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1 Universidade Candido Mendes. UCAM Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro - IUPERJ A ORDEM DOS ADVOGADOS E O ESTADO DEMOCRÁTICO NO BRASIL DOUTORANDO: AURÉLIO WANDER BASTOS. ORIENTADOR: LUIZ WERNECK VIANNA 2007

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  • 1

    Universidade Candido Mendes. UCAM

    Instituto Universitrio de Pesquisas do Estado do Rio

    de Janeiro - IUPERJ

    A ORDEM DOS ADVOGADOS E O ESTADO DEMOCRTICO NO BRASIL

    DOUTORANDO: AURLIO WANDER BASTOS. ORIENTADOR: LUIZ WERNECK VIANNA

    2007

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  • 2

    AURLIO WANDER BASTOS

    A ORDEM DOS ADVOGADOS E O ESTADO DEMOCRTICO NO BRASIL

    ____________________________________ Csar Guimares (Presidente). _____________________________________ Luiz Werneck Vianna (Orientador). _____________________________________ Renato Boschi ______________________________________ Orides Mezzaroba. _______________________________________ Antonio Celso Pereira

    Rio de Janeiro 2007

    Tese de Doutorado apresentada ao Instituto Universitrio de Pesquisas do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessrios obteno do titulo de Doutor em Cincias Humanas: Cincia Poltica.

  • 3

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo muito especialmente aos Ex-presidentes do Conselho Federal da

    OAB, Roberto Busato, pelo apoio ao desenvolvimento da pesquisa, nas suas horas mais

    difceis e decisivas, e a Rubens Approbato Machado, que autorizou a pesquisa em suas

    fontes primarias.

    A realizao desta Tese deveu-se muito especialmente ao apoio de Candido

    Mendes de Almeida, Reitor da Universidade Candido Mendes, que viabilizou o

    desenvolvimento da pesquisa, compreendendo o seu alcance, bem como Agradeo a

    Wanderley Guilherme dos Santos que nos ajudou a identificar o seu efetivo objeto.

    Agradeo aos meus companheiros, conselheiros do Conselho Seccional da

    AOB do Rio de Janeiro, que, no contexto das sees, compreenderam os meus esforos

    para produzir um estudo sistemtico sobre a evoluo da OAB, simbolizados pela

    dedicao corporativa e pelo exemplo profissional de Celso Fontenelle.

    Por um compromisso de vida, e unidos nos nossos prprios ideais, agradeo aos

    meus companheiros histricos do Colgio Brasileiro de Faculdades de Direito,

    especialmente representados pelo seu Presidente lvaro Iglesias, que acompanharam a

    avaliao e o desenvolvimento de muitas hipteses da pesquisa.

    Agradeo aos membros da Banca Examinadora da Tese de Doutorado, que tive

    a oportunidade de defender no IUPERJ, muito especialmente a Renato Boschi, que

    contribuiu para a definio da metodologia da organizao da Tese e a Cesar Guimares,

    Orides Mezzaroba da UFSC e a Antonio Celso Pereira pelas inestimveis contribuies

    criticas.

    Agradeo especialissimamente a Edson da Silva Augusta, companheiro

    inseparvel na escavao e organizao das informaes e dados e a meus colegas de

    Escritrio Nilton Campos Filho, Ariostho Faleiro e Flora Stronzenberg pela compreenso

    de minhas ausncias e Marcela Mesquita que, com afinco e dedicao, trabalhou a

    preparao dos originais.

  • 4

    Em quadro especialssimo e diferenciado, pretendo que esta Tese simbolize os

    meus agradecimentos aos mdicos Daniel Taback e Cludio Domenico que, na reta final da

    Tese, ajudaram-me a confiar na recuperao e significado da prpria vida.

    Os meus agradecimentos so tambm muito especiais para Rosalina Araujo,

    Decana do Centro de Cincias Jurdicas e Polticas da Universidade Federal do Estado do

    Rio de Janeiro UniRio, que no apenas acompanhou o cotidiano da pesquisa e redao,

    como me incentivou a escrev-la, assim como, agradeo a Paulo Mendona, Diretor da

    Escola de Cincias Jurdicas e a Luis Otavio, chefe do departamento de Estudos Jurdicos

    Fundamentais.

    Agradeo, finalmente, ao meu filho David Araujo Bastos, que, na ingenuidade

    dos desafios futuros de sua prpria vida, transmitiu-me o sentimento de que era muito

    importante que eu deixasse para meus colegas de advocacia e magistrio e a meus filhos

    Andr e Ana Carmem Wander Bastos o exemplo da solidariedade e da dedicao como

    pressuposto das difceis horas do destino.

  • 5

    DEDICATRIA

    Dedico esta Tese aos ex-Presidentes do Conselho Federal da Ordem dos

    Advogados do Brasil, Raymundo Faoro, Eduardo Seabra Fagundes, Jos Bernardo Cabral,

    Hermann de Assis Baeta e ao Professor Doutor Luiz Werneck Vianna, que no mediram

    esforos para fazerem de suas idias e de seu trabalho a base construtiva da democracia no

    Brasil.

  • 6

    INDICE GERAL

    TTULO I A ADVOCACIA E O ESTADO PATRIMONIALISTA

    SUMRIO -------------------------------------------------------------------------------------- 17 INTRODUO GERAL------------------------------------------------------------------------- 20

    CAPTULO I O ESTADO BRASILEIRO E A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL INTRODUO---------------------------------------------------------------------------------- 33 1 Preliminares Histricas----------------------------------------------------------------- 38

    1.1. A Criao do Instituto dos Advogados Brasileiros IAB -------------------- 42

    2 Ideologia e o Iderio Profissional dos Advogados---------------------------------- 45 2.1. Represso e Direito ---------------------------------------------------------------- 52 2.2. A Escola de Frankfurt e a Ideologia Jurdica----------------------------------- 56 2.3. Esperana e Utopia ---------------------------------------------------------------- 61

    3 A Formao do Iderio Profissional -------------------------------------------------- 63

    3.1. Periodizao e Ciclos Formativos da OAB------------------------------------- 63 3.2. Origens do Iderio Profissional -------------------------------------------------- 67 3.3. Advocacia e Estado de Direito --------------------------------------------------- 75

    4 A Ordem dos Advogados e o Corporativismo Revolucionrio ------------------- 81

    4.1. O Instituto da Ordem dos advogados do Brasil IOAB e a Revoluo de 1930 --------------------------------------------------------------------------------- 81 4.2. A Criao da OAB----------------------------------------------------------------- 92

    4.2.1. Esclarecimentos preliminares sobre as Corporaes de Ofcio------- 92 4.2.2. Patrimonialismo e Anticorporativismo ---------------------------------- 98 4.2.3. A Instalao do Conselho Federal---------------------------------------- 110

    4.3. Advocacia e Corporativismo ----------------------------------------------------- 112 4.4. Corporativismo e Estado Nacional ---------------------------------------------- 118 4.5. A Crise Constitucional e o Estado Novo---------------------------------------- 127

    CONCLUSES PROSPECTIVAS --------------------------------------------------------------- 130

  • 7

    CAPTULO II O REGULAMENTO DA OAB E A CRISE DO ESTADO NOVO

    INTRODUO---------------------------------------------------------------------------------- 135 1 Iderio Profissional dos Advogados e a Ordem Revolucionria de 1930 -------- 136

    1.1. O IOAB e a Estrutura Organizativa da OAB----------------------------------- 146

    2 A OAB e o Constitucionalismo Constituinte de 1933/34 -------------------------- 150 3 A Crise Poltica e a Renncia do Presidente Levi Carneiro ----------------------- 155 4 A OAB e a Segunda Guerra Mundial ------------------------------------------------ 162 5 A OAB e a Crise do Estado Novo ---------------------------------------------------- 167 CONCLUSO PROSPECTIVA------------------------------------------------------------------ 175

    TTULO II A OAB E O ESTADO DE DIREITO

    CAPTULO III A OAB E O LIBERALISMO DEMOCRTICO

    INTRODUO---------------------------------------------------------------------------------- 183 1 A Advocacia e o Liberalismo Ideolgico -------------------------------------------- 185 2 A Funo Poltico-Ideolgica das Conferncias da OAB-------------------------- 192

    2.1. A Evoluo da Ideologia Jurdica e do Iderio Profissional------------------ 192 2.2. A Representao Ideolgica das Conferncias--------------------------------- 198

    3 A Primeira Conferncia e o Profissionalismo Liberal ------------------------------ 202 3.1. Prembulo Republicano----------------------------------------------------------- 202

    3.1.1. A Proto-Histria das Conferncias--------------------------------------- 204 3.2. O Dilema Liberal-Trabalhista ---------------------------------------------------- 208 3.3. A Instalao da Primeira Conferncia dos Advogados------------------------ 212 3.4. Retrica e Destino (da OAB)----------------------------------------------------- 220

    4 A II Conferncia e a Misso do Advogado ------------------------------------------ 228 4.1. Misso e Profisso ----------------------------------------------------------------- 228

  • 8

    4.2. Observaes Introdutrias Segunda Conferncia---------------------------- 233 4.3. A Segunda Conferncia e a Advocacia dos Tribunais ------------------------ 238

    CONCLUSO PROSPECTIVA------------------------------------------------------------------ 249

    CAPTULO IV A NOVA CAPITAL E AS RESISTNCIAS CORPORATIVAS DA OAB INTRODUO---------------------------------------------------------------------------------- 255 1 Advocacia e Mudana da Capital Federal-------------------------------------------- 259 2 Braslia e a Crise das Elites no Poder------------------------------------------------- 273 3 A OAB e a Instalao dos Tribunais Superiores em Braslia---------------------- 283 4 A Ordem dos Advogados e as Polticas de Estado---------------------------------- 292 Concluso------------------------------------------------------------------------------------- 296

    CAPTULO V O ESTATUTO DA OAB E O FIM DO ESTADO PATRIMONIALISTA

    INTRODUO HISTRICA -------------------------------------------------------------------- 300 1 O Anteprojeto de Estatuto no Conselho Federal ------------------------------------- 303

    1.1. Preliminares Histricas------------------------------------------------------------ 303 1.2. O Presidente da Repblica no Conselho Federal da OAB-------------------- 310

    2 O Projeto de Estatuto da OAB na Cmara dos Deputados ------------------------ 318

    2.1. Os Atos Formais Preliminares ao Projeto de Lei ------------------------------ 318 2.2. O Projeto n 1751, de 22 de agosto de 1956------------------------------------ 319

