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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
AVM FACULDADE INTEGRADA
O ORFANATO SEMÂNTICO: uma análise psicopedagógica
crítica sobre o impacto da desautomatização do processo
comunicacional sobre dificuldades de cognição
Por: Thiago da Fonseca Vieira
Orientador: Profª. Narcisa Melo
Rio de Janeiro
2016
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
AVM FACULDADE INTEGRADA
O ORFANATO SEMÂNTICO: uma análise psicopedagógica
crítica sobre o impacto da desautomatização do processo
comunicacional sobre dificuldades de cognição
Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do
Mestre – Universidade Candido Mendes como
requisito parcial para obtenção do grau de
especialista em Psicopedagogia
Por: Thiago da Fonseca Vieira
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AGRADECIMENTOS
À minha esposa, Dione, por seu
carinho, seu incentivo e sua dedicação
durante meus estudos e meus insights
criativos.
À minha mãe, Norma e ao meu irmão,
Pedro, assim como à minha família,
pela base que me proporcionou e pelo
porto seguro.
Aos meus gatinhos, Nala e Simba, por
me escoltarem, dia a dia, em frente à
tela do computador.
Aos poucos bons professores que tive,
que, em suas ausências, me fizeram
perceber o vácuo pedagógico no qual
minha geração e eu estivemos
submersos.
4
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao futuro: que esses
“camelôs de aula” cessem de vender a
alma das nossas crianças e deixem a
educação a cargo dos professores, já que
ao Estado, às instituições de ensino e às
suas marionetes só interessam a
manutenção de poder, o capital, e a sua
egoica ilusão derivada.
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RESUMO
Esta obra apresenta o diagnóstico de uma análise psicopedagógico crítica
acerca a influência da consciência comunicacional na eficiência do processo
ensino-aprendizagem e do consequente impacto da desautomatização do
processo comunicacional sobre dificuldades de cognição. Para tal análise, o
presente trabalho se baseia no exame semiótico da estrutura comunicacional,
nas considerações da Sociedade Disciplinar e da Sociedade de Controle e na
crítica da instituição “sala de aula”, enquanto campo de realização educacional,
comunicacional e pedagógica, assim como na interação de seus atores,
perpassando – prática e ideologicamente – do molde disciplinar à modulação
do controle.
Palavras-chave: comunicação, semiótica, sociedade disciplinar, sociedade de
controle.
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ABSTRACT
This work presents the diagnostic of a critical psychopedagogical analysis about
the influence of communicational consciousness in the efficiency of teaching-
learning process and the consequent impact of deautomatization the
communication process on difficulties in cognition. For this analysis, this work is
based on semiotic examination of the communication structure, on the
considerations of Disciplinary Society and Control Society and on the critical of
the institution "classroom", as field of educational, communicational and
educational realization, as well as interaction among its actors, traversing - in a
practical and ideological way - from the disciplinary mold to the control
modulation.
Keywords: communication, semiotics, disciplinary society, control society.
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METODOLOGIA
O método de desenvolvimento para coleta de dados do presente
trabalho foi constituído, em suma, por pesquisa bibliográfica e pela sua
respectiva aplicação teórica. O procedimento metodológico básico teve por
base a pesquisa em livros impressos, e, como apoio, contou com a pesquisa
virtual, tanto em sites, quanto em plataformas de pesquisa acadêmica, em
blogs e em redes sociais.
A bibliografia de base conta, entre outros, com a perspectiva semiótica
de Adair Caetano Peruzzolo (2004), com as análises de modelos sociais de
Michel Foucault (1977, 1996, 1999, 2002, 2004 e 2014) e Gilles Deleuze
(1992a, 1992b e 2006), com as apreciações pedagógicas de Paulo Freire
(1974, 1980 e 1997), com a crítica ideológico-educacional de Harper, Ceccon,
Oliveira & Oliveira (1987) e com a análise holístico-pegagógica de Krishnamurti
(1976), acerca dos rumos da educação.
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“A educação convencional dificulta sobremodo o pensar independente.
A padronização do homem conduz à mediocridade.”.
Jiddu Krishnamurti
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 13
CAPÍTULO I - COMUNICAÇÃO E SUA SEMIÓTICA 17
1.1) DEFININDO O MODELO COMUNICACIONAL TEÓRICO 19
1.2) A ESTRATIFICAÇÃO SEMIÓTICA DA COMUNICAÇÃO 26
CAPÍTULO II - EDUCAÇÃO E FLUXO: DO MOLDE À MODULAÇÃO 33
2.1) MICHEL FOUCAULT E A SOCIEDADE DISCIPLINAR 33
2.2) GILLES DELEUZE E A SOCIEDADE DE CONTROLE 41
2.3) SALA DE AULA: UMA CÁPSULA DO TEMPO 48
CAPÍTULO III – CONSCIÊNCIA COMUNICACIONAL NA EDUCAÇÃO 68
3.1) DINAMITANDO A CÁPSULA DO TEMPO 68
3.2) A DESAUTOMATIZAÇÃO SEMIÓTICA DA COMUNICAÇÃO 78
3.3) NOVOS HORIZONTES DE ENSINO-APRENDIZAGEM 83
CONCLUSÃO 92
BIBLIOGRAFIA 96
DISCOGRAFIA 103
10
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como tema a influência da consciência
comunicacional na eficiência do processo ensino-aprendizagem.
Designadamente, como cerne deste trabalho, pretendemos analisar como é
possível diminuir dificuldades de aprendizagem e cognição a partir da
conscientização do professor (expositor ou facilitador) sobre os processos de
comunicação, na dinâmica discursal ensino-aprendizagem.
Em um momento de crise institucional da educação, com professores
formados com uma educação de moldes, respaldada na Sociedade Disciplinar
(Foucault), e com alunos nascidos e modulados na Sociedade de Controle
(Deleuze), torna-se imprescindível uma revisão do papel da comunicação e da
sua possibilidade de contribuição para reduzir os problemas de aprendizagem.
Pelo viés da comunicação psicopedagógica, é possível destrinchar e
analisar os passos e os papeis comunicacionais que podem facilitar ou
dificultar o processo ensino-aprendizagem e a boa interlocução do
conhecimento objetivo e subjetivo.
Considerando o interesse e o tempo despendido de crianças e jovens
com a comunicação, incluindo televisão, internet, redes sociais e programas de
trocas de mensagens, típicos dos tempos atuais, torna-se imprescindível rever
a condição da comunicação no processo da educação, considerando a
necessidade de consciência e adaptação de conceitos moldados a mentes
moduladas, típicas da sociedade de controle.
Pretendemos, por finalidade, abranger uma analise crítica qualitativa
sobre o modo como a consciência do processo de comunicação pode
minimizar as dificuldades de aprendizado e estimular a ação educacional;
estratificar o processo de comunicação em etapas; observar o processo de
comunicação no processo educacional; comparar a eficiência de modelos de
educação a partir dos seus respectivos processos comunicacionais; e
demonstrar como o processo comunicacional trazido ao nível consciente e não
automático pode ser útil e tornar mais eficiente o processo ensino-aprendizado.
11
Dentro dessa vertente, o presente trabalho apresenta argumentação do
porquê de trazer o processo de comunicação a nível conceitual consciente,
inferindo-se o modelo comunicacional de interlocução entre dois
coenunciadores (e não de um emissor ativo e de um receptor passivo), onde o
sentido se produz no coenunciador destinatário da mensagem – e não no
emitente da mesma –, influencia o coenunciador emitente (um professor, por
exemplo) a projetar-se como mensagem de maneira mais empática e altera, de
modo a apropriar-se do repertório cultural do seu interlocutor (um aluno, por
exemplo), de maneira mais elástica e abrangente, tornando, dessa forma, o
processo ensino-aprendizagem mais eficiente e aprazível, uma vez que tanto a
linguagem, quanto o conteúdo e a percepção de interesse etário modulam-se
mais próximos, coerentes e compatíveis.
Observaremos, assim, o desvelamento da competência subjetiva de
cada agente em um discurso como uma prerrogativa da prática inclusiva de
educação e um facilitador do discurso na dinâmica ensino-aprendizagem.
Esta pesquisa está dividida em três capítulos, decompostos
didaticamente em sub-capítulos, com vistas à delimitação temática objetiva.
Nosso primeiro capítulo, intitulado “Comunicação e sua semiótica”,
apresentaremos algumas das principais teorias da comunicação, delineando
traços do modelo comunicacional teórico que abordaremos como parâmetro de
utilização em sala de aula, em nosso trabalho, e estratificando semioticamente
o relativo processo teórico de comunicação.
Prosseguiremos, em nosso segundo capítulo: “Educação e fluxo: do
molde à modulação”, analisando as Sociedades de Disciplina, disposta por
Michel Foucault, e de Controle, apresentada por Gilles Deleuze, bem como
buscaremos seus pontos de convergência e de divergência. Ainda no segundo
capítulo, faremos uma análise da instituição escola, do papel do professor e da
estrutura “sala de aula” perpassando sua colocação nas referidas sociedades.
Finalizaremos nossa pesquisa com o capítulo “Consciência
comunicacional na educação”, no qual evidenciaremos a possibilidade de
decomposição, reestruturação e adaptação da sala de aula e do mecanismo
ensino-aprendizagem, despertando no professor a capacidade de escolha
12
consciente do uso de sua comunicação, em modo desautomatizado, visando
novas alternativas de melhoria no processo educacional.
13
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O presente trabalho funda-se teoricamente em correntes filosóficas,
pedagógicas, críticas e sociais de diversas vertentes, cujas quais exporemos
resumidamente nesta parte do trabalho e mais detalhadamente no decorrer
textual dos capítulos subsequentes.
Buscaremos concisão nesta fundamentação teórica, abstendo-nos de
descrições explicativas e focando essencialmente na fundamentação
referencial de escolas e autores que norteiam a presente pesquisa.
Nosso primeiro capítulo apresentará argumentos acerca da linguagem,
do discurso e de seus recursos, assim como abarcará alguns dos principais
modelos e escolas das teorias da comunicação. Para tal análise, fiar-nos-emos
nas análises de Aguero (2008), sobre a construção do discurso sobre o
trabalho infantil: mídia, imagens e poder; na descrição teórica acerca da Teoria
Hipodérmica de Oliveira (2014); nas teorias da comunicação dispostas por Wolf
(2001); na trajetória e nos paradigmas da Teoria da Comunicação, de Araújo
(1996); em “a estrutura e a função da comunicação na sociedade”, de Lasswell
(1978). Contaremos ainda, para essa definição do modelo comunicacional
teórico, com Marx & Engels (1989); Bakhtin (2004); Ferreira Junior (2013);
Oliveira (1992); McQuail (2003, 2011); Ferreira (1988); Acselrad & Mota (2011);
Correia (2014); Menezes (2014); e Parzianello (2014).
Ainda acerca do nosso primeiro capítulo, acerca da estratificação
semiótica da comunicação, utilizaremos como base primordial a obra
Elementos de Semiótica da Comunicação: quando aprender é fazer, de Adair
Caetano Peruzzolo (2004), com sua perspectiva semiótica acerca do ato
comunicacional conceitual, sem deixar de considerar o postulado de Brolezzi
(2014) sobre a empatia em Vygotsky, assim como autores como Bakhtin
(2004); Pêcheux (2002); Orlandi (2001); Maingueneau (1997); e Oliveira
(1992).
Em “Educação e fluxo: do molde à modulação”, nosso segundo capítulo
perpassaremos a sociedade disciplinar e a sociedade do controle, para então
contextualizar a instituição “sala de aula” nessa transmutação social.
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Para análise da Sociedade Disciplinar traremos como leme as
apreciações e diagnósticos de Michel Foucault (1977, 1996, 1999, 2002, 2004
e 2014), em especial, na obra “Vigiar e punir”. Contaremos ainda com as
conceituações foucaultianas acerca da escola moderna na Sociedade
Disciplinar de Grimm & Cervi (2009).
Gilles Deleuze (1992 e 2006) também se torna fundamental na análise
retroativa de Foucault acerca da disciplina em sua obra “Post-Scriptum: sobre
as sociedades de controle”.
Observaremos em Benelli (2004) sua contribuição sobre a instituição
total como agência de produção de subjetividade na sociedade disciplinar,
também com base na obra de Michel Foucault.
Acerca da visão foucaultiana da Sociedade Disciplinar, contaremos
ainda com Varela & Alvarez-Uría (1992); Pol-Droit (2006); Aguero (2008);
Dreyfus & Rabinow (1995); Miller (2000); Passetti (2004); Neves (1997);
Oliveira (2010); Guimarães & Machado Jr. (2006); Zarifian (2002); Prata (2005);
e Pires (2007).
A respeito da análise da Sociedade de Controle nortearemos nossa
análise pela exposição de Gilles Deleuze (1992a, 1992b e 2006), em especial
do seu artigo intitulado “Post-Scriptum: sobre as sociedades de controle”,
referência base no estudo da dinâmica social pós Segunda Guerra Mundial.
Tomando a Sociedade de Controle como sucessora – embora não
terminativa – da Sociedade Disciplinar, retomaremos em Foucault (2002)
conceitos da disciplina que integram, concernem, coexistem com o controle.
Encontraremos em Passeti (2002 e 2004), nos artigos “Anarquismos e
Sociedade de Controle” e “Segurança, confiança e tolerância: comandos na
sociedade de controle” embasamento teórico analítico para complementar a
análise deleuziana da Sociedade de Controle.
Na apreciação crítica deleuziana sobre a Sociedade de Controle,
encontraremos referências conceituais em Grimm & Cervi (2009); Passetti
(2003); Aguero (2008); Felismino (2014) Negri & Hardt (2001); Siqueira- Batista
& Siqueira-Batista (2007), Zarifian (2002); e Prata (2005).
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O terceiro item do segundo capítulo, intitulado “Sala de aula: uma
cápsula do tempo” se dispõe a considerar a instituição “sala de aula”, assim
como ponderar criticamente sobre o papel do professor e da educação,
perpassando, com ênfase na ideologia discursiva e na comunicação, as
sociedades da disciplina e do controle. Para tal exame, tomaremos por
embasamento a crítica de Paulo Freire (1974, 1980 e 1997) e do manual crítico
intitulado “Cuidado, escola!: desigualdade, domesticação e algumas saídas”, de
autoria de Harper, Ceccon, Oliveira & Oliveira (1987).
Além de Freire e Harper (et al.), contaremos com a análise conceitual de
Stirner (2001); Borcelli (2013); Foucault (1977 e 1985); Prata (2005); Bujes
(2000); Louro (1997); Santos (1993); Ariès (1978); MacLaren (1997); Pires
(2007); Boto (2002); Coll e Solé (1996); Del Prette, Garcia, Silva & Puntel
(1998); Kincheloe (1997); Abed (2014); Vago (1992); Rochefort (1976); Rolland
(1942); Gorz (1976); Bourdieu (1997); Fleuri (1986); e de Krishnamurti (1976).
Em nosso terceiro capítulo, intitulado “Consciência comunicacional na
educação”, apresentaremos criticamente uma análise sugestiva acerca da sala
de aula e da desautomatização semiótica da comunicação, apontando para
possíveis novos horizontes de ensino-aprendizagem.
No primeiro momento de nosso terceiro capítulo trataremos
desconstrução da instituição “sala de aula”, a partir das práticas educacionais
disciplinares e sua incompatibilidade com a geração contemporânea nascida
na consolidação da sociedade de controle. Neste passo apoiaremos nossa
pesquisa em Leite (2015); Prata (2005); Aquino (1996); Nietzsche (2003a,
2003b e 2003c); Bittencourt (2009); Korczak (1984); Pires (2007); Adorno
(2010); Fernàndez (1990); Medina (1996); Freire (1980); e Krishnamurti (1976).
Em “A deusautomatização da comunicação” teceremos entrelaces entre
as referências já dispostas, justificando a possibilidade pedagógica de se
alcançar novos horizontes, a partir da conscientização do processo
comunicacional, impactando na educação, como um todo.
Para a última etapa do nosso trabalho, em “Novos horizontes de ensino-
aprendizagem”, embasar-nos-emos em Delors (2000); Deleuze (1992b); Leite
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(2015); Del Prette (1998); Abed (1996, 2004 e 2014); Garcia, Abed, Soares &
Donnini (2012); Garcia, Abed, Soares & Ramos (2013); e Gonçalves (1997).
Além dos Parâmetros Curriculares Nacionais, da Secretaria do Ensino
Fundamental (BRASIL, 1997) e do projeto pedagógico da Mind Lab do Brasil
(2012): “Desenvolvimento de habilidades cognitivas, sociais, emocionais e
éticas para a vida moderna”, contaremos ainda com a dissertativa crítica de
Harper, Ceccon, Oliveira & Oliveira (1987) e com a análise ideológica de
Krishnamurti (1976), acerca do vislumbre de novos horizontes para a
comunicação, considerando a conscientização comunicacional, que fará o elo
ideológico discursal entre disciplina e controle.
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CAPÍTULO I
COMUNICAÇÃO E SUA SEMIÓTICA
Uma das grandes invenções do homem foi linguagem. O domínio da
linguagem, por meio do conhecimento dos seus signos, é a mola propulsora da
comunicação ao participar da cinética dos sentidos das mensagens.
Comunicação, segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa1, é
“informação, participação, aviso, transmissão, notícia, passagem, ligação,
convivência, relações, comunhão”. Já, segundo Ferreira Junior (2013, p. 6),
“comunicação é uma palavra derivada do termo latino ‘communicare’, que
significa ‘partilhar, participar algo, tornar comum’”.
De acordo com o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, a
comunicação se configura como:
Ato ou efeito de transmitir mensagens por meio de métodos e/ou processos convencionados em uma linguagem verbal ou não-verbal / aviso / mensagem / transmissão de informação no interior de um grupo, considerada em suas conexões com a estrutura desse grupo. Meio de ligação (FERREIRA, 1988, p. 214).
Em se tratando de comunicação, para a estruturação de nossa pesquisa,
duas apreciações se fazem imprescindíveis: de modelos de comunicação de
massa e da semiótica comunicacional. Enquanto necessitamos examinar os
modelos comunicacionais teóricos, visto que a figura do professor ou do
facilitador se dirige a grupos, pequenas amostras comunitárias da massa,
devemos tomar por consideração, em igual grau importância, a estratificação
semiótica da comunicação, que cuida da produção do sentido e da análise
ideológica do discurso entre enunciadores da comunicação.
Ainda como pré requisito da comunicação, encontra-se a linguagem,
que, assim como a comunicação, nasce da ausência e da necessidade de
interação.
A linguagem é tão antiga quanto a consciência. A linguagem é a consciência real, prática, que existe também para os outros homens, que existe, portanto, também, primeiro, para mim mesmo e, exatamente como consciência, a linguagem só aparece com a
1 Sitiado em https://www.priberam.pt. Última consulta em 21/03/2016.
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carência, com a necessidade de intercâmbio entre os homens. (MARX & ENGELS, 1989, p. 26)
A linguagem, conseqüentemente, “simplifica e generaliza a experiência,
ordenando as instâncias do mundo real em categorias conceituais cujo
significado é compartilhado pelos usuários dessa linguagem.” (OLIVEIRA,
1992: 27).
Derivada da linguagem – contemporânea à língua e precedente ao
discurso – destacamos a palavra, que Bakhtin (2004, p. 36) conceitua como “o
fenômeno ideológico por excelência [...] o modo mais puro e sensível da
relação social”. Dessa forma, “a palavra funciona como elemento essencial que
acompanha e comenta todo ato ideológico” (BAKHTIN, 2004, p. 37).
Quanto ao discurso, Aguero (2008) o define como:
efeito de sentidos entre locutores, pois o funcionamento da linguagem põe em consonância sujeitos e sentidos, num intrincado processo de significação cujos efeitos são variados e em que ambos – sujeitos e sentidos - são afetados pela lingüística e pela historicidade. Os efeitos de sentidos produzidos em um discurso resultam de sua ancoragem em discursos anteriores (interdiscurso). (AGUERO, 2008, p. 40).
Disposto que “as formações discursivas representam [...] no discurso as
formações ideológicas” (ORLANDI, 2001, p. 43), inferimos que o discurso é a
corrente ideológica que alterna projeções de sentidos entre enunciadores,
numa comunicação, possuindo como variáveis os elementos do repertório
cultural subjetivo e identitário de cada indivíduo ou instituição.
Tal qual variáveis de repertório cultural, considerando as dinâmicas de
dialogismo e polifonia inerentes à conceituação de discurso, entendemos que
“uma formação discursiva não deve ser concebida como um bloco compacto
que se oporia a outros (o discurso comunista contra o discurso democrata
cristão, por exemplo), mas como uma realidade ‘heterogênea por si mesma’”.
MAINGUENEAU (1997, p. 112).
Levando em consideração a linguagem e o discurso, assim como seus
caracteres viscerais para a sobrevivência social do ser humano,
evidenciaremos a seguir alguns dos principais modelos comunicacionais
teóricos, para, então, aprofundarmo-nos em uma análise semiótica, onde o
sentido encontra cinética.
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1.1) DEFININDO O MODELO COMUNICACIONAL TEÓRICO
As teorias da comunicação têm por objeto o estudo dos efeitos, das
origens e da dinâmica de funcionamento comunicação, em especial, da
comunicação de massa.
Longe de tentarmos abranger todas as teorias e escolas de
comunicação, abordaremos algumas, das quais consideramos necessárias
para o bom aproveitamento de nossa proposta acadêmica.
Torna-se imprescindível esclarecer – antecipadamente – que, embora
possa parecer sugestivo, uma teoria comunicacional não se sobrepõe a outra
ou torna-se obsoleta pelo viés de inediticidade de uma teoria formulada
subsequentemente. Coexistem, constituindo modos de percepção e opinião, de
acordo com a tendência acadêmica, social, histórica, psicológica e temporal
com que se a utilizem.
Como primeiro modelo comunicacional apresentamos a Teoria da
Agulha Hipodérmica, que “utilizava o esquema estímulo–resposta da psicologia
behaviorista”. (OLIVEIRA, 2014, p. 35).
A teoria hipodérmica surgiu no início do século XX, com forte influência da psicologia comportamental. (...) esse modelo comunicacional via a mídia como uma agulha que injetava seus conteúdos no receptor sem qualquer tipo de barreira, criando um estímulo que provocava uma resposta imediata e positiva por parte dos receptores, vistos como atomizados e idiotizados. (OLIVEIRA, 2014, p. 34).
Embora não seja nosso objeto direto de estudo, entendemos que o
processo de subjetivação midiático contemporâneo converge para uma
reaproximação analítica hipodérmica nos modelos comunicacionais da
atualidade, incluindo o sistema educacional.
O estímulo do desenvolvimento da teoria hipodérmica, quando tecida,
não poderia, por falta de tempo de permeação exposicional geracional, ter
contado com análise que defendemos, visto que a comunicação de massa
estava em seu estágio de propulsão inicial, na primeira metade do século XX.
Historicamente, a teoria hipodérmica coincide com o período das duas guerras mundiais e com difusão em larga das comunicações de massa e representou a primeira reação que este último fenômeno provocou entre estudiosos de proveniência diversa. Os principais elementos que caracterizam o contexto da teoria hipodérmica são,
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por um lado, a novidade do próprio fenômeno das comunicações de massa e, por outro, a ligação desse fenômeno às trágicas experiências totalitárias daquele período histórico. Encerrada entre estes dois elementos, a teoria hipodérmica é uma abordagem global aos mass media, indiferente à diversidade existente entre os vários meios e que responde sobretudo à interrogação: que efeito têm os mass media numa sociedade de massa? (WOLF, 2001, p. 22-23, grifo nosso).
É muito comum encontrarmos o termo mass media quando pesquisamos
assuntos relacionados às teorias da comunicação. Tal termo se refere aos
meios de comunicação de massa, como a televisão, o rádio, a imprensa etc.,
que, em relevância de escala, buscaremos parear com a instituição escola e
com seu modelo educacional genético.
Para embasar nosso pareamento, faz-se necessário trazer a definição
de massa, proposta por McQuail (2011):
"Amorfo conjunto de indivíduos com comportamentos semelhantes, sob influência externa, e que são vistos pelos seus possíveis manipuladores como desprovidos de identidade própria, formas de organização ou de poder, autonomia, integridade ou determinação pessoal. (MCQUAIL apud ACSELRAD et al., 2011, p. 3).
Dessa forma, propõe-se, enquanto Teoria da Agulha Hipodérmica, um
modelo comunicacional embasado no behaviorismo, embora não se incite, em
profundidade, técnicas de condicionamento, que só poderiam ser descritas de
três a quatro gerações posteriores à popularização e a vulgarização dos meios
de comunicação de massa.
Quando proposta, tal teoria formulava-se frente à novidade dos referidos
meios de comunicação. O foco se direcionava, basicamente aos efeitos
produzidos pela mídia – em termos behavioristas, às respostas.
