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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM SOB A PERSPECTIVA
DIALÓGICA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES
Por: Cheyenne Fernandes Duarte
Orientadora
Profª. Flavia Cavalcanti, MSc.
Rio de Janeiro
2015
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2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM SOB A PERSPECTIVA
DIALÓGICA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES
Apresentação de monografia à AVM Faculdade
Integrada como requisito parcial para obtenção do grau
de especialista em Orientação Educacional e
Pedagógica.
Por: Cheyenne Fernandes Duarte
3
AGRADECIMENTOS
À JESUS CRISTO, meu Salvador e Libertador, Autor e Consumador da
minha fé, pois até aqui tem me sustentado com a onipotência de um Deus Vivo.
À minha mãe, Elizabeth Martins Fernandes, pela prazerosa convivência e
pelos sábios ensinamentos que forjaram minha personalidade e caráter.
Ao meu pai, Paulo Souto, rocha forte nos tempos de tempestades.
À minha namorada Fernanda Leal, pela atenção e companheirismo em
tempos difíceis.
Às minhas avós, Denancy e Seonor, pelas ajudas em momentos de crise.
À minhas tias Henriette e Margareth, pela preocupação e auxílio nas
situações críticas.
À professora-orientadora Flávia Cavalcanti pela sempre disponibilidade,
atenção e incentivo no trajeto de elaboração da Monografia.
À todos os professores da AVM/UCAM – irrestritamente – que mediaram a
construção de saberes significativos ao proporcionarem experiências
enriquecedoras e prazerosas em sala de aula.
Reforçando, um especial agradecimento a minha amada tinha Henriette
por investir em mim financiando este curso.
Enfim...
À todos aqueles que me disseram não, sabedores de que eu necessitava
de um sim!
4
EPÍGRAFE
Os governos dos grandes Estados dispõem de dois meios para manter o povo na dependência, no temor e na obediência: um mais grosseiro, o exército, outro mais sutil, a escola.
Friedrich Nietzsche
[...] o hoje a principal falha da escola com relação a sua dimensão social parece ser sua omissão na função de educar para a democracia.
Vitor Henrique Paro
5
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho à Elizabeth Martins Fernandes (in
memorian), minha mãe, pois tudo – absolutamente
tudo – que sou hoje devo a ela. Eternamente grato por
sua dedicação e zelo a mim concedidos durante os
vinte nove anos e vinte e cinco dias de convivência
debaixo do sol.
6
RESUMO
Esta pesquisa monográfica tem por objetivo esclarecer/investigar quais
seriam os possíveis desafios e possibilidades que se apresentam para a atuação
do orientador educacional no que tange à consolidação de uma avaliação
dialógica da aprendizagem escolar no interior das práticas cotidianas, sobretudo,
em sala de aula, na relação professor/professora e aluno(s)/aluna(s).
A investigação lança olhares diversificados e reflexivos em torno dos
possíveis fatores que dificultariam/inibiriam o trabalho do orientador educacional,
no que diz respeito à incorporação da perspectiva avaliativa dialógica na prática
pedagógica de professores e professoras, assim como, sobre os fatores que
possam contribuir para potencializar as ações do orientador na efetivação dessa
perspectiva de avaliação da aprendizagem. Buscam-se, então, subsídios para
que o orientador educacional saiba melhor lidar com os entraves, porventura
presentes em seu labor em torno da efetivação da avaliação dialógica, além de
utilizar-se de forma efetiva das possibilidades que se apresentaram nessa
trajetória. Com essa investigação buscar-se-á não propriamente o esgotamento do
assunto – algo improvável de ocorrer –, ao contrário, almeja-se colaborar com
pesquisas realizadas em outros espaços e momentos, no sentido de enriquecer o
aporte teórico-prático em torno de uma escola que cumpra com qualidade – social
– sua missão de contribuir junto ao desenvolvimento integral de alunos e alunas,
que passa pela formação cidadã, crítica e democrática, atribuições diretas do
orientador educacional.
Palavras-chave: desafios; possibilidades; orientador educacional; avaliação
dialógica e escola.
7
METODOLOGIA
O estudo em questão focará na Avaliação da Aprendizagem sob uma
perspectiva Dialógica no contexto da educação básica (considerações especiais
em torno da escola pública), através de um estudo teórico onde se buscará
descrever o(s) desafio(s) e a(s) possibilidade(s) para a efetivação por parte do
Orientador Educacional deste enfoque avaliativo.
Para tanto, o trabalho estará alicerçado em uma pesquisa bibliográfica a
partir de bibliografias primárias e secundárias. As primárias dizem respeito
diretamente ao objeto de pesquisa em questão, por exemplo: Perrenoud (2007);
Romão (2011); Luckesi (2011a e 2011b); Hoffmann (2011); Paro (2000 e 2011) e
Grinspun (2011). As secundárias referem-se aquelas bibliografias que se
vinculam de alguma maneira com as primárias e lhe darão suporte, sendo
elencados alguns exemplos: Freire (2011a, 2011b, 2011c, 2013, 2014a e 2014b);
Foucault (2013 e 2014) e Paro (2013). Buscou-se fazer uso de bibliografias
consagradas, de autores academicamente reconhecidos que possuam relevantes
pesquisas em suas áreas de atuação, assim como vasta experiência em uma
vivência prática de trabalho.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 09
CAPÍTULO I - Orientação Educacional: apontamentos críticos 13
CAPÍTULO II - Avaliação da Aprendizagem sob a perspectiva Dialógica 25
CAPÍTULO III – Avaliação Dialógica: desafios e possibilidades para atuação do
Orientador Educacional 41
CONSIDERAÇÕES FINAIS 53
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 57
ÍNDICE 61
9
INTRODUÇÃO
O fenômeno educação – sobretudo a escolar – é algo complexo e
desafiador. Por exemplo, com múltiplas facetas o ato de educar comprometido
com os homens e com o mundo compreende um esforço teórico-prático que
busca re-totalizar a realidade para melhor entendê-la e atuar efetivamente sobre
ela, transformado-a. Para tanto, os agentes pedagógicos – assim como também a
família dos alunos e das alunas – devem estar sincronizados e engajados
politicamente em um processo dialético de re-significação de práticas, de
condutas e de visões de mundo.
Nessa perspectiva, o cotidiano escolar com sua complexidade e
contradições apresenta-se como um dos principais objetos de estudo do
orientador educacional (GRINSPUN, 2011). Nesse cotidiano – perpassado por
relações de poder1 – o orientador deverá atuar como um articulador das ações
propostas no espaço escolar, como um facilitador na busca da coesão da
estrutura intra-escolar em interação com a realidade mais ampliada. Nesse
contexto intra-escolar e levando em consideração as diversificadas atribuições do
orientador educacional qual seria, por exemplo, sua responsabilidade no tocante
ao sistema de avaliação da aprendizagem na escola?
A avaliação da aprendizagem para Luckesi (2011b) é um dentre os
variados elementos que compõem o ato pedagógico. Dessa forma, o ato
avaliativo não pode ser percebido como um esforço isolado, desconexo de uma
1 É importante mencionar que “o poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas, os indivíduos não só circulam, mas estão sempre em posição de exercer esse poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão. Em outros termos, o poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles. Não se trata de conceber o indivíduo como uma espécie de núcleo elementar, átomo primitivo, matéria múltipla e inerte que o poder golpearia e sobre o qual se aplicaria, submetendo os indivíduos ou estraçalhando-os. Efetivamente, aquilo que faz com que um corpo, gestos, discursos e desejos sejam identificados e constituídos enquanto indivíduos é um dos primeiros efeitos de poder. Ou seja, o indivíduo não é o outro do poder: é um de seus primeiros efeitos. O indivíduo é um efeito do poder e simultaneamente, ou pelo próprio fato de ser um efeito, seu centro de transmissão. O poder passa através do indivíduo que ele constituiu” (FOUCAULT, 2014, p.284-285). Dessa forma, assume-se o orientador educacional como um possível ponto disseminador de poder capaz de influenciar posturas e práticas.
10
proposta mais ampla e da própria estrutura pedagógica e administrativa da
escola; caso isso venha ocorrer contribuirá para a fragmentação das ações
empreendidas, assim como das percepções em relação à realidade sócio-político-
histórica que perpassa a educação escolar e ao próprio ato avaliativo. “A
avaliação da aprendizagem escolar adquire seu sentido na medida em que se
articula com um projeto pedagógico e com seu consequente projeto de ensino”
(LUCKESI, 2011a, p.45). Nessa perspectiva totalizadora da prática educativa
surge o orientador educacional no sentido de contribuir com a construção de um
projeto pedagógico2 capaz de contribuir com o alcance do objetivo maior que é
“[...] formar uma personalidade humano-histórica [...]” (PARO, 2011, p. 29) e para
tal a avaliação da aprendizagem apresenta-se como elemento subjacente ao
esforço educativo. A avaliação da aprendizagem pode auxiliar na concretização
do projeto pedagógico, pois buscará dar suporte as ações, assim como a
correções de fluxos.
A proposta de pesquisa em questão se debruçará sobre uma específica
forma de gerenciamento da avaliação. Se distanciando de uma prática
pedagógica imobilista e bancária3 vislumbraremos a possibilidade da emersão e
efetivação no interior da escola de práticas avaliativas que valorizem a
dialogicidade4 como elemento fundamental das relações entre professor e
aluno(a). A avaliação dialógica está no centro de uma utopia social que busca a
democratização das decisões, das relações e das instituições. Para tanto, qual(is)
seria(m) o(s) desafio(s) e possibilidade(s) para a atuação do Orientador
Educacional no sentido da consolidação de uma Avaliação Dialógica da
Aprendizagem Escolar? A proposta em questão objetivará responder a indagação
acima apresentada, tendo como principais subsídios às reflexões autores como
Romão (2011), Grinspun, (2011) e Paro (2011); o primeiro focando em aspectos
2 Conforme Grinspun (2011) uma das atribuições do orientador educacional é auxiliar na construção e efetivação do projeto pedagógico escolar. Subentende-se o elemento político subjacente ao pedagógico. 3 “[...] na educação e na avaliação “bancárias” os alunos se transformam em meros arquivos especulares das “verdades” descobertas previamente pelos professores na sua formação e na preparação de suas aulas” (ROMÃO, 2011, p.92). 4 Para Freire (2013, p.91) “a educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é transferência de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados”.
11
relacionados à avaliação da aprendizagem, o segundo com incursões teóricas em
orientação educacional e o terceiro com pesquisas em democracia escolar.
É importante mencionar que a escola – onde a avaliação da aprendizagem
ocorre – não é uma instituição isolada do mundo, apartada da realidade mais
ampla, etérea, sendo, portanto, historicamente constituída. Por exemplo, “numa
sociedade de classes, são as elites do poder, necessariamente, as que definem a
educação e, consequentemente, seus objetivos. E estes objetivos não podem
ser, obviamente, endereçados contra os seus interesses” (FREIRE, 2011a,
p.186). Assim, a educação escolar pode ser percebida como fortemente
influenciada por ideologias5 externas que modelam sua forma e suas práticas
diárias. Nesse contexto é que o orientador educacional irá atuar como mediador
na busca da construção de práticas avaliativas dialógicas e participativas,
devendo levar em consideração os elementos que condicionam o cotidiano
escolar fora ou dentro da sala de aula.
Na busca da resposta a pergunta mencionada o trabalho está estruturado
em três capítulos. O capítulo 1 dedicará atenção especial ao trabalho do
orientador educacional, focando em aspectos conceituais, históricos e
contemporâneos de sua atuação. Esse capítulo objetiva apresentar e
contextualizar o trabalho de orientação educacional nos espaços escolares.
O segundo capítulo focará na problemática da Avaliação Dialógica das
Aprendizagens. Para tanto, será conceituado avaliação da aprendizagem, suas
diferenças em relação ao exame escolar, em seguida a relação entre avaliação
da aprendizagem e o erro, após abordar-se-á criticamente a avaliação dialógica,
seguido de suas etapas, sendo ao final do capítulo proposto uma aproximação
entre avaliação dialógica e o ideário democrático. O capítulo em questão é
primordial para o adequado entendimento da temática avaliativa e seus
desdobramentos.
5 “[...] a ideologia tem que ver diretamente com a ocultação da verdade dos fatos, com o uso da linguagem para penumbrar ou opacizar a realidade ao mesmo tempo em que nos torna “míopes”” (FREIRE, 2011c, p.122-123). Ainda conforme Freire (2014b, p. 219) “a ideologia tem o poder de ocultar as razões de ser dos fatos de que ela fala”.
12
Ao final, no capítulo 3, será proposto um confronto entre os dois primeiros
capítulos. De início aproximações serão feitas entre a avaliação da aprendizagem
e a atuação do orientador educacional, logo após serão descritos o(s) desafio(s) e
possibilidade(s) para a atuação do orientador educacional no sentido da
consolidação de uma Avaliação Dialógica da Aprendizagem Escolar. Esse
capítulo se apresenta como o núcleo da pesquisa na medida em que dialoga
diretamente com a questão-problema apresentada.
De antemão é importante enfatizar que o trabalho do orientador
educacional em relação à problemática apresentada será repleto de contradições.