    2.2.1. OAB: Corporao Profissional ou Corporao de Ofcio ------------- 320 2.2.2. A Advocacia: a Reao Anti-Patrimonialista

    e as Incompatibilidades e Impedimentos ------------------------------- 330 2.2.2.1. Colocao Histrica do Problema------------------------------ 330 2.2.2.2. Advocacia e Formao do Novo Estado Brasileiro ---------- 336

    2.2.3. Os Advogados e os Juzes ------------------------------------------------ 343 2.2.4. Rbulas e Solicitadores ---------------------------------------------------- 353

  • 9

    2.2.4.1. A Agonia dos Rbulas e dos Velhos Solicitadores----------- 356

    2.2.4.2. Os Solicitadores e os Estagirios ------------------------------- 361

    2.2.4.3. Os Quadros Profissionais da OAB ----------------------------- 367

    2.2.5. Advocacia e Disciplina Profissional ------------------------------------- 371 2.2.5.1. Origens do Iderio Disciplinar---------------------------------- 371 2.2.5.2. Novo Estatuto, Nova Poltica Disciplinar --------------------- 376

    2.2.6. A Assistncia Judiciria e a Advocacia no Brasil ---------------------- 378

    3 O Projeto de Estatuto da OAB no Senado Federal --------------------------------- 385 3.1. Tramitao Preliminar no Senado ----------------------------------------------- 385 3.2. Atos Privativos do Advogado na Administrao Pbica --------------------- 388

    3.2.1. Histria e Futuro Remoto ------------------------------------------------- 396 3.3. As Incompatibilidades e Impedimentos como Reao

    Antipatrimonialista ---------------------------------------------------------------- 401 3.3.1. Advocacia e Ministrio Pblico------------------------------------------------ 406 3.4. Honorrios de Advogados -------------------------------------------------------- 410 3.5. Tribunal de tica ------------------------------------------------------------------- 412

    3.6. A Sano Presidencial do Novo Estatuto---------------------------------- 413

    CONCLUSO ---------------------------------------------------------------------------------- 418

    CAPTULO VI A OAB E A CRISE DA LIBERAL DEMOCRACIA INTRODUO---------------------------------------------------------------------------------- 423 1 Preliminares Compreensivas----------------------------------------------------------- 424 2 A OAB e o Trabalhismo Getulista ---------------------------------------------------- 432

    2.1. A OAB e a Crise da Renuncia---------------------------------------------------- 436 3 Novo Estatuto, Novos Rumos --------------------------------------------------------- 443 4 A OAB e o Golpe (Cvico) Militar (Revolucionrio) ------------------------------ 450 CONCLUSO ---------------------------------------------------------------------------------- 456

  • 10

    TTULO III A OAB E O ESTADO DE SEGURANA NACIONAL

    CAPTULO VII A OAB E O DILEMA IDEOLGICO DE 1968 INTRODUO---------------------------------------------------------------------------------- 460 1 Preliminares Histricas ----------------------------------------------------------------- 461 2 Os Documentos sobre Direitos Humanos -------------------------------------------- 467

    2.1. Recuperao Histrica------------------------------------------------------------- 467 2.1.1. A Carta das Naes Unidas ----------------------------------------------- 469

    2.2. A Declarao Universal dos Direitos Humanos-------------------------------- 472 3 A OAB e o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana ---------------- 475 4 Os Direitos Humanos e a III Conferncia da OAB --------------------------------- 479

    4.1. O Temrio da III Conferncia da OAB ----------------------------------------- 483

    5 A Restaurao Conservadora Autoritria -------------------------------------------- 497 5.1. O Estado de Exceo -------------------------------------------------------------- 501

    6 O Pacifismo Institucional -------------------------------------------------------------- 505

    6.1. A Abertura da IV Conferencia --------------------------------------------------- 513 6.2. A Relao Direito e Desenvolvimento ------------------------------------------ 515 6.3. O Direito e o Desenvolvimento como Provocao Jurdica ------------------ 518

    7 Os Pronunciamentos de So Paulo: contrastes e confrontos ----------------------- 524 CONCLUSO ---------------------------------------------------------------------------------- 532

    CAPTULO VIII OS ADVOGADOS E OS DIREITOS HUMANOS NO ESTADO DE SEGURANA NACIONAL INTRODUO---------------------------------------------------------------------------------- 534 1 Preliminares Histricas ----------------------------------------------------------------- 535

  • 11

    1.1. A Eleio do Fidalgo -------------------------------------------------------------- 536 2 O Silncio do CDDPH------------------------------------------------------------------ 540 3 Eleio e Perseguio a Advogados -------------------------------------------------- 546 4 OAB e o Ministrio do Trabalho------------------------------------------------------ 550 5 Os Direitos dos Homens e a Advocacia ---------------------------------------------- 557 6 Direitos Humanos e Ideologia Jurdica----------------------------------------------- 561 7. Eleies: Moderao e Radicalizao ----------------------------------------------- 575

    7.1. O Dilema da Vinculao ao Ministrio do Trabalho -------------------------- 577

    8 A OAB e a Retomada da Dogmtica Jurdica --------------------------------------- 580

    8.1. Dogmtica e Reforma do Direito Positivo-------------------------------------- 583

    CONCLUSO ---------------------------------------------------------------------------------- 596

    CAPTULO IX O ESTADO AUTORITRIO E A ABERTURA DEMOCRTICA INTRODUO---------------------------------------------------------------------------------- 598 1 Preliminares Histricas ----------------------------------------------------------------- 599 2 A OAB e a Estratgia da Abertura---------------------------------------------------- 604 3 O Estado de Direito e a VII Conferncia--------------------------------------------- 612

    3.1. Observaes Preliminares--------------------------------------------------------- 615 3.2. Legitimidade e Representatividade ---------------------------------------------- 618 3.3. A Gnese da Proteo Jurisdicional dos Direitos Humanos------------------ 620 3.4. Judicirio e Direitos Polticos ---------------------------------------------------- 626

    4 A Carta de Curitiba --------------------------------------------------------------------- 632 5 - A OAB e a Anistia----------------------------------------------------------------------- 636 CONCLUSO ---------------------------------------------------------------------------------- 645

  • 12

    TTULO IV A OAB E A REDEMOCRATIZAO

    CAPTULO X A TRANSIO POLTICA E O TERROR PARAESTATAL

    INTRODUO---------------------------------------------------------------------------------- 648 1 Preliminares Eleitorais------------------------------------------------------------------ 650

    1.1. As Eleies Presidenciais da Abertura ------------------------------------------ 654 2 A Liberdade: Fundamento da Democracia------------------------------------------- 656

    2.1. O Ambiente Circunstancial da VIII Conferncia ------------------------------ 656 2.2. O Temrio da VIII Conferncia -------------------------------------------------- 661 2.3. A Carta de Manaus----------------------------------------------------------------- 687

    3 A Marcha dos Atentados --------------------------------------------------------------- 693

    3.1. A OAB na Mira do Terror -------------------------------------------------------- 697

    3.2. A Criao da Comisso dos Direitos Humanos da OAB --------------------- 698

    4 OAB: Eleio e Moderao ----------------------------------------------------------- 705

    5 O Terror Paraestatal Confronta a Juventude ----------------------------------------- 709

    6 A Justia Social: a frmula da conciliao------------------------------------------- 716

    6.1. Preliminares Conjunturais -------------------------------------------------------- 716 6.2. Justia Social, o Dilema da Justia Formal ------------------------------------- 723

    6.2.1. O Influxo dos Direitos Complexos--------------------------------------- 734

    6.3. A Carta de Florianpolis ---------------------------------------------------------- 743

    7 Eleies e o Caminho para a Esquerda ----------------------------------------------- 748

    Concluso------------------------------------------------------------------------------------- 754

  • 13

    CAPTULO XI O DILEMA DA ELEIO PRESIDENCIAL DIRETA E DA ASSEMBLIA CONSTITUINTE.

    INTRODUO ------------------------------------------------------------------------------ 756

    1. Recuperao Histrica ------------------------------------------------------------- 758

    2 A OAB e as Eleies Diretas------------------------------------------------------- 763

    2.1. Preliminares Conceituais Comparadas--------------------------------------- 763

    2.2. A Emenda Constitucional das Diretas e a OAB ---------------------------- 769

    3 A OAB e a Democratizao-------------------------------------------------------- 782

    3.1. Legitimidade e Democracia na X Conferncia ----------------------------- 782

    3.2. Democratizao e Interdisciplinaridade ------------------------------------- 788

    4 Estado, Sociedade Civil e Nao--------------------------------------------------- 797

    5 A OAB e as Reformas -------------------------------------------------------------- 803

    6 Carta do Recife----------------------------------------------------------------------- 808

    7 As Eleies Rumo Esquerda ----------------------------------------------------- 814

    8 As Concluses Constituintes da OAB -------------------------------------------- 818

    8.1. Preliminares Conjunturais -------------------------------------------------------- 819

    8.2. O Conceito de Assemblia Constituinte ---------------------------------------- 824

    8.2.1. Do Conceito----------------------------------------------------------------- 825 8.2.2. Da Constituinte na Histria Brasileira ----------------------------------- 826 8.2.3. Da Assemblia Constituinte Exclusiva ---------------------------------- 832 8.2.4. Da Constituinte Exclusiva e a Constituio de 1988 ------------------ 833

    8.3. A Emenda Constitucional Constituinte------------------------------------------ 836

    9 Constituio Novo Esquema Temtico -------------------------------------------- 849

  • 14

    9.1. Organizao do Estado ------------------------------------------------------------ 857 9.1.1. O Poder e a Sociedade ----------------------------------------------------- 857 9.1.2. Federao e Organizao Tributria ------------------------------------- 858 9.1.3 Poder Judicirio ------------------------------------------------------------- 859

    9.2. O Sistema de Propriedade--------------------------------------------------------- 861 9.2.1. Propriedade e Poder-------------------------------------------------------- 861 9.2.2. Reforma Agrria ------------------------------------------------------------ 862 9.2.3 Reforma Urbana------------------------------------------------------------- 862

    9.3. Direitos do Homem ---------------------------------------------------------------- 866 9.3.1. Direitos da Pessoa Humana ----------------------------------------------- 866 9.3.2. Famlia, Educao, Sade e Cultura ------------------------------------- 866 9.3.3 Direitos do Trabalhador ---------------------------------------------------- 867

    9.4. Teses Avulsas----------------------------------------------------------------------- 869 10 A Carta de Belm ---------------------------------------------------------------------- 874