A Teoria Hipodérmica é um modelo que tenta dar conta da primeira reação que a difusão dos meios de comunicação de massa despertou nos estudiosos. Ela se constrói, portanto, em relação à novidade que são os fenômenos da comunicação de massa, e às experiências totalitárias da época em que surge - o período entre guerras. A síntese dessa teoria é que cada indivíduo é diretamente atingido pela mensagem veiculada pelos meios de comunicação de massa, ou seja, existe uma concepção de onipotência dos meios, e de efeitos diretos. Sua preocupação básica é justamente com esses efeitos. Há que se destacar a presença de uma teoria da sociedade de massa, e de uma teoria psicológica da ação, ligada ao objetivismo behaviorista. A presença de um conceito de sociedade de massa destaca o isolamento físico e normativo do indivíduo na massa e a ausência de relações interpessoais. Daí a atribuição de tanto destaque às capacidades manipuladoras dos mass media. Já a teoria da ação elaborada a partir da psicologia behaviorista estuda o comportamento
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humano com métodos de experimentação e observação das ciências naturais e biológicas. O resultado da utilização desse tipo de concepção é que a Teoria Hipodérmica considerava o comportamento em termos de estímulo e resposta, o que permitia estabelecer uma relação direta entre a exposição às mensagens e o comportamento: se uma pessoa é “apanhada” pela propaganda, ela pode ser controlada, manipulada, levada a agir. (ARAÚJO, 1996, p. 3).
Assim, a Teoria da Agulha Hipodérmica torna ilimitados os efeitos do
estímulo dos meios de comunicação.
“Uma outra tentativa de formalização do processo comunicativo é o
modelo lasswelliano que representa, ao mesmo tempo, uma sistematização
orgânica, uma herança e uma evolução da Teoria Hipodérmica”. (ARAÚJO,
1996, p. 7). No modelo comunicacional de Harold Lasswell, cientista político, a
comunicação seria, além de voluntária, dotada também intencionalidade e
consciência. Neste modelo ainda não existe reciprocidade entre os
interlocutores, que permanecem isolados, enquanto emissor e receptor.
“Elaborado nos anos 30 e proposto em 1948, o modelo de Lasswell”
(ARAÚJO, 1996, p. 7), também conhecido como Paradigma do Ato
Comunicativo, estratificou a compreensão do alcance e do efeito das
mensagens midiáticas, segundo Araújo (1996, p. 9) nos questionamentos:
quem? (“função do emissor / análise do controle”); diz o quê? (“função da
mensagem / análise do conteúdo”); através de que canal? (“função do meio /
análise dos meios”); a quem? (“função do receptor / análise da audiência”);
com que efeito? (“função do efeito / análise dos efeitos”).
“O Paradigma do Ato Comunicativo pregava que as mensagens das propagandas eram formadas por um “quem”, ou seja, o emissor, baseado na análise de emissores. Para Lasswell, apesar da mídia possuir o controle das mensagens, aquilo que determinava a divulgação de um produto comunicativo era a demanda de outros grupos sociais. Polistchuck reforça esse ideal, afirmando que “cada indivíduo e cada instituição existentes contribuem funcionalmente para a manutenção da organização social”. “Diz o quê”, através da análise de conteúdo; “em que canal”, por qual meio, representado pela análise dos meios; “para quem”, os chamados receptores, pela análise de audiência; e “com que efeito”, o feedback, por meio da análise dos efeitos. (CORREIA, 2014, p. 540-541).
A partir de Lasswell, o modelo comunicacional “formaliza a estrutura,
torna-a rígida e, a partir da decomposição dos elementos, abriu caminho para
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que os estudos científicos do processo comunicativo pudessem concentrar-se
em uma ou outra dessas interrogações”. (ARAÚJO, 1996, p. 8).
De fato, abriu-se espaço para a análise estrutural da comunicação, visto
que a teoria hipodérmica se encontrava incipiente em termos de estratificação
analítica. Contudo, o modelo de Lasswell permanecia, em essência, ligada ao
conceito de manipulação de massa.
O Paradigma do Ato Comunicativo parece funcionar, aparentemente, de forma quase perfeita, diminuindo os impactos da “Bala Mágica”. Porém, esse esquema não conseguiu resolver a questão imposta pela Teoria Hipodérmica, porque este Paradigma também resultava na manipulação dos indivíduos. Para tanto, Charles Merton e Paul Lazarsfeld, juntamente com Harold Lasswell, procuraram estabelecer funções para os meios de comunicação de massa. Lasswell apontou três funções. A primeira é a vigilância sobre o meio ambiente, na qual a mídia revela aonde pode estar a ameaça ao sistema de valores vigente na sociedade. A integração significa, segundo Lasswell (apud COSTA e MENDES, 1971, p. 106), “a correlação das partes de uma sociedade em resposta ao meio”, ou seja, a sociedade trabalha em conjunto para manter a ordem social, podendo se unir até mesmo para excluir aqueles que não partilham da mesma ideia. E, por fim, a transmissão da herança cultural. A mídia transmite mensagens em busca de endossar patrimônios culturais, disseminando-os de geração em geração. (CORREIA, 2014, p. 541).
As três funções da comunicação apontadas por Lasswell endossam que
o processo comunicacional integra tanto a vigilância, quanto o controle, embora
o controle não possa ainda ser utilizado na concepção deleuziana, com a qual
trabalharemos em nosso segundo capítulo.
Do modelo de Lasswell partimos para a teoria da persuasão, também
conhecida como teoria empírico-experimental, a qual daremos breve enfoque.
Nesse modelo teórico os meios de comunicação de massa são postos
como persuasores e não mais manipuladores. Dessa forma, os estudos
empírico-experimentais têm por objeto os “fenômenos psicológicos individuais
que constituem a relação comunicativa, com o objetivo de perceber como
ocorrem os processos de persuasão ocorridos a partir da ação dos meios”.
(ARAÚJO, 1996, p. 4).
A primeira coordenada que orienta esse tipo de estudos se orienta em relação às características dos destinatários que interferem na obtenção dos efeitos pretendidos. A estrutura que orienta esses estudos é uma concepção tão mecanicista quanto à da Teoria Hipodérmica. A de que, entre a causa (ou estímulo) e o efeito (a resposta), existem processos biológicos intervenientes - ou seja, é a mesma concepção de causa-efeito, mas dentro de um quadro analítico um pouco mais complexo, porque considera as seguintes
23
variáveis: o interesse em obter informação, a exposição seletiva provocada pelas atitudes já existentes, a interpretação seletiva e a memorização seletiva. A segunda coordenada tem a ver com a organização ótima das mensagens com finalidades persuasivas - ou seja, os fatores ligados às mensagens. Essa tendência de pesquisa, para desenvolver-se, utilizou-se das conclusões obtidas na primeira coordenada. As variáveis que se relacionam com as mensagens são: a credibilidade do comunicador, a ordem da argumentação, a integralidade das argumentações e a explicitação das conclusões. (ARAÚJO, 1996, p. 4).
A teoria empírico-experimental mantém, portanto, a essência do modelo
behaviorista, de estímulo-resposta, embora apresente fatores descritivo-
conceituais acerca da sua própria argumentação, tornando menos passiva,
tanto a receptividade, quanto a emissão da mensagem.
Em sequência, apresentamos a teoria empírica de campo, que centra na
sociologia as bases de suas pesquisas. De acordo com essa teoria, os meios
de comunicação de massa desempenham uma atuação limitada no alcance
social, sendo uma das ferramentas de persuasão na sociedade.
Sob esse prisma, segundo Araújo (1996, p. 5), “a abordagem empírica
de campo ou ‘dos efeitos limitados’ procurou estudar os fatores de mediação
existentes entre os indivíduos e os meios de comunicação de massa”. É a
primeira teoria que se desvincula do behaviorismo, deslocando os efeitos do
indivíduo para o complexo relacional.
Essa teoria, mais atenta à complexidade dos fenômenos, deixa de salientar a relação causal direta entre propaganda de massas e manipulação de audiência para passar a insistir num processo indireto de influência em que as dinâmicas sociais se intersectam com os processos comunicativos. O objeto de estudo dessa teoria era, como os demais, os mass media, mas, especificamente dentro dos processos gerados a partir de sua presença, aqueles relacionados aos processos de formação de opinião. É, ainda, inegável a contribuição dessa teoria para o desenvolvimento do modelo do two-stepflow - a descoberta dos líderes de opinião e do fluxo de comunicação em dois níveis. O avanço destas descobertas é que elas demonstram que os efeitos não podem ser atribuídos à esfera do indivíduo, mas à rede de relações - é a noção do enraizamento dos processos e de seu caráter não-linear que começa a tomar corpo. (ARAÚJO, 1996, p. 5).
A linearidade behaviorista hipodérmica cede lugar à dinâmica de fluxos
na teoria empírico-experimental, abrindo espaço para a tecelagem da Teoria
Funcionalista, que desloca seu foco de observação para o papel e para a
função da mídia na sociedade.
24
Na teoria Funcionalista a sociedade é vista como um sistema dinâmico com suas partes e subsistemas interligados, onde o equilíbrio desse sistema ocorre devido as relações funcionais dos indivíduos, realizadas em conjunto. O seu campo de interesse está centrado no papel e nas funções que os meios de comunicação desempenham na sociedade, e não nos efeitos sobre suas audiências. Dessa forma, os meios de comunicação de massa contribuem para manter a ordem e o equilíbrio do sistema. (MENEZES, 2014, p. 128).
Para a manutenção da ordem e do equilíbrio do sistema, a teoria
funcionalista “vê os media como essencialmente autodirigidos e
autocorretores”. (MCQUAIL, 2003, p.81).
De acordo com Araújo (1996, p. 5), “o sistema social na sua globalidade
é entendido como um organismo cujas diferentes partes desempenham
funções de integração e de manutenção do sistema”. O estrutural-
funcionalismo, dessa forma, se configura como a principal hipótese referencial
sociológica da teoria funcionalista.
A corrente funcionalista aborda hipóteses sobre as relações entre os indivíduos, a sociedade e os meios de comunicação de massa. Ela se distancia, em muito, das teorias precedentes, pois as questões de fundo já não são os efeitos, mas as funções exercidas pela comunicação de massa na sociedade. O centro das preocupações deixa de ser o indivíduo para ser a sociedade em uma linha sócio-política. (ARAÚJO, 1996, p.5).
A sociedade se torna a unidade de análise, embora esse olhar não se
configure como uma relevante inediticidade, uma vez que a massa também se
conceituava como um coletivo que era apreciado como unidade, embora
amorfa e idiotizada.
Dentre os teóricos funcionalistas, como Wright, Lazarsfeld e Merton,
retomamos Lasswell (1978), que integrará a corrente funcionalista,
apresentando as seguintes funções comunicativas do complexo teórico:
vigilância (informativa, função de alarme); correlação das partes da sociedade
(integração); transmissão da herança cultural (educativa).
Deslocando a base da teoria social estrutural-funcionalista, para a
formalização objetiva do processo comunicacional, encontramos a Teoria
Matemática da Comunicação, ou Teoria da Informação.
Trata-se de um “estudo de engenharia da comunicação” uma
“sistematização do processo comunicativo a partir de uma perspectiva
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puramente técnica, quantitativa, elaborada por dois engenheiros matemáticos,
Shannon e Weaver, em 1949”. (ARAÚJO, 1996, p. 6).
Araújo (1996, p. 6-7) aponta ainda a subsequente representação de um
sistema de comunicação, baseado em trabalho realizado por Claude Shannon,
entre a fonte de informação e seu destino: Transmissor (Sinal) - Canal (Ruído) -
Receptor (Sinal).
Na Teoria Matemática da Comunicação, a comunicação é apresentada
como:
um sistema no qual uma fonte de informação seleciona uma mensagem desejada a partir de um conjunto de mensagens possíveis, codifica esta mensagem transformando-a num sinal passível de ser enviada por um canal ao receptor, que fará o trabalho do emissor ao inverso. Ou seja, a comunicação é entendida como um processo de transmissão de uma mensagem por uma fonte de informação, através de um canal, a um destinatário. (ARAÚJO, 1996, p. 7).
O objetivo da Teoria da Informação, não é a análise dos efeitos ou da
sua retumbância social, mas o apontamento, de maneira sistêmica e objetiva,
do processo de comunicação, disperso de ideologias sociais ou teorias
psicológicas.
Para nossa última apreciação teórica comunicacional, apresentaremos a
Teoria Crítica, desenvolvida na Escola de Frankfurt, “uma teoria
suficientemente crítica capaz de desmascarar a ideologia de dominação social
quase sempre oculta nas relações sociais”. (PARZIANELLO, 2014, p. 302).
Dentre os constituintes da Escola de Frankfurt, destacamos Adorno,
Marcuse e Horkheimer, que, de acordo com Araújo (1996, p. 9), teceram a
Teoria Crítica com relevantes influências teóricas de “Marx, Freud, Hegel, Kant,
Nietzsche e Schopenhauer”.
Distante das demais teorias da comunicação, a Teoria Crítica buscava
não somente uma análise de efeitos e dinâmicas, mas “uma crítica da
sociedade como um todo, num caminho inverso ao das disciplinas setoriais,
que estariam desempenhando uma ‘função de manutenção da ordem social
existente’”. (ARAÚJO, 1996, p. 9).
A Teoria Crítica se utiliza de hipóteses marxistas e de subsídios da
psicanálise para analisar a nova configuração das dinâmicas sociais do
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momento histórico congruente à Escola de Frankfurt, tais como, segundo
Araújo (1996, p. 9-10), “o totalitarismo, a indústria cultural, etc - numa
preocupação com a superestrutura ideológica e a cultura”.
De certa forma, agora com base na capacidade analítica, a teoria crítica
apresenta a retomada ideológico-conceitual da Teoria da Agulha Hipodérmica,
tomando como parâmetro os efeitos sociais provocados pelos meios de
comunicação de massa, regulamentados pela indústria cultural.
Para a Escola de Frankfurt, os indivíduos sob a ação da Indústria Cultural deixaram de ser capazes de decidir autonomamente, passando a aderir acriticamente aos valores impostos, dominantes e avassaladores difundidos pelos meios. (...) O resultado desse processo é o desmoronamento da individualidade, que é substituída pela pseudo-individualidade, justamente essa adesão irreflexiva aos valores que a Indústria Cultural propaga. (ARAÚJO, 1996, p. 11).
Com o desmoronamento da individualidade e com a adesão irreflexiva
aos valores da indústria cultural, temos, em paralelo com a educação, a
passividade do corpo discente, a passividade constituinte do autoritarismo do
corpo docente e a estruturação das relações de poder e criticidade dos atores
educacionais.
Tendo findado nosso exame acerca dos modelos comunicacionais
teóricos, dispor-nos-emos – a seguir – a enfocar semióticamente a estrutura do
processo comunicacional, a fim de compreendermos a nível não só coletivo e
pareado, mas subjetivo e direto, a dinâmica de comunicação, provedora de
sentido e criticidade.
1.2) A ESTRATIFICAÇÃO SEMIÓTICA DA COMUNICAÇÃO
Dentre os autores de destrincham a semiótica da comunicação,
tomaremos por base a disposição conceitual de Adair Caetano Peruzzolo
(2004). Mergulharemos, pois, na dinâmica modular do processo
comunicacional à luz da semiótica, à qual – entendida a nível consciente e não
mecânico – torna-se imprescindível para a proposta de nossa pesquisa.
Analisamos a comunicação, nesta pesquisa, com estrito paralelo
pedagógico, onde o papel do comunicador pareia-se com o do professor,
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embora saibamos que todos os atores envolvidos numa relação
comunicacional são – efetivamente – comunicadores. Dessa forma, para a
manutenção do foco de nosso trabalho, o comunicador admite,
parametaforicamente, em alternância pareada, a função de educador.
A comunicação é uma relação entre sujeitos que buscam
reciprocamente se encontrar, independentemente dos imperativos e ideologias
de cada qual. Comunicação é, antes de qualquer conceito, necessidade. É
base para a constituição da vida humana como conhecemos. É ela que
“simboliza os sentimentos mais recônditos de seu interior [do ser humano] e
organiza seu modo de ser e de viver”. (PERUZZOLO, 2004, p. 9).
Para Peruzzolo (2004, p. 9), o comunicador “trabalha diretamente com a
circulação dos sentidos entre os homens”, assim, ele se familiariza com “os
elementos que fazem a informação que circula entre os comunicantes
humanos”.
A semiótica defende que “sem a elaboração de mecanismos sensíveis à
captura dos estímulos sociais, não se poderá trabalhar com as matérias
significantes que circulam no universo das sociedades” (PERUZZOLO, 2004, p.
11), o que engloba o universo pedagógico, bem como as instituições de ensino.
Tais mecanismos são dinâmicos, modulares, e existem da forma como se
configuram delimitados em certo momento social, cultural e histórico.
Restringindo o conceito de tais mecanismos, adentramos à nossa
análise semiótica pela semântica comunicacional do discurso, enquanto
afluente de representação, na mensagem. Peruzzolo (2004, p. 18) assinala que
“o sentido de uma frase é externo a ela. É uma relação entre o discurso e o
ser/fazer/sentir/pensar e/ou crer. Por isso, além do que se quer dizer, assume
as feições de gosto, sentimento, ideologia, etc.”. O sentido, dessa forma,
encontra-se externo à estrutura semântica, sintática ou gramatical do discurso,
seja em períodos, frases ou palavras.
Isso ocorre, em nível limitado, porque “o sentido da palavra liga seu
significado objetivo ao contexto de uso da língua e aos motivos afetivos e
pessoais dos seus usuários” (OLIVEIRA, 1992, p. 81), ao mesmo tempo em
que “todo enunciado, toda seqüência de enunciados é, pois lingüisticamente
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descritível como uma série (léxico-sintaticamente determinada) de pontos de
deriva possíveis, oferecendo lugar a interpretação”. (PÊCHEUX, 2002, p. 53).
A palavra, enquanto redução discursal, é um enunciado simbólico e
“diante de qualquer objeto simbólico o homem é levado a interpretar.”
(ORLANDI, 2001, p. 45). Daí surge o sentido, que, mediado pela palavra,
jamais será objetivo.
“Uma palavra é, na verdade, uma categoria conceitual, isto é, uma matéria à qual cabe uma lembrança de outra coisa no pensamento. Uma palavra é uma entidade que subtende relações conceptuais. Ao usá-la, nós representamos realidades relacionadas e significadas nela, isto é, feitas signos, com as quais, então, podemos trabalhar comunicacionalmente.” (PERUZZOLO, 2004, p. 21).
A palavra provoca um empuxo mental no repertório cultural subjetivo de
quem a recebe, portanto incita, sobretudo, subjetividade. É a palavra elemento
base da mensagem, que, por sua vez se configura como meio para a relação
de comunicação. Peruzzolo (2004, p. 22) elucida que, “de maneira funcional,
mensagem é o meio de entrar em relação. Esse meio é aquilo que
organizamos para nos relacionarmos com o outro e significar-lhe algo, sem o
que ele não se exporá a nós”.
A mensagem, ou seja, o meio de comunicar se configura como “uma
produção do comunicante primeiro e um meio de conectar-se com o
comunicante segundo”. (PERUZZOLO, 2004, p. 22). É, portanto,
simultaneamente meio e representação.
Em termos conceituais, a semiótica não classifica os agentes da
comunicação como “emissor e receptor, que sugerem, o primeiro, um
comportamento mecânico e, o segundo, uma conduta passiva”. (PERUZZOLO,
2004, p. 22).
Entendemos, ao contrário, que a relação de comunicação ocorre por
uma enunciação concomitante e indissolúvel, portanto seus agentes são
tratados como enunciadores. Contudo, para fins didáticos, como a produção do
sentido é compartilhada, trataremos do destinador da mensagem (M) como
enunciador (E) e do destinatário por coenunciador (R).
A dinâmica da enunciação comunicacional apresenta-se a seguir.
(...) Primeiro, quando um E destina uma M para algum R, procurando ou ocasionando relação com ele, esse M é um conjunto de elementos
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representantes de E, seja porque E os organizou de uma forma intencional, seja porque ele os escolheu assim como são, para que cheguem e despertem o interesse e significados em R. Por isso a mensagem é, de um lado, um objeto produzido por alguém e, de outro, o objeto da comunicação. Segundo, o Emissor, ao procurar uma relação de comunicação, vai primeiramente relacionar-se com M, isto é, precisa escolher elementos para compor – codificar – a mensagem. Como faz isso? – Ele efetua certas suposições a respeito da forma de ser e de comportamento de R e organiza a mensagem de acordo com essas pressuposições, mas também escolhe estrategicamente o modo como apresentar-se ao destinatário. Terceiro, se M é um arauto de E, o destinatário de uma mensagem poderá fazer certas conjecturas a respeito do enunciador, analisando M. E como E se representa R, isto é, como o destinador se representa o destinatário, é também possível ter indicativos das ideias e conjecturas (representações) que ele tem do destinatário da mensagem. Isso é importante porque, adiante, nas análises semiológicas, poderemos optar por fazer exame das tendências ideológicas do comunicador, analisando sua mensagem. (PERUZZOLO, 2004, p. 23).
Na estrutura comunicacional, ocorre, portanto, um relacionamento que
se estabelece “mentalmente por uma representação da outra pessoa, e
concretamente pela representação de uma mensagem, exprimindo certa
informação”. (PERUZZOLO, 2004, p. 24). Dessa forma, a mensagem se
configura como um construto relacional de representação, com a qual o
enunciador estabelece laços e identidade.
Acerca da essência da eficiência do processo comunicacional,
concordamos com Peruzzolo (2004, p. 24), quando o autor aponta que “a
representação, em vista do seu caráter de investimento afetivo e operacional
na relação, passa a definir a qualidade dessa comunicação”. A representação é
a via de possibilidade da comunicação e se configura como uma estrutura de
relações. Logo, a representação, como meio de comunicar, é o leme da relação
comunicacional.
Acerca da construção da mensagem, sua gênese depende da
alteridade, da empatia projetiva com o coenunciador, mola propulsora da
primeira representação que disporá a ideologia construtivista comunicacional e
proverá possibilidade da segunda representação, ou seja, da representação do
próprio enunciador como meio.
De acordo com Brolezzi (2014, p. 154), para Vygotsky, “empatia é um
conceito criado para explicar uma série de manifestações humanas que
envolvem o conhecimento do outro, incluindo suas ideias e sentimentos”. Trata-
30
se, pois, de uma projeção do outro em si, como se o outro fosse, delineada
pela imaginação – que, segundo Vygotsky, “é construída por meio de
elementos da realidade tomados da experiência do sujeito” (BROLEZZI, 2014,
p. 163) – e moldada pela subjetividade empírica individual.
A palavra empatia está presente nas teorias da estética da arte de Vygotsky. O termo surgia como forma de explicar a relação entre a imitação interior e a capacidade de compreensão dos outros atribuindo a eles sentimentos, emoções e pensamentos. (BROLEZZI, 2014, p. 153)
A alteridade de que trata a semiótica possui estreita relação com a
empatia proposta por Vygotsky, que depende da capacidade de compreensão,
do repertório cultural, da experiência subjetiva e da imaginação.
Sem a projeção inicial adequada, à qual denominamos alteridade, a
mensagem tende a uma destinação tão aleatória quanto improvável na sua
intencionalidade.
Para a semiótica da comunicação, entende-se que:
pode ser mensagem, primeiramente, aquilo que tem sentido no nível do programa operatório na espécie, porque algo só se constitui em estímulo se houver, no comunicante receptor, um mecanismo capaz de ser sensibilizado por ele. Em segundo lugar, constitui-se em mensagem o que soma às possibilidades do ser, o que ainda não há, o novo, entretanto, um novo que signifique algo possível para o equilíbrio do Programa/Projeto, quer dizer, aquilo que amplia, reforça e/ou remaneja as forças genéticas e/ou as forças simbólicas, porque, na comunicação humana, com complexidade cerebral maior, com potencialidades biológicas mais extensas, há também possibilidade de informação maior devido à regressão do controle do código genético. Nesse sentido, o homem não só pode como, efetivamente, trabalha com um grau maior de desordem, podendo chegar ao ponto de uma novidade excessiva que o leve à ausência de comunicação. (PERUZZOLO, 2004, p. 25).
Assim, a mensagem, para ter significado social, precisa estar calibrada.
Entendemos que cada mensagem precisa ser calibrada, ajustada, tal qual a
dioptria comunicacional necessária. A medida de tal necessidade não é exata,
embora possa ser delimitada num universo mensurável, balizada pela
alteridade, uma vez que “para comunicar-se, tem-se que definir o outro”.
(PERUZZOLO, 2004, p. 29).
A mensagem precisa ser construída com base em códigos comuns aos
interlocutores. Caso o código usado para a confecção da mensagem não seja
31
de domínio do destinatário, ela passa a não passar nenhuma informação, a não
comunicar, ou seja, torna-se um ruído encriptado.
No que tange à mensagem, Peruzzolo (2004, p. 28) afirma que “a
primeira e mais fundamental condição para que aconteça a relação de
comunicação é a percepção do diferente, que é por onde se traçam os limites
do comunicável e do não comunicável”. Assim, ao mesmo tempo em que o
“mais do mesmo” tem restrições de fluxo na comunicação, também as têm o
absoluto novo, embora o conhecido seja fundamental para o reconhecimento
identitário e o novo seja condição para se estabelecer comunicação. “A
informação como alteridade implica a ideia de surpresa, de inesperado, de
originalidade, sendo o evento esse lugar do inesperado, do não culturalizado,
do improvável, do singular, do acidental, do aleatório”. (PERUZZOLO, 2004, p.
