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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES AVM FACULDADE INTEGRADA PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU A ARTE COMO INSTRUMENTO PARA UMA EDUCAÇÃO INTEGRAL: BASEADO NOS ENSINAMENTOS DO YOGA INTEGRAL DE SRI AUROBINDO Neide Barros Professor Orientador Fabiane Muniz Rio de Janeiro Abril de 2015

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

AVM FACULDADE INTEGRADA

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

A ARTE COMO INSTRUMENTO PARA UMA EDUCAÇÃO INTEGRAL:

BASEADO NOS ENSINAMENTOS

DO YOGA INTEGRAL DE SRI AUROBINDO

Neide Barros

Professor Orientador

Fabiane Muniz

Rio de Janeiro

Abril de 2015

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

AVM FACULDADE INTEGRADA

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

A ARTE COMO INSTRUMENTO PARA UMA EDUCAÇÃO INTEGRAL:

BASEADO NOS ENSINAMENTOS

DO YOGA INTEGRAL DE SRI AUROBINDO

Neide Barros

Monografia apresentada à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para

obtenção do título de especialista em Artes

em Educação e Saúde.

Orientador: Prof. Fabiane Muniz

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DEDICATÓRIA

Aos que, apesar da escuridão, não perdem

a ternura.

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EPÍGRAFE

“(...) todos são um, tudo é um em sua

origem, mas cada coisa, cada elemento,

cada ser tem como missão revelar uma

parte dessa unidade a ela mesma, e é esta

particularidade que deve ser desenvolvida

em cada um, despertando ao mesmo

tempo o sentido da unidade original. É isto

que significa ‘trabalhar para a unidade na

diversidade’. E a perfeição nesta

diversidade está em cada um ser

perfeitamente o que ele deve ser.”

(Mirra Alfassa, A Mãe)

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RESUMO

Esta monografia tem como objetivo principal apresentar o Yoga Integral de Sri Aurobindo, filósofo, poeta e místico indiano, através de seus ensinamentos e sua história, bem como os conceitos da Educação Integral, sistematizados por Mirra Alfassa, artista plástica, musicista e mística, carinhosamente conhecida como A Mãe. A Educação Integral, por ela proposta, se apresenta como caminho para conduzir o ser humano na direção de si mesmo, e além de si, para cima e para dentro, rumo a uma unificação de todos os poderes e atributos humanos, de todas as partes de seu ser, tornando-o pleno, consciente e finalmente divino. Mas o que constitui o ser humano? O que são e como se apresentam essas diferentes partes e planos do nosso ser? Quais são as suas dinâmicas e as suas funções, e principalmente, como se dá a sua ação no caminho do auto-aperfeiçoamento, na visão do Yoga Integral? Este trabalho pretende apresentar a proposta de Mirra Alfassa, a Mãe, para a conquista da Perfeição Integral definida pelo Yoga Integral, através de uma educação que objetiva desenvolver não apenas nosso intelecto, mas nossa Mente, Vida e Corpo, este ser integral, na busca pela unificação e aperfeiçoamento de todas as partes de nosso ser. Como objetivo principal desta pesquisa, pretendeu-se destacar a importância do papel da arte como expressão da beleza, dentro deste processo de auto-aperfeiçoamento, chegando-se à conclusão de que a arte, para o Yoga Integral, tem um papel de grande relevância na autotransformação da humanidade.

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METODOLOGIA

A abordagem deste estudo monográfico será apenas teórica, realizada através

de pesquisa bibliográfica e consulta a revistas e outras publicações

relacionadas ao tema. Os principais autores que servirão de referência a este

estudo são Sri Aurobindo, Mirra Alfassa e Rolf Gelewski.

A partir de suas obras irei apresentar e desenvolver os conceitos envolvidos

nesta temática.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................... 8

CAPÍTULO I – O Yoga Integral de Sri Aurobindo ............................................. 10

1.1. Os Sistemas de Yoga ............................................................................. 10

1.2. O Yoga Integral ....................................................................................... 12

CAPÍTULO II – Planos e Partes do Ser ........................................................... 15

CAPÍTULO III – Educação Integral .................................................................. 20

3.1. Os Princípios do Ensinar Verdadeiro ...................................................... 20

3.2. Educação Integral ................................................................................... 23

3.2.1. A Educação Física ............................................................................ 24

3.2.2. A Educação do Vital ......................................................................... 25

3.2.3. A Educação da Mente ...................................................................... 26

3.2.4. A Educação Psíquica e Espiritual ..................................................... 27

CAPÍTULO IV – O Papel da Arte na Educação Integral .................................. 29

4.1. A Beleza.................................................................................................. 29

4.2. A Arte ...................................................................................................... 30

4.3. O Valor Educacional da Arte ................................................................... 31

4.4. Arte e Espiritualidade .............................................................................. 33

4.5. Da Visão à Prática .................................................................................. 33

CAPÍTULO V – Sri Aurobindo e Mirra Alfassa, A Mãe – Mestres do Yoga Integral ............................................................................................................. 36

5.1. Quem foi Sri Aurobindo? ......................................................................... 36

5.2. Quem foi Mirra Alfassa, A Mãe? ............................................................. 38

CONCLUSÃO .................................................................................................. 40

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 43

WEBGRAFIA ................................................................................................... 45

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INTRODUÇÃO

Através deste estudo, pretendo dissertar sobre a contribuição da arte

neste caminho de autotransformação e auto-aperfeiçoamento do ser, dentro da

perspectiva de uma Educação Integral, baseada nos ensinamentos do Yoga

Integral de Sri Aurobindo.

Mas o que é o Yoga Integral de Sri Aurobindo? O que o diferencia de

outros yogas, neste universo tão antigo e vasto do yoga na história da

humanidade?

E o que seria então, partindo de um Yoga Integral, uma Educação

Integral? Como esta educação integral se associa à arte, e se utiliza dela, em

suas múltiplas linguagens? E finalmente, como esta arte se propõe a trabalhar

em nosso ser, ou através de nós, modificando-nos, aperfeiçoando-nos,

refinando-nos, fazendo-nos florescer?

O Yoga Integral de Sri Aurobindo nos apresenta uma nova dimensão

desta busca. E nos convida a percorrer o caminho que nos levará de uma

consciência humana ordinária em direção a uma consciência divina, através de

uma educação de todos os planos e partes de nosso ser. Ao mesmo tempo,

nos convida a uma abertura ao poder Divino, para que este possa elevar e

transformar nossa natureza, vida, corpo, nos levando a criar uma vida Divina

na Matéria, realizando o Divino no mundo.

Para isto, dividi este estudo em cinco capítulos.

Inicialmente, irei apresentar e definir o Yoga Integral de Sri Aurobindo,

diferenciando-o de outras abordagens de Yoga conhecidos, apresentando suas

metas no trabalho do auto-aperfeiçoamento do ser, bem como uma síntese dos

caminhos propostos por Sri Aurobindo para alcançá-las.

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No segundo capítulo, irei definir o que constitui o ser humano, os

diferentes planos e partes de nosso ser, suas dinâmicas, sua função e sua

ação no caminho do autoaperfeiçoamento, na visão do Yoga Integral.

No terceiro capítulo, apresentarei a proposta de Mirra Alfassa, a Mãe,

para a conquista da Perfeição Integral definida pelo Yoga Integral, através de

uma educação que objetiva desenvolver não apenas nosso intelecto, mas

nossa Mente, Vida e Corpo, integrando-os na busca pela unificação e

aperfeiçoamento destas diferentes partes de nosso ser.

No capítulo seguinte, irei dissertar sobre o conceito de beleza, sob a

ótica do Yoga Integral, bem como seu papel no desenvolvimento de uma

educação integral, ressaltando a força educativa e transformadora de uma

educação pela arte.

E finalmente, no último capítulo apresentarei um breve registro da vida

de Sri Aurobindo e de Mirra Alfassa, a Mãe, mestres do Yoga Integral, numa

síntese do caminho que os levou à sistematização e prática deste Yoga.

