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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO PROFESSOR À LUZ DA
EDUCAÇÃO INCLUSIVA
QUAL O CUIDADO NECESSÁRIO?
Por: Márcia Gonçalves Nunes
Prof.Orientadora: Maria Esther de Araújo
Co-orientadora: Giselle Böger Brand
Salvador - Ba
2015
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO PROFESSOR À LUZ DA
EDUCAÇÃO INCLUSIVA
QUAL O CUIDADO NECESSÁRIO?
Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada
como requisito parcial para obtenção do grau de
especialista em Educação Especial e Inclusiva
Por: Márcia Gonçalves Nunes
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AGRADECIMENTOS
“ O navegante inicia suas travessias levando consigo a âncora.
Atreve-se, assim, a dialogar com novos mares
pois na solidão de alguma noite
a âncora lhe recorda
que pode encontrar descanso
no porto de partida ou
deter-se em alguma margem
que lhe ofereça reparo”. Alicia Fernandez
Na busca por novas travessias é sempre bom lembrar que não estamos
sozinhos ou sozinhas. Os “descansos” e “reparos” feitos ao navegar por esse
imenso “oceano” dos estudos sobre a Educação Especial e Inclusiva foram
paradas ativas para a apreciação e elaboração da própria jornada. Os portos
que encontrei proporcionaram diferentes mergulhos com os quais pude voltar
muitas vezes para o ponto de partida (a mim mesma) revigorada e disponível
para novos mergulhos. Os oceanos são ambientes vivos, e por sua imensidão,
férteis de possibilidades de pesquisa e aprendizagem.
Foram feitas muitas ancoragens, em portos generosos de amizades.
Agradeço a cada uma delas:
Ana Célia Pucci, colega de trabalho, incentivadora desta navegação.
Ana Cristina Reuttimann, mestre, incentivadora constante de novas
aprendizagens, presença de longas datas.
Tereza Cristina Marinho supervisora psicopedagógica, muitas trocas
foram realizadas sobre as questões inclusivas.
Cira Pinto ouvintes das passagens por mares turbulentos.
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Gina Carla Reis, Dilce Assis, Silvio Benevides e Ivone de Araújo B.M de
Souza competentes profissionais de educação que encantam com suas
práticas docentes.
Aos alunos e alunas que atendo cada um, cada uma, na expressão das
suas singuralidades, instigando práticas novas e aprofundadas.
Ao cuidadoso processo de estudos deste curso a distância fazendo-nos
garantir produções autorais.
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RESUMO
Considerando que a escola é um dos espaços sociais responsável pela
formação de cidadãos críticos, éticos e afetivos; um lugar privilegiado de
crescimento e transformações; que a inclusão educativa é um valor
psicossocial, um marco político a ser buscado, construído e sustentado,
através de ações políticas e pedagógicas que estabeleçam diálogos entre os
saberes; que o educador é o profissional responsável direto (mas não é o
único!) em catalisar anseios sociais e articular formas diversas de
aprendizagem que atinjam construtivamente os seus alunos, faz-se necessário
ressaltar a importância de cuidar do educador nas diferentes ações formativas,
atentando para a constituição e expansão da sua identidade profissional
diante dos desafios da atualidade.
O presente estudo tem como objetivo principal dar visibilidade ao
contínuo processo de constituição da identidade do educador na experiência
inclusiva, identificando os sentidos atribuídos nesta construção em diferentes
experiências de ensino, pesquisando os mitos, as polêmicas, interrogações e
aprendizados existentes neste fazer entendendo que a deficiência mobiliza
sentimentos de incapacidade, inferioridade e limitações.
Para que se alcance os objetivos propostos, bem como responder as
questões levantadas neste estudo, utilizou-se como procedimento
metodológico a pesquisa bibliográfica, dentro de uma abordagem teórica,
ancorada em reflexões histórica, analítica, sociointeracionista, filosófica
idealista e humanista. Para um maior aprofundamento, indo além da teoria,
foram feitas entrevistas para a realização de estudo de caso.
Os resultados confirmam que a constituição da identidade é um
processo inacabado em torno de um vir-a-ser e sua ampliação passa por
processos de reconhecimento de si e do outro ao analisar, reflexivamente, a
realidade na vivencia prática, atribuindo-lhe sentidos próprios. A experiência
inclusiva compreende movimentos inclusivos diversos tendo como foco
principal atual a garantia de medidas, procedimentos e marcos legais
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direcionados para as pessoas com necessidades especiais, cabendo atentar
com cuidado para as-os professoras-es no exercício desta imensa tarefa.
Palavras-Chave: Inclusão, cuidar, identidade, sentidos
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SUMÁRIO
METODOLOGIA 08
INTRODUÇÃO 09
Capítulo I - Contextualização histórica 12
Capítulo II - O cuidado necessário em olhar o educador na perspectiva 18
inclusiva
Capítulo III - Constituição da identidade: os sentidos atribuídos à prática 27
docente na experiência inclusiva
3.1- Algumas histórias, muitos sentidos 30
3.1.1 - Experiências das professoras e professor de classe 31
regular de ensino
3.1.2 - Depoimento de uma professora de classe especial 39
CONSIDERAÇÕES FINAIS 42
REFERÊNCIAS 47
ANEXO 50
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METODOLOGIA
Foi realizada uma pesquisa bibliográfica dentro de uma abordagem
teórica, fundamentada nas reflexões de Leonardo Boff, Cirpiano Luckesi,
Beatriz Scoz, Matoan, Maria Lúcia Aranha, Alícia Fernández, Fernanda de
Lourdes de Freitas, entre outros.
Para um maior aprofundamento, indo além da teoria, foram feitas
entrevistas, para a realização de histórias narrativas de vida, revisitando os
percursos profissionais. As questões levantadas neste trabalho buscarão
respostas em torno do COMO? POR QUÊ? QUAIS? O QUE? . Os estudos de
casos se aplicam melhor para este tipo de pesquisa e a compreensão de um
fenômeno que é significativo no campo da singularidade.
Para esta etapa da pesquisa, foram feitas entrevistas, com base num
questionário semi estruturado, comum para todos os sujeitos entrevistados,
professores de diferentes seguimentos educativos. Duas professoras, uma do
Ensino Fundamental I, a outra do Ensino Médio; um professor do Ensino
Superior e uma professora com larga experiência em Educação Especial, a fim
de obter diferentes pontos de vistas na questão que se apresenta a respeito da
expansão da identidade do professor na experiência inclusiva.
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INTRODUÇÃO
“Cuidado por onde andas que é sobre os meus sonhos que caminhas.
Carlos Drummond de Andrade
A educação inclusiva é uma ação política, social e cultural mundial em
consonância com outros movimentos de defesa aos direitos humanos,
comungando com o ideal de equidade social de forma crítica, histórica, em
ambientes sociais democráticos.
A Declaração de Salamanca (1994) é um marco internacional
significativo na ruptura de uma visão segregatória dos alunos portadoras de
necessidades especiais. A ideia principal é a de abordar políticas e práticas
educativas que incluam crianças, adolescentes, jovens e adultos no sistema
regular de ensino. No interior da escola a práxis pedagógica visa educar e
socializar esses estudantes, tendo em vista as suas dificuldades individuais,
objetivando desenvolver atividades que propiciem aprendizagens satisfatórias.
A inclusão é, portanto, uma concepção que busca romper atitudes
discriminatórias e excludentes com os estudantes dentro e fora da escola, em
seu sentido mais amplo de apoio. Incluir implica em acolher, criar as condições
de permanência no ambiente escolar e de produção de aprendizagem a todos
os alunos, considerando-os na sua singularidade.
Diversos sentimentos e interrogações frequentam a práxis cotidiana para
que essa busca pela inclusão escolar ocorra e elas conduzem a validar a
necessidade urgente de repaginar a prática da instituição escolar, atualizar
suas ressonâncias éticas, filosóficas, políticas e (psico) pedagógicas, na
complexidade desta realização.
O despreparo dos professores, a falta de recursos estruturais e de
sustentação política na concretização desse ideal são as justificativas
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recorrentes ao se tratar das dificuldades operacionais, que mantém ainda os
estudantes em situação de exclusão, em diferentes condições. Estampam-se
as contradições ao implementar os marcos, as normas, os procedimentos
inclusivos buscando a igualdade e diferença como valores indissociáveis.
Para Mantoan:
A maioria das escolas ainda está longe de se tornar inclusiva. O que existe em
geral são escolas que desenvolvem projetos de inclusão parcial, os quais não
estão associados a mudanças de base nestas instituições e continuam a
atender aos alunos com deficiência em espaços escolares semi ou totalmente
segregados- classes especiais, escolas especiais (MANTOAN, 2007, p.45).
Mudanças são necessárias e inevitáveis a despeito de toda
complexidade e contradições. O educador como catalisador dos anseios
sociais da proposta política pedagógica da escola, é o profissional da linha de
frente responsável em articular formas diversas de aprendizagem que atinjam
construtivamente os seus alunos.
Qual o cuidado necessário em olhar o educador neste contexto? Há
cuidados especiais a serem destinados aos professores que trabalham em
classes com estudantes em situação inclusiva? Que aspectos devem ser
considerados para a construção da sua identidade profissional? Quais
discursos narram suas histórias e as abordagens pedagógicas e filosóficas que
nutrem suas práticas sociais? São muitos os questionamentos.
O principal objeto deste trabalho é o de refletir sobre quais sentidos vão
sendo atribuídos e desenvolvidos na prática docente na experiência inclusiva,
expandido a identidade profissional dos professores.
O capítulo I contextualiza historicamente o papel da escola, a ação
educativa através dos tempos, como eram tratadas as pessoas com deficiência
nesses períodos e os marcos legais para a regulamentação da política
inclusiva. Abrange de forma resumida, o mundo e o Brasil.
