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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
DOS ILÍCITOS TRIBUTÁRIOS
Por: Francisco de Assis da Silva
Orientador
Prof. Carlos Afonso Leite Leocadio
Rio de Janeiro
2009
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
DOS ILÍCITOS TRIBUTÁRIOS
Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do
Mestre – Universidade Candido Mendes como
requisito parcial para obtenção do grau de
especialista em Direito Público e Tributário
Por: . Francisco de Assis da Silva
3
AGRADECIMENTOS
A todo o Corpo Docente do Instituto A
Vez do Mestre e aos alunos da minha
turma, todos companheiros nessa
viagem de conhecimento empreendida
em árduas noites de sexta-feira.
4
DEDICATÓRIA
Marinete, tia e grande professora da vida,
Laurinha pela compreensão da
importância desse projeto e palavras de
incentivo, Luciane sem a qual não teria
jamais conhecido esse curso.
5
RESUMO
O Direito presta seus serviços à humanidade apresentando soluções
para os problemas de convívio social, problemas esses que vão se
apresentando à medida que evolui a sociedade. Exemplo de solução para o
problema da sonegação fiscal é a decisão de se criminalizarem certas
condutas praticadas pelos contribuintes. A lei então, estabelecendo quais
praticas seriam consideradas lesivas a arrecadação tributária, elenca sanções
de ordem administrativa e penal para que se punam determinadas práticas
comumente cometidas por certos contribuintes. O objetivo da sanção é o
estímulo ao cumprimento das obrigações tributárias (ou o desestímulo ao seu
não cumprimento) sejam elas principais ou acessórias em relação a o
pagamento de tributos, bem como evitar-se uma conseqüente queda da
arrecadação caso certas práticas de contribuintes não sejam coibidas. O
problema está em que certas práticas da fiscalização tributária, a despeito de
sua previsão legal, parecem estar frontalmente contra a ordem constitucional.
E a técnica de considerar-se crime certas práticas dos contribuintes, revela-se
meio coercitivo pouco eficaz visto a complexidade de nossas normas tributárias
e o aparente intuito de estabelecer-se a inconstitucional “prisão por dívida” por
parte do legislador infraconstitucional. O Estado não pode abrir mão de
medidas punitivas aos sonegadores de impostos, pois esses sonegadores, em
última análise, impedem as políticas públicas que visam beneficiar a sociedade
como um todo e não apenas uns poucos “eleitos” , assim como impedem as
políticas públicas tendentes à diminuição das desigualdades socioeconômicas
já que as medidas governamentais para diminuição das desigualdades
envolvem, obviamente, o dinheiro desses contribuintes. A solução é
considerar-se as práticas sonegatórias ilícitos de ordem meramente
administrativa e puníveis portanto somente na esfera civil, aumentando-se o
valor das multas para que sejam desestimuladas as práticas sonegatórias,
além de uma melhora no quadro de fiscais de modo a afastarem-se os maus
servidores que também contribuem em grande parte para com a sonegação.
6
METODOLOGIA
A metodologia adotada para a confecção do presente trabalho
compreende a análise bibliográfica dos trabalhos de estudiosos do Direito,
principalmente os doutrinadores do ramo do Direito Tributário e Direito Penal e
em especial os que se debruçaram sobre o problema dos ilícitos tributários,
bem como a análise da jurisprudência de nossos tribunais superiores (STF/
STJ) a fim de compreender-se a interpretação dada aos dispositivos da
legislação tributária e averiguar como nossa legislação vem sendo aplicada ao
caso concreto.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I - Os Tributos 10
CAPÍTULO II - Os Ilícitos Tributários 20
CAPÍTULO III – A Lei 8.137/90 30
CONCLUSÃO 38
BIBLIOGRAFIA 41
8
INTRODUÇÃO
O objetivo desta monografia é analisar aos ilícitos tributários. Ilícitos
tributários são atos contrários à legislação tributária e penal, cometidos pelos
sujeitos passivos referentes à obrigação tributária, esta entendida como a
obrigação que surge por força da lei para que determinado indivíduo
(contribuinte) abra mão de parte de seus bens, sedendo-os ao Estado.
Este trabalho responde ao por que da criminalização das condutas
tendentes à sonegação ou supressão de tributos. Questiona se a simples
classificação de certas práticas comuns a vários contribuintes como sendo
crimes, podem ou devem ser consideradas criminosas, e se isso atinge o
objetivo visado quando da criminalização da conduta, ou seja a compulsão ao
pagamento de tributos.
Esta monografia tem como escopo analisar a validade e eficácia de se
considerar crime certas práticas tendentes à supressão de tributos. Permite a
Constituição Federal que o legislador infraconstitucional considere crimes
certas práticas de contribuintes? É possível a responsabilização penal com
base no que temos estatuído em nossas leis?
A análise dos ilícitos tributários é o que se persegue neste trabalho,
pesquisando também o motivo de serem consideradas criminosas algumas
condutas tendentes à supressão de tributos, haja vista a tênue diferença entre
uma prática elisiva, um ilícito meramente de ordem administrativa ou uma
prática punível a luz do Direito Penal.
O exame do tema proposto, ou seja , “ilícitos tributários” está limitada
ao campo de estudo abrangido pelo Direito Tributário sem que se deixe de
levar em conta que, não sendo uma ciência estanque, o Direito Tributário
guarda ligações e afinidades com outros ramos do direito como por exemplo o
Direito Penal e o Direito Administrativo, complementares e supletivos em
relação ao que se pretende quanto ao estudo dos ilícitos tributários.
No primeiro capítulo explicitamos o que vem a ser tributo, oferecendo a
sua conceituação legal bem como a sua conceituação doutrinária, assim como
explicamos as diferenças existentes dentre as diversas espécies tributárias,
haja vista que nem sempre é possível estabelecer-se distinção entre impostos,
9taxas e contribuições frequentemente confundidos entre si, pois impossível
seria analisar a ocorrência de ilícitos tributários sem um conhecimento do que
vem a ser tributo, suas espécies e hipóteses de incidência.
O capítulo segundo analisa de forma abrangente as diversas situações
legalmente caracterizadas como ilícitos tributários. Nesse capítulo explicamos
o que é sonegação fiscal e qual sua diferença para a elisão. Também é feita
breve análise dos tipos do Código Penal que visam dar proteção a Ordem
Tributária, bem jurídico a ser protegido pelas leis penais tributárias.
O capítulo terceiro deste trabalho busca, de forma mais detalhada,
examinar a Lei 8.137/90, que vem a ser a lei contra crimes contra a Ordem
Tributária, Econômica e Relações de consumo. A análise abrange apenas a
primeira parte da lei (Ordem Tributária) visto que sua segunda parte, que
aborda crimes contra a Ordem Econômica e Relações de Consumo, refoge
aos objetivos deste trabalho. A lei é analisada quanto seus aspectos
constitucionais, jurisprudenciais e doutrinários.
Para a feitura deste trabalho foi feita pesquisa dos dispositivos da
Constituição Federal, das leis federais infraconstitucionais, trabalhos
publicados de renomados doutrinadores nas Áreas de Direito Tributário, Direito
Penal e Direito Administrativo, trabalhos versando sobre o tema, disponíveis na
Internet, bem como a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do
Superior Tribunal de Justiça.
