maiores ponderações sobre os resultados práticos, em virtude da

primeira edição do programa haver sido lançado neste ano.

Os projetos e programas que têm a educação como objeto central padecem

por falta de profissionais do ensino e estrutura física para abrigar (as?) às escolas

primárias e cursos de alfabetização.

A saída da prisão é sempre repleta de dúvidas e temores, principalmente porque

paira sobre o futuro egresso o estigma de ser alguém ligado ao “mundo do crime”.

Vencer esta barreira é uma luta árdua e necessária para a efetiva reinserção

social, pois “representa o resultado da pedagogia da ociosidade, da improdutividade,

do terror, e da contraditoriedade, empregada no sistema penitenciário brasileiro. A

saída desses homens e mulheres da prisão dá­se sem nenhum planejamento

prévio” (CARVALHO FILHO, 2004).

Os moldes atuais do sistema penitenciário baiano somente reforçam a já

conhecida história de “fracasso” da prisão. A superlotação das unidades, o paulatino

crescimento populacional carcerário, o alto índice de reincidência, a falta de

perspectiva futura para a imensa maioria dos condenados são ingredientes deste

preocupante quadro.

Outrossim, nem mesmo a onda de privatização de estabelecimentos

carcerários, importada dos Estados Unidos da América e Europa, se demonstra

como solução ideal para fins de ressocialização do condenado. E, nem mesmo, é

menos custosa aos cofres públicos.

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O projeto capitalista da prisão prevê todas estas mazelas transcritas, assim

como no mundo livre tem­se como previsível a grande massa de desempregados e

diferenças sociais. O cárcere é hoje remodelado para servir como grande depósito

de indesejáveis. Geralmente, aqueles expurgados da rede de proteção social e do

mundo do trabalho. O que conduz Carvalho Filho (2004) a concluir que “a

improdutividade do sistema penitenciário é produtiva! Produz sujeitos objetiva e

subjetivamente sequelados e por isso de alguma forma produz a reincidência

criminal e assim amplia os índices de violência urbana”.

Romper com este conceito é mister para se empreender no cárcere um

câmbio de metas e de realidade. Devem­se reconhecer as funções ocultas como

latentes ­ a seleção e estigmatização – e os efeitos negativos do aprisionamento na

vida humana. Nessa perspectiva, a construção de políticas públicas penitenciárias,

que possibilitem real engajamento e envolvimento do condenado com a sociedade,

se faz necessárias para poder diminuir as dificuldades que este encontrará no porvir.

Nem sempre o epílogo significa o exaurimento do tema. No presente estudo

sobre Prisão e Ressocialização, pautado no sistema penitenciário baiano,

constatam­se as tão anunciadas lacunas e falhas da prisão e abre­se mais uma via

para se discutir as alterações no modelo punitivo, para que a prisão deixe ser

apenas ­ tomando por empréstimo palavras de Dostoieviski ­ a “casa dos mortos”.

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REFERÊNCIAS

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______. O sistema penitenciário e os direitos humanos: a ressocialização e as práticas organizacionais. Bahia Análise & Dados, Salvador, v. 14, n. 1, jun., 2004. Disponível em: <http://www.sei.ba.gov.br/publicacoes/publicacoes_sei/bahia_analise/analise_dados/ pdf/direitos_humanos/18_ubirajara_aquiar.pdf >Acesso em: 28 jul. 2008.

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