Avanços e retrocessos, resistências a mudanças, estruturas escolares
burocráticas e autoritárias acompanharão o profissional no trajeto, emperrando a
proposta, tendo em vista que a cultura escolar arraigada na maioria das escolas
brasileiras é a do silêncio. “Na cultura do silêncio existir é apenas viver. O corpo
segue ordens de cima. Pensar é difícil; dizer a palavra, proibido” (FREIRE, 2011a,
p.100). Assim, somente resta ao orientador educacional silenciar-se ou dizer sua
palavra.
13
CAPÍTULO I
ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL: APONTAMENTOS
CRÍTICOS
1.1 - Orientação Educacional: em busca de uma conceituação
A realidade que se apresenta na atualidade é complexa e desafiadora. Em
termos de complexidade, os eventos ocorridos possuem uma relação dialética
afetando-se mutuamente, numa “teia” de acontecimentos cada vez mais difícil de
antever, entender e intervir (MORIN, 2011). Desafiadora em virtude do fato, por
exemplo, do fluxo de informação ser cada vez mais intenso e acelerado. É
exatamente nesse contexto, permeado por incertezas e volatilidades, que o
Orientador Educacional atuará hoje e certamente nos próximos anos.
Desde já, é importante mencionar que a função de orientação educacional
é permeada pelo contexto histórico, por aspectos e eventos que se desdobram e
se propagam, influenciando o perfil profissional, assim como as bases
epistemológicas da área em questão. Nessa perspectiva, de acordo com
Grinspun (2011, p. 22) “no curso da história da Orientação Educacional, seu
significado vai sendo tecido na dimensão do contexto histórico, com o qual
mantém estreitas relações”. Um exemplo concreto disso é o fato de que no início
de sua constituição enquanto ação pedagógico-institucional, a orientação
educacional esteve visceralmente influenciada e alicerçada na ótica da orientação
vocacional, em virtude dos eventos ocorridos no contexto da Revolução
Industrial6, por exemplo, que alteraram drasticamente as relações de produção e
6 Transformação nos modos de produção, ou seja, transição para novos modelos de processamento manufatureiro (métodos de produção artesanais para a produção por máquinas) entre 1760 e entre 1840. A Revolução Industrial iniciou-se na Inglaterra e logo se espalhou por outros países da Europa, além dos Estados Unidos da América do Norte.
14
trabalho, fomentando assim o capitalismo contemporâneo alicerçado na atividade
produtiva empresarial.
Em termos gerais, não se reportando ao um contexto histórico
determinado, “[...] o Orientador Educacional é um especialista da Educação,
inserido na área do Magistério, portanto, ele está ligado ao grupo de Professores,
seja na rede pública, seja na particular” (GRINSPUN, 2011, p.194). É importante
enfatizar a característica de especialista inerente à função decorrente de saberes
específicos7 que irão nortear a sua prática nos espaços escolares. Além disso,
sua atuação engloba ações em contextos estatais – escolas públicas – e em
contextos privados, com uma interface direta com os professores intermediando
construções coletivas, revisões de práticas8, re-significações de condutas etc., por
exemplo.
Distanciando-se do âmbito da ação propriamente dita, como no parágrafo
anterior, e adentrando a esfera das etimologias, poder-se-á descobrir
aproximações interessantes entre as terminologias educação e orientação. De
acordo com Grinspun (2011, p.25; grifos no original):
Ao buscarmos o conceito etimológico de educação, encontraremos nos vocábulos latinos, tanto em educare, como em educere, as fontes iniciais da origem histórica da própria Orientação; em outras palavras, quando estamos identificando o conceito de educação, encontramos explicitamente os objetivos da Orientação. Assim é que em educare temos o guiar, nortear, orientar o indivíduo; e em educere, o buscar as potencialidades do indivíduo, no sentido de fazê-las vir de “dentro para fora”. Identificamos, dessa forma, uma estreita relação da Orientação com a educação, fazendo com que suas histórias sejam coincidentes.
É pertinente observar que na expressão orientação educacional encontrar-
se-á indícios de pleonasmo9 na medida em que o termo educação – que
possibilita o surgimento da palavra educacional – sob a perspectiva etimológica,
7 Por exemplo: Legislação – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). 8 Dentre elas podemos englobar o processo de avaliação da aprendizagem, enfoque central da presente proposta de pesquisa. 9 É uma redundância propositada ou não em determinada expressão.
15
partindo do latim educare, já englobaria a própria dimensão de orientar. Mesmo
assim, é interessante observar o esforço que se faz para ressaltar a relação de
simbiose e intimidade entre orientar e educar. Da mesma forma que inexiste a
possibilidade efetiva de um educador ou uma educadora se constituir como tal
sem o espírito da pesquisa10, educar sem orientar e orientar sem educar
apresenta-se como uma trajetória incompleta, um caminho percorrido pela
metade.
1.2 - Atribuições do orientador educacional
Em virtude da própria complexidade do ato educativo e da instituição
escolar, a orientação educacional se apresenta em termos de atribuições como
um conjunto bem ampliado de fazeres. Do alunado ao professorado; dos
familiares à direção; da supervisão às autoridades gestoras11 diversificados são
os públicos que manterão – ou deveriam manter – diálogo com o profissional de
orientação. Mas se pode enfatizar que professores/professoras e alunos/alunas
serão os atores do espaço educativo que mais exigirão prontidão do orientador.
Em termos gerais, para Grinspun (2011, p.37; grifos no original):
O principal papel da Orientação será ajudar o aluno na formação de uma cidadania crítica, e a escola, na organização e realização de seu projeto pedagógico12. Isso significa ajudar nosso aluno “por inteiro”: com utopias, desejos e paixões. A escola, com toda sua teia de relações, constitui o eixo dessa área da Orientação, isto é, a Orientação trabalha na escola em favor da cidadania, não criando um serviço de orientação para atender aos excluídos (do conhecimento, do comportamento, dos procedimentos etc.), mas
10 Também assumo que a terminologia “professor-pesquisador” é um pleonasmo na medida em que o mínimo que se espera de alguém que se dispõem a ensinar é fazer uso cotidianamente da pesquisa como suporte à docência. 11 Refiro-me as autoridades políticas que gerenciam a educação, seja em nível municipal, estadual ou federal. 12 “A participação da Orientação Educacional no projeto político-pedagógico da escola é um trabalho de parceria, de colaboração. Ela, a Orientação, faz parte da construção coletiva desse projeto, portanto, dele participa questionando, discutindo, refletindo e buscando soluções plausíveis para a realidade existente” (GRINSPUN, 2011, p.101).
16
para entendê-los, através das relações que ocorrem (poder/saber, fazer/saber) na instituição Escola” (GRINSPUN, 2011, p.37; grifos no original).
A atuação do orientador educacional a partir da perspectiva acima
apresenta-se ampliada, na medida em que suas ações no interior da instituição
escolar deixaram de focar única e exclusivamente, como foi no passado, os
chamados alunos-problema. As atribuições do orientador transcendem esse
público e engloba toda uma realidade escolar sob diversificados enfoques. Um
desses enfoques refere-se ao fato de que “a Orientação deve [...] buscar os
meios necessários para que a escola cumpra seu papel de ensinar/educar,
promovendo as condições básicas para a formação da cidadania de nossos
alunos” (GRINSPUN, 2011, p.55). Dessa forma, o pedagógico e o educacional,
assim como também o administrativo-institucional, devem formar um todo
orgânico, coeso, articulado, tendo os alunos/alunas como público mais
interessado em que a escola cumpra seu papel13.
Falar em atribuições do orientador educacional é necessário levar em
conta que “[...] a Orientação, é plural, multifacetada; persegue – com muita garra
– ajudar o outro (ajudando a si também), neste mundo complexo e dividido em
que vivemos” (GRINSPUN, 2011, p.55; grifos no original). A pluralidade e as
múltiplas facetas da orientação tornam a prática diária nas escolas algo complexo
e carregado de desafios, requerendo do profissional um esforço de buscar
parcerias no sentido da construção de caminhos coletivos. A partir da construção
e manutenção de parcerias, o orientador estará abrindo caminhos alternativos
para ajudar o outro (alunos/alunas e parceiros/parceiras de trabalho escolar) e
acima de tudo a si próprio na medida em que seu trabalho tende a ser mais
efetivo e assertivo, tendo em vista que terá melhores condições de compreender
seu objeto de estudo e a ação prática diária14.
13 Ou na linguagem organizacional sua missão, ou seja, sua razão de existir enquanto instituição. 14 “O orientador Educacional tem como objeto a articulação currículo-sociedade, homem-natureza, homem-sociedade, escola-trabalho, escola-vida e, como ação fundamental, a leitura crítica permanente da sociedade e do mundo em que vivemos” (GRINSPUN, 2011, p.54).
17
1.3 - Orientação Educacional sob a perspectiva histórica
Em se tratando da constituição da orientação educacional na perspectiva
de uma prática profissional, percebe-se que o contexto histórico de determinado
momento exerceu e ainda exerce fortes influências sobre a área. Por exemplo, “a
Orientação Educacional teve início [...] pela implantação da Orientação
Profissional [...]” (GRINSPUN, 2011, p.09), tendo em vista a necessidade no início
do século XX de se levar em conta na formação escolar dos jovens o viés
profissional, da futura ocupação no mercado de trabalho, elemento fundamental
na engrenagem do sistema capitalista até então em processo de consolidação,
sobretudo nos países ocidentais.
É importante mencionar que “do ponto de vista institucional [...] a trajetória
da Orientação Educacional tem início pela área da Orientação Vocacional, sendo
todo seu procedimento voltado para a escolha de uma profissão ou ocupação”
(GRINSPUN, 2011, p.25). A busca pelo descobrimento de uma vocação laboral e
escolha de uma profissão foi o principal enfoque dado a orientação educacional
em diversas escolas, seja no Brasil ou fora dele. Assim como, a dimensão inicial
“[...] era de aconselhamento e orientação mais psicológico do que pedagógico”
(GRINSPUN, 2011, p.09).
Um dos marcos iniciais da orientação educacional dá-se em 1908,
conforme Grinspun (2011), por Frank Parsons, na cidade de Boston nos Estados
Unidos da América do Norte. Ele é considerado precursor da ação de orientar, no
entanto, fora do contexto sistematizado da escola. Mais tarde, em 1912, na
cidade de Detroit, também no país supracitado, Jesse Davis, inicia o movimento
de adoção da Orientação Educacional em contextos escolares (GRINSPUN,
2011). Em ambos os casos o esforço era vocacional e profissional, respondendo
as demandas do momento histórico por formação de trabalhadores.
Distanciando-se um pouco do contexto internacional, será percebido que
“no Brasil, a Orientação Educacional teve, em sua implantação, uma grande
influência da orientação americana, em especial o “counseling”
18
(aconselhamento)15, e da orientação educacional francesa” (GRINSPUN, 2011,
p.26; grifo no original). Dessa forma, os princípios basilares em termos
epistemológicos e de experiências práticas que modelaram/influenciaram a
orientação educacional no Brasil vieram da realidade educacional americana e
francesa, ambas perpassadas pelo viés capitalista de formação de pessoas para
o trabalho produtivo nas indústrias, nos comércios e nos serviços.
Em termos de implantação, no Brasil:
[...] as primeiras experiências datam da década de 20, com os trabalhos de Roberto Mange, engenheiro suíço que iniciou, em 1924, no Liceu de Artes e Ofícios, em São Paulo, os primeiros trabalhos para a criação de um serviço de seleção e orientação profissional para alunos do Curso de Medicina (GRINSPUN, 2011, p.26).
Avançando, em 1931 “[...] Lourenço Filho criou o primeiro serviço público
de Orientação Profissional no Brasil, que depois prosseguiu no Instituto de
Educação da Universidade de São Paulo, tendo sido extinto, em 1935”
(GRINSPUN, 2011, p.26). Desde já se pode perceber uma característica muito
marcante na política brasileira – seja no passado ou no presente –, em especial
nas políticas públicas educacionais, que é a descontinuidade das propostas
elaboradas e praticadas em determinado período e abandonadas em outro16; a
gênese da orientação no Brasil infelizmente está perpassada por certa
descontinuidade.
Em se tratando do ambiente escolar:
Em termos isolados de Orientação, nos moldes americano e europeu, começam a ser estruturados os serviços de orientação nas escolas, cuja experiência pioneira é de Aracy Muniz Freire e de Maria Junqueira Schmidt, no Colégio Amaro Cavalcanti, no Rio de Janeiro, em 1934 (GRINSPUN, 2011, p.26).
15 Aconselhamento de cunho quase paternal e não propriamente dialógico-transformador. 16 Os CIEP´s – Centro Integrado de Educação Pública, os famosos “Brizolões” no estado do Rio de Janeiro, são bons exemplos. Inaugurado nas gestões estaduais entre 1983-1987 e 1991-1994 pelo então Governador Leonel Brizola e pelo Secretário de Estado de Educação Darcy Ribeiro, foi sucateado em sua grande maioria pelos governos subsequentes.
19
Percebe-se que tanto no caso de Lourenço Filho em 1931, quanto em
relação à Aracy Muniz Freire e a Maria Junqueira Schmidt em 1934, os esforços
em torno da orientação nas escolas se apresentaram estanques e embrionários.
Não havia naquele momento histórico legislação específica no âmbito
educacional e muito menos na esfera da orientação que obrigassem os espaços
escolares a oferecerem esse serviço.
