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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
FACULDADE INTEGRADA AVM
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
A INFLUÊNCIA DO LAICISMO NO DIREITO BRASILEIRO
por
JULIO CESAR TEIXEIRA JUNIOR
Rio de Janeiro
2012
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
FACULDADE INTEGRADA AVM
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
A INFLUÊNCIA DO LAICISMO NO DIREITO BRASILEIRO
por
JULIO CESAR TEIXEIRA JUNIOR
Monografia apresentada à Universidade Candido Mendes como requisito parcial para obtenção do especialista em Direito Público e Tributário.
Professor-Orientador: Anselmo Souza
Rio de Janeiro 2012
AGRADECIMENTOS
À glória do Grande Arquiteto do Universo que continua a nos prodigalizar Seus benefícios e a aumentar a nossa força enriquecendo as nossas vidas hosanas e graças.
Agradeço aos meus pais, Julio e Marina, cujo impulso dele fez-me caminhar, apesar das agruras do caminho, e a ela cuja doçura tornou tudo mais fácil e recompensador.
Agradeço, ainda, ao corpo docente da UCAM, que tão bem souberam repassar seus saberes, contribuindo para meu aperfeiçoamento profissional, especialmente ao meu orientador Anselmo que, através de seu espírito realmente docente, foi grande facilitador deste processo.
DEDICATÓRIA
À minha esposa, Ellen, parceira e companheira em todas as ocasiões, pela compreensão e apoio nas tarefas nos momentos em que o esposo e pai desaparecia para dar lugar ao aluno. Sem ela, sem seu incentivo, este trabalho seria impossível.
À minha filha, Julia, fonte maior de incentivo para meu crescimento social e espiritual.
RESUMO
Este trabalho versa sobre o laicismo, que surge como antítese, se
torna falho por ser extremado e não permitir que as influências positivas da
religião continuem se manifestando em nossa sociedade. Sendo assim, o
objetivo foi demonstrar que a laicidade, que surge como síntese, é
provavelmente a melhor opção a ser adotada no futuro da humanidade. Ela
permite que as relações públicas e privadas sejam guiadas de forma secular,
mas sempre a tolerância e o respeito pela liberdade religiosa são conservados.
Não podemos permitir, portanto, que entre homens e mulheres, e a
inclusão social de diferentes grupos minoritários religiosos não tenham a
liberdade de praticar rituais próprios. Existem, porém temáticas mais delicadas
que são a predileção estatal a determinados dogmas e a subvenção deles
através de subsídios do erário, ou prejuízos por meio de políticas fiscais
permissivas.
METODOLOGIA
A pesquisa buscou estabelecer uma resposta e, para tanto, se
utilizou acervo bibliográfico aproximando-se de autores que dissertam sobre a
estrutura do Estado, liberdade fiscal e laicismo no Estado. A coleta desse
material foi realizada mediante visitação à Biblioteca Nacional sem, no entanto,
negligenciar a rede mundial de computadores na qual se buscou material,
através de indicadores como laicismo, privilégios fiscais, Estado e religião. De
posse deste material, foi realizada leitura seletiva, retendo informações
pertinentes ao tema proposto, as quais serviram de suporte aos capítulos do
presente trabalho.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 8 CAPÍTULO I 10 BREVES CONSIDERAÇÕES DA INFLUÊNCIA RELIGIOSA NO ESTADO BRASILEIRO
10
CAPÍTULO II 18 LAICISMO: PANORAMA DAS LUTAS DA SOCIEDADE PARA DESVENCILHAR O ESTADO DA IGREJA
18
CAPÍTULO III 33 OS DIREITOS HUMANOS CONTEMPORÂNEOS NO LAICISMO 33 CAPÍTULO IV 53 A IDEIA DE LIBERDADE NO ESTADO PATRIMONIAL E NO ESTADO FISCAL
53
CONCLUSÃO 64 BIBLIOGRAFIA
66
WEBGRAFIA
68
ÍNDICE
69
8
INTRODUÇÃO
Atualmente, temos um mundo dinâmico cheio de mudanças para
serem conduzidas e administradas pelo Estado Social, enfim todos aqueles
que têm relacionamento direto e/ou indireto com o Estado têm direito a uma
contraprestação tal qual nos ensinou Thomas Hobbes através da figura do
Leviatã.
Dentre todas as obrigações que temos para com o Estado está o
dever de pagar tributos, que têm como papel fundamental, visar à consecução
de obras, prestação de serviços e bem estar social, pois sem ele o Estado, não
teria por si só recursos para atingir tais finalidades. O tributo é o dever
fundamental, consistente em prestação pecuniária, que limitado pelas
liberdades fundamentais sob a diretiva dos princípios constitucionais da
capacidade contributiva, do custo benefício ou da solidariedade do grupo e com
a finalidade principal ou acessória de obtenção de receita para as
necessidades ou para atividades protegidas pelo Estado, é exigido de quem
tenha realizado o descritivo em lei elaborada de acordo com a competência
específica outorgada pela Constituição.
Antigamente a Religião e o Estado formavam uma instituição
homogênea, haja vista, o faraó egípcio, antes de ser chefe de Estado era
cultuado como uma divindade. A Religião dominava o Estado, pois ela escolhia
os seus representantes. Essa estrutura foi válida até o momento em que
eclodiu a Revolução Francesa, no século XVIII, foram várias as demonstrações
de descristianização, e o homem passou a utilizar-se da razão. Nesta esteira,
mesmo sob a forte influência da instituição Igreja no Brasil, a sua
desvinculação com o Estado ocorreu a partir da Proclamação da República.
Mesmo assim, ainda há resquícios fortes dessa herança, provando
que a profunda influência religiosa atinge as decisões dos três poderes que, em
tese, deveriam se mantiver neutro em relação às questões religiosas.
9
Talvez dentre esses resquícios de influência possamos apontar o
tratamento diferenciado dado as Igrejas que sob o pálio de “proteger o
princípios da liberdade de credo” concede privilégios fiscais que contrariam o
princípio de isonomia fiscal. É importante ressaltar que a religião é de ordem
privada, e sendo o Estado laico, os indivíduos têm o direito agirem, não
precisando se submeter à religiosidade de uma parcela dos cidadãos e nem
usar como argumento “Deus” para obter benefícios em detrimento de obrigação
a todos imposta.
Anteriormente, na história da tributação, os homens de determinada
posição social, a Igreja e o clero não pagavam tributos restando ao povo o
ônus de manter a maquina estatal. Essas práticas, entre outras, ensejaram a
Revolução Francesa, o modelo moderno de gestão do estado, tem que definir a
sua justiça fiscal organizando, valorizando principalmente seus valores de
igualdade, capacidade contributiva.
Por isso da importância de verificarmos se laicismo no Brasil está
sendo bem gerido na questão tributária, a fim de tornar a arrecadação mais
justa e para propiciar o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e
igualitária.
10
CAPÍTULO I BREVES CONSIDERAÇÕES DA INFLUÊNCIA
RELIGIOSA NO ESTADO BRASILEIRO
A necessidade de convivência social é uma realidade humana. A
religiosidade é uma das expressões da cultura que dá sentido à existência na
vida social. O diálogo entre as diversas expressões religiosas é um desafio
entre os humanos. As diversas tensões históricas entre os povos encontram
fundamentos na leitura religiosa que caracteriza a materialização da ação
religiosa, configurando o que chamamos de Igreja. (SÃO BERNARDO e
VIEIRA, 2010).
A organização de leis espirituais em preceitos normativos, sistemas
rígidos de conduta social têm proporcionado a construção de instituições que
muito tem significado para a história das civilizações. Todavia, valores que
subsidiam modelos políticos totalitários impõem relações que fundamentam a
realização material e a realização espiritual para derrotar e construir governos.
Hoje no Brasil, têm aparecido frequentes queixas contra
organizações religiosas de conteúdo dogmático/religioso para macular outras
organizações religiosas. Estas queixas estão associadas à inferiorizações,
conformando também a prática de um racismo difuso, como entende o artigo
20 da lei nº 7.716/89 que assevera tal conduta como impeditiva na sociedade
brasileira. A legislação pátria pune a prática de "curandeirismo" prevista no art.
284 do Código Penal, mas que está associada ainda a certa intolerância
quanto ás religiões de matriz africana no Brasil.
A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), os
evangélicos, os religiosos de matriz africana, os ciganos têm protagonizado um
intenso debate sobre o perigo destas práticas que podem resultar em conflitos
civis com forte repercussão na ordem pública, já que diversas organizações
vítimas dos ataques mencionados têm feito manifestações públicas contra tais
atos. O Estado brasileiro vem produzindo políticas públicas de promoção de
igualdade e de reconhecimento legal de populações vulneráveis á realização
11
formal do princípio da equidade, como por exemplo, os decretos: nº
6.872/2009, que aprova o Plano Nacional de Programação da Igualdade Racial
- Planapir, e institui o seu comitê de articulação e monitoramento; nº
6.040/2007 que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos
Povos e Comunidades Tradicionais; nº 4.886/2003, que institui a Política
Nacional de Promoção da Igualdade Racial - PNPIR e dá outras providências;
nº 4.887/2003 que regulamenta o procedimento para identificação,
reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por
remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias; as leis de nº 10.639/2003,
alterada pela lei de nº 11. 645/2008 que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena; a
Portaria do Ministério da Saúde nº 922 que institui a Política Nacional de Saúde
da População Negra com a valorização do saber popular da medicina de matriz
africana como política de equidade no sistema único de saúde." (SÃO
BERNARDO e VIEIRA, 2010).
Neste sentido, com a proposição deste conjunto de políticas públicas
o Direito passa a ter como fonte normativa as características culturais e
históricas de um povo brasileiro permitindo uma mudança de paradigmas na
compreensão do que venha ser concretização da justiça social neste país. No
que tange ao direito da liberdade de manifestação religiosa, este é
essencialmente um direito subjetivo, que encontra dificuldades concretas
quando a intolerância e o desrespeito afetam as religiões dos grupos sociais
minoritários, principalmente os de matriz africana. (SÃO BERNARDO e
VIEIRA, 2010).
O Brasil já possui normas jurídicas que visam punir a intolerância
religiosa. A lei nº 7.716/1989, alterada pela lei nº 9.459/1997, considera crime a
prática de discriminação ou preconceito contra religiões. Em tal lei, são
considerados crimes de discriminação ou preconceito contra religiões as
práticas prescritas nos seguintes artigos: art. 3º "Impedir ou obstar o acesso de
alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou
Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos", art. 4º "Negar
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ou obstar emprego em empresa privada", art. 5º "Recusar ou impedir acesso a
estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou
comprador", art. 6º "Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno
em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau", art. 7º
"Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem, ou
qualquer estabelecimento similar", art. 8º "Impedir o acesso ou recusar
atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes
abertos ao público", art. 9º "Impedir o acesso ou recusar atendimento em
estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao
público", art. 10º "Impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de
cabelereiros, barbearias, termas ou casas de massagem ou estabelecimento
com as mesmas finalidades", art. 11º "Impedir o acesso às entradas sociais em
edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos
mesmos", art. 12 "Impedir o acesso ou uso de transportes públicos, como
aviões, navios barcas, barcos, ônibus, trens, metrô ou qualquer outro meio de
transporte concedido", art. 13 "Impedir ou obstar o acesso de alguém ao
serviço em qualquer ramo das Forças Armadas", art. 14 "Impedir ou obstar, por
qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar e social", art. 20
"Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou procedência nacional", e, art. 20, §1º, "Fabricar, comercializar,
distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou
propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do
nazismo".
Punição a incitações a violência, como agressões ou até mesmo
homicídios, por motivos religiosos ou não, estão previstos no Código Penal
brasileiro. Essa legislação (lei nº 7.716/89) também não retira o direito à crítica
que os seguidores de uma denominação religiosa (ou mesmo quem não segue
uma) podem fazer aos de outra. Isso está garantido na Constituição Federal do
Brasil de 1988, pela Cláusula democrática, presente no art. 1º "A República
Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito", pelo art.
5º, IV "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato", pelo
art. 5º, VI, "é inviolável a liberdade de consciência e de crença", pelo art. 5º,
13
VIII, "ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação
legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em
lei", e pelo art. 5º, IX, "é livre a expressão da atividade intelectual, artística,
científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença".
Como marco legal para discutir Estado e Religião a vigente
Constituição Federal de 1988 traz em seu texto o artigo 19 "é vedado a União,
aos Estados, ao Distrito Federal, e aos municípios: I - Estabelecer cultos
religiosos subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com
eles ou seus representantes relações de dependência, aliança, ressalvada na
forma da lei, a colaboração de interesse público.”.
Desde 1890 o país deixou de ter uma religião oficial para expressar-
se livremente no contexto religioso, com a mais ampla liberdade de consciência
e crença nos ideais outorgados pelo ilustre jurista Rui Barbosa. A partir da
separação Igreja/Estado, o Brasil tornou-se laico, desamordaçando as demais
religiões e credos que, até então, viviam mudos. O Brasil estabeleceu-se sobre
o princípio da laicidade, permitindo que expressões religiosas pudessem ter
vez e, por conseguinte, expressar seus princípios e fundamentos ao povo
brasileiro. O Estado Democrático de Direito também permite esta compreensão
da laicidade do Estado brasileiro e da isonomia do tratamento que deve ser
dispensado às religiões de diversas matizes no país, no entanto o Brasil ainda
deixa transparecer as marcas de uma presença secular colonizadora e
autoritária, sobretudo, das religiões de origem cristã sobre os povos indígenas
e negros, principalmente, que afetam seu processo de autoconhecimento com
suas raízes históricas e identitárias. (SÃO BERNARDO e VIEIRA, 2010).
Por força do art. 5º, § 2º, "Os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do
Brasil seja parte". Neste diapasão, Tratados e Convenções Internacionais
através de seus enunciados preceituam a garantia do direito a liberdade de
crença e culto religioso. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de
1978 prescreve em seu art. 10 "ninguém deve ser molestado por suas opiniões,
mesmo religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública
14
estabelecida pela lei"; a Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948
preceitua no art. XVIII que "toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento,
consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou
crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela
prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou
em particular"; O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, art. 18.1
"Toda pessoa terá direito à liberdade de pensamento, de consciência e de
religião." Esse direito implicará a liberdade de ter ou adotar uma religião ou
crença de sua escolha e a liberdade de professar sua religião ou crença,
individual ou coletivamente, tanto publica quanto privadamente, por meio de
culto, da celebração de ritos, de práticas do ensino; Ademais, ainda temos o
Programa Nacional dos Direitos Humanos que através de sua proposta 110
visa prevenir e combater a intolerância religiosa no que diz respeito a religiões
minoritárias cultos afro-brasileiros. (SÃO BERNARDO e VIEIRA, 2010;
HITCHENS, 2007).
A necessidade que se tinha até a década de 70 de que os terreiros
de candomblé, templos religiosos, obtivessem autorização mediante as
delegacias do Estado da Bahia para realizar seus cultos religiosos demonstra a
inconteste discriminação e criminalização do modo de vida dos
afrodescendentes que eram religiosos. O tratamento diferente dispensado as
religiões de matriz africana neste caso demonstra uma explícita forma de
discriminação negativa, e uma aplicação lesiva do princípio da igualdade
jurídica. Hoje, ainda permanecem as sequelas desta privação dos direitos
fundamentais, haja vista o preconceito advindo da opinião pública que
transparece um entendimento ignorante sobre as religiões de matriz africana.
Pode-se dizer que daí se multiplica os diversos casos de intolerância religiosa
pelo país. (SÃO BERNARDO e VIEIRA, 2010).
Alguns casos são emblemáticos na luta contra a tolerância religiosa
em todo o país. No Estado da Bahia - que possui 1.236 Terreiros de
Candomblé catalogados pela Secretaria Municipal da Reparação. (SÃO
BERNARDO e VIEIRA, 2010).