    11 Ata de Encerramento ------------------------------------------------------------------ 881

    CONCLUSO ---------------------------------------------------------------------------------- 882

    TTULO V A OAB E O ESTADO DEMOCRATICO DE DIREITO

    CAPTULO XII A OAB E A CONSTITUIO DE 1988

    INTRODUO---------------------------------------------------------------------------------- 887 1 O Sistema de Governo------------------------------------------------------------------ 891

    1.1. Presidencialismo e Parlamentarismo -------------------------------------------- 891 1.2. A Democracia Representativa---------------------------------------------------- 894

    1.2.1. Preliminares Histricas ---------------------------------------------------- 894 1.2.2. Novos Partidos, Velha Representao Poltica ------------------------- 897 1.2.3. A OAB e a Elegibilidade dos Juizes ------------------------------------- 900

    2 A Organizao Federativa do Estado ------------------------------------------------- 902 2.1. Preliminares Histricas------------------------------------------------------------ 902 2.2. O Projeto Federativo da OAB ---------------------------------------------------- 906

    2.2.1. A Questo das Regies Metropolitanas --------------------------------- 907 2.2.2. A Questo Tributaria------------------------------------------------------- 910

  • 15

    3 A Organizao Judiciria--------------------------------------------------------------- 914 3.1. Preliminares Histricas------------------------------------------------------------ 914 3.2. O Poder Judicirio nas Propostas Constituintes da OAB --------------------- 917

    3.2.1. A OAB e a Estruturao Judiciria -------------------------------------- 917 3.2.1.1. A OAB e a Corte Constitucional ------------------------------- 923 3.2.1.2. O Moderno Papel do Superior Tribunal de Justia----------- 925 3.2.1.3. O Tribunal do Jri ------------------------------------------------ 927

    3.2.2. Justia Agrria -------------------------------------------------------------- 929 3.2.3. A OAB e o Acesso ao Judicirio ----------------------------------------- 933 3.2.4. Os Advogados nos Tribunais --------------------------------------------- 936

    4 A Estrutura da Propriedade ------------------------------------------------------------ 941

    4.1. Observaes Introdutrias -------------------------------------------------------- 941 4.2. A Reforma Agrria ---------------------------------------------------------------- 944

    4.2.1. Terras Indgenas ------------------------------------------------------------ 948 4.2.2. reas Quilombolas --------------------------------------------------------- 950

    4.3. A Reforma Urbana----------------------------------------------------------------- 950 4.4. O Abuso do Poder Econmico --------------------------------------------------- 953

    5 A Proteo dos Interesses Difusos------------------------------------------------- 958

    5.1. Origens--------------------------------------------------------------------------- 958

    5.1.1. Revoluo Processual no Direito ------------------------------------- 963

    5.2. O Direito de Terceira Gerao------------------------------------------------ 966

    6 Os Direitos do Homem ----------------------------------------------------------------- 973 6.1. Recolocao Histrica------------------------------------------------------------- 973

    7 Ideologia Jurdica e Direitos Humanos----------------------------------------------- 982 OBSERVAES CONCLUSIVAS -------------------------------------------------------------- 991

    CAPTULO XIII A CONSTITUIO E A MUDANA SOCIAL

    Diagnstico Introdutrio-------------------------------------------------------------------- 996

    1 Contrio e Constituio --------------------------------------------------------------- 998

    2 A OAB e a Nova Democracia Constitucional --------------------------------------- 1006

  • 16

    2.1. A OAB e as Aberturas Discursivas ---------------------------------------------- 1013

    3 A Crtica Sociolgica da Constituio ------------------------------------------------ 1016

    3.1. A Organizao Temtica da XII Conferencia ---------------------------------- 1016

    3.2. O Mestre e o Discpulo: crticas precursoras ----------------------------------- 1021

    3.2.1. Os Socilogos e a OAB--------------------------------------------------- 1030

    4 Novos Rumos, Novo Iderio----------------------------------------------------------- 1034 4.1. Os Advogados e o Direito Constitucional Processual------------------------- 1039 4.2. O Poder Judicirio e as suas Resistncias--------------------------------------- 1044

    5 A Carta de Porto Alegre --------------------------------------------------------------- 1049 6 As Propostas Constitucionais e o Novo Estatuto de 1994 ------------------------- 1052

    6.1. Advocacia e Constituio --------------------------------------------------------- 1054 6.1.1. Advocacia e Ideologia Jurdica Constitucional ------------------------ 1056 6.1.2. O Advogado no Estado --------------------------------------------------- 1059 6.1.3. Emendas Constitucionais e o Novo Judicirio------------------------- 1062

    6.2. A Advocacia e o Novo Estatuto da OAB --------------------------------------- 1068 6.2.1. Preliminares Tericas ----------------------------------------------------- 1068 6.2.2. As Novas Dimenses Estatutrias --------------------------------------- 1072 6.2.3. O Novo Pacto Eleitoral Corporativo ------------------------------------ 1078

    CONCLUSO ---------------------------------------------------------------------------------- 1081 CONCLUSO GERAL-------------------------------------------------------------------------- 1085 REFERNCIAS --------------------------------------------------------------------------------- 1106 FONTES PRIMRIAS -------------------------------------------------------------------------- 1122 NDICE REFERENCIAL DOS PALESTRANTES E PALESTRAS CITADAS --------------------- 1138 NDICE CRONOLGICO DAS CARTAS DE CONCLUSO DAS CONFERNCIAS ------------ 1151 OBRAS E ARTIGOS DO DOUTORANDO REFERENCIADOS NA TESE ----------------------- 1152 REFERENCIAL LEGISLATIVO ---------------------------------------------------------------- 1155 NDICE ONOMSTICO ------------------------------------------------------------------------

  • 17

    SUMRIO

    Esta Tese um estudo sobre a participao da Ordem dos Advogados do Brasil

    na construo do Estado de Direito a partir de suas lutas contra o patrimonialismo estamental at a construo do Estado Democrtico de Direito. Para alcanar os resultados pretendidos, subdividimos a Tese em 5 (cinco) ttulos gerais, organizados em captulos, itens e subitens. Os diferentes ttulos evoluram da discusso sobre as origens histricas da OAB e da formao do seu iderio profissional, para em seguida identificar a sua criao como ato da Revoluo de 1930. Os seus primeiros regimentos, editados imediatamente aps, 1931, no apenas regulamentaram a sua estrutura disciplinar e de poder, como tambm contriburam para a desconstruo do Estado patrimonial e oligrquico brasileiro. As circunstncias histricas dos movimentos polticos introdutrios, que sucederam Constituio de 1937, aproximaram a evoluo da OAB de um projeto de construo de um Estado de Direito influenciado pela liberal-democracia, que decisivamente marcou o Estatuto de 1963 e a sua historia de confrontos e resistncias com o trabalhismo nacionalista e estatista, herdado dos anos trinta. Estas variantes histricas contriburam para aproximar a OAB de movimentos cvico-militares, entre 1964/69 influenciados por foras econmicas conservadoras ascendentes, que resistiam ao modelo desenvolvimentista-estatista implementado pelo Poder Executivo em crescente aliana com foras progressistas. Esta paradoxal aliana da OAB, que evoluiu para a construo do Estado de Segurana Nacional, uma variante do legitimismo autoritrio, deslocaram os seus rgidos compromissos com o liberalismo democrtico, aproximando-a de foras polticas conservadoras. Esta ruptura com a sua ideologia histrica, no contexto da ascenso de novas foras polticas e novas dimenses perceptivas do direito, levaram a OAB, no propriamente a se definir como uma entidade da sociedade civil, mas com um iderio poltico mais aberto comprometido com o projeto do Estado Democrtico de Direito, instrumento de viabilizao da temtica essencial de suas conferncias: o humanismo social liberal. Finalmente, aps a fundamentao bibliogrfica dos captulos introdutrios, desenvolvemos um significativo esforo de recuperao de fontes documentais primrias, base construtiva de toda a Tese, o que deu ao trabalho uma dimenso de originalidade e, inclusive, uma certa fora de compreenso prospectiva dos estudos crticos da nova Constituio (j) elaborada. Neste sentido, o esforo de pesquisa permitiu verificar, nas linhas conclusivas da Tese, as diferentes tendncias da atual Constituio brasileira (em vigncia) e as emergenciais propostas de mudana social, a partir da nova estrutura democrtica, a sua influncia sobre o novo iderio da advocacia e o papel social do novo Estatuto da OAB no contexto da nova ordem constitucional.

  • 18

    ABSTRACT

    This doctoral thesis consists on a study about the Brazilian Lawyers Order role regarding the construction of the rule of law taking as a start the fight against the stratified estatelism until getting to the construction of the so-called democratic rule of law. In order to achieve our goals, we divided this thesis in five general titles, organized in chapters, items and sub items. The different titles have been developed beginning from the discussion on the historical origins of the Brazilian Lawyers Order and the formation of its professional ideal, so that the following topic is the identification of its creation as an act of the 1930 Revolution. Its first regulations, edited immediately after 1931 its foundation, not only regulated its disciplinary and power structures, but also contributed to the deconstruction of the estatelist-oligarchic Brazilian state. The historical circumstances of the political movements after the Constitution of 1937 approached the development of the Order to the project of building a rule of law government influenced by liberal-democracy which has definitely marked the organic statute of 1963 and its history of confronting and resisting the statist and nationalist labor movement model of the thirties. These historical variants have contributed to bring the Order closer to civilian and military movements of 1964/69 influenced, on their turn, by economical ascending forces that resisted to the developmental-statist model implemented by the Executive Power in a growing alliance with progressive forces. This paradoxical alliance of the Order with conservative forces, that evolved to the construction of a National Security State, a variant of the authoritarian legitimism, have misplaced the rigid commitments of the institution with the liberal democracy. This rupture with its historical ideology, taken in the context of the ascent of new political forces and new perceptive dimensions in the law field, have led the institution not to define itself as an entity of the civilian society, but as one with a political ideal that is more open and committed with the project of the democratic rule of law, an instrument to make the essential theme in its conferences viable, namely, the social liberal humanism. In addition, the effort on researching has allowed us to verify, on the very conclusion of this thesis the different approaches of the Brazilian Constitution (in effect) and the emerging proposals of social change, from the democratic structure, its influence on the new ideal of working within the law filed and the social role of the new Orders organic statute taken into the context of the new constitutional order. Methodologically, after the bibliographical grounding of the introductory chapters, we have developed a significant effort of recovering primary documental sources, i.e., the constitutive basis of the whole work, what ended up giving this thesis its character of originality, as well as a certain force of prospective comprehension of the critical studies on the new Constitution (already) constructed.

