universidade castelo branco e iesde brasil s.a
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UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO E IESDE BRASIL S.A.
PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL
FRACASSO ESCOLAR: O QUE PENSAM OS PROFESSORES?
SANTA LUZIA
2006
UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO E IESDE BRASIL S.A.
PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL
FRACASSO ESCOLAR: O QUE PENSAM OS PROFESSORES?
DANIELA ALVES RODRIGUESGILCE MARIA GUIMARÃES
JANE CARLA EUFLAUZINO DOS SANTOSKALLY DIONE DUARTE
Monografia apresentada à Universidade Castelo Branco e Iesde do Brasil S.A. como exigência para conclusão do Curso de Psicopedagogia Institucional.
SANTA LUZIA2006
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Sumário
Introdução ......................................................................................................... 04
Capítulo 1. O Fracasso sob o olhar de diferentes perspectivas................... 06
Capítulo 2. Considerações sobre a educação................................................ 16
2.1. Complexidade na educação....................................................... 17
2.2. Educação e a psicopedagogia................................................... 22
2.3. Formação de professores e o conhecimento........................... 29
Capítulo 3. Considerações metodológicas..................................................... 34
3.1. Análise dos resultados............................................................... 36
Capítulo 4. Considerações finais..................................................................... 51
Referências Bibliográficas .............................................................................. 53
Anexos ............................................................................................................... 57
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Introdução
O fracasso escolar é hoje um grande problema para o sistema educacional e também
um dos temas mais estudados e discutidos. Muitas vezes, para se livrar da
responsabilidade deste fracasso, busca-se um culpado; alguém que possa assumir
sozinho esta situação. Diante disso, instaurou-se na escola, uma cultura do fracasso,
que tem sido justificada sob diferentes perspectivas.
A escolha de tal problemática deve-se ao fato de estudos realizados revelarem que o
fracasso escolar é um dos problemas mais agudos e mais sérios da educação
brasileira. Grande parte da comunidade escolar, considera fracassado na escola,
aquele aluno que por quaisquer motivos, não consegue atingir um padrão de
aprendizagem determinado pela instituição formadora.
Este trabalho vem questionar esta atitude e propõe discutir o fracasso escolar como
algo bem mais complexo. Dessa maneira, procura-se pensar nas condições de
aprendizagem dos alunos a partir, não só das características do seu próprio processo
de desenvolvimento, mas também das características das práticas pedagógicas que lhe
são oferecidas.
Em processos educativos, as concepções servem como guia das ações e dos modos
que os indivíduos interpretam sua experiência e a elas confere sentido, o que justifica a
importância de se refletir acerca das concepções de professores sobre o fracasso
escolar. Diante desse fato, este trabalho pretende pesquisar o fracasso escolar na visão
de professores, por se entender que estes estão em contato direto com o problema e
tentará compreendê-lo, analisar suas possíveis causas e formular as estratégias
adequadas que contribuam para a sua redução.
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Esta pesquisa pretende demonstrar a partir do referencial teórico adotado e a
investigação empírica, como os profissionais da educação de uma escola específica
concebem e/ou justificam esse fenômeno.
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Capítulo 1. O Fracasso sob o olhar de diferentes perspectivas
O entendimento das diferentes perspectivas, seus limites e formas de superação, bem
como do contexto histórico na qual se inserem, possibilitam uma visão menos
fragmentada dos aspectos teórico-práticos que vêm orientando as discussões de
âmbito pedagógico e ainda fornece pistas para a construção de uma escola em que as
trajetórias sejam, predominantes, de sucesso. A primeira coisa a ser feita é refletir, pois
é no movimento da reflexão-ação-reflexão que a prática pedagógica ganha maior
sustentação.
De acordo com (Isambert-Jamati,1985), nos anos 60 surgiu a preocupação de lutar
contra o fracasso escolar em diversos países. A obsessão por passar à ação é uma
tendência da maioria dos militantes dos movimentos pedagógicos e até mesmo dos
pesquisadores da área da educação. Se fosse tão fácil combater o fracasso escolar o
problema estaria resolvido. Mas a realidade resiste. O educador enfrenta a
complexidade dos processos mentais e sociais, a ambivalência ou a incoerência política
no que se refere à renovação dos currículos e das didáticas, às rupturas teóricas e
ideológicas ao longo das décadas. Para ter mais chance de combater de forma eficaz o
fracasso escolar, para sair do pensamento mágico e dos esforços desordenados é
necessário, em primeiro lugar, de uma análise fundamentada, clara e compartilhada do
problema.
O fracasso escolar é uma idéia moderna, que data de meados do século XX (Isambert-
Jamati,1985). Isso não significa que todas as crianças aprendiam na escola, mas que
faziam parte da ordem das coisas que, no seio de uma geração, somente uma minoria
tivesse pleno acesso à cultura. Sempre houve o fracasso, porém era parcialmente
oculto, pois não se dava importância aos abandonos e/ou à ausência total da
escolarização.
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Segundo Perrenoud (2001), durante muito tempo, mesmo nas sociedades que
caminhavam rumo à democracia e ao “progresso”, considerou-se que a maioria das
pessoas precisava apenas de uma instrução mínima. O fato de sair da escola aos 11
anos, mal sabendo as habilidades de leitura e das operações matemáticas, não tinha
nenhuma importância para as crianças destinadas a trabalhar no campo ou nas
fábricas. Os fracassos também eram mascarados pela estrutura escolar que,
geralmente, separava os alunos desde o seu ingresso na escola, ou seja, as crianças
das classes favorecidas freqüentavam pequenas classes dos liceus, enquanto as outras
iam à escola primária, que só mais tarde, em meados do século XX, tornou-se uma
escola básica para todos.
Ainda sob a perspectiva de Perrenoud, o fracasso escolar maciço, ao menos na escola
elementar, só surgiu como fenômeno reconhecido pelos especialistas quando crianças
foram reunidas e comparadas em um exame de ingresso no ensino secundário. No
entanto, isso não foi o bastante para tornar-se um problema. Parecia “normal” que a
escola agrupasse crianças dotadas e outras não (crianças “nascidas para estudar” e
outras “nascidas para o trabalho manual”). E mais “normal” ainda era o sucesso estar
estreitamente vinculado à condição social de origem. A exigência de igualdade não
estava ausente, mas a escolarização e a alfabetização mínima de todos eram
suficientes para satisfazê-la. Para além disso, aumentava-se o jogo da desigualdade,
considerado “natural”.
Como profissionais da educação, as indignações começam quando se pressente que o
“fracasso escolar não é uma fatalidade” (CRESAS,1981). O fracasso escolar pode ser
considerado resultado do fracasso da escola, do próprio sistema regular de ensino. As
crianças não estão naturalmente destinadas a ser bons ou maus alunos, mas que
assim se tornam devido a um funcionamento particular do sistema escolar. Nesse
sentido, a escola é que passa a ser questionada.
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Ao tratar todas as crianças como “iguais em direitos e deveres”, conforme a expressão
de Bourdieu (1966), a escola transforma diversas diferenças e desigualdades em
fracassos escolares. Rubem Alves (1997, p. 133) exemplifica bem a expressão citada
afirmando, “(...) eu tenho a fantasia de que as escolas são máquinas de moer carne.
Você pega a criança, enfia de um lado, mói a carne e sai lingüiça na outra ponta. Tudo
igualzinho, tudo pensando do mesmo jeito”.
Vive-se em um país em que a distribuição do conhecimento, como fonte de poder social
produz privilégios para poucos e discriminação social para a maioria da população.
Observa-se que quando a cultura escolar é elitista, muito distanciada da linguagem e
dos saberes das classes populares, aumentam as desigualdades sociais a partir das
desigualdades escolares. Faz-se necessário buscar soluções para que a escola seja
eficaz no sentido de produzir o conhecimento e assim, superar problemas cruciais e
crônicos de nosso sistema educacional, tais como: evasão escolar, aumento crescente
de alunos com problemas de aprendizagem, formação precária dos que conseguem
concluir o ensino fundamental, desinteresse geral pelo trabalho escolar, entre outros.
É importante superar os paradigmas cientificistas da modernidade e produzir
conhecimentos que permitam uma maior compreensão desse fenômeno que desafia e
preocupa educadores do mundo todo.
