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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E
DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM E SUA
INTERFERÊNCIA NO PROCESSO ENSINO-
APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA
Por: Georgina de Freitas Pereira
Orientadora
Professora Ms. Ana Cristina Guimarães
RIO DE JANEIRO
2005
2 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM E SUA
INTERFERÊNCIA NO PROCESSO ENSINO-
APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA
Apresentação de monografia ao Conjunto Universitário
Cândido Mendes como condição prévia para a conclusão
do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em
Psicopedagogia.
Por: Georgina de Freitas Pereira
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus por me dar forças para
continuar esta jornada, que por muitas vezes pensei em
abandonar, e a todos os mestres do PROJETO A VEZ
DO MESTRE, pela dedicação e paciente, nos momentos
em que minhas angústias afloravam.
4
DEDICATÓRIA
Dedico esta monografia a meus filhos, Marcus Vinícius e
Bárbara Louise, por me darem força para nunca desistir e
principalmente, por serem a razão de minha vida e o
motivo pelo qual estou em constante busca e, a Jorge
Vetromille por estar sempre a meu lado e que, hoje,
ocupa um lugar especial em meu coração.
A Maria de Fátima, minha mãe, que apesar de distante,
sempre fará parte de minha vida.
À memória de meus avós, Aurora e Jaime Pereira, meus
eternos protetores.
5
RESUMO
Os distúrbios de aprendizagem vêm causando angústia nos
profissionais das áreas de educação e da saúde, por apresentarem grande
complexidade em seu diagnóstico, tratamento e prevenção e, principalmente,
por se tratar de um problema que atinge percentuais cada vez mais elevados,
de crianças e adolescentes em idade escolar, dificuldades advindas de
problemas biológicos, psicológicos ou sociais.
O objetivo da presente monografia é a busca de compreensão
dos processos neuropsicológicos e neuroanatômicos das dificuldades de
aprendizagem da matemática e conseqüentemente ter uma visão integral do
indivíduo, assim como, procurar fundamentação científica que comprove que
as dificuldades de aprendizagem da matemática não estão relacionadas
meramente com um comprometimento em determinada área cerebral, mas sim
por vários fatores associados, que dificultam ou agravam sua compreensão.
A interação com jogos, arte e brincadeiras, estimula as funções
cognitivas como a memória, a atenção, a criatividade, a imaginação e a
percepção, o que permite às crianças a descoberta de novas formas de
conhecimento e o prazer pelo aprender. Esses são recursos de intervenções
pedagógicas e psicopedagógicas eficazes e de plena aceitação, que serão
abordados nesta pesquisa.
O professor cumpre um papel decisivo nessas intervenções,
porém sua eficácia estará comprometida caso não haja um trabalho integrado
com profissionais especializados, tais como: fonoaudiólogos, psicólogos,
psicopedagogos e médicos, conforme a necessidade de cada caso em
particular.
6
METODOLOGIA
Para a realização da presente pesquisa optou-se por uma
pesquisa bibliográfica especializada em Educação, livros didáticos adotados
nas mais diversas Instituições de Ensino, jornais, revistas e Internet, de forma a
mostrar opiniões diversas sobre o tema em questão, limitando a análise dos
dados consultados aos jovens estudantes, cursando o ensino fundamental.
As dificuldades e a falta de interesse apresentadas por crianças e
jovens, na aprendizagem da Matemática e a crescente angústia dos
professores dessa disciplina em não atender às expectativas desses
indivíduos, motivaram o interesse e o desejo de investigar e escrever sobre o
tema em pauta.
O trabalho de formatação e digitação segue os moldes propostos
no manual fornecido pelo Projeto a Vez do Mestre.
.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................. 08
CAPÍTULO I
CÉREBRO, INTELIGÊNCIA E MEMÓRIA...................................................... 10
CAPÍTULO II
DEFINIÇÕES PROPOSTAS PARA AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM,
AO LONGO DA HISTÓRIA..............................................................................................
32
CAPÍTULO III
PRINCIPAIS DISTÚRBIOS QUE INTERFEREM NO PROCESSO ENSINO-
APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA............................................................
42
CAPÍTULO IV
O JOGO, A ARTE E A BRINCADEIRA, COMO FACILITADORES DO PROCESSO
ENSINO-APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA........................................................
59
CONCLUSÃO................................................................................................. 75
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS .............................................................. 78
ANEXOS......................................................................................................... 80
ÍNDICE DE ANEXOS...................................................................................... 80
ÍNDICE............................................................................................................ 81
ÍNDICE DE FIGURAS..................................................................................... 83
FOLHA DE AVALIAÇÃO................................................................................. 84
8
INTRODUÇÃO
O ensino da matemática está passando por profundas mudanças
nas escolas, principalmente o conceito de matemática escolar e seu ensino.
Essa disciplina é vista cada vez menos como um sistema estático, e seus
objetivos vão sendo ampliados a partir da mudança dessa visão do processo
ensino-aprendizagem da matemática.
O que se percebe, em pleno século XXI, é que apesar de toda
tecnologia alcançada nas últimas décadas e com toda preocupação com as
modificações da didática nas escolas, não só com a didática da matemática,
mas com a didática global, que os transtornos de aprendizagem são cada vez
mais freqüentes.
Os distúrbios de aprendizagem centram-se em dificuldades nos
processos implicados na linguagem e nos rendimentos acadêmicos
independentemente da idade do indivíduo e cuja causa seria ou uma disfunção
cerebral, ou uma alteração emocional ou de conduta.
Este trabalho será iniciado por uma breve descrição da anatomia
cerebral, suas principais funções, segundo um novo enfoque da organização
dessas estruturas, com embasamento científico de dois profissionais
respeitados da área médica: Dr. Dráuzio Varella e Dr. José Carlos Fragomeni,
que mostram com primazia que as funções do cérebro não estão isoladas e
compartimentadas, mas que se integram para o pleno funcionamento do corpo
e da mente e ainda na visão do Biólogo Humberto Maturana. E como não se
pode falar de cérebro sem se pensar em inteligência e memória, ainda neste
primeiro capítulo serão abordados os tópicos: inteligência, com suas múltiplas
definições, e memória.
O processo histórico das definições das dificuldades de
aprendizagem será abordado no capítulo II.
9 No capítulo III os principais distúrbios de aprendizagem que
interferem, direta ou indiretamente, no processo ensino-aprendizagem da
Matemática, serão descritos dando primazia importância aos distúrbios de
linguagem, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), a
discalculia e acalculia, por acreditar serem os principais fatores de interferência
na aprendizagem da matemática.
Finalizando este trabalho, algumas técnicas utilizando jogos, artes
e brincadeiras serão aqui descritas, com o objetivo de apresenta-los como
meios transformadores da transmissão de conteúdos, do ensino da matemática
mais dinâmico e atraente ao educando e, por conseguinte, melhorar a
qualidade da aprendizagem da disciplina e principalmente, utiliza-los como
recurso de resgate de conteúdos não apreendidos, seja por reais problemas de
aprendizagem, seja por práticas pedagógicas inadequadas durante o processo
ensino-aprendizagem da disciplina.
O objetivo deste trabalho não é transmitir verdades absolutas, mas
sim buscar esclarecimentos para que se possa observar, entender e trabalhar as
dificuldades de aprendizagem da matemática no contexto educacional, social e
cultural brasileiro e com isto, ter uma melhor percepção da sala de aula e das
relações nelas inseridas para que se possa intervir de forma mais eficaz nas
atividades propostas e indicar para atendimento especializado os reais distúrbios
de aprendizado, ou pressupostos distúrbios, para avaliação e tratamento por
profissionais qualificados: Psicopedagogos, Fonoaudiólogos, Neurologistas,
entre outros, que de forma integrada, proporcionarão uma educação calcada no
equilíbrio do indivíduo como um todo e não de forma fragmentada.
“Nós, seres vivos, somos sistemas determinados em nossa
estrutura. (...) quando algo externo incide sobre nós, o que
acontece conosco depende de nós, de nossa estrutura nesse
momento, e não de algo externo”. (MATURANA1, 1998b, p.27).
1 Humberto Maturana, doutor em biologia pela Universidade de Harvard, Prêmio Nacional de Ciências em 1974.
10
CAPÍTULO I
CÉREBRO, INTELIGÊNCIA E MEMÓRIA.
“... o desenvolvimento mental é uma construção contínua,
comparável à edificação de um grande prédio que, à
medida que se acrescenta algo, ficará mais sólido, ou à
montagem de um mecanismo delicado, cujas fases
gradativas de ajustamento conduziriam a uma
flexibilidade das peças tanto maiores quanto mais estável
se tornasse o equilíbrio...” (PIAGET, 2002, p. 14).
11
2 - Cérebro, Inteligência e Memória.
Humberto Maturana (1998) afirma que para que o ser humano
possa aprender, o cérebro tem que ser capaz de criar e armazenar
informações e se reorganizar a cada instante, para que sejam formadas novas
estruturas mentais. Esta nova estrutura neural, ao possibilitar a atividade
assimiladora do sujeito, gera e ativa o processo de assimilação e acomodação,
possibilitando assim, a aquisição do novo conhecimento, conforme afirma:
“A aprendizagem é o caminho da mudança estrutural que
segue o organismo (incluindo seu sistema nervoso) em
congruência com as mudanças estruturais do meio como
resultado da recíproca seleção estrutural que se produz
entre ele e este, durante a recorrência de suas interações,
com conservação de suas respectivas identidades“
(MATURANA, 1998, p. 32).
O sistema nervoso está em constante mudança estrutural, a qual
se denomina plasticidade neural, afirma Maturana . Esta plasticidade explica-se
pelo fato dos neurônios não estarem interligados de forma fixa. Os pontos de
interação entre as células nervosas, as sinapses, são delicados equilíbrios
dinâmicos. Entretanto, as mudanças estruturais que ocorrem, lenta e
gradativamente, acontecem sempre segundo uma arquitetura própria da
espécie, o que pressupõe que toda esta movimentação indica que as sinapses
modificáveis e relacionadas com a aprendizagem também são responsáveis
pela memória.
Maturana (op cite) afirma ainda que os novos esquemas de
assimilação são construídos a partir da interação do corpo e cérebro do sujeito
da aprendizagem com o ambiente que o rodeia. Os aparelhos sensoriais do
individuo e o movimento do seu organismo, são os mediadores destas
12 relações. Suas ações sensório-motoras se dão através destes mediadores. As
ações interiorizadas, por sua vez, se dão na mente do sujeito, através do
processo chamado pensamento, processo este que gera imagens formadas
por representações neurais, que promovem modificações biológicas criadas
por aprendizagem num circuito de neurônios.
Esse desenvolvimento mental é definido por Piaget como sendo:
“(...) uma construção contínua, comparável à edificação
de um grande prédio que, à medida que se acrescenta
algo, ficará mais sólido, ou à montagem de um
mecanismo delicado, cujas fases gradativas de
ajustamento conduziriam a uma flexibilidade das peças
tanto maiores quanto mais estável se tornasse o
equilíbrio...”. (PIAGET, 2002, p.14).
1.1 - O Cérebro Humano.
O cérebro humano é a estrutura mais complexa do universo. Pesa
ao redor de um quilo e meio, e contém 100 bilhões de neurônios, afirma Dr.
Dráuzio Varella2 em seu artigo: As Borboletas Misteriosas da Alma, onde
afirma ainda que para dar idéia da complexidade de nosso sistema nervoso,
em um milímetro cúbico de tecido cerebral existem 100 mil neurônios que
estabelecem um bilhão de conexões uns com os outros.
Dr. José Carlos Fragomeni3, em seu artigo: A catapulta do
emocional descreve o cérebro como sendo composto por três unidades
distintas que funcionam em conjunto: o cérebro primitivo, o cérebro
intermediário e o cérebro superior.
2 Dr.Dráuzio Varela é médico oncologista e escritor.
13 A teoria da catapulta do emocional, defendida por Fragomeni,
propõe que o neocórtex, córtex mais complexo, não passa de um órgão criado
pela experiência evolutiva da vida, com a finalidade de proporcionar
consciência de todo o conhecimento que está inscrito nas sinapses do cérebro
primitivo. O neocórtex teria se formado através da utilização do cérebro
intermediário, considerado o cérebro das emoções.
Não obstante, com o avanço da neurociência nos estudos do
funcionamento do cérebro humano, este ainda continua a representar um dos
maiores enigmas da atualidade, com questões ainda indecifráveis.
A ontogenia - evolução do embrião humano - constitui uma prova
de que o homem é fruto de contínua evolução das espécies. Neste processo,
que decorreu de forma acelerada se comparado ao processo de adaptação do
homem ao meio, notou-se, em determinado estágio, um homem dotado de um
cérebro pensante, tal como se conhece hoje, sem que se consiga a exatidão do
momento dessa consciência nem como ela se deu, afirma o Dr. Fragomeni.
Tentando conceituar cientificamente as emoções, bem como
definir seu papel na rede neural e localizar suas conexões, a neurociência vem
observando sua relação com o sistema límbico, na busca de entendimento
desse complexo sistema, que é o cérebro humano.
Outro aspecto importante do cérebro, igualmente indefinido
quanto à localização e funcionamento é a consciência. Como e por que grupos
de células cerebrais se interligam em certos momentos, formando redes de
neurônios que numa situação específica vão determinar uma impressão sob
forma de vivência.
3 Dr.José Carlos Fragomeni é médico urologista.
14
1.1.2 - Principais Estruturas Cerebrais.
Conforme vimos no item anterior, o cérebro humano é disposto
em três camadas que representam três fases da evolução. Essas camadas,
embora claramente definidas, não são totalmente estanques nem tão pouco se
formaram independentes.