10

CAPÍTULO I

O YOGA INTEGRAL DE SRI AUROBINDO

1.1. Os Sistemas de Yoga

O que é Yoga? O vocábulo yoga deriva da raiz sânscrita Yuj (unir) e

mais o sufixo ghyan, cujo significado é completar. Os verbos juntar

(português), yoke (inglês), jungo (latim) e joch (alemão) derivam todos da

mesma raiz sânscrita e trazem em si o mesmo significado da palavra Yoga, isto

é, juntar, jungir, comungar, unir, integrar, reintegrar, ligar, re-ligar...

(HERMÓGENES, 1994).

“Yoga significa união com o Divino – uma união transcendental (acima

do universo), ou cósmica (universal) ou individual, ou, como em nosso Yoga,

todas as três juntas.” (AUROBINDO, 1974).

De acordo com Aurobindo (1957), segundo os antigos sistemas de

Yoga, esta união se dá a partir da tomada de um ou mais poderes da

existência humana como instrumentos e meios para se alcançar o Divino. Daí

surgiram os diferentes caminhos de união ou os diferentes yogas, em função

das diferentes naturezas, que buscam desenvolver e aperfeiçoar, em si, os

diversos aspectos ou poderes da existência humana. Dentro deste processo,

quando um desses aspectos ou poderes é retirado da ação dispersa e

distributiva, elevado ao seu mais alto grau, concentrado, ele se torna Poder-de-

Alma manifesto e revela a unidade essencial. Desta forma, todos os métodos

agrupados sob o nome comum de Yoga são fundamentados numa verdade

invariável da Natureza e buscam desenvolver, partindo de uma função normal,

poderes que estiveram sempre latentes no homem, mas que não se

manifestam com facilidade ou freqüência.

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O que se denomina Natureza é o lado exterior ou executivo da Força

consciente, que forma e move os mundos. Esta Natureza compreende

“(...) uma vida corpórea que é a base de nossa existência aqui

no mundo material, uma vida mental para a qual elevamos a

vida corpórea a usos mais altos e a ampliamos numa maior

plenitude, e uma existência divina que ao mesmo tempo é o

objetivo das outras duas e volta-se pra elas a fim de libertá-las

para suas mais altas possibilidades.” (Id, 1975, p.16)

Todas as nossas atividades estão condicionadas a essas três formas

de automanifestação da Natureza. E os diversos sistemas de Yoga visam o

aprimoramento do ser baseando-se nesta tríplice manifestação, nesta Trindade

Onipresente. Para Aurobindo (1974) o contato da consciência humana e

individual com a divina é a própria essência do Yoga. E, de acordo com o ponto

de contato que escolhemos será o tipo de Yoga que praticamos.

As principais escolas de Yoga da Índia, segundo Aurobindo (1974), se

organizam numa ordem ascendente que começa a partir do degrau mais

denso, o corpo, subindo até o contato direto entre a alma individual e o divino

universal.

O Hatha Yoga, nos propõe percorrer o caminho do auto-

aperfeiçoamento através do físico, no trabalho com o corpo e seus

funcionamentos vitais, sendo este o seu aspecto mais conhecido no ocidente.

Conquistar a vida e o corpo, cujo equilíbrio é o fundamento de todos os

trabalhos da Natureza na humanidade, é o objetivo do hatha-yogui – o

praticante de hatha yoga. É através dos asanas e dos pranayamas, seus

instrumentos de perfeição, que se realizam seus processos principais. Por meio

dos asanas, que são as inúmeras posturas fixas desta escola de yoga, o

praticante dá ao seu corpo saúde, força e flexibilidade extraordinárias, indo

além dos seus limites normais. E com os pranayamas, comumente conhecidos

como “exercícios respiratórios”, ele alcança o controle da energia vital através

da respiração. (Id, 1974)

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O Raja Yoga, diz Aurobindo (1974), vai além. Seu objetivo é libertar e

aperfeiçoar não o corpo, mas a mente, a vida emocional e sensorial,

proporcionar o domínio sobre o pensamento e a consciência. Busca purificar,

tranqüilizar e levar ser humano para além do seu estado normal de confusão e

desordem. Busca levar o ser humano a um autogoverno de si, em substituição

à servidão das emoções, sensações, ações e desejos. A prática da Verdade, a

constante meditação e reverência a ser divino interno são os instrumentos de

perfeição do raja-yogui.

O Bhakti Yoga, o Jnana Yoga e o Karma Yoga, ocupam o tríplice

caminho de devoção, conhecimento e obras. Através de alguns princípios

centrais – o coração, o intelecto e a vontade, respectivamente, procuram

transformar o ser, levando-o além de suas atividades ordinárias e exteriores,

concentrando-as no Divino (Id. 1974).

O Bhakti Yoga tem como instrumentos de perfeição a devoção, a

emoção, a estética e a entrega, trazendo à tona os poderes espirituais do ser,

seu universo emocional e estético, visando desfrutar do Amor e da Felicidade

supremos. O Jnana Yoga, nos propõe um caminho através do conhecimento,

da razão e da visão mentais, e tem um caráter espiritual e cognitivo. Ele se

utiliza do método da reflexão intelectual para chegar ao discernimento correto.

E finalmente, o Karma Yoga, nos propõe esta busca pela unificação através do

trabalho, da vontade ativa, da ação não egoística, consagrando todas as

atividades humanas à vontade Suprema, e tem um caráter espiritual e

dinâmico. (Id. 1957).

1.2. O Yoga Integral

O Yoga Integral destaca alguns aspectos pertencentes a estes antigos

sistemas de yoga como necessários no caminho da autoperfeição:

(...) a abertura da mente para uma maior amplidão e para o

sentido do Si e do Infinito, o emergir no que tem sido

denominado de consciência cósmica, o domínio dos desejos e

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paixões; um ascetismo exterior não é essencial, mas a

conquista do desejo e do apego, e um controle sobre o corpo e

suas carências, ânsias e instintos são indispensáveis. Há uma

combinação de princípios dos antigos sistemas: o caminho do

conhecimento através do discernimento mental entre Realidade

e aparência, o caminho da devoção do coração, do amor e da

auto-entrega, e o caminho do trabalho, afastando a vontade

dos motivos de auto-interesse e voltando-a para a Verdade e

para o Serviço de uma Realidade maior que o ego. Pois todo o

ser deve ser treinado para que possa responder e ser

transformado, quando se torne possível que aquela Luz e

Força mais elevadas atuem na Natureza. (Aurobindo, 1972,

p.95)

Desta forma, Sri Aurobindo, nos apresenta uma outra dimensão da

busca pelo autoaperfeiçoamento. Ao invés da eleição de um aspecto da

natureza para que seja transformado e aperfeiçoado, onde, como vimos, cada

escola de yoga tem seu ponto de partida, ele nos lembra que a ação normal da

Natureza humana é um movimento integral, na qual todos os nossos elementos

são afetados por todas as circunstâncias, ao mesmo tempo que as afeta.

A passagem (da natureza) inferior para a superior é o objetivo

do Yoga; esta passagem pode efetuar-se pela rejeição da

inferior e fuga para a superior – o ponto de vista habitual – ou

pela transformação da inferior e sua elevação até a Natureza

superior. É antes isto que deve ser o objetivo de um Yoga

Integral. (Id, 1975, p. 39)

No Yoga Integral, busca-se uma realização da unidade com o Divino

pessoal, universal e transcendental. Mas acrescenta como objetivo essencial a

participação e responsabilidade do indivíduo no processo evolucionário da

natureza, tornando este yoga um Yoga Coletivo que busca a manifestação

plena do Divino na matéria. Ele nos propõe percorrer o caminho que nos levará

de uma consciência humana ordinária em direção a uma consciência Divina,

através de uma educação de todos os planos e partes de nosso ser, e ao

mesmo tempo, nos convidando a uma abertura ao poder Divino, para que este

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possa elevar e transformar nossa natureza, vida, corpo, nos levando a criar

uma vida Divina na Matéria, realizando o Divino no mundo. E chama seu

próprio yoga de “Yoga da Autoperfeição”. (Id. 1972)

Mas não se trata de um despertar para ações sobre-humanas,

distantes do cotidiano ou conectadas a um inalcançável ideal. Trata-se de estar

em busca desta conexão no exercício pleno da vida.

Não é o que a pessoa faz que é mais importante (o que ela faz

é muito importante, isto é evidente), mas o que ela é. Qualquer

que seja a atividade, não é tanto o modo de realizá-la, mas o

estado de consciência no qual ela é realizada que é importante.

