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UNIVERSIDA DE CANDIDO MENDES PÓS-GRA DUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE LIMITES OBJETIVOS E SUBJETIVOS DA COISA JULGADA Por: Sabrina Vieira Torre s Orientador Prof. Dr. Jean Alves Rio de Janeiro 2006

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

LIMITES OBJETIVOS E SUBJETIVOS DA COISA JULGADA

Por: Sabrina Vieira Torres

Orientador

Prof. Dr. Jean Alves

Rio de Janeiro

2006

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

LIMITES OBJETIVOS E SUBJETIVOS DA COISA JULGADA

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em direito

processual civil

Por: Sabrina Vieira Torres

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AGRADECIMENTOS

Ao meu primo Artur Diego de Amorim

Vieira e ao meu marido Francisco de

Jesus Loura Fagundes

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DEDICATÓRIA

Dedico aos meus pais e cônjuge.

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RESUMO

O instituto da coisa julgada já conta com mais de dois milênios de

idade. A matéria gera opiniões divergentes vindo a sociedade de massas

incrementar o problema, passando a exigir a reformulação de um ordenamento

processual forjado para a solução de conflitos interindividuais. Desta forma,

com a criação de novos instrumentos destinados à tutela dos direitos

individuais homogêneos, coletivos e difusos, os limites subjetivos da coisa

julgada tiveram de ser repensados.

Tais interesses, por se afastarem do paradigma processual até então

existente - de cunho individualista - inspiraram a criação de demandas

próprias, que realizassem uma tutela efetiva e diferenciada, surgindo assim a

ação popular, a ação civil pública, o mandado de segurança coletivo e as

ações coletivas de consumo.

Porém, não obstante tais demandas tenham possibilitado um avanço

em relação à tutela coletiva, o debate ainda é acirrado em muitos pontos,

destacando-se a dificuldade de adaptar o fenômeno da coisa julgada previsto

no Código de Processo Civil pátrio às ações que tutelam direitos individuais

homogêneos, difusos e coletivos.

Neste estudo, far-se-á uma abordagem dos limites objetivos e

subjetivos da coisa julgada sob o enfoque processual individualista e, na

continuidade, apresentar-se-á o tratamento dispensado à coisa julgada nas

ações denominadas coletivas: a ação civil pública, a ação popular, as ações de

consumo e o mandado de segurança coletivo.

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METODOLOGIA

Os métodos que levaram à resposta ao problema proposto: leitura de

livros, jornais, revistas e pesquisa na internet.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - Generalidades 10

CAPÍTULO II - Limites Objetivos da Coisa Julgada 22

CAPÍTULO III – Limites Subjetivos da Coisa Julgada 31

CAPÍTULO IV – Coisa Julgada nas Ações Coletivas 42

CONCLUSÃO 49

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 51

ÍNDICE 53

FOLHA DE AVALIAÇÃO 54

INTRODUÇÃO

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8

O instituto da coisa julgada gera opiniões divergentes, que se

estendem desde os elementos essenciais para o seu entendimento até

questões meramente acadêmicas. Até mesmo a descrição da evolução

histórica é objeto de polêmicas. O surgimento da sociedade de massas veio

incrementar o problema, passando a exigir a reformulação de um ordenamento

processual forjado para a solução de conflitos interindividuais. Nesse contexto,

com a criação de novos instrumentos destinados à tutela dos direitos

individuais homogêneos, coletivos e difusos, os limites subjetivos da coisa

julgada tiveram de ser repensados.

Denomina-se coisa julgada a imutabilidade que adquire a prestação

jurisdicional do Estado, quando entregue definitivamente.

Realizada a entrega da tutela jurisdicional pelo Estado, em julgamento

final, a res iudicanda transforma-se em res iudicata, e a composição da lide,

operada no pronunciamento judicial, seja este na sentença ou no acórdão, faz

com que a ordem jurídica e suas normas sobre este se projetem, com a força e

autoridade de lex specialis, para regular em definitivo a situação litigiosa.

Encerrada a relação processual e tornado inatacável e irrevogável o

julgamento, o comando imperativo que promana deste se torna estável, graças

à imutabilidade que adquire, dentro e fora do processo.

Refere-se a uma exigência de ordem pública e do bem comum, a fim

de que a tutela jurisdicional entregue se torne estável, segura e de absoluta

indeclinabilidade. Tem, por isso, a res iudicata, fundamento precipuamente

político sendo vista no plano jurídico-processual como resultado e

conseqüência do exaurimento da actio.

Neste estudo, far-se-á uma abordagem dos limites objetivos e

subjetivos da coisa julgada sob o enfoque processual individualista e, na

continuidade, apresentar-se-á o tratamento dispensado à coisa julgada nas

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ações denominadas coletivas: a ação civil pública, a ação popular, as ações de

consumo e o mandado de segurança coletivo.

CAPÍTULO I

GENERALIDADES

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10

A coisa julgada é uma qualidade dos efeitos do julgamento final de um

litígio, isto é, a imutabilidade que adquire a prestação jurisdicional do Estado,

quando será esta entregue definitivamente.

Tendo o Estado entregado a tutela jurisdicional, em julgamento final, a

res iudicanda transforma-se em res iudicata, e a composição da lide, operada

no pronunciamento judicial (sentença ou acórdão), faz com que a ordem

jurídica e suas normas sobre este se projetem, com a força e autoridade de lex

specialis, para regular em definitivo a situação litigiosa.

A res iudicata marca o ato jurisdicional, vez que faz neste se

concentrar, em sua plenitude, o comando imperativo que promana do

julgamento, que se torna estável, graças à imutabilidade que adquire, dentro e

fora do processo.

Desta forma, encerrada a relação processual e tornado, assim,

inatacável e irrevogável o julgamento, os efeitos que dele resultam também se

fazem imutáveis, para que o imperativo jurídico contido no iudicium emanado

de tribunal ou juiz tenha força de lei entre as partes.

Trata-se de exigência da ordem pública e do bem comum, a fim de que

a tutela jurisdicional entregue se torne estável, segura e de absoluta

indeclinabilidade. Tem, por isso, a coisa julgada, fundamento precipuamente

político.

No plano jurídico-processual explica-se o fenômeno da coisa julgada

como resultado e conseqüência do exaurimento da actio. Ajuizado o pedido

para obter-se a composição da lide, o ius actionis a seguir se extingue e se

finda, quando da entrega da tutela jurisdicional. A tutela que se exigiu do

Estado foi por este prestada sendo o litígio composto e solucionado, tendo,

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pois se atingido o objetivo da ação proposta. Por isso mesmo, constituiria bis in

idem reformularem as partes idêntico pedido de tutela jurisdicional – situação

essa sem amparo na ordem jurídica, uma vez que a solução da lide foi

encontrada e imposta aos litigantes, de modo definitivo e imutável.

Ampla corrente doutrinária ensinava que o principal efeito da sentença

era a formação da coisa julgada.

Para o Código de 1973, o efeito principal da sentença é apenas “estar

o ofício do juiz e acabar a função jurisdicional” (art.463), como adverte Ada

Pellegrini Grinover.1

Moacyr Amaral Santos esclarece bem a coisa julgada material ao

reconhecer que vai além dos efeitos produzidos na coisa julgada formal, pois o

comando daí emergente, torna-se definitivo e imutável, mesmo fora do

processo.

Deve-se entender a coisa julgada material como a análise do mérito da

controvérsia feita pelo juiz, ou quando a lei impõe essa condição por haver as

partes chegado a uma solução do conflito, ou, ainda, a sentença haja refletido

de tal forma no mérito que venha impossibilitar o reexame da matéria.

É forçoso admitir que existe coisa julgada material quando o juiz acolhe

ou rejeita o pedido. Na outra hipótese, ocorre o mesmo fenômeno quando o

réu reconhece o pedido, o autor renuncia ao seu direito, ou as partes

transigem. E, por último, quando reconhecida a prescrição ou decadência,

sendo que nestas últimas hipóteses, o juiz não analisou o mérito, porém o

mesmo restou prejudicado pelo reconhecimento de um instituto que a lei

emprestou esse caráter conforme se vê no art. 269 do CPC.

1 Grinover, Ada Pellegrini, in Direito Processual Civil, 1974, p.81

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Humberto Theodoro Junior conceitua a coisa julgada como qualidade

da sentença, assumida em determinado momento processual que não é efeito

da sentença, mas a qualidade dela representada pela “imutabilidade” do

julgado e de seus efeitos.

A sentença não passa de “uma situação jurídica” enquanto sujeita a

recurso.

Consoante Frederico Marques, diante da possibilidade de ação

rescisória da sentença existem dois graus de coisa julgada: a coisa julgada e a

coisa soberanamente julgada, ocorrendo esta quando findo o prazo

decadencial de propositura da rescisória, ou quando seja ela julgada

improcedente.2

Para Luiz Fux o fundamento substancial da coisa julgada é

eminentemente político, posto que o instituto visa à preservação da

estabilidade e segurança sociais.3 Chiovenda assentava a explicação da coisa

julgada na “exigência social da segurança no gozo dos bens da vida”.4

Luiz Fux acrescenta ser a imutabilidade da decisão fator de equilíbrio

social na medida em que os contendores obtêm a última e decisiva palavra do

Judiciário acerca do conflito intersubjetivo. A imperatividade da decisão

completa o ciclo necessário de atributos que permitem ao juiz conjurar a

controvérsia pela necessária obediência ao que foi decidido.