29). Somente a alteridade pode avaliar o ajuste do grau necessário para que
ocorra a comunicação.
O novo não deixa de ter um certo grau de desordem, isto é, uma relação de ordem/desordem no equilíbrio do ser, que reforça, amplia e/ou remaneja o nível energético e as possibilidades de relação dos sujeitos na comunicação. Todavia, a irrupção da eventualidade total seria a anulação de um dos termos da relação, a interdição do desvelamento, logo não haveria comunicação possível. É isso que querem dizer os teóricos quando afirmam que a mensagem tem de ser organizada com elementos comuns tomados dos códigos conhecidos dos interlocutores. Do contrário, a informação será um novo máximo, isto é, uma mensagem totalmente nova e, portanto, simplesmente funcionaria como ruído. Daí a necessidade do equilíbrio novo/resposta para a economia da relação”. (PERUZZOLO, 2004, p. 30).
A comunicação é, em essência, segundo Peruzzolo (2004, p. 29), “uma
relação na descoberta do outro – alteridade sendo aquilo com o que não se
está em comunicação, mas com o que se estabelece uma relação de
comunicação”. Com isso, o impulso da mensagem, seu estágio primeiro, na
comunicação é a própria alteridade. “O primeiro momento da representação do
outro ocorre quando se configura a imagem do outro. Essa imagem se constrói
a partir de percepções sensoriais”. (PERUZZOLO, 2004, p. 30).
Entendemos, portanto que a “percepção da alteridade é a primeira
condição do aparecimento do sentido” (PERUZZOLO, 2004, p. 31), que não se
produz, definitivamente, nem no enunciador, nem na mensagem, mas no
coenunciador.
32
Inferimos, sobremodo, que a primeira relação da comunicação é do
enunciador com a sua mensagem. Para a composição da mensagem, deve-se
ter domínio sobre os signos a fim de se poder codificá-la. Como premissa a
comunicação, tal codificação não pode ser aleatória. O enunciador se coloca
no lugar, se projeta como destinatário da sua mensagem pressupondo como
este seja, com base na empatia, na experiência, na análise social e na
imaginação. A definição do outro é constituída por percepções subjetivas.
Estamos diante da representação (PERUZZOLO, 2004, p. 23). O enunciador
confecciona uma mensagem de acordo com as pressuposições que faz
durante o momento de representação.
Tal representação se configura a partir de um ato de alteridade
(PERUZZOLO, 2004, p. 28-32), que pode ser metaforizada como a
transcendência metafísica do ego, como a efetiva projeção do outro em si tal
qual se outro fosse. A alteridade é um vínculo de comunicação que visa à
projeção no lugar do outro para atingir a medida certa na comunicação.
A percepção no ato da representação, metaforicamente, se coloca como
o superego da comunicação, é o elemento que põe termo, que limita, que rege,
que regula os limites do comunicável e sinaliza o não comunicável. A definição
do outro é matéria imperativa para o ato da comunicação. A alteridade não é
um elemento concreto da comunicação, mas é o elo primeiro que constitui a
relação de comunicação, sua mola propulsora.
Subsequentemente à representação projetiva do outro em si, o
enunciador se projeta como mensagem. Tal mensagem é enviada ao
coenunciador, a quem caberá a decodificação da mensagem e de suas
informações.
A produção do sentido da mensagem ocorre única e exclusivamente no
coenunciador, ao desencriptar os signos da mensagem enviada pelo
enunciador. Tão mais similares serão a intenção do enunciador e o sentido
produzido pelo coenunciador quanto maior for a acurácia perceptiva e
alterativamente projetiva do enunciador quanto ao seu destinatário no momento
das projeções e da confecção da mensagem, que, a cargo de esclarecimento,
se refere a discursos verbais ou não verbais.
33
CAPÍTULO II
EDUCAÇÃO E FLUXO: DO MOLDE À MODULAÇÃO
Uma vez que as teorias da comunicação dispostas no capítulo anterior
se configuraram de acordo com o tempo e com a sucessão histórica
apresentada, mais precisamente, no período de transição entre as sociedades
de disciplina e de controle, em meados do século XX, e que a semiótica da
comunicação, embora teorizada somente no século passado, perpassa
empiricamente atemporal por toda a história da humanidade, atravessando
igualmente as duas sociedades em voga, prosseguiremos, a partir de agora,
para a análise da Sociedade de Disciplina, disposta por Michel Foucault, e de
Controle, apresentada por Gilles Deleuze, esquadrinhando seus pontos de
convergência e de divergência.
Em sequência ao nosso diagnóstico foucault-deleuziano faremos uma
análise da instituição escola, assim como ponderaremos criticamente sobre o
papel do professor e da educação, e examinaremos a estrutura “sala de aula”,
que igualmente perpassam as referidas sociedades de controle e de disciplina.
2.1) MICHEL FOUCAULT E A SOCIEDADE DISCIPLINAR
“As sociedades disciplinares substituíram as antigas sociedades de
soberania, tendo seu início no século XVIII e atingindo seu ápice no século
XX”. (PRATA, 2005, p. 109).
Sucedendo as sociedades de soberania, têm-se a constituição progressiva das sociedades disciplinares, nos séculos XVIII e XIX, atingindo seu apogeu no início do século XX, que caracterizam uma mecânica de poder completamente diferente, calcada nas disciplinas. O poder disciplinar se caracteriza pela descentralização, invisibilidade e onipresença e implica num controle total do tempo, do corpo e da vida das pessoas. Não tem necessidade de cerimônias e marcas que restaurem a descontinuidade. Ele é contínuo e refere-se ao futuro, onde tudo irá por si mesmo. A disciplina enquanto hábito, exercício, cria saberes/verdades que não apenas a justifiquem, mas apontem se o indivíduo se conduz ou não conforme as regras instituídas. (NEVES, 1997, p. 76).
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Michel Foucault foi um dos principais responsáveis pela análise e pela
conceituação das sociedades de soberania e de disciplina. Foi ele também
quem deixou o legado para que Deleuze pudesse fazer a análise da
subseqüente sociedade, denominada sociedade de controle, na qual vivemos.
Grimm (et al. 2009, p. 56) aponta que, segundo Foucault (1999), o
movimento que desencadeou a revolução industrial criou “possibilidades para a
criação de instituições de confinamento, tais como: a escola, o hospício e a
prisão”.
O desenvolvimento de tais instituições visa, segundo Foucault, o
enquadramento judiciário-social do sujeito.
É assim que, no século XIX, desenvolve-se, em torno da instituição judiciária e para lhe permitir assumir sua função de controle dos indivíduos ao nível de sua periculosidade, uma gigantesca série de instituições que vão enquadrar os indivíduos ao longo de sua existência; instituições pedagógicas como a escola, psicológicas ou psiquiátricas como o hospital, o asilo, a polícia, etc. (FOUCAULT, 1996b, p. 86).
Nessa Sociedade Disciplinar, disposta por Foucault, “o alvo era o
indivíduo, a produção de um corpo ‘são, útil e dócil’, e a educação visava à
adaptação. Uma sociedade onde se instalaram espaços de confinamentos, os
quais demarcavam posicionamentos para os corpos”. (GRIMM et al. 2009, p.
57).
Para Foucault, nos séculos XVII e XVIII inaugurou-se, na sociedade, o momento das disciplinas, que, de forma institucional, se servia da vigilância nas prisões, escolas, hospitais, quartéis e outras organizações, fabricando corpos submissos, por meio de uma sujeição implantada nos indivíduos que se sabiam observados. Era um tipo de poder microfísico que, nos termos de Foucault “[...] se exerce continuamente através da vigilância [...]”. (AGUERO, 2008, p. 34).
O poder, microfísico ou coercitivo, desdobrava-se pela disciplina, pelo
confinamento, que partia das instituições para os corpos. Foucault (apud POL-
DROIT, 2006, p. 43), sobre a instituição presídio, por exemplo, denota que “não
se exibe mais o corpo do condenado: ele é escondido. Não se quer mais
assassiná-lo: ele é adestrado. É a ‘alma’ que é reeducada”.
Dessa forma, a sociedade disciplinar conglomera invenções
institucionais de confinamento, que “reeducam a alma” pelo corpo, como a
escola, por exemplo. “A disciplina fabrica assim corpos submissos e
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exercitados, corpos ‘dóceis’. A disciplina aumenta as forças do corpo (em
termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos
políticos de obediência)” (FOUCAULT, 1999, p. 119).
“Essas instituições têm como objetivo disciplinar os sujeitos,
transformando-os em corpos dóceis e úteis por meio de mecanismos, tais
como: a vigilância, a individualização dos corpos, o exame, a punição e a
confissão”. (GRIMM et al. 2009, p. 58). “A vigilância dos corpos e o controle do
indivíduo no espaço e no tempo são, portanto, segundo Foucault, estratégias
utilizadas pelo poder para garantir a docilização do indivíduo e torná-lo útil à
sociedade”. (AGUERO, 2008, p. 35)
Assim, a sociedade disciplinar, por meio de suas práticas, edificou um
complexo de poder balizado no controle e na submissão dos corpos. Foucault
(2004, p. 150) propõe em sua análise que “é pelo estudo dos mecanismos que
penetraram nos corpos, nos gestos, nos comportamentos, que é preciso
construir a arqueologia das ciências humanas”.
Um dos mecanismos disciplinares institucionalizados mais característico
da sociedade analisada por Foucault foi o panóptico, que “presentificava-se no
interior das Instituições, como as prisões, os hospitais, as escolas, os quartéis,
com o objetivo de instaurar a disciplina e, conseqüentemente, um padrão
comportamental rotineiro”. (AGUERO, 2008, p. 35).
O Panóptico, de Geremy Bentham, foi a arquitetura escolhida para a vigilância e tinha como objetivo “[...] assegurar uma vigilância que fosse ao mesmo tempo global e individualizante separando cuidadosamente os indivíduos que deviam ser vigiados.” (FOUCAULT, 2004 a, p.216). Seu modelo, em forma circular, servia para a observação sistemática dos corpos nas várias Instituições. Ao centro, uma torre de vigia, com janelas se abrindo para o lado interno, cujo interior mantinha-se invisível às observações externas. Ao redor do panóptico, construíam-se celas, totalmente visíveis do observatório e onde se colocava o indivíduo a ser vigiado. Na torre poderia haver um vigia ou não. O importante é que o su jeito vigiado jamais tinha a certeza disso. Ele sabia que poderia estar sendo vigiado e isso era suficiente para mantê-lo disciplinado. Foucault (2004 a, p. 218), escreve que o panóptico representava “Um olhar que vigia e que cada um, sentindo o peso sobre si, acabará por interiorizar, a ponto de observar a si mesmo; sendo assim, cada um exercerá esta vigilância sobre e contra si mesmo” (Idem, p. 218). Desse modo, o panóptico representou, até o início do século XX, um modelo de exercício de poder, cuja técnica disciplinar garantia a subordinação e o adestramento espontâneo do sujeito a um poder que agia sobre ele. (AGUERO, 2008, p. 34).
36
O panóptico de Bentham é a personificação institucionalizada do
controle disciplinar. Neles se concentram os "olhares que devem ver sem
serem vistos." (FOUCAULT. 2002. p.144).
"Se posso discernir o olhar que me espia, domino a vigilância, eu a espio também, aprendo suas intermitências, seus deslizes, estudo suas regularidades, posso despistá-la [...]. Ao se esconder na sombra, o Olho intensifica todos os seus poderes." (MILLER, 2000, p. 78).
O panóptico se configura, pois, como o olho que tudo vê, onipresente,
coercitivo e disciplinador. A coerção do controle disciplinar impulsiona a
obediência e a subordinação dos corpos e “o corpo só se transforma em força
útil se for, ao mesmo tempo, corpo produtivo e corpo submisso.” (DREYFUS et
al., 1995, p. 125).
Para Foucault (2002, p.118), o objetivo de se imputar a docilidade nos
corpos com máxima eficiência é atingido quando as instituições exercem sobre
ele uma “coerção ininterrupta, constante, que vela sobre os processos da
atividade mais que sobre seu resultado e se exerce de acordo com uma
codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, os espaços, os movimentos.”
Daí a importância do panóptico, construído estruturalmente em meio físico ou
simbólico coercitivo, subjetivando, por subjugação.
O poder disciplinar é, com efeito, um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior "adestrar"; ousem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. [...] "Adestra" as multidões confusas, móveis, inúteis de corpos e forças para uma multiplicidade de elementos individuais - pequenas células separadas, autonomias orgânicas, identidades e continuidades genéticas, segmentos combinatórios. A disciplina "fabrica" indivíduos [...]. (FOUCAULT, 2004, p. 143).
A fábrica de indivíduos regida pela disciplina da sociedade descrita por
Foucault possui uma complexa dinâmica de subjetivação, obediência e punição
para organizar as produções e as condutas, reificando as estruturas de poder.
As disciplinas, organizando as “celas”, os “lugares” e as “fileiras”, criam espaços complexos: ao mesmo tempo arquiteturais, funcionais e hierárquicos. São espaços que realizam a fixação e permitem a circulação; recortam segmentos individuais e estabelecem ligações operatórias; marcam lugares e indicam valores; garantem a obediência dos indivíduos, mas também uma melhor economia do tempo e dos gestos [...]. A primeira das grandes operações da disciplina é então a constituição de “quadros vivos” que transformam as multidões confusas, inúteis ou perigosas em multiplicidades organizadas. (FOUCAULT, 1977, p. 135).
37
Dessa maneira, a sociedade disciplinar se caracteriza pelo molde. Molda
o indivíduo de forma a torná-lo controlado, subjugado e obediente. É o sujeito
se adapta a uma sociedade controlada por minorias, para estabelecer
identidade e sobreviver nos meios de produção que começam a surgir. A figura
da fábrica é extremamente representativa da sociedade disciplinar.
Os confinamentos são seus moldes: a fábrica constitui os indivíduos (os trabalhadores) em corpos inseridos num espaço moldado que adere à pele, com a vantagem, para o patronato, de vigiar cada elemento na medida em que esteja inserido no "seu" molde (o preceito taylorista, mas também os dispositivos concretos que confinam o trabalhador no espaço físico das tarefas a realizar em seu posto) (ZARIFIAN, 2002, p. 24).
A fábrica se configura apenas como um dos exemplos de instituição
disciplinar na dinâmica de poder da época. Para Benelli (2004, p. 239), quanto
às instituições da sociedade disciplinar, “Sua concepção explícita de poder é a
de um poder essencialmente modelador, poder instaurado, repressivo e
mutilador do eu em sua missão (res)socializadora”.
Inicialmente, a tecnologia disciplinar promove a distribuição dos indivíduos no espaço, utilizando diversos procedimentos: o enclaustramento (baseado no modelo conventual); o quadriculamento celular e individualizante (“cada indivíduo no seu lugar; e, em cada lugar, um indivíduo”); a regra das localizações funcionais (vigiando ao mesmo tempo em que cria um espaço útil); a classificação e a serialização (individualizando os corpos ao distribuí-los e fazendo-os circular numa rede de relações). (BENELLI, 2004, p. 240).
Foucault (1999b, p.127) aponta que essas instituições “são espaços que
realizam a fixação e permitem a circulação; recortam segmentos individuais e
estabelecem ligações operatórias; marcam lugares e indicam valores;
garantem a obediência dos indivíduos”. Assim, tempo e gestos são
economizados.
Quanto ao tempo, ainda em relação às instituições, enquanto “o tempo
monástico era fundamentalmente negativo, baseado no princípio da não-
ociosidade” (BENELLI, 2004, p. 240), o tempo da sociedade disciplinar,
opostamente, aponta para sua utilização exaustiva, fatigante: “baseia-se no
princípio de uma utilização teoricamente crescente do tempo, intensifica o uso
do mínimo instante, buscando extrair sempre mais forças úteis. O máximo de
rapidez deve encontrar o máximo de eficiência”. (BENELLI, 2004, p. 241).
38
Não bastasse a artificial celeridade imposta e a maximização da
eficiência, que coagiam e disciplinavam os corpos, a sociedade disciplinar
investia sobre a ideologia, a religiosidade e sobre o espírito.
(...) há um aperfeiçoamento do “programa” da busca de perfeição místico-religiosa, que pretendia levar um indivíduo à santidade, sob a direção de um mestre, constituída por uma vida ascética organizada em tarefas com níveis crescentes de dificuldade. O poder disciplinar é genético, organiza gêneses: divide a duração em segmentos, organiza seqüências de acordo com um esquema analítico, institui uma prova de qualificação no final do processo e estabelece séries de séries. (BENELLI, 2004, p. 241).
No decorrer da disciplina, em quaisquer das suas instituições, “o
sucesso do poder disciplinar se deve sem dúvida ao uso de instrumentos
simples: o olhar hierárquico, a sanção normalizadora e sua combinação num
procedimento que lhe é específico, o exame” (FOUCAULT, 1999, p.143).
Os instrumentos que nos apresenta Foucault encontram respaldo num
sistema de autoridade escalonada, típico das instituições da disciplina, que são
“reguladas por palavras de ordem (tanto do ponto de vista da integração quanto
da resistência)” (DELEUZE, 1992, p. 2) e onde, de acordo com Benelli (2004, p.
243), “qualquer pessoa da equipe dirigente tem o direito de impor disciplina a
qualquer dos internados, o que aumenta claramente a possibilidade de
sanção”.
Nas instituições da disciplina, afirma Benelli (2004, p. 243), “os
internados podem viver, sobretudo os novatos, aterrorizados e cronicamente
angustiados quanto à desobediência das regras e suas conseqüências pela
onipresença da autoridade escalonada e pelos regulamentos difusos”. Trata-se
de vigilância, exame, classificação e punição, numa dinâmica geradora de
moldes, que disciplina, dociliza e controla.
As técnicas da vigilância escalonada e da sanção que normaliza se unificam na produção da tecnologia do exame, que produz efeitos de controle normalizante e uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir. (...) O hospital, a escola e o exército se organizaram como “aparelhos de examinar” contínuos: a visita do médico ao doente no hospital e o exame escolar funcionaram como limiar epistemológico para a assunção científica da medicina e da pedagogia. (...) Na sociedade disciplinar, alguém exerce um poder sobre o sujeito, vigiando-o: o professor sobre os alunos; o médico sobre os doentes; o psiquiatra sobre os loucos; o guarda sobre os presidiários. Enquanto exerce esse poder, vigia e ao mesmo tempo produz um saber a respeito daqueles que estão sob sua jurisdição. Esse saber é caracterizado pela norma, é um saber normatizador que
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se ordena em termos daquilo que é estabelecido como normal ou não, correto ou incorreto, daquilo que se deve ou não fazer. (BENELLI, 2004, p. 244).
A disciplina assume a configuração de ideologia reificadora de si mesma
e de suas próprias instituições, por onde o indivíduo peregrina,
incessantemente. Final
O indivíduo não cessa de passar de um espaço fechado a outro, cada um com suas leis: primeiro a família, depois a escola (“você não está mais na sua família”), depois a caserna (“você não está mais na escola”), depois a fábrica, de vez em quando o hospital, eventualmente a prisão, que é o meio de confinamento por excelência. (DELEUZE, 1992, p. 1)
De um espaço a outro, um recomeço. Segundo Deleuze (1992, p. 1) “Os
diferentes internatos ou meios de confinamento pelos quais passa o indivíduo
são variáveis independentes: supõe-se que a cada vez ele recomece do zero, e
a linguagem comum a todos esses meios existe, mas é analógica”.
É nesse contexto que, dentre as instituições disciplinares, nasce “uma
instituição de confinamento em especial: a escola”, para a qual Grimm (et al.,
2009, p. 56) direciona a sua pesquisa.
A escola é, de fato, a instituição disciplinar por excelência que
atravessará e perpassará para a sociedade subseqüente com pouco ou
nenhuma alteração.
A escola, tal qual a que se conhece hoje, com horário, sala, espaço fechado, professor, exame e disciplina, não existiu sempre, não surgiu de repente e não opera sempre com as mesmas tecnologias. É uma criação da modernidade, uma instituição de confinamento que cumpre um papel social. (GRIMM et al., 2009, p. 57).
Na sociedade disciplinar, a escola se configura como uma estrutura
velada específica para moldar e controlar. A escola se configura, pois, como
uma “autêntica invenção da burguesia para ‘civilizar’ os filhos dos
trabalhadores. Tal violência, que não é exclusivamente simbólica, assenta-se
num pretendido direito: o direito de todos à educação.” (VARELLA et al., 1992,
p. 92).
Convém especificarmos o prisma sobre o qual enxergamos educação
nos primórdios da disciplina, estabelecida numa sociedade onde “o espaço
preponderante de ocupação dos corpos efetivou-se pelo trabalho manual
comandado pelo trabalho intelectual. Foi a era (...) das maiorias sob o comando
40
de minorias”. (PASSETTI, 2004, p. 153). Estamos falando de uma sociedade
que, de acordo com Passetti (2004, p. 153), educa as crianças, exigindo a
consagrada obediência. Trata-se, pois, de uma sociedade que necessita de
massa pouco intelectualizada, obediente e pacificada. Como haveria de ser a
escola, processo primeiro de introdução do sujeito nas instituições de
disciplina?
No nível específico, cada instituição possuía suas regras, normas e punições; contudo, no nível geral da sociedade, cada instituição desempenhava um papel diferenciado: a escola ensinava as regras sociais, o Estado as criava, a prisão punia absolutamente (encarcerando) aqueles que descumpriam as normas, etc. A escola moderna, surgida neste contexto, era uma das mais importantes instituições sociais, já que nela os infantes assimilavam a disciplina em sua dosagem mais didática. Segundo Guimarães e Machado Jr. (2006), “a escola torna-se um dos lugares mais proeminentes em termos de desenvolvimento e uso da tecnologia disciplinar, e tal caráter torna-se o paradigma da escola moderna”. Segundo eles a educação se inseria numa “tecnologia do corpo” onde atuariam os “detentores do saber: o psicólogo, o assistente social, o psiquiatra, o pedagogo, toda uma maquinaria de normatização que da sustentação ao proceder institucional”. (OLIVEIRA, 2012, p. 3).
A criança passa a ser alvo da disciplina proveniente da instituição, onde
o controle é inoculado nas gerações reificadoras da disciplina, em sua gênese
social-identitátria. A vida infantil é, condicionadamente institucionalizada,
invadida em disciplina e velada pelo direito à educação, a fim de exercer
controle social sobre as gerações vindouras, mantendo a dinâmica de poder
então desenvolvida.
Com relação à necessidade da diferenciação entre os indivíduos, Frones observa um curioso paradoxo relacionado à invasão da vida infantil por esse rigoroso controle social e por uma regulamentação maciça no domínio da educação e dos cuidados profissionais. A dinâmica social moderna exige que esse controle burocrático (necessidade de identidade única a partir do nascimento para o exercício do direito de possuir, por exemplo) se dê sobre o indivíduo, o que, hipoteticamente, promoveria a sua diferenciação e autonomia. No entanto, esta suposta autonomia é acompanhada por um brutal controle social que é exercido sobre os seres humanos, entre eles as crianças. (PIRES, 2007, p. 315).
Apesar de reservarmos o final do presente capítulo para tratar da
instituição “sala de aula”, vale ressaltar que essa criação, como conhecemos
hoje, é produto da sociedade disciplinar, embora, em sua gênese, tenha
surgido em sociedades anteriores.
41
As salas passaram a ser em tamanho reduzido [em comparação às épocas anteriores], com os alunos dispostos em fileira, a fim de que o mestre não perdesse de vista cada movimento deles, para ‘domar-lhes o caráter’. Horários eram calculadamente dispostos a fim de não haver desperdício de tempo; o espaço físico, ordenado de maneira a classificar os alunos conforme seu grau de aprendizagem. Institui-se um regime de recompensas e punições, classificando os alunos, dispondo-os em espaços onde convivessem aqueles que se encontravam em graus de aprendizagem o mais semelhantes possível. (GUIMARÃES et al., 2006, p. 3).
Concluímos, pois, nossa análise sobre a sociedade da disciplina,
contextualizando a genética da nossa educação, através da instituição escola.
Dispor-nos-emos, a partir de agora, a analisar a sociedade subseqüente,
porém não substitutiva, à sociedade disciplinar, disposta especialmente por
Foucault, denominada Sociedade de Controle.
2.2) GILLES DELEUZE E A SOCIEDADE DE CONTROLE
Deleuze (2006, p. 220) anuncia o tutano de sua análise social
subseqüente à sociedade disciplinar quando aponta que “‘controle’ é o nome
que Burroughs2 propõe para designar o novo monstro, e que Foucault
reconhece como nosso futuro próximo”.
