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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
Da Indisciplina ao Bullying: um estudo sobre a relação professor-aluno
Por: Odette Alves Lima
Orientador Prof.ª Fernanda Canavez
Rio de Janeiro
2012
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
Da Indisciplina ao Bullying: um estudo sobre a relação
Professor - aluno
Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada
como requisito parcial para obtenção do grau de
especialista em Psicopedagogia
Por: Odette Alves Lima
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AGRADECIMENTOS
....a Deus por mais uma etapa concluída, a
meu esposo Roberto José que esteve ao
meu lado nas horas que mais precisei, ao
meu filho Roberto Junior e a minha filha
Julia, companheira incansável, que
acompanhou-me em todas as aulas sempre
encorajando-me a prosseguir.
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“Temos que ter em mente que é na aurora de nossa vida que
devemos aprender a não tolerar qualquer tipo de violência,
de preconceito e de desrespeito ao próximo.”
Ana Beatriz Barbosa Silva
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DEDICATÓRIA
.....aos meus pais Gastão e Cleuza (in
memória), meu esposo, minha nora e aos
meus maravilhosos filhos.
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RESUMO
Este trabalho pretende realizar através de uma pesquisa bibliográfica uma reflexão
acerca dos conceitos de Bullying e Indisciplina, associando-os aos conceitos de
autonomia e heterônoma, vinculando-os a forma como o professor se posiciona diante
da turma e se relaciona com os seus alunos. O que justifica esse trabalho é a crescente
manifestação de intolerância e violência no ambiente escolar.
Buscou-se, através desta pesquisa, conhecer melhor os conceitos abordados, tendo
em vista que o Bullying tem sido tratado pela mídia, muitas vezes, de forma
equivocada. Procurou-se também estabelecer uma rica e completa reflexão da
indisciplina. A metodologia realizada exclusivamente por pesquisa bibliográfica
justifica-se pela intenção de promover a reflexão a partir de ideias amplificadas dos
conceitos. O trabalho de campo não cumpriria o objetivo, na medida em que observaria
os temas a partir de uma ótica espacial e regionalmente limitados. Por fim, verificou-se
que, dentre outros fatores, a autonomia moral da criança está fortemente relacionada
com questões como democracia e liberdade em sala de aula.
Palavras-chave: Bullying, Indisciplina, autonomia, heteronomia, autoridade,
autoritarismo, democracia, liberdade, escola.
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METODOLOGIA
Para realizar este trabalho de monografia foi utilizado estudo intensivo e
aprofundado com a leitura de autores como: Paulo Freire, Ana Beatriz Barbosa, Fante,
De La Taille, Furter, Lobrot, Mattos, Aquino, Briggs. Dentre os livros lidos: Pedagogia
da Autonomia, Mentes perigosas nas escolas, Indisciplina na Escola, A Auto Estima do
seu filho, Fenômeno Bullying Educação e Vida dentre outros e artigos.
O desenvolvimento de um estudo mais aprofundado e específico contou também
com pesquisas na internet, em sites confiáveis.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................9
1. INDISCIPLINA E BULLYING NO ESPAÇO ESCOLAR......................................10
1.1. A Indisciplina...........................................................................................................11
1.2. O Bullying................................................................................................................16
1.3. Indisciplina x Bullying.............................................................................................19
2. A DEMOCRACIA COMO RESULTADO DA RELAÇÃO PROFESSOR-
ALUNO...............................................................................................................21
2.1. Autoridade escolar e relação professor-aluno..........................................................24
2.2. A autoridade autoritária...........................................................................................27
2.3. A autoridade liberal.................................................................................................28
3. A FORMAÇÃO DA MORAL AUTÔNOMA NOS ALUNOS COMO FORMA DE
COMBATER A INDISCIPLINA “NEGATIVA” E O BULLYING............................30
3.1. Moral autônoma x Bullying e Indisciplina..............................................................34
3.2. A importância do fator autoestima..........................................................................37
3.3. Educação Multicultural...........................................................................................39
CONCLUSÃO...............................................................................................................41
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................43
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INTRODUÇÃO
Este trabalho enfocará os atos que ferem a ordem e a moralidade em ambiente
escolar e como a relação professor x aluno pode estar associada à construção moral da
criança. O que justifica a escolha desse tema é o crescente aumento da eclosão deste
tipo de fenômeno no ambiente escolar.
A indisciplina e o Bullying serão abordados dentro do espaço escolar, mas
buscaremos todas as causas que expliquem esses fenômenos, portanto levaremos em
consideração aqueles de ordem social e cultural que englobam também outros espaços
e, por fim, detectaremos como a postura do professor pode ser ou não um fator
influenciador para a eclosão destes problemas.
O primeiro objetivo da análise é diferenciar os dois conceitos a fim de descobrir os
meios mais apropriados de lidar com cada um deles.
É importante destacar que o objetivo desta pesquisa não é descobrir fórmulas
mágicas para solucionar esses problemas, pois acreditamos na existência de diversas
realidades, e para cada qual existe um caminho, mas acreditamos que através deste
trabalho poderemos proporcionar aos educadores uma enriquecedora reflexão acerca do
seu papel, e é justamente o que poderá enfim levá-los as respostas que tanto buscam
para aliviar este mal que está tão presente na realidade escolar.
Para isso, será discutido o conceito de autoridade e como os autores contemporâneos
analisam este conceito, que está tão fortemente relacionado ao educador. Sabemos que
cada educador escolhe um caminho para alcançar a tão sonhada ordem em sala de aula
e, para isso, não devemos negar o quão importante é o seu papel de autoridade. Talvez
seja ela a peça fundamental. Basta descobrir como tem sido exercido este papel. Será
que é possível exercer autoridade sem autoritarismo? Até onde o professor pode ir sem
correr o risco de perder o respeito do seu aluno? São indagações deste teor que darão
vida a esta pesquisa. As conclusões alcançadas a partir delas é que poderão contribuir
para uma prática que realmente proporcione o desenvolvimento moral das nossas
crianças, que é um valor essencial na busca do equilíbrio, do respeito e da disciplina em
sala de aula e fora dela.
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1. INDISCIPLINA E BULLYING NO ESPAÇO ESCOLAR.
Sabe-se que uma das principais causas da desistência por parte dos professores pela
vida docente ocorre devido à forte indisciplina presente em sala de aula. Muitas vezes
ela é caracterizada por forte violência e intolerância, fenômeno que recentemente ficou
conhecido como Bullying. Não existe nada tão difícil para um professor como a árdua
tarefa de mobilizar os alunos “bagunceiros” para contribuírem com o bom andamento
da aula. Qualquer educador já passou pela experiência de presenciar alguns de seus
educandos se comportando com total indiferença, como se o professor não existisse e
seu papel de autoridade nada representasse. Outros alunos até reconhecem a sua função,
no entanto, não lhe dão o devido valor, muitas vezes o afrontam, levando-o a se sentir
frustrado. Em alguns casos, os alunos indisciplinados compõem a menor parte da turma,
mas com suas atitudes, conseguem contagiar toda uma classe, como se o problema fosse
generalizado, fazendo com que o ambiente fique impossível para o aprendizado. Em
outras vezes, o fenômeno acontece de forma velada, nos momentos em que a atenção do
professor não está voltada para os principais atores. A dificuldade, neste caso, reside no
fato de o professor não conseguir perceber o problema imediatamente. O que acaba
permitindo com que um ou mais alunos sejam vítimas de terríveis e frequentes
brincadeiras e ataques que ferem seus sentimentos e até mesmo seu físico. Esta é a
característica do Bullying.
Para que haja um enfrentamento destes problemas (indisciplina e Bullying), no
entanto, é essencial entendermos cada um deles, pois, ao sabermos diferenciá-los, logo
perceberemos que nem sempre possuem uma origem comum. Portanto, devem ser
tratados de forma que suas peculiaridades sejam levadas em consideração,
reconhecendo tais variáveis. Comecemos a analisar as características daquele mais
reconhecido na sociedade: a indisciplina.
