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Unidade 5Clulas: um universo microscpico Origem, evoluo e caractersticas gerais das clulasAutora: Professora Ana Cristina Carib dos Santos

I. Introduo II. Origem e evoluo da clula uma viagem pela histria III. Caractersticas bsicas essenciais conservadas pelas clulas IV. Diversidade e caractersticas gerais das clulas procariticas um estudo comparativo V. Diversidade e caractersticas gerais das clulas eucariticas um estudo comparativo VI. Da primeira clula ao homem: a rvore da vida VII. Referncias

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#M1U5 I. Introduo

e voc observar a paisagem de vrios ambientes, visitar um Jardim Zoo-Botnico ou ainda assistir a programas sobre a fauna e flora, observar uma grande variedade de organismos vivos macroscpicos (plantas, animais, fungos, entre outros) que apresentam tamanho, forma, cor, enfim caractersticas diferentes. Por outro lado, existe um enorme nmero de organismos com pequenas dimenses (bactrias e protozorios, por exemplo) que voc s pode observar com o auxlio de um microscpio. Esta enorme variedade de organismos, ao longo do processo evolutivo desenvolveu, em nvel de indivduo, caractersticas morfolgicas, funcionais e comportamentais que os diferenciam, contudo todos so formados por clulas e neste nvel eles compartilham de uma mesma maquinaria para a realizao da maior parte dos mecanismos moleculares bsicos. Em outras palavras, podemos dizer que os seres vivos existentes no nosso planeta so extremamente diferentes, quando os vemos como indivduos, mas so surpreendentemente similares quando os observamos sob a perspectiva microscpica, ou seja, quando observamos e estudamos as clulas que os constituem. Nesta unidade, voc ir estudar a origem, evoluo e caractersticas gerais da clula, a unidade morfolgica e fisiolgica de todos os seres vivos com o objetivo de: compreender como surgiu a primeira clula e como ela evoluiu at atingir o nvel de complexidade das clulas atuais; analisar a clula como unidade morfolgica e fisiolgica dos organismos, estudando as caractersticas estruturais e funcionais gerais das mesmas;

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P Eixo Biolgico diferenciar clulas procariticas de clulas eucariticas; identificar as caractersticas estruturais das clulas e os mecanismos bsicos que foram conservados ao longo do processo evolutivo e correlacion-los s solues encontradas por essas clulas em resposta s alteraes ocorridas no meio ambiente, para garantir sua sobrevivncia e perpetuao; identificar a interao funcional entre as organelas e compartimentos das clulas; correlacionar os processos biolgicos que ocorrem na clula a processos fsicoqumicos; estabelecer a relao entre a composio molecular da clula e sua estrutura e funo; conhecer a diversidade celular e o contexto em que se insere; identificar os nveis de organizao biolgica; conhecer os sistemas de classificao dos organismos vivos propostos atualmente, considerando o contexto molecular da clula. BSC B

Saiba mais A Seleo Natural foi proposta pelo naturalista Charles Darwin, em 1859, por meio de sua publicao A origem das espcies. Por meio dessa teoria, Darwin explicou a ancestralidade comum e a diversidade de espcies encontrada no planeta Terra.

#M1U5 II. Origem e evoluo da clula umaviagem pela histriaAtualmente, sabemos que a enorme diversidade de seres vivos existentes no planeta Terra, desde os unicelulares que apresentam estrutura mais simples, como as bactrias e protozorios, at os multicelulares, que apresentam estrutura mais complexa, como os animais, incluindo o homem, constituda por clulas. Estas clulas podem apresentar variaes em alguns aspectos morfolgicos e funcionais, mas possuem uma estrutura e mecanismos bsicos que surgiram e foram conservados durante o processo evolutivo em resposta s alteraes sofrida pelo planeta Terra. A evoluo das clulas depende em parte da seleo natural e de mutaes, isto , de erros aleatrios que alteram a seqncia de nucleotdeos dos genes que codificam as informaes genticas de cada indivduo. De modo geral, as mutaes que geram mudanas favorveis tendem a ser conservadas, pois a clula alterada tem maior probabilidade de se auto-reproduzir e sobreviver s presses do ambiente. Por outro lado, quase sempre as modificaes que causam danos levam as clulas morte sem deixar prognie. A estrutura e mecanismos bsicos conservados nas clulas atuais indicam que todas descendem de um ancestral primordial comum. Em relao a esta afirmao cabem alguns questionamentos para voc refletir: Como surgiu a primeira clula? Quais modificaes esta clula desenvolveu que permitiram sua sobrevivncia e reproduo? Por que certos mecanismos foram conservados? Como ocorreu a evoluo que fez as clulas atingirem a complexidade e diversidade atuais? A origem da vida no planeta Terra apresentada e defendida por algumas linhas filosficas divergentes que voc poder discutir ao longo do seu curso, contudo nesta unidade pretendemos abordar, de modo geral, os conceitos, as idias e as questes que envolvem a origem da vida, tendo como fundamentao as contribuies cientficas da Fsica, da Qumica e da Biologia, que continuam a desafiar a cincia contempornea. 235

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Clulas: um universo microscpico Observe a linha do tempo na figura 1, seguida do relato no texto e faa uma viagem pela histria evolutiva da clula e suas principais teorias e hipteses.

Curiosidade Assista ao filme Planeta Vermelho (2000), de Hoffman. Tratase de uma fico sobre a colonizao de Marte e aborda alguns temas a respeito das condies para a existncia de vida no planeta.

Figura 1: Linha do Tempo: esta escala indica o tempo aproximado no qual se supe a ocorrncia de alguns dos principais eventos relacionado a origem e evoluo das clulas.

H evidncias (registros fsseis de bactrias-estromatlitos) de que a vida surgiu h cerca de 3,8 bilhes de anos, aproximadamente 750 milhes de anos aps a formao do planeta Terra, de modo espontneo, por meio da evoluo molecular ou qumica a partir de substncias inorgnicas. Apesar de no ser possvel reproduzir em laboratrio todos os processos que deram origem primeira clula e que permeiam sua evoluo, existem diversos experimentos que fornecem evidncias qumicas, biolgicas e geolgicas. Hoje sabemos que os principais elementos qumicos que constituem os organismos vivos (carbono, hidrognio, oxignio e nitrognio) tambm esto presentes no meio que os circundam e que a manuteno da vida como a conhecemos depende de condies especficas como a presena de gua, gs carbnico, energia, entre outras. Considerando esses fatos, podemos deduzir que o surgimento da vida na Terra primitiva dependeu da existncia de determinadas condies. Uma das condies essenciais foi a existncia de um meio aquoso, onde teve incio a evoluo qumica da vida. A partir da premissa de existncia de gua, representada por mares, lagos e lagunas que se formaram na superfcie da terra, dois cenrios podem ser delineados. O primeiro cenrio envolve a interao entre o meio aquoso existente na superfcie da Terra e a superfcie de minerais, sendo a atmosfera composta principalmente por carbono e hidrognio. Esta hiptese proposta por John Bernal, na dcada de 1930, postula que a formao de molculas orgnicas precursoras da vida ocorreu a partir do intemperismo das rochas sob ao da gua, tendo as argilas replicativas como catalisadores (BERNAL, 1951). Sabemos hoje que as macromolculas so formadas a partir da polimerizao de molculas simples (subunidades), a exemplo das protenas que so constitudas pela polimerizao de aminocidos. Assim, supe-se que a argila (caulinita, montmorillonita) com sua capacidade de adsoro se constituiu em um meio adequado para a concentrao de molculas orgnicas simples e conseqente polimerizao destas em macromolculas, como proteinides e cidos nuclicos (RNA), ou seja, a argila serviu como molde ou suporte para as reaes de polimerizao. Alm disso, a argila pode ter atuado como catalisadora e promovido o aparecimento de ligaes simples, como as peptdicas, com perda de gua, no caso da formao dos proteinides. 236

Saiba mais Os proteinides so polmeros simples, semelhantes a protenas comuns, mas so instveis estruturalmente, possuem stios catalticos e auto-catalticos de atividade fraca, contudo, acreditase que essa caracterstica tenha permitido uma vantagem adaptativa em relao a outras molculas presentes na sopa primordial.

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P Eixo Biolgico A energia para essa polimerizao poderia ter sido proveniente do calor da crosta; ou do calor do sol, ou ainda da radiao ultravioleta. Vale ressaltar que, alm das argilas, outros minerais, a exemplo de xidos e hidrxidos de Fe, Mg, Ca, etc., sais de gesso, fosfatos insolveis e sulfeto de ferro (CAIRNS-SMITH, 1982) foram propostos como participantes nas reaes do tipo molde bioqumico entre minerais e molculas orgnicas em ambientes pr-biticos. O segundo cenrio envolve a interao entre o meio aquoso e a atmosfera primitiva e tem como base a teoria proposta pelo bioqumico Aleksandr Oparin (OPARIN, 1938), que postula que a atmosfera, provavelmente era composta por vapor dgua, amnia, metano e hidrognio. A teoria de Oparin explica que as primeiras molculas orgnicas, base de carbono, foram formadas espontaneamente pela interao entre as molculas inorgnicas dissolvidas no meio aquoso e os mesmos gases contidos na atmosfera, sendo que a energia necessria para o processamento destas reaes foi oriunda do calor gerado pelos vulces, das radiaes ultravioletas, vindas do sol, e de descargas eltricas provenientes de tempestades, freqentes naquela poca. Presume-se que durante bilhes de anos, diferentes compostos orgnicos foram sendo formados e acumulados gradualmente, como resultado desta sntese pr-bitica que ocorria em uma grande variedade de nichos existentes no planeta, constituindo a sopa primordial. A teoria de Oparin foi demonstrada experimentalmente em 1953, por Stanley Miller. Ele mostrou que a descarga de fascas eltricas em uma mistura de H2, CH4 e NH3 dissolvidos em gua conduzia formao de uma grande variedade de molculas orgnicas, incluindo vrios aminocidos. (Figura 2) BSC B

Figura 2: Formao espontnea de vrias molculas orgnicas, a partir de uma mistura de H2, CH4 e NH3 dissolvida em gua e sob a ao de descargas eltricas (Baseada no experimento de Stanley Miller).