  • 19

    SOMMAIRE

    Cette thse est une tude sur la participation de lOrdem dos Advogados do Brasil (OAB, Ordre des Avocats du Brsil) dans la construction de ltat de Droit, partir de ses luttes contre le patrimonialisme tatiste jusqu ldification de ltat de Droit Dmocratique. Pour objectiver les rsultats, la Thse a t divise en 5 (cinq) titres gnraux qui ont t organiss en chapitres, ceux-ci en articles et sous-articles. Les titres ont volus de la discussion sur les origines historiques de lOAB et de la formation de son rgime professionnel jusqu identifier, par la suite, sa cration en tant quacte de la Rvolution de 1930. Ses premiers rglements, dits immdiatement aprs, 1931, nont pas seulement rglementer sa structure disciplinaire et de pouvoir, mais ont aussi contribus pour la dconstruction de ltat patrimonial oligarchique brsilien. Les circonstances historiques des mouvements politiques introducteurs, aprs la Constitution de 1937, ont rapproch le dveloppement de lOAB dun projet de construction dun tat de Droit influenc par la dmocratie librale qui a dcisivement marqu le Statut de 1963 et son histoire de conflits et de rsistances avec le travaillisme nationaliste et tatiste hrit des annes trente. Ces variables historiques ont contribu pour rapprocher l`OAB des mouvements civico-militaires, de 1964/69, influencs par des forces conomiques ascendantes, qui rsistaient au modle de dveloppement-etatist implant par le Pouvoir Excutif en une croissante alliance avec les forces progressistes. Cette alliance paradoxale entre lOAB et les forces conservatrices qui volurent vers la construction de Ltat de Scurit Nationale, une variable de la lgitimation autoritaire, a dplac les engagements rigides de lOAB avec le libralisme dmocratique. Cette rupture avec son idologie historique, dans le contexte de lascension de nouvelles forces politiques et de nouvelles dimensions perceptives du droit, menrent lOAB, non pas exactement se dfinir en tant quune entit de la socit civile, mais avec un rgime politique plus ouvert, engages dans le projet de ltat de Droit Dmocratique, instrument pour rendre viable la thmatique essentielle de ses confrences : lhumanisme social liberal. Leffort de recherche a permis de vrifier, dans les lignes de conclusion de la Thse, les diffrentes tendances de la Constitution brsilienne actuelle (en vigueur) et les propositions de changements sociaux mergents, partir de la nouvelle structure dmocratique, de son influence sur le nouveau rgime professionnel du barreau et le rle social du nouveau Statut de lOAB dans le contexte du nouvel ordre constitutionnel.Finalment, aprs le fondement bibliographique des chapitres introducteurs, nous avons dvelopp un effort significatif de rcupration des sources de documents primaires, base de construction de toute la Thse, ce qui a donn au travail une dimension doriginalit et, aussi, une force de comprhension prospective des tudes critiques de la nouvelle Constitution.

  • 20

    Introduo

    Esta Tese um estudo sobre o papel da Ordem dos Advogados do Brasil

    OAB na construo do Estado Democrtico de Direito no contexto dos desdobramentos

    polticos do quadro evolutivo da histria brasileira contempornea. Para demonstrar esta

    especial proposio dividimos o trabalho em cinco grandes Ttulos:

    - A Advocacia e o Estado Patrimonialista;

    - A OAB e o Estado de Direito;

    - A OAB e o Estado de Segurana Nacional;

    - A OAB e a Redemocratizao e, finalmente,

    - A OAB e o Estado Democrtico de Direito

    Os Ttulos esto subdivididos em diferentes captulos, com o objetivo de

    demonstrar o papel da OAB na construo do Estado democrtico brasileiro, a partir da

    desconstruo do Estado patrimonialista e da construo do Estado de Direito que foi

    interrompido pela ao do Estado de Segurana Nacional. No contexto evolutivo dos

    diferentes captulos esto concentrados os dados e informaes de pesquisa que

    contriburam para a anlise e a comprovao da hiptese central da tese e subsidiaram as

    linhas hipotticas complementares.

    Os captulos dos diferentes ttulos, esto entre si articulados procurando evitar

    que os argumentos dos captulos dos ttulos antecedentes indiquem qualquer ruptura

    temtica com o ttulo anterior, evoluindo assim em linha de significativa coerncia. Desta

    forma, procuramos fazer com que o cerne conclusivo de cada Captulo, viesse a se

    desenvolver como pressuposto introdutrio dos captulos subseqentes, reforando sempre

    as linhas de conexo histrica como resultado da pesquisa documental e bibliogrfica,

    tomando tambm como referncia o saber de experincia feito no dizer de Cames na

    clssica obra Os Lusadas.

    Estes diferentes captulos esto tambm esquematicamente itenizados, o que

    no era o propsito inicial da Tese, mas tornaram-se imprescindveis, no apenas para

    ampliar as linhas de coerncia, evitando lacunas episdicas ou descritivas, mas, tambm,

    para fortalecer os diagnsticos de recuperao histrico-documental. Neste sentido, a

  • 21

    analise documental influenciou decisivamente no estudo do papel da OAB, na construo

    do Estado de Direito e da democracia no Brasil, a partir de sua criao em 18 de novembro

    de 1930 at a promulgao da Constituio brasileira de 5 de outubro de 1988, que definiu

    que a Repblica Federativa do Brasil [art. 1], constitui-se em Estado Democrtico de

    Direito (...).

    Obedecendo esta sistemtica de organizao estrutural, o desenvolvimento

    descritivo e analtico da obra ocorreu essencialmente a partir de pesquisa em fontes

    primrias e, apenas, subsidiariamente, em fontes secundrias e bibliogrficas mesmo

    porque, estas so parcas e dispersas, e, na sua maioria, guardadas as importantes excees,

    os livros que tratam especificamente da OAB, seja histrica ou institucionalmente, so

    livros ou artigos de leituras comprometidas com estudos de natureza retrica ou que no

    evoluram de conjuntos documentais sistematizados ou de preocupaes essencialmente

    experimentais o que no se lhes subtrai o mrito, mas pouco fortalece os objetivos

    conclusivos desta Tese. Esta opo metodolgica no desconhece, todavia, a importncia

    de qualquer outra fonte de informao e de dados, ou mesmo descritiva, mas, tendo em

    vista os prprios objetivos da Tese, privilegiou documentos primrios como especial forma

    de se demonstrar a sua importncia para a (re)construo terica compreensiva das

    instituies polticas e jurdicas brasileiras, muitas vezes de fora demonstrativa

    convincente alternativa s leituras tradicionais e, muito especialmente da OAB, cujas fontes

    primrias sobreviviam infensas pesquisa e investigao, quando no, tambm

    acadmica.

    Esta Tese, por conseguinte, concentra um grande esforo de pesquisa em fontes

    primrias, no apenas se dedicando ao grande volume de informaes quantitativas

    concentradas nas atas das reunies ordinrias e extraordinrias do Conselho Federal da

    OAB, mas, tambm, no grande volume de material qualitativo, especialmente concentrado

    nos Anais das Conferncias dos Advogados entre 1958 e 1988, ano terminal referencial da

    pesquisa. Esta opo de pesquisa permitiu, com certeza, que as hipteses e as suas

    conseqentes anlises evolussem de informaes transcritas em atos oficiais, evidenciando

    uma forte adeso comprovao fctica, principalmente porque, pela sua prpria natureza

    de documentos de colegiados tm uma estrutura dialtica que permite alcanar, num a

    mesma ata ou relatrio, posies controversas sobre um mesmo problema.

  • 22

    Por estas razes, o conjunto da obra est metodologicamente apoiado na leitura

    (dispersa) das Atas do Instituto dos Advogados Brasileiros IAB (1843/1889), do Instituto

    da Ordem dos Advogados Brasileiros IOAB (1889/1930) e, predominantemente, da

    Ordem dos Advogados do Brasil OAB, entre os anos de 1930 e 1988 e, tambm, nos

    pronunciamentos no Parlamento Imperial entre os anos de 1851 e 1889; e na Assemblia

    Constituinte 1933/34 e na Cmara dos Deputados entre 1934/37, bem como nos debates

    constituintes de 1946 e de 1988. Por outro lado, apoiamo-nos nos textos das Constituies

    brasileiras e num vasto repertorio legislativo, incluindo Leis, Decretos e todos os Estatutos,

    Regulamentos e Regimentos da OAB entre 1931 e 1994, inclusive do perodo proto-

    histrico da criao do IAB entre 1843 e 1888, que, principalmente, discutiram os projetos

    de criao da OAB no Imprio e na Primeira Repblica.

    Foram, tambm, consultados os relatrios e debates legislativos, que, de uma

    forma, ou de outra, discutiram a criao da OAB a partir de 1957/58, essencialmente

    concentrados na discusso do Anteprojeto da OAB, na Cmara dos Deputados e do Senado

    Federal, que resultou no Estatuto da OAB de 1963, assinado pelo Presidente da Repblica

    Joo Goulart. Para efeitos deste trabalho, tomamos, tambm, como fonte primria, os

    depoimentos dos ex-presidentes do Conselho Federal da OAB consolidados no

    documentrio A OAB na voz dos seus Presidentes, coordenado por Herman de Assis Baeta

    e prefaciado por Rubens Approbato Machado, acentuadamente esclarecedor na

    compreenso interna dos fatos.

    Por estas razes, neste trabalho, as fontes histricas primrias so as bases

    referenciais do mtodo de anlise, caminho que nos permite compreender e comparar,

    conclusivamente, situaes antecedentes com situaes subseqentes, rastreando as

    diferentes flutuaes ideolgicas dos atores e o fluxo de suas opes polticas. O

    documento poltico, por conseguinte, ou mesmo o documento administrativo ou jurdico

    (eles so), nesta pesquisa, referncias histricas no apenas pontuais, mas tambm, gerais.

    Foi a partir da mtua correlao ou comparao documental que elaboramos as nossas

    hipteses de pesquisa, de tal forma que podemos afirmar que os documentos no so a

    Tese, mas foram o suporte para a construo da anlise poltica e ideolgica das hipteses

    elaboradas com base na leitura compreensiva dos documentos. Por isto, para aumentar a

    autenticidade analtica do trabalho procuramos evitar uma postura terica a priori, muito

  • 23

    embora, sempre necessrio afirmar, que, no desenrolar do trabalho, impossvel manter

    uma postura absolutamente neutra ou que despreze, devido mesmo fora documental das

    evidncias conclusivas, posicionamento de valor, mas, de qualquer forma, esta no era a

    regra.

