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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSO”
O ESTRANGEIRO NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
SILVIA VALERIA BORGES DUARTE
Rio de Janeiro
Novembro, 2007
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUÇÃO “LATO SENSO”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
O ESTRANGEIRO NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
Monografia produzida para o curso de pós-graduação “lato senso” da Universidade Cândido Mendes, Instituto A Vez do Mestre, como requisito parcial para obtenção do título de pós- graduada em Direito Penal e Processo Penal.
Orientadora: Prof ª Valesca Rodrigues
Mestre, Advogada e Professora Universitária
Rio de Janeiro
Novembro de 2007
3
AGRADECIMENTOS
Ao professor Francisco Ramalho, pelos enriquecedores debates em sala de aula. Ao Professor e Dr. Renato Bezerra de Carvalho, pelas suas inesquecíveis lições de processo penal. Ao Doutor Marcos Delorme, que com sua experiência na Defensoria Pública, mostrou-me o Direito Penal como ele é. Ao Professor e Doutor Paulo Rangel, pelos seus nobres ideais de Justiça.
4
DEDICATÓRIA
Ao meu pai, tão vivo no meu coração, Carlos Alberto Duarte, in memorian e a Eunice Borges Duarte, minha mãe, pela vida. Ao meu marido Bernardo e aos meus filhos, Luana, Onani e Igor, por acreditarem em mim. Aos meus colegas e amigos verdadeiros. E ao meu Deus, que me faz andar por lugares altos.
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“Uma mesma lei e um mesmo direito haverá para vós e para o estrangeiro que peregrina convosco”
Números 15.16
6
RESUMO
O estrangeiro, desde os primórdios sofre tratamento discriminatório em
diversos países e sistemas jurídicos.
Teorias Criminológicas tentam explicar diversos aspectos da
delinqüência do estrangeiro, tais como a teoria biológica, a sociológica e a
psicológica, sendo a teoria do labbeling approuch ou do etiquetamento, a que
mais aproximou-se da realidade.
No nosso sistema jurídico, o preso estrangeiro, na maioria das vezes
não encontra amparo para que possa usufruir de alguns benefícios constantes
no Código Penal e na Lei de Execução Penal, como por exemplo, a
progressão de regime e a liberdade condicional. Nesse contexto, surge a
transferência de presos como melhor alternativa visando solucionar inúmeros
problemas enfrentados pelos estrangeiros no sistema prisional brasileiro.
7
INTRODUÇÃO
O presente trabalho pretende fazer uma breve análise das condições
dos presos estrangeiros no Brasil.
Muitos estudos se realizam acerca do sistema prisional brasileiro e de
outros países, em estudos comparados; mas pouco se conhece sobre o
tratamento jurídico-penitenciário do não nacional.
A principal razão da escolha desse tema é o especial interesse pelo
Direito Penal e Internacional Público, que resultou no trabalho monográfico de
minha graduação sobre “Requisitos formais e materiais da Extradição”, sendo,
então, o presente trabalho, uma ramificação do anterior.
Fato incontestável é o aumento do deslocamento de pessoas de um país
para outro pelas mais variadas razões: uns fogem da fome, outros da guerra ou
de perseguições políticas, outros ainda, esperam encontrar em solo estranho,
melhores oportunidades, mas a verdade é que o intenso fluxo de pessoas pelo
mundo, facilita a significativa presença de estrangeiros nos sistemas
carcerários de muitos países.
Inicialmente, faz-se uma breve análise historiográfica da criminologia,
buscando entender como o homem, desde os tempos mais remotos até hoje,
Mais adiante, no segundo capítulo, aborda-se algumas das mais
importantes teorias criminológicas, na tentativa de explicar as motivações
humanas (biológicas, psicológicas, sociais) e circunstâncias que precedem o
crime. Neste momento do trabalho, delimita-se a atuação do estrangeiro, pois
que não se pode desconsiderar todas as desigualdades que o envolvem.
Muitos estudos acadêmicos, matérias jornalísticas e debates políticos,
evidenciam, trazem à luz, um grave problema enfrentado pela população e
pelas autoridades em geral: a falência do sistema penitenciário no Brasil.
Temos um sistema que não recupera e não ressocializa o detento; um Governo
preocupado em construir novos presídios, indo na contramão do que já se
8
provou ser a melhor solução, ainda que há longo prazo: investimentos maciços
em educação, habitação e saúde pública.
Nesse adverso contexto, está o forasteiro, enfrentando todo tipo de
preconceito em razão de sua nacionalidade, barreiras lingüísticas, culturais,
isolamento da família, abandono jurídico e diplomático.
Busca-se no terceiro capítulo, que trata sobre os direitos do preso
estrangeiro, salientar também o desigual tratamento jurídico a que estão
submetidos.
A nossa Constituição Federal de 1988, com sua vocação libertária e
humanística, assegura, independentemente de nacionalidade, raça, sexo,
condição social, etc., que o cumprimento da pena de prisão deve respeitar os
direitos fundamentais da pessoa humana.
No quarto capítulo, diante de tão desfavorável quadro, pesquisou-se
alguns institutos que visam retirar o estrangeiro do Brasil. Primeiramente,
através da transferência de presos, que possibilitaria que o encarcerado não
nacional fosse transferido para seu país de origem e lá prosseguisse com o
cumprimento de sua pena ou tivesse convertida sua condenação;
posteriormente, compara-se a transferência de presos com outras medidas
compulsórias de retirada, tais como deportação, expulsão e extradição.
Por fim, espero que mais este trabalho, voltado para a problemática
jurídica enfrentada pelos estrangeiros em solo brasileiro, nos faça refletir e nos
impulsione, como operadores do Direito que somos, a sermos mais úteis a
pessoas que apesar de “diferentes”, carecem de Justiça como nós.
9SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
1. BREVE HISTÓRICO CRIMINOLÓGICO...............................................
12
2. TEORIAS CRIMINOLÓGICAS............................................................... 18
2.1 Teorias Biológicas e Psicológicas.............................................................. 18
2.2 Teoria Sociológica..................................................................................... 20
2.3 O LABELLING APPROACH................................................................... 23
3. O ESTRANGEIRO E O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO............ 27
4. TRANFERENCIA DE PRESOS NO BRASIL.......................................... 35
5 CONCLUSÃO............................................................................................ 47
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................
10
1. BREVE HISTÓRICO CRIMINOLÓGICO
Desde os tempos mais remotos da história da humanidade, encontra-se
o homem vivendo agrupado. É um ser social, essencialmente ligado á vida
gregária, e a idéia do Direito o acompanha.
A zoologia observou que entre certas espécies de animais, como por
exemplo os elefantes, os golfinhos e os rinocerontes, caso algum deles infrinja
certos comportamentos, sofrerá sanção1.
Na fase Tribal, ou pré-histórica, ou ainda, primeira fase, o direito era
transmitido de forma oral. A sociedade não era formada por indivíduos, mas
sim por uma coletividade; as normas eram irracionais e não havia distinção
entre dolo e culpa. Havia o Tabu, que era a expressão do respeito à norma
imposta pelo grupo, em razão do temor dos castigos divinos pela prática
infracional. O erro do líder, ocasionava a desgraça para todos da tribo,
conforme podemos verificar em alguns relatos bíblicos sobre o Rei Davi.
Na fase pós-tribal, na Antigüidade ou segunda fase, surge a escrita e as
sociedades de clãs. Antes tribos; agora famílias. Os delitos intrafamiliares eram
julgados dentro da própria família, através do patriarca, que poderia condenar a
morte o membro infrator. Já os delitos extrafamiliares, eram resolvidos através
da vendetta (vingança). Inicia-se o embrião do Estado.
Na terceira fase, ou Antigüidade pré-cristã, temos a escrita, as primeiras
cidades conhecidas, as Leis dos Faraós e um sistema jurídico, meio
costumeiro, ditado através dos profetas e meio legislado, através dos reis.
Temos, nesta fase, um Direito revelado por Deus, o Direito Mosaico, que era
um apêndice da religião.
Na quarta fase, que vai de algum tempo AC até os dias de hoje, o Direito
é o que se encontra na lei, é o que o Estado determina ou admite.
1 Ramalho, Francisco. Aulas do curso de pós-graduação em Direito e Processo Penal, Disciplina Teoria da Pena, ministrada na Universidade Cândido Mendes, Instituto a Vez do Mestre, abr.2007.
11
Acerca dessas fases do Direito, nos ensina Heleno Fragoso: “ O primeiro
direito é o Direito Penal”.2
Ainda, de acordo com o trabalho de Franciele Silva Cardoso:
A historia da pena pode ser dividida em etapas, mais ou menos
distintas, em que se vislumbra, num primeiro momento, a fase da
“pena sacral”, com caráter eminentemente religioso, a qual era
praticado tanto pelo ofendido ou seus parentes por meio da vingança
de sangue – para aplacar a ira dos deuses – quanto pelo próprio
sacerdote (feiticeiros, bruxos etc.) a quem era atribuído o poder-dever
de castigar. A pena era, portanto, expiação religiosa, e o direito nada
mais que um dos aspectos da religião. A evolução das penas ocorre
quando a vingança de sangue, outrora justificada em bases
religiosas, torna-se a reação penal por excelência, mas
diferentemente da primeira fase, tendo por fundamento apenas a
mitigação da dor da vítima ou da revolta coletiva suscitada pela
prática do ato reprovável, situando-se, portanto na esfera privada,
limitando-a pelo talião, e a monopolização por parte do Estado da
justiça punitiva, passando as penas a serem públicas”.3
É importante que se conheça a evolução histórica do fenômeno
punitivo, focando-o para a figura do infrator estrangeiro, para entendermos as
formas de tratamento que ao longo do tempo tem sido dispensadas ao infrator
estrangeiro. É necessário esta abordagem para que se observe o tratamento
supostamente diferenciado que, na atualidade é dado aos apenados nacionais
e estrangeiros.