São Bernardo e Vieira (2010) relatam que se tem registrado pela
imprensa que, em Salvador, no ano de 1999, Mãe Gilda, a Iyalorixá do Terreiro
15
Ilê Axé Abassá de Ogum, faleceu, ela tinha a saúde fragilizada e piorou quando
viu a sua foto publicada no jornal da Igreja Universal do Reino de Deus
vinculada a uma reportagem sobre charlatanismo que continha os seguintes
dizeres "Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes". No
intuito de obter justiça a sua filha e atual Iyalorixá da casa, Jaciara Ribeiro dos
Santos moveu uma ação fundada em danos morais e no uso indevido da
imagem. Neste caso, a justiça dos homens prevaleceu na primeira e segunda
instância na esfera do Poder Judiciário condenando a Igreja Universal do Reino
de Deus, mas a condenada ainda recorre da decisão. (SÃO BERNARDO e
VIEIRA, 2010).
Ainda, relatando um caso em Salvador na Bahia, o terreiro
OyáOnipó Neto, da Iyalorixá Rosalice do Amor Divino, em fevereiro de 2008 foi
demolido por um órgão municipal público, a Superintendência de Controle e
Ordenamento do Uso do Solo do Município (SUCOM), por denúncia de
moradores vizinhos do templo religioso baseados no fato de que a casa fora
construída de forma irregular. O Estado do Rio de Janeiro, assim como a
cidade de Salvador, estabeleceram o dia 21 de janeiro - dia de falecimento da
Iyalorixá Gilda - como o Dia do Combate à Intolerância Religiosa. Além de
Salvador e do Rio de Janeiro, o município de Vitória e o Estado de Alagoas
também tem um dia contra a intolerância religiosa e outras câmaras municipais
possuem projetos de leis sobre o assunto em tramitação. (SÃO BERNARDO e
VIEIRA, 2010).
As estatísticas de crimes de intolerância religiosa vão além destes
casos citados, elas estão ocultas, justamente pela invisibilidade e opressão
histórica que sofreu os grupos étnicos sociais minoritários - negros, índios,
povos ciganos, quilombolas, etc. - no que diz respeito à ocupação dos espaços
de poder e decisão política, mas consideravelmente em grande número pela
estatística populacional, muito embora o IBGE ainda não possua a
classificação religiões de matriz africana nas pesquisas do CENSO. A história
da intolerância religiosa no Brasil é marcada não só por estes fatos e relatos,
mas também por tantos outros tantos anônimos. A partir de uma retrospectiva
na história do Brasil, São Bernardo e Vieira (2010) levantam teorias racistas
que tiveram ampla aceitação pela sociedade, no que tange à comunidade
16
judaica, e também a população negra e indígena pelo fato de o país concentrar
um grande contingente destas populações. A perseguição aos judeus, às
limitações da política imigratória brasileira, as várias formas de manifestação
do preconceito, parte da classe política aproveitava o ensejo para pôr em
prática seus preconceitos e dessa maneira auxiliar o então presidente Getúlio
Vargas na confecção de uma legislação imigratória nitidamente racista em
relação ao judeu e ao japonês.
Assim como ainda hoje, as religiões de matriz africana sofrem pala
tarja de cultuar "magia negra", o judaísmo era visto como um mal diabólico que
desce sobre a humanidade para seduzi-la e vencê-la. Os templos religiosos de
matriz africana se constituem como territórios históricos com total presunção de
resistência da ancestralidade afrodescendente, de tal modo que o Decreto
Federal de nº 4.887/2003 trouxe o conceito de auto-atribuição para definir as
comunidades remanescentes de quilombo, por exemplo. Estes argumentos
aqui descritos contribuem para justificação da criação de um plano nacional de
intolerância religiosa, haja vista que se trata do mesmo povo brasileiro que vem
historicamente sendo perseguido pelo seu modo de existir e viver. (HITCHENS,
2007; SÃO BERNARDO e VIEIRA, 2010).
A cooperação entre os Estados da República Federativa do Brasil
deve prevalecer nas esferas de gestão de modo a perseguir os princípios da
administração pública nos meios de comunicação, na rede pública de ensino,
na concepção do plano plurianual (PPA) e da Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO), no poder judiciário, e demais setores que dialogam com os casos de
intolerância religiosa. Neste caminho deve ser construído um texto legal que
venha contemplar aquilo já consagrado na carta constitucional em que
assegura a laicidade, a isonomia e a pluralidade de tratamento entre as
expressões de fé e consciência. (SÃO BERNARDO e VIEIRA, 2010).
O direito à liberdade de consciência, de credo e o livre exercício dos
cultos religiosos para que sejam efetivamente assegurados, necessita de
proteção legal e de uma atitude do Estado ao reconhecer o caráter multicultural
da sociedade brasileira. Não há como conceber o mundo da religião restrito ao
mundo do privado. Do mesmo modo, não há como conceber o mundo da
política sem as devidas unidades de interesses próprios de cada manifestação
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religiosa e entendê-las como depositárias de princípios, costumes e sistemas
de crenças motivadores de sua condição coletiva. (SÃO BERNARDO e
VIEIRA, 2010).
Como o Estado Brasileiro deve lidar com os conflitos sociais que tem
a religiosidade como pano de fundo no Direito? A liberdade de manifestação
religiosa inclui aspectos sociais de convivência com a diferença e com as
normas que o Estado impõe para assegurar estas diferenças. Portanto, faz-se
necessário uma política pública que colabore para concretizar a pluralidade de
manifestações religiosas, a partir do princípio da isonomia e da justiça social.
(REALE, 2002).
18
CAPÍTULO II LAICISMO: PANORAMA DAS LUTAS DA SOCIEDADE
PARA DESVENCILHAR O ESTADO DA IGREJA
2.1 Conceituação do Estado laico
Conforme Bicudo (2011) quando a sociedade buscou desvencilhar-
se da hegemonia da Igreja na organização do Estado, tivemos tensões entre o
poder dos reis e o do clero, ao invés de uma sociedade voltada para a paz,
perseguições que em nada diferiam das em que se empenharam setores das
Igrejas católica ou reformadas, na eliminação de quantos discordavam daquilo
que importava na manutenção de um status quo que se queria paralisado no
tempo. Num e noutro caso, afastava-se o povo de qualquer participação na
organização do Estado.
Esses embates foram permitindo o surgimento de uma consciência
cidadã que tinha em mira uma verdadeira participação do povo na condução
pública de seus problemas. Reconheceu-se, então, o papel que as religiões
tiveram no aperfeiçoamento da pessoa humana. É a partir daí que podemos
ver, nas Constituições políticas dos Estados democráticos, que essa
importantíssima contribuição das Igrejas cristãs foi contemplada em
dispositivos que desenham os direitos fundamentais do homem e determinam
os objetivos do Estado. (BICUDO, 2011).
Os direitos da pessoa humana, geralmente ignorados nas antigas
civilizações, somente começaram a ser valorizados através do ministério de
Jesus Cristo. Amai-vos uns aos outros é a pedra de toque dos Direitos
Humanos. Sobretudo, deve-se ter em consideração que o Estado laico, que
advém de todas essas lutas e que encontrou sua melhor definição no
Iluminismo, não pode ser entendido como o Estado ateu que, como aconteceu
no Estado totalitário, seja de esquerda, seja de direita, adota a ratio política da
negativa de Deus. O Estado laico é o Estado que se estrutura segundo normas
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que, embora não tenham qualificativos religiosos, não podem negar a sua
origem nas palavras e escritos que, como vimos, têm seus princípios no
Ministério de Cristo. (HARRIS, 2007).
A doutrina social da Igreja, as intervenções dos últimos Papas perante os problemas concretos contemporâneos, o Concilio Vaticano II, a ação dos bispos e as iniciativas de diversos grupos e comunidades revelam o reencontro do catolicismo com os direitos e liberdades fundamentais. As Constituições brasileiras, editadas a partir da Primeira República, recolheram, no tocante à estrutura organizatória da República, as ideias do liberalismo positivista. Um dos pontos considerados fundamentais no programa político então aconselhado se constituía na defesa de uma república laica e democrática. (BICUDO, 2011, p.2).
O laicismo, produto de uma visão individualista e racionalista,
desdobra-se em vários postulados como, entre outros, a separação entre o
Estado e a Igreja. Mas contempla também a igualdade e a liberdade de cultos e
a laicização do ensino. Relativamente à autoridade política, a religião deixa de
ser um tema público para se enquadrar na esfera dos assuntos privados, a não
ser quanto à vigilância da própria liberdade religiosa. Assim, de acordo com
Bicudo (2011) uma sociedade politicamente democrática, assente no
relativismo político, postula também uma sociedade religiosamente liberal,
tolerante para com todos os credos, aceites e praticados pelos cidadãos.
Não obstante, é preciso acentuar que, a despeito da coincidência no essencial entre a visão cristã das relações da pessoa com o poder público e o propósito de garantia dos direitos do homem, foi patente nos séculos XVIII e XIX, o grave conflito que opôs os defensores desse propósito e a Igreja católica. O conflito adveio de certas circunstâncias históricas, identificáveis no enciclopedismo e nas fundamentações nominalistas e laicistas dos direitos naturais, invioláveis e sagrados, no modo revolucionário como o liberalismo se implantou na Europa e na inserção constantiniana da Igreja desse tempo. (BICUDO, 2011, p.3).
Contudo, essas tensões iriam desaparecer ou atenuar-se, na medida
em que essas circunstâncias iam sendo ultrapassadas e que os direitos do
homem e as correspondentes instituições jurídico-objetivas adquiriam
dinamismo próprio e, por outro lado, segundo o que também a Igreja procurava
20
libertar-se, ou seja, das amarras do poder e abrir-se em missão cada vez mais
para o mundo. A doutrina social da Igreja, as intervenções dos últimos Papas
sobre os problemas concretos contemporâneos, o Concílio Vaticano II, as
ações dos bispos e as iniciativas de diversas comunidades revelam o
reencontro dos católicos com os direitos e liberdades fundamentais, assim
como importantes contribuições para a mudança de mentalidades e de
estruturas em numerosos países, sobretudo na América Latina. (HARRIS,
2007).
Muito embora esses princípios se encontrem inscritos nos primeiros
artigos da Constituição de 1988, chamada a Constituição Cidadã, como se vê
dos fundamentos sobre os quais se assenta a República (arts. 1º e 2º), de seus
objetivos fundamentais (art. 3º) e dos princípios que regem suas relações
internacionais (art. 4º) e do rol dos direitos e garantias fundamentais (art. 5º),
muitas vezes temos resvalado para um anticlericalismo sectário, alimentado
pelo Poder Executivo e que encontra ressonância no Parlamento e até mesmo
em nossos tribunais superiores. Tomando como exemplo o direito à vida,
porque dele decorrem todos os demais, a Constituição de 1988 é enfática ao
afirmar a sua inviolabilidade (art. 5º). No entanto, são recorrentes as iniciativas,
muitas delas de inspiração do próprio Poder Executivo, mediante propostas de
seus ministérios ou secretarias respaldadas em resoluções adotadas nos
encontros promovidos pelo Partido dos Trabalhadores. Por outro lado, a Igreja
se vê tolhida na sua atuação em defesa da vida, sendo pura e simplesmente
impedida de contribuir, com sua experiência milenar, para um entendimento
compatível com as imposições do tempo sem, contudo, deixar de lembrar a
relevância da existência humana no plano universal. (BICUDO, 2011).
É sabido como, no Congresso Nacional, se organizam as comissões especiais para o estudo e a apresentação de propostas a serem apreciadas pelos plenários da Câmara de Deputados ou do Senado Federal. Se a intenção é a de aprovar determinada matéria, os membros dessas comissões são escolhidos a dedo. Reservam-se alguns assentos àqueles que possam ser contrários, para dar a impressão de que se preserva o direito de participação. A esse respeito, um pesquisador poderá levantar nos arquivos do Parlamento brasileiro inúmeros exemplos. Vai daí ser plenamente justificável o temor de representantes da Igreja católica relativamente à aprovação de projetos que objetivam
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descriminalizar o aborto ou conceder amparo legal à união de pessoas do mesmo sexo. (BICUDO, 2011, p.2).
Ora, o direito à vida vem explicitamente contemplado no mencionado
art. 5º da Constituição Federal, considerado o direito do qual todos os outros
decorrem. Tenha-se, ainda, em atenção que são considerados direitos
fundamentais, na forma do mesmo art. 5º, “os direitos e garantias expressos
nesta Constituição que não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte”. Pois bem, o Estado brasileiro ratificou em 1992
a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, subscrita em San Jose da
Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, ressalvando, entretanto, o
reconhecimento da competência jurisdicional da Corte Interamericana de
Direitos Humanos, ressalva essa tornada sem efeito em 10 de dezembro de
1998, quando aquele tratado passou a sujeitar o Brasil em todos os seus
termos. (BICUDO, 2011).
Estabelece a Convenção Americana, em seu art. 4º, n. 1, que toda
pessoa tem direito a que se respeite sua vida. Este direito estará protegido pela
lei e, em geral, a partir da concepção. Ninguém pode ser privado da vida
arbitrariamente. Trata-se de norma que se insere, nos termos do § 2º do art. 5º,
já citado, no rol dos direitos e garantias individuais enunciados pela
Constituição brasileira. E, como tal, não pode ser alterado ou tornado sem
efeito, sequer por emenda constitucional. É uma das chamadas cláusulas
pétreas, que não podem ser alteradas. Aliás, a emenda constitucional que
pretendeu realizar a reforma do Poder Judiciário, mas que não passou de leve
maquiagem, estabelecendo que os tratados de Direitos Humanos para
ganharem o status constitucional devem ser submetidos a processo idêntico
àqueles a que se submetem os projetos de emenda constitucional. (BICUDO,
2011).
Esse dispositivo mostra, claramente, que se trata de novos tratados,
pois os anteriores, editados na versão do § 2º, já se arrolaram dentre os
direitos fundamentais, desde que ratificados pelo Congresso Nacional. Com o
novo dispositivo os atuais legisladores quiseram dificultar a passagem de um
tratado de direitos humanos para o rol dos direitos fundamentais, o que importa
22
em concluir que o Estado brasileiro foge de suas responsabilidades
internacionais. Se assim é, e sem dúvida o é, não pode ser revogado ou
alterado o disposto no art. 4º, n. 1, da Convenção Americana, já incorporado na
Constituição Federal. E não pode, porque diz a Constituição, em seu art. 60,
§4º, que não será objeto de deliberação a proposta de emenda constitucional
tendente a abolir: IV – os direitos e garantias individuais. Em remate, o
Congresso, pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, rejeitará, in
limine, proposta de emenda tendente a abolir direitos e garantias individuais.
Basta que haja a intenção apreendida, no sentido de abolir um direito, para
que, sequer, seja objeto de deliberação. (BICUDO, 2011).
Uma proposta nesse sentido, acaso não seja rejeitada in limine, pode suscitar o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, I, “a”, c/c. art. 103, IX, ambos da Constituição Federal. Os mesmos argumentos valem para a pretensão de legalizar a união de pessoas do mesmo sexo que, segundo já foi exposto, importa em atentado indireto ao direito à vida. Chegados a este ponto, convém indagar quais os instrumentos legais para se obter, mediante a imposição do cumprimento de obrigações internacionais livremente assumidas, uma vez esgotados os recursos que objetivam sua defesa, a participação dos cidadãos na defesa dos direitos fundamentais. (BICUDO, 2011, p.3).