Politicamente a coisa julgada não está comprometida nem com a

verdade nem com a justiça da decisão. Uma decisão judicial, malgrado

solidificada, com alto grau de imperfeição, pode perfeitamente resultar na

última e imutável definição do Judiciário, porquanto o que se pretende através

dela é a estabilidade social. Incumbe, assim, ao interessado impugnar a

2 Marques, Frederico, Manual de Direito Processual Civil, 1a ed., v.3, p.6963 Neste sentido Prieto Castro, in Derecho Procesual Civil, 1946, vol.1, p. 381.

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decisão antes de seu trânsito em julgado ou após, através da ação rescisória,

uma vez que, passado esse prazo (art. 485 do CPC), qualquer que seja a

imperfeição, ela se tornará imodificável.5

O Código dispõe ser a coisa julgada decisão inatacável por qualquer

recurso (art. 467 do CPC).

Alexandre Câmara conceitua a coisa julgada como o faz a Lei de

Introdução ao Código Civil, em seu art. 6º, § 3º, onde se lê que “chama-se

coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba mais

recurso”.

Enrico Tullio Liebman, jurista italiano, conceitua coisa julgada como

sendo a “imutabilidade do comando emergente de uma sentença”, posição

mais aceita na doutrina brasileira.6 A teoria de Liebman é defendida, na

doutrina brasileira, entre outros, por Amaral Santos e Frederico Marques.

Segundo Liebman, consistiria a coisa julgada, na imutabilidade da

sentença em sua existência formal, e ainda dos efeitos dela provenientes.7

Esta doutrina de ser considerada pelo aspecto formal e material. Assim sendo,

chamar-se-ia coisa julgada formal a imutabilidade da sentença, e coisa julgada

material a imutabilidade dos seus efeitos.8 A coisa julgada formal seria, assim,

comum a todas as sentenças, enquanto a coisa julgada material só poderia se

formar nas sentenças de mérito.9 Desta forma, tem-se que todas as sentenças

transitam em julgado (coisa julgada formal), mas apenas as sentenças

definitivas alcançam a autoridade da coisa julgada (coisa julgada material).

4 Chiovenda, in Instituições de Direito Processual Civil, 1942, vol. I, pp.512 e 513.5 Luiz Fux, in Curso de Direito Processual Civil, 2004, pp. 822 e 8236 Liebman, in Eficácia e Autoridade da Sentença, trad. bras. de Alfredo Buzaid e Benvindo Aires, Rio de Janeiro: Forense, 3a ed., 1984, p. 547 Liebman, in Eficácia e Autoridade da Sentença, p. 548 Liebman, in Eficácia e Autoridade da Sentença, p. 609 Liebman, in Eficácia e Autoridade da Sentença, p. 60

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A coisa julgada formal seria, assim, um pressuposto lógico da coisa

julgada substancial, haja vista que seria impossível a formação desta sem a

daquela.10

Alexandre Câmara, em sua obra, Lições de Direito Processual Civil

afirma que esta teoria, embora dominante, não é pacífica, tendo recebido uma

série de críticas, formuladas por notáveis processualistas existindo autores que

vêem na coisa julgada material a imutabilidade do efeito declaratório da

sentença definitiva, entendendo que os outros efeitos (constitutivo e

condenatório) não seriam alcançados por aquela autoridade.

Alexandre Câmara aponta ainda outra crítica, segundo a qual seria

equivocada a afirmação de que a coisa julgada material tornaria imutáveis os

efeitos da sentença. Isto porque, os efeitos da sentença podem se alterar a

qualquer tempo, mesmo depois da coisa julgada substancial, vez que os

efeitos da sentença definitiva são, por natureza, mutáveis, e não se destinam a

durar para sempre.11

A imutabilidade adstrita ao próprio processo em que a sentença

terminativa é proferida caracteriza o que se denomina na doutrina, coisa

julgada formal, para diferenciar daquele se projeta para fora do processo e

alcança qualquer outro impedindo o rejulgamento da causa e que se denomina

coisa julgada material.

As decisões que não dispõem sobre o pedido não dão a palavra

definitiva do judiciário, e, conseqüentemente, não cumprem o objetivo da

jurisdição, por isso, não são imutáveis para fora do processo, senão e somente

dentro dele. Trata-se de eficácia endoprocessual a que se referia o mestre

Machado Guimarães, diferenciando-a da eficácia panprocessual da coisa

julgada material.

10 Liebman, in Eficácia e Autoridade da Sentença, p. 60

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A coisa julgada formal age dentro do processo em que a sentença foi

proferida, sem impedir que o objeto do julgamento seja discutido novamente

em outro processo. Já a coisa julgada material, revelando a lei das partes,

produz seus efeitos dentro do mesmo processo ou em outro qualquer,

proibindo o reexame da res in iudicium deducta, por já definitivamente

apreciada e julgada.

A coisa julgada formal pode existir sozinha em determinado caso,

como por exemplo, nas sentenças meramente terminativas, que somente

extinguem o processo sem o julgamento da lide. Mas a coisa julgada material

só ocorre de par com a coisa julgada formal, ou seja, toda sentença para

transitar materialmente em julgado deve, também passar em julgado

formalmente.

No sistema do Código, a coisa julgada material apenas diz respeito ao

julgamento da lide, de forma que não ocorre quando a sentença é meramente

terminativa (não incide sobre o mérito da causa). Assim, não transitam em

julgado, materialmente, as sentenças que anulam o processo e as que

extinguem-no, sem cogitar da improcedência ou procedência da ação. Tais

decisórios geram somente coisa julgada formal. Seu efeito se dá apenas nos

limites do processo. Não solucionam o conflito de interesses estabelecidos

entre as partes, e, por isso, não impedem que a lide volte a ser analisada em

nova relação processual.

Por não importarem solução da lide, não produzem, também, coisa

julgada: as sentenças proferidas em procedimentos de jurisdição voluntária; os

despachos de expedientes; as decisões interlocutórias e as sentenças

proferidas em processo cautelares, mesmo que revogáveis ou modificáveis a

qualquer tempo.

11 Câmara, Alexandre Freitas, in Lições de Direito Processual Civil, Vol.1, pp.468 e 469

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Já é ponto pacífico, também, que a sentença que nega a anulação do

casamento ou a decretação do desquite, por falta ou insuficiência de prova,

não faz coisa julgada e possibilita ao cônjuge renovar a ação baseada em

melhores elementos de convicção.

A coisa julgada é instituto processual de ordem pública, por

conseguinte a parte não pode abrir mão dela.

Cabe ao réu argüi-la nas preliminares da contestação, mas de sua

omissão não decorre qualquer preclusão, por conseguinte, em razão de seu

aspecto de interesse iminentemente público, pode a exceção de res iudicata

ser oposta em qualquer momento do processo e em qualquer grau de

jurisdição, “devendo ser decretada até mesmo de ofício”, pelo juiz.

Outra questão relevante gravita em torno da inadmissão do recurso,

que pode ser declarada pelo juízo ad quem por ocasião do julgamento da

impugnação. O juízo de admissibilidade dos recursos é declaratório e,

portanto, tem eficácia ex tunc. Assim sendo, declarada a inadmissibilidade do

recurso na instância superior por fato antecedente ao julgamento, como, a

deserção, a intempestividade, a ilegitimidade do recorrente, em verdade a

decisão terá sido impugnada por recurso inapto a impedir o trânsito em julgado

do decidido. Assim, considera-se a decisão transitada em julgado antes

mesmo do julgamento da inadmissão, posto declaratório o juízo negativo que

se limita a constatar retroativamente o fato de que, em data anterior, faltou um

dos requisitos de admissibilidade do recurso, vez que raciocínio inverso

estimularia o abuso do direito de recorrer, movido pelo simples objetivo de

adiar o trânsito em julgado da sentença.12

Para Alexandre Câmara não são os efeitos da sentença que se tornam

imutáveis com a coisa julgada material, mas sim o seu conteúdo. Este

conteúdo que nada mais é do que o ato judicial consistente na fixação da

12 Luiz Fux, in Curso de Direito Processual Civil, 2004, pp. 823 e 824

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norma reguladora do caso concreto, que se torna imutável e indiscutível

quando da formação da coisa julgada.13

Não pode ser aceita a afirmação de que apenas o conteúdo

declaratório é alcançado pela coisa julgada estando fora dos limites desta o

conteúdo constitutivo e o condenatório, vez que estes dois conteúdos também

se tornam imutáveis, Não se pode confundir o conteúdo da sentença com seus

efeitos. Por exemplo, na sentença constitutiva o conteúdo é a modificação, no

sentido de ato de modificar, a situação jurídica existente. Já o efeito da

sentença constitutiva é a nova situação jurídica, surgida por força da sentença.

Assim, por exemplo, numa sentença em “ação de revisão de aluguel”,

conteúdo da sentença é o ato judicial que determina o novo aluguel a vigorar, e

efeito da sentença é o novo valor devido pelo locatário. Certo é que este pode

ser modificado por futura sentença, em nova “ação de revisão de aluguel” ou

por acordo entre as partes, mas será imutável e indiscutível que, para aquela

situação levada à cognição judicial deveria o juiz ter determinado a modificação

que, efetivamente, se operou. O mesmo pode-se dizer, mutatis mutandis, para

o conteúdo condenatório da sentença. Assim é que todos os elementos

componentes do conteúdo da sentença, declaratórios, constitutivos ou

condenatórios, tornar-se-ão imutáveis e indiscutíveis com a coisa julgada.