Para Franz von Liszt, citado por Arthur de Brito Gueiros Souza:
O caminho que, em toda parte e em todos os tempos, a pena seguiu,
indicará também a direção futura em que é dado esperar às praticas
punitivas. A história do desenvolvimento da pena é o guia e o
2 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. 4ª ed. Rio de Janeiro. Forense, 1980. Vol. I, parte geral 3 CARDOSO, Francieli Silva. Penas e medidas alternativas: análise da efetividade de sua aplicação. Ed. Método. São Paulo. 2004.
12conselheiro de uma política criminal que tenha consciência do seu fim e
saiba ao mesmo tempo prender-se prudente e avisadamente ao
passado.4
O mesmo autor, citando Manoel Pedro, nos informa:
Sobre a história da pena, nos primórdios da aventura humana,
preponderava o seu caráter sacral, conforme as noções de totem e
tabu. Assim, para os primeiros agrupamentos humanos, o totem
significava uma entidade benéfica geralmente simbolizada por um
animal ou, mais raramente, por um animal ou objeto, que transmitia o
sentimento da unidade à coletividade. O tabu, por sua vez, era ao
mesmo tempo, o sagrado e o proibido. Consequentemente, o crime
importava na ofensa ao totem ou na violação ao tabu.
A pena possuía traços evidentemente religiosos, identificava-se com
uma reação a fatos que perturbavam paz e a tranqüilidade social.
De maneira geral, o que a maioria dos autores concordam é que na raiz
histórica do fenômeno punitivo, já havia uma nítida diferenciação entre o
tratamento dispensado ao infrator nativo e àquele estranho ao grupo.
De acordo com Manoel Pedro Pimentel, a convivência de tribos regidas
por totens diversos deu origem a duas espécies de penas, de certa maneira
descoladas do caráter sacral: a perda da paz e a vingança de sangue. A
primeira empregada contra membro da própria tribo, enquanto a segunda se
destinava ao estrangeiro. Nesse sentido também escreveu von Liszt:
Nas sociedades de estrutura familiar que precederam a fundação do
Estado (comunidades que têm o sangue por base), encontramos
duas espécies de pena, ambas igualmente primitivas: 1º a punição do
membro da tribo que, na sua intimidade, se fez culpado para com ela
4 SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Presos estrangeiros no Brasil. Aspectos jurídicos e criminológicos. Ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2007.
13ou para com os companheiros; 2º a punição do estranho que veio de
fora invadir o círculo do poder e da vontade da sociedade ou de
algum dos seus membros. No primeiro caso a pena nos aparece
como privação da paz social, sob todas as suas diversas formas,
como proscrição. No segundo caso, aparece-nos, principalmente,
como luta contra o estrangeiro e toda sua raça, como vindita ou
vingança do sangue (blutrache), exercida de tribo a tribo até que
sucumba uma das partes contendoras ou a luta cesse por
esgotamento das forças de ambas
A evolução da resposta punitiva foi no sentido da temperança, de
equilíbrio, daquelas primárias sanções penais, que tornaram-se mais
moderadas. A privação da paz social atenua-se pela conversão em pena de
banimento perpétuo ou temporário e em toda sorte de penas sobre os bens. A
vindita é abolida, a reconciliação é a princípio facultada e depois, obrigatória.
Em alguns momentos da história, houve, vez ou outra um
recrudescimento da pena criminal, mas o abrandamento das penas tem
prevalecido.
Na Antigüidade, temos um dos mais conhecidos registros sobre a
privação de liberdade no mundo antigo: a passagem do Livro do Gênesis
descrevendo a prisão do jovem hebreu José em solo estrangeiro.
José foi vendido como escravo por seus irmãos invejosos, foi trasladado
para o Egito, onde passou a servir a Putifar, chefe da Guarda Real, dando-lhe
riqueza e prosperidade. Contudo uma falsa acusação, ardilosamente feita pela
mulher de Putifar, “lançou José na prisão, onde se encontravam detidos os
prisioneiros do rei. E José foi encarcerado”5
Dessa forma, a prisão do Faraó no Gênesis aparenta ter se dado no
celeiro que abrigava infratores estrangeiros, sendo-lhes imposta obrigação de
trabalhar enquanto lá estivessem. Entretanto, essa espécie de privação de
5 Bíblia Sagrada, Livro de Gênesis, Rio de Janeiro, edição 2002.
14
liberdade poderia durar muito tempo. A tradição israelita diz que José
permaneceu no cárcere por doze anos.
Com relação ao forasteiro, a prisão processual era a tônica e todos os
estrangeiros acusados de uma ofensa pública ou privada eram encarcerados,
se eles não pudessem dar as garantias válidas de prevenção contra a sua
possível fuga.
Na Idade Média, verificou-se o predomínio do Direito Germânico, sendo
a principal manifestação punitiva realizada através do primitivo castigo da
perda da paz – num claro exemplo de retrocesso na marcha evolutiva da pena
criminal. Sérgio Salomão Shecaria, citado por Arthur de Brito Gueiros Souza,
esclarece que essa modalidade punitiva “retirava a proteção social do
condenado, possibilitando que qualquer pessoa o agredisse ou o matasse
impunemente”(4).
O Direito Penal Comum, presente e atuante ao longo desta época da
história, foi forjado por um conjunto de fontes interrelacionadas: Direito
Germânico, Direito Canônico e Direito Romano. Não obstante, tratou-se de
uma época bastante confusa na história da pena, pois, o Direito Penal
avançava ou retrocedia em íntima conexão com o declínio ou o progresso do
poder público.
Segundo Aníbal Bruno
“A justiça punitiva encontrava-se assente sobre a iníqua desigualdade
de punição para nobres e plebeus, e o seu sistema repressivo, com a
pena capital aplicada com monstruosa freqüência e executada por
meios brutais e atrozes, como a forca, a fogueira, a roda, o
afogamento, a estrangulação, o arrastamento, o arrancamento das
vísceras, o enterramento em vida, o esquartejamento, as torturas, em
que a imaginação se exercitava na invenção dos meios mais
engenhosos de fazer sofrer e multiplicar e prolongar o sofrimento; as
mutilações como as dos pés, mãos, línguas, lábios, nariz, orelhas,
castração; os açoites, as penas propriamente infamantes, e onde a
15pena privativa de liberdade, quando usada, se tornava hedionda
pelas condições em que então se executava.”6
A pena na Idade Moderna estava relacionada às Casas de Correção,
edificações destinadas a recolher mendigos, vadios, prostitutas e jovens
rebeldes de todas as origens que povoavam as principais cidades do Velho
Continente. A relevância desses estabelecimentos residiu no fato de que,
pioneiramente, eles foram especificamente concebidos para o fim de reformar o
condenado nacional ou forasteiro por meio do trabalho constante e ininterrupto
e pela instrução religiosa.
Entretanto, como característica de uma era de transição, a pena de
morte era largamente aplicada no cotidiano judicial, alternativamente, com
outras sanções igualmente atrozes, como a deportação e a galés.
No Período Reformador, ocorriam ainda, inúmeras atrocidades nas
prisões, as instalações eram precárias e os maus-tratos eram a regra comum,
recebendo os criminosos castigos físicos freqüentes. As penas pioravam o
caráter dos encarcerados, principalmente as prostitutas e os mendigos, que se
mesclavam com criminosos de elevada periculosidade.
Paralelamente a esse estado de coisas, eclodiu o Iluminismo,
despontando, com ele, uma reação jurídico-filosófica alicerçada em ideais que
tinham como fundamento à razão e a humanidade.
Dentre todas as vozes que ecoaram pelo mundo inteiro, destacou-se a
de Cesare Boneseana, o Marquês de Beccaria, que em seu pequeno, mas
significativo livro, Dos delitos e das Penas, apresentou uma proposta de
atenuação da irracionalidade das leis penais, baseado em forte crítica às
arbitrárias práticas judiciais.7
6 BRUNO, Anibal. Direito Penal. Parte Geral. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984 7 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Traduzido por Torrieri Guimarães. Ed. Martin Clare. São Paulo, 2006
16
2. TEORIAS CRIMINOLÓGICAS
Para que se entenda as questões que envolvem o não-nacional no
sistema prisional é importante a compreensão do fenômeno da criminalidade
do estrangeiro. As teorias criminológicas que procuram explicar a relação entre
o estrangeiro e a delinqüência também explicam, indiretamente, a relação entre
o estrangeiro e o sistema carcerário. A criminologia aproxima-se dessa
temática não de forma estanque, isolada, mas, sim, através dos estudos sobre
a imigração ou as minorias étnicas.
Para Elisa Garcia Espanã “os integrantes de uma minoria étnica
desfrutam da condição de cidadãos do mesmo país do grupo majoritário.
Entretanto, os imigrantes carecem de tal condição e, por conseguinte, são tidos
como intrusos”.(4)
Diante disso, os estudos sobre delinqüência do estrangeiro submetem-
se à tradicional classificação das teorias biológicas, psicológicas e sociológicas.
2.1. Teorias Biológicas e Psicológicas
O maior representante das teorias biológicas foi Cesare Lombroso.
Através do método empírico sustentou que “determinados estigmas
degenerativos, de transmissão hereditária, permitiram identificar o delinqüente
(nato) como um genus gomo delinquens, isto é, como uma variedade ou
subespécie mórbida do gênero humano inferior”.
