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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO A VEZ DO MESTRE A INFLUÊNCIA DA MÚSICA NA PSICOMOTRICIDADE CLÁUDIA MÁRCIA DE CARVALHO DOS SANTOS ORIENTADOR: Prof. Nilson Rio de Janeiro, Fev./2003

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A INFLUÊNCIA DA MÚSICA NA PSICOMOTRICIDADE

CLÁUDIA MÁRCIA DE CARVALHO DOS SANTOS

ORIENTADOR:

Prof. Nilson

Rio de Janeiro, Fev./2003

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A INFLUÊNCIA DA MÚSICA NA PSICOMOTRICIDADE

CLÁUDIA MÁRCIA DE CARVALHO DOS SANTOS

Monografia apresentado à Universidade

Cândido Mendes como requisito do Curso de

Pós-Graduação “Lato Sensu” em

Psicomotricidade.

Rio de Janeiro, Fev./2003

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A Deus, por tudo o que vem me concedendo, e,

por sempre ter guiado o meu caminho.

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RESUMO

A Musicoterapia é a utilização da música e/ou seus elementos (som, ritmo, melodia e

harmonia), em um processo destinado a facilitar e promover comunicação, relacionamento,

aprendizado, mobilização, expressão, organização e outros objetivos terapêuticos relevantes, a

fim de atender às necessidades físicas, mentais, sociais e cognitivas. A Musicoterapia busca

desenvolver potenciais e/ou restaurar funções do indivíduo para que ele ou ela alcance uma

melhor organização intra e/ou interpessoal e, conseqüentemente, uma melhor qualidade de

vida, através da prevenção, reabilitação ou tratamento. O objetivo deste trabalho é enfocar a

importância da linguagem musical e seus elementos constitutivos no desenvolvimento

psicomotor infantil.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 06 CAPÍTULO I - PSICOMOTRICIDADE: CONCEITOS NORTEADORES .............. 08 1.1 Fundamentos da psicomotricidade ........................................................................ 08 1.2 A atuação do psicomotricista ................................................................................. 11 1.3 A motricidade e a sua importância no desenvolvimento psicológico da criança .. 13 CAPÍTULO II - PSICOMOTRICIDADE, DISSOCIAÇÃO, RITMO E SINCINESIA ...............................................................................................................

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2.1 Dissociação ............................................................................................................ 16 2.2 Ritmo e rítmica ...................................................................................................... 18 2.2.1 Criança Normal - Ritmo e alegria do movimento .............................................. 18 2.3 Sincinesias ............................................................................................................. 20 CAPÍTULO III - MÚSICA, RITMO E ATIVIDADE MOTORA .............................. 22 3. 1 O movimento coordenado .................................................................................... 22 3.2 O trabalho rítmico .................................................................................................. 25 3.3 Ritmo e expressão corporal ................................................................................... 28 CAPÍTULO IV - A MUSICOTERAPIA NA ESCOLA ............................................. 31 CONCLUSÃO ............................................................................................................. 34 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 36 ANEXOS ..................................................................................................................... 37

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INTRODUÇÃO

Vive-se um tempo em que novos paradigmas educacionais teimam em emergir. Os

educadores tentam constantemente encontrar respostas para o desafio do educar e para aquilo

que não sabem explicar. Alguns se voltam para a chamada e respeitada ”Pedagogia

Tradicional”, com os mesmos padrões e referências que já não respondem e correspondem às

questões contemporâneas. Outros educadores, contudo, acreditam ser necessário repensar e

superar alguns dos exageros pedagógicos propostos pela mesma, porém ainda, considerando

esse referencial, seus valores, sua filosofia, sua forma de perceber e explicar a realidade . Há

ainda aqueles que a partir de críticas metodológicas, epistemológicas , teóricas, se apóiam

basicamente na perspectiva construtivista de educação.

Mas o que está causando tantas indagações? O que vem gerando tantos

questionamentos e reflexões? Será que diante de tantas inovações e possibilidades ainda não

encontramos o caminho necessário para tornarmos a educação, precisamente, a aprendizagem,

mais prazerosa, divertida e eficiente? Esses questionamentos são muito amplos e, não temos

a pretensão de esgotá-los, porém provocar algumas reflexões a cerca dos mesmos. Dessa

forma, o presente artigo discute a problemática proposta, focalizando a utilização da música

na Pré-Escola, como potencializadora do processo ensino-aprendizagem.

Usar música na escola não é nenhuma inovação. Desde o século XVI, aqui mesmo no

Brasil, os jesuítas já se utilizavam da música como atrativo para cooptar as crianças indígenas

para os seus ideais de catequização nas escolas.

Durante a segunda metade dos anos 1500, foram trazidos para o Brasil vários órfãos

para serem criados pelos padres da Companhia de Jesus. Quando cantavam, geralmente

formados em coro, chamavam a atenção dos "curumins" que se encantavam e demonstravam

desejo em aprender a cantar e participar dos orfeões. Os jesuítas aproveitavam esse interesse e

formavam corais mistos - de crianças portuguesas e indígenas - e mesmo só de indígenas, para

cantarem hinos e músicas sacras que serviam para enfeitar as missas e cerimônias religiosas.

Essas músicas funcionavam também como veículo de aprendizagem. Através de suas letras se

transmitia conceitos e valores cristãos para os gentios da terra.

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Hoje em dia, a música está muito relegada a um segundo ou terceiro plano nas escolas.

Nem mesmo os Hinos da Pátria se ensina mais para os escolares e qualquer percepção musical

acaba por ser descartada, tolhida do sistema de aprendizagem.

Ciclicamente no Brasil, volta à tona o debate sobre o papel da música dentro das

práticas e teorias educativas. Quase sempre, um universo de carências básicas - que vai da

falta de escolas e professores especializados até a dificuldade de se efetivar a abordagem

interdisciplinar - serve como justificativa para que poucas mudanças aconteçam.

Entretanto, para que seja possível atingir esse propósito, o educador deve, como em

toda atividade escolar, ser cuidadoso na escolha da música a ser trabalhada, levando em

consideração a intencionalidade da atividade que deve ser definida no planejamento didático.

Nesse contexto, deve-se ter clareza dos objetivos a serem atingidos através do trabalho com a

música. Os professores poderão, por exemplo, desenvolver discussões a partir da música

trabalhada, onde as crianças podem falar sobre os sentimentos gerados pela música, bem

como sobre as mensagens trazidas pelas suas letras .

Assim, a presente monografia busca analisar a utilização da música na aprendizagem

de maneira a proporcionar situações de aprendizagens diversas, que estimulem o potencial de

cada aluno, no desenvolvimento da: comunicação oral - linguagem; habilidades cognitivas; e

das habilidades motoras.

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CAPÍTULO I

PSICOMOTRICIDADE: CONCEITOS NORTEADORES

Dupré, em 1909, utilizou pela primeira vez o termo psicomotricidade, quando

introduziu os primeiros estudos sobre a debilidade motora.

Henri Wallon contribuiu muito, através de seu trabalho sobre tônus e emoção, com

obras relevantes no campo do desenvolvimento psicológico da criança. O papel da função

tônica, sobre o qual repousam as atividades e os alicerces da vida mental e da emoção como

meio de ação sobre o mundo nos progressos da atividade de relação é encarado, de acordo,

segundo Wallon, com processos básicos de intervenção psicomotora.