10
CAPÍTULO I
OS TRIBUTOS
1.1 – Conceito de Tributo
Antes de partirmos para uma análise dos ilícitos tributários, objeto
desse trabalho, é importante que se façam breves considerações explicitando
o que vem a ser tributo.
O Estado, ente fictício criado através de longa evolução sociocultural ,
foi erigido para ser o garantidor da ordem em um primeiro momento e também
do bem estar social (Wellfair State1) em um segundo momento, por força das
mudanças que a sociedade exigiu. Tanto para garantia da Ordem como do
bem estar sociais, fez-se necessário a organização de Serviços Públicos2. Para
tornar possível a manutenção de serviços públicos, essenciais à população
como saúde, educação, segurança, transporte, dentre outros de maior ou
menor relevância, obviamente necessita de recursos financeiros .
Com o progresso da civilização, acentua-se no Estado e também nas outras pessoas jurídicas de de direito público, que o integram, como os Estados federados, províncias, municípios etc., além da função de órgão político, monopolizador do poder, o caráter de sistema orgânico de serviços públicos para satisfazer as necessidades gerais da população. Essa noção do Estado, tão vizinha da realidade, traça o conceito nuclear grato a a certa corrente do pensamento jurídico e tem por si o fato de os vários serviços públicos, cada vez mais numerosos, absorverem parte considerável da operosidade dos governantes, quais quer que sejam os regimes políticos dos respectivos países.
Ora, tanto para tornar efetivo o poder baseado na força, quanto para organizar e manter essa imensa rede de serviços públicos, o Estado utiliza-se na só do trabalho de pessoas – os militares, juízes, funcionários e operários etc. – mas também de variadíssimo número de coisas, como terrenos, edifícios, navios, armas, ou de energias – a elétrica e atômica, por
1 Estado de bem-estar social. O estado abandonando a sua neutralidade típica da fase do Liberalismo(Séc. XVIII) passa a ser garantidor de direitos sociais dos cidadãos. Os chamados direitos Sociais de 2ª geração. 2 É toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público. (Di Pietro, 2007, p. 90)
11exemplo. É o maior consumidor de riquezas e serviços no mundo civilizado.(Baleeiro, 1997, p. 5)
A captação dos recursos necessários se dá junto aos particulares. É a
própria população quem financia os serviços que o Estado organizado lhe
oferece. O que temos hoje, chamado Estado Democrático de Direito3 (CF, Art
1º, caput) é fruto de uma longa evolução da forma de se relacionar do Estado
com a população que o ergue, ou seja, é, em última análise, o povo quem
erige o Estado para apartir dele atingir a consecução dos objetivos ligados
diretamente não só ao existir mas também ao bem estar de uma população,
onde um governo eleito de forma democrática obedece aos ditames da lei
elaborada pelos representantes da sociedade. Ao Estado, incumbe, portanto,
a organização dos Serviços Públicos4, constituídos com o fito de atender às
necessidades públicas.
Os recursos, por óbvio indispensáveis, para o desenvolvimento da
atividade estatal, são denominados Receitas Públicas, que são definidas como
“entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas,
condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto como
elemento novo e positivo” (Baleeiro, 1997, p.126) e são classificados como
Receita Originária e Receita Derivada . O mestre Aliomar Baleeiro explica:
A classificação mais generalizadamente aceita, designada como “alemã”, distingue as receitas ordinárias em dois grupos:
a) receitas originárias ou de economia privada, ou ainda de Direito privado;
b) receitas derivadas ou de economia pública, ou, ainda, de Direito público
O primeiro grupo compreende as rendas provenientes dos bens e empresas comerciais ou industriais do Estado, que os explora à semelhança de particulares, sem exercer os seus
3 Fica mais simples a compreensão do que vem a ser o Estado Democrático de Direito se o visualizarmos a partir da seguinte fórmula: Estado de Direito + Estado Social = Estado Democrático de Direito. De Direito é o Estado obediente às leis formuladas pelos representantes do povo; Social é o Estado prestador de serviços à população. 4 Organização de pessoal e material sob a responsabilidade de pessoas de Direito Público, para desempenho de funções e atribuições de sua competência. (Baleeiro, 1997, p. 6)
12poderes de autoridade, nem imprimir coercitividade à exigência de pagamentos ou à utilização dos serviços que os justificam, embora, não raro, os institua em monopólios. A essas receitas originárias corresponderia a noção de “preços”, mais adiante exposta. Nelas, poderiam ser incluídas as receitas decorrentes de prescrição em favor do Estado, bens vacantes, heranças jacentes etc.
No segundo grupo – receitas derivadas, caracterizadas pelo constrangimento legal para sua arrecadação – contam-se os tributos e as penas pecuniárias, em resumo, rendas que o Estado colhe no setor privado, por ato de autoridade, subdividindo-se os primeiros em:
a) impostos; b) taxas; c) contribuição de melhoria; d) contribuições parafiscais. (Baleeiro, 1997, p. 127)
Portanto tributo é espécie do gênero Receita Derivada.
De acordo com dispositivo constitucional os tributos são os impostos,
taxas e contribuição de melhoria (CF, Art. 145). O Art. 3º do CTN define tributo
como toda a prestação pecuniária compulsória instituída em lei e cobrada
mediante atividade administrativa plenamente vinculada, que não constitua
sanção de ato ilícito. Aurélio Seixas oferece precisa definição ao afirmar:
“tributo é um dever legal imposto às pessoas de contribuírem, em dinheiro, de
acordo com a respectiva capacidade econômica para cobertura das despesas
governamentais.” (Seixas Filho, 1996, p. 9) A Suprema Corte já firmou o
entendimento no sentido de que em verdade possuímos cinco espécies
tributárias (Teoria quinquipartite). Consideraram-se, de acordo com essa teoria,
também como espécies tributárias os empréstimos compulsórios (Art. 148, CF)
e as contribuições especiais (sociais, de interesse de categorias profissionais e
as de intervenção no domínio econômico) (Art. 149 e 195, CF).
Os tributos são um gênero do qual impostos, taxas, contribuição de
melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais figuram como
suas espécies.
Imposto é um tributo que tem por fato gerador uma situação
independente de qualquer atividade estatal específica relativa ao contribuinte
(Art. 16, CTN), ou seja, ele é instituído e cobrado mas a destinação do recurso
13não carece de destinação específica. É receita que acresce aos cofres
públicos ao qual o ente arrecadante pode dar destinação de acordo com o
interesse público e de conformidade com as políticas adotadas.
Taxa é tributo que tem como fato gerador o exercício regular do poder
de polícia5, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e
divisível, prestado ao contribuinte (Art. 77, CTN), ou, nas palavras de Aliomar
Baleeiro:
Taxa é tributo cobrado de alguém que se utiliza de serviço público especial e divisível, de caráter administrativo ou jurisdicional, ou tem à sua disposição , e ainda quando provoca em seu benefício, ou por ato seu, despesa especial dos cofres públicos. (Baleeiro, 1997, p. 243).
Logo, o que difere imposto de taxa é que naquele não há vínculo entre
sua arrecadação e uma determinada prestação estatal, enquanto nesse a sua
cobrança pressupõe que algum serviço de natureza pública esta sendo
prestado ou ao menos sendo posto a disposição do cidadão para que ele deste
se utilize se assim o desejar ou dele necessitar (princípio da retributividade ou
equivalência).