(A Mãe, 2012, p.35)

Este Yoga não rejeita os poderes da vida, mas pretende transformar,

no interior dos seres e consequentemente na vida, o uso destes poderes. Em

geral usados de forma egoística e para fins não divinos, a meta é levar esses

poderes a serem usados em um espírito conectado e entregue ao Divino, para

que o Trabalho Divino possa ser realizado na Terra. (Id. 1973)

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CAPÍTULO II

PLANOS E PARTES DO SER

O que nos constitui enquanto seres humanos? O que nos move pela

vida, enquanto criamos e vivemos nossa história na Terra? O que nos faz

considerar que somos um “eu” ou um “alguém” ou uma Natureza? Somos um

corpo, com sua respiração, suas necessidades, funções e mobilidades? Somos

uma mente, com suas idéias, conceitos e criações? Somos uma gama de

emoções e vontades, variadas e inconstantes? Como trilhar um caminho de

auto-aperfeiçoamento sem a consciência de nossa constituição enquanto seres

viventes?

O Homem, em sua real natureza, é um Espírito utilizando a mente, a

vida e o corpo para uma experiência e auto-manifestação individual e

comunitária no universo. E este Espírito baseia todas as suas efetuações em

dois aspectos gêmeos de seu ser: A Alma e a Natureza, ou Purusha e Prakriti,

em sânscrito – dois pólos do mesmo ser consciente. (AUROBINDO, 1977).

O que se entende por Prakriti ou Natureza é o lado exterior ou

executivo da Força consciente, que forma e move os mundos.

O homem, enquanto está na ignorância, está submetido à

Natureza mais baixa, mas através da evolução espiritual ele se

torna consciente da Natureza mais alta e procura entrar cada

vez mais em contato com ela. Ele pode ascender para ela e ela

pode descer nele – este movimento de ascenção e descida

pode transformar a natureza mais baixa da mente, da vida e da

matéria. (Id, 1974, p. 133)

Como define A Mãe (1980), “A mente, a vida e o corpo devem tornar-se

e viver o que o Alma sabe e é.” (p.330). Mas como encontrar esta Alma, saber

o que ela sabe, indo além da natureza mais baixa? Não nos conhecemos e não

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aprendemos a distinguir as diferentes partes de nosso ser, das quais a Alma é

apenas uma delas. Aprendemos, sim, a nos reunir sob um único aspecto de

nossa existência, e em geral, é a mente que consideramos como sendo este

EU. Nosso entendimento do ser, em seus diversos aspectos, é visto,

compreendido e verbalizado a partir desta mente.

Mas a complexidade que constitui a nossa natureza pode e precisa se

tornar consciente. Somos compostos de muitas partes, e nada em nós se move

sem que cada uma dessas partes contribua para o movimento total de nossa

consciência, de nosso pensamento, nossa vontade, nossa sensação, nosso

sentimento e nossa ação. E percebemos somente os resultados deste

permanente movimento, geralmente apenas em nossa superfície, sem nos

darmos conta de onde se originam e de como eles processam. (AUROBINDO,

1977).

Cada parte do ser em nós tem uma natureza singular, ou mesmo

diferentes naturezas contidas nesta mesma parte. Dividindo-as em cinco

aspectos principais, de acordo com as atividades principais do ser humano,

temos então: o físico, o vital, o mental, o psíquico e o espiritual. O físico, o

corpo, é o sinal exterior e a base mais baixa desta aparente divisão da

Natureza. Dentre todas as partes do ser, é o mais completamente governado

por método, disciplina, ordem. Ocupa-se principalmente com as coisas

materiais. Para o corpo, o saber significa fazer. (A MÃE, 1954).

E se o que procuramos é a perfeição de nosso ser, sua parte física não

pode ser deixada de lado; pois o corpo é o suporte material, o corpo é o

instrumento que temos que usar. (AUROBINDO, 1971).

O vital é a Natureza-Vida composta de desejos, sentimentos, paixões,

energia de ação, vontade, de todo aquele jogo de instintos possessivos e

outros correlatos, raiva, medo, gula, luxúria etc, que pertencem a este campo

da natureza. (Id, 1971).

Segundo A Mãe (1977), o ser vital em nós é a sede dos impulsos e dos

desejos, do entusiasmo e da violência, da energia dinâmica e das depressões

desperadas, das paixões e da revolta. Ele pode pôr tudo em movimento, pode

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construir e realizar, mas também pode destruir e pôr tudo a perder. Por esta

dinâmica, é também a parte mais difícil de disciplinar.

Como aponta Aurobindo (1974), a humanidade não se conhece e não

aprendeu a distinguir as diferentes partes de seu ser e habitualmente reúnem

tudo o que conhecem sob o nome de mente, porque é através de um

entendimento mentalizado que eles as identificam, conhecem ou sentem.

A “mente”, portanto, no emprego comum da palavra, em geral é usada

como sinônimo de consciência inteira, por esta própria natureza mental do

homem, que mentaliza tudo; mas na linguagem do Yoga Integral, as palavras

“mente” e “mental” são usadas para designar apenas a parte da natureza que

se refere à cognição e à inteligência, às idéias, às percepções mentais ou de

pensamento, às reações do pensamento às coisas, às formações mentais,

como partes integrantes desta inteligência. (Id, 1977)

Para Sri Aurobindo (1974), é preciso distinguir cuidadosamente o ser

vital do ser mental. Embora haja elementos do ser mental no vital, e embora

estejam misturados entre si na superfície da consciência, eles são forças

completamente separadas e distintas. E é justamente a divisão ou o conflito

entre essas duas partes a causa da maioria das dificuldades mais difíceis e

agudas da sadhana.

Chamada por Sri Aurobindo (1974) de ser psíquico, esta é a parte de

nós que, conectada com o Divino, permite que tenhamos com este Divino, um

contato direto. É graças à essa presença psíquica na matéria que é possível

afirmar que cada um de nós traz a divindade dentro de si, e em consequência,

pode encontrá-la. É o ser verdadeiro, a alma, a real individualidade, que dá

suporte à manifestação da tríplice engrenagem mente-vida-corpo em nossa

existência, sendo, portanto, o próprio núcleo que alimenta todas as

possibilidades divinas de crescimento e auto-aperfeiçoamento.

Para Gelewski (1991), o ser interior, ou ser psíquico, é o que somos

realmente. É este ser interior que apóia e “veste” o ser exterior. Tomemos

como exemplo a fruta. A polpa é a vida da fruta, e sua casca é o que a separa

do mundo e a protege contra ele, e está em contato com ele. Suas

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particularidades,o que é único, seu perfume, seu suco, sua doçura, sua

estrutura sustentadora estão dentro. E mais protegida ainda, em meio à polpa,

está o caroço ou as sementes, no meio da fruta. É o seu âmago. Em nós, o ser

psíquico, de onde vem a força de unir tudo o que somos.

A Mãe (1980), afirma que é somente sob a influência do ser psíquico e

pela sua ação, que as diferentes partes de que é feito o ser humano, em geral

claramente separadas, podem unir-se, pois é o poder psíquico que organiza as

atividades da natureza para fazê-la progredir, equilibrando toda a sua atividade,

levando o físico de volta para o Divino.

Na maioria dos seres humanos, diz Aurobindo (1974), a alma fica

escondida e encoberta pelas ações da natureza externa; comumente se

confunde o ser vital com o psíquico, porque é o ser vital que anima e move o

corpo. Mas é preciso lembrar que este ser vital é feito de desejos e forças de

ação, de execução, que podem ser boas e más. É somente quando a alma

verdadeira (o psíquico) vem para a frente, e começa primeiramente a governar

e finalmente a influenciar as ações desta natureza instrumental, que o ser

humano começa a vislumbrar algo além do desejo vital, superando-o, e

começa a crescer em direção à natureza divina.

E como podemos diferenciar o ser psíquico do ser espiritual?

“Pode-se dizer então que a vida psíquica é a vida imortal,o

tempo sem fim, o espaço sem limite, a mudança

perpetuamente progressiva, a continuidade ininterrupta no

universo em formas. A consciência espiritual, por outro lado, é

viver o infinito e a eternidade, é ser projetado para fora de toda

criação, para fora do tempo e do espaço. Para tornar-se

consciente de seu ser psíquico e viver uma vida psíquica, é

preciso abolir em si todo egoísmo; mas para viver

verdadeiramente a vida espiritual, não se deve mais ter ego.