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Clulas: um universo microscpico Posteriormente, foram realizadas muitas variantes dessa experincia, modificandose os gases utilizados e colocando-se algumas substncias minerais, sendo que os cientistas envolvidos nessas experincias conseguiram obter mais de 100 tipos de molculas orgnicas simples, incluindo nucleotdeos e ATP. Acredita-se que com o acmulo de compostos orgnicos, o prximo passo evolutivo para formar as primeiras clulas foi a formao de macromolculas: assim, supe-se que os aminocidos, nucleotdeos e outros compostos foram arrastados pela gua at a crosta ainda quente, onde combinaram-se entre si, formando molculas maiores, como os proteinides e cidos nuclicos, respectivamente, por polimerizao espontnea. Muitos experimentos tm fornecido evidncias de que uma larga variedade de biomolculas, incluindo polipeptdios e pequenos polmeros de nucleosdeos teriam sido produzidos espontaneamente, sob condies pr-biticas. Fox, em 1957, demonstrou experimentalmente, ao aquecer uma mistura seca de aminocidos, a formao de ligaes peptdicas entre estes, obtendo como resultado molculas semelhantes a protenas. Os resultados de Fox reforam parte das idias de Oparin. Note que nos dois cenrios apresentados a atmosfera provavelmente, era desprovida de oxignio, portanto, era uma atmosfera redutora, diferente da atmosfera oxidante que temos hoje. Este aspecto contribuiu para o acmulo das molculas orgnicas produzidas naquela poca, uma vez que os compostos orgnicos recm-formados e dispersos no meio aquoso seriam rapidamente destrudos, devido ao poder oxidante do oxignio, se este gs estivesse presente. Neste ponto da histria evolutiva cabe destacar que para que a primeira forma de vida surgisse e evolusse era necessrio que essas macromolculas possussem duas propriedades essenciais, ou seja, a capacidade de auto-replicao necessria perpetuao e a capacidade de catalisar as reaes ligadas auto-replicao e a outros processos vinculados ao ciclo de vida celular. Atualmente sabemos que na clula a expresso da informao gentica depende de uma maquinaria complexa que envolve a interao entre o DNA, RNA e protenas. A molcula de DNA (cido desoxirribonuclico), que armazena a informao gentica, possui a propriedade de se auto-replicar, servindo de molde para sua prpria sntese, a partir do pareamento especfico de bases, entre nucleotdeos complementares. A molcula de RNA (cido ribonuclico), por sua vez, transcreve a informao gentica contida no DNA, servindo de intermedirio para a sntese de protenas. E algumas protenas, por outro lado, funcionam como catalisadores das reaes que envolvem esses processos e outros. Com essas informaes, voc pode concluir que essas trs macromolculas, os cidos nuclicos (DNA e RNA) e as protenas esto relacionadas e so interdependentes.

Considerando esse fato, voc poderia questionar qual dessas molculas surgiu primeiro. E como a maquinaria que atua na expresso gnica evoluiu. Para responder a tais perguntas, foi proposta uma hiptese conhecida como Mundo do RNA.

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P Eixo Biolgico Essa hiptese postula que a molcula de RNA (fita simples) foi o primeiro dos cidos nuclicos a ser formado na escala evolutiva e possua duas propriedades essenciais para a vida, ou seja, tinha a capacidade de armazenar as informaes genticas e de catalisar as reaes qumicas necessrias sua prpria auto-replicao e produo de protenas. O mundo do RNA fundamentada por diversos experimentos (ALTMAN, CECH, 1982; CECH, 1986, 1987; WANG, DOWNS, CECH, 1993; LORSCH, SZOSTAK, 1994), que comprovaram que o RNA capaz de catalisar vrias reaes qumicas, incluindo a polimerizao de nucleotdeos. Esses experimentos revelaram ao mundo cientfico que o RNA tem atividade enzimtica, propriedade que h pouco tempo se pensava ser exclusiva das protenas. Foi demonstrado que as ribozimas (enzimas de RNA) cortam e ligam pedaos de RNA preexistentes; que o RNA pode catalisar a quebra da molcula de DNA e que nos ribossomos o RNA ribossmico (RNAr) responsvel pela catlise da formao da ligao peptdica. Alm disso, muitas molculas de RNA geradas em laboratrio so capazes de catalisar uma srie de reaes diferentes (Tabela 1).Tabela 1 - Ao enzimtica das ribozimas em algumas reaes qumicas

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A propriedade catalisadora do RNA explicada pela capacidade que essa molcula tem de dobrar-se sobre si prpria, por meio da complementaridade de seus nucleotdeos alinhados em uma nica cadeia, formando assim contornos na superfcie adequados ligao de determinados substratos. (Figura 3)

Figura 3: Estrutura tridimensional da molcula de RNA e funo cataltica: a) o RNA constitudo por uma cadeia ou fita simples de nucleotdeos, mas pode conter pequenos segmentos de nucleotdeos que podem parear-se com nucleotdeos complementares de diferentes regies de uma mesma cadeia polimrica, permitindo a molcula de RNA dobrar-se sobre si mesma, adotando diferentes conformaes. b) A estrutura tridimensional formada torna a molcula de RNA apta a ligar-se a determinados substratos e exercer sua funo cataltica.

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Clulas: um universo microscpico Por outro lado, em face da complexa estrutura da molcula de RNA, formada por longa cadeia de nucleotdeos unidos por meio de ligaes fosfodister, acredita-se que ocorreram etapas intermedirias, denominadas mundo do Pr-RNA, nas quais polmeros semelhantes ao RNA, mas quimicamente mais simples devem ter antecedido molcula atual de RNA. Independente de que modo as molculas precursoras da vida se formaram, nessa etapa da escala evolutiva era necessrio que o sistema auto-replicativo e autocataltico composto pelas molculas de RNA, nucleotdeos, protenas, aminocidos e outras molculas fosse isolado para que as molculas no se dispersassem no lquido pr-bitico e a primeira clula fosse formada. Assim, presume-se que o prximo passo evolutivo tenha sido a formao de molculas de fosfolipdios. Estas constituram espontaneamente bicamadas fosfolipdicas que envolveram e isolaram as molculas auto-replicativas e autocatalticas, constituindo assim, uma unidade capaz de auto-replicao, ou seja, originando a primeira clula. A formao das primeiras membranas fosfolipdicas tem como base experimental a propriedade anfiptica atribuda s molculas de fosfolipdios, ou seja, essas so constitudas por uma extremidade cabea composta por uma molcula de glicerol ligada a um grupo fosfato e a uma pequena molcula polar, ambas solveis em gua (hidroflicas) e duas cadeias de hidrocarbonetos apolares, portanto insolveis em gua (hidrofbicas), uma vez que no podem estabelecer nenhum tipo de ligao com as molculas de gua. Desta forma, quando colocadas em gua, as molculas de fosfolipdios se agregam por interao hidrofbica de suas cadeias, formando bicamadas espontaneamente, sem necessidade de energia. Assim, os grupos fosfatos ficam voltados para o exterior em contato com a gua, enquanto suas caudas de hidrocarboneto ficam voltadas para o interior em contato umas com as outras (Figura 4). Esse tipo de organizao molecular forma uma barreira estvel entre dois compartimentos aquosos. No caso especfico da clula, isola o interior aquoso da mesma (citosol), do meio externo, garantindo sua integridade. Considerando os dados apresentados at o momento, supe-se que a primeira clula formada era delimitada por uma membrana fosfolipdica e continha o RNA autoreplicativo como material gentico, sendo o mesmo responsvel pela sntese de protenas, uma vez que apresentava propriedade cataltica. Posteriormente, o RNA evoluiu para o DNA, a partir da polimerizao de nucleotdeos sobre um molde de RNA (Figura 5). Assim, o DNA formado por duas cadeias de nucleotdeos unidas por ligaes de hidrognio, apresenta-se como uma molcula mais estvel e passa a constituir o material gentico que codifica as protenas e os prprios RNAs e junto com esses controla a sntese protica. Por sua vez, as protenas tornam-se os principais catalisadores e componentes estruturais das clulas. Neste ponto da linha do tempo, cabe outro questionamento: como essas primeiras clulas conseguiram alimento e energia para crescer e se reproduzir? Considerando o ambiente em que surgiram, meio aquoso rico em molculas orgnicas, essas clulas eram capazes de obter o alimento e energia do prprio ambiente. Todos esses fatos associados conduzem idia de que as primeiras clulas devem ter sido estruturalmente simples, com as seguintes caractersticas:

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procariticas: pois o seu material gentico (RNA replicativo) ficava disperso no citosol envolto apenas pela membrana fosfolipdica; heterotrficas: uma vez que no possuam a capacidade de produzir compostos ricos em energia, retirando o alimento do meio ambiente; anaerbicas: uma vez que produziam energia a partir de molculas inorgnicas disponveis no ambiente aquoso, como nitrato, sulfato e gs carbnico, devido ao fato de no existir oxignio na atmosfera.

Figura 4: Estrutura geral dos fosfolipdios: a) constitudos por uma extremidade hidroflica (solvel em gua) formada por um pequeno grupo polar (alcois), fosfato e glicerol e por uma extremidade hidrofbica (insolvel em gua) formada por duas cadeias de hidrocarbonetos. Em um ambiente aquoso, devido a sua natureza anfiptica, os fosfolipdios formam bicamadas, uma vez que suas caudas hidrofbicas de hidrocarbonetos se comprimem umas contra as outras (interao hidrofbica) expulsando a gua e as cabeas hidroflicas ficam voltadas para a superfcie aquosa; b) detalhe da formao de bicamadas de fosfolipdios quando em contato com a gua, formando uma vescula que encerra uma cavidade aquosa. Note que em uma interface leo/gua os fosfolipdeos formam monocamadas com suas caudas hidrofbicas em contato com o leo e suas cabeas hidroflicas em contato com a gua; c) detalhe da estrutura de um tipo de fosfolipdio (fosfatidilcolina).

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Figura 5: Origem da clula procaritica: a primeira clula procaritica se formou a partir da incluso de uma molcula de RNA autoreplicativa e autocataltica, nucleotdeos, aminocidos, protenas e outras molculas em uma vescula delimitada por uma membrana fosfolipdica. O detalhe mostra a bicamada de fosfolipdios formada por molculas anfipticas que se ligam por interao hidrofbica, ou seja, as regies hidroflicas das mesmas ficam voltadas para as superfcies aquosas (meio extra e intracelulares) e as regies hidrofbicas se agregam no interior da bicamada, evitando o contato com a gua.

Aqui cabe uma colocao: se essas clulas eram heterotrficas, a fonte de molculas orgnicas e inorgnicas de onde elas obtinham matria e energia ia se tornando escassa, na medida em que elas se reproduziam. Diante desse problema as clulas precisaram desenvolver seus prprios mecanismos de gerao de energia e de sntese de molculas necessrios para garantir sua replicao e sobrevivncia. Assim, ao longo do processo evolutivo as clulas procariticas desenvolveram um sistema capaz de captar e transformar a energia solar e armazen-la em ligaes qumicas de compostos orgnicos, sintetizando assim os alimentos e liberando oxignio, por meio de um processo conhecido atualmente como fotossntese. Um dos requisitos necessrios para a operacionalizao deste sistema foi a formao nas clulas de pigmentos (como a clorofila, por exemplo) que absorvem as radiaes azul e vermelha da luz solar. Este novo tipo celular, procariontes autotrficos, seria semelhante s cianofceas ou algas azuis que so bactrias ainda hoje existentes. O oxignio liberado pela fotossntese realizada pelas clulas procariticas e autotrficas promoveu modificaes na atmosfera que foram de grande importncia para a evoluo da clula e, conseqentemente das formas de vida existente hoje na Terra, pois criou uma cobertura protetora de oznio nas camadas superiores da atmosfera, bem como permitiu o aparecimento das primeiras clulas aerbicas, capazes de utilizar o oxignio nas reaes produtoras de energia, a partir de molculas orgnicas. Em outras palavras, as clulas submetidas a essa nova condio desenvolveram adaptaes evolutivas que culminaram em um metabolismo oxidativo muito mais eficiente para produo de energia que o mecanismo empregado pelas clulas anaerbicas. Por outro lado, possvel tambm que o metabolismo oxidativo tenha evoludo antes da fotossntese, pois existem evidncias que apontam para a existncia de oxignio na atmosfera primitiva.