A primeira camada, o cérebro primitivo, é formada pelo tronco
cerebral, pelo cerebelo, ponte e mesencéfalo, pelo globo pálido e o bulbo. É o
cérebro responsável pela manutenção da vida vegetativa. Apresenta a
capacidade: de adaptar-se ao frio, ao calor, à fome e à sede; de comandar a
maior ou a menor intensidade de multiplicação das partes e do todo; de corrigir
os inúmeros desvios do processo de formação do ser; de identificar o perigo e
comandar a resposta.
As informações de maior importância da experiência evolutiva do
homem, desde a primeira célula encontram-se localizadas nesta área do
cérebro. De alguma forma, esse processo evolutivo, todas as experiências do
homem, estão inscritas nas sinapses do cérebro primitivo.
O cérebro primitivo comunica-se com o corpo, integrando-se ao
sistema nervoso simpático e parassimpático, e se comunica através das
glândulas de secreção internas. Nessas conexões encontram-se neurônios
com capacidade de receber, analisar e responder a estímulos.
O cérebro intermediário recobre o cérebro primitivo, onde se
encontram as estruturas límbicas que têm como principal função coordenar as
emoções.
15 FIGURA 1
VISTA DO CÉREBRO EM CORTE FRONTAL
Fonte: Atlas de Anatomia Humana4, 1998, lâmina 104.
O Sistema Límbico é um grupo de estruturas que inclui
hipotálamo, tálamo, amígdala, hipocampo, os corpos mamilares e o giro do
cíngulo, estruturas estas, importantes para as reações emocionais. O
hipocampo é também importante estrutura para a memória e o aprendizado.
Muito se tem estudado e discutido quanto à localização e aos
caminhos que as emoções percorrem, contudo não há uma delimitação precisa
da região onde se dão as emoções, podendo-se apenas afirmar, que a região
que intermedeia as emoções localiza-se entre o cérebro primitivo e o
neocórtex. Na comparação com os outros cérebros, observa-se que o sistema
límbico tem um modo de agir diferente dos outros dois.
4 Atlas de Anatomia Humana, Frank H.Netter, M.D., Editora Artmed, Porto alegre, 1998.
16
FIGURA 2
VISTA DO CÉREBRO EM CORTE SAGITAL
Fonte: Atlas de Anatomia Humana, 1998, lâmina 103.
O cérebro superior, também denominado cérebro racional,
posiciona-se recobrindo todo o encéfalo, sendo constituído por um tipo de
tecido cortical de formação recente chamado neocórtex que funciona como a
sede da consciência. É o último a ser formado no processo evolutivo do
embrião humano, sendo composto pelos dois hemisférios cerebrais: direito e
esquerdo, e de alguns conjuntos de neurônios subcorticais.
O córtex cerebral está dividido em mais de quarenta áreas
funcionalmente distintas, sendo a maioria pertencente ao neocórtex,
considerado como o córtex mais complexo. Este se subdivide em diferentes
áreas funcionais, muito embora estejam interconectadas.
A área somatomotora é responsável por todos os movimentos
voluntários dos músculos do corpo e a área somatosensorial recebe impulsos
desde a superfície cutânea, sendo as sensações como o tato e o gosto
também processados nesta região.
17
FIGURA 3
VISTA SUPERIOR DOS HEMISFÉRIOS CEREBRAIS
Fonte: www.afh.bio.br - Capturado em 25/06/2005
A zona do córtex relacionada à audição encontra-se na parte
superior do lóbulo temporal e a área relativa à visão localiza-se na parte
posterior ou lóbulo occipital e a área olfativa situa-se na parte anterior, na parte
interna do lóbulo temporal. Uma única região controla a linguagem: a área de
Broca, situada logo abaixo da área motora e por último observa-se uma parte
muito importante do córtex cerebral, a área frontal, que intervém no
conhecimento, na inteligência e na memória.
FIGURA 4
VISTA LATERAL DOS LOBOS CEREBRAIS
Fonte: Atlas de Anatomia Humana, 1998, lâmina 99.
Lobo frontal
Lobo parietal
Lobo temporal
Lobo occipital
Circunvoluções
Hemisférios cerebrais
18
FIGURA 5
COMO O CÉREBRO FUNCIONA
Fonte: www.afh.bio.br - Capturado em 25/06/2005
É o trabalho integrado de todas as estruturas cerebrais que irá
propiciar o amadurecimento e a equilibração do indivíduo, tornando-o capaz de
se desenvolver, física e intelectualmente.
O homem, na busca desse equilíbrio, procura atingir a totalidade
da sua capacidade cerebral, visto que o ser humano utiliza apenas 10% do
potencial de seu cérebro o que tem levado pesquisadores a se perguntarem o
que será que o homem é capaz de fazer com sua utilização plena.
19
1.1.3 - Os Neurônios
"A plasticidade neural é a propriedade do sistema nervoso
que permite o desenvolvimento de alterações estruturais
em resposta à experiência, e como adaptação a
condições mutantes e a estímulos repetidos". (deGROOT,
apud MATURANA, 1998, p. 33)
“...são as misteriosas borboletas da alma, cujo bater de
asas poderá algum dia - quem sabe? - esclarecer os
segredos da vida mental”. (CAJAL5, apud VARELLA,
www.drauziovarella.com.br)
O sistema nervoso detecta estímulos externos e internos, tanto
físicos quanto químicos, e desencadeia as respostas musculares e glandulares,
sendo responsável pela integração do organismo com o seu meio ambiente.
Ele é formado, basicamente, por células nervosas, que se
interligam de forma específica e precisa, formando os circuitos neurais, por
onde o organismo é capaz de produzir respostas estereotipadas que
constituem os comportamentos fixos e invariáveis, que se pode exemplificar
com os reflexos, ou então, produzir comportamentos variáveis em maior ou
menor grau.
O ser vivo dotado de um sistema nervoso é capaz de alterar o seu
comportamento em função de experiências passadas. As modificações
comportamentais são chamadas de aprendizado, e ocorrem no sistema
nervoso através de sua propriedade classificada de plasticidade cerebral.
5 Santiago Ramon y Cajal, anatomista espanhol.
20
O Neurônio ou célula nervosa é o principal componente do
sistema nervoso, sendo considerando sua unidade anatomo-fisiológica,
responsáveis por todas as funções desse sistema.
Existem diversos tipos de neurônios, com diferentes funções
dependendo da sua localização e estrutura morfológica, mas em geral
constituem-se dos mesmos componentes básicos, conforme ilustração abaixo:
FIGURA 6
VISTA ESQUEMÁTICA DE UM NEURÔNIO
Fonte: CESAR E SEZAR, Biologia 1, 1995, p.330
O corpo do neurônio, constituído de núcleo e pericário dão
suporte metabólico a toda célula.
O axônio, fibra nervosa, prolongamento único e grande é
responsável pela condução do impulso nervoso para o próximo neurônio,
podendo ser revestido ou não por mielina (bainha axonial).
E por último os dendritos que são prolongamentos menores em
forma de ramificações que emergem do pericário e do final do axônio, sendo,
na maioria das vezes, responsáveis pela comunicação entre os neurônios
através das sinapses. Basicamente, cada neurônio, possui uma região
receptiva e outra efetora em relação à condução da sinalização.
21
A Sinapse é a estrutura dos neurônios através da qual ocorrem os
processos de comunicação entre os mesmos. Em uma sinapse os neurônios
não se tocam, permanecendo um espaço entre eles denominado fenda
sináptica, onde um neurônio pré-sináptico liga-se a um outro denominado
neurônio pós-sináptico. O impulso ou sinal nervoso, que vem através do axônio
da célula pré-sináptica chega em sua extremidade e provoca na fenda a
liberação de neurotransmissores depositados em bolsas chamadas de
vesículas sinápticas. Este elemento químico se liga quimicamente a receptores
específicos no neurônio pós-sináptico, dando continuidade à propagação do
sinal.
Um neurônio pode receber ou enviar entre 1.000 a 100.000
conexões sinápticas em relação a outros neurônios, dependendo de seu tipo e
localização no sistema nervoso. O número e a qualidade das sinapses em um
neurônio pode variar, entre outros fatores, pela experiência e aprendizagem,
demonstrando a capacidade plástica do Sistema Nervoso.
Funcionalmente, o Sistema Nervoso é composto por neurônios
sensoriais, motores e de associação. As informações provenientes dos
receptores sensoriais aferem ao Sistema Nervoso Central (SNC), onde são
integradas - codificação/comparação/armazenagem/decisão - por neurônios de
associação ou interneurônios, e enviam uma resposta que efere a algum órgão
efetor - músculo, glândula.
O cérebro necessita de uma intrincada rede de circuitos neurais
conectando suas principais áreas sensoriais e motoras, ou seja, grandes
concentrações de neurônios capazes de armazenar, interpretar e emitir
respostas eficientes a qualquer estímulo, tendo também a capacidade de, a
todo instante, em decorrência de novas informações, provocar modificações e
rearranjos em suas conexões sinápticas, possibilitando novas aprendizagens.
Todo o córtex cerebral é organizado em áreas funcionais que
assumem tarefas receptivas, integrativas ou motoras no comportamento. São
responsáveis por todos os atos conscientes, pensamentos e pela capacidade
22 de resposta a qualquer estímulo ambiental de forma voluntária. Existe um
verdadeiro mapa cortical com divisões precisas a nível anatomo-funcional, mas
que todo ele está praticamente sempre mais ou menos ativado dependendo da
atividade que o cérebro desempenha, visto a interdependência e a
necessidade de integração constante de suas informações frente aos mais
simples comportamentos.
1.1.4 - A Plasticidade Neural
“A atividade neural poderá ser iniciada espontaneamente
pelo embrião em fases ainda precoces do
desenvolvimento. No entanto, para a circuitaria
desenvolver sua potencialidade serão imprescindíveis os
estímulos ambientais. A experiência exerce impacto
decisivo na organização das redes neuronais; sem ela, o
sistema nervoso não atinge a maturidade plena”.
(VARELLA, www.drausiovarella.com.br).
Estudos em Neurobiologia têm comprovado que a plasticidade do
sistema nervoso é uma característica única em relação a todos os outros
sistemas orgânicos. Fato este melhor compreendido através do conhecimento
morfológico-estrutural do neurônio, da natureza das suas conexões sinápticas
e da organização das áreas associativas cerebrais. Sem dúvida nenhuma a
"aprendizagem pode levar a alterações estruturais no cérebro" (KANDEL6,
apud MATURANA, 1998, p. 40).
6 Eric Kandel, destacado neurocientista, resume o novo alinhamento entre Neurociência e Psicologia, em publicação na revista Science.
23
A cada nova experiência do indivíduo, redes de neurônios são
reorganizadas, e muitas outras sinapses são reforçadas e inúmeras
possibilidades de respostas ao ambiente tornam-se possíveis. Portanto, um
indivíduo está sujeito a constantes modificações com base no uso ou atividade
de seu sistema sensorial periférico, permitindo que novas redes se formem,
gerando novas informações, novas estruturas.
“O poder computacional do cérebro é conferido pelas
interações existentes entre bilhões de células nervosas,
organizadas em redes ou circuitos que executam
operações específicas para dar suporte ao
comportamento e à cognição”. (KANDEL, apud VARELLA,
www.drausiovarella.com.br).
A neurociência procura esclarecer o que acontece no cérebro
humano, desde a sua formação até o envelhecimento, não obstante, tem
demonstrado que todas as estruturas cerebrais aqui apresentadas funcionam
de forma integrada para seu pleno desenvolvimento e para um
desencadeamento equilibrado do processo de aprendizagem. Todavia, esse
processo de equilíbrio, depende do emocional e do amadurecimento do corpo e
do cérebro. “Temos uma genética própria da espécie que determina os tempos
de amadurecimento. Aprendemos conforme o corpo e o cérebro ficam aptos
para isso”. (LIMA7, apud GENTILE8, Revista Nova Escola, no 170, 2005, p.52).
7 Elvira Souza Lima – Psicóloga, antropóloga e especialista em comportamento humano. 8 Paola Gentile – Editora da Revista Nova Escola
24
1.2 - Inteligência
Inteligência pura e simplesmente é a habilidade de um agente de
gerar conhecimento.
Agente é um sistema (organismo ou máquina) que pode trocar
informação com o meio ambiente que o cerca e que tem estados internos que
se alteram com o tempo. Algumas dessas alterações internas de estado devem
ser função da troca de informações que o agente executa com o ambiente que
o circunda.
Conhecimento é uma coleção de informações situadas no interior
de um agente e que o habilita a atuar no meio ambiente com eficácia maior do
que se esse agente não dispusesse dessa informação.
Existe um consenso intelectual de que inteligência é a capacidade
de resolver problemas ou de elaborar produtos que sejam valorizados em um
ou mais ambientes culturais ou comunitários ou ainda como a faculdade de
conhecer, compreender, discernir e adaptar-se. Todavia, já se afasta esse
conceito de inteligência única e geral, para dar lugar a uma nova concepção,
baseada nas idéias de Howard Gardner (NOVA ESCOLA, 1997, p.42-45), que
defende a tese de que o ser humano é dotado de inteligências múltiplas que
abrangem as dimensões: lingüísticas, lógico-matemática, espacial, musical,
cinestésio-corporal, naturalista ou biológica, interpessoal e intrapessoal,
classificando cada indivíduo de acordo com suas habilidades.
Piaget (1973) defende que a inteligência é um processo
adaptativo e que a sua função é estruturar o universo, da mesma forma que o
organismo estrutura o meio ambiente. Não há, portanto, diferenças funcionais
entre os seres vivos, mas somente diferenças estruturais de acordo com os
níveis de organização. Logo, as estruturas da inteligência mudam no processo
adaptativo em decorrência das modificações ou acomodações dos esquemas
ou estruturas de assimilação. O ato inteligente se traduz pelo equilíbrio
25 alcançado pela acomodação e pela assimilação das novas experiências
vividas.