(A Mãe, 1977, p.57)

Segundo A Mãe (2012), é preciso reforçar a seguinte questão:

nenhuma dessas partes e planos do ser deve ser olhada de forma especial ou

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destacada. No Yoga integral, a vida inteira, em todos os seus mínimos

detalhes, precisa ser transformada, precisa ser consagrada ao Divino. Não há

nada na vida e no ser, nenhum aspecto, que seja insignificante e muito menos

indiferente. Você não pode dizer: “Quando estou meditando, lendo filosofia ou

ouvindo estas conversas, estou em condições de uma abertura à Luz e ao seu

chamado, mas quando saio para passear ou ver os amigos, posso me permitir

esquecer tudo sobre isto”. Ao manter esta separação, a transformação do ser

não pode se dar, e consequentemente isto impede a verdadeira união de todas

estas partes. Apesar de podermos alcançar algumas experiências e

realizações através da meditação ou mesmo nossa consciência interior,

qualquer tipo de divisão mantém o corpo e a vida exterior inalterados.

“Uma iluminação interior que não toma conhecimento do corpo e da

vida externa não tem muita utilidade; porque deixa o mundo como ele é.” (A

Mãe, 2012 p. 36)

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CAPÍTULO III

EDUCAÇÃO INTEGRAL

3.1. Os Princípios do Ensinar Verdadeiro

O que é ensinar? O que se apresenta para nós, em termos de

educação, em nosso modo de vida atual? O que vemos e o que temos visto? O

que acreditamos ser o significado do educar, e da educação? Qual é, para nós,

que fazemos parte desta humanidade, no século XXI, nesta porção da Terra, a

função da família e da escola e daqueles que compõe o seu corpo? O que

temos visto, geração após geração, se apresentar para nós em termos de

educação? E sobretudo, o que temos vivenciado, dentro desta escola que

conhecemos, o que temos registrado em nossa memória, na vivência de nossa

própria história escolar, desde a primeira infância? E a partir de nós, o que têm

vivenciado nossos filhos, familiares, vizinhos, na nossa comunidade?

E este corpo escolar? Seus condutores, regentes, educadores,

cuidadores? Além de suas próprias vivências enquanto alunos que um dia

foram, quais são as suas histórias internas, seus registros neste processo de

trocas com todos os integrantes deste corpo?

As histórias seriam incessantes e nos levariam em múltiplas direções,

tanto teóricas, na fala dos diferentes pensadores e educadores que nos

trouxeram e continuam trazendo novos olhares e aprofundamentos sobre o

educar e a educação, quanto práticas, nas diferentes iniciativas educadoras

que se concretizam pelo mundo. Mas também nos conduziriam internamente,

na direção de nossos anseios e memórias, na direção dos nossos sentimentos

e sensações, do nosso estar no mundo, nossos conflitos, ou a ausência deles,

a respeito disto. Por que e para que educar? E até mesmo, para quem? Para o

Estado? Para o mundo (que mundo)? Para a vida? Para nós mesmos? E qual

é o papel da família e da escola neste processo? E finalmente, o que seria uma

verdadeira educação?

21

Sri Aurobindo (1977) ressalta três aspectos fundamentais que devem

ser levados em conta para que uma educação possa ser considerada

verdadeira e viva: o homem - o indivíduo, no que ele tem em comum com os

outros indivíduos e sua singularidade, a nação ou o povo do qual faz parte, e

sua ligação com a humanidade universal. Para ele, uma educação verdadeira

precisa ajudar a trazer à luz tudo o que está no homem individual, e que, ao

mesmo tempo, o leva a se relacionar da melhor maneira possível com a vida, a

mente e a alma do povo a que pertence, e com a grande vida, mente e alma da

humanidade da qual ele faz parte e é uma unidade, e com seu próprio povo, ou

nação, da qual é um membro vivo, único, e ao mesmo tempo inseparável.

Isto nos leva a idéia do Ser Verdadeiro. Este indivíduo, este ser

vivente, inserido em um contexto tanto pessoal, quanto comunitário e humano,

precisa ser conduzido na direção deste encontro interno. Segundo Gelewski

(1977), a educação deve ter como fio condutor o despertar de nossas

tendências e indicações internas, de nosso ser verdadeiro. O verbo ajudar vai

permeando e conduzindo este conceito. Assim, para ele, educar significa

ajudar a acordar, ajudar a encontrar no próprio ser o ímpeto, a saudade, a

vontade de movimentar-se e buscar e descobrir, de crescer, de progredir. E vai

além. Educar é ajudar a assumir a vida; é levar o ser a procurar e a aspirar à

verdade, sentir e chamar a luz e a força encobertas nele mesmo; ajudar o ser a

perceber a grande possibilidade que a vida é, o que com ela recebemos e

aprender, conscientemente a querê-la, vivê-la, dá-la.

E finalmente, nos referimos então ao ensinar. Sri Aurobindo (1974) nos

apresenta alguns conceitos, nos quais descreve os princípios do ensinar

verdadeiro.

• Como primeiro princípio, ele nos diz: “Nada pode ser ensinado”.

Para ele, o professor deve ser alguém que ajuda, guia, tendo

como tarefa sugerir, jamais impor. Seu papel não é treinar a

mente do aluno, mas ao contrário, lhe mostrar como aperfeiçoar

os seus próprios instrumentos de conhecimento, mostrando ao

estudante onde se situa e como pode aprender a trazê-lo a

22

superfície. Cabe ressaltar que, com relação a diferença de

idade dos estudantes, tal diferença serve apenas para

determinar o aumento ou diminuição na quantidade de ajuda ou

guiança necessárias, sem mudar a natureza do processo de

ensinar.

• O segundo princípio diz: “A mente precisa ser consultada em

seu próprio crescimento.”. Aqui, resssalta-se a idéia de que a

tarefa de ensinar é encontrar o melhor que um ser humano

poderia oferecer de si mesmo à vida, aos seus, ao mundo,

ajudando a alma em crescimento a reconhecer o seu melhor, e

ajudá-la no seu aperfeiçoamento para possa fazer um uso nobre

desta descoberta.

• O terceiro e último princípio nos diz: “(...) trabalhar a partir do

que está perto para o que está distante, a partir do que é para o

que deve ser.” Cada ser humano é conduzido pelo passado de

sua alma, por sua hereditariedade, pelo seu ambiente,

nacionalidade, a esfera de onde tira seu sustento, por suas

crenças, costumes, laços, sons que conhece, aromas, imagens,

hábitos, e tudo isto é carregado de poder. Se algo estranho a

tudo isto precisa ser introduzido de fora, que seja oferecido, e

não forçado sobre a mente.

A educação já foi considerada meramente um treinamento para

atender ás regras da sociedade. Aurobindo (1974) lembra que o

reconhecimento de uma subjetividade individual era a última coisa considerada,

ou até era desconsiderada. A educação das crianças dentro da família tinha

como objetivo reprimir e ajustar por todos os meios seus hábitos, pensamentos,

comportamentos de acordo com os moldes fixados pelo contexto social do

momento, que envolvia convenções, interesses e ideais individuais de pais e

professores. Ao se descobrir que a natureza da criança poderia e deveria ser

levada em conta em seu processo de crescimento, caminhou-se na direção de

um processo educador mais sadio, porém, que ainda via a criança como um

objeto a ser moldado pelo professor. Ainda na atualidade não foi

compreendido que cada ser humano é uma alma que se auto-desenvolve, e

23

nem foi compreendido o que esta alma é. Para Sri Aurobindo (1974), o

verdadeiro segredo é ajudar o ser humano, tanto no homem quanto na criança,

a encontrar o seu si mais fundo, a verdade maior interna, dando a isto uma

chance de vir a frente, de estar em primeiro plano, caminhando na realização

de suas verdadeiras potencialidades, indo além da presente visão mecânica da

vida e do ser humano, em sua rotina metódica, repleta de procedimentos que

os impedem de ter qualquer experiência deste si maior, deste verdadeiro ser

dentro.

3.2. Educação Integral

Responsável pela concretização do ashram1 de Sri Aurobindo e pela

educação dos inúmeros discípulos que lá viviam, Mirra Alfassa, A Mãe,

sistematizou um guia para o conhecimento e o desenvolvimento integral de

nosso ser.