Saiba mais: As cianofceas (ou algas azuis ou verde-azuladas) so amplamente utilizadas como bioindicadoras de qualidade de gua. E embora o nome indique sua cor, as cianofceas variam de amarelo a at preto. As cianofceas so ainda fixadoras de nitrognio e produzem toxinas que podem provocar doenas hepticas e neurolgicas.

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P Eixo Biolgico Seguindo nossa viagem pela histria da evoluo celular, o prximo passo foi, provavelmente, o aparecimento das clulas eucariontes, caracterizadas pelo seu sistema de membranas internas, incluindo a nuclear, que isolou o material gentico do citosol em um compartimento chamado ncleo; pela presena de organelas transdutoras de energia (cloroplastos e mitocndrias) e por molculas de DNA associadas a protenas, que se compactam na forma de cromossomos, entre outras caractersticas. Entretanto, ainda no foi elucidado como todas essas caractersticas evoluram e em qual seqncia, principalmente porque no existem clulas intermedirias entre procariontes e eucariontes. Supe-se que as clulas eucariticas tenham se originado a partir de uma clula procaritica, heterotrfica e anaerbica com um sistema de expresso gentica funcional composto pelo DNA RNA Protenas. Esta clula sofre gradualmente modificaes evolutivas, que sero destacadas a seguir: A clula tornou-se maior e por meio de invaginaes da membrana plasmtica foram formados diversos compartimentos intracelulares, a exemplo do retculo endoplasmtico, complexo de Golgi, lisossomos, vacolos e o ncleo. Estes compartimentos passaram a ter uma composio enzimtica especfica e funes diferentes, o que implicou no aumento da eficincia dos processos celulares (Figura 6a). Esta hiptese de interiorizao da membrana plasmtica apoiada pela observao e anlise por meio da microscopia eletrnica, que revelou que as membranas intracelulares so estruturalmente similares e mantm aproximadamente a mesma assimetria que existe na membrana plasmtica. Isto , a face externa das membranas dos diversos compartimentos, que est em contato com o citosol, assemelha-se face interna da membrana plasmtica, e o mesmo acontece com a face interna, ou seja, voltada para o interior dos compartimentos intracelulares, que tem semelhana com a face externa da membrana plasmtica, diretamente em contato com o meio extracelular. Existem evidncias de que as organelas envolvidas nas transformaes energticas, cloroplastos e mitocndrias, surgiram a partir de clulas procariticas (bactrias) que foram fagocitadas e escaparam dos mecanismos de digesto intracelular, evoluindo em simbiose com as clulas eucariticas hospedeiras, criando assim uma parceria mutuamente benfica e que se tornou irreversvel com o passar dos anos, devido a mutaes ocorridas no simbionte (Figura 6b). Essa hiptese tem como principais evidncias o fato das mitocndrias e cloroplastos serem delimitadas por duas membranas, sendo a membrana interna semelhante, em sua composio, s membranas bacterianas, enquanto a membrana externa, que seria a parede do vacolo fagocitrio, assemelha-se membrana das clulas eucariticas hospedeiras; bem como de possurem um genoma de DNA circular, como o das bactrias. Ao longo da evoluo, tanto as mitocndrias quanto os cloroplastos perderam parte do seu genoma para o ncleo da clula hospedeira, tornando-se dependentes do DNA da mesma. Houve um aumento do contedo de DNA e este formou um complexo com protenas histonas, desenvolvendo mecanismos de compactao em discretas unidades (cromossomos) e de diviso celular bastante elaborados (mitose e meiose). Sendo que a diviso por meiose proporcionou a recombinao de genes, o que implicou em maior variedade gentica 243 BSC B

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Clulas: um universo microscpico

Figura 6: Origem e evoluo da clula eucaritica. a) Interiorizao da membrana plasmtica, a partir de uma clula procaritica, heterotrfica e anaerbica, formando o retculo endoplasmtico e o ncleo que encerra o DNA; b) Possvel origem da mitocndria e do cloroplasto. Uma clula eucaritica, heterotrfica e anaerbica, por meio do processo de fagocitose de uma clula procaritica (bactria) heterotrfica e aerbica, estabeleceu com a mesma uma relao simbitica, sendo que parte do DNA da bactria foi integrado ao ncleo da clula eucaritica, contudo esta manteve sua capacidade de auto-replicao, evoluindo para mitocndria. Por sua vez, uma clula eucaritica heterotrfica e aerbica estabeleceu uma relao de endosimbiose similar descrita acima com uma clula procaritica (cianobactria), aerbica e autotrfica, sendo que esta ltima evoluiu para cloroplasto.

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Atividade Complementar 01Com base neste texto, na literatura sobre o assunto e, se possvel, na discusso com outros colegas, identifique pontos favorveis e desfavorveis para as teorias e hipteses apresentadas sobre a origem e evoluo da clula. O processo evolutivo continuou e, h cerca de 1,7 bilho de anos, os organismos multicelulares evoluram a partir de eucariotos unicelulares. Presume-se que alguns eucariotos unicelulares formaram agregados multicelulares que parecem representar uma transio evolucionria entre clulas individuais de vida livre e organismos multicelulares. Provavelmente foram colnias de protozorios que deram origem aos animais. J as colnias de algas unicelulares deram origem s plantas. O aumento da especializao celular requerida como adaptao s alteraes do meio ambiente direcionou a evoluo de agregados coloniais para verdadeiros organismos multicelulares. Desta forma, a contnua especializao, associada diviso de trabalho entre as clulas do organismo, levou complexidade e diversidade observada entre os diferentes tipos de clulas de plantas e de animais atuais, incluindo o homem. O processo de diferenciao celular, ou seja, os processos que transformam umaSaiba mais: Histologia (do grego hydton, tecido + logos, estudos) o estudo dos tecidos biolgicos, sua formao, estrutura e funo. Os tecidos so constitudos por um conjunto de clulas especializadas que desempenham funes especficas em um organismo multicelular. O estudo dos tecidos animais e vegetais usado como instrumento para identificar e separar grupos de seres vivos.

clula indiferenciada em uma clula especializada, ocorreu gradualmente durante o perodo evolutivo. Por exemplo, um animal estruturalmente mais simples, como a esponja, composto por 5 tipos de clulas, enquanto que um mamfero como o homem tem seu corpo constitudo por cerca de 200 tipos de clulas diferentes, cada tipo exercendo uma funo especfica. No homem, estes 200 tipos de clulas integram os cinco principais tipos de tecidos: tecido epitelial, responsvel pelas funes de proteo (clulas epidrmicas), absoro (clulas da mucosa do intestino delgado) e secreo (clulas da glndula salivar); tecido conjuntivo, de preenchimento do espao entre os tecidos e rgos (fibroblasto) e tecido conjuntivo sanguneo, que contm diferentes tipos de clulas, atuando no transporte de oxignio (eritrcitos) e na defesa (leuccitos); tecido sseo e cartilaginoso, responsveis pela sustentao dos tecidos e rgos (osteoblastos e condrcitos, respectivamente); tecido nervoso, que tem como funo transmitir sinais atravs do corpo (neurnios) e, por fim, o tecido muscular, responsvel pela contrao dos msculos (clulas musculares). Por outro lado, as plantas so formadas por uma variedade menor de clulas que os animais, contudo, cada uma responsvel por exercer uma funo especfica. Essas clulas compem os quatro principais tecidos das plantas: tecido drmico, com a funo de proteo e de absoro de nutrientes (clulas epidrmicas); tecido de preenchimento, responsvel pelo preenchimento e fotossntese (clulas do parnquima); tecido de sustentao, que exerce a funo de suporte estrutural da planta (clulas do colnquima e esclernquima) e o tecido vascular, que atua no transporte de gua e de nutrientes (clulas do xilema e do floema, respectivamente). Todas as clulas apresentam um padro estrutural e funcional bsico, mas a diferenciao confere um aumento na eficincia da funo inerente a cada uma delas. Esse processo de diferenciao das clulas determinado pelas informaes contidas no genoma das mesmas e controlado pela ativao e inativao de certos genes por meio de fatores intrnsecos (programa gentico preestabelecido) e extrnsecos (mensageiros qumicos produzidos por outras clulas, fatores ambientais, etc).

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Clulas: um universo microscpico

#M1U5 III. Caractersticas bsicas essenciaisconservadas pelas clulasNa viagem que fizemos pela histria da origem e evoluo da clula, deve ter ficado claro para voc que durante esses 3.8 bilhes de anos as clulas foram aperfeioando sua estrutura e funcionamento, devido s presses exercidas pelo meio circundante em constante transformao; por exemplo, se os nutrientes presentes no meio foram se tornando escassos, algumas clulas, como vimos anteriormente, se adaptaram, criando mecanismos para produzir seus prprios nutrientes. Por sua vez, essas adaptaes ocorreram por meio de mutaes gnicas e do processo de seleo natural, sendo conservadas no genoma e transmitidas aos descendentes. Nessa viagem ao longo do tempo, as clulas alcanaram um nvel de complexidade e de eficincia que as habilitaram como um sistema de molculas capaz de extrair e transformar energia livre e matria do ambiente que o rodeia para a sua autoconstruo (sntese e degradao de compostos orgnicos), para a sua auto-regulao (mecanismos de controle de diversas atividades e sinalizao celular) e sua autoperpetuao (mecanismos de reproduo e transmisso das informaes genticas). Todas as atividades celulares, incluindo as exemplificadas no pargrafo anterior, envolvem milhes de reaes qumicas, processadas pelas vias que constituem o metabolismo celular: As vias catablicas, nas quais a degradao de molculas orgnicas pode gerar energia utilizvel pela clula, bem como pequenas molculas que participam como blocos construtivos da clula e as vias anablicas ou biossintticas, nas quais a energia liberada pelo catabolismo utilizada na sntese de todas as outras molculas que formam a clula (Figura 7). Muitas pessoas, de modo geral, conhecem o funcionamento do corpo humano. Sabem que o ato de andar, por exemplo, envolve a contrao e o relaxamento dos msculos. Sabem que a digesto de alimentos, principalmente carboidratos, fornece a energia necessria para a realizao das atividades dirias. Entretanto, nem todos sabem que esses processos somente so possveis porque ocorrem em nvel celular. O ato de andar est relacionado interao de microfilamentos que compem o citoesqueleto das clulas musculares, enquanto a energia qumica contida nos carboidratos s disponibilizada pela oxidao dessas molculas nas mitocndrias celulares. Para entender o funcionamento de um organismo necessrio conhecer o funcionamento de suas clulas (nvel celular) e as propriedades de suas molculas (nvel molecular). Assim, podemos dizer que as clulas so as unidades tijolos, que constroem os organismos, assim como as molculas so consideradas os tijolos que constroem as clulas e por fim, os tomos so os tijolos que formam as molculas, por meio de ligaes qumicas (Figura 8). Como vimos, as clulas so compostas principalmente por molculas orgnicas base de carbono (biomolculas). Essas molculas so formadas por tomos de carbono, covalentemente ligados entre si e a outros tipos de tomos como hidrognio, oxignio e nitrognio. Embora as clulas sejam compostas por uma variedade de molculas orgnicas e a sua composio molecular possa variar de acordo com o tipo de clula e sua especializao

