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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO “A VEZ DO MESTRE” A ORIENTAÇÃO VOCACIONAL COMO UM PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO SABER INDIVIDUAL TALITA DE SOUSA COUTO ORIENTADOR: PROF: NELSOM JOSÉ VEIGA DE MAGALHÃES RIO DE JANEIRO JANEIRO/2005

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

A ORIENTAÇÃO VOCACIONAL COMO UM

PROCESSO DE CONSTRUÇÃO

DO SABER INDIVIDUAL

TALITA DE SOUSA COUTO

ORIENTADOR:

PROF: NELSOM JOSÉ VEIGA DE MAGALHÃES

RIO DE JANEIRO JANEIRO/2005

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

A ORIENTAÇÃO VOCACIONAL COMO UM

PROCESSO DE CONSTRUÇÃO

DO SABER INDIVIDUAL

TALITA DE SOUSA COUTO Trabalho monográfico apresentado como condição prévia à conclusão do Curso Pós-Graduação Lato Sensu em Docência do Ensino Superior

RIO DE JANEIRO Janeiro/2005

Ao meu marido Zelino, por seu companheirismo, incentivo, e até mesmo auxílio nos momentos difíceis. Agradeço por ter tido paciência e compreensão ajudando-me a alcançar mais um objetivo. Ao meu pai, Joel, in memorian, e minha mãe, Gecy, por todo o apoio, sacrifício e disponibilidade infinitos tendo sido o meu porto seguro no qual eu sempre pude buscar mais forças.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, por estar ao meu lado nos bons momentos e me

sustentar nos momentos difíceis, dando-me força e perseverança

de continuar no bom caminho, mesmo quando os obstáculos

parecem intransponíveis.

Ao meu orientador, Prof Nelsom, pela boa vontade e confiança

durante os meus primeiros passos e por todo o conhecimento

compartilhado desde então;

Aos demais professores do curso de Docência do Ensino Superior;

.... os meus mais verdadeiros agradecimentos !

“Nada podes ensinar ao homem, Podes somente ajudá-lo a Descobrir as coisas dentro De si mesmo.”

Galileu Galilei

RESUMO

No presente trabalho serão abordados os temas

pertinentes ao papel do Orientador Vocacional como facilitador de

descobertas, as modalidades e utilização de técnicas, com o

objetivo de possibilitar ao indivíduo o alcance de uma identidade

profissional a partir de uma maior reflexão acerca de si mesmo,

para a compreensão do seu processo de decisão.

Comentamos a necessidade da presença do profissional de

Orientação Vocacional como mediador da transição de um estado

de dependência familiar para um outro: o de entrar no mundo da

independência e responsabilidade.

É neste contexto que o trabalho discorre, nas dúvidas e

incertezas que emergem. Trata-se de um tema de caráter

preventivo no intuito de conscientizar sobre a responsabilidade da

escolha, favorecer a percepção das vocações, habilidades e

interesses.

Torna evidente que, em muitos casos, a escolha de forma

alienada, em função da influência dos pais, da falta de informação

sobre determinada profissão ou carreira, torna a pessoa um

profissional, mesmo que capaz, frustrado e insatisfeito.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 7

CAPÍTULO I – ORIENTAÇÃO VOCACIONAL 9

1.1 – O Conceito de orientação vocacional 9

1.2 – A identidade profissional do orientador vocacional 11

1.3 – O sujeito da orientação vocacional 13

1.4 – Profissão: a importância da escolha 15

CAPÍTULO II – ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL 20

2.1 – O temor da escolha errada 20

2.2 – Informação profissional 22

2.3 – O papel da orientação profissional frente à atual realidade do

mundo do trabalho 24

2.4 – Influência dos pais 28

CAPÍTULO III – TÉCNICAS APLICÁVEIS EM ORIENTAÇÃO

VOCACIONAL 31

3.1 – A orientação profissional em grupos e o uso de técnicas 31

3.2 – A modalidade individual de orientação e a utilização de técnicas 34

3.3 – Entrevista individual 35

CONCLUSÃO 39

BIBLIOGRAFIA 41

7

INTRODUÇÃO

São inúmeras as situações vivenciadas pelos indivíduos ao vir de

encontro em busca de orientação da qual necessita a fim de escolher sua

carreira. Tais situações apresentam a complexidade do ser humano, do qual

é o alvo de nossos estudos e trabalhos.

Dúvidas, incertezas, inseguranças, confusão de idéias, medo,

dificuldade para escolher, desconhecimento, influência (dependência)

familiar, interesses variados, insatisfação profissional, culpa na escolha, não

conhecimento de aptidões próprias e outras questões, são as que

geralmente observamos em nossa atuação com Orientação Vocacional.

O orientando busca por alguém que supõe ter a resposta e a melhor

direção à sua vida. Acredita que o outro é capaz de guiá-lo ao sucesso e a

realização pessoal.

Na verdade, o orientador utiliza a demanda, manejando-a de forma

que se mantém neste lugar, porém, concomitantemente, permite ao próprio

indivíduo que tome posse deste, ou seja, o orientador apresenta-se sempre

como ouvinte dos desejos do orientando.

Decidir é um ato que requer ousadia para definir o futuro, o ambiente

de trabalho, o estilo de vida. Escolher é um processo complexo, visto que

inúmeros são os fatores que mobilizam o ser humano nesta escolha.

Ao definir a profissão, o indivíduo estará revelando sua própria

identidade e ao mesmo tempo, estabelecendo-a. Portanto, a confusão

mental pode se dá quando sua identidade ainda não lhe é bem elaborada. É

no trabalho que poderá expressar suas idéias, seus valores, suas

habilidades, seus interesses e suas características pessoais. Por intermédio

de seu trabalho, poderá fazer diferença na sociedade, alcançar

reconhecimento social, assim como manifestar seus desejos inconscientes.

8

Logo é de fundamental importância a atuação do profissional como

facilitador de descobertas, utilizando-se de técnicas direcionadas ao aspecto

desta ordem. Necessário se faz a consideração de fatores cognitivos,

afetivos e sócio-culturais.

Para o presente trabalho foi utilizada a metodologia de revisão

bibliográfica e sites da Internet.

9

CAPÍTULO I – ORIENTAÇÃO VOCACIONAL

1.1 - O conceito de orientação vocacional

A partir de Rodolfo Bohoslavsky (1991), a Orientação Vocacional

recebeu um novo conceito (rumo) em função de sua estratégia de trabalho.

Sua visão baseava-se no tratamento dos indivíduos como pessoas que

naturalmente vivenciam sentimentos, relacionamentos, limitações,

influências de fatores sócio-econômicos.

Logo, o autor enfatiza que é o “processo de Orientação frente à

situação de escolha” (1991, p. 35). Podemos comparar este processo a um

caminho no qual requer todo um investimento psíquico, um envolvimento,

um movimento de encontro consigo mesmo, assim como com a realidade

acerca de profissões almejadas. É neste espaço que o orientando poderá

falar sobre suas expectativas futuras, sobre seus questionamentos,

interesses, valores, aspectos cognitivos, afetivos e sócio culturais.

De acordo com Müller (1988), a Orientação Vocacional é um

processo, não um acontecimento pontual e isolado, tampouco um oráculo. É

um movimento de exploração, um investigar a subjetividade do orientando e

dialeticamente do orientador; ambos ante um mundo polivalente e

problemático que é também interrogado e questionado. Trata-se de uma

sociedade conflitiva, contraditória, da qual surge cada sujeito orientável tanto

como cada orientador que registra psicologicamente e, ao mesmo tempo,

em muitas circunstâncias, desconhece as profundas crises que eles

atravessam, não só a partir de seu ponto de vista pessoal e sua história

individual, mas em seu lugar de integrantes de um mundo problematizado

em tantos sentidos, acusados por persistentes tensões sociais, políticas,

econômicas, sacudidos por mudanças e acontecimentos históricos, em

10

expansão tecnológica e consumista por um lado, e em recessão de trabalho

e econômica por outro.