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No capítulo II encontra-se uma parte da fundamentação teórica.
Inicialmente é feita uma incursão sobre o cuidado: conceito, fundamento
filosófico e importância na perspectiva principal de Leonardo Boff, que nos leva
a pensar sobre o modo-de-ser-trabalho comungando com o modo-de-ser-
cuidado em meio à crise das sociedades modernas. Finaliza-se inspirada nas
reflexões de Cipriano Luckesi, na reflexão dos modos de cuidar do-a professor-
a na educação inclusiva.
O capítulo III inicia-se refletindo teoricamente o conceito de identidade,
seguindo fenomelogicamente, com as histórias dos professores entrevistados,
entremeadas por algumas citações colhidas do livro de Fernanda de Lourdes
de Freitas, A identidade do professor da teoria à prática, a fim de fazer
contrapontos com a voz desta pesquisadora e a produção de conhecimento
apresentada nas narrativas dos entrevistados, atribuindo sentidos às suas
práticas docentes na experiência inclusiva.
Na primeira etapa serão apresentadas as reflexões de duas professoras
e um professor que atuam em classes regulares de ensino. Na segunda, um
rico depoimento de uma educadora atuando em escola especial. Expressam-se
os conflitos, mitos, aprendizados e realizações que corporificam suas
identidades.
Prossegue-se com as considerações finais em torno da constituição da
identidade dos professores entrevistados e a constatação da necessidade de
incrementar as ações formativas como um cuidado essencial, humanizador e
sensível aos professores, indo além da instrumentalização e exigência técnica
e legal que envolve o seu fazer-ser educador.
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Capítulo I – CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
Para compreender os fenômenos humanos é de fundamental
importância considerar a sua complexidade nos contextos sociais e tempos
históricos. Em diferentes culturas a ação educativa se configurou em
consonância às demandas de uma época, de uma visão social, política e
cultural, sobre a percepção de ser humano e de mundo.
Nas sociedades mais simples não havia necessidade de uma instituição
educacional dissociada da família, tendo nos adultos, a personificação do
educador. Sua experiência própria era compartilhada com o outro e os saberes
eram integrados. E foi assim por um longo tempo.
Gradualmente, os processos produtivos foram se complexificando, os
fazeres se especializando. A invenção da escrita é um marco significativo para
a humanidade. Com a organização social favorecendo a formação das cidades,
à educação foi-se requerendo a criação de escolas. Embora voltada para
poucos da população, este ensino era dedicado aos grupos mais enriquecidos
e da nobreza.
O modelo educativo uno, integrado e difuso, foi superado a partir do
momento em que se estabeleceu a divisão de classes, substituindo-se a
propriedade comum pela propriedade privada, o processo educativo foi
sofrendo estas influências, seguindo para uma visão mais disciplinar, quanto à
aquisição do conhecimento.
Não há registros de fatos científicos que indiquem claramente como os
diferentes povos da antiguidade lidavam com a questão da deficiência. Há
referências nas escrituras bíblicas que citam como os cegos, mancos e
leprosos, entre outras, eram tratados como pessoas com limitações funcionais,
sendo abandonadas, rejeitadas e segregadas socialmente. Algumas
sobreviviam como pedintes ou com doações espontâneas de poucas pessoas.
Como elas não podiam trabalhar, em uma economia centrada na agricultura,
pecuária, artesanato e construções, não tinham uma função social, restava a
elas a rejeição.
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Na época medieval, no ocidente, com as invasões bárbaras na Europa,
o modo de vida foi se modificando. Esta época envolve um período de mil
anos, com vários elementos importantes para serem analisados. Destacam-se
em termos mais gerais em relação à educação, a concentração do modo de
vida rural, agrária e de produção de artesanato caseiro. A ligação da pessoa à
terra, à propriedade; a sociedade se organizou em um esquema de proteção
entre servos e senhores feudais e destes com a nobreza.
No final da Idade Média, a expansão comercial, ascensão e influência da
burguesia apontavam o surgimento de novos pensamentos, surgindo o período
renascentista, em meio às contradições e conflitos, novas diretrizes em
educação surgem, há o fortalecimento da ciência.
Maria Lúcia de Arruda Aranha (2013) nos faz lembrar que foi nessa
passagem histórica que
a herança cultural medieval chegou a nós, na medida em que o Humanismo clássico transformado pelo Cristianismo foi apropriado pelos jesuítas, primeiros formadores da educação do Brasil (ARANHA, p.118).
A população permaneceu analfabeta até a Idade Moderna. É relevante
pensar a partir deste anacrônico panorama a situação da educação brasileira
que desde aquela época passa por problemas ainda não superados nos dias
atuais como esta temática da alfabetização.
Com a predominância dos valores religiosos da Igreja Católica, as
causas atribuídas aos deficientes eram por serem possuídos pelo demônio ou
por um castigo divino. Algumas pessoas eram castigadas ou mortas, outras
serviam como bobos da corte, em função do entretenimento, enquanto não
infligissem os princípios da Igreja.
Mais tarde, com a ênfase do pensamento cartesiano, com a divulgação
das ideias de Newton, o cientificismo ganha força no plano global,
predominando socialmente. Observa-se nesta etapa histórica, que há uma
justaposição dos conhecimentos, as disciplinas são postas fragmentadamente,
cada uma na sua especificidade, é a fase muldisciplinar de organização do
ensino.
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Na Idade Moderna (a partir do século XVI), com o avanço da Medicina e
de outras áreas do conhecimento, surgiam novas ideias e estudos atribuindo
causas orgânicas às deficiências.
Com a revolução industrial (deste a primeira fase, no século XVIII)
mudanças significativas vão ocorrendo no modo de vida das pessoas,
alterando os processos de produção; o trabalho artesanal é substituído; os
ideais e a moral são modificados. No lugar da submissão passiva medieval, a
escola deveria preparar para uma atitude de submissão e adaptação ativa,
para o trabalhador assalariado.
No Brasil imperial, com D. Pedro II, surgem no Rio de Janeiro, o Instituo
dos Meninos Cegos (1854) chamado depois de Instituto Benjamim Constant –
IBC (1891) que passou por reformulações ao longo dos anos e é considerado
um centro de referência nacional na área de deficiência visual atualmente; foi
criada também A Escola para Surdos-Mudos (1857). Eram poucas as
instituições especializadas e que atendiam casos mais severos. Outras
pessoas que não se enquadravam nestes casos eram colocadas em tarefas
sociais mais simples. Época de uma sociedade rural descolarizada.
Na Bahia tratamentos psiquiátricos começam a ser realizados com
deficientes mentais, em 1874 (Hospital Juliano Moreira nos dias atuais). Essa
intervenção é chamada pelos estudiosos de institucionalização. Mais tarde, no
século XX, muitas críticas surgem sobre esta intervenção considerada
desumana e que distanciava muito o deficiente de sua família e dos demais
setores sociais. Em 1926 é fundado o Instituto Pestalozzi, especializado no
atendimento às pessoas com deficiências mentais. Em 1954 funda-se a
primeira Associação de Pais e Amigos dos Exepcionais (APAE).
O Estado faz um movimento para tornar o ensino gratuito no final do
período imperial entrando no republicano.
O projeto político republicano visava a implantar a educação escolarizada,
oferecendo o ensino para todos. É bem verdade que se tratava ainda de uma
escola dualista, em que para a elite era reservada a continuidade dos estudos,
sobretudo científicos, enquanto o ensino para o povo ficava restrito ao
elementar e profissional. A Constituição republicana de 1891 ao reafirmar a
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descentralização do ensino, atribuiu à União a incumbência da educação
superior e secundária, reservando aos estados o ensino fundamental e
profissional (ARANHA, 2013, p.288).
A partir de 1930 no Brasil surgem as instituições privadas e as classes
especiais. A concepção, com a necessidade de escolarização, era de que as
pessoas com deficiência precisavam de um espaço em que ficassem
separadas das outras ditas “normais” para desenvolverem-se e depois fossem
reintegradas socialmente. A ideia de classe homogênea era predominante.
A deficiência mental passa a ter um espaço nas políticas públicas. A
influência da Escola Nova abre debates contrapondo-se à educação tradicional,
amparando-se nos conhecimentos da psicologia, sociologia, biologia e
pedagogia considerada mais moderna. A educação percorre uma trajetória de
muitos conflitos e interesses.
Continuando a passagem pelo tempo, há o período entre as guerras,
valorizando para a maior parte da população o ensino profissionalizante;
manifestos sobre a educação popular são realizados (nos anos 60); a travessia
pela ditadura militar (1964 a 1985), com ênfase na educação tecnicista. Eram
muitos os excluídos sociais: mulheres, pobres, deficientes, negros, indígenas,
entre outros. Observa-se até este período que a escola historicamente foi
delineando o processo de escolarização privilegiando algum grupo social em
detrimento de outro(s).
A educação especial no Brasil substituía o ensino comum
fundamentando-se nos conceitos de normal-anormal, norteados por testes
psicométricos nos atendimentos clínicos e práticas escolares para os com
deficiência. Em 1961a Lei de Diretrizes e Bases, LDB 4.024/61 regulamenta o
direito dos chamados “excepcionais” à educação; a LDB 5.692/71 define
tratamento especial para o agora chamados deficientes físico, mental, entre
outros, e que também eram encaminhados para as escolas e turmas especiais.
Nos anos 80 no Brasil, com o enfraquecimento da ditadura militar,
políticas de democratização são iniciadas. A aceleração das mudanças sociais
e políticas (mercado de trabalho, organização das indústrias, formas de
comunicação, acesso à informação, urbanização, diferentes formas de
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exercícios da cidadania, entre outras) requerem novas etapas de
aprendizagem. Entre essas organizações estão os movimentos civis, dos
setores sociais excluídos como os das pessoas portadoras de necessidades
especiais.