As instituições da sociedade disciplinar “também conheceriam uma crise,
em favor de novas forças que se instalavam lentamente e que se precipitariam
depois da Segunda Guerra mundial: sociedades disciplinares é o que já não
éramos mais, o que deixávamos de ser”. (DELEUZE, 1992, p. 1)
Treze anos depois, Deleuze irá formular a teoria de uma nova ordem social que ele irá denominar de sociedade de controle. Para o teórico, foi na segunda metade do século XX – após a Segunda Guerra Mundial – que as sociedades disciplinares deram lugar às sociedades de controle. Após o término da Segunda Guerra Mundial, surgiram forças na sociedade que estabeleceram uma nova ordem. Essas forças estariam identificadas com mudanças que aconteceram por todo o mundo capitalista, ligadas principalmente às inovações tecnológicas. O uso dessas novas tecnologias para o controle social seria a mais nova expressão do exercício do poder na sociedade moderna. (FELISMINO et al., 2014, p. 81).
2 William Seward Burroughs foi um escritor, pintor e crítico social norte americano.
42
Michel Foucault, embora não tenha definido ou conceituado a sociedade
de controle, contextualizou, antes de sua morte, em 1984, vários pontos que
convergiriam para codificação social do controle, elaborada por Gilles Deleuze.
Quando a disciplina tende ao infinito, o Panóptico assume uma constituição
mais etérea, encontrando respaldo na sua própria introjeção e na sua
assimilação pelas novas tecnologias.
O ponto ideal da penalidade hoje seria a disciplina infinita: um interrogatório sem termo. Um inquérito que se prolongasse sem limite numa observação minuciosa e cada vez mais analítica, um julgamento que seja ao mesmo tempo a constituição de um processo nunca encerrado, o amolecimento calculado de uma pena ligada à curiosidade implacável de um exame, um procedimento que seja ao mesmo tempo a medida permanente de um desvio em relação a uma norma inacessível e o movimento assintótico que obriga a encontrá-la no infinito. (FOUCAULT, 2002, p. 187).
Felismino (et al., 2014, p. 81) destaca que “os mecanismos de vigilância
aprimoraram-se e passaram de um caráter institucional para o de uma
vigilância geral”. Aguero (2008, p. 36) acrescenta que, herdado da sociedade
disciplinar, “o princípio da docilidade continua, no entanto, o mesmo, pois os
indivíduos entregam voluntariamente seus dados à vigilância.
Deleuze (1992b. p. 216) esclarece que, apesar de iniciada após o
período de guerras, ainda “estamos entrando nas sociedades de controle, que
funcionam não mais por confinamento, mas por controle contínuo e
comunicação instantânea”.
A proliferação de câmeras de vídeo em muitos espaços sociais, o uso de transponders, de aparelhos celulares, cartões de crédito e da comunicação pela Internet facilitaram o exercício de mecanismos de vigilância e controle cada vez mais eficientes. Embora esse paradigma de sociedade possa ser compreendido como uma derivação da sociedade disciplinar foucaultiana, dela se diferencia quando o controle passa de uma esfera local, dos espaços fechados das instituições, para todos os campos da vida social. Nas sociedades disciplinares o poder disciplinador, simbolizado pela arquitetura do panóptico, presentificava-se no interior das Instituições, como as prisões, os hospitais, as escolas, os quartéis, com o objetivo de instaurar a disciplina e, consequentemente, um padrão comportamental rotineiro. No modelo social de Deleuze, o controle passa do âmbito local – restrito à extensão dos olhos e do ouvido humanos – para um âmbito supra-local, estendendo-se para todos os espaços da vida pública. Não há mais um espaço restrito para que o poder se faça sentir; pelo contrário, ele se faz presente em todos os lugares. Por conseguinte, é mais perverso, mais controlador, porque se sustenta no aparato das novas tecnologias de informação. O símbolo do controle agora não é mais o panóptico, mas a web, a rede
43
digital de comunicação mundial, que concentra toda a informação dos indivíduos em bancos de dados. (FELISMINO et al., 2014, p. 81).
Deleuze (2006, p. 224) concretiza as tendências foucaultianas, definindo
e observando que, “o controle é de curto prazo e de rotação rápida, mas
também contínuo e ilimitado, ao passo que a disciplina era de longa duração,
infinitamente descontinua. O homem não é mais o homem confinado, mas o
homem endividado”.
Para Deleuze, entretanto, o homem confinado da sociedade disciplinar passou a ser o homem endividado, na sociedade de controle. Para o teórico, do confinamento ao endividamento, os mecanismos de sujeição permaneceram os mesmos. O endividamento do trabalhador, na contemporaneidade, caracteriza-se como a mais nova forma de internamento dos sujeitos, agora controlados pelo poder de forma mais sutil. (AGUERO, 2008, p. 36).
Se o confinamento cede lugar à dívida, uma vez que, segundo Grimm (et
al. 2009, p. 58), “o sistema fechado de confinamento vai sendo substituído por
sistemas abertos”, torna-se importante ressaltar que na sociedade de controle
as instituições “cumprem um papel diverso daquele que cumpriam na
Sociedade Disciplinar, sem, todavia, prescindir das tecnologias dessa última,
apesar de exacerbar outras, inovam e aperfeiçoam os aparatos tecnológicos”.
(GRIMM et al. 2009, p. 58). Dessa forma, “a sociedade de controle não destrói
o que a antecedeu: redimensiona o domínio de maneira mais sutil”.
(PASSETTI, 2004, p. 154).
O investimento da sociedade de controle já não se restringe, como na
sociedade disciplinar, à formação do sujeito docilizado e proveitoso. Seu
interesse, segundo Passetti (2003, p. 31), além da extração maximizada de
energias inteligentes, é “fazer participar, criar condições para cada um se sentir
atuando e decidindo no interior das políticas de governos, em organizações
não governamentais e na construção de uma economia eletrônica”.
Nessa sociedade, não basta a formação do sujeito disciplinado, obediente e útil, acrescenta-se a formação do sujeito participativo, ético, crítico, democrático e autônomo. É uma sociedade em constante reforma, atravessada por direitos, onde o exercício de controlar está generalizado, em cada um de nós há um policial. Todos controlam todos, são controlados e realizam seu próprio controle. (GRIMM et al., 2009, p. 58).
O exercício generalizado de controle e autocontrole estabelece uma
diferença marcante entre os sujeitos das sociedades de disciplina e de
44
controle: “o homem da disciplina era um produtor descontínuo de energia, mas
o homem do controle é antes ondulatório, funcionando em órbita, num feixe
contínuo”. (DELEUZE, 2006, p. 223).
Dessa forma, o controle, da disciplina para a sociedade de controle, se
desloca da esfera local, circunscrito à capacidade sensorial do próprio humano,
para uma esfera social difusa, espargida, e se desdobra, assim como um gás,
para toda a extensão da existência social. Aguero (2008, p. 35-36), com base
em Deleuze, assevera que, dessa forma, “não há mais um espaço restrito para
que o poder se faça sentir; pelo contrário, ele se faz presente em todos os
lugares. Por conseguinte, é mais perverso, mais controlador, porque se
sustenta no aparato das novas tecnologias de informação”.
Deslocamos do modelo panóptico para um modelo do tipo sinóptico: agora são muitos os que observam poucos, os espetáculos tomam o lugar da supervisão e a obediência aos padrões tende a ser alcançada pela tentação e pela sedução, e não mais pela coerção, aparecendo sob o disfarce do livre-arbítrio, em vez de revelar-se como força externa. (PRATA, 2005, p. 112).
O controle atinge ideologicamente um de seus ápices na sociedade de
controle quando “aperfeiçoado pelo auxílio da tecnologia e pelo uso de
equipamentos minúsculos, quase imperceptíveis ao olhar humano, torna-se
habitual no cotidiano das sociedades”. (AGUERO, 2008, p. 36).
Dessa maneira, o controle, veladamente, passa integrar o cabedal da
normalidade social, neutralizando possibilidades de sua percepção como
agente de poder e se passando como alternativa de manifestação ubjetiva de
liberdade. Aguero (2008, p. 36) identifica que “o controle acaba sendo
interiorizado pelos indivíduos, como necessário e absolutamente vital”,
definindo novos paradigmas sociais.
[...] a sociedade disciplinar é aquela na qual o comando social é construído mediante uma rede difusa de dispositivos ou aparelhos que produzem e regulam os costumes, os hábitos e as práticas produtivas. [Na sociedade de controle] os mecanismos de comando [são] distribuídos por corpos e cérebros dos cidadãos. Os comportamentos de integração e de exclusão próprios do mando são, assim, cada vez mais interiorizados nos próprios súditos. O poder agora é exercido mediante máquinas que organizam diretamente o cérebro (em sistemas de bem-estar, atividades monitoradas, etc.) no objetivo de um estado de alienação independente do sentido da vida e do desejo de criatividade. (NEGRI et al., 2001, p. 42–43).
45
A tecnologia da informação passa a abrigar os mecanismos de vigilância
e controle da nova sociedade. “Os muros que caracterizavam a sociedade
disciplinar caem e o poder controlador se dissolve em todos os espaços,
operando agora de maneira mais sutil, porque é quase imperceptível ao olhar
comum”. (AGUERO, 2008, p. 36-37).
Deleuze (1992) esclarece, acerca desse poder controlador sutilizado, a
diferença entre controle e disciplina:
O controle não é uma disciplina. Com uma estrada não se enclausuram pessoas, mas, ao fazer estradas, multiplicam-se os meios de controle. Não digo que esse seja o único objetivo das estradas, mas as pessoas podem trafegar até o infinito e “livremente”, sem a mínima clausura, e serem perfeitamente controladas. Esse é o nosso futuro. (DELEUZE, 1992, p.5).
A sensação de liberdade e de escolha é fundamental e vital para que os
mecanismos de poder calcados no controle agreguem legitimidade a suas
engrenagens. A própria luta ideológica e econômica pelo acesso aos meios
tecnológicos, pelos quais o poder exercerá seu controle, faz parte dessa
dinâmica senoidal.
Assim como o controle se introjeta no sujeito, que passa a ser um reflexo
panóptico perpétuo de vigilância de tudo ao seu redor, e não há mais um
rodízio de panópticos de instituição para instituição às quais o sujeito se
submetia, Deleuze (1992b, p. 221) discerne que “nas sociedades de disciplina
não se parava de recomeçar (da escola à caserna, da caserna à fábrica),
enquanto nas sociedades de controle nunca se termina nada”.
A incompletude, reafirmando a “incerteza assentada no aperfeiçoamento
do inacabado” (PASSETTI, 2004, p. 154), se configura como a mola propulsora
da continuidade, e, portanto, do controle espargido e acondicionado
subjetivamente.
No regime do controle, não se deve ter nada acabado, mas, ao contrário. ele se fortalece por meio da noção de inacabado, convocando todos a participar ativamente da busca por maior produtividade e confiança na integração, Não se pretende mais docilizar, apenas criar dispositivos diplomáticos de construção de bens materiais e imateriais que contemplem a adesão de lodos. (PASSETTI, 2002, p.134-135).
Na sociedade de controle as práticas disciplinares “são redimensionadas
segundo fluxos, abolindo as fronteiras conhecidas, pela desterritorialização
46
constante, liberando o trabalhador do confinamento territorial rígido”.
(PASSETTI, 2004, p. 153).
Liberado do confinamento, o sujeito é convidado a transitar e a participar
da mais livremente da sociedade. Esse convite é, na verdade, uma convocação
à vigilância, que, para Passetti (2004, p. 154), “pretende manter hierarquias
dissolvendo as resistências, naturalizando as relações de poder como
inevitáveis domínios e perpetuar assujeitamentos mediante novos processos
de subjetivação”.
A sociedade de controle sugere, analisa Passetti (2004, p. 154), que
“não há mais lugar para se trabalhar, tudo ficou móvel, em fluxos pelos
itinerários da sociedade de controle”. “O homem da disciplina era um produtor
descontínuo de energia, mas o homem do controle é antes ondulatório,
funcionando em órbita, num feixe contínuo”. (DELEUZE, 1992, p. 3).
O controle e a vigilância se descentralizaram, se difundiram a tal ponto
que “agora a coisa é pessoal, implica auto-censura, elogio às condutas,
reconhecimento dos organizados, culto à ética da responsabilidade como o
politicamente correto” (PASSETTI, 2004, p. 156). Não há como escapar do
panóptico difuso e onipresente da sociedade de controle.
Passetti (2004, p. 159) define o sujeito introjetado na sociedade de
controle em seu comportamento, seja em casa, seja no trabalho ou no
ambiente educacional, como “silenciosos e solitários eles navegam pela
Internet, trabalhando e se divertindo, estudando e conversando, produzindo e
participando, vigiando e assegurando protocolos confiáveis”.
Definitivamente, ocorre uma transição assimilatória modular do poder.
De acordo com Siqueira-Batista (et al., 2007, p. 1189), “a nova faceta é clara: o
molde (família, escola, caserna, molde, hospital, prisão) é substituído pela
modulação (a empresa, o mercado), uma moldagem auto-deformante que
muda a cada instante”. Mais uma vez, entra em voga a questão da
incompletude permanente, subsídios fundamentais que facilitam a modulação
de controle em detrimento do amoldamento disciplinar.
Os controles, diz Deleuze, não são mais moldes, mas modulações - à maneira, por assim dizer, de um molde autodeformante, que pode mudar continuamente, de um instante para outro, de um lugar para outro. Por exemplo: enquanto a fábrica conhecia um salário básico e
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benefícios claramente codificados, a empresa moderna se esforça para impor uma modulação contínua de cada salário, que, em estado de perpétua instabilidade, passa por desafios, concursos, bônus por mérito etc. Ou ainda: enquanto na fábrica o trabalhador não cessava de recomeçar um mesmo trabalho (com variações em torno do "trabalho real"), na empresa moderna nunca se arremata coisa alguma: tudo muda, modula-se e remodula permanentemente, tanto o conteúdo do trabalho como as metas ou as aquisições cognitivas do indivíduo. (ZARIFIAN, 2002, p. 24-25).
Deleuze (1992, p. 2), em seu Post scriptum sobre as sociedades de
controle esclarece que “os confinamentos são moldes, distintas moldagens,
mas os controles são uma modulação, como uma moldagem auto-deformante
que mudasse continuamente, a cada instante, ou como uma peneira cujas
malhas mudassem de um ponto a outro”.
A modulação, derivada da difusa responsabilidade do dever-poder de
vigiar e controlar, juntamente com a incompletude seqüenciada formam um
contínuo de pseudo-liberdade que permeiam o controle das instituições para os
sujeitos e vice-versa.
Deleuze (1992, p. 1), ao apontar a condenação de instituições
disciplinares, como a escola, a indústria, o hospital, o exército, a prisão,
presume que, resultando no fracasso de tais instituições, a transição que
vivemos se trata “apenas de gerir sua agonia [das instituições] e ocupar as
pessoas, até a instalação das novas forças que se anunciam. São as
sociedades de controle que estão substituindo as sociedades disciplinares”.
Observamos, pois, que a instalação do controle sobre a disciplina é um
processo, que não está concluído.
Segundo Deleuze (1992), o modelo da sociedade disciplinar pode ser questionado, pois os meios de confinamento, tais como a prisão, o hospital, a fábrica, a escola e a família, encontram-se, na atualidade, numa crise generalizada. Para o autor, são as sociedades de controle que substituem a disciplina, pois nas sociedades disciplinares não se parava de recomeçar, enquanto nas sociedades de controle nunca se termina nada. Assim como a empresa vem substituir a fábrica, a formação permanente tende a substituir a escola, e o controle contínuo, o exame. (PRATA, 2005, p. 111).
Prata (2005) discorre acerca da empresa, em detrimento da fábrica,
assim como ocorre a modulação, em detrimento do amoldamento, e o controle
difundido e assimilado, em detrimento do panóptico.
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No que tange à educação, tomando por comparação a modulação
empresarial, Deleuze (1992, p. 2) defende que “o princípio modulador do
‘salário por mérito’ tenta a própria Educação nacional: com efeito, assim como
a empresa substitui a fábrica, a formação permanente tende a substituir a
escola, e o controle contínuo substitui o exame”. Dessa forma, a escola é
alienada à condição de empresa, sem perspectivas de reação.
No regime das escolas: as formas de controle contínuo, avaliação contínua, e a ação da formação permanente sobre a escola, o abandono correspondente de qualquer pesquisa na Universidade, a introdução da "empresa" em todos os níveis de escolaridade. (...) Muitos jovens pedem estranhamente para serem "motivados", e solicitam novos estágios e formação permanente; cabe a eles descobrir a que estão sendo levados a servir, assim como seus antecessores descobriram, não sem dor, a finalidade das disciplinas. (DELEUZE, 1992, p. 4).
A sociedade de controle se configura, pois, de tal forma, que a disciplina
se internaliza e o dever-poder de controle se difunde.
A instituição escola, que, como conhecemos, nasce no princípio da
sociedade disciplinar, atravessa toda a sua vigência, adentra pela sociedade de
controle e, numa controvérsia tendencial, ainda como confinamento, se torna
uma contraditória representante moldadora dos primórdios da disciplina nos
modulados sujeitos constituintes do controle.
2.3) SALA DE AULA: UMA CÁPSULA DO TEMPO
Imediatamente depois do Maternal, a criança de seis anos é ”parafusada” numa cadeira dura para estudar palavrório durante horas e horas. Será por acaso, que a criança em desenvolvimento, essa força da natureza, essa curiosa exploradora aventureira, é mantida imóvel, petrificada, confinada, reduzida à contemplação das paredes enquanto o sol brilha lá fora, obrigada a prender a bexiga e os intestinos, 6 horas por dia, exceto por alguns minutos de recreio, durante 7 anos ou mais? Haverá maneira melhor de aprender a submissão? Isso penetra por músculos, sentidos, tripas, nervos e neurônios... Trata-se de uma verdadeira lição de totalitarismo. A posição sentada é reconhecidamente nefasta para a postura e para a circulação, e, no entanto, eis nosso homem ocidental com problemas de coluna, as veias esclerosadas, os pulmões retraídos, hemorróidas e nádegas achatadas... Faz um século que vemos as crianças arrastando os pés embaixo das carteiras, entortando o corpo e pulando como rãs quando a sineta bate (sem falar nos 20% de escolioses). Esse tipo de manifestação é atribuído à turbulência
49
infantil: nunca à imobilidade insuportável imposta às crianças – a culpa é sempre da própria vítima. Não. Não é um acaso. É um plano. Um plano desconhecido para os que o cumprem. Trata-se de domas. Domesticar fisicamente essa máquina fantástica de desejos e prazeres que é a criança. (ROCHEFORT, 1976 in HARPER et al., 1987, p. 47).
A escola, como conhecemos, foi cunhada nos primórdios da sociedade
disciplinar. É uma instituição de moldes. Modela os alunos para que se ajustem
aos parâmetros sociais aos quais as dinâmicas de ensino comungam.
Dentro da instituição escola e das suas inúmeras estruturas de ilusão e
poder, encontramos a estrutura institucional final, denominada sala de aula.
É na sala de aula que se dá a maior parte da interação entre professor e
aluno, e onde, pressupõe-se, ocorre o processo que denominamos ensino-
aprendizagem.
A figura do professor, ainda hoje, respalda-se no esboço censor, rígido,
inquestionável, moldador da personalidade e coercitivo de identidade no
mesmo molde docente instituído na disciplina.
A escolarização, propositalmente iniciada prematuramente, é uma das
principais responsáveis pela desflexibilização e amoldamento do sujeito para
as rígidas regras sociais que constituem as dinâmicas de poder. Stirner (2001,
p. 62) classifica como fundamental o problema da escola, quando escreve que
“o que importa, portanto, de início, é o que fizeram de nós na idade em que
ainda somos maleáveis; o problema da escola é um problema vital”.
Enquanto sujeito formador e, infelizmente, moldador, o professor “passa
a estar presente em todas as fases do desenvolvimento cognitivo do sujeito: na
infância, na adolescência, e na fase adulta”. (BORCELLI, 2013, p. 67).
Ainda hoje a figura do professor, que carrega a falsa premissa de
inquestionabilidade, é sinônimo do portador legítimo da verdade. A verdade,
construção social das dinâmicas de poder, por sua vez, é a autêntica
construtora da realidade.
Cada sociedade tem um regime de verdade, sua “política geral” de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como “verdadeiro” (FOUCAULT, 1985, p. 12).
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A verdade, portanto, ainda portada pelo professor da sociedade de
controle, na qual, plenamente instituída, vivemos nos dias atuais, possui
características pareadas e muito similares às da sociedade da disciplina, uma
vez que o professor também se caracteriza como uma instituição, visto que é
causa e consequência de uma enorme sucessão de amoldamentos.
Apesar da difusão da vigilância e da disciplina na sociedade de controle,
a sala de aula permanece como um ambiente disciplinar, onde estabelecemos
um paralelo entre a instituição professor e o panóptico da sociedade disciplinar.
Embora o panóptico tenha se tornado obsoleto, o professor absorveu a função
panóptica dentro da sala de aula, favorecendo a conversão da sala de aula em
uma verdadeira cápsula do tempo.
As formas de poder exercidas na disciplina podem ser exemplificadas pelo modelo ortopédico do Panopticon, que foi definido inicialmente por Jeremy Bentham. O Panopticon era um edifício em forma de anel, com um pátio no meio do qual havia uma torre central, com um vigilante. Esse anel dividia-se em pequenas celas que davam tanto para o interior quanto para o exterior, permitindo que o olhar do vigilante as atravessasse. Essa forma arquitetônica das instituições valia para as escolas, hospitais, prisões, fábricas, hospícios. O Panopticon era um espaço fechado, recortado e vigiado em todos os seus pontos. Nele os indivíduos estavam inseridos num lugar fixo, com os menores movimentos e acontecimentos controlados. O poder era exercido segundo uma figura hierárquica contínua, no qual cada um podia ser constantemente localizado, examinado e distribuído. Nessa perspectiva, a forma de poder exercida no panoptismo repousou, sobretudo no exame. (PRATA, 2005, p. 109).
O professor é o agente examinador, portador das sanções e da análise
disciplinar, nessa cápsula do tempo denominada sala de aula. A prova, ou o
exame é o completo representante concretizado do controle disciplinar.
O exame combina as técnicas da hierarquia que vigia e as da sanção que normaliza. É um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir. Estabelece sobre os indivíduos uma visibilidade através da qual eles são diferenciados e sancionados. É por isso que em todos os dispositivos de disciplina o exame é altamente ritualizado. Nele vêm-se reunir a cerimônia do poder e a forma da experiência, a demonstração da força e o estabelecimento da verdade. No coração dos processos de disciplina, ele manifesta a sujeição dos que são percebidos como objetos e a objetivação dos que se sujeitam. A superposição das relações de poder e das de saber assume no exame todo o seu brilho visível. (FOUCAULT, 1977, p. 164-165).
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A escola encontra no exame a blindagem temporal que assume, ao
mesmo tempo, um mecanismo de manutenção de poder e um dispositivo de
moldagem subjetivo sem precedentes. .
As provas, os trabalhos com notas sucedem-se num ritmo alucinante. Para a grande maioria são causa de tensão e inquietação, ampliadas muitas vezes pela tensão e inquietação dos pais, que superpõe ao sistema de notas de um sistema próprio de punições e recompensas. (HARPER et al., 1987, p. 56).
A manutenção do poder e a moldagem subjetivadora, dispostos por
professores e por dispositivos disciplinares, são engrenagens de conservação
e de sustentação da diferenciação de classes sociais, embora possua um
sofismático discurso de homogeneização contraditório à sua perspectiva de
ação institucional.
Diferenças, distinções, desigualdades... A escola entende disso. Na verdade, a escola produz isso. Desde seus inícios, a instituição escolar exerceu uma ação distintiva. Ela se incumbiu de separar os sujeitos, tornando aqueles que nela entravam distintos dos outros, os que a ela tinham acesso. Ela dividiu também, internamente, os que lá estavam, através de múltiplos mecanismos de classificação, ordenamento, hierarquização [...]. (LOURO, 1997, p. 57).
A escola é, portanto, por excelência, uma instituição disciplinar que
atravessa o tempo, invadindo a sociedade de controle, imutável, moldada
reificando a disciplina, a vigilância e a punição, gerando um anacronismo que
permanece funcionando como um aparelho de manutenção das diferenças e
forçando moldes em sujeitos de uma geração que nasceu em um sistema
social de modulação, suscitando, dessa forma, um profundo desconforto e uma
projeção de autofalência institucional e institucionalizando a falência social
subjetiva de seus internados, em natureza, modulados, tentando adaptá-los a
uma sociedade de moldes que já não existe mais.
A educação, desde os primórdios da institucionalização da disciplina, se
configurou como o fundamental ambiente moldador da vida das crianças. Airès
(1978, p. 11) denominou essa autoridade institucional coercitiva de quarentena,
onde se principia um “longo processo de enclausuramento das crianças (como
dos loucos, dos pobres e das prostitutas) que se estende até os nossos dias, e
ao qual se dá o nome de escolarização”.
Sarmento, com relação à disciplina, explica que as escolas impõem o que chamam de “ofício de criança”. É um universo próprio de normas que servem para organizar o desempenho social das crianças, onde
52
são conduzidos processos de socialização vertical, imposição de normas, idéias, crenças e valores que são predominantemente construídos sob o ponto de vista do adulto. (PIRES, 2007, p. 315).