111.1 – A indisciplina
Antes de aprofundar o tema indisciplina, é importante estabelecer uma visão
temporal do fenômeno, já que, há 30 anos este problema não tinha a dimensão atual. As
escolas do passado seguiam um sistema tradicional, que exigia uma postura quase
militar dos alunos. Assim, quando havia atitudes de indisciplina, as mesmas utilizavam
os castigos, muitos deles físicos, para a manutenção da ordem.
Hoje, no entanto, a indisciplina está muito mais presente e os meios defendidos para
combatê-la, por sua vez estão pautados em novo modo de enxergar o sujeito, sua forma
de aprendizado e desenvolvimento.
Já a respeito do significado, a indisciplina representa o oposto de disciplina: é a falta
desta. E o termo disciplina possui a mesma etimologia do vocábulo "discípulo", que é
definido como "aquele que segue". Consequentemente, passamos a entender por que
este termo é tão fortemente relacionado a instituições que funcionam através deste
modelo, ou seja: de um mestre que deve repassar valores, ensinamentos e regras para
seus discípulos, sendo estes assumidos por soldados nos quartéis, por funcionários nas
empresas, por alunos nas escolas, etc. Enquanto o papel de mestre pertence
respectivamente aos comandantes, patrões, professores, etc.
Em todos os exemplos citados o mestre, em sua posição de liderança, possui a
função de ensinar os conteúdos que cada uma das realidades requer, além de repassar
seus valores e regras. Diante do não cumprimento destas, cabe a eles também tomar as
medidas necessárias para sua garantia.
Assim, não podemos desvincular a “disciplina” ou “indisciplina” desta importante
relação entre mestres e discípulos, ou melhor, entre educadores e alunos, que são os
atores discutidos neste trabalho.
Portanto, no ambiente escolar, o “habitat” dos sujeitos estudados, a indisciplina é um
fenômeno caracterizado como o ato de revolta e desrespeito às regras. Isto ocorre
quando o “discípulo” não atende aos anseios do seu “mestre” no tocante ao
comportamento. Assim, podemos reconhecê-la naqueles instantes em que os educandos
conversam ou realizam brincadeiras no momento de uma explicação, ou ainda e,
12principalmente, quando não se dirigem aos pares ou educadores de maneira
apropriada ou não atendem às solicitações destes, etc.
A (in) disciplina está ligada ao termo “ética”, que significa etimologicamente
reflexão para a moral (conjunto de normas, regras ou leis que determinam ou orientam
comportamentos dos sujeitos de uma determinada sociedade).
Contudo, a definição do conceito de (in) disciplina de acordo com sua
interpretação atual, exige uma reflexão que esteja acima de alguns reducionismos,
generalizações e julgamentos moralistas. O fenômeno não poderá jamais ser pensado
apenas como um estado ou predisposição particular. Desta forma, não podemos negar
que existem diferentes maneiras de entendê-la. Afinal, depende do que se leva em
consideração na hora de julgá-la. Se um aluno se comporta de maneira imprópria, pode
ser que haja quem o considere indisciplinado pelo simples fato de não ter respeitado
determinada regra, mas poderá haver também quem leve em consideração as razões que
induziram o aluno a tomar determinada atitude, podendo caracterizar o ato
indisciplinado de outra maneira.
Com esta observação podemos perceber que a indisciplina não é um fenômeno
isolado, ou seja, não é uma atitude “oca”, vazia de motivação. Por isso, antes de
categorizar os alunos como “disciplinados” ou “indisciplinados”, é preciso ter o cuidado
de identificar e diferenciar o que é socialmente inadequado do que é moral ou imoral.
O que se deseja explicitar acerca da falta de disciplina é que podemos compreendê-la
através de duas óticas: uma positiva e outra negativa. O que determinará tal foco são
justamente as causas que levaram à eclosão de tal fenômeno, e elas podem ser variadas.
Dentre as mesmas podemos destacar os aspectos morais, psicológicos e culturais.
Quanto aos aspectos moral e psicológico, é possível relacioná-los à capacidade do sujeito de
conviver com as regras, pois “se entendermos por disciplina comportamentos regidos por um
conjunto de normas, a indisciplina poderá se traduzir de duas formas: 1) a revolta contra estas
normas; 2) o desconhecimento delas.” ( LA TAILLE, 1996, p.10).
Com isto, não se está querendo dizer que o tipo de moralidade defendida neste
trabalho corresponda a uma total submissão a estas “leis”, pois, mesmo sem concordar
com elas, o aluno pode ser um sujeito de moral e defender as suas ideias. Assim
13sendo, o educando somente estaria passível de ser considerado indisciplinado se
dentre as regras da escola não existir espaço para este tipo de manifestação. No entanto,
nesta condição, cabe à escola repensar sua postura. Assim:
Partindo destas premissas, no plano educativo, um aluno inquieta e se movimenta na sala,
mas sim como aquele que não tem limites, que não respeita a opinião e sentimentos alheios,
que apresenta dificuldades em entender o ponto de vista do outro e de se autogovernar (no
sentido expresso por Vygotsky, 1984), que não consegue compartilhar dialogar e conviver de
modo cooperativo com seus pares. (REGO, 1996, p.1)
Ou seja: se a indisciplina se expressa como revolta contra as regras, não poderá
sempre ser considerada como imoral, já que em algumas vezes ela estará livre de um
teor negativo.
Outra consideração significativa a fazer sobre o problema da indisciplina
compreende a interpretação por parte dos adultos sobre o seu papel como educador.
Muitas pessoas confundem autoridade com autoritarismo. A mesma necessidade que o
adulto tem de impor regras, as crianças têm de transgredi-las; por isso, é preciso
questionar sobre o que se considera professor ou aluno ideais, e se esta consideração
não foge da realidade em que se vive.
É importante salientar também que a indisciplina tem sido encarada por muitos
educadores como um problema restrito aos alunos. Nessa discussão tem sido deixado de
lado componente ideológico e políticos que se fazem presentes no cotidiano escolar e na
nossa própria sociedade e que afetam o processo de constituição disciplinar dos alunos.
Em relação ao aspecto cultural, cabe-nos refletir sobre o papel que a escola desempenha,
assim vale a pena pensarmos na seguinte colocação: A indisciplina em sala de aula não se deve
essencialmente a ‘falhas’ psicopedagógicas, pois está em jogo o lugar que a escola ocupa hoje
na sociedade, o lugar que a criança e o jovem ocupam, o lugar que a moral ocupa. ( LA
TAILLE, 1996, p.22).
Aquino (1996) acredita que a instituição escolar encontra-se dentro de um contexto
onde as limitações não são tão mais valorizadas. Aponta como explicação para isso a
mudança nos padrões de valores sociais. As crianças, por meio dos mais diversos
14estímulos, começam a vivenciar o que deve ser uma pessoa socialmente aceitável:
bela e rica. Estes resultados, que se tornam verdadeiros objetivos, são mais valorizados
que os meios para alcançá-los, pois vivemos em uma sociedade que, antes de tudo,
valoriza o conceito do “ter”, em detrimento da ideia do “ser”.
Assim, nosso valor é medido através da beleza do nosso corpo ou pela quantidade de
bens materiais que possuímos. Logo, notamos que o egoísmo tem sido uma forte marca
dos novos sujeitos, já que suas satisfações pessoais são colocadas em primeiro lugar. O
olhar pelo “outro”, suas necessidades e direitos perdem valor diante deste novo nexo.
As instituições escolares não podem ficar alheias a esta situação, todavia, sabemos
que tradicionalmente a escola tem delegado sua função a repassar conteúdos
“científicos” aos seus alunos, debruçada sobre a discutível lógica de que é apenas deste
tipo de conhecimento que nossa sociedade necessita para evoluir.
Desta forma, pouco há espaço para refletir sobre outras questões, como a relação
entre os sujeitos. Com isso as situações de conflito poucas vezes são aproveitadas para
que sejam discutido, o que poderia funcionar como verdadeiro mecanismo para
possibilitar aos alunos uma rica e contextualizada reflexão sobre suas posturas.