    Ressalte-se que a identificao das tendncias e de suas posies polticas e

    ideolgicas da OAB, e, inclusive, as opes de orientao tcnica, foram essencialmente

    colhidas nas palestras realizadas durante as Conferncias da OAB a partir de 1958 at 1988,

    quando transcrevemos, como destaque relevante, o inteiro teor das cartas de concluso das

    conferncias sempre relacionadas cidade de realizao do evento. Por outro lado, no

    podemos, tambm, desconhecer que a legislao brasileira sobre organizao da OAB, bem

    como a prpria legislao eleitoral e os tantos dispositivos constitucionais e as emendas

    constitucionais, assim como os Atos Institucionais, foram a base referencial da

    hermenutica poltica e sociolgica (inclusive muitas vezes jurdicas), que presidiu algumas

    das principais linhas conclusivas da Tese.

    No foi esquecido tambm, como fonte primria, as cartas de concluso das

    conferencias, transcritas no seu inteiro teor realizadas em diferentes cidades brasileira,

    possivelmente a fonte poltica mais esclarecedora dos destinos da OAB. As cartas foram

    decisivamente marcantes para se reconhecer o diagnstico que a OAB produziu(ra) do

    quadro poltico brasileiro, assim como as Conferncias, palestras e seminrios foram a base

    essencial para se identificar as grandes tendncias do pensamento ideolgico, que no

    tempo, se esvaziaram, ou se transformaram em propostas constituintes, ou se consolidaram,

    mesmo em dispositivos constitucionais ou legislativos.

    Os dados e informaes histricas, jurdicas ou polticas no foram, todavia,

    tratados aleatoriamente, muito ao contrrio, fizemos um grande esforo de compreenso

    analtica do material de pesquisa a partir da leitura e de pontos referenciais dos livros de

    Raymundo Faoro, Os donos do poder; de Victor Nunes Leal, Coronelismo, enxada e voto;

    de Jos Honrio Rodrigues, Conciliao e reforma no Brasil; de Luis Werneck Vianna A

    transio da Constituinte sucesso presidencial, e de Guilherme ODonnell (e outros)

    Transies do regime autoritrio. Raymundo Faoro e Vitor Nunes Leal classificam-se

    entre os autores que subsidiaram criticamente o reconhecimento e as linhas de construo

    do Estado patrimonialista e, Jos Honrio Rodrigues, est entre aqueles que, pioneiramente,

  • 24

    desenvolveram mecanismos tericos compreensivos da conciliao como estratgia para

    alcanar reformas que tivessem efeitos de sustentao na sobrevivncia do Estado

    conservador brasileiro, orientao subsidiada, nesta Tese, pelo estudo de Paulo Mercadante

    em O pensamento conservador no Brasil. Luiz Werneck Vianna e Guilherme ODonnell

    identificaram e avaliaram as estratgias de desconstruo do Estado de Segurana Nacional,

    assim como Wanderlei Guilherme dos Santos, precursoramente contribuiu para se

    definirem os novos fundamentos de legitimidade da moderna legalidade democrtica.

    Todavia, a discusso sobre os fluxos e refluxos dos movimentos ideolgicos dos diferentes

    perodos do Estado brasileiro o fizemos com base no desenvolvimento conceitual, das

    abordagens gerais desenvolvidas por Leandro Konder, sem que se dispensasse a leitura de

    alguns dos textos originais, que principalmente privilegiou a posio de Max Horkheimer.

    De qualquer forma, pela natureza da produo da Tese, em muitas

    circunstancias, mesmo que subsidiariamente, recuperamos artigos e livros que serviram

    para (nossos) estudos acadmicos pessoais, procurando, desta forma, assegurar uma certa

    continuidade intelectual no reconhecimento de temas que o tempo aproximou. Este esforo

    recuperativo, todavia, teve a exclusiva preocupao de integrar Tese trabalhos dispersos,

    que, pela sua modstia, poderiam se perder no tempo, mas foram teis, seno formulao

    de hipteses, definio de pressupostos analticos ou metodolgicos, principalmente

    servindo de apoio bibliogrfico, histrico ou jurdico.

    Neste sentido, as principais hipteses do trabalho foram elaboradas no

    propriamente, a partir de especulaes intelectuais, mas a partir do domnio organizado e

    sistematizado dos documentos e fontes consultadas, sendo, todavia, importante observar

    como j o fizemos, os autores supra-indicados e os seus textos referenciais citados nesta

    Tese, assim como a bibliografia correlata, foram essencialmente utilizados na demarcao

    terica do desenvolvimento analtico do conjunto documental, fctica e cronolgicamente.

    Isto significa, que, no propriamente, os documentos foram utilizados para demonstrar as

    hipteses, mas que procuramos nos esforar para que as hipteses evolussem da

    compreenso terica destes prprios documentos, evitando, todavia, que nas tantas

    situaes identificadas, os fatos ou os dados de informao, no fossem prejudicados na sua

    fora reveladora pelo excessivo comprometimento terico. Assim, a Tese se desenvolveu

    procurando incentivar as aberturas fcticas ou de informao a partir de posies tericas,

  • 25

    e, tambm, evitando que as posies tericas no ficassem sensveis ao disclosere dos fatos

    ou dos dados informativos.

    Genericamente, tomando como referncia de partida o primeiro ttulo

    Advocacia e o Estado patrimonialista, para alcanar os objetivos desejados, no primeiro

    Captulo intitulado O Estado Brasileiro e a Ordem dos Advogados, procuramos estudar a

    criao do Instituto dos Advogados Brasileiros em 1843 e os primrdios doutrinrios do

    iderio estatutrio no contexto dominante dos estamentos burocrticos do Estado

    patrimonialista. Posteriormente, no fluxo ascendente do corporativismo ideolgico, e da

    Revoluo de 1930, marcado pelas lutas anti-oligarquicas, procuramos mostrar a criao da

    OAB, no apenas como ato do Estado revolucionrio, mas tambm como reflexo do

    corporativismo ideolgico, no tanto pelas suas causas, mas pelos efeitos constitucionais,

    que durante o Imprio e a Primeira Repblica, impediram a criao da OAB. No Captulo

    imediatamente subseqente, neste mesmo Ttulo, a partir da leitura analtica dos primeiros

    estatutos, procuramos demonstrar a evoluo conflitiva interna na OAB entre o

    corporativismo ideolgico, que adquiriu feies polticas nacionais, e o liberalismo jurdico

    ascendente aps 1937/38, que contribuiu decisivamente para o desmonte do Estado Novo e,

    concomitantemente, para a construo do estado liberal democrtico de 1946, com incisiva

    participao da OAB e seus lideres, num quadro de incipiente influncia do movimento

    comunista e das ideologias de defesa da civilizao ocidental.

    Os captulos seguintes agrupados no Ttulo II A OAB e o Estado e Direito,

    concentram-se, exatamente, os estudos sobre a influncia constitutiva do liberalismo como

    ideologia da construo do Estado (formal) de Direito e, tambm, sua influencia sobre o

    iderio profissional dos advogados. Neste contexto, a Tese procurar demonstrar, ainda no

    Captulo III, conectando com os argumentos conclusivos dos captulos anteriores, a relao

    entre ideologia (geral) com a ideologia jurdica e o iderio estatutrio (profissional), para,

    finalmente, nos dois captulos seguintes, a partir das discusses sobre a construo e a

    transferncia dos tribunais para Braslia e a resistncia corporativa da OAB, avaliar a

    elaborao do novo Estatuto dos advogados e seus efeitos sobre o desmonte jurdico dos

    resduos do Estado patrimonialista e a reprojeo das elites jurdicas no quadro de alianas

    com os militares que resultou no movimento militar de 1964, politicamente aprofundado

    em 1968, e na definitiva crise da liberal-democracia.

  • 26

    A pesquisa, neste sentido, procurou demonstrar, tambm, os paradoxais

    momentos histricos em que a Ordem dos Advogados, se desviou do projeto democrtico,

    na expectativa de resguardar a prpria democracia, a democracia liberal. No h como

    desconhecer esta realidade, que, em tudo, e por tudo, fica evidente no trabalho, assim como,

    apesar dos esforos sucessivos de pesquisa, o liberalismo ideolgico a marca do iderio

    profissional, que ronda os anseios e projetos dos advogados. Muitos, no so poucos os

    momentos, inclusive, na reta final das decises constituintes de 1987/88, em que a tese

    principal dos debates sobre as condies de sobrevivncia da advocacia excludo o

    liberalismo como projeto constitucional.

    Este contexto de preocupaes permitiu, principalmente a partir do estudo

    detalhado das teses apresentadas nas Conferncias Nacionais da OAB, definir os padres

    referenciais da evoluo da ideologia jurdica, imprescindvel ao iderio profissional,

    inicialmente marcada pelo individualismo iluminista e pela defesa do Estado de Direito.

    Neste sentido, antes de se iniciar no Ttulo III, procuramos no Captulo VI A OAB e a

    Crise da Liberal Democracia, desmontar o seu dilema diante da presso trabalhista-

    sindicalista e do projeto revolucionrio (cvico) militar que levou ao Estado de Segurana

    Nacional. O enfrentamento do Estado autoritrio, que no ocorre exatamente aps a sua

    instalao em 1968/69, mas, na verdade, a partir de 1974/76, como procuraremos

    demonstrar, foi marcado, especialmente a partir da VII Conferncia, pelo desdobramento de

    uma proposta mais aberta comprometida com os direitos humanos, enquanto expresso dos

    novos direitos existenciais e dos direitos de cidadania coletiva e difusa, o que permitiu

    demonstrar, por outro lado, as grandes dificuldades dos advogados com os projetos

    ideolgicos, que, de uma forma ou de outra, podem influenciar transformaes sociais

    estruturais.

    Para demonstrar estas hipteses, os ttulos e captulos sucessivos da Tese

    procuraro insistir no apenas na definio e no desenvolvimento do iderio estatutrio, e

    nos regulamentos e regimentos, mas tambm na influncia dos projetos polticos e

    ideolgicos sobre o seu prprio iderio profissional, sem se esquecer, claro, que o iderio

    profissional em muitas ocasies funciona(va) como base referencial de segurana para a

    ao dos advogados, e, em outros momentos, como base de resistncia ideolgica de

    projetos de mudanas mais ousados ou mais avanados, que ameaassem a dinmica

  • 27

    interna da evoluo dos institutos jurdicos. Alias, do ponto de vista poltico, e corporativo,

    fica sempre demonstrado que o compromisso dos advogados com o direito institudo e,

    com a sua mudana, apenas no espao possvel de transformao endgena. Tal posio,

    pelo que se verifica do estudo que elaboramos, em tantas circunstncias, coloca os

    advogados frente da ordem estabelecida, quando ela foge dos parmetros gerais da

    ideologia jurdica, e, na sua retaguarda, quando, da perspectiva corporativa, a dinmica

    ideolgica da vida poltica ameaa os institutos jurdicos consolidados.