Assim, “o conceito sociológico atual de infância se constrói a partir da
formação de um corpo de especialistas, da institucionalização da escola, bem
como do desenvolvimento de teorias e de técnicas específicas para lidar com
as crianças”. (PIRES, 2007, p. 315).
Ocorre, pois, com a constituição de tal corpo, em nossa atual sociedade
de controle, o aprimoramento do abismo entre aluno e professor, entre criança
e adulto, postulados na sociedade disciplinar. Pires (2007, p. 315) aponta que a
formação desse corpo de especialistas sobre a criança “é um aspecto
relevante, uma vez que aumenta o risco da ocorrência de uma separação mais
evidente entre crianças e adultos. Já que há alguém que sabe tanto sobre ela,
para que escutá-la diretamente?”.
Pires (2007, p. 315) ainda considera que “as crianças foram pensadas e
reguladas, na modernidade, a partir de um conjunto de interdições e de
prescrições que sucessivamente negam ações, capacidades ou poderes às
crianças”. Assim, restituem o processo disciplinar de controle, vigilância e
punição, estruturados na sociedade da disciplina, embora, hoje, na sociedade
de controle, esse processo vise “sobretudo inseri-las em processos de controle
e regulação cada vez mais sofisticados, porque invisíveis e consentidos”.
BUJES (2000, p. 28).
A instituição escola, muito bem representada pela sala de aula,
permanece coagindo e vigiando o corpo da criança, bem como seu
comportamento, mais uma vez evocando a disciplina no controle.
Encontra-se um quê de silêncio, de separação, de isolamento, e também de invisibilidade. A criança é muda; em sua individualidade, é espectador silencioso; é silenciada em sua voz, que, pelo suposto moderno, não saberá falar por si. A criança dita pela razão moderna foi desencantada; sem dúvida. Foi secularizada e institucionalizada. (...) Ao separar a criança do universo adulto, a modernidade cria a infância como uma mônada - unidade substancial ativa e individual; presente, no limite, em todos os seres infantis da espécie humana: sempre a mesma; sempre igual, inquebrantável, inamovível, irredutível - um mínimo denominador comum. Não falamos mais das crianças, e sim da infância. (BOTO, 2002, p. 57).
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Como resultado, institucionaliza-se a criança em infância. Mais uma
tentativa de congelar em molde a modulação na qual os sujeitos da sociedade
do controle surgiram. O molde facilita o consumo, que se baseia em estruturas
de poder capitalistas também arraigadas na sociedade disciplinar.
A seriação escolar interliga-se com produtos de consumo e com a idade
cronológica da criança, fortificando sua institucionalização, aplicando os moldes
da vigilância e da punição, interligados com a normalização social do controle.
Toda essa dinâmica gera demandas e necessidades que vêm a se confluir com
a necessidade de gerenciamento e de mais controle, mais vigilância e mais
especialização, reificando a sociedade disciplinar dentro da sala de aula, sua
fronteira com a sociedade de controle.
Na sociedade ocidental, foi se difundindo a percepção de que a criança não estava madura para a vida e que era um ser do futuro. Conseqüentemente, surgiu a compreensão de que as crianças precisavam de um regime especial de preparação para o ingresso na vida adulta, o que auxiliou e agilizou o estabelecimento desse sistema de aprendizagem. Pouco a pouco, a partir do século XVIII até os dias atuais, foi se estabelecendo uma relação entre a idade das crianças e a série escolar que deveriam estar cursando. A ênfase no critério cronológico para a passagem à vida adulta teve os seus primeiros momentos na confluência desse fenômeno com o surgimento da necessidade do gerenciamento da vida sob o ponto de vista jurídico. (...) A necessidade de individuação das pessoas para efeito do exercício de seus direitos coexiste com um forte controle social que oferece fortes sugestões no sentido de promover imposição relativamente padronizada de crenças e valores. (PIRES, 2007, p. 317).
Observamos, pois, que se gerencia a vida da sociedade através do
molde que se aplica às crianças. Tal molde se constitui de crenças e valores
sociais artificiais, plastificados para dirigir o poder e dinamizar as estruturas de
vigilância e punição, vitalizando artificialmente atributos de uma sociedade em
outra.
A exposição da criança à escola, dentro dessa cápsula do tempo,
denominada sala de aula, dirige significados e estabelece valores, retardando a
capacidade modulatória do sujeito da sociedade de controle.
A par do processo de individuação e durante o decorrer do século XX, o tempo que a criança passava na escola foi aumentando, assim como também foi incrementada a quantidade de anos que, obrigatoriamente, alguém deveria freqüentar o ensino fundamental. Recentemente, no Brasil, aumentou-se de oito para nove os anos escolares obrigatórios. Este contexto, no qual as crianças passam, no
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mínimo, cinco horas diárias é ideal para a condução de estratégias de disciplina e construção dirigida de significados. (PIRES, 2007, p. 317).
A escola descontextualiza a criança de sua época. Em um momento
está numa sociedade modulada. Ao cruzar as portas da sala de aula,
retrocede, instantaneamente, um século ou mais. Os significados são
construídos com o contexto cultural contemporâneo, entretanto, a metodologia
e as dinâmicas de poder reambientam na esfera panóptica a criança.
Cria-se um misto de molde e modulação na criança. Mais
especificamente uma limitação modular, tal qual a porta da sala de aula.
Modula-se, pois, limitadamente à ideologia coercitiva da disciplina, impedindo-
se a natureza social contemporânea de se manifestar.
Restringindo um pouco mais os elementos interacionais da sala de aula,
encontramos, na relação professor-aluno, a estrutura social e a acadêmica.
São dois os elementos identificados como essenciais na construção dos contextos de interação na sala de aula. Por um lado a estruturação de participação, ou estrutura social, que se refere ao que se espera que seja feito pelo professor e pelos alunos, a seus direitos e obrigações no transcurso das atividades (quem pode fazer ou dirigir algo, o quê, quando, como, com quem, onde, com que objetivo). Por outro, a estrutura de conteúdo ou estrutura acadêmica, que se refere ao conteúdo da atividade escolar e à sua organização. (COLL et al., 1996, p. 295).
Observamos, nas dinâmicas de sala de aula, que ambas as estruturas
são ainda regidas por princípios moldados na disciplina, na tradição e na
autoridade pedagógica com cerca de dois séculos de instituição. Contudo,
observamos algumas tentativas, com pouco ou nenhum sucesso, de se
transpassar a tradição institucional pedagógica moldada na sociedade
disciplinar.
Considerando-se a estruturação da participação, pode-se constatar que, nas práticas tradicionais de ensino, as configurações interativas se dão, quase exclusivamente, entre o professor e a classe e, em menor freqüência, entre o professor e alunos específicos. Neste contexto, as interações sociais entre os alunos são geralmente vistas como um obstáculo, um indicador de indisciplina que, muitas vezes, os professores utilizam como justificativa para manter um padrão ritualístico de prática pedagógica. O desafio do PRODIP3, de articular conteúdo e participação, foi, em parte, encaminhado através da
3 Programa de Desenvolvimento Interpessoal Profissional: “O PRODIP objetivou instrumentalizar o professor em habilidades e estratégias de ensino que, conforme os pressupostos do sócio-interacionismo e do construtivismo, buscam explorar as interações sociais com e entre os alunos no sentido de maximizar a aprendizagem e o desenvolvimento dos mesmos”. (DEL PRETTE et al., 1998, p. 3).
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promoção de ações organizativas do professor, tais como: a explicitação dos objetivos e das condições gerais da atividade, o estabelecimento de motivação e incentivo, a atenção a comportamentos orientados para a tarefa, etc. Esperava-se que uma maior competência na estruturação de atividades pudesse reduzir a resistência do professor em alterar as configurações interativas tradicionais (professor-aluno e professor-classe) na direção de configurações interativas entre os alunos, díades ou grupos. (...) Quanto à estruturação do conteúdo, os contextos tradicionais de ensino situam, geralmente, o professor como transmissor e o aluno como um receptor de quem se exige apenas atenção, silêncio e o cumprimento das tarefas. Neste tipo de prática pedagógica, a participação do aluno, essencialmente passiva, deixa uma margem muito limitada à atividade auto-estruturante de elaboração pessoal dos conteúdos. (DEL PRETTE et al., 1998, p. 4).
É inegável que a estrutura social e a estrutura acadêmica se influenciam
mutuamente. A estruturação de conteúdo que, segundo Del Prette (et al., 1998,
p. 4), situa o “professor como transmissor e o aluno como um receptor de quem
se exige apenas atenção, silêncio e o cumprimento das tarefas” força uma
semiótica comunicacional artificial, irrealizável, conforme analisamos no
segundo item do primeiro capítulo deste trabalho.
Tal estruturação acadêmica irremediavelmente desmonta qualquer
sucesso na estrutura social da sala de aula. Evoca-se, do ponto de vista do
professor, a Teoria da Agulha Hipodérmica, em sua concepção mais ingênua.
Do ponto de vista do aluno, a situação é ainda muito mais grave: não ocorre
comunicação. A instituição, para agravar ainda mais a estrutura, confronta
sujeitos moldados discursalmente empoderados com sujeitos modulares
subjugados e destituídos do repertório cultural necessário para que ocorra a
comunicação entre ambos.
Além do descarrilamento comunicacional, a sala de aula de hoje, assim
como no século XVIII, desestimula a criatividade e o protagonismo do alunado.
Conhecer não é criar. É assimilar o que já foi estabelecido para a padronização
subjetiva em moldes.
Esta visão moderna do conhecimento, esta epistemologia da verdade única afetou todos os aspectos da vida ocidental, todas as instituições. (...) As escolas da era pós-iluminista enfatizaram não a produção do conhecimento, mas a aprendizagem daquilo que já havia sido definido como conhecimento. (KINCHELOE, 1997, p. 13).
Da era pós-iluminista aos dias atuais, a sala de aula se manteve
instituída nos mesmos moldes. Torna-se, nos dias de hoje, improvável algum
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sucesso na relação ensino-aprendizagem, pois, “afinal, somos ‘seres do nosso
tempo’, a maior parte dos educadores de hoje vivenciou uma escolarização
tradicional, muitas vezes mecânica e esvaziada de sentidos”. (ABED, 2014, p.
8).
Tais palavras de Abed (2014, p. 8) não remontam a um recorte de
período ou a um ponto exato na história, mas a um ciclo, que se repete de
geração em geração, determinando alunos insatisfeitos, problemas na
aprendizagem e professores anacrônicos, formados com cerca de dois séculos
de defasagem.
Nos séculos XVIII e XIX as escolas modelavam para a indústria, em
conseqüência, para o capitalismo e para o consumo, embora estivessem
revestidas de uma cínica ideologia de aprimoramento subjetivo e social, assim
como hoje.
“O instrumento idôneo era a escola. Não que as escolas tivessem sido criadas necessariamente com este propósito, nem que já não pudessem ou fossem deixar de cumprir outras funções: simplesmente estavam lá e se podia tirar bom partido delas (...). O acento deslocou-se então da educação religiosa e, em geral, do doutrinamento ideológico, para a disciplina material, para a organização da experiência escolar de forma que gerasse nos jovens os hábitos, as formas de comportamento, as disposições e os traços de caráter mais adequados para indústria.” (ENGUITA apud VAGO, 1992, p.62).
Paulo Freire (1980, p. 29) sugere que “a conscientização é o olhar mais
critico possível da realidade, que a ‘desvela’ para conhecê-la e para conhecer
os mitos que enganam e que ajudam a manter a realidade da estrutura
dominante”.
A manutenção dessa estrutura dominante, que aponta Paulo Freire,
depende primordialmente dos mecanismos da reificação da instituição sala de
aula nos moldes da disciplina. Um olhar crítico sobre a realidade implica em
liberdade de busca, contextualização de conteúdo, modulação de informações
e uma comunicação que verdadeiramente se efetive. Esse olhar crítico
colocaria em xeque a supremacia pedagógica instituída e suas relações de
poder.
A manutenção do desinteresse dos alunos é condição para a
manutenção da disciplinar cápsula do tempo, denominada sala de aula, e de
sua instituição protetora: a escola.
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É necessário que se reconheça que este conteúdo artificial e gratuito da maioria das lições escolares é uma das causas de desinteresse e falta de atenção por parte dos alunos. Por outro lado, essa distância entre o ensino e a realidade vai sendo interiorizada, de tal maneira pelas crianças, que elas passam a renunciar a fazer por si próprias as poucas ligações possíveis entre a escola e a vida. (FREIRE, 1997, p. 63).
Houvesse facilidade de se conectar a escola e a vida, não seria a sala
de aula uma cápsula do tempo, onde, ao se transpor uma porta, retroage-se
dois séculos de história e de desenvolvimento.
Contudo, nem sempre foi assim. Contraditoriamente, a ausência da
instituição escola aproximava os saberes da própria vida.
Antigamente existiam sociedades sem escola. (...) Na sociedade africana pré-colonial, educar-se era viver a vida do dia-a-dia da comunidade, plantar, escutar da boca dos velhos as estórias da tradição oral, participar nas cerimônias coletivas. A prática educativa consistia na aquisição de instrumentos de trabalho e na interiorização de valores e comportamentos, enquanto o meio ambiente em seu conjunto era um contexto permanente de formação. (HARPER et al., 1987, p. 23).
Assim como na sociedade de controle, a formação permanente era uma
característica da sociedade africana pré-colonial européia, do século XIV, com
a diferença de contextualização de conteúdo que não ocorre na atualidade.
“Não havia professores. Todo adulto ensinava. Aprendia-se a partir da própria
experiência e da própria experiência dos outros. Aprendia-se fazendo, o que
tornava inseparáveis o saber, a vida e o trabalho”. (HARPER et al., 1987, p.
25).
O saber, enquanto educação, passou a ser institucionalizado na Europa,
na Idade Média, calcando o modelo de escola e de sala de aula, que temos até
os dias atuais.
Foi somente a partir da Idade Média que, na Europa, a EDUCACÃO se tornou PRODUTO DA ESCOLA e um conjunto de pessoas (em sua maioria, religiosos) especializou-se na transmissão do saber. A atividade de ensinar passou então a desenvolver-se em espaços específicos, cuidadosamente isolados do mundo dos adultos e sem qualquer relação com a vida de todo dia. (HARPER et al., 1987, p. 26).
Ainda assim, essa escola não era direcionada a todos. Harper (et al.,
1987, p. 27) acrescenta que “durante séculos, este tipo de escola ficou
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reservado às elites. Serviu em primeiro lugar aos nobres, passando depois a
atender à burguesia.”
Com efeito, esse atendimento à burguesia já anunciava a ideologia da
escola que alinhavava o final da sociedade de soberania, embasando a
sociedade da disciplina e seu sistema de idéias e moldes. Ao atender somente
à nobreza, a sociedade da disciplina não teria recursos para preparar e moldar
sujeitos para a indústria, prontos para serem vigiados, controlados e punidos.
“(...) a burguesia dominante começou também a perceber a necessidade de um mínimo de instrução para a massa trabalhadora que se aglomerava nos grandes centros industriais. Os “ignorantes” deveriam socializar-se, isto é, deveriam ser “educados” para tornarem-se bons cidadãos e trabalhadores disciplinados. (HARPER et al., 1987, p. 29).
Daquele tempo para os dias de hoje, pouca coisa efetivamente mudou.
Houve algumas adaptações na escola para que não se tornasse uma
instituição inviável, sem, contudo, congelar o tempo em seu modo de operar.
Assim como em seus primórdios, “a escola só faz legitimar uma situação
pré-existente.” (HARPER et al., 1987, p. 38). Apresenta rituais idênticos a todos
os alunos, mantendo, dessa forma, as diferenças entre eles, uma vez que seus
conteúdos são selecionados para se comunicarem com uns e não com outros.
Krishnamurti (1976, p. 22) observa que “todo método de classificar as
crianças segundo seus temperamentos e aptidões põe em relevo suas
diferenças, cria antagonismo, fomenta divisões na sociedade e não ajuda a
produzir entes humanos integrados”. Harper (et al., 1987, p. 39), por sua vez,
considera que “a realidade é que o é próprio funcionamento da escola que
seleciona e elimina”.
Seleciona e elimina, mas, acima de tudo, a escola imprime na criança
um molde, que ultrapassa séculos e gerações, para reificar o controle, com
vistas ao consumo, à alienação e à subserviência.
[A escola é] um mundo à parte, fechado e protegido, onde a criança é confiada como um pacote registrado, cujo acesso é cuidadosamente controlado, separado da vida. Um mundo de ritos imutáveis. Um mundo de silêncio e imobilidade, onde os papéis de cada um estão previamente determinados. Um mundo onde só é admitido falar bem, onde só é permitido o que não é proibido. Um mundo uniforme, de comunicação artificial, de punições, castigos. (...) Um mundo de conteúdos estranhos, que não tem qualquer significação nem qualquer utilidade imediata para os alunos, desligado da realidade. (HARPER et al., 1987, p. 42-62).
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Trata-se, pois, a escola, da concessionária base da sociedade
disciplinar. A sociedade da disciplina está para a escola, representada pela
sala de aula, assim como o panóptico está para o professor, que, como
observa Harper (et al., 1987, p. 49), “sabe, ordena, decide, julga, anota, pune”.
Toda a vigilância panóptica docente institucionalizada e reificada por
séculos na figura do professor faz desse profissional um comunicador
anacrônico e incompetente. Sua autoridade, além da autoridade do saber,
pressupõe-se em um vocabulário acadêmico, o qual deve impor a seus alunos
para institucionalizá-los e coagi-los ao molde educacional de disciplina e do
controle.
Nos primeiros anos de escola a criança terá de aprender a falar e a escrever uma língua estranha, que raramente é a sua ou a de seus pais: trata-se da língua estandardizada, a única reconhecida pela escola correta. Toda a maneira espontânea de falar da criança, que não corresponda às normas da língua escolar, é constante e permanentemente corrigida, reprimida, penalizada pela professora, na esperança de que, em correção em correção, todas as crianças acabarão falando a língua exigida pela escola. O resultado é que certas crianças, para não correr o risco de serem, criticadas por falar “errado”, preferirão reduzir o que tiverem de escrever ao mínimo possível, para não se expor às observações do tipo “pobreza de vocabulário”, “falta sentido”, “erro ortográfico”, etc. Tanto linguistas quanto psicólogos mão se cansam de advertir para os efeitos negativos que resultam de um aprendizado que é vivido pela criança como uma expropriação de sua linguagem mais espontânea. (HARPER et al., 1987, p. 50).
Roulet (1976 in HARPER et al., 1987, p. 50) pondera que “ao tentar
extirpar da criança tudo aquilo que não está de acordo com o padrão escolar
de linguagem, acaba-se por desencorajar definitivamente essa criança a
exprimir-se”. Obviamente, a escola se configura também como uma fábrica de
adolescentes e adultos com abissal dificuldade de expressão e vocabulário
extremamente limitado.
Romain Rolland4, escreveu, em sua obra intitulada “Le voyage intérieur”
(A Viagem Interior), em 1942, acerca do que apresenta Roulet (1976) e Harper
(1987), um desabafo autobiográfico romanceado acerca da sua experiência na
escola:
(...) afinal de contas, não entender nada já é um hábito. Três quartos do que se diz e do que me fazem escrever na escola: a gramática,
4 Dramaturgo, romancista, novelista, ensaísta, historiador de arte, biógrafo e músico francês.
60
ciências, a moral e mais um terço das palavras que leio, que me ditam, que eu mesmo emprego – eu não sei o que elas querem dizer. (ROLLAND, 1942 in HARPER et al., 1987, p. 51).
Harper (et al., 1987, p. 54) conclui que não há alternativa: “a criança
deve, portanto, aceitar as regras, entrar no jogo. Nesse jogo dar a resposta
certa, no mais das vezes. Confunde-se com dar qualquer resposta, desde que
seja a que o professor quer”.
Não se responde o que se pensa, o que se conclui, mas o que foi
memorizado, assimilado, engolido. Toda essa dinâmica faz parte do processo
de amoldamento da criança, mais uma vez baseado nas estruturas
disciplinares dos séculos XVIII e XIX. Assim, aponta Harper (et al., 1987, p. 54),
“a escola trata a todos da mesma maneira, todos devem ter o mesmo ritmo de
trabalho, com o mesmo livro, a mesma matéria, todos devem aprender as
mesmas frases, saber as mesmas palavras”. O problema consiste em que as
mesmas coisas produzem sentidos diferentes em cada aluno, de acordo com
seu repertório cultural e, acima de tudo, sua classe social e,
consequentemente, cultural. Assim, o dever de todos de “adquirir os mesmos
conhecimentos” e de “fazer os mesmos exames, ao mesmo tempo” (HARPER
et al., 1987, p. 54) constitui-se numa engrenagem de manutenção de classes e
de poder, além de conceituar uma coercitiva modelação da criança não para a
sociedade, mas para os interesses anacrônico-atuais capitalistas institucionais.
O professor, esse capataz que se encontra na ponta da engrenagem de
poder das instituições de ensino, atuante especifico da sala de aula, “está
enredado num sistema de normas e controles tão forte quanto o que ele impõe
aos seus alunos”. (HARPER et al., 1987, p. 66). O algoz é a primeira vítima.
Trata-se de uma identificação projetiva, um mecanismo de defesa conceituado
pela psicanálise, onde a vítima se identifica com o agressor e acaba se
tronando o próprio. O aluno institucionalizado amolda-se e torna-se o professor,
reificando a instituição secular escola, mas, mais precisamente, a sala de aula.
A escola é, por excelência, uma contradição institucional, principalmente
quando contextualizada aos setenta anos da sociedade de controle.
61
Em termos de contradição, a escola promove algumas das contradições
entre ideologia e discurso mais gritantes desde a sua instituição, no século
XVIII, até os dias atuais, nos idos da sociedade de controle.
Apesar do discurso de que a escola prepara para a convivência, para
uma vida em sociedade, para o trabalho em equipe, para o coletivo e para a
integração, as técnicas de aprendizagem, segundo Harper (et al., 1987, p. 83)
giram em torno da política do “cada um por si, da competição”.
Por exemplo: proibir os alunos de falar uns com os outros durante a aula, privilegiar o esforço o trabalho e o sucesso individuais (...) em vez do trabalho em equipe, da valorização da ajuda mútua, da solidariedade. Fazendo isso, a escola inculca o individualismo sem que as pessoas se apercebam. (HARPER et al., 1987, p. 83).
Harper (et al., 1987, p. 84) aponta que a escola também tem por função
o “aprendizado do sentimento de inferioridade”:
Existe uma supervalorização da parte intelectual, do sucesso intelectual. (...) Os alunos não julgados o tempo todo – são julgamentos morais, eles são divididos em “bons” e “maus” alunos. Isso faz com que, pouco a pouco, uns vão aceitando e interiorizando um sentimento de inferioridade (...) enquanto outros vão tendo a certeza cada vez maior de que pertencem a uma elite, o que lhes dá direito de desprezar os que não são da elite. (HARPER et al., 1987, p. 84).
A submissão, como patrimônio subjetivador da sociedade disciplinar
também se integra na escola, em especial, na sala de aula, onde “o professor
se coloca sempre sobre um estrado, numa posição de importância, no papel de
autoridade absoluta. Isso acaba por inculcar a submissão, familiariza a ideia de
que deve existir uma hierarquia e que se precisa de um chefe”. (HARPER et
al., 1987, p. 85).
Trata-se, pois, de aplicar sobre o sujeito um molde disciplinar de
subserviência, preparando o indivíduo para o controle e para a submissão às
estruturas de poder estabelecidas. Assim, de acordo com Gorz (1976 in
HARPER et al., 1987, p. 89), “a escola tem como objetivo inconfessável
fornecer às indústrias, ao comércio, às profissões especializadas e ao Estado,
trabalhadores, consumidores, clientes e administrados sob medida”.
Da subserviência e da submissão surge o aceitável e esperado respeito
pela ordem estabelecida.
Através da prática do dia-a-dia os alunos vão sendo convencidos de que só existe um método, uma solução, uma só verdade e é o
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professor que detém a chave para todas as respostas. O aluno não tem de imaginar alternativas possíveis nem exercer qualquer tipo de escolha. (...) Os alunos acabam aceitando o ‘status quo’, uma ordem estabelecida por outros! (HARPER et al., 1987, p. 86).
O professor, esse panóptico docente, ambulante em sala de aula, detém
a autoridade pedagógica, que massacra a imaginação e a criatividade, que, por
excelência, são críticas. O pensamento crítico é, dessa forma, um problema,
pois, aponta Harper (et al., 1987, p. 87), “discordar de alguma coisa poderia dar
em conflito... E as pessoas têm horror disso. (...) O medo de conflito, de
contradizer alguém é uma característica da vida escolar”. Na verdade,
especialmente da vida escolar, mas também de qualquer instituição que se
arraste da sociedade disciplinar para a de controle.
Nesses mais de duzentos anos, a escola, como conhecemos, só se
adaptou para continuar o seu ofício de oferecer sujeitos submissos às
necessidades e exigências das instituições capitalistas, que azeitam as
engrenagens das relações de poder. Na sociedade disciplinar, o sujeito era
moldado para a indústria. Na sociedade de controle é, contraditoriamente, em
termos, “moldado para a empresa”.