A contribuição de melhoria na sua definição legal é tributo que tem
como fato gerador o acréscimo do valor do imóvel nas áreas beneficiadas
direta ou indiretamente por obras públicas (DL 195, Art. 1º) “é o tributo cuja
obrigação tem como fato gerador a valorização de imóveis decorrente de obra
pública” (Hugo de Brito Machado, 2007, p. 92). Realizando o poder público
alguma obra que resulte em valorização dos imóveis em determinada área,
surge para o esse poder o direito de ressarcir-se junto aos particulares do
custo total da obra tendo como limite individual a valorização de cada imóvel
(CTN, Art. 81). Eticamente esse tributo fundamenta-se no lapidar princípio
jurídico da vedação ao enriquecimento sem causa.
5 Atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público. (Di Pietro, 2007, p. 104)
14Empréstimo compulsório é tributo cuja sua instituição é autorizada na
ocorrência de despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública
bem como guerra externa ou sua iminência (Art. 148, I, CF) Outrossim essa
cobrança poderá ser instituída na hipótese investimento público de caráter
urgente e relevante interesse nacional (Ar. 148, II, CF). Somente a União
poderá instituí-lo. Por tratar-se de empréstimo, cessadas as causas que
autorizaram a sua instituição deverá esse recurso ser restituído aos
contribuintes. Segundo Hugo de Brito Machado Empréstimo Compulsório seria
uma “imposição estatal” e não tributo (Hugo de Brito Machado, 2007, p. 93).
Contribuições Especiais “são aquelas que a União Federal pode
instituir com fundamento nos artigos 149 e 195 da Constituição”, nas palavras
de Hugo de Brito Machado. São instituídas e cobradas com o intuito de atingir-
se uma finalidade específica, mas diferencia-se da taxa graças a sua
referibilidade indireta (Brito Machado, 2007, p. 93). Exemplos de contribuições
especiais são: contribuições financiadoras da seguridade social (Art. 195, CF);
as contribuições sociais gerais (Art. 212, § 5º, CF); as de intervenção no
domínio econômico (Art. 177, § 4º, CF); as de interesse de categorias
profissionais e econômicas (Art. 240, CF) e a contribuição de iluminação
pública (Art. 149-A, CF).
Ainda se acrescente que ao lado da Função arrecadatória do tributo,
Hugo de Brito Machado destaca uma outra função que seria a extrafiscal. A
função extrafiscal refere-se aquelas atividades de fomento econômico,
estímulo de práticas de interesse social, redução ou aumento do consumo de
certos produtos, etc. (Brito Machado, 2007, p. 95).
1.2 – Constituição do Crédito
Como dito anteriormente tributo é prestação pecuniária (ou seja, em
dinheiro) instituída em lei (emanada de órgão legiferante competente: Lei em
sentido estrito) cobrada mediante atividade administrativa plenamente
vinculada, o que significa que o administrador na atividade de cobrança irá
seguir estritamente o estatuído em leis e regulamentos, sem margem para a
15discricionariedade administrativa, ou seja, não é o administrador que determina
quem, quando ou quanto irá pagar em tributos e sim a lei (Art. 97, CTN) . É
portanto a lei que define quem será o sujeito passivo e as hipóteses de
ocorrência do Fato Gerador ou nas palavras de Aliomar Baleeiro:
Só o Poder Legislativo tem competência para deliberar, em última análise, sobre a conveniência e oportunidade e justiça de cada tributo. É o princípio da legalidade: só são exigíveis os tributos decretados em leis, nos casos e dentro dos limites desta. (Baleeiro, 1997, p. 199).
Acrescentem-se ainda as palavras de Aurélio Seixas:
A função administrativa tributária que deve ser exercida pela autoridade fiscal exige a obediência ao princípio da legalidade objetiva, em que o tributo será tornado líquido e certo e exigido dentro da mais estrita legalidade, agindo o fisco com integral imparcialidade. (Aurélio Seixas, 1996, p. 12)
Fato Gerador6 ou, nas palavras do mestre Baleeiro, “fato tributável”, é
a hipótese em que um sujeito praticando-o, possibilita aos agentes da
Administração (fiscais) dar inicio a os procedimentos visando à individualização
da obrigação fiscal. É, no dizer de Rocha Lopes “circunstância da vida,
representada por um fato, ato ou situação jurídica, que definida em lei, dá
nascimento à obrigação tributária.” (Rocha Lopes, 2007, p. 241). Fato gerador
da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e
suficiente à sua ocorrência (Art. 114, CTN).
A obrigação fiscal decorre da ocorrência do fato gerador. Explica-nos
Carlos Roberto Gonçalves que “Obrigação é o vínculo jurídico que confere ao
credor (sujeito ativo) o direito de exigir do devedor (sujeito passivo) o
cumprimento de determinada prestação.” (Carlos Roberto Gonçalves, 2007, p.
2). Tratando-se, no caso em comento, de obrigação fiscal, e sendo o direito
tributário pertencente ao ramo de direito público, decorre essa obrigação de
disposição de lei, diferentemente das obrigações de direito privado que
decorrem de contrato. Em outras palavras, praticando o sujeito passivo, que é
“a pessoa física ou jurídica obrigada ao cumprimento da obrigação tributária”
6 Do francês fait générateur.
16(Rocha Lopes, 2007, p. 244), uma conduta descrita na lei como tributável (fato
gerador) surge para esse uma obrigação de pagar determinado tributo. È ainda
possível traçar-se um paralelo entre a obrigação de pagamento de tributo e o
cometimento de um crime, onde o agente ao praticar conduta descrita na lei
penal como crime (fato típico) gera o direito punitivo estatal, enquanto o agente
ao praticar conduta descrita na legislação tributária (fato gerador) faz surgir o
direito de cobrança de tributos por parte do Estado.
Por seu turno, a obrigação tributária em si não é o bastante para que o
sujeito ativo da obrigação tributária, pessoa jurídica de direito público, titular da
competência para exigir o seu cumprimento (Art. 119, CTN), exija do sujeito
passivo o pagamento do tributo. É necessária a conversão desta em crédito
tributário, o que se dá através da atividade do lançamento. Lançamento é a
atividade administrativa plenamente vinculada (Art. 3º, CTN) que visa
verificação da ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente,
determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido,
identificar o sujeito passivo e sendo o caso, propor a aplicação da penalidade
cabível (CTN, Art. 142, caput).
O ato administrativo do lançamento tributário, por força do art. 142 do Código Tributário Nacional, dá ao sujeito ativo o poder-dever de realizar os atos de fiscalização necessários à verificação do cumprimento da obrigação tributária e propor a aplicação de penalidade, se for o caso. (Andrade Filho, 2009, p. 15).
É através da chamada Ação Fiscal7 que as autoridades administrativas
devassam a vida dos contribuintes para determinar se houve ou não ocorrência
do Fato Gerador bem como o cometimento de ilícitos tributários. É importante
determinar-se a data do início, até mesmo quanto às horas, da referida ação,
por que isso determina o momento em que não mais será admitida a figura da
denúncia espontânea prevista no Art. 138, parágrafo único do CTN. A
denúncia espontânea tem sua relevância jurídica por possuir ela o condão de
excluir a responsabilidade por infrações fiscais (CTN, Art. 136).