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P Eixo Biolgico funcional (no caso de organismos multicelulares), todas as clulas tm em sua composio quatro classes principais de molculas orgnicas que podem ser consideradas os principais tijolos para a construo, ou seja, para a sntese de molculas maiores e mais complexas. Assim, os cidos graxos entram na composio dos fosfolipdios, j os acares, aminocidos e nucleotdeos constituem as subunidades bsicas que por meio da polimerizao formam as macromolculas carboidratos ou polissacardeos, protenas e cidos nuclicos, respectivamente. BSC B

Figura 7: Vias metablicas. Nos animais, via catablica do lactato. Nos vegetais, via anablica do amido e sacarose.

Figura 8: Nveis de organizao molecular da clula.

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As propriedades especficas dessas molculas so essenciais para que as clulas e os organismos cresam e se reproduzam, enfim, para que realizem todas as atividades inerentes vida. Por outro lado, vimos que a origem da clula s foi possvel pela existncia de um meio aquoso, necessrio a ocorrncia de reaes qumicas. A gua a molcula mais abundante na clula (70% ou mais da massa total da clula). Observe na figura 9 que na molcula de gua, a polaridade (os tomos de hidrognio tem carga levemente positiva e o tomo de oxignio tem carga levemente negativa) uma propriedade que confere mesma a capacidade de formar ligaes de hidrognio entre si ou com outras molculas polares (carboidratos, DNA, RNA e muitas protenas), assim como interagir com ons carregados positiva e negativamente (Na+, Ca2+, Mg+, Cl-, PO4-, etc.).

Figura 9: Estrutura molecular da gua: a natureza bipolar da gua confere mesma a capacidade de estabelecer ligaes entre si, com outras molculas e com ons.

Deste modo, os ons e molculas polares so solveis em gua (hidroflicas), enquanto as molculas no-polares (lipdios) so insolveis ou fracamente solveis em gua (hidrofbicas). Essas interaes de molculas polares e no-polares com a gua e entre si tm papis cruciais na formao de estruturas biolgicas. Alm disso, a gua serve como meio de disperso para a estrutura coloidal dos componentes celulares e indispensvel para a atividade metablica da clula, pois os processos fisiolgicos s ocorrem em meio aquoso. Em menor percentual encontram-se os ons inorgnicos como Cl-, Na+ e K+, Mg2+ PO4, que representam 1% ou menos da massa da clula, contudo no menos importantes, pois esses ons esto envolvidos na estrutura e em vrios aspectos do metabolismo celular com funes especficas. A composio qumica de cada clula pode ser considerada quase constante, mas est em estado dinmico, pois molculas so sintetizadas e degradadas por reaes qumicas contnuas, envolvendo um constante fluxo de massa e de energia atravs do sistema. Como j ressaltamos durante a evoluo espao-temporal, as clulas foram criando e aperfeioando novos elementos estruturais e novos mecanismos, como solues para resolver os diversos problemas que iam surgindo em decorrncia de modificaes sofridas pelo planeta colocando-se como obstculo para sua sobrevivncia e perpetuao. Vrios desses componentes estruturais e mecanismos foram to eficientes que foram conservadas entre as espcies.

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Esse fato tem sido comprovado pelas pesquisadores por meio de anlises de similaridade existente entre as seqncias gnicas de diversos organismos que se encontram depositadas nos bancos de dados dos projetos de sequenciamento de genomas. Essas anlises mostram que os genes que codificam protenas essenciais ou molculas de RNAs so altamente conservados entre os organismos. A seguir, vamos destacar as principais caractersticas comuns a todas as clulas:

DNA e o cdigo genticoNo mundo moderno, o homem lida com um nmero muito grande de informaes que so armazenadas e processadas de modo diferente, dependendo dos instrumentos que ele utiliza. Os computadores, por exemplo, codificam as informaes por meio das seqncias numricas 0 e 1 em um arquivo no disco rgido ou em discos removveis (CD-ROM). Do mesmo modo, as clulas lidam com informaes visando garantir sua reproduo e transmisso das caractersticas hereditrias. Para armazenar e processar essas informaes as clulas dispem de um sistema seguro e eficiente, que foi sendo modificado e aperfeioado durante o processo evolutivo. Como relatado anteriormente, provavelmente o primeiro sistema de informaes genticas na escala evolutiva se baseava em molculas de RNA, fita simples. Esse sistema evoluiu para molculas de DNA, dupla fita e, hoje, todas as clulas armazenam suas informaes hereditrias na forma de molculas de DNA. Observe na figura 10 que esta molcula constituda por uma dupla cadeia de nucleotdeos, helicoidal e antiparalela, sendo que cada nucleotdeo composto por uma molcula de acar com 5 carbonos (desoxirribose), ligada a um grupo fosfato e a uma das quatro bases nitrogenadas: Adenina (A), Timina (T), Guanina (G) e Citosina (C). Os nucleotdeos so dispostos em arranjo linear e unidos por ligaes covalentes do tipo fosfodister, dentro de cada cadeia, ao mesmo tempo em que se pareiam com os nucleotdeos complementares na cadeia oposta, por ligaes de hidrognio. O DNA de uma clula contm todas as informaes genticas especficas de um organismo, ou seja, contm as especificaes para milhares de protenas que conferem as propriedades daquele organismo. Essas informaes so organizadas a partir de um alfabeto de 4 letras, representado pelas bases nitrogenadas (A, T, C, G) dos nucleotdeos. Vale destacar que no DNA existem vrios segmentos de seqncias de nucleotdeos que codificam para uma protena especfica ou para um RNA, cada segmento destes denominado gene. Cada gene expresso no seu produto correspondente de acordo com a necessidade da clula. No caso especfico dos genes que codificam protenas, a informao encontra-se organizada na forma de um cdigo gentico composto por combinaes moleculares (combinaes possveis entre as quatro bases nitrogenadas que compem os nucleotdeos) em unidades de leitura denominadas cdons, sendo que cada cdon formado por trs bases nitrogenadas e codifica um aminocido especfico.

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Figura 10: Estrutura da molcula de DNA: constituda por uma dupla cadeia de polinucleotdeos dispostas espacialmente em forma de hlice e antiparalelamente uma em relao a outra. Note (setas) que uma das cadeias tem incio na extremidade 3 e trmino na extremidade 5 e a outra cadeia tem incio na extremidade 5 e trmino na extremidade 3. Cada nucleotdeo composto por uma molcula de acar (desoxirribose) ligado a um fosfato e a uma das quatro bases nitrogenadas (adenina, timina, guanina e citosina), sendo que as molculas de acar e fosfato de cada uma das cadeias so unidas por ligaes fosfodister e as duas cadeias so unidas por ligaes de hidrognio entre as bases nitrogenadas. Observe no detalhe as ligaes fosfodister estabelecidas entre o fosfato e o carbono 1 e 5 de cada molcula desoxirribose, bem como a formao de duas ligaes de hidrognio entre as bases timina e adenina e de trs pontes de hidrognio entre as bases citosina e guanina.

Como existe um conjunto de 64 cdons para os 20 aminocidos existentes, evidente que vrios cdons correspondem a um mesmo aminocido. Vale destacar que a quantidade de cdons derivada de uma relao matemtica, na qual os quatro tipos de bases nitrogenadas (A, U, C, G) combinam-se trs a trs, resultando em 43 (64) combinaes possveis, sendo que 61 cdons codificam aminocidos e 3 sinalizam o trmino da traduo (Tabela 2).

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P Eixo BiolgicoTabela 2 - Cdigo gentico: o cdon AUG marca o comeo da sntese protica (cdon de iniciao) e codifica as metioninas restantes da protena e os cdons UAA, UAG e UGA so os cdons que marcam o trmino da traduo.

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Saiba mais: Milhares de alteraes aleatrias podem ser geradas no DNA por agentes diversos: calor, radiaes de vrios tipos, exposio a substncias txicas, acidentes metablicos, etc., sendo que poucas alteraes acumulam-se como mutaes no DNA, o restante eliminado com extrema eficincia pelo sistema de reparo do DNA.

Considerando ainda a histria evolutiva, voc poderia questionar por que o DNA se sobreps ao RNA como molcula universal para armazenar a informao gentica. A resposta est na estrutura da molcula de DNA que acabamos de descrever. Vamos analis-la novamente (Figura 10) com ateno e compar-la com a estrutura da molcula de RNA, representada na figura 11. Quais so os pontos favorveis na estrutura do DNA em relao estrutura do RNA para que o DNA assumisse a guarda da informao gentica? Pense um pouco antes de prosseguir a leitura deste texto. Primeiro, a conformao da molcula de DNA em dupla cadeia, com os nucleotdeos voltados para o interior da mesma e unidos por ligaes de hidrognio, protege os nucleotdeos da ao de enzimas, conferindo-lhe maior estabilidade em relao molcula de RNA, fita simples, cujos nucleotdeos ficam expostos a essa possvel ao enzimtica. Segundo, a ligao de hidrognio entre os nucleotdeos pertencentes s duas cadeias depende da conformao espacial de suas bases nitrogenadas, que so complementares, ou seja, s possvel ligao entre as bases adenina com timina e citosina com guanina. Esse fato garante a cpia precisa das fitas de DNA no processo de replicao que descreveremos no prximo subtpico. Terceiro, existe a possibilidade de que durante o processo de replicao da molcula de DNA, uma das cadeias seja danificada. Neste caso a continuidade da informao assegurada pela informao presente na outra cadeia que serve como molde para o reparo daquele dano, o que no seria possvel com a molcula de RNA fita simples, concorda? Estes so alguns pontos que tornaram a molcula de DNA um sistema de armazenamento das informaes genticas mais seguro e eficiente que a molcula de RNA, sendo conservado entre todos os organismos existentes no planeta Terra.

