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UNIVERSIADE DE BRASÍLIA UnB INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS IH DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL Ser VAMOS FALAR SOBRE TDAH? UMA ANÁLISE DAS LEGISLAÇÕES A RESPEITO DO TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE NO DISTRITO FEDERAL FELIPE AUGUSTO XAVIER Brasília (DF), Dezembro de 2015. Felipe Augusto Xavier

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UNIVERSIADE DE BRASÍLIA – UnB

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – IH

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL – Ser

VAMOS FALAR SOBRE TDAH? UMA ANÁLISE DAS LEGISLAÇÕES A RESPEITO

DO TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE NO DISTRITO

FEDERAL

FELIPE AUGUSTO XAVIER

Brasília (DF), Dezembro de 2015.

Felipe Augusto Xavier

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VAMOS FALAR SOBRE TDAH? UMA ANÁLISE DAS LEGISLAÇÕES A RESPEITO

DO TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE NO DISTRITO

FEDERAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao Departamento de Serviço Social como

requisito para obtenção de grau de Bacharel

em Serviço Social pela Universidade de

Brasília (UnB)

Orientadora: Prof. Drª. Lívia Barbosa Pereira

Brasília (DF), Dezembro de 2015.

Felipe Augusto Xavier

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VAMOS FALAR SOBRE TDAH? UMA ANÁLISE DAS LEGISLAÇÕES A RESPEITO

DO TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE NO DISTRITO

FEDERAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao Departamento de Serviço Social como

requisito para obtenção de grau de Bacharel

em Serviço Social pela Universidade de

Brasília (UnB)

Orientadora: Prof. Drª. Lívia Barbosa Pereira

Aprovado em 21 de Dezembro de 2015

BANCA EXAMINADORA

Prof. Drª. Lívia Barbosa Pereira

Orientadora/ Departamento de Serviço Social – UnB

Assistente Social Ana Miriam Garcia Barbosa

Examinadora Externa

Mestranda: Ana Paula do Nascimento Barros

Examinadora interna – Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Política Social - UnB

Brasília, 2015

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AGRADECIMENTOS

Agradeço,

Primeiramente à minha mãe pela dedicação e pelo esforço sempre empregou para me

oferecer a melhor educação possível, que diante de todas as dificuldades que é criar um filho o

fez sozinha, sendo a principal responsável pela pessoa que sou e por ter chegado até aqui;

À minha esposa por ter me apoiado durante toda a graduação, pois sempre esteve comigo

ao longo dessa caminhada, principalmente nos últimos meses, o que me possibilitou concluir este

trabalho em tempo hábil;

A todas as professoras do Departamento de Serviço Social da UnB, sem exceção, que me

ofereceram uma ótima formação tanto em conhecimentos acadêmicos, quanto em valores éticos e

morais, pois hoje sei que sou uma pessoa bem diferente daquela entrou, ciente não só das

desigualdades de classe que vivenciamos, como também dos regimes de opressão tão

naturalizados e cristalizados em nossa sociedade, dos quais sem essa formação seria difícil se

manter no esforço para desconstruí-los em mim mesmo;

Às professoras Marcela Soares, Morena Marques, Ângela Neves por terem me oferecido

uma ótima base para compreender as questões teóricas centrais para o Serviço Social;

À Ana Miriam, enquanto minha orientadora de campo de estágio no Adolescentro, e a

toda equipe da instituição, pois foi muito enriquecedor para minha experiência profissional o

período que estive na instituição, sendo decisivo para escolha do tema deste trabalho.

À professora Dra. Lívia Barbosa Pereira, primeiro por ter me aceitado em seu grupo de

estudo sobre deficiência, segundo por ter contribuído imensamente com a minha formação, não

só como orientadora, mas me possibilitando o acesso a um conhecimento teórico pouco

disponível hoje nas disciplinas obrigatórias e optativas ofertadas pelo Departamento de Serviço

Social.

Às colegas Ana Paula, Ana Carolina, Camila e Gisele, do grupo de pesquisa sobre

deficiência, com quem tive oportunidade de conviver e aprender com as nossa discussões nas

reuniões do grupo.

Por fim, a todas(os) amigas(os) que conquistei ao longo desse últimos quatro anos na

UnB, em especial à Ilze, à Gisele, ao Renato, ao Victor Marques, à Gabriela Brasil, à Wemmia,

ao Rafael Ayan, à Natália Ferreira, à Natália Cipriano, à Rayanne Moreira, à Lauana Cristina, à

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Anna Barbara, ao Vitor Ferreira, ao Raphael Bezerra, à Árina Cynthia, à Gil, à Alina, à

Renatinha, ao Kaic, ao Matheus Primo, ao Victor Canato, pela oportunidade de ter convido com

vocês, amadurecido politicamente dentro do movimento estudantil, pelos momentos de

descontração que tivemos, tão importante para aguentar a carga de estudos que somos

submetidos, e por saber que além do conhecimento levarei amizades verdadeiras da minha

graduação.

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“Se as crianças conseguissem que

seus protestos, ou simplesmente suas

questões, fossem ouvidas em uma

escola materna, isso seria o bastante

para explodir o conjunto do sistema

de ensino”.

(Deleuze)

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RESUMO

De acordo com a Associação Brasileira de Déficit de Atenção, o transtorno de déficit de atenção

e hiperatividade é um transtorno neurobiológico reconhecido pela Organização Mundial de

Saúde. Segundo especialistas este transtorno atinge de 3 a 8% de crianças e adolescentes,

permanecendo em mais de 50% dos casos na idade adulta. Mas o debate em torno do TDAH não

é consensual quando se trata de suas causas e de sua existência, e existe um movimento de

pesquisadores que questionam o processo de medicalização excessiva da educação e da

sociedade. Essa é uma pesquisa qualitativa do tipo análise documental que analisou os discursos

presentes as legislações a respeito do transtorno de déficit de atenção no Distrito Federal. No

primeiro capítulo são apresentados os principais pontos do debate sobre TDAH, tanto do ponto de

vista biomédico, quanto do ponto de vista que faz a crítica ao transtorno. O segundo capítulo

relaciona algumas discussões feitas por Michel Foucault sobre os poderes disciplinares e de

normalização com o debate sobre TDAH. Em seguida, no terceiro capitulo, foi mostrado como o

debate do modelo social de deficiência pode ser útil ao debate sobre TDAH. A análise da Emenda

à Lei Orgânica do Distrito Federal nº 66/2013 e da Lei Distrital 5.310/2013 mostra que não houve

participação de pessoas envolvidas com o debate sobre TDAH na elaboração dessas legislações, e

que o discurso utilizado não contribui para o avanço na garantia dos direitos dessa população.

Palavras-Chaves: TDAH; Deficiência; Foucault; Saúde; Educação.

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ABSTRACT

According to the Brazilian Attention Deficit Association, the attention deficit hyperactivity

disorder is a neurobiological disorder recognized by the World Health Organization. According

to experts this disorder affects 3-8% of children and adolescents, remaining at over 50 % of cases

in adulthood. But the debate about ADHD is no consensus when it comes to their causes and their

existence, and there is a movement of researchers who question the process of excessive

medicalization of education and society. This is a qualitative study of document analysis type that

analyzed the laws on attention deficit disorder in the Federal District. The first chapter presents

the main points of the debate on ADHD from both the biomedical point of view and from the

point of view that is critical to the disorder. The second chapter lists some arguments made by

Michel Foucault about the disciplinary powers and standardization with the debate about ADHD.

Then in the third chapter, was shown as the debate of the social model of disability can be useful

to the discussion of ADHD. The analysis of the amendment to the Organic Law of the Federal

District No. 66/2013 and the District Law 5,310 / 2013 shows that there was no participation of

people involved in the debate about ADHD in the preparation of legislation, and that they do not

mean a step forward in ensuring the rights this population.

Key Words: ADHD ; Deficiency; Foucault ; Health; Education

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LISTAS DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABDA – Associação Brasileira de Déficit de Atenção

CAPs – Centros de Atenção Psicosocial

CIF – Classificação Internacional de Funcionalidade, Deficiência e Saúde

DF – Distrito Federal

DSM - Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos Mentais

ELO – Emenda à Lei Orgânica

GDF – Governo do Distrito Federal

ICIDH - Classificação Internacional de Lesão, Deficiência e Handicap

OMS – Organização Mundial de Saúde

ONU – Organização das Nações Unidas

PELO – Projeto de Emenda à Lei Orgânica

PL – Projeto de Lei

PNE – Plano Nacional de Educação

TDAH – Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 11

CAPÍTULO I ............................................................................................................................... 15

1. O debate sobre TDAH .......................................................................................................15

CAPÍTULO II ............................................................................................................................. 31

2. O disciplinamento, a normalização dos corpos e o TDAH .............................................. 31

CAPÍTULO III ........................................................................................................................... 42

3. A discussão do Modelo Social de Deficiência e o debate sobre TDAH .......................... 42

CAPÍTULO IV – Análise dos Dados ......................................................................................... 50

4. Metodologia ...................................................................................................................... 50

4.1 Emenda a Lei Orgânica do DF nº 66/2013 ....................................................................... 52

4.2 Lei 5.310, de 18 de Fevereiro de 2014 ............................................................................ 55

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................... 62

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 65

ANEXOS ................................................................................................................................. 69

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INTRODUÇÃO

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é a principal causa de

encaminhamento de crianças e adolescentes para o atendimento psiquiátrico, sendo o transtorno

“infantil” mais diagnosticado na atualidade (LANDSKRON e SPERB, 2008). Os dados de

prevalência do transtorno estimam que este atinja de 3 a 8% da população infanto-juvenil

permanecendo em mais de 50% dos casos na idade adulta (RODHE e BENZIKZIC, 1999;

ROHDE, 2003).

De acordo com a Associação Brasileira do Déficit de Atenção, o TDAH é um transtorno

internacionalmente reconhecido pela Organização Mundial de Saúde. Segundo a literatura

biomédica, o TDAH é caracterizado pela dificuldade de concentração, hiperatividade e

impulsividade, “devido a uma baixa excitação do Lobo Pré-Frontal do cérebro” (MORAES,

2012) que afetaria o funcionamento do sistema de neurotransmissores, mais especificadamente a

dopamina e a noradrenalina, relacionadas como responsáveis pela atenção e controle dos

impulsos (MUSZKAT, MIRANDA e RIZZUT, 2012). Segundo estes autores, a principal causa

do transtorno seria de origem genética, contudo, fatores ambientais e contextos sociais podem

contribuir para o desenvolvimento do TDAH, ou acentuar suas características, quando já

existente.

O TDAH é um tema polêmico e seu debate é marcado por uma tensão entre pesquisadores

que defendem a importância do uso de medicação para minimizar os efeitos do transtorno e

pesquisadores que criticam o processo de medicalização excessiva da sociedade, com alguns

chegando a questionar a existência do transtorno.

A ampliação de divulgação de informações a respeito do transtorno na mídia e o aumento

expressivo no consumo de Ritalina – medicamento utilizado no tratamento do transtorno – levou

o Brasil ao posto de segundo maior consumidor mundial do medicamento. Isso gerou reação do

Ministério da Saúde e do Conselho Nacional de Saúde orientando que Estados e Municípios

criem protocolos mais seguros para a distribuição de Medicamentos.

Mesmo a literatura biomédica dizendo que o TDAH persiste em mais de 50% dos casos

na idade adulta, a maioria dos estudos que criticam o processo de medicalização tratam o TDAH

como um transtorno da infância relacionado ao processo educacional.

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O interesse em pesquisar sobre o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade

surgiu principalmente por ter sido diagnosticado aos 25 anos com o TDAH. O diagnóstico tardio

me causou prejuízos escolares que só vieram ser compensados já adulto, quando pude iniciar o

acompanhamento psicológico e psiquiátrico, sem os quais talvez não tivesse conseguido chegar

ao término desta graduação, nem tampouco finalizar este Trabalho de Conclusão de Curso, que

me exigiu bastante leitura e dedicação, pois há 05 anos eu não conseguiria imaginar ser capaz de

fazê-lo.

O contato com o tema se estreitou ainda mais após o estágio realizado em 2014 no

Adolescentro, um centro de saúde especializado no acompanhamento de transtornos mentais

leves e moderado em adolescentes de 11 a 17 anos, o que me possibilitou ter contato com outras

pessoas diagnosticadas com TDAH, tendo sido fundamental para o amadurecimento das

reflexões apresentadas nesta monografia.

Além da experiência pessoal e em campo de estágio com o TDAH, foi importante minha

participação no grupo de pesquisa da Professora Dra. Lívia Barbosa Pereira sobre Deficiência,

que estudou, dentre outras coisas, a Lei Complementar nº 142 de 2013 (LC 142/2013), que reduz

o tempo para a aposentadoria das pessoas com deficiência inseridas no Regime Geral da

Previdência Social. Isso contribuiu para que eu fizesse novas reflexões o sobre o tema,

levantando questões até então desconhecidas por mim durante a graduação, como, por exemplo, o

debate sobre deficiência, e contato com autores pouco explorados dentro do Serviço Social.

As experiências e o estudo acumulado durante a graduação me mostraram que é possível

existir diferentes discursos sobre um mesmo objeto, e que estes discursos podem ser

compartilhados e produzidos por diferentes áreas conhecimento, mas não necessariamente os

discursos produzidos dentro de uma mesma área de conhecimento serão homogêneos. Esses

discursos disputam entre si a produção de verdade, contudo, a verdade produzida é mutável e que

hoje pode ser aceito como verdade, amanhã poderá não ser mais, a depender das regras que

regem a formação dos enunciados que são aceitos como verdade científica (FOUCAULT, 2014).

Essas disputas discursivas são perceptíveis no debate sobre deficiência e sobre TDAH. A

inserção de pessoas com deficiência no debate sobre deficiência mudou a compreensão e

aceitação no interior do debate sobre aquilo que se entende por deficiência. A Convenção dos

Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, por exemplo, incorporou um conceito sobre

deficiência que é fruto do debate promovido pelos teóricos do modelo do social da deficiência,

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que passaram questionar a partir da década de 1970 as verdades produzidas pelos saberes

biomédico sobre o que é deficiência (DINIZ, 2007). Houve uma mudança discursiva – fruto de

uma disputa – naquilo que é aceito como verdade sobre o que é deficiência, e essa disputa

também existe dentro do debate sobre TDAH, o que tem influenciado na elaboração de

legislações e políticas públicas.

O objetivo dessa pesquisa foi analisar os discursos presentes na elaboração e tramitação

das legislações existentes sobre o Transtorno de Déficit de Atenção no Distrito Federal. As únicas

duas legislações encontradas e analisadas foram a Emenda a Lei Orgânica do Distrito Federal nº

66/2013 e a Lei Distrital nº 5.310/2013 por meio dos seus respectivos processos que tramitaram

na Câmara Legislativa do Distrito Federal.

A primeira legislação modifica a Lei Orgânica do DF, que é a Lei maior do Distrito

Federal, e determina que o poder público submeta os alunos da rede pública de ensino a testes

para diagnóstico de TDAH, já a segunda inclui o TDAH como condição de acesso à educação

especial, uma modalidade de ensino voltada historicamente para pessoas com deficiência

consideradas incapazes para estarem inseridas na rede regular de ensino.

No primeiro capítulo serão apresentados os principais pontos no debate sobre o

Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, como a história hegemônica do transtorno

defendida pela literatura biomédica, a sua etiologia, a prevalência, os impactos na vida das

pessoas diagnosticadas. Discute ainda, a visão crítica a respeito do TDAH, que o considera como

uma construção social, tentando mostrar dessa maneira a disputa de poder científico que existe na

produção de saber sobre o TDAH.

No segundo capítulo foram relacionados alguns pontos do debate sobre o TDAH com

algumas discussões que Foucault faz a respeito do controle sobre os corpos. Este autor mostra em

suas obras como a disciplina ganha destaque e força na transição do absolutismo para o

capitalismo, se consolidando neste último como uma importante tecnologia de poder presente em

muitas instituições da nossa sociedade, como escola, exército, famílias, etc.

A partir da questão da disciplina que Foucault apresenta, buscou-se mostrar o surgimento

e o aperfeiçoamento de outras tecnologias normalizadoras que funcionam como suporte aos

aparelhos disciplinares, como é o caso da psiquiatria, que se consolida e se generaliza durante o

século XIX – em função da relação em que estabelece com o judiciário – como instituição capaz

de prevenir e controlar os riscos e advindos dos instintos.

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A incorporação do instinto no discurso psiquiátrico penal do século XIX demonstra o

começo de uma mudança epistemológica nesse campo de saber. A partir do instinto a psiquiatria

passa agir no controle dos desvios comportamentais e das condutas morais, que possuem na

norma social estabelecida a principal referência para a patologização desses comportamentos e

dessas condutas. Esse período histórico de consolidação e generalização da psiquiatria, atuando

na prevenção de determinados riscos sociais, coincide com que é retratado na história oficial do

TDAH como sendo o primeiro momento a aparecer na literatura biomédica relatos sobre as

desordens da atenção, mas ainda não associadas ao TDAH.