7 A ação fiscal diz respeito à atividade privativa das autoridades administrativas para realizar o lançamento tributário.
17Não obstante, mesmo na ausência de norma
prevendo a exclusão da punibilidade mediante pagamento do tributo, há a regra do Código Tributário nacional, no sentido de que o pagamento do tributo antes do início de qualquer procedimento fiscal ou medida de fiscalização relacionados com a infração exclui a responsabilidade e, portanto, afasta qualquer possibilidade de punição, não apenas de natureza administrativa mas, igualmente, a criminal. Aliás, seria inconcebível que o Estado estimulasse o infrator a regularizar sua situação fiscal, acenando-lhe com dispensa de sanções administrativas, e aproveitasse a denúncia espontânea para prender o infrator. Isso traduziria inominável deslealdade, incompatível com a idéia de Estado de Direito. (Luciano Amaro, 2007, p. 468)
Visa a atividade de lançamento a constituição do crédito tributário.
Somente é exigível tributo de determinado sujeito passivo após a formação do
crédito. Citamos agora as palavras de Hugo de Brito Machado que bem
definem o que vem a ser Crédito Tributário:
É o vinculo jurídico, de natureza obrigacional, por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir do particular, o contribuinte ou responsável (sujeito passivo), o pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária (objeto da relação obrigacional). (Hugo de Brito Machado, 2007, p. 199).
Após a constituição do crédito deverá ser notificado o sujeito ativo “sob
pena de responsabilidade da autoridade administrativa, mera gestora da coisa
pública que é (CTN, art. 141)” .(Lopes, 2007. p. 253) Uma vez notificado ao
administrado caberá a ele como alternativas: a) Pagar o montante devido; b)
Contestar o crédito constituído em seu desfavor através da via judicial ou
administrativa.
1.3 – Contestação
Assiste ao sujeito passivo o direito de contestar a existência do crédito
tributário ou ao menos o seu montante, bem como contestar multa
eventualmente imposta, por imputação ao mesmo de cometimento de alguma
irregularidade, pois, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem
o devido processo legal” (Art. 5º, LIV, CF) e acrescente-se que “aos litigantes
em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
18assegurados o contraditório e a ampla defesa e os meios e recursos a ela
inerentes” (Art. 5º, LV, CF). Na hipótese de contestação pela via administrativa
terá o sujeito apontado como devedor do tributo 30 (trinta) dias para sua
impugnação, contados da data da intimação da exigência (Art. 15, Dec.
70.235/72). É início do Processo Administrativo8 Fiscal (PAF), expressão que,
em sentido amplo “designa o conjunto de atos administrativos tendentes ao
reconhecimento, pela autoridade competente, de uma situação jurídica
pertinente à ralação fisco-contribuinte.” (Hugo de Brito machado, 2007, p. 465).
Acrescenta o mestre que por tratar-se de um Processo Administrativo,
subsidiariamente teremos regulando a matéria o disposto na Lei 9.784/99, que
regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
Ao lado da contestação na via administrativa o Crédito tributário também
poderá ser discutido em via judicial conforme garantia constitucional (CF, Art.
5º, XXXV).
Não obstante o lançamento tributário tenha uma fase na qual, mediante processo contraditório, ocorre o acertamento, o sujeito passivo da obrigação tributária muita vez resta inconformado com a exigência do tributo, ou com a imposição de certa penalidade. Tem nestes casos, a seu dispor o processo judicial, mediante o qual se opera o controle da legalidade dos atos da Administração Tributária pelo Poder Judiciário. (Hugo de Brito Machado, 2007, p. 478)
Somente ao término do Processo Administrativo Fiscal (PAF) é que se
pode falar crédito tributário definitivo, pois até então ele possuía caráter
provisório. Enseja a inscrição em dívida ativa a sua constituição definitiva (CDA
– Lei 6830/80, art. 2º) A dívida ativa tributária é aquela proveniente de crédito
dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente,
depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão
final proferida em processo regular (Art. 201, CTN). A CDA torna a dívida
exeqüível. “A dívida ativa regularmente inscrita goza de presunção de relativa
de certeza e liquidez, não perdendo o último atributo pelo fato de fluírem juros
após a sua inscrição” (Rocha Lopes, 2007, p. 268).
8 Em sentido amplo, designa o conjunto de atos coordenados para a solução de uma controvérsia no âmbito administrativo. (Di Pietro, 2007, p. 578)
19
CAPÍTULO I I
OS ILÍCITOS TRIBUTÁRIOS
1.1 – Teoria do Ilícito
Impossível seria a convivência do homem em sociedade não fosse o
estabelecimento de regras de convívio de observância obrigatória por todos os
integrantes da sociedade. Do contrário viveríamos em plena barbárie9 onde o
que prevaleceria seria a lei do mais forte. Uma vez estabelecidas regras de
conduta social, tornou-se necessário dar-lhes força coativa, pois de nada
valeriam normas(leis em sentido amplo) ditando comportamentos humanos
sem instrumentos que impossibilitassem ou ao menos dificultassem a
desobediência das regras pelos indóceis, surgindo assim a sanção, que é um
castigo infligido aquele que desobedece a lei, pois como bem disse C.
Beccaria: “ Ninguém faz gratuitamente o sacrifício de uma porção de sua
liberdade visando unicamente o bem público.” ( Beccaria, 1764, p. 25).
Concordaram, pois os homens que aqueles que descumprissem as
regras formuladas sofreriam alguma espécie de pena. Daí a expressão Direito
Penal, que nas palavras de Luiz Regis Prado é “o setor ou parcela do
ordenamento jurídico público que estabelece as ações ou omissões delitivas,
cominando-lhes determinadas consequências jurídicas – penas ou medidas de
segurança (conceito formal).” (Regis Prado, 2006, p. 51). Crime ou delito é o
fato típico, antijurídico e culpável, onde, para que uma conduta receba a
valoração de crime é preciso que a conduta amolde-se a fato (ação ou
omissão) descrito em lei (típico), o fato também há de ser antijurídico, ou seja,
contrário a todo o ordenamento legal, e, finalmente, culpável o que significa
dizer que é preciso que o agente não se enquadre em alguma das situações
legais que o eximem de responsabilização penal (art. 25 e ss, CP). A lei penal
9 O mesmo que selvageria.
20é sempre protetiva de um determinado bem jurídico10. Portanto, a lei criou uma
distinção entre aquele comportamento humano classificado como “lícito” em
oposição ao comportamento dito “ilícito”, onde ilícito diz-se do comportamento
humano contrário ao ordenamento jurídico, sendo esse comportamento
passível de ser graduado como mera transgressão, de menor lesividade a um
bem jurídico, ou recebendo a gradação de crime, conduta de mais alto grau de
reprovabilidade social, onde circunstâncias de época local e costumes
determinam essa gradação. É esse comportamento passível de sofrer
sanções, sempre na estrita observância do que está previsto na lei - Nullum
Crimen, Nulla Poena Sine Praevia Lege11 (Art. 5º, XXXIX, CF e Art. 1º, CP).