Alexandre Câmara define a coisa julgada como a imutabilidade da

sentença (coisa julgada formal) e de seu conteúdo (coisa julgada material),

quando não mais cabível qualquer recurso.

Há que se fixar também a natureza jurídica do instituto da coisa

julgada, vez que em doutrina se encontra a adesão de diversas posições

teóricas, das quais as duas mais conhecidas vêem na coisa julgada um efeito

da sentença, entre outros, Chiovenda e Celso Neves, ou uma qualidade que a

ela adere, entre outros, Liebman e Greco Filho, sendo esta última a posição

mais aceita pela doutrina brasileira.

13 Babosa Moreira, in Eficácia da Sentença e Autoridade da Coisa Julgada, pp.110-112

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Alexandre Câmara entende ser a corrente doutrinária que defende ser

a coisa julgada um efeito da sentença equivocada. Isto porque, como ensina

Barbosa Moreira, a imutabilidade de uma sentença não lhe é “co-natural”14.

Quer o ilustre processualista carioca, com esta afirmação, dizer que é possível

afirmar a existência de sentenças que em nenhum momento se tornam

imutáveis e indiscutíveis. A impossibilidade de modificação da sentença a

qualquer tempo, com a previsão de um número limitado de recursos, todos

sujeitos a prazos de interposição, e a conseqüente imutabilidade da sentença a

partir do momento em que a decisão se torne irrecorrível é uma opção de

política legislativa, que surge pelo fato de o ordenamento ser voltado à

preservação da segurança jurídica, a qual seria impossível de se alcançar se

as questões submetidas ao crivo do judiciário pudessem ser discutidas ad

infinitum.

Liebman afirmou que a coisa julgada não é um efeito da sentença, algo

que decorra naturalmente dela, mas sim uma qualidade que passa a revesti-la

(e a seus efeitos, segundo a concepção daquele eminente processualista) a

partir de certo momento.15

Para Alexandre Câmara a tese liebmaniana se revela inadequada. A

coisa julgada, é certo, não pode ser tida como efeito da sentença. Não é,

tampouco, qualidade dela, o que afasta em definitivo, das principais

proposições de Liebman acerca da coisa julgada. A coisa julgada se revela

como uma situação jurídica. Isto porque, com o trânsito em julgado da

sentença, surge uma nova situação, antes inexistente, que consiste na

imutabilidade e indiscutibilidade do conteúdo da sentença, e a imutabilidade e

a indiscutibilidade é que são a autoridade de coisa julgada sendo esta a nova

situação jurídica, antes inexistente, que surge quando a decisão judicial se

torna irrecorrível. Pode-se, assim, afirmar que a coisa julgada é a situação

14 Babosa Moreira, in Eficácia da Sentença e Autoridade da Coisa Julgada, p.10315 Liebman, in Eficácia e Autoridade da Sentença, p. 54

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jurídica consistente na imutabilidade e indiscutibilidade da sentença (coisa

julgada formal) e de seu conteúdo (coisa julgada substancial), quando tal

provimento jurisdicional não está mais sujeito a qualquer recurso.

A coisa julgada material funciona, pois, como impedimento processual,

o que significa dizer que sua existência impede que o juiz exerça cognição

sobre o objeto do processo.

Pode ocorrer, todavia, que após a formação da coisa julgada material

surja novo processo, com objeto distinto do anterior, onde a questão decidida

naquele primeiro seja um antecedente lógico do objeto deste segundo feito.

Alexandre Câmara cita o exemplo de um processo onde o juiz tenha proferido

sentença, a qual já tenha alcançado a autoridade de coisa julgada material,

onde se tenha afirmado que um Fulano é pai de um Beltrano e, agora, este

propõe “ação de alimentos” em face daquele, fundando sua pretensão na

relação jurídica de filiação existente entre eles. O demandado, porém, alega

em sua contestação não ser o pai do autor, e afirma que, por ter este processo

objeto distinto do anterior, a questão poderia ser livremente apreciada. Tal

situação se agrava pelo fato de o art. 301, § 3o, do CPC afirmar que há coisa

julgada quando se “repete ação” já decidida por sentença contra a qual não

caiba mais recurso.

O sistema brasileiro adota a chamada teoria das três identidades ou

teoria do tria eadem, como regra geral, isto é, duas demandas são idênticas

quando têm as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo objeto.

Todavia, a teoria das três identidades é utilizada como regra geral, pois

consoante ilustrado acima não é capaz de explicar todas as hipóteses. Existem

casos em que se deve aplicar a “teoria da identidade da relação jurídica”,

segundo a qual o novo processo deve ser extinto quando a res in iudicium

deducta for idêntica à que se deduziu no processo primitivo, ainda que haja

diferença entre alguns dos elementos identificadores da demanda.

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Assim, com relação ao problema proposto, tendo sido ajuizada “ação

de investigação de paternidade”, a sentença, coberta pela autoridade de coisa

julgada substancial, declarou que A é pai de B. Em momento posterior,

pretende A negar esta qualidade, em processo instaurado a partir de “ação de

alimentos” proposta por B. Sendo assim pode-se concluir que a relação jurídica

deduzida neste processo é a mesma que se deduziu no anterior, razão pela

qual aquela coisa julgada já formada deve ser respeitada, sendo impossível

reabrir-se a discussão acerca de ser ou não o réu o pai do autor.

A coisa julgada material não pode ser atingida por lex posterius,

mesmo que altere substancialmente os cânones legais que o órgão judiciário

aplicou para decidir a lide – tudo conforme o disposto no art. 5o, XXXVI, da

Constituição da República, ao dizer: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o

ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Existe, portanto, no Direito pátrio, a tutela constitucional da

imutabilidade que a coisa julgada confere aos efeitos da decisão da lide, e,

também, o direito pública subjetivo de ser exigido o respeito à coisa julgada. Se

nem mesmo a lei formal pode atingir a coisa julgada, a posteriori reguardada

se acha a imutabilidade que desta decorre, em face de atos normativos

menores, de ato administrativo, e, também, de outras decisões. Uma vez que a

lei tem de respeitar a coisa julgada, claro que esta também deve manter-se

inatingida ainda quando for a lei aplicada jurisdicionalmente.

Aliás, essa tutela à coisa julgada é corolário do princípio da garantia

jurisdicional que o art. 5o, XXXV, consagra, visto que uma das notas

específicas da jurisdição é a de estar garantida pela res iudicata, para que

tornem imutáveis os seus pronunciamentos.

A coisa julgada cria, para a segurança dos direitos subjetivos, situação

de imutabilidade que nem mesmo a lei pode destruir ou vulnerar – é o que se

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infere do art. 5o, XXXVI, da Lei Maior. E sob esse aspecto é que se pode

qualificar a res iudicata como garantia constitucional de tutela a direito

individual.

Por outro lado, essa garantia, outorgada na Constituição, dá mais

ênfase a realce àquela da tutela jurisdicional, constitucionalmente

consagradas, no art. 5o, XXXV, para a defesa de direito atingido por ato lesivo,

visto que a torna intangível até mesmo em face de lex posterius, depois que o

Judiciário exaure o exercício da referida tutela, decidindo e compondo a lide.

Com base em tamanha eficácia da decisão que julga o pedido,

impedindo a revisão do decidido, impõe-se determinar os limites dessa

imutabilidade, posto que nem tudo o que o juiz conhece ele julga com força de

coisa julgada material. Certo é que a coisa julgada consagra bens da vida,

tornando-os intocáveis e com o selo da autoridade. Resta, assim, estabelecer

a órbita das pessoas sujeitas àquele pronunciamento, questão esta

pertencente ao campo dos limites objetivos e subjetivos da coisa julgada que

passo a abordar.

CAPÍTULO II

LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA

O processo é o meio utilizado pelo Estado para compor os litígios,

dando aplicação ao direito objetivo frente a uma situação contenciosa.16

16 Frederico Marques, in Instituições de Direito Processual Civil, ed. 1959, v. I, p.01

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Lide ou litígio é o conflito de interesses a ser sanado no processo. As

partes em dissídio invocam motivos para justificar a pretensão e a resistência,

criando dúvidas sobre elas, que dão nascimento as questões.

Pode haver lide sem questões, como também, questão sem lide. Como

exemplo daquela cita-se o caso de pura resistência a uma pretensão, sem

qualquer justificativa para tal atitude. Como exemplo da segunda têm-se as

dúvidas acadêmicas ou teóricas.

Quando o processo envolve todas as questões que integram a lide,

diz-se que há processo integral e quando se refere somente a uma ou algumas

das questões existentes entre as partes fala-se em processo parcial.

Decidindo a lide, a sentença acolhe ou não o pedido do autor, pois é

ela a resposta do juiz ao pedido do autor.

Trata-se da verificação do alcance da indiscutibilidade e imutabilidade

da sentença transitada em julgado, sobre o seu aspecto objetivo, ou seja,

busca-se aqui saber o que transitou em julgado.