O primeiro passo neste trabalho de auto-aperfeiçoamento é

tornar-se consciente de si, das diferentes partes de seu ser e

de suas respectivas atividades. É preciso aprender a distinguir

estas diferentes partes uma da outra, para que vocês se dêem

conta claramente da origem dos movimentos que se produzem

em vocês, dos impulsos, das reações, das veleidades diversas

que os impelem a agir. (A Mãe, 1950. p.3)

Para ela, se desejamos progredir e realmente adquirir a capacidade de

conhecer a verdade do nosso ser, isto é, aquilo para que somos realmente

feitos, o que podemos chamar de nossa missão sobre a Terra, precisamos

muito regularmente e muito constantemente, rejeitar ou abolir tudo aquilo que

em nós está em contradição com a verdade de nossa existência, tudo o que se

opõe a ela.

1 Comunidade formada intencionalmente com o objetivo de promover a evolução espiritual dos seus membros, frequentemente através da orientação de um místico ou líder religioso.

24

Através de sua proposta de Educação Integral, cada um dos aspectos

do ser deve ser trabalhado continuamente, sem que nenhum aspecto desta

educação substitua ou se sobreponha ao outro.

Para ser completa, uma educação deve ter cinco aspectos

principais, referindo-se às atividades principais do ser humano:

o físico, o vital, o mental, o psíquico e o espiritual. Geralmente

estas fases da educação sucedem-se numa ordem cronológica

acompanhando o crescimento do indivíduo, mas nenhuma é

feita para substituir a outra, e todas devem continuar,

complementando-se mutuamente, até o fim da vida. (Id, 1977,

p. 25).

Apresento a seguir esses cinco aspectos e sua educação, bem como

as relações entre eles.

3.2.1. A Educação Física

Em seu estado normal ou natural, diz A Mãe (1977), sem interferências

externas, impulsos ou noções mentais, o corpo sabe o que é bom e necessário

para si mesmo.

Eu disse que desde a mais tenra idade, deve-se ensinar as

crianças a respeitar uma boa saúde, força física e equilíbrio. A

grande importância da beleza deve também ser enfatizada.

Uma jovem criança deve aspirar à beleza, não para agradar

aos outros ou ganhar sua admiração, mas por amor à própria

beleza; pois a beleza é o ideal que toda vida material deve

realizar. Todo ser humano tem a possibilidade de estabelecer

uma harmonia entre as diferentes partes de seu corpo e nos

vários movimentos do corpo em ação (...) pode realizar a sua

própria harmonia e, assim, tornar-se apto para manifestar a

beleza. (Id, 2002, p. 16)

Em 1960, o alemão Rolf Gelewski, bailarino e professor de dança, veio

para o Brasil para dirigir a escola de dança da UFBA. Em 1968, visitou o Sri

25

Aurobindo Ashram, na Índia, e descobriu os ensinamentos de Sri Aurobindo e

A Mãe, reorientando a partir desse encontro sua vida e seu trabalho,

transformando sua dança e ensino em meios para uma progressiva

autotransformação e expansão da consciência.

Para Gelewski (1977), é através da simplicidade que esta educação do

corpo pode e deve ser feita. É preciso começar a acordar este corpo tão

corrompido, tão dominado, tão inconsciente, começar a lembrar, a trazer a

consciência de suas partes, seus músculos, sua energia, seus sons,

possibilidades, investigando-o, entregando-se a isso. Com pureza, através dos

pequenos gestos banais como escrever, segurar um copo, sentar-se, caminhar,

respirar. É necessário incluir este corpo, naturalmente, em uma vida integrada,

em simplicidade, e através do trabalho em nosso corpo, fazer o trabalho em

nós. Pois, como diz Sri Aurobindo (1971), “se o que procuramos é a perfeição

de nosso ser, sua parte física não pode ser deixada de lado; pois o corpo é o

suporte material, o corpo é o instrumento que temos de usar.”

3.2.2. A Educação do Vital

De todas as educações, para A Mãe (1977), a educação do vital é

talvez a mais importante e indispensável. Ela tem dois aspectos fundamentais,

diferentes entre si, mas de igual importância. O primeiro está relacionado ao

desenvolvimento e ao uso dos órgãos dos sentidos; e o segundo à

transformação do caráter.

É importante adicionar à uma educação geral dos sentidos e de seu

funcionamento, o cultivo do discernimento e do sentido estético, a capacidade

de escolher e de adotar o que é belo e harmonioso, simples, saudável e puro.

Neste sentido, ela nos lembra que há uma saúde psicológica, assim como uma

saúde física; há também uma beleza e uma harmonia nas sensações, assim

como há uma beleza dos corpos e de seus movimentos. Uma educação

estética, que ensina a criança a apreciar, e reconhecer e amar as coisas belas,

saudáveis, elevadas e nobres, seja na natureza, seja na criação humana, pode

26

protegê-la contra as influências degradantes, vulgares, banais e grosseiras. (Id.

1977)

Com relação à educação do caráter, (Id. 1977), o ponto de partida

fundamental é levar o ser a tornar-se consciente dos diferentes e diversos

movimentos em si, a reconhecer estes movimentos e saber quais são eles e

porque os faz. Isto pode ser ensinado desde a infância, da observação das

suas reações diante dos acontecimentos, dos seus impulsos e de suas causas,

tornando-a uma testemunha de si mesma, de seus movimentos internos. Mas

isto precisa estar associado a uma vontade de progresso e de auto-

aperfeiçoamento. O resultado irá depender deste ideal, pois do valor deste

dependerá o valor do trabalho pessoal nesta direção e seu resultado, o que nos

leva para a educação mental.

3.2.3. A Educação da Mente

De uma maneira geral, a educação mental é a mais conhecida e mais

praticada. Segundo A Mãe (1977), com poucas exceções, a educação mental

da forma como a conhecemos, deixa muito a desejar, sendo ainda muito

incompleta e insuficiente, tendo a instrução como a única coisa necessária

nesse processo. Mas da forma como é dada usualmente, a instrução serve no

máximo como ginástica para aumentar a flexibilidade do cérebro. Uma

verdadeira educação mental, que visa preparar o homem para um encontro

com seu ser verdadeiro, para uma vida superior, tem alguns aspectos de

grande importância, que dizem respeito ao desenvolvimento da concentração e

da capacidade de atenção, a organização das idéias, ao controle dos

pensamentos e ao desenvolvimento do silêncio mental e da calma, bem como

de uma receptividade cada vez maior às inspirações vindas das regiões

superiores do ser.

27

3.2.4. A Educação Psíquica e Espiritual

A possibilidade de uma consciência superior, que vai muito além de

nossa vida cotidiana, é uma realidade, embora escondida em cada ser humano

(Id. 1977). O que não pode ser alcançado pela consciência mental, pode ser

feito pela consciência psíquica e espiritual, a partir de sua própria luz, nos

levando além dos limites da nossa consciência exterior.

Para a Mãe (1977), em geral a educação consiste em tornar a criança

bastante distanciada desse domínio, levando-a a reconhecer e valorizar as

coisas exteriores, considerando-as como as únicas importantes. Isto tem em si

uma medida importante, e de grande utilidade, mas não pode parar neste

ponto. As três educações – física, vital e mental, são o meio de construir a

personalidade, de fazer surgir o indivíduo da massa amorfa e subconsciente,

para fazer dele uma entidade bem definida e consciente de si. Com a educação

psíquica, abordamos o problema do verdadeiro motivo da existência, da razão

de ser da vida sobre a terra, da descoberta á qual esta vida deve conduzir, e do

resultado desta descoberta: a consagração do individuo a seu princípio eterno.

O ponto de partida é procurar em você mesmo o que é

independente do corpo e das circunstâncias da vida, o que não

provém da formação mental que se recebeu, da língua que se

fala, dos hábitos e costumes do meio no qual se vive, do país

em que se nasceu ou da época a que se pertence. É preciso

encontrar nas profundezas de seu ser aquilo que contém em si

um sentido de universalidade, de expansão sem limites, de

duração sem interrupção. Então você se descentraliza, se

espalha, se alarga, você começa a viver em cada coisa e em

todos os seres; as barreiras que separam os indivíduos uns

dos outros caem. (Id. 1977, p. 53)

Mas no que se diferenciam a educação psíquica e a educação

espiritual? A consciência do seu ser psíquico (id. 1977) traz em si a

necessidade da abolição de todo o egoísmo. Mas para a vida espiritual não se

deve mais ter ego. Para alguns isto poderá se chamar Deus; para outros,

Perfeição.