Outro aspecto importante que se tentou apresentar com Foucault, presente no debate sobre

TDAH, foi a relação entre poder e saber. A produção de conhecimento atual ainda obedece a

critérios metodológicos para a produção e validação de verdades científicas baseados em um

conjunto de técnicas e mecanismos que podem ser identificados no funcionamento dos aparelhos

disciplinares apresentados pelo autor, como, por exemplo, no caso da investigação dos inquéritos

penais, utilizados pelo judiciário como verdades para a determinação de uma pena. Essas mesmas

técnicas presentes no inquérito policial, ainda que de forma diferente, também podem ser

encontradas nas pesquisas científicas na elaboração de verdades acadêmicas.

No terceiro capítulo o objetivo foi trazer o debate da construção do modelo social de

deficiência e a importância que a participação das pessoas com deficiência teve na construção

desse modelo que desafiou e, ainda hoje, desfia os poderes e os saberes biomédicos. Ao

questionar o modelo biomédico que tinha a deficiência como um corpo com lesões que dificulta

ou impossibilita a realização de determinadas atividades, os teóricos do modelo social da

deficiência passaram a defender que são as barreiras físicas e sociais que impedem ou dificultam

as pessoas deficientes de realizarem tais atividades, e não a lesão que os seus corpos carregam

(DINIZ, 2007).

Assim como na deficiência, o que determina o diagnóstico de TDAH são os padrões de

normalidade, porém enquanto naquela a expectativa biomédica se centra nas estruturas corporais

e suas funcionalidades, neste os principais aspectos referem-se à dimensão comportamental, que

também tem na norma, segundo o DSM-V, o principal critério para diferenciar o normal do

patológico.

O modelo social da deficiência e a participação das pessoas com deficiência foi

determinante para adoção do conceito de deficiência que a Convenção sobre os Direitos das

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Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU) utiliza, da qual o Brasil é

signatário desde 2008 (BARBOSA, DINIZ, SANTOS, 2009). A elaboração da Classificação

Internacional de Funcionalidades (CIF), instrumento criado pela Organização Mundial da Saúde

para avaliar a funcionalidade e os determinantes da saúde, também agrega importantes

determinantes sociais que podem ser muito úteis para a discussão sobre o TDAH.

O quarto capítulo trouxe os aspectos metodológicos da pesquisa e a análise das

legislações. Diante da discussão teórica dos capítulos anteriores as hipóteses levantadas neste

trabalho foram que tais legislações foram baseadas no discurso estritamente biomédico, não

contando com a participação de pessoas envolvidas com TDAH tanto na elaboração, quanto na

discussão dos projetos durante o processo de tramitação destas leis, o que ficou evidenciado ao se

analisar os processos de tramitação.

Durante a realização desta pesquisa fui aprovado para o cargo de assistente social do

Departamento Penitenciário Nacional, mas fui eliminado do concurso na avaliação médica por

declarar ter TDAH – mesmo tendo sido aprovado em todas as outras etapas, inclusive na

psicológica que inclui testes de personalidade, atenção e agressividade – devido ao fato de fazer

uso de Ritalina e poder ter que realizar teste toxicológico. Como a Ritalina é um medicamento

derivado de anfetamina, substancia que só pode ser utilizada sob prescrição médica e pelo edital

era passível de eliminação, optei por não arriscar em omitir da banca.

Esse fato demonstra claramente o preconceito e as barreiras que as pessoas com TDAH

enfrentam ou podem vir a enfrentar devido ao preconceito e a falta de informações precisas sobre

o transtorno. Essas barreiras que estão presentes em diversos espaços como escola, trabalho,

relações pessoais, etc., estão associadas a discursos produzidos que consideram o TDAH como

uma condição que pode gerar riscos para si e para terceiros.

Em sua maioria, os assistentes sociais tem nas políticas sociais o lócus privilegiado para a

realização do seu trabalho. Como o TDAH é um transtorno que envolve várias dimensões da vida

do sujeito, como educação, saúde e emprego, torna-se necessário que essa discussão seja feita

pelo Serviço Social, pois existe grande possibilidade que ao longo de suas trajetórias muitos

profissionais venham se deparar com usuários diagnosticados com o transtorno, e a informação é

uma importante ferramenta para garantia dos direitos desses usuários.

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CAPÍTULO - I

1. O Debate Sobre TDAH

O debate sobre o Transtorno de Déficit de Atenção (TDAH) é marcado por uma

polarização entre discursos e saberes. De um lado se encontram aqueles que defendem a

existência do transtorno como uma condição neurológica e psiquiátrica que requer tratamento e

cuidados médicos e psicológicos, e do outro lado pesquisadores de diversas áreas como a própria

medicina, psicologia, fonoaudiologia, pedagogia, dentre outras áreas, que questionam a existência

do transtorno e o insere no âmbito das relações de produção, como uma construção social e

histórica que busca patologizar determinados comportamentos tidos como naturais da condição

humana, na qual chamam de “medicalização” da vida. Existe uma terceira via que reconhece que

o transtorno existe – que é formada, também, por profissionais da saúde e da educação –, mas que

se somente fazem a crítica ao processo de medicalização excessiva da sociedade.

Para efeitos de construção deste texto o debate foi dividido em duas categorias. A

primeira representa os pesquisadores que defendem o discurso hegemônico sobre o TDAH, e o

reconhecem como uma condição clínica que carece de acompanhamento médico; e a segunda

inclui todos aqueles pesquisadores que fazem crítica ao processo de medicalização, englobando

os que negam a existência do transtorno e aqueles a que reconhecem, mas criticam o modelo

pautado exclusivamente na intervenção biomédica.

Entre aqueles que defendem a existência do transtorno estão os Drs. Psiquiatras Luis

Augusto Rohde e Paulo Mattos, responsáveis pelos dois maiores grupos de estudo sobre TDAH

no Brasil, o Programa de Déficit de Atenção/Hiperatividade (PRODAH) da UFRGS, e o Grupo

de Estudos de Déficit de Atenção (GEDA) da UFRJ; e a Dra Psquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva

responsável pela publicação do livro “Mentes Inquietas”, em 2003, que se tornou um “Best

Seller” sobre assunto, difundindo e popularizando informações a respeito do TDAH. Já entre

aqueles que são contrários aos discursos medicalizantes estão a Dra Pediatra Maria Aparecida

Afonso Moysés e a Dra Pedagoga Cecília Azevedo Lima Collares. As duas são pioneiras no

debate contra a medicalização da educação, tendo iniciado suas pesquisas ainda na década de

1980, quando o conhecimento a respeito do transtorno ainda não era tão difundido. Ambas são

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militantes do “DESPATOLOGIZA”, movimento que luta pela despatologização da vida, e são

tidas como referências entre aqueles que seguem essa linha de produção científica e acadêmica.

Essas duas perspectivas que tensionam este debate também tem suas organizações e

representações políticas. A primeira delas é a Associação Brasileira de Déficit de Atenção

(ABDA), que apesar de se intitular como uma associação de pacientes, sem fins lucrativos, criada

em 1999, com a missão de “Divulgar informações científicas sobre o TDAH, capacitar

profissionais da saúde e educação, oferecer suporte através de grupos de apoio e orientação aos

portadores e seus familiares”, – segundo o sítio da própria Associação1 – tem sua diretoria

composta majoritariamente por médicos e psicólogos, merecendo reflexões sobre a efetiva

participação das pessoas com diagnóstico de TDAH dentro da associação, uma vez que a

associação se diz formada por estes. A segunda é o “Fórum Sobre a Medicalização da Educação

e da Sociedade”, criado em 2010, com o objetivo de “articular entidades, grupos e pessoas para

o enfrentamento e superação do fenômeno da medicalização, bem como mobilizar a sociedade

para a crítica à medicalização da aprendizagem e do comportamento2”, mais de 20 entidades

participam do fórum, dentre elas o Conselho Nacional de Psicologia (CFP) e a Confederação

Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Mesmo defendendo a valorização da

participação popular em seus princípios, os desafios que o Fórum propõe para frear o processo de

medicalização são amplamente vinculados a uma produção de saber acadêmico e científico, que

de certa forma restringe a participação popular.

Essa é a ideia central defendida ao longo desse trabalho, a de que existe uma disputa de

poder na produção de conhecimento sobre os indivíduos com TDAH, seja por parte de quem o

pesquisa sob a perspectiva biomédica, seja por parte de quem faça críticas a essa perspectiva, sem

que haja participação efetiva das pessoas que sofrem com o TDAH, direta, ou indiretamente na

construção ativa desses conhecimentos, por ambas as partes. Talvez isso se justifique porque o

debate do TDAH, em sua maioria, gira em torno da discussão sobre em ensino e aprendizagem,

ou seja, em torno de crianças e adolescentes, pessoas que historicamente não costumam ser

ouvidas; ou porque talvez não exista uma organização efetiva e independente das pessoas com o

transtorno.

1 O sítio da Associação Brasileira de Déficit de Atenção é o: www.tdah.org.br 2 A carta de manifesto das entidades que compõem o fórum pode encontra-se no endereço:

www.medicalização.org.br

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O objetivo deste capítulo é trazer os principais pontos e argumentos que fazem parte do

debate sobre o TDAH defendido por essas duas linhas de visões teóricas que polarizam o debate.

O texto está elaborado de forma que seja possível fazer alguns contra pontos entre o que é dito

por uma ou outra parte.

A história oficial do TDAH mais comumente aceita na literatura científica biomédica é

aquela contada pelo médico americano Russell. A. Barkley, referência internacional, tanto sobre

a história do transtorno, quanto ao que se refere hoje sobre a forma como TDAH se apresenta, ou

seja, sua etiologia, sua prevalência, taxas de comorbidades, etc. (CALIMAN, 2010). Nela os

primeiros relatos sobre as desordens de atenção e hiperatividade são de autoria do médico

americano George Still no ano de 1902.

Essa versão sobre a história oficial do TDAH pode ser encontrada também em Rodhe e

Mattos (2003), Silva (2014), Oliveira e Albuquerque (2009), Santos e Vasconcelos (2010) e

Caliman (2010). Caliman (2010) diz que essa não é a única versão existente, mas essa é a que

nasce dentro do campo biomédico, sendo a versão que foi reconhecida entre os pares desse saber

científico, “representando o discurso da legitimidade biológica e cerebral do transtorno”

(CALIMAN, 2010 p.49), que se construiu.

De George Still, no inicio do século XX, até os dias atuais as características que indicam

ou não a presença do transtorno, assim como sua nomenclatura já mudou mais de 10 vezes

(CALIMAN, 2010), o que é usado como argumento por parte de quem não acredita no TDAH

como patologia, para poder desacreditar, ou enfraquecer, a legitimidade científica defendida

sobre a sua existência.

Dentro da psiquiatria os Manuais Estatísticos e Diagnósticos de Transtornos Mentais

(DSMs) da Associação Americana de Psiquiatria são utilizados para descrição e classificação de

todos os transtornos mentais. A primeira versão do DSM foi lançada em 1952 (CALIMAN,

2009), mas antes disso, em 1930, a falta de atenção já se caracterizava como um transtorno,

descrita e chamada de “Lesão Cerebral Mínima”; Em 1968 foi publicada a segunda edição do

DSM e a hiperatividade passou a ser privilegiada em detrimento da atenção, e seu nome mudou

para “Transtorno de Reação Hipercinética” (SANTOS e VASCONCELOS, 2010). Ainda na

década de 1970, no entanto, os estudos se voltaram para os sintomas da desatenção, sob a

influência de Virginia Douglas. Com a comprovação de que não havia nenhum tipo de lesão no

cérebro, em 1980, o transtorno foi reclassificado e renomeado, passando a se chamar “Distúrbio

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19

do Déficit de Atenção” (DDA), quando foi publicado o DSM-III, que passou, também, a

considerar a forma adulta do transtorno.

A maneira como TDAH é conhecido hoje – com a tríade de formas de apresentação:

Desatenta, Hiperativa/Impulsiva ou Combinada – passou a ser reconhecida e defendida no debate

internacional a partir de 1994, já sob a influência de Barkley, um dos principais responsáveis pela

condução dos trabalhos que culminaram na publicação da quarta edição do DSM (CALIMAN,

2009). Em 2013 foi publicada a última e mais recente edição do DSM, mas sem mudanças

significativas para o TDAH (MATTOS, 2013).

Acredita-se que as causas do TDAH – sua etiologia – estejam relacionadas a uma falha

nos processos inibitórios, devido uma disfunção no Lobo Frontal do cérebro e a uma alteração,

qualitativa e quantitativa, na produção de neurotransmissores como a dopamina e a

noroadrenalina (SILVA. 2014). Isso faz com que pessoas com TDAH tenham mais dificuldades

em executar tarefas cotidianas que exijam concentração e planejamento para serem realizadas,

assim como apresentam dificuldades em se manterem organizadas. A falta de atenção faz com

que muitas vezes pessoas com TDAH sejam consideradas desinteressadas pelas atividades que

participam, e comumente apresentem problemas em seus relacionamentos interpessoais (idem). A

falha nos processos inibitórios seria a causa para que pessoa não consiga controlar o fluxo de

pensamentos, mantendo o foco em uma única atividade. Isso contribui para os comportamentos

impulsivos em crianças e em adultos.

Crianças costumam dizer o que lhes vem à

cabeça, evolver-se em brincadeiras

perigosas, brinca de brigas com reações

exageradas – e tudo isso pode lhe render

rótulos desagradáveis, como mal educadas,

más, grosseiras, “estraga-prazeres”, egoístas,

irresponsáveis [...] O adulto terá aprendido a

diminuir determinados riscos vitais, no

entanto seu impulso verbal poderá continuar

a lhe trazer sérios problemas, principalmente

em situações que esteja sob forte impacto

afetivo ou sob pressão pessoal (idem, p.

29)

Esse quadro, segundo Santos e Vasconcelos (2010), resulta de uma combinação complexa

de fatores genéticos, biológicos e sociais, sendo a herança genética o fator mais relevante.

Para alguns autores (MOYSÉS e COLLARES, 1996; SIGNOR, 2003; LUENGO, 2010;

CARVALHO, BRANT E MELO, 2014) o TDAH é uma construção social, e não existe uma

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comprovação científica segura, por meio de exames, que comprove a existência do TDAH, pois

os exames disponíveis muitas vezes são considerados inconclusivos, cabendo então uma análise

clínica muito subjetiva por parte de psiquiatras e psicólogos para diagnosticar o transtorno.

Atualmente os critérios mais utilizados para diagnosticar o transtorno são os que constam

no DSM-V. Nele existem 18 sintomas, ou características, que podem indicar a que a pessoa tenha

TDAH. Dessas 18 características, 09 se referem à forma desatenta de apresentação do transtorno,

e 09 à forma hiperativa/impulsiva, sendo que para que a pessoa seja considerada como possível

portadora de TDAH deve apresentar no mínimo 06 características de uma ou outra forma de

apresentação, e quando ocorre de apresentar 06 ou mais de cada uma das formas tem-se o tipo

combinado. De acordo com o Dr. Psiquiatra Paulo Mattos (2013), até o DSM-IV essas formas de

apresentação eram chamadas de subtipos, o que dava a ideia de serem transtornos diferentes, por

isso houve essa mudança na nomenclatura, para evitar possíveis confusões a esse respeito. Apesar

da mudança na nomenclatura, o DSM-V não trouxe novas mudanças no aspecto sintomatológico

do transtorno, mas mudou a idade de corte na infância para o diagnóstico em adultos. Antes do

DSM-V as primeiras característica do TDAH deveriam ter se manifestado antes dos 07 anos de

idade, passando agora para 12 anos, pois muitas pessoas adultas não se recordavam desta fase da

vida. (idem)

O diagnóstico do TDAH é feito basicamente por meio de entrevistas e anamneses com

psicólogos, psiquiatras e neurologistas. Além das anamneses, que devem levar em consideração

diversas informações a respeito do cotidiano e da vida diária do paciente, podem ser solicitados

alguns exames de imagem cerebral. Entretanto, ao descrever as etapas para o processo de

diagnóstico do TDAH e de identificação de comorbidades – existência de outros transtornos

associados –, Costa, Dorneles e Rohde (2012) afirmam que, em caso divergências nas avaliações

e exames, deverá prevalecer a avaliação clínica psiquiátrica, reforçando assim o poder do saber

médico no que se refere à produção de diagnósticos de TDAH.

Os estudos sobre o TDAH não trazem uma única taxa de prevalência do transtorno,

variando entre 3 a 8% da população infantil (RODHE e BENZIKZIC, 1999; OLIVEIRA e

ALBUQUERQUE, 2009; SANTOS e VASCONCELOS, 2010; SILVA, 2010), permanecendo,

em mais da metade dos casos, na idade adulta (RODHE, 2003; SILVA, 2010).

De acordo com Golfeto e Barbosa (2003), as diferenças metodológicas nos critérios

utilizados para o diagnóstico em diferentes países é responsável pela variação epidemiológica

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entre os mesmos, sendo que o critério, de uma maneira geral, deve trazer informações clínicas

sobre o comportamento da pessoa a ser diagnosticada em pelo menos dois contextos, no caso de

crianças, a casa e a escola, por exemplo.