O enfoque inicial biológico individualista, ao final, deu lugar a uma
realista ponderação dos fatores sociais e ambientais que influem no problema
criminal. Ao analisar outros fatores, Lombrososo tratou também da
criminalidade do forasteiro, vinculada, entretanto a um viés preconceituoso e
racista.
Depois de Lombroso, surgiram outros trabalhos que privilegiavam a
origem impura como característica de certos comportamentos delitivos, dos
quais podemos citar a ilustrativa escala racial da criminalidade, desenvolvida
por Earnest A. Hooton. Neste trabalho, o autor coloca aos que denomina
17
“mediterrâneos” na zona mais alta da escala, isto é, como coletivo racial mais
propenso à comissão de atos delitivos violentos. A estes se seguiam os
nórdicos mediterrâneos, celtas e alpinos. O autor considera como o coletivo
menos propenso à realização de atividades delitivas os “nórdicos puros”.
No final do século XIX, Sérgio Salomão Shecaria constata que a
explosiva combinação de pensamentos racistas e teoria biológica ainda se
fazia pressente no meio acadêmico. Conforme suas próprias palavras:
A busca da base genética da criminalidade nunca arrefeceu. A
geneticista escocesa Patricia Jacobs, no ano de 1965, constatou que
um número significativo de criminosos era portador de uma anomalia
genética ligada à existência de um cromossomo supranumerário, o
cromossomo Y. Estes indivíduos, do sexo masculino, em vez de
serem portadores da fórmula XY, tinham um cariótipo XYY, o que
levava o portador da anomalia a uma condição de “supermacho” com
atitudes indicativas de mais violência do que as praticadas por
pessoas normais. Estava ressuscitada a discussão pela descoberta
do “cromossomo assassino”. Somente em 1972, em um colóquio
organizado pelo Instituto de Criminologia da Universidade de
Cambridge, vários participantes do evento demostraram que os
indivíduos XYY só tem em comum a altura, a miopia e a calvície
precoce. Todas as pesquisas abordavam a falta de importância do
cariótipo para efeitos de produção de criminalidade. (4)
A teoria psicológica da criminalidade, por sua vez, sofreu, inicialmente, a
interferência dos estudos da patologia criminal, isto é, da questão do
delinqüente doente mental. Entretanto, em meados do século XX, com o
declínio da Escola Positiva, o advento e desenvolvimento da psicanálise, bem
como a crescente conscientização de que não há qualquer linha clara de
fronteira apartando o normal do normal, a psicologia do delinqüente ganhou
relevo autônomo.
Nesse sentido, os estudos relacionados com esse modelo teórico podem
ser compreendidos com a chamada teoria do coeficiente de inteligência,
surgida nos EUA. Esta teoria pretendeu demonstrar, com base em estudos
18
empíricos, que os delinqüentes teriam coeficientes de inteligência mais baixo
que os não-delinqüentes. E, entre os coletivos sociais, os negros e os membros
sociais das classes mais baixas, delinqüentes ou não, teriam coeficientes
inferiores aos brancos ou aos membros da classe alta. Sendo os integrantes
daqueles grupos – inclusive os imigrantes - menos inteligentes, estariam, por
conseguinte, mais predispostos à delinqüência, o que explica que a maioria dos
registros de delinqüência seja de negros ou de pertencentes às classes sociais
baixas.
Conclui-se que o modelo puramente psicológico da criminalidade sofrera
do mesmo defeito reducionista da concepção biológica, restando, ambos,
ultrapassados, na marcha evolutiva do pensamento criminológico.
2.2. Teorias Sociológicas
Diferentemente das duas primeiras, estão centradas em valores
individuais. As teorias sociológicas sobre delinqüência e, em especial, a
delinqüência do estrangeiro, vêem o fenômeno como uma reação dentro de
determinada estrutura social. Apesar da grave limitação em não esclarecer o
porquê de, entre os que se encontram na mesma situação social, uns
delinqüem e outros não, parece indiscutível a superioridade das teorias
sociológicas sobre as demais no trato da presente questão. Em suma, a
condição de estrangeiro operaria como motor de diferenciação ou exclusão
social.
Os pioneiros estudos sociológicos na área relacionada com a
criminalidade do estrangeiro foram desenvolvidos por William Thomas e Florian
ZnaniecKi, através da obra The Polish Peasnt in Europe and Americ (1918).
Valeram-se do método de investigação de diversas cartas enviadas por
imigrantes poloneses nos Estados Unidos, onde concluíram que “o lavrador
polonês é, efetivamente, distinto do homem americano, já que seu caráter foi
moldado num meio social condicionado por um conjunto de tradições, de
organização e, em geral, por uma forma de vida muito distinta da
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experimentada pela família norte-americana. Assim, sua chegada à América
provoca graves problemas de integração”.(4)
As condutas anti-sociais daqueles e de outros estrangeiros decorreriam,
dessa forma, da debilidade dos vínculos comunitários existentes em toda a
organização social. Ao abandonar o vínculo de origem o controle social
informal se enfraqueceria e a conduta social do indivíduo não se subsumiria a
nenhum outro parâmetro de normas
A partir deste pioneiro trabalho, surgiram outras teorias no âmbito da
Escola de Chicago, um dos focos mais poderosos e influentes da moderna
sociologia criminal. Esta escola ressaltou a importância etiológica do fator
ambiental e sua estreita correlação com os índices de delinqüência. A tese
mais relevante da Escola de Chicago é a de que as características físicas e
socais de determinados espaços urbanos na moderna cidade industrial geram
a criminalidade, explicando assim, a distribuição geográfica do delito por área
ou zonas.8
Outra teoria, igualmente sociológica, teoria da associação diferencial,
apresentada na edição de 1939 da obra Principles of Criminology, de Edwin
Sutherland, procurou dar sua justificativa à delinqüência do estrangeiro
afirmando que o comportamento criminoso não seria anti-social, mas, sim,
social, ou seja, não residiria em fatores biológicos ou puramente psicológicos,
mas na verdade, no aprendizado decorrente da interação com outras pessoas
do círculo social próximo ao delinqüente. Assim, segundo Shecaria, uma
pessoa se converteria em criminosa quando “as definições favoráveis à
violação da norma superam as definições desfavoráveis. Este é o princípio da
associação diferencial. Quando uma pessoa se torna autora de um crime, isso
se dá pelos modelos criminais que superam os modelos não criminais. Os
princípios do processo de associação pelo qual se desenvolve o
comportamento criminoso são os mesmos que os do processo pelo qual se
8FREITAS, Wagner Cinelli de Paula. Espaço Urbano e Criminalidade. Lições da Escola de Chicago. Ed. Método. São
Paulo, 2004
20
desenvolve o comportamento legal, mas os conteúdos dos padrões
apresentados na associação diferem”.
Diante disso, o estrangeiro tenderia, através do aprendizado, a assimilar
as normas do seu grupo minoritário, normas que poderiam ser consideradas
anti-sociais pelo grupo nacional majoritário, desenvolvendo ao olhar deste
último, um comportamento desviante.
A teoria do conflito cultural, desenvolvida por Thorsten Sellin (1938),
considera que a delinqüência encontra-se relacionada com conflitos existentes
entre distintos grupos culturais. A questão não seria, portanto, se a norma do
grupo majoritário é ou não conhecida pelo forasteiro, mas, sim, se aquela
norma faz parte de sua personalidade, isto, é, do conjunto de elementos sociais
e culturais intrínsecos à sua pessoa. Nesse sentido, um dos problemas trazidos
pela migração física das pessoas seria o conflito entre valores culturais.
Por intermédio dos estudos da teoria do conflito cultural, sustentou-se
que os estrangeiros cometeriam mais delitos em razão do conflito existente
entre as normas de conduta de sua formação e as normas culturais do lugar
que os acolheu. Em suma, o ilícito seria resultante do choque produzido pelo
contato do estrangeiro com o novo controle social do grupo dominante em um
determinado território. Todavia, essa teoria perdeu força com a constatação de
que os índices mais altos de delinqüência recaíam não na primeira, mas na
segunda geração de imigrantes, ou seja, sobre os jovens que foram educados
no país onde seus genitores optaram por viver em outro país.
Estatísticas norte-americanas e européias demonstraram que
sociedades com conflitos culturais não possuem mais delitos do que aquelas
sociedades onde não existem tais conflitos. Carece de comprovação empírica a
afirmação de que o contato entre duas culturas não criminógenas desencadeia
uma resposta delitiva.
Mais recentemente, a teoria da subcultura delinqüente, procurou dar sua
justificação à criminalidade de grupos marginalizados étnica, racial ou
culturalmente. Conforme lecionado por Salomão Shecaria, a idéia da
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subcultura delinqüente foi consagrada na literatura criminológica través da obra
de Albert Cohen: Delinquent boys (1955). Partindo do pressuposto de que a
sociedade está dividida internamente em inúmeros subgrupos, cada qual com
valores e características peculiares, pode-se conceituar subcultura delinqüente
como “um comportamento de transgressão que é determinado por um
subsistema de conhecimento, crenças e atitudes que possibilitam, permitem ou
determinam formas peculiares de comportamento transgressor em situações
específicas”.
No que concerne à segunda geração de imigrantes – acima aludida-, o
índice maior de criminalidade poderia ser justificado pela particular debilidade
do controle informal proveniente da tradição trazida pela primeira leva de
estrangeiros, propiciando assim desencadeamento da associação do jovem
com um grupo de iguais, por intermédio da formação de “gangues”.