1.2 – Ilícito Tributário
Aplicada à teoria do ilícito, que vem a ser o descumprimento de norma
do ordenamento jurídico, ao Direito Tributário, temos que Ilícito Tributário vem
a ser o comportamento praticado pelo sujeito passivo (contribuinte ou
responsável) em desacordo com a legislação tributária aplicável. Poderá o
ilícito tributário ser ou não de ordem patrimonial contanto que ofenda uma
obrigação principal (pagamento de tributo) ou uma obrigação acessória
(prestar informações a autoridade, por exemplo).
1.3 – Evasão X Elisão
Cumpre ressaltar que nem sempre uma pratica de contribuinte visando
pagar “menos tributo” será considerada uma prática ilícita. Existe distinção
entre a prática chamada de evasão e a outra prática chamada elisão (ou
evasão legal). Evasão é quando o contribuinte se furta ao pagamento de
tributos valendo-se de alguma prática ilícita. Elisão é quando o contribuinte
10 Bem jurídico constitui todo estado social desejável que o direito quer resguardar, de modo que é assim imprescindível à comunidade. Será através do bem jurídico que o legislador irá imputar as condutas que são passíveis de criminalização, tendo em vista o valor que representa. (Vinicius Lobato Couto. Crimes Tributários: Breves considerações. Disponível em http://www.lfg.com.br. 28 setembro 2008.) 11 Brocardo latino que pode ser traduzido como: Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.
21provoca uma “economia tributária” valendo-se de dispositivos legais ou lacunas
da lei.
No âmbito do Direito Tributário e Previdenciário há os atos conhecidos por evasão legal ou elisão tributária. Na primeira hipótese, o contribuinte, diante do permissivo legal ou de lacunas da lei, efetua procedimentos visando evitar o aparecimento da obrigação tributária. (...) a evasão tributária, por sua vez, consiste na frustração dolosa da satisfação do tributo ou contribuição previdenciária (...). (Regis Prado, 2008, p. 595)
1.4 – Distinção entre Direito Penal Tributário e Direito
Tributário Penal
Sendo a atividade fiscal uma atividade ligada ao ramo de direito
administrativo12, é obvio que todos seus atos, ditos administrativos, são os
previstos no ordenamento jurídico constantes das leis que regulam a atividade
administrativa estatal. O mesmo vale em relação ao tratamento dispensado em
relação aos ilícitos administrativos que em regra são puníveis com sanções
administrativas ao passo que condutas inscritas na lei penal sofrem sanções
de ordem penal, podendo essas serem restritivas de liberdade, restritivas de
direitos ou de multa (Art. 32, CP). Dada a independência entre as instâncias
administrativa e penal admite-se que um mesmo agente seja punido nas duas
esferas com relação a um mesmo ato infrator da lei. O que ocorre é que um
mesmo ato pode ofender a bens jurídicos distintos que mereçam proteção em
mais de uma esfera. Uma mesma conduta pode encontrar previsão na regra
de direito administrativo e na lei penal bem como pode normalmente ocorrer de
um ilícito administrativo não se configurar em ilícito penal dada a sua pouca
gravidade. “A qualificação da gravidade da infração é jurídico-positiva, vale
dizer, é o legislador que avalia a maior ou menor gravidade de certa conduta
ilícita para cominar ao agente uma sanção de maior ou menor severidade.”
(Luciano Amaro, 2007, p. 433).
12 O ramo do direito público que tem por objeto os órgãos, agentes e pessoas jurídicas administrativas que integram a Administração Pública, a atividade jurídica não contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para a consecução de seus fins, de natureza pública.(Di Pietro, 2007, p. 43)
22Ao falar-se em Direito Tributário Penal doutrinariamente o que se quer
é referir-se aquelas regras de direito tributário (administrativas) que preveem
sanções administrativas (multas) aos ilícitos tributários. O Direito dito Penal
Tributário, por conseguinte, refere-se às normas penais criadas para
responsabilizar criminalmente os infratores da lei fiscal sujeitando-os não só a
multas, como também a prisão.
1.5 – Objetivo das Sanções
O que se busca com a aplicação de sanções, sejam elas de ordem
administrativa ou penal é o combate à sonegação fiscal, entendida como Toda
ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente,
o conhecimento por parte do Fisco, da ocorrência do fato gerador. (Art. 1º, L.
4.729/65). O que se quer é eliminar praticas das mais diversas, perpetradas
pelos contribuintes, visando ao não pagamento de tributos que, a despeito de
questionamentos quanto a sua justiça ou injustiça em sua instituição, são
devidos pelos cidadãos ao estado, por imposição legal. Fácil seria imaginar o
que seria das políticas públicas caso ninguém pagasse tributos. Evidente que
essa situação de “desobediência civil” seria de consequências catastróficas,
sobretudo para a dita “população de baixa renda”. A aplicação de sanções é
defendida por Edmar Oliveira quando afirma:
A rebelião menos ruidosa, mas mais danosa para o Erário, é perpetrada pelos sonegadores, criando uma estranha situação de desigualdade em que poucos pagam muito e muitos nada pagam. Essa situação iníqua agrava-se diante da ineficácia ou inexistência de medidas de combate a sonegação (Oliveira Filho, 2009, p. 17)
Acrescentemos também as palavras de Regis Prado:
Não é por outra razão que, além da tutela de bens jurídicos individuais, o Direito Penal passou, na atualidade, também a proteger bens jurídicos metaindividuais, próprios do Estado de Direito democrático social, como o ambiente, a saúde pública ordem econômica e tributária, objetivando garantir as prestações públicas e sociais com a finalidade de possibilitar melhor qualidade de vida às pessoas. (Regis Prado, 2006, p. 514)
23Com relação a infrações a legislação tributária dispõe o CTN:
Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por
infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do
responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.
O dispositivo do código estabelece, portanto, que a responsabilidade
por infrações em regra é objetiva, ou seja independe da prova da culpa ou dolo
por parte do agente. O simples descumprimento da obrigação tributária
configura infração. O fisco não quer saber se o contribuinte tinha ou não a
intenção de infringir a lei fiscal ou se apenas deixou de cumprir, por mero
esquecimento ou erro, com uma obrigação seja ela acessória ou principal.
1.6 – Ilícitos penais tributários
Nosso Código Penal, que data de 1941, não possui capítulo específico
tratando de ilícitos tributários, porém ao longo do código encontramos, em sua
parte especial, previsão de punição de condutas reprováveis em matéria
tributária, tais como:
Apropriação indébita previdenciária
Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições
recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:
I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância
destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento
efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;
II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham
integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à
prestação de serviços;
24III – pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas
ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.
§ 2º É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara,
confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e
presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou
regulamento, antes do início da ação fiscal.
§ 3º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a
de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:
I – tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a
denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive
acessórios; ou
II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual
ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente,
como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.
O artigo em análise foi introduzido no ordenamento jurídico pela
L.9.983/00. Justificou-se a criação de novo tipo penal para proteção do
patrimônio da Previdência Social13.
A Previdência Social e a assistência aos desamparados são direitos sociais assegurados no artigo 6º da Carta Constitucional.