Ainda que atualmente possamos perceber no discurso dos educadores a defesa de um
novo tipo de educação, também, e de certa forma até mais acentuada, vemos os
conteúdos serem tratados como prioridades dentro do espaço escolar, tendo em vista
uma maior competitividade no mercado de trabalho. Além disso, é possível apontar a
visão predominante na sociedade que relaciona a qualidade da educação aos conteúdos,
já que este também é um fator que leva a escola a não conseguir avançar para uma
lógica diferente. Ou seja: a escola parece estar “refém”.
Porém, a escola passiva, por ser refém dos pais ou até da sociedade em que se insere,
permite por sua vez, tornar refém também os sujeitos aos quais ela deveria “libertar”.
Justamente pelo fato de os alunos pertencerem a uma lógica a qual a escola não segue,
acabam estes sujeitos não se reconhecendo naquele espaço. Nesta condição, alguns
procuram se adaptar e, também passivos, da mesma forma que a escola foi, incorporam
sua “ideologia”, enquanto outros simplesmente a negam.
“Quais significados, então, poderíamos subtrair dos fenômenos que rondam esta nova escola,
incluída aí a indisciplina? Ela pode estar indicando o impacto do ingresso de um novo sujeito
15histórico, com outras demandas e valores, numa ordem arcaica e despreparada para absorvê-
lo plenamente. Neste sentido, a gênese da indisciplina não residiria na figura do aluno, mas na
rejeição operada por esta escola incapaz de administrar as novas formas de existência social
concreta, personificadas nas transformações do perfil de sua clientela”. (AQUINO, 1996, p.45).
Por estar sujeita a cobrança dos pais e por muitas vezes não conseguir se libertar
dela, a escola não consegue dar conta das necessidades atuais da nossa realidade social,
o que acaba criando condições para a expansão da indisciplina e até mesmo do distúrbio
que atualmente se convencionou chamar de “Bullying”. Este, portanto, é o outro
conceito que deve ser compreendido, pois, os educadores precisam ter o cuidado de
saber diferenciá-lo de uma simples manifestação de indisciplina.
1.2 – O Bullying.
O Bullying está fortemente relacionado com situações de violência de variadas
naturezas.
16 Bullying é um termo em inglês originário do vocábulo to bully (agressor,
intimidador, etc), com a terminação “ing” vem a ser o ato de ser um agressor ou
intimidador, um verdadeiro “valentão”, que é utilizado para descrever atos de violência
física ou psicológica, praticados por um indivíduo ou grupo de indivíduos com o intuito
de intimidar ou agredir outro indivíduo (ou grupo de indivíduos), que se caracteriza pela
incapacidade de se defender.
Mas, por conta de uma ideia simplista abordada pela mídia a respeito do tema,
muitas pessoas confundem ou tendem a interpretar o bullying meramente como a prática
de atribuir apelidos pejorativos às pessoas. Por isso, não devemos confundir
brincadeiras normais, entre crianças e adolescentes, como características do Bullying.
Bullying é muito mais que uma brincadeira de mau gosto.
O bullying só se torna um problema quando as “brincadeiras” passam a ser realmente
vexatórios e/ou violentas e sua vítima não possui aparato físico emocional para
enfrentá-lo.
Desta forma, quando as crianças possuem uma formação que lhe garante uma
personalidade forte e com autoestima, dificilmente esta se tornará vítima do Bullying,
pois ao aplicá-lo neste tipo de sujeito, o agressor não alcançará seu objetivo, que é sentir
força e poder diante de uma vítima frágil e indefesa. Ou seja: a covardia é a
característica principal de seu agente, enquanto que a fragilidade a de sua vítima, o que
afirma o caráter sádico do bullying.
Assim sendo, é possível entendê-lo como uma manifestação de teor ainda mais
preocupante que a indisciplina, por apresentar como principal ponto diferenciador desta
justamente o seu caráter sádico, tendo em vista que, além de desrespeitarem as regras e
estarem relacionados também a fatores morais, psicológicos e culturais, os agentes do
“Bullying” possuem grande necessidade de causarem dor e sofrimento a uma vítima
indefesa. Podemos entender melhor a gravidade deste fenômeno através das palavras de
Fante:
“São inúmeras as formas de violência velada que enfrentam muitos de nossos alunos, dentre
elas humilhações e gozações, ameaças, imputações de apelidos constrangedores, chantagens,
intimidações. Na maioria das vezes as vítimas sofrem caladas por vergonha de exporem ou por
medo de represálias dos seus agressores, tornando-os reféns de emoções traumáticas destrutivas,
17como medo, insegurança, raiva, pensamentos de vingança e suicídio, além de fobias sociais e
outras reações que impedem seu bom desenvolvimento escolar.” (FANTE, 2005, p.16).
Sendo assim, podemos entendê-lo como um conjunto de atitudes agressivas que
acontecem de forma intencional e frequente. O agente ou grupo de agentes hostilizam
determinado aluno ou alunos, levando-os à exclusão do grupo, tendo como base a
tendência destas vítimas a não conseguirem mobilizar outras pessoas em sua defesa,
muitas das vezes sequer compartilharem com alguém as situações as quais são expostas,
assim como ainda podem criar um sentimento de que são merecedoras de todo o
sofrimento por qual passam.
Ainda segundo Fante (2006), o bullying não se trata apenas de um caso esporádico
ou de brincadeiras próprias de crianças; é de fato um fenômeno violento, e que pode
gerar uma vida de sofrimento para uns e de conformismo para outros.
É importante também observar que, assim como a indisciplina, o Bullying não está preso a um
contexto específico. Estudos apontam a presença do fenômeno nas mais diversas escolas,
independente da área de localização, da dimensão espacial, dos níveis das séries, ou do grau
socioeconômico de seus alunos, já que sua causa está associada à capacidade do agente de
transformar sua ação em um aliciamento por meio do qual os admiradores do agressor
reiteradamente repetem suas condutas, atacando geralmente a mesma vítima ou outra (FANTE,
2005, p.61).
Segundo especialistas, a explicação deste tipo de comportamento está ligada à
afetividade, tendo em vista que muitos destes “valentões” reproduzem contra outros, o
que eles mesmos vivenciam. Esta é uma forma de exercerem sua autoridade e se
sentirem notados. Enquanto a vítima do Bullying sofre, seus agressores supervalorizam
a violência como forma de obtenção de poder. Outra causa é a falta de limites e a forma
como os pais afirmam seu poder sobre os filhos, muitas vezes através das variadas faces
da violência (físicas, emocionais, etc.) Há a tendência de esses sujeitos desenvolverem
condutas delituosas e violentas também na vida adulta.
Porém, não podemos isentar a responsabilidade da escola sobre este tipo de
acontecimento, pois compreendemos a mesma, juntamente com a família, como uma
18importante instituição formadora. Assim sendo, é possível também explicitar não
como uma das causas, mas como uma forma de “manutenção” da eclosão do Bullying e
também da indisciplina, a ausência de valores humanistas no espaço escolar.
Entendemos esta deficiência como uma consequência do que já fora exposto
anteriormente, portanto, mais uma vez ressaltamos: a escola parece estar “refém” da
sociedade em que ela está inserida!
“O abuso de poder, a intimidação e a prepotência são algumas das estratégias adotadas pelos
praticantes de bullying (os bullies) para impor sua autoridade e manter suas vítimas sob total
domínio”. (SILVA, 2010, p.21)
1.3 – Indisciplina x Bullying.
Desta forma, tanto o Bullying quanto a “indisciplina negativa” podem ser
interpretados, dentro dos devidos limites, através de uma mesma lógica, já que ambos
19geram situações conflitantes que ferem a moral e o as boas relações tão necessárias
dentro de um espaço que, dentre outras coisas, visa a formar o ser humano e o cidadão
em sua ampla dimensão (social, psicológica, cognitiva, etc.).
