uma vida plena

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Uma vida plena! por Carla Maiolino Numa noite de lua nova, nasceu o primeiro filho da única filha do Rom Barô (chefe cigano). Depois que o menino foi apresentado, o avô ficou em sua tenda e calculou seu mapa natal. Quando o mapa ficou pronto e desenhado, Rom Barô entrou na floresta e lá permaneceu em silêncio e jejum por três noites e três dias. Voltou para sua tenda muito abatido e sujo. Todos estavam preocupados com Rom Barô, que era um homem muito sábio e justo. Sua filha foi procurá-lo e perguntou “Pai, fiz algo errado? O senhor está decepcionado com o seu neto?”. O velho, que tinha agora o peso do mundo nos ombros, abraçou a filha e chorou longamente. Depois os dois comeram em silêncio. A filha amamentou seu filho na tenda do pai, para que ele visse seu neto. O avô olhava para o neto com os olhos ternos, mas todas as tristezas do mundo estavam naqueles olhos. Depois que o pequeno mamou, pegou a criança no colo e viu o quão bela e perfeita era. Por fim disse: “Meu neto é muito calmo e muito bonito”. A filha perguntou: “Por que o senhor está tão triste com o nascimento do seu primeiro neto?”, Rom Barô respondeu “Na noite que ele nasceu, cheio de alegria, fiz os cálculos de seu mapa natal e tracei o caminho das estrelas. Meu neto será um grande homem. Bom. Justo. Inteligente. Poderá realizar tudo o que quiser e terá uma vida muito rica. Nunca tinha visto um mapa de vida tão plena. É por esta razão que estou tão triste”. A filha não compreendeu: “O senhor está triste porque seu neto terá uma vida plena?”. “Filha, toda a pessoa que tem uma vida rica e plena também carrega o fardo de grandes sofrimentos e muita dor. Não se pode atingir a grandeza d’alma sem que se sofra longamente”. Desde que ouvi esta estória mudei minha forma de ver todas as ferramentas de autoconhecimento que temos a nossa disposição. A minha percepção dos desafios foi completamente alterada. Posso utilizar a astrologia, o tarô, eneagrama, os sete raios, numerologia, runas, reencarnação, quiromancia, e até mesmo, a psicanálise como instrumento de justificativa de algum comportamento. Todos fazemos isso. Também já ouvimos: “Fulano fez isso porque é de Áries”, quando alguém um pouco mais afoito, além de muito mal-educado, nos ofende ou afronta. Ou podemos nos esconder, dizendo: “sou um número 7 típico, com uma asa no número 8, por isso não consigo fazer um regime”. Ou então: “ainda não superei os fantasmas da minha infância, preciso analisar os meus sintomas”. Também podemos justificar nossa supremacia em alguma área ou algum momento: “ah! Claro que descobri isso, a mente de Escorpião é muito profunda”. Exemplos não faltam. Mas, o importante, não é o que trazemos conosco, ou aquilo que de fato compõem o nosso patrimônio espiritual, intelectual e emocional. O importante é

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Texto sobre questões de autoconhecimento

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Page 1: Uma Vida Plena

Uma vida plena!

por Carla Maiolino

Numa noite de lua nova, nasceu o primeiro filho da única filha do

Rom Barô (chefe cigano). Depois que o menino foi apresentado, o avô

ficou em sua tenda e calculou seu mapa natal. Quando o mapa ficou

pronto e desenhado, Rom Barô entrou na floresta e lá permaneceu em

silêncio e jejum por três noites e três dias. Voltou para sua tenda muito

abatido e sujo. Todos estavam preocupados com Rom Barô, que era um

homem muito sábio e justo.

Sua filha foi procurá-lo e perguntou “Pai, fiz algo errado? O senhor

está decepcionado com o seu neto?”.

O velho, que tinha agora o peso do mundo nos ombros, abraçou a

filha e chorou longamente. Depois os dois comeram em silêncio. A filha

amamentou seu filho na tenda do pai, para que ele visse seu neto.

O avô olhava para o neto com os olhos ternos, mas todas as

tristezas do mundo estavam naqueles olhos. Depois que o pequeno

mamou, pegou a criança no colo e viu o quão bela e perfeita era. Por fim

disse: “Meu neto é muito calmo e muito bonito”.

A filha perguntou: “Por que o senhor está tão triste com o

nascimento do seu primeiro neto?”,

Rom Barô respondeu “Na noite que ele nasceu, cheio de alegria,

fiz os cálculos de seu mapa natal e tracei o caminho das estrelas. Meu

neto será um grande homem. Bom. Justo. Inteligente. Poderá realizar

tudo o que quiser e terá uma vida muito rica. Nunca tinha visto um mapa

de vida tão plena. É por esta razão que estou tão triste”.

A filha não compreendeu: “O senhor está triste porque seu neto

terá uma vida plena?”.