A importância da atividade intelectual é eminentemente defendida na perspectiva do

desenvolvimento da criança com os célebres estádios wallonianos: impulsivo tônico

emocional, sensório-motor, projetivo e personalítico. Wallon é o principal responsável pelo

nascimento do movimento de reeducação psicomotora, superiormente conduzido, anos mais

tarde, pelo Dr. Julian Ajuriaguera e pela Dra. Giselle Soubiran.

A psicomotricidade, à luz de Wallon e de Ajuriaguerra, concebe os determinantes

biológicos e culturais do desenvolvimento da criança com dialéticos e com redutíveis uns aos

outros. Daí a importância de elaborar uma teoria psicológica que estabeleça relações entre o

comportamento e o desenvolvimento da pessoa e a maturação do seu sistema nervoso, pois só

nessa medida se pode construir estratégias educativas, terapêuticas e reabilitativas adequadas

às necessidades específicas.

1.1 Fundamentos da psicomotricidade

Estudamos o movimento humano e sua relação com o mundo baseados em estudos de

filogênese e ontogênese humanas. Este estudo só assume seu sentido quando a tradução

motora da conduta está compreendida em suas relações com a conduta do ser, considerada em

sua totalidade. Esta observação exclui toda classificação dos movimentos baseados em sua

forma ou no estudo apenas de resultados objetivos.

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A ciência do movimento humano não pode ser homologável ao estudo de uma

máquina feita de alavancas, engrenagens e de músculos. O essencial, ao contrario, é "situar" o

movimento, isto é, definir a ocasião a partir da qual ele se realizou em função da situação

vivida pelo organismo e precisar a significação que ele assume para este organismo.

Durante a vida intra-uterina, as necessidades metabólicas do feto estão sendo

automaticamente satisfeitas. Sua atividade motora é traduzida por um comportamento postural

que se manifesta precocemente pelo equilíbrio no líquido amniótico a partir da estimulação

labiríntica. No nascimento esta situação privilegiada cessa e depois da secção do cordão

umbilical, o jovem organismo é colocado num meio estranho e totalmente impotente para

satisfazer as suas necessidades vitais (Le Bouch, 1988).

O bebê humano nasce em um universo muito complexo, composto por muitos objetos,

espaços e acontecimentos. Por ter uma grande complexidade, este universo é regido por leis.

Todas as suas operações e relações são estritamente governadas por elas, como os ângulos

numa forma geométrica simples ou os movimentos das estrelas. Esta estrutura legítima do

universo é o princípio mais importante de toda a ciência e deve ser também a base de todas as

teorias sobre o desenvolvimento da criança.

Na época de seu nascimento, porém, a criança não conhece as leis que governam este

universo onde está situada. Ela tem certas reações que ocorrem mecanicamente diante da

ocorrência de certos acontecimentos no meio ambiente, e que servem para mantê-la viva até

que aprenda reações mais complexas. Ela é bombardeada com informações sensoriais do meio

ambiente, mas estes dados são globais. Eles não têm formas nem partes; eles suprem somente

impressões vagas e mal definidas, em vez de informações organizadas.

A tarefa da criança, durante um certo tempo, é descobrir as leis do universo que a

rodeia e a forma de controlar seu próprio comportamento, para que esteja de acordo com o

complexo legítimo do qual é uma parte. Quando este aprendizado é conseguido, o

comportamento, formado pelas mesmas leis que controlam todo o ambiente, torna-se

apropriado quando é executado neste ambiente. Quando este aprendizado é incompleto e

errôneo, o comportamento é impróprio e insatisfatório.

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A criança se faz entender por gestos nos primeiros dias de sua vida e, até o momento

da linguagem, o movimento constitui quase que a expressão global das suas necessidades. A

profundidade e o valor da intercomunicação humana pelo gesto são de extrema importância

na criança, não só por estar em relação estreita com as emoções, como propriamente por ser

um veículo de transmissão do equilíbrio do estado interior do recém-nascido (Fonseca, 1998).

O sistema nervoso central é uma máquina de aprender. Ele permite a coleta e a

armazenagem de dados e seu uso subseqüente na alteração do comportamento. Ele permite

que a criança construa um pequeno modelo do universo.

O sistema motor permite executar várias ações como movimentar, mover objetos,

assim como manter o tônus postural. É por meio das contrações musculares que ocorre a

expressão com meio, seja pela mímica, seja pela fala.

A coordenação geral necessita de uma perfeita harmonia de jogos musculares em

repouso e em movimento. A coordenação possui dois aspectos bem diferenciados:

coordenação estática que é determinada pelo equilíbrio da ação dos grupos musculares

antagonistas, que estabelece a função de tônus e permite a conservação voluntária de atitude.

E a coordenação dinâmica determinada pela ação simultânea de grupos musculares diferentes

para realização de movimentos voluntários mais ou menos complexos.

Tomando como referência o modelo Luria, soviético considerado um clássico da

literatura neuropsicológica, consideramos sete fatores psicomotores: tonicidade, equilibração,

lateralização, noção de corpo, estrutura espaço temporal, praxia global e praxia fina, observa-

se que existe uma relação muito estreita.

Em termos ontogenéticos, a organização destes sete fatores também confirma a

hierarquização vertical do modelo luriano.

· Tonicidade: aquisições neuromusculares, conforto tátil e integração de padrões motores

antigravíticos (do nascimento até 12 meses).

· Equilibração: aquisição da postura bípede, segurança gravitacional, desenvolvimento dos

padrões locomotores (12 meses aos 2 anos).

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· Lateralização: integração sensorial, investimento emocional, desenvolvimento das

percepções difusas e dos sistemas aferentes e eferentes (dos 2 anos aos 3 anos).

· Noção de corpo: compreensão do Eu, conscientização e percepção corporal, condutas de

imitação (dos 3 anos aos 4 anos).

· Estrutura espaço-temporal: desenvolvimento da atenção seletiva, processamento da

informação, coordenação espaço-corpo, proficiência da linguagem (dos 4 anos aos 5 anos).

· Praxia global: coordenação oculomotora e oculopedal, planificação motora, integração

rítmica (dos 5 anos aos 6 anos).

· Praxia fina: concentração, organização, especialização hemisférica (dos 6 anos aos 7 anos).

Trata-se, naturalmente, de uma perspectiva ontogenética simplificada, contudo

confirmadora do modelo de organização funcional de Luria e modelo de hierarquização de

muitos outros autores (tais como Vygotski e Wallon).

1.2 A atuação do psicomotricista

O trabalho em psicomotricidade privilegia o ato físico, associado ao trabalho mental,

em que se aprende a escutar, interpretar, imaginar, organizar, representar, passar da idéia ao

ato, do abstrato ao concreto. São bases imprescindíveis ao aprendizado formal.

Agindo através do movimento, com meio terapêutico, procuramos melhorar os

processos de integração, elaboração e realização, inerentes à realidade da criança em face do

seu desenvolvimento, agindo nos fatores psicomotores. Percebendo que o corpo, como afirma

Wallon, é um instrumento de ação sobre o mundo e um instrumento de relação com o outro, a

nossa perspectiva de terapia em psicomotricidade é necessariamente diferente dos métodos

tradicionais e das técnicas clássicas, com as quais não convém confundi-la.