É inegável, portanto, que a contribuição destinada à Previdência social constitui a viga mestra de parte do programa social desenvolvido pelo Estado para cumprir as prestações públicas de natureza social. (Regis Prado, 2006, p. 514)
Contrabando ou descaminho
13 A Previdência Social, mediante contribuição, tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente. (Art. 1º, L. 8213/91)
25Art. 334. Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou
em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída
ou pelo consumo de mercadoria:
Pena – reclusão, de um a quatro anos.
§ 1º Incorre na mesma pena quem:
a) pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei;
b) pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando ou
descaminho;
c) vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma,
utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou
industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu
clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser
produto de introdução clandestina no Território Nacional ou de importação
fraudulenta por parte de outrem;
d) adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no
exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência
estrangeira, desacompanhada de documentação legal, ou acompanhada de
documentos que sabe serem falsos.
§ 2º Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo,
qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias
estrangeiras, inclusive o exercido em residências.
§ 3º A pena aplica-se em dobro, se o crime de contrabando ou
descaminho é praticado em transporte aéreo.
O tipo em análise figura no Código Penal em seu Título XI, que versa
sobre os crimes contra a Administração Pública. Não analisamos aqui o crime
de contrabando que, a despeito de figurar no mesmo tipo penal do descaminho
por opção do legislador, difere deste por referir-se a uma conduta que não se
26refere a um ilícito tributário, tratando-se de uma ofensa às leis de comércio de
um determinado país. O descaminho por sua vez é definido como uma burla as
autoridades alfandegárias com o intuito de fazer adentrar mercadoria em um
país (importar) ou fazer com que esta saia deste (exportar) sem o devido
recolhimento do tributo devido. “No que tange ao delito de descaminho o bem
tutelado, além do prestígio da Administração Pública, é o interesse econômico-
estatal” (Regis Prado, 2008, p. 570). Existe, portanto, um interesse fiscal no
crime de descaminho a justificar que seja classificado como um ilícito tributário.
Quanto ao crime analisado, manifestou sua opinião Cesare Beccaria:
Os impostos são parte tão essencial e tão difícil numa boa legislação, e estão de tal modo comprometidos em certas espécies de contrabando, que tal delito merece uma pena considerável, como a prisão e mesmo a servidão, mas uma prisão e servidão análogas a natureza do delito.(Beccaria, 1764, p. 102)
Sonegação de contribuição previdenciária
Art. 337-A. Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e
qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I – omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de
informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado,
empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado
que lhe prestem serviços;
II – deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade
da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo
empregador ou pelo tomador de serviços;
III – omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos,
remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições
sociais previdenciárias:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
27§ 1º É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara e
confessa as contribuições, importâncias ou valores e presta as informações
devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes
do início da ação fiscal.
§ 2º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a
de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:
I – VETADO.
II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual
ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente,
como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.
§ 3º Se o empregador não é pessoa jurídica e sua folha de pagamento
mensal não ultrapassa R$ 1.510,00 (um mil, quinhentos e dez reais), o juiz
poderá reduzir a pena de um terço até a metade ou aplicar apenas a de multa.
§ 4º O valor a que se refere o parágrafo anterior será reajustado nas
mesmas datas e nos mesmos índices do reajuste dos benefícios da
previdência social.
Este artigo foi acrescentado pela L. 9983/00. A mesma Lei que
introduziu no ordenamento jurídico pátrio o Art. 168-A do CP, bem como
revogou em grande parte o Art. 95 da L. 8212/91. Conseqüência disto foi a
saída dos crimes contra a Previdência da legislação extravagante, passando
estes a integrar o Código Penal. (Andrade Filho, 2009, p. 54) Resta certa
dúvida quanto a quais condutas delitivas são atacadas pelo Art. 168-A do CP,
dispositivos aparentemente idênticos da L. 8137/90 e o próprio Art. 337-A
também do CP , porém segundo Regis Prado “os tipos penais nele inseridos
representam evolução de outros já tratados em leis anteriores.” (Regis Prado,
2008, p. 594). O conflito aparente de normas se resolve se considerarmos que
o Art. 168-A, conforme já analisado, trata de retenção indevida de benefício
previdenciário. O Art. 337-A refere-se à sonegação de contribuição
previdenciária e a L. 8137/90, analisada mais detalhadamente adiante, protege
28as contribuições mencionadas no Art. 149 da CF, mas não as citadas no Art.
195 da Carta Magna, que trata do direito da Seguridade social, cuja norma
protetiva agora se encontra no Código Penal.
29
CAPÍTULO I I I
A LEI 8.137/90
1.1 – Considerações Iniciais
Já foi dito que o “combustível” estatal é o dinheiro advindo dos
particulares (contribuintes). Surge o Estado. Surge a necessidade da captação
de recursos para o financiamento de suas atividades. Surge a atividade fiscal
(captação), surge também o movimento contrário do contribuinte resistindo ao
pagamento. Impedido estaria o Estado de promover as políticas de combate
às desigualdades se não estabelecesse severas sanções aos sonegadores de
impostos. “A erradicação da pobreza e da marginalização, com redução das
desigualdades sociais e regionais é obra primordial do Estado, que, para tanto,
necessita de recursos” (Souza Nucci, 2008, p. 938). No mesmo sentido
acrescentem-se as palavras de Andrade Filho:
Poder-se- ia cogitar na hipótese de que a evasão tributária pudesse causar grave dano à coletividade nas hipóteses em que um mesmo agente suprimisse tributo ou contribuição social de tal monta que não permitisse ao sujeito ativo da obrigação tributária realizar seu objetivo. (Andrade Filho, 2009, p. 74)
O que justifica a criminalização de determinada conduta é o grau de
lesividade desta conduta ante um determinado bem jurídico que se deva
proteger. Mas alerte-se que maior ou menor severidade na penalização de
condutas é uma questão de política criminal. É uma opção do legislador.
Registre-se a severa crítica do mestre Hugo de Brito machado:
Não temos dúvida de que a criminalização do ilícito tributário tem na verdade objetivos utilitaristas. Visa realmente a compelir o contribuinte ao pagamento do tributo. Não tem nenhum conteúdo ético, até porque as autoridades fazendárias não respeitam os princípios éticos no trato com os contribuintes. Deles na verdade pretendem obter, a qualquer custo, recursos financeiros para um Estado que se revela cada vez menos eficiente na prestação de serviços públicos. (Hugo de Brito Machado, 2007, p. 514)
301.2 – Bem jurídico tutelado
Como já exposto o legislador resolveu invocar a força coativa do direito
Penal para estabelecer maior proteção A Ordem Tributária (Art. 145 e ss, CF).
Ou, nas palavras de Andrade Filho: “o bem jurídico que a lei quis tutelar é o
direito que o Estado tem de instituir e cobrar impostos e contribuições”.
(Andrade Filho, 2009, p. 75)
1.3 – Leis anteriores
Anteriormente denominada como “crime de sonegação fiscal”, a
matéria encontrava-se regulada pela lei 4.729/65. A lei surgiu ante a
necessidade de criação de tipo penal específico tratando de crimes fiscais,
haja vista que historicamente as condutas eram confrontadas a tipos penais
existente no Código Penal de 1941. A conduta de um agente, desejoso de
suprimir ou reduzir tributo poderia ser enquadrada em um dos seguintes tipos
penais:
Art. 298. Falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou
alterar documento particular verdadeiro:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa
Art. 299. Omitir, em documento público ou particular, declaração que
dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa
da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou
alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é
público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.
