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unilabor Comunidade de Trabalho

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unilaborComunidade de Trabalho

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ORIGENS DA UNILABOR

Justino Cardoso, Geraldo de Barros e Antônio Thereza, infra-assinados, únicos sócios da Unilabor – Indústria de Artefatos de Metal e Madeira Ltda.; declaram [...] que foram convidados pelo Revmo. Frei João Batista Pereira dos Santos para formar uma comunidade de trabalho, a ser instalada nesta capital, na Estrada do Vergueiro, nº 3662, entrando o idealizador do plano com os bens materiais necessários, até a quantia de Cr$ 200.000,00 (duzentos mil cruzeiros), além do prédio onde será instalada a comunidade [...].

Documento de constituição da Unilabor (1954), datilografado em papel timbrado, do advogado Mário Carvalho de Jesus, assinado no verso pelos declarantes.

DISCIPLINAHistória do Design no Brasil

PROFESSORALetícia Pedruzzi Fonseca

COMPONENTESAline Toso, Pedro Julio, Ramon Lambranho Junior

FICHA CATALOGRÁFICACLARO, MAURO. Unilabor: desenho industrial, arte moderna e atogestão operária. São Paulo: Editora Senac - SP, 2014. Pg 45 - 78.

IMAGENSwww.geraldodebarros.com (Acesso em 12 de julho de 2014).

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O PROJETO COMUNITÁRIO

A formação em Economia e Humanismo do frei João Batista influenciou nas mudanças, propon-do:

...soluções para as questões econômi-co-sociais no âmbito da sociedade industri-al a partir de uma ótica "humana". Reve-la-se também, nessa ação, a linha de um humanismo racionalista cristão que não enfatizava os aspectos místicos da religio-sidade, reforçando a adesão à fé por compreensão teológica e escolha filosófica (CLARO, p. 49).

O objetivo do projeto era fundar uma comu-nidade na qual todos se ajudassem e ao mesmo tempo sua fábrica de móveis tivesse autonomia,

dominicanos aos 17 anos na França. Quando se tornou frade, assumiu o nome João Baptista Pereira dos Santos. Concluiu sua formação nos cursos de teologia e filosofia, voltou ao Brasil para trabalhar no Rio de Janeiro. Anos depois, frei João volta à França para um estágio em Economia e Humanismo. Trabalhou como padre-operário em uma empresa metalúrgica e conheceu a prática dos catadores de latas da rua de Paris. De volta ao Brasil em 1950, tomou posse como capelão na Vila Basílio Machado em São Paulo. Conseguiu que a ordem dos dominicanos comprasse o terreno do Círculo Operário do Ipiranga – lugar onde se tornou mais adiante a Unilabor. Lá era man-tido uma Capela, um consultório médico, uma venda e um curso de alfabetização para adultos.

FREI JOÃO: nota biográfica

Nascido em 1913 na cidade de Franca – São Paulo, ingressou na ordem dos padres dominicanos aos 17 anos na França. Quando se tornou frade, seu nome civil, Jary Pereira Santos, passou por diversas mudanças até se findar com João Baptista Pereira dos Santos. Quando concluiu sua formação nos cursos de teologia e filosofia, voltou ao Brasil para trabalhar no Rio de Janeiro. Anos depois, frei João volta à França para um estágio em Economia e Humanismo. Trabalhou como padre-operário em uma empresa metalúrgi-ca e conheceu a prática dos catadores de latas da rua de Paris. De volta ao Brasil em 1950, tomou posse como capelão na Vila Basílio Machado em São Paulo. Conseguiu que a ordem dos dominicanos comprasse o terreno do Círculo Operário do Ipiranga – lugar onde se tornou mais adiante a Unilabor. Lá era mantido uma Capela, um consultório médico, uma venda e um curso de alfabetização para adultos, festas religiosas aconteciam também. Nascido em 1913 na cidade de Franca – São Paulo, ingressou na ordem dos padres