    Neste sentido, a parte mais substanciosa e robusta da Tese concentra-se nos

    estudos do temrio das Conferncias, e nas cartas de encerramento dos respectivos

    encontros, muito especialmente a partir de 1968, quando a OAB evolui da Carta

    Constitucional de 1967, que procurava uma composio entre liberalismo e segurana

    nacional, que sucumbiu com a Emenda n 1/69, para um projeto de abertura do liberalismo

    para a defesa dos direitos humanos, atravs de uma participao mais ativa no Conselho de

    Defesa dos Direitos da Pessoa Humana CDDPH, criado em 1964, e alterado em 1968. O

    CDDPH no entanto, foi, finalmente, acuado e constrangido nos seus propsitos, ante o

    escamoteamento das apuraes e dos atos que adquiriram dimenso processual e o

    vertiginoso crescimento das aes paraestatais. O encerramento da fase de convivncia fez

    das conferncias o grande palco de novas idias, o frum de construo de um novo projeto

    de democracia para o Brasil.

    As conferncias, no seu conjunto, evoluram, tematicamente, no grande espao

    aberto das discusses sobre direitos humanos, a linha de convivncia entre o velho

    liberalismo iluminista e o socialismo, mas que evoluiu para significativas reavaliaes do

    iderio profissional com profundos efeitos sobre uma futura ideologia jurdica. As palestras

    nas Conferncias, como mostraremos, procuram preservar o essencial dos institutos

    jurdicos e polticos, neste momento, numa temtica restauradora do Estado de Direito,

    presidido pelo humanismo solidarista, mais que liberal. No h como desconhecer, de

    qualquer forma, que as discusses sobre os direitos humanos, reaproximaram os advogados,

    os transformou, tambm, seno apenas em vitimas como profissionais limitados nos seus

    direitos de ao, em vtimas polticas conduzidas de crcere em crcere, at que a prpria

    OAB Federal viesse a ser includa na escalada do terror.

  • 28

    Este quadro de enfrentamentos, todavia, no impediu, como mostraremos, que,

    a OAB, constrangida, inclusive, nos seus direitos estatutrios, silenciada no CDDPH, e

    submetida aos rgos de governo, por fora de decretos autoritrios, como aconteceu em

    1974, na tentativa de subtrair sua autonomia, no encontrasse espao para forar a primeira

    Lei de Anistia, em 1979, forando, tambm, a ruptura das leis autoritrias para viabilizar

    seus novos projetos e idias. Neste perodo ampliaram-se as teses sobre a liberdade e a

    justia social, mas, avolumaram-se as teses sobre o direito ambiental, os direitos das

    minorias, os direitos difusos e coletivos e os direitos existenciais que vieram a fortalecer a

    tese especialssima do Estado de Direito Democrtico, como inicialmente se denominou, o

    que a Constituio de 1988 reconheceu como Estado Democrtico de Direito.

    As crises institucionais internas neste perodo, exceto pontual e residualmente,

    so transposies das crises de ordem poltica geral, sendo que, poucas, foram, as situaes

    em que a OAB esteve mergulhada em crises, que dificultassem a sua atuao, ou o seu

    posicionamento interno ou externo, evidenciando-se, todavia, que o radicalismo nunca foi a

    regra de seus atos, que contra o autoritarismo e o terror, sempre foi reativo, gerando fatos

    novos apenas nas propostas de novas idias ou nas indicaes constituintes. Alias, a Tese

    ao longo de suas demonstraes deixa evidente a repulsa continuada ao radicalismo e a

    qualquer projeto que fugisse da lgica possvel de mudar a ordem pela ordem.

    Neste sentido, para demonstrar tais situaes, muito concentramos a nossa Tese

    na crise provocada internamente pelo processo de transferncia da Capital Federal para

    Braslia ainda na fase pr-revolucionria, que, aparentemente, era uma nova questo

    geogrfica, mas, nos seus efeitos traduzia a ruptura do pacto possvel entre o liberalismo

    udenista e o trabalhismo getulista, apoiado, em estranha frmula de composio com os

    conselheiros pessedistas. A crise interna provocada posteriormente com a carta-bomba

    dirigida ao Presidente do Conselho Federal, Eduardo Seabra que abrir a temporada da

    resistncia institucional administrada pelo Presidente Bernardo Cabral, mais demonstrar a

    imprescindvel e necessria cautela para se fazer dos mandatrios do regime autoritrio

    instrumento para intimidar o desespero do terror paraestatal, da mquina repressiva em

    desagregao.

    O Conselho Federal se conduziu com habilidade nos tortuosos caminhos,

    marcados pelo movimento das Diretas J, de iniciativa poltica e partidria, mas, que, no

  • 29

    exatamente traduzia o seu projeto precursor da Assemblia Nacional com plenos poderes

    constituintes. Este movimento poltico teve alto significado corporativo de grande

    importncia e a decisiva presena na histria interna da OAB, especialmente porque

    colocou em cheque a questo estatutria do envolvimento poltico e partidrio, mas, no

    equilbrio das posies no provocou divises internas irreconciliveis, demonstrando, no

    entanto, que a OAB no estava infensa s lutas ideolgicas nos graves momentos de

    mudanas histricas.

    De qualquer forma, a Tese efetivamente demonstra que a OAB nasceu como

    instituio corporativa preocupada com a definio dos direitos e deveres do advogado,

    mas que, nas diferentes condies histricas, evoluiu nos seus compromissos polticos e

    ideolgicos para legitimar as mudanas e modificaes dos direitos e deveres dos

    advogados, juridicamente institudos nos seus estatutos ou em norma de ordem geral, como

    especial forma de resguardar a ordem jurdica instituda. Neste sentido, a Tese percorre um

    amplo perodo histrico para demonstrar os fluxos e refluxos da vida profissional do

    advogado, procurando identificar as razes das resistncias imperiais e republicanas

    criao da OAB at o seu decisivo papel na convocao da Assemblia Constituinte de

    1945/46, que elaborou a Constituio de 1946, que implantou o Estado de Direito e na

    convocao da Assemblia Constituinte que elaborou a Constituio de 1988, criando o

    Estado Democrtico de Direito.

    No Ttulo IV A OAB e a Redemocratizao, depois de avaliar as

    conseqncias da derrota das Diretas J, e seus efeitos sobre o Conselho Federal, assim

    como as frustraes da convocao da Assemblia Constituinte, com poderes limitados,

    convivendo, com fraes remanescentes do poder autoritrio, e com base na prpria

    Constituio de 1967/69, mutilada pelas emendas de segurana nacional, procuramos

    desenvolver, no Captulo X, o grande paradoxo da transio poltica na relao

    concomitante entre a Lei de Anistia de 1979, que mostrava a disposio para a convivncia

    poltica, e o terror paraestatal, que afetou os mais diferentes mbitos da vida poltica

    brasileira, transformando, em verdade irrecusvel, o projeto constituinte que evoluiu

    marcado pelo ideal de uma democracia econmica. No Captulo XI, que ainda se

    constitui como parte integrante do Ttulo IV, procuramos analisar o dilema constituinte

    frente ao projeto de eleies presidenciais diretas, que, se no teve sucesso enquanto tal,

  • 30

    muito bem serviu para a tomada nacional de uma conscincia poltica radical e divergente

    do modelo autoritrio. A Conferencia de Recife marcou o inicio destas novas posies,

    permeadas por um certo radicalismo ideolgico que influenciar, de qualquer maneira, as

    conferencias que seguiro at a Carta de Porto Alegre.

    No Ttulo V A OAB e o Estado Democrtico de Direito a Tese

    fundamentalmente se concentra, na sua primeira parte, no estudo comparado entre as

    concluses constituintes da OAB e o Anteprojeto da Comisso Arinos, assim como alguns

    aspectos essenciais do texto constitucional de 1988. Na verdade o Captulo XII uma

    leitura poltica de textos constitucionais comparados, procurando identificar os pontos de

    recuo e avano entre as diferentes propostas. Reconhecemos que este foi um dos aspectos,

    da Tese, mais difceis de se desenvolver, mas de qualquer forma, ele permitiu um estudo

    pioneiro entre o projeto da OAB, marcado por uma proposta de democracia econmica, e

    o Projeto Arinos, de forte influencia social-liberal.

    Na verdade, nos estudos finais procuramos demonstrar, que, evoluindo de sua

    tradio liberal, clssica, o Projeto Constituinte da OAB, contribui para consolidar o Estado

    Democrtico de Direito, mas no conseguiu avanar alm do humanismo social-liberal,

    contrastando-se com as fraes que propunham uma democracia econmica desde a X

    Conferncia, em Recife, e da XI Conferncia em Belm, transformada em ideologia crtica

    da nova Constituio, na Conferncia e na Carta de Porto Alegre. A proposta constituinte

    da OAB, de qualquer forma, foi marcante para a histria brasileira moderna e permitir que

    os estudiosos do tema identifiquem, nas suas concluses, um grande esforo para provocar

    reformas estruturais que rompessem com as matrizes do atraso e do desenvolvimento.

    A Conferncia de Porto Alegre, neste sentido, foi um marco referencial na

    histria da crtica ao constitucionalismo brasileiro de 1988, deixando transparecer que

    estvamos evoluindo para duas linhas propositivas: o Estado Democrtico de Direito, como

    parmetro institucional para alcanar novas mudanas sociais que expressassem as

    expectativas da sociedade civil e, como instrumento para se alcanar as posies mais

    radicais que viam, apenas, nos movimentos sociais, a fora suficiente para provocar

    mudanas matriciais estruturais. Estas duas linhas de ao, que foram ressaltadas, no

    apenas na Conferncia, mas na Carta de Porto Alegre, demonstram, que o pas promulgava

    a sua nova Constituio mergulhado no dilema dos caminhos alternativos para a mudana,

  • 31

    que demonstrou o tempo, mais evoluiu para desmontar a ordem econmica estatista da

    Constituio e reestruturar a ordem econmica numa perspectiva neoliberal, que no estava

    no quotidiano dos debates constituintes e nem muito menos estava imerso no projeto do

    Estado Democrtico de Direito.