Contudo, hoje em dia, não obstante, no caso brasileiro, a
Constituição vigente tenha adotado como um dos fundamentos do Estado a
dignidade da pessoa humana (art.1º, III), que entre seus objetivos
fundamentais estejam o de construir uma sociedade livre, justa e solidária e de
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, I e IV), o que revela a força
do fermento cristão, a Igreja Católica vem sendo objeto de discriminações que
se refletem em posições e atitudes adotadas pelo Governo brasileiro, muitas
vezes acoroçoadas pelas manipulações dos meios de comunicação de
massas. É nessa linha que prevalecem as ideias da chamada legalização do
aborto e do casamento de pessoas do mesmo sexo. E procuram impor,
mediante apelos a alegados direitos reprodutivos que permitem à mulher livrar-
se de filhos indesejados ou de pseudodireitos à constituição de famílias,
segundo concepções incompatíveis com o próprio direito natural. Se a Igreja ou
23
quaisquer pessoas se voltam contra essas pretensões que, ao contrário de se
constituírem em princípios para uma vida digna e construtiva da sociedade
humana, comprometem-na desde que desprezam a preservação da vida e a
base da comunidade humana que é a Família, são discriminadas e qualificadas
de retrógradas. E o que é de pasmar, essa discriminação passa pelo
Congresso Nacional que, nos debates sobre o problema da vida – problema
ínsito na prática do aborto ou na legalização da união de homossexuais –
conforma suas comissões temáticas segundo imposições de aguerridas
organizações, sejam feministas, sejam quanto à instituição de "pseudofamílias".
E mais ainda. A Presidência da República permite e estimula a atuação, nos
ministérios da mulher e da discriminação racial, a apresentação, em nome do
Governo, de projetos que, não podendo alterar os termos da Constituição,
procuram solapar seus termos mediante normas infraconstitucionais que
legalizam, sob os mais variados pretextos, o aborto e a união de pessoas do
mesmo sexo. Esquecem, com isso, toda a tradição histórica que se alimentou
de lições da Igreja, de que o bem supremo a ser preservado em quaisquer
condições é o direito à vida, base e fundamento de todos os direitos. E está na
Constituição, em seu art. 5º, quando se assegura a inviolabilidade do direito à
vida. (BICUDO, 2011).
2.2 Crise do Homem Contemporâneo
As muitas crises que abalam o mundo hodierno - do Estado, da
família, da economia, da cultura etc. - não constituem senão múltiplos aspectos
de uma só crise fundamental, que tem como campo de ação o próprio homem.
Em outros termos, essas crises têm sua raiz nos problemas de alma mais
profundos, de onde se estendem para todos os aspectos da personalidade do
homem contemporâneo e todas as suas atividades. (HARRIS, 2007).
É fácil explicar a escolha do assunto. “Catolicismo” deve ser julgado
principalmente em função do fim que seu combate tem em vista. Ora, a quem,
precisamente, quer ele combater? É frequente encontrar refutações do
comunismo, do socialismo, do totalitarismo, do liberalismo, do liturgicismo, do
24
maritainismo, e de outros tantos “ismos”. Contudo, não se diria que temos tão
mais em vista um deles, que por aí nos pudéssemos definir. Por exemplo,
haveria exagero em afirmar que “Catolicismo” é uma folha especificamente
antiprotestante ou antissocialista. O estudo da Revolução e da Contra
Revolução excede de muito, em proveito, este objetivo limitado. Para
demonstrá-lo, basta lançar os olhos sobre o panorama religioso de nosso país.
(HARRIS, 2007).
Seguiu-se a Revolução Francesa, que foi o triunfo do igualitarismo
em dois campos. No campo religioso, sob a forma do ateísmo, especiosamente
rotulado de laicismo. E na esfera política pela falsa máxima de que toda a
desigualdade é uma injustiça, toda autoridade um perigo, e a liberdade o bem
supremo. O Comunismo é a transposição destas máximas para o campo social
e econômico. (HARRIS, 2007).
Este processo não deve ser visto como uma sequência toda fortuita
de causas e efeitos, que se foram sucedendo de modo inesperado. Já em seu
início possuía esta crise as energias necessárias para reduzir a atos todas as
suas potencialidades, que em nossos dias conserva bastante vivas para causar
por meio de supremas convulsões as destruições últimas que são seu termo
lógico. Influenciada e condicionada em sentidos diversos, por fatores
extrínsecos de toda ordem-culturais, sociais, econômicos, étnicos, geográficos
e outros - e seguindo por vezes caminhos bem sinuosos, vai ela, no entanto
progredindo incessantemente para seu trágico fim. (CIOTOLLA, 2010).
2.3. A Decadência da Idade Média
No século XIV começa a observar-se, na Europa cristã, uma
transformação de mentalidade que ao longo do século XV cresce cada vez
mais em nitidez. O apetite dos prazeres terrenos se vai transformando em
ânsia. As diversões se vão tornando mais frequentes e mais suntuosas. Os
homens se preocupam sempre mais com elas. Nos trajes, nas maneiras, na
linguagem, na literatura, na arte o anelo crescente por uma vida cheia de
deleites da fantasia e dos sentidos vai produzindo progressivas manifestações
25
de sensualidade e moleza. Há um paulatino de perecimento da seriedade da
austeridade dos antigos tempos. Tudo tende ao risonho, ao gracioso, ao
festivo. Os corações desprendem gradualmente do amor ao sacrifício, da
verdadeira devoção à Cruz, e das aspirações de santidade e vida eterna.
(DAWKINS, 2007).
A Cavalaria, outrora uma das mais altas expressões da austeridade
cristã torna amorosa e sentimental, a literatura de amor invade todos os países,
os excessos do luxo e consequente avidez de lucros se estendem por todas as
classes sociais. Tal clima moral, penetrando nas esferas intelectuais, produziu
claras manifestações de orgulho, como o gosto pelas disputas aparatosas e
vazias, pelas argúcias inconsistentes, pelas exibições fátuas de erudição, e
lisonjeou velhas tendências filosóficas, das quais triunfara Escolástica, e que já
agora, relaxado o antigo zelo pela integridade da Fé, renasciam em aspecto
novos. O absolutismo dos legistas, que se engalanavam com um conhecimento
vaidoso do Direito Romano, encontrou em Príncipes ambiciosos um eco
favorável. E pari passu foi-se extinguindo nos grandes e nos pequenos a fibra
de outrora para conter o poder real nos legítimos limites vigente nos dias de
São Luís de França e São Fernando de Castela. Este novo estado de alma
continha um desejo possante, se bem que mais ou menos inconfessado, de
uma ordem de coisas fundamentalmente diversa da que chegara a seu apogeu
nos séculos XII e XIII. (DAWKINS, 2007).
A admiração exagerada, e não raro delirante, pelo mundo antigo,
serviu como meio de expressão a esse desejo. Procurando muitas vezes não
colidir de frente com a velha tradição medieval, o Humanismo e a Renascença
tenderam a relegar a Igreja, o sobrenatural, os valores morais da Religião, a
um segundo plano. O tipo humano, inspirado nos moralistas pagãos, que
aqueles movimentos introduziram como ideal na Europa, bem como a cultura e
a civilização coerentes com este tipo humano, já eram os legítimos precursores
do homem ganancioso, sensual, laico e pragmático de nossos dias, da cultura
e da civilização materialistas em que cada vez mais vamos imergindo. Os
esforços por uma Renascença cristã não lograram esmagar em seu germe os
fatores de que resultou o triunfo paulatino do neopaganismo. Em algumas
partes da Europa, este se desenvolveu sem levar à apostasia formal.
26
Importantes resistências se lhe opuseram. E mesmo quando ele se instalava
nas almas, não lhes ousava pedir – de início pelo menos - uma formal ruptura
com a Fé. Mas em outros países ele investiu às escâncaras contra a Igreja. O
orgulho e a sensualidade, em cuja satisfação está o prazer da vida pagã,
suscitaram o protestantismo. (DAWKINS, 2007).
O orgulho deu origem ao espírito de dúvida, ao livre exame, à
interpretação naturalista da Escritura. Produziu ele a insurreição contra a
autoridade eclesiástica, expressa em todas as seitas pela negação do caráter
monárquico da Igreja Universal, isto é, pela revolta contra o Papado. Algumas,
mais radicais, negaram também o que se poderia chamar a alta aristocracia da
Igreja, ou seja, os Bispos, seus Príncipes. Outras ainda negaram o próprio
sacerdócio hierárquico, reduzindo-o a mera delegação do povo, único detentor
verdadeiro do poder sacerdotal. No plano moral, o triunfo da sensualidade no
protestantismo se afirmou pela supressão do celibato eclesiástico e pela
introdução do divórcio. A ação profunda do Humanismo e da Renascença entre
os católicos não cessou de se dilatar numa crescente cadeia de
consequências, em toda a França. Favorecida pelo enfraquecimento da
piedade dos fiéis - ocasionado pelo jansenismo e pelos outros fermentos que o
protestantismo do século XVI desgraçadamente deixara no Reino
Cristianíssimo - tal ação teve por efeito no século XVIII uma dissolução quase
geral dos costumes, um modo frívolo e brilhante de considerar as coisas, um
endeusamento da vida terrena, que preparou o campo para a vitória gradual da
irreligião. Dúvidas em relação à Igreja, negação da divindade de Cristo,
deísmo, ateísmo incipiente foram às etapas dessa apostasia. (HITCHENS,
2007).
Profundamente afim com o protestantismo, herdeira dele e do
neopaganismo renascentista, a Revolução Francesa realizou uma obra de todo
em todo simétrica à da Pseudo-Reforma. A Igreja Constitucional que ela, antes
de naufragar no deísmo e no ateísmo, tentou fundar, era uma adaptação da
Igreja da França ao espírito do protestantismo. E a obra política da Revolução
Francesa não foi senão a transposição, para o âmbito do Estado, da “reforma”
que as seitas protestantes mais radicais adotaram em matéria de organização
eclesiástica: (HITCHENS, 2007).
27
- Revolta contra o Rei, simétrica à revolta contra o Papa;
- Revolta da plebe contra os nobres, simétrica à revolta da “plebe”
eclesiástica, isto é, dos fiéis, contra a “aristocracia” da Igreja, isto é, o Clero;
- Afirmação da soberania popular, simétrica ao governo de certas
seitas, em medida maior ou menor, pelos fiéis. No protestantismo nasceram
algumas seitas que, transpondo diretamente suas tendências religiosas para o
campo político, prepararam o advento do espírito republicano. São Francisco
de Sales, no século XVII, premuniu contra estas tendências republicanas o
Duque de Sabóia.
Outras, indo mais longe, adotaram princípios que, se não se
chamarem comunistas em todo o sentido hodierno do termo, são pelo menos
pré-comunistas. (HITCHENS, 2007).
2.4. O comunismo de Marx
Da Revolução Francesa nasceu o movimento comunista de Babeuf.
E mais tarde, do espírito cada vez mais vivaz da Revolução, irromperam as
escolas do comunismo utópico do século XIX e o comunismo dito científico de
Marx. E o que de mais lógico? O deísmo tem como fruto normal o ateísmo. A
sensualidade, revoltada contra os frágeis obstáculos do divórcio, tende por si
mesma ao amor livre. O orgulho, inimigo de toda superioridade, haveria de
investir contra a última desigualdade, isto é, a de fortunas.
E assim, ébrio de sonhos de República Universal, de supressão de
toda autoridade eclesiástica ou civil, de abolição de qualquer Igreja e, depois
de uma ditadura operária de transição, também do próprio Estado, aí está o
neobárbaro do século XX, produto mais recente e mais extremado do processo
revolucionário. A fim de evitar qualquer equívoco, convém acentuar que esta
exposição não contém a afirmação de que a república é um regime político
necessariamente revolucionário. Leão XIII deixou claro, ao falar das diversas
formas de governo, que “cada uma delas é boa, desde que saiba caminhar
retamente para seu fim, a saber, o bem comum, para o qual a autoridade social
é constituída”. (MATHEUS, 2011).
28
Taxamos de revolucionária, isto sim, a hostilidade professada, por
princípio, contra a monarquia e a aristocracia, como sendo formas
essencialmente incompatíveis com a dignidade humana e a ordem normal das
coisas. É o erro condenado por São Pio X na Carta Apostólica “Notre Charge
Apostolique”, de 25 de agosto de 1910. Nela censura o grande e santo
Pontífice a tese do “Sillon”, de que “só a democracia inaugurará o reino da
perfeita justiça”, e exclama: “Não é isto uma injúria às outras formas de
governo, que são rebaixadas, por esse modo, à categoria de uma injúria às
outras formas de governo, que são rebaixadas, por esse modo, à categoria de
governos impotentes, aceitáveis à falta de melhor?”. Ora, sem este erro,
inviscerado no processo de que falamos não se explica inteiramente que a
monarquia, qualificada pelo Papa Pio VI como sendo em tese a melhor forma
de governo – praestantiorismonarchiciregiminis forma -, tenha sido objeto, nos
séculos XIX e XX, de um movimento mundial de hostilidade que deu por terra
com os tronos e as dinastias mais veneráveis.
A produção em série de repúblicas para o mundo inteiro é, a nosso
ver, um fruto típico da Revolução, e um aspecto capital dela. Não pode ser
taxado de revolucionário quem para sua Pátria, por razões concretas e locais,
ressalvados sempre os direitos da autoridade legítima, prefere a democracia à
aristocracia ou à monarquia. Mas sim quem, levado pelo espírito igualitário da
Revolução, odeia em princípio, e qualifica de injusta ou inumana por essência,
a aristocracia ou a monarquia. (MATHEUS, 2011).
Desse ódio antimonárquico e antiaristocrático, nascem as
democracias demagógicas, que combatem a tradição, perseguem as elites,
degradam o tônus geral da vida, e criam um ambiente de vulgaridade que
constitui como que a nota dominante da cultura e da civilização, se é que os
conceitos de civilização e de cultura se podem realizar em tais condições.
Como diverge desta democracia revolucionária a democracia
descrita por Pio XII: “Segundo o testemunho da História, onde reina uma
verdadeira democracia, a vida do povo está como que impregnada de sãs
tradições, que é ilícito abater. Representantes dessas tradições são, antes de
tudo, as classes dirigentes, ou seja, os grupos de homens e mulheres ou as
29
associações, que dão, como se costuma dizer, o tom na aldeia e na cidade, na
região e no país inteiro". (MATHEUS, 2011).
Daqui, em todos os povos civilizados, a existência e o influxo de instituições eminentemente aristocráticas, no sentido mais elevado da palavra, como são algumas academias de larga e bem merecida fama. Pertence a este número também a nobreza. Como se vê, o espírito da democracia As presentes considerações sobre a posição da Revolução e do pensamento católico em face das formas de governo suscitarão em vários leitores uma interrogação: a ditadura é um fator de Revolução, ou de Contra Revolução? (MATHEUS, 2011, p.9).
Para responder com clareza a uma pergunta a que têm sido dadas
tantas soluções confusas e até tendenciosas, é necessário estabelecer uma
distinção entre certos elementos que se emaranham desordenadamente na
ideia de ditadura, como a opinião pública a conceitua. Confundindo a ditadura
em tese com o que ela tem sido in concreto em nosso século, o público
entende por ditadura um estado de coisas em que um chefe dotado de poderes
irrestritos governa um país. Para o bem deste, dizem uns. Para o mal, dizem
outros. Mas em um e outro caso, tal estado de coisas é sempre uma ditadura.
Ora, este conceito envolve dois elementos distintos:
- onipotência do Estado;
- concentração do poder estatal em uma só pessoa. (MATHEUS,
2011, p.54).
No espírito público, parece que o segundo elemento chama mais a
atenção. Entretanto, o elemento básico é o primeiro, pelo menos se
entendermos por ditadura um estado de coisas em que o Poder Público,
suspensa qualquer ordem jurídica, dispõe a seu talante de todos os direitos.
