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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
Advocacia Empresarial Preventiva: Da Legal Due Diligence e
Auditoria Jurídica Societária e Contratual como meio de mitigar
riscos.
Por: Demetrius dos Santos Ramos
Orientador
Prof. Ms.Francis Rajzman
Rio de Janeiro
2010
1
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
Advocacia Empresarial Preventiva: Da Legal Due Diligence e
Auditoria Jurídica Societária e Contratual como meio de mitigar
riscos.
Monografia apresentada ao Instituto A Vez do Mestre
– Universidade Candido Mendes, como requisito
parcial para a obtenção do título de Especialista
(Pós-graduado - lato senso) em Direito Empresarial e
dos Negócios.
Por: Demetrius dos Santos Ramos.
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RESUMO
O presente estudo tem por finalidade trazer à baila a necessidade da
implementação da Advocacia corporativa nas empresas com o fito de propiciar
uma melhor gestão aos negócios por ela celebrados, seja nos momentos de
uma fusão, cisão, incorporação de uma sociedade por outra, seja num momento
de reestruturação societária, na celebração de contratos, acordos e convênios
com terceiros e a administração pública, seja para salvaguardar os interesses
de todas as classes de acionistas visando uma maior aplicação dos modernos
conceitos de governança corporativa no tipo societário das companhias
fechadas e sociedades limitadas, analisando e conceituando o que é uma legal
due diligence societária, bem como abordando alguns dos aspectos
componentes do direito societário como o capital social, órgãos sociais, forma
de deliberações, acordos de acionistas, acordo de cotistas, sempre
demonstrando a necessidade de se manter um componente de auditoria jurídica
atuante junto às empresas, mitigando riscos e adotando as práticas necessárias
a maior lisura e consecução dos objetivos da sociedade, em conformidade com
os ditames legais, bem como a análise dos principais institutos das relações
obrigacionais instituídos pela nova ordem Civil-Constitucional regentes dos
contratos, findando com a análise dos principais contratos de fomento mercantil.
Palavras-chaves: legal due diligence; auditoria; direito societário e contratual.
3
A Nilsa, companheira e fonte de inspiração e serenidade sempre; Lucas, espero ser merecedor de seu orgulho e admiração.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 05 1 - O CONCEITO DE LEGAL DUE DILIGENCE 07 2 – DA AUDITORIA SOCIETÁRIA 12
2.1 – DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS 14
2.1.1 – Das companhias 18 3 – DOS LIVROS SOCIAIS 26 4 – DO CAPITAL SOCIAL 27 5 – DOS ÓRGÃOS SOCIAIS 31
5.1 – DA ASSEMBLEIA GERAL 32 5.2 – DA DIRETORIA 37
6 – DOS ACORDOS DE ACIONISTAS 43 7 – DOS ASPECTOS CONTRATUAIS 45 8 – CONTRATO DE CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO (CCB) E DE FACTORING 59 8.1 – AS CÉDULAS DE CRÉDITO BANCÁRIO (CCB)
NOS CONTRATOS DE ABERTURA DE CRÉDITO E SUAS CONTROVÉRSIAS 59
8.1.1 – Da Constitucionalidade Da Cédula De Crédito Bancário 61
8.2 – CONTRATOS DE FATURIZAÇÃO (FACTORING) E A LIMITAÇÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS
EM 12% A.A 68
CONCLUSÃO 71 BIBLIOGRAFIA 75
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INTRODUÇÃO
Este trabalho foi realizado como requisito parcial a obtenção do título de
especialista em Direito Empresarial e dos Negócios do Instituto “A Vez do
Mestre” em convênio com a Universidade Cândido Mendes, cuja temática
aborda a “Advocacia Empresarial Preventiva: Da Legal Due Diligence e
Auditoria Jurídica Societária e Contratual como meio de mitigar riscos”.
Nesse sentido reside o interesse e consequente motivação em elaborar
esta investigação que emergiu nas discussões em sala de aula como tema
sugerido pela Ilustre Mestre Professora Ieda Tatiana Cury, tendo em vista o
aumento de fusões, aquisições, cisões, aberturas de capital de sociedades e
outras operações com o fito de fomentar a economia nacional e atingir os
objetivos dos envolvidos, bem como de experiências profissionais no exercício
da advocacia preventiva junto às instituições financeiras, abordando
precipuamente a análise dos documentos societários de empresas que tomam
crédito, alguns comentários sobre a formalização de contratos e assessoria na
tomada da decisão da concessão do crédito.
Tendo em vista estas considerações, os objetivos imediatos desta
pesquisa são: identificar na doutrina existente aspectos capazes de nortear a
análise dos documentos necessários a adequada regularidade das sociedades e
as melhores práticas contratuais, considerando o que os doutrinadores
descrevem e informam, além de captar os enfoques, as tendências e
jurisprudências e prioridades sobre o tema abordado, focando na demonstração
da necessidade do componente jurídico corporativo, assessorando, de maneira
preventiva como meio de mitigar riscos, desta forma buscar-se-á responder as
seguintes questões: Por que proceder a uma legal due diligence ou uma
auditoria jurídica societário e/ou contratual? E, os procedimentos
supramencionados podem mitigar riscos?
Tentar-se-á explicitar sobre o tema apoiado na legislação existente, ainda
que de forma analógica, através de uma pesquisa bibliográfica e em conceitos
fundamentados no método dialógico confrontando idéias doutrinárias de autores
6
distintos, com o intuito de fomentar a atividade da advocacia preventiva como
órgão componente das sociedades em todas as atividades desenvolvidas pela
sociedade, visando o esclarecimento com a conseqüente mitigação de riscos
que podem advir de suas operações sendo demonstrada a necessidade de uma
legal Due diligence societária e/ou contratual ou auditoria jurídica como forma
de nortear os investimentos, bem como auxiliar e orientar os administradores
das sociedads na busca por uma melhor governança corporativa como forma de
se alcançar os objetivos pretendidos com o menor custo e risco possíveis
tornando-se o auditor legal, por todos os seus fundamentos, indispensável ao
bom andamento dos negócios.
Assim, no capítulo 1 discorrer-se-á sobre a origem e o conceito adotados
para definir a legal due diligence e a auditoria jurídica, em seguida serão
realizados alguns apontamentos sobre a auditoria societária, na sequência
alguns dos requisitos formais dos tipos societários, objeto do presente estudo,
passando desde a formação de seu capital social, até aos órgãos sociais –
assembleia geral e diretoria findando com a análise dos acordos de acionistas,
onde, ao final, será apresentada uma sugestão de check-list, para orientar aos
interessados num ponto de partida sobre a auditoria jurídica societária e
contratual. Com relação a parte contratual buscar-se-á o que de mais moderno
preleciona a doutrina com enfoque Civil-Constitucional analisando dois dos
principais tipos contratuais utilizados na captação de crédito no mercado, bem
como da análise da boa-fé objetiva e seus deveres anexos.
7
1 - O CONCEITO DE LEGAL DUE DILIGENCE
Alguns autores informam que a terminologia due diligence, apesar de
apresentar-se como expressão anglo-saxônica, tem sua primeira aplicação,
conforme hoje entendida, no Direito Romano derivando da expressão diligentia
quam suis rebus, “a diligência de um cidadão em gerenciar suas coisas”1,
sendo, muitos anos após sua provável origem, aplicada para designar, na
prática empresarial, uma análise profunda da “‟saúde” jurídica, econômica,
financeira, social, ambiental, etc... de uma pessoa jurídica, ou seja, em todas as
suas vertentes, orientando compradores, vendedores e principalmente
investidores em procedimentos de aquisição, fusão, cisão, abertura e
fechamento de capital, privatizações e joint ventures, dentre outras possíveis,
sendo, todavia, as citadas que mais se utilizam dessa prática.
Ainda sobre a conceituação o Prof. Jayme Roso2 esclarece e
veementemente rechaça a simplória tradução de que due diligence é o “dever
de diligência” ou “dever de cautela” como alguns especialistas costumam
conceituar, conforme abaixo se segue:
Pois bem o clássico Black‟s Law Dictionary (5ª edição) conceituou: “due diligence é uma medida de prudência, ou atividade ou assiduidade, como se pode esperar, e normalmente é feita por, de um homem razoável e prudente, em determinadas circunstâncias; não mensurada por qualquer padrão absoluto, mas dependendo de fatos relativos de um caso especial” A terminologia jurídica conceitual no regime anglo-saxão ainda utiliza o raciocínio construtivo da sintaxe latina medieval, daí a dificuldade com que se deparam os colegas que não tiveram a oportunidade de ingressar no mundo maravilhoso da língua de Virgílio, ao terem que interpretar e, sobretudo, traduzir termos jurídicos complexos.
1 SANTOS, Thiago Carvalho. A importância da Due diligence no universo empresarial. Disponível em: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1153 Acesso em: 28/05/2009; 2 ROSO, Jayme Vita. A Due Diligence na Joint Venture. Disponível em: http://www.auditoriajurídica.com.br/artigos.php?cod=3 Acesso em: 28/05/2009;
8
A Due Diligence consiste em procedimento detalhado multidisciplinar de
investigação, coleta de dados e informações seguindo roteiro pré-estabelecido,
racional e metodológico com vistas a embasar parecer estritamente técnico,
apresentando uma “radiografia” do momento estudado da empresa para que as
partes interessadas possam tomar suas decisões cientes dos riscos envolvidos
na operação.
Como parte integrante de uma Due Diligence, está inserida a legal due
diligence, voltada à análise da parte legal da empresa estudada, focando, com
o perdão da redundância, os aspectos jurídicos envolvidos nas mais variadas
disciplinas do direito, dentre as quais se destacam, as áreas societária,
trabalhista, tributária, contratual, concorrencial, consumidor, ambiental e
administrativa regulatória (no caso de atividades dependentes de autorização e
fiscalização pelo governo).
No presente estudo os termos legal due diligence e auditoria jurídica,
apesar da dicotomia apresentada pelo ilustre Prof. e doutrinador Jayme Vita
Roso3 - um dos pioneiros sobre o tema no Brasil – que informa ser a auditoria
jurídica gênero da Due diligence, esta última tendo por escopo nortear e opinar
sobre as melhores práticas a serem adotadas para a consecução dos objetivos
almejados em uma operação envolvendo interesses empresariais, enquanto que
a auditoria jurídica visa apenas analisar e relatar os documentos e dados
determinados, apresentando um parecer conclusivo. Data maxima venia a
expertise do ilustre doutrinador, ousar-se-á em utilizar como sinonímias as
expressões, dado o intuito pedagógico que o presente trabalho se propõe.
Assim, nos dizeres de GUIMARÃES4, Auditoria é o “ato de examinar as
operações de uma associação, empresa, privada ou pública emitindo parecer
sobre elas com sugestões.”
3 VITA ROSO, Jayme. O valor agregado dos contratos internacionais de transferência de tecnologia: o novo Código Civil brasileiro e o rol do auditor jurídico. Disponível em: http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=599 Acesso em: 28/05/2009; 4 GUMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 6ª ed. rev. e atual. São Paulo: Rideel, 2004, pág. 106;
9
O termo auditoria tem sua maior aplicabilidade na área contábil, haja vista
que, até o presente estudo, ainda não foi regulada a auditoria jurídica em nosso
ordenamento jurídico, apesar de já haver projeto de lei sob o nº 6.854 de 2006,
da autoria do Deputado Raul Jungman5 (PPS-PE) junto ao Congresso Nacional,
dispondo ser a auditoria jurídica atividade privativa de advogado, com a
alteração do art. 1º da lei. 8.906, de 04 de julho de 1994, que dispõe sobre o
Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, descrevendo na
exposição de motivos que “A auditoria jurídica exercida por advogados é
atividade hodierna, que deve não só ser estimulada, como exercitada por
profissionais qualificados e ter chancela da OAB, que precisa regulamentá-la”.
Nesse projeto, que está em consonância com o pensamento do professor
Jayme Roso6, consta a definição muito próxima da defendida pelo douto autor,
para o qual:
“Auditoria Jurídica é trabalho que pode ser desempenhado unicamente por advogado no regular exercício da profissão, mediante contratação prévia e escrita, dentro dos cometimentos conferidos por lei, destinada a operar a revisão de processos de qualquer natureza ou proceder à avaliação de uma ou plúrimas situações concretas que lhe são apresentadas, no âmbito da advocacia, para emitir, concluído o trabalho, nas duas hipóteses, com observância dos princípios éticos e legais, parecer vinculante.”
Sobre a responsabilidade do advogado que emitir parecer em auditoria
jurídica sugere-se a aplicação das mesmas sanções já previstas no Estatuto da
5 JUNGMAN, Raul. projeto de lei 6.854 de 2006, Altera o artigo 1º da Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, que “dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.” Disponível em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/385714.pdf acesso em 29/05/2009. 6 VITA ROSO, Jayme. Auditoria jurídica para a sociedade democrática. São Paulo: Escolas Profissionais Salesianas, 2001. Pág 44. apud in VITA ROSO, Jayme. Poderá a auditoria jurídica servir de aopio à governabilidade das instituições? Disponível em: http://www.auditoriajurídica.com.br/artigos.php?cod=5 Acesso em 05/05/2009;
10
OAB, destacando sempre que a atividade exercida é de meio, e não de fim7, ou
seja, tem por finalidade orientar e demonstrar os pontos críticos àqueles que
contrataram o seu serviço, cabendo a avaliação de concretizar o negócio ou não
ao administrador, diferentemente da prevista no art. 8º, § 6º da LSA, onde há
responsabilidade do Avaliador e subscritor pelos danos causados por culpa ( lato
senso) devidamente apurada e demonstrada, sendo certo que, conforme
proposto pelo professor Roso, deve nortear todo o trabalho a ética e a
probidade necessárias e esperadas do operador do direito.
De forma analógica, tendo em vista a lacuna existente em nosso
ordenamento, pode-se utilizar o conceito trazido pela Lei nº. 6.385/19768 que
regula os mercados de capitais e criou a Comissão de valores Mobiliários
(CVM) e no que o Conspícuo Professor Nelson Eizirik9 - citando em paráfrase
Nelson Luiz G. F. Pinto e Marco Antônia G. Torres - descreve como dever de
diligência, em parecer sobre a responsabilidade civil e administrativa do
avaliador de empresas, no âmbito da lei de sociedades anônimas e mercado de
capitais:
“O dever de diligência, em todos os ramos do direito que a ele se referem, é usualmente empregado como uma consagração do standard do bonus pater familiae, que significa que cabe ao agente, no desenvolvimento de suas atividades, empregar o zelo e o cuidado que o tipo médio ou homem comum utilizaria na condução dos seus próprios negócios. No entanto, em se tratando de responsabilidade pelo exercício de atividade profissional, entende-se que o dever de diligência
7 Sobre o tema ler o artigo do Professor e Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Nagib Slaibi Filho intitulado “A obrigação de diligência e a responsabilidade civil do profissional liberal” Disponível em: http://www.tj.rj.gov.br/institucional/dir_gerais/dgcon/pdf/artigos/respo_civil/nagib_slaibi.pdf. Acesso em: 28/05/2009; 8 Art. 26. (...) §2º - As empresas de auditoria contábil ou auditores contábeis independentes responderão, civilmente, pelos prejuízos que causarem a terceiros em virtude de culpa ou dolo no exercício das funções previstas neste artigo; 9 EIZIRIK, Nelson. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pág. 210-211;
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não se exaure na observância da conduta do homem médio, exigindo-se do agente o comportamento que seria esperado do bom profissional na atividade por ele desenvolvida. Assim, a disciplina da responsabilidade de auditores e contadores obriga-os a atender aos Standards da profissão, responsabilizando-os pelos prejuízos causados caso deixem de proceder com a habilidade e diligência que um profissional razoavelmente competente e cauteloso procederia (...) Logo, o primeiro requisito que o avaliador deve atender para evitar a possibilidade de vir a ser obrigado a ressarcir eventuais prejuízos é atuar com a habilidade e perícia que normalmente se espera de um profissional competente.” (grifo nosso)
Bem como consagrado na lei 8.906/94 que em seu artigo 3210 define a
responsabilização do advogado, quando demonstrado o dolo ou culpa no
exercício de seu mister.
