umberto eco.-como se faz uma tese em ciencias humanas

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  • universidade hoje

    Na presente ob'. dirigida a todos os estudantes em

    situao cicil, conseqncia de discriminaes remotas

    ou recentes-, Umberto Eco expecqueseentendepor

    tese. come escolher o tema e organizar o tempo de

    trabalho, como conduzir uma investigao bibliogrfica,

    como organizar o material seleccionado e, finalmente,

    como dispor a redacp do trabalho. E sugere que se

    aproveite -a ocasio da tese para recuperar o sentido

    positivo e progressivo do estudo, entendido como

    aquisio de uma capacidade para identificar os pro-

    blemas, encara-los com mtodo e exp-fqs segundo

    certas tcnicas de comunicao*. Um livro sempre

    actual e indisoensvet.

    COMO SE FAZ U M A T E S E EM CINCIAS HUMANAS

    ?3 EDITORIAL PRESENA

  • E D I T O R I A L U P R E S E N A

    fMi ali liti P^ lilfis, "J i-Ju/ In

    N O

    BI

    X A '

  • C O M O S E FAZ UMA TESE EM CINCIAS HUMANAS

  • Umberto Eco

    COMO SE FAZ U M A T E S E EM CINCIAS HUMANAS

    Prefcio de Hamilton Costa

    Traduo d e A n a Falco B a s t o s e Lus Leito

    E D I T O R I A L T2 P R E S E N A

  • KIHA TfiCNICA

    Ttulo ortglml: Cnmn Si ha Una Te ti l)i iaurea Aulor: Umherttt flo0 Copyright O 1977 hy C H Kditricc Vslcniino Bompiani A ('., Milio Traduo O kditnnal Prewna. 1997 Traduo: Ana talto HatM e IJI:< tetin Capa: Catarina Stauetra tiatiras Compoio. impfcvan c seibimento: Xlutoitipn - Ari" (Irficat. Ida. I. " ediio. liMB, Janeira 198(1 1? edio. I.Wlf, Janeiro. 19X2 3.' edio. Lisboa. Janeiro. 1984 *.' edio. Lisboa. Janeiro. 1988 5. * ediio. Lisboa. I-everciro, 1991 6. ' ediio. Lisboa. Janeiro. 1995 7.4 ediio. Lisboa. Janeiro, 1998 8. * ediio. Lisboa. Abril, 2001 9. * ediio. Lisboa. AMI, 20Q2 10. ' editai). Lisboa. Fevereiro. 2003 II. " ediSu. Lisboa. Junho. 2IXM 12.' ediio. Lisboa. Sclemhro. 2005 13. " ediio. Lisboa, Fevereiro. 2007 Dep-iio lenal n." 253 273707

    Reservados todos o\ direitos para a linpua ponupuexa EDITORIAL PRESENA Estrada da Palmeiras. 59 Ouclui dc Baixo 2730 132 DARCARENA Eioail: info prekenca.pl Internet hllp:A,*v.w.prrkcnca.pl

    N D I C E

    PREFCIO 2." KDICO PORTUGUESA 11

    INTRODUO 23

    I. QUB K UMA TESE H PARA QUE SERVE 27 1.1. Por que se deve fa^ cT uma tese c o que 6 27 1.2. A quem inicressa este livro 30 1.3- De que modo uma tese serve tambm para depois da licencia-

    lura _ 31 I. 4. Quatro regras bvias 33

    n. A ESCOLHA DO TOMA 35 II. 1 Tese monogrillca ou (esc panormica? 35 11.2. Tese histrica ou lese lerica? 39 11.3. Tennis amigos ou (emas contemporneos? 42 11.4. Qminto (empo c preciso para fazer unia tese? 43 H.5. necessrio saber lnguas estrangeiras? 47 H.6. Tese cientfica ou tese poltica? 51 H.7. Como evitar deixar-se explorar pelo orientador 66

    UL A PROCURA DO MATERIAL _ 69 111.1. A acessibilidade da fontes _ 69 III. 2. A inveslijjaao bibliogrfica . 77

    IV. O PLANO DE TRABALHO E A ELABORAO DH FICHAS 125 IV. 1,0 ndice como hiptese de trabalho 125 IV.2.Fichas c apontamentos 132

    7

  • V. A RF.DACO 161 V.I A quem DOS dirigimos V.2. Como se fala 163 V A A* citaes 171 V.4. As notas de rodap 182 V.5. Advertncias, ratoeiras, costumes 194 V. 6. O orgulho cicnifico 198

    VI. A RF.DACO DF.F1NIT1VA 202 VI. l.Criicrios grficos 202 VI.2. A bibliografia final 222 VI.3. Os Hpndices 225 V1.4.0 ndice 227

    VII. CONCLUSES 233

    BIBLIOGRAFIA SELECTTVA 237

    8

    N D I C E D E Q U A D R O S

    QUADRO I Resumo das regras para a citao bibliogrfica 101

    QUADRO 2 Exemplo de ficha bibliogrfica 103

    QUADRO 3 '-..- gerais sobre o Barroco Italiano identificadas, atrases d exame de trs elementos de consulta _ 111

    QUADRO 4 Obras particulares sobre tratadistas italianos do sculo xvu iden-tificadas atravs do exame dc trs elementos de consulta 112

    QUADRO 5 Fichas de citao 138

    QUADRO 6 Ficha de ligao 140

    QUADRO 7-14 Fiehus dc leitura 144-156

    QUADRO 15 Exemplo de anlise continuada de um mesmo txtp 179

    QUADRO 16 Exemplo de unia pgina com o sistema citao-nota 1X7

    QUADRO 17 Exemplo dc bibliografia standard correspondente 188

    QUADRO 18 A mesma pgina do quadro 16 reformulada com o sistema autor--data _ 192

    QUADRO 19 Exemplo dc bibliografia correspondente com o sistema autor -daia - 193

    9

  • QUADRO 20 Corrta iransiiterar alfabetos no latinos 212

    QUADRO 21 Abreviaturas mais usuais para utilizar eni notn ou no texto 216

    QUADRO 22 Modelos de ndice 229

    10

    P R E F C I O 2. A E D I O P O R T U G U E S A

    A publicao em portugus deste livro de Umberto Eco per-mite ver o conjunto de problemas que a metodologia da investi-gao actual levanta e faz compreender a importncia das suas tendncias no avano da cincia e na conservao do saber. Encarada luz das suas mutaes tericas, ou estudada na sua complexa estruturao, ou, finalmente, na sistematizao dos seus modos de operar, essa reflexo um contributo importante para reformular muitas atitudes acomodadas do fazer a cincia, que se comprazem na eternizao do j feito-

    A criao cientfica uma actividade e uma instituio. Como aclividade, designa o processo de investigao que leva a investi-gador a produzir a obra cientifica. Como instituio, uma estru-tura constituda por Ires elementos: o sujeito, o ohjec.li> e o meio. Ao longo dos tempos, estes aspectos foram evoluindo, designando ct associao ou a dissociao quer dos mesmos, quer de algumas das suas partes, diversos movimentos da investigao cientfica.

    Caso nos atenhamos exclusivamente evoluo que se processou nas cincias humanas, e a resiringirmo-nos ao nosso sculo, pode-mos distinguir trs movimentos importantes: um que se polarizou em torno do sujeito da investigao, outro que gira em torno do objecto investigado e finalmente um terceiro que pretende manter um justo equilbrio no processo da criao cientfica entre o sujeito e o seu objecto. Todos eles revelam preocupaes tericas diferen-tes, mas convergem na inquietao comum de tornar possvel a cin-cia atravs da elaborao e aperfeioamento dos mtodos.

    Existem, com efeito, trs movimentos distintos na evoluo da metodologia da investigao. O primeiro, que tem como teorizado-

    1 !

  • res Sertillanges, Ghellinck e Guitton'. sohrevaloriza o papel do Sujeito "a estrutura da criao cientfica em detrimento da meto-dologia da investigao. A questo fundamental torna-se. assim, ' da existncia* de um clima espiritual que preexisle e determina a criao " que o sujeito deve aspirar. Da que o decisivo seja esta aspirao manifestada sob a forma de vocao intelectual, uma vez que i dela e do esforo que ela pode virtualmente despender na con-quista de um campo de trabalho, onde a cultura geral fecunda a especialidade, na construo dum tempo interior ao abrigo dos assaltos das preocupaes dispersivas, de que depende a revelao do talento e d gnio, nos momentos dc plenitude duma vida consa-grada ao trabalho cientfico. O talento do investigador e o seu natural intuicionismo fazem relegar os mtodos de trabalho para um plano menor, secundrio e reduzido, pois, para alm das superiores capa-cidades intelectuais, ele pode dispor de vrios meios prticos {desde os seminrios prticos at ao convvio esmeradamente seleccionado), que ensinam a trabalhar ensinando como se fazem as coisas.

    Neste contexto, a obra surgia, como a obra-prima medieval na sua perfeio magistral, a coroar um longo percurso, no qual esta-vam envolvidas muitas horas de trabalho de investigao essencial, que s uma instituio de tipo tradicional poderia patrocinar, uma vez que ela exige agentes humanos altamente qualificados e condi-es objectivas de estudo extremamente complexificadas.

    Por ser o sujeito da investigao indispensvel pura o desen-volvimento da cincia, no menor a importncia do seu ohjecto, O conhecimento das condies da sua existncia e dos modos da sua abordagem tanto asseguram boa parte da sua acessibilidade, como determinam as regras da sua reconstnto terica.

    Ora j nos ambientes cientficos atrs descritos a obra de Ghellinck chamara a ateno para a importncia decisiva da ela-borao de certos trabalhos prticos (recenses crticas) que for-necessem ao estudante um conjunto de regras prticas de trabalho, anunciando desta forma o fim dum impressionismo responsvel por tantas verdades apressadas e pouco amadurecidas. Mas foram, sem dvida, as Directives ppur Ia confection d'unc nionographie scien-

    ' Antonino Dalmcio Serllangcs. A vida intelectual. F.tptrtro. condies, mttv-dnt. Coimbra. Armnio Amado VA. Soe.. 1957: J. dc Ghellinck. tss exercices pra-tique* du - Mmiitairc- cn thologie, 4.*cd., Paris. Deselcc du Broimcr et Cie.. 1948 e Jcun Guiiton, Le truvail intellemtel conseili cus t/ui iudient sr ecux qui ccriveni. Paris. cd. Montagne. 1951.

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    lifiquc de Fernand Van Steenherghen2 que inauguraram o segundo movimento da metodologia da investigao soh o signo do objecto.

    Com efeito, a obra de Van Steenberghen centra-se exclusiva-mente no estudo analtico e sistemtico da composio duma mono-grafia cientifica no mbito da filosofia medieval. Destinando-se a senir de iniciao investigao de um objecto delimitado, des-creve os passos essenciais que permitem, no contexto da investigao, descobrir a verdade e enuncia as regras fundamentais que ajudam, no contexto da exposio, a transmitir as descobertas.