Em termos de legislação, conforme Grinspun (2011, p.142) “a Orientação
Educacional aparece pela primeira vez na Lei Orgânica do Ensino Industrial17
(arts. 50, 51 e 52) [...]”. No entanto, “[...] sua instituição tinha caráter corretivo e
direcionado para o atendimento aos alunos-problema” (GRINSPUN, 2011, p.142).
Havia um esforço moralizador e disciplinador nas atribuições do orientador
educacional, desconsiderado o viés político implícito do ato educativo, como
também não se levava em consideração a realidade sócio-histórica dos alunos e
da própria escola.
As ações em torno da orientação profissional/educacional no Brasil desde
as primeiras décadas do século XX, como se percebeu em alguns momentos,
deram-se mais sob a perspectiva embrionária e restrita a determinados esforços
individuais do que como uma prática institucionalizada no âmbito mais amplo da
educação. É importante notar que no período supracitado não havia qualquer lei
específica que regulamentasse a profissão. Somente em 1968, através da Lei nº
5.564/68, é que houve a regulamentação da profissão de orientador, ampliando-
se o enfoque de atuação para uma linha mais psicológica (GRINSPUN, 2011).
Avançando no tempo, em um contexto de lutas políticas pró-democracia a
“[...] década de 198018 apresenta grandes mudanças, avanços, recuos e
contradições. Os orientadores através de seus órgãos de classe começam a
buscar respostas para suas indagações, a partir dos questionamentos sociais”.
17 Decreto-lei nº 4.073 – 30/01/1942. 18 “A década de 80 apresenta uma série de eventos da classe que começa a buscar uma identidade para o orientador, assim como um referencial que atendesse as suas reais necessidades, dentro do contexto mais democrático que o país começava a viver. O orientador queria trabalhar com o aluno como um sujeito histórico, crítico e social” (GRINSPUN, 2011, p.31; grifo no original).
20
(GRINSPUN, 2011, p.32-33). Esse período histórico contribuiu sobremaneira para
que o orientador viesse a “romper” com os muros da escola, ou seja, sua prática
não mais deveria ficar restrita aos alunos no interior do espaço escolar, suas
ações desde já deveriam buscar a interação e o diálogo com a realidade social e
política mais ampla perpassada por inúmeras contradições. É importante notar que historicamente, seja no contexto brasileiro ou não,
em se tratando especificamente do orientador, se percebe diversos movimentos
que buscaram modelar a função. Partindo inicialmente de um enfoque de escolha
de profissão no início do século XX; ampliando seu enfoque a partir da segunda
metade do século para o psicológico. E hoje, primeiras décadas do século XXI,
que enfoque deve-se dar a Orientação Educacional? Um enfoque que leve em
consideração uma Nova Escola19 para um Novo Milênio, repleto de desafios,
complexidades e descontinuidades, que exigirão do orientador, novas posturas e
práticas como se verá a seguir.
1.4 - Orientação Educacional: momento atual
Diferentemente de como se apresentou no passado em alguns momentos,
onde a orientação tinha o enfoque em questões relacionadas ao trabalho, e
buscava lidar com os problemas apresentados pelos alunos a partir de uma linha
psicológica, a orientação educacional nos dias de hoje nos espaços escolares
tornou-se mais estendida. Os tempos atuais são marcados pelo que Bauman
(2007) chama de liquidez, ou seja, as constituições identitárias dos sujeitos são
cada vez mais voláteis, que tenderão a refletir nas identidades institucionais,
tornando o fenômeno educação, por exemplo, ainda mais complexo do que
demonstrou ser em outros tempos, exigindo cada vez mais do orientador.
19 “A escola deste início de milênio por certo não é (ou não deveria ser) a mesma escola de duas, três décadas atrás. Os valores tiveram um novo significado, adequado a este novo tempo. A Orientação que se quer hoje, de que se fala hoje, é para este novo tempo, em que a Educação tem que saber lidar com o real, com as perspectivas dessa realidade, entremeando esses momentos, essa passagem do presente para o futuro com a construção do imaginário da escola, da educação e dos próprios alunos” (GRINSPUN, 2011, p.36; grifo no original).
21
Para além do componente psicológico, não o desprezando obviamente,
mas articulando-o a um esforço de percepção mais ampliado, de acordo com
Grinspun (2011, p. 35):
A Orientação, hoje, caracteriza-se por um trabalho muito mais abrangente20, no sentido de sua dimensão pedagógica. Possui caráter mediador junto aos demais educadores, atuando com todos os protagonistas da escola no resgate de uma ação mais efetiva e de uma educação de qualidade na escola. O orientador está comprometido com a formação da cidadania dos alunos, considerando, em especial, o caráter da formação da subjetividade (GRINSPUN, 2011, p.35).
É importante notar que se no passado21, pode-se dizer que uma palavra-
chave em torno da orientação educacional era disciplina. Havia uma preocupação
considerável com a disciplina, com a conduta em si, tendo em vista que uma das
atribuições dos orientadores de outrora era enquadrar o comportamento dos
alunos às normas vigentes da escola e da sociedade. Assim, durante muito
tempo o orientador foi visto por muitos como um mero disciplinador de condutas.
No entanto, hoje, uma palavra-chave que se faz marcadamente presente em
orientação educacional – não substituindo o esforço disciplinar, mas ampliando o
debate – é a cidadania. Essa, devendo ser despertada pelas vivências e
experiências diárias na escola, tendo o orientador como um dos principais
articuladores no sentido da construção de consciências e condutas cidadãs por
parte dos alunos, necessárias para a mobilidade em uma realidade cada vez mais
exigente e perpassada pelo viés político.
Vale notar que a problemática da cidadania trás consigo um conjunto de
desdobramentos, um deles é a necessidade de construções coletivas nos
espaços escolares. Nessa perspectiva perpassada pela noção de cidadania e
pelo ideário democrático, Grinspun (2011, p. 35-36) enfatiza que:
A Orientação, hoje, tem que se desenvolver através de um trabalho participativo, onde o currículo deve ser construído por todos, e onde a interdisciplinaridade deve ser buscada, para uma
20 Do que foi no passado. 21 Por exemplo, durante o período do Regime Militar no Brasil entre 1964-1985.
22
melhor compreensão do processo pedagógico da escola. A interdisciplinaridade é vista como um projeto a ser viabilizado nas escolas, em oposição a um sistema fragmentado, constituído de múltiplas disciplinas/atividades.
Um dos grandes desafios que se fazem presentes hoje, especificamente
nas escolas, diz respeito às dificuldades cada vez maiores de se projetar,
construir e manter estruturas, propostas e ações coesas e articuladas, em uma
perspectiva sistêmica. E esse desafio também se apresenta ao orientador
educacional no momento atual, tendo em vista que a fragmentação do
conhecimento em disciplinas curriculares pode contribuir para o esfacelamento da
maneira como as pessoas/profissionais da educação – que passaram pela escola
enquanto estudantes – percebem a realidade22; assim como pode influenciar
condutas diárias não sistematizadas, estanques, aleatórias e sem objetivos
definidos a serem alcançados. Dessa forma, se requer do orientador educacional,
nesse contexto atual, um esforço totalizador, ou seja, que busca analisar23 a
realidade pedagógico-escolar, política, social etc. em conjunto com os parceiros
de trabalho educativo-pedagógico, de maneira dialética, percebendo a relação
entre os diversos elementos, fatores e fenômenos. Somente a partir desse
movimento que os profissionais no interior da escola poderão perceber as
contradições e problemáticas presentes na realidade e terão efetivas chances de
intervir com sucesso transformando-a.
Além disso, desse esforço totalizador, o orientador educacional, assim
como todos os profissionais que atuam em determinado espaço escolar, devem
estar comprometidos com alguns pontos para que a empresa24 escolar efetive-se
com sucesso. “A concepção de Orientação Educacional deve, hoje, estar
comprometida com:
22 Por exemplo, a realidade escolar. 23 Segundo Grinspun (2011, p. 119) “o orientador deverá se comprometer com a investigação da realidade social [...]” na qual escola e alunos/alunas estão inseridos dialeticamente. 24 Empresa no sentido amplo, de empreendimento e não como atividade produtiva que almeja a lucratividade ao final do processo.
23
1) a construção do conhecimento, através de uma visão da relação sujeito-objeto,
em que se afirma, ao mesmo tempo, a objetividade e a subjetividade do mundo,
esta comprometida como um momento individual de internalização daquela;
2) a realidade concreta da vida dos alunos, vendo-os como atores de sua própria
história;
3) a responsabilidade do processo educacional na formação da cidadania,
valorizando as questões do saber pensar, saber criar, saber agir e saber falar na
prática pedagógica;
4) a atividade realizada na prática social, levando-se em consideração que é
dessa prática que provém o conhecimento, e que ele se dá como uma
empreendimento coletivo;
5) a diversidade da educação, questionando valores pessoais e sociais,
submersos nos atos de escolha e da decisão do indivíduo;
6) a construção da rede de subjetividade que é tecida em diferentes momentos
na escola e por ela;
7) o planejamento e a efetivação do projeto político-pedagógico25 da escola em
termos de sua finalidade, considerando os princípios que o sustentam, portanto, a
filosofia da educação, que o fundamenta, e as demais áreas que o articulam”
(GRINSPUN, 2011, p.36-37; grifos no original).
Portanto, aspectos diversos fazem parte do universo de comprometimento
do orientador. No entanto, é importante frisar que nada adiantará se não houver
uma aproximação entre os comprometimentos acima expostos e os
comprometimentos dos demais profissionais da educação que atuam na escola.
Procurar manter interfaces na perspectiva de um esforço sistêmico, talvez seja a
única maneira de se estabelecer ações assertivas. Dessa forma, o trabalho do
25 Se comprometendo assim, automaticamente com o processo avaliativo. Processo esse capaz de auxiliar na concretização exitosa das intenções e objetivos expressos no projeto político-pedagógico da escola. Tal fato pode dá-se na medida em que a avaliação se apresenta como uma alternativa didático-metodológica capaz de proporcionar reflexões e juízos de valor no sentido da correção de rumos e fluxos de aprendizagem, sempre em diálogo e interação com o projeto político-pedagógico escolar (LUCKESI, 2011a).
24
orientador somente fará sentido e seu comprometimento se materializará na
medida em que o trabalho coletivo suplantar o individualismo educacional.
25
CAPÍTULO II
AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM SOB A PERSPECTIVA
DIALÓGICA
2.1 - Avaliação da Aprendizagem: sentidos e significados
A avaliação é algo tipicamente humano (LUCKESI, 2011a). Para os outros
animais o esforço de avaliar é impossibilitado pela inexistência da capacidade de
abstração, ou seja, para que haja avaliação é requerido de quem avalia a
abstração no sentido de refletir sobre a melhor escolha dentre várias opções26,
por exemplo. Nesse sentido, a vida dos homens e das mulheres cotidianamente
depende de suas escolhas, provenientes de um processo avaliativo. Que roupa
utilizar para trabalhar amanhã? Que trajeto tomar em decorrência do
engarrafamento? Para essas perguntas existem no mínimo duas possíveis
respostas, cabendo aos indivíduos avaliarem as melhores opções que se
apresentam.
No contexto escolar a prática avaliativa27 talvez seja um dos maiores
“gargalhos” na atuação de professores e equipes pedagógicas no que tange a
tentativa de dar forma a utopia28 de uma escola de qualidade e verdadeiramente
26 “A avaliação é substancialmente reflexão, capacidade única e exclusiva do ser humano, de pensar sobre seus atos, de analisá-lo, julgá-los, interagindo com o mundo e com os outros seres, influindo e sofrendo influências pelo seu pensar e agir” (HOFFMANN, 2011, p.10). 27 É importante de início enfatizar que “a avaliação não é uma tortura medieval. É uma invenção mais tardia, nascida com os colégios por volta do século XVII e tornada indissociável do ensino de massa que conhecemos desde o século XIX, com a escolaridade obrigatória” (PERRENOUD, 2007, p. 09). 28 Paulo Freire (2014a) utiliza o termo inédito-viável como expressão sinonímia a utopia. Inédito-viável seria o esforço de se tornar concreto no tempo futuro (daqui a pouco, amanhã...) algo inédito, porém viável de se construir a partir do tempo presente. Dessa forma a utopia/inédito-viável é um sonho plausível, e não devaneio irresponsável e inviável, como muitos acreditam. Paro
26
inclusiva. Dessa forma, muitas vezes a avaliação da aprendizagem escolar é
utilizada de forma contrária a sua proposta real – de ação inclusiva dos
estudantes no processo de aprendizagem – transformando-se assim, em
instrumento pedagógico de exclusão escolar e social.
Desde já, para começo de reflexões em torno da questão, é importante
frisar que “não há como estudar o fenômeno da avaliação da aprendizagem –
assim como qualquer outro fenômeno humano – e desejar ultrapassar seus
contornos limitantes, sem ter presente seus determinantes histórico-sociais”
(LUCKESI, 2011b, p.11). Por exemplo, as possíveis distorções no ato avaliativo
transformando-o em prática examinatória29 não pode ser mais bem compreendida
desconectado dos valores presentes na sociedade contemporânea, muitas vezes
elitista e excludente, sendo o exame escolar muitas vezes um instrumento
seletivo que retrata determinadas concepções valorativas.