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podendo entrar na disputa do mercado como qualquer outra empresa. A fábrica assumia o ponto principal da Comunidade de trabalho, iniciou seus trabalhos em agosto de 1954 e encerrou sua participação no mercado em 1967. Pretendia inserir o operário em todo o processo de construção dos móveis, permitindo a participação na escolha dos objetivos e procedimentos de criação, sendo assim co-proprietário da peça construída e participando também dos lucros. Os operários assumiam o papel de seres humanos pensantes, não apenas mão-de-obra, tendo a disposição a desalienação cultural a partir de teatro, cinema escola infantil, debates e palestras, para si e sua família, podendo incorporar assim, a arte na produção dos objetos. Pautado na autogestão operária, seguindo moldes corporativos, seu estatuto regia as normas de funcionamento da empresa, tal proposta caracterizada utópica dividiu opin-iões entre os pensadores urbanistas do século XIX. Debates sobre a arquitetura moderna aconteciam no país e a Unilabor estava fortemente envolvida com a desconstrução dos moldes relacionados a crescimento e o desenvolvimento populacional já estabelecida. Uma série de acontecimentos caminharam para o fim da Comunidade de Trabalho. Em 1962, uma crise financeira interna abalou a Unilabor, provocado por desen-tendimentos entre os sócios sobre novas propostas de investimento dos lucros da empre-sa. O golpe de 1964 e a perseguição pela ditadura impediram que o crédito bancário fosse conseguido, encerrando suas atividades em 1967.

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OS DOIS PÓLOS DO EMPREENDIMENTO

O projeto do frei João Batista era constituído pela fábrica Unilabor e pelo Centro Social Cristo Operário, instituição que tinha como proposta a apresentação de atividades de formação cultural, educacional e política para o operário e sua família. Mesmo as ativi-dades abrangendo vários temas da vida social dos envolvidos (educação, lazer, teatro, catequese, entre outros), a fábrica era o centro referencial para tudo o que estava sendo desenvolvido. Um grupo de teatro e um trabalho pedagógico foi desenvolvido para o ensino das crianças que moravam na vila. Contava também com aulas de cerâmica e marcenaria. Aos fins de semana atividades de lazer e expressão corporal também eram realizadas. As atividades começaram em 1950 e foram interrompidas em 1959 pelo frei João Batista, ocasionada por desentendimentos com os colaboradores sobre a conduta desses trabalhos. Palestras e debates de cunho político, social e cultural também foram propostos aos integrantes da vila. O jornal Comunidade: órgão das comunidades de trabalho (1962),

foi criado a fim de esclarecer a proposta do projeto comunitário. Projeção de filmes emprestados pelo MAM também eram apresentados. Atividades que foram apresentadas como oportunidade de um crescimento intelectual que não abrangia a classe operária.

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Indício da ampla mobilização de todas as camadas sociais que o frei João conseguia com seu projeto. Com a colaboração do Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM/SP, fundado em 1948 e do Museu de Arte de São Paulo (Masp), criado em 1947. O bar do MAM servia como ponto de encontro de estu-dantes, artistas e arquitetos da época, nesse local que o dominicano frei Benevenuto de Santa Cruz – chefe do escritório da empresa de consultoria e planejamento, Sagmacs fez a ligação dos artistas modernos da época – Alfredo Volpi, Yolanda Moha-lyi, Bruno Giorgi, Roberto Burle Marx, entres outros, com a capela. Primeiramente, foi o arquiteto Rino Levi que sugeriu a inclusão desses artistas moder-nos na construção da capela, logo veio o interesse do frei Benevenuto em levar os artistas a capela para discutir os temas a serem pintados, esculpidos e moldados em cerâmica. Por último o envolvimen-to do frei João Batista a partir das ideias e da admi-ração pelo trabalho dos artistas.