A terapia em psicomotricidade não é ginástica corretiva. A terapia em

psicomotricidade constitui uma nova abordagem dos problemas da motricidade perturbada,

partindo de um aspecto essencial e básico: auxiliar o indivíduo nas múltiplas ações de

adaptação à vida corrente.

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Não se trata, entretanto, de uma fisioterapia nem de ginástica ortopédica ou outra

técnica que se ocupe de deficiências inatas ou adquiridas, tendo por conseqüência uma

disfunção limitativa de praxias elementares. Nestas, o objetivo é a readaptação funcional. O

terapeuta em psicomotricidade pretende readaptar a criança à atividade mental que preside à

elaboração do movimento. Não nos cabe abordar as deficiências osteoarticulares ou

neuromusculares em termos de supressão de dores ou de recuperação de movimentos.

A terapia em psicomotricidade procura melhorar as estruturas psíquicas responsáveis

pela transmissão, execução e controle do movimento, através de um melhor reconhecimento

espaço-temporal com base numa maior disponibilidade corporal. Não se pretende a correção

de atitudes corporais viciadas, nem a terapia exterior e pseudofuncional da marcha ou da

preensão; a terapia em psicomotricidade visa a determinação de sinergias e a integração

mental do movimento. Não podemos limitar a terapia a manter unicamente o jogo fisiológico

normal do organismo, buscamos a otimização do ser humano.

A psicomotricidade é a educação do ato motor pelo pensamento, constituindo uma

educação do pensamento através do ato motor.

A complexidade dos problemas psicomotores é inumerável. A eles se encontram

ligados fenômenos de comportamento tais como: instabilidade, debilidade, emotividade,

imaturidade, inibição, agressividade etc.

A perturbação psicomotora está na base de um problema afetivo, aspecto este que

requer enquadramento conveniente sobre as noções de pessoa, movimento e corpo. A

interação dos aspectos afetivos com os motores traduz a arquitetura de toda a personalidade

do indivíduo e a organização das suas funções cognitivas. O corpo é o teatro da ação e o

movimento o palco da inteligência - é por meio dele que se estabelece a eclosão do "espírito"

com a realidade exterior (Fonseca, 1988).

Em resumo, a terapia psicomotora tem por objetivos principais os seguintes aspectos:

melhorar a atividade mental que preside à elaboração, transmissão, execução e controle do

movimento; reconhecer as direções, proporções, permanências e casualidade; determinar

sinergias; destruir sincinesias e paratonias; integrar o movimento; facilitar as reações

adaptativas; afirmar a lateralidade; inibir as pulsões motoras; melhorar a representação no

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movimento; verificar a integração da noção do corpo; permitir a realização motora consciente;

valorizar o aspecto simbólico e expressivo do movimento; aperfeiçoar a relação e a

comunicação.

1.3 A motricidade e a sua importância no desenvolvimento psicológico da criança

Segundo Fonseca (1998), o estudo do movimento está ligado ao seu desenvolvimento

não só das suas potencialidades, mas, também, nos processos cognitivos da sua maturação

integrativa superior. A evolução da motricidade é complexa, mesmo nas formas mais

autorizadas. Funciona desde o feto, numa relação com o sistema de necessidades. Está ligada

a certos reflexos que traduzem sua satisfação necessária. É o movimento que ao fixar

estruturas promove uma sucessiva estruturação interna que se prepara para futuras

realizações.

Para Manuel Sérgio (1987, p.30),

A motricidade não é um fenômeno isolado, mas uma relação e expressão do ser humano total e, ainda, porque a motricidade revela os aspectos ontológicos - existenciais do homem, sem negar, antes completando os aspectos lógico – organizacionais da vida.

Wallon (1966) destaca o papel que os comportamentos motores têm na evolução

psicológica do ser humano. Este autor defende que a motricidade desempenha um papel

importante na elaboração das funções psicológicas dos primeiros anos de vida. Depois

acompanha e sustém os processos mentais.

Wallon (1966) ao analisar a motricidade, determinou a existência de dois aspectos: o

tônico ou plástico (nível de contratibilidade ou relaxamento da musculatura) e o clônico ou

cinético (alongamento ou encurtamento dos músculos). Estes dois aspectos complementam-

se.

O aspecto tônico tem um papel fundamental no desenvolvimento da criança. Ele está

relacionado, tanto com as atitudes e posturas perceptivas, como com as motoras. O tônico põe

em relação motricidade, percepção e conhecimento e daí as relações entre motricidade e

inteligência.

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Wallon enfatiza a relação do aspecto tônico do movimento com o desenvolvimento

cognitivo, enquanto que o tônus seria o fundamento da emoção e da afetividade. Assim,

inteligência e afetividade desenvolver-se-iam par a par.

Durante as suas investigações Wallon teve necessidade de dividir o desenvolvimento

humano em diferentes estádios:

- Estádio impulsivo, contemporâneo do nascimento: A motricidade tem um significado

puramente fisiológico. Os atos são simples descargas de reflexos ou automatismos.

- Estádio sensório motor: A partir deste momento, o movimento organiza-se. Desejo de

explorar e investigar.

- Estádio projetivo: A motricidade constitui o instrumento de ação sobre o mundo.

- Estádio do personalismo: Os outros são significativos para a criança, no processo da

experiência. Neste período, há a consciência e depois afirmação do Eu. A sua capacidade de

movimento manifesta-se como meio de favorecer o seu desenvolvimento psicológico.

Em todos os estádios, a motricidade está intimamente ligada à atividade mental. Como

observa Vayer (1992, p.15) “...do ato motor à representação mental percorrem-se todos os

níveis, todos os períodos de relações entre o organismo e o meio.”

A motricidade desempenha um duplo papel. Pérez (1994), a este respeito, adianta que

a motricidade é um instrumento de realização de diferentes tarefas e um medidor da ação

mental. A motricidade e as atitudes têm um papel fundamental no desenvolvimento

psicológico da criança.

A motricidade é considerada como a linguagem que nos aproxima da comunicação e

da expressão. O movimento é o meio, pelo qual o indivíduo comunica e transforma o mundo

que o rodeia. Sem movimentos, não há desenvolvimento do pensamento. É através da

motricidade que o cérebro se desenvolve.

O movimento tem uma orientação significativa em função da satisfação das

necessidades que provoca com o meio. Em cada idade, o movimento toma características

significativas, com o processo maturativo e com o enriquecimento específico do indivíduo

com o ambiente. Cada nova aquisição influencia no desenvolvimento mental como domínio

motor, de modo a valorizar as relações com o meio, através de uma adaptabilidade a novas

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circunstâncias, provenientes de uma alteração do conteúdo das situações vividas e

experimentadas.

A integração mental do movimento, como forma de expressão de uma

individualização far-se-á realidade, está em dependência recíproca com a gênese do

comportamento humano, daí se traduz em aquisições motoras integradas, em estreita relação

com o desenvolvimento psicológico.

Segundo Piaget (apud Fonseca, 1993) a inter-relação entre a motricidade e a percepção

visual com a motricidade do globo ocular, que percepção surge primeiro numa função pouco

definida, os movimentos dos olhos conseguem acompanhar a velocidade dos objetos. As

atividades perceptivo-motoras prolongam interiorização de imagens visuais, preparadoras dos

primeiros esquemas operatórios que dão suporte à linguagem e a reflexão.

Piaget (1982) salienta que a motricidade intervém em diferentes níveis no

desenvolvimento das funções cognitivas. O pensamento para Piaget é ação sobre os objetos.