Ainda de acordo com estes autores, os maiores estudos e informações obtidas sobre o

TDAH são sobre crianças em idade escolar, principalmente no período escolar referente ao

ensino fundamental (de 07 a 14 anos de idade). Para a obtenção dos dados epidemiológicos três

tipos de estudo são utilizados: os estudos de caso, os estudos longitudinais e os estudos

retrospectivos; contudo, estes autores colocam que, para além do tipo de estudo utilizado, um

aspecto fundamental para tais definições é a noção de normalidade, para que esta possa ser

utilizada como medida comparativa entre pessoas da mesma faixa etária, sexo, etc.

Assim como na elaboração de dados epidemiológicos, de prevalência na infância e de

diferenciação de características entre os sexos, os estudos sobre a continuidade dos sintomas na

vida adulta não apresentam uma homogeneidade. Porém, os estudiosos alertam para uma alta

prevalência para nesta fase da vida também, destacando o fato que nesta fase as comorbidades, a

existência de outros transtornos associados, podem dificultar o diagnóstico tardio. Outro aspecto

importante apontado é a relação entre transtorno/criminalidade, gerando um risco maior de

encarceramento para meninos do que para meninas (GOLFETO e BARBOSA,2003).

A maioria dos encaminhamentos para investigação e possível diagnóstico em casos de

suspeita de TDAH deve-se aos prejuízos causados na escola. Entretanto, alguns profissionais e

pesquisadores das áreas da saúde e educação tem resistência em reconhecer o transtorno e as

dificuldades que algumas crianças apresentam como sendo uma questão biológica, genética e

hereditária, argumentando que tais dificuldades se devem às falhas existentes no processo de

ensino/aprendizagem. A fonoaudióloga Rita Signor (2013), relata que muitas vezes os sintomas e

as características que constam DSM-V não se apresentam nas crianças que chegam ao seu

consultório durante a sua prática clínica, e indaga se os sintomas não são construídos no espaço

da escola, conforme evidencia o trecho extraído do próprio artigo: “Percebo que crianças não

são desatentas e/ou hiperativas; são, sim, desinteressadas e manifestam uma relação de

sofrimento com a escola” (p. 1147).

Cecília Azevedo Lima Collares e Maria Aparecida Affonso Moysés, referências e

protagonistas no debate brasileiro sobre medicalização, publicaram em 1996 um livro sobre

preconceito no ambiente escolar relacionado ao processo de medicalização – o primeiro trabalho

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22

em conjunto das duas. O livro é fruto de pesquisas realizadas em Campinas/SP no fim da década

de 1980 e início da década de 1990, e mostra como desde aquela época a medicalização já estava

presente no ambiente escolar. A pesquisa envolveu diretores, professores, alunos de 9 escolas e

equipes de saúde da rede pública daquele município, destacando que, em sua maioria, os

profissionais da educação e alunos selecionados para a pesquisa estavam inseridos em escolas

localizadas nas regiões mais periféricas da cidade. O objetivo era conhecer a percepção dos

profissionais sobre a relação saúde-aprendizagem e identificar, por meio destes, as crianças que

poderiam obter um possível “diagnóstico” para algum tipo de “distúrbio” que estivesse

comprometendo a sua aprendizagem, encaminhando-os, então, para os Centros de Saúde

municipal para um atendimento com os profissionais da saúde.

Dentre as questões levantadas na pesquisa, foi pedido para que as professoras apontassem

aqueles alunos que fracassariam – evadiriam ou reprovariam – ao final do ano, e os resultados

foram surpreendentes: com 94% de acerto de um total de 559 crianças indicadas. O resultado

levou as autoras a crerem estar diante de uma “profecia auto-realizada”, quando as previsões

feitas se realizam por meio daqueles que as preveem. Quando indagadas – professoras e diretoras

– sobre quais seriam os motivos de tais fracassos, ambas afirmaram que a família e as crianças

seriam as principais responsáveis.

A principal causa para a não aprendizagem dessas crianças, na fala das professoras,

seriam os problemas neurológicos que as crianças tinham, apontado por 92,5% delas de um total

de 40 entrevistadas. Para Collares e Moysés, tais problemas neurológicos, tratam-se na verdade

de preconceitos, verdades que foram construídas no meio médico sem a devida comprovação

científica, transformando comportamentos indesejados em patologia.

Os autores que defendem a existência dos

“distúrbios de aprendizagem” não se

preocupam – ou não conseguem – em

estabelecer critérios precisos para seu

diagnóstico. E admita-se, em ciência médica

esses critérios são obrigatórios. Não há

resposta ao ponto central desta questão:

como identificar a criança “disléxica” e mal

alfabetizada (1996, p.108).

Para desenvolver a linha de raciocínio argumentativa as autoras utilizam o exemplo da

dislexia, mas se referem a todas as disfunções neurológicas:

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23

As “disfunções neurológicas” são conhecidas

por vários nomes: DCM (Disfunção Cerebral

Mínima), ADD (Distúrbio de Déficit de

Atenção), distúrbios de aprendizagem,

dislexia, disritmia e outros. Embora

aparentemente existam diferenças entre eles,

há uma circularidade entre todos, pois um

remete ao outro, obrigatoriamente e na

prática todos falam de uma mesma situação:

um padrão de comportamento e/ou

aprendizagem que incomoda, diverge das

normas socialmente estabelecidas (COLLARES e MOYSÉS, 1996, p.

104).

Percebe-se que não se trata de um problema novo, entretanto, esse debate tem ganhado

mais visibilidade nos dias atuais, em função do maior acesso aos meios de comunicação de massa

como a internet, que acabou difundindo informações a respeito desses transtornos, contribuindo

para que fossem incluídos na agenda política de alguns Estados, conforme analisaremos mais a

frente as legislações encontradas na Câmera Legislativa no Distrito Federal.

Na década de 1990, o mercado publicitário norte americano foi um dos responsáveis pela

popularização do TDAH naquele país, momento em que alguns livros sobre o transtorno

alcançaram a marca de “Best Sellers”. É neste período que as organizações de pais e pessoas com

TDAH, nos Estados Unidos, passaram a reivindicar políticas de educação especial que

atendessem às necessidades dessa população, garantindo assim, direitos civis e sociais para as

pessoas consideradas portadoras do transtorno (CALIMAN, 2009). Contudo, o TDAH também

era visto como um fator de risco, “uma ameaça para os ideais de segurança e produtividade

individual e social” (idem, p.138) daquele país, em função dos gastos com saúde e dos problemas

advindos do transtorno, devendo então haver uma política de prevenção para evitar tais prejuízos.

Uma resolução3 do Senado americano reconheceu em 2004 o TDAH como “um dos

problemas mais graves de saúde pública” naquele país, instituindo no dia 07 de Setembro, dia da

independência do Brasil, o “Dia da Consciência Nacional sobre o TDAH” nos EUA

(CALIMAN, 2009, grifos da autora).

No Brasil, o livro “Mentes Inquietas” da Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva, lançado em

2003, também atingiu a marca de Best Seller com mais de 1 milhão e meio de cópias vendidas, e

também é um dos grandes responsáveis pela popularização e disseminação das informações

3 A resolução citada por Caliman (2009) é a 370 (U.S. Senate, 2004)

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referentes ao TDAH no Brasil. Com uma linguagem fácil e acessível, o livro traz informações de

como o comportamento das pessoas com TDAH as prejudicam em suas atividades da vida

cotidiana, seja nos relacionamentos familiares e amorosos, no trabalho, na escola, etc., trazendo

algumas das informações que apresentamos neste trabalho.

Livros como a da Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva foram importantes para a ampliação de

informações sobre o transtorno, mas podem ter sido responsáveis, dentre outros motivos, por um

aumento de pré-diagnósticos individuais por parte de quem tinha contato com tais informações e

se identificavam com as mesmas. Caliman e Rodrigues (2014) realizaram um estudo no Espírito

Santo para compreender a experiência que o diagnóstico causou em pessoas diagnosticadas já

quando adultas. O estudo mostra justamente que essas pessoas muitas vezes têm o contato com o

diagnóstico antes mesmo de irem ao médico, através dos meios de comunicação. Segundo os

autores deste estudo,

O conhecimento sobre o transtorno parece

exercer uma função importante no processo

de voltar-se a si, impulsionado pela

experiência de ser diagnosticado. Acredita-se

que quanto mais se sabe sobre o transtorno,

mais será possível contorná-lo, através de

maior vigilância de si e de seus

comportamentos, possibilitando a estratégias

para lidar com o problema (CALIMAN E

RODRIGUES, 2014, p. 130).

Neste caso não são pessoas encaminhadas por professoras aos consultórios, não se refere

à educação – campo na qual se associa a maioria dos trabalhos contrários à medicalização –, são

pessoas que provavelmente passaram por esse filtro escolar e devem ter chegado à vida adulta

carregando várias dificuldades e vários conflitos que os acompanharam ao longo de suas

trajetórias. Acontece que as pessoas contrárias à existência do TDAH dizem que essas são

características inerentes a qualquer ser humano, que qualquer um pode apresentar algum

comportamento desatento ou hiperativo em determinado momento, conforme é possível ver em

Carvalho, Brant e Melo (2014):

Distração, sentimento de desorganização,

baixa produtividade, frustração, entre outras

manifestações da vida em sociedade, são

confundidas com doenças na

contemporaneidade, com seus modos de vida

conturbados, estressantes, exigentes e

fugazes. Essas manifestações são

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25

consideradas desvios, transtornos ou

anormalidades (p. 599).

Os especialistas Pró-TDAH também defendem que é preciso ter cautela, pois essas

características realmente fazem parte da condição humana, mas o que deve ser levado em

consideração, segundo eles, é a frequência em que isso acontece, e os prejuízos que isso causa em

diferentes contextos (ROHDE, 1999; SILVA, 2010).

O fato é que, em meio a esse debate, o número de diagnósticos aumentou muito no Brasil

na última década. Para Belli (2008), o aumento do diagnóstico tem crescido devido à

conscientização pública a respeito do problema, mas a mídia, assim como nos Estados Unidos,

pode ter colaborado para esse crescimento. De 1999 a novembro de 2015 – período

disponibilizado na ferramenta “Busca CB” no sítio do Jornal Correio Brazilliense4 – 94

reportagens foram publicadas abordando, direta ou indiretamente, assuntos relacionados ao

TDAH, Sendo que desse total 59 foram publicadas entre 2011 e 2015. Ou seja, os ultimo 5 anos

concentram quase 63% das reportagens publicadas em 17 anos, evidenciando que esse debate tem

ganhado visibilidade na mídia. Escolhemos apresentar esses dados relativos às matérias

publicadas no Jornal Correio Braziliense, pois uma dessas matérias foi utilizada como

justificação na apresentação do Projeto de Emenda à Lei Orgânica do Distrito Federal (PELO)

38/2012 que analisaremos mais a frente, mostrando que a mídia não tem influenciado apenas os

diagnósticos, mas também o debate político. É importante ressaltar que, assim como nas

discussões acadêmicas, as matérias não são homogêneas, nem apresentam um consenso a respeito

do transtorno, expressando as tensões e as polêmicas aqui abordadas que envolvem o TDAH,

especialmente a partir de 2010.

Diante das divergências no debate, Santos e Vasconcelos (2010) alertam que existe um

risco de posições extremas no que elas chamam de “Continnum de Diagnóstico”, onde alguns

profissionais tendem a sempre diagnosticar e outros nunca diagnosticar. Já para Paulo Mattos,

Rohde e Polanczyk (2012) o TDAH ainda é subtratado no Brasil, mesmo com a explosão de

consumo de Ritalina no país, um dos pontos mais polêmicos do debate.

Para os especialistas médicos que estudam o TDAH, o tratamento deve envolver a

administração de medicamentos, orientação individual e familiar sobre o transtorno, psicoterapias

4 O Jornal Correio Brazilliense é o jornal impresso de maior circulação no Distrito Federal, além da versão impressa

o jornal possui a versão on line que oferece uma ferramenta de busca por assunto de matérias publicadas em edições

anteriores.

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– sendo a mais indicada a cognitivo-comportamental –, intervenção pedagógica e orientação de

professores (ROHDE, 1999; MATTOS, 2003; BELLI 2008; SILVA, 2010). Porém, o que se

verifica é que muitas vezes o tratamento tem sido reduzido somente à prescrição de medicação,

principalmente quando se refere à rede pública de saúde.

No Distrito Federal, a Ritalina, nome pela qual o Metilfenidato é conhecido

popularmente, é distribuída gratuitamente no Adolescentro, um Centro de Saúde Especializado

no atendimento de adolescentes com transtornos mentais considerados leves e moderados,

localizado no bairro da Asa Sul em Brasília. Contudo, apesar de ser um local de referência no

tratamento desses transtornos, a instituição não consegue absorver toda a demanda pelos seus

serviços. Além do Adolescentro, Brasília conta com o Centro de Orientações Médico

Psicopedagógica, o COMPP, que também não é o suficiente para atender essa população. Se

fossemos levar em consideração o percentual mínimo da variação de prevalência do TDAH na

população infantil e adolescente que é de 3%, e os dados demográficos do IBGE (2010) da

população entre 10 a 19 anos5 no DF – faixa etária que compreende os atendimentos nessas duas

instituições6 –, o Distrito Federal teria por volta de 13.178 pessoas, entre essas idades, com

possíveis diagnósticos de Déficit de Atenção. Sem contar os outros transtornos considerados

leves e moderados que não são objeto deste estudo, evidenciando que somente essas duas

instituições são insuficientes para oferecer um tratamento adequado para quem tem TDAH, pois,

além do DF, essas instituições também absorvem a demanda da região do entorno.

Certamente a falta de instituições para realizar o tratamento adequado é um dos fatores

que contribuem para que o tratamento fique centralizado na prescrição e administração de

Metilfenidato. O Caderno de Atenção Básica em Saúde Mental do Ministério da Saúde (2013)

prevê que o atendimento aos transtornos mentais leves deveriam acontecer na rede de atenção

primaria, em programas como o saúde da família, em articulação com os postos de saúde.

Contudo, em uma vivemos em uma época de sucateamento e precarização das políticas públicas,

onde a falta de investimento nas áreas sociais para favorecer a economia tem gerado ações

focalizadas, contrariando o caráter universal que devem ter as políticas públicas

(BEHRING,2003). Isso se reflete na forma em que o tratamento para o TDAH é oferecido na

5 Segundo o IBGE 2010 a população no DF entre 10 e 19 anos é de 439.269 habitantes. 6 A faixa etária de atendimento no Adolescentro e no COMPP é de 10 a 18 anos incompletos.

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rede pública, priorizando a distribuição de medicamentos, uma vez não existem profissionais

suficientes para oferecer um tratamento adequado.

Mas, por outro lado, é preciso reconhecer alguns avanços ocorridos no Distrito Federal

nos últimos anos. Em 2005 quando fui diagnosticado com TDAH percebi que não havia

instituições públicas que oferecessem tratamento para a população adulta naquela época. Em

2013, quando ainda era membro do Centro Acadêmico de Serviço Social da UnB, realizamos um

debate interdisciplinar com a presença de vários profissionais de diferentes instituições que

atuavam na rede atenção à saúde mental no DF, dentre eles o Dr Ricardo Lins7, e naquele

momento também ficou confirmado que os CAPs do Distrito Federal não faziam acolhimento de

pessoas com diagnóstico de TDAH, devido a este ser considerado um transtorno metal leve8.

Contudo, durante a pesquisa deste trabalho foi verificado por meio contato telefônico com a

Diretoria de Saúde Mental da Secretaria de Saúde do Distrito Federal que hoje as pessoas adultas

diagnosticadas, ou não, com TDAH, já podem realizar acolhimento em todos os CAPs I do DF, o

que se confirmado via telefone por alguns destes CAPs .

Mesmo assim, o debate sobre o consumo de Ritalina merece uma atenção especial, pois é

inegável o espaço concedido, nos estudos sobre TDAH, para atestar a eficácia e a segurança do

medicamento no tratamento do transtorno. Sem contar os livros, artigos e pesquisas que tratam

sobre o assunto, os quais são patrocinados pela indústria farmacêutica, ainda que os autores, por

questões éticas, assumam receber tais financiamentos, a citar, por exemplo, os estudos de Mattos

(2003) e Mattos (2005) financiados pela Novartis, fabricante da Ritalina. Essas questões que

envolvem o financiamento de pesquisa por parte de industrias farmacêuticas precisam ser levadas

em consideração, em virtude dos interesses financeiros que existem com a realização de tais

estudos, mesmo que estes sejam confiáveis.