28

E aqui a Mãe nos leva ainda além, trazendo o que no Yoga Integal é

chamado de Supramente. Aurobindo (1972) dá o nome de Supramente ao

dinamismo mais alto da existência espiritual, a plena Consciência-verdade

onde não existe o princípio de divisão e ignorância. Seu caráter fundamental é

o conhecimento por identidade, o conhecedor sendo uno com o conhecido. A

Supramente conhece o Si divino e a verdade inteira da manifestação, tudo vê e

tudo une. Sendo assim, o próximo passo da evolução deve ser em direção ao

desenvolvimento da Supramente e do Espírito como o poder dominante no ser

consciente.

Ao contrário das educações de que falamos até aqui, (id. 1977) cujo

progresso se dá de baixo para cima, através de um movimento de ascensão

das diferentes partes de nosso ser, a educação supramental tem seu

movimento de cima para baixo, propagando-se de estados de ser a estados de

ser, até alcançar finalmente o físico. Muito mais do que do que uma formação

progressiva do ser humano, com o crescimento de suas potências latentes,

ocorrerá então uma transformação da própria natureza, em sua totalidade, com

uma conseqüente ascensão que levará o homem além e acima de si mesmo,

em direção ao super-homem, uma nova raça divina sobre a Terra.

29

CAPÍTULO IV

O PAPEL DA ARTE NA EDUCAÇÃO INTEGRAL

4.1. A Beleza

No mundo físico, segundo A Mãe (2002), a beleza é o Divino em sua

melhor expressão. É neste mundo físico, ou mundo da forma, que a beleza

interpreta, expressa e manifesta o Eterno. O papel da beleza é então colocar

toda a natureza em contato com este Eterno, através da perfeição da forma, da

harmonia, conduzindo a existência em direção a algo mais alto e além.

Numa primeira instância, esta beleza é para nós uma busca pela

satisfação dos sentidos físicos, através da beleza da forma, uma beleza que vai

ao encontro dos nossos impulsos e desejos, de percepção da harmonia e da

perfeição existente no mundo da forma. Mas existe uma alma que sente além.

É a alma da beleza em nós, é esta possibilidade de criar, inventar e reinventar,

que deseja vivenciar e tocar esta beleza em todas as coisas, e que capta este

sentido e esta presença, das menores às maiores manifestações. (Id, 2002).

Barros (2006), nos traz as palavras de outro poeta: “Poesia é a

descoberta das coisas que eu nunca vi.” (MANOEL apud ANDRADE, 1990).

Ele nos lembra do exercício de inventar. E nisso, reinventar-se, encontrar sua

própria voz no meio de tantas vozes distintas. E ele continua: “Tudo que não

invento é falso.” (Id. 1996, p. 67) E é portanto esta alma da beleza em nós que

nos leva ao desejo de manifestar o nosso poder para a beleza, através do

nosso ser estético que se comunica com o mundo, e que pode criar.

30

4.2. A Arte

Em um comentário sobre o Ser Psíquico, Gelewski (1987), afirma que

“toda busca de beleza, quando sincera e intensa, visa tocar o ser nesse centro,

mais profundo, e convidá-lo a ir até lá, através da arte.”

A Mãe (1984) nos conduz a fazer um paralelo entre as disciplinas da

Arte e do Yoga. No centro de ambas está o mesmo princípio e o mesmo

objetivo: nos tornar cada vez mais conscientes. Para vivenciar ambas,

precisamos aprender a ver e sentir algo que está além da nossa visão, além

dos sentimentos comuns. Para que possamos trilhar ambos os caminhos é

necessário que nos voltemos para dentro, que entremos em contato com

coisas mais profundas, e que possamos trazê-las de lá, para o nosso mundo

externo.

Para que possam proporcionar o crescimento da consciência de seus

olhos, os pintores, por exemplo, precisam seguir uma disciplina que é em si,

quase yóguica. A expressão de seu mundo interior através da arte, a

manifestação de sua verdade artística, o mover interno que os leva a ver além

das aparências, propicia um crescimento do artista em consciência através da

concentração, que é a mesma consciência dada pelo Yoga. (Id. 1984)

E neste universo do Yoga, A Mãe (1984) nos fala de uma verdadeira

arte, cuja missão é “expressar o belo em íntima conexão com o movimento

universal.” Além de nos apontar a direção de uma arte que ela denomina

verdadeira, ela também nos aponta um caminho de manifestação da própria

verdade em si. Em tudo, em toda parte, em todas as relações. Manifestar a

verdade no movimento da vida como expressão de beleza e harmonia.

Mas o que seria essa verdadeira arte? Segundo A Mãe (1984), na

busca pela verdade está a busca de si. Seja qual for a sua expressão artística

no mundo, que seja nascida de sua verdade interna, ou do desejo desse

contato com algo único, que represente sua individualidade, seu ritmo e

tonalidade. Um pintor, um músico, um compositor, um poeta, um escultor, cada

um tem seu próprio modo de expressão. Cada um possui, mesmo que não o

31

acesse, um contato pessoal único com o Divino. E através do trabalho que é a

sua própria arte, a que ele busca dominar e compreender, realizar o trabalho

de expressar este contato com o Divino à sua própria maneira e linguagem. Ao

invés de copiar a forma externa da Natureza, a busca da verdade pode levá-lo

a aprofundar seu relacionamento com esta Natureza, pode levá-lo a alcançar o

que está por trás e além, nas profundezas, permitindo que ele possa expressar

isto. E isto sim é o que faz a diferença e transforma sua arte numa arte

verdadeira e viva.

Nosso poeta maior nos reforça esta observação e nos fala também

sobre, o encontro consigo, com sua verdade, sobre essa busca, esse mover-se

para dentro, para expressar-se, em sua própria linguagem, através da arte:

É preciso evitar o perigo de uma degustação contemplativa da

natureza, sem a menor comunhão do ente com o ser. (...) Aos

poetas é reservado transmitir a essência. Vem daí que é

preciso humanizar de você a natureza e depois transfazê-la em

versos. (BARROS,1990, p. 315)

4.3. O valor educacional da arte

Como promover este contato do ser com sua verdade interna? De que

forma a arte pode se tornar base para um tipo de educação que pouco a pouco

venha a se tornar decididamente a ponte para a manifestação de uma nova

consciência na Terra? É visível em todos os âmbitos, a necessidade do ser

humano em desenvolver-se e ir além do que temos visto e vivido. Segundo

Gelewski (1995), a arte é muito mais do que atualmente deixa transparecer e

ainda não foi percebida em toda a sua extensão e realidade, e além disso,

continua sendo muito pouco aproveitada. Em seus aspectos externos, em sua

função de revelar ou reproduzir a forma e beleza material, ela se situa à

margem de uma vida mais intensa, e acaba tendo uma existência distanciada

do ser. Acaba ocupando um lugar repetitivo e isolado., quando deveria se

destacar como valor potencial de nos servir de entrada e de veículo para nossa

própria entrega aos mundos desconhecidos em nós, de nos conduzir através

32

do caminho da transcendência de recantos desconhecidos de nós, mundos que

poderiam nos levar além de nosso alcance mental, que poderiam nos

aproximar genuinamente da intuição de uma beleza real, através do seu poder

de tocar, acordar e transformar.

Mas não deve a arte (Id. 1995), por este motivo, resultar no tão

frequente distanciamento, esnobismo e mistificação de sua função. Ao

contrário, é no meio educacional, desde os primeiros anos de formação do

indivíduo, que esta arte pode ser usada conscientemente como elemento do

nosso caminhar, como alimento para o crescimento de algo novo e de um

muito mais pleno modo de ser, como ajuda real para uma intensificação,

alargamento e fertilização de nossa natureza. E isso não se dará através de

uma cultuação ou intelectualização da arte – o que a distancia de um lugar real

e acessível em nossa vida, muito menos de uma popularização que a banaliza.