Os cinco primeiros anos de vida de um ser humano, segundo
Antunes9 (2003), são fundamentais para o desenvolvimento de suas
inteligências, não esquecendo a potencialidade do cérebro de se apresentar
como produto de uma carga genética importante que se pressupõe interferir,
positiva ou negativamente, nesse processo do desenvolvimento.
Como já abordado anteriormente, múltiplas conexões entre
neurônios formam uma rede de informações que se apresentam em pontos
diferentes do cérebro e, acredita-se que possuem especificações que
diferenciam uma inteligência da outra. Antunes (op cite) defende que essa
área do organismo não nasce pronta, isso acontece progressivamente,
sobretudo entre os cinco e dez anos de idade, quando no hemisfério
correspondente, terminações nervosas de conectam sendo responsáveis pelo
desenvolvimento da fala, visão, tato, percepção lógica, lingüística, sonora,
entre outras, desenvolvendo-se de forma harmônica para o perfeito equilíbrio
do indivíduo.
Para que o desenvolvimento da inteligência ocorra de forma
eficaz e para que o cérebro atinja toda sua potencialidade e multiplique seu
poder de conexão, este necessita ser estimulado. Este estímulo deve ser
oferecido pelos pais, educadores e por outras crianças, porém, adverte
Antunes (op cite, p.14): “A obsessão por tentar estimular o cérebro, o tempo
inteiro, é tão nociva quanto dar comida ao estômago em quantidade
excessiva”.
Antunes (op cite), afirma que Gardner, muito mais que Piaget, é
da opinião que as habilidades cognitivas podem ser aceleradas e pesquisas
recentes sugerem que a maior parte das crianças pequenas, desde que
estimuladas de forma coerente e em áreas de suas inteligências específicas,
são ligeiramente mais competentes que Piaget imaginava.
26 As inteligências múltiplas de Gardner, conforme entrevista
concedida à revista Nova Escola (1997) e na visão de Antunes (2003):
Inteligência lingüística – Se caracteriza pela sensibilidade para os
sons, ritmos e significados das palavras, além de uma especial percepção das
diferentes funções da linguagem. É a habilidade para usar a linguagem para
convencer, agradar, estimular ou transmitir idéias. Gardner indica que é a
habilidade exibida na sua maior intensidade pelos poetas. Em crianças, esta
habilidade se manifesta através da capacidade para contar histórias originais
ou para relatar, com precisão, experiências vividas.
Inteligência musical - Se manifesta através de uma habilidade
para apreciar, compor ou reproduzir uma peça musical. Inclui discriminação de
sons, habilidade para perceber temas musicais, sensibilidade para ritmos,
texturas e timbre, e habilidade para produzir e/ou reproduzir música. A criança
pequena com habilidade musical especial percebe desde cedo diferentes sons
no seu ambiente e, freqüentemente, canta para si mesma.
Inteligência lógico-matemática – As características principais
desta inteligência são descritos por Gardner como a sensibilidade para
padrões, ordem e sistematização. É a habilidade para explorar relações,
categorias e padrões, através da manipulação de objetos ou símbolos, e para
experimentar de forma controlada. É a habilidade para lidar com séries de
raciocínios, para reconhecer problemas e resolvê-los, característica de
matemáticos e cientistas. Gardner, explica que, embora o talento cientifico e o
talento matemático possa estar presentes num mesmo indivíduo, os motivos
que movem as ações dos cientistas e dos matemáticos não são os mesmos.
Enquanto os matemáticos desejam criar um mundo abstrato consistente, os
cientistas pretendem explicar a natureza. A criança, com especial aptidão nesta
inteligência, demonstra facilidade para contar e fazer cálculos matemáticos e
para criar notações práticas de seu raciocínio.
9 Celso Antunes, professor e escritor, autor do livro: Jogos para estimulação das múltiplas inteligências.
27 Inteligência espacial – Se manifesta pela capacidade para
perceber o mundo visual e espacial de forma precisa. É a habilidade para
manipular formas ou objetos mentalmente e, a partir das percepções iniciais,
criar tensão, equilíbrio e composição, numa representação visual ou espacial. É
a inteligência dos artistas plásticos, dos engenheiros e dos arquitetos. Em
crianças pequenas, o potencial especial nessa inteligência é percebido através
da habilidade para quebra-cabeças e outros jogos espaciais e a atenção a
detalhes visuais.
Inteligência corporal cinestésica - Se refere à habilidade para
resolver problemas ou criar produtos através do uso de parte ou de todo o
corpo. É a habilidade para usar a coordenação grossa ou fina em esportes,
artes cênicas ou plásticas no controle dos movimentos do corpo e na
manipulação de objetos com destreza. A criança especialmente dotada na
inteligência cinestésica se move com graça e expressão a partir de estímulos
musicais ou verbais demonstra uma grande habilidade atlética ou uma
coordenação fina apurada.
Inteligência interpessoal - Pode ser descrita como habilidade para
entender e responder adequadamente a humores, temperamentos motivações
e desejos de outras pessoas, sendo adequadamente apreciada na observação
de psicoterapeutas, professores, políticos e vendedores bem sucedidos. Na
sua forma mais primitiva, a inteligência interpessoal se manifesta em crianças
pequenas como a habilidade para distinguir pessoas, e na sua forma mais
avançada, como a habilidade para perceber intenções e desejos de outras
pessoas e para reagir apropriadamente a partir dessa percepção. Crianças
especialmente dotadas demonstram muito cedo uma habilidade para liderar
outras crianças, uma vez que são extremamente sensíveis às necessidades e
sentimentos de outros.
Inteligência intrapessoal - É a habilidade para acessar os próprios
sentimentos, sonhos e idéias, para discriminá-los e lançar mão deles na
solução de problemas pessoais. É o reconhecimento de habilidades,
necessidades, desejos e inteligências próprias, a capacidade para formular
28 uma imagem precisa de si próprio e a habilidade para usar essa imagem para
funcionar de forma efetiva. Como esta inteligência é a mais pessoal de todas,
ela só é observável através dos sistemas simbólicos das outras inteligências,
ou seja, através de manifestações lingüísticas, musicais ou cinestésicas.
Gardner (Nova Escola, 1997), descreve ainda uma oitava
inteligência: a inteligência naturalista, que consiste na “habilidade humana de
reconhecer objetos na natureza. Em outras palavras, trata-se da capacidade de
distinguir plantas, animais, rochas”. O autor cita Charles Darwin, o criador da
Teoria da Evolução, como sendo exemplo de comprovação dessa nova
inteligência, por se tratar de alguém que possuía a inteligência naturalista em
seu nível mais elevado.
O indivíduo nasce com todas as inteligências e devem ser
desenvolvidas, contudo, afirma Gardner (op cite, p.43): “Temos potenciais
diferentes, mas todos nascemos com capacidade para desenvolver todas as
inteligências (...) Deve-se considerar também que a carga genética pode ser
decisiva”.
Piaget (1973), o conhecimento é construído a partir de três
fatores: a hereditariedade, o ambiente e a equilibração.
Piaget (op cite) descobriu que o pensamento lógico aparece
somente no final da infância, sendo a capacidade de raciocínio aperfeiçoada na
medida em que o indivíduo percorre sucessivos estádios de desenvolvimento,
concluindo-se que a inteligência em sua forma lógica depende não somente do
desenvolvimento orgânico, mas também da estimulação ambiental.
Não obstante, a constituição biológica fornece ao indivíduo
estruturas físicas, reflexos, e funções - assimilação e acomodação - que entram
em contato com o fator ambiental, que oferece não apenas conteúdos, mas
resistência e perturbações à assimilação. Ao interagir com o ambiente, o
indivíduo coloca em exercício os esquemas ou estruturas de assimilação, que
na medida em que aparecem perturbações proporcionadas pelo meio, ocorre
29 um desequilíbrio cognitivo levando o indivíduo a tentar compensar esta
situação diferenciando o esquema original em novos esquemas. Este processo
de busca de equilíbrio é chamado por Piaget de processo de equilibração. A
construção se dá sempre sobre as bases anteriores, que permanecem
equilibradas até o momento em que, assimiladas novas aquisições, o processo
se repita.
Piaget (1973) divide o desenvolvimento intelectual em três
períodos: o período da inteligência Sensório Motora que compreende a fase de
0 a 2 anos; o período Operacional Concreto compreendido entre 2 e 7 anos
(Pré-operatório ) e dos 8 aos 12 ( Operatório Concreto ) e, o período das
Operações Formais, que ocorre a partir dos 12 anos. Os vários estádios
ocorrem sempre em uma mesma ordem, todavia não se prendem a idades
cronológicas fixas e são relativamente independentes do ambiente social em
que o indivíduo vive.
A contribuição dos estudos de Piaget, no que se refere ao
desenvolvimento humano é de suma importância, pois conseguiu demonstrar
que a criança não pensa como o adulto e que este pensamento não é inato ao
homem, ele possui sim condições físicas e neurológicas para o
desenvolvimento do mesmo.
“[...] a criança raciocina somente sobre estados ou
configurações estáticas, negligenciando as
transformações como tais. Para atingir a estas últimas, ao
contrário, é preciso raciocinar por meio de “operações”
reversíveis e estas só se constroem pouco a pouco, por
uma regularização progressiva das compensações em
jogo.” (PIAGET, 2002, p.72)
30
1.3 - Memória
“Homem, tens memória? Se não a tens como reténs o
que digo? Sim, talvez tenhas esquecido o que eu há
pouco "disse". Mas, e este "disse" que acabo de proferir,
estas duas sílabas, só as reténs porque tens memória.
Como saberias que são duas, se ao soar a segunda, já
tivesses esquecido a primeira? Por que continuar, por que
me esforço por convencer, se é evidente que tens
memória? (...) Quando eu anunciei que ia falar de três
realidades já ouvi algumas vozes antecipando:
"Memória!". Para dizer isto, de que te valeste? Esta
palavra que disseste,"memória", foi produto da tua
memória que a reteve; da inteligência, para saber o que
retinhas; da vontade, para proferir o que sabias. Demos
graças ao Senhor nosso Deus, que nos ajudou na tua
pessoa e na minha! Digo-vos com toda a sinceridade que
eu estava com muito medo de entrar nessa questão.
Temia que satisfazendo os mais capazes, entediasse os
mais tardos. Mas, agora, vejo pela atenção com que
escutais e pela rapidez com que compreendeis, que não
só entendestes, mas até vos antecipais ao que eu ia
dizer. Graças a Deus! Das três realidades em questão só
a memória foi mencionada. Memória é só uma delas e, no
entanto, dizer "memória" foi obra das três. Não se pode
nem dizer a palavra "memória" sem a ação da vontade,
da inteligência e da memória. Não se pode nem dizer a
palavra "inteligência" sem a ação da memória, da vontade
e da inteligência. Não se pode nem dizer a palavra
"vontade" sem a ação da memória, da inteligência e da
vontade”. (SÃO TOMÁS DE AQUINO, sermão, 52, 19-20 )
31 O cérebro humano é constituído de uma notável plasticidade, a
habilidade em ser modelado e modificado pelo crescimento de novas e mais
complexas conexões entre células. A propriedade básica do córtex cerebral é
armazenar informação. Embora não se entenda exatamente como ocorre tal
armazenamento, são as múltiplas áreas corticais responsáveis pelos diferentes
tipos de memória.
Algumas áreas se desenvolvem em sistemas de conhecimento
que surgem das memórias lingüísticas, visuo-espaciais ou motoras. Outras
regiões do cérebro armazenam informações a respeito de experiências
emocionais, entre outras, com diversos tipos de armazenamento de
informações imprescindíveis para o pleno desenvolvimento cognitivo. Portanto,
aprendizado e memória não estão limitados a um único sistema neural ou
processo. Existem múltiplos sistemas de memória, espalhados por diferentes
áreas cerebrais, com conexões e vias que podem interconectá-las em distintos
meios, variando até mesmo de individuo para individuo.
Segundo García10 (1998), como as habilidades de aprendizado e
memória não estão geralmente desenvolvidas por completo em todas essas
áreas, as abordagens educacionais que usam o conceito de sistemas de
memória múltipla podem levar a um conhecimento mais profundo e com maior
apreensão. Estudantes que se demonstram fracos em um fluxo de
processamento de memória, podem facilmente compensar isso quando outros
modos de processamento estão disponíveis, como por exemplo, materiais
didáticos que usam analogias visuais e pessoais, esquemas visuais que
mostram como conceitos verbais se relacionam espacialmente uns com os
outros, e atividades que implementam passos de resolução de problemas
(jogos e brincadeiras), oferecem oportunidades para o envolvimento de
sistemas múltiplos de memória.
10 Jesus Nicasio García – Manual de Dificuldades de Aprendizagem. 1998, Artmed.
32
CAPÍTULO II
DEFINIÇÕES PROPOSTAS PARA AS DIFICULDADES
DE APRENDIZAGEM, AO LONGO DA HISTÓRIA
“Se pensarmos no problema de aprendizagem como só
derivado do organismo ou só da inteligência, para a sua
cura não haverá necessidade de recorrer à família. Se ao
contrário, as patologias no aprender surgissem na criança
somente a partir da sua função equilibradora do sistema
familiar, não necessitaríamos, para seu diagnóstico e cura
recorrer ao sujeito separadamente da sua família (...)”.
(FERNANDEZ11, apud SILVA, 1997, p.86).
11 Alicia Fernandez, autora do livro: A Inteligência Aprisionada. 1990
33
2 - Definições Propostas Para As Dificuldades De
Aprendizagem, Ao Longo Da História.