    A metodologia da investigao de Van Steenberghen contrape-se por dois modos concepo anterior. Em primeiro lugar, pela importncia que confere ao objecto da pesquisa num duplo sentido, o da sua dependncia duma esfera cientfica particular e o da indis-pensabilidade de mtodos para o apreender e expor teoricamente. Em segundo lugar, pela concepo de investigador que comporta, pois trata-se de um especialista em formao que deve apetrechar--se com uma ferramenta intelectual os modos de operar para resolver problemas inscritos num territrio concretamente definido a desbravar planificada e metodicamente.

    da reduo e unilateralizao desta fase metodolgica que vivem os Style Manuais and Cuide americanos'. Preocupados em resolver os vrios tipos de trabalho cientfico e encarando-os dc uma forma meramente atomista, os autores americanos deram-lhes uma soluo quase receiturio de todos os elementos que entram na composio duma monografia determinada. Entra-se. assim, num perodo em que se perde de vista a metodologia gerar* para mer-gulhar num atomismo de metodologia especializada. Todavia, algumas destas obras tiveram o mrito de. pela sua profunda especializa-o, resolver e uniformizar alguns pwblemas intrincados referen-tes bibliografia, tipologia da fichagem ou ao estilo grfico, dando forma de dicionrio s frmulas encontradas.

    Se verdade que da delimitao da metodologia iniciao cientfica decorreram aspectos importantes e at decisivos para o

    : 3. ed.. [jwsuin/Paris. cd. Bcatricc Nawclacn. 1901. ' Willam Ges Canvphcll. Stcphcn Vaughan Bailou. Form and Stvte. Theses.

    Repor!.*. Tem paper*. 5." cd Boston. Houghton Mitllin Company. 1979. * Wo.nl Gray et ai. Hinorian 's Handbook: A Key to thc Sludy and Writing of

    Hisiory. Boston, Noughinn Mifflin Company. 1964 c Dcmar Irvins. Writinx abimi music: A mte btmk for Reportt and Theses. Scank. Lnivcrsiry of Washington Pfe*s. 1968.

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  • progresso da cincia, dos seus excessos saram algumas desvanta-gens que se circunscrevem no empobrecimento da teorizao geral e especial. No h metodologia dc investigao como fim em si. divorciada da metodologia especial e geral.

    E com isto passamos naturalmente ao terceiro movimento da metodologia da investigao, que visa equilibrar os elementos sub-jectivos e objeciivos no processo da criao e da investigao cien-tificas. Autores como Asti Vera, Armando Zubizarreia e ngelo Domingos Salvador* visam nas suas propostas tericas reavaliar a estrutura e o processo da criao cientfica insialando-a no corao da criao cultural, a fim de, harmonizando a teoria com a pr-tica, o estudo com a investigao, criarem os pressupostos do tra-balho cientfico numa concepo nova da formao universitria que deve processar-se como um todo contnuo e progressivo, pois "a estudar, a escrever ou a investigar s se aprende no exerccio dessas tarefas6.

    Entre as sries de Textos em que se revelaram os trs movimentos da metodologia da investigao, tomadas globalmente, h no s evoluo, como mudana de terreno e preocupaes novas. Twuxenws para primeiro plano os aspectos de mudana que constituem as linhas de fora das actuais tendncias. Todavia, agora, importa determo--tios mais atentamente no ltimo desses movimentos, para lhe deter-minarmos a estrutura comum e as correntes particulares.

    Pode afirmar-se que a estrutura comum da actual metodologia da investigao assenta em dois princpios gerais: o da unidade indissocivel da metodologia da investigao com a metodologia geral e o da globalidade do processo de formao cientifica. Ambos os princpios assentam na reviso dos fundamentos da criao cien-tifica segundo tuna ptica totalizante.

    O princpio da unidade da metodologia da investigao com a metodologia geral afirma a dependncia tanto no ponto de partida como no ponto de chegada da investigao em relao cincia, enquanto instncia terica, ncleo essencial que determina a con-venincia dos actos daquela (descrio, classificao, etc.) s leis

    * Asti Vera. Metodologia de Io investigaciii, Madrid. cd. CinccL 1972: Armando F. Zuhi/arrcta G.. l-a aventura dei trabaio intelectual tcomo esrudiar y como invs-tigarj, Bogot, Fondo Educativo Imcramcricano. 1969 c ngelo Domingos Salvador. Mtodos e tcnicas e. pesquisa bibliogrfica. Elsborao e relatrio de estudos cientficos, 2.' ed.. Parlo Alegre, Liv. Sulina Ed., 1971.

    ''Armando F. Zulii/arreta G.. op. cit., p. V7I.

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    do pensamento. Exprime a constante preocupao de definir a vali-dade dos mtodos de investigao, em relao aos pressupostos cientficos especiais e gerais.

    O princpio da globalidade do processo da formao cientfica confirma a continuidade entre o mtodo de ensino e o mtodo da investigao, postulando uma formao acadmica faseada lgico--cronologlcamente, de forma a promover no estudante as indispen-sveis competncias investigativas.

    Sobre este segundo princpio, assumido na sua forma concreta de relao da formao geral com a especializao, no seio da totalidade do ensino superior, se dividem as opinies, podendo dis-tinguir-se duas posies particulares que se opem, Para Armando Zubizarreta, deve ser privilegiada a formao geral, que abrange as formas tradicionais de estudo (exame, apontamentos), bem como as formas actuais mais diversificadas (resumo de livros, rese-nha crtica, comunicado cientfico, resumo de assuntos, ensaio) que implicam um trabalho pessoal, mas sob a ptica recapitulativa, deixando para segundo plano a especializao, Este tipo de prio-ridade assenta na concepo de formao universitria progres-siva, em que sendo a meta final o trabalho monogrfico, no deixa de o mediatizar por metas mediaias. estando ele presente em for-mas menos complexas desde o incio at ao fim da formao. ngelo Domingos Salvador, pelo contrrio, privilegia a especializao reduzindo todas as formas mediatizadas do trabalho cientfico, atrs enunciadas, dpfice categoria de estudos recapitulativos e estu-dos originais, acumulando-as no final da formao geral e no decurso da especializao.

    Em resumo, evoluo da metodologia da investigao imps a unidade da formao geral com a especializao, a sntese do saber estudar com o saber investigar, admitindo frmulas de do-seamento vrio. Forjou, assim, um melo o ensino universitrio apto a fazer progredir a cincia sem atraioar a conservao e a transmisso do saber.

    Criada esta base indispensvel para o regular desenvolvimento da cincia, vejamos ento como se organiza a actual metodologia da investigao.

    A metodologia da investigao estrutura-se em dois momentos diferenciados e interdependentes. O primeiro o da descoberta da verdade, que agrupa todos os actos intelectuais indispensveis formulao e resoluo do problema estudado, enquanto o segundo

    15

  • diz respeito transmisso da verdade descoberta, com todos os problemas que o sistema da composio levanta. Ambos os montemos implicam no s operaes cognitivas especificas, como designam uma ordem cronolgica de abordagens que lhes garante a validade cientfica.

    Dois so os contextos em que se desdobra o primeiro momento da investigao o contexto da descoberta e o contexto da justificao.

    O contexto da descoberta o caminho que se. inicia com a for-mulao do problema e se encerra com a investigao das solu-es. Abre-se, assim, com a arte de pr problemas, que requer um longo convvio com os objectos e campos tericos das disciplinas que professamos, pois ela a intuio aclimatada no territrio dos modos de ver o semelhante nas diferenas. Desenvolve-se depois atravs das vrias operaes que se renem sob a designao da investigao das solues e que agrupam a leitura e a tcnica de registo, A leitura, que durante muito tempo havia passado des-percebida, tornou-se. com as investigaes recentes, o lugar privi-legiado da investigao das solues, E evidente que se ela se encontra na base da apreenso do material bibliogrfico, exige, em conseqncia, uma competncia diversificada e aprofundada, e con-diciona todas as operaes intelectuais ulteriores. Sem uma leitura adequada e rigorosa, no se encontram reunidos os pressupostos do registo, que caminha para uma clarificao e padronizao indis-pensveis formao de um clima de objectividade e seriedade intelectual num pas de reduzida tradio cientfica. E, fina/mente, realiza-se como um programa que tem como limite a percia de for-mular problemas e a competncia de acumular solues, resultado de adequado e progressivo adestramento, ao nvel dos estudos reca-pitulativos, que foi atravs de estratgias calculadas c judicio-samente distribudas sobre o tempo da formao geral, reduzindo os factores da incerteza que pairavam sobre a compreenso dos problemas, asfonnas de ler e as tcnicas de registar.

    Recolhidos os dados, importa apreciar a sua validade. E com isto entramos no contexto da justificao, que define dois tipos de tare-fas opostas. H que evitar as falcias que se fazem passar por explicaes eis em que consiste a perseguio ao erro. E temos de apurar, classificar, justificar e provar os dados, os factos, as afirmaes de tal modo que os que forem retidos sejam aqueles que atravessaram positivamente estes filtros lgico-racionais. Todas estas capacidades intelectuais exigem uma longa maturao e uma

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    formao lgica e filosfica profunda para permitir ao estudante distinguir na tessitura do discurso da argumentao onde o nvel do discurso polemico acaba para dar lugar ao nvel do discurso lg ico-cien tfico,

    A expresso, segundo momento da metodologia da investigao, o esforo de sntese dialctica da idia com os meios da repre-sentao. Foi Othon Moacyr Garcia quem insistiu nesta caracte-rstica especfica da transmisso da verdade, chamando a ateno para ofacto de o acto de escrever no poder realizar-se sem o con-curso do acto de pensar.

    Essa interdependncia obriga a percorrer um longo caminho que. iniciado por um texto-base, aperfeioado atravs das revises, termina num texto definitivo onde a adequao entre o cometido e a forma se encontram pelo menos ao nvel satisfatrio. E uma e outro designam um campo terico de abordagens sobre os ingre-dientes fundamentais da exposio,

    Na verdade, o problema essencial da redaco cientfica con-siste em adequar ao quadro, que resulta da unificao terica da descoberta da verdade, uma expresso lingstica coerente que permita transmitir a verdade de uma forma inteligvel. Importa pri-meiramente resolver, no plano do pensamento, o problema da mul-tiplicidade dos factos atravs duma rigorosa unificao do contedo, de tal forma que as generalizaes cientficas subsumam os dados concretos. Depois de criada a estrutura de contedo, urge encon-trar a forma coerente e adequada entre os vrios meios de expresso pela determinao do mbito .semntico da palavra e pela respec-tiva subordinao monossemia.

    Na encruzilhada do encontra da palavra com a idia surge e cimen-ta-se a unidade expressiva da linguagem cientifica. Unidade que regula a funo do seu uso, determina as suas caractersticas gerais, estabelece a condio indispensvel do seu exerccio. A linguagem cientfica informativa, pois o seu uso destina-a a transmitir a ver-dade. Por fora desse uso ela deve tornar-se objectivada. precisa e desambigutzada: preferindo o sentido denotativo. deve determi-n-lo no mbito da extenso e da compreenso. A clareza a condio da sua existncia, pois permite traduzir a complexidade das relaes causais nos seus diversos nveis. A linguagem cien-tfica, em suma. tendo por objecto a verdade inteligvel, deve criar os mecanismos e dispositivos lingsticos capazes de transmitir com a mxima inteligibilidade.

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  • Para realizar os objeciivos alrs descritos, a redaco cient-fica possui um sistema de composio que abrange trs campos dis-tintos e de progressiva complexificao: o da constelao das idias, o da estruturao das seqncias e o do estilo cientfico.