Collares e Moysés já denunciavam o que poderia resultar dessa prática desde 1996, ao

dizerem que:

É importante ressaltar que todo esse sistema

de preconceitos encobre um promissor

7 O Dr Ricardo Lins é o atual diretor da Diretoria de Saúde Mental da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, e naquele momento era o diretor do Hospital São Vicente de Paula, localizado em Taguatinga. 8 O § 1 do Artigo 1º da Portaria do Ministério da Saúde nº 336/02 que instituí os CAPs diz que “As três modalidades de serviços cumprem a mesma função no atendimento público em saúde mental, distinguindo-se pelas características descritas no Artigo 3 o desta Portaria, e deverão estar capacitadas para realizar prioritariamente o atendimento de pacientes com transtornos mentais severos e persistentes em sua área territorial, em regime de tratamento intensivo, semi-intensivo e não-intensivo, conforme definido adiante” (BRASIL, 2002 - GRIFOS NOSSO)

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28

mercado de trabalho para várias profissões,

com a proliferação de clínicas de tratamento

de “distúrbios” e de “Dificuldades de

aprendizagem”. Porém, há um interesse

econômico muito maior, o das indústrias

farmacêuticas. Existem remédios disponíveis

cuja ação jamais foi comprovada. Apenas se

comprovam os efeitos colaterais prejudiciais

(p. 108).

Mas, de acordo com Filho e Pastura (2003), os psicoestimulantes voltados para crianças e

adolescentes – com destaque para o Metilfenildato – foi a classe dos psicofármacos mais

estudada pós década de 1980, com a realização de estudos bem conduzidos e controlados, que

atestavam a eficácia do medicamento. Quase todos os estudos que abordam e defendem o

tratamento medicamentoso alertam sobre os efeitos colaterais (RODHE, 1999; MATTOS, 2003;

FILHO E PASTURA, 2003), que não são poucos e raros, mas percebe-se uma tentativa de

minimizar tais efeitos como se fosse uma questão de ajuste ao tratamento.

A questão é que em meio a tantas controvérsias e falta de informação, o Brasil se tornou o

segundo maior consumidor mundial de Ritalina, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, o que

fez com que o Conselho Nacional de Saúde publicasse no dia 08 de Outubro de 2015 a

Orientação nº 29 recomendando às Secretárias de Saúde Estaduais e Municipais a criação de

protocolos para a distribuição de Metilfenidato com o objetivo de minimizar os efeitos da

medicalização massiva da sociedade. Segundo o texto do Ministério da Saúde que embasou a

Orientação, uma pesquisa realizada pelo Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual

do Rio de Janeiro (UERJ) aponta que o consumo de Metilfenildato cresceu 775% nos últimos 10

anos, enquanto, nos Estados Unidos, um estudo de metanálise publicado em 2011, pelo

Departamento de Saúde daquele país, indica que os tratamentos somente medicamentosos não

tem sido tão eficazes em comparação com os tratamentos voltados para a orientação familiar e

psicoterapias, questionando a legitimidade de estudos publicados que defendem o uso do

metilfenildato como principal opção para tratar o Déficit de Atenção.

Fora todas essas questões levantadas, estudos como o de Carvalho, Brant e Melo (2014)

mostram que o consumo de Metilfenidato tem crescido entre pessoas que não têm diagnóstico de

TDAH, em especial entre os estudantes acadêmicos, que diante das exigências de produtividade

buscam melhorar os seus desempenhos cognitivos, consequentemente passando a produzir mais

para responder àquilo que lhes são exigidos.

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É incontestável que alguns indivíduos recorrem, no uso de suas autonomias e liberdades, a

artifícios como ingestão de medicamentos para potencializar a produtividade. É preciso que

estudos sejam realizados para identificar o perfil dessas pessoas que tem consumido Ritalina,

pois, em sua grande maioria, a responsabilidade pelo aumento excessivo desse consumo tem

recaído sobre as pessoas diagnosticadas com TDAH, uma vez que não existem dados sobre o

número de diagnósticos, mas existem sobre a distribuição de medicamentos.

O objetivo desse capítulo foi localizar as tendências do debate, que envolve diversos

campos de conhecimento que disputam entre si a verdade sobre o Transtorno de Déficit de

Atenção e Hiperatividade. Mas, independente dessa disputa científica e acadêmica, existem

pessoas que sofrem diariamente por não conseguir corresponder às expectativas do que é

socialmente esperado nas relações interpessoais estabelecidas, seja por causa da condição

biológica do TDAH defendida por uns, seja por causa das estruturas sociais excludentes e

preconceituosas para com certos tipos de comportamento, como defendem outros. O fato é que

temos pessoas e famílias que sofrem com ou sem diagnóstico.

A definição que mais me agrada sobre o que é o TDAH é a da psiquiatra Ana Beatriz

Barbosa Silva. Para ela, o “TDA”, como chama o Transtorno em seu livro, mais do que uma

doença, ou uma patologia – pois se trata de uma condição do natural de quem tem TDAH –, é um

padrão de comportamento, que na sociedade que vivemos causa diversos prejuízos.

Por isso é preciso ter cautela ao se fazer afirmações como a de Rita Signor de que “a

criança não nasce predestinada a ser desatenta ou hiperativa, mas pode tornar-se

“destatenta/hiperativa” em virtude das interações que está inserida” (2013, p.1149). Essa é uma

visão que em nada contribuí para com o sofrimento e a dificuldade dessas pessoas e famílias, pois

atribui exclusivamente a fatores externos os sintomas da desatenção e hiperatividade,

culpabilizando a pessoa e seus familiares pelos contextos em que estão inseridos ao não

reconhecer que essas dificuldades podem sim serem orgânicas.

Não discordo das críticas apresentadas ao processo de medicalização excessiva da

sociedade, pois, também acredito que somente a medicação, sem o auxílio de um

acompanhamento especializado, multidisciplinar não resolve os efeitos negativos produzidos pelo

déficit de atenção. Mas, atribuir exclusivamente a questões biológicas a culpa pelas dificuldades

vivenciadas pelos sujeitos diagnosticados com TDAH, ou exclusivamente aos contextos sociais e

às instituições na qual estes sujeitos se inserem, me parece não ser o caminho adequado.

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As pessoas estabelecem uma relação dialética com a realidade onde estão inseridas. É

preciso reconhecer as limitações individuais das pessoas com Transtorno de Déficit de Atenção e

Hiperatividade, assim como é preciso reconhecer que as diversas instituições da nossa sociedade,

dentre elas a escola, apresentam suas próprias limitações também. Para que assim possam ser

construídas alternativas para que se avance na superação de tais limitações, sem que as mesmas

sejam negadas por uma ou outra parte. Em resumo, é preciso que novos discursos sejam

produzidos levando em consideração os aspectos positivos que cada parte do debate tem a

oferecer.

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CÁPITULO - II

2. O disciplinamento, a normalização dos corpos e o TDAH

Neste capitulo serão relacionados alguns pontos do debate sobre o TDAH como, por

exemplo, o período em que surgem os primeiros relatos ligados ao transtorno, com algumas

discussões que Foucault faz a respeito do controle sobre os corpos, por meio da disciplina, e os

efeitos de normalização resultantes dessas ações.

O conjunto de práticas e procedimentos que surgem, ou se aperfeiçoam, a partir dos

séculos XVII e XVIII, vinculados às mudanças nas estruturas do poder e a uma nova forma de

produção de saber – que tem a ver tanto com a produção de verdades por meio de discursos

científicos, quanto com a regulação das atividades cotidianas das pessoas, baseada na moral

construída – é que será importante para compreender como o debate do Transtorno de Déficit de

Atenção e Hiperatividade pode ser interpretado a partir de Foucault.

É bastante comum encontrar referência a este autor nos trabalhos acadêmicos contrários à

medicalização (LUENGO, 2010; MORAES, 2012; SIGNOR, 2013; RIBEIRO, 2014). Contudo,

esses trabalhos se restringem muito à educação e à psiquiatria como áreas do conhecimento e

instituições responsáveis pelo controle do comportamento e homogeneização das crianças - em

outras palavras, tentam normalizá-las.

Não que essa visão mais estrita esteja errada, pois o próprio Foucault (2014) pontua a

forma “duvidosa” como o saber psiquiátrico se legitimou como saber detentor de uma verdade

científica no campo da saúde mental. O que será mostrado neste estudo, no entanto, é que essa

busca pela normalização não se restringe às áreas educacionais e biomédicas. Os processos

disciplinares e normalizadores se desenvolvem em diferentes instituições – em períodos próximos

e de forma semelhante – e estão relacionados às transformações da idade clássica e da sociedade

moderna, contribuindo para o desenvolvimento do modo produção capitalista e à forma como ele

se estrutura para atender as suas demandas, se inserindo por todo o corpo social.

Os dispositivos normalizadores que agem sobre os corpos estão presentes por toda a

sociedade, permeando e perpassando várias instituições como a família, a igreja, a escola, o

exército, as empresas, etc. A disciplina e seus mecanismos correlatos aparecem como peça chave

no processo que Foucault (2013) chamou de “docilização” dos corpos, que é esse controle

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exercido sobre os indivíduos pelos mecanismos de poder, que sujeita e ajusta as pessoas a um

conjunto de valores e normas que foram constituídos. A questão disciplinar é um dos principais

aspectos levado em consideração quando se diagnostica o déficit de atenção. As perguntas feitas

no questionário SNAP-IV, retirado do sítio da ABDA, que é utilizado no diagnóstico em crianças

(ANEXO I) visam analisar a desatenção, a hiperatividade e a impulsividade, mas na verdade

estão avaliando – de maneira implícita – a capacidade disciplinar dos indivíduos. Pois, o que é a

dificuldade de planejar atividades futuras, de executar tarefas, de seguir ordens, de permanecer

parado por muito tempo, falar em excesso, etc., se não a própria indisciplina?

O método genealógico utilizado por Foucault em suas obras permite identificar a

mudança epistemológica que ocorreu em algumas áreas do saber e na forma como se produz

conhecimento a partir de um determinado momento histórico, podendo ser útil na compreensão

da história oficial do TDAH e do processo de patologização que alguns comportamentos

sofreram. Por genealogia, Foucault explica que é:

uma forma de história que conta da

constituição de saberes, dos discursos, dos

domínios de objeto etc., sem ter que ser

referir a um sujeito, seja ele transcendente

com relação ao campo de acontecimentos,

seja perseguindo a sua identidade vazia ao

longo da história (2014, p.43).

A relação que existe entre poder e saber ajuda a compreender alguns discursos científicos

construídos acerca do TDAH, e como alguns desses discursos se fortalecem ao estabelecerem

conexão com outros. A compreensão de poder em Foucault é algo complexo, pois o poder não

está relacionado somente à repressão ou à dominação de classes por meio dos aparelhos de

Estado – esses são alguns dos seus efeitos –, nem se localiza em sujeitos ou pontos específicos da

sociedade. O poder na ótica foucaultiana envolve o saber, envolve produção de conhecimento, e é

exercido por meio de um conjunto de técnicas e mecanismos que foram aperfeiçoados a partir

idade clássica, mas que não necessariamente surgiram nela, sendo possível identificá-los em

momentos anteriores. O importante nessa relação entre poder e saber é forma como os discursos

foram e são construídos, como ganham legitimidade passando a serem aceitos como verdades:

adquirindo poder. (FOUCAULT, 2013 e FOUCAULT, 2014).

Para chegar à questão da disciplina, propriamente dita, Michel Foucault (2013) analisa as

mudanças ocorridas nos dispositivos punitivos entre os séculos XVII e XIX, assim como os

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objetivos que se pretendiam com tais punições. Ele nos mostra que existe uma relação direta

entre os modelos punitivos e os modos de produção. No sistema absolutista, por exemplo, um

crime praticado não atentava somente contra a vítima direta do delito, pois atingia diretamente o

poder do Rei. Era um atentado contra o poder Soberano, portanto, quem deveria propor o castigo,

ou a pena, – de modo superior ao crime praticado, para que ficasse evidente tal poder – era o

próprio rei. Havia um consentimento da população para que o rei exercesse o seu poder de punir.

O corpo do criminoso era, então, objeto de toda forma de sofrimento, obtido por inúmeras formas

de castigos, que estavam inseridos em uma tecnologia de poder baseada na dor o no suplício, que

pudesse gerar o medo do poder soberano no restante da população. Por isso o suplício era

ostentado, era público, para que todos pudessem ver e sentir medo do poder Real.

Todos os sistemas punitivos requerem, obrigatoriamente, uma verdade que se produza

sobre crime, ligando o criminoso ao crime. Acontece que, na aplicação do castigo pelo poder

soberano não era necessária uma verdade absoluta sobre o crime. O sistema de provas e

constituição da verdade para se chegar a condenação admitia meias verdades, ou semi-provas,

que estavam inseridas em um sistema conhecido como “aritmética das penas” (FOUCAULT,

2013). Essas meias verdades já seriam suficientes para o Rei utilizar do seu direito de punir. Se

houvesse ao menos uma dúvida sobre o crime era porque de alguma forma o crime poderia estar

ali presente, ainda que não estivesse comprovado. Ao criminoso não era dado o direito de acessar

o processo e a acusação detinha os privilégios na produção de saber sobre crime. Outra técnica

utilizada na produção de verdade sobre o crime era o interrogatório baseado na tortura, que ao se

admitir a autoria do delito deixava de ser injusto, pois atingia seu objetivo, o alcance da verdade.

Nota-se que esse sistema visava estabelecer uma demonstração direta do poder Real, mas existia,

por de trás, uma forma de conhecimento utilizado na produção da verdade sobre o crime, ainda

que não fosse confiável. Assim como a elaboração das penas também exigiam um conhecimento

sobre o corpo, pois eram calculadas conforme o crime de cometido e os efeitos que queria se

produzir no corpo de cada criminoso, mas não se questionava a justiça, ou a injustiça, de um Rei,

uma vez que este era considerado o legítimo detentor do poder.

A atrocidade que paira sobre o suplicio

desempenha portanto um duplo papel: sendo

principio da comunicação do crime com a

pena, ele é por outro lado a exasperação do

castigo em relação ao crime. Realiza ao

mesmo tempo a ostentação da verdade e do

poder; é o ritual do inquérito que termina em

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e da cerimônia onde triunfa o poder do

soberano. E ela os une no corpo do

supliciado” (FOUCAULT, 2013, p.55)

Porém, com a Revolução Francesa e a queda dos regimes absolutistas, não se admitia

mais tais arbitrariedades na aplicação das penas, e os castigos deveriam levar em consideração a

humanidade das pessoas. A transição do século XVII para o século XVIII muda a realidade

econômica e demográfica dos países, e isso afeta diretamente a natureza dos crimes e as formas

de criminalidade, exigindo, também, uma mudança no sistema punitivo. O crime cometido, nesse

momento, não atentava mais contra a figura do rei, e sim contra toda a sociedade. O que se

buscava com a reforma do modelo punitivo era a obtenção do exemplo, e não mais do medo do

poder soberano. O castigo deveria ser justo e suficiente para que outras pessoas não se sentissem

motivadas a cometerem tais crimes. “O direito de punir se deslocou da vingança do soberano à

defesa da sociedade” (FOUCAULT, 2013, p.87), sociedade essa, já capitalista e desigual, que

assistiu o crescimento da criminalidade entre as camadas populares contra os bens patrimoniais.

Entre as mudanças ocorridas no interior da engrenagem punitiva está o método de investigação

para a obtenção da verdade. Não serão mais aceitas meias verdades, será necessário que se

comprove o delito: o juiz deverá agir conforme o principio da “convicção íntima”, tornando-se

necessário a participação de outros campos do conhecimento no auxílio à produção dessas

verdades.

Estabelece-então, com a multiplicidade dos

discursos científicos, uma relação difícil e

infinita, que a justiça penal hoje não está apta

a controlar. O senhor da justiça não é mais o

senhor da verdade (FOUCAULT, 2013,

p.94).

Esse é o ponto – não exato, mas que indica uma mudança no processo punitivo – em que

as diversas instâncias do poder-saber começam a funcionar como uma espécie de engrenagem,

onde, apesar de serem distintas, operam em conjunto produzindo uma distribuição do poder. O

objetivo da punição nesse momento não é mais somente atingir o corpo, mas também a alma, o

disciplinamento – mais especificadamente.

Neste período ocorre não só uma mudança no significado das penas, mas também na

forma em que são aplicadas. O corpo passa ser objeto de correção e não mais, exclusivamente, da

dor, “Não se pune, portanto, para apagar um crime, mas para transformar um culpado (atual ou

virtual); o castigo deve levar em si uma certa técnica corretiva” (FOUCAULT, 2013, p.123).

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A transformação que ocorre, mudando o sentido da punição, está relacionada, também, a

uma transformação da sociedade, dos valores morais e da forma de produção. A prisão e o

aparelho judiciário são instituições que servem para Foucault (2013) como um modelo de análise

das técnicas disciplinares, um espelho para analisar outras instituições que também fazem uso de

tais técnicas. Ele parte dos dispositivos punitivos, em seguida analisa uma série de instituições, e

depois retorna para os mesmos dispositivos punitivos, mostrando que essa mudança não está

localizada em único ponto, que é uma transformação estrutural. O castigo, para além de punir,

passa a ter outra função que é de disciplinar. Os mecanismos utilizados pelo judiciário para a

obtenção da verdade sobre um crime, como a investigação e o inquérito, poderão ser encontrados,

ainda que de forma diferente, sendo utilizados por outros saberes na produção de seus

conhecimentos e na busca de suas verdades.