Em termos etimológicos, conforme Luckesi (2011b, p.52; grifo no original):
O termo avaliar [...] tem sua origem no latim, provindo da composição a-valere, que quer dizer “dar valor a...”. Porém, o conceito “avaliação” é formulado a partir das determinações da conduta de “atribuir um valor ou qualidade a alguma coisa, ato ou curso de ação...”, que, por si, implica um posicionamento positivo ou negativo em relação ao objeto, ato ou curso de ação avaliado.
A avaliação da aprendizagem compõe-se dessa forma de um esforço
interpretativo, na medida em que o avaliador busca se posicionar em relação à
qualidade dos resultados obtidos. Para Perrenoud (2007, p.53; grifo no original)
“avalia-se sempre para agir”. Dessa forma, a avaliação da aprendizagem escolar
não é um fim em si mesmo, ou seja, avaliação é meio no sentido de se
apresentar ao professor e a escola como um componente do ato pedagógico
(LUCKESI, 2011a) capaz de proporcionar tomadas de decisão a partir de juízos
de valor advindos da interpretação dos resultados obtidos. O ato de avaliar
(2000, p.09; grifo no original) corrobora dizendo que “a palavra utopia significa o lugar que não existe. Não quer dizer que não possa vir a existir”. 29 No próximo subcapítulo a problemática dos exames escolares será tratada em maiores detalhes.
27
proporciona resultados, que serão interpretados, constituindo-se em juízos de
valor orientadores de decisões por parte do professor. No tocante ao ambiente da escola, corroborando com as reflexões
anteriores, “a avaliação pode ser caracterizada como uma forma de ajuizamento
da qualidade do objeto avaliado, fator que implica uma tomada de posição a
respeito do mesmo, para aceita-lo ou para transformá-lo” (LUCKESI, 2011b, p.80-
81). Um dos desafios do ato avaliativo é o componente subjetivo presente nos
momentos de interpretação e ajuizamento dos dados; visões de mundo, assim
como experiências anteriores podem influenciar o professor/professora a
perceber um erro30 de uma determinada forma, enquanto outro/a o percebe de
forma diferenciada.
Em termos de horizonte temporal “[...] a avaliação direciona-se,
essencialmente, para frente, não para julgar e classificar o caminho percorrido,
mas para favorecer a evolução da trajetória do educando” (HOFFMANN, p.20-21,
2011). O tempo presente, ou melhor, as considerações tecidas em relação ao
desempenho de um aluno no presente, servem como suporte para o avanço nas
aprendizagens com foco no futuro, em sua evolução e apropriação de saberes.
Enquanto a avaliação da aprendizagem escolar focaliza o futuro – como utopia
pedagógica – o exame escolar prioriza o desempenho no passado. A seguir, a
prática do exame será o centro das reflexões e considerações.
2.2 - Avaliação da Aprendizagem versus Exame Escolar:
elucidações conceituais
30 “Um erro pode ser interpretado de diversas formas. Frente a uma mesma prova contendo o mesmo erro, por exemplo, professores diferentes provavelmente fariam avaliações e interpretações diferentes. Enquanto um vê uma falha grave, outro pode ver um deslize sem maior importância” (CARVALHO, 1997, p.12).
28
Desde já, é necessário frisar que os esforços em torno da avaliação da
aprendizagem e do exame escolar31 são antagônicos, já em suas concepções
ideológicas e teórico-práticas. Enquanto o primeiro possui em sua gênese
ideológica a busca pelo diagnóstico inclusivo ao processo educativo
(HOFFMANN, 2011), o segundo tem como característica marcadamente presente
a intenção classificatória e excludente (LUCKESI, 2011b). Assim, ambas as
concepções se opõem frontalmente em termos de percepção do homem, do
mundo e da própria educação. No entanto, é importante frisar que elas não são
mutuamente excludentes, ou seja, muitas vezes convivem concomitantemente no
mesmo espaço escolar.
Conforme Luckesi (2011b, p.29; grifos no original):
Para distinguir as duas condutas – examinar ou avaliar na escola –, basta relembrar sucintamente que o ato de examinar se caracteriza, especialmente (ainda que tenha outras características) pela classificação e seletividade do educando, enquanto que o ato de avaliar se caracteriza pelo seu diagnóstico e pela inclusão.
A avaliação da aprendizagem pode ser assumida assim, como uma
intenção clara e concreta de se opor a lógica perversa e excludente subjacente
aos exames escolares. Esses exames – muitas vezes – são reflexos da própria
sociedade capitalista e excludente dos dias de hoje, ao buscar classificar e
selecionar os indivíduos em aprovados/aptos ou não. Assim, para Foucault32
(2014, p.182) “o exame é a vigilância permanente, classificatória, que permite
distribuir os indivíduos, julgá-los, medi-los, localizá-los e, por conseguinte, utilizá-
los ao máximo”. A prática do exame, dessa forma, ganha uma conotação de
31 “Ao contrário do que muitos acreditam, o exame não surge na escola, mas como um instrumento de controle social. Na verdade é apenas no século XIX que se instala a qualificação escolar” (GARCIA, 2008, p. 34). 32 Foucault faz uma análise em torno dos exames de uma forma geral. Para tanto, estudou essa prática em presídios, hospitais psiquiátricos e escolas, notando similitudes entre esses ambientes no tocante ao exame.
29
controle e adestramento, onde o poder disciplinar33 (FOUCAULT, 2013) se faz
manifesto; diferentemente da avaliação da aprendizagem, que busca aglutinar e
avançar no processo educativo, já que diagnosticar para agir é um dos seus
pressupostos básicos.
Ainda em se tratando da diferenciação entre a avaliação da aprendizagem
e os exames escolares, Luckesi (2011a, 186) afirma que:
Os exames escolares estão aprisionados nos problemas da aprendizagem e neles se perdem, tornando difícil qualquer possibilidade de busca de solução para os impasses encontrados. A avaliação, ao contrário, por voltar-se do presente para o futuro, está atenta às soluções. A função central do ato de avaliar é subsidiar soluções para os impasses diagnosticados, a fim de chegar de modo satisfatório aos resultados desejados.
Uma das principais diferenciações entre a avaliação da aprendizagem e os
exames escolares encontra-se na perspectiva temporal. Enquanto os exames
escolares se concentram em um esforço retrospectivo, ou seja, busca mensurar o
desempenho do indivíduo no passado, do que ele aprendeu ou não, sobretudo
para classificá-lo em uma espécie de ranking34, a avaliação da aprendizagem
parte do presente, do que o aluno apresenta em se tratando de construções no
processo avaliativo, onde “o diagnóstico, decorrente do ato de avaliar, é o ponto
de partida” (LUCKESI, 2011a, p186) na buscar por avançar, corrigindo rumos,
fluxos e distorções porventura existentes.
33 “O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior “adestrar”; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo. Em vez de dobrar uniformemente e por massa tudo o que lhe está submetido, separa, analisa, diferencia, leva seus processos de decomposição até às singularidades necessárias e suficientes. “Adestra” as multidões confusas, móveis, inúteis de corpos e forças para uma multiplicidade de elementos individuais – pequenas células separadas, autonomias orgânicas, identidades e continuidades genéticas, segmentos combinatórios. A disciplina “fabrica” indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício. Não é um poder triunfante que, a partir de seu próprio excesso, pode-se fiar em seu superpoderio; é um poder modesto, desconfiado, que funciona a modo de uma economia calculada, mas permanente. [...] O sucesso do poder disciplinar se deve sem dúvida ao uso de instrumentos simples: o olhar hierárquico, a sanção normalizadora e sua combinação num procedimento que lhe é específico, o exame” (FOUCAULT, 2013, p.164). 34 ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio, os vestibulares em geral, e os concursos públicos são bons exemplos de exames que criam rankings em virtude do desempenho dos candidatos.
30
2.3 - Avaliação da Aprendizagem e o Erro: interlocuções possíveis No subcapítulo anterior foram explicitadas as diferenças, sobretudo
conceituais e ideológicas entre a avaliação da aprendizagem e o exame escolar.
As distinções entre ambas as práticas reverberam nas questões que dizem
respeito ao erro. Para uma ótica, no caso da avaliação da aprendizagem, o erro
pode ser visto como possível fonte futura de acertos (LA TAILE, 1997); já por
outra, no tocante ao exame escolar, o erro é percebido como um fim em si
mesmo, como componente necessário ao processo de classificação e exclusão
pedagógica e social (LUCKESI, 2011b). Nessa perspectiva, erro e acerto se
mostram como movimentos antagônicos e conflitantes, onde um (erro) denota
fracasso e o outro (acerto)35 sucesso.
Em se tratando especificamente da perspectiva da avaliação da
aprendizagem, Esteban (2008, p. 18) compreende que “o erro oferece novas
informações e formula novas perguntas sobre a dinâmica
aprendizagem/desenvolvimento, individual e coletivo”. Esse erro, na perspectiva
da avaliação, torna-se um meio e não um fim em si mesmo, ou seja, configura-se
como um substrato36 importante a disposição do professor/professora no que
tange ao processo de intervenção para a construção de conhecimentos. Dessa
forma, “o erro desvela a complexidade do processo de conhecimento, tecido
simultaneamente pelo passado, pelo presente e pelo devir” (ESTEBAN, 2008, p.
18). Assim, a busca pela adequada interpretação do erro pode ser um
mecanismo relevante para avanços no sentido da busca por construções
epistemológicas bem sucedidas entre professor/professora e aluno(s)/aluna(s).
35 “A dicotomia entre erro e acerto e entre saber e não-saber, marcos da concepção classificatória de avaliação, são aspectos profundamente enraizados em nossa forma de ver o mundo” (ESTEBAN, 2008, p. 22). 36 Entenda substrato enquanto “substância” a ser trabalha por professores e professoras com vista ao acerto.
31
O erro torna-se substrato para um diagnóstico por parte do professor, não
somente dele, mas como da equipe pedagógica como um todo, na medida em
que “aporta aspectos significativos para o processo de investigação ao sinalizar
que a criança37 está seguindo trajetos diferentes (originais, criativos, novos,
impossíveis?) dos propostos e esperados pelo/a professor/a” (ESTEBAN, 2008,
p. 19).
O erro, visto como processo, uma etapa importante no trajeto de
construção de conhecimentos, pode apresentar-se como estímulo ao avaliador no
sentido de exercer uma investigação crítica e consistente em relação às possíveis
origens e causas do erro. Nessa perspectiva, “a avaliação como prática de
investigação38 tem o sentido de romper as barreiras entres os participantes do
processo ensino/aprendizagem e entre os conhecimentos presentes no contexto
escolar” (ESTEBAN, 2008, p. 20). Dessa forma, “[...] o erro pode ser fonte de
tomada de consciência” (LA TAILE, 1997, p.36) na medida em que o professor ao
investigar a(s) causa(s) do(s) erro(s), defronta-se com mecanismos cognitivos
peculiares39 dos alunos no trajeto de construção de saberes que podem auxiliá-lo
(docente) em possíveis intervenções bem sucedidas. No entanto, é importante
enfatizar que a investigação40, que é pesquisa, interrogação41, deve ser um
esforço esclarecido por parte do professor e não uma ação mecanizada e
burocrática, devendo transcender a materialização do erro e dialogar com
questões mais amplas de ordem social, pedagógico-institucional e avaliativa.
O erro, ou melhor, sua gestão responsável e comprometida por parte de
professores/professoras e equipe pedagógica, deve dá-se numa perspectiva
dialética, em um movimento reflexivo constante, perpassado pelas contradições
presentes na realidade social – muitas vezes – excludente, mas podendo ser
37 Não somente crianças, mas jovens, adultos e anciãos. 38 Ao investigar, o professor “[...] refina seus sentidos e exercita/desenvolve diversos conhecimentos com o objetivo de agir conforme as necessidades de seus alunos alunas, individual e coletivamente considerados” (ESTEBAN, 2008, p. 20-21). 39 “[...] os erros dos alunos podem dar pistas importantes sobre suas reais capacidades de assimilação” (LA TAILE, 1997, p. 31). 40 “Uma verdadeira docência é investigação [...]” (FREIRE, 2014b, p.171). 41 “A avaliação como prática de investigação pressupõe a interrogação constante e se revela um instrumento importante para professores e professoras comprometidos com uma escola democrática” (ESTEBAN, 2008, p. 21).
32
também percebida sob outro enfoque, mais democrático, considerando que a
avaliação da aprendizagem possui em sua concepção teórico-prática certa
conotação inclusiva (HOFFMANN, 2011). A avaliação configura-se como inclusiva
na medida em que o erro torna-se um instrumento que pode ser utilizado por
professores e professoras para reinserir alunos e alunas no processo de
aprendizagem. É exatamente nessa perspectiva que o erro apresenta-se como
um meio e não um fim. Meio no sentido de proporcionar condições por parte dos
docentes de diagnosticar e intervir para a correção de fluxos e rumos no processo
educativo. Deslocando as considerações do âmbito do alunado, o erro pode ser
percebido como instrumento de tomada de consciência por parte de professores
e professoras no tocante à sua ação docente em sala de aula. Segundo Esteban
(2013, p.58) “a presença do erro, mais que do acerto, coloca em discussão a
prática pedagógica”, na medida em que o erro por parte dos alunos e alunas
pode dar indícios da qualidade do processo de “ensinagem” de professores e
professoras. No entanto, somente um docente disponível e atento terá reais
condições de perceber possíveis equívocos de sua parte em seu trajeto didático-
metodológico. Por fim, sob a perspectiva da investigação-intervenção, “embora
necessário, o erro deve obviamente ser transcendido [...]” (DANTAS, 1997, p. 63),
independe se se trata do erro no âmbito das construções individuais dos alunos e
das alunas, ou das limitações por parte de professores/professoras ao ensinar.