Ambos relacionam-se com a questão moral de nossos alunos, afinal, será que
podemos considerar o educando que não respeita regras e aos demais alunos, como
sujeito de moral autônoma? É indiscutível que não. Portanto, podemos partir de um
ponto comum para lidar com estes diferentes casos, por mais que saibamos da
importância de saber identificar cada um deles. Este reconhecimento nos leva a perceber
também aquela indisciplina que funciona como um chamado de alerta para possíveis
posturas inadequadas por parte do próprio mestre ou da escola. A esta forma de
indisciplina, que optamos por chamar de “indisciplina positiva”, deve-se buscar uma
interpretação por meio de uma lógica bem diferente dos demais casos (bullying e
indisciplina “negativa”). É justamente esta interpretação que nos fará perceber seu
aspecto “bom”, o que, definitivamente, requer uma abordagem diferenciada.
Portanto, ficou explicitada a razão de saber identificar e entender a natureza de cada
manifestação, já que é necessário saber identificar o que é e o que não é moralmente
aceito. Sem este reconhecimento não seria possível elaborar alternativas de superação,
pois, ao tratarmos as diversas situações apenas como sintomas de “indisciplina
negativa” (já que algumas escolas tendem a interpretá-la somente desta maneira),
poderiam estar tratando as outras problemáticas aqui apresentadas com soluções que
não são as ideais, podendo por fim não conseguir sanar o problema.
A partir de todo o exposto podemos concluir que podem decorrer de diferentes
implicações psicológicas as ações praticadas pelas crianças agentes de bullying e
indisciplina, e que nem sempre a escola alcançará estas motivações, justamente pelo
fato de a origem destes males, na maioria das vezes, estarem bem distante do ambiente
escolar, reduzindo este apenas como ambiente de eclosão. No entanto, sabemos o papel
que a escola tem, ou que deveria ter, diante destas questões. É este o forte ponto que
deve ser discutido. Sobre o que a escola tem feito, cabem as seguintes indagações: como
o diálogo, por exemplo, pode ser tratado dentro da sala de aula? Como pode ser
estabelecida a relação professor/aluno e qual a implicação desta relação na formação
moral das crianças?
20 O termo utilizado, “controle”, esbarra na ideia que se deve estar mais fortemente
relacionada com a escola, que é “educação”. Ou seja, é possível que as escolas venham
trabalhando a questão, mas devido as mais diferentes influências, ela possa estar
optando pelos meios mais “rápidos” e “fáceis” de solucionar o problema, mas será que
realmente esta é a melhor forma de “solucionar”?
As questões não nos encaminharão a soluções mágicas, pois além de elas não
existirem, este não é o objetivo deste trabalho. No entanto, tais questões nos revelam
que é importante descobrir de que maneira a relação professor/aluno está associada à
construção moral da criança e como deve se efetuar tal relação para que a mesma
contribua de fato com a formação de um sujeito que respeita a si mesmo e as demais
pessoas, ou seja: um sujeito que esteja realmente preparado para viver da melhor forma
possível em nossa sociedade.
2. A DEMOCRACIA COMO RESULTADO DA RELAÇÃO
PROFESSOR-ALUNO.
21 Existe atualmente no meio educacional a presença de uma forte ideia que defende
a educação escolar como uma prática que deve buscar desenvolver nos sujeitos e
proporcioná-los a liberdade. Este conceito ganhou força especial nas obras de Paulo
Freire. Apesar do seu foco popular, devemos entender seu legado como uma
contribuição para a educação nas suas diversas formas, sendo assim possível aplicá-la
em todos os espaços e para as mais variadas classes sociais, pois se o sujeito pobre não
consegue enxergar aspectos da sua realidade devido aos efeitos da cultura predominante
sobre essa sua própria percepção, isso também pode nos levar a crer que sujeitos
pertencentes a outras classes possivelmente encarem essas diferenças da mesma forma,
apenas como um resultado de uma dinâmica natural da sociedade. Este olhar não
considera aspectos sociopolíticos, econômicos e históricos como fatores determinantes
dos múltiplos abismos que marcam a conjuntura social, pois possui uma visão inatista
dos fatos, que enfatiza os fatores maturacionais e hereditários. Essa perspectiva entende
que o ser humano é um sujeito fechado em si mesmo, que nasce com potencialidades,
com dons e aptidões que serão desenvolvidos de acordo com o amadurecimento
biológico.
Desta maneira, os sujeitos concluem que aquele que vive à margem da sociedade ou
em situação de grande miséria, assim se encontra por sua “incapacidade” nata de
conquistar outra posição.
Em outras palavras, a verdade é que vivenciamos uma cultura onde sujeitos nas suas
mais diversificadas posições sociais, culturais e econômicas, na maioria das vezes
entendem este status somente como resultado da sua trajetória pessoal; do seu esforço
ou falta de esforço; do seu merecimento ou falta de merecimento; da sua sorte ou da
falta desta. Tal análise comprova a importância do fator “cultura”.
Esta cultura predominante permite diferenciar os sujeitos, colocá-los nos mais
diferentes graus e variações de importância ou pertencimento dentro da coletividade,
pois vivemos em uma sociedade que pouco valoriza as diferenças, que não enxerga nas
mesmas uma expressão a ser admirada. Pelo contrário: vivemos em uma sociedade onde
o belo, o aceitável e o que se busca alcançar é muito claramente definido: é aquele que
aparece na TV e nas capas das revistas e que possui alto poder aquisitivo, expondo este
poder em valiosos bens materiais. A valorização deste quadro acaba consequentemente
22gerando uma desvalorização do que está distante desta realidade, que passa a ser
desrespeitado e enxergado como sinônimo de fracasso.
Enfim: o que acontece é uma imposição a homogeneização dos hábitos, gostos,
comportamentos, que são padronizados de acordo com o paradigma predominante. Este
padrão está associado à forma mais perversa do capitalismo e sua cultura do consumo:
aquela onde o “ter” é mais importante do que o ”ser”. Para garantir este objetivo, os
meios de “comunicação” funcionam como meios alienadores da realidade. Estes
aspectos acabam por determinar um desapego ou desinteresse pelo saber, resultando em
ações de indisciplina e violência em sala de aula. Pois, enquanto a experiência do
aprendizado exige concentração, empenho e meditação, não podemos afirmar o mesmo
em relação à mídia, que se mostra bem mais sedutora através do seu sensacionalismo,
por onde veiculam preconceitos e estereótipos.
Esta indústria cultural promove a exclusão do mundo letrado, arquivando a educação
humanista. (MATOS, 2006, p.42).
A falta de outros referenciais para os jovens, devido ao distanciamento dos pais, por
exemplo, tornam o poder da mídia ainda maior na formação dos seus hábitos.
Portanto Freire aborda que o homem deve dinamizar seu mundo, para ir dominando
a realidade, para deixar de ser rebaixado a puro objeto, para então passar a atuar como
construtor da sua história. Com este pensamento é possível entender que a educação
deve trabalhar não com o objetivo de fazer com que seus alunos alcancem ao patamar
ideal que a cultura predominante da sociedade defende, inclusive por esta mesma
sociedade não permitir que todos alcancem tal status. Diferente disso, a escola deve
trabalhar de forma que explicite esta realidade aos sujeitos e, que diante desta
percepção, ajam para uma transformação, e então caminhem para uma sociedade que
respeite e valorize as diferenças de forma que elas não sejam mais resultado de
injustiças travestidas com artifícios que as façam parecerem naturais, mas sim que tais
diferenças passem a ser não somente entendidas como expressão de uma opção de
identidade pessoal ou coletiva, construída historicamente ou não, mas que de fato tais
identidades sejam produto desta escolha.