Que uma ditadura possa ser exercida por um Rei (a ditadura real, isto é, a
suspensão de toda a ordem jurídica e o exercício irrestrito do poder público
pelo Rei, não se confunde com o Ancien Régime, em que estas garantias
existiam em considerável medida, e muito menos com a monarquia orgânica
medieval) ou um chefe popular, uma aristocracia hereditária ou um clã de
banqueiros, ou até pela massa, é inteiramente evidente. Em si, uma ditadura
exercida por um chefe ou um grupo de pessoas não é revolucionária nem
contra-revolucionária. Ela será uma ou outra coisa em função das
30
circunstâncias de que se originou, e da obra que realizar. E isto, quer esteja em
mãos de um homem, quer de um grupo. Há circunstâncias que exigem, para a
salus populi, uma suspensão provisória de todos os direitos individuais, e o
exercício mais amplo do poder público. A ditadura pode, portanto, ser legítima
em certos casos. (CIOTOLA, 2010).
Uma ditadura contra-revolucionária e, pois, inteiramente norteada
pelo desejo de Ordem, deve apresentar três requisitos essenciais:
Ø Deve suspender os direitos, não para subverter a Ordem, mas
para protegê-la. E por Ordem não entendemos apenas a tranquilidade material,
mas a disposição das coisas segundo seu fim, e de acordo com a respectiva
escala de valores. Há, pois, uma suspensão de direitos mais aparente do que
real, o sacrifício das garantias jurídicas de que os maus elementos abusavam
em detrimento da própria ordem e do bem comum, sacrifício este todo voltado
para a proteção dos verdadeiros direitos dos bons.
Ø Por definição, esta suspensão deve ser provisória, e deve
preparar as circunstâncias para que o mais cedo possível se volte à ordem e à
normalidade. A ditadura, na medida em que é boa, vai fazendo cessar sua
própria razão de ser. A intervenção do Poder público nos vários setores da vida
nacional deve fazer-se de maneira que, o mais breve possível, cada setor
possa viver com a necessária autonomia. Assim, cada família deve poder fazer
tudo aquilo de que por sua natureza é capaz, sendo apoiada apenas
subsidiariamente por grupos sociais superiores naquilo que ultrapasse o seu
âmbito. Esses grupos, por sua vez, só devem receber o apoio do município no
que excede à normal capacidade deles, e assim por diante nas relações entre
o município e a região, ou entre esta e o país.
Ø O fim precípuo da ditadura legítima hoje em dia deve ser a Contra
Revolução. O que, aliás, não implica em afirmar que a ditadura seja
normalmente um meio necessário para a derrota da Revolução. Mas em certas
circunstâncias pode ser. Pelo contrário, a ditadura revolucionária visa eternizar-
se, viola os direitos autênticos, e penetra em todas as esferas da sociedade
para aniquilá-las, desarticulando a vida de família, prejudicando as elites
genuínas, subvertendo a hierarquia social, alimentando de utopias e de
aspirações desordenadas a multidão, extinguindo a vida real dos grupos
31
sociais e sujeitando tudo ao Estado: em uma palavra, favorecendo a obra da
Revolução. Exemplo típico de tal ditadura foi o hitlerismo. Por isto, a ditadura
revolucionária é fundamentalmente anticatólica. Com efeito, em um ambiente
verdadeiramente católico, não pode haver clima para uma tal situação. O que
não quer dizer que a ditadura revolucionária, neste ou naquele país, não tenha
procurado favorecer a Igreja. Mas trata-se de atitude meramente política, que
se transforma em perseguição franca ou velada, logo que a autoridade
eclesiástica comece a deter o passo à Revolução. Em cada etapa, essas
tendências e erros têm um aspecto próprio. A Revolução vai, pois, se
metamorfoseando ao longo da História. (MATHEUS, 2011).
Essas metamorfoses que se observam nas grandes linhas gerais da
Revolução, se repetem em ponto menor, no interior de cada grande episódio
dela. Assim, o espírito da Revolução Francesa, em sua primeira fase, usou
máscara e linguagem aristocrática e até eclesiástica. Frequentou a corte e
sentou-se à mesa do Conselho do Rei. Depois, tornou-se burguês e trabalhou
pela extinção incruenta da monarquia e da nobreza, e por uma velada e
pacífica supressão da Igreja Católica. Logo que pôde, fez-se jacobino, e se
embriagou de sangue no Terror. Mas os excessos praticados pela facção
jacobina despertaram reações. Ele voltou atrás, percorrendo as mesmas
etapas. De jacobino transformou-se em burguês no Diretório, com Napoleão
estendeu a mão à Igreja e abriu as portas à nobreza exilada, e, por fim,
aplaudiu a volta dos Bourbons. Terminada a Revolução Francesa, não termina
com isto o processo revolucionário. Ei-lo que torna a explodir com a queda de
Carlos X e a ascensão de Luís Felipe, e assim por sucessivas metamorfoses,
aproveitando seus sucessos e mesmo seus insucessos, chegou ele até o
paroxismo nossos dias. (MATHEUS, 2011).
A Revolução usa, pois, suas metamorfoses não só para avançar,
como também para operar recuos táticos que tão frequentemente lhe têm sido
necessários. Por vezes, movimento sempre vivo, ela tem simulado estar morta.
E é esta uma de suas metamorfoses mais interessantes. Na aparência, a
situação de um determinado país se apresenta como inteiramente tranquila. A
reação contra-revolucionária se distende e adormece. Mas, profundidades da
vida religiosa, cultural, social, ou econômica, a fermentação revolucionária
32
sempre ganhando terreno. E, ao cabo desse aparente interstício, explode uma
convulsão inesperada frequentemente maior que as anteriores. Como vimos,
essa Revolução é um processo feito de etapas, e tem sua origem última em
determinadas tendências desordenadas que lhe servem de alma e de força
propulsora mais íntima. Assim, podemos também distinguir na Revolução três
profundidades, que cronologicamente até certo ponto se interpenetram. A
primeira, isto é, a mais profunda, consiste em uma crise nas tendências. Essas
tendências desordenadas, que por sua própria natureza lutam por realizar-se,
já não se conformando com toda uma ordem de coisas que lhes é contrária,
começam por modificar as mentalidades, os modos de ser, as expressões
artísticas e os costumes, sem desde logo tocar de modo direto - habitualmente,
pelo menos - nas ideias. Dessas camadas profundas, a crise passa para o
terreno ideológico. Com efeito - como Paul Bourget pôs em evidência em sua
célebre obra Le Démon de Midi - “cumpre viver como se pensa, sob pena de,
mais cedo ou mais tarde, acabar por pensar como se viveu”. Assim, inspiradas
pelo desregramento das tendências profundas, doutrinas novas eclodem. Elas
procuram por vezes, de início, um modus vivendi com as antigas, e se
exprimem de maneira a manter com estas um simulacro de harmonia que
habitualmente não tarda em se romper em luta declarada. O elemento
fundamental da cultura católica é a visão do universo elaborada segundo a
doutrina da Igreja. Essa cultura compreende não só a instrução, isto é, a posse
dos dados informativos necessários para uma tal elaboração, mas uma análise
e uma coordenação desses dados conforme a doutrina católica. Ela não se
cinge ao campo teológico, ou filosófico, ou científico, mas abrange todo o saber
humano, reflete-se na arte e implica na afirmação de valores que impregnam
todos os aspectos da existência. (MATHEUS, 2011).
33
CAPÍTULO III OS DIREITOS HUMANOS CONTEMPORÂNEOS NO
LAICISMO
3.1. Direitos Humanos no laicismo brasileiro
Por onde começar uma história dos Direitos Humanos? Isto depende
do ponto de vista que se adote. Se for uma história filosófica, teremos que
recuar a algumas de suas remotas fontes na antiguidade clássica, no mínimo
até ao estoicismo grego, lá pelos séculos II ou III antes de Cristo, e a Cícero e
Diógenes, na antiga Roma. Se for uma história religiosa, é possível encetar a
caminhada, pelo menos no ocidente, a partir de certas passagens do Sermão
da Montanha. Se for uma história política, já podemos iniciar com algumas das
noções embutidas na Magna Charta Libertatum, que o rei inglês João Sem
Terra foi obrigado a acatar em 1.215. Ou podemos optar por uma história social
— melhor dizendo, por um método de estudo que procure compreender como,
e por quais motivos reais ou velados, as diversas forças sociais interferiram,
em cada momento, no sentido de impulsionar, retardar ou, de algum modo,
modificar o desenvolvimento e a efetividade prática dos Direitos Humanos na
sociedade. (MATHEUS, 2011).
Este último modo de abordagem pode tornar-se muito rico e
interessante, pois, ao conduzir às conexões entre as leis e as condições
histórico-sociais concretas que induziram ao seu surgimento, termina também
por integrar, ao menos, aquelas referências mais indispensáveis —
econômicas, políticas, filosóficas, religiosas etc. — que estiveram na gênese
dessas condições. Ademais, proporciona a vantagem adicional de já situar o
ponto de partida de nossa investigação no século XVIII ou, no máximo, em
certos antecedentes históricos da baixa Idade Média — o que convém à
concisão e permite transitar de modo menos árduo da noção moderna para a
noção contemporânea dos Direitos Humanos.
34
Essa escolha metodológica nos remete, desde logo, a uma questão
à primeira vista intrigante. Trata-se do seguinte: se boa parte do espírito geral e
das aspirações que compõem o conjunto de noções do que hoje chamamos de
Direitos Humanos é muito antiga, porque durante alguns milênios produziu
efeitos sociais tão escassos, só exercendo influência fragmentária ou transitória
na vida real e quotidiana da maioria dos humanos? Por que essas noções só
começaram a vingar precisamente no final do século dezoito, precisamente em
alguns países do hemisfério ocidental, na forma e conteúdo específicos que
assumiram? O senso comum tem uma explicação à mão: antes daquela época,
a Humanidade "não estava preparada" para aquelas belas ideias. Como
assim? Parece claro que os oprimidos, os explorados e humilhados de todos os
tempos sempre estiveram "preparados" para obter liberdade, igualdade,
respeito — quase nunca deixaram de aspirar ou de lutar por isso. Uma outra
parte da Humanidade — os que foram, são, ou pensam que poderão vir a ser
beneficiários da exploração, opressão ou intolerância que exercem — é que
parece estar sempre "despreparada" para aceitar que aquela maioria alcance
tudo isso. (PLASTINO, 2001).
Outra resposta, do mesmo senso comum, poderia ser: faltavam
aqueles "grandes homens", com "grandes ideias", que só no século dezoito
surgiram para "inspirar" ou "conduzir" as pessoas. Este argumento também não
resiste à verificação. Em quase todas as épocas, em quase todos os países,
quando se reuniram as condições históricas adequadas, surgiram os filósofos,
os líderes, os antecipadores, os profetas e os dirigentes necessários a seu
tempo, além de outras tantas "grandes mentes" que sonharam, planejaram ou
tentaram colocar em prática utopias impossíveis ou historicamente prematuras.
Não resta dúvida de que as ideias inovadoras, usualmente sintetizadas de
modo mais apurado pelos intelectuais a partir do patrimônio cultural da
Humanidade e da vivência social concreta desses pensadores, são muito
importantes, ainda mais se oferecerem saídas mais ou menos adequadas a
inquietações sociais que a sua época já suscitou ou está em vias de suscitar.
Mas não basta a simples existência de ideias transformadoras para que o
mundo se transforme. É necessário, como se sabe, que as ideias conquistem
um grande número de seguidores dispostos a colocá-las em prática, mesmo
35
correndo riscos, o que só acontecerá se eles se convencerem, mesmo de
modo algo intuitivo, de que essas ideias vão na mesma direção, tornam mais
clara ou organizam a luta que já travam por seus interesses, necessidades ou
aspirações coletivas. Depois, será preciso ainda que estejamos diante de
condições sociais e históricas que favoreçam ou não impossibilitem a mudança
pretendida e que, além disso, os interessados consigam desenvolver os meios
apropriados para vencer a resistência, não raro feroz, dos que se opõem à
transformação. É muito difícil combinarem-se todas essas condições. E, no
entanto, elas estavam reunidas, de modo mais ou menos acentuado, em
alguns países europeus no final do século XVIII, particularmente na França de
Luís XVI. O quê pretendiam e por quais causas lutavam aqueles franceses que,
em nome dos Direitos Humanos, fizeram uma revolução tão sangrenta? Contra
o quê lutavam? A resposta pode começar pela última das perguntas: lutavam
contra o feudalismo, ou o que restava dele. Não é propósito investigar aqui o
feudalismo, mas, para a compreensão dos primórdios da história social dos
Direitos Humanos, será útil trazer à memória seus traços mais gerais.
(PLASTINO, 2001).
3.2. A influência do Feudalismo
Como se sabe, o feudalismo foi um certo modo de organização da
sociedade e da produção social que dominou, durante um período imenso da
história, toda a Europa. Sua primeira característica a que convém chamar a
atenção é que se baseava numa rígida estratificação social fundada no
princípio do privilégio de nascimento. Daí derivavam amarras sobre todas as
atividade e sobre toda a vida das pessoas. Na da fase áurea do feudalismo
essas amarras eram muito fortes, e decorriam do próprio modo como a
economia da sociedade estava organizada. Como a terra era praticamente a
única fonte de sobrevivência e riqueza — e conservada como bem "fora do
comércio" — seu controle por nobres e membros da alta hierarquia da Igreja
garantia-lhes um imenso domínio político, jurídico e ideológico sobre a
população. (CIOTOLA, 2010).
36
O "feudo", domínio territorial de um "senhor" (geralmente barão ou
bispo), consistia quase sempre de uma pequena aldeia de camponeses e suas
áreas circundantes, às vezes muito vastas. Seus pastos e florestas eram de
uso comum, mas as terras aráveis estavam divididas entre aquelas cujos
produtos e rendimentos pertenciam ao senhor (geralmente um terço do total) e
as restantes, que os senhores permitiam aos camponeses usarem para sua
sobrevivência. Em "contrapartida", os camponeses e seus familiares eram
forçados à "corvéia" durante dois ou três dias da semana nas terras do senhor,
deviam pagar impostos ao rei, dízimos à Igreja, uma infinidade de taxas em
moeda ou em produtos de suas colheitas particulares, prestar serviços
domésticos na casa ou castelo do senhor e nas igrejas, lutar nas guerras
quando convocados pelo senhor, além de curvar-se a uma série de obrigações,
proibições e atitudes de vassalagem - em algumas regiões até infames, como
submeter-se ao direito de "pernada". Se a terra mudasse de senhor, o
camponês era transferido junto (era "servo da gleba"), como as áreas de
cultivo, bois, carroções e outros bens móveis, imóveis ou semoventes.
Sua condição social diferia dos antigos escravos em dois aspectos
principais: não podia ser vendido separado da terra (exceto na Rússia e em
partes da Polônia) e tinha direito a uma espécie de usufruto oneroso à fração
de solo arável que o senhor lhe concedia (direito nem sempre respeitado,
quando convinha ao titular do feudo...). Uma economia assim organizada
conseguia produzir muito poucos excedentes para a troca externa ao feudo,
limitando-se praticamente à subsistência. Dos mercadores das cidades
compravam sal, artefatos de ferro e pouca coisa mais. A mobilidade social
estava perto de ser nula. Nas más colheitas, fomes horrorosas se alastravam
— menos, é claro, entre a nobreza e o alto clero, que estocavam grãos e, em
tese, deveriam prestar assistência cristã aos famintos, inválidos, viúvas e
órfãos. (MATHEUS, 2011).