É certo que a teoria da subcultura delinqüente também não está isenta
de objeções. Nesse sentido, a crítica mais contundente residiria na sua
impossibilidade de explicar comportamentos delitivos que se produzem fora de
uma subcultura, bem como os comportamentos não-delitivos que se produzem
dentro dela. Nem sempre há, nos grupos subculturais, consenso e
uniformidade em torno de determinados valores. Conforme afirmado por
Salomão Shecaria “pode-se dizer que há na análise subcultural um apego
exclusivo a determinado tipo de criminalidade, sem que se tenha uma
abordagem do todo. Periga, pois, tomar o todo pela parte, com o que teríamos
uma generalização inadequada e que transferiria para algumas manifestações
criminosas outras características que não lhe seriam aplicáveis”.
2.3. O “LABELLING APPROACH”
De todas as teorias estudadas, aquela que talvez ofereça uma
compreensão original sobre a relação “delinqüência e estrangeiro” é a teoria do
etiquetamento. Esta teoria surgiu nos anos 70, do século XX, sustentou que a
aproximação do fenômeno da criminalidade deve ser feita não pelo prisma do
criminosos, mas, sim, através da reação social formal, uma vez que ambos –
22
delito e reação social- são termos interdependentes, recíprocos e inseparáveis.
Assim a criminalidade não seria uma qualidade negativa de uma pessoa ou de
um grupo minoritário, mas o resultado de um processo social de interação
(definição e seleção). Nas palavras de García Pablos de Molina “A
criminalidade existe nos pressupostos normativos, valorativos, variáveis e
circunstâncias dos membros de uma sociedade. O labelling approach –
prossegue ele- relativisa e problematiza o conceito de delito; ou, se preferir,
questiona a própria variável dependente, com o que carece de sentido o
paradigma etiológico. Não interessam as causas desviantes primárias, mas os
processos de criminalização, porque, segundo este enfoque, uma pessoa pode
tornar-se delinqüente quando outras pessoas lhe etiquetam com êxito como tal.
O controle social cria a criminalidade. Através dele o interesse de investigação
se desloca do desviante e seu meio para aqueles que o definem como
desviante, analisando-se mais os mecanismos e funcionamento de controle
social ou a gênesis da norma do que os déficits de socialização do indivíduo.
A questão do desviante, isto é, da pessoa destoante do padrão social, foi
aprofundada por Howard Becher, na obra Outsider. Segundo ele, o termo
outsider refere-se a uma pessoa considerada pelas outras como desviante,
estando, portanto, fora do círculo dos membros “normais do grupo”. Significa
dizer que todo agrupamento social estabelece regras definindo situações e o
tipo de comportamento apropriado para elas, considerando assim,
determinadas condutas como “corretas” e outras como “incorretas”. Quando
uma regra é posta em vigor, aquele que supostamente a viola pode ser visto
como um tipo especial de pessoa, não mais confiável para viver sob as normas
acordadas pelo grupo social. Para este autor, “essa pessoa é vista como um
outsider. Constata-se, assim, que a mesma sociedade que cria a norma, cria
também o tipo especial de pessoa desviante”.
Segundo Salomão Shecaira,(4) o desvio é uma propriedade conferida
àquele comportamento pelas pessoas que têm contato direto ou indireto com o
comportamento, não é uma propriedade inerente a determinados
comportamentos. Assim, a reação é fundamental para definir a conduta
23
desviada e ela varia também conforme a pessoa que comanda o ato. Um
jovem de classe média terá, pois, uma reação diversa da reação que é tida por
um jovem de favela. Brancos e negros têm, similarmente, diferentes reações
sociais em face de suas condições pessoais. Da mesma forma os cidadãos e
os estrangeiros; os homens nascidos na terra e os imigrantes etc. Em resumo,
se um dado ato é desviado ou não, vai depender em parte da natureza do ato
Isto é, se ele viola ou não uma regra imposta pela sociedade) e em parte como
decorrência do que as outras pessoas vão fazer em face daquele ato. O desvio
de conduta deixa de ser uma simples qualidade em si, presentes em alguns
atos humanos e ausentes em outros.
Como se pode perceber, a teoria do etiquetamento explica a
criminalidade do estrangeiro, desviante da conduta do nacional, notadamente
em determinados cenários onde a taxa de criminalidade daquele ressalta sobre
a deste. Longe de significar que eles “delinqüem mais” através do labelling
approach, um maior registro de criminalidade do forasteiro pode indicar uma
sociedade mais intolerante, preconceituosa e xenófoba.
Nesse sentido, Elisa García España (4) salienta que, não raro “os meios
de comunicação de massa, a opinião pública e as instituições de controle social
encontram-se imbuídos de preconceitos contra o imigrante, aos quais se lhes
atribuí o qualificativo de perigosos. Consequentemente, o imigrante pode vir a
ser rechaçado pela sociedade receptora, e este tratamento pode lhes redundar
taxas de delinqüência mais altas do que a de outros grupos. Dessa forma, esse
maior registro delitivo do coletivo de imigrantes decorreria dos processos
discriminatórios existentes nas distintas instâncias de controle social formal.
No mesmo sentido, Eugênio Raul Zaffaroni9 alerta para o cuidado que se
deve tomar com a análise empírica da criminalidade de estrangeiros. Isso
porque, segundo ele, “sabe-se que a criminalização secundária não é sinônimo
de criminalidade real, que requer outros métodos de investigação”. A
criminalização maior das minorias estrangeiras – prossegue o autor – não está
9 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas. A perda da legitimidade do sistema penal.Traduzido por Vânia R. Pedrosa e Amir Lopes da Conceição. Ed. Revan. 5ª ed. 2001
24
necessariamente indicando maior criminalidade real de seus integrantes, mas
que pode ser, precisamente o indicador da discriminação que sofrem, do maior
controle punitivo etc. Não há sistema penal no mundo que não seja seletivo e
que, preferentemente, não criminalize os fatos que lhe resulte mais fácil
detectar e cometidos pelas pessoas que mais se expõe, por serem mais
notáveis.10
Esther Gimenez Salinas, preleciona que “a famosa cifra negra da
criminalidade opera de forma diferente entre os estrangeiros e os nacionais. Na
verdade, não sabemos se os estrangeiros delinqüem mais ou se são mais
facilmente descobertos que os nacionais” 11
Apesar de ter sido útil na explicação da criminalização ou desviação
secundária (processo de seleção ou etiquetamento do desviante), na
conceituação da carreira criminal, bem como na detecção de discriminações
institucionais contra determinados grupos, fato é que a teoria do labelling
approuach igualmente revelou suas limitações, que não tardaram a ser
apontadas por seus críticos. A mais relevante, sem dúvida, é a de que ela teria
se desinteressado por completo da desviação primária, tratando de substituir –
segundo as palavras de Antonio Garcia Pablo de Molinas – um paradigma
(etiológico) por outro (controle), ao invés de corrigir ou reelaborar o primeiro
com a análise da reação social ou, ainda, de reconhecer que ambos se
complementam. Em suma, a teoria do labelling approuach “não oferece uma
explicação satisfatória acerca da origem, do desenvolvimento e da
consolidação da desviação”12
10 ZAFFARONI, Eugênio Raul, Minorias desplazadas, delincuencia y poder punitivo, p. 90, 1994 11 GIMENEZ SALINAS, Esther. Extranjeros en prision. P.140, 1994 12 GARCIA PABLO DE MOLINAS, Antonio. Tratado de Criminologia, p. 908
25
3. O ESTRANGEIRO E O SISTEMA PRISONAL BRASILEIRO
No Brasil, os estrangeiros encontram-se, atualmente, subestimados nos
números penitenciários. Em 2004, o total de presos estrangeiros era de 1.626
indivíduos. No mesmo ano, a população prisional brasileira ficou estimada em
cerca de 250 mil pessoas, o que evidencia representarem os estrangeiros
menos de 1% desse total. Se adicionarmos o conjunto de presos em cadeias
públicas naquele ano (79.652), atinge-se aproximadamente 330 mil indivíduos,
o que diminui ainda mais o percentual dos estrangeiros nesse gigante universo
de homens e mulheres encarcerados na País.13
Embora pequeno, quando comparado à massa carcerária como um
todo, o coletivo de estrangeiros está, por outro lado, longe de ser desprezível,
superando, inclusive, o total da população carcerária dos Estados de Alagoas,
Amapá, Piauí, Roraima e Tocantins, e aproximando-se do total dos números
observados nos Estados do Acre, Amazonas, Rio Grande do Norte e Sergipe.
Em que pese a baixa representatividade, na atualidade, o cômputo geral,
é certo que, no passado, o número de estrangeiros presos era
significativamente maior, em termos proporcionais. Essa assertiva pode ser
corroborada com o estudo efetuado pelo14 Instituto Latino Americano das
Nações Unidas para prevenção do Delito e Tratamento do delinqüente
(ILANUD) sobre a mudança de perfil da população prisional do Estado de São
Paulo – válido, em linhas gerais, para o sistema prisional do Brasil como um
todo: “Nos anos 50 boa parte da população era formada por estrangeiros ou
brasileiros naturalizados e nesta medida também havia muitos estrangeiros na
população carcerária daquele período (...). Digna de nota é a quase
proporcionalidade entre participação dos estrangeiros na população em geral
(6,8%) e na população carcerária daquele ano (1950) (6,5%), evidenciando a
similaridade das condições de vida dos nacionais e estrangeiros naquele
momento histórico”.