23 Pode-se dizer que é preciso trabalhar a “conscientização” (não levando em consideração
as polêmicas que o termo produz), que é segundo Freire é um compromisso histórico (...),
implica que os homens assumam seu papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo. Exige que
os homens criem sua existência com um material que a vida lhes oferece (...), está baseado na
relação consciência-mundo. (FREIRE, 2011, p.27)
O exposto até aqui trouxe as ideias de “liberdade” e “respeito” de forma bem
próximas, de modo que o segundo se apresenta como resultado do primeiro. Ou seja:
para se alcançar uma sociedade que valorize as diferenças e as respeite, antes seria
necessário “libertar” os sujeitos. Porém, de que forma o professor consegue garantir isso
aos seus alunos? Que tipo de ambiente e relação é necessário para a transmissão desta
ideia?
Para discutir tais questões é importante entender como a forma de o educador se
relacionar com seus alunos é determinante no sentido de garantir a formação do sujeito
“livre” ou “autônomo”, pois a maneira como o próprio professor lida com sua posição
de autoridade é um dos fatores que possibilitam ou não esse caráter emancipatório aos
educandos. Para tanto o professor deverá ter de optar entre um ambiente que busca
uniformizar, padronizar os seus alunos em nome de uma aparente ordem ou escolher
criar uma atmosfera que reconhece e respeita as diferenças, mesmo sabendo que nesta
configuração, a princípio, os conflitos sejam mais possíveis.
2.1 – Autoridade escolar e a relação professor-aluno.
24
Em um primeiro momento pode parecer difícil defender uma educação libertadora ao
mesmo tempo em que o professor precisa desempenhar seu papel de autoridade, já que
o trabalho pedagógico implica uma relação assimétrica de poder, onde o docente, por
sua posição de sujeito que ensina exerce sua autoridade sobre aquele que aprende – o
aluno (LA TAILLE, 1999), o que inegavelmente gera uma hierarquia.
Desta forma, Lobrot (1977) entende a autoridade através de uma lógica negativa, já
que, para ele, este conceito se contrapõe à liberdade na medida em que está associado a
um sistema onde é possível alterar a vontade do outro para garantir aquilo que se quer
alcançar, conduzindo-o a isto. Para tanto se usa a repressão ou coerção.
No entanto, segundo Furter (1979) a autoridade não deve ser encarada como um mal,
pois, na verdade ela seria a garantia da estabilidade do mundo que nos cerca. Sem ela,
não seríamos capazes de manter um ambiente que tranquilize as crianças.
Por fim, podemos perceber duas formas bem distintas de lidar com tal autoridade: a
autoridade autoritária, expressa na ideia de Lobrot, e a autoridade liberal, que assim
como nas palavras de Furter, deve funcionar para garantir equilíbrio. Antes, porém, de
explanar uma análise mais ampla destes dois conceitos e sua relação com o ambiente
escolar e seus principais atores (professores e alunos), levemos em consideração as
seguintes reflexões e considerações:
Qualquer tipo de relação está relacionado a fatores afetivos. Portanto, o afeto é um
elemento importante na construção da relação professor-aluno. No entanto, existe
grande divergência quanto à conceituação dos fenômenos afetivos. É possível encontrar
na literatura o uso dos termos emoção, afeto e sentimento, como sinônimos. Contudo,
diferente da emoção, que é entendida somente através do componente biológico do
comportamento humano, a afetividade possui uma significação mais ampla, referindo-se
também às vivências do sujeito e às suas maneiras de expressão mais complexas e
essencialmente humanas.
A afetividade pode ser entendida ainda como a mistura dos mais variados
sentimentos (raiva, ciúme, saudade, etc.) intrínsecos ao homem. Para garantir uma vida
emocional plena e equilibrada, o sujeito terá de saber lidar adequadamente com essas
emoções.
25 Neste momento o sujeito necessita de um cuidador – outro sujeito (já cuidado),
que irá estabelecer os limites essenciais para a manutenção de uma saúde mental.
Dentre os critérios de saúde mental estão o respeito e o cuidado por si mesmo e pelos
outros, assim como pelo planeta, seus animais e vegetação. Cuidar é um ato consciente
que pode ser ensinado. Esse aprendizado permite a manifestação de todos os
sentimentos, porém de forma que o sujeito controle os atos que aliviem apenas
momentaneamente a dor do sentimento de desprazer. É importante fazer o sujeito sentir-
se desejado no grupo.
Observemos o quanto essa ideia destoa da forma tradicional de educação, onde os
sujeitos ditos “bagunceiros” frequentemente têm essa posição reafirmada pelo professor,
para que possam assim servir como a referência negativa da classe. Isso gera no sujeito
um sentimento de desprendimento em relação ao grupo e um consequente desestímulo,
reforçando a indisciplina.
O educador deve ensinar o desejo de cuidar, entendido como o ato supremo de
cidadania.
Quando lidamos com jovens e crianças, precisamos compreender o quanto esta fase é
“sensível” aos acontecimentos e relacionamentos vivenciados por esses sujeitos para a
formação de sua identidade. Por essa razão é importante estarmos atentos a todas as
palavras, gestos e pessoas que lhes funcionam como referência.
Desta forma, não fica difícil concluir que aqueles sujeitos que estabelecerem
vínculos harmoniosos nos momentos de frustração terão maiores chances de
desenvolver uma personalidade saudável. No entanto, atualmente, aqueles que deveriam
funcionar como a principal referência para as crianças – os pais – muitas vezes são
levados pelo falso mito da liberdade total.
Este tipo de educação pode resultar na formação de uma personalidade problemática
e afundada em egoísmo, o que muitas vezes explica certos comportamentos que
resultam no “bullying” e indisciplina. Afinal, os limites são os grandes obstáculos que
garantem o respeito ao próximo, são como um grande freio que promove a
solidariedade, pois é exatamente através desses limites que aprendemos que devemos
saber dosar nossos desejos de acordo com os sentimentos e direitos das pessoas que
podem ser prejudicadas com a realização das nossas vontades pessoais. É importante o
aprendizado de que não podemos fazer tudo o que sentimos ambição, e que o nosso ego
26não é o único elemento a ser levado em consideração no momento das decisões e
escolhas. Porém, é necessário que os limites sejam entendidos desta maneira pela
criança para que ela não corra o risco de interpretá-los como uma mera imposição aos
seus anseios.
É no momento de apresentar às crianças os limites sobre suas ações e explicar a
importância deles para o bom desenvolvimento da sociedade, que entra a figura da
autoridade. No caso da escola, a autoridade é exercida pelo professor que, ao
desempenhar este papel, poderá, dependendo de sua postura, contribuir para a formação
de um ambiente sadio, com crianças que entendem a disciplina como um elemento que
irá garantir paz, harmonia e tranquilidade para o espaço.
A partir dessa análise que mostra a importância das referências, dos limites e da
figura da autoridade na formação da identidade dos sujeitos, fica mais fácil apreender os
conceitos de autoridade autoritária e autoridade liberal e seus possíveis efeitos no
ambiente escolar.
2.2 – A autoridade autoritária.
27 A autoridade autoritária pode ser entendida como a forma de relação adotada pelo
professor que possui como instrumentos de manutenção da ordem a ameaça e a punição.
Desta maneira, o medo ocupa o lugar da afetividade. Neste contexto, há ainda como
característica a pouca valorização do diálogo, na medida em que as ideias e sentimentos
trazidos pelo alunado não são explorados. Devido a sua posição e seu conhecimento, o
professor entende que possui o direito de criar as regras e, aos alunos, cabe apenas
obedecê-las, sem questioná-las. Afinal a posição de autoridade e de detentor do saber
desempenhada pelo educador já justifica tal atitude.
A democracia parece não ter espaço dentro do ambiente dominado pelo
autoritarismo, e realmente não possui. Nesta forma unilateral de relação, os alunos
podem reagir de maneiras distintas, desde rebelar-se a submeter-se de forma passiva, já
que é criado um clima emocional em sala de aula desfavorável ao trabalho pedagógico
com pouca participação, devido à ausência de diálogo, além de hostilidade,
conformismo e passividade. Estes são alguns dos sentimentos que podem ser gerados
nesta configuração onde quem “tem autoridade” toma todas as decisões. Ou seja: o
respeito não ocorre de forma bilateral nesta forma de exercer a autoridade.