Müller (1988) nos diz que, em 1984 foi criada em Buenos Aires a

Associação de Profissionais da Orientação Vocacional, entidade que reúne

psicopedagogos, psicólogos e outros profissionais dedicados a esta tarefa,

inclusive professores com formação universitária. Isto implica reconhecer

que a OV é um campo partilhado e interdisciplinar, une particularmente duas

vertentes: a psicológica (pessoas que colocam problemas, dúvidas, crises

em seus projetos de vida estudantil ou de trabalho) e a pedagógica (pessoas

que necessitam aprender acerca de si mesmas, informar-se sobre dados da

realidade educacional e ocupacional, aprender a fazer projetos e colocá-los

em prática – escolher, imaginar, decidir).

Assim mesmo, incidem outros contextos, em especial o social e o

econômico desde as características e influências familiares e escolares do

meio cultural e social; o ocupacional com suas demandas e requisições, e o

econômico, com suas possibilidades e restrições em função dos projetos

pessoais.

Refere-se ainda que a OV interessa, pois, a âmbitos distintos como

por exemplo, à educação em todos os níveis. Neste terreno proporciona

informação sobre a realidade de trabalho e as necessidades do país;

aprendizagem formativa, que promove um conhecimento progressivo dos

sujeitos, conhecimentos e ensaios sobre distintos papéis sociais-laboriais

(rudimentos prático-teóricos durante os estudos primários e diversificação

com saída para o trabalho durante o secundário); uma aprendizagem da

autonomia responsável e a cooperação solidária; orientação

psicopedagógica em todos os níveis de estudo, em especial ao entrar e ao

sair de cada ciclo (MÜLLER, 1988) .

A autora parte da idéia que, a OV acompanharia o processo

educativo, cooperando com ele e não apenas suprindo suas carências.

Em todo o país, a deserção escolar e o fracasso estudantil são

elevados, fato atribuível, em parte, ao sistema educativo e às condições

sócio-econômicas, mas também à insuficiente atenção psicológico-

11

pedagógica durante etapas especialmente complexas, tais como a

puberdade, a adolescência e o ingresso ao mundo do trabalho adulto.

Refere-se ainda que, a OV não é um juízo ou um estudo psicológico

do qual se dependem “resultados”, nem um conselho ou prescrição de tipo

médico ou mágico; é um processo (podemos dizer também um curso, mas

há que se diferenciar de uma série de “classes”), uma trajetória, uma

evolução mediante a qual os orientandos refletem sobre sua problemática e

buscam caminhos para a sua elaboração. Seu centro passa pelo orientando

e não pelo orientador ou pelas técnicas. Tudo o que se trabalhar durante a

OV tem por finalidade levar o orientando a por em prática seu protagonismo

quanto a conhecer-se, conhecer a realidade e tomar decisões reflexivas e de

maior autonomia, que levem em conta suas próprias determinações

psíquicas, assim como as circunstâncias sociais (MÜLLER, 1988).

Conclui-se que a vocação provém de “vocar”, chamar, referindo-se ao

chamado divino. A idéia de ser convocado à existência e cumprir uma

missão pessoal nela. Neste sentido, porém, tratava-se de um chamado vindo

“de fora” ao qual só corresponde o acatamento. Em OV, a vocação “não

nasce”, mas “faz-se”, constrói-se subjetiva e historicamente em interação

com os outros, segundo as oportunidades familiares e as disposições

pessoais. (MÜLLER,1988).

1.2 - A identidade profissional do orientador vocacional

Segundo Müller (1988), no trabalho orientador mobilizamos toda

nossa personalidade e também colocamos em jogo esta identidade que se

recoloca a cada vez com cada orientando.

Não é casual que ao nos apresentarmos, digamos, por exemplo, “Sou

psicóloga, ou psicopedagoga”. “Sou”, isto é, minha identidade é dada em

boa parte pela ocupação que desempenho, sou o que faço, me defino em,

e pela tarefa que realizo.

12

Refere-se ainda, que nossa identidade profissional se constrói

laboriosamente em um processo contínuo, permanente, sempre factível de

ser revisado, pelo qual podemos dizer que nossa aprendizagem é perpétua.

Muller (1988), faz alusão as principais qualidades ao orientador como

uma sólida formação teórica em Psicologia Educacional, dinâmica de grupo,

técnicas de exploração da personalidade, empatia, “distância ótima”,

“equilíbrio entre colocar-se no lugar do outro”, sentir com ele, sem confundir-

se com ele.

Na concepção de Bohoslavsky (1991), quando já se adquiriu uma

autêntica identidade profissional, o interjogo de uma estratégia, uma tática e

uma técnica eficaz, a serviço da solução de problemas de escolha,

traduzem-se na possibilidade de proporcionar ao adolescente uma

adequada oportunidade, para que aproveite a “moratória psicossocial” no

exame, discriminação, avaliação ou integração de suas identificações.

Somente quando o profissional possuir uma identidade profissional

amadurecida, poderá oferecer ao adolescente tal oportunidade, para que

confronte fantasia e realidade, mundo interior e exterior, atribuições e

depositários.

Conforme Bohoslavsky (1991 ), para conhecer o adolescente, o

Psicólogo deve compartilhar seu mundo. E para ajudá-lo, deve contar com

os meios pelos quais o adolescente parta de si. A comunicação é o caminho

da indiscriminação de papéis á discriminação, da identificação á identidade,

da confusão á clareza, da dissociação á síntese, da confusão à clareza, da

dissociação à síntese, da negação ao sentido da realidade, da dependência

à autonomia, da estereotipia à liberdade.

Dispor-se de tal aventura é fonte de intensa gratificação, pois quem

opta por se dedicar a Orientação vocacional encontra, na assistência aos

adolescentes no momento da escolha, seu modo pessoal de reparar. O

Psicólogo confiará em tal caso, no que sabe e não negará o que ignora,

confiará no adolescente e na sua capacidade de escolher autonomamente.

Poderá estar disponível, isto é, ser permeável a ponto de entrar e sair do

mundo do adolescente e em seu próprio mundo adolescente.

13

Entende-se, assim, que a identidade pessoal e profissional, vai-se

elaborando a partir da atuação do sujeito sobre o mundo e da interação com

os outros (Piaget,1987, Vygotsky,1998). É, pois, um processo que confirma

que toda profissão é uma forma de inserção na realidade, um modo de

situar-se sócio-historicamente, e a identidade profissional, uma dimensão

vital do modo-de-ser e de agir sobre o mundo de cada um, a partir de

relações interpessoais.

Para Müller (1998, p. 85):

“O sol é o orientador que deve brilhar, acompanhar, ajudar a dar a luz; não está nem acima nem abaixo do orientando, está ao lado “partilhando”. O sol é o que permite que os frutos nasçam, que os orientandos saiam, ou ao menos, saibam que podem sair da escuridão e da cerração. O resultado é como um caminho, onde transitam vários automóveis, várias pessoas, ou seja, que o processo ( por assim chamar-se) é um caminho sem fim, e com fim vão conseguindo metas e outras vão aparecendo.”

1.3 - O sujeito da orientação vocacional

Na concepção de Levenfus (2002), tanto em Orientação Vocacional

Ocupacional (OVO) individual quanto grupal; tanto no procedimento adotado

na clínica quanto na escola ou empresa, para realizar o trabalho de orientar

o jovem profissionalmente é preciso pensar dentre outros aspectos, em

quem é o sujeito da escolha.

Ao definir quem é o sujeito que recorre à OVO, torna-se

imprescindível reforçar que me refiro aqueles que procuraram serviços de

Orientação Profissional – seja na escola, nos cursos pré-vestibulares, nas

empresas, nas universidades – e não aqueles que simplesmente passaram

por processos de Orientação Profissional porque determinada escola os

inseriu automaticamente em um programa.

Refere-se ainda que, considerando o fator anterior, na maior parte das

vezes, deparamo-nos com uma clientela predominantemente feminina. Em

1059 sujeitos por mim atendidos entre 1995 e 2000, 73% eram do sexo

14

feminino, contra apenas 27% do sexo masculino. Em sua totalidade, os

sujeitos concentraram-se por faixa etária nas seguintes proporções,

conforme o gráfico 1.

Gráfico 1 – Pesquisa realizada no Rio Grande do Sul

3%

21%

38%

13%

8%12%

5%

0%

10%

20%

30%

40%

16 anos

17 anos

18 anos

19 anos

20 anos

21 a 25 anos

26 a 44 anos

Fonte: adaptado de Levenfus (2002, p. 53 )

Observa-se a maior concentração em jovens que estão em vias de

concluir o ensino médio ou que o tenham concluído recentemente.