Couture ao explicar sobre os limites objetivos da coisa julgada

proclama que esta se refere ao objeto e à decisão, ou seja, sobre aquilo que

foi pedido e aquilo que foi concedido, cobrindo por inteiro tudo quanto foi

discutido na lide.

Desta forma, para Couture, tal objeto da decisão, pode ser visto em

dois sentidos: um rigorosamente processual que alcança a parte dispositiva da

sentença e todo seu conjunto como os fundamentos e os considerandos.

O estudo dos limites objetivos da coisa julgada se presta exatamente

para estabelecer qual sentença se reveste daquela qualidade de imutabilidade

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e qual fica de fora. A coisa julgada somente apanha a parte dispositiva da

sentença, ou seja, a parte final, onde se soluciona o mérito da pretensão

deduzida.

Adiante, o doutrinador Paulo Roberto afirma: “Ao julgar a lide o juiz ou

defere a prestação pedida e a sentença, neste caso, tem obrigatoriamente,

quanto a eficácia, a mesma carga eficacial do pedido, ou a indefere, e a

sentença será declaratória negativa. E a coisa julgada material sempre se

limitará ao comando emergente da sentença, decorrente da Jurisdição e co-

extensivo ao pedido.”

Aduz Barbosa Moreira que o art. 486 reproduz sem as deformações do

art. 287 caput (CPC de 1939) a fórmula carneluttiana. Apenas a lide é julgada,

e como a lide se submete à apreciação do órgão judicial por meio do pedido,

não podendo ele decidi-la senão “nos limites em que foi proposta”(art. 128)

segue-se que a área sujeita à autoridade da cosia julgada não pode jamais

exceder os contornos do petitum.

Desta forma, a coisa julgada se limita ao que foi objeto de decisão pelo

julgador, pois somente a parte decisória está contemplada com seu manto.

A coisa julgada incide sobre as partes, o pedido e a causa de pedir.

Em consonância, é textual o Código ao afirmar que se define a coisa julgada

quando se “reproduz ação anteriormente decidida por sentença de que não

caiba recurso, considerando idênticas duas ações quando têm as mesmas

partes, causa de pedir e pedido” (artigo 301 e §§2o e 3o do CPC).

A coisa julgada compreende os três elementos da demanda, por isso

que, variando um deles, não se considera uma mesma ação. Por este motivo é

que a lei se refere ao julgamento total ou parcial, visto que a parte não julgada

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não fica coberta pela coisa julgada, não obstante o julgado “a menor”, ou seja,

citra petita seja nulo.17

Explicitando que a coisa julgada material adstringe-se ao julgamento

do pedido e das questões decididas, tem-se que, se o pedido não foi apreciado

pela sentença e o autor não opôs embargos de declaração, não se configurou

coisa julgada, podendo o demandante propor nova ação com o mesmo objeto.

Deve restar elucidado que aquilo que não tiver sido objeto do pedido,

por não integrar o objeto do processo, não será alcançado pelo manto da coisa

julgada, consoante leva à conclusão o art. 468 do CPC.

Este sistema é completado com o que vem disposto no art. 469 e 470

do CPC. Com base nestes dispositivos se pode afirmar que apenas o

dispositivo da sentença transita em julgado.18 O relatório, que não contém

qualquer elemento decisório, não transita em julgado. Quanto à motivação da

sentença, esta não é alcançada pela coisa julgada, consoante leitura do art.

469 do CPC.

Merece ser esclarecida outra questão que pertine à condenação

implícita, que embora o direito brasileiro admita pedidos implícitos, o mesmo

não ocorre com a condenação.

Em sua obra, Alexandre Câmara entende integrar também ao sistema

criado pelo CPC para regulamentação dos limites objetivos da coisa julgada o

art. 474 do CPC, segundo o qual “passada em julgado a sentença de mérito,

reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte

poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido”. Trata-se de

dispositivo referente à chamada “eficácia preclusiva da coisa julgada”. Vale-se

a norma, desnecessariamente, da técnica do “julgamento implícito”, afirmando

17 Pedro Batista Martins, in Comentários ao Código de Processo Civil, 1942, vol.2, pp. 342-34318 Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. II, p.268

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que se consideram “deduzidas e repelidas” todas as alegações que poderiam

ter sido feitas e não o foram.

O que se quer dizer com o art. 474 é que, alcançada a sentença

definitiva pela autoridade de coisa julgada, tornam-se irrelevantes quaisquer

alegações que poderiam ter sido trazidas a juízo e que não o foram. Isto

ocorre, porque os motivos não transitam em julgado, sendo, pois, irrelevantes o

caminho percorrido pelo raciocínio do juiz para proferir sua decisão. Somente o

dispositivo da sentença transita em julgado e, conseqüentemente, não se

poderia permitir que a coisa julgada fosse infirmada toda vez que a parte

vencida se recordasse de alguma alegação que poderia ter feito, mas não fez.

Não se deve confundir coisa julgada e preclusão, motivo pelo qual

deve-se preocupar em analisar este último conceito. Preclusão é a perda de

uma faculdade processual19. Trata-se de instituto de suma importância para o

desenvolvimento do processo, pois assegura que este não ande para trás,

caminhando sempre para a frente, em direção à entrega da prestação

jurisdicional.

A preclusão é um fenômeno que se relaciona apenas com as decisões

interlocutórias e as faculdades dadas às partes com prazo certo de exercício.

Existem três espécies de preclusão: temporal, lógica e consumativa. A

primeira se dá pelo decurso do prazo do qual o ato deveria ter sido praticado.

Assim, exemplificando, decorrido o prazo de quinze dias de que a parte dispõe

para apelar contra sentença, não será mais possível a interposição do recurso.

A preclusão lógica ocorre com a prática de um ato incompatível com a

faculdade que se perde. Como exemplo, o réu que condenado a pagar uma

certa quantia em dinheiro, efetua o pagamento, perde a faculdade de interpor

recurso contra a sentença que o condenou. A aceitação da sentença, faz com

que o réu perca a faculdade de recorrer e a isto se chama preclusão lógica.

19 Chiovenda, in Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, p.372

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Finalizando, ocorre a preclusão consumativa quando a faculdade desaparece

por já ter sido exercida.

Para Alexandre Câmara coisa julgada e preclusão não se confundem,

embora não se possa negar à coisa julgada uma eficácia preclusiva, quer

dizer, a aptidão para produzir o efeito de impedir novas discussões a respeito

daquilo que foi por ela alcançado. Isto significa dizer que, formada a coisa

julgada, tornadas irrelevantes quaisquer alegações que poderiam ter sido

aduzidas pelas partes, mas que não o foram, não se pode mais discutir o que

já ficou decidido, perdendo as partes a faculdade de suscitar tais alegações.

Caso a sentença tiver alcançado apenas a coisa julgada formal, esta eficácia

preclusiva impede novas discussões apenas no processo em que a sentença

foi proferida (eficácia preclusiva endoprocessual), mas se a sentença alcançou

também a coisa julgada material, a eficácia preclusiva impede qualquer nova

discussão, em qualquer outro processo, acerca do que já foi coberto pela

autoridade de coisa julgada (eficácia preclusiva pan processual).

Sabe-se que a sentença é composta de três partes: o relatório, a

motivação e a decisão ou dispositivo.

A res iudicata não abrange a sentença como um todo, pois não se

inclui na coisa julgada “a atividade desenvolvida pelo julgador para preparar e

justificar a decisão”. Em verdade, “só o comando concreto pronunciado pelo

juiz torna-se imutável por força da coisa julgada”.

Os motivos, ainda que relevantes para fixação do dispositivo da

sentença, ficam limitados ao plano lógico da elaboração do julgado. Interferem

em sua interpretação, mas não se recobrem do manto de intangibilidade que é

próprio da res iudicata. O julgamento, que se torna imutável e indiscutível é a

resposta dada ao pedido do autor.

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O juiz, para fazer o julgamento, exerce processualmente dois tipos de

atividades: a) a cognição a respeito de tudo que, no plano lógico, faz-se

necessário para chegar a uma conclusão sobre o pedido; e b) a decisão, que

caracteriza a relação jurídica material controvertida e que redunda na

declaração final de acolhimento ou rejeição do pedido formulado em torno da

citada relação. É na decisão que se localiza a autoridade da res iudicata,

tornando imutável e indiscutível o que aí se declarar.

Convém advertir, contudo, que se o fundamento é tão precípuo, que

abstraindo-se dele o julgamento será outro, faz ele praticamente parte do

dispositivo da sentença.20

A verdade dos fatos foge dessa eficácia de imutabilidade, uma vez

ditada por amplo subjetivismo do juiz na análise do material cognitivo. O que se

revela verdadeiro para um juízo pode não o ser para outro. Não existe qualquer

instrumento jurídico processual capaz de revestir essa verdade com a força da

coisa julgada.

Também não faz coisa julgada “a apreciação da questão prejudicial,

decidida incidentemente no processo”.

Não se pode confundir “questões preliminares” (que se relacionam com

os pressupostos processuais e condições da ação) com “questões prejudiciais

(que se referem a fatos anteriores ligados à lide).

Prejudicial é a questão relativa a outra relação ou estado que se

apresenta somente como antecedente lógico da relação controvertida (à qual

não diz diretamente respeito, mas sobre a qual influenciar), mas que poderia,

por si só ser objeto de outro processo em separado.