13 DEPEN- Departamento Penitenciário Nacional: Diagnósticos e propostas. Ministério da Justiça, 2005 14 Instituto Latino Americano das Nações Unidas para prevenção do Delito e Tratamento do delinqüente (ILANUD)
26
Os estrangeiros vão, gradativamente reduzindo sua participação em
nosso sistema prisional. As causas desse declínio são, de acordo com o estudo
do ILANUD, em parte o reflexo das mudanças econômicas que afetaram o
País, que deixou de ser um polo de atração para estrangeiros para converter-
se num pólo de expulsão de brasileiros para outros países.
Podemos considerar outra relevante hipótese – até porque o Brasil
continua sendo um pólo atrativo para estrangeiros – a intensificação de uma
política penal e penitenciária voltada para determinada categoria de infratores
nacionais, que superou, em muito, o preconceito e a intolerância institucional
para com infratores estrangeiros, ou seja, a velocidade de encarceramento de
estrangeiros manteve-se relativamente estabilizada, ao passo em que a
velocidade de encarceramento de nacionais aumentou exponencialmente.
Segundo estudos de Sérgio Adorno:
“Não é estranho que o início dos anos 80 assistiu, em várias capitais
brasileiras, a intensificação de motins e rebeliões em diversas
cadeias públicas, distritos policiais, casas de detenção e
penitenciárias. Em algumas delas, os eventos foram controlados,
negociações foram realizadas, pouparam-se vítimas. Mas, em outras,
sobretudo naquelas estabelecimentos que concentravam grande
número de preso, os resultados foram quase sempre deploráveis pois
resultaram em mortos e feridos, fossem presos ou agentes do
sistema penitenciário, a par da destruição implacável do patrimônio
público. Em todo o País essas intervenções vêm-se sucedendo com
relativa constância desde 1982, sendo crescente o número de
mortos. De modo geral, resultam em desfecho trágico de uma política
de segurança que encara o controle da ordem pública como um
problema de enfrentamento bélico e estratégico, em que há inimigos
a serem vencidos e eliminados não importando o custo material e
simbólico destas operações”15
15 ADORNO, Sérgio. Prisões, violência e direitos humanos no Brasil. Rio de Janeiro, 1998, p.2
27
O mesmo autor, em outro trabalho igualmente revelador, salienta que no
Brasil, o foco das políticas públicas penais, concentram-se em investir na oferta
de novas vagas prisionais, ignorando-se outras iniciativas que poderiam atacar
pontos de estrangulamento do sistema. Segundo este autor, os efeitos dessa
“estratégia” podem ser assim elencados: ampliação da rede de coerção;
superpopulação carcerária; administração inoperante; enrijecimento da
disciplina e da segurança; timidez das medidas de alcance técnico; falta de
explicitação de objetivos, o que se manifesta na ausência de programa
articulado, integrado e sistemático de intervenção, seja no âmbito das políticas
organizacionais administrativas ou de ressocialização; confronto entre grupos
que disputam influência sobre o poder institucional, expressos na eficácia da
ideologia da ordem e da segurança, da vigilância e da disciplina. Todos esses
pontos confluem para o mesmo ponto: a reconhecida incapacidade e
incompetência do poder público em gerenciar amplas massas carcerárias.
Assim sendo, pode-se afirmar que o quantitativo de estrangeiros presos
está contribuindo, ainda que em menor velocidade, para o fenômeno da
superpopulação carcerária brasileira. Por sua vez, a superpopulação carcerária
agrava, na medida inversa, a situação enfrentada pelos estrangeiros em nosso
sistema penitenciário, bem como o trato a eles dispensados por parte das
respectivas administrações prisionais dos entes da Federação.
3.1.OS DIREITOS DO PRESO ESTRANGEIRO
O tratamento que é dispensado ao infrator estrangeiro oscilou, entre a
uniformidade e a diversidade frente ao trato do nacional. A prisão como pena,
consubstanciada nos sistemas prisionais que se sucederam, homogeneizou a
execução da pena imposta à generalidade dos infratores, independentemente
da sua nacionalidade.
A peculiaridade da expulsão do estrangeiro infrator deixou de ser uma
espécie de sanção penal para a partir da Republica Velha possuir natureza
administrativa.
28
Ocorre, que pesquisando os nossos julgados, verifica-se que a expulsão
não se afastou em absoluto do terreno penal. Em suma, a decretação da
expulsão, em regra condicionada ao término da pena, estaria projetando efeitos
sobre o cotidiano do cumprimento da pena de indivíduos não-nacionais,
afetando e, em última instância, cassando o direito de usufruírem do sistema
progressivo de cumprimento de pena ou do livramento condicional, dentre
outros. Isto é, tratando-o desigualmente em relação ao nacional.
A Revista Consultor Jurídico16 tratou do assunto em recente matéria:
“DIREITOS IGUAIS – PRESOS ESTRANGEIROS FAZEM GREVE
DE FOME NO ACRE – Uma intervenção do presidente da seccional
do Acre da OAB, Florindo Poersch, acabou com a greve de fome de
70 estrangeiros presos na Unidade de Recuperação Social Doutor
Francisco de Oliveira Conde. Poersch prometeu lutar para que eles
tenham tratamento semelhante aos detentos brasileiros na questão
relativa à progressão de pena.
Os juizes da Vara de Execuções Penais do Acre entendem
que os apenados estrangeiros não têm direito ao benefício da
progressão da pena. No entanto, segundo Poersch, já existe um
tratado internacional firmado entre o Brasil, Peru, Bolívia e outros
países americanos dizendo que quando o preso tiver direito à
progressão de pena, pode, automaticamente, ser extraditado para o
país de origem.
Para ele, como os estrangeiros que vivem no país estão
sujeitos à legislação local, também podem usufruir do direito de
progressão de regime prisional que é concedido aos brasileiros que
cumprem pena. Poersch classificou a visita ao presídio como positiva,
principalmente porque a OAB tem muito que contribuir para melhorar
o sistema penitenciário do estado.”
16 Revista Consultor Jurídico: Direitos iguais – presos estrangeiros fazem greve de fome no Acre. Disponível em: http://conjur.estadao.com.br/static/text Acesso em 20 jan. 2007
29
Assim, segundo os termos do art. 68 da Lei 6.815/80, o trânsito em
julgado da sentença penal condenatória contra estrangeiro autor de crime
doloso – a totalidade segundo pesquisas – ainda que portador de visto
definitivo, transforma-se, ao cabo daquele procedimento administrativo, em
estrangeiro em situação irregular.
Sobre o cumprimento da pena do preso estrangeiro predomina, na
jurisprudência brasileira, o entendimento de rejeitar o acesso a institutos dos
Direito Penal e Execução Penal. Essa jurisprudência encontra-se baseada em
quatro argumentos: o primeiro consiste na pendência de processo de expulsão
ou mesmo de expulsão já decretada operando em desfavor do estrangeiro que
cumpre pena. O segundo, defende a eficácia da regra do art. 1º do Decreto
4.865/42, que proíbe a concessão de sursis aos estrangeiros que se
encontrem no país em caráter temporário. A terceira razão para se vedar o
deferimento de direitos prisionais ao estrangeiro é a desconfiança em relação
àquele que, sem maiores vínculos com a nossa sociedade, encontrar-se-ia
propenso a empreender fuga, frustrando assim, o cumprimento das condições
judiciais. O último argumento reporta-se à proibição contida na legislação de
estrangeiros, com relação à obtenção de emprego formal por parte do
forasteiro em situação irregular (não podendo legalmente, trabalhar no Brasil
não poderia cumprir, por exemplo, uma das condições ao livramento
condicional ou ao regime prisional aberto).
O sistema prisional no Rio de Janeiro apresenta uma posição peculiar no
trato da presente questão. Com efeito, diferentemente da corrente majoritária, a
praxe adotada pela Vara de Execuções Penais do Rio de Janeiro é a de não
negar o livramento condicional ao estrangeiro que dele faz jus. Entretanto, junto
com o deferimento daquele direito prisional, os Juízes da Vara de Execuções
têm decretado, ao mesmo tempo, a prisão administrativa do estrangeiro para
fins de efetivação da sua expulsão. Resumindo: solta-se por um fundamento, e
prende-se por outro.
A prisão administrativa para fins de expulsão também é decretada pelos
Juizes das Varas de Execuções por ocasião do término da pena do apenado
30
estrangeiro. Ou seja, não sendo possível a imediata retirada do ex-condenado
do território nacional em função de atrasos burocráticos da Polícia Federal
(compra de passagem aérea respectiva e demais providências relacionadas
com o decreto expulsório) a solução institucional adotada é mantê-lo no
cárcere. Em suma, apesar de o estrangeiro quitar suas obrigações para com a
Justiça criminal, não lhe é facultado sair livremente pela porta da frente do
estabelecimento prisional. Ele permanecerá ali por questões puramente
administrativo-alfandegárias.
Essa praxe da Justiça Fluminense, encontra-se reconhecida através do
seguinte enunciado: “Compete ao Juízo da Vara de Execuções Penais, sempre
que necessário ao cumprimento do decreto expulsório, decretar a custódia
administrativa de apenado estrangeiro previsto no art. 69 da Lei 6.8915/80, em
face do mandamento constitucional inserto no art. 5º, inciso LXI, da CF/88.”
A prisão administrativa decretada ao término da pena é, inegavelmente,
ilegal e injusta. Ilegal porque não encontra guarida em nenhum dispositivo do
Código Penal ou da Lei de Execução Penal. Injusta porque é uma punição a
mais imposta ao preso estrangeiro por uma falha que não lhe pode ser
imputada. Na verdade, a responsabilidade é do Poder Executivo Federal que
deveria estar aparelhado adequadamente para fazer coincidir a mais do que
previsível data do término da pena privativa de liberdade com a data de retirada
compulsória do estrangeiro que sofreu o decreto de expulsão.