Conforme outro estudo (Levenfus,1997a), a consolidação da

identidade profissional desponta como uma das últimas tarefas da

adolescência. Mas a clientela que busca OVO, nem sempre está em fase

adiantada de conclusão do processo adolescente. Vem empurrada por uma

cultura que dita, em nosso país, que a escolha de uma profissão deve

ocorrer ao término do ensino médio, momento este que nem sempre

coincide com a maturidade necessária a esta tarefa. A identidade

ocupacional não é uma aquisição independente da formulação da identidade

pessoal e se submete às mesmas leis e dificuldades que conduzem a essa

conquista.

“Como a identidade ocupacional é um aspecto da identidade do sujeito, partindo de um sistema mais amplo que a compreende, ela é determinada e determinante na relação com toda a personalidade. Portanto, os problemas vocacionais terão que ser entendidos como problemas de personalidade determinados por falhas, obstáculos ou erros das pessoas no alcance da identidade ocupacional.” (Bohoslavsky, 1991, p.55)

15

Conclui-se que a partir desses dados, que o sujeito da escolha é

realmente um sujeito em crise vital, que apresenta com freqüência, crises

acidentais e que vem para a OVO com demandas particulares muito

importantes. Esses e outros fatores contribuíram para que se valorizasse

cada vez mais o diagnóstico de orientabilidade.

Dentre outras questões, chama a atenção para a grande incidência de

jovens com relatos de processo de separação-individuação mal resolvidos,

de jovens que perderam um membro da família nuclear por morte e, talvez,

menos surpreendente, a presença constante de filhos de pais separados

dentre os jovens vestibulandos que não conseguem se decidir

profissionalmente.

1.4 – Profissão: a importância da escolha

Escolher faz parte da vida. O ser humano está sempre nesse

processo, pois ao movimentar-se muda, e as mudanças encontram-se ao

lado da escolha.

Escolher... Não é nada fácil! Simplesmente porque pode transformar

um estilo de vida, determinar uma diferente direção, vivenciar lutos, elaborar

perdas e fantasias. Ao escolher, investe-se tempo, recursos, afetividade.

Na verdade, o trabalho assume um papel de destaque, onde a

realização profissional é associada à realização pessoal, trazendo sentido à

vida. O trabalho pode ser a expressão do Eu, das suas habilidades, do valor

próprio, do gosto pessoal, e até mesmo da própria história de vida. Trabalhar

é deixar suas marcas, é fazer diferença. Assim, talvez seja um dos

momentos mais difíceis, aquele no qual faz-se uma opção de carreira. Tal

decisão como vimos, poderá implicar em conseqüências para toda a vida, ou

pelo menos, parte dela. (compilado em http://carreiras.

empregos.com.br/impressao/printconteudo.htm/, acesso em: 12 jan. 2005,

16:00h).

Conforme Bohoslavsky (1991), quem escolhe não está escolhendo

somente uma carreira. Está escolhendo “com que” trabalhar, está definindo

16

“para que” fazê-lo, está pensando num sentido para a sua vida, está

escolhendo um “como”, delimitando um “quando” e “onde”, isto é, está

escolhendo o inserir-se numa área específica da realidade ocupacional. Está

definido quem vai ser, ou seja, está escolhendo um papel adulto e, para

fazê-lo, não pode se basear noutra coisa que não o “quem é”. Embora

confuso, esse quem é, é produto de múltiplas identificações, que podem ser

contraditórias, opostas, dissociadas... Ao escolher, está fixando quem deixa

de ser, está escolhendo deixar de ser adolescente, deixar de ser outro

profissional, está optando por deixar outros objetos. Na medida em que

escolhe, deixa, e este é outro motivo para dizer que a escolha ocupacional,

como qualquer outro comportamento, supõe conflitos, e modos de enfrentá-

los e resolvê-los.

Na visão de Müller (1988), o que significa escolher, quando se trata

de estabelecer um projeto de vida que abarca aspectos desconhecidos,

como, por exemplo, o futuro pessoal e social? Estou me referindo a uma

opção vocacional e ocupacional. Opção que se encontra condicionada por

inumeráveis e sutis influências, que se desenvolve ao longo da história de

cada pessoa e que leva também o selo das expectativas e projetos

familiares, além de estar delimitada pela situação social, cultural e

econômica, pelas oportunidades educativas, pelas disposições de cada um,

pelos horizontes ocupacionais do lugar de residência. Por consistir em um

longo caminho percorrido, podemos dizer que se aprende a escolher. É uma

aprendizagem que leva anos, que se recoloca e se define em várias etapas

ao longo da vida, sem restringir-se a um setor exclusivo e único – uma só

profissão ou ocupação -, já que abarca matizes, zonas de ambigüidade e de

abertura, conflitos não apenas referentes ao trabalho, mas também

pessoais. É assim porque quando se aprende a definir o que se quer ou o

que se pode fazer, quem escolhe o faz a partir de um certo grau de encontro

consigo mesmo, desde uma determinada definição de si mesmo.

A autora parte da idéia que, chegar a uma escolha vocacional supõe

um processo de tomada de consciência de si mesmo e a possibilidade de

fazer um projeto que significa imaginar-se antecipadamente cumprindo um

papel social e ocupacional. Isto requer, por um lado, que se diferencie o

17

projeto pessoal e a identidade própria dos desejos atuantes em forma direta

ou indireta a partir de outros que são importantes para quem escolhe: em

especial seus pais e irmãos. Ao mesmo tempo, a escolha se faz de acordo

com o conhecimento das condições e oportunidades educativas e de

trabalho, que constituem as alternativas entre as quais se produzirá a

decisão.

Aprender a escolher começa muito antes do que o jovem comece a

questionar sobre seu futuro. Começa na longa aprendizagem do “Quem

sou? Como sou?”, que vai se produzindo no interior das relações familiares,

desde o princípio da vida. Aqui está presente o parecer-se e diferenciar-se

de cada um dos demais: pais, irmãos e outros parentes próximos. Também

incide “ser como mamãe (ou papai) quer que eu seja”, “fazer o que mamãe

ou papai gostam”, colocando não em forma consciente, mas a partir dos

níveis mais profundos e primários do afeto e da demanda de ser aceito e

desejado pelos seres queridos.

Refere-se ainda, que para o adolescente em crescimento, tomar uma

decisão vocacional-ocupacional é reconhecer e aceitar o desprendimento de

seu mundo familiar conhecido e limitado, para explorar o mundo muito mais

amplo da sociedade. É percorrer um caminho que se inicia num dentro

conhecido (a família) e se desenvolve num fora com muitas complexidades e

aspectos desconhecidos (a sociedade), onde o adolescente ainda carece de

um lugar definitivo (MÜLLER, 1988).

Para os pais, esta etapa de escolha vocacional significa também uma

aprendizagem correlativa. Significa aceitar que suas relações com os filhos

vão mudando, que serão confrontados e questionados com outras formas de

pensar e de fazer, às vezes muito distintas das que foram vigentes quando

eles eram adolescentes. Descobrirão que seus filhos são diferentes da

imagem que tem sobre eles, que já não serão “suas crianças”. A

aprendizagem dos pais tem a ver com reconhecer que seus filhos não são

para eles, nem propriedades deles, mas integrantes da sociedade, nascidos

não somente para sua família, mas para o mundo, e para irem neste seu

próprio destino, mais além dos projetos e desejos de seus pais.

18

Na visão de Muller (1988), a dificuldade em aprender a escolher na

adolescência é devido às características especiais deste momento da vida.

O adolescente se depara com um complicado dilema: aprender a ser ele

mesmo, tentar o cumprimento da vocação humana primordial, delimitar o

espaço inalienável do encontro consigo mesmo como pessoa consciente de

si, que procura conhecer suas zonas ignoradas e crescer em autonomia, e

por outro lado, ser um integrante a mais na cadeia intergeracional, membro

integrante da espécie, que recebe exigências provenientes de sua família

para continuar as tradições de seu grupo de pertinência.