Segundo Silver (apud García, 1998), foram utilizados antes de
1940 termos como ‘transtornados emocionalmente’, ‘desvantajados culturais’
ou ‘retardados mentais’, para crianças com dificuldades de aprendizagem.
Somente após os anos 40 pensou-se na possibilidade de causas neurológicas
para os problemas ou dificuldades de aprendizagem, termos estes sugeridos
por Werner e Strauss, 1941 e Strauss e Lehtinem, 1947.
Ainda que, de uma maneira ou de outra, as diversas definições
convivam parcialmente nos escritos atuais e, sobretudo, nas práticas
educativas, foram realizados intentos para oferecer uma alternativa a cada uma
das definições que colaboraram, ao longo dos anos, para que o campo das
dificuldades de aprendizagem fosse se desenvolvendo.
Uma síntese dessa sucessão histórica reflete-se muito bem em
Hammill (1990), Hammill Leigh, McNutt e Larsen (1987). A influência desse
artigo foi enorme no mundo anglo-saxão e isso se reflete no fato de ter sido
editado, inicialmente em 1981, em Learning Disability Quarterly, e, em 1988,
em Learning Disability Quarterly,11, 217-223, com algumas adaptações.
As dificuldades de aprendizagem centram-se em dificuldades nos
processos implicados na linguagem e nos rendimentos acadêmicos
independentemente da idade das pessoas e cuja causa seria ou uma disfunção
cerebral, ou uma alteração emocional-condutual, definição proposta por Silver
(1988). Foi utilizada pela primeira vez, no Congresso de 1963 da Association
for Children With Learning Disabilities, atualmente Learning Disabilities
Association of America. Essa definição foi adaptada por Kirk, e suas idéias
seriam melhor refletidas nas definições do National Advisory Committee on
34 Handicapped Children NACHC, 1968) e na de United States Office of
Education (USOE, 1977).
Definição proposta por Kirk em 1962:
“Uma dificuldade de aprendizagem refere-se a um
retardamento, transtorno, ou desenvolvimento lento em
um ou mais processos da fala, linguagem, leitura, escrita,
aritmética ou outras áreas escolares, resultantes de um
handicap causado por uma possível disfunção cerebral
e/ou alteração emocional ou condutual. Não é o resultado
de retardamento mental, deprivação sensorial ou fatores
culturais e instrucionais”. (KIRK, apud GARCÍA, 1998,
p.8).
Posteriormente à definição proposta por Kirk, Bateman (apud
Garcia), em 1965, propõe nova definição, onde introduziu o conceito de
discrepância aptidão-rendimento, além de não fazer referência à causa da
dificuldade de aprendizagem e enfatizar o papel da criança, sem especificar o
tipo de dificuldade de aprendizagem. Quase não influiu no campo das DA.
O National Advisory Committee on Handicapped Children foi
criado pelo Bureau of Education for the Handicapped dentro da U.S. Office of
Education (USOE) e dirigido por Samuel Kirk. Uma nova definição foi proposta
no informe de 31 de janeiro de 1968, com semelhanças conceituais com a de
Kirk de 1962, exceto pelo fato de terem sido eliminadas as alterações
emocionais como causas das dificuldades de aprendizagem; limitou as
dificuldades de aprendizagem às crianças e acrescentou transtornos do
pensamento.
Essa definição serviu de base para a definição que seria
incorporada à Lei Pública 94-142, em 1977, pela USOE.
35
Definição proposta pelo NACHC:
“As crianças com dificuldades de aprendizagem especiais
(específicas) manifestam um transtorno em um ou mais
processos psicológicos básicos na compreensão ou no
uso da linguagem falada ou escrita. Estes podem
manifestar-se em transtornos da audição, do pensamento,
da fala, da leitura, da silabação ou da aritmética. Incluem
condições que foram referidas como handicaps
perceptivos, lesão cerebral, disfunção cerebral mínima,
dislexia, afasia do desenvolvimento, etc. Não incluem
problemas de aprendizagem devido primariamente a
handicaps visuais, auditivos ou motores, ao retardamento
mental, alteração emocional ou à desvantagem
ambiental.” (NACHC, apud GARCÍA, 1998, p.9)
Diante da diversidade de definições e com a finalidade de atender
às necessidades da educação especial, a USOE constitui um Institute for
Advanced Study at Northwestern University, que por intermédio de seus
representantes criam uma nova definição para a deficiência de aprendizagem.
A definição da USOE distancia-se da do NACHC ao reintroduzir o conceito de
discrepância entre aptidão e rendimento; não são sugeridas causas das
dificuldades de aprendizagem; foram excluídos os transtornos de pensamento
das dificuldades de aprendizagem e incluídos os “transtornos da orientação
espacial” entre as dificuldades de aprendizagem.
Definição proposta pela NORTHWESTERN UNIVERSITY:
“Dificuldade de aprendizagem refere-se a um ou mais
déficits significativos nos processos de aprendizagem
essenciais que requerem técnicas de educação especial
para a remediação:
36 As crianças com dificuldades de aprendizagem
demonstram geralmente uma discrepância entre o
aproveitamento atual e o esperado em uma ou mais
áreas, tais como a fala, a leitura, a linguagem escrita, a
matemática, a orientação espacial;
A dificuldade de aprendizagem referida não é
primariamente o resultado de deficiências sensoriais,
motrizes, intelectuais ou emocionais, ou ausência de
oportunidades para aprender;
Os déficits significativos se definem em termos de
procedimentos aceitos de diagnóstico em educação e em
psicologia;
Os processos de aprendizagem essenciais são os
habitualmente referidos na ciência da conduta como
implicando a percepção, a integração e a expressão, seja
verbal ou não verbal;
As técnicas de educação especial para a remediação
referam-se ao planejamento educativo, baseadas em
procedimentos e resultados diagnósticos.” (KASS E
MYKLEBUST, apud GARCÍA, 1998, p.9).
A definição proposta pela unidade do Council for Exceptional
Children (CEC) no final dos anos sessenta, a Division for Children with
Learning Disabilities (DCLD), não podendo nesta definição, que as crianças
com dificuldades de aprendizagem ser consideradas com diversos déficits, ou
dentro de diagnósticos superpostos. Por definição, uma criança com
dificuldades de aprendizagem não pode apresentar, simultaneamente,
problemas educativos, transtornos emocionais, deficiência mental, visual ou
auditiva, entre outros. É a única definição que não permite a coexistência de
uma dificuldade de aprendizagem e de outros déficits. Esta definição teve muito
pouco uso e influência.
37 Tendo em vista que o rótulo “dificuldades de aprendizagem” inclui
tantas alterações, o National Project on the Classification of Exceptional
Children propõe que só se considere tal rótulo quando se dá um déficit nos
processos perceptivos que produzam problemas acadêmicos. Isso teve como
conseqüência seu escasso uso e aceitação.
Posteriormente, na busca de critérios operacionais, buscava-se
melhorar a definição do NACHC (1968), para o qual a U.S. Office of Education,
através do Bureau of Education for the Handicapped, propôs o seguinte, no
Federal Register, em 1976:
“Uma dificuldade de aprendizagem específica pode ser
encontrada se uma criança tem uma discrepância severa
entre o aproveitamento e a habilidade intelectual em uma
ou mais das diversas áreas: expressão oral, expressão
escrita, compreensão oral ou compreensão escrita,
habilidades de leituras básicas, cálculo matemático,
raciocínio matemático ou soletração. Uma “discrepância
severa” é definida como existente quando o
aproveitamento em uma ou mais áreas está em ou abaixo
de 50% do nível de aproveitamento esperado da criança,
quando a idade e as experiências educativas prévias são
levadas em consideração.” (USOE, apud GARCÍA, 1998,
p.10)
A idéia de “discrepância severa” implica o uso de fórmulas para
sua determinação, o que foi muito discutido e criticado tanto do ponto de vista
puramente técnico como do ideológico.
Posto que o Bureau of Education for Handicapped foi designado
para encontrar uma melhor definição, alcançou-se o consenso na proposta pelo
NACHC, em 1968 (cf., Adelman e Taylor, 1986). Esta, com poucas
modificações foi incorporada, em 1969, à legislação federal, em 1975 à P.L. 94-
38 142, na Education for All Handicapped Children Act, em 1986 na
Reauthorization of the Education of the Handicapped Act e, em 1977, foi
publicado no Federal Register, com a seguinte redação:
“O termo ‘dificuldade de aprendizagem específica quer
dizer um transtorno em um ou mais dos processos
psicológicos básicos implicados na compreensão ou no
uso da linguagem, falada ou escrita, que se pode
manifestar numa habilidade imperfeita para escutar, falar,
ler, escrever, soletrar, ou fazer cálculos matemáticos. O
termo não inclui crianças que apresentam problemas de
aprendizagem que são primariamente o resultado de
déficits visuais, auditivos ou motores ou retardamento
mental, ou alterações emocionais, ou desvantagens
ambientais, culturais ou econômicas”. (USOE, apud
GARCÍA, 1998, p.12).
No Registro Federal, foram incluídos, além da definição, uma
série de critérios operacionais com a finalidade de orientar a detecção e
diagnóstico das pessoas com dificuldades de aprendizagem. Contudo, existe
incoerência entre a definição e os critérios estabelecidos.
Não obstante, existe unanimidade em admitir que esta definição e
a do NJCLD são as mais amplamente utilizadas e assumidas. A definição da
USOE de 1977 foi assumida pela maioria dos Estados, se convertendo assim
no critério “legal” para a provisão de serviços educativos para as pessoas com
dificuldades de aprendizagem.
Uma definição consensual sobre o que se entende por dificuldade
de aprendizagem, sobretudo nos EUA, como aplicação e desenvolvimento da
lei federal de 1975, trata-se da definição proposta pelo National Joint
Committee on Learning Disabilities (NJCLD), composto por representantes de
39 oito das mais importantes organizações nacionais dos EUA envolvidas no tema
de dificuldades de aprendizagem, que versa:
“Dificuldade de Aprendizagem (DA) é um termo geral que
se refere a um grupo heterogêneo de transtornos que se
manifestam por dificuldades significativas na aquisição e
uso da escuta, fala, leitura, escrita, raciocínio ou
habilidades matemáticas. Esses transtornos são
intrínsecos ao indivíduo, supondo-se devido à disfunção
do sistema nervoso central, e podem ocorrer ao longo do
ciclo vital. Podem existir, junto com as dificuldades de
aprendizagem, problemas nas condutas de auto-
regulação, percepção social e interação social, mas não
constituem, por si próprias, uma dificuldade de
aprendizagem. Ainda que as dificuldades de
aprendizagem possam ocorrer concomitantemente com
outras condições incapacitantes (deficiência sensorial,
retardamento mental, transtornos emocionais graves), ou
com influência extrínsecas (tais como as diferenças
culturais, instrução inapropriada ou insuficiente), não são
o resultado dessas condições ou influências”. (NJCLD,
apud GARCIA, 1998, p.32).
Essa definição foi apoiada pela maioria das organizações de
profissionais e científicas implicadas nos temas de educação especial.
A Association of Children with Learning Disabilities (ACLD), que, a
partir de 1989, passou a denominar-se Learning Disabilities Association of
America ou LDA (Associação de dificuldades de aprendizagem da América)
opôs-se à definição do NJCLD de 1981, propondo uma definição diferente e
uma justificativa, em 1986. Esta definição teve pouca influência e uso.
40 O Interagency Committee on Learning Disabilities (ICLD), em
1987, propôs uma definição que enviou ao Congresso, sendo basicamente
similar à do NJCLD, com a adição da dificuldade de aprendizagem por déficit
nas habilidades sociais. A inclusão desta dificuldade de aprendizagem
específica foi amplamente criticada.
“O fato de muitas pessoas com dificuldades de
aprendizagem desenvolverem simultânea ou
subseqüentemente problemas sociais não é razão
suficiente para considerar esses problemas como
constitutivos, por si sós, de uma nova dificuldade de
aprendizagem”. (SILVER, apud GARCIA, 1998, p.14).
O NJCLD se opôs de forma majoritária a esta inclusão em 1988.
Definição proposta pela ICLD:
“As dificuldades de aprendizagem são um termo genérico
que se refere a um grupo heterogêneo de transtornos
manifestados por dificuldades significativas na aquisição e
uso da recepção, fala, leitura, escrita, raciocínio, ou
habilidades matemáticas, ou habilidades sociais. Esses
transtornos são intrínsecos ao indivíduo e presume-se
que sejam devido à disfunção do sistema nervoso central.
Inclusive, ainda que um problema de aprendizagem possa
ocorrer concomitantemente com outras condições
incapacitantes, com influências sócio-ambientais, e,
especialmente, transtornos por déficit de atenção, todos
os quais podendo causar dificuldades de aprendizagem,
uma dificuldade de aprendizagem não é o resultado direto
destas influências ou condições”. (ICLD,apud GARCIA,
1998, p.14).
41
Apesar da definição ter sido desenvolvida por um comitê
governamental, não teve aplicabilidade oficial, posto que razões pragmáticas
assim aconselharam ao Departamento de Educação, pois acarretaria mudança
na lei PL 94-142 para incluir as dificuldades nas habilidades sociais; teria
aumentado a confusão na seleção das dificuldades de aprendizagem e, seria
aumentado o número de crianças classificadas como apresentando
dificuldades de aprendizagem. Por tudo isso, seu uso e influência foram
limitados.
Na atualidade, somente quatro definições têm habilidade
profissional: as da USOE de 1977, a do NJCLD, a do LDA e a do ICLD, tendo
as demais definições apenas valor histórico.