No Brasil, a escola torna-se cada vez mais o palco do fracasso e da atuação precária
dos profissionais, impedindo crianças, adolescentes e jovens de se apossarem da
herança cultural, dos conhecimentos acumulados pela humanidade e,
conseqüentemente, o que os habilitariam compreender melhor o mundo. Segundo
Paulo Freire (2005), a escola que deveria formar jovens capazes de analisar
criticamente a realidade a fim de perceber como agir, visando a sua transformação e,
ao mesmo tempo, preservar as conquistas sociais, contribui para perpetuar injustiças.
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Percebe-se que uma parte dos educadores, sentindo-se oprimidos pelo sistema
educacional vigente, acaba por reproduzir essas injustiças na relação com os alunos,
levando-os, geralmente, ao fracasso escolar.
Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo.
Segundo Paulo Freire (2006, p. 33), “é por isso que transformar a experiência educativa
em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no
exercício educativo: o seu caráter formador”.
No mundo atual, os avanços tecnológicos e a complexidade da vida estão cada vez
mais presentes. O educador contemporâneo é bombardeado com uma diversidade de
informações que lhe chegam através de mídias de diferentes padrões, sempre com o
respaldo da variedade de temas e discussões já propostas ou desenvolvidas. Por outro
lado, a escola, que não cumpriu minimamente as demandas da educação para o século
XX, encontra-se despreparada para atender aos desafios do século XXI (Ferreira,
2001).
Na literatura sobre educação escolar, observa-se uma preocupação com o futuro e a
eficácia da escola como instituição responsável pelo desenvolvimento das
potencialidades e capacidade do educando. A escola está subordinada a um ideal
imaginário de um mundo melhor. Trata-se, portanto, de refletir sobre uma escola ideal,
quando, na verdade, a grande preocupação deveria ser o ideal da escola.
Embora muitos estudiosos tenham se debruçado sobre o fracasso escolar, a
complexidade desse problema em torno de um “sujeito desejante” requer ainda muita
pesquisa. A multiplicidade de fatores que estão envolvidos no fenômeno humano,
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impõe, aos que se dedicam a estudar essa questão, necessidades de focalizá-la de
diferentes níveis epistemológicos
“A compreensão do fenômeno humano só é possível com base na integração de diferentes níveis e perspectivas de análise. Diante do fracasso escolar, é preciso adotar, urgentemente, a postura científica da pós-modernidade”. (BLEGER, 1989, p. 68)
Instaurou-se na escola uma cultura do fracasso, que tem sido justificada sob diferentes
perspectivas: falta de prontidão da criança, carência ou diferença cultural, reprodução
das desigualdades sociais, diferentes níveis de compreensão da natureza simbólica da
escrita, distância da variante escrita e oral das crianças, diferentes funções atribuídas à
leitura e à escrita pelos diversos setores sociais, conflito entre o contexto cultural
familiar e a cultura da escola. Soma-se a isso dificuldades para definir com clareza o
que uma criança deve conhecer, que habilidades de leitura e de escrita deve adquirir.
Uma das explicações para o fracasso escolar baseia-se no estado de prontidão da
criança. A noção de prontidão e a utilização dos testes (Soares, 1996) para sua medida
foram amplamente divulgadas nos meios escolares na tentativa de favorecer o ensino
por meio de organização de classes seletivas. Embora os resultados não tenham
contribuído para o sucesso na aprendizagem da leitura e da escrita, têm servido,
plenamente, para selecionar e rotular as crianças das camadas populares, isentando a
escola de qualquer responsabilidade no fracasso do aluno.
Dentre os estudos que pretendem criticar essa abordagem destaca-se o de Costa
(1993, p. 19), que além de denunciar o caráter ideológico dos testes elaborados a partir
da concepção e prática de uma classe social, mostra que a criança da camada popular
“não só é capaz de aprender, mas também apresenta uma especificidade própria de
pensamento, diretamente relacionada à sua classe social de origem”.
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A constatação de que a criança imatura para a alfabetização é quase sempre a criança
de nível sócio-econômico baixo possibilitou a elaboração de uma outra explicação para
o fracasso escolar, denominada teoria da Carência Cultural. Essa perspectiva considera
que as crianças das camadas populares, nas mais variadas deficiências de
alimentação, habitação, bens materiais, afetividade, estimulação verbal acabam por
resultar em crianças que apresentam deficiências cognitivas importantes para a
aprendizagem da leitura e da escrita (Costa, 1993).
Nota-se que esta teoria responsabiliza a criança pobre e sua família pelo insucesso na
alfabetização, não questionando o papel da escola na produção do fracasso. Por outro
lado, sugere uma mudança curricular, com o propósito de ajustar a criança “carente” à
sociedade.
A Ideologia do Dom também tenta explicar as causas do fracasso. Segundo Soares
(1989), nesta abordagem, o fracasso escolar é atribuído às diferenças individuais, uma
vez que é dada a todos, igualdade de oportunidade. A função da escola é adaptar e
oferecer ao indivíduo oportunidades iguais na sociedade, já que parte do pressuposto
que cada um tem o seu “dom”. É através deste que se sobressairá sobre os demais.
Desta forma, a escola não é responsável pelo fracasso individual de cada um.
Apesar de prevalecer por muito tempo, a Ideologia do Dom tornou-se insuficiente para
explicar os fracassos escolares, pois se observava que tais diferenças ocorriam não
somente de indivíduo para indivíduo, mas entre grupos economicamente distintos.
Chegou-se à conclusão que alunos das classes dominantes deveriam, de acordo com a
“Ideologia do Dom”, fracassar em igual proporção aos da classe subjugada. Surgiu
então a Ideologia da Deficiência Cultural.
A Ideologia da Deficiência Cultural parte da premissa de que as desigualdades sociais
são responsáveis pelo fracasso escolar. Defende que às crianças provindas da classe
dominante, são dadas maiores condições para o desenvolvimento intelectual,
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considerando que estas têm acesso a cultura. Isto lhes permitiria o desenvolvimento de
características essenciais ao rendimento escolar. As classes dominadas, por sua vez,
apresentavam uma “deficiência cultural”, determinada principalmente pelo fator
econômico. Segundo essa teoria, o fracasso escolar estaria no contexto cultural do
aluno, sua família e meio social. Mais uma vez o responsável pelo fracasso seria o
aluno. Além disto, foi desmistificado, através de estudos de natureza sociolingüística e
antropológica, que a linguagem e a cultura das crianças das camadas populares seriam
deficientes
“O estudo das línguas de diferentes culturas deixa claro (...) que não há línguas mais complexas ou mais simples, mais lógicas ou menos lógicas: todas elas são adequadas às necessidades e características da cultura a que servem e igualmente válidas como instrumento de comunicação social”. (SOARES, 1986, p. 39)
A criança que fracassa é aquela que não consegue aceitar a visão de mundo da escola,
porque essa visão não tem relação com a sua cultura. Tal como a criança que fracassa,
a criança de sucesso também passa por um penoso processo de adaptação ao entrar
em contato com o padrão cultural da escola, mas termina aceitando e incorporando a
visão de mundo da escola.
Essa trajetória de sucesso da criança da camada popular pode ser entendida se
considerar a circularidade entre as culturas, isto é, apesar da cultura escolar estar mais
próxima da cultura das classes privilegiadas torna-se necessário verificar que, nas
sociedades estratificadas, coexistem diferentes culturas que, por sua vez, não se
encontram isoladas, mais em um processo dinâmico de circularidade. Sendo assim,
“(...) é necessário conhecer o valor e função atribuídos à língua escrita pelas camadas populares, para que se possa compreender o significado que tem, para as crianças pertencentes a essas camadas, a aquisição da língua escrita, esse significado interfere, certamente em sua alfabetização”.(SOARES, 1989, p.4)
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Sob a ótica das ciências sociais, não existem, porém, culturas superiores ou inferiores,
o que leva a desconsiderar as justificativas apresentadas por esta ideologia e
conseqüentemente o surgimento de uma nova, a Ideologia das Diferenças Culturais.
Segundo ela, não existe povo sem cultura, indiferente da situação econômica. Portanto,
o que existem são diferenças culturais, ou seja, culturas diferentes. A culpa do fracasso
é atribuída à escola, já que esta, integrante de uma sociedade capitalista, adere a uma
cultura, determinada cultura dominante, subjugando assim as demais e impondo esta
como “padrão”.