Assim, conforme preleciona a melhor doutrina sobre o tema, o Professor
e Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Sergio Cavalieri
Filho11 descreve que:
Não é obrigado o advogado a aceitar uma causa, mas, se firmar contrato com o cliente, assume obrigação de meio, e não de resultado, já que não se compromete a ganhá-la, nem a absolver o acusado. A sua obrigação é defendê-lo com o máximo de atenção, diligência e técnica, sem qualquer responsabilidade pelo sucesso ou insucesso da causa. Consequentemente, não há presunção de culpa nessa espécie de responsabilidade, a despeito de ser contratual. O cliente só poderá responsabilizar o advogado pelo insucesso da demanda provando que ele obrou com dolo ou culpa. (grifo nosso)
É com base nestes entendimentos que o presente estudo será
desenvolvido com a estipulação de alguns pontos críticos e a determinação de
check-list’s pontuais para se iniciar uma auditoria jurídica preventiva, destacando
10 Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa. 11 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. – 7ª. ed. São Paulo: Atlas, 2007 – pág. 377;
12
que a grande maioria dos autores descrevem a due diligence apenas como o
procedimento preparatório utilizado principalmente em operações de abertura de
capital (IPO – initial ofert), fusão, incorporação e aquisição de empresas (M&A
– merger and agreement), conforme já citado, destacando que limitar-se-á a
discussão apenas de alguns aspectos societários e contratuais, sendo certo que
uma auditoria jurídica completa açambarca quase todos os ramos do direito
com vistas a um parecer o mais completo possível, por isso tal atividade em
regra é desenvolvida por grandes escritórios, capazes de agregarem todos os
ramos do direito, bem como diversas outras áreas, ainda por se tratar a due
diligence de procedimento multidisciplinar, conforme já exposto acima.
2 – DA AUDITORIA SOCIETÁRIA
Vista pelos escassos autores do tema12, em uma ordem cronológica de
trabalho, como a primordial das auditorias a ser realizada dentro das empresas,
sendo que a auditoria societária tem por objetivo à identificação, organização e
avaliação dos documentos relativos à constituição e devida regularidade dos
atos sociais de uma empresa, observando o que algumas leis determinam,
especificamente para a exploração de determinadas atividades empresariais,
será necessário que se revistam de um tipo societário específico, assim, por
exemplo, de acordo com o artigo 25 da Lei 4.595/64, que dispõe sobre a
política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias, com exceção das
cooperativas de crédito, as instituições financeiras constituir-se-ão unicamente
sob o tipo de sociedade anônima13.
12 NEJM, Edmundo e BRUNA, Sérgio Varella apud in ASSUMPÇÃO, Antônio Augusto Francia ET AL in ABRAHAM, Marcus (org.) – Manual de Auditoria Jurídica - Legal Due Diligence: uma visão multidisciplinar no Direito Empresarial Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2008, pág. 25; 13 Art. 25. As instituições financeiras privadas, exceto as cooperativas de crédito, constituir -se-ão unicamente sob a forma de sociedade anônima, devendo a totalidade de seu capital com direito a voto ser representada por ações nominativas;
13
Desta forma não serão analisados todos os tipos societários, pois não
se enquadram nos objetivos do presente estudo, sendo analisado apenas o tipo
societário regulado na Lei. 6.404/76 que dispõe sobre as sociedades por ações,
também, conhecida como Lei das Sociedades Anônimas (LSA).
Ainda buscando conceituar a auditoria societária seu objeto e
procedimento, Edmundo Nejm e Sérgio Varella Bruna14 descrevem, de forma
sucinta, ser:
“Avaliação dos atos constitutivos da empresa e do seu estado perante os órgãos de registro do comércio, a fim de que possam ser identificados eventuais entraves à operação em andamento, bem como a análise de seus livros societários, com vistas a verificação da regularidade dos atos neles registrados. No tocante as empresas de capital aberto, devem também ser verificados: os registros na comissão de Valores Mobiliários e Bolsa de Valores; a emissão de títulos pela empresa auditada; as ofertas públicas eventualmente realizadas; a conduta da companhia quanto à observância dos direitos minoritários”
Ressalta-se que os efeitos buscados em virtude da auditoria jurídica
elaborada podem ser imediatos ou a longo prazo, haja vista que passa a ser
ferramenta fundamental na assessoria aos diretores das companhias na busca
de maior proficiência e dos princípios mais avançados da governança
corporativa, desta forma, Lucas Alexandre Barquette15, em ensaio publicado no
CONPENDI, descreve sucintamente sobre a necessidade e expectativas dos
administradores ao utilizarem-se da auditoria jurídica como meio de viabilizar o
sucesso do negócio.
A visão do uso da auditoria jurídica para o sucesso de um empreendimento pode ter alcance imediato ou a longo prazo. Para saber o momento certo de utilizar essa estratégia, é necessário estudar, avaliar e mapear o negócio, buscando definir e reconhecer os fatores de riscos a serem evitados, identificar e
14 Opus cit. pág. 26; 15 BARQUETTE, Lucas Alexandre. O uso estratégico da auditoria jurídica para o sucesso do negócio. Disponível em: www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/brasilia/16_373.pdf Acesso em: 29/05/2009.
14
reconhecer os erros. A partir desse ponto será preciso estabelecer diretrizes e traçar metodologias que serão aplicadas por meio do planejamento jurídico estratégico traçado pelo auditor-advogado, voltado para a maximização dos resultados empresariais e para a diminuição dos riscos, contingências e passivos verificados no caso concreto.
Dada a complexidade do presente estudo, analisar-se-á apenas o tipo
societários citados, ficando os demais tipos societários como sugestão de
elaboração de futuro estudo complementar.
2.1 – DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS
Regulada pela lei 6.404/76 as sociedades anônimas são definidas pelo
Prof. Fran Martins16 da seguinte forma:
“Sociedade anônima é a sociedade em que o capital é dividido em ações, limitando-se a responsabilidade do sócio ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas. Essas sociedades têm um modo de constituição próprio e seu funcionamento está condicionado a normas estabelecidas na lei ou no estatuto. São consideradas sociedades institucionais ou normativas e não contratuais, já que nenhum contrato liga os sócios entre-si. As sociedades anônimas em regra são reguladas por lei específica.”
No mesmo sentido é o pensamento do Insigne Professor Modesto
Carvalhosa17, in verbis:
“Como pessoa jurídica de direito privado, de natureza mercantil, em que o capital se divide em ações de livre negociabilidade, limitando-se a responsabilidade dos subscritores ou acionistas ao preço de emissão das ações por eles subscritas ou adquiridas”
16 MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial: empresa comercial, empresários individuais, microempresa, sociedades comerciais, fundo de comércio. ed. rev.e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1999, pág. 229; 17 CARVALHOSA, Modesto, Apud in ASSUMPÇÃO, Antônio Augusto Francia ET AL, opus cit. Passim;
15
Neste sentir pode-se classificar com base na melhor doutrina que a
sociedade anônima possui as seguintes características:
1. Capital social dividido em ações transferíveis;
2. Sociedade de capitais e não de pessoas;
3. Responsabilidade dos acionistas limitada ao preço de emissão das ações
adquiridas ou subscritas;
4. Seu caráter sempre será empresarial por força da lei, independente do
objeto social;
5. Possibilidade de subscrição do seu capital social por oferta pública.
Apenas para esclarecer cada ponto o capital social é dividido em ações,
que têm a capacidade de circulação autônoma, quando se tratar de companhia
aberta ou quando não houver limitação de oferta aos atuais acionistas.
As ações podem ser ordinárias, preferenciais ou de fruição, conforme os
direitos e privilégios de cada espécie – cabe destaque nesse ponto para as
golden share que são ações de classe especial criadas pela lei 8.031/1991 e
posteriormente mantidas pela lei 9.491/1997 e finalmente incluídas na LSA
através da Lei 10.303/2001 com a inclusão do parágrafo 7º no artigo 1718,
utilizadas no âmbito dos processos de privatização, onde tais ações conferem
poderes especiais para que o ente desestatizante possa intervir, conforme
prévia estipulação, inicialmente apenas com relação ao direito de veto,
posteriormente de determinadas matérias, sempre que as decisões sociais
fossem de interesse público, também previamente descritas no Estatuto Social -
no que se refere à circulação ou transferência serão sempre nominativas seja
18 Art. 17 – As preferências ou vantagens das ações preferenciais podem consistir: (...) §7º. Nas companhias objeto de desestatização poderá ser criada ação preferencial de classe especial, de propriedade exclusiva do ente desestatizante, à qual o estatuto social poderá conferir os poderes que especificar, inclusive o poder de veto às deliberações da assembléia geral nas matérias que especificar. *§ 7º acrescido pela Lei nº 10.303, de 31/10/2001.
18
subscrição e/ou integralização do capital social diretamente pelos seus
fundadores de forma particular
2.1.1 – Das companhias
As sociedades anônimas podem também ser classificadas como
Companhias Abertas ou Fechadas, sendo tal distinção pacífica na doutrina no
que se refere à admissão de suas ações e demais valores mobiliários à
negociação através do mercado de balcão ou, de forma secundária, na Bolsa de
Valores.
O Professor Tavares Borba21, ao enfrentar tal distinção nos afirma que:
Conforme já ressaltado, o que imprime a uma sociedade anônima a condição de companhia aberta é a admissão e seus valores mobiliários às negociações de mercado. Para tanto, impõe-se o registro da empresa na CVM (art. 21 da lei 6.385/76), quer para negociação na Bolsa, quer para negociação no mercado de balcão. A CVM (art. 4º, §3º da lei 6.404/76) poderá classificar as companhias abertas em categorias, fixando exigências diversas para cada categoria. O simples registro, só por si, transforma a companhia fechada em aberta. (...) Ainda que nenhum título da sociedade tenha ido ao mercado, a formalidade do registro já a torna uma companhia aberta.
Rubens Requião22, grande “mestre dos mestres”, ao tratar sobre a
distinção entre as duas espécies de sociedade anônima enfaticamente
preleciona que:
É fácil compreender a profunda distinção, de princípios e de finalidades, entre a sociedade anônima fechada, de estilo
, § 1º. Qualquer que seja o objeto, a companhia é mercantil e se rege pelas leis e usos do comércio. 21 BORBA, José Edwald Tavares. Direito Societário. 10ª ed. rev. aum. e atual.. Rio e Janeiro: Renovar, 2007, pág. 165; 22 REQUIÃO, Rubens, Apud in BERTOLDI, Marcelo M. Curso avançado de direito comercial. 4ª ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Editora revista dos Tribunais, 2008, pág. 231;
19
comum, e a sociedade anônima aberta. Enquanto a sociedade fechada se rege por regras da autonomia da vontade, consagradoras dos interesses privatistas e egoísticos de seus sócios, objetivando sobretudo o lucro pessoal, a sociedade anônima aberta objetiva outros interesses ligados ao mercado, no qual atua desde a colheita de recursos para a sua constituição e, posteriormente, para se autofinanciamento. Suas ações inundam o mercado alimentando os pregões das bolsas, onde são cotadas, ensejando outros tantos negócios lucrativos, aos quais são estranhas as sociedades anônimas fechadas.
Coadunando com o mesmo entendimento o Professor Fran Martins23,
ainda descreve um fato muito típico referente às companhias fechadas ao trazer
à baila a chamada sociedade anônima de capital fechado com estrutura familiar:
Não se deve confundir a companhia fechada com a chamada sociedade familiar. Esta é sempre uma sociedade fechada, ficando, porém, as suas ações em poder dos membros de uma mesma família ou de pessoas muito aproximadas dessas; por isso essas ações não são negociadas nas bolsas ou no mercado de balcão, isto é, não são as ações oferecidas à venda ao público em geral. Pode existir uma sociedade não-familiar, com grande número de ações, que será considerada fechada se as suas ações não forem oferecidas ao grande público, por intermédio das bolsas ou do mercado de balcão.
Há ainda autores que citam as companhias fechadas intuitu personae,
onde cláusulas limitativas da circulação das ações prevalecem no estatuto
social, conforme o artigo 36 e seu parágrafo único da LSA, sendo certo que
neste tipo societário, em regra, também é relevante a pessoa do sócio-
acionista.
Desta forma Maria Bernadete Miranda24 em artigo publicado na internet
discorre sobre tema tão intrigante e representativo da realidade das companhias
fechadas brasileiras e esclarece que:
23 Opus Cit. Pág 237; 24 MIRANDA, Maria Bernadete. Restrições à Circulação de Ações em Companhia Fechada. Disponível em: http://www.direitobrasil.adv.br/arquivospdf/artigos/artigo3.pdf. Acesso em 25/05/2009;
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As “sociedades anônimas de pessoas” apresentam, certas características próprias, que as distinguem das demais companhias, tais como: 1 - limitação à circulação das ações, seja no estatuto, seja em acordo de acionistas; 2 - quorum deliberativo mais elevado do que o legal, para certas e determinadas questões, tanto na assembleia geral, quanto no conselho de deliberação, o que equivale à atribuição de um poder de voto à minoria; 3 - a distribuição equitativa dos cargos administrativos entre os grupos associados; 4 - a solução arbitral dos litígios societários. Na Europa Continental e na América Latina, a possibilidade jurídica das “sociedades anônimas de pessoas” está ligada à mais larga admissão da validade jurídica e da execução específica de estipulações em acordo de acionistas, como é o caso da nossa Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
Ainda conclui, através dos institutos da fidelidade e da confiança,
componentes da affectio societatis,25 que trata-se do elemento subjetivo
fundamental a constituição de uma sociedade de pessoas significando a
vontade, ânimo de constituir uma sociedade e empreender para o seu sucesso,
largamente utilizados na sociedades limitadas e nas sociedades onde a
responsabilidade dos sócios é, em regra, ilimitada, ao afirmar que:
Há, assim, dois elementos componentes da “affectio ou bona fides societatis”, representativos do duplo aspecto dessa relação: a fidelidade e a confiança. A fidelidade é o escrupuloso respeito à palavra dada e ao entendimento recíproco que presidiu à constituição da sociedade, ainda que o quadro social se haja alterado, mesmo completamente. E a confiança é também um dever do sócio para com os demais, dever este de tratá-los não como contrapartes, num contrato bilateral em que cada qual persegue interesses individuais, mas como colaboradores na realização de um interesse comum. Portanto não nos resta dúvida que essa característica de contrato de boa fé varou os séculos e marca ainda, as nossas “sociedades de pessoas”, mesmo revestidas da forma acionária.
25 Ibid.
21
Outro ponto crucial para a escolha pelo tipo societário de companhia
fechada reside no alto custo de manutenção e exacerbada fiscalização por parte
da Comissão de Valore Mobiliários (CVM), considerados também como os
principais fatores motivadores do fechamento de capital de companhias abertas,
como por exemplo os altos custos com a publicação de demonstrativos
financeiros (art. 176, §1º da LSA); os custos de manutenção de um conselho de
administração, que nas companhias fechadas não é obrigatório (art. 138, §2º da
LSA interpretação a contrario senso); os consideráveis gastos necessários para
o cumprimento do requisito obrigatório, nas companhias abertas, no que se
refere às auditorias independentes (art. 177, §3º da LSA); os custos com a
manutenção do registro junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) (art. 4º
e §§ da LSA); o custo com a publicação de fatos relevantes, convocações,
publicações em jornal de grande circulação e na mídia oficial para assembléias
gerais, arquivamento de inúmeros atos na respectiva Junta Comercial, além de
outras formalidades determinadas na lei e nas normas expedidas pela CVM ,
sobre o tema elucida de forma objetiva Lídice Marques da Silva Xavier26,
acrescentando sobre a fiscalização realizada pela CVM:
Não só a nebulosa atmosfera do mercado de capitais, cuja purificação é objetivo da moderna legislação, como também diversos outros fatores podem ser apontados como motivação do fechamento do capital. Nessa linha, podemos citar: (...) Fiscalização: Não rara a tentativa de evitar intensa fiscalização da CVM nas companhias, exercida por força de lei, bem como a incidência de normas jurídicas impostas por essa autarquia, tais como o disclosure, obrigatoriedade de oferta pública para aquisição de ações, e diversas outras.