42
CAPÍTULO III
PRINCIPAIS DISTÚRBIOS QUE INTERFEREM NO
PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM DA
MATEMÁTICA
“O diagnóstico escolar consiste na utilização de recursos,
meios e técnicas apropriadas ao objetivo de analisar ou
avaliar as situações educacionais, os problemas e as
dificuldades dos alunos, bem como determinar suas
causas para preveni-las e corrigi-las. Implica, portanto,
uma avaliação que represente, conseqüentemente, uma
das fases mais importantes do trabalho da educação por
proceder sistematicamente à análise das dificuldades do
rendimento escolar, dos desajustamentos e das falhas do
processo educativo”. (SEE12, apud SILVA, 1997, p.29)
12 Secretaria de Estado da Educação – São Paulo – Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas – Serviço de Educação Especial – A importância do diagnóstico – 1983.
43
2 - Principais Distúrbios Que Interferem No Processo Ensino-
Aprendizagem da Matemática
“Quando pela primeira vez se demonstrou que a
capacidade das crianças de idêntico nível de
desenvolvimento mental para aprender sob a orientação
de um professor variava em grande medida, tornou-se
patente que ambas as crianças não possuíam a mesma
idade mental e que, evidentemente, o curso subseqüente
de sua aprendizagem seria distinto. Essa diferença é o
que denominamos zona de desenvolvimento proximal.
Não é outra coisa que a distância entre o nível real de
desenvolvimento, determinado pela capacidade de
resolver independentemente um problema, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da
resolução de um problema sob a orientação de um adulto
ou em colaboração com outro companheiro mais capaz”.
(VYGOTSKY, apud GARCIA, 1998, p.1)
Os distúrbios de aprendizagem se caracterizam por dificuldades
experimentadas pela criança em seu desenvolvimento de habilidades
cognitivas específicas e que não estejam associadas a uma redução global da
cognição que caracteriza a deficiência mental.
A dificuldade de aprendizagem é uma das maiores preocupações
dos educadores e de profissionais da área de saúde, preocupados com o bem
estar bio-psico-social da criança e do adolescente, o que tem provocado uma
grande mobilização desses profissionais na busca pelo entendimento dos
diversos distúrbios apresentados, suas causas e meios de supera-los.
44 As dificuldades que afetam o aprendizado da matemática, mais
conhecida como discalculia ou acalculia, estão também presentes nas
dificuldades típicas da aquisição de linguagem, apresentadas por alunos
disléxicos, assim como os distúrbios comportamentais de atenção e
hiperatividade (TDAH), talvez por terem em comum a disfunção de circuitos
neurais fronto-temporo-parietais.
Problemas nessas áreas do cérebro podem afetar o
processamento eficiente de qualquer material simbólico, linguagem e
matemática, incluídos, significando que as falhas em uma área de
aprendizagem podem estar freqüentemente vinculadas à falhas em outras
áreas.
É neste enfoque que este capítulo se desenvolverá, na
interferência desses distúrbios no processo ensino-aprendizagem da
matemática.
3.1 - Aprendizagem e Problemas, Uma Abordagem Global.
Como em todos os processos que envolvem diversas escolas de
pensamento, a definição de aprendizagem é complexa e varia de autor para
autor, gerando definições diversas e conflitantes durante o avanço da história.
A definição de aprendizagem não deve ser confundida com a
definição de ensino, pois este é o processo pedagógico por meio do qual se
transmitem informações sobre um tema determinado.
O ensino moderno busca o aperfeiçoamento do indivíduo através
da aprendizagem, e esta é a capacidade de aprender. A aprendizagem
representa uma adaptação ao meio e é necessária à sobrevivência de todo ser
vivo.
45
Desta forma, afirma Maturana:
“A aprendizagem é o caminho da mudança estrutural que
segue o organismo (incluindo seu sistema nervoso) em
congruência com as mudanças estruturais do meio como
resultado da recíproca seleção estrutural que se produz
entre ele e este, durante a recorrência de suas interações,
com conservação de suas respectivas identidades
(MATURANA, 1998, p 32)
Segundo Maturana:
"A operação cognitiva básica que nós realizamos como
observadores é a operação de distinção. Através dessa
operação nós especificamos uma unidade como uma
entidade distinta do seu meio ambiente, caracterizamos
ambos unidade e ambiente com as propriedades as quais
esta operação lhes fornece e especificamos sua
diferenciação. Uma unidade assim especificada é uma
unidade simples que define através de suas propriedades
o espaço no qual ela existe e o domínio fenomenal que
ela pode gerar na sua interação com outras unidades".
(MATURANA, 1980, p.19)
É comum associar a aquisição de conhecimentos intelectuais,
somente a competências de ordem cognitiva. Entretanto, afeto e cognição são
fatores importantes e toda e qualquer aprendizagem necessita de ambos para
se efetivar como competência.
Segundo Silva13 (1997), crianças com problemas de
aprendizagem constituem um desafio em matéria de diagnóstico e educação.
Todavia, existem educadores, que consideram alguns alunos preguiçosos e
desinteressados, o que não só rotula o aluno, mas também esconde a prática
13 Maria Cecília da Silva – Aprendizagem e Problemas, 1997, Ícone Editora.
46 docente do professor, que por muitas vezes desconhece, inteiramente, que
essas mesmas crianças podem apresentar algum problema de aprendizagem,
de ordem orgânica, psicológica, social, entre outras. São tantas as variáveis,
que é imprescindível ao educador, conhecer os problemas mais comuns no
processo de ensino-aprendizagem.
“Diagnosticar, significa localizar as causas que provocam
os sintomas de uma doença. Diagnosticar Problemas de
Aprendizagem, implica em descobrir ou localizar as
causas que impedem ou dificultam a realização da
aprendizagem. É uma tarefa extremamente difícil em
função da complexidade dos diversos fatores norteantes
do processo. Tarefa em que o professor não é o único
profissional que busca soluções. Ele caminha junto a
outros (psiquiatra, neurologista, psicólogo, fonoaudiólogo,
etc.)”. (SILVA, 1997, p.28).
A forma de ensinar abrange a observação da criança na sala ou
em outras atividades. Verificar como a criança brinca, ouvir o que ela tem a
dizer, ouvir as conversas das crianças entre si, tentar perceber como ela vê o
mundo, como organiza o seu modo de pensar, qual a sua lógica, permitir que
ela manipule objetos diversos, que movimente e aprenda os diferentes
conteúdos, utilizando o seu corpo, propicia o desenvolvimento pleno do
indivíduo. “O professor que mantém uma relação saudável com os alunos faz
com que os mesmos confiem no seu trabalho e se interessem pelo mesmo,
efetivando assim a aprendizagem”. (op. cite, p.30).
A maior dificuldade no relacionamento entre educadores e
crianças com problemas de aprendizagem é justamente a falta desta visão
global do ser humano, pois a tendência atual ainda é analisar a criança
compartimentada, como se ela fosse apenas um cérebro, e não um ser
integral, provido de razão e emoção.
47 Carvalho14 (1981), em seu artigo: Os alunos de aprendizagem
lenta - publicado no Jornal do Professor, define o termo “desordens” de
aprendizagem e aponta uma variação de grau onde os transtornos de
aprendizagem podem ser apresentados como:
® Dificuldade de aprendizado - é transtorno simples,
experimentado por todos nós, em algum momento. É transitório
e é comum ocorrer;
® Problema de aprendizado - dificuldade mais intensa, não
patológica, decorrente de determinantes psicológicos, sociais,
pedagógicos, etc.
® Ou distúrbios de aprendizado - transtornos mais complexos, de
natureza patológica; excluem, porém, outros fatores primários
como retardo mental, deficiências sensoriais, incapacidades
motoras e/ou perturbações emocionais graves.
A autora classifica os distúrbios de aprendizagem em:
® Distúrbio Específico de Aprendizagem, onde o indivíduo não tem
deficiência física nem mental. Ele apresenta potencial, mas tem
grande dificuldade em trabalhá-lo e desenvolvê-lo. O educando
demonstra sensível dificuldade em acompanhar o ritmo de
aprendizagem das demais pessoas da sua faixa etária,
evidenciando um desempenho escolar claramente abaixo das
expectativas. A etiologia deste distúrbio está relacionada a
fatores sociais, emocionais, neurológicos e/ou pedagógicos.
Distúrbio Inespecíficos de Aprendizagem está ligado aos
sintomas e quadro clínico da deficiência física e/ou mental.
14 Rosita Edler Carvalho – Pedagoga, psicóloga, Doutora em educação.
48 Segundo Grunspun15 (2003), os distúrbios de aprendizagem
escolar são considerados Transtornos Específicos das Habilidades Escolares,
pela CID-10, e no DSM-IV como Transtornos de Aprendizagem, incluindo os
Transtornos de Leitura, Transtornos de Matemática, Transtornos da Expressão
Escrita e Transtorno de Aprendizagem sem outra Especificação.
“Temos que analisar as dificuldades próprias do
aprendizado e os distúrbios evolutivos do comportamento
– DEC específicos, além de TDAH (Transtorno de déficit
de atenção com hiperatividade), que, num continuum,
podem interferir e se não houver terapias adequadas que
se antecipam aos distúrbios da escolaridade”.
(GRUNSPUN, 2003, p.327)
Segundo García (1998), os ADHD (attention déficit-hyperativity
disorder), ou TDAH (transtorno por déficit de atenção e hiperatividade), não
fazem parte das dificuldades de aprendizagem, contudo, como esses
indivíduos apresentam, em geral, algum tipo de problema escolar e acadêmico,
“esses aspectos poderiam ser encaixados entre as dificuldades de
aprendizagem”. (op. cite, p.73).
3.2 - Dificuldades de aprendizagem da Matemática.
Trata-se de dificuldades significativas no desenvolvimento das
habilidades relacionadas com a matemática, não ocasionadas pela deficiência
mental, nem por escolarização escassa ou inadequada, nem por déficits visuais
ou auditivos, conforme abordado anteriormente, sendo classificada como tal se
15 Haim Grunspun – Distúrbios Neuróticos da Criança: Psicopatologia e Psicodinâmica, 2003, editora Atheneu.
49 acontecer uma alteração ou deterioração relevante dos rendimentos escolares
ou da vida cotidiana.
As dificuldades dos transtornos do desenvolvimento da
matemática incidirão em diversas atividades.
“Estas incluem habilidades ‘lingüísticas’ (como a
compreensão e o emprego da nomenclatura matemática,
a compreensão ou denominação de operações
matemáticas e a codificação de problemas representados
com símbolos matemáticos), habilidades ‘perceptivas’
(como o reconhecimento ou a leitura de símbolos
numéricos ou sinais aritméticos, e o agrupamento de
objetos em conjuntos), habilidades de ‘atenção’ (como
copiar figuras corretamente nas operações matemáticas
básicas, recordar o número que ‘transportamos’ e que
devemos acrescentar a cada passo, e observar os sinais
das operações) e as habilidades ‘matemáticas’ (como o
seguimento das seqüências de cada passo nas
operações matemáticas, contar objetos e aprender as
tabuadas de multiplicação)”. (GARCIA, 1998, p.211)
Geary (apud GARCIA, 1998), associa os transtornos do
desenvolvimento da linguagem, os transtornos do desenvolvimento da leitura e
escrita, os transtornos do desenvolvimento na coordenação e as dificuldades
de atenção e de memória, aos transtornos da matemática, por esta estar
intimamente ligada às habilidades neles inseridas e comprometidas.
Tanto do curso quanto da incidência ou dos antecedentes
familiares dispõe-se apenas de dados, uma vez que o interesse em seu estudo
apenas aconteceu a partir de 1992, com Semrud-Clikeman e Hynd.
50
Termos como “problemas de aprendizagem da matemática”,
“transtornos aritméticos”, “transtornos de matemática”, “problemas específicos
de matemática”, são utilizados para o mesmo problema. Contudo, dois termos
são mais freqüentemente utilizados e conhecidos: a acalculia e a discalculia.
Alguns critérios para o diagnóstico do transtorno do
desenvolvimento no cálculo aritmético são utilizados para identificação da
criança portadora de transtornos aritméticos:
a) O rendimento nas provas padronizadas de aritmética é menor do que
o nível esperado, dada a escolarização e capacidade intelectual da
criança.
b) Esse baixo rendimento interfere de maneira significativa nas
aprendizagens acadêmicas ou nas atividades da vida cotidiana que
requerem habilidades no cálculo aritmético.
c) A alteração não se deve a um defeito na acuidade visual ou auditiva
ou a um transtorno neurológico.
3.2.1 - Acalculia
Novick e Arnold (apud GARCIA, 1998), definiram acalculia como
sendo um transtorno relacionado com a aritmética, adquirido após uma lesão
cerebral, sabendo que as habilidades já se haviam consolidado e desenvolvido.
Diferenciam-se duas formas de acalculia, segundo Garcia (op.
cite):
1. Acalculia primária ou verdadeira acalculia ou “anaritmetia”.
2. Acalculia secundária, em que se diferenciam dois tipos:
51 - acalculia afásica ou acalculia com alexia e/ou agrafia para
os números.
- acalculia secundária ou alterações viso-espaciais.
Identifica-se ainda a Síndrome de Gerstmann que apresenta
quatro características, mas que pode referir-se a diferentes tipos de acalculia,
que, segundo Benton (apud GARCIA, 1998), são a desorientação direita-
esquerda, a agnosia digital, a agrafia e a acalculia, e que aparece com
dificuldade na execução das operações matemáticas e com a orientação das
seqüências de números e que pode se manifestar após lesão cerebral, em
adultos, ou sem sinais neurológicos de lesão, em crianças.
3.2.2 - Discalculia
A discalculia ou discalculia de desenvolvimento é o termo utilizado
para o transtorno estrutural da maturação das habilidades matemáticas,
segundo Kocs (apud GARCIA, op cite), referente, sobretudo a crianças, e que
se manifesta pela quantidade de erros variados na compreensão dos números,
habilidades de contagem, habilidades computacionais e solução de problemas
verbais.