` A disciplina começa a ser então o ponto central para toda uma tecnologia de controle

sobre os corpos. O corpo passa a sofrer intervenções no sentido de potencializarem ao máximo as

suas ações, mas tais intervenções requerem observação, técnicas precisas que permitam qualificar

e separar os sujeitos conforme suas aptidões. Passa a haver uma classificação e uma ordenação

das pessoas de acordo com a suas capacidades, para que cada uma possa receber as investidas

necessárias dos mecanismos de poder para o seu ajustamento disciplinar (FOUCAULT, 2013).

Esses métodos que permitem o controle

minucioso das operações do corpo, que

realizam a sujeição constante de suas forças

e lhes impõe uma relação de docilidade, são

o que podemos chamar as “disciplinas”.

Muitos processos disciplinares existiam há

muito tempo: nos conventos, nos exércitos,

nas oficinas também. Mas as disciplinas se

tornaram no decorrer dos séculos XVII e

XVIII fórmulas gerais de dominação [...] O

momento histórico das disciplinas é o

momento em que nasce uma arte do corpo

humano, que visa não unicamente o aumento

das habilidades, nem tampouco aprofundar

sua sujeição, mas a formação de uma relação

o torna tanto mais obediente quanto é mais

útil, inversamente (FOUCAULT, 2013,

p.133).

As técnicas disciplinares como a cerca, o quadriculamento, o controle do horário, o

melhor aproveitamento do tempo, a classificação, dentre outras, são utilizadas nas instituições

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para maximizar as atividades desenvolvidas. São técnicas que, ao mesmo tempo em que

controlam os corpos, produzem conhecimento sobre eles, ou seja, produzem poder.

Só que para fazer funcionar suas técnicas a disciplina dissemina o seu poder, para que os

menores atos possam ser vigiados, para que os erros possam ser identificados, punidos e

corrigidos, tornando necessária a vigilância e a avaliação constante de cada ato. Nesse contexto, o

exame aparece como um mecanismo de mensuração capaz de avaliar as técnicas disciplinares

para servir de suporte às sanções e recompensas necessárias.

Todas essas técnicas disciplinares que Foucault (2013) analisa minuciosamente e que

passam a fazer parte das práticas pedagógicas do exército, da medicina, etc., podem ser

relacionadas com a discussão sobre o Transtorno de Déficit de Atenção. A exclusão e a

penalização das pessoas que não conseguem aderir aos mecanismos disciplinares não é uma

novidade da contemporaneidade, nem tampouco exclusivo das escolas atuais.

Na oficina, na escola, no exército funciona

como repressora toda uma micropenalidade

do tempo (atrasos, ausências, interrupções

das tarefas), da atividade (desatenção,

negligência, falta de zelo), da maneira de ser

(grosseira, desobediência), dos discursos

(tagarelice, insolência), do corpo (atitudes

“incorretas”, gestos não conformes, sujeira),

da sexualidade (imodéstia, indecência). Ao

mesmo tempo é utilizada, a título de punição,

toda uma série de processos sutis, que vão do

castigo físico leve a privações ligeiras e a

pequenas humilhações. Trata-se ao mesmo

tempo de tornar penalizáveis as frações mais

tênues da conduta, e dar uma função punitiva

aos elementos indiferentes do aparelho

disciplinar: levando ao extremo, que tudo

possa servir para a mínima coisa; que cada

indivíduo se encontre preso numa

universalidade punível-punidora

(FOUCAULT, 2013, p.172).

O exame e a sanção são dois mecanismos que operam em conjunto, pois, um avalia,

separa, classifica e categoriza; o outro corrige e aperfeiçoa, fazendo com que aqueles que sejam

considerados ruins em determinada situação, em relação a outras pessoas, possam alcançar

aqueles que estão a sua frente. A disciplina apoiada no exame, na vigilância e na punição coloca

em operação todo um sistema que normaliza e homogeneíza as pessoas (FOUCALT, 2013).

Mas o que a acontece com aquelas pessoas que, mesmo sob todo o aparato do poder,

escapam ao controle dos aparelhos disciplinares? Se a disciplina com suas técnicas é um

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mecanismo do poder que se aperfeiçoa a partir da era clássica agindo na “docilização” dos

sujeitos – normalizando-os – então, aqueles que não se submetem, ou resistem a esses

mecanismos de alguma forma, são considerados “anormais”, dentro de uma perspectiva moral e

biológica do que seja considerado normal (FOUCAULT, 2011).

É na categoria dos “anormais”, descrito por Foucault (2011), que no presente trabalho

foram inseridas as pessoas diagnosticadas com TDAH. É preciso lembrar que o século XIX é

marcado por uma visão positivista de progresso da sociedade, e por uma compreensão darwinista

do desenvolvimento humano, que influenciou o desenvolvimento de algumas áreas do

conhecimento, afetando, também, a organização da sociedade e as relações sociais (FOUCAULT,

2011; 2014).

Ao olhar para os discursos judiciários do fim do século XVIII e do século XIX, após a

reforma jurídica de 1810, que aboliu o sistema punitivo absolutista baseado no suplício, Michel

Foucault (2011) percebe que o saber judiciário se vincula ao saber médico-psiquiátrico,

modificando tanto a prática jurídica, quanto a prática psiquiátrica.

A partir da análise de exames médico-legais ele vai identificar a presença de três figuras

que seriam consideradas como “anormais”, que são: “O monstro”, “O indivíduo a ser

corrigido” e “a criança masturbadora”.

Com a reforma do sistema jurídico era preciso identificar a racionalidade do crime para

estabelecer a pena e identificar os motivos e as causas que levaram o sujeito a pratica do delito,

de modo que as penas pudessem não só punir o criminoso, mas servissem de exemplo para as

demais pessoas. Porém, alguns crimes fugiam à proporcionalidade que as penas poderiam

alcançar, em virtude da barbaridade e crueldade que apresentavam. Segundo Foucault (2011), o

artigo 64 do código penal francês de 1810 dizia que na presença da loucura não poderia haver

crime, pois nesse estado a pessoa não estaria dotada de razão, e nem ciente dos seus atos. É diante

de tais crimes que surge a figura do “monstro”, algo que extrapola os limites legais, requisitando

da psiquiatria que em crimes como esses identificasse a presença, ou não, da loucura.

Foucault (2011) utiliza alguns casos emblemáticos para demonstrar e desenvolver sua

argumentação, como: O caso Sélestat, que conta a história de uma mulher que matou a filha,

cortou-a em pedaços e a comeu, em 1817, quando ocorria uma fome severa na Alsácia,

utilizando-o como exemplo para apontar a figura do monstro antropófogo; o caso Papavoine, um

homem que assassinou duas crianças que não conhecia, pois imaginou reconhecer nelas duas

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filhos da família real – demonstrando nesse caso a figura do monstro regicida; um caso ainda

mais emblemático, que é o caso de Henriette Cornier, uma moça que pediu para a vizinha deixá-

la cuidar de sua filha bebê enquanto esta estivesse fora, e quando a mãe saiu matou a criança,

depois cortou sua cabeça e em seguida jogou pela janela no momento em que a mãe retornou,

aparentemente sem motivo. Esse último caso é importante, pois Foucault identifica nele, não o

momento específico, mas a época que ocorre uma mudança no discurso psiquiátrico.

Henriette Cornier foi submetida, de acordo com Foucault, a vários exames psiquiátricos

que constataram não se tratar de uma pessoa em estado de loucura – nem no momento e nem

após o crime – portanto, ela poderia ser punida pelo crime que cometeu. E isso que torna esse

caso ainda mais emblemático, pois se ela não era louca, os médicos e juristas estariam diante de

um crime com ausência de interesse, sem motivação, o que dificultaria identificar a racionalidade

do crime, ligar o criminoso ao ato cometido, fugindo do alcance das punições previstas naquele

ordenamento jurídico.

De acordo com Foucault (2011), a psiquiatria se constitui no fim do século XVIII e início

do século XIX como um saber especializado na higiene pública, transformando a loucura em

perigo, alegando somente ela ser capaz de preveni-lo, pois seria capaz de enxergá-lo onde

nenhum campo do conhecimento conseguiria percebê-lo. Nesse sentido, só a psiquiatria enquanto

um poder e saber científico teria os meios necessários para analisar um crime sem razão.

Por um lado, o crime sem razão é o

embaraço absoluto para o sistema penal. Não

se pode mais, diante de um crime sem razão,

exercer o poder de punir. Mas, por outro

lado, o da psiquiatria, o crime sem razão é

objeto de uma imensa cobiça, porque o crime

sem razão, se se consegue identificá-lo e

analisá-lo, é a prova do poder da psiquiatria,

é a prova do seu saber, é a justificação do seu

poder (FOUCAULT, 2011, p.104).

Voltando ao caso de Henriette Cornier, a acusação vai dizer que o crime foi cometido sem

uma razão inteligível, e é justamente por causa dessa ausência de interesse, que a defesa, por

meio do psiquiatra contratado para defendê-la, irá alegar a existência de um processo patológico.

Surge, então, a presença do instinto para explicar atos monstruosos. Henriette Cornier teria sido

movida por um desejo incontrolável de matar, que estaria associado ao seu instinto.

É a partir do instinto que toda a psiquiatria

do século XIX vai poder trazer às paragens

da doença e da medicina mental todos os

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distúrbios, todas as irregularidades, todos os

grandes distúrbios e todas pequenas

irregularidades de condutas que não

pertencem à loucura propriamente dita. É a

partir da noção de instinto que vai poder se

organizar, em torno do que era outrora o

problema da loucura, toda a problemática do

anormal, do anormal no nível das condutas

mais elementares e mais cotidianas (FOUCAULT, 2011, p.112).

O instinto vai permitir, a partir de 1840, a generalização do poder psiquiátrico. Se em um

determinado momento ele foi o responsável pela junção entre e o poder judiciário e o poder

psiquiátrico, a partir da explicação dos crimes com ausência de interesse, dando uma nova

inteligibilidade ao poder punitivo, agora, ele passará a garantir à psiquiatria a atuação na

manutenção da ordem e da segurança pública contra os perigos que determinados

comportamentos possam oferecer. Para Foucault (2011), esse é o verdadeiro nascimento da

psiquiatria, o momento em que ela deixa de ser, enquanto especialização médica, apenas uma

teoria da alienação, e passa funcionar na medicalização das condutas. A internação voluntária,

permitida por lei, a partir de 1838, na França, vai garantir à psiquiatria um estreitamento com as

relações familiares. Os comportamentos perigosos e as relações perturbadoras poderão sofrer

intervenções da família em conjunto com a psiquiatria, que passará “colaborar” não só com a

família, mas, também, como outras instâncias disciplinares como a escola e a vizinhança, atuando

no que Foucault chamará de “restos das instancias disciplinares” (2011, p.138).

Essa mudança discursiva e epistemológica na psiquiatria que ocorrerá a partir da

patologização das condutas com base no instinto terá como um dos pilares a discrepância desses

comportamentos em relação à norma e, também, a relação entre ação voluntária e involuntária

desses comportamentos: aquilo que se controla e o que não se controla e que, portanto, pode vir a

oferecer perigo. Esse novo discurso psiquiátrico será fortalecido e aceito na medida em que for se

articulando ao saber médico neurológico, que irá lhe servir de suporte argumentativo ao seu

discurso.

Nesse momento, com o aparecimento do indivíduo a ser corrigido, não será mais somente

a figura do “monstro” o grande problema para a justiça. Esse indivíduo que por estar próximo à

norma será difícil de ser identificado com precisão, caracterizando-se por essa figura que escapou

aos mecanismos disciplinares, se tornando objeto da psiquiatria, sofrendo diretamente as

intervenções para a correção de suas condutas.

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Tudo o que é desordem, indisciplina,

agitação, indocilidade, caráter recalcitrante,

falta de afeto, etc., tudo isso poderá

psiquiatrizado agora [...] Vamos ter portanto

uma verdadeira ciência médica, mas que terá

por objeto todas as condutas: verdadeira

ciência médica, já que vocês têm essa

ancoragem pela neurologia, na medicina, de

todas as condutas, por causa da explosão

sintomatológica (FOUCAULT, 2011, p.104).

Não é à toa que as primeiras referências citadas na história oficial do TDAH por Barkley

remontam ao fim do século XIX e início do século XX, quando a hiperatividade e a desatenção

começam a figurar no discurso científico da época, destacando os estudos de George Still

publicados em 1902 (OLIVEIRA e ALBUQUERQUE, 2009; SANTOS e VASCONCELOS,

2010).

Calimam (2010) critica Barkley por descrever os estudos de Still como sendo os primeiros

a identificar na literatura médica os sintomas da hiperatividade e da desatenção, buscando

associar estes estudos com o surgimento TDAH. Para Calimam, os estudos de George Still

tratavam de uma desordem moral no comportamento das crianças, onde as punições não surtiam

efeito. Essas questões morais, no entanto, não são mencionadas na história oficial do TDAH,

somente as possíveis explicações biológicas para essas desordens, que ainda assim eram muito

vagas, e portanto não teria como ligar uma coisa a outra.

O ponto é que tanto na história oficial sobre o TDAH, quanto nos estudos de Foucault, a

questão da patologização dos comportamentos e da prevenção do perigo, oriundos de

comportamentos que ofereçam “riscos”, aparece no mesmo momento histórico que ocorrem as

mudanças no discurso médico-psiquiátrico. Mas o que Foucault nos aponta é que esses discursos

não são produzidos aleatoriamente, eles estão interligados por mecanismos de poder e saber, que

atravessam várias instituições que disciplinam e normalizam as pessoas desde a idade clássica, e

a psiquiatria é só mais uma peça que surge dentro dessa engrenagem, dando um novo significado

para os comportamentos que destoam da norma.

Isso corrobora a ideia aqui defendida, de que o TDAH não é fruto de um processo recente

de patologização da educação. Os comportamentos que encontram dificuldades em aderir os

mecanismos disciplinares tornam-se objeto de outro campo de poder, a psiquiatria. Mas, isso não

significa que as pessoas que apresentam tais comportamentos não sofram as sanções que os

mecanismos disciplinares impõem.

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41

A lógica atual ainda continua sendo a mesma, a sociedade permanece com as suas

estruturas disciplinares, e quem não se adapta a elas entra para o campo da anormalidade.

Calimam (2009) aponta que na década de 1990 o TDAH nos Estados Unidos passou a ter, por lei,

o direito a educação especial. A maior preocupação do governo era com os riscos de “futuros

problemas médicos, sociais e econômicos” (2009, p. 139), sendo o tratamento uma das formas de

prevenção da criminalidade, no que ela diz ser um processo recente de biologização da

psiquiatria.

O problema é que nessa estrutura que envolve os diferentes tipos de aparelhos

disciplinares a prisão continua figurando como uma importante instancia em pleno

funcionamento, e Paulo Mattos (2006) mostra que a taxa de prevalência do transtorno na

população carcerária é superior à encontrada no restante da população, tanto em adultos, quanto

em adolescentes. Por um lado, isso reforça o discurso que associa o transtorno ao perigo da

criminalidade, e, por outro, evidencia que o tratamento possa ser uma alternativa para que a

instância disciplinar final não seja a prisão.

Entre o início do século XX e hoje, muitas mudanças ocorreram nas práticas pedagógicas,

na forma de reprodução material da sociedade, nas relações de trabalho, nas relações familiares,

nas políticas públicas, etc., mas não deixamos de viver em uma sociedade disciplinadora e

normalizadora e, portanto, não basta apenas uma mudança nas práticas escolares para romper

com o preconceito que as pessoas diagnosticadas com TDAH sofrem, seria preciso uma mudança

estrutural na sociedade.

É a partir da lógica do disciplinamento e de seus discursos que classificam, separam e

excluem as pessoas que resistem a esse processo, transferindo-os para outras instituições

normalizadoras que as análises deste trabalho monográfico serão realizadas.

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CAPÍTULO - III

3. A discussão do Modelo Social de Deficiência e o debate sobre TDAH

O debate sobre deficiência sofreu alterações significativas nas últimas cinco décadas. Em

especial, após a entrada dos teóricos do modelo social de deficiência na década de 1970 (DINIZ,

2007). Os teóricos do modelo social foram os primeiros a denunciar a exclusão vivida por

pessoas deficientes, em função de suas lesões, se tornando um movimento revolucionário,

contestando o saber e o paradigma biomédico sobre o que é deficiência.

O percurso percorrido até o reconhecimento dos direitos civis e políticos das pessoas com

deficiência não foi fácil. Vista como monstruosidade e objeto de exibição para o entretenimento

por meio dos “freak-shows”9 até o início do século XX (COURTINE, 2008), a deficiência passa

a ser objeto de intervenções da prática médica, também no início do século XX, “com o intuito de

reverter ou atenuar os sinais de anormalidade” (DINIZ, PEREIRA e SANTOS, 2009, p. 68).

O entendimento biomédico sobre deficiência refere-se a um corpo fora dos padrões de

normalidade, tanto quanto a seu funcionamento, quanto às expectativas sociais definidas

moralmente sobre o que é necessário para que uma pessoa execute suas tarefas cotidianas

(DINIZ, 2007; DINIZ, PEREIRA e SANTOS, 2009).