2.4 - Avaliação Dialógica: perspectiva crítica
A avaliação dialógica da aprendizagem escolar – por sinal, núcleo da
presente pesquisa – apresenta-se como uma alternativa mais incrementada ao
processo educativo em relação à avaliação explicitada anteriormente, de cunho
mais generalista. Avaliação a ser apresentada a partir de agora se caracteriza por
um processo dialógico, onde professores/professoras e alunos/alunas se
engajam em termos pedagógicos e políticos na construção das melhores formas
33
de se avaliar a aprendizagem no espaço escolar (ROMÃO, 2011). No entanto,
antes mesmo da avaliação dialógica da aprendizagem se tornar o objeto de
reflexões nesse momento, buscar-se-á melhor compreender o que seria diálogo.
Assim, “[...] que é o diálogo? É uma relação horizontal de A com B. Nasce
de uma matriz crítica e gera criticidade (Jaspers42). Nutre-se de amor43, de
humildade, de esperança, de fé, de confiança” (FREIRE, 2011b, p.94). Desde já,
é importante perceber uma característica marcadamente presente na verdadeira
relação dialógica que é a horizontalidade das relações, onde A (por exemplo,
docente) não é melhor que B (discente), ambos possuindo peculiaridades e
experiências distintas de vida.
A humildade, no contexto do diálogo entre os homens, é um componente
importante que permitirá a relação horizontal apregoada acima. Dessa forma,
“não há [...] diálogo, se não há humildade. A pronúncia do mundo, com que os
homens o recriam permanentemente, não pode ser um ato arrogante44” (FREIRE,
2014a, p.111). Sem essa humildade, de ambos interlocutores, o diálogo ficaria
prejudicado, ora porque uma das partes não dê a devida atenção à fala do outro,
ou por simplesmente não respeitar seus posicionamentos, sua visão de mundo,
sua cultura. Assim, “o diálogo é o encontro amoroso dos homens [...]” (FREIRE,
2013, p.51), é nessa afetação mútua proporcionada pelo encontro que eles
poderão se esforçar para a verdadeira tarefa de transformar a realidade em que
se encontram inseridos.
De uma maneira geral, já tratando o diálogo como elemento subjacente ao
processo avaliativo, Freire (2011a, p.36) menciona que:
[...] a avaliação não é o ato pelo qual A avalia B. É o ato por meio do qual A e B avaliam juntos uma prática, seu desenvolvimento, os obstáculos encontrados ou os erros e equívocos porventura cometidos. Daí seu caráter dialógico.
42 Karl Theodor Jaspers (1883-1969) foi um filósofo e médico alemão com incursões teórico-práticas pela filosofia da existência e psicopatologia. Autor de obras como: Introdução ao pensamento filosófico (Cultrix) e Psicopatologia geral (Atheneu). 43 “O amor é uma intercomunicação íntima de duas consciências que se respeitam. Cada um tem o outro como sujeito de seu amor. Não se trata de apropriar-se do outro” (FREIRE, 2011b, p.36). 44 “A autossuficiência é incompatível com o diálogo” (FREIRE, 2014a, p. 112).
34
É importante notar a partir do posicionamento acima que a terminologia
avaliação dialógica já contemplaria um pleonasmo45. Paulo Freire admite que
intrínseco ao esforço verdadeiramente avaliativo se faça presente o esforço
dialógico na medida em que avaliar se traduz em um processo de
construção/acompanhamento coletivo – professor/professora e alunos/alunas –
dos rumos tomados e das possíveis correções no que tange ao ensino e a
aprendizagem. A avaliação dialógica da aprendizagem escolar se apresenta
como um possível contraponto ao fato de que:
Os sistemas de avaliação pedagógica de alunos e de professores vêm se assumindo cada vez mais como discursos verticais, de cima para baixo, mas insistindo em passar por democráticos. A questão que se coloca a nós, enquanto professores e alunos críticos e amorosos da liberdade, não é, naturalmente, ficar contra a avaliação, de resto necessária, mas resistir aos métodos silenciadores com que ela vem sendo às vezes realizada. A questão que se coloca a nós é lutar em favor da compreensão e da prática da avaliação enquanto instrumento de apreciação do quefazer de sujeitos críticos a serviço, por isso mesmo, da libertação e não da domesticação. Avaliação em que se estimule o falar a como caminho do falar com (FREIRE, 2011c, p.113-114; grifos no original).
Portanto, a avaliação dialógica apresenta-se como um espaço alternativo
de construções entre os sujeitos, onde o espírito colaborativo, crítico, democrático
possa ser despertado através das relações dialógicas estabelecidas no interior
das vivências escolares (ROMÃO, 2011). Nessa perspectiva dialógica a relação
de verticalidade (de A para B) é suprimida pela horizontalidade em um falar com
os homens, em um esforço participativo e respeitoso em torno não somente da
avaliação, mas das relações interpessoais mais amplas no espaço escolar.
2.5 - Etapas da Avaliação Dialógica
45 Rever a nota 9 desta pesquisa.
35
A avaliação da aprendizagem sob a perspectiva dialógica, em termos
operacionais, depende de um conjunto de etapas para se concretizar. A seguir
serão apresentadas essas respectivas etapas46.
2.5.1 - Etapa pré-avaliativa
A etapa pré-avaliativa diz respeito a um momento propriamente anterior ao
processo avaliativo, um estágio inicial de planejamento47, reflexões, debates e
construção coletiva do instrumento avaliativo. Inicialmente tem-se como atenção
a “identificação do que vai ser avaliado” (ROMÃO, 2011, p.107), de forma que a
clareza do objeto a ser avaliado é importante para que o avaliador foque suas
atenções e esforços. Segundo Romão (2011, p.108) “não é possível estabelecer
com relativa precisão o que se pretende avaliar, se não se determina, com a
mesma precisão, o que se quer atingir com o planejamento”. Na avaliação
dialógica da aprendizagem o planejamento da ação avaliativa será um elemento
norteador da proposta, tendo em vista que o professor saberá de antemão os
pontos que merecerão a atenção devida.
Um segundo passo na etapa pré-avaliativa é o momento da “construção,
negociação e estabelecimento de padrões” (ROMÃO, 2011, p.113). Esse
momento é crucial para se classificar uma avaliação como de fato dialógica,
tendo em vista que a não participação ativa dos alunos no processo já seria uma
incoerência, descaracterizando a avaliação como dialógica. Para Romão (2011,
p.113; grifo meu) “[...] na programação de uma determinada avaliação, é preciso,
pois, retornar ao plano de curso e, coletivamente, construir os padrões
específicos a serem medidos e avaliados na oportunidade em questão”. A
participação coletiva é de suma importância nesse momento, propondo um
diálogo intenso e aberto entre professor/professora e alunos/alunas, para a
exitosa construção dos padrões avaliativos.
Ainda segundo Romão (2011, p.115):
46 É importante notar que Romão (2011) não estabelece a subdivisão em etapas pré-avaliativa, avaliativa e pós-avaliativa. A presente pesquisa é que propõem essas subdivisões.
36
Não negociar com os alunos a elaboração da avaliação significa impor, arrogantemente, a própria interpretação do que aconteceu no processo de aprendizagem como verdade indiscutível. Ao mesmo tempo que se considera que os instrumentos de avaliação elaborados sejam perfeitos e infalíveis. Com esta postura, o professor descaracteriza a natureza de investigação do momento da avaliação, perdendo uma oportunidade única de revisão e replanejamento de suas atividades subsequentes.
Em se tratando ainda da etapa pré-avaliativa tem-se, por fim, a “construção
dos instrumentos de medida e de avaliação” (ROMÃO, 2011, p.115). Nesse
momento, “quando se fala de “instrumento de medida”, está se falando de
“instrumento de avaliação”. Ninguém mede algo por medir, mas para estabelecer
comparações, de modo a tomar decisões a seguir” (ROMÃO, 2011, p.116). Esse
passo, na etapa de planejamento da avaliação, diz respeito à elaboração em
conjunto – docente e discentes – das questões que irão compor a avaliação,
reportando-se aos tipos de questões que foram trabalhadas em sala
anteriormente48.
2.5.2 - Etapa avaliativa
Essa etapa refere-se ao “procedimento da medida e da avaliação”
(ROMÃO, 2011, p. 118). “Procedimento aqui significa medir e avaliar [...], significa
aplicar a prova e corrigi-la, registrando os resultados” (ROMÃO, 2011, p. 118). É o
momento em que o professor aplica a prova junto aos alunos, é a ocasião
propriamente avaliativa.
2.5.3 - Etapa pós-avaliativa
47 “Na avaliação cidadã, a primeira preocupação é com o verdadeiro planejamento [...]” (ROMÃO, 2011, p.108). 48 Luckesi (2011b) diz que os instrumentos avaliativos ou questões que serão tratadas no momento da avaliação não podem ser distintos daqueles trabalhados em sala, devendo sempre haver uma coerência entre exercícios/construções em sala de aula e a avaliação.
37
A etapa pós-avaliativa refere-se ao procedimento de correção de prova e
análise dos resultados, atribuições de juízos de valor49. Para Romão (2011,
p.119; grifos meus) “[...] a parte mais importante da avaliação é, exatamente, a
análise dos resultados pelo professor e pelos alunos, no sentido de nortear as
decisões a respeito dos passos curriculares ou didático-pedagógicos
subsequentes”. Note que avaliação dos resultados, no contexto da avaliação
dialógica, far-se-á na coletividade, onde professor e alunos irão debater os
resultados e tirar conclusões de todo o processo. “[...] a análise dos resultados de
qualquer avaliação se transforma num momento importante de revisão de todo o
planejamento do trabalho previsto executado até o momento” (ROMÃO, 2011,
p.120). Assim, a revisão em conjunto dos resultados obtidos na avaliação
permitirá a correção de fluxos, não tão somente da aprendizagem de alunos e
alunas, mas como também do ensino por parte do professor/professora.
2.6 - Avaliação Dialógica e o Ideário Democrático
A avaliação dialógica da aprendizagem escolar possui relação íntima com
a problemática da democracia. No entanto, é importante enfatizar que as
questões que envolvem a democracia são bem mais amplas do que propriamente
o direito ao voto ou ao gerenciamento de estruturas públicas; a democracia em
seu sentido alargado pode se vincular, por exemplo, as relações cotidianas nas
salas de aulas das escolas (PARO, 2011). As vinculações podem dar-se nos
relacionamentos diários, onde alunos e alunas e professores e professoras
interagirão em um processo ativo, comprometido e crítico de construções, por
exemplo, de modelos avaliativos50.
49 “O ato de avaliar implica coleta, análise e síntese dos dados que configuram o objeto de avaliação, acrescido de uma atribuição de valor ou qualidade, que se processa a partir da comparação da configuração do objeto avaliado com um determinado padrão de qualidade previamente estabelecido para aquele tipo de objeto. O valor ou qualidade atribuídos ao objeto conduzem a uma tomada de posição a seu favor ou contra ele. E o posicionamento a favor ou contra o objeto, ato ou curso de ação, a partir do valor ou qualidade atribuídos, conduz a uma decisão nova: manter o objeto como está ou atuar sobre ele” (LUCKESI, 2011b, p. 52-53). 50 Desde já é importante enfatizar que “[...] o hoje a principal falha da escola com relação a sua dimensão social parece ser sua omissão na função de educar para a democracia” (PARO, 2013, p.18; grifo no original).
38
A avaliação dialógica – como construção coletiva e participante – possui o
ideário democrático51 como um de seus elementos norteadores na medida em
que se apresenta como um processo intencional de ensinar/despertar nos alunos
e alunas condutas e posturas democráticas, tanto no interior do espaço escolar
quanto na realidade externa. No entanto, “não se pode [...] ensinar democracia
com base em formas autoritárias de ensinar” (PARO, 2011, p.126). A intenção de
promover reflexões e proporcionar experiências verdadeiramente democráticas,
em se tratando de avaliação dialógica, deve estar de acordo com uma prática
pedagógica de fato democrática52. Nessa perspectiva de coerência entre discurso
e prática, de acordo com Paro (2011, p. 140-141):
[...] não são preponderantemente os discursos, mas as condutas, os comportamentos, os modos de ser e de agir que enriquecem a personalidade das crianças e criam nelas valores democráticos. Aqui, mais do que nunca, a forma se faz conteúdo, na relação dialógica entre todos que participam da situação de ensino; na discussão e na tomada de decisões nas pequenas coisas do dia a dia; na convivência em grupos de estudo, de brincadeiras e de trabalho; no desenvolvimento da autonomia e da autodisciplina, no comportamento de aceitação do outro; na valorização da paz; no exercício do companheirismo etc.