    No podemos deixar de observar, todavia, que o estudo das conferncias e das

    prprias atas das reunies do Conselho Federal da OAB, permitiram-nos identificar a elite

    da representao poltica ou corporativa da vida jurdica brasileira, que, em geral, tambm

    se reproduzia nos rgos do Poder Legislativo, do Poder Judicirio e do Poder Executivo.

    No h tendncias predominantes, nem muito menos h evidncias de que a OAB tenha

    sustentado posies de movimentao no cenrio poltico geral para as suas lideranas

    internas, mas, de qualquer forma, no podemos desconhecer este fenmeno, assim como,

    que, na OAB, estavam algumas das mais expressivas representaes do pensamento

    jurdico, e, muitas vezes, da intelectualidade brasileira.

    Finalmente, este trabalho permitir no apenas confirmar, seno absolutamente,

    significativamente, as itemizaes das hipteses traduzidas no ndice geral, e de sua

    conseqente leitura e anlise, mas tambm comprovar que a Ordem dos Advogados do

    Brasil contribuiu, para resguardar, no tempo histrico, o Estado de Direito, mais

    decisivamente para constitucionalizar o humanismo jurdico como objetivo fundamental do

    Estado e pressuposto do Estado Democrtico de Direito, como projeto constitucional. Estes

    novos parmetros democrticos presidiram a ltima das Conferncias que analisamos (XII),

    que se encerrou na data de promulgao da nova Constituio brasileira, onde se teceram

    algumas das mais precisas construes crticas das matrizes da sociedade, do Estado, do

    direito e da democracia no Brasil, mas, ao mesmo tempo, no teve a eficcia poltica

    necessria para transformar o Estado Democrtico de Direito em instrumento para

    viabilizar o projeto de aprofundamento das mudanas sociais. Nos estudos conclusivos do

    ltimo Captulo As Propostas Constitucionais e o Novo Estatuto de 1994 , assim como

    na concluso geral da Tese, abordaremos as causas e os efeitos que repuseram a OAB no

    projeto de mudana da ordem pela ordem e que viabilizaram, constitucionalmente, a mais

    profunda, seno a nica, contra-revoluo institucional da ordem atravs da ordem.

  • 32

    TTULO I

    A ADVOCACIA E O ESTADO PATRIMONIALISTA

  • 33

    Captulo I O ESTADO BRASILEIRO E A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

    Introduo

    Raymundo Faoro, jurista e intelectual, ex-presidente do Conselho Federal da

    OAB, no perodo difcil de marchas e contra marchas da abertura do regime autoritrio,

    escreveu um dos mais importantes e significativos estudos da histria poltica e

    institucional sobre as origens e a formao do Estado patrimonial brasileiro, especialmente

    concentrando a sua anlise nos movimentos internos do estamento burocrtico governante,

    a sua capacidade de reproduo e a sua fora hegemnica no Estado brasileiro: Os donos do

    poder.1 Por outro lado, Victor Nunes Leal, jurista, intelectual e ex-ministro do Supremo

    Tribunal Federal, que decisivamente influenciou na modernizao do seu processo de

    deciso, ex-conselheiro do Conselho Federal da OAB, escreveu outro dos mais importantes

    livros da histria poltica e institucional brasileira sobre as elites no poder e a fora de

    dominao das oligarquias republicanas, atravs de mecanismos eleitorais (legais) e de fato,

    intitulado: Coronelismo, enxada e voto.2

    A compreenso estratgica da sobrevivncia do Estado patrimonialista,

    originariamente patriarcalista e, posteriormente oligrquico, deveu-se, em muito, ao

    meticuloso estudo de Jos Honrio Rodrigues sobre as polticas de conciliao como

    polticas de composio entre as diferentes fraes que se acomodavam nos diferentes

    segmentos do estamento burocrtico: Conciliao e reforma no Brasil3. O seu meticuloso

    trabalho recupera, com clarividncia, este fenmeno por vasto perodo da histrica colonial

    e imperial brasileira, procurando, de qualquer forma, demonstrar que a liderana

    conciliatria no tinha, como prtica, desrespeitar o regime representativo, mesmo com

    1 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formao do patronato poltico brasileiro. 3. ed. (revista). So Paulo: Globo, 2001. 2 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o municpio e o regime representativo no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. 3 RODRIGUES, Jos Honrio. Conciliao e reforma no Brasil. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1965.

  • 34

    suas fraudes e insuficincias legislativas, evitando, sempre, os excessos, atraia os liberais

    exaltados, acalmava os radicais procurando diminuir os antagonismos sociais adiando os

    conflitos de carter social. Estas prticas na arguta leitura de Jos Honrio impediam a

    renovao do pas

    no promovia as reformas tornava lento o processo histrico e o progresso que no respondesse aos interesses instamentais. A conciliao, que domina essencialmente toda a poltica brasileira (...) [tinha como pressuposto] acomodar para salvar o essencial, defendendo a grande propriedade (e a escravido) os grandes proprietrios, os potentados do interior como os viu Nabuco de Arajo, de um povo dominado por latifundirios s se poderia esperar a rejeio das reformas sociais e econmicas.4

    O mesmo Jos Honrio analisando o fenmeno da conciliao no perodo

    republicano consegue distinguir a fora impulsiva de Floriano Peixoto, que sucedeu a

    Deodoro, preocupado em consolidar a Repblica, mesmo enfrentando o predomnio ingls

    na economia brasileira e os republicanos histricos como Rodrigues Alves e o lcido

    representante do esprito conciliador civilizado Rui Barbosa, dominado pelas preocupaes

    urbanas e pelo intelectualismo jurdico. Apesar das posturas diferenciadas entre o

    florianismo militarista intolerante e o intelectualismo jurdico conciliador de Rui Barbosa

    fracassaram ambos ante a fora conciliadora do patrimonialismo estamental, que marca os

    estudos essenciais deste Captulo.5

    Estes autores marcaram os modernos estudos sobre a compreenso do estado

    brasileiro, assim como definiram os limites imprescindveis sua modernizao. Da mesma

    forma, em leitura aberta e genrica, identificaram os grandes limites do sistema estatal de

    dominao poltica e, ao mesmo tempo, a natureza atvica do Estado comandado pelo

    estamento burocrtico presidido pelos pactos do baronato imperial com o Poder Moderador

    e pelos pactos dos coronis com o poder poltico controlado pela oligarquia, nas ambas 4 RODRIGUES, op. cit., p. 60 e 64. 5 Ver, tambm, p. 75 a 80, onde est que as polticas de conciliao de qualquer forma em muitos momentos estiveram ameaadas, mas sempre privilegiavam o processo de deciso do grupo poltico que melhor se conciliava com os grandes interesses econmicos latifundirios e cafeeiros. Neste contexto destaca-se a posio de Arthur Bernardes que para manter os pactos de conciliao reforou o poder de polcia, muito embora a sua reforma constitucional de 1926 viesse a demonstrar que o patrimonialismo oligrquico estava esgotado. Ver, tambm, Mauro Santayana. In: Coisas da Poltica. Jornal do Brasil, 9.3.07. p. A2. Sugerimos tambm a leitura de Frederico de S. (Pseudnimo de Eduardo Prado) Fastos da ditadura militar no Brasil. So Paulo: Martins Fontes, 2003, conjunto de artigos publicados na Europa (Portugal) sobre as dificuldades e os faustas do militarismo republicano no Brasil (1889/1891).

  • 35

    dimenses comprometidos com a economia agrria exportadora e com os seus agentes

    privados no exerccio de funes de interesse pblico.

    Na verdade, o Estado patrimonialista, na histria poltica brasileira, foi o

    herdeiro dos pactos privados no poder pblico que se projetou no tempo histrico como

    uma rgida estrutura poltica insensvel dinmica da sociedade e s ideologias

    compreensivas do Estado moderno, bem como ao conseqente iderio de fracionamento

    das funes pblicas e privadas exercidas cumulativamente por rgos e agentes do Estado.

    Esta especialssima postura tornou o Estado brasileiro, no apenas resistente

    modernizao burocrtica, mas muito especialmente a qualquer projeto que procurasse

    implementar mecanismos de funcionamento democrtico. Observa Raymundo Faoro que:

    De Dom Joo I a Getlio Vargas, numa viagem de seis sculos, uma estrutura poltico-social resistiu a todas as transformaes fundamentais, aos desafios mais profundos, travessia dos oceanos largo. O capitalismo politicamente orientado o capitalismo poltico, ou pr-capitalismo , centro da aventura, da conquista e da colonizao moldou a realidade estatal, sobrevivendo e incorporando na sobrevivncia o capitalismo moderno, de ndole industrial, racional na tcnica e fundado na liberdade do individuo (...). A comunidade poltica conduz, comanda, supervisiona os negcios, como negcios privados seus, na origem, como negcios pblicos depois (...). Dessa realidade se projeta, em florescimento natural, a forma de poder, institucionalizada num tipo de domnio: o patrimonialismo, cuja legitimidade se assenta no tradicionalismo assim porque sempre foi.6

    Por outro lado, Victor Nunes Leal, sem que especificamente se concentre no

    estudo do Estado patrimonialista, mesmo (patriarcalismo do) poder dos (coronis) oligarcas

    sobre os municpios, exponencializou, no apenas a sua representao federativa, mas a sua

    fora no interior do Estado. Neste sentido, observa Victor Nunes, identificando a varivel

    patrimonialista determinante:

    O coronelismo apresenta-se, desde logo, como certa forma de incurso do poder privado no domnio poltico (...) significando o isolamento, ausncia ou rarefao do poder poltico. Da a tentao de o considerarmos puro legado ou sobrevivncia do perodo colonial, quando eram freqentes as manifestaes de hipertrofia do poder privado a disputar atribuies prprias do poder institudo (mas o coronelismo no um mero patriarcalismo colonial) que alcanou sua expresso mais aguda na primeira Repblica (...) chegamos assim ao ponto que nos parece nuclear para conceituao:

    6 Op. cit., p. 819 e 820.

  • 36

    este sistema poltico dominado por uma relao de compromisso entre o poder privado decadente e o poder pblico fortalecido.7

    Foi exatamente neste contexto da dominao patriarcalista (imperial) e

    oligrquica (republicana) do Estado patrimonialista que se desenvolveram as lutas pela

    criao da OAB, primeiramente com a criao do Instituto Brasileiro dos Advogados

    IAB, em 1843, que tinha como finalidade precpua a criao da Ordem dos Advogados,

    como organizao disciplinar dos advogados e, posteriormente, a sua transformao (na

    Repblica) em Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros IOAB, que evoluiu na crise

    da oligarquia republicana para a criao da prpria Ordem dos Advogados dos Brasileiros

    (do Brasil) OAB, por ato revolucionrio de Estado em 1930. O Regulamento de 1931,

    construiu o primeiro catlogo do iderio disciplinar e os regulamentos sucessivos

    definitivamente consolidados em 1933 definiram os postulados doutrinrios centrais do

    iderio profissional dos advogados que viriam a presidir a sua histria: a advocacia como

    exerccio privado de funo pblica relevante, a separao funcional entre o exerccio de

    funes pblicas e o exerccio da advocacia, a definio do catlogo disciplinar de deveres

    e prerrogativas profissionais, como compromisso de defesa daqueles que estivessem

    privados ou ameaados de perder os seus direitos e, finalmente, a organizao da Ordem

    dos Advogados, como servio pblico autnomo e independente.