A CAPELA DO CRISTO OPERÁRIO

O ponto de partida do projeto foi a construção da Capela do Cristo Operário, por iniciativa de frei João Batista. Sua construção em um bairro operário fazia parte do debate da integração entra arte e arquitetura que estava vivo nessa época em São Paulo. A partir da Construção do edifício do Ministério da Educação no Rio de Janeiro, entre 1937 e 1942, que contou com Portinari para a construção de um painel de azulejos; do pavilhão brasileiro na feita mundial de Nova York, em 1939 que reuniu Lúcio Costa, Niemeyer, Celso Antônio e Portinari; e a Capela de São Francisco na Pampulha, assinado por Oscar Niemeyer em 1945 com a participação, mais uma vez, de Portinari. A obra foi patrocinada burguesia e contou com o trabalho gratuito de artistas, ambos interessados apenas no crescimento sociocultural da classe operária.

A capela respondia a essa questão tendo, a particularidade de fazê-lo na periferia da cidade, em um bairro operário, o que adicionava a questão subjacente do diálogo, mais do que entre artes, entre âmbitos culturais (CLARO, p. 55).

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A FÁBRICA DE MÓVEIS

O grupo inicial era composto por Geraldo de Barros, Antônio Thereza e Justino Cardoso, todos convidados por frei João Batista. Inicialmente, em 1954, a produção era de abajures, liquidificadores e objetos de adorno que não eram comercializados. O primeiro móvel desenhado pela Unilabor foi a cadeira de três pés. Reprovado pelos usuários, a cadeira apresentava um problema em relação do ângulo de abertura das duas pernas traseiras, permitindo que o usuário tropeçasse nela. A solução tentada deixou a cadeira instável, provocando assim, o abandono no projeto. O primeiro serviço da empresa foi em 1954, com o objetivo de projetar e produzir peças de madeira e ferro a fim de adequar o ambiente para a realização do 3ª Conferên-cia Rural Brasileira, que foi realizada no Hotel Esplanada, em São Paulo. Este trabalho não rendeu novos pedidos para a fábrica de móveis, por que foi um projeto único com as limitações do local e premissas do evento, caracterizando trabalho artesanal. Essa experiência não interessava a Unilabor, mas sim a proposta de divisão de trabalho. Os pedidos de encomenda de móveis iniciaram no mesmo ano, todos restritos ao

círculo de amizade de Geraldo de Barros. Logo o empréstimo bancário foi quitado e as encomendas ficaram em segundo plano, permitindo assim a produção em escala, principal objetivo da comuni-dade de trabalho. A origem de seu nome nasceu do anagrama das palavras trabalho e comunidade traduzidas do latim, perspectivamente, labor e unio. Seu símbolo, desenhado por Geraldo de Barros, carrega o signifi-cado do caráter de trabalho coletivo, apresentando duas mães de indivíduos diferentes segurando o mesmo martelo.

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Em setembro do mesmo ano, os três sócios assinaram a declaração feita pelo frei João Batista, deixando claro o objetivo principal da sociedade formada, que era fundar uma comunidade de trabalho e informando a elaboração de um regimento interno. Mais tarde, em outubro, a Unilabor foi registrada na Junta Comercial. O projeto da Comunidade de Trabalho Unilabor é fundamentado nos princípios do grupo católico Economia e Humanismo, criado na França, em 1941, pelo padre dominica-no francês Louis-Joseph Lebret. O movimento propõe o envolvimento da Igreja em questões econômicas com o objetivo de criar soluções efetivas para as desigualdades sociais geradas pelo sistema capitalista industrial. Na década de 1940, o frei João Batista freqüenta o centro de pesquisa Economia e Humanismo na França e conhece experiên-cias bem-sucedidas de cooperativas operárias francesas. A Comunidade de Trabalho Unilabor é idealizada com base na visita de frei João Batista à Comunidade de Trabalho Boimandou, em Valence, França, criada por um grupo de operários cristãos, em 1940.