Só muito recentemente tem havido maior empenho em universalizar a
educação, inicialmente pela defesa da integração dos diferentes e mais
recentemente pela sua inclusão... Na perspectiva inclusiva, suprimi-se a
subdivisão dos sistemas escolares em modalidades de ensino especial e de
ensino regular. As escolas atendem as diferenças sem discriminar. (ARANHA,
2013, p.327)
Em termos mundiais a Declaração de Salamanca, em 1994, propõe
abordar políticas e práticas educativas que incluam crianças, adolescentes,
jovens e adultos no sistema regular de ensino, influenciando na elaboração das
políticas públicas.
No Brasil os marcos normativos que se destacam são a Constituição
Federal (1988) que defende o bem estar de todos contra qualquer tipo de
discriminação e preconceito. No seu artigo 205, defende o ideal de educação
para todos; no 206, igualdade de condições e permanência da escola; no artigo
208 estabelece o direito à Educação Especial ofertando atendimento
educacional especializado.
A Lei 8.069/90 – Estatuto da criança e do Adolescente enfatiza aspectos
da constituição tornando obrigatório a matricula na rede regular de ensino.
A LDB 9394/96, também conhecida como lei Darcy Ribeiro, em
homenagem ao educador brasileiro, que regulamenta os princípios e bases da
educação nacional, nos seus vários segmentos, da educação infantil ao ensino
superior. Dedica-se no Capítulo V à educação especial, no artigo 58
(explicitando o que é esta modalidade de educação), no artigo 59 (elencando
cinco tópicos que se referem ao que as unidades escolares devem assegurar
para o ensino e aprendizagem dos estudantes com necessidades especiais) e
no artigo 60 (caracteriza as instituições com atuação exclusiva em educação
especial com a finalidade de dar apoio técnico).
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Na lei 7.853/89, o decreto 3.298 define a educação especial como
modalidade complementar ao ensino regular. Novos decretos foram surgindo
regulamentando critérios de acessibilidade, a inclusão dos surdos e a adoção
da Libras no currículo na formação de professores, entre outras medidas
legais.
Nos anos 2000 medidas legais afirmativas são tomadas com o intuito de
assegurar os direitos da pessoa com deficiência e outras categoriais de
estudantes o acesso à universidade.
O Decreto 6.094/2007 define diretrizes em torno do conceito de Todos
pela Educação, incluir entende-se por matricular os alunos no ensino regular e
oferecer atendimento às necessidades especiais dos mesmos, buscando
formas de ensino e aprendizagem que propiciem sua permanência,
sociabilidade e produção de conhecimento. A escola precisa educar a todos
atualizando seu papel e compromisso social, histórico e cultural, repensando
sua organização política pedagógica, considerando as diferenças.
Essa é uma tarefa complexa e ao mesmo tempo inadiável que carregam
as professoras e professores em meio às suas múltiplas responsabilidades. Por
outro lado, os professores enquanto classe profissional, vivenciam um declínio
na representação social da profissão produzindo crises identitárias. Freitas
(2104) dedica dois capítulos do seu livro a este assunto.
Na sociedade atual do conhecimento e da circulação acelerada da
informação é grande a exigência quanto à qualificação profissional. Há de se
pensar, no contexto educacional, como fica a prática docente com todas essas
vozes históricas e sociais sobre as professoras e professores em pleno
processo de transformações sociais.
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Capítulo II – O CUIDADO NECESSÁRIO EM OLHAR O
EDUCADOR NA PERSPECTIVA INCLUSIVA
“O que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado.
Cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma
atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro.” (Leonardo Boff. 2000.p33.)
A palavra cuidado para muitos estudiosos vem do latim e significa cura
(coera) e sendo empregada em um contexto-sentido de amor e amizade
(BOFF, 2000, p. 91) é direcionado ao outro, a uma situação.
O cuidado é uma atitude, um modo de estar no mundo, uma ação
essencial para a estruturação humana, nas suas mais variadas experiências,
desde o seu nascimento, passando pela infância e as demais fases do
desenvolvimento do ser, e envolve todo seu modo de vida. Boff diz, “nós não
temos cuidado, somos cuidado (p. 89)”.
O que significa que o cuidado encontra-se na origem da humanidade e é
o que há de mais humano em nós. Boff inspira-se no filósofo Heidegger,
considerando o pai do Cuidado, no livro Ser e Tempo. Para Heidegger, o
Cuidado tem uma função fundamental na constituição ontológica do ser
humano, na e pela temporalidade.
Refletindo na dimensão da educação inclusiva é interessante notar o
significado latino de cura para o Cuidado. Jean-Yves Leloup (1999 e 2009) nos
leva a uma época da humanidade, na antiguidade, que se valorizava a visão
transdisciplinar de contemplação e reflexões que abrangiam a totalidade de
tudo o que se vivia. Ele traduz textos do filósofo Fílon sobre os Terapeutas de
Alexandria. Estes viviam em uma comunidade em Alexandria, cidade egípcia,
espaço de grande vivencia cultural. Os terapeutas eram mais do que médicos,
eram hermeneutas que se preocupavam em cuidar e ajudar o outro na busca
de significados daquilo que ocorria com ele.
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Os templos eram hospitais, mas também eram escolas. Era uma escola
da escuta e do olhar. Buscava-se compreender “que tudo o que sabemos não é
nada ao lado do mistério do ser humano” (LELOUP, 2009, p 66).
Destaca-se especialmente na concepção trazida por Leloup de que se
cuida antes de tudo
Do que não é doente em nós, do Ser, do Sopro que nos habita e inspira. Cuidar do corpo; do desejo, reorientando-o para o essencial; do imaginal, das grandes imagens arquetípicas que estruturam a nossa consciência e a cuidar do outro, do serviço à comunidade (LELOUP, 1999, pgs 9 e 10). Apoiando-se na fábula-mito do Cuidado, do grego Higino, Leonardo Boff
aborda a origem do ser humano, tecendo as representações e o sentido do
cuidar no modo de vida humano.
Vale ressaltar que Higino foi um poeta grego que se tornou prisioneiro,
escravo romano, quando Roma conquistou Alexandria. Tempos depois, em
liberdade, ele escreveu várias obras.
Segue uma tradução latina feita do texto original por Zeferino Rocha
(2010):
Cuidado, ao atravessar um rio, viu uma massa de argila, e, em
mergulhado em seus pensamentos, apanhou-a e começou a modelar
uma figura. Enquanto deliberava sobre o que fizera, Júpiter apareceu.
Cuidado pediu que ele desse uma alma à figura que modelara e
facilmente conseguiu. Como Cuidado quisesse dar o seu próprio nome
à figura que modelara, Júpiter o proibiu e ordenou que lhe fosse dado o
seu nome. Enquanto Cuidado e Júpiter discutiam, apareceu a Terra, a
qual igualmente quis que o seu nome fosse dado, a quem ela dera o
corpo. Escolheram Saturno como juiz e este equitativamente assim
julgou a questão: Tu, Júpiter, porque lhe deste a alma, Tu a receberás
quando ela morrer. Todavia, porque foi Cuidado quem primeiramente a
modelou, que a conserve enquanto ela viver. E, agora, uma vez que
entre vós, existe uma controvérsia sobre o seu nome que ela se chame
Homem, porque foi feita do húmus (da terra). (ROCHA, pág.7)
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Refletir miticamente é muito complexo, mas pode-se perceber que
Cuidado ao modelar o ser humano o fez com responsabilidade, dedicação e
ternura. Para Rocha, o termo cura na fábula-mito “pode ser traduzido por
cuidado, quanto por angústia, preocupação, inquietação e solicitude.” (p. 4).
Júpiter, Deus do céu. Terra, Deusa da Terra e Saturno, Deus do tempo.
A fábula-mito faz este marco entre os imortais e humanos, os deuses tendo um
lugar especial, mas ao mesmo tempo convivendo entre os seres humanos,
interagindo na sua vida, deste o nascimento à morte humana, àquele que veio
do húmus, Cuidado, o seguiria na sua trajetória.
Era época helenística, de “fusão da tradição grega com a oriental,
resultante das conquistas alexandrinas” (ARANHA, 2013, p.61). Culturalmente,
as máximas fundamentais nesta época eram conhece-te a ti mesmo e tomas
conta de si. Entre o viver individual e o viver coletivo.
Boff enfatiza que
Cuidado é aquela força originante que continuamente faz surgir o ser humano.
Sem o cuidado o ser humano continuaria uma porção de argila como qualquer
outra à margem do rio, ou um espírito angelical desencarnado e fora do tempo
histórico. (BOFF, p 101)
Na sociedade atual observam-se diversas situações de descuido e
descaso como os abandonos sociais ocorridos com a infância, a adolescência
e juventude; no modo de vida dos idosos; nas barreiras em relação à
acessibilidade; dificuldades de acesso aos bens culturais universais; nos
problemas ambientais; na desconsideração dos valores éticos e políticos
envoltos ao bem viver coletivo; na superficialidade na convivência entre as
pessoas.
Nesta perspectiva, para Boff, o cuidado emerge como uma atitude apelo,
um alerta ao nosso olhar impregnado por absurdezes e a falta de um exercício
permanente das pessoas gozarem dos seus direitos no exercício da cidadania,
por indiferença, por terem sido neglicenciadas, ou pela negação da
necessidade de cuidar.
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O cuidado é uma atitude que surge organicamente quando algo ou
alguém tem importância e interesse para cada um de nós, direcionamos
desvelo e atenção, ocupação e inquietudes para o outro, com afetividade.
O excesso de cuidado também descuida. Segundo Boff, causa
perfeccionismo, imobilizações, a pessoa pode se tornar obsessiva, narcísica,
afetando-se facilmente com as experiências.