Segundo ela, as mudanças histórico-sociais e econômicas recaem

sobre as escolhas vocacionais. Os adolescentes sabem que faltam

oportunidades de trabalho e recebem as fortes propostas da sociedade

consumista que promete paraísos artificiais e desfrutes mágicos sem

esforços; tem evidências de comoções sociais e de violência em todas as

partes, o que impede que imaginem um projeto de vida prolongado, pacífico

e produtivo; crescem num mundo de ação onde não é fácil encontrar

gratificações na leitura, na reflexão, no estudo.

Outro fator importante que prepara a escolha vocacional é dado pela

escola com suas propostas culturais e sociais. O panorama escolar não é

nada alentador neste sentido: é cada vez maior o desinteresse e a frustração

que a escola gera nos estudantes, a insatisfação e até a hostilidade

manifestada pelos adolescentes nos estudos.

Muller (1988) confirma, que a escola não ensina a escolher. Não

ensina a pensar, a colocar e resolver conflitos, a refletir sobre a realidade

social, cultural, histórica e profissional, a ler com critério os meios

informativos, a conhecer o pessoal, a aprender o intercâmbio e a

solidariedade grupal. Se o faz, propõe estas aprendizagens de forma

ocasional, desarticulada.

Muitos adolescentes sentem-se sós e desorientados, perdidos e

assustados ante suas próprias mudanças e ante a disjuntiva de escolher

vocacionalmente em uma sociedade cheia de problemas.

Aprender a escolher é vital para crianças e adolescentes de hoje, que

serão os homens e mulheres do futuro. Este tema deveria convocar a todos:

19

aos adolescentes, aos pais, aos educadores, aos psicopedagogos e aos

psicólogos, para que tentemos entre todos construir um contexto em que as

crianças aprendam a escolher, com esperanças num futuro melhor.

Conclui-se que para Bohoslavsky (1991), uma escolha madura é uma

escolha que depende da elaboração dos conflitos e não de sua negação. É

uma escolha que se baseia na possibilidade do adolescente passar de um

uso defensivo das identificações a um uso instrumental delas, ao conseguir

identificar-se com seus próprios gostos, interesses, aspirações e identificar o

mundo exterior, as profissões, as ocupações.

Em síntese, uma escolha madura é uma escolha que depende da

identificação consigo mesmo.

Uma escolha ajustada, é uma escolha na qual o autocontrole permite

que o adolescente faça coincidir seus gostos e capacidade com as

oportunidades exteriores, faça um balanço ou síntese, que pode ser

defensiva. Nela, não só intervém sua capacidade de controle, mas a síntese

entre responsabilidade individual consigo mesmo, e a responsabilidade

social.

20

CAPÍTULO II – ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL

2.1- O temor da escolha errada

Segundo Levenfus (2002), é comum que os orientandos façam

referências a medos despertados pela situação de escolha profissional. De

uma forma geral, os medos referem-se a errar na escolha e ser infeliz, ou ter

que mudar. Referem-se, também, a pressões internas e externas que

contribuem para dificultar a tomada de decisão de mudança, uma vez já

estabelecida, a escolha. Essa ansiedade parece estar centrada na realidade,

já que as pesquisas apontam para um alto índice de evasão nas

universidades por abandono ou troca de curso.

Além disso, para Nicholas (1969), cada decisão tomada reduz um

pouco a possibilidade de mudança de orientação. O jovem pode mudar,

mas, muitas vezes, sente as mudanças como inconvenientes, significando

prejuízos, tempo perdido em um outro caminho. Segundo o autor referido,

nessas situações, mesmo difíceis, partir para a mudança pode ser bem

melhor do que persistir no caminho errado. Embora muitos jovens mudem de

planos, pensa-se que são mais realistas, apesar de menos estáveis, do que

aqueles que insistem em alcançar os seus inadequados objetivos.

Existe uma tendência nos jovens a idealizar a profissão que querem

seguir. Eles se imaginam em uma profissão perfeita, ideal, que responderá a

todas as suas aspirações e sobre a qual poderão projetar seus sonhos

(SOARES-LUCCHIARI,1997b). Imaginam, muitas vezes, que, se não

encontrarem a profissão ideal, ficarão perdidos para sempre. Costumam

descrever seu sentimento como se só houvesse no mundo uma profissão

que satisfizesse cada pessoa e temem não encontrar essa uma, única, que

lhes confere. Dessa forma, mostram-se apavorados frente à possibilidade de

escolher errado (LEVENFUS,1997d).

21

Mas o medo de escolher errado pode estar respaldado também na

convivência com diversos jovens que ingressaram na universidade e que a

abandonaram. De fato, várias pesquisas apontam um alto índice de evasão

nas universidades brasileiras, com a desmotivação do estudante durante sua

trajetória acadêmica ou durante o exercício da profissão em vista de

escolhas imaturas (RODRIGUES e RAMOS, 1997; LEVENFUS, 1997g;

PACHECO, SILVA, MACEDO e PINTO,1997;HOTZA e SOARES-

LUCCHIARI, 1997; ANDRADE,2000; AVANCINI,1998).

De acordo com Müller (1998), um dos problemas que complicam a

escolha vocacional dos adolescentes é o “medo”, que toma diversas formas:

o medo de desprender-se do grupo de amigos, de separar-se deles e seguir

um projeto distinto; o medo da mediocridade, da rotina e da chatice de

“adaptar-se socialmente” seguindo os caminhos trilhados; o medo de não ser

capaz e de carecer dos meios para desenvolver-se ocupacionalmente; o

medo de não encontrar trabalho depois de haver se preparado nos estudos;

o medo de equivocar-se na escolha.

De fato, o adolescente sofre imensamente quando apenas durante o

curso percebe que a decisão estava incorreta. Brooks (1959), já sugeria que

o fracasso na escolha exerce influências negativas na personalidade do

jovem, tais como tendência a desenvolver atitudes de inferioridade e inibição

de seus esforços para outros direcionamentos, sendo conveniente orientar o

jovem no sentido de prevenir esse tipo de fracasso.

Segundo Lassance (1993, p. 66), “no Brasil, o adolescente escolhe a

profissão muito cedo”. Ele chega á época do vestibular com uma média de

idade em que a aprovação dos pais e dos amigos é muito importante. Aí

opta pelo curso que dá mais status, ou por aquele que os familiares parecem

gostar mais, exemplifica. A futura insatisfação do jovem em casos como

esse é quase inevitável. Tende a aparecer pouco tempo depois do ingresso

na universidade, tão logo complete 20 ou 21 anos. É só a partir dessa idade,

afinal, que a maioria dos jovens adquire maturidade suficiente para avaliar

se estão na profissão de que realmente gostam.

Na prática, isso significa que a culpa de uma escolha malsucedida

nem sempre é do aluno. “Há todo um sistema que condiciona essa decisão

22

na direção errada” (BRITO, 2003, p. 59).Quem paga a conta é a própria

sociedade. Mesmo as mais disputadas instituições públicas convivem com

índices de evasão de amargar. Um estudo conduzido pela Universidade

Federal do Paraná (UFPR), ao longo de dez anos mostra que, em média

34% dos alunos que se matriculam na instituição abandonam a vaga. A

faculdade de Física é a campeã das desistências: mais de 60% dos

aspirantes se despedem antes de receber o diploma.” Muitos deles não

conhecem o curso e se assustam ao verem que exige muito estudo”.

(BRITO, 2003). Compilado em: http://carreiras.empregos.com.br/

impressao/princonteudo.htm/, acesso em 12 jan. 2005; 16:45h.

2.2 – Informação profissional

Segundo Levenfus (2002), um dos principais itens observados para

que ocorra um consistente processo de escolha profissional é a

“informação”.

Conforme a visão desenvolvimentista de Super e colaboradores

(1963), o comportamento exploratório situa-se na adolescência. É esse

comportamento que permitirá ao adolescente adquirir informação sobre si

mesmo e sobre o mundo que o rodeia. O comportamento exploratório

vocacional visa abastecer o sujeito de informações novas, complementares

ou corretivas para a empreitada da escolha profissional. Da forma como foi

definido, por Jordaan (1963), é um processo que envolve diferentes graus de

consciência. A informação obtida ou procurada é influenciada percepção que

tem de si e do ambiente. Super e colaboradores (1963), também alerta para

a resistência que o indivíduo pode desenvolver frente à informação, caso a

experiência coloque em dúvida alguns aspectos do auto-conceito. Nessa

situação a percepção pode sofrer distorções a fim de preservar, validar ou

confirmar as fantasias que o sujeito tenta manter

(FRISCHENBRUDER,1999).