26 XAVIER, Lídice Marques da Silva. Fechamento de capital das companhias abertas in Revista de Direito empresarial IBMEC, vol. 3. Pág. 49;
22
Em contrapartida as companhias abertas tem como seu principal atrativo
a possibilidade de seus valores mobiliários poderem ser negociados no mercado
de capitais, desta forma, como bem nos ensina Eizirik27:
A função econômica essencial do mercado de capitais é a de permitir às empresas, mediante a emissão pública de seus valores mobiliários, a captação de recurso não exigíveis para o financiamento de seu projetos de investimento ou mesmo para alongar o prazo de suas dívidas; como não se tratam de empréstimos, a companhia não está obrigada a devolver os recursos aos investidores (...), mas, isto sim a remunerá-los, sob a forma de dividendos, caso apresente lucros em suas demonstrações financeiras.
Cabe destacar que são valores mobiliários passíveis de negociação no
Mercado Financeiro, além das ações todos os descritos nos incisos do art. 2º
da Lei 6.385/1976, que dispões sobre o mercado de valores mobiliários e cria a
CVM.
Após essa brevíssima explanação sobre as sociedades anônimas e sua
classificação inicial, passar-se-á aos atos necessários a regular constituição
desse tipo societário, assim sendo, e de acordo com a doutrina são três as
etapas que envolvem a constituição de uma Sociedade anônima, definidas como
providências preliminares, constituição propriamente dita e providências
complementares.
No artigo 80 e 81 da LSA estão descritas as providências preliminares
quais sejam:
1. Subscrição por pelo menos duas pessoas de todas as ações em
que se divide o capital social fixado no estatuto;
2. Realização, entrada, de pelo menos 10% (dez por cento) do preço
de emissão das ações subscritas em dinheiro, e
3. Depósito junto a uma instituição financeira autorizada pela CVM da
parte do capital realizado em dinheiro.
27 EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado de Capitais – Regime Jurídico. 2. ed. rev. e atual.- Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pág. 8
23
Nos artigos 82 a 93 a constituição propriamente dita e seus requisitos,
quais sejam:
1. O registro de emissão (específico de companhias abertas);
2. Projeto de estatuto;
3. Prospecto (específico para companhias abertas);
4. Lista, boletim de entrada;
5. Convocação de assembleia e assembleia de constituição;
6. Requisitos para constituição por subscrição particular (específico
para companhias fechadas) e
7. Demais providências;
E nos artigos 94 a 99 as providências complementares, quais sejam:
1. Arquivamento e publicação dos atos das companhias constituídas
por assembleia ou escritura pública;
2. Sobre os atos do registro do comércio;
3. Publicações e transferência de bens e
4. Responsabilidade dos primeiros administradores.
Destarte tais providências, cumpre ao auditor jurídico verificar se todos
os requisitos determinados na legislação foram cumpridos, bem como da
regularidade do estatuto social que deve conter as diretrizes e condições
básicas da empresa, sendo necessários alguns requisitos obrigatórios no
Estatuto Social, conforme nos esclarece o professor Tavares Borba28:
O estatuto deverá dispor sobre a denominação e o domicílio da sociedade, o capital e as características das ações, a administração da sociedade, as assembleias-gerais, as demonstrações financeiras, a distribuição do lucro, a duração da sociedade e a forma de liquidação, bem como sobre tudo o mais que for considerado relevante. Constitui o estatuto a lei interna da sociedade, funcionando como corpo normativo da atuação social e como instrumento de polarização dos acionistas, através de seus direitos e obrigações.
28 Opus Cit. Pág. 213;
25
o Eleição dos membros do conselho de administração ou
diretores, indicando a respectiva qualificação completa e o
prazo de gestão;
o Fixação dos honorários dos administradores e dos
conselheiros fiscais; fecho da ata (com assinatura de todos
os subscritores e o visto do advogado)
No caso de se utilizar a constituição por escritura pública esta deve ser
assinada por todos os subscritores, contendo necessariamente a qualificação
dos subscritores; o estatuto social; a relação das ações tomadas pelos
subscritores e as importâncias pagas sob forma de entrada; a transcrição do
recibo de depósito do valor correspondente a 10% (dez por cento) do preço das
ações subscritas em dinheiro; transcrição do laudo de avaliação dos peritos no
caso de subscrição do capital com bens e a nomeação dos primeiros
administradores e, quando for o caso, dos fiscais, tudo na forma do artigo 88, §
2º da LSA.
Ressaltando que tanto na subscrição através da assembleia geral ou por
escritura particular é requisito formal o visto por um advogado.
Em seguida devem ser observados os requisitos complementares, que se
referem em regra ao arquivamento e publicação dos atos constitutivos.
Para que a sociedade possa adquirir personalidade jurídica será
necessário que seus atos constitutivos sejam levados a registro na Junta
Comercial competente, por exemplo no caso de instituições financeiras há
necessidade de autorização governamental, na forma da lei 4.595//64. Somente
depois de cumpridas as exigências advindas do órgão regulador é que será
possível o registro da companhia na Junta Comercial competente para que
então a sociedade possa exercer suas atividades adquirindo personalidade
jurídica.
Na forma do art. 36 da lei 8.934/94 a empresa deve levar a registro no
prazo de 30 (trinta) dias os atos constitutivos da empresa, nesse caso os
efeitos do registro retroagirão ao dia da sua constituição efetivamente.
28
4 – DO CAPITAL SOCIAL
Trata-se dos bens que compõem ou que foram repassados ou subscritos
pelos acionistas de acordo com o número e tipo de ações por estes adquiridas,
são o montante pecuniário transferido do patrimônio de cada acionista para a
formação de acervo próprio da companhia.
Apesar de redundante, necessário se faz esclarecer que o capital social
será divida em ações que por sua vez podem ser dividida em três espécies,
conforme já explicitado, sendo elas Ordinárias, Preferenciais ou de Fruição, esta
última uma variação dos outros dois tipos citados, sendo que tais espécies
também podem ser divididas em classes distintas, como por exemplo, ação
preferencial da classe A, B ou C, etc.
No que tange as ações ordinárias as classes poderão ser estabelecidas,
conforme disponham sobre:
1. Sua possibilidade de conversão em ações da espécie preferencial;
2. Exigência de nacionalidade brasileira do acionistas; ou
3. Direito de voto em separado para o preenchimento de
determinados cargos de órgãos administrativos.
Destaca-se que para a mudança estatutária das classes das ações
ordinárias será necessária a concordância de todos os titulares das ações
atingidas, caso estas alterações não estejam reguladas no estatuto social.
No que se refere as ações preferenciais, as classes podem ser
estabelecidas, conforme o tipo de privilégio assegurado para cada classe, por
exemplo na prioridade de distribuição de dividendo, fixo ou mínimo, o direito de
eleger, em votação separada um ou mais membros dos órgãos de
administração, dentre outros possíveis.
Destarte ressaltar que uma companhia fechada poderá ter a composição
de capital social dividido da seguinte forma, por exemplo: 50% (cinquenta por
cento) das ações emitidas na espécie preferenciais de quaisquer classes com
restrição do direito de voto, e cinquenta por cento de ações Ordinárias de
29
quaisquer classes no máximo, conforme determina o artigo 15, §2º da LSA.
Destacando apenas que esta é apenas uma das formas de divisão que capital
social pode assumir, podendo, entretanto ser composto exclusivamente por
ações ordinárias, ou por percentual inferior a 50% (cinqüenta por cento) de
ações preferenciais.
Para o doutrinador Waldirio Bulgarelli31 o capital social constitui-se numa
fictio juris, citando Brunetti, conforme abaixo:
O capital social constitui-se numa fictio juris concebida para a salvaguarda dos credores sociais, sendo tutelado por duas séries de normas, uma regulando a constituição da sociedade, a fim de que o valor efetivo do patrimônio inicial não seja inferior ao capital social e outra visando a integridade do capital durante a vida da sociedade.
Complementa o Insigne Professor e Advogado Nelson Eizirik32 que “o
Capital social constitui uma noção construída na prática mercantil para
possibilitar a garantia dos credores e o funcionamento da empresa.”
Num primeiro momento o capital social, conforme já esclarecido,
corresponde à totalidade do patrimônio da sociedade se já totalmente
integralizado no momento de sua criação, posteriormente com a movimentação
empresarial e a consecução de seu objeto social, o patrimônio tende a se
distanciar do capital social, que em regra é intangível, e mantém-se inalterado,
enquanto que o patrimônio poderá crescer ou diminuir conforme os resultados
dos negócios da companhia.
Desta forma nos dizeres do Professor e Doutrinador Nelson Eizirik33:
31 BULGARELLI, Waldirio apud in ADIERS, Leandro Bittencourt. Função e natureza jurídica das demonstrações financeiras. Caráter constitutivo das decisões assembleares tomadas por órgãos das sociedades anônimas. A ação reguladora e princípios essenciais vinculadores de companhias abertas com valores mobiliários no mercado de capitais. Imposições da ordem Constitucional Econômica. Prazos de prescrição na leis das Sociedades Anônimas in Revista de Direito empresarial IBMEC, vol. 3. Pág. 26; 32 Opus Cit, pág. 303; 33 Ibid;
30
O capital social, formado pela contribuição dos sócios e pelas reservas, é representado por uma cifra constante do estatuto social, somente podendo ser alterado pela assembleia geral nas hipóteses previstas em lei. O capital, que tem uma existência de direito, não de fato, evidentemente não se confunde com o patrimônio, formado pelo conjunto de bens, direitos e obrigações da empresa; o capital constitui um valor estático, ao passo que o patrimônio é dinâmico, por excelência, sofrendo mutações.
A intangibilidade se refere ao fato de que “os acionistas não poderão
receber, a título de dividendos, os recursos apontados à sociedade sobre a
rubrica de capitalização” 34.
Em casos específicos o capital social poderá sofrer mutações, o artigo
166 da LSA determina que o capital poderá ser aumentado:
1. por deliberação da assembleia geral ou do Conselho de
Administração, observado o que dispuser o estatuto, nos caso de
emissão de ações dentro do limite autorizado no estatuto (trata-se
de aplicação da modalidade de companhia de capital autorizado,
onde é definido no estatuto a mutação do capital social, de forma
previamente estabelecida, sem a necessidade de alteração
estatutária);
2. Por conversão, em ações, de debêntures ou partes beneficiárias,
pelo exercício de direitos conferidos por bônus de subscrição, ou
de opção de compra de ações;
3. por deliberação da assembleia geral extraordinária convocada
para decidir sobre a reforma do estatuto social, no caso de
inexistir autorização para aumento ou de estar a mesma esgotada,
integralizando parte das chamadas reservas de capital
(obedecendo a previsão estabelecida para o item 1) e
4. Poderá também ser aumentado mediante subscrição de novas
ações, na forma do artigo 170 da LSA, somente após a realização
34 BERTOLDI, 2008, opus cit. pág. 241;
31
de pelo menos ¾ do capital social, destacando que o preço
dessas novas emissões deverá ser fixado sem diluição injustificada
das participações dos acionistas antigos, bem como deve lhes ser
preferencialmente oferecidas para subscrição as ações recém-
criadas, dentro de um prazo nunca inferior a trinta dias.
Para a redução do capital social devem ser observados os requisitos
expostos no artigo 173 e seus §§ da LSA, tais hipóteses são classificadas como
redução voluntária e redução compulsória, que nos dizeres de CARVALHOSA,
200935 são assim definidas:
A redução voluntária depende da deliberação da assembleia geral. Mesmo havendo capital excessivo ou perdas consideráveis, a ponto de se recomendar a medida, não é a assembleia geral obrigada a promovê-la, nem a acatar proposta que a respeito, eventualmente, façam os administradores. Também na redução compulsória, a deliberação é da competência da assembleia geral. Só que, neste caso, trata-se não propriamente de deliberação, mas de homologação de proposta que, por dever legal, devem fazer os administradores. Serão os casos de não-substituição de acionistas cujas ações tenham sido reembolsadas (art. 45) ou quando não forem encontrados compradores para as ações caídas em comisso (art. 107).
Nesses casos específicos, devem ser cumpridas várias formalidades
prescritas no artigo 173 e seguintes da LSA, bem como a da publicidade desse
ato, haja vista o interesse dos fornecedores ou terceiros com quem a sociedade
contraiu obrigações que devem ser protegidos, pois com tal procedimento parte
da liquidez apresentada num primeiro momento da celebração de um contrato
35 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas, Lei nº 6.404 de 15 de dezembro de 1976, com as modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638 , de 28 de dezembro de 2007. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, pág. 606;
32
de fornecimento de materiais ou de financiamentos junto a instituições
financeiras que basearam-se, primária ou secundariamente neste número.
5 – DOS ÓRGÃOS SOCIAIS
Existe a previsão na Lei da Sociedades Anônimas de quatro órgãos
deliberativos, quais sejam:
1. Assembleia Geral (artigos 121-127 da LSA dentre outras
passagens);
2. Conselho de Administração (artigos 138-142 da LSA; órgão
facultativo nas companhias fechadas);
3. Diretoria (Artigos 143-160) e
4. Conselho Fiscal (Artigos 161-165; órgão facultativo nas
companhias fechadas).
Tais órgãos, dada a complexidade envolvida no tema, são merecedores
de estudo mais aprofundado de suas atribuições, restando no caso concreto
análise por parte do auditor da competência dos atos celebrados por cada
órgão da sociedade, se as decisões foram tomadas nos limites dos poderes
estabelecidos para cada órgão, dos requisitos necessários para a validade das
decisões tomadas, como no que se refere aos quoruns estabelecidos na lei ou
no Estatuto Social, a responsabilidade civil, administrativa e penal dos
administradores no caso de atos contrários ao objeto social ou que atentem
contra a companhia, conflitos de agências, obrigatoriedade de aprovação das
contas e etc.
Trata-se, pois, de parte estritamente formal na análise casuística a ser
feita pelo auditor, que deve verificar cada ato societário celebrado, bem como
da sua regularidade junto à companhia, acionistas, terceiros e órgãos Estatais,
conforme o caso.
33
Neste sentir, passar-se-á ao estudo dos dois principais órgãos
societários indispensáveis a qualquer tipo de sociedade anônima, seja ela
companhia fechada ou aberta, a assembleia geral e a diretoria.
5.1 – DA ASSEMBLEIA GERAL
O principal órgão societário é a assembleia geral de acionistas cujo
funcionamento está regulado, principalmente Capítulo XI, dos artigos121 a 136
da LSA, além de outras passagens constantes em toda a lei, que, conforme os
ensinamentos de Bertoldi36 que discorre com a segurança, que lhe é peculiar,
afirmando que: “a assembleia geral é o órgão deliberativo de mais alto grau na
sociedade anônima, cabendo a ela deliberar sobre todos os assuntos da
companhia, desde os mais corriqueiros até aqueles de maior relevância.”
As assembleias são divididas em duas espécies no que tange a sua
competência definida na LSA: Assembleias gerais ordinárias e assembleias
gerais extraordinárias.
Serão ordinárias as assembleias quando tiverem por objeto as matérias
listadas no art. 132 da LSA e extraordinárias as demais, conforme está disposto
no artigo 131 da LSA.
Cabe ao Advogado auditor a verificação dos atos societários celebrados
pela assembleia geral, tanto ordinária quanto extraordinária, alguns quesitos
formais, como a assinatura no livro de presença por parte dos acionistas; a
escolha do presidente e do secretário pelos acionistas presentes; se a sua
convocação cumpriu os ditames previstos na lei, principalmente no que se refere
aos prazos para convocação; se os quóruns previstos tanto no estatuto, quando
não contrários à lei, bem como os definidos na própria LSA, foram cumpridos,
como por exemplo para a instalação em primeira convocação da A.G.E onde
será necessária a presença de no mínimo dois terços dos acionistas, outras
previstas no art. 136 necessitam de quorum qualificado para aprovação das
36 Opus Cit. Pág 313;
34
matérias ali contidas, etc; se as suas decisões foram devidamente publicadas,
arquivadas e registradas nos livros e órgãos competentes; observar, conforme o
caso as peculiaridades de cada tipo societário, conforme dispõe o próprio artigo
133, §4º e 5º da LSA.