O autor direciona a sua critica ao cientificismo e ao realismo que por um
lado faz progredir a sociedade do ponto de vista tecnológico e na produção de
bens materiais, cada vez mais vorazes estimulando o individualismo, o
consumo exacerbado, que “nos mantém reféns de uma lógica que hoje se
mostra destrutiva” (p.102) em muitas dimensões, por outro lado, põe
adormecida a essência humana.
Como então tornar possível “a síntese entre o céu-terra/utopia-história,
como mantê-la fecunda e sempre atraente?” (p.82) nos provoca Boff ao tempo
que sugere que
O Cuidado é o caminho histórico-utópico da síntese possível a nossa finitude.
Por isso é o ethos fundamental, a chave decifradora do humano e de suas
virtualidades. (BOFF, p 83)
Dois conceitos fundamentais são tratados encaminhando-se para o
entendimento de uma forma humana atualizada de existir no mundo,
amenizando o mal estar e a destrutividade, criando uma ética mais consciente
e responsável no seu modo de vida.
Um deles é o modo-de-ser-no-mundo pelo trabalho. É uma maneira de
intervenção na natureza, que tem ocorrido por sua dominação: “situar-se sobre
as coisas para dominá-las e colocá-las a serviço dos interesses pessoais e
coletivos” (BOFF, p.94).
Boff nos faz lembrar que os demais seres viventes também realizam
trabalho como um processo adaptativo à natureza para a sua sobrevivência. O
trabalho através da ação humana entra na dimensão intervencionista através
da sua capacidade criativa. Este interage com a natureza tirando vantagens
sobre ela a fim de buscar, entre outros objetivos, uma vida mais cômoda.
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Quando a humanidade passou a viver em agrupamentos nas vilas,
depois nas cidades, seu modo de vida foi exigindo intervenções racionalizadas
com objetividade, enquanto projeção da razão. Criando uma lógica de
dominação centrada no que o autor chamou de ditadura do modo-de-ser-
trabalho. Esta retrata a voracidade em produzir, acumular, consumir e exaurir
diversos recursos envoltos na produtividade. A partir do século XVIII, com a
industrialização, o trabalho passa a se relacionar com o capital, sendo
assalariado e avanços tecnológicos são e continuam sendo feitos. O estar no
mundo valorando excessivamente o trabalho cria patologias e muitas
distorções quanto às verdadeiras melhorias de vida humana na dinâmica
interrelacional.
Alícia Fernández, psicopedagoga e psicanalista argentina, no módulo de
estudo sobre Autorias Vocacionais (2013) sinaliza que
O consumismo mais perigoso é o que se instala no plano das ideias. Quando a
oferta determina a demanda se dificulta as escolhas podendo surgir o tédio, a
banalização, o desânimo (FERNÁNDEZ, p. 71).
O tédio, o desânimo e as queixas tendem a ser forças paralisantes e
tamponam a alegria, enquanto força criativa, de produzir. Estes são sintomas
sociais da atualidade e não é à toa tantos diagnósticos de depressão,
desatenção e hiperatividade. O que repercute bastante negativamente no
ambiente de trabalho, especialmente no escolar.
A outra concepção é o modo-de-ser-no-mundo pelo cuidado, conferindo
ao trabalho uma experimentação diferenciada ao compreendê-lo e realizá-lo,
dando mais profundidade à relação entre as pessoas como sujeitos, na forma
como ocorre a interlocução, fazendo surgir uma ética da responsabilidade
comprometida com a “democratização do empoderamento” (BOFF p. 22), a
solidariedade, a espiritualidade, o sentimento, um novo olhar sobre o conviver
humano, algo que o realismo filosófico não alcança.
?
23
Precisamos de educação, de mais formação e informação. Importa socializar
os conhecimentos, aumentar a massa crítica da humanidade. O saber é
imprescindível. O saber nos confere poder. Mas a serviço de que projeto de ser
humano, de sociedade e mundo utilizamos o poder da ciência e da técnica?
Exige uma filosofia do ser e uma reflexão espiritual que nos fale do sentido de
todos os sentidos e que saiba organizar a convivência humana sob a
inspiração da lei mais fundamental do universo: a sinergia, a cooperação de
todos com todas. Mas importante do que saber é não perder a capacidade de
sempre mais aprender. (BOFF, p 22).
No tocante à educação inclusiva o cuidado começa quando o professor
expande sua consciência, revisita e atualiza seus fundamentos e abordagem
prática; quando é acolhido, nutrido, confrontado e conta com apoio para
sustentar este ideal, se vendo no seu modo-de-ser-trabalho. Assim poderá
exercitar o cuidado com seus alunos acolhendo-os, nutrindo-os, confrontando-
os e dando-lhes sustentabilidade para aprender.
Cipriano Luckesi (2005) ao pensar na identidade do professor, levanta
essas quatro ações-atitudes importantes a serem assumidas pelos professores
na sua relação com seus alunos e que aqui será analisado na perspectiva do
cuidado direcionado também ao educador, a saber:
Um deles é o cuidado no acolhimento.
Acolher a pessoa na fase em que cada uma se encontra, colaborando
com isso com o processo de construção de pertencimento a um grupo, a um
lugar. Receber respeitosamente um ao outro. Esta é uma fase muito
importante, é a porta de entrada para a expressão do cuidado.
Os professores são encarregados diretos desta tarefa com seus alunos.
A cada ano o professor recebe uma turma nova. Antigas e novas realidades se
apresentam, mas sempre em outro momento da sua história, e ele diante de
novas realidades. Os professores não escolhem seus alunos e quando nos
referirmos àqueles portadores de necessidades especiais surgem demandas
como o tempo de conhecê-las, de fazer contato sobre o seu funcionamento,
suas áreas de interesse, potencialidades, dificuldades, sobre qual deficiência
estará lidando.
24
Em alguns casos embaraços dificultam a ação do professor, às vezes o
aluno faz parte do grupo, mas o distanciamento entre eles na expressão
cognitiva- afetiva, ou na mobilidade física, entre outros, são grandes e para os
modelos de escolas regulares que temos fica difícil acolher para planejar suas
aulas considerando aquele aluno e todos os demais da turma.
O acolhimento pode ser traduzido pelo professor, direcionando-se ao
seu aluno, com atitudes compensatórias de proteção, provocando
comparações no modo de tratamento entre os alunos; ou ele pode agir com
indiferença compreendendo que desta forma não expõe seu aluno; outros
professores podem ignorá-los, tornando o aluno um ser invisível na sala, outros
ainda podem fazer contato direto com a impotência e ficar paralisado,
lamentando a falta de estrutura, de apoio escolar e de reconhecimento
profissional (o que também tem sido próprio da realidade atual).
Mas já são muitos os que tomam como um desafio fazer algo, sabendo
um pouco ou sem saber, e se comprometem com o seu papel, se
instrumentalizam com leituras, buscam apoio e conseguem deixar as crianças
mais confortáveis na escola.
Seja qual for o momento do professor ele precisa também ser acolhido
nestas múltiplas circunstancias. Este cuidado pode ocorrer entre seus colegas
de escola e principalmente ao ser acompanhado pelo grupo gestor.
O cuidado da nutrição.
Nutrir é propiciar as condições para realização do ensino e da
aprendizagem. Direcionada ao aluno, refere-se ao como estudar os conteúdos
escolares, na articulação dos assuntos, abertura para despertar atitudes de
autoria. Incentivar o convívio e trocas de aprendizagens entre os estudantes. É
adaptar o currículo quando necessário, de acordo com o processo que o aluno
vivenciou.
Para os educadores é a parte relacionada à viabilização do ensino, o
acesso às condições físicas e materiais; é contar com apoio pedagógico,
reuniões de reflexão sobre o trabalho e as possibilidades de atualização e
aprofundamento, criar condições para a expressão dos sentimentos, das
indagações, para suas pesquisas e compartilhamentos.
25
Este espaço para a nutrição é a oportunidade de contato com as
alegrias que a realização do trabalho também pode propiciar. Facilmente nos
deparamos com as dificuldades e os desprazeres. Nutrir-se da alegria de
produzir, de criar, degustar, é um cuidado importante para todos em seus
espaços de trabalho.
O que não se pode perder de vista aqui, tal qual no acolhimento, é a
singularidade de uma pessoa. É muito comum certo aprisionamento aos rótulos
e se caracterizar alguém, sem possibilitar a continua construção de
identidades. Uma experiência pode fazer sentido para alguns para outras não.
A nutrição não atinge de forma igual a todos. São comuns frases ditas pelos
professores sobre seus alunos, ou por parte dos adultos entre si: “elas (ou eles)
são assim...” é o risco da generalização. É importante para a construção da
identidade que a pessoa seja reconhecida por si, por sua expressão. Que a
sua diferença possa ser reconhecida e nomeada sem disfarces.
Em termos procedimentais existem várias formas de nutrir e agregar
conhecimentos, informações e mobilizar autoconhecimento. Uma maneira
lúdica e envolvente é a formação de clubes de vídeos, vídeo educação.
Apreciar filmes e trabalhar a prática educativa via arte cinematográfica é
enriquecedora, reverbera no mundo interno das pessoas envolvidas e pode
refletir em mudanças para a sala de aula.
O cuidado na sustentabilidade.
Sustentar é se manter no caminho viável da realização.
É um cuidado a ser desenvolvido em conjunto por todas as pessoas na
escola e fora dela. Manter o que está dando certo abrindo espaço para o novo.
As barreiras tendem a enfraquecer ou paralisar, quando não são fáceis de
serem removidas. Sustentar é o cuidado com a própria experiência, a
continuidade da realização. Neste campo espera-se mais dos adultos, que
podem ter uma percepção mais ampliada e consciente sobre o trabalho. O
aluno é um dos termômetros sobre a prática pedagógica, se ela está
satisfatória ou não.
Por fim, o cuidado em confrontar. Luckesi concentra-se na confrontação
do educador ao educando. São as sinalizações, as problematizações, as contra
26
argumentações, as reflexões a cerca do limite e das potencialidades nas
produções, no convívio.