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Figura 11: Estrutura da molcula de RNA: a) Constituda por uma cadeia ou fita simples de polinucleotdeos, unidos por ligaes fosfodister, sendo que cada nucleotdeo composto por uma molcula de acar (ribose) ligado a um fosfato e a uma das quatro bases nitrogenadas (adenina, uracila, guanina e citosina); b) Note que a molcula de acar (ribose) que compe o RNA difere da molcula de acar (desoxirribose) do DNA por possuir um agrupamento OH adicional e que uma das bases nitrogenada, uracila difere da timina, base equivalente no DNA pela falta do grupo CH3.

Copiando as informaes genticas: replicao do DNAAs clulas no s conservaram a forma de armazenar as informaes hereditrias, mas tambm o modo como essas informaes so copiadas e transmitidas s novas geraes, ou seja, os princpios bsicos do mecanismo de replicao do DNA so os mesmos para os diferentes tipos de clulas. Os aspectos que podem variar esto ligados velocidade de replicao, s molculas auxiliares que atuam durante o processo e aos controles que iniciam ou interrompem o mesmo. Para que voc compreenda como as clulas so capazes de copiar a informao hereditria contida no DNA, na forma de um cdigo gentico e transmiti-la aos seus descendentes, necessrio que voc tenha entendido a estrutura da molcula de DNA. Como voc j sabe, essa molcula constituda por uma dupla cadeia de nucleotdeos, interligada por ligaes de hidrognio. Entretanto, para que essa molcula se replique, necessrio que as duas cadeias se separem e sejam utilizadas como molde para sntese de uma nova cadeia. Como isso possvel?

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P Eixo Biolgico Em primeiro lugar, voc j sabe que as duas cadeias de nucleotdeos so unidas por ligaes de hidrognio. Essas ligaes qumicas so fracas e rompidas sem afetar as ligaes fosfodister que unem os nucleotdeos em cada cadeia simples. Em segundo lugar, cada cadeia simples que servir de molde deve ser preenchida com novos desoxirribonucleotdeos, correto? Contudo, esse preenchimento no ocorre ao acaso. Existe uma regra especfica de pareamento das bases nitrogenadas, pela qual a base adenina (A) s pareia com timina (T) e a base guanina (G) s pareia com citosina (C). Este fato, como j destacado, explicado pelas estruturas qumicas complementares dessas bases, que permitem apenas a ligao de A-T, por meio de duas ligaes de hidrognio e a ligao de G-C, por meio de trs ligaes de hidrognio, restabelecendo, assim, a unio entre a cadeia de DNA molde e a nova cadeia de DNA sintetizada (Figura 12). BSC B

Figura 12: Replicao do DNA: a) Neste processo, a dupla cadeia de DNA separada por meio do rompimento das ligaes de hidrognio que as unem. Desta forma, cada cadeia servir de molde para a sntese de uma nova cadeia de nucleotdeos complementares; b) Note que o pareamento entre os desoxirribonucleotdeos especfico, ou seja, a conformao espacial das bases nitrogenadas s permite o pareamento entre timina e adenina (formao de duas ligaes de hidrognio) e citosina com guanina (formao de trs ligaes de hidrognio).

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Clulas: um universo microscpico Observe, ainda na figura 12, que ao final do processo de replicao se formam duas molculas de DNA, sendo cada uma constituda por uma cadeia original da molcula antecessora (molcula molde ou me) e por uma cadeia nova sintetizada (molcula nova ou filha). Esse fato explica a natureza semiconservativa do processo.

Atividade Complementar 02Observe o esquema abaixo, que representa um segmento de molcula de DNA, e complete as novas cadeias de DNA, adicionando novos nucleotdeos, segundo a regra de complementaridade de bases e restabelecendo as ligaes de hidrognio.

Fcil, no? Entretanto a natureza levou milhares de anos para construir essa molcula e o seu processo de replicao.

Transcrevendo a informao gentica: transcrio do DNA em RNAVoc j sabe que as clulas armazenam a informao gentica na forma de cdigo nas molculas de DNA e copiam essa informao (replicao do DNA) para transmiti-las a seus descendentes. Entretanto, isso no teria sentido se as clulas no fossem capazes de decodificar, ou seja, de transcrever estas informaes e transform-las em produtos teis sua sobrevivncia. Em outras palavras, durante seu ciclo de vida, as clulas precisam crescer e se manter, por meio de mecanismos que necessitam da participao de vrias molculas, entre elas as protenas. Para que isto acontea, a clula precisa transcrever as informaes genticas em molculas de RNA (cido ribonuclico), por meio de um processo conhecido como transcrio e, posteriormente, express-las na forma de protenas, por meio do processo de traduo. No processo de transcrio, os princpios bsicos tambm foram aperfeioados e conservados, entre as clulas e, conseqentemente, entre os diferentes organismos. Nesse processo, a molcula de DNA serve como molde para a sntese de RNAs (cidos ribonuclicos), sendo que muitos dos RNAs transcritos servem como intermedirios na transferncia das informaes genticas, atuando como RNAs mensageiros (RNAm) que dirigem a sntese de protenas, de acordo com o cdigo gentico armazenado no DNA. Neste momento, importante relembrar que a molcula de RNA constituda de uma cadeia simples de ribonucleotdeos unidos por ligaes do tipo fosfodister. A estrutura de cada ribonucleotdeo similar a dos desoxirribonucleotdeos do DNA, diferenciando-se pelo acar, que neste caso a ribose e por uma das quatro bases nitrogenadas uracila (U), no lugar de timina (T) (Figura 11).

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P Eixo Biolgico A figura 13a ilustra a sntese de RNA que feita a partir de segmentos de qualquer cadeia de DNA, sendo adicionados os ribonucleotdeos, segundo a regra de complementaridade de bases, descrita para a replicao do DNA, com uma diferena: os desoxirribonucleotdeos do DNA A, T, G, C, sero pareados pelos ribonucleotdeos correspondentes no RNA (U, A, C, G, respectivamente). Note no detalhe da figura 13b que a uracila (U) pareia com a adenina (A), substituindo a timina (T), contudo a nova molcula de RNA copia fielmente uma parte da informao gentica do DNA. Vale ressaltar que os RNAs mensageiros correspondem aos genes contidos no DNA. BSC B

Figura 13: Transcrio: a) A molcula de RNA sintetizada a partir de segmentos de qualquer uma das fitas de DNA que serve como molde. Neste molde os ribonucleotdeos so adicionados, segundo a regra de complementaridade de bases. No final do processo de transcrio, produzida uma fita simples de RNA complementar fita molde de DNA; b) A diferena est no pareamento do ribonucleotdeo uracila com o desoxirribonucleotdeo adenina no lugar de timina descrito para a replicao do DNA.

Saiba mais: O ribossomo dos eucariotos difere dos procariotos pelo coeficiente de sedimentao, sendo que as bactrias apresentam o RNA de 70S (S = Svedberg, unidade de medida), enquanto que o eucarioto de 80S.

Lendo a mensagem gentica: traduo do RNAm em protenasNo mecanismo de traduo, a informao gentica transcrita no RNAm decodificada, ou seja, lida a cada grupo de trs nucleotdeos (cdon). Cada cdon codifica um aminocido especfico, dentre os 20 existentes, sendo que esses aminocidos, por sua vez, so polimerizados para formar protenas especficas. O que determina que protena ir ser formada o nmero, tipo e seqncia de aminocidos. A traduo, ou seja, a sntese de protenas, tambm teve os princpios bsicos moleculares conservados ao longo do processo evolutivo entre as clulas e, conseqentemente, entre os diversos organismos, com poucas excees. Observe a figura 14, na qual esto representados de forma sinttica os principais eventos que ocorrem no mecanismo de traduo. A traduo depende de uma mquina multimolecular, conhecida como ribossomo, que constituda por duas cadeias de RNA ribossomal (RNAr) e mais de 50 protenas diferentes. O ribossomo liga-se molcula de RNAm e desloca-se ao longo desta a cada cdon. Estes cdons so lidos pelos RNAs transportadores (RNAt). Cada tipo de RNAt liga-se a um aminocido especfico e atravs do seu anticdon liga-se por pareamento de bases ao cdon correspondente do RNAm.

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Figura 14: Traduo: Neste processo, o ribossomo liga-se a molcula de RNA mensageiro (RNAm) que contm os cdons que codificam os aminocidos que iro compor determinada protena. O RNA transportador (RNAt) liga-se a um aminocido especfico e por meio do seu anticdon liga-se por pareamento de bases ao cdon correspondente no RNAm. O ribossomo desloca-se sobre o RNAm a cada cdon para a sua leitura e adio de novos aminocidos que so unidos por ligaes peptdicas at formar a cadeia polipeptdica completa (protena).

medida que o ribossomo desloca-se sobre o RNAm, novos aminocidos vo sendo adicionados e unidos por ligaes peptdicas, catalisadas pelo complexo ribossomal, formando, assim, a nova cadeia de protenas. Voc notou que existe uma interao perfeita entre os ribossomos (do qual faz parte o RNAr), o RNAm e o RNAt? Como essas molculas e o complexo ribossomal trabalham de forma interdependente e coordenada para sintetizar as protenas?

Atividade complementar 03Construa um quadro resumindo as caractersticas bsicas dos trs tipos de molculas de RNA, relacionadas estrutura, local de sntese, local de atuao e funo. Produtos da traduo, as protenas so as macromolculas mais diversas e versteis que compem as clulas, portanto cada clula contm milhares de protenas diferentes que desempenham funes diversas. Entre essas destacamos: sinalizao celular, defesa celular, componente estrutural das clulas e cataltica (pois catalisam quase todas as reaes no sistema biolgico). Apesar dessa diversidade, as protenas apresentam uma estrutura bsica, ou seja, so compostas por longas cadeias lineares formadas a partir da polimerizao de subunidades padres, os 20 tipos de aminocidos transcritos pelo RNA mensageiro, presentes em todas as clulas. Por sua vez, cada aminocido, cuja estrutura geral est representada na figura 15a, consiste em um tomo de carbono ligado a um grupo carboxil (COO-), um grupo amina (NH3+), um tomo de hidrognio e uma cadeia lateral ( R ).