Em Piaget existe uma grande relação entre a motricidade e a inteligência. Para Piaget, a

operação é ação coordenada que implica a estruturação lógica da inteligência humana.

O movimento linguagem-inteligência deve ser entendida como ponto de partida do

desenvolvimento de inteligência do ser humano. A motricidade intervém em todos os níveis

do desenvolvimento das funções cognitivas, na percepção e nos esquemas sensorio-motores

substrato da imagem mental, das representações pré-operatórias e das operações

propriamente ditas.

Para Piaget “a inteligência não perece num momento dado do desenvolvimento

mental, como um mecanismo todo montado e radicalmente distinto dos que a precedem”. A

inteligência é o resultado de uma certa experimentação motora integrada e interiorizada com

um processo de adaptação, é essencialmente movimento.

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CAPÍTULO II

PSICOMOTRICIDADE, DISSOCIAÇÃO, RITMO E SINCINESIA

2.1 Dissociação

Entende-se por dissociação a capacidade de individualizar os segmentos corporais que

tomam parte na execução de um gesto intencional. A dissociação reveste-se de uma

formulação melódico-quinestésica que põe em causa aspectos do auto comando motor e

aspectos de adaptação a situações que exijam continuidade rítmica de execução. Dissociar é

sinônimo de diferenciar, e no campo da psicomotricidade está em relação com o grau de

dificuldade do controle mental do gesto.

Nesta observação, interessa verificar a possibilidade de independência dos vários

segmentos corporais, quando estruturados em função de um fim. A independência segmentar

que nos é mais significativa é a que se estabelece entre o trem superior (diferenciação dos

braços em relação ao tronco) e o trem inferior (diferenciação das pernas em relação ao

tronco).

O tronco está organizado pelo seu sistema cruzado, em forma de torção com os

membros. Situa-se na continuidade dos movimentos dos membros, unindo as mãos e os pés.

Sendo assim procura-se perceber a dissociação segmentar como uma estrutura resultante da

coordenação.

Numa primeira análise verifica a independência dos dois membros superiores entre si.

Posteriormente analisa-se a diferenciação dos dois membros inferiores entre si, tomando em

consideração, tanto num caso como no outro, a execução de movimentos de percussão

(membros superiores) e de batimento (membros inferiores), em função de um ritmo de

metrônomo. Nesta observação temos, como preocupação essencial, verificar a libertação da

globalização do gesto, que normalmente se encontra presa em crianças.

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Em 3º e 4º caso, procura-se inter-relacionar a execução de movimentos unilaterais.

Solicita-se ao paciente, (geralmente crianças), para realizar um batimento de pé e de mão do

mesmo lado, em seguida do lado contrário.

Em seguida as observações que se seguem visam a dissociação da mão direita e

esquerda, do pé direito e esquerdo. Exemplo: do primeiro sinal bater com a mão esquerda,

depois com a mão direita, ao segundo; em seguida um batimento do pé esquerdo, e por último

no quarto sinal um batimento do pé direito. A prova deve ser continuada e permitir a

observação de aspectos relativos ao controle e coordenação do gesto.

Deve-se tomar nota da qualidade do gesto (crispado, sacado, harmonioso, etc.) da

disponibilidade e da elegância psicomotora. Pode-se observar as variações de execução, as

blocagens, as hesitações, as inibições, e através delas tomar consciência das relações

automática e voluntária.

Há ainda na dissociação, outra prova que visa relacionar aspectos da agilidade, da

coordenação e da dissociação. Trata-se de solicitar ao paciente a realização de uma prova

mais dinâmica, que pode dar origem a reação de desorganização e descoordenação, visto

exigir uma maior perfeição motora:

1 - Afastar e juntar as pernas (agilidade)

2 - O mesmo movimento, com batimento de palmas no momento da junção das pernas

(coordenação)

3 - O mesmo movimento com batimento de palmas no momento do afastamento das pernas

(dissociação)

4 - Os mesmos saltos, com batimento de palmas no primeiro e segundo tempos.

No que se refere ao caráter de dissociação, há os movimentos coordenados

dissociados, em que ambas as mãos executam movimentos distintos. Por exemplo: enquanto

se corta uma folha de papel com uma tesoura segura pela mão dominante, a folha de papel é

segura pela outra mão. este exemplo refere-se ao tipo simples de dissociação. Mas pode-se

executar movimentos mais complexos de dissociação, isto é, enquanto uma das mãos realiza

uma tarefa, a outra realiza outra diferente, por exemplo: bater com uma mão na mesa e com a

outra alisá-la.

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Dentro deste grupo de movimentos há outros movimentos distintos que são os

movimentos gestuais que acompanham geralmente as conversações e ajudam a expressão

facial e corporal; são gestos naturais necessários para a harmonia da conduta motora e se

caracterizam por sua amplitude variável. São os movimentos em que participam tanto o braço,

como antebraço e a mão.

Nestes movimentos gestuais há dois tipos de dissociação: a manual e a dos membros

superiores e inferiores.

1.Dissociação manual - trata-se sobretudo da apreciação da dissociação manual:

- Bater sobre a mesa com as duas mãos, depois só com a esquerda;

- De novo as duas mãos, depois só a direita;

- Bater as duas mãos juntas em pronação, depois uma em pronação e outra em supinação.

- Estuda-se a seguir a "pianotage": os dedos batem rapidamente sobre a mesa: mãos juntas e

separadas.

- Aprecia-se a oposição do polegar a cada um dos dedos (nos dois sentidos); os movimentos

de afastamento dos dedos, de dobramento.

2. Dissociação dos membros superiores e inferiores -

A) É procurada entre os cinco a oito anos, fazendo bater o pé e bater as mãos; depois,

pedindo-se uma batida de mãos e duas de pé. A prova é inicialmente ajudada pela ordem

verbal, depois deve-se desenrolar sem apoio.

B) Além dos oito anos, faz-se o sujeito saltar no lugar ajuntando e afastando os pés; retoma-se

a prova fazendo as mãos baterem no primeiro tempo, no segundo, nos dois, etc.

2.2 Ritmo e rítmica

2.2.1 Criança Normal - Ritmo e alegria do movimento

A palavra grega rhytmós significa movimentos ondulares. Indica uma alternância

regular de força, velocidade e duração que pode ser motora, visual ou auditiva.

O ritmo do movimento é uma alternância entre a contração e o relaxamento e pode ser

forte ou fraco, rápido ou lento, acelerando ou diminuindo a velocidade, súbito ou hesitante de

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durações diferentes. O ritmo do movimento é algo vivo; constitui uma expressão natural do

estado de ânimo e da natureza de cada indivíduo.

O ritmo dos movimentos não deve ser confundido com batimentos, não deve ser

contado, mas deve ser experimentado e percebido. Esta percepção do ritmo do movimento,

juntamente com a circulação acelerada causada por ele, evoca a alegria do movimento que é o

principal objetivo da ginástica.

Movimento rítmico

Mesmo quando bebê a criança experimenta movimentos rítmicos - ela mama em um

certo ritmo. Mais tarde ela engatinha, anda e corre ritmicamente, assim como, escreve seus

movimentos são rítmicos. Todos estes movimentos variam mais ou menos de indivíduo para

indivíduo, sob a influência de fatores como: percepção e reação, comprimento comparativo

dos membros, temperamento e estado de ânimo momentâneo.