“Filha, toda a pessoa que tem uma vida rica e plena também

carrega o fardo de grandes sofrimentos e muita dor. Não se pode atingir

a grandeza d’alma sem que se sofra longamente”.

Desde que ouvi esta estória mudei minha forma de ver todas as

ferramentas de autoconhecimento que temos a nossa disposição. A minha

percepção dos desafios foi completamente alterada.

Posso utilizar a astrologia, o tarô, eneagrama, os sete raios,

numerologia, runas, reencarnação, quiromancia, e até mesmo, a psicanálise

como instrumento de justificativa de algum comportamento. Todos fazemos

isso. Também já ouvimos: “Fulano fez isso porque é de Áries”, quando alguém

um pouco mais afoito, além de muito mal-educado, nos ofende ou afronta.

Ou podemos nos esconder, dizendo: “sou um número 7 típico, com uma

asa no número 8, por isso não consigo fazer um regime”. Ou então: “ainda não

superei os fantasmas da minha infância, preciso analisar os meus sintomas”.

Também podemos justificar nossa supremacia em alguma área ou

algum momento: “ah! Claro que descobri isso, a mente de Escorpião é muito

profunda”. Exemplos não faltam.

Mas, o importante, não é o que trazemos conosco, ou aquilo que de fato

compõem o nosso patrimônio espiritual, intelectual e emocional. O importante é

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o que faremos a partir desse conjunto. Podemos escolher abrir as asas para a

tempestade ou nos encolhermos na caverna.

Pensando na estória que abre esse texto, podemos identificar as

tristezas pelas quais o menino tem a possibilidade de passar ou escolher

enxergar como oportunidades de atingir a plenitude. O mais importante: tudo

depende do ponto de vista do sujeito, daquele que é e vive.

Encontramos pessoas que sofreram os mais variados abusos na sua

infância e, ainda assim, conseguiram vencer seus fantasmas, construindo uma

vida vitoriosa a partir dos obstáculos que superaram. Vitoriosa para o sujeito, o

individuo, da história; ainda que para os outros (família, amigos, sociedade)

não tenha havido nenhuma vitória, pois não houve crescimento monetário.

Sabemos que os grandes nomes do pensamento humano e das artes

foram profundamente afortunados em seus trabalhos, modificando a trajetória

humana; contudo, do ponto de vista material, foram grandemente fracassados,

muitos necessitando da boa vontade e da caridade dos outros para

sobreviverem.

Também conhecemos aqueles, que apesar de terem conquistado

grande descobertas científicas ou artísticas, morreram insatisfeitos com seu

trabalho, sua obra, com o incomodo da tarefa não concluída. E ainda existem

os que passaram pela provação de, mesmo sabendo estarem no caminho

certo, não foram reconhecidos pelos seus contemporâneos e morreram

desacreditados, para depois serem reabilitados.

Todas essas vidas, com ou sem o reconhecimento do público;

alcançando ou não a paz interior; podem ser consideradas extremamente ricas

e plenas. O mesmo podemos dizer de todos os anônimos que alcançam seus

objetivos, compreendidos ou não pela sua comunidade. Sempre que vemos

alguém imbuído de um ideal, ainda que completamente desacreditado pelos

outros, presenciamos a felicidade que o indivíduo sente na construção e

concretização de seu projeto de vida, que pode ser: uma vida ecologicamente

correta, um abrigo para os animais, a edificação de um centro comunitário.

No entanto, quando nos fixamos nos pequenos enganos de nossas

vidas, buscando superar nossos obstáculos por motivos exógenos (provar para

o papai, agradar a mamãe, superar o maninho, ferir aquele que o feriu)

vivenciamos o lado mais distorcidos de nossa personalidade, transformando-

nos no pesadelo dos que convivem conosco. Será uma vida plena, rica e de

muito aprendizado. Aprenderemos o que não devemos fazer!

Num outro momento, mais amadurecidos, podemos nos transformar nos

atores do nosso destino. Viveremos a grandeza de uma existência plena de

dor, obstáculos, tristeza, mazelas, alegria, satisfação, realização.

Pensando assim, podemos fazer um estudo astrológico para conhecer

nossas principais características. Estudar o eneagrama e conhecer nossa

psique e a dor oculta do ser. Buscar a psicologia transpessoal e superar os

fantasmas da nossa vida. Estudar Cabala e descobrir uma meta, um objetivo.

Tudo isso é muito enriquecedor como autoconhecimento. Só terá sentido se for

utilizado de forma construtiva.

A primeira atitude transformadora será reconhecer a minha

responsabilidade pessoal pela minha vida. Agora!

Page 3: Uma Vida Plena

Tornar-se alguém mais consciente e atento também significa ser livre.

Liberto da culpa e do remorso, posso acolher os meus erros e assumir a

responsabilidade de minhas ações, permitindo que eu veja os acontecimentos

atuais de forma mais calma. A partir de um retrato mais exato de mim mesmo,

posso construir um novo futuro, repleto de novas oportunidades de escolha.

Esse é um poderoso processo de autocura.