    O campo da constelao das idias define as operaes tendentes determinao do sentido das palavras em si e no contexto em que so usadas e insero da palavra em unidades lingsticas mais vastas. Implica o desenvolvimento da capacidade analtica atravs da escolha da palavra apropriada para o conceito objectivo, obri-gando a uma constante depurao das palavras provenientes de horizontes vocabulares diferentes (desde o lxico comum at ao lxico cientfico especializado) afim de a decantar da ambigidade em que um uso imprprio a envolveu. Alm disso, o processo da insero da palavra em unidades como a frase ou o pargrafo exige operaes analticas e sintticas bastante desenvolvidas para. sem comprometer o seu sentido denotativo inicialmente isolado fora do contexto, a tornar um veculo apto expresso das clivagens do pensamento quer nas suas idias essenciais, principais e secund-rias, quer nas relaes de sucesso, paralelismo e oposio aden-tro do desenvolvimento de cada pargrafo.

    Interessa realar, particularmente, a importncia do pargrafo como unidade significativa de expresso e lanar as linhas gerais da sua definio. De acordo com Othon Moacvr Garcia, o pargrafo uma unidade de composio constituda por um ou mais de um perodo, em que se desenvolve ou se explana determinada idia cen-tral, a que geralmente se agregam outras, secundrias mas intimamente relacionadas pelo sentido7. Torna-se. pois. a forma de expresso de uma capacidade excepcional para tingir uma idia ou um raciocnio a uma unidade facilmente a/uilisvel. A sua composio admite, via de regra, trs partes: um tpico frasal, em que se expressa a idia geral; um desenvolvimento no qual se desdobram e especificam as tdeias enunciadas: uma concluso em que se reafirma o sentido geral.

    Por sua vez, o campo da estruturao das seqncias comporto as normas gerais que permitem tanto ordenar as idias longitudi-nalmente num esquema quer geral, quer particular (o captulo), seguindo o dispositivo orientador dos lugares estratgicos do texto {introduo, desenvolvimento e concluso), como regular as rela-

    ' Olhou Moacyr Garcia. Comunicao em prosa moderna. Aprender a escrever, aprendendo a pensar, 2.' cd.. Rio de Janeiro. Fundao Geulio Vargas. 1962. p. 185.

    18

    es entre as idias verticalmente, de maneira a tornar no espao discursivo reconhecveis os contedos semnticos e o seu tipo de relacionismo. For um lado, o desdobrar das idias no desenvolvi-mento obedece a regras associativas, opositivas ou silogtsticas. conforme as opes consentidas pelo plano escolhido e pelo assunto a expor, determinando, em conseqncia, a estratgia da escrita a seguir na estrutura particular que o captulo, devendo em ambos os casos procurar incansavelmente a diversidade de frmulas. Por outro lado, o discurso cientfico exige, para assegurar a sua clareza especfica, que as redes nocionais em que ele se constd/stancia assen-tem em relaes causais, claramente presas a idias e factos, de forma a reduzir ao mnimo o caracter paradoxal de que se reveste a transmisso do conhecimento cientfico, devido infiltrao insi-diosa do sentido conotativo nos seus enunciados.

    O estilo cientfico ocupa finalmente as experincias da expres-sividade em ordem a conferir-lhe um cunho especial. O campo de fundo em que se deve mover o cognoscitvo. pois em nenhuma das suas combinaes das formas particulares da expresso pode com-prometer o objectivo essencial da linguagem cientfica. H assim um estilo acadmico, um estilo filosfico, que no poder infringir as fronteiras que a tradio das cincias e o bom senso determinam.

    E com isto passamos aos dispositivos semiticos que permitem, por uma acertada dosagem, reforar a eficcia da comunicao, cientfica. Entre os inmeros cdigos a que se pode recorrer, nas diversificadas realizaes do discurso cientfico (desde o discurso heurstico at ao discurso da vulgarizao), h dois tipos de cdi-gos a nortear as possibilidades de opes: o lingstico e o icnico. Neste incluem-se todos os esquemas e ilustraes que, reforando a clareza dos textos, comprometem por vezes o sentido de rigor. De mais vasta utilizao so os cdigos lingsticos que permitem expressar, nas formas de anlise, sntese, citaes, notas de rodap, etc., todas as idias que uma comunicao cientfica compona.

    Ora todas as operaes intelectuais que acima descrevemos repre-sentam o limite da formao universitria. Para atingir o grau de competncia que elas pressupem, adentro da concepo actual da metodologia da investigao, afonnao gera! universitria deveiia serfaseada de tal modo que a prtica da escrita nela se inscrevesse em todas as suas formas (anlise, resumo, sntese, comentrio, dis-sertao, etc.) para apetrechar o estudante com as tcnicas de expresso escrita mais importantes.

    19

  • O discurso cientfico, por isso, exprime a luta pela expresso coerente e adequada da verdade inteligvel, tendncia virtual do encontro da palavra com a idia, na encruzilhada do rigor.

    Aclaradas as linhas de fora da actual metodologia da investi-gao pela convergncia da dplice ptica evolutiva e sistemtica em que foram esquematicamente tratadas, importa indagar qual o lugar que a presente obra de Umbeno Eco vem ocupar.

    Embora elaborada num contexto muito concreto e visando dar resposta necessidade deformao de professores na Itlia do ps--guerra. essa obra teve o mrito de se tomar o manual dos modos de operar da investigao, sisietnalizando-os e clarificando-os nas suas formas fundamentais.

    Essa inovao poder vetificar-se em especial no que toca tc-nica de registo e, em menor grau, ao levantamento bibliogrfico, pelo que nos limitaremos a comentar algumas das suas caracters-ticas que se destinam a orientar os leitores da obra,

    Na abordagem do levantamento bibliogrfico usa-se a estrat-gia de expor primeiro teoricamente o assunto, para depois o exem-plificar praticamente, a fim de ensinar aos estudantes coitu) se usam, com eficcia, os documentos impressos. Numa primeira parte (pp. 69--100) esclarecem-se as noesfitndamentais da biblioteconomia (como se organiza e funciona a biblioteca) e da bibliografia (a descrio e classificao dos livros e dos impressos), para, em seguida, ensi-nar como se elabora uma bibliografia, utilizando num tempo mnimo esse meio e esses documentos; enquanto na segunda parte (pp. 100--124). se retoma o problema concreto da elaborao de uma biblio-grafia sobre o conceito de metfora na tratadstica banxica italiana na biblioteca de Alexandria para mostrar todos os passos concre-tos a dar quando se tem de elaborar um trabalho deste gnero. O encadeamento lgico das tarefas, a exemplaridade dos proces-sos, a racionalizao dos tempos tomam, de fado, o levantamento bibliogrfico, descrito pelo autor, uma prtica investigativa a seguir por todos os que aspiram a reunir com segurana e objectividade (atente-se no papel do controlo cruzado da bibliografia), os mate-riais para resolverem os problemas que se propem estudar.

    Quanto tcnica de registo, a obra em apreo no s reala a necessidade de disciplinar o trabalho da investigao como tam-bm prope uma tipologia de fchagem operatria e eficaz. Disciplina que se materializa na unificao do processo geral da confeco das fichas, que exige um adestramento na recolha das idias, pelo

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    desenvolvimento da anlise, do resumo e da sntese, mas que se completa pela diversificao dos tipos de fichas (fichas de leitura, fichas temticas, fichas de autor, fichas de citao, fichas de tra-balho), que permitem cingir de mais perto a pluridimensionalidade em que se expressa a documentao. E embora todos estes recur-sos tcnicos venham exemplificados, privilegia-se um deles, a ficha de leitura que pretende ser uma espcie de registo global, no qual se fundem as tcnicas analticas americanas ficha bibliogrfica, ficha de resumo e ficha de citao , com as tcnicas europias tradicionais, em particular o apontamento. Essa tcnica teria uma dupla finalidade de controlar as microieiluras atravs da sua insero na macroleitura, funcionando, assim, como critrio de veri-ficao dos dados recolhidos quanto aos contextos de que foram isolados, mas no privados. Adverte, desta maneira, o autor para os perigos da mitologia da ficha, chamando a ateno, sobretudo ao nvel da justificao e da expresso, para os limites do seu uso e as miragens a que pode dar origem.

    Partindo das preocupaes da actual metodologia da investiga-o, as solues positivas de Eco, ao nvel do registo, prolongam a eficcia das at ento usadas e superam-nas na operatoriedade, pois embora elas tenham, h muito, entrevisto aquelas formas concretas, jamais lhe deram corpo real com tanta lucidez e igual racionalidade.

    Sendo assim, podemos concluir que a actual metodologia da investigao, consagrando a unidade do saber investigar com o saber estudar, promove a uniformizao das tcnicas de trabalho de molde a desimpedir o caminho da criao cientfica da pesada herana que o intuicionismo e a improvisao impuseram prtica cientfica portuguesa. Mas para que esses caminhos frutifiquem, imperioso reformular as condies ohjectivas e os meios institu-cionais que enquadram a produo cientfica, sem o que prolonga-remos a utopia da renovao da vida num "reino cadaveroso.

    A presente edio foi atentamente revista sobretudo no que res-peita ao vocabulrio tcnico da especialidade e disposio das vozes (primeira pessoa do singular e primeira e segunda pessoas do plural) no interior do texto, a fim de lhe conferir o indispen-svel rigor e restituir a caracteriz.ao sintclica original.

    Alm disso, juntou-se-lhe uma bibliografia selectiva que visa prolongar a utilidade e eficcia do prprio texto.

    Hamilton Costa

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  • I N T R O D U O

    L Houve tempo cm que a universidade era uma universidade de escoi A ela s tinham acesso os filhos dos diplomados. Salvo raras excepes, quem estudava tinha todo o tempo sua disposio- A uni-versidaile era concebida para ser freqentada tranqilamente, reservan-do um certo tempo para o estudo e outro para os sos divertimentos goliardescos ou para actividade em organismos representativos.

    As lies eram conferncias prestigiosas; depois, os estudantes mais interessados retiravam-se com os professores e assistentes em longos seminrios de dez ou quinze pessoas no mximo.

    Ainda hoje, em muitas universidades americanas, um curso nunca ultrapassa os dez ou vinte estudantes (que pagam bem caro e tm o direito de usar o professor tanto quanto quiserem para discutir com ele}. Numa universidade como Oxford, h um professor orien-tador, que se ocupa da tese de investigao de um grupo reduzi-dssimo de estudantes (pode suceder que tenha a seu cargo apenas um ou dois por ano) e acompanha diariamente o seu trabalho.

    Se a situao actual em Itlia fosse semelhante, no haveria necessidade de escrever este livro ainda que alguns conselhos nele expressos pudessem senir tambm ao estudante ideal atrs sugerido.

    Mas a universidade italiana hoje uma universidade de mas-sas. A ela chegam estudantes de todas as classes, provenientes de todos os tipos de escola secundria, podendo mesmo inscrever-se em filosofia ou em literaturas clssicas vindos de um instituto tcnico onde nunca tiveram grego nem latim. E se verdade que o latim de pouco scn>e para muitos tipos de actividade, de grande utilidade para quem fizer filosofia ou feiras.