Ponto que deve ser analisado de forma criteriosa refere-se à aprovação
sem reservas das demonstrações financeiras pela assembleia geral Ordinária,
que possui várias especificidades, como a necessidade da disponibilização ou
publicação com antecedência de ao menos um mês de relatório da
administração sobre os negócios sociais e principais fatos administrativos do
exercício findo; cópia das demonstrações financeiras; quando for o caso,
parecer dos auditores independentes sobre as contas da companhia e demais
documentos pertinentes constantes da ordem do dia.
Haja vista que a lei acaba por orientar erroneamente ao leitor desavisado
de que trata-se de requisito formal para a propositura da ação de
responsabilidade seja a assembleia geral ordinária que aprovou as
demonstrações financeiras e as contas da companhia sem reservas aos
administradores anulada judicialmente para posteriormente propor-se a ação de
responsabilidade. Tal equívoco, conforme os ensinamentos do Professor
Carvalhosa37 não são passiveis de questionamento haja vista a dispensabilidade
de tal requisito quando a ação proposta revestir-se de caráter ut singuli:
Ora, se fundamento da ação de responsabilidade é precisamente o vício (art. 158), mesmo que haja aprovação, sem reserva, pela assembleia geral, não fica absolutamente o acionista minoritário impedido de propor ação social ut singuli contra os administradores por fraude nas demonstrações financeiras e suas contas.
Concluindo seu pensamento, Carvalhosa38 esclarece que tal requisito
também não encontra fundamento ação ut universi proposta pela própria
empresa, ou substitutivamente por acionista conforme abaixo:
37 Opus cit. Pág 398-399; 38 Ibid;
35
Isto porque deliberando a assembleia geral acionar os administradores, estará obviamente retificando sua deliberação anterior de aprovação das contas daqueles, já que o pressuposto é o da existência de fraude. Logo, a deliberação de agir contra os administradores, para responsabilizá-los, automaticamente anula a deliberação anterior de aprovação sem ressalvas. (...) Por tudo isso, conclui-se que não tem qualquer fundamento a interpretação de que primeiro deve-se anular judicialmente a deliberação da assembleia geral, para depois ingressar com ação de responsabilidade.
Sobre o tema citado segue abaixo transcrição da ementa de processo
onde a Desembargadora Celia Meliga Pessoa discorre sobre os pricípios
estudados, conforme se segue:
2009.001.04369 - APELACAO
DES. CELIA MELIGA PESSOA - Julgamento: 07/04/2009 - DECIMA OITAVA CAMARA CIVEL
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO EMPRESARIAL. SOCIEDADE ANÔ-NIMA. AÇÃO SOCIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ADMINIS-TRADORES. LEGITIMAÇÃO EXTRAORDINÁRIA DA ACIONISTA.Sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito. Ilegitimidade ativa da acionista para pleitear prejuízos próprios em sede de ação social prevista no art. 159 da Lei das S.A. Ação de responsabilidade civil dos administradores, que se presta exclusivamente a veicular pretensão de reparação de danos da companhia, possuindo o acionista legitimação extraordinária para ajuizá-la tão-somente em prol da companhia, não podendo desvirtuá-la para fins de obter reparação individual por danos indiretos decorrentes dos danos diretamente sofridos pela sociedade da qual é acionista. Recorrente que tenta distorcer os fatos e os fundamentos apresentados de forma nítida, coerente, objetiva e correta na sentença. Inteligência do art. 159, caput e § 4º, da Lei das S.A. Apelante que possui legitimação extraordinária subordinada ou subsidiária, eis que somente pode ir a juízo quando presente omissão do legitimado ordinário na propositura da demanda. Substituição processual expressa na citada norma, quando a assembleia geral deliberar contrariamente ao ajuizamento da ação de responsabilidade civil dos sócios e o acionista detiver mais de 5% do capital social. Requisitos preenchidos. Ação social que deve ser fundada em
36
dano causado à companhia e visar a reparação dos prejuízos causados pelos administradores ao patrimônio social. Exame da petição inicial a demonstrar que a acionista, ao pugnar pela reparação da quantia referente a seu prejuízo individual, descaracterizou sua qualidade de substituta processual, tornando-se, assim, carecedora de legitimidade ad causam, eis que desvirtuou a pertinência subjetiva da lide, sendo desleal à relação jurídica em litígio, consistente na obrigação dos administradores perante a companhia, motivo pelo qual correta a sentença ao acolher a preliminar de ilegitimidade ativa. Além disso, ainda que não fosse caso de ilegitimidade ativa, a ação, nos termos em que foi posta, se mostra via inadequada, por não se prestar a veicular demanda em que o titular do direito de ação por legitimação extraordinária postula direito substantivo próprio. No que pertine aos honorários advocatícios, assiste parcial razão à apelante, uma vez que 10% do valor da causa se mostra excessivo e configura locupletamento sem causa. Inteligência do art. 20, §4º, do CPC, a demonstrar que quando improcedente a pretensão autoral, os honorários devem ser fixados consoante apreciação eqüitativa do magistrado. Parâmetros. Correção técnica das peças de defesa que impugnaram corretamente toda a matéria de defesa pertinente. Grau de especialização da matéria. Elevado valor da causa e indiscutível importância para as partes. Diligência dos causídicos. Porte e solidez das sociedades personagens da lide. Verba honorária que deve ser fixada em R$ 100.000,00 (cem mil reais) para cada patrono, eis que se trata de litisconsortes com diferentes procuradores. Quantia que se encontra na média dos valores fixados nesta corte para casos similares. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO.
Na mesma esteira a ilustre Ministra Nancy Andrighi39 do STJ, “Tribunal da
Cidadania”, ao versar sobre o tema, apoiada na melhor doutrina pátria, informa
em trecho de seu voto que:
A regra é, assim, a adoção da ação uti universi, ou seja, uma
demanda proposta pela sociedade empresária contra seu
administrador, após a sua destituição em Assembléia Geral, para
se ver ressarcida de prejuízos próprios.
Excepcionalmente, admite-se que o minoritário exerça tal ação
social, que então denomina-se uti singuli. Trata-se de
39 STJ - QUARTA TURMA – Resp 1.014.496 /SC. Ministra Nancy Andrighi. Publicado em 01/04/2008;
37
legitimação extraordinária. O minoritário exerce aí papel de
verdadeiro substituto processual, pois pleiteia em nome próprio
direito alheio (da sociedade empresária).
Outro ponto que merece atenção está ligado a alienação e oneração de
bens do ativo não circulante e de garantias prestadas pela companhia, de
acordo com o artigo 142, VIII da LSA - com nova redação dada pela lei
11941/2009 - compete ao conselho de Administração deliberar sobre estas, não
sendo possível ao estatuto determinar diferentemente, ou seja, quando da
ausência de um Conselho de Administração caberá a assembleia geral decidir
sobre tais temas, pois admitir que pudesse ser atribuída tal competência a
diretoria, seria nos dizeres de Carvalhosa40, “outorgar aos diretores todo o
poder de dispor do patrimônio social que pertence aos sócios”, e conclui
informando que:
A lei vigente, ao outorgar competência originária ao conselho, deixa que o estatuto, por questão de segurança da integridade o patrimônio social, devolva tais poderes à assembléia geral, jamais que os delegue aos diretores. (grifo nosso)
Desta forma, resta claro no que se refere administração extraordinária
esta prescindir de autorização de órgão colegiado, quando ausente o conselho
de administração esta autorização recai sobre a assembleia geral que for
convocada para decidir sobre tal instituto, não podendo o terceiro envolvido na
relação alegar a teoria da aparência, pois presente estará a teoria da
publicidade. Tais teorias serão abordadas no próximo tópico.
5.2 – DA DIRETORIA
A diretoria é o principal órgão administrativo da sociedade, constituída de
no mínimo dois administradores pessoas naturais, residentes no país e com
prazo máximo de três anos para sua gestão - devendo os administradores
38
manterem-se no cargo até a investidura de seus substitutos - permitida a
recondução, destituíveis a qualquer tempo, é através de seus diretores que as
companhias se relacionam com terceiros, sendo certo que estes representarão
a sociedade em todos os seus atos ordinários e extraordinários de gestão, a
representação orgânica é exclusiva dos diretores e indelegável ao conselho de
administração ou a outro órgão da companhia. Baseados na teoria do órgão,
que nos informa que a quando um componente da diretoria assume alguma
obrigação no exercício de suas atividades, na verdade trata-se da própria
companhia através de seu diretor que assume tal obrigação. É um instituto
utilizado também no direito administrativo, conforme, mutatis mutandis,
preleciona a Professora Di Pietro41:
Pela teoria do órgão, a pessoa jurídica manifesta a sua vontade por meio dos órgãos, de tal modo que quando os agentes que os compõem manifestam a sua vontade, é como se o próprio Estado o fizesse; (...) Na realidade, o órgão não se confunde com a pessoa jurídica, embora seja uma de suas partes integrantes; a pessoa jurídica é o todo, enquanto os órgãos são parcelas integrantes do todo.
Com base nesse entendimento destacar-se-á algumas questões que
devem ser levadas em conta no momento de uma due diligence societária.
Tratar-se-á dos efeitos da representação colegiada quando o estatuto
assim dispuser; da administração ordinária e extraordinária e seus reflexos nas
teorias da aparência e da publicidade; atos sem poderes ou com excesso de
poderes.
Algumas companhias optam por determinar a seus administradores
poderes para que atuem de forma isolada ou conjuntamente para obrigar-se a
sociedade, de regra para os atos de gestão as assinaturas isoladas de seus
administradores, quaisquer que sejam, é a regra inserta no artigo 144 da LSA,
todavia, para uma melhor gestão dos negócios buscando uma melhor
40 Opus cit. pág 152; 41 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, pág‟s 479-480;
39
governança grande parte das companhias, tanto abertas como fechadas,
dispõem que em negócios acima de “x” valores, para a prestação e garantias
reais e ou fidejussórias, para aquisição e alienação de bens da empresa e
demais atos que importem em obrigações de considerável vulto para a
instituição serão necessárias as assinaturas, pelo menos em conjunto d dois
administradores, podendo, conforme o caso, depender da assinatura do CEO
em conjunto com o vice-presidente da companhia, conforme o caso, após,
inclusive a deliberação por parte do conselho ou da assembléia geral
extraordinária convocada para decidir sobre tal assunto.
Neste termos podemos identificar algumas situações, quando no caso um
administrador exerce as funções atinentes aos negócios da companhia,
independente de deliberação de qualquer outro órgão, conforme disposto na
LSA ou Estatuto, estar-se-á diante de atos de sua competência originária, diz-se
que são atos de competência ordinária.
Quando um administrador necessita de autorização de outro órgão da
companhia para executar determinados atos, diz-se que são atos de
competência extraordinária.
Dentre alguns atos classificados como extraordinários estão os insertos
no artigo 142, VI, VII e VIII da LSA, bem como os de alienação e a oneração de
bens componentes do ativo da companhia, etc...
Nos casos de competência extraordinária, não cabe a outra parte
contratante alegar a teoria da aparência para tentar resguardar direitos que,
conforme o caso, serão considerados nulos perante a companhia, neste sentir,
o Professor Modesto Carvalhosa42 esclarece que:
Prevalece o princípio da publicidade (art. 289) em todos os atos de administração extraordinária, quando se pressupões que o terceiro contratante usará de todas as cautelas para verificar a representatividade dos diretores. Também não será a companhia responsável pelos atos praticados por diretores sem representação, quando terceiros contratantes devessem ter
42 Opus cit. Pág 182;
40
conhecimentos em razão da profissionalidade de seus atos ou de sua organização.
Em contrapartida à teoria da publicidade está a teoria da aparência,
oriunda, em regra, de atos ordinários de gestão, onde o terceiro que se obriga
através do administrador, acredita, por tratar-se de atos de gestão ou de
adesão, estar celebrando diretamente com a companhia, nesta esteira deve-se
destacar a necessária presença da boa-fé subjetiva do contratante e do
administrador, pois não há que discutir sobre a intenção das partes em se
obrigarem mutuamente, sendo certo que, como já destacado, o terceiro deve
acreditar estar contratando com a companhia através de seu administrador
ordinário, “de maneira que sua ignorância não esteja fundada em negligência,
mas sim em elementos objetivos, os quais tenham credibilidade suficiente para
uma atuação que demonstre a sua convicção de estar segundo o direito.”43
Desta forma segundo Carvalhosa prevalece a teoria da aparência,
quando se tratar de atos de gestão ou administração ordinária da companhia,
havendo boa-fé do terceiro, não podendo a mesma arguir nulidade do ato. Será
o negócio eficaz obrigando-se a sociedade, destacando que atos absolutamente
estranhos ao objeto da sociedade, não se tratando de quaisquer de seus
desdobramentos, não poderá o terceiro alegar boa-fé.
No exercício de seu mister deve o administrador guardar o zelo e
diligência esperado de um profissional capaz de conduzir os negócio da
companhia, alguns de seus deveres e responsabilidades estão elencados nos
artigos 153-157 da LSA, desta forma, estão seus atos sujeitos a
responsabilidade civil, administrativa e penal, conforme o caso, sendo certo que
nos casos onde, após aprovação da assembleia geral poderá ser proposta ação
de responsabilidade civil face ao administrador que causar prejuízo a companhia
por dolo ou culpa, na forma dos artigos 158, 159 e §§ da LSA.
43 VENCESLAU, Rose . Cláusula Geral da Boa-fé Objetiva apud in TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República – 2ª ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Renovar, 2007, pág. 606;
41
Destaca-se que não serão os administradores responsabilizados pelo
resultado de sua gestão quando regularmente exercida, pois estar-se-ia imputar
todos os fatores externos capazes de levar uma empresa ao insucesso como
condições capazes de gerar responsabilidade aos administradores.
Destaca-se que nas companhias fechadas há peculiaridade de que os
administradores são solidariamente responsáveis, cabendo aos que não
participaram para o evento danoso ação regressiva contra os causadores do
dano.
Sobre as ações de responsabilidade cabe destacar que a lei determinou
critérios para a sua proposição pela companhia, e extraordinariamente por
qualquer acionista, na omissão da companhia em promovê-la no prazo de três
meses e ainda no caso de minoria correspondente a cinco por cento no mínimo
do capital social discordar da assembléia que deliberar por não promover a
ação de responsabilidade.
Ressalta-se que tal ação de prazo de 03 (três) anos o prazo prescricional
para a propositura da ação social, nos termos do art. 287, II e alíneas da LSA
Sobre o tema seguem abaixo algumas jurisprudências analisando os
requisitos objetivos em cada caso, extraídas do Sítio do Tribunal de Justiça do
Rio de Janeiro:
1. 2008.001.09368 - APELACAO
DES. MARCO ANTONIO IBRAHIM - Julgamento: 29/04/2009 - VIGESIMA CAMARA CIVEL AUTORA SOCIEDADE ANONIMA FECHADA PAGAMENTO DE DESPESAS PESSOAIS DE SOCIO DESVIO DE FINALIDADE OBRIGACAO DE FILHOS DE PRESTAR ALIMENTOS INEXISTENCIA DE DIREITO DE CREDITO CONTRA O ESPOLIO INEXISTENCIA DE DIREITO DE REEMBOLSO Direito societário. Direito civil. Administrador. Lei de Sociedades Anônimas. Ação de cobrança ajuizada por sociedade anônima fechada, cujos acionistas são pessoas da mesma família. Pretensão da companhia contra o Espólio de uma de suas acionistas para obter reembolso de quantias que por doze anos foram vertidas para seu sustento. Hipótese em que não havia autorização assemblear ou norma estatutária prevendo o desvio de recursos da companhia para manutenção da matriarca da família, que era uma das acionistas e não ocupava cargo administrativo. Inteligência do artigo 154, da Lei nº 6.404/76.