Parágrafo único. Se o agente é funcionário público, e comete o crime
prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento
de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.
31Art. 304. Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a
que se referem os artigos 297 a 302:
Pena – a cominada à falsificação ou à alteração.
No entanto a jurisprudência da época passava a considerar atípicas, as
mesmas condutas se a intenção do agente era a supressão ou redução de
tributos, pois se invocava o princípio da especialidade (Brito Machado, 2007, p.
501), o que tornou necessário que o legislador, através de lei penal
extravagante, criasse tipo penal específico para reprimir tais condutas,
surgindo então a Lei 4.729/65. Sonegação vem a ser definida como: Toda
ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente,
o conhecimento por parte do Fisco, da ocorrência do fato gerador. (Art. 1º, L.
4.729/65).
A diferença entre as infrações já previstas em nossa legislação penal e
as da lei 4.729/65 basearam-se no elemento subjetivo do injusto, ou seja, qual
bem jurídico o agente pretendia ofender, sua vontade de fraudar ao fisco.
Para que o crime de sonegação fiscal exista é preciso que o dolo do agente abarque a descrição total do tipo e, portanto, se a comprovada intenção do autor for outra, que não a lesão fiscal, o crime poderá ser outro, e não o de sonegação fiscal (Andrade Filho, 2009, p. 42)
Com o advento da lei 8.137/90, restou certa dúvida se esta estaria
revogando a lei 4.729/65. Tal questão resolve-se com simples análise do
disposto no Art. 2º, § 2º, LICC:
A lei nova revoga a anterior quando expressamente o declare, quando
seja ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a
lei anterior. (grifei)
Restando, portanto revogada a L. 4.729/65 pela L.8.137/90, visto esta
regular totalmente matéria tratada no diploma legal anterior. A despeito de sua
revogação a L. 4.729/65 deverá ser utilizada quanto a crimes praticados
anteriormente a L. 8.137/90, caso dispense ao agente tratamento mais brando.
321.4 – Tipos penais
Na parte inicial da Lei ela trata dos Crimes contra a ordem tributária,
ora em estudo (dedicou o legislador o capítulo II aos crimes contra a ordem
econômica e relações de consumo). O capítulo concernente aos Crimes contra
a Ordem Tributária dedica à seção I aos crimes praticados por particulares,
enquanto em sua Seção II trata dos crimes praticados por funcionários
públicos. Eis o texto da referida lei em seu artigo 1º:
Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir
tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes
condutas:
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades
fazendárias;
II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou
omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela
lei fiscal;
III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou
qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba
ou deva saber falso ou inexato;
V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou
documento equivalente, relativa à venda de mercadoria ou prestação de
serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no
prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior
ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento
da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.
33Dispondo a mesma lei em seu artigo 2º:
Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:
I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou
fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de
pagamento de tributo;
II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de
contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de
obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;
III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário,
qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de
contribuição como incentivo fiscal;
IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído,
incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de
desenvolvimento;
V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que
permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil
diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Recebe crítica a expressão “ou contribuição social” estampada no
artigo 1º, que se revela desnecessária, haja vista, que, conforme se sabe a
natureza jurídica da contribuição social é a de tributo (Nucci, 2008, p. 948)
A lei em comento define como crime a atividade que visa à supressão ou redução de tributos ou redução de tributos. Inaplicável, portanto, no caso de infrações relacionadas ao recolhimento do PIS, visto que este, segundo entendimento do STF, não possui natureza de tributo, por não poder ser considerada receita derivada, gênero do qual os tributos figuram como espécie (RE 148.754-2 RJ).
34Conforme mandamento constitucional é inadmissível a prisão civil por
dívida14 (CF, Art. 5º, LXVII), logo, o que o legislador classifica como sendo
crime não pode ser a conduta de supressão ou redução de tributos em si
mesma, o que caracterizaria apenas uma dívida para com a Fazenda Pública,
e sim as práticas que tornam possível a supressão ou redução de tributos tais
como a omissão de informações, as declarações falsas, as fraudes, as
falsificações de documentos, etc. O mero descumprimento de obrigação
tributária, seja ela acessória ou principal é sancionado na forma do estatuído
no chamado direito tributário penal (infrações administrativas: multas) e não
pelo direito penal tributário (Crimes: penas corporais).
Os crimes contra a ordem tributária estão dentre os passíveis de
cometimento tanto por pessoas físicas (naturais) quanto por pessoas
jurídicas15. A dificuldade situa-se na individualização de condutas em se
tratando de crimes societários (pessoas jurídicas), sendo que a
individualização das penas é um mandamento constitucional (CF, Art. 5º,
XLVI).
A grande dificuldade da aplicação da lei penal nos crimes contra a ordem tributária, como já ocorria ao tempo da vigência da L.4.729/65, é a correta identificação do agente nas hipóteses em que o crime é cometido por intermédio de pessoa jurídica. (Andrade Filho, 2009, p. 91).
A despeito disso a suprema Corte admite a chamada denúncia
genérica: “Tratando-se de crimes societários, não é inepta a denúncia em
razão da mera ausência de indicação individualizada da conduta de cada
indiciado” (HC 85.579-2-MA, 2ª T. Rel. Gilmar Mendes). Contra esta posição:
Hugo de Brito Machado (Hugo de Brito Machado, 2007, p. 509).
1.5 – Início da ação penal
14 A República Federativa do Brasil é signatária do Pacto de São José da costa Rica. Dec. 678 de 06 de Novembro de 1992. Art. 7,, 7. Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar. 15 É o conjunto de pessoas ou de bens, dotado de personalidade jurídica própria e constituído na forma da lei, para a consecução de fins comuns. (Carlos Roberto Gonçalves, 2007, p. 182).
35A representação fiscal para fins penais, relativa aos crimes tipificados
no Art. 1º, será encaminhada ao Ministério Público apenas depois de proferida
decisão final no Processo Administrativo Fiscal (PAF), segundo preceitua o Art.
83 da lei 9.430/96. Tal medida se justifica já que não há que se falar em crime
fiscal se, ao final do procedimento regular do fisco, verificar-se não haver
tributo a ser considerado suprimido ou reduzido, haja vista o tipo penal falar em
“supressão ou redução de tributo” (crime material). Houve insurgência contra o
disposto no Art. 83 da L.9430/96, por entender que ela estabelece condição de
procedibilidade para o MP. Hipótese rechaçada pelo STF no julgamento do HC
81.611:
4. A norma impugnada tem como destinatários os agentes fiscais, em nada afetando atuação do Ministério Público. É obrigatória, para a autoridade fiscal, a remessa da notitia criminis ao Ministério Público. 5. Decisão que não afeta orientação fixada no HC 81.611. Crime de resultado. Antes de constituído definitivamente o crédito tributário não há justa causa para a ação penal. O Ministério Público pode, entretanto, oferecer denúncia independentemente da comunicação, dita “representação tributária”, se, por outros meios, tem conhecimento do lançamento definitivo. 6. Não configurada qualquer limitação à atuação do Ministério Público para propositura da ação penal pública pela prática de crimes contra a ordem tributária. 7. Improcedência da ação (Pleno, ADIN 1.571-DF, rel. Gilmar Mendes, 10.12.2003,m.v., DJ 30.04.2004).