O que acontece é uma marginalização cultural, onde, alunos que não se encaixam no
modelo preestabelecido por serem diferentes, ou melhor, apresentarem culturas
diferentes, fracassam.
Soares (1989) afirma ainda que a escola não considera a diversidade cultural,
marginalizando e transformando diferenças em deficiências, sendo assim culpada pelo
fracasso escolar. Na tentativa de explicar esse contexto, a escola utiliza-se de
desculpas para justificar o fracasso escolar, e conseqüentemente as dificuldades de
aprendizagem.
Uma outra perspectiva desloca o estudo para o processo de construção do
conhecimento. As pesquisas desenvolvidas por Ferreiro e Teberosky (1986) têm como
referencial teórico a psicologia genética de Piaget e estudo da psicogênese da leitura e
da escrita. Nessa abordagem se estudam, principalmente, as hipóteses construídas
pelas crianças no sentido de se apropriar da língua escrita. Assim, a aquisição da
escrita é entendida como produto de uma construção ativa do sujeito em interação com
o objeto de conhecimento. O fracasso e o sucesso na alfabetização, segundo Ferreiro e
Teberosky dependem
“(...) das condições em que se encontra a criança no momento de receber o ensino. As que se encontram em momento bem avançado de conceitualização
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são as únicas que podem tirar proveito do ensino tradicional e são aquelas que aprendem o que o professor propõe ensinar-lhe. O resto são as que fracassam, as quais a escola acusa de incapacidade para aprendizagem ou de “dificuldade de aprendizagem” segundo uma terminologia já clássica. Porém, atribuir as deficiências do método à incapacidade da criança é negar que toda a aprendizagem supõe um processo, é ver déficit ali onde somente existem diferenças em relação ao momento de desenvolvimento conceitual em que se situam”. (FERREIRO E TEBEROSKY, 1986, p. 277)
Tanto a psicogênese quanto a teoria da diferença cultural propõem uma mudança de
postura por parte dos professores, enfatizando o respeito aos padrões culturais e
lingüísticos e a forma de pensamento das crianças. Contudo, na prática, o professor
mesmo consciente da necessidade de respeitar os padrões culturais de seus alunos
continua a valorizar os padrões culturais e lingüísticos da classe dominante.
Segundo Bourdieu (1989, p. 5), funciona na escola o mercado lingüístico das classes
dominantes – grupo que detém o poder e a autoridade nas relações de força econômica
e cultural, que impõem a sua linguagem como sendo a única legítima, constituíndo-a
em “capital lingüístico escolarmente rentável. A apropriação ou não desse capital é
responsável pelo sucesso ou fracasso escolar”.
Ainda em relação às diferenças entre as classes sociais, Nicolaci-da-Costa (1987)
investiga o conflito estabelecido entre o contexto cultural da família e o contexto cultural
da escola. Segundo a autora, o fracasso dos alunos procedentes das camadas
populares é explicado pelo conflito entre seus próprios padrões culturais e os da escola,
que coincidem com os da classe dominante. O conflito é assim explicitado pela autora
“A criança, ao ingressar na escola, depara, tal como, o estranho, com todo um conjunto de valores, comportamento e atitudes de um grupo social diferente do seu. É uma situação difícil de enfrentar: durante parte do dia (no horário escolar) tenta-se fazer da criança um membro da cultura x (a da escola), enquanto que durante o resto do tempo ela é membro integrante da cultura y (a de seus pais, irmãos, parentes, vizinhos e amigos). É uma situação que tem o potencial de gerar insegurança, de criar uma sensação de perda de referenciais”. (NICOLACI-DA-COSTA, 1987, p. 50)
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O sucesso e o fracasso são realidades construídas pelos sistemas escolares,
representações que pesam no destino dos alunos muito mais que as desigualdades
efetivas de competência.
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Capítulo 2. Considerações sobre a educação
A sociedade do século XXI passa por reavaliações políticas, sociais, culturais e
econômicas características de uma pós-modernidade na qual uma autoavaliação das
instituições se faz necessária. Vera Barros de Oliveira aborda esta discussão ao dizer
que
“A reformulação de conceitos, valores e costumes que vivemos neste final de milênio exige de nós uma visão crítica e flexível. Em épocas de grandes transformações como a que estamos atravessando, o binômio conservação x inovação, característica maior do homem, faz-se tão presente que se torna quase tangível”.(OLIVEIRA, 1998, p. 07)
A socialização do saber e a automação do conhecimento representaram uma ruptura
de padrões culturais até então caracterizados como tradicionais e previsíveis. A
padronização cultural foi um marco político do século XX, representando a valorização
de uma ocidental hegemonização de valores comportamentais ditos como certos.
O resultado destas reavaliações, tidas hoje como características da globalização,
impuseram uma reformulação de conceitos, saberes, comportamentos, das visões
explicativas da sociedade e de suas instituições. Novos paradigmas surgiram
“O fenômeno da globalização que encolhe a Terra e aproxima gente tão diferente em seu modo de pensar e viver; a reformulação da família, onde papéis e funções tradicionalmente aceitos desaparecem dia a dia e os novos ainda se buscam às apalpadelas; a reorganização do mercado de trabalho que em poucos anos retira a ênfase do assalariado e a desloca para o prestador de serviços, enfim, este tapete, antes relativamente estável, que hoje é puxado debaixo de nossos pés, mexe com nossa segurança e tranqüilidade, nos tira o ar. (OLIVEIRA, 1998, p. 07-08)
Neste contexto de globalização do saber, a educação também passa por
transformações, rupturas de padrões e análises críticas sobre o processo ensino-
aprendizagem.
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2.1. Complexidade na educação
Na prática de ensino e suas complexidades, as análises científicas, nos diversos
campos do saber, necessitavam de mecanismos analíticos mais condizentes com a
realidade atual através das tecnologias sistêmicas de abordagem e estudo das ciências
na pós-modernidade. Desta maneira,
“O educador já não se defronta com um processo linear de crescimento e desenvolvimento, tanto no desenvolvimento intrínseco como na expressão, mas com um realizar-se descontínuo, no qual fases e períodos se entrecruzam, se opõem dialeticamente, oposições de que resulta uma nova estruturação”. (MRECH, 1995, p. 20)
O educador contemporâneo se deslumbra com uma diversidade notória de informações
que lhe chegam através de mídias de diferentes padrões, sempre com o respaldo da
variedade de temas e discussões já propostas ou desenvolvidas. O educando, em
processo de ensino-aprendizagem, por sua vez, também se insere em quadros
discursivos da cultura e sociedade atuais (Ferreira, 2001).
Em conseqüência desta mudança de paradigmas, não estando a instituição do ensino
ou escola de fora destas transformações, sua função social também teve de se adequar
a novos modelos educacionais, dentro de perspectivas mais críticas e reflexivas. Sendo
assim, definição de disciplina ou conteúdo escolar trabalhado ressurge com novas
roupagens, mais dialéticas e menos previsíveis:
“(...) a implementação do currículo requer a introdução de temas advindos de questões sociais que contemplem a sua complexidade e sua dinâmica. Esses conteúdos, denominados temas transversais (nomeados também como temas locais ou temas sociais), são no momento: Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde, orientação Sexual, Trabalho e Consumo. Caracterizam-se como um conjunto de conteúdos educativos, comuns a todas as áreas e disciplinas do currículo escolar, que devem receber um tratamento dialético de
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modo a estabelecer conexão entre os conteúdos das disciplinas convencionais e as questões do cotidiano”. (FERREIRA, 2001, p. 39)
Os avanços da informática, da cibernética, da matemática e outros saberes do
cientificismo reforçam a problematização acima citada em torno do papel da escola e
sua função interdisciplinar, transdiciplinar e transversal. Estas mesmas funções podem
ser entendidas como um processo de reorganização de instrumentos para uma
pedagogia moderna na qual a prática docente e discente na escola pudesse ser
viabilizada. Neste campo de pesquisa, a atuação docente dos profissionais da
educação deve se primar pela compreensão da não linearidade ou descontínua
estrutura de aprendizagem enquanto processo de apreensão significativa ou simbólica
pelo aluno ou aprendente. Segundo Mrech (1995, p. 21), ”o processo de ensino-
aprendizagem é multifacetado, apresentando paradas, saltos, transformações bruscas”.