20 Grinover, Ada Pellegrini, in Direito Processual Civil, 1a ed, p. 91

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Humberto Theodoro Júnior cita como exemplos de questões

prejudiciais as que se relacionam com o domínio da coisa em uma ação de

indenização de danos; à sanidade mental do devedor ao tempo da constituição

da dívida numa ação de cobrança; à relação de paternidade numa ação de

alimentos.

A análise dessa questão prejudicial não é subjetiva, mas sim

juridicamente objetiva, motivo pelo qual é possível fazer incidir sobre a mesma

a imutabilidade do julgado. Porém, em quanto a questão prejudicial é apenas

analisada como integrante inseparável do raciocínio do magistrado antes de

decidir, ela recebe uma apreciação necessária para evitar que o juiz dê um

“salto” antes da conclusão. Caso esse salto fosse permitido a parte não

saberia como o juiz chegara à conclusão alcançada; por isso, a análise da

questão prejudicial é imperiosa sob pena de falecer ao decidido a necessária

motivação. Aliás, é através da demonstração do itinerário desse raciocínio do

magistrado que a parte recorrente prepara a sua impugnação e, ao exterioriza-

lo, o juiz cumpre o postulado máximo de explicitar à parte o porquê da rejeição

ou acolhimento da pretensão deduzida. Portanto, tal apreciação pelo juiz

cumpre a garantia constitucional da motivação das decisões judiciais.

Por não dizerem respeito diretamente à lide situam-se as questões

prejudiciais como lógicos antecedentes da conclusão da sentença. Não se

integram, por conseguinte, no seu dispositivo, que é a única parte do julgado

que atinge a culminância de res iudicata.

Em relação à lide, “exerce o magistrado o iudicium, poder principal de

sua função jurisdicional, enquanto que, em relação a prejudicial, tão-só a

cognitio, poder implícito no de jurisdição. O juiz conhece da prejudicial e a

resolve, sem vincular as partes imutavelmente, a essa decisão, a qual só

produz efeitos no processo em que foi deferido.21

21 Marques, Frederico, in Instituições e Direito Processual Civil, 1a ed., vol. 5, p. 57

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Consoante Ada Pelegrini “a decisão da questão prejudicial, feita

incidenter tantum, possui eficácia limitada à preclusão, no sentido de impedir

que a mesma questaão seja suscitada novamente no mesmo processo. Fora

deste processo, pode essa questão ser novamente debatida, porque

absolutamente não se lhe estendeu a coisa julgada”.

Não se deve confundir questões implicitamente resolvidas com pedidos

não formulados pela parte ou não apreciados pelo magistrado, no processo já

encerrado.

Quando o juiz, exemplificando, num caso de cumulação de pedidos

(reintegração de posse e perdas e danos), deixa de apreciar na sentença a

questão da indenização e somente defere o interdito possessório, não é

possível falar em julgamento implícito sobre o pedido não examinado.

Cada pedido, em verdade, revela uma lide, portanto, quando o autor

cumula vários deles numa só ação, o que ocorre é ”processo com pluralidades

de lides”.22

Se o magistrado, por descuido, não resolveu um dos pedidos, a coisa

julgada só se estabelecerá sobre a questão decidida.

Quanto àquele que não foi apreciado na sentença, ficará livre à parte o

direito de renová-lo em nova ação, visto que o direito brasileiro não conhece

julgamentos presumidos ou implícitos. Somente as premissas da conclusão do

julgado é que se têm por decididas, nos termos do art. 474 do CPC.23

Concluindo “só quando há incompatibilidade entre a sentença passada

em julgado e o novo pedido (eventualmente omitido no processo primitivo) é

que se pode falar em solução implícita, nos moldes do dispositivo ora

22 Wellington Moreira Pimetel, in Comentários ao Código de Processo Civil, 1a ed.. vol.3, p.557.23 Miranda, Pontes, in Comentários ao Código de Processo Civil, 1974, vol.05, p.156

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examinado, portanto é “nas soluções das questões” que a coisa julgada

“encontra seus limites objetivos”. 24

CAPÍTULO III

LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA

Couture sintetiza o problema dos limites subjetivos da coisa julgada em

determinar a quem a decisão de direito prejudica ou beneficia.

Desta forma, tem-se que o limite subjetivo da coisa julgada significa

saber aqueles que são atingidos pela coisa julgada, e aí se incluindo o estudo

da possibilidade de a sentença produzir efeitos num universo de indivíduos

maior do que o daquele atingido pelas demais eficácias da sentença, ou seja, é

a definição das pessoas que se submetem à imutabilidade do comando

inserido na sentença, bem assim das pessoas que sofrem qualquer laivo de

eficácia da decisão.

24 Campos, Ronaldo Cunha, in Limites Objetivos da Coisa Julgada, 1a ed., p.65

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Deve-se esclarecer que o limite subjetivo é mais uma confirmação da

privatização da coisa julgada, ou da decisão de fatos e de direitos

exclusivamente privados, onde os interesses privados dos outros não poderiam

ser atingidos pela transação, ou definição dos interesses privados das partes.

É de se destacar a posição conservadora de Carmem Azambuja tendo

em vista que o instituto da coisa julgada no campo dos direitos individuais para

se fazer uma projeção do mesmo instituto no âmbito do processo coletivo,

estendendo-se a eficácia da coisa julgada a outras pessoas que não

participaram da relação jurídica processual.

Restringir a eficácia da coisa julgada ao dispositivo significa abandonar

parte do resultado útil do processo, desprezando significativo trabalho

produzido pelo judiciário e multiplicando as possibilidades de decisões

conflitantes, militando um desfavor da isonomia e ampliando as oportunidades

de gerar perplexidades e desconfianças na atuação do Judiciário.

É com razão que afirma Paulo Roberto: “muito mais acertado seria o

Direito Processual pátrio optar pela extensão dos efeitos da coisa julgada a

todas as questões efetivamente decididas, desde que relativas a fatos jurídicos

concretos e indissociáveis da conclusão última da sentença.”

Por tal caminho a ampliação dos limites objetivos da coisa julgada não

iria afetar logicamente o problema dos limites subjetivos, mas, contribui

favoravelmente em relação a terceiros que não participaram da relação jurídica

processual originária quando buscassem o judiciário para pleitear direitos com

base nos mesmos fatos.

Moacyr Amaral Santos apregoa que a justificação da autoridade da

coisa julgada está sujeita a fundamentos de ordem política e jurídica. Quanto

ao primeiro diz que os motivos são de ordem prática e de exigência social, a

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impor que a partir de dado momento que se verifica com o esgotamento dos

prazos para recursos, a sentença se torna assim imutável, adquirindo

autoridade de coisa julgada, tendo-se aí o fundamento político da coisa

julgada.

Quanto ao segundo, sustenta que se trata de tema altamente

controvertido, mas que está sujeito a diversas teorias, como a da presunção da

verdade, da ficção da verdade, da força legal, substancial, da sentença; da

eficácia da declaração; da extinção da obrigação jurisdicional; da vontade do

Estado defendida por Chiovenda; da imperatividade do comando da sentença

apregoada pro Carnelutti; da qualidade especial da sentença ou eficácia

provinda do Estado, também conhecida como Teoria de Liebman.

Couture diz que a autoridade da coisa julgada é, pois uma qualidade

ou atributo próprio da sentença que emana de um órgão jurisdicional quando

haja adquirido o seu caráter definitivo.

Couture compartilha com o pensamento de Liebman, quando este

doutrinador italiano, proclama que “A linguagem induzi-nos, portanto,

inconscientemente, à descoberta desta verdade: que a autoridade da coisa

julgada não é o efeito da sentença, mas uma qualidade, um modo de ser e de

manifestar-se dos seus efeitos, quaisquer que sejam, vários e diversos,

consoante as diferentes categorias das sentenças.”

Barbosa Moreira concordando com aqueles que entendem que a coisa

julgada não é um efeito da sentença propugna pela idéia de que se trata de

uma situação jurídica.

In verbis: “Mais exato parece dizer que a coisa julgada é uma situação

jurídica: precisamente a situação que se forma no momento em que a

sentença se converte de instável em estável. É essa estabilidade característica

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da nova situação jurídica, que a linguagem jurídica se refere, segundo

pensamos, quando fala da “autoridade da coisa julgada”.

O CPC vigente em seu art.467 afirma o conceito de coisa julgada,

segundo Carmem Azambuja com tal conceituação o código brasileiro perfilhou-

se à teoria de Liebman sobre a justificação da coisa julgada, afirmando que a

mesma não era efeito da sentença, mas sua própria eficácia que a tornava

imutável e indiscutível, quando não mais sujeita a recurso, mesmo

extraordinário.

Conclui-se, assim, que a coisa julgada é qualidade que adquire a

sentença após seu trânsito em julgado, residindo aí, sua autoridade e

definitividade.

Couture alega que a autoridade da coisa julgada se concretiza a

medida que se resume três possibilidades: a inimpugnabilidade, a

imutabilidade e a coercibilidade da sentença.

José Carlos Barbosa Moreira não reitera inteiramente tal entendimento.