A autoridade autoritária por não favorecer aspectos democráticos e colocar o
professor em uma posição de superioridade, acaba o distanciando de seus alunos,
resultando desta maneira em um relacionamento sem afetividade e com pouca troca. A
consequência desse quadro pode implicar na formação de sujeitos heterônimos e
carentes de valores morais, que funcionariam como adubos em um campo para a
eclosão do bullying e da indisciplina.
2.3 – A autoridade liberal.
28 Como contraponto à autoridade autoritária há a autoridade liberal, que é
caracterizada através de uma forte relação entre professor-aluno e possui como funções
ensinar o aluno a se normatizar e a levá-lo a usar sua liberdade (Furter, 1979).
É imprescindível compreender que a autoridade do educador é legítima e saudável na
relação pedagógica, afinal é ele quem possui o conhecimento que o confere determinado
poder que o permitirá construir um ambiente propício à aprendizagem. Este poder deve
ser exercido de modo que a democracia seja garantida e a autoridade docente forneça
todo o apoio e amparo para que a criança se torne um adulto capaz de colocar seus
objetivos, propor alternativas para resolução de problemas, etc. Neste sentido, a
autoridade do professor possui como objetivo ensinar o aluno a se normatizar para que
ele possa usar sua liberdade (Furter, 1979).
O produto deste tipo de relação é a aliança entre os envolvidos - docentes e discentes
e a autoridade passa a ser vista como um valor que beneficia a todos e não apenas ao seu
detentor. Diferente da autoridade autoritária, a qual se esbarra nos princípios da
liberdade e da democracia, no caso da autoridade liberal, ao contrário daquela, passa a
ser entendida como elemento essencial para a garantia do respeito, da democracia e da
liberdade. O líder responsável por este ambiente equilibrado consegue naturalmente
despertar o verdadeiro respeito dos demais sujeitos.
Neste sentido, a autoridade do educador funciona como uma “consciência externa”
que aos poucos se internalizará nos sujeitos, através da interação e da afetividade
estabelecida. Então, o caráter heterônimo dá lugar a um sujeito de moral autônoma, na
medida em que a obediência deixa de ser exercida em nome do medo para ser
fundamentada na reciprocidade e na cooperação. Assim, a disciplina passa a ser uma
necessidade da sua própria ação.
Em uma classe onde a interação entre os pares são favorecidas e as decisões da
criança são valorizadas haverá bem mais situações de conflitos do que na escola
tradicionalista. Porém, é neste conflito que a criança é motivada a refletir sobre
maneiras de lidar com a situação. Logo, o conflito é elemento essencial no
desenvolvimento da moral autônoma na criança. Sendo justamente esta moral autônoma
o freio que impedirá situações de violências e desrespeito como a do Bullying ou a falta
de disciplina.
29
3. A FORMAÇÃO DA MORAL AUTÔNOMA NOS ALUNOS COMO
FORMA DE COMBATER A INDISCIPLINA “NEGATIVA” E O
BULLYING.
30 Percebeu-se até este ponto que na instituição tradicional – e autocrática, o
professor procura meios rápidos de resolver os problemas, fazendo com que aos poucos
ele deixe de acontecer. No entanto, a ausência de determinados conflitos não significa
que a criança seja capaz de perceber as consequências dos seus atos. Assim não basta
que a criança siga determinados valores, é importante que ela saiba por que seguir tais
valores. Desta forma, ao questionar uma criança por qual razão ela não deve bater em
seu amiguinho, podemos perceber através de sua resposta o tipo de moral predominante.
Em caso de moral heterônoma, respostas como “não posso bater porque a professora
briga” são mais comuns; enquanto que na moral autônoma a criança diria que não deve
bater no amigo pela dor e tristeza causadas. Assim, a autonomia moral é identificada
também como uma preocupação com o outro, já que existe o forte sentimento de
solidariedade. Esta solidariedade deve ser construída através das situações que surgem
naturalmente em sala de aula. Portanto qualquer manifestação natural não deve ser
evitada ou podada, da mesma maneira como não deve ser ignorada ao ser interpretada
como algo próprio da infância. É importante dar aos conflitos uma função de
aprendizagem, que deverá garantir uma reflexão crítica sobre os atos que resultaram no
conflito. Assim, o diálogo surge como grande fator diferenciador na qualidade das
relações estabelecidas no ambiente escolar que favorece uma concepção liberal de
autoridade.
Ao estabelecer uma relação entre professor e alunado pautada na reciprocidade e no
respeito dentro de uma sociedade em que os desejos pessoais e o individualismo são
valorizados de tal forma que levam os sujeitos a beirarem o egoísmo, o professor deve
se atentar a cumprir seu papel, que deve levar em consideração a seguinte reflexão: não
deve a educação estimular o indivíduo a adaptar-se à sociedade ou a manter-se
negativamente em harmonia com ela, mas ajudá-lo a descobrir os valores verdadeiros,
que surgem com a investigação livre de preconceitos e com o auto percebimento.
Por fim percebemos o quanto os conceitos de liberdade, autonomia, respeito e
tolerância estabelecem entre si uma profunda relação. O sujeito só poderá ser livre de
preconceitos e construir um caráter autônomo e emancipatório se vivenciar situações
que favoreçam o seu desenvolvimento. É necessário que o ambiente de inserção desse
indivíduo valorize relações democráticas, que apreciem os diálogos, as diferenças e as
reflexões. Contundo, vale ressaltar que a complexidade que implica a questão da
31autoridade não finda tão somente na meditação sobre as formas de exercer esta
autoridade. Muitos dos conflitos apresentados na escola, sejam eles decorrentes de
indisciplina ou de bullying, podem ser explicados através de outras lógicas, tais como: a
falência dos modelos de referência e autoridade, que tendem a ser substituídos pelos
discursos encontrados na mídia, incorporados nos padrões de comportamento
executados pelos “pop stars” produzidos na TV. Estes modelos por sua vez são
totalmente alheios ao desenvolvimento do indivíduo como sujeito autônomo, crítico e
solidário, enxergando-o apenas como consumidor potencial. A alienação e falta de
pensamento crítico tornam os sujeitos presas fáceis a este tipo de influência.
Assim, quando se fala em educar para a liberdade e para formar sujeitos moralmente
autônomos, antes de tudo está se falando em preparar sujeitos para a vida, para apreciar
a democracia, o respeito e o amor pelo outro e por si próprio.
Para isso é essencial trabalhar a identidade das crianças, fazendo-as entender suas
diferenças a fim de se alcançar a autoestima por meio do autoconhecimento e não
através de uma eterna busca para alcançar aquilo que a fizeram acreditar ser o modelo
ideal.
Finalmente se entendemos que a indisciplina pode ser produto da falta de relações
democráticas e o bullying possivelmente como consequência do preconceito e da
intolerância, e que ambos estão ligados a questão da identidade, do diálogo e do afeto,
logo reconhecemos a importância desses elementos para a construção de uma sociedade
mais justa e democrática e o quanto um ambiente educativo que pratique esses valores
podem contribuir com esse objetivo.
Segundo Piaget os valores morais são formados por meio da interação do sujeito
com os diversos ambientes sociais. Ele a afirma também que o valor moral de uma
atitude não se encontra na simples obediência, mas sim no princípio inerente a cada
ação, ou seja, no motivo por meio do qual devemos obedecê-las. Não somente a
consciência moral, mas também a intelectual, segundo ele, são construídas na estreita
conexão com o meio social.
Esta construção é desenvolvida por meio de estágios universais e hierarquicamente
organizados. Sendo eles: 1) a anomia ou pré-moral idade, fase natural da criança
pequena, ainda no egocentrismo, que não reconhece regras e normas. No indivíduo
adulto, caracteriza-se por aquele que não respeita as leis, normas ou sujeitos; 2) a
32heteronomia ou realismo moral, em que há uma relação de submissão ao poder. Ou
seja: a obediência não é fruto de uma reflexão do sujeito, mas sim é fruto de algo
externo, imposto coercitivamente; 3) autonomia moral, onde as normas ganham novo
sentido, já que o sujeito possui consciência moral, fazendo com que os deveres sejam
cumpridos não pela imposição do outro, mas pelo sentimento de acordo e aceitação das
normas, entendidas como essenciais para o estabelecimento da ordem, da reciprocidade
e do respeito. É este tipo de moral que o trabalho defende como o grande aliado para a
superação da forma negativa de indisciplina e do Bullying.