Não é raro jovens alegarem “desconhecimento total” da profissão pela

qual estão interessados. Alguns apresentam idéias bastante distorcidas,

23

outros demonstram inibições do pensamento ou medo de errar ao expor

suas idéias.

É comum que os jovens estejam desinformados. Verifica-se que a

exploração profissional desenvolvida pelos jovens é pouco sistemática e

pouco planejada intencionalmente. É significativa a falta de informação que

os adolescentes demonstram tanto acerca de si mesmo, quanto acerca do

mundo do trabalho das profissões em geral.

Suas escolhas são feitas dentre as profissões que podem observar no

meio mais imediato, revelando um comportamento exploratório

consideravelmente pobre. A tendência dos jovens no ensino médio é fazer

uma escolha profissional apoiada em elementos pouco consistentes:

informações mínimas geralmente distorcidas, idealizadas ou estereotipadas,

e as quais o adolescente, aparentemente, não sente necessidade de checar

ou aprofundar. (LASSANCE, GROCKS e FRANCISCO,1993; RODRIGUES

e RAMOS,1997; FRISCHENBRUDER,1999).

Muitas das coisas que acontecem no mundo do trabalho não podem

ser diretamente observadas por um jovem. Ele pode, como sugere Jersild

(1969), ver pessoas que se dirigem para as fábricas e os escritórios, mas

comumente não tem a oportunidade de ver essas pessoas trabalhando.

Apesar de possuir pouco conhecimento sobre as profissões, precisa

prepara-se para ocupar um lugar nesse universo. Esse procedimento não é

tarefa fácil para um adolescente, uma vez que necessita projetar o seu

parcialmente conhecido eu em futuras atividades, que também são

parcialmente conhecidas, quando o são.

Como se não bastasse, é difícil para o adolescente entrar em contato

com as informações do mundo profissional, uma vez que essas informações

muitas vezes não estão disponíveis, e especialmente porque faze-lo

representa entrar em contato com o novo, com o desconhecido, com o

mundo adulto. O adolescente recua diante desse momento, resiste em obter

informações, nega conhecimentos que já possui, prefere não saber, porque,

permanecendo ignorante, não escolhe, não cresce, não deixa a vida passar

(LEVENFUS,1997).

24

Bohoslavsky (1991, p.161) afirma que a transmissão de informações

deve levar em conta simultaneamente,

“(...) o que informar; quem é o sujeito ao qual se deve informar; qual é o seu histórico pessoal; quais são os motivos das distorções que apresenta, de seus conhecimentos parciais, preconceituosos; como informar; quanto informar e quando concluir esta tarefa”.

A dificuldade para a tomada de decisão está, dentre outros fatores,

seguidamente relacionada à falta de informação sobre as profissões

(BOHOSLAVSKY 1991, p. 157),

“(...) a informação profissional tem tamanha importância dentro de um processo de Orientação Vocacional, que nenhum processo pode ser considerado completo se não inclui, em alguma etapa deste, o fornecimento de informação com respeito às carreiras, às ocupações, às áreas de trabalho, e à demanda profissional”.

2.3 - O papel da orientação profissional frente à atual realidade do mundo do trabalho

De acordo com Lisboa (2002), dentro do atual contexto relativo ao

mundo do trabalho, as possibilidades de escolha profissional se fazem muito

importantes; não somente na busca de realização pessoal mais,

fundamentalmente, na abertura da consciência e no entendimento mais

profundo sobre um novo cenário que se apresenta . A autora parte da idéia

de que o conhecimento do mesmo, para quem se dispõe a refletir sobre a

escolha profissional, poderá determinar um diferencial na inserção do

indivíduo como profissional, uma vez que um dos maiores méritos da

Orientação Profissional reside na possibilidade de reflexão aprofundada

sobre os elementos que constituem o projeto profissional, considerando o

contexto do trabalho como um dos mais importantes. Cobranças, auto-

cobranças, idéias e ideais desvinculados dessa realidade são alguns dos

pontos que merecem ser confrontados, enquanto reflexão e construção de

25

um projeto de futuro baseado ao máximo no conhecimento do que a

dinâmica do mundo do trabalho oferece.

Segundo a autora, a visão mais comum da Orientação Profissional no

contexto brasileiro, é o de ajuda na escolha de uma profissão ou carreira,

com vistas à satisfação individual, procurando conciliar os desejos pessoais

com a realidade do mundo do trabalho. O enfoque principal, portanto, é

centrado no indivíduo que escolhe.

Cabe perguntar: quem é esse indivíduo? Pode ele realmente

escolher? O que ele escolhe?

Quanto à primeira questão, temos constatado que o indivíduo que

possui acesso a uma possibilidade de escolha é, em grande proporção,

considerando-se a sociedade como um todo, o jovem de região urbana, de

classe média e média alta, aluno de escola particular, que tem o objetivo de

integrar o mundo do trabalho no papel de um profissional de nível superior,

passando, portanto, por um curso universitário. Essa, no entanto, é uma

parcela ínfima da sociedade como um todo.

Lisboa (2002) faz alusão que, se esse jovem pode escolher tem sido

uma dúvida que permeia as reflexões de alguns orientadores profissionais,

pelo menos aqueles preocupados efetivamente em analisar o contexto

econômico e social vigente. Se considerarmos escolher fazer opções entre

um número de possibilidades ilimitado, este jovem estará fora de um

processo de escolha. No entanto, se considerarmos escolher uma busca

cuidadosa dentre todas as possibilidades, analisando as viabilidades, as

contextualizações, as realidades e as prioridades, essa escolha pode existir,

mas é bastante limitada. Guardadas as proporções, ele tem a chance de

escolher entre possibilidades bastante limitadas. As limitações não residem

somente na questão da situação da profissão frente ao mercado de trabalho

presente e futuro, mas, muito mais do que isso, dentro de limitações que vão

desde os objetivos que cada um tem com a futura profissão até os

preconceitos introjetados pelo indivíduo, pela família e pela sociedade a qual

pertence, que cobram uma “adequação” sem perdão, geralmente vinculada

ao objetivo de ter um bom nível de vida, economicamente falando, premissa

para o encaminhamento das outras áreas da existência.

26

Lisboa (2002) noz diz que, o que esse indivíduo escolhe é da mesma

forma, limitado por objetivos que vão, desde as expectativas familiares, até o

que existe de mais viável dentro da sua realidade, sendo, muitas vezes, até

contraditório com seus desejos e possibilidades pessoais.

O que normalmente não tem sido considerado pela sociedade e,

inclusive, pelos profissionais da área, é a questão do conhecimento mais

aprofundado do que realmente vem ocorrendo, no que se refere ao mundo

do trabalho presente e futuro, com base na análise histórica e econômica

dessa realidade, ou seja, preocupações em conhecer o que determina a

maior ou menor possibilidade ou chance de inserção do orientando no

contexto profissional, premissa para uma busca mais eficaz quanto aos

caminhos a seguir.

Este parece ser um ponto fundamental que, até o presente momento,

tem sido bastante inexpressivo no processo de Orientação Profissional: o

tratamento, em uma abrangência maior, da escolha, no sentido de sair do

individual, do que diz respeito apenas ao que é importante para a pessoa. A

própria preocupação com o conhecimento da realidade externa - como

estão as profissões no mercado de trabalho, o que cada profissão oferece,

suas exigências, suas propostas – estão centrada no indivíduo . É para o

seu próprio bem-estar que um aprofundamento do conhecimento de cada

profissão é buscado.