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  • Certos cursos tm milhares de inscritos. Destes, o professor conhece, melhor ou pior, uma trintena que acompanha as aulas com maior freqncia e, com a ajuda dos seus colaboradores (bolseiros, contratados, agregados ao professorado), consegue fazer trabalhar com uma certa assiduidade uma centena. Entre estes, h muitos que cresceram numa famlia abastada e culta, em contado com um ambiente cultural vivo. que podem permitir-se viagens de estudo, vo aos festivais artsticos e teatrais e visitam pases estrangeiros. Depois h os outros. Estudantes que provavelmente trabalham e passam lodo o dia no registo civil de uma pequena cidade de dez mil habitantes onde s existem papelarias. Estudantes que, desilu-didos da universidade, escolheram a actividade poltica e preten-dem outro tipo de formao, mas que, mais tarde ou mais cedo. tero de submeter-se obrigao da tese. Estudantes muito pobres que. tendo de escolher um exame, calculam o preo dos vrios tex-tos obrigatrios e dizem que "este um exame de doze mil Uras, optando entre dois opcionais por aquele que custa menos. Estudantes que por vezes vm aula e tm dificuldade em encontrar um lugar numa sala apinhada: e no fim queriam falar com o professor, mas h uma fila de trinta pessoas e tm de ir apanhar o comboio, pois no podem ficar num hotel. Estudantes a quem nunca ningum disse como procurar um livro na biblioteca e em que biblioteca: freqen-temente nem sequer sabem que poderiam encontrar esses livros na biblioteca da cidade onde vivem ou ignoram como se arrcmja um carto para emprstimo.

    Os conselhos deste livro seivem particularmente para estes. So tambm teis para o estudante da escola secundria que se prepara para a universidade e quer compreender como funciona a alquimia da tese.

    A todos eles a obra pretende sugerir pelo menos duas coisas:

    Pode fazer-se uma tese digna mesmo que se esteja numa situa-o difcil, conseqncia de discriminaes remotas ou recentes;

    Pode aproveitar-se a ocasio da tese (mesmo se o resto do cur-so universitrio foi decepcionante ou frustrante) para recupe-rar o sentido positivo e progressivo do estudo, no entendido como recolha de noes, mas como elaborao crtica de uma experincia, como aquisio de uma competncia (boa para a vida futura) para identificar os problemas, encar-los com mtodo e exp-los segundo certas tcnicas de comunicao.

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    2. Dito isto, esclarece-se que a obra no pretende explicar como se faz investigao cientfica nem constitui uma discusso te-rico-critica sobre o valor do estudo. Trata-se apenas de uma srie de consideraes sobre como conseguir apresentar a um jri um objecto fsico, prescrito pela lei, e composto de um certo nmero de pginas dadilografadas, que se supe ter qualquer relao com a disciplina da licenciatura e que no mergulhe o orientador num estado de dolorosa estupefaco.

    claro que o livro no poder dizer-vos o que devem escrever na tese. Isso tarefa vossa. Ele dir-vos-: (1) o que se entende por tese: (2) como escolher o lema e organizar o tempo de trabalho; (3) como conduzir uma investigao bibliogrfica; (4) como orga-nizar o material seleccionado: (5) como dispor fisicamente a redac-o do trabalho, h a parte mais precisa justamente a ltima, que pode parecer a menos importante, porque a nica para a qual existem regras bastante precisas.

    J . 0 tipo de tese a que se faz referncia neste livro o que se efectua nas faculdades de estudos hutnansticos. Dado que a minha experincia se relaciona com as faculdades de letras e filosofia, natural que a maior parte dos exemplos se refira a lemas que se estudam naquelas faculdades. Todavia, dentro dos limites que este livro se prope, os critrios que aconselho adaptam-se igualmente s teses normais de cincias polticas, magistrio (*) e jurispru-dncia. S se tratar de teses histricas ou de teoria geral, e no experimentais e aplicadas, o modelo dever serxir igualmente para arquiteciura, economia, comrcio e para algumas faculdades cien-tficas. Mas nestes casos necessrio alguma prudncia.

    4. Quando este livro for a imprimir, estar em discusso a refonna universitria (**), E fala-se de dois ou trs nveis de graduao universitria, Podemos perguntar-nos se esta reforma alterar radi-calmente o prprio conceito de tese.

    Ora. se tivermos vrios nveis de ttulo universitrio e se o modelo for o utilizado na maioria dos pases estrangeiros, verificar-se-

    (*) Existe em Itlia a Faculdade do Magistrio que confere um titulo univer-sitrio em letras, pedagogia ou lnguas estrangeiras para o ensino nas escolas mdias. fiVD

    () Bem entendido, o autor refere-.se edio italiana. fATI

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  • uma situao semelhante descrita no primeiro capitulo (LI). Isto , teremos teses de licenciatura (ou de primeiro nvel) e teses de doutoramento (ou de segundo nvel).

    Os conselhos que damos neste livro dizem respeito a ambas e, no caso de existirem diferenas entre uma e outra, elas sero cla-rificadas.

    Deste modo, pensamos que tudo o que se diz nas pginas que se seguem se aplica igualmente no mbito da reforma e, sobretudo, no mbito de uma longa transio para a concretizao de uma even-tual reforma.

    5. Cesare Segre leu o texto dactografado e deu-me algumas sugestes. Dado que tomei muitas em considerao, mas, relativa-mente a outras, obstinei-me nas minhas posies, ele no res-ponsvel pelo produto final. Evidentemente, agradeo-lhe de todo o corao.

    6. Uma ltima advertncia. O discurso que se segue diz obvia-mente respeito a estudantes de ambos os sexos (studenti e studen-tesse) (*), bem como a professores e a professoras. Dado que na lngua italiana no existem expresses neutras vlidas para ambos os sexos (os americanos utilizam cada vez mais o termo person, mas seria ridculo dizer a pessoa estudante (la persona studente) ou a pessoa candidata (!a persona candidata), limito-me a falar sempre de estudante, candidato, professor e orientador, sem que este uso gramatical encerre uma discriminao sexista'.

    '(*) Evidentemente, a ressalva no vlida em portugus para o leniiu estu-dante*, que um substantivo comum de dois gneros. ffl'}

    ' Podero perguntar-me por que motivo no utilizei sempre a estudante, a pro-fessora, etc. A explicao reside no facto de ter trabalhado na base dc recordaes e experincias pessoais, tendo-me assim identificado melhor.

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    T. O Q U E U M A T E S E E P A R A Q U E S E R V E

    1.1. Po r que se deve fazer uma tese e o que ?

    Uma icsc um trabalho dactilografado, de grandeza media, vari-vel entre as cem e as quatrocentas pginas, em que o estudante trata um problema respettante rea de estudos em que se quer formar. Segundo a lei italiana, ela indispensvel. Aps ter terminado todos os exames obrigatrios, o estudante apresenta a tese perante um jri que ouve a informao do orientador (o professor eom quem se faz a tese) e do ou dos arguentes. os quais levantam objeces ao can-didato; dai nasce uma discusso na qual tomam parte os outros mem-bros do jri. Das palavras dos dois arguentes, que abonam sobre a qualidade (ou os defeitos) do trabalho escrito, e capacidade que o candidato demonstra na defesa das opinies expressas por escrito, nasce o parecer do jri. Calculando ainda a mdia geral das notas obtidas nos exames, o jri atribui uma nota tese. que pode ir dura mnimo de sessenta e seis at um mximo de cento e dez. louvor e meno honrosa. Esta pelo menos a regra seguida na quase totali-dade das faculdades de estudos humansticos.

    Uma vez descritas as caractersticas externas do texto e o ritual em que se insere, no se disse ainda muito sobre a natureza da tese. Em primeiro lugar, por que motivo as universidades ilalia-nas exigem, como condio de licenciatura, uma tese?

    Repare-se que este critrio no seguido na maior parte das uni-versidades estrangeiras. Nalgutnas existem vrios nveis de graus acadmicos que podem ser obtidos sem tese; noutras existe um pri-meiro nvel, correspondente grosso modo nossa licenciatura, que no d direito ao ttulo de doutor e que pode ser obtido quer com

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  • i simples srie de exames, quer com um irabalho escrito de preten-ses mais modestas; noutras existem diversos nveis de doutoramento que exigem trabalhos de di ferenle complexidade... Porm, geralmente, a tese propriamente dita reservada a uma espcie de superlicen-ciatura, o doutoramento, ao qual se propem apenas aqueles que querem aperfeioar-se e especializar-se como investigadores cient-ficos. Este tipo de doutoramento tem vrios nomes, mas indic-Io--emos daqui em diante por uma sigla anglo-saxnica de uso quase internacional, PhD (que significa Philosophy Doctor. Doutor em Filosofia, mas que designa todos os lipos de doutores em matrias humansticas, desde o socilogo at ao professor de grego; nas mat-rias no humnsticas so utilizadas outras siglas, como. por exemplo. M D , Medicine Doctor),

    Por sua vez, ao PhD contrape-se algo muito afim nossa licen-cialura e que indicaremos doravante por licenciatura.

    A licenciatura, nas suas vrias formas, destina-se ao exerccio da profisso; pelo contrrio, o PhD destina-sc actividade acadmica, o que quer dizer que quem obtm um PhD segue quase sempre a carreira universitria.

    Nas universidades deste tipo. a tese sempre de PhD. tese de doutoramento, e constitui um trabalho originai de investigao, com o qual o candidato deve demonstrar ser um estudioso capaz de fazer progredir a disciplina a que se dedica. E efeetivmente no se faz. como a nossa tese de licenciatura, aos vinte e dois anos. mas numa idade mais avanada, por vezes mesmo aos quarenta ou cinqenta anos (ainda que. obviamente haja PhD muito jovens). Porqu tanto tempo? Porque se trata precisamente de investigao originai, em que necessrio saber com segurana aquilo que disseram sobre o mesmo assunto outros estudiosos, mas em que preciso sobretudo descobrir qualquer coisa que os outros ainda no tenham dito. Quando se fala de descoberta, especialmente no domnio dos estu-dos humansticos, no estamos a pensar em inventos revolucionrios como a descoberta da diviso do tomo, a teoria da relatividade ou um medicamento que cure o cancro: podem ser descobertas modes-tas, sendo tambm considerado um resultado cientfico um novo modo de ler c compreender um texto clssico, a caracterizao de um manuscrito que lana uma nova luz sobre a biografia de um autor, uma reorganizao e uma releitura dc esludos anteriores conducentes ao amadurecimento e sislematizao das idias que se encontravam dispersas noutros textos. Km todo o caso, o estudioso

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    deve produzir um trabalho que, em teoria, os outros estudiosos do ramo no deveriam ignorar, porque diz algo de novo (ef. 11.6.1.).

    A tese italiana ser do mesmo tipo? No necessariamente. Efeeti vmente, dado que na maior parte dos casos elaborada entre os vinte e dois e os vinte e quatro anos, enquanto ainda se fazem os exames universitrios, no pode representar a concluso de um longo e reflectido trabalho, a prova dc um amadurecimento completo. No entanto, sucede que h teses de licenciatura (feitas por estudan-tes particularmente dotados) que so verdadeiras teses de PhD e outras que no atingem esse nvel. Nem a universidade o pretende a todo o cuslo: pode haver uma boa tese que no seja tese de inves-tigao, mas lese de compilao.

    Numa lese de compilao, o estudante demonstra simplesmente ter examinado criticamente a maior parte da literatura existente (ou seja. os trabalhos publicados sobre o assunto) e ter sido capaz de exp-la de modo claro, procurando relacionar os vrios pontos de vista, oferecendo assim uma inteligente panormica, provavelmente til do ponto de vista informativo mesmo para um especialista do ramo, que, sobre aquele problema particular, jamais tenha efectuado esludos aprofundados.

    Eis, pois. uma primeira advertncia: pode fazer-se uma tese de compilao ou uma lese de investigao; uma tese de Licenciatura ou uma tese de PhD.

    Uma tese de investigao sempre mais longa, faliganie c absor-vente: uma tese de compilao pode igualmente ser longa e fagante (existem trabalhos de compilao que levaram anos c anos) mas, geralmente, pode ser feita em menos tempo e com menor risco.