Coerência entre falar e agir deve ser uma característica marcante de um
educador progressista53 e democrático (FREIRE, 2011c). Todo o trabalho do
professor e professora, em se tratando de avaliação dialógica, pode cair em
descrédito se os alunos e alunas perceberem a incompatibilidade entre suas
intenções verbalizadas e suas ações concretas. Para tanto, o docente deve se
avaliar cotidianamente para buscar perceber se sua prática condiz com suas
51 Entenda “Ideário Democrático” como uma construção a ser perseguida e concretizada pelos homens. Sabendo desde já que democracia é mais propriamente um trajeto do que um destino, tendo em vista que ela se apresenta como processo, ou seja, em permanente construção/aperfeiçoamento (Paro, 2013). 52 É importante enfatizar que muitas ações ditas democráticas nada mais são do que esforços legitimadores de decisões já tomadas por outros. Apresentam-se as deliberações e busca-se apenas a legitimação das mesmas através de votos, por exemplo. A avaliação dialógica da aprendizagem pressupõe que alunos/alunas e professores/professoras deliberem juntos os rumos do processo avaliativo. 53 “[...] educador progressista é aquele que trabalha numa sociedade burguesa de classe [...] e tem o sonho que transcende, que vai mais além de fazer a escola melhor, mas que é preciso fazer, porque ele sonha mesmo é com a transformação radical da sociedade burguesa, numa sociedade socialista” (FREIRE, 2014b. p. 219).
39
intenções, já que qualquer atitude antidemocrática transformará os trabalhos em
avaliação dialógica em mero verbalismo54 (FREIRE, 2014a).
A simbiose aparente entre avaliação dialógica e a democratização das
relações e estruturas se apresenta como uma alternativa pertinente para a escola
no sentido de estimular a construção de consciências emancipadas, críticas e
cidadãs55. Dessa forma, “na perspectiva de uma necessária democratização da
escola, é preciso [...] adotar um conceito de educação que exija a superação da
estrutura56 atualmente vigente na escola” (PARO, 2011, p.25). O conceito de
educação que perpassa a intenção de uma avaliação dialógica da aprendizagem
escolar é aquele onde os homens são coparticipes do processo, tendo em vista
que “uma sociedade democrática funda-se em relações de reciprocidade [...]”
(LUCKESI, 2011b, p.91). Negar a participação dos alunos e das alunas no
processo – na construção da avaliação – é negar a possibilidade de atuarem
ativamente enquanto sujeitos interventores em dada realidade, desenvolvendo
condutas democráticas de respeito e aceitação de posicionamentos – muitas
vezes divergentes – dos outros, por exemplo. Mas, é relevante notar que a avaliação dialógica da aprendizagem,
enquanto um esforço democrático no âmbito das relações em sala de aula deve
estar situado – seria bom que estivesse – em um esforço mais ampliado no
contexto da unidade escolar através do projeto político-pedagógico escolar, por
exemplo. Ações estanques, por mais que sejam bem intencionadas e
adequadamente planejadas e executadas, talvez não encontrem a força
suficiente para se arraigarem na cultura escolar, tornando-se prática cotidiana.
54 Entenda verbalismo como palavras ocas, vazias, que não se materializam em ações concretas e efetivas. 55 A avaliação dialógica da aprendizagem escolar apresenta-se ao Orientador Educacional como uma “ferramenta” importante no processo de construção da cidadania do alunado, tendo em vista que o despertamento da cidadania junto aos discentes é uma das responsabilidades dos orientadores. Mas, qual(is) pode(m) ser o(s) desafio(s) e a(s) possibilidade(s) para a atuação do Orientador Educacional no sentido da consolidação de uma Avaliação Dialógica da Aprendizagem Escolar? No próximo capítulo a presente pesquisa se debruçará em possíveis respostas a essa indagação. 56 Adiantando essa problemática que melhor será tratada no capítulo seguinte, a estrutura a que Paro (2011) se refere é a uma estrutura autoritária e rígida, muitas vezes ancorada em uma cultura burocrática historicamente constituída, que impossibilitaria uma participação mais ativa e transformadora de processos e da realidade escolar.
40
Dessa forma, sensibilizar os profissionais da educação57 da necessidade da re-
orientação da prática avaliativa para um esforço dialógico parece ser o primeiro
movimento/desafio ao se tratar da problemática. Para tanto, o diálogo se
apresenta como o principal mecanismo de sensibilização e convivência58 no
sentido da construção de práticas avaliativas dialógicas.
A democratização das decisões no âmbito escolar, mais especificamente
em sala de aula, é condição sine qua non59 para o produtivo trabalho pedagógico.
Nessa perspectiva “[...] a relação pedagógica, para fazer-se eficientemente, exige
uma forma democrática de relacionamento” (PARO, 2011, p.129). Portanto, a
convivência democrática apresenta-se como esforço humano que busca tornar as
relações pedagógicas mais amenas e cordiais, na medida em que busca não
propriamente a homogeneidade de pensamento, mas sim um consenso60 sincero
e crítico para que todos – ou grande parte – se beneficiem de um esforço
cooperativo.
CAPÍTULO III
AVALIAÇÃO DIALÓGICA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES
PARA ATUAÇÃO DO ORIENTADOR EDUCACIONAL
57 Muitos professores e professoras que serão convidados a participar de um esforço conjunto de construção de avaliações dialógicas da aprendizagem escolar foram alunos de uma escola autoritária e silenciadora. Esse talvez seja o entrave inicial no processo de sensibilização, tendo em vista que muitos docentes apenas reproduzem um modelo antidialógico de avaliação que introjetaram enquanto alunos. Essa é uma ressalva que não pode ser negligenciada. 58 “[...] o diálogo é a alternativa democrática de convivência política” (PARO, 2011, p.27). 59 Indispensável e essencial. 60 Embora saibamos que a democracia enquanto prática social não prevê o consenso de opiniões e posicionamentos, configurando-se muitas vezes como “espaço” de conflitos entre os indivíduos.
41
3.1 - Avaliação da Aprendizagem e Orientação Educacional:
interfaces críticas
Inicialmente, é importante enfatizar que a prática pedagógica –
independente do contexto – é permeada por um numeroso conjunto de variáveis
que a tornam complexa (MORIN, 2011). As construções em termos de
conhecimentos em sala são apenas manifestações de esforços ocorridos em
outros momentos. Assim, a aula em si, é o momento de concretização de
intenções previamente documentadas, por exemplo, em um plano de aula – sob
uma perspectiva estrita – e em um projeto61 político-pedagógico – sob o enfoque
lato62. Dessa forma, percebe-se uma relação de simbiose entre a ação cotidiana
de ministrar uma aula e a de planejar a nível escolar, ou seja, a docência exercida
em sala, como também a prática avaliativa, retrata a tentativa de execução de
uma proposta estabelecida na busca pelo alcance de objetivos pedagógicos
construídos (LUCKESI, 2011b).
Nessa perspectiva de organicidade, de íntimas vinculações entre a parte –
a aula em si – e o todo – estrutura pedagógico-administrativa escolar – a
avaliação da aprendizagem surge como um elo63 entre o objetivado no projeto
escolar e os procedimentos didático-metodológicos executados em sala de aula.
Dessa forma, “a avaliação compõe o ato pedagógico” (LUCKESI, 2011a, p.132)
na medida em que se configura como um esforço que diz respeito a busca pela
concretização das aprendizagens por parte dos alunos, sempre se reportando as
intenções expressas pela escola em seu projeto político-pedagógico64.
61 “O termo “projeto” tem sua origem etimológica no latim (pro – à frente e jactare = lançar) e tem a ver com a projeção de desejos claros a serem buscados e realizados – metas filosóficas a serem atingidas por meio de metas operacionais, de tal forma que se possa chegar a resultados concretos” (LUCKESI, 2011a, p. 23; grifos no original). 62 Amplo. 63 “A avaliação diagnostica se se chegou aos resultados definidos no planejamento e com que qualidade se chegou a esse nível de resultados” (LUCKESI, 2011a, p.412). 64 Segundo Veiga (2014b, p.13) “o projeto pedagógico aponta um rumo, uma direção, um sentido explícito para um compromisso estabelecido coletivamente”. Ainda conforme Veiga (2014b, p. 13) “o projeto político-pedagógico explicita os fundamentos teórico-metodológicos, os objetivos, o tipo de organização e as formas de implementação e avaliação da escola”. Desde já se percebe a relação de proximidade entre projeto político-pedagógico e a avaliação no contexto escolar.
42
É explicitada – a partir das exposições anteriores – a relação entre projeto
político-pedagógico de uma unidade de ensino e o processo de avaliação da
aprendizagem; dimensão que objetiva também fornecer suporte para a
concretização daquele.
Diante desse quadro, qual seria o papel do orientador educacional nesse
esforço sistêmico, que engloba dentre inúmeras variáveis a relação entre planejar
e avaliar? Uma das atribuições do orientador educacional nos dias presentes é
contribuir com a elaboração65 do projeto político-pedagógico da escola e com sua
execução (GRINSPUN, 2011). Daí verifica-se também, a necessidade do
orientador educacional interagir diretamente com o corpo docente no sentido de
contribuir junto a eles com uma reflexão profunda e sistemática do processo
avaliativo. É esse processo avaliativo o principal recurso em sala de aula para
monitorar se o que foi planejado está sendo executado a contento.
A avaliação da aprendizagem torna-se, então, um importante recurso no
monitoramento supracitado, pois “[...] o ato de avaliar serve à ação planejada e
executada. O planejamento e execução de uma ação configuram a base da
avaliação” (LUCKESI, 2011a, p.408). Dessa forma, a avaliação da aprendizagem
não pode dá-se “solta no ar”, desvinculada de um compromisso prévio e de uma
realidade mais ampla; “avalia-se sempre para agir” (PERRENOUD, 2007, p.53;
grifo no original), age-se baseado em pressupostos e parâmetros66. E quais
devem ser esses pressupostos e parâmetros que orientarão a prática avaliativa?
Serão aqueles expressos no projeto político-pedagógico da unidade escolar,
elaborado e executado com o auxílio do orientador educacional. Daí ser a
avaliação da aprendizagem escolar matéria de interesse direta do orientador.
No entanto, é importante mencionar que “a avaliação da aprendizagem só
funcionará bem se houver clareza do que se deseja (projeto político-pedagógico)
[...]” (LUCKESI, 2011a, p.177). Ter clareza do que se deseja é condição vital para
65 “O projeto político-pedagógico, como projeto/intenções, deve constituir-se em tarefa comum da equipe escolar e, mais especificamente, dos serviços pedagógicos (Supervisão Escolar e Orientação Educacional). A esses cabe o papel de liderar o processo de construção desse projeto pedagógico” (VEIGA, 2013, p.31).
43
que a prática pedagógica e consequentemente avaliativa não se perca na rotina
diária da escola; nessa perspectiva o orientador educacional deverá se fazer
presente junto aos docentes, no sentido de provocar reflexões e debates em
torno de condutas e ações empreendidas67. É relevante enfatizar também que a
simples existência de um documento caracterizado por “Projeto Político-
Pedagógico” não diz muita coisa, tendo em vista que todos devem fazer parte de
sua construção, implantação e monitoramento. A construção do projeto68 e sua
consequente execução deve ser um esforço conjunto e diário de todos os
profissionais que integram determinada unidade escolar.
Ainda se tratando de avaliação, enfatiza-se que a mesma “[...] subsidia
uma intervenção, seja ela qual for, tendo em vista o seu sucesso; por isso se
sustenta numa concepção e numa ação voltada para o sucesso” (LUCKESI,
2011a, p.144). Mas como se pode “medir” o sucesso de um processo avaliativo?
Esse sucesso seria “medido” por uma vinculação simbiótica dos resultados
obtidos na avaliação com o planejado pedagogicamente. Esse
planejamento/projeto pedagógico deve ser percebido como a “carta de intenção”
da escola (GRINSPUN, 2011), sua bússola orientadora; e o orientador
educacional como um articulador necessário no sentido de manter a coesão
interna do sistema – unidade escolar – por meio de um elo sustentável, coerente
e reflexivo entre intenções (planejamento) e ações (práticas pedagógicas).
Mas será que se fazem presentes dificuldades e possibilidades que podem
influenciar a prática do orientador educacional como articulador dentro do
contexto escolar? Nos próximos subcapítulos buscar-se-á possíveis respostas a
indagação apresentada, partindo de uma perspectiva de efetivação nos espaços
escolares de uma prática de avaliação da aprendizagem escolar que se configura
66 “Os atos avaliativos, praticados metodologicamente, deverão revelar os resultados de nossa ação no sentido indicado pelo projeto pedagógico” (LUCKESI, 2011a, p.49). 67 Perguntas, como por exemplo: “A avaliação da aprendizagem adotada é a mais apropriada para a concretização dos objetivos estabelecidos?”; “Quais formas alternativas de organização do trabalho pedagógico podem contribuir para o sucesso das ações?”; “Seria a avaliação dialógica da aprendizagem escolar uma alternativa válida de ser incorporada à prática pedagógica?”. 68 “[...] o processo de construção do projeto é dinâmico e exige esforço coletivo e comprometimento; não se resume, portanto, à elaboração de um documento escrito por um grupo de pessoas para que se cumpra uma formalidade. É concebido solidariamente com possibilidade de sustentação e legitimação” (VEIGA, 2014b).
44
como dialógica, de participação ativa e construções coletivas entre
professor/professora e alunos/alunas.