E alega que a imutabilidade não é co-natural à sentença, e isso continuaria a

ser verdade mesmo que porventura não existissem, nem jamais tivessem

existido, sentenças indefinidamente passíveis de modificação. Se as leis em

regra excluem tal possibilidade e fazem imutável a sentença, a partir de certo

momento, o fato explica-se por uma opção de política legislativa, baseada em

óbvias razões de conveniência prática.

Com razão leciona Barbosa Moreira, pois que não é a imutabilidade

uma característica natural da sentença, o que sanciona ao legislador que esse

dado deve dispor, pondo-o ou não no corpo jurídico de sua comunidade. Ao

dado da qualidade ou eficácia da sentença, para uns, os efeitos da sentença

para outros, a coisa julgada faz promanar muitos efeitos o que torna esse tema

palpitante.

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Dessa breve explanação observa-se que para fixar os limites subjetivos

da coisa julgada significa responder à pergunta: quem é atingido pela

autoridade da coisa julgada material?

A limitação da coisa julgada às partes, bastante difusa no processo

moderno, obedece a razões técnicas ligadas à própria estrutura do

ordenamento jurídico, em que a coisa julgada tem o mero objetivo de evitar a

incompatibilidade prática entre os comandos e não o de evitar decisões

inconciliáveis no plano lógico. Por outro lado, os sistemas jurídicos que não

contemplam a obrigatoriedade dos precedentes jurisprudências (o stare decisis

dos ordenamento da common law) não podem obrigar o juiz futuro a adequar

os seus julgados a um anterior, estendendo a sentença a outras pessoas que

litiguem a respeito do mesmo bem jurídico.

Entretanto, o principal fundamento para restrição da coisa julgada às

partes é de índole política: quem não foi sujeito do contraditório, não tendo a

possibilidade de produzir suas provas e suas razões e assim influir sobre a

formação do convencimento do juiz, não pode ser prejudicado pela coisa

julgada conseguida “inter alios”.

Por essas questões somadas é que todas as disciplinas processuais

submetem-se ao princípio da limitação da coisa julgada às partes.

Especificamente para o processo penal, nem a conexão entre crimes ou entre

pessoas tem o condão de estender a coisa julgada a terceiros.

Isso significa dizer que nem a condenação nem a absolvição do réu,

num processo, podem constituir obstáculo para sentença a ser proferida com

relação a outro réu, em processo diverso, quando os crimes, embora conexos,

sejam julgados separadamente (por exemplo, quando se trate de receptação,

com relação ao furto). A mesma impossibilidade de transportar a coisa julgada

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para outro processo, contra réu diverso, ocorre no concurso de agentes,

quando o co-agente não integra a mesma relação processual penal.

Diferente é a situação do litisconsorte, co-réu no mesmo processo, a

quem se estendem os efeitos benéficos do recurso do listisconsortes que

recorreu, salvo quando os motivos forem de caráter exclusivamente pessoal (

CPP, art 580). Tal regra constitui desdobramento daquela contida no art.509

do CPC, referente ao recurso em caso de litisconsórcio unitário.

É óbvio que o precedente constituído pela sentença favorável passada

em julgado terá grande relevância para o processo penal que envolva terceiro,

em casos de conexão de crimes ou de pessoas. A denúncia ou a queixa

poderão ser rejeitadas pelo juiz, por falta dos mínimos fundamentos para seu

recebimento. Porém nesse caso o segundo processo será extinto por falta de

justa causa (entendida como plausibilidade da acusação ou fumus boni iuris) e

não por força da coisa julgada.

Pelas mesmas razões práticas e políticas supra-expostas, não se

podem executar contra o responsável civil a sentença penal condenatória

(CPP, arts. 63 e 64). Título executivo existe, mas só com relação a quem foi

parte no processo penal (CPC, arts. 584, inc II, e 568, inc.I). Contra o

responsável civil, para a reparação dos danos oriundos do crime, deverá ser

ajuizado processo de conhecimento de pretensão condenatória.25

Trata dos limites subjetivos da coisa julgada o art. 472 do CPC,

estabelecendo quais são as pessoas atingidas pela coisa julgada. Assim é que,

nos termos do referido artigo do CPC, “a sentença faz coisa julgada às partes

entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros”.

Segundo Liebman, deve ser distinguida a eficácia natural da sentença

da autoridade da coisa julgada. Para o grande processualista, na verdade a

25 Grinover, Ada Pellegrini, Teoria Geral do Processo, pp.313-315

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coisa julgada não é efeito da sentença, mas sim uma qualidade especial da

sentença, que, em determinada circunstância, a torna imutável.

Dentro dessa ordem de idéias, esclarece Liebman:

a) a eficácia natural vale para todos (

como ocorre com qualquer ato jurídico);mas,

b) a autoridade da coisa julgada atua

apenas para as partes.

Assim, pode um estranho rebelar-se contra aquilo que já foi julgado

entre as partes e que se acha sob a autoridade de coisa julgada, em outro

processo, desde que tenha sofrido prejuízo jurídico. Exemplo: quando o Estado

é condenado a indenizar o dano causado por funcionário, cabe-lhe o direito de

exercer a ação regressiva contra o servidor. Este, no entanto, no novo

processo poderá impugnar a conclusão da sentença condenatória, para provar

que não teve culpa no evento, e assim exonerar-se da obrigação de repor aos

cofres públicos o valor da indenização. A sentença era válida para todos. Mas

aquele estranho que teve direitos diretamente atingidos, pode reabrir discussão

em torno da decisão, sem ser tolhido pela eficácia da coisa julgada. Outro

exemplo: uma pessoa, exibindo título dominial, move ação reivindicatória que é

acolhida com o reconhecimento de sua qualidade de proprietário do bem

litigioso, ocorrendo por isso a condenação do possuidor sem título a entregá-lo

ao autor. Isto não impede ao verdadeiro titular do domínio que não foi parte na

reivindicatória, de propor outra ação contra o ganhador daquela causa, para

provar, a falsidade do título que a sustentou, fazendo, já agora, prevalecer a

superioridade de sua situação jurídica. Isto se torna possível justamente

porque a declaração de ser o autor proprietário do bem disputado na primitiva

ação reivindicatória somente adquiriu indiscutibilidade entre as partes do

processo em que a sentença se deu. Como o verdadeiro dono do bem não se

incluiu dentro dos limites subjetivos da coisa julgada, nada o impede de, em

outro processo, instaurar novo debate em torno do direito subjetivo

reconhecido inter alios.

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A impugnação da res iudicata pelos terceiros prejudicados pode ser

feita “na simples forma de defesa ou réplica à exceção de coisa julgada em

todas as oportunidades em que uma das partes pretende utilizar a sentença

contra eles”.26

É certo, porém, que a afirmação contida no art. 472 do CPC, segundo

o qual a coisa julgada só atinge as partes, não beneficiando nem prejudicando

terceiros, embora exata, é incapaz de explicar todos os fenômenos ligado à

extensão subjetiva da res iudicata.

Há, pois, que se observar algumas hipóteses especiais, o que se

passa a fazer.

Em primeiro lugar, tem-se que considerar os limites subjetivos da coisa

julgada nas hipóteses de substituição processual, ou seja, naqueles casos em

que a parte era um legitimado extraordinário, o qual se encontrava em juízo

atuando, em nome próprio, na defesa de interesse alheio, sendo certo que o

legitimado ordinário não foi parte do processo (mesmo porque, se tivesse

atuado como parte, o legitimado ordinário seria, obviamente, alcançado pela

coisa julgada, como se verificaria pela simples leitura do texto do artigo 472 do

CPC).

Não parece haver dúvidas na doutrina de que a coisa julgada que se

forma para o substituto processual se forma, também, para o substituído. Isto

se dá, registre-se, porque o substituído não é verdadeiro terceiro, já que é ele

(e não o substituto) o titular do interesse substancial levado a juízo.

Outra hipótese, que merece consideração é a da sucessão (entre vivos

ou mortis causa) na relação jurídica deduzida no processo onde se formou a

coisa julgada. Não pode haver dúvidas de que a coisa julgada impede nova

26Liebman, citado por Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito Processual Civil, Vol.I, p. 492

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discussão sobre o que já foi decidido também para o sucessor. Assim, por

exemplo, se num processo em que foram partes Fulano e Beltrano, a sentença

declarará que o primeiro é titular de um determinado direito, não pode Sicrano,

filho de Beltrano, pretender, após a morte deste, tornar a discutir aquela

mesma questão alegando que, por não ter sido parte no processo não estaria

atingido pelos limites da coisa julgada.

Isto se dá porque o sucessor assume a posição do sucedido na

relação jurídica, o que significa dizer que, com a sucessão, passa o sucessor a

ocupar todas a s posições jurídicas que eram anteriormente ocupadas pelo

sucedido, ficando sujeito ás mesmas faculdades, ônus, sujeições, obrigações e

direitos que este. O sucessor, pois, passa a ocupar a posição que antes era de

quem foi parte no processo em que se formou a coisa julgada, o que significa

dizer que agora a imutabilidade e indiscutibilidade da sentença alcançam a ele.

Outra questão a ser apreciada é a da coisa julgada nas questões de

estado. A matéria foi regulada pelo art. 472, onde se lê que “nas causa

relativas ao estado de pessoa se houverem sido citados no processo, em

litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa

julgada em relação a terceiros”.