    Tambm no se pretende dizer que quem faz uma tese de com-pilao tenha fechado o caminho da investigao: a compilao pode constituir um acto de seriedade por parte do jovem investigador que. antes de comear propriamente a investigao, pretende esclarecer algumas idias documentando-se bem.

    Em contrapartida, existem leses que pretendem ser de investi-gao e que. pelo contrrio, so feitas pressa; so ms teses que irritam quem as l e que de modo nenhum servem quem as fez.

    Assim, a escolha enirc tese dc compilao e tese de investiga-o est ligada maturidade e capacidade de trabalho do candi-dato. Muitas vezes infelizmente est tambm ligada a factores econmicos, uma vez que um estudante-trabalhador ter com cer-teza menos tempo, menos energia e freqentemente menos dinheiro

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  • para se dedicar a longas investigaes (que muitas vezes implicam a aquisio de livros raros e dispendiosos, viagens a centros ou biblio-tecas estrangeiros e assim por diante).

    Infelizmente, no podemos dar neste livro conselhos de ordem econmica. At h pouco tempo, no mundo inteiro, investigar era privilgio dos estudantes ricos. Tambm no se pode dizer que hoje em dia a simples existncia de bolsas de estudo, bolsas de viagem e subsdios para estadias em universidades estrangeiras resolva a questo a contento de todos. O ideal o de uma sociedade mais justa em que estudar seja um trabalho pago pelo Estado, em que seja pago quem quer que tenha uma verdadeira vocao para o estudo e em que no seja necessrio ter a todo o custo o canudo para conseguir emprego, obter uma promoo ou passar frente dos outros num concurso.

    Mas o ensino superior italiano, e a sociedade que ele rerlecte. por agora aquilo que ; s nos resta fazer votos para que os estu-dantes de todas as classes possam frequent-Io sem se sujeitarem a sacrifcios angustiantes, e passar a explicar de quantas maneiras se pode fazer uma tese digna, calculando o tempo e as energias dis-ponveis e tambm a vocao de cada um.

    1.2. A quem interessa este l ivro

    Nestas condies, devemos pensar que h muitos estudantes obri-gados a fazer uma tese, para poderem licenciar-se pressa e alcanar provavelmente o estatuto que tinham em vista quanto se inscreve-ram na universidade. Alguns destes estudantes chegam a ter qua-renta anos. Estes pretendero, pois, instrues sobre como fazer uma tese num ms, de modo a poderem ter uma nota qualquer e deixar a universidade. Devemos dizer sem rebuo que este livro no para eles. Se estas so as suas necessidades, se so vtimas de uma legislao paradoxal que os obriga a diplomar-se para resol-ver dolorosas questes econmicas, prefervel oplarem por uma das seguintes vias: (1) investir um montante razovel para enco-mendar a tese a algum; (2) copiar uma tese j feita alguns anos antes noutra universidade (no convm copiar uma obra j publi-cada, mesmo numa lngua estrangeira, dado que o docente, se esti-ver minimamente informado, j dever saber da sua existncia; mas copiar em Milo uma tese feita na Calunia oferece razoveis pos-

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    sibilidades de xito; naturalmente, c necessrio informar-se primeiro se o orientador da lese, antes de ensinar em Milo, no ter ensinado na Catnia; e, por isso mesmo, copiar urna tese implica um inteli-gente trabalho de investigao).

    Evidentemente, os dois conselhos que acabmos de dar so ile-gais. Seria o mesmo que dizer se te apresentares ferido no posto de socorros e o mdico no quiser examinar-te, aponta-lhe uma faca garganta. Em ambos os casos, trata-se de actos de desespero. O nosso conselho foi dado a ttulo paradoxal, para reforar o facto de este livro no pretender resolver graves problemas de estrutura social e de ordenamento jurdico existente.

    Este livro dirige-se. portanto, queles que (mesmo sem serem milionrios nem terem sua disposio dez anos para se diploma-rem aps terem viajado por todo o mundo) tm uma razovel pos-sibilidade de dedicai" algumas horas por dia ao estudo e querem pre-parar uma tese que lhes d tambm uma certa satisfao intelectual c lhes sirva depois da licenciatura. E que, portanto, tixados os l imi-tes, mesmo modestos, do seu projecto, queiram fazer um trabalho srio. At uma recolha de cromos pode fazer-se de um modo srio: basta fixar o tema da recolha, os critrios de catalogao e os l imi-tes histricos da recolha. Se se decide no remontar alm de 1960, ptimo, porque desde 196U at hoje existem todos os cromos. Haver sempre uma diferena entre esta recolha e o Museu do l..ouvrc, mas prefervel, em vez de um museu pouco srio, fazer uma recolha sria de cromos de jogadores de futebol de 1960 a 1970-

    Este critrio igualmente vlido para uma tese de licenciatura.

    1.3. De que modo uma tese serve tambm para depois da licenciatura

    H duas maneiras dc fazer uma tese que sirva tambm para depois da licenciatura. A primeira 6 fazer da tese o incio de uma investi-gao mais ampla que prosseguir nos anos seguintes se. evidente-mente, houver a oportunidade e a vontade para tal.

    Mas existe ainda urna segunda maneira, segundo a qual um direc-tor de um organismo de turismo local ser ajudado na sua profisso pelo facto de ter elaborado uma tese sobre Do Ferino a Lcia aos Promessi Sposi. Efeeti vmente, fazer uma tese significa: (1) esco-lher um tema preciso; (2) recolher documentos sobre esse lema;

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  • (3) pr em ordem esses documentos: (4) reexaminar o tema cm pri-meira mo. luz dos documentos recolhidos; (5) dar uma forma orgnica a todas as reflexes precedentes; (6) proceder de modo que quem l perceba o que se quer dizer e fique em condies, se for necessrio, de voltar aos mesmos documentos para retomar o tema por sua conta.

    Fa/cr uma tese significa, pois. aprender a pr ordem nas pr-prias idias e a ordenar dados: uma experincia de trabalho metdico; quer dizer, construir um objecto que, em princpio, sirva tambm para outros. E deste modo no importa tanto o tema da tese quanto a experincia de trabalho que ela comporta. Quem soube documcniar-se sobre a dupla redaco do romance de Manzoni. saber depois tambm recolher com mtodo os dados que lhe ser-viro para o organismo turstico. Quem escreve j publicou uma dezena de livros sobre temas diversos, mas se conseguiu fazer os ltimos nove porque aproveitou sobretudo a experincia do pri-meiro, que era uma reclaborao da tese de licenciatura Sem aquele primeiro trabalho, no leria aprendido a fazer os outros. E. tanto nos aspectos positivos como nos negativos, os outros reflectem ainda 0 modo como se fez o primeiro. Com o lempo tornamo-nos provavelmente mais maduros, conhecemos mais as coisas, mas a maneira como trabalhamos nas coisas que sabemos depender sem-pre do modo como estudmos inicialmente muitas coisas que no sabamos.

    Em ltima anlise, fazer uma lese como exercitar a mem-ria. Temos uma boa memria cm velhos quando a mantivemos em exerccio desde muito jovens. E no importa se ela se exercitou aprendendo de cor a composio de todas as equipas da Primeira Diviso, as poesias de Carducci ou a srie de imperadores roma-nos dc Augusto a Rrnulo Augusto. Bem entendido, j que se exer-cita a memria, mais vale aprender coisas que nos interessam ou que venham a servir-nos; mas. por vezes, mesmo aprender coisas inteis constitui uma boa ginstica. E , assim, embora seja melhor fazer uma lese sobre um tema que nos agrade, o tema secund-rio relativamente ao mtodo de trabalho e experincia que dele se tira.

    E isto tambm porque, se se trabalhar bem. no h nenhum tema que seja verdadeiramente estpido: a trabalhar bem tiram-- concluses teis mesmo dc um tema aparentemente remoto ou perifrico. Marx no fez a tese sobre economia poltica, mas

    sobre dois filsofos gregos como Epicuro e Demcrito. H no se tratou de um acidente. Marx foi talvez capaz de analisar os pro-blemas da histria c da economia com a energia terica que sabemos precisamente porque aprendeu a reflectir sobre os seus filsofos gregos. Perante tantos estudantes que comeam com uma tese ambiciosssima sobre Marx e acabam na seco de pes-soal das grandes empresas capitalistas, c necessrio rever os con-ceitos que se tm sobre a utilidade, a aciualidade e o interesse dos temas das teses.

    1.4. Quatro regras bvias

    H casos em que o candidato faz a tese sobre um lema imposto pelo docente. Tais casos devem evitar-se.

    No estamos a referir-nos. evidentemente, aos casos em que o candidato pede conselho ao docente, mas sim queles em que a culpa do professor (ver 11.7.. Como evitar deixar-se explorar pelo orientador) ou queles em que a culpa do candidato, desinteres-sado de tudo e disposto a alinhavar qualquer coisa para se despa-char depressa.

    Ocupar-nos-emos, pelo contrrio, dos casos em que se pressupe a existncia de um candidalo movido por um interesse qualquer e de um docente disposto a interpretar as suas exigncias.

    Nestes casos, as regras para a escolha do tema so quatro:

    1) Que o lema corresponda aos interesses do candidata (quer esteja relacionado com o l ipo de exames feitos, com as sua*; leituras, com o seu mundo poltico, cultural ou re l i -gioso):

    2) Que as fontes a que recorre sejam acessveis, o que quer dizer que estejam ao alcance material do candidalo;

    3) Que as fontes a que recorre sejam manitsedveis. o que quer dizer que estejam ao alcance cultura! do candidato;

    4) Que o quadro metodolgico da investigao esteja ao alcance da experincia do candidato.

    Expressas desta maneira, estas quatro regras parecem banais e resumir-se na norma seguinte: quem quer fazer uma tese deve fa/er uma tese que seja capaz de lazer. Pois bem. mesmo assim, c h

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  • casos de leses drama l i ca m cri le falhadas justamente porque no se soube pr o problema inicial nestes termos to bvios1.

    Os captulos que se seguem tentaro fornecer algumas sugestes para que a tese a fazer seja uma tese que se saiba e possa fazer.

    1 Poderamos acrescentar unia quinta regia: que o professor seja o indicado. Efeeti vmente, h candidatos que. por razes de simpatia ou de preguia, querem fazer com o docente da matria A uma tese que, na verdade, da matria B. O docente aceita ipur simpatia, vaidade ou dcsatenol e depois no est em condi-es de acompanhar u tese.

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    II. A E S C O L H A D O T E M A

    I I . l . Tese monogrflca ou tese panormica?

    A primeira tentao do estudante fazer uma tese que fale de muitas coisas. Se ele se interessa por literatura, o seu primeiro impulso fazer uma tese do gnero A literatura hoje, tendo de res-tringir o tema. querer escolher A literatura italiana desde o ps--guerra at aos anos 60.