Deve-se, no entanto tomar o cuidado de não confundir o conceito de autonomia, já que este
não representa a liberdade de se fazer o que quer. No tipo de autonomia defendida por Piaget,
ela só existe quando é levada também em consideração a necessidade dos outros além da sua
quando se é tomada uma decisão. Assim, “a pessoa é moralmente autônoma se apesar das
mudanças de contextos e da presença de pressões sociais, ela permanece, na prática, fiel a seus
valores e a seus princípios de ação. Assim a pessoa heterônoma será aquela que muda de
comportamento moral em diferentes contextos.” ( LA TAILLE , 2001, p.16).
Portanto, fica clara a importância da interação entre os sujeitos, mas não apenas uma
interação profunda entre os pares, como também destes com seus professores, onde
todos tenham o mesmo valor e sejam respeitados da mesma maneira, existindo desta
forma uma forte comunicação e afetividade em sala de aula. Este tipo de relação é
comum nas escolas quando o educador desempenha a sua autoridade de forma liberal
por entender sua posição não como a do sujeito que transmite um conhecimento pronto,
mas que, pelo contrário, constrói esse conhecimento por meio do seu papel de mediador
entre os conteúdos e seus alunos.
Assim, a interação e o diálogo são entendidos como um dos meios que aos poucos
irão contribuir para a formação da moral autônoma na criança. Porém, de que forma esta
nova moral irá impactar nas atitudes dos agentes do Bullying e da indisciplina? E esta
reposta que discutiremos nos próximos subtópicos.
33
3.1 – Moral autônoma x Bullying e Indisciplina
Macedo acredita que desenvolvimento e aprendizagem expressam as duas fontes do
conhecimento: uma endógena, que é interior a uma pessoa, grupo ou sistema; e a outra
exógena, que se produz no exterior. Nesse sentido, aprender a conhecer a si próprio e ao
outro contribui para a construção de personalidades autônomas. Essa autonomia é uma
característica essencial na escolha e organização de estratégias não violentas na
34resolução dos conflitos. É possível entender que a violência é uma maneira
inadequada para lidar com os conflitos, na medida em que lança mão de posturas
coercitivas, ou seja, não democráticas, inibindo soluções que considerem a possibilidade
de pensar os impasses escolares de forma positiva e construtiva.
Podemos entender melhor esta ideia nas seguintes palavras: Sendo as situações de
controvérsia ou conflito moral um dos elementos impulsionadores do processo de
construção da personalidade moral, é imprescindível que a escola que se preocupa com
a formação integral de seus educandos considere tais situações nas práticas educativas
da instituição. Identificar e problematizar as situações de conflito e violências entre os
alunos tais como brigas, gozações e intimidações, são atitudes do professor que
favorecem a construção de um ambiente de diálogo, no qual as crianças são convidadas
a expressar seus pontos de vista. As experiências de trocas entre as crianças contribuem
para a construção de capacidades como a empatia, a generosidade e a reciprocidade.
Essas capacidades são indispensáveis à construção de valores morais necessários à
consolidação de relações interpessoais mais éticas, justas e respeitosas.
Deve-se buscar desvelar as causas da crueldade e da indisciplina ocorridas na escola.
No caso dos sentimentos, deve-se buscar ainda a compreensão do que leva o sujeito a
experimentar tal emoção. Essa atitude contribui na construção da capacidade de
autoconhecer-se. Vejamos então de que forma é traçado o perfil de quem pratica o
Bullying através da visão da psicóloga Maria Tereza Maldonado (2010), para ela,
muitos praticantes de bullying já foram vítimas de ataques e passam a atacar como
forma de vingar seu passado. A especialista afirma ainda que quem “sofre ataques
dentro de casa e aprende que a linguagem da violência é aceitável, começa a praticá-la
em outros ambientes”. Outro perfil corriqueiro entre os agressores é o de crianças ou
adolescentes que se desenvolvem dentro de um ambiente agressivo. Esta visão da
psicóloga fortalece a ideia de Piaget de que os valores morais são formados por meio da
interação do sujeito com os diversos ambientes. Neste caso, trata-se de um espaço
carregado de autoritarismo, e consequentemente da carência de diálogo e afeto, o que
gerou um caráter heterônomo nos sujeitos.
Ela explica também que ainda existe um terceiro tipo de agressor: os que acreditam
que para liderar e conquistar o respeito de uma turma precisa abusar da tirania e da
humilhação. Pode-se considerar que a criança desconhece outras formas de se sentir
35notada. Nesta perspectiva, é possível observar a ausência da autoestima, onde o
sujeito tem a necessidade de afirmar o seu valor. A razão que explica a falta de
autoestima de uma criança muitas vezes também está relacionada a um tipo de educação
que não valoriza suas ideias ou que não possui um forte laço afetivo que a faria se sentir
querida e aceita. Essa falta de autonomia moral faz com que o agressor exceda nas
agressões e não tenha a percepção do sentimento das outras pessoas, conclui a autora.
Já a vítima do bullying, normalmente com padrões que saem do que é estimado
como ideal pela maioria, costuma ser alguém aparentemente mais frágil do que o
agressor. Ela se torna propícia a esta pratica devido suas características, tanto físicas
como psicológicas, já que estas a diferenciam da massa de alunos, ou seja, ela não se
enquadra no socialmente aceitável e valorizado pela cultura, tornando-a facilmente
identificável. A facilidade de torná-la em uma “presa” se dá uma vez que a mesma não
pode acolher-se entre a multidão estudantil. Neste pólo do problema podemos perceber
também a questão da autoestima e do sentimento de auto aceitação, na medida em que
muitas das vezes a criança agredida acredita ser merecedora do sofrimento por qual
passa. Assim, mais uma vez, podemos perceber que, se educada dentro de um ambiente
democrático, também a vítima do Bullying possuirá melhores condições de enfrentar o
problema, não o tornando algo que possa resultar em sérios problemas psicológicos na
fase adulta como, por exemplo, a fobia social.
Então devemos entender que os resultados dramáticos do Bullying praticado por
crianças só ocorrerão, ou pelo menos terão mais facilidade de ocorrer, se possuir
agentes problemáticos em seus dois pólos. Assim, é preciso trabalhar a autoestima tanto
da vítima quanto a do seu agente, já que este necessita de presas fáceis e indefesas – e
consequentemente sem autoestima - para conseguir causar o sofrimento que deseja.
Geralmente pais e professores querem evitar o mau comportamento das crianças
sempre que possível. No entanto, também a (in) disciplina e o comportamento
correspondem à autoimagem que a criança possui, na medida em que podemos notar
que uma das causas do mau comportamento é um autoconceito negativo. Assim, aquele
aluno que se considera mal modela seus atos para que se enquadrem nesta concepção.
Ele simplesmente desempenha o papel que lhe é conferido.
Geralmente, quanto pior a conduta da criança, mais ela é censurada, punida e até
mesmo rejeitada. E isso muitas vezes apenas fortalece a sua convicção íntima de que é
36“má”. O mau comportamento crônico pode se basear numa visão equivocada do “eu”,
embora uma autoestima precária não seja a única causa do mau comportamento,
conforme já apontamos.
3.2 – A importância do fator autoestima.
Segundo BRIGGS (2000), a autoestima das crianças não é formada apenas em uma
fase, mas é caracterizada como uma construção contínua e sujeita a mudanças. Saber
ouvir alguém e pensar sobre o que uma pessoa disse são formas de valorizar aquilo que
ela falou e, consequentemente, é um modo de ajudar na formação da autoestima desta
pessoa por aquilo que é mais preciso: suas ideias e seu jeito de ser. Por isso a base
37familiar e escolar desta criança deve ser segura e confiante para que possa superar as
dificuldades da vida com mais facilidade.