Os teóricos do modelo social da deficiência da 1ª geração vieram denunciar essa estrutura

social excludente, que eliminava os corpos com lesões da participação nas atividades públicas,

restringindo-os ao confinamento doméstico, ou a instituições que os afastassem do convício

social. Para estes teóricos a deficiência não era uma tragédia pessoal, e sim uma das diversas

formas de corporeidade que as pessoas podem vir a experimentar ao longo de suas vidas,

denunciando que a exclusão sofrida por parte dos deficientes se davam quase que exclusivamente

por conta das diversas barreiras impostas a eles pela sociedade, que não considerava suas

particularidades (DINIZ, 2007).

Ao denunciar as barreiras que a sociedade lhes impunham, os teóricos do modelo social

da deficiência tiraram o debate do campo estritamente biomédico, transformando-o em um debate

político sobre justiça social (idem). Esse debate ganhou força com a ampliação da produção

9 Os freak-shows eram espetáculos de exibição de monstruosidades como a mulher barbada, gêmeos siameses, etc.

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acadêmica por parte de pessoas deficientes que assumiram o protagonismo da discussão teórica e

política sobre deficiência, incorporando o lema “nada sobre nós, sem nós”10 (FONSECA, 2012).

Os teóricos da primeira geração do modelo social representaram um avanço para o debate,

mas algumas lacunas deixaram de ser preenchidas. Formado em sua maioria por homens com

lesão medular, os teóricos dessa geração tinham forte resistência à noção de cuidado. Para eles a

eliminação das barreiras ambientais seria condição suficiente para que as pessoas deficientes

pudessem ser inseridas no mercado produtivo, alcançando assim a independência – entendida

como um valor ético apara esses teóricos –, ignorando, dessa forma, outras maneiras de

existência corporal que requerem cuidado contínuo (DINIZ, 2007).

A entrada das feministas no debate problematizou essas questões ao colocar na discussão

a questão das cuidadoras, pessoas não deficientes que também reclamavam autoridade discursiva

sobre a deficiência, a partir de outro olhar, o de quem cuida. Elas mostraram que as dimensões do

cuidado e da interdependência fazem parte da condição humana, e que ninguém vive em

condições de independência plena, sendo necessária a colaboração mútua entre as pessoas para o

desenvolvimento pessoal e coletivo das pessoas ao longo da vida (idem).

Na década de 1980 a Organização Mundial da Saúde (OMS) elaborou a Classificação

Internacional de Lesão, Deficiência e Handicap (ICIDH), representando um retrocesso aos

avanços conquistados pelos teóricos do modelo social. A ICIDH devolveu para o corpo a

responsabilidade para as restrições de participação vivenciadas pelas pessoas com deficiência,

fortalecendo novamente a cultura da normalidade – que nunca deixou de estar presente – sendo

elaborada sem a participação de pessoas que vivem a experiência da deficiência, o que levou os

teóricos do modelo social a denunciarem seu equívoco na relação de “causalidade entre lesão e

deficiência” (idem, p. 44). Ou seja, na ICIDH as lesões levariam à deficiência, sendo esta

entendida como a restrição de participação ou dificuldade de realizar uma tarefa em função da

lesão que, por sua vez, poderiam resultar em desvantagens pessoais, chamadas de “Handicap”.

Essas distorções foram revistas com a Classificação Internacional de Funcionalidade,

Deficiência e Saúde (CIF). Publicada em 2001, a CIF contou com a participação de pessoas

deficientes na sua elaboração (DINIZ, 2007). A publicação da CIF, que ao considerar as funções

do corpo, a estrutura do corpo, as atividades e participação e os fatores ambientais para a

10 FONSECA (2013) traz em seu artigo a versão original “nothing abhout us without us”, traduzida por ele para “nada a nosso respeito sem a nossa participação”, que, apesar de também estar certa, é utilizada pelos usuários de droga no debate sobre a legalização das drogas.

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classificação das deficiências, rompeu com o paradigma estritamente biomédico adotado pela

OMS para “a classificação dos impedimentos corporais” (DINIZ, PEREIRA e SANTOS, 2009,

p. 70).

O acúmulo das discussões sobre deficiência e a mobilização política dos segmentos de

pessoas deficientes organizados fizeram com que em 2006 fosse elaborada a Convenção sobre os

Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, sendo ratificada pelo Brasil em 2008 (DINIZ,

PEREIRA e SANTOS, 2009), adquirindo status de emenda constitucional com promulgação do

Decreto Legislativo nº 186/2008, e posteriormente sendo sancionada pelo Decreto Presidencial nº

6.949/2009, entrando para história brasileira como o primeiro tratado internacional a ganhar força

constitucional (FONSECA, 2013).

O preâmbulo da Convenção reconhece que deficiência é um conceito em evolução, e que

resulta da interação entre as pessoas com deficiência e as diversas barreiras existentes na

sociedade (SDH, 2014). Esse conceito é reafirmado no artigo 1º da Convenção ao definir pessoas

com deficiência como sendo aquelas que:

Tem impedimentos de longo prazo de

natureza física, mental, intelectual, ou

sensorial, os quais, em interação com as

diversas barreiras, podem obstruir sua

participação plena e efetiva na sociedade em

igualdades de condições com as demais

pessoas (idem, p. 26).

Essa compreensão da deficiência como resultante da interação entre os impedimentos

corporais e as diversas barreiras existentes na sociedade, promovida pela discussão levantada

pelos teóricos do modelo social da deficiência, não nega a importância dos avanços da medicina

no tratamento e na reabilitação dessas pessoas, mas essa não pode ser a condição “sine qua non”

para lidar com a questão da deficiência (DINIZ, PEREIRA e SANTOS, 2009, p. 70).

Mas, o que tem a ver o debate sobre deficiência com o debate sobre TDAH? Apesar de

não ser considerado deficiência para efeitos de acesso a determinados direitos, o TDAH é

colocado junto a outros impedimentos na Lei Distrital 5.310/13 que será analisada mais adiante,

portanto, nosso segundo marco de analise será a Convenção dos Direitos das Pessoas com

Deficiência, uma vez que esta possui força constitucional, por isso deve ser levada em

consideração na elaboração de toda e qualquer política que trate sobre deficiência.

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45

Entretanto, outros pontos merecem reflexão no que diz respeito ao TDAH e ao conceito

de deficiência incorporado pela Convenção, pois esse é um importante marcador para que se

amplie ou restrinja o acesso a alguns direitos já existentes em nossa legislação. O objetivo não é

forçar que o Transtorno de Déficit de Atenção seja reconhecido como deficiência, até mesmo

porque a Convenção exige que sejam levadas em consideração as diversas barreiras existentes,

fazendo com que em um contexto uma pessoa possa ser considerada deficiente, mas em outros

não. O que se pretende neste trabalho é apenas provocar algumas reflexões para que sejam

amadurecidas futuramente e incorporadas ao debate.

O primeiro ponto a ser levado em consideração refere-se aos impedimentos mencionados

na Convenção que contemplam os de natureza “física, mental, intelectual, ou sensorial”,

contudo, existe uma dificuldade em definir precisamente o que seria abarcado dento dos

“impedimentos mentais”.

Dentro da CIF, na parte relacionada às funções do corpo, tem uma parte que trata das

“funções mentais específicas”, onde se encontram as “funções da atenção” e o “controle

psicomotor”, funções essas prejudicadas nas pessoas diagnosticadas com o TDAH. Apesar de ter

incorporado os contextos sociais e ambientais, a CIF ainda descreve a deficiência com um viés

ainda biomédico, como se pode ver:

(5) As deficiências correspondem a um

desvio relativamente ao que é geralmente

aceite como estado biomédico normal

(padrão) do corpo e das suas funções. A

definição dos seus componentes é feita

essencialmente por pessoas com competência

para avaliar a funcionalidade física e mental,

de acordo com esses padrões. (6) As

deficiências podem ser temporárias ou

permanentes; progressivas, regressivas ou

estáveis; intermitentes ou contínuas. O

desvio em relação ao modelo baseado na

população, e geralmente aceite como normal,

pode ser leve ou grave e pode variar ao longo

do tempo. Estas características são

consideradas posteriormente em descrições

adicionais, principalmente nos códigos,

através de um qualificador que se acrescenta

ao código e do qual fica separado por um

ponto (OMS, 2004, p. 15).

Mas, no contexto da CIF, é possível que uma pessoa se enquadre em situações onde suas

funções corporais sejam consideradas fora dos padrões de normalidade, porém não apresente

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problemas de funcionalidade – dificuldades na execução de determinadas atividades –, contudo

sua participação em tais atividades pode ser comprometida em virtude de algumas barreiras,

como mostra o trecho a seguir retirado da CIF:

(5) As dificuldades ou os problemas nesses

domínios podem surgir quando há uma

alteração qualitativa ou quantitativa na

maneira como são realizadas as funções

nestes domínios. As limitações ou restrições

são avaliadas em comparação com um

padrão populacional geralmente aceite. O

padrão ou a norma com o qual se compara a

capacidade ou desempenho de um indivíduo

correspondem à capacidade ou desempenho

de uma pessoa sem a mesma condição de

saúde (doença, perturbação ou lesão, etc.). A

limitação ou restrição encontrada mede a

discordância entre o desempenho observado

e o esperado. O desempenho esperado é a

norma populacional, que representa a

experiência de pessoas sem essa condição de

saúde específica. A mesma norma é utilizada

no qualificador de capacidade de maneira

que seja possível inferir o que pode ser feito

ao ambiente do indivíduo para melhorar seu

desempenho. (6) Um problema de

desempenho pode resultar directamente do

ambiente social, mesmo quando o indivíduo

não tem nenhum a deficiência. Por exemplo,

um indivíduo VIH positivo sem nenhum

sintoma ou doença, ou alguém com uma

predisposição genética para uma determinada

doença, pode não apresentar nenhuma

deficiência ou ter capacidade suficiente para

trabalhar; no entanto, poderá não o fazer

porque lhe é negado o acesso ao trabalho,

por discriminação ou estigma. (OMS, 2004,

p. 18).

De acordo com a OMS (2004), a Classificação internacional de Doenças em sua Décima

Revisão (CID-10) e a CIF são instrumentos complementares, pois a primeira refere-se aos

estados de saúde abordando aspectos etiológicos, e a segunda à incapacidade e à funcionalidade,

relacionadas a esses estados de saúde.

Na CID-10 o Transtorno de Déficit de Atenção e hiperatividade é descrito com o código

F. 90, e está dentro do capitulo V, que trata dos transtornos mentais e comportamentais, mais

especificamente na parte que vai do F.90 ao F.98, referentes aos transtornos do comportamento e

transtornos emocionais que aparecem habitualmente durante a infância ou a adolescência.

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Apesar de o TDAH não significar que a pessoa diagnosticada vá ter algum tipo de

limitação ou restrição para a realização de determinadas tarefas, alguns editais para concursos

públicos ligados à área da segurança, como o de Agente do Departamento de Polícia Federal de

2014, e do Departamento Penitenciário de 2015, colocam entre as patologias passíveis de

eliminação o diagnóstico de transtornos de comportamento e de personalidade, que de acordo

com a CID-10 inclui o TDAH.

É possível observar que mesmo que a funcionalidade da pessoa não esteja comprometida,

é colocada uma barreira no âmbito da valoração moral sobre o que é ou não desejável para a

investidura em um cargo, com base em um diagnóstico prévio.

O que se pretende com a exposição acima é problematizar se de acordo com a Convenção

dos Direitos das Pessoas com Deficiência o TDAH poderia ser incluído na categoria de

“impedimentos mentais”, uma vez que a CIF amplia a noção de impedimento, tornando-se um

importante instrumento de análise de funcionalidade, inclusive para pessoas TDAH. Podendo ser

utilizada para futuros estudos sobre o Transtorno, pois a CIF permite fazer avaliações individuais

seguindo um padrão generalizado.

Pesquisadoras colombianas criaram e validaram um instrumento chamado CLARP-

TDAH que envolve questões específicas do transtorno e as relacionam com a CIF. Segundo essas

pesquisadoras o processo de validação envolvendo pais e professores de crianças com TDAH se

mostrou confiável, concluindo que:

La CIF tiene como propósito general facilitar

un trabajo interdisciplinario y un lenguaje

estándar para describir los resultados de

salud corporal en relación a sus funciones y

estructuras, de la persona en el desempeño de

sus actividades cotidianas y en su

participación en sociedad, por lo tanto, se

constituye en una herramienta que facilita un

abordaje integral a los niños con TDAH.

Además, los resultados de su aplicación

pueden aportar de manera relevante para la

toma de decisiones desde la política pú- blica

para la infância (SALAMANCA-DUQUE et

al, 2014, p. 382)

Outro ponto que aproxima o debate sobre TDAH com o debate sobre deficiência é a

noção de normalidade. Como já dito anteriormente, a deficiência entendida sobre o ponto de vista

biomédico resulta de um corpo fora dos padrões estabelecidos pela norma. Da mesma forma o

TDAH é considerado pelo DSM-5 como um “transtorno do neurodesenvolvimento” (APA,

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2014), reconhecendo que os transtornos mentais são resultantes de valores culturais e sociais

definidos de acordo com a norma estabelecida, podendo sofrer alteração de uma sociedade para

outra.

A cultura proporciona estruturas de

interpretação que moldam a experiência e a

expressão de sintomas, sinais e

comportamentos que são critérios para o

diagnóstico. A cultura é transmitida, revisada

e recriada dentro da família e de outros

sistemas sociais e instituições. A avaliação

diagnóstica, portanto, deve considerar se as

exigências, os comportamentos de um

indivíduo diferem das normas socioculturais

e conduzem a dificuldades de adaptação na

cultura de origem e em contextos sociais ou

familiares específicos. Os aspectos

fundamentais da cultura relevantes à

classificação e à avaliação diagnóstica foram

levados em consideração durante o

desenvolvimento do DSM-V (APA, 2014, p.

14).

Vejam que a norma se coloca nesse caso não como uma expectativa quanto às estruturas

corporais, mas como uma expectativa em relação ao funcionamento desses corpos, referentes aos

comportamentos esperados por essas pessoas nas relações cotidianas que elas estabelecem com

outras pessoas e com a sociedade, impondo barreiras para quem destoe dos padrões estabelecidos.

Um terceiro ponto do debate sobre deficiência que pode servir ao debate político sobre o

TDAH é a importância e o protagonismo das pessoas deficientes no que se refere à conceituação

de deficiência e à elaboração de políticas públicas relacionadas a elas, tendo sido fundamental a

participação dos deficientes tanto na CIF (DINIZ, 2007), quanto na Convenção sobre os Direitos

das Pessoas com Deficiência.

É importante que as análises das legislações que se referem ao Transtorno de Déficit de

Atenção e Hiperatividade levem em consideração a participação ou não desse segmento

populacional no processo de construção das legislações que lhe dizem respeito.

Por fim, e talvez mais o importante, o último ponto diz respeito ao conceito de deficiência

utilizado atualmente. Para os teóricos da 1ª geração do modelo social a eliminação das barreiras

ambientais lhes possibilitariam a participação de igual para igual com pessoas não deficientes nas

atividades laborativas (DINIZ, 2007). As feministas mostraram que por mais que todas as

barreiras fossem eliminadas algumas pessoas ainda irão necessitar que suas particularidades

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sejam reconhecidas, e que nunca irão realizar certas atividades em condição de igualdade com

pessoas não deficientes, contribuem, assim, para a construção da segunda geração do modelo

social da deficiência

Trata-se em reconhecer as diferenças e a diversidade corporal não só como condição da

existência humana, mas como requisito necessário para a defesa da justiça social (PIOVESAN,

2012). Nesse sentido a Convenção reconhece as diferenças existentes, mas exige que sejam

adotadas medidas para que as pessoas com deficiência possam ter acesso aos mesmos direitos

que as demais pessoas em condição de igualdade, respeitando as suas particularidades.

No artigo 26, por exemplo, a convenção prevê que os Estados partes ofereçam condições

de “Habilitação e Reabilitação” (SDH, 2011), possibilitando desde cedo uma maior inserção

social. Não se trata, portanto de uma tentativa de normalização, mas de uma possibilidade de

intervenção que deve acontecer articulada a um conjunto de outras medidas, como, por exemplo,

a oferta de educação inclusiva que atenda as necessidades de cada pessoa.

A Convenção e as pessoas com deficiência não negam os cuidados médicos, mas não os

colocam como única maneira para lidar com as questões da deficiência. Por isso o artigo 1

(primeiro) da Convenção reconhece os impedimentos, para em seguida denunciar que são as

diversas barreiras que impõem restrições de participação às pessoas com deficiência, pois ambos

se articulam na construção do conceito de deficiência adotado pela Convenção.

O debate sobre TDAH também poderia seguir o exemplo adotado na construção do

conceito de deficiência. Se fosse consenso no debate que as pessoas diagnosticadas possuem

limitações orgânicas que influenciam nos seus comportamentos e na execução de determinadas

atividades e que, por sua vez, a sociedade também lhes colocam diante de barreiras ao criar

expectativas em relação à educação, ao trabalho e o convívio familiar, certamente seria mais fácil

caminhar no sentido de buscar a superação dessas barreiras, ao reconhecer efetivamente a

singularidade desses sujeitos. Parafraseando a Profa. Dra. Débora Diniz (2007), o TDAH também

deveria ser entendido como um “estilo de vida”, como uma das diversas formas de existência

humana, necessitando, portanto, de reconhecimento de sua condição enquanto sujeito, e das

barreiras que existem para quem experimenta essa condição, para que assim as alternativas

políticas que visem a igualdade possam ser oferecidas a essas pessoas, além dos cuidados

médicos.

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Capítulo IV - Análise dos dados

4. Metodologia

Esta é uma pesquisa qualitativa que teve como objetivo analisar os discursos nass

legislações sobre o Transtorno de Déficit de Atenção no Distrito Federal. Entende-se por

pesquisa qualitativa aquela que não está apoiada somente em dados numéricos e quantificáveis, e

tem por objetivo a interpretação e a transformação da realidade. A pesquisa qualitativa empenha-

se, também, em “atribuir novas funções à pesquisa social, que possibilitem a construção de

novos discursos sobre o social, que estejam de acordo com a vida democrática”. (GROULX,

2008, p.96)

O levantamento dos dados para essa pesquisa foi feito diretamente junto à Câmara

Legislativa do Distrito Federal, após pesquisa prévia no sítio da Casa que identificou as

legislações existentes. Em vista in loco conseguimos cópia dos processos de tramitação das duas

legislações encontradas. O primeiro referente à alteração na Lei Orgânica do Distrito Federal por

meio da Emenda à Lei Orgânica do DF (ELO) nº 66 de 2013, e o segundo referente à aprovação

da Lei Distrital nº 5.310 de 2013.

O levantamento prévio através do sítio da Câmara Legislativa do DF se deu pela

confiabilidade que este apresenta como fonte de pesquisa, pois o mesmo reúne todas as

legislações que se referem ao Distrito Federal. A escolha em trabalhar só com o Distrito Federal

foi devido ao fato de já existirem duas legislação aprovadas, o que pode vir a surtir efeito direto

para este grupo populacional em curto espaço de tempo.

Portanto, esta pesquisa foi realizada no contexto do Distrito Federal, e mesmo tendo sido

identificadas proposições tramitando na Câmara Legislativa Federal que podem influenciar

diretamente as legislações locais foi constatado que essas propostas não entram em conflito com

as Legislações já aprovadas no DF. Também não é certo neste momento que as proposições que

tramitam no legislativo Federal venham se tornar leis, pois ainda dependem de votação. Por isso,

estas proposições não se tornaram objeto de análise, ainda que seja interessante, em momento

posterior a essa pesquisa, analisar o debate em andamento no âmbito Federal.

Depois que foram identificadas legislações aprovadas no Distrital e Federal e com os

dados em mãos, iniciou-se o processo de levantamento do debate acerca do Transtorno de Déficit

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de Atenção e Hiperatividade para que fosse possível identificar qual perspectiva teórica – qual

discurso – estaria por trás das propostas apresentadas.

Outros dois marcos teóricos importantes para as análises realizadas foram o debate sobre

deficiência realizado nas últimas décadas, que protagonizado por pessoas deficientes questionou

a legitimidade discursiva dos saberes biomédicos sobre os corpos com impedimento,

denunciando as estruturas sociais como fatores determinantes para a restrição de participação nas

atividades cotidianas das pessoas com deficiência. O segundo marco teórico foi o debate sobre o

disciplinamento e a normalização dos corpos feitos por Foucault, que mostra que desde os

séculos XVIII e XIX a disciplina vem atuando como dispositivo presente a inúmeras instituições

atuando no controle sobre os corpos, e como um valor ético da sociedade capitalista, sendo a

normalização um mecanismo de suporte que atua sobre aquelas pessoas que resistem aos

mecanismos disciplinares.

Definidos os marcos teóricos de análise e estruturado o debate sobre TDAH iniciou-se o

processo de análise das legislações. A opção adotada foi de analisar as legislações por ordem

cronológica de apresentação e aprovação pela Câmara Legislativa do DF, tendo sido analisada

primeira a ELO 66/2013 e em seguida a Lei 5.310/2014, pois poderia haver uma lógica

cronológica por de trás delas.

A metodologia de análise escolhida para este trabalho foi a análise de conteúdo. Segundo

Laurence Bardim (2004) a análise de conteúdo permite que questões que não estão explicitas aos

olhos dos leitores em uma leitura imediata possam ser extraídas por um conjunto de técnicas.

Como se trata de uma pesquisa qualitativa, o que caracteriza a análise de conteúdo neste

tipo de pesquisa é capacidade de inferência que o pesquisador tem para desvelar as questões que

estão por traz do objeto analisado (idem). Por isso, foi levado em consideração o contexto de

apresentação das leis, o que as motivaram, quem foram os atores que participaram dos processos

e se existe alguma relação entre estes processos e os atores envolvidos, e como os textos das leis

se relacionam com outras legislações que tratam de temas afins. Por fim, foi analisado o discurso

presente na justificação de cada proposta.

A participação de pessoas diagnosticadas com TDAH, ou de parentes de pessoas com o

diagnóstico também foi levada em consideração nas análises, pois no contexto de uma

democracia representativa e participativa é fundamental a participação da população na

elaboração de políticas que lhes dizem respeito.

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5.2 - Emenda à Lei Orgânica do Distrito Federal nº 66/2013

A emenda à Lei Orgânica do Distrito Federal nº 66, de 2013, é resultado da proposta

apresentada pela então Deputada Eliana Pedrosa em 15 de fevereiro de 2012.

As análises foram feitas em cima do processo que resultou na alteração da Lei Orgânica

do DF, identificado como: Proposta de Alteração a Lei Orgânica (PELO) nº 38/2012.

O texto aprovado alterou o artigo 227 da Lei Orgânica do Distrito Federal, incluindo a

suspeita de TDAH como condição sujeita a testes a serem realizados pelo poder público a fim de

diagnóstico, juntamente como testes de acuidade auditiva e visual.

Antes da aprovação da emenda o texto vigorava da seguinte forma:

Art. 227 - Parágrafo Único: O Poder Público

submeterá, quando necessário, os alunos

matriculados na rede pública de ensino

regular a testes de acuidades visual e

auditiva, a fim de detectar possíveis desvios

ao pleno desenvolvimento (GDF, 1993).

Após a alteração foi incluído os testes para diagnóstico de Transtorno de Déficit de

Atenção e Hiperatividade (TDAH).

A Lei Orgânica do Distrito Federal funciona como a Constituição do Distrito Federal,

uma legislação-guarda chuva para as demais legislações, porém deve respeitar Constituição

Federal e as Leis Federais.

Isso está expresso tanto no artigo 1º da Lei Orgânica do Distrito Federal, nos artigos 24 e

25 da Constituição Federal, portanto, nenhuma norma Distrital poderá entrar em conflito com

outra norma Federal na qual forem concorrentes.

Como a Lei Orgânica do DF equivale à constituição local, os artigos nela expressos

devem receber regulamentação posterior, por isso em 1998 foi publicado a Lei Distrital 2.195

regulamentando a obrigatoriedade da realização de testes de acuidade auditiva e visual em todos

os estudantes do Distrito Federal da rede pública e privada de ensino, indo além do que estava

previsto na lei orgânica.

No caso da Emenda aprovada outra lei deverá regulamentar como se dará o diagnóstico

de TDAH e o que acontecerá a partir dele, caso este se confirme. Se isso não ficar muito claro é

possível que haja um crescimento ainda maior no consumo de Ritalina no Distrito Federal, sem

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que ocorra uma melhora na oferta de tratamento adequado dentro da rede pública. E como já foi

mostrado, o Ministério da Saúde sugeriu aos Estados e Municípios a criação de protocolos para a

distribuição de medicamentos voltados para o TDAH, devido ao crescimento expressivo do

consumo de Ritalina do Brasil, levando o país a ser o segundo maior consumidor mundial. Por

isso, a orientação do Ministério da Saúde é que os Estados e Municípios invistam em

intervenções que não privilegiem unicamente a receita de medicamentos.

A PELO 38/2012 passou pela Comissão de Constituição e Justiça e pela Comissão

Especial antes de ser aprovada em dois turnos pelo plenário da casa, se tornando a Emenda

Orgânica nº 66/2013.

O texto original da PELO não sofreu nenhuma alteração no decorrer do processo, e o

mesmo tramitou sem que houvesse discussões sobre o tema nas comissões, sendo aprovado da

mesma forma nos dois turnos que foi votada em plenário, ou seja, sem discussão.

O relator do processo na Comissão de Constituição e Justiça foi Deputado Chico Leite, o

mesmo que mais tarde veio ser o autor, no mesmo ano, da proposta que deu origem à Lei

5.310/2013. O parecer do relator diz não haver nenhum conflito da proposta com a Constituição

Federal e com Regimento Interno da Casa, “uma vez que somente impõe ao Pode Público o dever

de realizar a detecção precoce do denominado Transtorno de Déficit de Atenção e

Hiperatividade (TDAH)” (Dep. Chico Leite, PELO 38/2012), votando pela admissibilidade da

proposta, que foi seguida pelos seus pares em seguida.

Na Comissão Especial o relator, Deputado Professor Israel, foi o que mais se aprofundou

no mérito, mas seguiu o relator da comissão anterior votando pela aprovação da proposta.

Segundo o Deputado, trata-se de uma matéria concorrente com a União, mas que não entra em

conflito com nenhuma outra norma, considerando louvável a iniciativa, que garante o princípio

da isonomia no ensino público, ao possibilitar a esse grupo de estudantes o “direito à educação

pública de acordo com a sua capacidade cognitiva e comportamental” (Dep. Professor Israel).

A meu ver a Emenda a Lei Orgânica do DF nº 66/2013 e a Lei 5.310/2013 são

complementares, pois uma trata do diagnóstico e a outra tratará da oferta da Educação Especial

no Distrito Federal.

De acordo com a autora da proposta, a Deputada Eliana Pedrosa, somente na rede pública

existem 2.700 estudantes no DF com TDAH, o que ocasiona dificuldades na aprendizagem,

tornando importante que sejam identificados possíveis desvios que prejudiquem esse processo.

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54

A deputada se baseia em uma matéria publicada no jornal Correio Brazilliense de 30 de

outubro de 2011 para justificar sua proposta. Um tema tão relevante, que envolve inúmeras

famílias, ale de políticas voltadas para criança e adolescentes, saúde e educação, foi inserido na

Lei Orgânica do DF sem uma discussão aprofundada, baseando-se em uma única matéria de

jornal.

A matéria utilizada para justificar a alteração na Lei Orgânica do DF fala a respeito da

falta de informação a respeito do transtorno e da necessidade dos Centros de Ensino se adaptarem

para proporcionar um ensino de qualidade para crianças e adolescentes diagnosticados com

TDAH devido a falta de concentração que estes apresentam.

A reportagem também fala da tentativa de pais e médicos do Distrito Federal de

montarem uma associação de acordo com o modelo da Associação Brasileira de Déficit de

Atenção para enfrentamento das questões relacionadas ao TDAH.

Apesar de a matéria relatar a importância que uma organização como essa teria para a

construção de alternativas para lidar com o TDAH no DF, nenhuma das pessoas citadas foram

chamadas para debater a mudança na Lei Orgânica.

É de suma importância que o Governo do Distrito Federal construa métodos de

diagnósticos confiáveis para poder oferecer um tratamento adequado para pessoas com TDAH no

DF. Porém, só o diagnóstico por si só não resolve nenhum problema. Somente classifica a pessoa

como alguém que por motivos biológicos e genéticos difere da norma, reforçando os dicursos

disciplinares e normalizadores.

O diagnóstico do TDAH deve, antes de mais nada, ser precedido por ações educativas nas

escolas para o reconhecimento das diferenças. Necessita também que seja garantido a partir dele

o acompanhamento médico e psicológico articulando a família, a escola, e pessoas próximas para

melhoria das dificuldades enfrentadas por ambos.

A matéria citada pela deputada relata experiências bem sucedidas em escolas particulares

no atendimento às crianças diagnosticadas com TDAH, mas também guarda um espaço para falar

da mudança de comportamento que pode ocorrer com a ingestão do medicamento usado no

tratamento para o transtorno.

O medicamento pode auxiliar no tratamento desde que associado a outras formas de

intervenção, pois quando administrado isoladamente apresenta baixa evidência de eficácia,

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55

conforme relata o documento do Ministério da Saúde (2015) se referindo aos estudos realizados

pelo Departamento de Saúde dos Estados Unidos sobre a eficácia da Ritalina.

A iniciativa da deputada teria sido uma ótima oportunidade para abrir um debate que não

existe no DF. A intenção parece boa, mas os riscos são muito grandes caso não haja um controle

e uma participação popular no processo de regulamentação dessa emenda à Lei Orgânica. Por

isso é importante que profissionais da rede de saúde e educação, pais e pessoas diagnosticados

com TDAH acompanhem este processo exigindo participação na construção dessa legislação,

para que o diagnóstico não tenha um mero efeito classificatório.

5.3 – Lei 5.310, de 18 de Fevereiro de 2014

O PL 1320/2012 que deu origem à Lei Distrital Nº Lei Distrital Nº 5.310/2014 foi

apresentado pelo Deputado Chico Leite do PT, com seu texto original, em 13/12/12.

O Deputado Chico Leito foi o relator na Comissão de Constituição e Justiça da PELO

038/2012 que gerou a ELO 66/2013 analisada anteriormente, que determina que o poder público

deva incluir o TDAH no rol de testes realizados para identificação de possíveis desvios que

prejudiquem o pleno desenvolvimento. O intervalo de dez meses entre a apresentação de uma

proposta e outra, tendo como o autor de uma delas a mesma pessoa que relatou outra proposta

sobre o mesmo assunto pouco tempo antes, leva a crer que uma proposta nasce da outra.

O objetivo do PL apresentado, segundo o artigo 1º e a justificação da proposta, é dispor e

garantir a existência formal da educação especial no Distrito Federal, argumentando que todo ano

os responsáveis legais de pessoas com necessidades especiais se veem diante da angústia de não

saberem se essas pessoas continuarão a frequentar a escola, pois muitas vezes faltam vagas em

unidades escolares especializadas. Em seguida, o Deputado diz que existem limites à integração

das diferenças, e reporta ao artigo 58 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) que em

seu parágrafo 1º fala que “haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola

regular, para atender às particularidades da clientela da educação especial”, mas quando não

for possível integrá-los ao ensino regular, o mesmo será feito em escolas, classes ou serviços

especializados, é o que diz o parágrafo 2º da LDB. (Ministério da Educação, 1996).

Porém, como já foi dito, o Distrito Federal legisla de maneira concorrente com a União

em algumas áreas, como é o caso da educação. Isso significa que a União dita as normas gerais,

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56

mas os Estados tem autonomia para legislar sobre os mesmos assuntos, desde que a legislação

proposta não vá contra o que foi aprovado pela União. A LDB é uma lei de 1996 que regulamenta

a Educação Nacional, ou seja, regulamenta os artigos 205 e 206 da Constituição Federal.

Acontece que com a adesão do Brasil à Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência essa

passou a valer como emenda constitucional, como mostra o parágrafo 3º do inciso LXXVIII da

Carta Magna, “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem

aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos

respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais” (BRASIL, 2004).

Portanto, mesmo que ainda esteja presente na LDB a previsão de oferta de ensino em classe,

escolas ou serviços especializados, esse parágrafo da LDB não poderia ter sido utilizado como

justificação do PL 1320/2012, pois a LDB é uma lei infraconstitucional, ou seja, está abaixo da

Constituição, por isso não pode ir contra ela.

O processo tramitou pelas Comissões de Educação e Constituição e Justiça antes de ser

votado em dois turnos no plenário da Câmara.

Na Comissão de Educação o Deputado Chico Leite apresentou 06 emendas ao projeto

fazendo algumas alterações, mas 02 dessas emendas foram retiradas posteriormente na Comissão

de Constituição e Justiça pelo próprio autor.

A primeira emenda apresentada insere o parágrafo único no artigo 1º da proposta, dizendo

quem serão as pessoas contempladas pela lei:

Parágrafo Único. Para efeito desta lei, estão

contemplados os alunos atendidos pela

educação especial (com deficiência; com

transtornos globais do desenvolvimento; e

aqueles com altas habilidades/superdotação),

bem como alunos com Transtorno de Déficit

de Atenção/Hiperatividade – TDAH,

Dislexia, Discalculia, Disortografia,

Disgrafia, Dislalia, Transtorno de Conduta e

Disturbio do Processamento do Auditivo

Central (PELO 1320, 2012)

A justificação para a inclusão do parágrafo único ao artigo 1º foi de adequar a proposta às

legislações federais que tratam da Educação Especial e ao debate proposto pela Política Nacional

de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva.