Novos passos no desenvolvimento autônomo. Os estudantes fazem isso
uns com os outros. Alguns também confrontam o educador, desafiam-no,
trazem inquietudes.
O educador precisa estar aberto para este exercício e confrontar a si
mesmo e aos seus colegas de trabalho.
São momentos visíveis no planejamento, nos registros pedagógicos, na
escrita de relatórios, nos diálogos com as famílias (coletiva e individualmente),
nas conversas com profissionais que apóiam a escola, na devolução que o
grupo gestor realiza.
Confrontar é manter os sentidos alertas. Manter e ampliar a criticidade,
avaliar a realidade e abrir espaços para novas criações no seu trabalho.
27
Capítulo III – CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE: OS
SENTIDOS ATRIBUÍDOS À PRÁTICA DOCENTE NA
EXPERIÊNCIA INCLUSIVA
“Meu nome é Elza. Lá na comunidade onde eu nasci tem um monte de Elzas, mas que foi doméstica se fez cantora, viveu uma das histórias de amor mais comentadas neste país, que ganhou o prêmio da voz do milênio... Ah, aí só tem eu, Elza Soares.”
(Propaganda do TSE – Tribunal Superior Eleitoral)
Essa propaganda eleitoral veiculada no rádio no primeiro semestre de
2014 é bem ilustrativa sobre a importância da identidade nos dias atuais. Nela
vemos as várias faces de uma mulher que foi favelada, empregada doméstica,
casada com um polêmico jogador de futebol, cantora, cantora reconhecida e
famosa. Várias fontes de construção identitária, com marcas históricas, sobre o
seu fazer, em diferentes épocas e práticas sociais e que a referencia, neste
momento, na pessoa que ela é.
Segundo Bauman (2005) a identidade é o “papo do momento”, um
assunto ambíguo e de extrema importância em evidência (p. 23). Por um lado,
vivermos numa época “em que tudo é ilusório, onde a angústia, a dor e a
insegurança causadas pela vida em sociedade exigem uma análise paciente e
continua da realidade e do modo como os indivíduos são nelas “inseridos”
(p.19) por outro, são essas mesmas incertezas e inquietudes que colocam a
identidade em um campo que se requer renovação de parâmetros para uma
melhor compreensão deste viver.
As identidades flutuam no ar, algumas de nossa própria escolha, mas outras
infladas e lançadas pelas pessoas em nossa volta, e é preciso estar em alerta
constante para defender as primeiras em relação às últimas (BAUMAN, p.19).
Percebe-se com isso que a identidade é algo construído e não pré-
determinado.
28
Alicia Fernández (2013), no módulo I, do seu curso de Autorias
Vocacionais, questiona se é possível falar em identidade profissional ou
ocupacional e diferencia identificação e identidade, esta chamada por ela de
construção identitária
A identificação é um processo psicológico mediante o qual um sujeito assimila
um aspecto, uma propriedade, um atributo de outro e se transforma, total ou
parcialmente, sobre o modelo deste. A personalidade se constitui e se
diferencia mediante uma série de identificações. (FERNANDEZ, p.19. in
Laplanche, Jean &Pontalis, Jean-Betrand, 1996.)
A construção identitária são movimentos identificatórios, uma formação
inacabada que tramita instersubjetivamente. Essa construção requer um
relativo fechamento para reconhecer-se hoje o mesmo que ontem – mas deve
estar o suficientemente aberta para permanecer viva. Ela é permeável e
dinâmica, põe em jogo um trabalho de “AUTORIAS” (FERNANDEZ, p.19).
A autoria de pensamento e as modalidades de aprendizagem são
conceitos importantes em toda obra de Alícia e referem-se às experiências do
sujeito como protagonista. As primeiras vivencias estão na infância no ato de
brincar, de jogar, confiante na sua capacidade de criar, pensar, desejar, sem
ter que corresponder às exigências do outro. O reconhecimento do sujeito é
algo que começa aqui a tomar força, gradualmente, perante os limites da
realidade. O sujeito vai se reconhecendo e sendo reconhecido pelo outro
mediante as suas possibilidades.
A autoria de pensamento é o processo e o ato de produção de sentidos e de
reconhecimento de si mesmo como protagonista ou participante de tal
produção (FERNANDEZ, 2001, p.90).
A autoria de pensamento supõe diferenciação, agressividade saudável, “revolta
íntima”, a partir da qual há a possibilidade de reencontro com o outro. Acesso a
nós mesmos (FERNANDEZ, 2001, p.105)
29
Mas como esses sentidos vão sendo produzidos? Ao revisitar uma
trajetória, as suas aprendizagens, os conflitos, emoções e experiências
afetivas; ao planejar, projetar o seu fazer. O ato de pensar e o contato com a
emoção favorecem múltiplos diálogos.
A reflexibilidade é uma característica do individuo comprometida com a
produção de sentidos subjetivos em todas as esferas de sua vida. É a
reflexibilidade que mobiliza a consciência de si e engaja o individuo em uma
reorganização crítica de seu conhecimento, ou mesmo na interrogação crítica
de seus pontos de vista fundamentais. Essa situação pode levar o sujeito a
reassumir posições e a definir constantemente novas posições dentro dos
contextos sociais em que se desenvolve. (SCOZ,2011, p.37).
As emoções representam um momento essencial na definição dos sentidos
subjetivos dos processos e relações do sujeito. Uma experiência ou ação só
tem sentido quando é portadora de uma carga emocional. (FERNANDEZ,
2001, 0.105)
Um conjunto de elementos forma a identidade do professor. Desde a
sua escolha em ingressar na área e em se manter nela; na sua formação, nas
suas práticas e nas vozes sociais que ecoam sobre elas, nos cuidados que são
dispensados a ele por si mesmo e outros cuidados que foram propiciados ou
deixaram de ser no seu ambiente de trabalho, atravessando as mudanças
necessárias ao longo do tempo.
Caberá ao grupo gestor e formadores esse exercício de autoria com os
professores para que estes, na prática inclusiva, possam fazer com os seus
alunos, criativamente.
Fernanda de Lourdes de Freitas (2014) se ocupa na sua pesquisa do
mestrado em refletir sobre a constituição da identidade do professor, de como a
prática e a teoria influenciam neste processo. Vários estudiosos são citados
dando consistência a uma análise sócio-histórica das identidades docentes.
Ela apresenta quatro fatores que fazem parte da constituição da
identidade, a saber:
30
Objetividade – aquilo que o indivíduo concretiza, vive, é o que ele tem
sido e vivido.
Normatividade – as normas que regulam a vida social e que o indivíduo
leva em consideração para desempenhar e constituir sua identidade.
Intersubjetividade – a relação do indivíduo com o outro tendo como
mediadora a linguagem.
Subjetividade – é a própria constituição do ser que ocorre a partir da
combinação desses elementos, é a apropriação do indivíduo das coisas que
lhe são postas pelas relações sociais.
3.1- ALGUMAS HISTÓRIAS, MUITOS SENTIDOS
Na primeira etapa serão apresentadas reflexões a partir das narrativas
de duas professoras e um professor com experiências inclusivas em classes
regulares de ensino. Na segunda etapa será apresentado um rico depoimento
de uma educadora, com mais de duas décadas de experiência, atuando em
escola especial. Os aspectos relevantes são colocados aqui numa perspectiva
fenomenológica, através dos relatos de experiências dos referidos sujeitos da
pesquisa, revisando seu percurso profissional. As entrevistas foram realizadas
em 2014.
Entrelaçando estes ricos depoimentos estarão algumas citações de
Fernanda de Lourdes de Freitas (2014), fruto da sua tese de mestrado.
Nas histórias que se apresentam será usada uma letra para representar
cada sujeito entrevistado a fim de situar e demarcar as observações trazidas
por cada um deles.
31
3.1.1 – EXPERIÊNCIA DAS PROFESSORAS E PROFESSOR DE
CLASSE REGULAR DE ENSINO
A identidade que inicialmente apresenta-se pelo nome próprio,
através das relações, das necessidades, atividades e outras formas de
predicações... Assume a forma de personagens, que se tornam
significativas e que possuem seu conjunto de normas para sua atuação e
representação. É a execução desses personagens que a formam
(FREITAS. 2014. p.108).
Quem são?
A. é professora da rede particular de ensino, trabalha com crianças do
Ensino Fundamental I, 3º ano. É socióloga, formanda em pedagogia; pós
graduada em Psicopedagogia. Tem quatorze anos de experiência na mesma
instituição.
B. é professora de História, trabalha em quatro escolas. Duas da rede
pública e duas da privada. Atua como professora do Ensino Fundamental II e
Ensino Médio. Em uma escola particular está como colaboradora da
coordenação, na mesma escola que A. trabalha. É licenciada em História. Tem
doze anos de experiência.
C. é professor universitário, tem dezesseis anos de experiência, trabalha
em uma universidade federal. É doutor em Ciências Sociais.
A escolha da profissão é um dos determinantes da identificação
profissional. É no fazer diário, no cotidiano que a identidade vai se
constituindo com maior profundidade (FREITAS, p. 116)
Os três entrevistados dizem que inicialmente não escolheram ser
professores, a experiência os escolheu como educadores.
A. planejou ser uma cientista social com foco em pesquisa na área de
Sociologia. Na faculdade, cursando Ciências Sociais, decidiu fazer além de
32
bacharelado a licenciatura. Foi o primeiro passo para a prática docente.
Tempos depois conheceu a escola que trabalha e se encantou pela abordagem
metodológica (socioconstrutivista e arte educação). Estagiou na Educação
Infantil. Nesta escola, na prática, foi se tornando professora passando para o
Ensino Fundamental I. Estando em sala de aula compreendeu que precisava
aliar mais aspectos teóricos e pedagógicos. Cursou Psicopedagogia e está
concluindo a graduação em Pedagogia. Ela diz “de fato agora sou uma
professora.”