3.2 - Avaliação Dialógica: desafios para a atuação do Orientador
Educacional
É importante deixar claro, de início, em que consiste no contexto do
presente subcapítulo a palavra desafios. Desafios aqui significam fatores que
possam se fazer presentes na realidade pedagógico-institucional que venham a
afetar/inibir o trabalho do orientador educacional no que tange a um esforço de
construção e efetivação de uma cultura avaliativa pautada no diálogo. No entanto,
para que esses desafios sejam mais bem percebidos:
[...] a tarefa deve consistir, inicialmente, em tomar consciência das contradições concretas, ou das condições concretas69, que apontam para a viabilidade de um projeto de democratização das relações no interior da escola (PARO, 2000, p.09).
Percebe-se, então, a presença de dois fatores que se configuram como
desafios para o orientador educacional na trajetória de buscar efetivar a avaliação
dialógica das aprendizagens nos espaços escolares. Um desafio de caráter mais
estrutural/conjuntural, que é a estrutura pedagógica e administrativa da escola
caracterizada ao longo do tempo como autoritária e hierarquizada; e outro desafio
da ordem mais comportamental no âmbito de sala de aula, vinculado mais
especificamente ao processo avaliativo, que é a resistência à mudança por parte
dos professores/professoras.
Em relação ao primeiro desafio, Paro (2011, p.10) argumenta que em se
tratando da estrutura da escola contemporânea, sobretudo as unidades de ensino
69 As condições concretas ou disponibilidades (termo esse que será adotado neste trabalho) serão tratadas em maiores detalhes no próximo subcapítulo.
45
públicas70, “[...] não se tem mostrado adequada aos fins proclamados pelas
concepções pedagógicas comprometidas com a emancipação cultural do
indivíduo e com a construção da sociedade democrática”. A escola de uma
maneira geral, sejam elas públicas ou privadas, estão ainda distantes de
colaborar efetivamente com a emersão de espíritos livres (NIETZSCHE, 2008)71,
críticos (FREIRE, 2014a) e emancipados (ADORNO, 2011) capazes de intervir
satisfatoriamente na realidade concreta72. Essa estrutura autoritária
marcadamente presente na escola brasileira que inibe a participação política mais
ativa em seu interior, tanto por parte dos alunos/alunas como por parte dos
profissionais da educação, como orientadores educacionais, poderá dificultar a
participação desses últimos na efetivação de uma avaliação dialógica da
aprendizagem escolar.
Esse fator relacionado a uma estrutura escolar adversa, perpassada pelo
autoritarismo73 pedagógico e administrativo deverá ser levado sempre em conta
no momento de se buscar o diálogo entre os agentes educativos na busca da
construção de relações mais cooperativas e solidárias. O orientador educacional
deve estar bem atento a isso para buscar mitigar os entraves que se fazem
presentes ao seu trabalho, especificamente em se tratado da avaliação dialógica.
É importante deixar claro que “na perspectiva de uma necessária democratização
da escola, é preciso [...] adotar um conceito de educação que exija a superação
da estrutura atualmente vigente na escola” (PARO, 2011, p.25). Assim, superar
essa estrutura hierarquizada74 é primordial para que a escola se consolide como
70 É importante frisar que “[...] a escola não é boa nem má em si. Depende a serviço de quem ela está no mundo. Precisa saber a quem ela defende” (FREIRE, 2014b, p.45). A serviço de quem e do que a escola pública brasileira está? Eis a questão! 71 Para Nietzsche apud Sobrinho (2011, p. 156) “os governos dos grandes Estados dispõem de dois meios para manter o povo na dependência, no temor e na obediência: um mais grosseiro, o exército, outro mais sutil, a escola”. 72 “Numa sociedade em que o autoritarismo se faz presente, das mais variadas formas, em todas as instâncias do corpo social, é de se esperar que haja dificuldade em levar as pessoas a perceber os espaços que podem ocupar com sua participação” (PARO, 2000, p.59). 73 “Sem esquecer que o autoritarismo assume variadas formas. Ele não ocorre apenas quando o Estado se utiliza da máquina burocrática para exercer seu poder ou quando há abuso da autoridade administrativa de modo direto. O autoritarismo se dá também, e em especial, quando o Estado deixa de prover a escola de recursos necessários à realização de seus objetivos” (PARO, 2000, p.13). 74 “O que nós temos hoje é um sistema hierárquico que pretensamente coloca todo o poder nas mãos do diretor” (PARO, 2000, p.11).
46
um espaço democrático, de construções colaborativas a ativas entre os
indivíduos.
Ainda se tratando da estrutura escolar, Freire (2014b, p.215) nos diz que “a
escola brasileira é eminentemente autoritária e discriminadora, elitista”75. Freire
(2014b, p.357) complementa, afirmando que “a tradição brasileira, profundamente
autoritária, coloca sempre o formando como um objeto sob a orientação do
formador [...]”. O termo tradição no posicionamento citado nos dá a ideia de uma
questão de ordem histórica e cultural, ou seja, de que a própria sociedade
brasileira fundou-se em pilares autoritários, em uma relação de subserviência
entre, por exemplo, a Colônia (Brasil) e a Metrópole (Portugal)76.
Em se tratando da escola pública brasileira, uma característica marcante
da mesma, segundo Paro (2000, p.24), é o “[...] caráter formalista, burocratizante
e centralista da organização do poder e da autoridade [...]”. Essa centralidade da
autoridade e do poder, por exemplo, na figura do diretor, torna a estrutura da
escola em algo rígido e concentrado nas mãos de poucas pessoas, sobretudo do
corpo diretivo. Isso tende a tornar o trabalho do orientador educacional, no que
tange a efetivação da avaliação dialógica, complexo, tendo em vista que a própria
estrutura escolar não viabiliza condições que estimulem a participação ativa e
colaborativa de professores e professoras, alunos e alunas no debate e na
construção ativa dos instrumentos avaliativos.
Dessa forma, “[...] para dar conta da passagem da democracia como
componente curricular77, é preciso que o educador queira ser democrático e seja
capaz de agir democraticamente78” (PARO, 2011, p.129; grifos no original). Ser
75 “A escola pública, como acontece em geral com as instituições numa sociedade autoritária, é organizada com vistas a relações verticais, de mando e submissão, em detrimento das relações horizontais, de cooperação e solidariedade entre as pessoas” (PARO, 2000, p.22). 76 Um componente característico ao relacionamento autoritário e hierarquizado é a invasão cultural. “[...] a invasão cultural é a penetração que fazem os invasores no contexto cultural dos invadidos, impondo a estes sua visão de mundo, enquanto lhes freiam a criatividade, ao inibirem sua expansão” (FREIRE, 2014a, p. 205). 77 Entenda democracia enquanto componente curricular no contexto do trabalho em questão, como práticas vivenciadas no processo de debate, construção e monitoramento das aprendizagens na perspectiva de uma avaliação dialógica. 78 “Acontece que a formação dessa “personalidade democrática” do educador escolar não se faz inteiramente por meio de livros e dos cursos de Pedagogia e outros de formação de professores. O
47
capaz de agir democraticamente diz respeito – também – aos limites para sua
atuação dentro de uma estrutura escolar, ou seja, tal estrutura contribuirá79 ou
não – de alguma maneira – para sua conduta democrática no âmbito da
avaliação dialógica da aprendizagem escolar, além de influenciar a conduta do
próprio orientador educacional.
Um segundo desafio percebido que pode influenciar os trabalhos do
orientador educacional em relação à construção e efetivação de uma proposta de
avaliação dialógica da aprendizagem, está concentrado na possível resistência
por parte dos próprios professores e professoras, na medida em que o processo
de avaliação da aprendizagem de caráter unilateral está incorporado à prática
pedagógica, em alguns casos há bastante tempo, fazendo parte de uma cultura
docente. Desse modo, é importante enfatizar que:
[...] toda mudança, em qualquer instituição, pode colocar em perigo a economia psíquica dos agentes, o equilíbrio às vezes frágil que construíram entre os prazeres e as frustações, as liberdades e os deveres que sua tarefa permite ou impõem (PERRENOUD, 2007, p. 158).
Essa resistência, de caráter psicológico, por parte de professores, é
proveniente – muitas vezes – de zonas de conforto80 construídas psiquicamente
ao longo de suas trajetórias profissionais em torno de um modelo de avaliação da
aprendizagem que satisfizeram historicamente suas necessidades docentes mais
imediatas. Portanto, essa resistência à mudança apresenta-se como um
mecanismo de defesa docente que busca blindar as transformações e as
inseguranças que podem vir a surgir com a transição de uma perspectiva
avaliativa de caráter unilateral, para outra mais colaborativa e dialógica.
essencial dessa formação é constituído muito antes de o jovem chegar ao ensino superior, sendo de particular importância o tipo de educação que ele recebe durante o ensino fundamental” (PARO, 2011, p.130). 79 “Uma sociedade autoritária, com tradição autoritária, com organização autoritária e, por acaso, articulada com interesses autoritários de uma minoria, orienta-se na direção oposta à da democracia” (PARO, 2000, p.19). 80 Zona de conforto ou Zona de conforto psicológica são posturas, práticas, pensamentos e ações que determinada pessoa está acostumada a adotar que lhe propiciam segurança.
48
Nessa perspectiva de resistências à mudança por parte de professores e
professoras em torno da avaliação, Perrenoud (2007, p.157; grifo no original) diz
que:
Definitivamente, a mudança não passa de um momento difícil, por vezes estimulante, caso resulte em uma renovação e crie equilíbrios mais fecundos. A situação é mais grave quando os professores pressentem que não encontrarão, em um novo sistema de avaliação, as satisfações, confessáveis ou não, que lhes proporciona a avaliação tradicional.
Assim, o orientador educacional deve levar em consideração esse fator,
que se configura como um desafio no transcorrer do processo de debates e
reflexões em torno de outra perspectiva avaliativa, de caráter mais dialógico e
participativo. Essas resistências no âmbito da sala de aula, por parte de
professores e professoras, são capazes de colocar em risco todo o esforço do
orientador educacional que porventura não venha levar em consideração o fator
resistência à mudança. Portanto, a adesão dos agentes educacionais é condição
primordial para que a utopia da avaliação dialógica da aprendizagem escolar se
torne concreta.
3.3 - Avaliação Dialógica: possibilidades para a atuação do
Orientador Educacional
A palavra possibilidades, aqui utilizada, se refere a fatores ou mesmo a um
único fator que de alguma maneira pode ser “utilizado” pelo orientador
educacional no sentido de criar um espaço para debates, reflexões e construções
coletivas no sentido da efetivação no interior da prática pedagógica de uma
avaliação sob a perspectiva dialógica. Essas possibilidades precisam ser
percebidas e assumidas pelo orientador no sentido de lançar mão delas para
facilitar sua intenção pedagógica de transcender a avaliação da aprendizagem
49
como ação imposta unilateralmente pelo professor/professora ao grupo de alunos
e alunas.
No entanto, desde já é importante enfatizar que:
Não é possível intervenção sem compreensão do objeto sobre que se pretende atuar ou se está atuando. E a compreensão muda com a intervenção. A compreensão do objeto que não se dá a mudança obstaculiza o processo de intervenção (FREIRE, 2014b, p.291).
Dessa forma, cabe ao orientador educacional de início esforçar-se na
busca crítica por elucidar as possibilidades existentes que possam ajudá-lo no
processo de tornar concreto e habitual a adoção da avaliação dialógica81. As
possibilidades não se apresentam ao orientador como doação a ele por outrem;
ele, o orientador, deve buscar exercer uma postura crítica e totalizante da
realidade para melhor compreendê-la. Assim, “[...] não há dúvida nenhuma de
que a percepção focalista da realidade é alienante; somente a consciência da
totalidade através da práxis que a constrói é desalienadora” (FREIRE, 2014b,
p.155).
Uma possibilidade que se apresenta ao orientador educacional diz respeito
a algo mais subjetivo que é a atmosfera social e política que se vive no Brasil nos
dias de hoje82, que causa reflexos imediatos nas relações travadas entre os
atores educacionais. Segundo Paro (2011, p.15):
Nas últimas décadas, especialmente a partir dos anos 1980, tem-se verificado, no Brasil, uma saudável tendência de democratização da escola pública, acompanhando de certa medida a democratização da própria sociedade, que se verifica nesse mesmo período83.
81 Evidentemente somente um orientador educacional enquanto profissional comprometido com as classes populares, situado historicamente e politicamente (FREIRE, 2011c) é capaz de se envolver na proposta de efetivar a avaliação dialógica da aprendizagem nos espaços escolares. 82 Essa atmosfera social e política perpassada pelo viés democrático é o resultado de um conjunto de movimentos reivindicatórios que se faziam presentes já durante o Regime Militar (1964-1985), que culmina com a queda do regime e a consequente restituição do regime democrático por meio das eleições diretas para cargos eletivos do poder Executivo e Legislativo (Federal, Estadual e Municipal). 83 “Ressalte-se, de passagem, que o termo democratização não é empregado aqui no sentido de universalização da escola básica, ou de popularização do ensino, para colocá-lo ao alcance de todos. Não obstante a inegável importância desse significado, o que se trata aqui é da
50
Essa tendência de democratização da sociedade brasileira, que passa pela
concepção e implantação de mecanismos de participação popular no nível da
sociedade, fortalece uma atmosfera política que influencia a social no sentido da
criação de espaços concretos e reais para deliberações por parte dos indivíduos.