O Plano Nacional de Educação (PNE) e a Política Nacional de Educação Especial na

Perspectiva da Educação Inclusiva colocam a Educação Especial como uma forma de

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complementar o ensino comum da rede regular, oferecendo recursos didáticos para as pessoas

com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades.

O que a Lei 5.310/2014 busca é ampliar o alcance da Educação Especial para englobar

pessoas com TDAH, Discalculia, etc., além de garantir o funcionamento dos Centros de

Educação Especial no Distrito Federal, de modo que pessoas com alguns tipos de impedimento

possam permanecer nele independente da idade, porém, em salas de aula de acordo com

capacidade mental de cada um, como se vê na justificação da proposta original:

A pretensão aqui reside em garantir que o

aluno com necessidade especial tenha a

oportunidade de, caso a caso, ser matriculado

e colocado em sala de aula com base nas

suas respectivas capacidade mental, e não de

acordo com a sua faixa etária, o que em

muitas situações pode gerar sentimento de

rejeição, surtos e problemas de

relacionamento familiar.

A partir daqui já é possível fazer algumas inferências e algumas afirmações a repeito dos

objetivos do PL 1320/2012.

A Lei Distrital 5.310/2014 por meio do PL 1320/2012 inclui o TDAH e outros

transtornos, de forma equiparada a outras deficiências e às altas habilidades/superdotação, como

público alvo da qual a Educação Especial, devendo ser atendido conjuntamente com a escola

comum e os Centros de Ensinos Especiais.

A Educação Especial historicamente se configurou como uma modalidade de ensino para

atender aqueles que não estariam preparados, ou não atenderam as exigências para a permanência

no ensino regular,

A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva

reconhece a importância do Atendimento Educacional Especializado (AAE) como uma forma de

eliminar as barreiras existentes, mas destaca que este deve ser oferecido em contraturno ao

horário comum, servindo como uma forma de apoio:

Na perspectiva da educação inclusiva, a

educação especial passa a integrar a proposta

pedagógica da escola regular, promovendo o

atendimento aos estudantes com deficiência,

transtornos globais do desenvolvimento e

altas habilidades/superdotação. Nestes casos

e em outros, como os transtornos funcionais

específicos, a educação especial atua de

forma articulada com o ensino comum,

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58

orientando para o atendimento desses

estudantes (MINISTÉRIO DA

EDUCAÇÃO, 2014, p. 11).

O principal objetivo do deputado Chico Leite com proposta é a manutenção dos Centros

de Ensino Especial do DF, o que contraria a proposta da Educação Especial na perspectiva da

educação inclusiva, tornando-se ilustrativa a menção à Política Nacional sobre este assunto.

Na emenda número 02, que o Deputado optou por tirar enquanto tramitava na Comissão

de Constituição e Justiça, ele propunha que fosse incluído no artigo 2º do PL, onde coubesse, a

seguinte redação: “Compete ao GDF a instituição dos CEEBs (Centros Especializados de

Educação Básica) em substituição aos CEEs (Centros de Ensino Especial)” (PELO 1320, 2012).

A emenda foi retirada, pois evidenciava nitidamente que o objetivo da regulamentação

educação especial do Distrito Federal não é promover a educação inclusiva, e sim manter um

modelo de ensino excludente voltado para as pessoas com deficiência. Acabar com os Centros de

Educação Especial é um debate polêmico que não gera consenso. A proposta original da Meta 4

do Plano Nacional de Educação (PNE), que trata da educação para pessoas com deficiência, era

de que esta modalidade de ensino fosse oferecida plenamente pela rede regular, mas o texto final

aprovado prevaleceu a presença da palavra “preferencialmente”, que abre brecha para a

manutenção dessa modalidade de ensino – a educação especial.

Ao dizer que a pretensão do projeto é de que as pessoas sejam matriculadas em turmas

conforme sua capacidade mental e não de acordo com sua faixa etária, porque “em muitas

situações pode gerar sentimento de rejeição, surtos e problemas de relacionamento familiar”, o

deputado joga por água abaixo a proposta da Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência

de buscar romper com o preconceito, inclusive, por meio da educação inclusiva, como poder ser

observado no Artigo 24 da Convenção, que trata da Educação para as pessoas com deficiência:

“Para efetivar esse direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidade, os

Estados Partes assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o

aprendizado ao longo da vida” (SDH, 2014, p. 48).

Aparentemente o texto da Lei 5.310/2014 não entra em conflito com nenhuma dessas

propostas referente à educação inclusiva, mas ao se analisar os discursos presentes nas

justificações do PL que lhe deu origem essas contradições aparecem.

Ao incluir o TDAH, a Dislexia, a Discalculia, a Disortografia, a Disgrafia, Dislalia, o

Transtorno de Conduta e o Distúrbio do Processamento Central Auditivo Centra (DPAc) como

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diagnósticos que dariam acesso à Educação Especial, o objetivo do Deputado era aumentar a

captação de recursos para o Distrito Federal, pois ao adequar o texto à legislação federal que trata

da Educação Especial seria garantido ao GDF uma “dupla oportunidade de captar recursos

fundamentais ao desenvolvimento da educação especial do DF, mas também do pleno

atendimento dos demais alunos com outras necessidades especiais, ao longo da vida de todos

esses estudantes”. (PELO 1320, 2012).

O decreto presidencial 7.611/2011 que dispões sobre a educação especial permite que seja

computada dupla matrícula dos educandos com necessidades educacionais especiais, com isso

permite que os Estados recebam recursos duplicados por esses estudantes, conforme previsto no

Fundo Nacional da Educação Básica (FUNDEB). Por isso o interesse em expandir o

direcionamento da educação especial, incluindo o TDAH e outros transtornos, para além daquilo

que está previsto no Decreto.

Mesmo não estando explícito na proposta essa lei abre precedente, em virtude da maneira

que se estrutura o ensino especial no DF, para que crianças e adolescentes que não se enquadrem,

ou de alguma maneira tenham dificuldades de acompanhar as aulas na rede regular de ensino,

sejam encaminhadas para a educação especial.

De acordo com sítio da Secretária de Educação do Distrito Federal a educação especial no

DF envolve classes comuns inclusivas do ensino regular, classes especiais, classes de integração

inversa, treze centros de ensino especial, dentre outras instituições públicas e particulares

conveniadas ao GDF.

Foi dito mais atrás que a ELO nº 66/2013 e a Lei 5.310/2014 pareciam ser

complementares. Pois bem, vejam que essas duas legislações podem colocar em funcionamento

dois mecanismos dos dispositivos disciplinares; A ELO nº 66/2013 possibilita que o poder

público submeta estudantes da rede pública a testes com o objetivo de se diagnosticar o TDAH;

enquanto a Lei 5.310/2014 permite que esses estudantes sejam encaminhados para a educação

especial; pondo em funcionamento o “exame”, por meio da ELO 66/2013, e a “normalização”,

por meio da Lei 5.310/2014, dois conceitos importantes utlizados por Foucault para se referir às

tecnologias disciplinares.

A matéria do jornal Correio Brazilliense utilizada na justificação da ELO nº 66/2013

falava da necessidade de os centros de ensinos do DF se adaptarem para lidar com o TDAH, mas

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ao invés disso, a proposta da lei complementar é que os alunos com TDAH sejam encaminhados

para educação especial, ainda que em contraturno.

Não existe movimentação para reformar o modelo de ensino vigente, o que se faz é

ampliar uma modalidade de ensino contraditória para incorporar mais pessoas. Entre as medidas

utilizadas pelas escolas particulares para atender as particularidades de estudantes com TDAH

estão avaliações diferenciadas, mais objetivas; realizações de provas em salas separadas a

depender da dificuldade dos estudantes; organização do espaço da sala de aula, de modo que os

estudantes com TDAH fiquem mais próximos ao quadro diminuindo a possibilidade de dispersão.

A distribuição dos copos no espaço conforme a capacidade de cada um, formas diferentes

de avaliação, são técnicas utilizadas pelos aparelhos disciplinares que não necessariamente

devem ser consideradas negativas. Mas a colocação de estudantes em modelos de ensino

diferenciados, conforme a classificação que recebem, remete ao modelo normalizador pautado

pela perspectiva biomédica, que considera que os impedimentos corporais são as causas da

restrição de participação e das desvantagens que algumas pessoas sofrem, necessitando que essas

sejam encaminhadas para instituições especializadas, pois não conseguem acompanhar as aulas

como as demais pessoas. A educação especial é uma modalidade de ensino para aquelas pessoas

que diferem da norma, e não representa um avanço no debate sobre inclusão.

Não é possível fazer prognósticos exatos do impacto que essas leis terão na vida de

estudantes com TDAH, mas o fato é que é preciso uma discussão aberta sobre como fazer a

escola deixar de ser um aparelho estritamente disciplinar e normalizador, para se tornar de fato

uma ferramenta educacional que trabalhe todas as dimensões das pessoas, reconhecendo e

incluindo a diversidade de gênero, raça, etnia, orientação sexual, deficiência e orientação

religiosa, rompendo com os discursos hegemônicos que não comportam a aceitação das

diferenças.

Apesar de prever a participação de pessoas da sociedade civil vinculadas à educação

especial na regulamentação da lei, o projeto tramitou sem que houvesse discussões ou

participação desse segmento da sociedade. O mais curioso é que essa lei foi aprovada em 2 turnos

com votação em dois dias seguidos, o que no mínimo difere do rito comum dos processos

legislativos.

O que essas duas leis mostram é que o debate sobre TDAH começou a ganhar espaço

político muito recentemente, mas os maiores interessados, que são as pessoas com TDAH, ainda

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não foram convidados para participar. É possível perceber que essas duas leis representam

tentativa de avanço, na medida em que visam garantir alguns direitos para as pessoas com

TDAH, mas esse avanço não é real, umas vez que não fica evidente que após o diagnóstico

haverá uma articulação entre saúde, educação, e outras políticas que devem atuar conjuntamente

para a garantia dos direitos de pessoas com TDAH. Além do mais, ambas as legislações possuem

uma visão normalizadora da sociedade, baseado em discursos que reforçam o preconceito e

opressão para com essa população, como, por exemplo, quando se fala dos riscos que essas

pessoas podem gerar para si e para terceiros, ao dizer que o diagnóstico pode evitar prejuízos ao

pleno desenvolvimento dessas pessoas.

Por essas legislações percebe-se que o debate ainda segue uma visão cristalizada de que o

TDAH atinge somente crianças e adolescente em idade escolar, deixando de fora a população

adulta; Mostrando, também, que o modelo de educação proposto para pessoas com TDAH na Lei

5.310/2014 contraria a perspectiva de educação inclusiva, que deveria ser único modelo de

educação existente, reforçando a hipótese de que as legislações analisadas são baseadas no

discurso biomédico que defende a ideia que incapacidade, ou a restrição de participação de forma

igualitária com as demais pessoas, são advindas dos impedimentos corporais e não devido às

estruturas sociais opressoras, que segregam as pessoas que não se inserem dentro da norma.

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Considerações Finais

O debate sobre o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade tem ganhado mais

visibilidade na mídia e no meio acadêmico, o que, por um, lado tem elevado o número de

diagnósticos, e, por outro, suscitado a crítica quanto ao TDAH e ao processo excessivo de

medicalização.

As legislações que a Câmara Legislativa do Distrito Federal aprovou sem discussão

reforça o que foi mostrado no primeiro capítulo deste trabalho, que o debate sobre o TDAH ainda

se centra voltado para o ensino e a aprendizagem de crianças e adolescentes, ignorando as

pessoas adultas diagnosticadas com o transtorno.

O TDAH ainda é visto como um fator de risco social pela sociedade. Mesmo com uma

maior visibilidade e informações a respeito do transtorno a desinformação e o preconceito ainda é

reproduzido por grande por parte da sociedade.

Um dos argumentos utilizados pela crítica ao TDAH, principalmente quando se refere ao

processo educacional, é que a medicalização funciona como um processo de homogeneização dos

estudantes, uma forma de normalizá-los. O que não deixa de estar certo. Mas, ao dizerem que o

TDAH é uma construção social, e que as dificuldades apresentadas por estes estudantes se devem

exclusivamente por falhas no sistema educacional, e não a dificuldades orgânicas desses

estudantes, exista aí também uma visão homogeneizadora da sociedade, que não consegue

reconhecer as diferenças individuais de cada pessoa.

Viver em um corpo fora da norma em uma sociedade que não está preparada para o

reconhecimento das diferenças talvez cause mais sofrimento do que a tentativa de normaliza-lo

Deve haver um esforço contínuo para que se modifiquem as estruturas sociais, mas pessoas não

podem ser excluídas e ficarem marginalizadas devido às dificuldades que apresentam.

Os estudos sobre TDAH mostram que a taxa de evasão escolar, de divórcio, de mudança

de empregos é muito maior entre esta população. Por sua vez o Ministério da Saúde solta uma

recomendação para que Estados e Municípios criem protocolos para a distribuição de

medicamentos voltados para o TDAH, mas não solta uma orientação para estes Estados e

Municípios sobre quais seriam as melhores formas de intervenção para o transtorno, e de que

maneira e em que situação essas intervenções devam se dar.

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O aumento do consumo de Ritalina pela sociedade de fato é preocupante, mas acredito

que este aumento tenha sido bem maior em pessoas não diagnosticadas com o transtorno do que

pessoas com TDAH. A mídia tem alertado sobre o crescimento desse consumo entre estudantes

universitários e concurseiros que buscam aumentar o rendimento nos estudos.

O discurso incorporado pelo Ministério da Saúde presente na orientação nº 019/2015 do

Conselho Nacional de Saúde, que sugere a criação de protocolos para a distribuição de Ritalina

por parte de Estados e Municípios, é guiado em grande parte pelo discurso não medicalizante

promovido pelo “Fórum Contra a Medicalização da Vida e da Sociedade”, inclusive sendo

citado na recomendação dada os Estados e Municípios.

Já as legislações aprovadas no DF tem como base o discurso biomédico citado em um

jornal de grande circulação no Distrito Federal, e consideram o TDAH como um fator de risco

para o fracasso escolar devido às dificuldades apresentadas por parcela dos estudantes em função

da condição biológica destes estudantes, sem problematizar as falhas relativas ao processo

ensino, principalmente da rede pública.

Essa duas perspectivas adotadas por diferentes esferas do governo Distrital e Federal

evidenciam bem a disputa de poder existente na produção conhecimento que tem afetado

diretamente a elaboração e a execução de políticas públicas.

Como foi dito neste trabalho, conhecimento gera poder e poder gera conhecimento. Foi a

partir da produção de conhecimento sobre si que os teóricos do modelo social de deficiência

começaram a tensionar o debate sobre deficiência, modificando aos poucos o conceito de

deficiência, que ainda se encontra em disputa, pois a visão biomédica continua fortemente

cristalizada na sociedade. Mas a elaboração de conhecimento por parte dos teóricos do modelo

social de deficiência, e a organização destes, permitiu-lhes adquirir poder e contestar os poderes

biomédicos. Talvez o que falte ao debate sobre TDAH seja mais produção científica e acadêmica

por pessoas diagnosticadas com o transtorno protagonizando o debate dizendo quais são as suas

reais demandas. Tais produções devem vir acompanhadas de uma organização efetiva de pessoas

portadoras de TDAH e familiares, e não hegemonicamente constituída por médicos e psiquiatras.

Por fim, é preciso reafirmar que a disciplina ainda é uma norma social e um mecanismo

de poder sobre os corpos muito presente na sociedade guiando as principais relações e atividades

cotidianas. São os mecanismos disciplinares que ao separarem os sujeitos dizem quem é capaz de

fazer o quê e de que jeito, homogeneizando, ou excluindo quem lhe escapa ao controle.

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O processo de categorização classificação via diagnóstico de TDAH e outros transtornos e

impedimentos, e a oferta de ensino especializado, nada mais são do que a exclusão de quem não

está capacitado para permanecer dentro da ordem disciplinar hegemônica. Existe uma transição e

uma articulação entre os diversos aparelhos disciplinares para que cada um esteja disponível

conforme a classificação do sujeito.

É preciso enfrentar as estruturas e os valores disciplinares hegemônicos, que são a base do

funcionamento da sociedade capitalista, mas é preciso ter cautela neste enfrentamento para que as

necessidade imediatas de quem sofre com essas estruturas não sejam negligenciadas.

A modalidade de educação especial, no meu ponto de vista, é uma modalidade

excludente, mas que atende às necessidades de muitas famílias, o que dificulta que o poder

público se esforce para oferecer uma educação verdadeiramente inclusiva, pois foi naturalizado a

ideia de que algumas pessoas são incapazes de estar no mesmo sistema de ensino que as outras.

Essa ideia deve ser combatida, mas as pessoas com deficiência, ou outros tipos de

transtornos que não são aceitos como deficiência, não podem continuar sendo excluídas do

sistema de ensino. Da mesma forma o consumo excessivo de Ritalina deve ser problematizado,

mas não pode deixar de haver – de forma alguma – discussões sobre o TDAH, e sobre o acesso a

outras formas de tratamento, que é justamente o que não acontece no Distrito Federal.

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ANEXO – I

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