Penso que de algum modo A. fez valer sua escolha em ser
pesquisadora, mas direcionando-se para o campo educacional.
B. coloca que sua mãe queria muito que ela fizesse magistério e ela
desejava outro curso profissionalizante. Matriculou-se em desenho
arquitetônico e logo foi trabalhar na área industrial.
Cursou Teologia e por gostar muito de História foi estudar sobre a
história da Igreja Católica. Neste período surgiu a oportunidade de dar aulas
para jovens que não podiam pagar curso pré-vestibular, havia uma
preocupação de sua parte em ajudar pessoas excluídas socialmente. Outras
oportunidades surgiram para trabalhos em escolas como coordenadora.
Graduou-se em História e considera esta ser a sua paixão. A prática a
envolveu e assim se transformou professora.
As professoras trazem forte influencia do socioconstrutivismo e o
interacionismo. Na escola que A. e B. trabalham a arte educação é um
fundamento político pedagógico relevante.
C. Tem influências de Paulo Freire e Foucault. Utiliza estratégias
pedagógicas inspiradas no teatro. A Arte como instrumento consciente e de
inspiração intuitiva no planejamento.
33
No contato com crianças com deficiência, através do seu fazer, o
professor toma consciência do papel a ser desempenhado o que o leva a
buscar alternativas de trabalho adequados. A identidade é transformada
no fazer do sujeito e que, por meios dos conflitos existentes nesse fazer
um novo fazer se constitui, transformando a identidade (FREITAS, p. 121).
Os três entrevistados apresentam experiência inclusiva desde o início
das carreiras. A escola que as professoras trabalham tem prática inclusiva
desde a sua criação, na década de oitenta, é anterior à lei da inclusão escolar
em instituição regular no Brasil. A escola é vanguardista em utilizar dinâmicas
diferenciadas em sala motivando processos diversos autorais e criativos entre
professores e alunos. A professora A. traz experiência com crianças portadoras
de autismo e inibição cognitiva.
B. também tem vivencia com alunos que apresentam questões no
campo intelectual e outros que se encontram fora da faixa etária da
escolarização, com histórico de repetência e alguns com questões judiciais
(estes dois últimos casos são predominantemente da sua experiência na rede
pública).
É interessante notar aqui duas situações quanto ao contexto de
realização dos trabalhos. A escola particular que A. e B. trabalham direciona a
qualidade do fazer pedagógico proporcionando experiências enriquecedoras
para os alunos e formação-atualização continua para os professores. Muitas
reflexões (pedagógicas, filosóficas, artísticas, afetivas) são realizadas. A outra
é a dura realidade da baixa escolarização dos alunos de B. e a sua persistente
tentativa em buscar melhorias, sem contar com boas condições de trabalho.
Deve ser ambíguo para B. experimentar em uma instituição o cuidado, que
aparece como ato pedagógico intencional, e na outra, o abandono.
C. tem experiência com deficiência visual, física, auditiva e autismo. Ele
coloca incisivamente que não recebeu nenhum curso, treinamento ou
informação de como lidar com alunos em condição especial. Aplicou por conta
própria práticas de teatro e contou com a colaboração dos próprios alunos com
deficiência para encontrar a melhor forma de chegar até eles.
34
É a atividade e o fazer que vão possibilitar ao sujeito a apropriação
e o sentido dado aos papéis que irá desempenhar, através das ações que
só são possíveis de ocorrer nas relações, que o sujeito poderá entrar em
contato com os conflitos que fazem parte do humano e romper, podendo
assim, sempre, modificar-se. Modificar-se no sentido de reapresentar, de
ser o mesmo, mas de um jeito diferente ou ainda de romper com velhas
normas e se fazer novamente, criando a possibilidade, o por-vir
(FREITAS, p. 109).
As professoras referem modificações qualitativas no fazer pedagógico
quando melhoram suas percepções sobre o aluno.
A. ressalta que cada caso é único, registrando a singularidade da
pessoa que aprende e da pessoa que ensina. O olhar sobre a especialidade do
educando refere-se a todos os alunos, buscando valorizá-los. Na sua prática,
ela se ocupa de fazer um diagnóstico de como seus alunos chegam no inicio
do ano, sondam-se também os saberes que têm e as curiosidades sobre as
temáticas a serem trabalhadas. O que torna o estudo um campo investigativo
para o professor e aluno.
B. enfatiza a dificuldade de particularizar continuamente o olhar sobre o
aluno pela falta de estrutura física e de implementação pedagógica nas escolas
que ainda não oferecem condições aos professores para incluir de fato os
alunos. Ela acredita que descuidos na rede pública ocorrem mais
frequentemente.
Embora o professor C. coloque que não há modificações nos seus
parâmetros teóricos – práticos, relata projetos ou desejos de estudar libras
linguagem dos surdos), ou seja, busca uma atuação mais especifica na área da
necessidade especial que se apresenta em suas aulas. Sua abertura para
compartilhar com os alunos propicia dinâmicas sempre diferenciadas de
trabalho ao considerar que cada turma tem as suas próprias especificidades.
Ele faz críticas à falta de estrutura das universidades e considera, na
sua experiência, que este é um espaço pouco inclusivo, haja vista a menor
35
frequência de pessoas com deficiências nas universidades. Nota que os alunos
que tiveram bons acompanhamentos desde a educação básica demonstram
maior autonomia e desenvoltura. C. diz que nunca viu numa biblioteca
universitária livros em braile, nem tradutores em libras. No ano que teve um
aluno cadeirante às vezes este faltava quando o elevador quebrava. A sala de
aula ficava no quarto andar, não havia rampa nem outra forma de acesso do
educando.
O perfil do educador inclusivo para os três entrevistados têm um sentido
de profissionais que desenvolvem atitude de abertura para o novo, de busca
por qualificação para lidar com diferentes questões inclusivas e uma atitude
humanizadora relacional.
A. reconhece-se como uma cuidadora que acolhe o aluno e seus
familiares. Ressalta a importância da parceria com a família e os profissionais
que atendem os alunos extra escola como importante para entender o aluno e
fazer um planejamento mais apropriado às suas necessidades. Para a
educação básica o diálogo com a família é realmente significativo.
A imagem que simboliza para a professora A. esta representação seria a
de uma semente no início da carreira e hoje uma árvore jovem, coincidindo
com seus anos de experiência. Teria um sentido de transformação continua e
natural; em permanente mudança.
Realizar atividades diferenciadas em sala tem proporcionado muitos
aprendizados e cenas significativas de inclusão. O limite e potencialidade de
todos vão emergindo, coletivamente. As crianças são desafiadas a produzir,
contam com trocas entre elas e a ajuda da professora.
A. relata que conta com a colaboração da coordenação na sua escola,
que é bem ativa, interativa; foco interdisciplinar de planejamento. Sente-se
cuidada no ambiente de trabalho através das reuniões semanais individuais,
com a coordenação, semanais no coletivo envolvendo toda a equipe
pedagógica. Aprofundando reflexões sobre a prática e socializando entre os
colegas. É cuidadosa consigo mesma (nos estudos, no trabalho corporal e
busca autoconhecimento). Faz partilha com os demais professores.
36
Apesar da boa estrutura escolar A. coloca que é um exercício constante
de reflexão e adaptações; o não alinhamento entre a escola e a família pode
gerar impedimentos para o processo de aprendizagem da criança.
A experiência da professora B. aponta uma simbolização também
transformadora sobre a representação de ser professora inclusiva. No início da
sua carreira era como se fosse um bebê engatinhando, dando os primeiros
passos. Nos dias atuais seria uma das mulheres de Balzac se encaminhando
para a maturidade.
O acolhimento é uma ação destacada por ela que enfatiza ser este um
cuidado de todos da escola e não apenas do professor. A proximidade com o
aluno é o seu maior investimento para compreendê-lo. Cuida da forma como
dialoga, atentando ao uso da linguagem, à comunicação, ao se fazer entender
e entender o seu aluno.
Sente-se abandonada e desgastada na escola pública; depara-se com o
sentimento de impotência na maioria das vezes diante dos problemas sócio-
culturais dos seus alunos. As dificuldades de trabalho são grandes,
especialmente na rede pública: salas lotadas, ausência de materiais, perda da
referencia do professor e da escola como um dos meios de auxilio na
construção do ser crítico, falta de motivação dos alunos, a violência expressa
em diversas modalidades. As iniciativas tomadas ficam por conta própria e as
reuniões feitas internamente entre os educadores. Mais uma vez B. demonstra
que não é cuidada na rede pública e sua tendência é ficar voltada para os
problemas estruturais externos.
O professor C. acolhe e compartilha o processo de ensino e
aprendizagem com seus alunos. Busca uma prática dialogada, horizontalizada
em relação ao poder. Simboliza sua vivencia educativa como o filhote de águia
relatando o início da sua carreira e uma águia com mais sabedoria e autonomia
na atualidade. Diante dos alunos portadores de necessidades especiais ele
remete-se à sua época de estudante quando sua imagem era depreciativa
sobre si mesmo. Incluir é para o professor C. considerar também a linguagem
dos sentimentos, neste sentido, olhando para a sua experiência, tenta ajudar
seu aluno a pertencer ao espaço acadêmico. Busca conhecer a história dos
37
seus alunos. O que nem sempre é fácil, já que alguns alunos segundo o
professor reagem a este modelo de condução educacional e esperam uma
abordagem mais tradicional de ensino,
C. não conta com apoio no exercício do seu trabalho, sente-se cuidado
pelo sindicado dos professores. É integrante de um núcleo docente, lugar em
que compartilha com os colegas as dificuldades, às ações que surtiram efeito
positivo no curso, as práticas que foram bem sucedidas e as que não foram.