As cidades, à época muito poucas e quase sempre pequenas,
viviam à sombra dos senhores feudais. Os mestres artesãos urbanos, em suas
oficinas domésticas, com um ou dois aprendizes, ou dois ou três empregados
(geralmente ex-aprendizes que não conseguiram se estabelecer), estavam
rigidamente organizados em "corporações de ofícios" que regulamentavam
37
tudo, em minúcias, desde o modo de produzir cada artigo, seu preço, até
interditar o exercício da profissão aos não autorizados. A onipresente ideologia
religiosa condenava a usura como pecaminosa, o lucro como imoral, a ambição
de enriquecer como certeza de danação infernal. Vejam o exemplo de um
julgamento ocorrido em Boston, em 1.639: "Está havendo um julgamento; um
tal de Robert Keayne (...) é acusado de crime hediondo: teve mais de seis
pence de lucro sobre um xelim, ganho esse considerado ultrajante. A corte
debate se deve excomungá-lo pelo pecado cometido, mas, em vista de seu
passado sem manchas, finalmente se abranda e lhe dá a liberdade com uma
multa de duzentas libras". (HARRIS, 2007)
Mas esse é um retrato estático e esquemático da economia feudal
clássica, útil para efeito de contraste. Pois no ventre do feudalismo, e apesar
dele, as forças econômicas e sociais de sua futura destruição germinavam e se
debatiam. Para começar, a classe dos camponeses servos, larga maioria da
população, malgrado gerações de resignada imobilidade (todos os domingos
era-lhe recordado nos sermões que o poder tinha origem divina), volta e meia
se revoltava, às vezes aos milhares e de modo muito violento. Em algumas
ocasiões, os servos arrancavam concessões importantes aos senhores, outras
vezes eram massacrados. Mas na primeira onda de fome, esqueciam o medo e
recomeçavam tudo. Até acontecimentos inesperados podiam contribuir para
reacender essas irrupções. (CIOTOLA, 2010).
"Burgueses", inicialmente, era a denominação genérica dos
habitantes dos "burgos", pequenas cidades que surgiam nos cruzamentos de
rotas comerciais, ou ao longo dessas rotas, às vezes fortificadas para proteger
as caravanas contra os inúmeros bandos de salteadores que proliferavam nas
estradas naquele tempo. De modo esperável, à medida em que iam crescendo
passaram a aglomerar toda sorte de pessoas "livres", isto é, que não estavam
mais submetidas às glebas dos barões e bispos, porque haviam comprado
essa liberdade, ou porque haviam fugido de seus senhores rurais, ou ainda
porque vinham de famílias que sempre haviam se dedicado exclusivamente a
atividades artesanais ou mercantis; ou eram funcionários administrativos,
advogados ou outros profissionais que não residiam há muito tempo nos
feudos; ou ainda uma massa disforme de adultos sem ocupação definida ou
38
constante e crianças à busca de sobrevivência como aprendizes nas
corporações de ofícios, serviçais diversos ou, simplesmente, mendigos.
Com o tempo, aos poucos, uma parte desses citadinos conseguiu
acumular algum capital nas práticas do comércio, da usura (apesar da
condenação da Igreja aos empréstimos com juros) e da exploração de força de
trabalho alheia (ainda em pequena escala), empreitando a produção de
artefatos de uso corrente, artigos de luxo para consumo da nobreza ou
equipamentos para as guerras intermitentes, vindo a constituir uma pequena
elite economicamente independente que, por não se ocupar de trabalhos
braçais e ostentar um padrão de vida superior, discernia-se da massa dos
habitantes dos burgos e das cidades maiores. Nos séculos XV e XVI, esta
classe burguesa stricto sensu já era muito ativa e influente na maioria das
cidades da Europa ocidental. Emprestava dinheiro a juros, a mercadores, a
senhores feudais em dificuldades, fornecia assessores competentes para a
administração do Estado monárquico, e estava envolvida em todos os negócios
florescentes da época, como bancos, construção naval, abertura de
manufaturas e exploração dos "novos mundos" incorporados pelas grandes
descobertas marítimas. Nos séculos XVII a XVIII, a burguesia já estava
bastante diversificada em vários extratos, desde os mestres artesãos que
expandiram suas oficinas contratando muitos empregados e montando
manufaturas, até grandes (para a época) industriais e banqueiros, e constituía
o que podia ser chamado de uma "classe média" — no sentido de setores
intermediários entre a aristocracia e a grande massa do povo. (HARRIS, 2007).
Decididamente, a sociedade feudal não combinava com as
possibilidades que os burgueses viam diante de si. Os laços senhoriais e a
ideologia que os legitimavam eram camisas de força para a expansão do
mercado, crescimento do trabalho assalariado, florescimento da produção de
mercadorias — enfim, para o maior enriquecimento desses empreendedores
plebeus das cidades. Essa nova classe social tinha, pois, boas razões para ver
com olhos de interesse as reivindicações dos camponeses, porque também
sentia, a seu modo, as amarras do feudalismo — embora, por conveniência de
seus negócios, adotasse sempre a cautelosa posição de manter-se à distância
dessas agitações sociais (mais tarde, a mesma conveniência dos negócios a
39
induziria a mudar de atitude). Esse conjunto de contradições internas ao modo
de produção feudal foi seu elemento dinâmico de transformação. Os
camponeses continuaram se rebelando, o comércio seguiu se desenvolvendo,
as cidades crescendo, conquistando autonomia e se diversificando
socialmente, a burguesia se fortalecendo, a nobreza e o clero perdendo terreno
(ao menos no plano econômico). Entre tornar-se dominante na esfera das
relações econômicas e assumir efetivamente o domínio político da sociedade
pode haver, às vezes, uma distância muito grande. Contudo, a autonomia da
política em relação à economia real de um país pode existir - mas até certo
ponto, e certamente não ao ponto de constituir-se por muito tempo em
obstáculo ao livre desenvolvimento daquelas relações econômicas já
triunfantes. (HARRIS, 2007).
Mas era essa a situação em que ainda se encontrava a maioria dos
países da Europa no final do século XVIII, com exceção da Inglaterra e, talvez,
da Holanda. As relações capitalistas fervilhavam por quase toda parte do
continente, a burguesia tresandava otimismo quanto a seu futuro, a ideologia
do progresso contínuo era sua música. Contudo, por mais obsoletos que
parecessem face à economia existente, muitos (não mais todos) dos laços
políticos, jurídicos, culturais e ideológicos do velho feudalismo persistiam como
fator de atraso. Reis, nobres e padres teimavam em ver-se ainda como há
quinhentos anos, como há mil anos. Resistiam tenazmente ao
desaparecimento da velha estrutura política feudal - marcada, repitamos, pela
estratificação social baseada no privilégio de nascimento. Embora pudessem
ser encontradas na Europa continental setecentista diferenças decorrentes de
desenvolvimentos e tradições próprias de cada país, podemos tomar o
exemplo, razoavelmente representativo, da França às vésperas da Revolução
de 1789. Persistia ainda um divisor de águas histórico em sua população,
separando os servos (como vimos, em redução contínua) das pessoas livres.
Estas últimas, por sua vez, continuavam divididas, de modo geral, em três
estamentos sociais (chamados, à época, de "estados"): primeiro estado (clero),
segundo estado (nobreza) e terceiro estado (plebeus livres em geral). "Pode-se
simbolizar esta estrutura política por uma pirâmide. Cada uma das ordens
(clero, nobreza, terceiro estado) é a expressão de uma função no seio da
40
sociedade. O clero é encarregado do culto e das atividades que lhe estão
ligadas no espírito da época (ensino, saúde, assistência etc.); à nobreza
incumbe a obrigação de administração e de defesa do grupo social; o terceiro
estado ocupar-se-á da vida econômica da sociedade. O que é preciso notar é
que cada uma destas categorias políticas é regida por regras de direito
específicas. O clero tem suas próprias jurisdições, tal como a nobreza; o
imposto não é devido nem pelo clero, nem pela nobreza, enquanto é
pesadamente cobrado sobre os rendimentos do terceiro estado”. (DAWKINS,
2007).
Atenção para o "detalhe": “... o terceiro estado ocupar-se-á da vida
econômica da sociedade..." Mas quem era exatamente o terceiro estado?
Resposta: era quase toda a população livre, excetuados nobres e padres: os
camponeses, o pequeno e incipiente proletariado urbano, os artesãos, os
lojistas, os professores, os advogados, os funcionários públicos, todos os
profissionais e produtores de todos os ramos, os mercadores, enfim, todos que
trabalhavam, produziam ou dirigiam a economia, aí incluída a burguesia
propriamente dita. O primeiro e o segundo estados eram parasitários, mas
detinham todo o poder político e aferravam-se aos resquícios de seus
privilégios econômicos. (MATHEUS, 2011).
Pode-se até compreender porque os senhores dispunham-se a pagar honorários tão pesados a esses advogados especialistas em direito feudal, com a esperança de reviver privilégios: "As 400 mil pessoas aproximadamente que, entre os 23 milhões de franceses, formavam a nobreza (...) estavam bastante seguras. Elas gozavam de consideráveis privilégios, inclusive de isenção de vários impostos (não de tantos quanto o clero, mais bem organizado) e do direito de receber tributos feudais. (...) Economicamente, as preocupações dos nobres não eram absolutamente desprezíveis. Guerreiros, e não profissionais ou empresários por nascimento e tradição — os nobres eram até mesmo formalmente impedidos de exercer um ofício ou profissão — eles dependiam da rendas de suas propriedades ou, se pertencessem à minoria privilegiada de grandes nobres ou cortesãos, de casamentos milionários, pensões, presentes e sinecuras da corte. Mas os gastos que exigia o status de nobre eram grandes e cada vez maiores, e suas rendas caíam — já que eram raramente administradores inteligentes de suas fortunas, se é que de alguma forma as conseguiam administrar. A inflação tendia a reduzir o valor de rendas fixas, como aluguéis." (DAWKINS, 2007, p.68).
41
A destruição de parte das instituições da Idade Média tornou cem
vezes mais odiosa a parte que ainda sobrevivia. Contudo, deve ser anotado
que a estrutura político-social tradicional e anacrônica já havia se tornado, no
final do século XVIII, bastante complexa. A dialética dos interesses sociais
contraditórios não era mais tão simples como fora há séculos. No primeiro
Estado, havia diferenças sociais evidentes entre o alto clero enobrecido
(bispos, abades, cônegos), senhor de imensas porções de terras, e o baixo
clero, que muitas vezes vivia pobremente e em contato íntimo com os
camponeses das aldeias. No segundo Estado já se podia divisar ao menos três
camadas: a restrita nobreza cortesã, beneficiária de pensões e outras
benesses reais, muito favorecida pela intimidade com os negócios da
monarquia; os senhores feudais tradicionais, que dependiam de rendimentos
fundiários e ainda detinham, provavelmente, uma quinta parte do reino; e até
burgueses enobrecidos, a chamada "nobreza de toga". No terceiro Estado, a
situação era ainda mais diversificada: já se configurava uma alta burguesia,
formada por banqueiros, industriais, grandes comerciantes, fornecedores do
exército etc., partidária de mudanças moderadas e que dava mostras de
contentar-se com uma monarquia constitucional; uma pequena burguesia
urbana já muito numerosa (viria a se tornar a principal base do radicalismo
revolucionário), que abrangia artesãos independentes, advogados, médicos,
alfaiates, barbeiros, pequenos lojistas etc.; uma pequena burguesia rural,
constituída pela fração crescente de camponeses com terras, livres da servidão
à gleba, mas ainda oprimidos pela sobrevivência de taxas senhoriais e outras
obrigações remanescentes do feudalismo; uma massa heterogênea (ainda
minoritária, mas em expansão) de trabalhadores assalariados na cidade e no
campo; além de uma multidão de desempregados, mendigos, andarilhos,
monges itinerantes, pessoas sem ocupação definida ou que exerciam
atividades cambiantes ou sazonais. De modo geral, podia-se observar, com o
desenvolvimento do capitalismo, um deslocamento progressivo — nem sempre
muito claro, mas no século XVIII já preponderante — da antiga estratificação
social por ordens e estamentos, baseada no privilégio (ou azar...) de
nascimento, para uma diferenciação em que contava mais a inserção de
42
classe, isto é, a posição efetivamente ocupada pelas pessoas na economia:
burgueses (enobrecidos ou plebeus), proprietários de terras (bispos, barões e
até alguns burgueses), o proletariado incipiente (rural e urbano), a
multifacetada pequena burguesia, e assim por diante. É claro que, desde há
muito, existiam as classes sociais, e elas lutavam entre si por interesses
contraditórios, luta decisiva para o declínio econômico-social do feudalismo;
mas seus contornos e, acima de tudo, sua consciência social, eram "nublados"
pela divisão tradicional e antes muito estática baseada no nascimento.
Portanto, a elevação das relações sociais de produção capitalistas à posição de
categoria dominante nas relações humanas, estava, por assim dizer,
clarificando a dinâmica social num sentido novo, sobrepondo-se
progressivamente ao status nobiliárquico, clerical, plebeu livre ou plebeu servil.
(HITCHENS, 2007).
Essa tensa conformação estrutural da sociedade francesa portava
ainda um fator adicional de agravamento: a persistência anacrônica do
absolutismo monárquico. Entre os séculos XV e XVII, quando os reis europeus
travaram lutas bem sucedidas contra a antiga dispersão do poder entre os
senhores feudais, a burguesia deu-lhes apoio, pois isso representava certo
alívio dos laços senhoriais sobre suas atividades econômicas nas cidades e no
comércio entre as regiões de cada país. Vários desses reis absolutistas
notabilizaram-se como déspotas esclarecidos, sensíveis às renovações que
estavam em curso, estimulando a economia e as artes. Mas, na segunda
metade do século XVIII, essa utilidade inicial do absolutismo se esvaíra para a
burguesia, pois, sendo já uma classe muito forte, ele passou a significar
apenas sua eterna marginalização do poder político. Na França, a absorção de
poderes absolutos pela figura do rei havia atingido seu ápice no início do
século XVIII, durante o reinado do "rei sol", Luís XIV (a ele se atribuía a frase
reveladora: "L’Etatc’ est moi"). Desde então, o grosso da aristocracia,
(excetuado apenas o pequeno círculo da nobreza cortesã), foi esvaziado de
funções políticas e era mantido afastado das decisões importantes do Estado.
Mas nunca renunciou à luta para recuperar sua antiga influência nos negócios
públicos: "A feudalidade foi justificada pela conquista, pois os nobres eram
saídos dos conquistadores germânicos, constituídos, pelo direito das armas,
43
senhores dos galo-romanos reduzidos à servidão. A aristocracia é anterior à
monarquia, uma vez que os reis, originalmente, eram eleitos. Abeberando-se
nesse arsenal ideológico (...), a aristocracia, tanto a da espada quanto a
togada, conduziu, durante todo o curso do século XVIII, o assalto contra a
autoridade real". Embora a monarquia representasse a garantia dos privilégios
sociais da nobreza, estava há muito tempo estabelecido entre ambas um
contencioso cheio de riscos: até ideias liberais começavam a ter aceitação
entre alguns nobres. (MATHEUS, 2011).
Assim, a França sob Luís XVI era:
(...) sob vários aspectos, a mais típica das velhas e aristocráticas monarquias absolutas da Europa. Em outras palavras, o conflito entre a estrutura oficial e os interesses estabelecidos do velho regime e as novas forças sociais ascendentes era mais agudo na França do que em outras partes. (MATHEUS, 2011).
O grau de ousadia, próprio de uma vanguarda tomando posição para
a ofensiva, era indicativo de que aqueles que estavam prestes a dirigir a
demolição revolucionária do ancien régime estavam seguros de já contarem
com um "grande número de seguidores dispostos a levar suas ideias à
prática”... (MATHEUS, 2011).