Sendo os pilares da educação no século XXI: aprender a conhecer, aprender a fazer,
aprender a conviver e aprender a ser; premissas essas apontadas pela UNESCO como
referenciais básicos da educação e presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN); educar para a complexidade resultaria desta compreensão não linear do
conhecimento, portanto entendida na prática da aprendizagem interpretativa, criativa e
autogestada. Ferreira reafirma isto ao dizer que a
“(...) transversalidade ganhou especial significado na literatura pedagógica e fundamenta-se na crítica a uma concepção de conhecimento que considera a realidade um conjunto de dados estáveis, submetidos a um ato de conhecer distanciado do sujeito que conhece. Os temas transversais justificam-se pela impossibilidade de uma transmissão oura sem valor agregado dos conhecimentos das disciplinas acadêmicas clássicas”. (FERREIRA, 2001, p. 39-40)
A transdisciplinaridade e a interdisciplinaridade agiriam como meios para solucionar os
problemas educacionais deixados pela pedagogia tradicional ou liberal e pela visão
reprodutivista da educação; soluções para problema da fragmentação do conhecimento
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e conseqüentemente do ensino. Mais uma vez, MRECH (1995, p. 21) contribui para
esta análise ao afirmar que o fundamental é
“Perceber o aluno em toda a sua singularidade, captá-lo em toda a sua especificidade, em um programa direcionado a atender as suas necessidades especiais. É a percepção dessa singularidade que vai comandar o processo, e não um modelo universal de desenvolvimento”.
Neste caso, o professor ou educador, deverá agir sem um modelo pedagógico pré-
disposto ou determinista, isto é, baseado em noções preconceituosas do saber. Sua
dinâmica em sala de aula, na escola, nas atividades docentes deverá singularizar-se
pela capacitação de uma reflexão mais dialética com o saber nas diferentes áreas do
conhecimento, incluindo o respaldo do próprio aluno diante do professor.
Contribuindo para esta reflexão, Demerval Saviani (1995) salienta, em sua crítica aos
modelos ou correntes educacionais e suas propostas pedagógicas, adotadas no Brasil
durante mais da metade do século XX que, a questão da marginalidade ou exclusão do
“mau” aluno (aquele que não se adequava ao modelo pedagógico vigente na escola),
era uma solução da instituição oficial do ensino para resolver os problemas advindos de
sua incapacidade e incompetência em administrar as incoerências e diferenças sócio-
econômicas e culturais da sociedade a qual prestava serviço. A incoerência da escola,
portanto, resultaria da maneira de entender as relações entre educação e sociedade.
Neste contexto o autor explica que
“No primeiro grupo a sociedade é concebida como essencialmente harmoniosa, tendendo à integração de seus membros. A marginalidade é, pois, um fenômeno acidental que afeta individualmente a um número maior ou menor de seus membros o que, no entanto, constituiu um desvio, uma distorção que não só pode como deve ser corrigida. A educação emerge aí como um instrumento de correção dessas distorções”. (SAVIANI, 1995, p. 15)
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Segundo o autor, a educação seria um aparelho ideológico que deve ser administrado
segundo os interesses econômicos do poder instituído. Sair deste quadro pacífico de
organização social seria romper com a harmonia que a educação representava no
contexto escolar da sala de aula e da relação aluno/professor. Na verdade, a crítica
deste autor repousa sobre a corrente associacionista, ou behaviorista, ou
comportamentista (aprendizagem por estimulação ambiental, ou estímulo-resposta),
que considerava o aluno uma tábula rasa de conhecimento, cuja origem do saber
estaria depositado apenas na experiência em função do meio físico e social.
Os problemas educacionais, remetidos à questão da marginalidade, do fracasso escolar
e repetência do aluno significariam, portanto, uma ausência de práticas pedagógicas
reais condizentes com a atualidade da relação ensino e aprendizagem. Nesta
perspectiva Bassedas (1996, p. 27-28) ele alerta sobre a tendência homogeinizadora
das escolas “que congrega os alunos por idades”, reforçando o seu caráter
uniformizador, considerando a priori “tudo aquilo que é genérico e comum antes das
necessidades individuais e particulares dos alunos”, e finaliza, anunciando a função
social da escola “que é a de preparar os alunos para enfrentarem futuras exigências da
sua comunidade”.
Como prática docente condizente com a realidade de hoje, Bassedas (1996, p. 29-30)
contribui dizendo que, através de atividades educacionais (seminários, debates, grupos
de trabalho e discussão) os quais envolvam a escola e a comunidade, “o professor tem
a responsabilidade de estimular o desenvolvimento de todos os seus alunos na
aprendizagem de uma série de diversos conteúdos, valores e hábitos”. A autora ainda
esclarece ser necessário o enquadramento das orientações junto ao estilo e momento
dos professores na escola, afim de que o domínio do processo educativo se faça mais
compreensivo. O próprio Conselho Nacional de Educação explicita que
“A interdisciplinaridade, nas suas mais variadas formas, partirá do princípio de que todo conhecimento mantém um diálogo permanente com outros conhecimentos, que pode ser de questionamento, de negação, de
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complementação, de ampliação, de iluminação de aspectos não distinguidos”. (CEB-CNE – Resolução 03/98).
Segundo Imbernón (2000, p. 81), “o apoio de uma comunidade que tenha consenso
ideológico” deverá culminar em um desafio para a educação no século XXI a fim de
auxiliar os educadores na tarefa de transmitir valores de solidariedade, honestidade,
sinceridade, senso crítico, entre outros e formar educadores e educandos mais críticos
e capacitados para atuarem em suas comunidades, promovendo o desenvolvimento da
sociedade civil organizada, da comunidade escolar (pais alunos e professores). Neste
sentido a psicopedagogia entra como mais um instrumento de auxílio e diagnóstico dos
problemas de aprendizagem.
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2.2. Educação e a psicopedagogia
Considerando as intervenções pedagógicas como aparentemente iguais no processo
ensino-aprendizagem, os resultados já não o são quando se trata de um sujeito
epistêmico. Neste contexto a necessidade de surgirem disciplinas, ciências ou saberes
híbridos possibilitou o advento institucional da psicopedagogia no campo escolar e
clínico, e a atuação de profissionais especializados nesta área. Edith Rubinstein (1999,
p. 10) concebe a psicopedagogia
“como uma prática dinâmica, tanto em seu contexto interno, isto é, no interior da relação terapêutica, no processo, nos recursos e necessidades do paciente, como no contexto externo, no sentido de que as diferentes concepções teóricas que sustentam a prática estão muito relacionadas com o percurso acadêmico e com o contexto particular e singular da formação pessoal do profissional que exerce a função”.
Para Beatriz Judith Lima Scoz et al (1991, p. 02) a psicopedagogia é definida “como a
área que estuda e lida com o processo de aprendizagem e suas dificuldades e que,
numa ação profissional, deve englobar vários campos do conhecimento, integrando-os
e sintetizando-os”. Elcie F. Salzano Masini (1993, p. 173), por sua vez, considera o
psicopedagogo “como o profissional que atende alunos com dificuldades de
aprendizagem. Esse atendimento é realizado em consultórios, ou em clínicas, e
constitui a quase totalidade dos serviços profissionais da área”.
Na verdade, o conceito e a abordagem psicopedagógica, refletindo a situação de
complexidade na educação hoje, vislumbra uma prática científica estruturada na
observação, investigação e diagnóstico do profissional diante do sujeito analisado,
tendo como base inúmeras fundamentações teóricas e estudos práticos de outras áreas
de saber. Trata-se da dinâmica interdisciplinar da psicopedagogia no campo
educacional (institucional) ou clínico. Isto se torna importante, pois, de acordo com
Laura Monte Serra Barbosa (2001) existe uma falta de aprofundamento na instituição
22
escolar, no que diz respeito ao processo de ensino-aprendizado desenvolvido por ela.
Os sintomas, aparentemente alheios ao ensinar / aprender, não têm sido investigados a
fundo no contexto da sala de aula pelos profissionais envolvidos. Exemplos de
indisciplina, insegurança e ou desmotivação dos alunos, têm gerado quadros
sintomáticos de problemas de aprendizagem e fracasso escolar. Desta forma, o
diagnóstico psicopedagógica é entendido como
“um processo no qual é analisada a situação do aluno com dificuldades dentro do contexto da escola e da sala de aula, com a finalidade de proporcionar aos professores orientações e instrumentos que permitam modificar o conflito manifestado”. (BASSEDAS, 1996, p. 24)
A autora considera relevante apontar que, na busca de orientações que tenham a
finalidade de propor meios, caminhos ou mesmo soluções para os problemas
sintomáticos da aprendizagem, o papel do psicopedagogo não pode se esquivar no
tocante à ajuda aos professores e à família do sujeito ou paciente; daí a característica
híbrida da psicopedagogia.