    Estas teses so perigosssimas. Trata-se dc temas que fazem tre-mer estudiosos bem mais maduros. Para um estudante de vinte anos, um desafio impossvel. Ou far uma resenha montona de nomes e de opinies correntes, ou dar sua obra um cariz original e ser sempre acusado de omisses imperdoveis. O grande crtico con-temporneo Gianfranco Contini publicou em 1957 uma Leteratum Italiana-Ottocento-Novecento Sansoni Accademia). Pois bem, se se tratasse de uma tese de licenciatura, teria ficado reprovado, apesar das suas 472 pginas. Com efeito, teria sido atribudo a negligncia ou ignorncia o facto de no ter citado alguns nomes que a maioria das pessoas consideram muito importantes, ou de ter dedicado captulos inteiros a aulores ditos menores e breves notas de rodap a autores considerados maiores. Evidentemente, tratando-se de um estudioso cuja preparao histrica e agudeza crtica so bem conhecidas, toda a gente compreendeu que estas excluses e despropores eram volun-trias, e que uma ausncia era criticamente muito mais eloqente do que uma pgina demolidora. Mas se a mesma graa for feita por um estudante de vinte e dois anos. quem garante que por detrs do siln-cio no est muita asteia e que as omisses substituem pginas crticas escritas noutro lado ou que o autor saberia escrever?

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  • Em teses deste gnero, o estudante acaba geralmente por acusar os membros do jri de no o terem compreendido, mas estes no podiam compreend-lo e. portanto, uma tese demasiado panormica constitui sempre um acto de orgulho. No que o orgulho intelectual numa tese seja de rejeitar a priori. Pode mesmo dizer-se que Dante era um mau poeta: mas preciso diz-lo aps pelo menos tre-zentas pginas de anlise detalhada dos textos dantescos. Estas demons-traes, numa tese panormica, no podem fazer-se. Eis porque seria ento melhor que o estudante, em vez de A literatura italiana desde o ps-guerra at aos anos 60, escolhesse um ttulo mais modesto.

    K posso dizer j qual seria o ideal: no Os romances de Fenoglio. mas As diversas redaces de "ti panigiano Jolmny. Enfadonho? Fi possvel, mas corno desafio mais interessante.

    Sobretudo, se se pensar bem, trata-se de um acto de astcia. Com uma tese panormica sobre a literatura de quatro dcadas, o estu-dante expe-se a todas as contestaes possveis. Como pode resis-tir o orientador ou o simples membro do jri tentao de fazer saber que conhece um autor menor que o estudante no citou? Basta que qualquer membro do jri. consultando o ndice, aponte trs omis-ses, e o estudante ser alvo de urna rajada de acusaes que faro que a sua tese parea uma lista de desaparecidos. Sc, pelo contrrio, o estudante trabalhou seriamente num terna muito preciso, conse-gue dominar um material desconhecido para a maior parle dos mem-bros do jri. No estou a sugerir um truquezito dc dois vintns: ser um Iruque. mas no de dois vintns, pois exige esforo. Sucede sim-plesmente que o candidato se apresenta como Perito diante dc uma platia menos perita do que ele. e, j que teve o trabalho de se tornar perito, justo que goze as vantagens dessa situao.

    Entre os dois extremos da tese panormica sobre quarenta anos dc literatura e da tese rigidamente monogrfica sobre as variantes de um texto curto, h muitos esldios intermdios. Podero assim apontar--se temas como A neovanguarda literria dos anos 60, ou A imagem das Langhe em Pavese e Fenoglio. ou ainda Afinidades e diferenas entre trs escritores fantsticos: Savinio, Buzzaii e Landolft.

    Passando as faculdades eienificas. num livro com o mesmo tema que nos propomos d-se um conselho aplicvel a todas as matrias:

    O tema Geologia, por exemplo, demasiado vasto. A Vulcanologia. como ramo da geologia, c ainda demasiado lato. Os vulces no Mxico poderia ser desenvolvido num exerccio bom mas um tanto superficial. Uma

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    limitao subsequente daria origem a uni estudo c maior valor: A hist-ria do Popocatepetl (que foi escalado provavelmente por uni dos conquis-tadores de Corte? em 1519. e que s em 1702 leve uma erupo violenta}. m lema mais limitado, que diz respeito a um menor mi mero de anos. seria O nascimento e u morte aparente do Paricutin (dc 20 dc Fevereiro de 1943

    SI 4 dc Maro de 1952)'.

    Eu aconselharia o ltimo tema. Com a condio de que. nessa altura, o candidato diga tudo o que h a dizer sobre aquele amaldi-oado vulco.

    H algum tempo veio ter comigo um estudanie que queria fazer a tese sobre O smbolo no pensamento contemporneo. Era uma tese impossvel. Pelo menos, eu no sabia o que queria dizer smbolo; efectivamente, trata-se de um termo que muda dc significado segundo os autores e, por vezes, em dois autores diferentes quer dizer duas coisas absolutamente opostas. Repare-se que por smbolo os lgi-cos formais ou os matemticos entendem expresses sem signifi-cado que ocupam um lugar definido com urna funo precisa num dado clculo formalizado (como os a e os h ou os x e os y das fr-mulas algbricas). enquanto outros autores entendem uma forma repleta de significados ambguos, como sucede nas imagens que ocorrem nos sonhos, que podem referir-se a uma rvore, a um rgo sexual, ao desejo de crescimento e assim por diante. Como fazer ento uma tese com este ttulo? Seria necessrio analisar todas as acepes do smbolo em toda a cultura contempornea, catalog-las dc modo a evidenciar as semelhanas e as diferenas, ver se subja-cente s diferenas h um conceito unitrio fundamental que apa-rea em todos os autores e todas as teorias, se as diferenas no tornam enfim incompatveis entre si as teorias em questo. Pois bem. uma obra deslas nenhum filsofo, lingista ou psicanalista contem-porneo conseguiu ainda realiz-la de uma maneira satisfatria. Como poderia consegui-lo um estudioso novato que, mesmo pre-coce, no tem alrs de si mais de seis ou sete anos de leituras adul-tas? Poderia lambem fazer uma dissertao inteligentemente parcial, nias cairamos de novo na histria da literatura italiana de Contini. Ou poderia propor uma teoria pessoal do smbolo, pondo de parte tudo quanto haviam dito os outros autores: mas at que ponto esta

    ' C. W. Cooper c E. J. Robins, tlie Temi Paper A Manual and Model. Stanford. Stanford Universiiy Press, 4.' cri.. 1967, p. 3.

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  • escolha seria discutvel di-lo-emos no pargrafo 11.2. Com o estu-dante cm tjuesto discutiu-se um pouco. Teria podido fazer-se uma lese sobre o smbolo em Freud e Jung. no considerando todas as outras acepes, e confrontando apenas as destes dois autores. Mas descobriu-se que o estudante no sabia alemo (c falaremos sobre o problema do conhecimento das lnguas no pargrafo TT.5). Decidiu--se ento que ele se debruaria sobre o lema O conceito de smbolo em Peirce, Frye e Jung. A tese teria examinado as diferenas entre trs conceitos homnimos em trs autores diferentes, um filsofo, um crtico e um psiclogo; leria mostrado como em muitas anlises em que so considerados estes trs autores se cometem muitos equ-vocos, uma vez que se atribui a um o significado que usado por outro. S no final, a ttulo de concluso hipottica, o candidato teria procurado extrair um resultado para mostrar se existiam analogias, e qutds. entre aqueles conceitos homnimos, aludindo ainda aos outros autores dc quem linha conhecimento mas de quem. por explcita l imi-tao do tema. no queria nem podia ocupar-se. Ningum teria podido dizer-lhe que no tinha considerado o autor K, porque a tese era sobre X , Y e Z, nem que tinha citado o autor J apenas em traduo, porque ter-se-ia tratado de uma referncia marginal, em concluso, e a tese pretendia estudar por extenso e no original apenas os trs autores refe-ridos no ttulo.

    Eis como uma tese panormica, sem se tornar rigorosamente monogrica. se reduzia a um meio termo, aceitvel por todos.

    Por outro lado. sem dvida o termo monogrfico pode ter uma acepo mais vasta do que a que utilizmos aqui. Uma monografia o tratatamento de um s lema e como tal ope-sc a uma histria de, a um manual, a uma enciclopdia. Pelo que um tema como O tema do mundo s wessas nos escritores medievais tambm monogrfico. Analisam-se muitos escrilores. mas apenas do ponto dc vista de um tema especfico (ou seja. da hiptese imaginria proposta a ttulo de exem-plo, dc paradoxo ou de fbula, dc que os peixes voem no ar, as aves nadem na gua etc). Se se fizesse bem este trabalho, obter-se-ia uma ptima monografia Contudo, para o fazer bem, preciso ter presente todos os escritores que trataram o tema, especialmente os menores, aque-les de quem ningum se lembra. Assim, esta tese classificada como monogrTico-panormica e muito difcil: exige uma infinidade de leitu-ras. Se se quisesse mesmo faz-la. seria preciso restringir o seu campo. O tema do mundo s wessas nos poetas carolngios. O campo restrin-ge-se, sabendo-se o que se lem de dominar c o que se deve pr de parte.

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    Evidentemente, mais excitante fazer a tese panormica, pois. alm do mais. parece fastidioso ocuparmo-nos durante um. dois ou mais anos sempre do mesmo autor. Mas repare-se que fazer uma tese rigorosamente monogrica no significa de modo nenhum perder de vista o contexto. Fazer uma tese sobre a narrativa de Fenoglio signi-fica ter presente o realismo italiano, ler tambm Pavese ou Vkorini . bem como analisar os escritores americanos que Fenoglio l ia e tra-duzia. S inserindo um autor num contexto o compreendemos e expli-camos. Todavia, uma coisa utilizar o panorama como fundo, e outra fazer um quadro panormico. Uma coisa pintar o reiralo de um cava-lheiro sobre urn fundo dc campo com um rio, e outra pinlar campos, vales e rios. Tem dc mudar a tcnica, tem de mudar, em termos foto-grficos, a focagem. Parlindo de um s autor, o contexto pode ser tambm um pouco desfocado, incompleto ou de segunda mo.

    Para concluir, recordemos este princpio fundamental; quanto mais se restringe o campo, melhor se trabalha e com maior segu-rana. Uma tese monogrfica c prefervel a uma tese panormica. melhor que a tese se assemelhe mais a um ensaio do que a uma histria ou a uma enciclopdia.

    IT.2. Tese histrica ou tese terica?

    Esta alternativa s tem sentido para ceitas matrias. Efeeti vmente, em matrias como histria da matemtica, filologia romnica ou his-tria da literatura alem, uma tese s pode ser histrica. E em mat-rias como composio arquitectnica. fsica do reactor nuclear ou anatomia comparada, geralmente s se fazem teses tericas ou expe-rimentais. Mas h outras matrias, como filosofia terica, sociolo-gia, antropologia cultural, esttica, filosofia do direito, pedagogia ou direito internacional, em que se podem fazer teses de dois tipos.

    Uma tese terica uma tese que se prope encarar um problema abstracto que pode j ter sido ou no objecto de outras reflexes; a natureza da vontade humana, o conceito de liberdade, a noo de funo social, a existncia de Deus. o cdigo gentico. Enumerados assim, estes temas fazem imediatamente sorrir, pois pensamos naque-les tipos de abordagem a que ramsci chamava noes breves sobre o universo, E. no entanto, insignes pensadores se debrua-ram sobre estes temas. .Vias. com poucas cxccpcs, fizeram-no na concluso de um trabalho de meditao dc vrias dcadas.