A discalculia é diferenciada em seis subgrupos:
1. A discalculia verbal com manifestações em dificuldades em
nomear as quantidades matemáticas, os números, os termos,
os símbolos e as relações.
2. A discalculia practognóstica, ou dificuldades para enumerar,
comparar, manipular objetos reais ou em imagens,
matematicamente.
52 3. A discalculia léxica, em relação com dificuldades na escrita de
símbolos matemáticos.
4. A discalculia gráfica, em relação com dificuldades na escrita
de símbolos matemáticos.
5. A discalculia ideognóstica, ou dificuldades em fazer
operações mentais e na compreensão de conceitos
matemáticos.
6. A discalculia operacional, em relação com dificuldades na
execução de operações e cálculos numéricos.
A discalculia difere da acalculia, quanto à sua origem e causa. A
acalculia se refere a adultos ou a crianças e jovens, porém é de caráter lesional
e ocorre após ter sido iniciada a aquisição da função. Por outro lado, a
discalculia refere-se, sobretudo a crianças, é evolutiva, pode dar-se em adultos,
mas não é lesional, e estaria associada, principalmente, com as dificuldades de
aprendizagem da matemática tal como é conhecida.
3.3 - O Fracasso Escolar e o Crescente Interesse pelo
Estudo dos Transtornos da Matemática.
A matemática é disciplina considerada como uma das principais
responsáveis pelo fracasso escolar e pela conseqüente evasão, o que tem
levado a um crescente aumento pelo interesse em compreender a natureza e
importância da competência matemática, assim como, pelos fatores recentes
que incidiram no aumento do valor atribuído a seu estudo e as bases e
processos neuropsicológicos e neuroanatômicos que estão na base das
dificuldades de aprendizagem da matemática, além de outras questões
relacionadas com a conquista das habilidades matemáticas com a
53 aprendizagem e o desenvolvimento, sua representação, a forma de abordar a
solução de problemas e a compreensão do pensamento matemático,
integrando as contribuições interdisciplinares dos últimos anos, não podendo
deixar de valorizar as contribuições e o interesse da psicologia.
O conhecimento e as habilidades matemáticas fazem parte da
vida cotidiana de todo indivíduo desde a sua infância, nas tarefas habituais ou
relacionadas com o trabalho e nas demandas sociais, e o fato de muitas
pessoas com dificuldades de aprendizagem apresentarem,
concomitantemente, dificuldades na aprendizagem da matemática, tem
aumentado seu interesse e valorização.
García (1998), cita vários estudiosos, que ao longo da história, e
através de amostragem, descobriram que o índice de pessoas, com dificuldade
de aprendizagem crescia no momento em que se avaliavam os diversos
comprometimentos existentes em um mesmo indivíduo:
“Keller e Sutton (1991) citam Kocs, que, em 1974,
identificou 6,4% da amostra de estudantes de quinto grau,
na Checoeslováquia, como discalcúlicos; ou Norman e
Zigmond, que, em 1980, encontraram que 8,1% de sua
amostra apresentavam discrepâncias severas em
matemática apenas, enquanto 13,1% as apresentavam
em matemática e leitura, simultaneamente; ou Mcleod e
Armstrong, que, em 1982, encontraram, numa enquete
com professores de estudantes com dificuldades de
aprendizagem, que 26,2% de seus alunos apresentavam
primariamente, dificuldades em matemática, e esse
número chegava a 40,3% quando se conjugava com
outros problemas (...)”. (GARCÍA, 1998, p.214).
54
O interesse pela compreensão dos processos neuropsicológicos e
neuroanatômicos das dificuldades de aprendizagem da matemática, vem
demonstrar a importância de se conhecer o ser humano de forma integral,
como um sistema integrado.
García (1997), apresenta em sua obra, um quadro que sintetiza
as áreas corticais que medeiam as diferentes aptidões relacionadas com a
correspondência matemática, quadro este adaptado de Keller e Sutton. (apud
GARCÍA, 1997, p.215)
Tabela 1 – Áreas Corticais e a correspondência matemática.
Região Capacidade
Hemisférios direito Organização viso-espacial.
Hemisfério dominante da linguagem Habilidades lingüísticas.
Áreas de associação do hemisfério
dominante
Leitura e compreensão de problemas
verbais, compreensão de conceitos e
procedimentos matemáticos.
Lóbulos frontais Cálculos mentais rápidos, conceitualização
abstrata, habilidades de solução de
problemas, execução oral e escrita.
Lóbulos parietais Funções motoras, uso das sensações táteis.
Lóbulo parietal esquerdo Habilidades de seqüênciação
Lóbulos occipitais Discriminação visual de símbolos
matemáticos escritos
Lóbulos Temporais Percepção auditiva, memória verbal a
longo prazo.
Lóbulo temporal dominante Memória de séries, realizações
matemáticas básicas, subvocalização
durante a solução de problemas.
55 As dificuldades de aprendizagem da matemática não estão
relacionada meramente com um comprometimento em determinada área
cerebral, mas sim por vários fatores associados, que dificultam ou agravam sua
compreensão. A matemática é uma linguagem, e como tal requer ser
interpretada e escrita, o que pressupõe a necessidade de uma perfeita
integração entre as diversas áreas cerebrais e de conhecimento humano,
assim como, de um perfeito equilíbrio emocional, fator este imprescindível em
qualquer nível de aprendizagem, e é esta complexidade que tem gerado
interesse pelo estudo das dificuldades de aprendizagem da matemática.
Vários são os fatores que implicam no fracasso escolar e na
evasão, porém não se pode atribuir esses fatos a uma ou outra disciplina, e sim
a diversos fatores existentes: pedagógicos, biológicos, psicológicos e sociais.
Pain16, em entrevista concedida à Revista Nova Escola, em 1973
(p.20-24), declara existir pelo menos dois tipos de fracasso escolar, e
acrescenta um terceiro, que é aquele que satisfaz à reprodução do sistema
social, e que, o sistema de ensino contabiliza como fracasso:
“(...) um terceiro, que o próprio sistema de ensino
contabiliza como fracasso, mas que, na minha opinião, é
um êxito do ponto de vista do papel que este sistema
cumpre em nossas sociedades. (...) uma das funções da
escola é justamente a repetição do status quo da
sociedade. Na minha opinião, se 50% dos estudantes das
escolas públicas se perdem pelo caminho, são excluídos
do sistema escolar ou saem dele com instrumentos muito
fracos para seguir estudando é porque esta taxa atende
às necessidades mínimas de reprodução do sistema.
Esses 50% serão a mão-de-obra barata da sociedade
(...)”. (PAIN, Nova Escola, no.70, 1973)
16 Sara Pain. Psicopedagoga Argentina, em entrevista à Revista Nova Escola: “Educar é ensinar a pensar.”, edição no. 70, 1973.
56 3.4 - Efeitos Das Dificuldades De Aprendizagem Da
Matemática.
Os efeitos das dificuldades de aprendizagem da matemática
geralmente são diversos e vão além da área específica, afetando áreas como a
atenção, a impulsividade, a perseverança, a linguagem, a leitura e escrita, a
memória, a auto-estima ou as habilidades sociais. Em certos casos, a
dificuldade de aprendizagem da matemática é primária e essas outras áreas de
dificuldade secundárias, em outros ela passa a secundária e as demais
primárias, ou acontecem simultaneamente.
A simples descrição dessas áreas não podem ser utilizadas como
único meio diagnóstico, para as dificuldades da aprendizagem da matemática,
posto que, essa simples descrição das áreas afetadas, possa tratar-se de
transtorno por déficit de atenção com ou sem hiperatividade (ADHD ou TDAH),
supostos com uma dificuldade de aprendizagem, que é muito freqüente e que
nesse tipo de indivíduo as dificuldades nas habilidades sociais, atenção, entre
outros, encontram-se presentes o que torna o estudo das dificuldades de
aprendizagem, tema de extrema complexidade.
3.5 - Meios de Intervenção
Os meios de intervenção serão desenvolvidos mais amplamente
no próximo capítulo, que terá uma abordagem lúdica do se fazer aprender
matemática, fazer este, que torna a disciplina mais adequada à idade do aluno
e que transforma a matemática em algo agradável e aplicável no dia-a-dia do
educando, reduzindo a distância existente entre professor, aluno e o aprender.
57
Cabe neste momento descrever algumas sugestões para a
intervenção a ser aplicada quando da sistematização dos conteúdos inerentes
à disciplina:
1. Torna-se necessário esclarecer a estrutura e exigências ao aluno;
propiciando a responsabilidade do mesmo com a disciplina.
2. Iniciar a aula com um resumo das lições anteriores e uma visão gral
dos novos temas, com o objetivo de encadear as informações.
3. Ao finalizar cada aula, fazer uma síntese, para facilitar a captação das
idéias fundamentais e a aquisição das aprendizagens.
4. Estimular a participação ativa e independente no processo de
aprendizagem e no processo de avaliação, objetivando motivar o
interesse e propiciar a responsabilidade do aluno.
5. Expor questões e pedir auxílio aos alunos para a resolução dos
mesmos, para prender a atenção e favorecer a participação.
6. Esclarecer todos os termos relevantes do vocabulário.
7. Usar a terminologia de forma consistente na descrição dos
procedimentos sem com isto utilizar formas prolongadas ou estruturas
sintáticas complicadas, de difícil assimilação pelo aluno.
8. Usar estratégias que estimulem a memorização e recuperação da
informação, como reforço.
9. Estimular a execução das tarefas passo a passo.
10. Fazer uso de códigos visuais, diagramas, sublinhados, esquemas,
entre outros, que facilite sua compreensão, aprendizagem e
generalização.
58 11. Utilizar a experiência prévia do aluno, com exemplificações de seu
mundo, para que ele consiga fazer uma relação entre o formal e a vida
prática.
12. Ter uma prática pedagógica flexível, para estimular o aluno a construir
seu próprio conhecimento, e com isto propiciar a melhora da auto-
estima e criar autonomia.
13. Provas e exames devem ser freqüentes ou acumulativas, com o
objetivo de se analisar os erros tanto processuais como do resultado e
com isto trabalhar o reforço.
14. As provas e exames devem conter instruções claras, utilizando poucas
diretrizes escritas e as perguntas ou as tarefas deverão ser variadas no
formato, com a finalidade de que se adquiram os conceitos de forma
flexível. Utilizar ilustrações que facilitem o entendimento.
59
CAPÍTULO IV
O JOGO, A ARTE E A BRINCADEIRA COMO
FACILITADORES DO PROCESSO ENSINO-
APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA
“Através do brincar a criança experimente, organiza-se,
regula-se, constrói normas para si e para o outro. Ela cria
e recria, a cada nova brincadeira, o mundo que a cerca. O
brincar é uma forma de linguagem que a criança usa para
compreender e interagir consigo, com o outro, com o
mundo”.(DORNELLES, apud MEYER17, 2004, p.43)
17 Ivanise Corrêa Rezende Meyer – Brincar & Viver: Projetos em Educação Infantil, 2004.
60
4.1 - O Jogo, a Arte e a Brincadeira.
O desenvolvimento mental da criança, antes dos seis anos de
idade, segundo Piaget (apud, Meyer, 2004), pode ser sensivelmente
estimulado através de jogos. A brincadeira representa tanto uma atividade
cognitiva quanto social e através das mesmas as crianças exercitam suas
habilidades físicas, crescem cognitivamente e aprendem a interagir com outras
crianças.
Das situações acadêmicas, provavelmente a mais produtiva é a
que envolve o jogo, quer na aprendizagem de noções, quer como meios de
favorecer os processos que intervêm no ato de aprender e não se ignora o
aspecto afetivo que, por sua vez, se encontra implícito no próprio ato de jogar,
uma vez que o elemento mais importante é o envolvimento do indivíduo que
brinca. A atividade lúdica é, essencialmente, um grande laboratório em que
ocorrem experiências inteligentes e reflexivas e essas experiências produzem
conhecimento, visto que, com base na característica que definem os jogos de
regra, o aspecto afetivo manifesta-se na liberdade da sua prática, prática essa
inserida num sistema que a define pr meio de regras, o que é, no entanto,
aceito de forma espontânea.
A participação em jogos de grupo permite conquista cognitiva,
emocional, moral e social para o estudante, uma vez que poderão agir como
produtores de seu conhecimento, tomando decisões e resolvendo problemas, o
que consiste um estímulo para o desenvolvimento da competência matemática
e a formação de verdadeiros cidadãos.
Huizinga (apud ANTUNES, 2003) afirma que o jogo cria ordem e
se configura nela própria, se organiza através de formas ordenadas compostas
de elementos como equilíbrio, tensão, compensação, contraste, variação,
61 solução, união e desunião; e a menor desobediência a esta ordem “estraga o
jogo”.
Os jogos geram competições. A teoria de Piaget mostra que a
competição nos jogos é parte de um desenvolvimento maior, que vai do
egocentrismo a uma habilidade cada vez maior em descentrar e coordenar
pontos de vista. A competição não é boa nem má. Ela caracteriza uma
situação onde duas pessoas ou grupos de pessoas desejam a mesma coisa ou
dela necessitam ao mesmo tempo, o que ocorre com freqüência na vida
cotidiana, contudo o ponto principal é a forma de se reagir diante dela.
Ensinar matemática é desenvolver o raciocínio lógico, estimular o
pensamento independente, a criatividade e a capacidade de resolver
problemas e, os jogos são instrumentos adequados para exercitar e estimular
um agir e pensar com lógica e critério, condições para jogar bem e ter um bom
desempenho.