A inteligência assim como as condições e características mentais e físicas, determinam

o ritmo de movimento da criança o qual pode mudar por influência psicológica.

A cooperação de diferentes sentidos:

O ritmo pode ser percebido através de vários sentidos:

Audição: O ritmo auditivo é observado na música, na fala, nas ondas batendo na praia etc.

Sentido cinestésico: O ritmo cinestésico é encontrado em movimentos, tais como, respirar,

andar, correr e dançar.

Tato: O ritmo pode ser sentido através do tato, o qual é utilizado para ensinar o surdo, por

exemplo, no qual o ritmo da música de piano é conduzido através do chão até a criança ( o

sentido cinestésico também é envolvido aqui).

Visão: Visualmente o ritmo é experimentado através dos movimentos das pessoas e dos

animais, das árvores curvando-se ao vento, das ondas encurvando-se na superfície do mar. O

ritmo também pode ser observado no arranjo e na relação das cores, linhas e formas de

paisagens, na pintura, na escultura e na arquitetura.

Senso de tempo: O comprimento das notas e a duração dos intervalos podem ser observados.

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Rítmica

A palavra rítmica ou harmonia significa a ciência do ritmo, e também pode abranger o

estudo do ritmo do movimento. Entretanto, a palavra rítmica, tal como utilizada na linguagem

ordinária, significa as muitas maneiras diferentes de produzir ritmos e movimentos rítmicos,

tais como: copiar simples padrões rítmicos, o que realmente significa copiar formas métricas

(metro: medida de verso ou de música ) de elementos acentuados ou não pela percussão sobre

instrumentos, ou batendo palmas com os pés.

Como treinamento para audição e concentração, esta espécie de rítmica pode ser uma

excelente preparação para o aprendizado dos ritmos da linguagem, assim como para

realização de outras espécies de movimentos com música.

O professor, por exemplo, pode produzir padrões rítmicos simples que as crianças

tentam acompanhar enquanto se movimentam ao redor da sala, ou o professor pode tocar um

disco e deixar as crianças acompanharem a música enquanto se movem mais ou menos à

vontade.

Finalmente podemos falar de movimento rítmico-harmonioso em sua totalidade, no

qual por exemplo, o piano bem tocado pelo professor proporciona o impulso e o estímulo e

assim inspira e motiva a resposta-movimento natural da criança à música. O ensino individual

é na prática, mas as dificuldades do ensino em grupo podem ser evitados até certo ponto

quando cada grupo consiste de elementos tão similares quanto possível em termos de

compreensão do ritmo e tamanho

Quando as crianças sentem facilmente o compasso e o ritmo da música, elas se movem

natural e ritmicamente de acordo com a música. Entretanto, muitas vezes isto não acontece, de

tal forma que é aconselhável que o professor organize os grupos.

2.3 Sincinesias

O estudo do movimento voluntário revela que, quando nos expressamos

corporalmente através de uma ou outra ação, nem sempre os movimentos executados

obedecem a um controle cortical, acionado pelo sistema piramidal. Movimentos e/ou

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expressões involuntárias, muitas vezes, estão presentes em determinadas ações, sem que o

executante perceba estes movimentos parasitas desencadeados e manifestados pelo corpo no

momento em que realiza determinados atos voluntários.

As SINCINESIAS são consideradas como um dos elementos da debilidade motora,

juntamente com as paratonias e as inabilidades , e que podem ser encontradas em indivíduos

psiquicamente normais e até intelectualmente superiores.

Da mesma forma. certos débeis em alto grau e certos idiotas podem apresentar

desenvolvimento notável da força e da agilidade motora, constituindo um exemplo inverso de

que o cérebro motor, por vezes, é poupado, enquanto o cérebro psíquico é detido em sua

evolução.

Há de destacar-se que, nem sempre, as sincinesias representam debilidade motora, até

porque a imaturidade do feixe piramidal determina comportamento motores involuntários que

as caracterizam.

Entende-se, principalmente que as sincinesias podem ser definidas como movimentos

e/ou expressões involuntárias manifestadas pela criança no momento em que realiza

determinado movimento voluntário.

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CAPÍTULO III

MÚSICA, RITMO E ATIVIDADE MOTORA

3. 1 O movimento coordenado

O movimento coordenado é uma ação motora harmoniosa e rítmica. Para

haver harmonia é preciso que haja diferença, pois de uma nota musical não se faz

música; é do conjunto das diferentes notas que se pode extrair melodia, arranjo,

harmonia.

Em se tratando especificamente do movimento humano, produtor de

símbolos, mitos, crenças, projetos..., educar o aluno desde o início de sua formação

para uma aquisição rítmica, isto é, para a compreensão de seus ritmos internos

(batidas do coração, respiração, sono...), externos (rotina cotidiana, tempo de

estudo, de lazer, ritmos musicais...) e cósmicos (fases da lua, dia e noite, estações

do ano), é proporcionar-lhe um cabedal de conhecimentos de si e do mundo que o

cerca. Conseqüentemente, é educá-lo para a vida, isto é, para assumir a sua

existência como condição sine qua non de co-responsabilidade com a vida social e

cultural da qual é parte integrante.

O objetivo principal de se trabalhar com as técnicas psicomotoras na fase

escolar é permitir que o educando libere sua motricidade espontânea e, aos poucos,

aprenda a controlar sua espontaneidade em consonância com as regras mínimas de

conduta de uma vida coletiva. E um dos traços dominantes entre o movimento da

liberação espontânea e a necessidade de controle, ou melhor, autocontrole por parte

do educando, se dá através do aspecto rítmico.

Uma criança que depois de várias tentativas aprende a pular a corda em

movimento não aprendeu somente a executar uma tarefa mais complexa a nível

neurológico ou passou a se inscrever no grupo daqueles que dominam tal

brincadeira, ampliando assim, possivelmente, seu espaço de socialização. Antes, e

além de tudo, aprendeu a dominar momentaneamente sua existência através de uma

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tomada de decisão-ação entre a luta que se estabelecia entre sua espontaneidade de

pular a corda à revelia e a necessidade de controlar seus impulsos através da

racionalização projetiva, de modo a que sua ação se efetivasse com maior chance de

acerto.

A percepção do tempo é capaz de captar uma unidade perceptiva através do

sentido de duração, de uma certa ordem, de uma certa repetição dos fenômenos

sinalizados por intervalos e variações intensivas (acentuações). A percepção

espacial se manifesta principalmente através do sentido visual, do distanciamento e

da aproximação do corpo em relação a diversos pontos de referência, donde surgem

as formas geométricas (o círculo na brincadeira de roda, o retângulo no jogo de

handebol, a parábola que faz o movimento da corda, etc.).

A sincronização, enquanto resultado harmônico, isto é, tenso, entre a

percepção predominantemente sensorial (tempo - audição) e a motora (espaço -

visão), se dá através do ritmo como ponto de encontro possível entre duas

realidades que, ao mesmo tempo em que possuem particularidades, não poderiam

existir separadamente uma da outra. Pois o espaço é o tempo vivido, assim como o

tempo é o espaço vivido num movimento tenso entre inícios e recomeços, isto é,

forjado num ritmo próprio, na cadência da realização das ações.