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  • Nas mos de um estudante com uma experincia cientfica neces-sariamente limitada, estes temas podem dar origem a duas solues. A primeira (que c ainda a menos trgica) leva a fazer a tese defi-nida (no pargrafo anterior) como panormica". Trata-se o conceito ile funo social, mas numa srie de autores. E a este respeito aplicam--8c as observaes j feitas. A segunda soluo mais preocupante, dado que o candidato presume poder resolver, em poucas pginas, o problema de Deus e da definio de liberdade. A minha experincia diz-me que os estudantes que escolheram temas do gnero quase sempre fizeram teses muito curtas, sem grande organizao interna, mais semelhantes a um poema lrico do que a um estudo cientfico. E, geralmente, quando se objecta ao candidato que a exposio demasiado personalizada, genrica, informal, sem comprovaes his-toriogrficas nem citaes, ele responde que no se compreendeu que a sua tese muito mais inteligente do que muitos outros exerccios de banal compilao. Pode dar-se o caso de ser verdade, mas, mais uma vez. a experincia ensina que geralmente esta resposta dada por um candidato com as idias confusas, sem humildade cientfica nem capacidade comunicaliva. O que se deve entender por humil-dade cientfica (que no c uma virtude para fracos mas. pelo con-trrio, uma virtude das pessoas orgulhosas) ver-sc- no pargrafo TV.2.4. it certo que no se pode excluir que o candidato seja um gnio que, apenas com vinte c dois anos, tenha compreendido tudo. e evidente que estou a admitir esta hiptese sem sombra dc ironia. Mas a realidade que. quando sobre a crosta terrestre aparece um gnio de tal qualidade, a humanidade leva muito tempo a aperceber-se disso, e a sua obra lida e digerida durante um certo nmero de anos antes que se apreenda a sua grandeza. Como se pode pretender que um jri que est a examinar, no uma. mas muitas teses, apreenda de ehore a grandeza deste corredor solitrio?

    Mas ponhamos a hiptese de o estudante estar consciente dc ter compreendido um problema importante; dado que nada nasce do nada. ele ter elaborado os seus pensamentos sob a influncia de outro autor qualquer. Transformou ento a sua tese. de terica em historiogrfica. ou seja. no tratou o problema do ser. a noo de liberdade ou o conceito de aco social, mas desenvolveu temas como o problema do ser no jovew Heidegger, a noo de liberdade em Kant ou o conceito de aco social em Parsons. Se lem idias originais, elas emergiro no confronto com as idias do autor tratado; podem dizer-se muitas coisas novas sobre a liberdade

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    estudando o modo como outra pessoa falou da liberdade. E se se quiser, aquela que devia ser a sua tese terica torna-se o captulo final da sua lese historiogrfica. O resultado ser que todos pode-ro verificar aquilo que diz. dado que (referidos a um pensador ante-rior) os conceitos que pe em jogo sero publicamente verificveis. difcil movermo-nos no vago e estabelecer uma exposio ab ini-tio. Precisamos de encontrar um ponto de apoio, especialmente para problemas to vagos como a noo de ser ou de liberdade. Mesmo quando se gnio, e especialmente quando se gnio, no signi-fica uma humilhao partir-se de outro autor. Com efeito, partir dc um autor anterior no significa prestar-lhe culto, ador-lo ou repro-duzir sem crtica as suas afirmaes; pode lambem partir-se de um autor para demonstrar os seus erros e os seus limites. Mas tem-se um ponto de apoio. Os homens medievais, que tinham um respeito exagerado pela autoridade dos autores antigos, diziam que os moder-nos, embora ao seu lado fossem anes, apoiando-sc neles torna-vam-se anes s costas de gigantes e, deste modo. viam mais alm do que os seus predecessores.

    Todas estas observaes no so vlidas para as matrias apli-cadas e experimentais. Sc se apresentar uma tese em psicologia, a alternativa no enlrc O problema da percepo em Piaget e O pro-blema da percepo (ainda que um imprudente pudesse querer propor um tema to genericamenie perigoso). A alternativa tese histo-riogrfica antes a lese experimental: .4 percepo das cores num grupo de crianas deficientes. Aqui o discurso muda, dado que se tem direito a encarar dc forma experimental uma questo, contanto que se siga um mtodo de investigao e se possa trabalhar em condies razoveis, no que respeita a laboratrios e com a devida assislncia. Mas um bom investigador experimental no comea a controlar as reaces dos seus pacientes sem antes ter feito pelo menos um trabalho panormico (exame dos estudos anlogos j rea-lizados), pois de outro modo arriscar-se-ia a descobrir o chapu dc chuva, a demonstrar qualquer coisa que j havia sido amplamente demonstrada, ou a aplicar mtodos que j se Unham revelado err-neos (se bem que possa ser objecto de investigao o novo controlo de um mtodo que no tenha ainda dado resultados satisfatrios). Portanto, uma tese de caracter experimental no pode ser feita em casa. nem o mtodo pode ser inventado. Mais uma ve/. se deve par-tir do princpio de que. se se um ano inteligente, melhor subir aos ombros de um gigante qualquer, mesmo se for de altura modesta:

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  • ou mesmo dc outro ano. Depois lemos sempre tempo para traba-lhar sozinhos.

    I.3. lemas antigos ou temas contemporneos?

    Encarar esta questo pode parecer querer voltar amiga querelle des anciens et des modernes... E . de facto, para muilas disciplinas a questo no se pe (se bem que uma tese de histria da literaiura latina possa tratar to bem de Horcio como da situao dos estu-dos horacianos no ltimo vinlnio). Inversamente, lgico que. se nos licenciamos em histria da literatura italiana contempornea, no haja alternativa.

    Todavia no raro o caso de ura estudante que. perante o con-selho do professor de literaiura italiana para se licenciar sobre um petrarquista quinhentista ou sobre um rcade, prefira temas como Pavese, Bassani. Sanguineti. Muilas vezes a escolha nasce de uma vocao autntica e difcil contest-la. Outras vezes nasce da falsa idia de que um autor contemporneo c mais fcil e mais agradvel.

    Digamos desde j que o autor contemporneo sempre rnais dif-cil certo que geralmente a bibliografia c mais reduzida, os textos so de mais fcil acesso, a primeira documentao pode ser consul-tada beira-mar. com um bom romance nas mos, em vez de fechado numa biblioteca. Mas. ou queremos fazer uma tese remendada, repe-tindo simplesmente o que disseram outros crticos e ento no h mais nada a dizer (e. se quisermos, podemos fa/cr uma lese ainda mais remendada sobre um petrarquista do sculo xv i ) . ou queremos dizer algo de novo. e enio apercebemo-nos de que sobre o autor anligo existem pelo menos chaves interpretativas seguras s quais nos podemos referir, enquanto para o autor moderno as opinies so ainda vagas e discordantes, a nossa capacidade crtica falseada pela falta de perspectiva, e tudo se toma demasiado difcil.

    E indubitvel que o autor anligo impe uma leitura mais futi-gante, uma pesquisa bibliogrfica mais atenta (mas os ttulos esto menos dispersos e existem repertrios bibliogrficos j compleios); mas se se entende a tese como ocasio para aprender a fazer uma investigao, o autor antigo pe mais problemas de preparao.

    Se. alm disso, o estudante se sentir inclinado para a crtica con-tempornea, a tese pode ser a ltima ocasio de abordar a literamra do passado, para exercitar o seu gosto e capacidade de leitura. Assim.

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    seria bom aproveiiar esla oportunidade. Muitos dos grandes escritores contemporneos, mesmo de vanguarda, no fizeram leses sobre Montale ou Pound. mas sobre Dantc ou Foscolo. E claro que no existem regras precisas: um bom investigador pode conduzir uma anlise histrica ou estilstica sobre um autor contemporneo com a mesma profundidade e preciso filolgica com que trabalha sobre um antigo.

    Alm disso, o problema varia de disciplina para disciplina. Em filosofia talvez ponha mais problemas uma tese sobre Ilusserl do que uma tese sobre Descartes e a relao entre facilidade e legi-bilidade inverte-se: l-se melhor Pascal do que Camap.

    Deste modo. o nico conselho que verdadeiramente poderei dar o seguinte: trabalhai sobre um contemporneo como se fosse um antigo e sobre um antigo como se fosse um contemporneo- Ser--vos- mais agradvel e fareis um trabalho mais srio.

    IT.4. Quanto tempo preciso para fazer uma tese?

    Digamo-lo desde logo: no mais de trs anos, nem menos de seis meses, No mais de trs anos, porque se em trs anos de irabalho no se conseguiu circunscrever o tema e encontrar a documentao necessria, isso s pode significar trs coisas:

    1) escolheu-se uma tese errada, superior s nossas foras; 2) -se um eterno descontente que quer dizer tudo, e continua-

    -se a trabalhar na tese durante vinte anos enquanto um estu-dioso hbil deve ser capaz de fixar a si mesmo limites, mesmo modestos, e produzir algo de definitivo dentro desses limites;

    3) teve incio a neurose da tese. ela abandonada, retomada, sen-timo-nos falhados, entramos num estado de depresso, util i-zamos a tese como libi de muitas cobardias. nunca viremos a licenciar-nos.

    No menos de seis meses, porque mesmo que se queira fazer o equivalente a um bom artigo de revista, que no tenha mais de ses-senta pginas, entre o estudo da organizao do trabalho, a procura de bibliografia, a elaborao de fichas e a redaco do texto pas-sam facilmente seis meses. E claro que um estudioso mais maduro escreve um ensaio em menos tempo: mas tem atrs de si anos e anos de leituras, de fichas e de apontamentos, que o esludante ao invs deve fazer a partir do zero.

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  • Quando se fala de seis meses ou (rs anos. pensa-se. evidente-mente, no no tempo da redaco definitiva, que pode levar um ms ou quinze dias. consoante o mtodo com que se trabalhou: pensa -se no lapso de tempo que medeia entre a formao da primeira idia da tese e a entrega final do trabalho. Assim, pode haver um estu-dante que trabalha efectivameme na tese apenas durante um ano mas aproveitando as idias e as leituras que. sem saber aonde chegaria, tinha acumulado nos dois anos precedentes.

    O ideal, na minha opinio, escolher a tese (e t> respectivo orien-tador) mais ou menos no final do segundo ano da universidade. Nesta altura est-se j familiarizado com as vrias matrias, conhe-cendo-se o contedo, a dificuldade e a situao das disciplinas em que ainda no se fez exame. Uma escolha to tempcsliva no nem comprometedora nem irremedivel. Tem-se ainda lodo um ano para compreender que a idia era errada e mudar o tema. o orien-tador ou mesmo a disciplina. Repare-se que mesmo que se passe um ano a trabalhar numa tese de literatura grega para depois se veri-ficar que se prefere uma tese cm histria contempornea, isso no foi de modo nenhum tempo perdido: pelo menos aprendeu-se a for-mar uma bibliografia preliminar, como pr um texto em ficha, como elaborar um sumrio. Recorde-se o que dissemos no pargrafo I.3.: uma tese serve sobretudo para aprender a coordenar as idias, inde-pendentemente do seu tema.

    Escolhendo assim a tese por alturas do fim do segundo ano. tm--se trs vernrs para dedicar investigao c, na medida do possvel, a viagens de estudo; podem escolher-se os programas de exames perspectivando-os para a tese, E claro que sc se fizer uma tese de psicologia experimental, difcil perspectivar nesse sentido um exame de literaiura latina; mas com muitas outras matrias de carc-ler filosfico e sociolgico pode chegar-se a acordo com o docente sobre alguns textos, talvez em substituio dos obrigatrios, que faam inserir a matria do exame no mbito do nosso interesse domi-nante. Quando isto possvel sem especiosa violentao ou truques pueris, um docente inteligente prefere sempre que um estudante pre-pare um exame motivado e orientado, e no um exame ao acaso, forado, preparado sem paixo, s para ultrapassar um escolho que no sc pode eliminar.