A mera leitura do art. 472 do CPC parece levar à conclusão de que nas

questões de estado a coisa julgada é oponível erga omnes.27

Para Alexandre Câmara esta não parece ser a correta interpretação do

disposto na parte final do art. 472 do CPC. Este acredita que em verdade, esta

norma determina a citação, como litisconsortes necessários, de todos os

interessados, os quais, sendo citados, tornar-se-ão partes, sendo, pois

atingidos pela coisa julgada. Em não sendo citado qualquer dos interessados

(litisconsortes necessários), a sentença será inutiliter data,ineficaz em relação

27 Amaral Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. IV, p.457; Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, Vol. I, p.495

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aos que participaram do processo, bem assim em relação aos que dele não

participaram. Fora do processo, como terceiros, ficaram apenas aqueles que

não têm interesse jurídico na causa, e que, por isto mesmo, não poderão se

insurgir contra a coisa julgada.28

A solução semelhante chegou o mais notável estudioso da coisa

julgada, ao afirmar que “a coisa julgada em questões de estado, vale erga

omnes, com a única exceção daqueles terceiros que tenham interesse e, por

conseguinte legitimação da mesma natureza e proximidade que a das partes.29

Terceiros não são alcançados pela imutabilidade e indiscutibilidade da

sentença, podendo vir a discutir em juízo a questão já resolvida por sentença

coberta pela autoridade de coisa julgada. Há que se fazer, todavia, uma

distinção entre as diversas modalidade de terceiro, a fim de se determinar com

precisão quem pode (e quem não pode) infirmar a autoridade de coisa julgada

substancial.

Assim é que se precisa, em primeiro lugar, distinguir entre terceiros

juridicamente indiferentes e terceiros juridicamente interessados. Afirma-se,

pois, que os terceiros juridicamente indiferentes não podem se opor à coisa

julgada, por absoluta falta de interesse de agir, requisito essencial à obtenção

de um provimento jurisdicional de mérito.

Quanto aos terceiros juridicamente interessados, podem estes ser

divididos em dois grupos: de um lado, há terceiros cujo interesse jurídico é

idêntico aos das partes. Estes podem, obviamente, se insurgir contra a coisa

julgada. Basta pensar numa demanda ajuizada por um acionista de uma

determinada sociedade anônima, em face desta, onde se pede a anulação de

uma assembléia de acionistas. Transitada em julgado a sentença que julgou

improcedentes o pedido de anulação nada impede que outro acionista, terceiro

28 Câmara Alexandre Freitas, Lições de Direito Processual Civil, Vol. I, p.478

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em relação àquele processo, mas titular de um interesse jurídico equivalente

ao das partes, venha a ajuizar demanda pelo mesmo fundamento, e com

idêntico pedido.

Há, porém, que se considerar a existência de terceiros com interesse

jurídico inferior ao das partes. Estes, embora possam vir a sofrer prejuízo

jurídico em razão da sentença, encontram-se em posição de subordinação em

relação às partes, o que acarretará algumas conseqüências relevantes. Pense-

se, por exemplo, na posição do sublocatário em relação a uma sentença que

tenha decretado o despejo, em processo em que foram partes locador e

locatário. Embora tenha permanecido como terceiro no processo em que se

proferiu a sentença, o sublocatário não poderá atacar a coisa julgada que se

formou com a mesma liberdade com que o faz o terceiro cujo interesse jurídico

é equivalente ao das partes.

Assim é que o terceiro com interesse jurídico subordinado ao das

partes só poderá atacar a coisa julgada que eventualmente se forme alegando

injustiça da decisão. Deve-se entender por decisão injusta a que contraria o

direito em tese ou a que seja proferida manifestamente contra a prova dos

autos. Apenas estas duas causas poderão embasar uma demanda do terceiro

titular de interesse jurídico subordinado ao da parte em face do vencedor do

processo onde se formou a coisa julgada.

Diferem, pois, os terceiros juridicamente interessados em que uns (os

que têm interesse equivalente ao das partes) não são em nenhum modo

afetados pela coisa julgada, enquanto outros (os que têm interesse

subordinado ao das partes) só poderão infirmar a res iudicata alegando

injustiça intrínseca da decisão.30

29 Liebman, citado por Câmara Alexandre Freitas, Lições de Direito Processual Civil, Vol. I, p.478

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CAPÍTULO IV

COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS

O dogma da limitação subjetiva da coisa julgada às partes vem sendo

modificada, no processo moderno, nas ações coletivas ajuizadas em defesa de

interesses metaindividuais (ambiente, consumidor, etc). No Brasil, após a coisa

julgada erga omnes da ação popular (art.18 da Lei nº4.717, de 29 de junho de

1965), a Lei da Ação Civil Pública (lei nº 7347, de 24 de julho de 1985) e, por

último, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro

de 1990) vieram ampliar os limites subjetivos da coisa julgada, estruturando-se

de acordo com o resultado do processo, ou seja, secundum eventum litis

(art.103 CDC, aplicável à Ação Civil Pública por força do novo art. 21, desta,

introduzido pelo Código). Desta forma, consoante o caso, a autoridade da

sentença poderá alcançar a todos, para beneficiá-los ou prejudicá-los – salvo

no caso de improcedência por insuficiência de provas -, ou ser utilizada apenas

em favor dos membros da classe, sem possibilidade de prejudicar suas

pretensões individuais.31

Assim é o sistema previsto para a coisa julgada na “ação popular”: a

sentença que julgar o pedido procedente fará coisa julgada erga omnes, isto é,

30 Liebman, Eficácia e Autoridade da Sentença, pp.145-148

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alcançará não só o autor da demanda como todos os demais membros da

coletividade. O mesmo se dará quando o pedido for julgado improcedente,

salvo se esta sentença for proferida por insuficiência de provas, hipótese em

que a sentença não alcançará a autoridade da coisa julgada substancial.32

Neste caso, diz a lei, qualquer cidadão (inclusive o mesmo que propôs a

primeira demanda) poderá propor “ação popular idêntica”, bastando para isto

que junte “nova prova”.

Trata-se, pois, de sistema que prevê a formação da coisa julgada

secundum eventum litis, isto é, a formação da coisa julgada se dará (ou não)

consoante o resutado do processo. A coisa julgada secundum eventum litis,

embora tenha sido intensamente criticada pela doutrina clássica,33 afigura-se

como instrumento essencial à adequada tutela jurisdicional dos interesses

difusos e coletivos. Pense-se, por exemplo, numa “ação popular” proposta em

conluio entre um demandante e um governante que tivesse praticado um ato

ilegal e lesivo ao patrimônio público, na qual o demandante, propositadamente,

não apresentasse provas suficientes para demonstrar a veracidade de suas

alegações. A sentença que rejeitasse o pedido faria coisa julgada erga omnes,

impedindo que qualquer outro membro da coletividade, ainda que de posse de

novas provas, atacasse aquele ato. Por esta razão, mostra-se fundamental a

utilização do sistema aqui descrito.

O sistema da “ação popular” foi empregado, originariamente, também

para “ação civil pública”, como se vê pela leitura do disposto no texto original

do art.16 da Lei 7347/85.34Posteriormente, porém, foi editada a Lei nº

9.494/97, que alterou o disposto no referido art. 16, tendo o mesmo passado a

31 Grinover, Ada Pellegrini, Teoria Geral do Processo, pp.313-31432 José Carlos Barbosa Moreira, A Ação popular do direito brasileiro como instrumento de tutela jurisdicional dos chamados “interesses difusos”, p.123 citado por Câmara, Alexandre Freitas, Lições de Direito Processual Civil, Vol. I

33 Liebman, Eficácia e Autoridade da sentença, pp. 81-8234 Carvalho Filho – Ação Civil Pública – Comentários por artigo, pp.341-343 citado por Câmara Alexandre Freitas, Lições de Direito Processual Civil, Vol. I, p.485

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ter a seguinte redação: “A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos

limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for

julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer

legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de

nova prova”. A única inovação do novo texto, como se vê é a fixação do que se

pode denominar limites territoriais da coisa julgada. A sentença na “ação civil

pública”, como se vê, fará coisa julgada “erga omnes, nos limites da

competência territorial do órgão prolator”.

Para Alexandre Câmara, o novo texto, porém, revela uma inegável

contradição em seus próprios termos: não se pode admitir coisa julgada erga

omnes (ou seja, para todos) que não atinja a todos, mas somente àqueles que

se encontram em determinados limites territoriais. Esta limitação tem como

conseqüência a irrazoabilidade da norma: pense-se numa “ação civil pública”

ajuizada pelo Ministério Público de um Estado em que profere sentença de

improcedência do pedido, alcançando-se assim a autoridade da coisa julgada

material. Poderá o Ministério Publico de outro Estado ajuizar demanda pelo

mesmo fundamento e com o mesmo objeto? E no caso de ter sido a demanda

ajuizada pelo Ministério Público Federal num determinado Estado, seria

possível ao Ministério Público Federal ajuizar novamente a demanda em outro

Estado da Federação? Além disso, é de se considerar que os limites territoriais

da coisa julgada se ampliarão conforme o número de recursos interpostos.