Assim, o movimento humano se desenvolve no tempo (duração e estruturação

temporal), no espaço (forma e amplitude) e dentro de um ritmo (término e

recomeço). Permitir que o aluno em formação apreenda estas noções de maneira

vivencial, prazerosa, desafiadora e através da relação com o outro, é fomentar a

formação de um indivíduo reflexivo, crítico, atuante, criativo e cooperativo.

Os valores acima supracitados (crítico, atuante...) não nascem

espontaneamente, como se fossem um bem da natureza, ou ainda como se por si só

a criança viesse a descobrir ao longo de suas experiências “livres” tais valores

(sociologicamente até que poderia, mas seu contrário também é verdadeiro).

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Em se tratando de processo educativo, cabe ao educador interferir na

realidade de seus alunos no sentido de reforçar determinados valores ou ajudar a

desconstruí-los, para que seus alunos possam adquirir a percepção de uma outra

forma de ver o mundo. O papel político pedagógico do professor de educação física

pode ser considerado muito pequeno em se tratando de política de massas, de

transformação da realidade via organização política ou coisa do gênero, mas,

pequena ou não, esta é à parte que lhe cabe histórica e socialmente. Isentar-se ou

fingir que não está vendo só depõe contra o seu lugar social de educador.

Quando o professor pede a um aluno de pré-escolar para passar por dentro de

uma manilha, este, ao se aproximar do objeto, ajusta seu corpo de maneira que

possa realizar a tarefa. Ainda que muitas vezes a criança acabe tocando as costas na

parte superior da manilha, tropeçando no sobressalto entre o chão e a manilha,

outras fiquem presas dentro dela e, algumas comecem a chorar diante do pânico do

escuro, do ambiente fechado etc., o que se processou foi um ajustamento global da

criança para realizar o objetivo estipulado. Sua consciência se orienta para a

realização final da tarefa.

Esta mesma criança, dos 5 aos 7 anos aproximadamente, depois de haver

vivenciado inúmeras experiências motoras criativas e desafiadoras em relação às

noções que compõem a percepção espaço-tempo-ritmo (dentro e fora, alto e

baixo...), diante da mesma situação tem tudo para realizar o seu ajustamento

corporal com uma representação mental que implica, ao mesmo tempo, a

consciência do objetivo a atingir (passar pela manilha) e a representação da forma

gestual que se colocará em jogo (controle da velocidade até a manilha, maior

consciência do ajustamento das costas em relação à parte superior do objeto, etc.).

Esta representação mental exige sobretudo um nível de interiorização da

organização temporal das diferentes seqüências do movimento, de acordo com os

vários ritmos que se impõem (corrida, ajustamento corporal, deslocamento dentro

da manilha, etc.).

Nesse sentido, para se trabalhar o universo rítmico do educando é preciso

que a motricidade da criança no período pré-escolar tenha sido exercitada de

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maneira a possibilitar-lhe o maior número de experiências possíveis, da maneira

mais livre, isto é, mais expressiva quando nos jogos, nos movimentos gímnicos de

forma geral. Pois quando ela sair da pré-escola para o primeiro segmento do

primeiro grau, terá que aprender a conjugar a sua liberdade de expressão e o

controle desta, para melhor execução de atividades com outros níveis de

complexidade e de exigência.

Dizer que um aluno que tem dificuldade em coordenar o movimento corporal

com o ritmo externo (música), a corrida com o quique de uma bola ou o momento

de entrar, se manter e sair da brincadeira de pular corda é descoordenado, é no

mínimo uma atitude preconceituosa, estigmatizante e de profunda ignorância

pedagógica. Pois o descoordenado, na acepção profunda do termo, é aquele que por

algum motivo (congênito ou não) possui uma disfunção neurológica, isto é, um

problema de ordem neuronal (não realização de sinapses) que faz com que ele

realize movimentos independentes da sua vontade.

A dificuldade do aluno em realizar um determinado movimento talvez esteja

mais radicado na falta de experiências motoras anteriores, que poderiam dar suporte

à realização da tarefa “difícil”, do que propriamente em um problema de

descoordenação motora.

Portanto, além da importância da multiplicidade das atividades é preciso que

se atente para o fato de que a mecanização das atividades, sejam elas quais forem,

ao alienar o corpo do educando, cristaliza uma determinada imagem do corpo e o

reduz, no plano da operacionalização, da realização do movimento, a um conjunto

de respostas estereotipadas, destituídas de expressividade, contraditórias com uma

representação de corpo criativo, atuante e autônomo.

3.2 O trabalho rítmico

Desenvolver nos alunos a competência rítmica é ajudá-los a melhor

apreender a percepção espaço-temporal e, conseqüentemente, a conhecer o seu

mundo, o mundo dos objetos, o mundo dos outros e a realidade à qual pertence.

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O trabalho rítmico, através de sua maior solicitação do sentido auditivo,

busca através de práticas lúdicas e desafiadoras criar condições objetivas para que o

aluno amplie seu universo sonoro: que estabeleça diversas relações entre som e

movimento e que identifique os vários tipos de ritmos e os apreenda da melhor

maneira que lhe convier, em função de suas necessidades.

Em última instância, o ensino da rítmica busca, através do trabalho ritmado,

construir um espaço fecundo de maior conhecimento por parte do aluno em relação

ao mundo que o cerca, a fim de proporcionar-lhe maior autonomia, liberdade e

capacidade criativa para a resolução de problemas.

O trabalho desenvolvido pela rítmica não se esgota nas aulas do professor de

educação física, ainda que seja neste espaço que ele pode e deve, a meu ver, ser

especialmente desenvolvido, da mesma forma que a repercussão dos conhecimentos

apreendidos pelos alunos não se limita a uma utilização pragmática restrita às aulas

de educação física, sem qualquer vínculo com a realidade do aluno. Ao contrário, o

ensino rítmico deverá acompanhá-lo por toda a sua vida, pois não existe ação

humana que independa de um tempo-espaço para se realizar-acabar-recomeçar.

A repetição rítmica promove um reforço no movimento que o aluno está

realizando, acentuando os tempos fortes e geralmente provocando euforia pela auto

- satisfação de perceber de forma harmoniosa o jogo das sensações.

O trabalho rítmico deverá permitir a facilitação dos ritmos motores

espontâneos e, por outro lado, trabalhar a percepção espaço-temporal de seus

próprios movimentos, dos sons de natureza musical ou daqueles emitidos pela voz

humana.

Na hora de se trabalhar o ensino da rítmica é preciso atentar para o fato de

que o ritmo é parte indissociável da vida das espécies, e, no que se refere aos

humanos há três tipos de ritmos parecidos, porém diferentes entre si: o ritmo

interno, o ritmo externo e o ritmo cósmico.

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O ritmo interno representa as características rítmicas peculiares a cada

indivíduo - que, diga-se de passagem, dependem da herança genética e da

constituição de certos tecidos - que, aos poucos, podem ser modificadas devido à

quantidade e formas de interação da criança com o ambiente.

De qualquer maneira, compõem os ritmos internos aqueles relativos ao ritmo

cardíaco, ao ritmo respiratório, à fome, à alternância vigília-sono, ao ritmo das

atividades musculares, das atividades viscerais, ao automatismo da sucção, ritmos

de balanceio e os ritmos endócrinos... Levar em conta a existência destes ritmos é

reconhecer o peso da singularidade dos alunos e relativizar a idéia de que todos

devem necessariamente ser capazes de realizar os exercícios propostos num mesmo

tempo de aprendizado.