A relação com as famílias na educação é, portanto, outro ponto de convergência da
atuação do profissional especializado em psicopedagogia. A família faz parte do
processo de ensinagem, pois sua estrutura institucional possui a vanguarda do saber
prático caracterizado pelo primeiro contato do sujeito com o mundo e suas relações
sociais convencionadas. Um exemplo disso, é a citação a seguir
“Um referencial para leitura das relações aluno-escola-família em suas interações; - possibilitando uma redefinição de tais relações segundo o enfoque que propõe; - fornecendo procedimentos mais eficazes tanto para detectar, ter acesso e tratar problemas específicos; - dando pistas para uma atuação mais eficaz tanto a nível educacional quanto social mais amplo, como os de caráter preventivo”. (MACEDO, 1998, p. 157)
A psicopedagogia e sua interdisciplinaridade conjugam teorias psicológicas as mais
diversas, no tocante ao comportamento do aluno em aprendizagem, e como explicita o
23
comentário acima, o diagnóstico divisa sistemas de relação do sujeito de aprendizagem
com os sintomas investigados e sua organização no universo do aprender. Isto é visível
quando, com base na Teoria Sistêmica, a leitura sintomática entre a instituição família e
escola organiza-se por independentes elementos, mas intrinsecamente ligados pela
sociedade enquanto sistema maior. De acordo com MACEDO (1998, p. 157-158)
“São sistemas sociais particularmente significativos para a compreensão da relação entre as pessoas, focalizando padrões de interação que se desenvolvem e se repetem no ciclo vital e que regulam o comportamento de seus membros. Dessa perspectiva fica claro que transições, mudanças para qualquer membro ou em qualquer ponto do ciclo vital são desafios para o sistema global”.
A autora ainda salienta que os sistemas são compostos de subsistemas menores, isto
é, eles podem ser decompostos em unidades significativas; como exemplo o
subsistema conjugal (marido e mulher), o subsistema de filhos (irmãos), o feminino, o
masculino, o escolar, o da sala de aula e o individual (do sujeito de aprendizagem) .
Para a autora o limite ou fronteira entre estes sistemas é regulador de normas a serem
estabelecidas e obedecidas.
Definir e caracterizar o trabalho do psicopedagogo, dentro dos sistemas e subsistemas
sociais que se relacionam e, levando em consideração o processo ensino e
aprendizado na escola e na família; tem se tornado um campo de estudo fértil, onde o
conceito e a atuação diagnóstica podem variar, pois esta considera o sujeito na sua
formação humana com dimensões de aprendizagem distintas que se locupletam.
A psicopedagogia pode ser entendida, pois, como um fruto da interdisciplinaridade, na
qual os estudos foram e são desenvolvidos no sentido de construir um olhar de escuta
diferenciado, voltado para o processo de ensinar/aprender, que possibilita o
conhecimento de sintomas, a análise dos meios e a busca de soluções para os
problemas estudados.
24
O trabalho de investigação se inicia com a queixa do aluno e deve seguir aos
questionamentos e hipóteses sugeridas. Neste aspecto, BARBOSA (2001, p. 148)
explica que “a queixa ocupa o lugar do pensamento, e aquele que se queixa pensa que
está pensando e, muitas vezes, não deixa espaço para a busca da solução”. Isto se
justifica, pois a queixa institucional caracteriza-se como um lamento, delineado por seus
aspectos negativos, agindo como “inibidora do pensamento; isto pode levar à hipótese
de que a instituição não está conseguindo encontrar soluções por não estar permitindo
pensar, questionar e criticar a situação” (Idem); prejudicando uma síntese prognóstica
institucional e ao mesmo tempo contribuindo de forma ineficaz para um resultado
satisfatório.
Isto vem representar, psicopedagogicamente, que “a dinâmica dos responsáveis pela
instituição pode estar mostrando o medo de realizar um diagnóstico, que se encontra
latente e que faz com que evitem a situação” (Idem).
Analisa-se desta maneira que os sintomas apresentados pela queixa emergem de uma instituição em dificuldades relacionais e, que os quadros sintomáticos de problemas de aprendizagem dos alunos serão analisados a partir das relações que se estabelecem na instituição. O aluno, ou mesmo o grupo de alunos, será observado, inicialmente, como o porta-voz ou como o “bode expiatório” da mesma. Neste caso é importante observar se as ações dos professores ou da coordenação da escola estão auxiliando na manutenção da problemática.
Barbosa (2001) ainda salienta que a relação do psicopedagogo com os profissionais da
escola garante a interdisciplinaridade na elaboração das hipóteses e do diagnóstico;
sua relação com os pais implica na concordância ou discordância dos relatos por eles
apresentados; e sua relação com o aluno significa a abordagem pessoal dos quadros
de fracasso escolar e dificuldade de aprendizado manifestado ou não por ele através
dos sintomas.
Os alunos, não são, portanto, a priori, os únicos responsáveis pelos problemas de
aprendizagem ou comportamento visíveis em sala de aula ou dentro da escola. Neste
25
caso, o olhar psicopedagógico deverá se primar cautelosamente em busca de um
significado mais coerente com a situação que a queixa arroga, diante da realidade da
escola, do professor, da sala de aula, do aluno, de sua família, e das relações que
coexistem nestes subsistemas e suas práticas convencionadas (Idem).
Diante de tais preocupações e necessidades de ação da escola no seu contexto social,
o psicopedagogo surge como um profissional que vem completar ou preencher a busca
de soluções dos problemas de aprendizagem na complexidade dos alunos, nas suas
dificuldades cognitivas, lingüísticas, sócio-culturais, emocionais, humanas e
disciplinares.
Maria Luíza Munhoz (2002, p. 179), explica que o enfoque investigativo dos sistemas
em um mundo plurirrelacional, não mais pode se remeter isoladamente a pesquisas de
campo sem interdisciplinaridade, portanto, neste contexto, “a psicopedagogia, ao
articular disciplinas parcelares, caracteriza-se como um saber interdisciplinar que utiliza
os conhecimentos de outras disciplinas para a criação de conhecimentos próprios”.
Aspectos físicos, biológicos, cognitivos, afetivos, sociais e relacionais do indivíduo,
enfim, matrizes de diferentes correntes de pesquisa científica, estão respaldadas nos
estudos desenvolvidos pela biologia, psicologia, pedagogia, lingüística, ciências sociais,
entre outras. A psicopedagogia seria um arcabouço destas, traçando seus próprios
caminhos e fundamentações de pesquisa qualitativa com base em estudos já
realizados. A própria complexidade fez desenvolver algumas práticas educativas
importantes para a promoção de um processo ensino-aprendizado mais rico, no qual a
psicopedagogia é um dos artífices. Um exemplo deste processo enquanto metodologia
é a aprendizagem interpretativa e criativa a qual pressupõe a ordenação do
conhecimento adquirido pelo aluno através de um hipertexto (outras leituras e
atividades desenvolvidas), um exemplo de metalinguagem e metacognição através de
testes de memória e escrita. O uso dos jogos e brincadeiras como agente de ludicidade
26
simbólica rica em detalhes e recursos de atendimento e diagnóstico, é outro
instrumento metodológico que a psicologia e a pedagogia já trabalham.
O desafio do psicopedagogo na atualidade é, em termos de análise das dificuldades de
aprendizagem dos alunos é a busca de soluções para estas dificuldades. Dois
exemplos destas dificuldades materializam-se nos casos de repetência escolar e
fracasso dos alunos. A primeira
“é a solução interna que o sistema escolar encontrou para lidar com o problema da não aprendizagem ou da má qualidade de tal aprendizagem. Dessa forma, analisar as fontes e a natureza da repetência é analisar a própria missão das escolas, incluindo a série de variáveis e processos que incidem sobre a aprendizagem no meio escolar, sua qualidade, seus contextos e seus resultados”. (TORRES, 2004, p. 34)
Alicia Fernandez (2001, p. 31), por sua vez afirma que
“o fracasso escolar responde a duas ordens de causas que se encontram imbricadas na história de um sujeito – próprios da estrutura familiar e individual daquele que fracassa em aprender e próprios do sistema escolar, sendo estes últimos determinantes”.