São sobretudo as exigências do sistema produtivo, do modo de produção, que determinam, em casa momento histórico e em casa contexto sociocultural, quais são os conhecimentos e aptidões que devem ser adquiridos e quais são os valores e modos de comportamento que devem ser inculcados nos alunos. (HARPER et al., 1987, p. 94).
Para além do aprendizado da submissão e da disciplina, “na escola
todos aprendem justamente que nada podemos fazer, por nós mesmos ou em
colaboração com outros, com aquilo que a escola nos ensina”. (HARPER et al.,
1987, p. 97).
O modelo conteudista da escola é muito similar ao modelo de fatos-
omnibus, conceituados por Bourdieu (1997), evidenciados pela televisão.
Os fatos-omnibus são fatos que, como se diz, não devem chocar ninguém, que não envolvem disputa, que não dividem, que formam consenso, que interessam a todo mundo, mas de um modo tal que não tocam em nada de importante. As notícias de variedades consistem nessa espécie elementar, rudimentar, da informação que é muito importante porque interessa a todo mundo sem ter consequências e porque ocupa tempo, tempo que poderia ser empregado para dizer outra coisa. [...] E se minutos são empregados para dizer coisas tão fúteis, é que essas coisas tão fúteis são de fato
63
muito importantes na medida em que ocultam coisas preciosas (BOURDIEU, 1997, p. 23).
Assim como a televisão é mestra na arte de evidenciar “fatos para
todos”, tão genéricos que ocupem a todos e não sirva a ninguém, a escola
encontra em sua dinâmica e em sua ideologia velada a necessidade de ocupar
o aluno com conteúdos excessivos e irrelevantes que, na realidade, velam a
essência de sua atividade: moldar.
Quanto mais os alunos se empenham em arquivar os “depósitos” que lhes são entregues, tanto menos eles desenvolvem em si a consciência crítica que lhes permitiria inserir-se no mundo como agentes de sua transformação, como sujeitos. Quanto mais se lhes impõe a passividade, tanto mais, de maneira primária, ao invés de transformar o mundo, eles tendem a se adaptar à realidade fragmentada contida nos “depósitos" recebidos. (FREIRE, 1974 in HARPER et al., 1987, p. 99).
A escola, portanto, vela em seu discurso sua ideologia de preparação
para a dominação e para a subjugação do sujeito, moldando-o a interesses
muito mais etéreos e detestáveis do que qualquer dos conteúdos apresentados
nos longos anos da formação do aluno.
Assim, podemos resumir, de acordo com Fleuri (1986. p. 73-74), a
dinâmica escolar, instituída na sociedade da disciplina e reificada,
sucessivamente, na sociedade de controle.
A organização didática terá como objetivo formar a criança para a submissão. Os métodos serão coercivos de acordo com a idade e capacidade de resistência da criança. Os conteúdos serão desvinculados da realidade concreta. E todas s atividades dos alunos serão controladas dentro e fora da escola. O currículo terá, em sua parte comum, componentes que enfatizam uma linguagem distante do universo dos alunos, uma visão alienada da sociedade e dos interesses das classes dominantes. No processo de aprendizagem, a experiência será considerada como gestos mecânicos e a sistematização, como classificação formal de conceitos, sem relação com a realidade vivida. A constituição da classe e sua disposição física tenderão a acondicionar os alunos a se submeterem passivamente ao controle do professor. Os instrumentos de avaliação serão instrumentos de controle da submissão à arbitrariedade do professor expressa em notas de zero a dez. Os sistemas de recuperação visarão, sobretudo à incorporação dos rebeldes e dos resistentes à submissão coletiva e à ordem estabelecida. O sistema de promoção tenderá a premiar os que se submeteram ao controle do corpo, através de frequência, e da mente através da nota. O balanceamento destes dois controles indicará se o aluno incorporou, em graus satisfatórios à submissão. (FLEURI, 1986. p. 73-74).
64
O filósofo, escritor e educador indiano, Jiddu Krishnamurti, reconhece
que “a educação convencional dificulta sobremodo o pensar independente. A
padronização do homem conduz à mediocridade. Ser diferente do grupo ou
resistir ao ambiente não é fácil, e não raro é arriscado, porque adoramos o bom
êxito”. (KRISHNAMURTI, 1976, p. 7).
O bom êxito é exatamente o grau satisfatório à submissão ao qual nos
indica Fleuri (1986). Krishnamurti (1976, p. 7) defende que “em vez de
despertar a inteligência integral do indivíduo, a educação o induz a adaptar-se
a um padrão, vedando-lhe assim a compreensão de si mesmo como um
processo total”. Dessa maneira, uma visão crítica a partir do princípio holístico
fica anestesiada, praticamente impossível de aflorar.
O paralelo à função de disciplina, o conteúdo acadêmico tem por
objetivo promover a elasticidade da capacidade de assimilar, que será
predicado do sujeito oferecido como mão de obra, entretanto, “a educação não
é uma simples questão de exercitar a mente. O exercício leva à eficiência, mas
não produz a integração. A mente que foi apenas exercitada é o prolongamento
do passado, nunca pode descobrir o que é novo”. (KRISHNAMURTI, 1976, p.
11). Nunca descobrir o que é novo é condição da manutenção de um poder
instituído e remissivo ao passado.
Para Krishnamurti (1976, p. 12), “a educação atual está aparelhada para
a industrialização e a guerra, e desenvolver a eficiência é seu alvo principal;
estamos dentro da engrenagem desta máquina de competição impiedosa e de
destruição mútua”. Esse é um exemplo de adaptação da instituição escola às
necessidades de um determinado momento histórico.
A escola trata ideologicamente de dissolver qualquer ensejo de revolta
ou resistência. Em suas dependências, torna-se irresistível assimilar a sua
ideologia.
A grande maioria dentre nós não tem o verdadeiro espírito de descontentamento, de revolta. Quando nos submetemos ao ambiente, sem compreendê-lo, todo espírito de revolta que acaso possuímos esmorece e nossas responsabilidades em breve tempo o apagam definitivamente. (KRISHNAMURTI, 1976, p. 8).
65
Não há, portanto, muitas chances de reação. No que tange à
comunicação, semióticamente falando, a sala de aula, campo de afinidades de
atuação entre professor e aluno, torna-se uma arena tensional convergente.
De um lado, o professor figura como um ator institucionalizado e
institucionalizante, que, pela identificação projetiva assimilou seu algoz e
acatou, a níveis extremamente profundos, a impressão do molde da sociedade
da disciplina em sua dinâmica subjetiva profissional, em detrimento da natureza
modulatória ambiental em que nasceu, com uma visão ideológica com pelo
menos dois séculos de defasagem, embora calcada na experiência
comunicacional de espectro behaviorista de estímulo-resposta, que remonta à
Teoria da Agulha Hipodérmica, onde um emissor envia uma mensagem para
um receptor sem qualquer resistência do meio, cujo sentido se pretende
determinado no momento da emissão e assimilado integralmente pelo seu
receptor.
De outro lado está o aluno, sujeito modulado e impulsionado pela
sociedade de controle, com tendências modulatórias, escravizado e coagido a
um molde encapsulado no tempo, para servir outras tantas instituições que não
se adaptaram à modulação contemporânea do controle. O educando, que
produz em si o significado de cada enunciação do professor, de acordo com
seu repertório cultural, reprime-se, com o passar dos anos em que se
enclausura numa compressão sócio temporal de poder, desregulada com os
padrões midiáticos e tecnológicos, embora confluentes em suas ideologias,
assimilando limites em sua modulação subjetiva, catalisada pelos moldes
instituídos pela dinâmica escolar e culminada na figura panóptica de um
professor que não consegue manter a dinâmica discursal de sua própria
instituição frente à realidade fora das fronteiras da sala de aula, essa cápsula
do tempo.
Como seria possível, então, a comunicação entre esses sujeitos?
O novo não existe para ser comunicado. O desconhecido pelo
coenunciador não desperta nele qualquer interesse. A primeira projeção é
destituída de alteridade, pois o enunciador, além de desconhecer
66
completamente o seu coenunciador, não tem qualquer preocupação com a
construção do sentido.
Dentro da instituição sala de aula, o professor é molde que molda. Não
se modula. Os alunos são, por excelência, modulação. A projeção da alteridade
torna-se tão incompatível para o professor quanto a capacidade de se projetar
mentalmente a dobradura da terceira dimensão em uma quarta. Não existe
projeção de alteridade no discurso do professor.
A comunicação não ocorre. O aluno “aprende” ainda por repetição e
amoldamento, por vigilância, exame, punição e recompensa. Tudo é
absolutamente exaustivo e retrógrado. O intervalo entre as aulas, ou a hora do
recreio, é uma catarse, um enorme analgésico, onde os alunos modulam-se em
comunicação de controle, onde verdadeiramente ocorre a comunicação. Não
que isso seja um ponto positivo, mas é contemporâneo e não anacrônico.
Os atores do processo ensino-aprendizagem, que da sala de aula fazem
palco de um macabro filme de ficção científica, não são, senão, marionetes das
dinâmicas de poder que visam manter, através da disciplina, um controle rígido,
ainda funcional, mas condenado ao fracasso pelas intempéries do curso do
tempo.
Para a conclusão de nossa análise da instituição escola, resumida na
anacrônica sala de aula e nas suas relações de poder, apresentamos ao
desabafo autobiográfico de Renato Russo, exposto na música “O Reggae”,
gravada pela banda Legião Urbana, em 1985, que ilustra as contradições da
escola pelo ponto de vista da criança/aluno.
Ainda me lembro aos três anos de idade/ O meu primeiro contato com as grades/ O meu primeiro dia na escola/ Como eu senti vontade de ir embora/ Fazia tudo que eles quisessem/ Acreditava em tudo que eles me dissessem/ Me pediram para ter paciência/ Falhei/ Então gritaram: - Cresça e apareça!/ Cresci e apareci e não vi nada/ Aprendi o que era certo com a pessoa errada/ Assistia ao jornal da TV/ E aprendi a roubar pra vencer/ Nada era como eu imaginava/ Nem as pessoas que eu tanto amava/ Mas e daí, se é mesmo assim/ Vou ver se tiro o melhor pra mim./ Me ajuda se eu quiser/ Me faz o que eu pedir/ Não faz o que eu fizer/ Mas não me deixe aqui/ Ninguém me perguntou se eu estava pronto/ E eu fiquei completamente tonto/ Procurando descobrir a verdade/ No meio das mentiras da cidade/ Tentava ver o que existia de errado/ Quantas crianças Deus já tinha matado./ Beberam meu sangue e não me deixam viver/ Tem o meu destino pronto e não me deixam escolher/ Vem falar de liberdade pra depois me prender/ Pedem identidade pra depois me bater/ Tiram todas
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minhas armas/ Como posso me defender?/ Vocês venceram essa batalha/ Quanto à guerra, vamos ver. (LEGIÃO URBANA, 1985).
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CAPÍTULO III
CONSCIÊNCIA COMUNICACIONAL NA EDUCAÇÃO
A partir deste momento, em nosso último capítulo, buscaremos
evidenciar a possibilidade de decomposição, reestruturação e adaptação da
sala de aula e do mecanismo ensino-aprendizagem, tornando a comunicação
possível e a anacronia institucional secular minimizada, despertando no
professor a consciência na atualização e no uso de sua comunicação.
Apresentaremos criticamente uma análise sugestiva acerca da sala de aula e
da desautomatização semiótica da comunicação, apontando para possíveis
novos horizontes de ensino-aprendizagem.
No primeiro momento trataremos da desconstrução da instituição sala de
aula, a partir das práticas educacionais disciplinares e sua incompatibilidade
com a geração contemporânea nascida na consolidação da sociedade de
controle.
Em seguida teceremos entrelaces entre as referências já dispostas,
justificando a possibilidade pedagógica de se alcançar novos horizontes, a
partir da conscientização do processo comunicacional, impactando na
educação, como um todo.
Para a última etapa do nosso último capítulo, buscaremos vislumbrar
novos horizontes para a comunicação pedagógica, considerando a
conscientização comunicacional, que fará o elo ideológico discursal entre
disciplina e controle, entre professor e aluno.
3.1) DINAMITANDO A CÁPSULA DO TEMPO
Gabriel, o Pensador, no álbum “Ainda é só o começo”, de 1995,
apresenta, em sua música “Estudo errado”, uma bem humorada, porém crítica,
análise da educação, da escola, da sala de aula e das relações entre professor
e aluno, do ponto de vista da criança. A canção evidencia, em linguagem
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simples, boa parte dos problemas – ou de suas conseqüências – apresentadas
anteriormente.
Eu tô aqui pra quê?/ Será que é pra aprender?/ Ou será que é pra sentar, me acomodar e obedecer?/ Tô tentando passar de ano pro meu pai não me bater/ Sem recreio de saco cheio porque eu não fiz o dever/ A professora já tá de marcação porque sempre me pega/ Disfarçando, espiando, colando toda prova dos colegas/ E ela esfrega na minha cara um zero bem redondo/ E quando chega o boletim lá em casa eu me escondo/ Eu quero jogar botão, vídeo-game, bola de gude/ Mas meus pais só querem que eu "vá pra aula!" e "estude!"/ Então dessa vez eu vou estudar até decorar cumpádi/ Pra me dar bem e minha mãe deixar ficar acordado até mais tarde/ Ou quem sabe aumentar minha mesada/ Pra eu comprar mais revistinha (do Cascão?)/ Não. De mulher pelada/ A diversão é limitada e o meu pai não tem tempo pra nada/ E a entrada no cinema é censurada (vai pra casa pirralhada!)/ A rua é perigosa então eu vejo televisão/ (Tá lá mais um corpo estendido no chão)/ Na hora do jornal eu desligo porque eu nem sei nem o que é inflação/ - Ué não te ensinaram?/ - Não. A maioria das matérias que eles dão eu acho inútil/ Em vão, pouco interessantes, eu fico pu../ Tô cansado de estudar, de madrugar, que sacrilégio/ (Vai pro colégio!!)/ Então eu fui relendo tudo até a prova começar/ Voltei louco pra contar:/ Manhê! Tirei um dez na prova/ Me dei bem, tirei um cem e eu quero ver quem me reprova/ Decorei toda lição/ Não errei nenhuma questão/ Não aprendi nada de bom/ Mas tirei dez (boa filhão!)/ Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci/ Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi/ Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci/ Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi/ Decoreba: esse é o método de ensino/ Eles me tratam como ameba e assim eu não raciocino/ Não aprendo as causas e conseqüências só decoro os fatos/ Desse jeito até história fica chato/ Mas os velhos me disseram que o "porque" é o segredo/ Então quando eu num entendo nada, eu levanto o dedo/ Porque eu quero usar a mente pra ficar inteligente/ Eu sei que ainda não sou gente grande, mas eu já sou gente/ E sei que o estudo é uma coisa boa/ O problema é que sem motivação a gente enjoa/ O sistema bota um monte de abobrinha no programa/ Mas pra aprender a ser um ingonorante (...)/ Ah, um ignorante, por mim eu nem saía da minha cama (Ah, deixa eu dormir)/ Eu gosto dos professores e eu preciso de um mestre/ Mas eu prefiro que eles me ensinem alguma coisa que preste/ - O que é corrupção? Pra que serve um deputado?/ Não me diga que o Brasil foi descoberto por acaso!/ Ou que a minhoca é hermafrodita/ Ou sobre a tênia solitária./ Não me faça decorar as capitanias hereditárias!/ Vamos fugir dessa jaula!/ "Hoje eu tô feliz" (matou o presidente?)/ Não. A aula/ Matei a aula porque num dava/ Eu não aguentava mais/ E fui escutar o Pensador escondido dos meus pais/ Mas se eles fossem da minha idade eles entenderiam/ (Esse num é o valor que um aluno merecia!)/ Íííh... Sujô (Hein?)/ O inspetor!/ (Acabou a farra, já pra sala do coordenador!)/ Achei que ia ser suspenso mas era só pra conversar/ E me disseram que a escola era meu segundo lar/ E é verdade, eu aprendo muita coisa realmente/ Faço amigos, conheço gente, mas não quero estudar pra sempre!/ Então eu vou passar de ano/ Não tenho outra saída/ Mas o ideal é que a escola me prepare pra vida/ Discutindo e ensinando os problemas atuais/ E não me dando as mesmas aulas que eles deram pros meus pais/ Com matérias das quais eles não lembram mais nada/ E quando eu tiro dez é sempre a mesma palhaçada/ Manhê!
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Tirei um dez na prova/ Me dei bem, tirei um cem e eu quero ver quem me reprova/ Decorei toda lição/ Não errei nenhuma questão/ Não aprendi nada de bom/ Mas tirei dez (boa filhão!)/ Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci/ Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi/ Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci/ Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi/ Encarem as crianças com mais seriedade/ Pois na escola é onde formamos nossa personalidade/ Vocês tratam a educação como um negócio onde a ganância, a exploração, e a indiferença são sócios/ Quem devia lucrar só é prejudicado/ Assim vocês vão criar uma geração de revoltados/ Tá tudo errado e eu já tô de saco cheio/ Agora me dá minha bola e deixa eu ir embora pro recreio/ Juquinha você tá falando demais assim eu vou ter que lhe deixar sem recreio!/ Mas é só a verdade professora!/ Eu sei, mas colabora se não eu perco o meu emprego. (PENSADOR, 1995.)
Com o suceder das gerações, na sociedade de controle, os agentes
disciplinadores, representados em nosso recorte pela figura do professor,
começaram, por força da modulação imprimida no status social de suas
constituições particulares, a conseguir desvelar parte das manifestações de
poder instituído em sua atuação profissional, embora não vislumbrem
autonomia para utilizar esse reconhecimento como força reacionária de
mudança, conforme ocorre com a professora de Juquinha, na letra de Gabriel,
o Pensador.
O professor – instituído e instituinte – sofre a pressão da alternância de
seu comportamento anacrônico, da reação coercitiva da instituição escola e do
reconhecimento do fracasso do emprego de sua dedicação – mesmo que inútil
– com seus próprios alunos.
A institucionalização traz consequências complexas que podem impactar negativamente a educação e a saúde, psíquica e física, dos bebês, crianças, adolescentes, jovens e professores. Vale lembrar que, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a profissão docente é hoje considerada como uma das mais estressantes, além de ser a segunda do mundo a portar doenças de caráter ocupacional. (LEITE, 2015).
Trata-se de um sintoma concreto da falta de sincronia temporal e social
das instituições de ensino, que recai sobre seus instituídos.
Existe, de acordo com Prata (2005, p. 111), uma perspectiva de o campo
educacional se tornar um pouco menos recluso, “distinto do meio profissional,
pois os dois tenderão a desaparecer em favor da formação permanente, de um
controle contínuo que se exercerá sobre o “operário-aluno” ou o “executivo-
universitário”.
71
Torna-se inegável a tensão a que o professor é submetido, que revela
traços de um colapso institucional em sua própria constituição profissional.
Talvez o que esteja sendo sinalizado na crise da autoridade docente, ainda que muitas vezes inconscientemente e de diferentes modos, é justamente a falência de um modelo de instituição calcado na idéia de disciplina. Podemos supor que é a própria configuração social que está se modificando, e essa modificação está ligada à produção de outro sujeito, que se presentificará também nas relações entre professores e alunos, causando, muitas vezes, um estranhamento em ambas as partes. Mesmo se considerarmos que os professores fazem parte dessa nova produção subjetiva, podemos perguntar se algumas vezes seu discurso não se mantém amarrado em valores construídos na época em que eles próprios foram educados. Em outras palavras, o professor escolar muitas vezes insiste num diagnóstico da rebeldia do aluno a partir do modelo do poder disciplinar em que ele, professor, foi sujeitado. Porém, para os alunos, o professor pode aparecer como alguém desatualizado, seja em função das informações tecnológicas que eles rapidamente obtêm, ou mesmo em função da postura disciplinar creditada, em princípio, aos docentes. (PRATA, 2005, p. 113).
A indisciplina recorrente e generalizada é a mais evidente das
manifestações da falência da autoridade pedagógica e da instituição escola. “A
indisciplina pode estar indicando o impacto do ingresso de um novo sujeito
histórico, com outras demandas e valores, numa ordem arcaica e
despreparada para absorvê-lo”. (PRATA, 2005, p. 114).
Nesse sentido, a gênese da indisciplina não residiria na figura do aluno, mas na rejeição operada por esta escola incapaz de administrar as novas formas de existência social concreta, personificada nas transformações do perfil da clientela. Indisciplina, então, seria sintoma de injunção da escola idealizada e gerida para um determinado tipo de sujeito e sendo ocupada por outro. Equivaleria, pois, a um quadro difuso de instabilidade gerado pela confrontação deste novo sujeito histórico a velhas formas institucionais cristalizadas. Ou seja, denotaria a tentativa de rupturas, pequenas fendas em um edifício secular como é a escola, potencializando assim uma transição institucional, mais cedo ou mais tarde, de um modelo autoritário de conceber e efetivar a tarefa educacional para um modelo menos elitista e conservador. (Aquino, 1996, p. 45).
É uma visão extremamente otimista supor que um modelo menos elitista
e conservador venha a substituir o modelo secular da escola. Diminuir o
elitismo é colocar em xeque as dinâmicas das relações de poder.
Todas as vezes que a insubordinação e a indisciplina se organizaram e
buscaram uma codificação identitária, foram relegadas pela indústria cultural à
periferia da cultura, tal qual os movimentos de Rap ou o movimento Punk.
72
Em 1991, o disco Anarkophobia, lançado pela banda punk Ratos de
Porão, continha duas faixas que criticavam instituições seculares, de vigilância,
controle e punição: a igreja e a escola. Uma dessas faixas intitula-se Ódio³,
onde o autor, João Gordo, dispara sua revolta contra o sistema de ensino.
Eu odeio escola/ Parei de estudar/ É inútil prosseguir/ A ditadura cultural/ Odeio professores/ Raça superior/ Senhores do saber/ Medíocre ritual/ Detestar, odiar, desprezar/ Detestar, odiar, desprezar/ Tudo o que sei/ A rua me ensinou/ Tudo o que faço/ É pra me divertir/ Ninguém manda em mim/ Falo alto, faço pouco/ Não tenho educação/ Odeio padres/ E a falsa castidade/ O voto de pobreza/ No banco Itaú/ Odeio Igrejas/ Imagens irreais/ Não atendem os pedidos/ Do otário sonhador/ Meu ódio é normal/ Pode destruir/ Ação radical/ É o nosso poder. (RATOS DE PORÃO, 1991).
A escola, como conhecemos, busca uma pseudo-erudição do sujeito,
seja na linguagem, seja no domínio dos conteúdos compatíveis com as
instituições dominantes.
A erudição não conhece a essência do conceito de libertação, capital
para a constituição de um sujeito saudável, pois o eruditismo “vive nas cadeias
da opinião corrente e do medo” (NIETZSCHE, 2003a, p. 139), uma vez que é
inoculado primordialmente no ambiente acadêmico e primariamente, na escola.
Para Nietzsche (2003c, p. 193), o erudito “decompõe uma imagem em
simples manchas, do mesmo modo como, na ópera, se usa um binóculo para
ver a cena e examinar um rosto ou um detalhe da vestimenta, nada inteiro”. Ou
seja, o eruditismo é a essência da instituição escola: uma série de
decomposições desconexas que impedem a contemplação do todo. Assim, a
escola, fortalece ainda mais a sua própria instituição, num processo de
reificação e construção da cultura dominante, onde “a falta de cultura fora dos
limites da disciplina é apresentada como sinal de uma nobre sobriedade”.
(NIETZSCHE, 2003b, p. 64).
O eruditismo, por apenas valorizar a quantidade dos conteúdos textuais, não a sua qualidade efetiva e o estímulo para a formação da criatividade e do senso crítico no ato de estudo dos textos, serve de instrumento para as estruturas sociais interessadas na legitimação da ordem instituída e no nivelamento medíocre dos homens. A educação eruditista não se propunha a cultivar as aptidões singulares do indivíduo, mas tão somente a amestrar nos seus parâmetros normativos as potencialidades e anseios pessoais do estudante, dando-lhe a especialização máxima acerca do mínimo, limitando assim os seus horizontes intelectuais e existenciais (BITTENCOURT, 2009, p. 272).
73
A escola, baseada no eruditismo, como vimos, é instrumento de
continuidade nas relações de poder e jamais admitiria a fomentação do senso
crítico.
Contudo, uma instituição só é o que se propõe a ser pela dinâmica
subjetiva de seus instituídos componentes. Ao fomentar o eruditismo e
promover uma cientificação comportamental, psicológica e social dos alunos,
os próprios instituídos tendem a projetar suas próprias frustrações em suas
observações, conversas e pesquisas, no ambiente institucional pedagógico.
E a nossa abordagem da infância, não será reveladora do egocentrismo do adulto? Educados na escravatura, incapazes de transformar a vida, como poderíamos dar liberdade aos nossos filhos? Deveríamos, em primeiro lugar, libertar-nos das nossas próprias amarras. (KORCZAK, 1984, p. 95).