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P Eixo Biolgico No entanto, observe na figura 15b que a estrutura das cadeias laterais representa o ponto chave, pois especfica para cada tipo de aminocido. Este fato tem um significado biolgico muito importante, pois so as propriedades qumicas especficas das diferentes cadeias laterais que determinam as propriedades de cada aminocido e conseqentemente as propriedades e funes das diferentes protenas. Aps a sntese da cadeia polipeptdica, esta precisa ser dobrada em estruturas tridimensionais que resultam em protenas funcionais. A estrutura tridimensional das protenas mantida por ligaes de hidrognio, ligaes dissulfeto e interaes hidrofbicas. (Figura 15c). Considerando ainda a existncia de apenas 20 tipos de aminocidos, como voc explicaria o fato de um nmero to pequeno dessas subunidades produzir milhares de protenas diferentes? Pense um pouco: se as protenas so formadas por longas cadeias de aminocidos e s existem 20 tipos, evidente que esses aminocidos esto presentes em grande nmero, repetidos em uma ordem ou combinao ao acaso, portanto o que diferencia as milhares de protenas o tipo, o nmero e a seqncia dos aminocidos ao longo da cadeia polipeptdica, quantos e como esto dispostos na cadeia. BSC B

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Figura 15: Estrutura dos aminocidos e das protenas. a) Estrutura geral dos aminocidos: compostos por um tomo de carbono central ligado a um grupo carboxil (COO-), um grupo amina (NH3) um tomo de hidrognio (H) e uma cadeia lateral (R) que difere em cada aminocido determinando suas propriedades; b) Estrutura especfica dos 20 aminocidos; c) Estrutura geral das protenas: composta por uma longa cadeia de aminocidos unidos por ligaes peptdicas (cadeia polipeptdica) que se dobra sobre si mesma, formando estruturas tridimensionais imprescindveis para a sua funcionalidade.

Neste momento vale ressaltar a lgica da informao gentica e do seu processamento, pois existe uma correlao molecular e uma interdependncia entre os trs mecanismos que esto envolvidos na armazenagem, replicao, transcrio e traduo da informao gentica. O fluxo da informao gentica em todas as clulas ocorre do DNA para o RNA e deste para as protenas. Este princpio denominado dogma central da biologia molecular. Analise a figura 16 e explique a interao entre os trs mecanismos.

Figura 16: Fluxo da informao gentica do DNA para o RNA e deste para as protenas.

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A molcula de ATP como molcula carreadora de energia celularA clula considerada um sistema aberto, uma vez que est sempre trocando energia e matria com o meio que a circunda. De um modo geral, todas as atividades realizadas pelas clulas requerem energia livre. A reproduo e transmisso das informaes hereditrias, por exemplo, so processos essenciais manuteno e evoluo das clulas que necessitam de energia. As fontes das quais as clulas captam ou extraem energia podem variar, mas todas elas aps captar e transformar essa energia a armazenam nas ligaes qumicas de molculas de adenosina 5-trifosfato (ATP) (Figura 17a). Dessa forma, todas as clulas, independente do seu tamanho, forma ou organismo de que faz parte, utilizam a molcula de ATP como carreadores ou reservatrios intermedirios de energia metablica.

Figura 17: Estrutura, sntese e degradao da molcula de ATP: a) A molcula de ATP (adenosina 5trifosfato) um nucleotdeo composto pela base nitrogenada adenina ligada ao acar ribose e a trs molculas de fosfato inorgnico, sendo que as ligaes entre os fosfatos so altamente energticas; b) O ATP funciona como uma bateria que reserva e fornece energia para o desenvolvimento de diversas atividades celulares. Quando a clula precisa de energia, o ATP hidrolisado ADP (adenosina difosfato) e Pi (fosfato inorgnico), liberando a energia contida na ligao entre os dois ltimos fosfatos. O ATP regenerado, a partir da ligao entre o ADP e Pi, usando a energia oriunda da oxidao de molculas orgnicas ou da luz solar.

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Clulas: um universo microscpico Construa um quadro com as possveis fontes de energia de onde as clulas captam energia, e ainda com os mecanismos utilizados para processar essa energia e os organismos relacionados. Podemos comparar as molculas de ATP a baterias eltricas. Estes nucleotdeos tm a propriedade de armazenar energia qumica nas ligaes entre seus fosfatos, comportando-se como baterias carregadas. A figura 17b mostra que para utilizar essa energia, as clulas quebram a ligao relativa ao fosfato terminal, por meio de uma reao de hidrlise, liberando assim a energia e reconstituindo a molcula de ADP (adenosina difosfato), que representa a bateria descarregada e um fosfato inorgnico. Para ser convertida novamente a ATP, isto , para que seja recarregada, a molcula de ADP novamente fosforilada. Desta forma a molcula de ATP se comporta como um reservatrio instvel de energia, que concentra uma quantidade limitada de energia (20 kcal/mol), prontamente acessvel para a clula quando necessrio, uma vez que essa molcula facilmente degradada, liberando a energia armazenada. As molculas de ATP so geradas por vias ou rotas metablicas diversas, sendo que as principais, de modo geral, foram conservadas nas clulas atuais. A primeira delas a Gliclise (respirao anaerbica). Nessa rota ocorre a quebra da glicose na ausncia de oxignio, em cido ltico ou cido pirvico, gerando duas molculas de ATP. Como vimos anteriormente, levando em considerao que a atmosfera primitiva em que surgiu a vida era provavelmente anaerbica, presume-se que as reaes vinculadas produo de energia envolviam a quebra de molculas orgnicas na ausncia de oxignio. Essa suposio, associada ao fato de que todas as clulas atuais realizam gliclise, demonstra que essa rota metablica foi conservada evolutivamente, seja como a nica via de obteno de energia (organismos anaerbicos obrigatrios), seja como via alternativa para a obteno de energia (organismos anaerbicos facultativos), seja como etapa inicial que fornece produtos para uma rota mais complexa (gliclise acompanhada de fosforilao oxidativa). Entretanto, essa rota metablica considerada pouco eficiente, pois o processo de degradao da glicose parcial, liberando uma pequena parcela da energia qumica contida na mesma. A segunda rota a fosforilao oxidativa, na qual a glicose oxidada completamente em CO2 e H2O, com a liberao de toda a energia potencial para a produo de 36 a 38 molculas de ATP, sendo, portanto, mais eficiente do que a gliclise. Esta via metablica (respirao aerbica) que provavelmente evoluiu a partir da liberao de oxignio na atmosfera primitiva, por meio do processo de fotossntese, atualmente a via metablica energtica mais utilizada pelas clulas, com poucas excees. A terceira rota esta associada fotossntese, processo no qual a energia absorvida da luz solar convertida em energia qumica para produzir ATP e NADPH, necessrios sntese de carboidratos (alimentos), a partir de CO2 e H2O. Dependendo da necessidade metablica da clula, uma via alternativa para o fluxo cclico de eltrons na cadeia transportadora produz apenas ATP, gerando molculas adicionais para serem utilizadas em outros processos metablicos. Essa rota metablica utilizada apenas pelas clulas fotossintetizantes de vegetais, algas e cianobactrias.

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Membrana plasmtica como envoltrio que assegura a integridade celularEm nossa viagem pela histria evolutiva constatamos que a partir do momento em que uma bicamada fosfolipdica, formada espontaneamente, envolveu e isolou molculas auto-replicativas e autocatalticas do meio circundante, surgiu a primeira membrana fosfolipdica e conseqentemente o primeiro sistema independente e capaz de auto-replicao, ou seja, a clula. A formao da membrana plasmtica representou um marco na histria evolutiva, pois culminou com a formao da primeira clula e estabeleceu a condio limtrofe para a primeira forma de vida independente. Assim, todas as clulas so delimitadas por uma membrana plasmtica que protege e garante sua integridade, uma vez que separa o seu meio intracelular do meio extracelular, mantendo um microambiente adequado realizao das diversas reaes bioqumicas que ocorrem no meio intracelular e manuteno do gradiente de ons, importante em vrias atividades da clula. Alm disso, funciona como uma barreira que possui a propriedade de permeabilidade seletiva, por meio da qual controla quantitativa e qualitativamente o que entra (absoro) e o que sai (excreo) da clula. Desta forma, a clula adquire nutrientes do meio externo, mantm seus produtos de sntese e excreta os resduos provenientes de seu metabolismo. A membrana plasmtica flexvel e delgada, medindo cerca de cinco nm (nanmetro) de espessura, portanto s possvel observ-la atravs de um microscpio eletrnico. Apesar de existir variaes em relao composio molecular da membrana plasmtica entre as clulas que compem os diversos organismos e mesmo entre as clulas que compem um determinado organismo multicelular, a membrana plasmtica de todas as clulas apresenta uma estrutura bsica, que foi conservada durante o processo de evoluo. Essa estrutura dinmica e fluda e composta por uma bicamada de fosfolipdios com protenas inseridas na mesma. Observe na figura 18 que as molculas de fosfolipdios se organizam segundo sua natureza anfiptica, ou seja, agregam-se espontaneamente em um arranjo especfico que mantm suas regies hidroflicas voltadas para os meios aquosos intra e extracelular e as regies hidrofbicas comprimidas e voltadas para a parte central da membrana, formando uma barreira impermevel s molculas carregadas ou polares.

Saiba mais: Unidades de medida para expressar as pequenas dimenses celulares e moleculares: 1 micromtro (m)= 10-6 m 1 nanmetro (nm) = 10-9 metro 1 ngstroms () = 10-10m

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# M1U5

Clulas: um universo microscpico

Figura 18: Estrutura da membrana plasmtica: a membrana plasmtica composta por uma dupla camada de fosfolipdios, cujas regies hidroflicas ficam voltadas para as superfcies aquosas e as regies hidrofbicas se comprimem no interior da bicamada. Inseridas nesta bicamada fosfolipdica encontram-se protenas integrais (transmembranas) e perifricas. Note cadeias de oligossacardeos ligadas as protenas e aos fosfolipdeos, constituindo as glicoprotenas e os glicolipdeos, respectivamente. O detalhe da figura mostra protenas transmembranas com funes de transportadores de ons e molculas solveis em gua, bem como de transdutores de sinais.

Nesta bicamada lipdica encontram-se inseridas protenas perifricas, localizadas nas superfcies extra e intracelulares da membrana com funes ligadas sinalizao celular e protenas integrais ou protenas transmembranas, que atravessam a bicamada lipdica. Estas protenas tambm so anfipticas, sendo que suas regies hidrofbicas estabelecem ligaes covalentes com as caudas de hidrocarbonetos dos fosfolipdios no interior da bicamada e suas regies hidroflicas so direcionadas para os meios aquosos extra e intracelulares. As protenas transmembranas so especializadas e desempenham funes distintas, como a de transporte de ons e molculas solveis em gua, recepo e transduo de sinais extra e intracelulares, bem como atividades enzimticas relativas s reaes especficas que ocorrem no nvel da membrana. As protenas transmembranas transportadoras tambm foram conservadas durante o processo de evoluo.

Atividade complementar 04Sempre que falamos da membrana plasmtica destacamos duas propriedades: a permeabilidade seletiva e a fluidez. Como voc definiria essas propriedades e sua correlao com as funes da membrana? A permeabilidade seletiva atribuda membrana plasmtica est vinculada natureza anfiptica destas molculas, que orienta o transporte. Geralmente, atravs da bicamada de fosfolipdios atravessam gases (CO2, O2, N2, etc) e molculas hidrofbicas e atravs das protenas transmembranas so transportados ons e molculas solveis em gua. O transporte de ons e molculas atravs da membrana plasmtica pode ser realizado com o gasto de energia (transporte ativo) ou no (transporte passivo).