Os ritmos externos são todos aqueles que não possuem uma ligação tão

orgânica com o indivíduo. São, por exemplo, os ritmos musicais, o ritmo

ritualizado do cotidiano (acordar, fazer higiene matinal, tomar o café da manhã...);

o ritmo do trabalho; o ritmo dos lazeres (os vários usos do tempo disponível); o

ritmo dos diversos instrumentos musicais; das palmas das mãos; do apito; da

contagem numérica; do grito; do quique da bola; do tempo da corda bater no chão;

do subir e descer da cama elástica, enfim.

Estes ritmos podem, dependendo de como são veiculados e absorvidos pelo

alunos, se tornar mesmo parte integrante do ritmo interno, mas não podemos

esquecer que isto é uma imposição externa, socialmente construída, e quando tal

situação de interiorização do ambiente externo se dá de maneira mecânica,

automática e alienada, tal circunstância se inscreve como ato de violência física e

simbólica, no sentido de controle do corpo e das idéias por parte dos professores.

Na categoria dos ritmos externos consideram-se aqueles denominados

cósmicos, pois se encontram no meio caminho entre a inerência do indivíduo e a

exterioridade em relação a ele. São, por exemplo, os ritmos da natureza, os ciclos

do carbono, do oxigênio, da fotossíntese, o ritmo das cheias dos rios, das colheitas,

das estações do ano, das fases da lua, do nascer e do pôr- do- sol, do dia e da noite,

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da permanente transformação da natureza através da vida e da morte, que compõem

alguns ritmos cósmicos.

Levar em conta estes aspectos é talvez respeitar as lendas, tradições, o

universo da cultura popular dos alunos diante do medo da noite, da lua cheia... De

valorizar atividades mais suaves em estações mais quentes, do que quando em

estações mais frias e, principalmente reconhecer que a vida é um constante

aprendizado e que sua transformação se dá, assim como na natureza, através do

embate entre vida e morte, vitória e derrota, som e silêncio de maneira constante e

infinita nas suas formas de manifestação.

É preciso que fique bem claro que a atividade física desenvolvida pelos

professores de educação física na escola que se apropriam da técnica psicomotora

não tem por objetivo fazer a criança adquirir os ritmos, mas antes favorecer a

expressão de sua motricidade natural (ritmos internos) e ajudá-los a melhor realizar

os movimentos no jogo, nas danças, no correr, no saltar, no correr e saltar, no

correr e pular, no transpor, etc. (ritmos externos), proporcionando-lhes maior

autonomia e liberdade para criar e recriar novas formas corporais em ritmos

distintos, se for o caso.

O ato educativo mais significativo do professor que trabalha com crianças na

fase escolar é que as atividades por ele propostas possam ampliar a liberdade

corporal da criança, através de atividades motoras globais revestidas de sentidos

para a criança, embaladas no ritmo da ludicidade.

3.3 Ritmo e expressão corporal

Se, quando estamos trabalhando com o ensino da rítmica, ao mesmo tempo

estamos trabalhando noções relativas à percepção espaço-temporal do aluno,

significa dizer que desenvolver um trabalho rítmico é, por extensão, trabalhar a

expressão corporal dos alunos.

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O ensino da rítmica, ao privilegiar a percepção auditiva do aluno, faz com

que este, se orientado for, crie, com seu corpo, um sem número de manifestações

que expressem a ritmicidade, o encadeamento, os vários tempos fortes de um

determinado som ou conjunto de sons. O aluno ouve com os ouvidos , porém a

vibração do que ouviu pode penetrar em todo o seu corpo e permanecer por

segundos, horas, dias, anos, ou por toda a sua vida.

A expressão corporal é o cumprimento, por parte do ser humano, de sua

possibilidade de manifestar-se através de seu corpo. Diria mais: não basta que a

criança conheça as partes do seu corpo, nem mesmo que saiba suas funções; é

preciso que ela se aproprie delas, ou melhor, dele (o corpo), e o reinvente, o torne

sua autoposse indivisível, capaz de ampliar a sua relação com o mundo através do

conhecimento e da coragem de se aventurar na realidade através de suas

possibilidades e limitações no agir.

Cabe ao professor, quando trabalhar com o ensino da rítmica na escola, criar

condições para que seus alunos possam vivenciar os ritmos internos e externos de

maneira criativa e desafiadora.

Que as crianças comecem desde cedo a experimentar o contato corporal com

respeito ao corpo do outro, sem qualquer juízo de valor depreciativo e longe de

qualquer exposição estigmatizante do “outro”, por quaisquer motivos que sejam.

Assim, pode-se trabalhar com música, com tambores, o próprio corpo pode

se tornar um instrumento musical, o corpo do colega pode mostrar a existência do

ritmo interno, e daí o professor fazer os alunos compreenderem a necessidade de se

ter mais respeito com aquele que está mais cansado; tornar o ritmo interno externo,

isto é, adequá-lo a um determinado som, mas respeitando o compasso, o ritmo

percebido no corpo daquele que serviu de referência; assim como vivenciar

diferentes formas de inspirar e expirar, ora baseado em tempo cronometrado, em

palavras que devem ser ditas na expiração, no ritmo das passadas, da música etc.

Através do som ou do silêncio o corpo se vincula com o tempo. Por exemplo,

existem sons interiores (nossas lembranças auditivas - vide o exemplo que dei,

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dentre muitos outros), os sons especiais (as sirenes da ambulância, dos bombeiros,

a campainha para o recreio, a voz do professor), os sons da natureza (o vento, a

chuva, as folhas das árvores caindo, a madeira queimando) e os sons do próprio

corpo (a respiração, a voz, as articulações).

Trabalhar com os alunos a percepção dessas realidades dentro de uma

determinada duração, estabelecendo pausas e recomeços, é trabalhar ritmicamente a

vida. Estaremos educando o aluno ritmicamente a ter um ganho de percepção

rítmica, das noções espaço-temporal bem mais definidas, mas, acima de tudo e,

muito além disto, estaremos educando o aluno para a vida, isto é, para ser sujeito de

sua própria existência. Preparado para enfrentar, modificar e brigar por aquilo que

lhe soa mais harmônico, mais equilibrado, justo, pois aprendeu a ouvir os muitos

sons da vida e não se contenta com um único som nem com um único ritmo.

Na medida em que o aluno enriquece seu vocabulário corporal, ele dispõe de

uma ampla bagagem para situar-se em diferentes situações com um repertório

variado de respostas criativas diante das mesmas. Ou seja, quando o aluno descobre

que é sujeito de sua realidade não quer outra coisa senão criar movimento. Não

quer criar repouso.

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CAPÍTULO IV

A MUSICOTERAPIA NA ESCOLA

Os trabalhos de musicoterapia realizados na escola favorecem a participação de todos

os segmentos educacionais. A presença das crianças deficiêntes não é de responsabilidade de

apenas alguns setores ou de algumas pessoas, mas exige a participação da escola como um

todo.

O envolvimento de todos permite perceber as especificidades das crianças portadoras

de deficiência que, semelhante às crianças em geral, podem dar mais ou menos trabalho

quanto à disciplina, mas as atividades escolares prosseguem normalmente.

Geralmente, as crianças portadoras de deficiência se relacionam bem com as demais

crianças, no entanto, pode ser comum o preconceito por parte de algumas devido a estranheza

ou falta de informação à respeito da existência de pessoas fisicamente diferentes.

À partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 20/12/96. a educação especial,

sintonizada com as novas tendências mundiais sobre a atenção às necessidades educativas

especiais, passa a ser oferecida aos portadores de necessidades especiais na rede regular de

ensino. Para o deficiente esse é um passo muito importante, pois significa que ele passa a

fazer parte da sociedade de forma ativa, participando e usufruindo dos mesmos direitos que

qualquer outro cidadão não portador de deficiência.

A musicoterapia pode contribuir para que haja mais integração entre toda a escola.

Através de técnicas lúdicas e criativas é capaz de envolver a participação de todos os alunos.

Desta forma, a criança não portadora aprende a lidar e a conhecer melhor as dificuldades do

colega deficiente e, por sua vez, através das mesmas atividades de musicoterapia, estas

crianças exercitam suas habilidades motoras, aproveitando para se reabilitarem.

Infelizmente no Brasil a predisposição de espaço e adaptação escolar, quer seja no

campo físico ou de recurso humano especializado ainda é bem precário. Muitos professores

não têm subsídios para atender às necessidades especiais de seus alunos. Cabe, no entanto, aos

agentes da saúde, experimentar, pesquisar e adaptar de formas alternativas à implantação de

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seu trabalho dentro das escolas, desta forma, através de uma equipe multidisciplinar, o

educador terá mais tempo para a alfabetização, enquanto que profissionais da saúde levarão a

reabilitação para essas crianças dentro da própria escola.

O profissional deve adaptar-se às necessidades individuais do portador de deficiência

assim como a escola e não o aluno se adaptar às condições da mesma. A integração dessas

pessoas na escola tem um papel psico-social muito importante, devendo deixar de ser utópico

e sendo realidade, em todas as escolas, em um futuro próximo.

As crianças tidas como "normais" ou portadoras de necessidades especiais podem

aprender juntas, embora tendo objetivos, ritmos e processos diferentes de aprendizagem.

Tocar um instrumento é dançar com as mãos, é dar harmonia a todo movimento dos

membros superiores. Uma musicoterapeuta, em seu trabalho com as crianças deficientes que

estudam numa mesma escola, enfoca que, para dançar, não é necessário que envolva todo o

corpo, mesmo porque, há crianças no grupo que não se locomovem sem uma cadeira de rodas.

O dançar com as mão envolve todo o movimento de coordenação motora fina, sem contar que

o prazer anda lado a lado com os movimentos. O corpo acaba por receber estímulos, pois, um

músculo não age sozinho, mas sempre em cadeia.

A música, por sua vez, vibra no corpo dando a sensação de movimento constante.

Dançar com as mãos implica treinar a coordenação de membros superiores, pois é trabalhado

todo o espaço. Envolve a cognição e atenção executando pequenos e grandes movimentos em

todos os planos do espaço, ou seja, plano alto, médio e plano baixo. Enquanto um músico

toca, o cérebro assume uma carga altíssima. A mão é articulada ao pulso, que se torce ao se

cruzarem os ossos do antebraço. Este, articula-se na parte superior do braço, presos pelo

ombro. O ombro se flexiona em conexão com a parte superior das costas e, esta gira em torno

da espinha dorsal. A espinha dorsal se encaixa na pelve, onde há mais duas articulações,

pernas e pés flexíveis.

Quando um regente ergue sua batuta ou uma criança pega uma bola e a leva para cima

para arremessá-la, todas estas articulações trabalham em uníssono. Os brinquedos são

instrumentos de atividades lúdicas e as ferramentas com as quais as crianças desenvolvem

suas habilidades motoras.

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Na musicoterapia, os brinquedos são substituídos pelos instrumentos sonoros e

musicais, o que não diminui o desenvolvimento motor, ao contrário, parece estimular ainda

mais devido à curiosidade das crianças e o manejo de cada um deles.

Alguns exige certa destreza, o que faz com que as crianças treinem um determinado

movimento de modo eficaz, favorecendo tanto a psicomotricidade fina, quanto a sonoridade,

temos como exemplo, o triângulo. Nesse instrumento, as crianças devem aprender a não

apertá-lo e sim pinça-lo de modo que ao tocar o ferro junto ao instrumento, este vibre em

todos os seus contornos e não tenha um som "abafado". Crianças com maior espasticidade,

devem estar com ombros, cotovelos punho e mão relaxados para obter o som desejado. A

princípio este instrumento pode causar repulsa por parte de crianças deficientes, pois limita

sua capacidade de tocar e ouvir uma boa sonorização, fazendo perceber na criança sua falta de

controle, mas depois, com exercícios de relaxamento, quebra de padrões e treino, a criança

consegue executar os movimentos adequados.

Outro instrumento muito utilizado é o tambor, instrumento este, que pode ser tocado e

manipulado de diversas formas, não apenas com as mãos, mas com outras partes do corpo,

possibilitando à criança uma liberdade de expressar a criatividade sonora e perceber que,

apesar de limitações físicas, essas podem ser ajustadas de forma funcional, promovendo

prazer. A técnica de dançar com as mãos consiste em sensibilizar as crianças com diversas

músicas de ritmos diferentes e estas expressarem seus sentimentos com os membros

superiores explorando todo espaço ao redor do corpo. Outra variante é expressar os ritmos no

papel, dançando com lápis colorido.

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CONCLUSÃO

A música é força que pode ser aplicada com a finalidade de criar mudança, para

melhor ou para pior, no caráter do indivíduo. Vivemos numa sociedade em que

constantemente estamos rodeados por meios de comunicação dos mais diversificados, entre os

quais o som, o ruído e a música, estão entrepostos nas mensagens que recebemos, o que

chamamos de " Comunicação Subliminar".

A comunicação subliminar estimula sons audíveis, ou seja, muitas vezes quando

recebemos uma mensagem musical ou não, há por trás desta uma outra mensagem que só é

captada pelo inconsciente.

Alguns professores estimulam o aprendizado e a lembrança da matéria, da mesma

forma que estas empresas, adaptando uma música do conhecimento geral pela substituição da

letra por outra. Esta técnica pode ser também por repetição.

Ouve-se tantas vezes determinada música que automaticamente o inconsciente acaba

por acreditar nela, como resultado de lavagem cerebral. Não é apenas neste tipo de

comunicação que se deve tomar cautela para não haver influência.

Outro tipo de perturbação sonora é a música funcional. Esta, geralmente, é ouvida em

supermercados, lojas ou salas de espera. O objetivo da música funcional, muitas vezes, é

tranquilizar o indivíduo enquanto faz compras ou aguarda ser chamado em algum

departamento. Mas, por trás da música funcional, pode haver outra mensagem gravada que só

é decodificada no estado de incidência, ou ainda,na própria música há uma letra para que, por

exemplo, consumamos mais.

A música se encontra em freqüência tão baixa que não a percebemos e só é captada

pelo inconsciente. Assim, o mais importante é que haja "silêncio funcional", deixando a

música ambiente mais para trabalho de relaxamento quando se chega exausto do serviço.

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Tendo em vista a importância da música para o desenvolvimento psicomotor,

cognitivo e estético do educando, não se pode prescindir de seus efeitos positivos na educação

geral daqueles que, mesmo sem se profissionalizar em música, poderão, no futuro, constituir

um público consciente e preparado para uma apreciação musical efetiva e frutífica.

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ANEXOS