Segundo Vygotsky (apud Meyer, 2004), o brinquedo estimula a
curiosidade e a autoconfiança, proporcionando desenvolvimento da linguagem,
do pensamento, da concentração e da atenção, e que através do brinquedo a
criança aprende a agir numa esfera cognitivista livre para determinar suas
próprias ações.
O jogo, por seu caráter educativo, requer um plano de ação que
permita a aprendizagem de conceitos matemáticos, para que este não seja
utilizado apenas no sentido de diversão, devendo estar prevista a sua utilização
dentro do planejamento, de modo a permitir que o professor explore todo o
potencial do jogo, processos de solução, registros e discussões sobre
possíveis caminhos que poderão surgir. Por isso, é essencial a escolha de uma
metodologia de trabalho que permita a exploração do potencial dos jogos no
desenvolvimento de todas as habilidades.
62 ''Finalmente, um aspecto relevante nos jogos é o desafio
genuíno que eles provocam no aluno, que gera interesse
e prazer. Por isso, é importante que os jogos façam parte
da cultura escolar, cabendo ao professor analisar e avaliar
a potencialidade educativa dos diferentes jogos e o
aspecto curricular que se deseja desenvolver''. (PCN,
1997, p.48-49)
Os jogos devem ser escolhidos de forma que estimulem a
resolução de problemas, principalmente quando o conteúdo a ser estudado for
abstrato, difícil e desvinculado da prática diária, bem como, devem ser
utilizados na aprendizagem, como facilitadores, colaborando para trabalhar os
bloqueios que os alunos apresentam em relação a alguns conteúdos
matemáticos, gerando no aluno autonomia e autoconfiança.
''Outro motivo para a introdução de jogos nas aulas de
matemática é a possibilidade de diminuir bloqueios
apresentados por muitos de nossos alunos que temem a
Matemática e sentem-se incapacitados para aprendê-la.
Dentro da situação de jogo, onde é impossível uma
atitude passiva e a motivação é grande, notamos que, ao
mesmo tempo em que estes alunos falam Matemática,
apresentam também um melhor desempenho e atitudes
mais positivas frente a seus processos de aprendizagem.''
(BORIN, 1998, p.9)
O uso de jogos, para o ensino, representa uma mudança de
postura do professor em relação ao que é ensinar matemática. O papel do
professor muda de comunicador de conhecimento para o de observador,
organizador, consultor, mediador, interventor, controlador e incentivador da
aprendizagem, do processo de construção do saber pelo aluno.
63 Os jogos são classificados em três tipos:
® Jogos estratégicos - são trabalhadas as habilidades que
compõem o raciocínio lógico. Os alunos lêem as regras e
buscam caminhos para atingirem o objetivo final, utilizando
estratégias para isso.O xadrez, a batalha naval, entre muitos
outros
® Jogos de treinamento - são utilizados quando o professor
percebe que alguns alunos precisam de reforço num
determinado conteúdo.
® Jogos geométricos - têm como objetivo desenvolver a habilidade
de observação e o pensamento lógico. O Tangram ilustra bem
este tipo de jogo, que envolve a arte do origami, o jogo e o
aprender geométrico..
Os jogos devem conter regras, importantes para o
desenvolvimento do pensamento lógico, pois a aplicação sistemática das
mesmas encaminha a deduções. Estes propiciam o desenvolvimento de
habilidades de pensamento. As regras e os procedimentos devem ser
apresentados aos jogadores antes da partida e preestabelecer os limites e
possibilidades de ação de cada jogador. A responsabilidade de cumprir normas
e zelar pelo seu cumprimento encoraja o desenvolvimento da iniciativa, da
atenção e da confiança.
Os jogos estão intimamente ligados com o pensamento
matemático, visto que, ambos possuem regras, instruções, operações,
definições, deduções, desenvolvimento, utilização de normas e novos
conhecimentos que geram resultados.
Para a aprendizagem é necessário que o aprendiz tenha um
determinado nível de desenvolvimento. As situações de jogo são consideradas
parte das atividades pedagógicas, justamente por serem elementos
estimuladores do desenvolvimento.
64 Benefícios alcançados com a prática de jogos.
® Consegue-se detectar o aluno que apresenta dificuldades reais;
® O aluno demonstra se o assunto foi bem assimilado;
® Existe uma competição entre os jogadores, pois almejam vencer
e para isso aperfeiçoam-se e ultrapassam seus limites;
® Durante o jogo, observa-se que o aluno se torna mais crítico,
atento e confiante, expressando o que pensa, elaborando
perguntas e tirando conclusões sem necessidade da
interferência ou aprovação do professor;
® Não existe o medo de errar, pois o erro é considerado um
degrau necessário para se chegar a uma resposta correta;
® O aluno se empolga com as atividades, o que faz com que
aprenda sem perceber.
Cuidados ao escolher os jogos a serem aplicados:
® Não tornar o jogo algo obrigatório.
® Escolher jogos em que o fator sorte não interfira nas jogadas,
permitindo que vença aquele que descobrir as melhores
estratégias.
® Utilizar atividades que envolvam dois ou mais alunos, para
oportunizar a interação social.
® Estabelecer regras, que podem ou não ser modificadas no
decorrer do jogo, se for adequado e solicitado.
® Trabalhar a frustração pela derrota na criança, no sentido de
minimizá-la.
® Conhecer o jogo antes de aplica-lo em sala de aula.
65
4.1.1 - Tangram - Um Jogo Milenar na Construção do Conhecimento.
O Tangram surgiu na China e seu nome significa Tábua das Sete
Sabedorias.
Conta-se que, no século XII, um monge Taoísta deu a seu
discípulo um quadrado de porcelana, um rolo de papel de arroz, pincel e tintas,
e disse: “_Vai e viaja pelo mundo. Anota tudo que vires de belo e depois volta.”
A emoção da tarefa fez com que o discípulo deixasse cair o
quadrado de porcelana, que se partiu em sete pedaços. O discípulo, tentando
reproduzir o quadrado, viu formar uma imensidão de figuras belas e conhecidas
a partir das sete peças. De repente percebeu que não precisaria mais correr o
mundo. Tudo de belo que existia poderia ser formado pelo Tangram.
O tangram é um jogo, que envolve arte e brincadeira. Formado a
partir de um quadrado, o próprio aluno confecciona, propiciando a melhor
integração entre jogador e jogo.
Objetivos do Tangram:
- Treinar a precisão no ato de dobrar,
- Trabalhar com medidas sem usar instrumentos (aproximação),
- Calcular as áreas das figuras;
- Observar a simetria nas figuras;
- Observar a semelhança entre figuras;
- Construir figuras da imaginação, utilizando as peças do tangram.
- Decompor o quadrado e o teorema de Pitágoras (em séries mais
avançadas).
Para propor uma atividade com origami em sala de aula, é
necessário que o professor domine pelos menos as técnicas básicas. Como
66 isso não é comum, perdem-se boas oportunidades com a ausência desse
excelente recurso didático.
FIGURA 7
MODELO DE TANGRAM BÁSICO
Fonte: www.calculando.com.br, capturado em 15/01/2005
O modelo acima mostra apenas o início do processo e o resultado
final. O tangram é útil não apenas nas aulas de matemática, mas também na
ilustração de histórias ou simplesmente para a criança a criar suas próprias
figuras, favorecendo uma infinidade de possibilidades e meios de exploração
em um trabalho interdisciplinar.
FIGURA 8
IMAGENS PROPOSTAS PARA MONTAGEM
Fonte: http://www.jogos.antigos.nom.br, capturado em 23/07/2005
67
Em turmas do 2o segmento do ensino fundamental, pode-se
utilizar outros modelos de Tangram, tais como: o oval, o circular e o de
coração, que exigem uma habilidade maior para seu manuseio e conseqüente
confecção, mas que geram em adolescentes, curiosidade e interesse. São
recursos imprescindíveis para o entendimento de conceitos geométricos, além
dos já citado no tangram tradicional.
FIGURA 9
MODELO DO TANGRAM EM FORMA DE CORAÇÃO
Fonte: www.cp.com.br, capturado em 15/01/2005
68
4.1.2 - Xadrez – O Poder da Organização do Pensamento.
Em uma época na qual os conhecimentos nos ultrapassam em
quantidade e a vida é efêmera, uma das melhores lições que a criança pode
obter na escola é como organizar seu pensamento, e esta lição pode ser obtida
mediante o estudo e o xadrez.
Tabela 2 - Características do Xadrez e suas Implicações Educativas
CARACTERÍSTICAS DO XADREZ IMPLICAÇÕES NOS ASPECTOS EDUCACIONAIS E DE FORMAÇÃO DO
CARÁTER
Fica concentrado e imóvel na cadeira. O desenvolvimento do autocontrole psicofísico.
Fornecer um número de movimentos num determinado tempo.
Avaliação da estrutura do problema e a distribuição do tempo disponível.
Movimentar peças após análise de lances.
Desenvolvimento da capacidade de pensar com abrangência e profundidade.
Após encontrar um lance, procurar outro melhor.
Tenacidade e empenho no progresso contínuo.
Partindo de uma posição a princípio igual, direcionar para uma conclusão brilhante (combinação).
Criatividade e imaginação.
O resultado indica quem tinha o melhor plano.
Respeito à opinião do interlocutor.
Dentre as várias possibilidades, escolher uma única, sem ajuda externa.
Estímulo à tomada de decisões com autonomia.
Um movimento deve ser conseqüência lógica do anterior e deve apresentar o seguinte.
Exercício do pensamento lógico, autoconsistência e fluidez de raciocínio.
69
Este é um jogo que tem sido muito debatido no meio educacional,
porém, devido a sua complexidade, torna-se necessário que o professor aprenda como
jogar e tenha tempo para dispor nesta atividade, o que tem dificultado a sua aplicação
em sala de aula, contudo, várias instituições de ensino, público e privado, têm se
mobilizado e estão montando espaços reservados para a instalação do jogo, como
atividade complementar e de recreação.
Esta iniciativa requer a contratação de um professor especializado e de
material adequado para o pleno desenvolvimento do jogo, não obstante, dada sua
grande importância educacional, todos os esforços devem se realizados para que se
efetive sua implantação em todos os estabelecimentos de ensino.
FIGURA 10
POSIÇÃO INICIAL DAS PEÇAS DO JOGO DE XADREZ
Fonte: http://www.jogos.antigos.nom.br, capturada em 23/07/2005
70
4.1.3 - Quebra-Cabeça-Lógico: Desafios na Resolução de
Problemas.
Os quebra-cabeças lógicos são aqueles em que não se utiliza,
diretamente, a matemática, mas sim a lógica pura, que depois de apresentado
o problema, o objetivo é atingir o resultado.
Dado sua forma enigmática, torna-se envolvente e desafiador,
pois provoca a curiosidade do aluno, que se mobiliza, por si só ou em grupos,
na busca da solução, principalmente, porque na maioria dos casos, não exigem
cálculos elaborados ou qualquer tipo de sistematização da resposta, mas
simplesmente a sua lógica de pensamento, fator preponderante neste tipo de
atividade.
Contudo, Sir.Arthur Conan Doyle, representado por seu maior
personagem, Sherlock Holmes, declara: "Tendo excluído tudo que é
impossível, aquilo que fica, por mais improvável que pareça, é a verdade (...)".
Enigma no 1 - Você precisa atravessar um rio com um leão, um
carneiro e um fardo de capim. Na canoa, só cabe um animal ou o fardo de
capim por vez. Se você levar o capim, o leão come o carneiro; se levar o leão,
o carneiro come o capim. Como fazer?
Enigma no 2 - Um homem vai visitar sua namorada. Ao chegar no
prédio da amada, ele entra no elevador, sobe até o 10° andar. De lá, segue,
pelas escadas, até o 18° andar, onde mora a moça. Na hora de ir embora,
chama o elevador, no 18° andar, descendo direto até o térreo. Sabendo-se que
o homem não é atleta, e não sobe as escadas para fazer exercícios, nem o
elevador encontra-se quebrado, explique porque ele age desta forma.
71 Enigma no. 3 - Na época em que os bichos falavam, numa floresta
viviam dona Onça e dona Hiena, comadres inseparáveis, com características
peculiares. Dona Hiena mente às segundas, terças e quartas-feiras; dona Onça
mente às quintas, sextas e sábados. Nos dias em que não mentem, elas dizem
a verdade.
Certa vez, num encontro, dona Hiena e dona Onça conversaram:
_ Olá, dona Onça! Ontem eu menti.
_ Olá, dona Hiena! Eu também menti ontem.
Em que dia aconteceu esse encontro?
Enigma no 4: Construa a figura abaixo com quatro palitos e um
pedaço de papel. Essa figura representa uma pá com lixo.
FIGURA 11
Agora, desloque dois palitos e retire o lixo da pá, sem, contudo
deslocar o lixo e de forma que a pá mantenha a forma inicial.
Fonte: www.calculando.com.br, capturada em 15/02/2005
São muitas as possibilidades de uso do quebra-cabeça-
matemático, e de fácil aquisição, visto que, com o avanço da internet, vários
desses jogos são disponibilizados, com livre acesso, a todos os usuários, o que
facilita o trabalho do professor em selecionar aqueles que são mais adequados
para utilização em sala de aula e em cada momento do seu planejamento.
72
4.1.4 - Arte e Matemática: Geometria dos Mosaicos e Simetria.
O trabalho voltado para as dificuldades de aprendizagem, tendo a
arte como mediadora, pode resgatar tanto a auto-estima como a capacidade
criativa do sujeito.
A produção artística dos mosaicos e de trabalhos envolvendo a
simetria, em diversos contextos socioculturais, expressa a criatividade, o
pensamento e a sensibilidade humana, bem como sua utilização em diferentes
épocas da história da humanidade.