Capturar esse movimento – muitas vezes sutil – no interior das práticas sociais de
democratização das relações pode ser um efetivo ponto de ancoragem do
orientador educacional, na medida em que seu discurso pedagógico-político pode
vir a estar alinhado com essa realidade mais ampla, objetivando situar os agentes
pedagógicos presentes na escola da necessidade premente de adequação de
práticas cotidianas a uma lógica/tendência que se fortalece cada vez mais
externamente a escola.
Esses fatores mais conjunturais como a supracitada atmosfera social e
política podem contribuir junto ao trabalho do orientador educacional no sentido
da efetivação de uma avaliação dialógica da aprendizagem84 escolar na medida
em que tende a influenciar as próprias relações travadas no interior da escola e o
orientador deve estar atento a isso. Conforme Paro (2011, p.17):
[...] cada vez mais se verifica o desenvolvimento de uma concepção segundo a qual os usuários têm o direito de se familiarizar com o modo de agir pedagógico da escola e podem contribuir com sua opinião, expectativas e interesses para uma prática pedagógica mais adequada.
Essa concepção de participação dos usuários no modus operandi85 da
escola, mais especificamente no âmbito pedagógico, suscita no orientador
educacional a possibilidade de fomentar debates, reflexões, práticas e condutas,
democratização das relações que envolvem a organização e o funcionamento efetivo da instituição escolar. Trata-se, portanto, das medidas que vêm sendo tomadas com a finalidade de promover a partilha do poder entre dirigentes, professores, pais, funcionários, e de facilitar a participação de todos os envolvidos nas tomadas de decisões relativas ao exercício das funções da escola com vistas á realização de suas finalidades” (PARO, 2011, p.15). 84 Obviamente não serão os fatores propriamente ditos que alterarão qualquer quadro, mas sim o orientador educacional que ao se apropriar criticamente desses fatores terá melhores condições de atuar efetivamente nos espaços escolares. 85 Modo de operação.
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tanto junto a professores/professoras como junto a alunos/alunas mais
colaborativas e democráticas, inclusive se tratando do processo avaliativo. A
avaliação dialógica como prática pedagógica cotidiana pode amparar-se nessa
tendência da familiarização, tanto de docentes, quanto de discentes, nos rumos
tanto das atividades-fim86 quanto das atividades-meio87. Para tanto, o orientador
educacional deve assumir uma postura de facilitador88 em todo esse processo,
contribuindo para a ressignificação de cosmovisões e práticas que venham
ajudar, sobretudo alunos e alunas, na ativa participação intraescolar89.
Portanto, a tendência que vem se apresentando no Brasil nas últimas
décadas de democratização de instituições, com consequente partilha do poder
entre os indivíduos, apresenta-se como uma importante possibilidade que deve
ser valorizada e explorada pelo orientador educacional no árduo processo de
consolidação da avaliação dialógica da aprendizagem. Mesmo sendo um trajeto
difícil, com “terrenos movediços”, resistências e pressões, as ações no hoje
devem ser levadas a sério como forma de tornar a avaliação dialógica uma
realidade no tempo futuro. Desse modo:
Não há um futuro como uma coisa marcada, esperada para a gente colocar depois, como se fosse um módulo que a gente fabrica e deixa lá à espera que vai chegar para buscá-lo no futuro. Não, o futuro se constrói é na transformação radical do hoje (FREIRE, 2014b, p.125-126).
86 “As atividades-fim da escola referem-se a tudo o que diz respeito à apropriação do saber pelos educandos. Nelas inclui-se a atividade ensino-aprendizagem propriamente dita, desenvolvida dentro e fora da sala de aula; mas não é impróprio incluírem-se também os serviços de coordenação pedagógica e orientação educacional, na medida em que estes também lidam diretamente com questões pedagógicas. Mas estes serviços são muito pouco generalizados na maioria dos sistemas públicos de ensino no Brasil” (PARO, 2000, p.72-73; grifo no original). 87
“As atividades-meio são aquelas que, embora referindo-se ao processo ensino-aprendizagem, não o fazem de maneira imediata, colocando-se, antes, como viabilizadoras ou precondições para a realização direta do processo pedagógico escolar que se dá predominantemente em sala de aula. Destacam-se, entre estas, as operações relativas à direção escolar, aos serviços de secretaria e às atividades complementares e de assistência ao escolar” (PARO, 2000, p.75; grifo no original). 88 É importante deixar claro que “[...] a mudança não pode ser feita por uma pessoa só. Ela nasce do desejo da gente sim, mas é coletiva, social. Todos nós temos de assumir responsabilidades no processo geral da mudança” (FREIRE, 2014b, p.325). Assim, o orientador educacional é uma peça importante em uma engrenagem escolar que contempla outros atores educacionais. 89 É importante enfatizar que “nas últimas décadas, a escola pública básica tem experimentado a implementação de uma série de medidas visando à democratização de sua gestão” (PARO, 2011, p.221).
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O hoje, ou melhor, as percepções oriundas da interpretação do hoje, são
importantes substratos à disposição do orientador educacional no sentido de
ajudá-lo a agir-intervindo, contribuindo de alguma forma com uma sociedade mais
justa e democrática e com uma escola mais inclusiva e comprometida com a
formação cidadã e crítica de alunos e alunas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A perspectiva dialógica (avaliação dialógica da aprendizagem escolar)
apresenta-se como uma alternativa à proposta avaliativa de caráter unilateral,
fortemente sistematizada nos sistemas de ensino, uma vez que suprime as
relações de poder, concentrando o poder exclusivamente nas mãos do
professor/professora, que elabora os instrumentos avaliativos, aplica-os junto aos
alunos/alunas, corrigindo-os sem a participação ativa dos discentes no processo.
Essa concepção avaliativa, com enfoque dialógico, tem como elemento
subjacente uma concepção democrática e colaborativa do relacionamento entre
os sujeitos, que engajados coletivamente gerenciam o processo avaliativo
(ROMÃO, 2011).
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A avaliação dialógica busca “dar voz” a alunos e alunas no processo
avaliativo (ROMÃO, 2011), empoderando-os90, na medida em que concede a
esses um espaço de convivência participativa com caráter
colaborativo/deliberativo. No entanto, é importante enfatizar que a transição de
uma avaliação da aprendizagem de caráter unilateral para outra mais dialógica
não se dá instantaneamente. Fatores (desafios) podem emergir nesse processo e
dificultar a trajetória de implantação da avaliação dialógica da aprendizagem
escolar, assim como possibilidades podem ser utilizadas para a efetivação desse
enfoque avaliativo.
A pesquisa teve por objetivo esclarecer/investigar quais seriam os
possíveis desafios e possibilidades que se apresentam para a atuação do
orientador educacional no que tange à consolidação de uma avaliação dialógica
da aprendizagem escolar no interior das práticas cotidianas, sobretudo, em sala
de aula, na relação professor/professora e aluno(s)/aluna(s). Dois desafios e uma
possibilidade foram detectados. Os desafios se referem à estrutura pedagógica e
administrativa da escola caracterizada ao longo do tempo como autoritária e
hierarquizada e a resistência à mudança por parte dos professores/professoras
em abandonar uma determinada prática avaliativa para adotar outra. A
possibilidade diz respeito à atmosfera social e política atual, com certo viés
democrático que pode ajudar91 o orientador educacional em seu labor em torno
da efetivação da avaliação dialógica da aprendizagem nos espaços escolares.
Essa busca por uma mudança na prática avaliativa da aprendizagem
escolar “denuncia” um compromisso do orientador educacional – quem sabe da
equipe pedagógica – com a mudança/transformação da própria sociedade, ao
buscar alterar as práticas sociais silenciadoras e as relações humanas
verticalizadas, características de uma sociedade autoritária (PARO, 2000). Assim,
é importante enfatizar que:
90 Conhecido como empowerment na literatura organizacional. 91 Como já dito em outro momento na pesquisa, não serão os fatores/possibilidades propriamente ditos que alterarão qualquer quadro, mas sim o orientador educacional que ao se apropriar criticamente desses fatores terá melhores condições de atuar efetivamente nos espaços escolares.
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Sem a transformação na prática das pessoas não há sociedade que se transforme de maneira consistente e duradoura. É aí, na prática escolar cotidiana, que precisam ser enfrentados os determinantes mais imediatos do autoritarismo enquanto manifestação, num espaço restrito, dos determinantes estruturais mais amplos da sociedade (PARO, 2000, p.19).
Nessa perspectiva, de participação ativa do orientador educacional em
torno da transformação das práticas pedagógicas/sociais, é necessário dizer que
“não há decisão sem ruptura [...]” (FREIRE, 2014b, p.182). O orientador ao
decidir/optar por uma avaliação da aprendizagem sob a perspectiva dialógica
inicia um movimento político, mas também cognitivo, de rompimento com o status
quo92 vigente, marcadamente excludente, injusto e desigual que reverbera no
espaço escolar, sobretudo, na escola pública. Por isso, nada mais normal do que
encontrar, desafios e oposições daqueles e daquelas que, mesmo
inconscientemente, muitas vezes defendem e perpetuam as intenções
hegemônicas de dominação.
A avaliação dialógica da aprendizagem escolar situa-se em um projeto
mais amplo de sociedade (ROMÃO, 2011). Essa perspectiva avaliativa busca
fornecer suporte ao processo93 de amadurecimento e consolidação de uma
sociedade democrática na medida em que é sabido que “não pode haver
democracia plena sem pessoas democráticas para exercê-la” (PARO, 2000,
p.25). Portanto, a avaliação dialógica almeja tornar-se uma prática pedagógica,
como também uma experiência existencial entre professor/professora e
aluno(s)/aluna(s) de exercício do espírito democrático no interior das vivências
escolares, repercutindo na sociedade em geral.
A concepção de avaliação da aprendizagem sob o enfoque dialógico tem
essa pretensão de servir a um projeto de sociedade, na medida em que “[...] o
método de ensino é também conteúdo, sendo dele indissociável, especialmente
quando se pretende educar para a autonomia intelectual e política” (PARO, 2000,
p.92). A prática dialógica da aprendizagem possui implicitamente um conteúdo,
92 Padrão consolidado em relação à realidade política, social, econômica etc. 93 “Democracia não se concede, se realiza [...]” (PARO, 2000, p.19), por isso é processo.
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diga-se político, que pode contribuir para o processo de amadurecimento de
alunos e alunas – de professores e professoras também – no que diz respeito à
adoção de condutas democráticas, cooperativas, participativas e, sobretudo,
interventoras na realidade política e social.
Assim, conforme Freire (2014b, p.48):
[...] não há dúvida nenhuma de que só tem um jeito para gente fazer amanhã o que hoje a gente não pode fazer: é fazer hoje o que hoje se pode fazer. Então, fazendo o que agora posso fazer, eu me preparo para amanhã fazer o que hoje não me é possível fazer.
Portanto, por mais que os desafios detectados possam inibir a prática do
orientador educacional em torno da efetivação de uma cultura escolar avaliativa
de caráter dialógico, atuar esperançosamente no tempo presente, dentro de
limites e possibilidades previamente percebidas, pode ajudar a tornar o amanhã,
o futuro em algo mais plausível, concreto. No mais, não se pode perder de vista
que “[...] o diálogo é a alternativa democrática de convivência política” (PARO,
2011, p.27). Dessa forma, dialogar é preciso para que a utopia de um mundo e de
uma escolar melhor para todos e todas, mais qualificada, mais amorosa, possa
se tornar o presente de muitos e muitas.
56
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espaço do projeto político-pedagógico. 17ª ed. Campinas: Papirus, 2013. p.09-
32.
ÍNDICE
60
FOLHA DE ROSTO 02
AGRADECIMENTOS 03
EPÍGRAFE 04
DEDICATÓRIA 05
RESUMO 06
METODOLOGIA 07
SUMÁRIO 08
INTRODUÇÃO 09
CAPÍTULO I
Orientação Educacional: apontamentos críticos 13
1.1 - Orientação Educacional: em busca de uma conceituação 13
1.2 - Atribuições do orientador educacional 15
1.3 - Orientação Educacional sob a perspectiva histórica 17
1.4 - Orientação Educacional: momento atual 20
CAPÍTULO II
Avaliação da Aprendizagem sob a perspectiva Dialógica 25
2.1 - Avaliação da Aprendizagem: sentidos e significados 25
2.2 - Avaliação da Aprendizagem versus Exame: elucidações conceituais
28
2.3 - Avaliação da Aprendizagem e o Erro: interlocuções possíveis 30
2.4 - Avaliação Dialógica: perspectiva crítica 32
2.5 - Etapas da Avaliação Dialógica 35
2.5.1 - Etapa pré-avaliativa 35
2.5.2 - Etapa avaliativa 36
2.5.3 - Etapa pós-avaliativa 37
2.6 - Avaliação Dialógica e o Ideário Democrático 37
61
CAPÍTULO III
Avaliação Dialógica: desafios e possibilidades para atuação do Orientador
Educacional 41
3.1 - Avaliação da Aprendizagem e Orientação Educacional: interfaces críticas 41
3.2 - Avaliação Dialógica: desafios para a atuação do Orientador Educacional 44
3.3 - Avaliação Dialógica: possibilidades para a atuação do Orientador
Educacional 49
CONSIDERAÇÕES FINAIS 53
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 57
ÍNDICE 61