42
Inaplicabilidade do artigo 305 do Código Civil de 2002. Impertinência da alegação de que a empresa cumpriu sua "função social". Conduta ilícita do administrador da companhia, que não poderia destinar recursos da empresa para finalidade diversa de seu objeto social. 1º recurso provido. 2º recurso prejudicado.
2. 2004.001.13955 - APELACAO
DES. MARLAN MARINHO - Julgamento: 05/04/2005 - DECIMA QUARTA CAMARA CIVELPROCESSUAL CIVIL E EMPRESARIAL. AÇÃO ORDINÁRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. SOCIEDADE ANÔNIMA. ATO DE SEUS ADMINISTRADORES. LEGITIMIDADE ATIVA. AUSÊNCIA DE PRÉVIA DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLÉIA GERAL. CONSEQÜÊNCIA. Somente a companhia administrada ou seus acionistas têm legitimidade ativa para a ação que busca indenização por ato de seus administradores. A propositura da ação, no entanto, subordina-se á prévia deliberação da assembléia geral, nos exatos termos do art. 159 da Lei n.º 6.404/76.
3. 2007.002.33363 - AGRAVO DE INSTRUMENTO
DES. BERNARDO MOREIRA GARCEZ NETO - Julgamento: 21/05/2008 - DECIMA CAMARA CIVEL Sociedade anônima. Ação de responsabilidade civil dos administradores. Inércia da assembléia geral. Legitimação extraordinária do acionista minoritário. Percentual do artigo 159, § 4.º , da Lei 6404. Verificação no momento em que ocorreu a lesão. Inexistência de prejudicialidade externa em relação à demanda, na qual se questiona o aumento do capital social. Agravo provido.
4. 2006.001.63659 - APELACAO
DES. FERDINALDO DO NASCIMENTO - Julgamento: 21/03/2007 - DECIMA QUARTA CAMARA CIVEL RESPONSABILIDADE CIVIL DE ADMINISTRADOR SOCIEDADE ANONIMA DUPLICATA DESCONTOS ILEGAIS ABUSO DE PODER RESSARCIMENTO DOS DANOS
Responsabilidade civil de administrador e acionista majoritário pelos prejuízos provocados na sociedade anônima. Descontos ilegais de duplicatas. Numerários não eram repassados ao caixa da firma. Os réus agiram com absoluta inobservância de seus deveres quanto ao dever de lealdade para com a empresa na qual eram diretor e acionista majoritário, havendo manifesto desvio e abuso de poder, o que viola os arts. 153,155 I e II da Lei 6404/76 em razão das ações praticadas, tais como descontos ilegais de duplicatas, ausência de repasse dos numerários ao caixa da firma, contato em prol de empresa concorrente, pagamento a maior dos honorários da diretoria no período entre 1988 e 1991, retirada de importância a título de honorários
43
mesmo tendo renunciado a eles, restando claro o dever de ressarcir os prejuízos provocados. Recurso conhecido e desprovido.
Deve o auditor analisar com a independência a ele peculiar se há algum
caso de responsabilidade dos administradores, e orientar a companhia sobre
tais atos e os procedimentos a serem adotados, bem como precipuamente
auxiliar os administradores na busca da full disclosure, indicando as melhores
práticas de governança, sempre viabilizando juridicamente e alertando em todos
os atos sociais que importem em obrigações ou responsabilidade da companhia,
de forma a se alcançar os efeitos desejados dessa ação preventiva.
6 – DOS ACORDOS DE ACIONISTAS
Tema de fundamental relevância presente na grande maioria das
companhias como forma de se garantir uma melhor governabilidade os acordos
de acionistas estão regulados no artigo 118 da LSA e em linhas gerais referem-
se ao poder de controle das companhias, mas também podem referir-se a
compra e venda de ações, preferência para adquiri-las ou do exercício do direito
de voto.
Segundo Nelson Eizirik44, ao divagar em consulta formulada sobre
intrigante tema do direito societário, discrimina a natureza jurídica do referido
instituto da seguinte forma:
O acordo de acionistas pode ser definido como um contrato celebrado entre acionistas da companhia para compor seus interesses individuais e para estabelecer normas sobre a sociedade da qual participam, de forma a harmonizar seus interesses societários e implementar o próprio interesse social.
Verificado o caráter contratual civil presente no referido instituto, para que
o mesmo seja oponível a terceiros deve o mesmo ser averbado na sede social,
44 Opus Cit. Pág 25;
44
nos livros de registro e certificados de ações nominativas ou junto a instituição
financeira responsável no caso de ações escriturais.
Nestes acordos os acionistas quaisquer temas poderão ser tratados e
obrigarão, considerados os modernos princípios norteadores das relações
contratuais insertos em nossa legislação civil através da Lei 10.406/02 que
instituiu o Novo Código Civil Brasileiro, principalmente os princípios da função
social do contrato e da boa-fé objetiva, bem como considerando o conceito de
obrigação como processo e não apenas como uma análise estática da relação,
sendo todas as vertentes externas relevantes também que as partes possam
alcançar os objetivos ali descrito, todavia, somente nos casos previstos na LSA
é que produzirão efeitos perante a companhia, mesmo que sejam cumpridas
todas as formalidades necessárias a sua validade e eficácia, inclusive perante
terceiros.
Conforme descrito nos artigo 118 da LSA os acordos de acionistas
podem ser aglutinados e classificados em duas modalidades: acordo de
bloqueio - onde haverá restrição a circulação das ações ou a determinação de
preferência para adquiri-las - ou acordos de voto - onde o objetivo do acordo é
tratar de assuntos pertinentes ao exercício do direito de voto ou poder de
controle, destacando que este último foi introduzido na LSA pela lei
10.303/2001, considerada pela doutrina como a reforma da S.A.
A importância em analisar-se este instituto por parte do auditor jurídico
está intrinsecamente ligada aos fundamentos de sua atividade, sendo certo que
os mesmos devem ser analisados em conjunto com os demais documentos
societários, verificando seus requisitos formais de validade e eficácia perante
terceiros.
Destarte ser também de vital importância que se verifique no caso
concreto quando do descumprimento, quando averbado na sede da companhia,
dos acordos de voto, bem como se as providências determinadas nos
parágrafos do artigo 118, conforme o caso foram devidamente adotadas e
registradas na ata da assembléia competente.
45
Deve o auditor no seu mister, de forma preventiva e, de acordo com os
interesses da companhia, sugerir, quando for o caso em seu relatório final,
parecer favorável ao cancelamento ou até criação de acordos de acionistas
capazes de melhor garantir os interesses dos acionistas e a governabilidade da
sociedade.
Não se pode negar que um dos principais fundamentos da auditoria
jurídica está intrinsecamente ligado ao apoio da governabilidade das companhias
como um todo, pois através de exames periódicos, e pareceres conclusivos, a
administração da companhia poderá adotar as providências necessárias para a
mitigação dos riscos que a não observância de tais requisitos podem acarretar
para a companhia, seja através da formalização e publicação de seus atos,
conforme determina a lei para que possa ser oponível a terceiros, seja
arquivando os mesmos junto a companhia para que produza os efeitos internos
necessários; na orientação da constituição de garantias a terceiros para a
consecução de seus objetivos sociais ou para visando estratégia de negócios
viabilize seus interesses.
7 – DOS ASPECTOS CONTRATUAIS
Neste tópico passar-se-á a análise de alguns pontos destacando alguns
dos mais relevantes institutos regentes das relações obrigacionais, numa visão
constitucional do direito civil, desta forma, trataremos das cláusulas gerais e das
nuances da boa-fé objetiva.
Não se pode iniciar este estudo sem apresentar os paradigmas regentes
da nova ordem civil constitucional, surgidas com a edição do Código Civil de
2002, que buscam concretizar os direitos contratuais, neste sentido a lex civile
persegue três grandes paradigmas, quais sejam: a Socialidade, a eticidade e a
operabilidade.
A socialidade pode ser traduzida como limites ao exercício de direitos
subjetivos impostos pela sociedade, onde não mais subsiste a idéia de relação
estritamente inter partes, pois todas as relações contratuais devem atingir seus
46
objetivos sem que haja a perturbação da paz social, devem assim cumprir a sua
função social, não apenas como limites externos a relação, mas como fonte
interna obrigacional de cooperação entre as partes e entre estas e a sociedade,
em busca do fim comum que é o adimplemento.
A Eticidade remete ao conceito de ética que segundo DEOCLECIANO45
são “normas e princípios que dizem respeito ao comportamento do indivíduo no
grupo social a que pertence”, bem como também pode ser tida como a “ciência
que estuda o fim para o qual a conduta dos homens deve ser orientada”46, assim
a eticidade emerge de cláusulas gerais regentes do direito civil com vistas a que
as partes mantenham em suas relações uma conduta ética, TEPEDINO47 bem
conceitua as cláusulas gerais, conforme abaixo descrito:
Cuida-se de normas que não prescrevem uma certa conduta mas, simplesmente, definem valores e parâmetros hermenêuticos. Servem assim como ponto de referência interpretativo e oferecem ao intérprete os critérios axiológicos e os limites para a aplicação das demais disposições normativas.
Dentre as cláusulas gerais advindas deste paradigma estão a boa-fé
objetiva, a função social, o abuso de direito, equidadade, os bons costumes,
etc...
Da Operabilidade, ou concretude remete o operador do direito às
peculiaridades do caso concreto, onde a aplicação do direito se dará, levando a
distintas soluções para uma situação jurídica regulada abstratamente dado a
singularidade das pessoas envolvidas na situação fática, observando as
desigualdades entre as partes na relação obrigacional com o fito de se buscar o
equilíbrio entre os contratantes.
Segundo Orlando Gomes Contrato é “... o negócio jurídico bilateral, ou
plurilateral, que sujeita as partes à observância de conduta idônea a satisfação
45 Opus Cit, pág 298. 46 CHAVES, Cristiano de Farias e ROSENVALD, Nelson. Direito das Obrigações. 4ª. ed., atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág. 105 47 TEPEDINO, Gustavo, apud in CHAVES, Cristiano de Farias e ROSENVALD, Nelson. Direito das Obrigações. 4ª. ed., atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág. 107
47
dos interesses que regularam.”48 Deste conceito ainda clássico pode-se retirar
alguns dos caracteres principais dos contratos, quais sejam: pluralidade de
partes, ainda que num primeiro momento apenas uma das partes seja
determinada e a outra seja apenas num futuro, ao menos no momento do
adimplemento, determinável, não é o caso do presente trabalho, mas não se
pode deixar de esclarecer que será necessário que as pessoas possuam
capacidade para tais atos, assim, o menor de dezesseis anos não celebrará
contrato se não estiver devidamente representado por seus responsáveis e o
maior de dezesseis e menor de dezoito ao menos assistido por seus
responsáveis, no primeiro caso o negócio será considerado nulo pela própria
previsão contida no artigo 166, I do Código Reale e anulável o celebrado por
agente relativamente incapaz, na forma do artigo 171, I do Código Civil (quanto
ao ato-fato jurídico tido como o que é celebrado entre os menores de dezesseis
anos como por exemplo quando uma criança compra uma bala seus efeitos são
reconhecidos por boa parte da doutrina, não sendo objeto do presente
trabalho).
Com relação à sujeição dos efeitos contratuais, estas serão melhor
analisadas quando do estudo da boa-fé objetiva e seus deveres anexos, sendo
que neste momento apenas cabe destacar que o vínculo jurídico estabelecido
entre as partes com vistas ao adimplemento obrigacional, poderá, conforme o
caso, ser exigido coercitivamente (através da prestação jurisdicional).
Os interesses podem ser sintetizados sob a forma de obrigações de
fazer, não fazer, dar ou restituir coisa, conforme o objeto da relação contratual.
Por fim vê-se a transitoriedade como uma de suas características, pois o
contrato, segundo Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald49 “... até mesmo porque
não pode haver uma relação obrigacional perpétua, o que implicaria, como se
pode extrair de seu conceito, uma verdadeira servidão humana.” com isto
remeter-se-á aos preceitos existentes para a validade do negócio jurídico
48 GOMES, Orlando. Contratos. 18ª. ed., atual. por Humberto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro: Forense, 1999, pág.10. 49 CHAVES, Cristiano de Farias e ROSENVALD, Nelson. Direito das Obrigações. 4ª. ed., atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág.11.
48
constante do art. 104 da lei civil, qual sejam: 1) agente capaz; 2) objeto lícito,
possível, determinado ou determinável e 3) forma prescrita ou não defesa em
lei. Quanto ao aspecto da forma cabe o destaque da necessidade, quando da
substância do ato, de ser celebrado por instrumento público, conforme a
conjugação dos artigos 108 e 109 do Código Civil, sendo, considerados
inválidos, remetendo –se ao prescrito no artigo 166, IV do CC/02.
De forma magistral Para Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald50,
abandonando a visão patrimonialista do direito Romano, de forma objetiva e
sucinta, sintetizam o que foi demonstrado ao afirmarem que:
Assim sendo, considerada a evolução histórica do Direito das Obrigações, já vista alhures, é possível, então, conceituar a obrigação como a relação jurídica transitória, estabelecendo vínculos jurídicos entre duas diferentes partes (denominadas credor e devedor, respectivamente), cujo objeto é uma prestação pessoal, positiva ou negativa, garantindo o cumprimento, sob pena de coerção judicial.
Desta feita passar-se-á ao estudo da boa-fé objetiva, suas nuances e
deveres anexo.
A boa-fé objetiva, após vários anos de angustiante ausência normativa
pátria, ressurge no ordenamento jurídico brasileiro, na seara Cível
explicitamente, através Código de Proteção e Defesa do Consumidor, Lei
8.078/90, que em seu art. 4º, III51 eleva tal instituto a princípio que norteará as
relações de consumo, ganhando maior destaque no art. 51, IV52 da mesma lei
50 Opus Cit. passim. 51 Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (...) III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (artigo 170 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. 52 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...)
49
sendo que somente 13 (treze) anos após com entrada em vigor da Lei
10.406/02 (Código Civil Brasileiro) as relações privadas, distintas das relações
de consumo, voltaram a ter a proteção principiológica da boa-fé objetiva
positivada nos art.‟s 11353 e 42254 do referido código.
É cediço que tal princípio tem sua origem no Direito Romano, conforme
bem esclarece o Prof. Roberto Senise Lisboa55, ao destacar sua presença em
uma das principais fontes históricas do direito moderno em dois institutos
denominados fides e bona fides, esclarecendo que: “bem antes do advento do
contrato de massa é possível o estudo da boa-fé, contemplando-se o instituto
da fides e bona fides no Direito Romano”. Devemos entender o termo fides com
o sentido de poder e promessa, uma forma de respeito à palavra dada, como
honra, melhor dizendo “palavra de honra” – termo largamente utilizado, inclusive
como jargão popular até hoje – que acompanhava o contrato celebrado,
principalmente em seus acessórios e como bona fides – tradução literal de boa-
fé56 - a margem dada ao julgador para decidir no caso concreto57.
Todavia não podemos deixar de destacar que no Brasil já houve outros
códigos que trouxeram no seu texto a proteção principiológica da boa-fé objetiva
na seara Cível, a citar o Esbôço de Teixeira de Freitas (1855); o Projeto do
Código Civil Brasileiro e Comentário de Joaquim Felício Santos (1881); o Projeto
de Código Civil Brasileiro de A. Coelho Rodrigues (1893), dentre outros escritos.
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade. 53 Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. 54 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. 55 LISBOA, Roberto Senise. Princípios gerais dos contratos. Apud in OLIVEIRA, Camila Nucci de. Boa-fé Objetiva dos Contratos no Código Civil de 2002. Disponível em:<http://www.franca.unesp.br/BOA_fe.pdf>. Acesso em: 08/4/2009. 56 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário técnico jurídico – 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Rideel, 2004, pág. 130. 57 DUARTE, Ronnie Preus. Boa-fé, abuso de direito e o novo Código Civil brasileiro. Apud in OLIVEIRA, Camila Nucci de. Boa-fé Objetiva dos Contratos no Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.franca.unesp.br/BOA_fe.pdf>. Acesso em: 08/4/2009.