FIGURA 12
MODELOS DE MOSAICOS
a) b)
Fonte: http://ciencias.huascaran.edu.pe. Capturado em 02/07/2005
Os mosaicos são amplamente utilizados com o objetivo de levar o
aluno a entender conceitos geométricos:
® Espaço e Forma: Classificação de figuras bidimensionais,
segundo critérios variados: números de lados dos polígonos,
eixos de simetria de um polígono, medidas de ângulos e
lados. Composição e decomposição de figuras planas.
73 ® Grandezas e Medidas: Utilização de instrumentos de medida e
desenho com régua, compasso, transferidor. Noção de
medida de superfície e de equivalência de figuras planas por
meio da composição e decomposição de figuras. Cálculo de
área de figuras planas pela composição e decomposição em
figuras conhecidas.
A construção geométrica torna-se divertida e desperta a
curiosidade, atraindo o olhar despreocupado, direcionando-o para a
Matemática através da arte.
Ao término da atividade de montagem do mosaico, os alunos
deverão ser capazes de:
® Discriminar visualmente os detalhes dos mosaicos.
® Decompor as formas geométricas encontradas na pintura em
outras formas.
® Ampliar e reduzir a pintura, com o auxílio de malha de papel
quadriculado ou malhas diversas.
® Reproduzir as figuras geométricas, com o auxilio do material
de desenho, para análise e formulação de conceitos..
O trabalho envolvendo simetria é adequado para iniciar o conceito
de eixo de simetria das figuras geométricas, semelhança, noção de números
simétricos, entre outros conceitos.
É um tipo de trabalho que sugere organização e harmonia, pois é
calcado na criatividade, no prazer e na alegria de sua realização, aproximando
o aluno de conceitos matemáticos de forma natural.
Essas são atividades que podem ser exploradas por diversas
disciplinas, propiciando um trabalho interdisciplinar consistente, que possibilita
74 a análise do material produzido por todos os envolvidos na tarefa de avaliação
obtendo-se assim uma visão global do desenvolvimento do aluno.
FIGURA 13
TRABALHO DE SIMETRIA REALIZADO COM TINTA.
Fonte: Criatividade em Arteterapia, p.39
75
CONCLUSÃO
Com este trabalho foi possível refletir sobre os diversos aspectos
envolvidos na condição das dificuldades de aprendizagem da matemática e nas
dificuldades como um todo e ressaltar que, embora a dificuldade de
aprendizagem possa ser uma condição ligada a múltiplos fatores internos à
criança, ela sofre influência do meio familiar, escolar e social.
Os distúrbios de aprendizagem vêm causando angústia nos
profissionais das diversas áreas, por apresentarem grande complexidade em
seu diagnóstico, tratamento e prevenção e, principalmente, por se tratar de um
problema que atinge percentuais cada vez mais elevados, de crianças e
adolescentes em idade escola.
A neurociência procura esclarecer o que acontece no cérebro
humano, desde a sua formação até o envelhecimento, não obstante, tem
demonstrado que todas as estruturas cerebrais aqui apresentadas funcionam
de forma integrada para que haja um desenvolvimento equilibrado do processo
de aprendizagem. Todavia, esse processo de equilíbrio, depende do
amadurecimento do corpo e do cérebro e do bem estar emocional.
Mudanças na estrutura escolar e na forma de direcionar as
atividades acadêmicas são evidentes e de vital urgência. A forma de ensinar
abrange a observação da criança na sala ou em outras atividades. Observar
como a criança brinca, ouvir o que ela tem a dizer, tentar perceber como ela vê
o mundo, como organiza o seu modo de pensar, qual a sua lógica, permitir que
ela manipule objetos diversos, que movimente e aprenda os diferentes
conteúdos, utilizando o seu corpo, conhece-la é o melhor recurso para se
desenvolver um trabalho voltado para o aluno, suas necessidades e
expectativas e com isto propicia o desenvolvimento pleno do indivíduo. A
relação professor-aluno determinará o trabalho e o interesse desse aluno.
76 Quando a escola se preocupa em desenvolver competências, os
conteúdos deixam de ser um fim em si mesmos; o professor passa de
transmissor do conhecimento a facilitador da aprendizagem. A avaliação, de
classificatória e excludente, se transforma em instrumento para guiar
intervenções pedagógicas; e o aluno, antes passivo, vira participante ativo na
construção do próprio conhecimento.
Este trabalho de pesquisa comprovou que as dificuldades de
aprendizagem da matemática vão além do comprometimento em determinada
área cerebral, mas sim por vários fatores associados, como os transtornos da
leitura, da escrita, da atenção, da afetividade, entre outros, o que agravam ou
dificultam o desenvolvimento cognitivo dessas crianças, em especial, na
matemática.
Estando as finalidades da escola claramente redefinidas e as
missões dos educadores reconhecidas, torna-se possível um novo olhar no
educar e no compreender a criança, quaisquer que sejam as suas
particularidades, as suas diferenças e as suas dificuldades, e as origens
presumidas destas, sem julgamento prévio, que rotule os comportamentos.
A intervenção com jogos e brincadeiras, estimula as funções
cognitivas como a memória, a atenção, a criatividade, a imaginação e a
percepção, o que permite às crianças a descoberta de novas formas de
conhecimento e o prazer pelo aprender. Esses são recursos de intervenções
pedagógicas e psicopedagógicas eficazes e de plena aceitação, todavia não
devem servir para mascarar resultados ou utilizados com o simples sentido do
brincar, pois se assim for, teremos outro fator de interferência no rendimento
escolar agravando ainda mais a situação que já se encontra deficitária.
O professor cumpre um papel decisivo nessas intervenções,
porém sua eficácia estará comprometida caso não haja um trabalho integrado
com profissionais especializados, fonoaudiólogos, psicólogos, psicopedagogos,
médicos e principalmente o comprometimento familiar, imprescindível para a
superação das dificuldades de aprendizagem.
77 Deve existir um tempo pessoal em alternância com o tempo
pedagógico que deve permitir a cada criança desenvolver e tornar funcionais
as suas competências, revelar as suas capacidades, mostrar que é capaz,
pelo menos em certas ocasiões de ajustar a sua organização temporal e os
seus ritmos de ação aos dos outros.
Fica claro ao final deste trabalho a necessidade de aprofundar
cada vez mais nossos conhecimentos em relação às dificuldades de
aprendizagem. Muito há para ser desvendado. Seria prematuro pensar que a
busca termina aqui.
78
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LAROSA, M.A., AYRES, F.A. Como produzir uma monografia passo a passo.
Siga o mapa da mina. 3a ed. RJ: Wak, 2005.
NETTER, F.H Atlas de Anatomia Humana. Porto alegre: Artmed, 1998.
MATURANA, H.R. Da Biologia à Psicologia. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
PIAGET, J. Seis Estudos de Psicologia. RJ: Forense Universitária, 2002.
PIAGET, J. Problemas de Psicologia Genética. RJ: Forense, 1973.
GRUNSPUN, Haim. Distúrbios Neuróticos da Criança: Psicopatologia e
Psicodinâmica. 5a.ed. SP: Atheneu, 2003.
SILVA, Ma.Cecília da. Aprendizagem e Problemas. SP: Ícone, 1997.
GARCÍA, J.N. Manual de Dificuldades de Aprendizagem: Linguagem, Leitura,
Escrita e Matemática. Porto Alegre: Artmed, 1998.
ANTUNES, Celso. Jogos para a Estimulação das Múltiplas Inteligências.
12a.ed. Petrópolis: Vozes, 2003.
MEYER, Ivanise C.Rezende. Brincar & Viver. Projetos em Educação Infantil.
2a.ed. RJ: Wak, 2004.
BORIN, J. Jogos e Resolução de Problemas: uma estratégia para as aulas de
matemática. 3a.ed. São Paulo: IME-USP; 1998.
MOURA, M. O. de. A Construção do Signo Numérico em Situação de Ensino.
São Paulo: USP, 1991.
CRHISTO, Edna.C., SILVA, Graça Ma.D.Criatividade em Arteterapia.2a.ed. RJ:
WAK, 2005.
79 http://ciencias.huascaran.edu.pe, acessado em 02/07/2005
http://www.afh.bio.br, acessado em 25/06/2005.
http://www.cerebromente.org.br., Catapulta do emocional, acessado em
23/04/2005
http://www.drauziovarella.com.br., As borboletas da alma, acessado em
23/04/2005
http:// www.calculando.com.br, acessado em 15/01/2005
http:// www.cp.com.br, acessado em 15/01/2005
http://origami.paginas.sapo.pt, acessado em 23/07/2005
http://www.jogos.antigos.nom.br, acessado em 23/07/2005
PAIN, Sara. “Educar é ensinar a pensar”. RJ: Nova Escola, ano III, no 70,
outubro, 1993.
80
ANEXOS
Índice de anexos
Anexo 1 –
Anexo 2 –
Anexo 3 –
Anexo 4 –
Anexo 5 –
Anexo 6 –
Anexo 7 –
Anexo 8 –
Anexo 9 –
Anexo 10 –
Anexo 11 –
Anexo 12 –
Anexo 13 –
Anexo 14 –
Anexo 15 –
Anexo 16 –
É assim que se aprende
O funcionamento do cérebro no processo de aprendizagem
O guru das inteligências múltiplas.
Dislexia: o distúrbio das letras.
Dislexia: uma síndrome ainda pouco desconhecida.
Dificuldade escolar afeta de algum modo 70% das pessoas.
Reportagem: Matemática que vem do tabuleiro de xadrez.
Leitura traz mais sentido à Matemática
Gingado geométrico.
Um jogo para treinar o cálculo mental.
Explore o saber da antiguidade.
Bons leitores são bons alunos em qualquer disciplina.
A matemática do pega-varetas.
Matemática: Uma proposta de ensino a partir da teoria das
inteligências múltiplas.
Matemática legal. Pode pagar!
Eventos culturais em atendimento às exigências do curso.
81
ÍNDICE
AGRADECIMENTOS.................................................................................. 03
DEDICATÒRIA............................................................................................ 04
RESUMO.................................................................................................... 05
METODOLOGIA ........................................................................................ 06
SUMÁRIO................................................................................................... 07
INTRODUÇÃO........................................................................................... 08
CAPÍTULO I
CÉREBRO, INTELIGÊNCIA E MEMÓRIA................................................. 10
1 – Cérebro, Inteligência e Memória...................................................... 11
1.1 – O Cérebro Humano....................................................................... 12
1.1.2 – Principais Estruturas Cerebrais......................................... 14
1.1.3 – Os Neurônios.....................................................................
1.1.4 – A Plasticidade Neural........................................................
1.2 – Inteligência....................................................................................
1.3 – Memória.........................................................................................
19
22
24
30
CAPÍTULO II
DEFINIÇÕES PROPOSTAS PARA AS DIFICULDADES DE
APRENDIZAGEM, AO LONGO DA HISTÓRIA.........................................
32
2 – Definições para as Dificuldades de Aprendizagem........................ 33
CAPÍTULO III
PRINCIPAIS DISTÚRBIOS QUE INTERFEREM NO PROCESSO
ENSINO-APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA......................................
42
3 – Principais Distúrbios que Interferem no Processo Ensino –
Aprendizagem da Matemática.........................................................
43
82
3.1 – Aprendizagem e Problemas, uma abordagem Global.................
3.2 – Dificuldades de Aprendizagem da Matemática...........................
44
48
3.2.1 – Acalculia...........................................................................
3.2.2 – Discalculia.........................................................................
50
51
3.3 – O Fracasso Escolar e o Crescente Interesse pelo Estudo dos
Transtornos da matemática..........................................................
52
3.4 – Efeitos das Dificuldades de Aprendizagem da Matemática................ 56
3.5 – Meios de Intervenção................................................................... 56
CAPÍTULO IV
O JOGO, A ARTE E O BRINCAR COMO FACILITADORES DO
PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA....................
59
4.1 – O Jogo, a Arte e a Brincadeira..................................................... 60
4.1.1 – Tangram – Um Jogo Milenar na Construção do
Conhecimento.................................................................. 65
4.1.2 – Xadrez – O Poder da Organização do Pensamento........
4.1.3 – Quebra-Cabeça-Lógico: desafios na Resolução de
Problemas........................................................................
68
70
4.1.4 – Arte e Matemática: Geometria dos Mosaicos e Simetria.. 72
CONLCUSÃO............................................................................................. 75
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................... 78
ANEXOS..................................................................................................... 80
ÍNDICE DE ANEXOS.................................................................................. 80
ÍNDICE ...................................................................................................... 82
ÍNDICE DE FIGURAS................................................................................ 84
83
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1 – Vista do cérebro em corte frontal. 15
Figura 2 – Vista do cérebro em corte sagital. 16
Figura 3 – Vista superior dos hemisférios cerebrais 17
Figura 4 – Vista lateral dos lobos cerebrais 17
Figura 5 – Como o cérebro funciona. 18
Figura 6 – Vista esquemática de um neurônio. 20
Figura 7 – Modelo de Tangram básico 66
Figura 8 – Imagens propostas para montagem. 66
Figura 9 – Modelo do tangram em forma de coração 67
Figura 10 – Posição inicial das peças do jogo de xadrez 69
Figura 11 – Enigma no. 4. 71
Figura 12a e 12b – Modelos de mosaicos 72
Figura 13 – Trabalho de simetria realizado com tinta. 74
84
FOLHA DE AVALIAÇÃO
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PROJETO A VEZ DO MESTRE
Pós-Graduação “Lato Sensu”
TÍTULO DA MONOGRAFIA:
DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM E SUA INTERFERÊNCIA NO
PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA.
Data da entrega: _________________________________________________
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_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
Avaliado por:_______________________________ Grau ______________.
Rio de Janeiro_____de_______________de 2005