    A identificao destes postulados doutrinrios do iderio central dos advogados

    permitiu que os itens centrais deste Captulo se concentrassem em importante e

    indispensvel estudo sobre o conceito pragmtico de iderio profissional (dos advogados),

    mas muito especialmente sobre a sua evoluo no contexto dinmico das ideologias

    polticas que influenciam a vida poltica do Estado. Imprescindvel, para a efetiva

    inteligncia, no apenas do Captulo, mas da Tese, embora no sendo este seu objetivo,

    analisamos as principais vertentes modernas do conceito de ideologia e a sua adaptao aos

    7 Op. cit., p. 275/6. Para maior elucidao ver tambm, recentemente reeditado, de VILAA, Marcos Vincios e ALBUQUERQUE, Roberto Cavalcanti de. Coronel, coronis: apogeu e declnio do coronelismo no nordeste. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. Os autores traam um lcido e interessante perfil dos coronis como especial figura da vida poltica e social nordestina (e brasileira), destacando sua ostensiva presena no comando das prestaes dos servios pblicos (p. 65), bem como a sua presena autocrtica e as suas decises autoritrias e passiva aceitas (p. 65). De qualquer forma, a compreenso prospectiva das oligarquias na histria brasileira pode ser medida pelo excepcional artigo de Furtado, Celso. De Loligarchie LEtat militaire, publicado em Les H Temps Modernes, Paris, out. 1967.

  • 37

    documentos jurdicos essenciais como ideologia jurdica, que, em tantas circunstncias,

    influem sobre o iderio profissional dos advogados e, em tantas outras, como

    demonstramos, encontram resistncia no prprio iderio corporativo, num fluxo de tenses

    que resultaram sempre em mudanas estatutrias.

    Neste primeiro Captulo, a partir destes itens centrais, o objetivo da Tese foi

    exatamente identificar o processo histrico das flutuaes de relacionamento entre o Estado

    brasileiro e a Ordem dos Advogados, procurando, demonstrar, que, ao contrrio da

    hermenutica parlamentar imperial, e republicana, que rejeitou os sucessivos projetos de

    criao da OAB, inclusive o de Montezuma (Francisco G de Acayaba, 1794/1870),

    primeiro e histrico presidente do IAB, os advogados no tinham qualquer resistncia

    abolio das corporaes de ofcio e ao livre exerccio das profisses, mas, muito ao

    contrrio, pretendiam criar uma organizao profissional corporativa com a finalidade de

    disciplinar o livre exerccio profissional, para evitar desvios e compromissos esprios de

    profissionais (bacharis e provisionados) e, ao mesmo tempo, impedir que agentes do poder

    pblico, conselheiros de Estado, ministros de Estado, juzes e desembargadores,

    promotores, procuradores, funcionrios do fisco e aduanas, delegados de polcia, o

    estamento burocrtico do estado na linguagem de Raymundo Faoro, e, at mesmo

    parlamentares, exercessem, cumulativamente, a advocacia ou se reservassem poderes para

    provisionar rbulas e solicitadores.

    Na verdade, a histria da criao da OAB, e seu desenvolvimento subseqente,

    so a histria da luta contra o patrimonialismo estamental, no Imprio, dominado pelos

    bares e muitos de seus quadros de elite originrios das prprias Academias de Direito de

    So Paulo e Olinda/Recife, e, na Repblica, dominado pelos oligarcas representados,

    (quase) sempre, pelos bacharis no poder (e na advocacia).8 Por isto, de certa forma, a tese,

    que assumimos neste Captulo demonstra o ato de criao da OAB, em 1930, como ato

    (revolucionrio) de Estado, como uma vitria contra o patrimonialismo oligrquico cujos

    estamentos burocrticos resistiram (e impediram) a sua criao (ou transformao

    8 Recente catlogo de dados biogrficos atualizado por Pedro J. X. Maltoso, sobre ex-ministros do Supremo Tribunal de Justia e Supremo Tribunal Federal (1828/2001), originariamente organizado por Laurnio Lago, prefaciado por Carlos Velloso, permite a elaborao de interessantes cruzamentos biogrficos sobre a origem e a formao dos ministros do Supremo, confirmando a tendncia desta afirmao. LAGO, Laurnio. Supremo Tribunal de Justia e Supremo Tribunal Federal. Braslia: STF, 2001.

  • 38

    legislativa), atravs dos mais diferenciados mecanismos polticos e judiciosos, por mais de

    100 (cem) anos. As circunstncias histricas que presidiram a Revoluo de 1930,

    especialmente os seus desdobramentos dilemticos, no contexto da expanso do

    corporativismo ideolgico e do autoritarismo getulista em visvel contradio com o

    passado liberal iluminista das lutas dos advogados no IAB e no IOAB, e, tambm, no

    Parlamento republicano, no deixaram de influir no ato histrico de criao da OAB e nos

    primeiros anos de seu funcionamento. O fato, todavia, mais relevante, que prevaleceu na

    sua histria a fora determinante do projeto, no apenas como projeto de criao de uma

    corporao, que, disciplinando, o exerccio da advocacia, provocou (gradualmente) o mais

    importante fenmeno do Estado brasileiro moderno: a desconstruo do patrimonialismo

    estamental que interceptou, por anos sucessivos, o funcionamento do Estado de Direito e a

    construo dos fundamentos democrticos do Estado brasileiro.

    Finalmente, nos ltimos itens deste Captulo, procuramos, no apenas analisar a

    crise do quadro revolucionrio que viabilizou a criao e instalao do Conselho Federal da

    OAB, mas, tambm, procuramos, nas prprias concluses do Captulo, fazer uma releitura

    da anlise desenvolvida para abrir os caminhos dos captulos subseqentes como espaos

    de estudo do papel da OAB na construo do Estado de Direito e da Democracia no Brasil.

    1 Preliminares Histricas

    A moderna compreenso do papel da Ordem dos Advogados do Brasil na

    sociedade brasileira exige a sua exata localizao no tempo histrico e a exata definio do

    exerccio da advocacia como pressuposto da interligao entre os interesses individuais (e

    sociais) e o funcionamento dos poderes de Estado, muito especialmente, do Poder

    Judicirio. Por estas razes, a compreenso do papel que a OAB desempenhou na histria

    brasileira depende da efetiva demonstrao da capacidade representativa dos advogados

    enquanto procuradores de interesse e do seu exato papel na representao de interesses

    conflitivos nas diferentes rbitas do poder pblico, o que forma a sua estrutura

    extremamente sensvel aos efeitos (coercitivos) das ideologias sobre o seu iderio

  • 39

    estatutrio e, ao mesmo tempo, por conseguinte, na prestao judicial dos servios jurdicos

    sua hermenutica.

    Para a localizao do papel da OAB, no tempo histrico, imprescindvel o

    reconhecimento de duas especialssimas linhas de pesquisa sobre e as atividades dos

    advogados e da prpria corporao: a influncia interna das experincias internacionais de

    criao dos organismos corporativos de advogados e a evoluo institucional da advocacia

    e dos seus institutos protetivos no Brasil, a partir da criao do Instituto dos Advogados

    Brasileiros IAB, em 7 de agosto de 1843. A primeira linha de estudo est intimamente

    associada influncia europia, acentuadamente marcada pela Ordem dos Advogados de

    Paris, e, a segunda linha, est marcada pela evoluo de nossa prpria experincia interna, a

    partir dos sucessivos projetos de lei que visaram organizar a Ordem dos Advogados do

    Brasil como objetivo estatutrio do IAB.

    No que se refere primeira linha, alguns estudos sobre as origens da OAB no

    Brasil tendem a vincular a sua origem e evoluo ao Decreto Francs de 1810, promulgado

    por Napoleo Bonaparte, que, aps sucessivas e tantas resistncias, onde enquadrou mesmo

    os advogados como idelogos, restaurou a Ordem dos Advogados, e reconheceu a sua

    importncia no contexto da defesa dos direitos e do funcionamento do Estado9. No

    podemos, todavia, ser exatamente taxativos no reconhecimento da influncia do estatuto

    napolenico sobre a construo da Ordem dos Advogados no Brasil, mesmo sobre as

    incipientes experincias brasileiras, assim como a compreenso da segunda linha evolutiva

    exige uma exata percepo do quadro constitucional e legislativo vigente entre os anos de

    1824 (1843) e 1930.

    Nenhuma leitura do texto legal (inaugural) francs pode indicar exatas

    similaridades com os projetos legislativos brasileiros, mas, no de todo impossvel

    afirmar que o projeto pioneiro de criao da OAB, elaborado por Francisco G Acayba de

    Montezuma, primeiro presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, discutido no

    Parlamento Imperial (......) teve como parmetro a organizao dos advogados de Paris,

    especificamente o Dcret Imperial contentenant Rglement sur lexercice de la Profession

    dAvocat, et la discipline du Barreau (Decreto Imperial contendo Regulamento sobre o

    9 Bulletin des Lois, n 332. Dcret Imprial contenant Rglemente sur lexercice de la Profession dAvocat, et la discipline du Barreau (n 6177). Au palais des Tuileries, le 14 Dcembre 1810.

  • 40

    exerccio da profisso do Advogado e a disciplina do Barreau) de 14 de dezembro de

    1810.10 Muitos afirmavam, na Cmara dos Deputados, como o deputado Figueira de

    Mello,11 que o projeto brasileiro12 era uma cpia do Decreto francs de 14 de dezembro de

    1810,13 o que projeto legislativo de Montezuma no confirma. No Senado, afirmaes

    semelhantes, tambm eram difundidas pelos senadores. O senador Dantas referindo-se ao

    dispositivo que trata das medidas disciplinares, quando analisava a redao do 5 do art.

    4,14