Pode-se observar que o fracasso escolar é como um sintoma sistêmico, fruto das
relações que o sujeito de aprendizagem traça com sua realidade, não garantindo para
si suporte cognitivo, emocional e fisiológico de sustentação satisfatória diante das
práticas sociais impostas pelos sistemas escolar e familiar.
Concluindo esta análise, promover a incursão neste lado misterioso do aluno, buscando
os sintomas latentes ou explícitos de sua natureza íntima, através dos recursos
metodológicos disponíveis é despertar a paixão do educador pela sua profissão, e
neste caso combater o fracasso escolar do aluno por meio daquilo que ele sabe fazer
27
(aspectos positivos) e compreensão daquilo que ele mais teme (os medos, angústias,
traumas) em sua vivência.
2.3. Formação de professores e o conhecimento
A partir da década de 80, estudiosos em educação (DEMO, HERNÁNDEZ, NÓVOA,
PIMENTA) questionaram sistematicamente a formação de professores. Para estes
pensadores, as práticas de formação docente nos anos 60 e 70 concebiam esse
profissional apenas como um organizador dos componentes do processo de ensino-
aprendizagem (objetivo, seleção de conteúdo, estratégia de ensino, avaliação, etc.)
numa perspectiva de “um simples técnico reprodutor de conhecimento e/ou monitor de
programas pré-elaborados” (PIMENTA, 2000, p. 15-16).
28
De acordo com Nóvoa (1995), para contemplar sua formação nestes moldes, as
atividades e abordagens na formação de professores objetivavam transmitir ao futuro
educador o que esse profissional devia fazer, o que devia pensar e o que devia evitar
para adequar-se ao modelo proposto para a educação.
Essa formação buscava preparar um técnico reprodutor de conhecimento, um
depositário de conhecimentos no educando, pois tinha como pressuposto uma
educação bancária, onde educar denota “um ato de depositar, em que os educandos
são os depositários e o educador o depositante” (FREIRE, 1978, p. 66). Nessa
concepção educacional empirista, o professor ensina aos seus alunos um
conhecimento pronto, acabado, dogmático, mas também ele recebe um conhecimento
acabado, entendido como verdade absoluta. Essas práticas possuíam um caráter
inexoravelmente reprodutor. Especificamente nos anos 60 e 70, pensava-se o processo
ensino-aprendizagem numa perspectiva empirista e por isso a formação de professores
era baseada em seus pressupostos.
A formação dos docentes baseada nesse paradigma condicionou a preparação de um
profissional que
“(a) se situa diante da informação e das novas situações de maneira fragmentada; (b) têm uma visão prática da sua ação e do seu conhecimento (o que devo fazer, a atividade que devo programar); (c) possui uma perspectiva funcional (o que se aprende deve servir para algo) na formação profissional; (d) possui uma visão dicotômica da teoria e da prática e entre o que faz o ensino e o que o fundamenta; (e) possui uma visão generalizada das práticas e, por isso, quando aprendem um esquema de ação procuram aplicá-lo, inclusive, em circunstâncias que exigem outro tipo de estratégia”. (HERNÁNDEZ, 1998, p. 123)
Selma Garrido Pimenta (2000), assim como Antônio Nóvoa (1995) e Hernández (1998),
considera que a formação dos professores baseada em pressupostos tecnicistas não
foi suficiente para dar conta das demandas educacionais no mundo pós-moderno, à
29
medida que “na sociedade contemporânea cada vez mais se torna necessário que o
professor seja um mediador nos processos constitutivos da cidadania dos alunos, para
que ocorra a superação do fracasso e das desigualdades escolares” (PIMENTA, 2000,
p. 15).
De acordo com ela, para que ocorra essa superação, a formação de simples técnicos
não é suficiente. Torna-se necessário formar professores com a capacidade de
investigar a própria atividade para, a partir dela, constituírem e transformarem os seus
saberes – fazeres docentes, num processo contínuo de construção de suas identidades
como professores. É preciso formar o professor para trabalhar, relacionar, avaliar,
escolher diversas linguagens nos mais diferentes contextos e representações,
caminhando, em processos dialéticos, dos aspectos metodológicos de ensino para os
aspectos científicos, técnicos e sociais, baseados numa perspectiva construtivista do
processo educacional.
Pedro Demo (2000), outro autor que discute a formação de professores, esclarece que
a partir dos anos 80 as discussões sobre essa temática, focalizavam a idéia de que a
construção de conhecimento pelos sujeitos torna-se instrumento primordial da
cidadania e da economia. De acordo com ele, tais pressupostos fundamentaram, a
partir dos anos 90, críticas acirradas ao sistema educacional e surgiram novas
demandas em torno da formação de professores. Houve expressivo aumento em
relação ao consenso em torno da idéia de que “o capital intelectual” é a capacidade de
construção do conhecimento, que deve ser mediada, nos cursos de formação de
professores, em especial, nas universidades. Assim, a instrumentalização teórico-
metodológica para construir conhecimento constitui-se o desafio da universidade e da
educação em tempos contemporâneos.
Para Demo (1997, 2000), têm-se como pressuposto que os cursos de formação de
professores constituam-se como um espaço privilegiado para o ato de pesquisar como
30
uma atitude cotidiana. O autor faz uma aposta nas Faculdades de Educação como
espaços significativos para o processo de construção do conhecimento, algo que
superaria a formação essencialmente tecnicista dos anos 60 e 70; baseadas em
concepções empiristas sobre o conhecimento.
MELLO confirma tal pressuposto, defendendo a idéia de que uma entre as possíveis
alternativas para a melhoria da qualidade de ensino e a superação do fracasso escolar
é
“(...) a recuperação da qualificação docente, pois o professor ainda não tem idéia clara do quanto a escola é inadequada aos alunos de baixa renda e, principalmente das séries iniciais, como decorrência de sua própria desqualificação profissional”. (MELLO, 2000, p. 72)
Partindo do princípio que a educação deve levar à emancipação e não à dominação, o
autor acredita que o ensino não pode ser a tática central, embora deva existir como
parte do processo de socialização. Para ele o que melhor favorece o processo de
emancipação é a construção do conhecimento, baseado no saber pensar e no
aprender a aprender para melhor intervir. Algo que demanda pesquisa nos mais
diversos materiais, questionamentos constantes.
Outro fator destacado por Demo (2000) é a exigência constante de elaboração própria
do conhecimento pelo professor, mudando o enfoque do bom aluno, daquele que
memoriza com facilidade, para aquele que sabe pensar. A educação de qualidade é
aquela que é instrumentalizada pela construção do conhecimento e o faz mediante a
crítica, a criatividade, mobilizando as potencialidades do sujeito, contribuindo para
estimular o que o autor denomina de cidadania cotidiana. Salienta ainda que o
professor deve ser um pesquisador, um socializador e um motivador.
31
No plano teórico, professores necessitam ter capacidade própria de elaboração,
recriação teórica e capacidade de saber para mudar. Para isso algumas exigências se
fazem emergenciais:
“(a) domínio teórico, (b) habilidade de manuseio de dados empíricos, (c) versatilidade metodológica, (d) experiência prática, (e) capacidade de descobrir novas relações dadas na realidade e estabelecimento de diálogo com a realidade a partir desses pressupostos e (f) exigência da pesquisa para professores e alunos, para a construção de conhecimento novo e com significância social”. (DEMO, 2000, p. 57)
Segundo Demo (2000), para alcançar tais níveis de produção são necessárias
condições didáticas, contato pessoal do professor/estudante com a teoria através de
leitura e estudo, manuseio de produtos científicos através de bibliotecas e bancos de
dados, vivência do professor de ritos formais do trabalho científico e cobrança em
relação aos professores/estudantes de elaboração própria. Pesquisa como princípio na
educação vivenciada na prática universitária, na sua exigência concreta, histórica,
diária.
Essas idéias consideradas por Demo como indicadores de qualidade na formação de
profissionais da educação insere-se em discussões que vêm acontecendo inclusive em
âmbito da legislação educacional na atualidade.