Desta ideia podemos perceber o quanto é importante fazer as crianças se sentirem
atendidas nas vezes em que querem expor seus pensamentos e criar diálogo a partir
deles. Esta é uma forma de valorizar a cultura do “ser”, já mencionado neste trabalho.
Por outro lado, querer mostrar atenção apenas tecendo pequenos elogios, tais como:
“como você é bonito”, “como você é esperto” ou simplesmente dando-lhe um bem
material para fazê-las sentirem-se queridas e especiais, estará contribuindo para a
cultura do “ter”.
Portanto o diálogo é a melhor maneira de iniciar um relacionamento, pois, todas as
pessoas têm necessidade de ser ouvidas. Assim, quando se age desta maneira, caminha-
se na direção de um diálogo aberto, porém a maior dificuldade encontrada em sala de
aula está relacionada à necessidade que os alunos têm de serem ouvidos, respeitados em
suas ideias e como sujeitos construtores da história e da cultura. Este quadro pouco
favorecerá a formação da autoestima – elemento indispensável para o desenvolvimento
de uma personalidade sadia e imune aos riscos do Bullying.
O estudo de Goleman abordado por BRIGGS (2000) mostra que o maior fator para
motivar a criança a aprender é a imagem que tem de si, é o sentimento de que “Eu tenho
um certo controle do meu destino”. Portanto, a criança portadora de autonomia e
autoestima possui até mesmo mais facilidade para o aprendizado.
BRIGGS (2000) define a importância da afetividade na vida de uma criança como:
Ajudar as crianças a desenvolver sua autoestima é a chave de uma aprendizagem bem
sucedida. Prontamente, as intenções dos professores terão maiores possibilidades de se
concretizarem caso as convivências com os alunos lhes proporcionarem prazer por ser
quem são. Não se pode desconhecer ou ignorar a característica mais importante da
criança – seu grau de autorrespeito.
38
3.3 – Educação Multicultural
Juntamente com uma educação que trabalhe individualmente para que cada criança
construa uma autoimagem positiva, também é necessário trabalhar coletivamente uma
educação pautada no multiculturalismo, ou seja: uma educação que aborde as mais
variadas manifestações culturais, sem tratar nenhuma delas com primazia, e sim de
forma que todas tenham o mesmo valor.
39 Este tipo de educação vai na “contramão” da cultura predominante, em que os
padrões são ajustados com as culturas ocidentais brancas, letradas, masculinas,
heterossexuais e cristãs. São estes paradigmas que estão enraizados no imaginário social
e naturalizados cotidianamente nos múltiplos espaços de convivência humana,
sobretudo na mídia, que é identificada como a grande difusora de tais padrões, afetando
tanto os chamados grupos minoritários quanto os pertencentes às esferas hegemônicas.
Estas culturas e identidades autoproclamadas “superiores”, é o que contribui para a
exclusão, discriminação e preconceito contra os demais.
Assim, podemos identificar no tipo de educação tradicional, autocrática e autoritária,
uma educação que educa para a igualdade e no outro extremo, ou seja, na educação
liberal, uma educação voltada para a diversidade, por acreditar que a partir da percepção
e aceitação das diferenças e do valor inerente a cada uma delas que é possível construir
uma sólida noção do que é respeito, tolerância e igualdade.
Segundo Silva e Brandim (2010), o argumento central é o de que pensar e viver no
mundo atual passa pelo reconhecimento da pluralidade e diversidade de sujeitos e de
culturas com base no respeito e tolerância recíproca, concebendo as diferenças culturais
não como sinônimo de inferioridade ou desigualdade, mas equivalente a plural e
diverso. Desta feita, propõe-se situar o cenário histórico do mundo atual, bem como o
multiculturalismo e suas origens, seus significados e concepções teóricas, como forma
de evidenciar o sentido político cultural de se educar as atuais e as novas gerações a
partir de uma visão multicultural crítica, que leve em conta, no processo formativo dos
sujeitos, a necessidade e importância de se reconhecer, valorizar e acolher identidades
plurais sem representar ameaças ou quaisquer formas de naturalização do preconceito e
desrespeito à vida humana, independente de sexo, cor, gênero, credo, etnia,
nacionalidade.
Segundo Lourença (2010) é em casa que devemos aprender a respeitar as diferença.
Aprender que não se é melhor por ser branco ou negro, magro ou gordo, bonito ou feio.
Crie no seu (a) a mentalidade de que quem sabe lutar, luta e não briga.
É indiscutível que um ambiente escolar que eduque para a diversidade, valorizando,
portanto o multiculturalismo irá fomentar um ambiente de paz, na medida em que irá
promover o movimento de aceitação, tolerância e solidariedade entre os pares. Assim,
40diversidade, multiculturalismo, liberdade, diálogo e autoestima estão intimamente
ligados com a concepção da educação para a paz.
Imagine admitir que a escola não seja o lugar, como muitos dizem, onde a criança se
prepara para "ser alguém na vida", ou para "ser gente", ou para se preparar para a vida.
Gente e alguém todos nós já somos e a vida já está sendo, aqui e agora, onde quer que
estejamos.
CONCLUSÃO
Este trabalho tratou do bullying e da indisciplina dentro do ambiente escolar,
trazendo à tona suas características a fim de categorizá-los de forma que um fenômeno
não se confundisse com o outro. A partir dessa análise foi possível entender a
indisciplina como uma manifestação de duas faces.
41 A face positiva enxerga o indivíduo indisciplinado como agente transgressor em
meio a um ambiente de opressão, desta forma a indisciplina é entendida como produto
do meio. Enquanto que a face negativa o entende como sujeito que não sabe lidar com
as regras, indicando um caráter heterônimo, que é caracterizado como a incapacidade de
adotar atitudes coletivistas. Já o bullying é a expressão mais grave de transgressão por
possuir caráter sádico.
Por se tratarem de manifestações relacionadas a fatores morais, procurou-se analisá-
los a partir das ideias de Piaget acerca dos conceitos de autonomia e heteronomia.
Assim, verificou-se que o sujeito autônomo, segundo a linha teórica apresentada, não é
aquele que age livremente, mas sim o que possui capacidade para autogovernar-se.
Portanto, as regras são elementos importantes para a formação da moral defendida. Não
se deve, no entanto, adotá-las como mecanismos opressores, pois os alunos não devem
segui-las “cegamente”, mas sim entendê-las como essenciais para a manutenção de um
ambiente equilibrado. Agindo diferentemente disso, o educador estaria contribuindo
para a formação de sujeitos heterônimos e incapazes de refletir criticamente sobre o
mundo. Tornar-se-ia então uma pessoa influenciável, o que a tornaria presa fácil para a
disseminação do egoísmo, do preconceito e da intolerância.
Dentro desse quadro e como elemento propulsor dos ideais democráticos, verificou-
se também a importância da relação professor x aluno como meio de difusão dos valores
que norteiam a conduta do sujeito. Assim, percebeu-se que aqueles professores que
usam a sua autoridade de modo autoritário, de certa forma contribuem com a criação de
um ambiente de aprendizado opressor e sem afetividade. Essa falta de “troca” entre os
sujeitos implica na formação de um ambiente fértil para a disseminação do bullying e da
indisciplina.
O trabalho trouxe ainda a relevância de uma educação multicultural por esta tratar
das diferenças existentes na sociedade, já que muitas vezes o bullying, entre outros
fatores, é resultado da dificuldade que o seu agente possui em aceitar as diferentes
culturas e expressões pessoais. Assim, torna-se necessário trabalhar para que as vítimas
desse mal possam sentir-se inseridas no grupo e que os agentes permitam tal inserção,
mas isso somente será possível quando os sujeitos forem dotados de autonomia moral e
não mais sejam reduzidos a puro objeto de influência ou meros reprodutores e
seguidores do que a sociedade estabeleceu como padrão.
42
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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