    Escolher a tese no fim do segundo ano significa ter tempo at Outubro do quarto ano para a licenciatura dentro dos limites ideais, com dois anos completos disposio.

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    Nada impede que se escolha a tese antes disso. Nada impede que isso acontea depois, se se aceitar a idia de entrar j no perodo posterior ao curso. Tudo desaconselha a escolh-la demasiado tarde.

    At porque uma boa tese deve ser discutida passo a passo com o orientador, na medida do possvel. E isto no tanto para mitifi-car o docente, mas porque escrever uma tese como escrever um livro, c um exerccio de comunicao que pressupe a existncia de um pblico c o orientador a nica amostra de pblico compe-tente dc que o estudante dispe no decurso do seu trabalho. Uma tese fciia ltima hora obriga o orientador a percorrer rapidamente os diversos captulos ou mesmo o trabalho j feito. Se for este o caso. c se o orientador no ficar satisfeito com o resultado, atacar o candidato peranlc o jri, com resultados desagradveis, mesmo para si prprio, que nunca deveria apresentar-se com uma tese que no lhe agrade: uma derrota tambm para ele. Se pensar que o candidato no consegue engrenar no trabalho, deve dizer-lho antes, aconselhando-o a fazer uma outra tese ou a esperar um pouco mais. Sc depois o candidalo. no obstante estes conselhos, insistir em que o orientador no tem razo ou que para ele o factor tempo fun-damental, enfrentar igualmente o risco de uma discusso tempes-tuosa, mas ao menos f-lo- com plena conscincia da situao.

    De todas estas observaes se deduz que a tese de seis meses, embora se admita como mal menor, no representa o ideal (a menos que. como se disse, o tema escolhido nos ltimos seis meses per-mita aproveitar experincias efectuadas nos anos anteriores).

    Todavia, pode haver casos de necessidade em que seja preciso resol-ver tudo em seis meses. Trata-se ento de encontrar um tema que possa ser abordado de modo digno e srio naquele perodo dc (empo. No gostaria que toda esta exposio fosse tomada num sentido demasiado comercial", como se estivssemos a vender teses de seis meses e teses de trs anos, a preos diversos e para todos os tipos dc cliente. Mas a verdade que pode haver tambm uma boa tese de seis meses.

    Os requisitos da tese de seis meses so os seguintes:

    1) o tema deve ser circunscrito: 2) o tema deve ser tanto quanto possvel contemporneo, para

    no ter de se procurar uma bibliografia que remonte aos gre-gos: ou ento deve ser um tema marginal, sobre o qual se tenha escrito muito pouco;

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  • 3) os documentos dc iodos os tipos devem encontrar-se dispo-nveis numa rea restrita e poderem ser facilmente consultados.

    Vamos dar alguns exemplos. Se escolher como tema A igreja de Santa Maria do Castelo de Alexandria, posso esperar encontrar tudo o que me sirva para reconstituir a sua histria e as vicissitudes dos seus restauros na biblioteca municipal de Alexandria e nos arquivos da cidade. Digo posso esperar porque estou a formular uma hiptese e me coloco nas condies de um estudante que procura uma tese dc seis meses. Mas terei de informar-me sobre isso antes de arrancar com o projecto, para verificar se a minha hiptese vlida. Alm disso, terei de ser um estudante que reside na provncia de Alexandria; se resido cm Caltanissetta. tive uma pssima idia. Alm disso, existe um mas. Se alguns documentos fossem acessveis, mas se se tratassem de manus-critos medievais jamais publicados, teria de saber alguma coisa de paleo-grafia, ou seja, de dominar uma tcnica de leitura e decifrao de manus-critos. E eis que este terna, que parecia to fcil, se torna difcil. Se, pelo contrrio, verifico que esl tudo publicado, pelo menos desde o sculo XTX para c, movimento-mc em terreno seguro.

    Outro exemplo. Raffaele La Capria c um escritor contempor-neo que s escreveu trs romances c um livro de ensaios, Foram to-dos publicados pelo mesmo editor, Bompiani. Imaginemos uma tese com o ttulo A sorte de Raffaelle lui (.'apria na crtica italiana con-tempornea, Como de uma maneira geral os editores lm nos seus arquivos os recortes de imprensa de todos os ensaios crlicos e arti-gos publicados sobre os seus autores, com uma serie de visitas sede da editora em Milo posso esperar pr em fichas a quase tota-lidade dos textos que me interessam. Alm disso, autor est vivo e posso escrever-lhe ou ir entrevist-lo, colhendo outras indicaes bibliogrficas c. quase de certeza, fotocpias de textos que me inte-ressam. Naturalmente, um dado ensaio crtico remeter-mc- para outros autores a que La Capria comparado ou contraposto. O campo alarga-se um pouco, mas dc um modo razovel. E . depois, sc esco-lhi La Capria porque j lenho algum interesse pela literatura ita-liana contempornea, de outro modo a deciso teria sido tomada cinicamente, a frio. c ao mesmo tempo imprudentemente.

    Outra tese de seis meses: A interpretao da Segunda Guerra Mundial nos manuais de Histria para as escolas secundrias do ltimo qinqnio. E talvez um pouco complicado detectar todos os manuais dc Histria cm circulao, mas as editoras escolares no

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    so tantas como isso. Uma vez na posse dos textos ou das suas foto-cpias, v-se que estes assuntos ocupam poucas pginas c o trabalho de comparao pode ser feito, e bem. em pouco tempo. Evidentemente, no sc pode avaliar a forma como um manual fala da Segunda Guerra Mundial sc no compararmos esle tratamento especfico com o quadro histrico geral que esse manual oferece; e. portanto, tem de trabalhar--se um pouco em profundidade. Tambm no se pode comear sem ler admitido como parmetro uma meia dzia de histrias acredita-das da Segunda Guerra Mundial. claro que se eliminssemos todas estas formas de controlo critico, a tese poderia fazer-se no em seis meses mas numa semana, e ento no seria uma tese de licenciatura, mas um artigo de jornal, talvez, arguto e brilhante, mas incapaz de documentar a capacidade de investigao do candidato.

    Se se quiser fazer a lese de seis meses, mas trabalhando nela ama hora por dia. ento 6 intil continuar a falar. Voltemos aos con-selhos dados no pargrafo 1.2: copiem uma tese qualquer e pronto.

    11.5. E necessrio saber lnguas estrangeiras?

    Este pargrafo no se dirige queles que preparam uma tese numa lngua ou literatura estrangeira. E , de facto. desejvel que estes conheam a lngua sobre a qual vo apresentar a tese. Ou melhor, seria desejvel que. se se apresentasse uma tese sobre um autor fran-cs, esta fosse escrita em francs. E o que se faz em muilas uni-versidades estrangeiras, e justo.

    Mas ponhamos o problema daqueles que fazem uma tese cm filo-sofia, em sociologia, em jurisprudncia, em cincias polticas, em histria ou era cincias naturais. Surge sempre a necessidade de ler um livro escrito numa lngua estrangeira mesmo se a tese for sobre histria italiana, seja ela sobre Dante ou sobre o Renascimento, dado que ilustres especialistas de Dante e do Renascimento escreveram em ingls ou alemo.

    Habitualmcnle, nestes casos aproveita-se a oportunidade da tese para comear a ler numa lngua que no se conhece. Motivados pelo tema e com um pequeno esforo, comea-se a compreender qualquer coisa. Muitas vezes urna lngua aprende-se assim. Geralmente depois no se consegue fal-la mas pode-se l-la. E melhor que nada.

    Se sobre um dado tema existe s um livro em alemo e no se sabe esta lngua, pode resolver-se o problema pedindo a algum para ler os

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  • captulos considerados mais importantes; haver o pudor de no basear demasiado o trabalho naquele livro mas, pelo menos, poder-se- legi-timamente integr-lo na bibliografia, uma vez que foi consultado.

    Mas todos estes problemas so secundrios. O problema princi-pal o seguinte: preciso de escolher uma tese que no implique o conhecimento de lnguas que no sei ou que no estou disposto a aprender. E por vezes escolhemos uma tese sem saber os riscos que iremos correr. Entretanto, analisemos alguns casos imprescindveis:

    1) No se pode fazer uma tese sobre um autor estrangeiro se este autor no for lido no originai A coisa parece evidente se se tra-tar de um poeta, mas muitos pensam que para uma tese sobre Kant. sobre Freud ou sobre Adam Smilh esla precauo no necessria. Pelo contrrio, -o por duas razes; antes de mais, nem sempre esto traduzidas todas as obras daquele aulor c, por vezes, a ignorncia de um texto menor pode comprometer a compreenso do seu pen-samento ou da sua formao intelectual; cm segundo lugar, dado um autor, a maior parte da literatura sobre cie est geralmente na ln-gua em que escreveu, e se o autor est traduzido, nem sempre o esto os seus intrpretes; finalmente, nem sempre as tradues repro-duzem fielmente o pensamento do autor, enquanto fazer uma tese significa justamente redescobrir o seu pensamento original precisa-mente onde o falsearam as tradues ou divulgaes de vrios gne-ros; fazer uma tese significa ir alm das frmulas difundidas pelos manuais escolares, do tipo Foscolo clssico e Leopardi romn-tico ou Plato idealista e Aristteles realista ou, ainda, Pascal pelo corao e Descartes pela razo.

    2) No se pode fazer uma tese sobre um tema se as obras mais importantes sobre ele esto escritas numa lngua que no conhe-cemos. U m estudante que soubesse optimamente o alemo c no soubesse francs, no poderia na prtica fazer uma tese sobre Nietzsche. que. no entanto, escreveu em alemo: e isto porque de h dez anos para c algumas das mais importantes anlises dc Nietzsche foram escritas em francs, mesmo se pode dizer para Frcud: seria difcil reler o mestre vienense sem ler em conta o que nele leram os revisionistas americanos c os estrutura listas franceses.

    3) No se pode fazer uma lese sobre um autor ou sobre um tema lendo apenas as obras escritas nas lnguas que conhecemos, Quem

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    nos diz que a obra decisiva no est escrita na nica lngua que no conhecemos? certo que esta ordem de consideraes pode condu-zir neurose, e necessrio proceder com bom senso. H regras de honestidade cientfica segundo as quais lcito, se sobre um autor ingls tiver sido escrito algo em japons, observar que se conhece a existncia desse estudo mas que no se pode l-lo. Esta licena de ignorar abarca geralmente as lnguas no ocidentais e as lnguas eslavas, dc modo que h estudos extremamente srios sobre Marx que admitem no ter tido conhecimento das obras em russo. Mas nestes casos o estudioso srio pode sempre saber (e mostrar saber o que disseram em sntese aquelas obras, dado que se podem encon-trar recenses ou extractos com resumos. Geralmente as revistas cien-tficas soviticas, blgaras, checas, eslovacas. israelitas, etc, fornecem em rodap resumos dos artigos em ingls ou francs. Mas se se tra-balhar sobre um autor francs, pode ser lcito no saber russo, mas indispensvel ler pelo menos ingls para contornar o obstculo.

    Assim, antes de estabelecer o tema de uma tese, necessrio ter a prudncia de dar uma vista de olhos pela bibliografia existente para ter a certeza de que no h dificuldades lingsticas significativas.

    Certos casos so a priori evidentes. E impossvel apresentar uma tese em filologia grega sem saber alemo, dado que nesta lngua existem m