Libertar-se dos grilhões da disciplina anacrônica que já se incorporaram
à epiderme não é tarefa simples. Dar liberdade, sem ter vivenciado seu
conceito é um comportamento tão abstrato quanto esperar senso de
profundidade e luz num quadro pintado por um cego. Não é impossível, mas
torna-se extremamente improvável que se ocorra.
A não libertação da criança para integra-se ao seu próprio tempo pode
encontrar respaldo na justificativa concernente à maturidade. Contudo, a
justificativa parece colaborar para a própria causa.
A admissão do pressuposto que a criança não está madura para a vida, e que é necessário submetê-la a um regime especial antes de permitir o seu ingresso na vida adulta vem promovendo o consequente prolongamento da infância em sincronia com a duração da escolarização obrigatória. Não seria essa uma forma indireta de também prolongar o período em que prevalece a concepção de inaptidão e incompletude da criança? (PIRES, 2007, p. 317).
A incompletude da criança é um dos argumentos mais contundentes
para a sua manutenção em confinamento e, portanto, no seu processo de
amoldamento, adestramento e vigilância, para torna-la dócil, mansa e
subserviente.
Mais uma vez a escola se posiciona resistência no caminho da natureza
social para servir a interesses ideológicos calcados nas estruturas dominantes
de poder, no consumo e no capitalismo, por excelência.
Contrariar a natureza social, coletiva ou subjetiva, como faz a instituição
escola, projetando o anacronismo disciplinar de uma sociedade obsoleta,
74
favorece a barbárie social artificializada, ou seja, produz sujeitos bárbaros,
incompatíveis com a civilização atual, de controle, colocando em xeque os
caminhos e as prospecções da sociedade, como um todo.
A tese que gostaria de discutir é a de que desbarbarizar tornou-se a questão mais urgente da educação (...). Entendo por barbárie algo muito simples, ou seja, que, estando na civilização do mais alto desenvolvimento tecnológico, as pessoas se encontrem atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relação a sua própria civilização (...) que contribui para aumentar ainda mais o perigo de que toda esta civilização venha a implodir (...). Considero tão urgente impedir isto que eu reordenaria todos os outros objetivos educacionais por esta prioridade. (ADORNO, 2010, p. 155).
A implosão social de que nos fala Adorno (2010) vai ao encontro do
problema da indisciplina, que tratamos anteriormente, embora em proporções
de outra ordem.
Contudo, antes que ocorra essa implosão social, balizada pelas
engrenagens pedagógicas participantes das dinâmicas de poder, cabe um
olhar mais específico para o primeiro passo da desestruturação dos tentáculos
disciplinares da instituição escola: a observação do centro de eficiência da
aprendizagem, ou seja, do que efetivamente comunica na educação.
Tradicionalmente, de acordo com uma visão racionalista e dualista do ser humano, considerou-se a aprendizagem exclusivamente como um processo consciente e produto da inteligência, deixando o corpo e os afetos fora; mas se houve humanos que aprenderam é porque não fizeram caso de tal teoria e “fugiram” dos métodos educativos sistematizados. (FERNÀNDEZ, 1990, p. 47).
Corpo e afeto são, sem dúvida, agentes crucias da aprendizagem.
Aprender é essencialmente um ato afetivo. Só se aprende com afeto. Sem ele,
chegamos, no máximo, à memorização.
A exclusão do afeto no ato comunicacional-educacional, implementada
na escola da sociedade disciplinar, e do controle sobre o corpo, exigindo-se e
recompensando-se sua passividade, subjugação e imobilidade, são
impedimentos intransponíveis no ato de efetivamente aprender.
O professor se configura como um alienígena temporal, com o qual não
se estabelece vínculo e afeto. Isso descarta a possibilidade de aprendizado,
pois “não aprendemos de qualquer um, aprendemos daquele a quem
outorgamos confiança e o direito de ensinar”. (FERNÀNDEZ, 1990, p. 52).
75
O resultado é uma assimilação mecânico-cognitiva de conteúdo, que
não perdura, nem cria estruturas de aprimoramento ou suscita o protagonismo
subjetivo, contribuindo para a reformação da massa e para a manutenção do
sistema dominante.
Assim como a inteligência tende a objetivar, a buscar generalidades, a classificar, a ordenar, a procurar o que é semelhante, o comum, ao contrário, o movimento do desejo é subjetivante, tende à individualização, à diferenciação, ao surgimento do original de cada ser humano único em relação ao outro. (FERNÀNDEZ, 1990, p. 73).
O movimento do desejo enseja o pensamento crítico. Estar na escola é
sinônimo de tensão. É estar numa cápsula do tempo, em um local que extirpa
os testículos da criatividade, castra a essência humana.
Ao contrário do que a escola anacrônica proporciona, encontramos no
princípio do prazer o elixir da boa comunicação pedagógica.
(...) ao educador não deveria bastar-lhe que seu aluno faça bem as multiplicações e divisões, ou responda a uma avaliação. Existe um sinal inconfundível para diferenciar a ortopedia da aprendizagem: o prazer do aluno quando consegue uma resposta. A apropriação do conhecimento implica no domínio do objeto, sua corporização prática em ações ou em imagens que necessariamente resultam em prazer corporal. Somente ao integrar-se ao saber, o conhecimento é apreendido e pode ser utilizado. (FERNÀNDEZ,1990, p. 59).
Aprendizado é, pois, afeto. Proporciona prazer e utiliza tal consequência
como estímulo pela busca de novos aprendizados. A tensão e assíncrona
relação que a escola, enquanto própria instituição coercitiva disciplinar,
proporciona, em muitos aspectos, refletidos incompetência comunicacional do
professor, uma legítima ojeriza ao processo de aprendizagem, massacrando o
aluno com engrenagens artificiais que constantemente se descarrilham entre si.
“O mestre que exige respeito dos seus discípulos e quase nenhum
respeito demonstra para com eles, provoca-lhes o desrespeito e a indiferença”.
(KRISHNAMURTI, 1976, p. 32). Não será através da opressão física, da
coerção moral, da ideologia de reificação escravocrata e da manutenção das
estruturas de poder que o sujeito aprendente, ou seja, que o aluno conseguirá
expandir e tornar-se ele mesmo.
O homem só pode crescer - isto é, ser cada vez mais - através da expansão gradual e contínua da percepção de si em relação a si mesmo, em relação aos outros, em relação ao mundo. Como ser incompleto e inacabado que é, sua vida deveria se constituir em uma constante busca de concretização de suas potencialidades e, desta
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maneira, humanizar-se a todo momento. Este deveria ser o papel de todo o processo de construção dos seres humanos, quer seja por meio da educação formal, informal ou pessoal (autoeducação). Coisa que, efetiva e lamentavelmente, não tem ocorrido. (MEDINA,1996, p. 24).
A constante busca pela concretização das possibilidades do ser humano
deveria, pois, ser o foco da educação. Para que isso ocorresse, seria
imprescindível ocorrer uma conscientização, que necessitaria ser facilitada pela
figura do professor: figura que atua no sentido contrário a essa expectativa.
A conscientização é isto: tomar posse da realidade; por esta razão, e por causa da radicação utópica que a informa, é um afastamento da realidade. A conscientização produz a desmitologização... é o olhar mais crítico possível da realidade, que a ‘desvela’ para conhecê-la e para conhecer os mitos que enganam e que ajudam a manter a realidade da estrutura dominante. (FREIRE, 1980, p. 29).
Conhecer a realidade através de uma instituição que vive numa
disparidade de mais de dois séculos é uma contradição. Em se tratando da
escola, é uma afronta ideológica e filosófica, que contraria a sua velada função
de vigiar e moldar.
Pode-se esperar, em primeira instância – e por longo tempo – do
professor, pelo menos, que consiga realizar o seu ofício de facilitar o acesso ao
conteúdo escolar através da conscientização da sua própria comunicação, visto
que a desconstrução ideológica de seus preceitos se projeta, a longo prazo, em
escala astronômica.
Krishnamurti (1976, p. 22) aponta que “enquanto a educação se fundar
em princípios rígidos, poderá produzir homens e mulheres proficientes, mas
nunca formará entes humanos criadores”. Sem criação não há criticidade. Não
há libertação. Nesse caso, resta à sociedade a manutenção das suas
estruturas, ainda que se trate de envernizar uma madeira apodrecida, que
aparentemente útil, esconde a iminência do desastre social, pautada na
catástrofe do amoldamento de valores: enferrujados por anacronia ou por falta
de uso.
Outra finalidade da educação é a de criar novos valores. Inculcar, simplesmente, na mente da criança os valores prevalecentes, fazê-la ajustar-se a ideais, é condicioná-la, sem despertar-lhe a inteligência. A educação está estreitamente ligada à presente crise mundial, e o educador que percebe as causas deste caos universal deve perguntar a si mesmo como despertar a inteligência do estudante e
77
contribuir, deste modo, para que a geração futura não produza novos conflitos e desastres. (KRISHNAMURTI, 1976, p. 23).
O primeiro passo para que o professor desperte a inteligência do
estudante é a comunicação eficiente dentro de sala de aula. Do contrário,
somente haverá rejeição e mais rejeição.
Estudar métodos propostos por especialistas, moldados nas
metodologias disciplinares provavelmente suscitará em uma sucessão de
reificações da instituição e não resultarão em qualquer alteração do ponto de
vista prático. Quanto ao ponto de partida para o professor, Krishnamurti (1976,
p. 25) defende que “o bom preceptor não confiará em método algum, estudará
cada um dos seus discípulos individualmente”.
Condicionar o discípulo para aceitar o atual ambiente é manifesta insensatez. A menos que promovamos uma radical reforma da educação, seremos os responsáveis diretos pela perpetuação do caos e da miséria; e quando, afinal, vier uma revolução monstruosa e brutal, esta só servirá para proporcionar a um outro grupo de pessoas a oportunidade de explorar e oprimir. Todo grupo que detém o poder cria os seus próprios meios de opressão, quer pela persuasão psicológica, quer pela força bruta. (KRISHNAMURTI, 1976, p. 29).
Cabe essencialmente ao professor a destruição institucional dessa
cápsula do tempo, a qual denominamos sala de aula. Não apenas para desatar
as amarras temporais da vigilância e da punição – que há mais de dois séculos
controla corpos, condiciona comportamentos, escraviza perspectivas, atrasa a
natureza social, provoca tensão e mal-estar, impede a integração do homem
com seu próprio tempo –, mas para destituir e destituir-se da institucionalização
opressora que transforma vidas em engrenagens macabras de continuidade,
numa máquina de poder que serve ao capital e a ideologia de uma minoria
dominante, herdeira de um trono desgraçado que faz, de geração em geração,
de século em século, com que a sociedade permaneça iludida e controlada.
Não pretendemos aqui encontrar a solução para o holocausto social
apresentado, mas apresentar o primeiro passo para dinamitar a estrutura de
ponta da instituição disciplinar escola.
A consciência no ato comunicacional pedagógico possibilita, em primeira
instância, que o professor comece a ter acesso a uma ferramenta pessoal em
seu ofício: a escolha. Ao invés de destruírem-se em tensões, decepções e
incompatibilidade, a consciência semiótica no ato comunicacional pedagógico
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confere ao professor a escolha de manter-se tensionalmente na falida estrutura
da agulha hipodérmica de ação (considerando a ingenuidade com que a Teoria
da Agulha Hipodérmica foi elaborada) ou dar início à comunicação pedagógica,
que, além do próprio professor, terá também de vencer os traumas, as
ideologias, e a inércia assincrônica de séculos de instituição.
Dinamitar essa cápsula do tempo é, verdadeiramente, tornar-se um
homem-bomba ideológico, acender o pavio e dar um “salto de fé”, sacrificando
as próprias ilusões em prol de um objetivo maior, motivado pela confiança na
própria criatividade inata secularmente controlada e socialmente adoecida.
3.2) A DESAUTOMATIZAÇÃO SEMIÓTICA DA COMUNICAÇÃO
Quando apresentamos a possibilidade de desautomatização semiótica
da comunicação, falamos em retirar o seu caráter automático por meio do
conhecimento da estrutura semiótico-comunicacional, ou seja, em suprimir seu
estado de autômato artificializado pelas estruturas seculares da disciplina,
estabelecida plasticamente para reproduzir uma ideologia coercitiva e
subjugadora que institui, molda e reifica, através do conhecimento semiótico-
comunicacional e da opção por utilizá-lo, no caso de nossa pesquisa, no
discurso pedagógico-comunicacional.
A desautomatização comunicacional pela semiótica, como
apresentamos anteriormente, não pretende resolver a inconsistência
anacrônica ou a ideologia institucional da escola, mas abrir caminho para um
primeiro passo de incorporação de hábitos de controle no discurso disciplinar
institucional de sala de aula.
Não é alvo de nosso estudo, por juízo de valor, a análise quanto à
configuração substitutiva de modos de controle equivalentes na adaptação
discursal do controle na disciplina anacrônica de sala de aula, mas a
possibilidade primeira de proporcionar uma efetiva comunicação entre
professor e aluno, visando a facilitação do processo ensino-aprendizado.
79
A comunicação pedagógica eficiente, embasada na semiótica analítica,
se configura, por excelência, como via de mão dupla, destruindo a concepção
de emissão ativa e recepção passiva, propostas pela disciplina e analisadas –
ainda que simploriamente – pela teoria hipodérmica.
Ao assumir uma postura semiótico-analítica, o professor mudará seu
conceito de comunicação, ainda que não o faça, em primeira instância com sua
ideologia.
O processo de desautomatização comunicacional causa e tem por
consequência, concomitantemente, uma sequência semiótica intencional, à
qual disporemos, embasados na estrutura do segundo item do primeiro capítulo
de nossa pesquisa.
Muito antes da primeira projeção, a qual denominamos ancorada na
alteridade, é necessário que o professor efetue uma investigação de repertório
cultural e das áreas de interesse contemporâneas de seu alunado, baseada na
identidade sexual, cronológica, de gênero e midiática.
Em sequência, necessita o professor usar seu tempo em sala de aula
para conhecer seus alunos, um a um, assim como suas interações entre pares,
utilizando como motivação comunicacional o resultado de sua investigação
acerca do repertório cultural anteriormente proposto. Trata-se de um
conhecimento afetivo – e não disciplinar ou acadêmico –, onde a temática
contemporânea onde se inserem os alunos, fora da sala de aula, emerja,
despontando seus traços pessoais, sociais, comunitários, contemporâneos,
ideológicos, religiosos e identitários, aprimorando o conhecimento previamente
analisado. De acordo com Harper (et al., 1987, p. 110), “ensinar só tem sentido
se o educador é capaz de se colocar à disposição do aluno, de se adaptar à
sua linguagem, à sua conduta e a seus modos de socialização”.
A busca sobre o que comunicar também é necessária. Nem tudo que é
passível de comunicação é interessante. Todo o conteúdo acadêmico que é
imposto ao professor que passe para seus alunos é passível de formatação.
Logo, antes de comunicar tais conteúdos, esses precisam, necessariamente,
de serem formatados de acordo com a experiência adquirida previamente e
dentro da sala de aula.
80
As temáticas apresentadas precisam – todas – estarem contextualizadas
nas áreas de interesse dispostas na sociedade de controle e nas subjetividades
coletivas e individuais de cada turma.
A utilização do lúdico, portanto, é um recurso fundamental, desde de que
esse lúdico não seja a ludicidade das tataravós do aluno, como uma cartolina
pintada a giz de cera, de uma família tradicional burguesa que não existe mais,
com a felicidade de um comercial de margarina, que remete mais à mentira do
que ao lúdico.
É indispensável que o professor se atente que o conceito de família que
a escola considera, enquanto instituição secular disciplinar, não representa
bem a realidade do alunado contemporâneo e, portanto, não serve de
referência.
É necessário, por exemplo, que, ao se projetar os teores pedagógicos,
estes se harmonizem com os conteúdos exatos à física dos desenhos
animados e das animações gráficas, que a geografia e a sociologia se
modulem com as redes sociais virtuais de controle, que a história se emparelhe
com jogos eletrônicos medievais, que as aulas de língua estrangeira tragam
músicas dos ídolos dos jovens e não dos professores. Dessa maneira,
começaremos a assumir a sociedade em que vivemos, com todos os seus
tentáculos coercitivos e funestos, entretanto, reais e contemporâneos.
No processo comunicacional semiótico-pedagógico desautomatizado, a
primeira projeção, ou seja, a projeção ancorada na alteridade passa a existir.
Ocorre, portanto, de maneira a atenuar o artificial, com base na motivação do
professor em despertar a descoberta do novo nas teias do conhecido aprazível.
Dessa forma, torna-se de extrema importância a identificação de lacunas
de interesse, ou seja, dos vazios psico-gravitacionais mais preponderantes na
contextualização mental e cognitiva do alunado, despertados pela necessidade
humana latente de satisfação, também denominada curiosidade
contemporânea. Esse vazio é, pois, dinâmico e obedece a uma sequência de
equações que envolve a mídia e sua ideologia, as relações interpessoais, as
tensões lúdicas e os interesses pedagógicos.
81
Imprescindível também é a investigação de repertório vocabular
cronologicamente otimizado e enzimaticamente adaptado segundo o repertório
cultural, visando a criptografia mais adequada à decodificação da mensagem e
à produção de sentido.
Em outras palavras, é indispensável apropriar-se da cultura e do léxico
discente para que a segunda projeção da comunicação se efetive, ou seja, se
elabore a mensagem, que é “uma produção do comunicante primeiro e um
meio de conectar-se com o comunicante segundo”. (PERUZZOLO, 2004, p.
22). Como apresentamos a mensagem é simultaneamente meio e
representação. Na sua codificação devem bailar elementos de identidade, que
mediarão a descoberta dos elementos inéditos dotados de intencionalidade
comunicacional.
A entrega da mensagem se configura como o último estágio sobre o qual
o professor exerce controle, uma vez que a palavra, assim como a flecha,
depois de disparada, não pode ser contida.
A entrega da mensagem verbal deve ser, pois, contextualizada numa
comunicação não verbal, mais uma vez, usando elementos modulares da
sociedade de controle e do repertório cultural do alunado, contendo elementos
concernentes ao coletivo ou a uma subjetividade evidente ao grupo. Trata-se
da expressão facial, da expressão corporal, da tonalidade da voz, de recursos
mímicos e identitários com elementos de humor ou sexualidade midiática, por
exemplo. Obviamente, estamos falando de comunicação e não da criação de
um estereótipo ridículo. Estamos falando do uso de recursos e não do desgaste
destes com estímulos grotescos e exagerados.
Com a flecha disparada, ou seja, com mensagem enviada, entra em
ação a atuação do coenunciador, ou seja, da recepção da mensagem pelo seu
anfitrião, o aluno.
O aluno, invariavelmente, fará a análise do posicionamento ideológico do
professor através da mensagem, assim como tenderá a examinar o modo
como o professor o enxerga. Nesse momento a mensagem, assim como um
pacote fechado, pode seguir dois caminhos: ou é obstruída pela análise
ideológica desfavorável ao professor, como quem recebe e abandona um
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pacote fechado de uma persona non grata, ou segue seu curso
comunicacional, para que, pelo interesse e pela não objeção, tal pacote seja
efetivamente aberto.
Ocorre, pois, a decodificação afetiva, ancorada na decodificação efetiva
da mensagem pelo aluno. Se o coenunciador, ou seja, se o aluno, possuir os
elementos culturais, pedagógicos, identitários e subjetivos para fragmentar e
desfragmentar a mensagem, a decodificação ocorrerá. Do contrário, a
comunicação dilui-se em ruídos, como um arquivo compactado sem seu
software necessário para a descompactação, ocupando espaço, sem
possibilidade de análise.
Caso o enunciador, ou seja, o professor, tenha tido sucesso em sua
intencionalidade anterior, em fase de pesquisa, conhecimento, aproximação,
identificação, projeção de alteridade, codificação identitária, projeção como
mensagem, alteridade não verbal e envio de mensagem, serão maximizadas
as possibilidades de uma produção de sentido similar à intencionada no
momento da enunciação.
Assim, envolto em um excipiente comunicacional palatável, sincero e
compatível, o novo encontrará possibilidade de ser assimilado, entendido e
apreendido, gerando respostas internas coerentes e proporcionando o natural
prazer neurológico da aprendizagem, incitando e motivando novas
comunicações com representações verbais, não verbais e ideológicas, que
serão enunciadas ao professor. Este, por conseguinte, estará apto a recebe-las
e entende-las, pois estará, ao mesmo tempo, destituindo conceitos
disciplinares rígidos da disciplina para modular-se à contemporaneidade de
seus alunos.
A eficiência na comunicação pedagógica baseada na possibilidade de
análise semiótica e na desautomatização do processo comunicacional se
coloca, como já expusemos, como um primeiro passo para diluir as dificuldades
de cognição nas relações de ensino-aprendizado. Como consequência, se
configura, por si só, em uma desarticulação institucional da sala de aula,
instrumento de dilaceração anacrônica do desenvolvimento social subjetivo.
83
3.3) NOVOS HORIZONTES DE ENSINO-APRENDIZAGEM
A educação correta não está interessada em ideologia alguma, por mais promissora que seja de uma futura Utopia; não se baseia em sistema algum, por mais escrupulosamente que tenha sido concebido; não é, tampouco, um meio de condicionar o indivíduo de determinada maneira. Educação, no sentido verdadeiro, é ajudar o indivíduo a tornar-se um ente amadurecido e livre, para ”florescer ricamente em amor e bondade”. Nisso é que devemos estar interessados, e não, em moldar a criança conforme um padrão idealista. Não deve a educação estimular o indivíduo a adaptar-se à sociedade ou a manter-se negativamente em harmonia com ela, mas ajudá-lo a descobrir os valores verdadeiros, que surgem com a investigação livre de preconceitos e com o auto-percebimento. (KRISHNAMURTI, 1976, p. 21-22).
Levando em consideração a nossa análise crítica acerca das teorias da
comunicação, da estratificação semiótica da comunicação, do exame das
sociedades de disciplina e de controle, da apreciação acerca da instituição
anacrônica escola, com seus desdobramentos em educação e sua redução na
sala de aula, bem como a sua desarticulação, apontamos alguns aspectos
práticos de ruptura institucional a partir da projeção da consciência
comunicacional na educação, através da desautomatização semiótica da
comunicação em escala pedagógica.
Embora consideremos satisfatoriamente concluída nossa análise
proposta, consideramos relevante complementar nossa pesquisa com
elementos indicativos e motivacionais da projeção de novos horizontes de
ensino-aprendizagem, não focado na técnica, mas na ideologia projetiva
quanto ao emprego da desautomatização semiótica da comunicação.
Torna-se imprescindível também constatar que, devido à sua própria
proposta de constituição, compete à Psicopedagogia um papel material
fundamental na aplicação de nossa analisem, pois integra, em sua essência, a
análise estrutural sócio-relacional das tensões entre os atores da educação.
Ao integrar as contribuições teóricas advindas dos vários campos das ciências em torno do processo de aprendizagem humana, a Psicopedagogia ‘cria’ uma forma peculiar de olhar este processo. O olhar psicopedagógico se reveste de uma preocupação em resgatar o interjogo dinâmico e complexo de aspectos envolvidos na situação de aprendizagem: a particularidade dos indivíduos que ali comparecem (o aprendente e o ensinante); a relação que se estabelece entre eles e entre eles e o objeto de conhecimento; as estruturas sociais às quais eles fazem parte (família, escola, sociedade). (ABED, 1996: 11)
84
Delors (2000, p. 63) defende que “a educação, em geral, desde a
infância e ao longo de toda a vida, deve forjar, também, no aluno a capacidade
crítica que lhe permita ter um pensamento livre, e uma ação autônoma”.
A capacidade crítica depende da autonomia, ao mesmo tempo em que é
pressuposto para esta mesma inclinação. Para libertar o pensamento, torna-se
imprescindível facilitar o acesso à informação concomitantemente com uma
perspectiva funcional crítica, baseada no interesse social e na subversão de
pseudo-valores que institucionalizam a vida, escravizam o pensamento,
esvaziam a autenticidade subjetiva e anacronizam o comportamento.
Para Delors (2000, p. 99), “todo ser humano deve ser preparado,
especialmente graças à educação que recebe na juventude, para elaborar
pensamentos autônomos e críticos e para formular seus próprios juízos de
valor, de modo a poder decidir, por si mesmo.” Essa “decisão por si mesmo”
necessita de referencialidades, entretanto, seu referencial não pode se
configurar como molde institucional condicionador de seu comportamento.
A comunicação pedagógica, baseada na consciência semiótica, desvia,
em primeira instância, a efetivação da ideologia disciplinar de coerção e
dominação designada à escola para uma possibilidade real de o aluno ampliar
seus horizontes, no campo da cognição e do saber.
O aumento dos saberes, que permite compreender melhor o ambiente sob os seus diversos aspectos, favorece o despertar da curiosidade intelectual, estimula o sentido crítico e permite compreender o real, mediante aquisição de autonomia na capacidade de discernir. (DELORS, 2000, p. 91).