50
Apesar dos precedentes citados Bevilácqua, ao elaborar e redigir, não
fez constar explicitamente do texto do Código Civil de 1916 tão relevante
princípio, apesar de citá-lo em diversas passagens, trazendo para o operador
da época consideráveis questões sobre a sua aplicabilidade a qualquer tipo de
contrato, sendo certo que a boa-fé subjetiva já estava inserta com sua
aplicabilidade consolidada.
Necessário se faz distinguir entre a boa-fé objetiva e a boa-fé subjetiva,
onde a última está ligada a intenção das partes no momento de celebrar o
contrato, denota-se um estado de consciência, a intenção do indivíduo, seu
estado psicológico ou íntima convicção58, de acordo com o Doutrinador e Prof.
Silvio de Salvo Venosa59:
“Na boa-fé subjetiva, o manifestante de vontade crê que sua
conduta é correta, tendo em vista o grau de conhecimento que
possui de um negócio. Para ele há um estado de consciência ou
aspecto psicológico que deve ser considerado”
Já para definir a boa-fé objetiva o Insigne Prof. Venosa conclui por
diferenciá-la destacando o princípio de conduta comum esperada do “homem
médio”, conforme assevera a seguir:
A boa-fé objetiva, por outro lado, tem compreensão diversa. O
intérprete parte de um padrão de conduta comum, do homem
médio, naquele caso concreto, levando em consideração os
aspectos sociais envolvidos. Desse modo, a boa-fé objetiva se
traduz de forma mais perceptível como uma regra de conduta,
um dever de agir de acordo com determinados padrões sociais
estabelecidos e reconhecidos.
58 MELO, Lucinete Cardoso de. O princípio da boa-fé objetiva no Código Civil . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 523, 12 dez. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6027>. Acesso em: 08/04/2009. 59 VENOSA, Silvio de Salvo Apud in ALMEIDA, William. A boa-fé Contratual diante da nova Codificação Civil. Disponível em: < http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1560/A-boa-fe-contratual-diante-da-nova-codificacao-civil>. Acesso em: 08/04/2009.
51
Conclui-se, portanto, que a boa-fé objetiva atua no campo do
comportamento ético esperado do homem médio, segundo o qual, não advém
qualquer análise quanto a vontade do contratante na celebração do contrato,
mas de sua conduta na celebração execução do contrato, adequando-se ao
conceito de domínio público, conhecimento geral, padrão esperado de
comportamento social, de modo que atitudes contrárias poderão ser
interpretadas como má-fé.
O Célebre “Mestre dos Mestres” o Prof. Orlando Gomes60, mesmo antes
da presença do referido texto no Código Civil não conseguiu viver o necessário
para contemplar a boa-fé objetiva à regular nossas relações privadas, mas já
demonstrava a sua relevância ao analisá-la e compará-la com o descrito no
Código Civil Alemão:
Ao princípio da boa-fé empresta-se ainda outro significado. Para
traduzir o interesse social de segurança das relações jurídicas,
diz-se como está expresso no Código Civil alemão, que as partes
devem agir com lealdade e confiança recíprocas. Numa palavra,
devem proceder com boa-fé. Indo mais adiante, aventa-se a idéia
de que entre o credor e o devedor é necessária a colaboração,
um ajudando o outro na execução do contrato. A tanto, evidente,
não se pode chegar, dada a contraposição de interesses, mas é
certo que a conduta, tanto de um como de outro, subordina-se a
regras que visam a impedir dificulte uma parte a ação da outra.
Demonstradas tais distinções passar-se-á as nuances existentes na boa-
fé objetiva presentes no CDC e Código Civil/02, onde de acordo com o Prof. Dr.
Gustavo Tepedino61, a boa-fé objetiva apresenta “três funções fundamentais”
nas relações contratuais, como bem postula, citando novamente o seu
ressurgimento com o CDC:
60 Op. Cit. pág. 23.
52
Em termos práticos, a boa-fé objetiva, introduzida no
ordenamento jurídico brasileiro por força do Código de Defesa
do Consumidor, e expandida, paulatinamente, por obra da
doutrina e da jurisprudência, foi finalmente consagrada no
dispositivo em análise, desempenhando, na teoria contratual,
três funções fundamentais: (i) função interpretativa dos
contratos; (ii) função restritiva do exercício abusivo de direitos
contratuais; e (iii) como o dever de informação e o dever de
lealdade.
O Prof. Tepedino, ao dissertar sobre tais funções esclarece que no
primeiro caso há um comando hermenêutico que deve ser aplicado a todas as
cláusulas contratuais no sentido “mais conforme a lealdade e honestidade em
relação aos propósitos comuns”.
Para o segundo caso, função restritiva do exercício abusivo de direitos
contratuais, Tepedino define que a boa-fé limita certos direito próprios que
outrora podiam ser exercidos na seara da relação contratual, destacando a
proteção contida no art. 18762 do CC no caso de exercício irregular de direito e
de abuso de direito pelos contratantes.
Finalizando, Tepedino destaca que na sua terceira função a boa-fé
objetiva exerce uma função integradora ao dispor que, “embora menos aparente
no artigo em análise, pode ser deduzida do art. 422, em conformidade com a
melhor doutrina e à semelhança da interpretação atribuída ao § 242 do BGB”63.
Concluindo, Tepedino discorre sobre a fusão das três funções quando de
forma sucinta, mas não menos magistral, informa da necessidade de se
coadunar a função positiva da boa-fé com a função negativa, no que se refere
61 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República – 2ª ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Renovar, 2007, pág. 231. 62 Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. 63 Opus Cit.
53
aos atos a serem praticados pelos contratantes na busca pela consecução dos
objetivos contratados, asseverando que:
O papel hermenêutico desempenhado pela boa-fé, em certa
medida, tem condão de definir melhor os contornos tanto dos
deveres anexos antes mencionados (função positiva da boa-fé)
quanto do grau de restrição por ela imposto ao exercício das
posições jurídicas individuais (função negativa), fazendo
abusivo o exercício que extrapola tais limites.
Insta fomentar alguns dos principais deveres anexos das relações
obrigacionais quais sejam: 1) Venire Contra Factum Proprium; 2) Supressio; 3)
Surrectio; 4) Tu Quoque 5) Duty to Mitigate the Loss, dentre outros.
No Venire Contra Factum Proprium há um dever anexo de vedação de
atos contraditórios aos estipulados pelas partes contratualmente, com vistas a
impossibilitar o adimplemento contratual, Anderson Schreiber64 informa que
independente de seu nomen juris, tratam-se de modelos de comportamento
vedados pela boa-fé como Standards, todavia negativos, trazendo a venire
como exemplo: “ exemplo eloqüente é o da venire contra factum proprium, ou
seja, do comportamento contraditório à legítima confiança despertada em
outrem, „tipo‟ de conduta vedado pela boa-fé objetiva”
Na Supressio, ocorre uma supressão de um direito anteriormente válido,
também conhecido como neutralização de um crédito, onde um direito que não
tenha sido exercido durante um determinado lapso de tempo, não poderá mais
sê-lo, nos dizeres de Carlos Afonso Pereira e Rafael Viola65:
Em outras palavras, pelo não exercício prolongado e um direito, cria-se na contraparte a expectativa legítima de que não será
64 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão aos filtros da reparação à diluição dos danos. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, pág. 46 in notas de rodapé; 65 VIOLA, Rafael e SOUZA, Carlos Afonso Pereira de. Teoria Geral dos Contratos. Apud in DELGADO, Milton. Direito Civil. Coleção Tópicos de Direito Vol 2. Rio e Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág. 231.
54
exercido. Interessante notar que a supressio assume feições semelhantes à prescrição. No entanto enquanto neste instituto o legislador previu os prazos na lei, não podendo ser alterados pelas partes (art. 192), naquele não existe prazo previsto, tampouco necessita apenas de lapso temporal. Com efeito a supressio necessita de dois fatores: (i) lapso temporal e (ii) indícios objetivos de que esse direito não mais seria exercido.
Na Surrectio, há o nascimento de um direito de não uso pela parte
credora de determinado direito, trata-se de mais um dever negativo, congênere
a Supressio, assim explicitado pela insigne professora Judith Martins Costa66 ao
parafrasear Menezes Cordeiro:
A surrectio é a mesma situação encarada sob o prisma da contraparte, considerada como criação de um direito de não-exercício de posição jurídica atribuída a parte adversa, nas condições acima mencionadas afim de proteger sua confiança. Para sua configuração, há de se exigir não só o decurso considerável de tempo, que pode Sr variável caso a caso, como também indícios objetivos de que o direito não seria exercido, não sendo necessário, contudo, se cogitar de intenções subjetivas.
Assim pode-se afirmar que a supressio e a surrectio são as
consequências, da mesma conduta, para cada uma das partes contratantes,
quais sejam credor e devedor respectivamente.
O Tu Quoque trata dos casos onde uma pessoa que viola determinada
norma fica vedada de cobrar que outrem a cumpra, assim, também nos dizeres
de Menezes Cordeiro67:
“no aflorar de uma regra pela qual a pessoa viola uma norma jurídica não poderia, sem o abuso, exercer a situação que essa mesma norma lhe tivesse atribuído. Ou seja, corresponde a
66 COSTA, Judith Martins. Os Avatares do Abuso do Direito e o Rumo Indicado pela Boa-Fé. Apud in Congresso Internacional e Direito Civil-Constitucional. Direito Civil Contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional: anais do congresso internacional de direito civil-constitucional da cidade do Rio de Janeiro/Gustavo Tepedino, Organizador.-São Paulo: Atlas, 2008. Pág. 84. 67 CORDEIRO, Menezes. Apud in VIOLA e SOUZA, Op. Cit, pág. 232.
55
vedação àquele que violou determinada norma do exercício da posição jurídica que a mesma lhe outorga.”
Por fim, no Duty to Mitigate the Loss, que traduzindo para o português
seria o dever de mitigação de prejuízos, do devedor por parte do credor, traduz-
se também pelo princípio presente na lei processual civil da menor onerosidade
da execução, onde deve o credor buscar a mitigação de prejuízos do devedor,
nesse caso trata-se de conduta positiva.
Todas as condutas descritas são hoje vistas sob a perspectiva da
obrigação como um processo e não mais sob um análise estática anteriormente
adotada, trata-se de verdadeira aplicação do direito civil-constitucional,
buscando a eficácia plena das relações obrigacionais visando o adimplemento e
a conclusão das três fases obrigacionais, assim entendidas como a fase pré-
contratual, a própria execução do contrato e a fase pós-contratual, evitando que
surja responsabilidade civil advinda da violação de um desses deveres anexos,
não como mero inadimplemento contratual, mas como geradores, no caso
concreto de abuso de direito compensável, conforme o caso.
Conclui-se, por fim, que as principais nuances apresentadas pela boa-fé
objetiva apresentada pelo Código Civil estão muito ligadas a Celebração e a
Execução dos Contratos e seus efeitos, conforme esclarece o Prof. Tepedino:
Em outras palavras, o intérprete deverá integrar ao regulamento
contratual os deveres de lealdade, de transparência e de
informação, bem como impor sacrifício a direitos subjetivos e
potestativos dos contratantes em favor do interesse comum
perseguido pelo contrato, definidor de suas finalidades
econômicas e sociais.
Resta clara a intenção da função social, onde os interesses individuais
ficam mitigados diante do interesse coletivo, que após a 2ª Guerra Mundial
ganha novos contornos e proteções para certas categorias através de
microssistemas, dentre os quais o Código de Defesa do Consumidor, a proteger
56
essa categoria – consumidores – das intempéries e desmandos do fornecedor,
que até a instituição de tal microssistema no ordenamento jurídico brasileiro
estava subjugada ao que determinava o fornecedor com todos os abusos
inimagináveis na presente data, apesar da técnica de microssistemas ser
veementemente atacada por diversos doutrinadores, não sendo a via adequada,
mas sendo reconhecida sua importância.
Todos os preceitos ditados acima aplicam-se as relações consumeristas
regidas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), mas diferente das
relações contratuais entre duas partes regidas pelo CC/02, há a presunção de
vulnerabilidade entre o fornecedor e o consumidor, disposta nos princípios
regentes das relações consumeristas no art. 4º, I do CDC ao informar:
Art. 4º (...)
I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.
Desta forma, há aplicabilidade da boa-fé objetiva tanta na fase pré-
contratual, por exemplo a vedação de propaganda enganosa e dever de
informação, na sua celebração/execução buscando nivelar as partes aplicando
como questão de ordem pública a Vulnerabilidade do Consumidor, e em sua
fase pós-contratual, proteção contra vicio ou defeito do produto ou serviço entre
outros, onde são protegidos, com contornos constitucionais, os direitos dos
consumidores, neste sentir alguns juristas como Jones Figueiredo Alves,
Lucinete Cardoso de Melo entre outros destacam que o legislador ao aprovar o
Código Civil foi infeliz, pois não estendeu as mesmas proteções aos
contratantes na fase pré-contratual e pós-contratual, com o brilhantismo que lhe
é peculiar, o Conspícuo Doutrinador e Prof. Gustavo Tepedino68 disserta sobre
o tema em artigo publicado:
De certa maneira, tais preceitos já nos indicam que a proteção
dispensada à relação de consumo stricto sensu, com a perfeita
caracterização do consumidor e do fornecedor, não poderia ser
68 TEPEDINO, Gustavo. As Relações de Consumo e a Nova Teoria Contratual. Disponível em: <http://www2.uerj.br/~direito/publicacoes/publicacoes/diversos/tepedino.html>. Acesso em 08/04/2009.
57
suficientemente efetivada se não se expandisse o espectro
dessa tutela para um momento pré-contratual e para uma fase
pós-contratual - lembrada também pelo Professor Junqueira na
tarde de ontem -; e, ainda, para as situações cujos sujeitos
pudessem ser considerados stand by como já se disse ontem -
ou consumidores equiparados, ou seja, aquelas pessoas que
estivessem em situação de desvantagem em decorrência de uma
relação de consumo, embora nesta não inseridas.
Concluindo pela necessidade da reunificação dos conceitos e princípios
gerais norteadores do Direito Civil Constitucional como um arcabouço aplicável
não apenas a certas categorias, ao qual defende sua relevância, mas critica a
criação e partição de princípios gerais para apenas tais grupos por ele citados
como “guetos”, criticando a criação e estigmatização dos microssistemas
jurídicos utilizados como meio de proteção a certos grupos de pessoas, como
os Consumidores:
Não acredito que pudéssemos, como pretendem alguns
valorosos colegas, a partir apenas desses dois artigos, dar uma
dimensão generalizante às regras ali emanadas, extraindo
interpretação que vá além das vítimas na responsabilidade por
acidente de consumo e daquele que está prestes a se tornar
consumidor ou que potencialmente é consumidor.
Entretanto, mediante a aplicação direta dos princípios
constitucionais nas relações do Direito Privado, devermos utilizar
o Código do Consumidor, quer em contratos de adesão, mesmo
quando não se constituam em relação de consumo, quer nas
circunstâncias contratuais em que se identificam, pela identidade
de ratio, os pressupostos de legitimação da intervenção
legislativa em matéria de relações de consumo: os princípios da
isonomia substancial, da dignidade da pessoa humana e da
realização plena de sua personalidade parecem ser os
pressupostos justificadores da incidência dos mecanismos de
58
defesa do consumidor às relações interprivadas. Verifica-se
então que os princípios inovadores nesses dois dias analisados
– a interpretação mais favorável, a inversão do ônus da prova
diante da verossimilhança do pedido ou da hipossuficiência, a
proteção da boa-fé objetiva, cujo sentido a jurisprudência tem
conseguido perceber, dentre outros - vão sendo mais e mais
associados não à qualificação do consumidor como um status,
uma espécie de salvo-conduto para o exercício de atividades
econômicas, mas à preocupação constitucional com a redução
das desigualdades e com o efetivo exercício da cidadania,
perspectiva que não poderia deixar de compreender, segundo a
vontade normativa do constituinte, todas as relações
consideradas de direito privado.