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INDUSTRIALIZAÇÃO E CLASSES SOCIAIS EM SÃO PAULO

O processo de industrialização brasileira aconteceu aliado à cafeicultura. Com a imigração, italianos, portugueses e espanhóis que aqui chegavam, não tinham dificul-dades ao mecanizar os trabalhos artesanais que já dominavam. A partir de incentivos governamentais à indústria, São Paulo se tornou atrativa e fomentou a migração dos povos do norte do país para lá. Os primeiros anos da Unilabor estavam inseridos no período em que a industrial-ização extensiva se transformava em indústria de base. JK em seu plano de metas visava o aumento da produção dos produtos de consumo durável. A expansão econômica trouxe fortes mudanças de vida para a classe trabalhadora, como a própria adaptação da sua cultura para uma outra urbano-industrial capitalista. Houve ascensão de classes sociais, principalmente do trabalhador vindo do meio rural sem qualificação, que agora tinha salário, acesso à escola, saúde, moradia etc. Mesmo com a melhoria geral trazida pelo crescimento econômico, as diferenças sociais gritantes permaneciam. Formulação de teorias que dividiam os países em desenvolvidos e subdesenvolvidos. Considerando

todos esses fatores, o processo de constituição das classes sociais modernas, proletariado e burguesia industrial, se consolida nas cidades com essa razão econômica. A partir de 1950, a classe média cresce e é valorizada, devido a exigências de funções complex-as para a gerência de serviços e dos negócios do Estado.

Organizado de forma que não remunere condizentemente o trabalho manual e sobrevalorize o não-manual - de controle, planejamento e gerenciamento da produção -, a estrutura social estabelece uma hierarquia interna também à classe média, que faz a "gestão do excedente (CLARO, p. 73).

A diferenciação interna se dá devido a critérios culturais, ideológicos e dos padrões de consumo. A clientela da Unilabor era formada anteriormente a esta fase. Os interessa-dos queriam comprar móveis que tivessem soluções inovadoras difundidas por um moder-no tributário dos ideais das vanguardas artísticas. Era mais que ostentação ou apenas o atendimento das necessidades imediatas. Era o que o ideal de vida dessas pessoas repre-sentava, muitas vezes baseados na valorização de ideias vindas da arte e transformações no campo social. Para os intelectuais brasileiros, o projeto de desenvolvimento nacional passava pela industrialização e atingia reformas sociais, comprometidas com a valori-zação do povo. Essas reformas favoreceriam o mercado interno e traria prosperidade. O Brasil traz inúmeras iniciativas renovadoras por parte da sociedade civil, para adaptar a estrutura social obsoleta ao progresso. Essas atitudes de trabalhar pela trans-formação da vida das pessoas condiziam com o clima do período e aparecem como possi-bilidades e necessidades do momento, que giraram em torno dos avais políticos. A Unilabor foi um exemplo dessa situação: incentivava setores operários a se organizarem e constituírem por esforço próprio, novo esquema de vida, mais rico material, social e moralmente.

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SÍNTESE DAS ARTES: difusão do moderno

A disseminação das linguagens estéticas modernas para o grande público é notada a partir de 1940 com a inauguração do Masp e do MAM, das escolas e cursos de arte e as bienais a partir de 1951. O moderno aqui era representado pela indústria e pelo predomínio urbano sobre o rural, encontrando uma ponte entre o passado e o projeto de país futuro. Procurava recuperar as origens para valoriza-las e embasar as transfor-mações desejadas. Surge então o povo, o índio, o interior e o passado colonial. Asso-ciação do autor: “descoberta do Brasil” com a descoberta do próprio movimento moder-no. Era necessário adaptar o programa moderno à realidade brasileira.

O direito à pesquisa estética e a busca de uma consciência criadora nacional pode ser vista, nesse sentido, como necessários 11 validações dessa conquista primeira - a aceit-ação da linguagem universal moderna contrastada com a regional - e significam o direito de utilizar outros meios de reconhecimento do nacional, de uma nova realidade industrial e urbana (CLARO, p. 77).

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A ideia era produzir, em bases diferentes e modernas, uma imagem de país que quer ser moder-no artisticamente e justo socialmente. Vencida essa etapa de construção cultural, o Brasil começa a se confrontar com uma nova situação: o intercâmbio cultural se amplia e intensifica a experiência que os artistas podem ter com o moderno. A arte nas mani-festações urbanas é experimentada aqui nessa época. A Unilabor não se resumiu a uma experiência fabril, mas se estendeu por atividades culturais, transformações sociais, sintetizando aspectos da arte moderna brasileira e o próprio sentido de comu-nidade.

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