Nesse argumento se fundamenta a necessidade da ruptura institucional
do professor com a escola. Dissemos anteriormente que se trata de uma
espécie de “salto de fé”, exatamente porque o professor, rompendo com a
anacronia de vigilância e punição que põe em paralelo temporal duas
sociedades, necessita romper com a própria instituição internalizada e confiar
no presente, acreditar no aluno, na sociedade, no futuro, no mundo.
Acreditar no mundo é o que mais nos falta; nós perdemos completamente o mundo, nos desapossaram dele. Acreditar no mundo significa principalmente suscitar acontecimentos, mesmo pequenos, que escapem ao controle, ou engendrar novos espaços-tempos, mesmo de superfície ou volume reduzidos. (...) É ao nível de cada tentativa que se avalia a capacidade de resistência ou, ao
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contrário, a submissão a um controle. Necessita-se ao mesmo tempo de criação e povo. (DELEUZE, 1992b, p. 218).
Acreditar no mundo, em recriar um mundo pareado com seu próprio
tempo, seja o último estágio de um profundo niilismo. Nesse caso, pensa-se,
tudo o que nos resta é a sociedade. Não se pode abrir mão da social
humanidade em detrimento de uma engrenagem sórdida de poder, que
escraviza as células sociais, átomo a átomo, numa instituição macabra, como a
escola anacrônica contemporânea.
Se não se pode prescindir de uma urgente ressocialização crítico-
pedagógica, sincronizando, dessa forma, os ponteiros dos relógios. Leite
(2015) defende que “a mudança de mentalidade é fundamental porque apesar
de existirem exemplos inspiradores, de vanguarda, o que se tornou universal
foi um modelo de educação enraizado ao conceito de escola do século XIX”,
que molda e disciplina para a indústria e para o consumo. A mudança é viável,
mas só pode ocorrer da ponta para o centro, ou seja, da sala de aula para as
estruturas de cerne da instituição escola.
Contudo, muitas barreiras se colocarão, de maneira quase
intransponível, frente às possíveis insurgências de mudança de atitude do
corpo docente. Dentre elas, a própria inércia ideológico-social da sociedade
vigente, que foi instituída por esse modelo pedagógico cruel e assincrônico.
Vivemos então um paradigma: do ponto de vista legal existe a possibilidade de a escola construir um projeto pedagógico autônomo e focado no desenvolvimento integral; em contrapartida, as pessoas que estão nas escolas e fora dela não sabem disso e esperam da escola a continuidade do modelo tradicional, mesmo que já seja um consenso de que se trata de um modelo falido, que não serve nem mais para a reprodução do sistema, que dirá para uma transformação social. (LEITE, 2015).
Uma das propostas, a qual nos referencia Del Prette (1998), conforme já
apresentamos no nosso segundo capítulo, é o Programa de Desenvolvimento
Interpessoal Profissional (PRODIP), que, dentre outras medidas, sugere que se
divida o protagonismo da enunciação pedagógica entre aluno e professor,
materializando a alteridade e diminuindo a interferência dos ruídos na
comunicação referente ao ensino-aprendizado.
Os objetivos do PRODIP focalizaram principalmente a habilidade do professor em colocar também o aluno como apresentador/elaborador do conteúdo, o que implicaria habilidades adicionais de apoiar e
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incentivar a participação do aluno, além de reduzir a quantidade e melhorar a qualidade das ações do professor enquanto apresentador, ele próprio, dos conteúdos. Entre os objetivos de desempenho que foram alvo do PRODIP, podem ser destacados: fazer perguntas e pedidos (de diferentes formas e funções), recolocar ou parafrasear a fala do aluno, fornecer feedback positivo, fornecer ajuda verbal mínima etc., além de ações mais amplas como planejar e coordenar atividades interativas em sala de aula. (DEL PRETTE, 1998, p. 4).
Del Prette (1998) apresenta, com base no Programa de
Desenvolvimento Interpessoal Profissional, um protagonismo discente, que
pode vir a enfraquecer as resistências dentro da sala de aula, uma vez que o
próprio sujeito geracional modulado sugere alternativas aos moldes
institucionais educacionais que o próprio professor pode não vislumbrar, pela
sua internalização disciplinar rígida.
Dessa maneira, abre-se possibilidade para que haja um segundo passo
na integração semiótica pedagógico-comunicacional, onde o professor pode
rever as informações que colheu desde a sua fase de pré-comunicação, na
etapa de ruptura ideológica, até o feedback do aluno, uma vez que é o próprio
aluno quem irá imprimir a social modulação às engrenagens pedagógicas,
retificando e ratificando a comunicação pretendida e iniciada pelo professor.
Acura-se, dessa forma, pelo exemplo e pela observação acerca da eficiência
comunicacional entre pares modulados, “a clareza ‘do que’ e ‘a quem’ pretende
atingir que orientam o ‘como’ de suas ações.” (GARCIA et al., 2012: 22).
O professor, de força de vigilância, de punição e, portando, de
resistência, projeta-se como mediador de significado.
Mediar significado é, portanto, permitir e instigar o aluno a compreender (ao invés de memorizar), a debater (ao invés de aceitar passivamente), a problematizar e posicionar-se diante dos conhecimentos, a engajar-se e manter os níveis motivacionais elevados para ampliar seus repertórios internos. (GARCIA et al., 2013, p. 32).
A mediação do significado perpassa a significação dos conteúdos, que
deve ser iniciada com o rompimento ideológico do professor, como
apresentamos anteriormente.
Conteúdos “vazios” de significado são facilmente esquecidos. Para que a verdadeira aprendizagem se dê, é preciso que o aluno construa o seu próprio conhecimento, revestindo-o de sentidos pessoais, o que por sua vez mobiliza a afetividade tanto do professor como dos alunos. (ABED, 2014, p. 60).
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Para revestir-se desses sentidos pessoais, é preciso que o mergulho de
alteridade do professor seja autêntico, uma vez que tais sentidos são possíveis
quando o novo é comunicado num excipiente compatível com o repertório
cultural do aluno. Para Garcia (et al., 2013, p. 38), “cabe ao mediador (com
intencionalidade) preocupar-se com as características das tarefas propostas
para provocar a motivação e o desejo de aprender no educando (a
reciprocidade)”.
A afetividade é outro elemento que não pode ser deslocado para
segundo plano na dinâmica ensino-aprendizagem. A aprendizagem,
especialmente a eficiência na cognição, é, por excelência, vinculada ao campo
afetivo. Sem afeto, não há prazer. Sem prazer não há aprendizado real, nem se
estabelecem pontes viáveis de acesso ao que se aprendeu.
Há medidas pedagógicas que, envolvidas na experiência consciencial
semiótica comunicacional, podem acentuar a ruptura institucional, melhorar a
cognição, através da produção de sentido, empoderar o aluno no campo
enunciativo, fortalecer vínculos afetivos no ambiente de sala de aula, além de
expandir a percepção do professor sobre o aluno e de contextualizá-lo no
repertório cultural identitário que permeia o grupo discente, fazendo-se
perceber, assim como na segunda projeção semiótico-comunicacional,
enquanto mensagem, como ideologia de si mesmo.
Promover situações de debates e trocas de ideias, em sala de aula, promove, nos alunos, o desenvolvimento dessas e muitas outras habilidades de convívio social, além de permitir ao professor ter acesso à forma de ser dos seus alunos. A maneira como cada um se coloca no grupo expressa seus conhecimentos, ideias, valores, opiniões, impressões, sentimentos, posicionamentos, dúvidas, inquietações e tantos outros componentes do seu mundo interno. (...) O professor é parte integrante – embora diferenciada – do grupo classe, portanto as suas próprias ações revelam a sua forma de ser-no-mundo. Desse modo, sua postura deve servir como modelo de relacionamento interpessoal saudável e ético: o professor deve ser atento e cuidar da forma como compartilha, com os alunos, seus sentimentos e experiências, oferecendo seus próprios exemplos, inquietações, reflexões, construções (ABED, 2014, p. 64).
A integração passa a ser, portanto, a maneira mais eficiente de
aprimoramento na comunicação, assim como, concomitantemente à
intencionalidade crítica, provoca o sentido de pertencimento e favorece a
subjetivação modular, incutida de singularidade extremamente diversa ao
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molde disciplinar. “Tão importante quanto promover a socialização do sujeito é
desenvolver, no aluno, a consciência de sua condição de ser único no mundo”.
(ABED, 2014, p. 64).
O individual e o social constituem simultaneamente uma duplicidade na
condição humana, que, segundo Garcia (et al., 2013, p. 37), “deve ser
considerada nas mediações do professor, que precisa desenvolver em si
mesmo um duplo olhar e um duplo cuidado: em relação ao seu grupo-classe e
a cada um de seus alunos”. Retornamos, dessa forma, à questão da ruptura
ideológico-disciplinar e da construção de um campo de atuação cognitiva
inspirada no afeto e no prazer de aprender da criança e pautada da
consciência semiótica da comunicação pedagógica, que deve, portanto,
“privilegiar sua (da criança) evolução socioafetiva”. (HARPER et al., 1987, p.
111).
Da ruptura com a anacronia institucional da escola, nasce a percepção
da capacidade modular singular que todo ser humano tem de aprender, de
onde, a partir de estruturas afetivas estabelecidas e da consciência
comunicacional, surge a motivação.
Da mesma forma que uma perspectiva pessimista pode ter efeitos devastadores na aprendizagem escolar dos alunos, podemos refletir sobre a enorme força mobilizadora da crença na possibilidade de todos, sem exceção, aprenderem. Esta fé vai revestir as ações pedagógicas do professor de energia amorosa, de intencionalidade, de busca por novas e infinitas maneiras de atingir aqueles que têm dificuldade em aprender. (GARCIA et al., 2013, p. 34).
Apesar de as dificuldades de aprender poderem ter origem em inúmeros
distúrbios, os resultados previstos para um envolvimento sincero e para a
disponibilidade integral no período em que se dispõe à sala de aula
representam a “importância dos investimentos afetivos vividos pelos
professores em suas salas de aula”. (HARPER et al., 1987, p. 112).
Abed (2014, p. 69) aponta ainda “aspectos importantes que devem ser
mediados pelo professor”:
1. Vislumbrar possíveis alternativas de ação para a solução de um problema; 2. Escolher o caminho que parece ter mais probabilidade de sucesso; 3. Comprometer-se com a escolha realizada; 4. Permanecer no caminho escolhido, “pagando o preço” pelas escolhas realizadas; 4. Adequar as ações em funções do desenrolar dos acontecimentos; 5. Lidar com os resultados, quaisquer que sejam,
89
retirando aprendizagens significativas a partir da experiência vivida. (ABED, 2014, p. 69).
A proposta apresentada por Abed pressupõe um professor que
efetivamente tenha efetuado a ruptura ideológica com a instituição “escola
tradicional” e se disponha a constituir uma nova atitude pedagógica motivada
pela confiança intuitiva e ratificada pelos resultados de suas ações, visto que
estamos partindo de um sujeito institucionalizado extremamente subjugado,
com enormes propensões a uma identificação projetiva. Estamos falando, pois
de uma nova configuração de vínculo pedagógico, onde a tirania começa a
ceder lugar ao respeito e à consideração ao devir. Garcia (et al., 2013, p. 40)
acrescenta que, na relação pedagógica entre os atores, em sala de aula,
“estabelecer um bom vínculo diz respeito a desenvolver a confiança e o
respeito mútuo entre professor e aluno”.
Para o desenvolvimento desse novo posicionamento, dentre os recursos
que apresentamos, vale destacar a utilização dos jogos pedagógicos, sem,
contudo, se furtar da consciência comunicacional pedagógica desenvolvida
para a ruptura de padrões e mudança de paradigmas pedagógicos. Do
contrário, pode o jogo acabar por se transformar em mais um recurso de molde
e coerção.
O jogo é um recurso didático privilegiado, pois possibilita viver experiências que representam os desafios da realidade, além de ser divertido, acolhedor e empolgante e, assim, criar um maior envolvimento na relação de ensino-aprendizagem. Para os adultos, significa também um encontro com o tempo da infância, da brincadeira, com a experiência do jogar, que oferece um solo fértil para o desenvolvimento e aplicação de habilidades de raciocínio no cotidiano. (MIND LAB, 2012, p. 8).
Sendo o jogo uma via de mão dupla, o professor também acaba por
tornar mais autênticos os seus laços afetivos com seus alunos. O lúdico
promove acesso a elementos inconscientes que remetem ao prazer,
fomentando, também no professor, a estruturação de novas prospecções para
a continuidade de desinstitucionalização dos atores presentes nas relações de
sala de aula e, por conseguinte, da ideologia punitiva e vigilante da escola.
Enquanto Gonçalves (1997, p.132) aponta que “na perspectiva da
educação transformadora, o reconhecimento da sensibilidade é fundamental no
ato educativo, pois dela deriva a força impulsora da ação humana”, Harper (et
90
al., 1987, p. 111) alerta e considera que “a falta de sensibilidade dos
educadores em relação ao amadurecimento afetivo de cada criança está na
raiz de muitos conflitos, bloqueios, frustrações e fenômenos de dependência
que interferem constantemente com a prática escolar”.
Alicerçam-se no movimento inicial do professor, no reconhecimento da
sensibilidade e na sua cognição acerca das estruturas semiológicas da
comunicação, assim como na sua opção por considerá-las, as “conexões
significativas entre o conteúdo histórico que estava sendo estudado e a
subjetividade dos alunos, aproximando fantasia e reflexão, afetividade e
inteligência, autoconhecimento e conhecimento do mundo.” (ABED, 2004, p.
26).
Do recorte “sala de aula” para a instituição, consideramos que a escola
precisa de uma reconceituação que a configure como:
(...) um espaço de formação e informação, em que a aprendizagem de conteúdos deve necessariamente favorecer a inserção do aluno no dia-a-dia das questões sociais marcantes e em um universo cultural maior. A formação escolar deve propiciar o desenvolvimento de capacidades, de modo a favorecer a compreensão e a intervenção nos fenômenos sociais e culturais, assim como possibilitar aos alunos usufruir das manifestações culturais nacionais e universais. (BRASIL, 1997, p. 45).
Dentro dessa nova configuração de escola, que ainda vislumbra-se
distante de realização, cabe ao professor, segundo Harper (et al., 1987, p.
110), “fornecer recursos e instrumentos aos alunos para que eles possam
reagir a seu meio ambiente e construir, pouco a pouco, as noções próprias a
seu desenvolvimento intelectual” e isso não pode ocorrer com moldes que
possuam uma ideologia disciplinar de subjugação para a manutenção das
estruturas vigentes de poder.
Conclui-se, pois, que é preciso “reinventar a prática escolar à base de
elucidação das necessidades próprias às crianças” (HARPER et al., 1987, p.
111). Para isso é preciso que tanto o professor, como sujeito motivador, como
o aluno estabeleçam um profundo conhecimento da sua própria realidade.
Toda a questão ideológica gira em torno de quem dispõe de possibilidade para
começar o processo, no nosso caso, do professor.
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Quanto à escola, necessita de uma radical reforma educacional. Ao
invés de estabelecer o terror de um futuro em calamitosa clausura, a educação
deve, em essência, libertar: facilitar o sujeito a “tornar-se si próprio”.
A educação deve ajudar-nos a descobrir valores perenes, para que não nos apeguemos a fórmulas ou à repetição de slogans; deve ajudar-nos a derrubar as barreiras nacionais e sociais, em lugar de as reforçar, porquanto essas barreiras geram antagonismo entre homem e homem. Infelizmente, o nosso atual sistema de educação nos torna subservientes, mecânicos e fundamentalmente incapazes de pensar; embora desperte nosso intelecto, deixa-nos interiormente incompletos, estultificados e estéreis. (KRISHNAMURTI, 1976, p. 13).
No que tange à educação, em âmbito maximizado, esta deve promover
uma fertilização crítica social, subjetiva e identitária, que subverta a ideologia
institucionalizada e permita a ruptura com os moldes disciplinares, favorecendo
o fluxo modular contemporâneo, para que o nefasto controle deleuziano, que
ainda não conseguiu se estabelecer com sucesso – por responsabilidade das
instituições de sua sociedade precedente –, se estabeleça, cumpra seu ciclo e,
finalmente, extirpe-se.
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CONCLUSÃO
Ao voltar à escola, Maxwell se faz de bobo de novo./ A professora se irrita, desejando evitar uma desagradável cena./ Ela diz para Max para permanecer depois da aula./ Então ele ficou no fundo da sala aguardando./ Escrevendo cinquenta vezes: "Eu não devo ser tão..."/ Mas quando ela vira as costas para o garoto, ele vem de fininho por trás./ Bang! Bang!/ O martelo prata de Maxwell caiu sobre a cabeça dela. Bang! Bang!/ O martelo prata de Maxwell garantiu que ela estava morta! (LENNON & MCCARTNEY, 1969, tradução nossa).
A educação contemporânea, projetada nas dinâmicas de sala de aula, é
a representação institucional de uma tortura física e psicológica sem
precedentes na história da humanidade.
A escola, por sua vez, se configura como uma representante legítima e
blindada da sociedade disciplinar que vigia, pune e controla, afligindo,
crucificando, martirizando, mortificando, atormentando, agonizando,
amargurando, angustiando e imprimindo profundíssimos traumas e
discrepâncias de percepção em seus alunos, para que sejam moldados a uma
ideologia desumana, atroz, bárbara, cruel, seva e sádica, subservientes às
dinâmicas de poder que visam à sinistra manutenção da obsolescência
institucional de uma sociedade ultrapassada em mais de sete décadas.
Professores são atores pedagógicos extremamente angustiados. Por
isso mesmo desenvolvem intensos mecanismos de defesa psicológicos, dentre
os quais, consideramos, com maior propensão na incidência da identificação
projetiva. Dentro desse mecanismo de defesa, professores são potentes
candidatos a desenvolverem a Síndrome de Estocolmo5.
Escravos e seus senhores, sobreviventes de campos de concentração, aqueles submetidos a cárcere privado, pessoas que participam de relacionamentos amorosos destrutivos, e até mesmo algumas relações de trabalho extremas, geralmente permeadas de assédio moral; podem desencadear o quadro. Em todos esses casos, são características marcantes: a existência de relações de poder e coerção, ameaça de morte ou danos físicos e/ou psicológicos e um tempo prolongado de intimidação. Nesse cenário de estresse físico e mental extremos, o que está em jogo inconscientemente é a necessidade de autopreservação por parte do oprimido, aliada à ideia, geralmente errônea, de que, de fato, não há como escapar
5 Síndrome de Estocolmo é o nome dado a um estado psicológico particular em que uma pessoa, submetida a um tempo prolongado de intimidação, passa a ter simpatia e até mesmo sentimento de amor ou amizade perante o seu agressor. A síndrome de Estocolmo parte de uma necessidade, inicialmente inconsciente. (ARAGUAIA, 2016).
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daquela situação. Assim sendo, ele inicialmente percebe que somente acatando as regras impostas é que conseguirá garantir pelo menos uma pequena parcela de sua integridade. Aos poucos, a vítima busca evitar comportamentos que desagradem seu agressor, pelo mesmo motivo pontuado anteriormente; e também começa a interpretar seus atos gentis, educados, ou mesmo de não violência como indícios de uma suposta simpatia da parte dele a ela. Tal identificação permite a desvinculação emocional da realidade perigosa e violenta a qual está submetida. Por fim, a vítima passa a encarar aquela pessoa com simpatia, e até mesmo amizade – a final de contas, graças à sua “proteção”, ela ainda se encontra viva. No caso de pessoas sequestradas, mais um agravante: tal indivíduo é geralmente a sua única companhia! (ARAGUAIA, 2016).
Dessa maneira, o professor passa a se configurar como a personificação
materializada da instituição escola, enquanto identificação projetiva, ao mesmo
tempo em que se estabiliza como seu defensor ideológico e agente reificador
pela a Síndrome de Estocolmo.
Os alunos, por sua vez, em torno dos seis anos de idade, embarcam
num impelido tour para o inferno, o qual se denomina “vida escolar” ou “período
de escolarização”. Durante esse período, desfrutam de, no mínimo, doze anos
de opressão física e mental, vigilância, punições, amoldamentos, castrações e
docilizações ideológicas, para servirem à manutenção das estruturas de poder
às quais a instituição escola se curva.
Apesar de obsoleta e fadada ao fracasso institucional, a escola,
excelentemente representada pela sala de aula, se configura como uma
lúgubre e trágica cápsula do tempo, que origina uma patologia de anacronismo
social em seus alunos, coagindo-os a moldes há dois séculos de discrepância
da contemporaneidade.
A sociedade disciplinar, disposta por Michel Foucault, herdeira da
sociedade de soberania, produziu instituições de confinamento que perduram
até os dias atuais. Entretanto, nenhuma permanece tão imperativa e universal
quanto a escola, mantenedora do panóptico, em especial, na figura do
professor.
A sociedade de controle, conceituada por Gilles Deleuze, herdeira da
sociedade disciplinar, se configura como uma sociedade de conflitos
socialmente ideológicos. Ao mesmo tempo em que a disciplina panóptica se
espargiu socialmente, com o surgimento e a popularização de novas
tecnologias, as instituições herdadas na disciplina, em especial a escola, se
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configuram como agentes retrógrados, igualmente nocivos e obedientes às
estruturas de poder, embora provoquem um caos assincrônico entre os sujeitos
que transitam por seus portões.
Atualmente, o campo de conflito sócio-geracional temporal por
excelência é a sala de aula, onde sujeitos midiaticamente e socialmente
modulados são imputados aos moldes disciplinares num anacronismo
adoecedor.
Nesse cenário, a questão das dificuldades de ensino-aprendizagem
recai, em primeira instância, sobre a incapacidade comunicacional entre
professor e aluno, dentro de sala de aula, justamente pela incompatibilidade
cronológico-institucional entre os atores pedagógicos.
Como parte fundamental da ideologia institucional da escola, a
comunicação pedagógica se baseia num modelo comunicacional autoritário,
comparado ao padrão behaviorista de estímulo e resposta mecânica, que não é
eficiente e efetivamente impede relação de comunicação. A Teoria da Agulha
Hipodérmica, usada nas relações de ensino-aprendizagem, em primeira
instância, não é funcional, pois (diferentemente da relação da massa com a
mídia, onde ocorre um condicionamento do aparelho psíquico pelo vínculo
contínuo e afetivo, em especial com a televisão) é constituída em vício de
localização de ator comunicacional, no que tange a produção do sentido.
O acesso às estruturas de estratificação semiótica da comunicação
somente instrumentaliza o professor e proporciona uma alternativa de escolha
na sua comunicação, mas não garante uma mudança de paradigmas, uma vez
que esse profissional está sujeito à Síndrome de Estocolmo, agravada pela
assincronia institucional, que agrava seu quadro patológico.
A desestruturação da sala de aula enquanto cápsula do tempo depende
do professor, esse sujeito patológico por natureza institucional. Dinamitar a
cápsula do tempo depende de uma sucessão de “saltos de fé” de professores
que precisarão acreditar numa possibilidade além de sua percepção, como
terem uma visão além do alcance.
Uma vez rompida a continuidade subjetiva docente-institucional, o
professor desautomatiza a comunicação pedagógica se valendo das
95
ferramentas estratificadas da semiótica comunicacional à sua disposição para
reformular sua percepção interacional.
Percebendo que o sentido da comunicação não está contido na
mensagem enviada, mas se constitui em uma construção do coenunciador que
a recebe, o professor tem a possibilidade de minimizar o límbico orfanato
semântico no qual nossa geração modulada de alunos do controle se encontra
quando se vêem imersos num passado sombrio de moldes, disciplina,
vigilância e punição.
A desautomatização do processo comunicacional provoca, pois, sobre
dificuldades de cognição um impacto referencial inicial que desestrutura o
paradigma disciplinar da fúnebre instituição de confinamento denominada
escola, desarticulando a ideologia de dominação e de manutenção de poderes
que já provoca metástases em nosso sistema social.
Apesar de integrar nosso trabalho, o último item do nosso terceiro
capítulo, denominado “Novos horizontes de ensino-aprendizagem” se projeta
mais como um desejo do que como uma realidade. Afinal, considerando o nível
de infiltração psicossocial e todas as variáveis que expusemos, do nosso
conjunto de professores, quantos estarão dispostos a desatar os demoníacos
laços institucionais disciplinares capitalistas de exploração, colocando em risco
seus miseráveis salários, além de estarem dispostos a enfrentarem seus
fantasmas em complexos psicológicos intrincados e profundos, em prol de uma
mudança que não alcançará o próprio umbigo dos mesmos, nem, ao menos, as
suas muitas gerações subsequentes?
Como expusemos, estamos diante de um problema grave, com poucas
chances de solução a curto e médio prazo, numa sociedade doente, herdeira
de uma trágica patologia social, com cada vez mais variáveis do que equações.
É possível que estejamos numa prospecção niilista, contudo, como já
nos posicionamos, consideramos que a esperança se encontra no último grau
do niilismo. Não é poesia: trata-se de uma derivação do instinto de
conservação. Afinal, a sociedade, ou, em escala mais ampla, a humanidade é
tudo o que nos resta e desistir não é uma alternativa.
96
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