Levando-se em conta a importância do profissionalismo do professor, MELLO (1985),
explica que uma melhor preparação profissional, vai propiciar ao professor o
reconhecimento das precariedades e possibilidades da escola, tornando mais visíveis
as deficiências metodológicas e técnico – didáticas que se tem , além de outros
aspectos que serão essenciais para a compreensão do fracasso escolar . O que vemos
é que embora tenha havido uma série de mudanças nesse campo nos últimos anos, a
formação deixa muito a desejar, e existe uma certa dificuldade para colocar em prática,
concepções e atividades inovadoras, o que contribui para o fracasso escolar.
32
Capítulo 3. Considerações metodológicas
As pesquisas de cunho qualitativo e ou quantitativo constituem-se produto de
observações e reflexões oriundas de leituras e investigações no campo epistemológico,
acadêmico e ou prático; baseadas em uma idéia, problema ou questão os quais são
dirigidos por um assunto ou tema, a partir de uma metodologia científica. Segundo
Marina de Andrade Marconi e Eva Maria Lakatos
33
“a pesquisa pode ser considerada um procedimento formal com método de pensamento reflexivo que requer um tratamento científico e se constitui no caminho para se conhecer a realidade ou para descobrir verdades parciais. Significa muito mais do que apenas procurar a verdade: é encontrar respostas para questões propostas, utilizando métodos científicos”. (MARCONI, LAKATOS, 2001, p. 43)
Após a definição da idéia, problema ou questão a ser abordada e a organização
bibliográfica a respeito do tema, será tratada a elaboração da metodologia.
Optou-se pela pesquisa de campo porque ela responde a questões muito particulares e
preocupa-se com o nível de realidade que trabalha como, por exemplo, o universo de
significados, motivações, aspirações, crenças, valores e atitudes. Considerando que o
objetivo é conhecer e procurar compreender o que pensam os educadores sobre o
fracasso escolar, ela parece ser a mais adequada.
A primeira fase da investigação se centrou na pesquisa bibliográfica, onde a busca por
autores que conceituam o fracasso escolar possibilitou um embasamento teórico acerca
do tema.
Em um segundo momento, foi utilizado o recurso da enquête compreendida por
Christian Laville e Jean Dionne como
“uma estratégia de pesquisa que visa obter informações sobre uma situação, às vezes simplesmente para compreendê-la [...] Ela se prende tanto às opiniões, intenções e atitudes das pessoas quanto as suas necessidades, comportamentos e recursos”. (LAVILLE & DIONNE, 1999, p. 150)
Dentro desta abordagem metodológica, foi utilizado o questionário, uma vez que ele
fornece respostas mais rápidas e precisas, há menos riscos de distorção pela influência
do pesquisador, há mais uniformidade na avaliação em virtude da natureza impessoal
do instrumento, além de atingir um maior número de pessoas ao mesmo tempo para a
realização do trabalho de campo, bem como a pouca disponibilidade dos entrevistados.
34
O modelo do questionário aplicado foi o semi-aberto, contendo questões fechadas a
respeito dos entrevistados tais como idade, sexo, tempo de magistério, formação inicial,
formação continuada, prática de leitura (diversas e específicas sobre o fracasso
escolar), rede onde leciona. Tudo isso com o intuito de buscar informações sobre o
perfil do educador pesquisado e o seu conceito a respeito do tema. Os dados coletados
serão analisados através do recurso de gráficos.
O questionário foi aplicado em uma escola, localizada no município de Santa Luzia, da
rede pública estadual de Minas Gerais. A Instituição, fundada em 1987, está localizada
em um bairro de classe popular composto por vilas e um grande conjunto habitacional,
que apresenta diversos problemas de infra-estrutura urbana e ausência de políticas
social. É uma Escola de Ensino Fundamental que atende uma clientela de baixa renda,
oriunda do bairro e seu entorno, incluindo favelas da região.
Foram levantadas algumas informações essenciais, tendo como objetivo conhecer um
pouco do perfil de entrevistados, as quais serão apresentadas a seguir.
3.1. Análise dos resultados
35
Gráfico 1
Fonte: Tabulação dos dados obtidos no questionário aplicado
Dentre os 17 entrevistados que responderam ao questionário todos são do sexo
feminino. Quanto à idade das entrevistadas, 1 tem entre 25 e 35 anos, 11 têm entre 35
e 45 anos e 5 têm mais de 45 anos.
36
Gráfico 2
Fonte: Tabulação dos dados obtidos no questionário aplicado
As entrevistadas possuem os mais variados tempos de exercício do magistério. Destas,
a maioria, possui de 22 a 24 anos de exercício, totalizando 7 professoras.
37
Gráfico 3
Fonte: Tabulação dos dados obtidos no questionário aplicado
Quanto à formação acadêmica, 14 professoras têm curso superior completo, 02
possuem pós-graduação na área da educação,e somente 01 não tem curso superior.
38
Gráfico 4
Fonte: Tabulação dos dados obtidos no questionário aplicado
Sobre a formação continuada somente 09 responderam que investem em sua formação
por acreditarem que assim se qualificarão melhor profissionalmente.
39
Gráfico 5
Fonte: Tabulação dos dados obtidos no questionário aplicado
Pode-se observar que 12 professoras priorizam a leitura formativa, tais como: leituras
específicas para a profissão, livros didáticos, enciclopédias e revistas científicas. As
demais, 05 entrevistadas, priorizam as leituras informativas tais como: leitura de jornais,
revistas.
40
Gráfico 6
Fonte: Tabulação dos dados obtidos no questionário aplicado
Quando perguntadas se haviam lido algum livro sobre o fracasso escolar, 13
professoras responderam que sim e 04 não haviam lido nada a respeito. Das 13
entrevistadas que leram sobre o fracasso escolar somente 08 citaram os nomes dos
autores (05 leram, contudo, não se lembravam dos nomes das obras e autores). Os
autores citados foram: Paulo Freire, Emília Ferreiro, Magda Soares, Ana Teberosky ,
Phillipe Perrenoud e a Revista Nova Escola, que foi citada por 03 professoras. Por outro
lado, 04 entrevistadas não leram nenhuma obra sobre o fracasso
41
Gráfico 7
Fonte: Tabulação dos dados obtidos no questionário aplicado
Ao serem indagadas se essa leitura ajudou na prática, 07 professoras responderam que
sim, as outras 10, responderam que não.
42
Gráfico 8
Fonte: Tabulação dos dados obtidos no questionário aplicado
As concepções dos professores quanto ao significado do conceito de fracasso escolar,
foram obtidas através das questões abertas e apontaram basicamente as mesmas
respostas. Percebemos que a maioria das professoras apontou os mesmos
responsáveis e os mesmos determinantes para o problema em questão.
Na primeira questão perguntamos as professoras como elas definiam o fracasso
escolar. Dentre as respostas vimos um destaque maior na pouca capacidade do aluno,
que por não conseguir acompanhar o desenvolvimento dos outros alunos, geraria assim
o fracasso escolar. Ou seja, quando não consegue adaptar-se à cultura da escola.
Do total de 17 professoras entrevistadas, 12 definiram o fracasso escolar como sendo o
fracasso do aluno. Isto pode ser observado através das respostas de algumas
entrevistadas: “Acho que pode ser deficiência ou dificuldades acumuladas ao longo da
aprendizagem do educando”; “Problemas de diversas ordens que desencadeiam
resultados negativos como baixa auto-estima, etc”; “É definido como fracasso, quando o
aluno procura se esforçar, aprender e devido às carências afetivas, econômicas não
43
consegue se superar;” “Falta de acompanhamento familiar, apatia do aluno, problemas
psicológicos e emocionais.”
Indagadas sobre qual fator era atribuído o fracasso escolar, todas as entrevistadas
optaram por mais de uma resposta: 16 professoras atribuíram o fracasso escolar a falta
de apoio familiar; 12, ao pouco esforço do aluno; 10 aos professores mal preparados;
07 a infra-estrutura da escola; 08 aos conteúdos pouco interessantes e 05 a pouca
capacidade do aluno.
44
Gráfico 9
Fonte: Tabulação dos dados obtidos no questionário aplicado
As explicações dadas para o questionamento de que “a sociedade trata injustamente os
alunos que fracassam”, 10 entrevistadas concordam parcialmente com tal afirmativa, 05
professoras concordam totalmente e 02 professoras discordam dessa afirmativa.
As professoras que concordar parcialmente, justificam que, há casos em que ocorrem
discriminações desnecessárias.