Os três profissionais são bastante reflexivos e críticos quanto ao espaço
de trabalho e sobre sua própria atuação. Interrogam-se sobre si, sobre a escola
amplamente no desenvolvimento das suas práticas. O planejamento é a etapa
da prática, junto à avaliação, que todos os entrevistados questionam muito a si
mesmos e ao seu trabalho.
É interessante salientar que para as duas professoras e o professor, o
compartilhamento entre os colegas é um meio significativo de rever e dar
sentido e à prática.
A afetividade se faz presente em todos os conflitos, rupturas e
superações realizadas (FREITAS, 124).
Os entrevistados compreendem que a escola regular é um espaço para
receber todos os alunos, concordam com a normatização que dar acesso aos
estudantes com necessidades especiais às escolas comuns. Concebem
também que há muitos limites para obtê-la como uma conquista social efetiva.
Ressaltam que as escolas, principalmente as públicas, precisam de uma maior
preparação para continuar recebendo os alunos com deficiência.
A professora A. não exclui a necessidade da existência de lugares-
instituições que possam também complementar a formação dos alunos com
necessidades especiais. Sempre deverá haver ponderação quanto ao que é
melhor para cada aluno.
Para ela é um mito afirmar que uma criança é burra e não aprende.
Cada pessoa aprende no seu tempo e nas suas possibilidades. Defende a
realização de tarefas diversificadas e ao exercício de descobrir as modalidades
38
de aprendizagem existentes na sala. Sua marca profissional no momento é a
de respeitar a especialidade de cada um.
Professora B. vive a polêmica divisão entre a vontade de fazer X as
condições oferecidas para incluir. Pensa que todos têm o direito a ter
oportunidade na vida e o trabalho que ela faz é o que ela poderia proporcionar
aos seus alunos a terem uma vida mais digna. Sua marca profissional é a
busca por aproximação e o uso de uma linguagem que torne a comunicação
clara entre o professor e o aluno.
O professor C. afirma que a educação formal é transformadora do
mundo, da sociedade. Diz que acredita nisso e precisa continuar acreditando,
mas às vezes pensa em que medida esta crença é um mito, diante da
realidade educacional que tem se apresentado.
Questiona-se sobre o uso das novas tecnologias da informação, se de
fato tem sido eficaz no processo educacional. Não há duvidas como
ferramentas importantes, sobretudo porque contribui para que o educador
repense o seu papel, mas desconfia que haja uma importância exagerada
sendo atribuída a esta questão.
Sobre a sua marca profissional C. questiona se é tão importante saber
isso, mas que ao pensar na educação inclusiva precisa-se fazer a inclusão dos
sentimentos. Para ele, pouco valor existe se uma instituição, que apresenta um
bom aparato estrutural, recebe os estudantes com deficiência apenas como
clientes. Que é preciso se preocupar com o outro, fazê-lo se sentir acolhido,
mesmo que não seja seu amigo ou que o outro não o reconheça.
39
3.1.2 – DEPOIMENTO DE UMA EDUCADORA DE CLASSE
ESPECIAL
A identidade constitui-se nas ações, o ser é o que faz, o que sente,
o que pensa e também o que deixa de fazer, pensar e sentir (FREITAS,
p.108).
Através do depoimento da professora D. reflete-se sobre a valorização e
respeito ao que é próprio de cada pessoa (educadores e estudantes) e a
garantia de escolhas quanto à modalidade de educação de acordo com as
necessidades de cada aluno.
D. é pedagoga, com 34 anos de experiência, 27 em educação especial e
inclusiva. Uma profissional com bastante experiência. Trabalha como
professora e coordenadora em uma instituição privada, para alunos com
necessidades especiais. D. descreve que sua identidade foi atingida quando
com a normatização e a ida dos alunos para as classes regulares.
As influências teóricas que refletem o seu trabalho são Paulo Freire,
Vigotsk, Piaget, Emilia Ferreiro, Alicia Fernandez, com destaque na obra desta
autora os livros A Inteligência Aprisionada e o Saber em Jogo; e se referencia
na autora Elizabeth Polity sobre Dificuldade de Ensinagem, que traz
componentes importantes como a dificuldade de ensinar no professor, na
família, retirando o aluno da posição exclusiva de quem não aprende.
D. lida com alunos e alunas com questões no campo intelectual,
auditivo, visual, com características autísticas, paralisia cerebral, diversas
síndromes, dificuldades de aprendizagens e questões emocionais. Para a sua
equipe de trabalho sempre foi motivo de alegria o retorno de cada aluno para a
escola regular. É rica experiência com a diversidade humana.
A entrevista foi respondida de forma descritiva, textual, englobando e
aprofundando as perguntas feitas. Pela riqueza do trabalho, este segue na
íntegra, com grifos marcados por ela mesma.
40
D. enfatiza que:
“No processo de inclusão é preciso considerar vários fatores: o desejo
do aluno, suas potencialidades, suas necessidades, comparadas com o que a
escola regular pode lhe oferecer, as expectativas e desejos da família e o
parecer de profissionais. No processo de inclusão o aluno precisa aprender, se
sentir respeitado e amado; sem essas condições é uma exclusão dolorida,
camuflada com sucesso na inclusão.
O perfil do educador inclusivo compreende um reconhecer-se como
diferente, para reconhecer o direito do outro ser diferente; olhar o outro
buscando ver além dos rótulos impostos pelos diagnósticos e pelas crenças;
estar disponível para aprender com o aluno; observar se estão sendo incluídas
as melhores estratégias para ensiná-lo; aprender a avaliar utilizando
parâmetros estabelecidos a partir das especificidades e potencialidades de
cada ser; aprender a selecionar e dosar o conhecimento a partir das
possibilidades do aluno; aprender a lidar com a frustração ao perceber que o
aluno não respondeu às suas expectativas ou as dos demais alunos da sua
sala; acolher esse aluno como alguém que chega trazendo na bagagem
ensinamentos que nem sempre são percebidos e acolhidos pela escola e pela
sociedade; perceber que não é apenas o aluno que tem dificuldade de
aprender, que nós professores também temos dificuldade de ensinar. Lidar
com as barreiras sociais e muitas vezes familiares que dificultam o crescimento
e amadurecimento dos alunos. Mas são desafios que valem a pena enfrentar.
Defende a existência da escola regular e especial, pois a permanência
apenas da escola regular é uma proposta excludente, tira a liberdade de
escolha das famílias e propõe a unificação do modelo escolar. A
obrigatoriedade do aluno com necessidades especiais frequentar a escola
regular fere o direito constitucional de escolha e de responsabilidade da família
na condução do processo educacional de seus filhos. Outro aspecto a
considerar é que existem alunos que precisam de um atendimento educacional
bem específico pelas suas características, e uma sala regular não seria um
espaço adequado ao seu aprendizado e ao seu sentimento de pertinência a um
grupo.
41
Mais um ponto é a faixa etária. O aluno até 17 anos é obrigado, por força
de lei, a frequentar a escola. A partir daí eles podem ou não fazer parte das
classes de jovens e adultos, o direito de escolha é assegurado. Por que no
caso específico dos alunos com necessidades especiais eles são obrigados a
frequentar a escola regular mesmo depois da faixa etária obrigatória?
O AEE – Atendimento Educacional Especializado é um direito da
pessoa com qualquer tipo de deficiência e está baseado nas experiências das
escolas e instituições de educação especial. Como é que agora o direito de
frequentar o AEE está condicionado à matrícula numa escola regular? São
apenas conjecturas.
O grande mito que paira é que a escola especial não serve para nada e,
consequentemente, a prática como professora de alunos com necessidades
educacionais especiais não serve para nada. Esse tipo de afirmação parte do
pressuposto que todas as escolas especiais são iguais, que não promovem o
desenvolvimento dos alunos, apenas cuidam para que não fiquem em casa. Há
escolas e escolas especiais, como existem escolas e escolas regulares.”
D. defende veementemente duas ideias. Uma, é a de que uma educação
de qualidade passa obrigatoriamente pelo reconhecimento, valorização e
respeito às diferenças e pela garantia do direito de escolher a modalidade de
educação de acordo com os princípios e necessidades de cada um. Do
contrário, produzirá exclusões.
A outra é a formação de grupos de reflexão com alunos sobre o que
desejam estudar, refletir e fazer proposições sobre essas questões.
Contemplar o sujeito estudante que está vivenciando os processos inclusivos,
envolvendo-os, responsabilizando-os, construindo atitudes autônomas. Olhar
na perspectiva do estudante dando-lhe voz.
Ela conclui enfatizando que:
“A educação especial e a regular encontram-se assim em revisão.”
42
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Seja você mesmo, mas não seja sempre o mesmo”
Gabriel O Pensador
A educação inclusiva de estudantes com necessidades especiais é um
marco e uma busca por ações políticas e sociais que propõe, pautada em
parâmetros legais, o acesso, permanência e formação cidadã desses alunos e
alunas inseridos em contexto escolar regular de ensino.
Para a sua realização toda a sociedade precisa voltar-se para este
propósito e a escola, espaço institucional legitimado para esta viabilização, se
encontra na atualidade em processo de revisão do seu papel, em via de
concretização, envoltas de um por-vir. As mudanças básicas, estruturais,
pedagógicas, de posicionamentos ético-políticos, comprometidos com a causa
são necessárias.
No campo institucional a formação, atualização e suporte aos
professores e professoras devem ser cuidados contínuos. A formação dos
professores precisa ir além das técnicas, conteúdos específicos sobre as
diversas deficiências e considerar, na dinâmica da atualidade, os professores
como seres em constantes mudanças, que experimentam múltiplos papéis
sociais. Expandem a consciência da sua identidade profissional quando podem
reconhecer-se e serem reconhecidos na sua prática, interpretando a si
mesmos, a sua realidade.