Por todo o exposto, urge a necessidade da adequação por parte da
doutrina e até dos legisladores brasileiros de uma melhor aplicação do princípio
da boa-fé objetiva nas relações privadas, tendo em vista que nas relações de
consumo, já o são pelos magistrados e militantes da advocacia, adequando,
conforme o caso a proteção às três fases contratuais, destacando já existir no
congresso um projeto de lei que visa alterar e ampliar a boa-fé objetiva às
relações privadas distintas das relações consumeristas, alterando o conteúdo
do art. 422.69
No tocante ao posicionamento suscitado pelo Prof. Gustavo Tepedino,
apesar da necessidade de um maior aprofundamento sobre o tema, parece ser
o mais adequado, devendo nortear tanto a doutrina, jurisprudência quanto os
legisladores, no sentido de unificarem-se os princípios gerais de direito privado
como um todo, dando fim à segregação hoje existente na legislação brasileira,
adequando o direito ao que toda a sociedade busca: a harmonia e a paz social,
como fundamentos de um estado democrático de direito ético determinado pelo
consenso comum, e não imposto de forma arbitrária pelo Estado em algumas
relações e apenas a certas categorias, destacando que no momento em que se
69 PL 6960/02 – Disponível em: <www.senado.gov.br>. Acesso em: 08/04/2009;
59
busca uma “moralização da atividade pública”, mister que se estabeleçam,
também, diretrizes éticas capazes de acompanhar a evolução da sociedade
brasileira, protegendo a relação contratual em todas as suas fases sem
distinção de categorias na busca de uma constitucionalização do direito privado
e maior equilíbrio entre os contratantes em conformidade com a boa-fé (objetiva
e subjetiva) e os costumes solidificados na sociedade brasileira.
8 – Contrato de Cédula de Crédito Bancário (CCB) e de Factoring
Por serem dois dos principais instrumentos contratuais celebrados pelas
empresas, discorrer-se-á sobre algumas de suas características e
peculiaridades.
8.1 – AS CÉDULAS DE CRÉDITO BANCÁRIO (CCB) NOS CONTRATOS DE
ABERTURA DE CRÉDITO E SUAS CONTROVÉRSIAS
As Cédulas de Crédito Bancário (CCB) surgiram em nosso ordenamento
jurídico através da Medida Provisória nº 1.929/99, sucessivamente editada até o
advento da lei 10.931/04 que revogou expressamente a última MP (última
edição nº 2.160-25) e, atualmente, regula o instituto em seu capítulo IV artigos
26 a 45, sendo que no art. 26 as CCB‟s são classificadas como: “Título de
Crédito emitido, por pessoa física ou jurídica, em favor de instituição financeira
ou de entidade a esta equiparada, representando promessa de pagamento em
dinheiro, decorrente de operação de crédito, de qualquer modalidade”, desta
forma possuem força de título executivo extrajudicial, na forma do art. 585, VIII
do CPC que também é explicitado no art. 28 da lei 10.931/04:
Art. 28 - A Cédula de Crédito Bancário é título executivo extrajudicial e
representa dívida em dinheiro, certa, líquida e exigível, seja pela soma
nela indicada, seja pelo saldo devedor demonstrado em planilha de
60
cálculo, ou nos extratos de conta corrente, elaborado conforme
previsto no § 2º.
Tal artigo explicita as características de um título de crédito, em harmonia
ao conceito que Vivante70, a quem coube a definição tida como a mais completa,
declarou: “O título de crédito é o documento necessário para o exercício do
direito, literal e autônomo, nele mencionado”, praticamente transcrito no art. 887
da lei 10.406/0271 (Código Civil), com divergência na melhor aplicabilidade da
palavra “mencionado”, como definiu Vivante, ao invés de “contido” como na lei.
A CCB surge como mecanismo de simplificação, flexibilidade, celeridade
e segurança para o Sistema Financeiro Nacional suprindo incertezas criadas
pela evolução jurisprudencial à cerca da exequibilidade dos contratos de
abertura crédito, que tiveram a sua liquidez e certeza mitigadas pelo Superior
Tribunal de Justiça com a edição de várias súmulas72 sobre o tema.
Com a criação da CCB, pelo poder executivo e posteriormente pelo
legislador infraconstitucional, tenta-se reverter o quadro de insegurança que
pairava sobre as operações de crédito causadas pelo judiciário, aumentando o
risco das Instituições Financeiras (IF), em não reaver com rapidez seus
recursos, e como conseqüência aumentando as taxas de juros aplicadas nas
operações de crédito ofertadas.
Destaca-se que a criação do instituto das Cédulas já encontrava boa
experiência em nossa legislação pátria como, por exemplo, as Cédulas de
Crédito Rural 73, Cédulas de Crédito Industrial 74, Cédula de Crédito ao
70 VIVANTE Apud in BERTOLDI, Marcelo M. Curso Avançado de Direito Comercial,- 4. ed. rev., atual., e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, pág. 366. 71 Art. 887 – O Título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei. 72 Súmula: 300 - O instrumento de confissão de dívida, ainda que originário de contrato de abertura de crédito, constitui título executivo extrajudicial. Súmula: 233 - O contato de abertura de crédito, ainda que acompanhado de extrato de conta-corrente, não é título executivo Súmula: 247 - O contrato de abertura de crédito em conta-corrente, acompanhado do demonstrativo de débito, constitui documento hábil para ajuizamento da ação monitória. Súmula: 258 - A nota promissória vinculada a contrato de abertura de crédito não goza de autonomia em razão da iliquidez do título que a originou. 73 Decreto-Lei 167/67. 74 Decreto-Lei 413/69
61
Exportador 75, dentre outras, com experiência aprovada pela jurisprudência e
pelos costumes comerciais, todavia, apesar de sua relevância e de suprir a
necessidade do mercado, cumprindo assim com o “espírito da lei” definido por
Montesquieu76, a CCB, ainda hoje, gera controvérsias que serão abordadas a
seguir.
8.1.1 – Da Constitucionalidade Da Cédula De Crédito Bancário
Alguns juristas tentam arguir a inconstitucionalidade das CCB‟s nos
contratos de abertura de crédito por entenderem haver um erro formal na
elaboração da lei 10.931/04, que ao contrariar o disposto no art. 5º caput e LIV
c/c art. 59, parágrafo único da CRFB/88 c/c art. 7º da LC 95/98 violaria a forma
exigida ao contemplar mais de um tema na mesma lei, é o pensamento dos
Ilustres Prof‟s. Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery que, conforme
abaixo, defendem a inconstitucionalidade formal e substancial, além de
questionarem a liquidez da CCB:
Na verdade, a Cédula de Crédito Bancário nada mais é do que o
antigo Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente (cheque
especial), tratado na LPAII com outro nome. Como não se obteve êxito
no Poder Judiciário com o antigo procedimento, cria-se, por lei, um
substituto exatamente idêntico. Continuam e persistem os mesmos
defeitos verificados quanto àqueles contratos de abertura de crédito: a)
o título, nada obstante a norma conferir-lhe eficácia executiva, não é
executivo porque lhe falta liquidez; b) a liquidação do título, feita por
planilha ou juntada de extratos, continua a ser unilateral, apenas por
parte do credor (...) deixando-se nas mãos do credor, unilateralmente,
a criação do conteúdo do título. 77
75 Lei nº 6.313/75 76 MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. Tradução de Jean Melville. São Paulo: editora Martin Claret, 2004, passim 77 Apud in TJ/SP, Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais de Direito Privado, Apelação Cível com revisão 581.179-4/9-00 - Rel. Des. Romeu Ricupero, julg. em 17/12/2008, passim
62
Sobre a inconstitucionalidade formal e material da CCB, NERY E NERY,
entendem que são flagrantes os confrontos com o texto constitucional e com a
Lei Complementar 95/98, como se segue:
Inconstitucionalidade formal e material. Descumprimento da CF 5º,
caput e LIV e LC 95/98 7º. (...) Quanto à forma, referimo-nos à
desobediência da garantia do devido processo legal (CF 5º caput e
inciso LIV), porque nela se inseriu matéria que nada tem a ver com o
objeto da lei, descumprindo-se o rito estabelecido pela LC 95/98 7o. A
LC 95/98, que regula o processo legislativo e traça os princípios
fundamentais a respeito da elaboração das leis (...) O objeto da LPAII
é a regulação do patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias.
São conexas e correlatas a esse objeto a instituição da letra de crédito
imobiliário (LPAII 12) e a cédula de crédito imobiliário (LPAII 20),
matérias afetas ao objeto da LPAII. Ao contrário, a cédula de crédito
bancário não é matéria conexa ou correlata ao patrimônio de afetação
de incorporação imobiliária. Constitui, isto sim, instrumento a que se
pretende dar eficácia executiva genérica, nada tendo a ver com
incorporação imobiliária. É o "Pilatos no Credo" da lei do patrimônio de
afetação. Essa intromissão de assunto que nada tem a ver com o
objeto da lei - que tem de ser um só (LC 95/98 7o I) - foi banida do
sistema jurídico brasileiro pela LC 95/98 7o, que, como norma
complementar à Constituição, deve ser entendida como extensão da
CF, motivo por que suas regras têm de ser respeitadas pela legislação
ordinária. (...) Essa inconstitucionalidade, por ofensa às regras do
processo legislativo, é, a um só tempo, formal e substancial. São
inconstitucionais, portanto, os arts. 26 a 45 da LPAII. 78
Ainda, conforme Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery:
Inconstitucionalidade material. Descumprimento da CF 5º caput
Há, ainda, outra inconstitucionalidade material na LPAII porque a
norma, desatendendo não só o princípio constitucional do devido
processo legal, em seu aspecto material (substantive due process
78 Ibid, Passim
63
clause - v. Nery-Nery, CF Comentada, coments. CF 5o LIV), como
também os princípios constitucionais da proporcionalidade e da
razoabilidade, confere liquidez a título que intrinsecamente não tem,
característica essa confessada pela própria norma. Isso quer dizer
que a cédula de crédito bancário não é, em princípio, um título líquido;
só se tornará líquido se acompanhado de instrumentos criados
unilateralmente pelo credor. Ou seja, para ser líquido bastaria a
interveniência unilateral do banco credor, que cria o conteúdo do
título. (...) Cédula assim emitida é nula pleno jure, como ocorre de
ordinário nos contratos de adesão. A MedProv 2160-25 foi revogada
pela L 10931, de 2.8.2004 (LPAII - DOU 3.8.2004), que instituiu a
cédula de crédito bancário, copiando literalmente os dispositivos sobre
a matéria constantes da revogada MedProv 2160-25. Corrigida a
inconstitucionalidade formal, de que padecia a referida MedProv,
criaram-se outras, formal e material, de modo que, mesmo instituída
por lei, a cédula de crédito bancário continua a ser um instrumento
inconstitucional que não pode ser válido e nem ter eficácia no mundo
jurídico, econômico e social. Demais disso, do ponto de vista técnico,
a cédula de crédito bancário, nada obstante tenha sido introduzida no
sistema jurídico por lei, continua a ser um título desprovido de eficácia
executiva, porque ilíquido. Só será título legitimamente líquido se
contiver valor certo em seu corpo (e não em extratos e demonstrativos
criados unilateralmente pelo credor), e tiver sido assinado em preto
pelo devedor" (cf. Código de Processo Civil Comentado e Legislação
Extravagante, 10a edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais,
2007, notas 24 a 27 ao art. 585 do CPC, pp. 987-989).79
Neste sentido são os julgados da 19ª Câmara - Ap.7.126.679/4; 20ª
Câmara- Ap. 7.144.874/7; 23ª Câmara - AI . 250.201/3 e AI 7.219.213/7 e 20ª
Câmara - Ap 7.075.654-6.
Na mesma seara, e rebatendo de forma magistral o questionamento
anterior, na decisão exarada no mesmo acórdão onde foi relator o
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Dr. Romeu
Ricupero:
79 Ibid, Passim
64
Porém o fato objetivo é que a lei de regência, no caso a lei
complementar nº 95/98, não traz previsão de nulidade para a lei que
desrespeitar seus preceitos.
Antes, há dispositivo expresso estabelecendo que a não observância
do comando ali existente não autoriza seu não cumprimento (art 18:
Eventual inexatidão formal de norma elaborada mediante processo
legislativo regular não constitui escusa válida para seu
descumprimento)
(...)
Essa lei complementar disciplinou a forma de elaborar uma lei, mas
não estabeleceu um sancionamento para o caso de seu não
descumprimento.
Não se pode, portanto concluir pela nulidade de lei ordinária que tenha
deixado de respeitar a disciplina ali estabelecida. 80
Ao versar sobre o espírito da lei, elucida no mesmo voto o
Desembargador Ricupero:
Quis o legislador que o crédito rotativo concedido ao mutuário sob os
auspícios desse normativo, pudesse ser materializado mediante
documento com força executiva, desde que o mutuante observasse a
série de requisitos ali estabelecidos como forma de determinação do
valor da dívida.
(...)
O fato é objetivo: a vontade do Estado era essa e cristalizou-se na lei.
81
Conforme bem complementa, de forma incisiva, o ilustre Mestre Valdir
Carlos Pereira Filho ao qual mesmo que extensa a nota de rodapé, merece
transcrição de boa parte para não restar qualquer dúvida sobre a intenção do
legislador:
80 Ibid, Passim 81 Ibid, Passim
65
“Entretanto, sempre há aqueles que, para se furtar de suas obrigações
ou protelar seu pagamento usam os meios judiciais e lançam teses
descabidas, que em nada enriquecem o debate jurídico, mas que
podem abalar a segurança jurídica. Um exemplo é recente acórdão de
29/06/2005 da 23ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça
de São Paulo (Agravo de Instrumento nº 7.011.347-2) que afastou o
reconhecimento as CCB como título executivo extrajudicial por
entender ser a Lei 10.931/04 inconstitucional por dispor d vários
assuntos sem conexão e sem estarem mencionados no seu art. 1º,
violando assim a Lei Complementar nº 95/98, já que não se trata de
uma codificação.
(...)
Este quadro resulta da falta de análise dos efeitos econômicos das
decisões judiciais e de enxergar o escopo da lei 10.931/04 que é
justamente trazer segurança e certeza, desrespeitou-se o espírito da
lei e o interesse coletivo em benefício de um caso particular, sem
considerar a discutível fundamentação dessa decisão.” 82
Em sintonia com os argumentos apresentados seguem algumas ementas
de decisões declarando não haver tal vício, de forma predominante em nossos
tribunais:
EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CÉDULA DE CRÉDITO
BANCÁRIO. A cédula de crédito bancário é título com força executiva,
expressamente atribuída pelo art. 28 da Lei 10.931/04. Via eleita pelo
agravante, que se mostra adequada à luz do art. 585, inc. VIII, do
CPC. Jurisprudência Dominante no eg. STJ e no TJRJ. Aplicação do
art. 557, § 1º-A, do CPC. PROVIMENTO DO RECURSO. 83
APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO PROCESSUAL CIVIL – CÉDULA DE
CRÉDITO BANCÁRIO – LEI Nº 10.931/04 0- TÍTULO EXECUTIVO
EXTRAJUDICIAL DOTADO DE CERTEZA, LIQUIDEZ E
82 PEREIRA FILHO, Valdir Carlos.Cédula de Crédito Bancário in Contratos Bancários. Coord. FONTES, Marcos Rolim Fernandes e WAISBERG, Ivo – São Paulo: Quartier Latin, 2006, pág. 283. 83 TJ/RJ, 18ª Câmara Cível. Ag. de Instrum. 33947/2008 – Rel. Des. Célia Maria Vidal Meliga Pessoa, julg em 09/12/2008.
66
EXIGIBILIDADE (ART. 28) – RESTOU DEMONSTRADO QUE O
DOCUMENTO DE FLS. 18/20 PREENCHEU OS REQUISITOS
ESSENCIAIS (ART. 29) – PROSSEGUIMENTO DO FEITO
EXECUTIVO – DÁ-SE PROVIMENTO AO RECURSO (CPC, ART. 557,
CAPUT).84
AGRAVO. EXECUÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. CONTA
GARANTIDA. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO TÍTULO
EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL.