É antes, através do sentido, que a arte pode cumprir um papel de nos levar a

experienciar, vivenciar e avaliar, com sinceridade e sem pretensão, com

consciência, cuidado e coragem, de nos levar a agir e comunicar isto, centrado

em uma atitude interior.

E isto também vai muito além de formar artistas, ou mesmo de

descobrir uma vocação para algum tipo de expressão artística. Augusto

Rodrigues, artista plástico e chargista, foi o fundador da primeira Escolinha de

Arte no Brasil, em 1948, cujo objetivo era, dentre outros, o de renovar os

métodos de educação da criança brasileira. Em uma entrevista, Lispector

(2007) o questiona sobre a formação do artista, e quer saber já saiu de suas

Escolinhas de Arte algum nome que pudesse se destacar no plano da arte.

Augusto Rodrigues responde: “Os artistas são raros. Há mais equívocos que

artistas. E eu acredito que o que mais importa na escolinha é que evita

equívocos, ou seja, o falso encaminhamento. Bem, vamos dizer que existem

preconceitos com a arte. Mas se os adolescentes tivessem, no seu processo

educativo, o desenvolvimento de amplas capacidades criadoras certamente

surgiriam, por exemplo, químicos encontrando na química o processo criador.

Ou em qualquer outra atividade humana. Seriam seres livres e criadores.”

33

4.4. Arte e Espiritualidade

Para Aurobindo (2002) existem três níveis em que a manifestação da

consciência humana através da arte se expressa: em sua função estética e de

entretenimento, em sua função educativa e formadora, e finalmente, em sua

função espiritual.

A partir do primeiro nível, o que se propõe é um trabalho de

aprofundamento em que o segundo nível de expressão poderá ser vivenciado e

manifestado, na direção de uma abertura para o reconhecimento de sua

expressão espiritual, ou até mesmo, eventualmente, da própria expressão a

partir deste nível. Considera-se aqui a Espiritualidade como algo além da

religião formal, e é a serviço desta espiritualidade que a arte alcança sua mais

alta expressão. (Id, 2002)

4.5. Da Visão à Prática

Para concretizar sua visão, em 1943 A Mãe abriu uma escola para

crianças, em Pondicherry, Índia. Esta escola veio a se transformar, alguns anos

depois, no Centro Internacional de Educação Sri Aurobindo. Atualmente, a

escola oferece educação do jardim de infância aos níveis universitários, com as

faculdades de Ciências Humanas, Ciências, Letras, Tecnologia, Engenharia e

Educação Física. Há instalações para o aprendizado de desenho, pintura,

trabalhos manuais, música e dança (indiana e ocidental), arte dramática e artes

e ofícios. Há também várias bibliotecas e laboratórios.

O Centro Internacional de Educação Sri Aurobindo trabalha para a

evolução de um sistema de educação integral, de um ambiente que inspira as

crianças a desenvolver os cinco aspectos essenciais de sua personalidade: o

físico, o vital, o mental, o psíquico e o espiritual. O Centro incentiva nos seus

alunos a escolha de seus objetos de estudo sem levar em conta a

especialização ou a pressão na direção da escolha de uma carreira. Na visão

do Yoga Integral, a vida tem um propósito divino e uma das tarefas mais

importantes da educação é levar o aluno a descobrir por si mesmo o objetivo

34

da vida e, além disso, o papel específico que ele mesmo tem em sua própria

história.

O objetivo é colocar em prática uma educação que ajude a criança a

desenvolver seu universo intelectual, estético, emocional, seu ser espiritual e

moral e sua vida comunitária, segundo os impulsos do seu próprio

temperamento e de seu ser. Não se trata, como se pode ver, de uma

abordagem apenas acadêmica, mas de caráter dinâmico e integral. O

conhecimento não é visto como algo que seja destinado a ser dado ao

estudante; ao invés disso, o conhecimento se torna ocasião e material

cuidadosamente selecionado, para que possa ser apresentado de tal de tal

maneira que estimule o aluno a desenvolver uma atividade interior, através da

qual o conhecimento real pode ser evocada a partir de dentro, de si mesmo.

Outros Centros de Educação trabalham na Índia, dentro de uma

perspectiva educadora na visão de uma Educação Integral, dentro dos

ensinamentos do Yoga Integral.

No Brasil, a Casa Sri Aurobindo torna-se uma extensão deste trabalho

da Mãe. Foi fundada no início dos anos 70, pelo educador e bailarino alemão

naturalizado brasileiro, Rolf Gelewski, a partir de seu contato com Sri

Aurobindo e com a Mãe, e de uma profunda identificação com seus

ensinamentos. A Casa tem por finalidade promover o livre desenvolvimento da

consciência, através do estudo da concepção filosófica e formulação prática do

Yoga Integral de Sri Aurobindo e dos ensinamentos d´A Mãe. Este objetivo é

buscado principalmente através da realização de um trabalho de auto-

conhecimento e formação cultural, utilizando sobretudo o instrumental didático-

pedagógico desenvolvido por Rolf.

Ele criou diversas propostas de trabalho envolvendo as diversas partes

do ser (físico, vital, estético-emocional, mental-cultural e espiritual), propostas

estas que são, hoje, a base do trabalho prático da Casa. Neste seu trabalho ao

longo dos anos, Rolf desenvolveu um movimento muito próprio e lançou

propostas para um treinamento e sutilização de nossas faculdades mentais e

35

sensoriais, através do desenvolvimento da percepção estética e musical, do

trabalho com o corpo, da concentração e da interiorização.

O que se almeja alcançar com este trabalho é:

“Colocar-se à serviço da Verdade e ajudar para que um

número crescente de indivíduos se conscientizem da

necessidade de uma nova, mais profunda e mais total visão do

mundo e da vida, abrindo-se ao mesmo tempo aos ricos

potenciais em si mesmos e Àquilo que, desconhecido, para

sempre ultrapassa tudo o que existe.” (CASA Sri Aurobindo,

2003)

Rolf faleceu em 1988. O caminho iniciado por ele continua através de

diversos colaboradores. Atualmente a Casa propõe a vivência do Yoga Integral

através de uma Educação Integral, desenvolvida principalmente através da

linguagem da dança espontânea e criativa, em trabalhos regulares em sua

sede, em Belo Horizonte, e trabalhos semestrais, realizados em eventos

semestrais, de âmbito nacional.

36

CAPÍTULO V

SRI AUROBINDO E MIRRA ALFASSA, A MÃE -

MESTRES DO YOGA INTEGRAL

5.1. Quem foi Sri Aurobindo?

Sri Aurobindo nasceu em Calcutá, Índia, em 15 de agosto de

1872. Recebeu toda a sua educação formal na Inglaterra, para onde foi

enviado por seus pais e onde viveu por 14 anos junto com seus dois irmãos

mais velhos.

Em 1893, aos 21 anos, voltou à Índia, e com o desejo de ir além de sua

cultura ocidental, e iniciou sua procura pela sabedoria e verdade do Oriente.

Estudou o sânscrito e várias línguas indianas, assimilando o espírito da

civilização da Índia. Durante muitos anos foi funcionário do Estado e grande

parte deste período passou-os em silenciosa atividade política, organizando em

segredo um movimento revolucionário, do qual também era o líder. O ideal

deste movimento era a completa independência da Índia. Foi processado

algumas vezes por suas atividades políticas, mas nunca ficava preso por falta

de provas.

Mas em 1908, o governo britânico conseguiu prendê-lo e mantê-lo no

cárcere. E foi justamente nesse período que Sri Aurobindo passou por uma

série decisiva de experiências espirituais que modificaram definivamente sua

vida, determinando o curso de seu trabalho na Terra. Após ser solto, e na

certeza do sucesso do movimento libertador da Índia, Sri Aurobindo retirou-se

do campo político, e respondendo a um chamado interior viajou para

Pondicherry, em 1910. Nesta cidade ao sul da Índia, teve início sua missão

espiritual.

Depois de quatro anos de recolhimento, em 1914, a partir de seu

primeiro contato com Mirra Alfassa, A Mãe, nasceu o jornal filosófico Arya.

Seus trabalhos mais importantes começaram a ser publicados – The Life

37

Divine, The Synthesis of Yoga, Essay on the Gita e The Ideal of Human

Unity. Esses trabalhos incluiam muitos dos conhecimentos interiores adquiridos

em sua prática de Yoga.