A concepção da existência de um Direito aproximadamente
equiparado à noção de Justiça, em forte conexão com a moral e, portanto, mais
perfeito do que o direito objetivamente encontrável nas sociedades humanas,
era muito antiga entre os pensadores, deitando raízes em filósofos da Grécia
antiga. Sua gênese helênica foi primordialmente laica, na medida em que esse
Direito superior decorreria da própria natureza, ou da observação do equilíbrio
a ela inerente, e não dos deuses. Na Idade Média, ao retomar Aristóteles, São
Tomás de Aquino buscou atualizar para o pensamento cristão a ideia desse
direito natural (jus naturae), esforçando-se para demonstrar sua
compatibilidade com a fé, uma vez que a natureza seria obra de criação divina.
Mas logo o direito natural seria dessacralizado pelo Iluminismo, substituindo-se
progressivamente a natureza em geral (isto é, o mundo físico ou social externo)
pela ideia de natureza humana e, especificamente, pela razão humana, fonte
44
interior do conhecimento. O direito, portanto, poderia ser descoberto/produzido
pelo espírito humano, desde que se procedesse à sua investigação com os
rigores do raciocínio, configurando-se então como expressão moral de
possibilidades inalienáveis, universais e eternas do ser humano (os direitos
naturais humanos). Essa razão triunfante busca a liberdade, estado primordial
do homem; a natureza mostra que os homens nascem iguais, por isso todo
privilégio é antinatural; as pessoas podem estabelecer as cláusulas do contrato
que institui a sociedade; o indivíduo, portador de direitos imanentes (porque
naturais), deve ser protegido do poder absoluto pela repartição do poder; a
intolerância religiosa deve ser abolida, o Estado deve ser governado de acordo
com a vontade geral, por isso as leis devem ser as mesmas para todos — por
aí vai. (CIOTOLA, 2010).
Com Rousseau, cuja influência foi enorme, a filosofia se radicalizou. Montesquieu continuava ligado às prerrogativas dos parlamentares, tendo sido um deles; Voltaire era um burguês abastado, indiferente à miséria popular. Rousseau vai mais longe, atacando a própria sociedade. Tudo o que o homem tem de bom vem da natureza; todo o mal, da sociedade que o alienou e corrompeu. Mesmo não se podendo voltar ao estado de natureza, ao menos é possível dela se aproximar. Uma boa constituição será, portanto, a que garantir, na medida do possível, a liberdade e a igualdade primitivas. (CIOTOLA, 2010, p.34).
É preciso ler essa brevíssima notícia histórica com cautelas
adequadas: as elaborações concernentes ao direito natural foram certamente
complexas, múltiplas, contraditórias, muitas vezes contemporâneas entre si —
a ponto de constituir empreitada de resultado incerto a tentativa de reuni-las
numa só "escola filosófica". Mas aprofundar a investigação sobre o
jusnaturalismo seria tarefa para outro estudo. Cabe mais, aqui, anotar o papel
social que efetivamente desempenhou, os reflexos que concretamente suscitou
na práxis social. Neste sentido, é fácil perceber porque essa construção
intelectual de um direito natural de base racional, prevalecente entre os
grandes pensadores do século das luzes, foi socialmente apropriada com muita
facilidade pela burguesia revolucionária como arma ideológica de combate.
(CIOTOLA, 2010).
45
Bastavam extrair daí consequências políticas muito lógicas, de uso
imediato: a razão recusa-se a continuar acatando que mais de vinte milhões de
franceses prossigam governados por uma minoria que nada produz, e que
mantém uma vida de privilégios unicamente pelo privilégio de nascimento. Se a
ideia de privilégio não pode ser acolhida pela razão, há que se construir uma
sociedade constituída por indivíduos livres e iguais, cidadãos (não súditos),
todos sujeitos de direitos, submetidos a leis comuns para todos, clamando a
Nação a soberania para si, não mais para um monarca detentor de poder
absoluto. Por isso, “... se o terceiro estado é tudo na sociedade...", a razão
rechaça, naturalmente, que ele continue sendo "nada" na política e no poder. "A
teoria do direito natural inverte pois, completamente, a ‘pirâmide feudal’. Em
lugar de relações verticais (hierarquizadas) instaurar-se-ão relações horizontais
(comunidade nascida do contrato social). Deixará de haver ordens
correspondendo a funções separadas e desiguais em direitos, não haverá
senão homens livres e iguais, quer dizer, cidadãos. Deixará de haver rei no
cume da pirâmide para governar os homens, mas a expressão da sua vontade
geral, isto é, a lei". A burguesia e, particularmente a burguesia francesa,
finalmente encontrava um poderoso arsenal ideológico para refutar a visão
social de mundo do passado. (HARRIS, 2007).
Terminada a guerra, foi criada, em 26 de junho de 1945, pela Carta
de São Francisco, a Organização das Nações Unidas, retomando o caminho
interrompido da extinta Liga das Nações, agora com mais amplitude. Desde o
nascimento, a ONU não é um organismo democrático: ficou assegurado ao
pequeno grupo de Estados com assento permanente no Conselho de
Segurança o controle das decisões pelo exercício do direito de veto. Porém,
ante o balanço aterrorizante que os vencedores da guerra fizeram das
atrocidades dos vencidos, impôs-se à comunidade internacional o resgate das
noções de Direitos Humanos que haviam sido pisoteadas até recentemente. A
Carta de São Francisco, logo no seu artigo 1º, colocou como preceitos, dentre
outros, os seguintes: "Desenvolver relações entre as nações, baseadas no
respeito ao principio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos
povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal;
conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas
46
internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para
promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades
fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião...".
Iniciaram-se, então, os trabalhos que redundaram na "Declaração Universal
dos Direitos do Homem", adotada e proclamada pela Resolução número 217
da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948.
(PLASTINO, 2001).
Não cabe a este trabalho analisar essa "Declaração", pois ela e
outros importantes instrumentos constituem, precisamente, o objeto de estudo
dos demais capítulos deste livro. Vai, apenas, o seguinte registro geral: é
considerado que, no plano internacional, a "Declaração de 1948" inaugurou
uma concepção contemporânea de Direitos Humanos, na medida em que
integrou os direitos civis e políticos, que vinham se desenvolvendo desde o
século XVIII, especialmente após a "Declaração" francesa de 1789, aos direitos
econômicos, sociais e culturais, demandados nos séculos XIX e XX pelo
movimento operário, que foram valorizados particularmente após a
"Declaração" russa de 1918. O cerne dessa nova concepção consiste no
reconhecimento de que compõem o âmbito dos Direitos Humanos todas as
dimensões que disserem respeito à vida com dignidade — portanto, em Direito,
deixou de fazer sentido qualquer contradição, ou hierarquia, ou "sucessão"
cronológica entre os valores da liberdade e da igualdade. Os Direitos Humanos
conformam uma unidade universal, indivisível, interdependente e inter-
relacionada, ideia reiterada na "Declaração e Programa de Ação de Viena", de
25 de junho de 1993, com apoio do Brasil. (PLASTINO, 2001).
Na medida em que são tomados como universais, isto é, inerentes a
todas as pessoas, os Direitos Humanos exigem duas consequências. De um
lado, apontam para a gradativa revisão da noção tradicional de soberania
absoluta de cada país: sendo os Direitos Humanos tema de legítimo interesse
de todas as nações, que não se circunscreve à jurisdição interna de cada
Estado, o Direito preocupa-se com as hipóteses em que podem ser admitidas
intervenções supranacionais no plano interno de cada país nesta matéria.
Ao longo da segunda metade do século XX, a grande maioria dos
países aderiu aos instrumentos internacionais do sistema global de proteção
47
dos Direitos Humanos, além de celebrarem pactos e convenções regionais
(Europa, África, Américas, etc.) com o mesmo propósito. Quase todos os
países do planeta incorporaram às suas Constituições e disposições
infraconstitucionais normas na mesma direção. Isto poderia ser um retrato a
cores do melhor dos mundos, se o direito positivo fosse o retrato fiel do mundo.
Se, no plano jurídico, a antiga contradição entre a liberdade (individualista) e a
demanda de igualdade real encontrou caminhos para ser conceitualmente
superada, é fácil constatar que nem mesmo no plano jurídico essa "superação"
foi incorporada — basta olhar para os compêndios de doutrina que insistem em
qualificar os direitos sociais como meramente "programáticos" (não
exigíveis...), ou para as normas legais que os tratam efetivamente dessa
maneira ou, ainda, para os tribunais que, quase sem exceções, acatam esse
entendimento. Não é sem motivos que aquela contradição, malgrado superada
conceitualmente, persiste com tanta força no interior do próprio Direito: é que
ela não foi ainda superada no terreno mais palpável e mais sensível da vida.
Aquela contradição persiste na sociedade. A solução jurídico-conceitual
concebida não corresponde à sua efetividade social. O problema não reside no
conceito, reside na realidade. Configura-se uma situação em que, entre dispor
formalmente de instrumentos jurídicos para a proteção dos Direitos Humanos e
efetivamente levá-los à prática, medeia, com cansativa frequência, uma
distância trágica — que se nutre de visões conservadoras de mundo, "razões
de Estado", interesses de classe e de grupos, preconceitos irracionais
persistentes, ou "resignação" objetivamente cúmplice. Na medida em que a
contradição não for também superada na própria sociedade em que vivem as
pessoas reais, será preciso atentar com cuidado se aquela fórmula conceitual
unificadora, tão placidamente aquiescida hoje por todos os Estados, não se
converterá em novo estratagema de ilusão social ou em mecanismo de
autoilusão. Isto já aconteceu outras vezes no passado, não chegaria a ser
propriamente novo na história do Direito. (PLASTINO, 2001).
Os direitos civis também não estão a salvo. Apesar de avanços em
alguns países em relação à igualdade de gêneros ou aos direitos de certas
minorias mais organizadas, é certo que as garantias dos direitos individuais
não são as mesmas para todos, ou o são nas leis, mas é de realidade que
48
importa falar. Quem são as vítimas mais usuais de agressão policial, detenção
arbitrária, tortura, aprisionamento além da pena, preconceito, discriminação no
emprego, no acesso à educação, na representação política, e assim por
diante? As mesmas de duzentos anos atrás. Fortalece-se, por toda parte, o
cinismo de elites tendente a qualificar os trabalhadores — principalmente os
excluídos do mercado e do consumo — mais ou menos como categoria inferior
de humanos. Às vezes, isso se manifesta de modo dissimulado. Outras vezes,
extravasa como nostalgia de soluções fascistas contra os que são encarnados
como ameaça: migrantes, desempregados, grupos étnicos ou regionais,
presidiários, crianças de rua, miseráveis em geral etc. (PLASTINO, 2001).
A área decisiva das relações humanas no mercado vem minando as
bases de existência dos Direitos Humanos. E, no plano ideológico, enquanto os
porta-vozes mais toscos do "pensamento único" neoliberal investem
abertamente contra os Direitos Humanos, os arautos mais sofisticados do
neoliberalismo dedicam-lhes condescendência apropriada a romantismos fora
de moda. É como se tivessem concluído que não há mais necessidade de
combater os Direitos Humanos nas instâncias da racionalidade e dos valores,
pois se tornou mais eficiente "acatá-los" para melhor desacatá-los. Mas a
História não chegou ao fim. Se o discurso dos Direitos Humanos mantiver-se
como crítica da sociedade, cumprirá papel transformador. O fala do
conformismo, malgrado sua força alienadora, tem limites na própria realidade
que busca conservar. Os que, em todas as épocas, combateram pelos Direitos
Humanos nunca deixaram de saber quão árdua e sempre inacabada foi sua
conquista. Fará bem aumentar a consciência dos obstáculos a superar. Isso
sempre conduziu a que caminhos novos fossem iluminados e a que
florescessem forças que estavam guardadas no fundo do peito. (PLASTINO,
2001).
Recentemente os desembargadores da 2ª Câmara Criminal do
Tribunal de Justiça do Rio, por unanimidade, garantiram a uma jovem de 25
anos o direito de interromper sua gravidez de feto portador de anencefalia. O
habeas corpus preventivo foi impetrado pelo defensor público Nilsomaro de
Souza Rodrigues, em face do juízo da 4ª Vara Criminal de Duque de Caxias. A
Câmara determinou a expedição imediata de alvará para a realização do
49
procedimento médico necessário, de acordo com o pedido formulado na ação.
O desembargador-relator, José Muiños Piñeiro Filho, disse na decisão que o
fato em questão trata-se antes de tudo de um problema de saúde pública, e
não apenas de um problema jurídico. Ele fez críticas à omissão estatal em
tornar efetivo o direito social à saúde, garantido pela Constituição Federal, e
alertou que as reiteradas negativas de autorização para a interrupção da
gestação ou a demora do Judiciário em analisar os pedidos podem culminar
com a realização do procedimento em clínicas clandestinas, resultando em alta
taxa de morbidade materna.
Segundo o magistrado, não é possível se omitir diante de problema
grave como o da jovem grávida:
O Estado brasileiro destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, o bem-estar, o desenvolvimento e a Justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, exatamente como disposto no Preâmbulo da Constituição, não pode se acovardar e, mais uma vez, se omitir diante de tal realidade. (PIÑEIRO FILHO In TJ, 2012).
Para o magistrado, “a ausência de norma escrita não é, e jamais
será óbice a que se preste a jurisdição, especialmente diante de todas as
normas constitucionais”.
Segundo a decisão, a literatura médica considera a anencefalia uma
malformação tão grave que a qualifica como “monstruosidade caracterizada
pela ausência de cérebro e da medula. Quando chega a nascer, pouco lembra
a aparência de um ser humano, tem apenas traços humanoides”. Mas o
desembargador lembra que, como alguns sobrevivem por dias, a controvérsia
se instala e há quem impetre ação para sustentar a viabilidade da vida.
Conforme a decisão, a ação constitucional do habeas corpus foi
aceita neste caso, pois ficou caracterizado risco à liberdade física da paciente e
violação ao princípio da dignidade humana. O relator afirmou ainda que a
decisão também encontra respaldo na liminar concedida pelo Pleno do
Supremo Tribunal Federal no tocante à matéria para suspender processos
dessa natureza.
Como podemos perceber no caso acima relatado, podemos notar
um dos raros momentos que as “razões de estado” ficam acima “de dogmas
50
religiosos”. Não se levou em conta se existia ou não alma, se era uma
reencarnação necessária. Esta é a verdadeira postura de um estado laico,
julgar os fatos concretos em conformidade com a Lei Máxima, sem
fundamentar em “pensamentos mágicos”.
Ao arrepio da lei Anápolis, em Goiás, ignora Código Penal e proíbe
aborto legal com votação unânime dos 15 vereadores e sob forte pressão da
Igreja Católica local, a Câmara Municipal de Anápolis (GO) aprovou na última
segunda-feira a proibição no município da prática de abortos legais nos
hospitais públicos. São os casos em que a gravidez é fruto de estupro ou a
gestação coloca em risco a vida da mãe. O projeto, de autoria do vereador
católico Pedro Mariano (PP), exclui da Lei Orgânica do Município o artigo com
a previsão de que “caberá à rede pública de saúde, pelo seu corpo clínico, o
atendimento médico para a prática do aborto nos casos previstos no Código
Penal”. O projeto não precisa ser sancionado pelo prefeito. Um dos mentores
da proposta foi o padre Luiz Carlos Lódi, presidente do Pró-Vida de Anápolis,
que convenceu o vereador Mariano a apresentar o projeto. Lódi há décadas é
um dos maiores opositores da legalização da interrupção da gestação. Em
2010, durante a campanha presidencial, o padre divulgou manifesto contra a
presidente Dilma Rousseff, acusando-a de fazer a defesa do aborto. Mariano
entende incompreensível que justamente Anápolis, o berço cristão e
evangélico, ter expressado em sua Lei Orgânica a aceitação do aborto.
(ÉBOLI, 2012).
A OAB de Goiás anunciou que recorrerá à Justiça para suspender a
decisão dos vereadores de Anápolis e este é um dos casos que causa espécie
a concepção de um estado laico. (ÉBOLI, 2012).
3.3. O Laicismo contemporâneo no Direito
A Decisão selecionada foi elaborada pelo Juiz de Direito André Luiz
Nicolitt em junho de 2009, redigida durante o Plantão Judiciário Noturno. Trata-
se do caso de um senhor de 81 anos de idade que se recusa a receber uma
transfusão de sangue que poderia salvar sua vida. O motivo que o leva a essa
51
recusa é claro: o senhor é Testemunha de Jeová, e, portanto, acredita que
receber a transfusão poderia comprometer sua vida após a morte no Paraíso.
Nesse contexto, a casa de saúde em que o senhor se encontrava internado
entrou com uma ação visando obrigá-lo a receber a transfusão. À primeira
vista, portanto, pode-se indicar que se trata de um conflito entre o direito à vida
e o direito à liberdade religiosa. (CIOTOLA, 2010).
O fato do julgador não ter as mesmas convicções pessoais do
senhor de idade reforça a existência da tolerância no âmbito do Estado
Brasileiro. Os três autores estudados – Harris, Dawkins e Hitchens –
compartilham inúmeras características. Suas semelhanças giram em torno não
apenas do ateísmo que professam e do repúdio comum pela religião, mas
também por críticas semelhantes às consequências sociais da religião. É um
consenso para eles que a religião possui força na esfera política, de modo que
pode vir a causar uma má aplicação de recursos públicos. Essa ideia é
principalmente defendida por Sam Harris:
Embora nenhum outro país desenvolvido se iguale aos Estados Unidos em termos de religiosidade, hoje todos os países precisam conviver com as consequências de tudo em que meus compatriotas americanos acreditam. Como é bem sabido, atualmente as crenças dos cristãos conservadores exercem uma influência extraordinária sobre o discurso público neste país – em nossos tribunais, nossas escolas e em todas as esferas do governo. (HARRIS, 2007, p.101).
É perceptível nas obras estudadas que políticas públicas, para o
laicismo, nunca devem se guiar por valores morais religiosos. Isso se torna
ainda mais imperativo quando a religião ameaça a educação ou a vida de um
indivíduo. Assim, pode-se dizer que o senhor de idade, na Decisão que está
sendo utilizada como base de comparação, estaria, segundo a visão laicista,
fazendo uma má opção baseada na ausência da utilização da razão. Para o
laicismo, o fato de um Juiz de Direito ter tutelado a vontade do senhor de idade
é, ao mesmo tempo, uma interferência indevida da religião em uma decisão do
Poder Estatal e a tutela à ausência de razão do senhor de idade, que estaria
perturbado pelo pensamento religioso.
52
O fato do Juiz de Direito não partilhar da mesma crença com o
senhor de idade revela, para o laicismo, uma tolerância “perigosa”: Sendo
assim, para laicismo, o respeito à vontade do senhor de idade não é louvável.
Esse “respeito” seria apenas uma aceitação que permite que o extremismo e a
“ignorância” religiosa possam crescer e se disseminar. (HARRIS, 2007).
53
CAPÍTULO IV A IDEIA DE LIBERDADE NO ESTADO PATRIMONIAL E
NO ESTADO FISCAL
Ricardo Lobo Torres (2005), em estudo pioneiro sobre a ideologia
financeira do patrimonialismo e do liberalismo, assim no plano da história do
pensamento universal como no da sua projeção para a cultura luso-brasileira.
Concentra-se na ideia de liberdade, mas se reporta também à justiça e à
segurança.
Torres (2005) examina a ideia de liberdade no Estado Patrimonial,
que predominou na Europa por aproximadamente sete séculos, até o início do
oitavo, e que vive precipuamente das rendas dominiais do príncipe. A liberdade
é fundada no contrato fiscal e na Razão de Estado, e implica na tripartição da
fiscalidade entre a realeza, a Igreja e o senhorio. Na justifica da imunidade
fiscal da Igreja e do senhorio. O tributo não chega a aparecer como preço da
liberdade, pois ainda a oprime com a ênfase na riqueza do príncipe e com a
proibição da usura e do lucro. (TORRES, 2005)
Já analisando o Estado de Polícia, que aumenta as receitas e
centraliza a fiscalidade na pessoa do soberano, correspondendo à fase do
Absolutismo Esclarecido (século XVIII). O iluminismo, ideologia predominante,
defende a liberdade do príncipe, a redefinição da imunidades e dos privilégios
do clero e da nobreza e o reexame da questão da pobreza. O tributo começa
adquirir a função de preço da liberdade, mediante as ideias de que a riqueza e
a felicidade devem ser comuns ao príncipe e aos súditos e de que o trabalho e
os juros podem servir de substrato à imposição fiscal. Continuam, entretanto,
proibido o consumo de luxo e permitido o confisco.
Mais adiante o autor concentra a sua atenção sobre o Estado Fiscal,
definido como aquele que encontra o seu substrato na receita proveniente do
patrimônio do cidadão (tributo) e que coincide com a época do capitalismo e do
liberalismo. Nele a liberdade é individual, fundada na igualdade, na legalidade,
na representação e na busca da felicidade. Centraliza-se o poder impositivo no
Estado e se democratiza a fiscalidade, extinguindo-se o poder periférico da
54
Igreja e do senhorio. As imunidades ganham a característica de limitação do
poder fiscal pelo prévio contrato social e se proíbem os privilégios odiosos do
clero e da nobreza. O tributo, como invenção burguesa, passa a exibir a
característica de preço da liberdade de comércio, trabalho e consumo.
A conclusão é a de que o Brasil viveu essas diversas fases históricas
e ingressou no Estado Fiscal a partir de 1824, mercê da nova estrutura da
receita pública, embora tenha mantido diversos condicionamentos do
patrimonialismo. Aderiu às ideias do liberalismo fiscal, fortalecendo-se o
relacionamento entre o tributo e a liberdade sob a perspectiva da investigação
filosófica, mas não chegou a explorar em sua plenitude o liberalismo,
conservando traços fortíssimos da escolástica, mesclada com o ecletismo e o
empirismo do iluminismo ítalo-germânico.
4.1. A proibição dos privilégios odiosos
De acordo com as normas e princípios constitucionais vigentes,
ressalta Torres (2005) as limitações constitucionais ao poder de tributar se
consubstanciam nas imunidades (art. 150, inc. IV, V e Constituição da
República), na proibição dos privilégios odiosos (art. 150, inc. II; arts. 151 e
152, da Constituição Federal), nas proibições de discriminação fiscal e nas
garantias normativas ou princípios gerais ligados à segurança dos direitos
fundamentais, tais como a legalidade, a irretroatividade, a anterioridade e a
transferência (art. 150, incs. I, II e §§ 5° e 6°, do texto constitucional).
A proibição do tratamento fiscal desigual o que, em análise, é
espécie do princípio isonômico, insculpido no caput, do art. 5°, da Magna Carta,
está previsto no art. 150, inc. II, da Constituição Federal, que veda o tratamento
desigualitário ou discriminatório em razão de ocupação profissional ou função
exercida pelos contribuintes, independentemente da denominação jurídica dos
rendimentos, títulos ou direitos. É, exatamente, nas palavras de Ricardo Lobo,
"o contraponto fiscal, sob forma negativa, do princípio proclamado
afirmativamente no caput do art. 5°". (TORRES, 2005)
55
A proibição da desigualdade, na verdade, somente será aplicável no
tocante à apreciação da capacidade contributiva do cidadão ou da necessidade
do desenvolvimento econômico se não tiver fundamento na justiça ou na
utilidade social.
A proibição da desigualdade, tal como prevista no inc. II, do art. 150,
já referido, se especializa sob duas formas: (a) a proibição de privilégios
odiosos; (b) a proibição de discriminação fiscal. Tais vedações incluem
qualquer instrumento fiscal, tanto no campo das renúncias das receitas (como,
por exemplo, isenção, dedução, diminuição de alíquota) quanto na seara dos
gastos públicos (subsídios, subvenções ou restituições de tributos). O privilégio
fiscal negativo é representado pelas isenções ou reduções de tributos,
acarretando sempre uma concessão contrária à ordem legal. Por sua vez, o
privilégio fiscal positivo se consubstancia nos incentivos, subvenções,
subsídios e restituições de tributos, representando um tratamento preferencial a
alguém. É entendimento corrente que a Constituição Federal promulgada em
1988 deu tratamento mais consentâneo com o correto à questão referente aos
privilégios fiscais, ao proibir genericamente os odiosos e a permitir a concessão
dos não-odiosos. Os arts. 151 e 152 da Lei Maior cuidam de vedações
específicas relacionadas aos privilégios por parte da União, ou dos Estados ou
dos Municípios. (TORRES, 2005).
O princípio genérico da proibição da concessão de privilégios
odiosos, consagrado no inc. II, do art. 150, da Constituição da República,
impede a existência de qualquer elemento discriminador que conduza à
diminuição ou mesmo à exclusão da imposição tributária, acarretando a
desigualdade entre indivíduos. A redação adotada pela Assembleia Nacional
Constituinte, no tocante à adoção de tal princípio, teve por escopo suprimir os
privilégios odiosos que haviam sido concedidos na vigência da ordem jurídico-
constitucional de 1967/1969, como podem ser lembradas as isenções de
imposto sobre a renda concedidas aos militares, magistrados, deputados e
senadores. Houve proibição explícita à concessão de privilégios fiscais em
favor de empresas públicas, e reciprocamente, foram vedadas discriminações
contra as empresas privadas (art. 173, § 2°, da Constituição Federal de 1988).
56
De se notar, no entanto, que apenas a discriminação infundada ou
desarrazoada é odiosa, já que o direito tributário, essencialmente
discriminatório, deve sempre introduzir distinções entre os contribuintes, com
base na capacidade econômica de cada qual Inexiste um rol exaustivo de
hipóteses de proibições de discrimine.
Os privilégios odiosos são vedados em virtude de violar direito
fundamental à igualdade de tratamento, não tendo por fundamento a liberdade.
No entanto, algumas imunidades previstas no inc. Vl, do art. 150 do texto
constitucional, características próprias de privilégios odiosos, como a dos
templos de qualquer espécie.
Privilégio significa a discriminação entre os cidadãos que estejam
em igualdade de condições.
4.2. As isenções fiscais e incentivos fiscais
A isenção fiscal é a principal espécie de privilégio fiscal de natureza
negativa, admissível no sistema jurídico brasileiro desde que não seja odiosa.
O Código Tributário Nacional, em seu artigo 175, Caput, prevê como causas de
exclusão do crédito tributário, a isenção e a anistia. Ao tratar dos motivos e
causas para a concessão de isenções, Baleeiro (1992) entendia que era
inconcebível a isenção geral e universal, a de todos os tributos, por isso
mesmo que ela, no mundo contemporâneo, não é privilégio de classe ou de
pessoas, mas uma política de aplicação da regra da capacidade contributiva ou
de incentivos a determinadas atividades que o Estado visa a incrementar pela
conveniência pública.
A isenção tributária tem por finalidade a aplicação de uma política de
incentivo a determinadas atividades, bem como a busca da justiça fiscal em
relação a certos indivíduos, dentro de um contexto de observância de princípios
relacionados à capacidade contributiva, e princípios econômicos, considerando
certos critérios que não sejam discriminatórios ou distintivos. A isenção não
deve ser concedida como favor ou privilégio de mão beijada, pois a todos
57
incumbe o dever de contribuir para a manutenção dos serviços públicos.
(BALEEIRO, 1992).
Na exata conceituação feita por Ricardo Lobo Torres (2005), a
isenção (ou privilégio não-odioso) é a limitação fiscal derrogatória da incidência
fundada na ideia de justiça tendo por origem o direito positivo e por fonte a lei
ordinária; possui eficácia constitutiva é revogável com efeito restaurador da
incidência e abrange apenas a obrigação principal.
Enquanto a lei geral institui a obrigação tributária, a norma especial
do privilégio permite que alguém não pague o tributo, através de um privilégio
negativo (isenções) ou de outros instrumentos que a obrigação possa se
converter, como as subvenções e as restituições (privilégios positivos).
Nos períodos de autoritarismo no Brasil, mormente entre 1930 e
1945, 1964 e 1979, houve um aumento na política governamental de
concessão de privilégios fiscais em favor de certa parcela da burguesia, sob o
argumento da necessidade desenvolvimento econômico. Nesses períodos, as
isenções incentivos fiscais, as subvenções tornaram-se instrumentos comuns
para promover e sustentar o desenvolvimento econômico do País. Contudo, o
abuso na concessão de tais privilégios, de controle e fiscalização quanto ao
emprego correto do dinheiro público, além da crise econômico-financeira do
Tesouro resultou no descrédito e completo fracasso da ideologia de concessão
de privilégios fiscais. (TORRES, 2005).
A Constituição Federal de 1988, em época oportuna, traçou algumas
orientações e regras básicas para a política de isenções. Inicialmente, o art.
150, inc. II, proíbe a concessão de privilégios odiosos, ou seja, aqueles
destituídos de razoabilidade e de apoio nos princípios da capacidade
contributiva e do desenvolvimento econômico.
O art. 70, por sua vez, ao cuidar dos mecanismos de controle interno
e externo da Administração Pública, prevê o efetivo controle de legitimidade
exercido pelo Tribunal de Contas, aí inserido o exame de mérito do real
proveito das renúncias de receita para o efetivo desenvolvimento do País. O
art. 165, § 6º, que enuncia o princípio da transparência, ordena o
acompanhamento do demonstrativo dos efeitos de todas as renúncias e
58
subvenções junto com o orçamento, possibilitando a descoberta de incentivos
camuflados e equiparando os privilégios positivos com os negativos.
Releva notar que a política governamental de concessão de
privilégios fiscais, principalmente sob a forma de isenções, entrou em franco
declínio em diversos países, quase que na mesma época, podendo ser
lembrada a reforma do ex-presidente Ronald Reagan, em 1985, que diminuiu o
número de isenções privilégios positivos. (SILVA, 2007).
Em tema de isenção tributária, é importante lembrar a diversidade de
entendimentos acerca da natureza jurídica e de tal instituto. Consoante Rubens
Gomes de Souza (1985), apesar da isenção, ocorre o fato gerador, nascendo a
obrigação tributária, havendo a dispensa do pagamento da obrigação por força
de lei. Esse entendimento encontra vários adeptos na doutrina brasileira, como,
por exemplo, Luiz Emygdio F. da Rosa Júnior (2007), para quem a isenção
significa a dispensa do pagamento do tributo devido, uma vez que ocorre o fato
gerador, dá-se a incidência tributária, sem, todavia, ser constituído o crédito
tributário, pois o lançamento não se efetiva.
De outro lado, Souto Maior Borges (2000) ensina que na isenção
tributária ocorre a derrogação da Lei de incidência fiscal, ou seja, suspende-se
a eficácia da norma impositiva. A isenção é verificada no plano da norma
jurídica e não no plano fático.
O fato abstrato, em virtude da isenção, deixa de existir e dessa
forma não há como nascer nenhuma obrigação tributária. O Supremo Tribunal
Federal continua a entender que, na isenção ocorre fato gerador, nasce a
obrigação tributária e a lei apenas dispensa o seu pagamento. Contudo, a
melhor orientação acerca do tema é a de que a isenção é uma limitação legal
do âmbito de validade da norma jurídica tributária, que impede que o tributo
nasça, ou, é a nova configuração que a lei dá à norma jurídica tributária, que
passa a ter o seu âmbito de validade restringido, impedindo, assim, que o
tributo nasça. (ROSA JÚNIOR, 2007).
Os princípios tributários, previstos em âmbito constitucional,
constituem verdadeiras limitações constitucionais ao poder de tributar e
objetivam estabelecer um equilíbrio entre o poder impositivo e os contribuintes.
As isenções tributárias subordinam-se a vários princípios constitucionais, sendo
59
certo que duas ideias básicas as fundamentam: (a) justiça; (b) segurança
jurídica. À noção de justiça, estão atrelados os princípios da capacidade
contributiva, da economicidade e do desenvolvimento econômico. Ao ideal da
segurança jurídica, se vinculam os princípios da legalidade, da anterioridade e
da transparência orçamentária. (BALEEIRO, 1994).
De acordo com o princípio da capacidade contributiva em tema de
isenções, o benefício deve ser concedido àquele que não tenha capacidade
econômica para suportar o pagamento do sendo aplicável em regra, às
hipóteses de isenções genéricas e gratuitas que visam não agravar as classes
menos favorecidas da população, àqueles que tenham menor poder aquisitivo.
Tal princípio é perfeitamente possível de ser posto em prática, com os mesmos
fundamentos, no que concerne às isenções de contribuições de melhoria, já
que é a população de mais baixa renda quem mais necessita dos serviços e/ou
obras públicas. Aliomar Baleeiro (1994) ressaltava que o princípio fundamental,
fonte principal de critérios discriminatórios, é o da capacidade contributiva
(expresso no art. 202, da Constituição Federal de 1946, e suprimido pela
Emenda n° 18/65), que recomenda a personalização do imposto e a sua
graduação, segundo as possibilidades econômicas do contribuinte. Mas a
igualdade será respeitada dentro da mesma categoria de contribuintes.
E, conforme o princípio do desenvolvimento econômico, a
concessão de privilégio fiscal pelo Estado não será odiosa se fundar na
necessidade de crescimento econômico do País (ideologia das décadas de 60
e 70, no Brasil). Hoje em dia, tal princípio somente se justifica relativamente às
isenções se houver perspectiva de distribuição de rendas e da criação de
empregos, porquanto os resultados advindos da política governamental de
incentivos fiscais sem tais fundamentos foram catastróficos.
Finalmente, o princípio da economicidade propugna que o Estado
deve obter o maior proveito, com o menor gasto possível, monetária e
financeiramente falando.
As isenções, assim, devem ser financeiramente produtivas, ou
levando ao desenvolvimento econômico ou ao melhor resultado possível com
menor gasto ou despesa pelo Tesouro.
60
Como regra, as isenções fiscais só devem ser concedidas se houver
diferenças substanciais entre os indivíduos ou atividades poupados do ônus
tributário, e os que a ele se sujeite. As isenções, para serem válidas, devem
alcançar toda uma categoria de indivíduos ou atividades, identicamente
situados. Como lembrava Sampaio Dória (1986), as franquias tributárias se
outorgam apenas no interesse público.
As isenções estão intimamente relacionadas com os direitos e
garantias fundamentais, e principalmente em virtude do princípio isonômico
(art. 150, inc. II, da Constituição Federal). Três orientações básicas relativas às
isenções podem ser verificadas pela exegese do art. 150, inc. II: (a) proíbe os
privilégios odiosos, ou seja, isenções e quaisquer outros benefícios que não
encontrem fundamento razoável no direito para distinguir entre cidadãos; (b)
proíbe as discriminações odiosas, representadas por exceções ou por
condições inconstitucionais criadas no ato concessivo da isenção, como
aquelas que excluem certas pessoas ou bens do gozo da exoneração fiscal; (c)
permite os privilégios não-odiosos, consubstanciados nas isenções outorgadas
para manter o equilíbrio regional (art. 151, I) ou para respeitar o princípio da
capacidade contributiva. (SILVA, 2007).
Desse modo, qualquer privilégio fiscal que se desgarre do principio
isonômico da capacidade contributiva ou do desenvolvimento econômico viola
o direito fundamental à igualdade de tratamento, convolando-se em
discriminação odiosa, a atingir o patrimônio alheio.
As situações fiscais análogas devem ser igualmente tributadas, sem
discriminação ou privilégios odiosos. Tal é o entendimento de Silva (2007),
segundo o qual o princípio da igualdade tributária relaciona-se com a justiça
distributiva em matéria fiscal; diz respeito à repartição do ônus fiscal do modo
mais justo possível.
Em célebre obra acerca do assunto, José Souto Maior Borges
(2000) demonstrou que somente se pode isentar com a razoabilidade
presumida em qualquer ato legislativo, como estimam dizer os autores
argentinos. Segundo o citado jurista, o ordenamento constitucional tributário do
País exige que os contribuintes, em idênticas circunstâncias características de
capacidade contributiva, se submetam a idêntico tratamento tributário. No
61
Moderno Estado de Direito, a igualdade e a generalidade são princípios
básicos de tributação, com os quais colidem as isenções de pessoas ou grupos
sociais estabelecidos pura e simplesmente intuitu personae, isto é, sem
nenhuma consideração de justiça fiscal ou de ordem social ou econômica As
exceções ao princípio da generalidade da tributação são fundadas nas
exigências da justiça fiscal, adequando-se aos princípios da capacidade
contributiva, do desenvolvimento econômico.
Objetivando finalizar esse tópico, faz-se imperiosa a referência à
possibilidade da União conceder incentivos discriminatórios, em favor do
desenvolvimento de áreas em prol da expansão do mercado interno e da
homogeneização da economia no País. Durante a vigência da Constituição
Federal de 1946, vários diplomas legais instituíram incentivos a determinadas
áreas geográficas, como por exemplo, a Zona Franca estabelecida em
Manaus. (BORGES, 2000).
4.3. Justiça fiscal, desenvolvimento urbano e utilitarismo.
Com o aparecimento do Estado Fiscal, as finanças passaram a se
basear nos tributos, exigidos com fundamento na Justiça distributiva, e no seu
princípio fundamental da capacidade contributiva. Procurava-se, por meio da
tributação, adequar o sistema impositivo às diversas situações, objetivando
alcançar o ideal de justiça. A despeito do distanciamento havido, durante certo
período, entre a tributação e a justiça financeira, através de considerações com
a utilidade reconhece-se, hoje em dia, o retorno do pensamento sobre a justiça
fiscal. Como ressaltava Baleeiro (1994), desde muitos séculos pensadores e
moralistas à luz do Direito ou da religião clamam unissonamente por impostos
justos sem que se acordem nos caracteres de tais tributos;
contemporaneamente tende a tornar-se geral a crença de que a justiça
tributária deve repousar na personalidade e na graduação dos tributos segundo
a capacidade econômica do contribuinte.
A justiça fiscal é basicamente distributiva, característico do sistema
publicístico, significando a sistemática de tratar desigualmente aos desiguais
62
na medida em que se desigualam. Mas pode ser detectada a natureza
comutativa, própria das relações de troca, como ocorre relativamente às taxas
e contribuições.
Previsto como um dos princípios cardeais da ideia de justiça fiscal, o
princípio da capacidade contributiva ingressou no ordenamento constitucional
brasileiro no início do século passado, tendo sido posteriormente esquecido, e
retornado na Constituição de 1946. Novamente abolido do texto constitucional
em 1967 e 1969, ressurgiu em 1988, conforme § 1°, do art. 145. A capacidade
contributiva é a capacidade econômica do contribuinte, significando o princípio
que cada um deve contribuir na proporção de seus bens e rendas,
independentemente de sua eventual disponibilidade financeira. (ROSA
JÚNIOR, 2007).
O princípio da capacidade contributiva não justifica a incidência de
tributo sobre o mínimo necessário à vida (imunidade do mínimo existencial),
nem sobre a totalidade da riqueza (vedação do tributo confiscatório). A
expressão utilizada no texto constitucional sempre que possível é indicativa da
necessidade do ajustamento do princípio da capacidade contributiva às várias
espécies de impostos, mas não admite a ausência de sua aplicação quando
isso não for possível.
No tocante à aplicação do princípio da capacidade aos incentivos
fiscais, há necessidade da distinção da espécie de privilégio. Aqueles que
atuam na vertente da receita, como as isenções, se subordinam aos princípios
da capacidade contributiva, enquanto os privilégios positivos (operam na via da
despesa) se orientam pelos princípios do desenvolvimento econômico, da
igualdade entre as regiões, e não são fundados no princípio da capacidade
econômica. (NOGUEIRA, 1999).
Não se toleram discriminações, nem isenções que razoabilidade e
compatibilidade com o sistema constitucional. Razoável será a classificação
que um homem bem informado, inteligente, de bom senso e civilizado possa
racionalmente prestigiar. A classificação deve repousar sobre uma diferença
real e não aparente de modo que todos situados identicamente sejam tratados
com igualdade; que a classificação de finalidade ou a consecução de uma
política dentro da competência do Estado; e que a diferença deve ter um
63
objetivo da legislação que seja substancial e não apenas remoto ou
especulativo. (ROSA JÚNIOR, 2007).
De acordo com o princípio do desenvolvimento, os tributos devem
ser cobrados de modo a não criarem obstáculos ao desenvolvimento
econômico, sendo certo que constitui um dos objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil (art. 3º, inc. II, da Constituição Federal).
Basicamente, os incentivos fiscais têm justificativa na ideia de crescimento
econômico. O princípio do desenvolvimento econômico, hodiernamente,
propugna um mínimo de intervenção direta do Estado na economia,
redirecionando os investimentos para as obras de infraestrutura, e se
compatibiliza com outros princípios como a redistribuição de rendas e a
capacidade contributiva visão utilitarista, segundo a qual a sociedade é
ordenada de forma justa quando suas instituições são organizadas de forma
que se tenha o maior saldo positivo da soma de satisfações de todos os
indivíduos que a ela pertençam, mesmo com sacrifício da justiça fiscal, não
mais prevalece. O utilitarismo, compreendido como uma visão do desejo de
obter um bem-estar social cada vez maior, sem se preocupar com a repartição
ou distribuição das satisfações obtidas entre os cidadãos, fracassou, conforme
a experiência demonstrou. A história brasileira é demonstrativa de tal
afirmação, conforme visto. Nas épocas de Estado totalitário, adotou-se uma
política governamental de concessão de privilégios fiscais, sob o fundamento
da sua necessidade para o desenvolvimento econômico do País (visão
utilitarista) sem que houvesse perspectiva de futura distribuição de rendas e de
geração de empregos. Os resultados de tal política são conhecidos, e
persistem até hoje no panorama econômico-financeiro do País. (NOGUEIRA)
64
CONCLUSÃO
Analisando a atual constituição, a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, e alguns acontecimentos atuais podemos ainda
observar claramente as influencias das religiões e a mitigação do laicismo no
Direito Pátrio.
A separação do Estado e da Igreja no Brasil é um princípio basilar,
visto que o Estado brasileiro é laico desde a Constituição de 1891, e a atual
Constituição Federal de 1988 consagra essa separação no art.19. Porém, é
possível citar inúmeros exemplos de assuntos polêmicos que estão tão
vinculados à religião, ou melhor, a Igreja, que acabam sendo discriminados, por
grande parte da sociedade.
A maior crítica feita ao laicismo advém do fato dele ser interpretado
como um pensamento que considera como conhecimento verdadeiro e válido
apenas o conhecimento científico. As convicções religiosas podem não
decorrer de um pensamento racional – mas são perfeitamente válidas para as
religiões, são traços culturais de determinados povos e, ao contrário do que
várias pessoas consideram o laicismo não julga se elas permanecem tendo
uma razão de ser na sociedade atual. A fé se mantém como fortalecedora da
coesão social na medida em que une pessoas e, além disso, diversas
instituições religiosas possuem um papel incontestável de assistência social e
de consolo para o sofrimento humano.
Inúmeras tragédias foram motivadas pelo fanatismo religioso, e isso
é indiscutível ao pensarmos na Inquisição, nas Guerras Santas e nas
perseguições religiosas que acompanharam praticamente toda a história da
humanidade.
Assim, o laicismo não visa à erradicação da religião e não é a
alternativa a ela. O laicismo almeja evitar a obrigatoriedade ou a prevalência de
um dogma sobre os demais, principalmente no que diz respeito aos ateus.
É inviável em uma política de Estado que gere a imposição dos
valores de determinada religião sobre as minorias praticantes de outras ou
distinção à obrigação a todos imposto como é o caso dos tributos. Mas, Como
se sabe, o STF já enfrentou vários casos em que se discutiu o alcance do
65
termo “templo”, para fins de imunidade. Isso porque as entidades religiosas são
compostas não apenas de um local de culto, como também de outros espaços
vinculados aos cultos, como ainda, possui bens e eventualmente, pode prestar
serviços. Neste caso, houve a interpretação extensiva do dispositivo, e o STF
entendeu que o local de culto inclui não só o templo em si, como também
outros espaços correlatos à finalidade do culto, como é o caso dos cemitérios
anexos.
Como vimos, sustenta Aliomar Baleeiro que serão imunes à
tributação todos os bens que estejam vinculados ao culto, que não possuam
fins econômicos, incluídos aí conventos, a casa do pároco e outras
dependências. Observe-se que é requisito para esse tipo de interpretação o
local físico, que necessariamente deve ser anexo ao local de culto.
Já Ricardo Lobo Torres defende que os serviços imunes devem estar
ligados à finalidade religiosa e desta forma, IPI e ICMS, pela própria natureza,
não estão incluídos na imunidade. No mesmo sentido, os serviços de
comunicação radiofônica ou televisiva, que não possuem finalidade essencial
para a atividade religiosa. Por fim, cabe salientar que diferentemente do
disposto na alínea “c” do art. 150, VI da CRFB, a imunidade dos templos é
assegurada pela Constituição, sem os requisitos necessários às outras
imunidades, presentes no art. 14 do CTN.
66
REFERÊNCIAS
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de Janeiro: Forense, 1994.
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mais completa na Constituição de 1988. 2° ed. São Paulo: Saraiva, 1992.
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ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
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Companhia das Letras, 2007.
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NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 17ª ed. São Paulo:
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paradigma moderno. Rio de Janeiro: RelumeDumara, 2001.
REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva,
2002.
67
ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio da. Manual de Direito Financeiro e Direito
Tributário. São Paulo: Renovar, 2007.
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São Paulo: Malheiros, 2007.
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68
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01/01/2011. http://interessenacional.uol.com.br/2011/01/a-igreja-catolica-e-o-
estado-brasileiro/.p.1-1,acessado em 19/08/2012.
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legal. Publicado em 08/03/2012. http://extra.globo.com/noticias/brasil/presidente-
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contra.html#!/2010/04/por-queum-plano-nacional-contra.html. p.1-1, acessado em
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autoriza interrupção de gravidez de feto anencéfalo. Publicada em
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Acessado em 12/09/2012.
69
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTOS 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I 10
BREVES CONSIDERAÇÕES DA INFLUÊNCIA RELIGIOSA NO ESTADO BRASILEIRO
10
CAPÍTULO II 18
LAICISMO: PANORAMA DAS LUTAS DA SOCIEDADE PARA DESVENCILHAR O ESTADO DA IGREJA
18
2.1. Conceituação do Estado laico 18
2.2. Crise do Homem Contemporâneo 23
2.3. A Decadência da Idade Média 24
2.4. O comunismo de Marx 27
CAPÍTULO III 33
OS DIREITOS HUMANOS CONTEMPORÂNEOS NO LAICISMO 33
3.1. Direitos Humanos no laicismo brasileiro 33
3.2. A influência do Feudalismo 35
3.3. O Laicismo contemporâneo no Direito 50
CAPÍTULO IV 53
A IDEIA DE LIBERDADE NO ESTADO PATRIMONIAL E NO ESTADO FISCAL
53
4.1. A proibição dos privilégios odiosos 54
70
4.2. As isenções fiscais e incentivos fiscais 56
4.3. Justiça Fiscal, Desenvolvimento urbano e utilitarismo 61
CONCLUSÃO 64
BIBLIOGRAFIA 66
WEBGRAFIA 68