Na concepção de Lisboa (2002), observa-se no Brasil, uma tendência

de a Orientação Profissional realizar-se na direção dos movimentos

educacionais e do mundo do trabalho, procurando acompanhar os

interesses de cada uma dessas áreas: na educação, orientando jovens, de

região urbana, pertencentes às classes média e média alta, estudando em

escolas particulares, na busca de um encaminhamento profissional que

passe por um curso superior. Quanto ao mundo do trabalho, orientando

adultos, em processo de reescolha profissional, determinado por várias

circunstâncias, em uma proporção que poderia classificar-se apenas como

pontual. Ambos os públicos ficam sem o apoio governamental, no caso das

escolas com pouco apoio institucional, no caso de empresas sem apoio

organizacional. Ainda como procedimentos pontuais apenas sabe-se que

27

existem outros projetos, ligados a alguns sindicatos, orientando

trabalhadores, filhos de trabalhadores e desempregados. Ainda, como um

procedimento mais difundido, o trabalho em consultórios de psicologia, tem

ocorrido contemplando-se os dois tipos de público, jovens e adultos, com

ênfase nos adolescentes conforme já descritos.

Refere-se ainda que, cabe, dentro dessas circunstâncias, uma ação

mais forte por parte da categoria dos orientadores profissionais, bem como

uma ação institucional por parte de grupos ou a ABOP (Associação

Brasileira de Orientadores Profissionais), representativa dessa a área. Para

que isso seja possível e se consolide, é necessário, em primeiro lugar, uma

organização das pessoas em grupos. Essa, por sua vez, não se concretiza

se não tiver como base a vontade das pessoas e/ou grupos e, somada a

essa vontade, a disponibilidade para a ação. Nossa proposta, como um

objetivo principal que determinará outros decorrentes, é no sentido de uma

tomada de posição em busca do quatro pontos colocados como proposta

para a realidade brasileira, que somente poderão efetivar-se baseados nas

premissas aqui colocadas: vontade, disponibilidade individual e grupal para a

ação e formação de grupos de tarefas comprometidos com a realização dos

objetivos propostos.

Sabe-se o quanto há para ser feito. Sabe-se que a sociedade

brasileira está alienada quanto ao real sentido e procedimentos propostos

pela Orientação Profissional. Frente a essa realidade é que devem ser

criados inicialmente planos de ações que, em um segundo momento, devem

efetivar-se enquanto ações propriamente ditas. É reconhecendo as

situações e as dificuldades que elas encerram, em princípio, que se inicia a

caminhada em busca das soluções. Estamos, neste momento, engatinhando

apenas na busca do reconhecimento das dificuldades.

Se, em um mundo do trabalho mais promissor em termos de oferta de

trabalho, a Orientação Profissional não tinha o espaço que merecia,

proporcionalmente ao mérito das questões que abraça, em uma sociedade

economicamente descendente, com problemas sociais graves, ela poderá

florescer. Seu florescimento não diz respeito, no entanto, à escolha de uma

carreira de forma alienada desvinculada da realidade. Ao contrário, a

28

Orientação Profissional deve constituir-se em um fórum de discussão dos

problemas no seu sentido amplo enquanto econômicos e sociais e, a partir

daí, trazer a reflexão para cada indivíduo. Essa é a proposta, esse é o

convite, começando pelos orientadores profissionais, sem perder de vista o

compartilhamento com a sociedade em seus vários âmbitos.

Conclui-se que, os problemas estão postos, a realidade está aqui

exposta e analisada, em algumas dimensões, visando à elucidação e à

tomada de consciência. No entanto, muito ainda deverá ser pesquisado e

compartilhado. Partindo desta base, o convite para a discussão se efetivar

tem a intenção da ampliação e da busca de soluções, em conjunto. Aqui,

apenas um primeiro passo está sendo dado. O convite é para que, juntos,

orientadores profissionais, trabalhem por uma sociedade menos destrutiva,

menos bárbara, menos vil, tal como constatamos neste capítulo, tem sido a

do mundo do trabalho, constituída através de um longo e assustador

processo histórico, com conseqüências sociais graves que, infelizmente, a

cada dia constatamos mais presentes e desastrosas para o ser humano.

2.4 – Influência dos pais

É muito comum que os orientandos façam referência a sentirem

influências sobre sua escolha. As influências, sejam elas explícitas ou sutis,

existem e devem ser consideradas. É importante que sejam conscientes,

pois, conhecendo-as, o indivíduo pode utilizá-las de forma positiva e

construtiva, selecionando-as e adequando-as aos seus próprios desejos e

valores. “A liberdade de escolha e de elaboração de um projeto próprio de

carreira depende muito mais do conhecimento das influências do que da

ausência delas” (ANDRADE,1997, p. 134).

Os jovens são unânimes em apontar os próprios pais como os que

mais os influenciam. É quase nula a percepção dos jovens inclusive com

relação à influência de amigos. Conforme Neves (1993), o grupo de amigos

pode constituir-se em um fator de pressão ás vezes mais autoritário do que a

família, impondo valores e comportamentos, mas, como os adolescentes

29

tentam afirmar uma grande autonomia nas suas decisões, muitas vezes

deixam de refletir sobre a influência do grupo de iguais e dos meios de

comunicação.

Segundo Soares-Lucchiari (1993;1997b), os pais tem um conjunto de

expectativas sobre o futuro dos filhos, um projeto. Desde antes do

nascimento, o filho já é fruto de projeções dos pais, que variam segundo a

ordem de nascimento do filho, o momento do casal, a história da família.

Citando Andrade (1997), o autor aborda a questão da “delegação”,

apontando que a família distribui papéis que os filhos devem desempenhar,

muitas vezes ligado ao “peso” de realizar o sonho dos pais. O filho torna-se,

então, depositário das aspirações, as mais profundas, que os pais não

conseguiram realizar, assumindo, assim, o papel de “delegado”, isto é,

responsável (inconscientemente) por realizar uma profissão, por exemplo,

em seu lugar. Identificando-se ao ideal de seus pais, o jovem tenta

corresponder as suas expectativas de ser um grande médico, um bem

sucedido empresário ou um célebre juiz de direito. Assim, a elaboração do

projeto profissional vai estar submetida à influência exercida pela família na

re-eleboração do ideal de ego na adolescência. Essa utilização dos filhos

pelos pais deve deixar o espaço suficiente para os filhos desenvolverem

uma relativa autonomia em suas escolhas. Se o filho não suscitar nenhuma

expectativa nem desejo da parte de seus pais em relação a seu futuro, ele

se sente sozinho, abandonado e encontrará grandes dificuldades no

momento de fazer suas escolhas.

Em sua pesquisa acerca das questões familiares relacionada à

escolha profissional, Soares-Lucchiar (1997a) percebe que a escolha

responde a um conjunto de significações que são transmitidas aos jovens

pela família, além dos ideais sócio culturais. Essas significações estão

ligadas à dinâmica e à história familiar, freqüentemente transgeracional, e a

importância dos avós deve ser assinalada.

Para Ramos (2000, p. 64), a psicanálise, partindo da concepção do

“homem como desejante, nos fornece operadores teóricos que nos permitem

considerar que a matriz da escolha profissional está no desejo da família”.

30

Muitas vezes, são os próprios pais os vilões da história, que

influenciam ativamente na escolha profissional de seus filhos. Os

especialistas estão convencidos que eles mais atrapalham do que ajudam os

filhos a tomarem um rumo profissional. Mesmo os que se esforçam para não

palpitar sobre a escolha têm culpa no cartório. “Ainda que não queiram, eles

transmitem suas opiniões. Pode ser apenas um sinal, como um sorriso mais

intenso ou uma expressão diferente no rosto”, os filhos captam a mensagem

sublimar. E não raro mergulham em um tenso conflito pessoal. “É comum o

jovem escolher uma profissão pela qual os pais demonstram maior apreço,

mesmo que a opção não tenha nada a ver com gostos pessoais e

personalidade”, garante Hotza (1997).

31

CAPÍTULO III – TÉCNICAS APLICÁVEIS EM ORIENTAÇÃO VOCACIONAL

3.1 - A orientação profissional em grupos e o uso de técnicas

O trabalho com grupos tem comprovado sua eficácia não só em

nossa área de interesse, mas também em diferentes situações e conflitos

vividos pelo homem na sociedade atual. Zimerman, Osório et al. (1997),

apresentam diferentes aplicações de trabalhos grupais, entre elas a

Orientação Profissional. Wainberg (1995, p.374), uma das colaboradoras,

afirma que:

“A atividade em grupo é facilitadora do processo de identidade individual e grupal, oferecendo melhores condições na elaboração dos sentimentos referentes à atividade. A troca de experiências, o relato de vivências, assim como a tendência natural do adolescente para se agrupar, torna o enfoque grupal indispensável para a realização deste processo”.