Sendo certo que o julgamento do mérito do recurso substitui a decisão

recorrida (art.512 do CPC) e sendo certo que os limites territoriais da coisa

julgada são fixados pela competência territorial do órgão prolator da decisão

alcançada pela autoridade da coisa julgada, pode-se ter o seguinte: proferida

sentença em ‘ação civil pública” por um juízo federal da seção judiciária do Rio

de Janeiro, sua sentença fará coisa julgada nos limites do Estado do Rio de

Janeiro. Havendo apelação contra tal sentença, porém, e sendo ela julgada

pelo TRF da 2ª Região, o acórdão por este prolatado faria coisa julgada nos

Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo (que compõem a 2ª região).

Tendo sido, porém, interposto (e admitido) recurso especial, será este julgada

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pelo Superior Tribunal de Justiça, que prolatará acórdão capaz de fazer coisa

julgada em todo país. Com isso, ter-se-á uma decisão fazendo coisa julgada

para pessoas diversas conforme o órgão que a tenha proferido, tudo isto num

mesmo processo. Assim, prossegue o ilustre processualista Alexandre Câmara

entendendo que tal sistema fere de morte o princípio da razoabilidade das leis,

que integra nosso sistema constitucional por força do devido processo legal

substancial. Desta forma, conclui ser o art. 16 da Lei da Ação Civil Pública

inconstitucional, mantendo-se, pois, para a “ação civil pública” o mesmo

sistema de coisa julgada que fora estabelecido anteriormente, e que é idêntico

ao da ação popular.35

Deve-se, ainda, verificar que diante das infrações aos interesses

coletivos podem ocorrer lesões a dois tipos de interesses, tal como ocorre,

aliás, com os delitos sancionados pelo direito penal: há sempre uma lesão ao

interesse público e pode haver, no mesmo evento, um dano ao patrimônio ou à

pessoa da vítima. Assim também numa ação civil acerca de agressão ao meio

ambiente, cogita-se necessariamente da repressão genérica ao atentado

contra o direito de toda a coletividade de usufruir condições ambientais

saudáveis. Eventualmente, pode acontecer que a ação civil pública impeça a

contaminação sem que pessoa alguma tenha sofrido lesão individual. Nesse

caso, os efeitos da sentença permanecerão no âmbito próprio da tutela dos

interesses difusos ou coletivos. Pode, no entanto, ocorrer que, concretamente,

além do dano geral ao meio ambiente (interesse coletivo), um ou alguns

membros da comunidade afetada tenham suportados danos pessoais em

razão da referida agressão ao meio ambiente (interesse individual). A coisa

julgada formada no processo coletivo não respeita os limites subjetivos

traçados pelo art. 472 do CPC, tanto entre os legitimados para demandar a

tutela dos interesses transindividuais como em face das pessoas

individualmente lesadas. Há, nesse tipo de processo, possibilidade de eficácia

35 Câmara Alexandre Freitas, Lições de Direito Processual Civil, Vol. I, p.486

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erga omnes (isto é, perante quem não foi parte no processo), embora nem

sempre de forma plena.36

Há por fim, que se fazer referência à “ação coletiva”, em que se busca

a tutela dos interesses dos consumidores, e que tanto se destina à proteção

dos interesses difusos e coletivos como de interesses individuais homogêneos.

O tema de que ora se trata está regulado no art. 103 do Código de

Proteção e Defesa do Consumidor (CDC). Segundo este dispositivo, a

sentença fará coisa julgada erga omnes, exceto se for de improcedência por

insuficiência de provas, quando a demanda versar sobre interesses difusos;

ultra partes, limitadamente ao grupo categoria ou classe, salvo se de

improcedência por insuficiência de provas , quando versar a demanda sobre

interesses coletivos; e erga omnes, apenas nos casos de procedência do

pedido, para beneficiar as vítimas e seus sucessores, nas demandas que

versarem sobre interesses individuais homogêneos.

Por exemplo: numa demanda coletiva foi declarado improcedente o

pedido de retirada do mercado de um produto medicinal por nocividade à

saúde pública, tendo a sentença proclamado que o medicamento não era

danoso. Haverá coisa julgada suficiente para impedir que qualquer nova ação

coletiva venha a ser aforada contra o fabricante em torno do aludido produto,

mesmo que outro seja o legitimado. Isto, todavia, não impedirá que um

determinado consumidor, reputando-se lesado pelo medicamento, venha

ajuizar uma ação indenizatória individual.

Verifica-se, assim, que nas demandas destinadas a proteger interesses

individuais homogêneos, a prolação de sentença de improcedência do pedido

não impede que terceiros, que não tenham integrado a relação processual,

ajuízem demandas individuais para tutela de seus interesses (que, como dito,

são individuais, embora tenham recebido “tratamento coletivo”). A sentença da

36Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito Processual Civil, Vol.I, p. 493

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“ação coletiva”, pois, é capaz de beneficiar, mas nunca de prejudicar, aqueles

que não integraram a relação processual onde a mesma tenha sido proferida.

Humberto Theodoro Junior resume a relação entre a coisa julgada na

ação coletiva e os interesses individuais dos membros da coletividade

representada na causa da seguinte forma sintetizada:

a) se a ação coletiva é rejeitada, seja por

insuficiência de prova ou não , os particulares não

serão alcançados pela coisa julgada que se

manifestará apenas entre os legitimados para a

ação coletiva; poderão os particulares exercitar

suas ações individuais para buscar ressarcimento

para os danos pessoalmente suportados ( Lei nº

8.078, art.103, § 3º);

b) se a ação coletiva é julgada

procedente, os particulares poderão valer-se da

coisa julgada, ficando dispensados de nova ação

individual condenatória; apenas terão de liquidar o

montante de seus prejuízos individuais em

procedimento de liquidação de sentença ( Lei

nº8.078, arts. 97 e 100). A exemplo do que se

passa com a sentença penal condenatória, também

a sentença de procedência da ação civil coletiva

representa para as vítimas uma coisa julgada

acerca da causa petendi da pretensão

indenizatória. Dá-se o “transporte, á ação

individual, da sentença coletiva favorável”,

ampliando a lei “o objeto da ação coletiva” para

nele incluir a indenização de danos sofridos

individualmente.37

37 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito Processual Civil, Vol.I, p. 493

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No mandado de segurança coletivo é de se referir, por fim, que incidem

as regras referidas anteriormente a respeito da coisa julgada nasa demandas

coletivas.38

A única questão a merecer alguma atenção no que concerne à coisa

julgada no mandado de segurança é a que vem do enunciado nº 304 da

Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal, cujo

teor é o seguinte: “Decisão denegatória de mandado de segurança, não

fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso da ação própria”.

Tal enunciado se liga, diretamente, ao disposto aos arts. 15 e 16 da

Lei do Mandado de Segurança (Lei nº 1.533/51), segundo os quais “a decisão

do mandado de segurança não impedirá que o requerente, por ação própria

pleiteie os seus direitos e os seus respectivos efeitos patrimoniais” (art.15), e “o

pedido de mandado de segurança poderá ser renovado se a decisão

denegatória não lhe houver apreciado o mérito” (art.16).

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CONCLUSÃO

A coisa julgada é com certeza um dos mais antigos temas de

direito processual. A matéria continua a ser objeto de evolução legislativa e

doutrinária. Desta forma, o estudo do instituto permanece válido, se não pela

sua riqueza, ao menos pelas graves conseqüências que o seu emprego

equivocado traz à prestação jurisdicional, tanto do ponto de vista da segurança

jurídica, como da realização da justiça.

Este estudo não teve a pretensão de esgotar a matéria acerca

dos limites objetivos e subjetivos da coisa julgada em demandas destinadas à

defesa de interesses individuais e interesses coletivos.

Quanto à expressão "ações coletivas", resta claro que há

divergências doutrinárias acerca dessa designação. Porém, preferi utilizar a

referida nomenclatura para denominar demandas que se refiram a direitos

coletivos, diferenciando-as, assim, das ações de cunho individual.

Entendo como demandas coletivas não só o mandado de

segurança coletivo, a ação civil pública e a ação popular, mas também as

ações coletivas de consumo e verifiquei que os legitimados para a propositura

de ações coletivas possuem legitimidade extraordinária para a causa, tratando-

se de caso de substituição processual.

Com relação à coisa julgada, faço referência à idéia de Enrico

Tullio Liebman, o qual sustenta que o referido instituto é uma qualidade que se

agrega à sentença, tornando-a imutável.

Verifiquei que eficácia e efeito não se confundem e que as

eficácias tornam-se indiscutíveis na sentença, exceto quando estivermos

diante de direitos indisponíveis, porque tais direitos não são passíveis de

renúncia.

38 José Joaquim Calmon de Passos, Mandado de Segurança Coletivo, Mandado de Injunção, Habeas Data: Constituição e Processo, pp.69-70 citado por Câmara Alexandre Freitas, Lições de Direito Processual Civil, Vol. I

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Desta forma espero com este trabalho ter contribuído com uma

visão atual a respeito da coisa julgada na tutela de direitos individuais e

coletivos.

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50

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. São Paulo:

2001, v. I

ÍNDICE

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52

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

GENERALIDADES 10

CAPÍTULO II

LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA 22

CAPÍTULO III

LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA 31

CAPÍTULO IV

COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS 42

CONCLUSÃO 49

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 51

ÍNDICE 53

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição:

Título da Monografia:

Autor:

Data da entrega:

Avaliado por: Conceito: