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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” FACULDADE INTEGRADA AVM O RESGATE DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL COMO ELEMENTO FACILITADOR DA APRENDIZAGEM Por Regina de Moraes Vergne Orientador Profª Ms. Fátima Alves Niterói / RJ 2011

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

FACULDADE INTEGRADA AVM

O RESGATE DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL

COMO ELEMENTO FACILITADOR

DA APRENDIZAGEM

Por Regina de Moraes Vergne

Orientador

Profª Ms. Fátima Alves

Niterói / RJ

2011

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

FACULDADE INTEGRADA AVM

O RESGATE DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL

COMO ELEMENTO FACILITADOR

DA APRENDIZAGEM

Monografia apresentada ao curso de Pós-graduação

em Arteterapia da Universidade Candido Mendes como

requisito parcial para obtenção do título de especialista

em Arteterapia em Educação e Saúde.

Por Regina de Moraes Vergne

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela vida

e pela oportunidade de ver o nascer do sol

e de ver o brilho da lua...

Agradeço a todos aqueles

que com um sorriso, uma lágrima,

um gesto, um toque,

uma palavra, uma atitude

me mantiveram com passos firmes

e me fizeram acreditar que valeria a pena...

Obrigado!

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DEDICATÓRIA Ao meu pai Frederico, sempre Frederico,

e minha saudosa mãe Lais, sempre Lais,

que me deram o melhor que tiveram

de suas vidas.

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RESUMO

Este trabalho apresenta o brincar como uma das primeiras

manifestações do ser humano desde sua formação fetal e passando pelo

nascimento, infância, adolescência e com reflexo na vida adulta, centralizando-se

na importância do brincar, como forma de resgate das práticas lúdicas que

envolvem o ato de imaginar e de criar. Numa sociedade que valoriza a tecnologia

nas suas várias atividades, a criança vem recebendo informações virtuais como

realidade. Assim, as formas tecnológicas vêm atuando como elemento mediador

entre criança e adulto, onde práticas mecânicas e condicionadoras distanciam o

brincar espontâneo e a criatividade infantil. A fundamentação nas idéias de

Winnicott, pediatra e psicanalista britânico, que fala do brincar no desenvolvimento

infantil, possibilita perceber a necessidade da aplicação da arteterapia enquanto

processo terapêutico e a referência com questões educativas.

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METODOLOGIA

Através de uma pesquisa bibliográfica, este trabalho visa o resgate da

brincadeira como alternativa dentro de uma realidade cada vez mais mecanicista

visível no contexto escolar. Assim, a pesquisa em livros, revistas, jornais e

similares acerca do tema, foi ampliando a relação entre conhecimentos teóricos

capazes de elucidar a prática. Ao tomar como base Winnicott em sua linha da

psicanálise e outros autores como Bernard Aucouturier, Susan Linn em defesa do

faz de conta, esta abordagem espera contribuir num olhar mais apurado sobre as

relações presentes na inserção da criança na sociedade.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO 08 CAPÍTULO I – A trajetória inicial do Ser Humano 11 CAPÍTULO II – A importância do Brincar 24 CAPÍTULO III – Os desafios da Educação 36 CONCLUSÃO 49 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 51 CONSULTAS À INTERNET 54 ÍNDICE 55 FOLHA DE AVALIAÇÃO 56

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INTRODUÇÃO

Nos tempos atuais, a sociedade vem se amoldando à influência da

tecnologia e, aos poucos, distanciando as crianças das brincadeiras espontâneas,

do faz de conta e outras atividades que favorecem o brincar natural como

acontecia em épocas passadas. Cada dia mais o tempo separado para a

brincadeira é reduzido, sendo impostas atividades mecânicas que exigem pouca

movimentação e surgem como opção de pais e professores, acreditando ser mais

fácil o controle da criança e, muitas vezes, a interferência do adulto é quase

inexistente.

Incentivar a experimentação através do brincar pode promover na criança

vivências que atendam a necessidade de expressar-se, comunicar-se e ousar,

contrapondo com a exclusividade do virtual, que vem dominando os espaços

sociais. Assim, é pelo viés da arteterapia que se evidenciam possibilidades de se

utilizar uma diversidade de formas criativas, não só com técnicas e materiais

artísticos, mas proporcionando um resgate do potencial criativo, através da livre

expressão.

A presente monografia traz à tona uma abordagem acerca da importância

do brincar, como forma de resgate das práticas lúdicas que envolvem imaginação

e criatividade, através da interação da criança com seu ambiente social, em

especial a instituição escolar que compartilha a função educativa da família.

Considerando as etapas iniciais da aprendizagem escolar, o objetivo deste

trabalho é reconhecer o brincar enquanto processo espontâneo e como elemento

facilitador na formação da criança, a fim de articular vivências que favoreçam sua

inserção na vida social, fazendo emergir qualidades que trazem movimento,

produzem vida e prazer.

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O primeiro capítulo aborda em linhas gerais o percurso do ser criança que

antecede o nascer até as transformações ocorridas após o nascimento. O período

pré-natal é, muitas vezes, desconsiderado. Porém, é exatamente nesta etapa que

ocorrem profundas transformações não só a nível biológico, mas também no nível

sensório-motor. O estudo acerca do feto envolvendo sua mobilidade, seja

realizada por ele próprio ou através da mãe, ajuda no entendimento da vida intra-

uterina como etapa essencial na sua maturação. Em seguida, apresenta-se o

nascimento como etapa fundamental no processo diferencial entre mãe e bebê, já

que não possuem mesma maturidade biológica e/ou psicológica.

O segundo capítulo trata do brincar como processo primário da formação

humana, o que justifica a abordagem do primeiro capítulo. O brincar espontâneo é

destacado com fundamentação nas idéias de Winnicott, contribuindo na busca de

identidade do bebê e separação saudável da mãe. É com criatividade e auto-

expressão que novas manifestações surgem no universo infantil, levando a uma

vida mais significativa. Criar, agir e experimentar vivências através da brincadeira,

do faz de conta e outros, capacitam a criança a lidar com seus sentimentos e

externá-los.

No terceiro capítulo o brincar emerge como alternativa num mundo cada

vez mais influenciado pela tecnologia. No contexto escolar ainda coexiste a

diversidade de sujeitos por se tratar de uma instituição social ainda legitimada pelo

sistema. Um duelo entre forças antagônicas se trava no íntimo desta instituição.

Mais que um espaço simplesmente mantenedor, a escola pode estimular o brincar

criativo envolvendo experiências e exploração ativa. O brincar criativo interfere

diretamente no aprendizado, abrangendo aspectos lúdicos essenciais no

desenvolvimento da imaginação e criatividade. Momento este que se torna muitas

vezes ameaçador para uma geração que segue uma cultura dominada pelo virtual,

através da televisão, computador, internet e a própria mídia, deixando de lado

reflexão e crítica.

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Diferente de apenas criticar um sistema vigente, este trabalho engloba um

encontro do passado com o futuro. Passado, porque resgata brincadeiras como o

faz de conta, que por tantos é esquecida, ficando apagado na memória e se

transformando em silenciamento, num mundo mecanicista e cheio de regras.

Futuro, porque anuncia como alternativa possível e real, gerando crescimento

para a criança, num mundo cada dia mais desafiador.

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CAPÍTULO I

A TRAJETÓRIA INICIAL DO SER HUMANO

Cabe aqui uma breve análise da origem do ser humano que trará à luz

momentos e sensações tão característicos da vida, do nascimento e da

necessidade de proteção que envolve a criança.

As relações que envolvem a criança em seu desenvolvimento, desde o

ventre materno, sinalizam relações maiores, tanto emocionais, sócio-culturais e/ou

políticas. Anos antes da concepção, quantas histórias, sonhos e anseios, pai e

mãe trazem com eles... A criança já surge numa rede de interações.

Percorrendo, então, os mistérios da vida intra-uterina, o presente capítulo

introduz temas profundos como a origem do pensamento e a evolução dos

sentidos. A relação mãe e bebê. O sentir da mãe e o mover da criança vão se

combinando e anunciando a fase simbólica que precede o brincar e o interagir

capaz de promover criatividade e imaginação.

Desta forma, o que se propõe é enfatizar a necessidade de se

compreender melhor uma etapa significativa para a vida em qualquer idade. Saber

que é nas relações com a criança que é possível ver o espelho da humanidade.

Saber que ainda há um vasto caminho a ser percorrido.

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1.1 - A formação do ser humano

“A criança existe antes de nascer: ela é

sonhada, imaginada pelos pais, é parceira destes na

comunicação, na emoção, na brincadeira e na vida.”

(AUCOUTURIER, 2007, p. 27)

Uma criança, antes de nascer, passa nove meses no ventre materno,

tendo sensações e emoções variadas, o que faz deste período um momento

único. Este período intra-uterino é chamado gestação, que influencia com

profundidade a vida futura. Desse modo se caracteriza na formação do ser

humano o desenvolvimento de corpo, personalidade e inteligência.

Desde o começo da gestação, a relação mãe e bebê vai se revelando

através de sentimentos e humores, com trocas de hormônios. Percebe-se que

tanto influências agradáveis quanto desagradáveis interferem nesta atividade.

Desta maneira, “o feto e a mãe procuram estabelecer e aperfeiçoar uma relação

cada vez mais estreita através do ajuste dos estímulos que vêm tanto de um

quanto do outro” (AUCOUTURIER, 2007, p. 23).

Atualmente, o universo do bebê desde o período de embrião1 vem sendo

estudado devido aos avanços tecnológicos, onde métodos de ultra-sonografia

permitiram maior observação de seu comportamento. Assim, através de exames,

a própria mãe pode verificar e ter conhecimento da gravidez.

1 O embrião “organismo em via de desenvolvimento, desde o ovo fecundado até a realização de uma forma capaz de vida autônoma e ativa. Na espécie humana, o termo é aplicado aos estágios iniciais do desenvolvimento” (Dicionário Aurélio, 2010).

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O contato mais próximo com o desenvolvimento fetal tem sido, para

algumas famílias, principalmente o pai e a mãe, um momento de maior contato e

intimidade com o bebê. Os sonhos e os desejos se tornam mais concretos e, com

tanta expectativa, os pais promovem até uma aceleração de suas fantasias e

anseios. Em outras famílias, porém, quando o bebê não é aceito, torna-se uma

relação de difícil convivência.

Com o desenvolvimento, por volta de dois meses2, o feto já começa a

compreender o mundo exterior, pois a formação dos sentidos vai progredindo.

Mesmo não ouvindo e não vendo, o bebê sente o contato com a mãe, através de

sensações táteis; pois os nervos começam a se desenvolver nos pés, mãos e

genitais.

Pouco a pouco, o movimento do mundo que está a sua volta vai fazendo

parte de seu universo. “Depois do quarto mês, o feto reage a sons e ao toque e

começa a criar vínculo afetivo profundo com a mãe” (BURGIERMAN, 1998, p. 34).

Os sentidos vão sendo decodificados pelo cérebro, pois parte das células

nervosas estão em ação. Afinal, os nervos passam a se desenvolver na pele do

feto, que já se torna sensível ao toque na barriga da mãe.

A sensibilidade fetal a estímulos luminosos se evidencia por volta das 16

semanas da gravidez. Um movimento ocular foi percebido em fases muito iniciais

da gestação. Importante notar que sensações gustativas já são marcantes, como

também a capacidade de sucção.

“Apesar de existirem evidências significativas de

memória e de aprendizado fetal intra-uterino, não se

sabe exatamente em que idade gestacional essas

capacidades surgem”.

(ROLNIK, 2006, p. 22)

2 O feto é “organismo humano em desenvolvimento, no período que vai da nona semana de gestação ao nascimento” (Dicionário Aurélio, 2010).

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São as interações, do período pré-natal, fundamentais para o

amadurecimento do bebê em formação. A relação com a mãe transmite ao feto

informações tanto no nível biológico, pois são ligados pelo cordão umbilical, como

também no nível afetivo e mental, já que os sentimentos se misturam. Observa-se

nestas condições, o equilíbrio e adaptação do feto.

Estes movimentos são preparatórios para sua vida futura num mundo

completamente diverso daquele intra-uterino. Porém, cada movimento, cada troca,

vai moldando no feto características que serão necessárias no enfrentamento do

universo exterior. Como exemplo, pode ser notado que os sons vindos tanto da

voz da mãe quanto de sons ou vozes externas ao útero materno, são certamente

necessários para ambientar o feto. Estes sons provocam reações e o feto

responde através de movimentos. É aqui que se percebe uma busca de contato,

onde interage usando suas mãos, pés, costas ou, seja, com seu corpo, tocando ou

empurrando a placenta, como se diz, comumente, que o “bebê está chutando”.

“Se, no início da gravidez, a futura criança é vivida

como, um sonho, a situação fica bem diferente, assim

que a mãe percebe os primeiros movimentos do seu

futuro filho. Para muitas mães, os movimentos fetais

são a realidade concreta de ter um ser humano que se

desenvolve em seu corpo. Elas iniciam, então, uma

dinâmica psicológica que pode ser favorável ou

desfavorável à continuidade do processo de maturação

do feto”.

(AUCOUTURIER, 2007, p. 26)

No decorrer desta etapa do desenvolvimento, em especial após o quarto

mês de gestação, o movimento do bebê fica mais percebido pela mãe,

estimulando o imaginário dos pais, mexendo com lembranças e fantasias acerca

de suas histórias.

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As trocas entre mãe e feto são profundamente afetivas, o que requer uma

aceitação de ambos. A linguagem do feto não é verbal, mas altamente sensório-

motora. Porém, após o nascimento este tipo de comunicação não-verbal vai

proporcionar a interação com o ambiente, em especial com a mãe. Conversas

abafadas da fala materna, e de pessoas também próximas, chegam por volta do

quarto mês da gravidez, provavelmente o momento em que seus ouvidos

começaram a funcionar. Assim ocorrendo até seu nascimento.

Durante todo o tempo o feto ouve estímulos sonoros e batidas do coração

materno, tanto de dia como de noite3. Dentro da placenta, percebe-se sons como

borbulho provindo do intestino da mãe, como também, a pulsação da artéria

abdominal.

“Envolvido pelo líquido amniótico de estabilidade

térmica, o feto está bem protegido, mantém

permanentemente as costas arredondadas e fica bem

apoiado. Em estado de flutuação, a futura criança está

em contínuo movimento, porque a mãe se mobiliza. O

feto não conhece a imobilidade, ele mexe, muda de

posição mais livremente porque possui movimento,

independentemente de sua mãe”.

(AUCOUTURIER, 2007, p. 24)

Na fase que antecede o nascimento, o líquido em movimento possibilita

o bebê brincar com o cordão umbilical e beber este líquido, geralmente adocicado,

que o envolve. Pode acontecer que se a mãe comer um alimento meio amargo, o

líquido amniótico também fica amargo. Vale lembrar que, o bebê também sorri,

chora, soluça e até chupa o dedo. O feto estará em condições de nascer,

aproximadamente aos nove meses.

3 Provavelmente, segundo o neurologista Rubens Reimão, seu tempo de sono é de 16 horas por dia e sonha durante 65 % do tempo que dorme (BURGIERMAN, 1998, p. 36).

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1.2 – O nascimento do bebê

“Nascemos em uma trama simbólica conferida pelo

nosso meio cultural e tempo histórico, em que as

relações são estruturadas e modeladas. Socialmente,

a expectativa em torno do nascimento de cada criança

proveniente de grupos culturais distintos diverge, e isso

se reflete no futuro de cada uma”.

(CAVALCANTI, 2006, p. 7)

Consideradas as informações sobre a vida intra-uterina e toda

necessidade de valorização deste período, segue o estudo de uma nova fase que

começa no final da gravidez, por volta de nove meses, quando acontece o

“milagre do nascimento”.

O momento que antecede o nascimento é para a mãe uma época de

grande sensibilidade e que permanece no pós-parto. Isto favorece a criação de um

ambiente favorável ao desenvolvimento da criança, que passa do mundo intra-

uterino para o mundo extra-uterino.

Em geral, nota-se que a criança provoca o processo do parto, através de

movimentos que geram a sua expulsão, se colocando em posição ideal para o

nascer. Há todo um desconforto para a mãe na hora do parto, pois um misto de

dor e força se prolonga.

“Com efeito, no nascimento, o recém-nascido é

mergulhado de um instante para o outro em um

turbilhão sensório-motor; ele passa de um meio

aquático, quase sem gravidade, no qual estava

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envolvido, sustentado continuamente, para um meio

aéreo”.

(AUCOUTURIER, 2007, p. 30)

Se comparado ao modo como outros animais nascem e como processam

seu desenvolvimento, o bebê humano parece ser prematuro, em vista da

formação de seu sistema neurológico e perceptivo. Necessita, portanto, de

proteção especial capaz de dar continuidade ao equilíbrio biológico que o nutria no

ventre materno. Não é de se estranhar que tenha sido grande a mudança de

ambiente que ocorre no ato do nascimento.

“Por essa razão, pode-se imaginar o vazio em torno de

si, a gravidade que o esmaga, a dor das descargas

motoras incontroladas, da extensão e da flexão dos

membros que perderam a resistência do líquido

amniótico e a resistência das paredes da bolsa uterina;

pode-se imaginar, ainda, a violência da penetração do

ar nas vias respiratórias, a dor provocada pela luz, os

ruídos, o frio, os contatos sobre sua pele frágil, os

odores; pode-se imaginar a dor provocada pela sede

que lhe seca a cavidade bucal, assim como a dor

provocada pela fome, pois o bebê não é mais

alimentado permanentemente como na cavidade

uterina.”

(AUCOUTURIER, 2007, p. 30-31)

Ainda segundo Aucouturier, percebe-se que o bebê necessita de um novo

“envelope protetor”, como substitutivo do ambiente intra-uterino, para progredir no

seu desenvolvimento e para sua maior segurança. A mãe surge como elemento

fundamental para satisfazer as necessidades daquele ser tão sensível e permitir

um alívio de suas dores.

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No início, o bebê pode chorar ou gritar, sendo aqueles que cuidam dele

responsáveis por traduzir seus anseios, em especial a mãe. É como se

percebesse o que ele sente ou se colocar no lugar dele. Vão se construindo

linguagens entre mãe e bebê. O bebê chora; podendo se acalmar com o seio ou a

mamadeira. Através da mudança do ritmo da sucção revela se está saciado ou

não. Como também, esta relação pode alterar a expressão facial da mãe.

“Assim atendido, o bebê não tem noção de si nem de

que aquilo que o alimenta (seio ou mamadeira), que

toca sua pele ou que emite som está ‘do lado de fora’.

Ainda não há um fora ou um dentro, ainda não há um

sim e um outro.”

(PITLIUK, 2006, p. 29)

Várias interações são responsáveis para que o bebê fique “envelopado”,

isto é, protegido. O olhar da mãe, o agarrar do seio pelo bebê, através da

apreensão de suas mãos, o próprio mamar, promovem segurança, afastando a

sensação de vazio. O apoio no corpo da mãe também favorece a percepção do

que é móvel ou não. Esta convivência constante é comum à criança e à mãe, que

a partir de um movimentar rítmico vai gradualmente se adaptando um ao outro.

Como conseqüência desta adaptação mútua, manifestações de

afetividade surgem favorecendo qualidade nas interações ambientes. É

fundamental entender que mesmo tão próximos, mãe e bebê se diferenciam tanto

na maturidade biológica quanto na psicológica, permitindo não haver uma plena

simbiose.

“A mãe, que dá ao bebê o poder de agir sobre ela,

permite-lhe viver o prazer da ação e o prazer de suas

próprias transformações internas; o bebê age por si

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mesmo para viver seu interior, transformando –se

internamente: ele age por ele mesmo e, ao mesmo

tempo, agem os dois juntos”.

(AUCOUTURRIER, 2007, p. 33)

O bebê espera que a mãe esteja sempre disponível, podendo repetir as

mesmas ações por muitas vezes. Quando vê mudança parece ficar satisfeito.

Diante da indisponibilidade o bebê pode experimentar sensações desagradáveis.

O recém-nascido vai repetindo movimentos como se procurasse controlá-los.

Conforme analisado, desde a vida no ventre materno já era percebido no

bebê o movimento reflexo4. Na transição entre o sexto e o sétimo mês da vida

intra-uterina, nota-se a existência de padrões de movimentação mais complexos

que se evidenciam. Este movimento é denominado reflexo arcaico. O que ocorre é

que “padrões mais primitivos darão lugar a automatismos adquiridos, relacionados

a reações posturais e de locomoção, determinados por padrões biológicos

característicos de cada espécie” (VILANOVA, 2006, p. 56-57).

O que marca a fase após o nascimento é que o ambiente vai fornecendo

diferentes estímulos externos às vivências da criança, além do fator biológico, pois

apesar “de o indivíduo já nascer com o número total de células do sistema nervoso

central, a maior parte das sinapses neocorticais ocorrerá após o nascimento”

(VILANOVA, 2006, p. 56-57).

No mundo cada vez mais repleto de estímulos, o desenvolvimento parece

estar se acelerando. O que antes se desenvolvia com mais lentidão hoje é visível

que cada vez mais cedo o bebê abre os olhos, começa a balbuciar e se mostrar

aberto a interações mais cedo.

4 Movimento que se traduz como uma forma de movimentação mais simples, porém influenciando toda a vida futura do indivíduo.

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Percebe-se, portanto, que as experiências sensoriais e motoras (e

mesmo ligadas ao tato e à temperatura) são essenciais desde as primeiras

semanas de vida. Isto se dá através da manipulação de objetos ou na interação

com adultos favorecendo o controle postural e do tônus do bebê.

Será a partir do desenvolvimento do tônus postural (que auxilia no

equilíbrio), que se desenvolve o tônus cervical, podendo verificá-lo na sustentação

da cabeça da criança, por volta dos três meses de idade. Aos seis meses pode se

ver o bebê sentado, com apoio. Culminando, então, com o ficar de pé, ainda que

apoiada, aproximadamente aos onze meses, ou antes, de acordo com o seu

desenvolvimento.

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1.3- Brincar é um direito da criança

“É dever da família, da comunidade, da sociedade em

geral e do Poder Público assegurar, com absoluta

prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à

alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à

profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito,

à liberdade e à convivência familiar e comunitária”

(Art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente)

Não dá para isolar a criança de seu meio social onde problemas

econômicos, ou mesmo, situações desestruturadas na família, são fatores que

interferem diretamente no desenvolvimento. Permeados com recursos legais

pode-se ver que família, estado e sociedade em geral, conforme a necessária

responsabilidade de cada um, anunciam ainda uma distância em torno da

transformação social. Portanto, a percepção de que a criança difere do adulto

busca uma garantia do respeito em suas fases do desenvolvimento.

Cada vez mais, nossa sociedade utiliza o recurso legal para mostrar que

se pauta na garantia dos direitos. Isto, na verdade, ainda se encontra em

contradição. Em geral, este destaque de direitos à criança lembra que, muitas

vezes, na prática, estes mesmos direitos parecem ser desobedecidos.

Para se compreender melhor os moldes sociais dos tempos atuais, é

necessário remeter ao passado. Provavelmente, até o século XVI, a convivência

entre adulto e criança não se diferenciava tanto, pois a criança era tida como um

pequeno adulto, em que roupas, gestos e hábitos se assemelhavam ao mundo do

adulto. Até a maternidade era desvalorizada, chegando a deixar de ser obrigação

dos pais a criação dos filhos.

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Somente no século XIX surgiram leis de proteção à criança. Avanço dos

estudos de psicologia e a existência de movimentos progressistas mais voltados

em defesa da criança contribuíram para estes acontecimentos. Inclusive, várias

críticas ocorriam denunciando o caráter desumano do trabalho infantil.

Ao final da Segunda Guerra Mundial, os primeiros programas do

UNICEF5, forneceram assistência emergencial a milhares de crianças no mundo.

Determinações legais sobre os direitos da criança aparecem, em especial: a

Declaração dos Direitos Humanos da ONU (1948); os Direitos da Criança (1959);

a Constituição Brasileira (1988); o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990); a

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394 de 1996); como

também o estabelecimento das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

Infantil pelo Conselho Nacional de Educação em 1998 e o Plano Nacional de

Educação de 2001, isto já no século XXI.

“A iniciativa legal de considerar a criança como sujeito

de direitos representa, por um lado, conquistas para a

infância e para o campo da Educação Infantil, contudo,

tal fato nos remete a observar a questão por outro

prisma, pois se esses direitos fossem realmente

assegurados, não necessitariam ser legislados,

portanto, os mesmos vêm sendo historicamente

transgredidos.”

(MASCIOLI, 2006, p. 106)

Na realidade brasileira, há um universo de contradições sociais marcantes

no cotidiano, em diferentes âmbitos. A influência da era industrial moderna e os

moldes capitalistas que se baseiam nas relações de produção, que visam a

competição e o lucro, repercute em todas relações humanas. No mundo moderno,

5 Órgão que inicialmente era chamado de Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância, que após tornar-se parte integrante da ONU passou a ser chamado de Fundo das Nações Unidas para a Infância, conservando a mesma sigla.

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o capitalismo iguala o ser humano a um produto, como na compra e venda.

Trabalho e produção em série, são características deste sistema.

Alguns estudiosos que abordam o brincar dentro das sociedades

industriais modernas e denunciam uma redução quanto ao espaço desse brincar.

O mundo da criança, que se tornou distante do mundo do adulto, se resume a

atividades praticadas no tempo livre. Com caráter “pedagogizante”, as vivências

da brincadeira são cada vez mais reduzidas no espaço da educação, inclusive na

educação infantil. Os chamados “vestibulinhos” priorizam o conteúdo em

detrimento do lúdico, o que é muito comum em certos espaços escolares.

Necessário se torna que os educadores valorizem o brincar, pois este

promove a aprendizagem sobre si mesma e no ambiente ao seu redor

desenvolvendo melhor sua vida escolar. Aprender e brincar não se separam, só

interagem promovendo a descoberta, a observação e a experiência no mundo que

o cerca.

A brincadeira é, na verdade o fazer da criança. Esta ação gera

aprendizado e envolve todos os sentidos. “A brincadeira fornece muitas

oportunidades para elas aliarem as experiências prévias às atuais, aprenderem

sobre causa e efeito, relações espaciais, planejar resultados e fazer previsões”

(BROCK, 2011, p.141). Do mesmo modo que a percepção da criança leva à ação,

o movimento também promove uma percepção de mundo.

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CAPÍTULO II

A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR

Este tema se faz necessário num mundo cada vez mais imerso no

individualismo. As relações humanas vêm sendo, a cada dia, mediadas por

máquinas e os diálogos vão se fragmentando. Desta maneira, a análise do brincar

surge como possibilidade de resgate de suas práticas em diferentes âmbitos, pois

o mesmo tem se reduzido, tanto no espaço intra-familiar como nas creches e

escolas.

A importância da linguagem como forma de comunicação entre a criança

e a sociedade em que está inserida, mostra-se numa diversidade de situações.

Não se deve desconsiderar aquelas primeiras etapas vivenciadas pela criança

pequena, pois tais momentos repercutirão ao longo de sua vida.

Através de uma breve síntese da vida de Winnicott, este capítulo procura

fazer uma homenagem ao grande estudioso da vida do bebê e do brincar

espontâneo, ilustrando assim as formas primárias da brincadeira da criança. Há

destaque para o faz de conta, como atividade que une gerações e reflete no

universo de crianças e adultos.

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2.1 – Viver e o brincar

“A brincadeira reconcilia a criança com ela mesma e,

ao mesmo tempo, com os outros, pois estimula o

encontro, as trocas autênticas entre as crianças, a

partir de suas experiências afetivas mais longínquas,

independentemente de sua origem ou cultura”.

(AUCOUTURIER, 2007, p. 177)

Nem sempre se pensou que a criança mostrava uma predisposição tão

grande para aprender, ainda no útero materno. Um filósofo inglês, John Locke

(1632-1704), que fundamentou o empirismo no século XVII, defendeu a idéia de

que o ser humano nascia “sem conhecimento algum”, isso em outro contexto

sócio-histórico. Assim, a criança era vista como uma “tabula rasa” 6, uma paleta

branca, pois dependia da experiência empírica para alcançar níveis de

aprendizagem. A criança parecia ser “moldada” somente pelo ambiente, como ser

passivo e totalmente dependente dos outros (BROCK, 2011, p. 127).

A descoberta que o ambiente intra-uterino não era nada silencioso, como

se pensava antigamente, contribuiu para o surgimento de novas concepções

acerca da criança e de seu desenvolvimento. As novas tecnologias, como a

neurociência7, por exemplo, revelaram detalhes acerca do comportamento dos

bebês capazes de enriquecer o estudo mais recente.

Cada vez mais cedo, as crianças se mostram como aprendizes ativos, e

não mais com a passividade percebida em épocas passadas. As informações

captadas no ambiente estimula, grandemente, os sentidos da criança pequena.

6 É uma expressão latina que significa literalmente “tábua raspada”, e tem sentido de “folha de papel em branco” (http://pt.wikipedia.org/wiki/Tabula_rasa). 7 Pode-se conceituar neurociência como um termo que reúne as disciplinas biológicas que estudam o sistema nervoso, normal e patológico, especialmente a anatomia e fisiologia do cérebro (http://pt.wikipedia.org/wiki/Neurociência).

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Quando se pensa no desenvolvimento humano, fica evidente que este

acontece através das interações com outras pessoas. Momentos há, em que o

som da voz da mãe e de todos que a cercam, ainda na vida intra-uterina,

favorecem no processo de aquisição da fala da criança. Esta já nasce começando

a emitir sons e procurando, de alguma forma, se comunicar.

Num contexto sócio-familiar e cultural, em que o bebê se insere ao ouvir a

voz materna, uma canção de ninar, o choro, um aborrecimento, poesias,

historinhas, conversas, nota-se que o bebê já tem sensibilidade à diferenciação da

fala sendo preparado para vivência futura. A fala é o que distingue o ser humano

dos outros animais. Surge antes, mesmo, da palavra escrita, como se percebe nas

histórias contadas de geração em geração.

A linguagem que vai se moldando em meio àquelas primeiras relações da

criança com o mundo, anunciando o universo de símbolos que transcende o

caráter puramente biológico. É a entrada no âmbito sócio-cultural. As formas de

comunicação não-verbais da criança, quando respeitadas, irá proporcionar a

comunicação verbal, propriamente dita. “A necessidade de comunicar é uma

busca permanente, um apelo fundamental, que se satisfaz unicamente com uma

relação durável com o Outro” (AUCOUTURIER, 2007, p. 172).

De início, as formas de comunicação entre mãe e filho são tão próximas

que, muitas vezes, chega a ser como se fossem um só. Esta situação vai se

modificando, de maneira sutil, na medida em que o bebê escuta a voz da mãe, ou

mesmo de pessoas próximas, ao chamar, cantar músicas, brincar, o que evidencia

a existência do “outro”, ou seja, o “não-eu”. Em meio a esta interação, observa-se

a comunicação verbal da criança, enriquecendo sua capacidade de ação.

O “fazer” da criança surge através da brincadeira, onde pode aprender por

si mesma e na relação com o mundo que a cerca. Pode ser verificado que brincar

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e aprender não se separam. Brincadeira e aprendizagem se conectam e

favorecem a criança a se tornar mais criativa, com reflexo na vida adulta.

O que acontece inicialmente no âmbito familiar, mais tarde se estende a

novos ambientes nos quais a criança irá se defrontar em casas de amigos e

parentes, passeios em parques, praças, praias e, finalmente, creches e escolas.

Surgem, então, novos significados através dessas interações, dando oportunidade

da criança se desenvolver brincando e aprendendo.

A sociabilidade humana caracteriza a sua própria espécie, considerando a

família a célula da sociedade, num mundo organizado por regras e códigos

simbólicos. Tudo isso pode acontecer apesar da transformação que tem se

percebido no comportamento humano, em sociedade, nos tempos atuais.

No início da vida infantil, a criança se sente como que controlando o

ambiente em torno dela. Gradualmente, ela vai se percebendo mais uma no meio

onde crianças e adultos também existem. Há momentos em que surgem disputas

do brinquedo ou do lugar no colo da mamãe. A linguagem é um instrumento que

facilita o domínio de novos conhecimentos. Com uma visão mais apurada a

criança se permite usar a imaginação:

“Um pedaço de pau pode tornar-se uma boneca ou

uma espingarda; um aro de metal pode simbolizar uma

relação com o outro, um contrato de casamento; um

rabisco no papel pode conter uma mensagem

extremamente importante. O próprio sujeito pode

desdobrar-se em vários outros, fato observado

corriqueiramente no jogo de papéis de crianças de 3 -

4 anos”.

(ROSSETTI-FERREIRA, 2011, p. 40)

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O papel do adulto merece um destaque nos relacionamentos vivenciados

pela criança. Ela recorre ao adulto para pedir ajuda quando quer um objeto, ou

mesmo, mostrar conquistas como dar o primeiro passo ou subir uma escada. Este

apoio, que o adulto representa, facilita a observação e a exploração do ambiente

e, do mesmo modo, intensifica a socialização da criança.

O brincar adquire um colorido especial, pois o adulto representa alguém

capaz de escutar, valorizar e respeitar suas descobertas, transmitindo segurança

e acolhimento. O que não consegue fazer sozinha, muitas vezes, conseguirá com

a presença de um adulto ou uma criança com mais idade. Este entendimento

remete ao que Vygotsky chama de “nível de desenvolvimento potencial, isto é, sua

capacidade de desempenhar tarefas com ajuda de adultos ou companheiros mais

capazes” (OLIVEIRA, 1997, p. 59).

O relacionamento com o adulto contribui, não só na realização de tarefas,

como também, nas brincadeiras e jogos, representando um encontro entre

diferentes gerações. É o resgate de um acúmulo de histórias, cantigas,

brincadeiras, presente na vida daqueles que cercam a criança. É um mergulho

num mundo de idéias, em meio a fatores físicos, sociais, ideológicos e simbólicos

daquele meio sócio-histórico, onde passado e presente se encontram.

Vivências como estas vão auxiliando na construção de significações

onde, conhecimento e linguagem, são capazes de garantir à criança a formação

da própria individualidade. Nota-se que “o virar gente, tornar-se uma pessoa

humana, é marcado pela imersão permanente do homem em um mundo simbólico

e em um processo social contínuo e compulsivo de dar e criar sentidos”

(ROSSETTI-FERREIRA, 2011, p. 40).

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2.2 – Contribuições de Winnicott

“É no brincar, e talvez apenas no brincar, que a criança

ou o adulto fruem sua liberdade de criação”.

(WINNICOTT, 1975, p. 79)

Um grande estudioso que se aprofundou na relação mãe-bebê e na

questão do brincar foi Winnicott, médico pediatra e psicanalista inglês, que tem

trazido muitas contribuições neste trabalho. Para se compreender de modo mais

detalhado os seus estudos, cabe aqui apresentar algumas das influências na sua

vida real e alguns frutos de suas experiências.

O caminhar de Winnicott lembra o que disse, em 1941, o Professor de

Psicologia e de Psiquiatria Mira y Lopez8, quando mencionou que “toda obra

humana, por insignificante que seja, acha-se nitidamente vinculada à rota

existencial de seu autor. Para avaliá-la, não basta conhecer este último; é

indispensável saber as circunstâncias em que ele vivia ao produzi-la”.

Donald Woods Winnicott, nasceu no dia 7 de abril de 1896, caçula de

uma família metodista de Plymouth, na Inglaterra. Completa seus estudos de

medicina em 1920 e especializa-se em pediatria. Em 1923, casa-se com a artista

plástica Alice Taylor . Neste mesmo ano, inicia seu trabalho como pediatra no

Hospital Infantil Paddington Green de Londres, que duraria 40 anos, atendendo

mais de 60 mil casos. Em 1927, Winnicott começa sua formação analítica na

Sociedade Psicoanalítica Britânica. Conclui sua formação como analista de

adultos em 1934, e como analista de crianças, em 1935.

8 Mira y Lopez contribuiu para que o Brasil fosse o primeiro país do mundo a regulamentar a profissão de psicólogo (http://www.psicologia.org.br/internacional/artigo3.htm).

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Em 1939, início da Segunda Guerra Mundial, Winnicott trabalha como

consultor psiquiátrico do governo, atendendo crianças separadas da família

durante a evacuação de cidades sob ameaça de bombardeio. Entre 1940 e 1944

fez supervisão com Melaine Klein. Tinha boa reputação como conferencista

interessante e espontâneo, e a British Broadcasting Corporation (BBC) convidou-o

a falar para pais e mães pelo rádio. Em 1949, separa-se de Alice. Em 1951, casa-

se com Elsie Clare Nimmo Britton, assistente social psiquiátrica. Em 1956, torna-

se presidente da Sociedade Britânica de Psicanálise. Entre 1939 e 1962, ele

participou de cerca de 50 programas sobre uma enorme gama de assuntos, que

variam desde “a contribuição do pai”, “o filho único”, “a importância de visitar as

crianças no hospital”, e “a dinâmica da adoção” e “as vicissitudes da culpa”.

Winnicott conduziu palestras na Escócia, em Paris, Roma, Genebra, Copenhagen,

Lisboa, Helsinque e Amsterdã. Em 1965, foi eleito pela segunda vez presidente da

Sociedade Britânica de Psicanálise. Em 28 de janeiro de 1971, Winnicott morre,

em Londres, em decorrência de problemas cardíacos (WINNICOTT, 2005, p. 4-5).

A influência “sufocante” da mãe depressiva foi um fator determinante para

seu estudo da construção da identidade humana. Ainda criança, leu os estudos do

naturalista Charles Darwin (1809-1892) que o levou ao interesse pela observação

científica.

O trabalho de Winnicott como médico de crianças que foram separadas

da família, devido a Segunda Guerra Mundial, colaborou no estudo das etapas

fundamentais do desenvolvimento do ser humano. Esta vivência o levou a se

interessar pelo brincar e pelos primeiros anos de vida como período fundamental

na construção da identidade pessoal. “Boa parte dos conceitos de Winnicott se

refere ao ‘desenvolvimento emocional primitivo’, cujos efeitos, segundo ele, são de

importância crucial para o indivíduo por se estenderem para além da infância.” 9

9 http://diariopsicanalisedacriança.blogspot.com/2010/07/os-primordios-do-desenvolvimento.html

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Winnicott ressaltou o encontro entre mãe e filho como uma relação

primária da constituição subjetiva. Para ele o bebê só existe com o cuidado

materno. Dizia que “não existe essa coisa chamada bebê”, para reforçar o elo

entre mãe e bebê. Abordava, também, certas condições para que ocorresse a

individuação:

“Em primeiro lugar, a existência, no recém-nascido, de

um potencial para se desenvolver. Para Winnicott o

bebê pode vir a ser porque, desde o início, existe como

virtualidade. Em segundo, as condições ambientais,

que são cruciais; elas determinarão quando e como o

potencial se atualizará em uma existência concreta e

relativamente autônoma. E uma boa condição

ambiental será localizada, nesse primeiro momento, no

que o autor chama de preocupação materna primária”.

(PITLIUK, 2006, p.28)

A idéia da “mãe suficientemente boa” que parece compreender as

necessidades do bebê e facilitar os processos de seu desenvolvimento, também é

um destaque na obra de Winnicott. São as “comunicações silenciosas” que

permitem a mãe saber o que o bebê procura. Cabe a mãe, então, fazer

interpretações e concretizar o anseio de seu filho. Hoje, sabemos, que esta função

se refere a todo aquele que cuida do bebê ou de crianças pequenas.

Outro conceito bastante conhecido é o de “objeto transicional”, pois se

trata de um “objeto ao qual a criança se apega”. Quem lida com crianças, percebe

que estes possuem facilidade em se apegar a objetos, tipo um travesseirinho, uma

chupeta, um brinquedo, um ursinho, uma boneca, sendo difícil se desligarem dele.

“Esse objeto é carregado para todos os lugares, tem a função de dar segurança,

de facilitar o adormecimento. Quando a criança não encontra esse objeto eleito,

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fica perdida, desconsolada” (AUCOUTURIER, 2007, p. 90). Esta ligação com

objetos mediadores começa desde cedo.

“A interação da mãe com seu bebê resulta em uma

área que poderíamos chamar de território comum, a

terra de ninguém que na verdade é de cada um, o local

onde se oculta o mistério, o espaço potencial que pode

se transformar em objeto transicional, o símbolo da

confiança e da união entre bebê e a mãe, uma união

que não envolve a interpretação. Portanto, não se

pode esquecer das brincadeiras, onde nascem a

afeição e o prazer pela experiência”.

(WINNICOTT, 2006, p. 89)

O objeto transicional está na zona intermediária, na separação entre mãe

e o filho. Os sentimentos da criança para com este objeto podem ser de amor,

mas também com agressividade. De certa maneira, o envolvimento com tais

objetos ajudam a criança a suportar a “angústia de separação e a ausência

materna”.

A importância de um ambiente acolhedor é revelada, ao que Winnicott

denominou, “holding”, ou seja, o “colo” tão necessário ao processo de formação de

um ser humano independente. Essa forma de apoio é, inicialmente, proporcionada

pela mãe, mas se amplia a outras pessoas que também dividem a função da

educação, chegando até nos espaços de creche e pré-escola.

Entender a importância do cuidado materno no desenvolvimento

emocional primitivo torna relevante a necessidade de cuidados em toda infância,

nos diferentes âmbitos. O “colo” físico e/ou psicológico que se expressam em

forma de toque, carinho, olhares, palavras, é o que prepara a criança para o

enfrentamento com o mundo.

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2.3 – Vivendo o faz de conta

“A habilidade de brincar é central para nossa

capacidade de assumir riscos, experimentar, pensar de

forma crítica, agir em vez de reagir, diferenciar-se do

nosso ambiente e tornar a vida significativa”.

(LINN, 2010, p.37)

No contexto infantil, é interessante compreender que a fala e o

pensamento não se desenvolvem de modo individual. A criança não aprende a

falar e pensar sozinha, mas no convívio com outras pessoas, recorrendo à

memória, inteligência e raciocínio.

Em 1920, um reverendo encontrou em Calcutá, na Índia, duas irmãs (uma

com cerca de 8 anos e a outra de 1 ano e meio de idade), que viviam entre uma

matilha de lobos. As meninas incorporaram comportamentos animais e não

haviam desenvolvido senso de humor, curiosidade, tristeza. Não riam, nem

choravam, nem estabeleciam relações afetivas com os demais. Como no caso de

outros meninos-lobo, as irmãs faleceram precocemente devido a problemas de

saúde (CAVALCANTI, 2006, p. 9).

Assim, vale lembrar a importância das primeiras vivências no ambiente

humano, com as pessoas que cuidam da criança. Se ela não tiver um lugar que a

identifique como pertencente a este grupo, ela pode perder a semelhança com os

seus. As conversas, os toques, os gestos, os risos e, até o choro, vão auxiliando

naquela rede de significações já mencionada.

“É certo que um bebê não poderá tornar-se uma

pessoa se só existir um meio ambiente não-humano;

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nem mesmo a melhor das máquinas pode oferecer

aquilo de que se necessita”.

(WINNICOTT, 2006, p. 82)

A convivência da criança com adultos e outras crianças influencia a

maneira dela falar e agir, pois esta diversidade de modelos fornece elementos de

imitação, mimese.10 Diferente de uma mera cópia, esta imitação se processa como

se fosse uma recriação e vai permitindo que a criança domine cada vez mais a

função social no meio em que vive.

Através de diálogos e brincadeiras, a linguagem da criança vai sendo

construída e ampliada, conforme o estímulo e as trocas afetivas. Ao imitar e ser

imitada, como se fosse um jogo, a criança vai se apropriando de elementos

simbólicos. Como se fosse uma bola ou uma boneca, ela brinca com sons, gestos

e palavras. Comumente, as crianças de cinco ou seis anos podem brincar, falando

em voz alta e/ou consigo mesmas. Aos poucos esta fala vai se tornando um

diálogo internalizado.

É no brincar que as crianças “aprendem como aprender”, sendo capazes

de explorar seu ambiente. O faz de conta é considerado como uma brincadeira

saudável e necessária dentro do desenvolvimento infantil, pois possibilita um

contato maior com os aspectos sócio-culturais, além do prazer que proporciona.

Brincar de faz de conta é brincar de “fingir”, é criar personagens com

fantasia e imaginação. “Quando a oportunidade de brincar surge, a brincadeira

aflora naturalmente nelas e serve como uma experiência primária essencial de

autorreflexão e expressão” (LINN, 2010, p.26). Combina, então, um conjunto entre

a habilidade de fantasiar e de dar sentido a experiência.

10 Do grego mimesis, “imitação”, sendo interpretado como a arte de imitar gestos e palavras de outra pessoa (http:pt.wikisource.org/wiki).

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Esta brincadeira envolve o simbólico que faz parte do cotidiano. Os

objetos inanimados representam pessoas com seus sentimentos ou qualidades.

Brincar de casinha, de carrinho, de escolinha, de igrejinha e outros espaços

vividos por crianças, fazem parte do faz de conta, sendo capazes de recontar e

reviver situações agradáveis ou mesmo desagradáveis.

Nas primeiras décadas do século XX, a sociedade ainda conservava

muitas brincadeiras como imitação do mundo do adulto, mas em outro contexto.

Era comum brincar no campo, nos sítios, nos quintais, onde se plantava e se fazia

comidas em casa; como se divertiam com as cantigas de roda, as conversas à

noite, a serenata, promovendo um convívio saudável. Hoje, com o domínio do

mundo virtual, até a própria convivência das pessoas foi se alterando, pois a

cultura voltou-se para o consumismo e imagens eletrônicas.

É preciso, nos dias de hoje, garantir brincadeiras como o faz de conta no

universo infantil, pois está relacionada direto ao estímulo da criatividade e do

aprendizado. Este espaço pode, e deve, ser resgatado não só nas creches e

escolas, mas também nas relações familiares, firmando o diálogo e o brincar, que

em outras épocas asseguravam os encontros e a criatividade tão necessária no

relacionamento humano.

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CAPÍTULO III

OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO

São muitos os desafios da educação, seja no ambiente familiar, ou

envolvendo o ambiente social, com suas variadas instâncias, em especial a

escolar. Em todo o tempo este trabalho enfatiza o elo entre a criança e a família.

Este é o ambiente primário. Os ambientes que são seguros, proporcionando

liberdade de expressão, são necessários no processo educativo. “Os braços de

alguém que cuida da criança podem ser um ambiente de holding. Uma sala de

aula também pode. Ou um relacionamento. Ou uma família” (LINN, 2010, p. 99).

Ao sugerir um novo trajeto, os primeiros passos da Educação Infantil

trazem uma história, por muitos desconhecida, mas que atua como pano de fundo

da sociedade. Fazer emergir e dar contornos à educação moderna, não é tarefa

fácil, porém o encontro do passado com o presente dá ênfase para as

possibilidades de práticas futuras.

A relação do brincar com o mundo da criança inclui sempre a presença do

adulto, ou porque já viveu como criança, ou porque é capaz de ser elemento

mediador no ato do brincar. Quem não recorda da agradável lembrança do dia em

que o pai ou a mãe faziam parte da brincadeira? Ou mesmo, das brincadeiras

trazidas pelos professores? Nunca se esquece do dia em que um adulto, de

importância significativa para a criança brincou ao seu lado.

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3.1- A história e a Educação Infantil

“Educar significa, portanto, propiciar situações de

cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de

forma integrada e que possam contribuir para o

desenvolvimento das capacidades infantis de relação

interpessoal, de ser e estar com os outros em uma

atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o

acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais

amplos da realidade sócio-cultural.”

(Referências Curriculares Nacionais da Educação

Infantil, 1998, Volume 1)

Será trilhando os primeiros passos da Educação Infantil que o presente

trabalho visa introduzir a relação com a vida escolar e sua atualidade.

A primeira escola voltada para a primeira infância foi criada por um padre

(Padre Oberlin). Seria a Escola de Principiantes ou Escola de Tricotar, que nasceu

em 1769, vinculada à paróquia da pequena cidade rural de Ban de la Roche, na

região da Alsácia. A criança deveria “perder os maus hábitos”; valorizando a

“obediência, a sinceridade, a bondade e a ordem”, como também “conhecer as

letras minúsculas; soletrar e pronunciar palavras difíceis; e adquirir as primeiras

noções de moral e religião” (Revista Educação, 2009, p.40).

O industrial Robert Owen foi inspirado no trabalho de Oberlin, tendo

criado uma escola, em 1816, procurando atender aos operários de sua indústria,

seus filhos e a comunidade de New Lanark, na Escócia. Ali havia uma classe

infantil que recebia crianças dos dois aos seis anos de idade.

A expansão da indústria vem marcar profundamente a vida sócio-política

e com isso alterar as relações. Nota-se que neste período a mulher, em especial,

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passa a participar no trabalho fabril. Este fato leva à necessidade das primeiras

instituições infantis, sendo que as crianças estariam sob os cuidados de

voluntárias ou pessoas contratadas por industriais. Com a função de “guarda das

crianças”, essas escolas visavam dar assistência às camadas empobrecidas,

valorizando o cuidar, a higiene e a alimentação.

Na França, em 1828, surgem as salas de asilo, mais tarde chamadas de

escolas maternais. Na Alemanha, em Blankenburg, em 1837, o educador Friedrich

Froebel (1782-1852) inicia uma escola especialmente voltada para crianças de 1 a

7 anos, onde funcionava antes uma fábrica.

Este foi um marco na história da educação infantil, pois Froebel11

valorizaria a liberdade e a atividade, como também enfatizaria a percepção

sensorial, a linguagem e a brincadeira. Em 1840, esta escola ficou conhecida

como “kindergarden”, ou “jardim-de-infância”, um espaço voltado a estimular as

principais formas de expressão da criança”, comparando as crianças como flores e

o professor como o jardineiro (Revista Educação, 2009, p.41).

Alguns anos mais tarde, foi criada a primeira creche em Paris, no ano de

1844, permitindo que as mães operárias trabalhassem fora de casa.12

No Brasil, durante a segunda metade do século XIX, surge o primeiro

jardim-de-infância, no Rio de Janeiro, em 1875, com influência das idéias de

Froebel. Na maioria eram instituições particulares. Apenas em 1908, surge a

primeira creche popular, com a finalidade de atender os filhos de operários,

estendendo o direito também a crianças abandonadas (caráter filantrópico). A

11 Froebel foi o primeiro educador a enfatizar o brinquedo, a atividade lúdica, o apreender o significado da família nas relações humanas (http://pt.wikipedia.org/wiki/Friedrich_Froebel). 12 O criador da primeira creche – crèche, manjedoura, em francês – foi o advogado e filantropo Firmin Marbeu (Revista Educação, 2009, p.41).

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preocupação primordial era cuidar da alimentação, além da higiene e da

segurança física.

Dando prosseguimento ao tema da brincadeira infantil, nos dias atuais,

observa-se que a vida da criança transcende o espaço familiar, abrangendo o

universo da aprendizagem escolar. Necessário se torna através de breves

consultas na lei que alguns pontos sejam ressaltados com o intuito de esclarecer a

situação vigente da educação no Brasil.

“Toda criança tem direito à educação”, assim determina a Nova

Constituição Federal do Brasil, de 1988. No seu Artigo 208, inciso IV, estabelece a

“gratuidade em creches e pré-escolas, como direito social para as crianças de

zero a seis anos”.

Partindo da Constituição que considerou a educação como direito da

criança, foi promulgada uma Lei específica: O Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA) – Lei Federal nº 8.069/90, vindo legalmente reconhecer a

criança e o adolescente como pessoas em condições peculiares de

desenvolvimento.

O ECA determinou que uma criança tem direito de ser criança, de ter

afeto, de brincar, de querer, de não querer, de conhecer, de sonhar, de opinar, de

participar. Com o aparecimento do ECA, houve a necessidade da criação dos

Conselhos Tutelares com competência de fiscalizar e aplicar medidas de proteção

às crianças e, finalmente, dar responsabilidade a toda a sociedade. As propostas

pedagógicas passam a ter, hoje em dia, um novo olhar para a infância, “novos

rumos, novos valores, novas bases teóricas e filosóficas, novos conhecimentos,

novos relacionamentos” (ROSSETTI-FERREIRA, 2009, p.187).

Finalmente, surgiu a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional) – Lei Federal nº 9.394-96, que ressalta o dever do Estado oferecer:

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creche e pré-escolar gratuitos e de qualidade; além de outras importantes

conquistas para a área, chegando a classificar a educação infantil como parte da

educação básica.

Assim, a etapa inicial, a creche, que atende crianças de 0 a 3 anos, antes

atribuição da Assistência Social, passa a fazer parte da Educação Infantil,

integrando à Educação Básica, juntamente com os Ensinos Fundamental e Médio.

Enquanto a creche se refere a crianças de 0 a 3 anos, a pré-escola abrange as

crianças de 4 a 6 anos.

Segundo o documento de Referências Curriculares Nacionais para a

Educação Infantil (MEC), 1998, alguns princípios são fundamentais: “respeito à

dignidade e aos direitos da criança; garantia do direito das crianças a brincar,

como forma particular de expressão, pensamento, interação e comunicação

infantil; o acesso das crianças aos bens sócio-culturais disponíveis; a socialização

das crianças por meio de sua participação e inserção nas mais diversificadas

práticas sociais, sem discriminação de espécie alguma; o atendimento aos

cuidados essenciais associados à sobrevivência e ao desenvolvimento de sua

identidade.”

Estes documentos aqui citados contam mais que a história da Educação

Infantil, mas apontam para novas possibilidades, com respaldo legal. O que desde

o início se limitava apenas na dimensão do “cuidar”, passou a abranger a idéia da

criança como ser integral e privilegiando o “educar”.

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3.2- A influência da Tecnologia

“Certa vez, comprei uma boneca on-line para

presentear uma criança pequena sem perceber que

era tecnologicamente ‘incrementada’. Quando ela

chegou, descobri que uma bateria podia fazer a

boneca rir, chorar, balbuciar e fazer praticamente tudo.

O brinquedo precisava de bateria até para piscar.”

(LINN, 2010, p. 56)

Com a trajetória da história da Educação Infantil, é notado que toda uma

sociedade é modificada de acordo com os processos sócio-culturais e políticos. O

cotidiano das instituições responsáveis pela educação das crianças de 0 a 6 anos,

está repleto de experiências inerentes ao assunto abordado.

Nos dias de hoje a atividade espontânea do brincar tem se perdido em

meio aos novos e modernos mecanismos da tecnologia. O brincar é essencial ao

desenvolvimento da criatividade e do pensar crítico.

As crianças que freqüentam a educação infantil passam muito tempo

diante da televisão e do computador, por não usarem outras alternativas. O ficar

na rua tem se tornado perigoso, impedindo que as antigas brincadeiras se

realizem. Em classes sociais mais favorecidas, há a opção de playgrounds com

possibilidade de segurança particular.

É comum, no pré-escolar, a utilização de atividades memorizadas

envolvendo números e letras ou mesmo o uso da arte, com desenhos prontos, as

chamadas “folhinhas”, ou figuras recortadas. As atividades esportivas, também

são mais valorizadas do que o próprio brincar. Vê-se que atividades mecânicas

parecem estar substituindo a brincadeira espontânea.

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A cultura comercializada que se utiliza da mídia eletrônica altera

diretamente o espaço do brincar. Cada vez mais a criança fica exposta a MP3

players, celulares e DVD players, televisão e cinemas, todos transmitem

conteúdos da mídia eletrônica, muitas vezes impróprios para a idade.

Os espaços estão sendo dominados pelas “telinhas” em casa, nas

escolas, nas lanchonetes, nos supermercados e nas salas de espera dos

pediatras. A televisão, legitimada pelo sistema, influencia toda uma sociedade,

com divulgações das matérias, jogos e brinquedos a serem utilizados. Propagam o

domínio da imagem e da atitude de passividade, onde a criança se torna mero

expectador. O uso do celular tem se ampliado e já é considerado o novo

“chocalho” para bebês e crianças.

“De fato, à medida que a tecnologia digital foi se

tornando mais sofisticada, tevê e internet se fundem

para ser uma inteiramente nova experiência de

marketing e mídia interativa voltada para as crianças.”

(LINN, 2010, p. 50)

As brincadeiras apresentadas por esta modernidade dificultam a

criatividade e o faz de conta, impedindo o desenvolvimento do pensamento, das

emoções e interpretações individuais.

Nas escolas, novos pensamentos tendem a mediar a relação professor-

aluno com meios eletrônicos, acreditando que estarão favorecendo o estímulo da

criatividade e livre expressão. Até os joguinhos eletrônicos trazem cores e imagem

já prontas e a criança somente aprende a usar o teclado do computador e

manipular imagens, sem aquele prazer que se vê no desenhar livre, sem estimular

a capacidade criativa.

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Parece saudosismo, mas em tempos antigos o mundo girava em torno

das histórias contadas, dos livros ou mesmo do rádio, que foi uma invenção

marcante. Hoje, o mundo é bem diferente, mas nota-se que o “rádio fornece som,

mas ainda necessita de nós para imaginarmos como é a aparência do que está

sendo relatado. Ler também exige a criação de imagens. A mídia da tela faz todo

este trabalho, auxiliando na retenção de conteúdos mas prejudicando a ampliação

da aprendizagem” ( LINN, 2010, p.50).

Os brinquedos são, muitas das vezes, repletos de artifícios. Chegam

prontos, com voz, com luz, com movimentos, com riso e choro, com aparência de

vida, mas retirando o direito de criar, explorar, experimentar, sentir. Brinquedos

assim limitam a criança à passividade. Deste mesmo modo, a criança fica privada

de brincadeiras abertas ou do faz de conta, comprometendo a capacidade de

imaginação. O que está no pano de fundo é a limitação do pensar autêntico ou

divergente.

Ligado a uma concepção de mundo, o entendimento da brincadeira como

algo essencial nesta fase da Educação Infantil, torna imprescindíveis os

momentos dos jogos que relacionam as capacidades de imitar, imaginar,

representar e comunicar. As crianças reproduzem ou recriam uma rede de

significações do seu cotidiano, que vai mediando emoções e sentimentos,

facilitando na construção de sua subjetividade e auxiliando no lidar com conflitos,

ganhos e perdas.

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3.3- A educação e a arteterapia

“O impulso criativo, portanto, é algo que pode ser

considerado como uma coisa em si, algo naturalmente

necessário a um artista na produção de uma obra de

arte, mas também algo que se faz presente quando

qualquer pessoa – bebê , criança, adolescente, adulto

ou velho – se inclina de maneira saudável para algo ou

realiza deliberadamente alguma coisa, desde uma

sujeira com fezes ou o prolongar do ato de chorar

como fruição de um som musical.”

(WINNICOTT, 1975, p. 100)

O potencial criativo do ser humano está presente nos diferentes

ambientes independente da nação, cor, idade, ou condição social. O lidar com a

criatividade e imaginação é tarefa de todo aquele que assume o desafio de

participar da construção saudável, do viver criativo de alguém.

A proposta de se educar uma criança, nos tempos atuais, necessita de

um resgate às formas de relação, para que se consiga um rompimento do

mecanicismo tão influente. Necessário se faz uma mudança no olhar do

profissional de educação.

A inserção da criança na educação formal é para a família um período de

confronto. É quando se percebe crescimento ou regressão, participação ou

passividade, interferindo diretamente nas expectativas dos pais ou responsáveis.

A dificuldade de aprendizagem é um tema freqüente na atualidade, gerando

angústia por parte tanto da criança quanto da família e, mesmo dos profissionais.

No que se refere ao profissional de educação, cada vez mais os desafios

da sociedade vêm exigindo estudos em diferentes campos, para que sua visão de

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mundo se amplie. Não se sustenta mais a concepção da criança ser meramente

individual e sem opinião. Neste aspecto, a arteterapia é uma contribuição que vem

facilitar o desempenho de profissionais que lidam diretamente com a infância.

Pode ser entendido que a arteterapia é uma “ciência fundamentada em medicina,

psicologia e artes em geral, que estuda e pratica os meios adequados para aliviar

ou curar os indivíduos por meio da expressão da arte” (OLIVIER, 2007, p.36).

Os cursos nesta área têm se difundido, principalmente dentro da

educação. Diferente de um aglomerado de técnicas, a arteterapia valoriza a

expressão do indivíduo que se dá nas várias propostas de trabalho. Portanto, o

uso de diferentes espaços vai permitindo que se resgate a relação terapeuta-

criança ou professor-criança, fornecendo um material autêntico que torna o viver

mais significativo.

O fazer na arteterapia destaca a livre expressão. A pintura, o desenho, a

modelagem são atividades que possibilitam a exploração de diferentes materiais

envolvendo todos os sentidos. Cabe evidenciar que o brincar surge, também, com

esta qualidade de permitir a expressividade da criança. Geralmente toda

brincadeira envolve o contato com outros objetos que se modificam conforme o

desejo de quem brinca.

Segundo Winnicott, a criança ao brincar “revela muitas coisas do seu

inconsciente”, encenando representações de modo profundo. Ele afirmava que

“um psicoterapeuta, muito antes que querer fazer diagnóstico de uma criança

deve, primeiramente, fazê-la brincar. Sem a ação do brincar, dizia ele, é

impossível um diagnóstico confiável" (NEGRINE, 2010, p. 31).

Na visão winnicottiana, uma das possibilidades de se exercitar uma

prática curativa é o “jogo dos rabiscos”, técnica criativa que foi desenvolvida na

entrevista com crianças. Como num jogo, o terapeuta e a criança interagiam

através de rabiscos e/ou desenhos numa folha de papel. A proposta era a de que

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o terapeuta rabiscasse uma folha em branco e a criança desenhasse a partir

daquele rabisco. Assim que acabasse, a criança iria iniciar o traço ou rabisco e o

terapeuta completaria. Este era apenas um procedimento facilitador e continente

que, sem interferências, propiciava transformações altamente significativas, em

especial nos casos de tendência anti-social.

O ato de brincar promove ações de socialização, pois é comum se

brincar com outros, fazer acordo com regras, regras da própria criança ou

regulamentos partilhados. Lembrando o que Winnicott enfatiza, é que a

“capacidade de brincar é uma conquista no desenvolvimento emocional de toda

criança humana”. Envolve comunicação, troca e relacionamento, retomando as

sensações primárias do relacionamento mãe-bebê. Quando se trata de um

brinquedo pode ocorrer uma destruição deste objeto ou restauração, o objeto pode

ser “ferido ou reparado; sujo ou limpo; morto e trazido de volta” (WINNICOTT,

2005, p. 49-50).

Quando a criança está brincando ela vive o momento da brincadeira em

si, não como mera reprodução da realidade. Esse material é tão rico, que deveria

fazer parte da pesquisa cotidiana dos ambientes em que a criança permanece

mais tempo. Sua comunicação não se dá simplesmente com palavras, mas pelos

gestos, pela expressão corporal, pela linguagem não-verbal.

“As crianças podem imitar uma variedade de ações

que vão muito além dos limites de suas próprias

capacidades. Numa atividade coletiva ou sob a

orientação de adultos, usando a imitação, as crianças

são capazes de fazer muito mais coisas”.

(VIGOTSKI, 1998, p. 115)

Sabendo que, usando vivências da arteterapia, se pode resgatar várias

das brincadeiras do mundo infantil, seja brincando de casinha, na caixa de areia,

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no pique ou no esconde-esconde e outras, fazendo emergir sensações ou

emoções que auxiliam na percepção do mundo.

Brincar de casinha para meninos e meninas, envolvendo a construção de

casas ou cabanas, pode-se reviver a “regressão, a imobilidade, a proteção e a

onipotência” conforme a sensação de estar dentro daquele espaço fechado, só

dela, dentro de um envelope. Esta brincadeira remete àquela “simbologia bastante

próxima do ventre materno” (AUCOUTURIER, 2007, p.207).

O contar histórias é também uma “brincadeira de asseguramento

profundo” sendo mediada pela linguagem. A dramatização, o gestual, o ambiente

e toda dinâmica utilizada nas histórias contadas, facilitam o contato com a vida,

com a morte, com a perda e com o encontro, com o medo e com a coragem e

tantas emoções que acompanham a vida humana.

“O contador de histórias saberá utilizar as variações

tônicas de sua voz e gestualidade, acelerando o ritmo

da narração, depois criando rupturas através da

lentidão e do silêncio, da espera, provocando

surpresas, sustos fortes que tenham ressonância

emocional, sem para isso intensificar a angústia que

afastaria a dimensão simbólica, fazendo surgir, nesse

caso, o medo real.”

(AUCOUTURIER, 2007, p. 221)

As brincadeiras de se esconder, de ser perseguido, de “polícia e ladrão”,

de “cabra cega” e outras, já se referem à simbologia da busca da presença e da

angústia da ausência. Aucouturier sugere que se deva brincar repetidamente

conforme o prazer da criança, permitindo o contato com esses sentimentos, com a

inversão de papéis: ora perseguindo, ora sendo perseguido.

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A educação, hoje, deve proporcionar um ambiente, seja em casa ou nas

instituições escolares, que promova jogos e brincadeiras dando oportunidade de

movimento com o corpo e estímulo da imaginação, onde a música, a dança, a

mímica, possam permitir a descoberta do mundo. Através da imitação ou da

criação, a criança pequena se constitui como sujeito.

O resgate do brincar é visto, nos dias de hoje, como um desafio da

educação. É um objetivo trazer de novo o prazer e o experimentar das

brincadeiras, procurando se distanciar dos modelos prontos e sem vida. Gerações

já perderam sua própria história, submersos na violência ou na desesperança.

Porém, é através da simplicidade de uma cantiga de roda, do faz de conta e

demais brincadeiras, que brotam o sorriso das crianças e dos adultos que

vivenciam, relembrando os tempos passados.

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CONCLUSÃO

Com a apresentação do caminhar da criança, desde o misterioso universo

da vida intra-uterina, até na sua vida escolar, este trabalho enfatizou a importância

dos cuidados para uma vida saudável, com destaque maior para o brincar, na

garantia do desenvolvimento infantil como um todo.

Uma vez que as primeiras vivências deixam marcas profundas, que se

estendem até a vida adulta, tornou-se necessário a retomada de alguns

estudiosos que se interessaram pelo tema. Assim, a pesquisa realizada elucida

novas reflexões na área educativa, delineando práticas que interligam a

arteterapia e a educação como alternativa numa sociedade mecanicista.

Tantos avanços tecnológicos neste mundo, mas o ser humano ainda se

depara com questões básicas nas relações primárias entre mãe e bebê, onde o

estímulo, o afeto, a linguagem, o brincar, parecem ter reduzido seu significado,

dando vez à imposição virtual, através da televisão, do celular, do computador e

similares. Para muitos vale mais ter do que ser.

Algumas reflexões a respeito do aspecto legal estabeleceram parâmetros

fundamentais, gerando novas discussões acerca de uma educação mais

significativa, tanto no âmbito familiar, quanto no âmbito escolar, em especial. Os

fatores que, hoje, distanciam os educadores das crianças devem ser modificados

e reavaliados.

Finalmente, é ressaltada a responsabilidade dos pais e educadores sobre

as crianças, pois a cada dia mais esta função tem sido entregue a terceiros.

Portanto, a importância do brincar se percebe como forma autêntica capaz de

possibilitar o encontro e o diálogo, tão necessários para trazer alegria, prazer,

sensibilidade e amor na convivência da humanidade.

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Ao observar as folhas iniciais do livro “O método Aucouturier – Fantasmas

de ação e prática psicomotora”, de Bernard Aucouturier, 2007, surge o poema de

Paul Baudiquey que abrange todo o caminhar deste trabalho e, tão bem, resume a

importância de ter alguém para conversar, tocar, sorrir e amar.

“Poema escrito na parede do aeroporto de Johannesburgo, que um amigo

de Nápoles me ofereceu, como metáfora da prática psicomotora”.

Se ninguém, jamais,

nos tivesse tocado,

seríamos enfermos.

Se ninguém, jamais,

nos tivesse falado,

seríamos mudos.

Se ninguém, jamais,

nos tivesse sorrido

– e olhado –,

seríamos cegos.

Se ninguém, jamais,

nos tivesse amado,

não seríamos

“ninguém”

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ÍNDICE AGRADECIMENTOS 03

DEDICATÓRIA 04

RESUMO 05

METODOLOGIA 06

SUMÁRIO 07

INTRODUÇÃO 08 CAPÍTULO I – A trajetória inicial do Ser Humano 11

1.1 - A formação do ser humano 12 1.2 - O nascimento do bebê 16 1.3 - Brincar é um direito da criança 21

CAPÍTULO II – A importância do Brincar 24

2.1 - Viver e o brincar 25 2.2 - Contribuições de Winnicott 29 2.3 - Vivendo o faz de conta 33

CAPÍTULO III – Os desafios da Educação 36

3.1 - A história e a Educação Infantil 37 3.2 - A influência da Tecnologia 41 3.3 - A Educação e a Arteterapia 44

CONCLUSÃO 49 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 51 CONSULTAS À INTERNET 54 ÍNDICE 55 FOLHA DE AVALIAÇÃO 56

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O RESGATE DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL

COMO ELEMENTO FACILITADOR

DA APRENDIZAGEM

Autora: Regina de Moraes Vergne Membros da Banca Examinadora _____________________________________________________ Nota: _______ _____________________________________________________ Nota: _______ _____________________________________________________ Nota: _______ _____________________________________________________ Nota: _______ _____________________________________________________ Nota: _______

Nota Final: _________ Foi considerada: ____________________

Niterói, ______ de _______________ de ___________.

2011