A abordagem em grupo da Orientação Profissional, em linhas gerais,

inclui procedimentos teóricos e técnicos de um trabalho de dinâmica de

grupo. Segundo Zimerman (1997, p. 27), “a importância do conhecimento e

a utilização da psicologia grupal decorre justamente do fato de que todo

indivíduo passa a maior parte do tempo de sua vida convivendo e

interagindo com distintos grupos”. Melo-Silva e Jacquemin (2001, p. 82), por

sua vez, salientam o caráter de aprendizagem implícito em toda a

abordagem grupal. Segundo estes autores, “no contexto grupal é preciso

observar como se configuram os vínculos entre os próprios integrantes,

entre eles e a coordenação e, ainda, com a tarefa. Enfim, como a

aprendizagem ocorre no grupo”.

32

Carvalho (1979,1995) foi quem deu início à utilização da modalidade

grupal em Orientação Profissional no Brasil. Seu trabalho, junto ao Centro de

Orientação Profissional do Instituto de Psicologia da USP, já no final da

década de 1970, fundamentou-se nas teorias de grupo de Lewin, Rogers,

Perls e Bion e culminou com a defesa de sua tese de doutorado (1979).

Somente em 1995, seu trabalho foi divulgado ao grande público, pela

publicação de sua tese em forma de livro.

Soares (1997, p. 83) afirma que o trabalho de Orientação Profissional

deve ser feito em grupo e justifica:

“Acredito na possibilidade dos grupos em fazerem uma mais profunda mudança individual e social. É a melhor forma de realizar-se este procedimento por diversas razões, entre elas a possibilidade de identificações recíprocas entre os membros do grupo a parir de uma problemática (a necessidade de escolher); o enriquecimento pessoal a partir da troca de idéias; o relato de experiências pessoais compartilhadas; a possibilidade de feedback entre os próprios membros do grupo”.

Essas contribuições representam, em nosso país, as primeiras

iniciativas de se desenvolver atividades de Orientação Profissional na

modalidade grupal, a qual ganhou ênfase na última década.

Orientar jovens e adultos na escolha de sua profissão supõe o

domínio de um referencial teórico e técnico por parte do orientador

responsável pelo grupo. Podemos dizer que a Orientação Profissional tem o

seu referencial teórico específico, a psicologia vocacional, discutindo

questões referentes ao processo de tomada de decisão, como as influências

na escolha, as dificuldades de se fazer uma escolha, a psicologia do projeto

pessoal e profissional, e a participação da família no processo de escolha. O

referencial da psicologia do trabalho também é de grande importância na

medida em que esclarece questões relativas à significação do trabalho, às

transformações na realidade ocupacional e outras concernentes à

informação profissional.

O trabalho de Orientação Profissional através de grupos, no entanto,

pressupõe também, necessariamente, uma formação específica em

psicologia dos grupos; o profissional deve estar preparado para o manejo do

33

grupo nas mais diferentes situações. A formação teórica é que lhe vai indicar

os tipos de intervenções a serem feitas, as técnicas às quais vai recorrer,

bem como expressar a sua compreensão acerca do funcionamento do

grupo.

A modalidade grupal de atendimento em Orientação Profissional

costuma ser adotada com mais freqüência em escolas, cursos pré-

vestibulares e serviços de atendimento, haja vista a concentração de

demanda. Nesta forma de trabalho, a demanda do grupo como um todo é

que baliza o processo de trabalho, o que requer uma constante leitura das

necessidades trazidas pelos componentes, que se referenciam uns aos

outros, em um trabalho horizontalizado das escolhas.

As diferentes técnicas, embasadas na abordagem teórica utilizada,

poderão ser adaptadas às questões emergentes no processo de Orientação

Profissional. É preciso esclarecer, preliminarmente, que não consideramos a

existência de técnicas grupais e técnicas individuais por excelência. O que

existe, em nossa compreensão, é todo um conjunto de técnicas, as quais se

adequam mais a uma ou outra forma de trabalho. Grosso modo, podemos

dizer que qualquer técnica utilizada nos grupos pode ser adaptada para

utilização individual e vice-versa, cabendo ao profissional avaliar essa

adequação ao lançar mão do instrumento técnico para viabilizar seu

trabalho.

Enquanto recurso nas mãos do profissional, para mediar seu trabalho

com a clientela, conforme inicialmente enfocamos, qualquer atividade

proposta pode ser considerada uma técnica, com o papel de levantar dados,

fazer emergir sentimentos, permitir elaborações, dar-se conta, enfim, facilitar

a escolha. A própria entrevista pode ser assim entendida, seja a de triagem,

a entrevista clínica ou a de meio de processo, além de testes eventualmente

aplicados ou de outras atividades comumente incluídas nos trabalhos de

Orientação Profissional, tais como visitas a universidades, entrevistas com

profissionais e pesquisas por meio de materiais informativos.

Ao procurar por Orientação Profissional, nossa clientela ainda espera

a realização de uma bateria de testes que possam definir, ao final, qual a

melhor profissão a ser seguida com a segurança de um diagnóstico

34

científico e estatístico. Seguindo a explicação proposta por Bohoslavsky

(1991), podemos pensar que a utilização dos testes pelo psicólogo pode ser

comparada à solicitação de exames médicos: em uma consulta, o médico

solicita um exame de sangue se percebe que podemos estar com algum

problema de anemia, ou um raios-X se tivermos torcido o pé e o procuramos

com muita dor, ou seja, os exames são solicitados a partir de uma hipótese

diagnóstica que necessita de confirmação ou refutação. Mas não é seu

trabalho que trará a cura do paciente, e sim o tratamento prescrito a partir

dos dados encontrados. O teste, assim como o exame médico, não irá

resolver o problema da indecisão. Ele apresentará algumas informações que

necessitarão encaminhamento posterior, o qual pode ser viabilizado através

da participação em um processo grupal de Orientação Profissional.

O papel do orientador profissional caracteriza-se, então, como o de

um “mediador de escolhas” isto é, ele é o responsável por auxiliar a pensar,

através dos exercícios e jogos propostos, pois, segundo Andaló (2001,

p.150), “por não estar imerso na situação, consegue ter uma visão de

distância que lhe permite captar aspectos mais amplos e profundos”. Esta

autora complementa sua idéia e noz diz que “dada a função que o

coordenador detém de mediador entre o nível do vivido e a leitura crítica da

realidade, reafirma-se o caráter construtivo da sua liderança no processo do

grupo”. Sua função é também “facilitar” (Soares, 1987), isto é, auxiliar na

tomada de consciência acerca dos fatores que interferem na escolha

profissional através da reflexão, problematizando, muitas vezes, o que já

está “naturalizado” no grupo (ANDALÓ, 2001). No entanto, o orientador,

profissional nunca terá a resposta para a dúvida. Por mais capacitado que

esteja, a escolha sempre será do próprio sujeito (BOHOSLAVSKY, 1991).

3.2 - A modalidade individual de orientação e a utilização de técnicas

No contexto do consultório, por suas especificidades, desenvolve-se

predominantemente a modalidade individual de atendimento, tendo a

entrevista clínica como a sua principal técnica. No trabalho individualizado,

35

se por um lado não ocorre o compartilhamento que acontece nos grupos, por

outro, é possível verticalizar a problemática da escolha, por se estar

trabalhando com o processo decisório de apenas um indivíduo. Faz-se

importante, nesse sentido, a atenção ao foco do trabalho, sendo necessário

que o orientador tenha presente o contrato estabelecido inicialmente com o

seu cliente. Caso noutros conflitos sejam trazidos no atendimento, deve ser

discutida qual a necessidade naquele momento: continuar a Orientação

Profissional ou transformar o atendimento em uma psicoterapia. Quando a

modalidade individual é realizada por psicólogos e psicoterapeutas, que,

muitas vezes, atendem também outras demandas além da Orientação

Profissional e, para tanto, possuem a formação teórica requerida, essa

modificação de contrato pode ser possível. Em outras situações, o orientador

profissional deve encaminhar o cliente para um psicoterapeuta.

É importante salientar aqui a diferença entre a psicoterapia e a

Orientação Profissional. Esta última, por ser um atendimento com um foco

específico, pode ser considerada uma pssicoterapia breve ou focal. Sua

característica principal é centrar-se na questão da escolha profissional.