A despeito de tudo que já foi exposto até agora, apesar da jurisprudência
dominante ser no sentido de não se permitir que aquela categoria de
condenado possa obter o direito ao livramento condicional ou à progressão de
regime, dentre outros, é certo que podem ser encontradas decisões em sentido
diverso. A análise desses acórdãos divergentes revelam-se útil por demonstrar
que se trata de um assunto que não pode ser qualificado como “pacífico” ou
“unânime”, havendo, portanto, espaço para a discussão de posições que
enriquecem não apenas a jurisprudência, como, também, as nossas Ciências
do Direito Penal e de Execução Penal, visando com que os Tribunais venham a
31
trilhar um caminho mais justo no que tange aos direitos prisionais do infrator
estrangeiro.
Outro aspecto de grande relevância é a necessária observância do
Princípio da Isonomia em favor do preso estrangeiro. O Agravo n.º 182.365 faz-
se pertinente para se demonstrar a incidência deste Princípio Constitucional:
“Ao cumprir pena reclusiva que lhe foi imposta, pelo fato de ser
estrangeiro ou estar a viver problemas administrativos pelas
disposições da Lei n.º 6.815/80. O preso não pode estar sujeito à
tratamento diverso do brasileiro que estivesse na mesma situação,
pois, também aquele vive em solo pátrio e permanece sob o múnus
estatal, como cumpridor da pena que aqui lhe foi imposta, passando
a figurar como estrangeiro residente, tendo todos os direitos , deveres
e garantias dos brasileiros (CF/88 art. 5º, caput) , não tendo o termo
residente a mesma conotação do Direito Privado”
Nesse contexto, tem-se que não só a progressão, mas também o
livramento condicional e os demais direitos prisionais, podem e devem ser
concedidos ao infrator estrangeiro, uma vez que, cumprindo pena no Brasil,
encontra-se em pé de igualdade com o Nacional na mesma condição.
Além das normas constitucionais que densificam o princípio da
igualdade substancial, é necessário se reportar à Declaração Universal dos
Direitos do Homem17, aprovada, por unanimidade, na Assembléia Geral das
Nações Unidas 1948, em especial nos pontos que consideram que:
“...todos nascem livres e iguais em dignidade e direitos (art. 1º), sob a
premissa de que todo ser humano tem capacidade para gozar os
direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem
distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua,
religião, opinião ou de outra natureza, origem nacional ou social,
riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição (art. II, § 1º), bem
como que todos são iguais perante a lei e têm direito a igual proteção
contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e
contra qualquer incitamento a tal discriminação (art. VII).”
17 Declaração Universal dos Direitos do Homem – ONU 1948
32
Assim também, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
(1966), promulgado, entre nós, pelo Decreto n.º 592 de 06/07/92, que registra
em seu art. 2º que os Estados-Partes comprometem-se a garantir a todos os
indivíduos que se encontrem em seu território e sujeitos a sua jurisdição, os
direitos ali reconhecidos, sem discriminação alguma, especialmente em razão
da origem nacional. No art. 14 daquele Pacto, convencionou-se que todas as
pessoas são iguais perante os Tribunais e as Cortes de Justiça.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José
da Costa Rica (1969), em vigor no Brasil por intermédio do Decreto n.º 678, de
06/11/92, estabelece a igualdade como princípio fundamental, dispondo:
“Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem
discriminação, a igual proteção da lei. (art. 24).
Ante a incidência desse conjunto de normas constitucionais e
supranacionais, os acórdãos que reconhecem o estatuto isonômico entre os
presos estrangeiros e nacionais encontram total pertinência, não obstante a
corrente jurisprudencial inversa.
33
4. TRANSFERENCIA DE PRESOS NO BRASIL
Conforme nos informa Arthur de Brito Gueiros Souza (4) no Brasil, há em
vigor, tratados de transferência de presos com sete países: Argentina, Canadá,
Chile, Espanha, Paraguai, Reino Unido e Portugal.
A Convenção Interamericana sobre o Cumprimento de Sentenças
Estrangeiras no Exterior, que foi aprovada, com reserva, pelo Decreto
Legislativo n.º 268 de 09/02/2000, é o documento que trata, exclusivamente, da
transferência de presos.
Verifica-se, atualmente, um aumento significativo do número de
brasileiros fora de nossas fronteiras. Segundo estimativa dos Ministério das
Relações Exteriores, havia, no final do século XX, quase dois milhões de
nacionais vivendo, em definitivo no exterior, sendo que destes, quase 1.400
encontravam-se nas prisões estrangeiras. Diante desse quadro, pode-se
afirmar que há inúmeros brasileiros desejosos de cumprir pena privativa de
liberdade em nosso solo, a despeito das péssimas condições das prisões no
Brasil.
Inversamente, o número de estrangeiros presos no Brasil saltou de
1.142 (novembro de 2002) para 1.626 (dezembro de 2004), ou seja, um
aumento na ordem de 42%. Segundo informações do Departamento de
Estrangeiros do Ministério da Justiça, encontram-se em tramitação
aproximadamente 20 pedidos de transferência, sendo cerca de 70 relacionados
com transferência do Brasil para o exterior e 50 no sentido inverso. Já foram
efetivadas 20 transferências passivas, ou seja, do Brasil para o estrangeiro e
oito ativas, isto é, do estrangeiro para o Brasil.
A Revista Veja, 18 citando como fonte o Itamaraty, publicou dados
indicando a existência de 2.791 brasileiros privados de liberdade no exterior,
sendo, desse total, cerca de 1.500 condenados por tráfico de drogas.
18 ANTUNES, Camila. Brasileiros condenados no exterior. Revista Veja, 16/06/04. p. 28
34
Dentro deste enfoque, ganhou destaque na mídia, a condenação do
brasileiro Marcos Archer Cardoso Moreira, condenado á pena de morte,
decretada em junho de 2004, pela Justiça da Indonésia, por tentar
desembarcar no Aeroporto de Jacarta, em agosto de 2003, com 13,4 quilos de
cocaína. Em fevereiro de 2005, outro brasileiro – Rodrigo Gularte – foi,
igualmente, condenado, também por tráfico internacional de drogas, à pena de
morte por fuzilamento, segundo sentença da Justiça deste mesmo país, por
transportar 6 quilos de cocaína no mesmo aeroporto. Nas duas hipóteses, as
defesas dos brasileiros estão recorrendo à superior instância do Judiciário
daquele país, tentando a reversão ou a comutação das respectivas
condenações. No caso de Marco Archer Moreira, o Governo do Brasil formulou
pedido formal de clemência ao Governo da Indonésia, pugnando que a
execução por fuzilamento fosse comutada em pena de prisão perpétua,
conforme noticiado pelo jornal Folha de São Paulo19
Apesar dos inúmeros tratados, a transferência de presos ainda inspira
inúmeras desconfianças, pois alguns segmentos sociais, acreditam que o
infrator deve cumprir sentença condenatória no país onde o fato criminoso
ocorreu, pois, uma vez transferido para seu país de origem, estaria protegido e
impune. Esta crença é infundada, tendo em vista que o detento deverá cumprir
o restante da pena que lhe foi imposta no seu país de origem. O objetivo da
transferência do preso é atingir o duplo postulado contido no art. 1º da Lei de
Execução Penal: efetivar as disposições da sentença criminal e proporcionar
condições para a harmônica integração social do condenado.
Obviamente, que a transferência de presos não é obrigação absoluta,
mas deve ser analisada caso a caso. Não deve ser entendida como
“transferência coletiva”, como se fosse indiferente o comportamento do preso
estrangeiro. Apesar de priorizar a questão humanitária, a transferência de
presos não deixa de ser uma questão a ser ponderada no curso de
determinada execução penal, levando-se em consideração ainda, os interesses
dos Estados envolvidos. Podemos afirmar que o Estado brasileiro continua
19 In https: //www1.folha.uol.com.br/fsp/cotodian>, acessado em 21/12/06
35
soberano para acatar ou não a solicitação que lhe foi dirigida e, sequer
necessita fundamentar eventual indeferimento da transferência. Deve-se
entender a transferência de presos, como um direito do preso estrangeiro a ser
pleiteado junto ao nosso Governo. Trata-se de mais uma pretensão que se
soma àquelas já contidas no Código Penal e na Lei de Execução Penal. Nesse
sentido, vale destacar a opinião de Alberto Silva Franco: 20
“Não se há de esquecer que a proximidade com seu meio social, e
notadamente com sua família, é fator importantíssimo no processo de
adaptação que o condenado vivência na prisão, contribuindo
substancialmente para aliviar as tensões decorrentes da própria
prisionalização”
Nesse sentido, vejamos uma decisão do Supremo Tribunal Federal:
“5007788 – PENA – CUMPRIMENTO – TRANSFERÊNCIA DE
PRESO – NATUREZA – Tanto quanto possível, incumbe ao Estado
adotar medidas preparatórias ao retorno do condenado ao convívio
social. Os valores humanos fulminam os enfoques segregacionistas.
A ordem jurídica em vigor consagra o direito do preso de ser
transferido para o local em que possua raízes, visando a
indispensável assistência pelos familiares. Os óbices ao acolhimento
do pleito devem ser inafastáveis e exsurgir ao primeiro exame,
consideradas as precárias condições do sistema carcerário pátrio.
Eficácia do disposto nos arts. 1º e 86 da Lei de EXECUÇÃO Penal –
Lei n.º 7210, de 11 de julho de 1984 – Precedente: habeas corpus n.º
62.411 – DF, julgado na Segunda Turma, relatado pelo Ministro Aldir
Passarinho, tendo sido o acórdão publicado na Revista Trimestral de
Jurisprudência n.º 113, p. 1049. (STF – HC – 71.179 – PR – 2ª T. –
Rel. Min. Marco Aurélio – DJU 03.06.1994)
Com relação as finalidades, espera-se atingir, com a transferência de
presos, dois objetivos: o primeiro, consistente na efetivação das disposições
da sentença condenatória, servindo, assim, ao interesse de uma boa
administração da justiça. O segundo, favorecer a reinserção social da pessoa
20 FRANCO, Alberto Silva, Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial, p. 286
36
privada da liberdade, dando-lhe a possibilidade de cumprir a condenação
próxima à sua terra natal. Objetiva-se, por fim, encontrar uma solução para o
problema do estrangeiro encarcerado, que permita não só a sua adequação ao
cumprimento efetivo da pena, mas que também possibilite a futura reintegração
do condenado no Estado de que é nacional.
Para que ocorra a efetiva transferência de presos é fundamental que
haja um tratado internacional celebrado entre os Estados envolvidos. Através
de acordos bilaterais ou multilaterais, cria-se não só a obrigatoriedade da
apreciação de pedidos de transferência, mas, também, a regulação das
sanções penais que serão objeto de traslado, conforme o ordenamento jurídico
dos países intervenientes.
De acordo com os tratados que cuidam do instituto da transferência de
presos, os documentos a serem examinados para o deferimento do pedido
envolvem a análise das seguintes questões: a nacionalidade do indivíduo a ser
transferido; se a sentença condenatória transitou em julgado; a existência de
suficiente lapso de pena pendente de cumprimento; a manifestação de vontade
do estrangeiro preso; e a dupla incriminação do fato.
Quanto a modalidade de execução da pena na transferência de presos,
observa-se duas modalidades de tratamento: o prosseguimento da execução e
a conversão da condenação. Através do prosseguimento da execução a
transmissão da pena se dá sem alteração de sua qualidade ou quantidade,
havendo a simples continuidade do cumprimento da pena imposta ao
condenado, sem nenhuma alteração adaptativa ao sistema jurídico do país
receptor. Diferentemente, pelo sistema da conversão, há a substituição da
sentença originária por outra, de acordo com a previsão legal para a mesma
figura criminosa. Há, portanto, uma transformação da condenação,
conformando-a às especificidades do país da execução, não podendo, porém,
gerar um agravamento da situação jurídica do preso.
37
4.1 Distinção Entre Transferência De Presos E Medidas Compulsórias
De Retirada: Deportação, Expulsão E Extradição
Trataremos agora, das formas de retirada do estrangeiro do território
nacional, reguladas pela Lei n.º 6.815/80 e suas dessemelhanças em relação a
transferência de presos estrangeiros.
4.1.1. Deportação
A deportação é medida compulsória aplicada aos estrangeiros na
hipótese de entrada ou permanência irregular no território nacional, é, portanto,
simples ato administrativo. É de providência imediata da Polícia Federal e
consiste na retirada do estrangeiro que não atender à notificação prévia para
que deixe o país.
O Estatuto do Estrangeiro enumera diversas hipóteses que implicam a
deportação do estrangeiro, em geral, por descumprimento das normas que
regulam a sua entrada ou estada no Brasil. Eis alguns casos que se sujeitam à
deportação: a) o estrangeiro titular do visto de turista, de trânsito ou estudante
(temporário) que exercer atividade remunerada no Brasil (art. 98); b) o
estrangeiro admitido na condição de temporário, sob regime de contrato, que
exercer atividade em outra entidade, diversa da qual foi contratado, na
oportunidade da concessão do visto, salvo autorização expressa do Ministério
da Justiça, ouvido o Ministério do Trabalho (art. 100); c) o serviçal com visto de
cortesia que exercer atividade remunerada diversa daquela contratada pelo
titular de visto de cortesia, oficial ou diplomático (art. 104,§ 1º); d) o serviçal
com visto de cortesia, que no prazo de trinta dias, a contar da data em que
cessar o vínculo empregatício, não tiver a saída do Território Nacional
promovida pela missão, organização, ou pessoa a cujo serviço se encontrava
(art. 104, § 2º); e) o estrangeiro que tenha entrado no Brasil, na condição de
turista ou em trânsito, que se engajar, sem autorização do Ministério da Justiça,
como tripulante em porto brasileiro, salvo em navio de bandeira de seu país,
por viagem não redonda (art. 105); f) o estrangeiro que entrar no território
nacional sem estar autorizado (ART. 125, inciso I ); g) o estrangeiro que se
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demorar no território nacional depois de esgotado o prazo legal de estada (art.
125, inciso II).
O estrangeiro, enquanto não se efetivar a deportação, poderá ser
recolhido à prisão pelo Departamento de Polícia Federal pelo prazo de
sessenta dias, desde que autorizado pelo Poder Judiciário. Sempre que não for
possível, no prazo previsto neste artigo, determinar a identidade do deportando
ou obter documento de viagem para promover a sua retirada, a prisão poderá
ser prorrogada por igual período, findo o qual será ele posto em liberdade.
A deportação não impede o retorno do estrangeiro ao território brasileiro,
desde que o Tesouro Nacional seja ressarcido das despesas incorridas com a
medida e tenha ocorrido o recolhimento de eventual multa imposta à pessoa
que foi deportada.
As causas de deportação são absolutamente estranhas à prática de
crime. Os seus efeitos são imediatos bastando a configuração da causa que a
legitimou para que se opere, independentemente de manifestação da Justiça
ou de manifestação do Governo.
4.1.2 EXPULSÃO
A expulsão distingue-se por sua aplicação especificamente aos
estrangeiros considerados nocivos ou indesejáveis ao convívio social, na forma
do art. 65 da Lei 6.815/80. É ato discricionário e tem sempre o caráter político-
administrativo de defesa do Estado, portanto ato unilateral, sendo descartada
qualquer manifestação de vontade do estrangeiro no sentido de concordar ou
discordar com a concretização do ato de saída compulsória. Por sua vez, na
transferência, não há ação unilateral por parte do Estado, mas, como dito, uma
convergência de interesses quanto à transposição espacial da fase de
determinada execução penal. Todavia, de acordo com o Ministério da Justiça,
no curso da tramitação do pedido de transferência de determinado custodiado,
o nosso Governo não interrompe o procedimento administrativo-expulsório
iniciado com a condenação daquele estrangeiro, fazendo coincidir o ato de
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expulsão com o ato de entrega do transferido. Tal prática, visa impedir que o
infrator retorne ao Brasil mesmo após o cumprimento da respectiva pena.
É passível de expulsão o estrangeiro que, de qualquer forma, atentar
contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranqüilidade ou
moralidade pública e a economia popular, ou cujo procedimento o torne nocivo
à conveniência e aos interesses nacionais.
É também passível de expulsão o estrangeiro que: a) praticar fraude a
fim de obter a sua entrada ou permanência no Brasil; b) havendo entrado no
território nacional com infração à lei, dele não se retirar no prazo determinado
para fazê-lo, não sendo aconselhável à deportação; c) entregar-se à vadiagem
ou à mendicância d) desrespeitar proibição especialmente prevista em lei para
estrangeiros.
O juízo quanto a conveniência e oportunidade da aplicação da medida
compete exclusivamente ao Presidente da República, geralmente em desfavor
de estrangeiro que comete crime ou falta grave no território nacional.
O decreto de expulsão é sempre precedido de inquérito policial-
administrativo, no qual é dada ampla defesa ao estrangeiro que poderá
contratar um advogado para assisti-lo. A efetivação ocorre, nos casos de
cometimento de crime, após o cumprimento da pena à qual o estrangeiro foi
condenado no País.
São inexpulsáveis os estrangeiros que tiverem: a) cônjuge brasileiro, do
qual não esteja divorciado ou separado, de fato ou de direito, e desde que o
casamento tenha sido celebrado há mais de cinco anos; b) filho de brasileiro
que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa
economicamente. A súmula n.º 1 do STF estabelece:
1- É vedada a expulsão de estrangeiro casado com brasileiro, ou
que tenha filho brasileiro, dependente da economia paterna.
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Importante ressaltar que o abandono do filho, o divórcio ou a separação,
de fato ou de direito, permitem a retirada do estrangeiro do território brasileiro.
A faculdade conferida ao estrangeiro de permanecer no Brasil, nas condições
citadas, resulta de regra que visa beneficiar não o estrangeiro, mas a família
brasileira aqui constituída.
Quanto a prole, não basta apenas que ela dependa economicamente do
pai estrangeiro. É necessário que a obrigação de sustentar filhos seja efetiva e
se verifique cumulativamente com a guarda deles. Nesses casos, a instrução
do pedido é precedida de sindicância policial, pela qual é constatada a data e o
local de nascimento, a existência física do menor, a guarda e a dependência
econômica, a vida em comum do casal, etc.
A ocorrência das circunstâncias legais especificadas, após o fato que
motivar a expulsão, não impede a adoção da medida.
Verificado, a qualquer tempo, o abandono do filho, o divórcio ou a
separação de fato ou de direito, a expulsão poderá efetivar-se.
O estrangeiro expulso está impedido de reingressar no País, salvo se
outro decreto presidencial revogar o de expulsão.
4.1.3 EXTRADIÇÃO
Segundo Celso de Albuquerque Mello “Extradição é o ato por meio do
qual um indivíduo é entregue por um Estado a outro, que o reclama e que é
competente para processá-lo e puni-lo”21
A extradição está prevista e definida nos artigos 76 a 94 da Lei 6.815/80
(Estatuto do Estrangeiro) e é considerado também ato de defesa internacional
e forma de colaboração na repressão ao crime22.
21 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 13 ed. revista e ampliada, v II, Renovar, 2001. 22 DUARTE, Silvia V. Borges. Requisitos materiais e formais da extradição. Escola de Ciências Jurídicas do Centro Universitário da Cidade, p. 14, RJ, 2006
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A extradição decorre de crime cometido no exterior do país que a
concede, sendo um ato bilateral, baseado em tratado específico de extradição
ou oferecimento de reciprocidade de tratamento, visando à cooperação
internacional no combate ao crime. A aceitação da promessa de reciprocidade
é competência do Poder Executivo, por se tratar de juízo político.
Os dois institutos se assemelham - transferência e extradição - no fato
de haver a entrega física do infrator de um país para o outro. Entretanto, a
manifestação de vontade do condenado, necessária para o seu deslocamento,
presente na transferência de presos, está obviamente, fora de questão na
extradição. Nesta última, objetiva-se a captura de pessoa que não quer se
submeta, espontaneamente, à Justiça de um determinado país, sendo então
necessário a colaboração internacional do Governo do lugar onde se encontra
o foragido, inculpado ou já condenado. Na extradição quer-se, basicamente,
aplicar a lei penal de um Estado em face de alguém que dela tenta se esquivar.
Na transferência de presos não há, como ocorre na extradição, uma lei
penal carente de efetividade; o que existe é uma composição de interesses
entre os dois países e o infrator estrangeiro que cumpre a pena de prisão.
Sobre este aspecto, nos elucida (4) Arthur de Brito Gueiros Souza:
“Diante desta convergência de vontades para essa transação, o país
onde foi iniciada a execução penal, abre mão da prerrogativa de
exercitar todo o seu ius puniendi em favor do Estado de origem
daquele apenado, comprometendo-se, por sua vez, este último país,
a observar os termos do decreto condenatório, inserindo o indivíduo
em seu sistema prisional”
A extradição poderá ser ativa (quando solicitada pelo Brasil) ou passiva
(quando requerida ao Brasil por outro Estado). Ambas são regidas pelos
tratados bilaterais sobre o assunto. Na inexistência destes, regulam a
extradição as normas internas vigentes no país requerido e as normas de
Direito Internacional.
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São pressupostos do pedido de extradição: a) a existência de processo
criminal do qual resulte condenação à pena privativa de liberdade superior a
um ano de reclusão b) mandado de prisão contra o extraditando expedido por
juízo ou tribunal competente; c) ser o ato motivador do pedido também
considerado crime no Estado requerido; d) não estar à ação penal prescrita,
nem extinta a punibilidade, segundo a lei brasileira ou a do Estado requerido; e)
não estar o extraditando respondendo a processo ou já condenado ou
absolvido no país requerido pelo mesmo fato em que se fundar o pedido; f) o
fato não constituir crime político; g) o extraditando não houver de responder, no
Estado requerente, perante Tribunal ou juízo de exceção.
O pedido de governo a governo, pela via diplomática, é elemento
fundamental para formalizar a extradição, não podendo o Estado agir
espontaneamente.
O estrangeiro extraditado poderá retornar ao Brasil, motivo pelo qual não
impede a extradição à circunstância de ser o extraditando casado com
brasileira ou ter filho A competência para processar e julgar o pedido de
extradição requerido por Estado Estrangeiro é do Plenário do Supremo Tribunal
Federal, não se podendo aplicar a medida sem seu prévio pronunciamento
sobre a legalidade e a procedência do pedido, observada a legislação vigente.
O rito do processo de extradição está previsto no Regimento Interno do STF
que assim preceitua:
Art. 208. Não terá andamento o pedido de extradição sem
que o extraditando seja preso e colocado à disposição do Tribunal.
Art. 209. O Relator designará dia e hora para o interrogatório
do extraditando e requisitará a sua apresentação.
Art. 210. No interrogatório, ou logo após, intimar-se-á o
defensor do extraditando para apresentar defesa escrita no prazo de
dez dias.
§ 1º O Relator dará advogado ao extraditando que não o tiver,
e curador, se for o caso.
43§ 2º Será substituído o defensor, constituído ou dativo, que
não apresentar a defesa no prazo deste artigo.
Art. 211. É facultado ao Relator delegar o interrogatório do
extraditando a juiz do local onde estiver preso.
Parágrafo único. Para fim deste artigo, serão os autos
remetidos ao juiz delegado, que os devolverá, uma vez apresentada a
defesa ou exaurido o prazo.
Art. 212. Junta a defesa e aberta vista por dez dias ao
Procurador-Geral, o Relator pedirá dia para o julgamento.
Parágrafo único. O Estado requerente da extradição poderá
ser representado por advogado para acompanhar o processo perante
o Tribunal.
Art. 213. O extraditando permanecerá na prisão, à disposição
do Tribunal, até o julgamento final.
Art. 214 No processo de extradição, não se suspende no
recesso e nas férias o prazo fixado por lei para o cumprimento de
diligência determinada pelo Relator ou pelo Tribunal.
Caso seja negada a extradição, não se admitirá novo pedido com base
nos mesmo fato. Em caso de deferimento do pedido de extradição, será
publicado o referido acórdão no Diário Oficial da União. Após a publicação será
o fato comunicado por intermédio do Ministério das Relações Exteriores à
missão diplomática do Estado requerente, que, no prazo de sessenta dias da
comunicação, deverá retirar o extraditando do território nacional.
Se o Estado requerente não retirar o extraditando do território nacional
no prazo já citado, ele será posto em liberdade sem prejuízo de responder a
processo de expulsão, se o motivo da extradição recomendar.
É importante mencionar que quando mais de um Estado requerer a
extradição da mesma pessoa, pelo mesmo fato, terá preferência o pedido
daquele em cujo território a infração foi cometida. Quando se tratar de crimes
diversos, terão preferência, sucessivamente: I – o Estado requerente em cujo
território haja sido cometido o crime mais grave, segundo a lei brasileira; II – o
que em primeiro lugar houver pedido a entrega do extraditando, se a gravidade
dos crimes for idêntica; III – o Estado de origem, ou, na sua falta, o domiciliar
do extraditando, se os pedidos forem simultâneos.
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5. CONCLUSÃO
A presença do estrangeiro em qualquer país é, na maioria das vezes
cercada de desconfianças e indagações. Como qualquer nacional, está o
estrangeiro sujeito a todo tipo de situação adversa e, ao longo da estória da
humanidade, sempre foi tratado de forma diferente e preconceituosa.
Inicialmente, numa análise histórica da criminologia constatou-se que o
ser humano, esteve agrupado desde sempre e portanto, obedecendo regras de
convívio. Tais regras nada mais eram que o próprio exercício do Direito, que
com o passar do tempo, aperfeiçoou-se com a própria idéia de Estado. Assim
também se deu a evolução da criminologia e do fenômeno punitivo.
Para explicar tais fenômenos, inúmeras teorias surgiram e, de algumas
delas, nos valemos para explicar a relação do estrangeiro com a delinqüência.
Abordou-se a teoria biológica, a psicológica e a sociológica,
encontrando-se na teoria do labbeling approach ou do etiquetamento a que
melhor explicou a dinâmica dos fatos que envolvem a delinqüência do
estrangeiro.
Os estrangeiros encarcerados estão presentes em todas as unidades
federativas do país, sendo em maior número no Sudeste e nos estados
fronteiriços. A superpopulação carcerária, fato que deveria preocupar as
autoridades da área de Segurança Pública, em especial, tem agravado ainda
mais os conflitos e as dificuldades enfrentadas por esse grupo de presos.
Quando ouvidos, expressam insatisfação com as condições físicas dos
estabelecimentos, as barreiras lingüísticas, a dificuldade de compreensão das
normas e regulamentos carcerários, a falta de assistência jurídica e
diplomática, o isolamento, à distância da família, a cultura, entre outros.
Além de todos esses problemas, ainda há a dificuldade de acesso aos
direitos prisionais, como por exemplo, a progressão de regime, tendo em vista
o entendimento predominante acerca de sua situação irregular no país.
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Concluiu-se que ao forasteiro estrangeiro, é negado os direitos prisionais
consagrados em nossa legislação, sendo a transferência de presos a melhor
solução para o preso estrangeiro, que seria enviado ao seu país de origem,
para o prosseguimento da execução penal ou a conversão da condenação.
Mostrou-se que as transferências ocorrem através de tratados firmados
entre o Brasil e outros países, beneficiando assim a estrangeiros presos no
Brasil (transferência passiva) e a brasileiros presos em outros países
(transferência ativa).
Ressaltou-se que a transferência não deve ser confundida com outros
institutos, tais como, deportação, expulsão ou extradição. O primeiro cuida do
estrangeiro em situação irregular no país, que posteriormente não estará
impedido de retornar ao Brasil; o segundo, aplica-se a estrangeiros
considerados nocivos ou indesejáveis ao convívio social, é ato discricionário
político-administrativo, e finalmente o terceiro, a extradição, preocupa-se com a
entrega do estrangeiro que cometeu crime ao Estado que o reclama e que é
competente para processá-lo e puni-lo.
Finalmente, o que se constatou foram as difíceis condições vividas e
enfrentadas pelo preso estrangeiro no sistema prisional brasileiro. O
entendimento jurisprudencial a cerca dos direitos do preso estrangeiro o
desfavorece, negando-lhe igualdade em relação aos encarcerados brasileiros e
ferindo o princípio da isonomia entre os que estão em iguais condições
jurídicas.
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