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P Eixo Biolgico J a fluidez da membrana est associada ao comprimento das cadeias de hidrocarbonetos dos fosfolipdios e s ligaes insaturadas (duplas ligaes) presentes em uma das caudas de hidrocarbonetos, que forma uma flexo na mesma. Quanto menor for o comprimento das cadeias, menor ser a interao entre elas e quanto maior o nmero de ligaes insaturadas, maior ser a dificuldade de agrupamento dos fosfolipdios. Isto implica em uma membrana mais fluda, menos viscosa (dificulta o seu congelamento em temperaturas mais baixas), na qual os fosfolipdios e muitas protenas podem difundir-se lateralmente atravs da membrana. Essa fluidez importante para alguns processos de transporte atravs da membrana e para a atividade de algumas enzimas. BSC B

#M1U5 IV. Diversidade e caractersticas geraisdas clulas procariticas um estudo comparativo

Saiba mais: Escherichia coli uma das bactrias mais antigas que o homem conhece, possui forma bacilar, gram-negativa, aerbica e anaerbica (facultativa).

Como vimos anteriormente, as clulas procariticas foram as primeiras a surgir na histria da evoluo e se diferenciam das clulas eucariticas em alguns aspectos estruturais e funcionais. Em relao aos aspectos estruturais, o estudo por meio da microscopia revelou que essas clulas se diferenciam pelo fato de seu material gentico encontrar-se em contato direto com o citoplasma, portanto no possuem um ncleo individualizado, como as clulas eucariticas, alm de no possuirem organelas membranosas. As clulas procariticas atuais, de modo geral, so pequenas e estruturalmente simples quando comparadas s clulas eucariticas e vivem como indivduos independentes. So representadas por uma grande variedade de bactrias que atualmente encontram-se agrupados em dois tipos evolutivamente diferentes: as arquibactrias e as eubactrias. Esses dois grupos de bactrias descendem de um ancestral comum e divergiram bem cedo na histria da evoluo. Estruturalmente e em relao ao mecanismo de converso de energia, as arquibactrias se assemelham s eubactrias, contudo em nvel molecular, principalmente com relao maquinaria de manipulao da informao gentica, se assemelham mais aos eucariotos. As arquibactrias podem viver em ambientes cujas condies so limitantes para a maioria dos seres vivos, como: pntanos, esgotos, geleiras, fundo de oceanos, salinas e fontes cidas ou em ambientes menos extremos como solos, lagos, estmago de bovinos. Por exemplo, em fontes termais sulfurosas caracterizadas por altas temperaturas e pH baixos, vivem arquebactrias termoacidfilas, como Methanococcus jannaschii e em crateras vulcnicas marinhas vivem as arquibactrias pertencentes espcie Aeropyrum pernix. J as eubactrias incluem um grande grupo de bactrias comuns que habitam uma grande variedade de ambientes, como solo (Bacillus subtilis), guas continentais e marinhas (cianobactrias), fendas hidrotermais (Aquifex aeolicus) e outros organismos (bactrias patognicas como Mycobacterium tuberculoosis uma das causadoras da tuberculose). Vale ressaltar que a bactria Escherichia coli, que vive no trato intestinal humano, amplamente utilizada como organismo modelo para estudos dos mecanismos bsicos da gentica molecular. Existem outras bactrias que causam doenas ao homem e com certeza voc j ouviu falar de algumas delas.

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Atividade complementar 05Muitas eubactrias que habitam outros organismos so patognicas e so conhecidas por voc. Construa uma tabela com o nome das bactrias e doenas causadas por elas. A anlise de clulas procariticas, feitas por pesquisadores por meio do microscpio, evidenciou que essas variam em relao forma, podendo ser esfricas (Streptococcus), em bastonetes (Vibrio cholerae agente da clera) ou em espirais (Treponema pallidum agente da sfilis), geralmente so mveis e podem se agregar, formando colnias. Em relao ao tamanho tambm variam, medindo de 1 a 10m. Entretanto, os pesquisadores notaram que apesar dessas diferenas morfolgicas, todas as clulas procariticas apresentam uma estrutura bsica similar.

Atividade complementar 06Observe e analise a Figura 19. Identifique os elementos que formam a estrutura bsica destas clulas e os elementos que as diferenciam.

Figura 19: Diversidade de clulas procariticas.

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P Eixo BiolgicoSaiba mais: Embora as bactrias apresentem o tamanho mdio entre 1 10 m, existem bactrias de 0,2m (Chlamydia) parasita intracelular obrigatrio e de at 600 m (Epulopiscium fishelsoni), bactria encontrada no intestino de uma espcie de peixe habitante do Mar Vermelho e da costa da Austrlia.

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evidente que um dos elementos identificados por voc foi a membrana plasmtica, pois j vimos que esta responsvel pela integridade de qualquer tipo de clula e foi um dos fatores decisivos para o surgimento da primeira clula como unidade de vida independente. Assim, todas as clulas procariticas possuem uma membrana plasmtica constituda por uma bicamada de fosfolipdios, entremeada por protenas perifricas e integrais ou transmembranas, que delimita um nico compartimento interno preenchido pelo citoplasma. Devido ao fato dessa membrana apresentar a propriedade de permeabilidade seletiva, j discutida anteriormente, sua funo tambm est ligada ao controle do transporte de molculas e ons entre o meio extra e intracelular. Externamente, envolvendo essa membrana, a maioria dos procariotos (bactrias) apresenta uma parede celular rgida, composta principalmente por cadeias de polissacardeos lineares interligadas por pequenos peptdeos (peptdeoglicanos) que oferece proteo mecnica e mantm a forma da clula. Existem alguns tipos de bactrias (E. coli, por exemplo) que possuem uma membrana externa parede celular. Esta membrana lipoprotica, contudo permevel aos solutos, pois possuem protenas transmembranas conhecidas como porinas que formam canais que permitem a difuso livre de ons e molculas polares (Figura 20).

Figura 20: Diferena entre a parede celular e membrana das bactrias gram-positiva e gramnegativa.

Alm disso, muitas bactrias apresentam uma cpsula espessa, de natureza mucosa e de composio molecular variada, com funes antignica e de adeso. Por outro lado, as cianobactrias possuem parede celular composta por celulose e peptideoglicanos e excretam mucilagem, o que freqentemente forma uma bainha que agrega as clulas em colnias ou filamentos. Outro ponto estrutural comum entre as clulas procariticas o material gentico, representado por uma molcula nica de DNA circular (podendo estar presente em mltiplas cpias), localizada no citoplasma, numa regio densa conhecida por nucleide. Seu genoma ou contedo de DNA pequeno e compacto, variando entre 0,6 a 5 milhes de pares de bases que podem codificar at 5 mil protenas diferentes. Os genes que codificam estas protenas se localizam muito prximos e com uma pequena quantidade de DNA regulador entre eles (Figura 21).

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Figura 21: Estrutura geral do gene de clulas procariticas: regio promotora, regies codificadoras ou xons (genes) e regio terminadora.

As arquibactrias contm protenas (histonas) que empacotam o seu DNA em estruturas similares eucromatina de clulas eucariticas, enquanto as bactrias possuem outros tipos de protenas associadas ao DNA, que provavelmente funcionam de forma similar s histonas, empacotando o DNA. Vale ressaltar que as bactrias podem apresentar um DNA circular extracromossmico, geralmente em mltiplas cpias, denominado plasmdeo, que se replica independentemente e contm genes que conferem s bactrias resistncia a antibiticos ou produzem toxinas para sua defesa. As clulas procariticas se reproduzem por fisso, ou seja, pela formao de septos da superfcie para o interior da clula, dividindo-a em duas clulas-filhas geneticamente iguais. Por outro lado, algumas bactrias dispem de outros mecanismos de reproduo, que criam oportunidades de recombinao gentica, como: conjugao unio de duas clulas bacterianas durante a qual uma clula transfere segmentos de DNA para outra; transformao incorporao de DNA exgeno ao DNA bacteriano e transduo transferncia de um fragmento de DNA de uma clula bacteriana para o genoma de outra, por meio de um fago. No citoplasma, alm do DNA encontram-se as molculas de RNAs, os ribossomos que se ligam ao RNA mensageiro, formando os polirribossomos, protenas e outras molculas necessrias aos diversos processos metablicos. Vale destacar que, devido ao fato dessas clulas no possurem membrana circundando o material gentico, ou seja, no possurem ncleo, a transcrio do DNA em RNA e a traduo em protenas ocorrem simultaneamente no citoplasma. Por outro lado, como essa clula no contm organelas membranosas, as enzimas e molculas transportadoras de eltrons relacionadas respirao encontram-se associadas face interna da membrana plasmtica, que s vezes sofre invaginaes que aumentam sua superfcie (mesossomo). Da mesma forma, nas clulas que realizam fotossntese, como as cianobactrias, as enzimas relativas a esse processo se encontram na face interna da membrana plasmtica, sendo que os pigmentos responsveis pela absoro de energia luminosa se localizam, geralmente, em membranas paralelas e distribudas prximo membrana plasmtica. No decorrer deste texto ressaltamos vrias vezes o fato das clulas procariticas possurem estrutura simples, no entanto estas so consideradas organismos complexos e diversificados, em relao ao seu metabolismo. A capacidade bioqumica para captar e transformar energia muito maior que a das clulas eucariticas. Como isso pode ser explicado? Com as transformaes ocorridas no planeta Terra, durante o processo evolutivo surgiram ambientes diferentes em relao fonte de nutrientes e disponibilidade de luz; a variao de pH e temperatura, entre outros fatores. Para que essas clulas se adaptassem a esses habitats variados, foi necessrio o desenvolvimento e aperfeioamento de mecanismos, para captar e transformar a energia necessria sua sobrevivncia e reproduo

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P Eixo Biolgico Assim, existem espcies de bactrias que so organotrficas, ou seja, que utilizam molculas orgnicas (acares, aminocidos, hidrocarbonetos, gs metano) como fonte de energia. Outras bactrias so litotrficas, uma vez que podem extrair energia de elementos inorgnicos (H2S, H2, ons Fe2+, elementos sulfurados). E muitas espcies so fototrficas, captam e transformam energia luminosa, produzindo oxignio como produto secundrio ou no. A cianobactria (Anabaena cylindrica) um exemplo de procarioto que desenvolveu o processo de fotossntese. Outro problema enfrentado pelas clulas procariticas foi a disponibilidade de nutrientes no meio, que de modo geral pode ser um fator limitante sua sobrevivncia. A manuteno de seu pequeno tamanho foi a soluo encontrada, porque implica em uma alta razo entre a rea superficial e o volume, facilitando a aquisio de nutrientes atravs da membrana plasmtica e reproduzindo-se com maior rapidez e eficincia. Alm disso, a transferncia horizontal de genes entre procariotos de espcies diferentes bastante freqente. Por exemplo, os genes que conferem resistncia a um determinado antibitico ou que produzem uma toxina especfica podem ser transferidos de espcie para espcie. Os fatores apontados nos ltimos trs pargrafos contriburam para as clulas procariticas se constiturem em um tipo de organismo favorecido pela seleo natural e, portanto, bem sucedido evolutivamente, apesar da sua simplicidade estrutural. BSC B

Atividade complementar 07a) Identifique neste texto e na literatura sobre o assunto outras caractersticas e fatores que contriburam e continuam a contribuir para evoluo desses organismos. b) Elabore um mapa conceitual sobre a clula procaritica, a partir do maior nmero possvel de palavras-chave (estrutura e processos) que voc possa identificar, apresentando suas inter-relaes.