Concordamos com Levenfus (1997, p. 234), diz que “um ponto de

concordância geral em atendimentos breves é quanto à necessidade de

maior atividade por parte do terapeuta”. Para isso acontecer, o psicólogo

pode assumir um caráter mais diretivo dos encontros, inclusive sugerindo

atividades para serem realizadas em casa, a fim de serem discutidas com o

orientador durante a entrevista clínica. Essa postura provoca um

envolvimento maior do orientando e otimiza o processo.

3.3 – Entrevista individual

A entrevista é o principal instrumento do orientador profissional e

pode-se afirmar que não é possível a realização de um processo de

Orientação Profissional sem utilizar-se deste recurso em algum momento do

trabalho.

36

O instrumento clássico, nesse sentido, é a entrevista clínica,

exaustivamente referendada na obra de Bohoslavsky (1991). É fundamental

que o profissional tenha sempre presente o tipo de vínculo que estabelece

com a pessoa que escolhe, pois, segundo este autor, a escolha sempre se

relaciona com os outros (reais e imaginários). Questões como identidade

profissional e identidade ocupacional, conforme definidas por este autor,

podem ser trabalhadas com mais profundidade na modalidade individual.

Guicharde e Huteau (2001) nos apresentam uma contribuição acerca

da entrevista em OP em uma outra perspectiva. Na concepção destes

autores, a interação entre o orientador e o orientando pode estar relacionada

a dois pontos de vista diferentes.

O primeiro diz respeito ao modelo que visa ajustar os atributos

estáveis do sujeito e das profissões, modelo este bem adaptado à

organização do mundo do trabalho do início do século passado. O objetivo

desta entrevista seria de reunir o máximo de informações sobre o

orientando, sobre os temas julgados fundamentais pelo orientador para este

poder fornecer-lhe o conselho adaptado. O questionamento é diretivo e as

noções de aptidão e dos interesses são centrais. Consideramos que este

modelo corresponderia à estratégia estatística descrita por Bohoslavsky

(1991).

O segundo determina que a entrevista de orientação é ligada à

emergência do modo atual de organização do trabalho, que exige a

localização de novas competências e, por outro lado, apresentam uma

situação de emprego tal que, durante a vida profissional, se modifica

constantemente. O objetivo desta entrevista é de ajudar o orientando a ver,

de um lado, os seus desenvolvimentos pessoais e profissionais durante toda

a sua vida e, de outro lado, a gestão das transições às quais ele deve fazer

frente. Nesta concepção, considera-se que a percepção que a pessoa faz

dela própria é tão importante quanto a realidade. Esta entrevista tem como

objetivo principal não somente a descoberta de si mesmo, mas também a

metodologia de construção de si. Poderíamos considerar que esta seria a

modalidade conhecida em nosso meio como a entrevista de orientação e

reorientação de carreira.

37

Outra contribuição relativa ao pedido de atendimento por parte dos

jovens é trazida por Ramos (citado por Guichard e Huteau, 2001), que

realizou um estudo com 50 entrevistas de orientação feitas por orientadores

profissionais na França, atendendo jovens em busca de uma definição

profissional. Para realizar este estudo, ela distinguiu o motivo, a demanda e

o apelo.

O motivo, diz respeito às razões que levam o jovem a procurar o

orientador, por exemplo, a necessidade do jovem de inscrever-se no

vestibular.

A demanda designa a maneira como o jovem formula a/s sua/s

questão/ões em função do motivo. Algumas demandas são paradoxais;

estão relacionadas a um pedido ambíguo de ajuda em relação ao fracasso

escolar “ajude-me a passar,” outras ainda dizem “influencie-me para que eu

seja capaz de me decidir”.

Quanto ao apelo, transformando-se muitas vezes em entrevistas

intermináveis, faz referência a uma expectativa – infinita porque indefinida –

não - verbalizada de uma demanda. Sua frase poderia ser assim colocada

“ajude-me para me assegurar de minha decisão.”

Observamos muitas vezes que os jovens vêm em busca de uma

“autorização”, e no fundo, esta reveste outros conflitos, muitas vezes

inconscientes, em relação à escolha profissional.

O objetivo principal da entrevista de orientação deve ser o de levar os

orientandos a se interrogar sobre suas formas de identificações e suas

idealizações, bem como incentivá-los à busca de informações. O problema

está em determinar em qual momento é oportuno ajudá-los ou prepará-los

para escolher.

Segundo Sullivan (1953), utilizamos a entrevista como a principal

técnica para fazer surgir o próprio sujeito, assim elaborar diagnóstico e

apontar as possíveis dificuldades.

O autor, definiu a entrevista como uma situação entre duas pessoas,

na qual esperam receber auxílio técnico de um ou mais especialistas.

A interação que aparece na entrevista caracteriza-se pela participação

em ambos os lados, visto que, o entrevistador não apresenta-se passivo ou

38

alheio ao ocorrido. Seu papel consiste em observador participante

colaborando no esclarecimento e avaliando seus aspectos de personalidade,

facilitando suas descobertas, e não de resolver seus problemas de

personalidade.

Na visão de Sullivan (1953), a entrevista individual tem dois objetivos

fundamentais: a informação e o esclarecimento.

A informação corresponde a conduzir o sujeito ao conhecimento das

carreiras universitárias, as condições necessárias para aceitar um papel

adulto, a pesquisa ao Mercado de Trabalho.

O esclarecimento refere-se ao papel do orientador de facilitador ao

contribuir para que o entrevistado tenha acesso à sua identidade vocacional.

O profissional utiliza a tática de ordenar as colocações do orientando

durante a entrevista vocacional.

39

CONCLUSÃO

Ao final deste trabalho, espero ter contribuído de alguma forma para

demonstrar a importância do profissional de orientação vocacional e a

função de orientar o adolescente em uma fase tão importante e difícil como a

transição entre uma vida “protegida” com os pais, e a escolha de uma

profissão que o levará ao amadurecimento e assumir responsabilidades com

a própria vida.

A adolescência é o período de ajustamento sexual, social, ideológico

e vocacional, e de luta pela emancipação dos pais. O indivíduo sentindo-se

adulto, experimenta a necessidade de maior liberdade e auto-afirmação.

Conforme os autores citados, o adolescente durante o ensino médio

encontra-se extremamente pressionado pelos pais, pela família e amigos

para escolher uma profissão ou carreira. Muitas vezes, essa escolha torna-

se um erro refletido nos altos índices de evasão nos cursos universitários.

Normalmente, durante o primeiro e segundo ano, o adolescente encontra-se

mais relaxado e com menos cobrança para reconhecer o engano e tentar

uma nova escolha. Não raro, repete-se o mesmo erro. O de eleger uma

profissão mais pelo status que essa poderá auferir, do que uma escolha

consciente.

Ao procurar um orientador profissional este abre um leque de

oportunidades. O adolescente começa a se familiarizar com as profissões,

as áreas de atuações dos profissionais, as novas carreiras que estão se

apresentando, enfim, começa a entrar em um mundo que até então não

conhecia. Este fato irá refletir em uma escolha mais integrada e consciente.

A partir de agora, ao depararmos com o adolescente pela frente, a

procura de orientação vocacional ou não, devemos encará-lo como um ser

de inúmeras possibilidades, que está em mudança, e que, talvez, aquele

“empurrãozinho”, dado por um profissional interessado em seu

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desenvolvimento seja algo de grande valia para que ele continue a sua

“jornada de vida”.

O que tenho é uma enorme vontade em dividir, multiplicar, seria o

termo mais apropriado, não apenas com psicólogos, mas também com

pessoas interessadas nesta etapa da vida – tão maravilhosa e, de certa

forma, ainda existe em cada um de nós – essa minha experiência, espero,

esteja apenas começando.

A orientação de carreira tem um papel social a cumprir, desvelando

significados pessoais e sociais descortinados na vivência de grupo.

Podemos construir um mundo melhor como profissionais de saúde,

construindo cidadania.

Assim, um mundo melhor se efetivará se cada um de nós, que

trabalha com gerações futuras no papel de educadores ou profissionais de

saúde, pudermos refletir sobre escolhas de vida, ética no trabalho e nas

relações humanas.

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