SRI AUROBINDO

FONTE: WWW.SRIAUROBINDOASHRAM.ORG

A partir da reunião de todas as verdades essenciais de experiências

espirituais passadas, Sri Aurobindo trabalhou por um método de Yoga, que

pudesse transformar a natureza humana e divinizar a vida neste mundo. Seu

trabalho espiritual tornou-se conhecido como “O Yoga Integral de Sri

Aurobindo”, segundo o qual “Toda vida é Yoga”.

Sri Aurobindo anteviu a possibilidade de uma vida divina na Terra e

lutou por ela. Deixou seu corpo em 1950, aos 78 anos de idade.

38

5.2. Quem foi Mirra Alfassa, A Mãe?

Mirra Alfassa, que futuramente viria a ser conhecida como A Mãe,

nasceu em Paris em 21 de fevereiro de 1878. Estudou arte e música, e se

tornou artista plástica, destacando-se também como pianista e escritora. Mas

seu contato com o Divino teve lugar de destaque desde os primeiros anos de

sua vida.

MIRRA ALFASSA, A MÃE

FONTE: WWW.SRIAUROBINDOASHRAM.ORG

Em suas próprias palavras, ela nos conta um pouco de sua vida

espiritual, ainda na infância:

"Entre onze e treze anos, uma série de experiências psíquicas

e espirituais revelou-me não só a existência de Deus, mas a

possibilidade do homem de unir-se com Ele, de realizá-Lo

integralmente, em consciência e em ação, de manifestá-Lo

sobre a Terra numa vida divina." (A Mãe, p. 18, 1980)

39

Durante alguns anos, a Mãe estudou ocultismo, e iniciou em Paris um

grupo de buscadores espirituais, dando palestras para vários grupos. Casada

com um diplomata, viajou a Índia pela primeira vez em 1914, quando conheceu

Sri Aurobindo, patriota indiano, poeta, filósofo e místico. Apesar de ter ficado

pouco tempo na Índia em sua primeira viagem, a Mãe soube, desde então, que

estava destinada a voltar e trabalhar pela espiritualidade na Terra, ao lado de

Sri Aurobindo. Retornou à Pondicherry em 1920, e de lá não mais saiu.

Muitas pessoas então já buscavam Sri Aurobindo, reconhecendo-o

como um guru, e aos poucos, o número de pessoas foi crescendo. Em 1926 foi

criado o Sri Aurobindo Ashram, cujo trabalho, material e espiritual foi totalmente

confiado para a Mãe.

Sob sua orientação, e durante quase 50 anos, o ashram cresceu e se

tornou uma grande comunidade. Entre outras realizações da Mãe durante este

período estão a criação do Centro Internacional de Educação Sri Aurobindo,

em 1952, e a fundação de Auroville em 1968.

Localizada a oito quilômetros ao norte de Pondicherry, Auroville é uma

cidade internacional, que tem como um dos principais objetivos uma mudança

interior de cada um em si mesmo, e ao mesmo tempo a meta de fazer de

Auroville um modelo onde a busca de solução material e espiritual para as

dificuldades humanas pode ser tentada de uma maneira construtiva.

Sobre seu trabalho ao lado de Sri Aurobindo, ao longo de quase 50

anos, ela disse:

“Eu vim à Índia para encontrar Sri Aurobindo, eu fiquei na

Índia para viver com Sri Aurobindo. Quando ele deixou o seu

corpo, eu continuei a viver aqui para fazer sua obra: servir à

Verdade e esclarecer a humanidade, para acelerar o reinado

do Amor do Divino sobre a terra." (Id. P. 43, 1980)

A Mãe supervisionou as atividades diárias do ashram até a idade de 95

anos, quando deixou sem corpo, em 17 de Novembro de 1973.

40

CONCLUSÃO

Com esta pesquisa pretendi apresentar em linhas gerais o Yoga

Integral de Sri Aurobindo, e a partir deste, a Educação Integral, sistematizada

pela Mãe, a partir dos princípios educacionais do Yoga Integral.

A idéia de uma Educação Integral nos leva além do conhecido caminho

da compreensão da vida e do ser a partir da intelectualidade e do aspecto

mental de todos nós, esse velho caminho que estamos acostumados a trilhar.

Ela nos convida ir além do conhecido modo de funcionamento a que somos

incessantemente ensinados a repetir. Nos convida a enxergar o ser humano

em sua inteireza, reconhecer suas potencialidades e possibilidades, em suas

múltiplas esferas – seu corpo, suas emoções, seu intelecto, sua alma, e sua

ligação com o Divino. Ela nos convida a trabalhar sobre nós mesmos enquanto

seres viventes na Terra, e, enquanto educadores, nos propõe também a fazer,

a partir de nós mesmos, esse convite. E cabe aqui repetir estas palavras:

“...todos são um, tudo é um em sua origem,

mas cada coisa, cada elemento, cada ser tem

como missão revelar uma parte dessa unidade

a ela mesma, e é esta particularidade que deve

ser desenvolvida em cada um, despertando ao

mesmo tempo o sentido da unidade original. É

isto que significa ‘trabalhar para a unidade na

diversidade’. E a perfeição nesta diversidade

está em cada um ser perfeitamente o que ele

deve ser.” (A Mãe, 2002)

A arte, em suas diversas manifestações, surge como mediadora e

fomentadora deste caminho. A beleza, e a Alma da Beleza em nós, é então a

grande meta. Reconhecê-la, trazê-la ao mundo, apresentá-la, desfrutar de sua

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manifestação na vida e em si mesmo, buscá-la. E buscando-a, também

manifestá-la.

A feiúra, o grotesco, o vulgar, o banal e o grosseiro estão impregnados

em nossa sociedade e em nós, em nossos passos e vivências, em nossa

história pessoal e coletiva. De longe ou de perto, em níveis rasos e profundos.

Em nossos olhos e em nossa pele, em nossa respiração e em nossa memória,

nos sentimentos e nos múltiplos registros que cotidianamente se entranham em

nós. Não podemos negar isso. Mas podemos e desejamos iluminar isso.

Podemos buscar a beleza, a harmonia, a sutileza, a delicadeza, o

amor, em nós mesmos, no outro e no mundo. Nas palavras de Jung (1957):

“O amor é um dos mais potentes motores das coisas humanas. Concebemo-lo

como divino e é com justiça que lhe damos esse nome, pois o poder absoluto

da psique sempre se chamou Deus. “

A humanidade caminha na direção de uma evolução, obedecendo a

um movimento permanente que se manifesta na vida e nos seres. No campo

tecnológico, utilitário, o mundo cresce acelerado, mas as questões humanas,

no campo da vida, das relações, e em particular, na educação, clamam por

novos rumos, novas realidades, novo amadurecimento.

A proposta de uma Educação Integral se faz urgente, e com seriedade

e integridade quer e pode nos preparar para iniciarmos uma existência que nos

tire da cópia e da repetição do velho e conhecido viver, e que definitivamente

não está funcionando... Nós sabemos, enquanto educadores, e a partir de

múltiplas referências, que diversas iniciativas educadoras na direção de uma

renovação que vem se concretizando pelo mundo.

Mas a tarefa é imensa. O trabalho é árduo. O processo é complexo. E

é justamente esta complexidade que nos coloca diante da importância,

urgência e necessidade de uma educação evolutiva e global, profunda e

flexível, que nos leve muito além do quase exclusivamente cerebral. Há o risco,

sim, de que a própria idéia de uma educação pela arte ou de qualquer proposta

educadora que deseje ir além deste cerebral possa cair no circuito seguro e

conhecido desta mesma esfera.

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É portanto um convite para descobrirmos, naquilo que já é, naquilo que

nos é conhecido, suas riquezas inerentes, e iluminando-as, colocarmos estas

riquezas a serviço de um despertar, de um aprofundar, através do desejo de

realização de um esforço real de transformação dos esquemas já tão cansados

de si mesmos. Cecília Meireles (1982), nos oferece belamente estes versos:

“(...) Sê sempre o mesmo. Sempre outro. Mas sempre alto.”

E finalmente, deixo registrado o convite que nos faz A Mãe (2002): “O

mundo se prepara para uma grande mudança. Você quer colaborar?”

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