O crime previsto no artigo 1º da Lei 8137/90 é crime de resultado.
Antes que se inicie uma persecução penal, faz-se necessário a apuração, por
meio do PAF, se houve efetivamente supressão ou redução tributária, sob
pena de não prosperar a ação por carência de justa causa.
Diversa é a situação das condutas descritas no Art. 2º do mesmo
diploma legal, pois as condutas ali descritas tratam de crime formal (mera
conduta). Bastando, portanto, que o agente as pratique, puníveis mesmo sem
verificar-se algum resultado naturalístico.
1.6 – Do erro de tipo
Dispõe o Art. 20 do Código Penal:
36Art. 20. O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui
o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.
Descriminantes putativas
§ 1º É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas
circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação
legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é
punível como crime culposo.
Ocorre, portanto, o erro de tipo quando o sujeito passivo, dado o
emaranhado e profusão das leis e regulamentos do fisco, deixa de satisfazer a
alguma obrigação tributária, seja ela principal ou acessória. O erro de tipo
exclui o dolo, não havendo que se falar em punição ao sujeito passivo da
obrigação tributária por falta de previsão quanto à modalidade culposa no
referido dispositivo de lei. Em regra nosso ordenamento jurídico manda que se
puna o agente somente quando este haja com dolo a menos que a lei preveja
modalidade culposa para o delito (Art. 18, Parágrafo único, CP).
O erro de tipo (desconhecimento ou falsa percepção de elementos constantes nos tipos penais incriminadores em matéria tributária) exclui o dolo e o erro de proibição (crer que determinada conduta – deixar de arrecadar determinado tributo – é licita) a culpabilidade. Ambas as situações conduzem à absolvição. Devem essas escusas penais (arts. 20 e 21 do Código Penal) ser ponderadas pelo Poder Judiciário, quando invocadas pelo contribuinte comum. Ou desprezados, sem dúvida, quando alegados pelo sonegador contumaz e reincidente específico. (Nucci, 2008, p. 946)
1.7 – Da extinção da Punibilidade
Para que a extinção da pretensão punitiva estatal ocorra, basta que o
infrator pague o tributo antes do recebimento da denúncia (Art. 34, L.
9.249/95). “Em matéria de crime contra a ordem tributária, verifica-se que, na
essência, o Estado não quer a punição do infrator, mas almeja receber o valor
do tributo, mantendo o padrão satisfatório da arrecadação.” (Nucci, 2008, p.
946)
37
CONCLUSÃO
O Estado incumbido que é de promover a ordem e a segurança da vida
em sociedade, necessita, para prover esses serviços de recursos em dinheiro,
denominados receita . Esta receita origina-se de bens que o Estado já possui
na condição de proprietário (Receita Originária), além daquela que é captada
de forma compulsória junto aos particulares (Receita Derivada). Esta receita derivada é constituída de tributos e multas e tem como fundamento o poder de
império do qual o Estado é detentor.
Os tributos são fruto de uma imposição estatal, podendo ser
classificados em impostos, taxas, contribuição de melhoria, empréstimos
compulsórios e contribuições especiais. Instituídos e cobrados mediante lei, e
que diferem das multas por não caracterizarem uma punição ao cidadão.
Existe uma natural resistência ao pagamento de tributos, pois as
pessoas não têm por hábito a liberalidade. Todos possuem apego aos bens da
vida e não se desfazem deles de bom grado. Tal atitude provoca sempre um
movimento pelo não cumprimento das obrigações tributárias, adotando os
contribuintes atitudes tendentes a economia tributária ou mesmo à sonegação.
A chamada elisão fiscal é tolerada, porém, a sonegação e por lei considerada
crime e punível com multas ou até mesmo prisão.
Comete um ilícito tributário aquele que, dentro de uma situação
descrita em lei, deixa de cumprir com uma obrigação tributária a ele imposta.
Aquele que comete um ato ilícito faz surgir para o Estado o direito de impor-lhe
uma sanção, que, na esfera tributária poderá ser de ordem administrativa
(multa) ou penal (multa, prisão ou ambas), sendo que a lei estabelece de
acordo com o desvalor da conduta do agente uma punição mais ou menos
branda. O desvalor de determinada conduta leva em conta fatores sociais,
culturais e históricos, sendo também uma questão de política criminal. O não
pagamento de tributos é pratica, que, a despeito de danosa à população,
recebe uma menor reprovabilidade social, haja vista que não é tão visível para
38a população o prejuízo causado pela sonegação às políticas estatais de
combate a pobreza e desigualdades bem como à prestação de serviços úteis a
população, sobre tudo a parcela mais carente e desassistida. A despeito disso,
justifica-se a punição imposta a sonegadores, pois, seriam desastrosas as
consequências de uma imaginável situação em que a arrecadação tributária
fosse brutalmente reduzida por desrespeito às leis tributárias.
Nossa legislação tributária revela-se confusa e casuística. É um
verdadeiro emaranhado o qual uns poucos especialistas parecem
compreender. Um contribuinte pode deixar de cumprir determinada obrigação
tributária, seja ela principal ou acessória por desconhecimento ou errônea
interpretação de dispositivo de lei ou regulamento que versem sobre matéria
tributária. Cabe a autoridade fiscal verificando a ocorrência de um fato gerador
apurar o montante devido de tributo e um eventual não cumprimento de
obrigação. Assiste por sua vez ao contribuinte contestar o lançamento tributário
pela via administrativa, judicial ou ambas. Cabe também a autoridade fiscal,
observando ao fim de um processo fiscal a ocorrência de crime fiscal, oficiar ao
Ministério Público para que esse inicie a devida Ação Criminal.
As chamadas leis penais tributárias configuram uma tentativa do
legislador de inibir a evasão tributária de forma mais dura. No entanto a
imposição de prisão para um devedor de tributos aparentemente confronta
com o próprio ordenamento constitucional que firma a inadmissibilidade da
prisão civil por dívida. A solução encontrada pelo legislador, nos diversos
diplomas legais, emitidos com o intuito de punir sonegadores, foi a punição
quanto aos meios empregados e não o simples inadimplemento dos tributos.
A imposição de punições, pertencentes à esfera, penal a contribuintes
que sonegam afigura-se exagerada. O que se verifica que os governos se
valem do direito penal, do qual o ele só deveria valer-se como ultima ratio
(Princípio da Intervenção Mínima) para compelir os contribuintes ao
cumprimento de obrigações tributárias. Parece que é melhor intimidar-se a uns
poucos a cumprirem com as obrigações impostas pelo fisco do que
39estabelecer-se um sistema de cobrança mais justo, concomitante a uma carga
tributária mais leve. A solução para o problema apresentado seria uma
mudança constitucional que permitisse ao legislador estabelecer multas mais
pesadas aos sonegadores, até mesmo conferindo a elas poder confiscatório,
abandonando-se a imposição de penas prisionais, por demais exageradas, a
constranger meros sonegadores.
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