Ao narrar sua vivência docente, os professores reconfiguram suas
experiências e constroem novos sentidos sobre a noção que têm sobre si
mesmos. Percebe-se nos discursos dos entrevistados um material rico em
detalhes, no geral das suas respostas, demarcando possibilidades de
desdobramentos em ações formativas crítica-reflexiva.
Ficam evidenciadas que as narrativas de vida e do percurso profissional,
são processos elaborativos, críticos e de produção de conhecimento, que em si
articulam a vivencia pessoal, teórica-pratica, com a coletiva, em diferentes
43
tempos históricos, sobre o fazer-ser professor. A identidade de cada um-a como
professor-a inclusivo vem se construindo imersos na prática educativa, na
vivência concreta, no que estão sendo a cada momento histórico, nutridos por
teorias que também são aprofundadas ou incorporadas a outras, no
desenvolvimento das suas ações. É o que Boff chama de o modo-de-ser-
trabalho comungando com o modo-de-ser-cuidado.
Ao se pensar no modo-de-ser-cuidado no trabalho dos entrevistados, o
elemento socialização, compartilhamento da prática entre os-as colegas de
área, os coordenadores e dos associados ao sindicato, espaços encontrados
nas três entrevistas, é uma via nutridora e sustentável de cuidados.
Possibilitando a ampliação da percepção do dinamismo em volta da construção
de novos saberes, renovando o olhar sobre o que se fez, o que se faz, e o que
se pode fazer, sendo. É uma oportunidade de ter contato com a sua própria
forma de ensinar e de também a de aprender, fazendo novas descobertas
sobre si. Mas também de ampliar seus horizontes conhecendo novos cenários,
ouvindo o outro.
Conhecer o aluno, quanto a sua modalidade de aprendizagem ou
através da narrativa das suas histórias; agir contemplando no seu fazer
profissional as dimensões intelectual, afetiva e humanizadora, ancoradas em
uma visão crítica de mundo; encontrar formas de se comunicar com seus
alunos, atentar para suas especialidades, foram as estratégias mais utilizadas
na prática dos entrevistados para se aproximar dos estudantes.
É visível como discurso predominante nas entrevistas a necessidade de
respeitar as diferenças, e nos contextos educacionais apresentados, percebe-
se que se voltar ao que é diferente no ser é se ocupar, equilibradamente, em
tocar o outro, lançar um olhar, interesse e discussões a respeito da realidade
que se apresenta.
Acolher abrindo-se para o novo, pareceu ser a porta de entrada no
modo-de-ser-cuidado e contribuiu na dinamização das identidades
profissionais dos entrevistados. Acolher, acolher-se. Reconhecer, reconhecer-
se. O cuidado pode surgir nas situações mais simples às mais complexas ou
inesperadas e precisa ser nutrido, sustentado, confrontado.
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Ao tratar deste tópico do cuidado faz-me lembrar de uma cena que
considero belíssima no filme infanto juvenil Mulan, que ilustra bem esse
conceito e é significativo compartilhá-la:
Logo no início do filme mostra as jovens garotas de um vilarejo chinês
indo à casamenteira para que esta verifique se elas estão preparadas para o
casamento, seguindo os critérios locais daquela época, de como deve se
comportar uma esposa.
Mulan, a personagem principal do filme, mesmo tendo treinado a
etiqueta, fica nervosa, confusa, se mostra desengonçada e trapalhona, sendo
prejudicada também pelo grilo, que seria seu amuleto da sorte, presenteado
por sua avó antes daquela prova.
A casamenteira, irritada com o desastre daquele encontro, sentencia o
destino de Mulan à solidão e desonra da família, já que não estava, através
daquele teste, apta para arranjar um marido.
Mulan, sua mãe e avó voltam desapontadas e tristes para casa. O pai
espera ansioso, a resposta. Homem digno, que sempre seguiu as regras
sociais, estava em uma situação difícil por estar incapaz fisicamente para o
trabalho.
O casamento de Mulan teria um significado cultural importante para ele,
já que outra figura masculina estaria representando aquele núcleo familiar.
Ao saber que a filha única não passara no teste, o pai mesmo tomado
pela notícia, se contém e vai até o jardim sentando-se ao lado de Mulan.
Daí segue a fala paterna:
“___ Que flores bonitas temos este ano.”
Ele aponta para uma flor ainda fechada.
___ “Olha esta, é tarde, mas eu aposto que quando ela florescer vai ser
a mais bonita de todas.”1
Mulan sorrir. Seu pai finaliza dizendo que um dia ela irá trazer honra
para a sua família.
1 O Texto original em inglês: __What beautiful blossoms we have this year, he said. He pointed to an unopened flower on a nearby tree. __Look! This one is late, but I`llwill be the most beautiful of all. Mulan smiled. Her father was saying that one day she would bring honor to her family.
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É um momento surpreendente e singelo. Numa sociedade patriarcal e
rígida quanto ao desempenho dos papéis feminino (submisso e serviçal) e
masculino (forte líder da família, o mantenedor).
A fala amorosa, íntima, sensível e firme paterna é significativa. Ele
reconhece que aquele não era o melhor momento (a flor ainda fechada) para
se obter aquele objetivo de Mulan, mas expressa a credibilidade na sua filha,
na capacidade de Mulan conquistar o desejado objetivo, e assim honrar sua
família (atributo social de valor imprescindível), desabrochando como uma flor.
A partir daí seguem os fatos que impulsionam a jornada de Mulan para o
seu crescimento, mantendo da sua essência a preserverança e a transgressão,
qualidades reveladas no filme como principais modos de estar no mundo.
Ao pensar na educação inclusiva como processos inclusivos inseridos
em uma dinâmica dialética com diversas situações e condições que são
excludentes socialmente, a inclusão são ações continuas, serão realizações
em andamento, com lapidações, aprimoramentos, conflitos e novas
configurações.
Neste momento histórico, do ponto de vista global, pensa-se mais
consistemente, afirmativamente, nas pessoas com necessidades especiais,
mas vale lembrar a importância inclusiva em torno das questões relacionadas à
condição social, ao gênero, à religião, etnia, sexualidade, entre outros, que
apartam e que segregam também e estão representados nos espaços
escolares.
Os professores e professoras precisam de um espaço de expressão que
lhes concedam, além de tratar das dimensões teóricas, técnicas e operacionais
do trabalho, atribuir sentidos conscientes à sua prática. Estes profissionais
merecem receber uma atenção mais presente, mais participativa e cuidadosa
( tal qual ou próxima a qualidade revelada na cena do pai de Mulan
conversando com a filha) para que possam reconstruir sua identidade
profissional de forma mais acolhedora consigo mesmos, no
autoreconhecimento e autoqualificação.
Sustentar um projeto com processos inclusivos de educação é de fato
um desafio imerso em um projeto amplo social, requerente de uma rede
cooperativa de ações.
46
Contar com as narrativas históricas (sejam na reunião pedagógica, nos
chamados ACS, ou na reunião com a coordenação, nos encontros mais
coletivos das formações) podem ser uma entre outras tantas possibilidades de
intervenções que considerem a natureza subjetiva que essas mudanças
exigem de reposicionamentos pedagógicos, afetivos e éticos.
A educação inclusiva mobiliza sentimentos de incapacidade,
inferioridade e limitações. Ao se considerar a subjetividade do estudante é
preciso também considerar a subjetividade do professor. “Através da prática,
do estar sendo, e não do que se deve ser, é que a identidade se consolida”
(FREITAS, 2014. p180).
47
REFERÊNCIAS
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edição. 2013.
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http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf. Acesso em: 20 de
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DISNEY, Walt. Mulan. 1998.
50
ANEXO
Questionário de entrevista
Nome
Formação acadêmica
Tempo de experiência
Instituição que trabalha atualmente
Rede
1. Sua prática pedagógica está fundamentada em quais referenciais ( teóricos
e vivenciais)?
2. Há quanto tempo você trabalha na perspectiva da educação inclusiva? Quais
situações (autismo, questões no campo intelectual, auditivo, visual, entre
outras) você encontrou na sua sala de aula, até o momento?
3. O que mudou (o que tem mudado) em termos dos seus parâmetros teóricos-
práticos na sua práxis atual na experiência escolar inclusiva?
4. Em sua opinião, qual é o perfil que um profissional que lida com educação
inclusiva precisa apresentar para melhor atender a este desafio educativo?
Justifique.
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5. Utilizando uma metáfora comparativa, com elementos simbólicos, como você
traduziria estes aspectos citados em imagens Uma para o início da sua
experiência como educador e outra para a sua atual prática.
6. Relate uma cena (ou cenas) significativa (s) para você de ensino e de
aprendizagem numa classe com demanda de olhar inclusivo? Por que foi
significativa?
7. Que elementos da sua identidade profissional ficam mais presentes neste
trabalho?
8. Você conta com apoio no exercício do seu trabalho? Se sim, qual ( quais)?
9. Você se sente cuidado (a)?
10. Compartilha com seus colegas de trabalho? De que forma?
11. Quais são as maiores dificuldades enfrentadas por você na sua atuação
profissional?
12. Nesta sua prática de ensino o que você costuma:
a) Observar no processo do seu aluno?
b) Se interrogar sobre seu planejamento e sobre a instituição que você
trabalha?
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c) Se interrogar sobre você mesma (o)?
d) Acolher?
e) E não acolher? Por quê?
13. Quais são os sentimentos que frequentam suas reflexões? Como lida com
eles?
14. Escola regular ou especial para as pessoas portadoras de necessidades
especiais? Por quê?
15. Quais os mitos ou polêmicas que permeiam seu fazer-ser pedagógico?
16. Quais sentidos você tem conseguido atribuir a estas experiências de
educação inclusiva que tem agregado à construção da sua identidade
profissional? Qual é a representação da sua “digital”, a sua marca, neste
momento?