Saiba mais: Na dcada de 70, o pesquisador Joseph Novak, baseado na teoria da aprendizagem significativa, criou uma ferramenta para organizar e representar contedos/ conhecimentos, o mapa conceitual. O mapa conceitual, de maneira simplificada, trata-se de um diagrama com palavras-chaves que expressam o contedo e que podem ser interligadas por frases, linhas, setas e outros sinais, representando graficamente o conhecimento, possibilitando uma viso geral do tema e suas conexes.

#M1U5 V. Diversidade e caractersticas gerais

das clulas eucariticas um estudo comparativo

Ao longo do processo evolutivo, as clulas eucariticas, em resposta s alteraes do meio ambiente, foram se adaptando e aumentando seu grau de complexidade. Isso significou a criao de estruturas especializadas e o aperfeioamento de mecanismos vinculados ao metabolismo. As clulas eucariticas atuais, em geral, so maiores e mais complexas estruturalmente e funcionalmente do que as procariticas. Algumas clulas eucariticas vivem como organismos independentes (organismos unicelulares), a exemplo das amebas (protozorios) e das leveduras (fungos). Entretanto, a maioria das clulas eucariticas se diferencia e se organiza em tecidos e rgos que constituem organismos multicelulares, alcanando um nvel de complexidade maior do que o dos procariotos (Figura 22)

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Figura 22: Clulas eucariticas: a) Clulas eucariticas que constituem organismos unicelulares; b) Clulas eucariticas que constituem organismos pluricelulares. Essas clulas se organizam em tecidos especficos, os quais por sua vez, junto a outros tipos de tecidos, constituem rgos ou sistemas. Estes ltimos, em conjunto, constituem o indivduo ou organismo multicelular. Em alguns organismos multicelulares como os fungos, por exemplo, as clulas no formam tecidos verdadeiros.

Essas clulas apresentam forma, tamanho e estrutura variados. No caso especfico das clulas que integram um grande nmero de organismos multicelulares, elas se diferenciaram e se especializaram funcionalmente de acordo com o tecido ou rgo que integram. Vale ressaltar que a especializao funcional das clulas eucariticas faz com que essas clulas adquiram caractersticas especficas, contudo em todas elas podemos encontrar um modelo de organizao bsico.

Atividade complementar 08Observe a Figura 23 e identifique os elementos que formam a estrutura bsica destas clulas e os elementos que as diferenciam.

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Figura 23: Diversidade das clulas eucariticas (alguns exemplos).

A maioria das clulas eucariticas mede poucos micrmetros de dimetro e, portanto, s podem ser observadas por meio do microscpio. No entanto, algumas clulas animais e vegetais so visveis a olho nu. Geralmente, o volume dessas clulas constante para um determinado grupo celular, independentemente do tamanho do organismo, portanto o crescimento do indivduo e, conseqentemente o seu tamanho, determinado pelo nmero de clulas e no pelo seu volume. A forma das clulas eucariticas depende de uma srie de fatores, como: adaptaes funcionais, citoesqueleto, ao mecnica exercida pelas clulas adjacentes, entre outros (Figura 24).

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Figura 24: Forma celular em funo de determinados fatores como ambientais e fisiolgicos.

As clulas podem ter forma esfrica, elptica, cbica, retangular ou irregular, etc. Algumas podem variar de forma com freqncia, como os leuccitos (clula sangunea) e as amebas (protozorio), devido sua capacidade de fagocitar, vinculada s funes de defesa e de alimentao, respectivamente. Outras apresentam forma tpica e fixa, a exemplo da clula nervosa (neurnio), que possui um formato irregular com vrios prolongamentos curtos (dendritos) e um prolongamento longo (axnio). A forma dos neurnios adequada sua funo especializada, ou seja, captar e transmitir os estmulos nervosos. Por outro lado, as clulas do xilema de plantas so responsveis pelo transporte de gua e por esse motivo perderam o seu protoplasto e apresentam uma parede celular rgida, impregnada de substncias impermeveis. Outro exemplo o das clulas que formam o tecido epidrmico de animais e plantas. Geralmente essas clulas se apresentam na forma cbica ou retangular e so bem unidas, devido ao mecnica de uma clula sobre a outra, bem como a presena de protenas de adeso, uma vez que este tecido oferece proteo e impermeabilidade aos organismos.

Atividade complementar 09Liste outros exemplos, relacionando a forma funo da clula.

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P Eixo Biolgico A figura 23, j analisada por voc, exemplifica a diversidade das clulas eucariticas em termos de forma e tamanho. Nela voc observou que em todas as clulas existe um modelo de organizao bsico, ou seja, em todas as clulas voc verifica a presena de uma membrana plasmtica que delimita o meio intracelular, um citoplasma compartimentado por vrias organelas membranosas e um ncleo que encerra o material gentico, separando-o do citoplasma. A presena do ncleo e o citoplasma compartimentado so algumas caractersticas que as diferenciam das clulas procariticas. Observe a figura 25, que representa uma comparao entre as clulas eucariticas e uma indstria organizada em diversas sees (seleo e separao de matria-prima, montagem das peas, acabamento, embalagem, controle de qualidade, etc), na qual cada seo responsvel pela execuo de uma determinada tarefa, sendo que todo esse trabalho orientado e dirigido por uma administrao central. BSC B

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Figura 25: Comparao entre as clulas eucariticas e uma fabrica. As cores das organelas das clulas e das sees da fbrica indicam a equivalncia em termos de funo: a) Estrutura de uma clula eucaritica animal; b) Estrutura de uma clula eucaritica vegetal; c) Planta de uma fbrica com suas sees.

Este tipo de organizao imprime indstria eficincia, rapidez e qualidade nos produtos manufaturados. Da mesma forma, uma clula eucaritica compartimentada em varias organelas e estruturas que desempenham funes especficas, por exemplo: membrana plasmtica (proteo, seleo e transporte de molculas e ons), mitocndria (produo de energia), retculo endoplasmtico granular (sntese e processamento de protenas); retculo endoplasmtico agranular (sntese de lipdeos), complexo de Golgi (processamento de protenas e de lipdeos), vesculas (empacotamento e transporte de protenas), entre outras, sendo que todas essas atividades so dirigidas e controladas pelo material gentico (DNA) contido no ncleo. Esse tipo de organizao aumentou a eficincia das clulas eucariticas e permitiu que estas atingissem tamanhos maiores que as clulas procariticas sem prejuzo para suas funes. A seguir vamos caracterizar de modo geral cada compartimento celular separadamente para facilitar sua compreenso, contudo sem perder a viso do todo. Voc deve lembrar sempre que os vrios compartimentos ou organelas celulares trabalham geralmente de forma integrada e coordenada.

Membrana plasmtica e outras coberturas da superfcie celularComo j vimos, todas as clulas eucariticas, assim como as procariticas, possuem uma membrana plasmtica que delimita e separa o meio intracelular do meio extracelular, mantendo sua integridade e controlando seletivamente o transporte de molculas e de ons necessrios para a manuteno da vida. Essa membrana apresenta a mesma estrutura bsica das procariticas, ou seja, constituda por uma dupla camada de fosfolipdios entremeada por protenas perifricas e integrais ou transmembranas. Entretanto, a concentrao e os tipos de fosfolipdios e de protenas presentes nas membranas plasmticas entre clulas diferentes e mesmo entre as bicamadas lipdicas de um mesmo tipo de clula podem variar de acordo com a funo exercida por cada grupo de clulas. As clulas eucariticas desenvolveram um mecanismo de transporte denominado endocitose, visando transferir para o meio intracelular molculas ou partculas, cujo transporte atravs das protenas transmembranas no vivel devido ao tamanho das 272Mdulo I Contexto da Vida

P Eixo Biolgico mesmas. Neste tipo de transporte, o citoesqueleto auxilia tanto na evaginao da membrana plasmtica, formando os pseudopdos que englobam microorganismos presentes no fludo extracelular (fagocitose, por exemplo), quanto na invaginao da membrana plasmtica, formando vesculas que englobam macromolculas (pinocitose). Por outro lado, a clula tambm capaz de transportar para o meio extracelular as macromolculas secretadas (glicoprotenas, proteoglicanas, hormnios, etc.), por meio da fuso entre a membrana das vesculas transportadoras e a membrana plasmtica. Esse mecanismo de transporte chamado de exocitose. Ambos os mecanismos de transporte envolvem a participao de receptores especficos aos quais o material a ser transportado se liga, o que requer gasto de energia. Vale lembrar que, alm do transporte seletivo, a membrana plasmtica exerce as funes de sinalizao celular e reconhecimento celular, que sero discutidas em mdulos posteriores. No caso especfico de organismos vertebrados multicelulares, as clulas desenvolveram vrias estruturas diferenciadas na membrana plasmtica, que servem para estabelecer a unio e comunicao entre clulas de um mesmo tecido. Na figura 26 apresentamos alguns exemplos de diferenciaes da membrana plasmtica. Observe que as clulas que integram o tecido epitelial de animais apresentam como especializaes da membrana, entre outras, os desmossomos, placas proticas que envolvem a participao de microfilamentos do citoesqueleto e que promovem a unio entre clulas contguas e as junes comunicantes, que formam canais proticos interligando duas clulas adjacentes, visando promover a troca de ons e pequenas molculas entre elas. J os vegetais apresentam plasmodesmos, canais citoplasmticos formados pela fuso entre membranas plasmticas de clulas contguas, como estrutura de comunicao celular. Quando caracterizamos a membrana plasmtica, um dos aspectos mencionados foi sua pequena espessura. Logo, essa membrana, por ser delgada e flexvel, no precisaria de um suporte e reforo para auxili-la na tarefa de proteo e defesa da clula? Exatamente, por isso, em muitos tipos de clulas, a membrana plasmtica recoberta por um arranjo insolvel de macromolculas secretadas. Assim como muitas clulas procariticas (bactrias), as clulas eucariticas de fungos, algas e plantas tm a