45
Gráfico 10
Fonte: Tabulação dos dados obtidos no questionário aplicado
Perguntadas se os alunos que fracassam eram compreendidos as entrevistadas
opinaram de forma diversificada, na maioria delas a incompreensão do professor está
presente: 08 respostas apontam para a falta de preparo do professor como causa da
incompreensão daqueles que fracassam; 04 apontaram como fator determinante, o fato
do professor querer compreender, mas, não sabe lidar com tal situação; 01 professora
acha que a maioria dos profissionais está presa ao sistema tecnicista; 01 acredita que
não há conhecimentos ou informações sobre como acontece a construção da
inteligência do educando, 02 não responderam e 01 acha que é por comodismo.
Vimos que nesta questão todas as respostas nos remetem ao despreparo do professor. Neste caso, as explicações das professoras, estão de acordo com a análise de Mello (1985)
46
“Uma melhor preparação profissional vai propiciar ao professor o reconhecimento das precariedades e possibilidades da escola, tornando mais visíveis as deficiências metodológicas e técnico–didáticas que se tem, além de outros aspectos que serão essenciais para a compreensão do fracasso escolar”.
Gráfico 11
47
Fonte: Tabulação dos dados obtidos no questionário aplicado
Diante do fracasso escolar do aluno, pode-se verificar que 06 entrevistadas acreditam
que mudanças na prática pedagógica são necessárias; 08 procurariam ajuda
profissional para solucionar o problema e 04 professoras recorreriam à família para
investigar o possível motivo do fracasso.
Nesta questão, foi possível perceber que as entrevistadas buscam respostas para o
fracasso escolar de seu aluno e possíveis soluções para esse fracasso. Isso fica claro
na fala de algumas entrevistadas: “Procuro novas formas de sanar este fracasso em
livros, revistas, com colegas (trocas de informações); “Procuro melhorar minha prática
pedagógica, buscar novas formas de vencer esse “bicho de sete cabeças”; “Tento
envolver a família no processo e na busca de soluções para casos que estão além das
possibilidades da escola”.
Gráfico 12
48
Fonte: Tabulação dos dados obtidos no questionário aplicado
As entrevistadas apontaram algumas soluções para o problema do fracasso escolar: 08
delas repensariam a prática pedagógica, trabalhando a auto-estima do aluno,
adequando o conteúdo à realidade do educando, mas apontam também a falta de
cursos de capacitação que deveriam ser oferecidos pelo governo. Além disto, culpam
os governantes e a sociedade pelas desigualdades sócio-econômicas que geram,
conseqüentemente, as injustiças sociais.
O governo foi citado por 02 entrevistadas. Cabe ao governo promover a justiça social,
assim a família teria mais estrutura para promover o seu desenvolvimento.
A necessidade do sistema escolar rever sua ação, como solução para o problema do
fracasso escolar, foi indicada por 04 entrevistadas.
Os problemas neurológicos, psicológicos, foram apontados por 03 professoras.
Segundo elas, o diagnóstico de possíveis distúrbios e o encaminhamento para
especialistas que não atuam diretamente na escola (psicólogos, psicopedagogos,
neurologistas, fonoaudiólogo, etc) podem ser eficazes para diminuir o problema do
fracasso escolar.
49
Estas questões são bem explicadas pela teoria da carência cultural. Essa perspectiva
aponta, nas crianças das camadas populares, as mais variadas deficiências de
alimentação, de habitação de bens materiais de prestígio social, de afetividade, de
estimulação verbal. Em decorrência dessas “privações” essas crianças apresentam
deficiências em fatores cognitivos importantes para a aprendizagem. Responsabiliza a
criança pobre e sua família pelo insucesso, não questiona o papel da escola na
produção do fracasso, apenas sugere uma mudança curricular, a fim de ajustar a
criança “carente” à sociedade.
Depois de analisarmos esses dados, vimos que apesar do professor reconhecer que é
preciso repensar a sua prática pedagógica, as diversas respostas apontam vários
fatores possíveis para o fracasso, mas, todas as questões remetem a um único fator em
comum, a realidade do aluno e o que está ao seu redor (a família, a sociedade, o
governo, o contexto sócio cultural em que está inserido).
Tendo em vista todos esses fatores e possíveis soluções, os professores têm a
concepção de que a responsabilidade é de todos: dos educadores, da família, do aluno,
da sociedade e do governo.
Capítulo 4. Considerações finais
50
Através do nosso estudo sobre o fracasso escolar, constatamos que este é um
problema que incomoda muito, porque oferece uma imagem negativa do aluno, o que
afeta sua auto-estima e sua confiança para trilhar um caminho que melhore o seu
futuro.
Notamos que as concepções acerca do fracasso escolar ainda apresentam
controvérsias, os professores confundem os determinantes e suas conseqüências. Têm
dificuldades em conceituar o que propriamente é o fracasso escolar.
Alguns buscaram definir o fracasso escolar como sendo o fracasso do aluno, por achar
que o problema está relacionado a fatores que apontam suas capacidades, motivações
e heranças genéticas, como a falta de interesse, apatia e problemas emocionais.
Percebe-se que os educadores tentam buscar justificativas para o fracasso de suas
práticas pedagógicas, mas, contudo, não procuram entender como o sujeito elabora o
conhecimento. Para conseguirmos o sucesso escolar de nossos alunos, precisamos
conectar as informações pedagógicas, pessoais, sociais e culturais que temos sobre
eles com as metodologias e propostas pedagógicas que levem em conta seus
processos de construção do conhecimento, rompendo com a estrutura tradicional em
qualquer estabelecimento de ensino.
Muitas vezes os alunos não sabem para que servem as coisas que a escola ensina. Os
alunos então vão perdendo a motivação e se sentindo incapazes de aprender. Desse
modo, se a criança se vê excluída da escola acaba por se conformar com o seu
fracasso. Sem dúvida querer tratar da mesma maneira alunos que se encontram em
situação desigual, significa não somente manter a desigualdade, mas também
aumentá-la.
Este trabalho nos possibilitou perceber que apesar de ser importante compreender as
concepções sobre o fracasso escolar, este entendimento não é suficiente para superá-
lo.
51
Qualquer que seja a definição e os fatores que se determine, o certo é que as altas
taxas de fracasso escolar provocam graves conseqüências nos alunos e na sociedade.
Os alunos que não conseguem adquirir o mínimo de conhecimento têm poucas
chances de se inserir no mercado de trabalho, o que aumenta o risco de
marginalização. Assim o fracasso escolar torna-se um problema que vai além das
esferas educacionais, pois afeta também a sociedade.
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52
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Anexo
56
ENQUETE – FRACASSO ESCOLAR
Escola:
Localização:
Qual clientela atende?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
I. Dados do Entrevistado
Idade
( ) até 25 anos ( ) 25 a 35 anos ( ) 35 a 45 anos ( ) mais de 45 anos
Sexo
( ) Masculino ( ) Feminino
Tempo de exercício do magistério ________________________________________
Formação
( ) 2º grau Qual? ____________________
( ) Superior incompleto Qual curso? ____________________
( ) Superior completo Qual curso? ____________________
( ) Pós-graduação Qual? ____________________
Formação continuada? ( ) Sim ( ) Não
57
Quais motivos o (a) levaram a fazer a formação?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
Que tipo de leitura você costuma fazer?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
Você já leu algum livro que trata do fracasso escolar? ( ) Sim ( ) Não
Cite o autor e/ou o livro
______________________________________________________________________
Esta leitura ajudou na sua prática educacional?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
QUESTÕES
1. Como você define o fracasso escolar?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
2. A qual fator você atribui o fracasso escolar? (Marque quantas opções forem
necessárias)
58
( ) Pouco esforço do aluno ( ) Infraestrutura da escola
( ) Professores mal preparados ( ) Conteúdos pouco interessantes
( ) Pouca capacidade do aluno ( ) Falta de apoio familiar
3. A sociedade trata injustamente os alunos que fracassam nos estudo.
( ) Concordo totalmente
( ) Concordo parcialmente
( ) Discordo
Justifique sua resposta.
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
4. Todos os professores compreendem os alunos que têm problemas de aprendizagem.
( ) Concordo totalmente
( ) Concordo parcialmente
( ) Discordo
Justifique sua resposta.
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
5. Como você age diante do fracasso escolar dos seus alunos?
59
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
6. Se estivesse em suas mãos resolver a questão do fracasso escolar, qual solução
indicaria?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
60