A cédula de crédito bancário ostenta a natureza de título executivo
extrajudicial, por força do que dispõem os artigos 585, VIII, do CPC e
28, da Lei 10931/04. Precedentes jurisprudenciais. Recurso provido.85
AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA EXECUÇÃO CÉDULA
DE CRÉDITO BANCÁRIO. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDUDICIAL.
1) A cédula de crédito bancário ostenta a natureza de título executivo
extrajudicial, por força do que dispõem os artigos 585, VIII, do CPC e
28, da Lei 10931/04. Precedentes jurisprudenciais. A existência de
conta corrente vinculada ao negócio jurídico representado no título não
afasta sua força executiva. 2) desprovimento do recurso.86
Somam-se aos já citados os seguintes julgados no TJ/RJ:
2007.001.69736 da 7ª Câmara Cível, 2007.002.35771 da 8ª Câmara Cível,
2008.002.03067 da 19ª Câmara Cível e 2007.001.69185 também da 19ª
Câmara Cível.
Desta forma, apesar de ainda existir controvérsia na doutrina e na
jurisprudência acerca da constitucionalidade e liquidez da CCB, dever-se-á
inclinar-se para a corrente majoritária no sentido de entender como válida e
constitucional a CCB, como já bem esclarecido, há intenção do Estado em
consagrar tal Título especificamente para viabilizar os contratos bancários e
financeiros para lhes garantir segurança, liquidez e celeridade, bem como os
84 TJ/RJ, 12ª Câmara Cível. Ap. Cível. 2008.001.27723 – Rel. Des. Márcio Guimarães Neto, julg em 09/12/2008. 85 TJ/RJ 18ª Câmara Cível. Agravo. 9203/08. Rel. Des. Jorge Luiz Habib, julg em 12/08/2008. 86 TJ/RJ 2ª Câmara Cível. Apelação Cível. 2007.001.64189. Rel. Des. Heleno Ribeiro P. Nunes, julg em 20/02/2008.
67
argumentos muito mais consistentes afastando a inconstitucionalidade material e
formal, combatida pela corrente minoritária, que coaduna ainda o entendimento
do STF no sentido de não ser possível o questionamento sobre a
inconstitucionalidade de norma por via reflexa, sendo necessário que haja
confronto direto com o texto constitucional para ser aguida, conforme o julgado
abaixo:
RE 147684 / DF - DISTRITO FEDERAL
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE
Julgamento: 26/06/1992 Órgão Julgador: Tribunal Pleno
1. RE: descabimento: ofensa reflexa a constituição por violação da
norma interposta. O RE não e via adequada a apuração da
inconstitucionalidade reflexa: se a constituição, explicita ou
implicitamente, remete o trato de determinada matéria a lei ordinária,
não cabe o recurso extraordinário por contrariedade a lei fundamental,
se a aferição desta pressupõe a revisão da inteligência e da aplicação
dadas a norma sub-constitucional interposta: analise da jurisprudência.
2. RE: descabimento: acórdão recorrido com dois fundamentos
suficientes (ainda que reciprocamente excludentes), pelo menos um
deles, de base infraconstitucional. E da estrutura dos recursos de
revisão in jure, como o RE, o requisito do nexo de causalidade entre o
erro de direito denunciável e denunciado pelo recorrente e a
sucumbência, que lhe demarca o interesse processual de recorrer:
desse modo, não cabe o RE, hoje restrito a matéria constitucional, se a
decisão recorrida, da competência originaria do superior tribunal de
justiça - o que afasta a possibilidade do recurso especial - tem mais de
um fundamento independente e bastante a alicerçar-lhe a conclusão e
algum deles, pelo menos, e de alçada infraconstitucional ou só obliqua
e mediatamente constitucional.
Por todo o exposto resta indubitável a Constitucionalidade da Cédula de
Crédito Bancário (CCB) – quando cumpridos todos os requisitos formais
68
exigidos na lei que a regula – utilizada na celebração de contratos de natureza
bancária, seja por afastar-se a tese de confronto direto com o texto da Carta
Política de 88 e não haver previsão de declaração de inconstitucionalidade por
via oblíqua; por haver permissivo previsto na própria legislação complementar
(LC 95/98), determinando que o descumprimento do previsto naquela norma
não caracteriza a nulidade da nova lei; bem como cumpre com sua finalidade e o
“espírito da lei”, o de possibilitar a circulação de riquezas com maior segurança
jurídica, celeridade, liquidez e certeza da dívida, seja por estar inscrito no
próprio título, seja pela fácil constatação, através de extrato bancário –
facilmente impugnado no caso de discordância nos embargos à execução
através dos demonstrativos de depósito ou transferência – o que não torna
ilíquida a CCB, por tratar-se de simples demonstrativos do abatimento da
dívida.
8.2 – CONTRATOS DE FATURIZAÇÃO (FACTORING) E A LIMITAÇÃO DOS
JUROS REMUNERATÓRIOS EM 12% A.A
O contrato de faturização surge no Brasil, de acordo com Fran Martins,
“como meio de atender às pequenas e médias empresas, na obtenção de
capital de giro, sem as dificuldades geralmente observadas no desconto
bancário, muitas vezes de difícil acesso aos “pequenos comerciantes”87.
Tais contratos possuem uma natureza jurídica de cessão de crédito sem
garantia subsidiária do cedente, segundo o Ilustre Doutrinador Gustavo
Tepedino:
Dentre os efeitos da cessão, destaca-se a responsabilidade do
cedente, que varia conforme se trate de ato praticado a título oneroso
ou gratuito.
(...)
87 MARTINS, Fran. Contratos e Obrigações Comerciais. ed. rev. e aum. Rio d Janeiro: Forense, 2002, pág. 472.
69
Na cessão onerosa, o cedente é responsável pela existência do
crédito transferido no momento da cessão, mas não pela solvência do
devedor como dispõe o art. 296, ... 88
Por suas características de exclusão da responsabilidade do cedente, e
com isso um alto grau de risco de inadimplência assumido em sua formação,
gera-se certo desconforto e contraprestação em patamares por vezes desleais,
sendo refúgio apenas daqueles que não conseguem descontar seus títulos em
instituições financeiras, equivocando-se os que acreditam ser um serviço pouco
utilizado, pelo contrário, a cada dia surgem novas empresas neste ramo, sendo
que durante certo tempo ficou, inclusive, vedado pelo BACEN enquanto não
havia o mínimo de regulação, haja vista o entendimento, mesmo que equivocado
de confundir as empresas de factoring com instituições financeiras.
Destaca-se o instituto do endosso sem garantia, previsto na LUG sobre
Letras de Câmbio e Notas Promissórias, presente no caso de tais cessões,
desobrigando, assim, o endossante tanto da aceitação da letra como do
pagamento da mesma, que hoje, utiliza muito mais um contrato de cessão sem
coobrigação, haja vista os numerosos títulos que podem ser utilizados e o
tamanho da pulverização dos mesmos pelos sacados.
Como pessoas de tal relação destacamos a presença do Faturizado e
Faturizador, sendo o primeiro aquele que cede os títulos e o segundo o que
adquire os títulos, ressaltando-se o caráter do faturizador não possuir direito de
regresso contra o faturizado, apenas sobre o devedor principal do título
adquirido.
Há dois modelos clássicos de faturização, o primeiro conhecido como
faturização convencional (Convencional Factoring) e o segundo como
faturização no vencimento (Maturity Factoring), que diferem quanto ao
vencimento das faturas adquiridas, uma antes e a outra posterior ao vencimento.
88 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República – 2ª ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Renovar, 2007, pág. 583.
70
Questão de grande valor, hoje pacificada na jurisprudência e na doutrina,
é sobre a limitação dos juros aplicados a operações realizadas por empresas de
Factoring, que no brasil estão limitados a 12 % a. a. (Doze por cento ao ano)
sobre o montante contratado, no caso de descaracterização da operação de
faturização e configuração de operação de empréstimo, por estar explicitamente
vedado a capitalização de juros em patamar superior a 12 % a. a. (Doze por
cento ao ano), na forma da lei civil e tributária, nos casos de empréstimos
realizados por instituições não financeiras, conforme regulado pelo Banco central
do Brasil (BACEN) e Conselho Monetário Nacional (CMN), ainda em
conformidade com os julgados do STJ que se seguem:
AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 776.350 - RJ
(2006/0087107-7)
RELATOR : MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE
INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. TÍTULO EXTRAJUDICIAL.
PRESUNÇÃO DE LIQUIDEZ. EMPRESA DE FACTORING.
EMPRÉSTIMO GARANTIDO. CHEQUES. POSSIBILIDADE. JUROS.
LIMITAÇÃO. LEI DE USURA. DESPROVIMENTO. Julg 02/12/2008
No caso dos autos, consignou o Tribunal Fluminense que, em razão
de terem sidos "os cheques emitidos pelo próprio contratante, fica
descaracterizada a operação de Factoring , passando a ser um
empréstimo com cheques em garantia" (fl. 688) para concluir pela
inexigibilidade dos títulos.
RECURSO ESPECIAL Nº 623.691 - RS (2004/0001616-5)
RELATOR : MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA
AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL E AÇÃO
INDENIZATÓRIA. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM CESSÃO
DE CRÉDITO A EMPRESA DE FACTORING VINCULADA A
INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INCIDÊNCIA DA LEI DE USURA. JUROS
MORATÓRIOS. DANO MORAL. PROTESTO INDEVIDO. QUANTUM
INDENIZATÓRIO EXCESSIVO. REDUÇÃO.
71
"Tratando-se de empresa que opera no ramo de factoring, não
integrante do Sistema Financeiro Nacional, a taxa de juros deve
obedecer à limitação prevista no art. 1º do Decreto nº 22.626, de
7.4.1933" (REsp n. 330.845/RS, relatado pelo eminente Ministro Barros
Monteiro, DJ de 15/09/2003). O fato de a empresa de factoring ser
vinculada a instituição financeira tampouco altera tal disciplina. Os
juros moratórios podem ser convencionados no limite previsto no
Decreto n. 22.626/33, consoante jurisprudência pacificada nesta
Corte. Julg em 27/09/2005
RECURSO ESPECIAL Nº 330.845 - RS (2001/0079550-1)
RELATOR : MINISTRO BARROS MONTEIRO
CONTRATO DE FINANCIAMENTO. EMPRESA DE FACTORING.
LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS. INCIDÊNCIA DA LEI DE USURA.
– Tratando-se de empresa que opera no ramo de factoring, não
integrante do Sistema Financeiro Nacional, a taxa de juros deve
obedecer à limitação prevista no art. 1º do Decreto nº 22.626, de
7.4.1933. Recurso especial não conhecido. Julg em 17/06/2003
Desta forma, já está pacificado na doutrina e jurisprudência que quando
uma empresa de Factoring tenta descaracterizar suas operações de cessão de
crédito sem coobrigação, realizando verdadeiros mútuos com garantias de
cheques ou outros títulos, está adstrita a cobrança de apenas juros em 12%
(doze por cento) a. a., não havendo mais justo motivo para quaisquer
questionamentos nesse sentido, desde que descaracterizado o contrato de
faturização, do contrário haverá apenas a cessão de crédito, nos moldes já
explicitados.
CONCLUSÃO
Por todo o exposto conclui-se que a árdua tarefa de realizar uma legal
due diligence societária requer do Advogado um vasto conhecimento sobre o
tema, todas as suas nuances e possíveis variações, atentando sempre para os
princípios éticos que lhe são peculiares ao redigi seu parecer e orientar os
72
administradores, acionistas, investidores, terceiros ou até a administração
pública sobre o estado de saúde jurídica em que se encontra a sociedade
analisada, prevenindo riscos desnecessários por parte dos que adotam este
instrumento como forma de balizar uma maior governança corporativa mitigando,
conforme já explicitado, os riscos na celebração de operações, bem como
auxiliando e norteando os acionistas na busca de seus principais objetivos, com
as devidas adequações estatutárias ou através de acordos de acionistas capaz
de realizar os seus interesses, desta forma conclui-se por utilizar como
referência para uma análise societária adequada o seguinte check-list, baseado
no que a melhor doutrina utiliza para a consecução de seus objetivos dividido em
passos, a seguir:
1. Análise do status atual da companhia, o estatuto social vigente com
alterações posteriores não consolidadas; das atas de eleição da
diretoria; procurações vigentes e já vencidas num período mínimo de
06 (seis) anos, em média dois períodos de gestão; das certidões
extraídas para a verificação de seu regular registro na junta comercial
e lavratura nos livros competentes;
2. Informações sobre o capital social subscrito e integralizado nos
prazos determinados na lei e estatutariamente e sua previsões de
aumento ou redução;
3. Lista dos acionistas com a sua regular qualificação e discriminação
de ações nos livros competentes, sendo analisada em confronto com
o estatuto social;
4. No caso de necessidade de autorização governamental, se as
exigências estabelecidas na legislação específica foram
integralmente cumpridas, bem como da validade e autenticidade dos
documentos;
5. Análise de todas as alterações estatutárias seja por aumento de
capital, mudança da forma de gestão, reestruturação societária ou
para o cumprimento de determinação legal; informações e
73
documentos pertinentes a filiais, subsidiárias ou outras companhias
da qual a sociedade auditada faça parte ou possuo alguma
participação, bem como de todos os convênios celebrados pela
sociedade com a descrição das obrigações e vantagens cedidas ou
adquirias, conforme o caso;
6. A verificação de todas as atas da assembléia geral, seja ordinária ou
extraordinária, bem como das reuniões da diretoria, e seu correto
arquivamento e publicação, conforme o caso;
7. A verificação de todos os livros societários analisando os aspectos
formais necessários a sua validade e dos atos nele arquivados;
8. A análise das obrigações contratuais de maior vulto e interesse da
sociedade, sob os aspectos referentes a vencimento antecipado da
dívida no caso de mudança de controle da companhia, bem como de
outorga de garantias reais ou fidejussórias com os instrumentos que
a formalizaram;
9. Cronograma de distribuição de dividendos, indicando se já forma
pagos e quando forma ou serão pagos;
10. informações contábeis da companhia e de todas as subsidiárias,
controladas, filiais e empresas da qual participe, ainda que
minoritariamente, capazes de orientar e ratificar os dados
investigados
11. A existência de proteção aos acionistas minoritários (tag along); ou
posison pill’s para dificultar a mudança do controle societário, bem
como de todos os acordos de acionistas arquivados na companhia
além de
12. todos os demais documentos, certidões, extratos e contratos que se
fizerem necessários a elaboração de uma parecer capaz de se
revestir das características necessárias a execução, com a devida
proficiência esperada do causídico no exercício de seu mister.
Com a aplicação da cautela devida e diligência pertinente, através dos
pontos acima descritos poder-se-á chegar a uma boa análise e redação de
74
parecer conclusivo sobre a companhia no que se refere a legal due diligence
societária, lembrando que esta é apenas uma pequena vertente da due
diligence que, conforme a necessidade, deverá ser complementada pelas
demais áreas do direito dentre outras como financeira, contábil, administrativa,
etc...
No que se refere aos aspectos da auditoria contratual, os princípios
explicitados e a análise das obrigações como processo sob a nova perspectiva
jurídica Civil-Constitucional, devem nortear toda a análise dos contratos postos a
auditoria, observando os requisitos específicos de cada contrato, sua
formalização e comprimento das solenidades, quando descritas para que se
aperfeiçoem e produzam os efeitos esperados com o adimplemnto, ou se não
for o caso do cumprimento espontâneo em conformidade com o que foi
acordado, a busca da prestação jurisdicional de forma plena sem receio de
vícios capazes de viabilizar a inexecução de seus direitos, utilizando-se sempre
dos conceitos aqui apresentados, bem como dos deveres anexo presentes em
toda a relação obrigacional exprimida através de contratos.
Dos contratos em espécie apresentados, estes foram selecionados por
serem duas das principais formas das empresas conseguirem recursos junto ao
mercado financeiro, para a execução regular de suas atividades ou como forma
de financiamento da atividade produtiva da empresa, ressalta-se que aspectos
concorrenciais, tributários, trabalhistas, regulatórios dentre outros foram
omitidos por não se tratarem do objeto do presente estudo.
75
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